Susan Sou Youn Jhun - Universidade Anhembi Morumbi
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Susan Sou Youn Jhun - Universidade Anhembi Morumbi
UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI SUSANA SOU YOUN JHUN A CERIMÔNIA DO CHÁ COMO ELEMENTO DE CONVIVIALIDADE NA POPULAÇÃO NIPO-BRASILEIRA São Paulo 2012 SUSANA SOU YOUN JHUN A CERIMÔNIA DO CHÁ COMO ELEMENTO DE CONVIVIALIDADE NA POPULAÇÃO NIPO-BRASILEIRA Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Hospitalidade, área de concentração em Planejamento e Gestão Estratégica em Hospitalidade da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação da Profª. Dra. Marielys Siqueira Bueno. São Paulo 2012 SUSANA SOU YOUN JHUN A CERIMÔNIA DO CHÁ COMO ELEMENTO DE CONVIVIALIDADE NA POPULAÇÃO NIPO-BRASILEIRA Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Hospitalidade, área de concentração em Planejamento e Gestão Estratégica em Hospitalidade da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação da Profª. Dra. Marielys Siqueira Bueno. Aprovado em Profª. Dra. Marielys Siqueira Bueno – UAM (SP) Orientadora Profª. Dra. Sênia Regina Bastos – UAM (SP) Profª. Dra. Célia Sakurai – UNICAMP (SP) 4 AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer primeiramente à minha orientadora Marielys Siqueira Bueno pela dedicação, entusiasmo, carinho e principalmente pela excepcional paciência que teve comigo nos momentos difíceis e árduos que foi o processo de elaboração e finalização desta dissertação. Também foi muito importante a participação dos mestres e dos colegas do curso de Cerimônia do Chá na Universidade de São Paulo. Sem o apoio deles e a imensa paciência em responder meus questionamentos, a viabilização deste trabalho não seria possível. Não poderia esquecer o apoio incondicional de todos os professores do Mestrado em Hospitalidade, em especial às professoras Maria do Rosário Rolsen Salles e Sênia Regina Bastos que com toda sua sabedoria contribuíram de forma sempre positiva para a minha pesquisa. E claro, à minha família e aos meus amigos que sempre me incentivaram em todo o processo e principalmente, conseguiram entender a minha falta de disponibilidade para vê-los e atende-los. 5 “Os seres humanos estão “condenados” a conviver solidariamente e como tal a identificar-se, isto é, a construir identidade, enquanto seres de relação. Quando duas subjetividades comunicam, entre um mesmo e o outro surge um “terceiro” que, à partida, estava ausente”. (Isabel Baptista) 6 RESUMO O presente trabalho focaliza a prática da cerimônia do chá na população nipobrasileira da cidade de São Paulo, com o objetivo de apontar os elementos que indicam a contribuição dessa cerimônia no processo de adaptação do imigrante ao novo país. O imigrante precisa reconstruir seus papéis sociais e reavaliar seus valores e condutas para a sua inserção na nova cultura. E para contornar essas dificuldades eles se agrupam e defendem os traços culturais que os identifica. Essa dimensão da preservação da cerimônia do chá, tão importante para o imigrante, se ampliou ao proporcionar uma positiva articulação com os brasileiros não descendentes através da divulgação do ensino da cerimônia do chá. O segundo objetivo é apontar a relação direta entre as características da cerimônia do chá com a concepção da hospitalidade enquanto dádiva do espaço e expansão coletiva da convivialidade. Comprovou-se que a cerimônia do chá possui uma dupla função; manter a tradição japonesa e servir de veículo para a integração não só entre os descendentes de japoneses, bem como entre esses nipo-brasileiros e a população brasileira. Palavras-chave: Hospitalidade. Cerimônia do chá. Convivialidade. Imigração japonesa. 7 ABSTRACT This paper focuses on the practice of tea ceremony in the population Nipo-Brazilian of Sao Paulo city, with the objective of identifying the elements that indicate the contribution of this ceremony for the adaptation of immigrants to the new country. The immigrant must remake their social roles and revaluate their values and behaviors for their inclusion in the new culture. And to overcome these difficulties they group together and defend the cultural traits that identifies them. This aspect of the preservation of the tea ceremony, so important to the immigrant, was expanded to provide a positive connection with the Brazilians not descendants through the dissemination of teaching the tea ceremony. The second objective is to point out the direct relationship between the characteristics of the tea ceremony with the hospitality’s concept as a offer of space and expansion of collective conviviality. It was proved that the tea ceremony has a dual role, maintaining Japanese tradition and serving as a vehicle for integration not only among the descendants of Japanese as well, as between those Nipo-Brazilians and the Brazilian population. Key words: Tea ceremony. Conviviality. Japanese immigration. Hospitality. 8 LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Matcha ...................................................................................................... 19 Figura 2 - Retrato de Murata Shuko ....................................................................... 20 Figura 3 - Sen-no-Rikyu............................................................................................ 21 Figura 4 – Principais utensílios da cerimônia do chá........................................... 25 Figura 5 – planta de Chashitsu................................................................................ 26 Figura 6 – parte interna da sala de chá.................................................................. 26 Figura 7 - Temae........................................................................................................ 27 Figura 8 - kaiseki........................................................................................................ 27 9 SUMÁRIO SUMÁRIO ................................................................................................................................................ 9 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 10 CAPÍTULO 1 A CERIMÔNIA DO CHÁ............................................................................................. 16 1.1 A CERIMÔNIA DO CHÁ OU CHANOYU ............................................................................................. 16 1.2 A ORIGEM DA CERIMÔNIA DO CHÁ, A SUA EVOLUÇÃO E A IDENTIDADE CULTURAL JAPONESA ..... 18 1.3 A CERIMÔNIA DO CHÁ: O RITUAL E SEUS ELEMENTOS .................................................................. 23 1.4 A CERIMÔNIA DO CHÁ E A HOSPITALIDADE ................................................................................... 28 CAPÍTULO 2 A IMIGRAÇÃO JAPONESA ...................................................................................... 33 2.1 O INÍCIO DA IMIGRAÇÃO JAPONESA NO BRASIL E A SITUAÇÃO NO JAPÃO .................................... 33 2.2 A IMIGRAÇÃO JAPONESA: SEU ACOLHIMENTO E DESENRAIZAMENTO........................................... 40 CAPÍTULO 3 A CERIMÔNIA DO CHÁ E A POPULAÇÃO NIPO-BRASILEIRA ...................... 46 3.1 A ORIGEM DO CHANOYU NO BRASIL ............................................................................................. 46 3.2 O CHANOYU E A CONVIVIALIDADE ENTRE OS NIPO-BRASILEIROS ................................................ 49 3.3 O CHANOYU E A CONVIVIALIDADE ENTRE OS NIPO-BRASILEIROS E NÃO DESCENDENTES DE IMIGRANTES JAPONESES .............................................................................................................. 53 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................................ 54 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................. 58 ANEXO A............................................................................................................................................... 62 ANEXO B............................................................................................................................................... 69 ANEXO C............................................................................................................................................... 52 10 INTRODUÇÃO A transposição de fronteiras no movimento de imigração implica num complexo processo de adaptação sociocultural e individual. Seja qual for a forma, as condições e os motivos da imigração, trata-se de um movimento que envolve separação, perdas, rompimentos de vínculos e simultaneamente, o desafio de inserção na nova ordem cultural. Mesmo que a busca de novos lugares e novas experiências signifique, implicitamente, a esperança de novas oportunidades, o imigrante está invariavelmente marcado por estranhamentos, pela dificuldade de construção de uma nova imagem de si mesmo, a inquietação e a dúvida de ser aceito como cidadão. Todo imigrante enfrenta um doloroso processo de separação de sua terra natal e sofre, em maior ou menor grau, com o impacto do confronto perante a nova situação. Esse fenômeno de traduzir as diferenças para permitir a convivência com os novos padrões de comportamento, com as novas formas de sociabilidade é difícil para qualquer imigrante, mas para os japoneses as dificuldades naturais se intensificam devido ao acentuado grau de diferenças, tanto culturais quanto geográficas. Para eles a adaptação exige um esforço muito maior para contornar os hábitos e costumes tão diferentes e muitas vezes em desacordo com suas tradições. Mas a cultura de um grupo étnico não se perde e nem se funde completamente nas especificidades locais. Por mais bem sucedido que seja o processo de adaptação, os traços culturais de origem persistem e se concentram em alguns traços que são mantidos como um elemento constitutivo da afirmação de sua identidade. São lembranças retidas como recursos protetores que os permite suportar a separação e a preservação simbólica dos costumes ausentes num mecanismo de defesa e de adaptação. O próprio processo de socialização dos membros do grupo faz com que as pessoas internalizem os valores, os padrões de comportamento de tal maneira e com tanta intensidade que, no dizer de Ortiz, se consolida um “nós” que se contrapõe a “eles”. 11 Os homens se enraízam em seus países cuja espacialidade constitui os limites míticos e identitários dos grupos sociais que os compõem. Instaura-se assim a existência de um “nós” fonte permanente de referencias e identidade ao qual se contrapõe um “eles”, fora de suas fronteiras, distante, distinto (ORTIZ, 2000, p.137). Assim, o que é externo configura-se distante, estranho, incompreensível, e nessas circunstâncias, o imigrante precisa reconstruir seus papéis sociais e reavaliar seus valores e condutas para a sua inserção na nova cultura e para contornar essas dificuldades, eles se agrupam e defendem os traços culturais que os identifica. E dentre as tradições da cultura japonesa que fazem parte desse processo de preservação dos costumes e tradições, no caso dos imigrantes japoneses em São Paulo, foi escolhida a cerimônia do chá. Pela sua complexidade e pela sua carga simbólica, representa aspectos sociais e mesmo filosóficos dessa cultura milenar. Embora o hábito de tomar chá tenha se originado na China, pode-se dizer que a cerimônia do chá (Chanoyu) é uma das tradições mais representativas do Japão. Depois de centenas de anos sendo usado apenas como bebida medicinal, a bebida oriunda da folha do chá passou a ser o centro das reuniões sociais após ter ultrapassado os limites dos mosteiros e dos templos e passa a atrair todo povo japonês. Hammitzsch (1993, p.92) diz que o sentido original do Chanoyu está “na união harmoniosa entre o céu e a terra e por isso representa um veículo de paz e também um meio de preservar a ordem no mundo”. Segundo ele, atualmente, pode constituir também uma oportunidade para convidar amigos. No entanto, mesmo no sentido social, Sen (1981) diz que a Cerimônia do Chá, ou Chanoyu, que possui o significado literal: água quente para o chá, não deve ser considerada apenas como uma seqüência de gestos, formando um ritual para o simples preparo de uma tigela de chá verde em pó para o convidado. Deve-se levar em conta que o Chanoyu é uma confluência das artes tradicionais do Japão. Por representar um sistema ético, estético e simbólico, o Chanoyu pode ser considerado um campo privilegiado para se observar o processo da adaptação étnica do japonês imigrante e do japonês não imigrante. Além da importância que a cerimônia do chá representa para os japoneses, uma das hipóteses deste trabalho é que ela permite uma importante dimensão do convívio entre os descendentes de imigrantes japoneses. 12 Rocha (1996, p.2) mostra que o Chanoyu “foi transformado pelos imigrantes e seus descendentes no Brasil como representativo de seu ethos japonês”. Além disso, a prática da cerimônia do chá é um evento social no qual os descendentes de imigrantes japoneses aproveitam para socializar-se, além de compartilhar e manter as tradições culturais. Assim, o foco será a cerimônia do chá como elemento de convivialidade entre os praticantes na Casa de Cultura Japonesa (Bunkyo) do Bairro da Liberdade e da Universidade de São Paulo, ambas na cidade de São Paulo. Pretende-se buscar elementos que indiquem a contribuição dessa cerimônia para a preservação das tradições japonesas e se ela facilita a adaptação dos imigrantes japoneses no Brasil. Outra questão a ser focalizada é a divulgação do ensino da cerimônia do chá sobre o ponto de vista do acolhimento dos brasileiros não descendentes. Sabe-se que um dos elementos cruciais para a adaptação do imigrante é o grau de abertura e de aceitação da sociedade acolhedora. E com o mesmo grau de importância e de influência, é a forma de acolhimento e abertura com que o imigrante recebe a sociedade acolhedora, ou seja, o que vai facilitar a adaptação do imigrante é a hospitalidade com que ambas as partes estão dispostas a oferecer. Hospitalidade aqui ganha o sentido “maussiano” do termo, ou seja, entende-se hospitalidade enquanto dimensão da dádiva. Esse conceito foi elaborado por Marcel Mauss ao mostrar que a vida social se constrói por um constante e interminável ciclo de dar-receber-e-retribuir. Assim a dádiva como “forma de circulação de bens a serviço dos vínculos sociais, constitui um elemento essencial a toda sociedade” (GODBOUT, 1999, p. 29). Godbout diz ainda que “a dádiva vence a oposição entre o indivíduo e o coletivo fazendo das pessoas membros de um conjunto concreto mais vasto” (p.29). É nesse sentido e nessa direção que a hospitalidade enquanto dádiva do espaço, vai possibilitar a formação de vínculos sociais fazendo a ponte que une o “nós” e os “outros” eliminando o distanciamento das diferenças. Caillé (2002) também aponta esse aspecto da dádiva, e consequentemente da hospitalidade, dizendo que ela sela a aliança entre as pessoas numa sociabilidade, que ele chama de primária, estruturando as relações. Dessa forma, a cerimônia do chá está inserida na hospitalidade na medida em que seu exercício incentiva o convívio entre os praticantes, os nipo-brasileiros. E se abre, mesmo que timidamente, para a cultura local. 13 Atualmente existem diferentes estudos e publicações sobre a cerimônia do chá abordando a origem do seu desenvolvimento até os dias de hoje, descrevendo as técnicas do ritual, revelando os gestos simbólicos, descrevendo a origem e as qualidades requeridas dos utensílios necessários para a prática. Nesses estudos também encontramos detalhadamente as prescrições sobre o chá e os alimentos recomendados. São estudos que abrangem todos os aspectos da cerimônia do chá, incluindo a decoração do ambiente e as vestimentas dos praticantes. Porque nada é dispensável, todos os detalhes incorporam uma dimensão, um sentido e um propósito importante dentro da cerimônia do chá. Também não há muita dificuldade em verificar estudos sobre a cerimônia do chá que abordem mais especificamente a cerimônia como uma filosofia de vida. Ainda é possível encontrar trabalhos cujo objetivo se fixa na identidade cultural dos japoneses e a situação dos japoneses imigrantes e seus descendentes no Brasil. Essa dimensão que diz respeito aos aspectos de convivialidade, de adaptação e de abertura para a sociedade acolhedora vai ser então o primeiro objetivo desta pesquisa. Buscou-se verificar se a cerimônia do chá é praticada como uma atividade importante, motivando um maior convívio entre os descendentes de imigrantes japoneses. Para a compreensão dos elementos significativos que compõem a cerimônia do chá, foram consultados vários autores. Soshitsu Sen XV, através de seu livro Vivência e sabedoria do chá, foi importante por apontar os significados profundos subjacente aos gestos ritualizados. H. Hammitzsch em Zen na arte da cerimônia do chá foi igualmente importante por delinear o trajeto evolutivo da cerimônia e por apontar o verdadeiro sentido dos ensinamentos do chá. Contou-se, também, com a ajuda esclarecedora de Cristina Moreira da Rocha através de sua dissertação de mestrado intitulada A cerimônia do chá no Japão e sua reapropriação no Brasil: uma metáfora de identidade cultural do japonês. Essa dissertação foi apresentada em 1996 na Universidade de São Paulo. O Livro do chá, de Kakuzo Okakura oferece uma reflexão, a partir da história e da descrição da cerimônia do chá, e de forma lírica faz considerações filosóficas sobre o antagonismo entre a tradição e a modernidade. Foi muito útil também, a publicação Chanoyu, arte e filosofia e Chadô: introdução ao caminho da Cerimônia do Chá, ambos publicados pelo Centro de Chado Urasenke do Brasil. 14 A questão imigratória foi abordada tendo como principais referências os trabalhos de Célia Sakurai que trata amplamente a questão da imigração japonesa; também o artigo de Shuhei Hosokawa que analisa a questão dos nikkeis no Brasil; o processo de separação analisado por Francisco Hashimoto auxiliou na compreensão do processo de imigração; Fernando Moraes através de um trabalho investigativo mostrando toda a dificuldade de uma parte dos imigrantes japoneses em aceitar a derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial; e o trabalho de Alexandre Ratswo Uehara para a compreensão do processo de integração e assimilação. O processo de integração e de assimilação pressupõe um conjunto de fatores que favorecem ou dificultam a criação de conexões que originam as redes de relações humanas. Para perceber a dinâmica dos relacionamentos estabelecidos pelos imigrantes e pelos brasileiros que configurassem o acolhimento e a hospitalidade, valeu-se dos autores como Isabel Baptista, Jacques Godbout, Alain Caillé, Luiz Octávio de Lima Camargo, que ampliaram a noção de hospitalidade, de espaços de hospitalidade e também a dinâmica das relações e da formação dos vínculos sociais. Inicialmente a pesquisa teve um caráter exploratório com base numa revisão bibliográfica e documental visando maior familiaridade com a cultura japonesa e com a problemática da questão imigratória em São Paulo. Em seguida, foi necessário em função dos objetivos pretendidos, utilizar a pesquisa de campo, para uma aproximação com a realidade do grupo e aplicação de entrevistas com base qualitativa e explicativa. Ainda com o intuito de uma maior aproximação que ajudasse a compreender o sentido das práticas culturais, foi realizado como aluna, um curso de cerimônia do chá no Centro Urasenke do Brasil. Esse curso permitiu um maior conhecimento das implicações simbólicas, culturais e mesmo filosóficas dessa cerimônia. Mas, permitiu principalmente através do convívio com os colegas, a oportunidade de realizar entrevistas semi-estruturadas com alunos, professores e praticantes da cerimônia do chá. Os entrevistados foram selecionados dentro do grupo de praticantes da cerimônia do chá nas Casas de Cultura Japonesa (Bunkyo) do Bairro da Liberdade e da Universidade de São Paulo, ambas na cidade de São Paulo, sendo preferencialmente descendentes de imigrantes japoneses, sem limitação de idade e de sexo. 15 A apresentação dos resultados obtidos está distribuída em 3 capítulos. No primeiro pretendeu-se apresentar o significado, tanto literal como simbólico da cerimônia do chá ou Chanoyu. Em seguida, para a contextualização da cerimônia, foram apresentados os aspectos históricos, ou seja, com surgiu a cerimônia, como ela evoluiu e qual o seu papel e o seu lugar na atualidade, sempre relacionada à identidade cultural japonesa. Esse capítulo segue com a explicação das etapas do ritual, nomeando seus agentes e todos os elementos físicos que envolvem a cerimônia do chá, tais como: sala, arranjos florais, desenho e caligrafia, cerâmica, chá, alimentos, vestimentas etc. Ainda abrange a Cerimônia do Chá e sua relação direta com a hospitalidade, principalmente na questão do acolhimento e da convivialidade. No segundo capítulo, buscou-se fazer uma caracterização da imigração japonesa em São Paulo procurando conhecer as motivações para partir a um país tão diferente, o impacto do confronto com as diferenças culturais e as impressões que tiveram do acolhimento da sociedade receptora. Evidentemente, para uma melhor compreensão dos motivos da imigração foi necessário descrever a situação do Japão e as condições que motivaram a mudança. Além disso, as condições desta mudança permitiram uma melhor avaliação da situação de integração na cidade de São Paulo, especialmente no bairro da Liberdade. O terceiro capítulo se volta inteiramente para a cerimônia do chá buscando a vinculação da sua essência com a sua potencialidade e com as características favoráveis aos aspectos de acolhimento e da convivialidade. Nesse aspecto, o objetivo deste trabalho consiste em compreender as vivencias dos imigrantes na cerimônia do chá no seu processo de integração, acomodação e convívio. 16 Capítulo 1 A CERIMÔNIA DO CHÁ 1.1 A cerimônia do chá ou Chanoyu Embora o hábito de tomar chá tenha se originado na China, a cerimônia do chá tornou-se uma das tradições mais representativas do Japão. Rocha lembra Paul Varley que o Chanoyu seria “um tipo de recriação em miniatura de um ideal hipotético do padrão japonês de comportamento” (Varley, 1991, p.189 apud Rocha, 1996, p. 2) O Chanoyu ou a cerimônia do chá como é conhecida no Brasil, tem como tradução literal “água quente para o chá” e é o termo utilizado para “[...] designar a cerimônia como objeto de prática e ensino (ROCHA, 1996, p. 1).” A Cerimônia, ou Chanoyu (água quente para o chá), apesar de consistir no simples preparo de uma tigela de chá verde em pó para o convidado, pela atmosfera de paz e relaxamento, pelo ambiente de requintada simplicidade, pelo exercício constante das artes tradicionais do Japão que nela se encontram, pela filosofia e significado profundo, subjacentes a cada gesto do rígido ritual, é na realidade muito mais que isso: ela é a “expressão simbólica de toda uma arte de viver em harmonia perfeita”, esta arte de viver com simplicidade e bom gosto, tão tipicamente japonesa (SEN, 1981, p.18). Outro termo associado à cerimônia do chá é Chado que significa literalmente “caminho do chá” e se refere a “[...] cerimônia do chá quando encarada de um ângulo filosófico-religioso (ROCHA, 1996, p. 1).” A verdadeira compreensão do Caminho do Chá só pode ser alcançada a partir de suas raízes – através da história das suas origens e do seu desenvolvimento. Embora o hábito de tomar chá, mesmo de uma forma cerimoniosa, já fosse conhecido no Japão desde épocas remotas, o que hoje temos por Caminhos do chá é mais do que uma particular forma de bebê-lo. [...] só pode ser realmente compreendida quando estamos cientes de todas as influências que o fazem crescer e se transformar, no decorrer de um longo processo de maturação. [...] Um caminho vem de algum lugar e leva a algum lugar. Seu objetivo é a compreensão dos valores eternos, a compreensão da Verdade. O Caminho age como um severo guardião da tradição [...] mantém um vínculo inquebrantável entre o passado, o presente e o futuro. Esse é o fundamento sobre o qual se baseia a relação mestre-discípulo, tão importante para o desenvolvimento das artes japonesas (HAMMITZSCH, 1993, p. 27). 17 Apesar do conceito da cerimônia do chá ser considerado por alguns mestres uma fusão dos significados e abrangências dos termos Chanoyu e Chado, as essências de cada termo já determinam diferentes enfoques na prática da cerimônia do chá. A análise e a pesquisa desta atividade, neste sentido, também podem apresentar abordagens variadas. Neste trabalho não será realizada uma análise aprofundada da natureza religiosa e filosófica da cerimônia do chá. Se tentará verificar o que é Chanoyu em diferentes âmbitos, no entanto, sem aprofundar a definição de Chado, visto anteriormente. Como se verá no decorrer deste capítulo, o Chanoyu não pode ser considerado apenas como a prática e ensino do simples ato de servir o chá. Segundo a definição mais abrangente do Centro de Chado Urasenke do Brasil, a cerimônia do chá alcança diferentes âmbitos, tornando-a num evento complexo e multidisciplinar. O Chanoyu é constituído de quatro fatores: o social, o cerimonial, o do treinamento [...] e o artístico. Estes quatro fatores, embora possam, via de regra, se contradizer ou se rechaçar mutuamente, e, podem também se combinar ou se atrair. [...] Os conceitos Social, Cerimonial ou Treinamento são de fácil compreensão do ponto de vista do Chá. O conceito treinamento, por exemplo, considera o Chanoyu como Chado, ou seja, um caminho de aprimoramento espiritual que exige devolução sem esmorecimento (CENTRO DE CHADO URASENKE DO BRASIL, 1995, p. 28). Segundo o Centro Urasenke (1995), a cerimônia do chá concentra a natureza cerimonial, mas não se restringe apenas a isso. Para compreender o significado de Chanoyu há que aprofundar-se em outros setores das artes em geral como arquitetura, decoração, paisagismo, pintura, gastronomia, etc. A elaboração [e a compreensão] da idéia [do Chá como arte] necessita do espaço e do momento para sua expressão, e esse espaço se encontra dentro da relação que compreende [...] a reunião para o chá, desde as configurações [...] do recinto para o chá e [...] da passagem do jardim até a escolha dos utensílios e disposição dos mesmos, bem como a forma de receber os convidados (CENTRO DE CHADO URASENKE DO BRASIL, 1995, p. 28). Além dos quatro âmbitos citados anteriormente (social, cerimonial, do treinamento e artístico), o Grão Mestre Sen Sôshitsu, ampliou ainda mais o conceito 18 do Chanoyu, relacionando também a natureza religiosa e filosófica, defendendo uma compreensão da Cerimônia do Chá como Caminho do Chá (Chado). Seja o Chanoyu ou Chado, os conceitos destes demonstram que o chá não é apenas uma bebida para aplacar a sede ou para fins medicinais, a cerimônia é uma experiência muito mais complexa. Segundo os preceitos do Centro Urasenke, o Chanoyu não pode ser visto apenas como meramente cerimonial ou como uma sucessão de procedimentos, dando origem a um ritual. A relação entre o anfitrião e o convidado é um dos princípios elementares do Chanoyu e esta relação será associada à hospitalidade na questão da dádiva e analisada com mais profundidade no quarto item deste mesmo capítulo (1.4). O convidado acompanha o temae do anfitrião, ao mesmo tempo que observa a sua habilidade em adornar o lugar do Chá, escolher e dispor os utensílios, gozando do ambiente artístico criado com requinte. O anfitrião, por sua vez, enquanto executa o temae, com os utensílios preparados por ele mesmo para o convidado, preocupa-se em transmitir a sua sincera intenção. Se houver algum convidado que reconheça e valorize a sua arte, pelo seu modo de ser e reconhecimento, será motivo de satisfação para o anfitrião (CENTRO DE CHADO URASENKE DO BRASIL, 1995, p. 30). 1.2 A origem da cerimônia do chá, a sua evolução e a identidade cultural japonesa A origem do chá no Japão advém da introdução desta infusão vinda da China pela primeira vez no período Heian (794-1192). No início esta bebida era tomada apenas como medicamento, provavelmente associada ao sabor ligeiramente amargo que tinha nos primórdios. Em seguida, devido ao valor do chá, era apreciado exclusivamente pelo imperador e pela elite japonesa, além dos sacerdotes, principalmente os praticantes da seita Zen. Os monges zen-budistas o utilizavam como estimulante para se manterem acordados durante a meditação no período da noite e como oferenda no altar budista. (SEN, 1981) O interesse pelo chá aumentou no século XII quando Eisai (1141-1215), monge zen-budista, difundiu a prática de bebê-lo na forma como é tomada atualmente na cerimônia do chá, ou seja, o chá verde em pó (matcha) que é batido com água quente até formar uma espuma na superfície (ROCHA, 1996). 19 Figura 1 – Matcha Fonte: http://cultura-japonesa.blogspot.com/2011/10/matcha.html Sen (1981) afirma que só no século XIV, foi possível notar o uso do chá fora dos palácios e mosteiros, pois acabou tornando-se um hábito entre os samurais, difundindo-se até as comunidades rurais. Neste período, o ato de beber o chá se transformou numa forma de entretenimento. Nas reuniões de chá (cha-yorai) aconteciam algumas competições entre a elite dos samurais, entitulado tocha, com o intuito de degustar e diferenciar os diversos tipos de chá regionais japoneses. Juntamente ao serviço do chá, haviam outras formas de diversão como música, danças, poesia e sake (bebida fermentada de arroz). Nesta época, durante o período Muromachi (1336-1568), o chá também era servido com o objetivo de demonstrar poder e refinamento pela nobreza e elite guerreira. Esta imagem estava associada principalmente à construção de pavilhões luxuosos com o intuito de sediar as reuniões de chá e ainda, ao uso e à contemplação de objetos chineses e coreanos como a porcelana, a cerâmica e os utensílios de chá, altamente admirados na época (SEN, 1981). É possível verificar ainda uma mudança no comportamento da elite ligado ao chá no século XV, quando o ato de beber o chá começou a ocupar um lugar de destaque em reuniões sociais, obtendo um aspecto mais cerimonial que festivo, característica destacada no século anterior. Segundo Sen (1981) foi importante a atuação do monge Murata Shukô (14221502) que aproximou ainda mais a cerimônia do chá, vista como Chado, ao Zen. Durante o seu trabalho junto ao seu patrono, o shogun Ashikaga Yoshimasa, 20 projetou o que é considerado um dos elementos mais importantes da cerimônia, uma sala de chá de quatro tatami e meio, medida tomada até hoje e considerada pelos praticantes a ideal. Figura 2 - Retrato de Murata Shuko Fonte: http://www.teeweg.de/de/literatur/juko/haupt.html Shukô foi escolhido por Yoshimasa como o primeiro Mestre do Chanoyu e como tal, iniciou a valorização do uso de utensílios de chá com procedência japonesa, antes desvalorizados em relação aos similares chineses e coreanos. Mas a importância deste monge advém de sua dedicação em adaptar a cerimônia do chá aos preceitos japoneses, pois elaborou as normas de sua regulamentação baseadas no código moral e de conduta dos samurais e nas regras de etiqueta exigidas durante as refeições dos monges zen-budistas. E ainda com a influência do zen-budismo é possível identificar a propagação de austeridade e simplicidade aplicadas ao chá, preconizando um novo tipo de cerimônia. Onde o trabalho de preparação de chá pelo anfitrião representava o desejo de executar o serviço mais humilde perante aos convidados. Este novo estilo, chamado de wabi, também é atribuído à Shukô que preconizava o chá como uma bebida que deveria ir além das funções medicinais e de entretenimento, deveria ser uma via de iluminação (SEN, 1981). No entanto, a elaboração da estrutura definitiva de como é a cerimônia do chá até os dias atuais, é atribuída a Sen-no-Rikyu (1522-1591). Num período conturbado, quando havia muitas guerras e a tentativa de unificar o país, Rikyu reiterou o conceito do belo na cerimônia do chá associado ao despojamento e à 21 simplicidade (wabi), qualidades que predominavam no gosto japonês da época voltado ao essencial. Figura 3 - Sen-no-Rikyu Fonte: http://www.newworldencyclopedia.org/entry/Sen_no_Rikyu Baseado nestas características, este mestre criou o modelo da cabana de chá, o chashitsu, que passa a imagem da simplicidade de uma cabana de camponeses. Junto ao chashitsu, também foi estruturado um jardim lembrando uma paisagem montanhosa, favorecendo a meditação ao longo da cerimônia. Ainda toda a decoração foi planejada a causar a impressão de um ambiente mais sóbrio para a realização da cerimônia. Estes elementos tais como foram descritos são fundamentais e persistem atualmente (SEN, 1981). Rikyu pregava que o “Caminho do Chá” deveria se sustentar em quatro pilares: a Harmonia, o Respeito, a Pureza e a Tranqüilidade. Estes quatro princípios formam atualmente o fundamento filosófico do Chanoyu. O “homem de chá” (chajin) deve saber criar na sala de chá, através do rígido ritual e de sua participação total, a atmosfera adequada para que esses princípios sejam sentidos e vividos intensamente, por um momento, único e irrepetível, por todas as pessoas participantes da Cerimônia (SEN, 1981, p. 17). 22 Após Sen-no-Rikyu, sucederam diferentes mestres. Posteriormente seu neto Sotan e seus três filhos difundiram o estilo wabi (que prega a simplicidade) e no século XVII, os bisnetos do grão-mestre fundaram cada um a sua própria escola com estilos distintos: Omotesenke, Mushanokojisenke e Urasenke. Esta última será a referência para o desenvolvimento deste trabalho, tanto na questão da pesquisa bibliográfica quanto à definição do objeto de estudo (participação em curso de cerimônia do chá e entrevistas dos praticantes). Apenas no final do século XIX, esta arte que era exclusivamente masculina sofreu uma adaptação. Foi permitido às mulheres praticarem oficialmente e abertamente a cerimônia do chá, sendo possível obter certificados e até tornarem-se professoras (ROCHA, 1996). Posteriormente, o ensino do Chanoyu foi inserido no currículo das escolas femininas e popularizou-se, sendo ensinado também em templos budistas. Com isso o ensino e a prática da cerimônia do chá pôde finalmente alcançar todas as classes sociais, diferente da época de sua origem, quando era voltada à elite japonesa. O interesse pela cerimônia do chá no ocidente foi despertado quando Kazuko Okakura publicou nos Estados Unidos em 1906 o seu livro “The Book of Tea”. Além de ser provavelmente o primeiro texto a ser escrito no idioma inglês que faz referência exclusiva à cerimônia do chá, também era um dos poucos livros a abordar o modo de vida e o pensamento do povo japonês de maneira mais aprofundada. Atualmente o décimo quinto descendente de Rikyu e grão-mestre do Centro Urasenke, Sen-Shoshitsu XV, se dedica a difundir os princípios da cerimônia do chá fora do Japão. A sua principal crença é a possibilidade de mesmo inserido no mundo moderno, o homem é capaz de encontrar “a paz numa xícara de chá”. O ritual, a concentração, o desenvolvimento rítmico de uma Cerimônia do chá levam à meditação, à tranqüilidade, à paz interior, tão almejadas e tão dificilmente alcançadas no mundo agitado de hoje (SEN, 1981, p. 19). Segundo Rocha (1996), a cerimônia do chá no Japão passou por uma evolução ao longo do tempo, refletindo os valores culturais de cada época. A princípio, usado como medicamento, o chá passou a ter um significado cerimonial. E de arte destinada apenas à elite e exclusivamente masculina no século XVI, se transformou em arte das massas e numerosamente feminina no século XX. Os homens usaram o Chanoyu com o objetivo de fazer política e ascender socialmente 23 enquanto as mulheres desde o século passado o usam para o aprendizado da etiqueta feminina. E de arte essencialmente religiosa e ritualística acabou assumindo a forma de transmissão de valores culturais genuinamente japoneses e geralmente laicos. A cada nova adaptação – que ocorreu como resposta dinâmica às mudanças na sociedade japonesa – houve uma tentativa de mantê-lo no centro da vida cultural japonesa. Devido a estes inúmeros ajustes, o chanoyu continua ainda hoje sendo visto pelos japoneses como o principal veículo de transmissão de cultura e valores tradicionais de seu país (ROCHA, 1996, p.6). Okakura (2008) buscou transmitir a essência do Chanoyu como forma da vida cultural japonesa, demonstrando que a cerimônia do chá poderia ser vista como uma síntese das artes tradicionais. Durante o período medieval, após a queda da casa imperial com o processo de unificação do país, os mestres de chá eram considerados os guardiões dos tesouros históricos. O Chanoyu poderia ser considerado como a arte aglutinadora dos aspectos mais significativos da vida e da cultura japonesa. O seu estudo incorpora as diferentes artes tradicionais japonesas: arquitetura, paisagismo, pintura, caligrafia, arranjo floral, cerâmica, gastronomia, vestimenta, etc. Devido a todas estas adaptações em sua forma e no público a quem se destina, além de ser uma arte dinâmica, a cerimônia do chá possui uma forte simbologia. O Chanoyu, portanto, pode ser o representante legítimo do povo japonês (ROCHA, 1996). Em virtude desta qualidade plástica, o chanoyu se naturalizou e ainda hoje se coloca como um nicho, um lugar privilegiado, no qual aos olhos do japonês o “verdadeiro espírito japonês”, seu passado puro, habita intacto. [...] Se os japoneses de hoje ainda vêem o chanoyu como incorporador e transmissor da “alma japonesa”, também para os imigrantes japoneses e seus descendentes no Brasil seu prestígio é inegável (ROCHA, 1996. p.42). 1.3 A cerimônia do chá: o ritual e seus elementos Para a cerimônia do chá existem dois protagonistas principais: o anfitrião e o convidado. Caso haja mais de um convidado, há sempre um que será o primeiro ou o principal em relação aos outros. 24 Normalmente o Chanoyu é planejado e executado para que seja um conjunto de acontecimentos diferentes do cotidiano, ou seja, eles convergem para um momento único tanto para o anfitrião como para os convidados. A seqüência de movimentos (Temae), os utensílios específicos (Dogu) e a sala de chá (Chashitsu) são planejados em detalhes e esses três itens são os elementos essenciais do Chanoyu. O diálogo entre o anfitrião e o convidado, a atenção e o cuidado são propósitos do cotidiano que foram convertidos em temae, ou seja, os movimentos foram adequados ao princípio da naturalidade. Portanto, podemos dizer que o Chanoyu se constitui tendo como premissa a aquisição do pleno domínio do modo do procedimento do chá (CENTRO DE CHADO URASENKE DO BRASIL, 1995, P. 29). Segundo o centro de Chado Urasenke do Brasil (1995), o Chanoyu está baseado em quatro princípios elementares: - Harmonia (Wa): faz referência à comunhão entre o anfitrião e o convidado. O ambiente e os movimentos (gestual) planejados são fundamentais neste princípio. - Respeito (Kei): princípio fundamentado no respeito aos convidados e aos objetos escolhidos especialmente para a cerimônia. - Pureza (Sei): série de atos e gestos pra purificar o ambiente e os objetos. - Tranqüilidade (Jaku): estado necessário para a devida concentração e a sucessão correta de atos e gestos durante a cerimônia. Também foram criadas sete normas para que a cerimônia transcorra bem: - preparar o chá de maneira correta e que seja saboroso, seguindo temperatura e qualidade adequadas da água, além do tipo e qualidade do chá; - colocar o carvão corretamente, de maneira que favoreça o aquecimento da água; - a flor para decorar o ambiente deve ser escolhida e colocada com o objetivo de recriar a natureza; - no Verão, demonstrar frescor; - no Inverno, demonstrar calor; - respeitar o horário marcado para o início da cerimônia, recomenda-se chegar antes do agendado; - sempre preocupar-se primeiro com o outro. Os utensílios de uso específico para a cerimônia do chá podem ser apontados na figura a seguir: 25 Figura 4 – Principais utensílios da cerimônia do chá Fonte: Ohki (2009) Com base na Figura 4 é possível listar os principais utensílios usados na cerimônia do chá: 1- Chaire: recipiente para armazenar o chá; 2- Chasen: batedor de chá; 3- Chashaku: espátula para chá 4- Chashitsu: sala de chá; 5- Chawan: tigela para servir chá; 6- Futaoki: base de bambu para apoiar concha; 7- Hishaku: concha para pegar água; 8- Kama: recipiente para esquentar água; 9- Kensui: tigela para armazenar água a descartar; 10- Mizusashi: recipiente para armazenar água fria; 11- Ro: fogareiro; 12- Tatami: base do piso. 26 Os elementos do Chanoyu podem seguir três categorias distintas: a formal (Shin), a semi-formal (Gyo) e a informal (So). Isto significa que tanto a seqüência de procedimentos (Temae), os utensílios específicos (Dogu) e a sala de chá (Chashitsu) seguirão a categoria adotada pelo anfitrião e pelos convidados, de acordo com a formalidade da ocasião. Figura 5 – planta de Chashitsu http://en.wikipedia.org/wiki/Chashitsu Figura 6 – parte interna da sala de chá http://www.artsmia.org/art-of-asia/architecture/japanese-teahouse.cfm Já a seqüência de movimentos e procedimentos para fazer e servir o chá ou Temae pode ser de diferentes tipos. A escolha de um tipo específico também dependerá da ocasião, não só na questão da formalidade, mas também a estação 27 do ano, relação com alguma festividade, o horário, o grau de domínio do anfitrião em relação às técnicas necessárias para o Temae, etc. Figura 7 - Temae Fonte: autoria própria Também há variações na cerimônia do chá quanto à concentração de chá, podendo ser Fraco ou Forte. A escolha entre estas duas opções dependerá se o Chanoyu está inserido ou não numa refeição completa, chamada Kaiseki e também em qual momento da refeição o chá será servido. Figura 8 - kaiseki Fonte: autoria própria 28 O Temae é composto basicamente de seis etapas (para maiores detalhes vide passo a passo em anexo A): - organização dos utensílios; - purificação dos utensílios; - aquecimento da tigela e do batedor de chá; - elaboração do chá; - lavagem da tigela e batedor; - limpeza da espátula de chá e recolocação dos utensílios. Antes do Temae quando o chá é servido, usualmente é oferecido um doce. Este momento também possui um ritual a ser seguido. E terminado o Temae, portanto após o serviço e a degustação de chá, o convidado principal retribui admirando e elogiando os utensílios de chá e o ambiente. Durante a cerimônia, tanto o anfitrião como os convidados devem seguir as normas de etiqueta (vide anexo B). 1.4 A cerimônia do chá e a hospitalidade A própria natureza da cerimônia do chá é um ato de hospitalidade e ela constitui um aspecto importante e acolhedor da cultura japonesa. Na sua estrutura, onde se prescreve uma meticulosa preparação para receber o outro, atesta a atitude hospitaleira da cerimônia e evidencia todo o seu potencial para uma expansão coletiva das relações sociais. ‘Respeito’ é a sinceridade do coração que nos liberta para um relacionamento aberto com o nosso ambiente imediato, com o ser humano e a natureza, reconhecendo a dignidade inata de cada um. Antes de tudo, através da etiqueta do chá o ‘respeito’ dá a estrutura a uma reunião e ordena o intercâmbio entre os participantes (Sen XV 1981, p. 25). É importante levar em conta o caráter eminentemente simbólico de toda a cerimônia. Se levarmos em conta que “o ritual é um sistema cultural de comunicação simbólica. Ele é constituído de seqüências ordenadas e padronizadas de palavras e atos, em geral expressos por múltiplos meios” (Tambiah, 1985 apud PEIRANO, 2003, p. 11). E nesse sentido, o ritual da cerimônia tem uma importância fundamental para os imigrantes e seus descendentes, pois é uma maneira eficiente de manter as tradições. 29 Peirano (2003, p. 10) ainda defende que o ritual hoje é “um fenômeno especial da sociedade, que nos aponta e revela representações e valores de uma sociedade, mas o ritual expande, ilumina e ressalta o que já é comum a um determinado grupo”. E este pode ser utilizado como ferramenta para transmissão de valores e conhecimentos, propícios nos momentos de conflitos e essenciais para reproduzir as relações sociais. Portanto, segundo ele, sua prática tem a função específica de construção e manutenção de laços sociais duradouros. A importância dele reside no fato de ser um fenômeno de comunicação e produzir valores sociais durante a sua performance. Na presença do outro ser humano, estamos face a um outro mundo interior, povoado de segredos, de memórias, de temores e de sonhos. O mistério que próprio da subjetividade humana nunca poderá ser possuído como coisa ou alimento, o que não significa que não se pode (ou deve) tentar a relação com esse mistério criando lugares de comunicação, de contato e de proximidade. (Baptista 2002, p. 157). Quando se considera a cerimônia do chá com todos os seus aspectos simbólicos e com todo o seu conteúdo voltado para um relacionamento privilegiado com o ‘outro’, podemos avaliar o papel integrador que ele exerce na condição do imigrante. Despojado das suas condições sociais de origem, com os modos de vida alterados, a cerimônia do chá vai dar para os descendentes e para os não descendentes uma ligação simbólica com o Japão além de oferecer um lugar, um espaço, ainda que pequeno, para a aproximação com os brasileiros. Os depoimentos de vários brasileiros que frequentam o curso de cerimônia do chá confirmam essa aproximação e acrescentam que o curso lhes permitiu uma maior valorização da cultura japonesa. Isso aponta para a dimensão importante de hospitalidade inerentes à cerimônia. Quando se toma a hospitalidade como um encontro que se caracteriza pelo acolhimento, é importante ressaltar que nesse aspecto a hospitalidade é vista enquanto dimensão da dádiva. Ao vincular a dimensão social da dádiva ao conceito da dadiva amplia-se o valor social dessa prática porque é ela que fundamenta a sociabilidade. Como ressalta Baptista (2002, p.159) “radicada nesses pressupostos antropológicos, a hospitalidade surge como um acontecimento ético por excelência, devendo dizer respeito a todas as práticas de acolhimento. 30 Uma vez que o aspecto mais significativo da cerimônia do chá é justamente o que se refere à problemática relacional do imigrante é a sua dimensão acolhedora e hospitaleira, portanto ao associá-lo ao conceito da dádiva como base da sociabilidade pode-se avaliar o verdadeiro valor dessa cerimônia . Os estudos que focalizam a hospitalidade no sentido maussiano da dádiva, convergem para as mesmas palavras-chave: acolhimento, convivialidade, dádiva e relação com o outro. Segundo Baptista (2002, p. 157), a hospitalidade pode ser definida “como um modo privilegiado de encontro interpessoal marcado pela atitude de acolhimento em relação ao outro”. Para Bueno (2003. p. 113) “entre as várias tentativas de definí-la [hospitalidade], o ponto comum seria a abertura para o acolhimento, e esse acolhimento já foi um dever sagrado, moral e social e sempre teve aspectos diversos, porisso ela defende que “as trocas que se estabelecem nessas relações ocorrem em uma multiplicidade de formas, práticas e estilos de hospitalidade, formando um campo privilegiado para o entendimento das relações socioculturais”. Quanto se fala em hospitalidade vinculada ao conceito da dádiva é em referência à Teoria da Dadiva elabora Marcel Mauss, que através de pesquisas junto a populações classificadas como arcaicas, analisou as relações humanas numa dimensão que ele próprio define como dádiva. Segundo ele seria através das relações de dar, o receber e o retribuir os indivíduos de uma sociedade criariam vínculos sociais que seria o alicerce da sociabilidade. Ele esclarece que as trocas e os contratos estabelecidos entre os indivíduos e as comunidades não são exatamente de bens materiais. Nas economias e nos direitos que precederam os nossos, não se observam nunca, por assim dizer, simples trocas de bens, de riquezas e de produtos no decurso de um mercado passado entre os indivíduos. Em primeiro lugar, não se trata de indivíduos, trata-se de coletividade que se obrigam mutuamente, trocam e contratam; [...] o que eles trocam não são exclusivamente bens e riquezas, móveis e imóveis, coisas úteis economicamente. São antes de mais, amabilidade, festins, ritos, serviços militares, mulheres, crianças, danças, festas, feiras (MAUSS, 2001, p. 55). Já Godbout (1999), analisa as relações humanas também sob a dimensão da dádiva, baseado nos estudos de Mauss, mas na ótica do mundo contemporâneo. Seu primeiro questionamento é sobre a existência da dádiva na atualidade, algo tão evidente nas populações pesquisadas por Mauss. Ele avalia que mesmo em tempos 31 atuais, quando os vínculos humanos são cada vez mais difíceis e complexos, a dádiva permanece indo além do simples pólo egoísmo e altruísmo. [..] a dádiva serve, antes de mais nada, para estabelecer relações. E uma relação sem esperança de retorno (por parte daquele a quem damos ou de outra pessoa que o venha a substituir), uma relação de sentido único, gratuita nesse sentido e sem motivo, não seria uma relação. [...] é preciso pensar na dádiva não como uma série de atos unilaterais e descontínuos, mas como relação (GODBOUT, 1999, p. 16). No caso da cerimônia do chá, é clara a relação humana baseada na hospitalidade, na dádiva e nas questões relacionadas e elas: o acolhimento e a convivialidade, principalmente no vínculo estabelecido desde o princípio (já com o convite) entre o anfitrião e o convidado. Como o Chanoyu se baseia no ritual de servir o chá todo planejado pelo anfitrião para seus convidados, pode-se dizer que a cerimônia do chá é um exemplo de hospitalidade, no âmbito da dádiva. As etapas descritas anteriormente neste trabalho deixam evidentes que todos os elementos (ambiente, utensílios, gestos/ritual) que compõem a cerimônia foram estabelecidos para servir o outro. Durante a cerimônia em si e principalmente ao final, os convidados agradecem este momento específico e elogiam o cuidado e a atenção do anfitrião, demonstrando a dádiva e seus três pilares (dar, receber e retribuir) tão defendidos por diferentes pesquisadores Os próprios praticantes do Chanoyu defendem que uma das principais bases da cerimônia é a relação do anfitrião-convidado, pois a ética da cerimônia enfatiza o respeito mútuo, a sinceridade, a confiança e o senso de humildade que faz desaparecer toda diferença social. É uma atitude especial de respeito que se estende aos objetos e às palavras Além dos gestos, também é necessário relacionar a importância das palavras durante a cerimônia do chá. À medida que se transcorre o serviço de chá e sua degustação, o anfitrião e os convidados seguem uma etiqueta, gerando um desencadeamento de palavras e frases para demonstrar o prazer de servir por parte do anfitrião e também uma série de agradecimentos por parte dos convidados. Uma parcela não negligenciável de nossas trocas de palavras consiste em dons rituais de pequenos presentes verbais anódinos e perfeitamente padronizados. [...] Como os bens preciosos nas sociedades arcaicas, a circulação da palavra permite estabelecer relações de aliança e de afinidade. (CAILLÉ, 2002, p.100) 32 Assim a circulação das palavras nos rituais vai permitir as relações de aliança e de afinidade. Caillé (2002, p.101) diz que ao refletirmos nisso, é bem difícil não percebermos tal procedimento com perfeito análogo das trocas cerimoniais de Marcel Mauss. 33 Capítulo 2 A IMIGRAÇÃO JAPONESA 2.1 O início da imigração japonesa no Brasil e a situação no Japão No século XIX, com a abertura ao “mundo exterior” adotada no período Meiji, houve uma emigração em massa de japoneses principalmente das camadas mais pobre da população, rumo a Europa e a América. Nessa época o Japão passava por uma época conturbada, repleta de conflitos e guerras, deixando o país instável economicamente. A elite japonesa se aproveitava da situação para aumentar ainda mais seus patrimônios e os camponeses se desdobravam para sobreviver, enviando os seus filhos para trabalhar na cidade. É neste contexto que muitos japoneses saem do seu país e se aventuram para outros países. O Brasil foi o principal destino dessa imigração japonesa. Segundo Sakurai (2007) 250 mil japoneses entre os anos 1908 e o final dos anos 1970 chegaram ao Brasil num fluxo contínuo, excetuando apenas no período da Segunda Guerra Mundial (entre 1942 e 1945). A peculiaridade importante da imigração para o Brasil foi que vieram famílias inteiras. Esse fato beneficiou sua inserção e sua adaptação. Essa característica foi exigência feita pelo governo do Estado de São Paulo que dessa forma haveria menor risco de fugas. Essa característica foi decisiva para a evolução do grupo japonês, garantindo crescimento populacional normal, continuidade das gerações e uma relativa estabilidade da vida familial; transmissão de cultura devido à presença de geração intermediária. (Saito, 1980 apud Uehara, 2008, p.82) Uehara (2008) vai mostrar que, se por um lado essas ações favoreciam a manutenção da cultura japonesa, por outro lado, criaram um ambiente de baixa integração na sociedade brasileira e, por dificultar a comunicação, contribuíram para uma forte resistência aos japoneses. No contrato de imigração havia a exigência de que pelo menos três membros da família fossem aptos para o trabalho e os outros membros não eram impedidos de acompanhar. Um traço marcante da imigração japonesa é que, de acordo com o 34 Código Civil da era Meiji, os segundo e terceiros filhos não tinham direito à herança. Isso criou uma massa de cidadãos deslocados do processo produtivo e para eles a imigração surgia como possibilidade de reabilitação econômica. Ainda segundo Sakurai (2007) os japoneses começaram a vir em caráter experimental e havia nessa imigração um interesse mútuo. O Japão queria diminuir sua taxa demográfica e diminuir os protestos populares por condições de trabalho e o Brasil estava interessado em exportar café para o Japão, além disso, a modernização da administração das fazendas, impulsionada pela abolição da escravatura exigia a introdução de nova força de trabalho. O sonho dos japoneses era voltar ao Japão com dinheiro para recomeçar uma vida sem problemas. Uehara (2008) afirma que a maioria dos imigrantes, na verdade quase a totalidade dos japoneses que chegou ao Brasil no período que antecedeu a Segunda Guerra mundial tinha como objetivo economizar dinheiro para regressar ao Japão. Devido a esse objetivo, diz Uehara, havia a preocupação de preservar as raízes culturais nas terras brasileiras. Mas a realidade era muito diferente da esperada. Assim, a “identidade dos descendentes de japoneses no Brasil apresenta uma complexa combinação entre ser brasileiro e ser japonês, com nuances e dimensões variadas de influências das duas culturas” (UEHARA, 2008, p.177). Além disso, como mostra Sakurai (2007), 50% dos imigrantes eram de origem urbana, fato que aumentou ainda mais as dificuldades de adaptação dos japoneses em lavouras brasileiras. A verdade é que a situação econômica do imigrante não era satisfatória. Depois de dois meses da chegada no Brasil, os imigrantes japoneses apresentavam as seguintes preocupações apontadas por Rezende: 1- Chegaram ao Brasil quando a metade da colheita do café já havia sido feita, o ganho também não chegava para suprir as necessidades da família e muito menos para pagar os empréstimos feitos no Japão, a juros elevadíssimos, para poder imigrar. 2- Dificuldades de adaptação à língua, ao clima e à culinária [...] 3- O sistema quase de escravidão existente na maioria das fazendas [...], acordando-os às 4 horas da manhã com o bater do sino. O trabalho se estendia até o por do sol... 4- A escolha dos imigrantes. Na verdade, nem todos eram agricultores[...] não afeitos ao trabalho no campo (Rezende apud Uehara, 2008, p. 186). 35 As diferenças e os contrastes entre as duas culturas eram muito acentuados e isso vai exigir sacrifícios enormes para adaptarem-se. O clima, as casas onde foram instaladas, o tipo de trabalho foi uma experiência impactante muito bem descrito por Sakurai. A adaptação no novo lar foi difícil para todos. A alimentação teve que ser adaptada. A língua aprendida. Os hábitos do dia-a-dia, como o do banho diário, por exemplo, tiveram que ser adaptados. Para ter carne e gordura, os imigrantes se viram obrigados a passar po cima de tabus seculares ao matar porcos, o que no Japão era considerado tarefa impura, limitada aos marginalizados burakumin. O costume brasileiro de comer feijão salgado contrastava com o feijão doce apreciado no Japão; o arroz temperado com gordura de porco e sal estava muito longe da receita japonesa; faltavam várias verduras, legumes, peixes e algas presentes nas refeições diárias que os japoneses deixavam para trás (SAKURAI, 2007, p. 246) Sakurai (2007) mostra que os sacrifícios foram, evidentemente muito além dos padrões alimentares, para enfrentarem o trabalho nos cafezais. Além da dificuldade em enfrentar o calor as mulheres tiveram que esquecer do padrão de beleza da pele clara, pois o trabalho sob o sol as deixava bronzeadas. E tiveram, também, abandonar a melancolia e o desespero para trabalhar duro e pagar as dívidas e nutrir a esperança de melhorar de vida. Mas havia pessoas que queriam deixar o Brasil. Em seu livro Romanceiro da imigração japonesa, Célia Sakurai (1993) diz que há na tradição japonesa o costume de marcar através de inscrições, monumentos, festas e comemorações todas as datas e acontecimentos que são relevantes. E os imigrantes japoneses mantiveram essa tradição no Brasil. Por isso, desde 1908 a história da imigração tem sido escrita por várias pessoas, para que todos os aspectos dessa história fiquem documentados. Mas um aspecto interessante que Sakurai (1993) documenta é o conteúdo das publicações em forma de biografias romanceadas e mesmo de romances. E é nessas publicações que mostra-se a necessidade que esses imigrantes tinham em preservar o máximo possível de seus costumes, o esforço para continuar japonês mesmo que, concretamente, eles percebesses as dificuldades. Nas biografias romanceadas, os sacrifícios da primeira geração de imigrantes são acentuados e devem servir de exemplo e estímulo. Sakurai (1993) diz que é importante entender a idéia de gambarê (sacrifício) que foi fundamental para motivar a adaptação dos japoneses no Brasil. Ela esclarece que é justamente quando o desânimo tomava conta dos imigrantes é que o gambarê 36 surgia, simbolizando o esforço dos japoneses em superar as diferenças e as dificuldades através do trabalho e dos estudos. Mesmo que os estudos representassem não terem filhos inteiramente brasileiros. Na verdade, Hasimoto (2008) também testemunha esse esforço de superação dizendo que “passados os momentos de angústia e desespero, o fato de dedicar-se ao trabalho e ser reconhecido pelo empenho tornou-se uma das formas de sentir-se aceito social e internamente (HASHIMOTO, 2008, p.118). ” Para Fausto (1991), o número de estudos sobre a imigração em São Paulo é limitado, principalmente no que se refere a alguns temas nucleares na historiografia da imigração, tais como a mobilidade social e a integração sócio-cultural e política. Freitas (2002) também afirma que o estudo da imigração em São Paulo inserido na historiografia brasileira, é de extrema importância e deve ser mais explorado. Em seu artigo, descreve a situação dos trabalhos existentes. Por um lado, há o problema das fontes, que quando existentes, são esparsas, dispersas em diferentes órgãos públicos, descontínuas, quando não compostas de dados que ainda não foram totalmente processados. Por outro lado, existe uma grande concentração de trabalhos sobre a área rural, onde é dado maior destaque à transição das relações de trabalho, à ascensão da economia cafeeira, à queda da monarquia e ao advento da república. Em outros termos, os estudos já realizados atribuíram maior importância à transição do trabalho escravo para o trabalho livre, quer numa linha econômica, quer demográfica. (FREITAS, 2002, p. 113) Freitas (2002) ainda comenta especificamente que o fluxo imigratório de japoneses para o Brasil apesar de intenso durante os anos 20 e posteriormente o fluxo migratório para São Paulo, são questões pouco exploradas. Em alguns estudos, como de Sakurai (2008), há levantamentos sobre a ocupação de novos territórios paulistas para os japoneses como a região do litoral sul, a partir de Santos em direção ao Vale do Paraíba. O resultado dessa fase pode ser avaliado pela mudança no perfil da produção agrícola da época, sobretudo em São Paulo. Os imigrantes japoneses colocaram no mercado novos produtos cultivados em escala comercial, [...] como arroz, batata, chá e banana, destacaramse entre os que, vindos das terras cultivadas pelos japoneses, passaram a ser vendidas nos mercados. [...] os japoneses começaram a ganhar visibilidade pública por sua produção agrícola 37 favorecida pelas condições daquele momento histórico. Com a mudança na estrutura fundiária e o aparecimento de médias e pequenas propriedades, quebrou-se o monopólio do café em São Paulo em favor da policultura pra fins comerciais. (SAKURAI, 2008, p. 250) .Assim, como salientou Sakurai, sua produção agrícola ganhou visibilidade e começou-se a falar sobre sua vocação agrícola. Essa vocação vai se expandir com a colocação no mercado de produtos avícolas – carne de frango e ovos. Outra experiência inovadora dos imigrantes japoneses foram as “colônias dirigidas”. Na realidade essas colônias eram planejadas no Japão de maneira a facilitar o envio de colonos-proprietários, ou seja, os imigrantes interessados compravam lotes de terras brasileiras (que já haviam sido compradas pelo governo japonês). Na verdade, esses imigrantes que vieram através desse sistema, não encontravam o que havia sido prometido e só foi com muito trabalho e com muita determinação que essas colônias ganharam uma infraestrutura e uma organização que destoava das propriedades vizinhas. Os japoneses se beneficiaram das formas de proteção ao imigrante elaborado pelo governo japonês. Essas políticas protetoras não deram certo nos Estados Unidos que logo colocaram obstáculos à imigração de asiáticos. Mas no Brasil essas medidas foram importantes e fizeram a diferença. Com essa política o governo favoreceu e protegeu os imigrantes além de viabilizar a migração através de subsídios. Essa rede criada pelo governo japonês para dar apoio ao imigrante se estendia além das condições econômicas até aos aspectos de saúde e educação. Com relação à saúde foi necessária uma intervenção organizada. Muitos japoneses morreram de doenças tropicais que eram desconhecidas por eles por isso foram organizados livretos para orientar sobre causa, sintomas e tratamentos. Organizaram, também, caravanas de médicos para cuidar dos doentes e caixas de medicamentos foram distribuídas nas associações. Para dar apoio à educação o governo japonês mandava livros didáticos e enviava professores que estudaram também em escolas brasileiras para serem 38 bilíngues e exercerem melhor suas funções. A intenção desses imigrantes era voltar para o Japão daí o cuidado em manter a língua e as tradições. Mas as aulas de educação moral e cívica chamaram a atenção das autoridades brasileiras pela ênfase no nacionalismo e no militarismo. Isso, aliado ao sucesso dos japoneses provoca receios na política brasileira. Temem um expansionismo justamente devido a essa rede criada para dar apoio à saúde e a educação. Com isso, em 1934, o governo vai restringir a entrada desses imigrantes estabelecendo cotas para o seu ingresso. Mas apesar disso as discriminações foram tênues. O governo nacionalista de Vargas vai limitar bastante as atividades dos japoneses e com a declaração de guerra ao Japão em 1942 muitos direitos dos japoneses e descendentes foram cerceados. Mas tudo se normalizou com o fim da guerra. Sakurai (2008) relata que aos poucos se distanciava o sonho de voltar para o Japão e nesse momento os japoneses começaram a criar no Brasil redes de sociabilidade através de associações. Essas associações compreendiam escolas, ligas esportivas e espaços de lazer. Havia, no entanto escolas de língua japonesa pois embora distante, o sonho do retorno ainda era meta de muitas famílias. As mulheres também se organizavam e, entre outras atividades, cuidavam dos lanches em festas e eventos. Jovens e idosos também se organizavam para diferentes atividades. De diversas maneiras, os imigrantes buscavam oportunidades de encontro, bem como formas de fazer amigos, de conhecer outros japoneses com quem estabelecer vínculos, arrumar casamentos e fazer negócios. Shioda (2008) diz que entre 1943 e 1952, justamente no período da Segunda Guerra Mundial, foi o momento em que a ideia de volta ao Japão foi substituída pela ideia de fixação definitiva e diz que “a lealdade para com a pátria e o Imperador estava mais voltada agora para o país adotivo (SHIODA, 2008, p.208).” O período de restrições contra a imigração japonesa perdura até o final dos anos 40 e já nos primeiros anos da década de 50 as tensões bilaterais reduzem de maneira significativa e há a retomada das relações Brasil-Japão e foi permitida a volta das publicações em japonês. (Saito 1980, p.86 apud Uehara, 2008, p.188) 39 A partir daí a visão dos imigrantes passa a focar na educação como o caminho para a ascensão. Nesse momento começaram, também, as ações de empreendedorismo buscando adquirir terras no interior do Estado de São Paulo com o objetivo de ser tornarem agricultores independentes. E, num segundo momento, alguns imigrantes já viviam em zona urbana como garçons, copeiros e cozinheiros e Uehara (2008, p. 187) diz que eles eram “disputadíssimos pela fama de serem honestos, sérios, cumpridores de sua obrigação e, sobretudo por terem educação e cultura”. Após o sucesso econômico na agricultura, os imigrantes japoneses começaram a diversificar suas atividades nas cidades entrando para o comércio. Assim, diz Uehara (2008, p.187) os imigrantes “não só tinham encontrado uma nova inserção econômica como também já tinham incorporado alguns hábitos brasileiros, por exemplo, já consumiam café e comida mais gordurosa e passaram a dormir em camas”. O autor também aponta para o fato de que as relações entre Brasil e Japão se intensificaram – a presença de empresas e de capital japonês aumentaram de tal maneira que em 1960 já haviam 35 empresas japonesas no Brasil. Além disso, o autor mostra que a até o começo da década de 1950 a renda per capita no Japão era inferior a US$ 180 e no Brasil era acima de US$ 250 e isso estimulou a retomada da imigração ao Brasil. Esses aspectos contribuem para dar aos imigrantes japoneses fossem valorizados. Uehara aponta dois outros fatores que influenciaram na nova imagem: 1- Os Estados Unidos modificarem sua relação com o Japão no após Guerra, particularmente, a partir do momento em que as forças comunistas, liderada por Mao Tse Tung, passam a ganhar espaço político na China 2- A rápida recuperação da economia japonesa, nesse mesmo período, gerou admiração nos brasileiros e maior aceitação de influências culturais japonesas. (UEHARA, 2008, p. 189) Faz parte dos fatores que contribuíram para a nova imagem dos imigrantes japoneses o fato de os produtos japoneses eram melhores que os de fabricação nacional, isto contribuiu para que os brasileiros valorizassem os nipo-brasileiros. Uehara sintetiza muito bem o caminho conciliatório das relações dos imigrantes japoneses no processo de integração: 40 No início da imigração japonesa no Brasil nem os imigrantes nem os brasileiros pensavam numa integração. Os primeiros planejavam regressar à terra do ‘Sol Nascente’, já os segundos temiam a inclusão no seio da sociedade brasileira por problemas que poderiam decorrer dessa tentativa, por causa das diferenças culturais ou mesmo até por um temor de invasão japonesa. No entanto, com o passar do tempo, ambas as perspectivas vão se alterando conduzindo a inserção diferenciada”. (UEHARA, 2008, p.190) Em 2008, ao completar cem anos do processo migratório, a população dos nikkeis foi estimada em torno de 1,5 milhões e segundo Uehara (1979, p.177) a identidade dos descendentes ainda “apresenta uma complexa combinação entre ser brasileiro e ser japonês, com nuances e dimensões variadas de influência das duas culturas”. Por isso diz ele, que no Brasil um Nikkei pode se sentir japonês e que depois de um período de vivencia no Japão passa a se sentir brasileiro. 2.2 A imigração japonesa: seu acolhimento e desenraizamento Como vimos, o início da imigração japonesa representou um período difícil e árduo devido ao trabalho duro realizado em condições adversas da adaptação ao clima e à comida. A tudo isso se soma a condição psicológica de desânimo pela frustação das esperanças que traziam ao chegar no Brasil. Tiveram também que enfrentar doenças desconhecidas, acidentes de trabalho e as memórias escritas sobre aquela época narram as lutas e os sacrifícios desses primeiros imigrantes. Depois de alguns anos, os imigrantes já apresentavam sinais de melhoras que mostravam que eles estavam enfrentando os desafios e estavam, gradativamente, mudando o seu perfil. Começaram a colocar novos produtos no mercado. Começaram, também, adquirir pequenas propriedades nas quais cultivavam vários produtos entre os quais, o algodão. Devido a todos esses aspectos, as relações com os brasileiros começam a mudar. Conhecidos pelo seu relacionamento distanciado com os brasileiros – ‘como óleo que não se mistura’ como se dizia na época – começam a se impor no mercado, introduzindo novos itens. 41 A situação de imigração requer, evidentemente, mecanismos de aceitação da diferença de ambas as partes. O imigrante, como bem mostra Raffestin (1997), ao se mudarem para outro país, tem que enfrentar duas barreiras. A primeira é a barreira oficial, visível e concreta das políticas imigratórias e segunda. É uma barreira abstrata constituída pela aceitação ou rejeição dos membros da outra cultura. Segundo ele, todo país cria, ao delimitar suas fronteiras, uma descontinuidade espacial e cultural com relação aos outros países. E todo ato preliminar de construção de um país pressupõe a instauração de limites ou fronteiras que para serem ultrapassados requerem uma autorização. Portanto, todo imigrante para adentrar na interioridade de um país deve se submeter a um processo de autorização ou de um convite. No caso da imigração japonesa, o processo de recepção não foi difícil porque se deu graças a um acordo mútuo e era de interesse de ambas as partes. Como já foi dito, o Japão passava por uma série de dificuldades e não conseguia garantir emprego para a sua inadequada densidade demográfica. Mas como mostra Raffestin (1997), o imigrante precisa também ultrapassar a barreira imaterial e aí estamos lidando com as características e os limites impostos pelos padrões culturais. Ele usa o casal Hestia e Hermes da mitologia grega para apontar para as características desse movimento. Hestia é a deusa do lar, do interior, fechada sobre si mesmo e Hermes representa as mudanças de estado, as transições, os contatos entre elementos estrangeiros. Nesse caso, a hospitalidade é que vai criar condições de articulação entre a mobilidade e a imobilidade, entre o sedentarismo e o nomadismo. Mas nesse sentido ele aponta para o fato de que é absolutamente necessário repensar a hospitalidade para além daquele que é recebido, embora esta seja sua identificação fundamental. Na verdade, o que está em jogo fica evidente na própria raiz da palavra hospitalidade – ‘hostia’ que é a vítima que deve abrandar a cólera dos deuses. É hostil aquele que está em relação de apaziguamento. Assim, vemos que a hospitalidade é fundada sobre a ideia de que o homem está ligado ao outro numa relação de valor recíproco pela obrigação de recompensar a prestação, o serviço do qual foi beneficiário. A hospitalidade, portanto, como não poderia deixar de ser, está no centro das relações de imigração. E o grande problema que se coloca para a hospitalidade na questão da imigração é o fenômeno da tradução da diferença, pois é justamente 42 essa ‘tradução’ que vai permitir a convivialidade ou vai determinar uma rejeição, uma recusa da diferença que pode levar ao conflito. No caso da imigração japonesa este aspecto se mostrou bastante complexo pela dificuldade em se fazer uma adequada ‘tradução’ das diferenças. Vimos que, num primeiro momento, a imigração japonesa é de interesse de ambos os países por isso o imigrante não teve nenhuma dificuldade em adentrar nas fronteias brasileira, ao contrário, na realidade recebeu amplas facilidades nesse processo. Mas quando se tratou da fronteira imaterial, cuja travessia depende não mais de uma questão de autorização material e se trata de uma aceitação intencional e voluntária, a situação foi outra. Nesse caso, o ponto de aceitação mútua levou certo tempo para ambas as partes. A conduta coletiva do grupo de imigrantes era pouco receptiva. Fechados, arredios pela dificuldade em se comunicar, os imigrantes desenvolveram gradativamente e com muitos sacrifícios, mecanismos de adaptação criando novos elementos de convivialidade e novos códigos de conduta que passaram a fazer parte do novo modo de viver dos imigrantes e foi, aos poucos, favorecendo a convivência com a sociedade local. Como nos mostra nos mostra Hashimoto (2008, p.118) passados os momentos de angústia e desespero, o fato de dedicar-se ao trabalho e ser reconhecido pelo empenho tornou-se uma das formas de sentir-se aceito social e internamente. A política japonesa de imigração se mostrou eficaz. Sakurai mostra quanto essa política foi boa: Para os imigrantes, significou a abertura de oportunidades. Ao seguir a trajetória da maioria das famílias imigrantes japonesas, percebe-se o quanto essa etapa é importante, especialmente no sentido de mudar a maneira de encarar o Brasil, que passa a ser visto como um local de fixação, para muitos encarado como definitivo. O sonho do retorno passa para um segundo plano, quando se vislumbra que as possibilidades de ascenção social no Brasil são superiores às oferecidas no Japão. (SAKURAI, 1999, p. 233) Embora a época da Segunda Guerra Mundial quando o Brasil se alinha contra o Japão, venha a romper com o esquema de imigração tutelada, e imponha aos imigrantes um período de inúmeras restrições que vão impactar o processo de ascensão social, essas dificuldades logo serão superadas. E, no após guerra, o 43 imigrante japonês volta a se encaixar no modelo de ‘bom imigrante’ e o estranhamento inicial dá lugar a uma convivência respeitosa que vai aos poucos se estabilizando. Quando se fala de hospitalidade deve-se lembrar que sua característica essencial é, como mostra Godbout (1997), ser um encontro onde os protagonistas não tem o mesmo status e no qual ela confere papéis bem identificados e diferentes. Ele mostra que a hospitalidade não é um partilha onde tudo pertence a todos e que ela cria uma fronteira, cria também limites que obriga um jogo complexo de papéis. Assim, a hospitalidade, vista como uma dimensão da dádiva, com a assimetria que lhe é característica, comporta, consequentemente, a dimensão da retribuição. Mas a retribuição, diz ele, não existe no caso do acolhimento ao estranho como é o caso do imigrante. Nesse caso a retribuição se situa no que o estranho/ o imigrante oferece quando é recebido. Godbout (1997) ainda enumera diferentes situações ocorridas com os imigrantes e classifica-os: a) O imigrante econômico: o trabalhador, considerado um ‘bom imigrante’. b) O imigrante traz sua cultura, que pode ser aceita pela sociedade acolhedora, ou pode ser tolerada ou simplesmente não ser bem recebida. c) O refugiado político: considerado, neste caso, como exemplo verdadeiro de dádiva e de solidariedade. Espera-se do receptor a adesão aos valores daquele que lhes dá acolhida. d) A importância da contribuição do imigrante para a sociedade receptora e este aspecto está diretamente associado à sua aceitação. Assim, o imigrante econômico traz sua força de trabalho e nesse aspecto os japoneses são considerados como pessoas particularmente trabalhadoras. O importante é que o imigrante seja percebido pela sociedade receptora como alguém que traz alguma coisa e não importa a natureza da sua contribuição. Aquele que é recebido [...] ele dá sua presença, ele dá a si mesmo. Ele é uma dádiva. Esta relação social que se chama de hospitalidade é sempre constituída por esta estranha dádiva da própria pessoa que é recebida”. (Godbout, 1997, p.43) Quanto ao processo de adaptação do imigrante, Bosi (2004, p. 317) analisa a dificuldade do processo de desenraizamento. Para a autora, o “enraizamento é talvez a necessidade mais importante e mais desconhecida da alma humana. O ser 44 humano tem uma raiz [..], ativa e natural na existência de uma coletividade que conserva vivos certos tesouros do passado e certos pressentimentos do futuro”. O encontro de culturas diferentes a do imigrante e a da sociedade receptora é um processo difícil e complexo por ser o encontro de diferentes formas de existir. Essa experiência se dá quase sempre em situações desvantajosas para uma das partes. É o imigrante que chega a uma situação de submissão e a uma nova ordem legal, é o que se submete às novas condições de vida, tão diversa daquela em que vivera, é a dominação cultural do receptor através do predomínio econômico (BOSI, 2004). Como vimos, os imigrantes japoneses passam por todas as dificuldades apontadas anteriormente. Desde o idioma a alimentação, passando por hábitos de higiene, a adaptação e o processo de desenraizamento dos japoneses foi extremamente difícil. Apesar do processo de adaptação, tornou-se essencial para a sobrevivência destes imigrantes a preservação de alguns costumes e padrões japoneses. Mesmo com muito sacrifício, eles conseguiram manter algumas tradições, como a cerimônia do chá ou Chanoyu, que é uma prática que mostra bem a essência da cultura japonesa. Ao trazer para o Brasil essa prática, ela vai ser, além de uma das formas de nutrir e reforçar a identidade dos imigrantes e proporcionar-lhes momentos de compartilhamento dessa identidade, vai ser também, um ponto de abertura para o acolhimento dos brasileiros. Todos os preceitos da cerimônia do chá estão em sintonia com as leis da hospitalidade. Sen XV diz com relação à cerimônia do chá: Para que se crie uma atmosfera harmoniosa é indispensável que o anfitrião e seu convidado estejam perfeitamente entrosados; que exista um relacionamento de absoluta sinceridade e confiança recíproca e que ambos se sintam em uníssono com a natureza. (SEN, 1981, p.17) Rocha (1996) diz que depois da guerra os japoneses sentiram a necessidade de substituir a imagem belicosa do país por uma mais refinada e filosófica e é nesse espírito que a cerimônia do chá vai ser um excelente veículo de representação do espírito de acolhimento. 45 Em virtude desta qualidade plástica, o chanoyu se naturalizou e ainda hoje se coloca como um nicho, um lugar privilegiado, no qual aos olhos do japonês o ‘verdadeiro espírito japonês’ seu passado puro, habita intacto. (ROCHA, 1996, p.42) Assim, Rocha mostra que o chanoyu não só sobreviveu em ‘terras estranhas’ como floresceu intensificando a identidade tradicional japonesa. Diz ela (Rocha 1996, p.43): “Se os japoneses de hoje ainda vêm o chanoyu como incorporador e transmissor da ‘alma japonesa’, também para os imigrantes japoneses e seus descendentes no Brasil seu prestígio é inegável” 46 Capítulo 3 A CERIMÔNIA DO CHÁ E A POPULAÇÃO NIPO-BRASILEIRA 3.1 A origem do Chanoyu no Brasil Segundo Rocha (1996), o surgimento do Chanoyu no Brasil está associado a uma série de acontecimentos relacionados aos imigrantes japoneses e sua situação no Brasil após os anos 1930. Os primeiros imigrantes estavam saindo da vida rural e da condição de trabalhador braçal, começando a vida nas cidades, preocupados principalmente com a educação dos filhos neste novo ambiente. Na fase inicial, quando os imigrantes japoneses chegaram ao Brasil, tinham o objetivo de acumular riquezas e retornar ao seu país de origem para reconstruir sua vida. Devido a este fim, a maioria tentava manter inalterados os seus costumes, valores éticos e principalmente o idioma-mãe, evitando até aprender o português (SAKURAI, 1993). As dificuldades apareciam e vencê-las era um desafio enfrentado com coragem e com muita resignação. Se as promessas que os trouxeram do Japão não se tinham concretizado, era necessário, agora, trabalhar a realidade. E trabalho era o que não faltava (SAKURAI, 1993, p. 53). Com o início da segunda guerra mundial, a situação muda completamente. Somada à desilusão sobre a vida rural que não conferia com os aspectos prometidos antes da imigração, neste período os imigrantes japoneses passam a ser considerados inimigos tal qual o Japão, forçando-os a uma adaptação aos novos valores. As escolas e associações japonesas foram fechadas aumentando o isolamento da comunidade japonesa. Este fato acabou agravando a falta de informações sobre a guerra e ocasionou uma divisão entre os imigrantes japoneses no final da guerra em dois grupos antagônicos, os derrotistas, que aceitavam a derrota do Japão e os vitoristas, que se recusavam a acreditar na derrota de seu país de origem, para eles imbatível (ROCHA, 1996). Com a rendição do Japão às forças aliadas, em agosto de 1945, a Segunda Guerra Mundial chegava ao fim. Do outro lado do planeta, em São Paulo, nascia uma organização secreta japonesa, a Shindo Renmei – ou Liga do Caminho dos Súditos. Para seus seguidores, a notícia de rendição era uma fraude, um golpe da propaganda aliada 47 para quebrar o orgulho dos japoneses em todo o mundo. [...] Em poucos meses a colônia nipônica, composta por mais de 200 mil integrantes, estará irremediavelmente dividida: de um lado os kachigumi, os vitoristas da Shindo Renmei, apoiados por oitenta por cento da comunidade japonesa no Brasil. Do outro, os makegumi, ou derrotistas, apelidados de corações sujos pelos militantes da seita (MORAIS, 2000, s.p.). Isto durou dois anos, gerando muitos conflitos e atentados terroristas, principalmente contra os derrotistas. A derrota do Japão foi finalmente aceita por todos os imigrantes japoneses e com a difícil situação econômica de seu país de origem, foi eliminada qualquer esperança de retorno e causando algo inevitável, o desenraizamento. No momento em que a derrota do Japão se tornou fato infutável, os antigos imigrantes tiveram que enfrentar a dor de desistir do sonho de retornar à terra natal. O Japão estava destruído econômica e moralmente. [...] Os imigrantes haviam aprendido a acreditar na superioridade de sua raça e cultura. [...] Afora isso, colocaram-se numa situação de isolamento, recusando-se a aprender a falar português e a se misturar aos brasileiros, na vã esperança de retorno. Logo perceberam que lhes restava apenas voltar-se para a nova pátria e tentar seguir os passos que os nisseis e senseis (segunda e terceira gerações) já estavam trilhando: a assimilação cultural (ROCHA, 1996, pg. 46). Sakurai (1993) afirma que “a década de 50 é um marco na busca de novos caminhos pelos imigrantes e seus descendentes”, com a tentativa de resgatar a auto-estima e também gerar uma nova imagem perante aos brasileiros que os consideravam muito nacionalistas e violentos devido aos episódios de conflitos entre derrotistas e vitoristas. Este era o panorama da situação dos imigrantes japoneses e seus descendentes. Na mesma época, o Brasil por sua vez, tentava demonstrar que era um país industrializado e avançado, um exemplo foi São Paulo, associada à imagem de uma cidade emergente e cosmopolita, foi preparada para a festa do IV Centenário para demonstrar tal perfil (ROCHA, 1996). Para participarem do evento do IV Centenário foram convidadas as diferentes comunidades de imigrantes, com o intuito de mostrar que a presença deles aumentava ainda mais a inserção do Brasil na produção industrial e cultural internacional. Para isto, foi incentivada a criação de marcos representativos de cada 48 uma destas comunidades que deveriam ser inaugurados nas festas do IV Centenário. Para o evento, a comunidade japonesa, já devidamente unida, optou em 1952 pela formação de uma comissão para planejar os festejos e decidiu-se pela construção de um Pavilhão Japonês numa área de um grande terreno que viria a ser futuramente o Parque Ibirapuera. Os recursos necessários para a construção foram arrecadados junto à comunidade e ao governo japonês (ROCHA, 1996). Segundo Rocha (1996), a importância do IV Centenário para o Chanoyu no Brasil é enorme, pois foi no Pavilhão Japonês que ocorreram as primeiras demonstrações da Cerimônia do Chá no período de 2 a 16 de outubro de 1954. Para a ocasião foi convidado o grão-mestre, Sen Soshitsu, sucessor do estilo Urasenke (vide capítulo 1.2). E o comparecimento da comunidade japonesa foi massivo, já que puderam verificar a revalorização de sua cultura representada pela Cerimônia do Chá. Muitos nem tinha familiaridade com o Chanoyu. Na época em que havia saído do Japão, o Chanoyu era uma arte essencialmente da elite masculina, e poucos eram os imigrantes que tinham podido aprendê-la. Se no Japão, durante e depois da segunda guerra, ela havia se democratizado e se disseminado entre as mulheres e a classe média em geral, poucos foram os imigrantes que haviam presenciado este processo. A grande maioria ainda julgava o Chanoyu distante de suas possibilidades (ROCHA, 1996, pg. 46). Após as comemorações, foi fundado um grupo de simpatizantes e praticantes com o apoio da escola de chá japonesa Urasenke, que viria a ser o Centro Urasenke do Brasil, escola pela qual foi realizado o curso de Cerimônia do Chá. Rocha (1996) diz que terminadas as comemorações do IV Centenário, a comissão Colaboradora da Colônia Japonesa foi destituída. Mas como ela havia tido um resultado muito bom, fundou-se a Sociedade Paulista da Cultura Japonesa em 1955. Por isso a colônia japonesa passa a contar com uma instituição que visava divulgar e valorizar sua cultura. Com essas comemorações, os imigrantes viram sua cultura valorizada e criou-se uma demanda para coisas japonesas. Os benefícios decorrentes das comemorações do IV Centenário foram mais amplas. Além de ter sido palco das primeiras apresentações de chanoyu no Brasil e da vinda de Sen Soshitsu, foi fundado do ‘Shibu’ (grupo de simpatizantes) brasileiro 49 da escola de chá Urasenke. Diz Rocha (1996) que começa aí a história institucional do Chanoyu no Brasil. Depois de ser criado o shibu e o futuro Oiemoto (grão-mestre) ter partido, chegou ao Brasil o professor Nagai que durante um ano deu aulas diárias às moças que se tornariam as sete professoras históricas do Chanoyu no Brasil. Em março do ano seguinte o professor Hayashi começou suas atividades de divulgação desta arte no Brasil com uma demonstração de Chanoyu no Clube Pinheiros de São Paulo, que reuniu por volta de quinhentos visitantes. Em setembro organizou outra apresentação, desta vez em Curitiba, na Universidade do Paraná, chamada de “Chanoyu Shunju”. Neste mesmo mês de setembro de 1979 começou a dar aulas na sala que havia sido doada pela fundação Urasenke em 1977, localizada na Casa de Cultura Japonesa da USP. 3.2 O Chanoyu e a convivialidade entre os nipo-brasileiros Para análise da cerimônia do chá como elemento contribuinte da convivialidade entre os nipo-brasileiros, foi realizada uma série de quatorze entrevistas com os praticantes do Chanoyu. Um dos fatores que facilitou o acesso aos entrevistados foi a realização do curso de cerimônia do chá oferecido pela Casa de Cultura Japonesa (Bunkyo) da Universidade São Paulo, além da participação como aluna, ocasionou um maior contato com os praticantes, reduzindo muito os obstáculos que poderiam ocorrer principalmente quanto à disposição e inibição no momento das entrevistas. Os entrevistados foram selecionados dentro do grupo de praticantes da cerimônia do chá na Casa de Cultura Japonesa do Bairro da Liberdade na cidade de São Paulo e da Universidade de São Paulo, sendo preferencialmente descendentes de imigrantes japoneses, sem limitação de idade e de sexo. Foram sete participantes de cada local, oito descendentes de imigrantes japoneses e seis não descendentes, nove do sexo feminino e cinco do masculino. O roteiro da entrevista foi estruturado utilizando o critério semi-aberto com perguntas mais dirigidas apenas no início para introduzir as entrevistas, deixando o entrevistado mais à vontade e o intuito foi a partir destas questões, estimular os relatos mais livres. As perguntas iniciais eram: 50 1) Quanto tempo vive em São Paulo? Nasceu em São Paulo? 2) Como é a história da família em São Paulo? 3) Como aprendeu a praticar o Chanoyu? 4) Com qual é a freqüência pratica o Chanoyu? 5) Qual é o objetivo de continuar a praticar a Cerimônia do Chá? As duas primeiras questões foram aplicadas para incentivar o entrevistado a relatar o histórico familiar, principalmente se lembrava de algum imigrante de primeira geração na família. Respostas que levavam rapidamente a terceira e quarta questões, para verificar se os antepassados já praticavam a Cerimônia do Chá. E a quinta e a última, já era para encaminhar a um relato mais livre e espontâneo sobre a relação do entrevistado com o Chanoyu, a intenção era extrair relatos que envolvessem os temas: relações humanas durante a prática da cerimônia e preservação das tradições culturais, sem induzir diretamente à questão da convivialidade. Optou-se por não gravar as entrevistas, que era a intenção inicial, devido ao claro constrangimento dos envolvidos e explicar desde o princípio que se tratava de um depoimento anônimo. Então a solução foi anotar em forma de tópicos as colocações efetuadas nos depoimentos. Foi fácil notar que muitos relatos tiveram uma maior espontaneidade devido aos critérios adotados. Estes depoimentos estão registrados no Anexo C. Além desta etapa em São Paulo, foi feita uma série de duas entrevistas com praticantes do Chanoyu na cidade de Registro, com o intuito de realizar uma prépesquisa, podendo assim antever qualquer dificuldade relacionada à comunicação e à disposição para responder as perguntas. As duas entrevistadas (sexo feminino) faziam parte de um grupo de quatro praticantes da cerimônia do chá na cidade em questão. E analisando brevemente estas entrevistas, já foi possível verificar um dos pressupostos comentados na introdução: a prática da cerimônia do chá é um evento social no qual os descendentes de imigrantes japoneses, os principais praticantes, aproveitam para sociabilizar-se, além de compartilhar e manter as tradições culturais. O curso no Bunkyo da USP teve a duração de um ano e foi realizado em 2009. As entrevistas foram efetuadas na Liberdade e na USP no final de 2010. Para não perder o contato com o grupo de praticantes, mesmo sem freqüentar mais as 51 aulas de Cerimônia do Chá, foi feita a tentativa de comparecer a alguns eventos organizados pelo Centro Urasenke do Brasil ao longo do ano de 2010. Durante um dos eventos foi constatado que justamente nestas ocasiões, além das aulas freqüentes, os descendentes de japoneses aproveitam para encontrar-se, sendo claramente um momento de socialização. Aqui já é possível verificar que a Cerimônia do Chá é um veículo de integração entre os nipobrasileiros. A cerimônia do chá em São Paulo é praticada pelos imigrantes da primeira geração, pelos descendentes e pelos brasileiros não descendentes. Dessa maneira o significado e a função irão variar segundo a situação de cada um, mas como já foi dito, a própria essência da cerimônia, permite uma harmonização efetiva entre as diferentes motivações porque ela veicula a fundamentação das relações e dos vínculos sociais. Dessa forma observou-se, através das entrevistas, que para os japoneses (embora apenas uma tenha sido entrevistada) a cerimônia representava um local para vivenciar o ‘espírito japonês’ para manter a aura da tradição e para cultuar os valores tradicionais do Japão. Foi interessante notar que essa única entrevistada nascida no Japão, iniciou-se na cerimônia do chá por iniciativa de sua filha e, a partir daí passou a praticar. O principal interesse da mãe era manter o seu contato com as tradições culturais japonesas e disse acreditar ser fundamental que sua filha conheça a cultura dos antepassados e aprenda o ritual. Ela valorizava a sofisticação e a sutileza dos gestos e acredita que a prática da cerimônia desenvolve o cuidado no relacionamento com os outros, principalmente os mais velhos. Para os descendentes a cerimônia passa a ser valorizada por permitir o aprendizado do comportamento e dos valores do “verdadeiro japonês” e dos padrões tradicionais. Entre os entrevistados, haviam filhos e netos de japoneses e apresentavam diferentes motivações para começar a prática da cerimônia. E as idades para iniciar a prática, também foram diferentes. Um dos entrevistados diz ter iniciado a prática porque estava buscando relaxamento e desligamento da rotina e, apesar da mãe japonesa só começou praticar aos 18 anos. Queria, também, aprender o idioma e conviver com outros descendentes. 52 É curioso notar que desse traço da cultura, apesar da importância que os entrevistados apontaram, a prática não está vinculada a um costume da família. Encontramos um dos descendentes que optou por se reunir e relacionar com os outros para praticar o idioma mais formal e, ninguém na sua família praticava. Não há uniformidade na idade para a iniciação. Entre os entrevistados havia mesmo uma menina de 10 anos que se iniciou na cerimônia aos 4 anos com sua mãe. Ela disse gostar desses momentos agradáveis com a mãe e, também, que gostava de vestir kimono e de comer doces. Tanto entre os descendentes quanto nos não descendentes, muitos se iniciaram a partir de cursos e práticas da tradição japonesa como o Ikebana e o origami. Houve um entrevistado que afirmou ter sido motivado por frequentar a Igreja Messiânica. Embora as idades, as motivações sejam diferentes, observa-se uma uniformidade nos aspectos valorizados na cerimônia do chá. Houve uma unanimidade quanto aos benefícios dessa prática; a prática do idioma com outros descendentes; a sensação de tranquilidade e de paz; a postura e o respeito em relação ao outro e às coisas; o aprendizado para a aquisição de disciplina, concentração e perseverança. Concordavam, também, em dizer que a essência da estética e as técnicas aplicadas facilitam a convivência e o relacionamento com o outro. Acham importante a atenção nos pequenos detalhes, aos gestos e valorizam a sutileza. Uma das entrevistadas foi divergente quanto aos objetivos – não tinha como interesse principal a questão da tradição cultural, mas sim, o aprimoramento pessoal e a sua elevação espiritual. Aliás, ela foi atraída para a cerimônia a partir da prática da meditação Zen e ficou interessada em aperfeiçoar os aspectos filosóficos implícitos na cerimônia. Mas concorda, com os outros entrevistados, que a cerimônia facilita a convivência devido a valorização da relação do anfitrião e os convidados. De maneira geral, analisando os relatos, está presente entre os descendentes os objetivos, considerados importantes, de praticar a cerimônia do chá para a preservação da cultura japonesa e a convivência com outros descendentes e, também, para praticar o idioma, já que nem sempre é possível praticá-lo com regularidade no Bunkyo (Casa de Cultura Japonesa). Viu-se, nos relatos dos descendentes referências ao lado espiritual como um dos principais objetivos para a prática da cerimônia do chá. O interesse se volta 53 para a filosofia Zen, considerada valiosa por proporcionar, também, relaxamento e desligamento do cotidiano. Pode-se, também, deduzir que os entrevistados perceberam e valorizaram a questão da relação e do respeito entre o anfitrião e os convidados – um dos pilares fundamentais do Chanoyu. 3.3 O Chanoyu e a convivialidade entre os nipo-brasileiros e não descendentes de imigrantes japoneses Os brasileiros não descendentes foram motivados a partir de seus interesses pelas práticas da tradição japonesa como a arte ikebana e a arte do origami. A iniciação nessas artes os levaram à prática da cerimônia do chá. Uma delas, também, foi atraída devido a sua filiação à religião Messiânica. Já a percepção dos praticantes não descendentes de japoneses é um pouco distinta. Uma das entrevistadas comentou a dificuldade em relação ao idioma japonês utilizado frequentemente na cerimônia. No entanto, mesmo com isso, não acredita que essa dificuldade com o idioma tenha sido um obstáculo ao seu relacionamento com o grupo e tampouco se sentiu discriminada por não ser descendente de japonês. Ela explica isso devido aos preceitos aplicados na cerimonia do chá, principalmente no que se refere ao relacionamento e ao respeito entre o anfitrião e os convidados. Já os benefícios apontados não diferem substancialmente daqueles apontados pelos descendentes. E o interessante foi o fato de declararem que procuravam aplicar os preceitos aprendidos em suas vidas. Alguns se interessaram inicialmente pela estética, mas passaram a apreciar também a filosofia. Concordam que os preceitos facilitam a convivência e o relacionamento entre o grupo. Também valorizaram a paz e a tranquilidade. Outro aspecto apreciado foi a busca da simplicidade. E uma das entrevistadas ressaltou o espírito de hospitalidade, pois o anfitrião prepara a cerimônia justamente para proporcionar esta paz e tranquilidade. 54 CONSIDERAÇÕES FINAIS O movimento de imigração implica num complexo processo de adaptação sociocultural e individual. E todo o imigrante enfrentará um penoso processo de separação de sua terra natal além de ter que enfrentar o impacto do confronto com uma nova situação e ter que assimilar novos padrões de comportamento, novas formas de sociabilidade. Como foi visto ao longo da pesquisa, para os imigrantes japoneses, a adaptação exigiu um esforço ainda maior para contornar os hábitos e costumes tão distintos de suas tradições. Para superar essas dificuldades, eles se agruparam e defenderam os seus principais traços culturais que os identificam. E como resultado desse esforço Uehara (2008, p,177) diz que a identidade dos descendentes japoneses “apresenta uma complexa combinação entre ser brasileiro e ser japonês, com nuances e dimensões variadas de influências das duas culturas. Por ter havido um distanciamento enorme entre as duas culturas e de ter havido um sentimento de transitoriedade nos primeiros momentos da imigração, os imigrantes japoneses ficaram, de certa forma, ilhados na cultura brasileira. A dificuldade de adaptação se dissolveu gradativamente em consequência de uma também gradativa abertura de ambas as partes. Do lado dos imigrantes, o sonho da volta e o caráter provisório de sua estada no Brasil foram se dissipando e, em consequência, eles foram se abrindo à cultura brasileira, mas é bom lembrar, que essa abertura não significou o abandono dos traços que os identificava. Do lado dos brasileiros, a imagem do imigrante, após um período crítico de medo do ‘perigo amarelo’, foi também ganhando cores positivas e aos poucos não só o imigrante foi valorizado, mas também a cultura japonesa através das suas tradições e de sua arte. Essas razões nos faz lembrar Godbout (1997) que constata que a hospitalidade é fundada sobre a alteridade e a diferença. Diz ele que a hospitalidade é o lugar da regeneração constante do social, uma vez que é o lugar onde se vive a ‘prova’ do estrangeiro. Só se fala em hospitalidade a propósito da alteridade. É o lugar do dom vivo, a prova do social entre o ‘nós comunitário’ e o ‘estrangeiro desconhecido’. Godbout (1999) também chama a atenção para o fato de que a hospitalidade é sempre um estado transitório. Ela (a hospitalidade) termina na partida do 55 convidado ou quando se torna membro ou ainda quando o imigrante se torna cidadão. Assim, é importante notar que o imigrante, uma vez tornado cidadão não está mais em situação de hospitalidade. No entanto, todo o relacionamento que foi estabelecido no período de acolhimento se solidificou através de mecanismos de apaziguamento e de acolhimento gerados pelo processo da dádiva dos espaços e de processos acolhedores. Esse fato nos lembra Mauss por evidenciar que toda circulação de bens a serviço dos vínculos sociais, ao vencer a oposição entre o indivíduo e as outras pessoas, constitui um elemento essencial na formação de toda base social. Consequemente, os espaços sociais que privilegiam e alimentam o encadeamento da dádiva, contribuem para a consolidação dos vínculos sociais. Assim, é inegável ver na cerimônia do chá um espaço que respeita, que valoriza e contribui para a formação de vínculos com o “outro”. Se considerarmos que a cerimônia do chá, o Chanoyu representa o aprendizado da etiqueta japonesa que permite que seus membros entrem em contato com os valores e posturas da sua tradição, podemos avaliar o papel que essa cerimônia exerceu no processo de adaptação dos imigrantes. Assim, a cerimônia do chá se torna depositária da cultura japonesa que possibilita aos imigrantes manter, ainda que simbolicamente, suas tradições. Mas na realidade, o Chanoyu representa muito mais que o aprendizado de uma etiqueta da tradição japonesa. Ficou evidente, pelos depoimentos dos entrevistados, tanto dos descendentes quanto dos brasileiros que a praticam, que a cerimônia é, principalmente, uma filosofia de vida que permite o aperfeiçoamento pessoal e ensina e prepara seus praticantes para a relação com o outro. Pode se dizer que esse jogo de relações está representado simbolicamente na cerimônia do chá. “O simples ato de servir o chá e recebe-lo com gratidão é fundamental para um modo de vida chamado Chado – o Caminho do chá”. (SEN XV 1981, p. 21.) Além disso, a cerimônia do chá representa de maneira completa as tradições japonesas. Após a análise dos depoimentos colhidos junto aos nipo-brasileiros, pôde-se constatar que a cerimônia do chá possui uma grande importância na questão da manutenção das tradições. Uma das hipóteses levantadas por este trabalho de que ela permite uma importante dimensão do convívio entre os 56 descendentes de imigrantes japoneses pôde ser comprovada. Durante a freqüência do curso notou-se que a prática da cerimônia do chá é um evento social, na qual os descendentes de imigrantes japoneses, os principais praticantes, aproveitam para socializar-se, além de compartilhar e manter as tradições culturais. A maioria dos relatos durante as entrevistas também confirma a hipótese principal da pesquisa, ou seja, a cerimônia do chá como elemento importante de convivialidade entre os nipo-brasileiros de São Paulo. É interessante notar que os japoneses e descendentes valorizam, nessa prática a oportunidade desse convívio com a tradição japonesa para revitalizar os valores de sua origem. Mas esse aspecto não é conflitivo com os objetivos e os interesses dos brasileiros que, de certa forma, com exceção do interesse em praticar a língua, são parecidos e a valorização dessa prática guarda uma estreita semelhança. Para todos os entrevistados, os interesses e os benefícios pela cerimônia transcendiam a apreciação do chá. O que era mais valorizado era o fato dele veicular valores como o altruísmo, a disciplina, o respeito, a harmonia. Uma das entrevistadas disse que a prática da cerimônia representava para ela uma conexão com Deus, mas não com a conotação religiosa, mas enquanto filosofia de vida. Enfim, é possível destacar concretamente o valor simbólico da cerimônia que oferece possibilidades de valorizar as relações sociais através de uma dinâmica interativa que vence a oposição entre o indivíduo e o “outro”. Para Godbout (1999), essa dinâmica interativa faz das pessoas membros de um conjunto mais vasto. Dessa forma, a cerimônia do chá está inserida na hospitalidade na medida em que seu exercício incentiva o convívio entre os praticantes, os nipo-brasileiros se abrem, mesmo que timidamente, para a cultura local e, também, os brasileiros são atraídos pelos valores e práticas japonesas. Pode-se notar também nos relatos dos praticantes que a dimensão da preservação cultural, tão importante para o imigrante, se ampliou ao proporcionar uma positiva articulação com os brasileiros não descendentes através da divulgação do ensino da cerimônia do chá. Fica evidente, analisando o ritual ao longo da cerimônia do chá, que ela em si já é uma cerimônia de hospitalidade, de abertura e acolhimento, uma comunhão entre o anfitrião e os convidados e vai favorecer a circulação da dádiva. 57 Comprova-se, portanto, que a cerimônia do chá possui uma dupla função: manter as tradições japonesas e servir de veículo para integração não só entre os descendentes de japoneses, bem como entre estes nipo-brasileiros e a população brasileira não descendente. 58 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAPTISTA, Isabel. Lugares de hospitalidade. In: DIAS, Célia Maria de Moraes (org.). Hospitalidade. Reflexões e perspectivas. Barueri, SP: Manole, 2002. BOSI, Ecléa. Cultura e desenraizamento. In: Bosi, Alfredo (org.). Cultura Brasileira: temas e situações. São Paulo: Ática, 2004. __________. Memória e sociedade. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. BUENO, Marielys Siqueira. Hospitalidade. Cenários e oportunidades. 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São Paulo: Faculdade de Filosofia e Letras, n.28, 2008. 62 ANEXO A Elaboração do Chá Fraco - passo a passo do Anfitrião Fonte: Sendo (2000) 63 64 65 66 67 68 69 ANEXO B Normas de etiqueta ao degustar o Chá Fraco - passo a passo do Convidado Fonte: Sendo (2000) 70 71 72 ANEXO C DADOS – ENTREVISTA: Local: São Paulo - Bunkyo Data: 09/11/10 Hora: 16h00 DADOS – ENTREVISTADO: Entrevistado: 1 Sexo: feminino Idade: 51 anos Cidade de residência: São Paulo ENTREVISTA - nasceu em São Paulo; - aprendeu a praticar a cerimônia do chá em junho de 1999, 11 anos de prática; - em 2010, intensificou a freqüência da prática: 1 vez por semana; - sempre se sentiu atraída pela cultura japonesa, devido à sua religião: igreja messiânica; - o primeiro contato ocorreu quando praticava o Ikebana que iniciou em 1978; - em 1999 ficou responsável por receber uma autoridade de sua igreja e oferecer-lhe chá, então decidiu iniciar o curso de cerimônia do chá; - quando começou a prática, a motivação era apreciar e aprender a estética (ritual) da cerimônia do chá. Posteriormente com o desenvolvimento da prática, começou a apreciar a filosofia e atualmente aplica os preceitos filosóficos no seu dia-a-dia, principalmente o respeito em relação ao outro; - fala um pouco japonês, não acredita que o idioma seja um obstáculo ao seu relacionamento no grupo, tampouco não ser descendente de japonês. Para ela, as diferenças culturais não são obstáculos; - acredita que a cerimônia do chá aprimorou sua percepção e facilitou o entendimento de postura e ética japonesa; - quanto à convivência no grupo, ela ressalta que a essência da estética e as técnicas aplicadas na cerimônia do chá, facilitam a convivência e o relacionamento entre todos no grupo. 73 DADOS – ENTREVISTA: Local: São Paulo - Bunkyo Data: 09/11/10 Hora: 16h00 DADOS – ENTREVISTADO: Entrevistado: 2 Sexo: feminino Idade: 39 anos Cidade de residência: São Paulo ENTREVISTA - nasceu em São Paulo; - a mãe nasceu no Japão e o pai em Lins (SP), avôs paternos vieram do Japão, não sabe precisar o ano; - apesar de sua mãe, já falecida, ser professora de cerimônia do chá, apenas teve interesse aos 18 anos e iniciou a aprendizagem; - freqüência da prática: 1 vez por semana, apenas no Bunkyo; - o interesse atual é pela filosofia zen e considera a prática um momento de relaxamento e desligamento da correria do dia-a-dia; - o objetivo de ainda continuar além do lado espiritual é preservar um pouco da cultura japonesa, principalmente as suas origens. Além disso acredita que é uma maneira de conviver com outros descendentes de japoneses e praticar o idioma, já que tem conhecimento mas tem receio de perder. 74 DADOS – ENTREVISTA: Local: São Paulo - Bunkyo Data: 09/11/10 Hora: 16h00 DADOS – ENTREVISTADO: Entrevistado: 3 Sexo: feminino Idade: 10 anos Cidade de residência: São Paulo ENTREVISTA - nasceu em São Paulo; - a mãe nasceu no Japão e o pai em São Paulo, avôs paternos vieram do Japão; - o primeiro contato com a cerimônia do chá foi aos 4 anos no Festival do Japão e lhe despertou a vontade de aprender; - iniciou a aprendizagem junto com a mãe, acha que é um momento agradável que pode passar junto com a mãe; - freqüência da prática: 1 vez por semana, apenas no Bunkyo; - acha legal vestir o kimono e preparar o chá e principalmente comer o doce que acompanha o serviço do chá; - fala fluentemente o japonês, inclusive em casa com os pais; - freqüenta colégio brasileiro; - vai viajar ao Japão no final do ano e acredita que com a convivência e relacionamento com o grupo e a prática da cerimônia do chá, entende melhor a cultura japonesa e tem certeza que poderá se virar melhor neste país; - pretende fazer sempre o curso e praticar a cerimônia do chá. 75 DADOS – ENTREVISTA: Local: São Paulo - Bunkyo Data: 09/11/10 Hora: 16h00 DADOS – ENTREVISTADO: Entrevistado: 4 Sexo: feminino Idade: 43 anos Cidade de residência: São Paulo ENTREVISTA - nasceu no Japão; - iniciou a aprendizagem junto com a filha, ela que teve a iniciativa de realizar o curso de cerimônia do chá; - freqüência da prática: 1 vez por semana, apenas no Bunkyo; - se interessa em manter o seu contato com as tradições culturais japonesas e principalmente, que a filha conheça a cultura de seus antepassados; - acredita que é fundamental que a filha aprenda o ritual da cerimônia do chá, ressalta a importância da sofisticação e das sutilezas nos gestos e no tratamento/relacionamento com os outros, principalmente em relação aos mais velhos. 76 DADOS – ENTREVISTA: Local: São Paulo - Bunkyo Data: 09/11/10 Hora: 16h00 DADOS – ENTREVISTADO: Entrevistado: 5 Sexo: masculino Idade: 30 anos Cidade de residência: Santo André ENTREVISTA - nasceu em São Bernardo do Campo; - mãe nasceu em São Paulo e o pai em Mogi das Cruzes, os avôs paternos e maternos que vieram do Japão, não sabe o ano; - iniciou o curso há 15 dias (outubro de 2010); - iniciou a aprendizagem junto com a esposa que se interessou pela cerimônia do chá devido à igreja messiânica, que eles frequentam; - freqüência da prática: 1 vez por semana, apenas no Bunkyo; - outro motivo para continuar o curso é a sensação de tranqüilidade e paz que ele sente ao realizar a cerimônia do chá. Ele aprecia o clima ao longo da prática e acha importante a concentração necessária ao longo do ritual. Acredita que é um momento de quebrar o ritmo do cotidiano; - não é seu objetivo maior realizar o curso para manter as tradições culturais de seus antepassados; - acredita que a prática da cerimônia do chá facilita a convivência, pois relaciona com um de seus preceitos que é o respeito em relação às pessoas; - no início teve algumas dificuldades não associados ao relacionamento e acolhimento do grupo, mas sim com o ritual, principalmente o modo de sentar e a seqüência e os detalhes do gestual. Apesar disto, acredita que a sua ascendência facilitou a sua adaptação. 77 DADOS – ENTREVISTA: Local: São Paulo - Bunkyo Data: 09/11/10 Hora: 16h00 DADOS – ENTREVISTADO: Entrevistado: 6 Sexo: masculino Idade: 22 anos Cidade de residência: São Paulo ENTREVISTA - nasceu em São Paulo; - pais nasceram no Japão, não lembra o ano que eles chegaram ao Brasil; - estudou a vida inteira em escola japonesa, por isso fala fluentemente japonês e razoavelmente o português; - iniciou o curso em julho de 2010; - o interesse em iniciar o curso coincide com seu interesse pela cultura japonesa em geral, principalmente o pensamento e a filosofia, bem representadas na cerimônia do chá; - acredita que é uma opção para se reunir e se relacionar com outros descendentes de japoneses e praticar o idioma japonês mais formal, o que não ocorre na sua casa; - a família não pratica a cerimônia do chá, ele é o único; - acredita que a cerimônia do chá o ajuda a entender o modo de vida japonês, principalmente a educação, que ele acredita ser mais rigorosa, e a postura eo respeito em relação às coisas e às pessoas; - acha essencial aprender pequenos detalhes na prática da cerimônia do chá como os gestos e suas sutilezas e agora entende melhor o significado e a importância deles. 78 DADOS – ENTREVISTA: Local: São Paulo - Bunkyo Data: 09/11/10 Hora: 16h00 DADOS – ENTREVISTADO: Entrevistado: 7 Sexo: feminino Idade: 50 anos Cidade de residência: São Paulo ENTREVISTA - nasceu em São Paulo; - em 2006 viajou ao Japão para um congresso de Ikebana, então teve a oportunidade de visitar a fundação Urasenke, uma das escolas de prática da cerimônia do chá. E se apaixonou, pois acredita que a cerimônia do chá não é só um ritual no serviço do chá e sim um caminho para encontrar a si mesma, baseada na espiritualidade e no sentimento altruísta; - retornando à São Paulo, procurou o curso no Bunkyo – Casa de cultura japonesa; - já pratica há 2 anos e a cada 15 dias; - quanto à convivialidade, acredita que a cerimônia do chá facilita o relacionamento entre as pessoas do grupo, pois há uma troca intensa e ressalta o espírito da hospitalidade (palavras dela!); - acha importante o lado altruísta da cerimônia do chá, pois o anfitrião que prepara o chá aos convidados proporciona um momento único e oferece um pouco de paz e tranqüilidade; - outro motivo para continuar o curso e a prática é sua busca pela simplicidade e a volta aos elementos da natureza, preconizados pela cerimônia do chá; - acredita que possui certa dificuldade em praticar a cerimônia do chá devido ao idioma e às diferenças culturais, ainda mais no que se refere à compreensão desta. 79 DADOS – ENTREVISTA: Local: São Paulo - USP Data: 13/11/10 Hora: 9h00 DADOS – ENTREVISTADO: Entrevistado: 8 Sexo: feminino Idade: 27 anos Cidade de residência: São Paulo ENTREVISTA - nasceu no Espírito Santo, está em São Paulo há 2 anos; - iniciou o curso há 8 meses; - o interesse pela cerimônia do chá iniciou com seu interesse pelo chá em geral e seu serviço. Como gostaria de aprender mais sobre o Matchá, o chá verde em pó utilizado na cerimônia do chá, acabou se matriculando no curso da USP, pois a parte inicial da aula é uma introdução teórica. - antes mesmo de iniciar o curso na USP já conhecia alguns praticantes, pois havia realizado uma série de entrevistas sobre o tema para seu blog: www.rotadocha.com.br; - aprecia o sentimento de progresso que o curso vem oferecendo. Adora o ambiente e a convivência com as pessoas do grupo. Atualmente a grande motivação não é mais pelo chá e sim pelo momento de prazer e principalmente a convivialidade com seus colegas praticantes; - tudo o que é visto e aprendido ainda mais no que se refere à filosofia, ela leva para sua vida no cotidiano, além da sala de chá/aula. Estabelece relação do que é apreendido nas aulas práticas e no seu dia-a-dia quanto ao seu relacionamento com outras pessoas, com objetos; - atualmente dá muito valor ao silêncio, ou seja, saber o momento apropriado de falar com os outros; - a cerimônia do chá ajuda a se entender como pessoa e mais importante, a entender e lidar com o outro. 80 DADOS – ENTREVISTA: Local: São Paulo - USP Data: 13/11/10 Hora: 9h00 DADOS – ENTREVISTADO: Entrevistado: 9 Sexo: feminino Idade: 58 anos Cidade de residência: Indaiatuba / SP ENTREVISTA - nasceu em Lavínia / SP; - os pais vieram do Japão por volta dos ano 1940; - única na família que pratica a cerimônia do chá; - fala fluentemente o japonês, com a morte dos pais tem praticado menos; - o contato inicial com a cerimônia do chá foi através da meditação Zen. Durante uma viagem ao Japão participou de retiros, conheceu alguns monges que ofereceram o matchá para auxiliar a meditação; - na época morava na Suíça e lá buscou um professor da fundação Urasenke; - desde então (ano 2000) vem praticando a cerimônia do chá; - o interesse pela prática da cerimônia do chá é que remete a uma atividade de meditação diferente do mundo racional, uma forma de equilíbrio da vida intelectual devido às exigências de seu trabalho com o lado intuitivo e espiritual; - gostaria de desenvolver outros aspectos relacionados à cerimônia do chá, tais como: a filosofia implícita à cerimônia, os diferentes tipos de cerimônia, o ato de tomar chá e especialmente estudar as diversas variedades de chá; - acredita que a cerimônia do chá facilita a convivência entre os praticantes devido ao embasamento na inter-relação entre o anfitrião e convidados. Ressalta que a prática da cerimônia do chá envolve sempre um outro, já que não se aplica a apenas um indivíduo; - à princípio não tem como objetivo manter as tradições culturais japonesas e sim na prática com o sentido de aprimoramento pessoal e elevação espiritual. 81 DADOS – ENTREVISTA: Local: São Paulo - USP Data: 13/11/10 Hora: 9h00 DADOS – ENTREVISTADO: Entrevistado: 10 Sexo: feminino Idade: 57 anos Cidade de residência: São Paulo / SP ENTREVISTA - nasceu em Assaí / PR; - os avós vieram do Japão por volta dos ano 1910, no 2º navio; - fala fluentemente o japonês. Morava com os avós até os 13 anos, quando só falava este idiona; - já pratica a cerimônia do chá há 30 anos, após uma interrupção, reiniciou em 2008 em São Paulo; - a prática ocorre 1 vez por semana na USP, às vezes no Bunkyo (bairro Liberdade); - o contato inicial com a cerimônia do chá foi em Moji das Cruzes, quando estudava o Ikebana (arte ornamental com flores); - nesta época já tinha interesse pela cultura japonesa, seu objetivo era ter contato principalmente com as artes tradicionais japonesas e dar continuidade à cultura de seus antepassados; - soma-se atualmente com a busca pela disciplina, postura, respeito e harmonia que traz a prática da cerimônia do chá; - acredita que a prática da cerimônia do chá facilita o convívio entre as pessoas devido aos seus preceitos; - quando participa da aula no Bunkyo, acredita que existe outro aspecto relevante, pois é uma maneira de reunir-se com outros descendentes de japoneses. 82 DADOS – ENTREVISTA: Local: São Paulo - USP Data: 13/11/10 Hora: 9h00 DADOS – ENTREVISTADO: Entrevistado: 11 Sexo: masculino Idade: 77 anos Cidade de residência: São Paulo / SP ENTREVISTA - nasceu em São Paulo / SP; - já pratica a cerimônia do chá há 10 anos; - a prática ocorre 1 vez por semana na USP; - o contato inicial com a cerimônia do chá foi através do Ikebana. Na formatura do curso, presenciou uma cerimônia do chá; - também lembrou de ter visto uma demonstração numa viajem aos Japão, quando fez um trabalho pela Unesco; - estes acontecimentos o deixaram curioso e resolveu iniciar o curso na USP; - com o tempo descobriu que a cerimônia do chá não é apenas um ritual e sim um sistema complexo de meditação Zen; - acredita que no lugar de apenas uma abstração estética, na cerimônia do chá ocorre a abstração pelo movimento; - se identifica com a autodisciplina exigida durante a prática e principalmente com o respeito aos outros e ao meio ambiente; - conclui que com a prática da cerimônia do chá, é uma maneira de preservação interior até física. 83 DADOS – ENTREVISTA: Local: São Paulo - USP Data: 13/11/10 Hora: 9h00 DADOS – ENTREVISTADO: Entrevistado: 12 Sexo: masculino Idade: 34 anos Cidade de residência: Ibaiti / PR ENTREVISTA - nasceu em Itapetininga / SP; - já pratica a cerimônia do chá há 13 anos; - nos primeiros 5 anos praticava 1 vez por semana no Paraná, atualmente a prática ocorre 1 ou 2 vezes por mês em São Paulo; - já possui uma pré-disposição e interesse pela cultura japonesa; - na época da faculdade iniciou curso de japonês. Nas aulas perguntava à professora questões sobre a cultura e artes tradicionais japonesas, esta lhe sugeriu o curso de cerimônia do chá; - também coincidiu com sua busca em responder questões existenciais, dúvidas agravadas com a doença de seu irmão e posteriormente sua morte por câncer. Sentia-se incompleto nas diferentes religiões; - para ele no início a cerimônia do chá funcionava como conexão com Deus, mas não exatamente como uma religião, já que acredita que a cerimônia do chá transcende os preceitos religiosos, sendo uma filosofia de vida; - é muito grato à cerimônia do chá a atualmente a sua vida gira em torno dela; - na atualidade já acredita que a cerimônia do chá é uma maneira do praticante lapidar-se como ser humano; - preconiza a tentativa de praticar os elementos fundamentais da cerimônia do chá (Harmonia, Pureza, etc.) também fora da sala de chá. Acredita que estes elementos facilitam a convivência com os outros dentro e fora da sala de chá. 84 DADOS – ENTREVISTA: Local: São Paulo - USP Data: 13/11/10 Hora: 9h00 DADOS – ENTREVISTADO: Entrevistado: 13 Sexo: masculino Idade: 27 anos Cidade de residência: São Paulo / SP ENTREVISTA - nasceu no Paraná; - já pratica a cerimônia do chá há 5 anos, iniciou o curso em Curitiba; - a prática ocorre 1 vez por semana na USP; - seu interesse pela cerimônia do chá coincide com seu interesse geral pela cultura japonesa; - também estuda japonês; - acredita que a cerimônia do chá condensa vários aspectos da cultura japonesa, principalmente as artes tradicionais; - para ele a cerimônia do chá facilita a convivência entre as pessoas, pois durante a cerimônia os praticantes aprendem a ser mais tolerantes e devem ter muita paciência. Acha que os fundamentos aprendidos podem ser aplicados em todos os aspectos da vida. 85 DADOS – ENTREVISTA: Local: São Paulo - USP Data: 13/11/10 Hora: 9h00 DADOS – ENTREVISTADO: Entrevistado: 14 Sexo: feminino Idade: 28 anos Cidade de residência: São Paulo / SP ENTREVISTA - nasceu em São Paulo / SP. A mãe (falecida) é nissei; - pratica a cerimônia do chá desde 2008; - a prática ocorre 1 vez por semana na USP; - seu interesse pela cerimônia do chá se deve por ser descendente de japoneses e o desejo de conhecer melhor esta cultura; - durante o curso de Origami (arte da dobradura em papel), notou que havia curso de cerimônia do chá também oferecido na USP; - atualmente também te interesse pela disciplina, meditação, perseverança e maior concentração necessários á prática da cerimônia do chá; - acredita que a prática da cerimônia do chá facilita a convivência entre as pessoas devido aos elementos fundamentais; - tenta aplicar o aprendizado em sua vida cotidiana.