Suzana Vieira e o novo envelhecimentoOk

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Suzana Vieira e o novo envelhecimentoOk
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Suzana Vieira e o “novo” envelhecimento
Karen Grujicic Marcelja
No primeiro capítulo da minissérie “Cinquentinha”, exibida pela Rede Globo em
dezembro de 2009, uma cena chamou a atenção. No papel de uma atriz
demitida por se recusar a interpretar papéis de acordo com os seus visíveis 60
anos, Suzana Vieira desabafa com o motorista que a leva para casa. O
discurso sobre como é penoso e cruel o passar do tempo logo dá lugar a uma
cena inusitada - a atriz está prestes a ir para a cama com o motorista.
Até aí, nada de novo. A própria Suzana Vieira já tem em seu currículo
personagens sedutoras que se relacionaram com subordinados ou homens
mais jovens. A novidade, dessa vez, fica por conta dos trajes que ela vestia na
cena – um body coberto por robe transparente, que permitia ver com detalhes
as coxas e os contornos de seu corpo.
Talvez seja até engraçado achar isso novidade, já que os paparazzi cariocas
estão cansados de fotografar a atriz de biquíni na praia ou de mãos dadas com
homens bem mais jovens do que ela. O que há de novo nessa cena foi o
reconhecimento de algo que já deixou de ser tendência para ser realidade: a
mulher mais velha pode continuar atraente. A exibição de uma cena sensual
como aquela em um programa de grande repercussão na maior emissora do
país soa como uma espécie de legitimação desse fenômeno para as grandes
massas do Brasil.
O comportamento de Suzana Vieira em relação à idade, ao corpo e aos
relacionamentos com os homens é acompanhado por Ana Maria Braga, Marília
Gabriela, Elba Ramalho, Vera Fischer, Maitê Proença, Madonna e tantas
outras mulheres que vêm ganhando (ou mantendo, em alguns casos) cada vez
mais atenção da mídia. O que elas têm de especial? Como conseguem ser
lindas e interessantes apesar da idade? O que eu faço para ser assim
também?
Perguntas como essa buscam não só entender como isso é possível, mas,
principalmente, o que está acontecendo com o envelhecimento nos dias de
hoje. Poucas décadas atrás, uma mulher de 45 anos estava conformada com
os desígnios da natureza e se dedicava a cuidar da família, dos filhos e até
mesmo dos netos, deixando vaidade e projetos pessoais de lado.
A partir dos anos 90, essa realidade começou a mudar, incentivada por
exemplos mais positivos de meia-idade, como Betty Faria, Gal Costa, Marta
Suplicy, Meryl Streep e outras artistas e personalidades em excelente forma
física e no auge profissional. Não era mais preciso sair de cena devido às
rugas e cabelos brancos, o que levou a uma nova concepção de maturidade.
Se antes a fase era tida como um período de perdas, ela passou a significar
novas possibilidades. Essa nova postura se refletiu no relacionamento com a
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família, no mercado de trabalho, na vida social e amorosa e especialmente na
imagem que as mulheres com mais de 40 faziam de si mesmas.
Quem chega hoje aos 40 – e aos 50, 60, 70 – tem em mãos a oportunidade de
revolucionar os conceitos de envelhecimento. É comum uma mulher de 45
anos se identificar muito mais com sua filha do que com sua mãe em gostos
musicais, hábitos de saúde, aspectos culturais e até mesmo na aparência.
Afinal, ela pode. Para que seguir exemplos de antigamente se é possível
permanecer bonita, repor hormônios, ser competitiva profissionalmente, ser
paquerada e caber num modelo tamanho P?
Talvez pelo fato do envelhecimento ser algo relativamente novo na história da
Humanidade, as novas possibilidades e a oportunidade de revolução citada
acima ainda parece pouco, ou mesmo equivocadamente exploradas.
Vejamos, mais uma vez, o exemplo de Suzana Vieira. A atriz tornou-se
sinônimo de atividade, independência e beleza na maturidade. Valores como
esses são pouco comuns a partir de determinada faixa etária, o que faz dela,
de fato, um caso a ser admirado. No entanto, há de se chamar a atenção para
alguns pontos. O primeiro é que a “atriz” Suzana deu lugar à “personalidade”
Suzana. Há tempos que o desempenho profissional dela não é comentado, ao
passo que seu botox, seus casos amorosos e sua forma física ganham todo o
espaço que lhe é dedicado pelos meios de comunicação. Em segundo lugar, é
preciso avaliar o que é realidade na imagem que se divulga da atriz.
Um dos maiores obstáculos para a mídia, em especial para a imprensa
feminina, é romper a “simbiose” que os veículos têm com seus anunciantes.
Qualquer revista do segmento, independentemente da faixa etária ou classe
social a que se dirige, reserva diversas páginas a anúncios de produtos de
beleza. Apenas para se ter uma idéia do poder do setor de Cosméticos, em
2008 ele faturou mais de US$ 1,6 bilhão. Mais de ¼ desse valor provém de
vendas de cremes anti-rugas1.
Sendo os fabricantes de cosméticos os principais anunciantes de uma
publicação dirigida a mulheres, torna-se pouco provável que ela sobreviva por
muito tempo se ousar apresentar matérias que contrastem com aquilo que suas
páginas querem vender.
Logo, uma revista torna-se inviável se apresentar todos os 67 anos de Suzana
Vieira em uma página e, na outra, as inovações do creme NIVEA Visage
Cuidado Diurno com Bioxilift & Ácido Hialurônico, que proporciona lifting
instantâneo e efeito tensor prolongado. Portanto, por mais que tenhamos
exemplos admiráveis de mulheres maduras, os padrões estéticos ligados a
corpos jovens, bonitos e magros prevalecem.
E, quando não são tão jovens assim, existe sempre o rejuvenescimento feito
pelo computador. O ensaio que a atriz fez para a revista “Quem”, na qual
1
http://savannahnow.com, acessado em 2 de julho de 2009.
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aparece coberta por um véu branco, aliás, rendeu polêmicas, uma vez que seu
corpo foi retocado de tal forma que ela aparentava ter vinte e poucos anos2.
Naomi Wolf, autora de “O Mito da Beleza”, comenta que os tratamentos digitais
de imagens muitas vezes resultam em uma distorção tal que a leitora pode
encontrar dificuldade ao imaginar alguém 60 anos na vida real, o que acabaria
afetando sua autoestima. “As mulheres de 60 anos que se olham no espelho
podem achar que estão parecendo muito velhas, pois estão comparando-se a
uma imagem retocada que sorri para elas na capa de uma revista”, escreveu
(WOLF, 2002). O debate acerca dos retoques tem gerado tantos protestos que
alguns países, a começar pela França, exigem que os meios de comunicação
informem quando imagens publicitárias ou editoriais tiverem sido manipuladas3.
Um dos grandes méritos da imprensa feminina, especialmente após a Segunda
Guerra Mundial, foi romper a cultura ancestral dos segredos e tabus em áreas
como beleza e sedução. Aos poucos, o que antes era apenas comentado entre
mãe, filha e médico estava à disposição de quem quisesse ver. Dirigindo-se a
todas as mulheres, valorizando os meios de sedução, substituindo os segredos
pela informação, as revistas fizeram o universo da beleza entrar na era
moderna da educação de massas e da promoção do consumo de cosméticos,
como diz Gilles Lipovetsky em “A Terceira Mulher”. As informações e dicas
para ser bela estavam disponíveis. Logo, só continuava feia quem quisesse,
quem fosse preguiçosa ou não tivesse força de vontade. Estava instaurada a
ditadura da beleza.
Feministas e críticos da indústria cultural vêem na imprensa feminina o poder
da “desforra estética”. No momento em que antigas ideologias sobre castidade,
casamento, família, sexo e religião perdem o poder de controlar as mulheres, a
beleza acaba sendo o último meio para recompor a hierarquia tradicional dos
sexos, ou seja, de “recolocar a mulher em seu lugar”. Alquebrando psicológica
e fisicamente as mulheres, fazendo-as perder a confiança em si próprias e
absorvendo-as em preocupações estético-narcísicas, o culto da beleza
funcionaria como uma polícia do feminino, uma arma destinada a deter sua
progressão social. Sucedendo a prisão doméstica, a prisão estética permitiria
reproduzir a subordinação tradicional das mulheres (LIPOVETSKY , 2000).
Já estamos a quatro décadas de distância das feministas que queimavam
sutiãs em praça pública, mas parece que pouco se avançou nessa escravidão
estética. O que ocorre, aliás, é algo paradoxal: - de um lado, todas as
conquistas e mudanças que invertem sentidos e promovem a autonomia do
gênero feminino, como a chegada da mulher às universidades e ao mercado de
trabalho e o poder de controlar o próprio corpo, como acontece com a pílula
anticoncepcional; - de outro, a sociedade de consumo, que, por meio de um
universo supostamente feminino, cria uma imagem marcada pelo controle – é
preciso ser magra, jovem, fashion, boa profissional, boa amante e boa mãe.
2
3
Revista Quem, edição 452, 6 de maio de 2009.
Revista Veja, edição 2135, 21 de outubro de 2009.
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As imagens veiculadas pela mídia apresentam demandas de condutas que se
tornam um peso para a mulher, gerando muitas vezes angústias, ansiedades e
frustrações. O excessivo estímulo pela busca ao corpo perfeito, por exemplo,
leva muitas delas a se tornarem reféns de dietas das mais radicais e a
desenvolverem, eventualmente, comportamentos patológicos como bulimia ou
anorexia. Da mesma forma, o controle “pan-ótico” instalado pela imagem de
mulher perfeita veiculada na sociedade de consumo pode afetar aquela que se
encontra na envelhescência4. A partir do momento em que é apresentada e
enfatizada a possibilidade de viver esse período da vida de forma ativa e de
bem com o espelho, torna-se “errado” sucumbir ao tempo e ao que vem com
ele: rugas, cabelos brancos, flacidez, doenças, pouco interesse sexual etc.
É no aspecto sexual, aliás, que encontramos um dos fenômenos que mais
chama a atenção nesse novo perfil de maturidade. Existe, na indústria
pornográfica, um segmento batizado com a sigla M.I.L.F. (sigla em inglês que
significa “Mom I’d Like to Fuck” – em português, algo como “mãe que eu
gostaria de levar para a cama”), que se refere a mulheres mais velhas, já
casadas e mães e que continuam exuberantes. O gênero vem ganhando tanta
popularidade no mundo pornô que só perde para o inter-racial. Nos sites de
busca especializados em pornografia, os termos “mãe” e “esposa” estão entre
os dez mais procurados5.
Mais do que nunca, a beleza (e o que dela supostamente decorre, como
comportamento jovial e sensualidade aflorada) é considerada parte importante
do funcionamento da ordem social. Alguns autores chegam a dizer que a
cultura do belo apresenta, em nossos dias, todos os traços de um culto
religioso, de um dispositivo litúrgico no próprio seio das sociedades liberais
desencantadas.
Para Wolf, a beleza seria como uma nova Igreja “substituindo as autoridades
religiosas tradicionais como um Novo Evangelho, recompondo ritos arcaicos no
coração da hipermodernidade, hipnotizando e manipulando os ‘fiéis’, pregando
a renúncia aos prazeres da boa comida, culpabilizando as mulheres por meio
de um catecismo cujo centro é a diabolização do pecado da gordura. De agora
em diante, as eleitas são as top models e as não-eleitas, as mulheres gordas e
enrugadas.” (LIPOVETSKY , 2000:140)
Como em todos os cultos religiosos, a beleza tem seus sistemas de
doutrinação. Lipovetsky afirma que esse papel é desempenhado pela
publicidade dos cosméticos. Os textos sagrados seriam os métodos de
emagrecimento e rejuvenescimento. Os ciclos de purificação, os regimes; os
gurus seriam personalidades que parecem não engordar ou envelhecer, como
atrizes de Hollywood e nossa sempre lembrada Suzana Vieira, por exemplo.
4
A expressão “envelhescente” é de autoria de Mario Prata. Este autor usou a expressão na
crônica “Você é um envelhescente?”, publicada no O Estado de São Paulo em 18 de agosto de
1993, para referir-se ao período dos 45 aos 65 anos, que seria uma preparação para a velhice.
5
http://www.marieclaire.com/sex-love/relationship-issues/articles/milf-pornography,acessado em
29 de maio de 2009.
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As crenças na ressurreição seriam as expectativas com os cremes
revitalizantes; os anjos seriam os produtos de beleza e, por fim, os salvadores
seriam os cirurgiões plásticos (LIPOVETSKY , 2000:140).
Já o Paraíso... esse, só pelo que dá para imaginar, exigiria o Inferno para ser
alcançado.
Referências
HERMANN, Rosana (org.). Maturidade revista – Depoimentos de corpo e alma
sobre a feminilidade da mulher madura. São Paulo: Gente, 2003.
LIPOVETSKY, Gilles. A terceira mulher – permanência e revolução do
feminino. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
WOLF, Naomi. The Beauty Myth – How images of beauty are used against
women. New York: Harper Perennial, 2002.
__________________________
Karen Grujicic Marcelja - Jornalista, formada pela Universidade Federal do
Paraná. Especialista em Jornalismo Social pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo e mestranda do Programa de Estudos Pós-Graduados
em Gerontologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. E-mail:
[email protected].
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