Do gosto original à privação do gosto: os discursos sobre o gosto

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Do gosto original à privação do gosto: os discursos sobre o gosto
Do gosto original à privação do gosto: os discursos sobre o gosto dos sujeitos
consumidores de comidas típicas da Bahia no contexto soteropolitano
Juliana Luduvice AMARAL1; Juliede de Andrade ALVES2; Janaína Braga de PAIVA3; Ligia
Amparo da Silva SANTOS4
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Núcleo de Pesquisas em Alimentação e Cultura – NEPAC; 2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Alimentos Nutrição e
Saúde, integrante do NEPAC; 3 Mestra em Alimentos Nutrição e Saúde, integrante do NEPAC; 4 Professora do Programa de PósGraduação em Alimentos Nutrição e Saúde e coordenadora do NEPAC
Resumo: Objetivou-se compreender os discursos e as práticas em torno do gosto alimentar nas
camadas populares da cidade de Salvador, considerando o discurso contemporâneo da promoção da
alimentação saudável. A presente pesquisa foi concebida no Mercado do Peixe situado no bairro do
Rio Vermelho, caracterizado como espaço de comercialização e consumo de comidas típicas
localizado na cidade de Salvador-Bahia, no período de outubro de 2010 a julho de 2011. Foram
entrevistados dez sujeitos do sexo masculino de 24 a 56 anos. Dentre os discursos proferidos pelos
sujeitos entrevistados, o gosto está imbricado ao tipo de comida e ao modo de preparo que também
confere a comida um sabor acentuado e possibilita sentir o sabor “original” do alimento. Neste
contexto a comida feita na brasa surge como a que dá mais consistência ao sabor, em que o “frango
parece que tem mais gosto de frango”. O saber fazer é encontrado nas falas, sendo possível
observar que a comida gostosa ainda é atribuída a quem faz, quem tem a “mão boa”. Mas
independente de gostar da preparação, comê-la repetidamente pode levar à alteração do gosto,
implicando no enjoar da comida. As verduras, componentes da alimentação saudável são, por
vezes, tidas como comida sem gosto, todavia, a carne mal preparada também pode ocupar este
espaço. Mas há truques, como o uso de molhos, para suavizar o sabor da comida, tornando-a
palatável. A comida industrializada, porém, aparece como o alimento desprovido do gosto original.
Para os sujeitos, a privação do gosto decorre da restrição necessária para manutenção do bem estar,
em que não se come o que gosta devido a alguma doença. Destarte, é possível refletir que o
significado do gosto e as condutas alimentares são a base da escolha do que se come. Porém, é
indiscutível a presença do discurso da alimentação saudável, que mesmo de modo sutil evidenciase como constituinte das escolhas alimentares desses sujeitos na contemporaneidade.
Palavras-chave: Gosto. Comida. Comer. Corporalidade masculina.
1 INTRODUÇÃO
Ao contrário do homem, os animais irracionais não são capazes de perceber a multiplicidade
de sabores existentes, pois são limitados em seus gostos. Alguns por exemplo, vivem apenas de
vegetais, outros só comem carne; há também os que se alimentam unicamente de grãos; porém,
nenhum deles conhece os sabores compostos, que são numerosos sabores simples que podem ser
modificados por diversas combinações. O homem, no entanto, enquanto onívoro, possui poderes de
degustação proporcionais ao amplo uso que fará dessa potencialidade. Desse modo, o aparelho
gustativo, é de fato, uma rara perfeição no humano (SAVARIN, 1995).
Para Savarin (1995, p. 41,) o gosto é definido como “aquele de nossos sentidos que nos põe
em contato com os corpos sápidos, por meio da sensação que causam no órgão destinado a apreciálos.” Há uma ética de uso dos alimentos que somada ao acesso, às razões do gosto, ao tipo de
comida que marca a identidade, a relação com o corpo, especialmente pelas sensações provocadas,
norteia as preferências e a seleção dos alimentos apropriados, sendo que o ato de evitar, se
flexibiliza entre as classes populares urbanizadas, ajustando-se conforme o contexto ao qual está
inserido (BRANDÃO, 1981).
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A formação do gosto é um processo que se dá ao longo da vida, porém se inicia na infância
devido ao processo de aprendizagem e mimetismo, sendo este último ato importante na
perpetuação podendo incutir nos grupos sociais preferências alimentares. Deste modo, a construção
do gosto não é permeada somente pela permanência, reconstruções e mutação contínua, mas
também pelo novo. Qualquer sujeito é passível às influências sociais para adaptá-las aos seus
gostos e, por conseguinte, às suas escolhas alimentares (JOMORI; PROENÇA; CALVO, 2008).
Bourdieu (1983) acrescenta que o gosto é a fórmula generativa que se encontra no princípio do
estilo de vida. Nessa perspectiva, Freitas (2002) alude que o sujeito necessita sentir-se presente em
práticas de seu conhecimento, como uma estrutura imagética e um gosto coberto de símbolos.
Entretanto, o gosto reconhecido agregado a uma nova aquisição, incorpora-se a uma constante e
dinâmica formação de hábitos, tendo em vista que:
Pelo fato de sermos onívoros, incorporação da comida é sempre um ato com
significados, fundamental ao senso de identidade. Se as técnicas, as
disponibilidades de recursos do meio, a organização da produção/distribuição na
sociedade moderna imprimem as possibilidades, cada vez mais ampliadas, de
produzir e consumir alimentos, cabe à cultura definir o que é ou não comida,
prescrever as permissões e interdições alimentares, o que é adequado ou não,
moldar o gosto, os modos de consumir e a própria comensalidade (DIEZ
GARCIA; CANESQUI, 2005, p. 9).
O gosto é um dos principais sentidos que proporciona prazer aos seres humanos. O comer
envolve a sensação de prazer e um bem-estar indefinível, visto que a sensação gustativa é advinda
das emoções e informações inscritas em determinado contexto sociocultural (SAVARIN, 1995;
TENSER, 2004).
Nos séculos XVII e XVIII os sujeitos de diferentes classes sociais buscavam uma afinidade
de cultura, de maneiras e de gostos, inclusive na alimentação. De acordo com Lima (1996), a
comida e seus símbolos constituem um campo semântico que abastece de significados as diversas
relações entre um sistema de valores e a fisiologia do gosto de um grupo social específico.
Destarte, o sabor é um dos fatores preponderantes na escolha e consumo dos alimentos. Supõe-se,
todavia, que os discursos da alimentação saudável podem também influenciar na seleção do que se
come, possibilitando a construção de novos gostos alimentares e estéticos.
Santos (2008) revela que o prazer alimentar ingressa em uma nova ordem através do
chamado gosto light. Os ideais de saúde implicam no não comer e proporcionam o sentimento de
culpa atrelado a percepção de risco negativo à saúde ao se permitir desfrutar da comida gostosa.
Essas concepções podem promover mudança nas preferências alimentares e alteração na relação
dos sujeitos com a comida (GARCIA, 2005). Simultaneamente há uma padronização do gosto
vinculada aos interesses econômicos das empresas alimentícias decorrente, inclusive, da
globalização, da maior facilidade de acesso e menor preço de determinados alimentos.
Deste modo, objetivou-se compreender os sentidos atribuídos aos discursos e práticas de
homens consumidores de comidas típicas das camadas populares da cidade de Salvador-BA em
torno do gosto alimentar, considerando o discurso contemporâneo da promoção da alimentação
saudável.
2 METODOLOGIA
Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa, o qual propicia o acesso às especificidades
do público estudado por meio de uma imersão no campo da sócio-antropologia da alimentação e
das ciências sociais da saúde com destaque para as concepções que os sujeitos entrevistados
conferem ao seu próprio comportamento (GEERTZ, 1978; LAPLANTINE, 2005).
A presente pesquisa foi concebida no Mercado do Peixe situado no bairro do Rio Vermelho,
caracterizado como espaço de comercialização e consumo de comidas típicas localizado na cidade
de Salvador-Bahia, no período de outubro de 2010 a julho de 2011. A observação participante e as
entrevistas foram utilizadas como métodos de pesquisa no período 04/2011 a 07/2011, sempre no
início da tarde. Devido a experiência no lócus, em determinados momentos foi possível
compartilhar da comensalidade, possibilitando o que Laplantine (2005) sobressai como “integração
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do observador no próprio campo da observação”, sendo indispensável a não distinção da cultura
estudada para alcançar uma participação efetiva.
Utilizou-se como instrumento de investigação um roteiro semi-estruturado para nortear a
presente pesquisa. A partir dos discursos proferidos pelos sujeitos entrevistados, foram geradas
categorias relativas ao gosto alimentar com o propósito de compreender os sentidos atribuídos ao
seu conceito, bem como o espaço ocupado pelo referido tema no discurso contemporâneo da
alimentação saudável.
Foram entrevistados dez sujeitos do sexo masculino de 24 a 56 anos. As entrevistas gravadas
foram transcritas e a análise realizada através da criação de uma matriz axial. O estudo também se
apoiou em outros recursos etnográficos em ambos os campos: diário de campo, vídeos e
fotografias. Para melhor abordagem do assunto neste trabalho os resultados e discussão foram
alocados nas seguintes categorias: o gosto original e a desconstrução do gosto; o gosto pelo
requinte; o saber fazer (“a mão boa”); a palatabilidade da comida; a privação do gosto;
representação da alimentação saudável.
Foram preservadas as identidades dos entrevistados por meio da assinatura de um Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, contendo esclarecimentos sobre a pesquisa, solicitação para o
fornecimento das informações necessárias e autorização para a participação no estudo conforme a
resolução 196/96 que regulamenta pesquisa com seres humanos.
A referida pesquisa faz parte do projeto “Corporalidades, comensalidades e alimentação
saudável na Bahia: Um estudo sobre as práticas corporais e alimentares em camadas populares sob
a ótica da promoção da alimentação saudável”, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
Escola de Nutrição da Universidade Federal da Bahia e financiado pela FABESP através do edital
010/2009. Pertence ao Núcleo de Estudos e Pesquisa em Alimentação e Cultura (NEPAC) e visa
compreender os discursos e as práticas em torno do corpo, do comer e da comida nas camadas
populares das cidades de Salvador e do Recôncavo Baiano – Cachoeira e Santo Antônio de Jesus considerando o discurso contemporâneo da promoção da alimentação saudável.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
A partir das observações pôde-se constatar que o ato de comer não implica somente na
ingestão alimentar ou é atribuído unicamente à ação fisiológica. Há uma subjetividade relacionada
ao comer que interfere na escolha do alimento e na forma de comê-lo. A escolha alimentar é
executada também pela mostra prévia do que é servido a partir de cardápios tradicionais,
pendurados nas paredes em quadros ou lonas, ou nas vitrines em que os consumidores não mantêm
contato direto com a comida.
Para explanar melhor as concepções de gosto, fez-se necessário a segregação do conteúdo,
que mesmo sendo apresentado desta forma, se interrelaciona continuamente.
O gosto original e a desconstrução do gosto
Dentre os discursos proferidos pelos sujeitos entrevistados, o gosto está imbricado ao tipo de
comida e ao modo de preparo que também confere a comida um sabor acentuado e possibilita sentir
o sabor “original” do alimento. A comida industrializada, porém, aparece como o alimento
desprovido do gosto original. Deste modo o processo de industrialização da alimentação passa a ser
visto como um produto “sem identidade”, “sem qualidade simbólica” (POULAIN, p.51, 2004).
Devido a tal processo, o gosto alimentar surge nos discursos dos sujeitos como modificado, como
relata um dos entrevistados:
Dos países que mais tem comida saudável é o Brasil, o gosto do alimento é
melhor aqui, que é mais acessível. Lá (nos Estados Unidos) tem muita coisa
industrializada, o alimento não tem o mesmo gosto.
De acordo com a fala, é possível interpretar que o “comer brasileiro”, sobretudo, o baiano, é
repleto de cores e sabores mais pronunciados comparado ao gosto do alimento industrializado
preponderante no contexto internacional. Santos (2008) demonstra que no mundo contemporâneo o
gosto light tem seu lugar de destaque, submerso nas propagandas e indústrias alimentícias, em
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decorrência da busca incessante dos sujeitos pelo estilo de vida light, associado à flexibilidade,
liberdade e leveza.
O gosto pelo requinte
Foi possível observar nos discursos dos sujeitos ideais acerca do gosto pelo requinte, em que
as preferências alimentares possuem valor. O gosto é um signo que classifica e distingue. Fischler
(2001) alega que “nós nos tornamos o que nós comemos”, isso porque o capital simbólico atribuído
ao alimento identifica o sujeito como possuidor de um gosto requintado, distinto do gosto comum,
popular. O entrevistado, na fala abaixo, retrata claramente este fato:
Então acho que ela (a pessoa rica) consegue identificar com melhor precisão o
que ela quer dos gostos [...]. Tipo, uma diversidade alimentar [...]. Acho que é
por isso mesmo que a pessoa que tem muito dinheiro tem um alto grau mais
refinado de paladar [...] Elevando meu poder aquisitivo, eu começo a conhecer
mais o café. Café, vinho. Tem essas... a gente muda no lado mais alimentício,
né?
Uma comida ortomolecular..., comida molecular feita com... o polvo, o polvo
feito com...o polvo que leva, que leva 18 horas para ser cozido, a uma baixa
temperatura, a uma determinada pressão, então o polvo que é de uma cozinha,
essa cozinha molecular, que eles chamam...
Neste caso, para o entrevistado, o conhecimento acerca do alimento aproxima-o do gosto
culto. A utilização de elementos da cultura do outro, como forma de aproximação, tentativa de
apoderação de práticas culturais que são legitimadas pela sociedade como pertencentes à classe
alta, a qual, para o entrevistado, possui paladar instruído, educado. Seria, contudo, um modo de
disposição associada a uma origem social. A fala sobre a busca do conhecimento remete ao que
Bourdieu (2005) chama de capital adquirido, que se distingui do capital herdado, adquirido no
âmbito familiar. Em outro discurso há a apreciação pelo comer exótico em que a densidade da
elaboração da comida e os ingredientes antipopulares também surgem como elementos de
distinção. Seria um consumo pretensioso devido à dissonância entre o real e a ambição de almejar
algo que está fora do que se processa no cotidiano (BOURDIEU, 2005).
O saber fazer (“a mão boa”)
O saber fazer é encontrado nas falas, sendo possível observar que a comida gostosa ainda é
atribuída a quem faz, quem tem a “mão boa”. Mas independente de gostar da preparação, comê-la
repetidamente pode levar à alteração do gosto, implicando no enjoar da comida. As verduras,
componentes da alimentação saudável são, por vezes, tidas como comida sem gosto, todavia, a
carne mal preparada também pode ocupar este espaço. Um dos sujeitos entrevistados se expressa
sobre esse tema:
Depende do cozinheiro. Que tem cozinheiro que tem mão boa tem cozinheiro
que não tem... Varia do tempero também... Às vezes a gente come uma coisa que
vocês também eu acho que... Provam uma comida que você normalmente tá
acostumado a comer e quando vê é outro tipo de gosto. Não aceita muito.
Então... Depende muito do cozinheiro.
Mas há truques, como o uso de molhos, para suavizar o sabor da comida, tornando-a
palatável. “Assim, não com freqüência, mas uma vez no mês, janto fora. De tudo como um
pouquinho né, que a comida japonesa é rica em verdura né? Mas a gente não sente tanto o...gosto
assim da verdura que tem o molho shoyo e desce mais suave.”
Mesmo considerando a “mão boa” de quem prepara, é necessário saber apreciar o alimento
na quantidade adequada, pois há preparações que são feitas para o saboreio lento e fracionado. Para
tanto, Savarin (1995) exemplifica a degustação do vinho desde o início quando sua presença na
boca provoca uma impressão agradável, mas não completa, até a ingestão em que se pode de fato
degustá-lo, apreciá-lo e descobrir o seu perfume particular. Entretanto, é de acordo com os
princípios e uma prática bem estabelecida que os conhecedores conseguem a cada gole, quando se
detêm, experimentar a soma inteira do prazer do vinho.
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O modo de preparo e a técnica também estão presentes no saber fazer, o que pode ser notado
na descrição seguinte: “Escabeche primeiro você pega o peixe passa no sal, deixa demorar um
pouquinho, depois “ce”... tem tempero né sal e tempero, depois você pega, frita, num frita assim
bem fritado não entendeu? Depois você pega tira as espinhas dele e já faz moqueca do peixe”.
A palatabilidade da comida
De acordo com os entrevistados é possível perceber que o gosto é fundamental na escolha
alimentar, pois o alimento palatável pode proporcionar prazer a quem consome. “Não!!! É porque
eu não gosto! Se eu gostar eu como, pode custar 50 reais o quilo ou a porção eu como, é, que
graças à Deus né, a gente trabalha pra isso, não adianta a pessoa tá cheia de luxo e com a barriga
vazia, cheia de fome”.
Para Savarin (1995) as sensações agradáveis percorrem uma escala de curta extensão, sendo
pequeno o intervalo entre o sabor reconhecido como bom e o dito excelente. Assim, um dos
entrevistados afirma: “Afs, aí é difícil. Não tem assim, o camarão é gostoso e eu entendo porque eu
já cozinhei, mas a moqueca capixaba é melhor do que a daqui”. O entrevistado explana que as
diferenças de preparo da comida implicam no sabor:
Ahhh! Aqui faz uns “filé” tipo sola de sapato é fino? Lá não! Filé é aqui ó
(indicando que é ruim). [...] O corte da carne é muito importante pra ficar macia,
né? Lá (no Rio de Janeiro) você come, tem gosto, tem paladar. Aqui sem graça
nenhuma, mas é cada doido com sua mania, cada Estado com sua comida típica.
Sabe-se ainda que “é indispensável ter em conta o sabor supremo e decisivo do paladar. Para
o povo não há argumento probante, técnico, convincente, contra o paladar...” (CASCUDO, 2004,
p.15).
A privação do gosto
Para os sujeitos, a privação do gosto decorre da restrição necessária para manutenção do bem
estar, em que não se come o que gosta devido a alguma doença. Segundo Korsmeyer (2002), comer
trata-se de uma relação profundamente íntima, realizada cotidianamente, um exercício que implica
em risco e confiança:
Lá de casa, a mulher diminuiu o sal né? Então todo mundo lá come menos sal,
quem quiser sal bota um pouquinho mais, mas diminuiu o sal por minha causa e
por causa da minha esposa também.
Representação da alimentação saudável
Os significados atribuídos a alimentação saudável ultrapassam segmentação por
especificidade: verduras, frutas e por modos de cocção: grelhados. São também atribuídos a esse
conceito “preparações bem feitas”, “sem conservantes”, “a que o organismo aceita”, “origem da
comida (higiene)” e o “que faz bem”. O epulário vegetariano restringe a possibilidade da
comensalidade, para um dos entrevistados, visto que nesses restaurantes não há cerveja e isto é o
que possibilita o encontro com os amigos. “onde tem cerveja só tem o que não presta (referindo-se
a comida)”. À comida não saudável é atribuída ao refrigerante, fast food, alimentos
industrializados, mas também elucida o “comer fora de casa”, “comer besteira na rua”, “comer fora
de hora”, “comida de microondas”. Nesse contexto a comida que sustenta implica na decisão
alimentar e é descrita como a que garante saciedade e força no trabalho: “salada não enche não dá
saciedade, carne dá”. São significados apresentados pelos sujeitos que remetem a sua realidade
social.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Destarte, é possível refletir que o significado do gosto e as condutas alimentares são a base
da escolha do que se come. Porém, é indiscutível a presença do discurso da alimentação saudável,
que mesmo de modo sutil evidencia-se como constituinte das escolhas alimentares desses sujeitos
na contemporaneidade.
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Nota-se a complexidade de relações entre a comida e os sujeitos que transpõem o comer
biológico, importante, mas não o único que implica no que se come. Este está muito mais amarrado
nas teias de significados e representações culturais do gosto e do comer.
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