A História Ambiental na paisagem - NIMA - PUC-Rio
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A História Ambiental na paisagem - NIMA - PUC-Rio
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA A História Ambiental na paisagem contemporânea do maciço da Pedra Branca/RJ Agni Hévea dos Santos ORIENTADOR: PROFª Drª. RITA DE CÁSSIA MONTEZUMA BANCA EXAMINADORA: PROFº Dr. Rogério Ribeiro Oliveira PROFª Me. Leonor Ribas de Andrade RIO DE JANEIRO 2007.1 1 Aluno de Pós-Graduação em Transformação da Paisagem/Departamento de Geografia e Meio Ambiente - PUC-RIO – [email protected] 2 Sumário Agradecimentos-------------------------------------------------------------------------------------------------------4 I – Introdução ----------------------------------------------------------------------------------------------------------5 II – Fundamentação teórica ----------------------------------------------------------------------------------------9 III – Evolução espacial da baixada de Jacarepaguá ------------------------------------------------------- 13 3.1 Ocupação das freguesias rurais --------------------------------------------------------------------------- 14 3.2 Ocupação do Camorin e o território dos carvoeiros--------------------------------------------------- 19 3.3 Criação do Parque Estadual da Pedra Branca --------------------------------------------------------- 23 3.4 Urbanização contemporânea da baixada de Jacarepaguá ----------------------------------------- 24 IV- Procedimentos Metodológicos------------------------------------------------------------------------------ 26 V- Resultantes dos usos pretéritos----------------------------------------------------------------------------- 29 5.1 – Fitossociologia ----------------------------------------------------------------------------------------------- 29 5.2 Ciclagem de nutrientes pela serapilheira ---------------------------------------------------------------- 33 VI - Resultantes dos usos contemporâneos- poluição pluvial ------------------------------------------- 38 VII – Classificação digital do espaço--------------------------------------------------------------------------- 40 VIII – Considerações finais --------------------------------------------------------------------------------------- 49 Referências Bibliográficas ---------------------------------------------------------------------------------------- 52 Índice de Figuras Figura 01 – engenho colonial --------------------------------------------------------------------------------------6 Figura 02 – Grandes propriedades rurais nas freguesias ------------------------------------------------ 15 Figura 03 – loteamentos na região das freguesias--------------------------------------------------------- 18 Figura 04 – Reprodução do plano-piloto Lúcio Costa ----------------------------------------------------- 19 Figura 05 – Ilustração do balão de carvão ------------------------------------------------------------------- 21 Figura 06 – Ilustração do balão de carvão na região de encosta--------------------------------------- 22 Figura 07 – Parque estadual da Pedra Branca ------------------------------------------------------------- 24 Figura 08 – Evolução demográfica de Jacarepaguá 1999-2000---------------------------------------- 25 Figura 09 – Evolução da densidade de Jacarepaguá 1999-2000 -------------------------------------- 25 Figura 10 – Variação demográfica relativa da baixada de Jacarepaguá ----------------------------- 26 Figura 11 – Localização da área de estudo na Bacia do rio Camorim -------------------------------- 27 Figura 12 – Diferença entre o pH da área aberta e florestada ------------------------------------------ 39 Figura 13 – Imagem Digital RBD & Classificação da Imagem Digital --------------------------------- 47 Figura 14_ Percentuais de classes da Imagem Digital Landsat 1999 --------------------------------- 48 Índice de Tabelas Tabela 01 – Número de posses na propriedade rural ----------------------------------------------------- 17 Tabela 02 – Principais características vegetacionais------------------------------------------------------ 30 Tabela 03 – Principais características vegetacionais do Pedra Branca------------------------------- 31 Tabela 04 – Parâmetros fitossociológicos das dez espécies -------------------------------------------- 32 Tabela 05 – Produção de serapilheira em periódicos científicos --------------------------------------- 36 3 Ao longo de minha jornada acadêmica na PUC situada à zona sul do município do Rio de Janeiro, que por vezes confundiu-se com a jornada profissional e econômica, familiar, social, etc. passando a ser condecorada a “jornada de vida”, presenciei várias situações sociais que me angustiava enquanto morador de um bairro pequeno e humilde do 3° distrito do município de São Gonçalo. Além do natural choque cultural, haja visto as notórias distinções econômicas, espaciais, comportamentais, sociais e, sobretudo, da atenção diferenciada do Estado em relação às duas longínquas realidades sociais: interior de São Gonçalo e a Zona sul carioca, deparei-me com a situação da favelização junto às encostas cariocas e, consequentemente, o subjugarmento e expropriação das classes marginais ao processo de estruturação espacial. Lidar com crianças e adolescentes oriundos dessa angustiante realidade social, tais como os que eram os atendidos nos projetos sociais do NEAM, Educação Ambiental às escolas públicas, Prévestibulares Comunitários, etc. e, em sua maioria, emergidos de comunidades e favelas até mesmo facínoras e antagônicas como o Vidigal e a Rocinha, proporcionou-me, concomitantemente, a indignação e a impotência frente a problemática. A busca incessante para compreensão e intervenção mitigantes as aflições e “fomes” que assolavam esses moradores passou a estar intimamente ligado ao meu mundo em função do espraiamento da violência urbana, agora não só à montante das encostas cariocas, como também, às regiões metropolitanas e periféricas tais como São Gonçalo. A proximidade dos mundos, ante então longínquos e agora simulacros, fez-me vítima dessa realidade, o que de certa forma me enfraquecia em termos materiais, porém engrandecia-me de ideologias e ensejos – um tanto quanto utópicos – mas de caminhos trilháveis e reais. Passei então a dar mais significância a um problema social que a mim parecia inerme – apesar dos corriqueiros relatos de amigos e da mídia. Questões mil pareciam tomar forma: O que faz os moradores destas “carentes” comunidades escolherem tais regiões desprovidas de estruturas e serviços básicos e agravadas ainda pela vertiginosa geomorfologia fluminense e pela climatologia tropical? Que dinâmica social explica as estruturas sócio-espaciais destas comunidades alicerçadas em gírias, vestimenta, músicas e comportamentos peculiares? Quais os agentes sociais responsáveis pelo avanço desses usos urbanos às áreas “abandonadas” pelo capital ou reservas legais, tais como os parques, reservas e unidades de conservação? Busquei atender a essas angústias ao longo desse trabalho final de graduação, no sentido de que tais dinâmicas ambientais, sendo pretéritas ou contemporâneas, atendem e são reflexos dos agentes sociais tanto àqueles detentores dos meios e mecanismos políticos e econômicos de demarcação espacial quanto àqueles desprovidos dos mesmos, porém inseridos marginalmente à economia, ora ferramentas utilizadas no processo de especulação fundiária, ora agentes (mesmo que em menor escala) da expropriação espacial e social. 4 Agradecimentos Bom, agradecer àqueles que me confiaram ensejos, amizades será um tanto quanto extenso em virtude das inúmeras funções e atividades que permearam a minha lida acadêmica: À minha professora, amiga e orientadora Rita de Cássia Montezuma e sua encantadora filha Aymara, sou grato pelas oportunidades de aprendizado, confiança infinita, apoio incondicional, paciência extremada, companheira, solidária, etc. sempre solícita às minhas “perturbações” e “chatices”. Ao meu professor, tutor, progenitor científico Rogério Ribeiro Oliveira e família, sou infinitamente grato pela hospitalidade nas inúmeras acolhidas em seu lar, pelos eficazes conselhos, pelo legado teórico transmitido em suas publicações, pelos valiosos anos de orientação na iniciação científica, abrindo mão na maioria das vezes do fim de semana de descanso em família para dar uma “subidinha” ao Caçambe. À minha família Herbene, Raimundo, Tayon e Ramene, sendo acrescida pela irmã adotiva Flavia e, ultimamente, pela sobrinha Soraya, reconheço o perene incentivo e amor, além dos suportes: genético, financeiro e afetivo ao longo da minha vida. Expresso, também aqui, toda minha gratidão que sinto e, tantas vezes, esqueço-me de expressar. Auxiliam-me e confiam plenamente no meu sucesso. Ao curso Pré-vestibular Comunitário Paulo Freire e aos professores voluntários pela oportunidade de estudar neste projeto que possibilitou o meu ingresso na Universidade e, do qual firmemente abraço na ideologia de reverter o quatro social pelas iniciativas micro, porém integradas e continuadas. À PUC-Rio pela política de inclusão social, através da bolsa de estudos de 100%. À Pastoral Comunitária pela importante inclusão no projeto FESP, responsável por minha manutenção na Universidade, sem o qual não possuiria condições de “caminhar” na graduação. Ao NEAM e, em especial, a professora Marina Lemette na qual estimo como uma grande amiga: enérgica quando necessário e amável sempre, bem como, aos funcionários e colaboradores do NEAM: professor Fernando, Paulo, Simone, Cristiane, eterna lembrança da estimada Malu. Ao NIMA e NIMA-JUR sob a tutela maestrosa do Prof. Josafá e Prof. Fernando Walcacer e Danielle Moreira. Em suma: todos estes entes (institucionais ou humanos) consolidaram-se como essenciais à obtenção da instrução acadêmica, da tarimba pedagógica, política e social. Ao Departamento de Geografia, em especial, a sempre atenciosa Edna e aos preofessores: João Rua, Regina Matos, Marcelo Motta, Felipe Guanaes, Álvaro, Augusto, entre outros. Além de importantes profissionais e amigos tal como a profª. Ana Valéria. Todos estes essenciais pela paciência e companheirismo ao longo destes cinco anos. Aos amigos Ernesto, Leonardo, Renan, Felipe Bagatoli, Carlos Humbeto, Bernardo, Ugo Medeiros, Manoel Caetano, Maxwel, Aderivaldo, Rafael Mendes, Carlos Eduardo, Bruno Santos, Gustavo Godinho, Bruno Robert, Dudu Paixão, Bruno “Ruivo”, George Almeida, Demian, Alex e Bryan Solórzano, Vitor, Toninho paizão, Prof. Umberto, Cadu, Zeca, Pablo, “Janjão”, “Mosquito”, “Skol”, Vinny, Charles, Paulo, João, Frederico, Arthur, Adler, Muños, Diego, Felipe, Júlio, Willian, Vanderlei, Alex, Rogério, etc. pelo inestimável apoio e solidariedade do início ao fim da minha formação. Às amigas Débora sol, Fernanda Débora, Aline, Fernanda Vieira, Clara, Ferê, Flavinha, Bárbara, Joana, Hanna, Rejane, Merinha, Michele, Delma, Bettina, Camila, Marcela, Amanda, Evelyn, Gisele, Ilana, Laura, Lívia, Mariana, Paula, Vanessa, etc. pela acolhida e amparo em todas as horas em que precisei. Os amigos e colaboradores José Raimundo, Pedro Capella, Maxwel, Elisangela Silva, Esmeralda, Rodolfo S. da Silveira, Ricardo Matos, Álvaro, Marlene e todos que empenharam esforços no trabalho de campo para a coleta e triagem dos materiais e dados científicos. 5 INTRODUÇÃO “A geografia é um saber difícil porque integrador do vertical e do horizontal, do natural e do social, do aleatório e do voluntário, do atual e do histórico e sobre a única interface da qual dispõe a humanidade”. (G. Pinchemel apud Mendonça 2001) “Esta história da Mata Atlântica não é uma história natural; ou seja, não é uma explicação das criaturas da floresta e das relações e estas que mantêm entre si. É antes, um estudo da relação entre a floresta e o homem”. (Dean, 1986) Cerne de inúmeras polêmicas que envolvem o saber geográfico, as diversas concepções de ambiente ilustra a complexidade que envolve muitos teóricos das ciências ambientais, tais como Sauer (1998) que cunha o conceito “paisagem cultural” como produto da paisagem natural e Santos (2001) com a idéia de “território usado” atrelado, historicamente, às condições sócio-espaciais. As acepções para o termo meio ambiente situam-se entre a redundância, a fragmentação e o reducionismo – como em interpretações para geografia ambiental e preponderante geografia e meio perspectiva ambiente acerca do (Mendonça, conceito 2001). designa uma Porém, a natureza interdependente e sistêmica entre o homem, as sociedades e os componentes físicos, químicos, bióticos e, sobretudo, integrados aos aspectos econômicos, sociais e culturais. Dessa forma, a compreensão da dinâmica ambiental do maciço da Pedra Branca se dá segundo a avaliação integrada dos diversos aspectos relacionados ao uso do solo pretéritos e contemporâneos, deflagradores da resultante ecológica ou ambiental desse remanescente de Mata Atlântica. As peculiaridades da territorialidade dos carvoeiros na vertente sul do maciço, bem como os interstícios 6 da relação homem-floresta atestam para uma singular resultante dessa evolução histórica. Segundo Oliveira (2005), a produção colonial no Engenho do Camorim alicerçava-se no consumo crescente da floresta tanto estrutural (instalação e manutenção das cercas e reformas dos madeiramentos das construções), quanto operacional (fabrico e manutenção dos carros de boi, fornecimento de lenha para as caldeiras e construção de caixas para exportação do açúcar produzido), ilustrado abaixo (figura 01): Figura 01 – engenho colonial (apud Oliveira, 2005) O mesmo autor, baseado em dados oficiais da época, estipula que as demandas coloniais de madeira para o Engenho do Camorim respondiam a um consumo anual médio de 12 árvores com diâmetro superior a 70 cm ou 4.200 m³ por safra (contabilizando e relativizando a variação florestal dos estágios sucessionais, a orientação da encosta, a geomorfologia, as características florísticas, etc.), o que correspondia em área florestal a um total de 52 ha. Sendo, portanto, as demandas e os padrões dos subseqüentes e 7 superpostos usos históricos da floresta, deflagrantes do desmatamento – por vezes cíclico e rotativo – determinantes na configuração da resultante ambiental da Mata Atlântica que é composta, quase em sua totalidade, por uma diversidade de fragmentos – muito dos quais – isolados e descontínuos. Dessa forma, A Mata Atlântica é caracterizada por formações secundárias fragmentadas, subsistindo assim, a partir de uma funcionalidade garantidora da recuperação e regeneração de seus principais atributos e funções ecossistêmicas, bem como, a perpetuação de sua auto-sustentabilidade pela ação de diversos mecanismos ambientais. Dentre toda essa gama de elementos inclusos nos mecanismos garantidores da ecossistêmica ambiental, a fitossociologia ocupa importante papel de mensuração dos parâmetros florísticos e vegetacionais de uma floresta, tais como tipologia das espécies, inventário arbóreo, número, disposição, diâmetro e altura dos indivíduos, etc. (Mueller-Dombois & Ellemberg, 1974) A ciclagem de nutrientes via deposição e a decomposição da serapilheira, material orgânico proveniente do dossel florestal, é reservatório energético e hídrico, além de ser o principal locus das relações vegetação/solo, efetiva-se como essencial ao funcionamento desse ecossistema face à natureza crítica de escassa disponibilidade em nutrientes no solo, comum aos ambientes tropicais altamente lixiviados e suscetibilizados ao longo dos ciclos econômicos históricos (Garay & Silva, 1995). Dessa forma, a entrada de nutrientes e/ou poluentes por vias atmosféricas consolida-se ora como um importante mecanismo de sustentabilidade ora como perturbador da sistêmica ambiental (Oliveira, 2006). Encontra-se intimamente atrelado a incidência das correntes marítimas e atmosféricas e, portanto, tende a inferir tanto na estrutura física da floresta quanto na química e hidrologia dos fragmentos ambientais. O objetivo desta monografia é analisar a História Ambiental do maciço da Pedra Branca, a partir da forma, estrutura e função dos usos das populações tradicionais nesse fragmento Mata Atlântica, bem como, analisar as resultantes ecológicas que permeiam as diversas sucessões ecológicas desse mosaico ambiental. 8 Sendo a História Ambiental, um campo interdisciplinar, enfrenta alguns problemas na questão metodológica de mensuração de suas múltiplas facetas inerentes, bem como, a de se estabelecer, com exatidão, um agente ou processo determinante à configuração espacial. Problemática esta associada a uma falta de delimitação mais clara desta disciplina e, portanto, a uma variedade de conceitos e métodos de outras áreas que são por ela incorporados, sem que ela própria tenha uma que a defina e, portanto, passa a incorporar uma metodologia analíticointegradora calcada nas disciplinas que a compõem (Solórzano, 2006) E, conforme proposto nessa análise ambiental, utiliza-se os parâmetros ambientais e metodologias quanto a: fitossociologia, a ciclagem de nutrientes via serapilheira e composição química da precipitação atmosférica, na compreensão da resultante ecológica dos distintos usos antrópicos. Tal proposta analítico-interpretativa, de associação de associação dos arquétipos naturais (físico, químico, biológico, etc.) e sociais, corrobora com a proposta de Oliveira (2006) de “uma alternativa para a análise integrada dos ecossistemas, que abarque tanto a dimensão humana (a história das populações que com eles interagem) como seus atributos físicos e biológicos (como composição, estrutura e funcionalidade)”. Determinadas indagações são propostas nesse trabalho: • Como se dá a evolução da paisagem da Mata Atlântica do Maciço da Pedra Branca? • Como a História Ambiental, a partir das subseqüentes e superpostas populações tradicionais, vincula-se ao legado ambiental? • Quão diverso e contundente o uso antrópico dos carvoeiros na História Ambiental do maciço ao inferir, diacronicamente a outros usos e sob distintas escalas, na resultante ambiental do maciço da Pedra Branca? • Tais variáveis ambientais (fitossociologia, ciclagem de nutrientes via serapilheira e precipitação atmosférica) constituem-se enquanto elementos hábeis à análise da evolução da paisagem do maciço? • Como as ferramentas ambientais geoprocessamento e análise digital consolidam-se como um importante método potencializador de tal diferenciada análise do ambiente? 9 Dada à amplitude de tempo e intensidade de ocupação, possivelmente a maior parte destas florestas tenha tido diversos usos antrópicos, principalmente a partir do período colonial. Daí a importância de se averiguar a relevância de tais usos (pretéritos e contemporâneos) na configuração da paisagem fluminense caracterizada pelo mosaico de usos subseqüentes. Fundamentação teórica: História Ambiental História Ambiental é uma abordagem das questões ambientais no tempo e que encontra no meio ambiente o seu objeto de investigação (Mantinez, 2006). A História Ambiental, ciência relativamente nova, com pouco mais de 15 anos, é concebida a partir da relação homem-meio metamorfoseado pelas diversas escalas espaciais e temporais, em que os seres humanos estabelecem interação com o mundo natural, havendo simultaneidade de sua inserção e derivação (Martinez, 2006). Trata-se da visualização da natureza enquanto construção cultural e, dessa forma, perceptível segundo a historicidade, o dinamismo e a intensidade de intervenção dos seus atores estruturais: físicos e humanos, bióticos e abióticos. A História Ambiental possui um legado teórico proveniente, principalmente, dos Estados Unidos, que segundo Drummond (1991), um dos primeiros divulgadores de História Ambiental no Brasil, são: William Cronon, Donald Worster, Richard White, Warren Dean, Frederick Turner, Rocerick Nash, Richard Tucker, entre outros. No continente europeu destacam-se os trabalhos de Verena Winarker, John McNeill e Fridolin Krausmann. Dessa forma, a história ambiental, assim como outras ciências ambientais, promove um enriquecedor câmbio com a geografia ao inferir sobre o objeto geográfico: espaço, essencialmente complexo e interdisciplinar. Freitas (2005) aponta a necessidade de agregar abordagens na compreensão do espaço, de forma a haver cooperação entre diversas disciplinas e, atendendo assim, às 10 diversas realidades metadisciplinares: locais, regionais, transnacionais, globais, planetárias. Para tanto, faz-se necessário a busca em tornar a disciplina História muito mais aberta à inclusão do elemento natureza nas suas narrativas do que ela, tradicionalmente, tem sido, e acima de tudo, rejeitar a premissa de que os humanos conseguiram se desenvolver sem restrições naturais e de que as conseqüências ecológicas de suas ações pretéritas são passíveis de serem ignoradas (Worster, 1991). Worster (1991) exalta a função da disciplina história ambiental: ”trata do papel e do lugar da natureza na vida humana”, além de enfatizar o arraigado caráter interdisciplinar da evolução humana e da paisagem. A intima relação entre diversidade ecológica e diversidade cultural e social, indissociáveis segundo Leonardi (1999), configura-se como cerne da história ambiental, sendo ilustrada e expressa pelas singularidades sociais do local. Corroborados por Martinez (2006) ao afirmar que “a História ambiental é uma abordagem das questões ambientais no tempo e que encontra no meio ambiente o seu objeto de investigação”. As múltiplas realidades que perpassam o espaço geográfico, enquadrado enquanto sua dinâmica complexa, poli-facetado e multi-vetorial e de gênese e titularidade difusa, caracterizam-no como um grande caleidoscópio que demanda abordagens, essencialmente, holísticas e abrangentes. Como, brilhantemente, ressaltado por Cronon (1996 apud Freitas) com relação do mito da natureza intocada ou “natureza primitiva”: “a natureza intocada não é uma opção, (...) a escolha que nós fazemos não deve ser a de não deixar nenhuma marca, que é impossível, mas sim quais tipos de marcas nós desejamos deixar”. A história ambiental no Brasil perpassa, inevitavelmente, pela historicidade da estrutura colonial que se consolidou pelo desenfreado uso dos recursos naturais e pela irracional submissão de classes sociais. Dean (1996) ressalta o caráter predatório e perdulário do aproveitamento das riquezas da terra – desde o início da colonização ao século XX - ainda remanescente e impactantes no cenário atual: consumo dos “recursos transitórios” sem se preocupar com a preservação ou a reposição das condições de disponibilidade desses recursos. 11 Dessa forma, a história ambiental transcende os marcos históricos e o tempo social – devidamente amparados em documentos formais – e baliza-se , sobretudo, em dados informais: relatos, indícios, vestígios humanos, etc. Tem nos espólios culturais: vestígios fósseis ou estruturais das civilizações históricas, fonte para a análise das especificidades econômicas, comportamentais, religiosas, etc. que totalizam o legado físico, ambiental e social. Nesses ambientes tropicais é notório o seu peculiar poder regenerativo, ou seja, as florestas tropicais, por meios de suas funções ecológicas, possuem capacidades funcionais de recuperação de suas funções sistêmicas, tais como a sucessão ecológica e seus correlatos atributos florísticos. Dessa forma, a regeneração natural torna-se capaz de sobrepor os condicionantes sócioespaciais dos usos históricos e, sobretudo, coloniais da Mata Atlântica que está associado, em geral, a um uso agrícola da área prévio ao seu abandono. A história ambiental promove assim, um grande câmbio científico com as ciências correlatas (biologia, arqueologia, geomorfologia, etc.), porém se particulariza por dar significado amplo aos recursos naturais sob análise e avaliação cultural, de forma a “colocar a sociedade na natureza”, exaltando a reciprocidade e mutualismo de sua interação (Martinez, 2006) e de “dar sentido a natureza” ao evocar a importância econômica e social da paisagem, mas, sobretudo a dimensão histórica dessa evolução. (apud Freitas, 2005). A História Ambiental Fluminense inscreve-se nos períodos precedentes ao marco do descobrimento do “Novo Mundo” datado e inscrito na era do mercantilismo e colonialismo, embora somente com a chegada do colonizador alcançou-se os notórios e acelerados níveis de devastação, alterando – irreversivelmente – as práticas culturais das populações indígenas que habitavam a Mata Atlântica. Constatou-se que a cada período socioeconômico da história moderna, como, por exemplo: o cultivo da cana de açúcar no período colonial ou do café no início da República, trouxe consigo características de um grande avanço na transformação da mata atlântica Os primeiros habitantes primitivos do estado, situados no litoral fluminense, foram as tribos indígenas tupinambás (de tradição Tupi) e a tribo goitacá (de tradição Una) migrados da Amazônia, mas percorreram caminhos distintos até 12 aportarem no litoral fluminense, século XV. Populações estas que tiveram uma íntima relação com as missões jesuíticas tiveram e, com a criação das comunidades e aldeamentos e – consequentemente – catequese dos índios tupinambás, ajudaram a pôr fim na colonização francesa e o contrabando de madeira e minerais sob domínio franco-tamoyo que perdurava e, renitentemente, permeava o espaço colonial vicentino (Primo, 2002). Essas populações indígenas subsistiram-se segundo uma gama de elementos culturais, tais como: os hábitos alimentares baseados em peixes e a caça e o cultivo da mandioca e desenvolvendo peculiares ritos religiosos, etc., passíveis de constatação, somente no século XX, ao serem analisados os vestígios destas populações resignados nos sambaquis (restos de conchas amontoadas próximas às moradias indígenas), consolidado como importante testemunho arqueológico destas populações (Chamum, 1999). Dessa forma, a hermenêutica sócio-espacial da história ambiental revela uma íntima relação com a arqueologia no sentido de relacionar as características das civilizações antigas (seus valores, rituais, hábitos alimentares e status social) oriundos de análise dos remanescentes fósseis in situ ao território social. O litoral fluminense possui uma diversidade de reservatórios de conchas (sambaquis) de civilizações datadas a cerca de 6 mil anos atrás que viviam do que o mar oferecia e tinha na agricultura, sobretudo de tubérculos, prática complementar a coleta marinha (Chamum, 2001). Essas civilizações após fazerem uso de um determinado ambiente ao longo de um tempo, posteriormente os abandonam juntamente com objetos de uso, adornos e sepulturas que seguem rituais e simbologias singulares. Esses restos humanos foram recobertos pelo tempo e alterados pelos agentes erosivos que deram origem a verdadeiras colinas de conchas que são facilmente imperceptíveis e não distinguível ao relevo, mas pelas escavações cuidadosas e minuciosas pôde-se evidenciar o conteúdo interno e, através deste, inferir a gênese deste sítio arqueológico particular. Deflagra-se o verdadeiro mosaico de usos inscritos na Mata Atlântica, bem como os impactos das populações tradicionais, tanto no que diz respeito à manutenção dos atributos ambientais, quanto na sua deterioração. Faz-se assim, 13 com que concebamos as florestas tropicais como constituídas por subseqüentes usos antrópicos inseridos na sua constituição e perpetuação. Nesse sentido, o Parque Estadual da Pedra Branca constitui-se em uma floresta tropical que apresenta usos antrópicos representados por populações tradicionais com realidades sócio-espaciais específicas. Os carvoeiros se constituíram como uma relevante intervenção sócioespacial, assim como outros desconexos, subseqüentes ou sobrepostos usos antrópicos no maciço da Pedra Branca, que subsistiam a partir da fabricação e comercialização do carvão vegetal no bairro do Camorim, garantindo assim, a sobrevivência de suas famílias, porém sua influência ganhava escopo regional decorrente de suas funções econômicas e sociais. Evolução sócio-espacial da Baixada de Jacarepaguá “Essa grande planície é formada pelos maciços da Tijuca e Pedra Branca e seus contrafortes, destacados do systema da Serra do Mar (...) de que nos occupamos presentemente”. (Magalhães Corrêa, Sertão Carioca, 1933) A baixada de Jacarepaguá, palco hoje de um irreversível adensamento populacional e, conseqüentemente, uma nítida especulação imobiliária, tem sua gênese, caracterização e evolução compatíveis à singular metamorfose que perpassaram e perpassam os remanescentes florestais do município: Maciços da Tijuca e Pedra Branca. Remontam assim, os peculiares traços de ocupação e uso do espaço colonial datados em meados do século XVI e concretizados pelos inúmeros atores sociais daquele contexto mercantilista. Diversos autores retrataram as minuciosidades no processo de evolução da baixada de Jacarepaguá, entre eles encontram-se o ilustre Magalhães Correa quem relatou, a bico de pena e de forma maestrosa, as especificidades espaciais, sociais e culturais deste processo; Fania Fridman relatando o histórico da propriedade fundiária nas freguesias rurais do império; Carlos Engemann realçando as marcas das mãos neste. 14 A região conhecida como sertão carioca¹, freguesias rurais² ou baixada/freguesias de Jacarepaguá constitui como a zona oeste do município do Rio de Janeiro que se caracterizou enquanto zona rural a partir de 1834 no período de consolidação da corte na capital imperial Rio de Janeiro. A vinda da família real em 1808 e, sua conseqüente aglomeração na capital, intensificou a valorização da terra e foi o passo inicial para a ruptura com a tradição medieval de aquisição de terras pelas sesmarias (cartas donatárias e capitanias hereditárias) (Fridman, 1999). O mesmo autor ressalta a concomitância do processo de valorização e ocupação espacial desta área, havia uma gradativa desregulamentação do trabalho compulsório que impulsionavam a mercantilização do solo. Já que tanto os escravos alforriados quanto os foreiros, em sua maioria imigrantes ora provenientes de outras capitanias ora oriundos do velho mundo, pressionavam o sistema sesmarial, bem como, as posses adquiridas por concessão (arrendamento) do donatário. Em 1850, com a promulgação da Lei de Terras, consolida-se legalmente a propriedade fundiária e formação de um mercado capitalista de terras. Dessa forma, os arrebaldes rurais constituem-se pela expansão da pequena propriedade e por ser o principal logradouro público e de relações vassalas que garantiam o fornecimento de café, feijão, milho, mandioca e outros gêneros à região central e arrebaldes, gerando assim, acumulação de capitais pelas elites locais. Ocupação das freguesias rurais Denominada no século XVI como a Planície dos Onze Engenhos (D’água, Camorim, Vargem Grande, Vargem Pequena, Taquara, Novo, de Fora, Velho da Taquara, Rio Grande, Restinga e Serra), conforme avistada na figura 02, a baixada de Jacarepaguá era permeada por grandes concessões territoriais aforadas que se dedicavam à pecuária e aos engenhos de açúcar. Apesar de ter apresentado um breve auge e decadência cafeeira no século XVII, a região possuía uma economia mercantil essencialmente açucareira controlada por ¹ vocábulo empregado por Magalhães Correa, 1933. ² vocábulo empregado por Fania fridman, 1999. 15 agentes sociais complexos que ora se opunham aos interesses régios e individuais ora associados e intimamente interligados. Figura 02: Grandes propriedades (engenhos) na freguesias rurais do Rio de Janeiro no início do século XIX (apud Fridman, 1999). O governo Régio, a representatividade religiosa e os senhores de engenho revezavam-se ou coadunavam-se no controle e apropriação do espaço colonial. Representavam a composição social categorizada, respectivamente, por Matos (1987), em colonizador, colono e colonizado, sendo a composição deste último repleta pelos escravos ou trabalhadores compulsórios, indígenas e servidão voluntária e livre. Os sesmeiros, cristãos em condição de possuírem o solo, aproveitá-lo e prover o pagamento do dízimo, firmavam determinadas cláusulas de obrigações em que se comprometiam a medir e demarcar propriedade; conservar na floresta, determinadas espécies como “tapinhoas” e “parobas” que só poderiam ser cortadas para a construção de naus para o Rei; construir caminhos e pontes; reservar meia légua nas margens dos rios para logradouro público; não suceder em tempo algum a pessoa eclesiástica (Fridman, 1999). 16 As ordens religiosas detinham uma considerável parcela das terras da região, transmitidas pela devoção e fé de seus possuidores. Os monges beneditinos do mosteiro de São Bento constituíam a principal autoridade religiosa da época e, sobretudo segundo os registros paroquiais, configuravam-se como importantes produtores de mantimentos: milho, feijão, arroz e, sobretudo, mandioca para a produção de farinha de guerra – base alimentar nas fazendas e no mosteiro, além de anil e de rebanhos bovinos (Engemann, 2005). Detinham um considerável contingente de escravos que possuíam a liberdade do cultivo de subsistência – concessão esta a fim de conter os ânimos dos cativos - por meio das roças e hortas nos plantios intercalados em dias santificados e sábados e, dessa forma, auferir resíduo ou lucro fundamental à compra de alforrias. Porém, muitos dos cativos recém alforriados, buscavam nos arrendamentos - pagamento de um foro anual pela utilização de lotes de terra – como forma de subsistirem na economia colonial. Dessa forma, equiparavam-se aos foreiros migrados de outras regiões e ilustravam o prenúncio da nova forma de expropriação da mão-de-obra, ao que Marx salientou como uma reinvenção da escravidão vinculada à acumulação de terras e capitais (Marx apud Fridman, 1999). Somente no começo do século XIX é que os posseiros passaram a ter regularizadas suas glebas. Consolidavam-se sobre os arrendamentos concedidos pelos senhores de engenho e igreja ou sobre as terras desapropriadas por insucessos de seus seismeiros. Já em 1854/1856, a baixada de Jacarepaguá apresentava a maior quantidade de propriedades rurais dentre as freguesias rurais que apresentavam arrendamentos em seu território: Guaratiba, Jacarepaguá e Campo Grande, sendo em sua maioria composta por pequenas ou médias propriedades (abaixo de 500 ha). Realça-se assim, vide tabela 01, a diversidade de usos antrópicos nas regiões marginais ao Maciço da Pedra Branca, sendo, por Corrêa (1933), detalhadamente caracterizada a grandiosidade cultural, religiosa, social e econômica das populações tradicionais: os pescadores, os machadeiros, os tamanqueiros, as estereiras, os oleiros, os bananeiros, os caçadores, e, sobretudo, os carvoeiros que habitavam a vertente sul do maciço. 17 Tabela 01: Número de posses e propriedades nas freguesias rurais, em 1854/1856. (apud Fridman, 1999) Área dos Terrenos Guaratiba Jacarepaguá Campo Grande Mais de 500ha 7 8 9 de 100 a 500ha 30 26 15 de 50 a 100ha 13 16 17 de 10 a 50ha 21 53 14 Menos de 10ha 9 17 4 Sem informação 28 82 14 total 108 202 72 Cabe realçar, uma comunhão religiosa evidenciada espacialmente através dos símbolos e ritos de nítida representatividade mítica ou abstrata que permeava as culturas locais ora coabitáveis e complementares ora dicotômicas e antagônicas: cristãos católicos e a macumba. Produzindo um indelével patrimônio cultural e imaterial mesclado pelo primitivo, profano, satânico, fiel, sagrado, etc (Fonseca, 2005). De fato, o insucesso e o descaso dos primeiros donatários – segundo os registros da colonização – foram fundamentais à consolidação dessas propriedades rurais pela família Correia de Sá. Gonçalo, filho de Salvador Correia de Sá, ficou com a região do engenho da Restinga, conhecida hoje como Barra da Tijuca e sua filha, D. Vitória de Sá, ao casar-se, desprendeu como dote as terras que vão do Camorim a Vargem Grande. Porém, depois da morte dos homens Correia de Sá, D. Vitória deixa seu dote em testamento aos monges beneditinos do mosteiro de São Bento que já possuíam íntimo vínculo com a propriedade, por meio dos currais à pecuária. A administração do mosteiro de São Bento, para facilitar a administração, dividiu as terras segundos os engenhos que lá se instalavam: Vargem Pequena, Vargem Grande e Camorim, onde, preferencialmente, pôs a produzir açúcar e aguardente (Oliveira 2005). 18 Porém, a partir de 1870, o governo imperial passou a intervir no financiamento de capital e maquinário para conter o declínio da oferta de mão-deobra compulsória, concorrência estrangeira e propagação de pragas. Dessa forma, a agricultura de plantation é preterida pela inserção da mecanização, pelo emprego do braço livre e pelas ferrovias garantidoras na rapidez do escoamento da produção. Gerou-se assim, condições irreversíveis para a decadência e alienação dos engenhos, sobretudo, a partir da venda de terras com imposição do governo em troca de apólices da dívida das ordens beneditina e carmelita. Deflagrou-se assim, uma irreversível propagação de loteamentos executados pelo Banco de Crédito Móvel e pela Empresa Saneadora territorial, conforme figura 03: Figura 03: Loteamentos na região das freguesias rurais pertencentes ao Banco de Crédito Móvel (apud Fridman, 1999). 19 Somente em 1969, com seu adensamento demográfico e, consequentemente, as delimitações imprimidas pela especulação imobiliária já consolidada, é que a baixada de Jacarepaguá teve iniciado o seu plano Piloto para o ordenamento de sua ocupação. Lúcio Costa projetou os grandes eixos de expansão urbana da zona oeste do Rio de Janeiro sobre as remanescentes áreas do maciço da Pedra Branca (figura 04) (Fridman, 1999). Figura 04: reprodução do plano-piloto de Lúcio Costa (apud Fridman, 1999) Ocupação do Camorim e o território dos carvoeiros Na administração beneditina, a propriedade, legada dos Correia de Sá, foi permeada por arrendamentos concedidos a foreiros e escravos alforriados, dos quais desempenhavam a agropecuária de pequena escala ou de subsistência, garantidora da manutenção do próprio engenho e, consequentemente, das demandas para a atividade do mosteiro, além do atendimento à própria vida da escravaria e dos arrendatários que vendiam mantimentos aos engenhos e regiões marginais. Cabia aos arrendatários ou “índios de aluguel” a derrubada da mata virgem e plantio de aipim, matéria-prima para a produção da farinha de guerra utilizada nos mosteiros, além do cumprimento de um específico contrato em que se 20 realçava o caráter de subsistência dos sítios arrendados, descrito por Fridman (1999, p. 132-133): “Que não poderá vender, nem dar pau que sirva para obra qualquer que ele seja sem licença por escrito do Reverendo Som Abbade o qual pelo direito de senhorio poderá tirar as madeiras que quizer e em qualquer parte deste arrendamento como lhe parecer (...) (o foreiro) nem poderá sublocal parte alguma deste arrendamento sem expressa licença, e no caso que pratique o contrário pagará por cada ano, e por cada pessoa que admitir no sítio a pensão do arrendamento em dobro (...) e que só poderá ter quatro vacas pra leite no sítio, sem ter gado ou criação nos pastos, que ficão reservados (...)” No entanto, a partir de meados do século XIX, a fazenda do Camorim passou por uma agravada situação deficitária que foi superada pela substituição do engenho d’água pelo um moderno e oneroso engenho a vapor, obtendo porém, um breve apogeu que culminou com sua venda ao Banco de Crédito Móvel. Com a posse do Banco de crédito rural, começou a venda a lavradores e pequenos proprietários, que utilizaram as terras de maneira diversa, dependendo do tamanho, localização e condição financeira do proprietário (Corrêa, 1933). No período compreendido entre 1930 e, aproximadamente, 1950, a região onde se instalava o engenho do camorim, passou a ter seus recursos florestais aproveitados para a fabricação de carvão vegetal, destinado a abastecer o crescente mercado marginal à área e do restante do município do Rio de Janeiro. A população de carvoeiros eram principalmente pequenos posseiros, descendentes dos foreiros, que sem outra condição de sobrevivência, vendiam sua força de trabalho por um preço irrisório para o fazendeiro, ou produziam o carvão por conta própria. Os fogões domésticos onde era fabricado o carvão in situ, além de produzir indeléveis marcas, ainda hoje avistadas nos escuros solos da região e repleto de fragmentos de carvão, atendiam a específicos procedimentos, descrito detalhadamente por Correa (1933): “A construcção do balão requer preliminarmente a seguinte technica: a roçada, que precede à derribada da matta, a qual consiste em cortar, a foice, os pequenos arbustos e vegetações, que possam embaraçar o manejo do machado; em 21 seguida, a derribada, acto de abater as arvores de porte por meio dos machados; feito do extermínio, procede – se ao corte de galhos e ramagens, e logo a seguir a coivara, queima dos montes de folhas, galhos e gravetos reduzindo – os a cinzas” Ilustrado precisamente, pelo mesmo autor, o processo primitivo de confecção das pilhas ou balões de carvão, conforme figura abaixo: Figura 05: Ilustração do balão de carvão (Magalhães Correa, 1933). Novamente, Magalhães Correa descreve minuciosamente a preparação para a queima da lenha no balão de carvão e tendo seus peculiares traços ilustrados na figura 06 do mesmo autor: Preparado o terreno no mesmo local da derribada, na encosta da serra (matta mesophila) ou na planície que é muito rara, fazem um terreiro em plano horizontal que dê a area desejada, mas no caso da declividade da encosta ser pronunciada, fazem um revestimento, com paus roliços ou varas em forma de prateleira, para suportar a terra que o cobre, formando o terreiro desejado, denominado estiva. Sobre o terreiro, determina – se o diâmetro da base a constituir – se o balão; ao centro, coloca – se um tronco ou deixa – se um vácuo, que será a chaminé; ao redor da mesma arruma – se a lenha traçada regularmente a machado, que se pretende carbonizar em pilhas, formando um cone truncado, e com lenha menor, 22 termina – se o vértice do cone, tendo – se de dispor canaes horizontaes que vão ter à chaminé central Figura 06: ilustração do balão de carvão na região de encosta (Magalhães Correa, 1933). Finalmente, pós combustão e queima da lenha, o carvão vegetal é retirado de dentro do balão, e o processo de distribuição do carvão desde a área onde foi produzido, até os consumidores, através do lombo do burro. Processo este, portador de uma auto-suficiência inerente, porém Corrêa (1933) ressaltava para o vínculo de observância com determinados procedimentos e a manutenção deste processo: “A carbonização da lenha não causará danno ás nossas reservas florestaes, se os proprietários de mattas souberem fazer o replantio methodico das mesmas. As cepas e raízes das arvores, cujo destocamento deve ser também systematizado, deixando aquellas que tenham menos de um metro de altura e tronco, quando forem essenciais para o reflorescerem por meio de brotos (talhadia), serão um contingente de primeira ordem, pois limparão o terreno para o replantio, e quanto á matéria é de primeira qualidade para a carbonização.” Cabe salientar, a existência de uma forte hierarquia no processo de divisão de trabalho e produção do carvão. O carbonizador é aquele trabalhador que enche 23 e esvazia os fornos, um segundo homem é responsável por cortar a lenha e recebe o nome de cortador, e aquele que era considerado o pinchador, que usava o ancinho para pinchar a lenha, existe o responsável por construir os fornos, exatamente como Corrêa (1933) descrevera nos mínimos detalhes, tinha também o transportador que era aquele que descia no burro com o carvão até a cidade para distribuição e comercialização. Ou seja, era tudo hierarquizado e bem dividido. Ainda dentro da estrutura da carvoaria, cada trabalhador recebia um percentual do valor arrecadado conforme a tarefa que realizava dentro da carvoaria. Era patente, naquele contexto social, a ocorrência de laços de afetividade e ajuda mútua entre os trabalhadores envolvidos no processo de produção do carvão, bem como, a inter-conectividade com os demais agentes sociais dos engenhos e fazendas do Camorim e regiões marginais. Deflagra-se assim, um intenso uso tanto de alienação direta (múltiplos cultivos, caças e extração florestal) quanto indireto (comunicação inter-regional, efetivação da religiosidade, etc.) do maciço e seus recursos naturais e florestais. Criação do Parque Estadual da Pedra Branca A baixada de Jacarepaguá, após 5 anos de efetivação do Plano Piloto de Lúcio Costa, obteve, por meio do maciço da Pedra Branca, o beneplácido de possuir um parque estadual de conservação da biodiversidade, segundo a Lei n.º 2.377, de 28/06/74. Tal iniciativa fazia-se necessária em função da forte pressão do processo de urbanização que pora – cada vez mais intenso hoje – em risco os bens ambientais e, sobretudo, a rede hidrográfica que abastece as áreas de capitação para o município (Pau da Fome, Camorim, Taxas e Engenho Novo). Totalizando pouco mais de 12.500 ha de área coberta por vegetação típica da Mata Atlântica e portador do ponto mais alto da cidade, o Pico da Pedra Branca, com 1.204 m de altitude, o Parque Estadual da Pedra Branca passou, gradativamente, a vincular a proteção e convervação dos seus domínios com efeciência de suas funções basilares. Em 1988, as autoridades municipais criaram a Área de Proteção Ambiental (APA) da Pedra Branca em função do quadro 24 ambiental em níveis de devastação, de invasão e de poluição assustador. Hoje, ele se encontra sob a proteção da Fundação Instituto Estadual de Florestas (IEF). Figura 07: Parque Estadual da Pedra Branca. Fonte: www.cmcv.org.br/ Desta forma, o Parque Estadual da Pedra Branca insere-se nos 5.700 km² de áreas remanescentes de Mata Atlântica protegidos legalmente Unidades de Conservação, o que totaliza pouco mais que 13% de toda cobertura original (42.940 Km²) da Mata Atlântica fluminense (Abreu, 2005). Urbanização contemporânea da Baixada de Jacarepaguá A baixada de Jacarepaguá apresenta hoje, um dos maiores índices de urbanização e adensamento demográfico do município do Rio de Janeiro. As áreas florestais remanescentes do Parque Estadual da Pedra Branca vêm sofrendo forte pressão tanto dos vetores sociais informais e ilícitos quanto dos vetores de intervenção formal e estatal. De acordo com dados oficiais (figura 08 e figura 09), a região vem sendo amplamente adensada, corroborando assim, com a concepção da zona oeste 25 como eixo da expansão territorial do município desde a década de 70 do último século. Figura 08: Evolução demografia da região de Jacarepaguá no período de 1991/1996/2000. Fonte: IPP (www.rio.rj.gov.br/planoestrategico/) Figura 09: Evolução da densidade da região de Jacarepaguá no período de 1991 a 2000. Fonte: IPP (www.rio.rj.gov.br/planoestrategico/) As regiões limítrofes aos maciços florestais na baixada de Jacarepaguá e, conseqüentemente, as unidades de conservação: Parque Nacional da Tijuca e 26 Parque Estadual da Pedra Branca são assoladas pelo crescimento demográfico exponencial (figura 10) em detrimento às áreas de urbanização consolidada, permeadas ao longo das principais vias de acesso à região. Figura 10: Variação demográfica relativa da baixada de Jacarepaguá 1996-2000 Fonte: IPP (www.rio.rj.gov.br/planoestrategico/) PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Área de estudo A área de estudo dos trabalhos de onde foram obtidos os dados para a presente análise é a Bacia do Caçambe, englobada pelo Maciço da Pedra Branca, situado na zona oeste do município do Rio de Janeiro, entre as coordenadas 22o 53’ e 23o latitude sul, 43o 23’ e 43o 32’ longitude oeste, com extensão de 12.500 ha. O estudo foi realizado em um trecho de Mata Atlântica, denominado Floresta do Camorim, localizado na porção sudoeste do Maciço da Pedra Branca, na zona oeste do município do Rio de Janeiro, RJ. A área delimitada para a execução dos trabalhos foi a bacia do rio Caçambe, tributário de primeira ordem do rio Camorim. Esta bacia foi fortemente influenciada pela sua derrubada para a 27 fabricação do carvão vegetal entre os anos 30 e 50, conforme explicitado anteriormente. Duas áreas da referida bacia – divisor de drenagem e Fundo de Vale concentraram grande partes dos estudos científicos e são geomorfologicamente e geologicamente distintas quantos aos seus atributos estruturais e funcionais: caracterizadas essencialmente por área convexa (divisor de drenagem) ser dispersora de detritos e fluxos sob/sub-superfície e área côncava (fundo de vale) ser convergente de tais aportes. Ambas as encostas apresentam-se voltadas para sudoeste e localizam-se de forma aproximadamente eqüidistante de trechos conservados de floresta, conforme figura abaixo: Figura 11: Localização da área de estudo na Bacia do rio Camorim, Maciço da Pedra Branca/RJ (zona oeste do município). Composição Imagem Lansat 7 (RGB 123). 28 Consiste em uma Floresta Ombrófila Densa sub-montana de tipologia climática subúmido, com pouco ou nenhum déficit hídrico, megatérmico, com calor uniformemente distribuído por todo o ano. Formação secundária decorrente de sucessivos e superpostos usos pretéritos, sendo o mais relevante, datado em início do século XX para a fabricação de carvão vegetal até a década de 1950. Categorizado por Köppen como Af – clima tropical quente e úmido, sem estação seca, com baixas precipitações no mês mais seco: 60 mm em agosto (IBGE,1992). O substrato geológico é formado por Gnaisses totalíticos e granitóides, metatexitos, migmatitos, kinzigitos e granitos (CIDE et al., 1997). Galvão (1957) discorre sobre formação geológica do parque pertencente ao Pré-Cambriano e a litologia como sendo composta por rochas na maior parte metamórficas do tipo biotita-gnaisse, e algumas magmáticas do tipo graníticas leucocráticas, originando assim, solos residuais jovens e coluviais. O Maciço da Pedra Branca é composto, basicamente, por rochas cristalinas e cristalofilianas, granitos e principalmente o gnaisse facoidal, entrecortados por rochas básicas, como o diabásio. A geologia da região da bacia do Camorim é caracterizada, nas partes mais baixas, pela presença de ampla faixa de gnaisse melanocrático, enquanto, nas mais elevadas, por granitos de diversos tipos. No entanto, a presença desses granitos é conspícua nos trechos de baixa encosta e fundos de vale, sob a forma de matacões oriundos de desabamentos ocorridos em épocas diversas. Esta litologia, juntamente com o clima regional, gera os seguintes solos na região do Camorim: os latossolos, nas encostas mais elevadas do maciço, que são solos rasos e aparecem associados aos cambissolos, solos litólicos e podzólicos, estes recobrindo principalmente as vertentes mais suaves de menor altitude (Oliveira et al. 1980). Este ambiente florestal, influenciado constantemente pelo meio urbano, possui uma diferenciação espacial compatível com as especificidades do relevo: as formas côncavas que baseiam o fundo de um vale suspenso são responsáveis pelo domínio dos processos deposicionais que convergem os fluxos de água e sedimentos às regiões mais baixas (elúvio), enquanto as formas convexas do 29 divisor de drenagem respondem pela dispersão dos fluxos delegando as partes altas do relevo (colúvio), hegemonia dos processos erosivos. O presente fragmento de formação secundária, objeto desta análise, se constitui a partir dos usos anteriores da floresta (principalmente o consumo de recursos florestais no período colonial e a agricultura de subsistência) na região do piemonte foram responsáveis pelo declínio e transformação da sua área. Resultante dos usos pretéritos: fitossociologia e ciclagem de nutrientes pela serapilheira Emprega-se fitossociológicos como critérios (Sylvestre & científicos Rosa, a 2002), conjugação bem como dos a métodos reprodução metodológica, quanto à ciclagem de nutrientes pela serapilheira, dos coletores florestais (litter traps de Proctor,1993). Ambos análises restritas so recorte espacial dos cervoeiros – bacia do Caçambe, permitindo assim uma análise estrutural que privilegia as resultantes ambientais de um uso pretérito específico da paisagem local. Fitossociologia O inventário florístico e a fitossociologia fornecem uma importante leitura acerca da estrutura funcional das florestas secundárias. Trata-se em compreender a biodiversidade em sua estrutura vegetacional evidenciadas em decorrência das atividades econômicas pretéritas de uso do solo. Estabelece-se como um essencial mecanismo ambiental de averiguação das resultantes ambientais da evolução do uso do solo, em função de estar diretamente ligado às peculiaridades de cada uso antrópico. A exemplo das características, encontradas por Fonseca (2005), segundo os critérios de uso e não-uso de determinadas espécies ou elementos florestais utilizados numa específica atividade econômica, em que a permanência da espécie Ficus gameleira – por razões religiosas – se contraporia à dizimação da espécie Cedrela fissilis – interesses econômicos – o que determinou na composição florestal pertinente a evolução da Mata Atlântica. 30 Na área de concentração dos trabalhos, Solorzano (2005) pelo método de parcelas contíguas, focou olhar na influência das distinções geomorfológicas na distribuição e estrutura florística. O referido autor encontrou, na área de fundo de vale, um total de 41 espécies distribuídas entre 35 gêneros e 22 famílias, representando uma diversidade média de 1,64 espécies/100 m2. Na área de divisor de drenagem foram identificadas 92 espécies pertencendo a 60 gêneros e 33 famílias, atingindo uma diversidade média de 3,7 espécies/100 m2, ou seja, o divisor de drenagem apresentou mais que o dobro de espécies (92 espécies) que o fundo de vale (41 espécies), apesar das duas áreas apresentarem a mesma idade (cerca de 50 anos) e um mesmo histórico de devastação. Na tabela 3, pode-se constatar que as duas áreas estudadas apresentam uma área basal semelhante. Cabe destacar, no entanto, que, apesar desta semelhança, as suas densidades absolutas são diferentes. Esta diferença explicita o fato de que os indivíduos do fundo de vale apresentam um valor individual de área basal significativamente maior do que os do divisor de drenagem, ou seja, maior porte em relação à altura. Este fato pode indicar que apesar de as duas áreas terem mesmos idade e uso passado, a regeneração estrutural destas tenha se dado de forma diferente: por conta de um determinismo geomorfológico. Tabela 02 – Principais características vegetacionais nos dois ambientes estudados do maciço da Pedra Branca, RJ. Característica Fundo Divisor de de vale drenagem Número de espécies 41 92 Área amostrada (m2) 2.500 2.500 Espécies raras 51,2% 38% Densidade (ind./ha) 1.016 1.800 Espécies/100 m2 1,6 3,7 Área basal (m2/ha) 25,3 26,2 Indivíduos amostrados 254 450 45 cm 43 cm 14,9 cm 10,8 cm 1 Diâmetro máximo Diâmetro médio 31 Característica Fundo Divisor de de vale drenagem Altura máxima 25 m 30 m Altura média 9,8 m 9m Troncos múltiplos 5,9% 10,6% Indivíduos mortos em pé 10,2% 9,5% Índice de Shannon (nats/ind.) 2,19 3,98 Índice de Pielou 0,59 0,88 O mesmo autor realizou uma averiguação das espécies florísticas. Dentre as espécies encontradas na área estudada, obteve-se a aparição de espécies nativas características de ambientes tropicais como a Guarea guidonia que está associada à ambiente quente e úmido assemelhados aos da Mata Atlântica. Porém a grande dominância desta espécie na área (tabela 04) atentam para um desequilíbrio, quanto a dominância territorial desta espécie, decorrente da peculiaridade do processo do uso do solo pelas populações carvoeiras. Tabela 03 – Parâmetros fitossociológicos das dez espécies mais encontradas na bacia do Caçambe - maciço da Pedra Branca, Rio de Janeiro (RJ), ordenadas pelo valor de importância. N = número de indivíduos amostrados; DRs = densidade relativa por espécie (%) e FR = freqüência relativa. Fonte: Solorzano (2005). N DRs FR Família Espécie 1. Meliaceae Guarea guidonia (L.) Sleumer 122 53,5 21,1 2. Leguminosae Piptadenia gonoacantha (Mart.) J.F. 27 6,6 6,01 Cordia trichotoma (Vell.) Arrab. ex Steud. 25 6,1 3,89 19 4,7 2,83 Macbr. 3. Boraginaceae 4. Melastomataceae Miconia tristis Spring. 5. Solanaceae Metternichia princeps Mik. 19 4,7 2,47 6. Euphorbiaceae Senefeldera multiflora Müll. Arg. 18 4,4 2,12 7. Sapotaceae Chrysophyllum flexuosum Mart. 17 4,2 4,24 8. Sterculiaceae Colubrina glandulosa Perkins 17 4,2 2,12 9. Flacourtiaceae Casearia sylvestris Sw. 15 3,7 3,18 10. Lauraceae Nectandra membranacea (Sw.) Griseb. 13 5,7 7,0 32 Santos (2002), numa área localizada na mesma bacia e com o mesmo estágio sucessional, atentou para as condições estruturais entre uma área íntegra e outra afetada substancialmente por uma queimada. A autora avistou as diretas influências tanto do efeito das queimadas, que na Mata Atlântica persiste secularmente ora pelo plantio tradicional ou pela cultura festiva de soltar balões. Conforme tabela abaixo: Tabela 04 – Principais características vegetacionais nos dois ambientes estudados do maciço da Pedra Branca, RJ. Fonte: Santos (2002) Característica Área Área íntegra queimada Área amostrada (m2) 1000 1000 Indivíduos amostrados (ind./ha) 344 133 Densidade por área (ind. / ha) 3.440 1.330 Dominância por área (49,7 m²/ ha) 49,7 44,9 Diâmetro máximo (cm) 102,9 66,9 Diâmetro médio (cm) 8,7 15,5 Altura máxima (m) 38 30 Altura média (m) 8,5 10 Troncos múltiplos 7% 13,5% 2,9% 27,8% Indivíduos mortos em pé Observa-se a correlação entre a biodiversidade da vegetação, ilustradas pelas características vegetacionais, e as características geomorfológicas de cada situação topográfica (fundo de vale e divisor de drenagem). Tende a demonstrar sob esse prisma, a influência das diversas atividades econômicas pretéritas – tanto as áreas residuais dos carvoeiros quanto as áreas queimadas - na configuração atual do fragmento remanescente ao processo de uso do solo. 33 Ciclagem de nutrientes pela serapilheira Em decorrência da escassa disponibilidade de nutrientes nos solos tropicais, associada à intemperização promovida pelos vetores climáticos (principalmente, temperatura e umidade), os ambientes tropicais tendem a buscar mecanismos de subsistência, tais como a ciclagem de nutrientes via serapilheira. Isto se deve pelo fato dos fluxos hídricos verticais e horizontais carreiarem para os perfis inferiores ou, até mesmo, para fora do sistema, os nutrientes do solo (cátions básicos como cálcio, magnésio e potássio), tornando o solo ácido e carente em nutrientes (Lepsch, 2002). A ciclagem de nutrientes, intimamente ligada ao ciclo hidrológico, nestes ambientes, torna-se mecanismo fundamental ao equilíbrio ambiental, designando a serapilheira como locus da efetivação deste importante processo funcional. Existem três diferentes vias de entrada de nutrientes nos ecossistemas florestais: a atmosférica (chuva, orvalho, neblina, etc.), a biológica (incrementos e perdas da matéria orgânica) e a geológica (decomposição da rocha matriz). Pela precipitação ocorre o carreamento de partículas contidas tanto na atmosfera quanto no dossel florestal, trata-se da ação realizada pelas gotículas d’água que “lavam” a atmosfera carreando poeiras e particulados em suspensão que são incorporados pela vegetação de forma direta ou ficam depositados na serapilheira, representando uma importante fonte de entrada de nutrientes para os ecossistemas tropicais (Martins et al., 2003). A serapilheira - matéria orgânica, manta morta, litter, liteira, folhedo ou manta – constituída pela camada húmica de matéria orgânica acumulada oriunda da biomassa de um sistema ambiental, caracterizada pela eficiência e velocidade nas trocas de nutrientes entre seus componentes e enquanto compartimento orgânico capaz de propiciar eficiência e velocidade nas trocas de nutrientes entre seus componentes bióticos e abióticos (Odum, 1969). Tratam-se dos resíduos orgânicos acumulados sobre o solo florestal sendo constituídos por folhas, flores, frutos, sementes, cascas, galhos e resíduos diversos que formam a camada de detritos vegetais representando o principal reservatório dos ecossistemas tropicais. A serapilheira além de ser o locus das relações vegetação/solo e de reserva 34 energética e hídrica (Garay & Silva, 1995), desempenha importante função na edafização do substrato em regiões em início de sucessão ecológica (Araujo & Henriques, 1984). Dessa forma, mantém a circulação de nutrientes dentro do ecossistema, proporcionando transferência de energia entre solo e planta e funcionando como combustível para os ciclos de nutrientes nos horizontes superiores do solo, gerando assim, um estrato fonte de umidade e nutrientes minerais e orgânicos que burlam as condições físico-climáticas. Possui singular importância quanto à hidrologia das áreas florestadas (como a interceptação da precipitação que ultrapassa o dossel), pois reveste e protege o solo de forma a minimizar a ação erosiva do impacto das gotas e a dispersão de sua energia cinética evitando o escoamento superficial. Gera assim, condições para a infiltração da água da chuva e, conseqüentemente, possibilita uma recarga de água subterrânea que abastece o lençol freático (Karmann, 2000). O fato da serapilheira se constituir em ambiente de infiltração contribui significativamente para este papel, já que o fluxo de água de chuva na serapilheira corresponde a uma proporção insignificante em relação à entrada de chuva no sistema (Coelho Netto, 1995). Esta mesma autora afirma que o atravessamento é o mecanismo dominante na redistribuição da precipitação, apresentando uma grande variabilidade pontual em função do tipo e densidade da cobertura vegetal. Assim sendo, a interceptação da chuva pelas copas e seu redirecionamento pelas raízes modificam sensivelmente a dinâmica hidrológica em ambientes florestados. Quanto às perdas de nutrientes das florestas, estas podem acontecer por volatilização para a atmosfera, percolação da água do solo para locais profundos ou riachos, ou ainda, sob a forma de particulados e solutos perdidos por erosão. A camada de serapilheira consiste em um compartimento acumulador, onde todos os elementos bióticos e abióticos do ecossistema estão potencialmente representados, sendo, portanto, a sua composição química um reflexo do sistema. Percebe-se que a serapilheira dispõe de estratos que diferem quanto à umidade, compactação e grau de decomposição, sendo o horizonte inicial composto por material não decomposto, geralmente, seguido de uma camada intermediária subjacente caracterizada pela pouca alteração físico-química e, por 35 último, uma camada altamente decomposta preenchida por uma malha de raízes e microorganismos. A vegetação, bem como o clima, a disponibilidade de nutrientes no solo e as características genéticas das espécies são fatores que determinam à produção de matéria orgânica (Correia & Andrade, 1999). As características da vegetação, atreladas ao estágio sucessional, possuem fundamental influência na dinâmica da ciclagem de nutrientes decorrente da diversidade de ciclos peculiares de cada estágio em que há absorção de nutrientes pelas raízes e sua distribuição pelas diferentes partes da planta, sendo a taxa de absorção de nutrientes maior no período em que as árvores se encontram em estádio juvenil, o que corresponde ao período de maior produtividade dentro do processo de sucessão (Kimmins, 1987, apud Schumacher et al. 2002). Correia & Andrade (1999) definem a variação climática, sobretudo precipitação e temperatura, a disponibilidade de nutrientes no solo, a característica genética das plantas, a idade e a densidade de plantio como os mais importantes fatores que afetam a quantidade de serapilheira produzida. Abreu (2006) e Penna Firme (2005) desenvolveram na área analisada, trabalhos envolvendo a compreensão da ciclagem de nutrientes através da deposição e decomposição de serapilheira. Atendeu-se a metodologia de litter traps descrito em Proctor (1993): instalação aleatória de coletores, de tela de nylon (0,5m de lado), a uma altura de 0,8m (evitar efeitos do salpicamento - rainsplash). O material era recolhido e levado ao laboratório e, após a secagem em estufa a 80 o C, é feita a triagem nas frações: folhas, galhos, elementos reprodutivos (frutos, sementes e/ou flores) e resíduos. Após a mesma, cada fração é secada em estufa a uma temperatura de 80 oC e, posteriormente, o material orgânico era triado nas frações folhas, galhos,elementos orgânicos e reprodutivos e resíduos, finalizado pela pesagem em balança com precisão centesimal, sendo estes valores convertidos em g/m² e kg/ha. Abreu (2005) averiguou a influência da distinção geomorfológica (fundo de vale e divisor de drenagem) na ciclagem de nutrientes no Camorim, enquanto 36 Penna Firme (2003) focou olhar nos efeitos de queimadas e incêndios florestais na funcionalidade da mesma área de floresta Atlântica secundária. Observando os trabalhos assemelhados e congêneres no contexto científico regional, ressalvando os peculiares contextos geográficos e metodológicos de cada trabalho científico, nota-se que todos os estudos situados na bacia do Caçambe apresentam relevantes valores de produção total de serapilheira, conforme tabela 05: Tabela 05 - Produção de serapilheira (Mg/ha/ano) em algumas florestas da região Sudeste do Brasil e outras regiões do Brasil e do mundo. Composição de periódicos científicos. Local Tipo de floresta Produção autor total (Kg.ha) Sul e Sudeste do Brasil Piracicaba, SP Estacional decidual 14,7 Oliveira, 1997. Rio de Janeiro,RJ Floresta ombrófila densa 11,5 Abreu, 2005. 10.6 Vital et al., 2004. 10,5 Carpanezzi, 1980 Divisor de drenagem Botucatu, SP Floresta estacional semidecidual Lençóis Paulistas, mata ciliar SP (apud Schlitter et al., 1993) Santa Maria, RS 10,4 Cunha et al., 1996 de Floresta Ombrófila Mista 10,3 Backes, 2005 Visçosa/MG sistema agroflorestal 10,2 Martins et al., 1999 Angra dos Reis, RJ atlântica de encosta (Ilha 10,0 Oliveira, 1999 9,9 Abreu, 2005. 9,6 Penna firme, 2003. 9.4 Pagano, 1989 São Francisco floresta estacional decidual Paula, RS Grande, área climácica) Rio de Janeiro,RJ Floresta ombrófila densa Fundo de Vale Rio de Janeiro,RJ Floresta ombrófila densa Área incendiada Rio Claro, SP mesófila (semidecídua) 37 Local Tipo de floresta Produção autor total (Kg.ha) Sul e Sudeste do Brasil Campos, RJ atlântica de encosta 9,4 Mazurec, 1998 (Serra do Imbé - 50 m) São Paulo, SP mesófila (secundária) 9,4 Meguro et al., 1979a Luiz Antônio, SP cerradão 5,6 Cianciaruso, 2006 Cabe salientar que os ambos projetos desenvolvidos por Abreu (2005) apresentam uma periodicidade maior que os demais trabalhos científicos assemelhados. Tais valores representam a média trienal da deposição de serapilheira, enquanto os demais trabalhos apresentam valores anuais. A duração deste projeto (3 anos) confere maior pujança científica ao projeto, face às inconstâncias ambientais, sobretudo, de origem climática. Tais elevados valores de produção de serapilheira registrados na bacia do Caçambe são atribuídos – em parte – à disposição da encosta à vertente sul que segundo Oliveira et al., (1995) a orientação segundo as regiões de maior luminosidade e de entrada das massas de ar tende geralmente a promover uma diferenciação ecológica nestas áreas conhecidas como “noruegas” em detrimento às regiões interioranas ditas “soalheiras” e ao regime climático do local. Tais análises corroboram com as avaliações de Gonzalez & Gallardo (1982) que relata regiões com alto índice pluviométrico, em geral, são produtoras de maior quantidade de serapilheira em comparação com as regiões de baixo índice pluviométrico. Apesar dos vários fatores determinantes à deposição de serapilheira e, consequentemente, à dinâmica ambiental, pôde-se definir como relevante na dinâmica da ciclagem de nutrientes o caráter secundário da floresta, decorrente do uso pretérito da floresta, que promoveu uma diversificação dos estratos vegetacionais (herbáceo, arbustivo e arbóreo); o regime climático local, bem como, os fatores sócio-ambientais pertinentes às resultantes ecológicas do uso pretérito. 38 A partir das análises apresentadas acima, torna-se evidente a resultante ambiental do uso pretérito dos carvoeiros que a partir das especificidades do processo de apropriação e utilização do espaço (corte seletivo, confecção das cavas de carvão, pousio, etc.) influíram na configuração da paisagem local. Remonta–se assim, a idéia de que estas representações deste território multifacetado são compatibilizada pela heterogeneidade das condições sucessionais, tanto estruturais (fitossociologia) quanto funcionais (ciclagem de nutrientes), geradas pelos usos pretéritos. Resultante dos usos contemporâneos: poluição pluvial e uso do solo A entrada de nutrientes por vias atmosféricas, representativo das formas de intervenção antrópica convencionais ao século XXI, insere-se na ciclagem de nutrientes ao prover recursos físico-químicos ao ambiente, desta forma, quando a chuva incide sobre a floresta, sua qualidade é alterada durante a breve interação com a superfície dos tecidos vegetais e duas situações opostas podem ocorrer: a água de lavagem do dossel pode sofrer um enriquecimento ou um empobrecimento de nutrientes. A respeito das deposições de metais pesados sobre as plantas, é sabido que Al, Cd, Cu, Fe, Mn, Ni e Zn apresentam um longo tempo de residência nos sistemas solo-planta, podendo afetar de forma adversa à fisiologia dos vegetais, chegando mesmo a alterar os processos de decomposição de matéria orgânica (Oliveira et. al., 2001). O mesmo autor relata a possibilidade de haver um enriquecimento ou empobrecimento das chuvas em nutrientes como N, P, K, Ca, Mg e S ao haver incidência das chuvas sobre o dossel florestal. Silva (2005) promoveu, na mesma área de análise, estudos que buscavam a compreensão da incidência das chuvas na região, bem como a participação da vegetação ao interceptar a pluviosidade. Chegou-se assim, a conclusão de que havia níveis de poluição elevados em tais precipitações pluviais e que estes, nem sempre, eram provenientes do entorno urbano e áreas marginais ao maciço e que essa poluição atmosférica carreada pelas chuvas, em grande parte, eram barrados pelo dossel florestal. Em suma: a poluição química dos fluxos 39 atmosféricos tendia a influenciar diretamente a dinâmica ambiental ao incorporarse à matéria orgânica e, conseqüentemente, a ciclagem de nutrientes. O mesmo autor desenvolveu um estudo no referido fragmento florestal do Camorim, onde buscou a compreensão da relação homem-meio, a partir das propriedades físico-químicas da chuva em contato com a Floresta. Pode-se averiguar a função da floresta na interceptação pluvial, bem como, o papel que ela desempenha de filtro dos elementos químicos e, conseqüentemente, influindo na alteração do pH, conforme figura abaixo: pH área aberta fundo de vale divisor de drenagem 0 1 2 3 4 5 6 7 (valores) Figura 12_ Diferença entre o pH das chuvas na área aberta e ao incidir com a floresta (fundo de vale e divisor de drenagem). (Silva, 2005). Tais análises químicas atestam para o incidência diferenciada da precipitação com relação ao pH e, consequentemente, o papel do dossel florestal nesta dinâmica: ambas as áreas florestadas (fundo de vale e divisor de drenagem) apresentaram pH mais básico (acima de 5,6) do que a área aberta. Quanto maior o pH, menos ácida (mais básica) é a solução. Comparando este resultado ao pH de um líquido comum, o valor assemelha-se ao pH do vinagre. Vale ressaltar para a água de chuva com valor de pH abaixo de 5,6 a chuva é considerada ácida (Apud Silva,2005). Sant’Anna (2005) averiguou a aparição de elementos inorgânicos, tais como Co, Cr, Cd e Zn, nas amostras da precipitação atmosférica na referida área de estudo (bacia do Caçambe). Alegando haver indícios que tais metais pesados 40 seriam procedência da queima de combustíveis fosses na termoelétrica de Santa Cruz (indústrias de aço do complexo de Sepetiba). Caracteriza-se assim, a partir da poluição atmosférica (composição química e pH) averiguado nos aportes pluviométricos da bacia do Caçambe, a influência de um uso antrópico na configuração da paisagem, sendo estes agentes, não necessariamente, localizados marginalmente à área assolada. Desta forma, fica clara a correlação dos agentes climáticos no deslocamento e migração da poluição que ora é oriundo do entorno urbano (influência direta) ora provem de regiões longínquas (influência indireta), pelas altas correntes atmosféricas. Classificação digital do espaço O bioma Mata Atlântica vem subsistindo através de isolados e desconectados fragmentos residuais de florestal tropical (land-cover3), bem como, por meio de sua dinâmica de transformação temporal (land-cover change4), o que confere a formação florestal um caráter sistêmico-dinâmico representada por um mosaico sócio-cultural proveniente dos subseqüentes usos antrópicos diretos ou indiretos, ativos ou inativos, locais ou globais, etc. Dessa forma, o processo de classificação de imagens orbitais de alta resolução – em termos de acurácia5 e detalhamento de classes qualitativas de cobertura –proporciona um singular conhecimento acerca dos atributos econômicos, ambientais e paisagísticos perdidos e/ou mantidos pós-intervenção antrópica. Para se extrair informações a partir de imagens orbitais existem dois métodos básicos: o primeiro, mais difundido e com maior amplitude e acurácia, é denominado Interpretação Visual, onde o intérprete identifica os padrões de cor, textura, estrutura, forma, além de informações auxiliares de cunho espacial. Esses padrões definem as características das classes de cobertura que, então, são digitalizadas diretamente sobre a imagem em meio digital (Avery & Berlin, 1985). O segundo método, denominado classificação automática, se fundamenta em algoritmos que matematicamente definem padrões que caracterizam classes de cobertura na imagem. 3 Refere-se a cobertura de solo. Refere-se a mudança na cobertura do solo. 5 Termo físico utilizado para caracterizar proximidade ao verdadeiro, real, verossímil, etc. 4 41 A interpretação visual utiliza várias técnicas de filtragem ou de valorização de feições que facilitam o trabalho de classificação de imagens, bem como busca integrar diferentes tipos de informações de cunho geográfico existentes, fundamentando decisões de classificação desenvolvidas pelo intérprete. Os métodos utilizados e a estratégia adotada para se chegar a um determinado conjunto de classes são muito subjetivos, algo que se aproxima da arte e independente da forte base tecnológica que envolve as ferramentas de sensoriamento remoto (Patterson & Jensen, 1998). Estas técnicas alcançam os melhores resultados em termos de precisão e acurácia, mas, por outro lado, o processo de classificação é bastante lento, exigindo que cada pedaço da imagem seja analisado individualmente o que pode demandar muito tempo e custos elevados em função do tamanho da área a ser classificada (Mas & Ramirez, 1996). Tal tecnologia tem demonstrado um relevante potencial em sistematizar a classificação de imagens de alta resolução a partir de processos que segmentam a imagem em objetos, simplificando a complexidade inerente deste tipo de imagem (Richards & Jia, 1998). O ambiente de classificação baseado em objetos permite a extração de várias informações, como, por exemplo, relações topológicas entre objetos, além das referentes à reflectância do pixel. Estes objetos ampliam as opções de classificação disponíveis, facilitando a criação de descrições de classes que utilizam a lógica presente no espaço e geram classificações automáticas de classes complexas com elevado nível de acurácia (Rego, 2003). Santos (2006) manuseou Imagens de sensores remotos de alta resolução obtidas em junho de 1999 e março de 2001 de uma área total de, aproximadamente, 13 km2 do maciço da Pedra Branca permeada pelos limites do Parque Estadual da Pedra Branca e também por sua vizinhança, composta de áreas urbanas e industriais. Os dados selecionados compreendem uma imagem IKONOS do ano de 2001 do sensor multiespectral, ou seja, com quatro bandas espectrais: vermelho, azul, 42 verde e infravermelho. Essas imagens têm resolução espacial de 4 m. Com a análise das imagens, foram geradas classes gerais e que foram se especificando conforme a necessidade do trabalho. São elas: campo alagado, rocha, água, campo, urbano, floresta urbana, floresta, sombra e campo urbano, descritas, caracterizadas e exemplificadas abaixo: • Campo alagado INFRA VERMELHO: quase preto, pode confundir com água porém depende da vizinhança. / REAL: marrom escuro o Área plana de baixada (declividade 0), sujeito a inundações o Apresenta vegetação que se adapta a alto nível de umidade Área próxima ao mar Área de manguezal ou próxima a ele. Imagem natural 6 • Imagem infravermelho 7 Rocha INFRA VERMELHO: Cinza escuro quase azulado em alguns casos Textura rugosa REAL: cinza, confunde bastante com solo exposto; o Declividade alta na maioria dos casos; o Pode apresentar vegetação rupícola (plantas que vivem sobre rochas e que se adaptam às regiões com pouca água e camadas muito fina de solo existente sobre as mesmas). 6 Imagem natural (RGB)_ Referentes às bandas espectrais (3-2-1) representativas da visibilidade humana. 7 Imagem infravermelho (NRG)_Referentes às bandas espectrais Infravermelho, vermelho e verde: passíveis ao realce da vegetação. 43 Imagem natural • Imagem infravermelho Água INFRA VERMELHO: preto REAL: preto, esverdeada escuro, varia muito conforme os graus de resíduos. Na água limpa a luz tem maior penetração, enquanto que na água com alto nível de poluição a luz não chega com profundidade e a reflectância nesse caso é baixa, resultando numa cor azul, cinza ou violeta. Em piscinas, por exemplo, pode ser azul bem claro. o TEXTURA: uniforme sem rugosidade, lisa a não ser quando tem vegetação sob a água, pode ser confundida com a poluição. Imagem natura • Imagem infravermelho Sombra Sempre preta (bem escura) em qualquer banda o Pode confundir com água, quando se trata de sombra de árvore. o Textura uniforme como a água 44 Imagem natural • Imagem infravermelho Floresta REAL: verde forte denso INFRA VERMELHO: vermelho forte denso, às vezes brilhante o Textura lisa e homogênea. Imagem natural • Imagem infravermelho Floresta urbana REAL: verde INFRA VERMELHO: vermelho forte e denso o Textura: rugosa o Contexto: Estar no meio de áreas urbanas, ladeando ruas e formando parques urbanos e praças. Geralmente aparecem enfileiradas formando uma reta horizontal ou vertical, aglomeradas quando fazem parte de parque urbano. o Incluem: Árvores que beiram ruas (bem altas) Parques (bem denso em alguns casos) o Formato dos objetos: 45 Bordas bem definidas e retas devido à área urbana (ruas) Nos parques, aparecem num aglomerado mais denso, como se fosse uma floresta ombrófila densa, porém têm o seu entorno limitado e circundado por área urbana consolidada. Imagem natural • Imagem infravermelho Urbano Bem distinta INFRA VERMELHO: cinza/branco REAL: aparece bem claro (branco) e às vezes alaranjado no caso de construções (muito parecido com solo exposto – distingue pela forma do objeto e pela sombra) o Formato dos objetos; Forma mais reta, retangular; o As ruas ajudam a definição das áreas; o Vizinhança • Floresta com área descampada com formato bem definido (linear) com objeto com forma e cor de edificação. Às vezes as construções estão esparsas, com estradas de terra, sem pavimentação. Imagem natural Imagem infravermelho 46 • Campo urbano: INFRAVERMELHO: tom do branco para quase azul REAL: cor branca (areia) Inclui toda área de campo, localizados na área urbana. Seu entorno é caracterizado por construções (edificações) e ruas pavimentadas e não pavimentadas. As áreas em torno de pedreira, também foram classificadas como campo urbano, por estas se localizarem em área urbana. Imagem natural • Imagem infravermelho Campo INFRA VERMELHO: Tom cinza com pequenas manchas vermelhas (vegetação) REAL: tons meio róseos; o Confunde com rocha quando se trata de campo com solo exposto; Cinza mais claro que a rocha; Informação de textura. Imagem natural Imagem infravermelho 47 Cabe ressaltar que as classes floresta urbana e campo urbano diferenciam-se conceitualmente quanto à densidade e porte da vegetação estabelecida no espaço urbano: floresta urbana_ denso estrato ou aglomerado arbóreo e campo urbano_ solo exposto ou vegetação degradada , geralmente, rodeada por construções urbanas. Posterior a confecção da chave de classificação (disposta acima), foi possível geral uma classificação geral contendo as classes delineadas, bem como, prover uma comparação com a imagem digital RGB que se configura por ser mais próxima da foto aérea. Dessa forma, desenvolveu-se um quadro comparativo e representativo dos usos de solo no parque da Pedra Branca (figura 13). Classificação Visual – Imagem Bacia do Caçambe N W E S Figura 13_ Imagem Digital RGB & Classificação da Imagem Digital Landsat 1999. 48 A contabilização das classes de polígonos, bem como, os respectivos percentuais de classe de uso do solo no maciço da Pedra Branca demonstrou haver uma seqüência: floresta (62 %), urbano (18%), Campo (8%), Rocha (6%), Floresta Urbana (2%), Campo alagado (0,7%) e Água (0,5%). Tais dados atestam para a preponderância de floresta, sendo esta síntese das vegetações secundárias, porém demonstram os elevados níveis dos usos antrópicos avistados nas classes urbanas (22%: urbano, floresta urbana e campo urbano), conforme ilustração abaixo: ROCHA CAMPO CAMPO ALAGADO ÁGUA CAMPO URBANO FLORESTA FLORESTA URBANA URBANO Figura 14_ Percentuais de classes da Imagem Digital Landsat 1999 (quantidade de polígonos). Cazes (2005) em estudos comparatório das classificações de imagens digitais Landsat 1999 e 2001, observou uma contundente transição e, consequentemente, perda de áreas de floresta para as classes urbanas (urbano, campo urbano e floresta urbana). Alegando haver um avanço dos usos antrópicos contemporâneos (edificações e elementos da urbanização) sobre os domínios do Parque Estadual da Pedra Branca. A interpretação visual possibilitou a análise de que grande parte do Maciço da Pedra Branca possui uma peculiar cobertura florestal remanescente de Mata Atlântica subsistindo, relativamente, em bom estado. Porém, apresenta um considerável índice de perturbação, fruto da crescente intervenção antrópica oriundo do espraiamento da malha urbana, sendo avistadas na presença de diversas classes de usos antrópicos: floresta urbana, campo urbano, campo e urbano. 49 CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise qualificada da paisagem do Camorin se mostrou como uma fundamental ferramenta para a compreensão da dinâmica florestal a partir dos usos pretéritos in situ dos carvoeiros e outros usos agrícolas, bem como, no presente, pelos usos urbanos. A utilização da História Ambiental a partir dos mecanismos ambientais ciclagem de nutrientes e fitossociologia, da conjectura ambiental da poluição pluvial e da ferramenta espacial geoprocessamento, efetivou-se como de suma importância à compreensão da evolução da paisagem do Maciço da Pedra Branca. A História Ambiental da baixada de Jacarepaguá nos traz exemplos históricos que as intervenções e ações urbanísticas e políticas no espaço tendem a privilegiar uma classe social mais favorecida e detentora das instâncias decisórias e, consequentemente, relegando e resignando a grande maioria da população o acesso e utilização do espaço urbano e alocação junto às franjas marginais do espaço citadino especulado. Assim como, no início do século XX, Pereira Passos implementou a grandiosa reforma urbanística – conhecida popularmente pelo "bota abaixo" – que culminou por propagar o germe das ocupações irregulares junto às áreas de preservação do maciço da Tijuca. Seu seguidor Lúcio Costa, em meados do mesmo século, idealizou às principais vias de urbanização da zona oeste designadas ao atendimento dos interesses fundiários e imobiliários hegemônicos, potencializando assim, a - já evidente – ocupação das remanescentes áreas florestadas do maciço da Pedra Branca. Em função da variação temporal que cerca os dois eventos e a dinâmica de crescimento sócio-espacial do município, pode-se afirmar que o Maciço da Tijuca – que hoje se encontra em situação ambiental debilitada e consolidada pela ocupação irregular, erosão e assoreamento, poluições diversas, etc. – apresenta, inevitavelmente, o prognóstico para o maciço da Pedra Branca. As diversas formas de impactação contemporânea do entorno urbano, fruto de um avanço desenfreado da urbanização, sobre os fragmentos do maciço são avistados no quadro urbano caótico permeado pela ocupação desordenada das encostas, incêndios florestais e derrubada de árvores e pela deposição de 50 poluentes e resíduos urbanos. O somatório destes problemas contribui para uma situação de degradação do ecossistema florestal gerando instabilidade de encostas, assoreamento e eutrofização das bacias hidrográficas e a degradação da paisagem, com crescentes conseqüências negativas tanto à sustentabilidade ambiental quanto à perda dos atrativos turísticos. Dessa forma, avaliar essa metamorfose espacial que é permeada por usos diretos e in situ – sob os diversos usos econômicos das populações locais – porém, também acrescidos da poluição migratória de uma intervenção antrópica indireta e distante da área de impacto ou degradação. Exemplos desta impactação direta tornou-se nítido pela análise da classificação digital do maciço da Pedra Branca, em que diversos usos antrópicos foram constatados nas áreas marginais ao parque – agravadas pelas seguidas manchas situadas no meio da matriz digital – que, em sua maioria, são áreas de alta declividade, de substrato rochoso e susceptível à ação dos agentes climatológicos, ou seja, altamente vulneráveis aos deslizamentos. Pode-se afirmar, após a análise do trabalho aqui exposto, que a intervenção antrópica pretérita dos carvoeiros foi fundamental na configuração ambiental observada hoje, já que foi uma das práticas determinantes na configuração florística, ilustrado pela dominância e densidade da espécie Guarea guidonia na região de fundo de vale da bacia do Caçambe, avaliada pela fitossociologia, bem como na dinâmica ambiental da ciclagem de nutrientes pela serapilheira que atende às estratégias sazonais da vegetação (estresse hídrico). A intervenção contemporânea, caracterizada pela exponencial expansão da malha urbana, promoveu a contaminação por substâncias tóxicas na água da chuva, onde se verificou que 90% da precipitação que incide sobre o Maciço urbano é constituída de chuvas ácidas. Caracterizando assim, as formas de usos antrópicos modernas em os elementos químicos ou poluentes ora eram transferidos das regiões marginais, ora migravam pelas massas atmosféricas de regiões distantes, além da urbanização in situ que altera profundamente o padrão de uso do solo, sendo esta perceptível nas imagens e classificações digitais. Dessa forma, o presente estudo sugere que: 51 • A evolução da paisagem do Camorin espelha os padrões de uso de solo pretéritos, já que os parâmetros estruturais vinculados às especificidades do uso dos carvoeiros, cujo método empregado - queimada prévia ao abandono ou pousio - geraram condições de uma regeneração natural e diferenciada dos demais usos concomitantes à área. • A História Ambiental do maciço da Pedra Branca, inscritas nas diversas escalas temporais e, sobretudo, substancialmente influenciada pelos usos antrópicos pós-1950 efetivou-se pela íntima relação entre os padrões de uso do solo, as especificidades ambientais: geomorfológicas, climatológicas, geológicas, hidrológicas, etc. e as resultantes ecológicas de dinâmicas ecológicas sistematicamente interligadas. • As variáveis ambientais (fitossociologia, ciclagem de nutrientes e precipitação atmosférica) efetivaram-se como essenciais à análise qualificada do ambiente, pois concatenou os diferentes mecanismos ambientais, tais como: composição florística, entrada de elementos químicos, decomposição e ciclagem de nutrientes, etc. essenciais na mensuração dos atributos pertinentes à sustentabilidade e funcionalidade ambiental. • O geoprocessamento, enquanto ferramenta essencial à análise dos padrões espaciais, promoveu uma análise panorâmica dos padrões de uso do solo no maciço da Pedra Branca no final do século XX (1999) e, com isso, possibilitou dimensionar os diversos usos contemporâneos e essencialmente urbanos. A análise digital do espaço, bem como os outros mecanismos ou ferramentas de diagnóstico da evolução da paisagem, permitiu além da espacialização e dimensionamento dos diferentes usos antrópicos (ilustrado pelas diferentes categorias e cores de classes de usos), a delimitação dos agentes que interferem na resultante ambiental e, em última análise, no mosaico de usos e resultantes intrínsecos da paisagem. Porém, em função das diversas variáveis ambientais que estão intimamente atreladas às escalas espaciais e temporais – neste trabalho focada na pequena escala de análise – faz-se necessário a implementação de futuros estudos detalhados que validem em campo tais observações. Dessa forma, consolidou-se como um importante método potencializador da análise qualificada do ambiente. 52 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ABREU, J. R. S. P. 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