um recorte na história da arte

Transcrição

um recorte na história da arte
UM RECORTE NA HISTÓRIA DA ARTE
NEOCLASSICISMO:
A partir do artigo de Marc Fumaroli, da Academia Francesa e Professor do Collége de
France, intitulado Retour à l’antique: la guerre des goûts dans l’Europe des lumières”
(Retorno ao Antigo: a guerra dos costumes na Europa da luzes), vamos traçar um
pequeno recorte sobre um tema da história da arte: o neoclassicismo. Este é um
movimento que surge no século XVIII em alguns países da Europa, notadamente na
França. Em linhas gerais, a época clássica é a da Grécia e Roma antigas. Esta época foi
“revivida” na Renascença dos séculos XIV à XVI, tendo como referência a Itália. E
enfim, nesse tipo de periodização da história da arte, o neoclassicismo se caracterizaria
por um segundo retorno à Antiguidade greco-romana, paradoxalmente em plena era
das luzes.
Na história da arte, que engloba todas as manifestações do espírito humano, da dança,
do canto, das representações figuradas e das expressões sentimentais e racionais,
podem-se estabelecer, para a compreensão generalizada, relações entre a
manifestação e o contexto histórico. Claro, isso acontece de forma evolutiva, desde as
mais primitivas expressões do chamado Homo Sapiens, na forma de objetos em pedra
e osso e nas pinturas rupestres. O grau de desenvolvimento econômico e as condições
culturais estão na base da produção artística.
No que concerne a este artigo, que tem por finalidade a reflexão pontual sobre o
neoclassicismo, salta aos olhos dois períodos distintos: a Antiguidade greco-romana,
considerada o auge da arte no Ocidente, e o século do neoclassicismo,
paradoxalmente o século das luzes, que não deveria ter nada a ver com o retorno do
ideal da representação artística. Mas, a história dos homens, assim como a da
natureza, não dá saltos. Pelo menos não a altura dos que não tinham referências
anteriores.
Juramento dos Horácios, David, 1785
Mulher representando um ambiente Antigo
Citamos Marc Fumaroli (1):
Paradoxo! O seculo da crítica, do progresso e das revoluções, “o século das luzes”, o primeiro século
da Europa moderna, o século XVIII, foi teatro do retorno universal à Antiguidade. A partir dos anos
1770, de São Petersburgo à Nápoles, de Londres à Estocolmo, a arquitetura, a escultura, a pintura, o
mobiliário, adquiriram na Europa e até na América ainda inglesa, um ar de família greco-romana. Na
Roma dos Papas, a fina flor do mundo protestante, príncipes e artistas, vão em peregrinação para se
iniciar na Antiguidade. Em Paris, sob Luís XVI, não contente de ter inventado o gosto “à la grecque”, e
uma fervilhante predaria fora de moda, os franceses querem reviver eles mesmos a Antiguidade; os
homens querem viver e sentir como se fossem heróis de Plutarque; as mulheres se vestem à moda de
Títo Lívio. (...) Mas, sobre esta cena desembaraçada, destes arcaísmos, eles dão uma segunda chance
a um passado longínquo, fazem reviver e vivem como na Esparta de Licurgo, a Roma republicana dos
Brutus, a Roma imperial dos Césares. As artes, todas as artes, da arquitetura a alta costura, ajudam a
tornar verossímel estas sucessivas mudanças de ação, de decoração, de vestuário.
NOTA 1:
No trecho acima Marc Fumaroli meio que ironiza o retorno ao passado numa época histórica
em que o progresso e as ideias estão em ebulição, Fora de moda, démodé, estes gostos das
classes abastadas e da nobreza, consumidora de artes e de novidades.
Marc Fumaroli (2):
(...) O “neoclassicismo” do século XVIII não é uma Renascença a mais. Ele fecha o ciclo das
Renascenças. Julgando retrospectivamente sua época, Chateaubriand escreveu: “depois de Napoleão,
nada!” Em outros termos, o neoclassicismo do período 1750-1815 terá sido o último “recurso ao
Antigo” e à ideia antiga de grandeza do homem, ao qual a Europa cristã tentou levar à frente. Seus
propósitos, daqui em diante, vão se apoiar alhures, sobre uma ideia de homem desenhado a partir de
outros princípios filosóficos que não os nomes e as formas da Antiguidade greco-romana, que
inspiraram as Renascenças anteriores da Europa cristã. O neoclassicismo é a máscara à antiga dada
por uma modernidade secular em gestação, que ainda imperava.
NOTA 2:
Destacar (a) o período 1750-1815 para caracterizar a época do neoclassicismo
europeu, diferenciando-se da Renascença propriamente dita e do Barroco do século
XVII. E (b) a contradição entre os ideais da Antiguidade pagã e os da Europa cristã.
Marc Fumaroli (3):
(...) A energia antiga que o neoclassicismo pretende reconquistar, e que ele se mata para achar a
qualquer preço, mesmo violando o classicismo e se lançando em todos os excessos do gigantismo e do
terror, é no fundo uma construção do espírito humano ao qual é preciso acreditar e fazer acreditar.
“Neo”, dentro do neoclassicismo, coloca em evidência o arbitrário, a abstração, o voluntarismo, a
desmedida deste classicismo dos modernos, que carrega em si, sem que se dê conta, a maior parte
dos ingredientes do romantismo e do modernismo.
NOTA 3:
Romantismo e modernismo são movimentos artísticos que surgem a partir do século
XVIII, ou pelo menos tomam sua forma mais definida desde então. De certa forma,
“sem que se dê conta”, como diz o autor, o neoclassicismo foi um momento de
transição para o romantismo, sobretudo.
Marc Fumaroli (4):
De moda parisiense e européia, o retorno ao Antigo tornou-se na França de 1789 um cenário histórico
e político de novidade: Revolução romana, Revolução em Esparta, República consular, Império
neoclássico. Este fenômeno não se assemelha às Renascenças anteriores, ele ultrapassa as artes e os
costumes, ele tem os traços de uma mudança de religião. Como havia pressentido de imediato o
jovem Chateaubriand, ele mascara em si mesmo a ruptura da sua própria modernidade. O Terror (na
Revolução de 1789 o regime de Robespierre et al.) e depois a ironia romântica levantaram a máscara.
O neoclassicismo não será mais, nos anos 1755-1789, o fogo de artifício de uma Europa das Luzes
reunidas pela última vez na República das Letras e das artes, em torno da sua fonte comum e familiar:
o Antigo.
NOTA 4:
Nosso autor faz um paralelo com a Revolução francesa, que implantou a “Razão” como
religião de Estado, reviveu um calendário à Roma antiga e até incrementou a
perseguição dos adversários. O Terror, como política de Estado, numa imitação do
passado, do Antigo, etc.
Marc Fumaroli (5):
É difícil admitir hoje que uma época tão impaciente aos jugos e às convenções legadas pelo passado
tenha sido tomada com tamanho entusiásmo, podendo ir até então a identificação de formas e de
normas datando de mais de dois mil anos. Por volta de 1780, a arquitetura, a pintura, a escultura, a
arte mobiliária e da decoração contemporânea, mesmo os penteados de mulheres, parecendo
escapados dos museus de arte antiga.
NOTA 5:
Bom, daí o paradoxo apontado desdo o início pelo autor, entre o estilo Antigo, da
Antiguidade, do neoclassicismo com o século das Luzes, que preconizava não uma
volta ao passado, mas um novo futuro para a humanidade. Nesse sentido, o
neoclassicismo pode ter uma aparência de arte estranha ao seu próprio tempo
histórico, por vezes bizarro e até grotesco na forma, geralmente romântico no
conteúdo.
REFERÊNCIAS:
FUMAROLI, Marc. Retour á l’Antique: la guerre des goûts dans l’Europe des
Lumières. In l’Antiquité rêvée – innovations et résistances au XVIII siècle (A
Antiguidade idealizada – inovações e resistências no século XVIII).
2010. Pp. 23-55.
Paris, Gallimard,
SOUZA, Antonio. Blog IC FAMA – A Iniciação Científica da FAMA na Web. 04.11.13.