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PANORAMA HISTÓRICO E SOCIAL DA LITERATURA EM LÍNGUA ESPANHOLA
AULA 01: ORIGENS DA LITERATURA EM LÍNGUA ESPANHOLA, IDADE MÉDIA E PRÉ-RENASCIMENTO
TÓPICO 03: A PRODUÇÃO LITERÁRIA
O descobrimento em 1948, das jarchas, pequenas estrofes compostas no
romance falado pelo mozárabes ( mescla de cristãos e árabes.) que eram
cantados pelas pessoas do império Al-Andaluz, marcam as primeiras letras
da península. Como nos indica Pedraza y Rodríguez (2000), nas jarchas:
Oímos la voz de una mujer que casi siempre canta el mal de amores provocado
por la ausencia o enfermedad del amado. Estos desgarrados lamentos, que
Fonte [1]
expresan la angustia de la soledad y el abandono, van dirigidos al amigo, o a la
madre, hermanas o compañeras con quienes la joven desahoga sus penas (pág.
30).
Com o rei Alfonso X, encontraremos uma narrativa estimulada por ele e
muitas vezes produzida por aquele monarca. É a chamada prosa histórica,
com as crônicas e textos jurídicos. Estes últimos sem nenhum valor estético.
Já a narrativa histórica das crônicas como o texto de 1274, Estoria de
España, apresenta um novo valor estético de acordo com o que os autores
acima citados nos dizem:
Frente a la sequedad y la prosa escueta de las crónicas anteriores, estas
obedecen a un criterio estético. En medio de su sencillez, el lenguaje tiene una
poderosa eficacia expresiva.
OS CANTARES DE GESTA E O CANTAR DE MIO CID
A empreitada da reconquista empreendida pelo reino central de Castilla
fará surgir na literatura espanhola um personagem que perdurará até depois
da idade média: o cavaleiro. Dada a necessidade de reiteradas batalhas
contra os mouros do Al-Andaluz, os reinos contaram com os cavaleiros que
serviam à coroa, à figura do rei, de maneira fiel e brava. As narrações destas
batalhas, das aventuras destes cavaleiros, se concretizaram nos cantares de
gesta.
Fonte [2]
Os cantares de gesta têm um caráter eminentemente popular. São
definidos como:
Relatos en verso, de composición oral, en los que se exaltan las hazañas (gestas)
de héroes estrechamente vinculados a la colectividad a la que se destina el
poema. A través del juglar, desempeñan un importante papel social, pues
además de servir de diversión, sustituyen en cierta medida a unos medios de
comunicación que entonces no existen (PEDRAZA y RODRÍGUEZ, 2000, p. 31).
De fato, a separação entre os textos históricos e de ficção resulta difícil
nos primeiros anos de desenvolvimento da prosa. Os textos narrativos
ficcionais muitas vezes se estabelecem da corrupção da narrativa histórica.
Assim, é importante considerar que os textos anteriores de prosa jurídica e
histórica do período de Alfonso X, são importantes para a formação de uma
linguagem apta a ficção literária posterior (GONZÁLEZ, 2010).
É a partir desta formação da prosa marcada pela mescla entre realidade
e ficção que surge o texto considerado inaugural de uma nova estética
narrativa: El Cantar de Mio Cid, pertencendo a uma estética chamada
“Mester de Juglaría(Oficio de Juglares)”.
O texto anônimo, Cantar de Mio Cid, que narra os feitos de um
personagem histórico, Rodrigo Díaz de Vivar (El Cid), não tem data acordada
entre os pesquisadores que divergem quanto a isso. De qualquer modo,
podemos enquadrá-lo no final do século XII ou princípios do XIII. O texto é
importantíssimo por duas razões: sua antiguidade e seu valor estético.
Fonte [3]
Como se disse anteriormente, ainda não existia a imprensa, assim, a
comunicação não tinha as facilidades advindas da criação de Gutenberg. As
gestas espanholas cumpriam um papel social muito importante, como temos
afirmado. Tal papel condicionou seu estilo:
Es tan obvia la relación épica-propaganda-clase dominante-héroe, que el
género ejemplifica de modo paradigmático el hecho de que las ideas dominantes
en una época determinada sean las de la clase entonces dominante. La épica es
un arte público, oral y juglaresco, y subsiste como tal mientras subsiste la
sociedad a que pertenece, el mundo cerrado y orgánico del feudalismo, mientras
no se produce la fragmentación de este sistema (AGUINAGA, PUÉRTOLAS
&ZAVALA, 2000, p. 62).
O povo sentia, assim, a necessidade de conservar sua história e, sem
dominar a linguagem escrita, o fazia cantando. A linguagem, pois, era
arcaizante, de uma composição que nos chega depois de várias reescrituras
do texto ao longo do tempo. As idéias se reiteram excessivamente através de
uma linguagem que as repete.
Para terminar, pois não é a intenção, como já foi dito anteriormente,
aprofundar-se nas considerações, já que as disciplinas de literatura tratarão
de detalhar mais, terminaremos esta descrição dos cantares de gesta com
uma última informação sobre a importância destes textos:
A épica castelhana se distingue nesse contexto, em função de sua maior
proximidade cronológica com os fatos históricos. Dessa maneira, há menos
espaço para a fantasia e numerosos elementos aparecem próximos à realidade
histórica que os inspirou; da mesma maneira, a realidade geográfica é
representada com maior fidelidade (GONZÁLEZ, 2010, p. 95).
Deste modo, as gestas cumprem um papel fundamental, embora sendo
consideradas obras de ficção, de registro histórico da sociedade da época.
MESTER DE CLERECÍA
O século XIII trará em oposição ao mester de juglaría outra estética: o
Mester de Clerecía ( Oficio de Clérigos.) . Trata-se de uma poética culta, com
cuidados formais como o uso do verso alexandrino ( de 14 sílabas.) e a
chamada cuaderna vía ( estrofes de quatro versos com rima consonântica
comum.) . Por ter sido feita em sua maioria absoluta por homens do clero, os
temas costumam ser de caráter religioso com um fundo de moralidade.
Fonte [4]
Lembre-se que estamos na idade média, quando o poder da Igreja
Católica era o maior em termos culturais e religiosos e que se impunha à
sociedade. Como resposta aos cantares feitos pela população, de cunho
popular e secular, os clérigos tratavam de escrever histórias que tratassem do
sagrado e da moral, para lembrar às pessoas de Deus e de seus valores, que
estavam, então, no centro da cultura.
Embora se chame sempre atenção para que as pessoas não se enganem,
crendo que os valores clássicos do império romano e de sua cultura
desapareçam da noite para o dia, e que somente voltem a aparecer com a
queda de Constantinopla, marcando o final da idade média; é importante
recordar que “la Historia no posee bisagras”, com as palavras de González
(2010), para que se movam e o que estava detrás da porta desapareça.
O uso de uma métrica clássica como a alexandrina e a cuaderna vía, pelo
mester de clerecía, mostra bem isso. Como expressão desta estética, pode-se
apontar dois autores, cujos textos destacar-se-á para uma leitura no próximo
tópico da aula: Gonzalo de Berceo y el Arcipreste de Hita.
O que fizeram os autores do mester de clerecía foi elencar elementos do
popular cantar de gesta e enquadrá-los sob uma estética mais culta. Exemplo
disso é Gonzalo de Berceo que, de acordo com Pedraza y Rodríguez (2000), é
o primeiro poeta espanhol cujo nome se tem notícia. Os autores citados
consideram a Berceo:
[…] un juglar a lo divino, que aplica los recursos propios de los cantares de
gesta para captar la atención del receptor. Las figuras de los santos que exalta
son equiparables a las de los héroes épicos. Utiliza un lenguaje coloquial que
permite hacerse entender por todas las gentes iletradas. Se atiene siempre a la
regularidad de la cuaderna vía, con escasas imperfecciones (2000, p. 41).
Gonzalo de Berceo é conhecido como autor dos Milagros de Nuestra
Señora, obra composta por uma introdução e por vinte e cinco poemas que
contam milagres atribuídos à Virgem Maria. Como definem os autores que se
cita acima, sua linguagem é simples e hoje se vê seus textos como uma forte
propaganda escolástica, com bastante apelo popular e que buscava tocar
exatamente as pessoas mais simples, deixando-as convencidas dos valores
eclesiásticos que defendia:
Quiero fer una prosa en román paladino,
en el qual suele pueblo falar a su vecino.
Traduzindo: “Quiero hacer un poema en lengua vulgar, / en la cual suele
el pueblo hablar con su vecino”. Estes dois versos de Berceo mostram a
influencia social interagindo de maneira decisiva na estética e temática de
sua obra. Como as pessoas mais simples não falavam latim, os clérigos
passaram a escrever na língua vernacular, em castelhano. De qualquer modo,
Berceo conseguia seu intento através do manejo hábil, com as palavras de
Aguinaga, Puértolas Zavala (2000), do respeito e temor que as massas
analfabetas sentiam pela letra escrita.
Mais adiante, após mostras dos versos do poeta espanhol, os autores
sentenciam: “Queda así claro el propósito del “ingenuo ” y “ primitivo (Os
termos ingênuo e primitivo pertecem à crítica desavisada do poeta que
interpretou alguma vez a simplicidade de sua linguagem como sendo
descuido.) ” poeta: servir a los intereses económicos de su cenobio.” A
mostra dos poemas é a seguinte:
si estos votos fuessen lealmente enviados,
estos santos preçiosos serien nuestros pagados;
avriemos pan e vino, temporales temprados,
non seriemos commo de tristiçia menguados.
(Si estos votos fuesen lealmente cumplidos, / estos santos preciosos estarían
contentos de nosotros, / tendríamos pan y vino, tiempo templado, / no
estaríamos, como estamos, llenos de tristeza)
Fragmento e tradução tirados de: AGUINAGA, PUÉRTOLAS &ZAVALA, Historia Social de la
Literatura Española vol. I. Madrid: Ediciones Akal S.A., 2000.
Observemos a exortação que faz o clérigo em seus poemas para que as
pessoas façam doações e ofertas à igreja, para que os santos fiquem
satisfeitos e ajudem em suas necessidades.
O TEATRO PRIMITIVO CASTELHANO
A verdade é que os autores concordam que não se pode falar de um
teatro medieval espanhol, pois quase não há documentos teatrais da época
inicial das letras castelhanas. Das pouquíssimas encontradas até hoje, está
Auto de los Reyes Magos, de autoria desconhecida e datado do final do
século XII, começo do XIII. Imcompleta, a peça se centra no episódio bíblico
dos reis magos a Jesus Cristo. Correto será dizer que a primeira grande obra
Fonte [5]
teatral em língua castelhana será La Celestina, já na alvorada do
Renascimento, do qual se falará adiante.
O ARCIPRESTE JUAN RUIZ E O LIBRO DE BUEN AMOR
Fonte [6]
Ante o início do ocaso do sistema feudal, no século XIV, surge a obra
mais complexa e polêmica da Idade Média Espanhola, extraordinária por
vários aspectos: pela maturidade de seu estilo, pelos diversos temas inseridos
nela e por seu registro sócio-histórico: El libro de Buen Amor, de Juan Ruiz.
O século XIV é marcado pelo início da crise do sistema feudal. Muitos
foram os acontecimentos que levaram a esta crise, conforme nos indica
Aguinaga, Puértolas Zavala (2000, p. 97-99):
1. As sucessivas pestes que assolaram a Europa;
2. A fuga dos camponeses para as cidades, devido as pestes;
3. A falta de mão de obra para o trabalho nos campos e manutenção do
estilo de vida feudal;
4. Pela primeira vez, ocorrem imposições de condições para sua atuação
no trabalho, por parte dos camponeses aos proprietários, registrando-se
assim as primeiras reivindicações sociais da história;
5. Incapacidade da classe dominante tradicional para controlar e explorar
a força de trabalho camponesa;
6. Aumento do comércio e da atividade monetária nas cidades;
7. Um cisma da igreja católica que, em determinado período, chegou a ter
três diferentes papas ao mesmo tempo, cada um respondendo aos
interesses dos poderes presentes na Europa, debilitando o poder da
igreja;
8. Deterioração das relações sociais, servis e paternalistas em que os seres
humanos viviam suas vidas como imutáveis e estáveis.
É exatamente neste momento de crise do sistema feudal que aparecem
pela primeira vez manifestações subjetivas na literatura, que não estão
ligadas ao mundo exterior ou às relações do homem com este mundo, senão
com sentimentos como solidão, angústia e insegurança.
Desta forma, o Libro del Buen Amor, do Arcipreste de Hita, aparece
como documento de extrema importância de manifestação desta crise nas
páginas literárias. Muitos estudiosos incluem o livro de Juan Ruiz na estética
do Mester de Clerecía ( por isso o fizemos no tópico “Panorama”, no início da
aula.) , contudo, a polêmica que envolve o texto do sacerdote faz com que
haja grandes divergências quanto a esta inclusão.
O que causa a polêmica é a inserção no texto, por parte do autor, de
múltiplos elementos das culturas que povoavam a península e, claro, o
território castelhano; como consequência, há uma mescla dentro do texto de
episódios de elevado erotismo para a época narrados pelo autor e, em
contraponto, histórias voltadas para a religiosidade. A existência, em um
mesmo livro, de situações tão distintas levou a anos de discussão sobre o
objetivo de Ruiz em mesclar tantas diferenças. Uns o vêem como um cínico
que põe nas páginas de seu livro suas aventuras amorosas; outros o vêem
como defensor da moral, usando histórias mais eróticas para defender a vida
redimida e religiosa; e alguns, como o professor González (2010), dizem:
Antes do que discutir a finalidade, didática ou não, moralizante ou não, do livro
do Arcipreste, atente-se para o seu papel, como texto literário que é, dentro de
determinadas coordenadas históricas [...] num meio cristão com fortes
inferências mulçumanas e hebraicas (p. 125).
Assim, o livro, com sua pluralidade de elementos, sendo um
impressionante exemplo da conjunção das várias culturas, própria de
Castilla, dá um passo importante para a modernidade, por trazer à baila uma
discussão sobre a existência humana para além de sua relação com Deus.
Pela primeira vez, um autor fará uma autobiografia, que não se preocupa
com a salvação da alma como nos textos de Berceo ou com a temática de
narrar as aventuras de um cavaleiro, como nos livros de cavalaria. As
personagens femininas, que no texto são muitas, dada a narração da
autobiografia amorosa do autor, evidenciam a crise da idealização feminina
de então.
Sobre isso ler o capítulo “O Arcipreste de Hita e seu Libro de Buen
Amor”, do livro do professor Mario González já citado anteriormente.
Ademais, a obra se caracteriza por possuir um riquíssimo vocabulário,
jogos de palavras e incorporação de ditos tradicionais e do léxico popular,
convertendo-se, assim, não somente numa herança da métrica e de certo
didatismo do mester de clerecía, senão uma evolução e superação desta
estética, pois, além de inovar nos versos, distanciando-se da cuaderna vía,
várias vezes, incorpora a paródia e a comicidade (GONZÁLEZ, 2010).
O FINAL DO SÉCULO: COPLAS A LA MUERTE DE SU PADRE
Se o século XIV fica marcado pelo início da decadência do modo de vida
medieval, o século XV pode-se considerar como o período da separação deste
mundo:
1. O humanismo começa a se desenvolver no pensamento humano e
avança;
2. A luta pelo poder entre a oligarquia da nobreza e a Coroa aumenta;
3. Há, pois, uma perda clara e progressiva dos valores tradicionais;
3. A burguesia, formada pelos comerciantes e pequenos donos de
propriedades nas cidades e judeus novos, começa seu avanço,
proporcional ao avanço do comércio e das relações monetárias.
DATAS E ACONTECIMENTOS RELEVANTES DO SÉCULO XV PARA
O CRESCIMENTO DO IMPÉRIO ESPANHOL. CLIQUE NAS ABAS
ABAIXO:
Em 1474, a princesa Isabel sobe ao trono de Castilla, casada com o
príncipe Fernando herdeiro da coroa catalano-aragonesa. Esta união funde
dois reinos fortes da península, um de forte presença peninsular e o outro
com importantes conquistas no Mediterrâneo, como o reino de Nápoles.
Conquistas que determinarão as letras do próximo século por influência da
Itália na arte espanhola.
A união dos reinos, embora respeitadas as leis e estatutos de cada um,
significará o início da formação do estado absolutista e poderoso que
caracterizará o poder dos auto-intitulados Reis Católicos. Este poder
colocará a Espanha no topo do mundo seja por seu poder econômico e
político, seja por sua influência na cultura e na arte nos próximos séculos.
Como braço secular da igreja em sua empreitada contra a Reforma
empreendida por Lutero na Alemanha, a Espanha atuará, ainda, com todo
o seu poder na expulsão dos judeus de seu território e na perseguição dos
que não professassem a fé de Roma.
No ano de 1480, se estabelece a temida Inquisição espanhola, que
difundirá o medo conhecido até hoje e, de tão absurdo e intolerante, que
servirá de anedota para artistas como os americanos do Monty Python, na
comedia do absurdo, que explorará exatamente o extremo das ações dos
que a formavam.
ASSISTA
Temos, abaixo, o vídeo da comédia do Monty Python a que nos
referimos para que o entenda:
Inquisicion española
[7]
Definitivamente, o ano que marcará fortemente a passagem da
Espanha para a modernidade será 1492. Repetimos as palavras de
González (2010), a história não possui dobradiças que se movam e de um
momento a outro se veja algo novo, depois da porta e se esqueça o que
ficou para trás. A reconquista da cidade de Granada, a expulsão dos judeus
da península e a chegada à América de Colombo, serão feitos que se
perpetuarão como marcos da história da Espanha, mas que não se
produzirão senão depois de muitos anos.
Efetivamente, quando Boabdil, o último dos reis muçulmanos, deixa
Granada, se firmará o poder dos reis Isabel e Fernando na península,
depois de um caminho lento e difícil de reconquista.
A chegada de Colombo à América significará a catarse de um império
em expansão que se desdobrará em domínios por todo o mundo e se
constituirá por mais de um século como o maior de todos.
Embora a saída dos judeus das terras castelhanas haja representado
uma perda irreparável para o comércio e finanças do império, o ponto de
convergência da união da península, sob o signo do cristianismo católico,
significará a hegemonia dos reis de Castilla.
Ainda no áureo 1492, se vê nascer a primeira gramática da língua
espanhola, uma obra extraordinária de Antonio Nebrija que, nas palavras
de Malmberg (1992), será o “pilar do espanhol literário e nacional, por sua
vez, meio de expressão do Império no século de Ouro”. A constituição deste
império cheio de contradições em si mesmo, a efervescência de uma nova
era, se verão representadas nas páginas de uma obra literária: La
Celestina. Mas, antes há que se falar de um poeta que desenvolverá o
lirismo em sua poesia, lirismo que apontará também, por sua vez, para a
tendência que reinará nas letras do início do renascimento: Jorge
Manrique.
Jorge Manrique, filho de Rodrigo Manrique, nasceu em 1440 e morreu
em 1479. Sua obra não terá a relevância muitas vezes exaltada, mas, nas
palavras de González (2010):
[…] não teria seu nome registrado com maior relevância como poeta, não
fossem essas quarenta estrofes que, além de serem fartamente conhecidas
por todo hispanofalante medianamente erudito, em função de sua qualidade
estética, significam uma belíssima síntese do pensamento da classe
dominante da Espanha (ou Castela, ao menos) à época (p. 172).
González se refere ao poema pelo qual
Manrique é conhecido: Coplas a la muerte de su
padre. Aristocrata, Manrique viveu como os de
sua classe: era erudito, lutou como soldado em
defesa da coroa e morreu defendendo-a. No
referido poema, partindo do tema concreto da
Fonte
[8]
morte de seu pai, o poeta vai direto ao comentário
dolorido da circunstância humana na vida e ante
a morte (AGUINAGA, PUÉRTOLAS & ZAVALA,
2000). É, pois, uma reflexão do poeta e um
convite ao leitor para fazê-la sobre a vida e a
morte e os valores do homem diante disso.
Para terminar o comentário deste texto, que fecha o século XV,
transcrevemos o que fala González (2010):
As “Coplas” são uma obra-prima, sem dúvida, do ponto de vista de sua
arquitetura, indo do geral ao particular e rompendo a possível monotonia
com a transição clara entre os diversos segmentos, até culminar no
dinamismo do drama particular de D. Rodrigo ante a morte. E a chave
desta construção é uma sucessão de belas metáforas que constroem diversas
alegorias para ilustrar o sentido da vida e da morte [...] Evidentemente, há
no poema a intenção de que o leitor leia aquilo que o poeta pensa e quer
transmitir; há, então, um didatismo que é ainda o lógico resíduo da poesia
erudita medieval, que, predominantemente, se pautou por esta difusão. (p.
186)
Assim, o poema de Jorge Manrique se encontra no topo de uma
estética, de um modo de escrever, embora apresentando o lirismo que o
caracteriza, faltará ainda o fim do didatismo, do fim da tradução das
metáforas, que se verá materializar na poesia do espanhol Garcilaso de la
Vega.
UM PASSO PARA A MODERNIDADE, LA CELESTINA
Sob o signo da modernidade, do início da conformação do Império
Espanhol na América, em Canárias, no norte da África, na herança aragonesa
da Itália, no centralismo administrativo do estado, na intolerância com os
não fiéis à fé católica e no absolutismo dos Reis, surge em 1499, La Celestina.
Embora não tenha surgido com este nome, senão com Comedia de Calixto y
Melibea (1499) e depois com a transformação em Tragicomedia de Calixto y
Melibea (1502).
Não se entrará aqui nas polemicas de autoria ou composição da obra. Na
disciplina de Literatura I, a discussão entrará em detalhes mais apurados.
Aqui, a tarefa será mostrar o valor da obra, hoje aceita como sendo de
Fernando de Rojas (1473/76 -1541), para a história da Literatura Espanhola.
Ou seja, seu valor estético, como obra de transição, ou pré-renascentista, ou
moderna, variando do estudioso que a qualifique.
Mas, independente de sua classificação, La Celestina é, sem dúvida, um
documento da transformação social, cultural e histórica por que passava a
Espanha na época de sua publicação. Clique na figura abaixo e leia mais
sobre obra:
Fonte [9]
O argumento da obra é muito simples: Calixto, jovem rico, filho de
poderosos burgueses da cidade, se apaixona por Melibea. Por
intermédio de uma velha, Celestina, consegue os favores da dama de
Melibea. Uma noite, depois de uma noite proibida no jardim de
Melibea, Calixto morre após cair do muro do pomar; Melibea se suicida
pela incapacidade de viver sem seu amante.
Contudo, por trás da simplicidade de argumento da peça, Fernando
de Rojas tece uma crônica de seu tempo: a dificuldade de união entre
um novo convertido e uma “cristã velha”; as relações conflitantes do
indivíduo com seu meio social; o condicionamento ao qual os
personagens parecem presos por sua situação social; a crítica aos
valores da época; o desnudamento das máscaras postas pela
aristocracia; tudo constitui o fio condutor da obra de Rojas e a colocará
no papel de importância que tem na literatura. A morte dos amantes, ao
final da peça, pode apontar para uma punição por seus atos, mas revela
muito mais que um didatismo medieval: revela a intenção do autor em
expor a contradição paradoxal dos personagens, na dificuldade ante o
querer ser e o que se impõe desde o exterior para que seja. A vontade de
gozar a vida, embora entendendo seu papel no mundo, aponta para
uma modernidade que não ocorrerá nos tempos da obra, mas nos anos
seguintes de renascimento e, por isso, também mostra o valor de La
Celestina. Os valores, contradições e angústias do ser humano quase
como protagonistas da obra, também revelam o forte humanismo que
ganhava espaço.
Como advertem Mario González (2010) y Aguinaga, Puértolas Zavala
(2000), não cairemos no equívoco de limitar a leitura de La Celestina a
apenas uma leitura. Seja desde o ponto de vista do paradoxo, apresentado
pelo primeiro, ou desde o ponto de vista do choque entre dois mundos (o
medieval e o renascentista), dado pelos seguintes, as leituras são somente
indicações. E finalmente se cita:
La Celestina corresponde a las circunstancias personales y ambientales de un
judío converso llamado Fernando de Rojas en la Castilla de finales del siglo XV.
Lo cual, sin embargo, siendo importante no basta todavía. Se trata de una obra
que refleja de modo admirable la situación de una Castilla en la que se ha roto el
organicismo feudal tradicional y teocrático […] y en la cual la fragmentación
del sistema medieval va acompañada de la fragmentación de la persona,
mientras ésta, por su parte, va cayendo más y más en la deshumanización como
consecuencia del nuevo absolutismo y de la irrupción violenta de los nuevos
valores […] (AGUINAGA, PUÉRTOLAS & ZAVALA, 2000, p. 206).
Como já apontado no início das considerações, La Celestina aparece
como uma obra literária de valor estético inestimável, de valor documental
também importantíssimo e como mostra de uma literatura que se
metamorfoseia como os tempos passados ante os novos que se anunciam no
horizonte.
FONTES DAS IMAGENS
1. http://3.bp.blogspot.com/_ryvQxJ1fO7c/SHU6Oh_hbNI/AAAAAAAAA
Bs/538Stxvt_Lg/s320/jarchas4.jpg
2. http://www.definicionabc.com/wp-content/uploads/gesta.jpg
3. http://2.bp.blogspot.com/-f9VtJTydXxI/UfG6DBTfnXI/AAAAAAAAJO
Q/Y-Li3beMP8A/s1600/CANTAR_MIO_CID.jpg
4. http://3.bp.blogspot.com/-PRR9OtfkZfU/TxMDsf0XutI/AAAAAAAAAA
k/VbobEUVV4Ss/s1600/Mester+de+Clerec%25C3%25ADa.jpg
5. http://www.calendamaia.cl/Forum/mercado.jpg
6. http://www.sarasuati.com/wp-content/uploads/2011/03/closeup.jpg
7. http://www.youtube.com/watch?v=8mzfyVluiIU
8. http://img1.mlstatic.com/jm/img?s=MLA&f=48847467_8141.jpg&v=P
9. http://1.bp.blogspot.com/_TUntXtsz5SY/TSOpZTjKoSI/AAAAAAAADD
k/TUNs0VJ3I4c/s1600/9788877548108.jpg
Responsável: Prof. Jimmy Robson
Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual