`NÃO MATAR!`

Transcrição

`NÃO MATAR!`
José Francisco de Assis DIAS
‘NÃO MATAR!’
O Princípio Ético Não Matar como
Imperativo Categórico
no Pensamento de Norberto Bobbio
(1909-2004)
Humanitas Vivens Ltda
Sarandi (PR) - 2008
Não Matar!
2
DIAS José Francisco de Assis
‘NÃO MATAR!’
O Princípio Ético Não Matar como Imperativo Categórico
no Pensamento de Norberto Bobbio (1909-2004)
Humanitas Vivens Ltda
Sarandi (PR) 2008
3
Copyright 2008 by Humanitas Vivens Ltda
EDITOR:
Prof. Dr. Chico DIAS (José Francisco de Assis DIAS)
CONSELHO EDITORIAL:
Prof. Ms. José Aparecido PEREIRA
Prof. Ms. Leomar Antônio MONTAGNA
Prof. MS. Luiz Antônio BELINI
REVISÃO ORTOGRÁFICA E ESTILO:
Prof. Ronaldo DE OLIVEIRA
CAPA, DIAGRAMAÇÃO E DESIGN:
Agnaldo Jorge MARTINS
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
Dias,José Francisco de Assis
D541n
Não matar: o princípio ético não
matar como imperativo categórico no
pensamento de Norberto
Bobbio(1909-2004) / José Francisco de
Assis Dias.-Sarandi : Humanitas Vivens, 2008.
412 p.
ISBN 978-85-61837-02-0
1.Ética. 2. Filosofia moral. 3.
Conduta humana. 4.Moral prática.
CDD 21.ed. 170
Bibliotecária: Ivani Baptista CRB-9/331
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4
Ao Giovanni,
na sua condição de ‘humanitas vivens’,
dotado de ímpar dignidade humana;
na sua condição de ‘imago Dei’ redimida,
elevado à dignidade de ‘filho de Deus’.
5
Sumário
Abreviações .........................................................................
15
Introdução Geral ................................................................
19
CAPÍTULO I:
PERFIL FILOSÓFICO DE
NORBERTO BOBBIO.......................................................
27
1. Elementos Biográficos .....................................................
1.1. A “Pré-história” de Bobbio ........................................
1.2. Bobbio e a Resistência Anti-fascista ..........................
1.3. Bobbio Descobre a Democracia .................................
1.4. Bobbio Dialoga com os Comunistas ..........................
1.5. Bobbio Professor ........................................................
1.5.1. Bobbio Ensina Filosofia do Direito ................
1.5.2. Bobbio Ensina Filosofia Política ....................
1.6. Engajamento Político e Laicismo Bobbiano ..............
1.6.1. A Atividade Política: Dever Cívico ................
1.6.2. O Laicismo Bobbiano ......................................
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30
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53
54
2. O “Metódico” Pessimismo Bobbiano ............................
2.1. A Concepção Bobbiana Sobre a Vida e a Morte ........
2.1.1. A Vida Humana Tomada a Sério ....................
2.1.2. A Morte Como Evento Indizível ......................
2.1.3. A Morte como o “Fim” do Homem ................
2.1.4. O Além-túmulo Como Mundo do Não-ser ......
56
57
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61
63
6
2.2. Bobbio um Iluminista Pessimista ..............................
2.2.1. Nem Romântico, Nem Decadente ...................
2.2.2. O Pessimismo Bobbiano:
Estado de Ânimo .......................................................
2.2.3. Bobbio Filósofo e Seus Valores Morais ..........
65
65
3. A Trilogia Temática Bobbiana ........................................
3.1. Os Ideais de Bobbio ...................................................
3.2. Os Ideais da Democracia e da Paz ............................
3.2.1. A Democracia .................................................
3.2.2. A Paz ...............................................................
3.3. O Ideal dos Direitos do Homem ................................
72
72
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76
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68
69
4. Fontes do Pensamento de Norberto Bobbio ................. 90
4.1. Autores Clássicos ....................................................... 91
4.2. Autores Modernos e Contemporâneos ....................... 96
4.2.1. Benedetto Croce (1866-1952) ……………… 97
4.2.2. Carlo Cattaneo (1801-1869) ………………… 100
4.2.3. Hans Kelsen (1881-1973) …………………… 104
4.2.4. Vilfredo Pareto (1848-1923) e
Max Weber (1864-1920) .......................................... 108
CAPÍTULO II:
A VIDA HUMANA: VALOR PRIMORDIAL .................. 113
1. O Sujeito dos Direitos à Vida e a Viver ..........................
1.1. Uma Nova Imagem de Homem .................................
1.1.1. Humanidade e Racionalidade:
Ideais-limites ............................................................
1.1.2. O Mundo Humano e
o Valor da Vida Humana ...........................................
1.1.3. A Pessoa Humana e
a Sociedade Tecnocrática ..........................................
7
115
116
117
118
120
1.2. O Direito Fundamental por Excelência ...................... 122
1.2.1. Indemonstrabilidade dos Valores Últimos ...... 122
1.2.2. O Direito Natural e
o Direito Primordial à Vida ...................................... 124
1.2.3. Conservar a Vida:
Fim Primário do Estado Civil .................................... 127
1.3. O Indivíduo Humano e
a Sociedade Civil .............................................................. 131
1.3.1. A Concepção Orgânica da
Sociedade Civil ......................................................... 131
1.3.2. A Grande Virada:
Ponto de Vista do Indivíduo ...................................... 135
1.3.3. O Indivíduo como
Pessoa Moral e Racional .......................................... 138
1.3.4. O “Direito” à Vida e o
“Dever” de Não Matar! ............................................. 140
2. O Direito à Vida: Sinal de Progresso Moral ..................
2.1. O “Mito” do Progresso ..............................................
2.2. O Progresso Técnico e o Direito à Vida ....................
2.3. Evolução Histórica do Direito à Vida ........................
2.3.1. O Direito à Vida é um Direito Histórico? .......
2.3.2. A Afirmação Histórica do Direito à Vida .......
2.3.3. A Terceira Geração dos Direitos .....................
2.3.4. A Quarta Geração dos Direitos .......................
2.4. As “Ambiguidades” da Linguagem dos Direitos .......
2.4.1. Direito Reivindicado,
Reconhecido e Protegido ..........................................
2.4.2. A Utopia da Sociedade
Livre, Justa e Feliz ...................................................
8
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3. O Imperativo Ético Não Matar! ..................................... 162
3.1. O Fundamento do Imperativo Não Matar! ................ 163
3.1.1. Norma Primária e Norma Secundária ............. 164
3.1.2. A Possibilidade de
Imperativos Categóricos ........................................... 165
3.1.3. Imperativos Categórico e Hipotético .............. 168
3.1.4. Multiplicidade dos
Imperativos Categóricos ........................................... 170
3.2. As Derrogas ao Imperativo Não matar! ..................... 171
3.2.1. A Razão de Estado .......................................... 172
3.2.2. O Princípio Vim vi repellere licet ................... 175
3.2.3. Precisando o Âmbito da Legítima Defesa ....... 177
4. Substancial Unidade do Gênero Humano ...................... 180
4.1. “Declarações” da Substancial Unidade Humana ....... 181
4.1.1. Declarações de Liberdade e Igualdade ........... 181
4.1.2. Os Seres Humanos “Devem” ser
Livres e Iguais ........................................................... 184
4.2. O Fundamento da
Substancial Unidade Humana .................................. 187
4.2.1. Etimologia do Termo Natureza ....................... 187
4.2.2. Abordagens que Negam a Natura Hominis ..... 189
4.2.3. O Conceito Bobbiano de Natureza Ideal ........ 193
4.2.4. A “Desigualdade” Humana ............................ 196
5. O Fundamento dos Direitos à Vida e a Viver ................. 198
5.1. O “Sentido” do Problema do Fundamento ................. 199
5.1.1. Um Problema Mal-posto ................................. 199
5.1.2. A “Ilusão” do Fundamento Absoluto .............. 202
5.2. ‘Impossibilidade’ de um Fundamento Absoluto ........ 204
5.2.1. Uma Classe Vaga e Não-definível ................... 204
5.2.2. Uma Classe Variável ....................................... 206
5.2.3. Uma Classe Heterogênea ................................ 208
9
5.2.4. Uma Classe Antinômica ..................................
5.3. ‘Indesejabilidade’ de um Fundamento Absoluto .......
5.3.1. Demonstrabilidade e
Atuabilidade dos Valores ..........................................
5.3.2. Actuação dos Direitos
à Vida e a Viver .........................................................
5.4. O Consensus Omnium Gentium .................................
5.4.1. Modos de Fundamentar os Valores .................
5.4.2. O Consensus Como
Fundamento de Valores .............................................
6. Crítica ao Pensamento Bobbiano....................................
6.1. Fundamento e Justificação ......................................
6.2. “Direito” Humano e “Direitos” Humanos .................
6.3. Os Conflitos Entre “Direitos” Fundamentais ............
209
211
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221
221
225
230
CAPÍTULO III:
A PENA DE MORTE E
O ABORTO PROCURADO .................................................. 233
1. A Pena de Morte ................................................................ 234
1.1. A Pena de Morte antes de Cesare Beccaria ............... 235
1.2. A Pena de Morte em Cesare Beccaria ....................... 237
1.3. A Pena de Morte Depois de Cesare Beccaria ........... 240
1.3.1. Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) ............... 240
1.3.2. Immanuel Kant (1724-1804) .......................... 242
1.3.3. Georg Wilhelm Friedrich Hegel(1770-1831)... 243
1.4. A Pena de Morte no Debate Atual ............................ 244
1.4.1. A Função Retributiva-Justa da Pena ............... 245
1.4.2. A Função Preventiva-Utilitarista da Pena ...... 246
1.4.3. A Pena de Morte a Partir do Indivíduo ............ 249
1.4.4. Argumentos Abolicionistas e Reversíveis ....... 251
1.5. A Pena de Morte e o Direito à Vida .......................... 254
10
1.5.1. As Declarações do Direito à Vida ...................255
1.5.2. A Pena de Morte como Direito de Matar ....... 257
1.5.3. “Não Matar!:
Única “Razão” Abolicionista .................................... 260
2. O Aborto Procurado ......................................................... 262
2.1. A Legge 194/78: Aspectos Críticos ........................... 263
2.2. O Aborto Procurado e o Direito à Vida .................... 267
2.2.1. O Nascituro na Relação Abortiva ....................267
2.2.2. Três Direitos Incompatíveis ............................ 268
2.2.3. Direito à Procriação Consciente e
Responsável ...............................................................269
2.2.4. Privilégio e Honra de Afirmar:
Não matar! ................................................................ 271
CAPÍTULO IV:
O PROBLEMA DA GUERRA E
O PACIFISMO BOBBIANO .............................................. 274
1. Premissa: Conceituação ................................................... 275
1.1. Guerra e Paz: Termos Antitéticos .............................. 276
1.2. O Estado de Guerra ................................................... 278
1.3. O Estado de Paz ......................................................... 280
2. Teorias que Justificam a Guerra ..................................... 282
2.1. A Teoria da Guerra Justa ......................................... 283
2.1.1. É Teoria Intermediária:
Belicista e Pacifista .................................................. 284
2.1.2. A Guerra como Procedura Judicial ................ 285
2.1.3. A Guerra de Defesa na Era Atômica .............. 288
2.1.4. A Guerra de Defesa Preventiva na
Era Atômica ...............................................................289
11
2.2. Teorias Providencialísticas ........................................ 291
2.2.1. Teoria Providencialística Teologizante .......... 292
2.2.2. Teoria Providencialística Racionalizante ....... 294
2.3. Teorias Finalísticas ................................................... 298
2.3.1. A Guerra é Mal Menor .................................... 299
2.3.2. A Guerra Serve ao Progresso Moral ...............301
2.3.3. A Guerra Serve ao Progresso Civil ................. 303
2.3.4. A Guerra Serve ao Progresso Técnico ............ 306
3. O Estado de Guerra e os Direitos à Vida e a Viver ........ 309
3.1. “Paz”: Problema Fundamental .................................. 310
3.1.1. O “Flagelo” da Guerra .....................................310
3.1.2. O Princípio Inter Arma Silent Leges ............... 312
3.1.3. O Status de Guerra Potencial .......................... 313
3.2. A Objeção de Consciência na Era Atômica ............... 314
3.2.1. Não Existem Guerras Justas ........................... 315
3.2.2. A Guerra Não é Mal Menor ............................ 316
3.2.3. A Guerra Não é Mal Necessário ..................... 317
3.2.4. A Guerra Não é Inevitável ............................... 318
4. O Pacifismo Bobbiano ..................................................... 320
4.1. O Homem é “Capaz” de Destruir o Mundo! .............. 321
4.1.1. A Paz é Necessária e Impossível ..................... 322
4.1.2 Um Crime Contra a Humanidade .................... 323
4.1.3. A Vontade de Potência e a
Grande Hecatombe .................................................... 325
4.2. O Pacifismo Reformista ............................................. 326
4.2.1. O Pacifismo Reformista Econômico ............... 327
4.2.2. O Pacifismo Reformista Político ..................... 328
4.2.3. O Pacifismo Reformista Social ....................... 329
4.3. O Pacifismo Medicinal .............................................. 330
4.3.1. O Pacifismo Medicinal dos Meios .................. 330
4.3.2. O Pacifismo Medicinal Institucional ...............331
12
1º O Estado Deve Renúnciar à Soberania ...... 332
2º Eliminar a Necessidade da
Existência do Estado ...................................... 333
4.3.3. O Pacifismo Medicinal Jurídico ..................... 334
4.3.4. O Pacifismo Medicinal Moral .........................336
4.4. Crítica Bobbiana ao Pacifismo Medicinal ................. 337
4.4.1. Actuabilidade e Eficácia dos Remédios .......... 337
4.4.2. O Pacifismo Institucional:
Posição Intermediária .............................................. 339
4.4.3. Não Podemos Ser Otimistas ............................ 340
4.5. A Guerra como Via Bloccata .................................... 341
4.5.1. A Guerra Atômica e o Jus Belli ...................... 341
4.5.2. A Guerra Atômica é Legibus Soluta ............... 342
4.5.3. Principais Condições Para a Paz ..................... 343
4.6. O Terzo Assente: Terceiro Ausente ........................... 345
4.6.1. Necessidade do Terceiro Super Partes ............346
4.6.2. As Nações Unidas:
“Terceiro-Para-A-Paz” .............................................. 349
Conclusão Geral ................................................................... 352
FONTES E BIBLIOGRAFIA ............................................ 394
1. Fontes ................................................................................ 394
1.1. Repertórios Bibliográficos de Norberto Bobbio ........ 394
1.2. Escritos de Norberto Bobbio ......................................395
1.2.1. Retratos Biográficos .......................................... 395
1.2.2. Autores de Norberto Bobbio ..............................398
1º. Escritos Sobre
Thomas Hobbes (1588-1679) ................................. 398
2º. Escritos Sobre John Locke (1632-1704) ........... 400
3º. Escritos Sobre
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) ...................... 400
13
4º. Escritos Sobre
Immanuel Kant (1724-1804) ..................................
5º. Escritos Sobre
Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831).........
6°. Escritos Sobre
Benedetto Croce (1866-1952) .................................
7°. Escritos Sobre
Carlo Cattaneo (1801-1869) ...................................
8º. Escritos Sobre Hans Kelsen (1881-1973) .........
9°. Escritos Sobre
Vilfredo Pareto (1848-1923) ...................................
10°. Escritos Sobre Max Weber (1864-1920) ........
1.2.3. Escritos Autobiográficos ....................................
1.2.4. Escritos Morais ..................................................
1.2.5. Escritos Sobre Democracia ................................
1.2.6. Escritos Sobre Filosofia da Política ...................
1.2.7. Escritos Sobre Direitos Humanos ......................
1.2.8. Escritos Sobre Fascismo ....................................
1.2.9. Escritos Sobre K. Marx Marxismo ....................
1.2.10. Escritos Sobre Socialismo ...............................
1.2.11. Escritos Sobre Filosofia do Direito ..................
1.2.12. Escritos Sobre Paz e Guerra .............................
1.2.13. Escritos Sobre Intelectuais e Poder ..................
1.3. Publicações Coletâneas dos Escritos de Norberto
Bobbio em Língua Italiana …............................................
1.4. Publicações Coletâneas dos Escritos de
Norberto Bobbio em Língua Portuguesa, no Brasil ..........
2. Bibliografia ......................................................................
2.1. Escritos Sobre Norberto Bobbio.................................
2.2. Escritos Clássicos .......................................................
2.3. Documentos da Sé Apostólica ...................................
2.4. Outros Escritos ...........................................................
14
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429
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430
432
433
Abreviações.
CenTSF
ConDizGi
DaHaM
DalFaD
DalStrFunz
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DeSe
DesSin
DialIntRep
DizPol
DubScel
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BOBBIO, N., Il Terzo assente, Saggi e discorsi
sulla pace e sulla guerra, a cura di P. POLITO,
Edizioni Sonda, Milano 1989.
BOBBIO, N., Thomas Hobbes (Piccola
biblioteca Einaudi 267), Einaudi, Torino 1989,
20042.
18
Introdução Geral.
A presente pesquisa – NÃO MATAR! O Princípio
Ético “Não Matar!” como Imperativo Categórico no
Pensamento de Norberto Bobbio (1909-2004) – parte de
uma entrevista que Norberto Bobbio – “papa laico” italiano
– concedeu a Giulio Nascimbeni, às vésperas do referendum
sobre o aborto procurado na Itália, e que foi publicada no
Corriere della Sera, no dia 8 de Maio de 1981.
À pergunta:
Toda a sua longa atividade, professor Bobbio, os
seus livros, o seu ensinamento sob o testemunho de um
espírito firmemente laico; imagina que terá surpresa no
mundo laico por estas suas declarações?1; Bobbio lhe
respondeu com outra pergunta:
Eu queria perguntar qual surpresa pode existir no
fato que um leigo considere como válido em sentido
absoluto, como um imperativo categórico, o “Não matar!”;
e me surpreendo que os leigos deixem aos que crêem o
privilégio e a honra de afirmar que não se deve matar 2.
G. Nascimbeni se referia à posição de Bobbio contra o aborto.
Cfr. N. BOBBIO, “Laici e aborto”, in Corriere della Sera 106, 107
(1981), p. 3: “Tutta la sua lunga attività, professor Bobbio, i suoi
libri, il suo insegnamento sotto la testimonianza di uno spirito
fermamente laico. Immagina che ci sarà sorpresa nel mondo laico per
queste sue dichiarazioni?” Responde Bobbio: “Vorrei chiedere
quale sorpresa ci può essere nel fatto che un laico consideri come
valido in senso assoluto, come un imperativo categorico, il non
uccidere. E mi stupisco a mia volta che i laici lascino ai credenti il
privilegio e l’onore di affermare che non si deve uccidere.”
1
2
19
O objetivo geral dessa pesquisa é, portanto, trabalhar
o princípio ético Não matar como um imperativo
categórico. O objetivo específico é responder a quatro
perguntas que surgem naturalmente diante da afirmação de
Bobbio, acima citada, a saber:
Primeira: Quem é o pensador que afirmou que o
princípio ético “Não matar!” é válido em sentido absoluto,
é um imperativo categórico?
Segunda: Porque Norberto Bobbio afirmou que o
princípio ético “Não matar!” é válido em sentido absoluto,
é um imperativo categórico?
Terceira: O quê Norberto Bobbio entendia dizer
quando afirmou de considerar o princípio ético “Não
matar!” válido em sentido absoluto, como sendo um
imperativo categórico?
Quarta: Quais são as conseqüências da afirmação do
princípio ético “Não matar!” como sendo válido em sentido
absoluto, como um imperativo categórico?
A tentativa de responder a essas perguntas constitui as
quatro etapas principais da presente pesquisa, a saber: a
primeira etapa, Perfil Filosófico de Norberto Bobbio,
responderá à primeira pergunta; a segunda etapa, A Vida
Humana: Valor Primordial, responderá a segunda e a
terceira perguntas; a terceira etapa, A Pena de Morte e o
Aborto Procurado, juntamente com a quarta e última etapa,
O Problema da Guerra e o Pacifismo Bobbiano,
responderão à quarta pergunta.
Na primeira etapa, delinearemos um perfil de
Norberto Bobbio, onde conheceremos alguns de seus dados
biográficos; conheceremos um pouco daquele período que
ele mesmo chamou de sua pré-história. Esses elementos
serão necessários para “traçar” um retrato humano de
Bobbio.
20
Em uma palavra, delinearemos a imagem moral do
“homem” que considerou o princípio ético Não matar um
dever absoluto e, por isto mesmo, repugnou a pena de morte
e o aborto procurado; proclamou seu pacifismo
institucional.
Conheceremos quais foram os principais “valores”
para o “homem” Bobbio; sua concepção sobre a existência
ou não de um Deus que pudesse Ele mesmo, ser fundamento
absoluto e garantia do valor universal dos princípios morais,
em particular do princípio ético Não matar!
Conheceremos ainda sua concepção do valor da vida
humana como direito fundamental por excelência porque
protege um bem primordial, enquanto condição para todos
os demais valores; seu modo de conceber a morte humana, e
aquilo que “acontece” depois da morte; conheceremos ainda
aquela que Bobbio mesmo chamou de sua trilogia temática:
os três grandes temas que nortearam toda sua vasta gama de
estudos e escritos durante toda a sua longa vida3.
Ainda conheceremos, a partir dos escritos
autobiográficos de Bobbio, quais foram seus principais
autores, fontes das quais jorraram o seu pensamento
filosófico, jurídico e político.
Na segunda etapa, responderemos a segunda e
terceira perguntas. Partiremos do sujeito dos direitos à vida
e a viver, trabalhando uma nova imagem de homem;
também o direito fundamental por excelência; e por fim o
Indivíduo Humano e a Sociedade civil.
Num segundo momento, trabalharemos o direito à
vida como sinal de progresso moral, onde conheceremos o
“mito” do progresso, bem como o progresso técnico e o
direito à vida. Depois conheceremos a evolução histórica
3
Norberto BOBBIO viveu 94 anos, morreu nos primeiros dias de
2004.
21
do direito à vida; e também as “ambigüidades” da
linguagem dos direitos.
Com estes dois momentos iniciais compreenderemos
“o porquê” Bobbio afirmou que o princípio ético Não matar
é válido em sentido absoluto, é um imperativo categórico.
Num terceiro momento dessa segunda etapa,
trabalharemos o imperativo ético Não Matar onde
conheceremos o seu fundamento e as suas “possíveis”
derrogas. Num quarto momento, trabalharemos o problema
da substancial unidade do gênero humano, onde
conheceremos as “declarações” de liberdade e igualdade,
buscando o seu fundamento.
Nesses dois momentos, terceiro e quarto, será
evidente “o quê” Bobbio entendia dizer quando afirmou de
considerar o princípio ético Não matar válido em sentido
absoluto, como um imperativo categórico; responderemos,
assim, a terceira pergunta de nosso objetivo específico.
A segunda etapa concluir-se-á com o problema do
fundamento dos direitos à vida e a viver, que é o problema
do fundamento mesmo dos direitos humanos, uma vez que a
vida é a condição para todos os demais valores e direitos.
Nesse último momento trabalharemos o “sentido” do
problema
do
fundamento
desses
direitos;
a
“impossibilidade” de um fundamento absoluto; a
“indesejabilidade” de um fundamento absoluto; e a
proposta bobbiana de solução do problema do fundamento
utilizando a antiga fórmula do consensus omnium gentium.
Por fim, apresentaremos algumas observações conclusivas.
Nas terceira e quarta etapas, passaremos a colher
quais foram as conseqüências da afirmação bobbiana do
princípio ético Não matar como sendo válido em sentido
absoluto, como sendo um imperativo categórico.
22
Como resposta da quarta e última pergunta de nosso
objetivo geral, apresentaremos a posição de Bobbio contra a
pena de morte e contra o aborto procurado; bem como o
pacifismo bobbiano.
Na terceira etapa, conheceremos as duas primeiras
conseqüências da afirmação bobbiana do princípio ético
Não matar como um imperativo categórico: a sua
“repugnância” à pena de morte e ao aborto procurado4.
Trabalhando a posição bobbiana quanto ao problema
da pena de morte; conheceremos o “debate” filosófico sobre
a pena de morte em três momentos: “antes” de Cesare
Beccaria, “em” Cesare Beccaria e “depois” de Cesare
Beccaria. Trabalhando a pena de morte depois de C.
Beccaria, conheceremos, mesmo que sumariamente, a
posição de ilustres pensadores anti-abolicionistas: J.-J.
Rousseau, I. Kant e G. W. F. Hegel.5 Depois, trabalharemos
a pena de morte no debate atual; e por fim, conheceremos o
pensamento bobbiano sobre a pena de morte e o direito à
vida: sua explícita “repugnância” a tal pena.
Trabalhando a posição bobbiana quanto ao problema
do aborto procurado, conheceremos a Legge 194/78,
delineando o contesto “jurídico-cultural” no qual se inseriu
a posição bobbiana, prepararemos o seu discurso sobre o
aborto e o direito à vida.
Na quarta etapa, conheceremos a última das três
conseqüências da afirmação bobbiana do princípio ético
Não matar como sendo válido em sentido absoluto, como
um imperativo categórico: o pacifismo bobbiano.
Partiremos de uma premissa, trabalhando a
conceituação de guerra e paz como termos antitéticos; o
Cfr. IDEM, “Contro la pena di morte” (1981), in EdD, pp. 198-199.
Cfr. N. BOBBIO, “Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982), in
EdD, p. 206.
4
5
23
estado de guerra e o estado de paz. Num segundo momento
trabalharemos as principais teorias que justificam a guerra,
onde conheceremos a teoria da guerra justa, as teorias
providencialistas e as teorias finalistas. Num terceiro
momento, trabalharemos o estado de guerra e os direitos à
vida e a viver, onde conheceremos a “paz”: problema
fundamental e a objeção de consciência na era atômica.
Num quarto momento, trabalharemos o pacifismo
bobbiano, onde conheceremos o Homem como sendo
“capaz” de destruir o Mundo. Depois, conheceremos o
pacifismo reformista; bem como o pacifismo medicinal. Em
seguida apresentaremos uma crítica bobbiana ao pacifismo
medicinal. Concluiremos esse momento conhecendo a
guerra como “via bloccata” e o “Terzo assente” - Terceiro
ausente, um “Terceiro” super partes que ainda é ausente,
mas que “seria” a solução para o problema da guerra,
segundo o pacifismo bobbiano.
Por fim, ao término da presente pesquisa, será
apresentada uma conclusão geral, daremos respostas aos
seguintes interrogativos: o quê Bobbio entendeu por
imperativo? Porque Não matar é um imperativo categórico?
Como conciliar sua perspectiva deontológica de tipo
kantiano com a sua impostação, fundamentalmente
hobbesiana? Quais são os pontos fortes e fracos da
perspectiva bobbiana?
Daremos uma contribuição pessoal à crítica do
pensamento bobbiano, ao problema do princípio ético Não
matar e o valor da vida humana, bem como ao fundamento
deste valor primordial, enquanto conditio sine qua non a
todos os demais valores humanos.
Como última contribuição, apresentaremos um elenco
de fontes e de bibliografia. Como fontes, são enumerados os
textos por nós estudados para conhecer o pensamento
24
bobbiano aqui exposto. Primeiro, apresentaremos os
repertórios bibliográficos de Norberto Bobbio e os escritos
de Norberto Bobbio.
Enumerando os escritos de Norberto Bobbio,
ofereceremos os artigos, discursos e estudos divididos em
treze temas, a saber: retratos biográficos, autores de
Norberto Bobbio, escritos autobiográficos, escritos morais,
escritos sobre democracia, escritos sobre filosofia da
política, escritos sobre direitos humanos, escritos sobre
fascismo, escritos sobre K. Marx e marxismo, escritos sobre
socialismo, escritos sobre filosofia do direito, escritos sobre
paz e guerra e escritos sobre intelectuais e poder.
Apresentaremos também um elenco das publicações
coletâneas dos escritos de Norberto Bobbio em Língua
Italiana; bem como o elenco das publicações coletâneas
dos escritos de Norberto Bobbio em Língua Portuguesa, no
Brasil.
Sob o título bibliografia, serão apresentados escritos
sobre Norberto Bobbio. Sob este título também são
apresentados alguns escritos clássicos, citados por Bobbio e
indispensáveis para se trabalhar o tema desta pesquisa;
alguns documentos da Sé Apostólica, por nós utilizados para
sustentar a nossa posição; bem como outros escritos, por
Bobbio citados ou por nós utilizados durante a pesquisa e
elaboração deste trabalho.
Queremos manifestar um sincero agradecimento
àqueles que nos apoiaram nesta pesquisa e na elaboração
desse trabalho. Primeiramente, devemos agradecer ao
Verbum Dei, que sendo Divinitas se fez humanitas para
elevar-nos à sua imensurável dignidade humano-divina.
Um agradecimento particular ao Prof. Dr. Aldo
Vendemiati, moderador do presente trabalho, ocupando um
lugar fundamental nessa pesquisa e reflexão sobre o
25
princípio ético Não matar como imperativo categórico no
pensamento de Norberto Bobbio; sempre solícito em
corrigir-nos e orientar-nos para que pudéssemos chegar a
uma apresentação satisfatória do tema, sem fugir do
objetivo geral, respondendo plenamente aos objetivos
específicos, acima estabelecidos.
Um agradecimento particular também ao Prof. Dr.
Ardian Ndreca, segundo moderador do presente trabalho,
pelas incansáveis correções e observações para que
pudéssemos levar a nossa pesquisa a bom termo.
Um agradecimento especial a uma Pessoa Humana
“indispensável”, que rendeu possível minha permanência na
Itália durante seis longos anos de estudos, o Rev.mo Padre
Paolo Orlandi, então superior geral da Congregação
Sacerdotal São João Batista Precursor, pela ajuda material,
afetiva e espiritual: sempre disponível como verdadeiro pai
espiritual, pronto a servir.
Ainda um “grazie” com filial estima a S. Ex.cia
Rev.ma Giuseppe Di Falco, Bispo emérito de SulmonaValva, e a S. Ex.cia. Rev.ma Angelo Spina, atual Bispo
Diocesano de Sulmona-Valva.
Não podemos esquecer os queridos amigos de
Scontrone, Villa Scontrone e Barrea, na Província da
L’Aquila, pela colaboração material e espiritual, rendendo
possível a realização dessa pesquisa.
Que o Verbum Dei, feito Homem, recompense a todos
que sofreram e rezaram para que pudesse vir à luz o
presente trabalho; e que a todos nós Ele ensine a conhecer
cada vez mais a humanitas, da qual todos nós participamos;
e sua imensurável dignidade.
26
CAPÍTULO I:
PERFIL FILOSÓFICO DE NORBERTO
BOBBIO.
Nesta primeira etapa de nossa pesquisa sobre o
princípio ético Não matar como imperativo categórico,
nosso objetivo específico, já estabelecido na Introdução
Geral, é responder a pergunta:
Quem é o pensador que afirmou que o princípio ético
“Não matar!” é válido em sentido absoluto, é um
imperativo categórico?
Para responder a esta pergunta nós entendemos
delinear um perfil filosófico de Norberto Bobbio, onde
encontraremos alguns de seus dados biográficos pessoais;
bem como um pouco daquele período que ele chamou sua
pré-história. Estes elementos, que à primeira vista parecem
estranhos ao nosso tema, dar-nos-ão as informações
necessárias para delinear um retrato humano de Bobbio,
rendendo possível, assim, a construção de seu perfil
filosófico.
Em outras palavras, poderemos delinear a imagem
moral do “homem” que considerou o princípio ético Não
matar um dever absoluto e, por isto mesmo, repugnou a
pena de morte e o aborto procurado, e proclamou seu
pacifismo institucional.
Conhecendo quais eram os principais “valores” para o
“homem” Bobbio; bem como sua concepção sobre a
27
existência ou não de um Deus que pudesse ser, Ele mesmo,
fundamento absoluto e garantia do valor universal dos
princípios morais, em particular do princípio Não matar;
conhecendo, ainda, sua concepção do valor da vida humana
como direito fundamental por excelência porque protege um
bem primordial, enquanto condição para todos os demais
valores; bem como conhecendo seu modo de conceber a
morte do Homem, e aquilo que “acontece” depois da sua
morte; ainda conhecendo aquela que ele mesmo chamou de
sua trilogia temática, ou seja, os três grandes temas que
nortearam toda sua vasta gama de estudos e escritos durante
sua longa vida; ainda conhecendo, a partir de seus escritos
autobiográficos, quais eram seus principais autores, fontes
das quais jorraram o seu pensamento filosófico, jurídico e
político.
Seremos capazes de, na segunda etapa desta pesquisa,
responder às perguntas Por que Norberto Bobbio afirmou
que o princípio ético “Não matar!” é válido em sentido
absoluto, é um imperativo categórico?
E também: O quê Norberto Bobbio entendia dizer
quando afirmou de considerar o princípio ético “Não
matar!” válido em sentido absoluto, como sendo um
imperativo categórico?
1. Elementos Biográficos.
Trabalhando
estes
elementos
biográficos,
conheceremos seis “momentos” que compõem uma sumária
biografia de Bobbio, preparando a resposta à primeira
pergunta de nosso objeto específico.
28
Começaremos por aquele período que Bobbio mesmo
chamou sua pré-história, ou seja, conheceremos aquele
período que vai do seu nascimento à queda do Fascismo e o
nascimento da democracia na Itália. Num segundo
momento, conheceremos Bobbio e a resistência antifascista,
seu papel de intelectual laico – papa laico – militante nas
fileiras da resistência, ativa ou passiva, contra o Fascismo.
Num terceiro momento, conheceremos Bobbio que
descobre a democracia numa Nação destruída pela Segunda
Guerra e dividida pela guerra civil. Num quarto momento,
conheceremos Bobbio que dialoga com os comunistas,
transparecendo uma nota característica do seu perfil
filosófico: a capacidade de dialogar com quem pensava
diferente dele6. Esta relação com os comunistas pode ser
resumida na fórmula né con loro né contro di loro7 – nem
com eles nem contra eles, título de um seu escrito de 1992.
Num quinto momento, conheceremos Bobbio
professor, ensinando a Filosofia do Direito e a Filosofia
Política. Por fim, num sexto e último momento desta breve
biografia de Bobbio, conheceremos o seu engajamento
político e o laicismo bobbiano, delineando sua participação
na vida pública italiana.
Utilizaremos como fonte principal para compor estes
elementos biográficos de Bobbio, as informações que ele
mesmo nos deu nos seus escritos autobiográficos. Mesmo
considerando que, quando uma pessoa fala de si mesma
corre o risco de perder em objetividade e colocar muito de
sua auto-imagem; preferimos apresentar o “homem” e o
“pensador” Bobbio, bem como as principais fontes do seu
Cfr. N. BOBBIO, “Ancora a proposito di marxismo, Lettera a
Costanzo Preve” (1993), in NéNé, p. 240.
7
Cfr. IDEM, “Né con loro, né senza di loro” (1992), in DubScel, pp.
213-223.
6
29
pensamento, a partir de seus próprios “olhos”, uma vez que
nosso objetivo não é fazer uma rigorosa e objetiva
biografia sua, mas somente “entender” quem era e como se
concebia o pensador que proclamou como absoluto, como
imperativo categórico o princípio ético Não matar!
1.1. A “Pré-história” de Bobbio.
Norberto Bobbio nasceu a Torino, no dia 18 de
Outubro de 1909, filho de Luigi Bobbio, médico-cirurgião8,
e de Rosa Caviglia.9 O “garoto” Bobbio teve uma infância e
uma adolescência feliz, numa bela casa, com duas pessoas
ao serviço da família, um motorista pessoal, dois
automóveis.10
Na sua família, Bobbio nunca teve a impressão do
conflito de classes entre os burgueses e os proletários. Fora
educado a considerar todos os homens iguais, e a pensar que
não existem diferenças entre quem é culto e quem não o é;
quem é rico e quem não o é. Teve uma educação, segundo
ele mesmo, a um estilo de vida democrático11. Sentia-se em
mal-estar diante do espetáculo das diferenças entre ricos e
pobres, entre quem está em cima e quem está embaixo na
escala social, num contesto no qual o populismo fascista
visava a arregimentar os italianos em uma organização
social que cristalizasse as desigualdades12.
Não foi, porém, no seio familiar que Bobbio maturou
a aversão ao regime de Benito Mussolini. Fazia parte de
Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, RomaBari 1999, p. 5.
9
Cfr. Ibidem.
10
Cfr. Ibidem, p. 7.
11
Cfr. IDEM, “Destra e sinistra” (1994), in DesSin, pp. 148-149.
12
Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, RomaBari 1999, p. 9.
8
30
uma família filo-fascista, como o era a grande maioria da
burguesia da época. Quando o Fascismo conquistou o
poder, em Outubro de 1922, Bobbio havia já treze anos13. A
sua família, como tantas outras famílias burguesas, acolheu
a marcha sobre Roma, 1922, como um evento fausto,
também porque era difundida a convicção que o Fascismo
teria sido somente um fogo de palha. Consideravam-no útil
para combater aqueles italianos que “queriam fazer como
na Rússia”14.
Nos anos de 1919 até 1927, Bobbio estudou no
Ginnasio e depois no Liceo Massimo d’Azeglio de Torino,
onde a maior parte dos professores era anti-fascista.15 A sua
“educação política” não aconteceu em família, mas sim na
Escola. Foram importantes também alguns colegas;
primeiro dentre todos, Leone Ginzburg, antifascista
absoluto, de origem russa, de família hebraica, que havia
deixado a Rússia depois da Revolução. Foi a amizade com
Ginzburg, nos anos de Liceo, e com Vittorio Foa, nos anos
de Universidade, a fazer Bobbio sair, pouco a pouco, do
filo-fascismo familiar16.
Nos anos de 1927 até 1931, Bobbio estudou Direito
na Università di Torino, havendo como mestres Luigi
Einaudi, Francesco Ruffini e Gioele Solari. Com Solari, em
1931, doutorou-se em Filosofia do Direito, defendendo uma
tese intitulada Filosofia del diritto e scienza del diritto.17 O
Cfr. Ibidem, p. 10.
Cfr. Ibidem, pp. 10-11.
15
Cfr. “Nota biografica”, in DeSe, p. 183.
16
Cfr. N. BOBBIO, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza,
Roma-Bari 1999, pp. 12-13.
17
Cfr. “Nota biografica”, in DeSe, p. 183.
13
14
31
ensinamento de Gioele Solari era inspirado à função civil da
Filosofia do Direito.18
Em 1933, Bobbio doutorou-se também em Filosofia,
com uma tese sobre a fenomenologia de Edmund Husserl,
tendo como moderador Annibale Pastore. Bobbio tinha a
intenção de estudar os primeiros escritos, então publicados,
de juristas que se inspiravam à fenomenologia. A sua paixão
pela Filosofia do Direito representou, na verdade, a única
ligação entre o antes e o depois da sua vida19: entre a sua
pré-história e a sua história que começou com o final da
Segunda Guerra e a instauração da República democrática
italiana.
Em Março de 1934, Bobbio conseguiu a libera
docentia em Filosofia do Direito20. Freqüentando ambientes
anti-fascistas, foi preso em Maio de 1935, durante uma
tentativa, da parte do Regime, de liquidar o grupo interno de
Giustizia e Libertà. Bobbio não fora um militante. Não
tivera parte ativa no anti-fascismo torinese daqueles anos,
como o tiveram Leone Ginzburg ou Vittorio Foa ou
Massimo Mila.21
Em Dezembro de 1940 obteve a cátedra de Filosofia
do Direito na Facoltà di Diritto da Università di Padova,
entrando definitivamente nas “fileiras” do anti-fascismo
militante22.
Cfr. N. BOBBIO, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza,
Roma-Bari 1999, p. 17.
19
Cfr. Ibidem, p. 18.
20
Cfr. “Nota biografica”, in DeSe, p. 183.
21
Cfr. N. BOBBIO, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza,
Roma-Bari 1999, p. 19. Cfr. também IDEM, “Tommaso
Fiore” (1967), in LaMI, p. 208.
22
Cfr. N. BOBBIO, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza,
Roma-Bari 1999, p. 40.
18
32
Em 28 de Abril de 1943, Bobbio se casou com
Valeria Cova. Matrimônio durado até que a sua morte os
separou, do qual nasceram três filhos23. Para ele um
matrimônio feliz era um dos dons mais preciosos que a vida
nos possa dar24.
1.2. Bobbio e a Resistência Antifascista.
O ingresso de Bobbio no anti-fascismo ativo
aconteceu a Cortona, em 1939, numa reunião do movimento
liberal-socialista, nascido entorno a Guido Calogero, na
época jovem professor de Filosofia na Università di Pisa, e
a Aldo Capitini, que era o secretário da Scuola Normale
Superiore di Pisa.
Apesar de Bobbio ser inscrito formalmente nas
instituições fascistas, através do filo-fascismo familiar,
primeiro ao GUF e depois ao Partito, não freqüentava nem
grupos nem ambientes fascistas. O círculo das suas relações
pessoais e das suas amizades era inteiramente no âmbito dos
grupos não conformistas25.
Quando foi fundado o Partito d’Azione, em Julho de
1942, retomando o nome de um movimento político
ressurgimental fundado em 1853 por Giuseppe Mazzini26 e
dissolvido em 1870, o movimento liberal-socialista nele
confluiu.27 De orientação radical, republicano e socialistamoderado, o Partito d’Azione teve vida breve e se dissolveu
Cfr. Ibidem, pp. 58 e 132.
Cfr. IDEM, “Novello Papafava” (1983), in ItFed, p. 249.
25
Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, RomaBari 1999, pp. 41-42.
26
Para conhecer a linha ideológica do Partito d’Azione, cfr. a principal
obra de G. MAZZINI, Doveri dell’uomo (1872), (Biblioteca/filosofia),
a cura de M. SCIOSCIOLI, Editori Riuniti, Roma 2005.
27
Cfr. N. BOBBIO, “Novello Papafava” (1983), in ItFed, pp. 248-249.
23
24
33
em 1947. Os seus membros foram chamados azionisti e o
seu órgão de estampa oficial era L'Italia libera28.
Renzo De Felice observou que não existia um único
Partito d’Azione, mas muitos. Segundo ele existia um
Partito d’Azione “meridional maçônico”, outro “romano”,
da Nuova Europa de Luigi Salvatorelli e de De Ruggiero; e
um Partito d’Azione “toscano” de Codignola; e por fim
aquele “nórdico”, do qual fazia parte Bobbio.29
Guido Calogero, numa conferência em 1944, depois
da libertação italiana, com título La democrazia al bivio e
la terza via, sintetizou o seu pensamento com as seguintes
palavras: à direita existe o desvio do liberalismo ou
agnóstico ou conservador – a via das liberdades sem
justiça; à esquerda existe o desvio do coletivismo
O primeiro Partito d’Azione italiano foi fundado por Giuseppe
Mazzini, em 1853. Entre os seus objectivos estão as eleições a
sufrágio universal, a liberdade de imprensa e de pensamento,
responsabilizar os governos diante ao povo. O partido sustentou as
empresas de Garibaldi mas se dissolveu em seguida à derrota em
Aspromonte, 1862, e em Mentana, 1867. Os membros do partido em
seguida à unidade de Itália confluíram na esquerda histórica de
Agostino Depretis. Ao Partito d’Azione mazziniano se inspiraram em
seguida o pensamento político de Piero Gobetti e Carlo Rosselli e os
partidos políticos PRI e o Partito d’Azione de 1942. As raízes deste
último Partito d’Azione vão vistas sobretudo no movimento
clandestino antifascista de Giustizia e Libertà, fundada pelos irmãos
Carlo e Nello Rosselli com a intenção de reunir todo o antifascismo
não comunista e não católico, o qual se era reunido prevalentemente
na França. O movimento, sofreu duras perseguições da parte da
polícia fascista e da OVRA. Depois da queda de Benito Mussolini e a
invasão nazista na Itália, os membros de Giustizia e Libertà
organizaram bande partigiane e particiaram à Resistenza com as
brigadas Rosselli e as brigadas Giustizia e Libertà. O Partito d’Azione
foi um dos sete partidos do Comitato Nazionale di Liberazione.
29
Cfr. IDEM, “La memoria divisa che ci fa essere anomali” (1996), in
ItAmNe, p. 38.
28
34
autoritário – a via da justiça sem liberdade; o “Partito
d’Azione” não toma nem uma nem outra via porque
conhece aquela verdadeira, a terceira via, a via da união,
da coincidência, da com-presença indissolúvel da justiça e
da liberdade.30
Quando Bobbio tomou posse da cátedra de Filosofia
do Direito na Università di Padova, a situação geral da
Itália fez-se muito dramática. A Itália era em guerra há
alguns meses, aliada de Adolf Hitler. Uma guerra, segundo
ele, indigna; que teria conduzido a todos à catástrofe.
Observou que “chegara a hora da escolha definitiva”31.
Bobbio foi preso a Padova, na manhã de 6 de
Dezembro de 1943. Levado à prisão dos Scalzi de Verona;
foi libertado no final de Fevereiro de 194432. Ele afirmou, na
sua autobiografia, que sabia de correr riscos na sua
participação à resistência antifascista e anti-nazista33.
Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, RomaBari 1999, pp. 45-46.
31
Cfr. Ibidem, p. 47.
32
Cfr. Ibidem, p. 64.
33
Cfr. Ibidem, p. 73.
30
35
1.3. Bobbio Descobre a Democracia.
Bobbio fala de descoberta da democracia porque
chegara a afrontar a tarefa do democrático e do pacifista
militante, partindo de um estado de total ignorância política
na qual o havia deixado o Fascismo34.
Em 1945, Bobbio participou de uma viagem à
Inglaterra, então considerada, o berço da Democracia35. No
mesmo ano acadêmico 1945-1946, terminada a Guerra,
Bobbio voltou à Università di Padova.
Quando foram feitas as “liste” para a Assembléia
Constituinte italiana – votou-se em 02 de Junho de 1946 –,
Bobbio não pôde negar-se de ser candidato pela primeira e
última vez na sua vida, pelo Partito d’Azione, no colégio
eleitoral Padova-Vicenza-Verona.36
Segundo ele mesmo, o Partito d’Azione era um
partido de intelectuais, estranho àquelas que seriam
chamadas as duas sub-culturas da Itália: aquela cattolica e
aquela socialista.37
Cfr. IDEM, “Un bilancio” (1996), in DeSe, p. 166.
Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, RomaBari 1999, p. 88.
36
Cfr. Ibidem, p. 80.
37
O Partito d’Azione se propunha como escopo principal a realização
de um projecto de equidade, acompanhado pela justiça social e pela fé
inquebrantável na democracia e na liberdade. Havia inoltre como
ideais o europeismo. Sentia ainda a necessidade de constituir uma
formação política antifascista, no meio entre a Democracia definida
imobilista, o Partito Socialista e os comunistas, com os quais os
azionisti discordavam quanto à propriedade privada. Em 4 de Junho
de 1942, durante a reunião constitutiva do partido, vêm elaborados os
renomados sete pontos contendo as indicações de máxima de um
futuro ordenamento reformador: Constituição de uma república
parlamentar com clássica divisão de poderes; Descentralização
político-administrativa
a
nível
regional:
Regionalismo;
34
35
36
Na Itália, foram os comunistas a herdarem a subcultura socialista, não os intelectuais desenraizados. O fato
é que a contraposição entre brancos e vermelhos foi sempre
profundamente enraizada na vida política Italiana38.
Outro evento importantíssimo nesta descoberta da
Democracia da parte de Bobbio fora a criação da Società
Europea di Cultura, SEC, a Venezia, em Maio de 1950, da
qual ele fez parte desde a origem. Quando foi fundada a
SEC, já era iniciada a guerra fria e a “idéia” da Europa
parecia definhada.
A Segunda Guerra deixou o Continente Europeu
dividido em duas partes armadas uma contra a outra;
marcado pelas conseqüências de uma guerra sangrenta.
Nunca, como na Segunda Guerra, tocara-se com “mão” a
tamanha barbárie que pudesse produzir aquilo que Bobbio
chamou “o delírio de potência” do homem contra o
homem39.
O escopo principal da SEC era aquele de
salvaguardar a possibilidade de um diálogo entre os
homens de cultura; diálogo este ameaçado pela exasperação
de uma luta política que tendia a dividir a Europa em dois
blocos sempre mais irredutivelmente opostos um ao outro.
Esta foi a única Associação que continuou a realizar as suas
assembléias anuais, com a participação de intelectuais do
Leste e do Oeste40, durante a guerra fria.
Nacionalização dos grandes complexos industriais; Reforma agrária:
revisão dos pactos dos colonos; Liberdade sindacal; Laicidade do
Estado e separação entre Estado e Igreja; e Proposta de uma
federação européia dos livres estados democráticos.
38
Cfr. N. BOBBIO, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza,
Roma-Bari 1999, p. 83.
39
Cfr. Ibidem, p. 95.
40
Cfr. Ibidem, p. 97. Cfr. também IDEM, “Umberto
Campagnolo” (1977-1978), in LaMI, pp. 300-301.
37
A SEC nascera para opor uma resistência moral à
guerra fria que parecia preparar uma “Terceira” Guerra.
Opunha à política dos políticos, que chamavam política
ordinária, aquela política da cultura41, que era a política
própria dos intelectuais acima das divisões partidárias, cuja
tarefa específica devia ser aquela de defender as condições
mesmas de sobrevivência da cultura ameaçada pela
contraposição dos dois blocos inimigos42.
1.4. Bobbio Dialoga com os Comunistas.
No ano acadêmico 1942-1943, Bobbio falara pela
primeira vez de Karl Marx nas suas lições dedicadas ao
exame histórico dos dois conceitos de liberdade e
igualdade; e da correspondente contraposição entre
individualismo e universalismo. O texto marxiano ao qual
Bobbio se referira era o Manifesto do Partido Comunista43.
No seu eclettismo44, que é um modo de pensar que
tem um reflexo prático no seu moderatismo político,
entendido como oposição ao extremismo, Bobbio nunca
considerou incompatíveis os métodos da direita e da
esquerda45.
Apesar de considerar-se emotivamente de esquerda,
como afirmara em Destra e Sinistra, 199446, sua análise
Cfr. IDEM, “Umberto Campagnolo” (1977-1978), in LaMI, pp.
303-304.
42
Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, RomaBari 1999, pp. 97-98. Cfr. também IDEM, “Umberto
Campagnolo” (1977-1978), in LaMI, pp. 301-302.
43
Cfr. IDEM, “Premessa” (1997), in NéNé, p. X.
44
Olhar um problema a partir de todos os lados.
45
Cfr. N. BOBBIO, “Risposta ai critici 1995” (1995), in DesSin, p. 14.
46
Cfr. IDEM, “Destra e sinistra” (1994), in DesSin, pp. 47-153.
41
38
sobre o argumento prescinde completamente de juízos de
valor47.
As relações de Bobbio com Karl Marx, com o
Marxismo e com os marxistas – sobretudo com os
“comunistas” – são estreitamente conexas entre elas e pode
ser resumidas, sinteticamente, em duas fórmulas análogas;
perfeitamente simétricas.
Podemos resumir a relação de Bobbio com os
comunistas na fórmula Né con loro, né contro di loro, que é
também o título de um seu artigo autobiográfico, escrito em
199248; no qual ele refez, depois da queda do Comunismo
histórico, ou da utopia capovolta – invertida – um exame de
consciência sobre as suas próprias relações com os
comunistas49.
A relação com K. Marx e o Marxismo pode ser
resumida na fórmula Né con Marx né contro Marx,50 que é o
título de um volume coletânea publicado em 199751, onde
Bobbio recolheu os seguintes artigos: Apendice, Avvertenza
a Ludwig Feuerbach, Principi della filosofia dell’avvenire,
194652; Prefazione a Karl Marx, Manoscritti economicofilosofici del 1844, 194953; La filosofia prima di Marx,
Cfr. IDEM, “Risposta ai critici 1995” (1995), in DesSin, pp. 20-21.
Cfr. IDEM, “Né con loro, né senza di loro” (1992), in DubScel, pp.
213-223.
49
Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, RomaBari 1999, p. 104.
50
Cfr. C. VIOLI, “Introduzione”, in NéNé, p. XXII.
51
Cfr. . BOBBIO, Né con Marx né contro Marx, a cura de C. VIOLI,
Editori riuniti, Roma 1997.
52
Cfr. IDEM, “Apendice, Avvertenza a Ludwig Feuerbach, Principi
della filosofia dell’avvenire” (1946), in NéNé, pp. 14-19.
53
Cfr. IDEM, “Prefazione a Karl Marx, Manoscritti economicofilosofici del 1844” (1949), in NéNé, pp. 05-13.
47
48
39
195054; Ancora dello stalinismo: alcune questioni di teoria,
195655; La dialettica di Marx, 195856; Marxismo critico,
196257; Marxismo e fenomenologia, 196458; Marxismo e
scienze sociali, 197459; Marx, Engels e la teoria dello Stato,
Lettera a Danilo Zolo, 197560; Marx e lo Stato, 197661;
Marxismo e questione criminale, Lettera ad Alessandro
Baratta, 197762; Teoria dello Stato o teoria del partito?,
197863; Marx e la teoria del diritto, 197864; Rapporti
internazionali e marxismo, 198165; Appendice, Stalin e la
crisi del marxismo, 198766; Un tentativo di risposta alla
crisi del marxismo, 199267; Ancora a proposito di
Cfr. IDEM, “La filosofia prima di Marx” (1950), in NéNé, pp.
20-26.
55
Cfr. IDEM, “Ancora dello stalinismo: alcune questioni di
teoria” (1956), in PolCul, pp. 241-267.
56
Cfr. IDEM, “La dialettica di Marx” (1958), in NéNé, pp. 73-97.
57
Cfr. IDEM, “Marxismo critico” (1962), in NéNé, pp. 189-192.
58
Cfr. IDEM, “Marxismo e fenomenologia” (1964), in NéNé, pp.
193-202.
59
Cfr. IDEM, “Marxismo e scienze sociali” (1974), in NéNé, pp.
115-152.
60
Cfr. IDEM, “Marx, Engels e la teoria dello Stato, Lettera a Danilo
Zolo” (1975), in NéNé, pp. 203-207.
61
Cfr. IDEM, “Marx e lo Stato” (1976), in NéNé, pp. 98-114.
62
Cfr. IDEM, “Marxismo e questione criminale, Lettera ad Alessandro
Baratta” (1977), in NéNé, pp. 208-212.
63
Cfr. IDEM, “Teoria dello Stato o teoria del partito? ” (1978), in
NéNé, pp. 213-222.
64
Cfr. IDEM, “Marx e la teoria del diritto” (1978), in NéNé, pp.
153-166.
65
Cfr. IDEM, “Rapporti internazionali e marxismo” (1981), in NéNé,
pp. 167-186.
66
Cfr. IDEM, “Appendice, Stalin e la crisi del marxismo” (1987), in
NéNé, pp. 57-69.
67
Cfr. IDEM, “Un tentativo di risposta alla crisi del
marxismo” (1992), in NéNé, pp. 223-234.
54
40
marxismo, Lettera a Costanzo Preve, 199368; Invito a
rileggere Marx, 199369.
Quanto a K. Marx, Bobbio ainda precisou que não era
possível ignorá-lo,70 mas era também difícil adotá-lo para
quem vinha como ele, de uma formação liberal, que os
marxistas consideravam, pejorativamente, burguesa. Porém,
podia-se continuar a ser liberal, sem ser, necessariamente,
anti-marxista71. Para Bobbio que fizera seus estudos
universitários durante o Fascismo, Karl Marx e o Marxismo
foram temas proibidos72.
Durante os seus cinqüenta anos de magistério Bobbio
nunca perdeu o interesse por K. Marx, mesmo que limitado
ao tema do Estado; sempre permanecendo no âmbito da
Filosofia Política. Ocasiões não faltaram, entre elas, as
principais foram: o debate em defesa dos direitos às
liberdades da tradição liberal, que os comunistas haviam
repudiado, entre os anos 1951 e 1955; e o debate em defesa
do Estado de direito e democrático, entre os anos de 1972
até 1976. Em ambos os debates, o alvo foi sempre a teoria
marxiana do Estado; do Estado enquanto tal e, portanto, de
todos os Estados reais, considerados como ditaduras73.
Na
situação
conflituosa,
determinada
pela
contraposição dos blocos, o perigo de uma “Terceira”
Guerra e do combate frontal entre Capitalismo e
Cfr. IDEM, “Ancora a proposito di marxismo, Lettera a Costanzo
Preve” (1993), in NéNé, pp. 235-240.
69
Cfr. IDEM, “Invito a rileggere Marx” (1993), in NéNé, pp. 241-247.
70
Cfr. IDEM, “Marxismo e questione criminale, Lettera ad Alessandro
Baratta” (1977), in NéNé, p. 221.
71
Cfr. C. VIOLI, “Introduzione”, in NéNé, pp. XXII-XXIII. Cfr. N.
BOBBIO, - P. POLITO, “Dialogo su una vita di studi”, in Nuova
antologia, a. 131, n. 577, fasc. 2200 (1996), p. 49.
72
Cfr. N. BOBBIO, “Premessa” (1997), in NéNé, p. IX.
73
Cfr. Ibidem, pp. X-XI.
68
41
Comunismo parecia iminente. Neste clima de guerra fria e
de ideologias em contraste, Bobbio assumiu a função de
intelectual mediador, cuja tarefa era essencialmente aquela
de estabelecer uma ponte sobre o abismo que, então, dividia
os intelectuais de formação liberal daqueles de formação
comunista; restabelecer entre as partes em conflito a
confiança no diálogo74.
Bobbio defendeu, com impostação tipicamente neoiluminista, alguns princípios fundamentais da tradição
liberal combatidos pelos marxistas que os consideravam
expressão da ideologia burguesa e não valores humanos
dignos de serem garantidos a todos os cidadãos, burgueses
ou proletários que fossem.
A liberdade inaugurada pelo Liberalismo e defendida
por Bobbio, era para os marxistas uma liberdade formal,
burguesa e, como tal, uma libertas minor, em relação à
libertas major, que deveria garantir aquela que Bobbio
chamou futura e hipotética Sociedade comunista.75
Bobbio nunca foi comunista e nunca teve a tentação
de tornar-se comunista76; porém, nunca foi nem mesmo
anticomunista por razões políticas, porque, junto aos
azionistas, os comunistas opunham-se à hegemonia do
partido da Democrazia Cristiana. Os azionistas, sendo
leigos e de esquerda, não podiam ser de acordo com um
partido católico e conservador77.
Bobbio teceu críticas muito precisas aos intelectuais
comunistas, tais como: não esclareciam se a liberdade
Cfr. C. VIOLI, “Introduzione”, in NéNé, p. XVI.
Cfr. Ibidem, p. XVII.
76
Cfr. N. BOBBIO, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza,
Roma-Bari 1999, p. 151.
77
Cfr. IDEM, “La memoria divisa che ci fa essere anomali” (1996), in
ItAmNe, p. 41.
74
75
42
individual e as técnicas jurídicas elaboradas pelo liberalismo
vão ou não salvaguardadas numa Sociedade rumo ao
Socialismo; não criticavam as medidas “liberticidas”
adotadas na então União Soviética durante a era stalinista;
nunca contestavam as decisões políticas dos dirigentes do
“Partido Comunista” e, portanto, não exercitavam a igual
liberdade de crítica manifestada em direção aos atos
repressivos dos adversários de governo78.
1.5. Bobbio Professor.
O livro com o qual Bobbio venceu o concurso público
para ensinar, em 1938, intitulado L’analogia nella logica
del diritto,79 era já uma pesquisa, como o título mesmo o
dizia, de lógica jurídica. Referia-se à práxis de preencher as
lacunas do Direito com normas tiradas de casos
semelhantes80.
A principal atividade de Bobbio foi o ensinamento
universitário. Depois da experiência feita a Camerino, Siena
e Padova, no ano acadêmico 1948-1949 Bobbio começou a
ensinar a Torino, como sucessor de Gioele Solari, na cátedra
de Filosofia del Diritto, e permaneceu nesta Universidade
até aposentar-se, no ano 1979. A maior parte da sua vida foi
ensinando e escrevendo81.
Era próprio do caráter do professor Bobbio não
radicalizar os confrontos, não exacerbar os contrastes e
Cfr. IDEM, “Spirito critico e impotenza politica” (1954), in PolCul,
pp. 113-120.
79
Cfr. IDEM, L’analogia nella logica del diritto, Istituto Giuridico
della R. Università, Torino 1938.
80
Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, RomaBari 1999, p. 139. Cfr. também IDEM, “L’Analogia e il diritto
penale”, in Rivista penale, XVI, 5 (Maio de 1938), pp.526-542.
81
Cfr. Ibidem, p. 129.
78
43
procurar ver também a razão das pessoas que têm idéias
diferentes das suas. Ele sempre buscou de haver um diálogo
civil com todos: com os católicos e com os comunistas.
Sempre se esforçou de seguir um modo de raciocinar que
pesa os prós e os contras, em modo de não fechar todo
espaço à posição do outro, e não tornar impossível a sua
réplica. Esta atitude fez dele um cordial interlocutor não
somente com os comunistas, mas também com o Partido
Comunista e os seus dirigentes82, como vimos acima.
1.5.1. Bobbio Ensina Filosofia do Direito.
Quando Bobbio sucedeu a Gioele Solari, na cátedra
de Filosofia do Direito, na Università di Torino, em 1948,
ele inaugurou o tipo de ensinamento de Teoria Geral do
Direito que considerava ser mais importante a uma
Faculdade de Direito que se estava tecnicizando sempre
mais. Ele notou a profunda diferença entre a Filosofia do
Direito dos filósofos e a Filosofia do Direito dos juristas83.
Bobbio alternava, a cada ano, cursos de caráter
teórico e de caráter histórico. Os primeiros dedicados
essencialmente a esclarecer questões de natureza
propedêutica; os segundos dedicados a ilustrar o
pensamento de grandes personagens ou correntes da
Filosofia do Direito.
Entre os cursos sobre pensadores, os dois mais
conhecidos foram sobre Immanuel Kant, 1957, e sobre John
Locke, 1963, cujas reflexões estão a fundamento da Teoria
liberal do Estado84.
Cfr. Ibidem, p. 104.
Cfr. Ibidem, p. 139.
84
Cfr. IDEM, Diritto e Stato nel pensiero di Emmanuele Kant,
Giappichelli, Torino 1957; IDEM, Locke e il diritto naturale,
82
83
44
Entre as correntes de Filosofia do Direito, Bobbio
dedicou um curso ao Positivismo giuridico, 196185. Neste,
re-editado, ele distinguia alguns significados de Positivismo
jurídico e dava a sua preferência ao Positivismo como
método e o rejeitava como ideologia86.
Ao início dos anos cinqüenta, Bobbio ocupou-se,
sobretudo, da natureza da Ciência do Direito87. Era um
velho problema, mais verbal que real, do qual
freqüentemente se ocuparam os juristas, que nunca
renunciaram especialmente durante o século do Positivismo
triunfante, à idéia que a obra do jurista fosse científica.
Tratava-se de saber, no sistema sempre mais
articulado das ciências, qual fosse a colocação da ciência do
Direito, ou melhor, do Direito como ciência. O problema
havia apaixonado Bobbio desde o início dos seus estudos.
Um dos seus primeiros escritos foi intitulado Scienza e
tecnica del diritto, 1934.88
Logo depois da Segunda Guerra, Bobbio aproximouse, através da sua participação ao Centro de Estudos
Metodológicos, ao Neo-positivismo89; e também à filosofia
Giappichelli, Torino 1963.
85
Cfr. IDEM, Il positivismo giuridico, Lezioni di Filosofia del Diritto
raccolte dal dott. Nello Morra, (Recta Ratio, Terza serie, 2),
Giappichelli, Torino 1996.
86
Cfr. IDEM, “Uberto Scarpelli” (1994), in LaMI, p. 165.
87
Cfr. IDEM, “Scienza del diritto e analisi del linguaggio” (1950),
republicado com o título “Scienza giuridica”, in ConDizGi, pp.
335-365.
88
Cfr. IDEM, “Scienza e tecnica del diritto” (1934), in Istituto
Giuridico della R. Università, Torino 1934, pp. 53. Cfr. Também
IDEM, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, Roma-Bari
1999, p. 134.
89
Cfr. IDEM, Il positivismo giuridico, Lezioni di Filosofia del diritto
(1960-1961), (Recta Ratio, Terza serie, 2), a cura de N. MORRA, G.
Giappichelli, Torino 1996.
45
analítica anglo-saxônica que havia dado vida à virada
lingüística do filosofar, segundo a qual a análise da
linguagem havia a virtude terapêutica de libertar a Filosofia
de tantos falsos problemas.90
Em 1946 Bobbio publicou suas Lezioni di Filosofia
del diritto, Ad uso degli studenti.91 E em 1950, publicou o
artigo Scienza del diritto e analisi del linguaggio.92
Um ramo da Filosofia do Direito, absolutamente
novo, ao qual Bobbio se dedicou com artigos e conferências
por aproximadamente dez anos, foi a lógica das
proposições normativas, mais tarde chamada lógica
deôntica.
Segundo Bobbio, por exemplo, se digo todos os
homens são mortais, Sócrates é um homem; portanto,
Sócrates é mortal; estou no âmbito da lógica assertiva, cujo
nascimento remonta a Aristóteles.
A logica deôntica, na qual entra a lógica do Direito, é
uma lógica não do ser, mas do dever ser. Bobbio nos dá um
exemplo: o homicídio deve ser punido, Caio cometeu um
homicídio, portanto Caio deve ser punido.
A lógica deôntica trabalha com as categorias modais
do “dever” e do “poder”, pelas quais, dizer que se deve
respeitar a vida alheia93 é como dizer que se pode respeitar
a vida alheia; assim como dizer que não se deve fazer é
Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, RomaBari 1999, p. 134.
91
Cfr. IDEM, Lezioni di Filosofia del diritto, Ad uso degli studenti,
Giappichelli, Torino 1946.
92
Cfr. IDEM, “Scienza del diritto e analisi del linguaggio” (1950),
republicado com o título “Scienza giuridica”, in ConDizGi, pp.
335-365.
93
Na sua Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, Roma-Bari
1999, p. 135, é escrito “non si deve fare”, como consideramos um
evidente erro editorial, traduzimos “deve-se fazer”.
90
46
como dizer que não se pode fazer94: por exemplo, dizer Não
matar! é dizer Não se pode matar!
Bobbio foi o primeiro a interessar-se de lógica
deôntica na Itália, 1954, apesar de ter ficado apenas nos seus
rudimentos95. Ele disse que competiu a outros o mérito de
haver transformado este riacho do saber numa disciplina
universitária e numa escola filosófica. A sua curiosidade
por este argumento teve início a partir de dois livros
publicados em 1951, que havia no título as palavras “lógica
jurídica”: Introducción a la lógica jurídica, do mexicano
Eduardo García Máynez, e Jüristische Logik, de Ulrich
Klug. O verdadeiro fundador da lógica deôntica foi o
finlandês Georg Henrik von Wright, aluno de
L. Wittgenstein.
Em 1954, Bobbio escreveu um artigo sobre o
argumento, que representa uma introdução à lógica
deôntica96: La logica giuridica di Eduardo García Máynez,
195497. Em 1962, Bobbio escreveu o artigo Diritto e
logica.98
No ano acadêmico 1957-1958, na Università di
Torino, Bobbio ministrou um curso de Teoria della norma
giuridica; e no ano acadêmico 1959-1960, ministrou o curso
Cfr. Ibidem.
Cfr. IDEM, “La logica giuridica di Eduardo García Máynez” (1954),
republicado com o título “Logica giuridica (II)”, in ConDizGi, pp.
133-155; IDEM, “Due paradossi storici e una scelta morale” (1954),
in DubScel, pp. 25-29.
96
Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, RomaBari 1999, p. 136.
97
Cfr. IDEM, “La logica giuridica di Eduardo García Máynez” (1954),
republicado com o título “Logica giuridica (II)”, in ConDizGi, pp.
133-155.
98
Cfr. IDEM, “Diritto e logica” (1962), republicado com o título
“Logica giuridica (I)”, in ConDizGi, pp. 103-132.
94
95
47
Teoria dell’ordinamento giuridico. Estes dois cursos
compuseram o volume coletânea Teoria generale del diritto,
publicado em 199399.
Após o ano 1972, quando Bobbio pára de ensinar
Filosofia do Direito e passa a ensinar Filosofia Política,
continuou ainda, esporadicamente, a ocupar-se da teoria
geral do Direito, principalmente em alguns escritos
referentes à função promocional do Direito, recolhidos no
volume, Dalla struttura alla funzione, 1977100.
1.5.2. Bobbio Ensina Filosofia Política.
No ano de 1972, Bobbio foi chamado à recém criada
Faculdade de Ciências Políticas, da Università di Torino,
como titular da cátedra de Filosofia Politica. Começou,
assim, um segundo período na vida do professor Bobbio,
que durou até o ano de 1979, quando encerrou sua história
de docente com 70 anos de idade, depois de mais de
quarenta anos de ensinamento101.
Quase vinte anos antes de começar a ensinar Filosofia
Política, dez anos depois do final da Segunda Guerra,
Bobbio publicara a primeira edição do volume coletânea
Politica e cultura, 1955102, que foi um momento importante
Cfr. IDEM, Teoria generale del diritto (Recta Ratio, Seconda serie,
1), G. Giappichelli, Torino 1993.
100
Cfr. IDEM, Dalla struttura alla funzione, Nuovi studi di teoria del
diritto, Edizioni di Comunità, Milano 19842.
101
Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, RomaBari 1999, pp. 168-169.
102
Cfr. IDEM, Politica e cultura (Biblioteca Einaudi 200), Einaudi,
Torino 20053. Neste volume foram recolhidos os seguintes escritos:
IDEM, “Invito al colloquio” (1951), in PolCul, pp. 03-17; IDEM,
“Difesa della libertà” (1952), in PolCul, pp. 31-40; IDEM,
“Dizionario della paura” (1952), in Occidente, VIII, 4 (Julho-Agosto
99
48
para a preparação daquela segunda etapa na sua vida
docente.
A publicação das lições de Bobbio no ano acadêmico
1975-1976, sob o título La teoria delle forme di governo
nella storia del pensiero politico, 1976103, foi um segundo
momento importante na vida de Bobbio professor de
Filosofia Política. Trata-se de um curso dedicado às teorias
das formas de governo104.
Uma grande publicação coletânea que recolheu
quarenta artigos sobre temas referentes à Filosofia Política,
compendiando praticamente toda a produção bobbiana sobre
tal tema, recebeu o título Teoria generale della politica,
1999105.
de 1952), pp. 161-170, republicado com o título “Dialogo tra un
liberale e un comunista”, in PolCul, pp. 41-52; IDEM, “Pace e
propaganda di pace” (1952), in PolCul, pp. 53-63; IDEM, “Politica
culturale e politica della cultura” (1952), in PolCul, pp. 18-30; IDEM,
“Croce e la politica della cultura” (1953), in PolCul, pp. 78-96;
IDEM, “Libertà dell’arte e politica culturale” (1953), in PolCul, pp.
64-77; IDEM, “Della libertà dei moderni comparata a quella dei
posteri” (1954), in PolCul, pp. 132-162, e republicado in TeGePo, pp.
217-247; IDEM, “Democrazia e dittatura” (1954), in PolCul, pp.
121-131; IDEM, “Intellettuali e vita politica in Italia” (1954), in
PolCul, pp. 97-112; IDEM, “Spirito critico e impotenza
politica” (1954), in PolCul, pp. 113-120; IDEM, “Benedetto Croce e il
liberalismo” (1955), in PolCul, pp. 177-228; IDEM, “Cultura vecchia
e politica nuova” (1955), in PolCul, pp. 163-176; IDEM,
“Introduzione alla prima edizione” (1955), in PolCul, pp. XLII-XLIII;
IDEM, “Libertà e potere” (1955), in PolCul, pp. 229-240; IDEM,
“Ancora dello stalinismo: alcune questioni di teoria” (1956), in
PolCul, pp. 241-267.
103
Cfr. IDEM, La teoria delle forme di governo nella storia del
pensiero politico (1975-1976), G. Giappichelli, Torino 1976.
104
Cfr. Ibidem, p. 2.
105
Cfr. IDEM, Teoria generale della politica (Biblioteca Einaudi, 73),
a cura di M. BOVERO, Einaudi, Torino 1999.
49
Este volume divide-se em seis partes: primeira, La
filosofia politica e la lezione dei classici;106 segunda,
Politica, morale, diritto;107 terceira, Valori e ideologie;108
quarta, La democrazia;109 quinta, Diritti e pace;110 sexta,
Mutamento politico e filosofia della storia.111
A última lição do Professor Bobbio na cátedra de
Filosofia Política, foi no dia 16 de Maio de 1979. Bobbio
Cfr. IDEM, “Dei possibili rapporti tra filosofia politica e scienza
politica” (1971), in TeGePo, pp. 05-16; IDEM, “Kant e le due
libertà” (1965), in DaHaM, pp. 147-163, republicado in TeGePo, pp.
40-53; IDEM, “Max Weber, il potere e i classici” (1981), in TeGePo,
pp. 70-97; IDEM, “Marx, lo stato e i classici” (1983), in TeGePo, pp.
53-70; IDEM, “Per una mappa della filosofia politica” (1990), in
TeGePo, pp. 16-24; IDEM, “Ragioni della filosofia politica” (1990),
in TeGePo, pp. 24-39.
107
Cfr. IDEM, “La resistenza all’oppressione, oggi” (1973), in EdD,
pp. 157-177, republicado in TeGePo, pp. 199-213; IDEM, “Il concetto
di politica” (1976), in TeGePo, pp. 101-120; IDEM, “Dal potere al
diritto e viceversa” (1981), in TeGePo, pp. 183-199; IDEM, “Il
buongoverno” (1982), in TeGePo, pp. 148-160; IDEM, “Etica e
politica” (1986), in EdM, pp. 51-87, republicado in in TeGePo, pp.
120-148; IDEM, “La politica” (1987), republicado com o título “I
confini della politica”, in TeGePo, pp. 161-183.
108
Cfr. IDEM, “Della libertà dei moderni comparata a quella dei
posteri” (1954), in Nuovi Argomenti, II, 11 (Novembro-Dezembro de
1954), pp. 54-86, republicado in PolCul, pp. 132-162, e republicado in
TeGePo, pp. 217-247; IDEM, “Libertà fondamentali e formazioni
sociali” (1975), republicado com o título “Il pluralismo degli antichi e
dei moderni”, in TeGePo, pp. 271-294; IDEM, “Eguaglianza ed
egualitarismo” (1976), in TeGePo, pp. 247-257; IDEM, “Sulla
nozione di giustizia” (1985), in TeGePo, pp. 257-270; IDEM,
“Introduzione, Tradizione ed eredità del liberalsocialismo” (1994), in
I dilemmi del liberalsocialismo, a cura de M. BOVERO, - M. MURA,
F. SBARBERI, La Nuova Italia Scientifica, Roma 1994, pp. 45-59,
republicado com o título “Sul liberalsocialismo”, in TeGePo, pp.
306-320.
106
50
cita Max Weber, dizendo: A cátedra universitária não é
nem para os demagogos nem para os profetas.
Bobbio declarou ao jornal de Torino La Stampa: A
última lição foi um fato natural, previsto; na vida,
imprevistos são somente os eventos extraordinários112.
IDEM, “La regola di maggioranza: limiti e aporie” (1981), in
TeGePo, pp. 383-410; IDEM, “Democrazia e scienze sociali” (1986),
Facultat de Ciènces Polítiques i Sociologia, Bellaterra (Barcelona)
1986, republicado com o título “Democrazia e conoscenza”, in
TeGePo, pp. 339-352; IDEM, “Democrazia ed Europa” (1987), in Il
trattato segreto, a cura de P. FOIS, Cedam, Padova 1990, pp. 16-31,
republicado com o título “Dall’ideologia democratica agli universali
procedurali”, in TeGePo, pp. 370-383; IDEM, “La democrazia dei
moderni paragonata a quella degli antichi (e a quella dei posteri)
” (1987), in TeGePo, pp. 324-339; IDEM, “Rappresentanza e
interessi” (1988), in TeGePo, pp. 410-428; IDEM, “Democrazia e
segreto” (1990), in TeGePo, pp. 352-369.
110
Cfr. IDEM, “Eguaglianza e dignità degli uomini” (1963), in Diritti
dell’uomo e Nazioni Unite, a cura da S.I.O.I. e da Commissione
Nazionale dell’UNESCO, Cedam, Padova 1963, pp. 27-42,
republicado in TerAs, pp. 71-83, e republicado com o título “La
dichiarazione universale dei diritti dell’uomo”, in TeGePo, pp.
440-453; IDEM, “Per una teoria dei rapporti tra guerra e
diritto” (1966), in Scritti in memoria di Antonino Giuffrè, vol. I,
Giuffrè, Milano 1967, pp. 91-98; republicado com o título “Guerra e
diritto”, in TeGePo, pp. 520-526; IDEM, “Rapporti internazionali e
marxismo” (1981), in NéNé, pp. 167-186, republicado in TeGePo, pp.
503-519; IDEM, “I diritti dell’uomo e la pace” (1982), in La pace,
Edizioni Cens, Liscate (Milano) 1982; republicado in TerAs, pp.
92-96; republicado in TeGePo, pp. 453-458; IDEM, “La pace
attraverso il diritto” (1983), in TerAs, pp. 207-209, republicado com o
título “Pace e Diritto”, in TeGePo, pp. 526-535; IDEM, “Dalla
priorità dei doveri alla priorità dei diritti” (1988), in Mondoperaio XLI
(1988) 3, pp. 57-60, republicado com o título “Il primato dei diritti sui
doveri”, in TeGePo, pp. 431-440; IDEM, “Pace, Concetti, problemi e
109
51
1.6. Engajamento
Bobbiano.
Político
e
Laicismo
As preferências políticas de Bobbio de conjugar
Liberalismo e Socialismo, isto é, de chegar a uma
integração dos direitos de liberdade com as exigências de
justiça social, dois princípios necessários de uma
democracia completa, não somente formal, mas também
substancial, contrastava com a versão do Marxismo,
ideali” (1989), in Enciclopedia del Novecento, vol. VIII, Istituto della
Enciclopedia Italiana, Roma 1989, pp. 812-824, republicado com o
título “La pace: il concetto, il problema, l’ideale”, in TeGePo, pp.
467-503; IDEM, “Sui diritti sociali” (1996), in Cinquent’anni di
Repubblica italiana, a cura de G. NEPPI MODONA, Einaudi, Torino
1996, pp. 115-124; republicado in TeGePo, pp. 458-466.
111
Cfr. IDEM, “Carlo Cattaneo e le riforme” (1974), in TeGePo, pp.
583-603; IDEM, “Riforme e rivoluzione” (1979), in TeGePo, pp.
540-563; IDEM, “Grandezza e decadenza dell’ideologia
europea” (1986), in DubScel, pp. 179-191, republicado in TeGePo,
pp. 604-618; IDEM, “La rivoluzione tra movimento e
mutamento” (1989), in TeGePo, pp. 564-582; IDEM, “Né con loro,
né senza di loro” (1992), in DubScel, pp. 213-223, republicado com o
título “Riflessioni sul destino storico del comunismo”, in TeGePo, pp.
618-630; IDEM, “Progresso scientifico e progresso morale” (1995), in
TeGePo, pp. 630-646.
112
Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, RomaBari 1999, p. 170.
52
elaborada por Galvano Della Volpe113, e com o seu radicado
anti-liberalismo114.
1.6.1. A Atividade Política: Dever Cívico.
Bobbio não teve ambições para fazer valer e tanto
menos interesses pessoais para defender na Política.
Considerou a atividade política como um dever cívico, às
vezes, até mesmo desagradável: uma vez se dizia um dever
para com a Pátria, mas já que a Pátria é o Mundo, ele
considerou o seu dever para com a grande Pátria de todos
os homens unidos por um comum destino de vida e de
morte.
Nessa Pátria, o seu lugar foi da parte dos deserdados,
dos oprimidos, das vítimas, daqueles que combateram e
morreram pela liberdade115.
O centro-sinistra – centro-esquerda – representava,
para Bobbio, a realização do velho sonho de uma aliança
política entre católicos democráticos e socialistas
democráticos: quantas vezes se disseram que se PE. Luigi
Sturzo – católico democrático – e Filippo Turati – socialista
Galvano DELLA VOLPE nasceu a Imola, em 1895, doutorou-se a
Bologna em 1920, morreu a Roma em 1968. Aluno de Rodolfo
Mondolfo, sofre nos anos vinte a influência do actualismo de Gentile,
para chegar ao comunismo marxista em 1944. Vence a cátedra de
História da Filosofia à Università di Messina, onde fica toda a sua
vida, não por própria escolha. A sua influência prática sobre a política
do Partido Comunista sempre foi escassa, em contraste com a
importância teórica da sua elaboração filosófica. Incarnou no âmbito
da filosofia contemporânea a mais coerente expressão do Marxismo
científico e anti-hegeliano.
114
Cfr. C. VIOLI, “Introduzione”, in NéNé, p. XVIII.
115
Cfr. N. BOBBIO, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza,
Roma-Bari 1999, p. 181.
113
53
democrático – tivessem chegado a um “acordo”, o
Fascismo jamais teria existido?116
Bobbio era convencido que a sua vocação fosse
aquela de estudioso e o seu lugar na Sociedade, aquele de
professor117, não de “político”.
1.6.2. O Laicismo Bobbiano.
Velho laico impenitente, Bobbio desconfiava da
“intransigência” católica, que se resolve no final num autaut sem possíveis mediações: ou a Igreja ou o Nihilismo.
Ele considerava como não “necessário” a tolerância
onde existe unidade de Fé. E lá onde a “fé” é múltipla – mas
hoje todas as Sociedades mais civis são pluralistas – ele
considerava a tolerância como um expediente prático e não
como uma regra fundamental da convivência sobre a qual se
funda a democracia moderna118.
O laicismo bobbiano não podia aprovar a visão
totalizante que os comunistas tinham da História e a
perspectiva de uma Sociedade sem conflitos, onde uma nova
classe exercita “todo” o Poder sobre todos. Todavia Bobbio
não compartilhava uma polêmica ideológica cujo verdadeiro
objetivo era o Partido Comunista de Enrico Berlinguer;
como o disse a Benedetto (Bettino) Craxi, numa carta de 14
de Outubro de 1978119.
No dia 18 de Julho de 1984, o presidente Sandro
Pertini nomeou Bobbio senador vitalício, juntamente com o
escritor católico Carlo Bo.
Cfr. Ibidem, p. 183.
Cfr. Ibidem, p. 187.
118
Cfr. IDEM, “Augusto del Noce” (1993), in LaMI, p. 121; IDEM,
“Piero Calamandrei”, in ItCiv, pp. 222-223.
119
Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, RomaBari 1999, p. 195.
116
117
54
Naquele mesmo ano, Bobbio deixou definitivamente o
ensinamento universitário, havendo completado setenta e
cinco anos de idade; a Faculdade de Ciências Políticas de
Torino reconheceu-lhe, com voto unânime, o título de
professor emérito120.
Bobbio se inscreveu ao grupo socialista como
independente. Freqüentou, de 1984 até 1988, enquanto suas
condições de saúde lhe permitiram a Commissione
Giustizia, do Senado121.
120
121
Cfr. Ibidem, p. 201.
Cfr. Ibidem, p. 203.
55
2. O “Metódico” Pessimismo Bobbiano.
Trabalhamos, acima, uma sumária biografia de
Bobbio, onde conhecemos sua pré-história, ou seja, aquele
período que vai do seu nascimento até a queda do Fascismo,
e o nascimento da democracia na Itália; conhecemos sua
atuação na resistência antifascista e seu papel de intelectual
laico; também conhecemos sua descoberta da democracia;
bem como sua capacidade de dialogar com os comunistas,
característica do seu perfil filosófico122; conhecemos ainda o
professor Bobbio que ensinou Filosofia do Direito e a
Filosofia Política; concluímos com o seu engajamento
político e o seu laicismo.
Bobbio deixou aos fanáticos, àqueles que querem a
catástrofe e àqueles que pensam que no final “tudo se ajeita”
o prazer de serem otimistas. O pessimismo, segundo ele, é
um dever cívico porque somente um pessimismo radical da
razão pode despertar algum frêmito naqueles que, de uma
parte ou da outra, mostram de não perceber que o sono da
razão gera monstros123.
O “metódico” pessimismo bobbiano será trabalhado
em dois momentos principais. Num primeiro momento,
trabalharemos a concepção bobbiana sobre a vida e a
morte, onde conheceremos suas posições sobre a morte
como o “fim” do homem; sobre a vida humana tomada a
sério; e sobre o mundo do além-túmulo como o mundo do
não-ser.
Cfr. IDEM, “Ancora a proposito di marxismo, Lettera a Costanzo
Preve” (1993), in NéNé, p. 240.
123
Cfr. Ibidem, pp. 167-168.
122
56
Num segundo momento, trabalharemos Bobbio um
iluminista pessimista, onde conheceremos que ele não
queria ser nem romântico, nem decadente; e que o metódico
pessimismo bobbiano fora um estado de ânimo;
conheceremos também Bobbio como filósofo e seus valores
morais.
2.1. A Concepção Bobbiana Sobre a Vida e a
Morte.
2.1.1. A Vida Humana Tomada a Sério.
Havendo a consciência da velhice e da proximidade
do seu fim, Bobbio dizia de não saber nem mesmo se este
fim seria devido ao caso, imprevisível e imponderável; ou
então devido ao destino, portanto, a um evento previsto e
ponderado desde o início dos seus dias, por um “Poder” a
ele desconhecido.
Bobbio dizia de não saber a resposta e “não querer
sabê-la”. O caso explicaria muito pouco, observava ele; a
necessidade explicava demasiadamente. Só a crença na
vontade livre, pressuposto que a liberdade do querer não
seja esta também, uma ilusão, nos ajudaria a crer de sermos
senhores da nossa vida. Mas, apesar de ninguém querer
morrer, a morte chega igualmente para todos. Seja pelo
caso ou pela necessidade, para quem morre não tem muita
importância.
Que um evento aconteça por caso fortuito, portanto
podia também não acontecer; ou por força maior, portanto
não podia não acontecer, a conseqüência é uma só, observou
Bobbio: exonerar-nos da responsabilidade diante da morte.
57
No caso de um evento maligno como a morte, o fato
de atribuí-lo a um acontecimento que não era previsível ou a
um acontecimento que era previsto desde a eternidade tem,
talvez, somente uma função consoladora:
Não podia fazer nada! Era inevitável!124
Para Bobbio a vida humana não pode ser pensada sem
a morte. Os homens são, não por um caso, chamados
mortais: mesmo os mais cínicos, os mais sem escrúpulos e
despreocupados, os mais indiferentes, ao menos em algum
momento das suas vidas, tomam a sério a morte. Se não
tomam a sério a morte dos outros, ao menos tomam a sério
a sua própria morte.
O único modo de levar a sério a morte, segundo
Bobbio, é de considerá-la como se apresenta a nós, quando
vemos a imobilidade de um corpo humano “reduzido” a
cadáver: o oposto da vida que é movimento. A morte levada
a sério é o fim da vida, o final último, um fim além do qual
não existe outro princípio125.
Segundo Bobbio, respeita a vida quem respeita a
morte. Leva a sério a morte quem leva a sério a vida; esta
vida, a nossa vida, a única vida que nos foi “dada” mesmo
se não sabemos por quem e ignoramos o seu por que.
Levar a sério a vida quer dizer aceitar firmemente,
rigorosamente, o mais serenamente possível, a sua finitude;
quer dizer saber com certeza, com certeza absoluta que
devemos morrer; que esta vida é inteiramente dentro do
tempo, dentro do qual todas as coisas que existem são
“destinadas” a morrerem126.
Cfr. IDEM, “De senectute” (1994), in DeSe, pp. 33-34; IDEM,
“Paolo Farneti” (1980), in LaMI, pp. 432-433.
125
Cfr. Ibidem, p. 37.
126
Cfr. Ibidem.
124
58
2.1.2. A Morte Como Evento Indizível.
Para Bobbio, a sua morte seria um evento
imprevisível para todos, mas para ele mesmo seria também
um evento indizível127. E mais indizível aquilo que
aconteceria depois da sua morte. Ele se perguntava:
O quê vem depois? Somos realmente certos que
aconteça alguma coisa, que um dia ou outro alguém nos
contará?128
Enquanto descrente Bobbio nunca imaginou que um
Homem de fé, como Sergio Quinzio, pudesse falar com
tanta liberdade da falência do Cristianismo que não manteve
as suas promessas; do xeque do Crucifixo, em La sconfitta
di Dio129.
A História de Deus é, segundo Bobbio, desde as
primeiras páginas da Bíblia, uma história de derrotas.
Depois de dois mil anos de Cristianismo os mortos ainda
não ressuscitaram e o espaço para a Fé é monstruosamente
diminuído. Dizia ele que não podemos mais crer a um Deus
que exige um preço infinito de sangue e de lágrimas para
dar uma solução que ninguém nunca viu130.
Cfr. Ibidem, p. 35: “La mia morte è imprevedibile per tutti, ma per
me è anche indicibile”.
128
Cfr. Ibidem: “Ancora più indicibile quello che viene dopo. Ma che
cosa viene dopo? Siamo proprio sicuri che avvenga qualche cosa da
raccontare, che un giorno o l’altro qualcuno racconterà?”
129
Cfr. S. QUINZIO, La sconfitta di Dio, Adelphi, Milano 1992.
130
Bobbio se declara não credente, cfr. IDEM, “Gli dèi che hanno
fallito (Alcune domande sul problema del male)” (1994), in EdM, p.
184: “Da non credente, che continua nonostante tutto a restare sulla
soglia, non avrei mai immaginato che l’uomo di fede potesse parlare
con tanta libertà del fallimento del cristianesimo che non ha
mantenuto le sue promesse, dello scacco del Crocefisso. La storia di
Dio è, fin dalle prime pagine della Bibbia, ‘una storia di sconfitte’;
‘dopo due mila anni i morti non sono risuscitati, e lo spazio per la
127
59
Bobbio sempre nutriu um grande respeito pelos que
crêem, mas nunca foi um homem de fé. Segundo ele a fé,
quando não é um dom, é um hábito; quando não é nem um
dom e nem um hábito, deriva de uma forte vontade de crer.
A vontade começa onde a Razão termina: Bobbio sempre
parou antes131.
Era-lhe também completamente estranha a fé na
Razão. Bobbio nunca teve a tentação de substituir o Deus
dos crentes pela deusa Razão. Para ele, a nossa razão não é
nem mesmo um lume: é um lumicino – uma luzinha. Porém,
observou ainda ele, não temos outra “luz” para caminhar nas
trevas da qual viemos às trevas para as quais caminhamos132.
A resposta do não-crente exclui qualquer outra
pergunta. Para o crente, invés, as perguntas mais
angustiantes começam no momento em que admite a
existência de outra vida depois da morte:
Qual vida?
Segundo Bobbio, em base à nossa experiência não
sabemos absolutamente nada desta outra vida. Cada
Religião, vidente ou visionário, sábio que crê ou finge de
saber; cada Homem, mesmo o mais simples que tem horror
da própria morte ou não, resigna-se diante da morte da
pessoa amada, dá a própria resposta. Todas as respostas,
segundo ele, são igualmente críveis133.
fede è mostruosamente diminuito’; ‘non possiamo più credere a un
Dio che esige un infinito prezzo di sangue e di lacrime per dare una
soluzione che nessuno ha ancora visto’; […].”
131
Cfr. IDEM, “Capire prima di giudicare” (1989), in EdM, p. 199.
132
Cfr. Ibidem: “Mi è anche completamente estranea la fede nella
ragione. Non ho mai avuto la tentazione di sostituire la Dea Ragione
al Dio dei credenti. Per me, la nostra ragione non è un lume: è un
lumicino. Ma non abbiamo altro per procedere nelle tenebre da cui
siamo venuti alle tenebre verso le quali andiamo.”
133
Cfr. IDEM, “De senectute” (1994), in DeSe, p. 36.
60
Quando Bobbio afirmou de não crer em uma segunda
vida depois da morte ou a quantas outras possam imaginarse depois “desta”, não entendeu afirmar nada de
peremptório. Quis dizer somente que sempre lhe pareceu
mais convincentes as razões da dúvida do que aquelas da
certeza. Segundo ele ninguém pode ser seguro de um evento
do qual não existem provas. Mesmo aqueles que crêem, na
verdade crêem de crer, como afirma o título de um livro de
Gianni Vattimo, Credere di credere134. Bobbio, invés, cria
de não crer: credo di non credere135
2.1.3. A Morte Como o “Fim” do Homem.
Costuma-se distinguir os homens em base a muitos
critérios, tais como: raça, nação, língua, etc. Segundo
Bobbio, dá-se pouca importância a um critério que marcaria
mais profundamente a irredutível diferença entre os
homens: a crença ou não numa vida além morte136.
Que os homens sejam mortais é um fato. Que a morte
real, que constatamos cada dia a nossa volta e sobre a qual
não cessamos de refletir dentro de nós, não seja o “fim” da
vida, mas a passagem a outra forma de vida diferentemente
imaginada e definida segundo os vários indivíduos, as várias
religiões, as várias filosofias, não é um fato: é uma crença.
Existem aqueles homens que crêem e aqueles que não
crêem nesta vida pós-túmulo. Existem ainda aqueles que
não a pensam nem mesmo; e aqueles que dizem:
“Quem sabe!”.137
Cfr. G. VATTIMO, Credere di credere, Garzanti, 19992.
135
Cfr. N. BOBBIO, “De senectute” (1994), in DeSe, p. 36.
136
Cfr. Ibidem, p. 35.
137
Cfr. Ibidem.
134
61
Desde garoto, quando começou a refletir sobre os
problemas últimos da vida humana, Bobbio sentiu-se
sempre mais próximo ao grupo dos não-crentes nesta vida
pós-túmulo. Segundo ele pode-se discutir ao infinito, mas
aquilo que nunca conseguiu aceitar foi fechar a questão
bruscamente, recorrendo ao argumento pascaliano da
aposta138.
O mais forte argumento, segundo Bobbio, para
afirmar que a morte é o final último do Homem, que a morte
é realmente a morte, é que se morre somente uma vez. O
final da vida é o primeiro e último fim. Mesmo quem admite
uma “segunda” vida depois da morte, não admite uma
segunda morte; porque a segunda vida, se existisse, seria
eterna, seria uma vida sem morte139.
A nossa morte é o nosso “final” enquanto indivíduo, e
esta morte é um fim absoluto. Muitas coisas no Mundo da
Natureza e da História terminam para re-começar, observou
Bobbio. Com a morte como o fim último, a vida se extingue.
Para Bobbio a extinção é o fim sem re-começo. Aquilo que
é extinto terminou para sempre140.
Cfr. Ibidem, pp. 35-36. Cfr. B. PASCAL, Pensées, trad. it. Pensieri
(Bompiani Testi a Fronte, 19), texto francês a fronte, Bompiani,
Milano 2000, n. 451, pp. 247-452; cfr. ainda C. ALTOVITI, "Il
paradosso di Bobbio e il pensiero di Pascal", in Politica Popolare
XXXIII, 222 (1987), pp. 11-14.
139
Cfr. Ibidem, pp. 37-38.
140
Cfr. Ibidem, p. 38: “La mia morte è la fine di me singolo, ed essa
sola è una fine assoluta. Molte cose nel mondo della natura e della
storia finiscono per ricominciare. Dopo il giorno viene la notte e poi
ancora il giorno. Gli antichi avevano una visione ciclica della storia e
la fase che chiudeva un ciclo era destinata a ricomparire nel ciclo
successivo. L’alternanza dei cicli era infinita, così come l’eterno
ritorno di Nietzsche. Con la morte come fine ultima, la vita si
estingue. ‘Estinzione’ chiamiamo la fine senza ricominciamento. […]
Ciò che è estinto, è finito per sempre.”
138
62
Em uma palavra, com a morte o Homem termina para
sempre; não existe esperança nem de uma ressurreição, nem
mesmo de uma re-encarnação: não existe, para Bobbio, uma
nova vida; nem um Deus que possa julgar ou punir o
Homem, no mundo do além-morte.
2.1.4. O Além-túmulo Como Mundo do Não-ser.
Segundo Bobbio, do mundo do além-túmulo sabemos
tão pouco que cada um sente-se no direito de representá-lo
segundo as suas esperanças e os seus medos, segundo os
sonhos que o “iludiram” e os pesadelos pelos quais foi
perturbado e perseguido; segundo os ensinamentos ou as
doutrinas recebidos.
Esse mundo do além-túmulo pode, enfim, ser remédio
aos próprios sofrimentos ou recompensa às próprias
infelicidades. O mundo do além deveria ser um mundo
completamente diferente do mundo de cá. A única coisa de
que não podemos duvidar é que, se existisse este mundo,
seria diferente deste de cá141.
Ainda em relação ao além mundo no qual a parte de
nós, aquela destinada a não morrer viveria depois da morte,
depois que deixasse apodrecer debaixo da terra o nosso
corpo ou inteiramente destruir fazendo-o incinerar, toda
representação é possível. Segundo Bobbio, não existem
limites à nossa imaginação; mas seria somente fruto da
imaginação.
Como se poderia crer em alguma coisa da qual não
se há nem uma idéia nem uma imagem? Bobbio afirmou
que é infinito e eterno para o Homem aquilo que nós,
“ilusoriamente”, transferimos num outro mundo; construído
para nossa defesa e para nossa sustentação, fora de toda
141
Cfr. Ibidem.
63
possibilidade verdadeiramente humana. Também a volta dos
entes queridos mortos pertence a este mundo ideal onde
tudo acontece segundo os nossos projetos, mas onde estes
projetos não são outra coisa que a projeção das nossas mais
“desesperadas” ilusões142.
Bobbio afirmou que com a morte se entra no mundo
do não-ser, no mesmo mundo no qual éramos antes de
nascer. Aquele nulla que éramos não sabia nada do nosso
nascimento, do nosso vir-ao-Mundo e daquilo que nos
tornaríamos; o nulla que nós seremos não saberá nada
daquilo que nós fomos, da vida e da morte daqueles que nos
estiveram próximos, cuja presença nutria as nossas jornadas,
dos eventos de que nós nos interessamos a cada dia lendo os
jornais, escutando o rádio ou falando com os amigos.
Bobbio observou ainda que, se ele morresse antes de
sua esposa, como de fato aconteceu com a qual dividiu a sua
vida por sessenta anos, não saberia “nada” da sua morte. Ela
morreria não só sem ele, mas sem que ele o soubesse143.
Tudo aquilo que teve princípio terá um fim, afirmou
Bobbio. Por que não deveria ter um fim também a nossa
vida? Por que o “fim” da nossa vida deveria haver,
diversamente de todos os acontecimentos, tanto daqueles
naturais quanto daqueles históricos, um novo princípio? Só
aquilo que não teve um princípio não terá um fim; mas
aquilo que não teve um princípio nem um fim é o Eterno144.
Cfr. IDEM, “Luigi Cosattini” (1947), in ItCiv, p. 281.
Cfr. IDEM, “De senectute” (1994), in DeSe, p. 40: “Con la morte si
entra nel mondo del non essere, nello stesso mondo in cui ero prima
di nascere. Quel nulla che ero non sapeva nulla della mia nascita, del
mio venire al mondo e di quello che sarei diventato; il nulla che sarò
non saprà nulla di quello che sono stato, […]. Se premorrò a mia
moglie, […]. Morrà non solo senza di me, ma senza che io lo sappia.
Così non saprò nulla di quel che accadrà[…].”
144
Cfr. Ibidem, p. 41.
142
143
64
2.2. Bobbio um Iluminista Pessimista.
Bobbio se identificou com o grupo dos insatisfeitos145,
dos racionalistas146 e intelectualistas impenitentes147, dos
perplexos148.
Entre os seus amigos torineses Bobbio foi
considerado, com ironia, o filósofo149. Reconheceu-se bom
iluminista150. Juntamente com os seus amigos, ele admitiu
de poderem ser considerados iludidos ou desiludidos, mas
não sconfitti – derrotados151.
2.2.1. Nem Romântico, Nem Decadente.
Bobbio não quis ser nem romântico, nem decadente,
mas iluminista. Os velhos iluministas não se limitavam a
protestar contra os poderes constituídos: propunham
reformas, projetavam novas instituições, agiam sobre a
opinião pública para transformar a Sociedade.
Bobbio se perguntava: temos o direito de nos chamar
iluministas no sentido histórico da palavra? Por trás do
Cfr. IDEM, “Renato Treves” (1994), in LaMI, p. 93; IDEM,
“Prefazione alla prima edizione” (1963), in ItCiv, p. 10.
146
Cfr. IDEM, “Bruno Leoni” (1968), in LaMI, p. 397.
147
Cfr. IDEM, “Il giovane Aldo Moro” (1980), in DalFaD, p. 298.
148
Cfr. IDEM, “Religione e politica in Aldo Capitini” (1969), in
MeCom, pp. 293-294.
149
Cfr. IDEM, “Testimonianza su Giacomo Noventa” (1986), in ItFed,
p. 218:
150
Cfr. IDEM, “La non-filosofia di Salvemini” (1975), in MeCom, p.
32.
151
Cfr. IDEM, “Prefazione” (1985), in ItCiv, p. 07.
145
65
velho iluminista existiam, ao menos, essas três coisas: fé na
razão contra a ressurreição de velhos e novos mitos;
aspiração a empregar a ciência a fins da utilidade social
contra o saber contemplativo e ociosamente edificante; fé
no progresso indefinido da Humanidade contra a aceitação
de uma História que, monotonamente, repete-se152.
Bobbio acolheu o primeiro e o segundo itens acima,
mas não era disposto a compartilhar o terceiro: o progresso
contínuo da Humanidade153.
À custa de utilizar uma fórmula que poderia parecer
paradoxal, Bobbio declarou-se um iluminista pessimista: um
iluminista que aprendeu a lição histórica de Th. Hobbes e de
J. De Maistre, de N. Machiavelli e de K. Marx.
Segundo Bobbio a “atitude” pessimista combina mais
com o Homem de razão, do que a atitude otimista. O
otimismo, segundo ele, comporta sempre certa dose de
infatuazione – paixão, entusiasmo, pasmo – e o Homem de
razão não deveria ser infatuato – apaixonado, entusiasmado,
enfatuado154.
Para Bobbio a História é um drama. Afirmara, porém,
de não saber, porque ninguém lhe dera provas irrefutáveis,
se a História é um drama com final feliz. Não queria, porém,
que sua profissão de pessimismo fosse entendida como um
gesto de “renúncia”: é um ato de salutar abstinência depois
de tantas orgias de otimismo; é uma ponderada rejeição de
participar ao “banquete” dos que vivem sempre em “festa”.
Cfr. IDEM, “Cultura vecchia e politica nuova” (1955), in PolCul, p.
169.
153
Na próxima etapa de nossa pesquisa trabalharemos a posição de
Bobbio sobre o Mito do Progresso.
154
Cfr. N. BOBBIO, “Cultura vecchia e politica nuova” (1955), in
PolCul, p. 169-170.
152
66
Segundo Bobbio, somente o pessimista encontra-se
em condições de agir com a mente livre, com a vontade
firme, com sentimento de humildade e plena devoção à
própria tarefa155.
Em uma entrevista a Giancarlo Bosetti, para o jornal
Unità, em 6 de Abril de 1996, nas vésperas das eleições
daquele ano, Bobbio disse ser um desiludido crônico; um
desiludido por temperamento, por vocação; mas também um
pouco pelas experiências feitas durante meio século de vida
democrática, vividas com certa “paixão”.
Naquela ocasião, Bobbio declarou de haver tido
algumas poucas ilusões na vida, não mais de três ou quatro;
mas foram auto-enganos de breve duração156.
Bobbio não pretendia, normalmente, de haver a
última palavra; detestava as discussões sem fim, unicamente
por motivos de prestígio, e não por necessidade dialógica.
Depois da troca de opiniões, procurava evitar a ruptura e
buscava percorrer a via da conciliação. No final ele preferia
estender a mão que virar as costas.
O escopo do diálogo não é demonstrar quem é o
melhor, mas sim chegar a um acordo ou, pelo menos,
iluminarem-se reciprocamente as idéias. Em uma palavra,
Bobbio não amava haver inimigos157.
Cfr. Ibidem, p. 170.
Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, RomaBari 1999, p. 215.
157
Cfr. IDEM, “A me stesso” (1996), in DeSe, p. 9.
155
156
67
2.2.2. O Pessimismo Bobbiano: Estado de Ânimo.
Bobbio sempre se considerou e sempre foi
considerado um pessimista. O seu pessimismo não era,
porém, uma filosofia, mas um estado de ânimo. Foi um
pessimista de humor e não de conceito. O pessimismo como
filosofia, segundo ele mesmo, é uma contra-resposta
alternativa à resposta do “otimista” à pergunta: Aonde vai o
Mundo? E quem sabe?
Segundo Bobbio talvez tenham razão tanto o
pessimista quanto o otimista; talvez nenhum dos dois. Para
ele não tem muito sentido pôr-se pergunta à qual não é
possível dar uma resposta158.
Para Bobbio, um raciocínio que não nos permite de
satisfazer a nossa curiosidade entorno ao conhecimento de
como vai o Mundo é uma prova a mais da impotência da
nossa razão. Para seres que, orgulhosamente, definiram-se
animais racionais, esta impotência da razão é um ulterior
argumento para serem pessimistas159.
Bobbio constatou, no mundo humano, uma grande
dicotomia entre ideais e grezza materia – matéria bruta.
Esta “dicotomia” dá forma eficaz e confere um sentido
dramático à sua convicção de que o mundo humano, como
universo histórico, tenha uma “natureza” objetivamente
dualista. Ele mesmo se reconheceu um dualista impenitente.
Segundo M. Bovero, seu dualismo, além do aspecto
metodológico e gnosiológico, isto é, atinente aos problemas
do conhecimento, assumiu ainda um aspecto substancial:
ele tinha uma concepção quase platonizante, atravessada
por uma fratura fundamental entre o mundo inteligível das
158
159
Cfr. Ibidem, p. 12.
Cfr. Ibidem, p. 13.
68
idéias e dos valores e o mundo visível das coisas e das
ações: mundo da grezza materia.160
2.2.3. Bobbio Filósofo e Seus Valores Morais.
Bobbio se considerava pertencente à família dos
filósofos, porque sempre manteve não só o sentido da
imensidão do espaço, mas também do tempo;
conseqüentemente, da História. Desta História nascida e
finita, destinada a terminar; e da qual não sabemos nada
sobre a sua direção, posto que tenha uma; e do seu fim
certo, mesmo se não sabemos “quando”161.
Bobbio, porém, nunca se considerou um Filósofo no
sentido tradicional do termo, mesmo se ensinou por tantos
anos duas matérias filosóficas: a Filosofia do Direito e a
Filosofia da Política; mas uma e outra, como ele as
entendia, tinham pouco a que ver com a Filosofia com a “F”
maiúscula, dizia ele.
Considerava-se, não obstante tudo isto, pertencente à
família dos filósofos162. Podemos dizer que ele não se
considerasse um amigo da Sabedoria, mas um “parente”
dos amigos da Sabedoria.
Bobbio dedicava sempre algumas lições introdutórias
aos seus cursos para explicar aos alunos por que aqueles
cursos, apesar de serem intitulados Filosofia del Diritto e
Filosofia della Politica, não eram desenvolvidos por ele
como cursos propriamente filosóficos. A maior parte das
Cfr. M. BOVERO, “Introduzione”, in TeGePo, p. XLIX.
Cfr. N. BOBBIO, “Per una bibliografia” (1984), in DeSe, pp. 84-85;
IDEM, “Lelio Basso”, in LaMI, p. 351.
162
Cfr. Ibidem.
160
161
69
suas dispense – apostilas – Bobbio não as intitulou Filosofia
di…, mas sempre Teoria generale di...163
As aparentes contradições, exprimíveis mediante
paradoxos, tais como iluminista-pessimista e realistainsatisfeito, refletem o contraste objetivo que Bobbio vê na
estrutura do mundo humano164.
Este contraste não deve ser interpretado como uma
contradição da sua filosofia, ou como uma falta de endereço
claro e unívoco nos seus escritos e entre os seus escritos.
Trata-se da elaboração articulada, mas plenamente
conseqüente, de uma concepção dualista do Mundo.
Na perspectiva da análise teórica, Bobbio explorou
ambos os hemisférios do mundo histórico humano: aquele
dos fatos, reconstruindo, em conceitos gerais, as complexas
articulações da realidade política; e aquele dos valores,
distinguindo e confrontando os seus diferentes significados
descritivos.
Na perspectiva da filosofia militante, Bobbio
defendeu certos ideais e argumentou em favor de certos
valores, considerando os resultados da análise. Poder-se-ia
dizer, que para um dualista impenitente, como ele, teria sido
“unilateral” desenvolver um pensamento exclusivamente
realístico ou, ao oposto, abstratamente normativo165.
Os valores morais que nortearam toda a produção
intelectual do filósofo Bobbio e, podemos dizer toda a vida
do homem Bobbio, foram os seguintes:
Cfr. IDEM, Che cosa fanno oggi i filosofi?, a cura da
BIBLIOTECA COMUNALE DI CATTOLICA, Bompiani, Milano
1982, pp. 159-182.
164
Cfr. IDEM, “Risposta ai critici” (1993), in DeSe, p. 151.
165
Cfr. M. BOVERO, “Introduzione”, in TeGePo, pp. XLIX-L.
163
70
Primeiro, agir pela boa causa sem ambições; para
ele, a vida humana era “a” boa causa por excelência,
enquanto valor primordial166.
Segundo, os valores da coerência e da intransigência.
Terceiro, os valores da firmeza, da seriedade, do
desinteresse e da abnegação.
Quarto, os valores do rigor e da autodisciplina.
Quinto, o valor da humildade diante da grandeza da
História e diante da insuficiência da própria tarefa167.
Da observação da “irredutibilidade” das crenças
últimas Bobbio tirou a maior lição moral da sua vida, que
elaborou como imperativo:
Respeitar as idéias dos outros; parar diante do
segredo de cada consciência; compreender antes de
discutir; discutir antes de condenar168.
166
Este valor da vida como direito fundamental por excelência e
primordial, enquanto condição para todos os demais valores, será
aprofundado na próxima etapa desta pesquisa.
167
Cfr. N. BOBBIO, “Prefazione alla prima edizione” (1963), in ItCiv,
p. 11: “I valori morali, cui va la mia preferenza, sono quelli
dell’operare per la buona causa senza ambizioni, della coerenza e
della intransigenza, della fermezza, della serietà, del disinteresse e
dell’abnegazione, del rigore e dell’autodisciplina, dell’umiltà di
fronte alla grandezza della storia e alla insufficienza del proprio
compito.”
168
Cfr. Ibidem, pp. 11-12: “Ho imparato a rispettare le idee altrui, ad
arrestarmi davanti al segreto di ogni coscienza, a capire prima di
discutere, a discutere prima di condannare.”
71
3. A Trilogia Temática Bobbiana.
Após trabalharmos uma sumária biografia de Bobbio,
passamos ao “metódico” pessimismo bobbiano, onde
conhecemos a concepção bobbiana sobre a vida e a morte;
depois conhecemos Bobbio como um iluminista pessimista,
em três momentos: nem romântico, nem decadente; o
pessimismo bobbiano: estado de ânimo e, por fim, Bobbio
filósofo e seus valores morais.
Chegou, agora, o momento de trabalharmos a trilogia
temática de Bobbio, ou seja, os três grandes temas que
nortearam toda sua vasta gama de estudos e escritos durante
os seus 94 anos de vida.
Começaremos pelos ideais de Bobbio; trabalharemos
os ideais da democracia e da paz, onde conheceremos
sinteticamente sua concepção sobre a democracia e a paz;
por fim trabalharemos o ideal dos direitos do Homem. Para
cada um destes ideais que compõem sua trilogia temática,
apresentaremos os seus principais escritos e publicações
coletâneas.
3.1. Os Ideais de Bobbio.
Bobbio mesmo indicou, explicitamente, quais foram
os seus ideais, na sua trilogia temática: democracia, direitos
do Homem e paz. Não é difícil reconstruir, ao menos em
suas linhas principais, a relação de contraposição entre os
três ideais e as três dimensões da, acima citada, rozza
materia – matéria bruta – que podemos deduzir a partir do
metódico
pessimismo
bobbiano,
que
marcou
“negativamente” sua antropologia: a aspiração à Paz se opõe
72
ao mundo humano enquanto reino da violência; o princípio
universalista dos direitos do Homem se opõe ao mundo
particularista das paixões e dos interesses humanos; o ideal
da Democracia como transparência, como governo público
em público169, opõe-se à cortina ideológica dos enganos e à
opacidade do poder.
Bobbio sempre sublinhou a interdependência destes
três ideais entre eles, no sentido que a perseguição coerente
de cada um deles obriga a perseguir também os outros, e
que a mesma definição de cada um deles requer o uso das
noções correspondentes aos outros dois170.
Sua trilogia temática “germinou-se” e “cresceu” junto
com a República Italiana, que nascera das “cinzas” da
Segunda Guerra.
Terminada a Guerra e implantada a liberdade no
território italiano, os grandes problemas a serem enfrentados
por Bobbio foram a Democracia e a Paz: os dois primeiros
ideais ou temas da sua trilogia intelectual.171
Como vimos acima, a história da sua vida de
estudioso começou a partir do pós-guerra; aquilo que veio
antes foi a sua pré-história intelectual.
Estes dois grandes temas foram como uma “bússola”
que norteou a maior parte dos seus escritos; assim, a massa
aparentemente caótica das suas fichas bibliográficas pôde
encontrar um “fio condutor”. Só alguns anos mais tarde
Bobbio afrontou o tema, ao que as reflexões sobre a
Democracia e sobre as condições da Paz, inevitavelmente,
conduziram-no: os direitos do Homem; terceiro e último
tema da sua trilogia temática172.
Cfr. IDEM, “I vincoli della democrazia” (1983), in FdD, p. 76.
Cfr. M. BOVERO, “Introduzione”, in TeGePo, p. XLIX.
171
Cfr. N. BOBBIO, “Un bilancio” (1996), in DeSe, p. 164.
172
Cfr. Ibidem.
169
170
73
Que as três temáticas – Democracia, Paz e Direitos
do Homem – fossem estreitamente unidas entre si, mesmo se
os escritos que a elas se referem nasceram
independentemente uns dos outros, torna-se evidente
analisando a vasta bibliografia bobbiana.
Bobbio, várias vezes, apresentou a ligação entre estes
temas como a meta ideal de uma Teoria Geral do Direito e
da Política, que ele nunca conseguira escrever173.
Segundo ele o reconhecimento e a proteção dos
Direitos do Homem estão à base das Constituições
democráticas modernas. A Paz é, por sua vez, o pressuposto
necessário para o reconhecimento e a efetiva proteção dos
direitos fundamentais, ao interno de cada Estado e no
Sistema Internacional.
Ao mesmo tempo, o processo de democratização do
Sistema Internacional, que é a via obrigatória para a
perseguição do ideal da paz perpétua, em sentido kantiano
da palavra174, não pode avançar sem uma gradual extensão
do reconhecimento da proteção dos Direitos do Homem,
acima dos Estados175.
Para Bobbio, portanto, Direitos do Homem,
Democracia e Paz são três momentos necessários do mesmo
“movimento” histórico: sem Direitos do Homem
Cfr. Ibidem, p. 165. Apesar de não ter realizado nenhuma das duas
obras, antes de sua morte, Bobbio viu ser publicadoum volume que
recolheu dois de seus cursos acadêmicos sob o título de Teoria
generale del diritto (Recta Ratio, Seconda serie, 1), G. Giappichelli,
Torino 1993; e também a grande coletânea curada pelo seu sucessor
na Cátedra de Filosofia Política, da Universidade de Torino,
Michelangelo BOVERO, que recolheu quarenta escritos de Filosofia
Política, sob o título Teoria generale della politica (Biblioteca
Einaudi, 73), Einaudi, Torino 1999.
174
Cfr. I. KANT, Zum Ewigen Frieden (1795).
175
Cfr. N. BOBBIO, “Un bilancio” (1996), in DeSe, p. 165.
173
74
reconhecidos e protegidos não existe Democracia; sem
Democracia não existem as condições mínimas para a
solução pacífica dos conflitos.
Em outras palavras, a Democracia é a Sociedade dos
cidadãos, e os súditos se tornam cidadãos quando lhes vem
reconhecidos alguns direitos fundamentais; existirá Paz
estável, uma Paz que não conhece a guerra como
alternativa, somente quando existirão cidadãos não mais
somente deste ou daquele Estado, mas do Mundo: é o
bobbiano pacifismo institucional176, que conheceremos na
última etapa desta pesquisa.
3.2. Os Ideais da Democracia e da Paz.
Quem percorre a bibliografia dos escritos de Bobbio
nos primeiros anos do pós-guerra, percebe que os temas por
ele tratados se referem exatamente à restauração da
Democracia na Itália.
No que se refere ao tema da Paz, o problema então
atualíssimo era aquele do federalismo europeu. A pátria
ideal, à qual olhava um socialista liberal como ele, tornarase, nos ambientes antifascistas que freqüentava a
Inglaterra177.
Cfr. IDEM, “Introduzione” (1997), in EdD, pp. VII-VIII: “Diritti
dell’uomo, democrazia e pace sono tre momenti necessari dello stesso
movimento storico: senza diritti dell’uomo riconosciuti e protetti non
c’è democrazia; senza democrazia non ci sono le condizioni minime
per la soluzione pacifica dei conflitti. Con altre parole, la democrazia
è la società dei cittadini, e i sudditi diventano cittadini quando
vengono loro riconosciuti alcuni diritti fondamentali; ci sarà pace
stabile, una pace che non ha la guerra come alternativa, solo quando
vi saranno cittadini non più soltanto di questo o quello stato, ma del
mondo”. Cfr. ainda IDEM, “Un bilancio” (1996), in DeSe, 165.
176
75
Destes três problemas-base, Bobbio ocupara-se
continuamente e irregularmente. Os escritos em forma de
artigos e discursos foram os pontos de partida para a
composição de sua trilogia temática. O ponto de chegada
para o primeiro problema – Democracia – foi a publicação
do volume coletânea Il futuro della democrazia, 1984178.
3.2.1. A Democracia.
O primeiro escrito de Bobbio sobre Democracia foi o
Democrazia rappresentativa e democrazia diretta, 1978179.
No mesmo ano, ele publicou Democrazia / dittatura,
1978180. Depois se seguiram, até o ano de 1989, outros sete
artigos: La democrazia e il potere invisibile, 1980181;
Liberalismo vecchio e nuovo, 1981182; Contrato e
contrattualismo nel dibattito attuale, 1982183; Governo degli
uomini o governo delle leggi?, 1983184; I vincoli della
Cfr. IDEM, “Società chiusa e società aperta” (1946), in TdR, pp.
87-97.
178
Cfr. IDEM, Il futuro della democrazia (Saggi 281), Einaudi, Torino
19953.
179
Cfr. IDEM, “Democrazia rappresentativa e democrazia
diretta” (1978), in FdD, pp. 33-62.
180
Cfr. IDEM, “Democrazia / dittatura” (1978), republicado com o
título “Democrazia e dittatura”, in StGovSoc, pp. 126-157.
181
Cfr. IDEM, “La democrazia e il potere invisibile” (1980), in FdD,
pp. 85-113.
182
Cfr. IDEM, “Liberalismo vecchio e nuovo” (1981), in FdD, pp.
115-140.
183
Cfr. IDEM, “Contrato e contrattualismo nel dibattito
attuale” (1982), in FdD, pp. 141-167.
184
Cfr. IDEM, “Governo degli uomini o governo delle leggi?” (1983),
in FdD, pp. 169-194.
177
76
democrazia, 1983185; Il futuro della democrazia, 1984186;
Democrazia e sistema internazionale, 1989187.
Outros escritos sobre a Democracia se encontram
publicados no volume coletânea Teoria generale della
politica, 1999188.
Aqui citamos somente os principais escritos
recolhidos nesse volume: Democrazia e scienze sociali,
1986189; La democrazia dei moderni paragonata a quella
degli antichi (e a quella dei posteri), 1987190; Democrazia
ed Europa, 1987191; Democrazia e segreto, 1990192.
No Dizionario di Politica, 1983, dirigido por Bobbio
juntamente com N. Matteucci e G. Pasquino, encontramos
como uma “voz” o artigo Democrazia, 1990193. No volume
coletâneo Elogio della mitezza e altri scritti morali, 1998194,
Cfr. IDEM, “I vincoli della democrazia” (1983), in FdD, pp. 63-84.
Cfr. IDEM, “Il futuro della democrazia” (1984), in FdD, pp. 03-31.
187
Cfr. IDEM, “Democrazia e sistema internazionale” (1989), in FdD,
pp. 195-220.
188
Cfr. IDEM, Teoria generale della politica (Biblioteca Einaudi, 73),
a cura di M. BOVERO, Einaudi, Torino 1999.
189
Cfr. IDEM, “Democrazia e scienze sociali” (1986), Facultat de
Ciènces Polítiques i Sociologia, Bellaterra (Barcelona) 1986,
republicado com o título “Democrazia e conoscenza”, in TeGePo,
pp. 339-352.
190
Cfr. IDEM, “La democrazia dei moderni paragonata a quella degli
antichi (e a quella dei posteri)” (1987), in TeGePo, pp. 324-339.
191
Cfr. IDEM, “Democrazia ed Europa” (1987), in Il trattato segreto,
a cura de P. FOIS, Cedam, Padova 1990, pp. 16-31, republicado com
o título “Dall’ideologia democratica agli universali procedurali”, in
TeGePo, pp. 370-383.
192
Cfr. IDEM, “Democrazia e segreto” (1990), in TeGePo, pp.
352-369.
193
Cfr. IDEM, “Democrazia” (1990), in DizPol, pp. 287b-297b.
194
Cfr. IDEM, Elogio della mitezza e altri scritti morali (Net 243), Il
Saggiatore, Milano 2006².
185
186
77
encontramos o escrito sobre democracia e razão de estado
Ragion di stato e democrazia, 1991195.
No volume coletânea Tra due repubbliche, Alle
origini della democrazia italiana, 1996196, encontramos os
escritos: Democrazia integrale, 1996197; Il compito dei
partiti politici, 1996198; L’Inghilterra, o dei partiti, 1996199;
La repubblica e i suoi mali, 2000200.
Segundo Bobbio, o futuro da Democracia, posto que
ela tenha um futuro, depende do duplo processo de
democratização, seja de cada Estado, seja da própria
Organização dos Estados que se rege ainda, em última
instância, no Direito de veto de algumas grandes
potências201.
Cfr. IDEM, “Ragion di stato e democrazia” (1991), in EdM, pp.
89-104.
196
Cfr. IDEM, Tra due repubbliche, Alle origini della democrazia
italiana (Saggine, 19), Donzelli, Roma 1996.
197
Cfr. IDEM, “Democrazia integrale” (1996), in TdR, pp. 110-115.
198
Cfr. IDEM, “Il compito dei partiti politici” (1996), in TdR, pp.
119-124.
199
Cfr. IDEM, “L’Inghilterra, o dei partiti” (1996), in TdR, pp.
116-118.
200
Cfr. IDEM, “La repubblica e i suoi mali” (2000), in DialIntRep, pp.
79-98.
201
Cfr. IDEM, “Un bilancio” (1996), in DeSe, p. 172.
195
78
3.2.2. A Paz.
Para o segundo ideal bobbiano – Paz – o ponto de
chegada foi o volume coletânea Il problema della guerra e
le vie della pace, 1979202.
Neste volume foram recolhidos os seguintes escritos:
Diritto e guerra, 1965203; Il problema della guerra e le vie
delle pace, 1966204, que deu o título à obra coletânea; L’idea
della pace e il pacifismo, 1975205; La nonviolenza è
un’alternativa, 1977206.
Outro volume coletânea de fundamental importância
para o problema da guerra e o ideal da paz foi o Il Terzo
assente, Saggi e discorsi sulla pace e sulla guerra,
1989207.208
Cfr. IDEM, Il problema della guerra e le vie della pace (Saggi
274), il Mulino, Bologna 19974.
203
Cfr. IDEM, “Diritto e guerra” (1965), in ProbGP, pp. 99-118.
204
Cfr. IDEM, “Il problema della guerra e le vie delle pace” (1966), in
ProbGP, pp. 29-97.
205
Cfr. IDEM, “L’idea della pace e il pacifismo” (1975), in ProbGP,
pp. 119-146.
206
Cfr. IDEM, “La nonviolenza è un’alternativa” (1977), in ProbGP,
pp. 147-163.
207
Cfr. IDEM, Il Terzo assente, Saggi e discorsi sulla pace e sulla
guerra, a cura di P. POLITO, Edizioni Sonda, Milano 1989.
208
Cfr. IDEM, “Prefazione” (1961), a G. ANDERS, Essere e non
essere, Diario di Hiroshima e Nagasaki, Einaudi, Torino 1961, pp.
IX-XVII, republicado com o título “Pace o libertà?”, in TerAs, pp.
15-22; IDEM, “Non uccidere” (1961), in Resistenza, XV, n. 12
(Dezembro de 1961), p. 4, republicado in TerAs, pp. 139-142; IDEM,
“Il conflitto termonucleare e le tradizionali giustificazioni della
guerra” (1962), in Il Verri, 6 (1962) 93-102, republicado in TerAs, pp.
23-30; IDEM, “Filosofia della guerra nell’era atomica”, in Terzo
Programma, ed. RAI, n. 3 (1965), pp. 7-27, republicado in TerAs, pp.
31-53; IDEM, “Disobbedienza civile” (1976), in DizPol, pp.
316a-320a, republicado in TerAs, pp. 84-91; IDEM, “Il terrore non
202
79
No volume coletânea Teoria generale della politica,
1999 , acima citado, encontramos um escrito que toma em
consideração a relação guerra e Direito: Per una teoria dei
rapporti tra guerra e diritto, 1966210; e também o escrito
que trabalha o conceito de paz enquanto problema: La pace:
il concetto, il problema, l’ideale, 1989211.
209
conosce equilibri” (1979), in La Stampa, CXIII, n. 287 (18 de
Dezembro de 1979), pp. 1-2, republicado in TerAs, pp. 197-199;
IDEM, “I chierici e il terrore” (1981), in La Stampa, CXV, n. 208 (3
de Setembro de 1981), pp. 1-2, republicado in TerAs, pp. 200-203;
IDEM, “Alla marcia della pace” (1981), in Azione nonviolenta, XVIII,
n. 5 (Setembro de 1981), pp. 7-8, republicado in TerAs, pp. 143-147;
IDEM, “Come viandanti in un labirinto” (1981), in Pro Civitate
Christiana, n. 4-5, (15 de Fevereiro de 1982), pp. 70-76, republicado
com o título “Una società nonviolenta?”, in TerAs, pp. 148-157;
IDEM, “La lancia e lo scudo” (1981), in La Stampa, CXV, n. 223 (4
de Outubro de 1981), pp. 1-2, republicado in TerAs, pp. 204-206;
IDEM, “Come viandanti in un labirinto” (1981), in Pro Civitate
Christiana, n. 4-5, (15 de Fevereiro de 1982), pp. 70-76, republicado
com o título “Una società nonviolenta?”, in TerAs, pp. 148-157;
IDEM, “La morale e la guerra” (1982), in Per una cultura della pace,
Il problema della violenza e la ricerca della pace, a cura do Centro
Culturale di Ricerca, USMATE, Stampa, Milano 1983, pp. 75-100,
republicado com o título “Morale e Guerra”, in TerAs, pp. 166-177;
IDEM, “Etica della potenza ed etica del dialogo” (1982), in Vita e
Pensiero, LXV, n. 3 (Março de 1983), pp. 29-36, republicado in
TerAs, pp. 158-165; IDEM, “La morale e la guerra” (1982), in Per
una cultura della pace, Il problema della violenza e la ricerca della
pace, a cura do Centro Culturale di Ricerca, USMATE, Stampa,
Milano 1983, pp. 75-100, republicado com o título “Morale e Guerra”,
in TerAs, pp. 166-177; IDEM, “Etica della potenza ed etica del
dialogo” (1982), in Vita e Pensiero, LXV, n. 3 (Março de 1983), pp.
29-36, republicado in TerAs, pp. 158-165; IDEM, “I padroni
invincibili” (1983), in La Stampa, CXVII, n. 207 (2 de Setembro de
1983), p. 3, republicado in TerAs, pp. 210-211; IDEM, “Il gioco della
guerra” (1983), in TerAs, pp. 207-209; IDEM, “I giganti
80
No Dizionario di Politica, 1990212, acima citado,
encontra-se duas vozes fundamentais para compreender o
pacifismo bobbiano: Pace, 1990213; e Pacifismo, 1990214.
Outros escritos sobre a paz não recolhidos em
volumes coletâneas, são: La marcia della pace, 1961215; seis
anos mais tarde, na mesma revista saiu o artigo Solo una
società più libera e avanzata potrà rispettare i diritti
ciechi” (1983), in La Stampa, CXVII (23 de Outubro de 1983), p. 1,
republicado in TerAs, pp. 212-214; IDEM, “Il terzo assente” (1983),
in La Stampa, CXVII, n. 308 (30 de Dezembro de 1983), p. 3,
republicado in TerAs, pp. 215-217; IDEM, “L’equilibrio del
terrore” (1983), in Storia e politica, XXIII, (2 de Junho de 1984), pp.
284-300, republicado in TerAs, 54-68; IDEM, “La pace attraverso il
diritto” (1983), in TerAs, pp. 207-209, republicado com o título “Pace
e Diritto”, in TeGePo,
pp. 526-535; IDEM, “I padroni
invincibili” (1983), in La Stampa, CXVII, n. 207 (2 de Setembro de
1983), p. 3, republicado in TerAs, pp. 210-211; IDEM, “Il gioco della
guerra” (1983), in TerAs, pp. 207-209; IDEM, “I giganti
ciechi” (1983), in La Stampa, CXVII (23 de Outubro de 1983), p. 1,
republicado in TerAs, pp. 212-214; IDEM, “L’equilibrio del
terrore” (1983), in Storia e politica, XXIII, (2 de Junho de 1984), pp.
284-300, republicado in TerAs, 54-68; IDEM, “Non aprì una nuova
era” (1985), in La Stampa, CXIX, n. 168 (6 de Agosto de 1985), p. 3,
republicado in TerAs, pp. 218-220; IDEM, “Disarmati di tutto il
mondo, uniamoci” (1985), in L’unità, LXII, n. 244, (29 de Outubro de
1985), pp. 1-16, republicado com o título “Disarmati di tutto il
mondo”, in TerAs, pp. 178-182; IDEM, “Non aprì una nuova
era” (1985), in La Stampa, CXIX, n. 168 (6 de Agosto de 1985), p. 3,
republicado in TerAs, pp. 218-220; IDEM, “Disarmati di tutto il
mondo, uniamoci” (1985), in L’unità, LXII, n. 244, (29 de Outubro de
1985), pp. 1-16, republicado com o título “Disarmati di tutto il
mondo”, in TerAs, pp. 178-182; IDEM, “Il dialogo per la
pace” (1986), in Nuova Antologia, CXXI, v. 556, fasc. 2159, (JulhoSetembro de 1986), pp. 36-40, republicado in TerAs, pp. 183-187;
IDEM, “Il terzo in politica” (1986), in La Stampa, CXX, n. 196 (22 de
Agosto de 1986), p. 3, republicado in TerAs, pp. 221-224; IDEM, “Il
dialogo per la pace” (1986), in Nuova Antologia, CXXI, v. 556, fasc.
81
dell’uomo, 1967216; e sobre a possibilidade de se falar de
guerra justa, em ocasião do conflito no Golfo, Una guerra
giusta?, 1991217.
Segundo Bobbio, talvez mais do que um ponto de
chegada, estas coletâneas significaram uma sosta – uma
pausa – que lhe consentiria de retomar a estrada, mesmo se
a pequenos passos, sempre dentro da mesma paisagem, cuja
“exploração” não cessou de oferecer-lhe novas surpresas.
2159, (Julho-Setembro de 1986), pp. 36-40, republicado in TerAs, pp.
183-187; IDEM, “Il terzo in politica” (1986), in La Stampa, CXX, n.
196 (22 de Agosto de 1986), p. 3, republicado in TerAs, pp. 221-224;
IDEM, “La pace ha un futuro?” (1987), in TerAs, pp. 188-194; IDEM,
“In lode dell’ONU” (1987), in La Stampa, CXXI, n. 203 (30 de
Agosto de 1987), p. 1, republicado in TerAs, pp. 224-226; IDEM, “La
pace ha un futuro?” (1987), in TerAs, pp. 188-194; IDEM, “In lode
dell’ONU” (1987), in La Stampa, CXXI, n. 203 (30 de Agosto de
1987), p. 1, republicado in TerAs, pp. 224-226; IDEM, “I saggi
equilibristi” (1988), in La Stampa, CXXII, n. 2 (3 de Janeiro de 1988),
p. 1, republicado in TerAs, pp. 227-229; IDEM, “I saggi
equilibristi” (1988), in La Stampa, CXXII, n. 2 (3 de Janeiro de 1988),
p. 1, republicado in TerAs, pp. 227-229.
209
Cfr. IDEM, Teoria generale della politica (Biblioteca Einaudi, 73),
a cura de M. BOVERO, Einaudi, Torino 1999.
210
Cfr. IDEM, “Per una teoria dei rapporti tra guerra e diritto” (1966),
in Scritti in memoria di Antonino Giuffrè, vol. I, Giuffrè, Milano 1967,
pp. 91-98; republicado com o título “Guerra e diritto”, in TeGePo,
pp. 520-526.
211
Cfr. IDEM, “Pace, Concetti, problemi e ideali” (1989), in
Enciclopedia del Novecento, vol. VIII, Istituto della Enciclopedia
Italiana, Roma 1989, pp. 812-824, republicado com o título “La pace:
il concetto, il problema, l’ideale”, in TeGePo, pp. 467-503.
212
Cfr. IDEM, - N. MATTEUCCI, - G. PASQUINO, (dir.), Dizionario
di Politica, UTET, Milano 200410.
213
Cfr. IDEM, “Pace” (1990), in DizPol, pp. 737a-742b.
214
Cfr. IDEM, “Pacifismo” (1990), in DizPol, pp. 745a-747b.
215
Cfr. IDEM, “La marcia della pace” (1961), in Resistenza, XV, n. 10
(Outubro de 1961).
82
Bobbio voltou várias vezes sobre este tema nos seus
escritos sobre a questão internacional, onde o problema da
Paz e aquele da Democracia se ligam um ao outro. Na
preferência por ele dada ao pacifismo institucional ou
jurídico em relação àquele ético ou religioso não pôde
deixar, de um lado, de sublinhar a impotência da
Organização das Nações Unidas, 1945, que exige um
reforço dos meios de coerção; e de outro lado, sustentar que
o maior poder deva proceder em igual passo com um avanço
no processo de democratização218.
3.3. O Ideal dos Direitos do Homem.
Em relação ao terceiro ideal temático da sua trilogia
temática – Direitos do Homem – Bobbio ocupou-se dele
muito mais tarde. O seu ponto de chegada foi a publicação
do volume coletânea L’età dei diritti, 1990, que ele gostava
de considerar como a última “seção” da sua trilogia
temática219.
O primeiro escrito de Bobbio sobre o problema dos
direitos do Homem foi o La Dichiarazione universale dei
diritti dell’uomo, 1951220.
Cfr. IDEM, “Solo una società più libera e avanzata potrà rispettare i
diritti dell’uomo”, in Resistenza, XXI, n. 12 (Dezembro de 1967).
217
Cfr. IDEM, Una guerra giusta?, Marsilio, Venezia 1991.
218
Cfr. IDEM, “Un bilancio” (1996), in DeSe, p. 172.
219
Cfr. Ibidem, pp. 166-167.
220
Cfr. IDEM, “La Dichiarazione universale dei diritti dell’uomo”, in
La Dichiarazione universale dei diritti dell’uomo, Arti Grafiche Plinio
Castello, Torino 1951, 53-70.
216
83
Ocupara-se deste problema já na Prefazione à
tradução italiana de La Dichiarazione dei diritti sociali, de
Georges Gurvitch221.
Esse escrito contém algumas teses das quais Bobbio
nunca mais se afastou, a saber: os direitos naturais – mesmo
o primordial direito à vida – são direitos históricos; os
direitos naturais nascem ao início da idade moderna,
juntamente com a concepção individualista da Sociedade;
os direitos tornam-se um dos principais indicadores do
progresso histórico222.
No escrito Sul fondamento dei diritti dell’uomo,
223
1964 , Bobbio confirmou e aprofundou a tese da
historicidade dos direitos fundamentais, em base à qual
contesta não só a legitimidade, mas ainda a eficácia prática
da busca de um fundamento absoluto para os direitos do
Homem224, como trabalharemos na próxima etapa.
No escrito Presente e avvenire dei diritti dell’uomo,
225
1968 , Bobbio traçou, em grandes linhas, as várias fases da
história dos direitos do Homem: da sua proclamação à sua
positivação, da positivação ao interno de cada Estado à
positivação no Sistema Internacional. Retomando o tema da
sua historicidade, tira um ulterior argumento da sua
contínua expansão226.
Cfr. IDEM, “Prefazione”, in G. GURVITCH, La Dichiarazione dei
diritti sociali, Edizioni di Comunità, Milano 1949, pp. 13-27.
222
Cfr. IDEM, “Introduzione” (1997), in EdD, p. VIII.
223
Cfr. IDEM, “Sul fondamento dei diritti dell’uomo” (1964), in EdD,
pp. 06-16.
224
Cfr. IDEM, “Introduzione” (1997), in EdD, p. VIII.
225
Cfr. IDEM, “Presente e avvenire dei diritti dell’uomo” (1968), in
EdD, pp. 17-44.
226
Cfr. IDEM, “Introduzione” (1997), in EdD, p. IX.
221
84
O problema do direito de resistência à opressão foi
trabalhado no escrito La resistenza all’oppressione, oggi,
1973227.
No escrito Eguaglianza, 1977228, Bobbio trabalhou o
problema da Igualdade universal entre todos os homens; e
no escrito Uomini come cose, 1978229, trabalhou a dignidade
humana. A liberdade do Homem, ele trabalhou no escrito
Libertà, 1978230.
Os fundamentos para a tolerância nas relações sociais
foram trabalhados no escrito Le ragioni della tolleranza,
1986231; e os direitos sociais foram trabalhados no escrito
Sui diritti sociali, 1996232.
Em Diritti dell’uomo e filosofia della storia, 1987233,
Bobbio afrontou o tema do significado histórico, ou melhor,
filosófico-histórico, da inversão, característica da formação
do Estado moderno, da relação política Estado-cidadão234.
Uma ulterior reformulação dos temas da historicidade e da
Cfr. IDEM, “La resistenza all’oppressione, oggi” (1973), in EdD,
pp. 157-177.
228
Cfr. IDEM, “Eguaglianza” (1977), in EgLi, pp. 03-43.
229
Cfr. IDEM, “Uomini come cose”, in La Stampa, 29 de Novembro
de 1978.
230
Cfr. IDEM, “Libertà” (1978), in EgLi, pp. 45-98.
231
Cfr. IDEM, “Le ragioni della tolleranza” (1986), in EdD, pp.
230-247.
232
Cfr. IDEM, “Sui diritti sociali” (1996), in Cinquent’anni di
Repubblica italiana, a cura de G. NEPPI MODONA, Einaudi, Torino
1996, pp. 115-124; republicado com o título “I diritti dell’uomo e la
pace”, in TeGePo, pp. 458-466.
233
Cfr. IDEM, “Diritti dell’uomo e filosofia della storia” (1987),
republicado com o título “L’età dei diritti”, in EdD, pp. 45-65;
republicado in TerAs, pp. 112-125.
234
Cfr. IDEM, “Introduzione” (1997), in EdD, p. IX.
227
85
especificação dos direitos do Homem, Bobbio apresentou
no artigo Diritti dell’uomo e società, 1988235.
Bobbio trabalhou os direitos do Homem e a
Revolução Francesa em três artigos, a saber: La Rivoluzione
francese e i diritti dell’uomo, 1988236, L’eredità della
grande rivoluzione, 1989237 e Kant e la Rivoluzione
francese, 1989238.
Este último, colhendo motivos das obras de Filosofia
do Direito e da História de I. Kant239 pôs em particular
evidência a teoria kantiana do direito cosmopolita, que
Bobbio considerou como a conclusão do próprio discurso
conduzido sobre os direitos do Homem; ponto de partida
para novas reflexões240.
Outros escritos sobre os direitos do Homem foram
recolhidos no volume coletânea Il Terzo assente, Saggi e
discorsi sulla pace e sulla guerra, 1989241.
Nesta coletânea encontramos os seguintes escritos:
Eguaglianza e dignità degli uomini, 1963242; I diritti
Cfr. IDEM, “Diritti dell’uomo e società” (1989), in EdD, pp. 66-85;
cfr. IDEM, “Introduzione” (1997), in EdD, p. X.
236
Cfr. IDEM, “La rivoluzione francese e i diritti dell’uomo” (1988),
in EdD, pp. 89-119.
237
Cfr. IDEM, “L’eredità della grande rivoluzione” (1989), in EdD,
pp. 120-141.
238
Cfr. IDEM, “Kant e la rivoluzione francese” (1990), in EdD, pp.
142-154.
239
Cfr. IDEM, “Introduzione” (1985), in I. KANT, Per la pace
perpetua, a cura di N. MERKER, Editori Riuniti, Roma 1985, pp. VIIXXI.
240
Cfr. IDEM, “Introduzione” (1997), in EdD, p. X.
241
Cfr. IDEM, Il Terzo assente, Saggi e discorsi sulla pace e sulla
guerra, a cura di P. POLITO, Edizioni Sonda, Milano 1989.
242
Cfr. IDEM, “Eguaglianza e dignità degli uomini” (1963), in Diritti
dell’uomo e Nazioni Unite, a cura da S.I.O.I. e da Commissione
Nazionale dell’UNESCO, Cedam, Padova 1963, pp. 27-42;
235
86
dell’uomo e la pace, 1982243; Diritti dell’uomo e filosofia
della storia, 1987244.
Não recolhidos em nenhuma dessas publicações
coletâneas sobre os direitos do Homem é o escrito Il
preambolo della Convenzione europea dei diritti dell’uomo,
1973245; o Vi sono diritti fondamentali?, 1980246; o Diritti
dell’uomo e diritti del cittadino nel secolo XIX in Europa,
1982247; e Dalla priorità dei doveri alla priorità dei diritti,
1988248.
No escrito Diritti dell’uomo e società, 1989249,
Bobbio pôs em particular evidência a proliferação –
contrastada por alguns – dos pedidos de novos
reconhecimentos e novas proteções, na passagem da
consideração do Homem abstrato àquela do Homem nas
republicado in TerAs, pp. 71-83; e republicado com o título “La
dichiarazione universale dei diritti dell’uomo”, in TeGePo, pp.
440-453.
243
Cfr. IDEM, “I diritti dell’uomo e la pace” (1982), in La pace,
Edizioni Cens, Liscate (Milano) 1982; republicado in TerAs, pp.
92-96; republicado in TeGePo, pp. 453-458.
244
Cfr. IDEM, “Diritti dell’uomo e filosofia della storia” (1987),
republicado com o título “L’età dei diritti”, in EdD, pp. 45-65, e
republicado in TerAs, pp. 112-125.
245
Cfr. IDEM, “Il preambolo della Convenzione europea dei diritti
dell’uomo” (1973), in Rivista di diritto internazionale LVII (1973),
pp. 437-455.
246
Cfr. IDEM, “Vi sono diritti fondamentali?” (1980), in Rivista di
filosofia LXXI (1980) 18, pp. 460-464.
247
Cfr. IDEM, “Diritti dell’uomo e diritti del cittadino nel secolo XIX
in Europa” (1982), in Grundrechte im 19, Jahrhundert, Peter Lang,
Frankfurt am Main 1982, pp. 11-15.
248
Cfr. IDEM, “Dalla priorità dei doveri alla priorità dei
diritti” (1988), republicado com o título “Il primato dei diritti sui
doveri”, in TeGePo, pp. 431-440.
249
Cfr. IDEM, “Diritti dell’uomo e società” (1989), in EdD, pp. 66-85.
87
suas diferentes fases da vida e nos seus diferentes estados:
especificação do Sujeito.
Os direitos da terceira geração, como aqueles a viver
num ambiente não poluído, não poderiam ter sido, nem
mesmo imaginados, quando foram propostos aqueles da
segunda geração. Assim como estes, por exemplo, os
direitos à instrução ou à assistência, não eram nem mesmo
concebíveis quando foram emanadas as primeiras
Declarações do século XVIII.
Certos pedidos “podem” nascer somente quando
nascem certas necessidades. Novas necessidades nascem em
correspondência à mudança das condições sociais, e quando
o desenvolvimento técnico e das condições sociais permite
de satisfazê-las250.
Bobbio trabalhou o direito humano fundamental à
vida, bem como a sua posição contra a pena de morte,
principalmente nos escritos Contro la pena di morte,
1981251; Contro il potere di dare la morte, 1982252; Il
dibattito attuale sulla pena di morte, 1982253; e Sulla pena
di morte, 1999254. Sua posição contra o aborto procurado,
Bobbio a manifestou na entrevista publicada com o título
Laici e aborto, 1981255.
Cfr. IDEM, “Introduzione” (1997), in EdD, pp. XV-XVI.
Cfr. IDEM, “Contro la pena di morte” (1981), in EdD, pp. 178-200.
252
Cfr. IDEM, “Contro il potere di dare la morte” (1982), in Rinascita,
38, 42 (5 de Novembro de 1982), pp. 41-43.
253
Cfr. IDEM, “Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982), in EdD,
pp. 201-229.
254
Cfr. IDEM, “Sulla pena di morte” (1999), in Nuova Antologia, 583,
2212 (Outubro-Dezembro de 1999), pp. 32-35.
255
Cfr. IDEM, “Laici e aborto”, in Corriere della Sera 106, 107
(1981), p. 3.
250
251
88
Bobbio trabalhou os valores e os direitos dos anciãos
no I Valori e i Diritti Umani degli Anziani Cronici Nonautosufficienti, 1988256.
Uma panorâmica geral da situação dos direitos
humanos no início dos anos noventa, Bobbio nos deu no I
diritti dell’uomo, oggi, 1991257.
Um dos últimos escritos de Bobbio sobre os direitos
do Homem foi o Diritti e doveri, 2000258, onde trabalhou a
relação necessária entre direitos e deveres.
Cfr. IDEM, “I Valori e i Diritti Umani degli Anziani Cronici Nonautosufficienti” (1988), in Eutanasia da Abbandono, Anziani cronici
non autosufficienti nuovi orientamenti culturali e operativi, Rosenberg
& Sellier, Torino 1988, pp. 47-59.
257
Cfr. IDEM, “I diritti dell’uomo, oggi” (1991), in EdD, pp. 248-266.
258
Cfr. IDEM, “Diritti e doveri” (2000), in DialIntRep, pp. 39-50.
256
89
4. Fontes do Pensamento de Norberto
Bobbio.
Trabalhamos, até aqui, uma sumária biografia de
Bobbio; bem como a concepção bobbiana sobre a vida e a
morte; trabalhamos também a sua trilogia temática. Agora,
completando esta primeira etapa de nossa pesquisa, cujo
objetivo particular é conhecer o pensador que afirmou ser o
imperativo ético Não matar um imperativo categórico,
podemos passar às fontes do pensamento de Norberto
Bobbio: os seus autores clássicos, modernos e
contemporâneos.
Apesar de Bobbio mesmo haver enumerado os dez
autores abaixo citados, não é fácil encontrar entre eles, uma
convergência ou afinidade eletivas de pensamento259.
Aqui nos limitaremos a apresentar os seus autores
procurando, mesmo que a partir dos seus escritos
autobiográficos; indicaremos os elementos principais por ele
“herdados” desses autores; bem como os principais escritos
bobbianos sobre cada um deles.
Não pretendemos, pois não entra em nosso objetivo
geral, fazer um paralelo entre o pensamento de Bobbio e
cada um dos seus autores, indicando precisamente e em
modo exaustivo toda a influência deles sobre o pensamento
bobbiano.
259
Cfr. IDEM, “Per una bibliografia” (1984), in DeSe, p. 85.
90
4.1. Autores Clássicos.
Os primeiros cinco dos autores de Bobbio são os
maiores filósofos políticos da idade moderna e, portanto,
representavam uma escolha quase obrigatória para um
filósofo do Direito e da Política como ele o fora; portanto,
não requer de nossa parte uma justificação.
São eles: Thomas Hobbes, John Locke260, JeanJacques Rousseau261, Immanuel Kant262 e Georg Wilhelm
Friedrich Hegel263.
Os principais escritos de Bobbio sobre John Locke são: N.
BOBBIO, Locke e il diritto naturale, Giappichelli, Torino 1963;
IDEM, “Studi lockiani” (1965), in in DaHaM, pp. 75-128.
261
Cfr. N. BOBBIO, “Fra Roosevelt e Rousseau: Mario Einaudi, l'etica
in politica”, in La Stampa (17 de Maio de 1994), p. 18.
262
Os principais escritos de Bobbio sobre Immanuel Kant são: N.
BOBBIO, “Prefazione” (1956), in I. KANT, Scritti politici e di
filosofia della storia e del diritto, ed. postuma a cura di N. BOBBIO, L. FIRPO, - V. MATHIEU, UTET, Torino 1956; IDEM, Diritto e
Stato nel pensiero di Emanuele Kant, Lezioni raccolte dallo studente
Gianni Sciorati, Giappichelli, Torino 1957, 19692; IDEM, Diritto e
Stato nel pensiero di Emmanuele Kant, Giappichelli, Torino 1957;
IDEM, “Due concetti di libertà nel pensiero politico di Kant” (1960),
in Studi in onore di Emilio Crosa, Giuffrè, Milano 1960, vol. 1, pp.
219-235; IDEM, “Kant e le due libertà” (1965), in DaHaM, pp.
147-163,
republicado
in
TeGePo,
pp.
40-53;
IDEM,
“Prefazione” (1985), in I. KANT, Per la pace perpetua, a cura di N.
MERKER, Editori Riuniti, Roma 1985, pp. VII-XXI; IDEM, “Kant e
la rivoluzione francese” (1990), in EdD, pp. 142-154; IDEM, “Storia e
progresso in Kant” (2001), in Mezzosecolo: materiali di ricerca
storica, n. 14, Angeli, Milano 2006, pp. 23-33.
263
Os principais escritos de Bobbio sobre Georg Wilhelm Friedrich
Hegel são: N. BOBBIO, “Una nuova interpretazione di Hegel” (1962),
in Estudios de historia de la filosofía, Universidad nacionál de
Tucumán, Tucumán 1962, vol. 2, pp. 637-660; IDEM, “Una nuova
260
91
Entre estes autores, quem marcou mais
profundamente o pensamento político de Bobbio foi Th.
Hobbes.
Porém, Bobbio estudou profundamente e utilizou
idéias de todos os outros quatro pensadores, para formar o
seu próprio pensamento jurídico-político; que pode ser
qualificado como eclético264.
A inspiração hobbesiana do pensamento de Bobbio
refere-se mais à forma que ao conteúdo. Pode-se dizer que
interpretazione di Hegel” (1962), in Estudos de historia de la filosofia,
II, Universidad Nacional de Tucumán 1962, pp. 637-660; IDEM,
“Studi hegeliani” (1965), in DaHaM, pp. 165-238; IDEM, “Hegel e il
giusnaturalismo” (1966), in Rivista di filosofia, LVII, 4 (OutubroDezembro de 1966), pp. 379-407; republicado in Il pensiero politico
di Hegel: guida storica e critica, a cura de C. CESA, Laterza, Bari
1979, pp. 5-33; republicado in StudiHeg, pp. 3-33; IDEM, “Hegel e il
diritto” (1970), in Incidenza di Hegel: studi raccolti nel secondo
centenario della nascita del filosofo, a cura de F. TESSITORE,
Morano, Napoli 1970, pp. 217-249, republicado in StudiHeg, pp.
35-68; IDEM, “Sulla nozione di costituzione in Hegel” (1971), in De
Homine, 10, n. 38-40 (Dezembro de 1971), pp. 315-328; republicado
in Studi in memoria di Orazio Condorelli, Giuffrè, Milano 1974, vol.
1, pp. 169-183; republicado com o título “La costituzione in Hegel”,
in StudiHeg, pp. 69-83; IDEM, “La filosofia giuridica di Hegel
nell'ultimo decennio” (1972), in Rivista critica di storia della filosofia,
27, fasc. 3 (Julho-Setembro de 1972), pp. 293-319; republicado com o
título “La filosofia giuridica di Hegel nel decennio 1960-70”, in
StudiHeg, pp. 159-192; IDEM, “Lo studio di Hegel” (1972), in
Memorie dell'Accademia delle scienze di Torino, Classe di scienze
morali, storiche e filologiche, n. 26 (1972), pp. 37-47; IDEM, “Diritto
privato e diritto pubblico in Hegel” (1977), in Rivista di filosofia, 68,
n. 7-8-9 (Outubro de 1977), pp. 3-29, republicado in StudiHeg, pp.
85-114; IDEM, “Hegel e le forme di governo” (1979), in Rivista di
filosofia, 80, n. 13 (Fevereiro de 1979), pp. 77-108, republicado in
StudiHeg, pp. 115-146; IDEM, “Purtroppo Hegel ha avuto ragione :
[intervista]. ((In: La Stampa. - 20 novembre 2000, p. 1.
264
Cfr. IDEM, “Per una bibliografia” (1984), in DeSe, p. 86.
92
Th. Hobbes, com a sua vocação para a precisão e a
sobriedade da linguagem e para as definições rigorosas,
tenha sido o iniciador, no campo da Filosofia Política, do
estilo analítico, adotado por Bobbio265.
A influência de Th. Hobbes sobre o curso das idéias
de Bobbio foi mais da parte do “método” que da parte do
conteúdo. Porém, também em relação à substância existem
idéias hobbesianas que contribuíram a formar o pensamento
político bobbiano266.
Como o pensamento político de Th. Hobbes, também
aquele de Bobbio é, nas suas glândulas vitais, dicotômico,
como vimos acima.
Bobbio explicitamente teorizou a importância
metodológica geral das grandes dicotomias, definidas como
o produto daquele processo de ordenamento e de
organização do próprio campo de pesquisa pelo qual toda
disciplina tende a dividir o próprio universo em duas
subclasses que são reciprocamente exclusivas e
conjuntamente exaustivas267.
A importância de Th. Hobbes fora revelada a Bobbio
pelo estudo que ele havia feito do sistema jurídico de
Samuel von Pufendorf que é, a modo seu, um hobbesiano.268
Bobbio mesmo nos indicou “três idéias” hobbesianas
fundamentais para o próprio pensamento: o individualismo,
o contratualismo e a idéia da paz através da constituição de
um poder comum: pacifismo institucional, núcleo central do
pacifismo bobbiano, como veremos na última etapa dessa
Cfr. M. BOVERO, “Introduzione”, in TeGePo, pp. XXIX-XXX.
Cfr. N. BOBBIO, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza,
Roma-Bari 1999, p. 144.
267
Cfr. IDEM, “La grande dicotomia” (1974), in DalStrFunz, p. 145.
268
Cfr. S. Von PUFENDORF, Principi di diritto naturale, a cura di N.
BOBBIO, Paravia, Torino 1943.
265
266
93
pesquisa. Ele ainda acrescentou certo pessimismo em
relação à natureza humana e a História269.
Th. Hobbes é o filósofo com o maior número de
citações na bibliografia dos escritos de Bobbio, e o segundo
autor em absoluto, depois de Piero Gobetti, pelo número de
citações. Bobbio ocupou-se de Hobbes, pela primeira vez, já
em 1939, fazendo a resenha do estudo de Carl Schmitt
dedicado ao Leviathan.
Em 1948, Bobbio curou uma edição do De Cive.270
Escreveu uma Introduzione al De cive271 depois republicada
no volume coletânea Thomas Hobbes, 1989272.
Esta publicação coletânea recolheu os principais
escritos de Bobbio sobre Th. Hobbes273.
Cfr. N. BOBBIO, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza,
Roma-Bari 1999, p. 144.
270
Cfr. Ibidem, p. 143.
271
Cfr. IDEM, “Introduzione al De cive” (1948), in Th. HOBBES,
Elementi filosofici sul cittadino, a cura de N. BOBBIO, UTET, Torino
1948, pp. 9-40.
272
Cfr. IDEM, Thomas Hobbes (Piccola biblioteca Einaudi 267),
Einaudi, Torino 1989, 20042.
273
Os principais escritos de Bobbio sobre Thomas Hobbes são: N.
BOBBIO, “Introduzione al De cive” (1948), in Th. HOBBES,
Elementi filosofici sul cittadino, a cura de N. BOBBIO, UTET, Torino
1948, pp. 9-40; republicado in ThH, pp. 73-110; IDEM,
“Prefazione” (1948), in Th. HOBBES, Elementi filosofici sul
cittadino, a cura de N. BOBBIO, UTET, Torino 1948; IDEM, “Le
considerazioni sulla reputazione, sulla lealtà, sulle buone maniere e
sulla religione” (1951), in Rivista di filosofia, XLVII (1951), pp.
399-423; republicado in ThH, pp. 199-202; republicado com o título
“Prefazione”, in Th. HOBBES, Considerazioni sulla reputazione,
sulla lealtà, sulle buone maniere e sulla religione, a cura de N.
BOBBIO, La vita felice, Milano 1998, pp. 7-11; IDEM, “Legge
naturale e legge civile nella filosofia politica di Hobbes” (1954), in
Studi in memoria di Gioele Solari, Edizioni Ramella, Torino 1954, pp.
61-101; republicado in DaHaM, pp. 11-49; e republicado in ThH, pp.
269
94
4.2. Autores Modernos e Contemporâneos.
Os outros cinco autores de Bobbio – Benedetto Croce,
Carlo Cattaneo, Hans Kelsen, Vilfredo Pareto e Max
Weber274, são as fontes principais, nas quais ele se inspirou
durante os anos da resistência antifascista e da sua
111-145; IDEM, “Prefazione” (1959), in Th. HOBBES, Opere
politiche, vol. 1, Elementi filosofici del cittadino, dialogo tra un
filosofo e uno studioso del diritto comune d'Inghilterra, a cura de N.
BOBBIO, UTET, Torino 1959; IDEM, “Hobbes e il
giusnaturalismo” (1962), in Rivista critica di storia della filosofia,
XVII (1962), pp. 470-480; republicado in DaHaM, pp. 51-74; e
republicado in ThH, pp. 148-168; IDEM, “La dialettica in
Marx” (1965), in DaHaM, pp. 239-266; IDEM, “Il modello
giusnaturalistico” (1973), in SocStHaM, pp. 9-34; republicado in ThH,
pp. 03-26; IDEM, “Breve storia della storiografia hobbesiana” (1974),
in Questioni di storiografia filosofica, Dalle origini all’Ottocento, a
cura de V. MATHIEU, La Scuola, Brescia 1974, pp. 324-328;
republicado in ThH, pp. 203-210; IDEM, “Hobbes” (1974), in
Questioni di storiografia filosofica: dalle origini all'Ottocento, a cura
de V. MATHIEU, La Scuola, Brescia 1974, pp. 324-353; IDEM, “La
teoria politica di Hobbes” (1980), in Storia delle idee politiche,
economiche e sociali, vol. IV, L'Età moderna, UTET, Torino 1980,
Tomo 1, pp. 279-317; republicado in ThH, pp. 27-71; IDEM,
“Thomas Hobbes” (1980), in Storia delle idee politiche, economiche e
sociali, vol. IV, L'Età moderna, UTET, Torino 1980, Tomo 1, pp.
279-317; IDEM, “Hobbes e le società parziali” (1982), in Filosofia,
XXXIII (1982), pp. 375-394; republicado in ThH, pp. 169-191;
IDEM, “Attualità e presenza di Hobbes” (1988), in Hobbes oggi: atti
del convegno internazionale di studio promosso da Arrigo Pacchi,
Milano-Locarno 18-21 maggio 1988, a cura de A. NAPOLI, Angeli,
Milano 1990, pp. 579-584; IDEM, “Hobbes della pace” (1988), in La
Stampa, 122, n. 113 (31 de Maio de 1988), p. 5; republicado com o
título “A guisa di conclusione” (1988), in ThH, pp. 193-196; IDEM, “I
problemi di Hobbes” (1988), in Nuova antologia, 123, vol. 560, fasc.
2167 (Julho-Setembro de 1988), pp. 77-79; IDEM, “Hobbes, un
95
militância política, caracterizada, na pós-libertação, por um
vasto empenho político a favor do renascimento da
Democracia; durante sua intensa atividade de estudioso,
como vimos acima275.
Estes autores, diferentemente dos clássicos, não são
enumerados na ordem cronológica. Bobbio os apresentou
segundo a ordem objetiva do tempo no qual se aproximou
deles. Evitou, assim, a tendência às racionalizações
póstumas, como freqüentemente acontece quando se narra a
própria história intelectual.
Bobbio não apresentou os próprios mestres ideais
como etapas de uma sucessiva e progressiva iluminação,
mas se limitou a notar que cada um exerceu – especificando
sinteticamente o papel desempenhado por eles – uma
benéfica influência em momentos diferentes da sua
formação e em relação às diferentes direções dos próprios
estudos276.
É difícil conciliar o otimismo histórico de Benedetto
Croce, para o qual a História é sempre História da
liberdade, com a antropologia pessimista de Vilfredo
Pareto, para o qual a História é um suceder-se de ciclos que
se alternam sem uma ordem aparente; ou conciliar o
pragmatismo iluminista de Carlo Cattaneo com o
formalismo histórico de Max Weber.
modello per la pace perpetua” (1989), in La Stampa (Società e
cultura), 123, n. 245 (26 de Outubro de 1989), p. 3; IDEM, “Pufendorf
e Hobbes” (1992), in Rivista di Filosofia, 88, n. 2 (Agosto de 1992),
pp. 263-278; IDEM, “Il Leviathan di Thomas Hobbes” (1999), in
Lingua e letteratura, 32-33 (1999), pp. 8-20.
274
Cfr. IDEM, “Per una bibliografia” (1984), in DeSe, p. 86.
275
Cfr. C. VIOLI, “Introduzione”, in NéNé, p. XXV.
276
Cfr. Ibidem.
96
Não obstante isto, Bobbio soube “beber” nessas
diversas e inconciliáveis fontes, formando assim o seu
próprio manancial277.
4.2.1. Benedetto Croce (1866-1952).
Bobbio enumerou Benedetto Croce entre os seus
autores278 porque fora mestre de uma geração que havia
rejeitado o Fascismo. De Croce, ele aprendeu a distinguir
uma vez para sempre o empenho do homem de estudo do
empenho daquele “homem” imediatamente político279.
Bobbio pertenceu a uma geração que foi ao menos na
Università di Torino, croceana naturaliter. Distinguiram, no
seu croceanismo, dois componentes: um “geral”, ou seja,
um croceanismo como atitude de vida; e um “específico”,
ou seja, um croceanismo entendido como metodologia da
pesquisa à qual cada um se encaminha por conta própria280.
Bobbio pertenceu à terza generazione croceana –
terceira geração croceana; aquela para a qual Croce fora o
mestre de liberdade nos anos da ditadura fascista; o autor
das duas histórias da Itália e da Europa e da Storia come
pensiero e come azione.281
O principal débito de Bobbio para com Benedetto
Croce foi antes de tudo, quanto à idéia mesma de Filosofia.
Cfr. N. BOBBIO, “Per una bibliografia” (1984), in DeSe, p. 86.
Cfr. IDEM, “Benedetto Croce” (1991), in DalFaD, p. 215; IDEM,
“Prefazione”, in Norberto Bobbio: 50 anni di studi, Bibliografia degli
scritti 1934-1983 (1984), a cura de C. VIOLI, Franco Angeli, Milano
1984, p. 14; IDEM, “Prefazione”, in Bibliografia degli scritti
1934-1993 (1995), a cura de C. VIOLI, Laterza, Roma-Bari 1995, p.
XXV.
279
Cfr. IDEM, “Per una bibliografia” (1984), in DeSe, p. 86.
280
Cfr. IDEM, “Benedetto Croce” (1962), in ItCiv, p. 70.
281
Cfr. IDEM, “Benedetto Croce” (1991), in DalFaD, p. 216-217.
277
278
97
Ele aprendeu da leitura assídua que fez e re-fez de Croce,
em todas as épocas da sua vida, a considerar a Filosofia
como um mestiere – atividade profissional – que, como toda
profissão, deve ser exercida por quem saiba apropriar-se
dos instrumentais aptos e os empregue com a habilidade
com que o arquiteto desenha uma ponte que não deverá cair;
ou um cirurgião põe as mãos no corpo de um enfermo para
curá-lo, não para matá-lo.
Uma profissão, porém, que não pode ser exercitada
todos os dias e nem a toda hora do dia, não nos dias feriais,
quando é bom que também o filósofo exerça e outra
profissão mais humilde; somente nos dias festivos, quando
se suspende o trabalho habitual para recompor as próprias
forças o filósofo deve filosofar282.
O filosofar assim entendido, era a antítese da filosofia
acadêmica, da filosofia dos professores que devem filosofar
por obrigação de serviço e a pagamento: purus philosophus,
purus asinus.283
Bobbio aprendeu de Croce, em primeiro lugar, a
maneira de pôr a relação entre a Política e a Cultura, que
se inspira ao princípio do primado das forças morais sobre
as forças materiais; do ético sobre o útil.
Este “primado” deu a Bobbio um ponto de apoio para
resistir à tentação de aceitar as lisonjas do universo
comunista, do qual não se podiam negar, depois da derrota
do Nazismo, as seduções.
Em segundo lugar, Bobbio aprendeu de Croce a
convicção da superioridade do liberalismo sobre todas as
outras doutrinas políticas; entendido o liberalismo como
fundamento de toda forma de Estado civil; condição
necessária de todo governo democrático; e também
282
283
Cfr. Ibidem, p. 218.
Cfr. Ibidem, p. 218-219.
98
entendido como visão da História, segundo a qual essa não é
guiada por uma incognoscível e infalível providência, mas é
o produto da obra humana; não tem um fim pré-estabelecido
e, portanto, não permite ao bom entendedor de abandonar-se
ao sonho utópico do enigma da História finalmente
resolvido, nem de deixar-se aterrorizar pelo pesadelo da
catástrofe inevitável284.
Bobbio ainda aprendeu de Benedetto Croce a
disciplina do estudo, o amor pela obra assídua, o gosto
pela pesquisa, o respeito pela verdade acima dos partidos e
das pátrias; mesmo se depois tenha discutido e re-discutido
todas as suas teorias e tenha aprendido que não era tudo
“ouro” aquilo que havia visto brilhar com olhos
deslumbrados, por causa da sua grandeza moral e intelectual
sem confrontos285.
O primeiro escrito de Bobbio sobre Benedetto Croce
remonta aos anos cinqüenta: Benedetto Croce, 1952286; ao
qual se seguiram uma grande quantidade de escritos287 até o
Cfr. Ibidem, p. 219.
Cfr. Ibidem, p. 221.
286
Cfr. IDEM, “Benedetto Croce” (1952), in Occidente, 8, n. 3-4
(Maio-Agosto de 1952), pp. 289-290
287
Cfr. IDEM, “Croce e la politica della cultura” (1953), in Rivista di
filosofia, XLIV, 3 (Julho de 1953), pp. 247-265, republicado in
PolCul, pp. 78-96; IDEM, “Croce e la politica della cultura” (1953),
in Rivista di filosofia, 44, n. 3 (Julho de 1953), pp. 247-265; IDEM,
“La formazione della filosofia politica di Benedetto Croce” (1953), in
Cultura Moderna, 11 (Outubro de 1953), pp. 6-7; IDEM, “Benedetto
Croce e il liberalismo” (1955), Rivista di filosofia. - 46, n. 3 (Luglio
1955) p. 261-286; republicado in PolCul, pp. 177-228; IDEM,
“Benedetto Croce: il filosofo e il maestro” (1955), in Antologia della
critica letteraria, a cura de M. FUBINI, - E. BONORA, Petrini,
Torino 1955, vol. 3, pp. 858-860; IDEM, “Un invito a Croce” (1961),
in Rivista di filosofia, 52, n. 3 (Julho de 1961), pp. 354-360; IDEM,
“Benedetto Croce: a dieci anni dalla morte” (1962), in Belfagor, 17, n.
284
285
99
último, no final dos anos noventa: Croce maestro di vita
morale, 1998288.
4.2.2. Carlo Cattaneo (1801-1869).
Carlo Cattaneo libertou Bobbio, definitivamente, da
prisão das estéreis abstrações filosóficas nas quais é
emaranhada a mente juvenil289. Tendo sido um dos
intérpretes mais genuínos da ideologia européia, Cattaneo
6 (30 de Novembro de 1962), pp. 621-639; IDEM, “Benedetto
Croce” (1962), in ItCiv, pp. 69-93; IDEM, “Gobetti e Croce” (1966),
in ItFed, pp. 69-73; IDEM, “Il Croce futuro di Piero Gobetti” (1966),
in La fiera letteraria, 41, n. 15 (21 de Abril de 1966), p. 32; IDEM,
“Crocianesimo a Torino (1920-1950): Croce e Gobetti” (1978), in La
Procellaria, 2-3 (Abril-Setembro de 1978), pp. 97-100; IDEM, “Un
maestro di questo secolo” (1978), in Benedetto Croce: una verifica,
L'Opinione, Roma 1978, pp. 31-32; IDEM, “Croce secondo
Gobetti” (1986), in Corriere della Sera, 111, n. 229 (1 de Outubro de
1986), p. 19; IDEM, “Croce oppositore” (1987), in Profilo ideologico
del Novecento, Garzanti, Milano 1987, vol. 9, Il Novecento, pp.
121-129; IDEM, “A carte scoperte” (1989), in Croce-Gentile: dal
sodalizio al dramma, Rizzoli, Milano 1989, pp. VII-XII; IDEM, “Fra
Croce e Gobetti” (1989), in Nuova Antologia, 124, fasc. 2170 (AbrilJunho de 1989), pp. 103-106; republicado in Franco Antonicelli:
ricordi e testimonianze, Bollati Boringhieri, Torino 1992, pp. 73-79;
IDEM, “Ho scelto Croce” (1989), in Tuttolibri, 15, n. 570 (23 de
Setembro de 1989), p. 5; IDEM, “Benedetto Croce” (1991), in
DalFaD, pp. 215-236; IDEM, “Il nostro Croce” (1991), in Filosofia e
cultura: per Eugenio Garin, a cura de M. CILIBERTO, - C. VASOLI,
Editori Riuniti, Roma 1991, vol. 2, pp. 789-805.
288
Cfr. IDEM, “Croce maestro di vita morale” (1998), in Per
conoscere Croce, a cura de P. BONETTI, Edizioni Scientifiche
Italiane, Napoli 1998, pp. 35-43.
289
Cfr. IDEM, “Per una bibliografia” (1984), in DeSe, p. 86; IDEM,
“Tommaso Fiore”, in LaMI, p. 209.
100
ajudou Bobbio a delinear os traços essenciais desta
ideologia290.
Foi o interesse por Cattaneo a imprimir uma reviravolta às pesquisas de Bobbio, dando o imput aos seus
estudos de História do pensamento político, quase sempre
ligados às atualidades291. A origem desse interesse foi,
principalmente, o fato que Cattaneo fora um dos
pouquíssimos intelectuais ressurgimentais – talvez o único
– que nunca “pudera” ser utilizado pelo Fascismo292.
A concepção de Carlo Cattaneo sobre o Estado,
definido uma grande transazione – grande transação – é
absolutamente aos antípodas da doutrina fascista do Estado
ético. Também filosoficamente, Cattaneo representava a
antítese, aos olhos de Bobbio, das filosofias espiritualistas
então dominantes na Itália293.
C. Cattaneo fora, para Bobbio, o reformador
iluminado, cujas idéias podiam seguramente ser
consideradas a base filosófica ideal para o programa do
Partito d’Azione. Em 1944-1945, Bobbio curou com uma
ampla Introduzione294 a uma coleção de escritos publicada
Cfr. IDEM, “Grandezza e decadenza dell’ideologia
europea” (1986), in DubScel, p. 187.
291
Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, RomaBari 1999, p. 86.
292
Cfr. IDEM, - M. VIROLI, Dialogo intorno alla repubblica, Laterza,
Roma-Bari 2001, p. 23.
293
Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, RomaBari 1999, p. 86.
294
Cfr. IDEM, “Introduzione” (1945), in C. CATTANEO, Stati Uniti
d’Italia (Città del Sole, 5), a cura de N. BOBBIO, Chiantore, Torino
1945, pp. 7-91.
290
101
sob o título Stati Uniti d’Italia,295 numa coleção por ele
mesmo idealizada e dirigida, intitulada La Città del Sole296.
Em 1960, Bobbio curou a publicação de Scritti
filosofici de Carlo Cattaneo, também com uma longa
Introduzione297.
Em 1971, Bobbio publicou um volume coletânea,
onde recolheu os seus principais artigos sobre Carlo
Cattaneo: Una filosofia militante, Studi su Carlo Cattaneo,
1971298.
Na coletânea Teoria generale della politica, 1999299,
acima citada, foi publicado o artigo Carlo Cattaneo e le
riforme, 1974300. Outros escritos sobre Carlo Cattaneo que
não se encontram em nenhuma coletânea foram publicados
Cfr. C. CATTANEO, Stati Uniti d’Italia (Città del Sole, 5), a cura
de N. BOBBIO, Chiantore, Torino 1945.
296
Cfr. N. BOBBIO, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza,
Roma-Bari 1999, p. 86-87.
297
Cfr. IDEM, “Introduzione” (1960), in C. CATTANEO, Scritti
filosofici, a cura de N. BOBBIO, Le Monnier, Firenze 1960, pp. VLVI.
298
Cfr. IDEM, Una filosofia militante, Studi su Carlo Cattaneo,
Einaudi, Torino 1971.
Este volume recolheu os seguintes escritos: IDEM, “Illuminista o
positivista?” (1971), in StudiCatt, pp. 124-138; IDEM, “L’idea
centrale” (1971), in StudiCatt, pp. 112-124; IDEM, “La filosofia è una
milizia” (1971), in StudiCatt, pp. 83-138; IDEM, “Le fonti” (1971), in
StudiCatt, pp. 83-97; IDEM, “Le lezioni luganesi” (1971), in
StudiCatt, pp. 139-181; IDEM, “Principi e temi” (1971), in StudiCatt,
pp. 98-112; IDEM, “Stati Uniti d'Italia” (1971), in StudiCatt, p. 3.
299
Cfr. IDEM, Teoria generale della politica (Biblioteca Einaudi, 73),
a cura di M. BOVERO, Einaudi, Torino 1999.
300
Cfr. IDEM, “Carlo Cattaneo e le riforme” (1974), in TeGePo, pp.
583-603.
295
102
em revistas, jornais e também como introduções ou notas de
obras do autor301.
4.2.3. Hans Kelsen (1881-1973).
Bobbio se aproximou à concepção procedimental da
Democracia inspirada, sobretudo, a Hans Kelsen, segundo o
Cfr. IDEM, “Introduzione” (1945), in C. CATTANEO, Stati Uniti
d’Italia (Città del Sole, 5), a cura de N. BOBBIO, Chiantore, Torino
1945, pp. 7-91; IDEM, “Il 48 di Carlo Cattaneo” (1947), in Minerva,
LVII, n. 12 (Dezembro de 1947), pp. 353-355; IDEM, “Nota”, in C.
CATTANEO, Dell'insurrezione di Milano nel 1848 e della successiva
guerra, Le Monnier, Firenze 1949, pp. 331-347; IDEM, “Carlo
Cattaneo e gli Stati Uniti d’Europa” (1953), in Ateneo, IV, n. 14 (25
de Maio de 1953), p. 6; IDEM, “Una polemica ignorata di Carlo
Cattaneo” (1959), in Nuova Antologia, 94, 468, 1905 (Setembro de
1959), pp. 37-52; IDEM, “Introduzione” (1960), in C. CATTANEO,
Scritti filosofici, a cura de N. BOBBIO, Le Monnier, Firenze 1960, pp.
V-LVI; IDEM, “Una polemica di Carlo Cattaneo” (1961), in Studi in
onore di Vittorio Lugli e Diego Valeri, Neri Pozza, Venezia 1961, vol.
1., pp. 111-136; IDEM, “Il federalismo di Carlo Cattaneo” (1969), in
L'Europa, 3, n. 14 (5 de Abril de 1969), pp. 34-37; IDEM, “Carlo
Cattaneo” (1970), in Terzo programma, 2 (1970), pp. 45-56; IDEM,
“Filosofia e scienza nel pensiero di Carlo Cattaneo” (1970), in
Corriere del Ticino, 80, 19, (24 Janeiro de 1970), p. 34; IDEM, “Carlo
Cattaneo: una filosofia militante” (1971), in Il pensiero mazziniano,
26, n. 7-8 (Julho de 1971), pp. 61-62; IDEM, “Della sfortuna del
pensiero di Carlo Cattaneo nella cultura italiana” (1970), in Rivista
critica di storia della filosofia, XXV, 2 (Abril-Junho de 1970), pp.
161-184; IDEM, “Cattaneo e Mazzini” (1972), in Il pensiero
mazziniano, 17, n. 2 (1972), p. 18; IDEM, “Carlo Cattaneo nel primo
centenario della morte” (1973), in Paragone, Letteratura, XXIV, 278
(Abril 1973), pp. 3-26; IDEM, “Il Suo Cattaneo” (1974), in Critica
Sociale, LXVI, suplemento n. 1 (Janeiro de 1974), pp. 49-53; IDEM,
“Carlo Cattaneo: uno spirito laico” (1979), in PER, 9-10 (Fevereiro de
1979), pp. 11-16; IDEM, “Cattaneo, modernissimo teorico della
libertà e del pluralismo” (1991), in C. CATTANEO, Stati Uniti
301
103
qual as “regras” que consentem livre e pacífica convivência
dos indivíduos em Sociedade são a principal característica
da Democracia.
Naquela época, Bobbio ainda via a Democracia como
a forma de governo que consente, melhor de toda outra, o
desenvolvimento autônomo da pessoa humana302.
Através de Kelsen, Bobbio pôde acessar a um
Sistema completo de conceitos-chaves para a compreensão
realista, não ideologizada do Direito, distinto da sua base
social e dos valores que, vez por vez, inspiram-no303.
Quando, em 1994, Bobbio recebeu o Prêmio Balzan,
declarou que foi a leitura de Hans Kelsen a inspirar-lhe a
concepção da Democracia como um sistema de regras que
permitem a instauração e o desenvolvimento de uma
convivência livre e pacífica304.
d'Italia, il federalismo, le leghe, a cura de D. VIMERCATI, Sugarco,
Milano 1991, pp. 225-229; IDEM, “Italia: la formula di Cattaneo”, in
La Stampa, (12 de Outubro de 1997), p. 24; IDEM, “Il mio
federalismo attraverso Cattaneo” (1998), in Nuova Antologia, 2207
(Julho-Setebro de 1998), pp. 32-35; IDEM, “Cattaneo: gran lombardo
e illuminista” in La Repubblica (2001), (18 de Abril de 2001), pp.
46-47.
302
Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, RomaBari 1999, p. 88.
303
Cfr. Ibidem, p. 141.
304
Cfr. Ibidem, p. 141.
104
Hans Kelsen ocupou um lugar fundamental não só
nos estudos bobbianos sobre a Teoria do Direito305, mas
também naqueles da Teoria Política306.
Bobbio deve a Kelsen a concepção procedimental da
Democracia, que remonta à idéia da Democracia proposta
por J. A. Schumpeter como competição entre elites307 para
conquistar o consensus através de livres eleições. O método
democrático é o instrumento institucional para chegar às
decisões políticas, em base ao qual um indivíduo obtém o
“poder” de decidir através de uma competição que há por
objeto o voto popular308.
Hans Kelsen, fundador da Escola de Viena, pai da
Constituição austríaca, concebeu nos seus escritos a
Democracia como método, ou seja, como sistema de regras
Cfr. IDEM, “Teoria della norma giuridica” (1957-1958), in
TeoGeDi, pp. 01-155; IDEM, “Teoria dell’ordinamento
giuridico” (1959-1960), in TeoGeDi, pp. 157-292; IDEM, Il
positivismo giuridico, Lezioni di Filosofia del diritto (1960-1961),
(Recta Ratio, Terza serie, 2), a cura de N. MORRA, G. Giappichelli,
Torino 1996; IDEM, “Per un lessico di teoria generale del
diritto”(1975), republicado com o título “Norme secondarie”, in
ConDizGi, pp. 233-243; IDEM, Dalla struttura alla funzione, Nuovi
studi di teoria del diritto, Edizioni di Comunità, Milano 19842.
306
Cfr. IDEM, La teoria delle forme di governo nella storia del
pensiero politico (1975-1976), G. Giappichelli, Torino 1976; IDEM,
Teoria generale della politica ( Biblioteca Einaudi 173), a cura de M.
BOVERO, Einaudi, Torino 1999.
307
Cfr. IDEM, “Fatti e valori nella teoria delle élites” (1960),
republicado com o título “Quasi una conclusione”, in SagScPol, pp.
265-278; IDEM, “Democrazia ed élites” (1962), in SagScPol, pp.
221-241.
308
Cfr. J. A. SCHUMPETER, Capitalismo, socialismo e democrazia,
Edizioni di Comunità, Milano 1955.
305
105
para tomar decisões coletivas com o mais amplo consenso
dos sujeitos envolvidos nas decisões309.
Contrariamente aos críticos que rejeitam a concepção
procedimental da Democracia, Bobbio observou várias
vezes que, apesar de esta ser uma definição mínima de
Democracia, não é de modo algum valorativa: esta é uma
definição que fixa os requisitos mínimos que um sistema
democrático deve possuir que são requisitos formais, mas
não exclui a referência a alguns valores fortes310.
Considerar a Democracia um instrumento que regula
a competição entre as elites pela conquista do consensus
implica a referência a valores como a igualdade dos
cidadãos no direito de voto, a liberdade de escolha diante do
Cfr. N. BOBBIO, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza,
Roma-Bari 1999, pp. 142-143.
310
Cfr. IDEM, “Democrazia rappresentativa e democrazia
diretta” (1978), in FdD, pp. 33-62; IDEM, “Democrazia /
dittatura” (1978), republicado com o título “Democrazia e dittatura”,
in StGovSoc, pp. 126-157; IDEM, “La democrazia e il potere
invisibile” (1980), in FdD, pp. 85-113; IDEM, “I vincoli della
democrazia” (1983), in FdD, pp. 63-84; IDEM, “Il futuro della
democrazia” (1984), in FdD, pp. 03-31; IDEM, “Democrazia e
scienze sociali” (1986), republicado com o título “Democrazia e
conoscenza”, in TeGePo, pp. 339-352; IDEM, “La democrazia dei
moderni paragonata a quella degli antichi (e a quella dei
posteri)” (1987), in TeGePo, pp. 324-339; IDEM, “Democrazia ed
Europa” (1987), republicado com o título
“Dall’ideologia
democratica agli universali procedurali”, in TeGePo, pp. 370-383;
IDEM, “Democrazia e sistema internazionale” (1989), in FdD, pp.
195-220; IDEM, “Democrazia e segreto” (1990), in TeGePo, pp.
352-369; IDEM, “Democrazia” (1990), in DizPol, pp. 287b-297b;
IDEM, “Ragion di stato e democrazia” (1991), in EdM, pp. 89-104;
IDEM, “Democrazia integrale” (1996), in TdR, pp. 110-115; IDEM,
“Il compito dei partiti politici” (1996), in TdR, pp. 119-124.
309
106
voto e, como conseqüência, a solução pacífica dos conflitos
sociais311.
O primeiro escrito de Bobbio sobre Hans Kelsen é La
teoria pura del diritto e i suoi critici, 1954312.
Em 1957, a Paris, em ocasião de um congresso do
Institut International de Philosophie Politique, onde Bobbio
fez uma palestra que havia por tema Quelques arguments
contre le droit naturel, aconteceu o único encontro pessoal
entre Bobbio e Kelsen.
A ele, Bobbio dedicou vozes enciclopédicas, artigos,
recensões313, por fim um volume coletânea, Diritto e potere,
Saggi su Kelsen, 1992314.
Nesse volume foram reunidos dez escritos sobre Hans
Kelsen, redigidos entre os anos 1954 e 1986. Esse volume é
dividido em três partes, a primeira parte trabalha as críticas
movidas contra a teoria pura do Direito kelseniana: La
teoria pura del diritto e i suoi critici315; a segunda parte
Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, RomaBari 1999, p. 143.
312
Cfr. IDEM, “La teoria pura del diritto e i suoi critici” (1954), in
HKelsen, pp. 15-40.
313
Cfr. IDEM, “Kelsen Hans” (1958), in Grande Dizionario
Enciclopedico, UTET, Torino 19582, pp. 519-520; republicado in
Novissimo Digesto Italiano, UTET, vol. 9, Torino 1963, pp. 402-404;
“Nazioni e diritto: Umberto Campagnolo allievo e critico di Hans
Kelsen” (1993), in Diritto e cultura, 3, n. 2 (Julho-Dezembro de
1993), pp. 118-132; republicado com o título Umberto Campagnolo
allievo e critico di Hans Kelsen, in Diritto internazionale e Stato
sovrano / Hans Kelsen, Umberto Campagnolo, a cura de M. G.
LOSANO, Giuffrè, Milano 1999, pp. 81-98.
314
Cfr. IDEM, Diritto e potere, Saggi su Kelsen, Edizioni Scientifiche
Italiane, Napoli 1992.
315
Recolhe os seguintes artigos: N. BOBBIO, “La teoria pura del
diritto e i suoi critici” (1954), in HKelsen, pp. 15-40; IDEM, “Essere e
dover essere nella scienza giuridica” (1967), in HKelsen, pp. 41-64;
311
107
trabalha a relação entre o Direito e o poder político: Diritto
e potere316; e a terceira e última parte confronta Weber e
Perelman a Hans Kelsen, lembrando também Ernest
Roguin: Raffronti317.
IDEM, “Hans Kelsen” (1973), in Rivista internazionale di filosofia
del diritto, L, 3 (Julho-Setembro de 1973), pp. 425-449; republicado
com o título “Struttura e funzione nella teoria del diritto di Kelsen”, in
HKelsen, pp. 65-87.
316
Recolhe os seguintes artigos: N. BOBBIO, “Le fonti del diritto in
Kelsen” (1981), in HKelsen, pp. 91-102; IDEM, “Kelsen e il problema
del potere” (1981), in Rivista internazionale di filosofia del diritto, 58,
fasc. 4 (Outubro-Dezembro de 1981), pp. 549-570; republicado in
HKelsen, pp. 103-122; IDEM, “Kelsen e il potere giuridico” (1982), in
HKelsen, pp. 123-139; IDEM, “Dal potere al diritto e
viceversa” (1981), in HKelsen, pp. 141-145.
317
Recolhe os seguintes artigos: N. BOBBIO, “Max Weber e Hans
Kelsen” (1981), in Max Weber e il diritto, a cura de R. TREVES,
Franco Angeli, Milano 1981, pp. 135-154; republicado in HKelsen,
pp. 159-177; IDEM, “Perelman e Kelsen” (1986), in HKelsen, pp.
179-192; IDEM, “Un dimenticato teorico del diritto: Ernest
Roguin” (1978), in HKelsen, pp. 193-213.
108
4.2.4. Vilfredo Pareto (1848-1923) e Max Weber
(1864-1920).
Vilfredo Pareto, iconoclasta318 e cético apaixonado,
ajudou Bobbio a compreender os limites da Razão e, ao
mesmo tempo, o universo sem fim da loucura humana319.
Pareto havia a paixão de fazer previsões, mas ele era
um cientista, não um chefe de partido320.
Em 1916, num Mundo já abalado pela Primeira
Guerra, V. Pareto publicou o seu Trattato di sociologia
generale, dominado de cima a baixo pela contraposição
entre o cientista e o apóstolo, implantado sobre a tese que o
sociólogo se ocupa de acertar fatos e de formular teorias e
não se preocupa das conseqüências boas ou más das
próprias asserções321.
Convencido que o Homem é, predominantemente, um
ser não-lógico, Pareto se propôs a tarefa de desmascarar
esta falsa e presunçosa logicidade com uma das mais
Do grego εικών, eikon [ícone], e κλαστειν, klastein [quebrar]) é a
doutrina que se opõe ao culto de ícones religiosos e outras obras,
geralmente por motivos políticos ou religiosos. No âmbito do
cristianismo, a iconoclastia é geralmente motivada pela interpretação
literal dos dez mandamentos, que proíbem os fiéis de adorar imagens.
As pessoas envolvidas em tais práticas são conhecidas como
iconoclastas, um termo que passou a ser aplicado a qualquer um que
quebra dogmas ou convenções estabelecidas ou as desdenha.
Inversamente, aqueles que reverenciam ou veneram os ícones são
conhecidos como iconófilos. A iconoclastia pode acontecer com povos
de religiões diferentes, mas é freqüentemente o resultado de disputas
entre facções de uma mesma religião. Foi importante na história da
Igreja Ortodoxa durante o Império Bizantino, nos séculos VIII e IX.
319
Cfr. N. BOBBIO, “Per una bibliografia” (1984), in DeSe, p. 86.
320
Cfr. IDEM, “Ancora dello stalinismo: alcune questioni di
teoria” (1956), in NéNé, p. 38.
321
Cfr. IDEM, “Intellettuali” (1978), in DubScel, p. 167.
318
109
aventurosas e felizes incursões, que nunca foram iniciadas,
no mundo da História das idéias322.
O primeiro artigo escrito por Bobbio sobre Vilfredo
Pareto foi publicado no final dos anos cinqüenta: Vilfredo
Pareto e la critica delle ideologie, 1957323.
Durante os anos sessenta publicou mais sete artigos
sobre V. Pareto: La sociologia di Vilfredo Pareto attraverso
le lettere a Maffeo Pantaleoni, 1961324; Pareto e la teoria
dell’argomentazione, 1961325; Vailati e Pareto, 1963326;
Introduzione alla sociologia di Pareto, 1964327; Prefazione,
1964328; Il problema dell'ideologia in Pareto, 1968329;
L’ideologia in Pareto e in Marx, 1968330.
Cfr. IDEM, “Teorie politiche e ideologie nell’Italia contemporanea”
(1958), in ItCiv, pp. 29-30.
323
Cfr. IDEM, “Vilfredo Pareto e la critica delle ideologie” (1957), in
Rivista di filosofia, 48, n. 4 (Outubro de 1957), pp. 355-381,
republicado com o título “Pareto e la critica delle ideologie”, in
SagScPol, pp. 65-93.
324
Cfr. IDEM, “La sociologia di Vilfredo Pareto attraverso le lettere a
Maffeo Pantaleoni” (1961), in Moneta e credito, XIV (1961), pp.
135-153.
325
Cfr. IDEM, “Pareto e la teoria dell’argomentazione” (1961), in
Revue internationale de philosophie, 15, n. 58, fasc. 4 (1961), pp.
376-379, republicado in SagScPol, pp. 109-131.
326
Cfr. IDEM, “Vailati e Pareto” (1963), in Rivista critica di storia
della filosofia, 18, fasc. 3 (Julho-Setembro de 1963), pp. 463-485.
327
Cfr. IDEM, “Introduzione alla sociologia di Pareto” (1964), in
Giornale degli economisti e annali di economia, 23, n. 1 (JaneiroFevereiro de 1964), pp. 1-41, republicado in SagScPol, pp. 15-64.
328
Cfr. IDEM, “Prefazione” (1964), in V. PARETO, Trattato di
sociologia generale, a cura de N. Bobbio, P. FARNETI, - F.
FRASSOLDATI, Edizioni di Comunità, Milano 1964.
329
Cfr. IDEM, “Il problema dell'ideologia in Pareto” (1968), in Scritti
in memoria di W. Cesarini Sforza, Giuffrè, Milano 1968, pp. 85-99.
330
Cfr. IDEM, “L’ideologia in Pareto e in Marx” (1968), in Rivista
internazionale di filosofia del diritto, 45, fasc. 1 (Janeiro-Março de
322
110
Nos anos setenta, Bobbio publicou dois escritos sobre
V. Pareto: Pareto e il diritto naturale, 1973331; e a
Prefazione ao volume Pareto e il sistema sociale, 1973332.
O último artigo importante sobre Pareto foi publicado
no final dos anos oitenta: L’italia di Vilfredo Pareto,
Economia e società in un carteggio del 1873-1923, 1989333.
De Max Weber, Bobbio herdou, nos últimos anos do
seu itinerário filosófico, uma ajuda decisiva no repensamento e na re-formulação das principais categorias
da Política334.
Bobbio notou que na obra de M. Weber, que é um dos
pilares da teoria política contemporânea, a categoria do
despotismo335 não encontra nenhum lugar, substituída pelas
várias formas que assumiram na História o poder
tradicional; de um lado, o poder carismático, de outro, em
relação ao poder legal-racional336.
V. Pareto e M. Weber, rígidos e obstinados
adversários de toda contaminação entre a obra do cientista e
a obra do político – ou a obra do moralista – foram
1968), pp. 7-17, republicado in SagScPol, pp. 95-108.
331
Cfr. IDEM, “Pareto e il diritto naturale” (1973), in Atti del
Convegno internazionale su Vilfredo Pareto: Roma, 25-27 ottobre
1975, Accademia Nazionale dei Lincei, Roma 1975, pp. 313-325,
republicado in SagScPol, pp. 133-150.
332
Cfr. IDEM, “Prefazione” (1973), Pareto e il sistema sociale, a cura
de N. BOBBIO, Sansoni, Firenze 1973.
333
Cfr. IDEM, “L’italia di Vilfredo Pareto, Economia e società in un
carteggio del 1873-1923” (1989), republicado com o título “Gli studi
paretiani di Giovanni Busino”, in SagScPol, pp. 150-157.
334
Cfr. IDEM, “Per una bibliografia” (1984), in DeSe, p. 87.
335
Cfr. IDEM, “Dispotismo” (1990), in DizPol, pp. 320a-327a.
336
Cfr. IDEM, “Grandezza e decadenza dell’ideologia
europea” (1986), in DubScel, p. 190. Não podemos deixar de citar o
artigo IDEM, “Max Weber, il potere e i classici” (1981), in TeGePo,
pp. 70-97.
111
inclinados a crer que, numa Sociedade guiada por forças
irracionais; guiada pela prevalência de ideologias que vêm
confusas por “teorias científicas”; num universo irredutível
de politeísmo dos valores por efeito da impotência da
Razão, a única empresa humana na qual devem ser mantidos
não contrastados o “domínio” e a “guia” da Razão, fosse a
Ciência.
Por isto tocava ao homem de ciência, segundo eles, a
responsabilidade de preservar a única forma de saber que
pode aspirar à inter-subjetividade da corrupção da fé
individual e coletiva, pelos sentimentos, pelas mitologias
sempre renascentes; pelas concepções gerais do Mundo não
racionalmente verdadeiras, mas somente praticamente
úteis337.
Bobbio publicou um primeiro escrito sobre Weber,
intitulado Max Weber e l’imparzialità della scienza, em
1958338.
Nos anos oitenta publicou Max Weber e
l’imparzialità della scienza, 1958339; Max Weber un classico
che ci aiuta a comprendere la storia, 1980340; La teoria
Cfr. IDEM, “Intellettuali” (1978), in DubScel, pp. 167-168.
Cfr. IDEM, “Max Weber e l’imparzialità della scienza”, in
Notiziario Einaudi, VII, n. 3 (Novembro de 1958), pp. 15-16.
339
Cfr. IDEM, “Max Weber e l’imparzialità della scienza” (1958), in
Notiziario Einaudi, VII, n. 3 (Novembro de 1958), pp. 15-16.
340
Cfr. IDEM, “Max Weber un classico che ci aiuta a comprendere la
storia” (1980), in Avanti, 84, n. 149 (29-30 de Junho de 1980), p. II.
337
338
112
dello Stato e del potere, 1981341; Max Weber e Hans Kelsen,
1981342 e Max Weber, il potere e i classici, 1981343.
Cfr. IDEM, “La teoria dello Stato e del potere” (1981), in Max
Weber e l'analisi del mondo moderno, a cura de P. ROSSI, Einaudi,
Torino 1981, pp. 215-246.
342
Cfr. IDEM, “Max Weber e Hans Kelsen” (1981), in Max Weber e il
diritto, a cura de R. TREVES, Franco Angeli, Milano 1981, pp.
135-154, republicado in HKelsen, pp. 159-177.
343
Cfr. IDEM, “Max Weber, il potere e i classici” (1981), in TeGePo,
pp. 70-97.
341
113
CAPÍTULO II:
A VIDA HUMANA: VALOR PRIMORDIAL
Na primeira etapa delineamos um perfil de Norberto
Bobbio, onde conhecemos alguns dados biográficos seus.
Conhecemos também um pouco daquele período que, ele
mesmo, chamou de sua pré-história. Estes elementos eram
necessários para “traçar” um retrato humano de Bobbio;
assim foi possível construir o seu perfil filosófico.
Em uma palavra, delineamos a imagem moral do
“homem” que considerou o princípio ético Não matar um
dever absoluto e, por isto mesmo, repugnou a pena de morte
e o aborto procurado; proclamou seu pacifismo
institucional344.
Conhecemos quais foram os principais “valores” para
o “homem” Bobbio; sua concepção sobre a existência ou
não de um Deus que pudesse ser fundamento absoluto e
garantia do valor universal dos princípios morais, em
particular do princípio ético Não matar; conhecemos sua
concepção do valor da vida humana como direito
fundamental por excelência porque protege um bem
A posição de Bobbio quanto ao Aborto, a Pena de Morte e a Guerra,
bem como o seu pacifismo institucional, será tratada nas terceira e
quarta etapas desta pesquisa como conseqüências da afirmação
bobbiana do princípio ético Não matar! como absoluto, como
imperativo categórico.
344
114
primordial, enquanto condição para todos os demais
valores; conhecemos ainda seu modo de conceber a morte
do Homem, e aquilo que “acontece” depois da sua morte;
conhecemos também a sua trilogia temática: os três grandes
temas que nortearam toda sua vasta gama de estudos e
escritos durante toda sua vida.
Nesta segunda etapa, para responder à segunda
pergunta do nosso objetivo específico – Por que Norberto
Bobbio afirmou que o princípio ético “Não matar!” é
válido em sentido absoluto, é um imperativo categórico? –
partiremos do sujeito dos direitos à vida e a viver, onde
trabalharemos a nova imagem de Homem, o direito
fundamental por excelência; e o indivíduo e a Sociedade
civil.
Depois, num segundo momento trabalharemos o
direito à vida: sinal de progresso moral; onde
conheceremos o “mito” do progresso, o progresso moral e o
direito à vida, a evolução histórica do direito à vida como
direito fundamental por excelência e, por fim, conheceremos
as “ambigüidades” da linguagem dos direitos e a utopia da
Sociedade livre, justa e feliz.
Com esses dois momentos iniciais compreenderemos
“por que” Bobbio afirmou que o princípio ético Não matar é
válido em sentido absoluto, é um imperativo categórico.
Num terceiro momento, passaremos a responder a
terceira pergunta de nosso objetivo geral trabalhando o
imperativo ético Não Matar, a partir do seu fundamento e
das suas “possíveis” derrogas.
Depois, poderemos trabalhar o problema da
substancial unidade do gênero humano, a partir das
“declarações” desta substancial unidade, buscando o seu
fundamento, e concluindo com a “desigualdade” humana.
115
Com esses dois momentos – terceiro e quarto – será
evidente “o quê” Bobbio entendia dizer quando afirmou de
considerar o princípio ético Não matar válido em sentido
absoluto, como um imperativo categórico.
Esta etapa se concluirá com o problema do
fundamento dos direitos à vida e a viver, que é o problema
do fundamento mesmo dos direitos fundamentais uma vez
que a vida é a condição para todos os demais valores e
direitos.
Nesse último momento trabalharemos o “sentido” do
problema do fundamento dos direitos, a “impossibilidade”
de um fundamento absoluto, a “indesejabilidade” de um
fundamento absoluto e a proposta bobbiana de solução do
problema do fundamento utilizando a antiga fórmula do
consensus omnium gentium; por fim, apresentaremos
algumas observações conclusivas.
1. O Sujeito dos Direitos à Vida e a Viver.
Para conhecermos quem é, segundo Bobbio, o sujeito
dos direitos à vida e a viver, trabalharemos três pontos
fundamentais. Primeiro, trabalharemos a nova imagem de
Homem, onde conheceremos a humanidade e racionalidade
como ideais-limites, o mundo humano e o valor da vida
humana e, por fim, a pessoa humana e a Sociedade
tecnocrática.
Depois, trabalharemos o direito fundamental por
excelência: à vida e a viver; onde conheceremos a indemonstrabilidade dos valores últimos, o direito natural e o
direito primordial à vida; e o problema da conservação da
vida humana, como fim primário do Estado civil.
116
Por último, trabalharemos o individuo e a Sociedade
civil, onde conheceremos a concepção orgânica da
Sociedade civil; e a grande “virada”: ponto de vista do
indivíduo; o indivíduo como pessoa moral e racional; e o
“direito” à vida e o “dever” de não matar!
1.1. Uma “Nova” Imagem de Homem.
Não basta dizer “Homem” ou dizer “Homem novo”,
para exprimir aquilo que o Homem realmente “é”, observou
Bobbio. Que o Homem novo seja aquele que realizará
plenamente
e
livremente
todas
as
faculdades
caracteristicamente humanas, ou seja, aquele que atua a
identidade entre o indivíduo e o gênero humano – o homem
total – pareceu a Bobbio uma “imagem” muito vaga do
Homem345.
Ainda mais vaga pareceu a Bobbio aquela concepção
neo-marxista do Homem caracterizado pelas suas
necessidades; e da Sociedade humana como aquela na qual
o Homem conseguirá satisfazer as necessidades
essencialmente humanas.
Bobbio perguntou-se: quais são essas faculdades
caracteristicamente
humanas
e
necessidades
essencialmente humanas? Ele disse não haver encontrado
resposta satisfatória a tal pergunta. É demasiado fácil a
objeção que a uma pergunta do gênero não se possa
responder senão propondo, ainda uma vez, um “ideal” de
Homem; mas de qual Homem?346
Cfr. N. BOBBIO, “Umanesimo di Rodolfo Mondolfo” (1977), in
MeCom, pp. 85-86.
346
Cfr. Ibidem, p. 86.
345
117
1.1.1. Humanidade
Limites.
e
Racionalidade:
Ideais-
Com a Sociologia e a Antropologia, a Psicologia e a
Psicanálise entrando com seus instrumentos num terreno,
até então, exclusividade da Moral e da Religião, a imagem
tradicional do Homem – animal rationale – foi desmontada.
Segundo Bobbio o grande problema da antropologia
do final do século XX, foi que, com os pedaços que
sobraram daquele Homem “velho” desmontado, ninguém
conseguiu ainda “remontar” uma nova imagem de um
Homem “novo”. Nunca, como nos últimos tempos, existiu
maior incerteza sobre aquilo que deveria ser um novo
humanismo. É uma incerteza que parece denunciar uma
gravíssima crise nos valores fundamentais347 que deveriam
nortear a vida do Homem.
À pergunta: basta ser humano para ser racional,
pessoa dotada de razão e de consciência? Bobbio observou
que todos os Ordenamentos civis reconhecem que existem
indivíduos pertencentes ao gênero humano que não são
“ainda” dotados de razão e de consciência – como as
crianças – ou não o são “mais”, como os dementes. Segundo
ele, diante de “uns” e dos “outros” valem, e é justo que
valham, certas “desigualdades”348.
Existe o Homem racional? Para Bobbio o Homem
racional é um ideal-limite; e um ideal-limite é já, por si
mesmo, inatingível. Podem existir historicamente maiores
Cfr. Ibidem.
Cfr. IDEM, “Eguaglianza e dignità degli uomini” (1963),
republicado com o título “La dichiarazione universale dei diritti
dell’uomo”, in TeGePo, p. 452.
347
348
118
ou menores “aproximações” a este ideal limite: nenhum
ideal é deste Mundo349.
1.1.2. O Mundo Humano e o Valor da Vida
Humana.
Para Bobbio o mundo humano é o mundo daquilo que
ele chamou de grezza materia – matéria bruta. Mas o quê
significava, para ele, esta matéria bruta? De quê é metáfora
esta expressão bobbiana? Em quê consiste a intratável – e
talvez irremediável – “brutalidade” desta matéria, da
realidade efetiva; uma “brutalidade” que os ideais devem
considerar para não se infringir ou inverter-se em nãovalores?
Tentar de responder a estas perguntas significa
aproximar-se ao núcleo central do “metódico” pessimismo
bobbiano, visto acima, na primeira etapa desta pesquisa350.
Não é fácil responder a essas perguntas, mas podemos
indicar com certa segurança, na concepção bobbiana do
mundo humano, três raízes da negatividade ou maldade
deste “mundo” enquanto matéria bruta, que correspondem a
três aspectos de uma mesma antropologia negativa;
segundo a qual, o Homem é um animal violento, passional e
enganador.
O primeiro aspecto característico da antropologia
bobbiana é a “violência”. Do mundo humano – mundo da
grezza materia – é, provavelmente, in-eliminável a
violência: desde sempre surgem, entre os homens, conflitos
que não se resolvem sem o recurso ao uso da força. Neste
Cfr. IDEM, “Democrazia ed Europa” (1987), republicado com o
título “Dall’ideologia democratica agli universali procedurali”, in
TeGePo, p. 379.
350
Cfr. IDEM, “Risposta ai critici” (1993), in DeSe, p. 154.
349
119
fato vai buscada também a primeira origem e a razão de ser
da Política.
Isto não significa que a Política seja destinada para
sempre a ser teatro exclusivo da vontade de potência, ou
pior, do delírio de potência; mas significa que seria ingênuo
contrapor, a essa “dura” realidade, o abstrato sonho de uma
convivência espontânea e harmoniosa, como seria aquela de
uma Sociedade sem Estado.
O segundo aspecto característico da antropologia
bobbiana é a “passionalidade”. No mundo humano das
relações sociais prevalecem as paixões e os interesses
particulares sobre as razões universais. E também quando
estas últimas parecem afirmar-se, as outras obtêm quase
sempre clamorosas vitórias.
Isto não significa que o homem passional ou o homo
oeconomicus seja destinado a triunfar sempre e em toda
circunstância sobre o homem moral, mas significa que não
se pode contrapor a “ele” o ideal desencarnado de uma
Sociedade composta por indivíduos desinteressados351.
O terceiro aspecto característico da antropologia
bobbiana é a natural “ideologicidade” humana. O Homem é
um animal ideológico – em sentido “pejorativo” – ou seja,
animal mentiroso; o Homem mente também a si mesmo
aduzindo ao escopo de justificar-se, ou de obter
consentimento para o próprio comportamento, motivações
diferentes daquelas reais.
Isto não significa que devemos nos resignar à
opacidade impenetrável e ao engano nas relações humanas,
sociais e políticas, privadas e públicas, isto é, ao “reino” da
fraude, além do “reino” da força e das paixões; mas
significa que seria ingênuo confiar-se à honestidade das
351
Cfr. M. BOVERO, “Introduzione”, in TeGePo, p. LVII.
120
intenções e à sinceridade das declarações dos homens para
construir uma Sociedade transparente352.
Existe, de fato, um vazio moral no mundo do Homem
– animal violento, passional e enganador; “vazio” gerado
pela falta de uma “laica” autoridade moral. Este “vazio”
moral é preenchido, em parte, pela Religião; mas Bobbio
denunciou a necessidade de recuperar o valor “laico” da
vida humana.
No início do novo milênio, em Dialogo intorno alla
repubblica, 2001, Bobbio observou que se os jovens são
demasiadamente cínicos, arrogantes e consumistas é porque
perderam o sentido do valor primordial da vida humana:
para as jovens gerações, para o Homem do novo milênio, a
vida humana não tem um sentido nem valor, portanto podese destruí-la; pode-se matar e matar-se.
Segundo Bobbio, esta atitude diante da “vida
humana” e em direção à morte revela a falta de uma
autoridade moral laica, que garanta um laico sentimento
moral353.
1.1.3. A Pessoa
Tecnocrática.
Humana
e
a
Sociedade
Por detrás da garantia dos direitos humanos
fundamentais do indivíduo, em particular do direito
primordial à vida; do controle dos poderes públicos para
que não ameacem a vida do indivíduo, da tentativa de
organização internacional dos Estados, em vista de garantir
a paz internacional e a promoção dos Povos, reside uma
Cfr. N. BOBBIO, “Scienza politica”, in Scienze politiche I (Stato e
politica), a cura de A. NEGRI, Feltrinelli, Milano 1970, p. 440.
353
Cfr. IDEM, - M. VIROLI, Dialogo intorno alla repubblica, Laterza,
Roma-Bari 2001, p. 49.
352
121
particular concepção de Homem; uma particular
antropologia: a convicção que o Homem não é meio, mas
fim, e que, portanto, uma Sociedade é tanto mais elevada e
mais civil quanto mais aumenta e reforça o sentido da
responsabilidade individual354.
As liberdades de que o Homem é privado na
Sociedade tecnocrática não são mais as liberdades civis ou
políticas das quais, um tempo, ele fora privado; mas é a
liberdade humana no sentido mais amplo da palavra, a
liberdade de desenvolver todos os recursos da própria
natureza
humana:
desenvolver
plenamente
sua
355
humanidade .
Para Bobbio aquilo que caracteriza a Sociedade
tecnocrática não é o Homem escravo, o Homem servo da
“gleba” ou súdito, mas o não-homem; o Homem reduzido a
autômato, reduzido a engrenagem de uma grande máquina
da qual não conhece nem o funcionamento nem o fim. Olhase com angústia ao desenvolver-se, não de um processo de
escravização do Homem ou de sua proletarização, mas de
um processo da sua radical desumanização.356
A Humanidade, enquanto essência do Homem
transcende-nos. Segundo Bobbio, a História humana há um
sentido “trágico” que ele buscou entender, não obstante a
sua complexidade. Tudo era para ele tão humano ao ponto
de considerar até mesmo a Religião como produto humano.
Para Bobbio a fé no Homem era “tudo”, apesar de ser
animal violento, passional e enganador. Segundo ele somos
Cfr. IDEM, “La persona e lo Stato” (1946), in TdR, p. 96.
Cfr. F. SBARBERI, “Introduzione”, in BOBBIO, N., Politica e
cultura (Biblioteca Einaudi 200), Einaudi, Torino 20053, p. XIV.
356
Cfr. N. BOBBIO, “Libertà” (1978), in EgLi, p. 87.
354
355
122
homens no meio dos homens: devemos encontrar ali o Bem
e o Mal357.
1.2. O Direito Fundamental por Excelência.
No Indivíduo humano “vivente”, que não é meio, mas
fim, apesar de ser animal violento, passional e enganador,
existe um valor primordial: sua “vida”; portanto o direito à
vida deve ser sempre considerado o direito fundamental por
excelência.
Quando Bobbio falou de direito à vida não falou
somente do direito dos Indivíduos humanos de hoje; mas
também do direito à vida daqueles viventes que ainda não
nasceram e que não poderiam nascer, por exemplo, se
acontecesse o holocausto atômico358, por ele tantas vezes
denunciado.
1.2.1. In-demonstrabilidade dos Valores Últimos.
Bobbio observou que os valores últimos – como a
vida humana – são in-demonstráveis. Segundo ele é natural
que cada indivíduo veja somente a razão na defesa que faz
dos próprios valores últimos – sem conseguir ver as suas
Cfr. IDEM, - M. VIROLI, Dialogo intorno alla repubblica, Laterza,
Roma-Bari 2001, p. 72: Tutto è per me tanto umano al punto che io
ritengo che la stessa religione sia un prodotto dell’uomo. La fede
nell’uomo è tutto. Noi siamo uomini in mezzo agli uomini. Dobbiamo
trovare lì il bene e il male.
358
Cfr. IDEM, “Etica della potenza ed etica del dialogo” (1982), in
TerAs, p. 164: […] c’è un valore primordiale, il diritto alla vita, che
deve sempre essere tenuto presente, e quando parlo di diritto alla vita
parlo anche del diritto di coloro che non sono ancora nati, che non
potrebbero nascere se dovesse avvenire l’olocausto atomico.
357
123
não-razões; sem ver a razão na defesa dos valores últimos
dos outros indivíduos humanos359.
Segundo Bobbio, os valores últimos não são
confrontáveis, e por isto mesmo, “não são” negociáveis360;
portanto, não são “renunciáveis”. Para ele o princípio
fundamental da Moral é o respeito da Pessoa humana361,
porque a vida humana é o que existe de mais precioso362.
O status naturae, no qual o Homem-natural
encontrava-se, era intolerável exatamente porque não lhe
garantia a proteção do primum bonum, que é a vida humana.
Sob forma de leis naturais, a recta Ratio sugere ao
Homem uma série de regras naturais que têm por escopo
possibilitar uma co-existência pacífica363, aonde a vida do
indivíduo humano venha respeitada por todos e cada um dos
membros do grupo; em oposição ao natural estado de
guerra de todos contra todos364.
O valor último para o Homem é, segundo Bobbio, a
própria vida. Os homens constituem o Estado civil com o
“único” escopo de suprimir o estado de guerra universal365.
O valor supremo é a conservação da vida366. Segundo
ele o direito natural à vida é inalienável, ao mesmo modo e
Cfr. IDEM, “Marxismo e scienze sociali” (1974), in NéNé, p. 132.
Cfr. Ibidem, p. 150.
361
Cfr. IDEM, “Ragion di stato e democrazia” (1991), in EdM, p. 92.
362
Cfr. IDEM, “La teoria politica di Hobbes” (1980), in ThH, pp.
43-44: […] salvare ciò che ha di più prezioso, la vita.
363
Cfr. Ibidem, in ThH, p. 45.
364
Cfr. Th. HOBBES, Leviathan (1651), trad. it., Leviatano o La
Materia, la forma e il potere di uno stato ecclesiastico e civile
(Biblioteca Universale Laterza, 295), a cura di A. PACCHI, Laterza,
Roma-Bari 2000, I, capítulo XIII, p. 101.
365
Cfr. Ibidem, II, capítulo XVII, p. 139. Cfr. também N. BOBBIO,
“Legge naturale e legge civile nella filosofia politica di
Hobbes” (1954), in ThH, p. 137; IDEM, “Introduzione al De cive”, in
ThH, p. 88.
359
360
124
com os mesmos efeitos com que para J.-J. Rousseau era
inalienável o direito à liberdade367.
1.2.2. O Direito Natural e o Direito Primordial à
Vida.
Bobbio observou que as teorias do direito natural da
Idade moderna, para reconstruir racionalmente o Estado
civil, partiram da “hipótese” de um status primitivo da
Humanidade, chamado status naturae.368
Segundo o Jus-naturalismo, o status naturae era
caracterizado pela existência somente de direitos e não de
deveres369. Entre esses direitos apareciam o direito à vida e
o direito sobre todas as coisas indispensáveis à conservação
da vida370.
A única via aberta aos homens para sair da anarquia
natural, dependente da sua natureza, e para estabelecer a
paz entre eles, prescrita pela primeira lei natural, era a
instituição artificial de um poder comum371. Isto é, o status
civile, cuja primeira lei “positiva” pactuada era Não matar!
Cfr. N. BOBBIO, “Legge naturale e legge civile nella filosofia
politica di Hobbes” (1954), in ThH, p. 119: […] il valore supremo
della conservazione della vita […].
367
Cfr. Ibidem, p. 137.
368
Cfr. IDEM, “Democrazia ed Europa” (1987), republicado com o
título “Dall’ideologia democratica agli universali procedurali”, in
TeGePo, p. 377.
369
Cfr. IDEM, “Hobbes e il giusnaturalismo” (1962), in ThH, p. 152.
370
Cfr. Ibidem.
371
Cfr. Th. HOBBES, Leviathan (1651), trad. it., Leviatano o La
Materia, la forma e il potere di uno stato ecclesiastico e civile
(Biblioteca Universale Laterza, 295), a cura di A. PACCHI, Laterza,
Roma-Bari 2000, II, capítulo XVII, p. 142.
366
125
Preservava o valor primário para o Homem: a própria
vida372.
Se se imagina um status naturae, isto é, aquele estado
no qual o Homem agia seguindo, exclusivamente, as
próprias inclinações naturais; não pode ser concebido senão
“atormentado” por um contraste insanável entre a inclinação
a “prejudicar” – própria do Homem enquanto animal
violento, passional e enganador373 – que gera a guerra de
todos contra todos e faz cair sobre o Homem ameaça
contínua de morte violenta; e o instinto de “conservação”
que impulsiona o Homem a usar todos os meios a fim de
evitar aquela morte que, por causa da sua mesma natureza
anti-social, domina-o.374
O status naturae é, assim, uma situação
intrinsecamente contraditória, observou Bobbio, na qual o
Homem não pode continuar a viver e da qual deve
absolutamente sair; representado como absurdo, porque
ressalta por contraste a racionalidade do Estado Civil. Sair
desse estado de morte significa resolver a contradição. Não
se poderia fazer isto senão deste modo: impedir ou ao
menos refrear a inclinação humana a matar para libertar o
Homem do medo da morte violenta375.
Segundo Bobbio, para J. Locke que foi o principal
inspirador dos primeiros legisladores dos direitos humanos,
para bem entender o poder político e derivá-lo da sua
origem natural, deve-se considerar em qual “estado” se
Cfr. N. BOBBIO, “Premessa” (1989), in ThH, p. XI.
Cfr. M. BOVERO, “Introduzione”, in TeGePo, p. LVII.
374
Cfr. N. BOBBIO, “Introduzione al De cive” (1948), in ThH, p. 88.
Cfr. Th. HOBBES, Leviathan (1651), trad. it., Leviatano o La
Materia, la forma e il potere di uno stato ecclesiastico e civile
(Biblioteca Universale Laterza, 295), a cura di A. PACCHI, Laterza,
Roma-Bari 2000, II, capítulo XVII, pp. 139-144.
375
Cfr. Ibidem.
372
373
126
encontrem naturalmente todos os homens; este é um estado
de perfeita liberdade de regular as próprias ações e dispor
das próprias posses e das próprias pessoas como achar
melhor, dentro dos limites da lei de Natureza, sem pedir
autorização ou depender da vontade de ninguém376.
Para Th. Hobbes o direito de Natureza, que os
escritores chamavam comumente jus naturale, é a liberdade
que cada um há de usar o próprio poder a seu arbítrio para a
conservação da sua natureza, isto é, da sua vida.
Conseqüentemente fazer qualquer coisa que, segundo o seu
juízo e a sua razão, conceba como o meio mais idôneo a
esse “fim”. Ainda segundo Hobbes, por liberdade deve-se
entender a ausência de impedimentos externos377.
I. Kant, definindo o Direito Natural como o direito
que cada homem tem de obedecer somente à Lei da qual ele
mesmo é legislador, dava uma definição da liberdade como
autonomia: o poder de dar leis a si mesmo. O Homem tem
direitos inatos e adquiridos, e o “único” direito inato é a
liberdade, ou seja, a independência de toda coação imposta
pela vontade de outro: autonomia378.
Partindo do pensamento kantiano, Bobbio afirmou
que do ponto de vista da Filosofia da História, o atual debate
sempre mais amplo e intenso sobre os direitos humanos
fundamentais, pode ser interpretado como um “signum
prognosticum” do progresso moral da Humanidade379.
Cfr. J. LOCKE, Secondo trattato sul governo, II, 4.
Cfr. Th. HOBBES, Leviathan (1651), trad. it., Leviatano o La
Materia, la forma e il potere di uno stato ecclesiastico e civile
(Biblioteca Universale Laterza, 295), a cura di A. PACCHI, Laterza,
Roma-Bari 2000, I, capítulo XIV, p. 105.
378
Cfr. N. BOBBIO, “Diritti dell’uomo e filosofia della storia” (1987),
republicado com o título “L’età dei diritti”, in TerAs, p. 115.
379
Cfr. Ibidem: […] dal punto di vista della filosofia della storia,
l’attuale dibattito sempre più ampio, sempre più intenso sui diritti
376
377
127
1.2.3. Conservar a Vida: Fim Primário do Estado
Civil.
No status naturae, que é estado de guerra, a vida
humana – primum bonum – está sempre em perigo380. Por
isto, a regra fundamental da razão e todas as demais regras
dela derivadas, para conduzir os homens a uma coexistência pacífica, são ordenadas ao fim verdadeiramente
primário de conservar a vida. Ou seja, visam a conduzir os
homens a um estado de paz.
Observou Bobbio que estas regras “naturais” eram
regras de prudência em vista de uma convivência pacífica e
não imperativos categóricos: cada Homem era obrigado a
observá-las somente “se”, observando-as, fosse seguro de
atingir o fim desejado: a conservação da própria vida.
Ora, acontece que, na maior parte dos casos, o fim
previsto pela regra natural não vinha atingido se ela não
fosse observada por todos ou ao menos pela maior parte
dos membros de um grupo381. No estado de natureza não
dell’uomo, tanto ampio da aver ormai coinvolto tutti i popoli della
terra, tanto intenso da essere messo all’ordine del giorno delle più
autorevoli assise internazionali, può essere interpretato come un
segno premonitore (signum prognosticum) del progresso morale
dell’umanità.
380
Cfr. Th. HOBBES, Leviathan (1651), trad. it., Leviatano o La
Materia, la forma e il potere di uno stato ecclesiastico e civile
(Biblioteca Universale Laterza, 295), a cura di A. PACCHI, Laterza,
Roma-Bari 2000, II, capítulo XVII, p. 139. Cfr. também N. BOBBIO,
“Legge naturale e legge civile nella filosofia politica di
Hobbes” (1954), in ThH, p. 137; IDEM, “Introduzione al De cive”, in
ThH, p. 88.
381
Cfr. N. BOBBIO, “La teoria politica di Hobbes” (1980), in ThH, p.
45: Poiché nello stato di guerra la vita è sempre in pericolo, la regola
fondamentale della ragione, e tutte le regole da essa derivate,
128
existia um poder supra-individual que garantisse tal
observação.
Num status naturae, quem nos asseguraria que os
outros membros do grupo-natural também observariam as
mesmas regras de prudência que somos dispostos a
observar? Uma das primeiras leis naturais é de ser fiéis aos
pactos; mas, observou ainda Bobbio, quem seria tão estulto
ao ponto de observar um pacto se não fosse seguro que o
outro “contraente” também o observaria?382
O Estado civil foi constituído para satisfazer à
necessidade de um poder supra-individual383, capaz de
garantir, a todos os indivíduos humanos, a observação de
todas as leis; impedindo o uso individual e indiscriminado
da força; eliminando o estado de guerra de todos contra
todos e instaurando, assim, um estado de paz. É a antítese
do status naturae: substitui o reino da guerra com o reino
da paz. O Estado Civil é uma construção racional que se
contrapõem ao “irracional” Estado natural no qual se
encontrava o Homem384.
conducendo l’uomo verso una coesistenza pacifica, sono ordinate al
fine veramente primario di conservare la vita. Siccome peraltro
queste regole sono regole della prudenza e non imperativi categorici,
ogni uomo è tenuto ad osservarle soltanto se, osservandole, è ben
sicuro di raggiungere il fine voluto. Ora accade che nella maggior
parte dei casi il fine previsto dalla regola non venga raggiunto se la
regola non venga osservata da tutti o per lo meno dalla maggior
parte dei membri di un gruppo.
382
Cfr. Ibidem, pp. 45-46.
383
Cfr. Th. HOBBES, Leviathan (1651), trad. it., Leviatano o La
Materia, la forma e il potere di uno stato ecclesiastico e civile
(Biblioteca Universale Laterza, 295), a cura di A. PACCHI, Laterza,
Roma-Bari 2000, II, capítulo XVII, p. 142.
384
Cfr. N. BOBBIO, “Introduzione al De cive” (1948), in ThH, p. 88;
Cfr. IDEM, - M. VIROLI, Dialogo intorno alla repubblica, Laterza,
Roma-Bari 2001, p. 41.
129
Para dar vida ao Estado civil e sair, assim, do estado
de “morte” – cada indivíduo renunciou ao direito sobre
todas as coisas e à força para reivindicá-lo. Em seguida a
esta renúncia, ao indivíduo entrado numa convivência civil,
isto é, tornado súdito de um Poder Soberano, não
permaneceu nenhum outro direito natural além daquele
primordial direito à vida385.
Que o direito à vida seja irrenunciável deriva da
lógica mesma da convivência civil: os indivíduos humanos
instituíram o Estado civil para fugir da ameaça permanente
de morte violenta que caracterizava o Estado natural, isto é,
para salvar a própria vida. Não podem não se considerar
livres do vínculo da obediência civil quando a própria vida
estivesse em perigo por culpa do Soberano386.
A lei natural indica aquilo que é bom ou mal em
relação a um dado fim. O problema fundamental para a
compreensão da lei natural remete-se à posição e à
compreensão do problema do “fim”. Sobre este ponto
aumenta a diferença entre a concepção hobbesiana e aquela
tradicional da lei natural. O fim supremo do Homem, a partir
do ponto de vista utilitarista do qual se põem Th. Hobbes é
a paz387.
O Homem que no status naturae era “indivíduo”,
constituindo-se o status civile se torna essencialmente
“objeto” do Poder ou, ao máximo, torna-se sujeito
“passivo”: torna-se cidadão, parte de um Povo. Segundo
Bobbio, nos tratados políticos, mais que dos seus direitos,
falou-se dos seus deveres, entre os quais o principal é o
Cfr. IDEM, “La teoria politica di Hobbes” (1980), in ThH, p. 54.
Cfr. Ibidem.
387
Cfr. IDEM, “Legge naturale e legge civile nella filosofia politica di
Hobbes” (1954), in ThH, p. 116.
385
386
130
dever de obedecer às leis do Estado: considerada primária
para o indivíduo-cidadão.
Segundo Bobbio, se é possível reconhecer nessa
relação Povo-Indivíduo, Estado-Cidadão, um sujeito
“ativo”, este não é o “Indivíduo-cidadão” com os seus
direitos originários, mas sim o “Povo-estado”, enquanto
totalidade na qual o Indivíduo desaparece como sujeito de
direitos388.
Nessa relação política Povo-Indivíduo o único direito
natural que permaneceu ao Indivíduo humano que se torna
“cidadão” foi o primordial direito à vida. O “Povo-estado”,
enquanto sujeito-ativo na relação constituinte do status
civile, para garantir sua própria sobrevivência, diz ao
“Indivíduo-cidadão”:
Não matar!
O “Indivíduo-cidadão”, enquanto sujeito-passivo,
também para garantir sua própria sobrevivência individual e
não ser “anulado” como a parte em relação ao “todo”, diz ao
“Povo-estado”:
Não me matar!
O problema do conflito entre o direito à vida e a viver
do “Indivíduo-cidadão” e o direito do “Povo-estado” à
própria conservação, segundo Bobbio, em última análise é
um problema exclusivamente “moral”389. A concepção
orgânica da Sociedade civil colocando o indivíduo a serviço
do grupo apresentou uma solução ao problema desta relação
social Povo-Indivíduo.
Cfr. IDEM, “Diritti dell’uomo e filosofia della storia” (1987),
republicado com o título “L’età dei diritti”, in TerAs, p. 120.
389
Cfr. IDEM, “Due paradossi storici e una scelta morale” (1954), in
DubScel, pp. 27-28.
388
131
1.3. O Indivíduo Humano e a Sociedade
Civil.
Segundo Bobbio, a concepção individualista da
relação política Povo-Indivíduo significa que, antes de tudo,
vem o “Indivíduo-cidadão” que vale por si mesmo e,
somente depois, vem o “Povo-estado” e não vice-versa.
Significa ainda que o Estado deva estar a serviço do
Indivíduo humano e não o Indivíduo a serviço do Estado.
Significa que a conservação dos direitos imprescritíveis do
Homem à vida e a viver é o “escopo” último de toda
associação política390, como ficou claro acima. Nenhuma
concepção individualista da Sociedade, seja o
individualismo ontológico, seja aquele metodológico,
prescinde do fato que o Homem é um ser social e não pode
viver isolado, como de fato não o vive.
1.3.1. A Concepção Orgânica da Sociedade Civil.
Bobbio considerou dois modos de conceber a
Sociedade civil, ou seja, dois “modelos” da visão do
Indivíduo humano em relação à Sociedade dos homens. O
primeiro modelo, em ordem cronológica, ele chamou
aristotélico porque foi exposto com linear simplicidade nas
primeiras páginas da Política de Aristóteles.
Segundo Aristóteles o Homem é o animal mais
sociável do que a abelha e de qualquer outro animal que
vive em “rebanho”. O Homem é o único “animal” que
possui a “palavra”: serve a indicar o útil e o danoso, o justo
e o injusto. O Homem é o único animal a haver a noção do
“bem” e do “mal”, do justo e do injusto.
390
Cfr. IDEM, “Premessa all’edizione 1984”, in FdD, p. XXIV.
132
Na ordem natural a Cidade precede a Família e cada
um de nós. Segundo Aristóteles, o “todo” precede
necessariamente a parte, porque, tirado o todo, não
permanece nada, senão por homonímia.
A Cidade “é” por natureza e “é” anterior ao Indivíduo
porque, se o Indivíduo, tomado por si, não é auto-suficiente,
será em relação ao todo na mesma relação em que o são as
outras partes.
Portanto, afirmou Aristóteles, quem não pode entrar
a fazer parte de uma Comunidade ou quem não têm
necessidade de nada, bastando a si mesmo, não é parte de
uma Cidade: ou é uma “fera” ou um “deus”.
Por natureza, portanto, existem em todos os homens
os estímulos a constituir tal Comunidade. O Homem que
realizou os seus fins naturais é o melhor dos “animais”,
quando não há nem leis nem justiça, é o “pior”391.
Em uma palavra, segundo o modelo aristotélico a
Sociedade civil é uma sociedade natural que nasce da
natural evolução do primeiro núcleo organizado, a família.
Tomás de Aquino “traduziu” o conceito aristotélico da
“politicidade” do Homem acrescentando a ele uma natural
sociabilidade. Assim, para Tomás o Homem é naturalmente
animal político e social: homo est naturaliter animal
politicum et sociale.392
Por séculos, observou Bobbio, foi indiscutível o texto
de Tomás de Aquino, onde se lê que cada parte é ordenada
ao todo como o imperfeito é ordenado ao perfeito. Assim
sendo, cada pessoa considerada parte, põe-se em relação à
Comunidade como a parte em relação ao todo393.
Cfr. ARISTÓTELES, Politica, 1253a.
TOMÁS DE AQUINO, Summa Theologiae, I-II, 72, a 4.
393
Cfr. Ibidem, q. 64, a. 2: Omnis autem pars ordinatur ad totum ut
imperfectum ad perfectum. Et ideo omnis pars naturaliter est propter
391
392
133
Bobbio chamou o segundo modelo de jusnaturalístico ou “hobbesiano”, porque o seu rigoroso
elaborador foi Th. Hobbes394.
Enquanto para o modelo aristotélico, o ponto de
partida da Sociedade é a natural politicidade e sociabilidade
do Homem; para o modelo jus-naturalístico395, o ponto de
partida é a natural anti-sociabilidade do Homem396.
A Bobbio impressionou o “contraste”, no pensamento
hobbesiano, entre o ponto de partida individualista – o
Homem é naturalmente anti-social – e a persistente
representação do Estado como um corpo em versão
“grande”, um homem artificial397.
De fato, segundo Th. Hobbes vem criado pela arte do
Homem o grande Leviathan chamado República ou Estado
– Civitas – que é um homem artificial, ainda se há uma
“estatura” e uma “força” maiores do que o Homem natural;
querido para proteger e defender o Indivíduo humano. Neste
homem artificial a soberania é uma alma artificial porque
dá vida e movimento ao inteiro corpo; os magistrados e os
outros funcionários com tarefas judiciárias e executivas são
as articulações artificiais; a recompensa e a punição, por
totum. […] Quaelibet autem persona singularis comparatur ad totam
communitatem sicut pars ad totum.
394
Cfr. N. BOBBIO, “Marx, lo Stato e i classici” (1983), in TeGePo, p.
57.
395
Cfr. Th. HOBBES, Leviathan (1651), trad. it., Leviatano o La
Materia, la forma e il potere di uno stato ecclesiastico e civile
(Biblioteca Universale Laterza, 295), a cura di A. PACCHI, Laterza,
Roma-Bari 2000, II, capítulo XVII, pp. 139-144.
396
Cfr. N. BOBBIO, “Marx, lo Stato e i classici” (1983), in TeGePo, p.
57.
397
Cfr. IDEM, “Dalla priorità dei doveri alla priorità dei
diritti” (1988), republicado com o título “Il primato dei diritti sui
doveri”, in TeGePo, p. 435.
134
meio das quais toda juntura e membro são ligados ao trono
da soberania e são movidos a cumprir o próprio dever, são
os nervos, os quais têm a mesma função no corpo natural; a
salus populi – a segurança do povo – é a sua tarefa; os
conselheiros, que lhe sugerem tudo aquilo que deve
conhecer, são a memória; a equidade e as leis são uma razão
e uma vontade artificiais; a concórdia é a saúde; a sedição é
a doença e a guerra civil é a morte. Enfim, os pactos e as
convenções, através das quais foram originariamente
produzidas, reunidas e unificadas as partes deste corpo
político, assemelham-se àquele fiat ou àquele seja feito o
homem pronunciado por Deus no momento da criação.398
Bobbio observou que esta concepção orgânica da
Sociedade civil399, foi tão persistente que mesmo às portas
da Revolução francesa, 1789, que proclamava os direitos do
“Indivíduo” diante do Estado, E. Burke escreveu: os
indivíduos passam como sombras, mas o Estado é fixo e
estável400.
A forte presença da concepção orgânica da Sociedade
civil, o modelo aristotélico, marcou profundamente o
conceito mesmo de soberania, tradicionalmente concebida
Cfr. Th. HOBBES, Leviathan (1651), trad. it., Leviatano o La
Materia, la forma e il potere di uno stato ecclesiastico e civile
(Biblioteca Universale Laterza, 295), a cura di A. PACCHI, Laterza,
Roma-Bari 2000, pp. 5-6. Cfr. N. BOBBIO, “Rapporti internazionali e
marxismo”, in NéNé, p. 167.
399
Cfr. N. BOBBIO, “Diritti dell’uomo e filosofia della storia” (1987),
republicado com o título “L’età dei diritti”, in TerAs, p. 121.
400
Cfr. E. BURKE, Speech on the Economic Reform (1780), in IDEM,
Works, II, London 1906, p. 357, citado por N. BOBBIO, “Dalla
priorità dei doveri alla priorità dei diritti” (1988), republicado com o
título “Il primato dei diritti sui doveri”, in TeGePo, pp. 435-436;
IDEM, “Teorie politiche e ideologie nell’Italia contemporanea”, in
ItCiv, pp. 19-20; B. CROCE, “Giustizia internazionale (1928), in
Etica e politica, Bari 1945, p. 347.
398
135
como potestas superiorem non recognoscens,401 ou seja, o
poder estatal é, por definição, supra-“individual”; um poder
que não reconhece outra autoridade acima de si mesmo.
1.3.2. A Grande Virada: Ponto de Vista do
Indivíduo.
Aquilo que Bobbio chamou a grande virada é
estreitamente conexa com o afirmar-se do modelo jusnaturalístico da Sociedade civil, contraposto ao seu eterno
adversário o modelo aristotélico402, como vimos acima.
Esta doutrina filosófica que fez do indivíduo humano
– e não mais da Sociedade – o ponto de partida para a
construção de uma doutrina da Moral e do Direito, Bobbio a
considerou a secularização da ética cristã – etiamsi daremus
non esse Deum403 – mesmo se Deus não existisse, citando o
De Jure Belli ac Pacis, 1625, de H. Grotius.404
Esta inversão de perspectiva, que se tornou definitiva,
foi “provocada” no início da Idade Moderna;
principalmente, pelas guerras de Religião através das quais
se afirmou o direito de resistência à opressão do Estado,
que pressupõe um direito ainda mais substancial e
originário: o direito de cada indivíduo a não ser oprimido e
Cfr. N. BOBBIO, “La teoria politica di Hobbes”, in ThH, pp. 48-49.
Cfr. IDEM, “Il modello giusnaturalistico” (1973), in IDEM, - M.
BOVERO, Società e stato nella filosofia politica moderna, IL
Saggiatore, Milano 1979, pp. 17-109; IDEM, “La persona e lo Stato”,
in TdR, pp. 72-73.
403
H. GROTIUS, De jure belli ac pacis libri tres (1720), Prol. 11: Et
haec quidem, quae jam diximus, locum aliquem haberent, etiamsi
daremus, quod sine summo scelere dari nequit, non esse Deum, aut
non curari ab eo negotia humana.
404
Cfr. N. BOBBIO, “Diritti dell’uomo e filosofia della storia” (1987),
republicado com o título “L’età dei diritti”, in TerAs, pp. 120-121.
401
402
136
a não ser morto. Isto é, a gozar de algumas liberdades
fundamentais: fundamentais, porque naturais, e naturais
porque pertencentes ao Homem enquanto tal e não
dependentes do beneplácito do Soberano405.
Nesta inversão consiste, na filosofia prática, a
revolução copernicana, paralela àquela que I. Kant havia
afirmado na teoria do conhecimento. Revolução que Bobbio
resume em ambos os campos, como a passagem do ponto
de vista do objeto ao ponto de vista do sujeito. Na esfera da
política esta inversão significa que se começou a olhar a
Sociedade civil a partir do ponto de vista do Indivíduocidadão e não mais daquele do Povo-estado.
As Declarações dos direitos fundamentais do final do
séc. XVIII que se seguiram às duas revoluções
democráticas, aquela Americana e aquela Francesa,
segundo Bobbio foram a primeira grande expressão prática,
politicamente relevante, desta inversão da relação política
por excelência406; representou uma inversão radical na
História da Moral407.
O Indivíduo humano, que de livre que era no status
naturae, tornou-se “Povo” e servo no status civile; tornou-se
fundamento ético na Democracia moderna. Mas Bobbio
perguntou-se: qual indivíduo? A resposta que recebemos de
toda a tradição do pensamento democrático é uma só: o
indivíduo humano racional; racional no sentido de ser capaz
de avaliar as conseqüências não somente imediatas, mas
também futuras das próprias ações. Portanto capaz de
Cfr. IDEM, “Introduzione” (1997), in EdD,pp. XI-XII.
Cfr. IDEM, “Democrazia ed Europa” (1987), republicado com o
título “Dall’ideologia democratica agli universali procedurali”, in
TeGePo, p. 377.
407
Cfr. IDEM, “Dalla priorità dei doveri alla priorità dei
diritti” (1988), republicado com o título “Il primato dei diritti sui
doveri”, in TeGePo, p. 432.
405
406
137
avaliar os próprios interesses em relação aos interesses dos
outros e com estes compatíveis, num equilíbrio instável,
mas sempre passível de ser restabelecido através da lógica;
característica
de
um
regime
democrático,
do
408
“compromisso” .
Para fazer um exemplo que está à base da moral
racional, com evidente dependência kantiana, Bobbio disse:
eu posso haver interesse imediato em transgredir um pacto,
e lucrar com o fato que o outro o observou, mas não posso,
enquanto Homem racional querer viver num Mundo em que
todos os pactos sejam transgredidos; porque num Estado,
assim feito, seria impossível qualquer forma de convivência
pacífica409.
O primeiro pacto estabelecido entre o “Povo-estado”
e o “Indivíduo-cidadão” foi o pacto de mútua não agressão,
ou seja, de Não Matar e de Não ser morto.
1.3.3. O Indivíduo como Pessoa Moral e Racional.
Segundo Bobbio, o Indivíduo humano como Pessoa
moral e racional, é o melhor juiz dos próprios interesses410.
O Liberalismo partiu de uma premissa elaborada pela
filosofia jus-naturalista: o Homem, na sua totalidade, é
irredutível ao Estado. Existe um homem externo e um
homem interno: a máquina do Estado pode empossar-se
somente do Homem externo, mas não do Homem interno.
O Homem, na sua interioridade, é responsável
somente diante de um poder que transcende o poder terreno
Cfr. IDEM, “Democrazia ed Europa” (1987), republicado com o
título “Dall’ideologia democratica agli universali procedurali”, in
TeGePo, p. 378.
409
Cfr. Ibidem.
410
Cfr. Ibidem.
408
138
do Estado, e em tal modo a parte mais profunda, portanto
mais pessoal, é subtraída à ação des-personalizante do
Estado411.
Segundo Bobbio, partindo de J. Locke entende-se que
a doutrina dos direitos naturais pressupõe uma concepção
individualista da Sociedade, portanto do Estado,
continuamente contrastada pela bem mais sólida e antiga
concepção orgânica, acima apresentada412.
O Liberalismo, que parte de uma concepção
individualista da Sociedade civil, em teoria, não destrói a
máquina do Estado: reduz o seu poder àquela parte que se
dirige ao Homem genérico e impessoal em contraposição
ao Homem individual e pessoal; ao Homem coletivo ou
público em contraposição ao Homem particular ou privado.
Observou Bobbio que a declaração dos direitos
naturais do Homem, isto é, a proclamação que existem
direitos individuais anteriores ao Estado e por ele não
violáveis nem usurpáveis, é essencial a toda afirmação de
Liberalismo413.
Bobbio observou que a mesma inversão aconteceu em
relação ao fim do Estado, que é para o organicismo a
concórdia ciceroniana – a homónoia dos Gregos – ou seja,
as lutas contra as facções que, dilacerando o corpo político,
mataram-no.
Para o individualismo a finalidade do Estado é o
crescimento do indivíduo humano, o mais possível livre de
condicionamentos externos.
Também em relação ao tema da justiça: numa
concepção orgânica, a definição mais apropriada do justo é
Cfr. IDEM, “La persona e lo Stato” (1946), in TdR, p. 80.
Cfr. IDEM, “Diritti dell’uomo e filosofia della storia” (1987),
republicado com o título “L’età dei diritti”, in TerAs, p. 121.
413
Cfr. IDEM, “La persona e lo Stato” (1946), in TdR, pp. 80-81.
411
412
139
aquela platônica para a qual cada uma das partes de que é
composto o corpo social deve desempenhar a função que lhe
é própria. Invés, na concepção individualista é justo que
cada um seja tratado em modo a poder satisfazer as próprias
necessidades e atingir os próprios fins, entre todos, primeiro
aquele da felicidade que é a finalidade individual por
excelência414.
Nessa inversão da relação política entre Indivíduo e
Estado vem invertida também a relação tradicional entre
direito e dever. No que se refere aos indivíduos, de agora
em diante vêm primeiro os direitos e depois os deveres; no
que se referem ao Estado, primeiro os deveres e depois os
direitos415.
Passa-se da prioridade dos deveres dos súditos à
prioridade dos direitos do cidadão; ao mudado modo de
olhar a relação política, não mais predominantemente a
partir do ponto de vista do Soberano, mas a partir do ponto
de vista do cidadão, em correspondência ao afirmar-se da
teoria individualista da Sociedade civil contra aquela
organicista416.
Cfr. IDEM, “Dalla priorità dei doveri alla priorità dei
diritti” (1988), republicado com o título “Il primato dei diritti sui
doveri”, in TeGePo, p. 436.
415
Cfr. IDEM, “Diritti dell’uomo e filosofia della storia” (1987),
republicado com o título “L’età dei diritti”, in TerAs, p. 122; IDEM,
“Dalla priorità dei doveri alla priorità dei diritti” (1988), republicado
com o título “Il primato dei diritti sui doveri”, in TeGePo, pp.
433-434.
416
Cfr. IDEM, “Introduzione” (1997), in EdD, p. IX.
414
140
1.3.4. O “Direito” à Vida e o “Dever” de Não
Matar!
Bobbio observou que os códigos morais ou jurídicos
de todos os tempos são compostos essencialmente de
normas imperativas – positivas ou negativas – de comandos
ou proibições. Porém, cada norma jurídica é imperativoatributiva, isto é, impõe um dever a um sujeito e,
simultaneamente, atribui um direito a outro sujeito.
Ora, o jus-naturalismo clássico e medieval havia
posto o acento sobre o aspeto imperativo da Lei Natural
mais do que sobre o seu aspecto atributivo. Já a doutrina
moderna dos direitos naturais pôs o acento sobre o aspecto
atributivo da Lei Natural, mais que sobre aquele seu aspecto
imperativo417.
“Direito” e “dever” são, portanto, termos correlativos
como pai e filho. Não pode existir um “dever” sem um
“direito” e vice-versa418. Ao dever de Não matar pressupõe
o direito de não ser morto, ou seja, o “direito” de viver. Ao
“direito” de viver, corresponde, como conseqüência, no
“outro” Indivíduo humano – ou outros – da relação social, o
“dever” de “Não matar!”.
São, de fato, duas faces da mesma medalha, afirmou
metaforicamente Bobbio; mas qual é frente e qual é verso?
Depende da posição da qual olhamos a medalha, respondeu
ele. Na história do pensamento moral e jurídico, como ficou
Cfr. IDEM, “Eguaglianza e dignità degli uomini” (1963),
republicado com o título “La dichiarazione universale dei diritti
dell’uomo”, in TeGePo, p. 443.
418
Cfr. IDEM, “Dalla priorità dei doveri alla priorità dei
diritti” (1988), republicado com o título “Il primato dei diritti sui
doveri”, in TeGePo, p. 432.
417
141
claro acima, esta medalha foi vista mais do lado dos deveres
do que dos direitos419.
Segundo Bobbio, o problema daquilo que se deve
fazer ou daquilo que não se deve fazer é um problema, antes
de mais nada, da Sociedade civil no seu complexo mais do
que do Indivíduo-cidadão. Os códigos morais e jurídicos
são postos, originariamente, a salvaguardar o grupo social
no seu conjunto, mais do que os seus membros.
Por exemplo, a função originária do princípio ético
Não matar não era tanto aquela de proteger o indivíduo,
quanto impedir a desagregação do grupo social. Segundo
Bobbio, prova disto é que esse preceito ético, ao qual
atribuímos valor universal, normalmente valia somente ao
interno do grupo; não valia em relação aos membros de
outros grupos sociais420.
2. O Direito à Vida: Sinal de Progresso
Moral.
Conhecemos, acima, o sujeito dos direitos à vida e a
viver. Agora podemos passar a considerar o direito à vida:
sinal de progresso moral, onde conheceremos o “mito” do
progresso, o progresso técnico e o direito à vida; e a
evolução histórica do direito à vida, onde responderemos a
pergunta se o direito à vida é um direito histórico?
Conheceremos ainda a afirmação histórica do direito à
vida, bem como a terceira e a quarta geração dos direitos.
419
420
Cfr. Ibidem, p. 433.
Cfr. Ibidem.
142
Por fim, trabalharemos o problema das ambigüidades
na linguagem dos direitos, onde conheceremos a distinção
entre direito reivindicado, reconhecido e protegido; e a
utopia da Sociedade livre, justa e feliz.
Bobbio, escrevendo em 1981, afirmou que ao estado
atual da consciência ética da Humanidade, tende-se a
reconhecer ao indivíduo não somente o direito de viver –
que é um direito elementar e primordial do Homem – mas
também o direito de haver o mínimo indispensável para
viver421.
O direito à vida é um direito que implica da parte do
Estado, pura e simplesmente, um comportamento negativo:
Não matar! Já o direito a viver implica da parte do Estado
também um comportamento positivo, isto é, implica
intervenção de políticas econômicas inspirados a princípios
de justiça distributiva; e da parte dos “outros” também um
comportamento positivo de sustentação, promoção e
proteção solidária da vida, como valor primordial.
Em outras palavras, hoje, reconhece-se ao Indivíduocidadão não somente o direito de não ser morto por
nenhuma razão “não-natural”, mas também o direito de não
morrer de fome.
Bobbio ainda observou que basta enunciar os termos
do problema para que se apresente às nossas mentes o
grande problema da relação entre países ricos e países
pobres, entre países que consomem o supérfluo e países que
Cfr. IDEM, “I diritti dell’uomo e la pace” (1982), in TerAs, p. 95:
Ho parlato del diritto alla vita, e dei diritti di libertà, e della loro
incompatibilità con lo stato di guerra. Ora occorre aggiungere che
allo stato attuale della coscienza etica dell’umanità, si tende a
riconoscere all’individuo non soltanto il diritto di vivere (che è un
diritto elementare e per così dire primordiale dell’uomo) ma anche il
diritto di avere il minimo indispensabile per vivere.
421
143
carecem do necessário, como um dos grandes problemas do
século XX e também do nascente século XXI422.
2.1. O “Mito” do Progresso.
Bobbio observou que, ao final do séc. XVIII
Immanuel Kant considerava que com o Iluminismo fosse
iniciada a época na qual a Humanidade finalmente saíra da
menor idade e podia, triunfalmente, caminhar rumo à
própria emancipação com as forças da razão.
Durante o séc. XIX, os defensores do progresso
também consideraram que o “progresso” científico, social e
moral caminhassem em igual passo. Mais precisamente, que
o progresso científico fosse destinado a arrastar com sigo
tanto o progresso social, quanto o progresso moral423.
Quando, porém, no séc. XX, diante do início da
Primeira Guerra e da hecatombe sem precedentes que a
seguiu, a idéia mesma do progresso foi posta em dúvidas e
dali derivou deprecação, escárnio e dessacralização daquilo
que foi chamado o mito do progresso424.
Segundo Bobbio caiu-se no excesso oposto. Da
constatação que a beluinidade do Homem, à qual o
progresso técnico-científico havia fornecido meios sempre
mais terríveis para destruir e matar, não só não era
diminuída, mas, por causa destes meios, fora potencializada;
formara-se a comum opinião que a idéia kantiana do
Cfr. Ibidem, p. 96.
Cfr. N. BOBBIO, “Progresso scientifico e progresso
morale” (1995), in TeGePo, pp. 633-634.
424
Cfr. G. SASSO, Tramonto di un mito, L’idea di progresso fra
Ottocento e Novecento, Il Mulino, Bologna 1984.
422
423
144
progresso em direção ao melhor tivesse sido uma estúpida e
perigosa ilusão425.
Segundo Bobbio, o que efetivamente aconteceu no
séc. XX não foi o fim, nem tão menos a interrupção do
progresso, mas o fim da confiante convicção que o
progresso técnico-científico e o progresso moral e o
progresso civil caminhassem juntos; em uma palavra,
fossem ligados entre eles e que a “luz” do saber não só
tivesse dissipado as trevas da ignorância, mas também
melhorado os costumes, elevado o Homem a uma mais
consciente e durável moralidade426.
Bobbio observou que a vontade de potência continua
a dominar o Mundo com a mesma inevitabilidade e com a
mesma força de atração numa época em que, do uso dos
instrumentos de poder, pode nascer aquele apocalipse
atômico, descrito com horror pelos especialistas427.
De fato, a ciência é um imenso instrumento de poder;
não torna poderosos os cientistas, mas cria instrumentos
para aumentar a “potência” de quem é em condições de
servir-se deles428.
Segundo R. Levi Montalcini, autora da Introduzione,
ao volume Dieci Nobel per il futuro, Scienza, economia,
etica per il prossimo secolo, 1994, as capacidades
cognitivas investiram o Homem de um poder quase sobrehumano de controle do Globo terrestre; enquanto as
capacidades emotivas permaneceram ao nível daquelas do
Homem pré-histórico, e determinam a sua ação numa órbita
Cfr. N. BOBBIO, “Progresso scientifico e progresso
morale” (1995), in TeGePo, p. 634.
426
Cfr. Ibidem, pp. 634-635.
427
Cfr. IDEM, “Il gioco della guerra” (1983), in TerAs, p. 208.
428
Cfr. IDEM, “Progresso scientifico e progresso morale” (1995), in
TeGePo, pp. 642-643.
425
145
sempre mais vasta e com um poder destrutivo
continuamente crescendo.
Ainda segundo Montalcini, não é o progresso
científico, mas a mal orientada carga emotiva e a ausência
de um sistema de valores que regule o comportamento do
Homem, a serem responsáveis pelo estado de confusão que
está à base da atual crise de valores429.
Segundo Bobbio, as palavras da Montalcini são
graves e, infelizmente, muito vagas. Se a culpa é da
ausência de valores compartilhados, surge uma pergunta
espontânea: quais são estes valores? Desta pergunta surge
outra: existem valores compartilhados?430
Quanto ao caminho inexorável e irreversível da
Humanidade em direção ao progresso, Bobbio que conheceu
duas guerras mundiais, não teve aquela segurança kantiana.
Ele aprendeu que a História humana é ambígua e pode ser
interpretada em modos diferentes segundo a ótica do
intérprete e segundo o ponto de vista do qual o intérprete se
põe431.
Enquanto o progresso técnico-científico não cessa de
suscitar admiração e entusiasmo, o progresso moral
continua a propor as mesmas questões que propunha ha
dois mil anos432. O progresso intelectual separado do
Cfr. R. LEVI MONTALCINI, “Introduzione”, in Dieci Nobel per il
futuro, Scienza, economia, etica per il prossimo secolo, Marsilio,
Venezia 1994, p. 25; N. BOBBIO, “Progresso scientifico e progresso
morale” (1995), in TeGePo, pp. 640-641.
430
Cfr. N. BOBBIO, “Progresso scientifico e progresso
morale” (1995), in TeGePo, p. 641.
431
Cfr. N. BOBBIO, “Dalla priorità dei doveri alla priorità dei
diritti” (1988), republicado com o título “Il primato dei diritti sui
doveri”, in TeGePo, pp. 431-432.
432
Cfr. IDEM, “Progresso scientifico e progresso morale” (1995), in
TeGePo, p. 640.
429
146
progresso moral resultou, no século XX, na mais
abominável carnificina jamais vista433.
Por quanto Bobbio admirasse as grandes descobertas
no campo da ciência, admirava com mais devota reverência
a nobreza da consciência moral. Na História da
Humanidade ele via resplendecer de “luz mais pura” o ato
de solidariedade para com os oprimidos do que a
descoberta de uma verdade científica; ou, pelo menos,
parecia-lhe que uma verdade adquire tanto mais valor
quanto mais é em função daquele ato solidário.
Bobbio era convencido que a consciência moral não
só nunca destruiria o Mundo, mas, se ele fosse ameaçado de
destruição, a consciência moral o salvaria434.
Não se pode mais acreditar no mito do progresso, ou
seja, que o progresso da Ciência é a condição necessária e
suficiente ao progresso político e moral da Humanidade435: o
constante movimento em direção ao melhor436; a convicção
que o progresso científico e o progresso moral, o progresso
material e o progresso espiritual, caminhassem juntos437.
2.2. O Progresso Técnico e o Direito à Vida.
Pode-se duvidar do progresso humano a partir de
vários pontos de vista; pode-se sustentar que, sob certos
aspectos, a História humana não progride; avança somente a
Cfr. IDEM, “Due paradossi storici e una scelta morale” (1954), in
DubScel, p. 28.
434
Cfr. Ibidem, p. 29.
435
Cfr. IDEM, Democrazia e scienze sociali” (1986), republicado com
o título “Democrazia e conoscenza”, in TeGePo, p. 350.
436
Cfr. IDEM, “L’Europa della cultura” (1984), in DubScel, p. 194.
437
Cfr. Ibidem, p. 197; IDEM, “Diritti dell’uomo e filosofia della
storia” (1987), republicado com o título “L’età dei diritti”, in TerAs,
pp. 115-116.
433
147
zig-zag. Mas em relação à “quantidade” e à “qualidade” dos
instrumentos de morte o progresso foi constante, contínuo,
inexorável; com Bobbio podemos dizer triunfal438.
O progresso técnico-científico, contrariamente à
previsão das grandes filosofias da História do séc. XIX, não
contribuiu ao aperfeiçoamento moral do Homem, mas
somente – e só para uma parte da Humanidade – ao seu
“melhoramento”
material.
Forneceu
ao
Homem
instrumentos para exercitar, com maior “eficácia”, a sua
vontade – ou delírio – de potência sobre o Mundo e sobre os
outros homens. Segundo Bobbio compreender o “porque”
disto, não é fácil439.
Existe quem vê a razão essencial da dissociação entre
progresso do conhecimento e progresso moral no processo
de secularização, onde nasceu a Ciência moderna: o saber
científico não só não teria melhorado moralmente o
Homem, mas, induzindo-o sempre mais a abandonar as
crenças tradicionais, a não sentir-se mais sujeito a Deus, a
crer-se único “senhor” e “construtor” do próprio destino,
teria corrompido-o ainda mais440.
No séc. XX, a violação do primeiro e fundamental
imperativo moral – Não matar! – assumiu proporções tais
fazendo antever próximo, senão já atual, o advento da idade
do niilismo pré-anunciada por F. Nietzsche441.
Os conflitos morais surgidos entre o progresso
técnico-científico e o direito humano fundamental à vida são
conflitos de valores e, portanto, de preferências e de
escolhas últimas. Por exemplo, a construção da bomba a
Cfr. IDEM, “La lancia e lo scudo” (1981), in TerAs, p. 205.
Cfr. IDEM, “Progresso scientifico e progresso morale” (1995), in
TeGePo, p. 635.
440
Cfr. Ibidem.
441
Cfr. Ibidem, pp. 635-636.
438
439
148
hidrogênio deve ser condenada porque é um mal em si
mesmo, independente do fato que venha utilizada e do uso
que dela se faça? Ou então, a construção desta bomba é
coisa moralmente indiferente, porque é somente um
instrumento e, como todos os instrumentos, pode servir
tanto ao bem quanto ao mal, segundo o modo e o fim para o
qual é utilizado?442
Segundo Bobbio, tanto a primeira alternativa quanto
a segunda remete a ulteriores juízos de valor: a primeira
remete ao não-valor da violência e ao valor primordial da
vida humana como condição para todos os demais valores,
que justifica a absolutez do princípio ético Não matar!; a
segunda, remete ao valor do justo e do injusto em base ao
qual se julga sobre o valor ou não da vida humana.443
Nunca, como durante o século XX, em particular
depois da Segunda Guerra, o tema dos direitos humanos
fundamentais – em particular dos direitos à vida e a viver –
foi novamente proposto à atenção da opinião pública
mundial: um motivo de esperança, junto a tantos outros
sinais contrários444.
Portanto, observou ainda Bobbio, podemos afirmar
que existem zonas de luz, sinais de progresso moral da
Humanidade que não podemos ignorar.
Cfr. IDEM, “Due paradossi storici e una scelta morale” (1954), in
DubScel, p. 28.
443
Cfr. Ibidem: [...] al disvalore della violenza e al valore primordiale
della vita umana come condizione di tutti i valori, […].
444
Cfr. IDEM, “Dalla priorità dei doveri alla priorità dei
diritti” (1988), republicado com o título “Il primato dei diritti sui
doveri”, in TeGePo, p. 432.
442
149
2.3. Evolução Histórica do Direito à Vida.
2.3.1. O Direito à Vida é um Direito Histórico?
Em sede teorética, Bobbio sempre sustentou que os
direitos humanos fundamentais são direitos históricos, ou
seja, nascidos em certas circunstâncias, marcados por lutas
pela defesa de novas liberdades contra velhos poderes;
nascidos gradualmente, não todos de uma vez e nem de uma
vez para sempre445.
Segundo Bobbio os direitos humanos nascem quando
devem ou podem nascer. Nascem quando o aumento da
potência do Homem sobre o Homem, conseqüência
inevitável do progresso técnico-científico, ou seja, do
progresso da capacidade do Homem de dominar a Natureza
e os outros homens.
Os direitos nascem também quando o aumento desta
“Potência” comporta novas ameaças à liberdade do
indivíduo humano; ou então quando consente novos
remédios à sua indigência: ameaças que se contrapõem com
pedidos de limites do poder; remédios que se provê com o
pedido ao mesmo poder de interferências protetoras446.
Segundo Bobbio, o conflito político por excelência é
o conflito entre o poder de uns e as liberdades dos outros.
445
Para N. Bobbio os direitos do Homem como direitos históricos,
nascidos na idade moderna das lutas contra o Estado absoluto, são
uma das teses centrais do estudo, historicamente bem documentado,
de G. PECES-BARBA MARTINEZ, sobre o lugar da História no
conceito dos direitos fundamentais.
Cfr. G. PECES-BARBA MARTINEZ, “Sobre el puesto de la Historia
en el concepto de los derechos fundamentales”, a cura do Instituto de
derechos humanos da Universidade Complutense de Madrid, in
Anuario de derechos humanos IV (1986-1987), pp. 219-258.
446
Cfr. N. BOBBIO, “Introduzione” (1997), in EdD, pp. XIV-XV.
150
“Poder” e “liberdade” são dois termos correlatos: numa
relação intersubjetiva quanto mais se estende o poder de
um dos sujeitos, tanto mais se restringe a liberdade do
outro447.
Aos pedidos de limites do poder do Estado
correspondem os direitos de liberdade ou a um não-fazer da
parte do Estado, que é chamada a primeira geração dos
direitos. A este não-fazer da parte do Estado pertence o
direito à vida, em sentido negativo:
Não matar!
Dito com outras palavras:
Deixar viver!
Às interferências protetoras da parte do Estado,
correspondem os direitos sociais ou a um fazer positivo da
parte do Estado, que é chamada a segunda geração dos
direitos. A este fazer da parte do Estado pertence o direito à
vida em sentido positivo, isto é, o direito a viver: Promover
a vida; dar a todos os cidadãos as condições necessárias
para viver.
Por quanto os pedidos dos direitos possam ser
dispostos cronologicamente em diversas fases, ou gerações,
as suas espécies são sempre, em relação aos poderes
constituídos, somente duas: ou impedir os malefícios do
Poder estatal, ou obter dele os seus benefícios448.
Não a caso o primeiro grande documento do qual tem início a
história moderna dos direitos humanos, cujo escopo é limitar um
poder constituído, se chama Magna Charta Libertatum, 15 de Junho
de 1215. Cfr. IDEM, “Progresso scientifico e progresso
morale” (1995), in TeGePo, p. 643.
448
Cfr. IDEM, “Introduzione” (1997), in EdD, p. XV.
447
151
2.3.2. A Afirmação Histórica do Direito à Vida.
Segundo Bobbio, a história da afirmação do direito
humano fundamental à vida foi progressiva. A primeira
etapa desse processo histórico transformou uma aspiração
ideal num verdadeiro e próprio direito; num direito público
subjetivo – direito em sentido forte – mesmo que somente
no âmbito restrito de uma Nação, foi a sua
constitucionalização através das declarações dos direitos
inseridas nas primeiras Constituições liberais; depois,
paulatinamente, nas Constituições liberais e democráticas
que vieram à luz nos dois séculos sucessivos449.
Bobbio observou que desde a primeira declaração
dos direitos dos Estados Unidos da América, 1776, e
daquela da Revolução francesa, 1789, às Cartas dos direitos
das Constituições contemporâneas; o escopo principal dos
primeiros artigos é sempre aquele de reconhecer ao
Indivíduo-cidadão o poder de apropriar-se de novos espaços
vitais de liberdade em relação aos poderes constituídos450.
A segunda etapa desse processo de afirmação
histórica dos direitos humanos fundamentais – neste caso se
trata de uma evolução contínua e que ainda continua – foi a
sua progressiva extensão. Segundo Bobbio, a primeira
forma de extensão aconteceu ao interno dos direitos de
liberdade: particularmente do direito de viver.
A segunda forma de extensão aconteceu na passagem
do reconhecimento dos direitos civis àqueles dos direitos
políticos, até a concessão do sufrágio universal; passagem
Cfr. IDEM, “Dalla priorità dei doveri alla priorità dei
diritti” (1988), republicado com o título “Il primato dei diritti sui
doveri”, in TeGePo, pp. 437-438.
450
Cfr. IDEM, “Progresso scientifico e progresso morale” (1995), in
TeGePo, p. 643.
449
152
que representou a transformação do Estado liberal em
Estado democrático.
A terceira forma de extensão, a mais incisiva, foi
aquela que introduziu os direitos sociais, e assim
transformou o Estado Democrático-liberal num Estado
Democrático-social451.
A terceira etapa desse processo de afirmação
histórico dos direitos fundamentais à vida e a viver, foi
aquela da sua universalização, que teve o seu ponto de
partida na Declaração Universal dos Direitos do Homem,
1948.
Tratou-se da transposição da sua proteção do Sistema
nacional ao Sistema internacional, que pela primeira vez na
História fez do indivíduo, naquela linha de pensamento
individualista, um sujeito de direito internacional; e
ofereceu-lhe a possibilidade – mesmo se mais hipotética que
real – de pedir justiça a uma Instância Superior contra o
próprio Estado452.
A quarta etapa desse processo de afirmação histórica
dos direitos, atingida somente nos últimos anos do séc. XX,
Bobbio a chamou de especificação do Sujeito dos direitos
fundamentais à vida e a viver. A expressão habitual direitos
do Homem à vida e a viver, era demasiadamente genérica.
Diante desta expressão, vem espontânea uma
pergunta: Direitos à vida e a viver de qual Homem? Quem é
o sujeito destes direitos? Já ao início deste processo
histórico da afirmação dos direitos fundamentais,
distinguiram-se o Homem em “geral” e o Cidadão, no
Cfr. IDEM, “Dalla priorità dei doveri alla priorità dei
diritti” (1988), republicado com o título “Il primato dei diritti sui
doveri”, in TeGePo, p. 438.
452
Cfr. Ibidem.
451
153
sentido que ao Homem-cidadão podiam ser atribuídos
ulteriores direitos em relação ao Homem-genérico.
Uma ulterior especificação se tornara necessária ao
passo que emergiam novas pretensões; justificadas em base
à consideração de exigências específicas de proteção, seja
quanto ao gênero, seja quanto às várias fases da vida, seja
quanto às condições, normais ou excepcionais, da existência
e da vida humana453.
Daqui, quanto ao gênero: por exemplo, o
reconhecimento de direitos específicos em proteção e
promoção da vida das mulheres. Quanto às diferentes fases
da vida: por exemplo, o reconhecimento de direitos em
proteção e promoção da vida das crianças e dos anciãos.
Quanto às condições de vida: por exemplo, o
reconhecimento de direitos em proteção e promoção da vida
dos enfermos, dos excepcionais, dos enfermos de mente e
assim por diante.
Apesar de ser um fenômeno novo, esta especificação
do Sujeito dos direitos fundamentais à vida e a viver é o
desenvolvimento da idéia originária do Homem-indivíduo,
considerado em todos os seus aspectos como titular do
direito fundamental por excelência; condição para todos os
demais direitos, ou seja, de pretensões que lhe devem ser
reconhecidas, nas suas relações com a Sociedade da qual
faz parte, em vista de promover e proteger a sua vida454.
453
454
Cfr. Ibidem.
Cfr. Ibidem, pp. 438-439.
154
2.3.3. A Terceira Geração dos Direitos.
Ao lado dos direitos sociais, que foram chamados
direitos da segunda geração – como vimos acima –
emergiram os chamados direitos da terceira geração455.
Jean Rivera, num artigo Sobre la evolución
contemporánea de la teoria de los derechos de l’hombre,
1997456, compreende entre estes direitos da terceira geração,
os direitos de solidariedade, o direito ao desenvolvimento, o
direito à paz internacional, o direito a um ambiente
protegido, o direito à comunicação.
Bobbio observou que, depois desta enumeração, é
natural perguntar-se se é ainda possível falar de direitos em
sentido próprio ou não se trate simplesmente de aspirações
ou desejos457.
Os chamados direitos da terceira geração nasceram a
partir de situações novas, antes nem mesmo imagináveis,
que puseram em perigo e submeteram a novas restrições e a
novas ameaças seja as liberdades tradicionais, seja a vida
no seu curso natural do nascimento à morte, seja a
segurança social. “Situações” novas produzidas pelo
aumento do saber e das suas aplicações sobre a Natureza e
sobre o Homem458.
Por exemplo, o direito humano fundamental a viver
num ambiente não poluído nasceu por causa da poluição
atmosférica; portanto por causa do perigo à saúde pública
Cfr. IDEM, “Introduzione” (1997), in EdD, p. XIV.
Cfr. J. RIVERA, Sobre la evolución contemporánea de la teoria de
los derechos de l’hombre, citado por N. BOBBIO,
“Introduzione” (1997), in EdD, p. XIV.
457
Cfr. IDEM, “Corrientes y problemas en filosofia del derecho”, in
Anales de la cátedra Francisco Suarez 25 (1985), p. 193.
458
Cfr. N. BOBBIO, “Progresso scientifico e progresso
morale” (1995), in TeGePo, p. 644.
455
456
155
proveniente da, sempre mais extensa e incontrolável,
transformação da Natureza que o desenvolvimento das
técnicas de exploração do solo e do subsolo tornou possível.
Outro exemplo que Bobbio nos deu foi o direito à
privacy: torna-se sempre mais exigente à medida que
aumenta a capacidade de difusão da imagem e de
informações do indivíduo humano459.
2.3.4. A Quarta Geração dos Direitos.
À quarta geração dos direitos pertence o novíssimo
direito que pretende proteger o patrimônio genético do
Homem do amanhã. Não se pensa somente à vida do
Homem de hoje, mas procura-se proteger e promover os
direitos à vida e a viver das futuras gerações humanas, cuja
sobrevivência é ameaçada pelo crescimento desmedido de
armas sempre mais destrutivas. Hoje, com os incríveis
progressos da engenharia genética que não se contenta
somente de modificar a Natureza fora do Homem, mas
pretende de modificar a estrutura genética mesma do
Homem, essa proteção do seu patrimônio genético é sempre
mais urgente.
A resolução adotada pela Conferência Geral da
UNESCO, em sua 30ª Sessão, 16 de Novembro de 1999,
aprovou a Declaração Universal sobre o Genoma Humano
e os Direitos Humanos. Este é o primeiro grande documento
dos direitos da quarta geração, visando proteger o genoma
humano que constitui a base da unidade fundamental de
todos os membros da família humana bem como de sua
inerente dignidade e diversidade. Em uma palavra, visando
proteger o patrimônio da Humanidade, como declarou no
seu artigo primeiro.
459
Cfr. Ibidem.
156
Segundo
Bobbio
os
direitos
que
foram
exclusivamente humanos, por exemplo, o direito
fundamental a viver sem maus tratos, será estendido a novos
sujeitos não-humanos, como já o foram aos animais;
antigamente considerados pela moralidade comum como
sujeitos passivos, sem direitos460.
Uma primeira tentativa de modificar este status dos
animais é a Declaração Universal dos Direitos do Animal,
da UNESCO, aprovada trinta anos atrás, em Paris, 15 de
Outubro de 1978. Ainda podemos esperar muita novidade
neste campo.
Bobbio observou que uma coisa é a pretensão de
haver um direito e outra coisa muito diferente é a sua
satisfação. Ao mesmo passo que aumentam as pretensões
de direitos, a sua proteção fica igualmente mais difícil. Os
direitos sociais, da segunda geração, são mais difíceis de
proteger do que os direitos de liberdade, da primeira
geração. O mesmo vale para a terceira e quarta gerações
dos direitos. Assim também a proteção internacional é mais
difícil que a proteção interna, no próprio Estado.
Poderíamos multiplicar os exemplos do contraste
entre o ideal e o real dos direitos humanos fundamentais;
entre as solenes declarações dos direitos fundamentais e a
atuação das mesmas; entre a grandiosidade das promessas e
a miséria das realizações no campo da proteção e promoção
dos direitos.
Porque Bobbio interpretou a vastidão que assumiu,
atualmente, o debate sobre os direitos do Homem como um
sinal do progresso moral da Humanidade, não será
Cfr. IDEM, “Diritti dell’uomo e filosofia della storia” (1987),
republicado com o título “L’età dei diritti”, in TerAs, p. 124.
460
157
inoportuno repetir que este crescimento moral se mede não
pelas palavras, mas pelos fatos461.
2.4. As “Ambigüidades” da Linguagem dos
Direitos.
Uma coisa é proclamar um direito – aspiração – outra
coisa muito diferente é gozar efetivamente dele: uma coisa é
a teoria dos direitos, outra coisa muito diferente é a sua
práxis. A linguagem dos direitos tem uma grande função
prática, que é aquela de dar particular força às
reivindicações daqueles movimentos que requerem para si e
para os outros a satisfação de novas necessidades materiais
e morais, mas torna-se ambíguo e, portanto, enganoso se
oculta a diferença entre o direito reivindicado ou
proclamado e o direito reconhecido e protegido462.
2.4.1. Direito
Protegido.
Reivindicado,
Reconhecido
e
Não obstante as inumeráveis tentativas de análises
definidoras, segundo Bobbio, a linguagem dos direitos
continua ainda muito ambígua, pouco rigorosa e,
freqüentemente, utilizada retoricamente. Nada impede que
se use o mesmo termo para indicar os direitos somente
proclamados numa Declaração, apesar de solene, e aqueles
efetivamente protegidos num Ordenamento Jurídico
inspirado aos princípios do Constitucionalismo, com juízes
imparciais e várias formas de Poder executivo das decisões
Cfr. IDEM, “Dalla priorità dei doveri alla priorità dei
diritti” (1988), republicado com o título “Il primato dei diritti sui
doveri”, in TeGePo, p. 439.
462
Cfr. IDEM, “Introduzione” (1997), in EdD, pp. XIX-XX.
461
158
judiciais. Mas entre os direitos efetivamente protegidos e
aqueles somente proclamados, existe uma grande
diferença463.
A maior parte dos direitos da segunda geração que
aparecem em todas as Declarações Nacionais e
Internacionais ficou somente no papel. O quê dizer então
dos direitos da terceira e da quarta geração?464
Segundo Bobbio, a única coisa que se pode dizer com
certeza é que são a expressão de aspirações ideais às quais
dar-lhes o nome de direitos serve unicamente a atribuir-lhes
um nobre título465.
Como vimos acima, devemos ter presente que o nosso
sentido moral caminha – se caminha – muito mais
lentamente do que o poder econômico, político e
tecnológico. Todas as proclamações de direitos, por mais
fundamentais que eles sejam, pertencem ao mundo do ideal,
daquilo que “deveria” ser ou daquilo que é bem que seja.
Em 1995, Bobbio denunciou: se olharmos ao nosso
redor veremos manchadas de sangue humano as nossas
estradas, montes de cadáveres humanos abandonados,
inteiras populações humanas expulsas das suas casas,
laceradas e famintas, crianças esqueléticas com os olhos
fora da fronte que não têm mais sorriso, e não conseguirão
sorrir antes da morte precoce466.
C. S. Nino, pensador argentino que Bobbio o
qualificou como autorizado filósofo do direito
contemporâneo, no seu Etica y Derechos humanos, 1984,
Cfr. Ibidem, p. XIX.
Cfr. Ibidem, p. XV.
465
Cfr. Ibidem, p. XIX.
466
Cfr. IDEM, “Progresso scientifico e progresso morale” (1995), in
TeGePo, p. 645.
463
464
159
escreveu que os direitos humanos são uma das maiores
invenções da nossa civilização tecnológica467.
Bobbio observou, em 1990, que o cardeal W. Kasper
fez ecoar o mesmo pensamento de C. S. Nino quando
escreveu que os direitos humanos constituem atualmente
um novo “ethos” mundial468.
Segundo Bobbio é bello, talvez até mesmo
encorajador, chamar os direitos humanos, por uma analogia
tecnológica, uma grande invenção da nossa civilização.
Mas comparados às invenções técnicas propriamente ditas –
muitas vezes utilizadas contra a Natureza e contra o Homem
de hoje e de amanhã – são uma invenção que permanece
mais anunciada que realizada.
Observou ainda Bobbio, que quanto ao novo ethos
mundial dos direitos humanos do qual falou o cardeal W.
Kasper, este resplandece somente nas solenes Declarações
internacionais e nos Congressos mundiais que celebram e
comentam os direitos fundamentais. Mas a estas solenes
celebrações, a estes doutos comentários, corresponde, na
realidade, a sua sistemática violação em quase todos os
países do Mundo, nas relações entre poderosos e fracos,
ricos e pobres, entre quem-sabe e quem-não-sabe469.
Cfr. C. S. NINO, Etica y Derechos humanos, Paidós Studio, Buenos
Aires 1984, p. 13.
468
Cfr. W. KASPER, Le fondament théologique des droits de
l’homme, Cité du Vatican 1990, p. 49. Cfr. ainda Ontologia e
fenomenologia del diritto, Studi in onore di Sergio Cotta,
Giappichelli, Torino 1995, p. 194.
469
Cfr. N. BOBBIO, “Progresso scientifico e progresso
morale” (1995), in TeGePo, pp. 645-646.
467
160
2.4.2. A Utopia da Sociedade Livre, Justa e Feliz.
As Sociedades livres, justas e felizes nunca foram
atuadas, e, segundo Bobbio, escrevendo em 1995, a julgar
daquilo que acontece a cada dia diante dos nossos olhos, a
sua atuação nunca esteve tão longe470.
Apesar de Bobbio duvidar que se possa falar de um
progresso moral da Humanidade, como vimos acima, ele
também duvidou que se devesse plausivelmente falar de um
regresso moral.
Somos aterrorizados pela difusão da violência, porém
o que mudou, efetivamente, foi a quantidade da violência,
devido ao progresso técnico que produziu armas cada vez
mais mortais; não foi tanto a qualidade dessa violência.471
Hoje o Homem está capacitado pela técnica a matar
mais e mais rapidamente, mas a qualidade da sua ferocidade
continua igual.
Bobbio não hesitou em afirmar que o mal sempre
prevaleceu sobre o bem, a dor sobre a alegria, o sofrimento
sobre o prazer, a infelicidade sobre a felicidade, a morte
sobre a vida. Ele disse de não saber explicar esta tremenda
realidade na História do Homem; ele preferiu dizer “Não
sei!”. Apesar da sua incapacidade de oferecer uma
explicação sensata daquilo que acontece e porque acontece,
afirmou que a parte obscura desta História humana é bem
maior do que aquela clara472.
No entanto, Bobbio não negava que uma face clara
existe na História da Humanidade. Mesmo quando o inteiro
curso da nossa História parece ameaçado de morte, existem
Cfr. Ibidem, p. 646.
Cfr. IDEM, “Pro e contro un’etica laica” (1983), in EdM, pp.
164-165.
472
Cfr. Ibidem, p. 166.
470
471
161
zonas de luz que não podemos ignorar. Ele citou algumas
dessas zonas de luz: a abolição da escravidão, a supressão
dos suplícios em muitos países, e em alguns países a
supressão também da pena de morte; a emancipação
feminina – que foi, segundo ele, a única verdadeira
revolução do nosso tempo; a instauração do regime
democrático em alguns países473.
Bobbio observou que o homem potente pode
desencadear devastações que superam todos os castigos de
Deus juntos: o Homem “roubou” o poder de Deus de dar a
morte; apropriou-se de tudo aquilo que, em Deus, era terror
e fatalidade.
Se alguém pedisse a Bobbio de definir o caráter do
seu tempo – século XX – ele diria que foi um tempo
marcado pelo equilíbrio do terror mortal do qual nenhum
de nós sabe “se” e “quanto” durará474.
3. O Imperativo Ético Não Matar!
Conhecemos o sujeito dos direitos à vida e a viver,
bem como o direito à vida como sinal de progresso moral.
Até aqui nossos esforços se voltaram a colher, no
pensamento bobbiano, os elementos necessários para
entender “porque” ele afirmou que o princípio ético Não
matar é válido em sentido absoluto, como um imperativo
categórico. A resposta evidenciada acima pode ser
sintetizada assim:
Bobbio afirmou que o princípio ético “Não matar!” é
válido em sentido absoluto, como um imperativo
473
474
Cfr. Ibidem.
Cfr. IDEM, “L’Europa della cultura” (1984), in DubScel, p. 206.
162
categórico, porque a vida humana é o valor primordial
enquanto condição para todos os valores475.
Passaremos, agora, a colher os elementos necessários
para compreender “o quê” Bobbio entendia dizer com tal
afirmação. Buscaremos o sentido desse imperativo ético,
primeiro, a partir do problema do seu fundamento, onde
conheceremos normas primárias e secundárias; a
possibilidade de imperativos categóricos; os imperativos
categórico e hipotético; e a multiplicidade dos imperativos
categóricos segundo o pensamento bobbiano.
Num segundo momento, trabalharemos o problema
das derrogas ao imperativo Não matar, onde conheceremos
a Razão de Estado, o princípio vim vi repellere licet; e, por
fim, teceremos algumas considerações sobre o âmbito da
legítima defesa.
3.1. O Fundamento do Imperativo Não
Matar!
Segundo Bobbio, para os que crêem o imperativo
Não matar é fruto de uma certeza que se funda na crença da
existência de um “único” Juiz superior: Deus, capaz de dar
um juízo absoluto. De outro modo, desencadear-se-ia a fera
selvagem476 que o Homem é.
Cfr. IDEM, “Due paradossi storici e una scelta morale” (1954), in
DubScel, p. 28: [...] al disvalore della violenza e al valore
primordiale della vita umana come condizione di tutti i valori, […].
476
Cfr. IDEM, - M. VIROLI, Dialogo intorno alla repubblica, Laterza,
Roma-Bari 2001, p. 52.
475
163
3.1.1. Norma Primária e Norma Secundária.
Usando a linguagem dos juristas Bobbio falou de uma
norma primária e de uma norma secundária. Aplicando
esta linguagem ao princípio Não matar enquanto imperativo
jurídico em um ordenamento estatal, podemos dizer que a
norma primária estabelece o imperativo, ordenando: Não
matar!
Quando o imperativo vem transgredido ou não
observado, a norma secundária estabelece as conseqüências
de tal transgressão, determinando: Quem matou ou deixou
morrer deve ser punido com uma determinada pena.
Aquilo que faz com que a norma primária – o
imperativo em si – seja um dever perfeito é o fato que existe
uma norma secundária dirigida a um juiz477, que estabelece
as conseqüências da sua não observação; determinando o
dever de fazer cumprir tal norma primária, tal imperativo;
punindo o seu transgressor: o delinqüente.
No caso do imperativo Não matar, enquanto dever
moral-religioso, a norma secundária não é dirigida a um
Juiz com faculdades judiciais, mas é dirigida diretamente a
Deus, enquanto é Ele mesmo quem dará a sanção, punindo
o transgressor do imperativo moral; e a sanção de Deus será
no além túmulo.
Bobbio observou ainda que para o “supersticioso”,
todavia, a sanção de Deus poderia ser já nesta vida: quantas
vezes se dizem que as doenças ou calamidades naturais são
castigos de Deus. O “castigo de Deus” é visto, pelo
supersticioso, como a sanção por um dever não-cumprido; a
punição por haver violado um imperativo. O dever é sempre
477
Cfr. Ibidem, p. 55.
164
ligado àquelas que podem ser as conseqüências
desagradáveis ou desonráveis da violação478.
No caso do imperativo Não matar, enquanto dever
ético-racional, a norma secundária não é dirigida nem a um
Juiz com faculdades judiciais, nem a “um” Deus, que punirá
o transgressor no além túmulo. É dirigida à consciência
mesma do Sujeito ético, enquanto Indivíduo humano
racional e livre, capaz de consciência e de autoconsciência.
A punição do transgressor do imperativo ético é a perda da
dignidade humana: quem mata, desce abaixo do nível das
feras.
3.1.2. A Possibilidade de Imperativos Categóricos.
Segundo I. Kant o ser racional, como inteligência,
inscreve-se ao mundo inteligível, e chama de vontade a
própria causalidade só como causa eficiente que pertence a
tal mundo. De outro lado, o ser racional é consciente de si
também como elemento do mundo sensível, no qual se
encontram as suas ações como meros fenômenos daquela
causalidade, mas a sua possibilidade não pode vir separada
daquela causalidade, que não conhecemos479.
Enquanto próprias de um puro membro do “mundo
inteligível”, segundo I. Kant, todas as nossas ações seriam
perfeitamente conformes ao princípio da autonomia da
vontade pura. Enquanto próprias de um membro do “mundo
sensível”, elas deveriam ser assumidas como inteiramente
conformes à lei natural dos desejos e das inclinações, e,
portanto, à heteronímia da Natureza480.
Cfr. Ibidem.
Cfr. I. KANT, Grundlegung zur Metaphysik der sitten (1785), in
GMsitten, III, Wie ist ein Kategorischer Imperativ möglich?
480
Cfr. Ibidem.
478
479
165
Assim, os imperativos categóricos são possíveis,
porque a idéia da liberdade faz de nós membros de um
mundo inteligível; e se nós não fôssemos outra coisa que
isto, todas as nossas ações seriam sempre conformes à
autonomia da vontade.
Para I. Kant, porque nos reconhecemos “também”
como membros do mundo sensível, nossas ações “devem”
ser conformes à autonomia da vontade. E esse “dever
categórico” representa uma proposição sintética a priori,
enquanto, além da nossa vontade afetada por desejos
sensíveis, têm-se ainda a idéia da nossa vontade mesma,
mas como vontade prática pura, pertencente ao mundo
inteligível, e esta contém, segundo razão, a condição
suprema também da primeira481.
O “dever” de obedecer a um imperativo categórico –
do ponto de vista prático – confere ao Homem uma
dignidade que veta de tratá-lo como um puro meio482. Nisto
consiste a racionalidade do Homem; isto conecta a segunda
fórmula do imperativo, apresentada por I. Kant na sua
Fundamentação da metafísica dos costumes, 1785483, à
primeira fórmula, que exprime o caráter formal da ética do
dever, a saber: age segundo aquela máxima que pode
querer que se torne uma lei universal.
Esta fórmula é só um instrumento de controle da
moralidade da máxima, ou princípio subjetivo ao qual se
informa a ação. Mas o fato mesmo que suponhamos um
movente da ação objetiva, subtraído a qualquer influxo da
subjetividade, confere à Humanidade aquele caráter de
exceção.484
Cfr. Ibidem.
Cfr. V. MATHIEU, “Introduzione”, in GMsitten, pp. 22-23.
483
Cfr. I. KANT, Grundlegung zur Metaphysik der sitten (1785).
484
Cfr. V. MATHIEU, “Introduzione”, in GMsitten, p. 23.
481
482
166
Segundo I. Kant somente o Homem representa-se o
dever de agir por dever, ainda quando de fato não
conseguisse fazer calar a sua inclinação. Só o Homem é
sujeito a pressões psicológicas que podem “sujeitar”
completamente a sua vontade; e somente ele é capaz de
pensar-se, apesar disto, obrigado a vencê-las: só o Homem é
capaz de pensar como um dever absoluto o dever de ser
livre485.
Com isto encontramos a terceira fórmula do
imperativo categórico kantiano – sê livre – que justifica a
segunda fórmula – respeita em cada homem a humanidade
como um fim – através da primeira fórmula – age
prescindindo de tudo aquilo que é ligado ao caro eu e,
portanto, livremente.
Para Kant, obviamente, o imperativo categórico é
sempre um só, e propriamente não é nem mesmo
representável como uma fórmula cognoscitiva capaz de se
tornar uma técnica. É representável, porém, como sentido
do dever numa consciência. Por isto, ele chamou a presença
da Lei moral na mente: fato da razão.
“Fato” porque não se pode fazê-lo remontar a alguma
coisa de mais primitivo que seja a sua causa, nem
transcendente – como comando divino – nem imanente – a
educação, a constituição psíquico-fisiológica.
“Fato”, porém da razão, porque um fato do gênero
não pode ser objeto de constatação empírica. Porque a
consciência moral é a representação de um incondicionado,
do qual a razão é a faculdade. Neste caso, a razão, como
razão pura prática, determina a vontade sozinha, pelo fato
mesmo de ser representada como o movente da ação a
prescindir de qualquer preferência individual486.
485
486
Cfr. Ibidem.
Cfr. Ibidem, pp. 23-24.
167
3.1.3. Imperativo Categórico e Hipotético.
Alguns “imperativos” ordenam somente enquanto
condição para conseguir aquilo que já se deseja. Por
exemplo, o imperativo “aperta” escrito em um pulsante que
aciona um alarme. O imperativo hipotético desta prescrição
é apertar o pulsante se quiser dar o alarme.
Análogos a este são os imperativos, igualmente
hipotéticos, “puxa” ou “empurra” escritos nos dois lados de
uma porta487: puxa ou empurra se si quiser entrar ou sair da
sala. Kant as chamou regras da habilidade.
Se quisermos exprimir o imperativo ético Não matar
como categórico, não podemos dizer Não matar “se...”.
Devemos dizer somente Não matar e basta, ou seja,
categoricamente, sem uma hipotética condição nem
circunstância: sem enunciar nenhuma condição sob a qual a
prescrição valha ou não valha.
O imperativo Não matar, no sentido utilizado e
entendido por Bobbio, não depende de “condições”; a sua
validade não vem condicionada pela partícula condicional
“se”, portanto não é hipotético; é sim “categórico” porque
comanda por si488, independente de qualquer hipotética
circunstância do agente, nem do objeto da ação proibida.
Em outras palavras, o imperativo Não matar impõe
um dever perfeito a todos os sujeitos humanos e em vista de
proteger a vida de “todos” os outros sujeitos humanos
envolvidos nesta relação, que pode ser chamada “civil”.
Quanto visto acima não impede, porém, que diante do
imperativo categórico Não matar surja uma pergunta:
Por que eu não deveria matar?
487
488
Cfr. Ibidem, p. 14.
Cfr. Ibidem.
168
V. Mathieu observou que, tratando-se de um
imperativo categórico, a uma pergunta deste gênero não é
possível dar uma resposta. Se fosse possível dar-lhe uma
resposta apresentando uma “razão” diferente do puro dever
de não matar, o imperativo dependeria “de” – seria
condicionado “por” – tal razão e não seria, por isto mesmo,
categórico489, mas sim hipotético.
Por exemplo, diante da resposta bobbiana: Não deve
matar porque a vida é o bem primordial, condição para
todos os demais valores490, portanto matar seria um mal;
surgiria uma nova pergunta:
Por que não devo fazer o mal aos outros?
Se justificássemos esta última apresentando uma
razão, por exemplo: Porque na primeira oportunidade
matarão você também; o imperativo Não matar não seria
somente hipotético, mas seria também egoísta491.
Assim, o imperativo Não matar, de categórico que
“é” segundo Bobbio, seria transformado em um hipotético
princípio do mais banal egoísmo:
Não matar para que também os outros não tenham o
“direito” de matar você!
O imperativo categórico não pode ter outros
argumentos para impor seu valor senão a sua própria força,
ou seja, a forma da lei ou sua universalidade, porque o
“dever”, kantianamente falando – e é este o sentido
bobbiano de imperativo categórico – vai cumprido por
princípio, independentemente das suas razões492.
Cfr. Ibidem, pp. 14-15.
Cfr. N. BOBBIO, “Due paradossi storici e una scelta
morale” (1954), in DubScel, p. 28.
491
Cfr. V. MATHIEU, “Introduzione”, in GMsitten, p. 15.
492
Cfr. Ibidem, pp. 21-25.
489
490
169
Acreditamos, porém, ser possível afirmar o
imperativo Não matar como sendo categórico e, ao mesmo
tempo, dar-lhe uma fundamentação, a saber: a vida humana
tomada como valor primordial, enquanto condição de todos
os demais valores493.
Dito com outras palavras, o imperativo Não matar é
categórico porque categórico é o valor da vida que tal
imperativo entende proteger. Não se trata, aqui, de atribuir
uma hipotética condição ou circunstância que condicionaria
a validade de tal imperativo, trata-se sim de fundamentá-lo;
atribuir-lhe o mesmo valor primordial do bem que ele
entende proteger: a vida humana.
3.1.4. Multiplicidade dos Imperativos Categóricos.
Para Bobbio não existe um único imperativo
categórico. Os imperativos categóricos para ele são leis que
devem ser obedecidas incondicionalmente, sem alguma
consideração das circunstâncias em que vem de vez em vez
aplicada: por “condição” devemos entender as
circunstâncias e o sujeito-passivo objeto do imperativo.
Trata-se da “Lei” das leis, segundo a qual precisa
fazer, em qualquer circunstância, o próprio dever por
nenhuma outra razão do que o dever; independentemente de
toda consideração de fins próximos ou distantes;
independentemente dos sujeitos, ativos ou passivos,
envolvidos na ação comandada pelo imperativo494.
Segundo Bobbio, o mundo dos imperativos
categóricos, ou seja, dos comandos que devem ser
Cfr. N. BOBBIO, “Due paradossi storici e una scelta
morale” (1954), in DubScel, p. 28.
494
Cfr. IDEM, “Ritratto di Leone Ginzburg” (1964), in MeCom, p.
173.
493
170
obedecidos não por prazer – ou hipotético interesse – mas
por dever, mesmo se com sofrimento e com o sentimento de
“nunca” os haver cumprido plenamente; é um ideal, por sua
natureza inatingível, mas ai de quem não se esforçar por
atingi-los495.
Bobbio afirmou ainda: um imperativo categórico não
prescreve outra conduta que aquela assumida por livre
decisão no respeito do dever moral.496 Ora, segundo ele, o
dever não tem um por que e o porquê é tão remoto que não
se pode medir com o “metro” do tempo quotidiano: o dever
se cumpre por uma íntima e categórica lei que é aquela de
Deus, para quem crê; ou aquela do progresso moral da
civilização humana, para quem não crê “num” Deus que nos
transcende, como Bobbio. O imperativo categórico, assim,
comanda-nos e não nos explica o porquê497.
3.2. As Derrogas ao Imperativo Não matar!
Os códigos morais de todos os Povos e em todos os
tempos trazem o imperativo Não matar! No entanto,
observou Bobbio, a História humana pode ser objetivamente
representada como uma longa, contínua e in-interrupta
seqüência de assassinatos, chacinas de inocentes,
massacres sem escopo aparente, sublevações, revoltas,
revoluções cruentas e guerras justificados através dos mais
diferentes argumentos498.
Segundo estes mesmos “códigos”, o imperativo Não
matar valeria somente ao interno do mesmo grupo social
Cfr. IDEM, “Eugenio Colorni” (1975), in MeCom, p. 204.
Cfr. IDEM, “L’opera di Gioele Solari” (1952), in ItCiv, p. 177.
497
Cfr. IDEM, “Antonio Giuriolo” (1948), in ItCiv, p. 295.
498
Cfr. IDEM, “Ragion di stato e democrazia” (1991), in EdM, p. 93.
495
496
171
para assegurar aquela paz entre os seus membros, que é
necessária para a sobrevivência do grupo: razão de Estado.
Bobbio observou que não valia ao externo do grupo
pela mesma razão, porque o grupo social sobrevive somente
se consegue defender-se dos ataques dos grupos hostis:
fazia parte da estratégia da defesa a autorização, antes, o
“dever” de matar o inimigo499.
3.2.1. A Razão de Estado.
Por razão de Estado Bobbio entendeu aquele
conjunto de princípios e de “máximas” em base às quais,
ações que não seriam justificadas se realizadas por um
Indivíduo humano, não só são justificadas, mas até mesmo,
em alguns casos, exaltadas e glorificadas se realizadas por
quem exercita o poder em nome do Estado500.
A exclusão dos imperativos categóricos da esfera da
Política corresponde, segundo Bobbio, à opinião comum
dos defensores da razão de Estado segundo a qual a conduta
dos homens de Estado não é guiada por imperativos
categóricos, mas sim por regras de prudência; das quais não
deriva uma obrigação incondicionada que prescinda de toda
consideração da situação e do fim: imperativos hipotéticos.
Em outras palavras, a conduta dos homens de Estado
é guiada unicamente por uma obrigação a ser observada
Cfr. N. BOBBIO, “Ragion di stato e democrazia” (1991), in EdM,
p. 93: “Vale all’interno del gruppo, perché assicura quella pace tra i
suoi membri, che è necessaria per la sopravvivenza dell’insieme. Non
vale all’esterno del gruppo per la stessa ragione, perché il gruppo
sopravvive soltanto se riesce a difendersi dall’attacco dei gruppi ostili:
fa parte della strategia della difesa l’autorizzazione, ma che dico?,
l’obbligo, di uccidere il nemico.”
500
Cfr. IDEM, “Il concetto di politica” (1976), in TeGePo, p. 119.
499
172
quando se verificam aquelas determinadas condições ou
para conseguir um determinado fim501.
Os defensores da razão de Estado embasaram as suas
teorias sobre a consideração que não existe “princípio” que
não admitam certas derrogas, ou casos nos quais se torna
lícito violar os princípios éticos – mesmo o princípio por
excelência Não matar – para a defesa do Estado.
Se quisermos sustentar que a Política deve sempre ser
respeitosa dos princípios morais, então nos encontraríamos
diante de um contraste insolúvel.
Segundo Bobbio, podemos, ao máximo, procurar
estabelecer, com certa precisão, quais são os casos-limites
em que é possível derrogar um princípio ético. Ora as
exceções reconhecidas, ou que podem ser utilizadas em
favor da pena de morte, por exemplo – como trataremos na
próxima etapa desta pesquisa – são exatamente o estado de
necessidade e a legítima defesa do Estado502.
Os argumentos tradicionais da Razão de Estado que
visam justificar as derrogas aos princípios morais e jurídicos
no estado de necessidade são: os interesses vitais do país, as
exigências da defesa e o princípio de reciprocidade503.
Segundo esta lógica da razão de Estado, o imperativo
ético Não matar torna-se um princípio puramente
instrumental; perde todo caráter categórico504.
Quanto ao princípio da legítima defesa, utilizado
pelos defensores da Razão de Estado para justificarem as
derrogas do imperativo Não matar, Bobbio observou que a
Cfr. IDEM, “Etica e politica” (1986), in EdM, p. 81.
Cfr. IDEM, “Contro il potere di dare la morte” (1982), in Rinascita,
38, 42 (5 de Novembro de 1982), pp. 41-43.
503
Cfr. IDEM, “Democrazia e segreto” (1990), in TeGePo, pp.
365-366.
504
Cfr. IDEM, “Ragion di stato e democrazia” (1991), in EdM, p. 93.
501
502
173
analogia é “errada”. A Sociedade não tem o direito de matar
por legítima defesa, porque a legítima defesa nasce e se
justifica somente como resposta imediata e na
impossibilidade de agir diversamente. A resposta que a
Sociedade dá à agressão recebida, por exemplo, deve ser
uma resposta mediata através de processo, às vezes longo,
no qual se debatem argumentos prós e contra505.
O Povo-estado não pode pôr-se ao mesmo nível do
Indivíduo-cidadão; o Indivíduo age por raiva, por paixão,
por interesse, por defesa. O Estado responde mediatamente,
reflexivamente, racionalmente. Este possui o dever de
defender-se, mas é muito mais forte do que o Indivíduocidadão para haver necessidade de violar o princípio Não
matar em própria defesa. O Estado há o privilégio e o
benefício do monopólio da força, por isto deve sentir toda a
“responsabilidade” deste privilégio e deste benefício506.
3.2.2. O Princípio Vim vi repellere licet.
Segundo Bobbio, não existe lei moral que, em
circunstâncias particulares, não preveja exceções. Segundo
ele, o imperativo ético Não matar decairia no caso da
“legítima defesa”, a saber, no caso em que a violência é o
único remédio possível à violência, em base à máxima que,
expressa ou tacitamente, é acolhida pela maior parte dos
Sistemas morais e jurídicos: vim vi repellere licet.507
Cfr. IDEM, “Sulla pena di morte” (1999), in Nuova Antologia, 583,
2212 (Outubro-Dezembro de 1999), pp. 34: No, la comparazione è
sbagliata: la società non ha questo diritto, perché la legittima difesa
nasce e si giustifica soltanto come risposta immediata e nella
impossibilità di agire altrimenti. Cfr. também IDEM, “Contro la pena
di morte” (1981), in EdD, pp. 197-198.
506
Cfr. IDEM, “Contro la pena di morte” (1981), in EdD, pp. 198-199.
505
174
Se o princípio ético Não matar encontrasse na
legítima defesa sua exceção, então “o quê” Bobbio entendeu
quando afirmara que este princípio é válido em sentido
absoluto, como um imperativo categórico? Seria uma
contradição no pensamento bobbiano? Como entender estas
suas afirmações?
Para responder a estas perguntas, primeiro devemos
postular esse princípio ético como absoluto e como
imperativo categórico em defesa daquele valor que Bobbio
chamou primordial, enquanto condição para todos os
demais valores: a vida humana508.
Depois, devemos entender a afirmação de Bobbio
acima – o princípio ético Não matar decai no caso da
legítima defesa, no caso em que a violência é o único
remédio possível509 – no sentido de ser uma situação-limite,
na qual não existe mais uma Autoridade superior510.
Numa situação-limite, perguntou Bobbio, a quem
competiria julgar onde termina a violência lícita e começa a
violência ilícita?511
Aqui, encontram-se todos os tradicionais problemas
relativos às várias formas, aos limites, às justificações, da
Cfr. IDEM, “Etica e politica” (1986), in EdM, p. 63: La regola
‘Non uccidere’ viene meno nel caso della legittima difesa, vale a dire
nel caso in cui la violenza è l’unico rimedio possibile, in quella
particolare circostanza, alla violenza, in base alla massima che
espressamente o tacitamente è accolta dalla maggior parte dei sistemi
normativi morali e giuridici: Vim vi repellere licet. Cfr. ainda IDEM,
“Ragion di stato e democrazia” (1991), in EdM p. 100.
508
Cfr. IDEM, “Due paradossi storici e una scelta morale” (1954), in
DubScel, p. 28.
509
Cfr. IDEM, “Etica e politica” (1986), in EdM, p. 63.
510
Cfr. IDEM, “La resistenza: una guerra civile?” (1992), in DalFaD,
pp. 155-156.
511
Cfr. Ibidem.
507
175
violência; relativos ao contraste, segundo Bobbio, nunca
resolvido entre o dever de não matar e o “dever” de matar
em caso de necessidade ou de legítima defesa, entre
violência primeira e violência segunda, ofensiva e
defensiva, justa e injusta512.
A dificuldade aqui é mais lingüística que substancial:
trata-se de entender o sentido que Bobbio atribuiu ao termo
eccezione – exceção. O sentido deste termo utilizado por ele
significa somente que o princípio vim vi repellere licet
garante ao agredido a faculdade de defender-se com força
“proporcional”.
Seria uma verdadeira e própria “exceção” ao
imperativo Não matar somente se tal princípio da legítima
defesa permitisse de matar diretamente o agressor: a morte
do agressor, porém, no ato de legítima defesa como
entendeu Bobbio, em sintonia com a tradição moral, é
sempre acidental, ou seja, conseqüência da defesa.
Neste sentido não se pode nem mesmo falar de
verdadeira derroga do princípio ético Não matar, menos
ainda de exceção. Devemos precisar o âmbito da legítima
defesa para compreender melhor o sentido do princípio vim
vi repellere licet em relação à validade absoluta do
imperativo ético Não matar, como imperativo categórico.
3.2.3. Precisando o Âmbito da Legítima Defesa.
O princípio vim vi repellere licet, acima apresentado,
afirma somente que se “pode” utilizar de força defensiva,
proporcional – vim vi – para repelir a força ofensiva sofrida.
Não diz ser lícito matar para repelir o agressor: isto, sim,
seria uma verdadeira e própria “exceção” e “derroga” ao
princípio ético Não matar!
512
Cfr. Ibidem, pp. 154-155.
176
Portanto, a legítima defesa não é uma “exceção” nem
uma “derroga” a tal princípio ético. Se este princípio
admitisse derrogas ou exceções, não poderia ser qualificado
como imperativo absoluto ou categórico, como o qualificou
Bobbio. Seria somente um princípio relativo, condicionado
pelas hipotéticas circunstâncias da ação humana.
O “dever” que o princípio vim vi repellere licet
impõe-nos não é de matar o agressor, mas somente de
defender a vida própria e de outrem – valor primordial –
caso venha ameaçada, “repelindo” o agressor com força
proporcionada; mesmo que, desta ação defensiva, resultasse
a morte de tal agressor.
Este “dever” de defender a vida própria e alheia não
constitui uma “exceção” ao princípio ético Não matar que é
absoluto; pois na legítima defesa não se visa matar
diretamente o agressor: sua morte seria uma conseqüência
acidental de uma ação inevitável, em uma situação que
Bobbio chamou casos-limites.513
Se a ação defensiva derrogasse ou fosse uma exceção
ao princípio ético, deveria visar diretamente a morte do
agressor; mas então não seria mais nem “legítima” nem
defesa, seria esta também uma ação ofensiva, agressiva:
evidente “violação” direta do imperativo Não matar. Ainda
assim, não seria uma sua exceção.
Por exemplo: a pena de morte visa diretamente a
morte do agressor da Sociedade; portanto é a violação direta
do princípio ético Não matar, não é sua “derroga” ou a
“exceção” justificada pela razão de Estado, em base à
legítima defesa da Sociedade civil.
Outro aspecto que devemos considerar é o estado de
necessidade. Segundo Bobbio, quando o agente se encontra
Cfr. IDEM, “Contro il potere di dare la morte” (1982), in Rinascita,
38, 42 (5 de Novembro de 1982), pp. 41-43.
513
177
numa situação na qual certa ação é necessária no duplo
sentido de não poder não fazê-la – necessidade
propriamente dita – ou de não poder fazê-la – ou
impossibilidade – qualquer norma que comande ou proíba
uma ação diferente é absolutamente impotente. Diz-se que a
necessidade não há lei: não há lei porque é mais forte de
qualquer lei514.
Bobbio observou que, se é verdade que em
determinada situação existe um só meio para conseguir um
fim, e este fim deve ser atingido, a efetuação do meio se
torna uma ação necessária, em relação à qual o sujeito
agente não há escolha e, portanto, não é livre de agir
seguindo o princípio ético que lhe imporia uma conduta
diferente515.
O problema que precisa ser esclarecido para
compreender a valência desta situação de necessidade é o
valor do fim: de qual fim se trataria? Um fim absoluto ou
relativo? Existe um fim absoluto?
Se considerarmos um estado de necessidade em vista
de um fim que é, bobbianamente falando, evidentemente
absoluto como defender a própria vida – valor primordial e
direito fundamental por excelência – é igualmente evidente
que não existe princípio ético ou jurídico que possa vigorar
nesta situação. Aqui entramos no caso da legítima defesa: a
morte do agressor como “conseqüência” de uma ação
defensiva proporcionada à ameaça do agressor.
Se, porém, considerarmos um estado de necessidade,
em vista de um fim que não é absoluto, portanto relativo,
como por exemplo, a defesa do possesso de um bem
material violando um princípio ético ou jurídico que diz
Cfr. IDEM, “La politica” (1987), republicado com o título “I
confini della politica”, in TeGePo, p. 175.
515
Cfr. Ibidem.
514
178
Não matar; é igualmente evidente que tal estado de
necessidade é também ele relativo: não existem as
condições que impeçam o “valor” do princípio ético ou
jurídico nesta situação, pois se trata somente de um “fim”
relativo em contraposição a um princípio ético que protege
um bem absoluto: a vida humana.
O imperativo ético Não matar, enquanto absoluto,
imperativo categórico, como ficou evidente, obriga a todos
indistintamente porque o direito primordial à vida, como
condição para todos os outros direitos humanos
fundamentais, pertence a todos os homens: todos os homens
nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Esta é a
natural condição do Homem e de todos os homens: a sua
substancial unidade humana.
179
4. Substancial Unidade do Gênero Humano.
Depois de conhecermos o sujeito dos direitos à vida e
a viver; bem como o direito à vida como sinal de progresso
moral; e o sentido do imperativo ético “Não matar!”;
podemos, agora, trabalhar o problema da substancial
unidade do gênero humano.
A vida humana, enquanto valor primordial porque
conditio sine qua non para todos os demais valores é um
direito fundamental de “todos” os homens; não de alguns
privilegiados ou daqueles melhor desenvolvidos psíquico
somaticamente; mas de todos os indivíduos que
compartilham a mesma natureza humana: humanitas.
Conseqüentemente, o dever de Não matar também
obriga a “todos”, inclusive ao Estado enquanto estrutura a
serviço do indivíduo humano.
Conheceremos a substancial unidade do gênero
humano, primeiro a partir das suas principais
“declarações”, onde trabalharemos a liberdade e igualdade,
bem como o sentido da afirmação bobbiana: os seres
humanos não são, mas “devem” ser livres e iguais.
Depois, trabalharemos o fundamento desta
substancial unidade humana, onde serão apresentados
elementos etimológicos do termo Natureza, bem como
algumas abordagens que negam a existência de uma
“natura Hominis”; depois, como uma resposta a tais
abordagens, trabalharemos o conceito bobbiano de natureza
humana ideal. Num terceiro momento, trabalharemos a
“desigualdade” humana.
180
4.1. “Declarações” da Substancial Unidade
Humana.
A Carta das Nações Unidas, 1945,516 primeiro grande
documento histórico dos direitos humanos depois da
Segunda Guerra, reafirmou no seu Preâmbulo a fé nos
direitos fundamentais do Homem – de todos os homens – na
dignidade e no valor da Pessoa humana, na igualdade dos
direitos fundamentais dos homens e das mulheres e das
Nações grandes e pequenas.517
4.1.1. Declarações de Liberdade e Igualdade.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem,
1948, no seu primeiro artigo, afirmou que todos os seres
humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos:
liberdade e igualdade, ou se quisermos, igualdade nas
liberdades.
Ainda neste documento, a começar do seu título, a
universalidade do conceito mesmo de Homem é evidente:
trata-se de uma declaração “universal” que há como objeto
os direitos fundamentais de “todos” os homens; todos os
entes que compartilham a mesma natureza humana.518
A Carta das Nações Unidas foi assinada em 26 de Junho de 1945,
ao término da Conferência sobre a Organização Internacional das
Nações Unidas, e tornou-se lei em 24 de Outubro de 1945. O Estatuto
da Corte Internacional de Justiça é parte integrante desta Carta.
517
Cfr. N. BOBBIO, “Dalla priorità dei doveri alla priorità dei
diritti” (1988), republicado com o título “Il primato dei diritti sui
doveri”, in TeGePo, p. 437; cfr. ainda IDEM, “Libertà fondamentali e
formazioni sociali” (1975), republicado com o título “Il pluralismo
degli antichi e dei moderni”, in TeGePo, p. 278.
518
Cfr. IDEM, “Eguaglianza” (1977), in EgLi, p. 34.
516
181
Estas palavras não são novas, observou Bobbio.
Estiveram presentes na Declaração de Independência dos
Estados americanos, 4 de Julho de 1776, que afirmaram
como incontestáveis e evidentes por si mesmas as seguintes
verdades: todos os homens foram criados iguais; foram
dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis; entre
estes direitos estão, em primeiro lugar, a vida, a liberdade, e
a busca da felicidade519.
Estas verdades foram incluídas pela França
revolucionária na sua Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão, 26 de Agosto de 1789, nos seus artigos
primeiro e segundo, afirmou que os homens nascem e são
livres e iguais em direitos; as distinções sociais só podem
fundamentar-se na utilidade comum; a finalidade de toda
associação política é a conservação dos direitos naturais e
imprescritíveis do Homem: a liberdade, a prosperidade, a
segurança e a resistência à opressão520.
Na Declaração de Independência dos Estados
americanos, 1776, Bobbio notou certa diferença, em relação
às outras declarações: foi proclamada a igualdade como
condição fundamental; a liberdade, invés, foi enumerada
junto a outros direitos, tais como o direito à vida e à
felicidade.
Segundo Bobbio é evidente que os redatores da
Declaração Universal dos Direitos do Homem, 10 de
Dezembro de 1948, preferiram a incisiva simplicidade do
texto francês. Mas ambos os textos eram, com certeza,
presentes nas mentes deles521.
Cfr. IDEM, “Eguaglianza e dignità degli uomini” (1963), in TerAs,
p. 71.
520
Cfr. Ibidem.
521
Cfr. Ibidem, pp. 71-72.
519
182
As primeiras declarações, acima, eram novas
enquanto instrumentos jurídicos, mas não pelo seu
conteúdo: fundamentavam-se na doutrina dos direitos
naturais. O seu “progenitor” filosófico mais autorizado,
observou Bobbio, foi J. Locke que no seu O Segundo
tratado sobre o governo civil: tratado concernente a
verdadeira origem, a extensão e o fim do governo civil,
1689; introduzindo o discurso sobre o Estado de Natureza,
escreveu:
É um estado de igualdade, no qual todo poder e toda
jurisdição é recíproca, porque não existe nada de mais
evidente disto, que criaturas da mesma espécie e do mesmo
grau, nascidas, sem distinção, às mesmas vantagens da
natureza e ao uso das mesmas dificuldades, devem também
ser iguais entre elas, sem subordinação ou sujeição.522
Se os direitos proclamados na Declaração Universal
de 1948, não foram novos pelo seu conteúdo, porém, novo
foi o âmbito de validade das suas disposições, observou
Bobbio.
De fato, na boca de J. Locke e na boca dos jusnaturalistas a afirmação dos direitos naturais era pura e
simplesmente uma teoria filosófica, que não havia outro
valor senão aquele de uma exigência ideal, de uma
aspiração filosófica que poderia ter sido realizada somente
quando fosse acolhida por alguma Constituição estatal e
transformada numa série de prescrições jurídicas.
Com a Declaração Universal de 1948, cumpriu-se o
terceiro momento da “evolução” do âmbito dos direitos
fundamentais: os direitos naturais tendem a ser protegidos
não mais somente no âmbito do Estado, mas também contra
o próprio Estado; tendo uma proteção que se poderia dizer
Cfr. J. LOCKE, Essay concerning the true original, extent, and end
of civil government (1689), II, 4.
522
183
de segundo grau, a qual deveria entrar em ação quando o
Estado falhasse com os seus deveres constitucionais em
relação aos seus sujeitos523.
Depois desta Declaração a proteção dos direitos
naturais tende a haver, simultaneamente, eficácia jurídica e
valor universal. E o Indivíduo humano, de Sujeito de uma
Comunidade Estatal tende a se tornar Sujeito também da
Comunidade Internacional, potencialmente universal524.
4.1.2. Os Seres Humanos “Devem” ser Livres e
Iguais.
Segundo Bobbio, a igualdade aparece sempre mais
como um télos. Como télos e, simultaneamente, como
retorno à origem, ao status naturae dos jus-naturalistas.
Bem mais do que a liberdade, a igualdade substancial
– aquela dos igualitários – é o traço comum e que
caracteriza as cidades ideais dos utópicos.
Segundo Bobbio a igualdade substancial inspirou
tanto as visões milenaristas das seitas heréticas que lutaram
pelo advento do Reino de Deus, que será o reino da
fraternidade universal, quanto os ideais sociais das revoltas
campesinas525.
Do
pensamento
utópico
ao
pensamento
revolucionário o Igualitarismo percorreu uma longa estrada:
entanto a distância entre a aspiração e a realidade sempre
foi e continua a ser muito grande526.
Cfr. N. BOBBIO, “Eguaglianza e dignità degli uomini” (1963), in
TerAs, pp. 72-73.
524
Cfr. Ibidem, p. 73.
525
Cfr. IDEM, “Eguaglianza” (1977), in EgLi, pp. 40-41.
526
Cfr. Ibidem, p. 41.
523
184
Bobbio se perguntava: igualdade entre quem,
igualdade em quê, igualdade com qual critério?527
Segundo ele a quem lê distraído e superficialmente as
palavras da Declaração Universal de 1948 – todos os seres
humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos –
além de não serem novas, aparecem também óbvias. Se as
considerarmos ad litteram, a sua afirmação não é nem
mesmo verdadeira.
Não é verdade que os seres humanos nascem livres e
iguais: não nascem nem livres e menos ainda são iguais.
Mesmo se considerarmos somente os dotes naturais,
deixando de lado as condições sociais e históricas, ainda
assim os homens não nascem nem livres, nem iguais.
Segundo Bobbio, porém, aquela “expressão” de
liberdade e igualdade da Declaração Universal, 1948, não
deve ser tomada ad litteram, deve ser interpretada. Uma
vez interpretada, vê-se que não é tão óbvia assim528 quanto
parecia à primeira vista.
Podemos com Bobbio afirmar que a proposição
normativa a igualdade é um bem digno de ser perseguido
não deriva sub-repticiamente do juízo de fato: os homens
nasceram ou são, por natureza, iguais; mas do juízo de
valor: a desigualdade é um mal.
Bem entendido, segundo Bobbio trata-se daquela
desigualdade que é possível observar na História concreta
dos homens, que é História de Sociedade dividida em
classes antagônicas e, portanto, profundamente desiguais529.
Cfr. IDEM, “Introduzione alla nuova edizione 1999”, in DesSin, p.
43.
528
Cfr. IDEM, “Eguaglianza e dignità degli uomini” (1963), in TerAs,
p. 73.
529
Cfr. IDEM, “Eguaglianza” (1977), in EgLi, p. 34.
527
185
Que os seres humanos nascem livres e iguais,
bobbianamente falando, quer dizer que os seres humanos
“devem” ser tratados “como se fossem” livres e iguais. Esta
expressão não é descritiva de um fato, é prescritiva de um
dever.
Como é possível esta passagem de uma descrição a
uma prescrição? Bobbio mesmo nos responde: é possível se
tomarmos consciência que a afirmação os seres humanos
nascem livres e iguais quer dizer, na verdade, que os seres
humanos nascem livres e iguais pela sua natureza ideal530.
O princípio ético fundamental Os homens “devem”
ser tratados em modo igual deriva, segundo Bobbio, não da
pura e simples constatação que os homens são de fato,
enquanto compartilham a mesma natureza humana, iguais;
mas da avaliação positiva desta igualdade. Trata-se,
portanto, de um juízo de valor: a igualdade – a maior
possível – entre os homens é um valor desejável531.
Poder-se-ia dizer que a liberdade e a igualdade
declaradas nos documentos nacionais e internacionais, não
são um fato, mas um direito. Mais precisamente aquele
direito do Homem que deriva – antes mesmo de uma
Constituição positiva estatal – da constituição da sua
própria personalidade, ou seja, da sua natureza ideal. Por
esta via voltamos à doutrina dos direitos naturais532. São
sempre direitos derivantes da pertença à “comum”
humanidade533.
Cfr. IDEM, “Eguaglianza e dignità degli uomini” (1963), in TerAs,
p. 73.
531
Cfr. IDEM, “Eguaglianza” (1977), in EgLi, p. 33.
532
Cfr. IDEM, “Eguaglianza e dignità degli uomini” (1963), in TerAs,
p. 73.
533
Cfr. IDEM, “Progresso scientifico e progresso morale” (1995), in
TeGePo, p. 645. […] diritti derivanti dall’appartenenza alla comune
umanità, […].
530
186
4.2. O Fundamento da Substancial Unidade
Humana.
Todos os homens devem ser tratados como iguais na
liberdade exatamente porque todos os homens
compartilham uma mesma natureza, cuja característica
fundamental é a igualdade na liberdade: todos os homens
viventes formam uma substancial unidade natural, que nos
impõe de atribuir a cada indivíduo uma natureza ideal e de,
por causa dela, tratá-lo como Pessoa.
Segundo Bobbio, a idéia cristã dos homens irmãos,
filhos do único Deus, contribuiu ao ulterior enraizar-se da
“igualdade” no pensamento político do Ocidente.
Esta idéia da “fraternidade” universal dos homens foi
secularizada através da doutrina da comum natureza
humana, e chegou a constituir um dos três princípios da
Revolução francesa534.
4.2.1. Etimologia do Termo Natureza.
O termo latino natura liga-se ao verbo nasci, assim
como em grego o termo phýsis liga-se a phýein, que
significa “gerar”. Portanto, natura, neste sentido indica
aquilo que è congênito, ou gerado junto com..., possuído
desde o nascimento e em força do nascimento; em uma
palavra, aquilo que é dado535.
Cfr. IDEM, “La democrazia dei moderni paragonata a quella degli
antichi (e a quella dei posteri) ” (1987), in TeGePo, pp. 330-331.
535
Aqui me valho das reflexões de A. VENDEMIATI presentes nos
seus artigos Natura, in E. SGRECCIA, - A. TARANTINO (ed.),
Enciclopedia di bioetica e scienza giuridica, in publicação.
534
187
Assim a natureza de uma coisa qualquer – seja um
objeto ou uma Pessoa ou mesmo um fato – é a sua estrutura
íntima; é o seu plano de ordem interna. A natureza, neste
sentido, faz de um sujeito individual aquilo que ele
realmente é; constitui o seu princípio imanente de
comportamento ou de operação.
Sendo um conceito análogo, precisa ser
adequadamente esclarecido, para que o discurso sobre a
natureza não caia em uma inexorável equivocidade. Por
exemplo, é freqüente incorrer em equívocos quando falamos
de jus naturae ou de natura Hominis.
Deste modo, in-natural é aquilo que não é conforme a
natureza; antinatural é aquilo que contrasta a natureza;
sobrenatural é aquilo que supera os limites da natureza
enquanto criada; no âmbito teológico, preternatural é aquilo
que excede os limites da natureza criada, mas não entra no
âmbito do dinamismo da Graça divina.
Em suma, aquilo que é natural – dado ao Homem –
contrapõe-se àquilo que é artificial – feito pela arte ou
técnica humana.
Podemos ainda, com A. Vendemiati, distinguir
natura intensiva – ou natureza em sentido intensivo – aquilo
que constitui o específico ser-estruturado de alguma coisa e
o dinamismo que dele resulta; e distinguir natura extensiva
– ou natureza em sentido extensivo – o conjunto das coisas
que circundam o Homem como dadas-a-ele; não produzidas
pela sua atividade criativa: abraça o inteiro cosmos.
Em sentido intensivo podemos falar da diferente
natureza da pedra, e desta pedra; do animal, e deste animal;
da planta, e desta planta; bem como se pode falar da
natureza do Homem, e deste homem.
Em sentido extensivo podemos falar de ciências
naturais, de poluição da natureza, de salvar a natureza ou
188
de destruir a natureza; podemos também falar
simplesmente de Natureza como o conjunto ordenado de
todas as realidades dadas, como cosmos, nele incluído
também o Homem.
O Homem é parte desta realidade dada e se sua
natureza humana não vem claramente identificada como
intensiva, portanto como natureza sua, corre o risco de ser
“transformado” em um produto extrínseco à ação de outros
homens detentores da técnica de manipulação genética, por
exemplo.
Esse é o risco de o Homem ser rebaixado ao nível do
animal, ou o que seria pior, abaixo do animal, enquanto
puro objeto de experimentação; seria o perigo de
“coisificar” o Homem, num processo de sua radical
desumanização, como denunciou Bobbio.536
O Homem há a sua própria natureza graças à qual se
distingue de tudo aquilo que não é humano537.
4.2.2. Abordagens que Negam a Natura Hominis.
As
abordagens
marxista,
existencialista
e
estruturalista afirmam que não é possível falar de natura
Hominis. Afirmam que o conceito natureza pressupõe
“rigidez” e “determinismo”, enquanto a existência humana
seria caracterizada por mudança e liberdade no mudar.
Para K. Marx o Homem não têm uma natureza em
sentido próprio, ou seja, uma essentia Hominis estável: o
seu ser vai “enquadrado”, vez por vez, nas relações com os
outros homens e com o mundo externo que lhe fornece os
meios de subsistência. O Homem seria, portanto, um ser
Cfr. N. BOBBIO, “Libertà” (1978), in EgLi, p. 87.
Cfr. A. GÜNTHÖR, Chiamata e risposta, vol. I, Paoline, Cinisello
Balsamo 1987, p. 313.
536
537
189
privado de natureza que cria si mesmo; cria a própria forma
de existência específica, mediante a produção e o
trabalho538.
Para o Existencialismo de M. Heidegger, o Homem é
o ente que se põe a pergunta sobre o sentido do Ser539,
considerado no seu modo de ser é, portanto, Da-sein,540 seraqui; e o Da está a indicar o fato que o Homem está sempre
numa situação, jogado nesta situação, e em relação ativa em
relação a ela.
O Da-sein, ou seja, o Homem, não é somente aquele
ente que põe a pergunta sobre o sentido do Ser, mas é
também aquele ente que não se deixa reduzir à noção de
Ser, aceitada pela Filosofia ocidental que identifica o Ser
com a objetividade, ou seja, como diz Heidegger, com a
simples-presença541.
O modo de ser do Da-sein é a existência: a natureza,
a essência do Homem, enquanto Da-sein, consiste na sua
existência: a essência deste ente consiste no seu haver-deser. A essência – essentia – deste ente, por quanto em geral
se possa falar dela, deve ser entendida a partir do seu existir
– existentia542.
A essência da existência é dada pela possibilidade,
que não é uma “vazia” possibilidade lógica nem uma
simples contingência empírica. O ser do Homem é sempre
uma possibilidade a atuar, e de conseqüência o Homem
pode escolher-se, isto é, pode conquistar-se ou perder-se:
porque o Da-sein é essencialmente a sua possibilidade, este
Cfr. K. MARX, A Ideologia Alemã (1846), aqui citado a partir da
trad. br. de L. C. DE CASTRO E COSTA, Martins Fontes, S. Paulo
1998, pp. 19-20.
539
Cfr. M. HEIDEGGER, Sein und Zeit (1927), § 2 e § 6.
540
Cfr. Ibidem, § 4.
541
Cfr. Ibidem, § 4 e § 9.
542
Cfr. Ibidem, § 9.
538
190
ente pode, no seu ser, ou escolher-se, conquistar-se, ou
então perder-se e não se conquistar nem mesmo ou
conquistar-se somente aparentemente.543
J.-P. Sartre definiu o Existencialismo como a doutrina
segundo a qual a existência precede a essência, ou seja, que
no discurso antropológico precisa partir da subjetividade.544
Sartre observou ainda que quando pensamos “um”
Deus criador, Este é concebido, em substância, ao modo de
um artesão supremo. Deus, quando cria, sabe com precisão
que coisa cria.
Assim, o conceito de Homem, na mente de Deus,
seria como a idéia de um objeto na mente do seu fabricante,
e Deus cria o Homem servindo-se de uma técnica
determinada e inspirando-se a uma determinada concepção,
assim como o artesão produz um objeto. Em tal modo o
homem individual encarna certo conceito que é no intelecto
divino545.
O Existencialismo ateu, que J.-P. Sartre representa,
afirma que se Deus não existe, então existe ao menos um ser
no qual a existência precede a essência, um ser que existe
antes de poder ser definido por algum conceito: este “ser” é
o Homem. Isto significa segundo Sartre, que o Homem
existe antes de mais nada; encontra-se, surge no Mundo, e
se define depois.
O Homem, segundo a concepção existencialista, não é
definível porque no início não é nada. Será alguma coisa
somente em seguida, e será como se fará. Assim, não existe
Cfr. Ibidem.
Cfr. J.-P. SARTRE, L’existentialisme est un humanisme (1946),
aqui citado a partir da trad. it. G. MURSIA RE, L’esistenzialismo è un
umanesimo, Mursia, Milano 19906, p. 24-25.
545
Cfr. Ibidem, pp. 26-27.
543
544
191
uma natura Hominis, porque não existe um Deus que a
conceba.
O Homem é não só como “se concebe”, mas como
“se quer”, e precisamente como “se concebe” depois da
existência e como “se quer” depois deste lançamento em
direção ao existir.
Em uma palavra, o Homem não é outra coisa que
aquilo que se faz. O Homem é um projeto que vive si
mesmo subjetivamente; nada existe antes deste projeto; nada
existe no céu inteligível; o Homem será antes de tudo
aquilo que projetará de ser546.
O Estruturalismo, por sua vez, entende explicar o
Homem, mas explicando-o proclama sua morte; teriam sido
as ciências humanas a matá-lo. A ciência do Homem não é
possível sem cancelar a consciência do Homem.
Na abordagem estruturalista de M. Foucault, o
Homem não é que uma invenção recente, uma figura que
não há nem mesmo dois séculos, uma simples dobra no
nosso saber, e que desaparecerá assim que encontrará uma
nova forma547.
M. Foucault entende dizer que nosso “conceito” de
Homem, e que consideramos ser uma indicação da sua
natureza, na realidade é um produto cultural da
modernidade, que se acompanha a uma concepção
ideológica do seu valor: tudo isto é destinado a desaparecer
na era pós-humana, já iniciada.
Cfr. J.-P. SARTE, L’existentialisme est un humanisme (1946), aqui
citado a partir da trad. it. L’esistenzialismo è un umanesimo, a cura G.
MURSIA RE, Mursia, Milano 19906, pp. 27-29.
547
Cfr. M. FOUCAULT, Le parole e le cose (1966), Rizzoli, Milano
19983, p. 13.
546
192
4.2.3. O Conceito Bobbiano de Natureza Humana
Ideal.
Historicamente o ponto de partida das doutrinas
igualitárias foi predominantemente a consideração da
comum natura Hominis, acima conceituada, contestada e
negada.
Segundo Bobbio a natureza do Homem não é,
logicamente, suficiente a justificar o princípio fundamental
do igualitarismo:
Todos, ou quase todos, os homens “devem” ser
tratados em modo igual em todos, ou quase todos, os bens
desejáveis.
Mesmo admitindo que seja verdade que todos os
homens são – ao menos como genus enquanto compartilham
a mesma natureza – mais iguais que desiguais, não deriva
dessa “constatação” que todos os homens “devem” ser
tratados em modo igual548.
Segundo Bobbio, a afirmação que os seres humanos
nascem livres e iguais quer dizer, na verdade, que os seres
humanos nascem livres e iguais segundo a sua natureza
humana ideal, elevada como critério supremo para
distinguir aquilo que se deve fazer daquilo que não se deve
fazer549.
Em uma palavra, a humanidade, enquanto natureza
ideal do Homem dá-nos o critério de como o Homem
“deve” ser tratado e de como o Homem “deve” tratar os
outros homens e de como deve tratar a Natureza extensiva,
enquanto dada a ele.
Cfr. N. BOBBIO, “Eguaglianza” (1977), in EgLi, p. 33.
Cfr. IDEM, “Eguaglianza e dignità degli uomini” (1963), in TerAs,
p. 73.
548
549
193
Para Bobbio a constatação da igualdade natural dos
homens não só não é suficiente a fundamentar o
Igualitarismo necessário para proteger a vida de todos os
homens, mas não é nem mesmo necessária.
Segundo Bobbio pode-se considerar a máxima
igualdade como um bem digno de ser perseguido sem partir
da constatação de uma igualdade natural de fato ou
primitiva ou originária dos homens. O Marxismo foi um
típico exemplo de uma doutrina igualitária que abandonou
completamente os pressupostos naturalistas das formas
mais ingênuas de Socialismo550.
Segundo Bobbio, porém, para convencermo-nos da
substancial unidade do gênero humano, que o direito
primordial à vida compete a todos os homens, não existe a
necessidade de excogitarmos argumentos filosóficos; basta
olharmos o rosto de uma criança em qualquer parte do
Mundo e de qualquer raça.
Quando vemos uma criança, que é o ser humano mais
próximo à Natureza, não ainda modelado e corrompido
pelos costumes do Povo no qual é destinado a viver, não
percebemos nenhuma diferença, senão nos traços somáticos,
entre um pequeno chinês ou africano ou índio, e um
pequeno italiano. Quando vemos uma mãe da Somália que
chora seu filho morto ou reduzido a esqueleto, é uma mãe
igual às outras.
Perguntou Bobbio: aquele choro não se assemelha ao
choro de todas as mães do Mundo?551
Uma convicção deste gênero, afirmou Bobbio, nasce
de uma operação mental muito simples: os homens não são
considerados como indivíduos, mas como “genus”;
portanto, não pelas características que diferenciam um
550
551
Cfr. IDEM, “Eguaglianza” (1977), in EgLi, p. 34.
Cfr. IDEM, “Razzismo oggi” (1993), in EdM, pp. 134-135.
194
indivíduo do outro, mas por aquelas pelas quais todos os
homens pertencem a um único “gênero”; não importa se o
acento recai sobre as características axiologicamente
negativas – por exemplo, todos os homens são pecadores –
ou sobre aquelas positivas – por exemplo, o Homem é
naturalmente social552.
Bobbio, excluindo a necessidade de excogitar
argumentos filosóficos para afirmar a substancial unidade
humana, parece antecipar as palavras da Declaração
Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos,
1999.
Esta declaração afirmou, no seu primeiro artigo, a
existência de uma base “genética”, portanto não filosófica,
da unidade fundamental de todos os membros da família
humana bem como de sua inerente dignidade e diversidade.
Esta “unidade substancial” não anula as individuais
diversidades, necessárias para afirmação da Pessoa,
enquanto indivíduo-humano.
Segundo Bobbio, o impulso em direção a uma sempre
maior igualdade entre os homens é irresistível: o
Igualitarismo é uma das grandes molas do desenvolvimento
histórico. A igualdade entendida como igualar os diferentes
é um ideal permanente e perene dos homens que vivem em
Sociedade.
Perfeitamente antitética, segundo Bobbio, é a
operação mental que está à base das doutrinas liberais, que
tendem a pôr em evidência não aquilo que os homens têm
em comum, enquanto humanos, mas aquilo que têm de
diferente, enquanto indivíduos.
Não precisamos acrescentar que ambas as operações
mentais – igualitária e liberal – são guiadas por escolhas de
Cfr. IDEM, “Eguaglianza ed egualitarismo” (1976), in TeGePo, pp.
255-256.
552
195
valor. Factualmente é verdadeiro tanto que todos os homens
são iguais, característica do genus; quanto que todos os
homens são diferentes, característica do indivíduo. “O”
partir de certos fatos ao invés de outros, dos dados comuns
ao invés dos dados individuais, é a conseqüência de uma
opção ética553.
Bobbio interpretou como uma etapa do progresso
civil cada superação de qualquer discriminação entre os
homens de qualquer raça, cultura e gênero.
4.2.4. A “Desigualdade” Humana.
Querendo fazer o exemplo mais óbvio, Bobbio disse
que os homens são iguais diante da morte porque todos são
mortais; mas são desiguais diante do modo de morrer,
porque cada um morre em modo diferente dos outros. Todos
os homens são falantes, mas existem diferentes línguas e
diferentes modos de falar. Milhões de pessoas têm uma
relação com um Além desconhecido, mas cada uma adora, a
seu modo, o próprio Deus ou os próprios deuses554.
Para os teóricos do Socialismo, os homens foram
feitos até agora desiguais, mas devem se tornar iguais.
Segundo Bobbio, as doutrinas não-igualitárias, à maneira
daquelas igualitárias, não pressupõem a consideração da
fundamental e invencível desigualdade humana, mas sim a
valorização positiva desta ou daquela forma de
desigualdade, seja ela entre indivíduos dotados pela
Natureza de força física ou inteligência ou habilidade
superiores aos outros; seja ela entre raças ou estirpes ou
nações.
553
554
Cfr. Ibidem, p. 256.
Cfr. IDEM, “Destra e sinistra” (1994), in DesSin, pp. 127-128.
196
Em outras palavras, pressupõem um juízo de valor
oposto àquele das doutrinas igualitárias, ou seja, o juízo que
esta ou aquela forma de desigualdade ajuda ou até mesmo é
necessária à melhor ordem da Sociedade ou ao progresso
civil. Portanto, a ordem social deve respeitar não abolir as
desigualdades entre os homens, ou ao menos aquelas
desigualdades que vêm consideradas social e politicamente
úteis ao progresso civil555.
Segundo Bobbio, a categoria do “diferente” não tem
nenhuma autonomia analítica em relação ao tema da
justiça: não só as mulheres são diferentes dos homens, mas
cada mulher e cada homem é diferente um do outro. A
diversidade torna-se relevante somente quando está à base
de uma discriminação injusta. Que a discriminação seja
injusta, não depende do fato da diferença em si, mas do
reconhecimento da não-existência de boas razões para um
tratamento desigual556.
Muitas são as formas de universalismo dos valores,
pelo qual não obstante as naturais diferenças de raça, as
históricas diferenças de tradições e de gerações – a diferença
de geração se soma a todas as outras e não é de modo
nenhum ignorável – existe uma comum humanidade que
supera todas as diferenças de tempo e de lugar557.
Cfr. IDEM, “Eguaglianza” (1977), in EgLi, pp. 34-35.
Cfr. IDEM, “Destra e sinistra” (1994), in DesSin, pp. 112-113.
557
Cfr. IDEM, “Razzismo oggi” (1993), in EdM, p. 133.
555
556
197
5. O Fundamento dos Direitos à Vida e a
Viver.
Conhecemos a substancial unidade do gênero
humano, a partir das “declarações” da substancial unidade
humana, do fundamento da substancial unidade humana.
Podemos dizer que ficou claro “o quê” Bobbio entendia
dizer quando afirmou de considerar o princípio ético Não
matar válido em sentido absoluto, como um imperativo
categórico.
Num esforço de síntese, podemos afirmar que Bobbio
entendeu dizer que “categórico” é o valor da vida que o
imperativo Não matar entende proteger; impõe um dever
perfeito em vista de proteger o valor primordial da vida
humana, comum a todos os homens; não tem outros
argumentos para impor-se senão a sua própria força, porque
o “dever” vai cumprido por princípio, independentemente
das suas razões; sem alguma consideração das
circunstâncias em que vem, de vez em vez, aplicado; porém
não prescreve outra conduta que aquela assumida por livre
decisão no respeito do dever moral558.
Agora podemos completar o discurso desenvolvido
até aqui passando a tratar o problema do fundamento dos
direitos à vida e a viver, o que faremos trabalhando o
‘sentido’ do problema do fundamento absoluto, como um
problema mau posto e uma “ilusão”.
Depois, num segundo momento, trabalharemos a
‘impossibilidade’ de um fundamento absoluto, onde
558
Cfr. IDEM, “L’opera di Gioele Solari” (1952), in ItCiv, p. 177.
198
conheceremos a visão bobbiana da classe dos direitos
fundamentais como vaga e não-definível, variável,
heterogênea e antinômica. Num terceiro momento
trabalharemos a ‘in-desejabilidade’ de um fundamento
absoluto para os direitos à vida e a viver, onde
conheceremos a demonstrabilidade e atuabilidade dos
valores, bem como a atuação dos direitos à vida e a viver.
Depois, num quarto momento, trabalharemos o
consensus omnium gentium, como possível solução do
problema do fundamento, onde apresentaremos os modos de
fundamentar os valores, e o consensus como histórico
fundamento de valores.
Por fim, num quinto momento, faremos algumas
observações conclusivas, onde apresentaremos uma
distinção entre fundamento e justificação, entre “Direito”
humano e “direitos” humanos; e concluiremos com os
conflitos entre “direitos” humanos.
5.1. O “Sentido”
Fundamento.
do
Problema
do
5.1.1. Um Problema Mau Posto.
Segundo Bobbio, o problema do fundamento ou até
mesmo do fundamento absoluto, irresistível, irrefutável dos
direitos do Homem – do qual os filósofos são chamados a
dar a sua sentença – é um problema mau posto559.
Sobre o tema do fundamento dos ‘direitos’, com referências
freqüentes à posição bobbiana, cfr. o volume que recolhe o debate
acontecido a Madrid, em 19 e 20 de Abril de 1988 e publicado com o
título El fundamento de los derechos humanos, a cura de G. PECESBARBA MARTÍNEZ, Editorial Debate, Madrid 1989. Cfr. ainda G.
PECES-BARBA MARTÍNEZ, “Sobre el fundamento de los derechos
humanos, Un problema de moral y derecho”, in G. PECES-BARBA
559
199
Por exemplo, a liberdade religiosa é efeito das
guerras de Religião; as liberdades civis são efeitos das lutas
dos Parlamentos contra os Soberanos absolutos; as
liberdades políticas e sociais são efeitos do nascimento,
crescimento e maturação do movimento dos trabalhadores
assalariados, dos agricultores com pouca terra ou semterra; dos pobres que pedem aos públicos poderes não só o
reconhecimento da liberdade pessoal e das liberdades
negativas, mas também a proteção do trabalho contra a
desocupação, e os primeiros rudimentos de instrução contra
o analfabetismo e, paulatinamente, a assistência para a
invalidez e a velhice; necessidades às quais os proprietários
ricos podiam prover por si sós560.
Assim, para Bobbio, o problema do fundamento de
um direito se apresenta diferentemente segundo que se trate
de buscar o “fundamento” de um direito que se tem ou de
um direito que se deseja ter, em sentido positivo.
No primeiro caso, buscaremos no Ordenamento
jurídico positivo do qual fazemos parte como titulares de
direitos e deveres se existe uma norma positiva válida que o
reconheça.
No segundo caso, buscaremos boas razões para
sustentar sua legitimidade e para convencer o maior número
de pessoas possível e, sobretudo aquelas que detêm o Poder
MARTÍNEZ (a cura de), El fundamento de los derechos humanos,
Editorial Debate, Madrid 1989, pp. 265-277.
560
Cfr. N. BOBBIO, “Introduzione” (1997), in EdD, p. XIII. Para a
história dos direitos do Homem a partir do ponto de vista do seu
reconhecimento, que segundo Bobbio é o único ponto de vista
pertinente, ele nos remete ao estudo de G. PUGLIESE, “Appunti per
una storia della protezione dei diritti dell’uomo”, in Rivista
trimestrale di diritto e procedura civile XLIII, 3 (1989) 619-659.
200
direto ou indireto de emanar normas válidas naquele
Ordenamento, a reconhecê-lo561.
Infelizmente, observou Bobbio, as boas razões
bastam para fundamentar racionalmente um direito, mas
não bastam para obter, com certa segurança, a sua garantia e
proteção. Segundo ele o tema do fundamento racional dos
princípios morais – não excluído o princípio Não matar! –
que empenha justamente os filósofos, é tanto teoricamente
apaixonante quanto praticamente irrelevante.
Não existe princípio ético, mesmo o mais primordial
de todos – Não matar! – que seja respeitado somente porque
tenha sido bem fundamentado racionalmente.
O debate sobre o fundamento dos princípios éticos,
segundo Bobbio, é um típico debate teórico, um admirável
jogo intelectual que tem pouca ou nenhuma incidência sobre
o comportamento real dos homens, que seguem mais a
paixão que a Razão, mais o interesse imediato que o dever
moral562.
Bobbio observou que o fundamento racional de um
princípio ético pode valer para aqueles pouquíssimos
homens que se deixam guiar pela Razão e, portanto,
persuadir-se pelos argumentos racionais usados pelos
filósofos.
Quem viola um princípio ético racionalmente
fundamentado há a convicção racionalmente plausível que
todos os outros homens o observarão e, portanto, o seu ato
não acarretará nenhum prejuízo nem a ele e nem à
Sociedade civil.
Cfr. IDEM, “Sul fondamento dei diritti dell’uomo” (1964), in EdD,
p. 5.
562
Cfr. IDEM, “La pace attraverso il diritto” (1983), republicado com
o título “Pace e Diritto”, in TeGePo, p. 529.
561
201
Por exemplo, quem viola o imperativo ético Não
matar pensa: se “mato” com o pressuposto que todos os
outros não matem, posso tranquilamente continuar a matar.
Outro exemplo é o caso de quem viola o princípio
ético pacta sunt servanda, pensando: se eu não mantenho as
promessas numa Sociedade civil onde todos os outros
homens as mantêm, com vantagens para mim e com pouco
prejuízo para a Sociedade, posso continuar a não mantêlas563.
5.1.2. A “Ilusão” do Fundamento Absoluto.
Bobbio observou que, apesar de os direitos à vida e a
viver, bem como todos os demais direitos humanos
fundamentais, serem universalmente reconhecidos como
“bens” desejáveis, isto é, fins merecedores de serem
perseguidos; não obstante esta sua desejabilidade, ainda não
foram todos e nem em toda parte, nem em igual medida,
reconhecidos; e muito menos protegidos.
Segundo Bobbio, somos impulsionados pela
“convicção” que encontrar um fundamento a esses direitos
humanos, isto é, apresentar motivos para justificar a escolha
que fizemos e que gostaríamos fosse feita também pelos
outros homens, seja um meio adequado a obter um
reconhecimento mais amplo de tais direitos564.
Observou Bobbio que do “escopo” que a pesquisa do
fundamento dos direitos humanos fundamentais à vida e a
viver, bem como dos demais direitos fundamentais, propõese nasce a ilusão do fundamento absoluto. Isto é, a ilusão
que, acumulando e elaborando razões e argumentos
Cfr. Ibidem, pp. 529-530.
Cfr. IDEM, “Sul fondamento dei diritti dell’uomo” (1964), in EdD,
p. 6.
563
564
202
filosóficos, encontrar-se-á “a” razão e “o” argumento
irresistível ao qual ninguém poderá negar-se de dar a própria
adesão.
Segundo Bobbio, o fundamento absoluto dos direitos
seria o fundamento irresistível no mundo das nossas idéias,
do mesmo modo que o poder absoluto “é” o poder
irresistível no mundo das nossas ações.
Diante de tal fundamento irresistível se curvaria
necessariamente todas as mentes, assim como diante de um
poder irresistível se curvam, necessariamente, todas as
vontades livres.
O fundamento último de um direito humano
fundamental não seria ulteriormente discutível, assim como
o poder último também não seria discutível. Quem resistisse
ao fundamento absoluto se colocaria fora da Comunidade
das pessoas racionais, assim como quem se rebelasse ao
poder último se colocaria fora da Comunidade das pessoas
justas ou boas565.
Esta “ilusão”, por séculos, foi comum a jusnaturalistas que acreditaram de haver protegido certos
direitos contra toda possível refutação derivando-os
“diretamente” da natura Hominis. Mas, segundo Bobbio,
como fundamento absoluto de direitos irresistíveis, a
natureza do Homem demonstrou-se muito frágil.
Bobbio observou ainda que muitos direitos, mesmo os
mais diferentes entre eles, mesmo os “menos” fundamentais
– fundamentais somente segundo a opinião de quem os
sustentava – foram fundados na generosa e complacente
natura Hominis.566
565
566
Cfr. Ibidem.
Cfr. Ibidem, pp. 6-7.
203
5.2. ‘Impossibilidade’ de um Fundamento
Absoluto.
Segundo Bobbio a “ilusão” de encontrar um
fundamento absoluto aos direitos humanos à vida e a viver,
bem como a todos os demais direitos fundamentais, não é
mais possível; toda pesquisa do fundamento absoluto é, por
sua vez, infundada567.
Contra esta “ilusão” Bobbio levantou quatro
dificuldades, afirmando que direitos humanos fundamentais
são expressões muito “vagas” formando uma classe nãodefinível, variável, heterogênea e também antinômica.
5.2.1. Uma Classe Vaga e Não-definível.
Segundo Bobbio, a primeira dificuldade em atribuir
um fundamento absoluto aos direitos humanos fundamentais
à vida e a viver, bem como a todos os demais direitos
fundamentais, deriva da constatação que os direitos
“humanos”, enquanto categoria filosófica é uma expressão
vaga e não-definível. Quando se acrescenta alguma
referência ao conteúdo desses direitos, não se pode deixar
de introduzir termos de valor, por exemplo:
Direitos humanos fundamentais são aqueles cujo
reconhecimento é condição necessária para o
aperfeiçoamento da Pessoa humana.
Ou então:
Direitos humanos fundamentais são aqueles cujo
reconhecimento é “conditio sine qua non” para o
desenvolvimento da Civilização humana568.
567
568
Cfr. Ibidem, p. 7.
Cfr. Ibidem, p. 8.
204
Daqui surge uma nova dificuldade: os termos de
valor são interpretáveis em diferentes modos segundo a
“ideologia” assumida pelo intérprete. De fato, em quê
consista o aperfeiçoamento da Pessoa humana ou o
desenvolvimento da Civilização é objeto de muitos e
apaixonantes, mas segundo Bobbio, insolúveis contrastes e
discussões.
Um “acordo” entre os intérpretes de valores
fundamentais, como o é a vida humana, encontrar-se-ia
somente quando, depois de muitas e recíprocas concessões,
consentissem em aceitar uma fórmula genérica, que
esconderia, mas não resolveria o contraste. Esta fórmula
genérica para definir os valores deixa tal definição
igualmente vaga, como as duas definições de direitos
humanos fundamentais acima.
Assim, os contrastes renasceriam quando se passasse
do momento da enunciação puramente verbal dos direitos
humanos fundamentais à vida e a viver ao momento da sua
aplicação569: é o problema já visto acima, do conflito entre a
linguagem dos direitos humanos fundamentais e a sua
práxis, sua proteção e promoção.
O fundamento desses direitos humanos, dos quais se
sabe somente que são condições para a atuação de um
valor último, segundo Bobbio, é o apelo a esse valor último
mesmo: a vida humana.
Bobbio observou que os valores últimos não se
justificam, assumem-se: aquilo que é último, exatamente
porque é último, não há necessidade de nenhum
fundamento: basta a si mesmo; há em si a “absolutez” do
seu valor.
Os valores últimos são antinômicos, não se podem
realizar todos globalmente e contemporaneamente. Para
569
Cfr. Ibidem.
205
atuá-los ocorrem certas concessões da parte dos titulares de
tais valores: nesta obra de conciliação, que requer
recíprocas renúncias, entram em jogo as preferências
pessoais, as escolhas políticas e as orientações ideológicas.
Como pode ser possível pôr o problema do
fundamento – absoluto ou não – de direitos humanos
fundamentais dos quais, segundo Bobbio, não é possível
dar uma noção precisa?570
5.2.2. Uma Classe Variável.
Segundo Bobbio, os direitos humanos fundamentais
constituem uma classe variável, como a História dos
últimos séculos deixou suficientemente claro. O elenco dos
direitos humanos fundamentais modificou-se e modifica-se
com o mudar das condições históricas, isto é, das
necessidades e dos interesses, das classes no poder, dos
meios disponíveis para a sua atuação, das transformações
técnicas, etc.
Direitos que foram declarados absolutos no final do
século XVIII – por exemplo, como a propriedade sacre et
inviolable – foram submetidos a radicais limitações nas
declarações contemporâneas. Direitos que aquelas
declarações nem sequer mencionavam – como os direitos
sociais – foram proclamados com grande ostentação em
todas as declarações recentes571.
Bobbio não via como se pudesse dar um fundamento
absoluto a direitos históricos, portanto, relativos. Segundo
ele não se precisa ter medo do relativismo. A constatada
pluralidade das concepções religiosas e morais, por
exemplo, é um fato histórico também sujeito às mudanças.
570
571
Cfr. Ibidem, pp. 8-9.
Cfr. Ibidem, p. 9.
206
O relativismo que deriva desta pluralidade também é
relativo. E exatamente este pluralismo é o argumento mais
forte a favor de alguns dos direitos mais celebrados, como a
liberdade de Religião e a liberdade de pensamento572.
Se não fôssemos convencidos da irredutível
pluralidade das concepções últimas, e se fôssemos
convencidos, ao contrário, que princípios religiosos, éticos e
políticos são demonstráveis como teoremas – ainda uma vez
essa fora a ilusão de jus-naturalistas; como por exemplo,
Th. Hobbes que considerava as leis naturais teoremas – os
direitos à liberdade religiosa ou à liberdade de pensamento
político perderiam a sua razão de ser.
Esses direitos adquiririam um outro significado, não
seriam os direitos de haver a própria religião pessoal ou de
exprimir o próprio pensamento político, mas sim o direito
de não serem impedidos com a força de buscar a “única”
verdade religiosa e o “único” bem político573.
5.2.3. Uma Classe Heterogênea.
Para Bobbio, além de não-definíveis e variáveis os
direitos humanos fundamentais são também heterogêneos.
Entre os direitos compreendidos numa mesma
Declaração existem “pretensões” muito diferentes entre elas
e até mesmo incompatíveis entre si. Portanto, as boas
“razões” que valem para sustentar umas “pretensões” não
valem para sustentar outras.
Neste caso, não se deve falar de “Fundamento”, mas
de “fundamentos” dos direitos humanos, de diferentes
572
573
Cfr. Ibidem, p. 10.
Cfr. Ibidem.
207
“fundamentos” segundo o direito humano cujas boas razões
se desejam defender574.
Entre os direitos humanos fundamentais existem
direitos com status muito diferentes: alguns direitos valem
sempre, em toda situação e para todos os homens
indistintamente.
Estes são aqueles direitos que pedimos não sejam
limitados nem pelo verificar-se de casos excepcionais, nem
com referência a esta ou àquela categoria, mesmo restrita,
de pertencentes ao gênero humano.
Por exemplo, os direitos humanos fundamentais à
vida e às condições de vida, que exclui absolutamente a
escravidão e a tortura575. De fato, os direitos à vida e a
viver são direitos privilegiados, não estão em concorrência
com outros direitos humanos.
Segundo Bobbio são poucos os direitos humanos
considerados “fundamentais” que não concorrem com
outros direitos considerados “igualmente” fundamentais, e
que não impõe, portanto, em certas circunstâncias e em
referência a particulares categorias de sujeitos, uma escolha
axiológica576.
Na maior parte dos casos a escolha entre um ou outro
direito igualmente humano “e” igualmente fundamental é
incerta e exige de ser motivada. Isto depende do fato que
tanto o direito que se afirma quanto aquele que se nega têm
as suas boas razões humanas.
A dificuldade da “escolha” entre esses dois direitos se
resolve, segundo Bobbio, com a introdução de “limites” à
Cfr. Ibidem, p. 11.
Cfr. Ibidem.
576
Cfr. Ibidem, pp. 11-12.
574
575
208
extensão de um dos dois direitos, em modo que seja em
parte salvaguardado também o outro direito577.
Direitos havendo eficácia tão diferente não pode
haver, concluiu Bobbio, o mesmo fundamento absoluto. Os
direitos humanos fundamentais, sim, mas sujeitos a restrição
ou limites, não pode haver um fundamento absoluto, que
não permitiria de dar uma válida justificação a tais
limites578.
Deste contraste entre o direito humano fundamental
de um sujeito e o direito igualmente humano e fundamental
de outro sujeito, precisamos distinguir um caso que põe
ainda em maior “crise” a pesquisa do fundamento absoluto:
trata-se do caso em que se detecta uma antinomia entre os
direitos humanos fundamentais “invocados” pelo “mesmo”
sujeito.
5.2.4. Uma Classe Antinômica.
Todas as declarações recentes dos direitos humanos
compreendem, além dos tradicionais direitos individuais de
“liberdade”, também os direitos chamados “sociais” que
consistem em poderes.
Ora, a antinomia consiste exatamente no seguinte: as
liberdades requerem da parte dos outros, tais como os
órgãos públicos, obrigações puramente negativas de absterse de determinados comportamentos. Por exemplo, o direito
à vida enquanto “liberdade” de viver, requer da parte dos
outros, incluídos os órgãos públicos do Estado, a obrigação
de absterem-se de matar.
Já os poderes podem ser realizados somente se
impostos a outros, tais como aos órgãos públicos, certo
577
578
Cfr. Ibidem, p. 12.
Cfr. Ibidem.
209
número de obrigações positivas. Por exemplo, o direito à
viver enquanto “poder” de viver, impõe a necessidade de
receber dos “outros”, inclusive dos órgãos públicos do
Estado, o necessário para viver579.
“Liberdade” e “poder”, assim compreendidos, são
antinômicos no sentido que o seu desenvolvimento não pode
acontecer paralelamente: a atuação integral da liberdade
impede a atuação integral do poder, observou Bobbio.
Quanto mais aumenta o “poder” do Indivíduo, tanto
mais diminui do mesmo Indivíduo, a sua “liberdade”. Tratase de duas situações jurídicas tão diferentes que os
argumentos que valem para sustentar a primeira não podem
valer para sustentar a segunda.
Dois direitos humanos fundamentais – poder e
liberdade – mas antinômicos não pode haver um
fundamento absoluto, isto é, um fundamento que torne
ambos “igualmente” irrefutáveis e irresistíveis: absolutos.
Segundo Bobbio o fundamento absoluto não é
somente uma ilusão, às vezes é também um pretexto para
defender posições conservadoras580.
5.3. ‘Indesejabilidade’ de um Fundamento
Absoluto.
Existe outro aspecto da questão do fundamento dos
direitos humanos à vida e a viver que devemos considerar:
saber se a pesquisa do seu fundamento absoluto, se fosse
coroada de sucesso, obteria o resultado esperado de
conseguir, mais rapidamente e mais eficazmente, o seu
reconhecimento e a sua atuação581.
Cfr. Ibidem, pp. 12-13.
Cfr. Ibidem, pp. 13-14.
581
Cfr. Ibidem, p. 14.
579
580
210
5.3.1. Demonstrabilidade e ‘Atuabilidade’ dos
Valores.
Bobbio pôs em discussão o segundo dogma do
Racionalismo ético que é a segunda “ilusão” do Jusnaturalismo, a saber: Não só se podem demonstrar como
teoremas os valores últimos, mas basta havê-los
demonstrado – tornados irrefutáveis e irresistíveis – para
assegurar sua atuação.
Junto a esse dogma da demonstrabilidade dos valores
últimos, o Racionalismo ético, na sua forma mais radical e
antiga, sustentou também que a demonstrada racionalidade
de um valor é condição, não só necessária, mas “suficiente”
para a sua atuação. Bobbio observou que o primeiro
dogma, assegura a potência da razão; o segundo assegura o
seu primado582.
Este segundo dogma do Racionalismo ético e do Jusnaturalismo – que é a expressão histórica mais conspícua
do Racionalismo ético – é desmentido pela experiência
histórica, afirmou Bobbio.
Não se pode dizer que os direitos humanos
fundamentais à vida e a viver tenham sido mais respeitados
quando os doutos eram concordes em considerar de haver
encontrado um argumento irrefutável para defendê-los, isto
é, um fundamento absoluto: a sua derivação da essentia ou
natura Hominis: a Humanitas583.
Não-obstante a crise dos fundamentos, observou
Bobbio, em 1948, pela primeira vez a maior parte dos
governos existentes proclamaram, de comum acordo, uma
582
583
Cfr. Ibidem.
Cfr. Ibidem, pp. 14-15.
211
Declaração dos direitos humanos fundamentais, com
pretensões de universalidade.
Conseqüentemente, observou Bobbio, depois desta
Declaração Universal o problema do fundamento perdeu
grande parte do seu interesse. Se a maior parte dos
governos existentes concordou numa declaração comum, é
sinal que encontrou boas razões para fazê-lo.
Portanto, agora não se trata tanto de buscar outras
boas razões, ou até mesmo – como queriam os jusnaturalistas – a razão das razões, mas de pôr as condições
para uma atuação mais ampla e escrupulosa dos direitos ali
proclamados584.
584
Cfr. Ibidem, p. 15.
212
5.3.2. Atuação dos Direitos à Vida e a Viver.
Segundo Bobbio, para dar a própria contribuição à
criação das condições necessárias para a atuação dos
direitos humanos fundamentais à vida e a viver, precisamos
ser convencidos que a atuação destes direitos é um fim
desejável.
Não basta, porém, esta convicção para que se
realizem aquelas condições. Muitas destas não dependem da
boa vontade nem mesmo dos governantes e tanto menos das
razões adotadas para demonstrar a bondade absoluta dos
direitos humanos fundamentais à vida e a viver.
O mais forte argumento apresentado pelos
reacionários de todos os países contra os direitos humanos
fundamentais, em especial contra os direitos sociais, não é a
sua falta de fundamento, mas a sua não-atuabilidade;585 em
outras palavras, sua in-conveniente atuação.
Segundo Bobbio, quando se trata de “enunciar” os
direitos humanos fundamentais à vida e a viver, o acordo
prático entre os Povos e dentro das Nações, é obtido com
relativa facilidade; independentes da maior ou menor
convicção em relação ao seu fundamento.
Quando se trata, porém, de passar da enunciação à
ação, da proclamação à atuação; mesmo se o fundamento de
tais direitos fosse indiscutivelmente absoluto, começam as
reservas e as oposições.
O problema de fundo, segundo Bobbio, relativo aos
direitos humanos fundamentais não é tanto aquele de
justificá-los quanto de protegê-los; é um problema político,
não filosófico586.
585
586
Cfr. Ibidem, pp. 15-16.
Cfr. Ibidem, p. 16.
213
Que exista uma crise dos fundamentos dos valores é
inegável, afirmou Bobbio. Precisa-se tomar consciência
dela, mas não devemos tentar superá-la buscando outro
fundamento absoluto para substituir aquele perdido: a
natura Hominis.
Para Bobbio a nossa tarefa, no que concerne aos
direitos humanos fundamentais, é muito mais modesta, mas
também muito mais difícil. Não se trata de encontrar o
fundamento absoluto dos direitos à vida e a viver, empresa
sublime, mas sem esperança.
Tal “empresa” não terá nenhuma importância
histórica se não acompanhada do estudo das condições, dos
meios e das situações em que estes direitos humanos
fundamentais possam ser realizados: protegidos e
promovidos587.
Segundo Bobbio, o problema do fundamento dos
direitos humanos fundamentais à vida e a viver, como dos
demais direitos fundamentais, não é filosófico, mas jurídico;
num sentido mais amplo, político.
Não se trata de saber quais e quantos sãos os direitos
fundamentais, qual seja a sua natureza e o seu fundamento,
se sejam direitos naturais ou históricos, absolutos ou
relativos; trata-se de saber qual seja o modo mais seguro
para garanti-los, para impedir que, não-obstante as
declarações solenes, sejam continuamente violados588.
Quando Bobbio afirmou que o problema sempre mais
urgente diante do qual nos encontramos não é o problema
do fundamento dos direitos, mas aquele das garantias, não
Cfr. Ibidem.
Cfr. F. CAPOTORTI, “Le Nazioni Unite per il progresso dei diritti
dell’uomo, Risultati e prospettive”, in La Comunità internazionale,
XXII (1967), pp. 11-35. Cfr. também N. BOBBIO, “Presente e
avvenire dei diritti dell’uomo”, in ED, pp. 17-18.
587
588
214
quer dizer que considera tal problema inexistente, mas já
resolvido na Declaração Universal de 1948:589 o consensus
omnium gentium entorno dos valores ali declarados daria a
fundamentação necessária e suficiente para proteger e
promover todos os direitos humanos fundamentais.
5.4. O Consensus Omnium Gentium.
5.4.1. Modos de Fundamentar os Valores.
Segundo Bobbio existem três modos de fundamentar
os valores. Primeiro, deduzi-los de um dado objeto
constante, por exemplo, a natura Hominis. Segundo,
considerá-los como verdades por si evidentes. Terceiro,
descobrir que os valores receberam num dado período
histórico, o consensus; portanto, a prova do consensus
omnium gentium.590
O primeiro modo de fundamentar os valores, segundo
Bobbio, oferecer-nos-ia a maior garantia da sua validade
universal, se verdadeiramente existisse a natura Hominis e,
admitido que exista como dado constante e imodificável,
fosse possível conhecê-la na sua essência.
Observou Bobbio que a julgar da história do Jusnaturalismo, a natura Hominis foi interpretada nos modos
mais diferentes e o apelo a ela serviu para justificar
sistemas de valores até mesmo opostos entre si.
Bobbio perguntou-se qual o direito fundamental do
Homem segundo a sua Natureza? Seria o direito do mais
Cfr. N. BOBBIO, “Presente
dell’uomo” (1968), in EdD, p. 18.
590
Cfr. Ibidem, p. 19.
589
215
e
avvenire
dei
diritti
forte como o queria B. Spinoza; ou então, o direito à
liberdade como o queria I. Kant?591
O segundo modo de fundar os valores – o apelo à
evidência – segundo Bobbio tem o defeito de pôr-se “além”
de qualquer prova e de rejeitar toda possível argumentação
de caráter racional: apenas submetemos valores
proclamados evidentes à verificação histórica, percebemos
que aquilo que foi considerado evidente por alguns, num
dado momento da História, não é considerado evidente por
“outros”, em “outro” momento.
Por exemplo, a propriedade sacra e inviolável, na
Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, 26 de
Agosto de 1789592; a tortura dos prisioneiros, “justificada”
pelo princípio vim vi repellere licet.593
O terceiro modo de justificar os valores é aquele de
mostrar que se apóiam no consensus omnium gentium; onde
um valor seria tanto mais fundado quanto mais tivesse
recebido o consentimento de todos, concluiu Bobbio.
Com o argumento do consensus, Bobbio substituiu a
fundamentação dos valores considerada impossível ou
extremamente incerta da “objetividade”, por aquela da
inter-subjetividade.
Trata-se certamente de um fundamento histórico e,
como tal, não-absoluto; mas é o único fundamento que pode
ser factualmente provado.
Assim, concluiu Bobbio, a Declaração Universal de
1948, pode ser acolhida como a maior prova histórica que
jamais se deu do consensus omnium gentium acerca de um
determinado sistema de valores594.
Cfr. Ibidem.
Cfr. Ibidem.
593
Cfr. Ibidem, pp. 19-20.
594
Cfr. Ibidem, p. 20.
591
592
216
Os valores dos quais foram portadoras as Religiões e
as Igrejas – mesmo a Religião Cristã, a mais universal das
religiões – envolveram, de fato, historicamente só uma
“parte” da Humanidade.
Somente depois da Declaração Universal de 1948,
podemos ter a certeza histórica que a Humanidade “toda”
compartilha alguns valores comuns e podemos, finalmente,
crer na universalidade dos valores, no sentido que tal crença
é historicamente legitimada; no sentido no qual “universal”
não significa dado objetivamente, mas subjetivamente
acolhido por todos os homens.595
5.4.2. O Consensus Como Fundamento de Valores.
Considerando o valor da democracia, por exemplo,
apesar de o consensus ser a sua base, que em abstrato
deveria ser uma livre vontade que se determina em base a
certas propostas, nem sempre é assim: pensemos à
possibilidade de manipulação do consensus através de
programas mentirosos; pensemos à influência que a
televisão tem sobre a maior parte das pessoas; à facilidade
com que a televisão permite de obter consensus com
informações superficiais.
Bobbio notou que a democracia moderna permanece
fundada sobre o consensus, mas não é um consenso fundado
sobre a livre convicção que os cidadãos formam, escutando
e discutindo com os outros. O consensus moderno é
manipulado e manipulável, sobre isto não existem
dúvidas596.
Cfr. Ibidem, p. 21.
Cfr. IDEM, - M. VIROLI, Dialogo intorno alla repubblica, Laterza,
Roma-Bari 2001, pp. 93-94.
595
596
217
Considerando o valor da liberdade, Bobbio citou H.
Kelsen que entende a liberdade como autodeterminação,
nenhum ordenamento social poderia subsistir com o mais
alto grau de autodeterminação, isto é, se cada indivíduo se
determinasse sem considerar as autodeterminações de todos
os outros.
Para tornar possível qualquer forma de Sociedade é,
portanto, necessário limitar a autodeterminação. O
princípio de “maioria” é aquele que permite de limitar a
autodeterminação apesar de assegurar o mais alto grau de
liberdade possível, entendida a liberdade política como o
acordo entre a vontade individual e a vontade coletiva,
expressa no ordenamento social597.
Segundo Bobbio, a favor do princípio de maioria,
pode-se sustentar que ele é a regra cuja aplicação permite a
maximização da liberdade, ou a maximização do
“consensus” – já que uma vez entendida a liberdade como
autodeterminação, ser livres significa obedecer às leis a que
se deu o próprio consensus598.
Existem matérias para as quais a regra da maioria,
geralmente, não se aplica: matérias cuja decisão confiada à
regra do maior número apareceria inoportuno – não
adequado ao escopo – ou até mesmo injusto; o campo de
aplicação destes limites é vastíssimo599.
Cfr. H. KELSEN, General Theory of Law ande State, Harvad
University Press, Cambridge 1945; trad. it. S. COTTA, - E. TREVES,
Teoria generale del diritto e dello stato, Etas Libri, Milano 1994, p.
292. Cfr. também N. BOBBIO, “La regola di maggioranza: limiti e
aporie” (1981), in TeGePo, p. 389.
598
Cfr. N. BOBBIO, “La regola di maggioranza: limiti e
aporie” (1981), in TeGePo, pp. 389-390.
599
Cfr. Ibidem, p. 399.
597
218
Todas as constituições liberais são caracterizadas pela
afirmação de direitos fundamentais do Homem e do cidadão
que vêm ditos invioláveis.
Ora, a inviolabilidade consiste exatamente nisto: estes
direitos humanos fundamentais não podem ser limitados e,
tanto menos, suprimidos por uma decisão coletiva, mesmo
se tomada segundo o critério de maioria, observou Bobbio.
Exatamente por esta sua inatacabilidade da parte de
nenhuma decisão majoritária tais direitos humanos
fundamentais foram chamados direitos contra a maioria.
Em certas Constituições tais direitos são também
garantidos juridicamente mediante o controle constitucional
das leis e a declaração da ilegitimidade das leis que não os
respeitam.
A vasta esfera dos direitos de liberdade, por exemplo,
pode ser interpretada como uma espécie de território de
fronteira diante da qual se bloqueia a potência do princípio
de maioria600.
Querendo obter um princípio geral desta realidade de
fato, pode-se sustentar que um critério de distinção entre
aquilo que pode ser submetido à regra de maioria e aquilo
que não o pode, segundo Bobbio, está na distinção entre o
opinável e o não-opinável. Esta distinção comporta outra
muito importante, entre aquilo que é negociável e aquilo
que não “o” é.
Os valores, os princípios, os postulados éticos e,
naturalmente, os direitos fundamentais à vida e a viver não
são opináveis e, portanto, nem mesmo negociáveis. A regra
do maior número que tem a ver somente com o opinável
não é competente a julgá-los601.
600
601
Cfr. Ibidem, pp. 399-400.
Cfr. Ibidem, p. 400.
219
Junto aos postulados éticos que não são opináveis por
definição – do contrário não seriam postulados – e juntos
aos direitos humanos fundamentais aos quais normalmente
se atribui o status de postulados éticos, existem matérias
que não podem ser decididas com o critério da maioria por
razões objetivas – verdade científica – e por razões
subjetivas – caso de consciência.
Os dois casos são assimiláveis porque as
conseqüências práticas podem ser idênticas: o descrédito da
regra da maioria até a sua completa supressão.
Daqui nasceram, de fato, duas formas clássicas de
despotismo que Bobbio chamou o despotismo dos antigos e
o despotismo dos modernos. O primeiro se funda sobre a
infalível autoridade de Deus; o segundo se funda sobre a
autoridade igualmente infalível da Ciência.
Os dois tipos de despotismos se fundam sobre uma
autoridade cuja credibilidade não pode ser submetida ao
voto602.
Entre os limites subjetivos na aplicação da regra da
maioria, segundo Bobbio, pode-se enfim incluir o limite
derivante da existência daquilo que, em termos hegelianos,
pode-se chamar o “ethos” de um Povo, ou seja, usos,
costumes, língua e tradições.
O problema é particularmente evidente no caso de
minorias étnicas, que, como tais, seriam sempre perdedoras
se adotássemos rigidamente o princípio da maioria.
Um limite desse gênero à aplicação da regra da
maioria é mais ou menos da mesma natureza daquele que
deriva do reconhecimento dos direitos humanos
fundamentais à vida e a viver: trata-se de um limite que
602
Cfr. Ibidem, p. 402.
220
depende da indisponibilidade de certas matérias mais do
que da inadequação do princípio603.
6. Crítica ao Pensamento Bobbiano.
Na tentativa de responder ao problema da
fundamentação dos direitos humanos à vida e a viver,
enquanto a vida humana é valor primordial – enquanto
condição de todos os valores – deve-se distinguir
fundamento e justificação.
6.1. Fundamento e Justificação.
O fundamento tem caráter absoluto e último; a
justificação busca as boas razões – pretensão mais modesta
do que aquela do fundamento.
Tende-se a acentuar a força do fundamento e a
fraqueza da justificação. Um verdadeiro fundamento deve
ser absoluto, incontrovertível, último; uma justificação, por
sua vez, é relativa, controvertível, opinável.
Quando se trata de responder à pergunta sobre a
fundamentação dos direitos humanos à vida e a viver, assim
como dos demais direitos humanos, esperamos uma resposta
da razão prática que nos apresente as boas razões que
justifiquem estes direitos: não esperamos uma verdadeira
fundamentação, mas somente uma justificação, portanto
histórica e relativa.
603
Cfr. Ibidem.
221
Ao invés, quando buscamos a fundamentação da
dignidade humana explicitada pelos direitos humanos,
buscamos o “fundamento” desses direitos, que não pode ser
relativo porque absoluta é a dignidade do Homem.
A distinção entre direitos humanos e dignidade
humana que eles explicitam historicamente; entre
justificação dos direitos e fundamentação da dignidade
humana é indispensável para compreendermos bem o
discurso entorno do problema do “fundamento” dos direitos
humanos à vida e a viver.
Podemos entender a justificação dos “direitos” em
três modos: primeiro, em sentido ontológico: existem
direitos humanos porque existem entes dotados de
humanitas. Ninguém pode negar que deva existir certa
relação entre a configuração histórica dos direitos humanos
fundamentais e o modo de ser do Homem; verdade
universalmente compartilhada.
De fato, se o Homem fosse diferente daquilo que ele
“é”, então os seus direitos fundamentais também seriam
diferentes daquilo que “são”.
Quando nos perguntamos “se” e “como” podemos
conhecer quais sejam estes “direitos” fundamentais e qual o
“conteúdo” deles, então nos interrogamos sobre a
justificação do seu conhecimento: buscamos uma
justificação em sentido gnosiológico.
Quando nos perguntamos “onde” os “direitos”
fundamentais pretendem conduzir o Homem e “o quê”
pretendem tutelar, então nos interrogamos sobre a sua
justificação em sentido teleológico: procuramos responder à
pergunta sobre a essencial relação entre os direitos
fundamentais e o télos do Homem.
Os argumentos dos quais nos servimos para conhecer
os “direitos” humanos fundamentais são a sua justificação
222
racional. Estes três aspectos do problema, acima expostos,
tendem a identificar-se quando os argumentos racionais são
deduzidos da humanitas, enquanto essentia Hominis604.
Porque os “direitos” são históricos, ou seja,
determinados
pelo
desenvolvimento
cultural
da
Humanidade, precisaremos ter presente e bem distintos
estes três sentidos da sua justificação605.
O problema da justificação dos “direitos”, segundo a
distinção acima feita, pertence ao âmbito da razão prática e
é submetido à sua estrutura lógica. Portanto, quando se
busca um argumento irresistível para esses “direitos”
fundamentais, como disse Bobbio606, pede-se uma resposta
que a razão prática não poderá dar.
Para F. Viola isto não significa que as respostas da
razão prática sejam racionalmente mais fracas, mas somente
que têm um estatuto de verdade diferente da certeza da
razão lógico-formal e dedutiva607.
Quando nos colocamos o problema do fundamento
desses “direitos”, entendendo-o como fundamento da
dignidade humana, valor absoluto para o Homem, busca-se
uma resposta que somente a razão lógico-formal poderá nos
dar: uma resposta incontrovertível, ou seja, absoluta.
Enquanto o fundamento da dignidade humana é
único, a justificação dos “direitos” humanos – históricas
explicitações desta dignidade – pode ser múltipla.
Cfr. TOMÁS DE AQUINO, De ente et essentia, n. 1: […] sicut
humanitas est essentia hominis, […]; trad. it. a cura de P. PORRO,
Bompiani, Milano 2002, p. 79.
605
Cfr. F. VIOLA, Etica e metaetica dei diritti umani, Torino 2000, p.
194.
606
Cfr. N. BOBBIO, “L’idea della pace e il pacifismo” (1975), in GeP,
p. 120.
607
Cfr. F. VIOLA, Etica e metaetica dei diritti umani, Torino 2000, p.
194.
604
223
Realmente, podem existir diferentes justificações
válidas para os direitos humanos fundamentais; assim, será
possível uma justificação culturalmente múltipla desses
direitos608.
O problema do fundamento deve considerar não só a
natureza daquilo que pretende fundamentar, mas também
sua cognoscibilidade e finalidades últimas.
Concluímos, assim, que dentro do problema da
fundamentação dos direitos humanos à vida e a viver, que
entende proteger a Vida humana como valor primordial
porque condição para todos os demais valores e de todos os
demais direitos humanos, devemos distinguir a sua
justificação histórica e a sua fundamentação da dignidade
humana que os transcende.
Em sede jurídica não tem sentido falar de fundamento
destes direitos humanos, mas sim de sua justificação, ou
seja, suas boas razões.
Já em sede filosófica, como a nossa, permanecer ao
nível da justificação seria empobrecer o problema e limitar
a pesquisa. Devemos necessariamente dar um segundo
passo e buscar o fundamento daquela realidade que estes
direitos explicitam historicamente: a dignidade humana,
valor absoluto.
Todos os direitos humanos fundamentais são
substancialmente práticas sociais, isto é, um complexo de
regras, de atitudes, de comportamentos, de valorações com
uma projeção com tendência universalista609, em vista de
proteger o Homem contra as agressões históricas que lhe
ameaçam a integridade da sua humanitas: ontologicamente
radicada na essentia Hominis, mas que se deixa conhecer na
Cfr. Ibidem, p. 195.
Para o conceito de prática social cfr. F. VIOLA, Il diritto come
pratica sociale, Milano 1990.
608
609
224
dinâmica da História e Cultura humanas, em vista de sua
teleológica destinação última.
Esses “direitos” são já fatos culturais dos quais não se
pode pôr em dúvidas a sua existência. Na busca da
justificação dos direitos humanos fundamentais à vida e a
viver precisamos partir de um dado de fato: eles existem. O
direito à vida é um “postulado”: condição para todos os
demais direitos610.
Não se trata de produzi-los, porque eles já se dão a
nós, como reação às várias agressões à vida e à
humanidade do Homem; sendo, porém susceptíveis de
correção e de desenvolvimento na dinâmica da Cultura e da
História humanas.
Trata-se, em primeiro lugar, de justificá-los; portanto
de buscar suas boas razões, não de buscar o seu
fundamento absoluto.
De fato, como justamente observou Bobbio: não se
pode dar um fundamento absoluto a direitos históricos,
portanto relativos.
6.2. “Direito”
Humanos.
Humano
&
“Direitos”
O “reconhecimento” dos direitos à vida e a viver
“apóia-se” sobre o acordo prático e o consensus entorno
deles.
Este consensus basta para justificá-los, mas não basta
para fundamentar a realidade absoluta que eles entendem
proteger: a dignidade humana de cada Homem.
Cfr. N. BOBBIO, “Due paradossi storici e una scelta
morale” (1954), in DubScel, p. 28.
610
225
Em sede jurídica o consensus em relação ao acordo
prático, como justificação dos direitos humanos
fundamentais à vida e a viver satisfaz ao jurista.
Em sede filosófica, porém, o filósofo deve dar um
corajoso passo: pôr-se o problema do fundamento absoluto
do “Direito” absoluto do Homem, a saber, a proteção e
promoção da sua própria humanidade: essentia Hominis.
Em outras palavras, o filósofo “deve” buscar o fundamento
absoluto da absoluta dignidade humana.
Os “direitos” humanos com a letra “d” minúscula,
relativos porque sujeitos ao fluxo da História, são aqueles
que materialmente encontramos enumerados nas várias
Cartas, nacionais ou internacionais; submetidos aos
condicionamentos da Cultura e da História do Homem.
Esses “direitos” são verdadeiros direitos somente se e
à medida que são justos, ou seja, não afrontam ou não
contradizem o “Direito” absoluto do Homem: proteger e
promover a sua própria humanidade.
Mesmo se declarados ou inseridos numa carta
constitucional do Estado, portanto protegidos por um
Ordenamento jurídico positivo, transformados em “direitos”
fundamentais em sentido forte, se esses “direitos” não estão
em harmonia com aquele “Direito” absoluto do Homem,
perdem todo valor, dentro de uma ética dos direitos
humanos.
O “Direito” do Homem com a letra “D” maiúscula,
ditado pela essentia Hominis, é absoluto por que não
submetido ao fluxo da História e não dependente dos fatores
culturais dos vários Povos.
Esse é o único “Direito” humano absoluto;
conseqüentemente, o único dever absoluto do Homem é
aquele de proteger e promover a humanidade alheia.
226
O valor absoluto da nossa conduta moral deve ser
sempre a humanidade em nós e nos outros, tratada como
fim, não como meio611.
Protegendo e promovendo a humanidade alheia,
protegemos e promovemos a nossa própria humanidade.
Essa realidade essencial de todo Homem reveste-o de
uma dignidade igualmente absoluta que pode ser chamada
em sentido forte, humana.
Este “Direito” humano é imutável. Os vários
“direitos” humanos, mesmo se fundamentais, mudam
quando mudam os agressores da humanidade do Homem.
Esse “Direito” é absoluto porque é a resposta à
humanitas da qual recebe seu valor; responde à necessidade
de proteger e promover o “Valor” absoluto do Homem.
Sob essa “ótica” ético-filosófica, o problema do
fundamento deve ser impostado segundo que se busque a
justificação dos “direitos” humanos fundamentais ou o
fundamento da dignidade humana, da qual os “direitos” são
a explicitação histórica.
O problema da justificação dos “direitos” é normativo
porque se refere àqueles direitos que os atos legislativos e as
normas sociais deveriam reconhecer e não somente àqueles
que, de fato, reconhecem.
Afim de que os “direitos” humanos fundamentais
existam, devem existir válidos critérios morais – ou
princípios – que justifiquem que todos os entes humanos,
enquanto participantes da mesma Humanidade, têm
“direitos” e correlativos “deveres” que, justamente, podem
e devem ser chamados “humanos”.
Cfr. I. KANT, Grundlegung zur Metaphysik der Sitten (1785), in
GMsitten, pp. 142-144.
611
227
Todavia, se estes direitos morais não são, de fato,
reconhecidos, nunca serão direitos legais. Portanto, não
serão em sentido forte, direitos fundamentais.
O reconhecimento jurídico, porém, não é uma
criação, em sentido próprio, mas uma transformação de um
direito moral em um direito dotado de uma garantia
jurídica.
Segundo Bobbio o fundamento absoluto dos
“direitos” humanos é uma ilusão; um fundamento absoluto
não é possível e mesmo se fosse possível, não seria
desejável612, como vimos acima.
Observamos que essa ilusão, impossibilidade e
indesejabilidade referem-se ao fundamento absoluto dos
“direitos” históricos do Homem. Bobbio não faz o passo
filosófico, do qual falamos acima: buscar o fundamento
absoluto da absoluta dignidade humana, que se dá na
História, mas que a transcende.
Bobbio não atribuiu essa ilusão ao “fundamento” em
sentido histórico – justificação – dos históricos direitos
humanos, portanto, não-absoluto.
Quando Bobbio disse que o problema sempre mais
urgente não é aquele do fundamento, mas das garantias, não
quis dizer que o considerava inexistente, como vimos acima,
mas sim resolvido na Declaração Universal de 1948613.
Portanto, pensava ao fundamento no sentido de
justificação dos históricos “direitos” humanos e não no
sentido de fundamento absoluto do “Direito” humano
absoluto: promover e proteger a própria humanidade.
Cfr. N. BOBBIO, “Sul fondamento dei diritti dell’uomo” (1964), in
EdD, p. 5.
613
Cfr. IDEM, “Presente e avvenire dei diritti dell’uomo” (1968), in
EdD, p. 18.
612
228
O consensus omnium gentium ou consensus humani
generis614 entorno do acordo prático, bem como o ato
legislativo do Estado, são suficientes a justificar os
“direitos” humanos fundamentais, mas são evidentemente
insuficientes a fundar a existência da dignidade humana, da
qual estes “direitos” são “somente” histórica explicitação615.
A “Dignidade” ou “Valor” do Homem não muda; é
absoluta. A mudarem é, invés, as formas de agressão que
“a” ameaçam, nos vários períodos da História e nos
diferentes lugares da Terra.
A “Dignidade Humana” permanece imutável sempre
e em toda parte, absolutamente incondicionada: absoluta e
universal.
Não podemos nos satisfazer como pretendia Bobbio,
com uma justificativa histórica ou relativa dos valores que,
historicamente, explicitam a dignidade humana, como a
Declaração Universal de 1948. Esta dignidade absoluta
deve, necessariamente, ter um fundamento igualmente
absoluto: sua humanitas.
A humanidade de cada Homem é o “único” valor
humano absoluto. Ela é “ab-soluta” porque “é”,
independente do lugar e do tempo e das circunstâncias nas
quais se “dá”; porém “revela-se” na História e Cultura do
Homem.
Portanto, o nosso conhecimento dessa realidade
humana absoluta é histórico e relativo: é a essência do
Homem conhecida na “sua” Cultura. A historicidade,
portanto, relatividade pertence à humanitas-conhecida,
enquanto se revela ao longo da aventura humana.
Cfr. Ibidem, pp. 18-19.
Cfr. F. VIOLA, Etica e metaetica dei diritti umani, Torino 2000,
pp. 197-198.
614
615
229
Conhecer o bem, evidentemente, não basta para agir
bem; nunca existiu na História da Humanidade uma estreita
interdependência entre progresso intelectual e progresso
moral, como vimos acima.
O consensus em relação às declarações dos “direitos”
humanos fundamentais é digno de nota, como justamente o
fez Bobbio; porém não se trata, evidentemente, da
afirmação de uma concepção do Homem e do Mundo
comum a todos os Povos.
Trata-se “somente” da afirmação de valores comuns
concernentes ao indivíduo e à vida social, política e
econômica, o que é já um grande passo na direção da
realização do “Direito” humano absoluto: a proteção e a
promoção da humanidade do Homem através dos seus
“direitos” históricos.
Esse consensus, porém, não basta para fundamentá-lo,
menos ainda para promovê-lo e protegê-lo.
6.3. Os Conflitos
Fundamentais.
Entre
“Direitos”
Os conflitos entre os vários “direitos” humanos
fundamentais e entre os indivíduos titulares dos “mesmos”
direitos são resolvidos considerando a maior ou menor
gravidade da agressão ao fundamento absoluto da dignidade
do Homem, a saber, sua humanidade.
Por exemplo, o direito humano fundamental à vida é a
resposta histórica, portanto relativa, não-absoluta, à
agressão à vida como valor primordial enquanto condição
para todos os valores humanos:616 é enquanto humanitas
Cfr. N. BOBBIO, “Due paradossi storici e una scelta
morale” (1954), in DubScel, p. 28.
616
230
vivens – humanidade vivente – que o Homem realiza suas
potencialidades humanas.
Quando o nosso direito à vida entra em conflito com
o direito à vida dos outros, a mesma humanitas que é
fundamento absoluto da nossa dignidade e daquela alheia,
dá-nos a solução: uma vez que o nosso direito à vida
pretende responder à agressão feita à nossa dignidade
enquanto humanitas vivens; entre o valor da nossa vida e
aquele da vida alheia, obtém a prioridade axiológica para
nós a vida alheia. Neste sentido podemos dizer com Bobbio
que o princípio ético Não matar é absoluto, um imperativo
categórico617.
Matar um indivíduo humano ou impedi-lo de acessar
aos meios necessários para viver – ou deixá-lo morrer – é
sempre a máxima agressão à nossa própria dignidade
humana, portanto à humanitas vivens que nós somos.
Ao invés, morrer para que o outro viva é atingir a
plenitude ética da nossa humanidade. Quem morre para não
matar ou para que o outro viva morre como humano; mas
quem mata para viver, vive como animal.
Quanto mais grave a agressão à nossa humanidade
tanto mais valioso e prioritário será o correspondente
“direito” fundamental, e vice-versa. Assim, entre decidir se
matar ou morrer, “devemos” haver o direito humano
inalienável de “escolher” não matar, mesmo se desta
escolha resultasse nossa morte.
O valor maior é preservar a nossa própria dignidade
humana, coisa que podemos fazer somente se escolher não
matar, ou seja, respeitar o valor primordial da vida alheia.
Cfr. IDEM, “Laici e aborto” (1981), in Corriere della Sera, 106,
107 (1981), p. 3.
617
231
Aqui entra, por exemplo, o direito fundamental da
objeção de consciência, reconhecido por vários
Ordenamentos, portanto, direito em sentido forte.
Nada justifica a pretensão de um direito de matar,
seja da parte do indivíduo humano, seja da parte da
coletividade humana representada pelo Estado, como
veremos quando trabalharemos os problemas do aborto
procurado e da pena de morte, na próxima etapa.
A justificação dos “direitos” humanos fundamentais,
bem como a “fundamentação” da dignidade humana,
portanto do “Direito” absoluto do Homem, não resolvem
automaticamente o problema da atuação desses direitos,
pois o indivíduo humano é livre de respeitá-los e protegê-los
ou não.
Essa “automaticidade” seria uma ilusão, justamente
condenada por Bobbio, como vimos acima; porém não é
uma ilusão afirmar que a “fundamentação” onto-teleológica
da dignidade humana serve de base filosófica válida a
futuras Declarações e Legislações que promovam e
protejam o Direito absoluto do indivíduo humano: a sua
dignidade humana.
CAPÍTULO III:
A PENA DE MORTE
E
O ABORTO PROCURADO
232
Na etapa anterior, entendemos “o porquê” Bobbio
afirmou que o princípio ético Não matar é válido em sentido
absoluto, como um imperativo categórico: porque a vida
humana é o valor primordial enquanto condição para todos
os demais valores618.
Foi possível conhecer também “o quê” Bobbio
entendia dizer com tal afirmação: o princípio ético Não
matar é um imperativo categórico porque “categórico” é o
valor da vida que entende proteger; impõe um dever
perfeito em vista de proteger o valor primordial da vida
humana, comum a todos os homens; não tem outros
argumentos para impor-se senão a sua própria força,
porque o “dever” vai cumprido por princípio,
independentemente das suas razões; sem alguma
consideração das circunstâncias em que vem, de vez em
vez, aplicado; porém não prescreve outra conduta que
aquela assumida por livre decisão no respeito do dever
moral619.
Nesta terceira etapa, conheceremos as duas primeiras
conseqüências da afirmação bobbiana do princípio ético
Não matar como sendo válido em sentido absoluto, como
um imperativo categórico: a sua “repugnância” à pena de
morte e ao aborto procurado620.
1. A Pena de Morte.
Cfr. N. BOBBIO, “Due paradossi storici e una scelta
morale” (1954), in DubScel, p. 28.
619
Cfr. IDEM, “L’opera di Gioele Solari” (1952), in ItCiv, p. 177.
620
Cfr. IDEM, “Contro la pena di morte” (1981), in EdD, pp. 198-199.
618
233
A primeira agressão ao direito humano fundamental à
vida a ser trabalhada nesta etapa é a pena de morte. Por
causa da importância histórica da obra Dei delitti e delle
pene, 1764, de Cesare Beccaria621, achamos conveniente
dividir o debate filosófico sobre a pena de morte em três
momentos: “antes” de Cesare Beccaria, “em” Cesare
Beccaria e “depois” de Cesare Beccaria.
Nesse último momento conheceremos a posição antiabolicionista de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778),
Immanuel Kant (1724-1804) e de Georg Wilhelm Friedrich
Hegel (1770-1831).
Num quarto momento trabalharemos a pena de morte
no debate atual. Por fim, conheceremos o pensamento
bobbiano sobre a pena de morte e o direito à vida: sua
explícita “repugnância” a tal pena.
1.1. A Pena de Morte Antes de Cesare
Beccaria.
A propósito dos homicídios voluntários, Platão já
falava da pena de morte como de uma pena natural. De
Platão, Bobbio citou sua obra Leis: primeira grande obra
sobre as leis e sobre a justiça da nossa civilização ocidental.
No livro IX, Platão reconheceu que a pena deve haver
o escopo de render melhor o delinqüente, mas acrescentou
ainda que, se demonstra que o delinqüente é incurável, a
morte será para ele o menor dos males.622
621
Cesare BECCARIA, nasceu a Milano, no dia 15 de Maio de 1738. Entre os anos
1763 e 1764 nasceu sua obra prima, Dei delitti e delle pene, publicado a Livorno
pelo Coltellini, em Julho de 1764. Morreu no dia 28 de Novembro de 1794.
622
Cfr. PLATÃO, As Leis, IX, 854e-855a.
234
Falando dos homicídios voluntários, Platão afirmou
que os delinqüentes devem necessariamente pagar a pena
natural, isto é, aquela de sofrer aquilo que fizeram623.
Bobbio sublinhou o adjetivo “natural” e o princípio
de sofrer aquilo que fez. Este princípio, que nasce da
doutrina pitagórica da retribuição, ainda mais antiga do que
aquela platônica, reformulada pelos juristas medievais e
repetida por séculos com a famosa expressão segundo a qual
o malum passionis deve corresponder ao malum actionis;
percorreu toda a história do Direito penal e chegou
absolutamente intacta, até aos nossos dias.
Segundo Bobbio, essa doutrina da retribuição é uma
das mais comuns justificações da pena de morte624.
Tanto na antiguidade clássica quanto na Europa cristã
foi “indiscutível” o princípio da retribuição: quem matou
deve morrer. Bobbio afirmou que a pena de morte foi,
portanto, sempre e por toda parte considerada a pena por
excelência625.
A aplicação dessa pena constituiu um problema tão
pequeno que nem mesmo o Cristianismo, enquanto Religião
da não violência, do noli resistere malo; uma Religião que
também levantou – sobretudo nos seus primeiros séculos – o
problema da objeção de consciência ao serviço militar e à
obrigação de empunhar armas; uma Religião que há por
Divino “inspirador” um condenado à morte, nunca
contrastou substancialmente a prática da pena capital626.
A concepção orgânica do Estado, segundo a qual o
todo é antes das partes, dominante no Mundo Antigo627 e na
623
Cfr. Ibidem, IX, 870e.
Cfr. N. BOBBIO, “Contro la pena di morte” (1981), in EdD, pp. 178-179.
625
Cfr. IDEM, “Sulla pena di morte” (1999), in Nuova Antologia, 583, 2212
(Outubro-Dezembro de 1999), pp. 32.
626
Cfr. IDEM, “Contro la pena di morte” (1981), in EdD, p. 179.
627
Cfr. ARISTÓTELES, Politica, 1253a.
624
235
Idade Média628, ofereceu um dos argumentos mais comuns
para justificar a pena de morte629.
Se o homem, enquanto animal político, não pode
viver fora de um Corpo social do qual é, logicamente, um
membro; a vida ou a sobrevivência deste Corpo social, na
sua totalidade, é um bem superior à vida e à sobrevivência
de uma das suas partes.
Assim sendo, a vida do Indivíduo-cidadão – “parte” –
deve ser sacrificada pela vida do “todo” quando, sendo
infectado, arrisca de contagiar e de pôr em perigo a vida do
inteiro corpo.
Bobbio observou, em 1982, que por séculos foi
indiscutível o texto de Tomás de Aquino, onde se lê que
cada parte é ordenada ao todo como o imperfeito é
ordenado ao perfeito.
Portanto, a extirpação de um membro infectado ajuda
à saúde do inteiro corpo humano; é louvável e salutar
suprimi-lo. Assim sendo, cada pessoa considerada a parte,
põe-se em relação à Comunidade como a parte em relação
ao todo; conseqüentemente, se um homem constitui um
perigo para a Comunidade é louvável e salutar matá-lo
para salvaguardar o bem comum630.
628
TOMÁS DE AQUINO, Summa Theologiae, I-II, 72, a 4.
Cfr. N. BOBBIO, “Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982), in EdD, pp.
203-204.
630
Cfr. TOMÁS DE AQUINO, Summa theologiae, IIa IIae, q. 64, a. 2: Respondeo
dicendum quod, sicut dictum est, licitum est occidere animalia bruta inquantum
ordinantur naturaliter ad hominum naturaliter ad hominum usum, sicut
imperfectum ordinatur ad perfectum. Omnis autem pars ordinatur ad totum ut
imperfectum ad perfectum. Et ideo omnis pars naturaliter est propter totum. Et
propter hoc videmus quod si saluti totius corporis humani expediat praecisio
alicuius membri, puta cum est putridum et corruptivum aliorum, laudabiliter et
salubriter abscinditur. Quaelibet autem persona singularis comparatur ad totam
communitatem sicut pars ad totum. Et ideo si aliquis homo sit periculosus
communitati et corruptivus ipsius propter aliquod peccatum, laudabiliter et
salubriter occiditur, ut bonum commune conservatur: modicum enim fermentum
totam massam corrumpit, ut dicitur I ad Cor. 5.
629
236
1.2. A Pena de Morte em Cesare Beccaria.
O princípio abolicionista fundamental de C. Beccaria
é o seguinte:
Um dos maiores freios dos delitos não é a crueldade
das penas, mas a sua infalibilidade, e, conseqüentemente, a
vigilância dos magistrados e aquela severidade de um juiz
inexorável que, para ser uma virtude útil, deve ser
acompanhada por uma doce legislação631.
Segundo Beccaria, as leis são “condições” pelas quais
homens independentes e isolados, cansados de viver num
contínuo estado de guerra e de gozar uma liberdade “inútil”
pela incerteza de conservá-la, uniram-se em Sociedade.
Sacrificaram uma parte desta liberdade para gozar do
restante dela com segurança e tranqüilidade632. Nenhum
homem fez a doação “gratuita” de parte da própria
liberdade em vista do bem público633.
Os grandes interrogativos de Beccaria foram:
A morte como pena é verdadeiramente útil e
necessária para a segurança e para a boa ordem da
Sociedade?
E a tortura e os tormentos são justos e obtém o fim a
que as leis se propõem?
Qual é a melhor maneira de prevenir os delitos?
As penas são igualmente úteis em todos os tempos?
Quê influência elas têm sobre os costumes?634
Cfr. Ainda L. TAPARELLI, Saggio teoretico di diritto naturale (1848), § 840,
citado por N. BOBBIO, “Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982), in EdD, p.
204.
631
Cfr. C. BECCARIA, Dei delitti e delle pene, 1764, a cura de F. VENTURI,
Einaudi, Torino 19942, A chi legge, p. 59.
632
Cfr. Ibidem, § I.
633
Cfr. Ibidem, § II.
634
Cfr. Ibidem, § XI.
237
Beccaria afirmou que o fim das penas não é de
atormentar e afligir um ser sensível, nem mesmo de
desfazer um delito já cometido. A finalidade da pena,
portanto, são: impedir o réu de prejudicar de novo os seus
concidadãos; remover os outros da intenção de imitá-lo635.
Isto porque o fim político das penas é o terror dos
outros homens636.
Segundo Beccaria, a pena proporcionada será tanto
mais justa e útil quanto mais rápida e próxima ao delito será
a sua execução637.
A prontidão da pena é mais útil porque quanto
“menor” é o tempo que passa entre o delito e a pena, tanto
mais forte e mais duradoura é, no ânimo humano, a
associação das duas idéias delito-pena: o delito como
“causa” e a pena como “efeito” necessário e sem
escapatória638.
Segundo Beccaria um dos maiores freios dos delitos
não é a “crueldade” das penas, mas a sua infalibilidade
unida à vigilância dos magistrados e a severidade de um
juiz inexorável que, para ser uma útil virtude, deve ser
acompanhada por uma doce legislação639.
Beccaria perguntou-se ainda:
Qual pode ser o direito que se atribuem os homens de
trucidar os seus semelhantes?
Qual homem quereria dar a outros homens o arbítrio
de matá-lo?
Porque no mínimo sacrifício da liberdade de cada um
pode estar aquele do máximo entre todos os bens, a vida?
635
Cfr. Ibidem, § XII.
Cfr. Ibidem, § XVI.
637
Cfr. Ibidem, § XIX.
638
Cfr. Ibidem.
639
Cfr. Ibidem, § XXVII.
636
238
E se o fez como concordaria essa renúncia ao direito
à vida com o princípio de que o Homem não é senhor de
matar-se?
Ora, deveria ser senhor de matar-se para poder dar tal
direito aos outros ou à Sociedade inteira640.
A pena de morte, concluiu Beccaria, não è um direito,
mas é uma guerra da Nação contra um cidadão, porque
julga necessária ou útil a destruição do seu ser. Ele disse
que, se demonstrasse que a morte do delinqüente não é nem
útil nem necessária, teria vencido a causa da
Humanidade641.
Segundo Beccaria não é a intensidade da pena que faz
o maior efeito sobre o ânimo humano, mas a sua extensão.
Para que uma pena seja justa deve haver somente aquele
grau de intensidade que baste a remover os homens da
vontade de cometer delitos642.
A pena de morte não é útil pelo exemplo de
atrocidade que dá aos homens. Pareceu-lhe um absurdo que
as leis, expressão da pública vontade que detesta e pune o
homicídio, cometam um homicídio; e, para afastar os
cidadãos do assassínio, ordenem um assassínio público643.
1.3. A Pena de Morte Depois de Cesare
Beccaria.
Depois do Dei delitti e delle pene, 1764, aquilo que
foi posto em discussão não foi somente se a pena de morte
fosse eticamente “lícita”, mas também se fosse,
verdadeiramente, a maior das penas.
640
Cfr. Ibidem, § XXVIII.
Cfr. Ibidem.
642
Cfr. Ibidem.
643
Cfr. Ibidem.
641
239
Observou Bobbio que, não obstante o sucesso
literário das idéias de Beccaria junto ao público culto, não
só a pena de morte não foi abolida nos países civilizados,
mas a causa da abolição não prevaleceu na filosofia penal
do seu tempo.
Bobbio citou, como exemplo, três dentre os mais
ilustres pensadores do tempo, contemporâneos de Beccaria,
todos anti-abolicionistas: J.-J. Rousseau, I. Kant e G. W. F.
Hegel.644
1.3.1. Jean-Jacques ROUSSEAU (1712-1778).
J.-J. Rousseau, no Contrat social, 1762, dois anos
antes do Dei delitti e delle pene, 1764, de C. Beccaria; no
capítulo intitulado O Direito de Vida e de Morte, refutou
antecipadamente o argumento abolicionista “contratualista”.
Rousseau perguntou-se por que os indivíduos, não
havendo nenhum direito de dispor da própria vida, possam
transmitir ao Corpo Soberano tal direito que eles não têm?
Ele mesmo respondeu que esse problema parece
difícil de resolver somente porque é mal posto. Cada homem
há direito de arriscar a vida para conservá-la. O Contrato
Social há como escopo a conservação dos contraentes.
Quem quer o escopo, quer também os meios e estes meios
são inseparáveis de algum risco e perda.
Quem quer conservar a própria vida com a
contribuição dos outros, deve ser pronto também a oferecêla pelos outros quando é necessário. O cidadão não é mais
juiz do perigo ao qual a Lei quer que ele se exponha.
Quando o Príncipe lhe diz: “É necessário para o
Estado que tu morras!” segundo Rousseau ele deve morrer.
Somente assim ele pôde viver em plena segurança até
644
Cfr. N. BOBBIO, “Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982), in EdD, p. 206.
240
aquele momento. A sua vida não é mais somente um
benefício da Natureza, mas um dom condicionado do
Estado.
Segundo Rousseau é para não serem vítimas de um
assassino que nós consentimos de morrer se nos tornamos
tais. Neste “contrato”, longe de dispor da própria vida, não
se pensa a outra coisa que a garanti-la, dado que não se pode
presumir que um dos contraentes pense “já” de fazer-se, por
exemplo, enforcar.
Cada malfeitor, atacando o direito social, por causa
dos seus delitos, torna-se rebelde e traidor da Pátria; cessa
de ser seu membro violando suas leis e faz guerra à Pátria
mesma645.
Portanto, concluiu ele, atribuir ao Estado também o
direito sobre a própria vida não serve a destruí-la, mas a
garanti-la contra os ataques alheios646.
1.3.2. Immanuel KANT (1724-1804).
Segundo Kant, a justificação utilitarista beccariana da
pena faria do punido um simples meio, antes que um fim.
Esta concepção foi por ele refutada radicalmente;
combatendo-a, utilizou um conceito demasiadamente
“mecânico” e “aritmético” de correspondência entre culpa e
pena647.
I. Kant sustentou que o “dever” da pena de morte
compete ao Estado e é um imperativo categórico, não um
imperativo hipotético, fundado sobre a relação “meio-fim”:
se o delinqüente matou, deve morrer.
645
Cfr. J.-J. ROUSSEAU, Du Contrat Social ou Principes du Droit Politique (1762),
cap. V.
646
Cfr. N. BOBBIO, “Contro la pena di morte” (1981), in EdD, pp. 182-183; IDEM,
“Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982), in EdD, p. 205.
647
Cfr. V. MATHIEU, “Introduzione”, in KpVernunft, p. 25.
241
Ele partiu da concepção da pena como retribuição,
segundo a qual a sua função não é de prevenir os delitos,
mas puramente de render justiça, isto é, de fazer em modo
que exista uma correspondência perfeita entre o delito e o
castigo.
Não existe nenhum sub-rogado nem comutação de
pena que possa satisfazer à justiça. Não existe nenhuma
comparação possível entre uma vida, por quanto penosa, e a
morte; conseqüentemente nenhuma outra compensação
entre o delito e a punição, fora da morte juridicamente
infligida ao criminal; despindo-a, porém, de toda malícia
que poderia, na pessoa do paciente, revoltar a Humanidade.
I. Kant considerou como certo que a morte fosse o
pior dos males. Mas, perguntou-se Bobbio:
E se não o fosse?
Certamente quando Kant diz que não existe
comparação possível entre uma vida penosa e a morte,
entende refutar a tese de Cesare Beccaria e de todos aqueles
que o seguiram. Mas, observou ainda Bobbio, a sua
afirmação é peremptória e desprovida de qualquer prova648.
1.3.3. Georg
(1770-1831).
Wilhelm
Friedrich
HEGEL
G. W. F. Hegel ainda foi mais além de I. Kant. Na sua
obra Lineamentos de filosofia do direito, Berlim 1820, que
representa a súmula do seu pensamento ético-político,
refutou o argumento contratualista de Beccaria, negando
que o Estado possa nascer de um contrato.
Segundo Hegel, Beccaria negou ao Estado o direito à
pena de morte porque não se pode presumir que no
Contrato Social seja contido o consentimento dos
648
Cfr. N. BOBBIO, “Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982), in EdD, p. 219.
242
indivíduos a deixar-se matar, antes, deve-se presumir o
contrário.
O Estado em geral, observou Hegel, não é um
Contrato, nem a sua essência substancial é a proteção e a
asseguração da vida e da propriedade dos Indivíduos
enquanto “Indivíduos”, em modo tão incondicionado.
Antes, o Estado é a “entidade superior”, a qual
também apresenta pretensões sobre essa vida e a
propriedade do Indivíduo e exige o sacrifício da mesma.
Hegel ainda sustentou que o delinqüente não só deve
ser punido com uma pena correspondente ao delito
cometido, mas há o “direito” de ser punido com a morte
porque somente a morte o resgatará: assim o delinqüente
vem honrado como ser racional. Esta honra não lhe é
concedida, se o conceito e a medida da sua pena não são
proporcionais ao seu ato mesmo; ou seja, se ele for
considerado somente como animal nocivo, que se deva
render inócuo, ou entre as finalidades da intimidação e da
emenda649.
Segundo Hegel, a lesão que recai sobre o delinqüente
é não somente justa em si, é também um direito posto no
delinqüente mesmo, isto é, dentro da sua vontade essente,
dentro da sua ação650.
1.4. A Pena de Morte no Debate Atual.
Trabalhando a pena de morte no debate atual,
conheceremos a função retribuidora justa da pena em geral,
bem como sua função preventiva utilitarista; depois
649
Cfr. G. W. F. HEGEL, Grundlinien der Philosophie des Rechts (1820), § 100;
ainda § 140.
650
Cfr. Ibidem, § 101 e também o § 102.
243
conheceremos a pena de morte a partir do indivíduo e os
principais argumentos abolicionistas e reversíveis.
Levando o problema da pena de morte ao campo
estritamente penal da natureza e função das várias sanções,
mediante as quais o Estado cumpre a função punitiva e
preventiva; ou seja, considerando a pena de morte como
sanção e como uma sanção entre tantas outras; como meio
para punir o culpado – quia peccatur – e para impedir que,
em futuro, outros homens cometam delitos semelhantes – ne
peccatur – segundo Bobbio as teorias principais que se
combateram a golpes de boas razões, foram, sobretudo
duas: retribuidora e preventiva.
Diante da pena de morte, especificamente, podemos
pôr duas perguntas: A pena de morte é eticamente lícita? A
pena de morte é politicamente oportuna? 651
1.4.1. A Função Retribuidora Justa da Pena.
A teoria da retribuição diz que a função da pena é de
retribuir o malum actionis com o malum passionis. Os
defensores da pena de morte – anti-abolicionistas – são
aqueles que sustentam a pena como “retribuição” ao delito
cometido652.
O adepto dessa teoria põe-se o problema da liceidade
moral da pena de morte. Assim fazendo, põe-se a partir do
ponto de vista da Ética que julga as ações em base a
princípios pré-estabelecidos: conclui que a pena de morte é
uma pena justa.
I. Kant, adepto da teoria da retribuição, portanto antiabolicionista, como vimos acima, rejeitou o argumento da
Cfr. N. BOBBIO, “Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982),
in EdD, p. 216.
652
Cfr. Ibidem, pp. 215-216.
651
244
intimidação utilizado pelos abolicionistas preventivoutilitaristas, como imoral porque viola a máxima que proíbe
de tratar a Pessoa humana – que há um valor absoluto –
como meio: considerar cada prêmio e castigo somente
como um artifício nas mãos de uma potência superior,
destinado unicamente a fazer agir os seres racionais em
vista do seu escopo final – a felicidade – significa
evidentemente admitir um mecanismo que tira toda
liberdade ao seu querer653.
Para aqueles que põem o problema da pena de morte
como problema de justiça, afirmou Bobbio, trata-se de
demonstrar que a pena de morte é justa em base aos
princípios da justiça retribuidora – que é uma subespécie da
justiça geral, equiparada à justiça comutativa ou aritmética
– independentemente de qualquer referência a motivos de
utilidade social: fiat justitia, pereat mundus.654
A teoria da retribuição tem, segundo Bobbio, o seu
ponto fraco na afirmação que a única possível retribuição ao
matar seja o morrer655. Essa teoria deve descer do “céu” dos
princípios à “terra” dos dados empíricos; ela resiste ou não
aos ataques dos opositores segundo que consiga demonstrar
qual seja a justa pena para cada reato656.
1.4.2. A Função Preventivo-Utilitarista da Pena.
A teoria preventiva diz que a função da pena é
prevenir os delitos. Os defensores da abolição da pena de
Cfr. IDEM, “Benedetto Croce e il liberalismo” (1955), in PolCul, p.
227; I. KANT, Kritik der praktischen Vernunft (1788), § 8, nota II.
654
Cfr. IDEM, “Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982), in EdD,
p. 218.
655
Cfr. Ibidem, pp. 218-219.
656
Cfr. Ibidem, pp. 219; IDEM, “Contro la pena di morte” (1981), in
EdD, p. 194.
653
245
morte são os sustentadores da pena como “prevenção” de
novos delitos, tal como o foi Beccaria657.
O preventivo-utilitarista, portanto abolicionista, ao
contrário do retribuidor, põe-se o problema da
oportunidade política da pena de morte. Assim fazendo,
põe-se a partir do ponto de vista de uma Ética que julga as
ações em base aos resultados658: conclui que a pena de
morte não é útil nem necessária.
Convencido que a pena de morte é “inútil” porque
menos dissuasiva do que outras penas, o abolicionista rejeita
o argumento da retribuição como efeito de obtuso e
desumano rigorismo moral659.
Para o preventivo-utilitarista tal pena deve ser
rejeitada porque não serve aos fins que o Estado “deve”
propor-se, enquanto Organismo não-ético, de desencorajar o
delito, independentemente de qualquer razão de abstrata
justiça660: a função essencial da pena consiste no
desencorajar as ações que o ordenamento considera
nocivas e é, portanto, intimidante ou dissuasiva.
O ponto fraco desta teoria preventivo-utilitarista, já
que tradicionalmente a legitimidade da pena de morte foi
sustentada pelos adeptos da teoria da retribuição, segundo
Bobbio, está em conduzir o seu “jogo” fundando quase tudo
sobre a única “carta” da intimidação.
Como vimos acima com C. Beccaria, o argumento
principal desta teoria preventivo-utilitarista é que a pena de
morte não há a força intimidante que lhe foi atribuída
Cfr. Ibidem, pp. 215-216.
Cfr. Ibidem, pp. 216-217.
659
Cfr. Ibidem, p. 217.
660
Cfr. Ibidem, p. 218.
657
658
246
arbitrariamente; portanto, decairia a partir do ponto de vista
utilitarista, a sua única razão de ser.661
A fraqueza desse argumento, segundo Bobbio, está no
fato que nenhuma prova certa foi conseguida sobre o grau
de força dissuasiva das diferentes penas, em particular da
pena de morte em relação àquela da longa prisão. Neste
campo as ciências sociais permaneceram paradas no
universo da probabilidade, por causa das muitas variáveis
que se deveria considerar: no caso específico, a
extraordinária variedade dos delitos e das suas motivações;
e a maior ou menor certeza de ser descobertos e
condenados662.
Tanto a teoria da retribuição quanto a teoria da
prevenção consideram a pena de morte a partir do ponto de
vista das tarefas e dos interesses do Estado.
Segundo Bobbio, é importante partir de uma
concepção individualista da Sociedade se pretendemos
repugnar a pena de morte, geralmente, sustentada por
concepções orgânicas dela663.
Se tivermos uma idéia do corpo social e político pelo
qual o todo é mais importante do que as partes, como vimos
acima, chegaremos facilmente à conclusão que, para a
salvação do “organismo” social, deva-se eliminar o
“membro” infectado664, como afirmou Tomás de Aquino: a
Cfr. IDEM, “Contro la pena di morte” (1981), in EdD, p. 196.
Cfr. IDEM, “Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982), in EdD,
pp. 220-221.
663
Cfr. IDEM, “Diritti dell’uomo e filosofia della storia” (1987),
republicado com o título “L’età dei diritti”, in TerAs, p. 121.
664
Cfr. IDEM, “Contro il potere di dare la morte” (1982), in Rinascita,
38, 42 (5 de Novembro de 1982), p. 41; IDEM, “Sulla pena di
morte” (1999), in Nuova Antologia, 583, 2212 (Outubro-Dezembro de
1999), pp. 33.
661
662
247
exportação de um membro ajuda a saúde do inteiro corpo
humano; é louvável e salutar suprimi-lo.665
Cfr. TOMÁS DE AQUINO, Summa theologiae, II-II, q. 64, a. 2.
Cfr. ainda L. TAPARELLI, Saggio teoretico di diritto naturale
(1848), § 840, citado por N. BOBBIO, “Il dibattito attuale sulla pena
di morte” (1982), in EdD, p. 204; IDEM, “Il dibattito attuale sulla
pena di morte” (1982), in EdD, pp. 223-224; IDEM, “Contro la pena
di morte” (1981), in EdD, p. 193.
665
248
1.4.3. A Pena de Morte a Partir do Indivíduo.
Considerando a pena a partir do indivíduo condenado,
as concepções mais comuns são aquelas da expiação,
emenda e defesa social.
A concepção da pena como expiação parece mais
favorável à abolição da pena de morte que não à sua
conservação: para expiar um delito, o delinqüente precisa
continuar a viver.
Poder-se-ia, porém, sustentar que a verdadeira
expiação do delito seria a morte do delinqüente, a morte
entendida como purificação da culpa, o cancelamento da
mancha; poder-se-ia dizer: sangue lava-se com sangue666.
A rigor, essa concepção da pena é compatível tanto
com a tese anti-abolicionista quanto com a tese
abolicionista667.
A concepção da pena como emenda é a única que
exclui totalmente a pena de morte. Mesmo o mais perverso
dos criminosos pode redimir-se; observou Bobbio: se for
executado, fecha-lhe a via do aperfeiçoamento moral que
não pode ser negada a ninguém.
Quando os iluministas do séc. XVIII consideraram de
dever substituir a pena de morte com os trabalhos forçados,
como vimos acima lendo o Dei delitti e delle pene de
Beccaria, justificaram esta tese sustentando que o trabalho
redime.
A. F. M., Voltaire escreveu, no Commentaire sur le
Traité de délits et des peines, 1766, a propósito da política
penal de Catarina II,668 acima citada, que os delitos não se
multiplicaram por causa desta “humanidade” e acontece
Cfr. N. BOBBIO, “Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982),
in EdD, p. 224.
667
Cfr. IDEM, “Contro la pena di morte” (1981), in EdD, pp. 191-192.
666
249
quase sempre que os culpados, relegados à Sibéria,
retornam pessoas de bem. E ainda acrescentou que se
devam obrigar os homens ao trabalho, para torná-los
pessoas honestas669.
Bobbio observou que a extrema, abominável,
macabra e demoníaca conseqüência da “ideologia” do
trabalho revelou-se na frase escrita pelos nazistas, ao
ingresso dos Lagers:
O trabalho nos torna livre670.
A concepção da pena como defesa social também é
ambígua: geralmente os seus sustentadores foram e são
abolicionistas, mas o são por razões humanitárias – mesmo
porque rejeitam o conceito de culpa que está à base da
concepção da pena como retribuição, a qual encontra a
própria justificação somente admitindo a liberdade do
querer.
Todavia, observou Bobbio, a defesa social não exclui
a pena de morte: poder-se-ia sustentar que o melhor modo
para defender-se dos criminais mais perigosos é aquele de
eliminá-los671.
Cfr. CATARINA II, “Istruzione”, 14 de Dezembro de 1766, in
DeiDP, pp. 634-647.
669
Cfr. A. F. M., VOLTAIRE, Commentaire sur le Traité de délits et
des peines (1766), in DeiDP, pp. 371-379.
670
Cfr. N. BOBBIO, “Contro la pena di morte” (1981), in EdD, p. 192.
671
Cfr. Ibidem, pp. 192-193.
668
250
1.4.4. Argumentos Abolicionistas e Reversíveis.
Em campo jurídico, segundo Bobbio, o argumento
abolicionista mais forte é aquele do erro judiciário: com a
execução da pena de morte torna irremediável o erro
judiciário.
Não existe tratado sobre a pena de morte que não cite
casos exemplares da prova de inocência descoberta depois
da morte do suposto culpado.
Segundo Bobbio não é aceitável o argumento segundo
o qual o custo social da morte de um inocente é inferior ao
benefício que a Sociedade recebe pela eliminação física de
tantos “atrozes” criminais: é argumento diante do qual a
consciência humana retrai-se horrorizada672.
Segundo os anti-abolicionistas a pena de morte deve
ser infligida com as maiores cautelas e somente quando se
tenha atingida a “certeza total” do delito em base à sapiente
máxima melhor que se salve um criminoso, antes que
pereça um inocente.
Ainda segundo eles, já que a pena de morte é justa e
eficaz como intimidação, não importa se seja “pouco”
aplicada, importa que exista673.
Perguntamos: É possível, humanamente falando,
atingir tal “certeza total”?
Argumentos anti-abolicionistas tanto fortes quanto o
argumento abolicionista do “erro” judiciário, são os casos
de assassinos re-incidentes674. Não existem dúvidas que os
casos de reincidência levantam essa “inquietante” pergunta:
Cfr. IDEM, “Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982), in EdD,
pp. 224-225.
673
Cfr. Ibidem, p. 225; IDEM, “Contro la pena di morte” (1981), in
EdD, pp. 196-197.
674
Cfr. Ibidem.
672
251
Se o reincidente tivesse sido condenado à morte e
tivesse sido executado, não teria sido poupada a vida de um
inocente?
Se for aceitável a máxima Melhor que um criminoso
se salve antes que um inocente pereça, o quê dizer então
desta outra máxima Não importa que um inocente pereça
desde que um criminal se salve?
A pergunta é embaraçosa, observou Bobbio, mesmo
quando a vítima do assassino reincidente não seja
juridicamente “inocente” como acontece freqüentemente,
em casos de vingança675.
Junto a este jogo de argumentos prós e contra a pena
de morte, o debate atual conhece também argumentos
“reversíveis”, ou seja, argumentos que se prestam tanto aos
abolicionistas, quanto aos anti-abolicionistas. Um destes
argumentos observou Bobbio, refere-se à dureza da pena de
morte: para os abolicionistas a pena capital deve ser abolida
por razões humanitárias, exatamente por causa de sua
dureza.
Ao contrário, um filósofo que não se pode acusar de
ser um conservador, John Stuart Mill fez ao Parlamento
inglês um discurso favorável à manutenção da pena capital
nos casos mais graves exatamente por causa de sua
“dureza”, sustentando que a abolição teria sido destinada a
produzir um enfraquecimento, uma efeminação em toda a
Nação; a desencorajar o desprezo da morte sobre o qual uma
Sociedade deve contar como sobre de uma necessária
virtude social676.
Mas o exemplo mais interessante de reversibilidade,
segundo Bobbio, refere-se ao diverso uso do mesmo
princípio ético Não matar! Os defensores da pena de morte
675
676
Cfr. Ibidem, p. 225-226.
Cfr. Ibidem, p. 226.
252
o utilizam recorrendo ao argumento que a condenação
capital do homicida é uma solene atestação – a mais solene
que se possa dar – do valor absoluto do princípio ético Não
Matar; no sentido que a vida do outro deve ser respeitada
se quiser que seja respeitada a própria vida. Já para o
abolicionista, invés, partindo do mesmo princípio ético Não
Matar, a pena de morte é uma sua inaceitável violação677.
Segundo Bobbio, nos últimos anos do século XX,
constatou-se uma tendência contínua em direção à abolição
total da pena de morte: os Estados abolicionistas são mais
numerosos do que aqueles anti-abolicionistas. Entre estes
últimos, vão aumentando aqueles Estados que suspenderam
sine die a aplicação da pena capital678.
Hoje, o esforço abolicionista dirige-se rumo à
eliminação total do recurso à pena de morte, mesmo
quando vem usada como punição ao delito de homicídio
voluntário.
Segundo Bobbio, é aqui que se encontram as maiores
dificuldades. Se fizermos valer o princípio de uma
proporcionalidade entre o delito cometido e a pena a
“pagar”, é fácil demonstrar como a pena capital possa ser
eliminada para todos os delitos, mas não para o homicídio
voluntário; em base ao argumento de justiça retribuidora: o
delinqüente recebe da Sociedade aquilo que lhe deu679.
1.5. A Pena de Morte e o Direito à Vida.
Cfr. Ibidem, pp. 226-227.
Cfr. IDEM, “Sulla pena di morte” (1999), in Nuova Antologia, 583,
2212 (Outubro-Dezembro de 1999), pp. 34.
679
Cfr. IDEM, “Contro il potere di dare la morte” (1982), in Rinascita,
38, 42 (5 de Novembro de 1982), p. 41.
677
678
253
Trabalhando a pena de morte e o direito à vida,
conheceremos as principais declarações do direito humano
fundamental à vida; também conheceremos a pena de morte
como direito de matar; e, por fim, concluiremos com o
imperativo ético Não Matar como única “razão”
verdadeiramente abolicionista.
Segundo Bobbio, a particular intensidade do debate
atual sobre a pena de morte, acima apresentado, depende
não somente do interesse sempre vivo pela solução
legislativa do problema, mas também do fato que ele se
insere num dos “debates” que ocupou intensamente os
filósofos morais contemporâneos, em modo particular
anglo-saxônicos: o direito à vida680.
Para quem considera que o princípio ético Não matar
tenha validade absoluta, como Bobbio, e seja, portanto, um
imperativo categórico que não consente exceções, o
problema da pena de morte já está resolvido: infligir a pena
capital é sempre ilícito681.
Segundo Bobbio, o debate sobre a pena de morte
mantém-se aceso porque não se parte do pressuposto da
validade absoluta do princípio ético Não matar, nem
conseqüentemente da consideração do direito à vida como
direito absoluto: que vale sempre, sem exceções682.
O caráter absoluto do direito à vida, normalmente,
não entra – e segundo Bobbio seria difícil fazê-lo entrar –
como argumento a favor da abolição da pena de morte683.
Cfr. IDEM, “Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982), in EdD,
p. 210.
681
Cfr. Ibidem, pp. 210-211: Per chi ritiene che il non uccidere abbia
una validità assoluta, e sia quindi nel senso kantiano un imperativo
categorico che non consente eccezioni, il problema della pena di
morte è già risolto: infliggere la pena capitale è in ogni caso illecito.
682
Cfr. Ibidem, p. 211.
680
254
1.5.1. As Declarações do Direito à Vida.
Na metade do século XX, quase dois séculos depois
do Dei delitti e delle pene, 1764, de C. Beccaria, a
Declaração Universal dos Direitos do Homem, 1948; a
pesar de proclamar solenemente, no seu artigo terceiro, que
toda pessoa tem direito à vida, abstém-se “totalmente” de
pronunciar-se sobre a pena de morte.
Apesar de a Constituição Italiana ter sido promulgada
nesse mesmo ano, 1948, proclamou no Artigo 27:
Non è ammessa la pena di morte684.
Também na Convenção Européia Sobre os Direitos
Humanos, 4 de Novembro de 1950, lêem-se no seu segundo
artigo, que o direito à vida de cada pessoa é protegido pela
lei. Ninguém pode ser intencionalmente privado da vida,
salvo que em execução de uma sentença capital pronunciada
por um tribunal, no caso em que o delito é punido pela lei
com tal pena.
Portanto, observou Bobbio, ainda na metade do
século XX, o direito universal à vida não incluiu o direito a
não ser punido com a pena capital685: o direito a viver do
delinqüente.
Tivemos que esperar a Declaração de Estocolmo, 11
de Dezembro de 1977, aprovada pela Conferência
internacional sobre a pena de morte a Estocolmo, mais de
duzentos anos depois da publicação do Dei delitti e delle
pene, 1764, para ler a asserção peremptória: a pena de
morte é uma punição definitiva, cruel, desumana e
Cfr. Ibidem: […] l’assolutezza del diritto alla vita non entra di
solito (e del resto sarebbe difficile farlo entrare) come argomento a
favore dell’abolizione della pena di morte.
684
Cfr. IDEM, “Sulla pena di morte” (1999), in Nuova Antologia, 583,
2212 (Outubro-Dezembro de 1999), pp. 32.
685
Cfr. Ibidem.
683
255
degradante que viola o direito à vida. Esta asserção contém
um juízo moral reforçado por outro juízo mais estritamente
jurídico686.
Não existe documento oficial de Organismos
internacionais, não existe Congresso, Estudo ou
Proclamação sobre a abolição da pena capital que não
apresente, como um dos argumentos abolicionistas
principais, a “sentença” que a pena de morte viola o direito
à vida687: valor primordial, condição para todos os demais
valores, que justifica o valor absoluto do princípio ético
Não matar!688
Surgiu, assim, o debate sobre o direito à vida que se
tornou um direito inalienável do Indivíduo-cidadão e não
pode ser objeto do Contrato Social, concluiu Bobbio. Foi
exatamente este um dos argumentos principais invocados
por Cesare Beccaria, como lemos acima, contra a pena de
morte.
Bobbio reconheceu, porém, que nem todos os
contratualistas chegaram às mesmas conclusões de
Beccaria. Isto confirma que esse argumento, mesmo sendo
importante, certamente não é definitivo em defesa da
abolição da pena de morte689.
1.5.2. A Pena de Morte como Direito de Matar.
Segundo Bobbio, se julgarmos a pena de morte a
partir do princípio ético Não matar, “necessariamente”
devemos ser abolicionistas, mas se a julgássemos a partir
Cfr. Ibidem, pp. 32-33.
Cfr. Ibidem, pp. 33.
688
Cfr. IDEM, “Due paradossi storici e una scelta morale” (1954), in
DubScel, p. 28.
689
Cfr. IDEM, “Contro il potere di dare la morte” (1982), in Rinascita,
38, 42 (5 de Novembro de 1982), pp. 41-42.
686
687
256
dos resultados sociais “poderia” ser aceita no álbum das
penas690.
Quem se põe a partir do ponto de vista da Sociedade,
recorre também o argumento do estado de necessidade e da
legítima defesa para defender a pena de morte691.
Trata-se, observou Bobbio, de dois motivos de
justificação de um reato sem incriminação ou punibilidade
acolhidos pelo direito penal de todos os países. O raciocínio
de fundo é o seguinte: aquilo que vale para o “Indivíduocidadão” não se vê porque não deva valer também para o
Povo-estado692; como vimos acima na etapa anterior dessa
pesquisa.
Essas duas causas de justificação de um ato
gravíssimo como o homicídio da parte do Estado, também
podem ser olhadas a partir do ponto de vista do Indivíduocidadão, enquanto titular dos direitos primordiais à vida e a
viver.
Se partirmos do pressuposto que o direito à vida não é
um direito absoluto – conseqüentemente não seria absoluto
o imperativo ético Não matar! – conseqüentemente poderse-ia “perder” este direito primordial. Segundo Bobbio outro
Cfr. IDEM, “La morale e la guerra” (1982); “Morale e Guerra”, in
TerAs, p. 169; IDEM, “Etica e politica”, in EM, p. 76: “In base al
principio ‘Non uccidere’ la pena di morte è da condannarsi. Ma in
base al risultato, in seguito a una eventuale provata constatazione che
la pena di morte ha un grande potere d’intimidazione, potrebbe
essere giustificata (e infatti gli abolizionisti si sono sforzati di
dimostrare con dati statistici alla mano che un grande potere
deterrente non ha). Cfr. ainda IDEM, “Ragion di stato e democrazia”,
in EM, p. 100-101.
691
Cfr. IDEM, “Contro il potere di dare la morte” (1982), in Rinascita,
38, 42 (5 de Novembro de 1982), p. 42.
692
Cfr. IDEM, “Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982), in EdD,
p. 212.
690
257
problema é se podemos “renunciar” a este direito e se, além
do direito de viver, deva-se admitir também o “dever” de
viver693.
A condenação à morte depois de um processo
judiciário, não é imediata como o é a legítima defesa; tornase um homicídio legal, legalizado e perpetrado a sangue
frio, pré-meditado. É a morte de um homem provocada
intencionalmente pela ação de outro homem, isto é, de uma
pessoa autorizada a matar. Com razão, o executor da pena
de morte, por quanto autorizada ela seja, sempre foi
considerado um personagem socialmente infame694.
Em toda Sociedade, portanto também numa
Sociedade democrática a função fundamental do Direito é
aquela de estabelecer as regras do uso da força: quem, como,
quando e quanto usá-la.
Quem? Não quem quiser, mas somente aqueles que
são autorizados a exercitá-la.
Como? Com um juízo regulado.
Quando? Não em qualquer momento, mas quando
foram completados os procedimentos definidos pela Lei.
Quanto? Não se pode punir um furto pequeno ao
mesmo modo em que se pune um homicídio695.
O direito à vida não é o único “argumento”
abolicionista, ainda se é o mais comum. Pode-se até mesmo
pôr em dúvidas que o direito à vida seja um direito absoluto,
isto é, valha sempre e em toda parte.
Cfr. Ibidem, pp. 212-213.
Cfr. IDEM, “Sulla pena di morte” (1999), in Nuova Antologia, 583,
2212 (Outubro-Dezembro de 1999), pp. 34; cfr. ainda DUFF, Il
Manuale del Boia, Adelphi, Milano 1980, citado por IDEM, “Contro
la pena di morte” (1981), in EdD, p. 198.
695
Cfr. IDEM, - M. VIROLI, Dialogo intorno alla repubblica, Laterza,
Roma-Bari 2001, p. 58.
693
694
258
Por exemplo, não é absoluto o direito à liberdade; não
é absoluto o direito à igualdade. Assim o Estado poderia, em
determinadas circunstâncias extremas, pedir aos seus
cidadãos o sacrifício da própria vida696.
No caso da exclusão da pena capital, observou
Bobbio, o respeito do direito à vida não exclui de modo
algum o direito que o Estado tem de punir os criminosos.
A exclusão da pena de morte não impede o uso de
“outras” penas, não menos dissuasivas, como aquela de uma
prisão longa no tempo que, mesmo salvaguardando o
princípio da retribuição e proporcionalidade entre “delito”
e “pena”, não impede a revisão do processo em caso de erro
judiciário, nem a possível e freqüentemente real conversão
do culpado697.
Em uma palavra, no Estado de direito, o Direito deve
regular o uso da força que o Estado dispõe, em modo que
seja uma força não arbitrária698.
1.5.3. Não Matar! Única “Razão” Abolicionista.
As teses abolicionistas prevalecem entre aqueles que
se ocupam profissionalmente do problema da pena de
morte: Ligas ou Associações Pelos Direitos do Homem ou
semelhantes; Igrejas, contrariamente a uma tradição que
parecia consolidada.
O sentimento popular, porém, continua a ser hostil a
tais teses abolicionistas; quando não “pede” o
Cfr. IDEM, “Sulla pena di morte” (1999), in Nuova Antologia, 583,
2212 (Outubro-Dezembro de 1999), pp. 33-34.
697
Cfr. Ibidem.
698
Cfr. IDEM, - M. VIROLI, Dialogo intorno alla repubblica, Laterza,
Roma-Bari 2001, p. 59; IDEM, “Pro e contro un’etica laica”, in EM,
p. 171.
696
259
restabelecimento da pena capital, lá onde fora abolida há
tempos699.
Segundo Bobbio, o argumento anti-abolicionista do
common sense em favor da pena capital é fraco por diversas
razões: a invocação popular da pena de morte é
indiscriminada; não fazendo nenhuma distinção entre delitos
mais graves e menos graves. O sentimento popular é
volúvel, sendo facilmente influenciável pelas circunstâncias.
As questões de “princípio” não suportam serem
resolvidas em base à regra da maioria700, como vimos
acima na etapa anterior.
Segundo Bobbio, o abolicionista deve recorrer a outra
instância; a um argumento de caráter moral, a um princípio
posto como absolutamente indiscutível; um verdadeiro e
próprio postulado ético: um Imperativo Categórico. E este
“argumento” não pode ser tirado senão do imperativo ético
Não matar, a ser “acolhido” como um princípio que há
valor absoluto701.
Bobbio entendia que esse é um raciocínio árduo, que
poderia ser taxado de “moralismo ingênuo”, de “pregação
inútil”. Busquemos, disse ele, de dar uma razão à nossa
“repugnância” à pena de morte: a razão é uma só, o
imperativo ético Não matar!702
Bobbio
não
conseguiu
ver
outra
razão
verdadeiramente abolicionista fora desta. Todos os outros
argumentos valem pouco ou nada; podem ser retrucados
com argumentos que têm, mais ou menos, a mesma força
persuasiva.
Cfr. IDEM, “Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982), in EdD,
pp. 207-208.
700
Cfr. Ibidem, pp. 208-209.
701
Cfr. IDEM, “Contro la pena di morte” (1981), in EdD, pp. 197-198.
702
Cfr. Ibidem, pp. 198-199.
699
260
Citando Dostoevskij, Bobbio escreveu:
Matar quem matou é um castigo maior do que o
delito mesmo; o assassínio legal é incomparavelmente mais
horrível do que o assassínio de briga703.
Da constatação que violência gera violência numa
corrente sem fim, Bobbio tirou o argumento mais forte
contra a pena de morte; talvez o único pelo qual valha a
pena lutar: a salvação da Humanidade, agora mais do que
nunca, depende da interrupção dessa corrente de violência.
Se não se interrompe essa corrente, poderia não estar
longe o dia de uma catástrofe sem precedentes, observou
Bobbio: alguns falaram com fundamento de uma catástrofe
final. A abolição total da pena de morte é somente um
pequeno início; mas grande será a mudança que ela
produzirá na prática e na concepção mesma do poder do
Estado, representado tradicionalmente como o poder
irresistível704.
Bobbio acreditou firmemente que a abolição total da
pena de morte do teatro da História representará um sinal
indiscutível de progresso civil; de progresso moral da
Humanidade705.
2. O Aborto Procurado.
Trabalhando a posição bobbiana quanto ao problema
do aborto procurado, segunda conseqüência da sua
Citado por N. BOBBIO, “Contro la pena di morte” (1981), in EdD,
p. 199.
704
Cfr. IDEM, “Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982), in EdD,
p. 229.
705
Cfr. IDEM, “Contro la pena di morte” (1981), in EdD, p. 200.
703
261
afirmação do princípio ético Não Matar como imperativo
categórico se conhecerá a Legge 194/78. Delinearemos o
contesto “jurídico-cultural” no qual se inseriu a posição
bobbiana, preparando o seu discurso sobre o aborto e o
direito à vida.
Um dos argumentos mais frágeis adotados pelos
defensores do aborto procurado, segundo Bobbio, foi
aquele fundado na observação de que o aborto sempre foi
praticado: mesmo se conseguissem demonstrar que a
grande maioria das mulheres sempre o praticara, esta
constatação de fato não seria uma “boa” razão para
considerá-lo moralmente lícito706.
706
Cfr. IDEM, “Pro e contro un’etica laica” (1983), in EdM, p. 171.
262
2.1. A Legge 194/78: Aspectos Críticos.
Em 1991, como exemplo de uma normativa
permissiva, Bobbio citou a legislação italiana sobre o
aborto procurado707.
Em base ao princípio ético Não matar existem bons
argumentos para considerá-lo um delito. Quem admite o
aborto procurado, porém, apresenta argumentos em base às
suas conseqüências. Por exemplo, o argumento da
impossibilidade de manter decentemente o filho nascituro;
ou até mesmo o problema da superpopulação, ao qual a
Humanidade inteira poderia ser incapaz de afrontar com
recursos adequados708.
O primeiro aspeto crítico da Legge 194/78 que
devemos considerar é o papel dos consultores, no art. 2.
À primeira vista, esse artigo parece atribuir aos
consultores uma função “preventiva” e “dissuasiva” em
relação ao aborto procurado. Simultaneamente, porém, em
virtude dos artigos 4 e 5, são exatamente os consultores que
participam ativamente ao processo que conduz ao aborto
procurado709.
Em 9 de Junho de 1977, o texto reprovado pelo Senado, foi reapresentado à Câmera dos Deputados, pelo socialista Balzamo quase
sem modificações, com uma procedura in-comum, que contrastava
com a práxis italiana de nunca repropôr um projeto de Lei já
reprovado. A Legge foi aprovada pela Câmera no dia 13 de Abril de
1978 e, no Senado, no dia 18 de Maio do mesmo ano. Depois de
quatro dias, a Legge 194/78 foi promulgada pelo então presidente da
República Giovanni Leone, apesar que algumas forças católicas
houvessem pedido que ele exercitasse o seu direito de veto suspensivo
por suspeita inconstitucionalidade de tal Lei.
708
Cfr. IDEM, “Ragion di stato e democrazia” (1991), in EdM, p. 101.
707
263
O segundo aspecto crítico é quanto ao teor do art. 4.
Entre os primeiros noventa dias é suficiente que a gestante
deduza um “perigo sério”, portanto, nem grave nem certo,
para o seu estado de “completo” bem estar físico e psíquico,
para que possa obter o “certificado” para abortar.
Foi polemicamente sugerido por alguns, com irônica
perspicácia, que esse artigo poderia ser re-escrito assim:
Nos primeiros 90 dias de gravidez, a mulher pode
abortar quando quiser710.
O terceiro aspecto crítico é quanto ao teor do art. 5.
A única obrigação, ad normam desse artigo, refere-se
à observância dos procedimentos prescritos. Manifestar-seia aqui o lado mais “inquietante” da Legge 194/78, pela qual
o ato abortivo perdeu, até mesmo, qualquer aparência de
ilícito711.
O quarto aspecto crítico é quanto emerge dos artigos
4 e 5, acima vistos: o contraste entre princípios e soluções,
característicos desta Lei e que provocou inúmeras dúvidas
sobre a sua constitucionalidade712.
Não se entende o porquê, numa situação que
comporta um conflito de interesses entre dois sujeitos – a
mulher e o feto – a decisão deva ser remetida a uma só das
partes in causa: a vontade da mulher. E a “vontade” não
manifestável do feto, quem a defenderá?713
O quinto aspecto crítico é quanto ao controle médico.
Segundo muitos autores o assistente sanitário teria o direitodever de negar o “certificado” para abortar, quando
Cfr. M. PALMARO, Ma questo è un uomo, Indagine storica,
politica, etica, giuridica sul concepito, San Paolo, Cinisello Balsamo
(MI) 19982, pp. 81-82.
710
Cfr. Ibidem, p. 82.
711
Cfr. Ibidem, pp. 82-83.
712
Cfr. Ibidem, p. 83.
713
Cfr. Ibidem.
709
264
constatasse a não subsistência do perigo para a saúde da
mulher ad normam do quarto artigo714.
O sexto aspecto crítico que devemos considerar é
quanto ao papel do pai. A sua figura vem totalmente
excluída do processo abortivo. Ele pode ser ouvido somente
se a mulher o consentir; portanto, não há nenhum direito
enquanto pai do concebido715.
M. A. Cattaneo, num seu artigo de 1994, La paternità
dimenticata, afirmou de compartilhar plenamente das
críticas em relação à legislação italiana que diante da
perspectiva do aborto, exclui totalmente a participação da
vontade do pai. Observou que aquilo que as formas mais
extremas do feminismo histórico desconhecem é a presença
de dados naturais, ontológicos, na vida humana, que não
podem ser mudados pelas leis positivas: o ser humano não
nasce por partenogênese716.
O sétimo aspecto crítico é quanto ao aborto procurado
depois dos primeiros noventa dias de gestação. Nesta fase, o
aborto ainda pode ser praticado quando a gravidez ou o
parto comportem um grave perigo para a vida da mulher ou
então quando “anomalias” ou “más-formações” do nascituro
determinem um grave perigo para a “saúde” física ou
psíquica da mulher.
Por quanto concerne o grave perigo para a vida da
mulher, devemos denunciar a falta de requisitos da não
evitabilidade alternativa717.
Cfr. Ibidem, p. 84.
Cfr. M. PALMARO, Ma questo è un uomo, Indagine storica,
politica, etica, giuridica sul concepito, San Paolo, Cinisello Balsamo
(MI) 19982, p. 85.
716
Cfr. M. A. CATTANEO, La paternità dimenticata, Il Sole 24 ore,
27 de Janeiro 1994.
717
Cfr. N. BOBBIO, “Due paradossi storici e una scelta
morale” (1954), in DubScel, p. 28.
714
715
265
Quanto às anomalias ou más-formações do feto, o art.
6 da Lei 194/78 introduz uma evidente lógica eugênica, na
qual o nascituro é discriminado em base às suas condições
de saúde. Mesmo invocando o perigo à saúde da mulher, é
uma verdadeira obra prima de “hipocrisia” do Legislador;
na realidade trata-se de aborto eugênico.
O feto mais ou menos “imperfeito” está à mercê da
decisão da mulher de consentir ou não o seu nascimento. O
caráter eugênico da normativa foi evidenciado também pelo
então Ministro da família Antonio Guidi, portador de
handicap, que denunciou a lógica “nazista” que inspirou tal
artigo.
É evidente que o Legislador estabeleceu aqui uma
escala de valores fundada sobre o estado de saúde do
concebido: a vida da criança mal formada, ao menos
enquanto não nascida, vale menos do que a vida de outra
criança bem formada.
Alguns abortistas afirmam que, nestes casos de máformação, o aborto seria praticado em vista do interesse do
nascituro: ele tem o “direito” – ironicamente falando – de
não viver uma existência de sofrimentos. Em palavras
pobres, mas “escandalosamente” cruéis e sanguinárias, o
feto mal formado não teria direito de nascer e viver718.
718
Cfr. Ibidem, p. 86-87.
266
2.2. O Aborto Procurado e o Direito à Vida.
Trabalhando o aborto procurado e o direito à vida,
conheceremos o status do nascituro na relação abortiva;
também o problema dos três direitos incompatíveis: o
direito do nascituro, da mãe e da Sociedade; depois
conheceremos a posição bobbiana sobre o direito à
procriação consciente e responsável e o privilégio e a
honra de afirmar: Não matar!
2.2.1. O Nascituro na Relação Abortiva.
Para dar uma idéia mesmo se somente aproximativa
da amplitude e da relevância do debate sobre o aborto
procurado, devemos considerar que ele compreende, além
do direito à vida, strictu sensu, ou seja, o direito a não ser
assassinado; também o direito a nascer, a não ser deixado
morrer e a ser mantido em vida ou direito à
sobrevivência719.
Não existe “direito” de um Indivíduo humano sem o
correspondente “dever” de outro Indivíduo humano. Cada
dever pressupõe uma norma imperativa720, como ficou claro
na etapa anterior.
Na relação entre a mãe e o nascituro, perguntou
Bobbio, quem é o mais fraco? Não é o nascituro? Em outras
palavras, deve prevalecer o direito do nascituro;
conseqüentemente, o dever da mãe; ou não?
Os abortistas dizem que o nascituro é, certamente, o
mais fraco em relação à mãe, mas que a mulher é a parte
Cfr. N. BOBBIO, “Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982),
in EdD, p. 210.
720
Cfr. Ibidem.
719
267
mais fraca em relação ao homem que a “obrigou”, ao menos
na maior parte dos casos, a engravidar.
Segundo Bobbio, não é por “acaso” que a “tendência”
abortista tenha tido enorme incremento pelo difundir-se das
reivindicações dos movimentos feministas, favorecidos
pelos partidos da Esquerda política721.
2.2.2. Três Direitos Incompatíveis.
Segundo Bobbio, antes de tudo deve prevalecer o
direito fundamental do concebido, aquele direito de nascer
sobre o qual não se pode transigir.
Pode-se falar de não-penalização do aborto
procurado, mas não se pode ser moralmente indiferentes
diante dele722.
Bobbio reconheceu também um segundo “direito”
nesta relação abortiva: o direito da mulher a não ser
sacrificada na cura dos filhos que não escolheu de haver.
Reconheceu também um “terceiro” direito: o direito
da Sociedade em geral e também das sociedades particulares
a não serem super populosas e, portanto, a exercitar o
controle dos nascimentos.
É verdade que são direitos incompatíveis, observou
Bobbio; e quando nos encontramos diante de direitos
incompatíveis, a escolha é sempre dolorosa723.
Cfr. IDEM, “Destra e sinistra” (1994), in DesSin, p. 61.
Cfr. IDEM, “Laici e aborto”, in Corriere della Sera 106, 107
(1981), p. 3: Innanzitutto il diritto fondamentale del concepito, quel
diritto di nascita sul quale, secondo me, non si può transigere. È lo
stesso diritto in nome del quale sono contrario alla pena di morte. Si
può parlare di depenalizzazione dell’aborto, ma non si può essere
moralmente indifferenti di fronte all’aborto.
723
Cfr. Ibidem.
721
722
268
Segundo Bobbio, dos três direitos citados, o primeiro,
aquele do concebido, é fundamental, sobre o qual não se
pode transigir; os outros dois direitos – aquele da mulher e
aquele da Sociedade – são derivados.
Para Bobbio esse é o ponto central do problema do
aborto procurado: o direito da mulher e aquele da
Sociedade, que normalmente vêm utilizados para justificar o
aborto procurado, podem ser satisfeitos sem recorrer ao
aborto, ou seja, evitando a concepção.
Uma vez acontecida a concepção, segundo Bobbio, o
direito fundamental do concebido pode ser satisfeito
somente deixando-o nascer724.
2.2.3. Direito
Responsável.
à
Procriação
Consciente
e
Bobbio citou o primeiro artigo da Lei 194/78, onde
diz que o Estado garante o direito à procriação consciente
e responsável. Segundo ele, esse direito há razão de ser
somente “se” afirmamos e “se” aceitamos o “dever” de uma
relação sexual consciente e responsável, isto é, entre
pessoas conscientes das conseqüências dos seus atos e
prontas a assumir os deveres que dessas conseqüências
decorrem.
Adiar a solução do problema dos direitos da
Sociedade e da mãe, acima citados, para depois da
Cfr. Ibidem: Ho parlato di tre diritti: il primo, quello del concepito,
è fondamentale; gli altri, quello della donna e quello della società,
sono derivati. Inoltre, e questo per me è il punto centrale, il diritto
della donna e quello della società, che vengono di solito addotti per
giustificare l’aborto, possono essere soddisfatti senza ricorrere
all’aborto, cioè evitando il concepimento. Una volta avvenuto il
concepimento, il diritto del concepito può essere soddisfatto soltanto
lasciandolo nascere.
724
269
concepção já acontecida, isto é, quando as conseqüências
que poderiam ter sido evitadas não foram evitadas, pareceu
a Bobbio que seria não ir ao fundo do problema: seria
superficial de mais.
Segundo Bobbio, a interrupção da gravidez não é e
não pode ser meio para o controle dos nascimentos725.
Ainda segundo ele, o fato que o aborto procurado seja
difundido, é um argumento abortista muito “fraco”, do
ponto de vista jurídico e moral. Ele se maravilhou que tal
argumento fosse utilizado com tanta freqüência.
Os homens são como são, observou Bobbio, mas a
Moral e o Direito existem para isto mesmo. Citando um
exemplo, ele disse que o furto de automóveis é difundido,
quase não punido: mas isto não legitima o furto.
Poderíamos, ao máximo, sustentar que por causa do
aborto ser difundido e “incontrolável”, o Estado o tolera e
busca de regulamentá-lo para limitar seu caráter nocivo726.
Cfr. Ibidem: Secondo me, questo diritto ha ragione d’essere
soltanto se si afferma e si accetta il dovere di un rapporto sessuale
cosciente e responsabile, cioè tra persone consapevoli delle
conseguenze del loro atto e pronte ad assumersi gli obblighi che ne
derivano. Rinviare la soluzione a concepimento avvenuto, cioè
quando le conseguenze che si potevano evitare non sono state evitate,
questo mi pare non andare al fondo del problema. Tanto è vero che,
nello stesso primo articolo della 194, è scritto subito dopo che
l’interrruzione della gravidanza non è mezzo per il controllo delle
nascite.
726
Cfr. Ibidem: Il fatto che l’aborto sia diffuso, è un argomento
debolissimo dal punto di vista giuridico e morale. E mi stupisce che
venga addotto con tanta frequenza. Gli uomini sono come sono: ma la
morale e il diritto esistono per questo. Il furto d’auto, ad esempio, è
diffuso, quasi impunito: ma questo legittima il furto? Si può al
massimo sostenere che siccome l’aborto è diffuso e incontrollabile, lo
Stato lo tollera e cerca di regolarlo per limitarne la dannosità.
725
270
Citando John Stuart Mill, Bobbio disse que o direito
deve preocupar-se das ações que causam prejuízo à
Sociedade: o bem do indivíduo, seja ele físico ou moral, não
é uma justificação suficiente. Sobre si mesmo, sobre sua
mente e sobre “seu” corpo, o indivíduo é soberano.
À primeira vista, notou Bobbio, o raciocínio abortista:
O corpo é meu e sobre ele decido eu; pareceria uma perfeita
aplicação do princípio de J. Stuart Mill. É, porém, aberrante
incluir nesse princípio o aborto procurado.
O Indivíduo é “singular”; mas no caso do aborto
existe um “outro” no corpo da mulher. O “suicida”, por
exemplo, dispõe da sua vida individual, singularmente; mas
com o aborto procurado o Indivíduo humano dispõe de uma
vida alheia, uma vida que não lhe pertence727; uma vida que
depende da mãe, mas que não é sua.
2.2.4. Privilégio e Honra de Afirmar: Não matar!
Concluindo o seu raciocínio anti-abortista, Bobbio
perguntou-se qual surpresa pudesse haver no fato que um
“leigo”, como ele, considerasse como válido em sentido
absoluto, como sendo um imperativo categórico, o princípio
ético Não matar! E disse maravilhar-se que os “leigos”
deixassem aos “crentes” o privilégio e a honra de afirmar
que não se deve matar728.
Cfr. Ibidem.
Cfr. Ibidem: Vorrei chiedere quale sorpresa ci può essere nel fatto
che un laico consideri come valido in senso assoluto, come un
imperativo categorico, il non uccidere. E mi stupisco a mia volta che i
laici lascino ai credenti il privilegio e l’onore di affermare che non si
deve uccidere.
Cfr. IDEM, “Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982), in EdD, p.
202: […] forzato (la differenza tra l’uccidere e il lasciar
intenzionalmente morire non è moralmente rilevante).
727
728
271
Podemos com Bobbio concluir que o direito
fundamental à vida e a viver compete a todos os entes
humanos,
desde
a
concepção
até
a
morte,
independentemente do nível ou intensidade atuais de suas
capacidades vitais.
Na espécie vida alheia este direito que é fundamental
por excelência, como vimos na etapa anterior, adquire o
status de dever fundamental por excelência.
Em outras palavras, a vida do “outro” enquanto
direito “fontal” de todos os seus demais direitos, é o “meu”
dever “fontal” de todos os meus demais deveres: seja que
entendamos como sujeito desse dever o indivíduo ou o
Estado.
Desse direito jorram, como de uma fonte, todos os
demais direitos e liberdades fundamentais do Indivíduo
humano.
Daqui a necessária exclusão de qualquer forma de
agressão à vida tais como o aborto, o infanticídio, a
eutanásia e a pena de morte; bem como a superação da
hodierna cultura da morte729 e uma urgente promoção de
uma cultura da vida.
Considerar a vida alheia como valor absoluto da
Moral dos direitos humanos é condição fundamental para a
sobrevivência da Humanidade, de hoje e de amanhã.
Podemos ainda acrescentar que se o consensus
omnium gentium, como vimos na etapa anterior, portando o
Direito Positivo, fundasse tal direito humano primordial e a
universalidade dos homens decidissem que o enfermo
terminal ou o embrião ou o deficiente-total não teriam mais
tal direito, seria lícito e eticamente “aceitável” matá-los (?!).
Devemos gritar forte com Bobbio:
Cfr. JOANNES PAULUS Pp. II, adh. ap. post. Christifideles Laici,
30 de Dezembro de 1988, n. 38.
729
272
A Vida humana não pode ser democratizada!
Não podemos justificar “crimes” como o aborto
procurado utilizando o direito da mulher sobre seu corpo ou
utilizando o argumento da sua liberdade: a vida em
formação depende do corpo da mãe, mas não é um órgão
do seu corpo, como ficou evidente na posição bobbiana
contra o aborto procurado. A liberdade da mãe termina
quando põe em risco uma vida que depende dela, sim, mas
não lhe pertence.
A vida “alheia”, mesmo nos primeiros instantes de
fecundação, é dever absoluto da mãe; e não pode ser posta à
mercê da vontade nem dela, nem de nenhum outro
Indivíduo ou grupo humano.
A única diferença entre matar um filho no útero, ou
após o seu nascimento é que, dentro do útero, não é possível
fixá-lo nos olhos enquanto morre, depois do nascimento
“sim”.
273
CAPÍTULO IV:
O PROBLEMA DA GUERRA
EO
PACIFISMO BOBBIANO
Na primeira etapa dessa pesquisa, delineamos o perfil
filosófico de Norberto Bobbio, traçando a imagem moral do
“homem” que considerou o princípio ético Não matar um
dever absoluto e, por isto mesmo, repugnou a pena de
morte, o aborto procurado e a guerra; proclamando seu
pacifismo institucional.
Na segunda etapa, entendemos “por que” Bobbio
afirmou que o princípio ético Não matar é válido em sentido
absoluto, como um imperativo categórico: porque, para ele,
a vida humana é “o” valor primordial enquanto condição
para todos os demais valores730.
Compreendemos também “o quê” Bobbio entendia
dizer com tal afirmação: o princípio ético Não matar é um
imperativo categórico porque “categórico” é o valor da vida
que entende proteger; impõe um dever perfeito em vista de
proteger o valor primordial da vida humana, comum a todos
os homens; não tem outros argumentos para impor-se senão
a sua própria força, porque o “dever” vai cumprido por
princípio, independentemente das suas razões; sem alguma
Cfr. N. BOBBIO, “Due paradossi storici e una scelta
morale” (1954), in DubScel, p. 28.
730
274
consideração das circunstâncias em que vai, vez por vez,
aplicado; não prescreve, porém, outra conduta que aquela
assumida por livre decisão no respeito do dever moral731.
Na terceira etapa, conhecemos as duas primeiras
grandes conseqüências da afirmação bobbiana do princípio
ético Não matar como sendo válido em sentido absoluto,
como um imperativo categórico: sua “repugnância” à pena
de morte e ao aborto procurado732.
Nesta quarta e última etapa, conheceremos a terceira
conseqüência da dessa afirmação de Bobbio: o pacifismo
bobbiano.
Partiremos de uma premissa conceitual dos termos
paz e guerra. Depois trabalharemos as teorias que
justificaram a guerra. Num terceiro momento, trabalharemos
o estado de guerra e os direitos à vida e a viver;
concluiremos a presente etapa apresentando o pacifismo
bobbiano.
1. Premissa Conceitual.
Neste primeiro momento, antes de apresentarmos as
teorias que justificaram a guerra, é importante esclarecer o
sentido dos termos envolvidos no discurso bobbiano sobre o
problema da guerra e as suas possíveis soluções.
Partiremos da dupla terminológica guerra-paz:
termos antitéticos, onde conheceremos o sentido da guerra e
da paz como termos contraditórios e contrários.
731
732
Cfr. IDEM, “L’opera di Gioele Solari” (1952), in ItCiv, p. 177.
Cfr. IDEM, “Contro la pena di morte” (1981), in EdD, pp. 198-199.
275
Depois conheceremos o conceito de estado de guerra,
“uma” das formas, apesar de ser a mais radical, com as
quais a violência pode se manifestar no Mundo.
Por último, conheceremos o conceito de estado de
paz, enquanto estado de não-guerra.
1.1. Guerra e Paz: Termos Antitéticos.
Na dupla antitética guerra-paz, o termo forte sempre
foi guerra. A prova disto é que o termo paz,
tradicionalmente, foi definido como não-guerra; como um
estado de coisas que vem depois da guerra733.
Na milenar literatura sobre o tema da guerra e da paz
podemos encontrar infinitas definições de “guerra”,
observou Bobbio, enquanto de “paz” encontramos uma só:
fim, cessação, conclusão, ausência ou negação de guerra734.
Segundo Bobbio, dois termos “antitéticos” podem
estar, entre eles, em relação “contraditória”, pela qual um
exclui o outro e todos os dois excluem um terceiro; ou então
em relação de “contrária”, pela qual um exclui o outro, mas
ambos não excluem um “terceiro” intermediário.
Os dois termos da antítese “paz e guerra” podem ser,
segundo os diversos contextos, tanto “contraditórios”
quanto “contrários.
São termos “contraditórios” quando por paz entendese o estado de não-guerra; e por guerra o estado de nãopaz.
Cfr. N. BOBBIO, “Destra e sinistra”, in DesSin, p. 62; IDEM,
“Pubblico/privato” (1980), republicado com o título “La grande
dicotomia: pubblico/privato”, in StGovSoc, p. 4.
734
Cfr. IDEM, “La pace: il concetto, il problema, l’ideale” (1989), in
TeGePo, p. 468.
733
276
São termos “contrários”, quando o estado de paz e o
estado de guerra são considerados como dois estados
extremos, entre os quais sejam possíveis e configuráveis
estados intermediários. Por exemplo, da parte da paz, o
estado de trégua, que não é mais guerra e não é ainda paz;
da parte da guerra, por exemplo, o estado de guerra não
guerreada, como o é a “guerra fria”, que não é mais paz,
mas ainda não é guerra735.
O termo forte observou Bobbio, é aquele que denota o
estado de coisas existencialmente mais relevante. Assim, o
Homem começou a aspirar aos benefícios da paz partindo
dos “horrores” da guerra: estado no qual vem posta em
perigo a sua vida, ameaçada a posse dos bens; rende
precárias as condições da existência humana736.
O estado de paz pode ser definido somente se,
primeiro, define-se o estado de guerra. Segundo Bobbio,
existe um estado de guerra quando dois ou mais grupos
políticos encontram-se, entre eles, numa “relação de
conflito” cuja solução vem confiada ao uso da força.
Dá-se uma “situação de conflito” quando as
necessidades ou os interesses de um Indivíduo – ou grupo –
humano são incompatíveis com os interesses de outro
Indivíduo – ou grupo – humano; portanto, não podem ser
simultaneamente satisfeitos.
Por exemplo, a concorrência de mais Indivíduos – ou
grupos – humanos pelo possesso de um bem escasso, que se
encontre no território alheio737.
Outro exemplo é a defesa do status, que permite
certos privilégios. A “guerra” é, portanto, um dos modos de
Cfr. Ibidem, p. 467.
Cfr. Ibidem, pp. 468-469.
737
Cfr. Ibidem, pp. 471-472. Sobre este item cfr. Também IDEM,
“L’idea della pace e il pacifismo” (1975), in ProbGP, pp. 119-146.
735
736
277
resolução da “situação de conflito” por meio da “força”,
quando os modos pacíficos não surtiram efeito738.
1.2. O Estado de Guerra.
Por guerra Bobbio entendeu o recurso ao uso da força
da parte de um grupo humano organizado que se autoproclama, ou tende a fazer-se reconhecer pelo antagonista,
“independente” ou “soberano” no sentido jurídico da
palavra, com escopo de resolver problemas vitais; ou
“considerados” vitais à própria sobrevivência739.
A guerra é, observou Bobbio, a partir do ponto de
vista da doutrina filosófica tradicional e do senso-comum,
somente “uma” das formas, apesar de ser a mais radical,
com as quais a violência se manifesta no Mundo.
A eliminação da “guerra” em sentido próprio, não
implica a eliminação da violência no Mundo, mas
simplesmente a sua “limitação”, ou seja, a eliminação do
uso da violência continuada entre grupos humanos
organizados740.
A natureza da guerra consiste na “disposição”
manifestamente hostil, durante a qual não existe segurança.
A expressão hobbesiana guerra de todos contra todos, que
Bobbio qualificou como “hiperbólica”, significa aquele
estado no qual um grande número de homens,
individualmente ou em grupos, vivem, por falta de um poder
comum, no temor recíproco e permanente da morte
Cfr. Ibidem, p. 472.
Cfr. IDEM, “Rapporti internazionali e marxismo” (1981), in NéNé,
p. 178.
740
Cfr. IDEM, “La pace ha un futuro?” (1987), in TerAs, p. 188.
738
739
278
violenta. É um estado “intolerável”, do qual o Homem deve
sair se quiser salvar aquilo que há de mais precioso: a
própria vida741.
Segundo Bobbio, a guerra é sempre uma “força”
exercitada coletivamente; é um exercício da “força”
disciplinado por regras e há o escopo de resolver uma
controvérsia através da razão das armas, não através das
armas da Razão.
Para que se possa falar de guerra ocorre, ainda, que
não se trate de violência “esporádica”, descontínua, sem
relevantes conseqüências sobre a “ordem” territorial dos
dois combatentes742.
Para explicar o “fenômeno” da guerra devemos partir
das condições objetivas das relações internacionais que,
diversamente das relações internas, são caracterizadas por
um regime de concorrência no uso da força: recurso último
de toda forma de poder do “homem” sobre o “homem”743.
A guerra é, observou Bobbio, a relação natural entre
dois “entes” que se consideram reciprocamente “inimigo”.
Tal conflito não pode terminar senão com a “vitória” de um
e a derrota do outro: mors tua, vita mea, ou seja, o inimigo é
aquele que, por definição, deve ser eliminado744.
Num regime de concorrência no uso da “força”,
quando um conflito não pode ser resolvido através das
negociações diplomáticas, intervém o Direito de Guerra,
que é o uso externo da força concentrada pelo Estado745.
Cfr. IDEM, “La teoria politica di Hobbes” (1980), in ThH, pp.
43-44.
742
Cfr. IDEM, “La pace: il concetto, il problema, l’ideale” (1989), in
TeGePo, pp- 473-474.
743
Cfr. IDEM, “Rapporti internazionali e marxismo” (1981), in NéNé,
p. 184.
744
Cfr. IDEM, “Riccardo Bauer” (1984), in LaMI, p. 273.
741
279
Tanto a guerra externa, quanto a guerra interna – civil
– entram na mesma definição geral de guerra como conflito
violento durável entre corpos humanos coletivos que se
organizam ou são organizados para “exercer” a violência.
A violência inicial é, geralmente, na guerra externa a
agressão da parte de um Estado contra outro Estado; na
guerra interna, é a insurreição de uma parte dos cidadãos
contra o próprio Estado. 746
Enquanto a guerra é produto de uma “inclinação”
natural, observou Bobbio, a paz é um ditame da reta Razão,
isto é, daquela faculdade que permite ao Homem de tirar
certas “conclusões” a partir de certas “premissas”; ou de
remontar-se aos “princípios”, partindo de certos dados de
fato747.
1.3. O Estado de Paz.
Uma vez definido o estado de guerra, dele deriva a
definição do estado de paz, enquanto estado de não-guerra.
Dois grupos políticos encontram-se, em estado de paz
quando entre eles não existe uma “situação de conflito” que
não possa ser resolvida por meios pacíficos748: que não
precisem recorrer a uma violência coletiva, durável e
organizada.
Dois grupos políticos podem estar em permanente
“conflito” entre eles sem estar em guerra, observou Bobbio.
Cfr. IDEM, “Rapporti internazionali e marxismo” (1981), in NéNé,
pp. 185-186.
746
Cfr. IDEM, “La resistenza: una guerra civile?” (1992), in DalFaD,
pp. 145-146.
747
Cfr. IDEM, “Introduzione al De cive” (1948), in ThH, p. 90.
748
Cfr. IDEM, “La pace: il concetto, il problema, l’ideale” (1989), in
TeGePo, p. 472.
745
280
O estado de paz não exclui o conflito, mas somente
“aquele” conflito cuja solução foi confiada ao emprego da
força atual.
Não basta a força potencial, ou seja, a ameaça da
força para terminar o estado de paz, porque esta é uma
característica permanente das relações internacionais e é
considerada condição de paz, segundo a máxima: si vis
pacem para bellum. Nem são suficientes atos de força real,
mas esporádica749.
“Paz”, porém, também pode ser definida
positivamente como o conjunto de acordos com os quais
dois grupos políticos, cessadas as hostilidades, delimitam
as conseqüências da guerra e regulam as suas relações
futuras750.
Bobbio entendeu a paz não só como negação de
guerra, mas também como negação da “violência”.
Distinguiu duas formas de violência: a violência pessoal, na
qual entra a guerra; e a violência estrutural ou institucional.
Distinguiu também duas formas de paz: paz negativa que
consiste na ausência de violência pessoal; e paz positiva,
que consiste na ausência de violência estrutural.
A paz como ausência de violência estrutural – tais
como a injustiça social, a desigualdade entre ricos e pobres,
entre poderosos e “impotentes”, a exploração capitalista, o
imperialismo, o despotismo – é aquela que se pode instaurar
somente através de uma radical mudança social. E deve
proceder de igual passo com a promoção da justiça social,
com o desenvolvimento político e econômico dos países
subdesenvolvidos, com a eliminação das desigualdades751.
Cfr. Ibidem, p. 474.
Cfr. Ibidem, pp. 474-475.
751
Cfr. Ibidem, p. 475.
749
750
281
Segundo Bobbio, diante da guerra sempre mais
percebida como evento trágico e também imanente à
História humana, nasceram as várias tentativas de dar uma
resposta à pergunta:
Porque a guerra e não a paz?
Das diferentes respostas a esta pergunta é constituída,
em grande parte, a visão global da Filosofia da História,
dando origem a várias “teorias” que justificaram a guerra752.
2. Teorias que Justificam a Guerra.
Após trabalharmos o conceito dos termos guerra e
paz, bem como o estado de guerra e o estado de paz,
podemos passar às teorias que justificaram a guerra.
Primeiro, trabalharemos a teoria da guerra justa,
onde a conheceremos como teoria intermediária: belicista e
pacifista. Depois conheceremos a guerra como
procedimento
judicial.
Num
terceiro
momento,
conheceremos a reflexão de Bobbio sobre a guerra de
defesa na era atômica; bem como sobre a guerra de defesa
preventiva na era atômica.
Em um segundo momento, trabalharemos as teorias
providencialísticas, onde conheceremos a teoria
providencialística teologizante e a teoria providencialística
racionalizante.
Num terceiro momento, trabalharemos as teorias
finalísticas, onde conheceremos a teoria da guerra como
mal menor; a teoria da guerra como servindo ao progresso
moral e a teoria da guerra como servindo ao progresso
752
Cfr. Ibidem, pp.470-471.
282
civil. Por último, conheceremos a teoria da guerra como
servindo ao progresso técnico.
2.1. A Teoria da Guerra Justa.
Pondo-nos a partir do ponto de vista da teoria
tradicional do direito de guerra, o problema da diferença
entre guerra externa e guerra interna pode ser posto
conceitualmente nos seguintes termos.
Ocorre partir da diferença entre o jus ad bellum, que é
o direito do Estado soberano de empreender uma guerra, e o
jus in bello, que é o conjunto das regras que disciplinam a
conduta da guerra, em particular, o modo de tratar o
inimigo.
Em base ao jus ad bellum, a doutrina tradicional da
guerra distinguiu as guerras justas das guerras injustas,
analisando e discutindo os vários casos em que um Estado
há ou não o direito de empreender uma guerra. Em
conformidade às regras estabelecidas pelo jus in bello,
foram distinguidas as ações bélicas lícitas daquelas
ilícitas753.
2.1.1. É Teoria Intermediária: Belicista e Pacifista.
A teoria da guerra justa é a primeira em ordem
cronológica e, segundo Bobbio, é também a primeira a ser
posta em crise pelo surgimento da guerra moderna. O
surgimento da guerra atômica deu-lhe somente o golpe de
misericórdia.
O procedimento lógico usado por essa teoria é a
distinção entre duas classes de guerras: nem todas as guerras
Cfr. IDEM, “La resistenza: una guerra civile?” (1992), in DalFaD,
p. 151.
753
283
são iguais, portanto, não são todas igualmente condenáveis;
existem guerras injustas, portanto condenáveis; existem
guerras justas, portanto aprováveis.
São justas, conseqüentemente lícitas, por exemplo, as
guerras sustentadas por legítima defesa. São injustas,
conseqüentemente ilícitas, por exemplo, as guerras de
agressão ou de conquista.
O critério da “distinção” é ditado pelo Direito
Natural, cuja regra fundamental prescreve a conservação
da vida. A primeira regra derivada desse “direito” é aquela
que, autorizando os homens a fazer tudo o que é em seu
poder para a conservação da “própria” vida, justifica o uso
da força para responder à força: vim vi repellere licet.
Do princípio natural que “autoriza” o uso da força
para responder à força, deriva a possibilidade de qualificála, às vezes como “lícita” e às vezes como “ilícita”, segundo
que seja direcionada a “violar” um direito ou a “restaurálo”754.
Enquanto teoria intermediária entre as “teorias”
belicistas e aquelas pacifistas, a teoria da guerra justa
desempenhou duas funções diferentes na História: às vezes
foi acolhida para negar a validade das teorias belicistas; às
vezes foi acolhida para negar a validade das teorias
pacifistas.
No renascimento do Jus-naturalismo, segundo
Bobbio, depois da Primeira Guerra, a teoria da guerra justa,
há tempos abandonada, foi “ressuscitada” para cumprir a
função contrária: tratou-se, dessa vez, de refutar as teorias
realistas da História e da Política que havia, em diversos
Cfr. IDEM, “Il conflitto termonucleare e le tradizionali
giustificazioni della guerra” (1962), in TerAs, p. 24.
754
284
modos, exaltado a guerra e chegaram à conclusão que todas
as guerras são lícitas755.
2.1.2. A Guerra como Procedimento Judicial.
Em cada procedimento judicial, distinguem-se o
processo de cognição e o processo de execução.
À primeira vista, pode parecer que a guerra sirva a
justificar essa comparação com o procedimento judiciário
naquilo que se refere à execução: a guerra como execução
forçada ou como pena, ou seja, a guerra como sanção; a
força ao serviço do Direito.
Sob o aspecto do processo de cognição, a teoria da
guerra justa mostrou uma grave fraqueza, ao menos por
duas razões: um processo de cognição é tanto mais capaz de
assegurar a discriminação do justo e do injusto, portanto de
estabelecer uma linha de confim entre a razão e o erro;
quanto mais se inspira aos dois princípios fundamentais da
certeza dos critérios de juízo e da imparcialidade de quem
deve julgar.756
Segundo Bobbio, na declaração e na atuação de uma
guerra, nenhum princípio desses vem respeitado: não vem
respeitado o princípio da certeza dos critérios de juízo,
porque a longa tradição de teorias sobre a guerra justa faliu
exatamente na tentativa de estabelecer um conjunto de
critérios de justiça comumente aceitos; não existia guerra
que não encontrasse nesta ou naquela doutrina o próprio
critério de justificação.
Na declaração e na atuação de uma guerra, observou
Bobbio, não vem respeitado o princípio da imparcialidade
Cfr. IDEM, “Il problema della guerra e le vie delle pace” (1966), in
ProbGP, pp. 57-59.
756
Cfr. Ibidem, p. 58.
755
285
de quem deve julgar, porque quem decide sobre a justiça ou
a injustiça da guerra é pars in causa; não é um juiz super
partes. Daqui a situação inconveniente: uma guerra poderia
ser justa de ambas as partes757.
Segundo Bobbio, também em relação ao processo de
execução a comparação entre guerra e procedimento
judiciária é falaz.
Por sanção entende-se um mal qualquer infligido
àquele que violou uma regra jurídica. A “derrota” em uma
guerra é, certamente, um “mal”: mas que garantias uma
guerra oferece de que a “pena” será infligida a quem
cometeu o “delito”?
Se a guerra fosse um “procedimento judiciário”, seria
um procedimento anômalo, que não puniria o “delinqüente”,
mas puniria o mais “fraco”. Verificar-se-ia a situação em
que a força não estaria a serviço do Direito, observou
Bobbio, mas o Direito estaria a serviço da força.
Qualquer procedimento judiciário é instituído com
escopo de fazer vencer quem há razão, mas o resultado da
guerra é exatamente o oposto: seu escopo é dar razão a
quem venceu758.
Segundo Bobbio, o escopo principal de um
procedimento judiciário, ao interno de um ordenamento
jurídico, é a restauração da Ordem Constituída. A sua
função é eminentemente conservadora; mas a guerra não há
sempre uma função restauradora: freqüentemente as guerras
que aparecem justas à opinião pública mais avançada não
têm o escopo de conservar o status quo, mas de subvertêlo759.
Cfr. Ibidem, pp. 58-59.
Cfr. Ibidem, p. 59
759
Cfr. Ibidem, pp. 59-60.
757
758
286
Diante de uma guerra concebida como “revolução”, a
distinção entre guerra justa e injusta não há nenhuma razão
de ser: em relação ao Ordenamento contra o qual se move, a
revolução é sempre, por definição, injusta.
A justificação da revolução vem “depois” de
terminado o conflito, quando o novo Ordenamento é
constituído: e é nesse novo Ordenamento, não no velho, que
a revolução encontra a própria legitimidade.
A teoria da guerra justa considerava a “guerra” como
um procedimento apto a reconstituir a ordem, não a
subvertê-la760.
760
Cfr. Ibidem, p. 60.
287
2.1.3. A Guerra de Defesa na Era Atômica.
Segundo Bobbio a guerra de defesa, enquanto guerra
justa foi justificada em base ao princípio jurídico e moral da
legítima defesa: vim vi repellere licet.
A guerra de defesa strictu senso é possível somente
em base ao princípio da “proporcionalidade” entre delito e
castigo. Ele perguntou-se se a estratégia da guerra atômica
ainda permite manter a distinção entre guerra de ataque e
guerra de defesa761. Numa guerra termonuclear, a atuação
rigorosa do princípio da “proporcionalidade”, ao máximo,
levaria ao suicídio universal762.
Em uma palavra, existem dois modos tradicionais de
entender a guerra de defesa: strictu senso, como resposta
violenta a uma violência atual; lato senso, como resposta
violenta a uma violência somente temida ou ameaçada, isto
é, como guerra preventiva763.
Não considerando a guerra tradicional, mas a guerra
nuclear, perguntou-se Bobbio se há sentido aplicar a esta a
distinção entre guerra justa e injusta. Existe a possibilidade
de distinguir uma guerra atômica justa, daquela injusta?
Bobbio nos apresentou duas hipóteses.
Primeiro, o emprego de armas atômicas para
responder a um ataque conduzido com armas tradicionais;
nesse caso encontramo-nos manifestamente, tamanha é a
desproporção entre os dois tipos de armas, diante daquela
situação que qualquer jurista não hesitaria a qualificar como
excesso de legítima defesa, portanto, defesa ilícita.
Cfr. Ibidem, pp. 60-61.
Cfr. Ibidem, p. 61.
763
Cfr. Ibidem, pp. 60-61.
761
762
288
Segundo, o emprego de armas atômicas para
responder a um ataque conduzido com armas atômicas764;
os peritos dizem que nesse caso aquele que se “defende” já
perdeu a guerra.
Na era atômica, o conceito mesmo de guerra de
“defesa” perdeu todo e qualquer significado. A guerra
atômica anula a distinção entre guerra justa e guerra
injusta, porque rende impossível a guerra de legítima
defesa. A era atômica admite um único tipo de guerra:
aquela do primeiro ataque765.
2.1.4. A Guerra de Defesa Preventiva na Era
Atômica.
A guerra de defesa preventiva, combatida com armas
atômicas, é “justificada” em base ao princípio que a defesa
deve ser proporcionada ao ataque real ou temido, “somente”
num sistema bipolar ou multipolar de Potências atômicas.
Em tal sistema, porém, a guerra preventiva atingiria o
seu escopo somente “se” conseguisse, com o primeiro
“ataque”, destruir o aparato termonuclear da Potência
adversária, impedindo o contra-ataque.
O contra ataque atômico, quando ainda fosse possível,
arriscaria de superar a margem de destruição “tolerável”
pela Potência atacante766.
Ainda nesse caso, segundo Bobbio, a guerra de
defesa atômica parece mais como um “projeto” que como
um evento realizável. O que nos leva a concluir que, no
Cfr. IDEM, “Il conflitto termonucleare e le tradizionali
giustificazioni della guerra” (1962), in TerAs, pp. 24-25.
765
Cfr. Ibidem, p. 25.
766
Cfr. IDEM, “Il problema della guerra e le vie delle pace” (1966), in
ProbGP, p. 61.
764
289
atual estado dos fatos, o aparato termonuclear é um meio
mais para desencorajar a guerra alheia do que para atuar
a guerra própria.
A não ser que se queira desencadear uma guerra de
tamanha brutalidade que tenderia a realizar uma situação
totalmente oposta àquela sobre a qual se funda a guerra de
defesa. Não a situação da igualdade entre delito e castigo,
mas aquela do delito não punido. É óbvio, porém, que nesse
caso estaríamos fora da guerra de defesa e cairia toda
possibilidade de sua justificação767.
Existem, porém, teorias justificadoras da guerra que
resistem à prova da guerra termonuclear. Bobbio agrupou-as
em duas grandes “classes”: aquelas que consideram a guerra
como um evento providencial – predominantemente como
um castigo divino; e aquelas que consideram a guerra como
um evento da evolução natural – por exemplo, todas as
teorias darwinistas sobre a guerra como meio de seleção ou
de sobrevivência dos mais aptos768.
Por aquilo que se refere à primeira classe, é claro que
se as guerras são expressões de um desígnio divino,
observou Bobbio, não existe razão para excluir que dentre
os desígnios da providência esteja incluída também a
destruição total do gênero humano.
Do princípio e do fim da Humanidade, não obstante
todas as cosmogonias e as filosofias da História, não se
sabem nada além daquilo que se imputam fideisticamente
ou hipoteticamente, a um Ser Supremo.
Cfr. R. ARON, Paix et guerre entre les nation, Calmann-Lévy,
Paris 1962, trad. it., Pace e guerra tra le nazioni, Edizioni di
Comunità, Milano 1970, 1983². Cfr. N. BOBBIO, “Il problema della
guerra e le vie delle pace” (1966), in ProbGP, pp. 61-62.
768
Cfr. N. BOBBIO, “Il conflitto termonucleare e le tradizionali
giustificazioni della guerra” (1962), in TerAs, p. 28.
767
290
Para um Ser Supremo que age livremente sem pedir o
nosso parecer, tanto a continuação quanto o fim da Espécie
Humana são eventos possíveis769.
2.2. Teorias Providencialísticas.
Contra a teoria da guerra justa que distinguiu
guerras boas e guerras más, a Filosofia da História, mesmo
partindo da comum aceitação da guerra como mal, inverteu
o seu sentido. Buscou demonstrar que se trata de um mal
que esconde um bem ou de um mal do qual deriva um bem.
No primeiro caso, observou Bobbio, a tarefa do
filósofo da História seria de fazer emergir o sentido
“profundo” e “misterioso” dos eventos históricos. No
segundo, de mostrar a “concatenação” dos acontecimentos
que permite de colocar um evento isolado num contesto e,
portanto, de considerá-lo como a parte de um todo.
Essas duas “justificações” correspondem a dois
“modelos” diferentes de Filosofia da História: o modelo
providencialístico, segundo o qual todo acontecimento há
um sentido – concepção, portanto essencialmente dualística;
e o modelo finalístico, segundo o qual todo acontecimento
há o sentido que lhe vem da sua justa colocação dentro do
movimento global da História – concepção essencialmente
monística770.
Segundo Bobbio, do modelo providencialístico
podem-se dar duas versões: aquele providencialístico
teologizante – a História como desígnio divino; e aquele
Cfr. Ibidem, p. 29.
Cfr. IDEM, “Il problema della guerra e le vie delle pace” (1966), in
ProbGP, p. 67.
769
770
291
providencialístico racionalizante – a História como desígnio
da Natureza, ou do espírito do Mundo, ou da Razão.
2.2.1. Teoria Providencialística Teologizante.
Como exemplo dessa concepção providencialística
teologizante Bobbio tomou as páginas sobre a guerra das
Soirées de St. Petersbourg de Joseph De Maistre.
Um conde, um senador e um cavalheiro discutem o
problema do mal no Mundo; tocados pelo espetáculo do
triunfo dos malvados e da derrota dos bons, vão à busca de
uma razão deste “aparente” paradoxo da Justiça Divina.
Segundo J. De Maistre, uma solução de tal
“paradoxo” pode ser encontrada somente por quem sábia
perceber que a história profana é também sagrada.
A guerra também obedece a um decreto divino: se
não existisse a fúria destruidora da guerra, não poderia ser
atuada, entre os homens, a lei universal da violência
segundo a qual a Natureza toda e o Homem submetem-se à
necessidade do extermínio universal771.
Segundo J. De Maistre, com a guerra cumpre-se
ininterruptamente a grande lei da destruição dos seres
viventes. A Terra inteira, continuamente embebida de
sangue, é um imenso Altar, onde tudo aquilo que vive deve
ser imolado sem fim, sem medida, sem trégua, até a
consumação das coisas; até a morte da morte772.
A metáfora do “Altar” exprime bem o processo de
sacralização da História – mesmo se de uma sacralidade
“horrível”, sanguinária e cruel: nesta História “sagrada” ou
Cfr. Ibidem, pp. 67-68.
Cfr. J. DE MAISTRE, Soirées de St. Petersbourg, Bruxelles 1838,
vol. II, p. 24.
771
772
292
“consagrada”, a guerra assume a figura de um contínuo
sacrifício ao “Deus” sedento de sangue773.
Ainda segundo De Maistre, a guerra é divina em si
mesma, porque é uma Lei do Mundo. A guerra é divina na
Glória Misteriosa que a circunda, e na atração não menos
inexplicável que nos impulsiona rumo a ela774.
Acompanhado pelo democrático P. J. Proudhon que no seu
La guerra et la paix diz:
Viva a guerra! É por ela que o Homem, apenas saído
do barro, ergue-se na sua majestade e no seu valor775.
Bobbio ainda citou o “lúgubre hino do necróforo” G.
Papini, ao aproximar-se da Primeira Guerra:
O Futuro, como os antigos deuses das florestas,
precisa de sangue sobre sua estrada. Precisa de vítimas
humanas, de carnificinas. O sangue é o vinho dos Povos
fortes. Precisamos de cadáveres para calçar as estradas de
todos os triunfos776.
Segundo Bobbio, diante de tanta “demência” não
ocorre nem mesmo uma refutação; basta uma pergunta à
qual toda resposta é supérflua:
Cfr. N. BOBBIO, “Il problema della guerra e le vie delle
pace” (1966), in ProbGP, p. 68.
774
Cfr. J. D. DE MAISTRE, Les soirées de Saint-Pétersbourg,
Bruxelles 1938, v. II, p. 25, trad. it. Le serate di Pietroburgo o
Colloqui sul governo temporale della Provvidenza, Rusconi, Milano
1971, 1986, p. 399; citado por N. BOBBIO, “Il conflitto
termonucleare e le tradizionali giustificazioni della guerra” (1962), in
TerAs, p. 27.
775
Cfr. P. J. PROUDHON, La guerra et la paix, I, p. 38.
776
Cfr. G. PAPINI, “La vita non è sacra” (1913), in La cultura italiana
del ‘900 attraverso le riviste, Einaudi, Torino 1961, IV, p. 207; citado
por N. BOBBIO, “Il conflitto termonucleare e le tradizionali
giustificazioni della guerra” (1962), in TerAs, pp. 27-28.
773
293
Quem, diante do “pesadelo” de uma guerra
termonuclear, poderia abandonar-se a semelhantes
delírios?777
As frases de G. Papini fazem “horror”, mas, observou
Bobbio, foram realmente pronunciadas.
Em 1962, Bobbio escreveu: Existe alguém que teria a
coragem de repeti-las?
A única atenuante para todos esses “celebrantes” da
violência é de não haverem imaginado uma violência tão
monstruosa capaz de mudar radicalmente a nossa atitude
diante da guerra: não se trata mais do medo de morrer, mas
da vergonha de sobreviver, Bobbio concluiu aterrorizado.
Citando o livro do Eclesiastes, Bobbio disse ainda:
Preferi os mortos àqueles que vivem; e mais feliz de
uns e dos outros julguei ser aquele que ainda não nasceu, e
não viu os males que se fazem sob o Sol778.
2.2.2. Teoria Providencialística Racionalizante.
Como exemplo da concepção providencialística
racionalizante, na qual a providência assume o aspecto não
mais de uma Vontade Divina Caprichosa, mas de uma
Sabedoria Infinita que envolve todo ato humano a fim de
bem, Bobbio citou I. Kant, na Crítica do Juízo, 1790.
Trabalhando o sublime dinâmico da Natureza, I. Kant
disse: o objeto da máxima admiração, mesmo para o
“selvagem”, é um homem que não teme nada, que não se
assusta por nada, que não cede diante do perigo, mas que
ao mesmo tempo desce energicamente à ação com plena
reflexão: o guerreiro.
Cfr. Eclesiástes, 4, 1-3; N. BOBBIO, “Il conflitto termonucleare e
le tradizionali giustificazioni della guerra” (1962), in TerAs, p. 28.
778
Cfr. Ibidem.
777
294
Mesmo no Estado Civil mais refinado, continuou
Kant, permanece esta estima singular pelo Guerreiro; e
somente requer-se que ele mostre ao mesmo tempo todas as
virtudes da paz, a doçura, a piedade, e por fim um cuidado
conveniente da pessoa, porque exatamente nisto reconhecese a invencibilidade do seu ânimo diante do perigo.
Portanto, concluiu Kant, poder-se-á discutir quanto
se queira para decidir a quem compete a preferência na
nossa estima, se ao Homem de Estado ou ao Guerreiro; o
juízo estético é pelo Guerreiro.
Até mesmo a guerra, afirmou Kant, quando é
conduzida com ordem e com o sagrado respeito pelos
direitos civis, há em si alguma coisa de sublime e rende o
caráter do Povo, que a faz nesse modo, tanto mais sublime
quanto mais numerosos foram os perigos a que se expôs e
mais corajosamente afirmou-se neles; invés uma longa paz,
normalmente, dá o predomínio ao simples espírito
mercantil e, portanto, ao baixo interesse pessoal, à
covardia e à moleza, abaixando o caráter e a mentalidade
do Povo779.
Trabalhando o escopo último da Natureza enquanto
sistema teleológico, I. Kant afirmou que na falta de um
Sistema Cosmopolita e pelos obstáculos que a ambição, o
desejo de dominar e a avidez, especialmente junto àqueles
que têm em mãos o poder, opõem também à possibilidade
de tal desígnio, é inevitável a guerra.
Continua Kant: a guerra, que é uma empresa
desconsiderada dos homens (suscitada pelas suas paixões
desenfreadas), talvez esconda profundamente algum
desígnio da Sabedoria Suprema; ao menos para preparar,
senão para estabelecer, a conciliação da legalidade com a
779
Cfr. I. KANT, Kritik der Urteilskraft (1790), § 28.
295
liberdade nos Estados; portanto a união destes num
Sistema moralmente fundado.
Concluiu ele: apesar das calamidades terríveis com
que a guerra oprime o gênero humano e os males talvez
maiores que derivam da sua constante preparação em
tempo de Paz é um estímulo a mais a desenvolver, ao
máximo grau, todos os talentos que servem à cultura
(enquanto vem sempre mais afastada a esperança da calma
na felicidade pública)780.
Segundo Bobbio, este passo da Crítica do juízo, 1790,
recebeu sua luz de um opúsculo precedente, Idéia de uma
história universal do ponto de vista cosmopolita, 1784; no
qual Kant propôs-se expressamente de ver se é possível
descobrir, no curso contraditório das coisas humanas, um
desígnio da Natureza.
A resposta de Kant foi que o meio de que a Natureza
serve-se para atuar o desenvolvimento de todas as
disposições do Homem é o “antagonismo”, através do qual
o Homem é induzido a desenvolver as suas qualidades
melhores e a passar, contra a sua vontade, da barbárie à
civilização.
Sem esta tendência à insociabilidade, o Homem teria
ficado manso, dócil e servo como as ovelhas que pastam.
Renda-se, segundo ele, graças à Natureza pela
intratabilidade que gera, pela invejosa emulação da vaidade,
pela avidez nunca satisfeita de haveres e também de
domínio. Sem elas, todas as excelentes disposições naturais
ínsitas na humanidade permaneceriam eternamente
adormentadas.
Não é dito que o antagonismo sempre desemboque na
luta cruenta; mas é certo que a luta cruenta é uma forma,
mesmo se “a” forma extrema, de “antagonismo”. Bobbio
780
Cfr. Ibidem, § 83, p. 551.
296
observou que a distinção entre o sentido profano e o sentido
arcano da História é expressa por Kant nitidamente, no
seguinte passo:
O Homem quer a concórdia; mas a Natureza sabe
melhor do que ele aquilo que é bom para a sua Espécie: ela
quer a discórdia.
E ainda com maior força:
O homem quer viver comodamente e prazerosamente;
mas a Natureza quer que ele, saído do estado de preguiça e
de satisfação inativa, enfrente dores e fadigas para inventar
os meios onde livrar-se com a sua habilidade também
deles781.
Segundo Bobbio, não obstante essa evocação das
duas chaves com que se pode ler o “livro” secreto da
História, a concepção providencialística racionalizante,
aproxima-se à concepção finalística, segundo a qual todo
evento pode ser compreendido e justificado somente se
inserido num contexto mais amplo.
Efetivamente, nos dois passos kantianos acima, a
guerra aparece às vezes como mal aparente, às vezes como
mal necessário; ou até mesmo como mal aparente enquanto
necessário.
Entende-se que aqui se fala de necessidade
teleológica não de necessidade causal: em outras palavras,
por mal necessário entende-se um mal não “causalmente” –
no sentido da causa eficiente – mas teleologicamente
necessário, isto é, um mal que deve acontecer não porque é
o efeito de uma causa, mas porque é o meio para atingir um
fim desejado.
Cfr. Ibidem, p. 128; N. BOBBIO, “Il problema della guerra e le vie
delle pace” (1966), in ProbGP, pp. 69-70.
781
297
Diante de um mal “causalmente” necessário não se
põe nem mesmo o problema da sua justificação: o único
problema que se pode pôr é aquele da sua explicação782.
2.3. Teorias Finalísticas.
Quanto às teorias biológicas, se a guerra é um fato
natural inerente à mesma estrutura e “finalidade” da
Natureza não se sabe o quê objetar à hipótese que a guerra
atômica seja um evento a ser inscrito nessa estrutura; e a
destruição da Humanidade, um evento a ser atribuído àquela
finalidade.
Para essas teorias finalísticas a guerra não é mais o
objeto de uma avaliação moral, mas de uma mera
constatação: a guerra é um “fato”; tanto a guerra tradicional
quanto a guerra termonuclear783.
Enquanto “fato” natural, pode ser submetido a um
mero juízo de realidade, de necessidade ou de
possibilidade: não existem dúvidas de que a guerra
termonuclear seja, pelo menos, um evento possível – mesmo
se ainda não foi “real” e, segundo Bobbio, não existam
provas suficientes para afirmar que seja um evento
necessário784.
Essa concepção reconhece a guerra como um “mal”,
mas um mal do qual nasce um bem; em tão estreita
interdependência que não existiria aquele bem senão tivesse
existido esse mal.
Cfr. N. BOBBIO, “Il problema della guerra e le vie delle
pace” (1966), in ProbGP, pp. 70-71.
783
Cfr. IDEM, “Il conflitto termonucleare e le tradizionali
giustificazioni della guerra” (1962), in TerAs, p. 29.
784
Cfr. Ibidem, p. 29.
782
298
Segundo Bobbio, tais teorias são a conseqüência
daquelas concepções da histórica que explicam o progresso
histórico como produto de um movimento dialético de
afirmação e negação; ainda mais de toda Filosofia da
História que concebe todo tipo de conflito e de antagonismo
como um elemento indispensável para o progresso
humano785.
Um mal teleologicamente necessário é um bem,
observou Bobbio, mesmo se um “bem meio” em relação a
um “bem fim”: um mal considerado como bem meio é um
mal justificado786.
Por quanto dura, áspera e dolorosa seja a guerra,
segundo essa concepção, ela é uma via obrigatória pela qual
passa a História; como história do progresso humano787.
2.3.1. A Guerra é Mal Menor.
Segundo Bobbio, a teoria da guerra como mal menor
pode ser formulada nos seguintes termos: enquanto “mal”, a
guerra contrapõe-se a um bem; o bem ao qual se contrapõe é
aquele da Paz; mas a Paz é realmente o bem supremo?
Se respondermos que a paz não é sempre o bem
supremo, mas é um bem entre outros bens, como por
exemplo, a liberdade, a honra nacional, a religião e o bem
estar; como tal não é também um fim absoluto, mas é um
fim que vem em concorrência, segundo as circunstâncias
objetivas e as aspirações subjetivas diferentemente
entrelaçadas com outros fins.
Cfr. Ibidem, p. 26.
Cfr. IDEM, “Il problema della guerra e le vie delle pace” (1966), in
ProbGP, p. 71.
787
Cfr. Ibidem.
785
786
299
Põe-se, portanto, a premissa para sustentar que a
guerra, enquanto o contrário da paz, não é um “mal
absoluto”, mas é um mal cuja gravidade deve ser, vez por
vez, avaliado e posto em confronto com a gravidade dos
males concorrentes788.
Segundo Bobbio, não se pode excluir que através
dessa “avaliação” uma guerra possa ser considerada
preferível ou até mesmo desejável, em certos casos. Por
exemplo, quando se considere que ela sirva, através da
perda do bem considerado “menor” – a Paz – a evitar um
mal considerado “maior”; por exemplo, a perda da
liberdade.
Rigorosamente falando, observou Bobbio, somente o
sistema hobbesiano, dentre todos os sistemas éticos do
Pensamento Moderno, é fundado sobre a preeminência do
valor da paz sobre todos os outros valores. Portanto, sobre a
consideração da guerra como mal absoluto.
Historicamente, invés, a mais comum e cômoda
“ideologia” da guerra é aquela que, contrapondo o bem da
paz ao bem da liberdade ou da honra, proclama:
Melhor a morte que a escravidão!
Melhor a morte que a desonra!789
Pondo-se diante da “possível” guerra termonuclear,
perguntou-se Bobbio:
Podemos ainda considerá-la um mal menor?790
Seria possível somente a uma condição, respondeu
ele: conseguir atribuir a esse tipo de guerra o caráter de
um fim entre outros fins. Mas não é ela mesma, se a
consideramos segundo a perspectiva do possível
Cfr. IDEM, Il conflitto termonucleare e le tradizionali
giustificazioni della guerra” (1962), in TerAs, pp. 25.
789
Cfr. Ibidem, pp. 25-26.
790
Cfr. Ibidem, p. 26.
788
300
aniquilamento da Espécie Humana, uma finalidade última;
até mesmo, “o” fim?
Segundo Bobbio, a escolha entre “fins” pressupõe
uma alternativa. Perguntou ainda ele:
A guerra termonuclear é uma alternativa?
Uma alternativa em relação a qual outra
possibilidade existencial?791
Diante das guerras do passado pode ser ainda
“razoável” falar de alternativa entre paz e liberdade, entre
paz e justiça, entre paz e honra. Mas diante da “possível”
guerra nuclear, ainda poderia ser proposta a alternativa:
liberdade ou suicídio universal? Quem gozaria das
vantagens dessa liberdade?
Se pudermos propor ainda uma “alternativa” à guerra
termonuclear, não seria mais a alternativa tradicional entre
guerra e liberdade, entre guerra e honra nacional; mas,
segundo a análise radical de Günther Anders, entre Ser e
Não-ser; em conformidade à máxima suprema do Niilismo:
Invés do Ser, o Nada.792
2.3.2. A Guerra Serve ao Progresso Moral.
Bobbio citou o pensamento de Hegel como exemplo
da teoria finalística da guerra como necessária ao progresso
moral.
Com estupenda figura de linguagem Hegel escreveu
que a guerra mantém a saúde moral dos povos, como o
agitar-se dos ventos preserva da putrefação à qual uma
calma duradoura reduziria as águas; uma paz duradoura
ou até mesmo eterna reduziria os Povos793.
791
792
Cfr. Ibidem.
Cfr. Ibidem.
301
Bobbio citou também La riforme morale et
intellectuelle, 1872, de E. R. Renan, que escreveu:
O dia em que a Humanidade se tornasse um grande
“Império Romano”, todo paz e sem inimigos externos, seria
o dia em que a moralidade e a inteligência correriam os
seus maiores riscos794.
Também citou F. Nietzsche, o qual afirmou que não
conhecemos outros meios – além das guerras – mediante os
quais se possa comunicar a Povos que vão enfraquecendose, aquela rude energia do campo de batalha, aquele
profundo ódio impessoal, aquele sangue frio homicida com
boa consciência, aquele ardor geral na destruição
organizada pelo inimigo; aquela soberba indiferença rumo
às grandes perdas, rumo à existência própria e àquela das
pessoas caras e àquele subterrâneo aquecimento da alma;
em modo outro tanto forte e seguro quanto o faz toda
“grande” guerra795.
Por aquilo que se refere à contribuição da guerra ao
progresso moral, segundo Bobbio, assume um
paradigmático valor quanto apresentado e comentado por
Güther Anders:
O protagonista da guerra atômica sabe muito bem de
não ser um herói, porque lhe pedem prestações que estão
Cfr. G. W. F. HEGEL, Grundlinien der Philosophie des Rechts, §
324; N. BOBBIO, “Il problema della guerra e le vie delle
pace” (1966), in ProbGP, p. 72.
794
Cfr. E. R. RENAN, La riforme morale et intellectuelle, Paris 1872,
p. 3; G. BOUTHOUL, Le guerre, Longanesi, Milano 1961. Citados
por N. BOBBIO, Il conflitto termonucleare e le tradizionali
giustificazioni della guerra” (1962), in TerAs, pp. 26-27.
795
Cfr. N. BOBBIO, “Il problema della guerra e le vie delle
pace” (1966), in ProbGP, pp. 72-73. Aqui citamos a partir da trad. it.
F. NIETZSCHE, Umano, troppo umano, Adelphi, Milano 1965, p.
265.
793
302
entre aquelas do autômato e aquelas do campeão esportivo.
Mas depois do “fato”, descobre de ter sido uma simples
engrenagem, condicionado nas suas reações até à
irresponsabilidade, de uma imensa máquina de morte796.
Não somente sabe, observou Bobbio, de não ser um
herói, mas percebe de ser um “miserável” pecador; e
arrepende-se e consuma-se no remorso até a beira da
loucura. A guerra exaltada como fecundante de virtudes
sublimes, inverte-se em ocasião e instigação à forma mais
baixa, escandalosa e súbdola, de crime contra a
Humanidade.
Segundo Bobbio, lá onde se dizia e fingia-se de crer
que a guerra elevasse os “animais”, agora se aprende que, ao
contrário, humilha-os, deprime-os, leva-os à desesperação.
Ao lugar da imagem hegeliana do vento sobre o
palude, entra aquela bobbiana mais apropriada: tempestade
sobre uma frágil colheita797.
2.3.3. A Guerra Serve ao Progresso Civil.
A consideração da guerra entre os, assim chamados,
fatores de civilização é um dos traços comuns de toda
filosofia do progresso: a guerra é um grande meio de
comunicação entre os homens.
Segundo esta teoria, através da guerra as civilizações
chocam-se e misturam-se; as civilizações superiores
subjugam as inferiores; procedem a uma simultânea e
gradual “humanização” das instituições; e a uma lenta, mas
inexorável, unificação do Gênero Humano.
Cfr. N. BOBBIO, “Il problema della guerra e le vie delle
pace” (1966), in ProbGP, pp. 75-76.
797
Cfr. Ibidem, p. 76.
796
303
Carlo Cattaneo, nas suas lições Del diritto e della
morale, observou Bobbio, exprimiu com particular clareza
esta communis opinio: a guerra é perpétua sobre a Terra. A
guerra com a conquista, a escravidão, os exílios, as colônias
e as alianças põe em contato entre elas as mais remotas
Nações; faz nascer da sua mistura novas estirpes, línguas,
religiões e novas Nações mais civilizadas; ou seja, mais
largamente sociais; funda o Direito das Gentes, a Sociedade
do Gênero Humano e o mundo da Filosofia798.
Bobbio observou que vinte anos de guerra não
haviam dissuadido Victor Cousin do luminoso e confortante
pensamento a seguir: tudo é perfeitamente justo neste
Mundo, a felicidade e a infelicidade são distribuídas como
devem ser. Aproximava a função da guerra que unifica as
verdades parciais praticamente, à função da Filosofia que as
unifica teoricamente.
Depois de haver sentenciado que a raiz indestrutível
da guerra está na natureza das idéias dos diferentes Povos
que são necessariamente hostis, agressivas e tirânicas,
concluía que a guerra não é outro que uma troca
sanguinária de idéias a golpes de espada e de canhão.
Acrescentou Bobbio, a Filosofia é uma troca pacífica de
idéias a golpes de argumentos prós e contra799.
Cfr. C. CATTANEO, Scritti filosofici, Le Monnier, Firenze 1960,
vol. III, pp. 339-340: […] la guerra è perpetua sulla terra. Ma la
guerra stessa colla conquista, colla schiavitù, cogli esili, colle
colonie, colle alleanze pone in contatto fra loro le più remote nazioni;
fa nascere dalla loro mescolanza nuove stirpi e lingue e religioni e
nuove nazioni più civili, ossia più largamente sociali; fonda il diritto
delle genti, la società del genere umano, il mondo della filosofia. Cfr.
ainda N. BOBBIO, “Il problema della guerra e le vie delle
pace” (1966), in ProbGP, p. 73.
799
Cfr. V. COUSIN, “Introduction à l’histoire de la philosophie”,
1828, in Oeuvres, Bruxelles 1840, tomo I, p. 71; N. BOBBIO, “Il
798
304
Essa teoria da guerra fora abandonada desde quando
os primeiros intérpretes da Civilização Industrial nascente
haviam antevisto, no melhoramento e na intensificação das
comunicações, um meio de troca e da unificação mais
potente e mais seguro do que o choque cruento, próprio das
Sociedades feudais e militares800.
Segundo Bobbio, o “espectro” da guerra atômica pôs
definitivamente em crise essa teoria. Não se pode excluir
que depois da guerra atômica nos encontraríamos diante de
um “mundo” mais unificado:
Qual Mundo?
Não se pode excluir nem mesmo que nos
encontraríamos diante de um “mundo” mais desarticulado,
mais fracionado e mais dividido. Na realidade, observou
Bobbio, não sabemos nada. A novidade da guerra atômica
é tão grande que torna impossível qualquer previsão daquilo
que seria o “mundo” depois dela. Portanto torna impossível
“propor” qualquer Filosofia do Progresso fundada sobre a
previsão de um desenvolvimento da Humanidade numa
certa direção801.
Segundo Bobbio, a guerra atômica não só desnuda de
toda força persuasiva as justificações da guerra fundadas na
Teoria do Progresso, mas desmente-a em todas as suas
formas: se o progresso não é mais garantido, significa que
essa teoria é falsa802.
problema della guerra e le vie delle pace” (1966), in ProbGP, pp.
73-74.
800
Cfr. N. BOBBIO, “Il problema della guerra e le vie delle
pace” (1966), in ProbGP, p. 76.
801
Cfr. Ibidem.
802
Cfr. Ibidem, pp. 76-77.
305
2.3.4. A Guerra Serve ao Progresso Técnico.
Que as capacidades inventivas do Homem sejam
estimuladas pela pesquisa de meios, sempre mais
“potentes”, para vencer e destruir o adversário é uma antiga
constatação que recebeu contínuas confirmações.
Bobbio citou um passo da Introdução à ciência social
de Herbert Spencer, onde diz que ao corresponder às
imperiosas exigências da guerra, a Indústria fez grandes
progressos e ganhou muito em capacidade e destreza.
Segundo H. Spencer deve-se pôr em dúvidas se, em
ausência do exercício da habilidade manual despertada
primeiramente pela construção das armas, nunca teriam
sido construídos os instrumentos requeridos pela
agricultura e pelas manufaturas.
Remontando à idade da pedra, observou Spencer,
veremos que os utensílios destinados à caça e à guerra são
aqueles em que se revela maior fadiga e destreza803.
Segundo Bobbio, com a passagem da Filosofia da
História à Sociologia, a “idéia” de progresso foi substituída
pela idéia de evolução. Tal “idéia” de evolução é ligada a
uma concepção monista e naturalística da realidade, pela
qual o mundo da Cultura ou da História é um
prolongamento do mundo da Natureza. Portanto o finalismo
do “mundo humano” deve ser interpretado à luz do
finalismo da Natureza804.
Máxima expressão dessa interpretação da História foi,
na segunda metade do século XIX, o Darwinismo Social,
Cfr. H. SPENCER, Introduzione alla scienza sociale, Bocca, Torino
19044, p. 181; N. BOBBIO, “Il problema della guerra e le vie delle
pace” (1966), in ProbGP, p. 74.
804
Cfr. N. BOBBIO, “Il problema della guerra e le vie delle
pace” (1966), in ProbGP, p. 74.
803
306
que fez da luta pela existência, a “guerra” como meio para a
sobrevivência dos mais aptos, um dos cânones da sua
interpretação do Pregresso. Segundo Bobbio, essa
interpretação ofereceu argumentos e pretextos às mais
irresponsáveis exaltações da guerra805.
No filão desse Darwinismo Social encontram-se, por
aquilo que se refere à apologia da violência, tanto os
profetas do Niilismo, quanto os anunciadores de uma
Sociologia realística “desmistificadora”.
Segundo Bobbio, para esses escritores não é nem
mesmo exato falar da guerra como mal necessário, como
bem - meio: a guerra, e em geral a violência, comparada ao
“fogo regenerador”, ao incêndio que destrói e purifica,
suscitava admiração e respeito neles ao ponto de ser
“saudada” como o evento que teria salvado a Civilização do
imbele pacifismo democrático e burguês806.
Segundo Bobbio, a julgar das “grandes” descobertas
científicas e das suas “aplicações”, da potência destruidora
das armas e dos vôos espaciais nas últimas décadas do
século XX, essa “contribuição” é inegável. Mas o problema
do progresso técnico-científico continua sempre um
problema dos “meios” que não pode ser separado do
problema dos “fins”.
Para quem considera de dever dar uma “avaliação” da
relação entre guerra e progresso técnico-científico, observou
Bobbio, o problema é outro: trata-se de pôr em um dos
pratos da “balança moral” o desenvolvimento técnicocientífico e, no outro, o progressivo aumento da
probabilidade da exterminação da Humanidade;
Cfr. Ibidem, pp. 74-75.
Cfr. Ibidem, p. 75; IDEM, “Filosofia della guerra nell’era
atomica” (1965), in TerAs, pp. 41-42.
805
806
307
conseqüência do progressivo desenvolvimento técnicocientífico guiado por escopos de guerra807.
Segundo Bobbio, o século XX foi o século da
violência levada às extremas conseqüências porque foi o
século de Auschwitz e de Hiroshima808. Em uma palavra, foi
o século da bomba atômica809.
Basta ver alguma fotografia da cidade de Hiroshima,
depois da bomba atômica, para rejeitar com “horror” a idéia
de que o progresso humano deva passar, necessariamente,
por essa estrada.
Pensando-se que uma “Terceira” Guerra seria
milhares de vezes mais destruidoras a idéia do nexo entre
progresso e guerra pode ser somente a expressão de um
macabro delírio810.
O progresso da Humanidade pressupõe a existência
do Homem sobre a Terra, observou Bobbio. A guerra
termonuclear, porém, torna possível aquilo que ele chamou
o auto-assassínio total do Homem.
Surge, então, espontaneamente a pergunta:
Progresso para quem?
Toda teoria do progresso tende a colher em cada
evento, em cada série de eventos decisivos, um momento da
História. Não conseguimos ver como possa considerar-se
um “momento” também aquela guerra que leva consigo a
perpétua ameaça de ser “a” conclusão da aventura humana
sobre a Terra811.
Cfr. Ibidem, p. 77.
Cfr. IDEM, “La memoria divisa che ci fa essere anomali” (1996), in
ItAmNe, p. 53.
809
Cfr. Ibidem, p. 54.
810
Cfr. IDEM, “Il conflitto termonucleare e le tradizionali
giustificazioni della guerra” (1962), in TerAs, p. 27.
811
Cfr. Ibidem.
807
808
308
3. O Estado de Guerra e os Direitos à Vida e
a Viver.
Neste terceiro momento, trabalharemos o estado de
guerra e os direitos humanos fundamentais à vida e a viver.
Primeiro trabalharemos a “paz” como problema
fundamental; onde conheceremos o pensamento bobbiano
sobre o “flagelo” da guerra, sobre o princípio “inter arma
silent leges” e, por último, sobre o status de guerra
potencial.
Depois, trabalharemos o problema da objeção de
consciência na era atômica; onde conheceremos as
respostas que Bobbio deu às principais teorias justificadoras
da guerra, afirmando que não existem guerras justas; a
guerra não é mal menor, não é mal necessário e não é
inevitável.
309
3.1. “Paz”: Problema Fundamental.
Segundo Bobbio, os problemas fundamentais na
segunda metade do século XX foram os direitos humanos e
a paz, como vimos acima.
Foram fundamentais no sentido que da solução do
problema da paz depende a nossa própria sobrevivência. A
solução do problema dos direitos humanos é o único sinal
certo do progresso civil812.
Bobbio considerou os dois problemas juntos porque
são estreitamente conexos; um não pode existir sem o
outro813.
3.1.1. O “Flagelo” da Guerra.
O direito humano fundamental à vida protege um
valor que é “primordial”: é fundamental por excelência;
condição para todos os demais direitos, como vimos na
segunda etapa dessa pesquisa.
Ora, durante a guerra, bem como durante qualquer
tipo de “hostilidade”, o direito à vida não só não é
“garantido”; mas, às vezes, o Estado beligerante exige o
sacrifício da vida dos próprios cidadãos, sob a ameaça de
graves penas.
Para garantir o direito humano fundamental à vida, os
Indivíduos humanos deram origem, de comum acordo, a um
Poder Comum que há a função primária de garantir a paz
interna: o Estado civil.
Somente a paz permite aos homens de não serem
ameaçados no direito humano fundamental à vida. Este
812
813
Cfr. IDEM, “I diritti dell’uomo e la pace” (1982), in TerAs, p. 92.
Cfr. Ibidem.
310
direito, porém, não é mais “garantido” quando o Estado,
elevado a Poder Comum, encontra-se em guerra com outros
Estados814.
A Carta das Nações Unidas, 1945, declarou a
necessidade de salvar as futuras gerações do flagelo da
guerra que, por duas vezes durante uma mesma geração,
trouxe indizíveis aflições à Humanidade815.
Também a Declaração Universal dos Direitos do
Homem, 1948, considerou que o reconhecimento da
dignidade inerente a todos os membros da Família Humana
e dos seus direitos, iguais e inalienáveis, constitui o
fundamento da paz no Mundo816.
A Conferência Sobre a Segurança e a Cooperação na
Europa, conhecida como Conferência de Helsinki, foi
concluída em 1º de Agosto de 1975. Ela afirmou no
Preâmbulo da sua “declaração” que o objetivo das Nações
signatárias – 33 estados europeus além dos Estados Unidos
e do Canadá – era de contribuir ao melhoramento das suas
relações recíprocas e garantir as condições nas quais os
seus Povos pudessem gozar de uma paz verdadeira e
duradoura; livres de toda ameaça ou atentado à sua
segurança817.
Que o direito à vida venha “desconhecido” em caso
de guerra é elementar, observou Bobbio. Infelizmente, o
estado de guerra não “desconhece” somente o direito
primordial à vida, mas suspende a proteção de todos os
demais direitos humanos fundamentais. Por exemplo, os
direitos de liberdade e todas as demais leis; como afirma o
princípio inter arma silent leges.
Cfr. Ibidem, p. 93-94.
Cfr. Ibidem, p. 92.
816
Cfr. Ibidem, p. 92-93.
817
Cfr. Ibidem, p. 93.
814
815
311
3.1.2. O Princípio Inter Arma Silent Leges.
A guerra estabelece um status de necessidade e todo
estado de necessidade é lei a si mesmo; está acima de toda
Lei natural ou positiva: inter arma silent leges.818
O artigo 15 da Convenção Européia dos Direitos do
Homem, 1950, sustentou textualmente que, em caso de
guerra ou de outro perigo público que ameace a vida da
Nação, qualquer parte contraente pode tomar as medidas
em derroga às obrigações previstas nessa Convenção. A
guerra é “guerra”; não respeita a vida, nem os outros
direitos humanos fundamentais.
Não é nem mesmo necessário o estado de guerra
“efetivo”, observou Bobbio; basta o estado de guerra
“potencial”, a chamada guerra fria, para fazer prevalecer,
em certos casos, a razão de Estado sobre a Razão humana
que “quereria” garantidos os direitos humanos
fundamentais.
A quem considere a História com um olhar
“desapaixonado” não pode passar despercebido que as
relações entre governantes e governados são dominadas
pelo primado da Política Externa sobre a Política Interna.
Mesmo um Estado “internamente” democrático, não hesita
de impor um regime “despótico” ao aliado mais fraco se
este ameaçasse de sair da sua “órbita” de influências819.
A proteção internacional dos direitos humanos
tornou-se difícil senão até mesmo impossível pela mesma
condição que tornou possível a guerra. Esta condição é a
Soberania, de fato, ilimitada dos Estados Soberanos. Hoje,
818
819
Cfr. Ibidem, p. 94.
Cfr. Ibidem.
312
nem todos os Estados, formalmente tais, são “efetivamente”
soberanos820.
3.1.3. O Status de Guerra Potencial.
Em 1981, Bobbio citando dados de alguns anos antes,
disse que as somas necessárias para dar a cada habitante do
Mundo o nutrimento, a água, a educação, as curas e a
habitação necessária foram, então, estimadas em 17 bilhões
de dólares.
Continuou observando que era uma soma enorme,
porém era mais ou menos aquilo que o Mundo, naquela
época, gastava em armamentos a cada quinze dias: despesa
não para “construir”, mas para destruir; não para ajudar a
viver melhor, mas para matar; para matar sempre mais
“rápida” e “totalmente”821.
Porque as armas servem somente para a guerra ou
para manter o estado potencial de guerra, Bobbio concluiu
que esta é o principal obstáculo à solução dos problemas
cruciais da Humanidade: a fome e a miséria822.
Segundo Bobbio, nesse Universo que é “finito”, no
qual somos destinados a viver, as matérias primas e as
fontes de energia não são ilimitadas. Pois bem, grande parte
desses bens é consumida para construir armamentos; ou
seja, instrumentos que não são utilizados durante o estado
de guerra potencial ou são utilizados exclusivamente para
matar seres viventes e para destruir coisas823.
Cfr. Ibidem, p. 95.
Cfr. IDEM, “La lancia e lo scudo” (1981), in TerAs, pp. 204-205.
822
Cfr. IDEM, “I diritti dell’uomo e la pace” (1982), in TerAs, p. 96;
IDEM, “Alla marcia della pace” (1981), in TerAs, p. 144.
823
Cfr. IDEM, “La lancia e lo scudo” (1981), in TerAs, p. 205.
820
821
313
Bobbio observou que a paz é condição sine qua non
para uma eficaz proteção dos direitos humanos
fundamentais e, ao mesmo tempo, a proteção dos direitos
humanos favorece a paz824.
3.2. A Objeção de Consciência na Era
Atômica.
Em 1961, escrevendo sobre a corrida armamentista de
então entre os dois “blocos” da época, Bobbio afirmou que
o Mundo encontrava-se diante de uma situação nova.
Pela primeira vez na História a Guerra Total poderia
levar ao aniquilamento da vida sobre a Terra, isto é, ao
aniquilamento da História mesma do Homem. É necessário
certo esforço de imaginação, observou ele, para
compreender que isto possa acontecer:
Esse esforço deve ser feito825.
Quando no conceito de armas entra uma bomba
atômica, Bobbio perguntou-se se portar armas não se
tornaria um problema de consciência, não somente para
quem objeta protestando em nome da sua fé religiosa, mas
para cada um de nós, em nome da Humanidade.
Segundo Bobbio, objeção de consciência significa
aquela situação na qual a nossa consciência nos proíbe,
com o seu imperativo ético, de cumprir uma injustiça. Se
interrogarmos a nossa consciência, não podemos negar de
reconhecer que, na era atômica, ao menos potencialmente,
todos nós temos objeção de consciência826.
Cfr. IDEM, “I diritti dell’uomo e la pace” (1982), in TerAs, p. 96.
Cfr. IDEM, “Non uccidere” (1961), in TerAs, p. 141.
826
Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura di Alberto PAPUZZI, Laterza,
Roma-Bari 1999, p. 223.
824
825
314
3.2.1. Não Existem Guerras Justas.
Pode-se dizer que quem apresenta objeção de
consciência é aquele que não aceita, por princípio, nenhuma
das teorias justificadoras da guerra, vistas acima.
Segundo Bobbio, fazer objeção de consciência é
afirmar que a guerra é violência e a violência é mal em
sentido absoluto; é, portanto, ser alguém que concluiu que a
guerra é mal em sentido absoluto827.
Segundo Bobbio, para quem objeta não existem
guerras justas. Mesmo a guerra de defesa também é
violência. Quem goza do direito de distinguir a guerra de
ataque daquela de defesa? Existe, na História das relações
entre os Estados, o inocente? Quem foi o primeiro culpado?
Quem será o último inocente?
Não é verdade que a férrea corrente de guerras na
qual consiste a nossa História, nos rende impossível
remontar à primeira raiz do mal? E, então, não precisa
quebrar essa corrente? Para quebrá-la precisa que alguém
comece.
Quem objeta é aquele que disse:
Eu começo e aconteça aquilo que deve acontecer828.
Diante da “possível” catástrofe atômica, observou
Bobbio, não existem mais guerras justas: uma guerra que
“pode” causar o desaparecimento da vida sobre a face da
Terra, é sempre injusta829.
Não existiu guerra, mesmo a mais injusta, observou
Bobbio, que não tenha encontrado algum “clérigo” disposto
a justificá-la.
Cfr. IDEM, “Non uccidere” (1961), in TerAs, p. 140.
Cfr. Ibidem, pp. 140-141.
829
Cfr. Ibidem, p. 142.
827
828
315
Uma guerra que poderia varrer em poucos instantes
uma inteira Cidade e cancelar da face da Terra uma inteira
Nação, pode ainda ser justificada? Com quais argumentos?
O fim justifica os meios? Mas qual “fim” é tão alto,
tão necessário ao ponto de justificar um meio tão iníquo e,
talvez, incontrolável?
Somente o fim infame da pura “potência” poderia
justificar tal “meio”; mas potência de quem? Do mais justo
ou do mais decidido?830
3.2.2. A Guerra Não é Mal Menor.
Segundo Bobbio, a guerra não é um mal menor; é
pura e simplesmente um “mal”:
Não precisa fazer o mal, e basta.
A guerra não é o mal menor porque todos os males
são gerados pela violência. Não existe bem que possa ser
trocado pela perda da paz porque a paz é a condição mesma
do aflorar de todos os outros valores. Somente ela rende
possível a conservação da vida humana, valor primordial831
do Homem de hoje e de amanhã.
É simplesmente estulto, observou Bobbio, considerar
a guerra como um mal menor: não existem alternativas
possíveis.
Diante das guerras do passado poderia ainda haver
um sentido falar de alternativa entre a paz e a liberdade;
entre a paz e a justiça, entre a paz e a honra. Mas diante da
guerra termonuclear de qual alternativa poder-se-ia ainda
falar?
830
831
Cfr. IDEM, “I chierici e il terrore” (1981), in TerAs, p. 202.
Cfr. IDEM, “Non uccidere” (1961), in TerAs, p. 141.
316
Concluiu Bobbio, não se poderia falar de outra
alternativa senão entre a liberdade e o suicídio universal.
Quem se beneficiaria de tal liberdade?832
3.2.3. A Guerra Não é Mal Necessário.
Segundo Bobbio, podemos até admitir que depois da
guerra a História humana faça “um” passo adiante; mas,
perguntou ele, quantos passos ela fez para trás por causa da
guerra?
O estado de guerra é tão terrível que, restaurada a paz,
parece-nos de haver feito “um” passo adiante. Mas como
poderíamos saber qual teria sido o destino do Homem se
não existissem as guerras? Como poderíamos sabê-lo,
observou Bobbio, se as guerras sempre existiram? Como
podemos comparar o progresso histórico através das
guerras, com o progresso histórico através da paz, se a
Humanidade conheceu somente o progresso histórico
através das guerras?833
A guerra “moderna”, segundo Bobbio, não pode mais
ser considerada como um mal necessário, como um
instrumento de bem.
Qual bem se depois não existirá mais nada? A guerra
atômica não é um “meio” para atingir alguma finalidade,
mas somente um “fim”. Bobbio especificou: “o” fim834.
Cfr. Ibidem, p. 142.
Cfr. Ibidem, p. 141.
834
Cfr. Ibidem, p. 142.
832
833
317
3.2.4. A Guerra Não é Inevitável.
A guerra depende de nós, observou Bobbio; depende
das nossas “paixões” que podemos reprimir; depende dos
nossos “interesses” que podemos conciliar; depende dos
nossos “instintos” que devemos corrigir e refrear.
Se nós soubemos eliminar as “guerras” entre
Indivíduos humanos, constituindo o Estado civil; porque
deveria continuar a subsistir a guerra entre os Estados,
nascidos para trazer a paz entre os seus Indivíduoscidadãos? Por que do simples fato que um evento sempre
existiu, devemos deduzir que sempre existirá? Onde está
escrito e quem o escreveu?835
A guerra não pode mais ser considerada como um
fato inevitável, a não ser que se aceite como fato inevitável
a autodestruição do Homem836: a morte não só do Indivíduo
humano, mas da Espécie Humana – uma segunda morte. A
morte do Indivíduo humano suprime a vida; a morte da
Espécie Humana suprime o nascimento.
Morto um Indivíduo humano, a vida continua num
outro, mas e morta a Espécie Humana? A posse desta
“ciência” da destruição universal põe a Humanidade diante
de um “novo imperativo” ético que não é mais somente
aquele de Não matar, mas é aquele de “Deixar nascer!”. Se
destruirmos a Espécie Humana não nascerão mais
Indivíduos humanos837.
Diante do evento possível da destruição da História,
afirmou Bobbio, toda justificação da guerra torna-se
“impossível”. Estamos numa condição na qual não podemos
Cfr. Ibidem, p. 141.
Cfr. Ibidem, p. 142.
837
Cfr. IDEM, “La morale e la guerra” (1982); “Morale e Guerra”, in
TerAs, p. 175.
835
836
318
mais aceitar a guerra. O que significa que “todos” nós, ao
menos potencialmente, apresentamos objeção de
consciência: a impossibilidade moral de aceitar a guerra ou
a possível destruição do gênero humano838.
Segundo Bobbio, ninguém nunca encontrou o
remédio para impedir as guerras. O único remédio que os
homens conseguiram inventar para proteger-se da força
alheia foi a “ameaça” ou o uso da “força” própria.
Lá onde não existe uma Lei Superior eficaz, não
existe um critério para distinguir a força lícita da força
ilícita: a força ilícita torna-se sempre aquela do outro839.
É necessário encontrar esse remédio, asseverou
Bobbio: estamos em estado de necessidade; num estado no
qual não temos outra alternativa.
Diante do terror atômico não existe alternativa;
devemos pensar a alguma coisa que até agora nunca foi
pensada; devemos fazer alguma coisa que até agora nunca
foi feita840.
Cfr. IDEM, “Non uccidere” (1961), in TerAs, p. 142.
Cfr. IDEM, “Disarmati di tutto il mondo, uniamoci” (1985), in
L’unità, LXII, n. 244, (29 de Outubro de 1985), pp. 1-16, republicado
com o título “Disarmati di tutto il mondo”, in TerAs, p. 180; para o
conceito de força ilícita cfr. IDEM, “Come viandanti in un
labirinto” (1981), in Pro Civitate Christiana, n. 4-5, (15 de Fevereiro
de 1982), pp. 70-76, republicado com o título “Una società
nonviolenta?”, in TerAs, pp. 151-152.
840
Cfr. IDEM, “Disarmati di tutto il mondo, uniamoci” (1985), in
L’unità, LXII, n. 244, (29 de Outubro de 1985), pp. 1-16, republicado
com o título “Disarmati di tutto il mondo”, in TerAs, p. 180.
838
839
319
4. O Pacifismo Bobbiano.
Neste último momento, trabalhando o pacifismo
bobbiano, partiremos da afirmação: O Homem é “capaz” de
destruir o Mundo; onde conheceremos a Paz como
necessária e impossível; a produção de armas como crime
contra a Humanidade. Por último, conheceremos a relação
existente entre a vontade de potência e a grande hecatombe,
tão temida e muitas vezes denunciada por Bobbio.
Num segundo momento trabalharemos o pacifismo
reformista, onde conheceremos o pacifismo reformista
econômico, o pacifismo reformista político e, por último, o
pacifismo reformista social.
Num terceiro momento trabalharemos o pacifismo
medicinal, onde conheceremos o pacifismo medicinal dos
meios; o pacifismo medicinal institucional nas suas duas
configurações segundo as diversas soluções apresentadas ao
problema da guerra: O Estado deve renunciar à soberania e
Eliminar a necessidade da existência do Estado. Depois
conheceremos o pacifismo medicinal jurídico; concluiremos
com o pacifismo medicinal moral.
Num quarto momento apresentaremos a crítica
bobbiana ao pacifismo medicinal, onde conheceremos a
atuabilidade e a eficácia dos remédios propostos. Depois
conheceremos também o pacifismo institucional como
sendo uma posição intermediária; concluiremos com a
afirmação bobbiana: Não podemos ser otimistas.
Num quinto momento trabalharemos a guerra como
“via bloccata”, premissa principal do pacifismo bobbiano,
onde conheceremos a guerra atômica e o “jus belli”; depois
conheceremos também a guerra atômica como sendo
320
“legibus soluta” e, por fim, conheceremos as principais
condições para a paz.
Num sexto e último momento desta quarta etapa,
trabalharemos o conceito de “Terzo assente” – Terceiro
ausente, onde conheceremos a necessidade de um Terceiro
“super partes”; e também as Nações Unidas como
“Terceiro para a paz”.
4.1. O Homem é “Capaz” de Destruir o
Mundo!
É possível o fim do Mundo por obra do Homem.
Bobbio observou de não saber se percebemos “o quê”
significaria um Mundo no qual uma das três dimensões do
“Tempo”, o futuro, não existiria mais.
No momento em que o Mundo “é” sem “futuro”,
também o presente e o passado perdem todo significado841.
Não podemos mais haver a grande ilusão da guerra
mal que produz, a longo prazo, benefícios imprevisíveis,
como fora afirmado por séculos, com escopo de encontrar a
justificação de um fato que, à pessoas comuns, sempre
pareceu horrível.
Não!
A guerra não pode mais gozar das benévolas e
“interesseiras” justificativas de outros tempos. Ela é uma
“via” sem saída: via bloccata; é remédio do qual não
podemos nos valer para resolver os conflitos entre os
Estados. Concluiu peremptoriamente Bobbio:
É um remédio sempre pior do que o mal842.
Cfr. IDEM, “Etica della potenza ed etica del dialogo” (1982), in
TerAs, p. 158.
841
321
4.1.1. A Paz é Necessária e Impossível.
A paz, segundo Bobbio, é simultaneamente
necessária e impossível.
Aquilo que é “necessário” deve ser possível; aquilo
que é “possível” não pode ser “impossível”.
Em outras palavras, a necessidade implica a
possibilidade; a possibilidade exclui a impossibilidade. Um
evento qualquer não pode ser simultaneamente necessário e
impossível. Enquanto pode ser nem necessário, nem
possível, admite-se um tertium quid: a contingência843.
Procuremos esclarecer esse raciocínio bobbiano.
Bobbio disse que a paz é “necessária” porque o
aumento da potência de destruição das armas é tal que a
guerra, caso fosse combatida com essas armas modernas,
portaria conseqüências mortais não só para quem as
utilizasse, mas também para toda a Humanidade; como
comprovam os dados sobre o argumento844.
Em 1987, Bobbio disse também que a paz é
“impossível” porque faltam todas as condições que
poderiam rendê-la possível845.
Ele observou que a resposta que o Homem de razão
pode dar ao problema da guerra é, sempre, uma resposta
hipotética.
Cfr. IDEM, “Disarmati di tutto il mondo, uniamoci” (1985), in
L’unità, LXII, n. 244, (29 de Outubro de 1985), pp. 1-16, republicado
com o título “Disarmati di tutto il mondo”, in TerAs, p. 180.
843
Cfr. IDEM, “La pace ha un futuro?” (1987), in TerAs, p. 190.
Evidente dependência do Debes, ergo potes kantiano. Cfr. I. KANT,
Grundlegung zur metaphysik der sitten (1785), in Gmsitten, p. 77;
IDEM, Kritik der praktischen Vernunft (1788), in KpVernunft, p. 87.
844
Cfr. N. BOBBIO, “La pace ha un futuro?” (1987), in TerAs, p.
190-191.
845
Cfr. Ibidem, p. 191.
842
322
A catástrofe será evitada a uma só condição: que
nenhum Homem, nenhum grupo humano, nenhum Estado,
grande ou pequeno, considere o outro Homem, o outro
grupo humano, o outro Estado, grande ou pequeno, como o
próprio inimigo846.
Sem a atuação dessa condição, segundo Bobbio, a
paz é “impossível”, apesar de ser “necessária”.
4.1.2 Um Crime Contra a Humanidade.
Segundo Bobbio, o indivíduo humano “pensante” que
queira ser fiel à própria tarefa há um só dever: proclamar
que a construção de armas sempre mais potentes é por si
mesma um crime contra a Humanidade, não importa qual
seja o governo que decida construí-las e não importam as
suas motivações847.
A Humanidade chegou a uma situação-limite,
denunciou Bobbio, além da qual existe somente a
“catástrofe”.
Nós somos aqueles para os quais essa verdade parece
ser de uma evidência absoluta e, por isto mesmo, não nos
cansaremos de repeti-la.
Se existem indiferentes e resignados temos o dever de
falar também a nome deles. Devemos reagir contra aqueles
que, mesmo sendo convencidos da não-tolerabilidade da
situação, buscam de apresentá-la menos catastrófica por
razões político-partidárias: minimizadores.
Enquanto existirão aqueles que dizem: Não é nada;
segundo Bobbio, deveremos responder:
Para nós é tudo!
846
847
Cfr. IDEM, “Non aprì una nuova era” (1985), in TerAs, p. 220.
Cfr. IDEM, “I chierici e il terrore” (1981), in TerAs, p. 202.
323
E é tudo porque não podemos viver sem dar um
sentido à História do Homem; e não seremos mais capazes
de dar um sentido a essa História se nos convencêssemos
que a Potência tem razão e a Razão é impotente848.
Além dos indiferentes, resignados e minimizadores
existem, ainda, aqueles que não “podem” falar contra as
guerras e a violência.
Segundo Bobbio, devemos ser conscientes do
privilégio de viver num país livre e, portanto, maior é a
nossa responsabilidade porque devemos falar não só em
nome daqueles que não sabem ou não querem falar, mas
também daqueles que talvez saibam, certamente querem,
mas não podem falar849 contra a violência e as guerras.
Uma Humanidade corrompida ao ponto de não
“parar” diante da possibilidade daquela que Bobbio chamou
a grande hecatombe, mesmo se não morresse seria digna de
viver?850
Neste ponto, o pensamento de Bobbio está em
evidente sintonia com o importante princípio
responsabilidade proposto por Hans Jonas, como ética para
a civilização tecnológica.
A tese de Jonas é que as novas formas e as novas
dimensões do “agir” exigem uma ética da previsão e da
responsabilidade em algum modo proporcional, tão nova
quanto as eventualidades com as quais ela está em
relação851.
Cfr. IDEM, “Alla marcia della pace” (1981), in TerAs, pp. 145-146.
Cfr. Ibidem, p. 146.
850
Cfr. IDEM, “I chierici e il terrore” (1981), in TerAs, p. 203.
851
Cfr. H. JONAS, Das Prinzip Verantwortung (1979), trad. it. Il
principio responsabilità, Un’etica per la civilità tecnologica, a cura de
P. P. PORTINARO (Biblioteca Einaudi, 147), Einaudi, Torino 20023,
p. 24.
848
849
324
Um imperativo adequado ao novo tipo de agir
humano e orientado ao novo tipo de Sujeito agente é
formulado por H. Jonas assim:
Age em modo que as conseqüências da tua ação
sejam compatíveis com a permanência de uma autêntica
vida humana sobre a Terra.
Ou então, na forma negativa:
Age em modo que as conseqüências da tua ação não
destruam a possibilidade futura de tal vida.
Ou ainda, simplesmente:
Não pôr em perigo as condições da sobrevivência
indefinida da Humanidade sobre a Terra.
Ou, traduzido novamente em forma positiva:
Inclui na tua escolha atual a integridade futura do
Homem como objeto da tua vontade852.
4.1.3. A Vontade de Potência e a Grande
Hecatombe.
Segundo Bobbio, para evitar a grande hecatombe a
única “via” é sair fora da lógica da vontade de potência.
Segundo esta “lógica” o único final possível de um
conflito é a vitória sobre o inimigo.
A Humanidade há um só inimigo, observou ele, a
própria irracionalidade que a impede de enfrentar os
grandes problemas que a afligem. Primeiro de todos esses
problemas é a prevenção da guerra nuclear853.
Cfr. Ibidem, p. 16. Cfr. Ainda IDEM , Dem bösen Ende näher
(1993), trad. it. Sull’Orlo dell’abisso, Conversazioni sul rapporto tra
uomo e natura, Einaudi, Torino 2000.
853
Cfr. N. BOBBBIO, “I giganti ciechi” (1983), in TerAs, p. 214.
852
325
À sombra do princípio si vis pacem para bellum – se
queres a paz prepara a guerra – os Estados sempre
prepararam bem a guerra e fizeram-na regularmente.
Segundo Bobbio, a paz perpétua da qual falaram os
filósofos do passado sempre foi ridicularizada como o
sonho do visionário. Mas ou o sonho do visionário torna-se
realidade ou então a única “paz perpétua” que espera a
Humanidade será aquela do Cemitério854.
Ainda segundo Bobbio, não existe conflito que não
possa ser resolvido com as “armas” da Razão, em modo
particular num Mundo como o nosso no qual, por causa da
interdependência de todas as questões internacionais,
violência chama violência numa corrente sem fim,
obedecendo a uma “exorbitante” lei de Talião855.
A preferência desta ou daquela “arma” da Razão em
busca da solução do problema da guerra e a instauração de
uma paz perpétua deu origem aos vários tipos de
pacifismos.
Bobbio apresentou-nos as principais propostas para a
instauração da paz, bem como as vantagens e desvantagens
de cada uma delas.
4.2. O Pacifismo Reformista.
No âmbito do pacifismo reformista, Bobbio distinguiu
três correntes em base ao fator determinante da guerra e,
conseqüentemente, em base aos diferentes remédios
propostos: um pacifismo reformista econômico, um
Cfr. IDEM, “Disarmati di tutto il mondo, uniamoci” (1985), in
L’unità, LXII, n. 244, (29 de Outubro de 1985), pp. 1-16, republicado
com o título “Disarmati di tutto il mondo”, in TerAs, p. 180.
855
Cfr. Ibidem, p. 182.
854
326
pacifismo reformista político e um pacifismo reformista
social856.
4.2.1. O Pacifismo Reformista Econômico.
Por pacifismo reformista econômico Bobbio entendeu
aquele promovido pelos economistas, defensores do livreescambo.
O mais fervoroso apóstolo dessa forma de pacifismo
que se poderia também chamar pacifismo liberal, foi
Richard Cobden; teórico e divulgador da doutrina liberal
escambista, apaixonado animador das primeiras Sociedades
pacifistas surgidas entre os anos 1840 e 1860.
Richard Cobden partia da convicção que a causa
principal das guerras fosse de natureza econômica, isto é, o
“protecionismo”; cada Estado fecha-se economicamente aos
outros
gerando
um
progressivo
processo
de
empobrecimento. Sendo obrigado a sair desse “processo”
que o ameaçava, o Estado substituiu a expansão econômica
não acontecida por causa do “protecionismo” inicial, pela
expansão militar; substituiu os pacíficos tráficos comerciais
pelas conquistas violentas.
Segundo Bobbio, R. Cobden era profundamente
convencido de que o princípio do livre escambo fosse uma
força que agiria no Mundo como a gravidade age no
espaço. Ele também acreditava que o motivo de os grandes
e potentes Impérios desejarem exércitos gigantescos e
grandes frotas, como meios para empossar-se da vida e dos
frutos do trabalho desaparecerá; essas coisas cessarão de
serem necessárias quando os homens formarão uma família
Cfr. IDEM, “Filosofia della guerra nell’era atomica” (1965), in
TerAs, p. 36.
856
327
e trocarão livremente o fruto do seu trabalho com os seus
irmãos857.
4.2.2. O Pacifismo Reformista Político.
Bobbio chama pacifismo reformista político aquela
teoria pacifista que vê no Absolutismo, ou seja, numa forma
de Regimento Político o fator determinante das guerras.
Esse pacifismo é firmemente convencido que o
advento de regimes democráticos, fundados sobre a
participação de todos os cidadãos às grandes decisões de
Estado, resolveria o problema da guerra.
Segundo Bobbio, o italiano Giuseppe Mazzini
representou muito bem esse tipo de Pacifismo que também
poderia ser chamado de pacifismo democrático, quando
exprimiu a própria confiança no desaparecimento da guerra
quando à Santa Aliança dos Príncipes sucedesse a Santa
Aliança dos Povos.
No Congresso de Genebra, 1867, promovido pela
Liga permanente da paz, que se inspirava aos princípios do
pacifismo democrático, Giuseppe Mazzini afirmou que o
reino da paz ao qual a Humanidade aspira como ao último
termo da Civilização não é conciliável com as grandes
Monarquias Militares que despem os Povos das suas
liberdades mais vitais; mantêm armadas formidáveis e tende
a suprimirem os pequenos Estados a vantagem de regimes
despóticos.
Segundo Mazzini, condição essencial de uma paz
perpétua entre as Nações é a liberdade para cada Povo; nas
relações internacionais, a instituição de uma Confederação
de livres democracias858.
857
Cfr. Ibidem, pp. 36-37.
328
4.2.3. O Pacifismo Reformista Social.
Segundo Bobbio, o pacifismo reformista social é
aquele que crê não bastar uma reforma política para resolver
o problema da guerra: o “mal” é muito mais profundo.
Precisa uma reforma radical da Sociedade dividida
em classes antagônicas, onde a classe “superior” serve-se do
aparato coercitivo do Estado para oprimir a classe “inferior”
ao interno; e para manter o próprio “poder” ao externo.
Essas “idéias” foram levantadas, observou Bobbio,
pelos movimentos socialistas em polêmica com a doutrina
liberal e com a doutrina democrática. As guerras seriam a
conseqüência da concorrência que as grandes potências
fazem no mercado mundial: só a destruição da Sociedade
capitalista, a criação de uma nova Sociedade fundada sobre
a eliminação da acumulação capitalista e do domínio de
classe instauraria a paz no Mundo.
Esse pacifismo socialista foi mais radical do que os
outros dois precedentes – pacifismo reformista econômico e
pacifismo reformista político – que visavam a suprimir a
guerra como última e violenta manifestação do espírito de
antagonismo859.
Cfr. Ibidem, p. 37; D. DIOTALLEVI, Appunti storici sul
movimento pacifista nel secolo XIX, La Compositrice, Milano 1911,
pp. 124-125.
859
Cfr. Ibidem, pp. 37-38.
858
329
4.3. O Pacifismo Medicinal.
Segundo Bobbio, o Homem da era atômica perguntase: É possível eliminar definitivamente a guerra? Se for
possível, quais são os seus “remédios”?
Na imensa quantidade de projetos, de tentativas e
propostas para a solução do problema da guerra através de
um “remédio”, Bobbio individuou três filões principais;
segundo que o remédio à guerra consista em uma ação sobre
os meios, sobre as instituições ou sobre os homens860.
4.3.1. O Pacifismo Medicinal dos Meios.
O pacifismo medicinal dos meios, ou seja, a
intervenção sobre os meios ou instrumentos de guerra
parece a “via” mais óbvia.
Esse “remédio” pode ser expresso com a seguinte
fórmula: porque para fazer a guerra ocorre a existência das
armas, em modo particular, para fazer a guerra atômica
ocorre a existência das armas atômicas, o modo mais
seguro para eliminar a guerra é destruir as armas,
principalmente aquelas atômicas.
Da aceitação de tal “remédio”, nasce a ideologia e a
política do desarmamento perseguidas pelas mesmas
Potências das quais depende a manutenção da paz ou o
desencadeamento da guerra. É uma solução que pretende ser
“prática”, isto é, não se perder em considerações de caráter
geral sobre a natureza do Homem e da Sociedade861.
Segundo Bobbio, a destruição do “meio” – armas –
como impedimento a conseguir o “fim” – guerra – parece
860
861
Cfr. Ibidem, p. 48.
Cfr. Ibidem.
330
ser um remédio “irrefutável” somente a quem “ignora” que
para não querer um meio precisa, principalmente, não
querer também o “fim” que se conseguiria com tal meio.
Em outras palavras, para desarmar-se um Estado
“precisa” não querer a guerra.
No caso do desarmamento a dificuldade mais grave,
observou Bobbio, é o fato que a decisão sobre os “meios” e
sobre o “fim” compete aos mesmos Estados – pars in causa.
A decisão sobre a eliminação dos instrumentos da guerra
compete àquela mesma Instituição que, por tradição – talvez
por natureza – considera a guerra como “uma” das
manifestações da sua potência soberana.
Ainda observou Bobbio que seria como confiar a um
Congresso de “bêbados” a decisão de emanar uma lei contra
o uso das bebidas alcoólicas. Segundo ele, devemos
encontrar a via da paz além da crítica dos “meios”: na crítica
das Instituições responsáveis pela origem da guerra862.
4.3.2. O Pacifismo Medicinal Institucional.
O pacifismo medicinal institucional, ou seja, através
da interferência sobre as Instituições que fazem guerra e
podem também promover a paz, assume principalmente dois
aspectos: primeiro, interferir sobre o Ordenamento político
da Sociedade, o Estado como instituição; segundo, interferir
sobre o Ordenamento social e econômico que sustenta o
Estado.
A partir desses dois “aspectos” do pacifismo
medicinal institucional são elaboradas duas “teorias”
pacifistas: a primeira quer que o Estado renuncie à sua
soberania; a segunda quer eliminar o Estado, eliminando as
condições que rendem necessária a sua existência.
862
Cfr. Ibidem, p. 49.
331
1º O Estado Deve Renunciar à Soberania.
Segundo essa primeira “teoria” ou “forma” do
pacifismo medicinal institucional, a guerra é pura e
simplesmente um dos modos com que o Estado “soberano”
faz valer os próprios direitos ou protege os próprios
interesses: a decisão sobre a guerra e sobre a paz é um dos
atributos da soberania que compreende o poder do Estado
de fazer justiça por si mesmo.
Segundo essa teoria, assim como a guerra não é mais
possível entre os Indivíduos-cidadãos ao interno do Estado,
onde aconteceu o processo de monopolização do uso da
força, assim também não seria mais possível quando os
Estados existentes submetessem-se, voluntária ou
coativamente, ao Poder de um Estado Universal.
Segundo Bobbio, essa é a forma mais coerente, e
também mais difundida de pacifismo medicinal
institucional.
Diversamente do que pensa o pacifismo através o
desarmamento, para o pacifismo medicinal institucional a
eliminação do “meio” – armas – seria uma conseqüência
“inevitável” da transformação da Instituição que se serve
desses meios para a guerra.
Bobbio observou que se trata de uma via mais
“difícil” e certamente mais longa, mas pareceu-lhe também
a mais “segura” para a instalação da paz perpétua e
universal.
O Estado Universal não produziria armas
termonucleares pelo simples motivo que não necessitaria
delas. Aquilo que, hoje, aos Estados Potências é exigido
como “impossível” ato de suprema virtude – desarmar-se –
332
para o Estado Universal seria um ato necessário de mera
“conveniência”863.
Bobbio observou que se objeta ao pacifismo
medicinal dos meios ou “democrático” de pretender dos
Estados a “renúncia” aos meios com os quais exprimem a
sua própria soberania. Mas, ao pacifismo medicinal
institucional, objeta-se que seria muito mais grave pretender
que os Estados renunciem à soberania mesma864.
2º Eliminar a Necessidade da Existência do
Estado.
A segunda forma de pacifismo medicinal
institucional, mais radical do que a anterior, afirma que
aquilo que se deve modificar não é o Estado, renunciando à
própria soberania, mas sim as formas sociais que rendem
“necessária” a existência do Estado, enquanto aparato de
coerção ao interno e ao externo; como instrumento de
domínio de poucos sobre muitos.
Essa “teoria” pode ser chamada também de pacifismo
medicinal institucional social de inspiração marxista.
Segundo essa teoria, o Estado é uma instituição
histórica que reflete a divisão da Sociedade em classes e
serve como instrumento de sujeição de uma classe pela
outra.
Segundo essa forma de pacifismo medicinal
institucional, o Estado Universal seria um instrumento de
domínio dos Países economicamente desenvolvidos sobre os
Países economicamente subdesenvolvidos865.
Cfr. Ibidem.
Cfr. Ibidem, pp. 49-50.
865
Cfr. Ibidem, p. 50.
863
864
333
Assim, segundo essa teoria, a guerra seria eliminada
ao preço de uma servidão perpétua e irrevocável. Se
devêssemos intervir sobre as Instituições, precisaríamos ir
mais a fundo além da “casca” do Ordenamento político de
uma Sociedade, rumo a uma reforma das “relações” sociais
elementares que estão à base das atuais relações de potência.
Não se trataria de caminharmos rumo ao “Superestado”, mas a longo prazo de destruir o Estado mesmo.
Não se trataria de sublimar o “Processo” através do qual se
formaram Estados sempre maiores até a constituição do
Estado Universal, mas de contrastar tal processo até a sua
conclusão e inversão866.
Essa segunda forma de pacifismo medicinal
institucional marca a passagem para a mais radical forma de
luta contra a guerra, aquela que pretende de interferir
diretamente sobre o Homem: através da nova Sociedade
surgiria o Homem novo867.
4.3.3. O Pacifismo Medicinal Jurídico.
Segundo Bobbio, o pacifismo medicinal jurídico é
aquele que considera que a guerra é efeito de um Estado
sem “direito”, isto é, de um Estado no qual não existem
normas eficazes para a regulamentação dos conflitos.
Assim como as várias correntes pacifistas voltam a
sua atenção, sobretudo, ao Estado das relações
internacionais acerca das quais a guerra é um dado
permanente, o pacifismo medicinal jurídico é aquele que
concebe o processo de formação de uma Sociedade
Internacional onde os conflitos entre Estados possam ser
resolvidos sem recorrer, em última instância, à guerra; em
866
867
Cfr. Ibidem.
Cfr. Ibidem.
334
analogia com o processo de formação do Estado, segundo a
hipótese contratualista.
Trata-se do processo consistente na passagem do
status naturae ao status civile, através de um “acordo”
comum dos Indivíduos humanos interessados a sair do
status de guerra permanente. A maior ou menor estabilidade
da Sociedade civil que nasce da eliminação do status
naturae depende da “natureza” do pacto de união; isto é, se
esse pacto seja somente um pacto de associação – pactum
societatis – ou também um pacto de submissão – pactum
subjectionis868.
Segundo a idéia do Direito que Bobbio sustentou,
para instaurar um status de paz permanente não basta o
primeiro tipo de pacto – pactum societatis – ocorre também
o segundo – pactum subjectionis.
Uma união fundada, exclusivamente, sobre um pacto
de associação estaria à mercê da “vontade” dos Indivíduosmembros: nessa união a regra pacta sunt servanda há o
status de princípio “unicamente” moral. Portanto, pode
haver eficácia somente numa Sociedade de seres
“plenamente” morais, isto é, de seres cuja conduta não se
inspire à “máxima” da moral política: o fim justifica os
meios!869
Cfr. IDEM, “Diritti dell’uomo e filosofia della storia” (1987),
“L’età dei diritti”, in TerAs, p. 133.
869
Cfr. IDEM, “Diritti dell’uomo e filosofia della storia” (1987),
republicado com o título “L’età dei diritti”, in EdD, pp. 45-65,
republicado in TerAs, p. 133.
868
335
4.3.4. O Pacifismo Medicinal Moral.
Segundo Bobbio, o pacifismo medicinal moral parte
dos seguintes interrogativos: a transformação das
Instituições é o único modo para transformar o Homem?
Não existe a possibilidade de intervir, diretamente, sobre a
natura Hominis sem passar pelas Instituições? Não é o
Homem o artífice das suas próprias Instituições?870
A estas perguntas o pacifismo medicinal moral deu
diferentes respostas. Essas “respostas” dependeram do
diverso modo com que se considerou a relação entre a
natura Hominis e a guerra, como efeito da natureza
malvada do Homem; como efeito da corrupção da carne;
como efeito do pecado; como efeito das paixões que lhe
impedem o correto uso da razão; e como efeito de instintos
ou impulsos primitivos871.
Desses diferentes modos de conceber a relação entre a
existência humana e o fenômeno da guerra, nasceram duas
“metodologias” diferentes para a solução do problema da
paz, perenemente em mútuo-contraste: primeira, uma
metodologia pedagógica que insiste sobre a correção do
Homem através da educação, em geral através da reforma
moral; segunda, uma metodologia terapêutica que pretende
de agir sobre a condição humana diante da guerra, curandoa como uma psicose de grupo.
Segundo Bobbio, à metodologia pedagógica
recorreram igrejas, grupos de ação não-violenta e os
defensores da objeção de consciência como resistência à
guerra.
Cfr. IDEM, “Filosofia della guerra nell’era atomica” (1965), in
TerAs, p. 50.
871
Cfr. Ibidem, pp. 50-51.
870
336
À metodologia terapêutica recorreram, sobretudo, os
psicanalistas que iniciaram a estudar a psicologia da guerra
e a buscar a sua superação, retornando à fonte mesma da
nossa vida psíquica872.
4.4. Crítica
Medicinal.
Bobbiana
ao
Pacifismo
Segundo Bobbio, não é difícil perceber que as três
formas do pacifismo medicinal – a eliminação dos meios, a
transformação das instituições e a reforma moral dos
homens – dispõem-se em ordem progressiva de
complexidade, portanto, de menor “atuabilidade”.
Bobbio observou que um juízo de “preferência” que
nos conduzisse a excluir uma ou outra forma seria uma
“loucura”. Quase todas as “vias” não são incompatíveis,
portanto não impõem uma escolha: são convergentes,
mesmo se com diferentes inclinações; com percursos mais
ou menos longos873.
4.4.1. Atuabilidade e Eficácia dos Remédios.
Segundo Bobbio, para fazer uma escolha racional
entre as diferentes vias da paz precisamos considerar dois
requisitos fundamentais: sua atuação e sua eficácia.
Por atuabilidade Bobbio entendeu a possibilidade
razoável que o remédio proposto, considerando a
experiência do passado e da direção hodierna do progresso
histórico, seja adotado.
872
873
Cfr. Ibidem, p. 51.
Cfr. Ibidem.
337
Por eficácia ele entendeu a probabilidade razoável
que o remédio, uma vez adotado, produza os efeitos
esperados. As vias empreendidas pelos diferentes
movimentos e teorias pela paz comportam-se, em relação a
estes dois requisitos, em modos diversos874.
Segundo Bobbio, a “via” do pacifismo medicinal dos
meios – o desarmamento – é provavelmente a mais
“atuável”, mas é também a menos “eficaz”.
Admitamos que os Estados cheguem, mais cedo ou
mais tarde, a um acordo sobre o controle dos armamentos
atômicos; em relação ao “fim” do pacifismo que é o
afastamento definitivo do espectro da catástrofe atômica,
qual será o efeito?
Bobbio observou que se podem destruir
“momentaneamente” as armas mais mortais, mas o Homem
não pode re-adquirir a “ignorância” – a inocência perdida –
na qual se encontrava antes da construção desses
“instrumentos” de morte. Mesmo se o Homem nunca mais
construísse armas atômicas, “sabe” como construí-las; e
poderia recomeçar a construí-las875.
Diametralmente oposta é a posição do pacifismo
medicinal moral. Segundo Bobbio, provavelmente é o mais
eficaz, mas é, simultaneamente, o “menos” atuável. A sua
eficácia é em função do seu radicalismo.
Se conseguíssemos “tocar” o ânimo dos homens,
torná-los mansos, o êxito seria garantido. Se todos os
homens observassem o preceito evangélico de amar o
próximo e de oferecer a outra face; se os homens fossem
libertados do instinto de agressividade, por exemplo, como
874
875
Cfr. Ibidem.
Cfr. Ibidem, pp. 51-52.
338
foram libertados da varíola ou da lepra, a “era” da guerra
teria terminado876.
4.4.2. O Pacifismo
Intermediária.
Institucional:
Posição
Numa posição intermediária entre o pacifismo
medicinal dos meios – eliminar as armas – e o pacifismo
medicinal moral – transformar o Homem, Bobbio colocou o
pacifismo medicinal institucional e o jurídico: a via
institucional que visa formar o “Estado Mundial”.
Segundo Bobbio, essa é a via mais “atuável” do que a
via “diplomática” do pacifismo medicinal dos meios.
O “Estado Mundial”, porém, não poderá eliminar o
recurso à força para dirimir algumas controvérsias entre os
seus “estados-membros”. Neste sentido, deve-se reconhecer
que o pacifismo medicinal moral é bem mais “eficaz” do
que o institucional.
É também verdade que a pacificação no âmbito de um
“Estado Mundial” é menos aleatória e provisória do que
aquela perseguida através de um Tratado Internacional para
o desarmamento atômico; neste sentido deve-se reconhecer
a menor “eficácia” do pacifismo medicinal dos meios ou
diplomático877.
Segundo Bobbio, a antítese ao pacifismo medicinal
jurídico é constituída pelo pacifismo medicinal institucional
inspirado ao Marxismo, que buscou a solução do problema
da guerra na transformação das relações sociais de
produção e na extinção do Estado: “antítese” porque é
simultaneamente menos atuável e menos eficaz.
876
877
Cfr. Ibidem, p. 52.
Cfr. Ibidem.
339
É sempre mais evidente que tal transformação da
Sociedade passa através de um “fortalecimento” do Poder
estatal; portanto, adiada a uma “época” futura. Eliminando
as fontes dos velhos conflitos, surgirão novos conflitos;
colocando em perigo a segurança e a existência das novas
Sociedades, tão gravemente quanto “acontece” nas
Sociedades tradicionais878.
Segundo Bobbio, nenhum dos remédios acima
propostos possui, ao máximo grau, os dois requisitos da
atuabilidade e da eficácia. Isto significa que “ninguém” é
capaz de fazer previsões credíveis sobre o destino da
Humanidade.
Somos, não obstante o enorme progresso técnicocientífico, como viajantes de um “navio”, do qual
conhecemos o “porto” de origem, mas não sabemos nada
sobre o porto último ao qual se dirige. Nem mesmo sabemos
“por quem” esse “navio” da História é guiado.
Quando conheceremos com a máxima precisão a sua
“rota”, perguntou Bobbio, seremos ainda capazes de parálo em tempo?879
4.4.3. Não Podemos Ser Otimistas.
Segundo Bobbio, otimistas são aqueles que
“renunciaram” de perceber com sinceridade, sem falsos
ídolos o “modo” no qual vivem. Os pessimistas já puseram
na “conta” da vida e da História a prova extrema.
Porque é difícil resignar-se a aceitar tal prova
procuramos salvar-nos, trabalhando pela salvação sem
ilusão. É melhor a atitude de inteligente “desesperação”
pessimista do que a atitude oposta de “obtusa” esperança.
878
879
Cfr. Ibidem, pp. 52-53.
Cfr. Ibidem, p. 53.
340
Os pessimistas, segundo Bobbio, poderiam ter razão:
mas “não devem” ter razão. A “salvação” da Humanidade é
um esforço consciente e, como sempre aconteceu na
História, quando estão em jogo valores últimos, é um ideal
moral880.
Segundo Bobbio, todos os projetos de paz perpétua
são igualmente “utópicos”. Aquilo que podemos esperar do
pacifismo medicinal jurídico é o fim da guerra entendida
como uso desregrado da força881, não o fim do uso da força.
O Direito, segundo Bobbio, não pode prescindir do
uso da força; em última instância, funda-se sempre sobre o
“direito” do mais forte, o qual somente às vezes coincide,
mas não necessariamente, com o “direito” do mais justo882.
4.5. A Guerra como Via Bloccata.
4.5.1. A Guerra Atômica e o Jus Belli.
Segundo Bobbio, porque a guerra moderna não pode
mais ser limitada ou controlada, precisa ser eliminada883.
Até mesmo o jus belli foi “excardinado” da guerra
moderna. Com a guerra combatida com armas
termonucleares vem, definitivamente, suprimido o jus belli.
Se a declaração de guerra seja ou não obrigatória
para o Estado que empreende uma guerra, é motivo de
controvérsia.
Cfr. Ibidem.
Cfr. S. COTTA, Perché la violenza?, Japadre, L’Aquila 1978, pp.
71 ss.
882
Cfr. N. BOBBIO, “Diritti dell’uomo e filosofia della storia” (1987),
republicado com o título “L’età dei diritti”, in EdD, pp. 45-65,
republicado in TerAs, p. 135.
883
Cfr. IDEM, “Il problema della guerra e le vie delle pace” (1966), in
ProbGP, p. 79.
880
881
341
A estratégia da guerra atômica, porém, rende a
controvérsia em si mesma absolutamente acadêmica. Se
uma guerra atômica estourar, será somente com o
“pressuposto” que seja possível um ataque de surpresa, sem
prévia “declaração”.
Também a “conduta” dos Estados em guerra – jus in
bello – é geralmente submetida aos seguintes quatro
“limites”: em relação às pessoas, distinção entre
beligerantes e não beligerantes; em relação às coisas,
individuação dos objetivos militares; em relação aos meios,
proibição de usar armas, particularmente, insidiosas e
mortais; em relação aos lugares, delimitação das zonas de
guerra884.
Não precisa muita imaginação, observou Bobbio, para
perceber que a guerra atômica não respeitaria nenhum
desses “limites”: diante do raio de ação de uma bomba
termonuclear, cai toda possível distinção entre população
beligerante e população civil, entre objetivos militares e
objetivos não militares; todo meio torna-se lícito, o
Universo inteiro torna-se zona de guerra885.
4.5.2. A Guerra Atômica é Legibus Soluta.
Bobbio denunciou que a guerra atômica é legibus
soluta no mais preciso sentido da expressão.
À crise da “legitimidade” da guerra acrescenta-se a
crise da sua “legalidade”. A guerra moderna põe-se fora de
todo possível critério de legitimação e de legalização, além
de todo princípio de legitimidade e de legalidade. Numa
palavra, ela é incontrolada e incontrolável pelo Direito,
como um terremoto ou uma tempestade.
884
885
Cfr. Ibidem, p. 65.
Cfr. Ibidem.
342
Segundo Bobbio, a guerra moderna é “absoluta” no
mesmo sentido em que se fala de um Soberano Absoluto em
contraposição a um Soberano Constitucional.
Depois de ter sido considerada como um meio para
atuar o Direito – teoria da guerra justa – ou como objeto de
regulamentação jurídica, na evolução do jus belli; a guerra
moderna volta a ser, como na narrativa hobbesiana do status
naturae, a antítese do Direito886.
Segundo Bobbio, a única “guerra” digna de ser
combatida é a guerra que os homens livres combatem contra
os déspotas internos e os opressores externos887.
Em outras palavras, a “Paz” é demasiadamente
importante para ser deixada nas mãos dos governantes;
demasiadamente importante também para ser confiada à
organização dos Partidos políticos.
Na era atômica, segundo Bobbio, a Paz é o bem
absoluto, condição necessária para a atuação de todos os
outros valores888.
4.5.3. Principais Condições Para a Paz.
Segundo Bobbio, a paz é possível somente entre dois
Sujeitos que “não” se considerem, respectivamente,
inimigos.
O inimigo é aquele para com o qual vale o princípio
mors tua, vita mea; para com o qual não é possível outra
solução de um conflito senão a vitória, como vimos acima.
Cfr. Ibidem, pp. 65-66.
Cfr. IDEM, “Egidio Meneghetti” (1985), in LaMI, p. 238.
888
Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura di Alberto PAPUZZI, Laterza,
Roma-Bari 1999, pp. 218-219.
886
887
343
Enquanto durar a relação de inimigo & inimigo, a Paz é
somente uma trégua entre duas guerras889.
As “condições” positivas para a Paz, segundo Bobbio,
são substancialmente três. Primeira, um pacto de não
agressão que consiste no recíproco compromisso da parte
dos contraentes a excluir o uso da violência nas suas
recíprocas relações.
Semelhante “compromisso” representa a perfeita
antítese das relações entre os Indivíduos humanos no status
naturae, no qual não existia nenhuma regra que excluísse o
uso da violência para a solução dos conflitos890.
A segunda condição é um “pacto” a nível mais
elevado; consistente não mais em um não fazer – de hoje em
diante não nos agrediremos mais – mas em um “fazer”.
Trata-se de um pacto, através do qual, os Contraentes
concordam o estabelecimento de regras gerais para a
solução pacífica dos conflitos futuros.
Segundo Bobbio, uma Constituição Democrática é,
exatamente, um conjunto de regras em base às quais os
conflitos sociais vêm resolvidos com meios pacíficos. Pode
ser um acordo entre as partes, que permite de chegar a um
compromisso – nesse caso a decisão é tomada pela
unanimidade; ou então, quando a unanimidade não é
possível porque os contraentes são muitos, em base ao
princípio de maioria.
Trata-se da definição bobbiana mínima de
Democracia, como aquele conjunto de regras que permitem
de resolver os conflitos de interesses e também de
princípios entre mais sujeitos, sem que seja necessário
recorrer ao uso da força recíproca891.
Cfr. IDEM, “La pace ha un futuro?” (1987), in TerAs, p. 191.
Cfr. Ibidem, pp. 191-192.
891
Cfr. Ibidem, p. 192.
889
890
344
A terceira condição para a paz nasce da consideração
que os dois pactos – não-agressão e transformar o estado
polêmico violento em estado não-violento – podem ser
“violados”. Portanto, a proibição de fazer recurso à força
recíproca deve valer sempre; deve valer também no caso
em que um dos dois pactos precedentes – ou todos os dois –
seja violado.
Isso significa que a proibição de recorrer à força deve
valer não só para a solução dos conflitos primários, mas
também para a solução do conflito secundário que pode
nascer da não observância das regras postas para a solução
dos conflitos primários.
Segundo Bobbio, esta terceira condição para a paz
requer a constituição de um Poder Comum que, segundo Th.
Hobbes e os contratualistas, permite a passagem do estado
de natureza ao Estado civil.
Um “poder” comum super partes requer a presença
de um Terceiro; pressupõe, portanto, a passagem de uma
situação de Terceiro excluído a uma situação de Terceiro
incluído892.
4.6. O Terzo Assente: Terceiro Ausente.
A primeira imagem do “Terceiro” incluído em uma
relação de conflito é aquela do mediador que se limita a pôr
em contato duas Partes em conflito entre elas, sem interferir
na sua solução: “Terceiro” inter partes.
A segunda imagem do “Terceiro” é aquela do
“Árbitro” que não só põem em contato as partes, mas dá
razão a uma ou à outra. Estas declararam estarem dispostas
a submeterem-se à decisão que o “Árbitro” tomará.
892
Cfr. Ibidem.
345
A terceira imagem do “Terceiro” é aquela do “Juiz”
autorizado a intervir para a solução do conflito e, portanto, a
pleno título um “Terceiro” super partes.
A quarta imagem do “Terceiro” é aquela do
“Soberano”, no sentido clássico da palavra, que não só há o
poder de julgar, mas há também o poder de “obrigar” com a
força a execução da decisão: o jus gladii.
O evento decisivo para que os Estados, assim como o
fora para os Indivíduos humanos, saiam do status naturae é
o pacto inicial de não agressão, segundo o qual renunciam
ao uso da força recíproca. Mas o escopo último do pactum
vem atingido somente quando a proibição de recorrer à
força recíproca é garantida pela constituição de um Poder
Superior às partes893.
4.6.1. Necessidade do Terceiro Super Partes.
Segundo Bobbio, o Sistema Internacional regeu-se,
por séculos, sobre o equilíbrio das potências – equilíbrio do
terror – que era um equilíbrio instável, destinado a
modificar-se ou a romper-se segundo o mudar das Alianças
entre os Estados. Conseqüentemente, a paz foi sempre uma
condição provisória e a guerra sempre foi uma ruptura
possível894.
Segundo Bobbio, o terror retarda a guerra, mas a
torna sempre mais destruidora, caso devesse “estourar”895.
O “Terceiro” super partes, ao qual competiria a tarefa
de regular os conflitos entre os Estados nacionais e de
Cfr. Ibidem, pp. 192-193.
Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura di Alberto PAPUZZI, Laterza,
Roma-Bari 1999, pp. 235-236.
895
Cfr. Ibidem, pp. 237-238.
893
894
346
garantir a tutela dos direitos fundamentais do Homem, ainda
é “ausente”896.
Não é muito difícil exprimir um juízo, observou
Bobbio, sobre a eficácia dos tratados diplomáticos entre
duas Potências nacionais que não reconheça nenhum
Superior acima delas; e que “se” considerem mutuamente
como inimigas, antes, como “o” inimigo.
Não é muito difícil, porque uma História de séculos
está a demonstrar com a peremptória certeza de uma lex
naturae que dois contraentes que não confiam um ao outro e
não reconhecem a autoridade de um Árbitro acima deles,
não são capazes de estabelecer nenhum acordo “duradouro”;
e se conseguem estabelecê-lo, não o observam quando
consideram de haver boas razões para isso.
A cláusula rebus sic stantibus – assim permanecendo
as coisas – significa exatamente isso: se as condições em
base às quais o acordo foi estipulado mudam, ou se
sobrevém novas condições imprevistas, o acordo não vale
mais.
Perguntou-se Bobbio: E quem decide se as
“condições” mudaram? Naturalmente o mesmo contraente
– pars in causa – a seu favor e pleno arbítrio897.
Segundo Bobbio, todo conflito termina ou com a
vitória de um dos dois rivais ou então com a interferência de
um “Terceiro” super partes ou inter partes, ou contra
partes.
Em outras palavras, se um conflito há de ser resolvido
com a força, um dos dois deve ser “eliminado”; se há de ser
resolvido pacificamente, ocorre que emirja um “Terceiro”
ao qual as partes “confiem” ou “curvem-se”. Se for
verdadeiro o ditado: Duas pessoas não constituem uma
896
897
Cfr. Ibidem, p. 231.
Cfr. IDEM, “Il terzo assente” (1983), in TerAs, pp. 216-217.
347
Sociedade; é também verdadeiro o seguinte: Duas pessoas
sós não estabelecem um acordo duradouro898.
No sistema internacional falta o único “Terceiro” que
poderia fazer a Sociedade Internacional sair definitivamente
do status polêmico: o Terceiro acima das partes899.
O Sistema Internacional rege-se, ainda hoje, sobre o
“equilíbrio” de Sujeitos que têm medo uns dos outros:
status naturae.
A única garantia de estabilidade, que é sempre uma
estabilidade relativa, repousa sobre o princípio de
reciprocidade:
Tu não farás a mim aquilo que sabes, com certeza,
que eu poderei fazer a ti!
Segundo Bobbio, essa máxima é uma correção da
regra áurea:
Não fazer ao outro aquilo que não queres que o outro
faça a ti!
E pode ser re-formulada nestes termos:
Não fazer ao outro aquilo que o outro pode fazer a ti!
Essa regra áurea é um imperativo categórico,
observou Bobbio, mas de eficácia prática “duvidosa”. Do
princípio de “reciprocidade”, invés, deriva um imperativo
hipotético ou regra de prudência que pode ser eficaz
enquanto as forças das partes mantenham-se em
equilíbrio900.
Segundo Bobbio, os Estados estão, entre eles, ainda
no status naturae: princeps principi lupus, parafraseando
Hobbes.
Não existe paz entre os Indivíduos humanos, nem
entre os Estados nacionais, a não ser que os homens ou os
Cfr. Ibidem, p. 217.
Cfr. IDEM, “Il terzo in politica” (1986), in TerAs, p. 223.
900
Cfr. IDEM, “I saggi equilibristi” (1988), in TerAs, p. 229.
898
899
348
Estados criem uma Potência tão superior aos Indivíduos ou
aos Estados ao ponto de impedir a eles de vencerem-se
“reciprocamente”901.
4.6.2. As Nações Unidas: “Terceiro-Para-A-Paz”.
Segundo Bobbio, a Organização das Nações Unidas,
1945, “deveria” ser o “Terceiro” super partes: Terceiro para
a paz902.
A História Humana procede “irreversivelmente” rumo
a “formações” ou “constelações” de Estados, sempre mais
vastas.
Uma Assembléia Permanente de quase todos os
Estados da Terra, mesmo se com poderes ainda não
soberanos, já existe e nela é lícito ver uma “primeira”,
mesmo se ainda “imperfeita”, representação de um
Parlamento Mundial903.
Com a instituição da Organização das Nações
Unidas, 1945, foram realizadas as duas primeiras condições
para a paz: o pacto de não-agressão e transformar o estado
polêmico violento em estado não-violento, vistas acima.
A Carta das Nações Unidas, 1945, foi o efeito da
consciência que era necessário um “pacto” de não agressão
que compreendesse potencial e duravelmente, “todos” os
Estados da Terra.
Essa Carta inspirou-se aos princípios do segundo
pacto – transformar o estado polêmico violento em estado
não-violento – que deveria ter permitido, também no futuro,
Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura di Alberto PAPUZZI, Laterza,
Roma-Bari 1999, p. 238.
902
Cfr. Ibidem, p. 235.
903
Cfr. IDEM, “Filosofia della guerra nell’era atomica” (1965), in
TerAs, p. 52.
901
349
conseguir com meios pacíficos e em conformidade aos
princípios da justiça e do direito internacional a
composição e a solução das controvérsias que poderiam
conduzir a uma violação da paz904.
Por aquilo que se refere à terceira condição para a paz
– proibição de fazer recurso à força recíproca – fora bem
indicada no mesmo artigo da Carta das Nações com as
palavras: tomar eficazes medidas coletivas para prevenir e
remover as ameaças à paz e para reprimir os atos de
agressão ou as outras violações da paz.
A Carta das Nações Unidas deu um grande passo
adiante, em relação a todos os “pactos” de Aliança
precedentes com os artigos 42 e 43 que atribuem ao seu
Conselho de Segurança o poder de empreender todas as
ações necessárias para manter e restabelecer a paz;
também através do compromisso dos membros de porem à
disposição do mesmo Conselho, forças armadas suficientes
a conseguir esse fim.
Bobbio observou que não se trata ainda da instituição
de um Poder Comum, mas já se exprime a nova consciência
da via obbligata – estrada de mão única, obrigatória – que
se deverá percorrer para realizar o projeto da paz medicinal
institucional905.
Em 1999, Bobbio denunciou que, diante de um
conflito, os Estados conflitantes ainda não vão a discutir na
sede da O.N.U., que deveria ser o Terceiro super partes de
direito, mas sim na Casa Branca.
Segundo Bobbio, estamos na situação em que o
Supremo Poder Internacional, anomalamente, é exercido
por uma das partes e a Organização das Nações Unidas
aparecem,
infelizmente,
ainda
completamente
904
905
Cfr. IDEM, “La pace ha un futuro?” (1987), in TerAs, p. 193.
Cfr. Ibidem.
350
desautorizada; portanto, “privada” da razão mesma da sua
existência.906
Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura di Alberto PAPUZZI, Laterza,
Roma-Bari 1999, p. 240.
906
351
Conclusão Geral.
Nossa pesquisa partiu da resposta que Norberto
Bobbio deu a Giulio Nascimbeni durante uma entrevista, às
vésperas do referendum sobre o aborto procurado na Itália,
publicada no Corriere della Sera, 8 de Maio de 1981:
Eu queria perguntar qual surpresa pode existir no
fato que um leigo considere como válido em sentido
absoluto, como um imperativo categórico, o “Não matar!”;
e surpreende-me que os leigos deixem aos que crêem o
privilégio e a honra de afirmar que não se deve matar907.
Dessa “resposta” de Bobbio em forma de “pergunta”,
determinamos nosso objetivo geral:
O Princípio Ético “Não Matar!” como Imperativo
Categórico.
Da “irredutibilidade” das crenças últimas, Bobbio
tirou a maior lição moral da sua vida que elaborou como
imperativos:
Respeitar as idéias dos outros; parar diante do
segredo de cada consciência; compreender antes de
discutir; discutir antes de condenar908.
Destes seus “imperativos” morais compreendemos “o
quê” Bobbio entendia indicar quando utilizava o “termo”
imperativo: um dever moral imposto como ordem de “fazer
Cfr. N. BOBBIO, “Laici e aborto”, in Corriere della Sera 106, 107
(1981), p. 3.
908
Cfr. IDEM, “Prefazione alla prima edizione” (1963), in ItCiv, pp.
11-12.
907
352
um bem” ou de “não fazer um mal”; portanto, comando ou
proibição.
No Estado de Natureza, as regras “naturais” eram
regras de prudência em vista de uma convivência pacífica e
não imperativos categóricos: cada Homem era obrigado a
observá-las somente “se”, observando-as, fosse seguro de
atingir o “fim” desejado: conservar a própria vida.
Na maior parte dos casos, o fim previsto pela regra
natural não vinha atingido se ela não fosse observada por
todos ou ao menos pela maior parte dos membros de um
grupo909.
Bobbio observou que os códigos morais ou jurídicos
de todos os tempos, no status civile, são compostos
essencialmente de normas imperativas – positivas ou
negativas – de comandos ou proibições.
Porém, cada norma jurídica é imperativo-atributiva,
isto é, impõe um dever a um sujeito ao mesmo tempo em
que atribui um direito a outro sujeito.
O jus-naturalismo clássico e medieval havia posto o
acento sobre o aspecto imperativo da Lei Natural mais do
que sobre o seu aspecto atributivo. A doutrina moderna dos
direitos naturais, pôr sua vez, pôs o acento sobre o aspecto
atributivo da Lei Natural, mais do que sobre o seu aspecto
imperativo910.
Para Bobbio o primeiro e fundamental imperativo
moral é Não matar porque a morte é o final último do
Homem; é realmente a morte; morre-se somente uma vez. O
final da vida é o primeiro e último fim911.
Cfr. IDEM, “La teoria politica di Hobbes” (1980), in ThH, p. 45.
Cfr. IDEM, “Eguaglianza e dignità degli uomini” (1963),
republicado com o título “La dichiarazione universale dei diritti
dell’uomo”, in TeGePo, p. 443.
911
Cfr. IDEM, “De senectute” (1994), in DeSe, pp. 37-38.
909
910
353
A nossa morte é o nosso “final” enquanto indivíduos,
e esta morte é um fim absoluto. Com a morte como o fim
último, a vida humana extingue-se: fim sem re-começo;
aquilo que é extinto terminou para sempre912.
Em uma palavra, com a morte o Homem termina para
sempre; não existe esperança nem de uma ressurreição, nem
mesmo de uma re-encarnação: não existe para Bobbio uma
nova vida; nem um Deus que possa julgar ou punir o
Homem no mundo do além-morte.
No século XX, porém, a violação do imperativo Não
matar assumiu proporções tais fazendo Bobbio antever
próximo, senão já atual, o advento da idade do niilismo préanunciado por F. Nietzsche913.
Segundo Bobbio, como ficou claro, com a morte se
entra no mundo do não-ser; no mesmo mundo no qual
éramos antes de nascer. Aquele nulla que éramos não sabia
nada do nosso nascimento, do nosso vir-ao-Mundo e
daquilo que nos tornaríamos; o nulla que nós seremos
também não saberá nada daquilo que nós fomos914.
Como ficou claro, para Bobbio o imperativo ético
Não matar é válido em sentido absoluto, é um imperativo
categórico porque a vida humana é o valor primordial
enquanto condição para todos os demais valores915.
Em outras palavras, o princípio ético Não matar é um
imperativo categórico por que:
- “categórico” é o valor da vida que esse imperativo
entende proteger;
Cfr. Ibidem, p. 38.
Cfr. IDEM, “Progresso scientifico e progresso morale” (1995), in
TeGePo, pp. 635-636.
914
Cfr. IDEM, “De senectute” (1994), in DeSe, p. 40.
915
Cfr. IDEM, “Due paradossi storici e una scelta morale” (1954), in
DubScel, p. 28.
912
913
354
- impõe um dever perfeito em vista de proteger o
valor primordial da vida humana, comum a todos os
homens;
- não tem outros argumentos para impor-se senão a
sua própria força, porque o “dever” vai cumprido por
princípio, independentemente das suas razões, sem
alguma consideração das circunstâncias em que vem
de vez em vez aplicado;
- porém não prescreve outra conduta que aquela
assumida por livre decisão no respeito do dever
moral916.
A legítima defesa não é uma “exceção” nem uma
“derroga” a tal imperativo ético, que é categórico. Se este
imperativo admitisse derrogas ou exceções, não poderia ser
qualificado como absoluto; como categórico. Seria somente
um “princípio” relativo, condicionado pelas hipotéticas
circunstâncias da ação humana: ao máximo seria um
imperativo hipotético.
O princípio vim vi repellere licet, como vimos, afirma
somente que se “pode” utilizar força defensiva proporcional
– vim vi – para repelir a força ofensiva sofrida. Não diz ser
lícito matar para repelir o agressor: isto sim seria uma
verdadeira e própria “exceção” e “derroga” ao imperativo
Não matar!
O “dever” que o princípio vim vi repellere licet
impõe-nos não é de matar o agressor, mas somente de
defender a própria vida e aquela dos outros – valor
primordial – caso venha ameaçada, “repelindo” o agressor
com força proporcionada; mesmo que, desta ação defensiva,
resultasse a morte de tal agressor.
O “dever” de defender a vida própria e alheia não
constitui uma “exceção” ao princípio ético Não matar que é
916
Cfr. IDEM, “L’opera di Gioele Solari” (1952), in ItCiv, p. 177.
355
absoluto, pois na legítima defesa não se visa matar
diretamente o agressor. Sua morte seria uma conseqüência
acidental de uma ação inevitável; uma situação que Bobbio
chamou casos-limites917.
Se a ação defensiva derrogasse ou fosse uma exceção
ao princípio ético, deveria visar diretamente à morte do
agressor. Então não seria mais “legítima” defesa, seria esta
também uma ação ofensiva, agressiva: evidente “violação”
direta do imperativo ético Não matar, não seria ainda assim
uma sua exceção.
A vida humana, enquanto valor primordial porque
conditio sine qua non a todos os demais valores é, dentre
todos os direitos humanos, “o” direito fundamental por
excelência de “todos” os homens; não de alguns
privilegiados ou daqueles psíquicos e somaticamente melhor
desenvolvidos. Mas de todos os indivíduos que
compartilham a mesma natureza humana: a humanitas.
Conseqüentemente, o dever de Não matar também
obriga a “todos”, inclusive ao Estado enquanto estrutura a
serviço do Indivíduo Humano.
O Estado civil foi constituído para satisfazer as
necessidades de um poder supra-individual918, capaz de
garantir a todos os indivíduos humanos a observação de
todas as leis; impedindo o uso individual e indiscriminado
da força; eliminando o estado de guerra de todos contra
todos e instaurando, assim, um estado de paz. É a antítese
Cfr. IDEM, “Contro il potere di dare la morte” (1982), in Rinascita,
38, 42 (5 de Novembro de 1982), pp. 41-43.
918
Cfr. Th. HOBBES, Leviathan (1651), trad. it., Leviatano o La
Materia, la forma e il potere di uno stato ecclesiastico e civile
(Biblioteca Universale Laterza, 295), a cura di A. PACCHI, Laterza,
Roma-Bari 2000, II, capítulo XVII, p. 142.
917
356
do status naturae: substitui o reino da guerra com o reino
da paz.
O Estado Civil é, assim, uma construção racional que
se contrapõem ao “irracional” Estado natural no qual se
encontrava o Homem919.
Para dar vida ao Estado civil e sair, assim, do estado
de “morte” – cada indivíduo renunciou ao direito sobre
todas as coisas e à força para reivindicá-lo.
Em seguida a esta renúncia, ao indivíduo entrado
numa convivência civil, isto é, tornado súdito de um Poder
Soberano, não permaneceu nenhum outro direito natural
além do primordial direito à vida920.
Que o direito à vida seja irrenunciável, como vimos,
deriva da lógica mesma da convivência civil: os indivíduos
humanos instituíram o Estado civil para fugir da ameaça
permanente de morte violenta que caracterizava o Estado
natural, isto é, para salvar a própria vida.
Necessariamente devem considerar-se livres do
vínculo da obediência civil quando a própria vida fosse a
perigo por culpa do Soberano921.
A lei natural indica aquilo que é bom ou mal em vista
“de” e em relação “a” um dado fim.
O problema fundamental para a compreensão da lei
natural remete-se à posição e à compreensão do problema
do “fim”. O fim supremo do Homem, a partir do ponto de
vista utilitarista do qual se põem Th. Hobbes é a paz922.
Cfr. N. BOBBIO, “Introduzione al De cive” (1948), in ThH, p. 88;
Cfr. IDEM, - M. VIROLI, Dialogo intorno alla repubblica, Laterza,
Roma-Bari 2001, p. 41.
920
Cfr. IDEM, “La teoria politica di Hobbes” (1980), in ThH, p. 54.
921
Cfr. Ibidem.
922
Cfr. IDEM, “Legge naturale e legge civile nella filosofia politica di
Hobbes” (1954), in ThH, p. 116.
919
357
O Homem que no status naturae era “indivíduo”,
constituindo-se o status civile se torna essencialmente
“objeto” do Poder ou, ao máximo, torna-se sujeito
“passivo”: torna-se cidadão, parte de um Povo.
Segundo Bobbio, se é possível reconhecer nesta
relação Povo-Indivíduo, Estado-Cidadão, um sujeito
“ativo”, este não é o “Indivíduo-cidadão” com os seus
direitos originários, mas sim o “Povo-estado”, enquanto
totalidade na qual o Indivíduo desaparece como sujeito de
direitos923.
Já que, nessa relação política Povo-Indivíduo, o único
direito natural que permaneceu ao Indivíduo humano que se
torna “cidadão”, foi o primordial direito à vida; o “Povoestado”, enquanto sujeito-ativo na relação constituinte do
status civile, para garantir sua própria sobrevivência, diz ao
“Indivíduo-cidadão”:
Não matar!
O “Indivíduo-cidadão”, enquanto sujeito-passivo,
também para garantir sua própria sobrevivência individual e
não ser “anulado” como a parte em relação ao “todo”, diz ao
“Povo-estado”:
Não me matar!
Como conciliar esta perspectiva deontológica de tipo
kantiano com a impostação bobbiana, fundamentalmente
hobbesiana?
O problema do conflito entre o direito à vida e a viver
do “Indivíduo-cidadão” e o direito do “Povo-estado” à
própria conservação, segundo Bobbio, em última análise, é
um problema exclusivamente “moral”.
Para fazer um exemplo que está à base da moral
racional, com evidente dependência kantiana, Bobbio disse:
Cfr. IDEM, “Diritti dell’uomo e filosofia della storia” (1987),
republicado com o título “L’età dei diritti”, in TerAs, p. 120.
923
358
eu posso haver interesse imediato a transgredir um pacto, e
lucrar com o fato que o outro o observou, mas não posso
enquanto Homem racional querer viver num Mundo em que
todos os pactos venham transgredidos; porque num Estado,
assim feito, seria impossível qualquer forma de convivência
pacífica924.
Portanto, o primeiro pacto estabelecido entre o
“Povo-estado” e o “Indivíduo-cidadão” é o pacto de mútua
não agressão, ou seja, de Não Matar e de Não ser morto.
Para os que crêem em “um” Deus, o imperativo Não
matar é fruto de uma certeza que se funda na crença da
existência de um “único” Juiz supremo capaz de dar um
juízo absoluto; de outro modo se desencadearia a fera
selvagem925 que o Homem é.
Usando a linguagem dos juristas, Bobbio falou de
uma norma primária e de uma norma secundária.
Aplicando esta linguagem jurídica ao princípio ético Não
matar, enquanto imperativo jurídico em um ordenamento
estatal pode-se dizer que a norma primária estabelece o
imperativo ordenando:
Não matar!
Quando o imperativo vem transgredido ou não
observado, a norma secundária estabelece as conseqüências
de tal transgressão, determinando:
Quem matou, ou deixou morrer, deve ser punido com
uma determinada pena.
Aquilo que faz com que a norma primária – o
imperativo em si – seja um dever perfeito é o fato de existir
Cfr. IDEM, “Due paradossi storici e una scelta morale” (1954), in
DubScel, pp. 27-28.
925
Cfr. IDEM, - M. VIROLI, Dialogo intorno alla repubblica, Laterza,
Roma-Bari 2001, p. 52.
924
359
uma norma secundária, dirigida a um juiz926 que estabelece
as conseqüências da sua não observação, determinando que
se deva cumprir tal norma primária, tal imperativo jurídico;
punindo o seu transgressor: o delinqüente.
No caso do imperativo Não matar enquanto dever
moral-religioso, a norma secundária não é dirigida a um
Juiz com faculdades judiciais, mas é dirigida a Deus,
enquanto é Ele mesmo quem dará a sanção, punindo o
transgressor do imperativo moral; e a sanção de Deus será
no além túmulo927.
No caso do imperativo Não matar enquanto dever
ético-racional, a norma secundária não é dirigida nem a um
Juiz com faculdades judiciais, nem a “um” Deus, que punirá
o transgressor no além túmulo; é dirigida à consciência
mesma do Sujeito ético, enquanto Indivíduo humano
racional e livre, capaz de consciência e de auto-consciência.
A punição do transgressor do imperativo ético é a
perda da dignidade humana: quem mata desce abaixo do
nível das feras.
Segundo I. Kant, os imperativos categóricos são
possíveis porque a idéia da liberdade faz de nós membros de
um mundo inteligível. Se não fôssemos outras coisas que
isto, todas as nossas ações seriam sempre conformes à
autonomia da vontade.
Porque nos reconhecemos “também” como membro
do mundo sensível, nossas ações “devem” ser conformes à
autonomia da vontade. E esse “dever categórico” representa
uma proposição sintética a priori, enquanto, além da nossa
vontade afetada por desejos sensíveis, tem-se ainda a
“idéia” da nossa vontade mesma, mas como vontade prática
926
927
Cfr. Ibidem, p. 55.
Cfr. Ibidem.
360
pura, pertencente ao mundo inteligível, e esta contém,
segundo razão, a condição suprema também da primeira928.
O “dever” de obedecer a um imperativo categórico,
do ponto de vista prático, confere ao Homem uma
dignidade que veta de tratá-lo como um puro meio929.
Nisto consiste a racionalidade do Homem; isto
conecta a segunda fórmula do imperativo, apresentada por I.
Kant na sua Fundação da metafísica dos costumes, 1785930,
à primeira fórmula que exprime o caráter formal da ética do
dever, a saber:
Age segundo aquela máxima que podes querer que se
torne uma lei universal931.
Segundo I. Kant somente o homem se representa o
dever de agir por dever, ainda quando de fato não
conseguisse fazer calar a sua inclinação.
Só o Homem é sujeito a pressões psicológicas que
podem “subjugar” completamente a sua vontade; só o
Homem é capaz de pensar-se, apesar disto, obrigado a
vencê-las: só o Homem é capaz de pensar como um dever
absoluto o dever de ser livre932.
Com isto encontramos a terceira fórmula do
imperativo categórico kantiano: sê livre; que justifica a
segunda fórmula: respeita em cada homem a humanidade
como um fim; através da primeira fórmula: age
prescindindo de tudo aquilo que é ligado ao caro eu e,
portanto, livremente.
Cfr. I. KANT, Grundlegung zur Metaphysik der sitten (1785), III,
Wie ist ein Kategorischer Imperativ möglich?
929
Cfr. V. MATHIEU, “Introduzione”, in GMsitten, pp. 22-23.
930
Cfr. I. KANT, Grundlegung zur Metaphysik der sitten (1785).
931
Cfr. V. MATHIEU, “Introduzione”, in GMsitten, p. 23.
932
Cfr. Ibidem.
928
361
Para Kant, obviamente, o imperativo categórico é
sempre um só; propriamente não é nem mesmo elaborável.
Não é representável como uma fórmula cognoscitiva capaz
de se tornar uma técnica. É representável, porém, como
sentido do dever numa consciência. Por isto ele chamou de
fato da razão a presença da Lei moral na mente.
“Fato” porque não se pode fazê-lo remontar a alguma
coisa de mais primitivo, que seja a sua causa, nem
transcendente – como comando divino – nem imanente – a
educação, a constituição psíquico-fisiológica.
“Fato”, porém, da razão porque um fato de tal gênero
não pode ser objeto de constatação empírica. Porque a
consciência moral é a representação de um incondicionado,
do qual a razão é a faculdade.
Neste caso, a razão, como razão pura prática,
determina a vontade sozinha, pelo fato mesmo de ser
representada como o movente da ação a prescindir de
qualquer preferência individual933.
Alguns “imperativos”, como vimos, ordenam
somente enquanto condição para conseguir aquilo que já se
deseja. Se quisermos exprimir o imperativo ético Não
matar como categórico, não podemos dizer Não matar “se”
ou Não matar em vista “de”.
Kantianamente, diremos somente Não matar e basta,
ou seja, categoricamente; sem uma hipotética condição nem
circunstância, nem finalidade além do dever mesmo: sem
enunciar nenhuma condição sob a qual a prescrição valha ou
não valha.
Já no sistema hobbesiano o imperativo Não matar ou
Não me matar, como vimos acima, dependia da finalidade
da paz: fim último da constituição da Sociedade Civil por
parte dos indivíduos que renunciaram, assim, a própria
933
Cfr. Ibidem, pp. 23-24.
362
liberdade em vista de proteger o bem primordial da própria
vida; em vista de pôr fim ao Estado de guerra contínua de
todos contra todos.
O imperativo Não matar, no sentido utilizado e
entendido por Bobbio, não depende de “condições” nem de
“finalidades” – como em Hobbes, condicionado pela “paz”
e pelo fim do estado de guerra de todos contra todos.
A validade desse Imperativo ético não vem
condicionada pela partícula “se”, nem pressupõe a
finalidade “em vista de”; portanto não é hipotético. É um
imperativo “categórico” porque comanda por si mesmo934,
independente de qualquer hipotética circunstância do
agente, nem do objeto da ação proibida.
Em outras palavras, o imperativo Não matar impõe
um dever perfeito a todos os sujeitos humanos e em vista de
proteger a vida de “todos” e de cada um, não em vista de um
fim – como a paz para Hobbes – mas porque entende
proteger um bem primordial – a vida humana – que é valor
absoluto porque condição para todos os demais valores: em
uma palavra, vale em si e por si mesmo.
Se o imperativo Não matar é categórico não podemos
pôr a pergunta: Por que eu não deveria matar?
Tratando-se de um imperativo categórico, a uma
pergunta deste gênero não é possível dar uma resposta. Se
fosse possível respondê-la apresentando-lhe uma “razão”
diferente do puro dever de não matar, o imperativo
dependeria “de” e seria condicionado “por” tal razão; não
seria, por isto mesmo, categórico935, mas sim hipotético.
Para Bobbio, Não matar é um imperativo categórico;
portanto ab solutus como para ele era absoluto o valor da
vida humana.
934
935
Cfr. Ibidem, p. 14.
Cfr. Ibidem, pp. 14-15.
363
Por exemplo, diante da resposta bobbiana: Não deve
matar porque a vida é o bem primordial, condição para
todos os demais valores936, portanto matar seria um mal;
surgiria uma nova pergunta: Por que não devo fazer o mal
aos outros?
Se justificássemos esta última apresentando uma
razão, por exemplo: Porque na primeira oportunidade
matarão você também; o imperativo Não matar não só seria
hipotético, mas seria também egoísta937.
Porém, se na resposta bobbiana, entendemos bem
primordial como bem ab-soluto e a ação de matar como
mal absoluto porque destrói um bem absoluto, então não se
dá lugar a nenhuma outra pergunta:
Matar é mal absoluto; ponto e basta.
Se não fosse assim o imperativo Não matar, de
categórico que “é” segundo a perspectiva bobbiana, seria
transformado em um hipotético princípio do mais banal
egoísmo.
O imperativo categórico não pode ter outros
argumentos para impor seu valor senão a sua própria força,
ou seja, a forma da lei ou sua universalidade, porque o
“dever”, kantianamente falando – e é este o sentido
bobbiano do imperativo categórico Não matar! – vai
cumprido por princípio, independentemente das suas
razões938 e finalidades.
Ainda podemos precisar que é possível afirmar o
imperativo Não matar como “categórico” e, ao mesmo
tempo, dar-lhe uma fundamentação; desde que não lhe seja
dado uma finalidade, como no sistema hobbesiano: a paz.
Cfr. N. BOBBIO, “Due paradossi storici e una scelta
morale” (1954), in DubScel, p. 28.
937
Cfr. V. MATHIEU, “Introduzione”, in GMsitten, p. 15.
938
Cfr. Ibidem, pp. 21-25.
936
364
Tal fundamento não pode ser outro que a vida
humana enquanto é o valor humano primordial939. O
imperativo Não matar é categórico porque “categórico” é o
valor da vida que ele entende proteger: não se trata aqui de
atribuir uma hipotética condição ou circunstância ou
finalidade que “condicionaria” a validade de tal imperativo,
trata-se sim de fundamentá-lo; atribuindo-lhe o mesmo
valor – primordial – do bem que ele entende proteger.
Para Bobbio os imperativos categóricos são leis que
devem ser obedecidas incondicionalmente, sem alguma
consideração das circunstâncias em que vem, vez por vez,
aplicada.
Em uma palavra, trata-se da “Lei” das leis, segundo a
qual precisa fazer, em qualquer circunstância, o próprio
dever por nenhuma outra razão do que o dever,
independentemente de toda consideração de fins próximos
ou distantes; independente dos sujeitos, ativo ou passivo,
envolvidos na ação comandada ou proibida pelo imperativo
categórico940.
O mundo dos imperativos categóricos, ou seja, dos
comandos que devem ser obedecidos não por prazer – ou
hipotético interesse – mas por dever – perspectiva
deontológica evidentemente kantiana – mesmo se com
sofrimento e com o sentido de “nunca” os haver cumprido
plenamente; é um ideal, por sua natureza inatingível, mas ai
de quem não se esforçar de atingi-los941.
O dever não tem um por que e o porquê é tão remoto
que não se pode medir com o “metro” do tempo quotidiano:
Cfr. N. BOBBIO, “Due paradossi storici e una scelta
morale” (1954), in DubScel, p. 28.
940
Cfr. IDEM, “Ritratto di Leone Ginzburg” (1964), in MeCom, p.
173.
941
Cfr. IDEM, “Eugenio Colorni” (1975), in MeCom, p. 204.
939
365
o dever se cumpre por uma íntima e categórica lei que é
aquela de Deus, para quem crê; ou aquela do progresso
moral da civilização humana, para quem não crê “num”
Deus que nos transcende, como Bobbio.
O imperativo categórico, assim, comanda-nos e não
nos explica o porquê942. Porém, um imperativo categórico
não prescreve outra conduta que aquela assumida por livre
decisão no respeito do dever moral943.
Os elementos “fortes” da perspectiva bobbiana
apresentada na presente pesquisa podem ser formulados nos
seus grandes imperativos, acima citados; e em modo
particular no imperativo Não matar; bem como as
conseqüências da sua perspectiva: a repugnância à pena de
morte, ao aborto procurado e seu Não radical à guerra como
meio para a solução dos conflitos: a guerra é via bloccata;
seu pacifismo institucional.
Bobbio indicou-nos os valores morais que nortearam
toda sua produção filosófica: agir pela boa causa sem
ambições – para ele, a vida humana era “a” boa causa por
excelência, enquanto valor primordial; os valores da
coerência e da intransigência; os valores da firmeza, da
seriedade, do desinteresse e da abnegação; os valores do
rigor e da autodisciplina; o valor da humildade diante da
grandeza da História e diante da insuficiência da própria
tarefa944.
Os valores últimos não são confrontáveis e, por isto
mesmo, “não são” negociáveis945; portanto, não são
“renunciáveis”.
Cfr. IDEM, “Antonio Giuriolo” (1948), in ItCiv, p. 295.
Cfr. IDEM, “L’opera di Gioele Solari” (1952), in ItCiv, p. 177.
944
Cfr. IDEM, “Prefazione alla prima edizione” (1963), in ItCiv, p. 11.
945
Cfr. IDEM, “Marxismo e scienze sociali” (1974), in NéNé, p. 150.
942
943
366
Para Bobbio o princípio fundamental da Moral é o
respeito da Pessoa humana946, porque a vida humana é o que
existe de mais precioso947.
Os grandes ideais de Bobbio foram indicados na sua
trilogia temática: democracia, direitos do Homem e paz: a
aspiração pela Paz se opõe ao mundo humano enquanto
reino da violência; o princípio universalista dos direitos do
Homem se opõe ao mundo particularista das paixões e dos
interesses humanos; o ideal da Democracia como
transparência, como governo público em público948, opõe-se
à cortina ideológica dos enganos e à opacidade do poder.
Em Bobbio, a igualdade aparece como um télos949. Os
seres humanos não nascem nem livres e muito menos são
iguais950.
A proposição normativa a igualdade é um bem digno
de ser perseguido não deriva, sub-repticiamente, do juízo de
fato: os homens nasceram ou são, por natureza, iguais; mas
do juízo de valor: a desigualdade é um mal.
Trata-se daquela desigualdade que é possível observar
na História concreta dos homens, que é História de
Sociedade dividida em classes antagônicas e, portanto,
profundamente desiguais951.
Dizer que os seres humanos nascem livres e iguais
significa somente que os seres humanos “devem” ser
tratados “como se fossem” livres e iguais. Segundo Bobbio
Cfr. IDEM, “Ragion di stato e democrazia” (1991), in EdM, p. 92.
Cfr. IDEM, “La teoria politica di Hobbes” (1980), in ThH, pp.
43-44: […] salvare ciò che ha di più prezioso, la vita.
948
Cfr. IDEM, “I vincoli della democrazia” (1983), in FdD, p. 76.
949
Cfr. IDEM, “Eguaglianza” (1977), in EgLi, pp. 40-41.
950
Cfr. IDEM, “Eguaglianza e dignità degli uomini” (1963), in TerAs,
p. 73.
951
Cfr. IDEM, “Eguaglianza” (1977), in EgLi, p. 34.
946
947
367
esta expressão não é descritiva de um fato, é prescritiva de
um dever.
A passagem de uma descrição numa prescrição é
possível se tomamos consciência que a afirmação os seres
humanos nascem livres e iguais quer dizer, na verdade, que
os seres humanos nascem livres e iguais pela sua natureza,
que Bobbio a chamou: natureza ideal952.
Esta afirmação de uma natureza ideal do Homem
parece-nos um primeiro limite da perspectiva bobbiana
apresentada na presente pesquisa.
É bom recordar que o termo latino natura liga-se ao
verbo nasci, assim como em grego o termo phýsis liga-se a
phýein, que significa “gerar”.
Portanto natura, no sentido visto, indica aquilo que é
congênito ou gerado junto “com”; possuído desde o
nascimento e em força do nascimento; em uma palavra:
aquilo que é dado.
A natureza de uma coisa qualquer é a sua estrutura
íntima; é o seu plano de ordem interna. Neste sentido, a
natureza faz de um sujeito individual aquilo que ele
realmente é; não pode ser um ideal elaborado pelo
consensus, mesmo se omnium gentium ou humani generis.
Constitui o seu princípio imanente de comportamento
ou de operação. Deste modo, in-natural é aquilo que não é
conforme a natureza; antinatural é aquilo que contrasta a
natureza; sobrenatural é aquilo que supera os limites da
natureza enquanto criada; no âmbito teológico,
preternatural é aquilo que excede os limites da natureza
criada, mas não entra no âmbito do dinamismo da Graça
divina.
Cfr. IDEM, “Eguaglianza e dignità degli uomini” (1963), in TerAs,
p. 73.
952
368
Em suma, aquilo que é natural – dado ao Homem –
contrapõe-se àquilo que é artificial – feito pela arte ou
técnica humana.
Em sentido intensivo, como vimos, pode-se falar da
diferente natureza da pedra e desta pedra; do animal e deste
animal; da planta e desta planta; bem como se pode falar de
natureza do Homem e deste homem.
O Homem é parte da realidade a ele dada e se sua
natureza humana não for claramente identificada como
intensiva, portanto como natureza sua, corre o risco de ser
“transformado”, por exemplo, em um produto extrínseco à
ação de outros homens detentores da técnica de
manipulação genética; ou resultado de uma elaboração
ideal, portanto mutável segundo o mudar do consensus
cultural dos homens.
É o risco de ser rebaixado ao nível do animal ou, o
que seria pior, abaixo do animal, enquanto puro objeto de
experimentação; seria o perigo de “coisificar” o Homem,
num processo de uma radical desumanização, ou banalizá-lo
como mero produto da cultura humana. O Homem há a sua
“própria” natureza graças à qual se distingue de tudo aquilo
que não é ele; que não é humano953.
“Todos” os homens e mulheres devem ser tratados
como iguais na liberdade exatamente porque “todos”
compartilham uma mesma natureza cuja característica
fundamental é a igualdade na liberdade.
Todos os homens viventes formam uma substancial
unidade natural, que nos impõe de atribuir a cada indivíduo
humano uma natureza onto-teleológica e não simplesmente
ideal. De fato, tal natureza nos impõe de tratá-lo como
Pessoa: dotada de uma dignidade absoluta.
Cfr. A. GÜNTHÖR, Chiamata e risposta, vol. I, Paoline, Cinisello
Balsamo 1987, p. 313.
953
369
Segundo Bobbio, para convencermo-nos da
substancial unidade do gênero humano, que o direito
primordial à vida compete a todos os homens, não existe a
necessidade de excogitar argumentos filosóficos; basta olhar
o rosto de uma criança em qualquer parte do Mundo e de
qualquer raça humana.
Quando vemos uma criança, que é o ser humano mais
próximo à Natureza, não ainda modelado e corrompido
pelos costumes do Povo no qual é destinado a viver, não
percebemos nenhuma diferença, senão nos traços somáticos.
Quando vemos uma mãe que chora seu filho morto ou
reduzido a esqueleto, é uma mãe igual às outras: aquele
choro não se assemelha ao choro de todas as mães do
Mundo?954
Uma convicção deste gênero nasce de uma operação
mental muito simples: os homens não são considerados
como indivíduos, mas como “genus”. Portanto, não são
considerados pelas características que diferenciam um
indivíduo do outro, mas por aquelas pelas quais todos os
homens pertencem a um único “gênero”955.
Excluindo a necessidade de excogitar argumentos
filosóficos para afirmar a substancial unidade humana,
Bobbio parece antecipar as palavras da Declaração
Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos,
1999, que proclamou a existência de uma base “genética”,
portanto não filosófica, para a unidade fundamental de
todos os membros da família humana bem como de sua
inerente dignidade e diversidade.
Cfr. N. BOBBIO, “Razzismo oggi” (1993), in EdM, pp. 134-135.
Cfr. IDEM, “Eguaglianza ed egualitarismo” (1976), in TeGePo, pp.
255-256.
954
955
370
Esta “unidade substancial” não anula as individuais
diversidades, necessárias para afirmação da pessoa enquanto
indivíduo-humano.
As conseqüências da afirmação bobbiana do princípio
ético Não matar como válido em sentido absoluto, como um
imperativo categórico, foi a sua repugnância à pena de
morte, ao aborto procurado e à guerra, como meio para a
solução dos conflitos entre os Estados.
O exemplo mais interessante de “reversibilidade” dos
argumentos no debate atual sobre a pena de morte refere-se
ao diverso uso do princípio ético Não matar!
Os defensores da pena de morte o utilizam recorrendo
ao argumento que a condenação capital do homicida é uma
atestação – a mais solene que se possa dar – do valor
absoluto do princípio ético Não Matar; no sentido que a
vida do outro deve ser respeitada se queremos que seja
respeitada a nossa própria vida. Já para o abolicionista,
invés, partindo do mesmo princípio ético, a pena de morte é
sua inaceitável violação956.
Para quem considera que o princípio ético Não matar
tem uma validade absoluta, portanto, seja um imperativo
categórico que não consente exceções, o problema da pena
de morte já está resolvido: infligir tal pena é sempre ilícito:
inaceitável violação desse princípio957.
O debate sobre a pena de morte se mantém ainda
aceso porque não se parte do pressuposto da validade
absoluta do princípio ético Não matar; conseqüentemente,
nem da consideração do direito à vida como direito
absoluto, que vale sempre, sem exceções958.
Cfr. IDEM, “Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982), in EdD,
pp. 226-227.
957
Cfr. Ibidem, pp. 210-211.
958
Cfr. Ibidem, p. 211.
956
371
Bobbio deu uma única razão à sua “repugnância” à
pena de morte: o imperativo ético Não matar!959 Ele não
conseguiu ver outra “razão” verdadeiramente abolicionista
fora desse princípio ético.
Segundo ele, todos os outros argumentos valem
pouco ou nada. Da constatação que violência gera
violência, numa corrente sem fim, Bobbio tirou o seu
“último” e mais forte “argumento” contra a pena de morte:
a salvação da Humanidade, agora mais do que nunca,
depende da interrupção dessa corrente de violência.
Se não se interrompe essa corrente de morte, o dia de
uma catástrofe sem precedentes poderia não estar longe:
uma catástrofe final. A abolição total da pena de morte é
somente um “pequeno” início; mas grande seria a mudança
que ela produziria na prática e na concepção mesma do
poder do Estado, representado tradicionalmente como o
poder irresistível960.
Bobbio acreditou firmemente que a abolição total da
pena de morte do teatro da História representará um sinal
indiscutível de progresso civil e moral da Humanidade961;
“progresso” que Bobbio, apesar dos seus 94 anos de vida,
não “viveu” o suficiente para vê-lo acontecer. Tivemos que
esperar o final do ano passado, 2007, para ouvir o primeiro
Não da O.N.U. à pena de morte.
Depois das derrotas de 1994 e de 1999, a Assembléia
das Nações Unidas, no dia 15 de Novembro de 2007, votou
pela moratória das execuções capitais. Primeiro passo rumo
à total abolição dessa pena. É a vitória da civilização sobre
a lei da selva; é um passo em direção a um Mundo mais
Cfr. IDEM, “Contro la pena di morte” (1981), in EdD, pp. 198-199.
Cfr. IDEM, “Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982), in EdD,
p. 229.
961
Cfr. IDEM, “Contro la pena di morte” (1981), in EdD, p. 200.
959
960
372
humano, como foram a proibição da tortura e a abolição da
escravidão.
Entre os Países membros das Nações Unidas, 99
votaram a favor da moratória sobre as execuções capitais,
52 votaram contra e 33 abstiveram-se de votar.
Moratória das execuções capitais ainda não é
abolição total da pena de morte do teatro da História, como
queria Bobbio, mas é um primeiro passo, uma “passagem”
fundamental em direção a essa abolição: sinal indiscutível
de progresso civil e moral da Humanidade.
Para compreender a importância da aprovação da
Moratória, basta olhar os números das execuções em 2007,
até o dia 15 de Novembro, em todo o Mundo foram
executados 5.628 condenados. Somente na China, foram
executados 5.000; no Irã, 215; no Paquistão, 82; no Iraque,
65; nos USA, 53; na Arábia Saudita, 39; no Yemen, 30; no
Vietnã, 14; e no Kuwait, 11.
Segundo Franca Zambonini é difícil entender porque
os USA, que se consideram mais avançados de outros países
na defesa dos direitos humanos fundamentais, não consiga
livrar-se totalmente da máquina do patíbulo962.
Podemos com Bobbio concluir que o direito
fundamental à vida e a viver compete a todos os entes
humanos, desde a “concepção” até a morte natural,
independentemente do nível ou intensidade atuais de suas
capacidades vitais.
Na “espécie” vida alheia, este direito que é
fundamental por excelência, como vimos, adquire o status
de dever fundamental por excelência.
Cfr. F. ZAMBONINI, “Il primo non dell’ONU alla pena di morte”,
in Famiglia Cristiana, LXXVII, n. 47 (25 de Novembro de 2007), p.
194.
962
373
Em outras palavras, a vida do “outro” enquanto
direito fontal de todos os seus demais direitos, é o “meu”
dever fontal: seja que entendamos como sujeito do “dever”
o Indivíduo humano ou o Estado.
De tal direito jorram, como de uma fonte, todos os
demais direitos e liberdades fundamentais do Indivíduo
humano. Daqui a necessária exclusão de qualquer forma de
agressão à vida tais como o aborto, o infanticídio, a
eutanásia e a pena de morte; bem como a superação da
hodierna cultura da morte963 e uma urgente e necessária
promoção de uma cultura da vida.
Considerar a vida alheia como valor absoluto da
“moral” dos direitos humanos é condição fundamental para
a sobrevivência da Humanidade, de hoje e de amanhã.
Não podemos justificar “crimes” contra a
Humanidade, como o aborto procurado, utilizando o direito
da mulher sobre seu corpo ou a sua liberdade: a vida em
formação depende do corpo da mãe, mas não é um órgão
do seu corpo, como ficou evidente na posição bobbiana
contra o aborto procurado. A liberdade da mãe termina
quando põe em risco uma vida que não lhe pertence.
A vida do “outro”, mesmo nos primeiros instantes de
fecundação, é valor absoluto, portanto dever absoluto da
mãe, e não pode ser posta à mercê da vontade nem dela,
nem de nenhum outro Indivíduo ou Grupo humano.
A única diferença entre matar um filho no útero, ou
após o seu nascimento é que, dentro do útero, não é possível
fixá-lo nos olhos enquanto morre, depois do nascimento
“sim”.
A última das três conseqüências da afirmação de
Bobbio do princípio ético Não matar como sendo válido em
Cfr. JOANNES PAULUS Pp. II, adh. ap. post. Christifideles Laici,
30 de Dezembro de 1988, n. 38.
963
374
sentido absoluto, como um imperativo categórico foi o seu
pacifismo: as respostas que ele deu às principais teorias
justificadoras da guerra, afirmando que não existem guerras
justas; a guerra não é mal menor, nem é mal necessário; e
não é, nem mesmo, inevitável.
Morto um Indivíduo humano, a vida continua num
outro, mas e morta a Espécie Humana? A posse da
“ciência” da destruição universal põe a Humanidade diante
de um “novo imperativo” ético que não é mais somente
aquele de Não matar, mas é aquele de “Deixar nascer!”. Se
destruirmos a Espécie Humana não nascerão mais
Indivíduos humanos964.
Bobbio não sabia se percebemos “o quê” significa um
Mundo no qual uma das três dimensões do “Tempo”, o
futuro, não existiria mais. No momento em que o Mundo
“é” sem “futuro”, o presente e o passado também perdem
todo significado965: torna-se um Mundo sem “tempo”.
Uma “bomba”, cada bomba, mata ao menos quatro
vezes: mata quando é projetada, pois desvia energias
“espirituais” que poderiam ser utilizadas, por exemplo, para
descobrir a cura de doenças, ainda hoje, incuráveis; mata
quando vem construída, pois utiliza recursos econômicos
que poderiam ser utilizados para “matar” a fome de milhares
de seres humanos que vivem abaixo da “soleira” da miséria
e promover a vida humana; mata quando é lançada e
explode sobre seres humanos viventes; a bomba continua a
matar depois de lançada, pois desperta no “outro” o desejo
de vingança que alimenta a guerra.
Cfr. IDEM, “La morale e la guerra” (1982); “Morale e Guerra”, in
TerAs, p. 175.
965
Cfr. IDEM, “Etica della potenza ed etica del dialogo” (1982), in
TerAs, p. 158.
964
375
A guerra não pode mais gozar das benévolas e
“interessadas” justificações de outros tempos, como
denunciou Bobbio. A guerra é uma “via” sem saída, uma
via bloccata! Um remédio o qual não podemos mais utilizar
para “resolver” os conflitos sociais: É um remédio sempre
pior do que o mal966.
Das três “condições” positivas para a Paz,
apresentadas por Bobbio no seu pacifismo, a terceira – a
proibição de fazer recurso à força recíproca – deve valer
sempre, deve valer também no caso em que um dos dois
pactos precedentes, ou todos os dois, seja violado.
A terceira condição para a paz requer a constituição
de um Poder Comum que, segundo Th. Hobbes e os
contratualistas, permita a passagem do status naturae ao
Estado civil. Um “poder” comum super partes requer,
porém, a presença de um Terceiro super partes967.
O “Terceiro” super partes, ao qual competiria a tarefa
de regular os conflitos entre os Estados nacionais,
garantindo o respeito dos dois pactos pela paz, de promover
e garantir a tutela dos direitos humanos fundamentais,
segundo Bobbio, é ainda um “Terceiro ausente”968.
Um segundo e mais grave limite da perspectiva
bobbiana trabalhada nesta pesquisa é quanto à
fundamentação do primordial direito à vida.
Bobbio nunca se afastou das seguintes teses: os
direitos naturais são direitos históricos; os direitos naturais
nascem ao início da idade moderna, juntamente com a
Cfr. IDEM, “Disarmati di tutto il mondo, uniamoci” (1985), in
L’unità, LXII, n. 244, (29 de Outubro de 1985), pp. 1-16, republicado
com o título “Disarmati di tutto il mondo”, in TerAs, p. 180.
967
Cfr. IDEM, “La pace ha un futuro?” (1987), in TerAs, p. 192.
968
Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura di Alberto PAPUZZI, Laterza,
Roma-Bari 1999, p. 231.
966
376
concepção individualista da Sociedade; os direitos tornamse um dos principais indicadores do progresso histórico.969
Segundo Bobbio, as boas razões bastam para
fundamentar racionalmente um direito, mas não bastam
para obter, com certa segurança, a sua garantia e proteção.
O tema do fundamento racional dos princípios morais
– não excluído o princípio Não matar! – é tanto
teoricamente apaixonante quanto praticamente irrelevante.
Não existe princípio ético, mesmo o mais primordial de
todos – Não matar! – que seja respeitado somente porque
tenha sido bem fundamentado racionalmente.
O debate sobre o fundamento dos princípios éticos,
segundo Bobbio é um típico debate teórico, um jogo
intelectual que tem pouca ou nenhuma incidência sobre o
comportamento real dos homens. Porque estes seguem mais
a paixão do que a Razão; mais o interesse imediato do que o
dever moral970.
A “ilusão” de encontrar um fundamento absoluto aos
direitos humanos à vida e a viver, bem como a todos os
demais direitos fundamentais, não é mais possível. Toda
pesquisa em busca do fundamento absoluto é, por sua vez,
infundada971.
Segundo Bobbio existem três modos de fundar os
valores:
- deduzi-los de um dado objetivo constante, por
exemplo, a natura Hominis;
- considerá-los como verdades por si evidentes;
Cfr. IDEM, “Introduzione” (1997), in EdD, p. VIII.
Cfr. IDEM, “La pace attraverso il diritto” (1983), republicado com
o título “Pace e Diritto”, in TeGePo, p. 529.
971
Cfr. IDEM, “Sul fondamento dei diritti dell’uomo” (1964), in EdD,
p. 7.
969
970
377
- descobrir que, num dado período histórico,
receberam o consensus; portanto, a prova do consensus
omnium gentium.972
O primeiro modo de fundar os valores, segundo
Bobbio, oferecer-nos-ia a maior garantia da sua validade
universal, se verdadeiramente existisse a natura Hominis e,
admitido que exista como dado constante e imodificável,
fosse possível conhecê-la na sua essência. A julgar da
história do Jusnaturalismo a natura Hominis foi interpretada
nos modos mais diferentes, e o apelo a ela serviu a justificar
sistemas de valores, até mesmo, opostos entre eles973.
O segundo modo de fundar os valores – o apelo à
evidência – segundo Bobbio tem o defeito de pôr-se “além”
de qualquer prova e de rejeitar toda possível argumentação
de caráter racional. Assim que submetemos valores
proclamados evidentes à verificação histórica, percebemos
que aquilo que foi considerado evidente por alguns, num
dado momento da História, não é mais considerado evidente
por “outros”, em “outro” momento974.
O terceiro modo de justificar os valores é aquele de
mostrar que se apóiam no consensus omnium gentium.
Assim, um valor seria tanto mais fundado quanto mais
tivesse recebido o consentimento de todos.
Com o argumento do consensus Bobbio substituiu a
fundamentação dos valores, por ele considerada impossível
ou extremamente incerta da “objetividade”, por aquela da
inter-subjetividade.
Cfr. IDEM, “Presente e avvenire dei diritti dell’uomo” (1968), in
EdD, p. 19.
973
Cfr. Ibidem.
974
Cfr. Ibidem, pp. 19-20.
972
378
Trata-se certamente de um fundamento histórico e,
como tal, não-absoluto; mas segundo Bobbio é o único
fundamento que pode ser factualmente provado.
Assim, Bobbio acolheu a Declaração Universal dos
Direitos do Homem, 1948, como a maior prova histórica,
que jamais se deu, do consensus omnium gentium acerca de
um determinado sistema de valores975.
Mesmo se a Declaração Universal de 1948 houvesse
recebido o consensus da universalidade dos Estados
representados por seus Chefes, coisa que ainda hoje não
aconteceu; “isto” não seria fundamento da “validade” ou da
“universalidade” dos seus valores para a universalidade dos
seres humanos: toda a Humanidade.
Seria ainda e sempre somente um consensus de todos
os chefes de Estado. Ao máximo poderíamos dizer que seria
uma Declaração “reconhecida” por todos os Estados da
Terra, jamais de uma Declaração reconhecida por toda a
Humanidade: todos os entes dotados essencialmente de
humanitas.
Podemos ainda, ex absurdum, considerar se tal
Declaração Universal realmente houvesse recebido ou se
um dia viesse a receber um verdadeiro e próprio consensus
omnium gentium, no sentido de um consentimento universal
de todos os Povos, de todos os entes humanos viventes, de
toda a Humanidade entorno dos valores por ela declarados;
ainda assim esse consensus não poderia ser o “fundamento”
da absoluta Dignidade Humana, da qual os direitos
fundamentais à vida e a viver e todos os demais são somente
a sua histórica “explicitação”. Poderia “somente” ser sua
histórica “justificativa”.
Se o consensus fundamentasse os valores que os
direitos humanos entendem proteger ou o Valor Absoluto do
975
Cfr. Ibidem, p. 20.
379
qual eles são histórica explicitação, o Homem, enquanto
indivíduo estaria à mercê da “maioria” ou da
“unanimidade”.
Isto significaria democratizar e, conseqüentemente,
“relativizar” não só a dignidade humana, mas também a
existência mesma dessa dignidade; com todos os riscos que
essa sua relativização comportaria para a própria
Humanidade como tal: colocaria em risco não só a
convivência pacífica entre os homens, mas a própria
existência futura da Humanidade sobre a Terra.
Seria submeter o Homem aos “homens” numa
conseqüente ditadura do mais forte; seria um retorno ao
status naturae onde vigoraria o “direito” da Força e não a
“força” do Direito.
Nas palavras do próprio Bobbio, em 1981,
encontramos uma evidente evolução de seu pensamento
rumo a uma limitação da força fundamentadora do
consensus:
Os valores, os princípios, os postulados éticos e,
naturalmente, os direitos fundamentais não são opináveis e,
portanto, nem mesmo negociáveis. A regra do maior
número que tem a ver somente com o opinável não é
competente a julgá-los976.
Exatamente por não serem tocáveis por parte de
nenhuma decisão majoritária, tais direitos humanos
fundamentais foram chamados direitos contra a maioria. A
vasta esfera dos direitos de liberdade pode ser interpretada
Cfr. IDEM, “La regola di maggioranza: limiti e aporie” (1981), in
TeGePo, p. 400: I valori, i principi, i postulati etici, e naturalmente i
diritti fondamentali, non sono opinabili e quindi neppure negoziabili.
Perché tali, la regola del maggior numero che ha a che fare solo con
l’opinabile non è competente a giudicarli.
976
380
como uma espécie de território de fronteira diante da qual
se bloqueia a potência do princípio de maioria977.
O consensus, ao máximo pode ser “justificação” de
legalidade, não de valor e justiça: ao máximo podemos
admiti-lo como justificação da letra material de um direito,
não como fundamento da existência do valor que ele
entende proteger e promover.
Se o consensus omnium gentium, portando o
“Direito” positivo dos vários Povos, fundamentasse tal
direito humano por excelência; e a universalidade dos
homens decidisse que o enfermo terminal ou o embrião ou o
deficiente-total não tivessem mais tal direito, seria lícito e
eticamente “aceitável” matá-los (?!).
Devemos gritar forte:
A Vida humana não pode ser democratizada!
O mesmo argumento contra a democratização da vida
vale para rejeitar a democratização de todos os demais
direitos humanos e das liberdades fundamentais, que traria
evidentes conseqüências “letais” para a vida e a integridade
da Humanidade: basta pensar nas terríveis conseqüências da
manipulação genética posta sob o arbítrio do consensus
omnium gentium. Portanto, esta “democratização” dos
valores que os direitos humanos entendem preservar é
racionalmente in-admissível.
O “reconhecimento” dos direitos à vida e a viver
“apóia-se” sobre o acordo prático e o consensus entorno
deles; o qual basta para justificá-los, mas não basta para
fundamentar a realidade absoluta que eles entendem
proteger: a dignidade humana de cada Homem.
Em sede jurídica o consensus entorno do acordo
prático, como justificação dos direitos humanos
fundamentais à vida e a viver satisfaz ao jurista. Em sede
977
Cfr. Ibidem, pp. 399-400.
381
filosófica, porém, o filósofo deve dar o corajoso passo: pôrse o problema do fundamento absoluto do “Direito”
absoluto do Homem, a saber, a proteção e promoção da sua
própria humanidade: essentia Hominis.
Dito com outras palavras: o filósofo “deve” buscar o
fundamento absoluto da absoluta Dignidade Humana.
Os “direitos” humanos fundamentais, enquanto
atuação histórica do “Direito Humano” absoluto – proteger
e promover a sua humanidade – necessitam de uma
dimensão meta-jurídica e meta-histórica que encontre tutela
no consensus entorno à norma jurídica, sim, mas que dela
prescinda; havendo essa um valor “meramente” declaratório
dos valores que entende proteger e promover, não
“constitutivo” da dignidade humana.
Existem “direitos” que se “dão” mesmo se não são
determinados por uma norma jurídica. E existem “direitos”
reconhecidos pela Lei que não podem ser considerados
“justos”, portanto, são desprovidos de todo “valor”, pois vão
contra a dignidade do Homem enquanto ente dotado de
humanitas978: por exemplo, certos Ordenamentos
reconhecem o “direito” que a mãe tem de abortar.
Quando falamos de direitos humanos supomos que
exista uma “instância” deôntica de apelo além e acima das
“normas” e dos direitos fundamentais positivos, frutos do
consensus omnium.
Essa instância não pode residir nos “meros”
sentimentos dos vários sujeitos humanos: os raciocínios, os
desejos, as ações comunicativas ou as sensações não podem
Cfr. C. I. MASSINI-CORREAS, “Diritti umani ‘deboli’ e diritti
umani ‘assoluti’”, in Diritto naturale e diritti dell’uomo all’alba del
XXI secolo, Colloquio internazionale – Roma, 10-13 gennaio 1991, a
cura de UNIONE GIURISTI CATTOLICI ITALIANI (Quaderni di
Justitia, 40), Roma 1993, pp. 152-153.
978
382
fundar “direitos” humanos fundamentais no sentido de
exigências que devem ser satisfeitas sem exceção.
Se não se pode radicá-los na “imanência” dos sujeitos
humanos, o fundamento da dignidade humana deverá ser
necessariamente, buscado na sua realidade ôntica “e”
teleológica: por isto falamos de fundamentação ontoteleológica dos direitos humanos979.
Nós buscamos o fundamento absoluto da dignidade
humana na humanitas; presente em todo ente chamado
Homem e que lhe dá uma dignidade ímpar, enquanto
humanitas vivens.
Em todo caso, tratar-se-á “sempre” de um elemento
transcendente ao Sujeito e objetivo, ou seja, com certa
consistência que o Sujeito não pode criar ou modificar ad
libitum, por meio de um consensus subjetivo, mesmo se
fosse omnium gentium ou humani generis.
Podemos, aqui, delinear sumariamente os critérios
que deveriam nortear uma pesquisa do “fundamento” do
absoluto Direito Humano – proteger e promover a própria
dignidade – e, conseqüentemente, dos direitos humanos –
histórica explicitação dessa dignidade: fundamento como
bases filosóficas para proteger e promover a sua dignidade
humana.
Esse fundamento deveria contemplar uma parcial
fusão das várias propostas de solução do problema evitando,
porém o perigo do ecletismo e do seu isolamento dentro de
uma ótica religioso-teológica. A solução ideal deve
considerar tanto o factus quanto a norma, tanto o ser quanto
o dever-ser.
Esse fundamento deveria considerar três dimensões
do problema, portanto ser a um tempo gnosiológico,
ontológico e teleológico: considerar tanto o caráter cultural
979
Cfr. Ibidem, p. 153.
383
dos direitos humanos, sua historicidade; quanto a sua
projeção universalista, seu caráter existencial, sua valência
ontológica.
Deveria ser fim do agir humano e “meta” última de
cada ente dotado de humanitas. Deveria ainda ser metapositivo e meta-histórico, transcendente mesmo se revelado
na História e se valha do Direito Positivo para tutelar-se;
garantindo assim a total liberdade e força dos valores que os
direitos humanos pretendem proteger e promover.
Essa fundamentação deveria “considerar” o Homem,
titular desses direitos e deveres, tanto como Ser cultural,
histórico, quanto como Ser tomado na sua realidade ôntica,
em sua essência; porém não acabado, nem estático, mas que
pichianamente faz-se980, num contínuo processo teleológico
de projeção “do” Mundo e de auto-projeção “no” Mundo.
Deve estar à base e ser fonte da sua inalienável dignidade;
bem como, ser seu fim humano último.
Buscar o fundamento do Direito Humano – com “D”
maiúscula – é buscar o fundamento da absoluta dignidade
humana, ainda que não nos valhamos da solução tradicional
da natura Hominis; posta de lado pelas abordagens
marxista981, existencialista982 e estruturalista983 que
afirmaram não ser possível falar de natureza humana.
Cfr. G. PICO DELLA MIRANDOLA, De hominis dignitate (1486),
4, 132 r: Estabeleceu finalmente o ótimo artífice que àquele que nada
podia dar de próprio fosse comum tudo aquilo que havia
singularmente entregue aos outros. Portanto acolheu o Homem como
“indiscretae opus imaginis” e posto no coração do mundo assim lhe
falou: “Nec certam sedem, nec propriam faciem, nec munus ullum
peculiare tibi dedimus, o Adam, ut quam sedem, quam faciem, quae
munera tuta optaveris, ea, pro voto, pro tua sententia, habeas et
possideas.”
981
Cfr. K. MARX, Ideologia tedesca (1846), Editori Riuniti, Roma
1958, p. 17.
980
384
Segundo tais abordagens o conceito natureza
pressupõe “rigidez” e “determinismo”, enquanto a
existência humana seria caracterizada por mudança e
liberdade no mudar. Mas, como afirmou Francesco Viola, o
fundamento precisa dar “algum” significado ao fato que
temos direitos humanos porque somos humanos984.
Esse fundamento deve “fundamentar” tal Direito do
Homem na sua natureza ôntica, ou seja, na essentia Hominis
– portanto uma natureza real e não ideal; porém,
considerado na sua dimensão histórico-cultural, de hoje e de
amanhã. E que não precise recorrer à verdade de Fé; que
possa ser aceito por cristãos e não-cristãos; por crentes e
não-crentes.
Em uma palavra, que possa ser aceito por todos os
homens de boa vontade.
Este fundamento deve fundamentar estavelmente a
dignidade do Homem desde a concepção até ao momento de
sua morte natural; e o acompanhe mesmo após a sua morte,
garantindo proteção e dignidade a seu cadáver e tutela da
sua memória que será, sempre, memória de uma Pessoa
humana.
Esse fundamento deve estar à base da proteção e
promoção da absoluta dignidade do Homem independente
das suas “capacidades” e níveis de atuação ou não; da sua
“racionalidade” em direção ao seu fim humano último: a
plenitude da sua humanitas.
Cfr. M. HEIDEGGER, Sein und Zeit (1927), § 2 e § 9; J.-P.
SARTRE, L’existentialisme est un humanisme (1946), aqui citado a
partir da trad. it. G. MURSIA RE, L’esistenzialismo è un umanesimo,
Mursia, Milano 19906, p. 24-29.
983
Cfr. M. FOUCAULT, Le parole e le cose (1966), Rizzoli, Milano
19983, p. 13.
984
Cfr. F. VIOLA, Etica e metaetica dei diritti umani, Torino 2000, p.
207.
982
385
Deve colocar o Homem, enquanto humanitas vivens
ao centro de todo o Universo, antropo-centricamente
garantindo a ele direitos e liberdades fundamentais, em um
geo-ambiente saudável.
Tal fundamento deve ser comum a todos os Entes
humanos, universal, pois deve estar à base do “Direito”
humano que supera sua configuração geo-cultural,
protegendo e promovendo a dignidade de todos os Entes
humanos.
Deve ser inalienável e intransferível, próprio de cada
Indivíduo humano e de “todos” os homens, em absoluto: da
fecundação à morte e à pós-morte, ad semper. Deve ser
pascalianamente falando, a grandeza e a miséria do Ente
humano985.
A fundamentação da dignidade do Homem – Direito
Humano com “D” maiúscula – que aqui acolhemos dá
ênfase à dimensão ôntica e teleológica da sua essência: a
humanitas.
Partimos do conceito de Homem enquanto humanitas
vivens, ou seja, uma humanidade que é vivente e
individualizada na Pessoa, enquanto Sujeito de direitos e
deveres.
A humanitas enquanto nos dá a conhecer aquilo que o
Homem é “já” e aquilo que o Homem “ainda-não-é”, mas
naturalmente “deve-ser” como meta humana última da sua
existência – a plena realização de sua humanidade – dita a
Cfr. B. PASCAL, Pensées (1658), sobre a miséria do Homem,
particularmente os nn. 131, 134, 160; e sobre a grandeza do Homem,
particularmente os nn. 255, 257, 263 e ainda o mais relevante para
nosso tema, n. 264: O Homem não é que uma cana, a mais frágil de
toda a natureza; mas é uma cana pensante.
985
386
todo Homem o supremo princípio de ser plenamente aquilo
que é986.
Mais do que aquilo que o Homem “é”, a humanitas
aqui “deve ser” pensada como aquilo que o Homem deveser e, por isto mesmo, quer-ser e quer que os “outros”
sejam, fundamentando uma teoria e garantindo uma práxis
eficaz de proteção dos direitos humanos enquanto valores
em vista da sua plena realização.
Mostra-nos aquilo que onticamente “somos”, bem
como aquilo que teleologicamente “devemos ser” ou
deveríamos ser. A Humanitas é, enquanto fundamento da
dignidade humana, aquela dimensão essencial do Homem,
onticamente radicada e teleologicamente posta como meta
humana do Homem Adulto.
Pode ser entendida como a racionalidade do Homem,
enquanto dotada de dignidade humana e, portanto, enquanto
deve valer como fim a si mesmo. Este é o significado que
Humanitas assume no imperativo prático de I. Kant: agi em
modo a considerar a humanidade, seja na tua pessoa, seja
na pessoa do outro, sempre também como fim, e nunca
como simples meio987. A humanitas no Homem é o objeto
próprio do respeito que, segundo Kant, é o único sentimento
moral988.
O Homem, enquanto humano e exatamente porque
“é” humano – marcado ôntico-teleologicamente pela
humanitas à qual tende e que deve realizá-la plenamente – e
somente porque é humano, vale como fim em si e merece
respeito e tutela.
Cfr. M. POHLENZ, L’uomo greco, trad. it., Firenze 1962, p. 598.
Cfr. I. KANT, Grundlegung zur metaphysik der sitten (1785), in
GMsitten, pp. 143-145.
988
Cfr. Ibidem, pp. 87-184.
986
987
387
Em uma palavra, o Homem é sujeito de um “Direito”
e de um “Dever” absolutos e, portanto, inalienáveis:
proteger e promover a dignidade humana.
A humanitas, enquanto dotada de “dignidade” e,
portanto, enquanto deve valer como fim a si mesmo, funda
ôntico-teleologicamente a dignidade de todo Homem.
Aquilo que dá ao ovo humano, embrião, feto,
neonato, criança, jovem, adulto e velho, masculino ou
feminino – saudável ou não – uma dignidade humana
inalienável e intransferível é a sua humanidade individual.
De fato, se quisermos valorizar o Homem e garantir a
sua dignidade inalienável não podemos olhá-lo, nestas
várias fazes da sua frágil evolução, como aquilo que ele “é”
em cada uma delas, mas aquilo que nós “somos” diante
dele: Humanitas Vivens.
Esta dignidade humana não é somente uma pertença à
mesma espécie – valor especista –, mas comporta tudo
aquilo que faz do Homem um Ente humano.
A humanitas dá a estes viventes uma dimensão ímpar
entre todos os demais “seres” viventes: o Homem é humano
não somente depois do nascimento, nem tão menos
enquanto é saudável, inteligente e brilhante, ou vivo, mas é
humano sempre.
Não importa o nível bio-evolutivo; não importam suas
capacidades, sua dependência ou independência vital em
relação aos outros Indivíduos humanos; nem mesmo o nível
de atuação de sua racionalidade: ele é sempre e em toda
parte Indivíduo humano; ativo ou passivo, ele é humano.
A humanitas não é uma categoria abstrata. É
gnosiológica enquanto se “mostra” na História e na Cultura
desses Entes que dela participam: não é uma História
qualquer; a sua é uma História humana.
388
A humanitas, que tem sua base bio-genética no mapa
cromossômico do Homem: uma célula humana é sempre e
em toda parte, uma célula humana989. Ela “é” e se
“explicita” e “faz-se” conhecer na História e na Cultura do
Homem.
De qual Homem falamos?
Daquele que se realiza e se auto-projeta na História;
do Homem real; que é somaticus, vivens, sapiens, volens,
loquens, socialis, faber, ludens e religiosus990; constatável,
em suas carnes e nos seus ossos; profundamente
condicionado, mas não determinado pelo meio natural e
cultural em que vive.
Assim como o Indivíduo humano não é pronto e
acabado ao iniciar sua aventura humana a partir da
fecundação, a humanitas se apresenta como fim humano
último a ser atingido por ele: fim a ser construído.
Podemos dizer que o Homem vive na tensão de um
já-ser ôntico e de um ainda-não-ser teleológico; enquanto
“é” de fato humano, mas “ainda-não o é” plenamente.
Desse modo, os direitos humanos fundamentais à vida
e a viver são instrumentos históricos “criados” pelo Homem
em vista de proteger e promover a sua própria dignidade
inalienável emanada da humanitas.
Estes direitos são instrumentos a serviço do Indivíduo
humano, para protegê-lo contra as históricas, sempre novas
e maiores agressões à sua Pessoa e ao seu grupo social; para
que ele consiga atingir a estatura humana plena.
Cfr. PONTIFICIA ACADEMIA PRO VITA, decl. “La finalità”, 24
de Agosto de 2000, in L’Osservatore Romano, 25 de Agosto de 2000,
p. 6.
990
Cfr. B. MONDIN, L’uomo: chi è? Elementi di antropologia
filosofica, Milano 2004.
989
389
Somente a humanitas, ôntico-teleologicamente
entendida, comum a todos os homens, explica a existência
de alguma coisa a compartilhar, a comunicar e, sobretudo,
da qual a Pessoa humana é a individuação.
Ela consente de entrar em relação com os outros,
vocação civil a viver em Sociedade e a amar: capacidade
essencialmente humana. A sua presença nos homens é o que
os faz membros não só de uma mesma espécie bio-genética,
mas de uma mesma Comunidade, verdadeira Família
Humana.
Assim como a Humanitas é, “naturalmente”, presente
em todos os homens torna todos eles “iguais” em dignidade
apesar das suas legítimas diferenças991.
Os conflitos entre os vários “direitos” humanos
fundamentais e entre os Indivíduos, titulares dos “mesmos”
direitos são resolvidos considerando a “maior” ou “menor”
gravidade da agressão ao fundamento absoluto da dignidade
humana do Indivíduo; a saber: a sua humanidade.
Por exemplo, o direito humano à vida, que é
fundamental por excelência, é a resposta “histórica”,
portanto relativa, não-absoluta à agressão à vida como valor
primordial enquanto condição para todos os valores
humanos992: é enquanto humanitas vivens – Indivíduo
humano vivente – que o Homem “realiza” suas
potencialidades humanas.
Quando o nosso direito à vida entra em conflito com
o direito à vida dos outros, a mesma humanitas que é
fundamento absoluto da nossa dignidade e daquela “alheia”,
Cfr. J.-M. AUBERT, Droits de l’homme et libération évangélique,
Paris 1987, trad. it. de F. SAVOLDI, Diritti umani e liberazione
evangelica, Brescia 1989, p. 86.
992
Cfr. N. BOBBIO, “Due paradossi storici e una scelta
morale” (1954), in DubScel, p. 28.
991
390
dá-nos a solução do conflito: uma vez que o “nosso” direito
à vida pretende responder à agressão feita à “nossa”
dignidade enquanto humanitas vivens, entre o valor da
nossa vida e aquele da vida alheia, obtém a prioridade
axiológica para nós a vida alheia. Nesse sentido podemos
dizer com Bobbio que o princípio ético Não matar é
absoluto, é um imperativo categórico993.
Matar um Indivíduo humano ou impedi-lo de acessar
aos meios necessários para viver – ou deixá-lo morrer – é
sempre a máxima agressão à nossa própria dignidade
humana, portanto à humanitas vivens que nós somos.
Ao contrário, morrer para que o outro viva é atingir a
plenitude ética da nossa humanidade. Quem morre para
“não matar” – ou para que o outro viva – morre como Ser
“humano” pleno; mas quem mata para viver, vive como
“animal”.
Quanto mais grave a agressão à nossa humanidade
tanto mais valioso e prioritário será o correspondente
“direito” fundamental; e vice-versa. Assim, entre decidir se
matar ou morrer, “devemos” haver o direito humano
inalienável de “escolher” não matar, mesmo se desta
escolha resultasse nossa morte.
O valor maior para nós não é preservar a “nossa” vida
física, mas é preservar a “nossa” própria dignidade humana;
coisa que podemos fazer somente se escolhermos não
matar. Ou seja, respeitar em nós a “absoluta” dignidade
humana, respeitando a vida alheia – não a própria – como
valor primordial, como valor absoluto.
Ninguém, além de nós mesmos, pode “tocar” esse
núcleo íntimo da nossa dignidade humana. Somente nós
mesmos, com o nosso modo de “tratar” a humanitas dos
Cfr. IDEM, “Laici e aborto” (1981), in Corriere della Sera, 106,
107 (1981), p. 3.
993
391
outros Indivíduos, podemos “promover” e “proteger” a
nossa própria dignidade humana, ou então, ofendê-la e
destruí-la em nós.
Aqui entra, por exemplo, o direito fundamental da
objeção de consciência, reconhecido por vários
Ordenamentos, portanto, direito em sentido forte. Nada
justifica a pretensão de um direito de matar, seja da parte do
Indivíduo humano, seja da parte da coletividade humana
representada pelo Estado, como vimos na terceira etapa
dessa pesquisa, onde trabalhamos os problemas da pena de
morte e do aborto procurado.
A justificação dos “direitos” humanos fundamentais,
bem como a “fundamentação” da dignidade humana,
portanto do “Direito” absoluto do Homem, não resolvem
automaticamente o problema da atuação desses direitos,
pois o indivíduo humano é “livre” de respeitá-los e protegêlos, ou não.
Ficou claro, porém, que não é uma ilusão afirmar que
a “fundamentação” onto-teleológica da dignidade humana
serve de base filosófica válida a futuras Declarações e
Legislações que promovam e protejam o “Direito” absoluto
do Indivíduo humano: a sua dignidade humana enquanto
humanitas vivens.
392
Fontes e Bibliografia
1. Fontes.
1.1. Repertórios Bibliográficos de Norberto
Bobbio.
BORSELLINO, P., (a cura de), Norberto Bobbio e la teoria generale
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(a cura de), "Bibliografia di scritti su Norberto
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Milano 1990, 11-54.
(a cura de), Bibliografia degli scritti di Norberto
Bobbio (1934-1993), Laterza, Roma-Bari 1995.
393
1.2. Escritos de Norberto Bobbio.
1.2.1. Perfil de Autores Vários.
BOBBIO, N., “Luciano dal Cero” (s.d.), in LaMI, pp. 408-412.
“Gobetti e la Francia” (s.d.), in ItFed, pp. 59-68.
“Partito d’azione e realtà di Augusto Monti” (1945), in
TdR, pp. 21-22.
“Luigi Cosattini” (1947), in ItCiv, pp. 267-283.
“Antonio Giuriolo” (1948), in ItCiv, pp. 284-296.
“L’insegnamento di Gioele Solari” (1949), in ItCiv, pp.
135-145.
“L’opera di Gioele Solari” (1952), in ItCiv, pp.
146-179.
“Tre maestri” (1953), in ItCiv, pp. 119-134.
“Alessandro Levi” (1954), in ItCiv, pp. 183-207.
“Silvio Trenti” (1954), in ItCiv, pp. 249-266.
“Giuseppe Capograssi” (1956-1957), in ItCiv, pp.
208-221.
“Piero Calamandrei” (1957), in ItCiv, pp. 222-246.
“Teorie
politiche
e
ideologie
nell’Italia
contemporanea” (1958), in ItCiv, pp. 15-52.
“Rodolfo Morandi” (1959), in ItCiv, pp. 53-66.
“Gaetano Mosca e la scienza politica” (1960),
republicado com o título “Mosca e la scienza politica”,
in SagScPol, pp. 159-179.
“Gaetano Mosca e la teoria della classe
politica” (1962), republicado com o título “Mosca e la
teoria della classe politica”, in SagScPol, pp. 181-200.
“Piero Martinetti” (1963), in ItCiv, pp. 94-116.
“Prefazione alla prima edizione” (1963), in ItCiv, pp.
09-12.
“Concetto Marchesi” (1964), in LaMI, pp. 195-203.
“Ritratto di Leone Ginzburg” (1964), in MeCom, pp.
165-188.
“Discorso su Antonio Giuriolo” (1965), in MeCom, pp.
189-202.
“Filippo Burzio” (1965), in LaMI, pp. 224-236.
394
“Calamandrei scrittore” (1966), in MeCom, pp.
103-147.
“Antonio Droetto” (1967), in LaMI, pp. 365-369.
“Nicola Abbagnano” (1967), in LaMI, pp. 49-71.
“Tommaso Fiore” (1967), in LaMI, pp. 204-211.
“Bruno Leoni” (1968), in LaMI, pp. 396-400.
“Ricordo di Ada Gobetti” (1968), in ItFed, pp.
253-261.
“Religione e politica in Aldo Capitini” (1969), in
MeCom, pp. 261-299.
“Le colpe dei padri” (1974), in MeCom, pp. 09-29.
“Luigi Einaudi” (1974), in DalFaD, pp. 237-281.
“Paolo Greco” (1974), in LaMI, pp. 335-338.
“Eugenio Colorni” (1975), in MeCom, pp. 203-237.
“Giovanni Gentile” (1975), in DalFaD, pp. 187-214.
“La filosofia di Aldo Capitini” (1975), in MeCom, pp.
239-260.
“La non-filosofia di Salvemini” (1975), in MeCom, pp.
31-47.
“Le lettere di Rodolfo Mondolfo” (1975), in ItFed, pp.
87-101.
“Salvemini e la democrazia” (1975), in MeCom, pp.
49-76.
“La prima rivista” (1976), in ItFed, pp. 35-47.
“Piero
Gobetti
e
la
tradizione
culturale
torinese” (1976), in ItFed, pp. 121-134.
“Ritratto di Piero Gobetti” (1976), in ItFed, pp. 09-33.
Trent’anni di storia della cultura a Torino 1920-1950
(Gli struzzi 548), Einaudi, Torino 1977, 2002².
“Umanesimo di Rodolfo Mondolfo” (1977), in
MeCom, pp. 77-101.
“Umberto Campagnolo” (1977-1978), in LaMI, pp.
300-315.
“Nicola Grosa” (1978), in LaMI, pp. 361-364.
“Temi gobettiani” (1978), in ItFed, pp. 49-57.
“Il giovane Aldo Moro” (1980), in DalFaD, pp.
283-307.
“Paolo Farneti” (1980), in LaMI, pp. 430-433.
395
“Umberto Calosso e Piero Gobetti” (1980), in ItFed,
pp. 189-203.
“Monti e Gobetti” (1981), in ItFed, pp. 135-155.
“Augusto Monti o della fedeltà” (1982), in MeCom, pp.
149-163.
“Bruno Leoni di fronte a Weber e a Kelsen” (1982), in
Il politico, 1 (Março de 1982), pp. 131-136.
“Gozzano e Gobetti” (1983), in ItFed, pp. 75-86.
“Mosca e il governo misto” (1983), in SagScPol, pp.
201-219.
“Novello Papafava” (1983), in ItFed, pp. 233-252.
“Riccardo Bauer” (1984), in LaMI, pp. 269-289.
“Umberto Morra e Gobetti” (1984), in ItFed, pp.
157-172.
“Carlo Levi e Gobetti” (1985), in ItFed, pp. 173-188.
“Egidio Meneghetti” (1985), in LaMI, pp. 237-253.
“Prefazione” (1985), in ItCiv, pp. 05-08.
“Vincenzo Arangio-Ruiz” (1985), in LaMI, pp.
329-334.
“Alessandro Passerin d’Entrèves e Gobetti” (1986), in
ItFed, pp. 205-216.
“Enzo Enriques Agnoletti” (1986), in LaMI, pp.
370-375.
“Francesco Ruffini” (1986), in LaMI, pp. 19-37.
“Testimonianza su Giacomo Noventa” (1986), in ItFed,
pp. 217-232.
“Togliatti e la Costituzione” (1986), in DalFaD, pp.
309-323.
“Alessandro Passerin d’Entrèves” (1987), in LaMI, pp.
72-83.
“Felice Battaglia” (1987), in LaMI, pp. 344-348.
“Giovanni Tarello” (1987), in LaMI, pp. 174-192.
“Primo Levi” (1988), in LaMI, pp. 417-420.
“Galvano della Volpe” (1989), in LaMI, pp. 254-268.
“Luigi Firpo” (1990), in LaMI, pp. 134-154.
“Piero Calamandrei” (1990), in DalFaD, pp. 325-353.
“Massimo Mila” (1991), in LaMI, pp. 316-325.
“Emilio Agazzi” (1992), in LaMI, pp. 421-425.
“Ferruccio Parri” (1992), in LaMI, pp. 212-223.
396
“Augusto Del Noce” (1993), in LaMI, pp. 113-133.
“Fermo Solari” (1993), in LaMI, pp. 339-343.
“Giorgio Agosti” (1993), in LaMI, pp. 376-384.
“Lelio Basso” (1993), in LaMI, pp. 349-356.
“Ludovico Geymonat” (1993), in LaMI, pp. 96-112.
“Piero Martinetti” (1993), in LaMI, pp. 38-48.
“Giovanni Spadolini” (1994), in LaMI, pp. 426-429.
“Renato Treves” (1994), in LaMI, pp. 84-95.
“Uberto Scarpelli” (1994), in LaMI, pp. 155-173.
“Francesco Calasso” (1995), in LaMI, pp. 357-360.
“Sandro Pertini” (1995), in LaMI, pp. 290-299.
“Guido Astuti” (1996), in LaMI, pp. 385-392.
“Carlo Casalegno” (1997), in LaMI, pp. 413-416.
“Renzo Giua” (1997), in LaMI, pp. 393-395.
“Franco Venturi” (1998), in LaMI, pp. 401-407.
“Fukuyama, il motore e il fine della storia” (1999), in
DesSin, pp. 157-166.
1.2.2. Autores de Norberto Bobbio.
1º. Escritos Sobre Thomas Hobbes (1588-1679).
BOBBIO, N., “Introduzione al De cive” (1948), in Th. HOBBES,
Elementi filosofici sul cittadino, a cura de N. BOBBIO,
UTET, Torino 1948, pp. 9-40; republicado in ThH, pp.
73-110.
“Prefazione” (1948), in Th. HOBBES, Elementi
filosofici sul cittadino, a cura de N. BOBBIO, UTET,
Torino 1948.
“Le considerazioni sulla reputazione, sulla lealtà, sulle
buone maniere e sulla religione” (1951), in Rivista di
filosofia, XLVII (1951), pp. 399-423; republicado in
ThH, pp. 199-202; republicado com o título
“Prefazione”, in Th. HOBBES, Considerazioni sulla
reputazione, sulla lealtà, sulle buone maniere e sulla
religione, a cura de N. BOBBIO, La vita felice,
Milano 1998, pp. 7-11.
397
“Legge naturale e legge civile nella filosofia politica di
Hobbes” (1954), in Studi in memoria di Gioele Solari,
Edizioni Ramella, Torino 1954, pp. 61-101;
republicado in DaHaM, pp. 11-49; e republicado in
ThH, pp. 111-145.
“Prefazione” (1959), in Th. HOBBES, Opere
politiche, vol. 1, Elementi filosofici del cittadino,
dialogo tra un filosofo e uno studioso del diritto
comune d'Inghilterra, a cura de N. BOBBIO, UTET,
Torino 1959.
“Hobbes e il giusnaturalismo” (1962), in Rivista
critica di storia della filosofia, XVII (1962), pp.
470-480; republicado in DaHaM, pp. 51-74; e
republicado in ThH, pp. 148-168.
“La dialettica in Marx” (1965), in DaHaM, pp.
239-266.
“Il modello giusnaturalistico” (1973), in SocStHaM,
pp. 9-34; republicado in ThH, pp. 03-26.
“Breve storia della storiografia hobbesiana” (1974), in
Questioni di storiografia filosofica, Dalle origini
all’Ottocento, a cura de V. MATHIEU, La Scuola,
Brescia 1974, pp. 324-328; republicado in ThH, pp.
203-210.
“Hobbes” (1974), in Questioni di storiografia
filosofica: dalle origini all'Ottocento, a cura de V.
MATHIEU, La Scuola, Brescia 1974, pp. 324-353.
“La teoria politica di Hobbes” (1980), in Storia delle
idee politiche, economiche e sociali, vol. IV, L'Età
moderna, UTET, Torino 1980, Tomo 1, pp. 279-317;
republicado in ThH, pp. 27-71.
“Thomas Hobbes” (1980), in Storia delle idee
politiche, economiche e sociali, vol. IV, L'Età
moderna, UTET, Torino 1980, Tomo 1, pp. 279-317.
“Hobbes e le società parziali” (1982), in Filosofia,
XXXIII (1982), pp. 375-394; republicado in ThH, pp.
169-191.
“Attualità e presenza di Hobbes” (1988), in Hobbes
oggi: atti del convegno internazionale di studio
promosso da Arrigo Pacchi, Milano-Locarno 18-21
398
maggio 1988, a cura de A. NAPOLI, Angeli, Milano
1990, pp. 579-584.
“Hobbes della pace” (1988), in La Stampa, 122, n. 113
(31 de Maio de 1988), p. 5; republicado com o título
“A guisa di conclusione” (1988), in ThH, pp. 193-196.
“I problemi di Hobbes” (1988), in Nuova antologia,
123, vol. 560, fasc. 2167 (Julho-Setembro de 1988), pp.
77-79.
“Hobbes, un modello per la pace perpetua” (1989), in
La Stampa (Società e cultura), 123, n. 245 (26 de
Outubro de 1989), p. 3.
“Premessa” (1989), in ThH, pp. VII-XIII.
“Pufendorf e Hobbes” (1992), in Rivista di Filosofia,
88, n. 2 (Agosto de 1992), pp. 263-278.
“Il Leviathan di Thomas Hobbes” (1999), in Lingua e
letteratura, 32-33 (1999), pp. 8-20.
2º. Escritos Sobre John Locke (1632-1704).
BOBBIO, N., Locke e il diritto naturale, Giappichelli, Torino 1963.
“Studi lockiani” (1965), in in DaHaM, pp. 75-128.
3º. Escritos Sobre Jean-Jacques Rousseau (1712-1778).
BOBBIO, N., “Fra Roosevelt e Rousseau: Mario Einaudi, l'etica in
politica”, in La Stampa (17 de Maio de 1994), p. 18.
4º. Escritos Sobre Immanuel Kant (1724-1804).
BOBBIO, N., “Prefazione” (1956), in I. KANT, Scritti politici e di
filosofia della storia e del diritto, ed. postuma a cura di
N. BOBBIO, - L. FIRPO, - V. MATHIEU, UTET,
Torino 1956.
Diritto e Stato nel pensiero di Emanuele Kant, Lezioni
raccolte dallo studente Gianni Sciorati, Giappichelli,
Torino 1957, 19692.
Diritto e Stato nel pensiero di Emmanuele Kant,
Giappichelli, Torino 1957.
399
“Due concetti di libertà nel pensiero politico di
Kant” (1960), in Studi in onore di Emilio Crosa,
Giuffrè, Milano 1960, vol. 1, pp. 219-235.
“Kant e le due libertà” (1965), in DaHaM, pp. 147-163,
republicado in TeGePo, pp. 40-53.
“Prefazione” (1985), in I. KANT, Per la pace
perpetua, a cura di N. MERKER, Editori Riuniti, Roma
1985, pp. VII-XXI.
“Kant e la rivoluzione francese” (1990), in EdD, pp.
142-154.
“Storia e progresso in Kant” (2001), in Mezzosecolo:
materiali di ricerca storica, n. 14, Angeli, Milano
2006, pp. 23-33.
5º. Escritos Sobre Georg Wilhelm Friedrich Hegel
(1770-1831).
BOBBIO, N., “Una nuova interpretazione di Hegel” (1962), in
Estudios de historia de la filosofía, Universidad
nacionál de Tucumán, Tucumán 1962, vol. 2, pp.
637-660.
“Una nuova interpretazione di Hegel” (1962), in
Estudos de historia de la filosofia, II, Universidad
Nacional de Tucumán 1962, pp. 637-660.
“Studi hegeliani” (1965), in DaHaM, pp. 165-238.
“Hegel e il giusnaturalismo” (1966), in Rivista di
filosofia, LVII, 4 (Outubro-Dezembro de 1966), pp.
379-407; republicado in Il pensiero politico di Hegel:
guida storica e critica, a cura de C. CESA, Laterza,
Bari 1979, pp. 5-33; republicado in StudiHeg, pp. 3-33.
“Hegel e il diritto” (1970), in Incidenza di Hegel: studi
raccolti nel secondo centenario della nascita del
filosofo, a cura de F. TESSITORE, Morano, Napoli
1970, pp. 217-249, republicado in StudiHeg, pp. 35-68.
“Sulla nozione di costituzione in Hegel” (1971), in De
Homine, 10, n. 38-40 (Dezembro de 1971), pp.
315-328; republicado in Studi in memoria di Orazio
Condorelli, Giuffrè, Milano 1974, vol. 1, pp. 169-183;
400
republicado com o título “La costituzione in Hegel”, in
StudiHeg, pp. 69-83.
“La filosofia giuridica di Hegel nell'ultimo
decennio” (1972), in Rivista critica di storia della
filosofia, 27, fasc. 3 (Julho-Setembro de 1972), pp.
293-319; republicado com o título “La filosofia
giuridica di Hegel nel decennio 1960-70”, in StudiHeg,
pp. 159-192.
“Lo studio di Hegel” (1972), in Memorie
dell'Accademia delle scienze di Torino, Classe di
scienze morali, storiche e filologiche, n. 26 (1972), pp.
37-47.
“Diritto privato e diritto pubblico in Hegel” (1977), in
Rivista di filosofia, 68, n. 7-8-9 (Outubro de 1977), pp.
3-29, republicado in StudiHeg, pp. 85-114.
“Hegel e le forme di governo” (1979), in Rivista di
filosofia, 80, n. 13 (Fevereiro de 1979), pp. 77-108,
republicado in StudiHeg, pp. 115-146.
“Introduzione” (1981), in StudiHeg, pp. VII-XIX.
“Nota” (1981), in StudiHeg, s.p.
“Purtroppo Hegel ha avuto ragione : [intervista]. ((In:
La Stampa. - 20 novembre 2000, p. 1.
6°. Escritos Sobre Benedetto Croce (1866-1952).
BOBBIO, N., “Benedetto Croce” (1952), in Occidente, 8, n. 3-4
(Maio-Agosto de 1952), pp. 289-290.
“Croce e la politica della cultura” (1953), in Rivista di
filosofia, XLIV, 3 (Julho de 1953), pp. 247-265,
republicado in PolCul, pp. 78-96.
“Croce e la politica della cultura” (1953), in Rivista di
filosofia, 44, n. 3 (Julho de 1953), pp. 247-265.
“La formazione della filosofia politica di Benedetto
Croce” (1953), in Cultura Moderna, 11 (Outubro de
1953), pp. 6-7.
“Prefazione” (1953), in A.MAUTINO, La formazione
della filosofia politica di Benedetto Croce, a cura de N.
BOBBIO, Laterza, Bari 1953.
401
“Benedetto Croce e il liberalismo” (1955), Rivista di
filosofia. - 46, n. 3 (Luglio 1955) p. 261-286;
republicado in PolCul, pp. 177-228.
“Benedetto Croce: il filosofo e il maestro” (1955), in
Antologia della critica letteraria, a cura de M.
FUBINI, - E. BONORA, Petrini, Torino 1955, vol. 3,
pp. 858-860.
“Un invito a Croce” (1961), in Rivista di filosofia, 52,
n. 3 (Julho de 1961), pp. 354-360.
“Benedetto Croce: a dieci anni dalla morte” (1962), in
Belfagor, 17, n. 6 (30 de Novembro de 1962), pp.
621-639.
“Benedetto Croce” (1962), in ItCiv, pp. 69-93.
“Gobetti e Croce” (1966), in ItFed, pp. 69-73.
“Il Croce futuro di Piero Gobetti” (1966), in La fiera
letteraria, 41, n. 15 (21 de Abril de 1966), p. 32.
“Crocianesimo a Torino (1920-1950): Croce e Gobetti”
(1978), in La Procellaria, 2-3 (Abril-Setembro de
1978), pp. 97-100.
“Un maestro di questo secolo” (1978), in Benedetto
Croce: una verifica, L'Opinione, Roma 1978, pp.
31-32.
“Croce secondo Gobetti” (1986), in Corriere della
Sera, 111, n. 229 (1 de Outubro de 1986), p. 19.
“Croce oppositore” (1987), in Profilo ideologico del
Novecento, Garzanti, Milano 1987, vol. 9, Il
Novecento, pp. 121-129.
“A carte scoperte” (1989), in Croce-Gentile: dal
sodalizio al dramma, Rizzoli, Milano 1989, pp. VIIXII.
“Fra Croce e Gobetti” (1989), in Nuova Antologia, 124,
fasc. 2170 (Abril-Junho de 1989), pp. 103-106;
republicado in Franco Antonicelli: ricordi e
testimonianze, Bollati Boringhieri, Torino 1992, pp.
73-79.
“Ho scelto Croce” (1989), in Tuttolibri, 15, n. 570 (23
de Setembro de 1989), p. 5.
“Benedetto Croce” (1991), in DalFaD, pp. 215-236.
402
“Il nostro Croce” (1991), in Filosofia e cultura: per
Eugenio Garin, a cura de M. CILIBERTO, - C.
VASOLI, Editori Riuniti, Roma 1991, vol. 2, pp.
789-805.
“Croce maestro di vita morale” (1998), in Per
conoscere Croce, a cura de P. BONETTI, Edizioni
Scientifiche Italiane, Napoli 1998, pp. 35-43.
7°. Escritos Sobre Carlo Cattaneo (1801-1869).
BOBBIO, N., “Introduzione” (1945), in C. CATTANEO, Stati Uniti
d’Italia (Città del Sole, 5), a cura de N. BOBBIO,
Chiantore, Torino 1945, pp. 7-91.
“Il 48 di Carlo Cattaneo” (1947), in Minerva, LVII, n.
12 (Dezembro de 1947), pp. 353-355.
“Nota”, in C. CATTANEO, Dell'insurrezione di
Milano nel 1848 e della successiva guerra, Le
Monnier, Firenze 1949, pp. 331-347.
“Carlo Cattaneo e gli Stati Uniti d’Europa” (1953), in
Ateneo, IV, n. 14 (25 de Maio de 1953), p. 6.
“Una polemica ignorata di Carlo Cattaneo” (1959), in
Nuova Antologia, 94, 468, 1905 (Setembro de 1959),
pp. 37-52.
“Introduzione” (1960), in C. CATTANEO, Scritti
filosofici, a cura de N. BOBBIO, Le Monnier, Firenze
1960, pp. V-LVI.
“Una polemica di Carlo Cattaneo” (1961), in Studi in
onore di Vittorio Lugli e Diego Valeri, Neri Pozza,
Venezia 1961, vol. 1., pp. 111-136.
“Il federalismo di Carlo Cattaneo” (1969), in L'Europa,
3, n. 14 (5 de Abril de 1969), pp. 34-37.
“Carlo Cattaneo” (1970), in Terzo programma, 2
(1970), pp. 45-56.
“Filosofia e scienza nel pensiero di Carlo
Cattaneo” (1970), in Corriere del Ticino, 80, 19, (24
Janeiro de 1970), p. 34.
“Carlo Cattaneo: una filosofia militante” (1971), in Il
pensiero mazziniano, 26, n. 7-8 (Julho de 1971), pp.
61-62.
403
“Della sfortuna del pensiero di Carlo Cattaneo nella
cultura italiana” (1970), in Rivista critica di storia
della filosofia, XXV, 2 (Abril-Junho de 1970), pp.
161-184.
“Illuminista o positivista?” (1971), in StudiCatt, pp.
124-138.
“L’idea centrale” (1971), in StudiCatt, pp. 112-124.
“La filosofia è una milizia” (1971), in StudiCatt, pp.
83-138.
“Le fonti” (1971), in StudiCatt, pp. 83-97.
“Le lezioni luganesi” (1971), in StudiCatt, pp. 139-181.
“Nota” (1971), in StudiCatt, pp. XII-XIV.
“Prefazione” (1971), in StudiCatt, pp. VII-XI.
“Principi e temi” (1971), in StudiCatt, pp. 98-112.
“Stati Uniti d'Italia” (1971), in StudiCatt, p. p. 3.
“Cattaneo e Mazzini” (1972), in Il pensiero
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“Prefazione” (1995), in Bibliografia degli scritti
1934-1993, a cura de C. VIOLI, Laterza, Roma-Bari
1995, pp. XXI-XXXI.
“A me stesso” (1996), in DeSe, pp. 03-14.
“Un bilancio” (1996), in DeSe, pp. 163-174.
1.2.4. Escritos Morais.
BOBBIO, N., “Verità e libertà” (1960), in EdM, pp. 141-151.
“La natura del pregiudizio” (1979), in EdM, pp.
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“Elogio della mitezza” (1983), in EdM, pp. 29-47.
“Pro e contro un’etica laica” (1983), in EdM, pp.
163-181.
“Etica e politica” (1986), in EdM, pp. 51-87,
republicado in in TeGePo, pp. 120-148.
“Tolleranza e verità” (1988), in EdM, pp. 153-160.
“Capire prima di giudicare” (1989), in EdM, pp.
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“Salvarsi da soli” (1989), in EdM, pp. 203-207.
“Razzismo oggi” (1993), in EdM, pp. 123-137.
“Gli dèi che hanno fallito (Alcune domande sul
problema del male)” (1994), in EdM, pp. 183-196.
1.2.5. Escritos Sobre Democracia.
BOBBIO,
N., “Democrazia rappresentativa e democrazia
diretta” (1978), in FdD, pp. 33-62.
“Democrazia / dittatura” (1978), republicado com o
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“La democrazia e il potere invisibile” (1980), in FdD,
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“Liberalismo vecchio e nuovo” (1981), in FdD, pp.
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“Contrato
e
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nel
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attuale” (1982), in FdD, pp. 141-167.
“Governo degli uomini o governo delle leggi?” (1983),
in FdD, pp. 169-194.
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republicado com o título “Dall’ideologia democratica
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“La democrazia dei moderni paragonata a quella degli
antichi (e a quella dei posteri) ” (1987), in TeGePo, pp.
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“Società chiusa e società aperta” (1946), in TdR, pp.
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“Difesa della libertà” (1952), in Società, VIII, 3
(Setembro de 1952), pp. 512-520, republicado in
PolCul, pp. 31-40.
“Dizionario della paura” (1952), in Occidente, VIII, 4
(Julho-Agosto de 1952), pp. 161-170, republicado com
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“Politica culturale e politica della cultura” (1952), in
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“Democrazia e dittatura” (1954), in Nuovi Argomenti,
II, 6 (Janeiro-Fevereiro de 1954), pp. 3-14, republicado
in PolCul, pp. 121-131.
“Intellettuali e vita politica in Italia” (1954), in Nuovi
Argomenti, II, 7 (Março-Abril de 1954), pp. 103-119;
republicado in PolCul, pp. 97-112.
“Spirito critico e impotenza politica” (1954), in PolCul,
pp. 113-120.
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IV, 7 (Julho de 1955), pp. 575-587, republicado in
PolCul, pp. 163-176.
“Introduzione alla prima edizione” (1955), in PolCul,
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“Libertà e potere” (1955), in Nuovi Argomenti, III, 14
(Maio-Junho de 1955), pp. 1-23, republicado in
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“Fatti e valori nella teoria delle élites” (1960),
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SagScPol, pp. 265-278.
“Democrazia ed élites” (1962), in SagScPol, pp.
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“Libertà fondamentali e formazioni sociali” (1975),
republicado com o título “Il pluralismo degli antichi e
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“Eguaglianza ed egualitarismo” (1976), in TeGePo, pp.
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“Uomini come cose” (1978), in La Stampa, 29 de
Novembro de 1978.
“Vi sono diritti fondamentali?” (1980), in Rivista di
filosofia LXXI (1980) 18, pp. 460-464.
“Contro la pena di morte” (1981), in EdD, pp. 178-200.
“Dal potere al diritto e viceversa” (1981), in TeGePo,
pp. 183-199.
“La regola della maggioranza: limiti e aporie” (1981),
in Democrazia, maggioranza e minoranza, il Mulino,
Bologna 1981, 33-72.
“Laici e aborto” (1981), in Corriere della Sera 106,
107 (1981), p. 3.
“Contro il potere di dare la morte” (1982), in Rinascita,
38, 42 (5 de Novembro de 1982), pp. 41-43.
“Diritti dell’uomo e diritti del cittadino nel secolo XIX
in Europa”(1982), in Grundrechte im 19, Jahrhundert,
Peter Lang, Frankfurt am Main 1982, 11-15.
“I diritti dell’uomo e la pace” (1982), in La pace,
Edizioni Cens, Liscate (Milano) 1982; republicado in
TerAs, pp. 92-96; republicado in TeGePo,
pp.
453-458.
“Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982), in
EdD, pp. 201-229.
“Le ragioni della tolleranza” (1986), in EdD, pp.
230-247.
415
“Diritti dell’uomo e filosofia della storia” (1987),
republicado com o título “L’età dei diritti”, in EdD,
pp. 45-65, republicado in TerAs, pp. 112-125.
“Dalla priorità dei doveri alla priorità dei
diritti” (1988), in Mondoperaio XLI (1988) 3, pp.
57-60, republicado com o título “Il primato dei diritti
sui doveri”, in TeGePo, pp. 431-440.
“Dalla priorità dei doveri alla priorità dei
diritti” (1988), in Mondoperaio XLI (1988) 3, pp.
57-60.
“I Valori e i Diritti Umani degli Anziani Cronici Nonautosufficienti” (1988), in Eutanasia da Abbandono,
Anziani cronici non autosufficienti nuovi orientamenti
culturali e operativi, Rosenberg & Sellier, Torino
1988, pp. 47-59.
“La rivoluzione francese e i diritti dell’uomo” (1988),
in EdD, pp. 89-119.
“Diritti dell’uomo e società” (1989), in EdD, pp. 66-85.
“L’eredità della grande rivoluzione” (1989), in EdD,
pp. 120-141.
“I diritti dell’uomo, oggi” (1991), in EdD, pp. 248-266.
“Prefazione” (1995), in EgLi, pp. XI-XV.
“Sui diritti sociali” (1996), in Cinquent’anni di
Repubblica italiana, a cura de G. NEPPI MODONA,
Einaudi, Torino 1996, pp. 115-124; republicado in
TeGePo, pp. 458-466.
“Introduzione” (1997), in EdD, pp. VII-XX.
“Sulla pena di morte” (1999), in Nuova Antologia, 583,
2212 (Outubro-Dezembro de 1999), pp. 32-35.
“Diritti e doveri” (2000), in DialIntRep, pp. 39-50.
1.2.8. Escritos Sobre o Fascismo.
BOBBIO, N., “Il regime fascista” (1964), in DalFaD, pp. 37-59.
“Fascismo e antifascismo” (1965), in DalFaD, pp.
99-119.
“Cultura e fascismo” (1973), in DubScel, pp. 75-100.
416
“L’ideologia del fascismo” (1975), in DalFaD, pp.
61-98.
“Se sia esistita una cultura fascista” (1975), in DubScel,
pp. 101-111.
“Origine e caratteri della Costituzione” (1976), in
DalFaD, pp. 159-183.
“La caduta del fascismo” (1983), in DalFaD, pp.
121-140.
“La resistenza: una guerra civile?” (1992), in DalFaD,
pp. 141-158.
“Antifascismo o no” (1995), in CenTSF, pp. 09-24.
1.2.9. Escritos Sobre K. Marx e Marxismo.
BOBBIO, N., “Apendice, Avvertenza a Ludwig Feuerbach, Principi
della filosofia dell’avvenire” (1946), in NéNé, pp.
14-19.
“Prefazione a Karl Marx, Manoscritti economicofilosofici del 1844” (1949), in NéNé, pp. 05-13.
“La filosofia prima di Marx” (1950), in NéNé, pp.
20-26.
“Ancora dello stalinismo: alcune questioni di
teoria” (1956), in Nuovi Argomenti, IV, 21-22 (JulhoOutubro de 1956), pp. 1-30, republicado in NéNé, pp.
27-56, e republicado in PolCul, pp. 241-267.
“La dialettica di Marx” (1958), in NéNé, pp. 73-97.
“Nota sulla dialettica in Gramsci” (1958), in Società,
XIV, n. 1 (1958), pp. 24-25.
“Marxismo critico” (1962), in NéNé, pp. 189-192.
“Marxismo e fenomenologia” (1964), in NéNé, pp.
193-202.
“Introduzione” (1968), in MONDOLFO, R.,
Umanismo di Marx, Studi filosofici 1908-1966,
Einaudi, Torino 1968.
“Marxismo e scienze sociali” (1974), in NéNé, pp.
115-152.
417
“L’attività di un intellettuale di sinistra” (1974), in I
comunisti a Torino 1919-1972, Lezioni e testimonianze,
Editori Riuniti, Roma 1974.
“Marx, Engels e la teoria dello Stato, Lettera a Danilo
Zolo” (1975), in NéNé, pp. 203-207.
“Marx e lo Stato” (1976), in NéNé, pp. 98-114.
“Marxismo e questione criminale, Lettera ad
Alessandro Baratta” (1977), in NéNé, pp. 208-212.
“Marx e la teoria del diritto” (1978), in NéNé, pp.
153-166.
“Teoria dello Stato o teoria del partito? ” (1978), in
NéNé, pp. 213-222.
“Rapporti internazionali e marxismo” (1981), in NéNé,
pp. 167-186, republicado in TeGePo, pp. 503-519.
“Marx, lo stato e i classici” (1983), in TeGePo, pp.
53-70.
“Appendice, Stalin e la crisi del marxismo” (1987), in
NéNé, pp. 57-69.
“Marxismo” (1990), in DizPol, pp. 607b-614a.
“Né con loro, né senza di loro” (1992), in DubScel, pp.
213-223, republicado com o título “Riflessioni sul
destino storico del comunismo”, in TeGePo, pp.
618-630.
“Un tentativo di risposta alla crisi del
marxismo” (1992), in NéNé, pp. 223-234.
“Ancora a proposito di marxismo, Lettera a Costanzo
Preve” (1993), in NéNé, pp. 235-240.
“Invito a rileggere Marx” (1993), in NéNé, pp.
241-247.
- POLITO, P., “Dialogo su una vita di studi”, in Nuova
antologia, a. 131, n. 577, fasc. 2200 (1996), p. 49.
“Premessa” (1997), in NéNé, pp. IX-XII.
1.2.10. Escritos Sobre Socialismo.
BOBBIO, N., “Il socialismo in Occidente” (1964), in Rinascita, XXI,
44 (Novembro de 1964), 3.
“Democrazia socialista?” (1973), in QSoc, pp. 03-20.
418
“Esiste una dottrina marxistica dello stato?” (1975), in
QSoc, pp. 21-41.
“Quali
alternative
alla
democrazia
rappresentativa?” (1975), in QSoc, pp. 42-65.
“Perché democrazia?” (1976), in QSoc, pp. 66-86.
“Prefazione” (1976), in QSoc, pp. VII-XVIII.
“Quale socialismo?” (1976), in QSoc, pp. 86-109.
1.2.11. Escritos Sobre Filosofia do Direito.
BOBBIO, N., “Scienza e tecnica del diritto” (1934), in Istituto
Giuridico della R. Università, Torino 1934, pp. 53.
L’analogia nella logica del diritto, Istituto Giuridico
della R. Università, Torino 1938.
“L’Analogia e il diritto penale” (1938), in Rivista
penale, XVI, 5 (Maio de 1938), pp.526-542.
Lezioni di Filosofia del diritto, Ad uso degli studenti,
Giappichelli, Torino 1946.
“Scienza del diritto e analisi del linguaggio” (1950),
republicado com o título “Scienza giuridica”, in
ConDizGi, pp. 335-365.
“La
logica
giuridica
di
Eduardo
García
Máynez” (1954), republicado com o título “Logica
giuridica (II)”, in ConDizGi, pp. 133-155.
“Sul ragionamento dei giuristi” (1955), republicado
com o título “Ragionamento giuridico”, in ConDizGi,
pp.281-294.
“Analogia” (1957), in ConDizGi, pp. 01-16.
“Teoria della norma giuridica” (1957-1958), in
TeoGeDi, pp. 01-155.
“Teoria dell’ordinamento giuridico” (1959-1960), in
TeoGeDi, pp. 157-292.
Il positivismo giuridico, Lezioni di Filosofia del diritto
(1960-1961), (Recta Ratio, Terza serie, 2), a cura de N.
MORRA, G. Giappichelli, Torino 1996.
“Diritto” (1960), in ConDizGi, pp. 59-77.
“Consuetudine (teoria generale)” (1962) e “Fatto
normativo” (1967), republicados sob o título
419
“Consuetudine e fatto normativo”, in ConDizGi, pp.
17-57.
“Diritto e logica” (1962), republicado com o título
“Logica giuridica (I)”, in ConDizGi, pp. 103-132.
“Lacune del diritto” (1963), in ConDizGi, pp. 89-102.
“Metodo” (1964), in ConDizGi, pp. 165-175.
“Norma giuridica” (1964), in ConDizGi, pp. 215-232.
“Considerazioni in margine” (1966), republicado com
o título
“Obbligo giuridico”, in ConDizGi, pp.
245-256.
“Principi generali di diritto” (1966), in ConDizGi, pp.
257-279.
“Sanzione” (1969), in ConDizGi, pp. 307-333.
“Per un lessico di teoria generale del diritto”(1975),
republicado com o título “Norme secondarie”, in
ConDizGi, pp. 233-243.
“Diritto” (1976), in ConDizGi, pp. 87, republicado in
DizPol, pp. 312a-316a.
“Apunti per una introduzione al dibattito su marxismo
e diritto” (1978), republicado com o título “Marxismo
e diritto”, in ConDizGi, pp. 157-164.
“Premessa” (1979), in PoGiu, pp. IX-X.
“Norma” (1980), in ConDizGi, pp. 178-213.
“La ragione nel diritto” (1984), republicado com o
título “Ragione e diritto”, in ConDizGi, pp. 295-306.
“Prefazione” (1993), in TeoGeDi, pp. VII-X.
“Premessa” (1994), in ConDizGi, pp. XV-XVII.
1.2.12. Escritos Sobre Paz e Guerra.
BOBBIO, N., “Pace e propaganda di pace” (1952), in Occidente,
VIII, 5 (Setembro-Outubro de 1952), pp. 161-170,
republicado in PolCul, pp. 53-63.
“La marcia della pace” (1961), in Resistenza, XV, n. 10
(Outubro de 1961).
“Non uccidere” (1961), in Resistenza, XV, n. 12
(Dezembro de 1961), p. 4, republicado in TerAs, pp.
139-142.
420
“Prefazione” (1961), a G. ANDERS, Essere e non
essere, Diario di Hiroshima e Nagasaki, Einaudi,
Torino 1961, pp. IX-XVII, republicado com o título
“Pace o libertà?”, in TerAs, pp. 15-22.
“Il conflitto termonucleare e le tradizionali
giustificazioni della guerra” (1962), in Il Verri, 6
(1962) 93-102, republicado in TerAs, pp. 23-30.
“Diritto e guerra” (1965), in ProbGP, pp. 99-118.
“Filosofia della guerra nell’era atomica” (1965), in
Terzo Programma, ed. RAI, n. 3 (1965), pp. 7-27,
republicado in TerAs, pp. 31-53.
“Il problema della guerra e le vie delle pace” (1966), in
ProbGP, pp. 29-97.
“Per una teoria dei rapporti tra guerra e diritto” (1966),
in Scritti in memoria di Antonino Giuffrè, vol. I,
Giuffrè, Milano 1967, pp. 91-98; republicado com o
título “Guerra e diritto”, in TeGePo, pp. 520-526.
“Solo una società più libera e avanzata potrà rispettare i
diritti dell’uomo” (1967), in Resistenza, XXI, n. 12
(Dezembro de 1967).
“L’idea della pace e il pacifismo” (1975), in ProbGP,
pp. 119-146.
“Disobbedienza civile” (1976), in DizPol, pp.
316a-320a, republicado in TerAs, pp. 84-91.
“La nonviolenza è un’alternativa” (1977), in ProbGP,
pp. 147-163.
“Prefazione alla prima edizione” (1979), in ProbGP,
pp. 19-28.
“Il terrore non conosce equilibri” (1979), in La Stampa,
CXIII, n. 287 (18 de Dezembro de 1979), pp. 1-2,
republicado in TerAs, pp. 197-199.
“Alla marcia della pace” (1981), in Azione nonviolenta,
XVIII, n. 5 (Setembro de 1981), pp. 7-8, republicado in
TerAs, pp. 143-147.
“Come viandanti in un labirinto” (1981), in Pro
Civitate Christiana, n. 4-5, (15 de Fevereiro de 1982),
pp. 70-76, republicado com o título “Una società
nonviolenta?”, in TerAs, pp. 148-157.
421
“I chierici e il terrore” (1981), in La Stampa, CXV, n.
208 (3 de Setembro de 1981), pp. 1-2, republicado in
TerAs, pp. 200-203.
“La lancia e lo scudo” (1981), in La Stampa, CXV, n.
223 (4 de Outubro de 1981), pp. 1-2, republicado in
TerAs, pp. 204-206.
“Etica della potenza ed etica del dialogo” (1982), in
Vita e Pensiero, LXV, n. 3 (Março de 1983), pp. 29-36,
republicado in TerAs, pp. 158-165.
“La morale e la guerra” (1982), in Per una cultura
della pace, Il problema della violenza e la ricerca
della pace, a cura do Centro Culturale di Ricerca,
USMATE, Stampa, Milano 1983, pp. 75-100,
republicado com o título “Morale e Guerra”, in TerAs,
pp. 166-177.
“I giganti ciechi” (1983), in La Stampa, CXVII (23 de
Outubro de 1983), p. 1, republicado in TerAs, pp.
212-214.
“I padroni invincibili” (1983), in La Stampa, CXVII, n.
207 (2 de Setembro de 1983), p. 3, republicado in
TerAs, pp. 210-211.
“Il gioco della guerra” (1983), in TerAs, pp. 207-209.
“Il terzo assente” (1983), in La Stampa, CXVII, n. 308
(30 de Dezembro de 1983), p. 3, republicado in TerAs,
pp. 215-217.
“L’equilibrio del terrore” (1983), in Storia e politica,
XXIII, (2 de Junho de 1984), pp. 284-300, republicado
in TerAs, 54-68.
“La pace attraverso il diritto” (1983), in TerAs, pp.
207-209, republicado com o título “Pace e Diritto”, in
TeGePo, pp. 526-535.
“Prefazione alla seconda edizione” (1984), in ProbGP,
pp. 05-17.
“Disarmati di tutto il mondo, uniamoci” (1985), in
L’unità, LXII, n. 244, (29 de Outubro de 1985), pp.
1-16, republicado com o título “Disarmati di tutto il
mondo”, in TerAs, pp. 178-182.
“Nazioni
Unite:
bilancio
critico
di
un
quarantennio” (1985), republicado com o título “Le
422
Nazioni Unite dopo quarant’anni”, in TerAs, pp.
97-111.
“Non aprì una nuova era” (1985), in La Stampa, CXIX,
n. 168 (6 de Agosto de 1985), p. 3, republicado in
TerAs, pp. 218-220.
“Il dialogo per la pace” (1986), in Nuova Antologia,
CXXI, v. 556, fasc. 2159, (Julho-Setembro de 1986),
pp. 36-40, republicado in TerAs, pp. 183-187.
“Il terzo in politica” (1986), in La Stampa, CXX, n.
196 (22 de Agosto de 1986), p. 3, republicado in TerAs,
pp. 221-224.
“In lode dell’ONU” (1987), in La Stampa, CXXI, n.
203 (30 de Agosto de 1987), p. 1, republicado in TerAs,
pp. 224-226.
“La pace ha un futuro?” (1987), in TerAs, pp. 188-194.
“I saggi equilibristi” (1988), in La Stampa, CXXII, n. 2
(3 de Janeiro de 1988), p. 1, republicado in TerAs, pp.
227-229.
“Introduzione” (1989), in TerAs, pp. 7-11.
“Pace, Concetti, problemi e ideali” (1989), in
Enciclopedia del Novecento, vol. VIII, Istituto della
Enciclopedia Italiana, Roma 1989, pp. 812-824,
republicado com o título “La pace: il concetto, il
problema, l’ideale”, in TeGePo, pp. 467-503.
“Pace” (1990), in DizPol, pp. 737a-742b.
“Pacifismo” (1990), in DizPol, pp. 745a-747b.
“Prefazione alla terza edizione” (1991), in ProbGP, pp.
01-04.
Una guerra giusta?, Marsilio, Venezia 1991.
“Prefazione alla quarta edizione” (1997), in ProbGP,
pp. VII-XVI.
1.2.13. Escritos Sobre Intelectuais e Poder.
BOBBIO, N., “La forza non politica (1953), in DubScel, pp. 23-24.
“Due paradossi storici e una scelta morale” (1954), in
DubScel, pp. 25-29.
423
“Intellettuali e classe politica” (1954), in DubScel, pp.
31-36.
“Julien Benda” (1956), in DubScel, pp. 37-53.
“Politica e cultura” (1962), in DubScel, pp. 55-66.
“Considerazioni sugli appelli degli uomini di cultura
alle autorità politiche” (1965), in DubScel, pp. 67-74.
“Intellettuali e potere” (1977), in DubScel, pp.
113-133.
“Della presenza della cultura e della responsabilità
degli intellettuali” (1978), in DubScel, pp. 135-150.
“Intellettuali” (1978), in DubScel, pp. 151-177.
Che cosa fanno oggi i filosofi?, a cura da Biblioteca
comunale di Cattolica, Bompiani, Milano 1982.
“L’Europa della cultura” (1984), in DubScel, pp.
193-206.
“Grandezza
e
decadenza
dell’ideologia
europea” (1986), in DubScel, pp. 179-191, republicado
in TeGePo, pp. 604-618.
“Tolleranza e verità” (1987), in DubScel, pp. 207-212.
“Introduzione” (1993), in DubScel, pp. 09-18.
1.3. Publicações Coletâneas dos Escritos de
Norberto Bobbio em Língua Italiana.
BOBBIO, N., La filosofia del decadentismo, Chiantore, Torino 1944.
Gramsci e la concezione della società civile, Feltrinelli,
Milano 1976.
La teoria della forme di governo nella storia del
pensiero politico, Anno accademico 1975-76, G.
Giappichelli, Torino 1976.
Quale socialismo? Discussione di un’alternativa
(Nuovo politecnico, 84), Einaudi, Torino 1976.
- BOVERO, M., Società e stato nella filosofia politica
moderna, Il Saggiatore, Milano 1979.
Il problema della guerra e le vie della pace (Saggi
274), il Mulino, Bologna 1979, 19974.
Dalla struttura alla funzione, Nuovi studi di teoria del
diritto, Edizioni di Comunità, Milano 19842.
424
Italia civile, Ritratti e testimonianze (Il filo rosso 6),
Passigli Editore, Firenze 1986.
Italia fedele, Il mondo di Gobetti (Il Filo Rosso 8),
Passigli Editori, Firenze 1986.
Il Terzo assente, Saggi e discorsi sulla pace e sulla
guerra, a cura di P. POLITO, Edizioni Sonda, Milano
1989.
Diritto e potere, Saggi su Kelsen (Diritto e cultura, 8),
Edizioni Scientifiche Italiane, Napoli 1992.
Teoria generale del diritto (Recta Ratio, Seconda serie,
1), G. Giappichelli, Torino 1993.
Thomas Hobbes (Piccola biblioteca Einaudi 267),
Einaudi, Torino 1989, 20042.
Elogio della mitezza e altri scritti morali (Net 243), Il
Saggiatore,
Milano
1998,
2006².
Eguaglianza e libertà (Einaudi contemporanea 40),
Einaudi, Torino 1995.
- BOSETTI, G., - VATTIMO, G., La sinistra nell’era
del karaoke, Reset, Milano 1994.
Contributi ad un dizionario giuridico (Analisi e diritto,
Serie teorica, 15), G. Giappichelli, Torino 1994.
Maestri e compagni, Passigli Editori, Firenze 1984,
19942.
Destra e sinistra, Ragioni e significati di una
distinzione politica (Saggine 65), Donzelli, Roma
1994, 20044.
- DEL NOCE, A., Centro: tentazione senza fine, Reset,
Milano 1995.
Il futuro della democrazia (Saggi 281), Einaudi, Torino
19953.
Stato, governo, società, Frammenti di un dizionario
politico (Einaudi tascabili. Saggi 318), Einaudi, Torino
1985, 19952.
Tra due repubbliche, Alle origini della democrazia
italiana (Saggine 19), Donzelli, Roma 1996.
De senectute e altri scritti autobiografici (Gli struzzi
481), Einaudi, Torino 1996.
425
L’eta dei diritti (Einaudi tascabili. Saggi 478), Einaudi,
Torino 1990, 1997³.
Dal fascismo alla democrazia, I regimi, le ideologie, le
figure e le culture politiche a cura de M. BOVERO,
Baldini & Castoldi, Milano 1997.
Né con Marx né contro Marx, a cura de C. VIOLI,
Editori riuniti, Roma 1997.
Autobiografia (Economico Laterza 168), a cura de A.
PAPUZZI, Laterza, Roma-Bari 1999.
Teoria generale della politica ( Biblioteca Einaudi
173), a cura de M. BOVERO, Einaudi, Torino 1999.
La mia Italia, Passigli Editori, Firenze-Antella 2000.
- VIROLI, M., Dialogo intorno alla repubblica,
Laterza, Roma-Bari 2001.
Il Dubbio e la scelta, Intellettuali e potere nella società
contemporanea (Qualità Paperbacks, 10), Carocci
Editore, Roma 1993, 20012.
- VIROLI, M., Dialogo intorno alla repubblica
(Economico Laterza 284), Laterza, Roma-Bari 2003.
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NÃO MATAR! O Princípio Ético Não Matar como Imperativo
Categórico no Pensamento de Norberto Bobbio (1909-2004) parte da
resposta que Bobbio deu a G. Nascimbeni, 8 de Maio de 1981: qual
surpresa pode existir no fato que um leigo considere como válido em
sentido absoluto, como um imperativo categórico o “Não matar!”; e
surpreende-me que os leigos deixem aos que crêem o privilégio e a
honra de afirmar que não se deve matar. Dessa “resposta”
determinamos nosso objetivo geral, trabalhado em quatro objetivos
específicos: Quem é o pensador que fez tal afirmação? Por que a fez?
O quê entendia dizer? Quais são as conseqüências de tal afirmação?
O imperativo ético Não matar! é um imperativo categórico porque a
vida humana é o valor primordial – categórico ou absoluto –
enquanto condição para todos os demais valores; impõe um dever
perfeito em vista de proteger tal valor primordial; não tem outros
argumentos para impor-se senão a sua própria força, porque o
“dever” vai cumprido por princípio, independentemente das suas
razões, sem alguma consideração das circunstâncias; porém não
prescreve outra conduta que aquela assumida por livre decisão no
respeito do dever moral. A punição do transgressor do imperativo
ético é a perda da dignidade humana: quem mata, desce abaixo do
nível das feras. O “dever” de obedecer a um imperativo categórico
confere ao Homem uma dignidade que veta de tratá-lo como um puro
meio. O imperativo Não matar! não depende de “condições” nem de
“finalidades”, como em Th. Hobbes; portanto não é hipotético. É
“categórico” porque comanda por si, independente de qualquer
hipotética circunstância do agente, nem do objeto da ação proibida.
Tal imperativo impõe um dever perfeito a todos os sujeitos humanos e
em vista de proteger a vida de “todos” e de cada um: vale em si e por
si mesmo. É possível afirmar categoricamente o imperativo Não
matar! e ao mesmo tempo dar-lhe um fundamento: o valor ab-soluto
da vida humana. Matar um Indivíduo humano ou impedi-lo de
acessar aos meios necessários para viver – ou deixá-lo morrer – é
sempre a máxima agressão à nossa própria dignidade humana; e,
portanto à humanitas vivens que nós somos. Ao contrário, morrer
para que o outro viva é atingir a plenitude ética da nossa
humanidade. Quem morre para “não matar” – ou para que o possa
viver – morre como Ser “humano” pleno; mas quem mata para viver,
vive como “animal”.
ISBN 978-85-61837-02-0
436