1 Vol XX 2011 - Revista Nascer e Crescer
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1 Vol XX 2011 - Revista Nascer e Crescer
Vol. 20, nº 1, Março 2011 20| 1 Revista do Hospital de Crianças Maria Pia | Departamento de Ensino, Formação e Investigação | Centro Hospitalar do Porto Ano | 2011 Volume | XX Número | 01 Directora | Editor-in-Chief | Sílvia Álvares; Director Adjunto | Associated Editor | Rui Chorão; Directora Executiva | Executive Editor | Margarida Lima Presidente do CA do Centro Hospitalar do Porto, EPE | Director | Pedro Esteves Corpo Redactorial | Editorial Board Artur Alegria, Maternidade Júlio Dinis - Centro Hospitalar do Porto (MJD - CHP); Armando Pinto, Instituto Português de Oncologia Francisco Gentil (IPOPF-G); Carmen Carvalho, MJD - CHP; Conceição Mota, Hospital Maria Pia (HMP – CHP); Cristina Rocha, Centro Hospitalar de Entre Douro e Vouga (CHEDV); Gustavo Rocha, Hospital São João (HSJ), João Barreira, HSJ; Laura Marques, HMP - CHP; Margarida Guedes, HMP - CHP; Miguel Coutinho, HMP - CHP; Rui Almeida, Hospital Pedro Hispano - Unidade Local de saúde Matosinhos (HPH – ULSM). Editores especializados | Section Editors Artigo Recomendado – Helena Mansilha, HMP - CHP; Maria do Carmo Santos, HMP - CHP; Tojal Monteiro, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) Perspectivas Actuais em Bioética – Natália Teles, Centro de Genética Médica Jacinto Magalhães - Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (CGMJC – INSA, I.P.) Pediatria Baseada na Evidência – Luís Filipe Azevedo, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP); Altamiro da Costa Pereira, FMUP A Cardiologia Pediátrica na Prática Clínica – António Marinho, Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC); Fátima Pinto, Hospital de Santa Marta (HSM); Maria Ana Sampaio, Hospital Cruz Vermelha (HCV), Maria João Baptista, (HSJ); Paula Martins, Hospital Pediátrico Coimbra (HPC), Rui Anjos, Hospital de Santa Cruz (HSC); Sílvia Álvares, (HMP - CHP). Ciclo de Pediatria Inter-Hospitalar do Norte – Carla Moreira, Hospital Braga – Escala Braga (HB – EB), Armando Pinto, IPOPF-G; Carla Carvalho, Hospital Santa Maria Maior (HSMM); Conceição Santos Silva, Centro Hospitalar da Póva de Varzim - Vila do Conde (CHPV-VC); Fátima Santos, Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia - Espinho (CHVNG-E); Inês Azevedo, HSJ; Isolina Aguiar, Centro Hospitalar do Alto Ave (CHAA); Joaquim Cunha, Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa (CHTS); Susana Tavares, Centro Hospitalar de Entre Douro e Vouga (CHEDV); Cármen Carvalho, MJD - CHP; Rosa Lima, HMP - CHP; Soa Aroso, HPH - ULSM; Sónia Carvalho, Centro Hospitalar do Médio Ave (CHMA). Caso Dermatológico – Manuela Selores, Hospital de Santo António (HSA) - CHP; Susana Machado, HSA - CHP Caso Electroencefalográco – Rui Chorão, HMP - CHP Caso Endoscópico – Fernando Pereira, HMP - CHP Caso Estomatológico – José Amorim, HMP - CHP Caso Radiológico – Filipe Macedo, CHAA Genes, Crianças e Pediatras – Esmeralda Martins, HMP - CHP; Margarida Reis Lima, Hospitais Privados de Portugal (HPP) Pequenas Histórias – Margarida Guedes, HMP - CHP, ICBAS Consultor Técnico | Consultant Gama de Sousa, Porto Consultora de Epidemiologia e de Bioestatistica | | Advisor of Epidemiology and Biostatistics Maria José Bento, IPOPF-G Conselho Cientíco Nacional | | National Scientic Board - Alberto Caldas Afonso, HSJ, FMUP, Porto - Agustina Bessa Luís, Porto - Almerinda Pereira, HB-EB, Braga - Álvaro Aguiar, FMUP, Porto - Ana Maria Leitão, HSSM, Barcelos - Ana Maria Ribeiro, CHEDV, Santa Maria da Feira - Ana Ramos, CHP, Porto - António Lima, CHEDV, Porto - António Martins da Silva, ICBAS, Porto - António Vilarinho, CHVNG-E, Vila Nova de Gaia - Arelo Manso, CHTMAD, Porto - Braga da Cunha, CHTS, Penael - Carlos Duarte, CHP, Porto - Cidade Rodrigues, CHP, Porto - Clara Barbot, CHP, Porto - Conceição Casanova, CHPV-VC, Póvoa de Varzim - Eloi Pereira, Porto - Eurico Gaspar, CHTMAD, Vila Real - Fátima Praça, CHVNG-E, Vila Nova de Gaia - Filomena Caldas, CHP, Porto - Gama Brandão, CHAA, Guimarães - Gonçalves Oliveira, CHMA, Famalicão - Henedina Antunes, HB-EB, Braga - Hercília Guimarães, HSJ, FMUP, Porto - Ines Lopes, CHVNG-E, Vila Nova de Gaia - José Barbot, CHP, Porto - José Carlos Areias, FMUP, Porto - José Carlos Sarmento, CHTS, Penael - José Cidrais Rodrigues, ULSM, Matosinhos - José Pombeiro, CHP, Porto - Lopes dos Santos, ULSM, Matosinhos - Lucília Norton, IPOPF-G, Porto - Luís Almeida Santos, HSJ, FMUP, Porto - Luís Januário, HPC, Coimbra - Luís Vale, HPBN, Porto - Manuel Salgado, HPC, Coimbra - Manuela Selores, CHP, Porto - Marcelo Fonseca, ULSM, Matosinhos - Margarida Lima, CHP, ICBAS, Porto - Margarida Medina, CHP, Porto - Maria Augusta Areias, HPBN, Porto - Nuno Grande, ICBAS, Porto - Octávio Cunha, HPBN, Porto - Óscar Vaz, CHN, Mirandela - Paula Cristina Ferreira, CHP, Porto - Pedro Freitas, CHAA, Guimarães - Rei Amorim, CHAM, Viana do Castelo - Ricardo Costa, CHCB, Covilhã - Rodrigues Gomes, FCG, Lisboa - Rosa Amorim, CHP, Porto - Rui Carrapato, CHEDV, Santa Maria da Feira Conselho Cientíco Internacional | | International Scientic Board - Alain de Broca, Centre Hospitalier Universitaire Amiens, Amiens - Annabelle Azancot, Hôpital Robert Debré, Paris - D. L. Callís, Hospitals Vall d’Hebron, Barcelona - F. Ruza Tarrio, Hospital Infantil Universitario La Paz, Madrid - Francisco Alvarado Ortega, Hospital Infantil Universitario La Paz, Madrid - George R. Sutherland, University Hospital, Edinburgh - Harold R. Gamsu, Kings College Hospital, Londres - J. Bois Oxoa, Hospitals Vall d’Hebron, Barcelona - Jean-François Chateil, Hôpital Pellegrin, Bordeaux - José Quero, Hospital Infantil Universitario La Paz, Madrid - Juan Tovar Larrucea, Hospital Infantil Universitario La Paz, Madrid - Juan Utrilla, Hospital Infantil Universitario La Paz, Madrid - Peter M. Dunn, University of Bristol, Bristol Assessores Editoriais | Editorial Assistants Carolina Cortesão Paulo Silva Publicação trimestral resumida e indexada por SciELO; Rcaap; EMBASE / Excerpta Médica; Catálogo LATINDEX; Index das Revistas Médicas Portuguesas Design gráco bmais comunicação Execução gráca e paginação Papelmunde, SMG, Lda Vila Nova de Famalicão ISSN 0872-0754 Depósito legal n° 4346/91, anotada no Ministério da Justiça em 92.04.24 Tiragem 2.500 exemplares Autorização CTT DE 0005/2005 DCN Propriedade, Edição e Administração / Publisher Hospital de Crianças Maria Pia, DEFI Centro Hospitalar do Porto Rua da Boavista, 827 – 4050-111 Porto tel: (+351) 226 089 900; fax: (+351) 226 000 841 Os trabalhos, a publicidade e a assinatura, devem ser dirigidos a Coordenação da Revista Nascer e Crescer Hospital de Crianças Maria Pia Rua da Boavista, 827 – 4050-111 Porto tel: (+351) 226 089 900; telemóvel: (+351) 915 676 516 [email protected] Condições de assinatura Anual Nacional (4 números) - 40 euros Anual Estrangeiro (4 números) - 80 euros Número avulso - 12 euros Rua da Boavista, 713 – 4050-110 PORTO Tel. 222 081 050 [email protected] NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia índice ano 2011, vol XX, n.º 1 número1.vol.XX 7 Editorial 9 Artigos Originais Sílvia Álvares Atrésia das vias biliares extrahepáticas: estudo clínico retrospectivo Ermelinda Silva, Margarida Medina, Paula Rocha, Berta Bonet, J. A. Ferreira de Sousa, Carlos Enes 16 Impacto da doença crónica na adolescência Sónia Santos, Elisabete Santos, Alzira Ferrão, Carlos Figueiredo 20 Casos Clínicos Trombocitopenia severa neonatal Amélia Moreira, Maria José Vale, Joana Neves, Clara Paz Dias 23 Hemoperfusão com carvão activado na intoxicação grave por carbamazepina Maria José Cálix, Márcia Gonçalves, José Manuel Castro, Ana Ventura, Marta Vila Real, António Vilarinho 26 Artigo de Revisão NIDCAP®: uma losoa de cuidados Andrea Oliveira Santos 32 Ciclo de Pediatria Inter-Hospitalar Mielite transversa aguda Maria João Sampaio, Ana Garrido, Maria João Oliveira, Ana Vilan, Rui Almeida, Joaquim Cunha do Norte 35 Artigo Recomendado 38 40 Perspectivas Actuais em Bioética Helena Mansilha Maria do Carmo Santos Privacidade e sigilo em deontologia prossional: uma perspectiva no cuidar pediátrico Soa Nunes NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 Cardiologia Pediátrica na Prática 45 AClínica Insuciência respiratória aguda: quando o tempo conta... Miguel Fonte, Ana C. Braga, Luísa Lopes, Ana Guedes, J. Pombeiro Veloso, Teresa Vaz, José Monterroso, Mónica Rebelo, Manuel Ferreira, Albino Pedro, Elisa Proença 49 Qual o seu Diagnóstico? Caso electroencefalográco Sandrina Martins, Luís Ribeiro, Miguel Fonte, Rui Chorão 51 Caso endoscópico Fernando Pereira 53 Caso estomatológico José M. S. Amorim 55 Caso radiológico Filipe Macedo 57 Pequenas Histórias Uns e... os outros Margarida Guedes do Prémio 58 Regulamento Nascer e Crescer 59 Normas de Publicação NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia summary ano 2011, vol XX, n.º 1 number1.vol.XX 7 Editorial 9 Original Articles Sílvia Álvares Biliary atresia: retrospective clinical study Ermelinda Silva, Margarida Medina, Paula Rocha, Berta Bonet, J. A. Ferreira de Sousa, Carlos Enes 16 Impact of chronic disease in adolescence Sónia Santos, Elisabete Santos, Alzira Ferrão, Carlos Figueiredo 20 Case Reports Severe neonatal thrombocytopenia Amélia Moreira, Maria José Vale, Joana Neves, Clara Paz Dias 23 Hemoperfusion with activated charcoal in the treatment of severe poisoning by carbamazepine Maria José Cálix, Márcia Gonçalves, José Manuel Castro, Ana Ventura, Marta Vila Real, António Vilarinho 26 Review Article NIDCAP®: a philosophy of care Andrea Oliveira Santos 32 Paediatric Inter-Hospitalar Meeting Acute transverse myelitis Maria João Sampaio, Ana Garrido, Maria João Oliveira, Ana Vilan, Rui Almeida, Joaquim Cunha 35 Recommended Article 38 40 Current Perspectives in Bioethics Helena Mansilha Maria do Carmo Santos Privacy and secrecy in professional deontology: a perspective in paediatric care… Soa Nunes NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 Cardiology in Clinical 45 Paediatric Practice Acute respiratory failure: when time matters... Miguel Fonte, Ana C. Braga, Luísa Lopes, Ana Guedes, J. Pombeiro Veloso, Teresa Vaz, José Monterroso, Mónica Rebelo, Manuel Ferreira, Albino Pedro, Elisa Proença 49 What is your Diagnosis? EEG case report Sandrina Martins, Luís Ribeiro, Miguel Fonte, Rui Chorão 51 Endoscopic case Fernando Pereira 53 Oral pathology case José M. S. Amorim 55 Radiological case Filipe Macedo 57 Short Stories This... and the others Margarida Guedes 58 Nascer e Crescer Prize’s Instructions 59 Instructions for Authors NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 editorial Os progressos da ciência e da tecnologia nas últimas décadas, a melhoria das condições socio-económicas foram factores determinantes na evolução do estado de saúde das populações. A Pediatria beneciou igualmente destes avanços, estando hoje confrontada com uma população crescente de crianças e adolescentes com doença crónica que exigem uma abordagem pluridisciplinar, abrangendo, não só os cuidados de saúde mas, também, a educação e o serviço social. Também o alargamento da idade pediátrica aos 18 anos abriu novos desaos nas instituições hospitalares cuja estrutura não sofreu, paralelamente, as modicações estruturais fundamentais para receberem esta nova população de doentes com necessidades particulares. A sobrevida de jovens com patologias complexas, consideradas até há algum tempo rapidamente fatais, nomeadamente as doenças metabólicas, cardíacas, neurológicas, entre outras, obriga a uma mudança nos serviços de saúde de modo a preparar a sua transição para os serviços de adultos, sem que haja interrupção na prestação de cuidados. Estão identicadas várias questões fulcrais para o sucesso do processo da transição de um serviço pediátrico, centrado no doente e família, para um serviço de adultos, das quais salientamos a acessibilidade aos cuidados de saúde, o treino dos especialistas de adultos no tratamento de patologias crónicas anteriormente limitadas à idade pediátrica, o estabelecimento de um sistema de comunicação coordenada e envolvente entre os doentes, famílias, pediatras e especialistas de adultos. Muito embora um programa de transição deva ser individualizado, tendo em conta a situação clínica do doente e o seu desenvolvimento, é importante desenvolver uma estratégia de actuação dos serviços, adequada às condições existentes e simultaneamente exível. É importante que a preparação deste processo comece cedo (a Academia Americana de Pediatria recomenda o seu inicio aos 12 anos), proporcionando informação aos pais sobre a doença crónica e preparando a autonomia do adolescente para que ele próprio seja um interveniente activo no processo. A ansiedade dos pais face a uma doença crónica leva muitas vezes a uma sobreprotecção que diculta a transferência da responsabilidade da “gestão” da doença para o adolescente. A actividade física, os comportamentos de risco, a sexualidade, o aconselhamento genético e a orientação prossional não podem ser esquecidos na abordagem global do doente. editorial 7 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 A falta de experiência dos serviços de adultos em patologias da idade pediátrica, de que são exemplo as doenças metabólicas ou as cardiopatias congénitas, diculta a transferência para estes serviços, sendo essencial o investimento na formação dos prossionais para que haja continuidade dos cuidados. Acresce que nem sempre o ambiente dos serviços de adultos oferece o apoio social e humano a que estes doentes e famílias se habituaram, o que pode levar ao abandono do seguimento. A articulação com os cuidados primários de saúde não pode ser esquecida. É frequente nas situações de doença crónica uma ligação muito estreita da família e criança aos serviços pediátricos, deixando de fora o médico de família. Há que melhorar a comunicação entre os cuidados primários e diferenciados, respeitando as competências destas duas vertentes. Têm-se implementado vários modelos no processo de transição. Este terá que ser adaptado às condições estruturais e de funcionalidade das unidades de saúde. Os nossos objectivos estão bem denidos: manter cuidados de saúde de qualidade e ininterruptos na passagem da adolescência para a vida adulta. A implementação do modo de concretização é mais difícil, exige um esforço empenhado e uma nova cultura organizacional, um diálogo constante entre doente e família e os vários níveis de prestação de cuidados. A estratégia tem de ser conjunta e com base num trabalho de equipa multidisciplinar. Sílvia Álvares 8 editorial NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 Atrésia das vias biliares extrahepáticas: estudo clínico retrospectivo Ermelinda Santos Silva1, Margarida Medina1, Paula Rocha2, Berta Bonet3, J.A. Ferreira de Sousa3, Carlos Enes3 RESUMO Objectivo: Conhecer o comportamento de uma população de doentes com atrésia das vias biliares nas distintas fases da doença e determinar a sua sobrevida e factores prognósticos. Doentes e Métodos: Estudo retrospectivo, transversal, descritivo, incluindo os doentes com atrésia das vias biliares diagnosticados e tratados de Janeiro de 1992 a Dezembro de 2007; este período foi subdividido em duas partes: P1 de Janeiro de 1992 a Dezembro de 1999 e P2 de Janeiro de 2000 a Dezembro de 2007. Foram analisadas as seguintes variáveis: dados clínicos e bioquímicos; achados imagiológicos, histológicos e cirúrgicos; idade de realização do Kasai; realização de transplante hepático e resultado. Resultados: Foram atendidos 15 doentes (seis em P1 e nove em P2). O tempo mediano entre a admissão e a portoenterostomia (PE) de Kasai foi 10 dias (14 dias em P1; 7 dias em P2). A idade mediana de execução da PE de Kasai foi 58 dias (89 dias em P1; 45 dias em P2). A PE de Kasai funcionou em 46,67% (33,33% em P1; 55,56% em P2). A sobrevida global aos cinco anos foi 83.33% (66,67% em P1; 100% em P2). A sobrevida com fígado nativo aos cinco anos foi 41.67% (16,67% em P1; 66.67% em P2). Conclusões: Apesar do número reduzido de doentes operados/ano (1,125 doentes) os resultados em P2 são comparáveis aos observados nos centros europeus de referência. Esta melhoria foi obtida à custa dum diagnóstico mais precoce, com consequente diminuição da idade de execução da PE Kasai; acresce também a importância da experiência acumulada pela equipa ao longo dos anos. Palavras-chave: Atrésia das vias biliares, colestase neonatal, transplante hepático Nascer e Crescer 2011; 20(1): 9-15 INTRODUÇÃO A atrésia das vias biliares extrahepáticas (AVBEH) é uma entidade rara, de etiologia desconhecida, caracterizada por uma bro-obliteração inamatória progressiva dos ductos biliares ex- __________ 1 2 3 S. Gastrenterologia Pediátrica, CHPorto-HMPia S. Cuidados Intensivos Neonatais e Pediátricos, CHPorto-HMPia S. Cirurgia Pediátrica, CHPorto-HMPia tra e intrahepáticos, que ocorre exclusivamente nos primeiros meses de vida. Os casos não tratados evoluem para colestase crónica, cirrose biliar e morte nos primeiros dois anos de vida(1). A falta de conhecimento da patogenia da AVBEH tem impedido maiores progressos no seu tratamento. Compreender a etiologia e os mecanismos patogénicos da AVBEH é actualmente um dos maiores desaos da Hepatologia Pediátrica, já que nenhuma outra doença hepática produz mortalidade e morbilidade equivalentes sem transplante na idade pediátrica. O tratamento recomendado actualmente é sequencial: nas primeiras semanas de vida a realização da portoenterostomia (PE) de Kasai(2), ou suas variantes técnicas, com o objectivo de restabelecer o uxo biliar para o intestino; no caso de insucesso desta operação e/ou complicações graves da cirrose será necessário efectuar um transplante hepático (TRH)(3). O prognóstico dos doentes com AVBEH melhorou dramaticamente nas últimas décadas. Depois do aparecimento da PE de Kasai nos anos 60 e do TRH nos anos 80, a sobrevida global dos doentes com AVBEH nos países desenvolvidos é próxima dos 90% aos 5 anos(4,5,6), mas menos de um quarto dos doentes atinge a idade adulta com o fígado nativo(7,8,9). Nos sobreviventes, a percentagem de doentes transplantados depende dos resultados da PE de Kasai e da duração do seguimento. Vários factores de prognóstico têm sido identicados. Alguns estão relacionados com características da doença e não podem ser modicados: o prognóstico é pior quando a AVBEH está associada a síndrome polimalformativo, quando é completa (tipo 4 da classicação francesa), e quando a brose hepática é extensa no momento da realização da PE de Kasai. Outros factores prognósticos estão relacionados com a abordagem diagnóstica e terapêutica e podem ser melhorados: precocidade do diagnóstico e da realização da PE de Kasai, experiência do centro no tratamento destes doentes, e acessibilidade a TRH(10). Apresentamos os resultados de um estudo retrospectivo, transversal, descritivo, dos doentes tratados num centro português, com um número reduzido de doentes operados/ano, em que ao longo dos anos foram efectuados progressos no sentido de efectuar um diagnóstico mais precoce, e de concentrar o tratamento dos doentes na mesma equipa médica e cirúrgica. DOENTES E MÉTODOS Foram analisados os registos de todos os doentes admitidos no Hospital de Crianças Maria Pia com AVBEH entre Janeiro de 1992 e Dezembro de 2007 (16 anos). Este período foi ana- artigo original original article 9 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 lisado na globalidade e depois foi subdividido em duas partes: primeira parte (Janeiro de 1992 a Dezembro de 1999) – P1, e segunda parte (Janeiro de 2000 a Dezembro de 2007) – P2. Critérios de inclusão: Doentes com AVBEH diagnosticada com base em critérios clínicos, bioquímicos, imagiológicos, histológicos e cirúrgicos, todos concordantes com AVBEH. Análise dos registos: Os dados analisados incluíram: data de nascimento; dados clínicos e bioquímicos do período pré, peri, e pós Kasai; achados imagiológicos, histológicos e cirúrgicos; tempo entre a admissão e a realização do Kasai; idade de realização do Kasai; realização ou não de transplante hepático; resultado nal; data da última observação em consulta de seguimento; causa de morte; causas para a não realização de Kasai ou de transplante hepático. A classicação macroscópica da AVBEH foi baseada no padrão anatómico do remanescente biliar extrahepático de acordo com a classicação francesa: tipo 1 (atrésia biliar limitada ao ducto hepático comum), tipo 2 (quisto biliar no hilo hepático comunicando com ductos biliares intra-hepáticos distrócos, tipo 3 (vesícula biliar, ducto cístico, e ducto biliar comum patentes), e tipo 4 (atrésia biliar extrahepática completa). A PE de Kasai ou suas modicações bem como o transplante hepático estiveram disponíveis para todos os doentes durante este período. O sucesso da PE de Kasai foi denido como resolução completa da icterícia e bilirrubina total < 20 mol/l. Um resultado parcial foi denido para valores de bilirrubina total de 20-50 mol/l. Um insucesso foi denido como valores de bilirrubina que nunca baixaram para < 50 mol/l. Antes de 1994 todos os doentes candidatos a transplante foram referenciados a centros europeus. A partir de 1994 o TRH passou a ser realizado no único centro de transplante hepático pediátrico português (Coimbra), excepto em situações de especial diculdade técnica, para as quais se recorreu ao centro de Bruxelas. A equipa responsável pelo tratamento destes doentes foi composta por duas pediatras (as mesmas ao longo dos 16 anos), e dois cirurgiões pediátricos (os mesmos dois cirurgiões na segunda parte do período analisado). RESULTADOS Foram admitidos 15 doentes (cinco de sexo feminino e 10 de sexo masculino) com o diagnóstico de AVBEH, entre Janeiro de 1992 e Dezembro de 2007 (16 anos). Seis doentes no período denido como primeira parte da série (Tabela 1) e nove doentes no período denido como segunda parte da série (Tabela 2). Vericamos que todos os doentes efectuaram hemograma, doseamento de bilirrubinas e enzimas hepáticas, urocultura, doseamento sérico de alfa-1-antitripsina, observação do fundo ocular, ECG e Ecocardiograma 2D; todos os doentes efectuaram ecograa abdominal que excluiu a presença de quisto do colé- 10 artigo original original article doco mas não forneceu informações conclusivas em relação ao diagnóstico de AVBEH. O cintilograma hepatobiliar com IDA foi efectuado em quatro doentes de P1 (não foi efectuado nos dois que se apresentaram após os 120 dias de vida), e nos primeiros cinco de P2. A partir de 2006 nenhum doente efectuou este exame complementar de diagnóstico. Em todos os doentes foi efectuada biópsia hepática per-operatória, e em todos os achados histológicos foram concordantes com o diagnóstico de AVBEH. Catorze doentes apresentaram AVBEH de tipo 4 e apenas um doente uma AVBEH de tipo 3. Nenhum doente era portador de síndrome de poliesplenia (AVBEH sindromática). Uma doente era portadora de déce de alfa-1-antitripsina (fenótipo SZ) e esta associação colocou algumas dúvidas no diagnóstico de AVBEH, esclarecidas pela colangiograa per-operatória. O intervalo mediano entre a admissão do doente no hospital e a realização da PE de Kasai foi de 10 dias (4-26 dias). Em P1 foi de 14 dias (5-26 dias) e em P2 foi de sete dias (4-20 dias). Portoenterostomia de Kasai A PE de Kasai foi efectuada em 14 dos 15 doentes; num doente de P1 não foi efectuada por ter sido referenciado já com 128 dias de vida. A idade mediana de realização da PE de Kasai foi de 58 dias (31-126 dias). Em P1 foi de 89 dias (63-126 dias) e em P2 foi de 45 dias (31-63 dias). Em P1 não foi usado nenhum protocolo estandardizado de tratamento médico no pós-operatório. Em P2 todos os doentes efectuaram no pré-operatório prolaxia antibiótica com neomicina, via oral, durante 24 horas, e no pós-operatório cefoxitina, por via endovenosa, durante sete dias, seguida de cotrimozaxol, via oral, durante um ano, e ácido ursodesoxicólico 20 mg/kg/dia, via oral, dividido em duas tomas diárias, a partir do sétimo dia, e que mantêm permanentemente. O doente nº 10, portador de AVBEH de tipo 3, aos 33 dias de vida foi submetido com sucesso a uma hepaticoportocolecistostomia. Por ter voltado a ter fezes acólicas e bilirrubina total > 50 mol/l, na ausência de infecção, foi submetido a PE de Kasai aos 54 dias, com sucesso. O doente nº 12 sofreu uma deiscência da anastomose distal e peritonite em D10 de pós-operatório, tendo necessitado de reintervenção cirúrgica e alimentação parentérica total durante duas semanas. A PE de Kasai que era funcionante deixou de o ser e a evolução ulterior foi para a cirrose biliar com trombose da veia porta. Apenas a doente nº 15, com fezes parcialmente pigmentadas pós-Kasai, efectuou tratamento com corticoesteróide. Vericou-se uma melhoria do uxo biliar e redução da hiperbilirrubinemia para metade dos valores iniciais (de 204 para 102 mol/l,), mas nesta altura a doente teve uma colangite bacteriana e após cobertura antibiótica de largo espectro as fezes voltaram a pigmentar mas a hiperbilirrubinemia manteve-se. Todos os doentes tiveram um episódio de colangite bacteriana no primeiro mês de pós-operatório, excepto um. Apenas NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 dos devido a complicações de hipertensão portal. Os sete doentes cuja bilirrubina total permaneceu superior a 50 mol/l foram submetidos a transplante hepático (cinco doentes) ou faleceram em lista (dois doentes). um doente teve colangites de repetição após o primeiro ano de vida (doente nº 10). Este doente não tem sinais de hipertensão portal e entre os episódios de colangite as bilirrubinas e as enzimas hepáticas são normais. A ecograa não evidencia dilatação das vias biliares intrahepáticas e o cintilograma hepatobiliar com IDA não mostrou atraso na eliminação do radiofármaco ao nível da ansa em Y de Roux. Sobrevida com fígado nativo A sobrevida com fígado nativo aos um, dois, cinco e 10 anos, é apresentada na Tabela 3. A sobrevida com fígado nativo após PE de Kasai esteve fortemente associada ao sucesso desta operação. Em doentes com sucesso da PE de Kasai a sobrevida com fígado nativo foi de 100% (5/5) aos dois anos e aos cinco anos. Em doentes com insucesso na PE de Kasai a sobrevida com fígado nativo foi de 0% (0/7) aos dois anos. A sobrevida mais longa com fígado nativo, neste grupo de doentes, foi de 21 meses. Resolução da icterícia após operação de Kasai Após a PE de Kasai a bilirrubina total normalizou em sete dos 14 doentes (33.33% de P1 e 55.5% de P2), e manteve-se superior a 50 mol/l nos restantes. Cinco dos sete doentes cuja bilirrubina total voltou ao normal não precisaram de transplante hepático até ao momento. Os restantes dois foram transplanta- Tabela 1 – Atrésia das vias biliares extrahepáticas: características clínicas dos doentes de P1 (1992 – 1999) Caso nº DN Sexo Admissão Kasai (dias) Idade Kasai (dias) Resultado Kasai Tipo anatómico Observações 1 20/07/92 Fem 26 63 F 4 - 2 04/08/92 Masc 13 84 NF 4 - 3 28/09/92 Masc 10 128 não efectuado 4 - 4 03/03/95 Masc 26 64 F 4 - 5 05/03/96 Fem 5 126 NF 4 - 6 17/11/98 Masc 16 94 NF 4 - Sobrevida / Estado actual Viva c/fígado nativo (s/ HTP) Falecido em lista para TRH Vivo c/ 2 TRH: aos 8M e aos 5A 6M Vivo c/ TRH aos 2 A 3M (por HTP) Falecida em lista para TRH Vivo c/ TRH aos 21 M Idade actual (Fev. 2011) 18 A 7M Falecido aos 17 M 18 A 5M 15 A 11M Falecida aos 8M 12A 3M Tabela 2 – Atrésia das vias biliares extrahepáticas: características clínicas dos doentes de P2 (2000 – 2007) Caso nº DN Sexo Admissão Kasai (dias) Idade Kasai (dias) Resultado Kasai Tipo anatómico Observações 7 23/04/00 Masc 4 50 NF 4 - 8 26/06/00 Fem 16 31 NF 4 Déce de alfa-1-antitripsina (SZ) 9 12/11/00 Masc 7 47 F 4 - 10 29/09/01 Masc 10 33 F 3 HPC aos 33 dias Kasai aos 54 dias 11 19/09/05 Fem 20 38 F 4 - 12 14/02/06 Masc 5 41 NF 4 Deiscência da anastomose distal em D10 de pós-operatório 13 02/02/07 Fem 10 45 F 4 - 14 25/02/07 Masc 4 58 F 4 - 15 03/04/07 Masc 4 63 NF 4 - Sobrevida / Estado actual Vivo c/ TRH aos 14 M Viva c/ TRH aos 16M e re-transplantada Vivo c/ TRH aos 6 A 9M (por HTP) Vivo c/ fígado nativo (s/ HTP) Viva c/ fígado nativo (s/ HTP) Vivo c/ TRH aos 13M Viva c/ fígado nativo (s/ HTP) Vivo c/ fígado nativo (s/ HTP) Vivo c/ TRH aos 11M Idade actual (Fev. 2011) 10A 10M 10A 8M 10A 3M 9A 5M 5A 5M 5A 4A 4A 3A 10M Legenda: F – Funcionante; NF – Não Funcionante; TRH – Transplante hepático; HTP – Hipertensão portal; HPC – Hepatoportocolecistostomia; c/ - com; s/ - sem; Fem – femimino; Masc – masculino; A – anos; M – meses artigo original original article 11 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 Transplante hepático e sobrevida após transplante O TRH foi necessário em 10 doentes, incluindo um sem PE de Kasai prévia. Portanto, 10 em 14 doentes (71,43%) necessitaram de TRH após PE de Kasai. Seis doentes foram transplantados antes dos dois anos de idade por cirrose biliar com colestase crónica, e dois com PE de Kasai funcionante e sem icterícia foram transplantados por complicações de hipertensão portal. Dois doentes de P1, com PE de Kasai não funcionante, faleceram em lista de espera para transplante. No total foram efectuados 10 transplantes em oito doentes, incluindo dois retransplantes. Oito transplantes foram efectuados no centro de transplante de Coimbra, e dois no centro de transplante de Bruxelas (o primeiro transplante do doente nº 3, e o transplante do doente nº 12). Apenas um doente recebeu um transplante de dador vivo (o doente nº 12). O TRH foi realizado numa idade mediana de 15 meses (8-81 meses). Todos os doentes estão vivos após o transplante, com um seguimento mediano de 114 meses (35-213 meses). Sobrevida global A sobrevida global dos doentes com AVBEH aos um, dois, cinco e 10 anos é apresentada na Tabela 3. Na Tabela 4 apresentamos um algoritmo com o estado actual dos doentes correlacionado com a execução e o funcionamento da PE de Kasai. DISCUSSÃO Apesar do prognóstico dos doentes com AVBEH ter melhorado signicativamente nas últimas décadas, esta doença continua a ser a principal indicação de transplante hepático em Tabela 3 – Atrésia das vias biliares extrahepáticas: casuística do Hospital de Crianças Maria Pia Nº total doentes operados (nº doentes operados/ ano) Admissão PE Kasai (mediana) Idade de execução da PE de Kasai (mediana) PE de Kasai funcionante Sobrevida c/ fígado nativo 1 Ano 2 Anos 5 Anos 10 Anos Sobrevida global (PE Kasai + TRH) 1 Ano 2 Anos 5 Anos 10 Anos 1992-1999 (8 anos) 2000-2007 (8 anos) 1992-2007 (16 anos) 6 (0,75/ano) 9 (1,125/ano) 15 (0,94/ano 14 dias 7 dias 10 dias 89 dias 45 dias 58 dias 33,33% (2/6) 55,56% (5/9) 46,67% (7/15) 66,67% 33,33% 16,67% 16,67% (4/6) (2/6) (1/6) (1/6) 83,33% (5/6) 66,67% (4/6) 66,67% (4/6) 66,67% (4/6) 89,89% 55,56% 66,67% 0% 100% 100% 100% 100% (8/9) (5/9) (4/6) (0/3) (9/9) (9/9) (6/6) (3/3) 80,00% 46,67% 41,67% 11,11% (12/15) (7/15) (5/12) (1/9) 93,33% 86,67% 83,33% 77,78% (14/15) (13/15) (10/12) (7/9) Tabela 4 – Atrésia das vias biliares extrahepáticas: 1992 – 2007 (16 anos = 15 doentes) 12 artigo original original article NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 idade pediátrica; nenhuma outra doença produz mortalidade e morbilidade idênticas. Vários tipos de estratégia têm sido tentados para obter uma melhoria de resultados inuenciando factores como a precocidade do diagnóstico e da realização da PE de Kasai, e a experiência do centro no tratamento destes doentes e acessibilidade a TRH(10). Em Taiwan, onde a incidência da doença é muito elevada (37/100000)(11), conseguiu-se uma assinalável melhoria dos resultados com o programa de rastreio universal aos 30 dias de vida, através do método do cartão com fotograas da cor das fezes(11,12). A percentagem de doentes submetidos à PE de Kasai antes dos 60 dias de vida aumentou signicativamente e não houve doentes a efectuar a PE de Kasai depois dos 90 dias. A percentagem de doentes sem icterícia aos três meses pós-Kasai passou de 37% (dados de 1976-2000) para 59.5% (2004-2005)(12). A incidência de AVBEH na Europa, baseada numa compilação de estudos, será de 5 a 6/100000 nascimentos1, bastante inferior à registada em certos países asiáticos. No Reino Unido (incidência de 6.0/100000) (13) (cerca de 650000 nascimentos/ano) dois estudos mostraram uma grande variação na sobrevida com fígado nativo em função da experiência dos centros. Estes resultados levaram à centralização dos doentes com AVBEH em três centros, aptos a tratar os doentes do diagnóstico ao TRH. Esta política provou ser eciente pois levou a uma melhoria dos resultados(4,13,14). Em França (incidência de 5.1/100000)(15) (cerca de 800000 nascimentos/ano) foi observada uma mesma discrepância de resultados, de acordo com o número de doentes operados/ano, o que levou à criação do Observatório Francês da AVBEH e à promoção de uma colaboração aumentada entre centros, para estandardização de procedimentos e optimização de resultados(16). Esta política foi menos ecaz (a sobrevida com fígado nativo permaneceu inalterada no centro que realizou mais de 20 operações/ano, melhorou de 31% para 45% nos centros que realizaram 3-5/ano e permaneceu baixa nos centros que realizaram um número inferior ou igual a 2/ano(5). Em Portugal, país com cerca de 100 000 nascimentos/ano, de acordo com a incidência da doença em outros países da Europa, estima-se a ocorrência de 5-6 novos casos/ano de AVBEH. No nosso país existem cinco centros de referência para diagnóstico e tratamento desta doença: dois no Norte (Porto), um no Centro (Coimbra), e dois no Sul (Lisboa); nenhum deles tem um número de doentes operados/ano superior a dois. Os resultados do nosso centro aqui apresentados reportam-se a um período de 16 anos. Consideramos útil dividir esta experiência em duas partes, como forma de evidenciar os progressos conseguidos no que respeita à idade do diagnóstico e da realização da PE de Kasai. A dimensão da amostra impõe limitações no que respeita ao tratamento estatístico dos dados mas permite, a nosso ver, registar a evolução ao longo dos anos e ainda assim a comparação com os resultados de centros internacionais. Na nossa série a idade mediana da realização da PE de Kasai foi de 58 dias (31-126 dias), mais elevada que a de algumas séries publicadas: 54 dias (7-151) no Reino Unido e País de Gales(4), 57 dias (12-151) em França(5); mas mais baixa que em outras: 61 dias (11-153) na US-BARC série(17), 68 dias (30-126) na Suíça(18), e 61-70 dias no Japão(6). Vericamos que em P2 a idade mediana da realização da PE de Kasai foi de 45 dias (31-63 dias) (melhor que em qualquer das séries anteriormente referidas), em contraponto com P1, em que foi de 89 dias (63-128 dias). Estudos de grandes séries têm conrmado que a idade na execução da PE de Kasai é um importante factor prognóstico nos doentes com AVBEH, não só porque inuencia o sucesso desta intervenção, mas sobretudo porque inuencia a sobrevida com fígado nativo(4,5,6,15,17,19). Na nossa série a taxa de sucesso da PE de Kasai foi de 46,67% (55.56% em P2). A sobrevida com fígado nativo aos cinco anos foi de 41.67%, inferior aos resultados apresentados por centros europeus de referência (em Paris Bicêtre 48% aos quatro anos(5), nos três centros supraregionais ingleses de Birmingham, Leeds e Londres 51% aos cinco anos(4)); no entanto, foi superior aos resultados do estudo nacional suíço (37.1% aos cinco anos)(18), país com cerca de 72000 nascimentos/ano e uma política de dispersão por múltiplos centros com reduzido número de doentes tratados/ano. Em P2 a sobrevida com fígado nativo aos cinco anos aumentou para 66.67%. O TRH foi necessário em 10 dos 15 doentes, incluindo um sem PE de Kasai prévia. Na nossa série dois doentes faleceram enquanto aguardavam transplante, ambos em P1, altura em que as técnicas de divisão do fígado e de dador vivo não eram frequentemente utilizadas. A sobrevida após o transplante foi de 100%. No Japão a sobrevida global aos cinco anos foi de 75.5% (93 centros, 1381 doentes, 1989-1999)(6), e na Inglaterra e Irlanda foi de 85% (15 centros, 93 doentes, 1993-1995)(13). Em França a sobrevida global aos quatro anos foi de 87,1% (22 centros, 271 doentes, 1997-2002)(5), na Inglaterra e País de Gales foi de 89% (três centros, 148 doentes, 1999-2002)(4), e na Suíça foi de 91.7% (cinco centros, 48 doentes, 1994-2004)(18). Na nossa série a sobrevida global dos doentes com AVBEH aos 5 anos foi de 83.33%. Em P1 a sobrevida aos cinco anos foi de 66,67% e os seis doentes de P2 com seguimento de cinco anos estão vivos (100%). Pensamos que a melhoria de resultados conseguida em P2 foi obtida à custa da conjugação de dois factores: o diagnóstico precoce (incluindo a referenciação mais atempada dos doentes e a diminuição do tempo de investigação dos mesmos) e a experiência acumulada pela equipa ao longo dos anos (incluindo a execução da PE de Kasai pela mesma equipa cirúrgica). O envio mais atempado dos doentes ao hospital é com certeza fruto da maior sensibilidade dos médicos que observam recém-nascidos e lactentes no que respeita ao diagnóstico e à necessidade de referenciação rápida dos casos de colestase neonatal. A diminuição do tempo mediano de investigação (de 14 dias em P1 para sete dias em P2) é fruto da experiência acumulada pela equipa hospitalar. Num país como Portugal, com 5-6 novos casos/ano, a estratégia de concentração em centros de referência utilizada em artigo original original article 13 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 Inglaterra não recomendaria a existência de mais de um centro no país (logicamente aquele em que está disponível também o transplante hepático). Tal opção comportaria os incómodos da deslocação dos doentes de todo o país para esse centro, bem como os riscos de falha de serviço inerentes à condição de serviço único. É nossa opinião que em Portugal é importante estudar medidas que permitam um diagnóstico mais precoce; de facto, os dados recentes sugerem que a sobrevida a longo prazo com fígado nativo pode ser alcançada em maior percentagem se a PE de Kasai for realizada muito precocemente, nos primeiros 30-45 dias de vida(5,10,18). A AVBEH é uma doença grave, e, embora rara, tem enormes implicações para a criança e para a família, e cada doente representa elevados custos para a sociedade (é a principal causa de TRH na idade pediátrica); é possível efectuar o diagnóstico precocemente, o que resulta na melhoria do prognóstico; há tratamento disponível, tanto mais ecaz quanto mais cedo for efectuado. Entre as medidas já implementadas para o seu diagnóstico precoce citamos o método colorimétrico(11,12) de rastreio da acolia fecal, considerado ável, não invasivo e pouco dispendioso. Outras medidas, nomeadamente a pesquisa de bilirrubinúria nos recém-nascidos com icterícia prolongada, poderão rastrear ecazmente a AVBEH bem como outras doenças cursando com colestase neonatal(20). BILIARY ATRESIA: RETROSPECTIVE CLINICAL STUDY ABSTRACT Objective: To obtain further insight into the natural history of patients with biliary atresia and to determine survival and prognostic factors. Patients and Methods: we performed a retrospective cross-sectional, descriptive, case series study, that included all patients with biliary atresia attended in our hospital from January 1992 to December 2007. This period was divided in two parts: P1 from January 1992 to December 1999 and P2 from January 2000 to December 2007. The following variables were analysed: clinical biochemical, imagiological, histological and surgical data; age of Kasai procedure; need of liver transplant and outcome. Results: There were 15 patients attended (six in P1 and nine in P2). Median time between admission and Kasai procedure was 10 days (14 days in P1; 7days in P2). Median age at Kasai procedure was 58 days (89 days in P1; 45 days in P2). Kasai procedure was successful in 46,67% (33,33% in P1; 55.56% in P2). Overall ve years survival was 83.33% (66,67% in P1; 100% in P2). Five years survival with native liver was 41.67% (16,67% in P1; 66.67 % in P2). Conclusions: Despite the low rate of admissions (1,125 patients/year) the P2 results are similar to those of Reference European Centers. This improvement was achieved with an early diagnosis (early reference of patients and more rapid investi- 14 artigo original original article gation, with consequent lowering of Kasai procedure`s median age); it was also important the increased experience of the team within the years. Keywords: Biliary atresia, neonatal cholestasis, liver transplantation. Nascer e Crescer 2011; 20(1): 9-15 BIBLIOGRAFIA 1. Chardot C. Biliary atresia. Orphanet J Rare Dis 2006;1:28 2. Kasai M, Kimura S, Asakura Y, Suzuki Y, Taira Y, Obashi E. Surgical treatment of biliary atresia. J Pediatr Surg 1968, 3: 665-75. 3. Otte JB, de Ville de Goyet J, Reding R, Hausleithner V, Sokal E, Chardot C, Debande B. Sequencial treatment of biliary atresia with Kasai portoenterostomy and liver transplantation: a review. Hepatology 1994, 20 (1 Pt2): 41S-48S. 4. 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Santos Silva E, Pó I, Gonçalves I. Colestase neonatal – protocolo de abordagem diagnóstica. Acta Pediatr Port 2010; 41 (3):141-3. CORRESPONDÊNCIA Ermelinda Santos Silva Serviço Gastrenterologia Pediátrica Hospital de Crianças Maria Pia / / Centro Hospitalar do Porto Rua da Boavista, 827, 4050 Porto, Portugal [email protected] artigo original original article 15 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 Impacto da doença crónica na adolescência Sónia Santos1, Elisabete Santos1, Alzira Ferrão1, Carlos Figueiredo1 RESUMO Introdução: A adolescência, as suas alterações biopsicossociais e a doença crónica inuenciam-se mutuamente, com especial relevância no comportamento social, rendimento académico e comportamento sexual. Objectivos: Avaliar se a doença crónica inuencia comportamentos de risco nesta idade. Material e Métodos: Estudo transversal e comparativo, realizado entre 15 de Julho e 30 de Setembro de 2008, a jovens entre os 13-20 anos com doença crónica (DC) seguidos em consultas do Hospital São Teotónio de Viseu (HSTV) e a adolescentes saudáveis de duas escolas. Foi aplicado um inquérito especíco para avaliação de dados sociodemográcos, história da doença, comportamentos de risco, auto-estima e relacionamento amoroso. Os testes estatísticos utilizados para o tratamento de dados foram o teste X2 e de t-student. Resultados: A amostra foi constituída por 125 sujeitos do grupo adolescentes com DC e 135 do grupo de adolescentes saudáveis. Comparando os dois grupos, constatou-se que os adolescentes com DC reprovam mais que os adolescentes saudáveis. Todos os 22 sujeitos sexualmente activos com DC referiam o uso de preservativo. Registou-se um menor consumo de hábitos tabágicos e alcoólicos no grupo de DC. Nenhum adolescente com DC admitiu o consumo de outras drogas. Discussão: A literatura refere que os adolescentes com doença crónica têm a mesma ou maior tendência para comportamentos de risco. No entanto, no actual estudo, os adolescentes com DC apresentam menos comportamentos de risco. Palavras-chave: Adolescência, comportamentos de risco, doença crónica. Nascer e Crescer 2011; 20(1): 16-19 INTRODUÇÃO Não existe consenso quanto à verdadeira prevalência de doença crónica nos adolescentes. Este facto, deve-se às diferentes metodologias dos estudos efectuados acerca deste tema, assim como às diferentes denições de doença crónica utilizadas.(1,2,3) Estima-se que cerca de 10% dos adolescentes em idade escolar têm uma doença crónica.(4) __________ 1 S. Pediatria, Hospital de São Teotónio, Viseu 16 artigo original original article Neste estudo, denimos doença crónica como uma incapacidade permanente ou residual, alteração patológica não reversível, que exige um longo período de supervisão, observação, prestação de cuidados e/ou reabilitação.(5) As alterações físicas, psicológicas e sociais decorrentes da adolescência podem ter repercussões na doença crónica e esta, por sua vez, pode inuenciar os parâmetros referidos.(1) OBJECTIVOS Caracterizar um grupo de adolescentes com doença crónica orientados em consulta de adolescentes do Hospital São Teotónio de Viseu (HSTV) no que respeita ao historial da doença (tipo e início da doença, medicação e cumprimento desta, seguimento e assiduidade em consulta e suporte familiar). Comparar as características sociodemográcas (idade, sexo, habilitações literárias e aproveitamento escolar) entre os dois grupos. Comparar os grupos relativamente à auto-estima, namoro e iniciação sexual. Avaliar se a doença crónica inuencia comportamentos de risco (actividade sexual desprotegida, consumo de drogas, álcool e tabaco). MATERIAL E MÉTODOS Para poder responder aos nossos objectivos, utilizou-se um protocolo de investigação, criado e desenvolvido especicamente para este estudo, composto por cinco partes: dados sociodemográcos (idade, sexo, habilitações literárias e aproveitamento escolar), historial da doença (tipo e início da doença, medicação e cumprimento desta, seguimento e assiduidade em consulta e suporte familiar), comportamentos de risco (actividade sexual desprotegida, consumo de drogas, álcool e tabaco), auto-estima e relacionamento amoroso (namoro e iniciação sexual). Trata-se de um estudo transversal e comparativo, onde os dados foram colhidos através de inquéritos anónimos durante o período de 15 de Julho a 30 de Setembro de 2008. Foram estudados dois grupos (com consentimento prévio do adolescente e familiar). - Grupo de adolescentes com doença crónica (DC): Com idades compreendidas entre os 13 e os 20 anos, seguidos em consulta (Pediatria Geral, Adolescentes, Diabetes, Gastroenterologia, Hiperactividade e Pneumologia) no HSTV. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 - Grupo de adolescentes saudáveis: Foram distribuídos inquéritos em duas escolas de Viseu (Escola Alves Martins e Colégio Via Sacra) a turmas do 7º ao 12º anos de escolaridade. Deste grupo foram eliminados os sujeitos que apresentavam doença crónica e idades inferiores a 13 anos e superiores a 20 anos (critérios de exclusão). Os testes estatísticos utilizados para o tratamento de dados foram o teste de X2 e de t-student (de acordo com o tamanho da amostra e o tipo de variável). Para tal, recorreu-se ao programa informático SPSS 15.0. O nível de signicância utilizado foi de p<0,05. RESULTADOS A amostra foi constituída por 125 sujeitos do grupo adolescentes com DC (57% do sexo feminino e 43% do sexo masculino) e 135 do grupo adolescentes “saudáveis” (42% do sexo feminino e 58% do sexo masculino). A média de idades foi de 15,54 anos (desvio-padrão de 1,92) no grupo com DC e de 15,67 anos (desvio-padrão de 1,48) nos adolescentes saudáveis. No grupo com DC as patologias registadas foram: asma/rinite alérgica/atopia em 43 casos (34,4%), diabetes em 25 (20%), obesidade em 14 (11,2%), anorexia/bulimia nervosa em 13, perturbação de hiperactividade e déce de atenção em 12, doença reumatológica em oito, epilepsia em cinco, doença inamatória intestinal em dois e cardiopatia, síndrome genético e anemia, com um caso cada. Dos adolescentes com DC, 51% (64 casos) referiu ter a doença há cinco ou mais anos. Cerca de 58% (73 casos) referiu fazer medicação diária e destes, 51 casos (cerca de 70%) disse cumprir sempre a medicação prescrita. Cinquenta e seis adolescentes frequentavam três a quatro consultas/ano e apenas cinco jovens admitiram faltar. A mãe foi o acompanhante preferencial em 48 casos do sexo feminino (67%) e 30 casos do sexo masculino (55%). Apenas cinco jovens referiram não sentir o apoio da família no que respeita à doença (dois adolescentes com obesidade, um com anorexia, um com epilepsia e um caso com diabetes). A média de escolaridade foi o 10º ano (desvio-padrão de 1,92) no grupo de adolescentes com DC e o 11º ano (desvio-padrão de 1,4) no grupo de adolescentes saudáveis. Ao comparar os dois grupos (DC e adolescentes saudáveis) quanto às variáveis previamente referidas constatou-se que: - Aproveitamento escolar: 47,2% dos adolescentes com DC já tinham reprovado (mínimo uma vez e máximo quatro vezes), comparativamente com 17,8% no grupo saudável (mínimo uma vez e máximo quatro vezes). Houve diferença estatística entre os grupos (X2 = 26,91; p = 0,001). - Namoro: 42,4% dos adolescentes com DC responderam que namoravam versus 30,4% nos adolescentes saudáveis. Vericou-se existir diferença estatística entre os grupos (X2 = 4,1; p = 0,040). Apenas dois casos referiram que o namorado(a) - - - - - - - - - desconhecia a doença (um adolescente com diabetes e um adolescente com epilepsia). Início da actividade sexual: 22 adolescentes com DC já tinham iniciado actividade sexual (17,6%), (14 raparigas e oito rapazes); comparativamente com 43 adolescentes no grupo saudável (31,8%) (13 raparigas e 30 rapazes). Houve diferença estatisticamente signicativa entre os grupos em estudo (X2 = 10,43; p = 0,005). Idade de início da actividade sexual: No grupo de adolescentes com DC, sexualmente activos, registou-se um mínimo de 14 anos e máximo de 17 anos (média de 16,14 anos para os rapazes e de 15,57 anos para as raparigas). No grupo de adolescentes saudáveis sexualmente activos registou-se um mínimo de 11 anos e um máximo de 18 anos (média para os rapazes de 14,91 anos e de 15,80 anos para as raparigas). Estatisticamente é signicativa a diferença entre a média de início da actividade sexual e o grupo (t = 3,14; p = 0,014). Uso de preservativo: Todos os 22 sujeitos sexualmente activos com DC referiam o uso de preservativo, enquanto que no grupo saudável, dos 41 sexualmente activos, apenas 31 referiam o seu uso (72,1%). Houve diferença estatística entre os grupos (X2 = 7,53; p = 0,023). Uso de outro método contraceptivo: 45,4% dos adolescentes com DC sexualmente activos referiam usar outro método contraceptivo, comparativamente com 34,9% nos adolescentes saudáveis, não tendo existido diferença estatística entre os grupos (X2 = 3,65; p = 0,161). Hábitos tabágicos: 7,2% (nove casos) dos adolescentes com DC referiram fumar (sete raparigas e dois rapazes), enquanto que no grupo saudável esse número elevou-se para 17,8% (24 casos), 17 rapazes e sete raparigas. Houve diferença signicativa entre os grupos (X2 = 6,55; p = 0,010). Consumo de outras drogas: Nenhum adolescente com DC admitiu o seu consumo, enquanto que no grupo saudável 8,1% (onze casos) consome outras drogas (nove rapazes e duas raparigas); sendo a diferença estatisticamente signicativa (X2 = 10,63; p = 0,005). Vericou-se que dos onze consumidores de drogas, dez tinham hábitos tabágicos (X2 = 4,90; p = 0,001). Consumo de bebidas alcoólicas: 48,8% dos adolescentes com DC referiu consumir álcool, comparativamente com 80,7% no grupo saudável. Houve diferença estatística entre os grupos e o consumo de álcool (X2 = 35,94; p = 0,001). Idade de início do consumo de álcool: No grupo de adolescentes com DC com hábitos alcoólicos registou-se um mínimo de 11 anos e um máximo de 18 anos (média de 14,4 anos, desvio-padrão de 1,58) e no grupo saudável um mínimo de 10 anos e um máximo de 17 anos (média de 14,01 anos, desvio-padrão de 1,28). Não se vericou diferença estatística entre os grupos (t = 0,74; p = 0,744). Auto-estima (“gostas de ti?”): 80% dos adolescentes com DC arma gostar de si (52% do sexo masculino) e 17,6% diz não gostar (cerca de 91% do sexo feminino). No grupo saudável 86,7% arma gostar de si (59% do sexo masculino) e 13,3% diz não gostar. Contudo não houve diferença estatística signicativa entre os grupos (X 2 = 4,35; p = 0,113). artigo original original article 17 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 Nas tabelas I, II e III apresentam-se o número de não respostas (“missings”) para cada variável e grupo em estudo. DISCUSSÃO Cerca de 30% dos adolescentes do nosso estudo com DC, referiram não cumprir a terapêutica instituída de forma regular, dados um pouco mais optimistas em relação a outros estudos, que têm demonstrado que aproximadamente 50% dos jovens com doença crónica refere não cumprir as recomendações terapêuticas(6,7,8). Os adolescentes com DC precisam de se sentir apoiados pelos familiares(9), o que aconteceu em 96% dos nossos jovens. Constatámos que o grupo com DC apresentou menor aproveitamento escolar. Este resultado está em consonância com estudos internacionais, que atribuem esta situação ao maior absentismo escolar, provocado quer pela doença em si, quer pelos tratamentos e hospitalizações inerentes a esta.(1,6,10) No actual estudo, a percentagem de adolescentes com DC a namorar foi maior do que nos jovens saudáveis. Esta diferença percentual pode ser explicada pela importância do relacionamento com os pares, na aceitação e na “forma de lidar” com a doença.(9,11) A actividade sexual já se tinha iniciado em 17,6% dos adolescentes com DC e em 31,8% dos jovens saudáveis. Este achado vem contrariar a literatura existente, que refere que estudantes com doença crónica têm maior percentagem de actividade sexual do que os seus pares.(4,12,13) Ao contrário de alguns estudos(4,14), os nossos jovens com DC tiveram uma média de idade de início de actividade sexual mais elevada que os adolescentes saudáveis. Durante muito tempo defendeu-se que ser portador de uma doença crónica seria um factor protector contra os comportamentos de risco. Contudo, existe já uma vasta literatura a referir que os adolescentes com doença crónica têm a mesma ou maior tendência para os comportamentos de risco (p.e. consumo de drogas, álcool e hábitos tabágicos e relações sexuais desprotegidas) que os seus pares saudáveis, situação que pode ser explicada pelo desejo inconsciente destes adolescentes serem parecidos com os seus pares “be alike”. (1,4,12,13,14,15) No entanto, no presente estudo, vericámos precisamente o oposto, pois os adolescentes com DC referiram mais frequentemente o uso do preservativo e menor consumo de tabaco, álcool e outras drogas. Relacionada com esta evidência poderá estar o facto de os adolescentes com DC serem indivíduos sinalizados e com seguimento em consultas, na maioria consultas de adolescência, onde é efectuada uma abordagem biopsicossocial que procura prevenir comportamentos de risco e fortalecer a resiliência destes adolescentes. Quanto à auto-estima, vários estudos revelam que baixa auto-estima e dependência social é mais comum em adolescentes com DC que nos seus pares saudáveis.(6,9) Contudo, neste estudo, não houve diferença estatisticamente signicativa entre os grupos, no que diz respeito a estes itens. Os autores salientam, no entanto, a eventualidade de poderem existir factores de enviesamento neste estudo: o tamanho 18 artigo original original article da amostra, a variabilidade das doenças crónicas e a possibilidade das fontes de informação relativamente a comportamentos de risco serem distintas nos diferentes grupos. CONCLUSÃO Não podemos esquecer que a doença crónica pode perturbar o relacionamento social, o rendimento académico e o comportamento sexual de um adolescente; modica permanentemente a vida do indivíduo e requer uma constante adaptação.(6) Por outro lado, um jovem com um problema de saúde crónico não deixa de ser um adolescente, com todas as implicações inerentes a este grupo etário. Sendo assim, os prossionais de saúde, para além de abordarem os aspectos relativos à doença, devem também desenvolver competências para lidar com a temática da adolescência, nomeadamente no que respeita à prevenção de comportamentos de risco, sendo de facto a sua abordagem em consulta um factor protector para a sua ocorrência. Tabela I – Namoro e actividade sexual - “Missings” Variáveis Grupo Doença Crónica Respostas Namoro 125 Início da actividade sexual Idade de início da actividade sexual Grupo Saudável Não Não Respostas respostas respostas 0 135 0 125 0 135 0 21* 1 32* 11 Uso de preservativo 22* 0 41* 2 Uso de outro método contraceptivo 21* 1 33* 10 * Responderam à questão os que iniciaram a actividade sexual Tabela II – Hábitos e consumos - “Missings” Variáveis Grupo Doença Crónica Respostas Grupo Saudável Não Respostas Não respostas respostas Hábitos tabágicos 125 0 135 0 Consumo de outras drogas 122 3 132 3 Consumo de bebidas alcoólicas 122 3 134 1 Idade de início do consumo de álcool 39* 22 74 35 * Responderam à questão os que consumiam bebidas alcoólicas Tabela III – Aproveitamento escolar e auto-estima - “Missings” Variáveis Grupo Doença Crónica Respostas Grupo Saudável Não Não Respostas respostas respostas Aproveitamento escolar 123 2 134 1 Auto-estima 122 3 135 0 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 IMPACT OF CHRONIC DISEASE IN ADOLESCENCE ABSTRACT Introduction: Adolescence and its biopsychosocial alterations and the chronic disease inuence each other, with special relevance on social behaviour, school performance and sexual behaviour. Objectives: To assess whether chronic disease inuences risk behaviours at this age. Material and Methods: A cross-sectional and comparative study, conducted between July 15th and September 30th 2008, to young people between the ages of 13 and 20 with chronic disease (CD), monitored in regular visits at São Teotónio Hospital of Viseu (HSTV), and healthy adolescents from two schools. We applied a specic questionnaire to assess socialdemographic data, history of the disease, risk behaviours, self-esteem and sexual behaviour. The X2 and t-student tests were used for statistical analysis. Results: The sample consisted of 125 subjects from group adolescents with CD and 135 adolescents in the group “healthy.” Comparing the two groups, it was found that adolescents with CD fail in school more than the healthy adolescents. All the 22 subjects with CD sexually active reported the use of condom. There was a lower consumption of alcohol and smoking habits in the group of CD. None of the adolescents with CD admitted consumption of other drugs. Discussion: Literature mentions that adolescents with chronic disease have the same or greater tendency to risk behaviours. However, in our study, adolescents with CD have less risk behaviours. Keywords: Adolescence, risk behaviours, chronic disease. 4. Suris JC, Parera N. Sex, drugs and chronic illnesse: health behaviours among chronically ill youth. European Journal of Public Health 2005; 15(5): 484-8. 5. Neinstein LS, Zeltzer LK. Chronic illness in the Adolescent. In: Neinstein LS editor. Adolescent Health Care – a Practical Guide. 3rd ed. Baltimore: Williams & Wilkins, 1996: 1173-95. 6. Kyngäs HA, Kroll T, Duffy ME. Compliance in adolescents with chronic diseases: a review. Journal of Adolescent Health 2000; 26:379-88. 7. LaGreca AM. Issues in adherence with pediatric regimens. J Pediatr Psychol 1990; 15:423-36. 8. Michaud PA, Frappier JY, Pless IB. Compliance in adolescents with chronic disease. 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Ana); - Aos professores da Escola Secundária Alves Martins e Colégio Via Sacra de Viseu. artigo original original article 19 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 Trombocitopenia severa neonatal Amélia Moreira1, Maria José Vale1, Joana Neves1, Clara Paz Dias1 RESUMO Introdução: A redução do número de plaquetas nas primeiras horas de vida deve-se frequentemente a factores maternos ou eventos perinatais. A trombocitopenia aloimune, embora subdiagnosticada, é a causa mais frequente de trombocitopenia severa no recém-nascido de termo saudável e resulta da destruição imuno-mediada das plaquetas fetais/neonatais por aloanticorpos maternos. Caso clínico: Apresenta-se o caso de um recém-nascido com trombocitopenia aloimune, com clínica típica e evolução favorável, sublinhando-se o impacto positivo de um elevado índice de suspeição e do tratamento empírico com plaquetas HPA-1a negativas. Conclusão: O diagnóstico atempado desta entidade permite uma orientação terapêutica ecaz, baseada na administração de plaquetas compatíveis, prevenindo eventuais complicações, nomeadamente, a hemorragia intracraniana. Possibilita ainda o planeamento da vigilância em gestações futuras do casal e o tratamento pré-natal. Palavras-chave: plaquetas HPA-1a negativas, recém-nascido de termo, trombocitopenia aloimune. Nascer e Crescer 2011; 20(1): 20-22 INTRODUÇÃO A trombocitopenia neonatal traduz-se por uma contagem de plaquetas inferior a 150 x 109/l. Porém, na maioria dos casos, a redução é apenas modesta, isto é, acima dos 50 x 109/l(1,2). A trombocitopenia grave (< 50 x 109/l), detectada no primeiro dia de vida, pode ter várias etiologias, tais como: sépsis vírica ou bacteriana, infecções pelo grupo TORCH (toxoplasmosis, others, rubella, cytomegalovirus, herpes simplex), trombocitopenias imunes (como a aloimune), trombose da veia renal, e trombocitopenias hereditárias (como a amegacariocítica)(3). Assim, a redução da contagem de plaquetas nas primeiras horas de vida deve-se frequentemente a factores maternos ou eventos perinatais, sendo que a trombocitopenia aloimune, embora rara (incidência aproximada de 1/1000 a 2000 nascimentos), é a causa mais fre- __________ 1. S. Pediatria, Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais (UCIN), C H Alto Ave, Guimarães 20 casos clínicos case reports quente de trombocitopenia severa em recém-nascidos de termo saudáveis e, entre estes, a causa mais frequente de hemorragia intracraniana(3-9). Trata-se de uma incompatibilidade fetomaterna, em que ocorre destruição das plaquetas fetais/neonatais imuno-mediada por aloanticorpos maternos dirigidos contra antigénios das glicoproteínas IIb/IIIa, Ib/IX, Ia/IIa, e CD109 das plaquetas fetais(7,8). Entre os 16 antigénios plaquetares humanos (Human Platelet Antigen - HPA) identicados, a incompatibilidade fetomaterna ocorre, em 95% dos casos em relação a três deles (HPA-1a, HPA-5b e HPA-15b); o anticorpo mais frequente (75% casos) é o anti-HPA-1a, isto é, o dirigido contra a glicoproteina IIb/IIIa(5,6). Geralmente o diagnóstico é efectuado logo após o nascimento perante um recém-nascido com petéquias, púrpura ou hemorragia activa(3,10). No entanto, em alguns, a trombocitopenia é um achado acidental (como parte de um rastreio séptico) ou existe um irmão previamente afectado3. Raramente, a forma de apresentação é uma hidrocefalia isolada, anemia fetal de causa inexplicada, abortamentos de repetição ou, hidropisia fetal(10). Os recém-nascidos com maior probabilidade de ter trombocitopenia aloimune são aqueles com contagens inferiores a 50 x 109/l, permitindo este valor limite identicar 90% dos casos3. O diagnóstico precoce possibilita terapêutica ecaz baseada na administração de plaquetas compatíveis (de dador ou maternas). A complicação mais grave é a hemorragia intracraniana (10-30% dos casos) com déces neurológicos permanentes (20%) ou morte (10%)(10). Pode ainda existir anemia associada, secundária a hemorragia8. Assim, o presente relato clínico pretende divulgar a trombocitopenia aloimune como patologia rara, mas também como diagnóstico a considerar em caso de trombocitopenia grave em recém-nascido de termo e aparentemente saudável, possibilitando desta forma a abordagem mais adequada. CASO CLÍNICO Recém-nascido (RN) do sexo feminino, de termo, caucasiano, com peso adequado à idade gestacional, fruto de uma primeira gestação sem intercorrências; parto por cesariana, devido a trabalho de parto estacionário. Internado na Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais (UCIN) logo após o nascimento por apresentar gemido e lesões petequiais/ purpúricas dispersas, em evolução. Notada ainda hemorragia activa nos locais de punção venosa. Restante exame normal. Mãe saudável, com contagem de plaquetas normal. Analiticamente, o RN apresentava: trombocitopenia (8 x 109/l), Hb 13,5 g/dL e leucócitos 31,4 x 109/l; proteína NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 C reactiva negativa. O estudo da coagulação, a telerradiograa de tórax e a ecograa transfontanelar foram normais; caram em curso hemocultura e serologias víricas. Iniciou ampicilina e gentamicina e foi efectuada transfusão de plaquetas randomizadas e gamaglobulina, o que elevou a contagem para 10 x 109/l. Perante a suspeita de trombocitopenia aloimune, recebeu ainda em D1 de vida 15 mL/kg de plaquetas HPA-1a negativas, com resposta favorável (contagem de 209 x 109/l). Em D5, com culturas e serologias negativas, suspendeu-se a antibioterapia. O RN necessitou ainda de mais três transfusões de plaquetas HPA-1a negativas. Teve alta no 18º dia de vida, clinicamente assintomático, com 108 x 109/l plaquetas. Foi efectuada genotipagem plaquetar e rastreio de anticorpos antiplaquetares nos pais: a mãe era HPA-1b1b e o pai HPA-1a1a. Foram ainda detectados anticorpos anti-HPA-1a no soro materno. Aos 12 meses de idade a criança encontrava-se bem, com normalização da contagem de plaquetas. DISCUSSÃO A possibilidade de trombocitopenia aloimune deve ser colocada em qualquer neonato com trombocitopenia grave isolada, com ou sem hemorragia. Independentemente da etiologia, a abordagem terapêutica actual de uma trombocitopenia grave começa pela transfusão imediata de plaquetas randomizadas, sendo esta geralmente indicada se o número de plaquetas for inferior a 30 x 109/l. No caso da coexistência de uma hemorragia intracraniana, a contagem deve ser mantida acima dos 100 x 109/l. O efeito e a duração do efeito da transfusão devem ser controlados cuidadosamente, para determinar a necessidade de repetição e/ ou terapêutica adicional, como a perfusão de gamaglobulina (1g/ kg em dois dias consecutivos) e/ou transfusão de plaquetas HPA compatíveis. De um modo geral, as plaquetas HPA-1a negativas aumentam mais e durante mais tempo as contagens plaquetares pela sua maior sobrevida em relação às randomizadas porém, estas últimas devem ser utilizadas enquanto não se encontrarem disponíveis plaquetas compatíveis(7). A neuroimagem (ecograa transfontanelar, TAC ou RMN) é mandatória no RN trombocitopénico com trombocitopenia aloimune suspeitada ou conrmada(3,11). No caso descrito todas estas recomendações foram cumpridas, e a trombocitopenia aloimune foi conrmada, com óptima recuperação. A detecção de anticorpos maternos contra antigénios plaquetares (por métodos imunoenzimáticos) e a genotipagem parental (utilizando técnicas moleculares baseadas na Polymerase Chain Reaction) conrmam o diagnóstico, sendo a genotipagem fundamental para o aconselhamento em futuras gestações. Em cerca de 30% dos casos não se detectam anticorpos no soro materno, além de que os títulos não se correlacionam com a gravidade da situação(12). Tipicamente, há um agravamento da trombocitopenia nas primeiras 48 horas com normalização na segunda semana de vida, tal como veio a acontecer. Podemos pensar nesta entidade como o equivalente plaquetário de uma incompatibilidade Rh e, como tal, após sensibilização materna na primeira gravidez, o risco aumenta numa segunda gestação3. Porém, ao contrário da incompatibilidade Rh, em 30% dos casos afecta gravemente a primeira gravidez(10,13). Os anticorpos são produzidos precocemente na gestação e os aloantigénios fetais encontram-se completamente expressos a partir da 18ª semana de gestação, pelo que a transferência placentar de aloanticorpos IgG pode resultar em trombocitopenia fetal signicativa tão precocemente como às 16 semanas(4,8,12). Neste caso, sendo o pai homozigoto para o HPA-1a e a mãe homozigota para o HPA-1b com anticorpos anti-HPA-1a, todos os fetos deste casal serão afectados. Sendo que não houve hemorragia intracraniana, a mãe deverá efectuar imunoglobulina (1g/kg/semana) e prednisona (0,5 mg/kg/dia) desde as 20-26 semanas de gestação. Nas situações complicadas de hemorragia intracraniana, o tratamento deverá ser iniciado às 12 semanas. A taxa de resposta a esta terapêutica varia entre os 30 e os 85%. Todavia, estudos observacionais sugeriram que a administração de imunoglobulinas diminui o risco de hemorragia intracraniana mesmo nos fetos em que não ocorre aumento da contagem de plaquetas(14). De referir a existência de vários mecanismos possíveis para o benefício das imunoglobulinas: na mãe, diluição dos anticorpos anti-HPA em circulação e diminuição da permeabilidade da placenta à sua passagem; no feto, possível bloqueio dos receptores Fc nos macrófagos evitando a destruição das plaquetas revestidas por anticorpos(14). Sempre que possível deve evitar-se a cordocentese(3). Nos casos de heterozigotia paterna, a genotipagem HPA pré-natal do feto (a partir de DNA presente no líquido amniótico) é essencial logo no primeiro trimestre para decidir a melhor atitude. De referir que 97% dos caucasianos são HPA-1a positivos, pelo que em cerca de 3% das gestações, as mães são HPA-1a negativas e os fetos HPA-1a positivos. Dentro destas gestações de risco apenas 3% são efectivamente afectadas2. Pensa-se existir uma maior probabilidade de aloimunização aos antigénios plaquetares se a mãe for HLA-DR3 positiva(12,14). Com a descrição deste caso pretendeu-se sublinhar o impacto positivo de um elevado nível de suspeição e tratamento empírico com plaquetas HPA-1a negativas no prognóstico da trombocitopenia aloimune. Assim, todos os RN com número de plaquetas < 50 x 109/l no primeiro dia de vida devem ser rastreados para trombocitopenia aloimune, após exclusão de sépsis, doença sistémica ou anomalias esqueléticas. A estratégia terapêutica imediata consiste na administração de plaquetas randomizadas e gamaglobulina e, quando disponível, optar por plaquetas compatíveis. Na gravidez seguinte o feto será ainda mais gravemente afectado (com risco de hemorragia intracraniana in utero), pelo que o diagnóstico da patologia vai possibilitar o tratamento pré-natal e prevenir trombocitopenias graves e suas complicações. A reectir será, no futuro, fazer a detecção sistemática de todas as grávidas HPA-1a negativas para prevenir as complicações potenciais, tal como é preconizado na doença hemolítica do RN. SEVERE NEONATAL THROMBOCYTOPENIA ABSTRACT Introduction: Thrombocytopenia in the rst hours of life is generally due to maternal factors or perinatal events. Alloimune thrombocytopenia, although underdiagnosed, is the most fre- casos clínicos case reports 21 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 quent type of severe thrombocytopenia in a term and otherwise healthy newborn, resulting from an immune mediated destruction of foetal/neonatal platelets by maternal alloantibodies. Case report: We present the case of a newborn with alloimune thrombocytopenia, a typical clinical presentation and good outcome, highlighting the positive impact in the prognosis of a high index of suspicion and of empirical treatment with HPA-1a negative platelets. Conclusion: An early diagnosis of this entity allows effective treatment with the infusion of compatible platelets, preventing eventual complications, namely intracranial haemorrhage. Also guides the monitoring of future pregnancies and antenatal treatment. Keywords: alloimune thrombocytopenia, HPA-1a negative platelets, term newborn. Nascer e Crescer 2011; 20(1): 20-22 BIBLIOGRAFIA 1. Wong W, Glader B. Approach to the newborn who has thrombocytopenia. NeoReviews 2004; 5:e444-50. 2. Goorin AM, Cloherty JP. Thrombocytopenia. In: Cloherty JP, Eichenwald EC, Stark AR. Manual of Neonatal Care. 6th ed. Philadelphia: Lippincott & Wilkins; 2008. 455-62. 3. Bussel J. Visner MS. 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CORRESPONDÊNCIA Amélia José Faria Moreira UCIN - Serviço de Pediatria, CHAA – Guimarães Rua dos Cutileiros – Creixomil 4835-044 Guimarães [email protected] NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 Hemoperfusão com carvão activado na intoxicação grave por carbamazepina Maria José Cálix1, Márcia Gonçalves1, José Manuel Castro2, Ana Ventura3, Marta Vila Real1, António Vilarinho1 RESUMO Caso clínico: Os autores apresentam o caso de uma adolescente admitida no Serviço de Urgência por alterações neurológicas de início agudo e progressivas, existindo na residência um familiar medicado com um antiepiléptico. A avaliação inicial revelou sonolência, discurso adequado, disartria, nistagmo, dismetria bilateral e ataxia da marcha. Foi efectuado doseamento sérico de carbamazepina, que revelou valores muito elevados, conrmando intoxicação aguda por este fármaco. Não houve resposta à administração com carvão activado por via gastrointestinal, havendo mesmo agravamento do estado de consciência. Por esta razão, iniciou hemoperfusão com carvão activado, com recuperação completa do quadro neurológico ao m de três horas de tratamento. Conclusão: Os autores sublinham as diculdades na abordagem de intoxicações graves provocadas por fármacos com forte ligação às proteínas, realçando a ecácia da hemoperfusão com carvão activado. Palavras-chave: Carbamazepina, intoxicação, sobredosagem, antiepilépticos, hemoperfusão, carvão activado, alteração do estado de consciência. Nascer e Crescer 2011; 20(1): 23-25 INTRODUÇÃO A alteração do estado de consciência representa um desao de diagnóstico, nomeadamente na adolescência pelas especicidades deste grupo etário. Ao clínico cabe a difícil tarefa de questionar, colocar diagnósticos diferenciais, pedir os exames complementares necessários ao esclarecimento do quadro e, nalmente, obter um diagnóstico que permita uma intervenção atempada, diminuindo a morbilidade e mortalidade destes episódios. A intoxicação acidental ou intencional por carbamazepina (CBZ) tem-se tornado cada vez mais frequente em todos os grupos etários(1,2), sendo actualmente o segundo antiepiléptico responsável por intoxicações, a seguir ao valproato(2). A American Association of Poison Control Centers refere um total de exposições à CBZ de 2352 casos em 2007, sendo que destes 44% ocorreram __________ 1 2 3 Serviço de Pediatria Serviço de Neurologia Serviço de Nefrologia – CH Vila Nova de Gaia / Espinho em indivíduos com idades inferiores a 19 anos(3). Em Portugal, não existe actualmente um registo nacional de intoxicações, sendo que os únicos dados disponíveis provêm dos registos do Centro de Informação Antivenenos (CIAV). São, portanto, dados relativos a consultas telefónicas provenientes de todo o país, abrangendo o pré-hospitalar e hospitalar. Segundo os registos do CIAV referentes ao ano de 1999, os medicamentos que actuam no Sistema Nervoso Central encontram-se no topo da lista representando 46,6% de um total de 9469 intoxicações medicamentosas noticadas. Os antiepilépticos foram responsáveis por 255 noticações (5,1%) das quais 110 devidas a intoxicação por carbamazepina(4). Não existem, contudo, dados relativos à intoxicação em idade pediátrica. Os sinais da intoxicação aguda por CBZ surgem geralmente quando as concentrações séricas excedem o intervalo de referência(1) e incluem alterações respiratórias, gastrointestinais e sobretudo neurológicas(1,5), sendo destas as mais frequentes a síndroma cerebelosa e a alteração da vigília ou consciência, desde simples sonolência até coma(6). No que se refere às alterações cardiovasculares, estas raramente ocorrem em crianças sem patologia cardíaca prévia. A hiponatremia pode ocorrer nas intoxicações agudas; contudo, está geralmente associada ao tratamento crónico. Os efeitos hematológicos (neutropenia, trombocitopenia e anemia aplásica), surgem apenas com a administração crónica (1). O tratamento consiste na lavagem gástrica e na administração de carvão activado e, nos casos graves, na hemoperfusão com carvão activado. A hemodiálise é inecaz, pela forte ligação do fármaco às proteínas plasmáticas, e a diurese forçada não está indicada. Os autores descrevem um caso de uma adolescente admitida no Serviço de Urgência por intoxicação por CBZ, focando o modo de apresentação clínica e o tratamento. CASO CLÍNICO Apresenta-se o caso de uma adolescente de 15 anos de idade, com história de diculdades na aprendizagem, sem outros antecedentes patológicos relevantes, admitida no Serviço de Urgência por quadro de cefaleias com cerca de cinco horas de evolução, acompanhada de sonolência, desequilíbrio e alteração da articulação verbal. Questionadas relativamente à eventual ingestão de fármacos, referiram, a própria e a mãe, a ingestão de 50 mg de diclofenac e 500 mg de paracetamol por dor abdominal e cefaleias, negando a ingestão de outros fármacos, drogas de abuso, álcool ou outras substâncias. casos clínicos case reports 23 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 Na admissão hospitalar, apresentava razoável estado geral embora sonolenta, com Glasgow de 14, FC de 87 bpm, TA de 131/77mmHg, FR de 14cpm, Saturação de O2 de 99% (com FiO2 21%), temperatura axilar 36,7ºC e glicemia capilar de 119 mg/dl. Ao exame neurológico mostrava-se sonolenta, com discurso coerente, disartria, nistagmo no olhar neutro e em todas as direcções do olhar e síndroma cerebeloso estático e cinético bilateral de predomínio esquerdo com ataxia da marcha. Foram realizados: tomograa axial computorizada cranio-encefálica: normal; hemograma, gasimetria, ionograma, função renal e hepática: sem alterações; pesquisa de drogas de abuso na urina: negativa para benzodiazepinas, cocaína, anfetaminas, tetra-hidrocanabinol, opiáceos, barbitúricos, metadona e antidepressivos triciclícos. Perante o quadro neurológico foi questionada novamente quanto à existência de outros fármacos no domicílio, ao que a mãe informou do uso pelo avô de medicação antiepiléptica cujo nome desconhecia. Face a estes dados, foi colocada a hipótese de intoxicação aguda por antiepiléptico e o doseamento sérico de CBZ revelou níveis de 26,99 g/ml (níveis de referência: 4 a 12 g/ml). Fez lavagem gástrica e administração de carvão activado por sonda nasogástrica, sob monitorização cardio-respiratória contínua e vigilância neurológica. Vericou-se agravamento clínico progressivo, com depressão do estado de consciência (Escala de Glasgow de 8) e midríase pupilar reactiva, mantendo-se em respiração espontânea e com estabilidade cardiocirculatória. Repetiu doseamento sérico da CBZ nove horas após admissão, que era de 45,67 g/ml. Devido ao agravamento do quadro clínico e laboratorial foi decidido iniciar hemoperfusão com carvão activado, com reversão clínica completa após três horas de tratamento. aumentando a excreção biliar (1,2,8,9). A ecácia deste método diminui signicativamente quando iniciado mais de uma hora após a ingestão do fármaco(1,2). Perante esta situação há necessidade de um tratamento dialítico, a hemoperfusão com carvão activado, claramente indicado em intoxicações graves por fármacos com forte ligação ás proteínas, como os barbitúricos, digitálicos, metotrexato, acetaminofeno entre outros, na presença de hipomotilidade gastrointestinal(1,2,5,6,8,10). Este procedimento consiste na passagem do sangue circulante do doente através de uma substância adsorvente com carvão activado que, por sua vez, compete com as proteínas plasmáticas pela CBZ, removendo as toxinas(1,2,11). Assim, a hemoperfusão com carvão está indicada em situações em que a hipomotilidade gastrointestinal ou ileum está presente, tornando o uso de carvão activado inecaz, em situações de agravamento do estado clínico do doente apesar da administração entérica de carvão activado, e perante uma intoxicação grave ameaçadora de vida com coma, crises epilépticas, arritmias ou depressão respiratória(1).Este método, apesar de invasivo, necessitando de um acesso vascular e monitorização, é extremamente ecaz, como vericado no caso descrito; só estando disponível, contudo, em centros especializados. DISCUSSÃO Em quadros de alteração do estado de consciência e quando a história clínica não é orientadora para o diagnóstico etiológico, importa excluir diferentes entidades patológicas, incluindo as intoxicações por fármacos. A intoxicação aguda por CBZ apresenta diversas manifestações clínicas que se correlacionam com os níveis plasmáticos(7). Devido à lenta absorção do fármaco pela sua ligação às proteínas plasmáticas, valores inicialmente baixos, traduzidos por disfunção vestibulo-cerebelosa, com disartria, nistagmo e ataxia, podem evoluir para quadros neurológicos graves, com crises epilépticas, coma e depressão respiratória que, se não forem tomadas as medidas adequadas, poderão ser fatais. O mecanismo terapêutico da CBZ, bem como o seu efeito tóxico cardiovascular e neurológico, devem-se ao efeito bloqueador dos canais de sódio pré-sinápticos dependentes de voltagem e também a efeitos anticolinérgicos(1). O tratamento da intoxicação aguda por CBZ consiste na lavagem gástrica seguida da administração de carvão activado em múltiplas doses, cada 4h, até à resolução do quadro – diálise gastrointestinal(1). O carvão activado liga-se à CBZ presente no lúmen intestinal, impedindo a sua absorção primária, e promove a sua eliminação, interrompendo a circulação entero-hepática e ABSTRACT Case report: The authors present a case of a teenage girl admitted to the emergency room with a sudden progressive neurologic disorder. A family member was on antiepileptic drug treatment. The initial assessment revealed a drowsy adolescent with appropriate speech, though dysarthric, presenting nystagmus and bilateral dysmetria and gait ataxia. Serum assay was performed and revealed high levels of carbamazepine thus conrming acute poisoning with this drug. Activated charcoal therapy was done with no reponse, even with deterioration of the level of consciousness. Hemoperfusion with activated charcoal was then performed with complete neurological recovery within three hours. Conclusion: The authors underline the difculties in dealing with severe cases of poisoning caused by drugs with high protein binding and emphasize the effectiveness of hemoperfusion with activated charcoal. Keywords: Carbamazepine, poisoning, overdose, antiepileptic drugs, hemoperfusion, activated charcoal, disturbed level of consciousness. 24 casos clínicos case reports Perante uma encefalopatia aguda, particularmente na adolescência, deve ser sempre excluída uma intoxicação aguda (avaliando se acidental ou não), mantendo-se um elevado nível de suspeição, mesmo que a pesquisa inicial se revele negativa. EFFICACY OF HEMOPERFUSION WITH ACTIVATED CHARCOAL IN THE TREATMENT OF SEVERE POISONING BY CARBAMAZEPINE Nascer e Crescer 2011; 20(1): 23-25 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 BIBLIOGRAFIA 1. Waseem M, Gernsheimer JR. Carbamazepine toxicity. Disponível em: emedicine.medscape.com 2009. URL: http:// emedicine.medscape.com/article/1011240 [23.05.2010] 2. Askenazi DJ, Goldstein SL, Chang I-F, Elenberg E, Feig DI. Management of a severe carbamazepine overdose using albumin-enhanced continuous venovenous hemodialysis. Pediatrics 2004; 113:406-9. 3. Bronstein AC, Spyker DA, Cantilena JR LR, Green JL, Rumack BH, Stuart HE. 2007 Annual Report of the American Association of Poison Control Centers’ National Poison Data System (NPDS): 25th Annual Report. Clinical Toxicology 2008; 46:927-1057. 4. Ferreira A, Borges A, Rangel R, Monsanto P, Dias MJ, Carvalho M. Avaliação das intoxicações medicamentosas em Portugal. Revista da Faculdade de Ciências da Saúde – Universidade Fernando Pessoa 2008; 5:94-110. 5. Chan K-M, Aguanno JJ, Jansen R, Dletzler DN. Charcoal hemoperfusion for treatment of carbamazepine poisoning. Clin Chem 1981; 27:1300-2. 6. Fleischman A, Chiang VW. 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CORRESPONDÊNCIA Maria José Cálix [email protected] casos clínicos case reports 25 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 NIDCAP®: Uma losoa de cuidados… Andrea Oliveira Santos1 RESUMO Introdução: Os partos pré-termo constituem um desao cada vez maior. A incidência tem aumentado nos países ocidentais, com o acréscimo dos tratamentos de fertilidade e o aumento da idade das grávidas. Pesquisas recentes sugerem que, à medida que se processa a maturação dos recém-nascidos (RN) prematuros, frequentemente estes não adquirem competências adequadas na função cognitiva, no processamento mental e na regulação comportamental, assim como na adaptação social e emocional. É reconhecida a responsabilidade dos prossionais das Unidades de Cuidados Intensivos Neonatais (UCIN), que asseguram a sobrevivência destas crianças, em lhes proporcionar uma qualidade de vida apropriada. Objectivos: Dar a conhecer o Programa de Cuidados Centrados no Desenvolvimento (©NIDCAP); enumerar os princípios básicos da fundamentação teórica deste programa; identicar vantagens da implementação deste programa nas Unidades de Cuidados Intensivos Neonatais (UCIN). Desenvolvimento: O Programa Individualizado de Avaliação e Cuidados Centrados no Desenvolvimento do RN (©NIDCAP) foi criado numa tentativa de reduzir o impacto negativo do ambiente da UCIN no bebé prematuro fora do útero materno. A observação detalhada do comportamento do RN parece ser o melhor guia para os prossionais promoverem de forma continuada cuidados individualizados de suporte adaptados ao seu desenvolvimento. A integração da abordagem do NIDCAP nas UCIN reduz as complicações iatrogénicas relacionadas com o seu ambiente, uma vez que aumenta as competências do RN, a conança dos pais e a satisfação dos prossionais de saúde. O modelo de cuidados NIDCAP envolve treino e educação formais e requer um compromisso multidisciplinar para denição da equipa, introduzindo modicações quer no hospital e quer na comunidade. Cada registo clínico, baseado na observação detalhada do RN, interpreta o signicado do seu comportamento no contexto da situação clínica e da etapa de desenvolvimento, dos desejos, preocupações e dúvidas da família, assim como das capacidades de interacção social dos prossionais da saúde da UCIN e do ambiente físico da mesma. __________ 1 Enfermeira Especialista em Saúde Infantil e Pediatria, HMPia, CHPorto 26 artigo de revisão review articles Conclusão: Gradualmente está a ocorrer uma grande transformação nos cuidados prestados nas UCIN e nos programas de intervenção precoce, consistindo na substituição de procedimentos baseados apenas em protocolos por cuidados individualizados, com base na interacção e colaboração com o RN e a família. As UCIN começam a denir-se, não apenas como locais de cuidados ao corpo físico, mas também como locais que concedem bem-estar emocional, gerando assim benefícios para os bebés e as suas famílias. Palavras-chave: NIDCAP; UCIN; prematuro; recém-nascido; cuidados de enfermagem; neurodesenvolvimento. Nascer e Crescer 2011; 20(1): 26-31 INTRODUÇÃO Os partos prematuros, que se referem aos nascimentos antes das 37 semanas de gestação, são um desao global em evolução. Cerca de 13 milhões de partos prematuros ocorrem por ano em todo o mundo, com uma média de aproximadamente 9%. Nas regiões mais desenvolvidas do mundo a incidência varia entre os 5-12%, e é mais elevada em cerca de 40% em zonas menos desenvolvidas, em países mais pobres. A incidência tem aumentado nos países ocidentais com o acréscimo dos tratamentos de fertilidade e o aumento da idade das grávidas. (1) Dados os recentes e signicativos avanços na perinatologia e na neonatologia nas sociedades industrializadas tecnologicamente as taxas de sobrevivência dos recém-nascidos (RN) prematuros têm aumentado drasticamente mesmo para recém-nascidos de muito baixo peso e extremo baixo peso. Hoje em dia mais de 95% das crianças nascidas antes das 28 semanas de gestação e com peso de nascimento inferior a 1250g sobrevive. (1, 2) Os RN nascidos às 24 semanas de gestação têm 50% de hipótese de sobrevivência quando internadas em centros de cuidados diferenciados. A taxa de morbilidade para RN com 25 semanas de gestação ou menos ronda os 25% e para RN entre as 25 e as 37 semanas ronda os 15%. RN com menos de 26 semanas de gestação compreendem apenas uma pequena percentagem de nascimentos, no entanto contribuem desproporcionadamente para o aumento da taxa média de mortalidade e morbilidade infantil e incorre em elevados custos em serviços médicos e educacionais. (1, 2) NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 Pesquisas recentes sugerem que os RN prematuros frequentemente não adquirem competências adequadas na função cognitiva, no processamento mental, na concretização académica e na regulação comportamental assim como na adaptação social e emocional. (2) Assegurar uma qualidade de vida apropriada é reconhecido como a responsabilidade dos prossionais das Unidades de Cuidados Intensivos Neonatais (UCIN) que asseguram a sobrevivência destas crianças. (2) O feto foi considerado durante muito tempo como dependente apenas da função do tronco encefálico, no entanto, agora é reconhecido como um ser complexo, receptivo e reactivo à estimulação social e sensorial que simultaneamente tenta regular o seu próprio limiar de reacção e resposta. A percepção conceptual e os resultados de estudos têm obtido ganhos, nos últimos 25 anos com a observação detalhada do comportamento dos RN prematuros. O aumento dos suportes clínicos para avaliar e compreender estes RN e os seus pontos fortes, as suas vulnerabilidades, limiares de stress e desorganização e regulação funcional, prognósticos de aprendizagem fornecem recomendações apropriadas para suporte e cuidados. (1) DESENVOLVIMENTO Bases neurobiológicas do NIDCAP Os três últimos meses de gestação correspondem a uma das fases de maior velocidade de crescimento e especialização do cérebro humano, que se concretiza dentro do ambiente evolutivamente esperado do útero, onde os estímulos são ltrados e fornecidos numa sequência adequada. Ao nal da gestação, com 40 semanas, o RN está desenvolvido e pronto para o contacto directo com o colo da mãe, participando na família. (3) Nesta fase é capaz de demonstrar todo o funcionamento do seu sistema sensorial (tacto, paladar e olfacto, audição e visão), de perceber e de reagir aos estímulos do meio, podendo também demonstrar habituação, preferências, memória e aprendizagem. (4) Os RN esperam “herdar” três ambientes seguros: o útero materno, o colo dos pais e do grupo familiar e a comunidade. O parto prematuro retira estes RN dos ambientes prometidos e esperados. Dada a imaturidades dos seus órgãos, eles requerem cuidados apenas disponíveis nas UCIN. (3, 4) O ambiente tradicional das UCIN representa para a maioria dos RN a completa separação dos pais, excesso de estímulos e simultaneamente a frequente experiência de procedimentos invasivos e dolorosos. Estas situações diferem do esperado para o desenvolvimento normal do sistema nervoso central, o que pode, inevitavelmente, levar a mudanças signicativas e ao comprometimento do cérebro. (5) Apesar dos avanços das UCIN os procedimentos invasivos praticados colocam estas crianças sob o risco de invalidez de determinados órgãos desenvolvendo morbilidades nas quais se incluem a doença pulmonar crónica ou displasia broncopulmonar, hemorragia intra-ventricular, retinopatia da prematuridade, enterocolite necrosante entre outras. À parte destas morbilidades, a incompatibilidade entre as expectativas do cérebro do feto sobre o útero materno e a realidade das UCI providencia desaos sig- nicativos e inuencia o desenvolvimento neuro-siológico, neuropsicológico, psico-emocional e psico-social do RN. (1) Períodos prolongados de sono difuso, choro inconsolável, mudanças abruptas do uxo sanguíneo devido às rotinas, mudanças de posicionamento, manipulação agressiva, procedimentos invasivos tais como aspiração de secreções, ambiente ruidoso e luminoso, impossibilidade de mamar e diminuição de interacção social e de cuidados, provocam efeitos no cérebro e parecem consequentemente provocar alterações no desenvolvimento. (1) Parece que o desenvolvimento no ambiente extra-uterino antes das 37 semanas de gestação, pode levar a trajectórias de desenvolvimento diferentes e potencialmente desadaptativas. É por isso importante descobrir como e quando será crucial garantir que o desenvolvimento do feto fora do útero materno se processe de forma suave e equilibrada para prevenir desadaptações do RN. (2) A observação do comportamento do RN prematuro providencia uma forma de aferir os objectivos do desenvolvimento infantil e monitorizar as competências funcionais e o estado de equilíbrio. Mesmo os RN muito prematuros e frágeis podem oferecer observações credíveis segundo as quatro linhas de orientação: o sistema autónomo, o sistema motor, o sistema de organização de estados (que inclui o subsistema de atenção e interacção); o sistema de auto regulação e equilíbrio. (2, 3) Durante cada etapa do desenvolvimento os sistemas desenvolvem-se independentemente e, ao mesmo tempo, interagindo continuamente uns com os outros e com o ambiente. O processo de desenvolvimento é descrito como uma série de círculos concêntricos, iniciando pelo sistema autónomo e terminando no subsistema de atenção/ interacção, com cada um dos sistemas e subsistemas continuamente promovendo a recíproca alimentação para os restantes. (2,3) Os sinais comunicativos do comportamento do sistema autónomo incluem os padrões respiratórios, utuações da coloração e respostas viscerais tais como cuspir, tosse, atulência, defecção entre outras. Os sinais comunicativos do sistema motor incluem o tónus muscular, modelações da face e extremidades, acidez ou hipertonicidade, assim como padrões de postura e movimento, dedos em leque, corpo em arco entre outros. Os sinais comunicativos do sistema de estado/atenção, sistema que dene o nível de atenção, incluem os períodos de sono, o acordado, o despertar, os padrões de transição entre cada estado, assim como a sua duração. O sistema da regulação expressa-se nos esforços e sucessos no equilíbrio de todos os outros sistemas, pode incluir esforços como levar as mãos à boca e sugar, enrolar-se sobre si mesmo, mudar de posição de dorsal para lateral, etc. (2, 3) Os sistemas de um RN de termo funcionam todos de uma forma harmoniosa, permitindo uma estável interacção com o meio, já no RN prematuro a “energia” disponível está distribuída de forma diferente: as exigências do sistema autónomo são enormes, seguidas pelas do sistema motor, o que deixa muito pouca energia para os demais funcionarem. Além disso, o RN prematuro possui um limiar muito baixo para responder ao meio, artigo de revisão review articles 27 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 sendo assim frente a estímulos visuais, por exemplo, poderá responder à custa da desorganização nos restantes sistemas. Esta desorganização poderá ser evidenciada por taquicardia, apneia, hipotonia e até por um estado de hiperalerta ou de completa exaustão, por outro lado, os esforços para diminuir a exigência de um sistema podem inuenciar positivamente os restantes, traduzindo-os em maior homeostase. (2, 3) A palavra-chave passa a ser a organização do RN, que reecte a sua habilidade em estabelecer um nível de funcionamento integrado entre os sistemas siológicos e comportamentais. A habilidade desses sistemas trabalhar em harmonia afecta a sobrevivência do RN e permeia todas as interacções que ele executa com o meio. (2, 3) Torna-se rapidamente evidente que a criança procura continuamente a co-regulação disponível, uma função que habitualmente é preenchida pelo útero e que agora é prestada pelos cuidadores. No entanto, este contínuo papel de co-regulação ultrapassa a capacidade dos prestadores de cuidados que têm que cuidar de várias crianças em simultâneo.(2, 3) NIDCAP – Programa Individualizado de Avaliação e Cuidados Centrados no Desenvolvimento do RN NIDCAP é o Programa Individualizado de Avaliação e Cuidados Centrados no Desenvolvimento do RN que foi desenvolvido por Heidelise Als e sua equipa de colaboradores no início dos anos 80 como uma estratégia para responder a preocupações quanto ao impacto negativo do ambiente das UCIN nos recém-nascidos prematuros. Com o tempo, o conceito foi alargado para englobar, além dos aspectos físicos do ambiente, todos os procedimentos de cuidar bem como os aspectos sociais envolvidos. A abordagem compreensiva do NIDCAP foi criada no intuito de diminuir a discrepância entre as expectativas imaturas do cérebro humano e a experiência efectiva vivenciada no ambiente da UCIN. O modelo NIDCAP tem em vista criar uma relação baseada num ambiente de suporte para o RN e a família, e propõe que as interacções relativas aos cuidados e ao ambiente, que deverão ter em conta os subsistemas do RN, tenham um suporte a longo prazo. (1, 6) O fundamento dos cuidados centrados no desenvolvimento não é simplesmente cobrir a incubadora ou utilizar suportes para o posicionamento do bebé, assim como também não é simplesmente diminuir as luzes e os ruídos. Embora estas acções possam fazer parte do plano de cuidados e se tornem parte do cuidar de um bebé, estas não constituem o cerne do NIDCAP. O foco principal depende dos relacionamentos que o cuidador está disposto a construir com o seu paciente. (8, 9) O recém-nascido passa a ser encarado como um activo colaborador no seu próprio cuidado, lutando de forma determinada a continuar a trajectória de desenvolvimento fetal iniciada no útero. Desta forma, postula-se que os comportamentos do recém-nascido (respostas siológicas e pistas comportamentais) fornecem a melhor informação a partir da qual podemos modelar os cuidados. (3, 4) É uma abordagem comportamental individualizada para a prestação de cuidados baseada na informação que o compor- 28 artigo de revisão review articles tamento do RN nos fornece. Permite a formulação de um plano de cuidados que melhora e fortalece as forças do RN e que o suporte em situações de sensibilidade e vulnerabilidade. O objectivo deste programa individualizado de cuidados centrado no desenvolvimento é melhorar a longo prazo as consequências da prematuridade na criança e família. (8, 9) A descrição comportamental das funções do RN é entendido no contexto do estado clínico e da sua história, assim como a história da sua família. A estimativa dos objectivos comportamentais do RN tem em conta toda a sua história. (1, 2) Todas estas observações áveis da comunicação comportamental providenciam informação valiosa quer para os enfermeiros quer para os médicos, sobre como estruturar e adaptar os cuidados e as interacções no intuito de realçar as competências e forças da criança para prevenir ou diminuir sinais de desconforto, stress e/ou dor. (1, 2) Os prestadores de cuidados e a família formulam os objectivos do RN com base nos objectivos aferidos nas observações iniciais do RN, são formulados potenciais oportunidades no que diz respeito ao ambiente da UCIN, ao ambiente imediato como a incubadora e linhas de perfusão e tubos, e ao ambiente social no que diz respeito ao tempo, suporte, gentileza dos cuidados e interacções. (8, 9) As sugestões e recomendações têm sempre em conta o bem-estar do RN, as suas forças, competências, eciência e também um óptimo ambiente de suporte. Estas considerações iniciam-se providenciando apropriados suportes, carinho e atenção para o RN e a família, que é a principal reguladora do seu desenvolvimento, atmosfera e o ambiente emocional da UCIN; a organização e planicação da unidade do RN; a forma como são prestados os cuidados de enfermagem e médicos, os cuidados com os procedimentos mais especícos; assegurar intimidade e privacidade para o RN e a família. (1, 2) Os elementos chave do NIDCAP são: coordenação; avaliação; meio ambiente tranquilo; consistência no cuidar/cuidados colaborativos; agrupamento de cuidados/estruturar às 24 horas; posicionamento adequado; oportunidades para contacto pele-a-pele; suporte individualizado para a alimentação; conforto para a família. (3, 4) Coordenação: a implementação dos cuidados com base nesta perspectiva requer compreensão e conhecimento do desenvolvimento da criança, dos pais e da família e da história actual da doença assim como os seus efeitos no desenvolvimento. Para obter a colaboração da equipa multidisciplinar na implementação dos cuidados com base no desenvolvimento é necessária a apreciação de cada grupo prossional em interacção, assim como a compreensão aprofundada das estruturas organizacionais do hospital e mais especicamente da UCIN. Os prossionais integrados nesta complexa metodologia devem assumir o compromisso para elevar o seu crescimento pessoal, o auto-conhecimento e a maturidade emocional. Requer o empenho de prossionais de elevado nível tais como neonatologistas, enfermeiros, pediatras, neurologistas, psiquiatras, siatras, sioterapeutas, terapeutas da fala, nutricionistas, educadores e assistentes sociais. (7) NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 Avaliação: é utilizada uma cha de avaliação e registo dos sinais comunicativos do RN antes, durante e após os cuidados prestados e procedimentos. Esta avaliação fornecerá dados para um relatório sobre o cuidar individualizado da respectiva semana, que estará disponível para consulta pela equipa e pelos pais. Este procedimento deve ser repetido semanalmente. As observações, principalmente quando efectuadas repetidamente, asseguram muita informação sobre o RN no que diz respeito à sua robustez, equilíbrio, assim como a evolução enquanto o RN tenta integrar e tirar o máximo proveito dos cuidados e interacções que lhe são proporcionadas. As observações fornecem registos escritos que por si descrevem as forças do RN, sensibilidades, limiares de stress e os seus esforços na auto-regulação. As informações obtidas de todos os registos fornecem bases para a aferição dos aparentes objectivos do RN tendo em conta adaptações aos cuidados prestados, a interacção e o ambiente que pode melhorar as conquistas dos objectivos do RN, aumentar as suas forças e reduzir o seu stress comportamental. (1, 3) Meio ambiente tranquilo: A maioria das UCIN não foi construída para ser um ambiente tranquilo. As prioridades do design tradicional no aproveitamento do espaço e no controle de infecções, inadvertidamente, determinaram que as unidades fossem ruidosas pelo pouco espaço, actividade frenética e superfícies altamente reverberantes. A aplicação das mudanças físicas na unidade, após um planeamento cuidadoso, pode ser um dos aspectos de mais fácil aplicação, no entanto permanece o aspecto da actividade humana, principal elemento produtor de ruído dentro das UCIN. Entre os efeitos siológicos dos ruídos em RN, incluem-se a alteração da frequência cardíaca, aumento da tensão arterial, diminuição na saturação de oxigénio e apneia, aumento da pressão intracraniana, possíveis danos cocleares pelo ruído e pelo uso simultâneo de medicamentos ototóxicos. A audição está intimamente ligada ao sistema alerta, sendo muito importante para a sobrevivência, pois prepara o indivíduo para reagir ao som de perigo. Nas UCIN o alto nível de ruído a todo o instante pode tornar difícil a manutenção dos estados de sono, que parecem ser tão importantes para um adequado desenvolvimento do sistema nervoso central. Alterações na fala, problemas relacionados com a linguagem e aprendizagem acontecem com frequência em RN prematuros e parecem estar relacionados com a caótica experiência auditiva da UCIN. A luz forte e contínua é um factor de stress para o RN internado na UCIN por apresentar menos defesas em relação à luz ambiente. Apesar de algumas controvérsias, a utilização dos ciclos dia/noite na UCIN tem sido recomendada por especialistas e por instituições como forma de beneciar o desenvolvimento dos RN. (10, 11, 12, 13) Agrupamento de cuidados/estruturar às 24 horas: sempre que possível toda a equipa deve conhecer o programa de cuidados do RN, discutindo o plano de cuidados entre si e com a família. Os procedimentos que provocam stress deverão ser realizados em dupla (em que um atende ás necessidades do RN e o outro realiza o procedimento) uma parceria entre médicos, enfermeiros e família. Realizando as actividades de acordo com as reais necessidades do RN e não de forma rotineira. Agrupar os cuidados respeitando os ciclos de sono, realizando os procedi- mentos de acordo com os sinais do RN mantendo-o organizado. Garantindo um mínimo de 60 minutos de tranquilidade após o procedimento sem que haja nenhum manuseio ou estimulação. Organizar o meio ambiente, planear a actividade para evitar interrupções, observar o RN antes da intervenção, sinalizar ao RN que ele vai ser manipulado (voz suave, toque com contenção), usar os suportes e pausas que forem requisitados pela organização comportamental do RN. (2) Posicionamento: O RN prematuro frequentemente faz tentativas repetidas, ainda que mal sucedidas, de obter limites estendendo os braços e as pernas, esses esforços motores repetidos podem extenuar o RN, que usa um suprimento limitado de “energia”. Os cuidados posturais são dirigidos para minimizar o gasto de energia, enquanto promovem um equilíbrio entre a exão e a extensão, para qualquer RN. Algumas técnicas de posicionamento podem incluir posturas exoras com alinhamento da cabeça com o corpo e membros junto a ele durante o repouso e o manuseio. Utilizar rolos que mantenham o corpo contido e que estejam em íntimo contacto com todo o corpo evitando que algum membro que fora da contenção. A posição ideal é a lateral, respeitando-se as necessidades clínicas do RN. Os suportes são usados para aumentar o bem-estar e a tranquilidade do RN e serão gradualmente diminuídos conforme for melhorando a sua organização motora. (3) Oportunidades para contacto pele-a-pele: a técnica do Canguru é um componente importante dos cuidados centrados no desenvolvimento. Envolve a colocação do RN apenas de fralda, em posição erecta, sobre o tórax da mãe ou do pai, sendo então coberto por um pano ou faixa de tecido. Fornece um equilíbrio entre os sistemas táctil e proporioceptivo (desenvolvimento mais precoce) e os sistemas visual e auditivo (desenvolvimento mais tardio), ambos sob estimulação inadequada. Protege o RN da estimulação nociva da UCIN auxiliando inicialmente no sono e, mais tarde, na atenção dirigida à mãe. Favorece a manutenção da temperatura adequada, melhora aspectos cardio-respiratórios e permite melhor ganho de peso em RN prematuros. Tem ainda um efeito positivo no aleitamento materno exclusivo após a alta, no desenvolvimento de afecto e na conança e satisfação materna. (14, 15, 16) Conforto para a família: Assegurar aos pais que eles são os principais cuidadores da criança, que são os primeiros a providenciar carinho e atenção factores críticos para o desenvolvimento futuro do RN. O ambiente hospitalar pode ser a sua casa durante alguns meses. A organização e planicação dos cuidados devem incluir oportunidade de interacção entre o RN e a família. Os pais e a criança esperam que o ambiente da UCIN lhes conceda um ambiente de suporte, respeito, prossional e espaço onde sejam capazes de dar carinho e atenção e que os ajude no seu papel de pais e lho, e a tornar-se famílias de conança e com mútuo bom funcionamento. Em muitos países, incluindo os Estados Unidos, a alta hospitalar da mãe antes da alta do seu lho prematuro é baseado apenas no bem-estar da mãe e falha ao não ter em conta a saúde mental e emocional quer da mãe quer do RN. Em algumas sociedades esta situação é tida em conta e favorecem a mãe nanceiramente e artigo de revisão review articles 29 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 socialmente permitindo-lhe que permaneça no hospital até à alta do seu lho. Por conseguinte, o ambiente da UCIN deve favorecer o acompanhamento dos pais, em vez do ambiente médico intensivo onde os pais são meros visitantes. Favorecer a amamentação, reduzir o nível de stress decorrente da prematuridade, reduzir ou evitar a depressão pós-parto são factores altamente considerados e favorecedores da teoria de manter a mãe e o RN sempre juntos. (1, 17) CONCLUSÃO Este artigo pretendia ser uma revisão do programa NIDCAP, das mudanças que requerem a sua implementação na estrutura física da UCIN mas principalmente na mudança de comportamentos por parte de toda a equipa multidisciplinar. A sua implementação leva ao respeito e ao investimento mútuo entre o RN e a sua família ao longo do seu desenvolvimento. Isto porque esta perspectiva vê o RN, os pais e os prossionais de saúde envolvidos numa contínua co-regulação uns com os outros e ao mesmo tempo inseridos no seu ambiente físico e social. As evidências, no entanto, são ainda inconclusivas para considerar NIDCAP como o modelo de cuidados ideal. Sem dúvida, o Programa Individualizado de Avaliação e Cuidados Centrados no Desenvolvimento do RN prematuro serve como uma matriz muito adequada para o cuidar atento e em resposta aos sinais comunicativos do RN, preservando a sua “energia” para um funcionamento mais adequado. Segundo Heidelise Als uma grande transformação está gradualmente a ganhar força nos cuidados na UCIN e na intervenção precoce, consistindo na mudança dos procedimentos baseados em protocolos para os cuidados com base nos relacionamentos com o RN. As UCIN começam a denir-se não apenas como locais de cuidados ao corpo físico, mas também, locais que dão suporte ao bem-estar emocional e que geram mais benefícios para os RN e as famílias. (1, 7) NIDCAP: A PHILOSOPHY OF CARE ABSTRACT Introduction: Preterm births are an evolving global challenge. Its incidence has increased in Western countries with the escalating of fertility treatments and the increasing age of pregnant women. Recent research suggests that as preterm newborns (NB) mature they often do not acquire adequate skills in cognitive functions, mental processing, and behavioural regulation as well as in social and emotional adaptation. Promoting an appropriate quality of life of these children is recognized as a responsibility of the professionals of Neonatal Intensive Care Units (NICU) that ensure their survival. Objectives: To acquaint the Newborn Individualized Developmental Care and Assessment Program (NIDCAP ®); to list the basic principles of the theoretical foundation of this program; and to identify advantages of implementing this program in the NICU. Development: The Newborn Individualized Development Care 30 artigo de revisão review articles and Assessment Program (NIDCAP ®) was created aiming to reduce the negative impact of NICU environment in the premature babies outside mother’s womb. Detailed observations of the newborns’ behaviour can be the best guide for professionals to arrange continuous individualized care adapted to support their development. Integration of NIDCAP approach in NICU reduces iatrogenic complications related to intensive care environment, since it increases the skills of the newborn, the parents’ trust and satisfaction of health professionals. The model of care NIDCAP involves training and formal education, and requires a commitment to a multidisciplinary team setting, ensuing changes in the hospital and the community. Each clinical report based on detailed infant’s observation interprets the meaning of the observed behaviour within the current clinical setting and stage of development, family’s desires, concerns and worries, as well NICU staff care and social interaction skills. Conclusion: A great transformation is gradually gaining strength in the care given in the NICU and in early intervention programs, consisting of switching procedure-based protocols for care based on individual adapted interactions and collaboration with the NB and the family. The NICU begin to dene themselves not only as places taking care of the physical aspects, but also supporting the emotional well-being, thus generating benets to the babies and their families. Keywords: NIDCAP; NICU; premature; newborn; nursing care; neurodevelopment. Nascer e Crescer 2011; 20(1): 26-31 BIBLIOGRAFIA 1. Als H. Newborn Individualized Developmental Care and Assesment Program (NIDCAP): new frontier for neonatal and perinatal medicine. J Neonatal-Perinatal Med 2009; 2:135-47. 2. Westrup, B. Newborn Individualized Developmental Care and Assessment Program (NIDCAP) – Family-centered developmentally supportive care. Early Hum Dev 2007; 83: 443-9. 3. Silva, RNM. Cuidados voltados para o desenvolvimento do bebe pré-termo – uma abordagem prática. Rio de Janeiro: Alves Filho&Trindade, Manoel de Carvalho e José Maria de Andadre Editores. 2005. 35-50. 4. Silva, RNM. Aspectos comportamentais do bebe pré-termo na UTI neonatal. 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The principles for family-centered neonatal care. Pediatrics 1993; 92:643-50. CORRESPONDÊNCIA Email: [email protected] artigo de revisão review articles 31 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 Mielite transversa aguda Maria João Sampaio1, Ana Garrido2, Maria João Oliveira3, Ana Vilan1, Rui Almeida1, Joaquim Cunha1 RESUMO Introdução: A retenção urinária aguda é pouco frequente na criança. A presença de alterações no exame neurológico é um dado fundamental para orientar o diagnóstico. Caso clínico: Os autores apresentam o caso de um rapaz de dez anos, sem antecedentes de relevo, com quadro clínico caracterizado por retenção urinária aguda, obstipação e sinais de lesão do primeiro neurónio. A investigação conduziu ao diagnóstico de mielite transversa aguda idiopática. Foi instituída terapêutica com bloqueador alfa e cateterização vesical, tendo evolução favorável. Conclusão: A mielite transversa aguda é uma doença inamatória medular, cuja etiopatogenia não está, ainda, bem esclarecida, e que se manifesta clinicamente por disfunção motora, sensitiva e/ou autonómica. O exame do líquido cefalo-raquidiano (LCR) e a ressonância magnética nuclear (RM) medular permitem, em regra, demonstrar a inamação medular. O tratamento não é, ainda, consensual, e o prognóstico é muito variável. Palavras-chave: retenção urinária aguda, mielite transversa aguda, lesão primeiro neurónio. Nascer e Crescer 2011; 20(1): 32-34 INTRODUÇÃO A mielite transversa aguda (MTA) é uma doença inamatória aguda da espinal medula, com consequências potencialmente graves(1,2). A etiopatogenia não está ainda completamente esclarecida, parecendo estar implicado um mecanismo imunológico(3). Caracteriza-se por sinais e sintomas de disfunção neurológica aguda ou subaguda motora, sensitiva e/ou autonómica(4,5). A evolução e o prognóstico são variáveis, podendo-se vericar desde a resolução completa do quadro em pouco tempo, a déces permanentes. CASO CLÍNICO Criança do sexo masculino, dez anos de idade, sem antecedentes patológicos relevantes. Recorreu ao serviço de urgência (SU) por quadro clínico com três dias de evolução caracterizado __________ 1 2 3 S. Pediatria, CHTâmega e Sousa, Unidade Hospital Padre Américo S. Pediatria, CHVila Nova de Gaia/Espinho S. Pediatria, CHPorto - HSAntónio 32 ciclo de pediatria inter hospitalar do norte paediatric inter-hospitalar meeting por diculdade em iniciar e completar a micção, sensação de esvaziamento vesical incompleto e desconforto abdominal que condicionava diculdade em deambular. Concomitantemente, havia referência a obstipação com quatro dias de evolução. Sem história recente de traumatismo, vacinação ou infecção. Ao exame objectivo, à admissão, apresentava globo vesical, discreta diminuição da força muscular do membro superior esquerdo, reexos cremasteriano e cutâneo-abdominal não despertáveis à esquerda, reexos osteotendinosos dos membros inferiores muito vivos bilateralmente e de área normal, clónus do membro inferior esquerdo e sinal de Babinski bilateral. Não foi objectivado nível sensitivo. Toque rectal: tónus esncteriano normal. O restante exame objectivo não apresentava alterações. No SU teve uma micção espontânea, com jacto no e sensação de esvaziamento incompleto, vericando-se reaparecimento do globo vesical pouco tempo depois. Posteriormente, manteve incapacidade em urinar espontaneamente, pelo que foi necessária cateterização vesical, com saída imediata de 1400 ml de urina. O estudo analítico (hemograma, função renal, ionograma, proteína C reactiva, sedimento urinário e urocultura), radiograa abdominal simples em pé e ecograa abdominal e renovesical (realizada com o doente algaliado) não revelaram alterações. Foi efectuada punção lombar (PL) que demonstrou líquido cefalo-raquidiano sem pleocitose, com glicorráquia e proteinorráquia normais, índice de IgG normal e pesquisa de bandas oligoclonais negativa. A pesquisa no líquido cefalo-raquidiano (LCR) de DNA viral de CMV, Herpes simplex I e II e EBV, e RNA de Enterovirus, assim como a pesquisa de DNA de Mycoplasma pneumoniae, foi negativa. A ressonância magnética nuclear cerebral e medular, com e sem contraste, realizada no sexto dia de doença, não revelou alterações. O estudo imunológico (complemento, imunoglobulinas, ANAs, anticorpos anti-citoplasma do neutrólo) foi normal, e as serologias para CMV, HHV-6, EBV, Coxsackiae, Varicela zoster, Borrelia burgdorferi e Mycoplasma pneumoniae não foram sugestivas de infecção aguda. Dado manter incapacidade em urinar e defecar espontaneamente iniciou, ao terceiro dia de internamento, terapêutica com bloqueador alfa (terazosina, 2,5mg/dia) e lactulose, mantendo cateterização vesical, com desclampagem intermitente. Durante o internamento foram feitas várias tentativas para suspender a cateterização vesical, sem sucesso, por episódios recorrentes de retenção urinária. Os reexos osteotendinosos dos membros inferiores mantiveram-se alterados, assim como o cutâneo abdominal e o cremasteriano, mas sem clónus do mem- NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 bro inferior. O reexo cutâneo-plantar era indiferente ao terceiro dia, e em exão bilateralmente ao nono dia de internamento. Houve normalização da força muscular desde o quarto dia de internamento. Teve alta ao décimo dia de internamento, com algaliação intermitente, medicado com terazosina, prolaxia da infecção do tracto urinário com cotrimoxazol, orientado para as consultas de pediatria geral, neuropediatria, urologia e siatria. Um mês após a alta referia micções e dejecções voluntárias e de características normais e apresentava exame neurológico normal. DISCUSSÃO Na população geral, a incidência da MTA é estimada em 1-4 casos por milhão de habitantes/ano, podendo atingir todas as idades. Verica-se, contudo, uma distribuição bimodal, com maior incidência nos grupos etários dos 10-19 anos e 30-39 anos(4,5). No que respeita à etiologia, é frequentemente referida a relação temporal com infecções víricas ou bacterianas (ex: EBV, Herpes, Inuenza, Mycoplasma, etc) ou vacinação (ex: DTP, hepatite, etc)(1,2,4). Não está, contudo, determinada uma relação causa-efeito entra MTA e vacinação. Pode, ainda, estar associada a alterações vasculares (nomeadamente isquemia), a doenças auto-imunes e do tecido conjuntivo (Lupus Eritematoso Sistémico, Doença de Behçet, Síndrome de Sjögren, etc.). Por outro lado, pode ser uma primeira manifestação de uma doença desmielinizante como a Esclerose Múltipla(5), ou ainda estar relacionada com neoplasia intra ou extra-axial. A MTA é descrita como idiopática em 10-45% dos casos(6). Clinicamente, manifesta-se como disfunção: - motora aguda/subaguda, com diminuição da força muscular (paralisia ácida), que pode ser simétrica ou não (2,5), progride para paralisia espástica, com sinais de lesão do primeiro neurónio (hiperreexia, sinal de Babinski, diminuição ou ausência dos reexos cremasteriano e/ou cutâneo-abdominal); - sensitiva - demonstração de um nível sensitivo, geralmente na região medio-torácica, e/ou autonómica (disfunção vesical, obstipação)(2,3). O diagnóstico baseia-se, para além das manifestações clínicas, na demonstração de inamação medular: pleocitose e aumento do índice de IgG no liquor, e na RM medular aumento da captação de contraste (edema medular, sinal hiperintenso na ponderação T2 (com menor frequência, sinal iso ou ligeiramente hipointenso em T1), geralmente atingindo vários segmentos vertebrais e mais frequentemente ao nível da medula toraco-lombar)(5,7). A evidência da inamação medular pode não estar presente no início do quadro, pelo que há autores que sugerem a sua repetição entre o segundo e o sétimo dia de doença(5). No caso apresentado, dado que a investigação foi efectuada neste período de tempo e dada a boa evolução clínica, apesar de não se ter objectivado na avaliação inicial a inamação medular, optou-se por não repetir os estudos (PL e RM). O tratamento não é, actualmente, consensual. Diversos estudos concluíram que o uso da metilprednisolona endovenosa nas formas graves pode reduzir o tempo de doença e minimizar os déces resultantes(8,9), o que é contrariado noutros(6). O tratamento não farmacológico pode incluir a cateterização vesical intermitente, no sentido de preservar a função vesical(10), e a sioterapia(3). No caso descrito, a evolução foi favorável. A recuperação espontânea ocorre geralmente nas primeiras semanas a meses e é completa em 40 a 50% dos doentes(3), sendo a disfunção vesical um dos déces residuais mais frequentes(6,10). Alguns autores referem uma associação entre a instalação rápida dos déces e gravidade, com consequente pior prognóstico(2). Perspectiva-se que futuramente se encontrem marcadores bioquímicos que melhor se relacionem com a MTA, quer no que respeita à patogénese quer ao prognóstico, encontrando-se actualmente em investigação (ex: proteína 14-3-3, neuromielite óptica IgG (NMO-IgG), neuroenolase especíca, etc)(7). CONCLUSÃO Apesar de, no caso descrito, não ter sido possível demonstrar um nível sensitivo nem objectivar sinais de inamação medular, quer no LCR quer na RM medular, foram excluídas as outras etiologias mais prováveis que poderiam cursar com os sintomas e sinais descritos, nomeadamente as doenças desmielinizantes, tumorais ou infecciosas. A boa evolução clínica permitiu-nos inferir que, provavelmente, se tratou de uma forma frustre e “incompleta” de MTA idiopática, com uma total recuperação dos déces neurológicos. ACUTE TRANSVERSE MYELITIS ABSTRACT Introduction: Acute urinary retention is unusual in children. Careful neurological examination is very important, as abnormal neurological signs may be the clue for the diagnosis. Case report: The authors report the case of a ten-year-old boy, with no previous relevant diseases, presenting acute urinary retention, constipation and signs of upper motor neuron lesion. The evaluation suggested an idiopathic acute transverse myelitis. Treatment included alpha blockers and vesical catheterization with favorable evolution. Conclusion: Acute transverse myelitis is a spinal cord inammatory disease, characterized by signs of motor, sensitive and autonomic disfunction. Etiology and pathogenesis are not well established. Cerebrospinal uid examination and spinal cord magnetic resonance imaging usually demonstrate spinal cord inammation. Treatment is controversial and prognosis is variable. Keywords: acute urinary retention, acute transverse myelitis, upper motor neuron lesion. Nascer e Crescer 2011; 20(1): 32-34 ciclo de pediatria inter hospitalar do norte paediatric inter-hospitalar meeting 33 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 BIBLIOGRAFIA 1. Banwell B. The long(-itudinally extensive) and the short of itTransverse myelitis in children. Neurology 2007; 68:1447-9. 2. Wilmshurst J, Walker M, Pohl K. Rapid onset transverse myelitis in adolescence: implications for pathogenesis and prognosis. Arch Dis Child 1999; 80:137-42. 3. Haslam R. Spinal Cord Disorders. In: Kliegman R, Behrman R, Jenson H, Stanton B, editors. Nelson Textbook of Pediatrics. 18th edition. USA: Elsevier Saunders. 2007; 2529-30. 4. 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Urologia, Centro Hospitalar do Porto - Hospital Maria Pia CORRESPONDÊNCIA Maria João Sampaio CH Tâmega e Sousa Unidade Hospital Padre Américo Serviço de Pediatria Lugar do Tapadinho, Guilhufe, 4564-007 Penael [email protected] NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 Supplementation of Infant Formula With Probiotics and/or Prebiotics: A Systematic Review and Comment by the ESPGHAN Committee on Nutrition ESPGHAN Committee on Nutrition: Christian Braegger, Anna Chmielewska, Tamas Decsi, Sanja Kolacek, Walter Mihatsch, Luis Moreno, Magorzata Piescik, John Puntis, Raanan Shamir, Hania Szajewska, Dominique Turck, and Johannes van Goudoever In Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition. 2011;52: 238-50 ABSTRACT Infant formulae are increasingly supplemented with probiotics, prebiotics, or synbiotics despite uncertainties regarding their efcacy. The present article, developed by the Committee on Nutrition of the European Society for Paediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition, systematically reviews published evidence related to the safety and health effects of the administration of formulae supplemented with probiotics and/or prebiotics compared with unsupplemented formulae. Studies in which probiotics/prebiotics were not administered during the manufacturing process, but there after, for example in capsules, the contents of which were supplemented to infant formula or feeds, were excluded. On the basis of this review, available scientic data suggest that the administration of currently evaluated probiotic and/or prebiotic-supplemented formula to healthy infants does not raise safety concerns with regard to growth and adverse effects. The safety and clinical effects of 1 product should not be extrapolated to other COMENTÁRIO O uso dos probióticos e prebióticos na Indústria Alimentar tem vindo a despertar um interesse crescente como área de investigação, nomeadamente nos produtos dietéticos destinados aos lactentes. Nos últimos anos, evidência cientíca tem vindo a ser compilada sobre o papel da ora intestinal, na manutenção e equilíbrio da saúde humana. Os probióticos (e os prebióticos como seus substratos), que parecem interagir com ela, poderão ser implicados na sua modulação, em fases precoces e determinantes do desenvolvimento humano. De facto, a microora intestinal é uma comunidade microbiana complexa. O estudo destas comunidades tem tido um enorme desenvolvimento como área de investigação nos últimos 30 anos. As bactérias anteriormente encaradas como organismos primitivos, nas últimas décadas, tornou-se óbvio que possuem sosticados comportamentos de grupo. Comunicam entre si e com o hospedeiro produzindo, recebendo e respondendo com sinais químicos, equivalente às hormonas nos seres eucariontes. Assim, apercebem-se do meio circundante, adaptando-se; têm products. At present, there is insufcient data to recommend the routine use of probiotic- and/or prebiotic-supplemented formulae. The Committee considers that the supplementation of formula with probiotics and/or prebiotics is an important eld of research. There is a need in this eld for well-designed and carefully conducted randomised controlled trials, with relevant inclusion/exclusion criteria and adequate sample sizes. These studies should use validated clinical outcome measures to assess the effects of probiotic and/or prebiotic supplementation of formulae. Such trials should also dene the optimal doses and intake durations, as well as provide more information about the long-term safety of probiotics and/or prebiotics. Because most of the trials were company funded, independent trials, preferentially nanced jointly by national/governmental/ European Union bodies and other international organisations, would be desirable. Keywords: feeding, microbiota, modication, paediatric nutrition uma consciência colectiva. Essa linguagem, o quórum sensing permite às bactérias sincronizar a expressão génica do grupo e assim actuar em uníssono. Mais, estes sinais são transmitidos às células eucariontes do hospedeiro e estas, por seu lado, produzem hormonas que sinalizam as bactérias, mediando relações simbióticas ou patogénicas entre as duas partes (microora/hospedeiro). Assim, a era metagenómica que estuda o material genético recolhido directamente de amostras do ambiente natural, permite o alargamento da abrangência do estudo quer de microbiomas (totalidade de microorganismos de uma comunidade, do seu genoma e das suas interacções, num determinado ambiente) por exemplo a microora intestinal, quer de metabolomas (totalidade de metabolitos e outras moléculas sinalizadoras de uma amostra biológica, que são os produtos nais da sua expressão génica), que dão um cenário muito mais completo da bioquímica, siologia e microbiologia humanas. De facto, na microbiologia clássica o estudo da vasta maioria da diversidade microbiana é perdida quando usados os métodos culturais clássicos 1. Assim, esta plasticidade da expressão génica, modulação e programação metabólicas, decorrente de sinais ambientais em janelas críticas do desenvolvimento, imprimem um cunho único e pessoal, artigo recomendado recommended article 35 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 ou seja, uma plasticidade semelhante na homeostasia humana, afectando mais ou menos directamente o desenvolvimento de um estado de saúde ou de doença, no imediato ou em deferido 2. Um exemplo será a plausível inuência da microora intestinal no metabolismo energético por diferentes mecanismos como sejam a extracção de energia a partir dos componentes não digeridos da dieta, a regulação do armazenamento de gordura (expressão do fasting-induced adipose factor - FIAF), a regulação da lipogénese através da regulação da expressão de enzimas como a aceil-CoA carboxilase (ACC) e a sintetase de ácidos gordos (FAS), e/ ou a expressão de proteínas como a carbohydrate responsive element binding protein (ChREBP), a sterol responsive element binding protein (SREBP-1), ou ainda a regulação da oxidação dos ácidos gordos (actividade da AMP-activated protein kinase) 3,4 . Ainda outra característica destas comunidades bacterianas, mesmo em estirpes idênticas, diferenças no proteoma (o total das proteínas expressadas por um genoma) e/ou no secretoma (o total dos produtos segregados por estes microorganismos) podem ter impacto na funcionalidade destas comunidades, por exemplo de comunidades de probióticos (associados ou não a prebióticos como substrato), que podem estar na génese de resultados não concordantes da sua ecácia 1,2. Assim, a abordagem metagenómica poderá permitir o desenvolvimento da engenharia probiótica (probióticos recombinantes) e a selecção racional de estirpes, podendo os probióticos e prebióticos serem adicionados a alimentos tornando-os funcionais, ou ainda a sua utilização como “fármacos”, na prevenção e tratamento adjuvante de patologia. O uso apropriado do conhecimento do microbioma e metaboloma da comunidade microora intestinal poderá permitir a compreensão das interacções entre microorganismos comensais, probióticos e patogénios e o seu hospedeiro a nível molecular, celular e populacional, nomeadamente através da identicação de substratos-chave e mediadores 1,2. Assim, numerosos trabalhos têm sido publicados e escrutinados em metanálises 5,6, no sentido de demonstrar evidência cientíca da ecácia do uso dos probióticos na prevenção e/ou tratamento de diversas patologias tais como a diarreia aguda, a doença alérgica, a enterocolite necrotizante, a doença inamatória intestinal, entre muitas outras. Ora, o seu uso na alimentação do lactente parece assim pertinente, no sentido de obter precocemente tais pressupostos benefícios. O tipo de aleitamento, se materno ou com fórmula láctea, assume particular importância na nutrição do lactente, especialmente nas primeiras semanas de vida, nomeadamente na composição e modulação da microora intestinal. De facto, o papel do aleitamento materno neste tema tem sido alvo de intensa investigação e interesse, no que se refere a esse possível efeito programador e modulador não só pelo teor proteico, teor de colesterol, mas também pela presença de oligossacáridos com função prebiótica e pela presença de microorganismos com possível função probiótica 1,7-9. Neste seguimento, recentemente, as fórmulas infantis têm vindo a ser cada vez mais suplementadas com probióticos (e/ou prebióticos) no sentido de aspirar à obtenção dos efeitos bené- 36 artigo recomendado recommended article cos para a saúde aventados anteriormente, apesar das fragilidades na evidência cientíca apurada da sua ecácia. Diversos Comités de Peritos têm vindo a pronunciar-se sobre este tema. A FAO/WHO, em 2002, bem como a French Agency for Food Safety (AFFSA), em 2003, advertem quanto à segurança nos grupos de risco da suplementação das fórmulas infantis com probióticos. A Scientic Committee on Food of European Commission, em 2004 não objecta a adição de probióticos a fórmulas de continuação. A ESPGHAN (European Society for Paediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition), em 2004 aprova a adição a fórmulas de continuação e especiais; no entanto, o suplemento de outras fórmulas só poderia ter lugar sob supervisão médica. Este parecer da ESPGHAN foi revisto em 2011, após análise sistemática das publicações cientícas sobre o tema. Assim, o Comité de Nutrição da ESPGHAN da análise efectuada não apurou efeitos clínicos consistentes na administração de fórmulas infantis suplementadas com probióticos antes dos 4 meses; depois dessa idade a suplementação pode estar associada a alguns benefícios clínicos (exemplo, redução da incidência de infecções gastrointestinais inespecícas), não sendo a robustez da evidência cientíca suciente para recomendar o uso universal das formulas suplementadas com probióticos em lactentes. No entanto, acrescenta que em lactentes saudáveis estas fórmulas não parecem trazer problemas de segurança, nomeadamente no que respeita a crescimento e efeitos adversos. Mais ainda, adverte e reforça que quer a segurança, quer os efeitos clínicos de um determinado probiótico não podem ser extrapolados para outros microorganismos, bem como adverte para a ausência de conhecimento quanto aos efeitos a longo prazo desta suplementação, mesmo após a sua cessação. Esta opinião é sobreponível à publicada em 2010 pelo Comité de Nutrição da Secção de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição da Academia Americana de Pediatria. Quanto à segurança, segundo metanálises recentes os probióticos parecem ser inócuos para o uso na população em geral 10,11 . Historicamente, desde épocas remotas que diversos grupos de alimentos eram fermentados como forma de conservação, especialmente o leite mas também os cereais, o peixe, os legumes, e os frutos. Assim, os alimentos fermentados constituem um bom paradigma de tolerância, segurança e efeitos benécos efectivos, nomeadamente a hidrólise da lactose, a libertação de péptidos hipotensores e o efeito antimicrobiano 12-14, que têm vindo a ser documentados. Este conhecimento e experiência acumulados são certamente a alavanca para o uso dos probióticos na alimentação e, em particular, na alimentação do lactente. No entanto, existem grupos de risco, nomeadamente imunocomprometidos, doentes com risco acrescido de infecção (cardiopatia estrutural, cateteres) ou com compromisso da integridade intestinal (pós-operatórios) em que o seu uso deve ser acautelado. Assim, o uso de probióticos e prebióticos na alimentação do lactente e, em particular a sua adição às fórmulas infantis, apresenta aspectos consensuais que devem ser considerados: 1) o impacto da complexidade de comunidades bacterianas endógenas (microora intestinal) e eventualmente exógenas (probióticos) e a sua inter-relação no estado de saúde do hospedeiro; NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 2) historicamente há noção de ecácia e segurança através do uso de alimentos fermentados há centenas de anos; 3) também parece pacíco aceitar a muito plausível importância da programação/modulação precoce da ora individual pelos probióticos e prebióticos na prevenção da morbilidade a longo prazo. Por outro lado, aspectos menos consensuais serão: 1) a ainda evidência cientíca frágil do benefício do uso de probiótico e prebióticos, nomeadamente pela ausência de marcadores siológicos validados das funções da mucosa; 2) questões de segurança no seu uso (grupos de risco); 3) a falta de conhecimento da relação entre a estirpe, dose, modo de administração e efeitos a longo prazo por um lado, e a prevenção ou tratamento adjuvante da patologia alvo por outro. Em conclusão, embora os probióticos e prebióticos (como substrato) não sejam de todo um conceito recente, estaremos certamente nos primórdios da exploração do seu potencial na prática clínica. Os efeitos postulados dos probióticos, mesmo que promissores, carecem de evidência cientíca inequívoca. Por isso, o seu papel na alimentação do lactente (fórmulas infantis e outros alimentos a ele destinados), à luz da evidência cientíca actual, embora não parecendo veícular efeitos adversos, não conferem de forma convincente benefícios clínicos demonstráveis pelos métodos vigentes que determinem o seu uso universal. Helena Ferreira Mansilha1 Nascer e Crescer 2011; 20(1): 35-37 BIBLIOGRAFIA 1. Preidis GA, Versalovic J. Targeting the Human Microbiome with antibiotics, probiotics and prebiotics: Gastroenterology enters the Metagenomics Era. Gastroenterology 2009; 136: 2015-31. 2. Burcelin R, Luche E, Serino M, Amar J. The gut microbiota ecology: a new opportunity for the treatment of metabolic diseases? Front Biosci 2009; 14: 5107-17. 3. Cani PD, Delzenne NM. The role of the gut microbiota in energy metabolism and metabolic disease. Curr Pharm Des 2009; 15(13): 1546-58. 4. Kerac M, Bunn J, Seal A, Thindwa M, Tomkins A, Sadler K, et al. Probiotics and prebiotics for severe acute malnutrition ( PRONUT study): a double-blind efcacy randomised controlled trial in Malawi. Lancet 2009; 374 (9684): 136-44. 5. Saavedra JM. Use of probiotics in pediatrics: rationale, mechanisms of action, and practical aspects. Nutr Clin Practice 2007; 22 (3): 351-65. 6. Thomas DW, Greer FR and Committee on Nutrition; Section on Gastroenterology, Hepatology and Nutrition. Probiotics and Prebiotics in Pediatrics; Pediatrics 2010; 126(6): 1217-31. 7. Heikkila MP, Saris PEJ. Inhibition of Staphylococcus aureus by the commensal bacteria of human milk. J Appl Microbiol 2003; 95: 471-8. 8. Abrahamsson TR, Sinkiewicz G, Jakobsson T, Fredrikson M, Bjorkstén B. Probiotic Lactobacilli in breast milk and infant stool in relation to oral intake during the rst year of life. J Ped Gastroenterol Nutr 2009; 49(3): 349-54. 9. Martin R, Heilig GH, Zoetendal EG, Smidt H, Rodriguez JM. 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Fermented goats’ milk produced with selected multiple starters as a potencially functional food. Food Microbiology 2009; 26: 569-4. 14. Salminen S, Bouley C, Boutron-Ruault MC, Cummings JH, Franck A, Gibson GR, et al. Functional food science and gastrointestinal physiology and function. Br J Nutr 1998; 80:S147-71. __________ 1 Serviço de Pediatria, H Maria Pia / CHP artigo recomendado recommended article 37 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 Longitudinal Pathways Linking Child Maltreatment, Emotion Regulation, Peer Relations, and Psychopathology Kim Jungmeen, Cicchetti Dante In Journal of Child Psychology and Psychiatry. 2010; 51 (6): 706-16 Background: The aim of this study was to investigate longitudinal relations among child maltreatment, emotion regulation, peer acceptance and rejection, and psychopathology. Methods: Data were collected on 215 maltreated and 206 nonmaltreated children (ages 6-12 years) from low-income families. Children were evaluated by camp counselors on emotion regulation and internalizing and externalizing symptomatology and were nominated by peers for peer acceptance and rejection. Results: Structural equation modeling analyses revealed that experiencing neglect, physical and/or sexual abuse, multiple maltreatment subtypes, and earlier onset of maltreatment were related to emotion dysregulation. Lower emotion Acerca da importância da regulação emocional na relação com os pares na origem de psicopatologia em crianças vítimas de maus-tratos. COMENTÁRIOS A regulação emocional tem sido considerada como um conceito fundamental na compreensão da psicopatologia infantil e em adultos. Esta pode ser considerada como a capacidade da pessoa modular o seu estado emocional de forma a atingir um bom nível de actuação com o ambiente. Como exemplo, uma pessoa perante uma situação ameaçadora deve conseguir uma regulação adequada dos seus níveis de medo, para conseguir avaliar, pensar e decidir como actuar nessa situação. Esta competência é adquirida na infância, quando as crianças perante estímulos do meio ambiente, começam a experimentar as emoções mais básicas como medo, raiva ou alegria, e aprendem as pistas faciais associadas; depois, a cada expressão facial irá ligar-se uma palavra que exprimirá essa emoção (Machado Vaz, citando Widen & Russell)(1). Através deste processo, a criança irá adquirindo uma maior capacidade de perceber o seu estado emocional e o dos outros, de forma a poder reagir de forma mais adaptativa: decidir parar de falar quando, na sala de aula percebe pela expressão da professora que esta está aborrecida, ou quando avalia como amistoso e não como uma provocação um cumprimento 38 artigo recomendado recommended article regulation (Time 1) was associated with higher externalizing symptomatology (Time 1) that contributed to later peer rejection (Time 2), which in turn was related to higher externalizing symptomatology (Time 2). Conversely, higher emotion regulation was predictive of higher peer acceptance over time, which was related to lower internalizing symptomatology controlling for initial levels of symptomatology. Conclusions: The ndings emphasize the important role of emotion regulation as a risk or a protective mechanism in the link between earlier child maltreatment and later psychopathology through its inuences on peer relations. Keywords: Emotion regulation, maltreatment, peer relations, psychopatology. pelo sorriso que lhe é dirigido por um colega. Cuidadores sensíveis e disponíveis, que estabelecem uma vinculação segura com a criança, são ecientes a ajudar a criança nesta aprendizagem de regular as suas emoções na relação com o ambiente. Perante a dor, a frustração ou o desconforto do bebé, os pais saudáveis são capazes de apaziguar e acalmar, ajudando-o a experimentar um estado emocional melhor tolerado. A regulação emocional é um processo que nos primeiros quatro anos é muito inuenciada pelos comportamentos dos cuidadores. Quando uma criança é sujeita a maus-tratos, todo este processo é comprometido, pela ausência de interacções sensíveis que respondam adequadamente às necessidades da criança. Por exemplo, uma criança pequena que nas suas explorações do ambiente se assusta perante um estímulo estranho e começa a chorar, poderá receber da parte de uma mãe negligente uma reacção de indiferença perante esse estado de alarme, ou uma reacção punitiva ao comportamento de autonomia, da parte de uma mãe que avalia o choro como irritante e perturbador. As famílias em que existem maus-tratos são, deste modo, pouco capazes de apoiar e proteger quando as crianças estão perturbadas, perdendo a oportunidade de aprender estratégias para lidar com os seus estados emocionais. Assim, irão ter maior diculdade na regulação emocional, que se pensa estar intimamente ligada com a maior ocorrência de psicopatologia: quadros internalizadores como ansiedade e depressão e quadros externalizadores como problemas de atenção, hiperactividade, oposição e outros problemas de conduta. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 O que este trabalho pretende analisar é o papel da regulação emocional na origem da psicopatologia em crianças de 6-12 anos, sujeitas a maus-tratos, focalizando-se nos efeitos mediadores das relações com os pares. Sabe-se que as crianças com uma boa regulação emocional possuem um leque de respostas variadas e socialmente aceitáveis, enquanto que aquelas que não a possuem, apresentam uma reactividade emocional excessiva ou decitária, fraca empatia ou reacções afectivas inadequadas ao contexto. Nestas, as reacções de agressividade e comportamentos disruptivos são frequentes nas suas interacções(2). O estudo abrangeu 215 crianças vítimas de maus-tratos que foram avaliadas com vários instrumentos de medida em dois momentos, durante um período consecutivo de dois anos. Os resultados apontam que os maus-tratos – particularmente a negligência, o abuso físico e/ou sexual e um início precoce – se associam a má regulação emocional, que contribui de forma directa para sintomatologia internalizadora e externalizadora e de forma indirecta através das relações negativas com os pares. Curiosamente, o abuso emocional, que neste estudo dizia respeito sobretudo a frustração persistente ou grave das necessidades emocionais das crianças, como segurança psicológica e aceitação, não se associava a problemas signicativos na regulação emocional. Estas crianças, quando comparadas com o grupo de controlo, apresentavam antes problemas no desenvolvimento da sua auto-estima, sendo um factor de risco preditivo para o desenvolvimento de depressão. As crianças que mostravam melhor regulação emocional e que dispunham de comportamentos afectivos adequados, eram melhor aceites pelos pares, e tinham menos probabilidade de sofrer de sintomatologia internalizadora mais tarde, constituindo-se com um factor protector. Esta regulação emocional adaptativa, permite à criança mais facilmente estabelecer relações positivas com os outros, ao fomentar qualidades sociais, como a empatia e ter em conta outras perspectivas. Nas que manifestavam uma desregulação emocional, isto tornava-se um factor de risco para o desenvolvimento de sintomatologia externalizadora e rejeição pelos pares, já que são crianças que manifestam frequentes comportamentos agressivos e disruptivos nas suas interacções sociais. Assim, na intervenção com crianças vítimas de maus-tratos, há que ter em conta a relevância da aprendizagem de estratégias de regulação emocional e à sua aplicação na relação com os pares. Maria do Carmo Santos1 Nascer e Crescer 2011; 20(1): 38-39 BIBLIOGRAFIA 1. Vaz, F. Diferenciação e regulação emocional na idade adulta: tradução e validação de dois instrumentos de avaliação para a população portuguesa. Dissertação de mestrado em Psicologia apresentada ao Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho. Disponível em: www: http://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/9898. 2. Shields A, Ryan RM, Cicchetti D. Narrative Representations of Caregivers and Emotion Dysregulation as Predictors of Maltreated Children’s Rejection by Peers. Developmental Psychology 2001; 37(3): 321-7. __________ 1 Departamento de Pedopsiquiatria do Hospital Maria Pia / CHPorto artigo recomendado recommended article 39 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 Privacidade e sigilo em deontologia prossional: uma perspectiva no cuidar pediátrico Soa Raquel Teixeira Nunes1 RESUMO A Deontologia Prossional reecte um conjunto de deveres inerentes ao exercício das prossões de saúde. Prossões organizadas e regulamentadas possuem um código que as orienta no percurso das suas práticas prossionais. A Deontologia garante um bom exercício prossional e, sendo assim, a Deontologia e a Bioética permanecem juntas pois não se podem dissociar tendo em conta o mais elevado potencial prossional. O sigilo prossional e o dever de privacidade são extremamente importantes e são requisitos essenciais na conduta dos prossionais de saúde, principalmente em contexto pediátrico. É absolutamente indiscutível o valor que a criança foi conquistando ao longo destas últimas décadas. A criança tem características muito especiais e, por vezes, torna-se complicado armar a sua autonomia. Cuidar de uma criança, nas diversas fases do seu desenvolvimento, é um desao para os prossionais de saúde pois requer um esforço constante e respeito por todo o contexto familiar. A criança não pode ser desagregada da sua família em âmbito hospitalar, por isso é importante acolher a família e colocá-la a par dos tratamentos e intervenções. A comunicação pode ser uma importante ferramenta de trabalho onde os valores sociais e éticos poderão ser enaltecidos. A condencialidade e a privacidade devem ser valores a manter na conduta prossional de acordo com a competência, respeitando a criança e a família. Palavras-chave: Ética Prossional; Bioética; Autonomia Pessoal; Condencialidade; Privacidade; Cuidado da Criança. Nascer e Crescer 2011; 20(1): 40-44 INTRODUÇÃO Quando se pensa nos valores circundantes à criança, rapidamente se consegue percepcionar o porquê de serem seres tão frágeis e vulneráveis quando estão doentes ou mesmo em contexto de saúde de rotina. Hoje é o dia em que prossionais de saúde continuam a sentir alguma insegurança e renitência no que diz respeito à prestação de cuidados de saúde em contexto pediátrico, quer pela complexidade da criança quer pela família. Quando hospitalizada, uma criança congura um enor__________ 1 Mestre em Bioética e Doutoranda em Biomedicina pela FMUP Bolseira Fundação para a Ciência e Tecnologia 40 perspectivas actuais em bioética current perspectives in bioethics me desao aos prossionais de saúde e à família: inicialmente, família e criança encontram-se completamente desenquadradas da sua normalidade e rotina, sendo que terão de se adaptar à nova situação para rapidamente poderem restabelecer as suas actividades normais. Ainda que de uma outra forma, os prossionais de saúde têm de se adaptar igualmente a todo o contexto envolvente àquela criança em particular. Uma criança hospitalizada em cuidados intensivos, ainda que sedada e portanto inconsciente, é um repto permanente para os cuidadores e família, pois existe uma necessidade de protecção máxima no que concerne esta dinâmica. Mas igualmente complexa é a situação em que a criança é submetida a exames complementares de diagnóstico ou intervenções invasivas em que tem de ser sedada programadamente. Nesse contexto, a criança não poderá exercer a sua autonomia (ainda que esta autonomia seja limitada pela maturidade da criança) e a sua privacidade será afectada. No âmbito da ética pediátrica, a privacidade pode ser um problema, quer para a criança, quer para a família (1). Para além de toda esta dinâmica, conitos diversos poderão ser levantados na relação familiar e em todo o contexto da prestação de cuidados (2). Sendo assim, todo este trabalho será uma reexão no que diz respeito à criança hospitalizada tendo em conta a necessidade de privacidade, condencialidade e sigilo, para além de se abordar a importância da comunicação e da gestão da família. Questões como a autonomia nesta fase de desenvolvimento serão também exploradas. A CRIANÇA E A FAMÍLIA EM CONTEXTO HOSPITALAR Ao longo dos tempos, a criança teve vários signicados em diversas culturas, e actualmente na nossa sociedade a criança é caracterizada como um ser individual e não como um adulto pequeno ou como uma dependência dos pais. Desta forma, a criança é revestida de vulnerabilidades, fragilidades e até alguma dependência. Devido a estas características as crianças tornam-se inaptas para praticarem a sua autonomia e incompetentes para uso da sua plena liberdade, dependendo do seu estádio de desenvolvimento. A relação entre pais e lhos signica, entre outros conceitos, amor e disponibilidade e portanto a relação de poder subjacente há umas décadas atrás está ultrapassada, dando então abertura a uma relação de acompanhamento e ajuda (3). Tal como já referido, a criança em contexto hospitalar transgura um enorme desao, principalmente porque coloca a sensibilidade e competência dos prossionais de saúde à prova. Num hospital existe uma necessidade frequente de submeter crianças a inter- NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 venções invasivas como por exemplo as cardíacas (cateterismo cardíaco, estudo hemodinâmico para diagnóstico de doenças cardíacas várias, etc.), e neste caso existe a necessidade de sedar a criança. Reduzir a ansiedade e a dor, diminuir as necessidades de oxigénio, diminuir o esforço respiratório, controlar a via aérea, melhorar a tolerância do doente para procedimentos e permitir melhor monitorização invasiva, são alguns dos propósitos para sedar uma criança. Realça-se ainda que nenhuma instituição hospitalar é o ambiente familiar que a criança conhece, pelo que esta necessidade de sedar é uma prática frequente. Normalmente, quanto menor é a idade da criança menor a sua capacidade cognitiva e maior a sua necessidade de sedação para determinado procedimento (4,5). Se bem que todos estes factores são preponderantes para o sucesso da intervenção, o impacto a nível da própria criança por desconhecimento das actividades é enorme e, assim sendo, a família não deverá ser deixada de parte. Dentro das suas possibilidades, a família deverá acompanhar acriança em todo o percurso interventivo. Desaos éticos como promover os melhores interesses da criança, preservar a gestão da “aliança” terapêutica entre prossionais e pais /cuidadores, proteger a privacidade e condencialidade da criança e da família, equilibrar o papel de prestador de cuidados de saúde e de cidadão, embora com autoridade prossional adequada, são reptos a conquistar diariamente (6). Será fácil de perceber que, num serviço onde se cruzam crianças e familiares para exames complementares diagnósticos, intervenções e mesmo internamentos, para além de todos os prossionais de saúde implícitos forma-se uma linha muito ténue no que diz respeito à preservação da privacidade e condencialidade (em relação à criança e família), e ainda às boas práticas e excelência do exercício prossional. A PRIVACIDADE E A CONFIDENCIALIDADE As crianças têm o direito de assumir que os prossionais vão comunicar com elas e suas famílias honestamente, que ninguém lhes fará mal e que irão ser bem tratados, de acordo com a sua autonomia e privacidade (1). A privacidade é um conceito multidimensional, pois através dos seus signicados conseguem-se entender determinadas realidades. Assim sendo, a privacidade poderá ter três diferentes signicados: privacidade física, privacidade de informação e privacidade familiar. Independentemente de qualquer um destes signicados, conceitos como respeito, conança, condencialidade, veracidade, dignidade, humanidade, direitos e autonomia deverão ser valorizados e associados à privacidade (2). A privacidade física dirá respeito à necessidade de proteger uma pessoa de modo a evitar constrangimentos sobre o seu corpo, revelando mais respeito aquando a realização de procedimentos invasivos em contexto hospitalar (por exemplo). De acordo com este signicado deve-se associar de imediato o conceito de dignidade. A privacidade de informação refere-se à importância da condencialidade, isto é, possíveis conitos entre privacidade das crianças e jovens e seus pais, ou mesmo entre prossionais de saúde (o controlo da informação poderá ser visto como um exercício do poder) (2). Relembre-se que condenciali- dade pressupõe sigilo e que esta será uma realidade a levar em conta dentro da deontologia prossional (7). Em investigação, por exemplo, existem muitas informações disponíveis como o estado físico, a saúde, as redes sociais das pessoas, e mesmo os pensamentos e sentimentos. Na recolha de informações biológicas e/ ou comportamentais é extremamente importante manter a condencialidade do indivíduo, principalmente quando os indivíduos estudados são crianças (1). A informatização de dados que se demonstra tão simples e por vezes de tão fácil acesso é uma das questões que não se poderá descurar. Para além disso, nas publicações cientícas a questão da publicação de fotos deverá ser acautelada, pois nunca poderão ser reveladas identidades se não se obtiver o consentimento respectivo (7). A privacidade familiar está directamente ligada aos direitos da família. Desta forma, em pediatria, a criança ou jovem deverão ser percepcionados como indivíduos e não como “adjuvantes” dos pais (2). Diferentes culturas e signicados poderão alterar também o signicado de privacidade e o modo como familiares e prossionais os percepcionam. O dever de respeitar a condencialidade numa relação prossional de saúde gira em torno do princípio do respeito e da autonomia do paciente. Será uma relação isenta e transparente onde existe uma preocupação constante em privilegiar a verdade. Em pediatria, o respeito pela condencialidade pode entrar em conito com o dever de promover o bem-estar da criança pois a tutela/guarda e a paternidade, poderão não ser funções coincidentes (por exemplo, em casos de maus tratos) (6) . As crianças e os jovens têm um carácter especial no que diz respeito ao seu estádio de desenvolvimento e à sua independência e, principalmente os jovens, têm o direito de conhecer a verdade e encontrar respostas para as perguntas iminentes nas suas vidas. O princípio do respeito passa pelo dever de respeitar os direitos, a autonomia e a dignidade das pessoas, articulado ainda com o dever de promover o bem-estar e o dever de cumprir a veracidade, a honestidade e a sinceridade (2). A autonomia surge neste contexto como sinónimo de procura de bem-estar individual e social. Idealmente, educar uma criança não se trata somente de a alimentar e esperar que ela cresça. Trata-se também de a educar (no sentido lato do conceito), prepará-la para a liberdade e para a autonomia. A relação entre o prossional de saúde e a criança deve ser repleta de respeito pela dignidade e liberdade se bem que, para além da criança, tem de se atender ao facto de se laborar também com a família. Através da comunicação pode-se estabelecer uma relação de proximidade em que se podem conhecer na totalidade os elementos presentes. Na abordagem à criança existem dois aspectos importantes a considerar: o primeiro diz respeito ao acolhimento dos pais e criança e o segundo refere-se à participação dos pais em actos de intervenção (promoção da humanização) (3). O Alto Comissariado da Saúde (ACS) em 2010 forneceu um modelo e ferramenta de auto-avaliação de desempenho sobre os direitos da criança hospitalizada, a respeito da importância da protecção dos direitos das crianças nos hospitais e nos serviços de saúde (8). Sendo assim, todas estas unidades devem garantir perspectivas actuais em bioética current perspectives in bioethics 41 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 o direito ao acesso de todas as crianças sem discriminação e os prossionais de saúde devem explicar à criança o seu estado de saúde, de modo adequado à sua idade, maturidade e nível de compreensão. Ainda segundo o ACS, a criança tem o direito a expressar a sua opinião e as suas preferências no tratamento, e devem ser respeitadas na sua privacidade e condencialidade. Para além disto, os hospitais e serviços de saúde devem ter espaços adequados a todas as crianças e proporcionar-lhes actividades educativas e de lazer, sempre que possível (respeitando a situação clínica em causa). Existe uma necessidade crescente na gestão da situação clínica da criança e, por esta razão, a nalidade máxima é a implementação de medidas e acções que garantam os direitos das crianças nos serviços de saúde (7). A maturidade e a idade condicionam a verdade possível de compreender e de ouvir, mas a criança tem direito a saber o seu diagnóstico e o tratamento prestado. De qualquer forma, é importante relembrar que tanto se tem o direito de saber a verdade como o de não querer saber nada (7). Uma correcta comunicação poderá ser uma ferramenta extremamente importante em toda esta dinâmica. Se por um lado a comunicação facilita a relação entre as pessoas (criança, família, prossionais de saúde), por outro lado ela poderá ser um meio de partilha e compreensão (9). QUESTÕES DE DEONTOLOGIA EM CUIDADOS PEDIÁTRICOS Os prossionais de saúde devem conhecer as suas responsabilidades legais (de acordo com os códigos deontológicos) para proteger a privacidade das informações de saúde das pessoas. Os registos têm actualmente padrões de privacidade mas, devido à evolução ao nível da informação, podem haver falhas, principalmente através das vias electrónicas. Estratégias de segurança adequadas para impedir o acesso não autorizado e uso inapropriado de dados do doente são necessários e essenciais. Compreender e respeitar a legislação que vise a condencialidade, assim como armazenar e permitir a acessibilidade a outros prossionais às informações clínicas é fundamental. Não se deve descurar o direito que os doentes e a família têm ao acesso dos registos clínicos, como se referirá adiante (10). Para os respectivos casos omissos não se poderá esquecer o artigo 8.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem que refere: “Toda a pessoa tem direito a recurso efectivo para as jurisdições nacionais competentes contra os actos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei” (11). O artigo 12.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, no âmbito da privacidade e à defesa desta, refere ainda que “ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família (…)” e “contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito à protecção da lei” (12). Também o Artigo 17.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos refere que “ninguém será objecto de intervenções arbitrárias ou ilegais na sua vida privada, na sua família” e “toda e qualquer pessoa tem direito à protecção da lei contra tais intervenções ou tais atentados” (13). A Constituição da República Portuguesa (CRP) no seu artigo 26.º refere ainda que “(…) a lei estabelecerá garantias efectivas contra a utilização abusiva, ou contrária à dignidade huma- 42 perspectivas actuais em bioética current perspectives in bioethics na, de informações relativas às pessoas e famílias” e “(…) a lei garantirá a dignidade pessoal (…) (14). A obrigação do segredo ou sigilo abrange não só as condências mas também os factos decorrentes do exercício prossional. Trata-se, pois, de uma relação de conança a uma acção terapêutica rigorosa e coerente. O Juramento de Hipócrates é uma referência da Deontologia Médica, onde deveres como não fazer mal ou não causar dano, conservar a arte e o segredo são premissas essenciais (15,16). Actualmente, o Artigo 39.º do Código Deontológico da Ordem dos Médicos refere-se ao dever de respeito, onde “o médico tem o direito de exigir condições para a prática médica que permitam o cumprimento” deste dever. Sendo assim, dever-se-á ter em conta a idade, o sexo, as convicções, e a vulnerabilidade da pessoa. No artigo 44.º (esclarecimento do médico ao doente) é referido que “o doente tem o direito a receber (…) esclarecimento sobre o diagnóstico, terapêutica e prognóstico”. O esclarecimento deve ser prestado com palavras adequadas, devendo ter em conta o seu estado emocional, a capacidade cultural e o nível de compreensão. O capítulo XI (concretamente os artigos 85.º e 86.º) é referente ao segredo médico e caracteriza-se como “uma condição essencial ao relacionamento médico-doente”, para além de mencionar ainda que o “interesse moral, social, prossional e ético” são essenciais (17). Também o Juramento de Nightingale resume a Deontologia dos Enfermeiros com o seu compromisso com as pessoas e comunidade, em losoa de dedicação permanente e usando sigilo em todas as situações (18). Neste caso, o Código Deontológico dos Enfermeiros é também peremptório no que concerne ao sigilo (artigo 85.º). “Considerar condencial toda a informação acerca do destinatário de cuidados e família” é fulcral, mas o dever de “partilhar a informação pertinente só com aqueles que estão implicados no plano terapêutico” é igualmente importante (19). A revelação do segredo prossional é permitida quando é imposta pela lei, quando é autorizada pelo interessado (depois de esclarecido) e quando é pedida pelos representantes legais de um menor ou de um incapaz no próprio interesse destes últimos. O Artigo 80.º do Código Civil (“Direito à reserva sobre a intimidade da vida privada”) refere que “todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem, e a extensão da reserva é denida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas” (20). O respeito pela vida privada da criança e família pressupõe e contempla direitos como aceder ao processo clínico, e solicitar a correcção ou dados que lhes digam respeito. Este direito implica ainda o dever dos prossionais de manter o respeito pela intimidade da pessoa “alvo” de cuidados de saúde, incluindo no arquivo e transmissão de informação. Relativamente a esta última questão, a CRP no seu artigo 35.º - n.º 1, ressalta o “direito de acesso aos dados informatizados que lhe digam respeito”, mas no n.º 3 do mesmo artigo destaca que “a informática não pode ser utilizada para tratamento de dados referentes a (…) vida privada”. Ainda a Lei de Protecção de Dados Pessoais estabelece que o tratamento de dados deverá ser realizado de acordo com a privacidade, e de forma exemplar para a segurança da pessoa (21). NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 A Ordem dos Enfermeiros, de acordo com o previsto na alínea c) do artigo 85.º do estatuto da Ordem dos Enfermeiros (aprovado pelo Decreto de Lei n.º 104/98 de 21 de Abril e alterado e republicado pela lei n.º 111/2009 de 16 de Setembro) regulamenta o aconselhamento ético e deontológico no âmbito do dever de sigilo, onde anuncia a importância de “respeitar e proteger o direito das pessoas à reserva da intimidade da vida privada”, e ainda “à condencialidade dos dados pessoais”. Este documento também salienta a essência em promover a conança das pessoas relativamente aos prossionais de saúde (22). CONSIDERAÇÕES FINAIS Em serviços hospitalares tais como Unidades de Cuidados Intensivos os prossionais vêm-se muitas vezes confrontados com problemas relacionados com o direito à privacidade da criança e da família. Para se exercerem cuidados de qualidade é necessário assegurar a dignidade da pessoa a cuidar e da sua família ou entes queridos (23). Esta realidade não é única neste tipo de serviços, pois em contexto hospitalar a fragilidade de uma criança sobressai facilmente. Em qualquer local onde existam prossionais de saúde, familiares e crianças doentes, ou mesmo em âmbito diagnóstico, é fundamental exercer a prossão dentro da deontologia subjacente e com a ponderação devida de cidadania. Tal como evidenciado nesta exposição, o sigilo ou segredo prossional surge como o respeito devido ao direito da privacidade das pessoas (23). É essencial manter a privacidade em todas as suas diversidades assim como manter condencial qualquer dado subjacente à vida das pessoas e aos tratamentos prestados. Por este motivo, os prossionais confrontam-se frequentemente com questões éticas, deontológicas e até de justiça civil. A comunicação é um elo importante em toda esta dinâmica, pois só através do esforço de todas as partes se conseguirão prestar verdadeiros cuidados de qualidade. Esta qualidade será avaliada pelo grau de satisfação da criança e familiares, e ainda pela excelência com que se executam estes cuidados. Em suma, qualquer contexto de prestação de cuidados de saúde poderá ser um local preenchido de contingências relativamente a problemas ético-deontológicos. No entanto, a maturidade e competência dos prossionais de saúde será extremamente importante para a perfeita condução no plano de cuidados delineados para a criança e família em particular, já que uma e outra não se podem dissociar. PRIVACY AND SECRECY IN PROFESSIONAL DEONTOLOGY: A PERSPECTIVE IN PAEDIATRIC CARE ABSTRACT Professional Deontology reects a set of duties involved in the exercise of health professions. Organized and regulated professions have a code that directs the course of their professional practices. Deontology provides a good professional exercise, and thus, Deontology and Bioethics remain linked since they can- not be dissociated, taking into account the highest professional potential. The professional secrecy and the duty of privacy are extremely important and they are essential requirements for the behavior of health professionals, particularly in a pediatric context. It is absolutely unquestionable the value that the child has gained over the last few decades. The child has many special features and sometimes it becomes difcult to assert their autonomy. Caring for a child during the several stages of its development, is a challenge for health professionals because it requires constant effort and respect for all family context. The child cannot be separated from his family in a hospital context, so it is important to accept the family and inform its members about the treatments and interventions. Communication may be an important working tool , where social and ethic values could be praised. Condentiality and privacy should be respected values in maintaining a professional conduct in accordance with competence, while respecting the child and family. Keywords: Ethics, Professional; Bioethics; Personal Autonomy; Condentiality; Privacy; Child care. Nascer e Crescer 2011; 20(1): 40-44 BIBLIOGRAFIA 1. Fisher CB. Privacy and ethics in pediatric environmental health research-part I: genetic and prenatal testing. Environ Health Perspect 2006; 114(10):1617-21. 2. Charles-Edwards I, Brotchie J. Privacy: what does it mean for children’s nurses? Paediatr Nurs 2005; 17(5):38-43. 3. Pedro JG. O que é ser criança? Da genética ao comportamento in Novos Desaos à Bioética. Porto: Porto Editora, 2001: 205-14. 4. Landers C, Coule L. The use of analgesics, sedative medications, and muscle relaxants in children. 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Apresenta-se o caso clínico de um recém-nascido que iniciou diculdade respiratória com gemido e necessidade de oxigénio suplementar aos quinze minutos de vida. Foi transferido para a Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais por insuciência respiratória com hipóxia aguda e instalação de hipertensão pulmonar. Iniciou ventilação mecânica e terapêutica com prostaglandina E1. A radiograa do tórax mostrou sinais sugestivos de edema pulmonar. O ecocardiograma revelou DVPAT para a veia cava superior com obstrução grave. Foi transferido com carácter de emergência para Centro especializado em cirurgia cardíaca neonatal, onde foi submetido a correcção cirúrgica nas primeiras 24 horas de vida. Actualmente, com doze meses, é uma criança saudável com crescimento e desenvolvimento adequados. A DVPAT obstrutiva é uma das raras verdadeiras emergências cirúrgicas cardíacas, salientando-se a importância da sua suspeição clínica perante um RN com cianose precoce refractária associada a sinais de insuciência cardíaca de baixo débito e hipertensão pulmonar. Palavras-chave: recém-nascido, insuciência respiratória, cianose, cardiopatia congénita, cirurgia cardíaca. pulmonar à região sino-auricular do coração, é normalmente incorporada na parede da aurícula esquerda quando as conexões venosas pulmonares-esplâncnicas desaparecem(3). A ausência da correcta união da veia pulmonar comum à aurícula esquerda origina padrões anatómicos de drenagem venosa pulmonar heterogéneos, uma vez que as conexões venosas esplâncnicas persistentes podem ocorrer em qualquer ponto do sistema umbilico-vitelino ou cardinal central(4). Podem existir, portanto, diversas variações anatómicas e a classicação da DVPAT(3,5) relaciona-se com o local de ligação das veias pulmonares, podendo ser supracardíaca (à veia inominada, veia cava superior ou veia ázigos) em 49% dos casos (Figura 1), infracardíaca (à veia porta, ductus venoso ou veia hepática) em 18%, cardíaca (à aurícula direita ou seio coronário) em 25%, ou mista em 8%. Nascer e Crescer 2011; 20(1): 45-48 INTRODUÇÃO A drenagem venosa pulmonar anómala total (DVPAT) é uma cardiopatia congénita rara, com uma incidência de 0,06-0,08:1000 nados-vivos(1), representando apenas 2% das doenças cardíacas congénitas(2). Caracteriza-se pela ausência da normal conexão das veias pulmonares à aurícula esquerda, com drenagem anómala do sangue venoso pulmonar para a circulação cardíaca direita. Tem origem numa anomalia do desenvolvimento embrionário pulmonar. A veia pulmonar comum, que liga o plexo venoso __________ 1 2 3 Unid. Cuidados Intensivos Neonatais, MJDinis, CHPorto S. Cardiologia Pediátrica, HSJoão S. Cardiologia e Cirurgia Pediátrica, HCruz Vermelha Portuguesa Figura 1 – Drenagem venosa pulmonar anómala total (DVPAT) supracardíaca na veia cava superior. a cardiologia pediátrica na prática clínica paediatric cardiology in clinical practice 45 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 O espectro anatómico da DVPAT, nomeadamente a presença de obstrução e a sua gravidade, vai condicionar o quadro siopatológico e as manifestações clínicas após o nascimento. Uma vez que todo o retorno venoso pulmonar é reencaminhado para a aurícula direita, é necessária a existência de uma comunicação interauricular com shunt ” direito-esquerdo para a manutenção do débito sistémico. A pressão arterial pulmonar poderá ser superior à sistémica na obstrução grave e o ductus arteriosus apresentará shunt direito-esquerdo, sem o habitual diferencial pós-ductal. A obstrução grave é mais frequente na DVPAT infracardíaca, podendo ocorrer também nos canais venosos pulmonares turtuosos das conexões supracardíacas(3). Quanto maior a gravidade da obstrução, mais precoce o aparecimento dos sintomas, apresentando o recém-nascido, logo após o nascimento, taquipneia, “gasping”, tiragem, cianose e hepatomegalia. Por vezes pode não haver sopro cardíaco audível, mas apenas reforço do segundo som. A radiograa de tórax evidencia edema pulmonar e, por vezes, cardiomegalia. O ecocardiograma permite fazer o diagnóstico anatómico. A obstrução da DVPAT é um factor preditivo de mau prognóstico, com evolução rapidamente fatal, na ausência de tratamento cirúrgico emergente. Na história natural da doença, 50% dos doentes morrem nos primeiros três meses de vida na ausência de correcção cirúrgica e 80% no nal do primeiro ano(6). Os autores apresentam um caso de DVPAT obstrutiva diagnosticada por ecocardiograa nas primeiras horas de vida, com necessidade de correcção cirúrgica urgente. CASO CLÍNICO Recém-nascido (RN) do sexo masculino, segundo lho de casal jovem não-consanguíneo, fruto de uma gravidez vigiada, com serologias do primeiro, segundo e terceiro trimestres negativas. Realizou três ecograas fetais às 11, 23 e 36 semanas de idade gestacional, sem alterações. A pesquisa de Streptococcus do grupo B revelou-se negativa. O parto foi eutócico, às 39 semanas, com ruptura de bolsa de águas peri-parto. O índice de Apgar foi de 8/10/10 ao 1º, 5º e 10º minutos de vida, respectivamente. O exame físico evidenciou um RN sem dismoras aparentes, com fractura da clavícula direita e antropometria adequada à idade gestacional Aos quinze minutos de vida iniciou quadro de diculdade respiratória, gemido e cianose, com necessidade crescente de oxigénio suplementar (12 L/min à face, Sat.O2-70%). A auscultação cardíaca revelava um segundo som aumentado, sem sopros audíveis; não se detectaram ruídos adventícios na auscultação pulmonar. Os pulsos eram palpáveis mas globalmente diminuídos, sem gradiente tensional. Foi transferido para a Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais (UCIN) por insuciência respiratória hipóxica aguda, tendo iniciado ventilação mecânica (VM), antibioticoterapia (ampicilina e gentamicina) e prostaglandina E1. Entre a primeira e a segunda hora de vida foi realizado estudo analítico, que revelou leucocitose e neutrolia (31,1x109 leucócitos com 72% de neutrólos) e PCR negativa. A gasimetria arterial (FiO2 a 100%) mostrava hipóxia grave e acidose respi- 46 a cardiologia pediátrica na prática clínica paediatric cardiology in clinical practice ratória moderada (pH 7,24; pCO2 63,2mmHg; pO2 17,1mmHg; HCO3 26,2 mmol/L; ABE -2,6); o índice de oxigenação era de 64. A radiograa de tórax mostrou um inltrado difuso compatível com congestão pulmonar (Figura 2), sem cardiomegalia. Às quatro horas de vida fez ecocardiograma que evidenciou predomínio das cavidades direitas, sinais indirectos de hipertensão pulmonar (HTP), foramen ovale patente com shunt direito-esquerdo, patência de canal arterial, não se visualizando a entrada das veias pulmonares na aurícula esquerda (Figura 3). Perante a suspeita de DVPAT iniciou inotrópicos, morna e furosemida. Com seis horas de vida, foi observado pelo Cardiologista Pediátrico que conrmou o diagnóstico de DVPAT supracardíaca com obstáculo grave na drenagem na veia cava superior. Foi transferido às 13 horas de vida com carácter de emergência para Centro especializado em cirurgia cardíaca neonatal, em estado crítico, com VM agressiva, sedação, suporte inotrópico e furosemida. Manteve cianose refractária com saturação de O2 de 50% e acidose mista grave (pH- 6,9). Realizou correcção cirúrgica às 20 horas de vida, que decorreu sem intercorrências. No pós-operatório vericou-se disfunção ventricular com baixo débito, secundária à acidose metabólica grave. Recuperou a função ventricular cerca de 36 horas depois, após correcção electrolítica. Necessitou de diálise peritoneal durante 48 horas por insuciência renal aguda pré-renal e manteve VM, suporte inotrópico e antibioticoterapia (vancomicina e gentamicina) até ao sexto dia de internamento. Teve alta clinicamente estável ao décimo dia de vida, medicado com furosemida e espironolactona. Actualmente, com doze meses, é uma criança saudável com crescimento e desenvolvimento adequados. Figura 2 – Radiograa de tórax: inltrado difuso compatível com congestão pulmonar sem cardiomegalia. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 DISCUSSÃO Perante a instalação precoce de insuciência respiratória hipóxica aguda num RN logo após o nascimento devemos ter em consideração dois grandes grupos de etiologias possíveis, as causas cardíacas e não-cardíacas de cianose(7,8). Dentro das causas não-cardíacas, as doenças pulmonares são as mais comuns (alterações estruturais congénitas do pulmão, alteração da perfusão-ventilação, obstrução da via aérea, pneumotórax, hipoventilação), podendo também dever-se a doenças infecciosas (sépsis, meningite), a doenças do sistema nervoso central (hemorragia cerebral ou doenças neuromusculares), a HTP com shunt direito-esquerdo através do canal arterial ou secundária a outras patologias como hérnia diafragmática congénita, metemoglobinemia, policitemia, hipotermia ou hipoglicemia. No que respeita às causas cardíacas, são de considerar as cardiopatias congénitas cianóticas conhecidas como os cinco T’s (transposição dos grandes vasos, DVPAT, atrésia tricúspide, tetralogia de Fallot e truncus arteriosus), assim como formas de dupla saída do ventrículo direito, a atrésia pulmonar e o síndrome do coração esquerdo hipoplásico. No caso clínico apresentado, o RN não tinha antecedentes pré-natais ou peri-parto de relevo. Ao exame físico, os achados mais relevantes eram a cianose e o gemido, sem sopro cardíaco nem assimetrias ou ruídos adventícios na auscultação pulmonar, sugestivos de defeitos congénitos estruturais. Perante o agravamento progressivo da insuciência respiratória e da cianose, refractárias à terapêutica instituída (ventilação mecânica e oxigénio suplementar), iniciou prostaglandina E1, sem melhoria clínica aparente. Por suspeita de doença infecciosa foi instituída antibioticoterapia empírica com ampicilina e gentamicina. As alterações analíticas não eram sucientemente sugestivas de etiologia infecciosa, com leucocitose e neutrolia, mas PCR negativa. A radiograa torácica permitiu a conrmação da ausência de alterações estruturais pulmonares, revelando a existência de edema pulmonar. A ecocardiograa precoce foi a chave do diagnóstico deste caso clínico, constituindo a ferramenta diagnóstica de eleição para as cardiopatias congénitas. O ecocardiograma permite fazer o diagnóstico de certeza, através da identicação de sinais directos e indirectos de DVPAT(1,9). Os sinais indirectos são: dilatação da aurícula direita, do ventrículo direito e da artéria pulmonar; presença de aurícula esquerda pequena, dilatação de veia cava superior; elevação da pressão da artéria pulmonar em caso de obstrução; shunt direito-esquerdo através do foramen ovale ou de uma comunicação inter-auricular; achatamento do septo interventricular com movimento paradoxal. Os sinais directos são: ausência de visualização da entrada na aurícula esquerda das veias pulmonares (de notar que as inferiores são dicilmente visualizadas mesmo num coração estruturalmente normal); visualização da conuência venosa pulmonar comum atrás da aurícula esquerda e do seu trajecto de drenagem para a veia cava superior ou veia inominada, no caso de DVPAT supracardíaca. Os sinais indirectos da DVPAT também se podem observar na HTP e apenas a visualização de pelo menos uma veia pulmonar na aurícula esquerda permite excluir DVPAT. Actualmente o diagnóstico pré-natal desta cardiopatia é possível, sobretudo nos casos de DVPAT intracardíacas Figura 3 – A) Eixo curto precordial: ventrículo direito muito dilatado com recticação do septo inter-ventricular, B) Plano de quatro câmaras apical demonstrando dilatação das cavidades direitas e ausência de conexão das veias pulmonares à aurícula esquerda [AD- aurícula direita, AE- aurícula esquerda, VD- ventrículo direito, VE- ventrículo esquerdo] a cardiologia pediátrica na prática clínica paediatric cardiology in clinical practice 47 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 devido ao diagnóstico mais fácil por ecocardiograa fetal, sendo preconizada a transferência in-utero para centro especializado em cardiologia pediátrica. A existência de obstrução na DVPAT é um factor preditivo de gravidade e de mau prognóstico, com deterioração progressiva após o nascimento, sobretudo se o canal arterial encerrar. A evolução é rapidamente fatal na ausência de tratamento cirúrgico emergente. Os resultados cirúrgicos têm vindo a melhorar signicativamente nas últimas décadas tendo a mortalidade cirúrgica diminuído para menos de 5% em alguns centros(10). Esta melhoria dos resultados cirúrgicos é, provavelmente, multifactorial, relacionando-se com a evolução das técnicas cirúrgicas, um diagnóstico mais precoce através da ecocardiograa e o tratamento agressivo pré, peri e pós-operatório(4,12). O uso de rotina da ecocardiograa como ferramenta diagnóstica gold-standard e os avanços nas especicidades da técnica cirúrgica, permitiram alguns autores armar que factores de risco como a obstrução venosa à apresentação, a urgência da correcção cirúrgica e o tipo infracardíaco de DVPAT deixaram de estar correlacionados com mortalidade precoce(3). A DVPAT é dicilmente identicada no ecocardiograma fetal, pelo que só excepcionalmente é possível o seu diagnóstico pré-natal. Cabe ao neonatologista a suspeição clínica da DVPAT obstrutiva perante um RN com cianose precoce refractária, com sinais de HTP e de baixo débito. Por ser uma verdadeira emergência cirúrgica, o diagnóstico e a intervenção atempados são condições sine qua non para a sobrevivência do RN. Neste contexto, o treino do neonatologista em ecocardiograa, em articulação estreita com a cardiologia pediátrica, é uma prática recomendada nas UCIN. ACUTE RESPIRATORY FAILURE: WHEN TIME MATTERS... ABSTRACT Total anomalous pulmonary venous connection (TAPVC) is a rare congenital heart disease in which all the pulmonary veins from both lungs fail to connect to the left atrium. The classication of TPAVC is related with the local of connection. The obstructive variant of TAPVC represents a severe cause of pulmonary hypertension and refractory cyanosis, with rapidly fatal evolution in the absence of emergent surgical repair. We present the clinical case of a newborn that initiated respiratory difculty with continuous grunting and need for supplemental oxygen at fteen minutes of life. He was transferred to the Neonatal Intensive Care Unit presenting acute hypoxic respiratory failure, initiated mechanical ventilation with subsequent installation of persistent pulmonary hypertension. Prostaglandin E1 was then added to the treatment. The chest X-ray showed pulmonary edema. The echocardiogram revealed a severe obstructive supracardiac TAPVC. He was transferred to a specialized neonatal heart surgical center and was submitted to corrective surgery within the rst 24 hours of life. Today, he is a twelve months’ healthy child, with normal growth and development. Obstructive TAPVC is one of the rare true 48 a cardiologia pediátrica na prática clínica paediatric cardiology in clinical practice surgical cardiac emergencies, and should be considered in any newborn with precocious refractory cyanosis, signs of pulmonary hypertension and low cardiac output. Keywords: newborn, respiratory failure, cyanosis, congenital heart disease, cardiac surgery. Nascer e Crescer 2011; 20(1): 45-48 BIBLIOGRAFIA 1. Bonnet D. Retour Veinuex Pulmonaire Anormal Total. In: Acar P (Ed.). Échocardiographie Pédiatrique et Foetale. 1st ed. Paris: Masson; 2004. p. 63-7. 2. Bharati S, Lev M. Congenital anomalies of the pulmonary veins. Cardiovasc Clin 1973; 5:23. 3. Keane J, Fyler D. Total Anomalous Pulmonary Venous Return. In: Keane JF, Fyler DC, Lock JE (Eds.). Nadas’ Pediatric Cardiology. 2nd ed. Philadelphia: Saunders Elsevier; 2006. p. 773-81. 4. Michielon G, Di Donato RM, Pasquini L, Giannico S, Brancaccio G, Mazzera E, et al. 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NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 Caso electroencefalográco Sandrina Martins1, Luís Ribeiro1, Miguel Fonte2, Rui Chorão1,3 CASO CLÍNICO Expõe-se o caso de um adolescente com 13 anos de idade na data em que foi referenciado ao nosso hospital. Dos antecedentes patológicos, salientava-se história de sarampo aos sete meses de idade, com resolução do quadro sem intercorrências, e epilepsia focal idiopática com crises motoras do hemicorpo esquerdo de início aos 12 meses de idade e remissão aos três anos. Apresentava até à data do quadro clínico descrito um desenvolvimento psicomotor normal. Aos 12 anos de idade começou a manifestar deterioração cognitiva, com perturbações mnésicas ligeiras e mau aproveitamento escolar. Posteriormente surgiram “abalos” com desequilíbrio e quedas bruscas. Foram ainda notadas posturas anómalas sustentadas. O quadro teve agravamento progressivo ao longo de um ano, particularmente célere nos três meses antes da admissão. Nesta altura apresentava “abalos” mais intensos e repetitivos, discurso incompreensível, incapacidade para a marcha sem apoio e perda de autonomia para as actividades de vida diária. O exame neurológico mostrava deterioração cognitiva; disartria marcada; síndrome piramidal irritativo bilateral, decitário à esquerda; ataxia cerebelosa; distonia generalizada, mais marcada nos membros inferiores; e mioclonias faciais, distais dos membros superiores e axiais, estas muitas vezes com quedas associadas. O fundo ocular era normal. Efectuou EEG que mostrou surtos generalizados de ondas lentas delta a 1,5-2 Hz, associando alguns potenciais abruptos (pontas), com duração até 2 segundos, que se repetiam periodicamente a intervalos de cerca de 5 segundos. (Figura 1). Por vezes apresentava mioclonias negativas concomitantes. Qual o seu diagnóstico? Figura 1 - Complexos periódicos característicos da panencefalite esclerosante subaguda. (Base de tempo 15 mm/s) 1 2 3 S. Neurologia Pediátrica, HMPia, CHPorto; S. Pediatria, CHTMADouro, Vila Real; U. de Neurosiologia Pediátrica, CHPorto caso electroencefalográco EEG case report 49 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 DIAGNÓSTICO Panencefalite Esclerosante Subaguda (pós-sarampo) A ressonância magnética cerebral evidenciou ligeiro hipersinal em T2 da substância branca das regiões posteriores. A pesquisa de bandas oligoclonais no líquido cefalorraquidiano (LCR) foi positiva e foram detectados níveis elevados de anticorpos IgG anti-sarampo no LCR e soro. Estes resultados laboratoriais conrmaram, assim, o diagnóstico clínico e electroencefalográco. Iniciou tratamento com isoprinosina oral, não tendo sido possível reunir condições para terapêutica intratecal. As mioclonias foram tratadas com associação de fármacos, que incluíram carbamazepina, clonazepam e levetiracetam; outros dos tratamentos sintomáticos incluíram tri-hexifenidilo, biperideno, baclofeno e toxina botulínica. Após um período de rápida deterioração clínica, houve estabilização dos déces neurológicos. Actualmente, com 17 anos de idade, apresenta déce cognitivo grave, quase sem linguagem, tetraparésia espástica com hemiplegia esquerda e distonia generalizada. DISCUSSÃO A Panencefalite Esclerosante Subaguda (PEES) é uma doença degenerativa do sistema nervoso central, lentamente progressiva, provocada pela infecção persistente por uma forma mutante do vírus do sarampo (1-4). Era, já no passado, uma entidade pouco comum, tornando-se ainda mais rara nos países desenvolvidos desde a implementação da vacinação contra o sarampo(1-4). É mais frequente no sexo masculino, havendo aumento da susceptibilidade quando a doença exantemática ocorre antes dos dois anos de idade(1,3-5). O tempo de latência até ao aparecimento dos sintomas neurológicos varia habitualmente entre seis a 15 anos (3-5). A forma de apresentação da doença é variável, embora classicamente se descreva uma evolução estereotipada (Estadios de Jabbour)(2). As alterações comportamentais e a deterioração cognitiva são frequentemente as primeiras manifestações da doença, a que se seguem, semanas ou meses depois, as mioclonias características. À medida que a doença progride associam-se sinais piramidais, cerebelosos e extrapiramidais, crises convulsivas, alterações visuais e, nalmente, um estado vegetativo que culmina com a morte do doente (1-4). O electroencefalograma (EEG) evidencia tipicamente complexos periódicos (a cada 4 a 15 segundos) de ondas delta de alta voltagem, com 0,5 a 2 segundos de duração(1-5), frequentemente concomitantes com “espasmos mioclónicos” axiais ou das extremidades. Este padrão do EEG pode, contudo, não ser evidente em fases precoces ou avançadas da doença(4). A ressonância magnética cerebral apresenta alterações inespecícas, como hipersinal cortical ou subcortical na sequência T2 e atroa cortical de grau variável(2,4,5). O LCR revela frequentemente hiperproteinorraquia, gamaglobulina elevada (com presença de bandas oligoclonais) e títulos elevados de anticorpos anti-sarampo (>1:4). Estes títulos são também elevados no soro (>1:256)(4). A biópsia cerebral, efectuada em casos excepcionais, mostra corpos de inclusão intranucleares ou citoplasmáticos que contêm antigénios virais(4,5). À luz dos conhecimentos actuais, nenhum fármaco modica a evolução da doença e, em 80% dos casos, a morte ocorre num 50 caso electroencefalográco EEG case report período de três a cinco anos após o início dos sintomas, variando a apresentação clínica de quadros fulminantes a doença crónica prolongada(1). A terapêutica combinada com isoprinosina oral e interferão-alfa intratecal é a que tem demonstrado maiores benefícios(2,4,5). O tratamento sintomático visa o controlo das mioclonias, crises convulsivas, distonia e espasticidade(2,4). Considerando a evolução da doença e a ausência de tratamentos ecazes, a vacinação constitui a alternativa para evitar esta complicação tardia do sarampo, rara, mas invariavelmente fatal. Contudo, o seu risco mantém-se sobretudo nos casos de sarampo mais precoces. O diagnóstico de PEES deve ser sempre considerado em crianças ou adolescentes com deterioração cognitiva, alterações de comportamento e mioclonias, sobretudo se houver história de sarampo em idades precoces. ABSTRACT Introduction: Subacute sclerosing panencephalitis is a very rare disease in countries with measles vaccination programs, and is due to a persistent infection by a defective measles virus. The disease has a progressive fatal course. Case report: We describe the case of a 13 year-old boy with a progressive clinical picture of cognitive impairment, myoclonus, and pyramidal, extrapyramidal and cerebellar signs. The diagnosis was based upon clinical manifestations, the presence of characteristic periodic EEG discharges, and the demonstration of raised antibody titres against measles in the plasma and cerebrospinal uid. Conclusions: Diagnosis of subacute sclerosing panencephalitis is based on clinical suspicion, very characteristic electroencephalographic abnormalities (typical periodic complexes) and raised antibodies to measles virus in the cerebrospinal uid. It seldom occurs in patients with immunisation against measles, except in those with early onset of measles. Keywords: Subacute sclerosing panencephalitis; electroencephalogram; periodic complexes; measles virus. Nascer e Crescer 2011; 20(1): 49-50 BIBLIOGRAFIA 1. Garg RK. Subacute sclerosing panencephalitis. Post Grad Med J 2002; 78:63-70. 2. Campbell C, Levin S, Humphreys P, Walop W, Brannan R. Subacute sclerosing panencephalitis: Results of the Canadian Paediatric Surveillance Program and review of the literature. BMC Pediatrics 2005; 5:47. 3. Nunes ML, Costa JC, Stancher VM, Diament A, Arita F, Rosemberg S, Dyken P. Subacute sclerosing panencephalitis: Clinical aspects and prognosis. The Brazilian Registry. Arq Neuropsiquiatr 1999; 57(2A):176-81. 4. Bonthius JD, Stanek N, Grose C. Subacute sclerosing panencephalitis, a measles complication, in an internationally adopted child. Emerg Infect Disease 2000; 6:377-81. 5. Tuncel D; Ozbek AE, Demirpolat G, Karabiber H. Subacute sclerosing panencephalitis with generalized seizures as a rst symptom: a case report. Jpn J Infect Dis 2006; 59:317-9. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 Caso endoscópico Fernando Pereira1 O Felisberto era um rapaz de oito anos, pouco falador, que por vezes tinha pouco apetite e que não gostava de comer carne. Apesar disso tinha bom desenvolvimento estaturo-ponderal e psicomotor e rendimento escolar médio. Num dos períodos de menos apetite foi observado pelo seu médico assistente, que decidiu efectuar-lhe um estudo analítico, tendo então constatado a presença de quadro de anemia hipocrómica e microcítica associado a valores diminuídos de ferro sérico e ferritina, com acentuada elevação da capacidade de xação do ferro. Decidiu-se iniciar tratamento com ferro oral, procedeu a desparasitação e insistiu-se na necessidade de comer carne. Dois meses depois a anemia estava quase corrigida, os valores do ferro eram já aceitáveis, mas o rapaz continuava a não comer carne, mastigava-a mas não a engolia. O médico assistente decidiu suspender o tratamento com ferro oral e insistiu na necessidade de hábitos alimentares correctos. Alguns meses depois o Felisberto parecia um pouco pálido, pelo que repetiu o estudo analítico e apresentava de novo anemia ferropénica. Foi então enviado para a consulta de Hematologia Pediátrica, para esclarecimento da sua situação. Depois de um Figura 1 Figura 2 exaustivo estudo para exclusão das principais causas possíveis para a sua anemia, chegou-se à conclusão que provavelmente tinha perdas digestivas, apesar da negatividade da pesquisa de sangue oculto nas fezes, razão pela qual o doente foi observado na consulta de Gastroenterologia Pediátrica. Era um rapaz simpático, pouco colaborante no diálogo, com bom desenvolvimento, que continuava a comer mal e a recusar a carne, vomitando esporadicamente quando a mãe insistia para comer. Não tinha antecedentes pessoais ou familiares relevantes e o seu exame objectivo era normal. Decidimos efectuar uma endoscopia digestiva alta que nos permitiu observar as imagens que a seguir apresentamos e que correspondem a: 1 - Esófago normal 2 - Estenose esofágica congénita 3 - Síndroma de Plummer-Vinson 4 - Esofagite péptica grave (grau IV) Figura 3 __________ 1 Serviço de Gastroenterologia Hospital Maria Pia / CHPorto caso endoscópico endoscopic case 51 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 COMENTÁRIOS As imagens que mostramos revelam efectivamente um quadro de esofagite grave, com estenose acentuada do esófago. Observamos uma estenose com cerca de 6 mm de diâmetro (gura 1), uma úlcera esofágica (g.2) e o cárdia aberto em inversão (gura 3). Perante este quadro o doente efectuou inibidores da bomba de protões, dilatações esofágicas e, posteriormente, foi operado, tendo efectuado uma fundoplicatura, com resolução denitiva do seu quadro clínico, aceitando nalmente comer carne. A estenose congénita do esófago provoca sintomas mais precoces e não se associa a quadro de esofagite e o Síndroma de Plummer-Vinson caracteriza-se pelo aparecimento de estenoses em anel secundárias a acentuada e prolongada deciência de ferro, mas também não apresenta componente inamatório. Este caso merece duas chamadas de atenção: Uma criança deste grupo etário com uma anemia por deciência de ferro que, após responder ao tratamento com ferro oral, tem recidiva, até prova em contrário, está a perder ferro e deve ser enviada à consulta de Gastroenterologia. Por outro lado se mastiga a carne e não a engole, terá provavelmente disfagia, o que nos deverá pôr na pista de um quadro de esofagite e obrigar à realização de endoscopia. 52 caso endoscópico endoscopic case ABSTRACT We present the case of a eight-year old boy with microcytic hypochromic anemia, who refused to ingest meat products for the last years. He had a good response to therapy with oral iron supplements, but with further recurrence of symptoms after stopping treatment. Investigation by Haematology was inconclusive. The upper endoscopy showed severe peptic esophagitis with stenosis. The patient was treated with proton pump inhibitors, dilation of the stenosis and surgery (Nissen fundoplication), with good outcome. Nascer e Crescer 2011; 20(1): 51-52 BIBLIOGRAFIA Vandenplas Y, Rudolph CD, Di Lorenzo C, Hassal E, Liptak G, Mazur L, et al. Gastroesophageal Reux Clinical Practice guidelines: Joint recommendations of the North American Society for Pediatric Gastroenterology and Nutrition and the European Society for Pediatric Gastroenterology and Nutrition. J. Ped Gastroenterol Nutr 2009;49: 498-547. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 Caso estomatológico José M. S. Amorim1 Adolescente de 17 anos de idade referenciada à consulta de Estomatologia Pediátrica por tumefacção cervico-facial dolorosa, febre, trismo e disfagia de instalação insidiosa. O quadro tinha-se iniciado há três dias, tendo já recorrido ao Serviço de Urgência às 48h da doença, onde foi feita drenagem da tumefacção e início de antibioticoterapia. Ao exame objectivo apresentava volumosa tumefacção cervico-facial, com intensos sinais inamatórios, trismo marcado, disfagia, sem dispneia ou diculdade respiratória. Na região da incisão para drenagem havia uma escorrência sero-hemática escassa. (Figura 1) Realizou ortopantomograa que revelou imagem radiolucente apical ao nível da raiz mesial de 46 e cárie extensa. Face ao descrito: Qual o seu diagnóstico? Qual a sua atitude? Figura 1 __________ 1 Serviço de Estomatologia Hospital Maria Pia / CH Porto caso estomatológico oral pathology case 53 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 O caso clínico descrito refere-se a uma situação infecciosa, relativamente frequente, que é a Angina de Ludwig. Esta patologia é um processo infeccioso que consiste numa celulite cervico-facial e do pavimento da boca, normalmente de origem dentária. Pode ter outras causas, tais como traumatismos, extracção dentária, ou infecção por microrganismos oportunistas em pacientes com sistema imunológico comprometido. No quadro inicial há edema e dor local, mas a infecção difunde-se rapidamente levando a um aumento de volume importante no pavimento da boca, sendo a característica mais importante uma celulite agressiva, tóxica, rme que envolve os espaços submandibular e sublingual, podendo estender-se até ao espaço submentoniano. Os agentes bacterianos podem ser mistos (aeróbios e anaeróbios) e por ser uma celulite, o conteúdo infeccioso encontra-se disseminado nos tecidos e há pouca ou nenhuma secreção. A patologia exige tratamento adequado e especíco. Se não for tratada atempadamente irá ocorrer disseminação para os espaços faringo-maxilar, mediastino e pericárdio. A antibioterapia é o tratamento a realizar na fase inicial e o mais precocemente possível, estando recomendada a associação de Amoxacilina/Acido Clavulámico de 8-8 horas na dose de 50 mg/kg/dia EV e Gentamicina de 12-12 horas na dose de 2mg/kg/dia EV; devem utilizar-se anti inamatórios e analgési- 54 caso estomatológico oral pathology case cos para controlar os sinais e sintomas infecciosos. A remoção da(s) peça(s) dentarias responsáveis pelo quadro clínico deve ser efectuada logo que as condições do doente o permitam (resolução do trismus). ABSTRACT A 17 year-old-girl was referred to our department because of facial swelling, trismus and pain. She had had previous drainage of the swelling and was on antibioticotherapy. Ludwigs angina was diagnosed; the orthopanthomagraphy showed dental abscess and caries. She had intravenous antibiotherapy and dental extraction with resolution of the condition. Keywords: Ludwig’s Angina, cervical abscess, trismus, antibiotics. Nascer e Crescer 2011; 20(1): 53-54 BIBLIOGRAFIA Cameron A, Widmer RP. Handbook of Pediatric Dentistry. London: Mosby, 2003:140-3. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 Caso radiológico Filipe Macedo1 Criança do sexo feminino 15 meses de idade, que na sequência de ITU febril faz cistouretrograa miccional seriada (CUMS). Qual o seu diagnóstico? Detalhe da CUMS Figura 1 Figura 2 __________ 1 Especialista em Radiodiagnóstico – SMIC, Porto caso radiológico radiological case 55 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 ACHADOS Observa-se reuxo vesico-ureteral esquerdo, de grau 3, apenas para o pielon inferior. DIAGNÓSTICO Duplicação pielo-ureteral esquerda com reuxo para o pielon inferior. DISCUSSÃO A duplicação é a anomalia mais frequente do sistema pielo-calicial e ureteral. Vai desde a bidez piélica até à duplicação pielocalicial completa, com dois ureteres que entram na bexiga em locais diferentes. O reuxo vesicoureteral (RVU) é a anomalia mais frequente num rim duplex. Pode haver RVU para o pielon superior e/ou inferior mas é mais frequente para o pielon inferior (1). Este facto explica-se pela lei de Weigert-Mayers que descreve que num rim duplex o ureter que drena o pielon inferior se insere na bexiga em posição mais inferior e lateral do que o ureter que drena o pielon superior. Esta topograa favorece o reuxo para o pielon inferior. A dilatação do pielon inferior associa-se geralmente a RVU enquanto que a dilatação do pielon superior se associa geralmente a ectopia ureteral ou ureterocelo com obstrução secundária. O RVU associado a uma duplicação pielo-ureteral pode ter a mesma evolução do RVU associado a um sistema pielocalicial simples, podendo ocorrer resolução expontânea ou nefropatia de reuxo (2). Um rim duplex não complicado é geralmente um achado ecográco ocasional e na ausência de indicação clínica não requer outro tipo de avaliação. 2 – CUMS Demonstra o reuxo vesico-ureteral apenas para o pielon inferior assumindo uma conguração típica e classica o grau do reuxo. 3 – TC Interesse apenas no caso de complicação infecciosa associada ao reuxo (pionefrose/abcesso) caso não seja possível realizar RMN. 4 – RM Poderá demonstrar a conguração de duplicação pielo-ureteral, com dilatação limitada ao pielon inferior do rim bem como do seu ureter permitido uma boa avaliação morfológica. Pode ter também aplicação em caso de complicações infecciosas. ABSTRACT We present a case of a 15 month old female in whom a voiding cystourethrography (VCU) was performed following a febrile urinary tract infection. The exam showed a duplex left kidney with vesicouretral reux (VUR) to the lower moiety. VCU is the most common method for initial diagnosis of VUR and reux to the lower moiety of a duplex kidney has a typical conguration. Keywords: Duplex kidey, vesicouretral reux Nascer e Crescer 2011; 20(1): 55-56 IMAGIOLOGIA BIBLIOGRAFIA 1 – Ecograa É o primeiro exame. Pode demonstrar a morfologia bída do rim e a eventual dilatação circunscrita ao pielon inferior e ao seu ureter. Com administração de contraste vesical apropriado pode demonstrar a existência de reuxo vesico-ureteral. 1. Fotter R. Pediatric Uroradiology. Springer-Verlag Berlin Heidelberg 2001; 134 2. Kirks DR. Practical Pediatric Imaging. Diagnostic Radiology of Infants and Children. Lippincott-Raven Publishers. Philadelphia 1998 3rd Ed.; 1067-9 56 caso radiológico radiological case NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 Uns e… os outros Margarida Guedes Carolina, 12 anos, olhava-me com os olhos doces, enquanto recusava delicadamente a sopa que lhe ofereciam. Explicou-me que o pai e a tia tinham ido a casa buscar roupa, pois não esperavam que ela casse internada, mas voltariam depressa… A tentar ganhar a sua conança fui-lhe perguntando alguns dados informais, como por exemplo se aquele número de telefone, que constava na identicação, era o dos pais. Talvez o do meu pai, respondeu ela, mas não tenho a certeza… Sabe, ele tem 3 telemóveis. Um para o trabalho, outro para os amigos e ainda outro para nós. O que eu sei é que não é o da minha mãe, porque ela não está agora connosco….mas já sabe que eu estou no hospital – concluiu, após uma pequena hesitação. E esta é a tua direcção? Sim, mas moro na torre 3, respondeu ela muito rápido. Eu não queria mostrar ignorância, por isso apenas limitei-me a perguntar - quer dizer que gostas da torre 3? Claro -respondeu, como se não conseguisse compreender a minha dúvida - na torre 1 e 2 é que se fazem as asneiras. Não é nas outras! Percebi então que falávamos de um bairro problemático da cidade e fui-me aproximando do que a tinha levado ao hospital. A tosse começou há um mês, contou-me ela, mas a sair assim só há 2 semanas. A minha avó, que sofre do coração, também teve o mesmo e cou muito tempo no hospital. O meu pai é que tem uma mancha no pulmão, disse-lhe o doutor que nos mandou fazer as fotograas que trouxemos. E a tua tia, mora com vocês? Indaguei. Não doutora. Ela não vive connosco. Só nos vai ajudar enquanto a minha mãe está na “precária”. Fomos conversando, mas tudo já se tinha encaixado no meu diagnóstico perfeito! Os telemóveis extra, o bairro e a prisão da mãe só podiam estar associados a drogas, e daí a relação com a provável tuberculose pulmonar era fácil de estabelecer. Um dias depois teve alta hospitalar, orientada para a consulta externa. Mas anal tinha-me enganado mais uma vez com as rápidas conclusões – o tráco de droga existia mas a Carolina nunca tinha tido tosse ou expectoração hemoptoica. Ela só queria, tal como a avó quando teve edema pulmonar, ir para o hospital muito tempo, e poder car longe das torres… pequenas histórias short stories 57 PRÉMIO NASCER E CRESCER MELHOR ARTIGO ORIGINAL 20101 A DIRECÇÃO DA REVISTA NASCER E CRESCER E A ASSOCIAÇÃO DO HOSPITAL DE CRIANÇAS MARIA PIA INSTITUÍRAM O PRÉMIO ANUAL PARA A MELHOR ARTIGO ORIGINAL PUBLICADO NA REVISTA. ESTA INICIATIVA VISA PROMOVER E INCENTIVAR A INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA NA ÁREA DA PEDIATRIA E PERINATOLOGIA. REGULAMENTO 1. O Prémio será destinado aos autores do melhor Artigo Original publicado em cada ano na revista Nascer e Crescer 2. O Prémio equivalerá a um certificado e a um valor em dinheiro de 1 000,00 € (mil euros), que será entregue ao primeiro autor, caso haja mais de um. 3. Um mesmo autor pode concorrer com mais de um Artigo Original 4. Todos os Artigos Originais serão candidatos ao Prémio, salvo indicação em contrário expressa pelos Autores 5. O processo de avaliação será conduzido por um júri de selecção a ser escolhido oportunamente pelos editores da revista 6. Na avaliação dos Artigos Originais, o Júri de selecção analisará os seguintes itens: a) Relevância e originalidade b) Clareza e pertinência dos objectivos c) Descrição dos métodos/ procedimentos e análise estatística adequados d) Apresentação clara e sintética dos resultados e) Discussão fundamentada f ) Importância para o avanço do conhecimento. Potencial de aplicabilidade e impacto dos resultados 7. Não caberá recurso contra as decisões do júri 8. A divulgação da atribuição do prémio será feita no 3º número da revista Nascer e Crescer de cada ano 9. Cabe aos editores da revista Nascer e Crescer decidir sobre eventuais omissões neste regulamento NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 INSTRUÇÕES AOS AUTORES A Revista NASCER E CRESCER dirige-se a todos os prossionais de saúde com interesse na área da Saúde Materno Infantil e publica artigos cientícos relacionados com a Pediatria, Perinatologia, Saúde Mental da Infância e Adolescência, Bioética e Gestão Hospitalar. Os Editoriais, os artigos de Homenagem e artigos de âmbito cultural são publicados a pedido da Direcção da Revista. A revista publica artigos originais, de revisão, casos clínicos e artigos de opinião. Os artigos propostos não podem ter sido objecto de qualquer outro tipo de publicação. As opiniões expressas são da inteira responsabilidade dos autores. Os artigos publicados carão de inteira propriedade da Revista e não poderão ser reproduzidos, no todo ou em parte, sem prévia autorização dos editores. Manuscrito: Os trabalhos devem ser enviados à Direcção da Revista Nascer e Crescer – Hospital Crianças Maria Pia – Rua da Boavista, 827 – 4050111 Porto, ou endereçados a [email protected] como documento anexo em qualquer versão actual de Microsoft Word, acompanhados da declaração de autoria. Todos os elementos do trabalho, incluindo a iconograa, se remetidos por correio, devem ser enviados em formato electrónico. Os artigos deverão ser redigidos conforme as normas abaixo indicadas e cabe ao Editor a responsabilidade de os: - aceitar sem modicações, - aceitar após alterações propostas, - ou rejeitar, com base no parecer de pelo menos dois revisores que os analisarão de forma anónima. Os pareceres dos peritos e os motivos de recusa serão sempre comunicados aos autores. Consentimento informado e aprovação pela Comissão de Ética: É da responsabilidade dos autores garantir que são respeitados os princípios éticos e deontológicos, bem como, a legislação e as normas aplicáveis, conforme recomendado na Declaração de Helsínquia. Nos estudos experimentais, é obrigatório que os autores mencionem a existência e aplicação de consentimento informado dos participantes, assim como a aprovação do protocolo pela Comissão de Ética. Deve constar declaração de conito de interesses ou nanciamento. NORMAS DE PUBLICAÇÃO A Revista Nascer e Crescer subscreve os requisitos para apresentação de manuscritos a revistas biomédicas elaboradas pela Comissão Internacional de Editores de Revistas Médicas (Uniform Requirements for Manuscripts submitted to biomedical journals. http://www.icmje.org. Updated October 2008). Todos os elementos do trabalho incluindo a iconograa, devem ser enviados em suporte electrónico. O trabalho deve ser apresentado na seguinte ordem: 1- Título em português e em inglês; 2- Autores; 3- Resumo em português e inglês. Palavras--chave e Keywords; 4- Texto; 5- Bibliograa; 6- Legendas; 7Figuras; 8- Quadros; 9- Agradecimentos e esclarecimentos; 10- Em destaque. As páginas devem ser numeradas segundo a sequência referida atrás. No caso de haver segunda versão do trabalho, este deve também ser enviado em formato electrónico. Títulos e autores: Escrito na primeira página, em português e em inglês, o título deve ser o mais conciso e explícito possível. A indicação dos autores deve ser feita pelo nome clínico ou com a(s) inicial(ais) do(s) primeiro(s) nome(s), seguida do apelido e devem constar os títulos ou cargos de todos os autores, bem como as aliações prossionais. No fundo da página devem constar os organismos, departamentos ou serviços hospitalares ou outros em que os autores exercem a sua actividade, o centro onde o trabalho foi executado, os contactos do autor responsável pela correspondência (endereço postal, endereço electrónico e telefone). Resumo e palavras-chave: O resumo deverá ser redigido na língua utilizada no texto e sempre em português e em inglês. No que respeita aos artigos originais deverá compreender no máximo 250 palavras e ser elaborado segundo o seguinte formato: Introdução, Objectivos, Material e Métodos, Resultados e Conclusões. Os artigos de revisão devem ser estruturados da seguinte forma: Introdução, Objectivos, Desenvolvimento e Conclusões. Relativamente aos casos clínicos, não deve exceder 150 palavras e deve ser estruturado em Introdução, Caso Clínico e Discussão/Conclusões. Abaixo do resumo deverá constar uma lista de três a dez palavras-chave, em Português e Inglês, por ordem alfabética, que servirão de base à indexação do artigo. Os termos devem estar em concordância com o Medical Subject Headings (MeSH). Texto: O texto poderá ser apresentado em português, inglês, francês ou espanhol. Os artigos originais devem ser elaborados com a seguinte organização: Introdução; Material e Métodos; Resultados; Discussão e Conclusões. Os artigos de revisão devem obedecer à seguinte estrutura: Introdução, Objectivos, Desenvolvimento e Conclusões. Os casos clínicos devem ser exemplares, devidamente estudados e discutidos e conter uma breve introdução, a descrição do(s) caso(s) e uma discussão sucinta que incluirá uma conclusão sumária. As abreviaturas utilizadas devem ser objecto de especicação anterior. Não se aceitam abreviaturas nos títulos dos trabalhos. Os parâmetros ou valores medidos devem ser expressos em unidades internacionais (SI units, The SI for the Health Professions, WHO, 1977), utilizando para tal as respectivas abreviaturas adoptadas em Portugal. Os números de 1 a 10 devem ser escritos por extenso, excepto quando têm decimais ou se usam para unidades de medida. Números superiores a 10 são escritos em algarismos árabes, excepto se no início da frase. Bibliograa: As referências devem ser classicadas e numeradas por ordem de entrada no texto, com algarismos árabes. Os números devem seguir a ordem do texto, e ser colocados superiores à linha. Serão no máximo 40 para artigos originais e 15 para casos clínicos. Os autores devem vericar se todas as referências estão conformes aos Uniform Requirements for Manuscript submitted to biomedical journals (www.nlm.nih.gov/bsd/uniform_requirements.html) e se utilizam os nomes abreviados das publicações adoptadas pelo Índex Medicus. Os autores devem consultar a página NLM’s Citing Medicine relativamente às recomendações de formato para os vários tipos de referência. Seguem-se alguns exemplos: a) Revistas: listar os primeiros seis autores, seguidos de et al se ultrapassar 6, título do artigo, nome da revista (utilizar as abreviaturas do Index Medicus), ano, volume e páginas. Ex.: Haque KN, Zaidi MH SK,et al. Intravenous Immunoglobulin for prevention of sepsis in preterm and low birth weight infants. Pediatr Infect Dis 1986; 5:622-65. b) Capítulos em livros: nome(s) e iniciais do(s) autor(es) do capítulo ou da contribuição. Nome e iniciais dos autores médicos, título do livro, cidade e nome da casa editora, ano de publicação, primeira e última páginas do capítulo. Ex.: Phillips SJ, Whisnant JP. Hypertension and stroke. In: Laragh JH, Brenner BM, editors. Hypertension: pathophysiology, diagnosis, and management. 2nd ed. New York: Raven Press; 1995. p. 465-78. c) Livros: Nome(s) e iniciais do(s) autor(es). Título do livro. Número da edição. Cidade e nome da casa editora, ano de publicação e número de página. Ex.: Berne E. Principles of Group Treatment. New York: Oxford University Press, 1966:26. Figuras e Quadros: Todas as ilustrações deverão ser apresentadas em formato digital de boa qualidade. Cada quadro e gura deverá ser numerado sequencialmente por ordem de referência no texto, ser apresentado em página individual e acompanhado de título e legenda explicativa quando necessário. Todas as abreviaturas ou símbolos necessitam de legenda. Se a gura ou quadro é cópia de uma publicação ou modicada, deve ser mencionada a sua origem e autorização para a sua utilização quando necessário. Fotograas ou exames complementares de doentes deverão impedir a sua identicação devendo ser acompanhadas pela autorização para a sua publicação dada pelo doente ou seu responsável legal. O total de guras e quadros não deve ultrapassar os oito para os artigos originais e cinco para os casos clínicos. As guras ou quadros coloridos, ou os que ultrapassam os números atrás referidos, serão publicados a expensas dos autores. Agradecimentos e esclarecimentos: Os agradecimentos e indicação de conito de interesses de algum dos autores ou nanciamento do estudo devem gurar na última página. Destaque: Incluir três a quatro frases curtas (até 50 palavras cada) salientando os aspectos mais relevantes do trabalho. Estas deverão ser escritas em português e em inglês. Modicações e Revisões: No caso do artigo ser aceite mas sujeito a modicações, estas devem ser realizadas pelos autores no prazo de quinze dias. As provas tipográcas serão enviadas aos autores em formato electrónico, contendo a indicação do prazo de revisão em função das necessidades de publicação da Revista. O não respeito do prazo desobriga a aceitação da revisão dos autores, sendo a mesma efectuada exclusivamente pelos serviços da Revista. normas de publicação instructions for authors 59 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 1 INSTRUCTIONS FOR AUTHORS The Journal NASCER E CRESCER is addressed to all professionals of Health with interest in the area of Maternal and Child/Adolescent Health and publishes scientic articles related with Paediatrics, Perinatology, Childhood and Adolescence Mental Health, Bioethics and Health Care Management. The Editorials, the articles of Homage and articles of cultural scope are published under request of the Direction of the journal. The Journal publishes original articles, review articles, case reports and opinion articles. The articles submitted must not have been published previously in any form. The opinions therein are the full responsibility of the authors. Published articles will remain the property of the Journal and may not be reproduced, in full or in part, without the prior consent of the editors. Manuscripts for publication should be addressed to the editor of the journal: NASCER E CRESCER, Hospital Maria Pia, Rua da Boavista, 827 – 4050111 Porto, Portugal, or to [email protected] and must be accompanied by the declaration of authorship by all authors. If using postal correspondence a full digital copy of the manuscript should also be sent. Submitted articles should follow the instructions below, and are subject to an editorial screening process based on the opinion of at least two anonymous reviewers. Articles may be: - accepted with no modications, - accepted with corrections or modications, - or rejected. Authors will always be informed of the reasons for rejection or of the comments of the experts. Informed consent and approval by the Ethics Committee: It is responsibility of the authors to guarantee the respect of the ethical and deontological principles, as well as legislation and norms applicable, as recommended by the Helsinki Declaration. In research studies it is mandatory to have the written consent of the patient and the approval of the Ethics Committee, statement of conict of interest and nancial support. MANUSCRIPT PREPARATION Nascer e Crescer complies with the recommendations of the International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE) (Uniform requirements for manuscripts submitted to biomedical journals. http://www.icmje.org. Updated October 2008). All the components of the paper, including images must be submitted in electronic form. The papers must be presented as following: 1- Title in Portuguese and English; 2- Authors; 3- Abstract in Portuguese and English and key words; 4- Text; 5- References; 6- Legends; 7- Figures; 8- Tables; 9- Acknowledgements; 10- Highlights. Pages should be numbered according the above sequence. If a second version of the paper is submitted, it should also be sent in electronic format. Title and Authors: The rst page should contain the title in Portuguese and English. The title should be concise and revealing. A separate page should contain name(s) degree(s), the authors’ professional afliations, the name and the contact details of the corresponding author (postal address, electronic address and telephone), and the name of the Institutions where the study was performed. Abstract and Keywords: The abstract should be written in the same language of the text and always in Portuguese and English, provide on a separate page of not more than 250 words for original papers and a 150 words for case reports. For original papers the abstract should consist of four paragraphs, labelled Background, Methods, Results and Conclusions. Review articles should obey the following: Introduction, Past landmarks and Present developments and Conclusions. Case report abstracts should contain an Introduction, Case report and Discussion/Conclusions. Do not use abbreviations. Each abstract should be followed by the proposed Keywords in Portuguese and English in alphabetical order, minimum of three and maximum of ten. Use terms from the Medical Subject Headings from Index Medicus (MeSH). 60 normas de publicação instructions for authors Text: The text may be written in Portuguese, English, French or Spanish. The original articles should contain the following sections: Introduction; Material and Methods; Results; Discussion and Conclusions. The structure of review articles should include: Introduction, Past landmarks and Present developments and Conclusions. The case reports should be unique cases duly studied and discussed. They should contain: a brief Introduction, Case description and a succinct Discussion or Conclusion. Any abbreviation used should be spelled out the rst time they are used. Abbreviations are not accepted in the titles of papers. Parameters or values measured should be expressed in international (SI units, The SI for the Health Professions, WHO, 1977), using the corresponding abbreviations adopted in Portugal. Numbers 1 to 10 should be written in full, except in the case of decimals or units of measurements. Numbers above 10 are written as gures except at the beginning of a sentence. References: References are to be cited in the text by Arabic numerals, and in the order in which they are mentioned in the text. They should be limited to 40 to original papers and 15 to case reports. The journal complies with the reference style in the Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to Biomedical Journals (www.nlm.nih.gov/bsd/uniform_requirements.html). Abbreviate journal titles according to the List of Journals Indexed in Index Medicus. Authors should consult NLM’s Citing Medicine for information on its recommended formats for a variety of reference types. The following details should be given in references to (a) journals, (b) chapters of books by other authors, or (c) books written or edited by the same author: a) Journals: Names of all authors (except if there are more than six, in which case the rst three are listed followed by “et al.”), the title of the article, the name of the journal (using the abbreviations in Index Medicus), year, volume and pages. Ex: Haque KN, Zaidi MH SK,et al. Intravenous Immunoglobulin for prevention of sepsis in preterm and low birth weight infants. Pediatr Infect Dis 1986; 5:622-65 b) Chapters of books: Name(s) and initials of the author(s) of the chapter or contribution cited. Title and number of the chapter or contribution. Name and initials of the medical editors, title of book, city and name of publisher, year of publication, rst and last page of the chapter. Ex: Phillips SJ, Whisnant JP. Hypertension and stroke. In: Laragh JH, Brenner BM, editors. Hypertension: pathophysiology, diagnosis, and management. 2nd ed. New York: Raven Press; 1995. p. 465-78. c) Books: Name(s) and initials of the author(s). Title of the book. City and name of publisher, year of publication, page. Ex: Berne E. Principles of Group Treatment. New York: Oxford University Press, 1966:26. Tables and Figures: All illustrations should be in digital format of high quality. Each table and gure should be numbered in sequence, in the order in which they are referenced in the text. They should each have their own page and bear an explanatory title and caption when necessary. All abbreviations and symbols need a caption. If the illustration has appeared in or has been adapted from copyrighted material, include full credit to the original source in the legend and provide an authorization if necessary. Any patient photograph or complementary exam should have patients’ identities obscured and publication should have been authorized by the patient or legal guardian. The total number of gures or tables must not exceed eight for original articles and ve for case reports. Figures or tables in colour, or those in excess of the specied numbers, will be published at the authors’ expense in the paper version Acknowlegments: All authors are required to disclose all potential conicts of interest. All nancial and material support for the research and the work should be clearly and completely identied in an Acknowledgment section of the manuscript. Highlights: They should include three to four short sentences (each limited to 50 words) emphasizing the relevant message of the study. These should be written in Portuguese and English. Modications and revisions: If the paper is accepted subject to modications, these must be submitted within fteen days of notication. Proof copies will be sent to the authors in electronic form together with an indication of the time limit for revisions, which will depend on the Journal’s publishing schedule. Failure to comply this deadline will mean that the authors’ revisions may not be accepted, any further revisions being carried out by the Journal’s staff.
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