A educação católica, segundo os guias das escolas

Transcrição

A educação católica, segundo os guias das escolas
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
CURSO DE LICENCIATURA EM PEDAGOGIA
A EDUCAÇÃO CATÓLICA, SEGUNDO OS GUIAS DAS ESCOLAS CRISTÃS
DANIELE PIETRAFEZA GARCIA
SÃO CARLOS
2009
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
CURSO DE LICENCIATURA EM PEDAGOGIA
A EDUCAÇÃO CATÓLICA, SEGUNDO OS GUIAS DAS ESCOLAS CRISTÃS
Graduanda: DANIELE PIETRAFEZA GARCIA
Orientador : Profª. Dr. João Virgílio Tagliavini
Trabalho apresentado ao curso de Licenciatura em
Pedagogia da Universidade Federal de São Carlos como
requisito parcial de conclusão de curso.
SÃO CARLOS
2009
FOLHA DE APROVAÇÃO
A EDUCAÇÃO CATÓLICA, SEGUNDO OS GUIAS DAS ESCOLAS CRISTÃS
DANIELE PIETRAFEZA GARCIA
Trabalho apresentado ao curso de Licenciatura em Pedagogia
da Universidade Federal de São Carlos como requisito parcial
para a obtenção do título de Licenciada em Pedagogia.
Universidade Federal de São Carlos.
São Carlos, 25 de novembro de 2009.
Aprovado em ___/___/___
PARECERISTAS
_________________________________________________________
Profº. Dr. João Virgílio Tagliavini
Universidade Federal de São Carlos
Orientador
_________________________________________________________
Profº. Dr.Eduardo Pinto e Silva
Universidade Federal de São Carlos
Parecerista
_________________________________________________________
Profº. Dr.Paolo Nosella
Universidade Federal de São Carlos
Parecerista
_________________________________________________________
Prof °.Dr. Sandra Aparecida Riscal
Universidade Federal de São Carlos
Parecerista Suplente
Agradecimentos
Gostaria de agradecer, primeiramente e principalmente à minha avó, que não está
mais comigo, fisicamente, mas que teve participação fundamental em toda a minha
trajetória escolar e no início da minha vida acadêmica. Ela foi a pessoa que mais esteve
presente e que mais me apoiou em todos os sentidos; se não fosse por ela, talvez eu não
tivesse realizado as coisas que realizei até o presente momento.
Agradeço também aos meus pais por todo o apoio e auxílio que recebi, em
especial minha mãe, que é a pessoa mais importante da minha vida; ao meu orientador,
Prof°. Dr. João Virgílio Tagliavini, pois sua orientação foi essencial para a realização
desse trabalho e às pessoas que estão próximas a mim e que me ajudaram a conseguir
chegar no final do curso de Pedagogia, dentre elas estão meus colegas de turma e alguns
grandes amigos.
Resumo
A Educação Católica da França, do século XVIII teve suas práticas de ensino,
anteriormente conservadoras, revolucionadas pelos ideais de São João Batista de La
Salle, educador e fundador do Instituto das Escolas Cristãs (Lassalistas), autor da obra
educacional que fundamentou boa parte do ensino Francês: Guia das Escolas Cristãs.
Mais tarde, influenciado pelas ideias Lassalistas, o padre São Marcelino Champagnat
fundou a Congregação dos Irmãos Maristas, que era formada por irmãos que se
dedicavam especialmente à educação de crianças e jovens, ele também instituiu sua obra
educacional: Guia das Escolas. Obras essas, que serão analisadas neste trabalho e que
tiveram grande importância na educação da França revolucionária, além de criar modelos
educacionais que perduram nos dias atuais, inclusive na educação brasileira.
Palavras chave: Educação Católica, práticas de ensino, Lassalistas, Maristas, obra
educacional
Abstract
The French catholic education in the 18th century had their teaching practices,
previously conservative, revolutionized by the ideas of São João Batista de La Salle,
educator and founder of Christian Schools Institute (Lasallians), author of the work
that grounded great part of the French education: Guide of Christian Schools. Later,
under influence of father São Marcelino Chanpagnat, founded the Congregation of
Marists Brothers, which was formed by brothers that dedica ted their selves specially
to the education of teenagers and children, he also institute his educational work:
Guide of Schools. These works are going to be analyzed in this paper, because of their
great importance in the education of Revolutionary French and creating educational
models that last until today, also in the Brazilian education.
Keywords: Catholic Education, Teaching Practices, Lasallians, Marists , Educational
Work
Sumário
Introdução............................................................................................................................7
Capítulo 1- A educação católica na França - séculos XVII - XIX: do absolutismo aos
períodos críticos da Revolução Francesa.............................................................................9
Capítulo 2- O guia das escolas cristãs de João Batista de La Salle..................................15
Capítulo 3- O guia das escolas de Marcelino Champagnat...............................................24
Considerações Finais.........................................................................................................34
Referências Bibliográficas.................................................................................................35
ANEXO I- Colégios Maristas no Brasil............................................................................37
ANEXO II- Presença Lassalista no Brasil.........................................................................44
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Introdução
O presente trabalho tem como principal objetivo, compreender melhor a história
da educação católica na França, considerando que, essa exerceu e ainda exerce grande
influência na história da educação brasileira, por intermédio das ordens religiosas
responsáveis por colégios tradicionais estabelecidos no Brasil.
Para que haja essa compreensão, foram selecionadas duas obras educacionais
religiosas de extrema importância pedagógica, pois revolucionaram o ensino da época em
que foram escritas e têm seus fundamentos utilizados atualmente por escolas católicas,
que estão presentes em diversos países: O Guia das Escolas Cristãs de São João Batista
de La Salle (1651-1719) e O Guia das Escolas de São Marcelino Bento Champagnat
(1789-1840).
São exemplos de colégios brasileiros que são diretamente fundamentados por
esses Guias, o Colégio Diocesano La Salle, localizado na cidade de São Carlos e o
Colégio Marista Arquidiocesano, localizado em São Paulo.
O trabalho está composto por três capítulos, sendo o primeiro denominado: A
educação católica na França - séculos XVII - XIX: do absolutismo aos períodos críticos
da Revolução Francesa que contextualiza, histórica e politicamente, os períodos em que
uma parte da educação francesa foi fundamentada pelos guias educacionais cristãos,
obras dos santos católicos: La Salle e Champagnat.
A finalidade deste capítulo é demonstrar o contraponto, existente, entre a
educação católica e os ideais do liberalismo francês, contexto político da época.
Posteriormente, no segundo capítulo: O guia das escolas cristãs de João Batista
de La Salle encontra-se o estudo e análise do Guia das Escolas Cristãs, que tem como
autor João Batista de La Salle, educador e fundador do Instituto dos Irmãos das Escolas
Cristãs (lassalistas). A partir desse capítulo será possível conhecer um pouco da trajetória
desse Santo Católico e as técnicas de ensino que tiveram grande influência na educação
da França do século XVIII e que estão presentes, também no Brasil de hoje.
Finalmente, o terceiro capítulo: O guia das escolas de Marcelino Champagnat
aborda a obra do fundador da congregação dos irmãos Maristas, Marcelino Champagnat,
outro santo e educador da Igreja Católica, que teve seus fundamentos pedagógicos
influenciados pelas idéias de La Salle, seu precursor.
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Nesse capítulo, será possível conhecer um pouco de sua biografia, além de
aprofundar-se nos escritos de sua obra.
Nos anexos, pode-se encontrar uma ilustração da presença, tanto das escolas
Maristas como Lassalistas, em diversas regiões do Brasil de hoje.
O trabalho, como um todo, aborda a influência da Religião Católica na educação
da França, principalmente no século XVIII, e mais especificamente embasada
teoricamente pelos dois Guias estudados. Porém, a partir disso poder-se-á compreender a
origem de algumas práticas pedagógicas que estão presentes hoje em dia, além de
conhecer melhor uma parte da história da educação e sua estreita vinculação com os
ideais religiosos.
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Capítulo 1- A educação católica na França - séculos XVII - XIX: do
absolutismo aos períodos críticos da Revolução Francesa.
João Batista de La Salle e Marcelino Champagnat, autores, dos guias que
fundamentaram a educação cristã, obras analisadas nesse trabalho, viveram na França e
influenciaram na sua educação entre os séculos XVII e XIX. Neste capítulo
encontraremos uma breve contextualização histórica e política, dos períodos em que uma
parte muito significativa da educação francesa foi fundamentada pelos guias educacionais
cristãos.
La Salle viveu na França durante o reinado de Luís XIV, que era conhecido como
Rei Sol, cujo governo ficou conhecido como o ápice do absolutismo francês, tendo
promovido uma série de guerras, com o intuito de conquistar a Europa.
Nessa época, houve um maior desenvolvimento da cultura francesa, pois, cabe
aqui citar que, desde 1671, ele dera à Academia de Paris, além de fundos suficientes, a
responsabilidade de realizar pesquisas experimentais e difundir os resultados dessas
investigações.
A França, durante quase todo o reinado de Luís XIV, teve um único governante,
pois ele não nomeou um primeiro- ministro, como era o costume, sendo exercidas de
maneira centralizada as prerrogativas reais Além disso, ele também proibiu as comunas
de escolher seus governantes e de enfraquecer o poder do Conselho Real que era o órgão
encarregado de tomar decisões junto ao monarca. Portanto, houve a centralização das
finanças, o aumento dos impostos à nação e o fortalecimento da burocracia estatal.
A partir de tais informações, pode-se perceber que o auge do absolutismo francês
teve como característica a centralização de todo o poder nas mãos de uma só pessoa, que
alegava ter sido escolhido por Deus para governar, tendo em vista que um fator
importante, na construção do Estado Nacional, foi a adesão da Igreja ao novo poder, pois
esta proclamava o caráter divino do rei.
Houve um processo de justificação teórica do absolutismo, representado,
principalmente pelos seguintes teóricos: Jean Bodin (1530-1596) e Jacques Bénigne
Bossuet (1627-1704).
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De acordo com Jean Bodin, a soberania era um poder que não deveria ser
dividido, pois, sendo o rei visto como soberano, ele não deveria compartilhar seu poder
com ninguém e nem se submeter a outra instituição; porém, mesmo soberano aos seres
humanos, o rei teria o seu poder inferior ao da lei divina, estabelecendo-se uma interrelação de religião e política.
Jacques Bossuet caracteriza o regime monárquico como paternal, justo e sagrado,
pois conforme sua teoria, o rei teria uma relação, na qual, ele seria considerado como pai
de seus súditos, governando com justiça, e esse seria visto como representante de Deus
A partir dessa idéia foi reforçada a legitimidade do poder do rei sobre a sociedade, sendo
esse respeitado de forma paternal, como sendo escolhido de Deus.
No período em questão, a religião tinha uma grande importância para a vida das
pessoas, sendo que o catolicismo era a religião de Estado na França do Antigo Regime,
numa união entre os dois poderes, o civil e o eclesiástico, que exerciam um controle
rigoroso da sociedade. A Igreja legitimava o poder político, auxiliando-o, e adquiria os
privilégios da monarquia, que a defendia reprimindo com todo rigor quem se afastasse
dela. Então, a religião e a política estavam intimamente ligadas no reinado de Luis XIV.
O Estado, juntamente com a Igreja, possuía total controle sobre a população, o
que nos leva a ressaltar que a educação nessa época era, em grande parte, controlada e
regulamentada pela Igreja Católica, além de ser oferecida apenas aos membros da
aristocracia, realidade essa que perdurou até o início da Revolução Francesa, em 1789.
A partir daquele ano, começaram a ocorrer diversas mudanças na sociedade
francesa, que influenciaram diretamente nos valores da nobreza, da vida cortesã e da
educação religiosa, modificando tanto sua imagem, quanto sua função na sociedade.
Marcelino Champagnat nasceu na aldeia de montanha no Centro-Leste da
França, no auge da Revolução Francesa, no meio de uma grande perseguição às
instituições da igreja, sendo que, muitos dos seus membros foram até guilhotinados.
Dentre os institutos perseguidos e destruídos estão os dos irmãos lassalistas, que sofreram
muito durante esse período (1793-1794) , denominado por alguns membros do clero
como período de terror.
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Antes de discorrer mais detalhadamente sobre a Revolução Francesa, é necessário
que haja a explicação das idéias difundidas na época do Iluminismo, pois este exerceu
notável influência sobre ela.
Não há um consenso entre os teóricos sobre a data de início do Iluminismo,
porém muitos pesquisadores colocam como marco de referência o início do século XVIII.
Esse foi um movimento idealizado pela burguesia, que se espalhou pelo continente
europeu e promoveu uma grande transformação cultural na região.
Seus idealizadores questionavam os costumes predominantes da época e
buscavam propagar novos pensamentos e teorias econômicas, políticas e filosóficas, que
pudessem modificar as formas de governo vigentes na época Na França houve uma
efetiva tensão entre os pensamentos iluministas e as estruturas política s conservadoras,
exacerbando o antagonismo entre o novo ideal protestante e mercantil e uma sociedade
feudal e católica, o que foi decisivo para a Revolução Francesa.
Foram intelectuais e pensadores importantes dos ideais iluministas: Denis
Diderot, Jean Le Rond D'Alembert, Jean-Jacques Rousseau, Marie Jean Antoine Nicolas
de Caritat, marquês de Condorcet, contrários à afirmação predominante na época do
absolutismo, de que a ordem social é de vontade divina, e sendo assim, não podendo
haver modificações e alterações substanciais.
É interessante citar alguns fundamentos pedagógicos desses intelectuais,
D’Alembert (1712-1778) associa especulação e prática às ciências e às artes e considera
injusta a superioridade das artes liberais sobre as mecânicas, sendo que ambas, segundo
ele, possuem igual importância.
Diderot (1713-1784), considerado o verdadeiro pai da enciclopédia, defende a
educação voltada para o ofício, ou seja, para o trabalho, relacionando a ele a cultura.
A abordagem de pedagogia, existente na época, é revolucionada por Rousseau
(1712-1788), pois ele privilegia uma abordagem antropológica, considerando a criança
propriamente como tal, ressaltando a importância de conhecê- la, contrariando assim, a
visão epistemológica (explicar o conteúdo negligenciando a idade do aluno).
Além disso, os ofícios são separados por ele, sendo classificados em ofícios
limpos (artesãos, naturais) e ofícios sujos (realizados em indústrias); a partir disso, podese compreender que há uma critica do pensador com relação ao processo de
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industrialização,
pois,
segundo ele, o
mecanismo
utilizado
nas indústrias é
desumanizante.
O último dos filósofos iluministas, Condorcet (1743-1794), totalmente contra à
educação católica, em especial a dos jesuítas, tornando-se defensor da pedagogia da
liberdade, ele defendia a existência de escolas públicas, gratuitas e laicas.
Um dos objetivos iluministas consistia em modificar o regime monárquico,
transformando-o em um regime mais aberto, podendo assim libertar o povo oprimido e
possibilitar o surgimento efetivo da burguesia, que na época era uma classe emergente.
A partir dessas idéias, surgiu na França, em 1763 a obra de Louis René de la
Chalotais (1701-1785), Essai d’ éducation national, em que defendia e almejava uma
educação que dependesse somente do Estado, ou seja, abandonando assim a soberania da
Igreja sobre ela, além de ir contra a tradicional exclusão dos leigos no ensino. Porém,
cabe aqui ressaltar, que, ao mesmo tempo em que ele protestava para que não houvesse a
exclusão dos leigos, ele era contrário às escolas lassalistas, pois temia que a instrução dos
trabalhadores, defendida pelos irmãos das escolas cristãs, poderia afastá-los das
profissões mais humildes, que segundo ele, eram necessárias.
Começam a surgir, então, idéias que defendiam o rompimento da Igreja com o
Estado, sendo que aquela se submeteria a este, além de perder seu poder, que era
evidente, sobre a sociedade e, consequentemente, sobre a educação francesa. O clima do
iluminismo estava proporcionando o amadurecimento das idéias de diversos teóricos e
das condições para que houvesse uma passagem definitiva da instrução das Igrejas para
os Estados.
Outro autor francês, que defende uma educação dirigida pelo Estado e destinada a
toda população é Gabriel Bonnot de Mably, mais especificamente em sua obra: De la
législation, ou principes des lois (1776).
A Revolução Francesa foi, então, consequência direta dos ideais iluministas,
considerando que seu lema era: Liberdade, Igualdade, Fraternidade (Liberté, Égalité,
Fraternité). Ela estourou no ano de 1789, com a tomada da Bastilha (prisão política, que
era símbolo do regime absolutista), e foi o acontecimento social e político, considerado
por muitos como o mais significativo da história atual, além de ser fato determinante para
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tentar por fim aos costumes de uma sociedade feudal, estabelecendo novos parâmetros de
civilidade.
Como dito anteriormente, a tensão criada na França, entre os pensamentos
idealizados pelo movimento iluminista e as concepções e estruturas das políticas
conservadoras, influenciou diretamente o surgimento da Revolução, que ocorreu com o
intuito de acabar com o modelo político vigente, no qual o poder está centrado nas mãos
da nobreza e do clero. Propõe-se então,
um governo que seja legitimado
constitucionalmente e que seja controlado pela população, por meio de votações.
Na França absolutista tinha a população estava submetida ao controle do monarca
e do clero, sendo que, a educação estava majoritariamente concentrada sob o poder da
Igreja No entanto, a partir das idéias iluministas e, efetivamente, a partir da Revolução, o
quadro político e social francês passa por grandes modificações, diminuindo o poder e a
influência eclesiástica e da nobreza sobre o povo.
As teorias que justificavam a monarquia e a importância da Igreja são
desmoronadas, já que, passa a ser considerada a idéia de que a autoridade é fundamentada
a partir do consenso dos cidadãos e não por escolha divina; então ocorre a separação
efetiva da Igreja e do Estado, sendo que aquela se submeteria a esse.
As unidades eclesiásticas passam a ser perseguidas pelos revolucionários, dentre
elas, as escolas religiosas, incluindo, como já citado, os institutos dos irmãos lassalistas.
Alguns religiosos foram condenados ao exílio ou à guilhotina e as Igrejas perderam
grande parte de suas riquezas.
No dia 12 de julho de 1790, foi aprovado, pela Assembléia Nacional Constituinte
Francesa, um conjunto de leis denominado de A Constituição Civil do Clero, que visava
transformar sacerdotes católicos paroquiais em funcionários públicos eclesiásticos,
deixando eles de usufruir dos privilégios, nos quais estavam acostumados, dentre eles o
recebimento do dízimo (uma parte em dinheiro que todos da população pagavam à
Igreja).
O monopólio do ensino, então, deixa de ser do clero e passa a ser
responsabilidade do Estado e os professores, que anteriormente, costumavam ser
membros do clero (exceto os das escolas fundamentadas por La Salle), foram substituídos
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por educadores leigos. O ensino superior que também era mantido pela Instituição
Católica tornou-se completamente laico e até contrário aos ideais eclesiásticos.
Portanto, as escolas católicas francesas estavam passando por momentos difíceis,
na realidade, por um inevitável caos, sendo que houve a perda de muitas escolas cristãs.
Analisando tais ocorridos, é possível estabelecer um contraponto entre a educação
católica e os ideais do liberalismo francês; esse contexto político fez parte da história das
escolas lassalistas e das maristas, sendo que aquelas estavam em ascensão na época e
essas estavam por surgir.
Para se recuperar dos abalos causados pela Revolução, a Igreja Católica
promoveu uma reordenação de sua filosofia, reestruturando suas obras, instituições,
escolas, etc.
Deve-se considerar que mesmo presentes e sendo influenciados por tais contextos,
sendo que esse foi o período, considerado por muitos teóricos e religiosos, mais difícil da
história da religião católica, os Guias das escolas Cristãs, resistiram às pressões e
perseguições dos revolucionários e continuaram fundamentando a educação de diversas
instituições, sendo que, passada a borrasca, voltaram e continuaram a crescer,
ultrapassando barreiras e estando presentes em diversos países atualmente, incluindo o
Brasil.
A partir dos próximos capítulos será possível compreender melhor as práticas
pedagógicas difundidas pelos Guias das escolas Cristãs e com isso, relacioná- las aos
processos educacionais realizados atualmente, não só em escolas católica s, mas também
em diversas outras instituições educacionais brasileiras, tanto privadas quanto públicas.
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Capítulo 2: O guia das escolas cristãs de João Batista de La Salle
João Batista de La Salle nasceu em 30 de abril de 1651, em Reims, na França,
vivendo durante o reinado de Luis XIV. Foi educador e fundou em 1684 o Instituto dos
Irmãos das Escolas Cristãs (lassalistas), com os métodos pedagógicos contidos em sua
obra educacional, revolucionando as técnicas de ensino do seu tempo. A análise de sua
obra educacional se encontrará neste capítulo, demonstrando a sua importância na
educação da França do século XVIII e no Brasil de hoje.
As instituições escolares fundadas por ele, seriam públicas e gratuitas, ao
contrário das demais escolas da época, além de terem como educadores, leigos, e não
membros do clero, como era de costume.
Aos 16 anos La Salle já era cônego da catedral de Reims. Em 24 de junho de
1681, ele transformou sua rica mansão em um local de formação cristã e pedagógica para
professores, transferindo-os para lá.
A escola era tida por La Salle e pelos irmãos educadores como um templo de
Deus, na qual ocorreria a evangelização, pastoral e oração, além de ser um espaço
destinado a formar verdadeiros cristãos e verdadeiros cidadãos.
Ele morreu em 1719, com 68 anos, deixando o instituto organizado com 100
irmãos e 30 escolas localizadas na França e uma delas em Roma; foi canonizado pelo
papa Leão XIII em 24 de junho de 1900 e proclamado Padroeiro dos Professores pelo
papa Pio XII no dia 15 de maio de 1950, sendo este dia consagrado como o dia dos
educadores católicos..
Atualmente o instituto dos irmãos das Escolas Cristãs encontra-se espalhado pelo
mundo, estando localizado em mais ou menos 80 países, dentre eles o Brasil, nos 5
continentes, como uma prova de que os métodos pedagógicos criados e idealizados por
La Salle estão presentes até hoje na educação, tanto brasileira como de outros países, não
se limitando, apenas, a ser utilizados em institutos educativos lassalistas, mas também em
muitas das outras escolas.
O Guia das Escolas Cristãs, que será a obra estudada no presente capítulo está
dividia em três partes, sendo que a primeira contém a explicação detalhada dos exercícios
escolares e das maneiras que devem ser feitos, a segunda expõe os meios para estabelecer
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e manter a ordem nas escolas e, finalmente, a terceira parte coloca em pauta os deveres
do inspetor das escolas.
Logo no prefácio do Guia é possível compreender um pouco sobre a visão que
existe, do papel do professor, que seria promover aos alunos educação cristã e com isso
lhes inspirar o temor e o amor a Deus. A obra é utilizada em todas as casas do instituto,
porém cabe ressaltar que com a permissão e concordância de La Salle houve nela, em
1720, algumas alterações.
A partir da leitura da obra e da biografia do santo fundador dos lassalistas, podese entender melhor quais são as suas concepções de criança, de educador e de educação,
sendo que essa, é considerada por ele como um remédio oferecido por Deus, para
proteger e livrar as crianças dos males que as ameaçam. As crianças são vistas como
seres mais frágeis e por causa disso estão mais suscetíveis às inclinações do mal, além de
deverem ser vistas pelos educadores como sendo as imagens vivas de Jesus Cristo,
estando aos cuidados de seus professores, que, segundo La Salle, se dedicam a elas em
nome da fé, podendo assim ensinar a bem viver.
Há a consideração de que as crianças devem ser atraídas e estimuladas a gostarem
do ambiente escolar, para evitar as ausências e para motivá- las a aprender, concepção
mantida até hoje em diversas obras destinadas à educação. De acordo com o Guia, é
importante que os alunos sejam conquistados por meio da brandura por parte dos
professores, priorizando outros métodos, que possam convencê- los a virem à escola ao
invés de correções e durezas. Além de esclarecer aos pais da necessidade de instrução dos
seus filhos, assim estes também estimularão as crianças a frequentarem a escola.
A educação é considerada pela obra, também, como sendo a oportunidade
oferecida às crianças de aprenderem a ler e escrever e tornarem-se aptas para trabalhar. O
Guia conscientiza os pais de que se as crianças não tiverem acesso à escola, nunca serão
capazes de conseguir algum emprego.
É dada grande importância à figura do professor, sendo este considerado por La
Salle como ministro de Jesus Cristo, com o desígnio de favorecer a salvação dos
educandos, principalmente os que têm maior inclinação para a desordem. Então, os
educadores devem ter total conhecimento do conteúdo que é ensinado, pois, de acordo
com os escritos da obra, a ignorância dos alunos e os pecados cometidos por eles será
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responsabilidade do mestre, assim, este, terá que prestar contas a Deus e será culpado
perante Ele.
Devido a grande influência que o mestre exerce na vida do aluno, coloca-se na
obra como importante que a sua fisionomia seja serena, que seu exterior manifeste
espírito firme, mas que também manifeste bondade, mantendo assim um equilíbrio.
Deve-se considerar que um dos motivos da ausência ou do pouco gosto das crianças pela
escola é a pouca afeição delas ao professor, o que ocorre quando esse não as trata com
simpatia e não sabe conquistá- las, além de ter uma aparência sombria e selvagem. Por
isso, mostra-se necessário que o educador evite gritar o u bater facilmente, sem motivos
importantes, recorrendo apenas à dureza, ao rigor e às correções como meios educativos.
Ao contrário disso, o professor deve atrair os alunos, podendo remediar suas ausências,
tornando-se atraente, com exterior afável, franco e digno, porém tomando devidas
cautelas para que não se utilize de um ar vulgar ou familiar.
O mestre tem o poder de ganhar os alunos para Jesus Cristo, e deve fazer de tudo
para que isso ocorra. De acordo com os ideais do autor da obra, o educador deve trabalhar
para estabelecer e consolidar o reino de Deus no coração das crianças, o que só será
possível se este agir com prudência e caridade.
Ele deve também manter-se atento a cada aluno, principalmente aos iniciantes de
cada lição, considerando que um bom pastor deve conhecer todas as ovelhas do seu
rebanho; com o bom conhecimento dos alunos será possível discernir o modo de tratar
cada um deles.
Os professores devem também exercer solícita vigilância sobre os alunos, pois
para que haja ordem no ambiente escolar, os alunos devem ser cuidadosamente velados e
com isso ajudados a progredir, assim pode-se melhorar o aproveitamento que as crianças
terão da escola. Segundo os escritos do Guia, essa vigilância consiste essencialmente em
três aspectos: corrigir todas as palavras pronunciadas de maneira errônea pelo aluno;
fazer acompanhar todos aqueles que estão numa mesma lição; e exigir silêncio muito
completo.
O silêncio é colocado como um dos principais meios de estabelecer e conservar a
ordem dentro das escolas. Os alunos devem compreender que Deus os está observando e
o silêncio é a sua santa vontade; então, cabe ao professor vigiar com exatidão o
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comportamento de seus educandos e não tolerar que algum deles use da palavra sem
licença. Até mesmo o mestre deve se policiar para falar somente quando necessário,
muito raramente e em voz baixa, com seriedade e utilizando poucas palavras.
Pode-se perceber bem a devida importância dada ao silêncio, logo no começo da
leitura da obra, quando descreve o modo como os alunos devem se reunir e entrar em sala
de aula, observando um silêncio absoluto e perfeito, sendo que não se deve perceber o
menor rumor de seus passos, e que não se possa perceber os alunos que entram e os que
já estão na sala.
Os alunos das escolas lassalistas são formados pela união do zelo pelo bem da
Igreja e pelo bem do Estado, destinados a se tornarem verdadeiros cristãos e a
aprenderem a ler e escrever de acordo com a missão própria de cada fiel.
Pode-se notar que há a preocupação com o espaço físico da escola, considerando
sua influência diretamente na qualidade do ensino e conseq uentemente na aprendizagem
dos alunos. O Guia apresenta modelos de salas de aula, dos bancos da escola, das mesas
que se encontram nas classes, e para a organização de todo o espaço, em sintonia com os
objetivos da educação. Cabe aqui ressaltar que a obra considera importante que as salas
de aula sejam bem iluminadas e que tenham ar saudável, e, para isso, deve haver janelas
nas duas extremidades de cada sala, tornando-as mais arejadas.
Há também um modelo único a ser seguido, em todas as Escolas Cristãs, para a
elaboração das tabelas do alfabeto e das sílabas que devem ficar expostas nas salas de
aula.
No momento do desjejum e da merenda dos alunos das escolas lassalistas, há a
preocupação para com a alimentação dos mais pobres; então, deve ser feita uma coleta e
distribuição de alimento a eles, o que ocorre da seguinte forma: um dos alunos recolherá
com uma sexta o pão que sobra para algumas crianças, cabendo ao professor incentivar as
doações, mas observar e cuidar, ao mesmo tempo, para que os alunos não dêem todo o
alimento, ficando sem o suficiente para a sua alimentação.
O método de alfabetização que pode ser observado no Guia é o tradicional que
permanece até hoje em muitas escolas. Primeiramente são apresentadas às crianças as
letras do alfabeto, que por meio de soletração são decoradas, depois aprendem a ler as
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sílabas para posteriormente juntá-las e formar as palavras, tal método é denominado
atualmente por método sintético alfabético.
Não há a divisão de salas de aula para os alunos que estão em diferentes níveis de
aprendizagem, que o Guia denomina como diferentes níveis de lição, ou seja, podem
estar em uma mesma classe, crianças que estão aprendendo as sílabas e os que já lêem o
primeiro livro. Exceto os que lêem no alfabeto e nas sílabas, os outros alunos são
divididos, dentro da sala de aula, em três ordens: a primeira é a dos principiantes que são
os que não evoluíram o suficiente para serem promovidos para uma ordem mais
avançada, cometendo ainda cometem muitos erros de leitura; a segunda é dos médios,
que são os que cometem poucos erros de leitura; e a terceira é a dos perfeitos na lição que
são os que não cometem nenhum erro durante o exercício de leitura. Cada ordem terá seu
lugar determinado dentro da sala de aula, de modo que não se misturem.
A distribuição dos alunos em suas classes ocorre cuidando para que haja um
número certo de alunos em cada uma delas. Então não é primeiramente considerada a
diferença de lição na qual se encontram, mas deve-se tentar fazer o possível para não
colocar alunos da mesma lição em classes diferentes, mesmo não sendo uma obrigação.
Porém há a consideração da faixa etária dos alunos para que se aprenda certos conteúdos,
o que fica claro numa das passagens do Guia em que se demonstra a importância de que a
criança aprenda a escrever antes de atingir a idade de 10 anos. Será decidido pelo diretor
da escola ou pelo inspetor se o aluno está apto a avançar de lição.
Com relação à administração das aulas, é necessário que o professor permaneça
sentado em sua cadeira ou em pé próximo a ela, deixando o seu lugar apenas por uma
necessidade que há de ser muito rara Sua fisionomia e seu exterior são muito importantes,
como já dito anteriormente, devendo-se cuidar para que se mantenha muito sério, sem
confundir seriedade com a demonstração de um exterior severo ou austero. O mestre deve
policiar-se para que não haja uma relação de familiaridade com as crianças, não se
dirigindo a elas de maneira frouxa e não permitindo um diálogo que não seja de grande
respeito.
São enumeradas no Guia doze virtudes que um bom educador deve ter: a
gravidade, o silêncio, a humildade, a prudência, a sabedoria, a paciência, a moderação, a
mansidão, o zelo, a vigilância, a piedade e a generosidade.
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A postura correta dos alunos, enquanto fazem a lição, inclusive quando lêem os
cartazes do alfabeto e das sílabas, é também uma regra posta na obra, devendo esses
permanecer sentados em seus lugares, postando-se corretamente, de corpo ereto e com os
pés apoiados no soalho, enquanto fazem a leitura.
A leitura é realizada de forma coletiva, presidida por um dos alunos que lê em voz
alta, enquanto aqueles que estiverem na mesma lição acompanham em voz baixa. O
ensino do Latim começa a ser ministrado aos alunos que já sabem ler perfeitamente a
língua francesa, que tem prioridade, ao contrário do que ocorria anteriormente. Esse
método representou uma das revoluções educacionais promovida pelos lassalistas, já que
as escolas eclesiásticas antecessoras priorizavam o Latim, por ser a língua oficial da
liturgia e dos documentos da Igreja, negligenciando a língua Francesa, que era a utilizada
por toda a população.
A escrita é introduzida após a aprendizagem da leitura, quando as crianças
estiverem lendo perfeitamente, tanto em Francês quanto em Latim. Para ensinar
ortografia o mestre utilizará a seguinte maneira: pedirá para que copiem manuscritos,
tendo como modelos documentos utilizados na vida cotidiana, como promissórias,
recibos, registros de empregados, contratos em cartório, obrigações, procurações, pedidos
ou requerimentos, aluguéis, arrendamento, processos verbais, etc, considerando que estes
podem ser úteis, já que poderá haver a necessidade da utilização de tais conhecimentos na
vida de trabalho. Isso auxilia para que a cópia de determinados escritos não seja de forma
mecânica e com a finalidade apenas de aprender como se escreve tais palavras, mas
também para que possam perceber a utilidade que tal exercício irá ter em suas vidas
posteriormente.
É possível notar que o método mnemônico de aprendizagem é bastante utilizado
pela pedagogia lassalista, pois algumas das atividades dadas aos alunos são de escrita e
de reprodução oral de textos dados durante as aulas de catecismo e isso deve ser feito de
memória.
Para as aulas de catecismo há a divisão das crianças em seis classes, de acordo
com o nível de aprendizagem de cada grupo, diferentemente das aulas normais, nas quais
as crianças de diferentes níveis podem ser encontradas em uma mesma classe; os
diferentes níveis são, dos alunos que lêem o primeiro cartaz (alfabeto), dos que lêem o
21
segundo cartaz (sílabas), dos que lêem no primeiro livro, dos que lêem no segundo livro,
dos que lêem no terceiro livro e dos demais que se concentra m em lições superiores.
O maior objetivo do catecismo, que pode ser identificado a partir da leitura do
Guia, é fazer com que os alunos vivam e se comportem como um bom cristão, para o que
devem ser instruídos cuidadosamente pelo mestre.
Podem-se perceber algumas peculiaridades no ensino do catecismo. Se houver,
por exemplo, necessidade de algum castigo a algumas crianças durante a aula, esse
deverá ser deixado para o dia seguinte, pois coloca-se como importante que não se
perturbe a aula com repreensões ou correções, sendo essas classificadas como
inopoturnas.
Considera-se que a melhor forma de despertar a curiosidade do aluno,
favorecendo assim a sua aprendizagem, é transmitir o conteúdo religioso por meio de
perguntas e respostas, interrogando-os com perguntas e subperguntas e a partir daí fazêlos compreender o que é ensinado; além disso, mostra-se importante que, nas aulas, em
que o catecismo dura três vezes mais do que nos outros dias, sejam escolhidas histórias
que possam ser agradáveis aos alunos, evitando assim, que eles se aborreçam e que com
isso disperse suas atenções; nota-se então, mais uma vez, que há a preocupação para com
a necessidade e o interesse do aluno, procurando executar métodos que possam despertar
esse interesse.
Tudo o que é dito e ensinado durante o catecismo, não deve ser diferente do que o
mestre tenha lido em livro aprovado e que esteja bem seguro. As crianças são educadas
para que não cometam nenhum pecado, pois esse, por mais leve que seja é tido como uma
ofensa a Deus.
Uma das formas mais utilizadas como estímulo das crianças é a da recompensa
(forma que está em bastante evidência em diversas escolas atualmente), devendo ser
recompensados os mais bem comportados e mais atentos; algumas vezes, os mais
ignorantes também deverão ganhar recompensas, se tiverem se esforçado mais para
aprender bem.
Como já citado anteriormente há a necessidade da união entre a bondade e a
firmeza para educar as crianças, havendo nesta obra há um capítulo que fala somente das
correções em geral dos alunos. Devemos lembrar que os seres humanos, em especial as
22
crianças, são vistos como seres frágeis, e por isso os educadores não devem proceder com
demasiada autoridade e rigor, de modo que as correções se tornem duras e insuportáveis.
Deve-se, porém, cuidar para não considerar demais a fraqueza humana deixando o aluno
fazer o que bem entender, porque isso poderá prejudicar da mesma forma a sua educação,
pois ele facilmente se tornará mau, libertino e desregrado. Pensando nisso, cabe aqui
dizer novamente que o mestre deve agir de maneira equilibrada, que seja branda e firme
ao mesmo tempo.
O castigo físico é permitido, de acordo com o Guia, porém com determinadas
regras, sendo eles de dois tipos: com a palmatória e com o açoite (varas).
A palmatória, instrumento formado por dois pedaços de couro costurados juntos,
é utilizada para bater na palma da mão. A partir da leitura da obra é possível saber
exatamente como esse instrumento deve ser, tanto o tamanho como cada característica
dele, modelo a ser seguido em todas as escolas, e a ser utilizado nas faltas cometidas
pelos alunos que não sejam consideradas graves, como: por não haver seguido a lição ou
por haver brincado, por haver chegado atrasado, por não haver obedecido ao primeiro
sinal, etc. A quantidade de batidas também é controlada, não se aplicando mais de uma
batida na mão, mas se for necessário, não pode passar de duas.
O açoite é um cabo com oito a nove polegadas, e em sua extremidade deve haver
quatro a cinco cordas com três nós na ponta de cada uma, utilizado para corrigir o aluno
que tenha resistido a obedecer o mestre, que tenha o hábito de não acompanhar a lição e
de não estudar, que riscar no papel no lugar de escrever, que brigar na escola ou na rua,
que não tenha rezado na igreja, que não seja comportado durante a Santa Missa e no
Catecismo, que faltar nas aulas ou nos outros eventos da escola por própria culpa, etc.
Esses castigos já existiam anteriormente, porém foram mais regulados e regrados
pelos lassalistas, impossibilitando que as crianças apanhassem de maneira exagerada, sem
que houvesse tido alguma atitude digna de castigo, devendo esses castigos físicos ser
evitados ao máximo.
A partir da leitura do Guia das Escolas Cristãs, podem-se encontrar vários
aspectos que revolucionaram a pedagogia da época e que fizeram com que ela adquirisse
o caráter que tem hoje, considerando que as escolas, destinadas aos pobres, que
precederam as lassalistas, muitas vezes não tinham regras estabelecidas, sendo que as
23
crianças chegavam em horários aleatórios, eram ensinadas individualmente, enquanto as
outras se distraiam com outros afazeres, e geralmente não aprendiam a ler e a escrever,
aprendiam somente a manusear instrumentos de algumas profissões. Isso deixa claro a
importância dos lassalistas na educação.
Com os lassalistas, surgiu então um primeiro esboço de escolas técnoprofissionais e de primeiras escolas normais para leigos 1 , cabendo aqui ressaltar também,
que os professores dessas instituições, não eram necessariamente padres, porém irmãos
educadores, exercício esse que era reservado anteriormente apenas para o clero.
1
Importante observar aqui que o conceito de leigos refere-se a leigos cristãos e irmãos consagrados à
educação.
24
Capítulo 3: O guia das escolas de Marcelino Champagnat
Marcelino Champagnat foi o fundador, em 1817, da congregação dos irmãos
Maristas, que consiste em irmãos consagrados a Deus, que seguem Jesus do jeito de
Maria. Eles vivem em comunidade e se dedicam especialmente à educação das crianças e
dos jovens. Neste capítulo faz-se uma análise de sua obra educacional, compreendendo
assim, a sua importância na França revolucionária e sua presença na história da educação
brasileira (caso do Colégio Arquidiocesano de São Paulo, com 150 anos de história,
sendo dirigido pelos maristas desde 1908)
Champagnat nasceu no dia 20 de maio de 1789, em Marlhes, aldeia de montanha
no Centro-Leste da França, no fervor da Revolução Francesa.
Cabe ressaltar que o guia estudado neste capítulo não foi escrito diretamente por
ele, porém foi redigido de acordo com suas instruções como educador, contendo algumas
adaptações adequadas às situações atuais.
Foi publicado em 1932, na França. Conforme o escrito no prefácio, que consiste
em uma carta do reverendo irmão Francisco para apresentar a 1ª Edição do Guia das
escolas, foram seguidas fielmente as instruções deixadas, pelo fundador do ins tituto dos
irmãos maristas, que são referentes à educação da juventude.
A partir da leitura desse guia, foi possível compreender a concepção de criança,
tida pelos irmãos Maristas, sendo que, elas são tidas como o símbolo da inocência, que
muitas vezes é a representação da figura de um anjo, e por isso são agradáveis a Deus,
principalmente as que se encontram na primeira infância. Embora Champagnat amasse
ternamente todas as crianças, ele demonstrava uma preferência pelas menores, devido a
maior inocência; considerava a classe dos principiantes como a mais importante, pois
segundo ele, o êxito da educação dependia de como ela era ministrada nessa fase.
Da mesma forma de como são vistas atualmente, coloca-se sobre elas a esperança
da possibilidade, pela educação, de um futuro melhor.
Em uma educação cristã, idealizada pelo guia, deve haver a formação e o
desenvolvimento adequado de todas as faculdades do ser humano (intelectual, física,
religiosa e social), podendo assim educar o corpo e a alma, formando a c riança para o fim
25
natural que seria a vida no mundo concreto, que conhecemos, e para o fim sobrenatural
que visa à salvação da alma.
A educação intelectual consiste em transmitir conhecimentos multiformes e úteis
metodicamente sincronizados; a educação moral e religiosa, faz com que a criança se
torne, além de um cidadão, um cristão; e a educação social forma-a para desempenhar seu
papel na sociedade.
A criança é educada, também, para o trabalho, considerando que, há um
engrandecimento desse, sendo ele destinado aos sujeitos virtuosos que cumprirão com
suas tarefas na sociedade, e, consequentemente, é notável a repulsa pela preguiça.
De acordo com o guia, os seres humanos que passarem pela infância sem ter sido
educados adequadamente tornar-se-ão ignorantes, e terão o coração desprevenido para
receber o saber de todos os vícios, podendo assim perder a sua alma por toda eternidade.
A educação é vista como o maior benefício que se pode oferecer a uma criança,
pois é graças a ela que a criança pode desenvolver mais piedade e virtude, formando
assim, seu coração e seus hábitos, além de ter seu corpo fortificado e seu espírito
desenvolvido.
Pela educação a vida do indivíduo torna-se verdadeiramente cristã, pois uma
criança, que crescer sem esta, não obterá nenhuma mão hábil para a correção de suas
ações impulsivas, sendo assim, ela se tornaria um ser infeliz.
Muitos dos ideais de educação, presentes nessa obra, permanecem até hoje: o
método mnemônico é bastante citado, demonstra-se como prática pedagógica necessária,
o fato das crianças recitarem palavra por palavra dos textos estudados; porém, não é de
menos importância a compreensão desses textos; considera-se, então, a memória verbal,
como um instrumento precioso.
Há também a consideração da importância da relação entre a teoria e a prática,
dando relevância à possibilidade de reflexão do conteúdo aprendido em detrimento de
uma visão meramente superficial das coisas, pois há a compreensão, de que, o
conhecimento completo não é adquirido apenas pelo ensino teórico. Nota-se também que
a transmissão de conteúdo e a sua forma variam de acordo com a faixa etária dos alunos,
já considerando as diferenças de desenvolvimento, características de cada idade.
26
Buscando consolidar o bom desempenho dos alunos, coloca-se, como um meio, o
estímulo da competitividade na sala de aula, recompensando e elogiando os melhores
alunos.
Para que se valide uma explicação, é colocada, pelo guia, a importância de
demonstrações concretas, para ilustrar o que foi lecionado.
Cabe ao educador desenvolver e enriquecer a inteligência da criança, além de
formar seu coração e seu espírito, que deve ser voltado para o bem. Com a leitura mais
aprofundada da obra é possível compreender a expressão formação do coração, como
sendo o exercício de moldar as idéias das crianças, de modo que suas ações sejam
movidas pela razão, pela experiência e pela fé.
As crianças devem ser estimuladas, para que haja nelas o desenvolvimento de
determinados sentimentos, que devem estar pré-estabelecidos pelo catequista, que é o
responsável pela propagação do ensino religioso, que é colocado pela obra, como sendo a
ciência da salvação, que faz com que forme adultos virtuosos e caridosos, com bons
sentimentos no coração.
Para que os alunos sejam educados, para se tornarem pessoas com o espírito bom,
que sejam carinhosas e piedosas, é necessário que o mestre os influenciem com atitudes
bondosas, sendo piedoso, educado e caritativo, que tenha proximidade com seus alunos e
que os trate com afeição, sem deixar de impor a disciplina com seriedade, posto que não
se pode formar alunos bons, compenetrados e modestos com um mestre que seja frívolo,
áspero e vaidoso. Os mestres devem ser severos, porém, nenhum tipo de agressão física é
bem visto. A autoridade moral e a bondade são postas em destaque, embora os castigos
físicos fossem largamente empregados naquela época.
Os atos bons das crianças, além de, às vezes, serem exigidos, devem também ser
estimulados, elogiando-os e encorajando-os.
Para a escola cristã, a disciplina é algo muito importante, e no começo deve ser
imposta aos alunos, para os de pouca idade ela se torna forçosa, consolidada pelo medo
das punições, mas, mais tarde, conforme vai se desenvolvendo a razão, é adquirida a
consciência da sua formação, então a disciplina adq uire o caráter verdadeiramente
educativo.
27
Quando não educadas, as crianças podem ter uma má influência de sua
inteligência, pois esta pode agir sem controle, de acordo com os impulsos de suas
sensibilidades, gostos, sentimentos, inclinações e paixões.
Há uma atenção ao fato da criança ter uma grande capacidade de imaginação;
segundo o guia, esta pode ser trabalhada e educada, podendo assim, ser responsável pelo
progresso do desenvolvimento infantil e pela formação de criatividade da criança; porém,
se for mal disciplinada, pode ser perigosa, pois se ela não tiver o balanceamento do bom
senso, se torna quimérica, fazendo com que as pessoas busquem objetivos insensatos,
como a satisfação de sonhos de riqueza, de ambições e aspirações. O guia coloca em
pauta o fato da vida, criada por Deus, denunciar as fantasias romanescas da imaginação.
A vontade é colocada na obra, como sendo algo que pode ser criado e estimulado
na criança, embora o guia a classifique como sendo o poder de decisão e de ação livres, o
que parece um pouco contraditório. Há a associação da criação da vontade com a criação
de músculos, que se desenvolvem conforme são exercitados.
O mestre, portanto, deve saber influenciar a vontade das crianças, utilizando,
para isso, diferentes meios que poderão auxiliar, como o apelo à consciência e à razão, o
oferecimento de recompensas, punições, estímulos, etc.
Há uma grande preocupação com a saúde corporal também, sendo que essa não é
voltada para lisonjear os sentidos ou facilitar o aparecimento das más tendências da
natureza, mas sim voltada para fornecer o fortalecimento necessário do corpo, de modo
que ele se torne apto para o cumprimento dos deveres gerais; portanto, as aulas de
educação física não são menos importantes do que as das demais disciplinas.
Faz parte do conteúdo de educação física, além de exercícios corporais (jogos e
ginástica), o ensino de como manter a higiene do corpo, sendo que essa é colocada como
um dos laços de sociabilidade, e é de extrema importância, pois através dela a pureza
interior e a inocência se manifestam de maneira palpável.
Visto que, o guia das escolas maristas é de cunho religioso, dá-se uma grande
importância ao ensino do catecismo, que é colocado como um meio de iniciar a criança
na vida cristã, formando-a na piedade e levando-a a pensar, sentir e se conduzir de acordo
com ensinamentos de Jesus Cristo, assim ela terá um maior conhecimento das leis de
Deus, o que evitará que ela seja guiada pelos vícios que inundam a terra.
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Devemos lembrar que, como citado anteriormente, é do ensino adquirido na
infância que depende todo o bom êxito da educação, então, o sacerdote, ao ministrar o
ensino religioso às crianças, de acordo com a vontade de Deus, provavelmente colherá
somente bons frutos de seu trabalho, porém, não se deve negligenciar a possibilidade da
existência de um ambiente de dúvida, de incredulidade e de indiferença, para com os
princípios da religião cristã, esse ambiente pode estar presente, muitas vezes, nos locais
fora da escola, que não deixam de atingir os alunos, sendo que, isso pode acontecer
dentro das relações de família.
Segundo,
Padre Champagnat,
existem algumas características que são
aconselháveis adquirir para se tornar um bom catequista, dentre elas, estão: o perfeito
conhecimento da doutrina cristã, adquirido de forma continuada, sendo aperfeiçoado cada
vez mais pelo estudo, podendo assim, transmiti- lo com maior precisão e nitidez; a
capacidade de colocar-se no nível das crianças, as escutando com prazer, mantendo uma
proximidade e um carisma com elas; o coração repleto de amor a Deus para falar das
coisas santas, promovendo, nos alunos o desenvolvimento de piedosos sentimentos e de
desejos santos, portanto, é necessário que se esteja apto a instruir, agradar e comover.
É posto pelo guia que, em nenhum momento deve-se colocar o ensino religioso,
como menos importante do que o das outras matérias, então, o exercício de formação dos
irmãos para ministrar esse ensino é tratado cuidadosamente pelo santo Fundador,
considerando que, esse quis que fosse consagrada uma hora diária para o estudo da
religião, pelos docentes, pois esses não deveriam ser menos capazes de lecionar o
catecismo do que outros conteúdos.
É interessante ressaltar o fato de ser considerada a necessidade de uma constante
formação dos docentes, para que a aula seja válida e para que o conteúdo transmitido não
tenha uma concepção ultrapassada, com idéias que se apóiem em uma postura já
abandonada. Essa visão perdura até hoje e é de grande importância para a formação de
profissionais docentes capazes de lecionar de uma forma responsável e completa,
portanto há, não só na obra estudada, como também nos ideais atuais a consciência da
necessidade da formação continuada e do constante estudo e atualização de conteúdos,
por parte dos professores.
29
De acordo, com as idéias maristas, as conseqüências de uma aula que não tivesse
uma preparação suficiente, seriam muito tristes, pois se alguma objeção colocada fora da
sala de aula fosse mal argumentada em aula, poderia gerar dúvidas e até questionamentos
que prejudicariam a fé dos alunos, isso poderia ocorrer devido a alguma falha do
professor, sendo que, esse defenderia como argumento algum fato que não fosse
completamente autentico. Volto a ressaltar, então, que a qualidade de formação do
professor adquire grande importância.
Considera-se também, que os professores responsáveis por ensinar as crianças
mais novas, não devem negligenciar a importância de seu preparo, pelo contrário, como a
cultura dos alunos mais novos é, naturalmente, mais escassa, maior deverá ser o estudo e
a cautela dos docentes.
Não só no catecismo, como também nas outras matérias, é relevante que se
entendam os sentidos das palavras e conseqüentemente dos textos, no caso do ensino
religioso, não se deve esquecer de explicar o sentido das orações, além de contar os
textos que contenham a história sagrada e a vida de Jesus Cristo. Dessa forma, a criança
irá se inserir na vida cristã, praticando-a de maneira mais consciente e mais reflexiva.
Dentre os ensinamentos da história da igreja, serão colocados de lado os fatos
distantes que não exercem influência na atualidade, como exemplo, as heresias que já
desapareceram, ou alguns perigos que já ocorreram, há um certo cuidado em tratar temas
como, a objeção contra a religião católica e também há a consideração das diferentes
culturas encontradas em diversos países, então, o conteúdo será abordado de uma forma
metódica, afim de respeitar as concepções de diferentes povos.
É possível perceber que há a preocupação com o que a criança conseguiu
aprender do conteúdo e com o que ela ainda tem dificuldades, o que faz com que a aula
não seja meramente tecnicista com o intuito de transmitir o conhecimento sem considerar
se ele está sendo absorvido, um exemplo disso é o fato do mestre, ao início de cada aula,
cumprir o dever de recapitular o que foi dado na aula anterior, e de interrogar as crianças,
podendo assim, ter uma maior noção do que realmente foi aprendido.
Há também um cuidado para que as aulas não se tornem meramente expositivas,
para isso, ela deve ser dada por meio de perguntas e de respostas, tornando-se mais fácil
de ser memorizada, a explicação deve ser bem dividida, clara, sólida e deve despertar o
30
interesse do aluno.
São consideradas determinadas características da infância, como o maior interesse
pelo lúdico, pelo que desperta a imaginação, pensando nisso, o mestre deve proporcionar
jogos de questionamentos multiplicados. Deve-se atentar à expressão fisionômica, de
forma que cative a atenção, os sentidos da criança devem ser explorados, portanto,é
interessante não se limitar apenas na transmissão oral, mas utilizar recursos visuais
também, como a escrita na lousa, assim como as lições não devem permanecer só no oral
e sim dar lugar às tarefas escritas. É perceptível, então, a preocupação e m desenvolver
meios que interessem e despertem a curiosidade dos alunos.
Para que haja a salvação de suas almas, as crianças devem aprender a ser
submissas aos ensinamentos e mandamentos da igreja, por isso, deve haver um
acompanhamento mais específico na excussão das tarefas de catecismo, pois esses
abordam o assunto que é essencial conhecer, então, é exigido uma maior aplicação nessas
tarefas do que nas outras.
É frequentemente enfatizada, no guia, a igual importância que as aulas de
catecismo devem ter, no cotidiano escolar, das outras matérias dadas (gramática, ciências,
geografia e matemática).
No ensino religioso, será evitada a punição, ela dará lugar a recompensas que
serão dadas de acordo com o esforço dos alunos, então, há o encorajamento, pelo elogio,
das notas melhores, dos melhores desempenhos, etc. O ensino cristão deve se dar de
maneira a moldar as idéias, os gostos, a consciência, o coração e os hábitos das crianças,
fazendo com que se transformem em autênticas cristãs.
Como dito anteriormente, a educação é responsável por formar o espírito da
criança, com vista nisso, torna-se importante que sejam cultivados a sua consciência e o
seu coração, considera-se que a consciência moral, como classificada pelos maristas,
possui dois elementos, a razão, que consiste em discernir o bem do mal, e o sentimento, o
qual possui uma repulsa pelo mal.
De acordo com o guia, para que as crianças sejam completamente salvas das
tentações, do desperdício da juventude e da sedução que as possa desviar do caminho do
que, os irmãos maristas classificam como da virtude e do dever, é necessário que se
desenvolva nelas um grande temor de Deus e um horror ao que denominam pecado,
31
fatores esses que devem penetrar na alma dos alunos.
Aproveitando algumas características infantis, como a sensibilidade e a
imaginação, torna-se propício transmitir a idéia de que os pecadores irão sofrer castigos
espantosos no inferno, em contraposição, as pessoas boas e virtuosas terão felicidade sem
par no céu.
A devoção da Virgem Maria, também faz parte da formação dos alunos, o que não
poderia ser diferente, já que, o próprio nome da congregação define as suas
características, que já foram citadas anteriormente: os irmãos Maristas seguem Jesus
Cristo do jeito de Maria; atribuem-se a ela os símbolos de pureza virginal e bondade
maternal, ela afasta os pecados, enfraquece as paixões e defende a inocência natural das
crianças; além de promover a repulsa do vício, a unção da piedade e a devoção aos
deveres cristãos.
São colocados em pauta, alguns dos principais vícios ou defeitos corrigidos e
sanados, estes são: orgulho, egoísmo, preguiça, duplicidade, grosseria, indolência,
libertinagem, roubo e ingratidão.
A obra coloca alguns meios como necessários para que haja a propagação da
disciplina, não são negligenciadas as punições e a obtenção de obediência como meios
necessários e adequados, porém, mostra-se importante também, que os professores
conquistem a afeição dos alunos, pois assim, suas orientações serão aceitas do fundo do
coração.
As crianças são tidas como seres fracos, devido à escassez de cultura e a pouca
influência da razão, assim sendo, elas são mais propícias a seguir suas vontades levianas
e a serem dominadas por mil idéias contraditórias, pensando nisso, cabe ao mestre ser
paciente e indulgente.
Algumas faltas dos alunos podem ocorrer devido à ignorância, leviandade e
fraqueza, essas não são tão preocupantes, portanto, podem ser repreendidas com
indulgência e bondade, porém, alguns alunos cometem erros por pura malícia, esses
devem ser corrigidos com o devido cuidado, são exemplos de faltas ocorridas devido a
maus hábitos: palavras e ações indecentes, roubos, faltas contra Deus, mentiras,
desobediências propositadas, etc.
A partir do momento, em que, as crianças são disciplinadas e passam a ter
32
vontade de agir disciplinadamente, elas são formadas na virtude e conseguem cumprir
seus deveres de boa vontade; é importante, então, que a disciplina se de forma paternal,
obedecendo aos ideais propagados pela religião.
A religião, por divulgar que as regras provêm de Deus e, consequentemente,
demonstrar que se submeter a elas consiste em obedecer ao próprio Deus, faz com que se
mantenha a disciplina e, com que, esta se fortaleça.
Cabe aqui ressaltar novamente, que não deixa de ser um método me nos
importante, de conquistar a disciplina, o mestre ser capaz de amar os seus alunos, pois,
segundo o guia, a educação é, sobretudo, obra do coração. O professor, no momento
escolar, muitas vezes substitui o pai e a mãe da criança, porém, para que isso ocorra, é
necessário partilhar a sua ternura, se não houver essa proximidade, é provável que a
tarefa de educar se torne algo pesado, desagradável e quase impossível. Porém, devemos
lembrar que a vigilância, a autoridade, a punição, também são tidas como características
necessárias., mas essas devem ser acompanhadas de indulgência. Há, então, um equilíbrio
entre os métodos utilizados para manter a disciplina.
Considera-se o aluno, a partir do momento que está inserido no ambiente escolar,
responsabilidade dos irmãos; se esses não cumprirem com seu dever desagradarão à
vontade de Deus e não deverão esperar pela sua graça.
Nesse guia, pode-se encontrar, também, o regimento para as escolas maristas,
com o enunciado das tarefas e das regras, nas quais, as crianças devem submeter-se ao
chegar à aula, ao aprender as lições e ao executar os deveres. Nele, encontra-se, também,
certas exigências, dentre elas, como os alunos devem se comportar, de acordo com a
postura adequada e as boa maneiras. Porém, é levada em conta a dificuldade e até a
impossibilidade de criar um regimento que possa se adequar a todas as escolas de todos
os países.
Nota-se a devida relevância, de se ter um documento escrito para facilitar a
disciplina e organização escolar, há a preocupação para que a escola seja um ambiente
calmo, silencioso, metódico e extremamente regrado.
Mostra-se, na obra, necessário que se pense nas instalações da escola, em seus
recursos, nas características de seus diferentes ambientes e na sua localização, pode-se
perceber, então, que há uma preocupação com a devida acomodação e bem estar do
33
aluno, têm-se a concepção de que a educação não é influenciada apenas pelos professores
e pelo modo de ministrar as aulas e de transmitir o conteúdo, mas sim de que ela depende
também, da existência de um ambiente adequado e agradável tanto às crianças quanto aos
professores.
Segundo o guia, a escola deve encontrar-se em um terreno seco, com acesso
cômodo e em um local que tenha disponibilidade de água potável, deve-se considerar,
também, o clima do local, evitando temperaturas extremas. Há a preocupação com o
ambiente escolar, devendo, esse ser silencioso e tranqüilo, pensando nisso, a escola deve
instalar-se distante de outras construções e das ruas.
É notável, que Marcelino Champagnat se preocupava demasiadamente com o
ensino, sendo que, esse só pode ser perpetuado se for transmitido, considerando as
necessidades e características da infância, a leitura do guia, permite concluir que o aluno
é tratado como sendo o elemento de grande importância da educação, então, a obra é
repleta de formas e métodos adequados para que haja a formação de um indivíduo
instruído de acordo com conhecimentos científicos e religiosos, podendo assim se tornar,
o que é considerado, pelos integrantes do marismo, um cidadão completo e um
verdadeiro cristão, estando apto a cumprir suas funções no mundo material e no
espiritual.
Como já citado, várias vezes, neste capítulo, muitas das práticas pedagógicas
perduram até hoje, não só nas escolas católicas, como também e m diversas instituições
educacionais de todo o país, mesmo, essas práticas, tendo sido idealizadas e escritas há
muitos anos atrás.
34
Considerações Finais
O estudo das obras apresentadas nesse trabalho e do contexto histórico, no qual,
estavam inseridas permitiu o conhecimento e a percepção da tamanha influência que a
Religião Católica exerceu nos processos pedagógicos presentes na França, mais
especificamente durante o século XVIII, período, no qual, parte significante da educação
francesa foi fundamentada pelos Guias aqui analisados, de João Batista de La Salle e de
Marcelino Champagnat.
Deve-se ressaltar que, apesar do contexto sócio-político, propagado na França do
século XVIII, ter sido considerado o mais difícil da história da Religião Católica, pois,
vários institutos das escolas Cristãs foram vítimas de pressões e de perseguições, tendo
resistido a tudo. Terminadas as perseguições, esses continuaram a se expandir, não
limitando-se a estar apenas presente na França, mas se espalhando por vár ios países,
inclusive o Brasil, com uma presença muito grande, da educação básica ao ensino
superior, conforme pode-se ver no ANEXO I e II.
Atualmente existem institutos lassalistas e maristas em diversas regiões
brasileiras, como já dito, anteriormente, neste trabalho. Os colégios tradicionais,
Diocesano La Salle e Marista Arquidiocesano são exemplos de escolas brasileiras, que
tem suas bases educativas fundamentadas nos Guias Cristãos.
A partir da leitura minuciosa desses Guias foi possível reconhecer várias
características de práticas pedagógicas que revolucionaram a pedagogia da época e que
perduram até hoje, estando presente na educação brasileira, não exclusivamente em
instituições educativas religiosas, mas também em outras escolas, que não tenham
vínculo aparente com a religião.
Portanto, é importante e enriquecedor compreender a história e os fundamentos
dos institutos lassalistas e maristas, considerando as concepções e técnicas idealizadas
por eles, pois isso, auxiliará no estudo e no entendimento dos modelos pedagógicos
exercidos na atualidade e presentes na realidade educacional brasileira.
35
Referências Bibliográficas
A.DEGAND, Cn. Cens. Guia das Escolas Maristas. Paris, Tournai, Roma. 4ª Edição,
1932. (Redigido de acordo com as instruções de Marcelino Champagnat
FURET, J.B. Vida de São Marcelino José Bento Champagnat. São Paulo:
Loyola:SIMAR, 1999.
HAUCK, J. F. et allii. História da Igreja no Brasil: Segunda época- a Igreja no Brasil
no séc: XIX. 4ª Edição. Petrópoles: Vozes, 2008.
HOBSBAWM, E. J. Ecos da Marselhesa. São Paulo,Companhia das Letras, 2001.
________________. A Era das Revoluções: A Revolução Francesa. São Paulo: Paz e
Terra, 2008, p. 83-113.
HOONAERT, E. et allii. História da Igreja no Brasil: Período colonial. Petrópolis:
Vozes, 1991
LA SALLE, J. B. O Guia das Escolas Cristãs. Paris, 1706.
MANACORDA, M. A.. História da Educação: da Antigüidade aos nossos dias. São
Paulo: Cortez, 1996, p.240-253
PIERRARD, P. História da Igre ja. São Paulo: Paulinas, 1982.
THOMAS,C. História da Revolução Francesa. São Paulo: Melhoramentos,Tradução e
Prefácio de Antônio Ruas, s. d.
Sites:
http://contextopolitico.blogspot.com/2008/12/histria- moderna-as-doutrinas
filosficas.html, acessado em 21 de outubro de 2009
http://www.pastoralis.com.br/pastoralis/html/modules/smartsection/item.php?itemid=123
, acessado em 25 de outubro de 2009
http://www.pime.org.br/missaojovem/mjhistdaigrejaliberdade.htm, acessado em 25 de
outubro de 2009
http://www.lasallesaocarlos.com.br/, acessado em 25 de outubro de 2009
http://ww1.unilasalle.edu.br/museu/index2.html, acessado em 25 de outubro de 2009
36
http://www.vatican.va/news_services/liturgy/saints/ns_lit_doc_19990418_champagnat_p
o.html, acessado em 26 de outubro de 2009
http://www.unilasalle.edu.br/canoas/pagina.php?id=23, acessado em 18 de novembro de
2009.
http://www.lasalle.edu.br/portal/, acessado em 18 de novembro de 2009.
http://www.maristas.org.br/portal/pagina.asp?IDPag=10, acessado em 18 de novembro de
2009.
http://www.saopaulominhacidade.com.br/fotos/colegio_marista_arquidiocesano_1939_vi
la_mariana.jpg, acessado em 18 de novembro de 2009.
www.lasallesaocarlos.com.br/lasalle/ qsomos.html ,
acessado em 18 de novembro de 2009.
Filme:
SÃO JOÃO BATISTA DE LA SALLE Padroeiro dos professores. Produção de Luiz
César Amadori. Eurofilms S.A., 1980.1 DVD (85min.): NTSC, son., color. Dublado,
Port.
37
ANEXO I
Colégios maristas no Brasil2
Província Marista Brasil Centro Norte
Colégio Marista Alphaville – Nova Lima (MG)
Avenida Princesa Diana, 665
Nova Lima - MG – 34000-000
(31) 3589-8800
Colégio Marista Cearense – Fortaleza (CE)
Av. Duque de Caxias, 101
Fortaleza - CE – 60035-110
(85) 231-8088
Colégio Marista Champagnat – Taguatinga (DF)
QSD - Área Especial 01
Taguatinga - DF – 72020-000
(61) 2191-1522
Colégio Marista Champagnat – Uberlândia (MG)
Av. África, 1140
Uberlândia - MG – 38405-096
(34) 3213-4473
Colégio Marista de Aracati – Aracati (CE)
Praça Pe Champagnat, 1
Aracati - CE – 62800-000
(88) 3421-1482
Colégio Marista de Maceió – Maceió (AL)
Av. Dom Antônio Brandão, 564
Maceió - AL – 57051-190
(82) 4009-2760
2
http://www.maristas.org.br/portal/educacao/colegios/colegios_brasil.asp , acessado em 18 de novembro de
2009
38
Colégio Marista de Natal – Natal (RN)
Rua Apodi, 330
Natal - RN – 59020-130
(84) 4009-5000
Colégio Marista de Palmas – Palmas (TO)
Quadra 110 Sul alameda 23 Lotes 02 e 04
Palmas - TO – 77020-158
(63) 2111-1600
Colégio Marista de Patamares – Salvador (BA)
Rua Manoel Antônio Galvão, 655
Salvador - BA – 41741-550
(71) 3363-4037
Colégio Marista de Salvador – Salvador (BA)
Av. Araújo Pinho, 39
Salvador - BA – 40110-150
(71) 4009-7299
Colégio Marista do Araçagy – São José de Ribamar (MA)
Estrada do Araçagy, 48
São José de Ribamar - MA – 65110-000
(98) 3233-0306
Colégio Marista Nossa Senhora de Nazaré – Belém (PA)
Av. Nazaré, 902
Belém - PA – 66035-170
(91) 4008-7444
Colégio Marista Pio X – João Pessoa (PB)
Praça da Independência, 150
João Pessoa - PB – 58013-490
(83) 4009-2700
Colégio Marista São Luís – Recife (PE)
Av. Rui Barbosa, 1104
39
Recife - PE – 52050-000
(81) 4009-5355
Colégio Marista São Marcelino Champagnat – Paulista (PE)
Rua João Francisco Batista, 170
Paulista - PE – 53439-410
(81) 3434-1006
Colégio Marista São Vicente de Minas – São Vicente de Minas (MG)
Rua São Vicente Ferrer, 610
São Vicente de Minas - MG – 37370-000
(35) 3323-1533
Colégio Marista – São Vicente de Minas (MG)
Rua São Vicente Ferrer, 610
São Vicente de Minas - MG – 37370-000
(35) 323-1533
Colégio Marista Arquidiocesano – São Paulo (SP)
Rua Domingos de Moraes, 2565
São Paulo - SP – 04035-000
(11) 5081-8444
Colégio Marista Brasília Ensino Médio – Brasília (DF)
Av. L2 SGAS - Q 615-C
Brasília - DF – 70200-750
(61) 3445-6900
Colégio Marista Brasília Infantil e Fundame ntal – Brasília (DF)
Av. L2 SGAS - Q 609-A
Brasília - DF – 70200-690
(61) 3442-9400
Colégio Marista de Cascavel – Cascavel (PR)
Rua Paraná, 2680
Cascavel - PR – 85802-011
(45) 3036-6000
40
Colégio Marista de Colatina – Colatina (ES)
Av. Champagnat, 225
Colatina - ES – 29707-100
(27) 3722-1633
Colégio Marista de Criciúma – Criciúma (SC)
Rua Antônio de Lucca, 334
Criciúma - SC – 88811-460
(48) 3437-9122
Colégio Marista de Goiânia – Goiânia (GO)
Av 85, 1440
Goiânia - GO – 74160-010
(62) 4009-5875
Colégio Marista de Londrina – Londrina (PR)
Rua Maringá, 78
Londrina - PR – 86060-000
(43) 3374-3600
Colégio Marista de Maringá – Maringá (PR)
Rua Pe Marcelino Champagnat, 130
Maringá - PR – 87001-430
(44) 3220-4224
Colégio Marista de Patos de Minas – Patos de Minas (MG)
Rua Major Gote, 16
Patos de Minas - MG – 38702-054
(34) 3823-1644
Colégio Marista de Ribeirão Preto – Ribeirão Preto (SP)
Rua Bernardino de Campos, 550
Ribeirão Preto - SP – 14015-130
(16) 3977-1400
Colégio Marista de Varginha – Varginha (MG)
Praça Champagnat, 68
41
Varginha - MG – 37002-150
(35) 3212-4019
Colégio Marista Diocesano – Uberaba (MG)
Praça Dom Eduardo, 5
Uberaba - MG – 38060-280
(34) 3319-4100
Colégio Marista Dom Silvério – Belo Horizonte (MG)
Rua Lavras, 225
Belo Horizonte - MG – 30330-010
(31) 2125-0300
Colégio Marista Frei Rogério – Joaçaba (SC)
Rua Frei Rogério, 596 – Cx. p. 86
Joaçaba - SC – 89600-000
(49) 3522-1144
Colégio Marista Nossa Senhora da Glória – São Paulo (SP)
Rua Justo Azambuja, 267
São Paulo - SP – 01518-000
(11) 3207-5866
Colégio Marista Nossa Senhora da Penha – Vila Velha (ES)
Av. Champagnat, 925
Vila Velha - ES – 29100-012
(27) 4009-4200
Colégio Marista Paranaense – Curitiba (PR)
Rua Bispo Dom José, 2674
Curitiba - PR – 80440-080
(41) 3016-2552
Colégio Marista Pio XII – Ponta Grossa (PR)
Rua Rodrigues Alves, 701
Ponta Grossa - PR – 84015-440
(42) 3224-0374
42
Colégio Marista Santa Maria – Curitiba (PR)
Rua Joaquim de Matos Barreto, 98
Curitiba - PR – 82200-210
(41) 3074-2500
Colégio Marista Santos – Santos (SP)
Rua 7 de Setembro, 34
Santos - SP – 11013-350
(13) 2102-3311
Colégio Marista São Francisco – Chapecó (SC)
Rua Mal Floriano Peixoto, 550
Chapecó - SC – 89801-350
(49) 3322-3332
Colégio Marista São José – Montes Claros (MG)
Rua Padre Champagnat, 81
Montes Claros - MG – 39400-367
(38) 4009-6050
Colégio Marista São José – Rio de Janeiro (RJ)
Rua Conde de Bonfim, 1067
Rio de Janeiro - RJ – 20530-001
(21) 2176-8000
Colégio Marista São Luís – Jaraguá do Sul (SC)
Rua Mal Deodoro da Fonseca, 520
Jaraguá do Sul - SC – 89251-700
(47) 3371-0313
43
Fotos do Colégio Marista Arquidiocesano, localizado e m São Paulo 3
Vila Mariana, 1939
Vila Mariana, 1950
3
http://www.saopaulominhacidade.com.br/fotos.asp, acessado em 18 de novembro de 2009.
44
ANEXO II
Presença Lassalista no Brasil4
12 estados e no Distrito Federal
Mais de 35 mil alunos no Brasil
Há 100 anos
42 instituições de ensino
Mais de três mil educadores
BRASIL
Unidades da Rede La Salle
5
RS
La Salle Canoas
La Salle Carazinho
La Salle Carmo
La Salle Caxias
La Salle Dores
4
5
http://www.unilasalle.edu.br/canoas/pagina.php?id=23, acessado em 18 de novembro de 2009.
http://www.lasalle.edu.br/portal/, acessado em 18 de novembro de 2009.
45
La Salle Esmeralda
La Salle Esteio
La Salle Niterói
La Salle Hipólito Leite
La Salle Medianeira
La Salle Pão dos Pobres
La Salle Santo Antônio
La Salle São João
La Salle Sapucaia
SC
La Salle Peperi
La Salle Xanxerê
PR
La Salle Pato Branco
La Salle Toledo
DF
La Salle Brasília
La Salle Águas Claras
La Salle Núcleo Bandeirante
La Salle Sobradinho
MT
La Salle Lucas do Rio Verde
La Salle Rondonópolis
SP
La Salle Botucatu
La Salle São Carlos
La Salle São Paulo
RJ
La Salle Instituto ABEL
AM
La Salle Manaus
46
TO
La Salle Augustinópolis
RS
Unilasalle Canoas
Faculdade La Salle Estrela
RJ
Institutos Superiores La Salle
AM
Faculdade La Salle Manaus
MT
Faculdade La Salle Lucas
Foto do Colégio Diocesano La Salle, localizado em São Carlos
6
6
www.lasallesaocarlos.com.br/lasalle/qsomos.html, acessado em 18 de novembro de 2009.