universidade cndido mendes (ucam)

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Associação Nacional de História – ANPUH
XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA - 2007
A Marinha de Guerra e o Império: a marinha brasileira como braço da
política externa imperial.
Ney Paes Loureiro Malvasio*
Resumo: Este trabalho procura mostrar de forma sucinta, o uso por parte do governo
imperial brasileiro de um particular mecanismo otimizado para a concretização de sua
vontade no campo da política externa. O mecanismo utilizado ao qual nos referimos, residiu
na utilização da Marinha de Guerra como força de apoio e efetivação de decisões
diplomáticas. Essa fórmula foi habilmente utilizada pelo Império com o intuito de fazer valer
suas pretensões fora dos limites de seu território, tanto como elemento dissuasório, como
também, elemento de garantia da política externa brasileira em suas decisões mais delicadas e
compromissos com potências européias.
Palavras-chave: Brasil Império, Marinha de Guerra, Política Externa.
Abstract: The Brazilian Empire (1822/1889) performed a particular way to fulfil its will in
foreign policy. The particular way we mentioned, was the mobilization of the Navy as means
of support and realization of diplomatic efforts. This use of the warships as bodyguards of
ambassadors and foreign policy missions became very useful to maintain borders and the
regulation of treaties with frontier countries, as well, to show compromise with European
powers in the maintenance of previous treaty decisions.
Keywords: Brazilian Empire, Navy, Foreign Policy.
A primeira utilização ostensiva da Marinha de Guerra brasileira, sem sombra de
dúvida, verificou-se na própria luta pela Independência, quando a Esquadra demonstrou seu
papel estratégico fundamental garantindo a manutenção das diversas províncias de um país
continental sem uma malha de transportes eficiente em terra. A questão da Independência, por
sua vez ensejou problemas para o futuro do país ligados à questão do reconhecimento do novo
país pelas potências européias. No caso da Inglaterra, potência hegemônica à época, o
reconhecimento da Independência estava intimamente relacionado a diversos fatos, alguns
relativos a Portugal, outros tratando de cidadãos britânicos residentes no Brasil em situação
ilegal. Mas, uma das questões principais na garantia do reconhecimento da Independência
brasileira dizia respeito ao motor da economia do Império: a escravidão.
O reconhecimento da Independência do Brasil fez-se por meio de uma ratificação
brasileira dos tratados comerciais havidos entre Portugal e Inglaterra, tratados firmados em
*
Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ/IFCS(Mestrado em História Social)
2
1810 e 18151. O Império brasileiro, após negociações com os plenipotenciários britânicos,
assinou o Tratado de agosto de 1827 que, dentre outros assuntos, mantinha por parte do
Brasil, antigos compromissos firmados por Portugal. Um ponto crucial desse Tratado na
questão concernente à escravidão, previa a imediata fiscalização por parte do Brasil do
intenso tráfico negreiro existente entre a costa da África e o litoral brasileiro, e futuramente,
estabelecendo um limite para a extinção do tráfico, fato que só ocorreu muitos anos depois do
estipulado nesse tratado.
Para responder aos compromissos assumidos com a Grã-Bretanha, e evitar,
obviamente, uma intervenção inglesa ou a negação do reconhecimento do país, o Brasil
obrigava-se a policiar o tráfico de africanos, inspecionando os negreiros que deixavam a costa
ocidental africana em direção ao litoral brasileiro. Para concretizar essa tarefa hercúlea, era
necessária, não só a manutenção de unidades navais patrulhando a costa brasileira, mas
também mostrando a presença da bandeira imperial na própria costa africana, propiciando
uma vigilância mais efetiva nos portos de saída dos negreiros.
A não observância de medidas relativas à fiscalização do tráfico atlântico, certamente
traria ao Brasil dissabores bastante graves, mormente se lembrarmos que à época
da
ratificação do Tratado de agosto de 1827, o Brasil se encontrava em guerra há dois anos com
as Províncias Unidas do Rio da Prata (Argentina) e com a rebelião uruguaia pela posse da
província cisplatina. Um atrito com a Inglaterra, além dos perigos que citamos acima, poderia
trazer um corte de suprimentos militares, pois a Inglaterra era o nosso principal fornecedor e
fragilizaria grandemente o bloqueio efetivo que a marinha impunha à navegação no Estuário
do Prata, já que o bloqueio era aceito pela Inglaterra, potência naval do período. A par desses
receios havia o risco da marinha inglesa passar a predar sistematicamente o comércio
marítimo brasileiro como represália a não fiscalização do tráfico negreiro.
É interessante notar que esse tipo de intervenção armada contra o nosso comércio
marítimo por causa do tráfico negreiro, tornou-se realidade muitos anos depois com o advento
do Bill Aberdeen (1845), o que mostra que a observância das cláusulas do tratado recémassinado era a opção mais racional.
A solução encontrada pelo Império brasileiro para assegurar os compromissos
assumidos com a Inglaterra e mostrar a boa vontade do Brasil em sua política externa, foi a
criação de uma divisão naval estabelecida no litoral africano. Deu-se, então, a criação da
Divisão Naval de Leste, também chamada de Divisão Naval na costa da África. A divisão foi
1
Cf CAMINHA, Herick Marques. História Administrativa do Brasil: organização e administração do
Ministério da Marinha no Império. Rio de Janeiro: FUNCEP/SDGM, 1986.
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baseada no porto de Cabinda, território de Portugal e importante porto de saída de negreiros
com destino ao Brasil, portanto, uma localização central para o patrulhamento do litoral
africano.
A Divisão Naval de Leste demonstrou, mais uma vez, como nos casos da guerra de
Independência e bloqueio do Prata, que a afirmação das decisões relativas à política externa
brasileira tinha na utilização da Esquadra um meio prático e efetivo para concretizar as
decisões de Estado. A par disso, a criação de uma força naval destinada a patrulhar o
movimento de negreiros demandando o Brasil a partir da costa ocidental africana, requeria a
disponibilidade de belonaves além das já empregadas no Prata (por volta de trinta unidades) e
no patrulhamento do litoral (perseguindo os inúmeros corsários platinos). Segundo o relatório
de 1826 do ministro da Marinha, Vilela Barbosa, a Armada contava com noventa e quatro
navios, referendando a disponibilidade de unidades para concretizar a manutenção de duas
forças navais operando ao mesmo tempo longe da principal base da Marinha, o Rio de
Janeiro, capital do Império.
A existência da Divisão Naval de Leste foi uma experiência única em nossa história,
pois, ainda nos primeiros anos do Brasil independente, constitui-se uma força naval de
combate operando fora do território nacional a partir de uma base situada fora da América do
sul. O efetivo da Divisão Naval de Leste contou, inclusive, com uma fragata, a Paraguaçu,
além de outros navios que iam se revezando2. As fragatas eram os principais navios de
combate da marinha brasileira durante o Primeiro Reinado e eram unidades bastante
respeitáveis.
Entretanto, após a abdicação do Imperador D. Pedro I em abril de 1831, seguiu-se uma
época de restrições orçamentárias ditadas pelo governo regencial, o que acarretou o fim da
Divisão Naval operando a partir de Cabinda. Esse fato, em consonância com o vencimento do
prazo previsto no Tratado de 1827 para a extinção do tráfico negreiro, levou a Inglaterra a
adotar pressões cada vez mais incisivas em relação ao Brasil. Como já notamos, a não
observância da vigilância do tráfico de escravos e das cláusulas do tratado anglo-brasileiro,
levou à política de agressão do Bill Aberdeen e a situação só se normalizou após a Lei
Eusébio de Queiroz em 1850.
Portanto, a utilização da Marinha de Guerra como um meio prático de assegurar as
decisões do Império no que tange a sua política externa, verificou-se na criação e manutenção
2
MAIA, João do Prado. A Marinha de Guerra do Brasil na Colônia e no Império. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1965.
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da Divisão Naval de Leste que mostrou-se, por fim, bastante útil ao Brasil em tempos difíceis
de guerra e crise.
O emprego da esquadra como meio de impor a vontade política em assuntos exteriores,
foi utilizado de forma plena pelo Império do Brasil na região do Prata e suas extensões
fluviais, isto é, a bacia do Paraná e Paraguai. A importância de garantir a livre navegação
desse Estuário e das bacias hidrográficas ligadas ao Prata era uma premissa básica da política
imperial, pois isso era a única rota de ligação praticável com a província do Mato Grosso.
Entretanto, a manutenção dessa livre navegação para o Mato Grosso esbarrava na
aquiescência dos países que tinham parte dessa rota dentro dos seus limites territoriais, a
Argentina e o Paraguai. O Paraguai, a partir da década de 1850, lentamente, procurou garantir
para si o privilégio exclusivo de navegação em suas águas territoriais, isso era um sucedâneo
da política de isolamento que o Paraguai seguia desde os tempos de sua independência.
Os incidentes de fronteira tornaram-se uma realidade, o mais grave deles ocorreu em
outubro de 1850, quando tropas paraguaias atacaram o presídio brasileiro de Fecho dos
Morros (Nova Coimbra), suscitando combates localizados dos dois lados da fronteira3. Esse
incidente provocou uma reação por parte do Brasil, no sentido de acelerar as conversações
a respeito dos limites fronteiriços e da livre navegação do rio Paraguai. Essa pressão gerou
uma reação paraguaia cada vez mais voltada para o isolamento, reação que se fez clara
quando em agosto de 1853 o presidente paraguaio, Carlos Antonio Lopez, expulsou de seu
país o encarregado de negócios brasileiro, Felipe José Pereira Leal.
Em vista dessa atitude, o Império decidiu lançar mão de seu trunfo nas delicadas
questões diplomáticas relativas ao Prata, esse trunfo era sua poderosa esquadra. Uma
expedição naval, portanto, foi montada para esclarecer as intenções paraguaias em relação ao
Brasil. O representante diplomático creditado junto a essa expedição foi o próprio comandante
da flotilha, o chefe-de-esquadra Pedro Ferreira de Oliveira, logicamente, percebe-se que a
missão era mais militar que diplomática, apoiada na força da Marinha de Guerra brasileira
para mostrar ao Paraguai que o Império não toleraria novamente tal atitude.
A expedição Pedro Ferreira de Oliveira, como ficou conhecida, deixou o Rio de
Janeiro em 10 de dezembro de 1854, sendo constituída de quinze navios e de uma força de
desembarque de 1000 homens, uma força bastante respeitável para a época em relação ao
contexto da América do Sul. O chefe Pedro Ferreira de Oliveira, apesar de toda a força naval
que levava consigo, decidiu seguir até Assunção apenas com sua capitânia, a fragata
3
DONATO, Hernâni. Dicionário das Batalhas Brasileiras. São Paulo: Ibrasa, 1987.
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Amazonas (a mesma que seria o nêmesis da esquadra paraguaia na batalha do Riachuelo, anos
depois), onde foi recebido pelas autoridades guaranis, recebendo o desagravo à bandeira do
Brasil, consubstanciado por vinte e um tiros cerimoniais e explicações sobre o incidente
diplomático que havia acontecido meses antes. Mas, a par disso, o comandante da expedição
conseguiu a assinatura de um tratado de navegação, comércio e limites com a república
vizinha, o que surpreende pelo fato de tudo isso ter sido negociado por um almirante.
Os resultados da expedição naval ao Paraguai mostram decisivamente, o respeito que a
esquadra brasileira impunha aos países limítrofes que não possuíam forças navais
equivalentes para enfrentar essa ameaça. A solução de uma crise diplomática por meio da
utilização de sua Marinha de Guerra foi a saída que o Brasil escolheu por diversas vezes
durante o Império, e na expedição de Pedro Ferreira de Oliveira, o próprio comandante da
força naval recebeu as credenciais de diplomata para resolver a questão, o que indica que ele
tinha uma boa parcela de liberdade para utilizar seus navios e sua força de desembarque de
forma ofensiva para atingir seus objetivos. Surpreendentemente, Pedro Ferreira de Oliveira
não precisou iniciar hostilidades para entabular as negociações com os paraguaios.
Os dois exemplos anteriores apresentados neste estudo, trataram, no caso da Divisão
Naval de Leste, de uma força naval de patrulha do comércio marítimo, e no caso da expedição
ao Paraguai, comandada por Pedro Ferreira de Oliveira, constituiu-se em uma flotilha com
fins dissuasórios, apoiando uma missão diplomática. Contudo, nesses dois exemplos em que a
esquadra brasileira foi empregada com o intuito de proteger as decisões da política imperial
no exterior, não houve a necessidade dos navios serem utilizados em uma ulterior guerra
declarada. Já no contexto da expedição enviada ao Paraguai, havia uma clara possibilidade da
missão diplomática de Pedro Ferreira, apoiada pelos canhões de seus navios, ser recebida de
forma hostil pelos paraguaios, iniciando-se, então, um conflito bélico.
Mas, o expediente do Império em enviar os navios de sua Armada para apoiar missões
diplomáticas, em uma ocasião específica, desenrolou-se na utilização dos navios de combate
em missões reais de guerra. Foi o que aconteceu durante a Missão do Conselheiro José
Antônio Saraiva, enviado ao Uruguai em abril de 1864, apoiado por expressiva força naval. A
situação teve início com a ascensão ao poder de Atanasio Cruz Aguirre como presidente do
Uruguai, elemento do partido blanco, tradicional opositor da presença brasileira nos negócios
uruguaios. No início da década de 1860, essa presença brasileira no Uruguai era por demais
importante para ser ignorada pelo governo brasileiro.
Dentro desse quadro, a política não amigável de Aguirre e a eclosão de uma revolução
dos colorados chefiados por Venâncio Flores, acarretou uma sistemática depredação de bens
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de brasileiros domiciliados no Uruguai, além da perda de vidas em casos diversos. A situação
se tornou de tal forma insustentável que o general Antônio de Souza Neto, antigo chefe
farroupilha e grande estancieiro no Uruguai, decidiu viajar até a Corte para tirar o governo
imperial de seu torpor em relação ao que se passava no Uruguai. As denúncias do general
Neto causaram, por fim viva impressão no Rio de Janeiro e decidiu-se pelo envio de um
plenipotenciário para discutir tanto as reparações dos danos sofridos pelos brasileiros, como a
apresentação formal de uma retratação. O Conselheiro Saraiva foi recebido em Montevidéu
no dia 12 de maio de 1864 pelo presidente Aguirre em pessoa. Mas, como corolário da
política externa imperial na bacia platina, a missão diplomática viu-se apoiada por uma força
naval comandada pelo Vice-Almirante Joaquim Marques Lisboa, barão de Tamandaré. É
necessário lembrar que o Império, desde a Independência, mantinha uma divisão naval
permanente estacionada no Prata, e essa mesma divisão foi reforçada por mais vasos trazidos
do Rio de Janeiro por Tamandaré, compondo-se então uma força de doze navios, todos
movidos a vapor.
Entretanto, no caso do Uruguai em 1864, a missão diplomática não conseguiu atingir
seus objetivos principais, como receber a reparação dos danos sofridos e as explicações sobre
diversas mortes de cidadãos brasileiros, gerando um ultimato por parte do representante
brasileiro. Evidentemente, o ultimato não foi atendido pelo governo blanco e a situação
deteriorou-se gravemente, pois o Conselheiro Saraiva retirou-se para Buenos Aires,
considerando encerrada uma saída diplomática para a crise entre os dois países. Esse fato foi o
estopim da guerra declarada que teve na divisão naval imperial estacionada no Prata, o esteio
da ação bélica inicial que, concomitante a isso, tinha no seu comandante, o Almirante
Tamandaré, o principal representante brasileiro no Uruguai após a saída do Conselheiro
Saraiva.
A missão da divisão naval comandada por Tamandaré tinha objetivos claros, garantir a
segurança dos cidadãos brasileiros no Uruguai através do emprego dos navios da divisão
como força presente no próprio território uruguaio. Dessa forma, deslocaram-se unidades para
pontos nevrálgicos da república oriental, Paissandu, Salto e Maldonado, como se depreende,
estava formada uma força de bloqueio. Por outro lado, para garantir a eficácia da atuação da
esquadra e sua utilização sem possíveis danos, gerou a solicitação por parte de Tamandaré da
imobilização e desarmamento dos dois vapores operados pela Marinha de Guerra uruguaia.
Essa última exigência causou o ataque aos navios brasileiros por um dos vapores
orientais, tornando a guerra inevitável. Nessa época, contudo, as forças navais imperiais
estavam preparadas para a missão que se seguia ao fracasso das tentativas diplomáticas e o
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concurso da divisão naval do Prata foi fundamental para a vitória brasileira na rápida
campanha que se seguiu, culminando com a deposição de Atanasio Cruz Aguirre e do partido
blanco e sua substituição pelo aliado brasileiro, D. Venâncio Flores.
O governo imperial tinha na sua Marinha de Guerra, conforme mostramos
anteriormente, não só uma força armada voltada especificamente para a defesa do território,
mar territorial no seu caso específico, mas sim uma força que podia ser empregada para o
apoio direto de missões diplomáticas ou mesmo, como uma força dissuasória ou de
demonstração de boa vontade em matéria de acordos e tratados internacionais que tinham que
ser seguidos de forma conclusiva. O Império, através de seu Ministério dos Negócios
Estrangeiros desenvolveu uma política externa que, por diversas vezes, não deixava de lado
uma fórmula específica: o uso da esquadra para sustentar e garantir suas decisões nos diversos
cenários em que o governo imperial estivesse envolvido.
A origem dessa fórmula política, ou melhor, essa estratégia empregada na política
externa, pode ser encontrada no alvorecer do Império, quando uma Marinha de Guerra de
porte relativo desempenhou um papel fundamental na Guerra de Independência,
principalmente nas províncias da Bahia, Maranhão e Pará. Logo depois, o Brasil viu-se
envolvido em outra guerra, dessa vez com uma república vizinha pelo controle da província
Cisplatina. Essa sucessão de eventos serviu para corroborar de forma prática o pensamento de
José Bonifácio de Andrada que previa a manutenção de uma esquadra numerosa para se
garantir a independência de um país com dimensões continentais e desprovido de ligações
eficientes em terra. Tendo essa espécie de ferramenta em mãos, sua utilização além da guerra
propriamente declarada, foi logo posta em prática, visto que a diplomacia e a guerra, muitas
vezes estão separadas de maneira muito tênue.
Nos três eventos que destacamos para analisar o emprego de navios de guerra
brasileiros para apoiar as diretrizes da política externa imperial, pudemos exemplificar que o
envio da esquadra para missões no exterior se fazia não só nos casos em que o Brasil estava
em posição vantajosa. É o que se verificou na Divisão Naval de Leste, ocasião em que o
Brasil estava em situação difícil, premido entre a necessidade de garantir o reconhecimento de
sua independência e de manter boas relações com a principal potência da época, a GrãBretanha. Alem disso, o envio de navios para operação no litoral africano a partir de Cabinda
não se caracterizou como uma demonstração de aspecto ofensivo, pois não ameaçava nenhum
país, já que a missão era de vigilância e os poucos combates que envolveram navios
brasileiros baseados em Cabinda se deram com piratas ou corsários.
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Mas, essa fórmula foi mais vezes utilizada pelo Ministério de Assuntos Estrangeiros
em ocasiões nas quais o Brasil tinha uma posição claramente vantajosa, e a utilização de sua
marinha para apoiar missões diplomáticas parecia natural. São os exemplos da missão
diplomático-naval enviada ao Paraguai em 1854-55 e da missão Saraiva no Uruguai em 1864.
Essas missões tinham o objetivo de garantir a política imperial numa região nevrálgica para o
Brasil no século XIX, o Prata, envolvendo questões com três repúblicas: a Argentina, o
Paraguai e o Uruguai. Em relação a essas três repúblicas, era evidente que o Império se
encontrava em situação vantajosa se atentarmos para a capacidade e número de navios de sua
esquadra frente às vizinhas.
A missão chefiada por Pedro Ferreira de Oliveira demonstrou o caráter intimidatório
que uma missão diplomática apoiada pela força de quinze navios de guerra poderia ter.
Entretanto, na última missão diplomática que analisamos, percebemos a necessidade dos
navios da esquadra apoiando uma missão diplomática na conturbada região do Prata, pois se o
caráter dissuasório não bastou para o sucesso das negociações diplomáticas, a mesma flotilha
que apoiava a missão mostrou-se valiosa na guerra que rapidamente se seguiu.
O Império do Brasil, ao lado da habilidade diplomática representada pelo Ministério de
Assuntos Estrangeiros nas questões que concerniam à sua política externa, tinha na sua
marinha de guerra, numerosa no contexto sul-americano e bem tripulada, uma ferramenta
política que mostrou-se ao longo dos anos eficiente, no sentido de garantir decisões e impor
respeito, propriamente dito. Como foi demonstrado, o Brasil possuía uma marinha excelente e
sua utilização garantiu seus interesses no Prata enquanto essa região foi de grande importância
para a economia brasileira. Ao mesmo tempo, essa situação perdurou enquanto não tínhamos
uma ligação terrestre com uma de nossas províncias, o Mato Grosso, quadro só modificado no
período político vindouro, a República.
Referências bibliográficas:
CAMINHA, Herick Marques. História Administrativa do Brasil: organização e
administração do Ministério da Marinha no Império. Rio de Janeiro: FUNCEP/SDGM, 1986.
CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem e Teatro de Sombras. Rio de
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Subsídios para a História Marítima do Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Naval, 1942. v. IV.
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