Fluorose dentária na população de Baixo Guandu

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Fluorose dentária na população de Baixo Guandu
FLUOROSE DENTÁRIA NA POPULAÇÃO DE BAIXO GUANDU-ES, APÓS 50 ANOS DE
FLUORETAÇÃO DA ÁGUA: COMPARAÇÃO COM A CIDADE DE ITARANA - ES
Dental fluorosis in the population of Baixo Guandu-ES, after 50 years of
water fluoridation: comparison with the city of Itarana - ES
Cezar Augusto Casotti1, Nemre Adas Saliba2, Orlando Saliba3, Cléa Adas
Saliba Garbin4, Andréia Antoniuk Presta5
RESUMO
Foi objetivo do presente estudo comparar a fluorose dentária em moradores permanentes
de Baixo Guandu-ES, primeira cidade brasileira a fluoretar a água, e Itarana-ES,
onde a fluoretação foi implantada há 3 anos. No total, foram examinados 522
indivíduos, sendo 381 de Baixo Guandu e 141 de Itarana, dos grupos etários de 12 e
15 a 19 anos. Os resultados revelam que nos grupos etários de 12 e 15 a 19 anos as
prevalências da fluorose dentária em Baixo Guandu foram, respectivamente, 50,4% e
31,1%, e, em Itarana, 2,3% e 2,0%. Aos 12 anos de idade dos indivíduos examinados
em Baixo Guandu, 36% apresentaram grau 0; 13,6% grau 1; 30,6% grau 2; 17,1%
grau 3 e 2,7% grau 4, e, em Itarana, 81,4% grau 0; 16,3% grau 12,3% grau 2. Dos
indivíduos com 15 a 19 anos de idade examinados em Baixo Guandu, 54,4%
apresentaram grau 0; 14,4% grau 1; 17% grau 2; 12,2% grau 3 e 1,9% grau 4, e, em
Itarana, 84,7% grau 0; 13,3% grau 1; 2,0% grau 2. Conclui-se que em indivíduos
expostos à água fluoretada o aumento da fluorose ocorreu nos graus muito leve e leve,
não representando, portanto, um problema de saúde pública.
PALAVRAS CHAVE
Fluorose dentária, flúor, fluoretação, saúde bucal, epidemiologia
ABSTRACT
The objective of the present study was to compare dental fluorosis in permanent
inhabitants of Baixo Guandu-ES, first Brazilian city to fluoride its water and Itarana–
ES where the fluoridation was introduced 3 years ago. A total of 522 subjects were
examined, of those 381 were from Baixo Guandu and 141 from Itarana, age groups
1
Doutorado em Odontologia Preventiva e Social. Professor da Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia – UESB – Faculdade de Odontologia de Jequié. End.: Av. Landolfo Caribe nº 576 – Condomínio
Almerinda Lomanto. Edifício Hildete Lomanto – Apt 403 Jequié - Bahia – email: [email protected]
2
Doutorado em Odontologia Preventiva e Social. Professora Titular da Faculdade de Odontologia de
Araçatuba. Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita – UNESP.
3
Doutorado em Odontologia Preventiva e Social. Professor Voluntário da Faculdade de Odontologia de
Araçatuba – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita – UNESP.
4
Doutorado em Odontologia Legal e Deontologia. Professora Assistente da Faculdade de Odontologia
de Araçatuba – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita – UNESP.
5
Doutorado em Odontologia Preventiva. Professora da Faculdade de Odontologia de Joaçaba –
Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC.
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of 12 and15 to 19 years old. The results revealed that in the groups of 12 and 15 to 19,
the dental fluorosis prevalence in Baixo-Guandu was respectively 50.4% and 31.1%
and in Itarana 2.3% and 2.0%. From the 12 year old subjects examined in Baixo
Guandu, 36% presented level 0; 13.6% level 1; 30.06% level 2; 17.1% level 3; 2.7%
level 4. In Itarana 81.4% level 0; 16.3% level 1; 2.3% level 2. In the age group of 15
to 19 years-old examined in Baixo Guandu 54.4% subjects presented level 0; 14.4%
level 1; 17% level 2; 12.2% level 3 and 1.9% level 4. In Itarana 84.7% level 0; 13.3%
level 1, and 2.0% level 2. It was concluded that in individuals exposed to fluoride
water, the increase of fluorosis occurred in the very light and light levels not representing,
therefore a public health problem.
KEY WORDS
Dental fluorosis, fluorine, fluoridation, oral health, epidemiology
1. INTRODUÇÃO
A fluorose dentária, primeiro sinal clínico do efeito tóxico do elemento
químico flúor (Fejerskov et al., 1994), é um distúrbio de desenvolvimento que
afeta o esmalte dentário, em conseqüência da exposição do germe dentário,
durante o período de sua formação, a concentrações de flúor acima de 0,05 a
0,07 mgF/kg (Pagliari & Moimaz, 2004).
As lesões no esmalte dentário são bilaterais, simétricas e afetam de forma
semelhante a dentição decídua e permanente. Clinicamente, caracteriza-se pela
presença de linhas brancas finas até a presença de dentes completamente brancos
e opacos. Nos casos mais graves, podem ocorrer alterações pós-eruptivas como
depressões devido à perda focal do esmalte externo e/ou manchas castanhas
resultantes da absorção de pigmentos alimentares pelas superfícies dentárias
comprometidas (Fejerskov et al., 1994; Assis et al., 1999).
O grau de sua manifestação depende da dose ingerida, do tempo, da duração
da exposição e da resposta individual de cada pessoa, uma vez que doses similares
de exposição ao flúor podem levar a diferentes níveis de manifestação clínica
(Pereira, 2003).
Estudos epidemiológicos realizados no início do século XX identificaram a
existência de correlação entre as prevalências da fluorose e cárie dentária
com o teor de flúor presente na água de consumo. A partir desta observação,
as pesquisas direcionaram-se no sentido de identificar qual a concentração
adequada de flúor a ser adicionada à água que fosse capaz de atuar na redução
da cárie dentária sem que houvesse um aumento da prevalência da fluorose
dentária (Pereira, 2003).
Foi a partir da constatação de que a presença de 1ppm de flúor na água de
consumo humano promovia a máxima redução da cárie sem provocar o surgimento
de fluorose antiestéticas, que, no ano de 1945, cidades dos Estados Unidos e
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ANOS DE FLUORETAÇÃO DA ÁGUA: COMPARAÇÃO COM A CIDADE DE
Canadá, implantaram os primeiros estudos experimentais de fluoretação artificial
de Estações de Tratamento de Água – ETA (Narvai, 2000).
Nas últimas décadas, a ampliação da oferta de água de abastecimento
fluoretada e o maior acesso a produtos fluoretados promoveram uma redução da
cárie dentária. Entretanto, neste mesmo período, a fluorose dentária parece ter
seguido uma tendência inversa, com prevalências crescentes relatadas no mundo
inteiro (Moysés et al., 2002), principalmente nas formas leve e muito leve, tanto
em comunidades que fluoretam como nas que não adotaram o método (Moysés
et al., 2002; Frazão et al., 2004; Rozier, 1999).
Como fatores de risco para este aumento são apontados principalmente a
associação de água e dentifrício fluoretados, principalmente por ser o dentifrício uma
importante forma indireta de exposição sistêmica ao flúor, em função da sua ingestão
por crianças durante a escovação dos dentes, o que faz com que ele corresponda a
55% da dose total de flúor a que as crianças estão expostas (Lima & Cury, 2001).
Foi objetivo deste estudo comparar os indicadores da fluorose dentária em
indivíduos com idades de 12 e de 15 a 19 anos, residentes permanentes das
cidades de Baixo Guandu e Itarana.
2. METODOLOGIA
Projeto aprovado pelo Comitê Ética em Pesquisa – Faculdade de Odontologia de Araçatuba – UNESP/SP (nº1287/2003).
Trata-se de um estudo transversal (Rouquayrol & Almeida Filho, 1999),
realizado nas cidades de Baixo Guandu e Itarana, no Estado do Espírito Santo,
de janeiro a julho de 2005. Baixo Guandu foi selecionada por ter sido a primeira
cidade brasileira a fluoretar a água de abastecimento público no ano de 1953
(Pereira, 2003; Narvai, 2000; CESAN, 2002), tendo completado 52 anos de
funcionamento, e Itarana por ter implantado o método há apenas três anos
(CESAN, 2002). Também foram consideradas as seguintes condições: proximidade
geográfica, porte populacional, atividades econômicas e indicadores sociais
semelhantes (Índice de Desenvolvimento Humano, s/d; IBGE, 2000).
A população do estudo foi constituída por indivíduos considerados residentes
permanentes das cidades de Baixo Guandu e Itarana. Para isto, deveriam ter
nascido e vivido na zona urbana, bebido exclusivamente água distribuída pelas
ETA, não ter se ausentado da cidade por mais de 30 dias ao ano (Viegas & Viegas,
1988) e ter idades de 12 e de 15 a 19 anos.
Nas duas cidades, a cobertura do Programa de Saúde da Família (PSF) na
zona urbana é de 100% e ficou sob a responsabilidade dos Agentes Comunitários
de Saúde (ACS), após receberem as informações necessárias, identificar e cadastrar
as pessoas que se enquadravam nos critérios de seleção do estudo.
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Todos os domicílios onde residiam moradores permanentes nas idades
selecionadas foram visitados. A amostra foi constituída pelos moradores
permanentes, que após duas visitas, em diferentes períodos, foram localizados
no domicílio e consentiram participar do estudo. Houve perdas com percentuais
diferenciados por idade, sendo a perda máxima de 20% aos 15 -19 anos em
Baixo Guandu.
Constituiu etapa prévia do estudo a calibração do examinador, visando
garantir a uniformidade de interpretação, compreensão e aplicação dos critérios.
Neste sentido, o examinador participou de oficinas de treinamento e calibração
para a padronização do diagnóstico da fluorose dentária. Durante a coleta dos
dados, foram realizados exames em duplicata em 10% da população do estudo
para verificar a concordância de diagnóstico intra-examinador, a qual foi aferida
pelo teste estatístico Kappa.
O exame clínico para o diagnóstico da fluorose dentária foi realizado no
domicílio, em local com iluminação natural adequada, com o auxílio de espelho
bucal plano e sonda periodontal modelo OMS, por uma única equipe de examinador e anotador, após assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.
Para classificar a fluorose dentária, foi empregado o índice de Dean (OMS,
1999; Brasil, 2001), cujos critérios são os seguintes:
(0) Normal – esmalte com translucidez usual com estrutura semi-vitriforme.
A superfície é lisa, polida, cor creme clara.
(1) Questionável – esmalte revela pequena diferença em relação à translucidez
normal, com ocasionais manchas esbranquiçadas.
(2) Muito leve – esmalte com áreas esbranquiçadas, opacas, pequenas manchas espalhadas irregularmente pelo dente, mas envolvendo não mais de
25% da superfície. Inclui opacidades claras com 1mm a 2 mm na ponta
das cúspides de molares.
(3) Leve – opacidade é mais extensa, mas não envolve mais de 50% da superfície.
(4) Moderada – todo o esmalte dentário está afetado e as superfícies sujeitas
à atrição mostram-se desgastadas. Há manchas castanhas ou amareladas
freqüentemente desfigurantes.
Na análise dos dados, indivíduos que apresentaram as condições normal e
questionável foram considerados como sem fluorose dentária.
Ao término de cada exame, a ficha era inspecionada para verificar se todos
os campos estavam corretamente preenchidos e, dessa forma, evitarem-se perdas.
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As informações obtidas foram digitadas e os dados processados no programa
Epi-buco (2000). Foi utilizado o teste exato de Fisher (Epi Info, versão 6.04) para
analisar a associação entre a exposição ao flúor e a ocorrência de fluorose dentária,
com nível de significância de 5%.
Foi calculada a prevalência da fluorose nas duas cidades e a razão de
prevalências foi utilizada para mensurar a associação entre a exposição ou não à
água fluoretada e a ocorrência de fluorose dentária.
Foi calculado o Índice de Fluorose Dentária da Comunidade (CFI), expresso
pelo somatório do produto da freqüência absoluta de cada categoria por um
determinado peso (normal = 0; questionável = 0,5; muito leve = 1; leve = 2;
moderada = 3; severa = 4), dividido pelo número de indivíduos examinados.
Foram utilizados os programas Epi Info, versão 3.2, e o GraphPad, versão 3.0.
3. RESULTADOS
Foram examinados 522 moradores permanentes, dos quais 381 (73,0%) em
Baixo Guandu e 141 (27,0%) em Itarana (Tabela 1). Nas duas cidades, observouse que o os indivíduos de 15 a 19 anos correspondiam a aproximadamente o
dobro dos indivíduos de 12 anos.
Tabela 1
Indivíduos examinados nas cidades de Baixo Guandu e Itarana, Estado do Espírito Santo,
segundo gênero e idade. 2006.
A concordância dos exames clínicos ao longo da coleta dos dados foi mantida
em níveis satisfatórios, sendo o valor médio da estatística Kappa intra-examinador
igual a 0,91.
A Tabela 2 apresenta os dados referentes à prevalência da fluorose dentária
em Baixo Guandu e Itarana. Observou-se um menor percentual de moradores
permanentes com fluorose dentária em Itarana. Ainda, foi possível verificar que
em indivíduos com idade de 12 anos existe associação, estatisticamente significativa
(p<0,001), entre o consumo de água fluoretada durante o período de formação
dos dentes e a ocorrência de fluorose dentária. A prevalência de fluorose dentária
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de um morador permanente de Baixo Guandu exposto desde o seu nascimento à
água fluoretada é 21,7 vezes maior quando comparado a de um morador de
Itarana, que foi exposto à água fluoretada quando a quase totalidade de seus
dentes estavam com a mineralização do esmalte dentário concluída.
Tabela 2
Prevalência e razão de prevalência de fluorose dentária em 522 moradores permanentes
das cidades de Baixo Guandu e Itarana, Estado do Espírito Santo, segundo a idade. 2006.
RP = razão de prevalência; IC 95% = Intervalo de confiança de 95%.
Em indivíduos com idade de 15 a 19 anos, também existe associação estatisticamente significativa (p<0,001) entre o consumo de água fluoretada durante o
período de formação dos dentes e a ocorrência de fluorose dentária. A prevalência
de fluorose dentária de um morador permanente de Baixo Guandu exposto desde
o seu nascimento à água fluoretada é 33,8 vezes maior quando comparado a de
um morador de Itarana, que foi exposto à água fluoretada quando todos os seus
dentes estavam com o esmalte dentário completamente mineralizados.
As prevalências de fluorose dentária aos 12 anos e aos 15 a 19 anos foram,
respectivamente, em Baixo Guandu 50,4% e 68,9%, e, em Itarana, 2,3% e 2,1%.
Na Tabela 3, são apresentados os resultados da distribuição etária dos graus
da fluorose dentária, segundo classificação proposta por Dean, em indivíduos
residentes em Baixo Guandu e Itarana. Foi possível verificar que moradores
permanentes de Baixo Guandu com idade de 12 anos e de 15 a 19 anos apresentaram graus mais severos de fluorose dentária (respectivamente, 36,0% e 54,4%
classificados como normal, 30,6% e 17,0% com grau muito leve, e 17,1% e 12,2%
com grau leve) quando comparados aos residentes em Itarana (respectivamente,
83,7% e 84,7% com classificados como normal, e 2,3% e 2,0% com grau muito leve).
Ao comparar a fluorose dentária em moradores de Baixo Guandu com
idade de 12 e de 15 a 19 anos, foi possível identificar a existência de diferença
estatisticamente significativa (p<0,001) entre os grupos etários. Já, ao comparar
a fluorose em residentes em Itarana com idade de 12 e de 15 a 19 anos, existiu
diferença (p>0,05). Em moradores de Baixo Guandu e Itarana não foram
identificadas diferenças significativas da fluorose dentária entre os sexos.
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Tabela 3
Graus de fluorose dentária em 522 moradores permanentes das cidades de Baixo Guandu
e Itarana, Estado do Espírito Santo, segundo a idade. 2006.
* Diferença entre as cidades para mesma faixa de idade, p < 0,001; ** diferença entre as idades em
Itarana, p > 0,05; *** diferença entre as idades em Baixo Guandu, p < 0,01.
Em moradores de Baixo Guandu com idade de 12 e de 15 a 19 anos o Índice
Comunitário de Fluorose foi, respectivamente, 0,79 e 0,54. Em Itarana, para os mesmos grupos etários, o Índice Comunitário de Fluorose foi, respectivamente, 0,08 e 0,08.
4. DISCUSSÃO
Os efeitos benéficos e adversos do uso do flúor foram reconhecidos há mais
de 50 anos pela Odontologia, quando, no início do século XX, surgiram os
primeiros estudos epidemiológicos que estabeleceram a relação entre flúor
– cárie dentária – fluorose dentária (Narvai, 2000; Frazão et al., 2004).
Atualmente, a fluorose passou a ser uma condição que merece estudos para
avaliar a sua tendência, em função da ocorrência de uma exposição crescente ao
flúor nas últimas décadas (Barros & Matos, 2005). Algumas pesquisas têm mostrado
prevalências e severidade maiores em idades mais jovens, o que tem alertado a
comunidade científica para a necessidade de um acompanhamento contínuo e
efetivo desta patologia, para a detecção de uma possível tendência de aumento
secular de sua prevalência (Frazão et al., 2004).
Neste estudo, a opção foi pela utilização do índice de Dean, mesmo sendo ele
criticado por não prover informações sobre a distribuição da fluorose dentária,
uma vez que a categoria questionável do seu escore é muito vaga e os escores mais
altos não são suficientemente sensíveis (Clarkson & Mullane, 1988), impossibilitando,
assim, demonstrar diferenças marcantes nos casos mais severos (Rozier, 1999).
Esse índice foi escolhido neste trabalho por ser o mais utilizado na literatura
sobre o tema, permitindo, assim, comparação com vários outros estudos (Frayssé
& Pouezat, 1994), por sua reprodutibilidade mostrar uma excelente concordância
(Frazão et al., 2004) e por ser o recomendado pela Organização Mundial de
Saúde em levantamentos epidemiológicos (Pereira, 2003, OMS, 1999, Brasil, 2001).
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Em estudos epidemiológicos da fluorose dentária, uma das principais preocupações diz respeito à calibração dos examinadores (Brasil, 2001). Neste estudo,
somente um examinador, devidamente calibrado, realizou todos os exames,
reduzindo, assim, a chance de ocorrerem variações inter-examinadores.
Atualmente, as pesquisas têm-se voltado para o estudo do comportamento da
fluorose dentária tanto em localidades com e sem água fluoretada, principalmente
porque nas últimas décadas a prevalência da doença apresentou um aumento nos
graus muito leve e leve da doença em indivíduos expostos ou não à água fluoretada
(Moysés et al., 2002; Frazão et al., 2004; Barros & Matos, 2005).
Em Baixo Guandu, os moradores permanentes com idades de 12 e de 15 a
19 anos foram expostos desde o nascimento à água fluoretada, enquanto em
Itarana a exposição somente ocorreu quando os residentes de 12 anos estavam
com 9 anos de idade, e a quase totalidade dos dentes permanentes apresentavam
a coroa dentária formada (Cate, 2001).
Conforme observado na literatura, em estudos realizados em localidades com
água fluoretada e que utilizaram o índice de Dean, os resultados evidenciaram
variação nas prevalências da fluorose dentária. Em Belo Horizonte/MG, onde os
teores de flúor oscilam entre 0,6 - 0,8 ppmF, a prevalência de fluorose dentária
dos 7 aos 14 anos foi 25,5%; em Osasco/SP (0,8 ppmF), dos 6 aos 12 anos, a
prevalência foi 49,4%; em Ribeirão Pires/SP (0,8 ppmF), dos 6 aos 12 anos, a
prevalência foi 84,0%; em São Paulo/SP (0,8 ppmF), aos 12 anos, a prevalência
foi 21,8% (Cangussu et al., 2000).
No Estado de São Paulo (Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, 2002),
aos 12 de idade, a prevalência de fluorose dentária em cidades que fluoretam e
nas que não fluoretam a água foram, respectivamente, 13,7% e 0,6%. Em indivíduos de 15 a 19 anos, também em cidades que fluoretam e nas que não fluoretam
a água, as prevalências de fluorose dentária foram, respectivamente, 6,2% e 0,4%.
No Brasil, a prevalência de fluorose dentária em indivíduos com idades de 12 e
de 15 a 19 anos foi, respectivamente, 8,5% e 5,1%, e, em cidades da região
Sudeste, 13,4% e 6,7% (Brasil, 2004).
As prevalências de fluorose dentária em moradores permanentes de Baixo
Guandu com idades de 12 e de 15 a 19 anos foi, respectivamente, 50,4% e
31,1%, acima, portanto, dos valores observados em cidades do Brasil, da região
Sudeste (Brasil, 2004), do Estado de São Paulo (26) e da cidade de São Paulo,
mas, ao mesmo tempo, aproximam-se dos resultados obtidos em Osasco e encontramse abaixo do observado em Ribeirão Pires/SP (Cangussu et al., 2000).
Uma vez que tanto em Baixo Guandu como em Osasco/SP e Ribeirão Pires/
SP as companhias de abastecimento relatam adicionarem teores adequados de
flúor à água de abastecimento, o maior risco dos moradores de Baixo Guandu
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ANOS DE FLUORETAÇÃO DA ÁGUA: COMPARAÇÃO COM A CIDADE DE
apresentarem graus mais severos da fluorose dentária é provavelmente devido à
associação de métodos sistêmicos e à ingestão de flúor a partir do uso inadequado
de produtos tópicos, principalmente os cremes dentais na primeira infância (Frazão
et al., 2004; Cangussu et al., 2000), que tiveram seu uso regulamentado e difundido
no país na década de 90 (Frazão et al., 2004).
Os achados em cidades do Brasil, da região Sudeste (Brasil, 2004) e do Estado
de São Paulo que adicionam flúor à água (Secretaria de Estado da Saúde de São
Paulo, 2002) demonstraram que a prevalência da fluorose dentária foi maior em
indivíduos com 12 anos quando comparados à dos de 15 a 19 anos. Em Baixo
Guandu, quando comparados estes grupos etários, foi observada diferença estatisticamente significante na prevalência da fluorose dentária, provavelmente em
função da maior exposição destes indivíduos a produtos fluoretados.
Quanto ao Índice Comunitário de Fluorose aos 12 anos em Baixo Guandu,
ele foi de 0,79, em Ribeirão Pires/SP, que também fluoreta a água. Em 1997 e
2000, os CFI foram, respectivamente, 0,82 e 0,67 (Cangussu et al., 2000), valores
próximos aos obtidos neste estudo. Em Itarana, aos 12 anos de idade, o CFI foi
0,10 e em Ouro Preto/MG (Barros & Matos, 2005) foi 0,29. Tanto em Itarana
como em Ouro Preto, durante o período de formação e mineralização do esmalte
dentário, os indivíduos não estiveram expostos à água fluoretada, justificando,
assim, os menores valores do CFI.
O máximo de benefício proporcionado pela fluoretação da água é alcançado
com a presença de sinais de fluorose muito leve em uma pequena parcela da
população, sendo considerados como aceitáveis a presença na população de até
15% (Frazão et al., 2004).
Em Baixo Guandu, aos 12 e dos 15 aos 19 anos, respectivamente, 50,4% e
31,1% dos casos de fluorose são muito leve ou superiores, estando, portanto,
acima do limite aceitável. Entretanto, a fluorose dentária somente deve ser
considerada um problema de saúde pública quando um percentual elevado de
indivíduos apresenta as formas moderada e severa, que produzem alterações
funcionais e estéticas no esmalte dentário, e os indivíduos nesta situação necessitam
de tratamento odontológico de alta complexidade (Cangussu et al., 2000). Em
Baixo Guandu, os maiores percentuais foram nos graus muito leve e leve, portanto
não interferindo na qualidade de vida destes indivíduos.
Desta forma, considera-se que medidas mais efetivas para minimizar os riscos
de fluorose dentária deveriam ser adotadas em Baixo Guandu, dentre as quais
assegurar padrões adequados de flúor na água de abastecimento público e
implementar ações que visem reduzir a ingestão de dentifrícios por crianças.
Os resultados obtidos por este estudo não justificam a interrupção da fluoretação
da água, visto o benefício que este método proporciona na prevenção da cárie dentária.
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5 . CONCLUSÃO
Com base nos resultados obtidos, foi possível concluir que os indivíduos
expostos à água fluoretada desde o nascimento apresentam maior prevalência,
severidade e Índice Comunitário de Fluorose.
Existe associação estatisticamente significante entre exposição à água fluoretada
e a prevalência da fluorose dentária.
Em Baixo Guandu houve um aumento da prevalência da fluorose dentária
estatisticamente significante entre as idades de 12 e de 15 a 19 anos.
A fluorose dentária observada neste estudo não é um indicativo para a
suspensão da fluoretação da água de abastecimento público por ela ainda não ser
considerada um problema de saúde pública.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASSIS, G. F.; BUZALAF, M. A. R.; FARIA, F. A. C.; GRANJEIRO, J. A.; TORRES, A. S.;
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