BOLETIM DE HISTÓRIA DEMOGRÁFICA Ano XV, no. 49, maio de

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BOLETIM DE HISTÓRIA DEMOGRÁFICA Ano XV, no. 49, maio de
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BOLETIM DE HISTÓRIA DEMOGRÁFICA
Ano XV, no. 49, maio de 2008
SUMÁRIO
Apresentação
Artigos
Resumos
Notícia Bibliográfica
Publicações Recebidas
Notícias e Informes
Apresentação
O elemento distintivo deste número de nosso BHD está presente nas expressivas notícias
concernentes a novos lançamentos de livros pertinentes à nossa área de especialização.
Correlatamente, são vários os novos textos publicados em revistas ou correspondentes a
comunicações apresentadas em distintos encontros de entidades que albergam estudos demo-
econômicos como os nossos. Tais evidências ensejam o chamamento o qual temos repisado,
qual seja a solicitação a que os colegas nos municiem com notícias sobre sua produção
científica enviando-nos as referências completas e o resumo de seus trabalhos efetuados na
área da história demográfica de sorte a que possamos mantermo-nos em dia com a sempre
estimulante produção desenvolvida em nosso campo.
Artigos
MARQUES, Fernando Luiz Tavares. A presença indígena em engenhos coloniais do estuário
amazônico: possibilidades de uma abordagem arqueológica. Comunicação apresentada no II
Seminário de História do Açúcar: Trabalho, População e Cotidiano. Itu (SP), novembro de 2007.
RESUMO. Estudos arqueológicos realizados no estuário amazônico têm identificado cerca de
quarenta sítios de engenhos de cana-de-açúcar oriundos do período colonial. Em meio à
cultura material coletada em alguns destes sítios nas proximidades de Belém também foram
encontrados vestígios cerâmicos com marcantes características da cultura nativa. Estes
fragmentos são relativos a utensílios de cozinha, e compreendem restos de bordas, corpo e
base de tigelas, pratos etc. Estes dados são compatíveis com documentação histórica
referente à presença de indígenas nestes sítios. A descoberta destas evidências materiais
possibilita discussões sobre a caracterização da força de trabalho destes empreendimentos
durante o período colonial.
Resumos
AMANTINO, Márcia. As condições físicas e de saúde dos escravos fugitivos anunciados no
Jornal do Commercio (RJ) em 1850. Historia, Ciências, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v.
14, n. 4, 2007. Acesso em: 20/01/2008. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010459702007000400015&lng=pt&nrm=iso
RESUMO. Examina as condições de saúde de uma população de escravos fugidos, com base
em anúncios publicados no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro durante o ano de 1850.
Para tanto, analisa as características físicas dos escravos, conforme descrição de seus
senhores e, considerando a saúde do escravo, examina os problemas físicos que cada um
possuía, de acordo com o saber médico ou popular da época. Essas evidências podem ser
relacionadas com procedimentos ligados ao próprio sistema escravista, que privilegiava a
máxima utilização dos cativos.
ANDRADE, Leandro Braga de. Senhor ou camponês? Economia e estratificação social em
Minas Gerais no século XIX. Mariana: 1820-1850. Belo Horizonte, Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas - UFMG, Dissertação de Mestrado, 2007, 207 p., mimeografado.
RESUMO. A abordagem da propriedade e do trabalho na economia de Minas Gerais no século
XIX é o principal esforço empreendido pelo autor. O novo perfil da economia mineira, na qual
predominaram as atividades agropecuárias, manteve a estrutura escravista, porém também
mostrou formas de organização do trabalho calcadas na mão-de-obra livre. O trabalho
camponês é a principal delas e, por isso, está no centro da discussão deste estudo. As
unidade produtivas que utilizavam majoritariamente o trabalho livre ou um pequeno número de
escravos se assemelhavam em suas características econômicas, demográficas e produtivas.
Por outro lado, a presente pesquisa, que teve como foco aspacial o termo da cidade de
Mariana, mostrou uma significativa capacidade de acumulação da elite escravista local,
composta por fazendeiros, como na Freguesia de Furquim, e de grandes comerciantes, como
no núcleo sede do termo.
CAMPOS, Kátia Maria Nunes. Elo da história demográfica de Minas Gerais: reconstituição e
análise inicial dos registros paroquiais da Freguesia de N. Sa. da Conceição de Antônio Dias,
1763-1773. Belo Horizonte, Dissertação de Mestrado, Centro de Desenvolvimento e
Planejamento Regional/Faculdade de Ciências Econômicas - UFMG, 2007. Disponível em:
< http://www.cedeplar.ufmg.br/demografia/dissertacoes/2007/Katia_Campos.pdf >
CUNHA, Alexandre Mendes. Espaço, paisagem e população: dinâmicas espaciais e
movimentos da população na leitura das vilas do ouro em Minas Gerais ao começo do século
XIX. Revista Brasileira de História, jan./jun. 2007, vol. 27, n. 53, p. 123-158.
RESUMO. O objetivo principal deste artigo é interpretar as transformações no espaço urbano
das vilas do ouro mineiras na passagem do século XVIII para o XIX, pensando particularmente
as transformações na paisagem e na demografia, de forma articulada à dinâmica econômica
da capitania. Destacam-se dois núcleos - Vila Rica (Ouro Preto) e São João del Rey -, mas
transcendendo a análise para o conjuntos dos câmbios entre o urbano e o rural em Minas
Gerais no período. Três são os principais grupos de fontes utilizados: relatos de viajantes,
iconografia, e listagens ou mapas populacionais.
DIMUNZIO, Karina & GARCÍA, Claudia. Esclavos cimarrones. La fuga: una estrategia de
resistencia esclava. Contra Relatos desde el Sur. Apuntes sobre Africa y Medio Oriente, Año II,
no. 3. CEA-UNC, CLACSO, Córdoba, Argentina. Diciembre. 2006 ISSN 1669-953X.
ABSTRACT. Both in History and Social Anthropology, studies about the different ways of
resistance of oppressed groups have become relevant in the last years. In America, slave
population of African origin is one of the social sectors of major interest. The resistance of
slaves in those regions adopted different aspects according to the socio-economic
characteristics and special aspects of each region. New theoretical approaches have widened
the concept of resistance thus giving rise to a more complex definition. This paper focuses on
escape as one of the solutions that Córdoba slaves resorted to in order to show their
discontent in a situation of subordination. In our research we consider the slave as a historical
active subject capable of generating changes through its actions within the limits set by the
social structure he belongs in. Disponible en la World Wide Web:
< http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/argentina/cea/contra/3/garcia.pdf >
GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro. Pequenos produtores de São José do Rio das Mortes,
1730-1850. In: GUIMARÃES, Elione Silva & MOTTA, Márcia Maria Menendes (orgs.). Campos
em disputa: história agrária e companhia. São Paulo, Annablume / Núcleo de Referência
Agrária, 2007, p. 127-151.
RESUMO. O autor contempla, para a localidade e o período especificados, a formação dessa
parcela do campesinato composta pelos pequenos produtores numa quadra de "acomodação"
da economia mineira ao setor de abastecimento e sua organização no Oitocentos. Como
afirma: "As formas de composição dessa mão-de-obra livre também permanecem obscuras,
como a origem, migração e presença de forros"; destarte, empresta ênfase, servindo-se de
distintas fontes documentais, às características demográficas do grupo social estudado.
LAMOUNIER, Maria Lúcia. Agricultura e mercado de trabalho: trabalhadores brasileiros livres
nas fazendas de café e na construção de ferrovias em São Paulo, 1850-1890. Estudos
Econômicos. São Paulo, IPE-USP, 37(2):353-372, abr./jun. 2007.
RESUMO. Este artigo examina o emprego de trabalhadores brasileiros livres em diversas
atividades nas fazendas de café e na construção de ferrovias em São Paulo na segunda
metade do século XIX. A historiografia sobre o tema ressalta, em geral, a ausência/
marginalidade dos trabalhadores nacionais na economia agroexportadora, seja assumindo a
exclusão dos trabalhadores brasileiros considerados "vadios" e "indolentes" pela sociedade
contemporânea, seja privilegiando os aspectos culturais desse grupo de população que
resistia em se submeter aos novos moldes de dominação e padrões de eficiência e disciplina
impostos neste momento de transição para o trabalho livre. Destacando o engajamento dos
trabalhadores brasileiros nas mais diversas tarefas dos dois setores e a peculiaridade do
emprego nessa economia rural baseada no trabalho escravo, o texto argumenta que, na
verdade, era justamente a incapacidade da agricultura de gerar emprego durante todo o ano
que produzia um padrão de instabilidade e mobilidade geográfica no mercado de trabalho
rural, irregularidade/instabilidade que muitos identificavam como ociosidade e justificavam o
recurso a legislações repressivas.
LOPES, Luciana Suarez. Uma economia em transição: a economia e a alocação de riqueza na
antiga vila de São Sebastião do Ribeirão Preto, década de 1870. História Econômica & História
de Empresas. São Paulo, Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica, vol.
X, n. 2, 2007, p. 63-104.
RESUMO. A autora estuda, para a década de 1870, a economia e a alocação de riqueza na
antiga vila de São Sebastião do Ribeirão Preto. A fonte documental utilizada são os inventários
post-mortem da localidade. Nesse período, o pequeno núcleo urbano passou por uma série de
transformações, as quais foram essenciais na preparação do que se tornaria um dos
principais núcleos produtores de café do interior paulista no último quartel do século XIX. Os
diversos bens encontrados no corpus documental considerado foram agrupados em cinco
categorias -- bens imóveis, escravos, animais, bens móveis e dívidas ativas -- e os valores,
originalmente expressos em mil-réis, foram transformados em libras esterlinas. É
contemplada, também, a estrutura de posse de cativos.
NADALIN, Sergio Odilon. Reconstituir famílias e demarcar diferenças: virtualidades da
metodologia para o estudo de grupos étnicos. Revista Brasileira de Estudos de População.
São Paulo, ABEP, v. 24, n. 1, jan./jun. 2007, p. 5-18.
RESUMO. Este artigo pretende revisitar alguns textos concernentes a um grupo de imigrantes
de origem germânica e seus descendentes em Curitiba (Paraná), marcando as virtualidades da
metodologia das reconstituições familiares. Seu conteúdo considera uma necessária atitude
crítica que pautou o desenvolvimento desses trabalhos, tendo em vista principalmente as
limitações da metodologia e das próprias fontes "paroquiais". Os primeiros resultados
centraram-se em estudos de fecundidade de três coortes de casamentos (1866-1939) e, na
continuidade, desenvolveram-se esforços no sentido de explorar a base de dados com
objetivos que extrapolaram a demografia histórica stricto sensu. O quadro teórico da
investigação está alicerçado numa história da construção de fronteiras étnicas, tendo como
horizonte a imigração européia, a urbanização, questões político-ideológicas e a história de
uma instituição religiosa.
Notícia Bibliográfica
Metcalf, Alida C. Go-Betweens and the Colonization of Brazil, 1500-1600. University of Texas
Press, 2005, 391 p.
APRESENTAÇÃO. Doña Marina (La Malinche) ...Pocahontas ...Sacagawea - their names live on
in historical memory because these women bridged the indigenous American and European
worlds, opening the way for the cultural encounters, collisions, and fusions that shaped the
social and even physical landscape of the modern Americas. But these famous individuals
were only a few of the many thousands of people who, intentionally or otherwise, served as
"go-betweens" as Europeans explored and colonized the New World.
In this innovative history, Alida Metcalf thoroughly investigates the many roles played by gobetweens in the colonization of sixteenth-century Brazil. She finds that many individuals
created physical links among Europe, Africa, and Brazil - explorers, traders, settlers, and
slaves circulated goods, plants, animals, and diseases. Intercultural liaisons produced mixedrace children. At the cultural level, Jesuit priests and African slaves infused native Brazilian
traditions with their own religious practices, while translators became influential go-betweens,
negotiating the terms of trade, interaction, and exchange. Most powerful of all, as Metcalf
shows, were those go-betweens who interpreted or represented new lands and peoples
through writings, maps, religion, and the oral tradition. Metcalf's convincing demonstration
that colonization is always mediated by third parties has relevance far beyond the Brazilian
case, even as it opens a revealing new window on the first century of Brazilian history.
LIMA, Carlos A. M. Artífices do Rio de Janeiro (1790-1808). Rio de Janeiro, Editora Ateliê, 2007.
RESUMO. Analisa as condições de existência do artesanato na sociedade colonial, na
passagem do século XVIII para o XIX. Estuda a cidade do Rio de Janeiro, usando como fontes
básicas os regimentos dos exames corporativos, as licenças para oficinas, dadas pela Câmara
da cidade e inventários post-mortem de artesãos. Demonstra que o artesanato era de natureza
escravista e colonial, o que resultou na dependência frente ao capital mercantil, num processo
produtivo tosco, com limitadas possibilidades de acumulação e mobilidade social, em padrões
de crescimento puramente extensivos e na liberação de interações competitivas entre os
mestres artesãos, sabotando a organização tradicional européia dos artífices em corporações
de ofício.
ANDRADE, Marcos Ferreira de. Elites regionais e a formação do Estado imperial brasileiro:
Minas Gerais, Campanha da Princesa (1799-1850). Rio de Janeiro, Arquivo Nacional.
APRESENTAÇÃO. O trabalho, terceiro colocado no Prêmio Arquivo Nacional de Pesquisa
2005, acaba de ser publicado. Para mais informações sobre a obra
Publicações Recebidas
MERIÑO FUENTES, María de los Ángeles & PERERA DÍAZ, Aisnara. Matrimonio y Familia en el
ingenio: una utopía posible. La Habana (1825-1886). La Habana, Editorial Unicornio, 2007, 122
p.
APRESENTAÇÃO. Nossas premiadas colegas cubanas nos oferecem, em sua mais recente
obra, uma visão pormenorizada das famílias escravas de dois engenhos de açúcar localizados
na província de La Habana (Cuba). Seus estudos, em larga medida pioneiros, têm-se marcado
pela formulação de métodos inovadores, pela abrangência das perspectivas analíticas
adotadas e pelo enfrentamento de temas que levam à reconsideração de postulações tidas
como firmemente estabelecidas pela historiografia tradicional. Assim, ao se debruçarem
novamente sobre a família cativa, não só alargaram nosso conhecimento referente às
características e peculiaridades assumidas pela instituição em Cuba, mas, correlatamente,
deram à luz mais evidências do quão afastados da realidade estavam os que consideravam
inviável a existência de uniões matrimoniais regulares e estáveis no âmbito do escravismo
moderno, em geral, e, em particular, nos quadros da sociedade escravista cubana. Além disso,
como bem lembrado por Robert W. Slenes, a quem coube elaborar o elucidativo prefácio do
volume em tela, as autoras estabeleceram métodos originais de pesquisa, adequados às
particularidades da documentação eclesiástica e civil de Cuba; puderam elas, dessa maneira,
acompanhar as famílias estudadas ao longo do tempo. Destarte, somos conduzidos do
passado colonial aos dias correntes. Tal fato possibilitou o relacionamento entre o passado
histórico e a vida presente: aquele, haurido na rica documentação escrutinada, esta última
alcançada pelas entrevistas prestadas a nossas inquietas autoras pelos descendentes
daquelas antigas famílias. Ademais, os estudiosos da sociedade brasileira pretérita devemos
um agradecimento adicional às autoras, pois os resultados aos quais chegaram aproximam
ainda mais nossas duas sociedades escravistas, fazendo-nos ver como eram semelhantes o
Brasil e Cuba.
NETTO, Fernando Franco. População, escravidão e família em Guarapuava no século XIX.
Guarapuava, Unicentro Editora, 2007, 394 p.
Obra relevante para avaliar-se a importância de Guarapuava quanto ao entendimento do
funcionamento da escravidão no Brasil. Por pequeno que fosse o contingente local de cativos,
em comparação com o que se passava em províncias como a Bahia, Minas, São Paulo e Rio de
Janeiro, a leitura deste trabalho aumenta muitíssimo de rendimento quando nos lembramos de
que o Brasil era, nessa época, muito mais parecido com Guarapuava que com o Rio de
Janeiro, por exemplo.
A primeira característica que faz de Guarapuava caso-chave para, por semelhança, entender
o Brasil, é a própria pequenez da população escrava. Impossível, hoje em dia, reter a imagem
de que a sociedade escravista brasileira se assentava em populações majoritariamente
escravas. Não era isso que se passava nem mesmo nos núcleos da agricultura escravista,
com seu papel estruturador.
Em segundo lugar, havia o fato de que Guarapuava era uma área de fronteira. O Império
Brasileiro, com um habitante para cada dois quilômetros quadrados na época da
Independência (população além do mais concentrada), atingiu seu termo contando com
apenas muito pouco menos que um quilômetro quadrado por habitante (e população ainda
concentrada). Terra, terra e mais terra mais à frente, para quem enfrentasse os sertões, e
muita gente o fazia. O registro contraditório segundo o qual essa ocupação se dava aparece
com força nesse trabalho: um padrão estranho em que, ao mesmo tempo que os recursos
mais atraentes disponíveis nesses sertões viriam a ser detidos por poucas mãos, ainda assim
acorria com ânimo às áreas novas uma pobreza renitente que, para as condições de cada um
desses locais, seria numerosa.
Em terceiro lugar, a velocidade com a qual tudo se passou no que hoje é o centro do Paraná
é carregada de ensinamentos. Esse crescimento acelerado enfrentava, pelo menos na primeira
metade do século XIX, condições que já foram consideradas difíceis, como no que se escrevia
na época em que se desconhecia o descompasso entre as dinâmicas das economias brasileira
e atlântica. É preciso não esquecer que a formação da sociedade escravista local se deu, e
com velocidade, em meio a uma onda longa recessiva (se é que ainda é possível falar em
ondas longas), estendida entre meados da década de 1810 e a metade do século. Além disso,
a constituição dos negócios escravistas locais ocorreu enfrentando uma primeira
desorganização do mercado de escravos no Império, desorganização essa desencadeada pela
pressão inglesa contra o tráfico africano e pela primeira proibição deste último. A população
de Guarapuava cresceu em um pouco mais de dez por cento no curtíssimo intervalo de cinco
anos estendido de 1835 a 1840. Isso parece pouco, mas significa de fato um crescimento
geométrico anual de mais de 2%, isso depois de ter crescido à incrível taxa de quase 12% ao
ano entre 1828 e 1835 (neste último caso, excluindo-se do cálculo a população indígena
aldeada). Números absolutos sempre pequenos, mas taxas invariavelmente assustadoras.
O caso de Guarapuava é crucial também para entendermos os processos migratórios no
Brasil da época, muito mais importantes do que sempre se pensou. A pesquisa detectou uma
maioria masculina entre os escravos de Guarapuava, mas essa maioria masculina não
resultava, como era, digamos, clássico no Brasil, das importações de africanos. Como as
gerações nascidas no Brasil tinham números parecidos de homens e mulheres, coisa que
acontece com qualquer coorte, ficamos então com boa demonstração de que os cativos
guarapuavanos podem ser vistos como migrantes internos forçados.
Isso, para citar outro dado de extrema oportunidade do trabalho permitindo reavaliar o lugar
do absenteísmo no Brasil. A fronteira aberta e os avanços e recuos, marchas e contramarchas
de sua apropriação conduziam à multiplicação das unidades agrárias possuídas por
magnatas, e não à formação de grandes unidades integradas. Tinha-se muita terra possuindo
muitos pedaços, e não através da apropriação de inteiras províncias. Ou então as pessoas
retinham ao mesmo tempo unidades agrárias nos pontos de partida (no caso do pessoal de
Guarapuava, tratava-se Curitiba, Palmeira, Campo Largo) e nas partes para onde o avanço da
fronteira as levava. A pecuária permitia tudo isso, e facultava a formação de unidades
escravistas peculiares, com um absenteísmo sem feitores. Afinal, para onde fugiriam os
escravos? Eram limitados apenas pela pequenez das escravarias no processo de formação de
suas famílias e de estabelecimento de suas roças, tendo para isso terra e tempo - deixado este
para eles pela forte sazonalidade da criação de gado.
A população escrava de Guarapuava destoava daquela do Paraná em seu conjunto, ao
menos a crer-se no clássico trabalho de Horácio Gutierrez. Nos momentos iniciais (1828), a
proporção de crianças (até 14 anos) era alta, tendendo a baixar em seguida, reduzindo-se a
menos que os 40% tornados famosos por Gutierrez. Na mesma proporção, acrescia a
participação do pessoal escravizado com idades entre 15 e 39 anos, máximo de rentabilidade
(o que se avalia pelos preços de cativos). A caracterização de Guarapuava como área
produtora para o mercado interno não é suficiente para compreender as condições locais,
caso contrário não se explicariam as diferenças entre a localidade e o restante do Paraná. As
características da população escravizada sugerem que é preciso levar em conta o avanço da
fronteira agrária, os padrões migratórios (os dos senhores e os forçados, dos escravos) e
mesmo o ciclo de vida dos proprietários, de modo tal que se está diante de uma população
quase que criada pela movimentação geográfica e pelos contatos interétnicos. Caminha na
mesma direção o fato de a população escrava adulta ter tido parcela masculina muito
preponderante para padrões paranaenses, mas ao mesmo tempo muito poucos africanos,
mesmo na época de formação da vila, intervalo no qual as importações de escravos
provenientes do Velho Mundo cresceram até mesmo na forma de desembarques diretos em
Paranaguá. Por outro lado, deve-se atentar para as razões criança/mulher encontradas, assim
como à fecundidade das escravas.
A reconstrução da parentela de Benedito e Brasília, casal de escravos de José de Siqueira
Cortes, é carregada de ensinamentos. A família pode ser observada transitando pelas
normatividades relacionadas à capacidade de reprodução de escravarias, às escolhas e
constrangimentos da formação de laços familiares, à alforria, ao compadrio e aos arranjos e
desarranjos estabelecidos como reações ou como resultado das transferências de
propriedade ligadas à vida econômica e familiar (partilhas, doações) do proprietário. Pertencia
ao mesmo proprietário a escrava Florinda, e quanto a ela se acompanha o mesmo leque muito
amplo de práticas, com a diferença de que Florinda, diferentemente de Benedito e Brasília, deu
origem a uma família que os historiadores gostam de classificar como matrifocal. Há vários
outros exemplos de famílias escravas com trajetória reconstruída, e os dados aqui
trabalhados devem ser levados em consideração para lidar com as chamadas hipóteses
processuais, que têm tido forte impacto na historiografia recente da família escrava. Além da
temporalidade do Atlântico, ou da sociedade brasileira como um todo, ou da região em seu
conjunto, ou ainda da população escrava local, muita coisa só pode ser compreendida quando
atentamos para a temporalidade dos laços e interações estabelecidos entre os cativos.
Famílias escravas tinham uma História própria.
Os diagramas permitem formular algumas suspeitas extremamente produtivas em relação à
articulação daquelas variáveis. Percebe-se que, ao final das carreiras reprodutivas daquelas
mulheres e famílias, começavam a deixar de ser preponderantes os padrinhos livres. Mas o
que começava a aparecer eram os pouquíssimos libertos de Guarapuava. Aqui uma hipótese
instigante: o compadrio consagrava a relação de escravos com forros cuja liberdade esteve
ligada, é o que a trajetória informa, à continuidade dos laços familiares entre cativos. Não é
comum na historiografia brasileira essa articulação entre variáveis.
Desde a discussão sobre estrutura de posse de escravos até aquela a respeito da
estruturação dos domicílios, há intensa discussão e forte utilização das metodologias
calibradas ao longo dos anos pelos pesquisadores. Os modos de incorporação de escravos
aos plantéis, pode-se verificar o imenso impacto, discreto apenas porque os números são
sempre pequenos, das migrações forçadas de cativos para Guarapuava. O caso do
cruzamento das informações das listas nominativas, dos inventários post-mortem e do
Recenseamento de 1872, a fim de mensurar o impacto do tráfico interprovincial de escravos
da segunda metade do século XIX, ou então as aproximações realizadas entre os dados do
registro paroquial de terras, os inventários e as listas nominativas. A importância para a
compreensão do lugar da agricultura de alimentos no Paraná, identificando a quase
onipresença de unidades agrárias compósitas, embora predominantemente criadoras. Da
mesma forma, fazia falta mais uma confirmação do declínio observado na formalização das
famílias escravas durante o século XIX, assim como uma avaliação dos avatares do o
compadrio escravo, na passagem da primeira para a segunda metade do século XIX.
(Apresentação preparada pelo autor da obra com base naquela estampada no livro e escrita
pelo Prof. Carlos Lima).
GUIMARÃES, Elione Silva & MOTTA, Márcia Maria Menendes (orgs.). Campos em disputa:
história agrária e companhia. São Paulo, Annablume / Núcleo de Referência Agrária, 2007, 406
p.
APRESENTAÇÃO. Esta coletânea de textos representa uma esforço coletivo para delinear e
mesmo refigorar a linha de pesquisa em História Agrária ou História Social da Agricultura.
Trata-se de mais um dos frutos do Núcleo de Referência Agrária, cuja tarefa de divulgar
estudos dedicados aos temas que o norteiam tem-se estendido pelos últimos dez anos. A
primeira parte da obra -- História Agrária e Econômica -- vota-se ao diálogo com a História
Econômica, o esforço das organizadoras foi o de trazer à luz as novas temáticas gestadas na
linha da história econômica e sua contribuição para os estudos sobre o universo rural. A
segunda parte -- História Agrária e Direito à Terra -- contempla o campo do conflito pela posse
da terra em suas múltiplas dimensões. No terceiro e último conjunto de artigos -- História
Agrária e Identidades -- é estabelecida a ponte entre a faceta concernente ao aludido conflito e
aquela representada pelos estudos sobre identidades sociais. Estamos em face, pois, de um
rico repositório de textos que iluminam os caminhos mais prolíficos trilhados nos últimos
lustros pelos pesquisadores da área. (com apoio na Apresentação elaborada pelas
organizadoras do volume).
Notícias e Informes
CONHEÇA AS ATIVIDADES E O RICO ACERVO DO NÚCLEO DE ESTUDOS E
MODELOS ESPACIAIS SISTÊMICOS
Colocado sob a coordenação de nosso colega Eustáquio José Reis e sediado no IPEA/RJ, o
Núcleo de Estudos e Modelos Espaciais Sistêmicos (Nemesis) congrega pesquisadores de
diversas áreas de conhecimento científico vinculados a várias instituições. O foco das
pesquisas do núcleo são modelos espaciais dos processos demográficos, econômicos e
ambientais que permitam analisar os padrões históricos, geográficos e institucionais de
desenvolvimento brasileiro e, sobretudo, avaliar os efeitos locais e regionais das políticas
governamentais no Brasil. A perspectiva sistêmica manifesta-se na busca de explicação do
comportamento do país, das regiões, ou de estados específicos, pelas relações entre suas
unidades geográficas ou administrativas (estados, municípios e setores censitários). Para
viabilizar as pesquisas, um dos produtos fundamentais do Nemesis é a organização de base
de dados socioeconômicas, geoecológicas e político-administrativas em vários níveis
geográficos que se encontram disponíveis em seu sítio ( www.nemesis.org.br ), na Memória
Estatística do Brasil ( www.memoria.nemesis.org.br ) e, sobretudo, na página regional do
Ipeadata ( www.ipeadata.gov.br/ ) com respeito à qual merece realce o painel de dados
municipais para o período 1872-2000.
V Simpósio Internacional do Centro de Estudos do Caribe no Brasil-CECAB
“Fronteiras e Culturas em movimento: África, Brasil Caribe”
Salvador, Bahia, Brasil
30 de setembro a 3 de outubro de 2008
As interconexões culturais e políticas entre África, Brasil e Caribe são resultantes de um
passado colonial comum e das relações mantidas entre essas regiões no atual processo de
globalização. Desse modo, pensar nessas culturas em movimento é reagir contra as noções
estáticas de centro e periferia, das identidades, de culturas monolíticas e fixas na tradição, de
fronteiras como limites e não como interstícios abertos à negociação e ao diálogo
intercultural, mas também ao debate e às tensões, bem como o respeito à diversidade cultural.
Para esse debate, o Centro de Estudos do Caribe no Brasil (CECAB) está organizando, em
parceria com a Universidade Federal da Bahia (UFBA), o seu V Simpósio Internacional que se
realizará em Salvador, Bahia, de 30 de setembro a 3 de outubro de 2008, cujo tema principal
será “Fronteiras e Culturas em Movimento: África, Brasil e Caribe”.
PARA CONHECER O TEOR INTEGRAL DA CONVOCATÓRIA
III Encuentro Regional de Historia y Ciencias Sociales
I Encuentro regional de Geohistoria
Rivera- 3-4-5-octubre 2008
En el año 2002 convocamos al 1er. Encuentro Regional de Historia, que se realizó en la ciudad
de Rivera, en ese momento el proyecto se planteaba la realización de un encuentro anual
rotativo entre las diferentes ciudades del norte uruguayo. Así en 2003 se organizó en la ciudad
de Melo, departamento de Cerro Largo. Desde entonces y por diversos motivos no pudo volver
a realizarse. Este año 2008, el Centro de Documentación Histórica del Río de la Plata, con sede
nacional en Rivera, ha decidido promover el 3er Encuentro Regional de Historia y ampliarlo en
su convocatoria a todas las Ciencias Sociales, así como a crear un nuevo espacio de reflexión
interdisciplinaria denominado Geohistoria. Este encuentro lo definimos como un espacio de
comunicación y de intercambio de conocimientos, con especial énfasis en las diferentes
investigaciones, propuestas de trabajo, prácticas pedagógicas, acciones culturales, que están
siendo desarrollados a ambos lados de la frontera uruguayo-brasilera.
PARA LER O TEXTO INTEGRAL DA CONVOCATÓRIA