Apontamentos de Oftalmologia Veterinária

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Apontamentos de Oftalmologia Veterinária
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Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar
- Semiologia Médica I -
Apontamentos de Oftalmologia Veterinária
Dr. Pedro Malho
Estes apontamentos são um resumo de pontos revelantes em oftalmologia veterinária e
devem servir de ponto de partida para o estudo da disciplina. Para um conhecimento
mais exaustivo, literatura específica deve ser consultada.
Literatura de apoio recomendada
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Slatter´s Fundamentals of Veterinary Ophthalmology. David Maggs et al, fourth edition,
Saunders Elsevier 2008 (nova edição esperada para 2013).
BSAVA Manual of Small Animal Ophthalmology. Simon Petersen-Jones et al, second
edition, 2002 (nova edição esperada para 2013).
Equine Ophthalmology. Brian Gilger, second edition, Saunders Elsevier, 2011.
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Introdução
O olho é o orgão responsável pela visão e é único pois permite a visualização direta de
vasos sanguíneos e tecido nervoso. O conhecimento de oftalmologia permite, por vezes o
diagnóstico clinicopatológico e inclusive revelar uma patologia sistémica subjacente.
Terminologia específica
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Anisocoria: assimetria no tamanho das pupilas (mesmo tamanho = isocoria)
Coloboma: ausência de tecido ocular devido a defeito embriológico
Blefarospasmo: fecho da fenda palpebral associado com discomforto ocular
Buftalmia: aumento patológico do tamanho do globo ocular
Cataratas: opacificação do cristalino e/ou da cápsula
Corioretinite: processo inflamatório da coróide e retina
Distiquíase: erupção de um cílio pelo orifício da glândula de Meibómio
Distriquíase: erupção de cílios pelo orifício da glândula de Meibómio
Ectropion: eversão da margem palpebral
Endoftalmite: processo inflamatório confinado ao interior do olho
Enoftalmia: globo ocular recuado na órbita
Entropion: inversão da margem palpebral
Epífora: extravasamento de lágrimas
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o Estrabismo: desvio da direção do globo ocular
o Exoftalmia: avanço do globo ocular relativemente à órbita
o Flare do humor aquoso: presença de proteínas na câmara anterior (quebra da
barreira hematoaquosa)
o Fotofobia: sensibilidade à luz
o Glaucoma: aumento patológico da pressão intraocular
o Heterocromia iridis: coloração diferente da íris
o Hifema: presença de sangue na câmara anterior
o Hipopion: presença de células inflamatórias na câmara anterior
o Íris bombé: seclusão posterior da íris e subsequente abaulamento periférico da íris
o Lacrimejamento: aumento da produção de lágrimas
o Leucocoria: aparência branca da pupila (geralmente devido à presença de
catarata)
o Microftalmia: olho de dimensões inferior ao normal (congénito)
o Midríase: dilatação pupilar
o Miose: constrição pupilar
o Rubeosis iridis: processo inflamatório da íris com formação de neovascularização
o Papiloedema: edema do disco óptico
o Panoftalmite: processo inflamatório da totalidade do olho (inclusive das túnicas
oculares)
o Panuveíte: processo inflamatório dos segmentos anterior e posterior do olho
o Phthisis bulbi: processo degenerativo/atrofia do globo ocular
o Precipitados queráticos: depósito de células no endotélio corneano
o Proptose: prolapso do globo ocular para além da órbita
o Ptose: perda de tonicidade da pálpebra superior
o Quemose: edema da conjuntiva
o Queratite: processo inflamatório da córnea
o Sinéquia anterior: aderência da ìris à córnea
o Sinéquia posterior: aderência da ìris ao cristalino
o Triquíase: pêlos palpebrais emergem do local correcto mas contactam com a
córnea
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Material oftalmológico
Lâmpada de fenda
Tonómetro de recuo
Oftalmoscópio directo
Oftalmoscópio indirecto/lentes biconvexas
Tonómetro de aplanação
Teste de Schirmer
Anestocil® (oxibuprocaína) Atropocil® (atropina) Tropicil top® (tropicamida) Tira de fluoresceína
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Consulta de oftalmologia
 Anamnese geral e história clínica
 Idade, espécie, género e raça do animal
 Contacto com outros animais e historial de viagem
 Apetite (incluindo tipo de dieta), consumo de água, sinais gastrointestinais,
sinais respiratórios, manutenção do peso corporal
 Patologias anteriores
 Intervenções cirúrgicas e episódios anestéticos anteriores
 Medicações
 Anamnese oftalmológica
 Apresentação inicial
o Alteração da cor ou transparência do olho
o Alteração do tamanho ocular
o Blefarospasmo ou fotofobia
o Deficits visuais or cegueira (dependente da luminosidade)
o Tipo de corrimento ocular
 Progressão
o Aguda
o Gradual
 Uni ou bilateral
 Exame à distância
 Avaliação da visão
o Comportamento visual (com iluminação e às escuras)
o Avaliação de patologia bilateral ou unilateral
o Avaliação da região periocular incluindo pele (alopécia, eczema)
o Avaliação da simetria e conformação do globo ocular, pálpebras (incluindo
terceira pálpebra) e órbita
o Avaliação da posição (ex. estrabismo), tamanho e movimento (ex.
nistagmo) do globo ocular
o Avaliação da natureza do corrimento ocular
 Exame oftalmológico
Contenção do animal
A contenção deve permitir o exame oftalmológico e garantir o comforto do animal e
segurança do examinador e auxiliar.
O animal deve estar sentado ou deitado sobre o esterno e mantido ao nível dos olhos do
examinador. O/a auxiliar deve conter o animal por detrás usando o baixo ventre para
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suster a região lombar do animal. Uma mão suporta a zona ocipital e a outra é colocada
na área ventral do focinho. O uso de açaime é recomendado em animais mais nervosos.
o Deve evitar tensão na zona periocular e pressão sobre o pescoço do animal
o A contenção de animais braquicefálicas deve ter em conta a facilidade de
induzir proptose do globo ocular
Bloqueio auriculopalpebral em cavalos
Esta técnica permite a imobilização da pálpebra superior para facilitar o exame
oftalmológico:
o Injeção de 4 a 6 ml de lidocaína 2% na região caudal do arco zigomático
onde o nervo auriculopalpebral pode ser palpado. A agulha (22 gauge) é
colocada no tecido subcutâneo (aspirar antes de injectar). Não proporciona
anestesia!

Avaliação da visão
o Teste de ameaça (fecho palpebral, retração do globo, desvio da cabeça)
o Teste de posicionamento visual
o Teste de cliff (precipício visual)
o Teste da bola de algodão
o Teste de obstáculos (com e sem luz)

Exame do pavilhão auricular e mucosas nasais e bucais

Exame dos nódulos linfáticos regionais
 Exame sequencial e metódico dos dois olhos
o Teste de produção lacrimal (Teste de Schirmer)
Teste de Schirmer I
Cão (normal ≥ 15mm/minuto)
 11-14 mm/minuto (suspeita de queratoconjuntivite seca)
 6-10 mm/minuto (queratoconjuntivite seca)
Gato
 Os valores de produção lacrimal são variáveis
o Oftalmoscopia direta à distância
 Avaliação do tamanho e simetria pupilar e presença de leucoria
 Conceito de retroiluminação
o Reflexo de dazzle
o Reflexo pupilar directo e consensual (à luz)
 Pacientes nervosos podem ter um reflexo pupilar incompleto (gatos)
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o Colheita de amostras (após aplicação de anestético tópico)
 Citologia
 Cultura e antibiograma
o Zaragatoa
o Cytobrush
o Esfregaços de impressão (pele)
 Biologia molecular (PCR)
o Reflexo palpebral
o Reflexo corneano
 Numa sala escurecida
Exame do olho com uma fonte de luz e magnificação.
Exame do exterior para o interior e em toda a circunferência do olho.

Avaliação da córnea, câmara anterior, íris e cristalino
o Espessura, alteração de cor, defeitos
Flare do humor aquoso
 Com iluminação
o Tonometria (medição indireta da pressão intraocular)
 Pressão intraocular normal
 Cão e gato (10-25mmHg)
 Cavalo (17-28mmHg)
 Diferença > 5mmHg entre olhos
 Dilatação farmacológica da pupila (midriático de diagnóstico - tropicamida)
 Coelho (tropicamida degradada por enzimas na película lacrimal)
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 Sala escurecida (após 20 minutos)
 Fundoscopia
 Oftalmoscopia direta
 Fácil aprendizagem
 Visualização de menor àrea
 Oftalmoscopia indireta
 Curva de aprendizagem díficil
 Visualização de maior àrea
 Imagem invertida
 Monocular/Binocular
Oftalmoscopia direta
Oftalmoscopia indireta
 Com iluminação
 Teste de fluoresceína
 Corante vital hidrofilíco
 Adere ao estroma corneano quando exposto mas não ao
epitélio e endotélio
 Eliminar o corante excedente com soro fisiológico
 Retenção em úlceras corneanas
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Investigação oftalmológica
 Avaliação do sistema de drenagem lacrimal
 Electroretinograma (ERG)
 Ecografia ocular
 Ressonância magnética/ Tomografia axial computarizada
Oftalmologia comparativa
 Diferenças mais relevantes entre o gato, cão e cavalo
o Forma da pupila
 Gato – em fenda vertical
 Cão – circular
 Cavalo – oval horizontal (presença de corpora nigra)
Corpora nigra
o Fundo do olho
 Gato – disco do nervo ótico na zona tapetal, circular, pequeno e
escuro. Três vénulas retinais que não atravessam o disco e 3 a 5
arteríolas.
 Cão – fundo de coloração variável, disco ótico triangular ou oval e
geralmente mielinazado. Possui 3 a 4 vénulas e 15 arteríolas.
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
Cavalo – disco ótico oval e cor de salmão na zona não tapetal.
Multíplas arteríolas curtas.
Emergências oftalmológicas
o Fazer o exame clínico completo (doenças oftálmicas podem estar associadas a
patologias sistémicas graves)
o Fazer o exame oftalmológico mais completo possível
o Bons conhecimentos de anatomia ocular e crânio
o Evitar fazer pressão sobre o globo e àrea periorbitária
o O trauma periocular pode causar alterações intraoculares, mesmo na ausência de
penetração ocular, difíceis de avaliar no momento do exame
o Não aplicar medicação tópica nos casos de perfuração ocular com extravasamento
de humor aquoso
o Medir a pressão intraocular sempre que possível (em casos em que não houve
ruptura do globo)
o Há urgências oftalmológicas cuja abordagem inicial deve começar em casa com o
dono; exemplos:
 proptose – essencial manter o olho húmido com soro fisiológico ou àgua
(mineral ou da torneira)
 queimaduras ou contacto com produtos causticos ou irritantes – lavar
abundantemente o olho com soro fisiológico ou àgua
o Recolocar um prolapso ocular
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Erros a evitar em oftalmologia
1.
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Não fazer anamnese geral e exame físico completo
Não fazer exame oftalmológico de forma sistemática
Aplicar corticosteroides sem confirmar integridade da córnea (presença de úlcera)
Aplicar midriáticos sem mensuração da pressão intraocular
Iniciar tratamento de glaucoma sem avaliação de causas e/ou mensuração da
pressão intraocular
6. Não fazer testes básicos (como o teste de fluoresceína e de Schirmer)
7. Uso de antibioterapia de largo espectro e uso inadequado de corticoesteróides
8. Fazer frequências de medicação desajustadas
9. Protelar a cirurgia de catarata até que estas estejam completas/maduras
10. Não recomendar o uso de colar isabelino
11. Aguardar que um animal cresça para corrigir o entrópion
12. Referir tarde demais. Não reconhecer as própias limitações tanto de conhecimento
e/ou material
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