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ficariamos tão mortificados quanto elas se uma pessoa muito grande nos obri gasse a usar um macacão cor-de-rosa em uma rewuão de diretoria ou um . aga salho esporavo berrante em uma conferência acadênlica. "Ser socializado • por um grupo de iguais" é outro modo de dizer "viver com êxüo em uma socie<la l de", o que para um organismo social significa "viver". A suposição de que ª' pessoas são rábulas rasas é aplicada principalm ente às crianças, e isso pode fazer esquecer que elas são pessoas. ~ ( {V~~jlflf' 110, \ As artes estão e m dificuldades. Não fui eu que m disse isso; foram eles: os críticos, os intelectuais e (como se diz hoje em dia) os provedores de conteúdo ue ganham a vida com as artes e humanidades. Segundo o diretor e critico de teatro Robert Brum;in: A possibilidade de sustentar a alta cultura em nossa época esrá se tornando cada vez mais problemática. Livrarias sérias estão perdendo suas concessões, pequenas editoras estão fechando, revistas de circulação reduzida estão saindo do ramo, teatros sem fins lucrativos estão sobrevivendo principalmente com a comercialização de seu repertório, orquestras sinfônicas estão diluindo seus programas, a televisão pública está aumentando sua dependência de reprises de sitcoms britânicas, estações de rádio clássicas estão minguando, museus estão apelando para shows de massa, a dança está morrendo. 1 Em anos recentes, as revistas e jornais de pretensões intelectuais têm andado repletas de lamentos semelhantes. Eis uma amostra de títulos: A morre da literatura1 • Declínio e queda da literarural • O declínio da alta culrura• • As disciplinas de humanidades morreram?' • As humanidades - Crepúscu540 54J lo?• • As humanidades na era do dinheiro7 • As vicissitudes das humanidades• • Literatura: Uma profissão sitiada• • Literatura perdida'º . A agonia final da mú~ i ca" • Ascensão e queda da língua inglesa 12 • O que aconteceu com as humanida des?' 1 • Quem matou a cultura?'' Paça aquilo que quer quando se formar ou espere vinte anos aré sua crise da meiaidade. Seguro para quando os robôs assumirem rodos os trabalhos maçantes. Tudo bem. Dedique-se aos seus sonhos na próxima encarnação. É, aposco que seus pais estão adorando. Se formos acreditar nos pessimistas, esse declínio vem acontecendo há um bom tempo. Em 1948 T. S. Eliot escreveu: "Podemos afirmar com alguma confiança As ambições de carreira podem explicar o desencanto de alguns estudan- que a nossa é uma época de declínio, que os padrões da cultura são inferioreJ. tes com as humanidades, mas não totalmente. A economia está hoje em me- aos de cinqüenta anos atrás e que os testemunhos desse declínio são visíveis cm todas as esferas da atividade humana". 15 lhores condições do que em períodos nos quais as hu manidades foram mais Em 1997 a Câmara dos Deputados dos Estados Unidos votou a favor da exrin opulares, e muitos jovens ainda não m ergulham de cabeça na carreira, usanp · · es tieras. N-ao ha' uma do os anos de universidade para enriquecer-se em varias boa razão para que as artes e humanidades não possam competir pela atenção ção do Subsídio Nacional às Artes, e o Senado só conseguiu salvá-lo cortando dos estudantes durante esse interlúdio. O conhecimen to da cultura, da histó- Alguns dos sinais vitais das artes e humanidades realmente estão fracos. seu o rçamento quase pela metade. As universidades desinvestiram nas humani- ria e das idéias ainda é uma vantagem em muitas profissões qualificadas, dades: desde 1960 a proporção de docentes na área de ciências humanas redu- assim com o na vida diária. Mesmo assim , os estudantes mantêm distância das ziu-se à metade, os salários e as condições de trabalho estagnaram e cada vez humani dades. Neste capítulo diagnosticarei o mal-estar das artes e humanidades e apre- mais o ensino tem fica do a cargo de estudantes de pós-graduação e professores 1 de meio período. " Os doutorandos recentes freqüentemente se vêem desem sentarei algumas sugestões para revitalizá-las. Elas não me pediram isso, mas pregados ou resignam-se a uma vida de contratações anuais. Em muitas facul - por sua própria avaliação necessitam de toda a ajuda que puderem conse~, e dades de ciências humanas, os departamentos de h umanidades sofreram enxu~amentos, fusões ou eli~'. nação total. acredito que parte da resposta encontra-se no tema deste livro. Começarei por ~ ( delimitar o. problema. Uma causa do declm10 das humanidades no m undo acadêmico é a concor rência das ciências e da engenharia, áreas em pleno florescimento. O utra pode s~r um ex~edente de Ph.D.s produzidos em série por programas de pós-gradua- :~ ~ ça~dque naodpraticaram o controle de natalidade acadêmico. Mas 0 problema Na verdade, as artes e humanidades não estão em dificuldades. Segundo avaliações recentes baseadas em dados do Narional Endowment for the Arts ~ res1 e na re ução da demanda por parte dos estudantes tanto quanto no au [Dotação Nacional para as Artes] e do Statistical Abstracr of the United States ~ mento da oferta de professores. Enquanto o número total de bacharéis recém- 'f? formados aumentou quase 40% entre 1970 e 1994, o número de fo rmandos em [Resumo Estatístico dos Estados Unidos], elas nunca estiveram em ~e~o.r form a. 18 Nas duas décadas passadas, aumentou o número de orquestras sinfom- inglês dimiP111 i11 40%. Pode piorar: apenas 9% dos estudantes do ensino médio cas livrarias, bibliotecas e novos fil mes independentes. O público está crescen- atualmente declaram ter interesse em fazer cursos voltados para as áreas de 17 humanidades. Uma universidade, desesperada para recupera r os níveis de ma- do.' em alguns casos atingindo níveis sem precedentes, em concertos de música clássica, peças de teatro, apresentações de óperas e museus de arte, como vemos trículas em sua Faculdade de Artes e Ciências, contratou uma agência de publi- em exposições de massa com filas imensas e escassez de ing ressos. O número cidade para bolar uma campanha com o tema "Ganhe a vida pensando". Eis alguns dos slogans criados: de livros publicados (incluindo os de arte, poesia e drama) foi para a estratosfera e 0 mesmo ocorre u com as vendas de livros. E as pessoas não se tornaram c~nsumidoras passivas de arte. O ano de 542 1997 bateu recordes na proporção de 543 adultos que se dedicaram a desenho, fotografia de arte, aquisição de objetos de arre e redação criativa. Os avanços tecnológicos tornaram a arte mais acessível do que nunca Duas horas da renda de saJário mínimo de um americano podem comprar qual cuosa que Oorothy Parker, e o enredo de Tootsie é mais brilhante que os enredos de qualquer comédia de personagens tnvestidos de Shakespeare. Quanto à música, embora talvez seja dificil para qualquer um competir com os melhores compositores dos séculos xv111 e x1x, o século passado nada quer um das dezenas de milhares de discos com gravações musicais de qualidade aprovada por audiófilos, incluindo muitas versões de qualquer obra clássica executadas pelas grandes orquestras do mundo. Locadoras de video permicern organizar uma exibição particular de grandes clássicos de cinema num lugarejo teve de improdutivo.Jazz, Broadway, country, blues, folk, rock, soul, samba, reggae, world musice composição contemporânea floresceram. Cada um dess~s remoto. Em vez das três redes de televisão com suas sitcoms, shows de variedades e novelas, a maioria dos americanos hoje pode escolher programas em um musical total. E existem gêneros que hoje florescem mais do que nunca, como animação e desenho industrial, e outros ainda que só recentemente surgiram mas já alcançaram momentos de extraordinária realização, como computação menu de cinqüenta a cem canais, incluindo os especializados em história, ciência, política e artes. Equipamentos de vídeo baratos e a leitura de sinais de vídeo gêneros produziu artistas talentosos e introduziu novas complexidades de ntrno, instrumentação, estilo vocal e produção em estúdio em nossa experiência em fluxo contínuo na web estão permitindo o avanço dos cineastas índependen gráfica e vídeos de rock (por exemplo, Sledgeltammer, de Peter Gabriel). Em todas as eras há milhares de anos os críticos vêm lastimando o declínio tes. Praticamente qualquer livro publicado está disponível a alguém com um cartão de crédüo e um modem. Na web podemos encontrar o texto de todos os da cultura, e o economisra Tyler Cowen aventa que eles são vítimas de ilusão cognitiva. As melhores obras de arte têm maior probabilidade de aparecer em principais romances, poemas, peças e obras de filosofia e erudição que são de uma década passada que na presente pela mesma razão por que a fila do caixa ao lado no supermercado sempre anda mais depressa que a nossa: há mais delas. domínio público, além de fazer excursões virtuais pelos grandes museus de arte do mundo. Novas revistas on-line e sites intelectuais proliferaram, e edições Apreciamos os maiores sucessos peneirados de todas essas décadas, ouvindo os anteriores são disponibilizadas de imediato. Estamos nadando em cultura, afo- Mozarrs e esquecendo os Salieris. Além disso, os gêneros de arte (ópera, pintu- gando-nos nela. Então por que tanta lamúria sobre suas dificuJdades, declínio. queda, colapso, crepúsculo e morte? ra impressionista, musicais da Broadway,film ttoir) geralmente florescem e declinam em um período ftnito de tempo. É dificil reconhecer formas de arte nas- Uma resposta dos profetas da derrocada é que o atual freoesi de consumo abrange os clássicos do passado e as mediocridades do presente, e poucas novas centes quando elas estão em ascensão, e quando passam a ser amplamente apreciadas seu melhor tempo já passou. Cowen também observa, citando Hob- obras de arre de qualidade estão vindo ao mundo. Isso é duvidoso. 19 Como repe- bes, que rebaixar o presente é um modo indireto de rebaixar os rivais: ''A com- tidamente nos dizem os historiadores da arte, todos os supostos pecados da cultura contemporânea - apelo às massas, motivo do lucro, temas de sexo e vio- petição de elogios tende à reverência da antiguidade. Pois os homens competem lência e adaptações para formatos populares (como serialização em jornais) - com os vivos, e não com os mortos". º Mas em crês áreas circunsc1itas das artes realmente há razão para o desalen- podem ser encontrados nos grandes artistas de séculos passados. Mesmo cm to. Uma são as tradições da arte de elite que descende de prestigiosos gêneros décadas recentes, muitos artistas foram vistos em seu tempo como mercenários comerciais e só mais tarde granjearam a respeitabilidade artística. Entre os europeus, como a música executada por orquestras sinfônicas, a arte exposta em exemplos temos os Irmãos Marx, Alfred Hitchcock, os Beatles e, a julgar por Nestas pode, efetivamente, haver escassez de novo material de grande impact~. Por exemplo, 90% da "música clássica" foi composta antes de 1900, e os mais recentes exposições de museus e avaJiações da crítica, até mesmo Norman RockweU. Há dezenas de excelentes romancistas de países do mundo todo, e embora a maior parte do que se vê na televisão e no cinema seja um horror, o que há de melhor pode ser realmente muito bom: Carla em Clteers era mais espiri· 544 2 grandes galerias e museus e o balé apresentado pelas principais companhias. 21 influentes compositores do século xx estavam na ativa antes de 1940. A segunda dessas áreas é a corporação de críticos e guardiães da culrura, qu~ tem visto sua influência minguar. A comédia Tlte man who came to dintier LStWI 545 janta co11osco. na tradução em português]. de 1939, retrata um crítico literário e con • Perícia ou virn1osismo. Habilidades artísticas técnicas são cultivadas, reconhecidas e admiradas. • Prazer não utilitário. As pessoas apreciam a arte pela arte, e não requerem que ela as mantenha aquecidas ou que lhes ponha comida na mesa. • Estilo. Objetos e representações artísticas satisfazem regras de composição que as situam em um estilo reconheável. ferencista tão famoso que podemos acreditar que os habitantes de uma cidadezinha de Ohio são capazes de babar por ele e bajulá-lo. É dificil acreditar que atualmente um crítico pudesse inspirar com plausibilidade um personagem assim. E a terceira, obviamente, é o mundo acadêmico, no qual as fraqueza s dos departamentos de humanidades têm sido matéria-prima para romances satín. cos e tema de intermináveis preocupações e análises. • Crítica. As pessoas fazem questão de julgar, avaliar e interpretar obras de arte. Depois de dezenove capínilos, o leitor provavelmente conseguirá adivinhar onde procurarei um diagnóstico para essas três áreas doentes. A dica pode ser • Imitação. Com algumas importantes exceções como música e pinnira abstrata, as obras de arte simulam experiências do mundo. encontrada em uma célebre afirmação de Virginia Woolf: "Em dezembro de 1910, ou por volta dessa data, a natureza humana mudou". Ela se referia à nova • Enfoque especial. A arte é distinguida da vida comum e dá um enfoque filosofi a do modernismo, que dominaria as artes de elite e a crítica durante boa dramático à experiência. • Imaginação. Artistas e seus públicos imag inam mundos hipotéticos no tea- parte do século xx, e cuja negação da natureza humana transmitiu-se ainda mais intensa ao pós-modernismo, que nas últimas décadas do século assumiria o controle. Este capítulo procura mostrar que as artes, a crítica e a intelectualidade de elite estão em dificuldades porque Woolf enganou-se: A natureza humana não mudou em 191 O, nem em nenhum ano posterior. tro da imag inação. As raízes psicológicas dessas atividades recentemente tornaram-se tema de pesquisas e debates. Alguns pesquisadores, com o a acadêmica Ellen Dissanayake, acreditam que a arte é uma adaptação evolutiva, como a em oção do medo e a capacidade de ver em profundidade.l6 Outros, como eu, acreditam que a arte A arte está na nossa natureza - no sangue e nos ossos, como antigamen te se dizia, no cérebro e nos genes, com o poderíamos dizer hoje. Em rodas as sociedades as pessoas dançam, cantam , ornamentam superficies, contam e rc (exceto a narrativa) é um subproduto de outras três adaptações: a ânsia por status, o prazer estético de vivenciar objetos e ambientes adaptativos e a habilidade presentam histórias.u As crianças começam a tomar parte nessas atividades aos de elaborar artefatos para atingir os fins desejados.z7 Desta perspectiva, a arte é uma tecnologia de prazer, como as drogas, o erotismo e a culinária refinada dois ou três anos de idade, e as artes podem até mesmo refletir-se na o rganiz,1 - ção do cérebro adulto: uma lesão neurológica pode fazer com que a pessoa seja nossos sentidos. Para a discussão deste capítulo não impo rta qual opinião é cor- capaz de ouvir e ver mas incapaz de apreciar a música o u a beleza visual.l' Pin tura, joalheria, escultura e instrumentos musicais originaram-se há pelo me no~ reta. Seja a arte uma adaptação ou um subproduto, seja uma mistura das duas coisas, ela está profundamente arraigada cm nossas faculdades mentais. Eis al- 35 mil anos na Europa, e provavelmente muito ames em o utras partes do mun do para as quais o registro arqueológico é insuficiente. Os aborígines ausrralia· gumas dessas raízes. Os organismos sentem prazer com coisas que favo receram a aptidão de nos pintam em rochas há 50 mil anos, e ocre vermelho foi usado para maqui<1 gem do corpo há pelo menos o dobro desse período.l• seus ancestrais, como o gosto por alimentos, a experiência do sexo, a presença de filhos e a aquisição de know-how. Algumas for mas de prazer visual em am- Embora as formas exatas de arte variem muito entre as culturas as arivi ' dades de criar e apreciar arre são reconheáveis em roda parte. O filósofo Dent~ Dutton identificou sete assinan1ras universais:zs bientes naturais também podem favorecer a aptidão. Quando as pessoas exploram um ambiente, procuram padrões que as ajudem a deslocar-se por ele e a um modo de purificar e concentrar estímulos prazerosos e enviá-los aos aproveitar seu conteúdo. Entre esses padrões incluem-se regiões bem delineadas, características improváveis mas in formativas como linhas paralelas e per- r /r (I({ 547 pendiculares e eLxos de simerria e alongamento. Todos são usados pelo cérebro para esculpir o ca mpo visual em superficies, agrupar as superficies em objetos e organizar os objetos de modo que as pessoas possam reco hecê-los~óxima vez que os vire'!!: Pes uisadores da visão como David Mar Ro er She ar e V. S_3a~achandran aventaram que os motivos visuais agradáveis usados em arte e decoração exageram esses padrões, o que diz ao cérebro que o sistema visual está funcionando corretamente e an alisando o mundo com precisão. u Pela mesma lógica, padrões ronais e rirmicos na música podem atrair a atenção de mecanismos usados pelo sistema auditivo para organizar o mundo dos sons. 2~ Conforme o sistema visuaJ converre cores e form as brutas em objetos e cenas interpretáveis, a colo ração estética de seus produros torna-se ainda mais rica. Estudos de padrões de obras de arre, forografias e paisagens, junto com experimentos sobre as preferências visuajs das pessoas, encontraram motivos recorrentes nas visões que dão prazer às pessoas. 30 AJguns desses motivos calvez pertençam a uma imagem de busca do hábitat humano ótimo, a savana: uma Em boas obras de arte, esses elementos estéticos são disposros de modo que o rodo seja maior do que a soma das partes. 11 Uma boa pintura ou fotografia de paisagem simuJtaneamente evocará um ambiente convidativo e será composta de for mas geométricas com equilíbrio e contraste agradáveis. Uma história absorvente pode simular indiscrições maliciosas sobre pessoas desejáveis ou poderosas, colocar-nos em uma época ou lugar emocionantes, despertar nossos instinros da linguagem com palavras bem escolhidas e nos ensinar aJgo novo sobre as complicações das famílias, da política ou do amor. Muitos tipos de arte são elaborados para induzir acúmuJo e liberação de tensão psicológica, imitando outras formas de prazer. E uma obra de arte freqüentemente é embutida em um acontecimento social no qual as emoções são evocadas em muitos membros da comunidade ao mesmo tempo, o que pode multiplicar o prazer e proporcionar a sensação de solidariedade. Dissanayake enfatiza essa parte espiritual da experiência da arte, que ela designa como "tornar especiaJ" .36 Um úJtirno aspecto de psicologia empregado pelas artes é a ânsia por sta- pradaria ab~rta pontilh,ada de árvores.· e cursos d' água, habitada por animais e plantas Aon fe ras e frunferas. E. O. W~ !chamou d~j]lia o prazer com as tus. Um dos irens da lista de Dutton das assinaturas universais da arte é seu caráter não prático. Mas coisas inúteis, paradoxalmente, podem ser muito úteis para formas de seres vivos, e esse prazer parece ser um universal humano. JI Outros cerro propósito: avaliação dos bens do possuidor. Thorsrein Veblen foi quem padrões em uma paisagem podem ser agradáveis porque são sinais de seguran- primeiro defendeu esse argumento em sua teoria do status sociaJ.1 1 Como não ça, como as visões protegidas porém panorâmicas. Ainda outros podem ser podemos faciJmente espiar nos extratos bancários ou Palm Pilors de nossos vizinhos, um bom modo de avaliar seus recursos é ver se podem dar-se ao luxo de atraentes porque são caracreristicas geográficas que faciJitam explorar e recordar um terreno, como pontos de referência, fronteiras e caminhos. O estudo da desperdiçá-los em artigos de luxo e lazer. Veblen escreveu que a psicologia do estética evolucionária também está documentando as características que tor- gosto é movida por três "princípios pecuniários": consumo conspícuo, lazer nam belo um rosco ou um corpo. 32 Os traços vaJorizados são os que indicam saúde, vigor e fertilidade. conspícuo e desperdicio conspícuo. Esses princípios explicam por que os símbo- As pessoas são animais imag inativos que constantemente recombinam los de status tipicamente são objetos feitos por trabalho árduo e especializado com materiais raros, ou então sinais de que a pessoa não está atrelada a uma eventos no olho da mente. Essa habiHdade é um dos morores da inteligência humana, permitindo-nos conceber novas tecnologias (como apanhar um ani- vida de trabalho braçal, como roupas delicadas e restritivas ou hobbies caros que demandam muito tempo. Em uma bela convergência, o biólogo Amorz mal em armadilha ou purificar o extrato de uma planta) e novas habilidades Zahavi usou o mesmo princípio para explica r a evolução da ornamentação extra- sociais (como trocar promessas ou encontrar injrnigos comuns).JJ A fi cção nar- vagante em animais, como a ca uda do pavão. 18 Só os pavões mais sadios podem dar-se ao luxo de desviar nutrientes para uma plumagem dispendiosa e desajeita- rativa emprega essa habilidade para explorar mundos hipotéticos, seja para edificação - expandir o número de cená1ios cujos resuJrados podem ser preditos -, seja por prazer - vivenciar na pele de o utro o amor, adulação, exploração ou vitória. ' ' Daí vem a definição de Horácio do propósito da literatura: instruir e deleitar. da. A pavoa avalia os parceiros pelo esplendor de suas caudas, e a evolução seleciona os machos que ostentam as melhores. Embora a maioria dos aficionados horrorize-se com a hipótese, a arte especialmente a arte de elite - é um exemplo típico de consumo conspícuo. 549 Quase por defmição, a arte não tem função prática, e, como Dutton ressaltou em sua lista, unive rsalmente envolve virtuosismo (sinal de qualidade genética, tenho de acertá-la. [...] É uma feliz coincidência as fêmeas às vezes virem às inau- de tempo livre para aperfeiçoar habilidades ou ambas as coisas) e crítica (que gurações de minha galeria e apreciarem meu trabalho, mas seria um insulto supor que eu crio com o objetivo de procriar". Felizmente os pássaros-caramancheiros aquilata o valor da arte e do artista). Durante a maior parte da história europé ia, não falam, e assim podemos usar a seleção naniral para explicar o trabalho deles a arte refinada e a suntuosidade andaram de mãos dadas, como nas aparatosas sem que implorem para ser diferentes. 39 decorações de teatros líricos e salas de espetáculos, nas molduras ornamentadas de pinturas, nos trajes formais dos músicos e nas capas e encadernações de Inclino-m e para uma versão menos incisiva dessa teoria, na qual uma das livros antigos. A arte e os artistas foram patrocinados por aristocratas ou por fun ções (e não a única função) de criar e possuir arte é impressionar outras pes- novos-ricos em busC'!l de respeitabilidade. Hoje em dia, pinturas, esculturas e soas (não apenas potenciais parce iros sexuais) com o status social (e não só com manuscritos originais continuam sendo vendidos por preços exorbitantes e mui- a qualidade genética). Essa idéia remonta a Veblen e foi ampliada pelo histo ria- to discutidos (como os 82,5 milhões de dólares pagos e m 1990 pelo Retrato do Dr. Gachet, de Van Gogh). dor da arte Quentin Bell e por Tom Wolfe em suas obras de ficção e não-fic- Em Tlte mating mind [A mente seletiva, na tradução em português], o psicó- cuja opinião é que ser entendido em obras culturais dificeis e inacessíveis é um logo Geoffrey Miller argumenta que o impulso de criar arte é uma tática de aca- distintivo de filiação a um estrato superior da sociedade.•• Lembremos que em salamento: um modo de impressionar com a qualidade do cérebro, portanto in- todas essas teorias as causas próximas e últimas podem ser dife rentes. Como ção. •0 Talvez seu maior defensor na atualidade seja o sociólogo Pierre Bourdieu, diretamente com os genes, os parceiros sexuais e conjugais em perspectiva. O acontece com os pássaros-da-pérgula de Miller, status e aptidão não precisam virtuosismo arástico, ele observa, é distribuído desigualmente, exige muito dos entrar na mente das pessoas que criam ou apreciam arte; talvez simplesmente neurônios, é dificil de falsificar e altamente valorizado. Em outras palavras, os expliquem como o impulso de auto-expressão e a percepção da beleza e habili- artistas são sexy. A natureza até nos deu um precedente, o pássaro-caramancheiro, encontrado na Austrália e na Nova Guiné. O macho dessa espécie constrói um dade evoluíram. Independentemente do que esteja por trás dos nossos instintos para a arte, ninho elaborado e o ornamenta meticulosame nte com objetos coloridos como esses instintos dão ã arte transcendê ncia no tempo, espaço e cultura. Hume orquídeas, cascas de caramujo, frutinhas silvestres e cortiça. Alguns chegam a observou que "os princípios gerais do gosto são uniformes na namreza huma- pintar seus caramanchões com resíduos de frutas regurgitados usando folhas ou na. [ ...] O mesmo Homero que agradava em Atenas e Roma 2 mil anos atrás casca de árvore como pincel. As fêmeas avaliam os caramanchões e se acasalam ainda é admirado em Paris e Londres".42 Embora as pessoas possam discutir com quem criou os mais simétricos e bem ornamentados. Miller argumenta que a analogia é exata: sobre se a garrafa está m eio cheia ou meio vazia, uma estética humana universal realmente pode ser discernida sob a vatiação entre as culturas. Dutton comenta: Se pudéssemos entrevistar um pássaro-caramancheiro para uma prestigiosa revista de arte, ele talvez declarasse algo assim: "Sinto um impulso irresistível de aurn· É importante notar como as artes viajam notavelmente bem fora de suas culturas expressão, de simplesmente jogar com cores e formas, é uma coisa inexpHcável. nativas: Beethoven e Shakespeare são amados no japão, as gravuras japonesas são Não lembro quando surgiu em mim essa sede devoradora de apresentar campos adoradas pelos brasileiros, a tragédia grega é representada no mundo todo, de cores vivamente saturadas em um cenário monumental porém minimalista . enquanto, para grande desgosto de muitas indústrias cinematográficas regionais, mas me sinto ligado a algo exterior a mim mesmo quando me entrego a essas pai· os filmes de Hollywood têm um amplo atrativo transcultural. (...) Mesmo a músi· xões. Quando vejo uma bela orquídea no alto de uma árvore, não sossego enquan- ca indiana [.. .], embora a princípio soe estranha ao ouvido ocidental, pode revelar- to não a possuo. Quando vejo uma só concha fora de lugar em minha criação. se d~tada de pulso e aceleração rítmicos, repetição, vaiiação e surpresa, além de 550 551 modulação e de melodia divinamente doce; de faro, todos os recursos encontrados na música ocidcntaJ.•J Podemos ampliar ainda mais o alcance da estética humana. As pinturas nas cavernas de Lascaux, feitas em fms da Idade da Pedra Lascada, continuam a deslumbrar o público na era da internet. Os rostos de Nefertiti e da Vênus de Bot ticelli poderiam estar na capa de urna revista de moda do século xx1. O enredo do mjto do herói encontrado em incontáveis cuJturas tradicionais foi transplantado eficazmente para a saga de Guerra nas estrelas. Colecionadores de museus ocidentais pilharam os tesouros pré-históricos da África, da Ásia e das Américas ideais ocidentais foram exportados para o mundo pelo imperialismo, pelas empresas globais e pela mídia eletrônica. Pode haver nisso alguma verdade, e para muita gente essa é a visão moralmente correta, pois implica que não existe nada de superior na cultura ocidental ou de inferior nas culturas nativas que ela está substituindo. Mas há outro lado nessa história. As sociedades ocidentais mostram-se eficientes em fornecer às pessoas coisas que elas desejam: água limpa, medicina eficaz, alimentos variados e abundantes, rapidez nos transportes e comunicações. Aperfeiçoam esses bens e serviços não por benevolência, mas por interesse próprio, isto é, pelos lucros obtidos ao vendê-los. TaJvez a indústria da estéti- não para suplementar o registro etnográfico, mas porque seus patrocinadorc~ achavam belas aquelas obras. ca também tenha aperfeiçoado modos de dar às pessoas o que elas desejam neste caso, formas de arte que apelam para os gostos humanos básicos, como Uma singular demonstração da universalidade dos gostos visuais básicos veio de uma proeza de marketing realizada em 1993 por dois artistas, Vitaly paisagens de calendário, canções populares, romances e aventuras hollywoodianos. Portanto, mesmo que uma forma de arte tenha amadurecido no Ocidente, Romar e Alexander Melamid, que fizeram uma pesquisa de mercado para ava- ela pode não ser uma prática arbitrária disseminada por uma marinha podero- liar o gosto dos ameiicanos pela arte.•• Perguntaram aos entrevistados sobre suas preferências de cor, tema, composição e estilo, e descobriram considerável sa, mas um produto bem-sucedido que se baseia em uma estética humana uni- uniformidade. As pessoas declararam gostar de paisagens pintadas com realis mo e suavidade em tons verdes e azuis, contendo animais, mulheres, crianças e figuras heróicas. Para satisfazer essa demanda dos consumidores, Komar e versal. Tudo isso soa muito provinciano e eurocêntrico, e eu não levaria o argumento longe demais, porém deve haver aqui um elemento de verdade: se é possível obter algum lucro apelando para gostos humanos universais, seria muito estranho que empreendedores deixassem de tirar vantagem disso. E não semelhantes: uma paisagem idealizada, como as dos calendários, e somente é tão eurocêntrico quanto se poderia pensar. A cultura ocidental, como a tecno· logia e a culinária ocidentais, é vorazmcnte eclética, apropriando-se de qualquer truque que agrade às pessoas de qualquer cultura que encontrar. Exemplo disso é uma das mais importantes exportações culturais americanas, a música popular. Ragtime, jazz, rock, blues, sou! e rap originaram-se de formas musicais afroamericanas, que por sua vez originalmente incorporaram rirmos e estilos vocais substituições secundárias dos padrões americanos (hipopótamos em vez de vea africanos. Melamid pintaram uma composição dessas respostas: uma paisagem mostran do a margem de um lago no estilo do realismo oitocentista, com crianças, veados e George Washington. Teve sua graça, mas ninguém estava preparado para o que veio depois. Quando os pintores repetiram a pesquisa em outros nove países, incluindo Ucrânia, Turquia, China e Quênia, constataram preferências muito dos, por exemplo). Mais interessante ainda é que essas McPinniras exemplifi cam o tipo de paisagem que fora caracterizada como ótima para nossa espécie pelos pesquisadores de estética evolutiva.•j Então o que aconteceu em 19 1O que supostamente mudou a natureza O crítico de arte Arthur Danto tinha uma explicação diference: os calen dários ocidentais são vendidos no mundo todo, como os demais produtos da humana? O evento que se destacou na lembrança de Virginia Woolf foi uma exposição, em Londres, das pinturas dos pós-impressionistas, incluindo Cézan· cultura e arte ocidentais."6 Para muitos intelectuais, a globalização dos estilos ocidentais é prova de que as preferências na arte são arbitrárias. As pessoas demonstram preferências estéticas semelhantes, afirmam eles, só porque os ne, Gauguin, Picasso e Van Gogh. Foi uma revelação do movimento designado como modernismo, e quando Woolf escreveu sua declaração, na década de 552 1920, o movimento estava dominando as artes. 553 O modernismo certamente agia como se a natureza humana houves~l mudado. Todos os rruques que os artistas haviam usado por milhares de ano'.\ para agradar ao gosro humano foram postos de lado. Na pintura, a representa ção realista deu lugar a distorções g rotescas de forma e cor, e depois a retícula dos, formas, pingos e manchas abstratas - e a uma rela em branco, na pintura zer burguês tinham fundamentO lógico explícito e um plano político e espiricual. Na resenha de um livro que defendia a missão do modernismo, o crítico de 200 mil dólares mostrada em Art, uma comédia teatral recente. Na literatu ra, a narração onisciente, as tramas estruturadas, a introdução ordenada de pe1 sonagens e a compreensão geral da leitura foram substituídas por um fluxo ck humanidade moderna. l ...] [Sua missão artística] é identificar e pôr a nu o falso f rederick Turner explicou-os: O grande projeto da arre moderna era diagnosticar e curar a doença mortal da senso de experiência e enquadramento interpretativo rotineiros proporcionado pela conformista sociedade comercial de massa. e nos fazer vivenciar, sem prote consciência, eventos apresentados fora da ordem, personagens e seqüências cau sais desconcertantes, narração subjetiva e desarticulada e prosa difkil. Na poc dos desnudados e rejuvenescidos. Esse trabalho terapêutico é também uma mis sia, o emprego de rima, métrica, estrutura de versos e clareza freqüentementl são espiritual, pois uma comunidade de seres humanos assim transformados seria. foi abandonado. Na música, ritmo e melodia convencionais foram menosprezn teoricamente, capaz de construir um tipo melhor de sociedade. Os inimigos do dos em favor de composições atonais, seriais, dissonantes e dodecafônicas. Na arquitetura, a ornamentação, a escala humana, o espaço do jardim e a habilida processo são a cooptação, a exploração e reprodução comerciais e o kitsch. (... ] A de artesanal foram jogados pela janela (ou reriam sido, se as janelas pudessem ser abertas), e os prédios tornaram-se "máquinas de viver", feiras de materiab das crianças - é rotinizada, compartimentalizada e embotada até a insensibilida- ção e pela primeira vez, o caráter imediaco da realidade por meio de nossos senti- experiência inédita, bruta - à qual os artistas rêm acesso imediato e análogo ao de pela sociedade.'' industriais em forma de caixas. A arquitetura modernista culminou nas corre~ de aço e vidro das multinacionais e nos áridos projetos habitacionais de arranha A partir da década de 1970, a missão do modernismo foi ampliada pelo céus am ericanos, prédios populares na Grã-Bretanha do pós-guerra e blocos de apartamentos na União Soviética. conjunto de estilos e filosofias denominado pós-modernismo. O pós-moder- Por que a elite artística encabeçou um movimento que requeria tanto maso quismo? Em parte, ele foi alardeado como reação à presunção e fatuidade da era tas perspectivas do mundo, nenhuma delas privilegiada . Negou ainda com mais veemência a possibilidade do sentido, do conhecimento, do progresso e nismo foi ainda mais agressivamente relativista, afirmando que existem mui- vitoriana e à ingênua crença burguesa na certeza do conhecimento, da inevitabi dos valores culturais compartilhados. Foi mais m arxista e muito mais paranói- !idade do progresso e da j ustiça da ordem social. A arte estranha e perturbadora de, sustentando que as pretensões à verdade e ao progresso eram táticas de destinava-se a lembrar às pessoas que o mundo era um lugar estranho e perturba dor. E a ciência, supostamente, estava enviando a mesma mensagem . Segundo a dominação política que privilegiavam os interesses de homens brancos hcte· versão que vazou para as humanidades, Freud mostrou que o comportamento nasce de impulsos inconscientes e irracionais, Einstein mostrou que tempo e espa ço só podem ser definidos em relação a um observador, e Heisenberg mostrou que a posição e o momento de um objeto eram inerentemente incertos porque eram afetados pelo ato da observação. Muito mais carde, essa filigrana da tisica inspirou o fisico Alan Sokal a pregar com êxito uma célebre peça: publicou um artigo repleto de palavreado incoerente na revista especializada Social Tex1..•1 Mas o modernismo queria fazer mais do que meramente afligir os acomodados. Sua glorificação da fo rma pura e seu desdém pela beleza fácil e pelo pra- rossexuais. Segundo essa doutrina, m ercadorias produzidas em massa e imagens e histórias disseminadas pela mídia destinavam-se a impossibilitar a expe· riência autêntica. O objetivo da arte pós-modernista é nos aj udar a escapar dessa prisão. Os artistas tentam apoderar-se de temas culturais e técnicas de representação usando ícones capitalistas (como anúncios publicitários, desenhos de embalagens e fotos de garotas-propaganda), desfigurando-os, exagerando-os ou apresentan. anogos · - as pu· 1ruras do-os em contextos inusitados. Os exemplos mais sao ' de . · · s e colorid.1s.. Andy Warhol dos rótulos de lata de sopa e suas imagens repenava . - do "Homem de Marilyn Monroe. Os mais recentes in d uem a expos1çao cgro 555 no Whitney Museum mencionada no capítulo 12 e as fotografias de Cindy Shcr man mostrando manequins bissexuais g rotescamente montados. (Eu os vi c ni uma ex'Posição do MIT que explorava "o corpo feminino como local de deSCJ<h con ílitantes e a feminilidade como uma tensa rede de expectativas sociais, supo sições históricas e construções ideológicas".) Na literatura pós-modernista, 0 , Tampouco a organização inata limita-se a apreender a estrutura fisica do mundo. Ela também colore nossa experiência visual com emoções e prazeres estéticos universais. Crianças pequenas preferem paisagens de calendário a ima· gens de desertos e Aorestas, e bebês de três meses de idade fltam por mais autores comentam o que estão escrevendo enquanto escrevem . Na arquitetur,1 pós-modernista, os materiais e detalhes de diferentes tipos de construções l' tempo um rosto bonito do que um feio.º Os bebês preferem os intervalos musi· cais consonantes aos dissonantes, e as crianças de dois anos começam a compor e apreciar ficção narrativa, coisas que farão por toda a vida, quando brincam de períodos históricos são misturados de modo incongruente, como um toldo feito faz-de-conta.'º de grades de proteção em um shopping center elegante ou colunas coríntias qut· não sustentam coisa alguma no topo de um cintilante arranha-céu. Os fil me, pós-modernistas contêm referências matreiras ao processo de filmagem ou a fi l Quando percebemos os produtos do comportamento de outras pessoas, nós os avaliamos com nossa psicologia intuitiva, nossa teoria da mente. ão interpretamos ao pé da letra um trecho de linguagem o u um objeto como um produto ou obra de arte; tentamos adivinhar por que as pessoas os produziram mes anteriores. Em todas essas formas, a ironia, as alusões auto-referentes e o fingimento de não levar a obra a sério destinam-se a chamar a atenção para a ~ e que efeito esperam ter sobre nós (como vimos no capítulo 12}. Obviamente as próprias representações, que (segundo a doutrina) corremos o risco de confim dir com a realidade. pessoas podem ser logradas por um mentiroso esperto, mas não estão presas em um falso mundo de palavras e imagens, precisando ser salvas pelos artistas pós-modernistas. Quando reconhecemos o que o modernismo e o pós-modernismo fizeram Os artistas e críticos modernistas e pós-modernistas não reconhecem outra característica da natureza humana que impulsiona as artes: a ânsia por status, com as artes de elite e as humanidades, as razões de seu declinio e queda tor nam-se muito óbvias. Esses movimentos baseiam-se em uma falsa teoria da psi especialmente a deles próprios. Como vimos, a psicologia da arte está enredada cologia humana, a tábula rasa. Deixam de aplicar sua mais alardeada habilidade o deslumbrante. O problema é que toda vez que as pessoas procuram coisas raras, os empreendedores as tornam menos raras, e sempre que uma perfor- - desnudar o fingimento - a si próprios. E tiram toda a graça da arte! na psicologia do apreço, com seu gosto pelo raro, o suntuoso, o virruosístico e Modernismo e pós-modernismo aferram-se a uma teoria da percepção qm· mance deslumbrante é imitada, pode tornar-se corriqueira. O resultado é a eter· foi rejeitada há muito tempo: a de que os órgãos dos sentidos apresentam ao cérebro um quadro de cores e sons brutos e que tudo o mais na experiência na rotatividade de estilos nas artes. O psicólogo Colín Martindale documentou que toda forma de arte aumenta em complexidade, ornamentação e carga emo- cedentes, o sistema visual do cérebro abrange cerca de cinqüenta regiões que cional até que o potencial evocativo do estilo seja completamente explorado.11 A atenção volta-se, então, para o próprio estilo, momento em que ele dá lugar recebem os pixeis brutos e, sem esforço, organizam -nos em superficies, core~. a outro. Martindale atribui esse ciclo ao fato de o público acostumar-se, mas ele movimentos e objetos tridimensionais. Não somos mais capazes de desligar esse sistema, e conseguir acesso imediato à experiência sensitiva pura, do que somo~ também se deve ao desejo de atenção por parte dos artistas. Na arte do século XX, a procura do novo tornou-se desesperada devido às economias da produção capazes de mandar em nosso estômago e determinar quando ele deve liberai em massa e à aíluência da classe média. À medida que câmeras, reproduções de obras de arte, rádios, discos, revistas, film es e livros foram ganhando preços acessíveis, pessoas comuns puderam adquirir arte aos montes. É difkil distin· guir-se como bom artista ou conhecedor perspicaz se as pessoas estão até o pescoço mergulhadas nas obras, boa parte delas de razoável mérito arásrico. O pro· perceptiva é uma construção social aprendida. Como vimos em capítulos prc enzimas digestivas. Além disso, o sistema visual não nos droga para terJJlQ~J!!1"1 fantasia alucinatória desvinculada do mundo real. Ele evoluiu para nos fornecer informações sobre as coisas conseqüentes que existem fora de nós, como pedras, penhascos, animais e o utras pessoas e suas intenções. 556 557 blema dos artistas não é a cultura popular ser muito ruim; é ser muito boa, ao menos parte do tempo. A arte não pôde majs conferir prestígio pela raridade ou excelência das obras em si; portanto, teve de fazê-lo por meio da raridade dos poderes de apreciação. Como salientou Bourdieu, somente uma elite especial de iniciados poderia entender as novas obras de arte. E com tanta coisa bonita jorrando das gráficas e gravadoras, obras destacadas não precisavam ser belas. De fato, melhor se não fossem, pois agora qualquer parvo poderia possuir coisas bonitas. Um resultado foi a arte modernista ter parado de tentar apelar aos sentidos. Ao contrário, desdenhava da beleza considerando-a uma coisa piegas e superficial.H Em seu livro Art, de 19 13, o crítico Clive Bell (cunhado de Virgina Woolf e pai de Quentin) afirmou que a beleza não tinha lugar na boa arte porque tinha raízes em experiências grosseiras. 53 As pessoas usam beautiful [belo] em frases como beai,tifi,/ lumti11 ' and shootin' ["uma bela caçada"), ele escreveu , ma do modernismo foi sua filosofia não ter reconhecido os modos como estava fa lando ao prazer humano. Quando sua negação da beleza tornou-se uma ortodoxia e seus sucessos estéticos foram apropriados pela cultura comercial (como o minimalismo no design gráfico), o modernismo deixou os artistas sem nenhum caminho a seguir. Quentin Bell afirmo u que quando se esgotam as variações em um gênero, as pessoas recorrem a um padrão de status diferente, padrão esse que Bell acrescentou à lista de Veblen. No "insulto conspícuo", meninos (e meninas) malcriados gabam-se de sua capacidade para chocar a burguesia impunemente.s" A interminável campanha dos artistas pós-modernistas para atrair a atenção de um público cansado progrediu do estágio de innigar a platéia para o de fazer todo o possível para ofendê-la. Todos já ouviram falar de casos famosos: as fotos de sadomasoquismo de Robert Mapplethorpe, o Piss Clrrist ["Mijo no Cristo", um crucifixo em um jarro com urina do artista], a pintura da Virgem Maria besuntada com esterco de elefante, obra de Chris Ofili, e a performance ou coisas piores ainda ao se referir a mulheres bonitas. Bell assimilou a psicologia behaviorista de sua época e afirmou que as pessoas comuns passam a apre- de nove horas de duração intitulada "Flag Fuck (w / beef) # 178", na qual Ivan ciar a arte por um processo de condicionamento pavloviano. Só gostam de uma Hubiak dançava no palco usando uma bandeira americana como fralda enquan- pintura se ela representar uma bela mulher, de música apenas se evocar "em o- to se enrolava em carne crua. Na verdade, esta última nunca aconteceu: foi inventada por colunistas do jornal satírico The Onion em artigo intitulado "Per- ções semelhantes às provocadas por mocinhas em farsas musicais" e de poesia só se despertar sentimentos como os que outrora se tinha pela filha do yjgário. formance artist shock U.S. out of apathetic slumber" ["Artista arranca os Esta- Trinta e cinco anos depois, o pintor abstrato Barnett Newmann declarou apro- dos Unidos da modorra apática com performance chocante"]. 57 Mas aposto que vadoramente que o impulso da arte moderna foi "o desejo de destruir a bele- enganei o leitor. za".'" Mais rejeiç.ã o ainda mostraram os pós-modernistas. A beleza, ilisseram , Outro resultado foi que a arte de elite não pôde mais ser apreciada sem uma equipe de apoio formada por críticos e teóricos. Eles não meramente ava- consiste em padrões arbitrá rios ditados por uma elite. Escraviza as mulheres forçando-as a amoldar-se a ideais irrealistas e se empenha em agradar aos colecionadores de arte que têm um olho no mercado.ss ciam à arte sua base racional. Tom Wolfe escreveu The painted world depois de Para ser justo, é preciso dizer que o modernismo abrange muitos estilos e ler uma crítica de arte no New York Times censurando a pintura realista por não artistas, e nem todos eles rejeitaram a beleza e outras sensibilidades humanas. Em suas melhores facetas, o design modernista aperfeiçoou a elegância visual e a estética da forma direcionada para a fun ção, que foram alternativas bem-vin- liavam e interpretavam a arte, como críticos de cinema e literatura, mas forne- possuir "algo crucial": uma "teoria persuasiva". Wolfe explica: Instantaneamente Live um clique conhecido como o fenômeno do Aliá !, e a vida das ao bricabraque e às exibições aparatosas de riqueza da era vitoriana. Os movimentos artísticos abriram novas possibilidades estilísticas, incluindo motivos subterrânea da arre com emporânea me foi revelada pela primeira vez. (... ) Todos da África e da Oceania. A ficção e a poesia trouxeram revigorantes exercícios intelectuais e contrabalançaram o romantismo sentimental que via a arte como transbordamento espontâneo da personalidade e emoção do artista. O proble- tos mil Pollocks, de Koonings, aqueles anos, eu, como ramos outros, postado diante de mil, dois mil, sei lá quanewmans, olands, Rothkos, Rauschenbergs, judds, johnscs, Olitskis. Louises, Stills, Franz Klincs, Frankenrhalers, Kellys e Frank Stellas, ora semicerrando, ora arregalando os olhos até quase eswur.t 10'· 559 558 ora recuando, ora me aproximando - esperando, esperando erernamenrc que ... aquilo ... aq11ilo entrasse em foco, isto é, a recompensa visual (por ranto esforço 1 dia deliberada não pode ser per mitida em um campo no qual a autoparódia impremeditada é tão disseminada". que tinha de estar ali, que rodo mundo (to11t le monde) sabia estar ali - espcran Um último ponto cego para a natureza humana é o fracasso dos artistas e do que algo irradiasse diretamenre das pinturas naquelas paredes invariavelmentt' teóricos contemporâneos em desconstruir suas pretensões morais. Artistas e cri- brancas e puras, naquela sala, naquele momenro, em meu quiasma óptico. Todo~ ticos por muito tempo acreditaram que a apreciação da arte de elite é e nobre- aqueles anos, em suma, eu supusera que na arre, mesmo se cm nada mais, ver era cedora, e falaram sobre os filisteus culturais em tons geralmente reservados aos crer. Ora - que grandessíssimo míope! Enrão, finalmenre, em 28 de abril de 1974. molestadores de crianças (como vemos nos dois significados da palavra bárbaro). eu consegui ver. Eu tinha entendido tudo ao contrário. Não "ver é crer'', pateta. A afetação de reforma social que cerca o modernismo e o pós-modernismo faz mas "crer é ver", pois a Arte Moderna tornou-se completamente literária: as pinturas e: parte dessa tradição. 18 Embora a sofisticação moral requeira compreensão da história e da diver- outras obras existem 1ão-some11te para ilustrar o texto. sidade cultural, não há razão para pensar que as artes de elite sejam um modo Mais uma vez, o pós-modernismo levou esse extremo a um extremo ainda particularmente bom de incuti-la em comparação com a ficção realista media- maior, no qual a teoria preponderava sobre o tema e tornava-se ela própria um name nte culta ou a educação tradicional. O fato evidente é que não existem gênero de arte performática. Eruditos pós-modernistas, partindo de teóricos crí- conseqüências morais óbvias do modo como as pessoas se entretêm em suas ticos como Theodor Adorno e Michel Foucault, não confiavam na demanda por horas de lazer. A convicção de que artistas e comtaisseurs são moralmente evo- "transparência lingüística" porque ela estorva a capacidade de "pensar o mundo luídos é uma ilusão cognitiva, e tem origem no fato de que nossos circuitos para mais radicalmente" e põe o texto em perigo de ser transformado em mercado- a moralidade entrecruzam-se com nossos circuitos para o status (ver capítulo ria para o mercado de massa. j9 Essa atitude fez deles ganhadores constantes do 15). Como salientou o crítico George Sreiner: "Sabemos que um homem pode anual Concurso Texto Ruim, que "celebra as passagens mais estilísticamente ler Goethe ou Rilke à noite, tocar Bach e Schubert, e sair de manhã para um dia 60 deploráveis encontradas em livros e artigos intelectuais" . Em 1998 o primeiro de trabalho e m Auschwitz" .61 Inversamente, deve haver inúmeras pessoas anal- prêmio foi para a enaltecida professora de retórica de Berkeley Judith Butler, fabetas que doam sangue, arriscam a vida como bombeiros voluntários ou ado- pela seguinte sentença: tam crianças deficientes, mas cuja opinião sobre arre moderna é: "Minha filha de quatro anos poderia ter feito isso". A passagem de uma interpretação estruturalisra na qual o capital é visto como O histórico moral e político dos artistas modernistas não é de se orgulhar. estruturador das relações sociais de modos relativamente homólogos para uma Alguns tiveram conduta deplorável na vida pessoal, e muitos aderiram ao fascis- visão da hegemonia na qual as relações de poder estão sujeitas a repetição, conver- mo ou ao stalinismo. O compositor modernista Karlheinz Stockhausen qualifi- gência e rearticulação, suscitou a questão da temporalidade para o pensamento da cou os ataques terroristas de li de setembro de 2001 como "a maior obra de estrutura e marcou uma mudança de uma forma de teoria alchusseriana que con- arre imaginável em todo o cosmo" e acrescentou, com inveja, que "também os sidera as totalidades estruturais como objecos teóricos para ourra na qual os artistas às vezes ultrapassam os limites do que é viável e concebível, para nos i11sigl11s sobre a possibilidade contingente de estrutura inauguram uma concepção despertar, para nos abrir para outro mundo" .62 Tampouco a teoria do pós- renovada de hegemonia, vinculada aos locais e estratégias contingentes da rearti- modernismo é especialmente progressista. A negação da realidade objetiva não culação de poder. é amiga do progresso moral, pois impede que se afirme, por exemplo, que a escravidão ou o Holocausto realmente aconteceram. Como salientou Adam Outton, cujo periódico Philosoplty a11d Literatllre patrocina o concurso, garante Gopnik., as mensagens políticas de obras pós-modernistas são absolutamente que isso não é uma sátira. As regras do concurso proíbem que o seja: "A paró- banais, como " racismo é ruim". Mas são enunciadas de modo tão oblíquo que 560 faz com que seus apreciadores se sintam moralmente superiores só por conse guir descobri-las. Quanto a escarnecer da burguesia, é uma tentativa imatura de adquirir sta tus sem nenhuma virtude moral ou politica. O faro é que os valores da classl' média - responsabiJidade pessoal, devoção à família e à comunidade, aversão à violência machista, respeito pela democracia liberal - são coisas boas, e não ruins. A maior parte do mundo quer ingressar na burguesia, e os artistas, em su,l rnenro, consideremos a reação do diretor do Whitney Museum, o santuário do establishment dos corsos desmembrados, chamando os seus integrantes de "um bando de embromadores criptonazistas conservadores" . t>S Idéias semelhantes à da derriere garde emergiram em movimentos denominados centro radical, classicismo natural, novo formalismo, novo narrativismo, recalcitrantismo [Stuckism], reto rno da beleza e No Mo Po Mo [No more Post-Modernism , "Chega de pósrnodernismo").66 Os movimentos combinam alta e baixa cultura, e se opõem maioria, são membros dela, em boa situação, que adotaram algumas afetações boêmias. Considerando a história do sécuJo XX, a relutância da burguesia em igualmente à esquerda pós-modernista, com seu desdém pela beleza e pelo talento aróstico, e à direita cultural, com seus padrões limitados de "grandes aderir aos levantes de massa utópicos não pode ser censurada. E se alguém qui obras" e sermões de condenação eterna pelo declínio da civilização. Incluem músicos de formação clássica que misturam composições clássicas e populares, ser pendurar um quadro de um celeiro vermelho ou de um palhaço chorando na parede da sala, ninguém tem nada com isso. As teorias dominantes da arte e da crítica de elite no século xx brotaram da negação militante da natureza humana. Um legado é uma arte feia, frustrante, insultante. O outro é a erudição pretensiosa e ininteligível. E ainda se surpreen dem que multidões não se interessem? pintores e escultores realistas, poetas versejadores, autores de romances jornalísticos e diretores de dança e artistas performáticos que usam ritmo e melodia em seus trabalhos. No mundo acadêmico, um número crescente de intelectuais independentes está recorrendo à psicologia evolucionista e à ciência cognitiva no esforço de restabelecer a natureza humana como centro de qualquer compreensão das artes. Entre eles incluem-se Brian Boyd, Joseph Can-oll, Denis Dutton, Nancy Uma revolta começou. Freqüentadores de museus entediaram-se de ver a enésima exposição do corpo feminino mostrando torsos desmembrados ou centenas de quilos de gordura m astigados e cuspidos pelo artista.61 Alunos de pós g raduação em humanidades reclamam em e-mails ou em salas de conferência que estão sendo alijados do mercado de trabalho por não escrever com palavrea Easterlin, David Evans, j onathan Gortschall, Paul Hernadi, Patrick Hogan, Elaine Scarry, Wendy Steiner, Robert Storey, Frederick Turner e Mark Turner. 6' A compreensão satisfatória de como a mente fu nciona é indispensável às artes e humanidades por no mínimo duas razões. Uma é que o verdadeiro meio de comunicação dos artistas, independente- do pernóstico enquanto citam aleatoriamente nomes de autoridades como Fou mente de seu gênero, são as representações mentais humanas. Pintura a óleo, caule e Butler. Acadêmicos independentes estão tirando os antolhos que os im pediam de ver avanços empolgantes das ciências da natureza humana. E artistas membros que se movem e palavras impressas não podem penetrar diretamente mais jovens se perguntam como o mundo da arte se meteu nesse lugar bizarro em que beleza é palavrão. órgãos dos sentidos e culmina em pensamentos, emoções e lembranças. A ciência cognitiva e a neurociência cognitiva, que mapeiam essa cascata, oferecem Essas correntes de insatisfação estão se juntando cm uma nova filosofia das artes concordante com as ciências e os sentidos dos seres humanos. Ela está tomando forma na comunidade dos artistas e na comunidade dos críticos e intelectuais. No ano 2000 a compositora Stefania de Kenessey anunciou maliciosamente um novo "movimento" nas artes, a derriere garde, que celebra a beleza, a téc nica e a narrativa."' Se parece demasiado inócuo para ser considerado um movi562 no cérebro. Desencadeiam uma cascata de eventos neurais que começa com os uma profusão de informações a quem quiser entender como os artistas conseguem seus efeitos. O estudo da visão pode lançar luz sobre a pintu ra e a escultura.68 A psicoacústica e a lingüística podem enriquecer o estudo da música.•• A lingüística ajuda a elucidar a poesia, a metáfora e o estilo literário.'º Os estudos 1 sobre imagens mentais ajudam a explicar as técnicas da prosa narrativa.' Ateoria da mente (psicologia intuitiva) pode esclarecer nossa capacidade de conceber mundos ficócios.n O estudo da atenção visual e da memória de curto prazo pode explicar a experiência do cinema. 73 E a estética evolucionista pode ajudar começando a voltar-se para as ciências, ou ao menos para a mentalidade cientí- a explicar os sentimentos de beleza e prazer que podem acompanhar tod o~ esses atos de percepção. 1• fica que nos vê como uma espécie com dotação psicológica complexa. Ironicamente, os primeiros pintores m odernistas foram ávidos consumido cação dessa conexão não posso ter a pretensão de competir com as palavras dos pró prios ar tistas, e concluirei com propostas de três grandes romancistas. res de estudos sobre a percepção. Talvez tenha sido Gerrrude Stein quem os in troduziu no assunto; ela estudou psicologia em Harvard com William James, c a expli- Iris Murdoch, obcecada pelas origens do senso moral, comenta sua permanência na ficção: o rientada por ele fez pesquisas sobre a atenção visual.75 Os designers e artistas da Bauhaus também fora m apreciadores da psicologia perceptiva, particularmente Em muitos aspectos, ainda que não cm todos, fazemos os mesmos tipos de juízo 76 da escola contemporânea da Gestalt. Mas essa consiliência perdeu-se com o afas- moral que os gregos faziam, e reconhecemos pessoas boas ou decentes em épocas tamento gradual das duas cuJturas, e só recentemente elas recomeçaram a jun e lireracuras muito distantes das nossas. Párroclo, Antígona, Cordélia, sr. Knighcley, tar-se. Prognostico que a aplicação da ciência cognitiva e da psicologia evolucio AJyosha. A invariável bondade de Pãtroclo. A fidelidade de Cordélia. AJyosha di- nista às artes ganhará impo rtância crescente na crítica e na vida acadêmica. zendo ao pai que não temesse o inferno. É tão importante que Pátroclo fosse O o utro ponto de contato pode ser ainda mais importante. Em última aná bondoso com as mulheres cativas quanto que Emma fosse bondosa com a srta. lise, o que nos atrai para uma obra de arte não é apenas a experiência sensitiva Bates, e sentimos essa importância de modo imediato e nacural em ambos os casos do m eio de comunicação, mas seu conteúdo emocional e seu vislumbre da con apesar do fato de que quase 3 mil anos separam os autores. E isso, quando refleti- dição humana. E estes recorrem às imemoriais tragédias de nosso calvário bio mos, é um notãvel testemunho da existência de uma nacureza humana única e lógico: nossa mortalidade, nosso conhecimento e sabedoria finitos, as diferen- durável.n ças entre nós e nossos conflitos de interesse com amigos, vizinhos, parentes e pessoa amada. Todas são temas das ciências da natureza humana. A idéia de que a arte deve re Aetir as qualidades perenes e universais da A. S. Byatt, quando os editores da New York Times Magazine lhe pediram para apontar a melhor narrativa do milênio, escolheu a história de Xerazade: espécie humana não é nova. Samuel Johnson, no prefácio de sua edição das pe ças de Shakespeare, comenta o duradouro fascinio por esse g rande psicólogo intuitivo: As histórias das Mil e uma noites[ ... ] são histórias sobre contar histórias sem nunca deixar de ser histórias sobre amor, vida, morre, dinheiro, alimento e outras necessidades humanas. A narração é parte da natureza humana tanto quanto a respira- Nada pode agradar a muitos, e agradar por longo tempo, senão representaçõe~ ção e a circulação do sangue. A literatura modernista tentou acabar com a prática fiéis da narureza geral. Modos parricuJares podem ser conhecidos por poucos, po1 de contar histórias, que julgou vulgar, substiruindo-a por flaslibacks, epifanias, flu - tanto apenas poucos podem julgar com que exatidão foram copiados. As comb1 xos de consciência. Mas contar histórias é intrínseco ao tempo biológico, do qual nações irregulares de invenção fantasiosa podem encantar durante algum tempo. não podemos escapar. A vida, disse Pascal , é como viver numa p1isão de onde por aquela novidade que a saturação comum da vida nos leva a buscar; mas os pr.1 todos os dias companheiros de reclusão são levados e executados. Estamos todos. zeres da súbita admiração logo se esgotam, e a mente só consegue deter-se na cst.1 bilidade da verdade. como Xerazade, sentenciados à morte, e todos vemos nossas vidas como narrati- Hoje podemos estar vendo uma nova convergência de explorações da con John Updike, também solicitado a apresentar re Aexões na virada do milê - dição humana por artistas e cientistas - não porque os cientistas estejam rcn vas, com começos, meios e fins.71 nio com entou o futuro de sua profissão. " Um escritor de ficção, um m e ntiroso u • profissional, pa radoxalmente é obcecado pelo que e' verda de " , escreveu , e a u111J tando apoderar-se das humanidades, mas po rque artistas e humanistas estão dade da verdade, ao menos para um escritor de ficção, é o animal humano, pertencente à espécie Homo sapiens, inalterado por no minjmo 100 mil anos". A evolução caminha mais devagar que a história, e muito mais devagar que a tec- nologia de séculos recentes; sem dúvida a sociobiologia, surpreendentemente difamada cm alguns meios científicos, realiza um serviço útil investigando quais características são inatas e quais são adquiridas. Que ripo de sofrware culrural nossos mecanismos mentais evoluídos podem suportar? A ficção, à sua maneira rareante, é atraída para aqueles momentos de aflição nos quais a sociedade pede mais do que seus membros individuais podem, ou desejam, dar. Pessoas comun ~ vivenciando ficção na página é o que aquece nossas mãos e coração quando escrevemos. (...] Ser humano é estar na tensa condição de um animal conscientemente libidi noso que prevê a morte. Nenhuma outra criatura do planeta sofre de tamanha capacidade de pensar, ramanha complexidade de possibilidades imaginadas mas frustradas, tamanha capacidade perturbadora para questionar os imperativos tribais e biológicos. Essa criarura conflituosa e engenhosa proporciona um enfoque infinitamente interessante para as meditações da ficção. Parece-me verdade que o Homo sapiens nunca há de acomodar-se em uma utopia tão satisfeito que relaxe seus conflitos e apague toda a sua carência geradora de perversidades..., A literarura tem três vozes, escreveu o estudioso Robert Storey: a do autor, a dos leitores e a da espécie.80 Esses escritores estão nos lembrando da voz da espécie, um componente essencial das artes e um tema apropriado para concluir minha história. \ 566 PA RTE VI A voz da espécie