a presença histórica e intimista na obra, do diário de sílvia, de erico

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a presença histórica e intimista na obra, do diário de sílvia, de erico
A PRESENÇA HISTÓRICA E INTIMISTA NA OBRA, DO DIÁRIO DE
SÍLVIA, DE ERICO VERISSIMO
EMILIANO, Juliane
Resumo: O presente artigo da obra, Do Diário de Sílvia, penúltima do terceiro tomo da
epopeia, O Tempo e o Vento do escritor Erico Verissimo, pretende abordar um estudo crítico
entre a relação de aproximação das disciplinas Literatura e História, uma vez que são
mencionadas passagens da História brasileira durante a narrativa da protagonista. Outro
aspecto a ser analisado é o gênero confessional diário, uma vez que Sílvia relata conflitos
íntimos, dentre eles o sentimento ao irmão de seu marido e sua desconfiança em relação à fé
em Deus.
Palavras-chave: Do Diário de Sílvia, História, Literatura, Confissão, Verissimo.
Introdução
Um dos aspectos marcantes do século XX foi o grande surgimento de textos
autobiográficos como diários íntimos, memórias, relatos pessoais e confissões. A escrita
confessional, centrada no sujeito, de modo que o sujeito é objeto do seu próprio discurso,
possibilita a “revelação” do mundo íntimo de quem escreve, além disso, permite que suas
vivências e fatos históricos sejam salvos do esquecimento. Conforme afirma Leonor Arfuch
A simples menção do “biográfico” remete, em primeira instância, a um
universo de gêneros discursivos consagrados que tentam apreender a
qualidade evanescente da vida opondo, à repetição cansativa dos dias, aos
desfalecimentos da memória, o registro minucioso do acontecer, o relato das
vicissitudes ou a nota fulgurante da vivência, capaz de iluminar o instante a
totalidade. (2010, p. 15)
Todavia a escrita em primeira pessoa não foi “criada” no século XX, ao contrário, há
estudos que comprovam que essa narrativa vem desde o século XII, um exemplo disso são as
cantigas de amor e de amigo da lírica portuguesa medieval, em que o poeta declama seu amor.
Contudo, segundo Maria Luiza Ritzel Remédios, foi a partir do século XVIII, com o
assentamento da sociedade burguesa, que a escrita íntima se fortalece enquanto gênero,
exatamente no momento em que o homem ocidental adquire uma clara convicção histórica de
sua existência.
Dentro do repertório da literatura intimista é possível afirmar que as grandes obras
clássicas, nas quais o sujeito é apresentado em tom revelador, são As Confissões de Rousseau
e Confissões de Santo Agostinho. No entanto o gênero confessional, por muito tempo foi
considerado inferior e apartado das “altas literaturas”, porém, atualmente, vem ganhando com
muita expressividade, as prateleiras das livrarias como obras intituladas de “ficção” e “não
ficção”, já que transmite a possibilidade de uma abertura “total” da vida íntima de quem
escreve, fazendo com que o leitor possa, às vezes, se identificar com o “eu” da escritura.
Outro fator, que impulsiona a compra dessa literatura, é a curiosidade das pessoas
sobre o interior, ou melhor, sobre o íntimo do outro, acentuando ainda mais esse crescimento,
fazendo com que o escritor dessa obra confessional se torne um artefato de consumo para o
leitor.
A obra Do Diário de Sílvia (1978), do escritor Erico Verissimo de reconhecida
importância, foi selecionada para a análise devido sua pouca ou quase nenhuma importância
com relação a outras obras do mesmo, visto que Verissimo foi um dos grandes escritores da
segunda fase do Modernismo brasileiro e herdeiro da revolução ideológica e estética, o
chamado “romance de 30”, empreendeu em seus escritos o reconhecimento do espaço social
brasileiro por via da documentação, da incorporação de tipos característicos, da aceitação dos
falares regionais e, não raro, da denúncia política.
No clássico O Tempo e o Vento, que contem três volumes - O Continente, O Retrato e
O Arquipélago – o autor aqui citado narra à trajetória das famílias Terra e Cambará,
realizando uma investigação da história rio-grandense, conotando os destinos de seus
personagens com os momentos decisivos da formação da província sulina.
A obra Do Diário de Sílvia, penúltima parte do último tomo, descreve uma jovem que
resolve anotar seus conflitos num diário, no qual registra a insatisfação com o casamento, o
amor impossível pelo cunhado e as dúvidas em relação a sua fé em Deus. Ao mergulhar no
universo feminino, Erico Verissimo disseca um mundo em conflito: a época da ditadura do
Estado Novo, da guerra civil espanhola e da segunda Guerra Mundial.
Tendo em vista que o autor supracitado demonstrou toda influência histórica no
Arquipélago, descrevendo uma série de reflexões sobre a sociedade contemporânea dominada
pela tirania ideológica, é notória a sua visão sobre política: “nunca pertenci a nenhum partido
político, mas jamais fui indiferente à política” (CHAVES, p. 185, 2001).
A posição expressa pelo escritor pode ser constatada na obra aqui pleiteada, que
parece resultar na reflexão da presença histórica na literatura. Essa influência pode ser
percebida pela semelhança entre alguns personagens da obra a políticos do Brasil e do mundo
em situações narradas, também verificadas na História da primeira metade do século XX.
1 A Respectiva Narrativa na Obra do Diário De Sílvia
A priori, segundo os escritos de Philippe Lejeune “antes de ser um texto, um diário é
uma prática, pois seu texto não é senão um subproduto, um resíduo. Manter um diário é antes
de mais nada uma maneira de viver” (1975, p. 359). Ainda sobre o gênero conforme afirma à
autora Sheila Dias Maciel, o diário pode ser definido como:
uma crônica cotidiana de uma experiência pessoal e quem o escreve (e se
inscreve) interessa-se por anotar pequenas coisas do dia-a-dia ao lado das
grandes dúvidas e indagações humanas.
Para se compor um diário só é necessário escrever periodicamente,
percebendo o imediato, seguindo a monotonia infringida pela repetição dos
dias. Três elementos são fundamentais nesta composição: o narrador que
escreve em primeira pessoa sobre si e sobre a realidade diária, não tendo
acesso ao futuro e mantendo uma periodicidade, ainda que variável. (2002,
p. 2)
Na literatura confessional, tendo como base as informações acima, o gênero diário tem
o objetivo de guardar as lembranças do “eu” que escreve para impedir o esquecimento e
possibilitar um resgate do passado. Além do mais o diário pode ser apresentado, ou melhor,
exposto de dois modos de narrar, sendo o modo empírico ou ficcional. A narrativa empírica
buscava representar o real, descrever um fato histórico, conforme afirma os escritores Robert
Scholes e Robert Kellogg:
Os historiadores gregos substituíram em suas narrativas a autoridade da
tradição por uma nova espécie de autoridade. O histor, como narrador, não é
um gravador ou narrador minucioso, mas um investigador. Examina o
passado, visando a separar a realidade do mito [...]. Para os antigos, o histor
merecia mais confiança do a testemunha ocular. Um documento com
pretensões a alcançar a verdade do fato tinha maior oportunidade de ser
aceito como factual quando não parecia demasiadamente pessoal. (1977, p.
170 e 171)
Tendo em vista o estudo, acredita-se que os diários, cujo criador descreve seu “eu”,
transmite maior verossimilhança dos fatos acontecidos na realidade. São textos que imprimem
uma confiança no leitor, como um documento histórico, já que o percurso da escrita e curto
em relação ao fato ocorrido.
Com base, ainda nos materiais dos estudiosos Scholes e Kellogg, há outro tipo de
autoridade de narrar:
Na narrativa mítica ou tradicional, os acontecimentos narrados ficam sempre
bem atrás, no passado, e a própria tradição traz consigo uma certa
autoridade. O poeta épico é um repositório de tradição, preenchendo
simultaneamente as funções de “animador” e historiador. A tradição lhe
outorga a sua autoridade. Limita também sua flexibilidade. A invocação
familiar à musa na epopeia homérica bem pode representar uma tentativa,
por parte do poeta épico grego, no sentido de mudar a autoridade da estreita
tradição para a inspiração que, por ser pessoal e criativa, é mais livre. (1977,
p. 170)
Conforme a definição acima, e a escolha da obra Do Diário de Sílvia, na qual
apresenta o gênero diário como uma narrativa ficcional, no entanto contendo em seu teor
traços da narrativa empírica propõem-se realizar uma análise com o intuito de trazer para o
palco dos estudos literários e historiográficos a relevância do texto aqui citado como uma
fonte de pesquisa para o contexto histórico daquele momento e sua valorização nos escritos de
Erico Verissimo.
2 O Fundo Histórico dentro do Escrito Literário
Em seu diário a personagem principal da história narra reflexões, pensamentos
íntimos, decepções, que revela o conflito interior vivido, por causa dos relacionamentos com
sua mãe, seu padrinho Rodrigo, o cunhado Floriano e esposo Jango. Não obstante cita os
acontecimentos da época como o governo de Getúlio Vargas, as invasões nazistas, e a Guerra
Civil Espanhola.
Sílvia foi criada por uma mãe “seca”, que sofrera decepções, e muitas vezes,
descontava na filha suas raivas, já que seu marido havia morrido e deixado apenas dívidas e
tristezas, e ela uma mulher de vinte e cinco anos sozinha para criar uma filha tendo, ainda que
morar em uma casa sem conforto
minha mãe tinha uma pele um pouco cor de terra. Ela mesma era uma terra
triste e seca, que produzia frutos escassos e amargos [...]. Minha mãe era
viúva e muito pobre. Ganhava a vida como modista. Meu pai morreu quando
eu tinha apenas três anos de idade e não deixou “nada a não ser dívidas”,
como mamãe não cansava de repetir. [...]. Tudo na minha casa parecia pobre,
triste e feio. Os bicos nus de luz elétrica pendiam no teto na ponta de fios
que no verão se cobriam de moscas. As paredes caiadas ficavam manchadas
de umidade no inverno. (2005, p. 44 a 46)
É por viver em dificuldades e conflitos em casa que ela preferia estar na casa do
padrinho quem admira e respeita. Drº. Rodrigo Cambará, homem rico e importante na cidade
de Santa Fé. Ele que pagara os estudos dela e ajudara com dinheiro a cuidar da mãe de Sílvia
até a morte. Tornou-se um político importante e aliado de Getúlio Vargas, com quem manteve
uma aliança política.
meu padrinho foi sempre o meu herói. O mais belo homem do mundo. O
mais valente. O mais justo. O mais inteligente. O mais generoso. Se era
possível um ser humano atingir a perfeição, padrinho a tinha atingidos. Era
assim que eu pensava e sentia quando menina e adolescente. Era cega, queria
ser cega a tudo quando tendesse a manchar essa imagem ideal. (2005, p. 79)
Rodrigo era o pai que a personagem deseja ter, apesar de ter se entristecido e sentida
abandonada por ele ter ido morar no Rio de Janeiro, foi um grande incentivador do
relacionamento de Jango com ela, visto que era amiga de sua falecida filha Alicinha e desde
criança brincava com seus filhos no Sobrado “Quero-te pedir com uma filha que perdi. Tu me
darias uma imensa alegria se casasse com o Jango, que tanto te ama. Pensa que está no teu
alcance tornar esse bom e leal campeiro um homem venturoso”. (VERISSIMO, 2005, p. 13).
No diário a personagem ainda anota acontecimentos sobre a Segunda Guerra Mundial
que teve Adolf Hitler como líder da Alemanha que promoveu um massacre a milhões de
judeus, presos políticos de diversos países nos campos de concentração, sendo Auschwitz o
mais conhecido, ela menciona fatos da guerra como o avanço das tropas de Hitler na Europa:
“Em abril os exércitos e Hitler tinham invadido e conquistado a Dinamarca e a Noruega. Em
maio, a Bélgica, a Holanda e Luxemburgo” (VERÍSSIMO, 2005, p. 21). O modo que as
tropas de Hitler estavam tentando tomar posse da França “As notícias continuavam péssimas.
Os nazistas estavam senhores de quase toda Europa ocidental. Dentro de poucos dias,
poderiam entrar em Paris” (VERISSIMO, 2005, p.22).
Sempre tomando nota dos fatos Sílvia descreve sobre seu amigo judeu Arão Stein, do
prazer que ele teve de participar da guerra da Espanha. Fato que ocorreu antes da 2ª Guerra
Mundial. Nela estiveram presentes todos os elementos militares e ideológicos que marcaram o
século XX. Havia pessoas que se posicionaram as forças do nacionalismo e do fascismo,
aliadas as classes e instituições tradicionais da Espanha (O Exército, a Igreja e o Latifúndio) e
outro grupo o da Frente Popular que formava o Governo Republicano, representando os
sindicatos, os partidos de esquerda e os partidários da democracia.
De um lado havia a Direita espanhola, que era uma Cruzada para livrar o país da
influência comunista e da franco-maçonaria e restabelecer os valores da Espanha tradicional,
autoritária e católica. Para tanto era preciso esmagar a República, que havia sido proclamada
em 1931, com a queda da monarquia.
Do outro lado, para os Esquerdistas era preciso dar um basta ao avanço do fascismo
que já havia conquistado Itália (em 1922), a Alemanha (em 1933) e a Áustria (em 1934).
Segundo as decisões da Internacional Comunista, de 1935, elas deveriam aproximar-se dos
partidos democráticos de classe média e formarem uma Frente Popular para enfrentar a maré
de vitorias nazi-fascistas:
Era o privilégio dos privilégios, honra das honras, a beleza das belezas estar
ali naquele lugar, naquela hora e com aquela gente. Tínhamos vindo da
várias partes do mundo para defender a Espanha republicana e com ela a
ideia universal dos direitos do homem. E quando La Pasionária, com sua
voz inesquecível, declarou que nós éramos a flor da terra, a consciência do
mundo [...] senti que tinha atingido o momento mais belo, mais glorioso da
minha vida. (2005, p. 25 e 26)
O que percebe-se e que Stein lutara fortemente e aguentara, sem pestanejar, todas as
torturas durante a Guerra Civil Espanhola, possibilitando por meio dos trechos acima entender
traços da História através do literário, visto que “a arte como procedimento” pode ser um
produto “de arte como fato social e como fator social” (JIRMUSNKI, 1978, p. 60):
Me meteram agulhas debaixo das unhas. Me queimaram o corpo todo com
ferros em brasa. Me fizeram outras barbaridades que não posso contar em
frente das senhoras. Me atiraram depois, completamente nu, numa cela fria e
jogaram água gelada em cima de mim. Mas não me arrancaram nenhuma
palavra. Mordi os beiços e não falei. (2005, p. 20)
O sofrimento de Stein é semelhante aos ocorridos com pessoas reais durante a guerra
da Espanha. Em relação ao contexto histórico no Brasil percebe-se a era da ditadura do Estado
Novo como o presidente Getúlio Vargas conduz o Brasil, exemplo a citação abaixo:
Tio Bicho leu em voz alta o discurso que Getúlio Vargas fizera recentemente
a bordo do couraçado Minas Gerais. O presidente afirmava que
marchávamos para um futuro diferente de tudo quanto conhecíamos em
matéria de organização econômica, social ou política, e sentíamos que os
velhos sistemas e fórmulas antiquadas entravam em declínio. (2005, p. 23)
Com a passagem acima sobre o discurso de Getúlio Vargas percebe-se a literatura
“como sistema social específico e processo comunicativo” (OLINTO, 1996, p. 21) Ainda há
menções sobre o presidente do Brasil, que por meio de uma carta de Rodrigo para seus
familiares em Santa Fé, menciona que Vargas mantem relações com a Alemanha e ao mesmo
tempo com os Estados Unidos
A princípio me pareceu que, com esse pronunciamento fascistóide, ele se
preparava para atrelar o Brasil ao carro do nazismo [...] Comecei a perceber
que o nosso homenzinho está apenas marombando, “bombeando” a situação
mundial. No momento precisa contentar alguns dos nossos generais, que
parecem fascinados pelos feitos militares do exército alemão. Mas não se
iludam! O Getúlio também confabula secretamente com os americanos.
(2005, p. 24)
Contudo o maior conflito, vivenciado é o relacionamento com seu marido, já que ela
foi de certa forma, rejeitada pelo seu cunhado, verdadeiro amor de sua vida, como mostra o
seguinte trecho:
Eu sabia que não íamos ter muito tempo para o nosso diálogo. E era tão bom
ter F. ali sentado ao meu lado! Sua presença tem para mim um poder ao
mesmo tempo excitante e sedativo. Seu sensualismo deve estar escondido a
sete chaves, pois o que lhe parece nos olhos é uma ternura muito humana e
tímida, como que envergonhada de si mesma. (2005, p.28)
Como nota-se, Sílvia Cambará é apaixonada por Floriano Cambará, filho mais velho
de Rodrigo Cambará e Flora Quadros. Com a indecisão de Floriano, de modo que não
declarava o carinho sobre a cunhada, a personagem aceita a proposta de casamento do irmão
de Floriano, Jango.
Oito da manhã. Acabo de dar café ao meu marido, como uma esposa que se
esforça por ser exemplar. A comédia continua. Represento como posso. Mas
não posso muito. Não tenho talento de atriz. Não consigo decorar meu papel.
Falo e me movimento no palco se convicção. Não presto atenção nas deixas
de Jango. Isto é: não digo nem faço no momento exato as coisas que em
geral uma boa esposa diz e faz. (2005, p.10)
Ao ler este trecho percebe-se que a personagem sofre por não ser feliz com seu
parceiro, casou-se, porém não o amava, “quando estou na cama com meu marido e ele me
abraça e acaricia com gestos que dizem claro de sua intenção, sinto algo difícil de descrever:
pânico misturado com repugnância” (VERISSIMO, 2005, p. 15). Sílvia mostra que Jango
vive um “amor” a terra do Angico, onde vivem, acima do carinho que imprime por ela, como
mostra a citação a seguir:
Suponhamos que essa terra, esta cidade, esta querência seja uma
mulher...Pois bem. O Jango casou-se legitimamente com ela, ama a esposa
com um amor arraigado, calmo e seguro de si mesmo. Não tem olhos para as
outras mulheres, por mais bela que sejam. Seus erros como marido são mais
de omissão que de comissão. (2005, p. 30)
Não obstante a esses conflitos, a personagem ainda se sente mais frustrada e triste
quando perde seu bebê “nossa vida não ia lá muito bem. Piorou consideravelmente em 1940,
quando perdia criança no terceiro mês de gravidez. Acho que Jango nunca ficou
completamente convencido de que eu não tive nenhuma culpa desse insucesso.”
(VERISSIMO, 2005, p. 86).
E é a partir desse conflito amoroso dentro de si, de modo que não consegue esquecer
o cunhado e nem amar e satisfazer seu marido “não creio que eu satisfaça Jango de maneira
completa, pois nesses minutos de contato carnal permaneço numa espécie de estado
cataléptico” (VERISSIMO, 2005, p. 16), que Sílvia tenta buscar em Deus uma saída, então
procura Irmão Toríbio, filho do major Toríbio Cambará, padre e amigo da família que
incentiva a personagem realizar uma reflexão e descobrir que todas as pessoas podem
decepcionar menos Deus “Não compreendes ainda que o único pai que jamais te abandonará e
jamais de decepcionará é Deus?” (VERISSIMO, 2005, p. 54).
Considerações Finais
Partindo da análise do diário que contém cinquenta e duas datas, as quais relatam os
anos de 1941 a 1945, Erico Verissimo utiliza o recurso do uso do diário como solução
narrativa e da “lembrança”, para descrever uma história ficcional com teor real demonstrando
a aproximação do literário com a história, que pode ser entendido, Segundo Compagnom,
como uma abordagem histórica, ou seja, o texto como documento.
Seguindo esse pensamento para “comprovar” a relação das duas disciplinas mencionase o crítico Durval Muniz de Albuquerque Júnior, o qual declara haver uma correlação entre
as duas disciplinas, não sendo necessário separar uma da outra, ao contrário, é preciso pensar
uma com a outra, que a justaposição das disciplinas é viável nos textos literários e necessária
para que haja um maior entendimento do conteúdo.
Também é sabido, conforme afirma Aijaz Ahamad, uma descrição de um fato jamais é
ideológico ou cognitivamente neutro há uma contenção do vivido com o narrado, de modo
que fatos da vida do autor pôde ter influenciado em seus textos, visto que ele viveu no mesmo
período histórico dos fatos citados na obra aqui estudada. E como o diário é um meio de
preservar a experiência pessoal de um “eu” possibilitando evitar a perda do passado faz desse
gênero um instrumento que permite resgatar, a qualquer momento, um fato vivido pelo
narrador.
E ainda é entendido que “a imagem, ou história do imaginário, permite tratar os
documentos literários e artísticos como plenamente históricos, sob condição de ser respeitada
sua especificidade”. (LE GOFF, 2003, p. 00).
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