Artigo - Rede de Estudos do Trabalho

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Artigo - Rede de Estudos do Trabalho
A REPRESENTAÇÃO DO NEOLIBERALISMO NAS CHARGES DO JORNAL DA
CUT/SP NA PRIMEIRA METADE DA DÉCADA DE 1990
Rozinaldo Antonio Miani 1
Andressa Cirilo Dias Gongora
Daniel de Oliveira Figueiredo
Resumo
Este artigo apresenta algumas reflexões realizadas pelos integrantes do projeto de pesquisa
“Traços grotescos do neoliberalismo: a presença da charge na imprensa brasileira na primeira
metade da década de 1990”, ainda em desenvolvimento junto ao Departamento de
Comunicação da Universidade Estadual de Londrina (UEL/PR). As charges analisadas neste
trabalho foram publicadas no jornal da CUT/SP durante a primeira metade da década de 1990,
particularmente retratando a implementação dos pressupostos políticos do neoliberalismo na
sociedade brasileira e os impactos decorrentes de sua aplicação na vida dos trabalhadores. A
vitória eleitoral de Fernando Collor de Melo e sua posse como presidente da República em
março de 1990 marcou o início do processo de inserção subordinada do Brasil no contexto da
mundialização do capital e o neoliberalismo se constituiu como a doutrina política de
sustentação ideológica que sedimentou a submissão do Brasil aos interesses do capitalismo
internacional. Esse modelo político de organização da sociedade produziu um impacto direto
no mundo do trabalho, resultando em transformações pautadas pela “globalização” e pela
reestruturação produtiva. O movimento sindical acompanhou atentamente esse processo e se
mobilizou intensamente para a denúncia e o enfrentamento das consequências nefastas do
neoliberalismo sobre o cotidiano dos trabalhadores; dentre as estratégias de formação política
desenvolvidas pelo movimento sindical para o esclarecimento aos trabalhadores em relação à
sua própria realidade, destaca-se a imprensa sindical e, nesta, em especial, a produção
chárgica. Neste sentido, a utilização da charge no contexto da imprensa sindical contribuiu
significativamente para as direções sindicais fazerem chegar até suas respectivas categorias
uma interpretação crítica (e com humor) das implicações do neoliberalismo na dinâmica da
classe trabalhadora. A Central Única dos Trabalhadores (CUT) explorou intensamente esse
recurso imagético em suas publicações impressas, em especial a CUT Estadual São Paulo, e,
por isso, foi escolhida para a realização de nossas análises.
Palavras-chave: neoliberalismo; década de 1990; jornal CUT/SP.
1 - Introdução
Com a vitória de Fernando Collor de Melo nas eleições presidenciais de 1989, o Brasil
ingressou, segundo o então presidente eleito, na “modernidade”. Na prática, isso significou a
inserção subordinada do país na lógica da mundialização do capital, atendendo às expectativas
do capitalismo internacional. Para garantir o êxito em sua empreitada, havia a necessidade de
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Rozinaldo Antonio Miani - Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-mail: [email protected]
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implementar medidas políticas e econômicas compatíveis com os objetivos definidos e, nesse
sentido, o governo Collor adotou o neoliberalismo como sua doutrina política de sustentação
ideológica.
O neoliberalismo impôs sobre os trabalhadores (rurais e urbanos) os mais dramáticos
efeitos socioeconômicos, que levaram ao colapso algumas importantes conquistas sociais da
classe trabalhadora. O movimento sindical, em sua fração mais combativa, denunciou as
nefastas consequências das políticas neoliberais e procurou organizar e mobilizar suas bases
na perspectiva de um enfrentamento contra os imperativos dos governos neoliberais, que
marcou toda a década de 1990 no Brasil.
Com o objetivo de analisar os fundamentos do neoliberalismo, bem como suas
consequências e impactos no cotidiano da classe trabalhadora durante a primeira metade da
década de 1990, tomamos como objeto de estudo para este artigo a produção chárgica
produzida no contexto da imprensa sindical, particularmente as charges publicadas no jornal
da CUT/SP, veículo oficial de imprensa da Central Única dos Trabalhadores Estadual São
Paulo.
Para tanto, faremos uma breve análise conceitual de neoliberalismo, buscando
compreender os principais fundamentos da referida doutrina política. Em seguida,
apresentaremos as principais características da imprensa sindical, em especial a experiência
do jornal da CUT/SP. Por fim, após uma seleção de charges veiculadas na referida publicação
durante a primeira metade da década de 1990, faremos uma análise do discurso chárgico
produzido pela imprensa sindical cutista, procurando observar como o tema do neoliberalismo
foi representado e problematizado junto aos sindicatos filiados.
2 - Pressupostos básicos do neoliberalismo
Embora a ditadura civil-militar tenha chegado ao fim e a sociedade brasileira tenha
retomado o caminho da democracia, consolidada com a reconquista do direito de voto para
presidente da República, deve-se reconhecer que houve uma continuidade no processo de
dominação dos setores da burguesia sobre as classes subalternas. Contudo, o modo como tal
dominação passou a ser exercida, pode ser traduzido a partir das condições do ingresso do
Brasil no processo de mundialização do capital, numa adesão subordinada do país à lógica da
globalização, a partir da implantação do modelo neoliberal à sociedade brasileira.
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A base do neoliberalismo consiste no favorecimento à liberdade econômica obtida,
dentre os principais fatores, pela redução da intervenção estatal na economia, pelo combate
dos setores patronais contra as conquistas sociais dos trabalhadores e pela ruptura com o
modelo do Estado de bem-estar social, atribuindo ao mercado a função de auto regulação.
Segundo Armando Boito Jr. “o discurso neoliberal procura mostrar a superioridade do
mercado frente à ação estatal” (1999, p. 25). Todas essas medidas produzem uma estruturação
política e social adequada a um sistema econômico que beneficia exclusivamente os diversos
setores da burguesia e marginaliza as classes subalternas. Nesse sentido, segundo James
Petras, o neoliberalismo se configura como uma “doutrina de luta de classe” com
consequências perversas para a classe trabalhadora. Para o autor, o neoliberalismo
[...] tem uma profunda implicação política, econômica, social e cultural para
a classe trabalhadora urbana e rural, em todas as esferas da vida humana: ele
afeta adversamente o mundo do trabalho e a legislação social e trabalhista;
ele afeta o desenvolvimento da indústria e da produção; ele define uma
política exterior subserviente ao capital estrangeiro; ele solapa as bases da
educação e da saúde pública; ele promove o agribusiness contra a reforma
agrária. Em última análise, os seus principais beneficiários fazem parte,
muitas vezes, da oligarquia financeira e bancária (PETRAS, 1997, p. 38).
A teoria neoliberal é estabelecida por meio de programas de ajuste estrutural, que
contém medidas de estabilização e de ajuste. Entende-se por medidas de estabilização todas as
políticas, de curta duração, que se encarregam de exercer controle, na inflação, no déficit no
setor externo, na política monetária restritiva e na estabilização e liberalização do câmbio. Já
as medidas de ajuste tratam de aumentar a diversidade de ofertas, provocando mudanças na
estrutura produtiva e institucional, aumentando a eficiência econômica e então, reduzindo a
intervenção estatal na economia, e extinguir o crédito com preço fixo e diminuir as barreiras
que freiam o comércio exterior.
Na prática, as medidas dos programas de ajuste estrutural incidem, negativamente e
com mais vigor, na classe trabalhadora, que tem seus bens expropriados e sua vida, e bemestar, comprometidos pelos interesses da burguesia a que são submetidos. Petras apresenta a
seguinte consideração acerca do sentido do neoliberalismo no contexto da correlação de
forças políticas numa determinada sociedade: “O neoliberalismo é o produto das derrotas
político-militares e ideológicas do movimento popular e, assim sendo, contrário às suas
suposições básicas de ‘mercado’; ele é um fenômeno eminentemente político que depende do
Estado” (PETRAS, 1997, p. 36).
Particularmente, na sociedade brasileira, ao assumir o governo federal num contexto
de crise econômica e política, Collor promoveu uma série de políticas governamentais, de
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caráter neoliberal, que conciliava seus interesses ao dos grupos dominantes da sociedade; em
contrapartida, tais medidas implicavam em sérios danos ao conjunto das classes subalternas.
O conflito de interesses entre governo, iniciativa privada e trabalhador é a força motriz da
lógica neoliberal, que encontra terreno fértil em tal tensão. Collor, alegando conduzir o país à
modernização, iniciou uma série de privatizações das empresas estatais e desnacionalização
de setores estratégicos para a economia nacional, tornando o contexto econômico, político e
social propícios para a entrada maciça de empresas multinacionais e do capital internacional,
consolidando a participação do Brasil na era neoliberal.
Enfim, o crescimento econômico que os neoliberais proclamaram não se estendeu às
camadas populares, que sofreram com os duros golpes advindos dos desastrosos pacotes
econômicos decretados por Collor. Segundo Petras, foram os trabalhadores que arcaram com
o ônus das políticas neoliberais, uma vez que a burguesia nacional repassou para eles os seus
eventuais prejuízos; nesse sentido, afirma o autor:
O capital local ou nacional foi espremido pelas importações baratas, ou
compensado pela mão de obra barata (redução salarial e legislação social) ou
pela desregulamentação que permitiu a “informalização” do trabalho,
empregando mão-de-obra sem quaisquer benefícios sociais (PETRAS, 1997,
p. 31).
Haveria necessidade de uma problematização e um aprofundamento muito mais
intensos a respeito dos pressupostos do neoliberalismo para uma compreensão mais
qualificada da referida doutrina política; porém, para os limites e os objetivos deste artigo, os
aspectos apresentados são relativamente suficientes.
3 - A imprensa sindical e o jornal da CUT/SP
A imprensa sindical deve ser entendida como apenas uma das várias formas de
comunicação produzidas no universo sindical. Desde a década de 1980, vemos se desenvolver
um conjunto bastante amplo de práticas comunicativas no interior do movimento sindical que
tiram da imprensa sindical a sua condição de prática exclusiva na área da comunicação dos
sindicatos (SANTIAGO; GIANNOTTI, 1997). No entanto, há que se ressaltar a importância
da produção impressa dos sindicatos, principalmente durante toda a década de 1980 e início
da década de 1990. Nesse sentido, o jornal da CUT/SP se apresentou como uma das principais
experiências comunicativas impressas do movimento sindical nos anos 90.
Para Roseli Fígaro a imprensa sindical se define
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[...] como instrumento de comunicação com características próprias,
produzida a partir de uma perspectiva diferenciada e de outro lugar social.
Pressupõe a existência de ação organizada de um setor da sociedade em
oposição a outro. Nela os trabalhadores assalariados aparecem como agentes
determinantes do processo de comunicação (FÍGARO, 1993, p.2).
Essa imprensa sindical, que se desenvolveu a partir da retomada das lutas sindicais no
final da década de 1970, apresentou diferenças significativas em relação às experiências
anteriores. De acordo com Rozinaldo Miani,
Ela não é elaborada por trabalhadores ou militantes proletários ligados
organicamente às organizações; é produzida por profissionais especializados,
principalmente jornalistas, contratados pela entidade para fazer a notícia e
“encaminhar” o jornal. Diante disso nasce uma preocupação dos próprios
militantes operários em produzir textos e livros mostrando como esses
profissionais devem atuar, que linguagem utilizar (veja-se o exemplo de Vito
Giannotti, militante da oposição metalúrgica de São Paulo que escreveu
sobre o que é “jornalismo operário”). Quanto ao conteúdo, este sofre uma
gradativa alteração e vai se confirmando uma supremacia das lutas
econômicas sobre as lutas políticas, como reflexo da própria orientação
interna das direções sindicais (MIANI, 2000, p. 37).
As novas concepções, configurações e gestão da imprensa sindical passaram a ser
objeto de análise dos próprios “jornalistas militantes”. Foi o que fez Valdeci Verdelho,
jornalista que atuou no Sindicato dos Químicos de São Paulo durante a primeira metade da
década de 1980, quando produziu um artigo que dimensionou toda uma compreensão da
imprensa sindical no Brasil. A referida imprensa
[...] deixa de ser meramente uma atividade de militância voltada para
doutrinação ideológica, como acontecia no começo do século, e deixa de ser
a simples tarefa de ‘fechar’ o jornal, encomendado por alguém da diretoria,
tal como se observava nos últimos anos, para ser a tentativa de desenvolver o
que poderíamos chamar a ‘comunicação das classes trabalhadoras’. Ou seja,
uma comunicação que a partir do trabalho sindical, diretamente vinculado às
fábricas, aos locais de trabalho (utilizando mensagens, meios, linguagens e
formas próprias da classe, portanto, contrapondo-se à que é elaborada e
difundida pelos detentores dos meios de produção, através dos meios de
comunicação de massa), enseja uma ação transformadora da realidade
política, econômica, social e cultural. Resumindo, uma comunicação, sob
todos os aspectos, instrumento dos trabalhadores na luta contra a exploração
econômica e a opressão política (VERDELHO, 1986, p.81/82).
Assumindo essa concepção de imprensa sindical e como parte de sua política de
comunicação, a Central Única dos Trabalhadores Estadual São Paulo (CUT/SP) criou no
primeiro semestre de 1991 o Jornal da CUT/SP. O referido jornal se apresentava como um
instrumento no processo de disputa pela hegemonia na sociedade ao objetivar disseminar
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informações e opiniões da referida entidade de classe junto aos sindicatos filiados e suas
bases.
Na perspectiva comunicativa, o Jornal da CUT/SP ampliava seu contato com os
públicos de interesse, priorizava os debates que contribuíam para seu fortalecimento enquanto
entidade representativa da classe trabalhadora na luta por seus interesses históricos e pela
polarização de posições com a grande imprensa dirigida pelas classes dominantes.
Um dos principais idealizadores do Jornal da CUT/SP foi o jornalista Cid Marcondes,
que por um longo período esteve ligado ao Departamento de Comunicação da entidade como
editor e redator do jornal. Particularmente, sobre o Jornal da CUT/SP, o jornalista afirmava
que “os jornais regionais teriam a função de responder à necessidade de comunicação onde os
sindicatos não tem publicação própria”. Nesse sentido, o Jornal da CUT/SP seria também a
“voz” dos sindicatos frente a seus filiados.
O Jornal da CUT/SP era semanal e seu primeiro número circulou em abril de 1991.
Com tiragem que chegava a 20 mil exemplares, o jornal era distribuído para as CUTs
regionais, para que estas redistribuíssem o material informativo para os sindicatos filiados.
O jornal possuía formato tablóide, com variações de quatro e oito páginas, dependendo
do volume de notícias produzidas na semana. Em sua primeira página eram apresentados os
destaques da edição com chamadas, imagens e frases de impacto combativo; na página dois se
apresentava sempre o editorial, além de notas, recados, colunas de opinião; nas demais
páginas se discutiam as notícias da semana e os textos de debate. As charges, em especial, não
tinham um lugar definido; algumas apareciam no editorial (como editorial gráfico), na última
página (como mecanismo de conclusão da edição) ou no interior do jornal, o que demonstrava
certa mobilidade e flexibilidade para a presença desse recurso visual.
Passaremos agora à análise de algumas charges publicadas durante a primeira metade
da década de 1990 que tematizaram o neoliberalismo em suas consequências e impactos no
cotidiano dos trabalhadores.
4 - A representação do neoliberalismo no jornal da CUT/SP por meio da charge
Para as análises, selecionamos quatro charges que procuram abordar alguns aspectos
relacionados ao neoliberalismo no contexto da sociedade brasileira. A primeira charge retrata
uma situação decorrente das consequências econômicas para os trabalhadores em razão da
implantação das políticas neoliberais por parte do governo Collor.
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FIGURA 1
Fonte - Jornal da CUT/SP - Ano I - nº 23 - Setembro/1991, p. 2
A imagem (figura1) mostra um trabalhador nu, irritado e revoltado com o fato de lhe
oferecerem apenas uma meia, enquanto é flagrante sua necessidade de todo tipo de roupa para
cobrir todas as partes do seu corpo. A meia, representando o limite do que lhe é oferecido pelo
governo (pela imagem do Congresso, de onde parte o braço que segura a referida peça de
vestuário), é insignificante diante de sua real necessidade
Esta charge compõe a seção “Se liga” do jornal da CUT/SP que, na respectiva edição,
apresenta uma crítica à atitude do presidente Collor em relação à lei salarial. Considerando
que uma das premissas do neoliberalismo é a necessidade de controle dos gastos públicos
(para que se possa utilizar os recursos públicos em favor dos interesses das frações da
burguesia que controlam o Estado), a necessidade de promover o arrocho salarial se fazia
premente no contexto da política salarial do governo Collor, por isso, o então presidente
havia truncado a discussão da lei salarial pela clara intenção de vetar pontos relativos ao valor
do salário mínimo, à concessão de abono para o salário mínimo, de concessão de gatilho
salarial e antecipações mensal ou bimestral.
As duas próximas charges associam a consolidação do neoliberalismo na sociedade
brasileira àqueles que seriam os responsáveis para assumirem a condução das políticas
neoliberais no país. A primeira delas (figura 2), mostra a imagem de uma locomotiva, sendo
conduzido por Itamar Franco, engatando vários vagões, cada um deles representando
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respectivamente um desafio a ser enfrentado pelo governo, na perspectiva de afirmação da
política neoliberal.
FIGURA 2
Fonte - Jornal da CUT/SP - Ano II - nº 87 - Janeiro/1993, capa
Os “vagões”: ajuste fiscal, inflação, política salarial e privatização, carregados
respectivamente de elementos representativos de cada uma dessas realidades, expressam, na
verdade, alguns dos principais pontos indicados pela política neoliberal como focos de ação
do governo na perspectiva de atendimento aos interesses do capitalismo internacional em
harmonia com os interesses da burguesia nacional.
O jornal da CUT/SP aproveitou a oportunidade para fazer uma crítica ao próprio
Itamar Franco, por acreditar que o mesmo poderia não ter capacidade política para assumir a
responsabilidade de conduzir o país, recém saído de uma crise política que resultou no
impeachment do presidente Fernando Collor de Melo, e enfrentar seus principais desafios
(associados à ideia de abacaxis). Essa crítica pode ser constatada pela expressão angustiada de
Itamar e o fato de aparecer suando, denunciando um suposto medo de assumir tal
responsabilidade.
A outra charge (figura 3) que procura associar o neoliberalismo aos seus
representantes e defensores apresenta a figura de Fernando Henrique Cardoso (FHC), que à
época era ministro da Fazenda do governo Itamar Franco e que, com sua indicação para o
cargo, selou a confiança do capitalismo internacional nos compromissos do governo brasileiro
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com os pressupostos do neoliberalismo e com a inserção do Brasil no processo de
mundialização do capital.
FIGURA 3
Fonte - Jornal da CUT/SP - Ano III - nº 109 - Julho/1993, p. 8
A imagem retrata o então presidente Itamar Franco (visivelmente satisfeito)
apresentando Fernando Henrique Cardoso a um conjunto de empresários/capitalistas. A
referência a FHC é de que se tratava de um super-herói, ao que era ovacionado com palmas e
o reconhecimento de que, de fato, se tratava de um “herói”; o próprio FHC reconhecia que
estava imbuído de força (“Eu tenho a força!!”), principalmente porque aparecia com uma
camisa onde se lê “FMI”.
A análise possível a se fazer diante dessa charge é que havia uma convicção por parte
da CUT/SP de que FHC se apresentava como um representante legítimo dos interesses do
FMI e que tinha todo o apoio da burguesia para conduzir a economia brasileira, uma vez que
assumiria firmemente os compromissos com o capitalismo internacional de garantir e, mais do
que isso, intensificar a implantação das políticas neoliberais no Brasil.
Por fim, como última charge selecionada (figura 4) para nossas análises, apresentamos
uma imagem que acompanha um texto de análise política que refletia a respeito de uma
possível perspectiva de choque na economia, que estaria sendo preparado por FHC.
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FIGURA 4
Fonte - Jornal da CUT/SP - Ano III - nº 118 - Setembro/1993, p. 6
Como pressuposto fundamental do ideário neoliberal está a implementação de ajustes
estruturais na economia, visando o combate à inflação, desindexação da economia, controle
do déficit público e ajuste fiscal. Todas essas medidas estavam sendo cogitadas no interior do
governo, principalmente após a posse de FHC como ministro da Fazenda do governo Itamar
Franco.
Como a sociedade brasileira já estava acostumada com a decretação de pacotes
econômicos, e suas perversas consequências principalmente para a classe trabalhadora, toda
vez que esse tema entrava em pauta, o movimento sindical imediatamente se lançava a
debatê-lo para mobilizar os trabalhadores na perspectiva de resistência contra suas possíveis
consequências. Nesse sentido, o jornal da CUT/SP publicou uma análise de conjuntura quer
foi acompanhada da referida charge.
A imagem mostra Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, de costas para o leitor,
comentando sobre a chegada de um caminhão que estaria carregado de papéis, que
supostamente seriam os documentos que traziam as definições sobre o plano econômico que
estaria sendo preparado pelo governo. Diante da resposta de FHC, de que “só faltam os
barbantes!”, podemos supor que a percepção da CUT era de que os boatos em breve se
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tornariam realidade e que a sociedade seria, mais uma vez, acometida por um pacote
(“embrulho”) econômico. Isso significava reafirmar que o governo decidira intensificar sua
disposição em aprofundar a implantação do neoliberalismo no Brasil e sua definitiva inserção
na lógica da mundialização do capital.
5 - Considerações finais
A utilização das charges no contexto da imprensa sindical representou a apropriação
de uma eficiente estratégia comunicativa junto aos trabalhadores e possibilitou a discussão de
temas de difícil compreensão por meio da ilustração e do humor.
O jornal da CUT/SP soube explorar de maneira bastante competente esse recurso e,
com isso, favoreceu a ampliação do processo de formação política das lideranças sindicais
vinculadas aos sindicatos filiados à referida central sindical. O tema do neoliberalismo,
especialmente no que se refere às suas consequências no cotidiano dos trabalhadores e ao
impacto no contexto da sociedade brasileira, foi retratado pela charge com bastante
propriedade; e essa foi a nossa intenção, mesmo que limitada, com a produção desse artigo.
REFERÊNCIAS
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FÍGARO, Roseli. O discurso da imprensa sindical: formas e usos. São Paulo: ECA/USP,
1993. Dissertação (Mestrado em Comunicação). Escola de Comunicação e Artes,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 1993.
MIANI, Rozinaldo Antonio. As transformações no mundo do trabalho na década de 1990:
o olhar atento da charge na imprensa do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista. Assis:
Unesp, 2005. Tese (Doutorado em História). Faculdade de Ciências e Letras de Assis,
Universidade Estadual Paulista, Assis, 2005.
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2000.
PETRAS, James. Os fundamentos do neoliberalismo. In: OURIQUES, Nildo Domingos;
RAMPINELLI, Waldir José. (org.) No fio da navalha: crítica das reformas neoliberais de
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SANTIAGO, Cláudia; GIANNOTTI, Vito. Comunicação sindical: falando para milhões.
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VERDELHO, Valdeci. A nova imprensa sindical. In: FESTA, Regina; SILVA, Carlos
Eduardo Lins da. Comunicação popular e alternativa no Brasil. São Paulo: Paulinas, 1986.
pp. 80-98.