Linguagem Publicitária - Revistas Científicas – Estacio-FIC
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Linguagem Publicitária - Revistas Científicas – Estacio-FIC
LINGUAGEM PUBLICITÁRIA E MIDIÁTICA: os enunciados em uma abordagem pragmática LETÍCIA ADRIANA PIRES FERREIRA DOS SANTOS MARIA MARGARETE FERNANDES DE SOUSA AMAURÍCIA LOPES BRANDÃO LINGUAGEM PUBLICITÁRIA E MIDIÁTICA: os enunciados em uma abordagem pragmática 1ª Edição Fortaleza – Ceará 2015 Copyright 2015. Leticia Adriana Pires Ferreira dos Santos, Maria Margarete Fernandes de Sousa, Amaurícia Lopes Brandão. Revisão do Texto Letícia Adriana Pires Ferreira dos Santos e Suelene Oliveira Silva Nascimento Normalização e Padronização Luiza Helena de Jesus Barbosa Programação Visual e Diagramação Janete Pereira do Amaral Dados Internacionais de Catalogação na fonte L755 Linguagem publicitária e midiática: os enunciados em uma abordagem pragmática/ Letícia Adriana Pires Ferreira dos Santos, Maria Margarete Fernandes de Sousa, Amaurícia Lopes Rocha Brandão. – Fortaleza: Centro Universitário Estácio do Ceará, 2015. 91f.; il. col. 30cm. Inclui referências. ISBN 978-85-69235-00-2 1.Publicidade, Linguagem 2.Linguagem publicitária 3.Redação publicitária I. Santos, Letícia Adriana Pires Ferreira dos II. Sousa, Maria Margarete Fernandes de III. Brandão, Amaurícia Lopes. CDD 659.132 CENTRO UNIVERSITÁRIO ESTÁCIO DO CEARÁ Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão Núcleo de Publicações Acadêmico-Científicas Rua Vicente Linhares, 308 - Aldeota CEP: 60.135-270 - Fortaleza – CE – Tel: (85) 3456-4100 ww.publica-estaciofic.com.br CONSELHO EDITORIAL Dra. Aluiza Alves de Araújo- Universidade Estadual do Ceará Dra. Ana Cristina Pelosi Silva de Macedo – Universidade Federal do Ceará Ms. Ana Flávia Alcântara Rocha Chaves – Centro Universitário Estácio do Ceará Dra. Cibele Gadelha Bernardino – Universidade Estadual do Ceará Ms. Janete Pereira do Amaral - Centro Universitário Estácio do Ceará Ms. Joana Mary Soares Nobre - Centro Universitário Estácio do Ceará Ms. Kaline Girão Jamison- Universidade Federal do Ceará Dra. Letícia Adriana Pires Ferreira dos Santos – Universidade Estadual do Ceará /Centro Universitário Estácio do Ceará Dra. Marcela Magalhães de Paula – Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira Dra. Maria Elias Soares – Universidade Federal do Ceará / Universidade Estadual do Ceará Ms. Maria da Graça de Oliveira Carlos – Centro Universitário Estácio do Ceará Dra. Margarete Fernandes de Sousa – Universidade Federal do Ceará Dra. Rosiléia Alves de Sousa – Centro Universitário Estácio do Ceará Dra. Suelene Silva Oliveira Nascimento – Universidade Estadual do Ceará SOBRE OS AUTORES Doutora, e Mestre em Linguística e Graduada em Letras pela Universidade Federal do Ceará. Especialista em Ensino de Língua Portuguesa e em Ensino do Português pelas Universidades Estadual e Federal do Ceará. Professora adjunta, Coordenadora do Laboratório de Linguagem, Pragmática e Cognição – Cognition -, Coordenadora do Laboratório Misto de Pesquisa e Extensão de Linguagem, Pragmática e Cognição LINC, Vice-Coordenadora do Núcleo de Estudos da Linguagem (NEL) da Universidade Estadual do Ceará. Coordenadora do Grupo de Estudo e do Laboratório Misto de Pesquisa e Extensão em Linguagem, Dor, Violência e Subjetividade (LAUDVS) do Centro Universitário Estácio do Ceará. Professora do Programa de PósGraduação em Linguística Aplicada (PosLA) da Universidade Estadual do Ceará. Diretora do Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará e Pró-Reitora de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão do Centro Universitário Estácio do Ceará. Vice-líder do Grupo de Pesquisa GELP/COLIN (Cognição e Linguística), registrado na Plataforma Lattes. Participa também do Grupo Pragmática Cultural, Linguagem e Interdisciplinaridade. Membro do Conselho Editorial da Revista Brasileira de Linguística Aplicada, Editora Científica e Membro dos Conselhos Editoriais das Revistas Anima, Corpvs, Habitum e Documentum Excelsior do Centro Universitário Estácio do Ceará. Membro Efetivo, ocupando a cadeira 22, da Academia Feminina de Letras do Ceará-AFELCE. Doutora em Linguística pela Universidade Federal de Pernambuco (2005), Mestre em Linguística pela Universidade Federal do Ceará (1998), Graduada em Letras pela Universidade Estadual do Ceará (1983) e em Pedagogia pela Universidade de Fortaleza (1989). É professora Associada, nível I, da Universidade Federal do Ceará e Coordenadora do Grupo de Estudos Gêneros Textuais: Perspectivas Teóricas e Metodológicas - GETEME/UFC, vinculado ao Grupo de Pesquisa Estudos do Texto e do Discurso PROTEXTO/UFC. Desenvolve pesquisas na área de Linguística de Texto, atuando principalmente em análise de gêneros, gêneros promocionais e referenciação. É membro do GT da ANPOL de Linguística de Texto e Análise da Conversação. Tem publicações em análise de gêneros, com ênfase nos anúncios publicitários. Docente da área de Turismo e Hospitalidade do IFCE – Campus Acaraú – CE. Mestranda do curso Profissional em Gestão de Negócios Turísticos – UECE. Especialista em Meio Ambiente - UECE (2011). Graduada em Publicidade e Propaganda pelo Centro Universitário Estácio do Ceará (2008) e em Gestão de Empreendimentos Turísticos pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (2005). Atuou Como Educadora de Qualificação ProfissionalPROJOVEM, Caucaia. Possui experiência na área de Turismo, Publicidade e Propaganda com ênfase em hotelaria, marketing turístico, mídia e comunicação. DEDICATÓRIA A nossos pais, razão de toda a existência. Ao David Wallas, por ter coletado parte do material deste livro em sua monografia de graduação em Publicidade e Propaganda Centro Universitário Estácio do Ceará. À Janete e à Kaline, amigas de todas as horas. SUMÁRIO PREFÁCIO............................................................................................ 2 INTRODUÇÃO ..................................................................................... 4 CAPÍTULO 1 - A LINGUAGEM PUBLICITÁRIA ........................... 4 CAPÍTULO 2 - MÍDIA: SEUS ENUNCIADOS E SUA FORMA DE PERSUASÃO ..................................................................................... 14 CAPÍTULO 3 - LINGUÍSTICA DA ENUNCIAÇÃO....................... 28 CAPÍTULO 4 - ENUNCIAÇÃO E LINGUAGEM ........................... 34 CAPÍTULO 5 - ENUNCIADOS / PERSUASÃO ............................ 42 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................. 84 REFERÊNCIAS.................................................................................. 88 PREFÁCIO O discurso publicitário dirige-se a seu público com o objetivo principal de persuadir, por meio da linguagem verbal, da não verbal e de outros recursos semióticos, construindo, dessa forma, enunciados carregados de valores e de representações sociais e culturais naturalizados. Somos, assim, impelidos a uma ação, sem questionar a retórica persuasiva e a construção do discurso ideológico contido em cada título, em texto, em slogan, em imagens, em tipos, em cores e em formas que, combinados, garantem a eficácia da mensagem publicitária. O livro Linguagem publicitária e midiática: os enunciados em uma abordagem pragmática poderá ser percebido como um instrumento que nos auxiliará a desenvolver uma percepção crítica do conteúdo midiático que nos impacta em nosso cotidiano e mais especificamente dos enunciados publicitários. A obra traz exemplos práticos que nos ajudam a realizar uma leitura crítica de posicionamentos ideológicos que se revelam em cada peça midiática. Este livro evidencia uma definição teórica sobre conceito do enunciado, utilizando, para isso, a visão de nomes como Bakhtin (1992), Brait (2007); Kerbrat-Orecchioni (2005), Cervoni (1989), Charaudeau; Maingueneau (2004) dentre outros, com cujos principais pressupostos os autores analisaram e discutiram que os sentidos dos enunciados só poderão ser verdadeiramente percebidos por meio da pragmática, perpassando a questão da língua e levando essa reflexão para os contextos sociais. Esta obra ganha ainda mais significado por ser resultado de prática acadêmica. É um trabalho de compartilhamento de saberes entre mestres e professoras como Dra. Margarete e professora Dra. Letícia Adriana e os egressos do Curso de Publicidade e Propaganda do Centro Universitário Estácio do Ceará, Amaurícia e David Wallas que, estimulados pela busca do conhecimento, apresentam-nos este livro. No espaço universitário, acompanhei de perto o trabalho da professora Letícia Adriana assim como sua constante inquietação em despertar em seus alunos a magia do desvelamento das mensagens e sua preocupação em aproximar a linguística das discussões relativas ao campo científico da mídia. O fruto deste trabalho poderá ser apreciado nas páginas a seguir, por meio de uma leitura comprometida com o embasamento teórico, ao mesmo tempo rico de interpretações e de experiências do nosso cotidiano. Profa. Carina Jordão INTRODUÇÃO Muitos livros derivam de produções acadêmicocientíficas, de monografias, de dissertações e/ ou de teses. Com este livro, não foi diferente. Ele teve início com as pesquisas de iniciação científica, com uma monografia da Graduação em Comunicação Social com Habilitação em Publicidade e Propaganda, do Centro Universitário Estácio do Ceará, e com um artigo científico, apresentado em uma disciplina do Doutorado da Pós- Graduação em Linguística da Universidade Federal do Ceará. É importante mencionarmos que, em todos esses estudos, os exemplos foram usados unicamente para fins didático-acadêmicos, não tendo o propósito de depreciar ou de valorizar nenhum dos textos citados. A evidência da complexidade dos significados desses enunciados será o nosso foco específico. A linguagem de enunciados publicitários, midiáticos e outros recursos semióticos, verbais e não verbais, passou, então, a ser o nosso objeto de estudo. Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 5 Constatamos que a produção, a circulação e o consumo dos enunciados verbais e não verbais eram processos altamente complexos com significação resultante de atividades relacionais em que se nos apresentavam a potencialidade e a semiose do signo, bem como o dinamismo das interações sociais, linguísticas, culturais, ideológicas etc. Verificamos que os significados desses enunciados não estavam apenas na materialidade linguística, uma vez que não eram dados a priori nem muito menos estáticos. Passamos a defender o ponto de vista de que não se pode pensar significação fora de um contexto, de um conjunto de circunstâncias sociais, políticas, históricas, ideológicas, culturais, linguísticas, entre outros, a que um texto se refere. Temos, portanto, por objetivo, neste livro, analisar os sentidos dos enunciados em discursos midiáticos, com uma perspectiva enunciativo-discursivo-pragmática, evidenciando se os enunciados e as particularidades de sua enunciação configuram, necessariamente, o processo interativo que integra a situação e se, ao mesmo tempo, fazem parte de um contexto maior, histórico-cultural- ideológico, tanto no que diz respeito aos aspectos estruturais Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 6 (gráficos, ortográficos, morfológicos, sintáticos etc.) quantos aos aspectos semântico-pragmático-discursivos. O interesse por essa abordagem está ligado indiretamente à discussão sobre a provável manipulação dos meios de comunicação a qual tem conquistado cada vez mais espaço nos estudos linguísticos, apesar de ainda se afirmar suposta “imparcialidade e neutralidade” em alguns textos da mídia. A análise desses textos também pretende mostrar as quebras de paradigmas dos enunciados verbais e dos não verbais como estratégias para estimular a persuasão e/ou um comportamento de compra num “sujeito consumidor”, dissimulando o caráter autoritário e persuasivo do texto publicitário, e também para exercer a suposta “neutralidade” do discurso. Bakhtin, 1992; Brait, 2007; Kerbrat-Orecchioni, 2005; Cervoni, 1989; dentre outros, serviram-nos de base teórica, assim como, os estudos de Charaudeau; Maingueneau, 2004; com cujos principais pressupostos teóricos da Enunciação, analisamos e discutimos as quebras de padrões, de modelos e de paradigmas surgidos em situações concretas de interação dos enunciados midiáticos. Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 7 Dessa forma, argumentamos que o sentido não está totalmente inscrito no vocábulo, no léxico, na frase, na gramática da língua desse enunciado, tampouco na materialidade linguística do suporte que o contém, mas sim no contexto que, supostamente, deveria desempenhar somente um papel secundário. Os estudos contemporâneos sobre a linguagem, nas perspectivas pragmáticas e interacionistas, afastam-nos cada vez mais da concepção da interpretação dos enunciados centralizada Maingueneau neles mesmos. (2004), o Para contexto não Charaudeau se e encontra simplesmente ao redor de um enunciado que conteria um sentido parcialmente indeterminado e estático, mas que faria parte desse próprio enunciado. Maingueneau (2004) é um dos principais defensores dessa abordagem: a concepção de linguagem como ação, como forma de interação e como discurso, em que atores sociais agem uns sobre os outros, num processo contínuo de transformação, de cooperação e de conflitos. Não há, nessa concepção, uma evolução propriamente dita do sistema linguístico, tampouco o significado de um enunciado residente nele mesmo por si só, conforme mencionamos. É Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 8 essa a concepção em que acreditamos e que também seguimos. Os esquemas do interlocutor, seus conhecimentos organizados, seus conhecimentos de mundo interferem na compreensão e na retenção de uma informação linguística ou de uma informação que utilize múltiplos recursos linguísticos e semióticos. Julgamos necessário, portanto, abordagens de textos publicitários e jornalísticos fundamentadas em teorias linguísticas que concebem a linguagem numa perspectiva científica e dinâmica. Somente assim o enunciado passará a ser entendido como uma unidade linguística concreta - não estática - que se faz percebida pelos usuários da língua, numa situação de interação e de transformação comunicativa. Ele passa a ser visto, portanto, como uma unidade semânticopragmática em que o simbólico não está preso unicamente à sua estrutura, tampouco se estabelece somente na “superfície textual” em que ele está inserido, conforme já frisamos. Dividimos estruturalmente, assim, este trabalho em partes dedicadas aos estudos da linguística da enunciação, um breve percurso, da Enunciação e da Mídia, de seus enunciados e de sua forma de persuasão. Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 9 Posteriormente, fizemos uma análise e uma discussão desses enunciados, de seus sentidos, de suas marcas linguísticas, dos contextos e dos procedimentos pragmáticos, produzidos nos discursos midiáticos. CAPÍTULO 1 A LINGUAGEM PUBLICITÁRIA Letícia Adriana Pires Ferreira dos Santos Amaurícia Lopes Brandão A linguagem é uma forma de ação e de interação sociais que envolvem interlocutores, bem como um complexo processo de produção, de circulação, de consumo de signos verbais, de não verbais e de outros recursos semióticos. Para Saussure (1974), a linguagem verbal é articulada, uma vez que as formas linguísticas podem ser desmembradas em unidades significativas menores. Saussure conceitua a língua não como o idioma falado, mas como produto da capacidade humana de criar signos e arranjá-los em sistemas, constituindo-se, desse modo, no desenvolvimento de grupos sociais que, por meio das vivências, criam as diferentes formas de se entender uma mesma mensagem. Saussure apresenta o objeto lingüístico, propondo três graus de abrangência dos fenômenos linguísticos: generalidade máxima, particularidade e individualidade, que Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática podem ser, respectivamente, ligados ao universal - 5 – linguagem, social – língua e individualidade – fala. A linguagem, seja verbal seja não-verbal, está em constante movimento e adequa-se ao tempo, ao espaço e à cultura em que está inserida. O processo de comunicação não é estático e, ao longo da história da humanidade, vem passado por várias transformações - origem da escrita, invenção de Gutemberg e interface virtual. A linguagem escrita rompe a fugacidade da linguagem oral que, para acontecer, quase sempre, depende da presença dos interlocutores no mesmo tempo e espaço. O discurso escrito, por outro lado, transcende o espaço e a duração, pois, ao tornar-se meio físico, pode ser enviado a lugares distantes. A invenção de Gutemberg promove o surgimento da expansão dos meios de comunicação, pois com a impressão, permitiu-se a produção em massa de textos escritos. E a era virtual torna o texto escrito possível de ser lido simultaneamente. No caso da linguagem publicitária, esse processo não é diferente. Entretanto, é relevante que se faça diferenciação entre os termos publicidade e propaganda, que, embora pareçam sinônimos, possuem significados diferentes. Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 6 Sant’anna (1998) define a propaganda como a propagação de princípios e teorias. O termo foi traduzido pelo Papa Clemente VII, em 1597, após a fundação da Congregação da Propaganda, cujo objetivo era propagar a fé católica pelo mundo. A palavra propaganda tem origem no gerundivo de propagare (latim) que significa reproduzir por meio de mergulhia, ou seja, enterrar o rebento de uma planta no solo. Propagare, por sua vez, deriva de pangere, que significa enterrar, mergulhar, plantar. Para Gonzáles (2003), o termo propaganda foi empregado pela primeira vez, também pela Igreja Católica, no século XVII, pelo papa Gregório XV na Cardinalitia Commission de Propaganda Fide, que tinha o objetivo de propagar a doutrina cristã. O termo publicidade é definido por Sant’anna (1998, p.75-76) como palavra derivada do latim publicus, que designa a qualidade do que é público. Dessa forma, publicidade significa o ato de vulgarizar, de tornar público um produto, um princípio ou uma ideia. Ressalta-se que, antes do advento da mídia rádio, a publicidade significava “arte de vender” pela letra impressa. Após seu surgimento, o conceito é reformulado, e publicidade torna-se técnica de comunicação de massa que, mediante pagamento, tem a finalidade de Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 7 fornecer informações, desenvolver atitudes e provocar ações benéficas ao anunciante, geralmente para vender produtos ou serviços. Sant’anna (1998, p.77) ainda afirma que publicidade: É uma das maiores forças da atualidade. É a grande energia que impulsiona o desenvolvimento industrial, o crescimento do comércio e a toda outra atividade e é, ao mesmo tempo, a maior influência de sugestão para orientar a humanidade politicamente em questões religiosas. Cria estados de oposições, para revolucionar os métodos e para difundir aquilo que é mais conveniente, novo ou econômico para a comunidade ou na resolução de apetências e necessidades. Desse modo, a linguagem publicitária comunica a mensagem, adequando-se ao receptor, instigando a criação de conceitos sobre uma marca, um produto ou um serviço, objetivando torná-los público-alvo do que está sendo anunciado. Gonzáles (2003) divide a mensagem publicitária em: publicidade de produto – quando divulga um produto, por meio de informações que transmitem conhecimento ao consumidor e o estimula a efetuar a compra; publicidade de serviço – similar ao anterior refere-se, porém, à aquisição de bens intangíveis; publicidade de varejo – anúncios realizados Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 8 por intermediários, ou seja, varejistas, responsáveis pela venda ao consumidor final; publicidade comparativa – anúncios que comparam produtos ou serviços com a concorrência, evidenciando a superioridade em relação aos demais; publicidade cooperativa – campanha publicitária realizada conjuntamente pelo fabricante e pelos lojistas, para a venda de produto ou de serviços, informando ao consumidor onde e por quanto comprar; publicidade industrial – direcionada aos intermediários, ou seja, aos que repassam ao consumidor final, refere-se à ação. Não se destina ao aperfeiçoamento e à redução de custos do processo de venda; publicidade de promoção – funciona como apoio às ações de promoção de vendas, utiliza os meios de comunicação de massa: rádio, televisão, outdoor, jornal, cinema e revista. A linguagem publicitária tem como função básica a persuasão, apoia-se, sobretudo, na função conativa e apelativa da linguagem, evidente nos textos publicitários. A partir do surgimento da mídia televisiva, há uma predisposição à mensagem publicitária não-verbal. A Diferença pode ser percebida, por meio das figuras 1, 2 e 3 que trazem anúncios publicitários do início e do fim do século XX, onde se ressalta a urgência da contemporaneidade pela Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 9 sintetização da informação na mensagem não-verbal. Com isso, a publicidade recorre ao valor comunicativo da imagem, que promove a divulgação do conteúdo de forma rápida e eficiente. Figura 1: Farinha Alimentícia Kufeke. Fonte: Archivos (1925). A publicidade da Farinha Alimentícia Kufeke anuncia o produto, mostrando o alimento como alternativa Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 10 para as crianças, como complemento à amamentação ou para as que não podem ser amamentadas. A mensagem não se preocupa em ser polida com o receptor, mas sim em vender o produto, ressaltando seus benefícios, mesmo usando termos como fraco, anêmico, doente e convalescente. A linguagem publicitária apresentada pelo anúncio transmite ao receptor que o produto Kufeke é um alimento que pode substituir o leite materno e garantir nutrição às crianças. Figura 2: Embalagens de Leite Ninho Copa do Mundo 2010 Fonte: http://www.guiadaembalagem.com.br/noticia_2775-embalagens embalagens_de_leite_ninho+_torcida_verde_amarela.htm Ao contrário, na Figura 2 tem-se uma ação promocional do ano 2010, quando a Nestlé, empresa de alimentos, redesenha as embalagens do produto “cargo chefe”, vestindo o uniforme da seleção brasileira. Com isso, a marca transmite aos clientes a ideia de que, ao consumir o Leite Ninho, as crianças se tornarão campeãs no futuro. Ao Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 11 comparar as figuras 1 e 2, constata-se a evolução do texto publicitário, que reduz o uso da linguagem verbal para a nãoverbal, como é visualizado na Figura 3. Figura 3: Anúncio Seara (2014) Fonte: economia. estadao.com.br A linguagem publicitária utilizada na Figura 3 tratase de uma homenagem ao dia internacional da mulher. A mensagem faz uma comparação entre a mulher e os produtos da marca, enfatizando a identificação entre produto e públicoalvo. Não existe, no anúncio, menção aos produtos da marca, estratégia proposital, já que o anunciante, ao homenagear o Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 12 principal público consumidor, as donas de casa, parte do princípio de que elas conhecem a marca. Com isso, percebe-se que a linguagem publicitaria deve estar de acordo com os níveis de comunicação para que a mensagem atinja o público-alvo. De acordo com Sant’anna (1998), os níveis de comunicação atingidos pelo consumidor, por meio da publicidade, são: desconhecimento – refere-se ao nível mais baixo de comunicação, o receptor da informação jamais ouviu falar do produto ou do serviço da empresa; conhecimento – base mínima da comunicação, mensagem de reforço, pretender a identificação do produto ou do serviço por parte do consumidor; compreensão – o consumidor conhece o produto ou o serviço e a marca, reconhece a embalagem e possui conhecimento sobre utilização e indicação do objeto anunciado; convicção – a preferência do consumidor não se dá apenas pelos fatores racionais, mas principalmente, pelos motivos emocionais; ação – é o último nível, ocorre quando o consumidor realiza algum movimento premeditado para realizar a compra. Assim, é relevante para o sucesso de uma campanha publicitária que o anúncio não apenas possua as características principais – chamar atenção, despertar interesse, estimular desejo, criar convicção e induzir à ação. Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 13 Mas principalmente, que este seja veiculado ao meio, acessível ao público-alvo. CAPÍTULO 2 - MÍDIA: SEUS ENUNCIADOS E SUA FORMA DE PERSUASÃO Amaurícia Lopes Brandão Letícia Adriana Pires Ferreira dos Santos O termo mídia tem origem no latim médium, com plural media, e significa meio. Assim, a palavra media foi adotada inicialmente pelos países de língua inglesa para designar o departamento de uma agência de publicidade especializada em selecionar os veículos de comunicação para as campanhas. Ao final da década de 1960, o termo passou a ser utilizado também pelas agências de publicidade brasileiras. Entretanto, media, gerava “brincadeira” entre os profissionais dessa área, que o comparavam com a expressão ‘fazer média’, o que gerava duplo sentido, por se tratar do departamento em que a maior parte da verba de uma campanha é aplicada. Diante disso, na década de 1970, o Grupo Mídia adotou a letra i no lugar do “e” e, a partir daí, a palavra mídia passa a ser utilizada no meio publicitário brasileiro (MUNIZ, 2004, p.13). Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 15 De acordo com Sant’Anna (1998, p. 194), mídia é um recurso usado para que a mensagem veiculada chegue ao público-alvo. Muniz (2004, p.14) complementa, mídia como “área técnica da propaganda que se baseia no estudo e na observação atenta dos meios e dos veículos disponíveis, com o objetivo de planejar e orientar a utilização mais apropriada desses veículos para tornar conhecida uma campanha publicitária”. Para isso, a mídia utiliza os meios e os veículos de comunicação. Muniz (2004, p. 13), refere-se ao meio como o genérico: televisão, rádio, jornal etc. E veículo ao específico, ou seja, nome da empresa de comunicação, emissora de rádio, site da internet. Como exemplo: TV Diário, Jornal O Povo, Globo, Record, FM Tempo, UOL etc. Sampaio (2003, p.80) define veículo de propaganda como “qualquer meio de comunicação que leve uma mensagem publicitária do anunciante aos consumidores, pode ser um simples boletim de associação de amigos de bairro até uma rede nacional de televisão”. Para o autor, dependendo do objetivo e/ou do tipo de campanha do anunciante, a mídia de uma agência de publicidade poderá usar apenas um ou vários veículos de comunicação. Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 16 Os veículos de comunicação podem ser divididos em: veículos visuais – para serem lidos ou vistos (imprensa: jornal, revista, periódicos especializados; outdoor: cartazes, painéis e luminosos; publicidade direta: prospectos, folhetos, cartas, catálogos e congêneres; exibições: displays, vitrinas e exposições); veículos auditivos – para serem ouvidos (rádio e alto-falantes); veículos audiovisuais – para serem ouvidos e vistos (televisão, cinema e audiovisuais: slides); veículos funcionais – para desempenharem uma dada função (brindes, amostras e concursos) (SANT’ANNA, 1998, p.194195). Ao final do século XX, com o avanço das novas tecnologias, as mídias digitais provocam revolução na divulgação da publicidade. Castells (2003, p. 67) analisa os novos hábitos como sociedade da informação, que ocorre com a transformação da ‘cultura material’ pelos mecanismos de novo paradigma tecnológico que se organiza em torno da tecnologia da informação. Dentre os novos meios de comunicação, a internet é considerada o mais revolucionário, pois permite que a mensagem seja transmitida, ao mesmo tempo, a espaços diferentes pelos interlocutores. Com isso, possibilita a organização, a transformação e o processamento Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 17 das informações em velocidade e capacidade cada vez maiores e com custos cada vez mais reduzidos. Além disso, torna a divulgação mais democrática, pois permite que o usuário de veículos como facebook, twitter dentre outros, possam divulgar produtos e serviços a partir de uma conta sem precisar pagar. Assim, pode ser considerada como rede de recuperação e de distribuição que pode beneficiar tanto aqueles que produzem tais informações quanto aqueles que se utilizam dela. Diante do poder de influência exercido pelas mídias, estas podem ser consideradas como o quarto poder, por serem, verdadeiras instituições capazes de modificar dizeres e manifestações discursivas de interlocutores. Dessa forma, podem ser percebidas como ocupantes de posição social e ideológica que dependem das linhas político-editoriais adotadas para anunciar e reproduzir sentidos discursivos, projetados nesses lugares. Todo esse processo de discursivização da própria instituição jornalística e publicitária vem perpassando por uma heterogeneidade constitutiva dos discursos institucionais. Além disso, apresenta uma relação com a questão da historicidade, influenciando nos processos discursivos que Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 18 legitimaram e deram sentido às instituições. Mariani (1999, p.49) menciona que: A compreensão do funcionamento de um discurso institucional não permanece restrita a uma correlação mecânica entre o que se diz e um lugar institucional correspondente, nem a uma concepção fixista da instituição, impedindo uma leitura crítica da sua forma de existência histórica. No processo histórico de formação da imprensa, Thompson (1995) salienta que, desde o início, a mídia, bem como seus produtos se encontram interligados ao exercício do poder político. A prova disso é que, ainda no novo milênio, as autoridades responsáveis pelos aparatos administrativos ou pelos Aparelhos Ideológicos de Estado, conforme denomina Althusser (1970), “regulam”, “limitam” e até “proíbem” a veiculação ou a circulação de serviços ou produtos de comunicação “supostamente” contrários estabelecido. Na a realidade, censura, ao poder existente irregularmente na Idade Média, por meio da Igreja, torna-se regulamentada e sistematizada com o surgimento da imprensa. O “silêncio” e a omissão dos fatos gerados pela censura servem para desmistificar a objetividade do discurso Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 19 jornalístico. Segundo Nogueira (2002, p.223-224), a própria liberdade de imprensa, tão buscada e apregoada no século XIX, tem seu princípio da expressão livre de pensamentos e de opiniões delimitado pelo controle discursivo, ou seja, o “sujeito” estaria passivo a sofrer sanções ou punições, caso seu ato infringisse a legislação específica da liberdade de imprensa. A proposta da imparcialidade na prática discursiva da imprensa também é ameaçada pelo crescimento acelerado das empresas de mídia, principalmente no século XX, transformando-se em poderosas organizações econômicas, responsáveis pela produção e pela difusão em massa de bens simbólicos. Por sinal, tais organizações vêm adquirindo tamanha complexidade que, atualmente, estão tornando-se conglomerados de comunicação transnacionais diversificados (NOGUEIRA, 2002, p.226). Consequentemente, as atividades e os produtos desenvolvidos nas áreas de mídia também refletem essas transformações. E, nesse sentido, a neutralidade, a imparcialidade e a objetividade jornalísticas e publicitárias ficam quase inatingíveis. Dessa forma, outros paradigmas passam a ser buscados pela mídia e na mídia. Exemplo disso é o fato de se “autodenominar” como “vozes” da população, Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 20 isto é, procura assumir a função de instâncias de reclamações e de reivindicações de direitos não atendidos. Frente a esse novo cenário, a mídia se reassume como instituição social, independentemente dos conceitos ideológicos, de suas interferências e das relações. Idêntico a inúmeros países, a mídia brasileira, além de suas atribuições características de uma instituição social, agrega uma função de agente fiscalizador e denunciador de fatos e de acontecimentos que contrariam simbolicamente os poderes político, econômico e/ou social, legitimados pela comunidade. A palavra mídia significa meio e tem origem no latim médium (substantivo neutro) com plural media. Esse termo foi adotado pelos países de língua inglesa para designar o departamento de uma agência de publicidade especializado em selecionar os veículos de comunicação para as campanhas. Até o fim da década de 1960, essa denominação passou, também, a ser usada no Brasil. Contudo, o termo media, gerava “brincadeira” entre os profissionais dessa área, que o comparavam com a expressão ‘fazer média’, por se tratar do departamento em que a maior parte da verba de uma campanha era aplicada. Diante disso, na década de 1970, o Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 21 Grupo Mídia adotou a letra i no lugar do e, a partir daí a palavra mídia passa a ser utilizada entre o meio publicitário brasileiro com essa outra representação (MUNIZ, 2004, p.13). Muniz (2004, p.14) define mídia como sendo “uma área técnica da propaganda que se baseia no estudo e na observação atenta dos meios e veículos disponíveis, com objetivo de planejar e orientar a utilização mais apropriada desses veículos para tornar conhecida uma campanha publicitária”. Já Sampaio (2003, p.80) define veículo de propaganda como “qualquer meio de comunicação que leve uma mensagem publicitária do anunciante aos consumidores, seja um simples boletim de associação de amigos de bairro até uma rede nacional de televisão”. Para esse autor, dependendo do objetivo e/ou do tipo de campanha do anunciante, a mídia de uma agência de publicidade poderá usar apenas um ou vários veículos de comunicação. Contudo, existem autores, como é o caso de Muniz (2004, p. 13), que distinguem os termos meio e veículo. Meio refere-se ao genérico, ou seja, televisão, rádio, jornal etc. Veículo refere-se ao específico, como por exemplo, o nome da empresa de comunicação, a emissora de rádio, Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 22 como: TV Diário, Jornal O Povo, Globo, Record, FM Tempo etc. Os veículos de comunicação podem ser divididos em: veículos visuais – para serem lidos ou vistos (imprensa: jornal, revista, periódicos especializados; outdoor: cartazes, painéis e luminosos; publicidade direta: prospectos, folhetos, cartas, catálogos e congêneres; exibições: displays, vitrinas e exposições); veículos auditivos – para serem ouvidos (rádio e alto-falantes); veículos audiovisuais – para serem ouvidos e vistos (televisão, cinema e audiovisuais: slides); veículos funcionais – para desempenharem uma dada função (brindes, amostras e concursos) (SANT’ANNA, 1998, p.194195). A mídia, de acordo com Sant’Anna (1998, p. 194), é um recurso usado para que a mensagem veiculada chegue ao público-alvo. Dentre as mídias existentes, a televisão ainda é o meio que mais fascina e o mais utilizado para o conhecimento de informações entre a população. Isso talvez se deva ao fato de ela usar, simultaneamente, som e imagem durante a transmissão de uma mensagem, o que torna o entendimento do enunciado mais rápido e mais fácil. Além da televisão, temos também as mídias impressas e radiofônicas. Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 23 Existem teóricos que consideram essas mídias o quarto poder, verdadeiras instituições capazes de modificar os dizeres e as manifestações discursivas de seus interlocutores. Ao se considerar essas mídias impressas e eletrônicas – radiofônicas e televisivas - como instituição, podemos percebê-las como ocupantes de uma posição social e ideológica, que dependem das linhas político-editoriais adotadas para anunciar e reproduzir sentidos discursivos, projetados nesses lugares. Todo esse processo de discursivização da própria instituição jornalística e publicitária vem perpassando por uma heterogeneidade constitutiva dos discursos institucionais. Além disso, apresenta uma relação com a questão da historicidade, influenciando nos processos discursivos que legitimaram e deram sentido às instituições. Mariani (1999, p.49) menciona que: a compreensão do funcionamento de um discurso institucional não permanece restrita a uma correlação mecânica entre o que se diz e um lugar institucional correspondente, nem a uma concepção fixista da instituição, impedindo uma leitura crítica da sua forma de existência histórica. Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 24 No processo histórico de formação da imprensa, Thompson (1995) salienta que, desde o início, a mídia, bem como seus produtos se encontram interligados ao exercício do poder político. A prova disso é que, ainda mesmo no novo milênio, as autoridades responsáveis pelos aparatos administrativos ou pelos Aparelhos Ideológicos do Estado, conforme denomina Althusser (1970), “regulam”, “limitam” e até “proíbem” a veiculação ou a circulação de serviços ou de produtos de comunicação “supostamente” contrários ao poder estabelecido. Na realidade, a censura, existente irregularmente na Idade Média, através da Igreja, torna-se regulamentada e sistematizada com o surgimento da imprensa. Na perspectiva da história da imprensa, esse “silêncio” acaba servindo para desmistificar a objetividade do discurso jornalístico. Segundo Nogueira (2002, p.223-224), a própria liberdade de imprensa, tão buscada e apregoada no século XIX, tem seu princípio da expressão livre de pensamentos e de opiniões delimitado pelo controle discursivo, ou seja, o “sujeito” estaria passivo a sofrer sanções ou punições, caso seu ato infringisse a legislação específica da liberdade de imprensa. Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 25 A proposta da imparcialidade na prática discursiva da imprensa também é ameaçada pelo crescimento acelerado das empresas de mídia, principalmente no século XX, transformando-se em poderosas organizações econômicas, responsáveis pela produção e pela difusão em massa de bens simbólicos. Por sinal, tais organizações vêm adquirindo tamanha complexidade que, atualmente, estão tornando-se conglomerados de comunicação transnacionais diversificados (NOGUEIRA, 2002, p.226). Consequentemente, as atividades e os produtos desenvolvidos nas áreas de mídia também refletem essas transformações. E, nesse sentido, a neutralidade, a imparcialidade e a objetividade jornalísticas e publicitárias ficam quase inatingíveis. Dessa forma, outros paradigmas passam a ser buscados pela e na mídia. Exemplo disso é o fato de se “autodenominar” como “vozes” da população, isto é, procura assumir a função de instâncias de reclamações e de reivindicações de direitos não atendidos. Frente a esse novo cenário, a mídia se configura como instituição social, independentemente dos conceitos ideológicos, de suas interferências e de suas relações. Idêntico a inúmeros países, a mídia brasileira, além de suas atribuições características de uma instituição social, agrega Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 26 uma função de agente fiscalizador e denunciador de fatos e acontecimentos que contrariam simbolicamente os poderes político, econômico e/ou social, legitimados pela comunidade. CAPÍTULO 3 LINGUÍSTICA DA ENUNCIAÇÃO Letícia Adriana Pires Ferreira dos Santos Maria Margarete Fernandes de Sousa Os estudos sobre a enunciação são tantos e tão diversificados que se torna difícil estabelecer os traços mais significativos comuns a esses estudos e reuni-los com uma única designação. Assim, antes de centralizarmos nossa análise, na linha da Enunciação, numa perspectiva da Análise da Cognição, do Discurso e da Pragmática, é importante, para efeito de compreensão, citar, ao longo do estudo, o que dizem alguns teóricos dessa temática. Para Cervoni (1989, p.9), o mais geral desses traços “é que eles repousam numa concepção do objeto da linguística mais extensa do que as que, durante o século passado, serviram de fundamento para as teorias que tiveram maior repercussão” nos estudos da linguagem. Desse modo, uma boa forma de situar a linguística da enunciação é, inicialmente, formular um tributo a Ferdinand de Saussure. Mediante suas postulações teóricas, sobretudo a sua célebre Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 29 dicotomia língua e fala, Saussure propiciou um campo fértil para que florescessem inúmeros estudos sobre a linguagem, como estrutura ou em funcionamento nos processos comunicacionais. Apesar do reconhecido valor das postulações saussurianas para a revolução da Linguística, a dicotomia língua e fala foi logo apresentando suas limitações - em consequência da exclusão da fala e dos sentidos - nos estudos linguísticos. Na abordagem de Saussure, o objeto da Linguística estaria restrito à língua, considerada como algo abstrato e ideal a se constituir como um sistema sincrônico e homogêneo, em que eram excluídos os outros componentes da comunicação e da interação humana, ficando, apenas, um corpus como se fosse um tipo de artefato artificial que os estruturalistas reconstruiriam por abstração a partir da análise da matéria que as suas observações conseguissem apreender. Com isso, ficaria de lado a linguagem em uso, como entidades, acontecimentos, estados de coisas do mundo extralinguístico (CERVONI, 1989). Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 30 3.1 Um breve percurso pela Linguística da Enunciação Com o objeto da Linguística restrito à língua, frente a essa limitação, Bakhtin manifestou suas preocupações em expandir as áreas de estudo da Linguística. Ele formulou novos postulados, antecipando, assim, futuras conjecturas da Linguística moderna. Bakhtin (1992) parte da ideia de Saussure de que a língua é um construto social, com existência fundamentada nas necessidades de comunicação. Defende a língua também como algo concreto que se manifesta em situações de uso, fruto da manifestação individual de cada falante, valorizando, assim, a fala. Defendendo uma teoria da enunciação, ele promove a valorização do enunciado frente à linguagem, colocando-o como algo imprescindível à compreensão da estrutura semântica e pragmática da comunicação-verbal. Segundo Brandão (1989, p. 9-10), Bakhtin, divergindo de Saussure e da escola do subjetivismo individualista de Vossler e seus discípulos, considera o enunciado objeto dos estudos da linguagem, atribuindo à enunciação um lugar privilegiado na realidade da interação humana. Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 31 Nesse sentido, Brandão (1989) argumenta que o ato de enunciação se realiza na intersubjetividade humana, enquanto o processo de interação verbal passa a constituir uma realidade fundamental da língua. Consequentemente, o interlocutor passa a ser visto como elemento ativo na construção do significado, e o signo linguístico, por sua vez, deixa de ser um “sinal” inerte para se tornar dialético, vivo e dinâmico. Com essa perspectiva, Brandão (1989, p. 10) frisa que: essa visão da linguagem como interação social, em que o Outro desempenha papel fundamental na constituição do significado, integra todo ato de enunciação individual num contexto mais amplo, revelando as relações intrínsecas entre o linguístico e o social. O percurso que o indivíduo faz da elaboração mental do conteúdo, a ser expresso, à objetivação externa – a enunciação – desse conteúdo, é orientado socialmente, buscando adaptar-se ao contexto imediato do ato da fala e, sobretudo, a interlocutores concretos. Ratificando ainda mais seu posicionamento, Brandão cita Bakhtin quando ele defende que a palavra é o signo ideológico por excelência, manifestando as diferentes formas de significar a realidade, externalizando (implícita ou explicitamente) vozes e pontos de vista de seus interlocutores. Assumindo uma natureza dialógica, a palavra é representada Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 32 por diversas “vozes” que, em diferentes situações, desejam ser ouvidas por outras “vozes”. Em consonância com esse pensamento, Barthes (1970), ao definir a função da Semiologia, como disciplina ou discurso sobre o sentido, reforça a importância do caráter ideológico do signo, propondo que seja observada, tanto nos temas propriamente ditos quanto nas formas, ou seja, no funcionamento significante da linguagem, mas, precisamente, na sua materialidade. Outros estudos vão sendo produzidos, além da dicotomia saussuriana de língua e fala. Brandão (1989, p.12) ressalta ainda que, dentre esses, se encontra o que defende a “compreensão do fenômeno da linguagem não mais centrada apenas na língua, sistema ideologicamente neutro, mas num nível situado fora desse polo da dicotomia saussureana. E essa instância da linguagem é a do discurso”. É imprescindível frisar que a linguagem como discurso não pode ser considerada unicamente um conjunto de signos adotado como instrumento de comunicação ou de pensamento apenas. Pelo contrário, ao assumir o papel de discurso, a linguagem é interação, é ação. E nós somos atores sociais, camaleões linguísticos. Para entender o complexo processo de significação do enunciado, é Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 33 importante um estudo da enunciação numa perspectiva pragmático-interacionista-discursiva. CAPÍTULO 4 ENUNCIAÇÃO E LINGUAGEM Letícia Adriana Pires Ferreira dos Santos Enunciação é um termo antigo em filosofia que foi empregado sistematicamente, em Linguística, apenas a partir de Bally (1932). E, desde então, os estudos sobre a enunciação puseram em evidência a dimensão reflexiva da atividade linguística: o enunciado que só faz referência ao mundo na medida em que reflete o ato e as condições de enunciação que o sustenta. Com relação a essas condições, uma questão consiste em saber se elas são externas (extralinguísticas), ou internas (intralinguísticas) aos enunciados produzidos e se há maneira de opor claramente a situação, que seria extralinguística, e o contexto, que seria intralinguístico. Outra questão reside na natureza dessa condição extralinguística: é preciso incluir nela tudo o que constitui o ambiente cognitivo mutuamente partilhado (LYONS, 1980; SPERBER; WILSON, 1989). Assim, desde que o sentido se Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 35 tornou parte da atenção da Linguística, o componente enunciativo da linguagem passou a ser objeto de uma exploração cada vez mais diversificada, conforme já salientamos. Com efeito, segundo argumentos de Cervoni (1989), é bastante generalizada a ideia de que o estudo semântico desses componentes enunciativos fica pobre e pouco satisfatório, caso não se leve em conta o processo de enunciação. A verdade é que, ao interagir com um enunciado, o interlocutor pode assumir uma postura assertiva ou submissa. Argumentamos ser importante que exista equilíbrio entre essas duas posturas, uma vez que a submissão excessiva leva ao acúmulo de informações, mas não necessariamente à construção de conhecimento e de interpretação dos enunciados. Da mesma forma, uma posição extremamente assertiva conhecimentos e, bloqueia a consequentemente, construção da de interpretação desses enunciados. Sabemos, entretanto, que a posição assumida pelo interlocutor não é, na maioria dos casos, uma questão de opção, mas está determinada socialmente. A “leitura de um Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 36 enunciado”, como qualquer fenômeno linguístico, é um processo social e dinâmico. Lemos muito mais como participantes de um grupo do que idiossincraticamente. Consequentemente, a interpretação que fazemos é também influenciada socialmente. É o que Caldas-Coulthard (1997, p.28) pondera: “qualquer membro de uma sociedade está situado numa rede de relações que determinam o conjunto de textos em que ele ou ela participa como um consumidor produtor”. Além disso, inúmeras características, tais como o espaço destinado ao enunciado, o tipo e o tamanho da fonte, as cores, as fotos, o posicionamento na página são operações intencionais que revelam posturas ideológicas relativas aos valores que regem a empresa jornalística, publicitária e a sociedade e que influenciam também a interpretação desses enunciados. A análise de práticas discursivas, vigentes em uma sociedade, possibilita a compreensão dos enunciados e a transformação dos mecanismos que mantêm relações assimétricas, como as que se configuram, inúmeras vezes, entre classes sociais, grupos étnicos, instituições e seus membros etc. Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 37 O texto, como materialização de um discurso específico pode constituir uma maneira de estabelecer e propagar os valores de grupos dominantes. Na verdade, a leitura, efetivamente, crítica da sociedade é uma consequência natural da leitura crítica dos enunciados, pois permite investigar essa legitimidade e desafiar assunções ideológicas. Verificamos, assim, uma perspectiva de enunciação sendo construída, numa dimensão discursiva, implicada num caráter interativo, social, histórico e cultural. Tentando compreender essa perspectiva de enunciação, alguns teóricos se posicionam de formas diversas sobre a concepção desse processo e de um enunciado. Vejamos alguns desses posicionamentos: Ducrot (1987) diz que enunciação é a situação de discurso que permite passar da significação da frase (componente lingüístico) ao sentido do enunciado (componente retórico), e é a situação de discurso que os alimenta igualmente de instruções que orientam a atividade de compreensão. A ‘língua’ pode ser [...] apresentada como um conjunto de frases ou de enunciados, pois a própria noção de frase ou de enunciado é uma construção (não se observa uma frase, mas apenas uma ocorrência de frase). Convenciona chamar de enunciado-tipo o material linguístico Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 38 e a enunciação o fato que constitui a produção de um enunciado, isto é, a aparição de um enunciado-tipo. Adota uma perspectiva linguístico-enunciativa e usa também alguns postulados da Teoria da Enunciação da Linguagem. Um deles é o de que “a enunciação é um evento cuja descrição, de certa forma, está registrada no interior do próprio enunciado”. Searle (1981), por seu turno, afirma que “é preciso incluir nessa situação o conjunto de conhecimentos (background) sem os quais os enunciados não teriam sentido”. Foucault (2004) se posiciona, afirmando que o enunciado não é uma unidade do mesmo gênero que a frase, a proposição ou ato de fala. Em seu modo singular de existência (nem absolutamente lingüístico, nem exclusivamente material), ele é indispensável para que se possa dizer se há ou não frase, proposição, ato de fala, e para que se possa dizer se a frase é aceitável, ou interpretável, se a proposição é legítima e bem formada, se o ato de fala está conforme os requisitos e se foi bem efetuado. Em seu turno, Kerbrat-Orecchioni (1990) acha que o contexto é essencialmente situacional. Propõe, em concordância com Brown e Fraser (1979), definir os Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 39 componentes gerais: participantes, situação e objetivo. Somente depois será definido o enunciado. Bakhtin (1992) menciona que a concepção de enunciado/enunciação não se encontra pronta e acabada numa determinada obra, num determinado texto: o sentido e as particularidades vão sendo construídos ao longo do conjunto das obras, indissociavelmente implicados em outras noções também paulatinamente construídas. As noções de enunciado/enunciação têm papel central na concepção de linguagem que rege o pensamento bakhtiniano justamente porque a linguagem é concebida de um ponto de vista histórico, cultural e social que inclui a comunicação efetiva. Mesmo não tendo uniformidade nas definições, entre os teóricos, para enunciado e enunciação, percebemos que a enunciação pode ser compreendida como estando situada no linguístico, no extralinguístico, no aspecto verbal e no não-verbal, no processo de interação entre os interlocutores. Desse modo, a concepção que se tem de enunciação e enunciado oscila entre uma concepção discursivo-pragmática e uma concepção lingüística. Defendemos, assim como fizeram Charaudeau, Maingueneau (2004), que o enunciado, como unidade da Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 40 comunicação discursiva, diferencia-se, portanto, das unidades da língua. Dependendo do contexto, até mesmo uma letra, um grafema, um vocábulo podem ser considerados enunciados. Não é, portanto, o tamanho, o aspecto quantitativo que diferencia o enunciado de um suposto não-enunciado. E sim, o aspecto qualitativo. O que pode não ter sentido para uma determinada pessoa pode representar muito para outra. Diante disso, inferimos que os enunciados do discurso publicitário e jornalístico são revestidos de marcas persuasivas ligadas diretamente ao fenômeno da comunicação; os textos presentes na mídia merecem um tipo diferenciado de análise, pois os veículos de comunicação “moldam” o discurso de modo a estabelecer vínculos de cumplicidade com o público; mas, na verdade, buscam muito mais reforçar seu “próprio discurso autoritário” por meio de enunciados que seleciona. Essa identificação pode revelar-se um mecanismo de “manipulação”, na medida em que produz um senso de pertencimento, capaz de conduzir padrões de pensamento e de atitudes. Linguisticamente, poderíamos dizer com Gouveia (1996, p.402) que vivemos em função da nossa capacidade de produção e de compreensão de enunciados que não são fatos linguísticos isolados, mas sim trocas entre interlocutores, Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 41 e, por isso mesmo, fatos condicionados tanto pelas relações que mantemos com esses interlocutores, quanto pelas suas próprias produções linguísticas. CAPÍTULO 5 ENUNCIADOS / PERSUASÃO Letícia Adriana Pires Ferreira dos Santos David Wallas Kaline Girão Jamison O enunciado midiático é a marca do acontecimento que é a enunciação. Esse tipo de enunciado é evidenciado por uma unidade semântico-pragmática que é materializada por signos verbais e por não verbais sem se dar efetiva importância a sua extensão: pode, assim, ser representado por letras, por palavras, por desenhos e/ou por outros recursos semióticos. O enunciado midiático tem por função principal exercer a persuasão. Vejamos alguns exemplos: Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 43 Figura 4: Capa Revista Veja Fonte: Revista Veja – Edição 1917 – 10/08/2005. Na capa da Revista Veja (Figura 4), o vocábulo Lulla se estabelece como um enunciado linguístico. Nesse vocábulo, há dois “l”, um verde e um amarelo, que fazem com que o enunciador, no caso, a Revista Veja, sinalize uma relação com o ex-presidente do Brasil Fernando Collor de Melo. Nesse caso, esses dois “l” passam a ser também um enunciado linguístico indiciado pela quebra do padrão ortográfico do vocábulo Lula. Relacionar Lulla a Collor induz- Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 44 nos a pensar, indireta ou implicitamente, no impeachment que foi feito contra o ex-presidente do Brasil. Collor é um signo que, por historicidade e contiguidade, pode nos levar a lembrar roubos, corrupções, falcatruas etc. Embaixo desse vocábulo, há, dessa vez, de forma explícita, o enunciado: Sem ação diante do escândalo que devorou seu partido e paralisou seu governo, Lula está em uma situação que já lembra a agonia da era Collor. Esse texto confirma as relações estabelecidas pelo leitor na formação do significado para os dois “l”. A própria fotografia releva, nessa capa analisada, um Lula triste, cabisbaixo, como se tivesse mesmo recuado, ou tivesse com medo. A escolha dessa imagem não é aleatória, nem parece estar relacionada a um discurso neutro, imparcial. Pelo contrário, o enunciador, no caso a Revista Veja, insinua, sem dizer explicitamente, que o ex-líder sindical deve ser colocado fora da Presidência do Brasil, fato semelhante ao que aconteceu com Collor que teve o impeachment decretado pela mídia meses antes de sua votação no Congresso. Logicamente, nem todos os interlocutores da revista vão formar esses mesmos sentidos. Mas, como os enunciadores devem saber quem são os receptores de seus Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 45 enunciados, evidentemente que os responsáveis pela Veja estão conscientes da mensagem que querem passar e do efeito que almejam com isso. Nada está por acaso: a imagem do Lula como se fosse uma fotografia de passaporte; cabisbaixo que induz os leitores a pensar no exílio do presidente ou no impeachment; a cor preta da capa, coadunando com a cultura brasileira, remete ao luto; o cinza da faixa superior também representa algo ruim - está tudo cinza-, sem perspectivas; a frase, os 100 fatos e as mentiras mais absurdas para esconder a corrupção; tudo isso confirma a intencionalidade discursivo-enunciativa desse veículo midiático. Tudo está harmoniosamente planejado como em uma sinfonia. Todos os enunciados compõem uma enunciação que nos possibilita, pelo menos, refletir se vale a pena continuar com o Lula à frente da presidência do nosso país. Isso serve para comprovar que o enunciado realmente é a marca verbal do acontecimento. Aqui a extensão não tem importância: os dois “l”, no vocábulo Lulla, já dão um recado desde o princípio. É válido ressaltar que a Revista Veja é um dos mais importantes veículos midiáticos semanais brasileiros, consumido, principalmente, por um público de leitores Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 46 pertencentes às classes privilegiadas brasileiras. Isso faz com que o enunciador saiba que ela é destinada a um público de leitores eminentemente proficientes e com nível leitor independente, interpretativo-crítico capaz de perceber as “sutilezas” e os “implícitos” desses enunciados. Alguns linguistas, entretanto, chegam a definir o “enunciado como uma unidade elementar da comunicação verbal, uma sequência dotada de sentido e sintaticamente completa [...] outros opõem a frase, considerada fora de qualquer contexto, à diversidade de enunciados que lhe correspondem” (MAINGUENEAU, 2008, p. 56). “Poderíamos nos perguntar, no caso dessa capa analisada, como fez Brait (2007, p. 72): “A quem se dirige o enunciado?”, “Como o locutor percebe e imagina seu destinatário?”, “ Qual é a força da influência do destinatário sobre o enunciado?”. Essas perguntas e esses exemplos, na perspectiva bakhtiniana, como mencionou Brait (2007, p.72), “ajudam a compreender a composição e o estilo dos enunciados, apontando, tanto quanto os traços de autoria, para o que há de extra verbal na constituição do verbal. Daí para o estudo dos gêneros do discurso [...] é um pulo”. Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 47 Vejamos, na campanha de 2014 das eleições para presidente do Brasil, outros exemplos mais recentes que trazem os dois “l” como um signo linguístico que ainda mantêm uma relação indicial com o léxico Collor: Figura 5: Adesivo distribuído na campanha à presidência do Brasil de 2014 Fonte: http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/files/2014/ Nota publicada na seção “Holofote” de edição impressa de Veja Em Brasília, muitos carros circularam com adesivos que continham os enunciados Fora Dillma. Esses dois “l” coloridos: verde e amarelo fazem novamente referência ao expresidente do Brasil e atual Senador da República Fernando Color de Melo. A análise dessa referência é similar ao exemplo da Figura 4 da revista Veja. O fundo do adesivo também é preto remetendo à sensação de luto. Esse adesivo prega, ainda, o Fora Agnelo, governador da capital do Brasil, candidato à reeleição. Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 48 Figura 6: Adesivo distribuído na campanha à presidência do Brasil de 2014 Fonte: http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/files/2014/ Nota publicada na seção “Holofote” de edição impressa de Veja A foto do adesivo mostra um claro viés antipetista (Fora Dillma e leve o PT junto). A presidenta foi reeleita no segundo turno na campanha presidencial mais “apertada” vivenciada pelos brasileiros. Ela acompanhou, após a eleição, uma campanha aberta, em redes sociais, de analogia ao impeachment do Collor, com os enunciados Fora Dillma. A esse movimento de insinuações sobre impeachment, a presidenta eleita chamou de golpistas. Constatamos mais uma vez que o entendimento dos enunciados faz-se com a semiose dos signos, com o processo de enunciação. Nada está dito claramente. Tudo está subtendido. O conhecimento histórico e de mundo nos faz compreender os pressupostos e os subtendidos da linguagem. Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 49 Exemplos de textos midiáticos demonstram como eles podem ser analisados dentro da visão bakhtiniana de enunciado e enunciação, desde que também se usem outros conceitos, outras noções e outras categorias da linguística e de outros recursos semióticos (BRAIT, 2007, p.72). Observem outros textos que seguem e que configuram exemplos do nosso estudo: Figura 7: Capa Revista Veja (Verbal e Não verbal) Fonte: Revista Veja – Edição 1920 – 31/8/2005 Nesta capa da revista Veja explicitação do dispositivo de (Figura 7), a enunciação passa, fundamentalmente, pela imagem. Nela, a primeira coisa que se deve considerar é que esse é um enunciado verbal e não Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 50 verbal em que imagens e sequências linguísticas estão interligadas; mas o discurso imagético é capaz de produzir sentidos, antes mesmo de lermos as estruturas linguísticas verbais na íntegra. Os vocábulos: político e artificial também mostram que as sequências verbais estão articuladas a partir de um projeto discursivo com o imagético. Por essa razão, embora muitas vezes os textos não verbais já consigam sozinhos estabelecer o propósito do enunciador, é sempre bom que haja a articulação dos dois na formação do enunciado. Talvez, por ser proficiente essa articulação, a mídia televisiva seja tão atrativa. No exemplo acima, os leitores da revista necessitam pelo menos da palavra “político”, para formar o sentido que essa mídia impressa quis passar: a limpeza dos políticos. A limpeza está subtendida na relação das cores, na disposição das palavras que, numa leitura interdiscursiva, lembra-nos a caixa de um sabão em pó de grande aceitação e divulgação: o Omo. Essa relação é estabelecida de imediato e, mesmo sem percorrer, analiticamente, o restante das sequências verbais é possível estabelecer várias considerações sobre essas duas sequências e sobre a maneira como elas se relacionam. Assim, de um ponto de vista semântico-interativo- Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática discursivo, estabelece-se disposição desse a conjunto enunciação, visual que através conduz - 51 da o leitor/interlocutor e insufla um discurso político que está longe da suposta “imparcialidade” da mídia impressa. Os exemplos de textos midiáticos demonstram como eles podem ser analisados dentro da visão bakhtiniana de enunciado e de enunciação, desde que também se usem outros conceitos, outras noções e outras categorias da linguística e de outros recursos semióticos (BRAIT, 2007, p.72). Vejamos os textos que seguem: Constatamos, no enunciado da figura 8, que, através do uso de textos verbal e não verbal e, ao se utilizar das pernas de uma cadeira que remete ao vocábulo escritório e, ao mesmo tempo, por causa da similaridade da forma, há uma relação indicial com um avião. A agência Y&R, de forma criativa, utilizou-se de um recurso linguístico, a ambiguidade para, em poucos termos, dizer muito: qualquer pessoa poderá ter a comodidade de adquirir a sua passagem de seu escritório, de casa pela internet. Supomos que essa agência sabe que os usuários de avião são, em geral, leitores proficientes, capazes de interpretar a sutileza dos enunciados e que mais uma vez extrapolam a materialidade de superfície do texto. Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática Figura 8: Anúncio da TAM Fonte: 25º Anuário do Clube de Criação de São Paulo Figura 9: Anúncio da Y&R Fonte: Revista Propaganda - 52 Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática Nesse anúncio (Figura 9), - 53 percebemos a intertextualidade com a história amorosa entre o presidente americano, Bill Clinton e uma estagiária, Mônica Levinskim. Eles tiveram um affair que se tornou público e, evidentemente, um escândalo mundial. Ao escolher a imagem do presidente com o olho fechado como se estivesse “flertando”, inferimos que o enunciador quis passar a ideia de que a empresa Y&R se coloca na perspectiva de quem tratará muito bem seus estagiários: com “amor” e “carinho”. Entretanto, há o perigo de uma interpretação “equivocada” da suposta intenção da empresa que escolheu essa publicidade. O interlocutor pode fazer a leitura de que essa empresa não é séria e, consequentemente, achar que seus donos estão querendo contratar “garotas de programa”. É claro que o discurso, já existente no mercado nacional sobre a empresa do anúncio, influenciará muito a interpretação dos receptores. No caso desse exemplo, como a agência publicitária e seu dono Roberto Justus são muito conhecidos no Brasil, principalmente no meio publicitário, supostamente, o primeiro sentido poderá ser preponderante. Percebemos, claramente, que o sentido desse texto publicitário só poderá ser mais bem compreendido se levarmos em conta o contexto Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 54 de uso e o contexto de produção. Assim, somente será interpretado, consoante o que o dono da empresa quis passar, se considerada a interação em que se deram as sequências linguísticas e a imagem do presidente dos Estados Unidos com todas as suas implicações e os contextos sócio-históricos que os abriga, inclusive a performance da agência no mercado publicitário, conforme explicitamos. Um interlocutor, ignorante do contexto pragmático que abriga essa propaganda, pode estar suscetível de não compreender os implícitos presentes nesses enunciados e interpretá-los de diferentes formas, ora indo de si para fora do discurso, ora indo de fora para formalizar esses enunciados. Os enunciados são, portanto, sempre e inevitavelmente, “os enunciados dos outros”, atravessado pelas análises do plurilinguismo e dos jogos constitutivos dos aspectos históricos, culturais e sociais, das formas linguísticas e discursivas do hibridismo que permitem a representação no discurso do discurso de outros em uma enunciação dialógica e polifônica. Tendo em vista o que já explicitamos, podemos dizer que Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 55 [...] todo discurso é duplamente dialógico, e esse duplo dialogismo se inscreve em dois tipos de relações: aquelas que todo enunciado mantém com os enunciados anteriormente produzidos sobre o mesmo objeto (relações interdiscursivas); e aquelas que todo enunciado mantém com os enunciados de compreensãoresposta de destinatários virtuais, que o antecipam (relações interlocutivas). (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2004 p. 145) Verificamos, então, na observação dos enunciados, um procedimento importante para se buscar as “marcas do processo formulativo-interacional, a serem detectadas nas descrições da organização do texto”. Na figura 10, a propaganda do governo de Goiás para o Programa de Analfabetismo está utilizando o conhecimento de mundo dos interlocutores e a simbologia da marca digital para evidenciar de forma figurada que analfabetismo. é possível reduzir drasticamente o Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 56 Figura 10: Anúncio Governo de Goiás Fonte: Revista Veja Na figura 11, o discurso é construído através de simbologias. O objetivo é combater a violência, incentivando a educação. O conceito criativo procurou tocar o público através de objetos utilizados pelo estudante, formando, assim, uma arma, visualmente uma arma de fogo composta pela manipulação das imagens e transmitindo, com isso, o conceito de que o estudo, representado pelos objetos escolares, é a principal arma para combater a violência. Essa linha de Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 57 raciocínio parte do princípio subjetivo de implantar o significado da mensagem através do uso de ícones. Figura 11: Anúncio Correio Fonte: 25º Anuário do Clube de Criação de São Paulo Na figura 12, a linha criativa é impactante e objetiva, faz referência à ideia de que, ao beber e dirigir, consequentemente, a pessoa poderá acabar num hospital. A campanha do DETRAN alia o duplo sentido com a finalidade de implantar o consumo consciente da bebida alcoólica. Ou seja, quem toma uma dose e dirige poderá tomar várias doses de soro em um hospital, alertando, assim, o risco de um possível acidente devido à redução de reflexos causada pela bebida. Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática Figura 12: Anúncio DENATRAN e PEUGEOT Fonte: Site do Clube de Criação de São Paulo Figura 13: Anúncio Johnie Walker Fonte: Site do Clube de Criação de São Paulo - 58 Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 59 Na figura 13, a criação é voltada para um público de leitores proficientes, que conhece a marca e, consequentemente, identifica-se com o produto. A mensagem transmite um apelo visual fundamentado no significado conceitual do Whisky Johnie Walker que tem como ícone simbólico um andarilho. O alerta implícito exige conhecimento cultural e de mundo para que a mensagem seja compreendida pelo público. Figura 14: Anúncio CEMIG Fonte: 25º Anuário do Clube de Criação de São Paulo Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 60 Neste anúncio (Figura 14), o discurso também é composto de forma simbólica. A mensagem contextual comunica a chegada da fabricante de eletrodomésticos WALITA à Cidade de Varginha, identificada na mídia jornalística como a cidade brasileira que mais registra aparições de OVNIS, objetos voadores não identificados. A peça de um produto fabricado pela marca, lembra visualmente um disco voador. Daí a representação do título: A Walita acaba de pousar em Varginha. Figura 15: Anúncio Pão de Açúcar Fonte: Site do Clube de Criação de São Paulo Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 61 Apostando no posicionamento de marca, a peça da Figura 15 alinha conceito e criatividade. A mensagem temática é focada nos preparativos festivos de final de ano, simbolicamente representado por taças que possuem características anatômicas que, colocadas uma ao lado da outra, lembram a marca Pão de Açúcar, além de brincar com a ideia de virada: virada do ano e virada da taça como forma de comemoração e de representação da marca. Figura 16: Anúncio Putz Fonte: Site do Clube de Criação de São Paulo Nesta peça (Figura 16), o conceito bem humorado se utiliza da sexualidade como forma significativa de vender o consumo de produtos eróticos. A associação se dá diante do objetivo a ser comunicado. A Putz é uma locadora de filmes eróticos que também funciona como sex shop, por isso a loja não vende fitas “virgens”. A criativa utiliza a brincadeira de significado das palavras e, desse modo, acaba tendo uma forte argumentação na peça publicitária veiculada. Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 62 Figura 17: Anúncio ROLEX Fonte: 25º Anuário do Clube de Criação de São Paulo Uma peça conceitual formada por elementos e associações culturais, a Rolex é uma marca nobre e de forte posicionamento mercadológico. Seria quase que impossível usar um relógio de tal porte e passar despercebido. A redação é composta de forma alusiva ao método usado para verificar, através do pulso, se a pessoa, em estado de desmaio, continua apresentando sinais de vida (Figura 17). Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 63 Figura 18: Anúncio CIRIO Fonte: 25º Anuário do Clube de Criação de São Paulo Na Figura 18, a mensagem objetiva mostrar o molho CIRIO como objeto de desejo, ilustrando simbolicamente a lata do molho cercada por abridores de lata que, devido ao seu formato anatômico, fazem referência a tubarões, esperando o momento de atacar. Essas inferências evidenciam, mais uma vez, a complexidade da formação, da circulação e do consumo dos signos, da significação. A forma do abridor faz uma relação indicial com o tubarão. Logicamente, se pensarmos nos conceitos de signos, de ícones, de índices e de símbolos, constataremos que a recepção nunca será um produto estático. Será sempre um Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 64 processo dinâmico que envolve os referentes dos produtores dos enunciados e dos receptores. Figura 19: Anúncio Insetisan Fonte: 25º Anuário do Clube de Criação de São Paulo Esta mensagem instiga o leitor a fazer uma reflexão diante da imagem ilustrada na peça. Foi implantado um significado simbólico, resultando, de forma comparativa, a necessidade de contratar os serviços da Dedetizadora. A madeira é desejada pelo cupim, assim, como nós desejamos determinados alimentos. Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 65 Figura 20: Anúncio Fundação SOS Mata Atlântica Fonte: 25º Anuário do Clube de Criação de São Paulo O discurso, neste anúncio (Figura 20), é curto, porém, objetivo. A mensagem de consumo consciente é representada simbolicamente pela figura de um código de barras, ícone de consumo e de mercado. O código representa as árvores sendo derrubadas para servirem de matéria-prima na fabricação de produtos a serem comercializados no mercado. Na Figura 21, o objetivo é vender um programa francês de moda, transmitido por um canal de TV, utilizandose do contexto, a redação alinhou a criatividade ao representar simbolicamente um zíper partindo de um contexto Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 66 estilista como forma de referência a um dos principais ícones de Paris: a Torre Eiffel. Figura 21: Anúncio Euro Channel Fonte: 25º Anuário do Clube de Criação de São Paulo Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 67 Figura 22: Outdoor Central de Outdoor Fonte: Site da Central de Outdoor A criação apresentada na Figura 22 vende de forma impactante a campanha contra a violência a mulheres, o discurso é composto de analogia. Violência gera lesão, lesão lembra sangue e dor, as mulheres passam mensalmente por um período menstrual, sangrando de forma natural, ao contrário de outras que são maltratadas peças, verificamos, diariamente pelos seus parceiros. Com a análise dessas claramente, que num texto – independente do gênero a que ele pertence - não é suficiente decodificar os signos que estão expostos nos suportes midiáticos. É preciso o publicitário ler nas entrelinhas, entender de subentendidos, de linguagens subliminares, de implícitos etc. Além de compreender que toda manifestação discursiva é um jogo e na linguagem dos publicitários esse jogo tem regras mais ousadas, criativas, Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 68 pois eles sabem que, para persuadir seus interlocutores, têm que ser diferentes (os homens, de uma forma geral, gostam do inusitado, daquilo que rompe paradigmas, padrões), mas, ao mesmo tempo, vislumbrar a sua audiência. Caso contrário, farão uma comunicação que ninguém entende ou a que ninguém se prende, porque é óbvia demais. Sempre sob os enunciados, outros enunciados são ditos. Mas é na estrutura material da língua e na linearidade de uma cadeia em que ainda se percebem a polifonia e a intertextualidade intencional ou não intencional de toda enunciação, através da qual a análise pode tentar recuperar os indícios verbais e os não verbais dessa enunciação: Não pensamos que seja necessário se fechar na alternativa pela qual se opta por uma interpretação única. Pode “se representar um sentido de suas palavras”, quer a de ter por “uma ilusão, a eventualidade de que o locutor seja sujeito”, “se desinteressar dessas representações do sentido por X ou por Y”. À medida que enunciamos, construímos um espaço enunciativo, ou seja, estamos ao mesmo tempo construindo as regras do jogo e jogando uma partida. Cada Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 69 partida pode ter parceiros diferentes, interlocutores diversos, com referentes socioculturais também diferentes. Parece-me que frequentemente os especialistas da análise do discurso não dão a devida importância a essa materialidade da atividade enunciativa. A contextualização sempre foi um dos ideais linguísticos e a interpretação também. De fato, a interpretação não se faz via direta faz-se em níveis diferenciados, muitas vezes até ambíguos. O sentido dos enunciados midiáticos das figuras 23 a 28 só é possível ser interpretado com proficiência se houver um conhecimento prévio da festa do boi bumbá em Parintins que envolve dois partidos: o vermelho e o azul. A homenagem da coca-cola, quebrando um paradigma semiótico da cor vermelha e liberando a garrafa e ou a lata na cor azul, faz com que as duas torcidas se sintam valorizadas, prestigiadas. No exemplo da Figura 23, o próprio nome da Coca-Cola se nos apresenta nas duas cores, mexendo com a empatia e com a emoção das torcidas. Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 70 Figura 23: Anúncio Coca-Cola Fonte: http://carlosmjr.deviantart.com/art/Coca-Cola-Parintins-395101891 Neste texto publicitário, além da referência à festa do boi bumbá, em Parintins, existe uma intertextualidade com os enunciados popularmente conhecidos pelos brasileiros: “aonde a vaca vai o boi vai atrás” (Figura 27). Essa intertextualidade mostra que a Coca-Cola estará presente em todo o evento festivo de Parintins. Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática Figura 24: Anúncio Coca-Cola Fonte: http://logobr.org/branding/coca-cola-azul-parintins/ Figura 25: Anúncio Coca-Cola Fonte: http://uniclasse.wordpress.com/2011/01/12/ paritins-a-unica-cidade-do-mundo-que-tem-coca-cola-azul/ - 71 Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 72 Figura 26: Anúncio Coca-Cola Fonte: https://minicomunica.wordpress.com/2011/10/ Figura 27: Anúncio Coca-Cola Fonte: http://vinoblok.com.br/2011/03/25/ a-onde-o-boi-vai-a-coca-cola-vai-atras/ Na figura 28, a Coca-Cola aparece na cor branca, evidenciando neutralidade na disputa dos partidos vermelho e azul. Além dessa suposta neutralidade, há uma mensagem de Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 73 paz. O branco, na cultura brasileira, nos remete à paz. A garrafa branca de Coca-Cola está entre as cores dos partidos. Figura 28: Anúncio Coca-Cola Fonte: http://garimpodeideias.com.br/blog/ como-destruir-um-equity-da-marca/ O sentido que o enunciado midiático não verbal nos passa é ambíguo. O ângulo em que foi tirada a fotografia, de cima para baixo, sugere uma mão masculina tocando um seio feminino. A propaganda é de cerveja, mas existe uma sugestão gráfica de subordinação feminina no enunciado Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 74 midiático: um processo metonímico, parte pelo todo, em que parte do corpo da mulher aparece associado a um objeto de desejo. Há o uso apelativo da mulher como objeto de consumo e de desejo. Figura 29: Anúncio Cerveja Fonte: https://propagandeando.wordpress.com/tag/duplo-sentido/ Figura 30: Anúncio A-Style Fonte: http://www.cafecomgalo.com.br/ reflexao-do-dia-marcas-bizarras-e-comerciais-ruins/ Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 75 Neste texto, percebemos um apelo linguístico de caráter verbal e não verbal com uma intertextualidade com a expressão em inglês “doggy-style” que se refere a uma posição do ato sexual (Figura 30). A ambiguidade é proposital e mostra uma quebra de paradigma, inclusive, no apelo sexual. Figura 31: Anúncio DVD - Casas Bahia Fonte: http://julianaportuguesfeevale.blogspot.com.br/2011/10/ propaganda-das-casas-bahia.html No anúncio de DVD (Figura 31), a expressão linguística “cem pau”, referência monetária, tem também uma relação ambígua com o mito cultural referente ao órgão Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 76 genital dos japoneses do sexo masculino ser pequeno. O humor se estabelece a partir dessa ambiguidade que só será compreendida se o leitor tiver referentes prévios sobre isso. O discurso poderia ser considerado altamente grosseiro se não houvesse uma aceitação da piada no Brasil. Figura 32: Anúncio café - quente Fonte: http://leiapublicidade.com/blog/?m=201210 O sentido do vocábulo “quente” (Figura 32) faz referência à temperatura do líquido e ao ato sexual. Essa ambiguidade é provocada pela disposição das canecas que através de uma relação indicial nos provoca uma leitura não apenas relacionada à temperatura literal do café. O que nos Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 77 faz mais uma vez argumentar que o sentido não está apenas na materialidade de um signo. Figura 33: Anúncio Companhia Athlética Fonte: http://jotamarketing.blogspot.com.br/2010/05/ anuncios-da-cia-athletica.html Os textos das figuras 33 e 34 exigem também uma compreensão de mundo, prévia, para se entender os enunciados midiáticos. Nas culturas do mundo ocidental, a ceia de Natal e o Ano Novo são momentos de serem servidos pratos calóricos e fartos. As pessoas comem bastante, deixando de lado hábitos mais saudáveis de uma alimentação equilibrada e moderada. Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática Figura 34: Anúncio Companhia Athlética Fonte: http://jotamarketing.blogspot.com.br/2010/05/ anuncios-da-cia-athletica.html Figura 35: Anúncio Pepsi-Cola Fonte: https://marcellusfrota.wordpress.com/ - 78 Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 79 Para se entender o sentido do enunciado verbal deste texto publicitário da Pepsi, é necessário se ter o conhecimento que Maradona, jogador famoso argentino, foi usuário de cocaína. Caso o leitor não tenha essa compreensão, a ambiguidade não será percebida. No discurso publicitário, as cores, as letras os enunciados verbais e não verbais representam uma totalidade de pressupostos, de subtendidos e de sentidos literais. No caso da propaganda apresentada na Figura 36, as cores amarela e azul indiciam juntamente com as letras BB, o Banco do Brasil. O bebê na mão possivelmente de um pai cria situações de pressupostos e de inferências mais abertas: pode nos lembrar de segurança, de proteção, de confiança. O símbolo do Banco do Brasil confirma os sentidos inferidos. É um processo contínuo de jogos semântico-pragmáticos e de relações, icônicas, indiciais e simbólicas. Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática Figura 36: Anúncio Banco do Brasil Fonte: http://bancodamarina.blogspot.com.br/2010/11/ propaganda-censurada.html Figura 37: Anúncio creme dental Fonte: http://www.portugues.com.br/redacao/ o-anuncio-publicitario---uma-analise-linguistica-.html - 80 Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 81 A expressão sorrisinho amarelo nos faz lembrar algo sem graça. No texto publicitário, aparece uma moça de sorriso largo, aberto, com dentes brancos, representando uma relação indicial com a felicidade. Assim, é feita a divulgação do creme dental. Uma função apelativa que vende a imagem de quem usa esse creme dental ficará radiante, sedutora. Antigamente se falava que o dicionário era o pai dos burros (fato esse altamente criticado na perspectiva linguística moderna). Criaram uma analogia com essa expressão e colocaram o enunciado “Bom pra Burro” com a imagem de um dos dicionários mais conceituados no Brasil (Figura 38). Esse tipo de enunciado pode ainda persuadir, apesar das críticas ao enunciado verbal. Figura 38: Anúncio Dicionário Aurélio Fonte: http://poluxcompany.blogspot.com.br/2010/05/ propaganda-dicionario-aurelio.html Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 82 O enunciado da Figura 39, constituído de um discurso imagético, não verbal, indicia aspectos da violência contra a mulher. A agressão verbal, elucidada por meio do elemento imagético “soco”, “murro” que sai de dentro da boca do homem, atingindo a face da mulher, denota o impacto que a agressão verbal provoca. A imagem feminina traduz dor excessiva. Assim, podemos inferir que as palavras machucam tanto quanto a agressão física (ou, para algumas mulheres, até mais). Figura 39: Violência contra a mulher Fonte: http://www.tribunams.com.br/brasil-mundo/casos-de-violencia-contramulheres-passam-de-8-mil-em-7-meses-no-rs.html Mais uma vez, a ambiguidade faz-se presente nos enunciados publicitários. O vocábulo “coroa” na Figura 40 nos Linguagem Publicitária e Midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 83 remete a dois significados: um relacionado à faixa etária de uma pessoa idosa e o outro relacionado ao conjunto de rosas que são colocadas em velórios. Para se escolher o significado, precisa-se do contexto de uso, do contexto de produção e de circulação dos enunciados. Figura 40: Anúncio assistência funerária Fonte: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html? aula=13225 CONSIDERAÇÕES FINAIS Muitos estudiosos de correntes teóricas diferenciadas pesquisam sobre a “complexidade enunciativa”, evidenciando distanciamento, desdobramentos ou divisão do sujeito enunciador capaz de alterar formas linguísticas discursivas, textuais ou até de alterar a imagem de uma mensagem. Os publicitários não são diferentes. Eles têm que ser criativos, ousar para persuadir sua audiência e, ao mesmo tempo, fazer-se entender. Nossa intenção com este estudo foi contribuir também com a formação do discurso publicitário, do discurso midiático, estabelecidos, através de perspectivas enunciativas reflexivas. Percebemos que cada anúncio tem que agradar, pelo menos, a quatro interlocutores: o publicitário, o enunciador, o público alvo e a audiência em geral – que de um jeito ou de outro, são também alvos potenciais. Constatamos que, dependendo da linha teórica, estudiosos definem o enunciado como sendo uma questão de interesse imediato, que descreve o conteúdo sobre o qual se Linguagem publicitária e midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática fala/escreve, sinalizando a perspectiva focalizada - 85 na materialidade linguística. Nesse sentido, ele é definido como uma categoria de base textual, ou seja, uma categoria que se relaciona ao plano global de organização do texto. É visto também, por outros estudiosos, como uma categorial interacional, à medida que é uma entidade pertinente para os locutores que atribuem a ele propriedades específicas, conforme suas práticas culturais e sociais. Muitos publicitários e estudiosos da linguagem chegam à conclusão de que é na pragmática que os sentidos dos enunciados, atravessando a língua, são construídos; eles (enunciados) só podem ser interpretados se levarmos em conta os contextos que os envolvem em função de uma metodologia geral que tende a se dar como o todo da realidade enunciativa que reproduz, em sua teoria da enunciação,o gesto de negar a audiência, o público alvo. Nesse sentido, parece ficar claro que o publicitário deveria perceber que o conceito de enunciação não implica a hipótese de que o enunciado é produzido por um sujeito falante apenas, pela representação da enunciação estritamente fechada sobre si mesma que não faz referências a conhecimentos partilhados entre os interlocutores. Linguagem publicitária e midiática: os enunciados em uma linguagem pragmática - 86 Acreditamos que a situação extraverbal está longe de ser meramente a causa externa de um enunciado – ela não age sobre o enunciado de fora, como se fosse uma força mecânica. Em outros termos, a situação se integra ao enunciado como uma parte constitutiva essencial da estrutura de sua significação. Dessa forma, um enunciado publicitário é um todo significativo, independente da quantidade de elementos linguísticos que o estejam constituindo. Sofre manipulações históricas, sociais, ideológicas, midiáticas e compreende duas partes: uma que está na materialidade estrutural e outra que está presumida, estabelecendo conexões com os contextos extraverbais da “corrente da vida”. Um interlocutor que o percebe separado desses contextos ou que não tenha conhecimento do contexto pragmático do período de produção e de circulação desse enunciado, provavelmente, não fará a mesma interpretação que os enunciadores desejavam que ele fizesse, nem resgatará as marcas do processo de composição a serem detectadas nas descrições da organização desse enunciado. REFERÊNCIAS AUSTIN, J. L. Quando dizer é fazer: palavras e ação. Tradução. Danilo Marcondes de Souza Filho. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990. CERVONI, J. A enunciação. Tradução de L. Garcia dos Santos. Revisão da Tradução por Valter Kehdi. São Paulo: Ática, 1989. BAKHTIN, M. V. Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução Michel Lahud e Yara Frateschi, 7.ed. São Paulo: Hucitec, 1995. BAKHITIN, M. Estética da criação verbal. Tradução Paulo Bezerra. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992. BARBOSA, M. A. Léxico, produção e criatividade. São Paulo: Global, 1981. BARROS, D. L. P. 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