(Im)perfeitos.

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(Im)perfeitos.
MAIO/JUNHO 2013
CONCEITUAL
#06
(im)perfeitos
CONCEITUAL
#06
MAIO/JUNHO 2013
Publishers André Poli e Roberta Queiroz
Consultoria Editorial Eduardo Logullo | Marcos Guinoza
Conselho Editorial Renata Amaral, Carolina Szabó, Jéthero Cardoso,
Roberto Negrete e Alex Lipszyc
Diretora Executiva ABD Maria Cecília Giacaglia
Colaboradores Jéthero Cardoso, Luciana Diniz, Marcella Aquila,
Roberto Negrete e Vitor Penha
Diretor de Arte Eduardo Lima
Editor de Fotografia Renato Elkis
Jornalista Responsável Marcos Guinoza MTB 31683
Revisão Luciana Sanches
Pesquisa de Imagens Ricardo Braga
*
Publicidade
Para anunciar [email protected]
VELVET EDITORA LTDA 11 3082 4275
www.velveteditora.com.br
ABD Associação Brasileira de Designers de Interiores
www.abd.org.br
TRIÊNIO 2013/2015
CAPA A dualidade perfeição/
imperfeição é o tema da sexta
edição da revista ABD Conceitual.
Arte da capa: André Poli.
Presidência: Renata Duarte Amaral
Vice-presidência: Marcia Regina de Souza Kalil, Ricardo Caminada,
Bianka Mugnatto, Jéthero Cardoso Miranda e Renata Duarte
Conselho Deliberativo - Membros Efetivos: Carolina Szabó (SP), Carlos
Alexandre Dumont (MG), Paula Neder de Lima (RJ), Francesca Alzati (SP),
Silvana Carminati (SP), Mauricio Peres Queiroz dos Santos (SP), Luiz Saldanha
Marinho Filho (RJ), Alexander Jonathan Lipszyc (SP), Renata Maria Florenzano (SP),
Jaqueline Miranda Frauches (MG), Rosangela Larcipretti (SP), Jocelen Aparecida
Bergamo (SP), Flavia Nogueira da Gama Chueire (RJ), Lucy Amicón (SP) e
Elisa Gontijo (SP). Conselho Deliberativo - Suplentes: Nicolau da Silva
Nasser (SP) e Paula Almeida (SP). Conselho Fiscal - Membros Efetivos:
Fabianne Nodari Brandalise (PR), Catia Maria Bacellar (BA), Maria Fernanda Pitti
(SP), Delma Morais Macedo (BA) e Maria Luiza Junqueira da Cunha (SP).
Conselho Fiscal - Suplente: Daniela Marim (SP). Consultor: William Bennett
Sugestões
[email protected]
Os artigos assinados são de exclusiva responsabilidade
dos autores e não refletem a opinião da revista.
Selo
Novo Ciclo
Amigos,
O ano começou frenético. O trabalho segue intenso com a
oitava edição do Conad (Congresso Nacional de Design de
Interiores), que acontecerá na primeira semana de julho e será
imperdível! Recorde de inscrições no Prêmio Novos Talentos
2013, o maior concurso em âmbito nacional voltado para os
jovens designers de interiores.
Um contínuo e entusiasmado trabalho para estar cada
vez mais perto de nosso associado tem a inovação do
campo de atuação por meio da nova sede regional no Rio
Grande do Sul e Distrito Federal, além da estruturação da
sub-regional de Campinas.
A revista ABD Conceitual, que chega a sua sexta edição, tem
como tema a dualidade perfeição/imperfeição.
Essa ideia surgiu depois que visitamos a surpreendente
Istanbul Design Biennial, evento que propôs a imprecisão, a
transitoriedade, a contradição, a impermanência, o imperfeito como assunto principal das centenas de mostras que
movimentaram a maior cidade da Turquia durante nove
semanas. Os detalhes desse evento impressionante estão na
reportagem que abre a revista, assinada por Eduardo Logullo.
A imperfeição também é tendência no design de interiores.
Nada de decoração perfeita. As pessoas querem ambientes
que reflitam sua personalidade, que tenham sua cara. Vamos
encontrar essa imperfeição no trabalho de quatro artistas
convidados – não deixe de ler!
Em entrevista exclusiva para ABD Conceitual, o arquiteto
israelense Nir Sivan explica a Onda Carioca, projeto que
desenvolve para um shopping de decoração no Rio de Janeiro.
Em outra reportagem, Marcella Aquila analisa os impactos que
as impressoras 3D podem causar na arquitetura e no design.
A sempre transformadora tecnologia não podia ficar de fora.
É o caso das routers – incríveis máquinas que realizam cortes
a laser com precisão matemática e já provocam transformações
sem precedentes na história do design.
Com esta edição, iniciamos mais um
ciclo de temas com a proposta de levar
a você – associado e parceiro da ABD
– uma publicação que possa contribuir
com o trabalho, e só aqui, trazer a
“perfeição” para você.
Renata Amaral
08
30
008 IMPERFEIÇÃO: META
Sem móveis, objetos ou ambientes, a
primeira Istanbul Design Biennial
propôs ideias para se compreender
melhor o futuro
A revolução das impressoras 3D
no design e na arquitetura.
Em Amsterdã, uma casa é
construída com essa tecnologia
046 MACHINE HEAD
Para que o seu cérebro não se torne
como uma casa com ares
ultrapassados, acompanhe as
mudanças que ocorrem no mundo
028 PRECISÃO MATEMÁTICA
048 AGORA É PRA VALER
018 MARÉ ALTA
030 (IM)PERFEITOS
O arquiteto israelense Nir Sivan fala sobre
a Onda Carioca, projeto que desenvolve
no Rio de Janeiro
4 artistas / 4 obras /
4 ideias de (im)perfeição
014 OLHAR AO REDOR
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04
024 IMPRESSÕES
TRIDIMENSIONAIS
Novas e surpreendentes máquinas
de cortes a laser transformam a
história do design
044 A SEGUNDA PELE
Uma reflexão sobre as novas formas
tecnológicas de produção.
Por Luciana Diniz
Paul Frankl, o defensor do industrialismo
no design de interiores.
Por Roberto Negrete
Projeto de regulamentação do designer de
interiores tramita no Congresso Nacional.
Por Jéthero Cardoso
050 UM MÓVEL VELHO
A vida não é perfeita. E a aceitação
dessa verdade é o primeiro passo
para a liberdade. Por Vitor Penha
24
Trabalho da arquiteta turca
Ebru Salah. Em Urban Costume
ela discute impactos na
estrutura histórica de Istambul
e estabelece analogias entre
intervenções urbanas e
costura tradicional. A política
trata as cidades como “vestes
que permitem emendas”
e a a proposta de Unfold
(à dir.) imagina um futuro
digital tão abrangente que
recursos tecnológicos seriam
utilizados até por vendedores
de ruas: poderemos comprar
sorvete enquanto um objeto
é escaneado, modificado e
reproduzido na escala desejada
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ABD CONCEITUAL MAI/JUN 2013
FOTOS DIVULGAÇÃO
IMPERFEIÇÃO:
META
O vanguardismo da primeira Istanbul Design Biennial
TEXTO EDUARDO LOGULLO
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O QUE SE PODERIA esperar de uma bienal de
design? Móveis, objetos, ambientes, projetos? A
audácia conceitual da primeira Istanbul Design
Biennial foi exatamente não apresentar nada
do esperado, nada do senso comum, nada da
obviedade que norteia eventos desse porte. Não
havia sequer uma cadeira ou xícara.
Tudo resvalava em certa estranheza, a começar
pela escolha do tema: Imperfeição. Os curadores
da mostra, por acreditar que a natureza humana
prefere manter distância do “novo” e da criação
de invenções, optaram por oferecer densidade
conceitual a partir de perspectivas que integrassem
urbanidade e cultura.
Havia ainda fatores relevantes na atual sociedade
turca: dos 76 milhões de habitantes do país, 19
milhões vivem em Istambul e nos arredores dessa
cidade com três mil anos de história. Outros dados
apontam que, hoje, a Turquia registra por ano
cerca de 2 mil patentes de novas invenções; 100
mil pessoas trabalham em profissões de criação,
em câmaras de comércio, associações, publicidade
Eventos paralelos de
moda (a Turquia é o
terceiro produtor mundial
de roupas) questionaram
práticas poluentes e
excesso de “estilismos”
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ABD CONCEITUAL MAI/JUN 2013
FOTOS DIVULGAÇÃO
Erros do consumismo foram os principais
temas da divisão Adhocracy, proposta mais
radical que integrava a Istanbul Design
Biennial. Abaixo, o cartaz da mostra
e institutos do governo. Estima-se que 10 mil
empresários invistam em produtos de design
industrial, design gráfico e arquitetura de interiores,
enquanto são registrados pela Union of Chambers
quase 45 mil arquitetos, 3.419 designers industriais
e 935 designers gráficos.
O planejamento e a preparação da primeira
Istanbul Design Biennial levaram três anos.
Profissionais, público e administradores foram
consultados com esta pergunta: “Por que precisamos de uma bienal de design?”. Dez campos
de ação foram avaliados (arquitetura, design
urbano, moda, design industrial, design gráfico,
mídia interativa etc.), mais uma centena de
categorias menores. Descobriu-se que o design
hoje está presente em quase todos os aspectos
da vida, sendo um elemento que pode melhorar
a qualidade de vida e criar soluções inovadoras na
educação, saúde e em serviços sociais. Torna-se
necessário apenas observar, buscar conhecimento
e agregar valor.
A proposta do evento ofereceu temáticas
livres aos participantes, que enviaram 236 projetos da Turquia e 514 projetos de outros países.
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ABD CONCEITUAL MAI/JUN 2013
FOTOS DIVULGAÇÃO
IMPERFEIÇÃO
é o NOVO
OLHAR sobre
ideias antigas
Os curadores selecionaram 102 projetos, mais
300 mostras paralelas de designers locais. Os
objetivos foram trazer novas ideias e sugestões,
surpreender o público e ir além de acabamentos
meramente estéticos. As mostras precisavam
motivar as pessoas, inspirar curiosidade, trazer
questionamentos, oferecendo realizações incomuns, inéditas e com visões críticas.
A bienal se dividiu em duas imensas exibições:
Adhocracy (neologismo que significaria algo como
“divulgar ideias antagônicas e em permanente
mudança” do design contemporâneo) e Musibet
(visão crítica e, ao mesmo tempo, otimista dos
movimentos contraditórios que mobilizam as
grandes cidades). Durante as nove semanas do
evento, centenas de mostras permitiram observar
diversidades de ideias, protótipos e investimentos
em design urbano, arquitetura, tecnologia, moda,
design industrial, manufaturas, ao lado de palestras,
filmes, seminários e performances.
E por que Imperfeição?
O tema da bienal foi explicado como o termo que
melhor definiria Istambul, com suas contradições
urbanas de cidade construída sobre cinco
camadas arqueológicas de outras cidades, do
desafio permanente de manter a vitalidade cultural
e enfrentar desafios futuros. Imperfeição é o novo
olhar sobre ideias antigas, a partir do conceito
japonês wabi: impermanência e transitoriedade.
Seria também um modo de acreditar nas utopias
e buscar inspiração para trabalhar na confusão da
vida cotidiana. Afinal, a geometria pura não deve
ser a única linguagem formal, nem a simetria a
única opção. Na imprecisão podem estar muitas
possibilidades de repensar os métodos de produção
em massa, trazendo a cada objeto o carisma de
“único”, para, assim, abrandar o industrial.
Uma das salas explicava
São Paulo em relação
a outras metrópoles
globalizadas (Mumbai,
Lagos, Roterdã), que
também tiveram salas
especiais. Na página ao
lado, trabalho do belga
Xavier Delory, que exibiu
imagens surreais que
exploram a “paisagem
mutante do homem
contemporâneo”
Para saber mais:
istanbuldesignbiennial.iksv.org
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Olhar ao redor
O que era bacana ontem pode não ser hoje.
O tempo passa e novas tendências surgem a todo momento.
A saída é não se acomodar jamais
TEXTO MARCOS GUINOZA
ILUSTRAÇÃO ANDRÉ POLI
EM UM DOS CAPÍTULOS do livro O Guia do Caçador de Tendências (Editora Gente, 2010), Magnus Lindkvist
escreve sobre a casa da avó, que mora em um subúrbio de Estocolmo, para mostrar que, de vez em quando, devemos olhar ao redor para que nosso cérebro não congele e não se torne a casa de uma pessoa idosa.
Leia trecho:
“Minha avó vive sozinha em um subúrbio de Estocolmo. Quando a visito – o que não
ocorre tão frequentemente como deveria – costumo pensar como o estilo daquela casa
é antigo, desde o design em cores escuras até o mobiliário. Isso, aliás, é algo que costumava temer quando era mais jovem. Quando o ‘gosto pelo mais antigo’ se estabelece?
De algum modo eu imaginava em qual idade todos os equipamentos interessantes e os
belos móveis que eu possuía seriam substituídos pelos itens obsoletos que ocupavam o
apartamento de minha avó. Agora percebo que a casa de minha avó representa perfeitamente o mundo real da mente humana. Quando crescemos nossa mente é fluida e
aberta para novos aprendizados e impressões, contudo, lentamente, ao longo do tempo,
ela se congela e nos acomodamos em nossos caminhos e perspectivas. Algumas visões
e valores até mesmo se cristalizam em dogmas. Como a maioria das pessoas, minha avó
desenvolveu seu gosto estético e comprou grande parte de seus móveis antes de completar 50 anos. As coisas que lotam sua casa estavam na moda quando ela as comprou.
Ela está tão in como sempre esteve, mas o tempo passou e a moda seguiu em frente. O
mesmo provavelmente acontecerá comigo. Quando eu chegar aos meus 80 anos, meu
mobiliário minimalista e de design escandinavo, o qual considero ‘eterno’, será visto como
uma montanha de velharias obsoletas pertencentes a uma pessoa idosa. O mesmo ocorrerá com meu gosto em termos de música e filmes, assim como em relação à maioria de
meus pontos de vista e opiniões. Se você não parar e olhar ao redor de vez em quando,
seu cérebro se tornará igual ao apartamento de uma pessoa idosa.”
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As pessoas querem
“PERFEIÇÃO imperfeita”,
em que o ambiente REFLITA
a personalidade do morador
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É isso. Quem deseja estar atualizado, precisa acompanhar as mudanças.
Afinal, o tempo passa, os comportamentos e as maneiras de pensar avançam,
e o que era bacana ontem pode não ser mais hoje ou na semana que vem. E
isso acontece em relação a tudo que nos envolve – inclusive no nosso jeito
de morar.
A casa virou “refúgio”, espaço pessoal e inviolável onde podemos nos
proteger das chatices do mundo. Mas qual casa queremos? Qual jeito de
morar as pessoas buscam?
Existem empresas com profissionais treinados para perceber as
transformações que estão ocorrendo em diferentes sociedades e prospectar
novidades para o futuro próximo. Líder mundial nesse segmento, a WGSN
criou até uma divisão exclusiva para o lar a fim de detectar tendências em
design, mobiliário e decoração. E quais são essas tendências?
Vamos lá:
1
Nada de decoração perfeita. As pessoas
querem “perfeição imperfeita”, em que
o ambiente reflita a personalidade do morador,
que tenha a sua cara, e isso significa “tudo junto
e misturado”: peças artesanais com industriais,
vintage com contemporâneas e por aí vai.
2
3
A casa precisa ser confortável e convidativa,
com objetos agradáveis ao toque.
4
5
6
Valorização da cultura e do conteúdo
locais.
Tecnologia acoplada às peças da decoração,
como as geladeiras que informam quando
o leite vai acabar.
Decoração futurista, inspirada na ciência e
na ficção científica.
Estética industrial, em que o digital encontra o analógico e materiais naturais são
combinados com ferro e metal.
São tendências. Podem ou não vingar. Mas se não forem essas, serão outras,
porque o mundo é um lugar em constante movimento – e novos modos de se
comportar, pensar, comer, vestir, morar surgem a todo momento. Somos nós
que, muitas vezes, demoramos demais a perceber essas mudanças.
homebuildlife.wgsn.com
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Maré Alta
TEXTO MARCELLA AQUILA
Autor de uma área de circulação de pedestres e carros que faz parte do projeto de expansão do
CasaShopping, no Rio de Janeiro, o arquiteto israelense Nir Sivan fala com exclusividade para a ABD
Conceitual sobre essa obra em construção e seu modo de conceber arquitetura
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ABD CONCEITUAL MAI/JUN 2013
FOTOS DIVULGAÇÃO
Onda Carioca: obra
faz parte do projeto
de expansão do
CasaShopping, no Rio
de Janeiro, e cobre
uma área de circulação
de pedestres e carros
de 1.130 m². A forma
marítima tem estrutura
executada em aço e
vidro com alto índice de
transparência
ÀS VÉSPERAS de grandes eventos mundiais, o
Rio recebe volumosos investimentos dos setores
público e privado. Para suprir as novas demandas
de consumo de uma cidade cuja vocação para o
encontro e o turismo se intensifica e aprofunda,
uma maré alta de aportes financeiros atinge,
sobretudo, a área da Barra da Tijuca. Dentro desse
processo, a arquitetura é cada vez mais solicitada
como forma de diferenciar os espaços edificados
e, logo, atrair público.
Nesse sentido, alguns arquitetos internacionais de renome têm sido convidados para
desenvolver projetos na cidade, como Christian
de Portzamparc e Santiago Calatrava. Na
Barra da Tijuca, mais um nome internacional
tem, literalmente, causado onda. Trata-se do
arquiteto israelense Nir Sivan. Convidado pelo
CasaShopping, ele irá construir uma cobertura
designada como Onda Carioca.
A Onda Carioca faz parte do projeto de expansão
do CasaShopping, que terá a área construída
ampliada de 38 mil m² para 65 mil m². O programa
do projeto inclui a cobertura de Nir Sivan, quatro
blocos de lojas de decoração, conveniência,
áreas corporativas, além do aproveitamento das
coberturas com restaurantes panorâmicos e
um heliponto. Mas a grande atração fica mesmo
por conta da Onda Carioca, que cobrirá uma
área de circulação de pedestres e carros de
aproximadamente 1.130 m². A forma marítima terá
a estrutura toda executada em aço – projeto da
Seele, comumente conhecida pela complexidade
das estruturas que desenvolve, entre elas, o cubo
de vidro da Apple em Nova York – e vidro com alto
índice de transparência. Será uma malha triangular
formada por nós usinados e vigas soldadas, em
geral parafusadas, que utilizará em torno de 110
toneladas de aço-carbono pintado. Quanto às
dimensões, são 52 m de comprimento, 24 m de
largura e 14 m de altura, sendo apenas 11 pontos
de apoio no solo e grande parte da estrutura em
balanço para os dois lados.
Sobre a Onda Carioca, sua relação com a
paisagem natural e construída do Rio de Janeiro, e
também um pouco mais sobre a própria formação
e o modo de conceber arquitetura, conversamos
com Nir Sivan. Leia a entrevista.
ABD Conceitual – Por que a opção pelo
desenho-arquitetura? Conte-nos um pouco da
sua trajetória.
Nir Sivan – Arquitetura tem a ver com o
que você faz dela, com o que você quer que
ela se torne e o que você cria a partir disso.
O pensamento, a composição e a invenção
sempre me guiaram e, enquanto estive pintando,
017
esculpindo e desenhando, utilizei minha
cabeça e minhas mãos. Esse processo é
o que me interessa. Aos 15 anos, entrei
em uma escola pública perto de Tel-Aviv
que, por acaso, oferecia arquitetura como
parte do programa. Foi aí que descobri os
meios pelos quais poderia me expressar,
demonstrar meu modo de ver a vida,
minha individualidade e, ao mesmo
tempo, adicionar algo ao meu entorno.
Foi quando comecei a acreditar que criar
é a essência de existir.
ABD Conceitual – Sendo de origem
israelense e com escritório que opera
a partir de Roma, de que maneira
crescer e viver rodeado por signos emblemáticos influencia (ou não) seus
projetos? Esses signos influenciam
seus projetos?
NS – Gosto da ideia de utilizar recursos naturais como matérias-primas para
a construção. Por esse motivo, sinto-me
atraído pelos aspectos arqueológicos dos
monumentos históricos – a evolução e
emancipação de suas criações – assim
como pelas origens geológicas de seus
componentes. De fato, esse foi um dos
motivos primordiais que me fez vir a
Roma. Olhar para uma face de pedra que
foi esculpida à mão talvez há cinco mil
anos, o local onde a pedra se formou há
milhares de anos e continuar existindo
e seguir emocionando as pessoas, é
fascinante. Observar um afresco de
algumas centenas de anos e perceber
a mão que moveu e distribuiu a cor na
superfície é sensacional.
ABD Conceitual – Com relação
à Onda Carioca, é comum, nos
artigos publicados sobre essa obra, a
caracterização daquela forma como
“orgânica”, ou mesmo a aproximação
da sua arquitetura com aquela de partido organicista – ideia formulada e
desenvolvida por Frank Lloyd Wright. A
arquitetura orgânica de Wright é uma
referência para você?
NS – “Arquitetura orgânica”, hoje,
geralmente se remete mais às percepções da forma exterior final de um edifício
ou sua relação com o contexto em que
está inserido do que diz respeito àquela
essência de seus princípios. A maneira
como é entendida ou apreciada é limitada. Na Casa das Cascatas, de Wright,
muitas pessoas tomam conhecimento
e experimentam apenas esses aspectos
exteriores, perdendo de vista a filosofia
orgânica que fundamenta o edifício
como um todo. É essencial para a
minha filosofia, quando inicio uma nova
criação, desenvolver e estabelecer desde
o começo do processo um “conceito”
preciso do que estou prestes a construir
– um princípio a partir do qual todos
os desenvolvimentos posteriores irão
nascer. Todos os elementos do edifício
devem ser coerentes com esse conceito,
para criar um sistema, uma harmonia,
uma ideia, e para formar o que chamo
de arquitetura “artisticamente correta”,
em que todos os participantes e partes
operantes tenham um sentido claro.
Eles não são arbitrariamente colocados
ou casualmente criados. Acredito
que essa é a raiz de uma “abordagem
orgânica”. Lembro de Niemeyer falando,
durante uma entrevista, sobre o fato
de que ele só sabia que um projeto
realmente funcionava quando ele
mesmo podia facilmente contar sua
história. Percebo a mesma coisa quando
maturo o conceito de uma nova criação. Muitos projetos contemporâneos
pretendem ser orgânicos. Entretanto,
suas superfícies duplas e curvas são
preponderantemente criadas por um
algoritmo em algum software, com
pouco controle pessoal. Olhando
para essas obras com mais atenção,
elas revelam que essa abordagem foi
interrompida em algum momento do
percurso, quando a superfície precisava
se “unir” ou ser “sustentada” e nenhuma
solução foi encontrada a não ser “fixar”
ou “pousar” em algum elemento, como
colunas de aço que não são nem
Casa projetada por
Nir Sivan em Herzliya,
Israel (2010)
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ABD CONCEITUAL MAI/JUN 2013
Projeto para o novo
edifício do Arquivo
Nacional de Israel, em
Jerusalém (2012)
orgânicas nem naturais, ou até pior, simplesmente
“grudá-las” ao resto do projeto de uma maneira que
não tem nada a ver com a linguagem do projeto
e resulta em uma completa falta de harmonia
ou equilíbrio do todo. Eu tento criar, controlar e
proporcionar um objeto que precisa refletir todos
os aspectos que contribuíram para a composição
da sua ideia. É por isso também que eu prefiro
oferecer aos meus clientes um serviço de “design
e construção”, em que não apenas desenho, mas
também supervisiono a construção, a concepção
da engenharia, selecionada por mim para o projeto
específico, a fabricação, a montagem, e assim por
diante, para assegurar que as minhas intenções
de desenho estejam coesas e mantenham essa
unidade ao longo de todo o processo.
FOTOS DIVULGAÇÃO
ABD Conceitual – O uso do aço e da tecnologia de ponta aplicada ao processamento
desse material é também um destaque na
Onda Carioca. Nós sabemos que a arquitetura
mantém uma profunda relação com os
materiais e com a tecnologia disponível em
cada época. Hoje, a tecnologia abriu um campo
bastante amplo e quase irrestrito no sentido
formal. Essas possibilidades são um estímulo
para o seu trabalho?
NS – Lembro da minha primeira aula na
universidade. O professor entrou na sala e
declarou: “Arquitetura é observar e repropor, tudo
já foi inventado”. Fechei meu caderno, sabendo
que não era assim que via a arquitetura e a vida.
Felizmente, outros professores eram diferentes.
O uso do aço como conhecemos hoje tem uma
trajetória de muitos anos, ao mesmo tempo que
se desenvolveram os estudos em dinâmica/
estática, modelagem geométrica e outros avanços
em tecnologia. Hoje, todos esses recursos guiam
a minha criação de formas e, mais importante,
me dão a possibilidade de dominar e controlar
meus objetos na medida em que os crio. Para
que se possa dominar é preciso mais do que
instrumentos; precisamos entender e saber
como operá-los. Apenas após longos estudos,
em conjunto com meus engenheiros, atingi um
ponto em que tiro proveito desses instrumentos
no sentido de expandir a minha criatividade.
Além do uso dos materiais, invisto na exploração
e no desenvolvimento de métodos de trabalho.
Combino as ferramentas da informática de várias
disciplinas, como as da indústria automotiva, com
outras do campo da escultura, para suprir minha
necessidade de dirigir as geometrias. Tudo isso
acima está manifesto na Onda Carioca, que é
considerada a primeira arquitetura de forma livre
da América do Sul. Também acredito na coerência
entre a intenção desse desenho e a sua forma
atual, que ultrapassa qualquer outra em termos do
desempenho estático com a ausência de colunas
ou qualquer fixação lateral, e é única mesmo fora
da América do Sul.
ABD Conceitual – A nossa época vive um
processo de profundas transformações nas
relações, sejam de trabalho ou no modo de
habitar, e mesmo nas demandas de uso dos
espaços públicos. Como você processa essas
transformações na arquitetura?
019
ou têm um impacto negativo. Eu valorizo muito o
que os arquitetos do Mayslits Kassif fizeram pelo
porto de Tel-Aviv. Sua estratégia de design para os
espaços públicos do porto proporcionaram uma
nova plataforma de frente para o mar, convidando
cada vez mais pessoas a circular em uma área
antes abandonada, encorajando a interação
sem interferir de maneira arbitrária na paisagem.
Eles também usaram bons materiais, naturais
e duráveis, perfeitamente compatíveis com a
abordagem geral do projeto.
Com design de
Massimiliano
Fuksas, projeto
para o Terminal
2 do Aeroporto
Internacional de
Incheon, na Coreia
do Sul (2011)
020
ABD CONCEITUAL MAI/JUN 2013
NS – Algumas pessoas pensam que o fato de
que sejamos tão apegados aos nossos dispositivos
eletrônicos para nos comunicar, em vez de falar
cara a cara uns com os outros, cria uma sociedade
menos amistosa e sociável. Contudo, acredito
que essa opinião seja equivocada, uma vez que
não se atenta para a quantidade de informações
que são trocadas. Um dos desenvolvimentos
mais significativos nos últimos anos, em minha
opinião, é o da possibilidade e do poder do
compartilhamento. Compartilhar habilita a rápida
formação de grupos e de opinião pública, além
de os avanços nas tecnologias de informação
transformarem os espaços públicos em extensões
dos espaços privados. Os espaços públicos hoje
experimentam um aumento no fluxo de pessoas,
acessibilidade e interação. A transparência e a
relação entre o interior e o exterior têm se tornado
mais relevantes na medida em que nossa vida
privada está continuamente sob olhos públicos.
Hoje, as pessoas podem se encontrar e trocar
informações mais facilmente e, por conta disso,
estão se tornando mais conscientes e exigentes.
Ao mesmo tempo, porém, é preciso pensar bem
antes de seguir certas tendências. Por exemplo,
na organização do espaço ou no uso de certos
objetos, já que a tecnologia tem influenciado as
pessoas a abrir mão de alguns de seus valores
e conceitos prévios e estabelecer outros que
tendem objetivar metas de curto e médio prazo
e não serem válidos no futuro, levando-nos a
operar de certa maneira ou criar elementos que
logo se tornam obsoletos, têm baixa qualidade
ABD Conceitual – Nos projetos apresentados em seu site é notável a preocupação em
relacionar os edifícios com o entorno – seja
visualmente ou por meio de aberturas físicas
ao exterior. Como você considera que o projeto
da Onda Carioca dialoga com a paisagem
construída do Rio de Janeiro?
NS – Conforme é apresentado em uma das
páginas de abertura do site, nós nos “inspiramos
no entorno” enquanto “pensamos sobre o futuro”.
Os conceitos que desenvolvo nos primeiros
momentos de uma criação, ao mesmo tempo
que me encorajam, são guiados pelos estímulos.
Eles são “inspirados por” e também inspiram. Por
exemplo, a emoção que o Rio me causou com
tanto amor instantaneamente me levou a criar.
Pensar sobre o futuro envolve fundir o novo
e o velho (imaginando a velha figura de uma
montanha adormecida), mas também adicionando
e criando valor para o ambiente circundante e a
sociedade. A paisagem construída pode então
ser considerada uma coisa só, em que os novos
objetos refletem seu entorno, como parte de uma
mesma linguagem ou uma linguagem similar,
e se tornam parte integrante desse entorno.
Ou permitem que a natureza penetre ou passe
através deles, criando uma relação equilibrada. A
Onda Carioca é uma escultura arquitetônica que
considera esses dois aspectos, permitindo a fusão
entre a ventilação natural sob ela e a luz natural
através dela, de sua estrutura, enquanto segue e
configura o movimento do mar. Esses aspectos
refletem e transmitem essa ação poderosa,
ainda com uma luz delicada, que é uma parte de
sua peculiaridade, de sua personalidade. Outra
característica importante do Rio e de sua paisagem
construída é a calçada de pedra portuguesa. Esse
piso tradicional, de estilo simples e comum, é
simbólico da atmosfera e da vida cotidiana do carioca,
como também é o padrão de onda das calçadas para a
praia de Copacabana. A referência do meu projeto aqui
se remete à composição das calçadas que começam
na orla nordeste, formando uma cadeia de estilos
diferentes por todo o caminho até a Barra da Tijuca. A
Onda Carioca adiciona seu próprio desenho de calçada.
As áreas adjacentes à cobertura são construídas com
pedra natural, areia, concreto aparente e água para criar
seu ambiente natural. Com relação ao entorno existente
– o centro CasaShopping e a área de expansão na qual
se situa – foi desenvolvido um estudo cuidadoso de
organização/orientação de modo a criar a atmosfera
mais adequada por meio do desenvolvimento e
detalhamento do conceito comercial do conjunto.
ABD Conceitual – O tema desta edição da revista
ABD Conceitual é a relação perfeito/imperfeito.
Como você processa essa relação no seu trabalho?
NS – A inovação, que está presente em todos
os meus trabalhos, nem sempre ocorre de maneira
arbitrária. Pode começar como um ato empírico, mas
só pode ser bem desenvolvida passando por um
processo em várias etapas de análise para finalmente
atingir o ponto de ser entendida. Este é o ponto
em que o processo oferece uma ideia madura, um
conceito, que poderá também originar uma teoria, ou
mesmo uma ciência. Gosto de pensar o meu trabalho
como forma de arte, principalmente como escultura
e pintura, começando com um croqui todas as vezes
que embarco em um novo projeto, o que me dá um
melhor entendimento de um conceito prévio à sua
realização. Nessa fase inicial de estudos, deve-se ter
menos limitações possíveis, para que se possa fluir
para além e acima das restrições. Como consequência,
alguns resultados podem ser considerados erros, uma
vez que desafiam a realidade; contudo, tais “erros”
devem ser revistos para que se possa estabelecer se
eles poderão ou não levar a um novo entendimento
e a um resultado inesperado – uma inovação – ou se
será necessário voltar atrás, à mesa de desenhos. Outro
aspecto do meu trabalho atual é o caminho bastante
preciso e “artisticamente correto” sob o qual minhas
formas se manifestam. Uma vez desenvolvida uma série
de instrumentos que me permitam o maior controle das
geometrias, e também a enorme inspiração que vem de
outros campos da indústria, todas as minhas curvas e
superfícies são geometricamente precisas, obtendo
um resultado bastante significativo. Minhas superfícies
são, como se referem no design automotivo, superfícies
“classe A”. Não é incomum ouvir termos como
“curvatura G3” e “tangência contínua” sendo ditos por
mim e pela minha equipe – termos que, infelizmente,
estão ausentes em muitos escritórios de arquitetura. A
perfeição é apenas uma questão de opinião, mas gosto
de poder dirigir todos os aspectos e, na maior parte
das vezes, evitar aquelas semissombras acidentais que
geralmente ocorrem em projetos cuja geometria não
foi bem dirigida. Procuro ter esse controle por muitas
razões, uma das quais é a minha preferência por uma
sombra que esteticamente sublinhe e destaque minha
obra, assim como acontece com o corpo de um carro
novo ou, melhor ainda, com uma bela mulher.
nirsivan.com
FOTOS DIVULGAÇÃO
Projeto para
o Terminal 2
do Aeroporto
Internacional
de Teerã Imam
Khomeini, no
Irã. Design de
Massimiliano
Fuksas (2011)
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