MATIZES DE UMA ACÃO EXTENSIONISTA: SOCIALIZAÇÃO E

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MATIZES DE UMA ACÃO EXTENSIONISTA: SOCIALIZAÇÃO E
PAINÉIS
Coordenadora: Solange Pereira Rocha
MATIZES DE UMA ACÃO EXTENSIONISTA: SOCIALIZAÇÃO E
INTERLOCUÇÃO DE SABERES
Aldeir Fernandes de Oliveira1
RESUMO:
Este trabalho visa socializar os resultados das atividades desenvolvidas pelo projeto de
extensão EDUCARTE, vinculado ao PROBEX/UFCG (2011), bem como discutir a
importância da extensão universitária como forma de criação de espaços para estudos, debates
e troca de experiências, de ampliação de conhecimento teórico-metodológico e de
qualificação de professores de Arte Educação do Ensino Fundamental e Médio das escolas
municipais de Cajazeiras – PB. Problematiza a ação extensionista no âmbito do ensino da
arte, e suas diferentes linguagens, tendo como fundamento metodológico a pesquisa ação, por
meio de trocas de experiências entre os docentes e com o objetivo de (re) significar suas
práticas pedagógicas visando contribuir com a formação do aluno enquanto produtor cultural
e ampliar, continuamente, o campo de possibilidades de ações que possam ser aplicadas no
âmbito das salas de aula.
Palavras chave: Arte Educação, Socialização de Saberes, Formação Continuada, Práticas
Didático-Pedagógicas.
1 INTRODUÇÃO:
Nos últimos tempos, a extensão universitária tem sido considerada como um dos
principais segmentos das universidades brasileiras para a socialização e a interlocução dos
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Bolsista PROBEX 2011 e Graduando em História, pela UACS/CFP/UFCG, Cajazeiras – PB.
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saberes, a qual é realizada a partir do contato direto, impregnado de uma ação transformadora,
da comunidade acadêmica universitária com um determinado público da sociedade.
Segundo Paulo Freire o conhecimento humano se constitui a partir das relações de
transformações existentes entre o homem e o mundo, o qual é aperfeiçoado a partir do
questionar, do problematizar e da crítica. (FREIRE, 2006)
Neste sentido, o conceito de extensão que vem sendo propagado, atualmente, é que os
acadêmcos não são os únicos possuidores do conhecimento ou saber necessário à
trasformação social, visto que, este pode ser construído e/ou (re) significado a partir de uma
interrelação dialógica entre a equipe extensionista e o público alvo. Assim, há uma atuação
mútua e de mão dupla que é crítica e democrática aos sujeitos participantes, a fim de produzir
um novo sentido, por meio de um ciclo de trocas de saberes que deve existir entre a
universidade e a sociedade.
Nas diretrizes estabelecidas no Plano Nacional de Extensão (2000), o processo
extensionista deve ser constiuído sob quatro eixos essenciais que são: Impacto e
transformação, interação dialógica, interdisciplinaridade e a Indissociabilidade entre ensino –
pesquisa – extensão.
Nesta perspectiva, o processo extensionista universitário busca, principalmente, a
transformação da realidade problemática presente na sociedade, e, nesse processo, além de
promover a trasformação, a univerididade também se autotransforma no sentido de que, (re)
significa a sua atuação enquanto instituição produtora e promotora de conhecimento/saberes.
Este trabalho se detém a demonstrar os resultados de uma ação extensionista,
desenvolvida por meio do projeto “EDUCARTE” vinculado à PROPEX/ UFCG, o qual
viabilizou um processo de formação continuada realizado com professores de Arte da rede
municipal de ensino de Cajazeiras – PB. As atividades foram desenvolvidas através da
utilização da pesquisa-ação e de princípios metodológicos participativos. Segundo Thiollent,
(2005) esse tipo de metodologia fundamenta-se na interação participativa entre pesquisador e
pesquisado, a qual considera a pesquisa e a ação como elementos concomitantes e o público
alvo passa por transformações não apenas no âmbito da produção do conhecimento, mas,
também, da prática.
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2 A EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: SOCIALIZAÇÃO E INTERLOCUÇÃO DE
SABERES
O saber se tornou um dos bens mais preciosos da humanidade, pois na sociedade em
que vivemos este é primordial para a realização de diversas atividades cotidianas. Desse
modo, o ser humano sempre construiu e constrói, permanentemente, um saber necessário à
sua vivência, instigado pela curiosidade e pelo desejo de aprender cada vez mais, ou seja, o
homem está sempre produzindo conhecimento/saberes. E, segundo Paulo Freire, “O
conhecimento não se estende do que se julga sabedor até aqueles que se julga não saberem; o
conhecimento se constitui nas relações homem-mundo, relações de transformação, e se
aperfeiçoa na problematização crítica destas relações.” (FREIRE, 2006: 36).
A ideologia da extensão universitária, com base nessa compreensão, surgiu a partir das
lutas empreendidas por estudantes universitários brasileiros, nos anos de 1950/60,
organizados na União Nacional dos Estudantes – UNE que reivindicavam o reconhecimento
de movimentos culturais e políticos como fundamentais na formação de lideranças
intelectuais de que carecia o país.
E a partir da década de 1980, com o fortalecimento da sociedade civil, das classes
populares e o enfraquecimento da sociedade política, possibilitou repensar sobre concepção
de universidade vigente, tendo como base a redefinição das práticas de ensino, pesquisa e
extensão.
Foi exatamente neste período que a extensão foi reconhecida legalmente e incluída na
Constituição brasileira e com a realização do Fórum de Pró-Reitores de Extensão (1987)
emergiram em favor da comunidade acadêmica, condições e a possibilidade de uma
conceituação precisa da extensão universitária. Segundo no I Encontro Nacional de PróReitores de Extensão:
A Extensão Universitária é o processo educativo, cultural e científico que
articula o Ensino e a Pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação
transformadora entre universidade e sociedade.
A Extensão é uma via de mão dupla, com trânsito assegurado à comunidade
acadêmica, que encontrará, na sociedade, a oportunidade de elaboração da
práxis de um conhecimento acadêmico. No retorno à Universidade,
docentes e discentes trarão um aprendizado que, submetido à reflexão
teórica, será acrescido aquele conhecimento. Esse fluxo, que estabelece a
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troca de saberes sistematizados, acadêmico e popular, terá como
consequência: a produção do conhecimento resultante do confronto com a
realidade brasileira e regional; a democratização do conhecimento
acadêmico e a participação efetiva da comunidade na atuação da
Universidade. Além de instrumentalizadora desse processo dialético de
teoria/prática, a Extensão é um trabalho interdisciplinar que favorece a visão
integrada do social. (BRASIL, 2000/01, p. 5)
Este conceito que se tem sobre a extensão está ligado à ideia de que o conhecimento
produzido
por
instituições
pesquisadoras
e
produtoras
de
conhecimento
deve,
primordialmente, proporcionar ações trasformadoras na realidade social posta, com o intuito
de intervir em suas deficiências. Ao longo da sua história, nas universidades brasileiras, a
extensão passou por diversas transformações conceituais, bem como, nas suas direttrizes e
orietações norteadoras para o seu desenvolvimento, pois segundo Rossana Serrano (sd):
Da extensão cursos, à extensão serviço, à extensão assistencial, à extensão
“redentora da função social da Universidade”, à extensão como mão dupla
entre universidade e sociedade, à extensão cidadã, podemos identificar uma
ressignificação da extensão nas relações internas com os outros fazeres
acadêmicos, e na sua relação com a comunidade em que esta inserida.
(SERRANO, sd, p.1)
Entretanto, hoje em dia, o conceito que propagamos é de que os acadêmcos não são os
únicos possuidores do conhecimento ou saber necessário à trasformação social, visto que, este
pode ser construído ou (re) significado a partir de uma interrelação dialógica entre a equipe
extensionista e o público alvo. Assim, há uma atuação mútua e de mão dupla que é crítica e
democrática aos sujeitos participantes. Conforme o FORPROEX:
[...] A produção do conhecimento via extensão, se faz na troca de saberes
sistematizados, acadêmico e popular, tendo como consequência a
democratização do conhecimento, a participação efetiva da comunidade na
atuação da universidade e uma produção resultante do confronto com a
realidade. (BRASIL, 2000, p. 2)
Neste sentido, as universidade nos dias atuais busca, por meio da extensão, a
popularidade em meio ao povo e a nação, buscando isso através da interação dos saberes que
são produzidos nela com a saberes do local, ou seja, há a produção de um novo sentido por
meio desse ciclo de trocas de saberes que deve exister entre a universidade e sociedade.
O processo extensionista universitário busca, principalmente, a transformação da
realidade problemática presente na sociedade e, nesse processo, além de promover a
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trasformação, a universididade também se autotransforma no sentido de que, (re) significa a
sua atuação, enquanto instituição produtora e promotora de conhecimento/saberes.
A extensão universitária deve, pois, respeitar seu públivo alvo, aceitando-o como um
importante agente, nesse processo formador e (re) significador, e não como paciente, visto
que, esse público atendido, são seres pensantes, reflexivos, críticos eportadores de uma
cultura, de valores ede conhecimento/saberes. Para que isso ocorra é necessário ter como
princípio a promoção de uma interação dialógica que vise afirmar esses dois grupos como
protagonistas – não apenas um só e sim os dois – da extensão universitária.
Segundo o Plano Nacional de Extensão (2000) existe atualmente diretrizes que são
essencias para a realização da extensão universitária que são elas: Impacto e transformação,
interação dialógica, interdisciplinaridade e a Indissociabilidade entre ensino – pesquisa –
extensão.
O impacto e a transformação dizem respeito a uma orientação que deve nortear as
ações extensionistas em razão da diversidade e da complexidade que a sociedade dispõe,
nesse sentido, torna-se prioritário o estabelecimento uma problemática que seja efetiva para
contribuir com a transformação social. As indagações que orientam essa problemática devem
ser estudas profundamente, no intuito de propor soluções viáveis, atuando de forma
compromissada com a mudança.
A interação dialógica se constitui numa diretriz base, pois extensão universitária deve
estar impregnada por um diálogo construído, permanentemente através da interlocução de
saberes entre a universidade e a sociedade. Esse conceito procura atualmente desmitificar a
ideia de uma hegemonia acadêmica na realização da socialização dos saberes, pois a própria
universidade também aprende com a sociedade.
A interdisciplinaridade deve proporcionar uma conexão entre os saberes, de forma que
haja uma interação de modelos e conceitos que são comuns, de material analítico e de
metodologias, e sempre procurando a constituição de elementos teóricos e operacionais a fim
de estruturar um trabalho para os agentes do processo social, e esse processo conduz a outra
interação e inter-relação a que existe entre as instituições, ou seja, a interinstitucionalidade.
A indissociabilidade entre ensino – pesquisa – extensão diz respeito ao fato de que as
ações extensionistas devem estar ligadas a um processo formativo e produtor de
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conhecimento, bem como, é uma prática que interage com o ensino e a pesquisa
principalmente para promover uma ação transformadora para procurar resolver as
“enfermidades” da sociedade. Nesta prática existem estudantes que estão envolvidos, os quais
devem adquirir, durante o desenvolvimento do projeto, implicações necessárias as suas
formações como profissionais cidadãos, bem como assumirem uma postura crítica frente a
realidade que os rodeia. Existe também um reconhecimento curricular para os alunos
envolvidos, pois estes recebem créditos na academia e assim a extensão também faz parte do
currículo acadêmico universitário.
Neste sentido, propomos uma reflexão sobre como o conhecimento produzido nas
academias está sendo posto à sociedade por meio da extensão universitária (re) significado a
partir do desenvolvimento do projeto “EDUCARTE” vinculado à PROPEX/ UFCG.
A nossa proposta parte da compreensão de que a extensão universitária é o principal
meio para a socialização e interlocução dos saberes produzidos na academia e, ainda, que a
partir da pesquisa-ação, torna-se possível uma ação transformadora. Por isso, nos dispusemos
a criar espaços para discutir o ensino da arte, e suas diferentes linguagens, possibilitando
trocas de experiências entre os docentes das escolas públicas municipais de Ensino
Fundamental e Médio, vislumbrando a qualificação profissional dos mesmos e o
desenvolvimento de práticas pedagógicas que visem à formação do aluno enquanto produtor
cultural e amplie, continuamente, o campo de possibilidades de ações que possam ser
aplicadas no âmbito das salas de aula.
3 O ENSINO DE ARTE COMO LÓCUS DE UMA AÇÃO EXTENSIONISTA
Desde 2009, no município de Cajazeiras–PB, o projeto de extensão “EDUCARTE”
vem difundindo uma proposta de formação continuada para professores de Arte. As ações
extensionistas ocorrem por meio da formação de um grupo de estudos para discussões
teóricas, da elaboração de conteúdos didático-pedagógicos, do acompanhamento sistemático,
da orientação teórico-metodológica, da ministração de cursos, oficinas e palestras,
proporcionando ao educador uma articulação entre teoria e prática na produção e socialização
do conhecimento artístico, e consequentemente o redimensionamento do ensino de Arte.
Propôs-se a criação de um “Plano de Curso Programático Coletivo” que foi elaborado
em 2010 e reelaborado em 2011, o qual é concebido como parâmetro didático-pedagógico
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para o ensino de Arte no município de Cajazeiras - PB. Este plano busca inovar o ensino de
Arte, sistematicamente, através da unificação de temas, objetivos específicos, conteúdos,
metodologias e avaliações a serem desenvolvidos pelos professores nas salas de aula, do 6º ao
9º ano. Este plano tem como princípio a importância da Arte na escola, pois ela é um meio de
ativar e estimular as emoções, as sensações e o potencial criativo, dentro das linguagens
artísticas ensinadas. Segundo Pimentel (2007):
Arte, na escola, é a oportunidade do aluno explorar, construir e aumentar seu
conhecimento, desenvolver suas habilidades, articular e realizar trabalhos
estéticos e explorar seus sentimentos. O ensino de arte propicia meios de
conhecer, apresentar, interpretar, simbolizar e metaforizar em contexto de
apreciação estética e de valorização cultural. (PIMENTEL 2007, apud
ZAGONEL 2008, p.37)
As oficinas e encontros para discussões a respeito da Arte foram de suma importância
para o intercâmbio de saberes e experiências relacionados aos acontecimentos significativos
no processo de ensino e aprendizagem em Arte e que, essas atividades, consideradas como
uma interação dialógica, possibilitaram, a construção de um nível maior de segurança para o
exercício docente e para a construção de novas ideias aplicáveis à sala de aula.
Nesse contexto, educadores de diversas escolas do município puderam compartilhar o
conhecimento adquirido, as experiências e/ou experimentos vivenciados, na sua prática
didático-pedagógica. E isso se torna importante, pelo fato de que há uma troca de ensaios
particulares – de ideais, de habilidades, de dinamicidade e de didatismo – que cada um possui
ou aplicou para ensinar e assim surge a possibilidade de produzir novas atividades, bem
como, (re) significar antigas práticas.
A partir das atividades realizadas, o que se evidenciou é que, por vezes, a arte
produzida pelas crianças é tratada ou percebida pelos adultos de forma equivocada e/ou com
desprezo. E a escola, muitas vezes, continua associando arte ao lazer, em oposição às
disciplinas “sérias” como Português, Matemática, etc.
De acordo com essa compreensão, segundo Rodrigues (2008), as escolas impõem uma
espécie de “esquartejamento mental”, pregando que as emoções devem ficar fora destas para
não atrapalhar o desenvolvimento intelectual, e a disciplina de arte assim como os recreios
seriam momentos de lazer, para a fluência de sentimentos e emoções.
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Discordando completamente dessa postura existente nas escolas, Ana Mae Barbosa
(2003) acredita que:
Por meio da Arte é possível desenvolver a percepção e a imaginação,
apreender a realidade do meio ambiente, desenvolver a capacidade crítica,
permitindo ao individuo analisar a realidade percebida e desenvolver a
criatividade de maneira a mudar a realidade que foi analisada. (BARBOSA,
2003, p.18)
Na conjuntura que envolve o projeto de extensão EDUCARTE, de todos os
professores que participam das ações extensionistas, apenas um é licenciado em Arte. Ou seja,
praticamente todos lecionam na disciplina de Arte como complemento de carga horária, e
isso, além de gerar uma rotatividade, constitui um dos elementos que configuram o ensino
como descontextualizado, sem fundamentação e aprofundamento teórico adequado,
proporcionando os equívocos e as incoerências que tem caracterizado o ensino de arte. Essa
rotatividade de professores também é fruto da escassez de cursos de licenciatura em Arte na
região.
Tal situação se manifesta nas experiências pessoais narradas verbalmente pelos
professores, os quais, nas reuniões e encontros, ao compartilharem suas praticas didáticopedagógicas, relatavam, sempre, a ausência de preocupação dos gestores municipais para
qualificá-los, devido à compreensão de que qualquer um pode dar conta desta disciplina e de
que é desnecessário o cuidado em realizá-la com zelo e excelência.
Portanto, um dos principais resultados obtidos nas ações extensionistas que
desenvolvemos é de que o professor de Arte que temos, hoje, na maioria dos casos, não é
qualificado nesta área específica de conhecimento e apenas se encontra ministrando a
disciplina por uma questão de cumprimento de carga horária.
A formação inadequada desses profissionais os leva a “transmitir” conhecimentos
desta disciplina curricular a partir de noções incipientes (não aprofundadas), contribuindo,
efetivamente para a presença de um ensino de Arte não significativo nas escolas de modo que
o ato de imaginar, gerar, elaborar etc., que deveria nortear o ensino de Arte, é substituído pelo
ato de arranjar-se às pressas, fazer sem prévio preparo, criar na hora etc.
Segundo Barbosa “A falta de uma preparação de pessoal para entender a Arte antes de
ensiná-la é um problema crucial nos levando muitas vezes confundir improvisação com
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criatividade.” (BARBOSA, 2007, p.15). Essa confusão, ainda contribui para o ensino de Arte
tornar-se desvalorizado e não ser considerado como fundamental e determinante no processo
educativo e de produção de cidadania.
Acrescenta-se também a esses obstáculos, o fato de que não existe nas escolas um
material teórico e didático-pedagógico para dar suporte às aulas. Situação que se agudiza com
a falta de colaboração dos órgãos competentes no acompanhamento e no processo de
formação continua desses professores.
Também assume significância, com a realização das ações extensionistas, a
possibilidade de análise das tendências pedagógicas que orientam o processo de ensino e
aprendizagem em Arte, o que permitiu a escolha de práticas adequadas para o exercício do
ensino de arte. Esse processo serviu como subsídio para que os professores refletissem e
questionassem a sua prática enquanto educador promotor da democratização e da cidadania e
fundamentassem o Plano de Curso Programático coletivo que foi elaborado e (re) significado
com vistas a unificar e qualificar o ensino de Arte no município, do 6° ao 9° ano.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A extensão universitária é concebida, atualmente como um dos pilares centrais das
universidades brasileiras, uma prática acadêmica que liga a sociedade à universidade,
buscando por meio da pesquisa-ação desenvolver atividades que visem a transformação social
de uma determinada realidade problemática, possibilitando também ao graduando envolvido
uma formação profissional cidadã. Assim, a extensão vem se credenciando como
oportunidade de produção do conhecimento e de superação das desigualdades sociais.
É importante salientar que essa intervenção na realidade não teve como pretensão
substituir funções de responsabilidade do Estado, mas produzir e socializar saberes e os tornar
acessíveis à população, principal público alvo dos resultados produzidos nesse processo.
A efetivação do referido projeto permitiu a apreensão da existência de inúmeras
dificuldades que envolvem o ensino de arte nas escolas de rede municipal de ensino de
Cajazeiras-PB. Como exemplo, pode-se destacar as aulas de arte que, geralmente, são
consideradas como um passatempo e não como um espaço para o desenvolvimento das
capacidades criativas e críticas dos alunos. Dificuldades que se avolumam mesmo diante do
crescimento intelectual, cultural e criativo dos professores e alunos.
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Percebe-se, ainda, que com a realização do projeto os professores passaram a (re)
significar suas práticas
didático-pedagógicas
considerando os
referencias teórico-
metodológicos debatidos, o que lhes permitiu refletir sobre sua prática e revisar suas ações, na
perspectiva de um processo de construção de uma identidade profissional melhor qualificada.
Portanto, as atividades de formação continuada com professores de Arte das escolas da
rede municipal de ensino de Cajazeiras–PB, concretizadas sob a ótica da extensão
universitária evidenciou a relevância de se pensar o ensino de Arte como uma dimensão
humana e cidadã, tendo em vista a formação artística dos alunos das escolas públicas e os
princípios e diretrizes norteadores da extensão universitária.
5 REFERENCIAS:
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Nacional da Extensão Universitária: pressupostos, indicadores e aspectos metodológicos,
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http://www.prac.ufpb.br/copac/extelar/atividades/discussao/artigos/conceitos_de_extensao_un
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THIOLLENT, Michel. Metodologia da Pesquisa-ação. 14ª edição. São Paulo: Cortez
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ZAGONEL, Bernadete. Arte na Educação Escolar. Curitiba: IBEPEX, 2008.
RESGATANDO MEMÓRIAS DE VIOLÊNCIA EM CAMPINA GRANDE
Aline Guedes Ferreira*
Resumo
Campina Grande, Rainha da Borborema, cidade boa para fazer morada e para trabalhar,
conhecida por suas universidades, suas feiras, seus festejos e seu clima agradável. No entanto, este é
apenas um ângulo de visão. Nossa pesquisa se propôs a analisar a face contraditória da cidade, ou seja,
a partir de nossa investigação percebemos e analisamos problemas urbanos de infra-estrutura, pessoas
pobres vivendo de maneira imprópria, e mesmo insalubre; bairros considerados perigosos pela opinião
“pública” por serem habitados em sua maioria por marginais e usuários de drogas; brigas entre
vizinhos, trabalhadores, prostitutas e entre parentes, que acontecem cotidianamente nas ruas, mas
principalmente em lugares de divertimento como bares, festejos, boates; violência contra populares
exercida de forma arbitrária pela polícia etc., tendo como recorte temporal as décadas de 70 e 80 do
século XX .
Assim, sem perder de vista o discurso da classe dominante, nos propomos a discutir e
problematizar como os populares se comportavam diante destas situações de conflito e se de fato eram
passivos ante as imposições feitas de cima para baixo na sociedade campinense e como se davam de
um lado as situações de resistência e de outro a adequação destes populares aos padrões ditos
burgueses. Esse trabalho se baseou em fontes orais de memória de populares que viveram nesta cidade
na época em questão e em matérias do Jornal da Paraíba do mesmo período.
Introdução
Nossa pesquisa se insere na temática de Cidades, um tema que já vem sendo
trabalhado a muito e sob diversos aspectos por historiadores, antropólogos, sociólogos,
geógrafos, urbanistas, juristas, pela medicina e outros, sendo por isto possível trabalhar de
maneira interdisciplinar. Esse tema tornou-se mais “popular” na História a partir da década de
80 do séc. XX e tem ganhado cada vez mais espaço neste século XXI. O motivo disto reside,
principalmente, no fato de que com a crise dos paradigmas iniciada nos anos 80, impulsionada
essencialmente pelos historiadores da terceira geração dos Annales, muitos trabalhos
passaram a problematizar questões novas, ou mesmo questões antigas como a cidade, mas
*
Aluna bolsista PIBIC, graduanda do curso de História, Unidade Acadêmica de História e Geografia, UFCG,
Campina Grande, PB. Email: [email protected]
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analisadas agora através de metodologias e fontes novas. Além disso, temos que a partir dos
pressupostos teóricos de Edward Palmer Thompson, aprimoraram-se as discussões sobre a
presença dos populares nas cidades e as pesquisas passaram a ser voltadas para a análise das
tensões específicas aos processos de modernização da sociedade brasileira a partir do século
XIX, especialmente em relação à vida urbana. Assim, o novo contexto intelectual, acadêmico
e universitário passou a encarar tais personagens como protagonistas da história.
Deste modo, no âmbito da História temos localmente os trabalhos de Fábio
Gutemberg, do professor Gervácio (sobre a chegada do trem à Campina Grande), do professor
Luciano Mendonça (que trabalha com conflitos urbanos em Campina Grande no séc. XIX), do
próprio professor Antônio Clarindo, que investiga os usos e representações dos lugares de
lazer em Campina Grande, os trabalhos sobre sanitarismo e práticas médicas do professor
Iranilson Burity, além dos trabalhos nacionalmente conhecidos de Sidney Chalhoub, os da
Sandra Pesavento, de Raimundo Arrais e tantos outros, que vão trabalhar a cidade como palco
de sociabilidades as mais diversas, de conflitos e contradições sociais e culturais, ou seja, a
cidade sonhada, a cidade falada, a cidade disciplinar, a cidade do progresso, do espetáculo, da
pobreza, da violência etc.
Nosso recorte espacial restringe-se à cidade de Campina Grande. O recorte temporal
que fizemos para esta pesquisa limita-se às décadas de 1970, 1980 até o ano de 1990. Esta
investigação, por possuir uma grande diversidade de sub-temas, e pela proximidade no tempo,
se utilizou basicamente das fontes impressas (jornais que circularam na cidade de Campina
Grande). Todavia, outros aspectos se apoiaram explicitamente nos depoimentos orais, por se
constituir na melhor fonte possível para este tipo de abordagem em cidades de pouca ou
nenhuma tradição de guardar a sua memória de forma escrita. Embora as diversas fontes
possam dialogar, os pesquisadores (professor e aluno envolvidos na pesquisa) não utilizaram
outras fontes além das citadas acima.
Ademais, partimos do pressuposto trabalhado por Edward Palmer Thompson, de que
produzimos uma história que proporciona o aparecimento de sujeitos vindos não só dentre os
líderes, mas dentre a maioria desconhecida do povo, trazendo a história para dentro da
comunidade e extraindo de dentro da comunidade, contribuindo para que os menos
privilegiados conquistem seu espaço nos lugares de memória, através de sua voz que aqui foi
analisada. Desta feita, nossas atenções se voltaram para personagens como feirantes, camelôs,
operários e operárias, costureiras, donas-de-casa, empregadas domésticas, prostitutas,
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trabalhadores e trabalhadoras da cidade e do comércio e moradores de bairros considerados
pela imprensa da época como entes perigosos à ordem pública.
Foi escopo deste projeto compreender as estratégias (no sentido atribuído por Michel
de Certeau) utilizadas pelas classes dominantes para submeter os populares, em especial, as
mulheres às suas regras sociais, mesmo através da violência, problematizando a idéia de que
estas permaneceram inertes diante das imposições dos que detinham o poder, em sua maioria
homens, procurando investigar e ressaltar os possíveis desvios aos costumes, enfrentamentos,
táticas e astúcias (no sentido atribuído pela obra de Michel de Certeau) de donas-de-casa,
trabalhadoras da cidade e mulheres “da vida” no cotidiano campinense, seja no espaço
familiar, do trabalho e na relação com outras pessoas, como vizinhos e parentes,
desconstruindo a idéia de total dependência e submissão das mesmas aos seus irmãos, pais e
maridos.
Além disto, investigamos que tipos de sociabilidades eram vivenciadas pelas pessoas
nos espaços destinados a diversão, a exemplo de bares, cinemas, praças, festas como o
Carnaval e mesmo locais pouco aceitos pela camada mais conservadora como os prostíbulos,
identificando que usos eram feitos destes lugares pelos populares, enfatizando situações em
que os mesmos eram vítimas e/ou agentes ativos de violência. Também procuramos
problematizar o tratamento diferenciado direcionado a ricos e pobres, mulheres e homens,
pelas autoridades administrativas e policiais. Procuramos, ademais, discutir as práticas e os
lugares que eram interditados às mulheres e aos pobres, de uma maneira geral, como forma de
autoafirmação da masculinidade e dos grupos sociais econômica e politicamente dominantes.
E ainda, analisamos as relações entre vizinhos, colegas de trabalho, e mesmo pessoas
consideradas amigas, que nem sempre eram tão amistosas, sendo que muitos destes casos de
violência eram noticiados na imprensa, tornando-se instrumento importante para nossa
pesquisa.
Também foi nossa intenção discutirmos como eram as condições de vida nos bairros
populares de Campina Grande no período entre 1970 e 1990, investigando como era a infraestrutura dos mesmos, se os locais eram salubres e as casas próprias para moradia e em caso
negativo se as pessoas pobres lutavam por mudanças neste sentido, se havia liberdade para
protestar e como se davam estas reivindicações.
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O que os jornais e as fontes orais informam sobre os populares
Para a elaboração de um texto final, optamos por proceder com uma análise temática.
Nesse sentido, escolhemos dentre os temas por nós pesquisadas e entre uma infinidade de
assuntos presentes nos periódicos pesquisados, um tema específico para estudar e escrever
sobre, pois para realizar um estudo mais escrupuloso, necessário se fazia restringir nosso
objeto de estudo ao ponto de podermos identificar minúcias como comportamentos, práticas
culturais, as contradições, incoerências, as táticas e estratégias utilizadas por determinado
grupo.
Desta maneira, selecionamos matérias que dissessem respeito à violência contra
mulheres e situações em que elas “revidavam” essa violência, fosse ela verbal, física,
psicológica etc., e a partir disto, buscamos analisar o discurso promovido pelo jornal em
relação a este tipo de prática, situando-o no contexto da época. Ademais, investigamos e
analisamos as regras sociais que eram impostas às mulheres populares, procurando problematizar os
possíveis desvios aos costumes, enfrentamentos, táticas e astúcias de costureiras, donas-de-casa,
empregadas domésticas, prostitutas, entre outras, no espaço familiar, do trabalho e da cidade como um
todo. Investigamos que tipos de sociabilidades eram vivenciadas por elas nos espaços destinados a
diversão, como bares, praças, cinemas, festas como o Carnaval e prostíbulos, identificando situações
em que as mesmas eram vítimas e/ou agentes ativos de violência envolvendo autoridades e outros
populares. Além disso, buscamos explorar como a mulher campinense trabalhava, seja dentro de casa
e/ou fora do ambiente doméstico.
Percebemos, a partir de nosso trabalho, que o jornal possui uma linguagem peculiar,
principalmente quando se trata de assuntos envolvendo violência. Quando conversamos com
as pessoas hoje sobre como era a violência nas décadas de 70 e 80, há unanimidade em dizer
que tudo era muito tranquilo, que as pessoas circulavam livremente pela cidade, portando seus
bens, sem medo de sofrerem algum atentado, assalto ou algo semelhante. Por outro lado,
vemos que nos jornais concernentes à mesma época, a violência era algo bastante presente,
não na proporção que temos hodiernamente, porém não há que se falar em ausência de
conflitos, assaltos, mortes, estupros, espancamentos etc. Ademais, observamos que no jornal
pesquisado há certa ênfase nos casos envolvendo populares, isto é, pessoas do povo, o que nos
leva a imaginar que a violência que se tinha à época, era colocada, assim como hoje, como
algo relativo ao pobre, aquele morador das favelas ou dos bairros da periferia. Essa hipótese
foi levantada, justamente por causa da marcante recorrência de matérias envolvendo
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populares em situações não amistosas e a notável ausência de artigos que tratem de violência
envolvendo pessoas de camadas sociais mais abastadas.
Com isso vemos que havia certa seleção de casos a serem explorados pela mídia, ou
seja, aqueles que trariam maior repercussão e consequentemente tornariam a vendagem do
jornal mais lucrativa. Além disto, ao analisarmos a linguagem utilizada em muitas matérias do
Jornal da Paraíba, percebemos que há uma preocupação em manter certa aproximação com o
leitor1 através do emprego de termos presentes no cotidiano das pessoas, abstendo-se de uma
linguagem formal, em muitos casos, até mesmo para causar mais impacto ao relatar o
ocorrido. Esta característica aparece, na maioria das vezes, na manchete das matérias, o que
confirma nossa hipótese de que este apelo por uma linguagem coloquial tem como maior
objetivo atrair o leitor.
Sobre isto temos que:
... essa linguagem, fartamente adotada também pelas pessoas cultas em suas
conversações diárias, tem demonstrado aos estudiosos, cada vez mais, seu
caráter expressivo e, por isso, muitas vezes, um vocábulo gírio, uma
expressão popular nos surpreende sob o ponto de vista comunicativo e se
torna, em certos contextos, a melhor forma de expressar algumas idéias [...].
(DIAS, 1996:15-16)
E, ainda,
escândalo, no sentido
de exposição chocante de fatos, coisas,
acontecimentos e idéias, é um instrumento básico do sensacionalismo.
Trata-se de expor o que é oculto ou proibido, ou extremar o que é vulgar e
corriqueiro, para emocionar além dos graus normais da tensão psicológica
em que se vive. (BARROS, 1969:74)
Vejamos agora alguns exemplos de manchetes do JP que fazem este tipo de jogo de
palavras e sentidos, ora para enfatizar a violência, ora para supostamente facilitar o
entendimento ou uma aproximação com o leitor popular através de uma linguagem
marcadamente coloquial:
“Mulher atingida com um balaço na perna” (JP, 22/02/1976: 7)
“Banhada em sangue mulher recorre à Polícia” (JP, 16/03/1976: 7)
“Deu carinho e recebeu bofetões do esposo” (JP, 16/09/1976: 9)
1
Campilongo afirma que: Não se pode ignorar, também, que uma das formas mais sutis e perigosas de violação
de direitos reside na linguagem. A condenação do estilo “chulo” e “popularesco” [...] é reveladora de grande
preconceito. Impedir o acesso do leitor a essa forma de jornalismo por razões estilísticas, significa discriminar
e excluir do direito à informação uma expressiva parcela da população.
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“Esborrachou a cara de uma mulher, no B. Meretrício” (JP, 18/06/1977: 10)
Ademais, afirma CHALHOUB (2001: 41), “cada história recuperada através dos
jornais [...] é uma encruzilhada de muitas lutas: das lutas de classe na sociedade, lutas estas
que se revelam na tentativa sistemática da imprensa em estigmatizar os padrões
comportamentais dos populares – estes “brutos”!”. Vemos a partir da fala deste autor que a
linguagem jornalística cria estereótipos sociais, pois que acaba por associar a violência e o
gosto por ela aos populares, pessoas de nível educacional “inferior”, como se fosse algo
inerente ao pobre e somente a ele o envolvimento recorrente em situações não amistosas.
Assim, atribui-se ao povo o desejo, a ânsia pela violência, e ao jornal o papel de satisfazer
este desejo quase que natural desta classe. Enfim, o bordão que se adota neste tipo de discurso
é “dar ao povo aquilo que ele quer”.
Quando se fala sobre a violência contra a mulher, vemos que isto se tornou algo
corriqueiro ao longo dos séculos, ou seja, era como se o homem tivesse o direito natural de
domínio sobre a mulher, daí achar-se na condição legal de violentá-la. Desta feita, esta foi
uma prática que persistiu mesmo em finais do século XX e tem se prolongado no século XXI,
apesar das diversas políticas públicas de combate a violência doméstica e das novas leis de
proteção à mulher. Nossas entrevistadas foram unânimes em dizer: “Mulher sempre foi
espancada por marido”. Enfim, quando o jornal afirma que uma mulher não tinha tendência
para apanhar, diz de forma implícita que havia aquelas mulheres que tendiam a ser agredidas
por sua fragilidade e até passividade em relação ao sexo masculino, mas também aquelas que
se rebelavam, por não aceitarem a agressão. Desta maneira, fica claro que mesmo dentro de
uma sociedade machista, na qual os homens sentem-se superiores às mulheres e onde muitas
destas aceitavam esta posição havia aquelas que não aceitavam este tipo de dominação e
tentavam de alguma forma desviar-se disto.
Um grave problema enfrentado pelas mulheres daquela época era o fato de não haver
uma delegacia especializada para a mulher. Ela tinha de fazer a denúncia perante um homem,
que por mais que tentasse ser neutro, estava com a consciência impregnada de preconceitos e
ideias machistas, características da própria sociedade em que estava inserido e o caso acabava
sendo resolvido de forma amigável entre agressor e delegado, afinal “eles se entendiam.”.
Veja o que diz uma de nossas entrevistadas sobre isto:
... nunca existia aquele estímulo de dizer, denuncie!, porque uma mulher
quando chegava numa delegacia né, pra, pra reclamar de uma coisa dessa
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até, era motivo de risada dos policiais rirem dela né, porque apanhou, “não
vá pra casa quando ele lhe der um cheiro passa” entendeu, então isso
existia já na época, isso aí sempre existiu e muito né, mas só que antes
ninguém denunciava com medo né...
Um fato interessante e que resulta destes estudos, é que existe certa predisposição dos
pobres em chamarem a polícia ou registrarem queixa quando as agressões ocorrem, disto
decorre o motivo para tantos casos aparecerem na página policial envolvendo esta classe,
enquanto que os pertencentes às classes médias e altas, por quererem manter as aparências,
abstêm-se de fazer acusações por vergonha e medo de serem reconhecidos publicamente, o
que reforça a imagem ilusória de que os lares de pessoas ricas são absolutamente tranquilos,
enquanto que o ambiente familiar do pobre é marcado pela violência.
Assim, era como se o conceito de violência só pudesse ser utilizado para o popular, e
mesmo que uma pessoa tivesse práticas agressivas, mas fosse de família de condição mais
favorecida, esta acabava utilizando-se de seus privilégios sociais para fugir das consequências
de suas atitudes ou as praticava às ocultas para não causar escândalo no meio social em que
vivia ou, ainda, se realizasse a agressão e esta viesse à tona, a explicação seria a de que tal
atitude agressiva resultou de um momento de forte emoção, ou seja, não fazia parte de sua
personalidade.
Portanto, a violência doméstica estava presente tanto nas famílias mais abastadas,
quanto nas menos favorecidas, porém a maior diferença era a maneira como as classes ricas
utilizavam-se de seu status para que suas práticas não viessem a público. A própria mídia não
trazia a lume este tipo de reportagem envolvendo violência entre os endinheirados, enquanto
que os casos envolvendo populares, na maioria das vezes, era noticiado, para mostrar que a
barbárie, a criminalidade é cometida por quem está à margem da sociedade, como se quem
não mora no subúrbio não cometesse crimes.
Considerações finais
Foram muitas as conclusões a que chegamos a partir de nossa pesquisa e que o espaço
deste artigo não comporta mencionar, mas o que extraímos de mais importante de ambos os
estudos, tanto no que se refere aos jornais, quanto à análise das entrevistas, dentro da temática
escolhida para a elaboração deste texto, é que encontramos na sociedade campinense entre as
décadas de 70 e 80 do século XX, mulheres que foram violentadas, que sofreram
preconceitos, que foram abandonadas pelo marido, mas que independente de todas as
limitações buscaram táticas para tentar burlar padrões, normas comportamentais e para usar
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espaços da cidade de forma democrática. Encontramos aquelas que lutaram para trabalhar,
que casaram, que se separaram, que se divertiram, que amaram, que não foram submissas,
enfim, foram mulheres.
Por fim, vimos nas fontes pesquisadas um meio bastante rico para compreensão dos
populares na cidade de Campina Grande, sua maneira de viver e de lidar com as situações do
dia a dia, sua forma de ver o mundo e de representá-lo. Enfim, concluímos que a linguagem
jornalística é bastante peculiar e no que se refere ao tema violência é bastante singular sua
forma de veicular noticias, principalmente quando os personagens das manchetes eram
pessoas do povo, pertencentes a bairros de pouco prestígio social.
Quanto aos depoimentos orais de populares, estes nos mostraram uma miríade de
compreensões e de significações e ressignificações que as pessoas fazem, ao longo do tempo
dos espaços, dos territórios, do trabalho, das formas de diversão, das instituições como a
família, o governo etc, especificidades estas que não ficam tão claras nos periódicos, mas que
no discurso destes populares perdem o caráter homogêneo criado por uma classe dominante e
apresentam-se de forma homogênea, com múltiplas possibilidades de análise.
Referências Bibliográficas
BARROS, B. Ferri de. Moral e sensacionalismo. In: MELO, J. Marques de. (org.). Jornalismo
sensacionalista. São Paulo, 1972.
CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de
Janeiro da belle époque. Campinas: Editora da Unicamp, 2001.
DIAS, Ana Rosa Ferreira. O discurso da violência – as marcas da oralidade no jornalismo
popular. São Paulo: EDUC/Cortez, 1996.
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REDES SOCIAIS E POLÍTICAS NA POVOAÇÃO DO BOM SUCESSO
DO PIANCÓ-PB, SÉCULO XVIII
Baíza Faustino Soares1
Resumo: Este trabalho advém do projeto de pesquisa PIBIC/CNPq/UFCG intitulado
“Procurações, libelos, escrivães e nobres da terra: a dinâmica da administração no sertão do
Rio Piranhas, Capitania da Parahiba do Norte (1725-1750)”, coordenado pelo prof. Dr.
Rodrigo Ceballos. O projeto visa proporcionar um novo olhar sobre a dinâmica social e
administrativa estabelecidas no sertão da Capitania da Paraíba ao longo da primeira metade do
século XVIII. Nesta perspectiva de análise, tomo como base o caso do Alferes Thomas Denis
da Penha, morador no sítio de Santa Lucia na Ribeira do Sabugi que deixou seus bens a
herdeiros legítimos. Por meio de fontes cartoriais, apresento algumas relações parentais
estabelecidas na jurisdição da Povoação de Nossa Senhora do Bom Sucesso do Piancó (atual
cidade de Pombal), na Capitania da Parahiba do Norte, para demonstrar a importância das
redes familiares e de compadrio como mecanismos cristalizadores de uma organização
política local e de manutenção de espaços de poder.
Palavras-Chave: Paraíba Colonial; Alto Sertão; Redes Parentais; Sesmarias.
No decorrer do século XVIII, o sertão e o trato de gado levaram muitas pessoas a
adentrar pelas ribeiras do Rio Piranhas. O sertão passou a ser um lugar de oportunidade
econômica para aqueles que não conseguiram se estabelecer e criar redes de compadrio no
litoral. O sertão, portanto, tornou-se um lugar economicamente interessante e valoroso, pois
representava uma possível transformação de condições sociais. Ao longo dos oitocentos,
passaram a chegar famílias que buscavam terras para morar e criar seus gados, com a
finalidade de alcançar melhores condições de vida, neste espaço chamado de sertão até então
desconhecido e habitado pelo gentio.
De acordo com Ana Paula da Cruz de Morais (2011), o sertão de Piranhas, além de ter
uma cultura econômica baseada na criação de gados, também podia se tornou um lugar de
fuga, de desejos, de confrontos, de arranjos e rearranjos políticos e econômicos.
Durante o processo de conquista e manutenção dos novos territórios adquiridos, a
Coroa Portuguesa buscou ao máximo conservar o seu controle político e administrativo sobre
a colônia: tanto nas grandes povoações do litoral, assim como nas povoações dos sertões. Não
se pode desconsiderar o fato da existência de fortes laços entre as elites locais e os
representantes reais. Para tanto, a metrópole utilizava-se de setores do seu corpo de poder.
1
Aluna do Curso de Licenciatura em História, Unidade Acadêmica de Ciências Sociais, UFCG/CFP (Campus de
Cajazeiras), Campina Grande, PB, E-mail: [email protected]. Pesquisadora PIBIC/CNPq/UFCG no projeto
intitulado: PROCURAÇÕES, LIBELOS, ESCRIVÃES E NOBRES DA TERRA: a dinâmica da administração no sertão do
Rio Piranhas, Capitania da Parahiba do Norte (1725-1750). Coordenado pelo prof. Dr. Rodrigo Ceballos.
349
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No caso dos sertões da Paraíba foram identificados na documentação 2 os seguintes
cargos militares e administrativos: juiz, tabelião, escrivão, capitão mor, sargento mor, alferes,
mestre de campo e testamenteiro. Mesmo sendo os representantes reais, muitas vezes esses
senhores se encontravam inseridos dentro das teias clientelares que envolviam esta sociedade
sertaneja. A formação das redes familiares e de compadrio era uma das principais vias de se
burlar o controle da Coroa. Este mecanismo presente no Brasil colonial se tornou uma via de
sustentação do arranjo político local e de conservação de seus domínios (FRAGOSO, 2001).
Partindo desta concepção buscamos analisar nesta pesquisa o papel desempenhado
pelo Alferes Thomas Denis da Penha, homem solteiro, morador no sítio de Santa Lucia na
Ribeira do Sabugi sob a jurisdição da Povoação de Nossa Senhora do Bom Sucesso, no ano
nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo3 de 1740. Por meio deste caso particular e
excepcional, buscamos entender como nesta sociedade sertaneja poderiam estabelecer-se
alianças familiares e de compadrio para obtenção/manutenção de vantagens locais.
As redes familiares se formaram e consolidaram seus laços de compadrio na
organização política local ao longo do século XVIII. Desde o período de conquista e ocupação
essas alianças foram montadas como um negócio de família a fim de garantir sua permanência
no controle do poderio local.
2
As fontes analisadas aqui são provenientes dos “Livros de Notas” localizados no Cartório I Ofício João
Queiroga na cidade de Pombal – PB no Oitocentos.
3
Esta é a grafia utilizada no século XVIII.
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Jurisdição da Povoação de Nossa Senhora do Bom Sucesso do Piancó. (apud SARMENTO, 2007, p. 63)
De acordo com Serioja Mariano, a família é uma instituição social baseada em laços
matrimoniais e de sangue cujas “(...) alianças entre os proprietários de terra, se efetivavam
pelo casamento ou herança, e a riqueza se constituía em um forte fator para a associação.”
(MARIANO, 2011: 13). A autora analisa a dinâmica da política na Paraíba relacionando a
atuação das elites regionais e suas conexões no século XIX, mas para tanto se remete ao final
do século XVII e início do século XVIII para reforçar que foram nestes períodos que as redes
familiares e suas alianças de compadrio começaram a serem montadas.
As elites locais eram produto das práticas e instituições e estiveram presentes na
conquista, na administração real e na Câmara Municipal (FRAGOSO, 2001). O casamento foi
o principal mecanismo utilizado por essas famílias para a manutenção de seu status quo; a
política matrimonial voltou-se para casamentos com seus parceiros sociais para facilitar as
alianças políticas. Isso acarretou a instauração de bandos4 dentro de uma sociedade sertaneja
em formação.
O casamento também se caracteriza como sendo uma estratégia para a manutenção de
cabedais dentro da mesma família. Podemos perceber este arranjo parental em uma
importante família baiana: a fuga de Isabel d’Ávila tornou-se um verdadeiro escândalo
público para a época, pois Isabel era herdeira de uma das maiores fortunas da Bahia
(PESSOA, 2008).
A Casa da Torre5 governada pela família D’Ávila se tornou a maior proprietária de
terras das Capitanias do Norte (atuais estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e
Pernambuco). Os d’Ávila foram os primeiros a abrir caminho na conquista dos sertões da
Paraíba ocupando as terras do Piancó, Piranhas e Rio do Peixe, na Capitania da Parahiba do
Norte, a partir de 1664. (SEIXAS, 2004).
4
O conceito de bandos é utilizado para denominar diferentes grupos políticos comandados por famílias da
nobreza da terra. O mercado e os mecanismos de acumulação de riqueza da nobreza da terra se orientam no
domínio sobre a República e na manutenção da sua qualidade em meio a uma hierarquia social cuidadosa de suas
diferenças. A história da República no seiscentos foi marcada por conflitos ente os diferentes bandos de nobres
pelo poder (FRAGOSO, 2001).
5
Garcia d’Ávila, o fundador da Casa da Torre, chegou à colônia juntamente com o primeiro Governador-Geral
Tomé de Souza em 1549 e participou da fundação de Salvador. Devido aos privilégios que o governador
consentia a família D’Ávila, alguns historiadores dizem que Garcia era filho bastardo de Tomé de Souza,
entretanto não passar de uma suposição, já que este fato não foi confirmado. (PESSOA, 2008).
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Com o intuito de que os seus pedidos de sesmarias6 fossem aceitos pela Coroa
portuguesa, os D’Ávila bem como outros conquistadores promoveram batalhas militares em
favor de Portugal, como na expulsão holandesa e na guerra contra o gentio. Esses
desbravadores se envolviam em combates com a intenção de virem a barganhar favores com a
Coroa, declarando terem prestado seus serviços ao rei, recorriam ao Governo português e por
meio de seus argumentos tentavam induzi-lo a conceder-lhes benefícios. Foi por meio destes
desbravadores – que se empenharam em conquistas e ocupações do território – que se deu o
início ao efetivo processo de conquista e colonização do sertão a serviço da Coroa portuguesa.
O coronel Francisco Dias d’Ávila comondava a Casa da Torre e administrava os bens
da família no ano de 1678, já era um homem de idade e ainda se encontrava solteiro. A
família naquele momento preocupava-se com o casamento das jovens herdeiras, pois não
queriam dividir o seu cabedal, e por meio do casamento almejavam estreitar laços com outras
famílias importantes. Mais relevante que os desejos de afeto, o casamento significava a
garantia da preservação da Casa e as alianças de poder com outras famílias da elite local.
No momento de sua fuga, Isabel tinha menos de 25 anos e estava destinada a um
casamento sob escolha dos pais; uma união sem afeto com seu tio, o coronel Francisco Dias
d’Ávila. O casamento era um negócio, um dever para as gerações anteriores e futuras da
família com o intuito de manter a fortuna e o prestigio da família. Tais casamentos montavam
redes de poder familiar e o direito de sucessão dos bens implicava na manutenção e ampliação
desse mesmo poder. Romper com esses ditames comprometia não apenas o patrimônio, mas
também a respeitabilidade da família (PESSOA, 2008). Dessa forma, sua fuga com Manuel
Pais da Costa, um indivíduo de poucas posses, colocou em xeque o patrimônio e a moral da
Casa da Torre.
No período colonial, principalmente com o intuito de preservar e ampliar esse
patrimônio,
era exercido um rígido controle sobre o casamento dos filhos,
condição essencial para garantir a composição e partilha de bens,
evitando sua fragmentação e visando a sua ampliação, unindo famílias
de grande fortuna, honra e posição. (PESSOA, 2008: 7).
A família Dias d’Ávila fez o possível para anular o casamento de Isabel. Certamente,
caso a união matrimonial fosse anulada, a jovem seria mandada para um convento, fato que
6
Sesmarias eram concessões de terra feitas a particulares, mas a posse da propriedade continuava sendo do Rei.
Cada colono deveria tornar a terra produtiva fosse pelo cultivo da cana-de-açúcar, gêneros alimentícios ou com a
criação do gado. (ROLIM, 2012).
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restituiria a honra da família. Entretanto, como o casamento não foi anulado na justiça se
adotou a deserdação de Isabel e de seus futuros descendentes.
Rotas de penetração do litoral ao Sertão das Piranhas e Piancó. (apud SARMENTO, 2007, p. 58)
Em contrapartida ao trágico desfecho da fuga de Isabel d’Ávila, temos na ribeira do
Sabugi o caso do alferes Thomas Denis da Penha, homem solteiro, detentor de terras e
possuidor de bens, que deixou sua herança a herdeiros ilegítimos7, já que o mesmo não se
casou seguindo os ditames da Igreja. Em ambos os casos podemos perceber que as relações de
afeto prevaleceram, mesmo tendo em vista a importância do compromisso que o casamento
representava nesta sociedade formada aos moldes do Antigo Regime. Isabel d’Ávila e o
alferes Thomas Denis da Penha optaram por viver suas respectivas relações de afeto, ao invés
de dar continuidade às tradições familiares.
Vale ressaltar a preocupação de Thomas Denis da Penha em deixar em notas do
tabelião a sua “doação de esmollas”, “visto não poderem serem os herdeiros em morte”8
7
Utilizamos aqui o conceito de herdeiros ilegítimos tomando por base que o dito alferes Thomas Denis da Penha
não teve seus filhos dentro da instituição do sagrado casamento estipulado pela Igreja.
8
Cartório I Ofício João Queiroga. Livro de Notas de 1740/42. “Papeis lançados nesta notta a requeren to do
Alferes Thomas Denis da Penha”, fl. 10.
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Percebemos aqui o desejo de um pai em deixar seus bens aos seus três filhos “meninos
baptizados por meus filhos Joanna[,] Micaella e Thomas filhos da parda Jeronima da Cunha”9.
O alferes Thomas Denis da Penha não é casado, contudo teve três filhos com a mesma
parda Jeronima da Cunha10, provavelmente descendente de escravos; fato que nos leva a
acreditar que mesmo não havendo a união religiosa por meio do casamento o alferes possuía
uma união afetiva com esta mulher. A documentação não nos revela a idade dos três filhos,
fato que nos impossibilita de estipular o quão duradoura poderia ter sido a relação entre o
alferes e a parda.
A considerável herança deixada pelo alferes a seus filhos nos leva a acreditar que ele
era uma importante figura na sua localidade, já que além das terras, também possuía gado,
cavalos e escravos. O alferes representava, portanto, um destacado papel dentro desta
sociedade sertaneja. Na doação consta entre seus bens imóveis o de “hum citio de terras
chamado Raposas na Ribeira do Seridó”
11
, bem como mais uma sesmaria de localização
indefinida na documentação.
Entretanto, em 1741 o capitão Geraldo Ferreira Neves faz uma doação para suas
sobrinhas Antonia e Maria, filhas de seu irmão, “de hum citio de terras de criar gados
chamado Santo Antonio citio na ribeira do rio Capauã”.
12
Por coincidência para minha
pesquisa, a largura voltada ao oriente do dito sítio fazia fronteira com as terras do alferes
Thomas Denis da Penha. Consideramos que a sesmaria deixada pelo alferes, cuja localização
não consta na fonte, sejam estas terras localizadas na proximidade da ribeira do rio Capauã.
9
Cartório I Ofício João Queiroga. Livro de Notas de 1740/42. “Papeis lançados nesta notta a requeren to do
Alferes Thomas Denis da Penha”, fl. 10.
10
A fonte não faz referência do lugar social à qual pertencia Jeronima da Cunha, apenas especifica que ela é a
mãe dos três filhos do alferes.
11
Cartório I Ofício João Queiroga. Livro de Notas de 1740/42. “Papeis lançados nesta notta a requerento do
Alferes Thomas Denis da Penha”, fl. 8.
12
Cartório I Ofício João Queiroga. Livro de Notas de 1740/42. “Escriptura de doação que faz o capitão Geraldo
Ferreira Neves as suas sobrinhas Antonia e Maria filhas de seo irmão Luis Ferreira das Neves de hum citio de
terras de criar gados chamado Santo Anto na Ribeira do rio Capauã”, fl. 66.
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Mapa aproximado da hidrografia do sertão paraibano no século XVIII. (apud CRUZ, 2011, p. 30)
A má conservação do documento não nos possibilita saber ao certo todos os bens
deixados pelos alferes, mas a fonte nos dá uma dimensão da sua considerável fortuna deixada
aos seus filhos, “lhes faço senhores da dita esmolla pelo amor de Deus lhes faço por esta ser
minha ultima vontade e não ter outros herdeiros por ser solteiro livre” 13.
esta he minha vontade e por conhecer a saber serem meus filhos asim
mais [deixo] a minha filha Joanna duas egoas e huma duzia de vacas
13
Cartório I Ofício João Queiroga. Livro de Notas de 1740/42. “Papeis lançados nesta notta a requeren to do
Alferes Thomas Denis da Penha”, fl. 10v.
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para ajuda de seo dotte e a Micaella uma egoa e mais duzia de vacas e
a Thomas huma egoa [e] mais duzia de vacas.14
Acreditamos que pelo fato de Jeronima ser uma “parda”, ou seja, ser uma mulher de
cor, de alguma forma foi impossibilitado o casamento entre eles. Contudo, mesmo sem a
benção da Igreja, o alferes não deixa seus filhos desamparados. No caso de sua morte ele
nomeia procuradores para cuidarem dos interesses de seus filhos.
Que este dia estando em meu juizo perfeito sem contradição nem
obrigação de pose algua se não por minha vontade livre e
dezempedida faço lhe a elles esmola pelo amor de Deus amor visto
não poderem serem os herdeiros em morte lhe faso a elles esmola 15
Os procuradores deveriam a partir da renda do sítio manter a alimentação das
crianças16, bem como buscar uma ama para cuidar de seus filhos, caso lhes faltasse criação.
Consideramos aqui que a falta de criação deva ser da ausência da mãe das crianças. O teor do
documento no leva acreditar que todos os três filhos do alferes ainda são menores de idade, já
que os menos necessitam da presença de uma ama e de procuradores para administrarem seus
bens.
A mais velha, Joanna – receptora do dote –, foi incumbida de cuidar dos mais novos.
Aos procuradores foi dada a tarefa de ficarem responsáveis pelas crianças. Caso Joanna não
viesse a se casar, o seu dote viria a ser repartido entre os seus irmãos.
Podemos perceber por meio da fonte que a filha mais velha era Joanna, já que a
mesma recebeu um maior número de bens moveis que os outros dois irmãos. O excedente de
benefícios se explica devido à necessidade de um dote para que Joanna pudesse casar. Quando
mais valioso for o dote maior será a possibilidade de a moça conseguir um bom casamento
com um homem de prestigio social.
De acordo com Fragoso (2011) a elite senhorial da sociedade colonial no Rio de
Janeiro teve sua origem nos conquistadores e primeiros povoadores, que serviram ao rei se
tornando funcionários régios e camaristas. Estes por meio de seus cargos e redes de alianças
construíram engenhos e formaram a nova sociedade nos trópicos. Essa nobreza da terra de
14
Cartório I Ofício João Queiroga. Livro de Notas de 1740/42. “Papeis lançados nesta notta a requeren to do
Alferes Thomas Denis da Penha”, fl. 10.
15
Cartório I Ofício João Queiroga. Livro de Notas de 1740/42. “Papeis lançados nesta notta a requeren to do
Alferes Thomas Denis da Penha”, fl. 10.
16
Não identificamos no documento a idade de cada um dos filhos do alferes Thomas Denis da Penha. Utilizamos
crianças para se referir aos filhos do alferes, por este ainda precisarem da presença de uma ama.
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origem pobre tanto social como econômica transformaram se nas melhores famílias da terra
no Rio de Janeiro.
Os casamentos passaram a ser usados como um mecanismo de garantia da hegemonia
da nobreza da terra sobre a sociedade colonial. E a partir dos dotes pode-se perceber o
movimento da riqueza colonial, pois por meio dos casamentos ocorriam os vínculos entre as
famílias que se caracterizava na transferência de cabedais.
Concluímos que os laços familiares se estabelecem mesmo sem a presença do
mecanismo do casamento. O alferes era homem com propriedades e bens que não buscou pro
meio dos laços matrimoniais ampliar ainda mais seu poder e sua fortuna. Viveu sua vida com
mulher “parda” que não possuía bens e títulos, com ela teve três filhos para os quais deixou
como herança seus bens, e mesmo com sua morte deixa procuradores para cuidarem do bem
estar de seus filhos e não lhes deixar faltar nada. O alferes teve o cuidado de registrar em
notas do tabelião a sua livre vontade para que esta fosse cumprida sem contestação alguma.
Para além dos laços afetivos, inquietação do alferes Thomas Denis da Penha em deixar
em notas do tabelião sua doação a seus filhos, também mostra a importância de salvaguarda a
futura participação de seus três herdeiros dentro deste arranjo político e econômico nesta
sociedade sertaneja em formação no século XVIII. Ao tornar seus filhos detentores de bens, o
alferes esta ao mesmo tempo abrindo um espaço para que seus filhos venham a fazer parte de
uma rede clientelar.
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requerento do Alferes Thomas Denis da Penha”, fls. 8, 8v, 9, 9v, 10 e 10v.
NAS TRAMAS DO PODER: CANTO ORFEÔNICO COMO
LEGITIMADOR DO ESTADO NOVO NA PARAÍBA
Bruna Victor dos Santos Silva*
Márcio Justino dos Anjos Silva**
O período que compreende as décadas de 1930 e 1945 vem recebendo diferentes
abordagens, que levantam vários questionamentos acerca da identidade, política, repressão,
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cultura, economia, entre outros, como tentativa de melhor analisar o funcionamento social e
humano deste momento. Todavia, os discursos em torno das relações existentes entre Estado e
sociedade, apresentam-se aqui como foco central deste trabalho. A partir desta perspectiva,
tentarei avaliar a difusão e o envolvimento histórico do Canto Orfeônico1 na Era Vargas,
contextualizando, mesmo que de modo sucinto, a estrutura social daquele período, salientando
o seu aspecto político, bem como o projeto ideológico e autoritário, no qual insere-se a
educação e a implantação do ensino da música nas escolas.
Sendo assim, de acordo com a historiografia, a vitória do movimento revolucionário
de Outubro de 1930, mostra-se como o marco do período conhecido como “República Nova”
ou “Segunda República”. A partir daí inicia-se o período da formação de um Estado Nacional
unificado e coeso, que tinha como objetivo difundir uma ideologia nacionalista, ao mesmo
tempo em que procurava construir uma idéia de nação que influenciasse a sociedade
brasileira.
Dentro deste contexto surge o Canto Orfeônico enquanto disciplina, atendo ao mesmo
objetivo de outrora na França, lugar de sua origem, “teria sido usado com a função de elevar o
nível moral e artístico da população, ou “civilizar” grandes contingentes da massa popular, o
que seria permitido por estar inserido no sistema público de educação” (LISBOA, 2005:58).
No Brasil suas primeiras manifestações datam do inicio do século XX, introduzido deste
modo no advento da República apesar desta modalidade de ensino ter encontrado em VillaLobos sua consolidação, na década de 1930.
Porém, vale ressaltar que as primeiras manifestações de música nos currículos
escolares no Brasil, foram constatadas desde meados do século XIX, quando a mesma foi
incluída no ensino por meio do Decreto Federal n. 331A, de 17 de novembro de 1854. “O
referido documento estipulou a presença do ensino de ‘noções de música’ e ‘exercícios de
canto’ em escolas primárias (que abordavam o ensino de 1º e de 2º graus) e Normais
(magistério)” (LISBOA, 2005:67). Entretanto, nesse período compreendido entre os últimos
anos imperiais e o advento da República, a música era ministrada apenas nos
estabelecimentos particulares, estando ligada sempre a missões religiosas, que a posteriori
também atingiu a escola pública regular, atuando como atividade de ocupação e recreação
entre os intervalos das demais disciplinas, e não se constituindo como disciplina autônoma.
*
Universidade Estadual da Paraíba. Graduanda.
Universidade Estadual da Paraíba. Graduando.
1
Segundo Lisboa, o Canto Orfeônico é uma modalidade de canto coletivo que teve a função de elevar o nível
moral e artístico da população.
359
**
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Foi durante as décadas de 1910 e 1920, que as primeiras manifestações de um ensino
caracterizado como canto orfeônico, puderam ser observadas no Brasil. Este canto “foi
utilizado com o objetivo de atuar na escola pública com a função de pedagogização e de
popularização do saber musical, por meio da alfabetização musical da população inserida no
sistema público de educação” (LISBOA, 2005:68). O repertório baseava-se em melodias
folclóricas infantis, hinos e canções de caráter cívico e patriótico, objetivando transmitir
valores morais e determinados padrões de repertório musical, assim como ocorreu, a priori, na
França.
Contudo, o principal objetivo da disciplina era,
Elevar e civilizar o gosto artístico da população, processo a ser iniciado
ainda na infância, em detrimento da música dita “popularesca”, que
constituía o padrão de escuta difundido no meio popular e, assim, associado
às classes baixas e suas respectivas maneiras “bárbaras” de
comportamento. (LISBOA, 2005:70)
A partir desta citação percebe-se claramente que a questão relacionada a “civilização
dos costumes” também esteve fortemente embutida no desenvolvimento da prática orfeônica
no Brasil. Todavia, dentro deste contexto em que o Brasil caracterizou-se pela suplantação do
sistema monárquico, dava-se início a idéia de nação brasileira que seria concretizada
lentamente, entrando em cena os ideais de nacionalismo e patriotismo, nos quais inseriam-se
também os ideais da nova escola. Além disso, o canto encontrou um solo propício para seu
desenvolvimento no Brasil, já que se associava aos ideais nacionalistas, patrióticos,
educacionais e também “civilizadores”, seguindo os padrões morais estabelecidos pela
nascente burguesia brasileira e ligados as causas nacionalistas.
Entretanto, esses objetivos ampliaram-se ainda mais a partir da década de 1930, com a
ascensão de Getúlio Vargas ao poder, bem como suas novas configurações de ordem sóciopolítico-econômica que tomaram forma no Brasil. Iniciou-se ainda nesse período uma maior
centralização de poder e, consequentemente, a construção do Estado Nacional brasileiro,
estando este fortemente ligado a ideologia nacionalista e aos ideais de patriotismo, mas esta
será uma discussão abordada a posteriori.
Por outro lado no que tange as diretrizes educacionais da Escola Nova 2, estas
assumiram influência em âmbito nacional, uma vez a partir de 1930 foram criados o
Ministério da Educação e Saúde Pública e o Conselho Nacional de Educação, sendo todos
2
Movimento de renovação escolar que defendia a universalização da escola pública, laica e gratuita.
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esses aspectos direcionados à maior popularização da educação pública. A partir dessa
perspectiva, surgiram no Brasil, dentro de uma política centralizadora, nacionalista e com os
primeiros traços populistas, os movimentos e mobilizações de massa, estando Villa-Lobos
inserido nesse contexto com desenvolvimento do seu projeto de canto orfeônico.
Embora este compositor em seus textos a respeito do canto orfeônico, faça referência a
este projeto como pioneiro no Brasil, e fruto de uma idéia sua, o que se percebe é que essas
ideias e suas respectivas diretrizes já haviam sido “importadas” e postas em prática no país
ainda no início do século XX. Sendo assim, Villa-Lobos, a partir de 1930, teria recebido toda
uma estrutura pronta que já havia passado pelo lento processo de implantação e oficialização,
e o componente curricular “canto orfeônico”, precedida pela disciplina “música”, só teve seu
reconhecimento legal neste mesmo ano, assim como a criação oficial do título “professor de
canto orfeônico”.
Contudo o projeto orfeônico desenvolvido por Heitor Villa-Lobos (1887-1959) foi
adotado oficialmente no ensino público brasileiro, no Distrito Federal, a partir do ano de
1932. A implantação desse projeto foi realizada por meio do Decreto nº 19.890, assinado pelo
então presidente Getúlio Vargas, em 18 de abril do referido ano, que tornou assim o Canto
Orfeônico, uma disciplina obrigatória nos currículos escolares nacionais ao longo de três
décadas (1930, 1940 e 1950). Neste período o músico também criou um conservatório, o
Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, para formação de professores especializados.
Durante o Estado Novo a educação desempenhava um importante papel, residindo
nela, “a possibilidade e o controle da elite dominante e da massa dominada, grupos apontados
como os responsáveis pela paz e coesão social” (ALMEIDA, 1998:2). Desta forma, a
educação funcionaria como reprodutora da ideologia do Estado Novo, cabendo a esta
solucionar os problemas nacionais, recuperando-a desta forma como um veículo de
transmissão do nacionalismo.
Sendo assim, na tentativa de melhor analisar o Canto Orfeônico enquanto contribuinte
da Cultura Política Varguista, procuraremos enquadrá-lo na perspectiva da Nova História
Política, uma vez que esta deixou de lado os estudos relacionados apenas ao Estado, para dar
lugar ao estudo das relações de poder, sendo estes imaginários, representações, memórias,
teatralização, mitologias, simbologias, práticas discursivas, ou seja, os conceitos que estão
associados ao poder, e passou a ser, “Uma ‘História vista de Baixo’, ora preocupada com as
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grandes massas autônomas, ora preocupada com o ‘individuo comum’” (BARROS,
2004:107).
A partir deste pressuposto a história política passou a utilizar o conceito de Cultura
Política, embora este conceito tenha ganhado mais espaço dentro da Nova História Política,
pois
Uma das razões que vem sendo apontadas como das mais significativas,
embora não seja a única, é justamente o fato de o conceito de cultura
política permitir explicações/interpretações sobre o comportamento político
de atores individuais e coletivos, privilegiando suas percepções, suas
lógicas cognitivas, suas vivências, suas sensibilidades. (GOMES, 2005:30).
Considerando tal citação fica evidenciada a importância dada ao conceito de cultura
política pela Nova História Política, já que as relações de poder, não podem ser entendidas
apenas como sendo fruto do campo político institucionalizado, mas como “(...) igualmente
como legitimidade, adesão e negociação”. (GOMES, 2005:31).
Todavia, o conceito de cultura política, apresenta-se ainda como sendo, “‘Um sistema
de representação, complexo e heterogêneo’, mas capaz de permitir a compreensão dos
sentidos que um determinado grupo (...) atribui a uma dada realidade social, em determinado
momento do tempo” (GOMES, 2005:31).
Por assim dizer, a cultura política, a partir das relações sociais e políticas, mostrou-se
capaz de modificar comportamentos e condutas, tanto individuais quanto coletiva, de uma
sociedade em relação à política. No entanto, se faz necessário ressaltar que o conceito de
representação, mostra-se como um dos principais elementos para a compreensão de uma
cultura política, já que segundo o conceito de representação
Primeiro, as representações coletivas que incorporam nos indivíduos as
divisões do mundo social e estruturam os esquemas de percepção e de
apreciação a partir dos quais estes classificam, julgam e agem; em seguida,
as formas de exibição do ser social ou do poder político tais como as
revelam signos e "performances" simbólicas através da imagem, do rito ou
daquilo que Weber chamava de "estilização da vida"; finalmente, a
"presentificação" em um representante (individual ou coletivo, concreto ou
abstrato) de uma identidade ou de um poder, dotado assim de continuidade
e estabilidade. (CHARTIER, 1994:108).
Sendo assim, a ideologia nacionalista se implantou em todos os setores sociais, tendo
sido propagada principalmente através os meios de comunicação de massa, como o rádio. Por
outro lado o sistema público de educação também desempenhou um importante papel nesta
difusão ideológica, sendo possível por meio do mesmo uma propagação dos valores morais da
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sociedade e os ideais de patriotismo entre os alunos. Considerando esse ponto de vista inserese o papel “civilizador” do Canto Orfeônico, que com as manifestações culturais nacionais,
influenciados pelos padrões culturais europeus, sobretudo da França, constituíram ideais de
nação e de identidade nacional, ideologia essas que influenciaram gerações de artistas, que
passaram a se preocupar com a busca de uma identidade brasileira nas artes.
Essa constante busca pela identidade, bem como das raízes nacionais manifestou-se,
especialmente, no resgate, na valorização e no estudo ordenado do folclore nacional. A
música brasileira, portanto, antes mesmo das práticas orfeônicas de Villa-Lobos, tornou-se
um terreno fértil para a posterior atuação educacional desse compositor. Pode-se dizer que o
Canto Orfeônico em seu desenvolvimento contou com a presença elementos nacionalistas e
“civilizadores” desde suas primeiras manifestações no Estado de São Paulo, não sendo as
ideias de Villa-Lobos totalmente originais como o pretendia, mas ajustadas sobre diretrizes
“importadas” e anteriormente postas em prática no Brasil, dessa forma o canto mostrou-se
como meio de sustentação do “ideal civilizador” revestido pela ideologia nacionalista, que
fundamentava a ideia de um Brasil Novo.
Em relação ao projeto político de construção do Estado Nacional a pedagogia se
destaca por ter como meta primordial a juventude, como ressalva (BOMENY, 1999). Dessa
forma, ao Estado caberia “modelar” seu pensamento, ajustando-a ao novo ambiente político,
preparando-o para a convivência a ser estimulada no Estado totalitário. Dentro desse plano de
símbolos a serem difundidos e cultuados, existiam uma série de programas a serem
cumpridos, principalmente relacionados à educação. Nessa perspectiva se insere o canto
orfeônico e seu projeto de exaltação ao nacional.
A obra Canto Orfeônico, divide-se em dois volumes, publicados, respectivamente, em
1940 e 1951. Foi adotada oficialmente nas escolas públicas e nos cursos da
SEMA
(Superintendência de Educação Musical e Artística), especializados na formação de
professores. O segundo volume, publicado onze anos mais tarde, teve sua adoção oficial em
todas as instituições que praticassem o canto orfeônico.
O primeiro volume, cujo subtítulo é “Marchas, Canções e Cantos Marciais para a
Educação Consciente da ‘Unidade de Movimento’”, possui a maioria de suas canções
referentes a temas patrióticos, em que predomina o trabalho com o ritmo de marcha. A
necessidade da prática desse padrão rítmico, segundo Villa-Lobos, justificava-se pelo seguinte
motivo:
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Após longos anos de estudos na experimentação da sensibilidade rítmica da
mocidade brasileira, quér individual ou coletiva, onde se observa uma
relativa facilidade de assimilação intuitiva, embora enfraquecida e
duvidosa, quando implantada sob o regime de uma marcação rigorosamente
metronômica, para definir os tempos regulares de qualquer compasso,
cheguei a conclusão da absoluta necessidade de serem ministrados a
juventude, exercicios constantes de marchas, cantos, canticos ou cantigas
marciais. (VILLA-LOBOS,1940:3).
Percebe-se que as canções contidas neste volume não seguem uma ordem cronológica
de composição, datam do período compreendido entre 1919 e 1940, observar-se ainda que a
maioria das canções não foi composta por Villa-Lobos, que participa, na maior parte dos
casos, em arranjos de músicas previamente compostas.
Tendo como base as premissas acima, buscaremos analisar algumas das músicas que
compunham o programa oficial do Canto Orfeônico, a começar pela valorização do trabalho,
já que durante o Estado Novo foi construída “(...) toda uma estratégia político-ideológica de
combate à ‘pobreza’, que estaria centrada justamente na promoção do valor do trabalho”.
(GOMES, 1999:55). Essa promoção ao homem brasileiro acabava por transformá-lo em
cidadão/trabalhador, que além de ser responsável por sua própria riqueza, também deveria ser
contribuinte na construção da riqueza da nação.
Contudo, o desenvolvimentismo varguista com uma valorização do trabalho era capaz
de estimular às “massas” a praticá-lo com disciplina, em um contexto envolto por um
processo de racionalização das atividades difíceis e pautado pelo controle do tempo e do ritmo
de produção. Não é por acaso que o Canto Orfeônico se incumbe da missão de elevar os
valores do trabalho. Esta questão se evidencia no fragmento que se segue, onde são colocadas
expressões antagônicas, como esforço e conforto, exaustão e leveza, que se confundem na
rede semântico-ideológica varguista:
Trabalhar é lidar sorridente,
Num empenho tenaz p’ra vencer,
E’ buscar alentado conforto,
No fecundo labôr do viver!
O trabalho enobrece e seduz,
Faz noss’alma pairar nas alturas,
Quem trabalha semeia em terreno,
Que nos dá fortes mésses maduras!
O trabalho é dever que se impõe,
Tanto ao rico que a sorte bafeja,
Como ao pobre que luta sem trégua,
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Na mais dura e exhaustiva peleja!
Trabalhar é, portanto, uma obrigação a ser realizada com alegria e empenho, já que o
trabalho também enobrece e/ou dignifica o homem, elevando a sua “alma” a um patamar
superior. O trabalho é entendido ainda como um valor universal, uma vez que é dever tanto do
rico quanto do pobre, sendo, um fator necessário ao futuro e à segurança da pátria, cabendo à
todos os seus filhos a missão de honrá-la com o esforço.
A promoção do esforço individual do trabalhador chegou a tal instância que “A
própria Constituição de 1937 adotava o critério de que o trabalho era um dever de todos (art.
136), o que implicava a desocupação ganhar o estatuto de crime contra o próprio Estado”.
(GOMES, 1999:67). Assim era o Estado, na figura de Vargas, quem levaria os indivíduos a
conquista dessa riqueza.
Por outro lado, podemos perceber que a circulação do canto orfeônico funcionou como
um aparato de sustentação simbólica para medidas concretas que se instituíram no decorrer do
governo Vargas e que tiveram consequências nas práticas cotidianas do trabalhador, a
exemplo das Leis e Decretos de sindicalização, extinção da pluralidade sindical, Lei de
Segurança Nacional, entre outras.
Ao retomarmos o hino Brasil Novo, já citado anteriormente, identificamos a referência
à pátria e seus valores, onde é feita uma constante exaltação às características da natureza do
país e às qualidades do povo brasileiro, sempre tido como forte, destemido, ativo, varonil,
com traços heroicos. A atribuição de características heroicas a figuras históricas e ao povo
brasileiro em geral é bastante recorrente, podendo ser observada no texto de várias canções.
Também é expressiva a exaltação do passado e da história do país, considerados gloriosos.
O hino em questão possui ainda referências implícitas à “República Velha” e suas
“más condições”3, como no trecho: “Contra esse tempo de desconforto, Lutam, quebrando o
jugo servil, Sobre as ruínas dum Brasil morto, constroem mais vivo, o Novo Brasil!”.
Desta forma, o canto orfeônico construiria não apenas a legitimidade institucional do
Estado Novo, como também salientava o “Novo” como algo bom e desejável, além de ser
construído por todos.
A referência às crianças como futuro da nação também se mostra como finalidade do
canto. Para isso foram criadas várias canções que faziam parte das “Machas Escolares”, a
3
Cabe-nos ressaltar que a República Velha foi uma designação criada pelo Governo Vargas para depreciar os
governos anteriores à Revolução de 1930. Cf. Galinari (2007).
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exemplo da canção “Soldadinhos”: “Somos soldados pequeninos, Fortes na luta do dever,
Nossas conquistas e destinos, Vamos a pátria oferecer”.
Há um estímulo ao ato de marchar, com disciplina e alegria, além da menção à luta
sem temor na defesa da pátria, certos da vitória. Nos textos em relação à temática infantil, há
sempre uma apologia à vida estudantil das crianças, promovendo uma relação entre estudo e
trabalho, este último seria o instrumento de construção do futuro da pátria e, assim, mesmo as
crianças poderiam colaborar nessa construção por meio do estudo.
Outro tema recorrente nas canções é a menção ao “grande chefe da nação”, que teria
dado novos ânimos ao país e ao povo brasileiro, no qual seria depositado a confiança no
futuro. Percebemos ainda a existência de referências e/ou reverências à política trabalhista e
ao “pai dos pobres”, o fragmento a seguir demonstra explicitamente essa “glorificação” á
Vargas, a começar pelo próprio titulo “Saudação a Getúlio Vargas”: “O Brasil deposita a sua
fé sua esperança e sua certeza do futuro no chefe da Nação!”.
A vinculação construída entre o território institucional do Estado e a figura de seu
líder, acabava por funcionar como estratégia de legitimidade e credibilidade, tendo em vista a
posição de autoridade ocupada por Vargas, autenticada pela moral cívica oficial.
Contudo, podemos dizer que no discurso político oficial do Estado, o futuro e a glória
nacional só poderiam ser implantados com o “sacrifício e o esforço”, de todos, num projeto
comum a ser executado no presente, sendo a “felicidade e o progresso” alcançados com o
trabalho, desgaste e disciplina.
Partindo do pressuposto que os objetivos utilitaristas do canto orfeônico visavam
estimular o convívio coletivo, proporcionar a educação do caráter, incutir o sentimento cívico
e promover a confraternização entre os escolares, além do desenvolvimento do bom gosto e
do senso de apuração, partiremos agora para importância das manifestações orfeônicas na
legitimação de um ideário nacionalista pautado na ordem e no progresso na Paraíba.
As primeiras demonstrações orfeônicas de grande porte ocorreram no Estado de São
Paulo, com o apoio do interventor federal João Alberto. Em 1931, Villa-Lobos organizou uma
apresentação de canto orfeônico chamada "Exortação Cívica", envolvendo cerca de 12 mil
vozes, reunindo representações de todas as camadas sociais paulistas.
Além das manifestações em São Paulo, também ocorreram grandes apresentações no
Rio de Janeiro, Distrito Federal, entre outros estados. As concentrações orfeônicas tornaramse frequentes e passaram a fazer parte dos ritos das festividades cívicas como o Dia da
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Independência, o Dia da Bandeira e outras datas significativas do calendário como o Dia da
Arvore, Dia da Música e Dia do Trabalho.
Após a implantação do Estado Novo (1937), a frequência dessas solenidades
comemorativas aumentou e, com ela, o respectivo número de vozes e participantes. Essas
grandes cerimônias cívicas destinavam-se sempre a uma confraternização político-moral e
nessa toada os jovens, foco das manifestações orfeônicas, assimilavam a ideia de um Brasil
Novo, no qual a ordem, a paz e a disciplina cooperariam na construção do futuro.
A Semana da Pátria, por exemplo, organizada anualmente nos dias próximos ao 7 de
setembro, convertia-se na expressão máxima dessas realizações figurativas. Além das paradas
militares, havia o discurso proferido pelo interventor Argemiro de Figueiredo, seguido pelos
fogos de artifício, e a Juventude paraibana, por sua vez, entoava as canções patrióticas,
direcionando a Getúlio as reverências simbólicas e a sua gratidão eterna.
Sendo assim, pode-se dizer que o caráter educativo dos orfeões ultrapassava o espaço
das salas de aula, fazendo-se ver e ouvir em todos os ambientes de convivência da nação,
permitindo desta forma que houvesse uma “popularização” do canto, no qual caberia ao
estado assumir o papel de enunciador e a sociedade de receptor de tais ideias.
Nos jornais da época, a exemplo da União encontram-se alguns relatos que
demonstram as concentrações orfeônicas na Paraíba. No jornal A União de 9 de Setembro de
1938, relata, “A grande concentração orfeônica em homenagem a Getúlio Vargas reuniu um
total de aproximadamente 2 mil estudantes que entoaram o Hino Nacional sob a regência do
maestro Gazzi de Sá”. (UNIÃO, 1938)
IMAGEM: COMEMORAÇÕES DA SEMANA DA PÁTRIA DURANTE O GOVERNO
DE ARGEMIRO (1938)
Fonte: Jornal União, 9 de Setembro de 1938.
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A imagem acima retrata a dimensão das manifestações orfeônicas na Paraíba, essa
apresentação referia-se a “Semana da Pátria”, comemorada todos anos e que recebia uma
grande visualização através do Jornal A União, responsável por informar todos os
acontecimentos principalmente na capital, além de trazer notas demonstrando a grandiosidade
das comemorações cívicas, como na matéria de 7 de setembro de 1938, intitulada “O maior
dia da Pátria”, na qual é mencionado o cronograma de festejos a serem realizados nas
principais cidades do Estado.
Não podemos deixar de ressaltar as intencionalidades do jornal em exaltar sempre os
feitos de Argemiro e Vargas. Havia durante os anos iniciais do Estado Novo uma grande
preocupação em “controlar a massa”, através do imaginário, nesta perspectiva constantemente
relacionava-se a linguagem escrita às imagens. No caso do jornal supracitado, percebemos seu
poder de persuasão ao trazer muitas vezes em primeira página a imagem de Argemiro e logo
abaixo a descrição de suas obras, ou mesmo comemorações cívicas principalmente em sua
homenagem.
“Todas as festas cívicas foram alvo dos fotógrafos, procurando inculcar os valores
nacionalistas e anticomunistas apropriados de um passado homogeneizado e glorioso”.
(AIRES, 2012, p. 170).
As demonstrações orfeônicas, além de tenta promover o “novo”, também ajudaram na
construção de uma cultura politica através das representações, de modo promover o
argemirismo e o varguismo. As apresentações se mostravam como forma de teatralizar o
poder, tendo em vista os espetáculos visuais expunham valores e utilizam do simbólico para
tornar seu poder legitimo.
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ARQUIVO DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DA PARAÍBA (IHGP) –
JOÃO PESSOA

Jornal A União (1937-1940).
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OS POVOS INDÍGENAS NA ESCRITA DIDÁTICA DE HISTÓRIA
Damião Cavalcante do Nascimento1
Introdução
Na sociedade brasileira existem diversas práticas culturais, isso faz com que
vários elementos indenitários sejam evidenciados, no entanto, as diversas identidades ainda
não compõem o livro didático de História. Nesse material didático, apesar de os conteúdos
sobre os povos indígenas estarem presentes, prevalece uma única perspectiva de cultura, ou
seja, a eurocêntrica.
Acerca dessa questão, é pertinente discutirmos o lugar dos povos indígenas no
livro didático de História. Estes povos estão no livro, mas são representados geralmente como
se fossem todos iguais, e só tenham vivido no período colonial da história. Esse tipo de
representação se deve ao fato de a escrita didática sobre a história do Brasil ainda ser escrita
na perspectiva eurocêntrica.
As representações dos povos indígenas no livro didático têm instigado
questionamentos entre os (as) pesquisadores (as) das diversas áreas do conhecimento, tais
como: Qual o papel dos povos indígenas na formação da sociedade brasileira? Outro
questionamento que se faz ao livro didático é se os povos indígenas são representados como
agentes sociais ou coadjuvantes da história?
Estas são algumas das questões que discutimos ao longo deste trabalho, e assim
cremos que colaboramos com o processo educativo de modo que ele venha a ser igualitário,
onde as expressões culturais dos povos indígenas não sejam apenas discutidas, mas
valorizadas na sala de aula e na sociedade, visto tratar-se de uma cultura que faz parte da
matriz cultural do Brasil e está no cotidiano dos (as) brasileiros (as).
Os povos indígenas no livro didático, novas perspectivas e novos olhares
Desde os primeiros contatos com a história aprendemos que o Brasil é um país
formado por índios (as), negros (as) e brancos (as), entre outras etnias, assim constitui-se uma
nação pluricultural e multiétnica.
1
Estudante de Iniciação Científica. Curso de História/UEPB/Campus de Guarabira. Pesquisa financiada pelo
CNPq.
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Contudo as expressões culturais que comumente prevalecem na sociedade são as
dos (as) brancos (as), visto que índios (as) e negros (as) ainda são colocados (as) a margem da
sociedade nas várias questões. Essa condição é resultado do processo de negação que a cultura
indígena e afro-brasileira foi historicamente submetida, o que por sua vez acabou sendo
motivo de exclusão das práticas culturais de tais povos da escola, sobretudo, do currículo
escolar, quando estas são cotidianamente vivenciadas pelos (as) brasileiros (as).
Acerca da discussão sobre a história dos povos indígenas no livro didático de
História, muitos (as) pesquisadores (as) já trabalharam, pretendemos aqui dialogar com alguns
desses profissionais, no sentido de identificarmos os pontos convergentes e divergentes entre
eles (as) e nossa perspectiva de discussão.
Apesar do dialogo com vários (as) pesquisadores (as) não esgotamos a discussão
acerca da representação dos povos indígenas no livro didático de História, sobretudo, porque a
cada ano novas demandas surgem na sociedade, o que faz as instituições gestoras da educação
exigirem dos produtores e editores de livros didáticos outras abordagens acerca das grandes
questões, a exemplo da cultura brasileira.
A história e cultura indígena no livro didático não é uma discussão recente, está
na ordem do dia a alguns anos, mas desde o final da década de 1990 se propagou devido à
ação da sociedade civil organizada, que passou com veemência a reivindicar dos gestores
públicos mudanças no paradigma educacional no sentido de que as culturas indígenas e negras
passassem a compor o currículo escolar e por extensão os materiais didáticos utilizados por
professores (as) e estudantes em salas de aula da educação básica.
Como decorrência desse contexto foi sancionada pelo Presidente da República do
Brasil, Luís Inácio Lula da Silva a lei 11.645/008 que obriga as escolas da educação básica a
incluir no currículo escolar os conteúdos de história e cultura indígena. Essa lei também foi
fruto dos movimentos sociais indígenas e movimentos de professores (as) preocupados com a
discussão do ensino de história e a construção da identidade nacional brasileira.
Nesse sentido, recorremos à representação como categoria de analise e atentamos
para as considerações de Chartier (1985), devido às formulações teóricas desse pesquisador
nos possibilitar referências quanto ao significado de representação, e deste modo contribui
com a discussão que fazemos neste trabalho, sobretudo, porque trabalhamos com o conceito
de representação dedicado aos povos indígenas. Este pesquisador nos mostra o sentido de
representação e considera-a “instrumento de um conhecimento mediado que faz ver um objeto
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ausente através da sua substituição por uma imagem capaz de reconstruir em memória e de
figurá-lo tal como ele é” (CHARTIER, 1985, p. 20).
Desta feita, Chartier (1985) ao situar a representação no campo do saber difere-a
da imaginação, e discute que a realidade é construída a partir dos diferentes grupos sociais, o
que gera melhor compreensão do mundo.
Dessa forma ao trabalharmos com representações dialogamos com a história
cultural, haja vista abordarmos as diferentes representações que o livro didático de História
traz dos povos indígenas.
Nesta perspectiva, Chartier, considera que a história cultural é “um espaço de
trabalho entre textos e leituras, no intuito de compreender as práticas complexas e múltiplas,
diferenciadas, que constroem o mundo como representação.” (CHARTIER, 1990, p.28).
Acerca dessa questão (SANTOS, 2010) nos mostra que mesmo negada, a cultura
indígena sempre esteve presente no cotidiano do povo brasileiro, visto que atenta para o fato
de que o Brasil “independente” precisava se manter em unidade. Desse modo surgiu à
necessidade de criar a história nacional e nesse processo o IHGB (Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro) foi o principal agente.
Por isso veio à tona a história “depreciativa do outro”. Todavia, a historiografia
construída a partir do IHGB passou a definir quem seriam os excluídos da civilização, estes
por sua vez foram índios (as) e negros (as), pois a ideia de civilização elaborada por esta
instituição remetia aos propósitos de branqueamento.
A exclusão dos povos indígenas da história do Brasil escrita a partir do século
XIX vigorou, desta feita a “historiografia do século XIX acabou reduzindo a variedade de
povos com línguas e culturas diversas a dois grandes grupos: os tupis e os tapuias” (SANTOS,
2010, p. 3).
A partir de então, os povos indígenas passaram a ser generalizados e os livros
didáticos também colaboraram com a construção da imagem destes povos como cultura
homogênea. Assim como afirmou Santos “os manuais didáticos se apropriaram da
historiografia produzia pelo IHGB, e prosseguiram perpetuando imagens e interpretações
sobre os índios brasileiros através de uma postura etnocêntrica, preconceituosa, de negação e
ausências de autonomia e ação” (SANTOS, 2010, p. 3). Esse autor ainda aborda o papel dos
povos indígenas na formação da identidade cultural do Brasil, e ressalta a importância do livro
didático nesse processo, visto ser carregado de ideologia.
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Na abordagem que constrói sobre o índio (OLIVEIRA, 2003) nos diz que esse é
mostrado nos livros didáticos, na TV, nos jornais, revistas e outros meios midiáticos através
de uma gama de “artefatos”. Este é parte de uma rede discursiva e se torna produto de
identidades, ou seja, a partir dos diferentes discursos as “relações de poder” interagem e
atribuem aos indígenas determinados conceitos, criando-o e recriando-o ou até mesmo
proibindo-lhe determinadas práticas, visto que, segundo o discurso midiático existe um jeito
natural de ser índio.
Esta pesquisadora afirma que ao trazer referências sobre identidade, o livro
didático, assim como outros artefatos associa-a a um determinado “sujeito” ou grupo e por sua
vez o expõe “frequentemente de forma generalizada e pejorativa, para explicá-la e defini-la
como única, quando os sujeitos possuem diversas vivências e experiências” (OLIVEIRA,
2003, p. 26).
De certo modo os indígenas foram “inventados sob o olhar português”. Essa
pesquisadora faz referência à representação dos indígenas, ou seja, ao modo como eles foram
vistos: como o selvagem, enquanto o branco é visto como o civilizado. Tal representação
resultou de um processo de construção social, vigorado num discurso que classifica e excluí
os indígenas. Conforme podemos perceber nesta citação retirada do livro didático analisado
por esta autora:
Índios usam arco e flecha; moram em ocas; furam o corpo para colocar
objetos estranhos, como ossos e pedaços de madeira, considerados enfeites;
andam nus (ou seminus), enfim, são diferentes de nós (OLIVEIRA, 2003, p.
29).
Essa pesquisadora ainda faz menção ao fato de que no livro didático, os indígenas
são assemelhados a certos animais, como se isso fosse algo natural e bom. Esse tipo de
compreensão é colocado para demonstrá-los “como sujeitos dotados de conhecimentos,
costumes e habilidades específicas e essenciais, de forma que pareça que somente esses
sujeitos às possuíam” (OLIVEIRA 2003. p. 30).
A esse respeito os pesquisadores (FEITOSA E XAVIER, 2010) atentam para as
imagens dos povos indígenas no livro didático que foram influenciadas pela historiografia
tradicional. Estas imagens colocam o colonizador como ser superior.Esses pesquisadores
criticam a obra “Casa Grande e Senzala”, visto colocar que os indígenas teriam se
desorganizado econômica e socialmente. Segundo Feitosa e Xavier (2010) outros
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pesquisadores (as) também colocaram o europeu como sendo o superior e assim contribuíram
para o não entendimento da vida e costumes dos povos indígenas.
Com sua pesquisa (FEITOSA E XAVIER, 2010) constataram que o livro de
história não é utilizado pelos indígenas como afirmam a seguir: “os professores optaram por
não utilizar este livro, pois tratam pouco ou nada do índio e ensinam coisas que não
corresponderiam ao índio verdadeiro” (FEITOSA; XAVIER, 2010, p. 12). Desse modo, o
europeu foi considerado como o superior, o indígena relegado a algo desvalorizado e a
história tradicional fez parte disso. Portanto, tais atrocidades devem ser combatidas, pois tal
visão vem sendo transmitidas há séculos.
Outro pesquisador relevante na discussão da imagem dos indígenas no livro
didático de História é Grupioni (1996). Ao tratar do livro didático crítica como vem sendo
utilizado o livro e o que nele contém acerca dos indígenas, além das deficiências no que diz
respeito à diversidade.
Nesse ínterim coloca a importância do livro e o espaço que este ocupa além dos
processos que estão ligados a formação de referenciais das crianças como afirma: “O livro
didático é uma fonte importante, quando não a única, na formação da imagem que temos do
outro. Alia-se a isto o fato do livro didático constituir-se uma autoridade, tanto em sala de
aula quanto no universo letrado do aluno” (GRUPIONI, 1996, p. 426). Por isso deve-se ficar
atento ao que vem sendo impresso nos livros, pois as formas muitas vezes são cristalizadas
tanto para alunos quanto para os (as) professores (as).
De fato, as sociedades indígenas ainda são tratadas como se fossem lacunas,
fragmentos colocando-as como pano de fundo, como afirma esse pesquisador no que diz
respeito aos indígenas: “pela forma como essas sociedades são tratadas – geralmente pela
negação de traços culturais considerados significativos: falta de escrita, falta de governo, falta
de tecnologia para lidar com metais, nomadismo etc.” (GRUPIONI, 1996 p. 428).
Desse modo, não se deve ficar só nisso, pois ao criticar a imagem que
corriqueiramente aparece nos livros o pesquisador abre novas portas e busca argumentos para
ressaltar a importância dos indígenas, mas que os livros não trazem como afirma: “eles
operam com a noção do índio genérico, ignorando a diversidade que sempre existiu nessas
sociedades” (GRUPIONI, 1996. p. 430). Em função disso, os indígenas são representados no
livro com uma imagem contraditória e muitas vezes deturpados. Segundo esse autor:
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Num primeiro momento da nossa história, que, de acordo com os livros
didáticos, começa com a chegada dos europeus, os índios da colônia são
cordiais e amigáveis: carregam o pau-brasil em troca de bugigangas e
miçangas, ajudam os portugueses a construir fortes e casas que dão origem
às primeiras povoações e ensinam os brancos a sobreviver e a conhecer a
nova terra (GRUPIONI, 1996. p. 431).
De certa forma, é isso que se passa por gerações como se os indígenas fossem um
primitivo “bom” ou “mal”, ou seja, muitas vezes são vistos como primitivos e que por isso
vão desaparecer.
Desse modo o material didático é um referencial importante, mas não se deve
prender totalmente a ele, mesmo que auxilie o (a) professor (a). Sendo assim, Santiago e Dias
apontam aspectos do livro didático e o seu papel como veículo que transporta conhecimento.
Além disso, o livro também é um importante auxiliar do (a) professor (a), haja vista, “o livro
didático ser resultante da interação de um conjunto de normas, disposições e determinações
culturais”. (SANTIAGO & DIAS. 2009. p. 2).
O livro didático tem sua carga ideológica, transmite e repassa certos significados
para quem o ler. Aborda também como vem sendo tratada a questão indígena e como é
utilizado pelos (as) professores (as) como conhecimento, valor e espaço de saber.
Nesse sentido, a escola também é espaço de criação de ideologias e representações
e sob os livros didáticos estas são veiculadas. Esses pesquisadores também ressaltam o
trabalho dos povos indígenas, e mostram que estes tinham outra modalidade de produção, o
coletivo, mas ressalta que variava de grupo para grupo.
Ainda sobre o livro didático (SANTIAGO & DIAS. 2009. p. 12) observaram que
“os livros didáticos permanecem com uma narrativa que representa os indígenas como autores
coadjuvantes da história do Brasil, destribalizados, genéricos e enfocados no passado”.
Nessa perspectiva os povos indígenas são colocados numa história atemporal, por
sua vez tem a necessidade de se buscar referenciais positivos. Acerca dessa questão, (BRAND
e CALDERONI) apontam a presença dos povos indígenas nos livros didáticos “como
artefatos culturais”, já que este carrega diversas estratégias e discursos variados, que acabam
por sua vez em construir identidades que são cada vez mais representadas pelos discursos.
Percebe-se que os livros didáticos tendem a “folclorizar” a diversidade indígena e
colocá-los no passado, mesmo situando-os no presente. De certo modo constataram que
“quando tratam de cultura persiste o pensamento elitista e colonizador e os povos indígenas
estão sempre ausentes ou silenciados” (BRAND & CALDERONI, p. 197).
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Há jogo de poder nos conceitos. Dessa forma, os indígenas acabam
marginalizados, visto que são colocados como o “bom selvagem” com uma carga
homogeneizada, aquele que é puro e ligado à natureza, acabando por não perceber as
diferenças, perdura um ideal único, sendo representados desse jeito até mesmo pelos docentes.
Os livros didáticos silenciam e inviabilizam a presença dos indígenas tanto no
presente quanto no passado. Os indígenas quando representados são de forma reduzida, o que
contribui para criar novos preconceitos que acabam gerando a reprodução dos padrões
eurocêntricos. Atentam ainda para os cuidados que o (a) leitor (a) deve ter ao analisar as
representações dos indígenas nos livros didáticos, pois se verificam que tais representações
muitas vezes “silenciam, nomeiam e posicionam os povos indígenas” em lugares subalternos
(BRAND & CALDERONI, p. 198).
A esse respeito (CUNHA &ARAÚJO, 2011) abordam a inserção da cultura
indígena na sala de aula e nos materiais didáticos, haja vista, a busca por uma educação
igualitária e antirracista está na ordem do dia, o que na opinião desses pesquisadores
contribuirá com a desconstrução de antigos paradigmas existentes sobre os povos indígenas e
os reconhecerão como agentes históricos ativos importantes para a compreensão da nação
brasileira.
De fato, a luta pelo reconhecimento dos povos indígenas e africanos como
relevantes na formação do Brasil vem desde a “metade do século XX”, com leis que visavam
implementar a história desses povos no cotidiano escolar. Mas de certa forma ainda “o fazem
de maneira reducionista e eurocêntrica o que destoa das novas problemáticas do século XXI”
(CUNHA e ARAÚJO, 2011, p. 3).
Os pesquisadores (CUNHA & ARAÚJO, 20011, p. 6) chamam a atenção para:
Outro problema, o de interpretação epistemológica que está presente na
historicidade do livro, pois ele nem sempre contextualiza os processos
sociais na sua complexidade, isto é, na prática não ocorre uma preocupação
em descrever minuciosamente os eventos e a atuação dos atores sociais
envoltos numa relação de poder, discurso, representações e finalidades,
mostrando como o passado tem uma interconexão com o presente e este por
sua vez, pode desdobrar em eventos que repercutam na proposição de um
futuro.
São necessárias mudanças que integrem e coloquem os sujeitos no plano
“central”, dando espaço para a sua cultura, saber, vivência, entre outros, já que o livro deve
atender a lei 11.645/2008.
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Possibilitar o diálogo é fundamental, “desconstruindo a história traçada por
cronistas leigos e religiosos, a valorização dos povos indígenas, a partir de seus próprios
olhares, e o debate com autores da antropologia, sociologia e história” (CUNHA & ARAÚJO,
20011, p. 6).
Nesse sentido é preciso “tecer” uma “nova história” do Brasil, que quebre com os
dogmas impregnados de racismo, estereótipos e discriminação. Desse modo, criticar o escrito
oficial, é primordial. Além disso, valorizar a cultura e a sociedade, o que faz parte do dia-adia, pois assim se estará reescrevendo uma “nova história cultural”.
Nessa perspectiva (NIKITIUK, 2009) atenta para a identidade de cada um, a
linguagem, registro e personalidade. Essa pesquisadora afirma que o papel do (a) professor (a)
é mostrar os diferentes olhares sobre o objeto de estudo e ensino, ou seja, deve está atento
para as novas formas de ensino e desprender-se do livro como verdade absoluta, deve ser,
portanto, critico (a).
Segundo (NIKITIUK, 2009) a questão do ensino de história e o currículo também
devem ser discutidos. Nesse sentido aponta para as questões que a história deve atentar como
o local dos (as) alunos (as), o meio social em que vivem, e não deixar que esse, composto pela
pluralidade seja desrespeitado no currículo, deve ser valorizado como propõe a Lei
11.645/008.
Outra pesquisadora a dar sua contribuição é (PINTO, 1992) ela atenta para a
educação e como essa tem se desdobrado para as diferentes dimensões num contraponto as
perspectivas da questão “raça” e educação. Aponta que nos livros didáticos se tem priorizado
três enfoques em especial, a questão da raça, cor, identidade, entre outros. Chama a atenção
para as formas preconceituosas nas quais as diversas categorias etnicorraciais são colocadas e
apresentadas nas imagens e textos. Isso ocorre principalmente nas referências das vivências de
negros e índios. As formas de discriminações acabam por manifestar certos personagens
estereotipados e deturpados.
Ainda sobre o índio fixa o foco da discussão na:
Denuncia as representações deturpadas e estereotipadas, consequentemente a
perda de excelente oportunidade de levar o educando, através do
conhecimento das nações indígenas, de seus costumes e das suas relações
com o mundo dos brancos, via o material didático, a rever posições
etnocêntricas e estereotipadas e a se posicionar de maneira mais aberta
perante outras cultuas e outras racionalidades (PINTO, 1992, p. 42).
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Essa pesquisadora ainda deixa evidente que grandes mudanças precisam ser feitas
nos materiais didáticos, seus textos e suas imagens, de modo que seja quebrada a força do
eurocentrismo, e chegue a adentrar aos espaços correlacionados ao meio social do (a) aluno
(a). Portanto, é preciso um “material didático-pedagógico que ofereça oportunidade a todas as
crianças, qualquer que seja a sua origem, de se reconhecerem positivamente” (PINTO, 1992,
p. 44).
Acerca das imagens e seu uso na história (BURKE, 2004), atenta para as diversas
formas de imagens e que estas também são evidencias para o historiador, uma vez que elas
podem vir a contribuir com o testemunho de seu tempo, ou seja, o tempo em que foram
produzidas. Por isso, na produção do conhecimento histórico, as imagens podem se igualar
aos textos escritos e “testemunhos orais”.
Muitos historiadores analisam pinturas, imagens, para assim se colocar de frente
ao passado ou até mesmo tentar entender a realidade representada, sobretudo, quando as
fontes orais e escritas são escassas.
Na compreensão de Burke o historiador deve acima de tudo fazer “uma crítica à
fonte”. (BURKE p. 30). Desse modo não deve colocar o que a imagem representa, visto que
ela foi construída num determinado momento e sob a influência de vários aspectos.
No contexto das imagens, as fotografias são relevantes porque também ajudam a
reconhecer o passado. No entanto, é preciso ficar atento às imagens de pessoas importantes,
pois elas podem estar usando a sua melhor roupa e não ser o que está representado. As
iconografias devem ser levadas em conta, e criticadas.
Portanto Burke atenta para os cuidados que se deve levar quando se utilizar às
imagens. Na sua acepção:
{...} As imagens não são nem um reflexo da realidade social nem um
sistema de signos sem relação com a realidade social, mas ocupam uma
variedade de posições entre estes extremos. Elas são testemunhas dos
estereótipos, mas também das mudanças graduais, pelas quais indivíduos ou
grupo veem o mundo social, incluindo o mundo de sua imaginação
(BURKE, p. 232).
Outro pesquisador relevante para nossa pesquisa foi (BORGES, 1999), visto que
atenta para a educação escolar intercultural. Desse modo, discute que a história e a imagem
dos índios nos livros didáticos estão na contramão da história dessa etnia, pois no livro
didático o índio é pouco retratado e quando esse traz algo sobre, os próprios indígenas quase
sempre não se reconhecem, visto que as diferenças não são abordadas. Desta feita afirma que,
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“uma história que realmente represente a visão de mundo de um povo é que poderá ser
significativa na construção de sua identidade” (BORGES, 1999, p. 93).
Sendo assim, esse pesquisador afirma que na história também são importantes os
“não vistos”, ou seja, os indígenas. O silêncio e a ausência da história indígena nos livros
didáticos deixam no ar muitas indagações. Nesse contexto se reporta a aldeia de Sapucaí e
mostra que nessa comunidade indígena existem diversos costumes, e uma história guardada
na memória, que é repassada pelos idosos, considerados guardiões da história, pois, “os mais
idosos do grupo, quer, por sua vivência acumulada, ainda possuem a magnífica função de
resguardar a memória de seu povo” (BORGES, 1999, p. 94). De certo modo, esse pesquisador
abordou os fatos a partir da visão indígena. Na arte de fazer história trouxe à tona a visão dos
índios sobre os 500 anos de história. Trouxe uma “história bem ensinada” conforme afirmara
o Professor guarani Argemiro da Silva.
Sendo assim é importante ressaltar que (RIBEIRO, 2011) na sua pesquisa
enfatizou a visão que a sociedade criou acerca dos povos indígenas. No seu trabalho sobre os
povos indígenas, aponta fatos importantes para entendermos a história que está presente nos
livros didáticos, sobretudo, no que diz respeito ao ensino de história do Brasil, sem assim
saturar o que já fora pesquisado sobre este tema, considerado importante. Desta feita, o livro é
considerado objeto de pesquisa, visto trazer identidades, imagens e, sobretudo, memórias.
Assim as imagens dos povos indígenas recorrentes nos livros didáticos estão
defasadas, pois são preconceituosas, como afirma Ribeiro:
A história dos índios não foge à regra. As imagens, muitas vezes,
estereotipadas e preconceituosas dos povos que habitavam o continente
americano antes da chegada dos europeus, presentes no imaginário das
pessoas, estão relacionadas à forma como foram fabricados nos tempos
escolares (RIBEIRO, 2011, p. 3).
Assim é repassada a história de um índio genérico, algo que não se pode aceitar,
pois cada etnia tem seus costumes, crenças, vivências diferentes. Essa generalização não só
está nos livros, mas nos meios de comunicação como filmes, músicas, iconografias, nas
escolas, nas falas dos (as) professores (as), nas comemorações, entre outros, é tudo como se
fosse padronizado a noção de que o índio é caçador, pescador vive em ocas e dorme em rede,
vive nu na selva, dança e canta com seu arco e flecha e usa o cocar. Essas ideias são passadas
até hoje.
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Nesse sentido (GUIMARÃES, 2008) chama atenção para a riqueza que há na
diversidade cultural ritualista dos povos indígenas, entre outros aspectos. Todavia, o ensino de
história indígena deve ocorrer nas escolas, pois está assegurado por lei.
Desse modo é preciso que professores (as) tenham algum interesse na
contribuição dos povos indígenas para a formação cultural do Brasil. Nesse ínterim há uma
gama de histórias, vestígios arqueológicos, acerca da história dos povos indígenas, que não
são informados, sobretudo, quanto ao grande contingente de nações indígenas que havia no
período do contato com os portugueses e o que há atualmente. Esse pesquisador afirma que
em vista da destruição a que os povos indígenas foram submetidos poderia não haver mais
sinal dessa cultura.
Sendo assim, busca entender que os indígenas são ricos quanto à cultura, e a
diversidade e afirma que:
os índios constituem uma diversidade de sociedades com histórias, territórios
e saberes próprios, consubstanciados em usos, costumes, crenças, línguas e
linguagens extremamente ricas e ancoradas em tradições milenares,
reconhecidas e asseguradas como direito na Constituição Federal de 1988
(GUIMARÃES, 2008, pp. 61-62).
Este pesquisador critica a visão que a sociedade brasileira tem em relação aos
povos indígenas que é extremamente estereotipada, o que contribui para o crescente
preconceito. Ainda se tem uma visão deturpada e genérica dos indígenas. Haja vista as
diferenças entre os povos indígenas ser abrangente a todos os níveis, como cultura, crenças,
vida familiar, linguagem, entre outros aspectos. Por isso, é importante saber que os nativos
possuem seus referenciais e sempre foram agentes ativos da história.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A representação dos povos indígenas no livro didático vem sendo discutida de
forma significativa nas diversas áreas das ciências humanas, dentre estas podemos destacar:
história, geografia, pedagogia, letras, e antropologia. Trata-se de uma discussão relevante,
visto que contribui com outra questão, a equidade social e racial no Brasil.
A pesquisa nos propiciou compreender a representação dos povos indígenas no
livro didático de História, sobretudo, os livros destinados ao ensino fundamental I.
Na análise das representações dos povos indígenas no livro didático de História do
Projeto Buriti pontuamos alguns aspectos que consideramos relevantes, visto que podem
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contribuir com as práticas pedagógicas de professores (as) de História, principalmente na
perspectiva de tornar a escola inclusiva e respeitosa com as culturas indígenas.
No geral as representações dos povos indígenas apresentam as seguintes
características: O caráter generalista dos povos indígenas, estes são representados como se
fossem únicos e iguais, simplesmente índios.
Embora no Brasil exista uma diversidade de nações e culturas indígenas, estas não
são contempladas no livro didático em apreço. Alguns capítulos do livro em questão trazem
referências aos índios yanomami (MS), canela (MA), pataxó (MG), cinta larga (MS, RO)
xavante (MS), waurás (MS), mas estes não são integrantes de uma grande nação, são índios,
sujeitos individualizados que vivem sem nenhum tipo de relacionamento entre eles;
Os povos indígenas são representados no tempo passado, vivem nus, usam
penacho, moram em oca construída de palha, vivem da caça, pesca e coleta de raízes e frutos;
não acompanharam a tecnologia, uma vez que mesmo quando as imagens os representam na
contemporaneidade, os colocam utilizando instrumentos do passado, como o arco e a flecha;
A maioria das representações dos povos indígenas não é de fotografia, mas são
ilustrações e desenhos; obras de artísticas contemporâneas, cujos nomes não são revelados;
geralmente as ilustrações não os retratam na contemporaneidade e não contemplam a sua
diversidade cultural. Trata-se de uma invenção; os povos indígenas são associados aos
animais, selvagem, e exótico; preguiçoso,
Esse tipo de representação se deve ao fato de o livro didático em analise se manter
na perspectiva eurocêntrica de história, o que faz com que os conteúdos que lhes são
pertinentes não os representem na condição de agentes ativos da história do Brasil.
Os livros didáticos de História analisados na pesquisa ainda representam os povos
indígenas na perspectiva eurocêntrica. Todavia, uma questão se faz. Como tais conteúdos
estão sendo implantados no currículo da escola da educação básica? Eles estão
correspondendo ao que preconiza a lei 11.645/008? Essa lei ao obrigaras escolas da educação
básica a incluir no currículo escolar os conteúdos de história e cultura indígena, a perspectiva
é a de que ultrapasse a compreensão eurocêntrica de história, e se espera que novos
paradigmas para a educação sejam formulados.
Todavia, o livro didático ainda é o principal instrumento utilizado pela maioria
dos (as) professores (as) na escola da educação básica, e esse conforme nos revelou a pesquisa
mantém a perspectiva eurocêntrica de história. Desta feita, a implantação da história e cultura
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indígena para além da compreensão eurocêntrica não é fato na sala de aula, o que faz com que
os estereótipos identificados nas representações didáticas não sejam ultrapassados.
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COSMOLOGIAS E TRADUÇÕES NA AMÉRICA PORTUGUESA DO
SÉC. XVI: FILTROS E REPRESENTAÇÕES
Daniel Santana Leite da Silva*
Resumo
Este trabalho é fruto de estudos vinculados ao grupo de pesquisa História e Historiografia dos Povos
Indígenas no Período Colonial - Universidade Federal da Paraíba. De acordo com a nova história
indígena – que tem como aliado teórico a antropologia –, o “encontro” entre europeus da América
colonial Portuguesa do século XVI (especialmente missionários) e indígenas foi marcado por
traduções mútuas. Através delas o europeu interpretava o indígena através de seus ditos e escritos –
especialmente a sagrada escritura – e o índio, por sua vez, via no missionário os seus pajés e caraíbas.
O papel do missionário foi fundamental para a compreensão daquele universo, pois o mesmo tinha,
como principal objetivo, trazer aquele gentio para a civilização cristã. Foi, o missionário, um dos mais
importantes responsáveis pela mediação cultural ocorrida no período. Com base nestes postulados,
nesta etapa de nossa pesquisa, apontamos questões teórico-metodológicas acerca dessas traduções que
os missionários fizeram acerca das práticas cosmológicas indígenas, buscando discutir os possíveis
filtros teóricos necessários para esta operação. Para tanto, utilizamos os conceitos de tradução,
segundo a antropóloga Cristina Pompa, e de representação, segundo o historiador Roger Chartier.
Palavras chaves: Povos indígenas; missionários, tradução cultural; representação; cosmologia.
Introdução
Os povos indígenas se tornaram nos últimos anos importantes protagonistas da história
e historiografia Brasileira, principalmente no que diz respeito ao período colonial de um modo
geral. Esse movimento se deve, em parte, a nova articulação interdisciplinar entre a História e
a Antropologia – movimento este que é denominado por alguns historiadores e antropólogos
como nova história indígena, por volta da década de 70 e 80*. Graças a essa articulação,
começa-se a quebrar certos paradigmas e equívocos que estavam até então dentro da
historiografia de um modo geral – rompimento do binarismo vencido/vencedor, retirando
então ‘a toga’ do indígena ingênuo e submisso –, repensando que as relações de contato entre
seres até então estranhos passaram por inúmeras esferas conflituosas, sejam ela relações das
mais triviais possíveis até verdadeiras querelas filosóficas. Os índios passam, agora, a serem
vistos como agentes ativos do processo histórico, e não mais fósseis vivos, incorporando
“elementos da cultura ocidental, dando à eles significados próprios e utilizando-os para
possíveis ganhos nas novas situações em que vivem”(ALMEIDA, 2010:22). Doravante,
começa-se a perceber que, dentro daquela conjuntura, existiram conflituosas relações de
interesse e poder das mais diversas perspectivas, baseadas em distintas representações.
* Aluno de graduação do curso de Licenciatura em História
*
Os trabalhos do John Manuel Monteiro (2001) e de Maria Regina Celestino (2010) são ótimas referências para
apreciar essas discursões sobre a possibilidade de observarmos uma nova história indígena.
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O encontro† entre europeus da América colonial Portuguesa do século XVI
(especialmente missionários) e indígenas foi marcado por traduções mútuas; traduções estas
entre indígenas e europeus, os quais, segundo seus princípios culturais, interligam outro
segundo seus signos. Esse processo pode ser percebido em diversos tipos de fontes e com
diversos tipos de autores, seja ele um cronista, um missionário ou os dois. Doravante,
podemos destacar dentre estes autores um em especial que tina consigo um significante papel
no que diz respeito dessa relação: o missionário.
O papel do missionário foi fundamental para a compreensão daquele universo, pois o
mesmo não tinha apenas como principal objetivo trazer aquele gentio para a civilização cristã,
mas também trazê-lo à ordem colonial, promovendo – consciente ou inconscientemente – um
processo de ocidentalização‡ daquela gente que compunha o novo mundo. Para tanto, ele
precisava entende aquele novo gênero humano, o que significava um exercício de bastante
complexidade devido à sua imensurável categoria e formas de distribuição dentro do novo
mundo. Uma verdadeira terra de contradições e ‘estranhos’ divida por um imenso ‘rio
atlântico’.
Experimentando a mediação cultural como ‘filtro’ (ou ‘ponto de partida’)
A fonte sempre é um ponto inicial para produção historiográfica – seja ela oral ou não.
É dela que estabelecemos os interesses e os métodos no qual, talvez, possamos, de fato,
produzir um material satisfatório (científico) para o(s) historiador(es). No que diz respeito à
fonte documental das relações de contato entre indígenas e europeus no Brasil colonial, o
trabalho desenvolvido pelo missionário “de desconstrução e reconstrução dos códigos
comunicativos” (MONTEIRO, 2006:32) dos povos indígenas, faz deste um ponto de partida
importante para o estudo de ambos os cosmos§. O missionário representou significativo
†
Para Paula Monteiro, o termo “encontro” deve apresentar um caráter simbólico/metafórico para designar um
espaço (que não é físico), aonde o jogo das mediações vai sendo permanentemente feito e refeito (2006).
‡
Para Serge Gruzinski, A ocidentalização não é, de modo algum, um processo fixo. Ela reajusta continuamente
seus objetivos. (...) a ocidentalização iniciada no século XVI não estava à altura de suas ambições e era
atormentada por interesses e objetivos contraditórios, que representavam um obstáculo considerável para os
projetos de integração à sociedade colonial. (2003).
§
Segundo Aracy Lopez da Silva, cosmologias são teorias do mundo. Da ordem do mundo, do movimento no
mundo, no espaço e no tempo, no qual a humanidade é apenas um dos muitos personagens em cena. Definem o
lugar que ela ocupa no cenário total e expressam concepções que revelam a interdependência permanente e a
reciprocidade constante nas trocas de energias e forças vitais, de conhecimentos, habilidades e capacidades que
dão aos personagens a fonte de sua renovação, perpetuação e criatividade. Na vivência cotidiana, essas
concepções orientam, dão sentido, permitem interpretar acontecimentos e ponderar decisões. São, de modo
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destaque no processo de mediação cultural entre europeus e índios, uma porta de locução que
tinha como responsabilidade mediar os interesses da coroa, os interesses da colônia – que
necessariamente não está desapegado aos interesses do primeiro – e, mesmo que
intrinsicamente, os interesses dos indígenas naquela situação. Entretanto, mediação cultural
não é
[...] observar do encontro de duas sociedades e/ou culturas distintas (e
desiguais) e os efeitos de uma sobre a outra, mas de compreender como
agentes em interação acessam alguns de seus códigos próprios ou se
apropriam de alguns códigos alheios para significar (MONTEIRO, 2006,
p.51).
Dentro daquelas conflituosas relações de poder e ideias, podemos afirmar que o
missionário foi um dos mais importantes responsáveis pela mediação cultural ocorrida no
período, pois esse mediador foi quem erigiu o espaço simbólico das relações entre ambos,
uma mediação, que busca códigos compartilhados.
Os missionários, ao se fixarem com índios nas aldeias, puderam, além de passar à
frente metodologias pedagógicas de sua cultura para que este gentio, por fim, adentrasse na
‘dinâmica cultural europeia’, precisaram compreender, ainda que com seus próprios códigos
comunicativos – baseados numa cultura “segregada por um oceano de ideias” –, o cosmo do
outro.
[...] esse mundo e esta história já estavam “ditos” e “escritos” com uma
linguagem peculiar, a da sagrada escritura, da Escolástica e dos documentos
eclesiásticos, por um lado, e a dos mitos e dos rituais, por outro. O encontro
fez com que este mundo acabasse, e esta história fosse recontada e reescrita,
com linguagens que, procurando manter a mesma gramatica, tiveram, porém
que incorporar termos do outro. (pompa, 2003, p.7)
As representações** interpretadas de ambos os pontos de vista sobre um e sobre o outro,
podem – ou não – responderem seus interesses ocultos em questão. Enquando de um lado temos
sintético, expressas com clareza exemplar através da linguagem altamente simbólica da dramaturgia dos rituais.
Música, gestualidade estereotipada mas sempre criadora, ornamentos corporais mais ou menos exuberantes,
entre outros recursos, permitem o contato com outras dimensões ósmicas que aquela habitualmente ocupada
pelos humanos e com momentos outros do mundo e do processo da vida (e da morte). (In: GRUPIONI, 2005, p.
75.)
**
As representações, segundo Roger Chartier (1990), são sempre determinadas pelos interesses dos grupos que a
forjam.
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um personágem que está disposto a passar uma doutrina cosmogônica sobre o universo cristão –
afirmando que todo e qualquer manifestação da realidade está associada às escrituras antigas e
as interpretações européias do novo mundo, como o mito Português de São Tomé, por
exemplo†† –, do outro lado temos um outro personágem até então estranho para com esse
primeiro, o qual não negava um interesse de “absorção” do outro, só que segundo os seus
costumes e práticas. Essa relação, por exemplo, pode ser associada ao fato de os indígenas
terem certo interesse de perceber o missionário como seu pajé, traduzindo-o conforme o papel
social do lider religioso na aldeia.
A nebulosidade das fontes em revelar o ponto de vista do indígena é uma constante.
Essa relação de mediação cultural proposta pelos missionários permitiu alguns apontamentos
de como esse lado indígena pode se manifestar. Entretanto, o problema da definição do
universo de pertencimento das práticas culturais que o missionário põe em circulação, ou, dito
de outro modo, uma vez que a construção simbólica do outro não é prerrogativa da cultura
ocidental, será preciso construir uma abordagem que de algum modo incorpore à análise o
ponto de vista nativo.
Trabalhos como o “perspectivismo” proposto por Eduardo Viveiros de Castro são
apontamentos hipotéticos de como podemos perceber a dinâmica cultural dos povos tupis com
os missionários. O exemplo do Mármore e a Murta – usado por Antônio Vieira para explicar
o quão volúvel era a natureza daquele gentio – e a inconstância da alma selvagem é um
significativo avanço da inteligibilidade do documento: a apropriação dos rituais católicocristãos por parte do índio e a relação de alteridade dos significados destes rituais é um
exemplo de como a apropriação e a ressignificação de práticas, signos e outros mecanismos
de uma cultura foi, pelo menos até certo ponto, uma real constante naquela vida de “mundos
numa mesma terra” (Viveiros de Castro, 2002).
Outro ponto que é interessante ressaltar é o de que, ainda segundo Eduardo, muitos
povos do continente americano compartilham do pressuposto de que a humanidade é a “matéria
††
Dentro do processo de descoberta e conquista das Américas, acreditava-se que neste continente estava o
Paraíso Terreal. Essa ideia passou a ganhar atenção conforme as descrições mais fantasiosas apareciam. Porém,
antes das Américas, fora a África o palco de tal Paraíso Terreal. O rio Nilo – tinha como característica a presença
de hipopótamos – seria um dos rios que saem do Paraíso, o Gion. O Fison seria o Ganges, e o Tigre seria o
Heidequel, sobrando o Eufrates sem correspondência terrestre. Essa crença fez com que se pensasse que o
Senegal, que desemboca no Atlântico, fosse um braço do Nilo; o mito de São Tomé propagou a ideia de que os
apóstolos se espalharam pelos continentes proliferando os dogmas do cristianismo.
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primordial”, ou a forma originária de virtualmente todo ser (Viveiros de Castro, 2002): do mesmo
modo que concebemos o substrato animal de nossa humanidade, o pensamento indígena
concebe o substrato humano dos seres do cosmos, como condição universal, ainda que esta não
possa ser percebida de maneira imediata. Esse pode ser considerado um importante filtro para
entender as representações do ponto de vista do indígena, pois os sentidos cosmogônicos do
indígena podem (ou não) estarem ostencivos dentro dos relatos dos missionários, pois:
A perspectiva histórica precisa partir da hipótese de que até o que chamamos
de "sentido da vida e da morte" bem como todas as noções que projetamos
no plano universal sejam na verdade o produto histórico das relações entre as
civilizações da Idade Moderna, que, não por acaso, se abre com a descoberta
do Novo Mundo e a conseguinte necessidade social e cultural de repensar o
mundo. (GASBARRO, in: MONTEIRO, 2003, p. 71)
Este é um importante passo para problematizar o lado indígena das fontes. Contudo,
ainda precisa-se de mais trabalhos tanto do campo antropológico, passando pelo sociológico,
quanto do histórico.
Traduções culturais e simbolismos mestiços
Cronistas e missionários produziram uma linguagem simbólica negociada a partir de uma
tolerância recíproca. Isso permitiu que pudesse ser narrados universos simbólicos distintos ainda que
possuindo uma “imagem deformada no espelho” (POMPA, 2003, p.27). Dessa maneira, os
missionários ‘construíram’ toda uma religião indígena, com suas escatologias e representantes
sacerdotais. Essa construção tinha como alicerce as estruturas do milenarismo medieval e do
paganismo clássico; a composição desta “mestiça cosmologia” eram os mitos e ritos dos nativos,
afim de promover uma faca de dois gumes: mostrar, através de uma
linguagem de fácil
interpretação para com esses índios, o caminho para uma fé cristã ocidental.
A necessidade da ‘criação’ – ou identificação – de um panorama religioso ameríndio
lusitano era absolutamente importante, pois a superação religiosa do cristianismo tridentino perante
o paganismo indígena deveria ser executada de imediato. O procedimento de conquista do novo
mundo via a necessidade de combate às religiões xamânicas, necessidade esta que estava tanto
entrelaçada à uma necessidade material – o progresso e real ‘controle’ da colônia e da sua extensão
humana e natural – e sobrenatural – propagar a doutrina cristã a fim de trazer mais adeptos para a
religião e pro seus representantes na terra: o rei e o Papa.
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Todo esse movimento se deve ao fato de que no Brasil não tinha uma “religião pagã única”,
como os incas e os cultos mesoamericanos. Portugal, até certo ponto, viu no sucesso de conquista
Espanhol uma espécie de modelo à ser compartilhado no tocante à questão do território Brasileiro,
revelando o interesse num método conquistador.
Por outro lado, como dito anteriormente, os indígenas mostraram-se disposto a aceitar
essas doutrinas e construções messiânicas. Contudo, isso tudo tinha um preço: as
interpretações estavam associadas segundo os seus sentidos, executando-os segundo suas
práticas e termos. Essa prática fazia com que o missionário tivesse interpretações, até certo
ponto, equivocadas segundo suas tradições‡‡. Tomando como exemplo disto, temos a ideia de
que os cronistas associavam o demônio como o estopim que alimentava as idolatrias
ameríndias.
§§
Aygnan Cacodaemon Barbaros Vexat. Ilustração do Texto de Jean de Léry Le
Voyage au Brésil,
editado por de bry em America Tretia Pars..., 3° volume de
Grands Voyages, Frankfurt, 1592, p.223. (BELLUZZO, 2000, p.43)
A presença dos elementos da cultura cosmológica (e cosmogônica) europeia era
perceptível além dos textos. Na obra Aygnan Cacodaemon Barbaros Vexat de Theodore De
Bry traz em ilustração o imaginário representado por ele do novo mundo e da gente que
compunha ele, destacando ostensivamente em seus trabalhos a participação destes elementos
‡‡
Para Maria Regina Celestino, o conceito de tradição (...) tem sido repensado, prevalecendo, hoje, o
pressuposto de que ela sempre se modifica ao ser transmitida. Tudo que se transmite é recebido conforme a
maneira do recebedor, o que implica em valorizar mais a apropriação do que a transmissão.
§§
Imagem retirada de http://resobscura.blogspot.com.br/2011/04/for-they-are-very-expert-and-skillful.html;
apesar da legenda da imagem ser do livro “O Brasil dos Viajantes” – e a mesma se referia à referida imagem –, a
imagem foi rebuscada na internet através deste blog por ter melhor resolução, a fim de explicar melhor a mesma.
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peculiares da cultura cristã europeia sobre a vida dos povos ameríndios. A partir destas
interpretações, acreditava-se que as idolatrias ameríndias “(...) se assentavam na
macaqueação grosseira das obras de Deus, expressas nos sacrifícios humanos, na
antropofagia, na sodomia, na adivinhação onde o diabo intervia oralmente” (SOUZA, 1993,
p.35) uma vez que o corpo eclesiástico acreditava de inicio que o demônio havia ‘fugido’ da
Europa e tinha se assentado no restante do mundo.
Considerações Finais
A incondicional colaboração e articulação da Antropologia com a história foi (e é!) um
dos pontos chaves dentro dessa discursão. Nos últimos anos temos uma significante
articulação interdisciplinar para podermos problematizar a história indígena de um modo
geral, gerando significativos resultados. Contudo, além de ser um processo relativamente
lento e precoce, a problematização temática segundo essa perspectiva ainda não possui uma
grande quantidade de trabalhos – mesmo que haja certo esforço.
A construção da fonte no tocante de quem a construiu revela o valor por trás das
representações das práticas dos indígenas. Seja no campo das relações de mediação cultural,
seja no ponto de vista da tradução cultural, passando pelos planos teóricos metodológicos da
história cultural – como o de representação, por exemplo –, os filtros metodológicos para
discutir as relações de contato entre indígenas e europeus são importantes mecanismos para o
historiador que estuda esse período – e outros também, ainda que trabalhe com outros
imensuráveis contextos – que tem como protagonistas um confuso gênero humano. Os
trabalhos como de Cristina Pompa sobre tradução cultural e o de Paula Monteiro sobre
mediação cultural é um mister teórico e metodológico dentro desse leque de possibilidades da
leitura do outro no viés religioso, problematizando desde pequenos detalhes que pertencem ao
cotidiano produzido durante as fontes (não em seus mínimos detalhes, mas como articular a
conjuntura espacial/temporal mais estes aportes teóricos-metodológicos com o documento em
questão) até perceber o quão importante é entender a questão do imaginário cosmológico de
ambas as partes – como, em parte, propõe Viveiros de Castro.
Em suma, a exigência de mais trabalhos no campo é uma constante para qualquer tema
historiográfico. No que diz respeito a essa nova história indígena (seja ela no campo Colonial,
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imperial e contemporâneo), ainda temos muito que avançar, principalmente na formação dos
profissionais; é interessante formar profissionais que possuam uma bagagem teórica que
percorra entre a história e a antropologia, permitindo um dialogo interdisciplinar mais
próximo e um desenvolvimento historiográfico mais rico. Estreitar o diálogo entre as duas
áreas humanas e dialogar com outras (como a sociologia e a Filosofia, por exemplo) deve ser
uma constante neste debate.
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PARTIDOS POLÍTICOS E ATUAÇÃO PARLAMENTAR NA PARAÍBA
NA DITADURA MILITAR (1968)
Dmitri da Silva Bichara Sobreira*
O golpe civil militar no Brasil inicia-se com a deposição do presidente da república,
João Goulart, em 1964. Vários aspectos são abordados pela historiografia sobre golpe que
apontam motivos para os militares tomarem tal atitude. Carlos Fico (2005), ao analisar a
historiografia do período, relata que vários mitos e estereótipos vão sendo quebrados na
história recente do Brasil, na medida em que há um distanciamento do golpe1. O presente
trabalho busca a interseção entre o conceito de cultura política e a nova fase da história
política para fazer uma nova análise dos acontecimentos de 1964 a 1968 na Paraíba.
Este trabalho é fruto de pesquisa desenvolvida no projeto Golpe civil-militar e
implantação da ditadura militar na Paraíba: Adesão, repressão e resistência (1964-1968),
onde seu objetivo é a partir de pesquisa desenvolvida nos principais jornais da época perceber
novos aspectos de um período tão conturbado da história do país. Os três planos de trabalho
desta projeto são a imprensa, a sociedade civil e, o deste trabalho especificamente, os partidos
políticos.
As instituições partidárias no Brasil, no período que os militares permaneceram no
poder, tiveram um aspecto muito abrangente. Elas tanto acabaram dando margem à tomada de
poder dos militares e os sustentaram no poder, como tiveram importante papel na tomada de
consciência da sociedade das barbaridades cometidas pelos militares. O papel da oposição
política, apesar de bastante sufocado pelo aparato repressivo do Estado, ajudou na
redemocratização do Brasil. A atuação de grupos como os Autênticos do MDB, por exemplo,
é bastante reconhecida pela historiografia da ditadura2.
* Estudante de graduação em História pela Universidade Federal da Paraíba.
1
Carlos Fico em seu livro Além do Golpe relata a classificação simplista dos militares em “duros” e
“moderados”; a ideia de que só após 1968 houveram torturas e assassinatos políticos no Brasil; o mito da
vitimação de Jango, o presidente reformista; a suposição de que os oficiais do alto escalão do exército não
tinham responsabilidades pelas torturas e assassinatos políticos; a ideia de que a repressão era homogênea e
articulada. Assim, inicia-se uma nova fase de pesquisa e produção histórica sobre o período.
2
Para saber da atuação de Humberto Lucena, influente emedebista na Paraíba, ver livro Autênticos do MDB de
Ana Beatriz Nader, Paz e Terra, 1998.
392
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A Paraíba tinha sua configuração político-partidária bem específica, apesar dessa
estar inserida em um contexto nacional. Este texto é resultado da ultima parte do projeto que
vai analisar o ano de 1968. Portanto, após reconhecer a configuração partidária do golpe e a
instituição do sistema bipartidário, os problemas do ano que culminou com o Ato Institucional
nº5 é o principal foco de concentração deste trabalho.
Trabalhando história e cultura política
Para conseguir perceber atores políticos como parlamentares, integrantes de partidos
políticos, na Paraíba, na época da ditadura militar, é necessário fazer toda uma recapitulação
sobre a história política e suas mudanças de perspectivas ao longo do século XX.
Desde as monarquias europeias, como explica René Rémond (1988), a História se
concentrava na curta duração, onde os eventos políticos eram analisados em meio de uma
história nitidamente narrativa e descritiva. A história visava os indivíduos ligados ao Estado,
como reis, presidentes ou grandes homens do exército que influenciaram as grandes batalhas
ou tomadas das importantes decisões para uma nação. “Factual, subjetivista, psicologizante,
idealista, a história política reunia assim todos os defeitos do gênero de história do qual uma
geração almejava encerrar o reinado e precipitar a decadência.” (Rémond, 1988, p. 18). Havia
a necessidade de deixar de lado a história dos grandes feitos, das personalidades destacáveis, e
dar força àqueles que queriam ascender à história dos povos e das sociedades.
Assim, em meados do século XX, uma nova corrente historiográfica toma força na
Europa. A Escola dos Annales procura dar voz a atores históricos antes ignorados. O advento
da democracia política junto ao crescimento de movimentos oriundos das camadas mais
baixas da sociedade, como o movimento operário-sindical, respaldava a corrente
historiográfica. Os Annales surgem baseados nas ciências sociais, em especial Durkheim e
Weber, com certa influência do marxismo, onde houve um desprezo do político. Os
problemas políticos seriam problemas sociais ou econômicos mal colocados dentro da
história.
Francisco Falcon (1997) fala da influência do marxismo para a formulação desta
ideia de que o político estava ultrapassado para a história. Essa influência vinha desde o
século XIX, quando suas bases teóricas foram bem utilizadas para uma oposição àquela visão
positivista da história, onde: “Uma noção de político/política desvinculada da totalidade do
processo histórico e presa fácil da ideologia; o caráter voluntarista de uma história baseada em
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ideias e ações de alguns poucos agentes históricos individuais; um discurso históriconarrativo, cronológico e linear construído em função de uma epistemologia empírica.”
(Falcon, 1997, p. 71). Mesmo essas teorias marxistas ficando de fora dos principais centros de
produção até a década de 1940, ela volta com bastante força neste declínio do político na
história, principalmente na União Soviética e na França. Falcon (1997:72), vai além nesta
análise da influência do marxismo no declínio da história política:
Inicialmente pelo menos, o marxismo produziu dois efeitos antagônicos:
recolocou no primeiro plano da escrita da história o poder, o político e a
política; mas aprofundou a atitude, entre os historiadores marxistas, de
franca rejeição da história política tradicional com seus chamados fatos,
seus conhecidos atores, enfim, sua alienação. È também não menos
verdadeira a constatação de que a vertente do marxismo estruturalista (sic)
contribuiu, e muito, para reforçar o descrédito daquela história, na medida
em que interpretou a política como efeito derivado das estruturas.
Assim, durante todas as gerações da Nouvelle Histoire manteve-se esta aversão ao
político. Este se caracterizou como um elemento retrógrado e secundarista para o estudo da
história.
A volta do político se caracteriza como na sua queda, na influência do tempo
histórico em que vive os historiadores. Para o estudo da história, não haveria mais como
deixar de lado o político, ele estaria quebrando barreiras e criando autonomia em relação aos
demais elementos (sociedade e economia). A política e as relações de poder passariam a ser
não somente privilégio das instituições oficiais, elas passariam a englobar os sindicatos, as
associações, a igreja, ou qualquer outra instituição onde houvesse relações de poder. Deixou
de ser centrada em um só indivíduo e passou a estar em toda a sociedade.
Com o crescimento das redes de comunicação, principalmente o jornalismo, e sua
proximidade com a Ciência Política, vários acontecimentos acabaram entrando no campo da
política. Com isso, houve uma maior participação da sociedade nos problemas que antes eram
apenas do Estado. Criou-se assim a concepção de que tudo estava ligado ao político, e este
seria responsável por tudo. Qualquer problema que ocorresse de mais grave dentro de uma
sociedade (crises econômicas, conflitos de interesse) tudo se resolveria com a mudança do
regime vigente. Isso foi o que, aos poucos, ocorreu com o Brasil na década de 1960. Com o
conflito de interesses entre a política reformista de Jango e o conservadorismo dos grandes
empresários ligados ao capital estrangeiro e proprietários de terras, se fez necessário uma
intervenção dos militares para que toda a estrutura social se mantivesse vigente.
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O segundo conceito utilizado neste trabalho é o de cultura política. Para Rodrigo
Patto Sá Motta (2009) a cultura, para a história, nos dias atuais, tem influência semelhante à
da economia, por exemplo, no século XX. Então para se entender o contexto particular do
golpe e dos anos subsequentes na Paraíba, é necessário compreender a cultura política do
Estado à época.
Para Motta, desde o século XX, há a ideia de que várias culturas políticas existem
dentro da sociedade. Há então uma hierarquização da cultua política. Academicamente, esse
conceito só foi ser utilizado a partir dos anos 1950-60 nos Estados Unidos. O autor faz uma
descrição do estudo da democracia desenvolvido por Gabriel Almond e Sidney Verba, onde
havia uma grande influência da psicologia e da antropologia. Assim haveria uma: Cultura
Política Paroquial: aquela que se encontra em pequenas comunidades; Cultura Política de
Sujeição: as ditatoriais; e uma Cultura Política Participativa: aquela que era superior (ex.:
EUA e Europa).
Para o autor, havia uma grande complexidade nesses tipos de cultura política
proposto por Almond e Verba, então surgiu o termo “Sub-cultura política”. Esse termo era
utilizado para enquadrar os casos em que não cabiam nessa divisão. Porém, esse conceito
acaba caindo em um etnocentrismo.
Ao longo do século XX os historiadores começaram a se apropriar dessa construção
teórica dos cientistas sociais, porém poucos foram os casos de historiadores que se
apropriaram desse conceito. Principalmente porque nessa época estava em voga a Escolla dos
Annales. Este conceito só passou a ser realmente utilizado a partir do retorno da história
política. Correntes francesas foram as que se destacaram nessa apropriação. Na década de
1990, os historiadores franceses Serge Berstein e Jean-Fançois Sirinelli lançam algumas
reflexões acerca de cultura política. Assim como o aqui já trabalhado René Remond, esses
historiadores também participaram da coletânea Por uma história Política. Segundo Motta,
Remond “prenuncia que cultura política, conceito novo, tendia a ocupar lugar de destaque em
futuros trabalhos, e apresenta uma definição da categoria mais próxima de modelos
tradicionais, associando-a configuração nacional” (Motta, 2009:19).
O grupo francês seguiu a linha de Remond. Utilizou-se a conceito de cultura da
antropologia, que a partir daí formaram um novo conceito de cultura onde se rejeitava o
etnocentrismo e o nacionalismo no sentido de generalização. Os historiadores franceses dão
ênfase nas diferenças existentes em um espaço nacional. Segundo Motta: “Ao invés de
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procurar por uma cultura política específica em cada povo [...] os trabalhos inspirados em
Berstein e Sirinelli buscam identificar as diferentes culturas políticas que integram e disputam
um mesmo espaço nacional.” (Motta, 2009: 20). Não existe para esses autores uma
singularidade, eles procuram fazer um investimento na pluralidade de culturas. Assim, para
Motta (2009:21) define-se cultura política como:
Conjunto de valores, tradições, práticas e representações políticas
partilhadas por determinado grupo humano, que expressa uma identidade
coletiva e fornece leituras comuns do passado, assim como fornece
inspiração para projetos políticos direcionados ao futuro.
Contextualizando o golpe e o bipartidarismo
No primeiro ano do trabalho, o foco principal foi o estudo do golpe. Paulo Giovani
Antonino Nunes (2010) faz um resumo geral da situação partidária do período do pré-64, no
Brasil e na Paraíba. A crise partidária era evidente, segundo ele, os partidos políticos da época
não conseguiam uma representatividade coesa, o aumento dos votos de “protestos” e as
coligações esdrúxulas entre partidos de ideologias diferentes resultavam num imbróglio
partidário em todo o país. O PSD enfrentava uma crise interna, a “Ala Moça” apoiava as
reformas de base, indo de encontro aos setores mais conservadores do partido. Assim como o
PSD, a UDN, partido historicamente conservador, tinha sua parcela de membros reformistas.
Já o PTB estava dividido em dois grupos: o “Compacto” que mantinha uma linha
independente ao trabalhismo de Goulart e o “Fisiológico” que apoiava em todas as ordens o
presidente da república. O congresso estava dividido em duas frentes: A Frente Parlamentar
Nacionalista, formada pela maioria dos deputados do PTB e PSB, juntamente com setores
“nacionalistas” do PSD, UDN e PSP e a Ação Democrática Parlamentar, com membros do
PSD, UDN e PDC e alguns poucos parlamentares do PTB.
Visto isso, o que se percebia nas páginas políticas dos jornais, era que as principais
lideranças políticas da época, e não só as que estavam diretamente ligadas aos partidos
conservadores, temiam as propostas de reforma agrária no Brasil. A atuação das Ligas
Camponesas provocava pavor nos políticos que tinham ligações com os grandes proprietários
de rurais. A “Chacina de Marí” foi um episódio importante que representa como estavam as
coisas entre os parlamentares e as Ligas. Em coluna publicada no jornal O Norte (PONTES, O
Norte 04 de fevereiro 1964), o colunista descreve o que acontecia em Marí:
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As notícias chegadas de Sapé e Marí, região conflagrada que se considera o
pavio de pólvora dos comunistas da Paraíba, informam que tudo vai
correndo bem com a presença do Cel. Luiz de Barros comandando mais de
100 homens, com a missão de cumprir a ordem a qualquer preço. Afirmam
que o secretário da Justiça, Bel. Sylvio Porto está decidido com a
austeridade natural de cargo, a manter a ordem sem atrito e sem emprego
de força.
As Ligas Camponesas não representavam um medo apenas na questão das terras.
Elas eram importante meio de difusão de ideais comunistas no estado. O anticomunismo era
um movimento que pairava a sociedade brasileira da época. O medo de que um golpe
instalando uma ditadura comunista no Brasil nos moldes da que ocorrera em Cuba era fácil de
perceber.
Com o golpe, vários políticos acabaram sendo pegos de surpresa, como o governador
Pedro Gondim. Quando ele se deu conta, boa parte do seu secretariado já havia aderido ao
movimento militar e para ele só restou a adesão para não ser cassado. Apenas o PTB de Jango
tomou posição de solidariedade ao presidente deposto. Em telegrama (SOUTO, O Norte, 03
de março de 1964) encaminhado ao líder paraibano do partido, Argemiro de Figueiredo:
Os deputados trabalhistas da Assembleia Legislativa (...) fizeram uma
reunião no Palácio das Secretarias, ontem pela manhã. Depois de muitos
debates, deliberaram telegrafar ao senador Argemiro Figueiredo, que
deverá assumir a presidência do partido no país, hipotiticando-lhe irrestrita
solidariedade. Pedem, no telegrama, que transmita ao “presidente” João
Goulart nosso pensamento na lealdade partidária. O redator da mensagem
foi o próprio líder da bancada, deputado Ronaldo Cunha Lima.
A política de cassações pegou deputados ligados às Ligas ou ao extinto Partido
Comunista, como Agassis de Almeida, Langstein de Almeida, Figueiredo Agra e Assis
Lemos, juntamente com políticos de outras instâncias, como a Câmara Municipal. Após a
“limpeza” houve uma tentativa de reorganização do cenário político nacional. Porém o
embate dentro dos partidos políticos continuava sendo um problema.
Foi então que no ano de 1966 foram abolidas todas as legendas partidárias e
instituído dois partidos, a Aliança Nacional Renovadora (ARENA), alinhada aos militares, e o
Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido de oposição. Para José Octávio de Arruda
Mello (2010), o PSD foi o embrião do partido da oposição no Estado. Devido à primária
indecisão do alinhamento partidário do presidente regional do PSD, o senador Ruy Carneiro,
coube ao dep. Federal Humberto Lucena a organização institucional do partido na Paraíba.
Contando com o apoio de alguns aliados políticos, o deputado arcou com a organização
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financeira do partido e os primeiros comitês no interior do Estado, onde teve problemas em
algumas cidades, pois não havia interessados em se vincular com o partido da oposição.
A grande maioria dos políticos na Paraíba acabou se alinhando à ARENA, visto seus
interesses ou medo de ter seus direitos políticos cassados. Sendo assim, o partido da situação
tomou para si mais da metade do colegiado de todos os antigos partidos. O que acabou
dificultando a atuação da oposição no estado.
1968: das eleições municipais ao AI-5
O ano de 1968 começa com as especulações para as eleições para prefeito e vereador.
Com o fim das eleições para presidente, governador e prefeito das capitais e das cidades
consideradas zonas de segurança nacional, restavam aos políticos pleito dos demais
municípios. O que ainda assim acabou criando problemas dentro dos partidos.
A ARENA na Paraíba está divida pelos caciques políticos dos antigos partidos. O
partido do governo, que buscava o comando do maior número de cidades no Estado, teve
problemas no sentido que grupos rivais de uma mesma cidade estavam no mesmo partido. A
criação de sublegendas dentro do partido ajudava ao mesmo partido lançar mais de um
candidato em cada cidade. O que ajudaria principalmente a diminuir as crises dentro do
partido governamental. Para deputado emedebista Sebastião Calixto, isso prejudicaria a
precária situação dos partidos no Brasil: “O deputado Sebastião Calisto declarou-se
sistematicamente contrário às sublegendas explicando que a criação desses, ou seu
reaparecimento, só viria acarretar transtornos aos dois minguados partidos existentes no
Brasil” (DEPUTADO... Correio da Paraíba, 14 de março de 1968).
Segundo Grinberg (2009), a permissão para a criação de sublegendas, privilegiou a
ARENA, as sublegendas ARENA 1, ARENA 2... Agradou aos grupos políticos que antes
disputavam as eleições nos municípios em partidos como PSD e UDN. Isso fez com que o
partido do governo tivesse o controle sobre a grande maioria das cidades do interior do
Estado, sem o choque de grupos rivais.
Porém, um impasse ainda maior para os partidos é Campina Grande. A cidade, que à
época da extinção das eleições, não foi tida pelos militares como zona de segurança nacional,
é disputada por grandes expoentes da política local. O medo maior era de que, caso a cidade
fosse tida como zona de segurança nacional, fosse designado um interventor. O que deixaria
emedebistas e arenistas sem o comando de umas das cidades mais importantes do Estado
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(João Pessoa era a única cidade que foi considerada zona de segurança nacional). Os políticos
paraibanos dependiam da decisão do congresso e do executivo, segundo político local
(ELEIÇÕES... Correio da Paraíba, 07 de fevereiro de 1968).
Somente aos congressistas cabe a responsabilidade desse pronunciamento,
quando opinará produtivamente através de seu voto – continuou – não
podemos ocultar todavia que a extraordinária cidade serrana passa por
uma fase emocional face à decisão que independe a manifestação do seu
civismo...
Porém, segundo colunista do Correio da Paraíba, J. Soares Madruga (MADRUGA,
Correio da Paraíba, 08 de fevereiro de 1968), a não participação de João Pessoa e Campina
Grande dará vantagem para a ARENA no pleito:
Mas, os que acreditam na liberdade pretendida, calculam que a Arena daria
um bom banho de cuia no MDB, saindo das eleições municipais desse ano
com um bom saldo, seja pela importância das prefeituras que conquistará,
seja pelo número de vitórias no total dos municípios em que haverá pleito
em 1968. Isso porque Campina Grande está praticamente fora da disputa
eleitoral, como está João Pessoa, os dois grandes centros de indiscutíveis
tendências oposicionistas.
O que se pode tirar de conclusão a priori, vista a declaração é que a população das
grandes cidades teria uma consciência política maior que as cidades menores, reflexo da
antiga política dos coronéis e práticas como o clientelismo. O que não pode ser confirmada
sem uma análise eleitoral mais profunda, procurando entender o contexto político eleitoral
que vivia cada cidade do interior paraibano. O que mesmo assim, seria um grande preconceito
contra o eleitorado dos menores domicílios eleitorais.
Outros pontos importantes do contexto político nacional de 1968 são elencados por
Maria Helena Moreira Alves (1984). O movimento sindical ou a criação da Frente Ampla são
exemplo deles. Mas o que acabou refletindo em maior proporção no noticiário político, foram
as passeatas estudantis. A morte do estudante Edson Luiz no estado do Rio de Janeiro por
policiais da Polícia Militar repercutiu aqui na Paraíba. Várias foram as passeatas estudantis
contra a atitude da PM e contra o governo militar. Várias dessas passeatas acabaram com
estudantes presos. O partido de oposição foi favorável às manifestações estudantis. O partido
lançou nota (MDB CONTRA... Correio da Paraíba, 06 de abril de 1968) solidária aos estudantes:
Tão logo chegou ao conhecimento da direção dessa agremiação partidária,
o fato de que a polícia estadual havia dissolvido a bala concentrações
estudantis que se realizavam no centro dessa cidade, além de ter efetivado
prisões de estudantes e praticado outros atos de violência, deliberou
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manifestar sua solidariedade aos estudantes paraibanos e ao mesmo tempo,
condenar com veemência a atitude brutal, violenta e antidemocrática da
polícia local, abatendo com tiros estudantes em plena via pública.
Assinaram tal nota os deputados: Mário Silveira, Ronaldo Cunha Lima, Sebastião
Calixto, Antônio Gadelha, Orlando Cavalcanti, Azuil Assis, José Fernandes de Lima, José
Maranhão, José Gayoso, Aloysio Pereira, entre outros.
Porém, há de se relatar que esse apoio, aparentemente não passava de notas de
repúdio ou utilização da influência política para livrar um ou outro estudante preso. O MDB
aqui na Paraíba, pelo que se relatou nos jornais até 1968 foi um partido de grito, incapacitado
à ação.
O que se pode perceber é que na véspera do Ato Institucional número cinco ainda
havia os mesmos vícios políticos que vigoravam no estado no período pré-golpe de 1964. O
Estado da Paraíba refletia ao seu modo ou ritmo os acontecimentos do país. Tudo isso prova
que a Paraíba era um estado que buscava lutar, dentro de seus limites político-culturais contra
a repressão de um governo autoritário que estava prestes a fechar ainda mais o regime.
Na Paraíba a política eleitoreira comandava o posicionamento dos parlamentares e dos
partidos políticos, apesar de alguns raros casos. Ganhar eleição, comandar o maior número de
cidades, ou manter a ordem oligárquica, era o maior objetivo político no Estado. As mesmas
oligarquias do início do século XX estavam ainda em atividade, comandando os currais
eleitorais, as cidades do interior do estado. O domínio dos grandes latifundiários ainda era
forte e a manipulação era visível, visto a falta de saúde e educação para o pequeno trabalhador
rural, por exemplo.
A dependência da imensa parte do campesinato a esses grupos fazia com que se
mantivesse essa ordem política. Grupos como as Ligas Camponesas, que trazia um forte
sentimento de mudança do sistema teve sua ideologia retirada à bala.
Quem vive de ideologia não tem força na Paraíba.
Referências
Hemerográficas:
PONTES, Antônio Barroso. Pelo Nordeste: A ordem está cumprida. O Norte. João Pessoa, 04
fev 1964
SOUTO, José. Ronda Política: Telegrama. O Norte. João Pessoa, 03 mar 1964.
400
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Deputado do MDB contrário às sublegendas. Correio da Paraíba. João Pessoa, 14 mar 1968,
p. 8.
Eleições para prefeito de campina depende do Congresso, diz Plínio. Correio da Paraíba.
João Pessoa, 07 fev 1968, p. 5.
MADRUGA, José Soares. Diário de Política: Injeção na ARENA. Correio da Paraíba. 08
fev 1968, p. 3.
MDB contra a violência e solidário com estudantes. Correio da Paraíba. 06 abr 1968, p. 03.
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O DISCURSO POLÍTICO DA TÉCNICA DA AÇUDAGEM COMO
RESOLUÇÃO DAS SECAS NO NORDESTE
Everaldo de Oliveira Silva*
Eloyza Tolentino Soares**
RESUMO
O presente trabalho se debruça na tentativa de compreender o discurso propagado pelos políticos e
intelectuais acerca da técnica da açudagem (construção de grandes reservatórios d´água) como
panaceia da resolução das secas nos Estados da Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Partimos da
observância e da pluralidade de significados atribuídos a riqueza por trás da história do sertanejo,
imbui-se a possibilidade da pesquisa deste lugar, que, castigado pelas secas, foi palco de diversas
tramas politico-culturais. Propõe-se estudar os meios desenvolvidos para conter os efeitos confluentes
das secas, privilegiando-se a açudagem e o discurso político de sua utilização que se fazia presente em
torno de tais obras. Essas estruturas - grandes depositários d’água - são importantes para o sertanejo
em dimensão para além da economia, mas também um novo espaço de identidade. Além disso, os
projetos de construção de açudes proporcionaram instrumentos de barganha política, como eleição de
figuras ligadas aos açudes e garantia de recursos do governo para as regiões beneficiadas.
Compreender a técnica da açudagem e a trama política envolvida em sua construção se faz necessário
à pluralidade de interesses, narrativas, personagens e impasses à construção dessas obras.
Palavras Chave: Secas. Discurso Político. Açudagem.
1. INTRODUÇÃO
O contato com o vasto acervo da Fundação Vingt-Un Rosado (FVR)1 nos
possibilitou um enorme leque de fontes de pesquisa. Em meio a dezenas de livros, cartas e
outros documentos, várias inquietações foram despertadas. Havia algo, porém, que chamava
atenção: a coleção de títulos sobre secas, a maior do Brasil, porém, como foi dito, tanto a
bibliografia sobre as secas quanto as possibilidades de pesquisa são vastas. Dessa nos
reportemos especificamente sobre um tema pouco explorado, mas, de grande valia, a
açudagem, objeto das nossas reflexões neste texto. Por que estudar a açudagem? E qual sua
relação entre políticos, sertanejos e intelectuais? É preciso pensar que, durante muito tempo,
* Aluno de graduação em História pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN/Bolsista
PROEXT/UERN/MEC
** Aluna de graduação em História pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN/Bolsista
PROEXT/UERN/MEC
1
Nesta casa de memória estamos efetivando um projeto de extensão que tem como objetivos a organização do
acervo bibliográfico, bem como sua divulgação para todo o Nordeste e mesmo o Brasil, por meio do incentivo a
formação de bibliotecas, onde para tanto, doaremos kit´s para bibliotecas municipais e Universidades nordestinas
e de outras regiões do país. E foi a partir deste projeto de extensão que demos início a esta pesquisa.
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desde o império, se pensava em uma maneira de resolver ou diminuir os efeitos causados
pelas secas, problema que desde mesmo o império até a república, tornava difícil a vida dos
administrados públicos, tanto em esfera municipal, como na esfera estadual e federal, e muito
mais, dos nordestinos que ali viviam e ainda vivem.
Este trabalho volta-se à discussão das secas procurando problematizar e
Historicizar as perspectivas da açudagem e sua utilização como programa de governo,
utilizada como forma mais imponente de resolução dos problemas sociais e econômicos no
Nordeste brasileiro, entendendo que, essa técnica proporcionou a formação de imagens de
autoridades e garantiu barganhas a esses políticos da região, assim como foi objeto de
discurso de intelectuais, seguindo um pensamento positivista de progresso da nação. Não é
fácil de responder tais inquietações, pois, é ampla a discussão do pensar e repensar as políticas
propagadas no Nordeste com suas reais intenções.
A política da açudagem viabilizou barganhas políticas, sobre tudo em campanhas
eleitorais, construindo no imaginário popular imagens de homens que lutavam pela solução de
problemas de seus conterrâneos. Políticos que se apoderaram de pensamentos de intelectuais
acerca das causas e soluções para a resolução das secas, cujos argumentos, muitas vezes, eram
associados ao de técnicos do Departamento Nacional de Obras contra as Secas – DNOCS2 que eram deslocados para estudar a região e que viabilizavam a açudagem como forma mais
significativa de solucionar o problema dos flagelados, reforçando dessa maneira o discurso do
qual se apropriavam essas autoridades.
2. A PANACEIA DAS SECAS
Aziz Nacib Ab’Saber caracteriza o Nordeste seco pelas seguintes características de
região semiárida:
Os atributos que dão similitude às regiões semi-áridas são sempre de
origem climática, hídrica e fitogeográfica: baixos níveis de umidade, escassez
de chuvas anuais, irregularidade no ritmo das precipitações ao longo dos anos;
prolongados períodos de carência hídrica; solos problemáticos tanto do
2
O DNOCS era um órgão do governo federal, que tinha como pretensão socorrer o povo do Nordeste por meio
de obras que asseguram-se emprego aquele povo durante os períodos de grandes secas, bem como tinha a função
de estudar a região em busca de soluções para aqueles problemas oriundos das secas, era responsável também
pela construção dos açudes públicos que ali eram construídos, sendo também responsável muitas vezes por sua
administração, bem como servia a construção outras obras que amenizavam os efeitos das secas nessa região,
ele veio em substituição ao IFOCS, órgão que até então tinha as mesmas funções, porém, foi substituído por esse
novo órgão.
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ponto de vista físico quanto do geoquímico (solos parcialmente salinos,
solos carbonáticos) e ausência de rios perenes, sobretudo no que se refere
às drenagens autóctones. (Ab’Saber, 1999:7)
Por essas características que impedem um desenvolvimento regular do Nordeste,
diferente de outras regiões do país, que se desenvolvem por consistirem de características
climáticas diferentes, essas que lhes propiciam diversas práticas de caráter agrícola, de
garantias de estadia no ambiente de origem por contingentes humanos, que encontram
atividades a ser realizadas garantindo sua subsistência e diversas práticas econômicas, por
exemplo, foi assim que se atribuiu ao açude diversas finalidades, dentre as quais, tinha como
função primordial a defesa do Nordeste fronte aos efeitos das secas por meio da irrigação,
sendo essa prática seguida da produção de energia elétrica, criação de peixes, garantia da
estadia do sertanejo no interior, em especial no seu lugar de origem.
A seca que assolara a região há muito tempo, desde mesmo o império já era vista
como dificuldade para o desenvolvimento da região, essa que está inclusa no espaço
compreendido como Polígono das secas3, esse que por sua vez influência no clima do
Nordeste causando migrações, falta de produtividade econômica e agrícola pela irregularidade
das chuvas, fenômeno oriundo da influência climática existente nesse espaço, o que invalida
garantias de chuvas regulares, atingindo diretamente a garantia de água para períodos que
superassem mais de um ano e meio de estiagem, e por fim morte. Sendo assim, se pensou em
por em prática uma técnica que surtisse efeitos positivos, e que, fosse do agrado de todos os
interessados sejam eles políticos ou mesmo o próprio povo nordestino que era o que mais
sofria com as secas.
O açude não tinha apenas a função de acastelar água para períodos de secas, mas,
cabia-lhe conter as águas de rios que em períodos de grandes invernos, esses que se davam em
períodos distintos, provocando diversos transtornos ao sertanejo por meio de suas enchentes.
Já como curador dos males oriundos das secas estava sendo requisitado pelo fato de acumular
água que poderia ser utilizada nos períodos de secas, e dependendo do seu tamanho poderia
resistir por dois anos ou até mais aos efeitos dessas auxiliando os nordestinos na resistência
desses períodos escassos. Engenheiros ao se depararem com a região e constatar que de forma
3
Esta área é considerada como polígono das secas, por ser afetada diretamente pelos efeitos das secas e
compreender as regiões dos Estados de Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Pernambuco, Piauí, Sergipe, Ceará,
Paraíba e Rio Grande do Norte, sendo estes três últimos estados, os mais afetados por esse problema da falta de
chuvas regulares e do tempo ocioso sem precipitações.
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mais acentuada o mal da região era a falta da água propriamente dita, proporcionada até pela
má distribuição das chuvas, não hesitaram em confirmar a açudagem como artifício
solucionador do calvário do nordestino, um exemplo é o do eng.º Vinícius Bêrredo, que no
ano de 1950 afirmava:
O açude nas condições especiais de clima do Nordeste e na plenitude de
suas funções intrínsecas, é aguado, para alimentação do homem e dos
rebanhos; é campo de pesca; é centro de produção agrícola, nas vazantes; é
reservatório de acumulação de água para irrigação sistemática; é obra de
regularização de regime, de defesa contra as cheias; é fonte potencial de
energia. (ROSADO; ROSADO, 1986: 54)
Os políticos foram os mais vibrantes defensores da prática da açudagem, recorrendo a
ela para afirmar que o nordeste tinha possibilidades econômicas, cabendo apenas ao governo
federal que, se predispusesse em fornecer recursos para a construção dessas engenharias em
prol do povo nordestino, os intelectuais também foram muito importantes, pois, foram eles
que ajudaram a arregimentar esse discurso pronunciado por esses políticos. Eloy de Souza
intelectual e também engajado na política, representante do Estado do Rio Grande do Norte,
fala dos gastos que o referido Estado sofrera com as secas no período entre os anos de 1950 a
1951:
A seca ainda reinante expatriou muitos milhares de conterrâneos. Dizimou
nossos rebanhos numa proporção alarmante. Matou lavouras. Impediu a
cultura da terra e a produção de gêneros de primeira necessidade, o que nos
obrigou a pagar aos Estados do Sul cento e trinta e dois milhões de
cruzeiros pelos alimentos básicos da nossa alimentação regional; farinha de
mandioca, arroz, feijão e charque. Essa quantia fabulosa, drenada para
outros Estados em 1950 e 1951, já se elevou a uma percentagem não
pequena, tão só com a entrada de mais de mil sacas de farinha de mandioca
em janeiro último. (SOUZA, 1983: 22)
Ele ainda afirma que “Para mim irrigar é povoar, enriquecer, ser feliz. Não somente
isso senhores” (SOUZA, 1983: 22). O açude era entendido como sendo até então a melhor
solução já se pensada a cerca da resolução dos problemas enfrentados pelo Nordeste e que
fizeram e fazem do sertanejo a maior vítima. No tocante ao que confere dor e penúria ao
povo, era que se fazia fortalecer um discurso de pedido de socorro, como fala Foucault:
era o discurso que pronunciava a justiça e atribuía a cada qual sua parte;
era o discurso que, profetizando o futuro, não somente anunciava o que ia se
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passar, mas contribuía para a sua realização, suscitava a adesão dos
homens e se tramava assim com o destino. (FOUCAULT, 2011:15)
Essa apoderação do açude como forma de conter tais problemas foi fundamental para
a consolidação dessa técnica como elemento propiciador de vantagens políticas e sendo
elemento do discurso político, tendo como elemento base o sofrimento dos sertanejos nos
períodos de secas.
Elabora-se para tanto uma imagem de uma região castigada pelas secas, impedida de
produzir meios que lhe garanta crescimento econômico, bem como impossibilite a promoção
de empregos a seu povo, se não os que são garantidos no interior por meio das fazendas, esses
que são comprometidos quando a seca se estabelece por um longo período, afetando
diretamente os trabalhos no campo. Essa imagem pode ser reforçada e justificada pelas fugas
empreendidas pelos sertanejos durante esses períodos ociosos, onde “nenhuma” gota de água,
ou mesmo, poucas chuvas que não servem para garantir a criação de nenhuma gramínea ou
outro tipo qualquer de pasto ou produção agrícola, força o homem do interior a se aventurar
na urbe em busca da garantia da sua vida.
Mas, não seria esse um discurso recíproco remetido pelas autoridades com o intuito de
comover as autoridades superiores do país? Era exatamente essa realidade utilizada como
elemento que fomentava a necessidade de ajuda para o Nordeste, a população agonizava na
espera de uma solução, essa que havia sido encontrada e que, restava não mais apenas a
atuação do governo estadual nessa luta, porém, era essencial o engajamento do governo
federal auxiliando nessa empreitada com recursos que favorecesse a por em prática a técnica
da açudagem como sendo a solução que viria a conter os efeitos oriundos das secas
consecutivas no Nordeste.
Felipe Guerra também ressalta a situação na cidade de Mossoró, quando a seca se
estendia e a cidade também era alvo da população que fugia da agonia que a seca origina:
Sua população talvez duplicada pelas vítimas das secas, que se declarou, e
que dos sertões chegavam à procura de trabalhos, de recursos quaisquer,
pois não seria possível morrer de inanição, sem luta, sem esperanças.
(GUERRA, 1985: 7)
Foi-se até posta em prática a emigração para fora do Estado, em especial para a
Amazônia e para o Sudeste, como forma de amenizar a situação daqueles flagelados, muitas
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vezes também na tentativa de evitar mais transtornos às autoridades, pagavam as passagens
para que os sertanejos voltassem para casa ou mesmo para outras regiões do país, para assim
não se agruparem com outros mais revoltados e consignarem uma revolta de dimensões ainda
maiores que as que já se sucediam e fora presenciado em outros anos de secas incidentes.
3. OS INTELECTUAIS ENGAJADOS NA DEFESA DO AÇUDE
A solução para os problemas acarretados pelas secas foi uma das aspirações remetidas
aos intelectuais nordestinos, eles que tinham em mente, partindo da observação de outros
lugares do mundo que também sofriam com os mesmos problemas das secas, e, a partir
também da sua própria observação e da de sertanejos que sempre ressaltavam que o problema
era a falta de água e que, o problema seria resolvido com a garantia da água para esse lugar,
bem como imbuídos de um sentimento nacionalista de desenvolvimento do país, chegou-se a
constatação de que a construção de reservatórios, ou melhor, grandes reservatórios d´água é
que seria possível para resolver esse problema.
Segundo a professora Ivone Cordeiro Barbosa o país após a proclamação da República
estava imbuído de um espírito nacionalista voltado para o desenvolvimento da nação e, os
intelectuais tinham uma participação fundamental no que concerne a conhecimentos
específicos de cada lugar, favorecendo assim a um efetivo desenvolvimento homogêneo do
país:
Intencionalmente, indiferencio discursos para enfatizar o quanto o
imaginário criadora e o discurso técnico-científico fruto da observação
empírica e, portanto, “racional”, descrevem e manifestam sentimentos de
exaltação e surpresa diante da paisagem sertaneja. Se me reporto a estes
diferentes discursos para falar do processo de produção do espaço sertanejo
é para lembrar com Süssekind que a inclusão do sertão no espaço nacional
exigiu um esforço de construção laboriosa para criar uma unidade para
uma realidade que se apresentava fraturada em profundas divisões e
diferenças sociais, econômicas e políticas entre as classes e entre os
diferentes espaços territoriais (regiões) brasileiros. Nessa mesma
perspectiva, referindo-se aos que buscam uma identidade essencial e sem
rachaduras, afirma que o equívoco destes é permanecerem presos a uma
“miragem originária” e a uma pretensa “substancia natural” para
configurar uma imagem sobre a nação. (BARBOSA, 2000: 46).
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Essa foi à tarefa atribuída aos intelectuais, a de procurar maneiras de desenvolver suas
regiões para que com isso o país crescesse de maneira homogênea representando a unidade da
nação, a partir daí, essa técnica também foi defendida por autoridades nordestinas que não
hesitaram em defender e se apoderar de mesma como arma discursiva na busca por recursos
federais para a região Nordeste. Felipe Guerra no Rio Grande do Norte dizia que:
A vida normal da região reclama igualmente esse suprimento. Passados os
quatro meses de “inverno”, só as terras naturalmente úmidas, como o leito
dos rios, lagoas, etc., podem oferecer capacidade para produzir. Necessário
é, portanto, que o trabalho do homem transforme terras ressequidas em
terras aptas a produção, fornecendo-lhes a necessária irrigação. Para o
Nordeste, o meio mais fácil, mais simples, para a consecução desse
suprimento, tão essencial a sua economia, é o açude, e a açudagem. O
açude é um prolongamento do inverno, nos anos normais; é um “inverno”,
nas crises das secas. (GUERRA, 1989: 93)
Cogitou-se que, com a técnica da açudagem a produção econômica do Nordeste
poderia efervescer, favorecendo a uma não dependência como a que até então se fazia dessa
região em detrimento do país. Eloy de Souza também defendia o açude como elemento de
importância para a região, não deixando despontar o lado econômico como viés de garantias
pelo grande açude:
Não há nessa minha opinião o desejo de parecer original e isolar-me do
contato de outras opiniões opostas; mas sim, a lição da nossa própria
experiência (sic) feita na prática da pequena açudagem e na lição de outros
povos, sujeitos a fenômenos idênticos, e que regeneraram o meio econômico
ferido pelo mesmo mal, construindo imensos reservatórios para irrigação
das terras que as secas tornavam improdutivas. (SOUZA, 1983: 22)
Não era a pequena açudagem a solução mais apropriada, Eloy de Souza defendia o
grande açude como uma forma de abrangência maior, possibilitando resultados mais
favoráveis à irrigação, já que, em outros lugares do mundo que também sofrem com o mal das
secas, também se fizera experiências e os pequenos açudes não resistiam a longas estiagens,
essas quando se estendessem por mais de um ano de seca, deixando assim os seus
dependentes a própria sorte.
[...] Foi, então, que um estadista de imaginação, compreendeu a inutilidade
da pequena açudagem como elemento defensivo das estiagens prolongadas,
por espaço superior a dois anos, delineou e iniciou o vasto e custoso
programa dos reservatórios colossais destinados a fertilizarem os vales
improdutivos, hoje, apesar de ainda haver muito por fazer, calamidades
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iguais àquela não matariam sequer o excedente de três por cento do
obituário normal. (SOUZA, 1983: 23)
A partir daí defendia-se a grande açudagem como garantia veemente de resolução dos
problemas das secas, não se poderia ignorar as experiências de outros lugares que, com a
investida nos grandes depositários d´água obtiveram resultados favoráveis e garantiram uma
maior resistência aos efeitos flagelantes das secas. Felipe Guerra ainda atribuía as seguintes
vantagens do açude durante períodos de seca, em vista a imagem do Nordeste durante esse
período:
O açude, a irrigação do solo, é o único meio de evitar que, durante a seca
estéril e improdutivo permaneça o solo, que poderá ser transformado,
durante a calamidade, em fonte de produção e trabalho. Nos anos normais,
a açudagem incrementa o trabalho e a riqueza particular, sendo, portanto,
um fator valioso para a economia da região. Não há muito anos, todos os
produtos da cana consumidos no sertão do Estado eram comprados nos
Brejos paraibanos, ou cariri, do Ceará. Hoje, grande parte desses produtos
são oferecidos em pleno sertão. (GUERRA, 1989: 95)
Nesse sentido, não se vê as garantias de emprego aos sertanejos ainda durante as secas,
já que, se existe a proporcionalidade de emprego estará garantida a renda do sertanejo, assim
como está garantida a de seu empregador, o grande latifundiário, não sendo preciso que este
se retire de seu lugar de origem em busca das cidades mais úmidas, como muito ocorreu
durante as secas, o que era um grande problema para as autoridades e para os fazendeiros que
perdiam sua mão de obra. Sem contar que o açude necessitava de mão de obra para ser
construído, utilizando para tanto, o sertanejo o que seria mais uma vez vantajoso,
assegurando-lhe renda nos períodos de secas que era quando esses depositários d´água eram
construídos, servindo até como frente de obras emergenciais.
Muitas vezes os açudes também deixaram de ser construídos pelo interesse político
que existia de maneira pertinente em torno dessa técnica, tanto a favor quanto na oposição,
dependendo é claro, de quem seria o beneficiado, é o que podemos aquilatar numa fala de
Juvenal Lamartine no ano de 1955, ao se referir a esse jogo de interesses políticos:
O açude Serra Negra, no rio Espinharas, à montante da cidade do mesmo
nome, estudado, projetado, oferecendo condições para construções muito
superiores á do açude Orós, no Ceará e com a capacidade de um bilhão e
seiscentos milhões de metros cúbicos dágua, foi abandonado para não
prejudicar alguns proprietários de sua bacia de montante, que se opuseram
á construção. Este açude que beneficiaria dois Estados e redimiria contra os
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efeitos da seca uma grande porção do Nordeste Brasileiro, foi preferido por
uma barragem no Boqueirão de Oiticicas, no Rio Piranhas, onde foram
gastos vinte mil contos sem eu estudos tivessem sido concluídos e isso
porque todo mundo sabe, desde os técnicos do DNOCS, até o sertanejo mais
ignorante, que é impraticável a construção do açude Oiticicas. (GUERRA,
1989: 67)
O interesse político se fazia incessante sobre a utilização dessa técnica, nesse caso não
que o açude deixaria de proporcionar benefícios para uma maioria como assevera o Juvenal
Lamartine, mas é que, os grandes fazendeiros que tinham suas terras nesse espaço onde seria
construído esse grande açude, o Serra Negra, neste caso específico, por exemplo, seriam
prejudicados e, a importância dessas elites para o governo era significante, no que concerne a
votos e garantias de futuras eleições com o suporte político dessas elites nessa região do
Estado.
O açude nem sempre foi visto como uma técnica voltada apenas para a solução dos
problemas que a seca desencadeava no Nordeste, mas, como jogada política para obtenção de
recursos do governo federal, onde, obras eram superfaturadas, originando o que se chama de
Indústria das secas, causando para o sertanejo não vantagens, mas, desvantagens.
4. O AÇUDE COMO GARANTIA DE BARGANHAS POLÍTICAS
O Thomaz Pompeu Sobrinho intelectual e político do Estado do Ceará, afirma a
politicagem que se recaiu sobre a açudagem, onde políticos procuravam tirar proveito da
referida técnica:
Não tardou que uma asfixiante burocracia e injunções de caráter eleitoral
exercessem as suas nocivas influências sobre as atividades da repartição,
concorrendo acentuadamente no sentido de restringir as suas operações
reduzidas quase somente à construção de açudes públicos ou particulares.
As secas intercorrentes (1915-1919) contribuíram ainda mais para este fim,
com a maior interferência dos chefes políticos, cada vez mais profundas nos
trabalhos, serviços e deliberações. (SOBRINHO, 1982: 84)
A açudagem foi constituída de aparato para barganhas políticas, os relatos de
abastança e relevâncias que essa técnica garantiria ao Nordeste deu lugar a uma astúcia
política que tinha como pretensão garantir apoios políticos e dessa forma, asseverar-se no
poder, usufruindo assim dos recursos federais que eram remetidos para essa região como
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susbstanciadores para a fomentação de investimentos na construção de açudes públicos, como
de primeira importância e também de açudes particulares, esses últimos de menor magnitude,
mas que, também deveria de algum modo favorecer a um controle da situação dramática
causada pelas secas.
É o que ressalta Durval Muniz:
A imagem e o texto do Nordeste passam a ser elaborados a partir de uma
estratégia que visava denunciar a miséria de suas camadas populares, as
injustiças sociais a que estavam submetidas e, ao mesmo tempo, resgatar as
práticas e discursos de revolta popular ocorridas neste espaço. Estes
territórios populares da revolta são tomados como prenúncio da
transformação revolucionaria inexorável. As terríveis imagens do presente
servem de ponto de partida para a construção de uma imagem futura, de
uma espacialidade imaginária que estaria no amanhã, de um espaço da
utopia. (ALBUQUERQUE Jr., 2011: 208).
Constrói-se um discurso voltado para interesses próprios, tomando para si as mazelas
que afligem o povo da região, assim como impede também seu desenvolvimento, a partir daí
surge a açudagem e a irrigação que era a grande valia cogitada pelos políticos como a mais
nobre importância do açude, pois, era a partir da produção agrícola que se garantiria o fluxo
de alimentos de grande importância para a dieta dos sertanejos, diminuindo assim os
problemas da fome, doenças, migração e assegurando o sertanejo no campo, o que era um dos
maiores objetivos dessa técnica, evitando que esses levantes tomassem os grandes centros e
realizassem eventos arruaceiros como muito se viu, sem contar na penúria que era o caminhar
do interior até as grandes cidades, onde consumiam o que encontravam pela frente seja para
amenizar a fome, como por exemplo, carne podre de animais mortos, ou mesmo água suja,
para matar a sede, até mesmo casos de antropofagia foram registrados.
Quem ressalta esses eventos é o professor Frederico de castro Neves, ao se reportar ao
ano de 1958:
A situação no acampamento da construção da estrada não é das melhores.
Os “salários estão atrasados há dois dias e não há armazéns de
fornecimento”. De fato, a situação “está-se tornando quase insustentável,
dada a quantidade de homens que ali buscam trabalho”: “Os serviços, até
agora iniciados, são muito poucos, distantes um do outro, insuficientes, por
tanto, para dar ocupação a todos os necessitados”. Por outro lado, “não há
ferramenta para todos” e “ a verba destinada aos aludidos serviços não é
de molde a garantir ocupação para tanta gente durante muito tempo”. O
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governador, mais uma vez, é chamado a intervir “para verificar o que é
possível fazer, com os limitados recursos de que dispõe o Estado, para fazer
face à difícil situação que se criou com a sêca”. Com “promessas” e “meias
medidas”, os responsáveis pela obra procuraram convencer os retirantes a
retornar ao acampamento em Messejana. Mas as promessas de pagamento,
porém, não convencem um grupo de retirantes, que “começou a se mover
para Fortaleza”. Outro grupo permanece nos arredores de Messejana,
ameaçando o comércio. Um novo impasse se estabelece, enquanto, por via
das dúvidas, os comerciantes fecham as suas portas. O conflito, por alguns
momentos, foi pacificamente resolvido pela polícia, que distribuiu leite – do
próprio bolso do secretário de polícia, segundo o jornal (o democrata de
1958) – e, com o auxílio de alguns comerciantes, outros gêneros
alimentícios. O chefe dos serviços conseguiu, ainda, o pagamento de um dia
de trabalho para evitar um novo deslocamento dos descontentes. (NEVES,
2000: 12)
Eventos dessa magnitude só ocorriam nos momentos mais drásticos, quando não havia
mais nenhuma perspectiva de salvação por meio da ajuda que era empreendida pelo poder
público, ou em casos como esse, quando tardava a acontecer o pagamento dos sertanejos o
que levava alguns a se revoltar e conseguirem juntar outros em prol de saquear os galpões do
DNOCS para encontrar alimento e aliviar a fome.
Celso Furtado ao se referir as obras que eram direcionadas para o interior nos leva a
seguinte inquietação: qual era realmente a intenção daquelas autoridades? Favorecer a uma
melhor condição de vida para aqueles sertanejos ou assegurá-los no campo como garantia de
votos controlados e mão de obra para seus correligionários políticos?
Celso Furtado ressaltou o seguinte:
As obras improvisadas para ocupar a população, as medidas de curto prazo
têm como principal consequência fixar a população onde ela se encontra.
Contribuem, assim, para que não se interrompa o crescimento da carga
demográfica [...]. Ora, quanto maior for o excedente demográfico, maior
será o impacto social da sêca. (FURTADO, 1959: 69)
Havia um interesse em mantê-los atalhados, na tentativa de não transgredirem as leis
estabelecidas e mesmo, talvez, o que seria o objetivo maior por parte dessas autoridades,
assegurar o sertanejo no seu lugar na tentativa de comover autoridades federais, para que
dessa forma pudesse ser assegurada a vinda recursos para a região. Furtado também salienta:
As obras improvisadas para ocupar a população, as medidas de curto prazo
têm como principal consequência fixar a população onde ela se encontra.
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Contribuem, assim, para que não se interrompa o crescimento da carga
demográfica [...]. Ora, quanto maior for o excedente demográfico, maior
será o impacto social da sêca. (FURTADO, 1959: 69)
Ao nos debruçarmos sobre essa perspectiva percebemos como as autoridades se
articulavam com um mesmo propósito, usando para tanto, uma ideia de sobreposição por cima
de leis, de ações tendenciosas e perigosas, que na verdade tinham o intuito de disfarçar a
verdadeira pretensão, que era garantir votos e consequentemente eleições. Celso Furtado, ao
se referir a açudagem afirma que, essa não serviu efetivamente ao propósito que até então era
defendido por políticos e intelectuais, mas que, serviu à pecuária, ou seja, favorecendo não
diretamente e como deveria servir ao sertanejo e nordestino como um todo, mas, a elites
agrárias aliadas:
Se observarmos a economia da região semi-árida em suas três camadas
antes referidas, comprovamos que o efeito mais importante da política da
açudagem se faz sentir na terceira delas, isto é, no setor pecuário. O
coeficiente de mortalidade do gado durante a sêca, é hoje em dia muito
inferior ao de outras épocas. [...] No outro extremo, temos a produção de
alimentos, que em quase nada se beneficiou dos grandes investimentos
realizados no represamento de águas. [...] Na realidade em que tem
contribuído para tornar mais rentável a pecuária, a açudagem também
contribui para reter uma maior massa populacional na região. (FURTADO,
1959: 70)
E qual o propósito desses políticos com essas ações? É simples, garantir alianças
políticas para que nas eleições futuras essas autoridades estivessem afirmadas de novo no
poder, com seus votos assegurados pela estadia do homem do interior, no seu respectivo
espaço, logrando assim o que os bens públicos lhes pudessem agraciar. Essas ações consistem
num sistema de clientelismo onde não só existem relações de políticos com políticos, mas de,
políticos com elites agrárias que possuem uma importância fundamental para suas ambições
nas áreas onde residem, é o clientelismo que José Murilo de Carvalho caracteriza da seguinte
maneira:
As relações clientelísticas dispensam a presença do coronel, pois ele se dá
entre o governo ou políticos, e setores pobres da população. Deputados
trocam votos por empregos e serviços públicos que conseguem graças à sua
capacidade de influir sobre o Poder Executivo. (CARVALHO, 1997: 3-4)
Assim essas pessoas que interagiam diretamente com essas autoridades eram
beneficiadas com a construção de obras em suas regiões, ou mesmo, com a garantia de
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empregos públicos em setores da administração pública, elaborando para tanto uma relação
reelaborada da política nordestina, onde o Coronel é deixado de lado, para que, os novos
interesses sejam resolvidos diretamente com quem interessava as autoridades, sejam eles
políticos ou mesmo integrantes da sociedade que lhes favorecesse a seus propósitos,
garantindo para tanto, ao final desse jogo de poder e troca de favores, barganhas políticas por
meio de laboras para fins comuns.
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NO FLUXO DAS RIMAS: A LITERATURA DE CORDEL COMO
LINGUAGEM NO ENSINO DE HISTÓRIA
Felipe Aires Ramos1
Resumo: A Escola dos Annales é caracterizada profundamente até hoje como a que marcou uma
quebra definitiva no modo de se escrever, e, portanto, de se ensinar a História; transgredindo os limites
anteriormente impostos pela Escola metódica, ela abriu o conceito de fonte, abrangendo os mais
diversos materiais que tivessem por artífice o homem. Assim, no Brasil essa inovação também
encontrará ressonâncias na prática do ensino, alargando em muito as possibilidades de linguagens na
sala de aula e, portanto adaptando as aulas à realidade cotidiana dos alunos através de caracteres que
permanecem no seu dia-dia; essa mudança prática é visibilizada principalmente através dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s). A literatura de cordel, nesse contexto, enquanto crônica
poética e jornal “popular” contemporâneo a seu tempo, assume papel importante no processo de
educação e uma pertinente possibilidade de linguagem para a utilização na sala de aula, uma vez que
se visibiliza monumento. O presente artigo, portanto, tem como objetivo central analisar como a
literatura de cordel pode ser utilizada em sala de aula no processo de educação, claramente em
História, visando compreender como sua utilização pode ser dialogada com as recomendações dos
Parâmetros Curriculares Nacionais, explicitamente às referentes aos terceiros e quarto ciclos do ensino
fundamental. Para a realização de tal utilizarei como referencial teórico Tomaz Tadeu da Silva em
“Documentos de identidade: uma introdução às teoria do currículo”, Antônio Flávio Barbosa Moreira,
Os parâmetros Curriculares Nacionais em Questão”, os próprios PCN’s o Mark Curran através de
“História do Brasil em Cordel”, estabelecendo também pontes entre esses referenciais e alguns cordéis
a título de análise a respeito dessa relação.
INTRODUÇÃO
Considerando o alargamento que a Escola dos Annales, durante o século XX
promoveu na prática historiográfica estendendo o conceito de fontes, atualmente, a educação
brasileira vive um momento de consolidação dessas propostas, especificamente a área de
ensino da História. Neste sentido, começam a ter visibilidade novas linguagens que
anteriormente não tinha espaço no lecionar História, como, por exemplo, a música, o teatro, a
literatura entre outras linguagens que hoje se tornam possíveis de serem trabalhadas em sala
de aula.
Desse modo, muito dessa nova cultura “escolar” foi empreendida a partir da redação
dos Parâmetros Curriculares Nacionais, documento que explicita propostas e novas visões
acerca do ensinar e, mais especificamente, no caso da parte de História, do ensinar História.
Essa é uma quebra no sentido de manuseio didático uma vez que os próprios objetivos da
educação, segundo os PCN’s serão outros, muito mais vinculados à procura de uma
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Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Graduando, (PIBIC/PROPESQ)
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conscientização dos alunos enquanto potenciais agentes sociais. Esse seria, afinal, o grande
papel da educação, formar esses agentes sociais, construir novos cidadãos críticos capazes de
interferir na sociedade.
Essa afirmação será de vital importância dessa abertura no que diz respeito a
linguagens didáticas, uma vez que, no caso da disciplina História, por exemplo, existirá a
preocupação com a criação de pontes, de ligações, que o permitam conhecer a sua sociedade a
partir de sua construção histórica.
Sendo assim, o presente trabalho busca pensar a literatura de cordel, maciçamente
difundida no Brasil, e principalmente no Nordeste, do século XX, como uma nova
possibilidade de linguagem para a sua utilização na aula de História, tentando perceber as
características que a tornam um ângulo de visão diferenciado sobre determinada época, e
como ela pode ser influente nesse processo de educação proposto pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais.
PCN’S E A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA DE CORDEL COMO LINGUAGEM
DIDÁTICA
A “Annales d’Histoire Economique et Sociale” é um movimento oriundo de ,
oficialmente, 1929, criado inicialmente por Lucien Febvre e Marc Bloch. Esta, mais tarde já
consolidada escola histórica, influenciará decisivamente nos rumos que a história tomará
chegando a controlar e ser o centro da própria na sua segunda fase comandada por Braudel.
Ela, inicialmente, nasce como uma tentativa de resposta a todas as regras impostas
pela vigente naquela época História Metódica, escola esta que se apegava aos métodos, à
objetividade, neutralidade do historiador que, na verdade, seu trabalho se assemelhava e era
realmente uma coleta de dados sem, nas concepções daqueles que a fundaram, influências
externas: o historiador, portanto teria que se “despojar” de todo tipo de opinião ou
característica pessoal que pudesse atrapalhar a pesquisa e impedir, assim, que a História
chegasse limpa até a sociedade.
Pois bem, o que Fevbre e Bloch propõem justamente é a formação de uma “Nouvelle
Histoire”, distanciada o máximo possível dessa história metódica. Entre os combates que os
Annales faziam aos antecessores estavam o metodismo exagerado, a separação da história das
demais ciências, o historiador como sendo o coletor de dados e, principalmente, a mudança de
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concepção sobre fonte histórica; esta característica afetará diretamente uma futura alteração
no estudo e, logicamente, no ensino de História.
Uma das características mais marcantes da Escola Metódica, além da afeição por usar
métodos das ciências naturais no fazer histórico, era o verdadeiro estigma pelo aproveito
único e exclusivamente de documentos oficiais escritos como fonte histórica; isso demonstra
duas características que são a História política como único campo de estudo possível segundo
eles e o abandono de outros vestígios históricos. Nesse movimento, é possível perceber uma
das principais causas do abandono e da periferização, na verdade exclusão, de um material tão
rico e que diz tanto sobre uma sociedade como o cordel enquanto elemento “monumento” de
uma cultura literária.
Quanto a essa questão os Annales irão dar uma importância fundamental, propondo
uma total inversão quando, até mesmo por trabalharem com mentalidades, imaginários e
valores temporais, trazem como representação de fonte histórica todo e qualquer instrumento
que seja fruto ou tenha sofrido a ação do homem sobre si. José Carlos Reis, em seu livro “A
Escola dos Annales – A Inovação em História”, traduz bem esse pensamento proposto pela
Nova História, mais exclusivamente Febvre:
“Nesse sentido, Febvre proporá uma outra ‘inovação’: ele defenderá a
ampliação do ‘arquivo do historiador’, A história, para ele, pode ser feita
com todos os documentos que são vestígio da passagem do homem. O
historiador não pode se resignar diante de lacunas na informação e deve
procurar preenchê-las. Para isto, usará os documentos não só de arquivos,
mas também um poema, um quadro, um drama, estatísticas, materiais
arqueológicos.”(REIS, 2004, p. 77-78)
Febvre abrirá o conceito de fonte, porque abre igualmente o conceito de História, ou
seja, ao expandir o campo histórico para as demais áreas que não só o campo Político, mas
também o cultural, econômico, entre outras, ele abre a possibilidade, na verdade uma
necessidade de encontrar respostas em outras fontes; afinal, o cultural não poderia ser
encarado apenas através da utilização de documento oficiais, mas de toda e qualquer elemento
que marque a passagem e “manuseio” do homem.
Nesse contexto, se uma abertura no conceito de fonte na pesquisa histórica se dá a
partir da Escola dos Annales, essa experiência será reverberada e fará ecoar igualmente,
porém tardiamente no ensino de História, no nosso caso, no ensino de História no Brasil.
Nesse contexto, podemos localizar nitidamente um desenvolvimento dessa vertente
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historiográfica no ensino de História no Brasil a partir do lançamento dos Parâmetros
Curriculares Nacionais.
Esse conjunto de orientações teórico-metodológicas já nasce sobre o paradigma de um
multiculturalismo, conceito esse que consequentemente expande o seu campo de ação,
provocando, deste modo, uma abertura, igualmente, no campo historiográfico e,portanto, no
conceito de linguagens. No próprio documento já é alocado enquanto um dos objetivos
centrais de todo o ensino fundamental a questão da construção de uma criticidade que
possibilite a formatação de uma cidadania, ou seja, preparar o aluno para a possibilidade de
integração com o mundo em que vive. Desse modo, é afirmado que é objetivo central da
educação a partir dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s):
“Compreender a cidadania como participação social e política, assim como
exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando, no dia-adia, atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças,
respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito.”(BRASIL,
1997:07 – 08)
Para essa participação social a que o texto se refere, portanto, seria necessário a
realização de uma História alocada a partir de conceitos e de elementos queidentifiquem o
aluno dentro de sua própria cultura, de sua própria realidade, numa gradual reflexão,
inicialmente sobre sua micro realidade partindo, posteriormente para um plano mais macro
que seria o de uma realidade, seja ela territorial, cultural ou política mais ampla.
É justamente no ponto de encontro dessa preocupação em inserir o aluno dentro desse
ambiente de “realidade” que ele vive, procurando fazer com que ele desenvolva inicialmente
uma criticidade com relação ao ambiente local, à micro realidade em que ele está inserido,
que ele relaciona essa preocupação com a metodologia pela qual seria possível, ou seja, leválo a:
“Utilizar as diferentes linguagens. verbal, musical, matemática, gráfica,
plástica e corporal como meio para produzir, expressar e comunicar suas
idéias, interpretar e usufruir das produções culturais, em contextos públicos
e privados, atendendo a diferentes intenções e situações de comunicação.”
(BRASIL, 1997:07 – 08)
É nesse contexto, portanto, de uma abertura de fontes, de linguagens para o ensino de
História nos Terceiro e Quarto ciclos que é abordada a Literatura de Cordel enquanto
possibilidade de inserção de um novo elemento para o ensino desta, notadamente da História
do Brasil. “Interpretar e usufruir” dessas produções culturais públicas, como o texto se refere,
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é sinônimo de visualizar as possibilidades de identificação do cordel de um elemento literário
extremamente sujeito a interpretações, como é o caso da maioria desses recursos.
A cultura cordelística ganha muita força no Nordeste brasileiro, principalmente
durante a primeira metade do século XX. De fato, esse momento vai ser marcado pela
emergência da atuação de várias tipografias, principalmente nos limites do que José Alves
Sobrinho caracterizará como o “tripé” comercial do cordel, respectivamente Guarabira, Recife
e João Pessoa. Essas cidades serão consideradas os três principais pólos produtores de
folhetos do Brasil, com destaque para a primeira, onde, no decorrer década de 30, entre
maiores e outras de menor porte, podemos localizar cerca de nove tipografias.
Por conseguinte, os cordéis, que abordam diferentes temáticas, desde histórias
tradicionais até acontecimentos cotidianos, passam a ser analisados por historiadores não
como lugar de uma cultura cristalizada, mas como um campo em litígio, como lugar de
operação, criação, poética, sendo o mesmo (cordel) um lugar de produção e reprodução de
sentidos.
Assim, posta essa observação, é interessante notar como será visivelmente presente
nesse tipo de produção história que façam referência a fatos da História do Brasil estudados
didaticamente nas escolas.
Dentre os temas mais encontrados nos cordéis alguns que notadamente se destacam
por ter tido uma maior tiragem ou venda, são assumidamente ligados a fatos que diariamente
são estudados nas aulas de História do Brasil. Dentre os grandes temas de cordéis explorados
na pesquisa, pôde-se constatar que o Cangaço soava como conjunto temático preponderante,
principalmente quando a história era centrada nas figuras de Lampião, de Antônio Silvino, ou
de Jesuíno Brilhante; a Política também aparece como uma representação bastante recorrente
na literatura de cordel, principalmente das décadas de 30 e 40 do século XX, com a presença
de Getúlio Vargas e, consequentemente da crônica de sua morte enquanto, o ápice dessa
produção, mas também se centrando na figura de João Pessoa e, do mesmo modo, da sua
morte.
Folhetos sobre religiosidade, já que este conjunto temático, já mencionado, possuía um
apelo muito forte nessa sociedade própria da primeira metade do século XX, assim; quando
tinha como tema religiosidade, geralmente eram usados pelos poetas imagens de santos ou
profetas que possuíssem certa proximidade do catolicismo popular, como Maria, Jesus Cristo,
Frei Damião e, principalmente, Padre Cícero, alcançando uma legitimidade perante a
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população consumidora. Assim, este é outra grande temática que é explorada pelos folhetos
de cordel, a Revolta de Juazeiro e Canudos ocupam um lugar central nas produções religiosas.
Nesse contexto, Curran afirma: “A maior parte dos poemas louvam o padre Cícero e sua
causa, comparando-o a Cristo, falando de sua relação com a Santíssima Trindade Sagrada, de
sua caridade para os pobres e de sua liderança contra o governo Rabelo.” (CURRAN, 2003, p.
80)
Em suma, os 120 cordéis até então micro-filmados e analisados, desde o início da
pesquisa até agora, permitem-nos visualizar a estreita relação entre a escrita destes e o
ambiente social vigente daquele momento, tanto do autor, quanto do público consumidor,
uma vez que nenhuma prática pode ser dissociada de seu momento de criação.
Essa convergência entre a escrita de poetas como Leandro Gomes de Barros, Manoel
Camilo dos Santos, José Alves Pontes ou Francisco das Chagas Batista, entre vários outros e
o ambiente, a sociedade a que eles pertencem, permite-me considerar essas produções como
ideais para serem trabalhadas em sala de aula, uma vez que, assim, como imagens explícitas
em um livro didático, ou escritos expostos em cartas, são mais que simples monumentos, são
documentos, e investigar com os alunos as possíveis intencionalidades e as relações da sua
sociedade da época com todo o mundo em seu redor. Inserir novas linguagens, como a
utilização do cordel na sala de aulade História, é mais que simplesmente estudar o conteúdo
sugesto no livro, mas é sobretudo pensar a sociedade em que aqueles indivíduos foram
gerados e educados: uma educação de autorreconhecimento social, que os permite de elaborar
aos poucos uma visão de mundo crítica sobre essa sociedade que a rodeia e suas
características, construindo, gradativamente, essa identidade no aluno de cidadão crítico.
Tomaz Tadeu da Silva em “Documentos de Identidade: Uma Introdução às Teorias do
Currículo” pelo fato de sua preocupação com a questão da identidade, já percebe esse
movimento de atualização do currículo, principalmente pós-estruturalismo, os estudo culturais
que, segundo ele, levam em conta a preocupação da análise de diversas obras “monumentos”
vigentes da elite burguesa, como será veiculada assim o papel da mídia enquanto divulgador
de valores morais próprios de determinada época, entendendo a cultura enquanto campo de
batalhas simbólicas, assim, há, segundo ele, mesmo que não a influência imediata no currículo
escolar brasileiro, mas a formação de um “currículo oculto”, que empreende características
próprias desse ensino.
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Desse modo, a literatura de cordel pode assumir no ambiente da sala de aula de um
contextualização de tentar perceber características da sociedade que o educou (o aluno) e que
o formou; é uma percepção sobre si mesmo. Assim, inserir em uma aula sobre a Primeira
Guerra Mundial, um cordel sob título de análise de autoria de Leandro Gomes de Barros do
ano de 1918 denominado “A Alemanha Vencida e Humilhada – Victoria dos Aliados”, é mais
que estudar simplesmente sobre esse recorte espaço-temporal; isso porque esse folheto porta
todo um conjunto de valores e idéias permanentes naquela sociedade da época, ou seja,
realizar com os alunos um estudo acerca desse folheto não é apenas estudar sobre a Primeira
Guerra Mundial, mas, acima de tudo estudar sobre a sociedade que gestou o folheto, desse
modo, ao mesmo tempo em que está no folheto a seguinte estrofe se referindo ao conflito:
“Foi na Batalha do Marne
Que o americano chegou
No Oisne Saint Quentin
A sua bravura mostrou
Numa investida sem trégua
Que o allemão extranhou”2
Gomes de Barros ainda faz referência a como a sociedade brasileira recebeu as
noticias naquele momento, misturando ficção com realidade que ele, detecta a escatologia
presente numa sociedade como essa que é a do primeiro quartel do século XX, dessa maneira,
posteriormente ele afirma nesse mesmo folheto de cordel esse fato, dizendo que:
“E comprida a profecia
Do Padre Cícero Romão
Na matriz do Joazeiro
Dizendo a todo christão
Que a Guerra findaria
Sendo vencido o Allemão.”
Esse folheto estrutura seu enredo em toda a narrativa do que, supondo Leandro Gomes
de Barros, seriam as causas da derrota “allemã” na Guerra; desde a sua prepotência enquanto
força mundial, até a influência sobre as demais nações europeias daquele período como a
Áustria e a Bélgica que são as “vítimas” recorrentemente citadas nessa obra.
Porém, é narrado por um narrador suposto seguidor do Padre Cícero Romão, do qual
ele inicia o cordel com a descrição de sua profecia. Este folheto, mais que uma narrativa de
uma simples história de guerra retrata a imagem da sociedade daquele período, uma vez que o
2
Estrofe do folheto de cordel de autoria de Leandro Gomes de Barros intitulado “A Allemanha Vencida e
Humilhada: Victoria dos Alliados”.
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mesmo poeta só vem a falecer um ano após a escrita desse cordel, exatamente no ano de 1919.
Ele, na verdade, elabora uma crônica sobre a sociedade da qual ele estava inserido.
Esse, afinal, é um dos conteúdos programáticos para o terceiro ciclo do ensino
fundamental, que é o fato de conseguir estabelecer uma relação entre sociedades e culturas
diferentes e, de fato, no quarto ciclo, onde ele tem como objetivo central “utilizar conceitos
para explicar relações sociais, econômicas e políticas de realidades históricas singulares, com
destaque para a questão da cidadania” (BRASIL, 1997: 66).
A partir desse momento é interessante a percepção de como esse trabalho conota no
sentido de uma renovação quanto a uma prática que, apesar de teoricamente renovada, ainda
finca suas raízes no tradicionalismo de décadas na educação brasileira. Mais que um “préconceito”, nesse momento, é possível perceber a lenta adaptação dos professores escolares de
História quanto à realização dessa nova prática, uma vez que se torna um momento de
diferente manuseio quanto à explanação de uma linguagem como o cordel no dia-dia da sala
de aula.
Porém, se ainda há certo receio por parte dos docentes em utilizar o cordel como fonte
linguística nas aulas de Historia, há ainda outro fator que pode inverter a situação, que se
caracteriza pelo fácil entendimento pelo aluno de uma linguagem tão simples de ser entedida
como é a linguagem dos folhetos de cordel. Uma linguagem que capacita a leitura e a
interpretação. E se é essa interpretação que dá uma autonomia para o aluno, então podemos
perceber a atividade de interpretação enquanto ainda convergente com os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN’s), quando, ao sugerir uma interpretação de um texto, não ser
apenas a referência a esse documento, mas um monumento que faz menção a toda a sociedade
que rodeia o indivíduo leitor naquele momento daquela literatura de cordel.
Durante muito tempo, até por uma vinculação com a Escola Metódica existiu um
receio para o trabalho com esse tipo de fontes na área de História até, pelo fato de serem obras
de ficção, que não tem um compromisso real com a realidade, ao que eu perguntaria, qual o
documento histórico que não possui intencionalidades, que não é monumento? Qual obra
literária que não tem sobre sua construção um fundo de verdade acerca de sua sociedade?
Enfim, quais as fronteiras entre presente e passado? Quais as fronteiras entre História e
Literatura? Em “Meta-História”, Hayden Whyte, já mostrou que na verdade o que existe são
dois discursos assentados em uma mesma base, inclusive retórica. Desse modo, mais que
retórica há uma convergência que se dirige ao territorial, ao simbólico, que se dirige aos locais
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de produção. Cruzamentos que não por acaso se investem de um mesmo sentido em obras de
caráter tão diferentes como um livro didático e um folheto de cordel. Porque assumem essa
sociedade a que são gestados, espaço de influência mútua, como é perceptível, por exemplo,
em cordéis que na verdade são livros de rezas transcritos para uma linguagem mais fácil e de
fluência espontânea, ou livros que acabam falando sobre produções cordelísticas. É uma
metalinguagem que transcende os limites do privado e trazem para o público, para a escola,
para o aluno essa questão central, o cordel como materialização da sociedade a ser estudada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Enfim, lecionar a disciplina História na atualidade é mais do que simplesmente a
explanação de um conteúdo que se situa em um passado separado por um pedestal, mas sim
averiguar as continuidades e as rupturas, o que se rompeu e o que continuou como simbologia
de determinada sociedade. A Escola dos Analles, a partir do início do século XX ofereceu a
possibilidade de pensar esse dilema por outro viés.
Viés este assumido pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, os PCN’s, que já nascem
sob a proposta de uma nova relação entre presente e passado, uma proposta de interferência,
de contraste e de diálogo uma vez que pensa a História já a partir dessas renovações por quais
essa mesma passa. Pensa a História sob o conceito de ligação entre o presente e o passado;
ligação entre o público e o privado; ligação entre o sujeito e sua sociedade, seja ela localizada
no presente, ou ainda como essa mesma sociedade foi construída e a partir de que paradigmas.
É pensando nestas propostas que lancei mão de um material riquíssimo como é o
cordel para pensar como ele poderia ser pensado no ensino de História, e o resultado, de modo
bastante abrangente, é que, por se tratar de uma publicação inserida em uma determinada
época e, portanto, sujeita a um determinado contexto social, ela mesma diria muito sobre sua
realidade, como uma simples percepção dos poemas de Leandro Gomes de Barros têm em seu
interior aspectos ainda ligados a uma cultura do inicio do século XX profundamente ligada a
questões moralistas e a um ideal cristão de sociedade ao tomar, por exemplo, o Padre Cícero,
como ponto de partida de sua narrativa, sendo ele uma espécie de marco na mesma.
A partir dessa percepção, foi possível identificar que a serie de temas que tiveram mais
sucessos estão profundamente ligados a fatos históricos presentes no currículo escolar de
História, como, por exemplo, a República Velha, a morte de João Pessoa, O governo e a
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morte de Getúlio Vargas, o Cangaço, O Movimento de Juazeiro, até eventos internacionais,
como foi possível perceber no decorrer do trabalho.
Então a idéia de juntar todas essas características próprias desse tipo de literatura, com
a própria facilidade de leitura, que lhe é própria, associando ao novo projeto educacional
proferido pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, tende a permitir um ensino que valorize a
reflexão o pensamento acerca de sua sociedade, da construção da mesma no decorrer dos
tempos, conhecendo os passos da construção da mesma que se concretiza hoje como tal, um
ensino que busca, sobretudo a criação de uma criticidade sobre a sociedade em que está
imerso.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROS, Leandro Gomes de. A Allemanha vencida e Humilhada: Victoria dos Alliados.
Guarabira: Typografia Pedro Baptista, 1918.
BITTENCOURT, Circe M.F. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo:
Cortez, 2004.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais:
história e geografia. Brasília: MEC/SEF, 1997.
CURRAN, Mark J. História do Brasil em Cordel / Mark Curran. – 2. ed. 1. Reimpr – São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo
REIS, José Carlos. Escola dos Annales: a Inovação em História. 2. ed. São Paulo: Paz e
Terra, 2004.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do
currículo / Tomaz Tadeu da Silva. – 3. ed. 1. Reimp – Belo Horizonte: Autêntica, 2010.
WHYTE, Hayden. Meta-História: A imaginação Histórica do século XIX. São Paulo:
Editora da USP, 1992.
425
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CIDADE E PATRIMÔNIO: A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL E A
POLÍTICA DE PRESERVAÇÃO
Francisca Kalidiany de Abrantes Lima1
Micarla Natana Lopes Rebouças2
No Brasil, a temática do patrimônio cultural tem se ampliado nas ultimas décadas, e abriu
espaço a profícuos debates e reflexões a respeito das políticas de preservação desenvolvidas no país.
Nesse sentido, um ponto chave nas discussões em torno desses bens materiais e culturais e sua
preservação diz respeito à inserção de políticas públicas que possibilitem a implementação da
Educação Patrimonial nos espaços escolares. Os esforços para efetivar essa proposta se deparam com
questões referentes à preservação do patrimônio histórico e cultural, que se encontram à margem das
ações efetivas que os espaços escolares podem realizar. A educação como prática de cidadania requer
que questões sociais dessa grandeza sejam apresentadas para a aprendizagem e a reflexão dos alunos,
buscando um tratamento didático que contemple sua complexidade e sua dinâmica, dando-lhes a
mesma importância das áreas convencionais (Parâmetros Curriculares Nacionais- PCNs, 1997, p. 25).
Assim, Educação Patrimonial constitui um instrumento que possibilita ao indivíduo fazer a leitura do
mundo que o rodeia, levando-o à compreensão do universo sociocultural e da trajetória históricotemporal em que está inserido (HORTA; GRUMBERG; MONTEIRO,1999, p. 06). Sendo assim, um
estudo correlacionado das leis municipais e nacionais, direcionadas a uma prática no ambiente escolar,
por meio da realização de palestras que promovam a conscientização sobre a importância da
preservação desses bens, tendo como objetivo a formação de pessoas mais críticas e responsáveis
diante da problemática do patrimônio, acarretará na ideia de que conhecer e valorizar são atitudes
necessárias para a construção de uma consciência de preservação. Dessa forma, o presente trabalho
está voltado para a perspectiva de uma Educação Patrimonial que vá além de conceitos e normas préestabelecidas, mas que desperte nos alunos um sentimento de pertencimento às representações
culturais e históricas disponíveis na cidade.
Palavras Chaves: Educação Patrimonial, Política de Preservação, Cidadania.
Este trabalho é fruto de discussões e práticas desenvolvidas ao longo das atividades
do Projeto de Extensão História, Memória e Patrimônio: os lugares de memória e a
preservação patrimonial na cidade de Mossoró. As ações do projeto analisam a importância
da Educação Patrimonial para a preservação do patrimônio histórico e cultural de Mossoró.
Para tal, a proposta problematizou a viabilidade da política patrimonial na cidade de Mossoró
em dois espaços escolares da Rede Municipal de Educação, sendo elas a Escola Municipal
Joaquim Felício de Moura e a Escola Municipal José Benjamim, por entendê-los como lugar
de construção de saberes.
As discussões em torno da preservação do patrimônio cultural têm se tornado cada
vez mais presentes e difundidas, tanto no espaço acadêmico, através dos inúmeros trabalhos
de pesquisas desenvolvidos sobre o tema tanto nas Universidades, por meio de projetos de
1
2
Graduanda em História pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.
Graduanda em História pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.
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extensão e pesquisas, programas de pós-graduações, quanto no desenvolvimento das políticas
estratégicas do Governo Federal3 e dos municípios com relação aos bens culturais. Mesmo
havendo esse maior destaque e abertura sobre a temática do patrimônio cultural, muitas
cidades brasileiras ainda não conciliam o crescimento urbano e as transformações por ele
trazidas com a necessidade de conservação do patrimônio histórico edificado4. “Esses lugares
de memória5 são encarados, muitas vezes, como obstáculos ao desenvolvimento da cidade, os
quais devem ser destruídos ou modificados para permitir o estabelecimento de uma nova
forma de construir, com uma estética própria” (CHOAY, 2001). Esse quadro revela a
necessidade da criação de políticas públicas que possibilitem a preservação desses bens
materiais e culturais. Nesse sentido, a realização de atividades que promovam a Educação
Patrimonial nos espaços escolares assume uma importância central, na medida em que
possibilita a formação do olhar desses sujeitos no intuito de despertar o interesse e
sensibilidade, tendo em vista que a partir do conhecimento se faz possível a proteção e
valorização do patrimônio cultural que se tem, assim, também se desenvolve uma visão
crítica, a qual é lançada como forma de cobrar do poder público as políticas de preservação.
Os esforços para efetivar essa proposta se deparam com questões referentes à
preservação do patrimônio histórico e cultural, que, de certa maneira, encontra-se à margem
das ações efetivas que os espaços escolares podem realizar. Essa marginalização contribui
para o desconhecimento da grande maioria da população ao que diz respeito ao patrimônio
cultural da cidade e das questões relacionadas à sua preservação. Nesse sentido,
A educação como prática de cidadania requer que questões sociais dessa
grandeza sejam apresentadas para a aprendizagem e a reflexão dos alunos,
buscando um tratamento didático que contemple sua complexidade e sua
dinâmica, dando-lhes a mesma importância das áreas convencionais
(Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs, 1997:25).
3
Destaca-se dentro dessas políticas a atuação do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional), órgão federal que promove a divulgação das ações de proteção ao patrimônio.
4
Segundo Andréa V. F. Costa, o patrimônio edificado pode ser entendido como o conjunto de bens que compõe
o acervo cultural material da cidade, tendo em vista seu valor histórico e arquitetônico, sendo um espaço que
pode ser apropriado ou não pelos indivíduos.
5
Expressão cunhada por Pierre Nora. Segundo ele esses espaços depositários da memória formam-se pela
interelação entre a memória e a história. Há lugares de memória porque não há mais meios de memória.
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O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)6 entende a
Educação Patrimonial como sendo:
Os processos educativos formais e não-formais que têm como foco o
patrimônio cultural apropriado socialmente como recurso para a
compreensão sóciohistórica das referências culturais em todas as suas
manifestações, com o objetivo de colaborar para o seu reconhecimento,
valorização e preservação (IPHAN).
Assim, “Educação Patrimonial constitui em instrumento que possibilita ao indivíduo
fazer a leitura do mundo que o rodeia, levando-o à compreensão do universo sociocultural e
da trajetória histórico-temporal em que está inserido” (HORTA; GRUMBERG; MONTEIRO,
1999:06). Sob essa perspectiva, pretende-se fazer uso da Educação Patrimonial como
ferramenta mediadora no processo de preservação dos bens culturais e históricos da cidade de
Mossoró. Trabalha-se, pois, na perspectiva de uma Educação Patrimonial que vá além de
conceitos e normas pré-estabelecidas, mas que desperte nos alunos dessas escolas o
sentimento de pertencimento, as representações culturais e históricas disponíveis na cidade.
Dentre as bases teóricas e metodológicas utilizadas no trabalho foram realizadas
leituras comparativas entre as leis que regem a educação patrimonial no âmbito nacional e as
referentes ao município de Mossoró. Por meio desse estudo comparativo busca-se entender a
configuração da legislação da cidade quanto ao seu patrimônio, bem como sua relação e
adequação as políticas e diretrizes estabelecidas pelo Governo Federal. Com o estudo
correlacionado das leis municipais e nacionais, direcionaremos nossa prática para o ambiente
escolar, por meio da realização de palestras que promovam a conscientização sobre a
importância da preservação desses bens. Nessas palestras serão distribuídas cartilhas sobre
educação patrimonial. Busca-se com isso uma ação, em médio prazo, que abra caminhos para
a formação de pessoas mais críticas e responsáveis diante da problemática do patrimônio
cultural. Essas ações partem da premissa de que conhecer, valorizar e preservar são atitudes
necessárias para a construção de uma consciência crítica sobre os bens culturais e históricos
da cidade.
“O conhecimento histórico é produto da permanente interação entre o pesquisador e
seu objeto de estudo, bem como da relação entre sua prática de pesquisa e o contexto social
6
Instituição federal, vinculada ao Ministério da Cultura e responsável pela política de patrimônio cultural em
nível nacional.
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em que está inserida” (BARROS, 2007:10). Sob essa perspectiva, a Educação Patrimonial se
configura como um processo contínuo de descoberta e experimentação do pesquisador e de
seu público alvo. Através de ações conjuntas, busca-se despertar o interesse quanto à
importância da preservação dos bens históricos e culturais da cidade. Assim, pensar a questão
do patrimônio cultural e sua relação com a educação patrimonial, a partir da valorização da
memória e da cultura local, é adentrar pelos caminhos ligados a memória coletiva.
Para tal, buscamos o engajamento dos alunos em ações que promovam reflexões
sobre a importância da preservação do patrimônio, como resquício do passado, representação
simbólica de um tempo. Dessa forma, entendemos esses bens patrimoniais edificados como
“um espaço que é praticado, imaginado, reelaborado e também apropriado, passando a ser
lugar, que apresenta uma dimensão subjetiva, ligada à experiência, ao afeto, a necessidade de
raízes do sujeito” (COSTA, 2009). Esse é um dos caminhos para entendermos que o
patrimônio cultural faz parte do cotidiano das pessoas que circulam por eles ou e se
identificam com eles.
Se entendermos ser a educação algo contínuo que possibilita horizontes de
expectativa, “o dever de educar consiste em propiciar aos alunos uma reflexão sobre seu agir
diante do patrimônio de sua cidade. Para tal, conceitos e habilidades, assim como para o seu
uso na prática, em sua vida diária e no próprio processo educacional” (HORTA;
GRUMBERG; MONTEIRO, 1999:08) são necessários para a construção de um
conhecimento e compreensão do passado, bem como de sua relação dialética com o presente.
Partindo de tais pressupostos, trabalha-se em uma perspectiva interdisciplinar que propõe
construir uma consciência crítica nesses sujeitos em formação.
Apesar de constituir uma valiosa ferramenta do saber histórico, a Educação
Patrimonial ainda é pouco explorada no espaço escolar. Verifica-se a necessidade de ações
educativas no processo de gestão do patrimônio cultural e de publicização de sua importância.
Diante disso, procura-se fazer uso do processo educativo para implementar ações de
reconhecimento e valorização do Patrimônio Cultural no município de Mossoró, uma vez que
essa cidade possui monumentos históricos e manifestações artísticas que precisam ser
reconhecidas e sentidas pela população. Assumiu-se, então, a responsabilidade em promover
ações que desenvolvam e valorizem as expressões culturais, os elementos identitários que
compõem a memória coletiva “para além de lembranças de um passado que já se foi, apontará
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para as potencialidades de um futuro que se deseja construir” (HALBWACHS, 2006:108) e
fazem de Mossoró uma cidade plural.
Uma das primeiras etapas empreendidas dentro dos objetivos propostos, como já
citado, foi o estudo dirigido das políticas públicas municipais que versassem sobre
patrimônio. Nesse primeiro momento, procurou-se fazer o mapeamento das ações municipais
que se dirigissem a preservação desse rico leque de bens patrimoniais que a cidade possui,
medidas essas frágeis, isoladas e com pouca efetividade. Até 2006 o principal ordenamento
urbanístico de Mossoró era o Plano Diretor aprovado em 1973. O documento previa a
preservação de locais paisagísticos e edificações de valor histórico e cultural do município,
mas não especificava de maneira clara, o que o mesmo concebia como patrimônio histórico e
arquitetônico. Assim, mesmo diante da demonstração do interesse em se preservar esses
locais, a maneira vaga como estes foram explorados na legislação a tornaram sem força
efetiva na conservação desses bens históricos.
Outro esforço do Poder Público Municipal para proteger o seu patrimônio cultural
edificado foi a criação da lei municipal nº 148/83 a qual delimita a zona especial do corredor
cultural de preservação paisagística e ambiental, no centro da cidade de Mossoró. Nas
edificações, praças e monumentos presentes nesse setor, o denominado corredor cultural,
foram fixadas placas que os identificavam como integrantes do perímetro de proteção.
Entretanto, mesmo constituindo uma ação mais efetiva, a medida ainda possui limitações. O
projeto do corredor cultural não possui, se quer, um inventário com documentação
iconográfica das edificações protegidas.
Um novo Plano Diretor foi criado em 2006. A nova legislação define que o
planejamento urbano deve ter como objetivo o “respeito a memória construída”, bem como
institui o tombamento, “visando a preservação de bens culturais, históricos, arquitetônico e
locais de ruínas e cavernas, bem como o seu entorno num raio de 100,00m” (MOSSORÓ, Art.
41, Inciso III, 2006). A legislação também delimita a Área Especial De Interesse Histórico
Cultural – A-EIHC. Segundo o novo Plano Diretor, as edificações localizadas nesse setor
devem ser recuperadas e preservadas por possuir valor arquitetônico, histórico e cultural.
Mesmo diante dessa nova regulação urbanística mais atuante, verificou-se a necessidade de
uma normatização mais específica, que contemplem sanções àqueles que destruírem esses
patrimônios e que também estabeleçam, de fato, estratégias para promover a restauração e
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revitalização das edificações e que para além de ações pontuais desenvolva ações a médio e
longo prazo, como o trabalho de educação patrimonial.
A ação mais recente da Prefeitura Municipal no tocante a preservação patrimonial foi
a criação da lei 2.749 de 17 de junho de 2011, a qual dispõe e regulamenta o tombamento e a
preservação do patrimônio cultural, históricos, artístico e paisagísticos da cidade. Dentre as
ações previstas na legislação, encontram-se a criação do Livro de Tombo no qual seriam
inscritos os bens sujeitos à proteção por parte da prefeitura, bem como a criação da chamada
Comissão de Proteção do Patrimônio Histórico, Cultural e Paisagística do município, a qual
seria responsável por deliberar e executar os atos relativos aos dispositivos da lei. Apesar de
tratar da preservação dos bens patrimoniais de maneira mais clara, a lei reflete mais uma vez a
política frágil do poder público municipal com relação à preservação do Patrimônio Cultural,
na medida em que as ações nela previstas encontram-se, mais de um ano depois, apenas no
papel.
Outro fator agrava tal fragilidade na legislação municipal. O crescimento
experimentado pela cidade nos últimos anos tem dado lugar a ações estratégicas no sentido de
modernizá-la.
Ao mesmo tempo em que há essa transformação do espaço urbano de
Mossoró, várias edificações de importância histórica vêm sendo
paulatinamente substituídas ou destruídas, por se considerar que é essencial
adaptar, modernizar as edificações, tanto estética como funcionalmente”
(TRIGUEIRO, 2005).
Essa realidade torna-se ainda mais preocupante quando se constata que essas ações
do poder público vêm sendo feitas sem o auxílio de uma legislação efetiva que regule, de fato,
a intervenção nesses espaços.
Nesse sentido, análise da política patrimonial de Mossoró nos revelou uma grande
contradição. Deparamo-nos com o discurso oficial que faz uso da história e da memória para
promover a imagem de uma cidade de intensa vida cultural e que, portanto, valoriza o seu
patrimônio. Entretanto, contrastando com a tentativa de se firmar enquanto “Cidade da
Cultura” 7, percebemos através do estudo da legislação do município, a ausência de ações que
7
Com o objetivo estratégico de atrair recursos para a Cidade, um projeto empreendido pela Prefeitura Municipal
foi a candidatura de Mossoró à Capital Brasileira da Cultura 2007 (título concedido pelo Governo Federal desde
2006 à cidade que se destaca pelas iniciativas na área cultural).
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realmente promovam a conservação de seu patrimônio edificado. Verificam-se, medidas que
contemplam a proteção dos bens patrimoniais da cidade, entretanto, de maneira vaga e sem
efetividade. Essa realidade torna-se ainda mais evidente quando mesmo diante desse discurso
de valorização cultural, contata-se que até momento grande parte de seu patrimônio cultural
ainda não foi tombado.
Porém, a maior ausência verificada, quando se analisa a política de preservação
mossoroense, é a de ações que contemplem a Educação Patrimonial nos espaços escolares.
Tendo em vista que:
A partir da experiência e do contato direto com as evidências e
manifestações da cultura, em todos os seus múltiplos aspectos, sentidos e
significados, o trabalho de Educação Patrimonial busca levar as crianças e
adultos a um processo ativo de conhecimento, apropriação e valorização de
sua herança cultural, capacitando-os para um melhor usufruto destes bens,
e propiciando a geração e a produção de novos conhecimentos, num
processo contínuo de criação cultural (HORTA; GRUMBERG;
MONTEIRO, 1999).
Assim, o trabalho com Educação Patrimonial possibilita ao longo das ações
educativas, o conhecimento crítico e apropriação consciente dos bens culturais por parte do
educando.
A apropriação, oposto de distanciamento, é um processo em que por meio
das práticas sociais, é atribuído significado a determinado espaço,
conferindo-lhe o status de lugar [...] por meio da apropriação, o espaço é
re-elaborado no imaginário, permitindo a construção de uma visão
particular do mundo pelo sujeito social e, portanto, de sua própria
subjetividade (COSTA, 2009:10).
Como forma de levar a temática para os espaços escolares, coforme já citado, em um
segundo momento será confeccionado uma cartilha educativa. Esse material gráfico trará
conceitos básicos (tombamento, patrimônio cultural, educação patrimonial etc.) trabalhados
através de histórias em quadrinho. Além da distribuição das cartilhas, serão realizadas
palestras, momentos de interação, diálogo e discussões que contemplem a relação desses
alunos com os bens patrimoniais que estão a sua volta, isso na tentativa de despertar o
interesse desses sujeitos em conhecer e preservar tais bens.
Uma das grandes preocupações na confecção do conteúdo do material gráfico e da
preparação das palestras educativas foi adequá-los a linguagem e ao desenvolvimento
psicocognitivo do público alvo, que se constitui de alunos do Ensino Fundamental (6º ao 9º
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ano) na faixa etária entre 11 e 14 anos de idade. O conteúdo das atividades práticas foi
elaborado para que o aluno possa saber um pouco mais sobre a temática do patrimônio
histórico e cultural, de acordo com o seu interesse e curiosidade natural, ajudando-o a refletir
e a construir seu pensamento crítico e analítico.
Dessa forma, as atividades funcionarão como uma ferramenta para despertar o
interesse, desses sujeitos em formação, pela preservação dos bens culturais de sua cidade,
tendo em vista que se faz necessário uma compreensão do significado de Patrimônio Cultural
para que assim se possa pensar em preservação. Partiu-se da premissa de que o interesse em
preservar só será desenvolvido a partir do momento em que esses alunos tomem consciência
da importância desses espaços para o meio social, tanto de forma individual quanto coletiva, e
se vejam enquanto responsáveis pela sua conservação.
Muito mais que conhecê-los, é preciso fazer com que através das ações educativas,
desenvolva-se o sentimento de pertença, trabalhando-se a relação desses sujeitos com seus
bens patrimoniais e articulando a representação, a apropriação e a dimensão subjetiva que o
patrimônio assume com as ações práticas próprias da Educação Patrimonial. A ideia é
articular teoria e prática, problematizando, debatendo e fazendo com esses alunos conheçam o
patrimônio de sua cidade e mais que isso o valorize e façam parte da preservação sustentável
desses bens.
Referências Bibliográficas
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quadro teórico. Petrópolis, Rio de Janeiro; Vozes, 2007.
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identidade e valores na representação social do patrimônio edificado em Mossoró-RN.
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Khoury. São Paulo, SP- Brasil, 1981.
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MOSSORÓ, Lei Complementar nº 012/2006, de 11 de dezembro de 2006.
TRIGUEIRO, Edja Bezerra Faria. Oh de fora! Dissertação (Mestrado de História)- curso de
História da Universidade Federal de Per
A EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA E A CONVIVÊNCIA COM O
SEMIÁRIDO ARTICULANDO SABERES E PRÁTICAS NAS ESCOLAS
MULTISSERIADAS
Francisco Alisson de Oliveira*
Elaborado com a finalidade de reduzir as dificuldades metodológicas encontradas
pelos professores que lecionam no ensino multisseriado em escolas da zona rural do
município de Cajazeiras (PB), o projeto de extensão Qualificação em Educação do Campo:
Contextualização para a Convivência com o Semiárido, que serve como texto base para este
artigo, vem desenvolvendo atividades extensionistas, articulando saberes através do uso da
interdisciplinaridade e a contextualização para a convivência com o semiárido de alunos e
professores envolvidos no projeto.
Esse projeto de extensão vem ampliando, apoiando e sistematizando o processo
teórico-metodológico dos professores do ensino multisseriado da região de Cajazeiras,
beneficiando inúmeros alunos da zona rural, bem como contribuindo para o processo de
formação do bolsista PROBEX que participa das atividades desenvolvidas.
As ações extensionistas que vêm sendo trabalhadas envolveram mais do que temas e
conteúdos a serem ministrados pelos professores, uma vez que, para além das questões
relacionadas ao planejamento didático-pedagógico, consideram-se as condições oferecidas
pelo poder público municipal (infraestrutura, livros e materiais didáticos, acesso as
tecnologias e a diversidade do mundo moderno, acompanhamento sistemático das escolas e
do processo de ensino-aprendizagem, acompanhamento psicológico de professores, pais e
alunos etc.). Com isso buscou-se a melhoria da formação teórico-metodológica dos referidos
professores, bem como a (re)elaboração das metodologias de ensino.
* CFP/UFCG/Graduando em História/Bolsista PROBEX.

O projeto é vinculado ao Programa de Extensão da UFCG (PROBEX), nas vigências 2011 e 2012, e tem
coordenação da Professora Doutora Mariana Moreira Neto, com orientação da Professora Doutora Maria
Lucinete Fortunato.
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No início do projeto, foram feitos lançamentos das principais dificuldades encontradas
no modelo multisseriado local, em diversos aspectos, como isolamento das escolas,
despreparo de alguns docentes, a falta de comunicação com a Secretaria Municipal de
Educação, a falta de estrutura das escolas para melhor atender os alunos de diferentes faixas
etárias (salas com pouco espaço, refeitório pequeno e/ou inexistente, falta de um local
apropriado para a recreação e a prática de esportes etc.), falta de acomodações para alunos que
necessitam de atenções especiais, ausência de bibliotecas, videotecas, salas de leitura,
laboratórios de informática, materiais didáticos deficitários e/ou em número insuficiente etc.
Com esse levantamento em mãos, foi possível iniciar os trabalhos propostos no
projeto, onde a participação em conjunto entre os membros extensionistas, os professores
envolvidos e a parceria feita com a Secretaria Municipal de Educação, foi de vital importância
na elaboração dos conteúdos, que foram apresentados e executados durante o ano de 2011,
tendo sua continuidade no ano de 2012.
Professores e membros extensionistas
em uma das reuniões na sede da
Defensoria Pública Municipal de
Cajazeiras (PB).
Os professores envolvidos participaram assiduamente das ações extensionistas e
promoveram práticas didático-pedagógicas, em suas salas de aulas e/ou escolas,
contemplando os princípios apresentados ao longo das atividades desenvolvidas.
Foi elaborado coletivamente um plano de curso anual para a educação do campo no
município de Cajazeiras (PB), contemplando a educação para a convivência com o semiárido,
inovando sistematicamente e unificando temas, conteúdos e atividades direcionados ao ensino
multisseriado. Optamos pela pesquisa-ação (PA), devido à natureza do problema, onde
desenvolvemos nossas ações extensionistas, o qual nos remete: o aprofundamento e analise
teórico-metodológico do ensino multisseriado desenvolvido no município, e das questões
relacionadas à prática pedagógica nesta área. Desse modo, houve uma interação participativa
entre a equipe extensionista e os professores envolvidos com o projeto, possibilitando que a
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pesquisa e a ação acontecessem de forma concomitante, onde o grupo beneficiado passou por
transformações no âmbito da produção de conhecimentos e da prática.
A elaboração e posterior aplicação do plano de curso anual para a educação do campo
deu-se tendo como base as reais condições de trabalho no ensino multisseriado, vinculado à
rede pública municipal de ensino. Essa discussão foi subsidiada com a leitura e análise de
textos teóricos e os depoimentos e experiências que, quinzenalmente a cada encontro da
equipe extensionista com os professores envolvidos, eram relatados. A partir daí, foram
discutidas e elaboradas propostas de atividades. Diversos temas foram abordados, discutidos,
apresentados, formulados, distribuídos e aplicados, sempre respeitando as diferentes
disciplinas, as faixas etárias e a série de cada aluno.
Uma das ações discutidas com frequência durante o projeto foi a construção coletiva
de métodos e estratégias de avaliação que eram utilizados a partir dos temas levantados. Esse
diálogo teve como propósito trabalhar a melhor forma do aprendizado exercido pelos alunos
mediante as metodologias aplicadas pelo docente. Os professores envolvidos perceberam
que a prática da avaliação deve estar interligada com os temas, com os objetivos específicos,
com os conteúdos apresentados e com as metodologias.
Exemplificando essa questão, pode-se apresentar o uso de questionários em forma de
álbum seriado feito pelas crianças, apresentado pelo professor Francisco Lima da Silva, para o
processo de avaliação do tema “Segurança no Trânsito”, e que já demonstra um melhor
desenvolvimento, dentre outros temas, no método de verificação do aprendizado.
Capa do álbum seriado elaborado pelas crianças.
Ao mesmo tempo, a realização das atividades extensionistas possibilitou a percepção
das dificuldades enfrentadas e os déficits educacionais registrados em muitas escolas
multisseriadas do município. Situação que se manifesta tanto na parte docente quanto na parte
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estrutural. Fato este percebido e avaliado nos depoimentos cedidos pelos professores
envolvidos.
Partindo desse pressuposto, a equipe extensionista buscou incentivar a prática de
questionamentos e de avaliações, tanto tradicionais, quanto modernas, defendidos pelo fato de
que, o professor deve estar amplamente envolvido com o repasse do conhecimento e o que diz
respeito a sondá-lo, pois em um futuro acadêmico, o aluno poderá ser avaliado através desta
prática de verificação, dessa forma, em meio a um processo seletivo, feito geralmente através
de exercício de verificação de aprendizagem aplicada.
Equipe de professoras-coordenadoras e
bolsista PROBEX.
Dentro desta perspectiva, o modelo avaliativo processado e aplicado pela equipe
extensionista ajudou os professores a melhor coordenarem suas atividades dentro das salas de
aula do ensino multisseriado, sempre com a preocupação de dar uma nova roupagem ao
processo de transferência de conhecimento, como forma de driblar as dificuldades existentes
já enunciadas nas reuniões e nos questionários anteriores.
Uma atividade com um tema universal, o Natal, foi elaborada como proposta
avaliativa:
TEMAS
Natal
–
Festas
Religiosas
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
 Apresentar e trabalhar
com os professores e
alunos as diversidades
culturais encontradas no
Natal;
 Trabalhar o Natal e as
Festas de Fim de ano
dentro
do
espaço
religioso e do espaço
comercial;
 Valorizar o Natal como
festa cristã;
 Trabalhar com os alunos
as reuniões familiares
proporcionadas
pelo
Natal e pelas Festas de
Fim de Ano.
CONTEÚDO
A origem natalina;
Trabalhando os vários
símbolos do Natal;
Como o Natal é
festejado em várias
regiões;
As
celebrações
religiosas do Natal;
Natal: Festa Cristã;
Introduzir textos e
canções natalinas;
Participação da figura
do Papai Noel no
universo infantil;
O Natal e o cotidiano:
comércio, preços, etc.
METODOLOGIA
Elaboração de cartões de
Natal;
Presépio vivo e presépio como
ornamentação;
Uso de textos natalinos;
Participação dos alunos e
professores nas brincadeiras e
cantigas de Natal;
Dramatizações;
Participação de “Papai Noel”;
Ornamentação da sala de aula;
Uso do “amigo oculto”;
Uso de questionário: sobre o
conhecimento natalino dos
mais velhos;
Uso de textos explicativos;
Aulas expositivas.
AVALIAÇAO
O envolvimento e a
participação
de
professores e alunos
na
produção
das
atividades sobre o
Natal;
Pesquisas e produção
de questionários;
Realização de debates
sobre
o
espírito
natalino;
Confecção de cartazes;
Encenações
teatrais
com os presépios
vivos e/ou Papai Noel.
437
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Nessa perspectiva, percebeu-se que o material teórico-metodológico trabalhado
discutido, as reuniões, as palestras proferidas pelas coordenadoras do projeto, a troca de
experiências entre os docentes e os demais conteúdos utilizados, representaram um avanço na
resolução de muitas carências existentes no ensino multisseriado local.
Para os professores envolvidos, as ações extensionistas do projeto trazem como
principal suporte a produção de melhores condições de ensino, sobretudo devido a
possibilidade de troca de experiências e aprofundamento teórico-metodológico e didáticopedagógico. Percebe-se que a qualificação permanente dos professores, vem possibilitando
um redimensionamento sistemático do ensino nas escolas beneficiadas, já que a ampliação do
universo teórico dos mesmos tende a viabilizar uma melhoria na qualidade da educação do
campo, sobretudo no que diz respeito à contextualização e a convivência com o Semiárido.
Alunos da Escola Vital Alves de Freitas, no Sítio
Serragem, zona rural do município de Cajazeiras
(PB), uma das escolas beneficiadas pelo projeto.
Além das atividades sugeridas no plano de curso anual para a educação do campo
outras propostas foram, ao longo das ações extensionistas, sugeridas para serem
desenvolvidas nas escolas, destacando-se: trabalhar incisivamente a temática sobre a região
polarizada pelo semiárido: suas culturas2, sua climatização, sua estrutura geopolítica, projetos
governamentais de desenvolvimento, etc.; projetar estudos de campo utilizando a
interdisciplinaridade, produzindo relatórios posteriores acerca do aproveitamento de cada
estudo realizado; promover olimpíadas rurais (Esportivas, Matemática, Redação, etc.) com o
apoio da Secretaria Municipal de Educação e/ou o respectivo poder público, além da provável
participação da iniciativa privada; aplicar a diversidade de temáticas existentes em cada setor
social, como empregos e geração de renda no campo e na cidade, saúde, educação nas áreas
rurais, participações de ONGs e Pastorais no combate aos diversos males sociais, etc.;
2
Explorar as atividades culturais locais presentes, como bandas cabaçais, de pífano, ritos africanos, culturas
quilombolas, atividades rurais ligadas a cultura nordestina e/ou ao semiárido etc. fazendo com que essas
tradições não desapareçam do semblante popular.
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diagnosticar os principais motivos que levam alguns alunos a terem maior dificuldade em
absorver o conhecimento aplicado do que outros; insistir no processo de utilização de alunos
com maior facilidade de absorção do conhecimento como monitores e/ou auxiliares dos que
têm maior dificuldade; manter a prática de estímulo a leitura e a escrita: produzindo redações,
contos, cordéis, músicas, etc.; promover aulas de canto com os alunos (de preferência com a
formação de um coral infantil); promover atividades físicas pelo menos duas vezes por
semana, e estimular essa prática desde os alunos até a comunidade em geral (caminhadas,
pequenos aquecimentos físicos, prática de esportes, etc.); aplicar palestras com membros da
comunidade ou autoridades das diversas áreas sociais, sempre que possível para uma melhor
divulgação dos acontecimentos extra campo: desenvolver e estimular o dom das artes em cada
aluno: música, pintura, desenho, poesias, danças, etc.; intercalar toda e qualquer temática
utilizada dentro das várias disciplinas ministradas pelo docente no ensino multisseriado, além
de dividir as práticas que vêm dando certo com os demais parceiros envolvidos no projeto de
extensão; manter a “rotina semanal” – troca de experiências praticadas em sala de aula entre
os docentes envolvidos no projeto de extensão; trabalhar a socialização com o “quadro de
chamada” – recurso que utiliza pequenos bilhetes dos alunos quando da entrada na respectiva
instituição de ensino; priorizar o trabalho com o cabeçalho escolar – ensinando e cobrando do
alunado a produção do mesmo; continuar discutindo sistematicamente textos teóricometodológicos sobre o ensino multisseriado; manter uma integração entre escola, comunidade
e administração para divulgação dos acontecimentos extra sala ou extra campo, auxiliando na
melhor forma possível de educar os alunos; Continuar trabalhando os temas que combatem as
drogas, a violência física e sexual, o bulliyng, as hostilidades em sala de aula e nas demais
localidades, etc.; palestras com psicólogos com o apoio da SME; trabalhar o comportamento
individual de cada aluno com o uso de relatórios semanais, mensais e/ou bimestrais pelo
professor; continuar inserindo a participação da comunidade em geral na escola; trabalhar a
programação de TV local – coisa que não acontece, pois com o uso de antenas do tipo
parabólica a grade de programação que chega a zona rural é a nível nacional, abafando a
grade de programação local; incentivar o plantio e o cuidado com uma horta e/ou uma
“farmácia natural” (plantas medicinais) com os alunos; buscar melhorar cada vez mais a
comunicação e a parceria entre as escolas envolvidas, a Secretaria Municipal de Educação e o
apoio da UFCG, com seus programas (Projetos de Extensão, de pesquisa, etc.) de auxílio e
melhoramentos para uma notável qualidade de ensino nas zonas rurais e urbanas.
439
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A realização das atividades permitiu perceber a complexidade que marcar o ensino
multisseriado em escolas do município de Cajazeiras. Uma realidade que se repete em muitas
partes do país e que revela o distanciamento e, também, o descaso com que a educação do
campo é tratada pelas políticas públicas de educação em todas as suas instâncias.
Essa situação se torna complexa quando se considera a questão de uma educação
contextualizada na perspectiva da convivência com o semiárido. Os relatos e as experiências
que os professores fartamente apresentaram nos encontros do projeto exemplificaram como o
material didático, a formação docente, a relação da escola com a comunidade e com a
realidade que a circunda não considera que o aprender é uma relação que carece ser alicerçada
na realidade local e global.
A elaboração do plano de curso anual para a educação do campo que vem sendo
operacionalizado pelos professores das escolas do campo do município de Cajazeiras pode
traduzir uma primeira tentativa de construção de uma proposta diferente para as escolas do
campo deste município. A revelia da precariedade de infraestrutura, da ausência do poder
público, da falta de condições de funcionamento das escolas se faz pensar a educação como
inerente a realidade onde se vive pode ser um começo.
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LUGARES DE MEMÓRIA: SOCIABILIDADES E IDENTIDADES
Hélia Costa Morais1
Jeová Jonathan da Silva Barbosa **
2
O presente resumo busca abrir um debate acerca da problemática dos lugares de memória e sua utilização como
espaço de sociabilidades, onde o teor histórico e memorialístico pretendidos, muitas vezes, permanece à
margem. Afim de, promover uma articulação entre a intencionalidade na construção desses lugares como
detentores da memória individual e coletiva e, sua influência na construção das identidades socioculturais. Deste
modo, busca-se empreender uma reflexão em torno do patrimônio material e simbólico e sua importância
histórica para a sociedade na qual estão inseridos. O objetivo é atentar, não somente, para o valor histórico e
cultural dos lugares de memória, mas analisá-los como espaços públicos responsáveis pela interação social dos
sujeitos expostos às suas manifestações culturais, políticas, cívicas, esportivas e religiosas. Deste modo, os
lugares de memória são primordiais para a reelaboração de novas identidades e o reconhecimento dos grupos
sociais que ali se constroem, de modo que, “cada objeto reencontrado e o lugar que se encontra, no conjunto, nos
recordam uma maneira de ser comum a muitas pessoas.”. Metodologicamente, utilizou-se o cruzamento de
fontes escritas com os relatos orais de pessoas que se sociabilizam nestes espaços, afim de perceber semelhanças
e divergências no que se refere à intencionalidade desses lugares e sua apreensão pelos sujeitos que os
frequentam. Portanto, intenciona-se analisar os espaços de memória, investigando tanto seus usos materiais,
quanto seus laços de sociabilidades. Afinal, se a memória é fundamental para a construção das identidades, seu
trabalho é indispensável na produção desses lugares. Assim sendo, sua importância revela como determinados
lugares de memória são espaços modelados e modeladores da memória e dos sujeitos que por eles circulam.
Palavras Chave: Lugares de Memória, Sociabilidades e Identidades.
O presente trabalho é fruto da pesquisa realizada como membro do projeto de
extensão “História, Memória e Patrimônio: os lugares de memória e preservação patrimonial
na cidade de Mossoró”, o qual suscitou inúmeros debates e discussões acerca do patrimônio
material e imaterial da cidade de Mossoró, fornecendo resultados bastante pertinentes ao
desenvolvimento deste texto. Aqui se busca abrir um debate em torno da problemática dos
lugares de memória e sua utilização como espaços de sociabilidade onde o teor histórico e
memorialístico pretendido, muitas vezes, permanece à margem. O intuito é promover uma
reflexão entre a intencionalidade na construção desses lugares como detentores da memória
individual e coletiva e sua influência na construção de identidades de grupos que circulam ou
se apropriam das narrativas existentes nesses espaços, bem como, refletir acerca do
patrimônio material e sua importância histórica e simbólica para a sociedade que os insere.
A reflexão acerca de patrimônio inicia-se com a necessidade que o sujeito traz
consigo de legar aos seus herdeiros os seus bens, sejam eles materiais ou imateriais. Isso
significa que esses bens podem variar desde imóveis, joias, fotografias, livros e modos de
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Graduanda em História pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.
** Graduando em História pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.
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fazer. Bens que se desdobram, por exemplo, desde receitas culinárias, danças, até os
ensinamentos espirituais que, na maioria das vezes, envolvem as lições de vida que se
desejam perpetuar às futuras gerações. Ou seja, são bens:
(...) de natureza econômica, moral, religiosa, mágica, política, jurídica,
estética, psicológica e fisiológica. Constituem, de certo modo, extensões
morais de seus proprietários e estes, por sua vez, são partes inseparáveis de
totalidades sociais e cósmicas que transcendem sua condição de
indivíduos”. (GONÇALVEZ, 2003, 316-23)
Os lugares de memória são portadores de grande valor histórico e cultural, além de
espaços públicos responsáveis por grande parte da interação social das cidades. Muitas vezes,
são definidos como ponto de encontro e de sociabilidade pela população local, tornando-se
palco de manifestações culturais, sociais, políticas, cívicas, esportivas e religiosas. E, embora
a essência desses lugares seja constituída a partir das narrativas aí existentes, o conjunto
urbano e paisagístico (de seu entorno) contribui para a apreensão desses lugares como espaços
simbólicos e memoráveis. Sobre os espaços urbanos utilizados por esses lugares a
historiadora Sandra Jatahy Pesavento discorre:
A cidade é sempre um lugar no tempo, na medida em que é um espaço com
reconhecimento e significação estabelecidos na temporalidade; ela é
também um momento no espaço, pois expõe um tempo materializado em
uma superfície dada. Porém, em termos de cidade, esse tempo contado se dá
sempre a partir de um espaço construído, e não é possível pensar um sem o
outro. Quando se trata de representificar a memória — ou a história — de
uma cidade, a experiência do tempo é indissociável da sua representação no
espaço”. (PESAVENTO, 2007, p, 13).
É nesse sentido que os lugares de memória, bem como, toda a gama de patrimônio
cultural dos grupos sociais envolvidos em sua construção garantem a continuidade de
narrativas, uma vez em que representam sua própria identidade através da circulação de
valores que transcendem gerações. Isso porque a memória tende a legitimar a aproximação
entre o indivíduo e o coletivo/grupo. Para isso, é necessário o incentivo do conhecimento
crítico e a apropriação consciente pelos grupos do seu próprio patrimônio e as maneiras de
preservá-los, de modo a fortalecer o sentimento identitário e de cidadania, ou melhor,
possibilitar ao indivíduo a compreensão do seu universo sociocultural.
No que concerne às práticas de sociabilidade exercidas nestes espaços, pode-se dizer
que vão além da análise e observação do conjunto urbanístico e paisagístico, pois ali,
constrói-se a identidade social dos sujeitos ao si reconhecerem e perceberem os diferentes
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valores e interesses constituintes da sociedade. Por isso, a compreensão das representações
sociais é tão fundamental à interpretação do universo simbólico ali existente, pois “(...) cada
objeto reencontrado e o lugar que se encontra no conjunto nos recordam uma maneira de ser
comum a muitas pessoas”. (HALBWACHS, 2006).
Assim, o estudo da problemática social da memória deve considerar não somente
mecanismos, suportes, referenciais ou conteúdos e representações, mas também incluir os
agentes e as práticas que influenciam diretamente nos rumos dados à problemática da
memória e as sociabilidades consolidadas em seus espaços. Afinal, como nos alerta
Pesavento, “o espaço construído se propõe como uma leitura no tempo, em uma ambivalência
de dimensões que se cruzam e se entrelaçam através da representação”.
Os lugares de memória, segundo Pierre Nora, são espaços que possuem uma aptidão
para a metamorfose, mistos, híbridos e mutantes, têm a função de parar o tempo, bloquear o
esquecimento, imortalizar a morte, materializar o imaterial, ou seja, prender o máximo de
sentido num mínimo de sinais, quando não há intenção de memória, os lugares de memória
são lugares de história. Pois, a busca da memória e da história está ligada às sociabilidades e
ao contexto social em forma de saber cultural, sendo que “(...) o passado tende quase sempre a
ser fugido” (LOWENTHAL, 1998).
No decorrer desta discussão se faz necessário atentar para os espaços de uso coletivo,
os quais implicam na construção da memória coletiva, a qual é enraizada nos valores dos mais
diferentes grupos sociais. Sendo assim, imprescindível atentar para as alterações provocadas
pelos grupos sociais que se sociabilizam nesses espaços coletivos, a fim de perceber os
elementos simbólicos que influenciam sua composição e as práticas sociais que modelam
esses espaços e a influência exercida sobre eles. Afinal, como nos lembra Durval Muniz: “(...)
o espaço não é apenas uma superfície empírica que a nós se impõe, é antes de mais nada um
conceito através do qual tentamos apreender, significar, organizar, dar sentido a um dado
recorte feito nesta empiria desordenada.” (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2008, p, 67).
Levando em conta que o patrimônio cultural é o legado histórico determinado e
preservado pela memória coletiva, sobre o qual versam inúmeras interpretações históricas e
construções identitárias de um povo. Os de lugares de memória como patrimônio históricocultural das cidades são responsáveis pela reelaboração de novas identidades coletivas e pelo
reconhecimento dos grupos sociais que as constroem. No que se refere à questão do
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patrimônio material e sua preservação, busca-se entendê-lo como algo singular, aberto ao ver
e sentir da sociedade. Tendo-se na memória a busca da conservação e na história a
transformação dessa memória em objeto concreto.
Assim, têm-se nos lugares de memória espaços destinados a conter lembranças, no
sentido material, simbólico e funcional, que possibilitam uma integração social dos sujeitos
que se apropriam deles. O passado apresenta-se como uma maneira de examinar a cultura de
um povo e o presente como espaço de se sociabilizar com tal passado, a cultura, portanto,
mostra-se como lugar privilegiado no estudo da história social. Pois, infiltra-se também nas
redes de sociabilidades produtoras de uma dialética de comunicação, que promove novas
relações entre grupos diferentes e destes com o mundo e o contexto cultural que os cercam.
No que concerne aos lugares de memória da cidade de Mossoró, entre eles, os
Casarões da Estação Ferroviária, o Cemitério Municipal São Sebastião, a Estação das Artes
Eliseu Ventania, o Memorial da Resistência, o Museu Histórico Municipal Lauro da Escóssia,
entre outros, o poder público municipal empreendeu a construção de monumentos que
celebram a importância dos grandes feitos ocorridos na cidade. São espaços públicos,
símbolos da comemoração e ostentação de acontecimentos, como por exemplo, a libertação
dos escravos (1883), o primeiro voto feminino do Brasil (1927) e a resistência ao Bando de
Lampião (1927).
Oitenta anos após a invasão do bando de Lampião à cidade, surgiu ao poder público
mossoroense a proposta de se construir um memorial que retratasse a resistência de Mossoró
aos cangaceiros de Lampião. O Memorial da Resistência seria construído dentro de um
projeto realizado pela prefeitura Municipal de Mossoró que articularia a memória dos
acontecimentos locais em um projeto urbanístico que contemplaria acima de tudo os
interesses do mercado de eventos e de turismo. Isso porque, a organização e estruturação do
projeto do Memorial da Resistência deveriam ser adaptadas aos interesses políticos
responsáveis pelo projeto, de modo a utilizar a documentação existente para retratar o
episódio da resistência ao bando de Lampião como um grande feito heroico.
O Memorial da Resistência possui uma estrutura física que agrega prédios
posicionados linearmente, que dão aos mecanismos utilizados para
apresentar a cidade e a resistência ao bando de Lampião uma sequência dos
acontecimentos que levam o observador a pensar a invasão e a resistência
como algo extraordinário que foi cristalizado nos banners e nos uso dos
documentos expostos em painéis. (...) Nota-se que a manipulação das fontes
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para a construção dos painéis é um indício que nos faz pensar na forma que
deveria ser apresentada uma memória sobre os resistentes e na maneira
como utilizar os documentos disponíveis (FALCÃO, 2011, p. 111).
O fato é que desde a montagem do projeto até a inauguração do Memorial da
Resistência havia outros interesses além da construção de um espaço voltado para a memória
ou para a história local. O intuito principal era finalizar o Corredor Cultural de Mossoró,
composto pelas praças de Convivência, Eventos, Esporte e Lazer; o Teatro Dix-Huit Rosado,
a Estação das Artes Eliseu Ventania e finalmente, o Memorial da Resistência. De modo que, o
projeto estava para além de um Corredor Cultural, a intenção era construir um espaço
logístico muito mais voltado para os interesses de atividades econômicas e lucrativas do que a
promoção da história local. Sendo assim, esses espaços estariam: “(...) mais empenhados na
promoção das atividades turísticas da cidade do que na efetivação de um espaço voltado à
memória sobre a invasão dos cangaceiros e a resistência dos mossoroenses” (FALCÃO, 2011,
p. 109).
Deste modo, além de ser um espaço voltado à comemoração da resistência aos
cangaceiros de Lampião, sua estrutura funciona acima de tudo como suporte à lógica de
consumo e turismo local, pois, o Memorial da Resistência seria um lugar voltado, sobretudo,
ao consumo. Sobre isso, Yuri de Tasso Queiroz Pinto secretário de obras do Município de
Mossoró, responsável pelos trabalhos de organização e execução do Memorial, explica:
Em toda cidade os fatos culturais são os que chamam mais a atenção do
turista. A cidade de Mossoró não tem paisagens naturais que atraíssem a
presença do turista, como belas praias, como serras interessantes, rios com
comidas diferenciadas, ou rios caudalosos com cascatas, cachoeiras. A
gente não tinha esse tipo de geografia que trouxesse o turista para a cidade
de Mossoró. Então, qual o caminho para o turista visitar Mossoró? Então, a
gente achou que poderia ser pelo turismo de eventos, e o turismo de eventos
estaria ligado aos festejos. As populações das demais cidades gostam de
visitar as cidades em virtude dos festejos de padroeiros, de datas
comemorativas, como é o caso de Salvador, que já pegou determinada fama.
O incidente de Lampião ocorreu no mês em que aqui no Nordeste a gente
comemora o São João, então a cidade de Mossoró uniu o espetáculo Chuva
de Balas no País de Mossoró (que é o espetáculo que retrata a invasão de
Lampião) com os festejos juninos, fazendo uma grande festa e trazendo para
a cidade de Mossoró um grande número de pessoas, isso também em função
da acolhida que o povo do Nordeste presta ao turista. Assim, nada mais
importante que retratar um fato histórico tão importante para o Brasil, pois
o cangaço é contado na história desse país. E isso é um dos fatos que
marcaram o cangaço, pois são através desses eventos culturais que a gente
consegue trazer esses turistas para a cidade de Mossoró (FALCÃO, 2011, p,
209-210).
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Assim, o objetivo central do projeto de extensão, bem como deste trabalho, foi
atentar para a importância dos lugares de memória na formação das identidades locais. Isso
porque, a memória deve ser entendida como algo não cristalizado no passado, mas que
implica uma dialética permanente entre passado-presente. De modo que se faz necessário o
estabelecimento da relação entre a cultura e a história desses lugares de memória, para a
compreensão desse processo identitário.
Assim é preciso analisar esses espaços de memória investigando as alterações no seu
uso no que se refere às sociabilidades ali presentes, percebendo com isso, os elementos
simbólicos que influenciam na sua composição, uma vez que as práticas sociais que modelam
esses espaços também sofrem a influência destes. No entanto, é preciso ter em mente que as
simbologias impostas pelas elites responsáveis pela produção desses lugares são utilizadas
como objetos de manipulações dos seus receptores e não dos seus elaboradores.
As finalidades propostas por esse trabalho se albergam no cruzamento de fontes
escritas (documentação referente aos lugares de memória, neste caso, especificamente os
lugares de memória da cidade de Mossoró) com a oralidade (depoimento das pessoas que se
sociabilizam nestes espaços). Uma vez que, a metodologia da história oral explora as relações
entre memória e história ao colocar em evidência a construção da identidade, contada pelos
próprios sujeitos que se sociabilizam nos lugares de memória da cidade. Os testemunhos orais
produzem uma fonte que possibilita a construção da história, cujo processo histórico não está
acabado, pois “enquanto eventos factuais da história proporcionam o esboço da narrativa, seu
significado permanece quase inteiramente nas mais baixas frequências da comunicação oral”
(PORTELLI).
A evidência oral transforma os “objetos” de estudo em “sujeitos”, contribuindo para
uma história mais rica, viva e verdadeira. Portelli valoriza a subjetividade do narrador, pois,
segundo ele, fornecem às fontes orais, elementos inigualáveis como nenhuma outra fonte.
Thompson acrescenta que, “(...) é evidente que compilar fontes orais é uma atividade que
aponta para a conexão existente entre todos os aspectos da história e não para as divisões
entre eles” (THOMPSON, 1992, p. 92).
Portanto, o cruzamento e análise dessas fontes possibilitam a compreensão das
semelhanças e divergências no que se refere à intencionalidade na construção desses lugares e
as maneiras como são utilizados e apropriados na formação das identidades.
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Multiplicar o novo, fabricar o acontecimento, degradar a informação, são
seguramente os meios de se defender. Mas a ambiguidade que se encontra
no coração da informação acaba no paradoxo das metamorfoses do
acontecimento (NORA, 1995. p. 188).
Considerando que a história não é uma ciência de resultados, mas de contextos, a
intenção é perceber a relação dos sujeitos que usam esses espaços e como esses espaços são
sentidos pelos mesmos. Afinal, a referência ao passado serve para manter a coesão dos grupos
que compõem uma sociedade. Ou seja, a memória é também o sentido da identidade
individual e coletiva e seu trabalho indissociável da organização social da vida, pois requer
uma dialética comunicacional produtora de novas relações pessoais e culturais.
Para que a nossa memória se aproveite da memória dos outros, não basta
que estes nos apresentem seus testemunhos: também é preciso que ela não
tenha deixado de concordar com as memórias deles e que existam muitos
pontos de contato entre uma e outras para que a lembrança que nos fazem
recordar venha a ser reconstituída sobre uma base comum. Não basta
reconstituir pedaço por pedaço a imagem de um acontecimento passado
para obter lembrança. É preciso que essa reconstrução funcione a partir de
dados ou de noções comuns que estejam em nosso espírito e também no dos
outros. (HALBWACHS, op. cit. p. 39).
O conflito existente entre esses espaços de memória e sua utilização como meio de
sociabilidade, na maioria das vezes, perdem suas referências com o passado e adquirem o
poder de manipulação política e perpetuação de memórias oficiais. Isso porque, os usos e
apropriações desses lugares de memória estão ligados aos tipos de relações estabelecidas entre
as pessoas que os utiliza, de modo que tais relações caracterizam a forma e o tipo de uso que o
espaço adquire.
Pois, mesmo que um espaço seja destinado a um fim específico, não necessariamente
desempenhará a função para o qual foi construído. Isso porque, o tipo de uso ou o não uso,
serão determinados pelos valores das pessoas que os utiliza. Certeau (1995: 233) chama
atenção para este aspecto “(...) as maneiras de utilizar o espaço fogem à planificação
urbanística (...)”.
Assim sendo, a memória oficial construída por esses grupos elegem pontos do
passado a iluminar e outros a deixar no escuro, consciente ou inconscientemente. Embora, Le
Goff afirme que a memória coletiva é um instrumento de poder, onde as tradições formais
representam a consciência coletiva de grupos ou de indivíduos, contrapondo-se a
conhecimentos privativos de interesse constituídos, acredita que “(...) os esquecimentos e os
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silêncios da história são reveladores desses mecanismos de manipulação da memória
coletiva”. (LE GOFF, 1996, p. 426).
Portanto, o corredor cultural de Mossoró, assim como qualquer outro espaço de
patrimônio histórico cultural, foi construído com fins específicos, (no caso de Mossoró,
transmitir a ideia de resistência, enunciar os grandes fatos e feitos da memória coletiva local),
no entanto, suas maneiras de usos adquirem variadas apropriações. Isso porque, o valor
cultural é explícito nestes locais, mas não se sabe se são valores do presente ou do passado,
pois a intensa vida social nestes lugares, na maioria das vezes, negligencia a percepção da
trajetória de uma sociedade no tempo e a história social ali encontrada. Como afirma
Pimentel,
Para o memorioso, assim como para os lugares de memória, a experiência
pode ser trocada pela ficcionalidade de uma lembrança fortuita, escapando
da história e de seu referente - que muitas vezes apenas por efeito de
discurso (PINTO, 1998, p, 210).
Considerando que a memória está sempre disposta a resgatar o passado, através de
inúmeras matrizes que representam hábitos, recordações e lembranças, individuais e coletivas,
numa tentativa de reiterar identidades ligadas a temporalidades passadas, é imprescindível
considerar que se a memória é fundamental para a construção das identidades, seu trabalho é
indispensável na produção desses lugares de memória. Visto que, sua importância históricocultural revela como os lugares de memória são espaços modelados e modeladores dos
sujeitos que por eles circulam.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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e identidade nacional. Recife: Bagaço, 2008, p, 67.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano e as artes de fazer 16° edição. Petrópolis:
Vozes, 2009.
GONÇALVEZ, José R. O patrimônio como categoria de pensamento. ABREU, Regina e
CHAGAS, Mario (org.) Memória e patrimônio: ensaios contemporâneos. Rio de Janeiro,
DP&A, 2003, 316 p, p.23.
HALBWACHS, Maurice. Memória coletiva. 1° edição. São Paulo: Centauro, 2006.
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LE GOFF, Jaques. História e Memória; tradução Bernardo Leitão. [et. al.]. – 4. ed. –
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LOWENTHAL, David. Como Conhecemos o Passado. In: Projeto História 17. São Paulo:
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NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares; tradução Yara Aun
Khoury. São Paulo, SP- Brasil, 1981.
___________________________O retorno do fato. In: LE GOFF, Jacques. História: novos
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PESAVENTO, Sandra Jatahy. Cidade visíveis, cidades sensíveis, cidades imaginárias.
Revista Brasileira de História. São Paulo, ANPUH, vol. 27. n. 53, jan-jun., 2007. vol. 27, nº
53.
PINTO, Júlio Pimentel. Os Muitos Tempos da Memória. Projeto História, São Paulo, (17),
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PORTELLI, Alessandro. História oral como gênero.
THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral. Tradução Lólio Lourenço de Oliveira.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, p 92.
CRIANÇAS NEGRAS EM SALA DE AULA: DIÁLOGO COM AS
DIFERENÇAS
José Jaime do Nascimento1
Márcia Monique da Silva2
1. Introdução
A educação é um elemento de extrema importância para a constituição de uma
sociedade. Porém, uma reflexão mais profunda a cerca do ensino no Brasil nos revela que a
educação foi implantada para atender um público homogêneo, uma vez que a mesma foi
instaurada pela elite branca, a qual buscou assim, forjar uma nação única, sem considerar as
diversidades e disparidades humanas.
Diante deste posicionamento historicamente pensado, propomos como metodologia
utilizar a instituição escolar, juntamente com o seu elemento humano, tendo em vista, que
1
2
Aluno de Graduação do 7º Período da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG.
Aluno de Graduação do 2º Período da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte – UERN.
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ambas são agente de produção ideológica, visamos, assim, dirimir o apagamento sóciocultural do povo africano e afro brasileiros, que por centenas de anos foram representados por
estereótipos negativos.
Pretendemos, portanto, pensar uma educação plural que contemple as diferenças em
sala de aula, começando o trabalho a partir das séries iniciais, ou seja, Fundamental I. Com
este estudo, objetivamos entender como as crianças se comportam diante do diferente em sala
de aula e também investigar como professores estão agindo quando se deparam com atitudes
que representam preconceito e discriminação, motivada por questões étnicas.
Para isto, este estudo fundamentou-se em uma pesquisa do tipo exploratório. A fase
exploratória da pesquisa foi desenvolvida com o objetivo de obter-se uma visão geral das
identidades das crianças negras produzidas em sala de aula. Ao mesmo tempo, foi feito um
levantamento bibliográfico. Diante do exposto é possível destacar que a discriminação étnica
é fruto de um processo histórico de longa data, e que se prolongou
ao longo dos tempos produzindo efeitos mesmo na atualidade. Este artigo toma como alicerce
teórico os trabalhos de Fazzi (2006), Gomes (2007) e Silva (2008).
2. PENSANDO A IDENTIDADE NEGRA NO BRASIL
Por longos períodos, tentou-se construir a ideia de que somos todos iguais, tal
concepção não representa um posicionamento uniforme, quando tomamos por base os estudos
culturais, compreendemos que na realidade também somos constituídos pela diferença. Eu só
existo, porque existe um outro diferente de mim, e é a partir dessa concepção, onde se formula
a ideia de alteridade e por conseguinte as múltiplas identidades.
A diferença entre os povos, caso específico do Brasil, acaba sendo natural, pois é
através deste hibridismo que aprendemos a nos relacionar com os outros, para poder ou não
incorporar elementos que nos possibilite constituir nossa própria identidade, enquanto sujeito
social. A identidade é um processo que vai se estruturando ao longo da vida, a partir de
influência políticas, sociais, culturais e familiares.
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É fundamental perceber que o processo de identificação implica que
estejamos abertos a nos relacionar com aquilo que é diferente de nós; a
dialogar com as diferenças, pois é a partir deste diálogo que incorporamos
novos conteúdos a nós mesmos abandonando antigos, nos transformamos.
(SANTOS, p. 16)
As identidades e as diferenças são criadas com o intuito de nos aproximar de
determinadas características, e por outro lado, de nos afastar de outras, certos comportamentos
e atitudes acabam sendo exaltadas e outros são visto negativamente.
Pode-se
perceber
que estamos diante de uma dicotomia, onde criamos padrões e modelos, que nos permitem
identificar e nos diferenciar dos outros. O intento disto, é desenvolver categorizações cujo
objetivo é transparecer seus status e demonstrar a qual meio pertence ou pretende está
envolto. Diante do exposto, é necessário destacar que pertencemos um momento histórico
onde nos é permitido reconhecer as diferenças e as particularidades, de forma que as
desigualdades possam ser superadas.
[...] (para isto, é necessário) o reconhecimento das diferenças como ponto de
partida para a criação de direitos e de políticas sociais e educacionais que
possam, ao mesmo tempo corrigir as desigualdades que a sociedade originou
sem que as culturas e as diferenças de cada grupo social sejam apagadas ou
desconsideradas em nome de um princípio universal. (SANTOS, p. 38)
Como uma tentativa de ruptura do preconceito racial na escola, acreditamos que a
instituição escolar, juntamente com o seu elemento humano, tendo em vista, que ambas são
agente de produção ideológica podem funcionar como a formação de uma sociedade antiracista. O objetivo é formar um novo aluno, começando o trabalho a partir das séries iniciais,
isto é, Fundamental I, pois partimos do pressuposto que as crianças das séries iniciais, terão a
possibilidade de inserirem-se em uma sociedade livre de racismo, discriminação e
preconceito, para com uma população negra que é mais um elemento constituinte da nossa
identidade enquanto brasileiros.
Sabe-se que será um batalha árdua, pois o Ensino brasileiro foi estruturado para
valorizar o branco. Contudo, com o engajamento dos professores, dos militantes e da própria
escola, prejuízos históricos construído sobre os Africanos e afro-brasileiros poderão ser
minimizados, precisa-se quebrar estereótipos.
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Mesmo estando no século XXI se convive com resquícios de pensamentos do século
XIX, nossa sociedade ainda esta estruturada em um tradicionalismo, onde ainda as diferenças
não são respeitadas, diante deste cenário e tentando minimizar o preconceito com os povos
Afro brasileiros, pretende-se que os profissionais da área da educação se engajem na luta de
contenção a discriminação racial, mobilizando-se e responsabilizando-se pela difusão do
respeito e valorização da diversidade na escola. Sabe-se que a escola é um dos órgãos que
pode estimular o combate a discriminação, seja ela, racial, sexual e social. Mas outros órgãos:
Secretaria de Educação do Estado e Município precisam contribuir com tal iniciativa, um vez
que, existe débito de longa data para com os afro brasileiros.
Entretanto, para que as escolas contemplem as diversidades é preciso que elas se
afastem do viés universalista, este unifica todos como se fossemos um só. Sendo o Brasil
desde o princípio constituído pela mistura, isto é fato, não se pode negar e muito menos fingir
que não existe. Assim, cabe a escola ser a responsável por reforçar o debate sobre a
multiculturalidade do país.
[...] o multiculturalismo dá em destaque à diferença, ao tratamento
diferencial, para se chegar à igualdade de oportunidades. O referido
tratamento impõe, como resposta, no plano da ação, não mais o princípio da
democracia formal, mas as estratégias chamadas por alguns autores de
‘política de reconhecimento’, por outros de ‘política de identidade’ e ainda
‘política da diferença’ (GONÇALVES e SILVA, 2003, p.118 Apud
MARTINS E MUNHOZ; p 38)
Podemos inferir que o esforço por uma política multiculturalista, refere-se ao
reconhecimento de uma dívida do passado para com os negros, que começou a ser pensado
como forma de dirimir o prejuízo, este posicionamento ganhou proporções aceitáveis em fins
do século XX e primeiros anos do século XXI, tais iniciativas estão dando aos afro-brasileiros
notoriedade no meio acadêmico. O negro que antes era totalmente marginalizado e oprimido,
agora faz parte de estudos que os exaltam e os veem como agentes responsáveis por sua
própria história.
Vale lembrar que mesmo diante dos novos estudos que vislumbram os afro-brasileiros
como elemento constitutivo da identidade brasileira, que propagam o respeito à diferença e
divulgam a ideia de igualdade racial e de oportunidades ainda temos muitos resquício de uma
construção histórica centradas no eurocentrismo, onde se apregoa que o branco é superior ao
negro. Tais posições ainda se fazem presentes com muita força no imaginário social e
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institucional. A própria escola, juntamente com seus elementos constitutivos como, por
exemplo, livros e docentes, tanto estão, respectivamente desatualizados em relação à temática,
como muito dos professores não tiveram preparação e nem se interessam em incorporar em
suas aulas o ensino da cultura africana e afro-brasileira. Contudo, acreditamos que mesmo em
meio as dificuldades de inserir a cultura africana e afro-brasileira nas escolas, é através dela,
que poderemos iniciar a ruptura de muitos estereótipos que continuam sendo propagados.
3. UMA PROPOSTA ANALÍTICA SOBRE CRINAÇAS NEGRAS EM ESCOLAS
BRASILEIRAS .
Sabe-se que o Brasil é constituído por multiculturas, contudo, isso não afirma que
existe reciprocidade entre brancos e negros. O racismo do nosso país atua de forma sutil e
camuflada, de maneira que, pessoas menos atentas com a discriminação, acreditem que nossa
sociedade conviva e respeite as diferenças.
Com este estudo, pretende-se analisar como dar-se-á as manifestações raciais em sala
de aula do ensino Fundamental I, com isso, busca-se observar, as ações das crianças e também
procurar-se-á investigar como professores estão agindo quando se deparam com atitudes que
representam preconceito e discriminação, motivada por questões éticas.
Então nosso intuito é trabalhar com as crianças as questões raciais colocando-as como
protagonistas para podermos analisar, como elas atuam diante do diferente. Precisa-se
entender que elas não são apenas um folha em branco, um repositório de informações e um
sujeito paciente. Elas têm perfeitamente capacidade de criar, reforçar e recriar preconceito e
pode até influência pessoas que as circundam.
É certo também comentar que as crianças constroem suas percepções de mundo a
partir das construções sociais, através do meio ao qual estão inseridas, aí vem as influências
dos adultos, balizada pela crença religiosa, pelo convívio familiar e pela própria ação da
escola. Diante do exposto, pode-se destacar que a aprendizagem vem através do estímulo do
outro. Contudo elas também têm norral para interferirem em alguns posicionamentos
daqueles.
Como já foi comentado as crianças são susceptíveis as estruturas sociais, elas podem
até terem consciência que são negras, porém podem perfeitamente negar tal origem, pois
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desejam participar de grupos que são considerados superiores e que tem privilégios. Segundo
Fazzi (2006), “ao analisar essa questão da auto-identificação racial incorreta feita pelas
crianças Black de até 6 anos de idade acreditavam que poderiam torna-se uma criança White
se quisesse”. Como foi possível observar, diante dos vários estereótipos negativos que se
construiu sobre o negro, acabou ocasionando prejuízos a identidade da criança negra. Estas
por sua vez, não querem ser identificadas com tais valores e muitas acabam rejeitando suas
origens de influência negra, temendo assim a discriminação.
Tal desejo acaba sendo compreensivo, pois no nosso país a história do negro foi
construída em bases preconceituosas e discriminatórias. Foram vários estereótipos negativos
que foram utilizados para identificar o negro ou preto, exemplo: macumbeiro, diabo, sujo,
ladrão, pobre favelado, macaco, feio e cabelo ruim, entre outros.
Levando em consideração a idéias do branqueamento no Brasil, verificou-se que
símbolo de beleza almejado era representado por um perfil da raça branca, características:
olhos claros, cabelos loiros e lisos, nariz afilado e pele branca. Enquanto que, o negro estava
associado à feiúra, a cabelos enrolados, nariz e lábios grossos, ou seja, o negro não era um
padrão de beleza desejável pela sociedade. E isto acaba produzindo nas crianças um conceito
do que representa o belo.
Apesar das crianças considerarem, a partir do seu meio social, os traços físicos dos
brancos algo desejável e os traços dos negros repulsivos. Existe possibilidade das crianças
negras se afirmarem, para isto estas precisam estarem inseridas em um ambiente
socioeconômico favorável, mesmo assim o preconceito ainda ocorre mais com menos
intensidade. No Brasil dependendo do poder que uma pessoa negra esteja investida, ele pode
receber características pertencentes ao branco.
[...] Teste de similaridade entre crianças negras. Ela afirma que cor da pele e
tipo de cabelo, pista fornecidas no teste de similaridade, podem não ser
atribuídos salientes, quando no julgamento de si próprio. Crianças menores
de minoria podem estar identificando-se com whites “porque elas podem
agir como elas, ser felizes e bem sucedidas como elas ou jogar os mesmos
jogos” (ABOUD, 1987, p 40 Apud FAZZI, 2006, p.55).
Como já citamos, a criança é vista como sujeito ativo, e logo em seus primeiros anos
escolares, percebe que a diferencia da cor da pele produz status sociais diferentes, sendo
assim, ao longo da formação, elas criam e reforçam ou não, sua maneira de agir perante o
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outro. De acordo com alguns estudos, as crianças em seus anos iniciais, aprendem mais pelo
que ouve, do que pelo o que se vê. Então elas acabam formando suas idéias de mundo, a partir
das influências que recebem
Segundo Porter:
Demonstrou a existência de uma alta relação entre consciência e contato
inter-racial, pois as “crianças em escolas não segregadas são provavelmente
mais sensíveis para a existência de grupos raciais”. Katz, também ressaltou a
importância do contato. Segundo ela, a exposição a uma pessoa racialmente
diferente é necessária para que o conceito de raça entre no repertório da
criança e/ou para dissipar concepções equivocadas. (PORTER, 1973, p.27
Apud FAZZI, p. 57)
É interessante destacar que o racismo manifesta-se de forma distinta nos diversos
agrupamentos, ao qual as crianças estão inseridas. Existe o racismo por questões raciais e por
questões sociais. Neste o racismo é expressado a partir das atividades exercidas, ao qual o
negro ocupa na sociedade, exemplo: empregos domésticos, gari, cozinheiro e descarregador
de carros, atividades necessárias, porém sem visibilidade social. Naquela as crianças
expressam suas diferenças para com o outro, tomando por base, o critério da cor da pele, isto
faz com que elas, encarem os negros com certo grau de inferioridade e distanciamento.
Falar de raças no Brasil, gera uma certa complexidade, pois vivemos em um país
heterogêneo e que possui particularidades no que concerne a questão racial. Definir quem é
branco ou não, requer observações detalhadas, pois de acordo com o senso comum, o negro
pode ser classificado como preto, moreno, mulatos e pardos, cada uma dessas definições são
atribuídas visões distintas. No Brasil dependendo da posição que o negro ocupa, ou seja,
maior grau de escolaridade, poder político e econômico, ele pode ser considerado mais ou
menos negro. No Brasil o status social define quem é negro ou menos negro, isto é, o negro
bem relacionado possui alma branca.
[...] Aqueles que se autodeclaram pretos? Em sua grande maioria trata-se
dos negros mais pobres. Os negros que não querem se definir como “negros”
e têm uma condição um pouco melhor tende a se autodefinir como “escuros”
ou, mais ainda, como “pardos” ou “morenos”. Algo parecido acontece com
os mestiços: aqueles com uma condição melhor na rua tendem mais a se
autodefinir como brancos. Neste sentido, o termo preto forma uma
categoria-resto que contém os mais escuros ‘sem jeito” – aqueles negros com
renda, escolaridade e status baixos demais para se aventurarem no jogo dos
códigos da cor e do status. (SANSONE, 1983, p.88 Apud FAZZI, p. 57)
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Na realidade o que observou-se é que a aparência e o estilo de vida quanto mais
aproxima-se do branco melhor será, para quem tanto tempo foi marginalizado. Percebe-se que
para obter algumas características do branco, houve subdivisões, os tons da pele foram
mudando: negro, preto, mulato e moreno, este ultimo é o que mais se aproxima do branco,
então supostamente é o mais aceito em uma sociedade racista.
As negatividades produzidas sobre os negros intensificam-se pelo descaso e a falta de
conhecimento acerca da história dos Africanos e dos Afro brasileiros. Boa parte das escolas,
por terem carência de pessoal preparado no ensino da cultura da África e dos Afro brasileiros,
acaba sendo mais um agente produtor do racismo, isso pelo fato que, lidar com as diferenças é
um projeto difícil. Ressaltamos que a escola é um ambiente que se convive com pessoas de
mundos completamente díspares, e diante de comportamentos novos, fica difícil tomar um
posicionamento. Lidar com a diferença é um processo que requer calma e longa
aprendizagem, nesse ínterim caberá a escola quebrar paradigmas, estereótipos e contribuir
para a divulgação de novos sentidos e respeito à diversidade.
4. REFERÊNCIAS
CAVALLEIRO, Eliane. Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa escola. São
Paulo: Selo Negro, 2001.
FAZZI, Rita de Cássia. O drama racial de crianças brasileiras: socialização entre pares e
preconceitos. 1ª reimpressão – Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
GOMES, Nilma Lino. Um olhar além das fronteiras: educação e relações raciais. Belo
Horizonte: autêntica, 2007.
MARTINS, Roseli Figueiredo; MUNHOZ, Maria Letícia Puglisi. Professora, Não Quero
Brincar com Aquela Negrinha! - Coleção Percepções da Diferença Negros e Brancos na
Escola, Vol. 5.
OLIVEIRA, Lúcio. Tímidos ou Indisciplinados? - Coleção Percepções da Diferença Negros e
Brancos na Escola, Vol. 7.
PEREIRA, Rosa Vani. Aprendendo Valores étnicos na escola. Belo Horizonte: Autêntica
Editora, 2010. – ( Formação Humana na Escola).
PEREIRA, Júlio Emílio Diniz; LEÃO, Geraldo. Quando a diversidade interroga a formação
docente. Belo Horizonte: autêntica Editora, 2008 – (Docência).
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ROCHA, Solange Pereira da. FONSECA, Ivonildes da Silva: População Negra na Paraíba. 1ª
Ed. Campina Grande: EDUFCG, 2010.
SANTOS, Sandra. Brincando e Ouvindo Histórias - Coleção Percepções da Diferença Negros
e Brancos na Escola, Vol. 9.
SANTOS, Renato Emerson dos. Diversidade, espaço e relações sociais: O negro na geografia
do Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
SILVA, Paulo Vinícius Baptista da. Racismo em livros didáticos: Um estudo sobre negros e
brancos em livros de Língua portuguesa. Belo Horizonte: Autêntica editora, 2008. – ( Coleção
Cultura Negra e Identidade).
SANTOS, Gislene Aparecida dos. Percepções da Diferença - Coleção Percepções da
Diferença Negros e Brancos na Escola, Vol. 1.
FORMAÇÃO DOCENTE: PERSPECTIVAS TEÓRICO PRÁTICAS NO
PPC (2009) EM HISTÓRIA CFP
Josefa Emiliany Barros de Sousa1
RESUMO
Essa pesquisa é vinculada ao PIBIC/CNPq/UFCG e visa problematizar a formação do profissional
de história no Curso de Licenciatura em História do CFP/UFCG. Problematiza a proposta curricular
de 2009, levando em consideração o tipo de prática docente que ela viabiliza e as consequências na
prática pedagógica e na formação do educando. Objetiva refletir sobre as mudanças teóricometodológicas e a relação teoria/prática que o atual PPC viabiliza. A pesquisa vem sendo
desenvolvida por meio de análise documental (PPC – Ementas, Objetivos e Referências propostas para
as disciplinas e Planos de Curso) e bibliográfica, através do método qualitativo, tendo como
fundamento analítico a análise de discurso na perspectiva de Michel Foucault. De acordo com os
resultados da pesquisa há uma interatividade entre as múltiplas Sub Áreas analisadas possibilitando
que o modelo curricular implantado contemple o domínio de saberes específicos do campo da
História, bem como, seja acompanhado de discussões e reflexões embasadas em propostas teóricometodológicas que contribuem para a formação de um professor capacitado em conhecimentos
didáticos, acompanhados de uma consciência valorativa sobre o ato de educar e, consequentemente,
com habilidade crítico-reflexiva e capacidade de produzir e socializar conhecimento histórico na
prática intelectual e didático-pedagógica.
Palavras chave: Formação Docente, Currículo, Teoria, Prática.
1
Bolsista PIBIC-CNPq-UFCG. Aluna do Curso de Licenciatura em História, Unidade Acadêmica de Ciências
Socias, CFP/ UFCG, Cajazeiras, PB E-mail: [email protected].
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INTRODUÇÃO
A formação do professor e o Ensino de História só se instituíram como objeto de
reflexão, análise e pesquisa no universo dos historiadores, sistematicamente, a partir da
década de 1970. De acordo com Ernesta Zamboni,
Os trabalhos e pesquisas sobre o ensino de História desse período [década de
70] têm um caráter de relato de experiência com pouca ou nenhuma reflexão
teórica. Nos anos 80, o discurso educacional é dominado pela dimensão
sócio-política e ideológica da prática pedagógica. A produção da pesquisa
incide sobre o livro didático e começam os primeiros trabalhos sobre
currículo, e alguns muito timidamente refletem sobre uma análise teórica.
[...] A década de 90 foi marcada pela busca de novos enfoques e paradigmas
para a compreensão da prática docente e dos saberes dos professores,
embora tais temáticas ainda sejam pouco valorizadas nas investigações e
programas de formação de professores. [...] Atualmente, é necessário
aprofundarmos essa temática devido às discussões e a política do MEC, que
está relacionada a mudanças de currículo e a uma nova concepção de
licenciatura. (ZAMBONI, 2000/2001, p. 106).
A partir da década de 1980, o ensino de História passou por mudanças significativas dos
saberes históricos e do próprio fazer historiográfico, sob a influência dos novos paradigmas
historiográficos que discorrem sobre reelaborações epistemológicas e conceituais que
perpassam as noções de tempo e espaço e o status de ciência do qual a História
(conhecimento) é portadora, proporcionando diversas possibilidades e olhares para que o
historiador possa trabalhar as e com as fontes, de modo que, a História passa a ser abarcada
por alguns como o produto do trabalho do historiador, como um discurso em constante
mudança.
Também foi nesse cenário que no campo da História, como espaço de saber, foram
ampliadas as possibilidades analíticas com a inserção de novos sujeitos, novos objetos e novas
metodologias, a fim de instituir, cada vez mais, nexos interdisciplinares com os estudos
literários, as demais ciências humanas, as artes e/ou as ciências naturais, proporcionando uma
formação voltada para o professor-pesquisador.
Partindo desses pressupostos, cremos que a formação do professor de história deve ter
como preocupação principal o tipo de educador/historiador que se está formando. E como
princípio básico, a indissociabilidade entre a produção e a socialização do conhecimento,
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devendo se configurar, de forma efetiva, como uma qualificação do indivíduo para o exercício
profissional e para a vida na sociedade.
Tentando contribuir com esse debate, problematizamos as perspectivas de articulação
entre teoria e prática na construção e socialização do conhecimento histórico que têm sido
referendados pelo novo Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em História do Centro
de Formação de Professores da UFCG (PPC-2009).
Por considerarmos o currículo como um elemento de suma importância para a
organização da ação pedagógica é que adotamos o referido PPC e as possibilidades de
formação que ele viabiliza como principal fonte de pesquisa, a partir da compreensão de que o
currículo deve ser pensado, não apenas como grade curricular, mas abrangendo de forma
interligada todas as suas finalidades e potencialidades em termos de subjetividades possíveis,
pois,
As funções que o currículo cumpre como expressão do projeto de cultura e
socialização são realizadas através de seus conteúdos, de seu formato e das
práticas que cria em torno de si. Tudo isso se produz ao mesmo tempo:
conteúdos (culturais ou intelectuais e formativos), códigos pedagógicos e
ações práticas através dos quais se expressam e modelam conteúdos e
formas. (SACRISTÁN, 2000, p. 16).
Assim, o currículo pode ser vislumbrado como um conjunto de práticas que viabilizam a
produção, a circulação e o consumo de significados no espaço social, contribuindo para a
construção de identidades sociais e culturais. Ou seja, como resultado de uma seleção de
saberes que formam posturas e quando visibilizados supõem uma questão de identidade, de
subjetividade, tornando-o uma questão de conhecimento, de poder. (STEPHANOU, 1998).
Neste sentido, pode-se afirmar que o termo currículo está relacionado ao tempo histórico, a
diferentes práticas discursivas que não são passíveis de uma definição, fixa ou estável.
De acordo com as ideias defendidas por Kátia Abud podemos afirmar que é
Através dos programas curriculares [que] divulgam-se as concepções
científicas de cada disciplina, o estado de desenvolvimento em que as
ciências de referência se encontram e, ainda, que direção devem tomar ao se
transformar em saber escolar. Nesse processo, o discurso do poder se
pronuncia sobre a educação e define seu sentido, forma, finalidade e
conteúdo e estabelece, sobre cada disciplina, o controle da informação a ser
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transmitida e da formação pretendida. Assim, a burocracia estatal legisla,
regulamenta e controla o trabalho pedagógico. (ABUD, 1998, p. 28).
Acreditamos que a apreensão do processo de ensino aprendizagem na formação do
historiador, sua relação com a teoria e suas implicações contextuais, deve ser viabilizada por
meio da problematização da nossa proposta curricular, levando em consideração sua função e
seus significados, bem como, o tipo de prática docente que ela viabiliza e as consequências na
formação do educando e na prática pedagógica.
MATERIAL E MÉTODOS
A pesquisa é de natureza qualitativa, desenvolvida por meio de análise documental, na
qual investigamos as ementas, objetivos e referências propostas para as disciplinas
pedagógicas, teóricas e práticas do PPC (2009) do Curso de História do CFP/UFCG (as
disciplinas foram selecionadas tendo como critério o fato de pertencerem à nova grade
curricular e inferirem na formação teórico-prática do graduando). Também foram analisados
os Planos de Curso das disciplinas teórico-metodológicas e práticas. Outras fontes
documentais também nos deram subsídio, quais sejam: o antigo PPC do referido Curso
(1979); os Parâmetros Curriculares Nacionais PCN’s (1998); e a Legislação que tem regido o
ensino superior da década de 1960, até a nossa contemporaneidade (LDB nº 9 394/96; a
Resolução CNE/CP nº 2/2002; a Resolução CNE/CES nº 13/2002; a Resolução CNE/CP nº
01/2002; a Lei n° 1/2004; e a Resolução n° 26/2007; Parecer CNE/492/2001). Ainda foi
realizada análise bibliográfica, tomando como base textos teóricos que versam sobre leituras e
discussões a respeito de Teorias do Currículo, Formação Docente, Ensino de História e
relação entre Teoria e Prática. Com base nessas fontes problematizamos a alocação de tempos
e espaços curriculares e a relação entre teoria e prática que o atual PPC viabiliza.
Com relação à organização e análise dos dados, trabalhamos com análise de discurso na
perspectiva de Michel Foucault. Corroborando com Foucault (1996) compreendemos que os
discursos veiculados nas fontes documentais devem ser analisados como uma prática que
provém da formação de saberes, como um espaço em que poder e saber se articulam para
construir subjetivações sócio-culturais e criar identidades. Procuramos aprofundar esses
discursos em seu poder de afirmação, de construção de domínios de objetos e de codificação
de correlações de forças; como pontos de interseção entre saber e poder.
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RESULTADOS E DISCUSSÃO
O Curso de Licenciatura em História do Centro de Formação de Professores da UFCG foi
criado a partir de uma perspectiva curricular que dissociava a relação entre teoria e prática,
acatando aos requisitos considerados básicos na época de sua criação (1979) e colocando o
seu “fazer pedagógico” em volta, de um único aspecto: formar professores, sem nenhuma
preocupação com o perfil profissional, muito menos com a produção do conhecimento
histórico. Voltava-se para uma história linear, pautado num ensino por meio da transmissão e
reprodução do conhecimento, sem nenhuma criticidade e/ou reflexão.
A necessidade de se pensar um novo perfil para o Curso resultou das discussões sobre a
formação docente e do ensino de História veiculadas nas duas últimas décadas do século XX,
quando os historiadores assumiram a responsabilidade pelo que é ensinado nas escolas e
voltaram sua atenção para as novas concepções e abordagens historiográficas.
Diante das inovações que se acarretava na produção historiográfica e numa sociedade em
constantes transformações com toda a sua complexidade, o Curso de História do CFP
precisava de um novo perfil em relação à forma de se perceber a história, frente às atuais
exigências sociais e acadêmicas. Após muita discussão, e tendo como base as exigências da
SESu-MEC postas na LDB (1996) e nos PCNs (1998), um novo Projeto Pedagógico do Curso
foi aprovado em 2009, alegando ter como objetivo principal a capacidade de formar não
apenas um professor de História, mas um cidadão crítico e reflexivo da realidade que o cerca,
um professor-pesquisador com habilidades no campo do ensino e da pesquisa.
Para Moreira (2001) um dos dilemas que desafia os especialistas na organização dos
seus cursos são as dificuldades na articulação entre teoria e prática.
“A questão curricular corresponde a um processo contínuo e complicado de
desenho do ambiente escolar, um ambiente simbólico, material e humano
constantemente em reconstrução. Esse desenho para elaborar-se, requer o
técnico, o político, o estético e o ético”. (APPLE apud MOREIRA, 2001, p.
44).
A questão curricular requer teorizações concretas, esta pode ser debatida e discutida na
teoria, contudo, só será resolvida na prática. Nesse viés ocorreu uma mudança na matriz
curricular do Curso de Licenciatura em História do CFP/UFCG que foi extremamente
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importante, e seu deu em função de uma análise aprofundada das questões e demandas do
contexto acadêmico e cultural vigente numa sociedade que cada vez mais exclui os sujeitos
que não acompanham o seu ritmo de desenvolvimento acelerado. De acordo com PPC (2009),
Ao realçarmos o esgotamento do modelo curricular vigente, queremos, em
igual medida, propor outro paradigma para a formação dos historiadores
neste Centro. A partir de agora, queremos instituir uma nova relação entre a
produção e a reflexão sobre o conhecimento/saber histórico, repensando a
relação entre conhecimento e pratica social, ao posicionar o conhecimento
do real em situações novas. Enfim, são inovações que propomos diante de
um diagnóstico realizado, buscando como horizonte a reformulação de nossa
prática profissional, assumindo novas dimensões políticas, técnicas e
humanas. (PPC História CFP, 2009, p. 8).
A reformulação do novo PPC visa, pois, a inserção de conteúdos de caráter técnico e
científico, referentes às atuais exigências da comunidade acadêmica, levando em consideração
o ser humano como ator social, que edifica sua história e o conhecimento, e, por sua vez, pode
transformar a realidade a partir de uma postura ativa, ou seja, como sujeito atuante na sua
própria formação. A idéia é de que a formação do “professor-pesquisador”, reflexivo e crítico,
só será conquistada se este estiver sempre (re)pensando cada prática realizada e o significado
de cada ação desenvolvida para uma aprendizagem clara do aluno, bem como, para o seu
próprio ofício como educador.
O Curso de História do CFP/UFCG, pautado nessa nova matriz curricular, busca, desde
então, gerar uma eficácia na associação entre teoria e pratica viabilizando ao profissional de
história, habilidade para produzir e socializar o conhecimento histórico, pautado na criticidade
e na problematização.
A partir desses pressupostos, o referido Currículo, no momento da sua elaboração, foi
estruturado agregando três eixos compostos por disciplinas formadoras do historiador: eixo
obrigatório, eixo complementar e eixo optativo. Esses eixos buscam gerar uma eficácia na
nova Licenciatura, pleiteando um processo de interatividade entre teoria e prática para um
ensino/aprendizagem vinculado à pesquisa, estimulando o hábito acadêmico de produzir
conhecimento. O PPC está dividido, ainda, em quatro sub áreas: do Ensino; de Formação
Histórica; de Formação Teórica e de Formação Prática, as quais, visam possibilitar a
formação de um profissional dotado de qualidades diversificadas, com capacidade para agir
não só como sociabilizador do conhecimento histórico, mas como produtor do mesmo.
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Para a sub área do Ensino o PPC do referido Curso propõe o debate sobre toda trajetória
da educação básica, isto é, sua história ao longo do tempo e o conhecimento sobre o ensino
básico envolvendo sociedade, escola pública e educação, instrumentalizando o formando a
entender o significado destes na construção da cidadania. Ainda, são inseridos nesta sub área
uma carga de conhecimentos teóricos sobre o ensino de História, para que o formando tenha a
possibilidade de problematizar o saber histórico sob formas de produção e transmissão de
conhecimentos. O Currículo também se volta para uma perspectiva histórico-sociológica,
permitindo ao formando a abordagem da relação entre educação, Estado e sociedade, assim
como, do papel sócio-político que é preparado para a escola na nossa contemporaneidade.
Também funciona como discurso de poder perante a sociedade.
Nesse trabalho, não analisamos, de forma aprofundada, a sub área de Formação Histórica,
visto que, nossa preocupação está voltada para a relação entre teoria e prática na produção e
socialização do conhecimento histórico no atual PPC.
No que concerne à sub área de Formação Teórica, o Currículo coloca uma discussão
teórica sobre o ensino de história debatendo: o saber histórico como forma de produção e
transmissão, situações pedagógicas vivenciadas em sala de aula no ensino básico, a recepção
da historiografia no ensino de história, entre outros. Oferece uma carga de leituras que
viabilizam a reflexão do graduando a respeito das categorias e dos conceitos básicos e
fundamentais que são usados pelo historiador, como: tempo, fato, objeto e sujeito históricos,
assim como, as mais variadas fontes de pesquisas como: escrita, iconográfica, oral, tipologia,
permitindo ao formando a apreensão do conhecimento histórico com suas categorias e análise
conceitual.
Na sub área de Formação Prática o Currículo permite ao formando conhecer as mais
variadas linguagens do Ensino de História, compreendendo as chamadas novas linguagens.
Possibilita instrumentalizações dos conhecimentos indispensáveis para a elaboração de um
projeto de pesquisa em história e áreas afins, assim como, prepara o graduando para a
utilização de documentos (sejam fontes orais, imagéticas, bibliográficas, jornalísticas, etc.), e
suas metodologias.
Por fim, o PPC analisado, estabelece que, no último período do Curso, o formando terá
que apresentar um Trabalho Monográfico de Conclusão de Curso (TCC), como parte das
exigências para a aprovação na referida disciplina e para a conclusão do Curso. A pesquisa,
para este fim, começa a ser realizada a partir do terceiro período.
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Diante dessas reflexões, percebemos que a mudança na grade curricular no Curso de
Licenciatura em História do CFP/UFCG corroborou para a articulação entre teoria e prática
possibilitando a produção e divulgação do conhecimento histórico, assim como, para o
acompanhamento de discussões e reflexões embasadas em propostas teórico-metodológicas
que contribuem para a formação de um profissional capacitado, pensante e crítico, capaz de
ter uma consciência histórica e atuar de acordo com as demandas do nosso tempo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Partindo da concepção de que é característica fundamental do conhecimento a capacidade
de inovar, de atualizar-se de maneira permanente, consideramos, ao longo da pesquisa, que é
preciso desenvolver um ensino que mantenha o profissional “em dia”, com capacidade de
compreender a pesquisa como a competência de manejar conhecimento, dentro do desafio da
inovação, do questionamento constante e da articulação e intercâmbio interdisciplinar.
De acordo com essa compreensão, a ideia do PPC (2009) do Curso de Licenciatura de
História do CFP/UFCG é que o professor-historiador deve conhecer as abordagens
historiográficas nas suas atualizações contemporâneas. Enquanto educador, o historiador tem
que compreender a complexidade da história. Neste sentido, o perfil do profissional de
história neste começo do século XXI é resumido por Silveira (2008) da seguinte forma:
1º) a sensibilidade para ouvir, sentir, ‘ler’ e problematizar o mundo atual, o
seu tempo, nos seus vários percursos históricos, deixando os sentidos abertos
para o inesperado; 2º) uma extensa e intensa qualificação na alteração
histórica, significando a capacidade para mediar com os mortos é construir
narrativas – representações das experiências vividas, vivendo-se de
referências (...), procedimentos (...) e fontes (...) compatíveis e
possibilitadores de aproximação bem como de formas de construção de
narrativas; 3º) a compreensão de que o ofício do historiador é narrar para
alguém, educando-o sobre as temporalidades históricas, isto é, que o
conhecimento deve ser socializado e ser-lhe significativo; ao mesmo tempo
compreendendo, ainda este receptor de sua mensagem também como
produtor de narrativas. (SILVEIRA, 2008, p. 29-30).
Considera-se, que hoje o profissional de História necessita estar pronto para enfrentar as
demandas deste século considerando suas complexidades. E a universidade, por sua vez, deve
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estar preparada para garantir uma formação de qualidade para o historiador, tornando-o
capacitado para agir no seu tempo como um verdadeiro agente de conhecimento.
Portanto, acreditamos que o PPC analisado já foi produzido com base nos conceitos
vigentes de que a escola como instituição social deve acolher a diversidade cultural, bem
como, os conhecimentos dos diferentes grupos. Além disso, está imbuído da concepção de
que a mudança no ensino de História é indispensável não apenas para romper com as práticas
homogeneizantes e mnemônicas, mas para corroborar com a invenção de inovadoras ações
escolares. O profissional de história deve seguir esse processo, uma vez que, de acordo com
essa apreensão, espera-se que o mesmo tenha competência para assumir um compromisso
com o ensino e com a prática da pesquisa e seja consciente do papel que a educação superior
concebe para a sociedade.
Quanto ao perfil do Curso de Licenciatura Plena em História, busca-se integrar teoria e
prática, produção e divulgação do saber histórico, de modo que haja uma melhoria qualitativa,
tornando, assim, o ensino mais problematizante. Neste sentido, objetiva-se, formar
profissionais de perfil atualizados e capacitados na produção e compreensão do conhecimento
histórico.
O atual PPC do CFP/UFCG é voltado, pois, para a formação de um profissional, cujo,
perfil possibilite que ele se mova nos diferentes espaços disponíveis para um profissional de
história, como: na sala de aula, no campo da pesquisa, arquivos, entre outros. Com base no
estudo e análise das disciplinas implantadas, pode-se observar que um melhor nível de ensinoaprendizagem é colocado à disposição do formando, uma vez que estas novas disciplinas,
sobretudo as teóricas e práticas, estão embasadas em inovações que versam sobre questões
necessárias a formação do professor-pesquisador.
REFERÊNCIAS
ABUD, Kátia. Currículo de História e políticas públicas. In: BITTENCOURT, Circe Maria F.
(Org.) O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 1998.
FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Petrópolis: Vozes, 1996.
MOREIRA, Antônio Flavio Barbosa. O campo do Currículo no Brasil: os anos noventa. In:
Currículo sem fronteiras, v.1, n. 1, pp. 35-49, jan/jun 2001. Disponível em:
www.curriculosemfronteiras.org.
466
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SACRISTÁN, J. Cimeno. O currículo: uma reflexão sobre a prática. 3. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2000.
SILVEIRA, Rosa Maria Godoy. A formação do profissional de história para o século XXI.
In.: CITTADINO, Monique; GONÇALVES, Regina Célia (Orgs.). Historiografia em
diversidade: ensaios de história e Ensino de história. Campina Grande-PB: Editora
Universitária/UFCG, 2008, p. 17-32.
STEPHANOU, Maria. Currículos de história: instaurando maneiras de ser, conhecer e
interpretar. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 18, n. 36, p. 15-38, 1998.
UFCG. Resolução 04/2009 (Câmara Superior de Ensino (CSE) da UFCG).
ZAMBONI, Ernesta. Panorama das pesquisas no ensino de História. Saeculum - Revista de
História, João Pessoa, Departamento de História da Universidade Federal da Paraíba, n. 6/ 7,
jan.dez.
2000/2001,
p.
106.
Disponível
em:
<http://www.cchla.ufpb.br/saeculum/saeculum06-07_art09_ zamboni.pdf>.
DOS MINÉRIOS INTRATERRENOS A VIAGENS A LUA: VIDA E
ESTUDOS DO DIVULGADOR CIENTÍFICO
Juliana Cavalcante Bezerra Silva1
Ionara Rafaela Costa de Oliveira2
Resumo
Várias são as facetas da memória, entre elas, o esquecimento. Por tais efeitos, muitos são
deixados a “beira do caminho”, o que contribui para a escassez de estudos, como acerca do cientista
divulgador literário Rômulo Argentière. Desenhando um breve panorama das ciências que
perscrutaram os estudos deste estudioso, entre estas, a Mineralogia, Geologia, Química, Física,
Radioatividade, Astronáutica e Astronomia, realçamos dois aspectos que se relacionam, intimamente,
com a realidade do Nordeste, o papel desta última em seus estudos e a própria vida do cientista que
muito se esforçava em divulgar seus trabalhos e de outros renomados estudiosos de forma atrativa ao
leitor, personalidade escriturária esta que me fez caracterizá-lo – calcada em obra de Maria S. Mora –
como um divulgador, como citado acima, literário e não apenas isto, mas também fazedor de ciência.
Para a contemplação de tais objetivos, utilizei leituras de obras de/sobre o cientista em questão, entre
estes, manuscritos ainda não publicados e bibliografia referente ao tema.
Palavras-chave: Rômulo Argentière. Ciências. Nordeste.
1
Discente do 7° período do curso de História da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e
bolsista do Projeto de Extensão Coleção Mossoroense: incentivo à leitura e formação de bibliotecas – PROEXT/
MEC.
2
Discente do 3° período do curso de História da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e
bolsista do Projeto de Extensão Coleção Mossoroense: incentivo à leitura e formação de bibliotecas – PROEXT/
MEC.
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Biografia: um percurso pelos espaços da vida do cientista divulgador literário, Rômulo
Argentière
O início do século XX representou uma ebulição de nascedouros expressivos para a
humanidade, o ano de 1916 vira nascer a Academia Brasileira de Ciências, a Teoria da
Relatividade Especial e Geral de Albert Einstein, assim como o professor e divulgador
científico, Rômulo Argentière. Sendo, justamente, sobre a vida e as obras deste, sobretudo as
relacionadas a Astronomia, que debruçamos nossa pesquisa, com a perspectiva de angariar o
máximo a respeito de sua história e os frutos desta, principalmente as partes que tiveram
como palco o Nordeste brasileiro.
Descendente de franceses, Rômulo R. Argentière nasceu a 23 de dezembro de 1916,
na cidade de Amparo no Estado de São Paulo, Brasil. Aos dezesseis anos viajou para a
Europa onde estudou na École de Physique et Chimie (concluindo em 1938) e,
posteriormente, na École National Superieur des Mines, retornando ao Brasil após concluir
tais estudos em 1948.
Argentière se fez notar não somente na divulgação das ciências espaciais brasileiras,
mas também em estudos geológicos, climáticos e botânicos nordestinos. Assim, engajou-se
em diversos trabalhos, sendo interessante atentar-se para o fato de que estes não se resumem
apenas a divulgação científica, mas também
Sendo engenheiro de Minas e especialista em radioatividade natural, veio a
ser um dos pioneiros na prospecção de minerais radioativos em território
nacional (...), consultor governamental para assuntos militares e técnicocientíficos, em especial durante a Era Vargas (ALVES; MENESSES;
ANDRADE, s/d, p. 01).
Tendo começado, assim, a estudar o Nordeste. Região que mais tarde serviria de
cenário pra seus mais extensos estudos e também seu lar ao lado da costureira Marinês Dantas
Argentière, a qual muito se esforçou em colaborar com seu marido, tanto de forma afetiva,
estando ao seu lado mesmo nas maiores crises de sua vida, como a econômica, com a humilde
aposentadoria de R$100,00 e mantendo-se firme nas costuras, maneira simplória, mas que
muito significou em seu orçamento e algumas vezes intelectual, com certas observações em
sua escrita, como o próprio agradece no início de seus manuscritos sobre a água
A professora Marinês Dantas, pela paciente correção deste livro durante
vários anos; pelos cuidados que teve com a minha saúde e pelo trabalho que
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desempenhou nos momentos mais difíceis de minha vida, sem cuja
assistência esta obra não teria sido terminada.
A maioria indiscutível dos registros acerca da vida de Rômulo Argentière e seus
trabalhos foram produzidos por pessoas que mantinham relações, geralmente, diretas com ele,
o que dificulta uma visão mais ampla das ações do mesmo. O termo “paixão” e alguns
sinônimos são, frequentemente, empregados quando estes autores se referem ao interesse de
Argentière pelo Nordeste brasileiro. Aturdidos tão somente pelo romantismo entoado a figura
do mártir conferida a este, sem se referir ao óbvio em seu próprio convívio, como sendo
característica para compreendê-lo e não apenas desmistificá-lo.
Devido sua proximidade com os estudos relacionados ao Nordeste, seu tão comentado
encantamento com esta terra, mas também, imprescindivelmente, dificuldades financeiras e
familiares fizeram com que esta região lhe parecesse um recanto auspicioso, principalmente
por nela estarem amigos como Vingt-un Rosado que muito lhe ajudou, nutriam afinidades
como, por exemplo, o interesse por numerosos assuntos, geralmente, díspares. Os trabalhos de
R. Argentière foram trazidos a baila no cenário nordestino porque ambos (o cientista e a
região) careciam um do outro, não que estes não mantivessem uma relação além de tal
interesse, que chegava a ser pela própria sobrevivência, houve afeição, assim como negócio. É
bem verdade que dedicou 40 anos de sua vida a pesquisa da água e outros assuntos referentes
ao Nordeste, mas também, provavelmente, reconhecia a carência de estudos nas diversas áreas
científicas na região, o que poderia lhe ser muito útil em sua carreira profissional, ou seja, a
costumeira frase “unir o útil ao agradável” faz jus ao empregá-la em tal conjectura.
O mundo que vira nascer um dos mais brilhantes cientistas do Brasil, em 17 de março
de 1995 também presenciou seu falecimento. Mas, o mundo e nem o próprio Rômulo
Argentière eram os mesmos, muito havia se passado e vivido e as mudanças moldaram
ambos. Vítima de um carcinoma no esôfago, Argentière não resistiu à cirurgia que esperavam
fazê-lo viver um pouco mais. Fora sepultado no humilde cemitério do Bom Pastor em
Natal/RN.
Geralmente, após a morte de relevantes figuras, a sociedade tende a tributá-la
homenagens, mas mesmo com sua partida, ela não o fez e continua não fazendo de forma
digna, visto que entre as escassas homenagens lhe dedicadas estão a denominação “de
Rômulo Argentière a segunda Ponte sobre o Rio Mossoró, na Avenida Dix-Neuf Rosado, no
sentido Centro/Campus Universitário, na cidade de Mossoró, neste Estado” (Diário Oficial do
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Estado do Rio Grande do Norte, 1996), Medalha de Mérito Alberto Maranhão, do Governo do
Rio Grande do Norte e a Medalha Honra ao Mérito da Fundação Espacial do Recife (1972).
Quanto ao setor econômico, mesmo da aprovação da sua pensão por parte do governo,
Argentière não chegou a ser conhecedor. Não desejo aqui, forçar o poder persuasivo que
poderia ter o meu parecer, mas este drama aparentasse com uma peça de dramaturgia
ficcional, pelas portas que foram abertas e fechadas em seu percurso, visto que, como
descreve Vingt-un Rosado
Na noite de 16 de março, o Governador me telefonou para comunicar que
acabara de assinar o decreto que concedia a Rômulo Argentière uma
pensão especial de 10 salários mínimos.
O cientista já se encontrava na UTI do Hospital Onofre Lopes onde veio a
falecer no dia seguinte (ROSADO, et alii, 2002, p.04).
A morte que às vezes trás a glória, também pode trazer a extirpação, assim como a
vida em sua longura, havendo tempo para o ápice e para a cadência. Alguns com prestígio em
vida e a indiferença da morte, outros com desconsideração em vida e honra na morte, mas há
ainda aqueles “esquecidos em vida”, como me disse o professor da Universidade Federal do
Semi-Árido, Francisco Ernesto Sobrinho, responsável por organizar parte dos manuscritos de
deixados por Argentière, documentos estes em posse da Fundação Vingt-un Rosado.
Astrologia x Astronomia
Historicamente, os astros que mais mexem com a mente humana – independente de
tais mentes serem reconhecidas nacionalmente ou não, serem cientistas ou mesmo poetas –
são o Sol e a Lua, por serem os mais próximos de nós. O Sol é intimamente ligado à vida na
Terra, tanto ao seu nascedouro e preservação, quanto à natureza, crenças e práticas
costumeiras. Tanto o é, que a exemplo temos o que o Astrônomo Ronaldo Mourão se referiu
em sua obra
A atividade solar está em íntima correlação com vários fenômenos que se
passam a superfície da Terra, tais como a frequência das auroras boreais,
as variações de declinação magnética. As explosões solares (...), são
responsáveis pelo aumento da atividade solar, da qual derivam (...) as
excitações ionosféricas, que influem nas transmissões radiofônicas, emissões
de televisão, etc.(MOURÃO, 1977, p. 21, 26)
As chuvas excessivas, as secas desgastantes, luzes que riscam a face do manto celeste,
a morte, a vida, a regularidade e novidade dos passos dos astros, a dança da qual todos nós
somos espectadores – na qual também nos é ofertado uma cena – e as possíveis causas
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históricas para cada uma destas manifestações naturais, são encontradas nos mais diversos
mitos espalhados por toda a História do mundo, este existindo de forma diferente para cada
cultura.
O que outrora fora considerado o estudo da influência do posicionamento dos astros
sobre a vida humana, ganhou a forma de um conhecimento relacionado a amplitude da
investigação celeste. Entre suas contribuições para este cenário científico, Argentière escreveu
acerca de viagens espaciais e a este subsídio soma-se a relação entre manchas solares e as
secas no Nordeste.
Como vários são os perfis e usos deste autor e não ser costumeiro o uso de termos
astronômicos3 no meio historiográfico se torna apropriado uma explanação acerca do aporte
das manchas solares sobre o nordeste brasileiro. É sabido que a física solar foi iniciada através
da observação telescópica feita por Galileu Galilei, em 1610, quando descobriu entre outros
achados de grande repercussão, as manchas solares e a rotação do Sol. É entendido por
mancha solar, segundo Mourão, como a
Manifestação da atividade solar que se apresenta sob forma de uma mancha
escura ocupando uma pequena região do disco solar e fazendo em geral
parte de um grupo de manchas. As manchas, cujas dimensões são de alguns
milhares ou dezenas de milhares de quilômetros, surgem e evoluem em
forma e posição para desaparecerem em tempo que varia de algumas horas
a algumas semanas. (MOURÃO, op. cit., p.500).
Apesar de a teoria de Argentière quanto às influências solares no clima terrestre não
ser pioneiro, visto que seu contemporâneo Ronaldo Mourão a mencionou como um estudo já
existente, é válido ressaltar que trouxe tal estudo para a realidade nordestina, introduzindo-a
em importante local de estudo para a Astronomia – já que as vistas científicas ainda não se
debruçavam sobre várias questões que afligiam o Nordeste – delimitando o responsável solar,
sendo as manchas solares as interventoras, para tanto, retificou teorias de cientistas
renomados como Herschel e Derby, que defendiam a influência do ciclo undecenal (onze
anos) – no qual ocorre o aumento e decréscimo do aparecimento de manchas escuras na
superfície solar – de manchas solares na periodicidade das secas. Apesar de sua negação a tal
conclusão, Argentière reconhece incontinência dos estudos científicos e a variedade de
possibilidades no trato com as questões levantadas pela mesma, sendo que diferentes ciclos
solares estariam influenciando e não apenas o undecenal
3
Apesar de reconhecer que algumas adjacências históricas provêm da Astronomia, como a palavra “revolução”.
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A partir da segunda metade do século XIX, alguns astrônomos tentaram
explicar os períodos secos, úmidos e glaciais através do ciclo undecenal de
manchas solares. (...) A ciência atual não dispõe ainda de elementos
suficientes para fazer uma triagem individual e responsabilizar este ou
aquele fator na produção de secas ou de períodos glaciais. Talvez todos
façam parte de um processo integrado (ARGENTIÈRE, 1983, p.123).
Sendo objetivo e direto, mas preocupado com a compreensão por parte dos futuros
ledores, desenvolve sua obra decorrendo com imagens, gráficos e longas explicações, depois
sintetiza o resultado de seus estudos sobre o tema, resumindo o que conclui ao fim de seu
estudo, por exemplo, acerca de seu prognóstico solar e terrestre em quatro pontos principais
1 ) Apenas um ciclo restrito está ligado às manchas solares.
2 ) As estatísticas mostram que os ciclos de secas estão ligados a um
andamento geral da atividade solar;
3 ) a atividade solar tem influência na microfísica das nuvens.
4 ) A importância destes estudos é inegável e afeta a vida de cerca de 25%
da população do Brasil. Faz-se mister fundar, por exemplo, em Natal, o
Instituto das Secas com o fim de coordenar os programas de estudos, fazer a
previsão e planejar os meios técnicos de combate a secas (ARGENTIÈRE,
idem, p. 133).
Suas ideias, mais uma vez, se mostram engajadas no favorecimento da população
nordestina e expansão da ciência. Sua coragem em explanar acerca de um eixo teórico que
ainda não era defendido por muitos, chama a atenção.
Quanto outro eixo de seu estudo e o segundo astro de destaque em nossa realidade e
imaginação, tratando este de viagens a Lua, sabemos que o anseio por conquistas territoriais,
sempre fora um dos principais desencadeadores de guerras, desde seus primórdios. A Guerra
Fria, por exemplo, também intuía a aquisição de novas terras, mesmo que apenas,
simbolicamente, como no século XX os limites territoriais já estavam demarcados, o que
restou ao Homem foi tentar alcançar os torrões lunares que àquela época ainda não eram
vendidos, mas já era motivo de conflitos. Agitação esta que teve início ao fim da Segunda
Guerra Mundial, por volta de quando Argentière publicou seu livro Viagem a Lua (1947),
mas sua pesquisa tivera um começo anos antes quando de suas suspeitas quanto à indústria
bélica internacional e a concorrência espacial.
Tão importante quanto o trabalho científico, é sua divulgação, isto porque se o
conhecimento pára em nós, o mesmo morre e junto com ele, quem o desenvolveu. Rômulo
Argentière encarregou-se disto fazer, levar ao público o que a ciência se encarregava de
trabalhar. Mas, seu trabalho, como outros da mesma época, não se resume apenas a
divulgação científica, também realizou produções em diversas áreas e ainda fez uso de uma
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linguagem acessível e prazerosa aos leitores, talvez influenciado por uma onda de
movimentação científica da época caracterizada justamente porque “deitam por terra o clichê
de que os cientistas não podem escrever, mas também são escritores no sentido mais amplo do
termo. (...) podem ser utilizados como instrumento de ensino ou de informação” (MORA,
2003, p. 29 e 30). Termos ocorrentes com freqüência na obra de Argentière lhe conferem um
caráter literário levando em consideração o acima citado acerca disto, frases com poder
retórico para ceder um tom mais artístico a sua obra, é o caso de expressões como quando se
refere a origem da água, diz que, “navegamos em um mar de hipóteses”. Ou mesmo quando
cita, costumeiramente, autores como Euclides da Cunha, Tavares de Lyra e Guimarães
Duque. Preocupando-se, ainda, em fazer um apanhado histórico acerca do que intenta esboçar
e inserir o leitor em tal sinopse. Encantando-o no inicio de suas obras lhes ofertando o que
lhes é agradável aos olhos, depois lhes apresenta a cientificidade sólida do que outrora lhes
era advogado, prosaicamente, como uma estética que os enobrecia, insólita para a
subjetividade do ser, a ciência cerca-o, mostra a dupla face do que lhes é trivial, descrevendoo com dados, estatísticas, gráficos, informações que mais parecem decodificar o que outrora
fora dito, mostrando os elementos em outra linguagem, como algo pode ser duas coisas ao
mesmo tempo? Atrativamente, charmoso e metódico?As proezas da literatura científica
podem fazer isto com a mentalidade do leitor, adaptando-o a um estilo que intenta conquistálo e fazê-lo ser conhecedor dos trabalhos científicos.
Um colaborador de tamanha importância para a ciência nacional não só como
divulgador, mas como aderido a própria realidade do que divulgava na condição de cientista,
não pode ser esquecido pela memória e extirpado das pesquisas acadêmicas. Assim sendo, nos
lançamos nesta empreitada com intuito de preservar a memória de um dos grandes cientistas
nacionais, escritor, tradutor, redator, professor e colaborador jornalístico, que se não filho do
Rio Grande do Norte, o foi de forma adotiva quando do interior de São Paulo, migrou para o
Nordeste, colaborando grande parte da região, seria uma tacada de mestre poder recorrer aos
governadores dos 08 Estados da região para solicitar ajuda na publicação de seu “O Ciclo
d’Água no Nordeste”, mas ainda assim, seu trabalho não chegou as mãos do público, hoje, seu
valor para as ciências exatas é incerto, visto que as descoberta científicas ocorrem, muitas
vezes e rapidamente.
Argentière perseguiu sempre o ideal de oferecer ao público obras de divulgação de
uma ciência viva, embelezada, explicada, pautadas pela inovação. E mesmo tendo tamanha
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autoridade no assunto, no caso do Brasil – tendo grandes referências no cenário mundial e
contribuintes ao desenvolvimento em considerável medida, em aspectos medicinais e até
sustentáveis – que tem uma História rica em ótimos representantes da ciência e sua
divulgação, mesmo assim muito pouco se conhece sobre a mesma “ainda há lacunas para que
se possa compor um quadro histórico completo dessas iniciativas (...) completar esse
fascinante
quebra-cabeça.”
(<www.museudavida.fiocruz.br/brasiliana/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?pl=home>,
2012).
Precisei, assim, pesquisar uma ampla bibliografia que perpassa pelos caminhos não só da
História, mas também outras ciências como a Astronomia, unindo ambas de forma
complementar, bem como pesquisar o acervo da Fundação Vingt-un Rosado (na instituição e
fora dela) que teve por idealizador um dos melhores amigos, quando em vida, de Argentière,
analisar obras publicadas e manuscritos que este pretendia publicar em forma de livro, mas
que não tivera tempo ou mesmo recursos financeiros para fazê-lo, também artigos e matérias
jornalísticas relacionados e criados pelo cientista.
FONTES
DOCUMENTAIS
ARGENTIÈRE, Rômulo. Bloco I – A Água
_____________. Bloco V – A Atmosfera
ORAIS
SOBRINHO, Francisco Ernesto. Professor de Geomorfologia e Classificação de Solo –
UFERSA. Entrevista realizada no dia 17 de Janeiro de 2012, em sua residência, localizada no
Bairro Liberdade, Mossoró/RN.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, M. T. Schiavani. MENESSES, F. C. de. ANDRADE, Anna L. C.R de. Um resgate
da atuação de Rômulo Argentière na divulgação das ciências espaciais no Brasil. Artigo
apresentado no XII Encontro Americano de Iniciação Científica e VIII Encontro Latino
Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba.
474
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MORA, María Sanchés. A Ciência como Literatura. UFRN, 2003.
MOURÃO, Ronaldo Rogério de Freitas. Da Terra as Galáxias. São Paulo: Edições
Melhoramentos, INL, 1977.
ROSADO, Vingt-un. ROSADO, Isaura Ester. Rômulo Argentière, o País de Mossoró e
Outros Países (livro 01). Fundação Guimarães Duque, Fundação Vingt-un Rosado. Coleção
Mossoroense. Cadernos de Carnaúbas dos Dantas – N° 001. Janeiro de 2002.
Texto
de
apresentação
Brasiliana.
Disponível
em:
<www.museudavida.fiocruz.br/brasiliana/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?pl=home>. Acesso em:
20 jan. 2012.
AS MULHERES NA HISTÓRIA DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE
CAMPINA GRANDE
Laysa Cristina de Barros Silva1
Eulina Souto Dias
Resumo: O presente artigo é resultante do trabalho desempenhado pelo projeto de pesquisa
PIVIC/UFCG-2011-2012 intitulado por: Mulheres nas Engenharias: Estudos da História, Ciência e
Tecnologia, que objetivou realizar uma pesquisa que apresentasse os aspectos das relações das
mulheres que estiveram inseridas no campo da ciência e tecnologia da Escola Politécnica da Paraíba,
que fora criada em 1952, inicialmente com o curso de Engenharia Civil, e em 1963 com o curso de
Engenharia Elétrica. Sabe-se que a EPP tornou-se rapidamente referência em Ensino Superior do
Nordeste e passou a atrair olhares desejosos de formação superior. Apesar de ser um ambiente visto
como culturalmente masculino, passou a atrair também os olhares femininos que buscavam formação
profissional na área científica e tecnológica. Os procedimentos metodológicos utilizados são a história
oral e a análise de entrevistas realizadas com mulheres contemporâneas da Politécnica Os resultados
da pesquisa nos permite compreender a importância da preservação da memória da participação dessas
mulheres no momento da consolidação de uma instituição, que dera a Campina Grande o prazer de
tornar-se um dos melhores centros tecnológicos do mundo, atentando para o silenciamento da
historiografia com relação à temática.
Palavras-chave: Escola Politécnica, Memória, História Oral.
WOMEN IN ENGENARIAS: STUDIES IN HISTORY, SCIENCE AND TECHNOLOGY
Abstract: This article is the result of work performed by the research project entitled PIVIC/UFCG2011-2012 by: Women in Engineering: Studies of History, Science and Technology, which aimed to
carry out a survey to present aspects of the relationships of women who've entered in science and
technology at the Polytechnic School of Paraiba, which was created in 1952, initially with the Civil
Engineering course, and in 1963 with the Electrical Engineering course. It is known that the EPP has
1
Aluna do curso de Licenciatura em História, Unidade Acadêmica de História e Geografia, UFCG, Campina
Grande, PB, E-mail: [email protected].
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quickly become a reference in the Northeast Higher Education and began to attract glances desirous of
higher education. Despite being seen as an environment culturally male, began to attract also looks
feminine seeking professional training in science and technology. The methodological procedures used
are oral history and analysis of interviews with contemporary women's Polytechnic The survey results
allow us to understand the importance of preserving the memory of the participation of these women
at the time of consolidation of an institution that had the pleasure to Campina Grande to become one
of the world's top technology centers, paying attention to the silencing of historiography regarding the
topic.
Keywords: Ecole Polytechnique, Memory, Oral History.
INTRODUÇÃO
Este trabalho é resultante da pesquisa realizada através do projeto de pesquisa PIVIC–
UFCG/2011-2012, intitulado de MULHERES NAS ENGENHARIAS: ESTUDOS DA
HISTÓRIA, CIÊNCIA E TECNOLOGIA, que objetivou colher informações a respeito da
presença de mulheres na escola Politécnica da Paraíba, que fora criada em 1952, de início
com o curso de engenharia civil, um ambiente caracterizado pela presença masculina. Com
isso, pretendeu-se atentar para os detalhes dessas convivências, visando compreender como
foram recebidas nesse ambiente e de que forma puderam estar dando suas contribuições para
a formação de um centro científico e tecnológico, que possui representatividade internacional.
Para isso, fez-se necessário visitarmos uma bibliografia que se relaciona com a história
da Escola Politécnica da Paraíba, dentre esta podemos citar as seguintes obras: Politécnica:
primeira escola de ensino superior em Campina Grande de Edvaldo de Souza do Ó; A obra de
Rômulo de Araújo Lima que resultou do trabalho que desenvolveu em seu doutoramento
intitulada por A luz que não se apaga: Escola Politécnica da Paraíba e a formação de um
campo científico tecnológico; e a dissertação de mestrado de José Valmi Oliveira Torres que
tem como título Escola Politécnica e a construção identitária de Campina Grande como polo
tecnológico (1952-1973). A leitura e a análise dessa bibliografia nos proporcionou o acesso ao
contexto histórico e social que a sociedade campinense estava inserida. Assim como também
colher alguma informação em periódicos em uma breve pesquisa no arquivo do Jornal A
União localizado em João Pessoa-PB e analisar entrevistas de mulheres que integraram a
composição do corpo discente realizada por Valeska Vasconcelos Correia, durante uma
pesquisa que desenvolveu no projeto da professora Drª. Rosilene Dias Montenegro no ano de
2009.
Diante dessa empreitada, encontra-se um silenciamento acerca da referida temática, na
bibliografia estudada, com isso tentarei problematizá-lo visando às justificativas para tal. Já
nas entrevistas é onde podemos ter acesso aos depoimentos de ex-alunas, que relatam suas
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experiências e descrevem o espaço de convivência que a Politécnica representava para elas,
enquanto mulheres em meio a um universo marcado culturalmente pela presença masculina.
Para trabalhar conceitualmente as questões de gênero, foi utilizado um texto de Joana Maria
Pedro, intitulado de Traduzindo o debate: o uso da categoria gênero na pesquisa histórica, de
onde iremos retirar reflexões acerca de gênero como categoria de análise.
As discussões teóricas deste trabalho dialogam com a preservação de memórias,
atentando para o silenciamento que encontramos no campo bibliográfico estudado, nossa
intenção aqui é questionar tal silenciamento buscando compreendê-lo, assim como também
contribuir para que essa memória não seja esquecida.
METODOLOGIA
A pesquisa, nessa primeira etapa do projeto, se fundamentou na leitura e análise da
literatura sobre gênero, nos textos teóricos sobre memória nas análises sobre o tema
produzidas a partir das pesquisas anteriores realizadas pelo Projeto Memória da Ciência e
Tecnologia em Campina Grande. Foram lidas também transcrições de entrevistas temáticas
concedidas ao Projeto Memória da Ciência e Tecnologia em Campina Grande por mulheres
com atuação acadêmica (ex-alunas, professoras, pesquisadoras e/ou administradoras que
cursaram cursos de engenharia).
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A história da Escola Politécnica da Paraíba já foi contemplada por uma vasta e
relevante bibliografia, é a partir de algumas dessas obras que buscaremos narrar o contexto
histórico campinense da década de 1950.
Ao ler a dissertação de José Valmi Oliveira Torres (2010), temos acesso a esse
esplendoroso cenário. Em seu trabalho intitulado “Escola Politécnica e a construção
identitária de Campina Grande como pólo tecnológico(1952-1973)”, nos deparamos com a
informação de que houve um declínio da exportação do algodão em Campina, que acarretou
uma crise econômica, com isso surge a preocupação de uma elite de manter Campina Grande
ligada a ideia de desenvolvimento e progresso, com relação a isso, temos:
(...) Campina Grande, o imaginário de “cidade moderna”, “lugar onde o progresso não
pára de acontecer, cidade destinada à prosperidade e ao futuro”, são discursos que
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passam a ser mais propagados e intensificados a partir dos anos cinquenta, momento
em que a cidade estava vivenciando uma transição em sua estrutura econômica (...). 2
Podemos reafirmar essa ideia de uma classe elitista, que lutava para desenvolver
Campina e dar-lhe destaque, ao ler a obra de Edvaldo de Souza do Ó, que compunha essa
elite. A obra se intitula Politécnica: Primeira Escola Superior de Campina Grande, nessa obra
o autor narra suas experiências durante a luta para a criação da escola. Segundo ele:
Entendia a União Universitária, que Campina Grande, pela sua projeção social
e econômica, com profundas repercussões no resto do país, tinha direito, já naquela
época , de realizar uma campanha de promoção das suas elites dirigentes, através da
criação de escolas universitárias, destinadas à formação profissional e aprimoramento
intelectual de sua juventude (...). 3
Nessa colocação, Souza do Ó esclarece bem que a luta pela criação de uma escola
superior em Campina Grande estava atrelada aos interesses dessa elite, porém ele também diz
que houve um movimento que buscou fazer com que a comunidade no geral se mobilizasse
em prol dessa luta, e para confirmar essa ideia podemos ver: “Contamos com o apoio de toda
comunidade campinense, pois até os cinemas Capitólio e Babilônia, aquiesceram em cobrar
uma taxa em cada ingresso, para as despesas de movimentação.”. 4
Além disso, mostra que o apoio que foi dado pelo governo do estado, que tinha José
Américo de Almeida como governador foi fundamental. É evidente que todas essas
colaborações, tanto a participação dessa elite que mobiliza a comunidade contando com seu
apoio, quanto o apoio do governador tiveram sua efetiva importância, e ainda não podemos
deixar de mencionar que a imprensa local também contribuiu e muito para esse projeto, tal
como nos mostra Torres
(...) mesmo não tendo um jornal diário na primeira metade dos anos cinquenta do
século passado circulando na cidade de Campina Grande, os periódicos então
existentes O Momento, Folha Acadêmica, A Ordem, mesmo sendo publicados durante
curto período, as elites7 letradas já utilizavam as páginas destes para investir na
construção de um novo lugar discursivo para a cidade (...) 5
2 TORRES, José Valmi Oliveira. Escola Politécnica e a construção identitária de Campina Grande como pólo
tecnológico (1952-1973). Dissertação (Mestrado em História), Centro de Humanidades, Universidade Federal de
Campina Grande, Campina Grande, PB. 2010. p.25.
3 Ó, Edvaldo de Souza do. Politécnica: Primeira Escola Superior de Campina Grande. Campina Grande:
Editora Campina Grande Ltda, p.13. 102p.
4 Idem, ibidem. p.17.
5 TORRES, José Valmi Oliveira. Escola Politécnica e a construção identitária de Campina Grande como pólo
tecnológico (1952-1973). Dissertação (Mestrado em História), Centro de Humanidades, Universidade Federal de
Campina Grande, Campina Grande, PB. 2010. p.28
478
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Toda essa ideia de que Campina Grande é abordada por uma crise econômica no início
dos anos de 1950 também é abordada por Rômulo de Araújo Lima em “A luz que não se
apaga”, expõe bem isso quando diz que
(...) as elites econômicas e políticas de Campina Grande assumiram compromisso com
a formação do campo científico-tecnológico apoiando, inicialmente, a EPUP em sua
consolidação, a resposta parece estar no fato de que a crise econômica, cujos sinais
podiam ser vislumbrados, no início dos de 1950, e que se instala em meados dos anos
1960, precisava ser enfrentada e contornada. A educação
superior
foi
a
6
estratégia encontrada para a superação da crise.
Então, conhecendo um pouco do cenário campinense que recepcionara essa ideias que
deram incentivo para a criação de uma escola superior em campina grande, iniciaremos a
partir daqui as discussões que dizem respeito a participação e a presença de mulheres nas
engenharias. O fato é que, mesmo após estudar três obras que versam sobre a História da
Politécnica, só visualizamos a presença de mulheres na obra de Souza do Ó, contudo isso
apenas quando descreve a composição do corpo administrativo e docente, pois descreve a
composição das quatro primeiras turmas que se formaram em engenharia civil, e não é
registrada a existência de nenhuma mulher no corpo discente. Em meio ao registro dos nomes
dessas mulheres não foi trabalhada nenhuma problematização que se relacionem aos trabalhos
que discutam relações de gênero, há um silenciamento. o nosso trabalho se propõe a
questionar tal silenciamento buscando comprendê-lo, através de justificativas.
Joana Maria Pedro desenvolve uma série de estudos sobre gênero como categoria de
análise, afirmando que o uso da palavra gênero enquanto categoria de análise na pesquisa
histórica está ligado as percepções do universo cultural, porém devemos levar em
consideração que estudos dessa natureza são muito recentes. Em se tratando de perspectivas
historiográficas, só se torna possível o estudo de gênero a partir “dos Annales – que
pretendiam ampliar o leque de fontes e observar a presença de pessoas comuns(..)”
7
Nesse
ponto podemos dizer que localizamos uma justificativa para tal silenciamento. No entanto, a
partir daqui novas formas de se escrever história tornam-se possíveis, e buscaremos aqui um
suporte na história oral que também surge no novo fazer historiográfico. Segundo Torres “A
história oral tem possibilitado uma ampliação de temas que se voltam para a
6 LIMA, Rômulo de Araújo. A luz que não se apaga: a Escola Politécnica da Paraíba e a formação de um campo
científico-tecnológico. Campina Grande: Eduepb, 2010. p. 32
7 PEDRO, Joana Maria. Traduzindo o debate: o uso da categoria gênero na pesquisa histórica. Revista História
(São Paulo): Editora UNESP. Vol. 24. núm. 1. 2005. pp. 77-98. (ISSN 0101-9074) 2006.
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contemporaneidade, a exemplo de história de bairros, das mulheres, das minorias, das
instituições, estudos que se utilizam dessa metodologia.” 8
Paul Thompson em a A voz do passado: história oral nos traz algumas considerações
acerca da História das Mulheres, e nos diz que essa “Até bem pouco tempo, (...) foi ignorada
pelos historiadores, em parte porque a vida delas, ligada ao lar ou ao trabalho desorganizado
ou temporário, muito freqüentemente transcorreu sem ser documentada.”
9
As colocações de
P. Thompson correspondem claramente com o presente estudo, pois a falta de documentação
“justifica” o silenciamento o qual estamos questionando, assim como também interliga-se
diretamente aos depoimentos das alunas da Politécnica, que afirmam que as diferenças não
correspondiam as relações de gênero e sim através do desempenho, ao passo que admitem a
desvantagem com relação aos homens por serem mulheres que na maioria das vezes eram
casadas, possuíam família e com isso uma carga de afazeres maior que a dos homens.
A análise de entrevistas de mulheres contemporâneas da escola politécnica torna-se
imprescindível diante da escassez de fontes. Ao deparar-se com entrevistas de ex-alunas dos
cursos de engenharia, é possível que seus depoimentos nos surpreendam, pois uma das
entrevistadas a senhora Luciana Marta Vilar Mayer relata em seu depoimento que ao ingressar
no curso de engenharia elétrica no ano de 1968, apesar de ser um universo
predominantemente masculino, a recpeção de um número pequeno de moças foi normal, que
as oportunidades eram as mesmas e que não enfrentou nenhum tipo de dificuldade na
profissão por ser mulher. Ao passo que, uma outra senhora, de nome Moema,que ingressara
em 1966 também no curso de engenharia elétrica, depõe e chega a declarar que era comum
ouvir frases do tipo “como é que tu vai subir num poste?”, levando a entender que uma
mulher não tinha todas as capacidades que um homem tinha para exercer a função de
engenheiro eletricista. Apesar de concordar em parte, com a outra depoente ao afirmar que
não percebia diferença no tratamento para com as mulheres, dá declarações que a relação dos
rapazes não era tão boa com a única professora mulher que tinham no corpo docente, assim
como também que ao se afastar da universidade através da licença maternidade sentiu-se
“premiada” com um trabalho que teve que desenvolver em uma disciplina que não era sua
área. Como Já foi mencionado anteriormente, em depoimento foi afirmado que as
8 TORRES, José Valmi Oliveira. Escola Politécnica e a construção identitária de Campina Grande como pólo
tecnológico (1952-1973). Dissertação (Mestrado em História), Centro de Humanidades, Universidade Federal de
Campina Grande, Campina Grande, PB. 2010. p.20
9
THOMPSON, Paul. “A contribuição da história oral”. In:__. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1992. p. 104.
480
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divergências no ambiente acadêmico não eram vistas com relação ao gênero e sim de acordo
com o desempenho dos alunos. Rosa Tânia Barbosa de Menezes diz que “(...) não sentíamos
descriminação de gênero (...) os grupos de amigos, de estudo, de relacionamento, eles se
dividiam muito mais em função do desempenho.” Já Maria de Fátima Queiroz Vieira relata
que “(...) para você ser considerado um bom profissional enquanto mulher você tem que ser
melhor do que os homens, para eles lhes respeitarem (...). Então, essa situação assim, de
impor do ponto de vista de gênero sempre existiu e sempre vai existir (...). Com isso,
podemos perceber que algumas delas consideravam normal aquele universo, porém tinham
consciência de que de certo modo haviam desigualdades entre os gêneros, e que uma dessas
mulheres tinha consciência da desigualdade e que buscava “não olhar para essas diferenças”.
Com a história nova, surge “uma diversificação das temáticas historiográficas” 10, e só
assim torna-se possível o estudo “do lugar reservado às mulheres em diferentes épocas” 11, da
escassez de trabalhos desenvolvidos com relação a essa temática retiramos nossas reflexões a
respeito da importância de se desenvolver trabalhos que deem suas contribuições, pois a
preservação dessas memórias depende dessas contribuições. Do esforço de livrá-las do
esquecimento, pois lembremo-nos que “(...) o rastro inscreve a lembrança de uma presença
que não existe mais e que sempre corre o risco de se apagar definitivamente.” 12.
Paul Thompson nos fala também da importância de estudar a temática da História das
Mulheres vejamos: “O descaso total por esse campo faz com que entrar nele cause a emoção
de uma viagem de descoberta.”
13
E ainda, “(...) essa nova história também põe em xeque
pressupostos básicos sobre estrutura social e desigualdade, a ‘natureza’
de homens e
mulheres, as raízes do poder entre eles, e a modelação da consciência tanto pelo lar como pelo
trabalho.” 14
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao final do trabalho, podemos inferir que a pesquisa deve ser continuada a fim de
conseguir recolher mais informações sobre a temática: MULHERES NAS ENGENARIAS:
10 LUCA, Tânia Regina. A História dos, nos e por meio dos periódicos. In PINSKY, Carla Bassanezi (org.)
Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005. p. 111-153.
11 Idem, ibidem.
12 GAGNEBIN, Jean Marie. Verdade e memória do passado. In:__. Lembrar escrever esquecer. São Paulo: Ed.
34, 2006. p.44.
13
THOMPSON, Paul. “A contribuição da história oral”. In:__. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1992. p.104
14
Idem.
481
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ESTUDOS DA HISTÓRIA, CIÊNCIA E TECNOLOGIA. Visando sempre dar maiores
contribuições a memória de mulheres que ali estiveram presentes e representaram um papel
muito importante para a construção desse campo científico. Sendo adiada para o período de
retomada das aulas, após mais de quatro meses em greve, o cronograma das entrevistas com
as mulheres objeto desta pesquisa.
AGRADECIMENTOS:
Ao PIVIC/UFCG pela concessão a pesquisa e a Rosilene Montenegro pela Orientação.
REFERÊNCIAS:
GAGNEBIN, Jean Marie. Verdade e memória do passado. In:__. Lembrar escrever esquecer.
São Paulo: Ed. 34, 2006. 39-47p.
LIMA, Rômulo de Araújo. A luz que não se apaga: a Escola Politécnica da Paraíba e a
formação de um campo científico-tecnológico. Campina Grande: Eduepb, 2010. 235p.
LUCA, Tânia Regina. A História dos, nos e por meio dos periódicos. In PINSKY, Carla
Bassanezi (org.) Fontes Históricas. São Paulo, Contexto, 2005, p. 111-153.
Ó, Edvaldo de Souza do. Politécnica: Primeira Escola Superior de Campina Grande. Campina
Grande: Editora Campina Grande Ltda, 102p.
PEDRO, Joana Maria. Traduzindo o debate: o uso da categoria gênero na pesquisa histórica.
Revista História (São Paulo): Editora UNESP. Vol. 24. núm. 1. 2005. pp. 77-98. (ISSN 01019074) 2006.
THOMPSON, Paul. “A contribuição da história oral”. In:__. A voz do passado: história oral.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. p.104-137.
TORRES, José Valmi Oliveira. Escola Politécnica e a construção identitária de Campina
Grande como pólo tecnológico (1952-1973). Dissertação (Mestrado em História), Centro de
Humanidades, Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande, PB. 2010.170p.
RELAÇÃO DE ENTREVISTAS
Moema Soares de Castro Barbosa:
Graduação em Engenharia Elétrica, (1973-1977). Entrevista realizada dia 04/09/2009 às
10,00hs, na sala do Projeto Memória, na UFCG.
Rosa Tânia Barbosa de Menezes:
Graduação em Engenharia Elétrica, (1972-1976). Entrevista realizada dia 02/10/2009, às
10:00hs, na sala do Projeto Memória, na UFCG.
Maria de Fátima Queiroz Vieira:
Graduação em Engenharia Elétrica, (Mestrado em 1975). Entrevista realizada dia 16/10/2009,
às 16:00hs, na sala da professora, localizada no Bloco CI, na UFCG.
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Luciana Marta Vilar Mayer:
Graduação em Engenharia Elétrica. (1968-1972). Entrevista realizada dia 23/10/2009 às
16:00hs na sala do Projeto Memória, na UFCG.
O ACERVO JOSÉ SIMEÃO LEAL: MEMÓRIA ARQUIVADA E
HISTÓRIA DE UM PATRIMÔNIO ARQUIVÍSTICO
Lesleyanne Rodrigues de Lima1
Resumo: Este estudo faz parte do Projeto Memória e Preservação do Patrimônio Arquivístico: o
Acervo José Simeão Leal, coordenado pela professora Maria da Vitória Barbosa Lima (PPGCI/UFPB),
e integra o Programa de Documentação e Memória, através do Grupo de Estudo de Cultura, Memória,
Informação e Patrimônio (GECIMP) vinculado ao Núcleo de Documentação e Informação Histórica
Regional da Universidade Federal da Paraíba (NDIHR/UFPB). O Acervo José Simeão Leal é um
acervo privado pessoal doado ao governo do Estado da Paraíba, em 1996, e foi tombado como
patrimônio arquivístico estadual pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da
Paraíba (IPHAEP) e homologado pelo governo do Estado através do Decreto nº 25.155, de 06 de julho
de 2004. O Acervo é constituído por: livros, revistas, comendas, medalhas, correspondências,
esculturas, pinturas, colagens, desenhos, objetos pessoais, documentos pessoais, partituras,
documentos sonoros, fotografias, entre outros. O presente pôster tem por objetivo relatar a memória e
a história da aquisição, tombamento e a luta pela preservação do Acervo José Simeão Leal.
Palavras-chave: Memória Arquivada. Preservação de Patrimônio. Acervo José Simeão Leal.
INTRODUÇÃO
Este estudo faz parte do Projeto Memória e Preservação do Patrimônio Arquivístico:
o Acervo José Simeão Leal, coordenado pela professora Maria da Vitória Barbosa Lima
(PPGCI/UFPB), e integra o Programa de Documentação e Memória, através do Grupo de
Estudo de Cultura, Memória, Informação e Patrimônio (GECIMP) vinculado ao Núcleo de
Documentação e Informação Histórica Regional da Universidade Federal da Paraíba
(NDIHR/UFPB).
Ressaltamos que o patrimônio arquivístico formou-se a partir de fontes de pesquisas
históricas e esse fator contribuiu muito para os estudos realizados na area de acervos privados.
Muitos trabalhos acadêmicos estão surgindo desses acervos, pois eles possuem uma demanda
de informações valiosas, que contribuem para o enriquecimento da cultura histórica e popular
do país.
1
Discente de Ecologia da UFPB. E-mail: [email protected].
483
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O acervo a ser apresentado neste estudo é o de José Simeão Leal, acervo esse, privado,
pessoal, e tombado como patrimônio arquivístico. É constituído por: livros, revistas,
comendas, medalhas, correspondências, esculturas, pinturas, colagens, desenhos, objetos
pessoais, documentos pessoais, partituras, documentos sonoros, fotografias, entre outros
(SOUSA, 2001).
Dessa maneira, o objetivo central desse trabalho é relatar a memória e a história da
aquisição, tombamento e a luta pela preservação do Acervo José Simeão Leal. Nossa
metodologia compreende a pesquisa bibliográfica e documental e a abordagem qualitativa das
fontes primárias (os documentos do acervo e outros) para escrever uma minibiografia do
titular do Acervo, identificar a composição deste e historiar o seu tombamento.
EM DEFESA DO PATRIMÔNIO ARQUIVÍSTICO: instrumentos teóricos
Antes de adentrarmos na biografia, descrição e tombamento do Acervo de José Simeão
Leal, fazem-se necessário discorremos um pouco sobre a questão do patrimônio arquivístico.
As manifestações de proteção e conservação do patrimônio cultural vêm desde muitos
anos, a nível internacional, com as Cartas Patrimoniais2, e a nível federal, com a criação do/da
Serviço/Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (hoje IPHAN, em 1937), a
nível estadual, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba (IPHAEP,
em 1971).
O IPHAEP, no seu Regimento Interno revela as seguintes competências:
[...]
III – classificar, inventariar, cadastrar, tombar, restaurar, preservar a
conservação de monumento, obras, documentos e objetos de valor
histórico, artístico, arqueológico, folclórico e artesanal, bem como sítios e
locais de interesse turístico, ecológico e paisagístico do Estado da Paraíba;
IV – catalogar sistematicamente e proteger museus e arquivos estaduais,
municipais e particulares, cujos acervos sejam do interesse do estado quer
possua vinculação a episódios da história paraibana, quer pelo seu valor
arqueológico, antropológico, artístico, museológico, botânico, etnográfico,
folclórico e artesanal. (IPHAEP, Regimento Interno, 1992) (Grifo nosso)
2
Ressaltamos que as Cartas Patrimoniais são como instrumento teórico, elas não têm a função de legislar sobre o
Patrimônio, e sim fornecer embasamento filosófico para que os órgãos competentes, nos diversos países, possam
legislar com segurança.
484
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Contudo, essa instituição até hoje apenas tombou um acervo, em 2004, e foi um arquivo
privado pessoal.
Ressaltamos que a expressividade que abrange história e cultura, se valorizou nos
arquivos públicos e privados que guardam uma carga da memória nacional. Bellotto define a
contribuição do arquivo como:
O caminho dos arquivos é aberto aos historiadores, aos sociólogos, aos
antropólogos, aos arquivistas, aos literatos, aos detetives, aos policiais, aos
juristas, aos educadores, aos médicos, aos psicólogos, aos psicanalistas, aos
jornalistas, e a outros que, pelas características de sua atuação profissional,
têm maiores condições e oportunidades de realizar essa espécie de viagem ao
interior do pensamento de uma pessoa, e a razão de ser de ações e atitudes
suas, das quais, de outro modo, só se conheceria a finalização. (BELLOTTO,
1998, p. 201).
O patrimônio arquivístico é composto por informações relevantes, que mostram como a
sociedade se organiza e se transforma ao longo dos anos, contribuindo para manter viva a
cultura de um país. O acervo privado de José Simeão Leal guarda a memória desse intelectual
que contribuiu muito para a nação brasileira, hoje esses arquivos pessoais são os mais
procurados, considerando o lugar que as histórias pessoais e intelectuais têm ocupado na
pesquisa social e historiográfica, aprofundando diversas reflexões sobre o indivíduo na
História, (REIS; SANTOS, 2010).
JOSÉ SIMEÃO LEAL E O SEU ACERVO
Biografia
José Simeão Leal, filho de Alfredo dos Santos Leal e
Maria de Almeida Leal, nasceu na cidade de Areia,
em 13 de novembro de 1909. Fez seus estudos iniciais
na sua cidade natal e aos 11 anos foi morar em João
Pessoa, onde estudou no Lyceu Paraibano. Cursou
medicina inicialmente em Recife/PE e depois se
transferiu para o Rio de Janeiro/RJ. Formado em
medicina volta à Paraíba, casado com Eloah
Foto 1: Carteira Profissional
Fonte: AJSL
Drummond Leal e exerce cargos públicos. Neste
Estado realiza entre 1940 a 1945 pesquisas sobre a
485
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cultura paraibana, no âmbito de João Pessoa, Bayeux e Cabedelo.
Retorna ao Rio de Janeiro em 1947, onde exerce por pouco tempo a medicina. Neste
mesmo ano é indicado para o cargo de Diretor do Serviço de Documentação do Ministério da
Educação e Saúde por mais de 18 anos. Transformou o Departamento, que cuidava
basicamente de publicações corriqueiras e diárias oficiais, na mais importante editora da
cultura oficial brasileira. Sob a sua direção foram editadas inúmeras obras, assim como os
cadernos de Cultura e a revista Cultura, o mais importante periódico da área até então no país.
Simeão Leal exerceu inúmeras atividades no
país dentre as quais:
1940 -1945: Diretor do Departamento do Serviço
Público do Governo da Paraíba;
1947-1961: Diretor do Serviço e Documentação do
Ministério da Educação e Saúde. Criador dos
Cadernos e da Revista Cultura;
1951-1960: Delegado do Brasil nas Conferências da
UNESCO, na França e na Índia;
1955:
Participante
ativo
na
construção
da
Universidade Federal da Paraíba e do Distrito Federal
– Brasília;
Foto 2: Livro de Francisco de Assis
Barbosa
1956: Delegado da UNESCO na Índia
Fonte: AJSL
1962: Nomeado pelo Governador do Estado da Guanabara, Carlos Lacerda, coordenador das
atividades culturais da Secretaria do Estado da Guanabara de Educação e Cultura dos
seguintes órgãos: Departamento de História e Documentação; Biblioteca Estadual e
Bibliotecas Populares; Serviço de Teatro de Diversões; Serviço de Divulgação compreendido
pela Rádio Roquette Pinto, Discoteca Pública, Cinema Educativo e Documentário;
1965: Adido Cultural da Embaixada Brasileira no Chile;
1972: Delegado da BENFAM no Hemisfério Sul;
486
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1979: Diretor do Museu de Arte Moderna – MAM/RJ;
1981-1982: Diretor Fundador da Escola de Comunicação e Artes da UFRJ;
Membro Fundador da Associação Brasileira de Críticos de Artes;
Além de,
Membro Fundador e Delegado da Associação Internacional de Críticos de Artes no Brasil;
Membro da primeira Reunião Brasileira de Antropologia do Museu Nacional;
Membro Fundador da Associação Brasileira de Imprensa.
E ao longo de sua vida amealhou para si importantes documentos, que dado seu valor
histórico e informacional merecem ser preservados e estudados.
O Acervo e sua Composição
Destacamos a seguinte composição do Acervo:
Aproximadamente 4000 Livros, Revistas, Catálogos, etc, nas áreas de Artes
(predominante), História, Filosofia, Arquitetura, Antropologia, Sociologia, Religião, Cultura,
Geografia, Literatura, Folclore, Biografia, Saúde, Turismo e outras;
11 Comendas e medalhas (entre as quais a de cavalheiro do Mérito da República Italiana,
Medalha Rui Barbosa, do Ministério da Educação e Saúde; Medalha Anchieta, da Prefeitura
do Rio de Janeiro; Medalha Maria Quitéria, do Ministério da Guerra; Medalha Silvio Romero,
da Comissão Nacional do Folclore; Medalha do Sesquicentenário, do Jardim Botânico do Rio
de Janeiro; Comenda da Ordem do Rio Branco, do Itamaraty);
2000 Correspondências expedidas e recebidas que revelam as redes de relações de José
Simeão Leal;
487
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05 Esculturas em Ferro Reciclado;
18 Pinturas em técnicas mistas sobre Duratex em tamanhos variados;
53 Colagens sobre papel em tamanhos variados;
74 Pinturas em técnicas mistas sobre papel em tamanhos variados;
146 desenhos em técnicas mistas sobre papel em tamanhos diversos;
Objetos Pessoais (Cachimbos, gravatas borboletas, relógios);
Documentos Pessoais (documentos de estado civil; documentos relativos a escolaridade e
formação; documentos relativos a carreira militar; documentos relativos a carreira - editais de
nomeação, promoções, atribuições e condecorações; agendas; diários íntimos e memórias;
cadernos de notas; passaportes, identidades; etc);
Partituras;
Documentos Sonoros (gravações em fitas metálicas);
Documentos manuscritos e datilografados, notadamente sobre o folclore paraibano;
Documentos mimeografados e impressos referentes a sua atuação administrativa e
intelectual entre os quais destacam-se: Museu de Arte Moderna/RJ, Serviço de Documentação
do Ministério da Educação e Saúde e Atas do Seminário Internacional sobre desenho
Industrial do qual resultou a criação da Escola Superior de Desenho Industrial;
842 Fotografias pessoais e de eventos.
Processo de Tombamento
Doado cartorialmente a Paraíba em 1996, pela
viúva Eloah Drummond Leal, patrimônio tombado
pertencente ao Estado, o acervo José Simeão Leal,
Foto 3: José Simeão Leal em seu
gabinete de leitura
rico
Fonte: AJSL
em
suas
qualidades
documentais
e
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informacionais, está sob a custódia do Núcleo de Documentação e Informação Histórica
Regional (NDIHR/UFPB), que está na qualidade de instituição depositária conjuntamente
com o IPHAEP.
Consideramos o Acervo de José Simeão Leal como um patrimônio, pois ele tem valor
reconhecido para a história nacional e local. Foi por isso que o governo da Paraíba resolveu
tombá-lo. O tombamento “[...] é o processo pelo qual um bem é inscrito no Livro de Tombo
[...] como reconhecimento pelo Governo de que esse bem é parte significativa da identidade
cultural de um lugar”. (QUEIROZ; et all, 2011)
O processo de tombamento seguiu as seguintes etapas:
a) 1ª Etapa: Levantamento da documentação3 para conhecimento das tipologias
documentais, seu estado de conservação e o valor histórico e cultural;
b) 2ª Etapa: Exposição de motivos solicitando e subsidiando o tombamento do
Acervo;
Foto 5: Carta de doação do AJSL
Fonte: AJSL
3
Ressaltamos que no processo de tombamento há apenas uma listagem dos tipos documentais e não uma relação
minuciosa da documentação.
489
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c) 3ª Etapa: Formulação do processo junto ao IPHAEP. Nesta instituição o processo
passa por vários procedimentos: inicialmente, o registro no setor de protocolo,
onde todos os documentos necessários ao tombamento são anexados. Formado o
processo, este recebe uma numeração onde o solicitante pode acompanhar seu
andamento. Do Protocolo passa para a Coordenação Administrativa que por sua
vez o envia ao setor competente para dar o parecer, neste caso à Coordenação de
Assuntos Históricos, Artísticos e Culturais. Esta dá seu parecer favorável e o
reenvia à Coordenadoria Administrativa e analisa os autos, estes estando
completos, são enviados à Diretoria Executiva que coloca em pauta na próxima
reunião do Conselho de
Proteção
dos
Históricos
Aqui
Culturais4.
e
o
Bens
processo
analisado
por
é
um
conselheiro e aprovado o
seu tombamento.
d) 4 Etapa: A Deliberação
declaratória
de
tombamento do CONCEP é
enviada
pela
Direção
Executiva do IPHAEP ao
governo do Estado para
homologação;
e) 5ª Etapa (final): o governo
do
Estado
através
do
Foto 5: Decreto de Tombamento (DO, 2004)
Decreto nº 25.155, de 06 de
julho de 2004 homologa o tombamento do Acervo de José Simeão Leal.
Assim, fechou-se o ciclo do tombamento. Contudo, amplia-se a necessidade de se criar
um conjunto de medidas conservacionistas e preservacionistas para o referido Acervo.
4
Órgão deliberativo do IPHAEP.
490
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RESULTADOS/CONCLUSÕES
O acervo de José Simeão Leal fundamentou diversos trabalhos acadêmicos em nível
de graduação e pós-graduação (mestrado e doutorado), referendando o papel de José Simeão
Leal na construção do processo histórico-cultural do país, assim como a riqueza histórica da
documentação.
- Trabalhos de conclusão de curso:

Preservação e Conservação de obras: o acervo José Simeão Leal. 2001;
- Artigos publicados:

José Simeão Leal: na tessitura da história cultural brasileira. 2005;

Memórias de leitura: prática leitora em José Simeão Leal. 2006;

Memória e Arquivos Literários: a escrita de si como registro intimista. 2010;

Santuário de gente: a biblioteca privada de José Simeão Leal. 2011;

Direito à memória: processo de tombamento do acervo José Simeão Leal. 2011;
- Dissertação:

Rede Humana de Relações: relações de sociabilidade a partir do acervo fotográfico
de José Simeão Leal. 2012;
- Tese

José Simeão Leal: escritos de uma trajetória. 2009.
E muitos outros trabalhos podem ser realizados, a exemplo deste estudo.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Maria do Carmo. José Simeão Leal. Pesquisa Escolar Online, Fundação
Joaquim
Nabuco,
Recife.
Disponível
em:
http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&view=article&id
=903&Itemid=189. Acesso em 08 out. 2012.
BATISTÉRIO de 02/07/1937. Localização: AJSL (NDIHR/UFPB)
BARROS, Kelly Cristiane Queiroz. Rede Humana de Relações: relações de sociabilidade a
partir do acervo fotográfico de José Simeão Leal. Dissertação (Mestrado em Ciência da
491
www.iiisrh.com.br
Informação) – Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal da Paraíba, João
Pessoa, 2012. 2v.
BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Documento, informação e meios institucionais de custodia e
disseminação. In: _____ . Arquivos institucionais: tratamento documental. 2. ed. ver. e amp.
Rio de Janeiro: FGV, 2004.
BRASIL. Diário Oficial de 15/01/1947.
CAMARGO, C. R.; MOLINA, T.S. O patrimônio arquivístico: acervos privados e interesse
público. Anais do XV Encontro Regional da ANPUH-Rio, Rio de Janeiro, p. 1-5, 2010.
CARTAS PATRIMONIAIS. IPHAN. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br Acesso em 8
out. 2012.
DUTRA, C.A.R.; FREIRE, B.M.J. José Simeão Leal: na tessitura da história cultural
brasileira.
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v.
1,
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1,
2005.
Disponível
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FREIRE, B. M. J. Santuário de
gente: a
biblioteca
privada
de
José
Simeão
Leal.
2011.
Disponível
em:
http://inseer.ibict.br/ancib/index.php/tpbci/article/viewFile/56/93 Acesso em 08 out. 2012.
IPHAEP. Regimento Interno. 1992.
JOSÉ Simeão Leal: homem de cultura. Mostra Iconográfica. João Pessoa: NDIHR/ UFPB;
Fundação Ormeo Junqueira Botelho; Usina Cultural Energisa, 2011.
OLIVEIRA, Bernardina Maria Juvenal Freire de. José Simeão Leal: escritos de uma
trajetória. 2009. 870f. Tese (Doutorado em Letras) – Centro de Ciências Humanas, Letras e
Artes, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2009. 2v.
________. Simeão Leal, o semeador da cultura. In: José Simeão Leal: Homem de Cultura.
Mostra Iconográfica. João Pessoa: NDIHR/ UFPB; Fundação Ormeo Junqueira Botelho;
Usina Cultural Energisa, 2011.
OLIVEIRA, B. M. J. F.; CÓRDULA, A. C.; ANDRADE, B. A. Direito à memória: processo
de tombamento do acervo José Simeão Leal. Revista Brasileira Arqueometria,
Restauração e Conservação, v. 3, p. 1-6, 2011.
QUEIROZ, Malthus Oliveira de Queiroz; et all. Patrimônio – Conceito. Revista Brasileira
de Arqueometria, Restauração e Conservação - ARC - Vol. 2 - Edição Especial, 2011.
SOUSA, Josefa Lopes de. Preservação e conservação de obras: o acervo de José Simeão Leal.
João Pessoa, 2001. 62f. Monografia (Graduação em Biblioteconomia) - Centro de Ciências
Sociais Aplicadas, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2001.
492
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AS FORMAÇÕES HUMANÍSTICAS E PROFISSIONAIS NO ESTADO
NOVO: EXPERIÊNCIA PARAIBANA
Luiz Mário Dantas Burity1
1. Introdução
Diante dos questionamentos proporcionados pelas fontes com as quais tivemos contato
na pesquisa “Escolarização para a moral, o civismo e o nacionalismo: os grupos escolares e as
escolas rurais, espaços para a difusão dos ideais estadonovistas (1937-1945)”, parcialmente
financiada pelo CNPq, surgiu à necessidade de melhor compreendermos a proposta estatal
destinada ao ensino profissionalizante, principalmente a partir das novas normatizações que
foram elaboradas sobre o ensino profissionalizante e contidas nas Leis Orgânicas do Ensino,
publicadas na gestão de Gustavo Capanema, que esteve à frente do Ministério da Educação.
Essas Leis Orgânicas do Ensino, no nosso entendimento concluíram um ciclo de
“democratização de ensino” que fora iniciado na Reforma Francisco Campos, reforçada com a
Constituição de 1934 e concluída a partir da instauração do Estado Novo. Esse momento,
todavia, se apresentou com novas roupagens, especialmente em relação às questões
educacionais, mas inseridas nas velhas condições políticas, econômicas e sociais do estado
brasileiro e paraibano.
Para tanto, nos debruçamos sobre o nosso objeto de pesquisa tomando como referências
as ideias de continuidades e descontinuidades, a partir da perspectiva historiográfica pensada
por Hobbsbawm (1998) e dos escritos de Gramsci (1995) sobre as formulações acerca das
relações ensino-sociedade. Para este último autor o ensino profissional não significava e nem
propunha mudanças na estrutura social e econômica de uma dada realidade. Afinal, a partir do
momento em que os filhos das elites e os filhos dos trabalhadores das indústrias fossem
segregados em dois modelos de formação, ocorreriam, inevitavelmente, direcionamentos
distintos para os jovens que assumiriam funções específicas na sociedade, impedindo,
inclusive, a mobilidade social desses últimos.
Mas, se no Brasil verificamos uma continuidade no sentido de favorecer os grupos
sociais dominantes não podemos deixar de considerar que a proposta do governo também
incluiu a vontade de “civilizar” as populações mais pobres e em especial o homem do campo,
a partir da educação escolar, o que na prática significou oferecer um ensino profissional
agregado a algumas lições do ensino humanístico. E para melhor compreendermos essa
1
UFPB/PIBIC.
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proposta adentramos um pouco no conceito de civilização e nacionalismo, que correspondem,
respectivamente, ao modelo de sociedade almejada pelo Governo Getúlio Vargas. Nesse
sentido, analisamos, principalmente, três fontes históricas: Os discursos acerca do Dia da
Juventude, transcritos no Jornal A União, em 1941; a conferencia de encerramento da Semana
da Criança, proferida na sede da Prefeitura de Alagoa Nova pelo seu prefeito, Arlindo Colaço,
em 1943, publicada pela Gráfica Mundo Espírita entre os anos de 1944 e 1945, e, por fim, a
monografia A Força Nacionalizadora do Estado Novo, de Mercedes Dantas, que recebeu
menção honrosa num concurso instituído pelo Departamento de Imprensa e Propaganda
Nacional e publicada pelo mesmo instituto, em 1942.
Após leitura cuidadosa do material acima mencionado verificamos que os conceitos de
civilização e nacionalismo serviram de base para o desenvolvimento de políticas educativas
do governo Getúlio Vargas.
2. O Nacionalismo a serviço da civilização
Arlindo Colaço, em defesa do ensino profissional, estruturou o seu discurso condenando
“a elite social do Brasil” que corria ao ensino superior apenas para “conquistar títulos”. Para
embasar a sua crítica, apresentou um curioso caso de um formado (em curso superior) que
havia sido preso no Rio de Janeiro por estar trabalhando como pedreiro. Assim, ao ser
descoberto foi confundido como se estivesse desenvolvendo uma militância comunista.
(COLAÇO, 1944).
No entanto, no transcorrer das suas argumentações não percebemos uma critica no
sentido de que a educação não devesse ser um fator de diferenciação social, o que o chocou
foi à falta de preparo real dessa suposta elite diplomada que não conseguia exercer a atividade
para a qual havia sido preparado. Para o referido autor a situação da escolaridade superior no
Brasil se tornara tão crítica que já não se distinguia tão nitidamente as funções de um
engenheiro de um pedreiro. Nesse sentido, a melhor solução para livrar o Brasil de tamanha
“epidemia” seria o de ampliar a oferta de ensino técnico profissional, que prepararia o letrado
para as reais necessidades da sociedade. Tal proposta atenderia três necessidades, quais sejam:
A de manter a aristocracia brasileira em sua velha posição social; a de expandir o trabalho
especializado por todo o Brasil, e por fim articular as populações, inclusive àquelas que se
encontravam distantes dos centros urbanos, às necessidades imperativas do meio ao qual
pertenciam, fosse na “ agricultura, se for no campo, industrial se é num ambiente industrial,
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ou pastoril, se o meio a requer”. Para Colaço (1942, p. 31) era necessário coibir tanta “sarna
literária, cujo prurido provoca a malévola ociosidade dos agitadores de guines, nas praças
publicas, nos cafés e em outros lugares escusos”. Segundo, ainda, o referido autor:
Uma palavra que se diga neste mister, nunca será demasiado proferí-la. Seja
o pregão de todas as horas, e, certo, se criará uma consciência onimoda sobre
os objetivos educacionais inadiáveis o minimamente necessário, para
garantia do nosso futuro nacional.
(...) Em resumo, - um pouco de letras indispensáveis e bastante técnica para
todas as funções produtoras. (COLAÇO, 1942, p.31).
Assim, mesmo em se tratando de um ensino profissionalizante, era necessário manter
uma formação humanísticas básica, objetivando a manutenção de uma consciência
nacionalista, consciência que, aliada ao ensino técnico profissional, criaria homens fortes,
eficientes e “racionalmente indicado[s] a desempenhar as funções que a pátria lhe reserva”
(GOMES, 1941, p. 3).
Na mesma perspectiva do intelectual anterior, Mario Gomes, em seu artigo publicado no
jornal A União, (1941, p.3) nos mostra um Brasil que estava sendo guiado por uma nova
“Carta Magna” que indicava apoio à infância e à juventude, preocupando-os desde a gestação,
uma vez que fora inaugurada novas maternidades, passando pelos cuidados da puericultura,
pela fase pré-escolar, o jardim de infância e a “escola em sua complexidade”. Assim sendo,
para ele a implementação do Estado Novo foi uma continuidade do “ato revolucionário de
1930” que
rompeu com os velhos preconceitos e tomou de assalto das mãos dos
demagogos ineficientes as rédeas da administração de logo cuidou de formar
a nossa raça, imprimindo á educação a moderna orientação pedagógica
consentanea com a civilização atual.
A partir da “roça brasileira” se propunha formar uma “raça brasileira”, dando um
sentido unificador ao povo brasileiro, e para incutir esse sentimento uniforme seria necessário
preparar os jovens para o Brasil que nascia sob a luz da civilização moderna, civilização essa
que aqui compreendemos como uma referência às nações economicamente desenvolvidas.
Nessa perspectiva era necessário formar homens fortes e preparados para a indústria,
agricultura e pecuária.
Num outro artigo publicado nesse mesmo jornal, a Escola de Professores é referenciada
como um núcleo de estudos para melhor educar os jovens brasileiros para uma civilização em
mudança (A UNIÃO, 9 abr. 1941, p. 3). Mudança essa que em que a figura política do
presidente Getúlio Vargas muito bem representou esse ideário.
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A depressão econômica do entre guerras se propagou pelo mundo capitalista exigindo
novas posturas políticas dos Estados Nacionais. Em consequência da nova divisão
internacional do trabalho que se efetivou após a Primeira Guerra quando os países derrotados
pelo conflito armado fizeram ampliar os ideais facistas, além da Rússia ter adotado o regime
socialista, fez com que surgisse “outra faceta assumida pelo imperialismo”. Nesse sentido, os
estados vitoriosos se viram obrigados a intervir na economia, num processo que Brito (2006)
denominou de sepultamento do liberalismo:
A relativa desagregação da velha divisão internacional do trabalho abria
espaço para a diversificação das economias, o que dependia, em cada caso
específico, do estágio de desenvolvimento industrial existente em cada país,
a extensão do seu setor de bens de capital, além da maior ou menor presença
do Estado, enquanto sustentáculo destes processos. (BRITO, 2006, p.5)
O Brasil, a partir de então, iniciou uma política de retração de importações,
concentrando seus esforços nas exportações, principalmente de algodão e café, e num
segundo plano na siderurgia, que se tornou um ponto central das reformas econômicas
implementadas por Getúlio Vargas, a partir de 1930.
Assim, o setor educacional passou a ser pensado no sentido de preparar o brasileiro
para o progresso que se avizinhava cada vez mais. Nessa nova conjuntura política e
econômica podemos compreender que a ideia de “civilização” assumiu novos contornos,
tendo a educação como um dos seus principais vetores. No discurso do Tenente José Góis de
Campos transcrito no Jornal A União, em virtude das comemorações do Dia da Juventude,
encontramos tais articulações as quais apontamos acima. Vejamos: “Carvão, ferro e petróleo
formam o trinômio material da civilização contemporânea.” (A UNIÃO, 17 abr. 1941, p.1,
negrito nosso).
Temos, portanto, um conceito de civilização mundial que compreende o
desenvolvimento das nações a partir de um poder estatal suficientemente forte para controlar a
economia, e de um povo unido e preparado para erguer a sua pátria: De modo que aos jovens
do Brasil era necessária uma formação técnica capaz de fornecer à pátria tanto os elementos
básicos para a sobrevivência econômica da nação, que vinham da agricultura, pecuária e
minério, sustentáculo do Brasil monocultor da velha divisão internacional do trabalho, quanto
o beneficiamento destes produtos a partir da siderurgia, aspecto fundamental para a
sobrevivência econômica do estado em tempos de crise, assim como promover um sentimento
nacionalista unificado que eliminasse as dificuldades regionais em prol de uma causa maior:
Podemos ver esse discurso no primeiro parágrafo da noticia de capa do jornal “A União” do
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dia 19 de abril de 1941, que intitula-se “Getúlio Vargas – Patrono da Juventude”, onde
confirmamos a importância desse conceito para os objetivos dos governantes brasileiros no
Estado Novo: “FAÇAMOS justiça ao homem providencial que está dando ao Brasil a mais
feliz das oportunidades: a ressurgir e soerguer-se com as suas próprias forças, na hora crítica
da civilização ocidental” (A UNIÃO, 19 abr. 1941, p.1). A partir dessa proposta politica é
necessário considerar que o Governo Getúlio Vargas efetivou diversas reformas sociais,
iniciadas com a Constituição de 1934, e que se multiplicaram ao longo de seu governo,
aparecendo, em primeiro plano, a partir das reformas trabalhistas:
Decretou-se a obrigatoriedade do repouso semanal, feriados, domingos,
depois de um ano de trabalho; indenização pela dispensa e sem justa causa,
proporcional ao tempo de serviço; salário mínimo, jornada de oito horas,
remuneração suplementar para o trabalho à noite; proibição do trabalho a
menores de 14 anos, de trabalho noturno a menores de 16, e em indústrias
insalubres a menores de 18 e a mulheres; assistência médica e higiênica ao
trabalhador e à gestante; instituição de seguros de invalidez e velhice,
seguros de vida para o caso de acidentes de trabalho; associação de
trabalhadores; férias remuneradas aos comerciários, bancários e aos
empregados de associações privadas; férias aos tripulantes; trabalho das
mulheres no comércio e na indústria, nacionalização do trabalho, condições
de trabalho na imprensa e junta de conciliação; estabilidade no emprego e
tantíssimas outras medidas acauteladoras e de assistência ao trabalhador.
(DANTAS, 1942, p.209).
Mercedes Dantas (1942), enquanto uma teórica do e no Estado Novo, conceitua o
espírito progressista das reformas estatais enquanto uma força nacionalizadora, ou seja, capaz
de incutir na sociedade esse espírito de amor à nação brasileira. Nesse sentido, devemos
compreender o nacionalismo enquanto um sentimento social que em muito supera o conceito
de patriotismo, pois o reverte a favor do desenvolvimento econômico do país: Temos aqui,
portanto, o “sentimento de nacionalismo, de defesa, de amparo, de assistência em pról da
brasilidade, como expressão autônoma e brilhante de um sentimento vivaz e inconfundível de
civilização e força, dentro de fórmulas imperaticas de justiça e equidade” (A UNIÃO, 19 abr.
1941, p.7)2. E nada mais necessário para o desenvolvimento econômico desta nação do que
educar a sua juventude: “Quantos conhecem a história da civilização, sabem que o fim dos
grandes impérios começou na dissolução dos costumes, através da corrupção juvenil” (A
2
Discurso proferido pelo Dr. Domingues Uchôa às 19 horas do dia 18 de abril na Rádio Tabajara, e transcrita no
Jornal “A União” no dia seguinte.
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UNIÃO, 17 abr. 1941, p.1)3. Necessidade que transparece nas comemorações do Dia da
Juventude e que se fez representar na fala do dr. Ovídio Duarte:
Jovens, o Brasil depende de vós, do nosso esforço, de vosso amor ao estudo,
êle abre caminho à melhor compreensão dos fatos sociais, nêle vai haurir
elementos mágicos, que ajudam a conhecer a vida normal e patológica das
nações, e por uma e outra a inferir e predizer o destino das humanas
sociedades, nossa pátria, jovens, está em progresso e ninguém será capaz de
deter a sua grande marcha. (A UNIÃO, 23 abr. 1941, p.1)
Analisando profundamente a proposta do ensino profissional encontramos uma
continuidade em relação à velha estrutura da republica velha que conferia diplomas para
acentuar as diferenças sociais: Aos filhos dos ricos caberia uma formação mais humanística,
como é o caso do Liceu Paraibano, a fim de proporcionar a formação dos futuros alunos de
Direito e Medicina, e uma formação técnica específica ao curso de Engenharia e Agronomia
associada a um ensino humanístico fragmentado, curso que difere em muito o ensino técnico
conferido aos mais pobres: Pois embora o ensino dedicado a estes fosse publico eram exigidos
enxovais para o egresso do aluno na escola, alguma taxa de permanecimento, ou mesmo, a
localização geográfica da escola, que garantia uma clientela de suas redondezas, alguns desses
fatores são perceptíveis, por exemplo, na Escola de Agronomia do Nordeste:
Para o curso de nível fundamental, que formava administradores rurais, em
um ano, os candidatos teriam que apresentar a mesma documentação exigida
para o curso médio. É importante destacar que para ambos os cursos, o aluno
teria que pagar uma taxa anual de cem contos de réis, pagamento este feito
em quatro prestações trimestrais. Essa informação nos leva a crer que a
Escola de Agronomia não esteve acessível a todas as classes sociais, mas
delimitava o seu acesso e sua permanência, visto que nem toda a população
dispunha de recurso financeiro para ingressar na Escola. (PEREIRA, 2010,
p. 55).
Aos mais pobres seria direcionada, portanto, uma formação voltada ao trabalho
industrial, como na Escola de Aprendizes e Artífices da Paraíba, ou para o meio rural, como é
o caso das escolas rurais:
Adentramos, portanto, a concepção de Gramsci (1995, p.130), que explica que a
divisão fundamental da escola em clássica e profissional era um
esquema racional: a escola profissional destinava-se às classes
instrumentais, ao passo que a clássica destinava-se às classes
dominantes e aos intelectuais.
3
Continuação do discurso proferido pelo Tenente José Góis de Campos e transcrito pelo Jornal “A União” no
dia 17 de abril de 1941.
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Por enquanto não nos preocuparemos em afirmar se no caso brasileiro esse esquema
tenha se dado de modo racional: Cá temos uma proposta para bem responder às exigências de
um tempo histórico que bem serviu às necessidades da elite brasileira: Nos limitamos, por
enquanto, às consequências desse modelo de ensino para a sociedade brasileira, que impediu
as emergências de posições politicas por parte dos mais pobres a partir de um rompimento
com a mobilidade social a partir do ensino, como veremos mais à frente em analises mais
profundas das reformas de ensino do Brasil nas décadas de 1930 e 1940.
3. As reformas de ensino no contexto do Estado Novo
Como explicado no início deste trabalho, compreender o ensino ao longo do Estado
Novo significa considerar as continuidades e descontinuidades que envolveram as Leis
Orgânicas de Ensino de Gustavo Capanema, o que exige que retrocedamos a Francisco
Campos e à Constituição de 1934, que correspondem à legislação sobre a qual o ensino está
posto para que possamos perceber algumas descontinuidades, e a reforma de 1946, que
responde a algumas necessidades do ensino frente a essa proposta e exigem uma maior
organicidade por parte do governo. Assim, estudamos aqui o contexto histórico do ensino em
nosso recorte temporal, o Estado Novo.
Para essa discussão Xavier apud Brito (2006, p.12), aponta que
A modernização econômica dependente implicou uma modernização cultural
e institucional que, assim como a econômica, tendeu a se dar dentro dos
limites necessários à incorporação da economia nacional ao conjunto da
economia capitalista mundial a que se subordinava.
Nessa perspectiva, todas as reformas econômicas teriam sido aplicadas na educação a
partir de três direcionamentos distintos, de um ponto de vista direto essas reformas teriam se
dado quantitativamente a partir da criação de novas escolas, consequente ampliação do
numero de vagas e democratização do saber escolar, e qualitativamente com as reformas na
estrutura do ensino e na melhoria das condições sociais que o cercam. E, de um ponto de vista
indireto, a partir das reformas sociais e culturais que proporcionaram aos jovens uma
educação diferenciada também no que se fala de todo um universo de influências que está
além dos muros escolares e que também interferem em seu processo educativo. Mas para
além das propostas que se voltam para as transformações sociais, Brito (2006, p.12) afirma:
Segundo a mesma autora [Xavier], o intenso debate que vinha acontecendo
no país sobre o tema educacional, mesmo antes dos anos 30, e o que se
seguiu, deviam-se pouco às exigências concretas, econômicas e sociais do
período, sendo que seu resultado concreto, na melhor das hipóteses, foi a
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expansão dos estabelecimentos escolares, sem ter alcançado a sua
organização interna, que continuou voltada para a formação humanística,
pensada em termos de classe dirigente.
A ausência de uma modificação interna na educação, nesse sentido, é aquilo que a
autora coloca como a manutenção de uma “formação humanística, pensada em termos de
classe dirigente”, e que segundo ela não estaria vinculada a uma necessidade econômica ou
social, ou seja, a transformação da sociedade, já que permanecia nela um caráter elitista.
Concordamos com a autora quando a mesma afirma que o ensino não foi responsável por uma
grande transformação social, mas se voltarmos à perspectiva de Arlindo Colaço (1944), que
de alguma forma reflete o olhar dos governantes paraibanos sobre o ensino profissional,
perceberemos que a principal importância deste é dar utilidade real ao ensino, fazendo uma
crítica veemente aos devaneios proporcionados pela formação humanística em excesso. É
claro que não podemos tomar esse discurso como uniforme e nem acreditar que ele tenha se
efetivado, mas partindo de sua conceituação é possível perceber que sua proposta principal
não é de transformar a sociedade:
Se observarmos a perspectiva de Gramsci (1995, p.136/137), esse próprio caráter
elitista vai apontar para uma motivação econômica e social anterior: “A marca social é dada
pelo fato de que cada grupo social tem um tipo de escola próprio, destinado a perpetuar nestes
grupos uma determinada função tradicional, diretiva ou instrumental”, de forma que
perpetuassem as classes sociais vigentes para as gerações futuras. Nesse sentido haveria um
modelo de ensino próprio para direcionar cada indivíduo, de cada classe social, para uma
determinada função na sociedade já no ensino secundário, preparando os filhos da elite para
os cargos públicos e profissões liberais, enquanto direcionava os filhos dos trabalhadores
fabris ou do campo para o trabalho fabril ou agrícola, o que os manteria presos a essas
atividades já que não teriam know-how para ocupar outros espaços sociais:
Mas o tipo de escola que se desenvolve como escola para o povo não tende
mais nem sequer a conservar a ilusão, já que ela cada vez mais se organiza
de modo a restringir a base da camada governante tecnicamente preparada,
num ambiente social político que restringe ainda mais a “iniciativa privada”
no sentido de fornecer esta capacidade e preparação técnico-política, de
modo que, na realidade, retorna-se às divisões em ordens “juridicamente”
fixadas e cristalizadas ao invés de superar as divisões em grupos: a
multiplicação das escolas profissionais, cada vez mais especializadas desde o
inicio da carreira escolar, é uma das mais evidentes manifestações desta
tendência. (GRAMSCI, 1995, p.137).
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Nesse sentido, a educação profissional se configuraria enquanto uma continuidade
para a distinção social a partir do ensino no contexto da descontinuidade que havia sido a
democratização no caso da Reforma de Francisco Campos, ainda entre os anos 1931 e 1932 e
da Constituição de 1934; ou uma descontinuidade, se partirmos das críticas de Arlindo Colaço
(1944) quando já não eram perceptíveis as distinções sociais a partir do diploma, sendo o
ensino profissional uma forma de suprir as necessidades econômicas mais imediatas.
Nos primeiros sete anos de administração do governo Getúlio Vargas, principalmente
a partir da reforma Francisco Campos, observamos a implementação das universidades no
Brasil, o que representou uma ampliação do ensino superior, antes restrito a duas faculdades
de Direito e uma de Medicina, para demais cursos, ou seja, proporcionando outras formações,
se ainda de uma forma elitista, já com um numero maior de vagas, democratizando um pouco
esse ensino, o que vai se intensificar com o passar do tempo a partir da criação de outras
universidades e instituições de ensino superior. Por fim, essa democratização do ensino se
legitima sob égide da Constituição de 1934, que “declarava a educação como direito de todos,
bem como a sua gratuidade” (BRITO, 2006, p.13).
No caso do ensino secundário Romanelli apud Brito (2006, p.13) nos mostra que o
objetivo era:
dar organicidade ao ensino secundário, estabelecimento definitivamente o
currículo seriado, a frequência obrigatória, dois ciclos, um fundamental e
outro complementar, e a exigência de habilitação neles para o ingresso no
ensino superior. Além disso, equiparou todos os colégios secundários
oficiais ao Colégio Pedro II, mediante a inspecção federal e deu a mesma
oportunidade às escolas particulares que se organizassem, segundo o decreto,
e se submetessem à mesma inspeção. Estabeleceu normas para a admissão
do corpo docente e seu registro junto ao Ministério da Educação e Saúde
Pública. (ROMANELLI apud BRITO, 2006, p.13).
Ainda nessa reforma foi criado o ensino comercial, que estaria, de acordo com Brito
(2006, p.13) dividida também em dois ciclos, sendo que, ao segundo ciclo caberiam
especializações nas funções de “secretariado, guarda-livros e administrador-vendedor”, para
os quais não havia curso superior, ou seja, tendo um caráter terminal, e aos cursos de “atuário
e perito”, que permitiria unicamente o ingresso no curso de Finanças, havendo já ai uma
disparidade para com a formação das escolas tradicionais, às quais seria permitido o egresso
em todos os demais cursos. Nesse caso a divergência deixa de estar no nível das
potencialidades e adentra um universo legal, a partir do momento em que o ensino superior
não é permitido a uma classe de jovens não pela incapacidade de sua formação de permitir
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que ele adentrasse esse espaço, mas principalmente por uma incapacidade legal já é possível
pensar numa intencionalidade para com essas divergências, que exploraremos mais a frente.
Por enquanto nos limitemos às consequências legais desses ideais a partir das reformas de
ensino.
Nesse sentido, apenas nas Leis Orgânicas do Ensino de Gustavo Capanema,
instauradas ao longo do Estado Novo, foi decretado oficialmente o ensino profissionalizante
(CUNHA apud BRITO, 2006, p.14), que estaria dividido em dois ciclos, estando o primeiro
instituído em quatro modalidades, “o ensino industrial básico (quatro anos); o ensino de
mestria (dois anos); os ensinos artesanal e de aprendizagem, este ultimo destinado aos
aprendizes de plantas industriais instaladas no país.” (BRITO, 2006, p.14), e o segundo ciclo,
“previa o ensino técnico industrial, a ser concluído em três anos, e o ensino pedagógico, que
visava formar responsáveis pelas escolas deste ramo de ensino”.
Com a instauração do ensino profissional foi possível uma maior acessibilidade ao
ensino superior em relação ao que se tem acesso no ensino comercial, mas ainda assim este
estava limitado a alguns cursos afins, ficando restrita a sua formação complementar a alguns
cursos avulsos: enquanto aos cursos secundários, com as humanidades, foram aperfeiçoadas
por essas Leis Orgânica do Ensino com o ensino do “Português, Latim, Francês, História
Geral e do Brasil”, Ciências e Matemática, sendo opcional o Grego, estando presente ainda a
educação militar, que deveria estar sob o controle do Ministro da Guerra, aos meninos
acrescentar-se-ia ainda os trabalhos manuais, e às mulheres orientações da vida doméstica.
Também o ensino comercial foi reformado, seguindo algumas características do Ensino
Profissional.
Podemos perceber, a partir dessas reformas acima descritas, que o ensino profissional
toma uma conceituação jurídica que diverge um pouco da descrição posta por Arlindo Colaço
(1944). No campo das reformas essa linguagem jurídica afirma o ensino profissional como
um plano direcionado aos trabalhadores fabris e do campo, enquanto aquele autor coloca essa
nomenclatura como que voltada a um tipo de ensino que deveria coexistir com o ensino
humanístico em todos os níveis de formação. Há três interpretações possíveis para essa
variação de significado. A primeira e mais obvia é a inevitável coexistência de pensamentos
destoantes em qualquer espaço e temporalidade, a segunda é o também inevitável
distanciamento entre a teoria e a prática, mas, embora as duas perspectivas provavelmente
tenham interferido nessa dupla significação de uma mesma proposta, ela parece, na verdade,
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ser fruto de uma subdivisão jurídica para planos de ensino que se propõe a dispor diferentes
níveis de conteúdo humanístico e profissional para cada classe de estudantes a partir da
função que lhes é direcionada.
A extinção política do Estado Novo no ano de 1945 não se tornou, dentre as reformas
da educação, uma descontinuidade considerável, uma vez que as três Leis Orgânicas foram
decretadas em continuidade às políticas educacionais do governo Getúlio Vargas. A Lei
Orgânica do Ensino Primário, que “visava, essencialmente, regular a participação do governo
federal neste grau de ensino” (BRITO, 2006, p.16), além de instituir um curso fundamental
com cinco anos, sendo o ultimo voltado para a preparação para os exames de admissão para
os graus médios de ensino, e “o curso supletivo, com dois anos, visando à escolarização da
população analfabeta, adulta e jovem” (BRITO, 2006, p.17); A Lei Orgânica do Ensino
Normal, que se voltaria à formação de professores para o ensino primário, dessa forma, o
ensino secundário estaria subdividido em dois ciclos, de modo que o primeiro, “com quatro
anos, formava o regente do ensino primário e, graças a uma parte complementar, considerada
como especialização, também podia formar o administrador escolar” (BRITO, 2006, p.17); A
Lei Orgânica do Ensino Agrícola, que “previa a modalidade em dois ciclos: o primeiro,
voltado para a formação (iniciação agrícola e maestria, ambos com dois anos),
aperfeiçoamento e especialização do aluno; e um segundo ciclo, com o curso técnico agrícola,
de três anos e cursos pedagógicos (magistério de economia rural doméstica, didática do
ensino agrícola e administração do ensino agrícola), para formação dos quadros docentes
desta área” (BRITO, 2006, p.18). Assim, haveriam três tipos de escolas voltadas ao ensino
agrícola: as de iniciação agrícola, as agrícolas e as agrotécnicas.
É possível perceber, principalmente a partir das Leis Orgânicas do Ensino Normal e
Agrícola, que elas são legislações específicas de algumas especialidades do ensino
profissional que necessitaram da aplicação de alguns critérios legais mais específicos: No
caso do ensino normal, a formação para a “mestria” já estava compreendida no segundo ciclo
do ensino comercial, só que com uma formação de dois anos, de modo que essa Lei Orgânica
de 1946 se propõe a dar-lhe uma organicidade maior, e no caso do Ensino Agrícola, ele
também já estava compreendido desde a efetivação do ensino profissional, mas algumas
dificuldades práticas exigiram também dele uma maior organização, como é o caso dos
cuidados específicos com o ensino normal rural, vista a falta de professores que se
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disponibilizassem a ensinar em zonas rurais do estado, assim como da falta de preparo dos
mesmos para que pudessem atender às exigências desse tipo de ensino:
A mania de todos os recem-diplomados de se localizarem nas capitais traz
como consequência dificuldades para a administração do Estado e grave
deficiência do ensino, motivada pelo desequilíbrio das forças educativas que
não se podem ajustar correntemente ás necessidades de uma equitativa
distribuição de técnicos de ensino pelas zonas rurais (GOMES, 1941, p.3)4.
Problema pelo qual Sizenando Costa apud Pinheiro (2006, p. 65) apresenta, a partir da
necessidade de formar
um professorado de emergência para prover às escolas dos centros rurais. O
preparo desse pessoal docente, NA FALTA DE ESCOLAS NORMAIS
RURAIS, será conseguido, embora com deficiência, dirigindo-se o
professorado do interior dos Estados para fazer estágio em escolas-padrão.
O que, sendo o professor do próprio meio rural, facilitaria a permanência deste no
meio rural, mas que seria uma solução emergencial, visto que a verdadeira solução para este
problema seriam as Escolas Normais Rurais, instituídas com maior especificidade a partir de
1946.
Assim pudemos conhecer melhor as articulações legais para a proposta de
“nacionalizar” para “civilizar” o Brasil através do ensino, e que se entrecruzam com os
aspectos simbólicos presentes nos discursos dos representantes do governo durante as
festividades de exaltação à pátria, ao presidente, ao progresso e à educação, como veremos
mais à frente principalmente através do Dia da Juventude.
4. As relações ensino-sociedade a partir dos discursos dos governantes locais
O Dia da Juventude foi uma festividade cívica instituída no Estado Novo que não
somente teve um importante caráter simbólico para o enaltecimento da imagem política de
seus governantes, como foi o caso de sua comemoração a partir de 1941 se dar no dia do
aniversário do Presidente Getúlio Vargas, enquanto uma iniciativa do Interventor Ruy
Carneiro. Assim como também foi um dia tomado de discursos que enalteciam o progresso
econômico da pátria, que é onde ele se torna interessante para a nossa análise, visto que será
possível vislumbrar as nuances desses discursos que estarão presentes nas instituições de
ensino profissional e de ensino humanístico.
4
Artigo “Descentralização do Professorado” assinado pelo professor Mario Gomes no Jornal “A União” em 13
de maio de 1941.
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Analisar os discursos presentes nas festividades cívicas, no entanto, terá algumas
nuances que não podem deixar de ser consideradas: Pois, se de acordo com Silva (2011, p.15),
estudar as festas “significa adentrar em ambientes carregados de simbolismos que visavam (e
visam!) difundir valores e condutas que, de certa forma, reforçam ideários nacionalistas”,
compreender seus discursos significará compreender a relação entre esses valores e condutas
transmitidos e o objetivo de seus oradores para com eles, sendo necessário, portanto,
considerar de onde fala esse orador, ou seja, que instituição representa, e o publico a quem
fala.
No caso específico do Estado Novo, como nos mostra Silva (2011, p. 15), vivia-se
“um regime de exceção, no qual o Estado passou a exercer maior controle sobre as atividades
escolares”, de modo que elas vão emergir para um “aumento significativo de datas festivas”.
Muito embora esses oradores representassem instituições de poder das mais variadas
especificidades, era comum o fato de que todos serem favoráveis ao poder político vigente
naquele momento.
Nessa perspectiva, não basta “olhar para o ato festivo e analisá-lo” (SILVA, 2011,
p.34): Na perspectiva de Silva (2011, p.34) é necessário perceber, que do outro lado do
palanque há uma “grande participação de pessoas que por algum motivo lá estavam a festejar,
a comemoração e até mesmo a observar de forma menos empolgada toda aquela
movimentação que alterava o cotidiano de todos durante o Estado Novo”, e estas pessoas não
poderão ser desconsideradas dessa análise.
Há um modelo comum a quase todos os discursos proferidos no Dia da Juventude em
1941 na Paraíba, que inicia com as congratulações ao Interventor Ruy Carneiro pela iniciativa
de instituir no dia 19 de Abril, data aniversária do presidente Getúlio Vargas, o Dia da
Juventude, e em seguida exalta a memória do presidente destacando as reformas declaradas na
sua gestão em contraposição ao ceticismo e individualismo das épocas subsequentes5 (A
UNIÃO, 19 abr. 1941, p.4). Dentre essas iniciativas destaca-se a criação de novas escolas, e
no caso específico dos discursos proferidos a todos os públicos, com ênfase do ensino
profissionalizante e alguns comentários rápidos na formação das elites.
É nessa perspectiva que verificamos a conferência do Dr. Andrade Bezerra, diretor da
Faculdade de Direito de Recife, que fora convidado pelo Departamento de Imprensa e
5
Discurso proferido na faixada do Palácio do Governo pelo Dr. Andrade Bezerra, diretor da Faculdade de direito
de Recife.
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Propaganda da Capital paraibana, para uma conferência “político cultural” no dia 19 de Abril,
Dia da Juventude paraibana. (A UNIÃO, 16 abr. 1941, p.2).
Logo após a apresentação do “nosso conterrâneo e advogado do Banco do Brasil em
Recife” (A UNIÃO, 19 abr. 1941, p.7) Samuel Duarte, o Dr. Andrade Bezerra discursou na
sacada do Palácio da Redenção, enfatizando “a disciplina politica baseada no conceito cristão
da justiça social” (A UNIÃO, 20 abr. 1941, p.4) na sua preocupação com os trabalhadores:
se justificam a medida de proteção e interação social dos trabalhadores; as
leis reguladoras do trabalho, da higiene industrial, da ocupação das mulheres
e dos menores de acidentes, as associações profissionais, os convênios
coletivos, o salário mínimo, a justiça do trabalho. E quanto mais á ação
previdente e tutelar do Estado, os serviços de proteção ao lar operário, de
assistência á infantaria de alimentação saudável e barata de creches e
maternidades, de ensino profissional junto ás fábricas de construção e de
casas populares. (A UNIÃO, 20 abr. 1941, p.4).
Nessa descrição, portanto, o ensino profissionalizante apareceria enquanto uma das
melhorias promovidas em prol de uma “justiça” à classe operária, engendradas pelo Governo
Getúlio Vargas. O parágrafo subsequente, no entanto, apresenta uma contradição de
significados sobre essa perspectiva:
Quanto à formação técnica e moral das novas gerações, empenha-se o
Presidente Getúlio Vargas em imprimir ao ensino caráter objetivo e nacional,
intervindo para a remodelação do ensino primário; elaborando o Estatuto da
Família e criando a Juventude Brasileira, cuja festa hoje celebramos, a fim
de preparar novas gerações dentro do regime de disciplina e de ordem, para
as altas funções que estão chamadas a desempenhar na substituição das
gerações atuais. (A UNIÃO, 20 abr. 1941, p.4).
A objetividade com o qual o ensino deveria ser direcionado, na fala do Dr. Andrade
Bezerra, deixou claro o efeito ansiado pelo governo para com a formação dessa juventude.
Diante das poucas letras humanísticas, que aqui recebem o nome de formação moral, e da
formação técnica, cá temos um ensino objetivo, sem acesso a qualquer tipo de pensamento
crítico e, consequentemente, a posições contrárias, o que faria desses jovens pessoas mais
obedientes e coesas nesse objetivo maior da nação. Cada um assumiria a sua alta função na
construção do Brasil, que seria erguido com disciplina e ordem, afim de garantir um Brasil
mais prospero e feliz com jovens mais bem preparados para assumir a direção desse país que
estava sendo guiada pelo Presidente Getúlio Vargas. Por fim ele propõe a substituição das
gerações atuais por gerações futuras mais bem preparadas, e apresenta uma intitulação, por ele
feita outrora para a figura do presidente como “reconstrutor da nacionalidade”, o que é um
termo curioso no discurso do Dr. Andrade Bezerra, afinal, para que Getúlio Vargas seja o
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reconstrutor é necessário que alguém tivesse construído essa nacionalidade, e se ela precisa
ser reconstruída é porque ela fora destruída:
Era, na realidade, sombrio o quadro da situação politico-social no Brasil, ao
irromper o surto revolucionário de que se fez chefe vitorioso o Presidente
Getúlio Vargas.
(...) Na ordem politica, era o Estado agnóstico e indiferente, numa época em
que, por toda a parte, o Estado deixava essa atitude neutral, para assumir
funções de comando e controle na vida social. No Brasil, o Estado se
organizava sob o signo da indiferença por todos os interesses permanentes da
Nação... Estado suicida, que dentro de si mesmo cultivava o germen da
própria dissolução. Era a perigosa hegemonia dos Estados ricos e poderosos
sobre os Estados, pobres e abandonados. Eis o particularismo, o
regionalismo. Era o particularismo, o regionalismo – mandocuísmo pessoal,
sob todos os seus disfarces. Era, em suma, a dissolução iminente desta
grande Patria, que o valor dos antepassados gloriosos, entre os quais os
inesquecíveis mártires paraibanos e pernambucanos, nos legara e que nós,
sucessores incapazes, não sabíamos nem poderíamos aperfeiçoar nem
manter.
(...) Na ordem da produção, era ainda o patríado econômico, num regime em
que o capital não se sentia com obrigações, desprotegidos. Era o esperado
abandonado das leis e do poder público, pária dentro da própria Pátria, cuja
riqueza ele ajudara a construir, entregue, sem defesa, á propaganda
desenfreada do comunismo antibrasileiro e anticristão (A UNIÃO, 20 abr.
1941, p.4).
O Dr. Andrade Bezerra, a partir do discurso apresentado acima, colocou a organização
estatal anterior ao Governo Getúlio Vargas como indiferente aos “interesses permanentes da
nação”, e, portanto, suicida, já que assim se entregava ao domínio dos Estados ricos e
poderosos, dessa forma o reconstrutor da nacionalidade, junto aos mártires paraibanos e
pernambucanos, teria salvado o Brasil dessa administração letal, voltando sua preocupação
para alguns desses “interesses permanentes”, que tornariam o Brasil, assim, também um
Estado rico e poderoso, aspectos esses que estariam diretamente ligados à sua nacionalidade:
Afinal, o particularismo e regionalismo que ele apresentou, seriam, portanto, duas formas de
esquecer os ideais pátrios a favor de interesses egoístas, o que abrira as portas do Brasil para o
comunismo “antibrasileiro” e “anticristão”.
No caso do discurso “Juventude e o Nôvo Regime” proferido pelo dr. Evilacio Feitosa,
secretário da Interventoria, na semana dedicada á “Juventude Brasileira” pela Rádio Tabajára
também iniciou proferindo críticas a administração pública que antecedera o Governo Vargas,
explicando a importância que uma festividade como aquela ganhara após a coordenação, a
diretriz segura, que lhe fora concedida pelo Presidente Getúlio Vargas:
Até bem pouco tempo contentaram-se as comemorações públicas em
assinalar apenas a vossa existência, ora de intermeio ás solenidades gerais,
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comemorativas dos fatos históricos, ora colocando-vos como frontispício dos
cortejos festivos. Jamais ocorrêra á mente dos nossos homens públicos e
educadores a ideia de cultar com carinho e destacado realce, a mocidade,
dando-lhe a projeção e o relêvo capaz de firmar a consciência do seu valor e
estimular na sua personalidade a noção exata de quanto ela vale e representa
nos destinos pátrios. A sua existência era apenas tangenciada. O seu papel
uma função quantitativa, de parcela. O seu patriotismo de faixada, restringiase ao culto efêmero dum simbolismo que mal teria a sua intuição. Era êsse o
grande e capital pecado que forjava uma consciência trêpega, flexível, capaz
de se deixar arrastar pelo menor sôpro do vendaval das paixões
indisciplinadas. Habitava por assim dizer é superfície das coisas sem ter
noção de si mesma. Ufanava-se de tudo, entusiasmava-se por tudo, mas não
refletia a propósito de nada. As revoluções mal concebidas e pelor ainda
executadas quando brechavam as forças sociais em desequilíbrio, buscavam
nela, nos seus elementos rebustecidos, os primeiros prosélitos. Era a
argamassa comam de todas as iniciativas úteis ou perniciosas. Não as
plasmava uma mentalidade dentro dos sadios moldes da verdadeira grandeza
nacional. (A UNIÃO, 16 abr. 1941, p.1)
Quando coloca a juventude enquanto a argamassa das iniciativas uteis, o autor elege
esse momento governamental que vive enquanto um momento das atitudes estatais
verdadeiramente importantes para o desenvolvimento da nação, que para tanto precisaria de
uma juventude bem preparada e consciente de sua missão, dando culto aos jovens antes
esquecidos pelas comemorações dos fatos históricos: Eles deveriam ser o símbolo maior dessa
nação em desenvolvimento, de modo que o dr. Evilacio Feitosa chega a concluir que sem a
devida valorização aos jovens todo esse patriotismo das festividades seria uma faixada
efêmera que não encaixava-se nos reais moldes “da verdadeira grandeza nacional”.
Partindo dessa perspectiva é possível compreender a necessidade dos governantes da
nação de imprimir uma outra percepção social do povo Brasileiro sobre o Brasil, ou seja, de
reposicioná-los frente à História dessa nação, primeiro ao conferir aos jovens uma
participação mais ativa em sua construção, o que interfere em sua relação identitária para com
a construção desse país: Já não cabe a eles esperar a fase adulta para participar ativamente
dela, pois os líderes desse novo momento nacional já havia os convidado para estar junto
deles nesse movimento de reedificação da realidade brasileira. Nova realidade para a qual o
presidente teria dedicado um cuidado bastante especial a partir de novas orientações para o
meio educativo, artístico, intelectual e físico, “abrangendo a todos os degraus da cultura”,
como foi o caso do ensino profissional que ganhou terreno, principalmente a partir da
publicação de “leis de proteção à família, à criança e ao trabalho em geral”, demostrando um
“zelo acentuado pela integridade consequente da raça”. A “raça” brasileira, uniformizando a
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todos os brasileiros enquanto um único povo, específico, tomado pelos mesmos sentimentos
cívicos que os levariam a conquistar a posição sócio-econômica almejada.
Nesse sentido, o autor do artigo reforma a necessidade de associar os ensinos
humanístico e profissional para a boa preparação dos alicercer dessa “grande pátria”:
Se a formação da juventude consiste sómente em adquirir conhecimentos
práticos para exercer um oficio. – dizia um célebre escritor – ao invés de
exigir muito dela, melhor seria colocá-la cêdo diante da bigorna, ensinandolhe um oficio manual”. Mas, o que seria um mundo de trabalhadores
manuais? O de que precisamos é preparar elites cultas, em todas as suas
manifestações aliando-se na vida espiritual da Nação (A UNIÃO, 16 abr.
1941, p.1).
Ao propor com alguma clareza que o ensino profissional era necessário para melhor
direcionar os jovens às funções exigidas para a função futura exigida de si e explicar a
necessidade de desenvolver elites cultas, o autor não só mostra uma racionalidade para com as
divisões sociais propostas por esse modelo de ensino, como outrora propusera Gramsci
(1995), como também coloca a necessidade do ensino humanístico enquanto promotor de
cultura, o que reforça a teoria explicitada anteriormente de uma formação acrítica para as
classes populares. Aqui observamos, portanto, duas formas de tratar as divisões entre ensino
humanístico e ensino profissional, que se dão principalmente por uma divergência de
significado: No caso das reformas de ensino e do discurso do dr. Evilacio Feitosa, o ensino
humanístico e profissional são dois planos de curso distintos para dois públicos distintos,
tendo ou não o ensino profissional alguns conteúdos de ensino humanístico e vice-versa, e no
caso dos discursos de pensadores como Arlindo Colaço (1944) e o dr. Andrade Bezerra esses
dois modelos de ensino correspondem a correntes distintas de conteúdos que são ministrados
aos dois tipos de ensino em níveis distintos, estando o ensino humanístico mais voltado ao
desenvolvimento da moral e do civismo no indivíduo, enquanto ao ensino profissional
caberiam as lições técnicas que o preparariam melhor para o desempenho de atividades
futuras.
Considerações Finais
É possível concluir a partir dessas conceituações anteriormente realizadas e nos
diálogos que travamos com as fontes que podemos pensar sobre a relação ensino-sociedade a
partir do pensamento de Gramsci (1995). Tal perspectiva de leitura pode ser verificada no
caso da Paraíba estadonovista, inclusive quando o mesmo afirma que estes direcionamentos
sociais eram um meio racional de distinguir a população a partir do seu grau de instrução.
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Mas, mesmo se tratando de uma proposta racional não é possível atribuir causalidade a ela, ou
seja, não podemos afirmar que aquele governo instituiu o ensino profissional com essa
finalidade. Em geral não há entre os governantes da Paraíba estadonovista uma preocupação
com as questões sociais proporcionadas pela educação, até mesmo porque, mediante as
transformações das relações políticas e econômicas em nível internacional, esta se tornou uma
forma de melhorar as condições econômicas da nação.
O governo se voltou, portanto, para uma educação sob novos moldes, ou seja, o ensino
profissional, que associado a algumas letras humanistas desenvolveriam um tipo perfeito de
homem brasileiro, com conhecimento técnico especializado para uma maior eficiência no
trabalho, proporcionando consequentemente um melhor rendimento econômico para o país.
Esse homem também teria uma maior capacidade para articular saberes das áreas distantes
dos centros urbanos a partir de uma adaptação do ensino de cada jovens às exigências da
economia nacional para aquele meio.
As reformas educacionais também propiciaram o fim de posicionamentos contrários ao
governo, a partir de um maior controle sobre o “excesso de educação humanística”, conforme
detectamos nos discursos produzidos por Arlindo Colaço. O novo modelo de educação no
entanto, se tornou mais objetivo e acrítico, pautado no desenvolvimento de uma consciência
nacionalista a partir da educação moral e cívica.
Tudo isso em meio a uma proposta de democratização do ensino que se fizera
principalmente a partir da criação de novas escolas em todo o país, incluído áreas rurais, de
forma que o governo estaria preocupado em levar civilidade aos jovens de todo o país, o que
faz parte da sua proposta de criar uma nação unificada, com uma única raça brasileira, com a
qual todos pudessem se identificar. Civilização que, diante do fim do liberalismo, precisaria
ter um governo capaz de controlar a economia, que no caso brasileiro se deu a partir do
investimento na siderurgia, embora continue dependendo da produção agrícola, o ensino
profissional, então, atenderia bem a essas duas exigências, preparando os jovens mais pobres
do campo para o trabalho agropecuário e os citadinos para o trabalho industrial.
Mas as transformações engendradas não se deram só no plano econômico, pois se por
um lado Getúlio Vargas salvaguardou os interesses da velha elite agrária brasileira impedindo
que o ensino promovesse mobilidade social, por outro ele abriu espaço para uma série de
reformas trabalhistas que melhoram as condições de vida dos trabalhadores industriais
brasileiros, fato que Mercedes Dantas (1942) chamou de “força nacionalizadora do estado
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novo”, e o dr. Andrade Bezerra de “justiça social”, colocando-o, assim, como o “reconstrutor
da nacionalidade” já que o mesmo se dedica aos “interesses permanentes da nação”, onde
verificamos o já discutido cuidado com a economia e o cuidado com a juventude. Getúlio
Vargas seria, portanto, o “Patrono da Juventude”, o guia desse nacionalismo que precisaria do
apoio da juventude para se desenvolver. A juventude, portanto, seria o alvo de seus cuidados,
já que desprezar a sua formação seria equivalente a um suicídio diante dos tentáculos das
nações mais desenvolvidas.
Quanto às reformas de ensino é perceptível uma continuidade no processo de
democratização do ensino e também nos aspectos que dão maior organicidade á educação
profissional, que se efetiva na Lei Orgânica do Ensino Profissional de Gustavo Capanema,
mas ganha novas roupagens com o passar do tempo, principalmente a partir das Leis
Orgânicas do Ensino Normal e Agrícola em 1946, onde são direcionados novos
encaminhamentos a esses dois modelos de ensino antes misturados entre os demais tipos de
ensino profissional, e que, portanto, exigem maiores estudos por parte dos Historiadores da
Educação para que se melhor compreenda que problemas práticos foram observados ao longo
do Estado Novo que exigiram do governo uma nova arregimentação para esses tipos de
ensino.
Referências

Livros:
BRITO, Silvia Helena Andrade de Brito. A Educação no projeto nacionalista do primeiro
governo Vargas (1930-1945). In: Disponível em: “http://www.histedbr.fae.unicamp.br/
navegando/artigos_frames/artigo_101.html”.
COLAÇO, Arlindo. Ensino Atualizado. Rio de Janeiro: Gráfica Mundo Espírita, 1944.
DANTAS, Mercedes. A força nacionalizadora do Estado Novo. Rio de Janeiro, DF: DIP,
1942. (Decenal da revolução brasileira).
GRAMSCI, Antônio. Os intelectuais e a organização da cultura. Tradução de Carlos
Nelson Coutinho. 9 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995.
HOBSBAWM, Eric. Sobre história. Tradução de Cid Knipel Moreira. São Paulo, SP:
Companhia das Letras, 1998.
PEREIRA, Priscilla Leandro. Experiências educacionais na Paraíba para o meio rural
(1930-1937): ações civilizadoras, profissionalizantes e disciplinares. João Pessoa, PB:
UFBP/CE, 2010. (Monografia Curso de Pedagogia).
511
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PINHEIRO, Antônio Carlos Ferreira. A era das escolas rurais primárias na Paraíba (1935 a
1960). In: SCOCUGLIA, Afonso Celso e MACHADO, Chraliton José dos Santos (orgs).
Pesquisa e historiografia da educação brasileira. Campinas, SP: Autores Associados, 2006.
(Coleção memória da educação).
SILVA, Vânia Cristina da. Ó Pátria Amada, Idolatrada, Salve! Salve! Festas escolares e
comemorações cívicas na Paraíba (1937-1945). João Pessoa, PB: UFPB/PPGH, 2011.
(Dissertação de Mestrado em História).

Periódicos:
GOMES, Mario. Descentralização do professorado. In: PARAÍBA, Estado da. Jornal A
União. João Pessoa, 13 de Maio de 1941.
_________. Rendimento Escolar. In: PARAÍBA, Estado da. Jornal A União. João Pessoa, 17
de Maio de 1941.
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_________. Jornal A União. João Pessoa, 16 de Abril de 1941.
_________. Jornal A União. João Pessoa, 17 de Abril de 1941.
_________. Jornal A União. João Pessoa, 19 de Abril de 1941.
_________. Jornal A União. João Pessoa, 20 de Abril de 1941.
_________. Jornal A União. João Pessoa, 23 de Abril de 1941.
A IMPRENSA PARAIBANA E A DITADURA MILITAR: ADESÃO,
RESISTÊNCIA E “NEUTRALIDADE”
Luiza Paiva Duarte de Andrade Carneiro
I.
Introdução
Este trabalho visa ampliar a compreensão e o conhecimento acerca da relação
sociopolítica entre a imprensa paraibana e os ocorridos políticos no Brasil e na Paraíba, entre
os anos de 1964 e 1968, sendo o ponto de partida o golpe civil-militar do ano de 1964. A
análise da imprensa como fonte histórica foi imprescindível para a realização deste trabalho,
pois a partir desta, tanto como em outros meios de comunicação, é possível compreender as
opiniões e, até certo ponto, como era guiada a mentalidade da população através dos
periódicos. Porém, como o trabalho se trata de imprensa, foram utilizadas apenas as fontes
hemerográficas.
A imprensa não faz apenas parte de grandes grupos pertencentes à elite econômica e
social, embora seja deste modo que ela se propague e tenha efetivo sucesso na conquista do
gosto da população. A imprensa também pode surgir de organizações pouco representativas
socialmente (sendo importante, igualmente, fazer uma análise dos pequenos jornais
paraibanos que circularam pelo estado no referido período de pesquisa). Geralmente estes
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pequenos periódicos aparecem para se opor ao Estado através de críticas e oposições políticas,
tentando mostrar à população os rumos que este toma e que a imprensa elitista não mostra nas
suas manchetes, por serem contra as necessidades da sociedade. É neste contexto em que
entra a censura; o Estado (numa conjuntura de não liberdade de expressão, ou até sob um
regime ditatorial) que detém o poder e é ligado não só à imprensa, como a todos os outros
aparelhos do seu próprio sistema, sente-se prejudicado e põe em prática a censura, para evitar
uma possível reviravolta da opinião da população. No governo de João Goulart a grande
imprensa brasileira denotou fortemente sua oposição ao presidente. No momento da
deposição do presidente Goulart pelo golpe civil-militar do dia 1º de abril de 1964, a grande
imprensa festejou em suas manchetes e deu total apoio aos militares nesta “empreitada
anticomunista”, exceto poucos jornais de esquerda, como por exemplo, Novos Rumos e
Última Hora.
Apesar de ser reconhecida a importância da pequena imprensa local, este trabalho
apenas se ateve a pesquisa dos grandes periódicos que circulavam no estado, sendo abordados
no decorrer do texto os jornais O Norte e Correio da Paraíba.
II.
A imprensa no contexto da cultura política
Textos de abordagem teórica foram amplamente utilizados para a realização deste
trabalho, visando maiores esclarecimentos relativos aos mecanismos de relação entre o
Estado, sociedade e imprensa. Um destes textos foi A cultura política de Serge Berstein
(1998), que visa observar as diversas culturas políticas que há na estrutura da sociedade como
um todo. De acordo com Berstein, o fenômeno que acontece é a predominância de uma
cultura política sobre as outras, estas que não são menos importantes, buscam se estabelecer e
ganhar espaço na sociedade. A partir disto, Berstein nos mostra e conceitua o que ele chama
de hierarquização das culturas políticas. Este se trata de um fenômeno evolutivo, sendo
necessárias muitas décadas de sedimentação de uma cultura política para que esta substitua a
antes dominava os parâmetros sociais e políticos. Os principais canais da cultura política na
nossa sociedade são a família, a escola, as universidades, os partidos políticos, a esfera
militar, etc. A cultura política para o estudo do historiador é imprescindível e duplo.
O texto Por uma história conceitual do político de Pierre Rosanvallon (2003)
diferencia político de política; o entender do político compreende a sociedade e a política é a
prática do poder. Faz-se necessária a compreensão do político como campo e trabalho; o
campo remete à existência de uma sociedade, e o trabalho é um agrupamento humano
enquanto comunidade. Para o autor, simples eventos não são suficientes para o entendimento
dos fenômenos sociais, é preciso tomar amplitude da longa história e a análise a nível
globalizante.
A democracia, segundo Pierre Rosanvallon, é a coexistência do sonho do bem e a
realidade da indeterminação. A democracia moderna é uma contradição entre liberdade e
poder e tem caráter mutável. A partir deste conceito, faz-se necessário observar a genealogia
das questões políticas e contemporâneas.
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Para Rosanvallon (2003), os regimes totalitários são vistos como desvios padrões da
modernidade; são a democracia em sua realização negativa. A coletividade de vários
pequenos Estados em forma de Estado-nação declina em função do aumento em número
destes enquanto independentes entre si.
Tânia Regina de Luca em seu texto História dos, nos e por meio dos impressos (2006),
desenvolve um texto que delineia a história da hemerografia. De acordo com a autora, na
década de 1970 poucas produções acadêmicas eram feitas a partir da utilização de jornais
como fontes e os pesquisadores relutavam em produzir através da imprensa, isto porque, ainda
eram embasados pelo positivista de veracidade dos fatos. O uso de periódicos parecia
equivocado para serem fontes para o passado, devido à pessoalidade conferida na imprensa. A
partir da escola dos Annales, paulatinamente foi-se explorando o potencial dos periódicos
enquanto fonte histórica.
A terceira geração dos Annales apresentava novas visões a respeito do fazer histórico.
A historiografia passou a reconhecer uma maior importância dos elementos culturais. Os
textos começaram a ser lidos mais pelo modo como eram passados ao interlocutor do que pela
informação em si.
Muitas produções foram realizadas a partir da pesquisa hemerográfica. A história do
movimento operário pôde encontrar nos jornais imprescindíveis fontes, embora muitas
páginas, datas e números de publicação sejam imprecisos.
As revistas semanais e mensais também são importantes fontes de pesquisa. O sucesso
destas revistas deve-se à utilização da linguagem acessível. A publicidade cresceu bastante
com a explosão do sucesso das revistas e muito mudou na forma de abordagem. As imagens
nas revistas são igualmente fonte para o historiador e, muitas vezes, mostram a face das
classes dominantes.
A história política não deve excluir a imprensa enquanto fonte histórica, pois,
exemplificando, no começo da segunda metade do século XX viu-se muito na imprensa
brasileira a influência norte-americana em termos políticos, culturais e econômicos. Durante
as ditaduras brasileiras, a imprensa de oposição sumariamente silenciada. A utilização da
imprensa como fonte tem que levar em conjunto a observação das condições técnicas do
material que se tinha ao dispor para a impressão. Por exemplo, a qualidade de um jornal feito
pela classe dominante era muito superior à feita pela militância operária.
Há objetividade ou neutralidade na imprensa? Acima de tudo, há a necessidade de se
observar as motivações que levaram as publicações de determinado tema ou notícia e atentar
ao que está nas entrelinhas. O pesquisador deve, portanto, recorrer a outras fontes para
compreender o processo da imprensa.
O texto A Mídia de Jean-Nöel Jeanneney (1996) verifica até onde vai o poder do
Estado em relação aos meios de manipulação nos meios de comunicação. Neste texto,
Jeanneney busca nos dizer que as relações entre o Estado e a Mídia não são tão simples
quanto parecem, pois ao contrário do que superficialmente se pensa, nem sempre os meios de
comunicação, principalmente em um Estado democrático, vão dar apoio às ideologias
dominantes. Embora haja muitos mecanismos de poder entre a sociedade civil e o Estado, as
mídias e a imprensa não são organismos passivos às demandas do Estado. Antes de serem
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analisadas estas relações de poder, se faz imprescindível o olhar à constituição e mecanismos
da própria mídia e imprensa.
Fátima Araújo, em seu livro História e Ideologia da Imprensa na Paraíba (1983), faz
uma análise histórica da imprensa mundial, nacional e local e como ela pode moldar a opinião
pública, refletir interesses e o contexto histórico de onde esta está situada. Os principais
periódicos para a nossa pesquisa, brevemente explanados por Fátima Araújo, são A União,
criado em 1893, O Norte, de 1908 e o Correio da Paraíba, lançado em 1953. De acordo com
José Octávio de Arruda Mello, em visita pessoal que lhe fiz em dezembro de 2011, até o ano
de 1962 (ano do assassinato de João Pedro Teixeira), A União apoiava as Ligas Camponesas,
mas mudou de rumo igualmente ao então governador Pedro Gondim, e, a partir deste ano, não
apoiou mais o movimento. O Norte, sempre exaltando posicionamentos políticos reacionários,
em meios às tensões de 1964, passou ainda mais a esbravejar posições contundentemente
anticomunistas em favor do golpe de Estado militar. Segundo Fátima Araújo, o pensamento
político do jornal O Norte era dominante. Já o jornal Correio da Paraíba era o periódico mais
"neutro" dos três que foram utilizados na pesquisa, sendo o mais desligado de setores
conservadores do Estado da Paraíba.
III.
Os anos de 1964 e 1968 sob a perspectiva dos jornais O Norte e Correio da Paraíba
A realização deste trabalho foi feita a partir do Programa de Iniciação Científica da
Universidade Federal da Paraíba, dentro de um projeto de pesquisa (Golpe Civil-Militar e
implantação da Ditadura Militar na Paraíba: adesão, repressão e resistência (1964-1968)),
orientado pelo Prof. Dr. Paulo Giovani Antonino Nunes (membro do Departamento de
História da UFPB). Dentro deste projeto, há três linhas de trabalho, cada realizada por três
estudantes. O período histórico em estudo e pesquisa envolveu os anos de 1964 a 1968, e cada
linha de trabalho se especificou em alguns anos, sendo os frutos desta parte do ano de 1964
(mais precisamente o momento de transição do golpe de Estado) e parte do ano de 1968 (os
reflexos do AI-5).
A partir da pesquisa não apenas do Jornal Correio da Paraíba, foi verificado no Jornal
O Norte outras posturas e posicionamentos dos jornalistas e colunistas. Com a construção de
um acervo de fichas feitas a partir da pesquisa destes periódicos, é possível ver importante e
aprofundada contribuição para a produção historiográfica e científica sobre a imprensa e a
política do Estado da Paraíba no que tange o período ditatorial de 1964 até 1968.
a) 1964
Desde o início do ano de 1964 podia-se verificar rejeição do O Norte em relação ao
governo Goulart. Como verificado em notícia publicada em 15 de janeiro de 1964, sob o
título de “Denunciado o presidente Goulart como campeão da anti-democracia”, sendo esta
uma declaração do deputado udenista Hamilton Nogueira. Segundo ele, em palestra, o Brasil
se encaminhava para um totalitarismo de esquerda, que ia contra as nossas instituições e
tradições.
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Só o que interessa ao presidente da República - asseverou o representante
carioca na Câmara Federal a certa altura - é a implantação de uma república
sindicalista em nosso País.
Mesmo não se tratando de uma notícia local, o fato de este periódico publicar uma
notícia deste cunho, já se pode denotar o interesse em mostrar à opinião pública a posição do
O Norte.
Colunista do Jornal O Norte, Antônio Barroso Pontes em sua coluna “Pelo Nordeste”
sob o título de “BRAVO” publicada em 5 de março de 1964 , enaltece o governador Pedro
Gondim pela nomeação do Cel. Luiz de Barros para apaziguar conflitos que ocorriam no
estado, tais como a Chacina de Mari:
não se emocionando com os gritos histéricos levados a efeito pelos
fervorosos defensores de Krushov, o sr. Pedro Gondim se impôs a toda
altura, mantendo o oficial que dentro de poucas horas fez ressurgir a
tranquilidade em tôda a várzea e demais municípios do litoral paraibano.
É possível verificar na escrita do colunista severa posição anticomunista e apoio às
Forças Armadas.
Em coluna sob o título de “O Comício”, também de Antônio Barroso Pontes,
publicada logo após o comício do presidente João Goulart anunciando o início da Reforma
Agrária, Pontes faz severas críticas ao presidente e aos seus copartidários:
A assinatura do decreto de encampação das Refinarias de petróleo e da
desapropriação das faixas de terra nas margens das rodovias e açúdes,
representa uma só demagogia, mas traduz duas finalidades, que são a de
convulsionar as massas populares e desajustar ainda mais a política social e
economia brasileira. (...) O sr. Miguel Arrais, com a sua oratória capenga,
com seus discursos primários, também arrancou palmas já que usou uma
originalidade, embora cometendo um crime previsto na lei de Segurança
Nacional, pois o governador de Pernambuco concitou o povo à revolução.
O jornal Correio da Paraíba, ao contrário do O Norte, publicou integralmente o
discurso proferido por João Goulart no dia 13 de março de 1964 (decretando o início da
Reforma Agrária), o que denota uma maior tranquilidade política por parte deste periódico.
Em parte da coluna “Diário da Política” do colunista José Soares Madruga do Jornal
Correio da Paraíba, publicada no dia 2 de abril de 1964, logo após o golpe, o colunista
comenta sobre o posicionamento do então governador Pedro Gondim:
não se esperava que o Governador Pedro Gondim tomasse posição imediata
ante os acontecimentos nacionais. Lembrando-se a crise que precedeu a
posse do sr. João Goulart, acreditava-se que sómente depois de sentir a
inclinação dos fatos é que o Chefe do Executivo chegasse a se pronunciar.
Mas, o sr. Pedro Gondim, logo pela manhã já se definira em favor do
Governador Magalhães Pinto.
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b) 1968
Com o passar dos anos verificou-se paulatino, porém severo, endurecimento do
governo militar frente às camadas populares e intelectuais da sociedade. Foram instituídos os
chamados Atos Institucionais, que foram decretos que foram agentes legitimadores das ações
políticas militares, inconstitucionais frente à Constituição Brasileira de 1946. O ano de 1968
foi marcado por inúmeras e sucessivas movimentações antagônicas ao Regime. Para
contorná-las, foi instituído o Ato Institucional Número Cinco, o mais conhecido dos atos,
editado no dia 13 de dezembro. Concedeu ao Regime Militar amplos poderes de repressão, de
proibições de manifestações políticas, de poder fechar o Congresso Nacional, que ficou
fechado por quase um ano, etc.
Em notícia publicada no Jornal O Norte no dia 14 de fevereiro de 1968, sob o título de
“Intelectuais protestam amanhã contra a censura”, podemos ver um exemplo de reação à
Ditadura Militar e uma de suas principais características, a censura:
Os intelectuais de artistas pessoenses marcaram para amanhã, a partir das 17
horas, em pleno Ponto de Cem Réis, uma manifestação pública em favor da
cultura e contra a censura, pela cultura e contra os censores, pelos artistas,
contra as interdições, pela democracia.
Os estudantes e as universidades do Brasil, inclusive da Paraíba, foram alvo de muita
perseguição e de redução de poderes conferidos às universidades federais. No ano de 1968, os
estudantes da Paraíba, como no Brasil inteiro, foram às ruas protestar por melhorias no
sistema. Podemos ver em notícia publicada no dia 2 de abril de 1968 no Jornal O Norte
notícia referente a uma das manifestações feitas por estudantes paraibanos:
Na Paraíba os estudantes saíram às ruas, usaram a linguagem que bem
entenderam, queimaram bandeiras, e tudo não passou de uma manifestação
de estudantes. Por incrível que pareça, não apareceu um miliciano, um
cacetete, um capacete, como se houvesse uma combinação prévia para que
todos os soldados se recolhessem ao seu quartel. (...) Se na Guanabara o
argumento do Govêrno contra a passeata foi a transgressão do 'direito de ir e
vir', em João Pessoa até a Delegacia de Trânsito desviou o curso dos ônibus,
interrompeu o trânsito, para que, não os pedestres, mas os estudantes, fôssem
e viessem a seu bel prazer.
A partir dessa notícia, podemos ver que tais manifestações muitas vezes não eram levadas
a sério e, com esta em específico, vemos que a repressão era incitada na imprensa
conservadora, que acompanhava os passos do Regime Militar.
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IV.
Conclusão
Pôde-se observar a partir dos resultados extraídos deste trabalho que, de uma forma
geral, a grande imprensa é orientada e motivada por ideologias dominantes. No caso do
período pesquisado, sabe-se que era vivido, no mundo, o momento conhecido por Guerra
Fria, um embate ideológico entre os Estados Unidos da América (capitalismo) e a União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (comunismo). Falando em sucintas palavras, para reagir
contra a “onda comunista” que a URSS gerava, os EUA puseram-se a realizar uma empreitada
anticomunista pelo mundo, principalmente pelo continente americano, onde tinha (e ainda
tem) muita influência econômica e ideológica. Consequentemente, a maioria da sociedade e
da grande imprensa estava orientada a demonizar “tudo” o que pertencesse ao “mundo
comunista”.
A diferença entre o Correio da Paraíba e O Norte era orientada no plano político.
Teotônio Neto, fundador do Correio, foi deputado federal pelo PSD, partido coligado com o
PTB (de João Goulart). Já Assis Chatteaubriand, fundador d’O Norte, era orientado pela
direita conservadora, característica fortemente denotada Com isto, podemos ver que o fato de
a imprensa não apenas paraibana, como também a nacional, estava inclinada a se opor
contundentemente à presidência de João Goulart, que apresentava propostas orientadas pela
esquerda política. Diferenças, como foram explanadas ao longo do texto, existiram. Contudo,
a grande imprensa, sendo ela mais soft como o jornal Correio da Paraíba ou mais “linha
dura” como O Norte, esteve frequentemente orientada a se opor à política e ideologia de
esquerda do presidente Jango.
V.
Referências:
ARAÚJO, Fátima. História e Ideologia da Imprensa na Paraíba. João Pessoa: A União,
1983.
BERSTEIN, Serge. "A cultura política." In: RIOUX, Jean-Pierre & SIRINELLI, JeanFrançois. Para uma História Cultural. Lisboa: Estampa, 1998.
JEANNEENEY, Jean-Noel. “A mídia” . In RÉMOND. René. Por uma História Política. Rio
de Janeiro, UFRJ, 1996, pp. 213-230.
LUCA, T. R. de . História dos, nos e por meio dos periódicos (1a ed. 2005; 2a ed. 2006). In:
PINSKY, Carla Bassanezi. (Org.). Fontes Históricas. 2aed.São Paulo: Contexto, 2006, v. 1,
p. 111-153.
ROSANVALLON, Pierre. Por uma história do político. São Paulo: Alameda, 2010.
518
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“O TEMPO PASSA E ESQUECEMOS” A AÇÃO DO PROJETO
COMPARTILHANDO MEMÓRIAS
Maíra Rodrigues dos Santos1
Com a Ditadura Militar, o sistema político brasileiro passou a repudiar alguns tipos de
cultura no sentido de costumes e linhas ideológicas da população. E será nesse meio de
conflito externo na conjuntura social do Brasil que iriam surgir e/ou fortalecer os movimentos
populares de esquerda. Eram estudantes, secundaristas e universitárias, sindicalistas,
operários, artistas, metalúrgicos, enfim jovens e adultos que se engajaram para lutar por essa
causa: o fim da ditadura e da repressão imposta.
Por isso, a Memória é muito importante, onde Le Goff tecerá que a memória é uma
propriedade onde conserva determinadas informações e o homem pode a qualquer momento
pode variar as suas informações ou impressões passadas, para ele, o estudo da memória social
é importante para interpelar os problemas do tempo e da história.
“Uma cultura da memória será, portanto, interminável, infinita. Com tal,
ela se saberá atuante e viva somente a partir de suas produções incisivas
presentes nos memorais, intervenções artísticas, debates intelectuais,
testemunhos e sentenças em torno dos quais muitos militantes se movem na
produção de uma cultura viva, longe de soterramento e silenciamento. O que
ela no permitirá compreender e dizer refará, pouco a pouco, a teia de
significados que permitirão nosso próprio aprofundamento político e o da
democracia frágil e defeituosa em que ainda vivemos” (ENDO, 2010: p.23).
E foi pensando nisso que o Projeto Acervo e Memória da Repressão e da Resistência na
Paraíba (PROEXT/MEC/SISU) se desdobrou, através da iniciativa de organizar outro projeto
intitulado, Compartilhando Memórias: As que não serão esquecidas, onde a equipe de
trabalho do Acervo da Delegacia de Ordem Política e Social da Paraíba (DOPS/PB) organizou
o ciclo de diálogos com pessoas que tiveram seus nomes fichados pela Delegacia, ou mesmo
tiveram algum envolvimento com organizações e movimentos considerados subversivos.
Devido à atuação e vivência dos ex militantes do período da Ditadura Militar podemos
observar que este momento no seio paraibano foi muito significativo, pois ocorreram várias
mudanças na política e na sociedade. E com isso, através de pesquisas no acervo, e sugestões
dos próprios ex militantes, é feita a identificação de nomes que possam contribuir para o
debate.
1
Graduanda em História pela Universidade Federal da Paraíba. Financiador PROEXT – MEC/SESU/DIFES no
Projeto Acervo e Memória: Repressão na Paraíba.
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É importante fazer uma relação entre o passado e o presente, partindo disso, “Eric
Hobsbawm (1972) levantou o problema da “função social do passado”, entendendo por
passado o período anterior aos acontecimentos de que um individuo se lembra diretamente.”
(LE GOFF, 2003: p. 217). Neste sentido o passado não só é relembrado através dos
acontecimentos em si, mas pelos valores vividos que acarretou naquela época, com isso a
memória é construída a partir desses valores que no caso são políticos e ideológicos.
Observamos que a discussão entre passado e presente vai além do relembrar, pois o “passado
não é só passado, é também, no seu funcionamento textual, anterior a toda a exegese, portador
de valores religiosos, morais, civis etc...” (LE GOFF, 2003: p. 212 - 213). Estes preceitos
iram firmar a concepção de que a memória enquanto história tende a se estabelecer no elo que
entre o passado e presente, e estas informações transpassadas pelos seus interlocutores iram
compor uma ideia de que a construção da história, neste exemplo dos ex militantes da
Ditadura Militar, é um meio de trazer ao nosso tempo contemporâneo, as vivências e
experiências que poucos foram escritas e expostas nos meios oficiais e livros didáticos.
Felizmente essa realidade começa a mudar, pois o historiador vem sendo instigado à pesquisa
sobre esse período, e com isso projetos como o Compartilhando Memórias objetivou se nesta
busca pela exposição dessas memórias.
Contudo, a
valorização de uma história das representações, do imaginário social e da
compreensão dos usos políticos do passado pelo presente promoveu uma
reavaliação das relações entre história e memória e permitiu aos
historiadores repensar a relações entre passado e presente e definir para a
história do tempo presente e o estudo dos usos do passado. [...] A memória é
também uma construção do passado, mas pautada em emoções e vivencias;
ela é flexível, e os eventos são lembrados à luz da experiência subsequente e
das necessidades do presente. (FERREIRA, 20002: p. 321).
Referente a isto, o projeto se preocupou em elaborar, através de pesquisas e entrevistas,
um perfil e uma pauta do evento que servirá de orientação para os convidados, além disso,
todas as sessões são gravadas, para posteriormente serem disponibilizadas para consulta.
Logomarca do Projeto
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Tendo este objetivo para a metodologia foi desenvolvido a partir da organização do
Acervo da Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS/PB), que esteve na Secretária de
Segurança pública, e foi transferida para o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos do
Homem e do Cidadão onde se encontra em custódia provisória no Núcleo de Cidadania e
Direitos Humanos na Universidade Federal da Paraíba. A denominação encontrada no acervo
era variável, havia Estados que eram delegacias e outros eram nomeados como departamento.
“Na Paraíba, por exemplo, encontramos as seguintes denominações:
Delegacia de Ordem Política e Social – DOPS; Delegacia de Ordem Política,
Social e Econômica – DOPSE; Delegacia Especial de Ordem Política, Social
e Econômica – DEOPSE; Centro de Informações Policiais e de Segurança –
CIPS. No acervo em que esta essa documentação, estão presentes
documentações da DOPS, DEOPSE E CIPS.” (SILVA e SANTOS, 2010:
p.2).
Com a iniciativa de projetos vinculados por esta Universidade que iniciou o processo de
organização, onde concluíram que o acervo tem 6.583 mil fichas cadastrais e 679 processos
abertos, muitos fichados eram pessoas, entidades ou movimentos sociais que eram
consideradas uma ameaça para a ordem pública.
Diante disso, podemos caracterizar esse projeto, como um processo de construção do
conhecimento histórico e documental, pois buscou se realizar um registro audiovisual da
memória dos perseguidos, para isso utilizaremos entrevistas como também debates, para desse
modo ampliar as fontes documentais e criar um acervo audiovisual.
Cartaz do Projeto
Durante os anos de 2010 e 2011 foram realizadas 12 sessões com 25 convidados e 12
mediadores, sendo 11 sessões realizadas na UFPB no Campus I em João Pessoa e 1 sessão no
Campus II em Areia. Em janeiro de 2010 o Projeto Compartilhando realizou 5 sessões de
debates com 10 convidados tendo no 1º Compartilhando Memórias: Fernando Moura e
Flávio Tavares; no 2º Compartilhando Memórias: Simão Almeida e José Emilson Ribeiro;
no 3º Compartilhando Memórias: Vilma Batista de Almeida e Elisa Mineiros; no 4º
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Compartilhando Memórias: José Adeildo Ramos e Samuel Firmino de Oliveira e no 5º
Compartilhando Memórias: Maria de Lourdes Meira e José Calixtrato Cardoso.
No ano de 2011 foram realizadas 7 sessões onde tivemos no 6º Compartilhando
Memórias: Jader Nunes e Rubens Pinto Lyra; no 7º Compartilhando Memórias: Zezita
Matos e Fernando Teixeira; no 8º Compartilhando Memórias: Ana Rita de Castro e Salete
Van Der Pöl; no 9º Compartilhando Memórias: Elizabeth Teixeira; no 10º
Compartilhando Memórias: Agassiz Almeida e Ariosvaldo Diniz; no 11º Compartilhando
Memórias: Carlos Aranha e Jomard Muniz de Brito e o 12º Compartilhando Memórias:
Maria da Soledade Leite, Luzia Soares Ferreira e Waldenice do Nascimento Silva este
realizado em Areia.
Com isso, observamos que este ciclo de debates atingiu áreas além dos cursos de
Ciências Humanas. E como resultado final, as pesquisas, a realização das palestras e o
material audiovisual servirão como suporte à produção de novas pesquisas na área da História
do Brasil Contemporâneo, compondo assim um Acervo com uma documentação resultante da
História Oral destas pessoas que foram viventes e atuantes contra o Regime Militar paraibano.
Foram atingidas, em média, 600 pessoas dos cursos de graduação em História,
Arquivologia, Letras Clássicas e Estrangeiras, Filosofia, Teatro, Jornalismo, Pedagogia,
Serviço Social, Direito, Comunicação Social - Rádio e TV, Medicina, Geografia, Relações
Internacionais, Economia, Ciências Sociais, Biblioteconomia, Designer, Gestão Pública,
Agronomia, Zootecnia e Ciências Biológicas e dos cursos de Pós-Graduação em Direitos
Humanos, Serviço Social, Educação, História Filosofia, Ciências da Informação,
Especialização em Linguística.
Foto 1: Da direita para esquerda: Samuel Firmino, Professor Jonas
Duarte e Adeildo Ramos no 4º Compartilhando Memórias. Fonte: Acervo da DOPS/PB.
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Cada história contada nos traz uma referência de como era viver em um período onde a
liberdade era privada, e com isso, ressaltaremos aqui três dos vinte e cinco convidados pelo
Projeto que são Salete Van Der Pöl, Maria de Lourdes Meira e Samuel Firmino.
Salete Van Der Pöl é natural de Campina Grande, sua formação é na área da Educação e
mestra em Educação de Jovens e Adultos pela Universidade Federal da Paraíba. Iniciou usa
militância antes mesmo do golpe de 1964, na Ditadura trabalhou como professora e foi
militante em alguns movimentos sociais como a Juventude Estudantil Católica (JEC),
Juventude Universitária Católica (JUC), além da Ação Popular (AP), foi coordenadora da
Campanha de Educação Popular da Paraíba (CEPLAR/PB), e quando atuante chegou a ser
presa e proibida de participar de concursos públicos. Atualmente, integra o Fórum de
Educação de Jovens e Adultos da Paraíba onde foi fundadora, atua também na Rede de
Letramento de Jovens da Paraíba (RELEJA/PB) onde tem foco em regiões rurais de vários
municípios paraibanos, tais como: Alagoa Grande, Pirpirituba, Juarez Távora, Riachão do
Bacamarte, Serra Redonda, Caaporã e Conde.
Outra militante foi Maria de Lourdes Meira Cabral que iniciou sua participação política
na década de 1960, militou na Ação Popular quando era estudante do curso de Filosofia na
UFPB, a antiga FAFI, onde foi membro do Diretório Acadêmico. Devido suas ações contra o
regime foi bastante perseguida e com Ato Institucional de nº 5 foi impedida de estudar por 3
anos, além disso, foi presa por panfletar contra a repressão e foi condenado por 6 meses de
prisão pelo Tribunal Militar, mas só cumpriu 3 meses no quartel da Policia Militar e logo em
seguida foi transferida para o Bom Pastor. Após ser libertada ainda era vigiada, e teve sua
casa invadida por militares, o intuito era encontrar algum material considerado subversivo.
Por conta destas perseguições, Maria de Lourdes, foi morar em Recife, no ano de 1970 e
continuou sua militância e ingressando no Partido Comunista do Brasil, mas ainda era
perseguida. Devido a isso decidiu residir no Maranhão, chegando iniciou suas atividades
políticas em São Luis, só que mais uma vez sofreu repressão e em 1980 casou e foi morar no
interior do Maranhão na Cidade de Bacabal, e lá trabalhou como professora na rede pública e
privada fundando a Associação de Professores.
Por fim, ressaltaremos uma figura importante e um exemplo de resistência da Ditadura
Militar. Samuel Firmino é natural de Pau d’Alho em Pernambuco e iniciou sua militante ainda
criança seguindo o exemplo de seus pais que eram camponeses e se mudaram para Recife
onde fez cursos de oceanografia e astronomia na Escola da Marinha, trabalhou numa fabrica
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têxtil, como bancário e jornalista onde cobria casos de rua para o Jornal Correio da Manhã.
Foi a partir de 1964 que se engajou na luta social, enfrentando o governo e a favor da
liberdade. Com seus companheiros elaborou um jornal direcionado para os movimentos
sociais e a sua atuação sindical reforçou a sua formação política no que levou a fazer estudos
direcionados a Filosofia para adquirir um conhecimento político maior, nesta mesma época
era obrigado a prestar depoimentos por conta das suas ações sindicais.
Além das articulações sindicais, e o contato com as Ligas Camponesas, em 1962
começou a participar do Partido Comunista Brasil que já era clandestino. Com endurecimento
da Ditadura o PCB recuou e Samuel passou a participar do Partido Comunista Brasileiro
Revolucionário (PCBR) que foi uma ruptura do PCB e este tinha uma tendência para a luta
armada. E a partir disso, este grupo estabeleceu uma forte guerrilha, onde realizava assaltos
manterem a causa revolucionaria e também para fazer panfletagens e propagandas de
conscientização política. Será em 31 de março de 1968, Samuel Firmino foi preso após um
tiroteio, e desse momento em diante sofreu diversas torturas no DOPS/ PE e não negava que
era comunista, foi condenado há 58 anos pela Justiça, cumpriu 9 anos e 8 meses na Casa de
Detenção de Itamaracá. Em 1972 fugiu, mas foi capturado e teve 90 dias de isolamento e
castigo, sofrendo todos os tipos de tortura, ainda preso foi militante onde participou de 8
greves de fome, foi na prisão que se casou e teve um filho onde sua esposa também era
militante. Sua liberdade só chegou com o processo da Anistia e atualmente é servidor
aposentado e residi em João Pessoa.
Diante disso, o período ditatorial utilizou de muitos métodos e modos para estabelecer o
controle das pessoas tidas como subversivas, foram torturas bárbaras, prisões, perseguições,
impedimentos, enfim, uma serie de ações que atentavam a liberdade da sociedade. Estes
exemplos de militância foram apenas um esboço dos tantos outros que atuaram na época.
Contudo, concluímos que o golpe iniciou-se com uma caçada aos subversivos que eram
contra aos militares, usando o seu poder para essas ações que agrediram os Direitos do
Homem e do Cidadão, que até o período ou mesmo antes, no Brasil não se havia debatido
acerca dessa temática. O acervo da Ditadura antes de tudo tornou-se uma peça chave para que
possamos entender e compreender o processo pelo qual se deu esse momento político no
Brasil. Pois a partir de pesquisas podemos observar, havia todo um jogo político e ideológico
que envolvia a DOPS, e tendo este os aportes juntamente com a oralidade dos perseguidos da
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Ditadura podem fazer um contra ponto entre ambas as informações, ou melhor, um
preenchimento de lacunas.
Foto 2: Equipe do Projeto Compartilhando Memórias: As que
não serão esquecidas juntamente com os convidados da VI sessão (ao centro). Marcelo Quixaba,
Nazaré Zenaide, Carmélio Reynaldo, Lúcia Guerra, Jader Nunes, Eduardo Rabenhorst, Rubens Pinto,
Arlene Costa, Maíra Rodrigues, Suelen Andrade, Andréa Lacerda. Fonte: Acervo DOPS/PB.
Com isso, entendemos que há uma grande importância em trabalhar esta temática, pois
apesar de ser uma História Recente, está fadada ao esquecimento, a memória está sendo
apagada; e com isso as gerações futuras pouco saberão o que foi realmente aquele período, e,
além disso, trabalhos como este busca a articulação e preservação do patrimônio material
como imaterial buscando também a promoção dos Direitos Humanos, sendo por isso, que o
projeto visou trazer aos contemporâneos às memórias vividas e presenciadas pelos militantes
contra a Ditadura Militar de 1964 a 1985 no Brasil.
Bibliografia Referências:
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2005.
CITTADINO, Monique. A política paraibana e o Estado autoritário (1964/1986). In.
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Universitária / UFPB, 1999.
COSTA, Arlene Xavier Santos, SILVA, Suelen de Andrade e SANTOS, Maíra Rodrigues
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Seminário Internacional de Direitos Humanos da UFPB. João Pessoa, 2010.
FERREIRA, Marieta de Moraes. História, tempo presente e história oral. In: Revista Topoi
nº 5, v. 3. UFRJ, 2002. Disponível em:
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http://www.revistatopoi.org/numeros_anteriores/topoi05/topoi5a13.pdf. Acesso: 05 de nov.
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GOMES, Maria José Teixeira Lopes. Ditadura na Universidade Federal da Paraíba (19641971): Memória de Professores. João Pessoa: CEFET/PB, 2002.
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2003.
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Militar (1964 - 1974). Trabalho de conclusão de curso. João Pessoa, 2007.
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In: Anais do XIII Encontro de Extensão. PRAC/UFPB. João Pessoa: Editora Universitária da
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SILVA, Suelen de Andrade e SANTOS, Maíra Rodrigues dos. Repressão na Paraíba:
Projeto em defesa dos Direitos Humanos. In: Anais do II CNEU – Congresso Nordestino de
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RICOEUR, Paulo. A memória, a história, o esquecimento. Campinas: UNICAMP, 2007.
526
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DISCURSOS SOBRE CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO:
INVENÇÕES E DISPERSÕES
Maria Thaize dos Ramos Lira1
RESUMO
Este artigo analisa como o discurso da convivência com o semiárido é compreendido, reelaborado e
ressignificado no contexto da vivência de entidades, organizações e agricultores que trabalham com
esta ideia; quais associações são estabelecidas entre a ideia de convivência e desenvolvimento
sustentável pelas entidades do Alto Sertão Paraibano, buscando apreender como tais entidades
trabalham e desenvolvem a proposta de convivência e sustentabilidade na região. Tendo em vista
questões como, consolidar as ações pautadas na ideia da convivência e do desenvolvimento local
sustentável, possibilitar a redefinição das condições sócias culturais, políticas e econômicas desta
região. A relevância acadêmica e social da pesquisa encontra respaldo na sistematização de saberes
que, articulados, poderão contribuir para o debate sobre convivência no Semiárido. O trabalho foi
desenvolvido por meio de pesquisa documental e teórica e com a realização de entrevistas, trabalhando
com análise de discurso. Os resultados explicitam que o discurso da convivência está entrelaçado a um
diálogo conflituoso entre discursos, com outros olhares que, muitas vezes, acaba restringindo suas
fronteiras, intervindo em suas ações e dificultando a adesão à sua institucionalização.
Este artigo reflete e sistematiza ponderações e análises realizadas pelo projeto de
pesquisa “Discursos sobre convivência com o semiárido: invenções e dispersões” que
problematiza e interroga como o discurso da convivência com o semiárido é compreendido,
reelaborado e ressignificado no contexto da vivência de entidades, organizações e agricultores
que trabalham com esta ideia; quais associações são estabelecidas entre a ideia de convivência
e de desenvolvimento sustentável; como é elaborada e vivenciada uma identidade sobre o que
é ser semiárido; e, como são significadas e ressignificadas as distensões, fugas e divergências
que destoam da racionalidade que a proposta da convivência e seu pressuposto de
sustentabilidade recomendam.
Ao se pensar o Semiárido Brasileiro, a imagem que vem à mente, a priori, é de uma
localidade seca e inadequada ao convívio humano, ou seja, uma região periodicamente
afetada por estiagens prolongadas que, manipuladas por grupos políticos e econômicos
regionais, ditos oligárquicos, agrava a pobreza da população e corrobora o discurso de que a
miséria é castigo divino ou resultado da inviabilidade econômica e social da região. Um
discurso que, valendo-se da literatura, reforça a imagem do sertanejo como condenado a
retirância.
1
Bolsista PIBIC-CNPq-UFCG. Aluna do Curso de Licenciatura em História, Unidade Acadêmica de Ciências
Socias, CFP/ UFCG, Cajazeiras, PB E-mail: E-mail: [email protected]. Pesquisa orientada pela
Prof. Drª. Mariana Moreira Neto Socióloga, Orientadora - Professora, Doutora, DCS/CFP/UFCG, Cajazeiras,
PB, E-mail [email protected]
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Ninguém pergunta ao retirante donde vem nem para onde vai. É um homem
que foge do seu destino. Corre do fogo para a lama. (...) Baldara-se lhe todo
o heroísmo sertanejo. Ainda bem não se refazia de um cataclismo,
sobrevinha-lhe outro. Horrendos desastres desorganizando a economia
remanescente. O sertão vitimado: todo o seu esforço aniquilado pelo clima
arrítmico, perturbador dos valores, regulador inconstante dos destinos da
região. (ALMEIDA, 1980: 29-31).
Estereótipos enaltecedores de miséria perpetuaram, por um longo período, a visão de
Nordeste, mas o que não se pode deixar de expor é que se trata de visões curtas e espaciais,
que ofuscam a possibilidade de pensar cada individuo inserido no seu tempo. Assim,
tradicionalmente, os lideres políticos vinculados as chamadas oligarquias regionais, se
apresentam como reforçadores desse discurso que associa o Nordeste apenas a seca e fome.
Esses foram por muito tempo, gerenciadores de um meio representativo corrupto e falseado,
em que faziam uso da chamada indústria da seca para manter seus meios de enriquecimento.
Os inúmeros discursos que se lançam sobre o Nordeste não surgem aleatoriamente, nem tão
pouco sem um foco. Esse tem por objetivo os bens financeiros que eram arrecadados pelos
tidos lideres políticos.
As políticas governamentais sempre foram acionadas a partir das
necessidades extremas da população nos períodos de seca, mas sempre
foram comandadas pelas elites regionais que controlavam a situação. Tanto
a distribuição de cestas básicas, como a distribuição de água e a
organização de frentes de trabalho foram controladas pelas elites e
serviram para aumentar sua riqueza e seu domínio sobre a população.
(ÁGUA DE CHUVA: 2001 p.14 – 15)
Devido a uma nova leitura da região, empreendida, sobretudo por organizações não
governamentais, que passam a apontar a ideia da convivência entre o homem e o meio
ambiente como alternativa para se pensar a vida nesta região, começa a ser elaborada uma
concepção que compreende esse espaço como de interseção, encontro e convivência entre
homem e o seu meio.
A nova releitura da região semiárida procura desmistificar a ideia de que o problema
central desse espaço é a falta de água. Aponta também que o nordestino não deve abandonar
seu espaço, não sendo preciso deixar sua localidade, mas adaptar-se a ela, quebrando a ideia
de que no Nordeste não se vivi. Esse debate tem como principal suporte a ideia da
convivência que se apóia nos parâmetros do desenvolvimento sustentável, como possibilidade
concreta de construção de alternativas de vida e de promoção do protagonismo dos habitantes
do Semiárido.
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O discurso da convivência se volta a olhar os sertanejos não como um povo sofrido,
ignorante, sem conhecimento algum, ou meros habitantes de um Brasil isolado e devastado
pela fome, o descaso, a miséria ou o atraso.
As leituras que apresentam o Nordeste como uma localidade própria ao convívio são
muitas, considerando ser esse,
(...) o Semiárido mais chuvoso do planeta: a pluviosidade é, em média, 750
mm/ano (variando, dentro da região, de 250 mm/ano a 800 mm/ano). É
também o mais populoso, e em nenhum outro as condições de vida são tão
precárias como aqui. O subsolo é formado em 70% por rochas cristalinas,
rasas, o que dificulta a formação de mananciais perenes e a portabilidade
da água, normalmente salinizada. Por isso, (...) a captação da água de
chuva é uma das formas mais simples, viáveis e baratas para se viver bem
na região”. (MALVEZZI, 2007: 10).
Essa nova compreensão de como devem ser construídas as relações entre o homem e a
semiaridez passa, necessariamente, pelo viés da sustentabilidade em suas múltiplas
manifestações.
O que se busca é a abertura de uma nova cultura de relação com a chuva,
uma nova cultura de conservação da água. Isso não é fácil, pois significa
uma critica a tudo que se tornou tradição na região e um despertar para
caminhos novos de convivência com ela. (POLETTO,2001: 21).
Nesse sentido, a sustentabilidade está diretamente relacionada ao desenvolvimento
econômico e material sem agredir o meio ambiente, através do uso dos recursos naturais de
forma inteligente para que eles se mantenham no futuro. A questão que se apresenta como
pertinente nesse debate é a de compreender como são estabelecidas as relações entre o homem
e o meio, quais políticas e projetos são definidos na perspectiva da convivência e, como essa
idéia se sustenta na proposta da sustentabilidade do desenvolvimento.
A temática que cerca o desafio da sustentabilidade ambiental requer em
uma primeira análise a contemplação de mecanismos conceituais e
estruturais que se evidenciam principalmente no que diz respeito à interação
entre homem e natureza. (GEWEHR, 2006, s/p).
A partir dessa compreensão, Chacon 1999, elenca alguns pontos que servem para
destacar uma formulação do conceito de sustentabilidade, situados nas dimensões do social,
do ambiental, do territorial, do econômico e do político. A observação desses critérios é
apontada pela proposta da convivência como pré-requisito para que o desenvolvimento do
Semiárido aconteça na interface entre as dimensões social, econômica, política, cultural e
ambiental, ou seja, que a irregularidade das chuvas e a aridez do solo não sejam convertidas
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em argumentos políticos de legitimação e justificação da miséria regional. Portanto, viver no
Semiárido traduz-se em adequar-se as características da região, através do uso racional dos
seus recursos naturais e favorecendo a autonomia e o protagonismo social.
Portanto, a sustentabilidade se anuncia como a possibilidade concreta de produção de
melhores perspectivas de vida e de valorização humana e social, rompendo com o ciclo
vicioso do conformismo que, historicamente, vem configurando as relações de poder nessa
região. Essa ruptura que se observa com a proposta da convivência com o semiárido passa
pelo incentivo, através de inúmeras organizações não governamentais e movimentos sociais,
de práticas e vivências de organização comunitária, de novos conhecimentos sobre a realidade
social e ambiental da região, de produção de novos dizeres e novos saberes que legitimem e
respaldem as experiências exitosas de convivência.
Dessa forma, a proposta da convivência pode ser considerada como um novo discurso
que se anuncia como possibilidade de produção da existência no Semiárido, quebrando
paradigmas e instituindo novas concepções de mundo, reforçando o argumento de Foucault,
para quem “o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de
dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta o poder do qual nos queremos apoderar.”
(FOUCAULT, 1999: 10).
Assim, compreender quais associações é estabelecido entre a ideia de convivência e de
desenvolvimento sustentável a partir da prática de entidades e da ação e atuação de homens e
mulheres que trabalham com a proposta no Alto Sertão Paraibano permite apreender como
esse discurso é significado e ressignificado no cotidiano dessas entidades e quais elaborações
e reelaborações ele opera na produção de relações de poder saber que perpassam e situam o
dizer da convivência.
A realização da pesquisa deu-se com a associação entre leituras e debates de material
bibliográfico acerca da proposta da convivência, da análise de discursos e de outras temáticas
correlatas, o levantamento das entidades que trabalham com a proposta da convivência na
região do Alto Sertão Paraibano e a realização de entrevistas com lideranças de entidades que
trabalham com a proposta da convivência e que desenvolvem projetos e ações em municípios
do Alto Sertão Paraibano.
As análises teóricas e metodológicas empreendidas focaram, sobretudo, na abordagem
da análise do discurso e na contribuição desta para o entendimento dos discursos que se
encontram materializados nos textos e, de modo geral, no campo da linguagem, produzindo
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sentidos e revelando a posição que ocupam os sujeitos sociais nas relações de poder/saber.
Também foram analisados textos que abordam a questão da convivência, do desenvolvimento
sustentável e da relação entre conviver e sobreviver dignamente no semiárido.
As entrevistas com as lideranças das entidades que trabalham com a proposta da
convivência no Alto Sertão Paraibano foram realizadas tendo como pressuposto a
argumentação teórica elaborada por Foucault que trabalha a análise do discurso como uma
forma de compreender como os ditos e escritos revelam um sentido que define posições e
produz compreensões e explicações sobre a realidade.
O exercício teórico-metodológico que subsidiou a pesquisa, além da análise de
discurso proposta por Michel Foucault, observou ainda a sugestão de Bourdieu (1996), que
propõe a metamorfose dos conceitos teóricos em manuais de “ginástica intelectual”, em
roteiros aplicados a uma prática capaz de transformar a pesquisa num exercício prazenteiro,
livre de “(...) proibições e de divisões e desejosa de trazer a todos esta compreensão rigorosa
do mundo que (...) é um dos instrumentos de liberação mais poderosos com que contamos”,
(BOURDEIU, 1996: 8).
A partir dessa compreensão, os discursos veiculados nos documentos e nas falas dos
entrevistados são compreendidos como uma prática que provém da formação de saberes,
como um espaço em que poder e saber se articulam para construir subjetivações sócioculturais e criar identidades.
Nesse sentido, se buscou apreender como, e até que ponto, o discurso da convivência
com o semiárido é compreendido, reelaborado e ressignificado no contexto da vivência de
entidades, organizações e lideranças que trabalham com esta ideia; quais associações são
estabelecidas entre a ideia de convivência e de desenvolvimento sustentável; como é
elaborada e vivenciada uma identidade sobre o que é ser semiárido; e, como são significadas e
ressignificadas as distensões, fugas e divergências que destoam da racionalidade que envolve
a proposta da convivência e seu pressuposto de sustentabilidade.
A mudança que vem se operando no Semiárido Brasileiro, com o deslocamento do
discurso do combate à seca para a concepção de convivência, vem instituindo um
redimensionamento de concepções, enunciados e dizeres sobre o que é ser Semiárido. A ideia
da convivência como contraponto ao descaso histórico para com o Semiárido Brasileiro, por
exemplo, baseia-se em evidências que coloca a região como espaço de tematizações
pertinentes sobre o ecossistema caatinga, suas diversidades e sobre as possibilidades de um
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desenvolvimento sustentável. Mudança que, se assentando em enunciados como o da
convivência, possibilita a (re) elaboração de novas perspectivas de identificação e
caracterização do sertão.
A convivência com o Semiárido se situa na dinâmica de uma compreensão que
redimensiona o lugar dos sujeitos e das imagens elaboradas sobre estes e sobre o ambiente.
Compreensão que começou a ser elaborada no início dos anos 1990, quando trabalhadores
rurais e urbanos, através de suas organizações (federações estaduais, sindicatos, igrejas,
associações, cooperativas de pequenos produtores e ONG’s de assessoria e apoio) começam a
contestar o modelo de intervenção governamental, propondo soluções a partir de outra forma
de compreensão da vivência no Semiárido.
Motivados por uma conjuntura política e social provocada por novas secas, centenas
de trabalhadores reivindicam ações governamentais de caráter permanente, através de um
programa de ação estratégica para o desenvolvimento da região, com vistas a desestruturar e
abandonar definitivamente o que consideram como “as práticas assistencialistas e clientelistas
das oligarquias locais” e apresentar, por outro caminho, uma reversão do quadro de miséria,
abandono e humilhação que afligia milhões de pessoas que habitam o Semiárido. A lógica
deste discurso se assenta na compreensão de que
(...) a convivência do homem com a semi-aridez pode ser assegurada. O que
está faltando, são medidas de política agrária e agrícola, tecnologias
apropriadas, gestão democrática e descentralizada dos recursos hídricos e
da coisa pública – para corrigir as distorções estruturais seculares,
responsáveis pela perpetuação da miséria e da pobreza no meio rural
(FÓRUM NORDESTE, 1993: 05).
O debate sobre a convivência com o Semiárido tem como um dos seus principais
pressupostos a sustentabilidade, ancorada em práticas e alternativas de desenvolvimento
harmonioso e integrado das esferas econômica, política e social e no protagonismo dos seus
habitantes. Tal pressuposto é referenciado como essencial para a (re)elaboração de relações de
poder-saber que, deslocando-se do tradicional discurso da dependência, gestem novas
possibilidades para este “território”, ancoradas na reflexão de questões como: respeito à
diversidade, solidariedade, coletividade, articulação em redes, autogestão, sustentabilidade,
etc.
O conceito de desenvolvimento sustentável, enunciado prioritário da ideia de
convivência com o Semiárido, começou a ser elaborado nas décadas de 70 e 80 do século
passado, na esteira de uma grave crise do sistema capitalista mundial, a qual revelou o
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esgotamento de práticas e de relações de convivência entre o homem e a natureza. A ciência e
a tecnologia que, por quase dois séculos, professaram a inesgotabilidade dos recursos naturais,
começaram a ser questionadas pela recorrência de catástrofes planetárias, vislumbradas em
horizontes cada vez mais próximos e mais espacialmente distribuídas pelo planeta.
A noção contemporânea de sustentabilidade pode ser mais bem compreendida com os
argumentos elaborados por SACHS (2008a, 2008b) que vem construindo um referencial
teórico bastante pertinente sobre essa questão. Segundo este autor, a sustentabilidade do
desenvolvimento ou o ecodesenvolvimento, como alguns designam, é uma maneira de encarar
a vida no planeta pensando não apenas no imediatismo do presente, mas na responsabilidade
que temos com o futuro, ou seja, ela se assenta “no duplo imperativo ético de solidariedade
sincrônica com a geração atual e de solidariedade diacrônica com as gerações futuras”
(SANCHS, 2008b: 15).
Sachs destaca cinco pilares que dão cimento para a formulação do conceito de
sustentabilidade, situados nas dimensões do social, do ambiental, do territorial, do econômico
e do político. Nesse sentido, a sustentabilidade somente é possível quando forem obedecidos e
seguidos critérios como: alcance de um patamar razoável de homogeneidade social;
distribuição de renda justa; emprego pleno e/ou autônomo com qualidade de vida decente;
igualdade no acesso aos recursos e serviços sociais; mudanças no interior da comunidade com
equilíbrio entre respeito à tradição e inovação; capacidade de autonomia para elaboração de
um projeto nacional integrado e endógeno; preservação do potencial do capital natureza na
sua produção de recursos renováveis; uso limitado dos recursos não-renováveis;
configurações urbanas e rurais balanceadas com eliminação das inclinações urbanas nas
alocações do investimento público; superação das disparidades inter-regionais; estratégias de
desenvolvimento
ambientalmente
seguras
para
áreas
ecologicamente
frágeis;
desenvolvimento econômico intersetorial equilibrado; segurança alimentar; razoável nível de
autonomia na pesquisa científica e tecnológica; democracia definida em termos de
apropriação universal dos direitos humanos; controle institucional efetivo do sistema
internacional financeiro e de negócios. (Cf. SACHS, 2008a: 85-88).
No que tange à proposta de convivência com o Semiárido, a sustentabilidade,
aparentemente, tem se configurado como uma reação social e política à racionalidade
econômica que, ao longo dos anos, instituiu discursos e práticas sobre esta região,
cartografando-a como economicamente improdutiva e humanamente inviável. No entanto, o
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que se percebe é que, embora o discurso da convivência e da sustentabilidade do
desenvolvimento do Semiárido se anuncie como possibilidade de emancipação que tem nas
prioridades sociais sua razão primeira, transformando, via participação política, excluídos e
marginalizados em cidadãos, ele se apresenta como funcional ao sistema na medida em que
procura construir uma lógica de vida no Semárido a partir de estratégias e táticas que se
apresentam como disciplinadoras, ordenadoras da vida, modeladoras de uma identidade sobre
o que é ser semiárido.
A elaboração de uma identidade para o semiárido como um aspecto que aparece com
recorrência quando se analisa o discurso da convivência se vislumbra como uma tentativa,
embora não explicitamente exposta, mas implicitamente atuante, de elaborar uma visão
homogênea sobre o que é viver neste espaço. O sentido de identidade aqui abordado é
compreendido a partir da trilha de Albuquerque Júnior2 que afirma ser o pensamento
identitário sempre uma forma autoritária de compreensão e explicação da realidade através da
busca da unidade, da unificação, sendo policialesca por estar sempre reprimindo,
enclausurando no esquecimento, no ostracismo, na negatividade o diverso, o diferente, o
divergente.
A pergunta pela identidade é conservadora, pois nela vem embutida o desejo
e a obrigatoriedade de cessar a dissensão, a divergência, a diversão. A
identidade busca construir sentidos hegemônicos e nucleares que joguem
para as margens outras possibilidades do ver, do dizer, do narrar.
(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2008: 02)
Nesse sentido, a identidade de Semiárido que o discurso da convivência vem tecendo
deixa antevê uma homogeneidade que se anuncia a partir de um conjunto de elementos que
podem ser assim sintetizados: a manutenção, em longo prazo, dos recursos naturais e da
produção agrícola; a redução e eliminação dos impactos negativos da atividade produtiva
sobre o meio ambiente; a relação de convivência com as especificidades climáticas regionais;
a valorização econômica e política dos agricultores; o atendimento satisfatório das
necessidades humanas de alimento e renda e o atendimento às necessidades sociais das
famílias e das comunidades residentes no Semiárido. Tais elementos se sintonizam,
sobretudo, com a agricultura familiar – modalidade de organização produtiva que caracteriza
uma considerável parcela da população residente na região – cujas prioridades devem ser
2
Para uma maior compreensão da discussão sobre identidade elaborada por ALBUQUERQUE JÚNIOR,
conferir: Nos destinos de fronteira: história, espaços e identidade regional. Recife, Bagaço, 2008. Preconceito
contra a origem geográfica e de lugar: as fronteiras da discórdia. São Paulo, Cortez, 2007. Nordestino: uma
invenção do falo (uma história do gênero masculino - Nordeste, 1920/1940). Maceió, Catavento, 2003.
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atendidas a partir da gestão democrática da diversidade e articuladas levando em consideração
as diferentes formas de organização e de demandas do conjunto da sociedade e das
comunidades locais.
Assim, a homogeneização e consequente naturalização da convivência como única
possibilidade de vida para o Semiárido elabora dizeres e fazeres sobre este espaço
determinando comportamentos, modelando opiniões, organizando e legitimando maneiras de
plantar, de colher, de comer, de vestir, de cantar, de se divertir e, porque não, de sonhar. São
comuns, em diversos municípios do Semiárido a realização de festas, exposições, feiras,
promovidas, seja por entidades e organizações vinculadas à ASA, seja por prefeituras
municipais, com apoio de governos estadual e federal, onde oficialmente, se procura valorizar
aspectos de uma pretensa cultura do semiárido e da convivência. O que está em cena nestes
eventos não é apenas uma exaltação de práticas culturais folclóricas e estilizadas como peças
de promoção turística, mas a intencionalidade de construir um novo conceito civilizatório para
a região através da proposta da convivência que entenda a região semiárida a partir de sua
própria lógica pensando-a “no seu contexto global e segundo as características que lhes são
próprias e únicas” (MALVEZZI, 2007: 131).
Essa “nova civilização" que a convivência
elabora e reelabora para o Semiárido procura legitimar e institucionalizar um discurso que se
apresenta como naturalizado e única possibilidade de construção de vida e dignidade na
região.
A convivência com o semiárido, portanto, vem se legitimando como um discurso que
se institucionaliza como possibilidade de se viver nesta região, mesmo com o registro das
estiagens periódicas. A construção de engenhos para guardar a água da chuva, para represar
água no subsolo e assegurar a produção, mesmo nas estiagens, a mudança da mentalidade de
que os povos desta região, por uma determinação natural, estavam fadados a subserviência, a
atrofia política e cultural, são mandamentos que cotidianamente são prescritos aos habitantes,
através das entidades, dos projetos, programas e ações que se propõem a estabelecer uma
nova mentalidade neste espaço. Dessa forma, é possível perceber como o discurso da
convivência é apropriado e reelaborado a partir dos interesses e das intencionalidades
históricas que marcam cada momento e cada experiência das entidades, das lideranças, dos
homens e mulheres, no percurso de suas práticas cotidianas inventam um outro espaço, o
semiárido.
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No tocante as falas dos lideres das entidades do Alto Sertão Paraibano3, percebe-se
como essas lidam com a ideia da convivência no semiárido desde que aliada a proposta da
sustentabilidade que segue parâmetros e questões que, discutidas abertamente pelas entidades
e pelos habitantes da região, resultam uma organização que acarreta a todos certo nível de
responsabilidades. Responsabilidades essas como a de lidar com esse espaço sem agredi-lo,
tirando dele seu sustento e respeitando a responsabilidade ética com as futuras gerações.
No que concerne à proposta da convivência com o semiárido, as análises
empreendidas revelam que o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São José de Piranhas,
através da interação com a Articulação do Semiárido (ASA), desenvolve atividades ligadas ao
Programa Um Milhão de Cisternas de Placas (P1MC), iniciado em 2001, com o apoio do
Governo Federal e instituições estrangeiras que oferecem apoio financeiro e educacional para
elaboração dos projetos. O Sindicato também coordena, desde 2003, bancos de sementes
comunitários.
As atividades desenvolvidas pelo Sindicato trazem como principal característica a
articulação com as famílias beneficiadas que, através de cursos e oficinas de capacitação,
trabalham questões como preservação do meio ambiente, conservação de sementes nativas e
adaptadas ao clima e ao solo do semiárido, recursos hídricos, como guardar a água da chuva
para consumo humano, entre outras. Somente com o projeto P1MC o Sindicato já beneficiou
199 famílias de 12 comunidades. Todas as famílias beneficiadas participam ainda do Fundo
Rotativo, que possibilita a expansão das cisternas para outras famílias ou a construção de
outros equipamentos sociais que contemplem as comunidades, como hortas comunitárias.
Para o vice-presidente do Sindicato, Damião Gomes da Silva, a convivência com o semiárido
é uma questão de saber lidar com a estrutura que o clima disponibiliza, a partir da construção
de cisternas de placa, banco de sementes comunitário, barragem subterrânea 4, com a
armazenagem da ração forrageira, a criação de animais, respeitar e zelar o meio ambiente,
evitar o uso de agrotóxicos. A cisterna, na percepção de Damião, é um artefato que não traz
3
Cf. OLIVEIRA SILVA, Maria Rosivânia, MOREIRA NETO, Mariana. Relatório Parcial da Pesquisa
UFCG/PIBIC/CNPq.
4
As barragens subterrâneas são uma tecnologia simples e barata que permite captar e armazenar água de chuva sob a terra
sem inundar as melhores áreas de plantio nos baixios. Para fazer a parede da barragem, cava-se uma valeta, cortando o
leito do riacho ou baixio ate encontrar a rocha firme. Dessa forma, quando chega a água de chuva, ela fica sob a
superfície, formando uma área embrejada. Essa concepção de guardar a água sob o solo evita, ou pelo menos reduz
drasticamente, o fenômeno da evaporação. Dessa forma, podem-se formar pomares e fazer cultivos de mais longo prazo
na área banhada pela barragem.
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apenas água, mas também a autonomia das famílias em relação aos grupos políticos que, no
decorrer de décadas, escravizaram a população com a utilização de carros pipas assim como
outras esmolas públicas.
Outra entidade que tem relevância no trabalho de convivência como semiárido no Alto
Sertão Paraibano é a Comissão Pastoral da Terra (CPT-Sertão), sediada na cidade de
Cajazeiras, que trabalha com 24 assentamentos, compreendendo ao todo 22.475,20 hectares
somando um total de 961 famílias. A luta do sertanejo pela conquista de sua própria terra
aumentou a vontade da entidade de lutar pela ideia de convivência com o semiárido, gerando
uma melhoria na qualidade de vida das famílias envolvidas.
A CPT-Sertão trabalha também com projetos como Campo Limpo ligado a
agroecologia, o projeto Gaby que envolve saúde e alimentação e o Kinder que estar ligado à
educação, cultura e sementes, trabalhando também com formação continuada de professores
tendo como parceiro uma instituição alemã, AKION KRESPATRE BEDA. A entidade
executa também o projeto desenvolvido pela ASA, o Programa Uma Terra e Duas Águas
(P1+2) que tem por objetivo fomentar a construção de processos participativos de
desenvolvimento rural no Semiárido Brasileiro, trabalhando com a relação de uma terra e
duas águas, onde seria uma água para plantar e outra para consumo puro e adequado.
A CPT desenvolve ainda projetos de sustentabilidade e de fundo rotativo, como Rede
Sementes, Rede Abelha, Rede Água, Rede Educação, Rede Saúde e Alimentação etc. Todas
essas redes integram, além dos assentamentos e acampamentos, outras comunidades e
entidades ligadas a fóruns de nível estadual, regional, e nacional, a exemplo da Articulação do
Semiárido Paraibano (ASA-PB), da Rede de Educação do Semiárido Brasileiro (RESAB) e da
Rede Abelha Nordeste.
A compreensão da convivência como estratégia de construção de dignidade de vida no
Semiárido se expressa no desenvolvimento de saberes e experiências que possibilitem aos
homens e mulheres que vivem neste espaço, ressignificar saberes e modalidades de vida,
transformando concepções políticas e desmistificando crenças. Nesse sentido, para um dos
coordenadores da CPT-Sertão, Antonio Cleides Gouveia, a convivência com o semiárido é
uma questão de saber superar as adversidades do clima, é o armazenamento de água e de
sementes, como também o manejo adequado da terra, possibilitando, assim, a pastagem para
os animais. É uma garantia de sobrevivência dos seres humanos, dos animais e da produção e
que por mais que essa seja uma região onde a chuva é irregular as pessoas têm que se
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conscientizar de que é necessário armazenar, pois, caso contrário, passará por sérias
dificuldades no período de estiagem. Essa elaboração da convivência explicita como os
discursos são articulados a partir das posições e dos lugares que os sujeitos ocupam, o que
empresta legitimidade e reconhecimento as suas falas. A percepção de como é morar no sertão
está imbricada pela desconstrução da idéia de combate à seca, pois, “quando se pensa no
sertão, se pensa em seca, em muita tristeza, falta tudo, povo com fome”, e isso não é verdade,
o sertão apresenta possibilidades, só que muitas das vezes essas possibilidades são mal usadas
pelo poder público e pela sociedade”.
A fala de outra liderança da CPT-Sertão, Maria do Socorro Ferreira, revela como a
idéia da convivência vem atrelada a uma mudança de concepção que se processa no curso de
ações educativas e formativas que positivem o semiárido como possibilidade e desconsidere o
sertão como espaço da fome, da miséria, do degredo. Nesse sentido, para ela, o trabalho que
deve ser realizado com a população do Semiárido é o de “incutir na cabeça das pessoas que
não é possível acabarem com a seca. Existia uma ideia, se trabalhava uma ideia antes que era
possível acabar com a seca e “ai” o nosso trabalho foi feito nessa perspectiva de desconstruir
esse conceito de que é possível acabar com a seca”.
Essa fala permite apreender como o deslocamento de compreensões acontece a partir
da legitimação de novos discursos. Percebe-se, pois, como o discurso da convivência com o
semiárido começa a se instituir no imaginário sertanejo suplantando a compreensão
prevalecente, até algumas décadas, quando as pessoas pensavam que seria possível acabar
com a seca, não dando relevância ao fato de ela ser um fenômeno climático natural. A
convivência com o semiárido está imbricada por uma relação de aprendizagem, ou seja,
aprender a respeitar o meio em que se vive, estabelecendo estratégias de sobrevivência,
porque ou o sertanejo aprende a conviver ou “vamos cometer um genocídio com as matas,
com os animais e com as pessoas”, diz Socorro Ferreira. O respeito ao meio em que se habita
é o passo principal para a convivência, pois é a partir dele que se consegue estabelecer
estratégias de sobrevivência. A sustentabilidade torna-se, nessa região de clima semiárido,
uma prática essencial a partir do momento em que as pessoas aprendem a respeitar a natureza
e as pessoas que estão a sua volta. “Não é preciso sair do Alto Sertão Paraibano pra perceber
que é possível conviver bem, costumo dizer que vamos aprendendo diversas formas de
camuflagem, assim como o camaleão que se camufla, mas não deixa de ser ele mesmo, então
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o sertanejo aprende também”, acrescenta a coordenadora da CPT, Maria do Socorro Ferreira,
a respeito de como é pra ela morar no sertão.
Percebe-se, pois, que a proposta da convivência vem se institucionalizando como um
discurso que ganha cada vez mais projeção como uma forma de ver e de dizer sobre esta
região. Nesse sentido, observa-se que todas as entidades pesquisadas, ao desenvolverem suas
ações e atividades a partir da idéia da convivência, trazem como conseqüência principal o
redimensionamento do lugar que os sujeitos sociais ocupam e quais estratégias e táticas
utilizam para produzirem esse espaço.
Observa-se ainda que a interseção entre convivência e sustentabilidade vem marcando
os empreendimentos desenvolvidos na região e estabelecendo novos paradigmas na relação
que os homens constroem entre si e com o meio ambiente. As práticas de armazenamento da
água da chuva, de manejo sustentável da caatinga, de educação contextualizada, a preservação
dos recursos hídricos se constitui, portanto, em formas de construção de uma articulação
harmoniosa entre homem e meio ambiente. Dessa forma, visando superar o sofrimento
político e social provocado pelas estiagens e reelaborando relações de poder saber que
valorizem o protagonismo e a vivência no espaço Semiárido o discurso da convivência se
insinua como uma possibilidade de construção de condições de vida no Semiárido e se
legitima como um dizer sobre este espaço e sobre como devem ser os procederes para se
habitar esta região, mesmo com as adversidades climáticas e naturais que lhes são peculiares.
Os ditos e escritos que dão subsídio a compreensão do que é ser semiárido auxiliam na
percepção de que não é necessário abandonar o sertão e ir em busca de melhores condições de
vida, pois a região apresenta estratégias de convivência, basta saber lidar com elas, por
exemplo, o respeito ao meio em que se habita que carece de uma população consciente de seu
papel enquanto um ser social.
A mudança que vem se operando no Semiárido Brasileiro, com o deslocamento do
discurso do combate à seca para a concepção de convivência, vem instituindo um
redimensionamento de concepções, enunciados e dizeres sobre o que é ser Semiárido. A ideia
da convivência como contraponto ao descaso histórico para com o Semiárido Brasileiro, por
exemplo, baseia-se em evidências que coloca a região como espaço de tematizações
pertinentes sobre o ecossistema caatinga, suas diversidades e sobre as possibilidades de um
desenvolvimento sustentável. Mudança que, se assentando em enunciados como o da
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convivência, possibilita a (re)elaboração de novas perspectivas de identificação e
caracterização do sertão.
As ações desenvolvidas pelas entidades pesquisadas mostram como a idéia da
convivência com o semiárido se complexifica quando sai do campo do discurso articulado e
elaborado e ganha o território das práticas cotidianas. As falas das lideranças das entidades
que trabalham com a proposta da convivência com o semiárido no Alto Sertão Paraibano
permitem apreender que a proposta da convivência vem ganhando cada vez mais legitimidade
como forma de ver e dizer um espaço, o semiárido, e de classificar e nomear as práticas e os
procederes de uma população. A ideia de morar no semiarido está imbricada por valores
estabelecidos a partir de uma educação contextualizada, que priorize aquilo que a região
disponibiliza. Nesse sentido, os projetos realizados pelas entidades estão entrelaçados em
experiências partilhadas que também atuam como estratégias de sobrevivência dentre elas, a
armazenagem de água nos meses de chuva através das cisternas de placa, pois, assim o
sertanejo garante a sobrevivência da família nos períodos de estiagem. Apesar das
dificuldades que as entidades enfrentam para colocar os projetos em prática, é ao sucesso
deles que atribuem o reconhecimento da sociedade civil.
O discurso da convivência também passa pela produção de uma identidade que denota
o semiarido através de um lugar onde é possível construir dignidade de vida através da
valorização dos recursos da região e da apropriação de táticas e práticas de criação e manejo
garantindo assim a sustentabilidade do desenvolvimento. Em suma, uma identidade que
define como positiva a adesão aos engenhos e aos dizeres sobre o que é viver no Semiárido
tendo uma cisterna de placa, uma barragem subterrânea, a participação nas visitas de
intercâmbio, a preservação das sementes da paixão, a educação contextualizada.
A ideia de convivência com o semiárido, mesmo ganhando cada vez mais espaço no
debate intelectual e no diálogo social, não se expressa, na prática, como uma idéia totalizante,
unificadora. Ela sofre as tensões, distensões e contradições de sua operacionalização. No
entanto, é fundamental que se perceba que esse diálogo que vem ocorrendo em inúmeras
ONGs - a exemplo das visitadas – e que se manifesta nas falas das lideranças entrevistadas, é
responsável pela produção de uma compreensão político-pedagógica que procura colocar a
discussão da convivência com o semiárido como essencial para se pensar possibilidades
diferentes de construção da vida nesse espaço.
REFERÊNCIAS
540
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CONSTRUÇÃO DAS IDENTIDADES DA MULHER NEGRA NO
BRASIL (1985-2010): ALGUNS APONTAMENTOS
Rayssa Andrade Carvalho1
INTRODUÇÃO
No Brasil, a partir da década de 1980, emerge o Movimento de Mulheres Negras,
cujos debates e ações se centram dentro das organizações não governamentais (ONGs), que
vão se formando em todo o território nacional, desde o início da década de 1980. Contudo,
antes de atuar politicamente em seu próprio movimento, com suas questões específicas de
luta, essas mulheres estiveram presentes, atuando em outros movimentos sociais,
principalmente nos movimentos negro e feminista.
Através de suas várias organizações, um dos principais objetivos do Movimento de
Mulheres Negras é de evidenciar as condições e as demandas específicas das mulheres negras,
na sociedade brasileira, e debater as desigualdades sociais/raciais (ROLAND, 2000). Para
isso, atuou e atua, no Brasil, na construção e na afirmação da identidade do ser mulher negra e
na desconstrução dos estereótipos que foram construídos historicamente sobre ela na nossa
sociedade.
Este texto está inserido na perspectiva teórica da História Social, que surge na França,
na década de 1920, com a formação da Escola dos Annales que, por meio de importantes
reformulações no saber histórico, contribuiu para a inserção de novos sujeitos, métodos,
abordagens e problemáticas. Nesse sentido, inseriu as mulheres como um campo de estudo na
História, uma reivindicação do Movimento Feminista, na década de 1960 (SOIHET, 1997).
Também utilizamos o conceito de gênero, elaborado por feministas na década de 1970,
em que concebe que as diferenças entre homens e mulheres são construídas socialmente.
Desse modo, contribuiu para enriquecer os estudos sobre a mulher, visto que introduziu uma
noção relacional e ampliou a compreensão do feminino. Nesta narrativa, articulamos o
conceito de gênero às categorias de raça e de classe, para que se compreendam bem mais as
relações sociais/raciais em que estão inseridas as mulheres negras brasileiras.
1
Discente do curso de Licenciatura Plena em História – UFPB. E-mail: [email protected].
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O presente trabalho propõe analisar a construção das identidades da mulher negra no
Brasil, no período de 1985 a 2010, destacando o momento que marca o surgimento do
Movimento de Mulheres Negras e consolida os espaços de debate e as ações políticas próprios
delas.
Faremos uma abordagem sobre o pensamento e o Movimento Feminista, que surgiu na
década de 1970, para situá-los nos âmbitos da teoria e, principalmente, da prática, e sobre
como as mulheres negras questionaram o Movimento Feminista, visto que as feministas
negras precisavam criar uma agenda própria, que atendesse às suas demandas políticas
(SANTOS, 2009: 277). Assim, em fins da década de 1970 e início de 1980, elas começaram a
organizar o feminismo negro, um conceito que buscou desenvolver e aplicar a teoria feminista
com recorte racial e voltado para demandas específicas das mulheres negras (SANTOS, 2009:
277).
Na década de 1970, predominava a visão de uma identidade coletiva pelo Movimento
Feminista, que buscou unir todas as mulheres em uma categoria homogênea, afirmando que a
opressão a elas estava centrada na questão de gênero (PISCITELLI, 2002: 12). Porém, o
Movimento de Mulheres Negras com o Feminismo Negro destacou as contradições do
feminismo tradicional e inseriu a discussão das diferenças existentes entre as mulheres,
considerando categorias importantes como raça, etnia e classe, fundamentais para se
entenderem suas condições na sociedade brasileira e suas demandas específicas, que
precisavam ser visibilizadas politicamente no Brasil. Nessa conjuntura, teceremos algumas
considerações acerca da contribuição fundamental de intelectuais e ativistas negras, como
Lélia Gonzalez (1982) e Sueli Carneiro (2002), no que diz respeito às condições das mulheres
negras e à formulação do conceito de Feminismo Negro.
Portanto, com o questionamento sobre a prática do “Movimento Feminista Branco” no
Brasil, no início da década de 1980, influenciado por uma visão europeia e estadunidense, o
Movimento de Mulheres Negras, surgido na década de 1980, contribuiu diretamente para a
construção das múltiplas identidades dessas mulheres, articulando as questões de gênero, raça,
etnia, classe, sexualidade e religião. Essa construção identitária aconteceu nos âmbitos
político, social e cultural. A respeito das tensões entre feministas negras e brancas, Soares
(2000: 275) destacou que o “Movimento Feminista Branco expressou o seu racismo particular
no modo como deu prioridade a certos aspectos de conflito feminino e negligenciou outros,
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tendo sido, em geral, cego e ignorante das condições de vida das mulheres negras”. Depois de
mais de uma década, feministas negras têm muitos desafios, contudo, é possível afirmar que
são, na atualidade, protagonistas e sujeitos políticos importantes nos debates públicos em
defesa da ampla cidadania. Outros desafios também têm feito parte do feminismo, como as
questões de orientação sexual, em cujas discussões tem predominado a defesa de direitos de
lésbicas e bissexuais.
A narrativa será desenvolvida com base em fontes bibliográficas (artigos e livros) de
vários/as autores/as, com destaque para os trabalhos de Caldwell (2000), Carneiro (2002),
Hall (2006), Moreira (2011), Roland (2000), Soihet (2007), entre outros pesquisadores/as que
tratam das questões colocadas pelo presente tema e de pesquisa nos portais eletrônicos das
organizações de mulheres negras no Brasil.
CONSTRUINDO
UMA
IDENTIDADE
FEMININA:
MOVIMENTO
FEMINISTA
A primeira fase do Movimento Feminista, no Brasil, data de meados do Século XIX e
surge como luta das mulheres pelo sufrágio e pela conquista de um direito fundamental: sua
inserção na vida política do país (PINTO, 2003). Assim, no Brasil esse primeiro momento do
feminismo vai até a década de 1930, período de ascensão da ditadura Vargas (1937-1945).
O Movimento Feminista que ressurge nas décadas de 1960 e 1970 toma vulto como
movimento social na Europa e nos Estados Unidos, em um contexto de mudanças políticas,
econômicas e sociais, que fazem surgir movimentos dos grupos afetados pelas desigualdades
sociais produzidas nesses países. No caso do Brasil, o contexto histórico era a ditadura
instaurada com o golpe de 1964. Céli Pinto, em seu trabalho Uma história do feminismo no
Brasil, relata como o feminismo se desenvolveu no país, desde os primeiros grupos e
manifestações até a consolidação do movimento em meados da década de 1970,
principalmente com a instituição do ano de 1975 pela Organização das Nações Unidas – ONU
- como Ano Internacional da Mulher, um marco muito importante para o feminismo, segundo
Pinto (2003, p. 56).
Adriana Piscitelli (2002) discute os pressupostos da teoria feminista formulados desde
a década de 1960 e destaca as principais correntes do pensamento feminista, mas ressalta que,
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apesar das diferenças entre essas vertentes, elas compartilhavam algumas ideias centrais.
Afirmavam que as mulheres ocupavam lugares sociais subordinados aos homens e “que essa
subordinação é decorrente das maneiras como a mulher é construída socialmente”
(PISCITELLI, 2002: 9).
Piscitelli (2002) assevera que a criação de uma categoria homogênea de “mulher” pelo
pensamento feminista tem origem a partir da corrente radical, segundo a qual a opressão
sofrida pelas mulheres estava, especificamente, em seu sexo, deixando outras questões como
raça e classe como secundárias. A autora diz que essa construção identitária feminina foi útil
politicamente para o Movimento Feminista.
O reconhecimento político das mulheres como coletividade ancora-se na
idéia de que o que une as mulheres ultrapassa em muito as diferenças entre
elas. Dessa maneira, a “identidade” entre as mulheres tornava-se primária.
(PISCITELLI, 2003: 12)
Ressalte-se, porém, que essa identidade feminina homogênea foi forjada por um
movimento formado por mulheres brancas, intelectualizadas e de classe média. Assim, a partir
de fins da década de 1970 e início da década de 1980, a ideia da mulher como uma categoria
homogênea passou a ser questionada por mulheres ligadas a outros movimentos sociais, as
quais haviam tido contato com as teorias feministas (MOREIRA, 2011: 60).
Das discussões sobre as concepções de identidade e de sujeito, no período pósmoderno, citamos o trabalho de Stuart Hall (2006), que discute as mudanças que ocorreram na
constituição da identidade dos sujeitos, ocorridas no final do Século XX. Nesse sentido, Hall
destaca o que chama de “descentração” ou fragmentação do sujeito que, ao invés de uma
única identidade, passa a ser considerada as suas inúmeras identidades possíveis que surgem
neste novo momento histórico, estas podem ser contraditórias ou não resolvidas (2006, p. 12).
O autor indica a teoria e o movimento feminista como um dos descentramentos do sujeito e
destaca sua contribuição com o questionamento de dualismos e a politização da subjetividade,
da identidade e do processo de identificação (HALL, 2006: 43).
A partir da década de 1970, os estudos sobre a mulher e, posteriormente, a elaboração
do conceito de gênero, empreendidos por intelectuais feministas, contribuíram para a
visibilização das condições da mulher na sociedade. Então, quando começou a produção de
estudos acerca do cotidiano, da vida das mulheres e dos seus papéis informais, começaram a
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ser evidenciadas “as diferenças de comportamento e estratégias entre as mulheres em função
de classe e raça” (SAMARA, 1997: 25). Samara (1997) aponta estudos que, a partir da década
de 1970, na América Latina, tentaram reconstituir espaços ocupados pelas mulheres e
inseriram a discussão das desigualdades existentes entre as mulheres latino-americanas
ampliando a compreensão dessas experiências históricas.
Os estudos que começaram a ser produzidos por intelectuais negras brasileiras, com a
conceituação do Feminismo Negro, visibilizaram as condições dessas mulheres no Brasil. Por
meio da interseção entre raça, gênero e classe, elas demonstraram suas experiências históricas
específicas e ressaltaram a presença das mulheres negras nos espaços públicos, desde o
período colonial, e a chefia de famílias exercida significativamente por mulheres negras.
Atualmente, de acordo com pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), essa porcentagem ainda é bastante relevante. Nessa perspectiva, também destacaram
as questões relativas à saúde, à educação e ao trabalho das mulheres negras, cujas demandas
eram bem diferentes das feministas tradicionais.
Assim, as mulheres negras que atuavam, principalmente, nos Movimentos Negros,
desde fins do Século XIX, e a partir da década de 1960, no Feminista, começaram a
questionar a secundarização de suas questões dentro desses movimentos e a reivindicar a
construção de uma identidade feminina negra. Dessa forma, a construção sua identidade foi
legitimada pela afirmação de uma experiência histórica particular, razão por que nosso
objetivo é discutir as questões e os desafios debatidos pelo Movimento Feminista e o
surgimento do Feminismo Negro, anos 1980, que, como dito, trouxe para a cena a articulação
das categorias de gênero, raça e classe. Essa intersecção de categorias tornou-se fundamental
para se compreenderem as especificidades das discriminações e das desigualdades que afetam
as mulheres negras na sociedade brasileira (CARNEIRO, 2002: 180).
Sobre a formação do Movimento de Mulheres Negras no Brasil, na década de 1980,
Sueli Carneiro afirma:
A consciência dos limites da concepção feminista tradicional para contemplar
a temática específica das mulheres negras conduziu-nos a construir uma
plataforma de luta que nos habilitasse a tratar simultaneamente das
dimensões particulares de gênero e das questões gerais colocadas pela
questão racial em nossa sociedade (CARNEIRO, 2002, p. 181).
Ainda sobre a cidadania de mulheres negras, Soares (2000: 276) enfatizou o
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feminismo como um elemento fundamental para explicitar a “rebeldia das mulheres na
identificação de sua situação de subordinação e exclusão do poder”, assim como na
“construção de propostas ideológicas” que visavam conquistar o empoderamento e a
autonomia e superar as desigualdades, com a “reinvenção das práticas feministas”, por
entender que o “racismo opera em conjunção com o sexismo e com outros sistemas de
dominação”. Assim, mulheres negras, como sujeitos políticos de direito, conforme a ativista
Sueli Carneiro coloca, vêm ‘enegrecendo o feminismo’ brasileiro.
CONSTRUINDO MÚLTIPLAS IDENTIDADES: FEMINISMO NEGRO
O Feminismo Negro surge no Brasil, em meados da década de 1970, como um novo
conceito que incorporava a perspectiva racial na teoria feminista. Assim, as intelectuais
feministas que pensaram esse conceito afirmavam que as limitações dos conceitos e das
categorias eram utilizadas pelo pensamento feminista para tratar as temáticas referentes às
mulheres negras. Acerca dessas questões, Moreira (2011) destaca a importância do
Movimento e da Teoria Feminista para a formação do Feminismo Negro pelas mulheres
negras brasileiras e ressalta que a reflexão sobre a intersecção das questões raciais e de gênero
e a crítica ao feminismo tradicional já vinham sendo feitas por grupos de mulheres negras nos
Estados Unidos, no Canadá e na Inglaterra e que essas discussões repercutiram tardiamente no
Brasil.
Sônia Santos (2009), discutindo sobre a formação do Feminismo Negro e a
organização do Movimento de Mulheres Negras no Brasil, destaca, em seu artigo, os conflitos
das militantes negras com o Movimento Negro e o Movimento Feminista, que levou essas
mulheres a se emanciparem politicamente desses movimentos. Nesse sentido, Santos observa
as discussões, dentro do movimento feminista, em relação à homogeneização das mulheres,
pois “as feministas tradicionais não queriam discutir as diferenças existentes entre as
mulheres que faziam parte do movimento – tais como classe, raça/etnicidade, com a desculpa
de que isto iria dividir o grupo” (2009: 277). Esse seria um dos pontos principais a se destacar
acerca das demandas das mulheres negras com o Movimento Feminista.
Santos (2009) cita algumas intelectuais e militantes negras que contribuíram para a
formação do Feminismo Negro. Uma delas é a antropóloga Lélia Gonzalez, em cuja obra, O
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lugar da mulher (1982), discute a ausência da categoria raça nos estudos sobre a mulher
desenvolvidos no Brasil e a importância de articular as categorias de raça, gênero e classe
para estudar as peculiaridades das condições das mulheres negras. Santos traz um trecho de
uma entrevista com uma militante do MMN de São Paulo que ressalta o pioneirismo de Lélia
Gonzalez, na década de 1970, na perspectiva de “um feminismo que tivesse a cara das
mulheres negras” (2009: 61). A outra é a filósofa Sueli Carneiro, que lança a expressão
“enegrecendo o feminismo” para discutir a emergência de um novo movimento, que surge
para visibilizar as condições das mulheres negras na sociedade brasileira. Então, a
necessidade da interseção entre as questões de gênero, raça, classe, sexualidade, religião e
etnia mostra as diferentes experiências históricas, sociais, culturais e políticas das feministas
negras e das tradicionais (SANTOS, 2009: 278).
O Movimento de Mulheres Negras tem tido como um dos principais objetivos a
atuação em defesa da construção e da afirmação positiva de múltiplas identidades do ser
mulher negra no Brasil e de desconstruir os estereótipos que foram construídos historicamente
sobre elas em nossa sociedade. Entre os/as autores/as que tratam da construção desses
estereótipos na sociedade brasileira, mencionamos Carneiro (2002) e Moreira (2011), que
destacam duas imagens principais de mulheres negras, que são retratadas na literatura desde o
período colonial e repassadas pela tradição oral: uma é a imagem da “bela mulata”, que
atribui à mulher negra uma sensualidade exacerbada, destinando-a exclusivamente ao sexo e
ao prazer dos homens. Ela é seriamente desconstruída pelo Feminismo Negro, que discute o
estupro colonial como uma prática nas relações sociais entre senhores e escravas. A outra
imagem recorrente é a de “mãe preta”, que é atribuída às mulheres negras que cuidavam dos
filhos e da casa das senhoras e são retratadas como mulheres sem uma subjetividade.
Corroborando o que mencionamos a respeito das diferentes experiências históricas das
feministas negras, em relação às tradicionais e à construção de estereótipos racistas e sexistas,
como um ponto para a tensão entre mulheres negras com o “movimento feminista branco”,
Carneiro aduz:
Essa herança colonial e a persistência desses paradigmas no pós-abolição
terão impacto negativo na construção de uma perspectiva unitária de luta das
mulheres pela sua emancipação social, transformando o movimento feminista
posterior em um campo de batalha, onde ressentimentos seculares
decorrentes dos privilégios e opressões determinados por estereótipos
defrontar-se-ão de forma às vezes dramática, até que as diferenças pudessem
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ser admitidas o suficiente para viabilizar um diálogo que só agora se inicia de
forma mais solidária, desarmada e conseqüente (CARNEIRO, 2002, p. 172).
Assim, as mulheres negras se aproximaram e inseriram-se no Movimento Feminista, a
partir da década de 1970, quando começaram as divergências entre feministas negras e
brancas. Segundo Caldwell (2000), em 1975, no Congresso de Mulheres Brasileiras, as
mulheres negras apresentaram o Manifesto das Mulheres Negras, que “chamou a atenção para
as especificidades das experiências de vida, das representações e das identidades sociais das
mulheres negras e sublinhou o impacto da dominação racial em suas vidas” (p. 98). Dessa
forma, as diferenças entre as mulheres começam a ser inseridas no Movimento Feminista
através das militantes negras. Entretanto, esse diálogo não caminhou de forma satisfatória.
A respeito do questionamento sobre as práticas do feminismo tradicional com as
feministas negras, Moreira (2011) destacou o III Encontro Feminista Latino-americano,
realizado em Bertioga (SP), em 1985, considerado como marco para a emergência do
Movimento de Mulheres Negras no Brasil, que tinha o objetivo de dar visibilidade às
desigualdades raciais, sociais e de gênero enfrentadas pelas mulheres negras brasileiras, e
ressalta que, “a partir do encontro ocorrido em Bertioga, consolida-se, entre as mulheres
negras, um discurso feminista” (p. 65), pois, em décadas anteriores, algumas rejeitavam uma
identidade feminista.
Rodrigues e Prado (2010), tratando da trajetória do Movimento de Mulheres Negras,
também ressaltam o Encontro Feminista de Bertioga como um marco na consolidação de uma
perspectiva feminista negra que alçam as mulheres negras na cena pública brasileira (p. 450451). Entretanto, anteriormente a esse Encontro, elas já demonstravam, em âmbito público, a
emergência de um movimento que tratasse das demandas específicas das mulheres negras.
Assim, em 1983, foi criado o Conselho Estadual da Condição Feminina (CECF), o primeiro
conselho governamental dos direitos da mulher no Brasil, mas que foi integrado somente por
conselheiras brancas. Esse fato fez com que as mulheres negras militantes do Movimento
Negro se mobilizassem para que houvesse representantes no conselho. O resultado foi a
nomeação de duas mulheres negras para compô-lo (ROLAND, 2000: 238).
Portanto, depois do Encontro Feminista de Bertioga, em 1985, o Movimento de
Mulheres Negras surge reivindicando, durante o período de 1985 a 1995, a construção de uma
identidade feminina negra. Nessa visão, essa construção identitária representou a afirmação da
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organização de um novo sujeito político na esfera pública brasileira (MOREIRA, 2011: 66).
A partir do Encontro de Bertioga, as mulheres negras passaram a discutir, de forma
mais sistemática, as diferenças existentes entre as mulheres no Movimento Feminista. Em
1987, foi realizado o IX Encontro Nacional Feminista, em Garanhuns (PE), do qual
participaram, aproximadamente, duzentas mulheres negras que, “além de denunciar a
ausência de debates sobre a questão racial, ainda promoveram reuniões no interior daquele
encontro para discutir suas questões específicas” (MOREIRA, 2011: 66).
Desde fins da década de 1970 e, principalmente, na década de 80, as mulheres negras
avançaram em sua luta contra o racismo e o sexismo, buscando construir uma identidade
coletiva que abarcasse suas múltiplas identidades. Para isso, apropriaram-se do pensamento
feminista e o contestaram, quando ele afirmou uma categoria homogênea de mulher que
estava unida pela opressão de gênero.
Assim, em 1988, foi realizado o I Encontro Nacional de Mulheres Negras, em
Valença (RJ), e, em 1991, o II Encontro Nacional de Mulheres Negras, em Salvador (BA).
Ambos os eventos marcaram o ascensão do Movimento de Mulheres Negras em nível
nacional, pois, até aquele momento, ele estava, de certa forma, mais restrito à Região Sudeste
do país. Sobre o Encontro de Valença, Moreira (2011) afirma: “Esse encontro aponta para a
construção da visibilidade e da representação da organização das mulheres negras frente a
sociedade, ao movimento negro e ao feminismo” (p. 72).
Assim, as feministas negras brasileiras afirmaram suas múltiplas identidades, que
decorriam das questões de raça, gênero, classe, etnia, sexualidade e religião, e que requeriam
agendas e ações específicas no combate às desigualdades sociais/raciais no país. Contudo, a
partir da década de 1990, o Movimento Feminista se abre para as discussões das diferenças
entre as mulheres e estabelece um diálogo com as feministas negras e com o Movimento de
Mulheres Negras. No entanto, a inserção da diferença entre as mulheres já estava sendo feita,
desde a década de 1980, no campo acadêmico, mas sofreu resistências no âmbito da prática
feminista.
Neste artigo, objetivamos expor, de maneira incipiente, a trajetória dos debates e as
ações que levaram as mulheres negras a construírem suas identidades. Para isso, criaram o
Feminismo Negro, abarcando conceitos que visibilizaram suas condições específicas na
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sociedade brasileira, e partiram para constituir, de forma autônoma, o Movimento de
Mulheres Negras no Brasil, com vistas a afirmar e a valorizar essas identidades. Assim,
fortaleceu a luta contra as desigualdades raciais, sociais e de gênero, que afetam as mulheres
negras brasileiras e precisam ser combatidas, visando à ampliação e efetivação da cidadania
no Brasil.
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MEMÓRIA E AFRODESCENDENCIA NO CARIRI CEARENSE:
TRAJETÓRIAS DE PROFESSORES DE HISTÓRIA
Taís Haney Araújo Ferreira*
O presente trabalho consiste num estudo sobre a relação entre memória afrodescendente e
ensino de história no Cariri cearense1 a partir das trajetórias de professores desta disciplina na
região, que atuam em defesa do (re) conhecimento e valorização da memória étnica. O estudo
analisa o percurso dos docentes e a incorporação das preocupações sociais no seu cotidiano,
bem como a inserção dos mesmos nos movimentos sociais e sua atuação nos espaços
escolares e não escolares, buscando compreender as motivações que os levam de forma ativa
a propiciar e difundir as reivindicações no tocante a demanda sociocultural afrodescendente.
A pesquisa, ancorada na história cultural, é realizada por meio metodológico da história
oral, utilizando entrevistas semiabertas, com intuito de captar as seleções mnemônicas dos
entrevistados, propiciando para que os mesmos ajam na construção de suas trajetórias,
fazendo um balanço de suas vidas e expectativas. A investigação é apoiada na análise de
documentos institucionais e materiais produzidos pelos docentes.
Neste artigo apresentaremos a análise de fontes orais de três professores, a fim de
caracterizamos os pontos iniciais do desenvolvimento da investigação. Nessa perspectiva,
constitui-se um diálogo entre os conceitos de memória social, espaço de experiência e
horizonte de expectativa. Direcionando-nos a pensar as trajetórias de vida a partir da
compreensão do vivido, do presente e do esperado, e como se constituem nas memórias as
reivindicações e motivações dos professores de história do Cariri Cearense, ao se inserirem no
campo de atuação das causas defendidas.
Objetivamos apresentar os direcionamentos sobre a inserção desses profissionais no seu
campo de ação e como este se estabelece como meio de atrelar as experiências já vivenciadas
e o presente pautado nas lutas, seja em movimentos sociais ou no ambiente escolar, mas que
guiam o elo entre a trajetória e o desejo de intervenções, lutas e mudanças.
* Autora. Graduanda em História pela Universidade Regional do Cariri - URCA. Bolsista de Iniciação Cientifica
PIBIC-URCA. E-mail: [email protected].
1
Cariri. Mesoregião sul do estado do Ceará.
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1. Delineamentos da Pesquisa: O uso da memória.
“Os professores de história, ao fazerem um balanço de suas experiências,
não se limitam às profundezas de seus passados singulares, mas articulam
suas trajetórias ao contexto de resistências e lutas, motivando o conjunto
dos professores à tomada de consciência” (FONSECA, 1995:80).
A análise de Fonseca perante a experiência dos professores de história nos incita pensar na
“experiência” como objeto de estudo, uma vez que ela abriga a posição tomada, a história
vivida narrada e as vivências que se acumulam na história de vida e que percorrem os mais
diversos cenários que habita o indivíduo.
A história de vida nos atribui inúmeras possibilidades de tomar conhecimento e
problematizar um leque de fatores, acontecimentos e ações que corroboram a pensar o
professor de história além dos currículos escolares ou das problemáticas que emergem na área
do magistério (Idem, 1995). Ela nos desvenda outro palco tomado pelo protagonismo desses
profissionais, que ao narrar suas histórias, elencam na seleção mnemônica suas interações
sociais, formação e concepções de vida e também de história. Expõe suas dificuldades e
anseios, seja na vida profissional ou na mescla entre o profissional (publico e privado), nos
permitindo adentrar profundamente no que planejam e praticam em suas ações, e que
vislumbremos o fazer e no por que fazer.
Nesse direcionamento, o presente artigo busca em sua potencialidade analisar a
relação entre memória afrodescendente e ensino de história dentro das trajetórias de
professores de história que incorporam em seu cotidiano a luta pela valorização da história,
memória e cultura afrodescendente na região, que dentro do espaço e escolar e também em
tantos outros espaços sociais explanam seus ideais e se apropriam do conhecimento histórico
em seus discursos e ações de luta, que emergem nos variados cenários de suas vivências.
O trabalho ancorando na história cultural vem sendo desenvolvidos sob os
procedimentos metodológicos da história oral de vida, e também com o apoio de fontes
escritas (jornais, produções dos docentes e documentos) e fontes icnográficas. O nosso abjeto
de estudo se insere na narrativa da experiência e em diálogo com o ensino de história e/ou nas
diversas expressões do conhecimento histórico, encarnadas pelos professores de história, que
tornando-se fontes do seu agir histórico, sentem-se vivos na história e pela história.
A escolha metodológica utilizada neste trabalho partiu da percepção de fonte e sua
predisposição com o tema. Ao refletirmos e questionarmos o nosso objeto histórico “a
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experiência de vida”, vimos a necessidade de dialogar não apenas com as fontes escritas, pois
neste caso elas se portariam como uma parte da história dessa experiência que foi exposta, em
primeira pessoa ou por terceiros, mas que não conseguiriam abarcar as dimensões que
intercalam estas experiências, e nesse sentido passamos a dialogar com fontes orais.
Ao problematizarmos o objeto, várias questões ficavam em obsoluto silêncio. Ao
pensarmos como perceber as motivações, as circunstâncias, os processos que pautam a
experiência de vida nos damos conta de como a história oral se portaria como protagonista
nessa pesquisa, oferecendo suporte para compreendermos e analisarmos o objeto de forma
muito mais profunda. Pois, ao falarmos da experiência de vida, esta nos instiga a pensar em
seu emaranhado, pois ela se encontra indissociável do seu ambiente social.
A história oral, o tratamento da memória, da história de vida, nos possibilitou
pensarmos de forma mais aguçada no que se encontra presente em meio dos emaranhados da
experiência, pois a memória se porta numa “reconstrução psíquica e intelectual que acarreta
de fato uma representação seletiva do passado, um passado que nunca é aquele do individuo
somente, mas de um individuo inserido num contexto familiar, social, nacional”.
(FERREIRA; AMADO, 2006:97). Que nos implica planear sobre o contexto social e as
relações interpessoais que estão estabelecidas e relacionadas com a memória, com a
experiência vivida.
Ao relacionarmos essas questões metodológicas com as fontes evidenciamos que essas
experiências não apenas são envolvidas com essas relações sociais, mas atuam diretamente
dentro dessas relações. Dessa forma, a abordagem nos proporcionou não apenas a
possibilidade de análise dos acontecimentos como também a própria percepção dos sujeitos
históricos, pois valoriza o individuo como sujeito histórico (JUCÁ, 2011).
No conjunto teórico e metodológico da história oral, dialogaremos com os conceitos
de memória social, espaço de experiência e horizonte de expectativas, com o intuito de
delinear a especificidades de cada trajetória a partir da sua seleção mnemônica, da memória
social que estaria sendo rememorada no momento da entrevista, mas também seus silêncios e
tentativas de esquecimentos, que no espaço de experiência e horizonte de expectativas
permeariam o vivido, o desejo e a projeção do futuro pelo que pode ser vivido.
As reflexões lançadas por Le Goff, em seu livro intitulado “História e Memória”
(1990), se mostram pertinentes do desenvolvimento desse estudo, pois a memória não apenas
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faz parte como envolve a identidade, e, portanto a história do individuo ou grupo no qual o
mesmo se insere. Seja ela oral ou escrita, nesse caso a história oral se mostrou eficaz, por
revelar sentidos, que mesmo não escritos, eram recordados como memórias selecionadas,
atreladas pela própria história de vida e pelo contexto social do individuo.
Como salienta em sua obra “A memória, onde cresce a história, que por sua vez a
alimenta, procura salvar o passado para servir o presente e o futuro. Devemos trabalhar de
forma a que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão dos homens” (LE
GOFF, 1990:477).
Nessa perspectiva o conceito de memória vem sendo utilizado, como forma de
construção de identidade, percepção da memória, como de um plano de ação libertário traçado
nas experiências e aspirações dos docentes que através do reconhecimento e valorização da
sua memória agem ativamente para que ela se torne um canal de liberdade e de conhecimento
da própria história individual e coletiva. Que encontram em seu passado as angústias
presentes e os anseios futuros.
O autor demonstra que “A memória faz parte das grandes questões das sociedades
desenvolvidas e das sociedades em via de desenvolvimento, das classes dominantes e das
classes dominadas, lutando todas pelo poder ou pela vida, pela sobrevivência e pela
promoção.” (idem, 1990:476)
A batalha dos docentes pelo reconhecimento e valorização da memória africana e afrobrasileira da região traz a tona por meio da história oral as disputas e conflitos de identidade
das memórias, que oscilam entre os interesses de realização pessoal e contribuição social.
Encontramos na atuação dos docentes, essa luta que no espaço de experiência dessas
pessoas, projetam uma reinauguração da memória buscada, e da história silenciada. Nas
palavras de Koselleck (2006:306), “Todas as histórias foram constituídas pelas experiências
vividas e pelas expectativas das pessoas que atuam ou que sofrem.”.
O seu conceito sobre a construção da história, nas experiências e expectativas
humanas, nos possibilitou pensar sobre os construtos históricos através da trajetória de vida,
que resguarda as memórias, experiências e também as expectativas.
O espaço de experiência abriga o cotidiano e também a luta diária dos indivíduos, das
ideologias defendidas, das escolhas, dos impasses, dos fazeres e desfazeres, compartilha com
a memória os horizontes de expectativas, as projeções e superações. Pois ambas se encontram
nas memórias, e estas na história de vida, pois “não há expectativa sem experiência, não há
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experiência sem expectativa.” (Idem, 2006:307). E, se ambas constroem a história, são
constituídas na memória, pois,
A experiência é o passado atual, aquele no qual os acontecimentos foram
incorporados e podem ser lembrados. Na experiência se fundem tanto a
elaboração racional quanto as formas inconscientes de comportamento, que
não estão mais, ou que não precisam mais estar presentes no
conhecimento... Mas também a expectativa se realiza no hoje, é o futuro
presente, voltado por ainda-não, para o não experimentado, para o que
ainda pode ser previsto. (Idem, 2006: 309-310)
O passado e o futuro se encontram no presente, que é o tempo da memória. Ambos os
conceitos estruturados por Le Goff e Koselleck, nos auxiliam na análise e compreensão da
história de vida dos professores de história do cariri, pois os elementos que transcorrem a
memória, o espaço de experiência e horizonte de expectativa, acharam-se presentes nos
percursos trilhados por essas pessoas que através do horizonte de expectativa, agem no espaço
de experiência promovendo mudanças socioeducativas, que no campo da memória,
reconstroem a história e promovem transformações sociais dentro do seu contexto social.
2. Memória de afrodescendentes: experiências e expectativas
Colaboraram para a referente pesquisa três professores que habitam nas cidades
conurbadas de Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha situadas na região do Cariri, sul do estado
do Ceará, e que agem em defesa da memória africana e afro-brasileira na região.
A escolha foi feita a partir da representação deles num espaço social de ação
(universidade, escola, movimentos sociais, entre outros) e a quem as pessoas tomam por
referência nesses espaços como aqueles que são ligados ao movimento negro ou que figuram
externamente uma identidade afro, geralmente classificada pela maneira de se vestir, cabelo, e
demais adereços que identificam tais características.
Nesse sentido, foram escolhidos professores ligados ao GRUNEC (Grupo de
Valorização Negra do Cariri). O grupo surgiu em 2002, concebido e viabilizado por
professores e estudantes, dentre eles, de história, pedagogia e letras, que se reuniam pra
discutir as problemáticas da historicidade do negro na região. O grupo é o único movimento
social desse gênero na região, sediado na cidade de Crato, mas que atua em todo o Cariri, com
palestras, projetos sociais, eventos, produção científica e demais atividades nas quais em seu
alcance consiga discursar, apresentar e evidenciar a causa.
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Também foram selecionados professores que atuam na sala de aula, desenvolvendo
projetos pedagógicos que contem a história e cultura africana e afro-brasileira.
Ao partir das trajetórias desses professores de história que atuam em defesa da
valorização da memória negra no Cariri, principalmente ligado ao GRUNEC, percebemos que
as fontes demonstram uma identificação, uma relação de pertencimento, que atenua
diretamente na atuação desse profissional, como destaca o depoimento de Karla2, integrante
do GRUNEC:
Na minha concepção. Desde que a gente se percebe enquanto negro inserido
dentro da sociedade a gente já faz parte do movimento, tentando lutar
contra esses paradigmas e contra essas imposições que nos são colocadas
no decorrer da nossa vida. Em fatos, principalmente durante a nossa
infância, dentro das escolas, com os pré-conceitos que quem tem melanina
tanto quanto eu sabe do que eu tô falando. Dos pré-conceitos que são
sofridos dentro da sala de aula com relação a cor, com relação a própria
história do Brasil. (Karla Alves, 2012)
Além da concepção de movimento social, ela também destaca essa relação de
pertencimento, “quem tem melanina tanto quanto eu, sabe do que eu tô falando”, e o seu
contexto social, quando destaca a sala de aula como um lugar de tenções e pré-conceitos, que
habitam a sua experiência de vida.
Este pertencimento também é refletido na fala de Reginaldo3, também integrante do
GRUNEC:
No decorrer da minha vida, na escola, na infância, no campinho que
eu jogava futebol, minha identidade sempre se aproximava da questão de
ser negro. Mas uma coisa que eu ressalvo, inclusive citei na minha
dissertação é o seguinte:
Eu queria ser o neguinho em casa, o neguinho de casa, mas aquele
mesmo neguinho que eu era na escola, eu não queria ser...e aí eu ficava me
perguntando por que que eu quero ser...minha família me chamava de
neguinho e eu gostava e na escola se me chamavam de neguinho, eu não
gostava. Então enquanto criança, enquanto adolescente eu vivi esse
choque...esse paradoxo identitário, e que eu só passei a perceber quando
cheguei à faculdade, à graduação (Reginaldo F. Domingos, 2012)
A partir das falas desses professores, se torna evidente o vinculo de identificação e as
memórias que marcaram essa identidade e que se transportam de forma a encontrar a
2
Karla Alves, professora, 28 anos, graduanda em história e conselheira fiscal do GRUNEC, 2012, Juazeiro do
Norte-CE.
3
Reginaldo Ferreira Domingos, professor, 28 anos, graduado em história, mestre em educação, integrante do
GRUNEC. 2012, Juazeiro do Norte-Ce.
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resolução de um conflito, no conhecimento histórico. Quando o entrevistado cita o fato de ter
colocado essa memória na sua dissertação de mestrado e quando relembra o conflito, “Então
enquanto criança, enquanto adolescente eu vivi esse choque... esse paradoxo identitário, e que
eu só passei a perceber quando cheguei à faculdade, à graduação” demonstrando que as
memórias da infância, escola e adolescência se fizeram presentes no estágio adulto, e que
após o contato com a história, houve a tentativa de compreender esse conflito.
O depoimento da primeira entrevistada ainda revela uma relação que se estabelece
entre o reconhecimento e a ação.
Então a partir desse momento, a partir de quando você já está inserido, você
está dentro do movimento negro. Independente de militar contra isso ou não.
Quando você se cala está deixando que uma história, que essa mesma
história seja perpetuada contra tudo, todos os benefícios que a nossa
população [negra] trouxe e ainda tem para a construção desse país (Karla
Alves, 2012).
A memória evidencia as concepções sociais do individuo, suas opiniões, criticas,
discursos, sentimentos, enfim tudo que atenua e está intrínseco em sua vida, como reflete
Jucá, “A memória está viva, ou seja, ao relatar fatos e histórias de vida ou de um lugar, o
documento vivo passa a expor o que está ou ficou guardado nas memórias dos indivíduos. A
memória é espontânea e por isso só relata o que ele tem vontade de falar” (JUCÁ, 2011:63).
As concepções ideológicas do individuo, são também transpostas, na sua narrativa e na
sua prática, como é o caso da entrevista nos seus ideais e práticas dentro do Grupo de
Valorização Negra do Cariri, onde tenta aplicar seus desejos e vontades e também as
dificuldades que enfrenta:
A dificuldade é só a questão financeira, porque nada disso tem
remuneração... Ninguém do Grunec ganha pra militar, ninguém do Grunec
ganha pra trabalhar no Grunec. Todo mundo tem o seu emprego. Todo
mundo tem sua remuneração fora da militância. A gente faz isso, a gente
milita por uma questão voluntária mesmo, por vontade mesmo, vontade de
trabalhar essa questão... É tudo dando a cara à tapa mesmo...por menos que
seja o salário do professor, daria pra se manter. E no caso de trabalhar
assim na rua, nas comunidades...e no meu caso, que tem que estudar, que
tem que trabalhar pra se manter, tem que cuidar de filho, que acaba indo
para essa educação nas comunidades”. (Idem, 2012)
Apesar das dificuldades, o relato estabelece essa vontade de atuar enquanto sujeito e
agente histórico, e essa atuação se encontra intimamente ligada com o caráter pessoal do
individuo, e que é partilhado nas suas práticas educativas, seja em comunidades receptadas
com projetos do grupo ou na sala de aula, a educação sempre está presente na experiência.
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As experiências mobilizam-se como transformadoras e importantes agentes sociais e
políticos na luta pelo direito a memória e liberdade social.
Como reconhece o Boletim Raízes:
Os movimentos populares recentes de Jaguaribara e Jaguaretama (Casa da
Memória), Altaneira (ARCA), Porteiras (REMOP) e Crato (GRUNEC)
fazem referências a movimentos culturais, religiosos e políticos de séculos
passados. Como um direito e como construção, a memória é política e é
parte fundamental dos movimentos. A trajetória de lideranças é um dos
focos que merece atenção, não somente como heróis ou personalidades, mas
como personagens situados em contextos históricos determinados.
As ações desenvolvidas dentro da sala de aula também se portam como importante
instrumento de análise com relação ao estudo das africanidades, como por exemplo, o
episódio relatado pela professora Michelle4, onde numa aula, cuja metodologia consistia na
exposição da África através de imagens, utilizado imagens de diferentes países, etnias,
danças, vestimentas, classes sociais durante a aula e ao comparar com as informações de uma
África pobre e agenciada pelas campanhas televisivas de apadrinhamento e arrecadação pelas
ONGs (Organizações Não Governamentais) das quais os alunos detinham sobre aquele
assunto apriori conclui que, “Eles [os alunos] se mostraram muito curiosos! Em saber qual o
outro lado [da África], procurando o porquê. E foi uma das mudanças que encontrei”
(Michelle Juliane Ferreira, 2012).
Na fala da professora ela se sentia realizada e empolgada com o resultado das suas
exposições.
Tanto os professores inseridos no GRUNEC, quanto os professores que trabalham
autonomamente em sala de aula, estão diretamente ligados à reivindicação à memória
afrodescendente, contribuindo tanto para possibilitar o reconhecimento e valorização dessa
memória, como também para uma melhoria social, trabalhando para garantir a memória social
do lugar, pois “O individuo privado do uso desse direito é um individuo condenado à amnésia
social e à anomia”. (apud FERNANDES. In. BITENCURT, 2006: 63).
Contribuição que relaciona à experiência vivida, as memórias seletas e os conflitos
que se tentam resolver ou mesmo deixar no esquecimento, em detrimento da atuação, das
concepções que se ilustram nas vontades, na construção narrativa e nas projeções
reivindicadas pelas ações empregadas nos espaços de vivências. Experiências que ilustram
4
Michelle Juliane Ferreira, professora, 22 anos, graduanda em história, 2012, Juazeiro do Norte-Ce.
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“outros convívios com a história”, os quais se fazem nos saberes cotidianos e na construção
da identidade do docente (SILVA, 1995).
Considerações Finais
A compreensão dessas narrativas resulta na constatação de que as memórias e as ações por
eles empregadas se contrastam dentro do espaço de experiência e o horizonte de expectativas,
se constituindo na memória dessas pessoas como um cenário entre lutas e concepções, cujas
lembranças e desejos se entrecruzam entre a consciência de ação, ânsias, sentimentos e
silêncios que percorrem essa busca, e que não estão no campo de ação somente. Pois se fazem
presentes nas recordações mnemônicas mais profundas do indivíduo.
As noções de história se efetuam nas trajetórias, nas atuações e desejos percorridos pelos
docentes, que se apropriam do conhecimento histórico para ancorar suas perspectivas e
embasar sua ação sociopolítica na região.
Com a investigação tornou-se possível encontrar eixos ou elos que vinculam as memórias
mais sensíveis, sentimentos de conflito e de identidade aos saberes e práticas dos docentes que
emanam em seus discursos e nas suas construções e concepções de história, assim como nas
lutas que entravam em suas trajetórias, trazendo-os ao campo do ensino de história como
sujeitos que percorrem a história nos mais variados prismas, e percebendo-os como individuo
inserido no seu contexto social.
Dessa forma este artigo buscou trazer algumas reflexões e apontamentos que ganharam
relevo na investigação, não obstante esperamos trazer por meio deste, contornos imóveis, mas
por meio destas análises, contribuir para o campo de estudo o qual, ainda sucinta inúmeras
problemáticas e pesquisas.
Documentação Oral
Entrevistas realizadas:
1. Karla Alves, professora, 28 anos, graduanda em história e conselheira fiscal do
GRUNEC, residente na cidade de Juazeiro do Norte-CE. Atualmente desenvolve projetos
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de educação em terreiros de Umbanda e Candomblé, mapeamento de comunidades
remanescentes quilombolas e formação de professores.
Entrevista realizada em 2012.
2. Michelle Juliane Ferreira, professora, 22 anos, graduanda em história, residente na cidade
de Juazeiro do Norte-Ce. Desenvolve trabalhos acadêmicos direcionados à área, além de
atuar no espaço escolar da rede privada.
Entrevista realizada em 2011.
3. Reginaldo Ferreira Domingos, professor, 28 anos, residente em Juazeiro do Norte-Ce.
Graduado em história, especialista em História e Sociologia pela Universidade Regional
do Cariri-URCA. Mestre em educação pela Universidade Federal do Ceará. Integrante do
GRUNEC. Foi professor de ensino básico da rede pública, atualmente é professor da
URCA.
Entrevista realizada no ano de 2012.
Documentação Escrita:
Publicações:
GRUPO DE VALORIZAÇÃO NEGRA DO CARIRI (GRUNEC); CÁRITAS DIOCESANA
DO CRATO. Caminhos: Mapeamento das Comunidades Negras e Quilombolas do Cariri
Cearense. Crato: GRUNEC, 2011.
INSTITUTO DA MEMÓRIA DO POVO CEARENSE (IMOPEC). Comunidades negras no
Ceará. Fortaleza: IMOPEC, 1998.
Referências:
BITTENCOURT, Circe (Org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2006.
FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína (Org.). Usos e Abusos da História Oral.
8ª Ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006.
FONSECA, Selva Guimarães. Caminhos da história ensinada. 3ª ed. Campinas-SP: Papirus,
1995, p. 59-87.
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JUCÁ, Gisafran Nazareno Mota. A Oralidade dos Velhos na Polifonia Urbana. Fortaleza:
Premius, 2011.
LE GOFF, Jaques. História e Memória. Campinas-SP: Unicamp, 1990.
SILVA, Marcos A. História: o prazer em ensino e pesquisa. São Paulo: Brasiliense, 2005.
KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: Contribuição à semântica dos tempos históricos.
Rio de Janeiro: Contraponto: PUC - Rio, 2006.
REVOLUCIONÁRIO E PUBLICISTA: OLHARES SOBRE ANTÔNIO
BORGES DA FONSECA
Thayná Cavalcanti Peixoto1
Este artigo tem por objetivo analisar, a partir de outros olhares, a trajetória política de
Antônio Borges da Fonseca durante o período Regencial (1831-1840). Para tanto, faremos
uma análise historiográfica para compreender a atuação política do publicista. Escolhemos
como fonte quatro trabalhos, sendo três obras referenciais da historiografia paraibana, que
são: Irineu Pinto por Datas e Notas sobre a Paraíba (1977[1908]) vol.II; Celso Mariz com
Apanhados Históricos da Paraíba (1980[1922]) e História da Paraíba (1978) vol.II de
Horácio de Almeida, e a quarta obra é um trabalho biográfico escrita por um historiador
pernambucano, Mário Márcio de Almeida Santos, por Um Homem Contra o Império: vida e
lutas de Antonio Borges da Fonseca (1995) que nos guiará como base para compreensão mais
ampla da vida de Borges da Fonseca.
Tomaremos como ponto de partida o que Michel de Certeau chamou de lugar social, na
pretensão de apresentar o discurso desses autores sobre a importância da atuação política de
Borges da Fonseca durante o período regencial, já que:
Toda pesquisa historiográfica se articula com um lugar de produção sócioeconômico, político e cultural. [...] Ela está, pois, submetida a imposições,
ligada a privilégios, enraizada em uma particularidade. É em função deste
lugar que se instauram métodos, que se delineia uma topografia de
interesses, que os documentos e as questões, que lhe serão propostas, se
organizam. (DE CERTAU, 2010: 66-67)
1
Graduanda em História pela UFPB e integrante do Grupo de Pesquisa Sociedade e Cultura no Nordeste
Oitocentista. E-mail: [email protected]
562
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Outro conceito que nos dará um suporte nas análises é o de Culturas Políticas:
[...] pois,de compreender as motivações que levam um indivíduo, um grupo
ou uma sociedade a adotar um determinado comportamento político. As
culturas políticas constituem fator de agregação social, contribuindo de
modo decisivo na constituição de uma visão comum de mundo, de uma
leitura compartilhada do passado e do futuro. Formam desse modo ‘um
patrimônio indiviso’, composto por vocabulários, símbolos e gestos, por
todo um arsenal de ferramentas que possam exprimir valores, idéias e
desejos políticos de um dado conjunto social. (SOIHET; BICALHO;
GOUVÊA, 2005:13)
Mas, afinal, quem foi Antônio Borges da Fonseca? Ele nasceu em 1808, na Paraíba,
filho de uma índia com um militar, descendente de um ramo familiar dos Borges da Fonseca
que vieram de Portugal e se instalaram em Pernambuco. Seus familiares por parte de pai, já
morando na Paraíba, foram governadores de capitanias da Paraíba e Ceará, e participaram
ativamente da Insurreição de 1817, mas, nessa época, Borges ainda era muito criança. E foi na
Confederação do Equador, em 1824, que ele adentrou ao universo da militância política de
fato. Iniciou a carreira de publicista em 1828 quando fundou o segundo periódico da Paraíba,
o Gazeta Paraibana, assim como também o Abelha Pernambucana, em Recife, os dois de
caráter liberal, na defesa de interesses republicanos. Com as acirradas disputas políticas teve o
seu periódico fechado em Recife.
Em 1830, já na Corte teve toda exposição possível quando começou a publicar artigos
contrários ao imperador, e ficou conhecido enquanto jornalista político atuante. Ganhou
destaque por ter participado ativamente, contra o imperador, nos episódios: Noite das
Garrafadas (1831) e o 7 de Abril (1831), mas logo após a renuncia do imperador, e o início
do período regencial, Borges da Fonseca, se aliou ao partido que estava no poder.
Em 1832 seguiu para a Paraíba para assumir o cargo se Secretário Geral do Governo da
Paraíba, no qual vivenciou o outro lado da moeda, em que do lado do governo defendeu a
ordem contra os opositores. Em 1833, novamente contra o governo, volta à Corte, sendo um
dos fundadores da Sociedade Defensora da Liberdade e Independência Nacional. Nessas indas
e vindas entre 1841 e 1842 fundou em Recife o periódico Correio do Norte. Quando se
instalou em Nazaré da Mata em Pernambuco, fundou mais um periódico, que perdurou entre
1843 a 1848, que foi O Nazareno.
Ganhou destaque também pela importante atuação política na Revolução Praieira
(1848/1849), após esse episódio, viveu até seus últimos anos de vida publicando suas ideias
através da imprensa. Morreu em Nazaré da Mata em 1872, como podemos perceber, ele foi
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um homem que nasceu e morreu durante todo o período monárquico brasileiro e participou
ativamente dos embates políticos.
Na tentativa de um melhor entendimento, acerca da Paraíba no cenário regencial,
partimos daquilo que Miriam Dolhnikoff (2005) chamou de Pacto Imperial, no qual as
províncias locais não estavam marginalizadas, mas tiveram importância e voz ativa dentro das
instituições de poder na Corte Imperial e que havia, em certo ponto, autonomia provincial.
Dentro dessa perspectiva de articulação das elites percebemos o discurso e atuação de Borges
da Fonseca. Citado como atuante nos seguintes episódios: Noite das Garrafadas e o 7 de
Abril, que culminaram na abdicação de D. Pedro I, observamos na figura de Borges da
Fonseca um elo de conexão entre a Paraíba e a Corte Imperial, dentro desse cenário de
complexidades políticas. Por isso, se faz necessário à compreensão das singularidades do
conceito de Culturas Políticas, que a partir de "explicações/interpretações sobre o
comportamento político de atores individuais e coletivos, privilegiando suas percepções, suas
lógicas cognitivas suas vivência, suas sensibilidades" (GOMES, 2005:30), poderemos
compreender melhor a participação de Borges da Fonseca durante o período regencial.
Mas para entender como Borges da Fonseca se inseria na Regência é preciso
compreender, primeiramente, como o período citado se encontrava políticamente. Por ter sido
um período de embates e discussões políticas, que estavam no centro da construção e
consolidação do Estado Nacional, foi visto de maneira negativa pela historiografia que
deixaram marcas na História. Já que a maioria dos historioadores “[...] optou-se por enfocar as
rebeliões do período (que não foram poucas) como forma de trazer à tona aspectos de
conflito, resistência e opressão da sociedade brasileira.”(MOREL, 2003:8). Mas foi:
A partir do final da década de 1970, com o desenvolvimento dos cursos de
pós-graduação no Brasil, novas pesquisas revigoraram os estudos sobre a
Regência, abordando em profundidade objetos mais específicos e assim
definindo alguma áreas temáticas. (BASILE, 2009:56)
Portanto, após os anos de 1970 começam a surgir novas pesquisas sobre o período
regencial, com olhares voltados para temáticas que anteriormente foram silenciadas pela
historiografia.
Voltando a atuação de Borges da Fonseca, no Rio de Janeiro ele ganhou maior destaque
em 1830 com o seu jornal O Repúblico, nome pelo o qual também era conhecido. Nesse
cenário existiam três grupos políticos que lutavam e discutiam conceitos e modelos
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administrativos para o país, seja no poder ou através da imprensa, já que de acordo com
Basile:
Jornais e panfletos foram os grandes responsáveis pela produção e difusão
da cultura política ultrapassando até a barreira do analfabetismo, uma vez
que os impressos eram habitualmente lidos e comentados em voz alta, o que
multiplicava seu poder de comunicação. (BASILE, 2009:65)
Dentro dessas facções políticas vigentes: exaltados, moderados e restauradores,
encontramos um Borges da Fonseca, no início de sua carreira como publicista, liberal
exaltado. Estes eram considerados como sendo a oposição mais ferrenha do governo, e foi
nesse contexto que ele seguiu para o Rio de Janeiro e se envolveu nos episódios que levaram à
abdicação do imperador D. Pedro I. Mas assim que se instituiu a Regência, o publicista se
uniu ao grupo de centro composto pelos moderados: que almejavam reformas administrativas
mas, sem romper com o sistema monárquico constitucional, e o terceiro grupo, restaurador, o
qual, nunca Borges da Fonseca aderiu, já que sempre lutaram pela permanência do imperador
no poder.
Os autores que abordam sobre a atuação de Borges da Fonseca (PINTO, MARIZ,
ALMEIDA e SANTOS), apresentam várias facetas da vida do publicista. Inicialmente
analisamos Irineu Pinto com Datas e Notas para a Paraíba (1977[1908]) já que foi a primeira
obra escrita das que escolhemos e que até hoje é muito revisitada, por conter uma vastidão de
documentos. Esses documentos foram copiados pelo autor, são de cunho variado, como
administrativo, etc. Mas, que nos facilitam a compreensão do momento histórico ali exposto.
Com relação a Borges da Fonseca, Pinto (1977) apresenta um documento mostrando Borges
da Fonseca, enquanto Secretário Geral do Governo. Nesse documento Borges da Fonseca, em
1832, pedia ao povo paraibano para lutar contra os rebeldes do alto sertão, em um episódio
conhecido como “Rusga do Dantas”, na tentativa de manter a ordem. Nas palavras de Borges
da Fonseca, enquanto funcionário do Governo:
[...] Este Governo a quem incumbe o cuidado de vos defender recorre ao
vosso patriotismo, Parahibanos, que em todo o tempo tem sido decidido
quandose trata de defender a Liberdade, convida a todos os Cidadãos que
quizerem mais esta vez servir a Liberdade que se venhao apresentar para
formando-se força marcharem com a possível brevidade. Parahibanos, a
Pátria requer vossa coadjuvação e confio que vos prestareis gostos s a hum
tal empenho.[...] (PINTO,1977: 124)
Esse documento encontrado exemplifica o que foi discutido em um dos trabalhos mais
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recentes sobre Borges da Fonseca, o de Carolina Silva (2010), intitulado “A trajetória d´O
Repúblico no fim do Primeiro Reinado e início da Regência: Discursos Impressos de Antônio
Borges da Fonseca sobre a política imperial (1830-1832)”. Dissertação em que a autora analisa a
mudança de discurso de Borges da Fonseca através do jornal O Republico, que passa de
exaltado, em 1831, para moderado, em 1832. Essa transformação de discurso político
coincide com o período em que ele possuía um cargo administrativo no governo da Paraíba.
Portanto, é nesse contexto que podemos observar Borges da Fonseca lutando para “manter a
ordem”, esse era o lema do seu discurso, ou seja, mais moderado. A partir desse trecho
podemos perceber que Borges da Fonseca estava mergulhado na cultura política da época,
essa alteração de pensamento e discurso político, através de um cargo público, é um exemplo
de como, a partir de sua importância nos movimentos que deram início à regência, ele soube
se aliar aos moderados, que agora estavam no poder, e se inserir em outras esferas do poder.
Mas, durante a análise da obra de Irineu Pinto sobre o período regencial podemos
perceber que ele descreve na sua maioria conflitos, contribuindo com o pensamento de
autores do século XIX, no qual, afirmavam que a regência foi um período conturbado e de
anarquia. Assim como bem afirma o autor sobre o conflito supracitado: “Em face de uma luta
terrível entre esse dous elementos políticos, estabelece-se no alto sertão a anarchia e a
disserção das familias.” (PINTO, 1916:124. Grifo nosso). Mas, para compreender o autor não
podemos inseri-lo no nosso presente, e sim perceber a instituição de onde o historiador falava
(DE CERTAU, 2010), já que o autor foi sócio fundador do Instituto Histórico e Geográfico
Paraibano/IHGP. Podemos, então, entender o porquê de sua obra inteira ser estruturada por
uma narrativa descritiva, permeada por documentos copiados, que o autor não traz a
referêcncia, já que se acreditava ainda na “neutralidade” histórica e que os documentos
falariam a verdade por si só.
A segunda obra analisada foi lançada em 1922, Apanhados Históricos da Paraíba, de
Celso Mariz. Encontramos uma menção à Borges da Fonseca, no capítulo intitulado “Na
Política do Primeiro Reinado”(p. 131-137), e apenas na última página do capítulo encontra-se:
A Paraíba estava bem trabalhada para esse desfecho revolucionário da
situação. Além de Carneiro da Cunha, que era a voz da província nas
manobras do Rio, aqui se achava ao tempo e daqui ia e vinha Corte, até a
onde também influiu nos debates, a pilha cerebral de Borges da Fonseca.
Em 1829 redigia a “Gazeta Paraibana” que arranhava
desembaraçadamente o Poder, levando o agitador, acusado por Joaquim
Avundano, à barra de um júri benigno.(MARIZ, 1922:137. Grifo nosso)
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Nesse trecho, Mariz descreve o 7 de Abril e, mostra a participação de Borges da Fonseca
nesse episódio. Caracteriza-o como “pilha cerebral”, sem detalhamentos sobre o pensamento
ou atuação do publicista, mas pensamos que ele estava se referindo a posição liberal exaltada
do jornalisa. Ao longo da obra de Mariz, percebemos uma atenção especial às grandes datas e
grandes nomes da elite paraibana, pois quanto ao seu lugar social, era:
[...]membro de uma oligarquia, identificado com ele, produziu sua versão de
história a partir das idéias do IHGP, sobretudo as que vigoravam na
primeira metade do século XX. Sua versão de história, portanto, reproduz os
interesses da classe dominante, ou seja, é a memória da elite reproduzida
por um filho dessa mesma elite. (FILHO, 2003:165)
A nossa última obra paraibana a ser analisada foi História da Paraíba vol.II, de Horácio
de Almeida, escrita já em 1978. Encontramos menção à Borges da Fonseca apenas no quinto
capítulo da obra, no tópico intitulado A imprensa na Paraíba, mas, apesar de ser apenas uma
página, contém relevantes informações sobre a opinião do autor:
O segundo jornal – Gazeta Paraibana – apareceu em 1828, fundado por
Antônio Borges da Fonseca, o mais vibrante jornalista que teve a Paraíba
nos tempos provincianos. Era um espírito revolucionário, inveterado
republicano, que procurou sacudir os seus conterrâneos da modorra em que
viviam, incitando-os na esgrima da linguagem violenta pela imprensa. Por
esse abuso de linguagem suscitou uma ação criminal por delito de imprensa,
a primeira que houve na Paraíba, talvez do Brasil. O Repúblico foi a quarta
folha que teve a Paraíba, também editada por Borges da Fonseca. Apareceu
em 1832, desfraldando a bandeira da república, quando o Império ainda
estava nos cueiros. (ALMEIDA, 1978: 146-147)
Horácio de Almeida, nesse tópico do livro, apenas citou os primeiros periódicos da
Paraíba e a importância de Borges da Fonseca enquanto jornalista para nós paraibanos no
período imperial. A partir desse trecho podemos perceber como o autor caracterizava Borges
politicamente, como: vibrante; revolucionário e inveterado republicano. Pensamos então que
o classificou como liberal exaltado, contra o sistema monárquico, já que durante muito tempo
se
teve
“A
visão
de
que
os
exaltados
eram
‘violentos’,
‘demagogos’
e
‘agitadores’[...]”(SILVA, 2010:26) posta desde a segunda metade do século XIX assim como
afirma Carolina Silva. Mesmo sendo sua obra de caráter político não se ateve aos embates
políticos existentes na regência, e segundo Emmanuel Arruda, por sua obra ter sido um
trabalho de síntese, muitos assuntos foram tratados de maneira superficial, mas ao mesmo
tempo que trouxe temas diferentes em sua obra ele “[...] utiliza documentos já consultados e
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obras consagradas sobre o período, elegendo praticamente as mesmas datas e heróis,
exaltando os mesmos marcos históricos [...]”(ARRUDA, 2003:196)
Por fim, a obra que serviu como suporte de informações, a respeito da vida de Borges
da Fonseca, foi a de Mário Márcio Santos (1995) Um homem contra o império: vida e lutas
de Antônio Borges da Fonseca. No período de escrita desse livro foi o momento em que as
obras biográficas começaram a aparecer e ganharam um campo mais valorizado nas livrarias,
e despertando mais interesse nos historiadores. A obra em si, realmente traz muitos detalhes
da trajetória de Borges da Fonseca, particularidades vistas, apenas, em obras biográficas,
assim como a descrição da fisionomia do publicista, como “Provinciano, feio, tipo anguloso,
magro, moreno, olhos rasgados de índio, míope.” (SANTOS, 1995:38). Mas não é porque a
obra traz muitas informações e por ser biográfica que a tomaremos como base única do que
aconteceu, mas sim analisá-la criticamente, e perceber de que lugar o autor fala.
Sabendo que o autor é pernambucano, podemos compreender suas primeiras linhas do
livro em que afirma: “Antônio Borges da Fonseca, o Repúblico, nasceu na Paraíba, terra de
homens idômitos, de história gloriosa e acidentada, pobre, dura, difícil de governar. Nele, os
atributos temperamentais resultam, por certo, dessas raízes telúricas.” (SANTOS, 1995:15),
na tentativa de explicar as ações comportamentais de Borges da Fonseca a essa “terra de
homens indomáveis”.
Percebemos, que ao longo da obra o autor não conseguiu se desvincular da figura
biografada, Santos acaba tomando partido de Borges da Fonseca, acreditando que ele foi um
“eterno sonhador liberal, um eterno opositor”, assim como reflete no seu título “ Um homem
contra o Império”. Inclusive quando fala sobre o cargo que Borges da Fonseca assumiu na
Paraíba, não foi porque o mesmo quis, mas foi “Numa manobra sutil, oferecem a ele a
secretaria do governo da Paraíba. Querem quanto antes, removê-lo do Rio de Janeiro, afastálo do povo carioca.”(SANTOS,1995:48). Ou seja, para Santos, foi uma tentativa de afastar o
“eterno insubmisso”(SANTOS,1995:47), o eterno revolucionário da Corte Imperial.
Assim como Carolina Silva (2010), também acreditamos que Santos, ao longo da obra
retrata Borges da Fonseca como o “D. Quixote nordestino” (SANTOS, 1995, p.15), o homem
que sempre esteve na oposição do governo. “Santos, buscando valorizar a atuação
contundente de Borges da Fonseca, acabou erigindo-o como ‘herói’, um elemento de destaque
na ‘saga libertária da imprensa pré-republicana’(SILVA,2010:11). Mas, não deixemos de
reconhecer a importância de sua obra para os estudos do período monárquico e principalmente
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para quem desejar se aprofundar na trajetória de Antônio Borges da Fonseca.
À guisa da conclusão, percebemos na historiografia que o interesse sobre o período
regencial está ganhando força, por ter sido permeado de complexidades políticas, e por ser:
[...] tachado de caótico, desordenado, anárquico, turbulento e outros
adjetivos conexos. Este era o discurso de parte dos grupos dirigentes
da época, envolvidos nos embates de construção do Estado nacional
brasileiro e buscando formas de legitimar o exercício de poder e de
coerção. (MOREL, 2003:7)
Por isso consideramos relevante contribuir para a escrita da história paraibana, trazendo
à tona uma figura, ainda pouco conhecida na historiografia, principalmente em um momento
tão complexo da história do Brasil: a Regência. Mas, gostaríamos de lembrar que o nosso
trabalho ainda está na fase inicial da pesquisa, sendo assim, não podemos aprofundar as
nossas análises sobre sua atuação política, por isso escolhemos alguns autores que trataram
sobre esse período e Borges da Fonseca. Mas, acreditamos que Antônio Borges da Fonseca
foi um publicista de grande participação e voz política, durante o período regencial, por isso
pretendemos dar continuidade a nossa pesquisa.
Referências:
ALMEIDA,
Horácio
de.
História
da
Paraíba,
vol.II.
João
Pessoa:
Editora
Universitária/UFPB, 1978.
ARRUDA, Emmanuel Conserva de. A distância que aproxima: a obra de Horácio de Almeida
e a Paraíba Imperial. In: Histórias da Paraíba: autores e análises historiográficas sobre o
século XIX. MARIANO, Serioja R.C; SÁ, Ariane Norma de Menezes. João Pessoa: Editora
Universitária/UFPB, 2003.
BASILE, Marcello. O laboratório da nação: a era regencial (1831-1840). In: O Brasil
Imperial, volume.II: 1831-1870.(organizadores) GRINBERG,Keila; SALLES, Ricardo. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.
BASTOS, Tavares. A Província: estudo sobre a descentralização no Brasil. São Paulo:
Brasiliana, 1870.
BICALHO, Maria Fernanda; GOUVÊA, Maria de Fátima; SOHIET, Rachel. (org.) Culturas
Políticas: ensaios de história cultural, história política e ensino de história. Rio de Janeiro:
Faperj, 2005.
569
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CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.
(p.65-119)
DOLHNIKOFF, Miriam. O Pacto Imperial: origens do federalismo no Brasil do século XIX.
São Paulo: Globo, 2005.
FILHO, Carmelo R. Do Nascimento. O historioador burocrata: uma análise historiográfica da
obra de Celso Mariz. In: Histórias da Paraíba: autores e análises historiográficas sobre o
século XIX. MARIANO, Serioja R.C; SÁ, Ariane Norma de Menezes. João Pessoa: Editora
Universitária/UFPB, 2003.
GOMES,Ângela de Castro. História, historiografia e cultura política no Brasil: algumas
reflexões. (p.21-44). In: BICALHO, Maria Fernanda; GOUVÊA, Maria de Fátima; SOHIET,
Rachel.(org). Culturas Políticas: ensaios de história cultural, história política e ensino de
história. Rio de Janeiro: Faperj, 2005.
MARIZ, Celso. Apanhados Históricos da Paraíba. 2ª ed. João Pessoa: Editora
Universitária/UFPB, 1980.
MOREL, Marco. O período das Regências (1831-1840). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
2003.
PINTO, Irineu. Datas e Notas para a História da Paraíba, volume 2. João Pessoa: Editora
Universitária/UFPB,1977.
SANTOS, Mário Márcio de Almeida. Um homem contra o Império: vida e lutas de Antônio
Borges da Fonseca. Recife: FUNDARPE, 1995.
SILVA, Carolina Paes Barreto da. A trajetória d´O Repúblico no fim do Primeiro Reinado
e início da Regência: Discursos Impressos de Antônio Borges da Fonseca sobre a política
imperial (1830-1832). 2010. 173f. (Dissertação em História) Universidade Federal
Fluminense, Niterói.
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HIGIENIZAÇÃO E AS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS COMO
FONTE DE PRESERVAÇÃO DE PATRIMÔNIO: EXPERIÊNCIA COM
O ACERVO JOSÉ SIMEÃO LEAL
Silmara dos Santos Lima 1
RESUMO: Este estudo faz parte do Projeto Memória e Preservação do Patrimônio Arquivístico: o
Acervo José Simeão Leal, coordenado pela professora doutora Maria da Vitória Barbosa Lima
(PPGCI/UFPB), e integra o Programa de Documentação e Memória, através do Grupo de Estudo de
Cultura, Memória, Informação e Patrimônio (GECIMP) vinculado ao Núcleo de Documentação e
Informação Histórica Regional da Universidade Federal da Paraíba (NDIHR/UFPB). A organização
do Acervo José Simeão Leal exige diversas técnicas e o respeito aos princípios arquivísticos. Mas, a
organização por se só não basta, é preciso usar técnicas de conservação e preservação, a exemplo da
higienização, que evitem danos irreparáveis aos documentos. A higienização dos documentos favorece
o manuseio de maior qualidade àqueles que lidam com o papel e evita fatores físicos (como a poeira)
que podem contribuir para a eliminação da informação. O presente pôster tem por objetivo relatar a
experiência na higienização e nas referências bibliográficas dos livros existentes no Acervo de José
Simeão Leal, como também expor e discutir possibilidades temáticas oferecidas por esses documentos
à pesquisa histórica.
Palavras-chave: Higienização. Preservação de Patrimônio. Acervo José Simeão Leal.
1 INTRODUÇÃO
Este estudo faz parte do Projeto Memória e Preservação do Patrimônio Arquivístico:
o Acervo José Simeão Leal, coordenado pela professora doutora Maria da Vitória Barbosa
Lima (PPGCI/UFPB-NDIHR/UFPB), e integra o Programa de Documentação e Memória
através do Grupo de Estudo de Cultura, Memória, Informação e Patrimônio (GECIMP)
vinculado ao Núcleo de Documentação e Informação Histórico Regional da Universidade
Federal da Paraíba (NDIHR/UFPB).
A organização do Acervo José Simeão Leal exige diversas técnicas e o respeito aos
princípios arquivísticos. Mas, a organização por se só não basta, é preciso usar técnicas de
conservação e preservação, a exemplo da higienização, que evitem danos irreparáveis aos
documentos. A higienização dos documentos favorece o manuseio de maior qualidade àqueles
que lidam com o papel e evita fatores físicos (como a poeira e a presença de insetos) que
podem contribuir para a eliminação da informação.
1
Discente de Arquivologia da UFPB. E-mail: [email protected]
571
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Nossos objetivos consistem em relatar a experiência na higienização e nas referências
bibliográficas dos livros existentes no Acervo de José Simeão Leal; e, ainda, expor e discutir
possibilidades temáticas oferecidas por esses documentos à pesquisa histórica.
Vale resaltar que a metodologia deste trabalho reporta-se à pesquisa documental e
bibliográfica. As referências foram elaboradas de acordo com a norma da ABNT 6023/2002.
2 JOSÉ SIMEÃO LEAL E O PERCURSO DO SEU ACERVO
José Simeão Leal nasceu na cidade de Areia, Paraíba, em 13 de novembro de 1908, e
faleceu no Rio de Janeiro, em 1996. Filho de Alfredo Simeão Leal e Maria de Almeida Leal, e
sobrinho de José Américo de Almeida, este paraibano “[...] escreveu uma trajetória de vida
saboreada de cultura, cores, artes e ousadia”. (OLIVEIRA, 2011) Esta trajetória teve seu
impulso em 1919 quando muda com a família para João Pessoa, com a idade de 11 anos, e
ingresso no Liceu Paraibano. Iniciou em Recife, Pernambuco, seus estudos em Medicina,
vindo a terminá-los no Rio de Janeiro, no início da década de 1930.
No Rio de Janeiro, Simeão Leal “[...] com um temperamento inquieto, indagador e
intempestivo, esse intelectual firmou raízes na observância da cultura popular, das artes
plásticas, da crítica literária, da edição de livros. Um semeador das letras, transformou-se no
mais significativo editor público brasileiro”, ao assumir, em 1947, o cargo de Diretor do
Serviço de Documentação do Ministério da Educação e Saúde ficando à frente do setor por 18
anos, 7 meses e 7 dias, ou seja, de 15 de janeiro de 1947 a 22 de setembro de 1965.
Simeão Leal ao longo de sua vida amealhou importantes documentos, entre os quais
uma significativa biblioteca, com os mais diversos assuntos, entre os quais destacamos:
ARTE,
HISTÓRIA,
ANTROPOLOGIA,
TURISMO,
FOLCLORE,
FILOSOFIA,
RELIGIÃO, SOCIOLOGIA, LITERATURA, CULTURA, GEOGRAFIA, ARQUITETURA,
BIOGRAFIA, SAÚDE.
A biblioteca é apenas uma parte do Acervo de José Simeão Leal. Ela e os outros
documentos foram doados ao governo do Estado da Paraíba, em 1996, pela viúva Eloah
Drummond Leal. De início, o Acervo foi encaminhado à Fundação Casa de José Américo,
entidade que possui o Arquivo dos Governadores, entidade que guarda a documentação dos
governadores e personalidades paraibanas. Contudo, o Acervo foi guardado nas dependências
da Comissão Permanente de Desenvolvimento do Centro Histórico de João Pessoa (antigo
572
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Hotel Globo). Neste órgão o acervo não recebeu nenhum tratamento arquivístico.
(OLIVEIRA, 2009)
Algum tempo depois, o governo do
Estado resolveu esfacelar o Acervo de José
Simeão Leal. A biblioteca e as pinturas do titilar
do acervo foram postas na Biblioteca Pública
Estadual, por ocasião de sua reinauguração em
1998. Os livros e revistas ficaram a mercê do
público que podiam consulta-los na referida
Biblioteca ou levá-los para casa em forma de
Foto 1: Releitura das estantes
Biblioteca Pública do Estado (2007)
da
empréstimos. As esculturas foram encaminhadas
à Galeria Archidy Picado, na Fundação Espaço
Cultural. Os demais documentos foram entregues
à Subsecretaria de Cultura do Estado da Paraíba, localizada, então, no Casarão dos Azulejos.
Em 2002, o governo do Estado elabora e publica o decreto nº 23.753, que institui a
“Comissão Estadual de Avaliação e Acompanhamento do Estado de Conservação e Segurança
dos documentos pertencentes ao fundo arquivístico José Simeão Leal”. A Comissão era
composta por um representante da família de José Simeão Leal, um artista plástico e uma
arquivista. (OLIVEIRA, 2011)
Ressaltamos que a arquivista é a professora Bernardina Maria Juvenal Freire de
Oliveira,
que
com
um
grupo
de
arquivistas e alunos de biblioteconomia
/arquivologia, desde 2002, não mede
esforços para manter a integridade do
acervo,
respeitando
o
princípio
de
proveniência documental, princípio este
que estabelece que cada documento deve
ser preservado em seu local de origem.
(ROUSSEAU; COULTURE, 1998).
Inicialmente, pensou-se em local
de reunião e guarda do Acervo de José
Foto 2: Situação em que se encontrava acondicionada
a Biblioteca de José Simeão Leal (2007)
Simeão a sede do Instituto do Patrimônio
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Histórico e Artístico do Estado da Paraíba (IPHAEP), assim esta instituição recebeu o título
de guardiã desse acervo.
Em função do Acervo se tornar, em 2005, objeto de estudo da tese de Oliveira, ele
passa a sofrer ações de organização mais efetiva (iniciada timidamente em 2002). Por isso,
fez-se a necessidade de recolher todo o acervo no IPHAEP. Com relação à Biblioteca de José
Simeão Leal foi necessário a releitura das estantes da Biblioteca Pública Estadual para a
separação do Acervo de José Simeão Leal, seu acondicionamento e sua transferências para o
órgão custodiador. Na primeira etapa, foi feito uma triagem onde se identificou os livros,
periódicos, dentre outros, que faziam parte do acervo e assim foram separados para serem
transferidos para outro o local de acondicionamento, como mostra a foto 1.
A biblioteca de Simeão leal foi transportada da Biblioteca Pública do Estado para as
dependências do IPHAEP, no ano de 2007. Durante o período que esteve nesta entidade, ela
se encontrava no chão de uma sala (Anexo), como mostra a foto 2. Sala cujo ambiente não era
adequado para a guarda do acervo, pois possui temperatura elevada e sujeita a umidade, ela
também não possuía mobiliários e materiais para o acondicionamento. Esses livros foram
postos em caixas de papelão e sacos plásticos
No IPHAEP, em 2007, foi feita uma primeira higienização desse acervo e
posteriormente uma pré-listagem do mesmo. Por muito tempo esse acervo ficou no IPHAEP
aguardando liberação para ser transferido para outro órgão público custodiador. No início do
ano de 2009 esse acervo foi transferido para o Núcleo de Documentação e Informação
Histórico Regional (NDIHR/UFPB), no qual se encontra até o presente momento. Nesta
instituição o Acervo de José Simeão Leal se encontra completo, com suas correspondências,
livros, pinturas, esculturas e objetos pessoais.
É no NDIHR/ que o Acervo está em organização. Inicialmente, as correspondências
(cartas, telegramas, cartões postais, entre outros), as pinturas, depois as fotografias.
Atualmente, em organização a Biblioteca Privada, trabalho iniciado em outubro de 2010.
3 HIGIENIZAÇÃO E AS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
De acordo com o dicionário de Biblioteconomia e Arquivologia (2008), podemos
definir higienização como: “retirada de poeira e outros resíduos estranhos aos documentos,
usando técnicas do instrumento indicado e técnicas apropriadas para não produzir estragos”.
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A higienização é aqui compreendida como um dos elementos de conservação preventiva para
a preservação de qualquer acervo.
Compreendemos a Conservação preventiva como “[...]intervenções diretas, feitas com
a finalidade de resguardar o objeto, prevenindo possíveis malefícios”, a exemplo da
higienização, pequenos reparos, acondicionamento, entre outros. E a preservação como o “[...]
conjunto de medidas e estratégias de ordem administrativa, política e operacional que
contribuem direta ou indiretamente para a proteção do patrimônio. Ex.: Leis, Campanhas,
Congressos etc”. (COSTA, 2003, p. 3)
Para se obter um arquivo “saudável”, sem poeira, infestação de insetos ou mofo, a
higienização do acervo é considerada um processo importante, e deve ser contínuo. Pois, um
ambiente limpo promove atitudes de respeito e cuidado com a documentação. O ideal seria
que as Instituições destacassem pelo menos um funcionário exclusivo para execução do
serviço de higienização, o que minimizaria o problema de sujidade e infestação no acervo.
A higienização do acervo consiste em retirar por completo toda a sujidade depositada
na documentação, no mobiliário em que está acondicionada e no espaço físico. A limpeza da
documentação deve ser executada de forma cuidadosa, folha por folha. No mundo todo, as
técnicas de higienização são as mesmas. Com um pincel de cerdas macias, bigode ou flanela é
retirado toda poeira depositada na documentação. Livros fragilizados, encontrados no Acervo
de José Simeão Leal, necessitaram de uma avaliação prévia para certificar a possibilidade de
suportar a higienização sem maiores danos.
As tecnologias que hoje possuímos permite o uso
do aspirador de pó de filtro absoluto na higienização,
cuidando para que a sucção forte não danifique a
documentação. Contudo, a técnica realizada no acervo
foi a higienização mecânica, em que não se agride muito
o documento. Essa técnica é importante porque reduz a
poeira, partículas sólidas, incrustações, resíduos de
excrementos de insetos ou outros depósitos de
superfície. Para isso, utilizou-se materiais específicos
como a trincha e flanela, além do pessoal que realizou o
trabalho estando devidamente protegido com a EPI
Foto 3: Higienização documental
(2011)
(equipamento de proteção individual, como luvas de
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látex, máscaras, avental e touca, todos materiais descartáveis, como mostra a foto 3. Foram
utilizados também caixas de polionda, devidamente identificadas, para o armazenamento do
acervo tratado, e colocadas em estantes de aço.
Esse tratamento nos livros foi importante porque eles estavam em caixas de papelão e,
algumas delas, estavam com início de infestação biológica como fungos e insetos (cupins).
Alguns desses livros que estavam danificados foram separados em sacos para um possível
tratamento posteriormente por pessoal especializado em preservação e conservação.
5 RESULTADOS / CONCLUSÃO
O acervo de José Simeão Leal é composto
de aproximadamente 4.000 títulos dentre eles se
destacam os livros, periódicos e catálogos, em que
o trabalho de higienização e elaboração das
referências foi executado. Alguns livros foram
separados para uma possível restauração, pois
apresentavam tanto infestação de cupim como
fungos.
A etapa da higienização dos livros está
finalizada em 100%. E, atualmente o processo de
Foto 4: Biblioteca Privada de José Simeão
Leal acondicionada e com referência (2012)
organização se encontra na etapa no qual estão
sendo
feitas
as
digitações
das
referências
bibliográficas (ratificamos que estão sendo elaboradas com base na norma da ABNT
6023/2002). Foram produzidas e digitadas aproximadamente 2.500 referências bibliográficas
do Acervo de José Simeão Leal dentre eles, livros, revistas, catálogos, entre outros.
Vejamos alguns títulos referenciados:
AMADO, Gilberto. A dança sobre o abismo. Rio de Janeiro, 1952. 235p. (Localização:
Caixa 03)
ARAMBURU, Julio. El folklore de los niños : juegos, rondas, canciones romances, cuentos,
leyendas. Buenos Aires, 1940. 148p. (Localização: Caixa 03)
AZEVEDO, Fernando de. Canaviais e engenhos na vida política do Brasil. Rio de Janeiro:
Instituto do Açúcar e do Álcool, 1948. 243p. (Localização: Caixa 214)
576
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BALI: and her temples. Indonésia: Department of information. (Localização: Caixa 03)
CASSIRER, Ernest. El problema del comocimiento em la filosofia y em la ciencia
modernas: de la muerte de Hegel a nuestros dias (1832-1932). Traducción W. Roces.
México: Fondo de Cultura Economica, 1948. 461p. (Localização: Caixa 29)
CASSOU, Jean . Situação da arte moderna. Trad. Maria Virgince de Aguiar . [s.l.] :
Europa-América , 1965 . 160 p. (Localização: Caixa 03)
CLERMONT, René . Lê Miracle de la Veillée : divertissement sur des thémes du MoyenAge. Paris: Éditions du Sevil , 1947 . 125 p. (Localização: Caixa 38)
FONTENELLE, Luiz Fernando Raposo. Rendas e rendeiras do arrayal do cabo:
contribuição para o estudo sociológico da renda no brasil. [s.l: s.n, s.d]. 18 p. (Localização:
Caixa 03)
FREYRE, Gilberto. Em tôrno de alguns túmulos Afro-Cristãos de uma área africana
contagiada pela cultura brasileira. [Salvador], UFBA, v.9, 1959. (Localização: Caixa 60)
FREYRE, Gilberto. Mucambos do nordeste: algumas notas sobre o typo de casa popular
mais primitivo do nordeste do Brasil. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde. [s.d.]
(Localização: Caixa 127)
FREYRE, Gilberto. O camarada Whitman. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1947. (Localização:
Caixa 27)
GIEURE, Maurice. Dufy: dessins. Paris: deux Mondes, 1952. 96 p. (Localização: Caixa 03)
LIMA, Florêncio de Almeida . O Canto Orfeônico curso secundário . 5 ed. [s.l.] : [s.n.] ,
[s.d.] . 184 p. (Localização: Caixa 03)
MUSEÉ D’ART ET D’HISTOIRE. Estampes Japonaises. Catálogo. Genève: pezzatti, 1965.
36 p. (Localização: Caixa 03)
MUSEU de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Julius Bissier. Catálogo. Rio de Janeiro: [s.n;
s.d.]. 43 p. (Localização: Caixa 03)
PANOFSKY, Erwin. Arquitectura Gótica y Escolástica . Buenos Aires : Ediciones Infinito ,
1959 . 134 p.
PINTO, L.A. Costa; CARNEIRO, Edison. As ciências sociais no Brasil. Série de estudos e
ensaios. Rio de Janeiro, 1955. 111p. (Localização: Caixa 03)
RAMOS, Arthur. As culturas negras no novo mundo. Rio de Janeiro: Bibliotheca de
Divulgação Scientifica, 1937, v. 12. (Localização: Caixa 38)
RAMOS, Artur. Guerras e relações de raça. Rio de Janeiro: União dos Estudantes, 1943.
(Localização: Caixa 66)
RAMOS, Guerreiro. Condições Sociais do poder nacional. Rio de Janeiro: MEC; ISEB
1957. 38p. (Localização: Caixa 104)
RODRIGUES, José Honório. Correspondência de Capistriano de Abreu. [S.l]: [s.n; s.d]. v.
1. (Localização: Caixa 60)
SCHADEN, Egon; SCHADEN, Francisco S. G.; SANTOS, Yolanda Lhullier dos. Arte
indígena do Brasil. São Paulo: Comunicações e Artes, 1973. 40p. (Localização: Caixa 03)
VILLA, Jose Moreno. La escultura colonial mexicana. México: colégio de méxico, 1942.
243 p. (Localização: Caixa 03)
As referências acima expostas revelam parte das leituras de José Simeão Leal. As
possibilidades temáticas oferecidas pelo Acervo à pesquisa histórica podem ser iniciadas com
o estudo da “escrita de si” do colecionador (José Simeão), perpassando por questões
historiográficas sobre o negro no Brasil (Artur Ramos, Edson Carneiro, entre outros), estudo
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comparativo sobre a arte colonial (escultura, pintura) na América Portuguesa (Brasil) e
América Espanhola (a exemplo do México). E muitos outros estudos.
O trabalho ainda está em andamento, mas estamos no final das referências
bibliográficas, com a fixação de etiquetas de identificação nas caixas de polionda e a digitação
das respectivas referências.
REFERÊNCIAS
CASSARES, Norma Cianflone. Como Fazer Conservação Preventiva em Arquivos e
Bibliotecas. São Paulo: Arquivo do Estado e Imprensa Oficial, 2000. 80 p. (Projeto Como
fazer, 5).
COSTA, Marilene Fraga. Noções básicas de preservação e conservação de documentos.
[Rio de Janeiro]: Fiocruz; CICT, 2003. 14p.
CUNHA, Murilo Bastos da; CAVALCANTI, Cordélia Robalinho de Oliveira. Dicionário de
Biblioteconomia e Arquivologia. Brasília: Briquet de Lemos, 2008.
JOSÉ Simeão Leal: homem de cultura. Mostra Iconográfica. João Pessoa: NDIHR/ UFPB;
Fundação Ormeo Junqueira Botelho; Usina Cultural Energisa, 2011.
FREIRE, Bernardina Maria Juvenal; MORAIS, Laudereida Eliana Marques; LIMA, Maria da
Vitória Barbosa. Higienização: ação intervencionista no Departamento de Estradas e
Rodagem da Paraíba. [João Pessoa]: UFPB, [s.d].
OLIVEIRA, Bernardina Maria Juvenal Freire de. José Simeão Leal: escritos de uma
trajetória. 2009. 870f. Tese (Doutorado em Letras) – Centro de Ciências Humanas, Letras e
Artes, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2009. 2v.
________. Simeão Leal, o semeador da cultura. In: José Simeão Leal: Homem de Cultura.
Mostra Iconográfica. João Pessoa: NDIHR/ UFPB; Fundação Ormeo Junqueira Botelho;
Usina Cultural Energisa, 2011.
RODRIGUES, Maria Solange P. (instrut.). Preservação e conservação de acervos
bibliográficos. In: ENCONTRO NACIONAL DE USUÁRIOS DA REDE PERGAMUM, 9.,
2007, Curitiba: PUC/PR; SIBI, 2007.
ROSSEAU, J; COUTURE, C. Os fundamentos da disciplina arquivística. Lisboa: Dom
Quixote, 1998.
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