antártica - Prof. Roberto Moraes

Transcrição

antártica - Prof. Roberto Moraes
ANTÁRTICA
"ANTÁRTICA"
POR
Cel VALTER BISCHOFF, BRASIL
Trabalho de Pesquisa
apresentado
ao Colégio Interamericano de
Defesa como requisito para a
obtenção do Diploma de
aprovação no Curso Superior de
Defesa Continental.
WASHINGTON, D.C., Maio de 1996.
Certifico que revisei este Trabalho de
Pesquisa, encontrando- o ajustado à
Normativa e Metodologia do CID.
___________________________________
Assessor Coordenador
_______________________________
Data
NOTA ACLARATÓRIA
As opiniões emitidas no presente trabalho, são da exclusiva
responsabilidade do autor e não apresentam a posição do CID.
AUTORIZAÇÃO
Autorizo o Colégio Interamericano de Defesa a publicar este
trabalho como artigo para Leitura Selecionada ou na Revista do Colégio.
Assinatura do pesquisador:
______________________________
Cel Valter Bischoff
Data:_____/_____/______
ÍNDICE
INTRODUÇÃO ................................................................................................
1
CAPÍTULO
I
GENERALIDADES
1. Caracterização da Área ..............................................................
2. Importância da Antártica ...........................................................
3. Antecedentes Históricos .............................................................
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8
II
PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO TRATADO DA
ANTÁRTICA...................................................................................
11
III
DIMENSÃO GEOPOLÍTICA DA ANTÁRTICA
1. Geopolítica Marítima .................................................................. 15
2. Geopolítica Aeroespacial ............................................................ 15
3. Geopolítica de Recursos ............................................................. 16
IV
V
SOBRE
TESES DOS PAÍSES SIGNATÁRIOS X TESE DA “RES
COMUNIS” .................................................................................... 17
O PROTOCOLO AO TRATADO DA ANTÁRTICA
A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE ( PROTOCOLO DE
MADRID - 1991 ) ........................................................................
20
CONCLUSÃO .................................................................................................
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ANEXOS
1
2
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4
FISIOGRAFIA DA ANTÁRTICA ...................................................
REIVINDICAÇÕES TERRITORIAIS .............................................
TEORIA DA DEFRONTAÇÃO ......................................................
RECLAMOS TERRITORIAIS E BASES .......................................
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................
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A. INTRODUÇÃO
Em 1867, o secretário de Estado dos EUA WILLIAM SEWARD propôs a
compra do desconhecido Alasca à Rússia. Embora tivesse enfrentando enorme oposição e
severas críticas, conseguiu fazer prevalecer sua idéia e a compra foi consumada.
Por 7.200.000 dólares os EUA adquiriram a “geladeira de SEWARD” ou
“loucura de SEWARD” como foi apelidada na época.
Hoje, decorridos quase 130 anos, a “loucura” possui um valor estratégico e um
potencial econômico que não podem ser medidos em dólares.
Não existem mais “Alascas” à venda no mundo de hoje. A busca de melhores
posições estratégicas e de novas fontes de recursos econômicos escassos, levou diversos países a
se empenharem numa verdadeira “corrida” à última região ainda “livre” de nosso planeta: a
Antártica. Nesta disputa, a bandeira é a do conhecimento científico, e os contendores numa
ação conjunta através de tratados e manobras políticas, procuram dificultar que outros países
dela participem.
As referências à Antártica envolvem, comumente, menções que procuram
traduzir as peculiaridades ímpares da região, as quais, se ao primeiro contato podem parecer
exageradas, à medida que se amplia o conhecimento relativo ao conjunto de características do
continente, torna-se fácil compreender e acolher como adequados os adjetivos atribuídos.
Tais aspectos, certamente, na época oportuna, muito contribuíram para atrair a
atenção dos exploradores, que aventuraram-se rumo ao desconhecido e construíram uma
história que representou verdadeira saga de heroísmo, vivenciada por alguns nomes que
conquistaram admiração e fama mundial.
Mais do que isso, o desbravamento inicial ocorrido, principalmente no século
passado, cedeu lugar, mais recentemente, às iniciativas internacionais de cunho científico e ao
aparecimento de reclamos e reivindicações territoriais, o que lançou a Antártica no fulcro de um
sério contencioso potencial.
Conforme será verificado, o continente antártico constitui a fonte de regulação
climática em todo o mundo, além de encerrar recursos minerais significativos, o que acentua
sua importância estratégica e pode explicar a cobiça internacional sobre o seu território.
A assinatura do Tratado da Antártica e, mais adiante, do Protocolo de Madri,
permitiu acomodar o conflito latente, pelo menos, por algum tempo.
1
Mas para compreender a sua abrangência e o seu significado impõe-se conhecer
o ordenamento jurídico que vigora na região e o jogo de forças das correntes políticas
internacionais predominantes.
CAPÍTULO I
GENERALIDADES
1.
CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA
Antártica, cuja palavra significa “oposto ao Ártico” é a denominação dada à
região - mares e terras - que circunda o Polo Sul até o paralelo de 60 ° S. ( Anexo 1 )
Possui uma superfície aproximada de 14 milhões de km², equivalente a uma vez
e meia a área do Brasil, a soma das áreas da Europa e EUA, o dobro da Austrália e a metade
do continete africano. Tal extensão tornou-a conhecida como o sexto continente. Sua forma
quase circular é interrompida pela firme curvatura da península Antártica, e dois profundos
golfos - os mares de Weddell e Ross. Seu maior diâmetro mede cerca de 5.500 km.
É rodeada pelo oceano Austral ou Antártico, constituído pelas partes confluentes
dos Oceanos Pacífico, Atlântico e Índico. Profundidades abissais superiores a 3.000 m tornamna totalmente ilhada, sem vinculação alguma a outras terras, nem mesmo através de plataformas
continentais.
Dista do Cabo da Boa Esperança (na África) cerca de 6.000 km, aproxima-se
um pouco mais da Oceania, pois se encontra a 5.000 km da Tasmânia e se projeta em direção
ao continente sul-americano, do qual dista apenas 4.000 km.
Sob o ponto de vista geográfico, para melhor clareza didática, podemos dividir o
continente antártico em três setores: o africano, localizado entre os meridianos de 0° e 120°
leste, o autraliano entre os meridianos de 120° leste e oeste e o americano entre 120° e 0°
oeste.
A Antártica Africana se estende por uma série de territórios com diferentes
denominações entre as quais se destacam a Terra da Rainha Maud, a Terra de Enderby, a Terra
de Guilherme II e a Terra de Wilkes. Incluem-se neste setor as ilhas de Kerguelen, Crozet,
Nova Amsterdam, S. Paulo, Marion, Príncipe Eduardo, Mac Donald e Heard. Encontram-se na
Antártica Africana os setores reivindicados pela Noruega e Austrália, sendo também o setor
onde predominam as bases científicas russas.
A Antártica Australiana é composta pelas Terras de Adélia, Vitória, Eduardo VII
e parte da Terra de Mary Byrd. A oeste da Terra de Vitória, tendo ao norte a Terra de
Eduardo VII e no leste a Terra de Mary Byrd, estende-se a reentrância formada pelo mar de
Ross. Integram a Antártica Australiana várias ilhas vulcânicas e rochosas. O setor contém
territórios reivindicados pela Austrália, França e Nova Zelândia.
A Antártica Americana é a que mais avança para o norte, num prolongamento
entre a península Antártica e o continente sul-americano, com escalonamento numa série de
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arquipélagos que desenham para o oeste um arco formado pelas ilhas dos Estados, Malvinas,
Geórgias do Sul, Sanduíche do Sul, Orcadas do Sul e Shetlands do Sul. É formada pelas Terra
de Mary Byrd. A semelhança com o setor australiano, possui uma profunda cunha formando o
mar de Weddell.
É na Antártica Americana que se embaralham os setores reivindicados pela
Inglaterra, Argentina e Chile, parte do pleiteado pela Noruega, como também o território
pretendido pelos Estados Unidos, mas ainda não revindicado oficialmente. Neste setor, o
TIAR ( Tratado Inter-Americano de Assistência Recíproca ) reconhece a existência de uma
Antártica Americana, entre os meridianos de 30° e 90° de longitude oeste.
Tendo em vista o seu valor altamente estratégico, em se tratando de controlar os
estreitos de Magalhães e Drake, concentra-se na Antártica Americana o maior número de bases
científicas que começaram a proliferar durante o Ano Geofísico Internacional (AGI) de 195758.
Geologicamente, podemos dividir o continente em duas regiões distintas: a
Antártica Oriental e a Antártica Ocidental. Uma linha que une os mares de Weddell ao de Ross
materializa as duas regiões, possuidoras de características próprias e específicas.
A Antártica é o mais elevado de todos os continentes com uma altitude média de
2.000 m acima do nível do mar, tendo como ponto culminante o Monte Vinson com 5.140 m de
altitude no setor Americano.
A Antártica é uma massa de terra centrada no polo sul recoberta por uma calota
de gelo de forma e espessura variáveis. Essa capa de gelo cobre aproximadamente 98% da
massa de terra antártica, contendo 89% dos gelos aderentes; tem sete vezes mais a extensão da
calota existente na Groenlândia, que em volume e massa vem em seguida, na classificação
mundial, com apenas 9% dos gelos aderentes, restando apenas 1% para os demais glaciares.
A Antártica é o continente mais frio do mundo, com média anual em torno
de - 25° C, embora a temperatura não seja uniforme em toda a região.
A vida da flora é sumamente limitada ao curto verão, tendo ainda que contar
nesse período com a ação interrompida do sol sobre o horizonte. Nessas condições, a flora
polar é pobre, pequena e deprimida, predominando as espécies constituídas pelos musgos,
líquens e algas.
A vegetação da região é fator condicionante da fauna antártica, impedindo o
aparecimento de animais terrestres e concentrando-a na orla marítima. Caracteriza-se a fauna
terrestre pela escassez de espécies, embora, cada uma delas possua um grande número de
indivíduos.
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2. IMPORTÂNCIA DA ANTÁRTICA
a. Recursos Renováveis
O estudo histórico da Antártica revela que o homem aproximou-se daquela
região movido tanto pelo interesse científico quanto pelo econômico. As viagens promovidas
por grandes sociedades comerciais no século XIX deram origem às primeiras revindicações de
terras feitas pela Noruega com o intuito de oferecer proteção à sua indústria baleeira contra as
imposições inglesas e as proibições francesas.
Até hoje as atividades baleeiras se desenvolvem nas águas antárticas, sendo
responsáveis por 80% da produção mundial de óleo de baleia. Os restantes provêm do Ártico e
de outras regiões.
Nas baleias tudo se aproveita, embora sua caça intensiva até meados do século
XIX tenha se prendido mais à obtenção do óleo empregado no aquecimento e iluminação.
Embora a carne fresca da baleia se apresente como alimento importante pelos
90% de proteínas que contém, não conseguiu ainda se integrar à mesa dos ocidentais; seu
aproveitamento, neste sentido, é feito pelos noruegueses e japoneses, os dois povos que mais
consomem carne de baleia.
Atraída por essa riqueza, a Inglaterra em 1905 inicia a efetiva administração nas
ilhas Falkland (Malvinas) regulando a pesca da baleia, enquanto que os japoneses, principais
competidores dos dinamarqueses e noruegueses, passaram a desviar seus barcos para os mares
austrais, onde já se encontravam os russos.
Sua pesca, decorrente da destruição indiscriminada e perigo de extinção, foi
regulamentada pela Convenção Internacional, assinada em Washington a 2 de dezembro de
1946, complementada pelo decreto de 15 de setembro de 1958.
O cachalote embora não sendo aproveitado integralmente, como a baleia, possui
importância econômica na fabricação de perfumes, velas e lubrificantes.
Uma nova e ainda inestimada fonte de alimentação começou a ser explorada nos
últimos anos: o “krill”, uma minúscula espécie de camarão de altíssimo valor proteíco, que
serve de alimento às baleias. De acordo com avaliações de pescadores poloneses, russos e
japoneses que já atuam na região, o volume de “krill” é tão grande que, mesmo que se
pescassem 100 milhões de toneladas dele, isto significaria quase nada diante da quantidade do
crustáceo existente na Antártica.
As algas são representadas por diversas espécies particularmente as do gênero
Macrocystis e Durvillea. Nas zonas litorâneas dos arquipélagos e na costa do continente
existem verdadeiras pradarias, cobrindo áreas superiores a 200 km² , nas proximidades das ilhas
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Derguelen e Malvinas. Nestas regiões, a produção em média é de 3 a 10 kg/m² da Macrocystis
e de 10 a 20 kg/m² da Durvillea. O Chile e a Tasmânia já as exploram comercialmente no
campo das indústrias químicas, farmacêuticas e alimentícias.
Sua participação no equilíbrio ecológico é fundamental, por se constituir no
habitat de certa fauna produtora de substâncias orgânicas e inorgânicas.
A caça de focas na região austral só começou na segunda metade do século
XVIII quando os chineses inventaram, em 1750, o processo que permite a extirpação dos pelos
longos da capa externa, sem prejudicar a suave capa interna de pelos curtos e densos.
Embora não haja uma exploração econômica, já se abate a foca de Weddell, que
vive na costa, para consumo de sua carne, pelos cientistas, por conter propriedades que evitam o
escorbuto. As aves antárticas, exceto o petrel gigante, oferecem carne comestível. A mais
atacada pelo homem foi o pingüim para obtenção de sua pele. Cerca de 1 milhão de pingüins
eram exterminados durante o período de incubação. Visando a preservação da espécie, a partir
de 1933, sua caça foi regulamentada e a ilha Macquarie foi considerada reserva de pingüins.
b. Recursos Não-Renováveis
A possibilidade de pesquisar e explorar os recurso naturais não-renováveis na
Antártica, é um problema de ordem técnica, e indubitavelmente, também econômico estando
relacionado, neste caso, com o direito internacional e com decisões de caráter político.
Sem dúvida num continente de aproximadamente 14.000.000 km² é lícito
admitir-se a presença de qualquer tipo de recurso mineral, particularmente aqueles existentes
nas áreas defrontantes.
A respeito dos hidrocarburetos é importante considerar os estudos levados a
cabo, às expensas da National Science Foundation, na plataforma continental do Mar de Ross
em 1972.
Mas o fator econômico mais importante em termos atuais ainda está latente. É o
que se refere à elevada probabilidade da existência de determinadas riquezas minerais e à
comprovada ocorrência de outras. Já foi constatada a existência de mais de 200 tipos de
minerais, alguns de elevado valor econômico e estratégico, dos quais ressaltamos
· comprovada localização de jazidas de urânio de alto teor, próximas da base
japonesa de Showa, na costa do Príncipe Olav;
· pesquisas realizadas pelo navio Eltanin no setor que se defronta com o litoral
brasileiro, constataram a existência de enormes jazidas de manganês. Nódulos e
concreções formam verdadeiro tapete desse metal no fundo do mar;
· pesquisas geológicas recentes confirmam a elevada probabilidade da exis-tência
de petróleo na península Antártica e na Antártica Ocidental;
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· nas montanhas Horlick, ao sul da base americana de Byrd, foram localizados
extensos depósitos de carvão, estimados por importantes geólogos como dos
maiores do mundo, logo abaixo dos depósitos dos EUA;
· do pouco que foi dado a conhecer até agora sobre as intensas atividades russa
na Antártica, destaca-se a existência de extensos depósitos de minério de ferro e
de mica.
A teoria do Gondwana (Wegener) diz que, há cerca de 135 milhões de anos, a
costa antártica que compreende o mar de Weddell era ligado ao litoral sudoeste da África, que
abrange a costa desde Moçambique até Port Elizabeth e portanto, por analogia da estrutura
geológica, tem grandes probabilidades de conter petróleo, cromo, ferro, tungstênio e xisto
betuminoso. Estaria também a Antártica ligada à América do Sul ( prolongamento dos Andes),
à Austrália e à Índia, o que implicaria em ter condições geológicas semelhantes às daquelas
regiões nas áreas correspondentes.
O interesse pela exploração comercial na região Antártica, considerando-se as
dificuldades da área, está condicionado fundamentalmente por dois fatores:
- a necessidade a nível mundial do elemento em questão;
- que sua exploração apresente um rendimento aceitável.
Além destas perspectivas econômicas existem inúmeras outras, propostas por
nomes famosos como o almirante Lepotier, sugerindo o armazenamento de alimentos
excedentes por tempo indefinido, tendo em vista as baixas temperaturas e o ar isento de
bactérias, ou como três cientistas americanos, que propuseram a revisão do Tratado da
Antártica, para se utilizar do continente como depósito dos resíduos radioativos dos reatores
nucleares, ou ainda como Pierre Carpentier sugerindo a irrigação das regiões desertas da
Austrália por icebergs desviados da suas rotas para as costas daquele continente, obtendo-se água
doce a um preço muitas vezes inferior ao da dessalinização da água do mar.
Rotas aéreas transantárticas, outro fator de interesse econômico, poderão vir a
ser utilizadas no futuro. Na viagem da Cidade do Cabo ( África do Sul) até a Nova Zelândia, por
exemplo, são percorridas 9.500 milhas pela atual rota comercial, enquanto que pelo Polo Sul, a
distância seria reduzida para 5.900 milhas. Da mesma forma de Buenos Aires até a Nova
Zelândia, a viagem se reduziria de 11.300 milhas para 5.300 milhas. Em seu acordo sobre
aviação comercial (1957), os EUA e a Austrália incluiram uma rota polar.
Uma atividade comercial que vem sendo desenvolvida é o turismo. Os EUA e o
Chile promovem excursões à região, onde os turistas podem ver pingüins e postos abandonados
de onde partiam expedições de caça à baleia. A Argentina também demonstra interesse nesta
atividade. No verão, única época em que é possível navegar pelas imediações do continente,
desembarcam quase 10.000 turistas na península antártica e ilhas das imediações, locais de
mais fácil acesso. Os cruzeiros partem geralmente de Punta Arenas, cidade mais austral do
Chile, ou de Ushuaia, no extremo sul da Argentina. Navios russos, que serviam de apoio às
antigas bases soviéticas na região, foram adaptados e também prestam este serviço.
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3. ANTECEDENTES HISTÓRICOS
O interesse pela região sul do globo existiu desde a Antiguidade. Em 500 A.C.,
Pitágoras já aventava a hipótese da terra ser redonda. Ptolomeu de Alexandria, em 150 D.C.,
em seu livro “A Geografia” afirmava que, para a Terra ser redonda, deveria conter em sua base
um continente ( “Terra Austrális Incógnita”).
Em 1486, apareceu, na Alemanha, um mapa onde a “Terra Austrális Incógnita”
era unida à África.
Após a viagem de circunavegação de Fernando de Magalhães, em 1520, a
atenção da Europa foi despertada para a região antártica. Prevalecia, então, a idéia de que a
“Terra Austrális” constituía um vasto continente que, centrado no pólo, prolongava-se até a
altura do extremo norte da Austrália, projetando-se, também, até as proximidades da África e da
América do Sul.
Em 1570, outro mapa apareceu em Antuérpia, onde o Continente era ligado à
América do Sul; após a viagem de Drake, em 1577, ela passou a ser representada unida à
Austrália.
Em 1620, holandeses navegaram ao sul da Austrália e, a partir de então, ficou
provado que ela não estava ligada a nenhum continente conhecido.
Várias viagens foram feitas com aproximação cada vez maior da região antártica
dentre elas a do Comandante James Cook (Reino Unido) em 1772, sendo que, em 1819, um
inglês, William Smith, avistou as ilhas Shetland do Sul (onde hoje existem muitas bases
antárticas) e relatou sobre a quantidade de focas e baleias encontradas, o que atraiu uma
infinidade de aventureiros para auferir lucros com a gordura animal.
Foi um caçador de baleias e focas, o americano, Nathaniel Palmer, quem
conseguiu avistar, ainda em 1820, o continente antártico pela primeira vez. Nesse mesmo ano,
expedições de Bellingshausen (Russia) e Bransfield (Reino Unido) também viram o continente.
Pelo fato dos caçadores de focas e baleias continuarem avistando terras,
aumentou-se a suspeita de que se havia, finalmente, descoberto o continente antártico, o que foi
confirmado com as expedições que ingleses, americanos e franceses enviaram com o propósito
de realizar investigações científicas e penetrar, o mais possível, para o sul; expedições essas que,
juntamente com russas, belgas e norueguesas, continuaram por todo o século XIX.
E o que se observava na Europa, ao final daquele século, era um acentuado
interesse científico por ambas as regiões polares, o que viria dar origem à criação da Comissão
Polar Internacional que, reunida na Alemanha, em 1879, decidiu promover o “Primeiro Ano
Polar” (1882-1883) com a participação de doze países, com a manifestada intenção de
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empreender pesquisas.
Iniciava-se, dessa forma, a prática da cooperação científica nas
extremidades geladas da Terra.
No século XX, intensificou-se ainda mais essa penetração até que, em 14 de
dezembro de 1911, Roald Amundsen fincou a bandeira norueguesa no Polo Sul. Grã-Bretanha,
França, Bélgica, Escócia, Austrália, Japão, Noruega e Alemanha estavam entre as nações que
manifestavam maior interesse na região participando ativamente de pesquisas científicas. A esse
movimento procuraram associar-se a Argentina e o Chile estabelecendo respectivamente em
1904 e 1906, suas estações de pesquisas na periferia do continente antártico.
Terminada a fase heroíca da conquista da Antártica, não cessaram as investigações
científicas no continente e, mesmo durante a Segunda Guerra Mundial, a Grã-Bretanha enviou,
em 1943, uma expedição para instalação de estações meteorológicas na península antártica
(Graham).
Em 1942, os alemães se serviram das ilhas Kerguelen como posto de
reabastecimento de um navio corsário, o Pingüim, que já havia tomado mais de 136 toneladas de
cargas aliadas quando foi afundado. E, entre 1939 e 1941, os Estados Unidos começaram a
ocupar, permanentemente suas bases, usadas anteriormente por expedições americanas com um
caráter científico-estratégico.
Em dezembro de 1946, os Estados Unidos organizaram a maior expedição já
enviada à Antártica ( Operação “HIGHJUMP”) . Era chefiada pelo Almirante Byrd, que havia
sobrevoado o Polo Sul em vôo pioneiro em 1928, e composta por 4700 homens, dos quais 1600
tomaram parte nas investigações científicas, em 9 navios, 1 quebra-gelo, 1 submarino,
helicópteros e aviões e conseguiram realizar descobertas científicas bastante importantes e deram,
também, a maior demonstração de força na região.
do Sul.
Em 1947, o Chile estabeleceu sua primeira base na ilha Greenwich, nas Shetland
Produto de intensa movimentação da comunidade científica mundial foi celebrada
em 1955, a chamada “Conferência de Paris”, organizada para tratar, exclusivamente, de assuntos
relacionados com o continente antártico.
O advento do Ano Geofísico Internacional (1957 - 1958), levou o continente
Antártico a transformar-se em um vasto laboratório, onde 12 países instalaram 60 estações de
pesquisas e, independentemente de suas posições com referência à Antártica ou ideologiaspolíticas, trabalharam ombreados.
Como resultado da cooperação científica, levantou-se a hipótese de se continuarem
as explorações e pesquisas nos mesmos moldes, e as tratativas sobre o assunto, iniciadas em
1959, conduziram à assinatura do Tratado da Antártica, que é o Capítulo seguinte deste trabalho.
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CAPÍTULO II
PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO TRATADO DA ANTÁRTICA
Após o Ano Geofísico Internacional, face aos êxitos obtidos nas explorações
efetuadas no continente, os seguintes países participaram em Washington, em 1959, de uma
Conferência sobre o assunto: Argentina, Austrália, Bélgica, Chile, República Francesa, Japão,
Nova Zelândia, Noruega, União da África do Sul, União das Repúblicas Socialistas Soviéticas,
Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte e Estados Unidos da América, todos com
instalações e bases na Antártica. Firmado a 1° de dezembro de 1959 e ratificado pelos 12
signatários citados, em meados de 1961, o Tratado da Antártica, resultante da Conferência de
Washington, não atingiu o seu principal objetivo que era o da resolução do problema político.
Não foi aprovada a proposição de internacionalização da Antártica defendida pelos Estados
Unidos e Rússia, congelando-se novas reivindicações durante 30 anos de vigência do Tratado.
Após um preâmbulo, cujo texto alerta para a importância da Antártica continuar a
ser utilizada, exclusivamente, para fins pacíficos e para evitar a sua conversão em cenário ou
objeto de discórdias internacionais, o Tratado adota as seguintes linhas mestras reguladoras das
atividades na região, capituladas ao longo de quatorze artigos:
· assegura a liberdade de pesquisa, cujos resultados devem ser permutados e tornados
livremente utilizáveis, estando prevista a presença de observadores das Partes Contratantes com
acesso irrestrito a qualquer tempo e em qualquer lugar, aí incluídas todas as estações, instalações
e equipamentos existentes na Antártica;
· permite que equipamento ou pessoal militar possa ser introduzido na região, desde
que para pesquisa científica ou para qualquer outro propósito pacífico;
· exorta as Partes Contratantes a empregarem esforços apropriados, de conformidade
com a Carta das Nações Unidas, para que ninguém exerça, na Antártica, qualquer atividade
contrária aos princípios do Tratado;
· admite a modificação ou emenda do Tratado a qualquer tempo, por acordo unânime
das Partes, ou após decorridos trinta anos de vigência, por solicitação de qualquer uma das Partes
Contratantes;
· elege o governo dos Estados Unidos como depositário dos instrumentos de ratificação
do Tratado e concede a possibilidade de adesão a qualquer Estado que seja membro das Nações
Unidas;
· define a área de jurisdição do Tratado como aquela situada ao sul de sessenta graus de
latitude sul, incluindo as plataformas de gelo, ressalvando, contudo, a preservação do direito
internacional aplicável ao alto-mar;
· estabelece que nenhuma nova reivindicação, ou ampliação de reivindicação existente,
relativa à soberania territorial na Antártica, será apresentada enquanto o presente Tratado estiver
em vigor; e
· proibe a realização de explosões nucleares e o depósito de resíduos radioativos
(primeiro acordo nuclear internacional).
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O Tratado previa, também, reuniões ordinárias periódicas, denominadas
“Reuniões Consultivas” (RC), com todas as chamadas Partes Consultivas ou Aderentes
devidamente representadas em plenário, cuja sede observaria critério de rodízio.
É importante ressaltar que as reivindicações territoriais tornam-se literalmente
congeladas, uma vez que aquelas ora existentes não podem ser alteradas, e quaisquer outras,
novas, não serão aceitas. Merece destacar que o Tratado, firmado pelos doze signatários iniciais,
permanece aberto a adesões que, quando aceitas, evidentemente, estarão submetendo os novos
aderentes à anuência aos termos do Acordo. Portanto, não poderão ser postulados novos
reclamos.
Fica, também, assinalado vínculo implícito com a ONU, quando é mencionada a
carta daquela Organização, com a finalidade de preservar os princípios do Tratado.
Fundamentalmente, os Membros Aderentes ao Tratado da Antártica podem ser
divididos em Partes Consultivas e Partes Não-Consultivas.
Os primeiros, em número de vinte e seis, entre os quais encontram-se os sete
territorialistas, podem ser subdivididos em Consultivos Originais ( os doze signatários iniciais do
Tratado), e em Consultivos Adicionais, cuja adesão e efetivo envolvimento com as atividades
antárticas ocorreu posteriormente.
Ao ascender à posição de Parte Consultiva, o Estado passa a exercer o direito de
voto e, dessa forma, a participar de forma plena de todas as Reuniões Consultivas do Sistema do
Tratado da Antártica ( STA) e, portanto, passa a deter a prerrogativa de sentar-se à mesa de
negociações dos assuntos relativos ao continente.
Complementando a relação dos Membros Aderentes existem dezesseis Partes
Não-Consultivas, correspondendo aos Estados que manifestam interesse na região mas, até este
momento, devido a ausência de participação efetiva nas atividades, restringem-se à condição de
observadores, sem direito a voto.
Com o passar do tempo, a possibilidade de revisão aliada à ausência de regras
específicas disciplinadoras do aproveitamento dos recursos minerais antárticos, revelou-se como o
ponto mais sensível e vulnerável do Tratado.
Até que completasse trinta anos em vigor ( junho de 1991), a revisão somente
poderia ocorrer em caso de iniciativa unânime. Por conseguinte, a discordância de apenas uma
das Partes seria suficiente para obstruir o eventual desejo de todos os demais, reduzindo muito,
portanto, a probabilidade de qualquer alteração. A situação se inverteria, porém, a partir de junho
de 1991, pois, dali em diante, a iniciativa de qualquer uma das Partes Consultivas seria suficiente
para provocar a revisão.
Na medida em que se aproximava o trigésimo aniversário do Tratado, duas
preocupações consensuais prevaleciam durante as RC: a primeira, decorria do convencimento
11
geral que identificava a necessidade de introduzir dispositivo que tratasse da exploração dos
recurso minerais; e, a outra, de que a situação vigente não deveria sofrer alterações significativas,
de moda a preservar, de forma geral, o nível de entendimento predominante.
O nó da questão, portanto, permanecia atado. O ano de 1991 estava próximo e
urgia encontrar solução conciliatória que conquistasse consenso e, desta maneira, o apoio geral
para a manutenção da integridade do Tratado que, até então, vinha sendo aplicado com muito
sucesso.
A resposta foi dada em Madri, em 1991, com a aprovação unânime do Protocolo
ao Tratado da Antártica sobre Proteção do Meio Ambiente, que passou a ser conhecido como
“Protocolo de Madri” (PM).
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CLASSIFICAÇÃO DOS MEMBROS DO SISTEMA DO TRATADO ANTÁRTICO
1. PARTES CONSULTIVAS ORIGINAIS (12) - (Tem voz e voto)
TERRITORIALISTAS (7) :
ARGENTINA
AUSTRÁLIA
CHILE
FRANÇA
NOVA ZELÂNDIA
NORUEGA
REINO UNIDO
NÃO-TERRITORIALISTAS (5):
ÁFRICA DO SUL
BÉLGICA
ESTADOS UNIDOS
JAPÃO
RÚSSIA
2. PARTES CONSULTIVAS ADICIONAIS (14) - (Tem voz e voto)
TODOS NÃO-TERRITORIALISTAS:
POLÔNIA (1977)
ALEMANHA (1981/87)
BRASIL (1983)
INDIA (1983)
CHINA (1985)
URUGUAI (1985)
ITÁLIA (1987)
ESPANHA (1988)
SUÉCIA (1988)
FINLÂNDIA (1989)
PERU (1989)
CORÉIA (1989)
HOLANDA (1990)
EQUADOR (1990)
3. PARTES NÃO-CONSULTIVAS (16) - (Apenas voz)
REPÚBLICA CHECA (1962); SLOVÁKIA ( 1962);
DINAMARCA (1965); ROMÊNIA (1971); BULGÁRIA (1978);
PAPUA NOVA GUINÉ (1981); HUNGRIA (1984);
CUBA (1984); GRÉCIA (1987); REP.DEM.CORÉIA (1987);
ÁUSTRIA (1987); CANADÁ (1988); COLÔMBIA (1989);
SUÍÇA (1990); GUATEMALA (1991) e UCRANIA (1992).
CAPÍTULO III
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DIMENSÃO GEOPOLÍTICA DA ANTÁRTICA
1.
GEOPOLÍTICA MARÍTIMA
A Península Antártica e as ilhas da região permitem que seja exercido o controle
das vias marítimas entre os oceanos Pacífico-Atlântico-Índico, por países possuidores dos
necessários meios logísticos, militares e tecnológicos.
A vulnerabilidade dos Canais de Suez e Panamá, a utilização de supernavios em
face da economia de frete e a crescente necessidade de materiais estratégicos para a indústria do
mundo ocidental, tornaram vitais as rotas do Cabo, pelo sul da África, e a dos estreitos de Drake e
Magalhães, pelo sul da América do Sul.
A proximidade do continente antártico dessas rotas, com perspectivas de utilização
de bases nessa região, para controle ou interferência com o tráfego marítimo, faz ressaltar a
capital importância estratégica da região antártica.
Em paralelo com o possível emprego da região para controlar as rotas marítimas
acima citadas, aparece a preocupação com a garantia do uso e controle das águas antárticas e das
rotas de acesso ao Continente Polar. Do exposto, observamos que as nações do primeiro mundo
têm desenvolvido significativos esforços para assegurar este controle.
Além das posições já ocupadas pela Comunidade dos Estados Independentes, não
é demais associar-se ao valor estratégico da Antártica a firmeza britânica em relação às Malvinas e
os esforços norte-americanos em manter o alinhamento da África do Sul, uma vez que Malvinas e
África do Sul ocupam posições que facilitam a garantia do acesso à Antártica.
2.
GEOPOLÍTICA AEROESPACIAL
As rotas aéreas polares representam significativa economia para viajantes que vão,
por exemplo, da América do Sul para Austrália e Oceania. No caso da ligação entre Buenos
Aires e Auckland (Nova Zelândia) houve uma redução na distância de 17.400 para 6.000 milhas,
e o percurso foi realizado em nove horas. Entre os países sulamericanos que têm mostrado
interesse no desenvolvimento de tais rotas aéreas, citamos a Argentina e o Chile.
Um outro aspecto importante diz respeito a influência da região antártica no clima
do continente sulamericano. Em função disto e considerando o progresso tecnológico, além do
crescente interesse científico, tornaram aquela região polar laboratório cobiçado para estudos
meteorológicos, oceanográficos, ionosféricos, cósmicos, magnéticos, etc.
Se no futuro houverem meios científicos de controle dos climas, é evidente que o
Polo Sul, onde se formam as massas de ar que se deslocam dessas áreas de baixa pressão, será a
Antártica de suma importância, sobretudo para os países que se situam na zona austral.
14
Os vultosos gastos já dispendidos por países signatários do Tratado, em pesquisas,
estações e explorações científicas, evidenciam a importância ímpar da região e refletem a
possibilidade de um promissor investimento.
3. GEOPOLÍTICA DOS RECURSOS
As pesquisas conduzidas na Antártica revelaram a ocorrência de cento e setenta e
seis minerais, entre os quais urânio, ouro, prata, ferro, petróleo e carvão. Há resultados que
permitem confirmar a existência de grandes reservas de ferro e carvão.
A demanda mundial de energia valoriza o potencial econômico-estratégico da
Antártica como fonte de combustíveis fósseis e físseis. As pesquisas geofísicas na região costeira e
na plataforma continental indicam a existência de apreciáveis lençois de gás natural e petróleo.
Sob enfoque tecnológico e econômico, a explotação dos recursos minerais
antárticos tem dificuldades e desvantagens, que são quase que exclusivamente conjunturais. A
aceleração natural da evolução tecnológica tende a criar condições para que motivações
econômicas e soluções políticas viabilizem a explotação dos recursos minerais da Antártica.
É evidente que a excentricidade da Antártica em relação aos centros de consumo
será, ainda por considerável tempo um fator inibidor da exploração de seu potencial,
paralelamente aos conflitos de interesse político.
Cabe observar, que os recursos protéicos dos mares antárticos já vêm sendo
explorados com tecnologia atual, e de forma lucrativa, em que pesem as dificuldades existententes.
O krill é, principalmente explorado pela Rússia, Japão, Polônia e Chile.
15
CAPÍTULO IV
TESES DOS PAÍSES SIGNATÁRIOS X TESE DA “RES COMUNIS”
Os progressos alcançados no âmbito do Sistema do Tratado da Antártica, já
transcorridos cerca de 35 anos desde sua entrada em vigor, não eliminam definitivamente todas as
disputas em torno das várias questões em jogo, havendo especial preocupação com as
reivindicações de caráter territorial. Vejamos alguns conflitos latentes.
Não existe no Continente Antártico, estado reconhecido internacionalmente.
Porém 85% da região foi reivindicada por sete nações: Argentina, Austrália, Chile, França, Nova
Zelandia, Noruega, e Reino Unido. ( Anexo 2)
Estes reclamos fundamentam-se em diferentes motivos: descobrimento,
ocupações, exercício de jurisdição, direitos históricos, contiguidade e continuidade geofísica.
A simples constatação de que há superposição entre os setores reclamados por
diferentes nações, sugere o potencial de crises que a Antártica encerra.
Embora as relações internacionais na Antártica estejam submetidas a um regime
jurídico consolidado e, nos dias de hoje, fielmente observado pela comunidade das nações, tal fato
não inibe a existência de posições políticas diversas, e algumas vezes antagônicas, entre os países
que, de alguma forma, manifestam interesse sobre a região.
Assim, a compreensão do significado de cada uma dessas posições torna-se
essencial para o perfeito entendimento do jogo de forças e de poder que se desenvolve em relação
ao continente antártico.
Atualmente, o cenário internacional abriga quatro principais correntes políticas - a
internacionalista, a territorialista, a ambientalista e, finalmente, a internacionalista
restrita - cujas características passaremos a apreciar.
Podemos dividir os países que possuem algum tipo de interesse na Antártica, de
uma maneira geral, em duas vertentes fundamentais: a primeira, diz respeito àqueles que, por
razões diversas, ainda não desenvolveram qualquer tipo de esforço direto relacionado com a
Antártica, a despeito do interesse latente; no segundo grupo, ao contrário, estariam incluídas as
nações que, com maior ou menor antecedência ao longo do tempo, trataram de marcar presença
no continente gelado.
a) Os Internacionalistas
A expressão jurídica “res communis” que, literalmente, quer dizer “coisa comum”,
tem sido empregada como bandeira para defender o ponto de vista dos países que entendem ser a
Antártica patrimônio de toda a humanidade.
Esta posição, conhecida como internacionalista, tem sido sustentada,
geralmente, por nações em desenvolvimento que consideram a Antártica como uma herança
mundial, cujas riquezas devem ser equilibradamente distribuídas entre todos os povos.
16
Evidentemente, os países que defendem tais argumentos são aqueles que, por
terem omitido suas participações diretas na Antártica e, via de conseqüência, por deixarem de
fazer parte do âmbito dos países aderentes ao Tratado Antártico, buscam, dessa maneira,
neutralizar a sensação de alijamento daquele que é o principal fórum decisório sobre os destinos
do continente.
b) Os Territorialistas
Em confronto direto à tese internacionalista aparece a posição territorialista
esposada pela Argentina, Austrália, Chile, França, Grã-Bretanha, Noruega e Nova-Zelândia.
A exemplo do direito assegurado ao indivíduo, de apropriar-se de tudo quanto não
tenha dono, o Estado pode estender sua ordem jurídica a todo e qualquer território que não tenha
senhor, isto é, que se caracterize como “res nullius”1. Nessa ordem de idéias, os chamados países
territorialistas procuram formular argumentos específicos, de modo a respaldar a reivindicação
sobre a respectiva parcela de território reclamado.
Baseiam-se, nas teorias tradicionais do Direito Internacional que conferem ao
Estado que ocupa um território suscetível de apropriação, isto é, que não pertença a um Senhor, o
direito de sobre ele estender sua soberania. No passado, o processo colonial foi amparado,
fundamentalmente,nesse entendimento.
Entretanto, é justamente a figura do Direito representada pela ocupação que tem
estimulado o debate de renomados juristas sobre a validade e a aplicação do conceito às zonas
polares que, em especial na Antártica, onde é exercida de forma descontínua, teve de sofrer
algumas adaptações, entre as quais se destacam a teoria da contigüidade e a teoria dos setores, em
cuja versão austral passou a ser conhecida por teoria da defrontação. (Anexo 3)
c) O Internacionalismo Restrito
1
Tal conceito é aplicável ao território antártico, que segundo o Tratado, em seu artigo IV, estabelece a
proibição de novas reivindicações territoriais durante sua vigência (assim cria-se a cláusula que converte o território em
algo que não pode ser propriedade de ninguém). Isto significa, que ainda que o Tratado não mencione a caráter de "Res
nullius" do território antártico, este se deduz do espírito do Tratado e não é discutível nem negociável, enquanto o mesmo
esteja em vigor na sua forma atual. A colonização do território antártico está, portanto, proibida pelo Direito
Internacional. I sso não significa que um dia o Tratado não possa ser emendado e mude tal situação.
17
Já o pressuposto de um esforço comum por parte dos países interessados, de
alguma forma, no continente austral, corresponde à aplicação da idéia de um condomínio ou, em
essência, do Internacionalismo Restrito. Evidentemente, nesse tipo de condomínio o ônus
estaria representado pela participação efetiva nas atividades científicas relacionadas com a
Antártica, enquanto que o bônus poderia vir sob a forma da possibilidade de partilhar todos os
benefícios decorrentes.
E é exatamente essa a postura política adotada pela maioria dos países aderentes
ao Tratado. Embora o “condomínio” não corresponda a um sistema fechado, ele é exclusivo, na
medida em que dele tomam parte apenas os Estados que, concretamente, empenham-se em
aplicar recursos e esforços no continente antártico.
d) Os Ambientalistas
Finalmente, completando o rol das correntes políticas internacionais relativas à
Antártica, podem ser apontados os ambientalistas, também conhecidos como
conservacionistas, cujo comportamento pauta-se pela defesa da preservação da região como
uma reserva natural, um “santuário ecológico”, que não deve ser tocado pelo homem.
É interessante assinalar que a tese ambientalista convive com outras posturas, uma
vez que não são excludentes. É o caso, por exemplo, da França e da Austrália que, mesmo
defendendo a posição territorialista, têm condicionado suas iniciativas mais recentes às
preocupações relacionadas com o controle do ambiente antártico.
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CAPÍTULO V
O PROTOCOLO AO TRATADO DA ANTÁRTICA SOBRE A PROTEÇÃO
AO MEIO AMBIENTE (PROTOCOLO DE MADRID - 1991)
A preocupação com a proteção do meio ambiente antártico se havia desenvolvido
no Sistema através de numerosas Recomendações e Convênios, mas com um enfoque globalista,
sistemático e científico necessitava-se já de um acordo concreto único, mais detalhado, coerente,
claro e diretamente vinculante.
Além disto as normas até agora vigentes não eram cumpridas pelas Partes de
maneira precisa, ocorrendo ainda a pressão interna e internacional sobre aquelas Partes de grupos
ecologistas que chamavam a atenção para a eventual depredação do meio ambiente antártico,
frente às crescentes atividades humanas desenvolvidas na região.
Atualmente atingiu-se definitivamete o consenso de um regime global e unitário, no
texto do Protocolo ao Tratado e quatro de seus Anexos, sobre a “Avaliação do Impacto
Ambiental”, “Conservação de Fauna e Flora Antárticas”, “Eliminação e Tratamento de Resíduos”
e “Prevenção da Poluição Marinha”.
Enquanto a “Convenção para a Regulamentação das Atividades de Recursos
Minerais na Antártica” ( CRAMRA ) abordava, de forma específica, a regulamentação da extração
de recursos minerais, verifica-se que o PM possui uma abrangência muito superior, uma vez que
está amplamente voltado para a avaliação, a adoção de medidas preventivas e o controle
ecológico.
Após um texto inicial que enfatiza a necessidade de assegurar a proteção do meio
ambiente e dos ecossistemas dependentes e associados à região antártica, o Protocolo, adicional
ao Tratado, desdobra-se ao longo de vinte e sete artigos e cinco anexos.
O documento cuida de deixar claro que deve ser interpretado como um
complemento ao “Tratado da Antártica” e que, sem emendá-lo ou modificá-lo, visa a garantir que
a região não venha a se converter em cenário ou objeto de discórdia internacional, designando a
Antártica como reserva natural, consagrada à paz e à ciência.
Não deve restar dúvida que tais preocupações encontravam efetiva acolhida entre
todas as Partes Consultivas. Além disso, convém ter em mente que o ano de 1991 culminava
marcado por um conjunto de incertezas políticas, que permitia admitir tanto a possibilidade de
revisão do Tratado, como, igualmente, a adoção de iniciativas relativas à exploração de recursos
minerais que, muito provavelmente, poderiam catalisar os contenciosos latentes.
Assim, o artigo sete do Protocolo veio estabelecer, de forma simples e
contundente, a “proibição de qualquer atividade relacionada com recursos minerais, exceto a
pesquisa científica”.
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Embora o conjunto dos dispositivos estabeleçam princípios e normas para as
diversas atividades na região, sempre balizadas pela preocupação com o impacto ambiental,
chegando a criar um Comitê específico para cuidar do assunto, certamente o contido no artigo
sete representou, ao menos pelos reflexos políticos que encerra, o ponto mais importante de todo
o Protocolo.
À semelhança de dispositivo existente no Tratado da Antártica, se, ao término de
um período de cinqüenta anos a contar da data de entrada em vigor do Protocolo, qualquer das
Partes Consultivas o solicitar, será realizada um conferência para rever a aplicação do PM. Antes
desse período, eventual revisão só poderá ser feita por iniciativa unânime de todas as Partes.
Além dessa proibição, o Protocolo de Madrid estabeleceu diversos procedimentos
em relação à execução de pesquisas, ao apoio logístico às bases, à elaboração de relatórios de
impacto ambiental e troca de informações ambientais.
São necessárias vinte e seis ratificações para que o Protocolo entre em vigor e, até
a data de elaboração deste trabalho, dezessete países já o tinham feito.
Apesar de ainda não estar em vigor, as Partes Consultivas do Tratado da Antártica
acordaram em acatar e executar, voluntariamente, os termos do Protocolo de Madrid.
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CONCLUSÃO
A Antártica representa uma região ainda não completamente conhecida, inóspita,
com recursos minerais e renováveis ainda não definitivamente delineados mas acima de tudo,
com um conjunto de características que, indiscutivelmente, consegue atrair a atenção e, mesmo, a
cobiça internacional.
Vimos pela história da Antártica, que de uma preocupação científica inicial, a ela
juntou-se o aspecto econômico, reunindo-se àqueles por fim o estratégico, formando três
interesses distintos que se completam e entrelaçam, responsável pela preocupação de vários
países em estabelecer-se na região. Portanto, a Antártica representa o cenário do maior projeto
científico internacional da história da humanidade.
A vida humana ainda extremamente difícil, dadas às inóspitas condições da região,
torna-se cada vez mais presente, graças aos recursos tecnológicos que permitem superar a
natureza.
Sob este aspecto ressalta a importância do conhecimento do clima na Antártica e
sua profunda influência nas condições meteorológicas do hemisfério austral, influência que
extrapola o campo científico, produzindo efeitos no campo econômico e, se futuramente com o
advento da guerra meteorológica, no campo militar.
Nesse campo sobressai a posição geo-estratégica da Antártica, dominando três
oceanos e projetando-se sobre três continentes, constituindo-se em invejável ponto de apoio para o
controle das importantes rotas marítimas dos mares austrais, notadamente das que se utilizam das
passagens entre África e Antártica e América do Sul e Antártica, além de excelente base para
centro de comunicações e controle de rotas aéreas.
O ordenamento jurídico que prevalece na região tem acomodado contenciosos,
neutralizado reivindicações e sustentado uma situação de equilíbrio que, com toda certeza, não
será eterna, mesmo que duradoura.
Com a recente aprovação do Protocolo de Madri, ora em processo de ratificação,
foi conferida ênfase ao controle do meio ambiente, o que dificultará a consecução de qualquer
atividade ou iniciativa passível de agredir o frágil ecossistema antártico.
Embora possível, é pouco provável que deixe de ser cumprida a moratória
estabelecida para a extração de recursos minerais. Isto, entretanto, não deverá inibir o processo
de pesquisas relativas ao levantamento das riquezas potenciais e nem, tampouco, significa que
deixará de haver, no futuro, efetivo aproveitamento de recursos não renováveis no continente
antártico.
A superposição entre os setores reclamados por diferentes nações sugere o
potencial de crises que a Antártica encerra. Verificamos que tais áreas, a Península Antártica e
suas ilhas adjacentes, são a peça central das reivindicações de três países. Essa região é na
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verdade a de clima mais ameno do continente antártico, a mais populosa, tendo sido aí instaladas
várias estações pertencentes a diversos países ( cinco estações argentinas, três chilenas, duas
inglesas, uma russa, uma russa cedida à Polônia, uma dos EUA e uma brasileira). ( Anexo 4 )
A manutenção e o apoio às bases antárticas requerem portos e campos de pouso,
inclusive como alternativa para enfrentar as difíceis condições climáticas da região. Estes campos
de pouso e portos também estão situados naqueles setores.
O fim da Guerra Fria teve como consequências a diminuição do número de bases
russas de oito para três em funcionamento e as demais desocupadas. Juridicamente desaparece a
União Soviética como signatária do Tratado e é substituída pela Rússia como parte consultiva. A
Ucrânia torna-se membro aderente, não é país consultivo. Eliminou-se um elemento de tensão,
embora na área sempre tenha prevalecido um clima de cooperação, mesmo entre bases de países
que não tinham relações diplomáticas. O inimigo comum era o frio, ou melhor o gelo...
E para encerrarmos este trabalho, gostaríamos de transcrever um pensamento
deixado por um viajante no livro de visitas da Base Artigas (Uruguai):
"Talvez a novidade que os ventos antárticos levarão ao mundo não seja o fruto das
nossas pesquisas, senão a de nossa vida em harmonia com a natureza e a convivência fraterna
entre os povos. Cremos que as gerações futuras, com espírito mais sereno, valorizarão a riqueza
do descobrimento da paz."
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BIBLIOGRAFIA
1. Tratado da Antártica. Washington, DC, 1959.
2. Protocolo ao Tratado da Antártica sobre Proteção do Meio Ambiente (Protocolo de
Madri - 1991).
3. Castro, Therezinha de. Rumo à Antártica. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1976.
4. Child, Jack. Antarctica and South American Geopolitics. New York, Praeger, 1988.
5. Henriques, Elber de Mello. Uma visão da Antártica. Rio de Janeiro, Biblioteca do Exército
Editora, 1984.
6. Klotz, Franck G. America on the ice: Antartic policy issues. Washington, DC, NDU,
1990.
7. Menezes, Eurípedes Cardoso de. A Antártica e os desafios do futuro. Rio de Janeiro,
Bastos, 1976.
Freitas
8. Mericq, Luis S. Antartica: Chile's Claim. Washigton, DC, NDU, 1987.
9. Carta de Carolina González de Armas ao autor, 6 de dezembro de 1995.
10. Black, Henry Campbell. Black's Law Dictionary. St. Paul, Minn, The Publisher's
Editorial Staff, 1951.
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