derrotando o inimigo: um estudo da campanha de

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derrotando o inimigo: um estudo da campanha de
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS
Centro de Ciências Humanas - CCH/Depto. de História
Núcleo de História e Cultura Regional
Pós-graduação em História do Brasil
Júlio César Guedes Antunes
DERROTANDO O INIMIGO:
UM ESTUDO DA CAMPANHA DE BOMBARDEIO
ESTRATÉGICO DA 20ª FORÇA AÉREA DOS EUA CONTRA
O JAPÃO EM 1944 – 1945
Montes Claros – MG
Abril / 2010
Júlio César Guedes Antunes
DERROTANDO O INIMIGO:
UM ESTUDO DA CAMPANHA DE BOMBARDEIO ESTRATÉGICO DA
20ª FORÇA AÉREA DOS EUA CONTRA O JAPÃO EM 1944 – 1945
Monografia apresentada ao Curso de PósGraduação em História, da Universidade
Estadual de Montes Claros, como exigência
para obtenção do grau de Especialista em
História do Brasil.
Orientador: Prof. Msc. César Henrique de
Queiroz Porto.
Montes Claros – MG
Abril / 2010
Júlio César Guedes Antunes
DERROTANDO O INIMIGO:
UM ESTUDO DA CAMPANHA DE BOMBARDEIO ESTRATÉGICO DA
20ª FORÇA AÉREA DOS EUA CONTRA O JAPÃO EM 1944 – 1945
Monografia apresentada ao Curso de PósGraduação em História, da Universidade
Estadual de Montes Claros, como exigência
para obtenção do grau de Especialista em
História do Brasil.
Orientador: Prof. Msc. César Henrique de Queiroz Porto
Membros:
_________________________________________
Profa. Dsc. Simone Narciso Lessa
_________________________________________
Prof. Msc. Roberto Mendes Ramos Pereira
Montes Claros – MG
Abril / 2010
DEDICATÓRIA
Para Jim, Maurie, Ben e Jerry,
por todo o incentivo e serviços durante a campanha.
To Jim, Maurie, Ben and Jerry,
for all the incentive and services during the campaign.
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. César Henrique pelo apoio e orientação, indispensáveis para a conclusão do trabalho.
Aos Profs. Simone Lessa e Roberto Mendes pela disposição em participar da banca de
aprovação.
Agradeço à minha família, namorada e amigos, pela paciência e suporte incondicional.
Por fim, agradeço a Deus por tudo que me deu e pelas bênçãos que me concede.
EPÍGRAFE
Enquanto as táticas são aperfeiçoadas e o ritmo dos
ataques é aumentado, o B-29, em números cada vez
maiores, através de qualquer tipo de clima, dia e
noite, atacará o coração do Império Japonês.
(General Curtis Emerson LeMay)
RESUMO
Este é um estudo da campanha de bombardeio estratégico realizada pela 20ª Força Aérea dos
Estados Unidos contra o Império do Japão entre 1944 e 1945, durante a Segunda Guerra
Mundial. Esta campanha, que utilizou como vetor único o Boeing B-29 Superfortress, atingiu,
ao fim da guerra, a virtual destruição completa das áreas industriais urbanas japonesas e a
infra-estrutura do país, culminando nos bombardeios atômicos de Hiroshima e Nagasaki. O
tema pesquisado foi dividido em tópicos, selecionados de acordo com sua importância
singular para compor o conjunto de fatores que levou à rendição do Japão em agosto de 1945.
Contou-se com o apoio de veteranos norte-americanos da campanha, pilotos de B-29 e caças
P-51, que cederam depoimentos, indicaram fontes e forneceram material fotográfico de suas
coleções pessoais.
Palavras-chave: Segunda Guerra Mundial. História Militar. Aviação.
ABSTRACT
This is a study of the strategic bombing campaign carried out by the US 20th Air Force against
the Japanese Empire in 1944 and 1945, during World War II. This campaign, which made use
singly of the Boeing B-29 Superfortress, attained, at the end of the war, the virtual complete
destruction of the Japanese industrial urban areas and the country’s infrastructure, culminating
in the atomic bombings of Hiroshima and Nagasaki. The researched theme was split into
topics, selected according to its singular importance in the chain of events that led to the
Japanese surrender of August, 1945. Support was given by American veterans of the
campaign, B-29 and P-51 fighter plane pilots, who gave testimonies, indicated research
sources and provided photographic material from their personal collections.
Keywords: World War II. Military History. Aviation.
SUMÁRIO
DEDICATÓRIA .......................................................................................................................4
AGRADECIMENTOS .............................................................................................................5
EPÍGRAFE ...............................................................................................................................6
RESUMO...................................................................................................................................7
ABSTRACT ..............................................................................................................................8
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................9
CAPÍTULO 1 ..........................................................................................................................11
O Japão e a Guerra no Pacífico ............................................................................................11
Boeing B-29 Superfortress ...................................................................................................19
CAPÍTULO 2 ..........................................................................................................................26
Operações na Índia e China ..................................................................................................26
Operações nas Ilhas Marianas ..............................................................................................33
CAPÍTULO 3 ..........................................................................................................................37
O bombardeio incendiário ....................................................................................................37
Escolta de caças ....................................................................................................................46
Minagem das águas japonesas..............................................................................................50
As missões atômicas.............................................................................................................57
CONCLUSÃO.........................................................................................................................64
REFERÊNCIAS .....................................................................................................................67
APÊNDICE A .........................................................................................................................70
APÊNDICE B..........................................................................................................................77
ANEXO A................................................................................................................................78
ANEXO B ................................................................................................................................83
ANEXO C................................................................................................................................84
9
INTRODUÇÃO
A Segunda Guerra Mundial permanece como o maior conflito armado da história
humana e como o evento que definiu o século XX. Seus efeitos são sentidos em nossa
geopolítica ainda hoje, e sua importância como ponto focal de desenvolvimento tecnológico é
inegável.
Contudo, ainda há enganos populares sobre o que levou ao fim daquele conflito. O que
levou o Japão, a última das potências do Eixo, a pedir a rendição em agosto de 1945?
Comumente, acredita-se que a arma mais revolucionária do último século, a bomba atômica,
tenha sido a única responsável por ter colocado o Império Japonês na posição de derrotado. A
verdade, entretanto, é bem mais complexa.
Toda uma conjuntura de fatores levou os japoneses a se renderem – e as bombas
atômicas foram somente um desses fatores. Uma prolongada ofensiva de bombardeio das
áreas industriais urbanas do Japão já acontecia desde o fim de 1944, sua vital navegação
comercial fora dizimada, e havia a pressão internacional constante, que a cada dia agremiava
mais forças no Teatro de Operações do Pacífico.
A escolha por tratar desse tema – a Campanha de Bombardeio Estratégico da 20ª
Força Aérea dos EUA contra o Japão – baseia-se na hipótese de que foi esse o fator maior que
finalmente levou o Japão a assinar os termos de rendição. Além disso, o incentivo pessoal por
parte de veteranos norte-americanos que participaram daquela campanha foi outro grande
fator que favoreceu a escolha da temática. Por fim, havia também o desejo de jogar luz sobre
um tema pouco explorado pela literatura nacional.
A pesquisa fez uso de consultoria e depoimentos pessoais, obtidos via e-mail, dos
veteranos americanos Jim Pattillo, residente na Califórnia, Maurie Ashland, residente no
Novo México, Ben Nicks, residente no Kansas – todos pilotos de B-29 – e Jerry Yellin,
residente na Flórida, piloto de caça P-51 que escoltou os B-29s até o Japão em 1945. Faz-se
ressaltar a importância vital da internet para o desenvolvimento da pesquisa, visto que as
distâncias geográficas e lentidão dos meios de comunicação tradicionais impossibilitariam a
utilização efetiva dessas fontes.
A bibliografia utilizada foi essencialmente especialista no tema: para discutir o
histórico japonês e as primeiras fases da guerra no Pacífico, foi utilizado “The Second World
War: The Pacific”, de David Horner, no primeiro capítulo; para discutir o B-29 e suas
operações durante a guerra, “B-29 Superfortress Units of World War 2” de Robert Dorr foi
essencial; para pesquisar a defesa aérea japonesa, foi utilizado o excelente “B-29 Hunters of
10
the JAAF” de Koji Takaki e Henry Sakaida; o estudo dos bombardeiros incendiários e das
operações de minagem foi baseado em relatórios governamentais dos EUA, “Analysis of
Incendiary Phase of Operations: 9-19 March 1945” e “Lessons from an Aerial Mining
Campaign: Operation Starvation”; por fim, a discussão sobre a escolta de caças baseou-se em
“Very Long Range P-51 Mustang Units of the Pacific War”, de Carl Molesworth.
Metodologicamente, foi feita a escolha por dividir o texto em três capítulos, para
melhor estruturar a linha do tempo e a ambientação. No primeiro capítulo, foi feito um
histórico da política expansionista japonesa desde começo da era Meiji, culminando na
Segunda Guerra Mundial; foi também elaborado um histórico de criação da aeronave que é a
principal protagonista deste trabalho, o Boeing B-29 Superfortress. A razão pela qual foi dada
tal exclusividade para essa aeronave fica clara com a leitura do texto.
O segundo capítulo trata da primeira fase de operações do B-29 na Índia e nas Ilhas
Marianas. Essa fase se distingue da posterior por ter se tratado de um período de poucos
sucessos para os americanos. Dificuldades de logística, problemas técnicos com a aeronave,
táticas de ataque equivocadas e o clima da região apresentaram-se como um desafio
gigantesco para a obtenção de resultados efetivos.
Por fim, o terceiro capítulo discorre sobre a consolidação da campanha de bombardeio
estratégico, a partir de março de 1945. Experimentos com munição incendiária contra grandes
áreas industriais urbanas e o número crescente de B-29s disponíveis – que a partir de abril de
1945 passaram a contar com escolta de caças – fez com que a ofensiva finalmente se
solidificasse, iniciando o processo de destruição do Japão. Além disso, as águas costeiras
japonesas foram extensivamente minadas pelos B-29s, virtualmente paralisando a navegação
mercante do país. Concluindo, foi feito um histórico do programa de construção de armas
atômicas nos EUA, que resultou nos bombardeios de Hiroshima e Nagasaki em agosto de
1945.
Há também apêndices e anexos que visam complementar o entendimento do trabalho.
Espera-se que este estudo possa ajudar a esclarecer um mal-entendido histórico que
ainda permanece bastante difundido, e que infelizmente colabora para uma visão errônea dos
acontecimentos que cercaram os últimos meses da Segunda Guerra Mundial.
11
CAPÍTULO 1
O Japão e a Guerra no Pacífico
O ano de 1853 marcou a aproximação, na baía de Tóquio, de uma esquadra de quatro
navios de guerra de bandeira norte-americana. Seu comandante, o Comodoro Matthew Perry,
tinha a missão de conseguir um tratado de comércio com o Japão, que encontrava-se isolado
do mundo exterior por mais de 200 anos. As negociações iniciadas por Perry resultaram em
um acordo comercial entre EUA e Japão. Tratados semelhantes se seguiram com Rússia,
Inglaterra, França e outros países.
Segundo Horner (2002), podemos traçar as origens da Guerra do Pacífico1 à
emergência do Japão após a abertura de seus portos. Com a queda dos senhores feudais em
1868, o novo Imperador anunciou a política de buscar conhecimento de todo o mundo, e
modernizar o Japão. Tal modernização incluía, inevitavelmente, suas forças militares.
Cientes de sua vulnerabilidade – já que o Japão era pobre em matérias-primas que
pudessem sustentá-lo como potência – os japoneses seguiram os passos das potências
européias, que tinham estabelecido colônias na área da Ásia-Pacífico. Construindo um
exército moderno e uma marinha em franca expansão, os japoneses iniciaram em 1894 uma
guerra contra a China pelo controle da península da Coreia. No ano seguinte, a China cedeu
Taiwan para o Império Japonês que, dessa forma, conseguiu assegurar fontes de matériasprimas e mercados para seus bens industrializados (HORNER, 2002).
Contudo, após os Estados Unidos tomarem controle das Filipinas em 18982, e as
potências européias estabelecerem políticas diferentes para nações asiáticas, o Japão viu-se
determinado a ganhar controle das áreas que acreditava serem vitais para sua sobrevivência
econômica. Isso levou ao bloqueio de Port Arthur, na península de Liaotung, na Manchúria,
em 1904. Os russos, que tinham a área sob sua influência, reagiram ao bloqueio e entraram
em confronto com as forças japonesas, resultando na Guerra Russo-Japonesa de 1904-1905.
Os japoneses venceram, numa batalha naval, a esquadra russa enviada para liberar Port Arthur
e, pela primeira vez na história, uma nação asiática derrotou uma nação européia.
De acordo com Horner (2002), o prestígio ganho com a vitória sobre a Rússia ajudou
na obtenção de grandes concessões durante a Primeira Guerra Mundial. A altíssima demanda
de produtos industrializados na Europa fez com que a indústria japonesa se expandisse, e o
1
“Guerra do Pacífico” é o nome dado à parte da Segunda Guerra Mundial lutada na área geográfica do Oceano
Pacífico e Sudeste da Ásia, caracterizada pelo embate entre americanos e japoneses.
2
Os EUA tomaram o controle das Filipinas após sua vitória na Guerra Hispano-Americana de 1898.
12
Japão construiu sua própria marinha mercante. Após o fim do conflito em 1918, o Japão
tomou posse das ex-colônias alemãs no Pacífico.
Com a consolidação de seu status de maior potência do Pacífico, o Japão levantou
preocupações na Grã-Bretanha e EUA. Estes tomaram providências para fortificar suas
possessões na área, e acordos bilaterais limitaram o tamanho das marinhas, bem como o
tamanho máximo de suas naus-capitais3.
Contudo, os diversos terremotos ocorridos na década de 1920 trouxeram grande
destruição ao parque industrial japonês, e a Grande Depressão iniciada em 1929 levou a
demissões generalizadas no país. O estado de insatisfação popular abriu espaço para grupos
militantes nacionalistas – a guisa do que aconteceu na Itália e na Alemanha – muitas vezes
liderados por jovens oficiais do Exército Imperial. A crença de que o Japão era superior e,
portanto, deveria conquistar uma área de influência à altura, foi reforçada entre a população
(HORNER, 2002).
Um dos nichos desse novo pensamento era justamente o Exército de Kwantung4, na
Manchúria. Em 18 de setembro de 1931, oficiais do Exército de Kwantung levantaram falsas
acusações de sabotagem chinesa de suas ferrovias – foi a desculpa perfeita para que os
japoneses atacassem as forças chinesas na Manchúria, que logo foram vencidas e permitiram
que o Japão fundasse a nação-fantoche de Manchukuo.
O Japão seguia uma estratégia-geral de expansão para dentro do rico território chinês.
Contudo, o governo de Chiang Kai-Shek recebia apoio da União Soviética, que também era o
principal aliado da Mongólia, nas fronteiras ocidentais da Manchúria. Em claro desafio aos
soviéticos, o Japão assinou em 1936 o Pacto Anti-Comintern com Alemanha e Itália
(HORNER, 2002).
Em 1937, Chiang Kai-Shek decidiu não mais ser complacente com as provocações
japonesas, e ordenou o ataque a um destacamento japonês em manobras perto de Pequim.
Dessa forma, teve início a Guerra Sino-Japonesa, que levaria as tropas do Exército Imperial a
rápidas vitórias em território chinês, bem como carnificinas contra a população civil chinesa,
a exemplo do Estupro de Nanking5 em dezembro de 1937.
3
Nau-Capital é o navio de guerra mais importante de uma marinha. Normalmente é aquele que tem mais
blindagem e poder de fogo.
4
Foi uma seção do Exército Imperial Japonês responsável pela ocupação militar da Manchúria. Eventualmente
tornou-se seu maior e mais prestigioso comando.
5
Período de seis semanas que se seguiu à conquista japonesa da cidade chinesa de Nanking, no qual centenas de
milhares de civis foram massacrados e dezenas de milhares de mulheres foram estupradas.
13
Ilustração 1 - Soldados japoneses vitoriosos após a conquista de Shanghai, novembro de 1937.
(HORNER: 2002, p.15)
A impressionante sequência de vitórias fez com que o Japão declarasse que seu
objetivo nacional era criar uma “Esfera de Co-Prosperidade do Grande Leste Asiático” – que
na verdade significava que os países asiáticos fossem subservientes ao Japão, fornecendo-lhe
matérias-primas e mercados (HORNER, 2002).
O apoio da União Soviética aos chineses provocou diversos incidentes de fronteira
entre japoneses e soviéticos. Estes incidentes escalaram e culminaram quando o Exército de
Kwantung cruzou a fronteira da Mongólia em julho de 1939. Contudo, os soviéticos
rapidamente montaram uma grande contra-ofensiva blindada, que destruiu as forças de ataque
japonesas e causaram-lhes 18.000 baixas. O choque do Alto-Comando em Tóquio somente
aumentou quando chegaram notícias da assinatura do Pacto de Não-Agressão GermanoSoviético no fim de agosto de 1939. O Japão rapidamente assinou um cessar-fogo com os
soviéticos na Mongólia, o que evoluiu, no ano seguinte, para um Pacto de Não-Agressão.
Segundo Horner (2002), a partir deste ponto há uma mudança brusca de orientação na
grande estratégia do Japão6. O mal-sucedido encontro com forças blindadas soviéticas nas
6
Ver o Apêndice A “Estratégia Geopolítica Japonesa 1905-1941: A escolha dos objetivos imperiais na Ásia e no
Pacífico”.
14
planícies mongóis revelou-lhes uma falha na doutrina de emprego de blindados no Exército
Imperial: a maneira como os soviéticos – na pessoa do General Georgi Zhukov – utilizaram
tanques num movimento fluído em forma de pinça para cortar e dividir as tropas japonesas
era-lhes uma completa novidade. Sem saber como reagir de imediato a esses novos fatores, os
japoneses voltaram sua atenção para o Pacífico Sul, que possuía áreas ricas nos recursos que
necessitava para ampliar seu domínio regional.
Para conquistar tal área – composta de numerosos conjuntos de ilhas – a Marinha
Imperial passaria a representar o papel de protagonista. Nessas condições – e acompanhando
os acontecimentos na Europa – em setembro de 1940 o Japão assinou o Pacto Tripartite com
Alemanha e Itália. Em julho de 1941, os EUA congelaram os ativos japoneses e impuseram
um embargo comercial ao país, como forma de pressionar o Japão a retirar-se da China.
Contudo, o novo governo do Primeiro-Ministro Hideki Tojo não estava disposto a concordar
com os termos norte-americanos para suspensão do embargo, e calculou que teria de agir
rápido para tomar as importantes áreas do Pacífico Sul e assegurar sua área de influência
(HORNER, 2002).
Ilustração 2 - General Hideki Tojo e Almirante Isoroku Yamamoto
(COOX: 1977, p.10) (HORNER: 2002, p.26)
15
O responsável por divisar os métodos de ataque para o plano de Tojo foi o Almirante
Isoroku Yamamoto. Apoiando-se, de maneira visionária, no uso primordial de porta-aviões ao
invés de couraçados7 como peças centrais das forças-tarefa navais8, Yamamoto percebeu que
deveria executar um golpe definitivo na Marinha Norte-Americana baseada no Havaí – que
ele corretamente presumiu ser a única força que poderia opor-lhe resistência séria – antes de
iniciar qualquer ação ofensiva no Pacífico.
O ataque à base naval norte-americana em Pearl Harbor foi executado na manhã de 7
de dezembro de 1941. Utilizando um total de 359 aeronaves, baseadas em seis porta-aviões9,
os japoneses atingiram um resultado espantosamente positivo: com a perda de apenas 29
aviões, eles afundaram seis couraçados americanos, e danificaram outros dois; além disso,
afundaram ou destruíram três destróieres, três cruzadores leves e outros quatro navios.
Entretanto, o ataque falhou em destruir os depósitos de combustível da Marinha NorteAmericana, bem como seus três porta-aviões10, que estavam em missão no Pacífico
(HORNER, 2002).
A destruição deixada em Pearl Harbor, todavia, impediu qualquer ação imediata da
Marinha dos EUA no Pacífico, dando aos japoneses a liberdade necessária para atacar
quaisquer objetivos desejassem. Dessa forma, a Marinha Imperial rapidamente desembarcou
contingentes de soldados na Malásia, Tailândia, Filipinas, Hong Kong e nas ilhas de Guam e
Wake. As conquistas culminaram com a queda da fortaleza britânica em Singapura, no dia 15
de fevereiro de 1942, e da última resistência norte-americana em Corregidor, nas Filipinas,
em 6 de maio do mesmo ano.
Para elevar o moral da população civil e levar a guerra ao território japonês, os
americanos executaram, no dia 18 de abril de 1942, um arriscado ataque, utilizando-se de 16
bombardeiros B-25 que decolaram do convés do porta-aviões USS Hornet, prosseguindo em
direção a Tóquio e lá despejando uma ínfima carga de bombas. De acordo com Horner
(2002), o objetivo do ataque não era material, mas sim psicológico – mostrara aos japoneses
que seu território não era inviolável.
Yamamoto estava convencido de que deveria tomar as bases norte-americanas em Port
Moresby, na Nova Guiné, e moveu para lá uma força-tarefa naval, que encontrou forças
navais americanas no Mar de Coral, na noite de 7 para 8 de maio de 1942. No combate
7
Grande navio de guerra blindado com baterias principais de armas de alto calibre.
Formação de navios de diferentes classes e comandos, com o objetivo de cumprir uma tarefa específica. Uma
força-tarefa pode ser facilmente dissolvida após o cumprimento de seu propósito.
9
Akagi, Kaga, Soryu, Hiryu, Shokaku, Zuikaku.
10
USS Enterprise, USS Lexington, USS Saratoga.
8
16
noturno que se seguiu, os americanos perderam o porta-aviões USS Lexington, e os japoneses
perderam o porta-aviões Shoho. O empate da batalha sugeria que um encontro decisivo entre
as duas frotas deveria acontecer para decidir qual seria o poder naval dominante da área do
Pacífico. Yamamoto desejava provocar tal encontro ao atacar a ilha de Midway, localizada no
centro do Pacífico, a meia distância entre Japão e Havaí.
O novo comandante da Frota Americana do Pacífico, Almirante Chester Nimitz,
estava decidido a descobrir onde se daria o próximo ataque de Yamamoto. Os americanos já
haviam decifrado, há alguns anos, os códigos navais japoneses, e Nimitz soube que a principal
força-tarefa de porta-aviões se dirigia a Midway. O ataque japonês começou em 4 de junho,
com um ataque aéreo concentrado às defesas americanas em terra. O comandante da forçatarefa japonesa, Almirante Chuichi Nagumo, não esperava encontrar porta-aviões americanos
defendendo a ilha. Contudo, sob a liderança do Almirante Raymond Spruance, três portaaviões americanos, USS Hornet, USS Enterprise e USS Yorktown, se juntaram à batalha
(HORNER, 2002).
Ilustração 3 - Porta-aviões japonês Hiryu sob ataque norte-americano na Batalha de Midway, em junho de
1942. (BOYNE: 2009, p.3)
Pegos de surpresa pelas aeronaves dos porta-aviões americanos, os japoneses
perderam os quatro porta-aviões da força-tarefa: Akagi, Kaga, Soryu e Hiryu. Esta primeira
derrota decisiva fez com que os japoneses postergassem planos de conquista de novos
territórios, colocassem ênfase na conquista de Port Moresby e se mantivessem ao que já
tinham conseguido. Disse Winston Churchill sobre a batalha:
17
O último dos quatro porta-aviões da esquadra de Nagumo estava destruído e,
juntamente com eles, perderam-se todas as tripulações altamente treinadas. Elas
nunca mais poderiam ser substituídas. Assim terminou a batalha de 4 de junho,
justificadamente considerada o ponto de inflexão da guerra no Pacífico.
(CHURCHILL: 2005, p.640)
A primeira ofensiva anfíbia norte-americana no Pacífico aconteceu na Nova Guiné,
exatamente para conter uma ofensiva japonesa contra a base de Port Moresby. A ação girou
em torno da captura da ilha de Guadalcanal, onde os japoneses construíam uma pista de
pouso. Os primeiros fuzileiros navais norte-americanos desembarcaram em Guadalcanal em 7
de agosto de 1942. A sangrenta batalha durou até 9 de fevereiro de 1943, sendo que os
japoneses tiveram 24.000 soldados mortos.
Segundo Horner (2002), neste ponto da guerra duas linhas ofensivas norte-americanas
foram implementadas simultaneamente no Pacífico: a recaptura da Nova Guiné e Ilhas
Salomão, comandada pelo General Douglas MacArthur, e os “saltos pelas ilhas” do Pacífico
Central comandados pelo Almirante Chester Nimitz.
Enquanto a recaptura da Nova Guiné e Ilhas Salomão tornou-se uma batalha
extenuante através de um ambiente de selva, no qual os japoneses estavam bem-adaptados e o
progresso foi lento (mas constante), os “saltos pelas ilhas” miravam diretamente a abertura de
um caminho para ataque direto ao Japão, através da captura de ilhas-chave para a construção
de plataformas de ataque.
Os “saltos” foram iniciados pela invasão do atol de Tarawa, nas Ilhas Gilbert, em 20
de novembro de 1943. A sangrenta batalha de cinco dias pelo minúsculo atol custou a vida de
1.000 fuzileiros navais norte-americanos e 5.000 soldados japoneses. Entretanto, o grande
número de baixas e as características de combate observadas na ação foram tomadas como
aprendizado para as próximas invasões (HORNER, 2002).
A principal ofensiva realizada por Nimitz em seguida foi a captura das Ilhas
Marianas11. Os japoneses haviam fortificado as três ilhas principais do arquipélago, Guam,
Saipan e Tinian, construindo pistas de pouso e casamatas12. Essas três ilhas eram objetivos
estratégicos de primeira grandeza, visto que suas pistas de pouso estavam a alcance de
bombardeio do Japão.
Nimitz havia agrupado uma força de invasão composta de 15 porta-aviões, 535 navios
e 130.000 soldados. Os ataques aeronavais contra as Marianas começaram em 11 de junho de
11
Ver Anexo B “Mapa do Teatro de Operações do Pacífico Ocidental”.
Construções reforçadas com concreto armado, projetadas para resistir a ataques de armas de grande calibre ou
bombardeio aeronaval. Também conhecidas como pelo termo alemão “bunker”.
12
18
1944, e os primeiros desembarques do 5º Corpo Anfíbio aconteceram no dia 15 em Saipan.
As aeronaves japonesas baseadas no arquipélago atacaram a esquadra norte-americana a partir
do dia 19, mas nessa altura eram totalmente ultrapassadas pelos caças embarcados dos EUA.
A batalha aérea que seguiu, que ficou conhecida entre os americanos como “A Grande Caça
aos Perus das Marianas”, viu a destruição de 400 aeronaves japonesas contra somente 30
perdas americanas (HORNER, 2002).
Ilustração 4 - Alexander Vraciu, piloto de caça da Marinha dos EUA, comemora ter derrubado 6
aeronaves japonesas em 19 de junho de 1944, durante a "Grande Caça aos Perus das Marianas".
(TILLMAN: 1996, p.29)
Sem esperanças de uma vitória convencional, os soldados japoneses passaram a
realizar ataques suicidas, e muitos civis se suicidaram. A batalha por Saipan durou até 9 de
julho, e as baixas japonesas somaram 30.000 mortos. Guam e Tinian foram capturadas
simultaneamente, e o resultado da campanha foi o primeiro grande desastre para o AltoComando Imperial.
Segundo Horner (2002), imediatamente os engenheiros norte-americanos iniciaram a
construção de gigantescas pistas de pouso – as maiores do mundo na época – para a operação
sistemática do novo bombardeiro estratégico dos EUA: o Boeing B-29 Superfortress13.
13
Para imagens, ver Anexo A “Boeing B-29 Superfortress”.
19
Boeing B-29 Superfortress
O Corpo Aéreo do Exército dos Estados Unidos emitiu, em fevereiro de 1940, um
requerimento para um bombardeiro capaz de voar a 640 km/h, levando 4 toneladas de bombas
e com um alcance operacional de 8.500 quilômetros (BIRDSALL, 1980). Todas essas
características, estabelecidas dentro dos parâmetros de uma guerra na região do Oceano
Pacífico, formavam um desafio imponente para os fabricantes aeronáuticos norte-americanos.
Contudo, segundo Davis (1997), quatro empresas submeteram propostas ao
requerimento governamental:
•
Lockheed: propôs o XB-30, que era uma versão armada do que eventualmente se
tornaria o bem-sucedido avião comercial Constellation. A proposta da Lockheed
nunca passou do estágio de desenho, embora um modelo em escala reduzida tenha
sido construído;
•
Douglas: propôs o XB-31, que também não passou da etapa de desenho;
•
Consolidated: propôs o XB-32, que eventualmente entrou em produção como B-32
Dominator em uma série limitada de 116 exemplares. Entrou em serviço nas últimas
semanas da Segunda Guerra Mundial, mas sempre foi tido como uma reserva, no caso
do programa Superfortress falhar;
•
Boeing: propôs o XB-29, objeto de estudo deste capítulo.
A Boeing, empresa aeronáutica sediada em Seattle, no noroeste dos Estados Unidos,
tinha larga experiência na fabricação de grandes aeronaves quadrimotoras. Alguns anos antes,
ganhara um imenso contrato de produção para seu B-17 Flying Fortress – a “Fortaleza
Voadora” – que viria a se tornar o principal vetor da campanha de bombardeio estratégico
contra a Alemanha Nazista e seus aliados na Europa. Sendo assim, ao receber os detalhes do
requerimento, os engenheiros da Boeing se moveram com extrema ousadia para apresentar
um projeto de qualidades revolucionárias (DAVIS, 1997).
A aeronave proposta era um bombardeiro “super-pesado”, com uma longa fuselagem
tubular que lembrava a forma de um charuto. Tinha um par de longas e estreitas asas de
desenho inovador, destinado a proporcionar boas qualidades de controle em voos de grande
altitude. Era propelido por quatro motores radiais Wright R-3350 Duplex Cyclone, que
produziam cada um 2.200 cavalos de potência. Tinha dois compartimentos de bombas e trem
20
de pouso triciclo. Contudo, a característica mais revolucionária era a pressurização das
cabines14 para a tripulação. Ao todo, três sessões eram pressurizadas: a cabine de comando (à
frente das asas), o compartimento dos artilheiros (atrás das asas) e a estação do artilheiro de
cauda. Essas três sessões eram interligadas por um túnel pressurizado, pelo qual os tripulantes
podiam engatinhar e transitar entre as estações. Essa engenhosa solução foi desenvolvida para
resolver o problema dos compartimentos de bombas, que não eram pressurizados e deveriam
ser abertos e fechados em pleno voo, sem prejudicar a pressurização da tripulação (DORR,
2002).
O sistema de armamento defensivo do B-29 também tinha características
revolucionárias. Foi utilizado um sistema de torres de tiro operadas remotamente,
desenvolvido pela General Electric. Ao contrário dos bombardeiros típicos, no B-29 os
artilheiros não tocavam diretamente nas armas e nem olhavam por suas miras: eles utilizavam
mecanismos ópticos para localizar os inimigos, e as armas disparavam através de um controle
computadorizado. Havia cinco torres de tiro, cada uma com duas ou três metralhadoras calibre
12,7 mm: superior-frontal, superior-traseira, inferior-frontal, inferior-traseira e cauda (DORR,
2002).
Ilustração 5 - O primeiro XB-29 na fábrica da Boeing em junho de 1943. (DAVIS: 1997, p.9)
A Força Aérea do Exército dos Estados Unidos (USAAF)15 se impressionou tanto com
o XB-29 que encomendou 1.500 unidades do modelo antes mesmo que o primeiro voo do
protótipo fosse realizado. Entrementes, este primeiro voo aconteceu em 21 de setembro de
1942 em Seattle. Logo notou-se que o grau de inovação aplicado no projeto significou colocar
14
Cabine pressurizada é aquela em que ar comprimido é inserido quando a aeronave está em grande altitude,
para manter um ambiente seguro e confortável para a tripulação.
15
Braço aéreo do Exército dos EUA durante e imediatamente após a Segunda Guerra Mundial. Substituiu o
antigo Corpo Aéreo do Exército em 20 de junho de 1941, expandindo-se para se tornar uma força de alcance
global. A Força Aérea Americana somente surgiu como uma força independente em 17 de setembro de 1947.
21
muitos componentes novos e não-testados juntos numa única aeronave, a exemplo dos
motores R-3350, que tinham uma assustadora tendência de superaquecer e incendiar-se em
voo.
Conforme relatado por Dorr (2002), essas falhas culminaram em desastre quando o
segundo protótipo foi completamente destruído ao cair com os motores em chamas sobre uma
fábrica de enlatados de Seattle em 18 de fevereiro de 1943. Toda a tripulação, incluindo o
piloto-chefe de testes Eddie Allen, e mais 20 pessoas no solo, perderam as vidas no acidente.
O programa foi alvo de um inquérito do senado dos EUA, e foi averiguado que muita
pressa havia sido colocada em tornar a aeronave operacional o mais cedo possível. Decidido a
não deixar o projeto falhar, o comandante da USAAF, General Henry “Hap” Arnold, delegou
a supervisão do programa ao Brigadeiro-General Kenneth Wolfe. Wolfe dedicou muito tempo
e esforço na solução dos problemas do XB-29, fazendo com que o terceiro protótipo somente
voasse no fim de junho de 1943. A demora, contudo, fez toda a diferença, visto que os
problemas foram resolvidos gradualmente e sem mais acidentes fatais (DORR, 2002).
Ilustração 6 - General Henry "Hap" Arnold. (CHUN: 2008, p.13)
22
Segundo Davis (1997), os primeiros B-29 de série – agora já com a designação oficial
Superfortress16 – saíram da fábrica de Wichita, Geórgia, em 7 de outubro de 1943. O General
Wolfe recebeu então o comando da recém-criada 58ª Ala de Bombardeio17 (Super-Pesado), a
nova unidade que deveria operar os B-29. A 58ª Ala tinha (organicamente) cinco grupos de
bombardeio em sua estrutura (cada grupo tinha quatro esquadrões), mas receberam os
Superfortresses um a um.
A tripulação do B-29 era considerada a maior de qualquer aeronave de bombardeio
norte-americana da época. Segundo Dorr (2002), o número de tripulantes podia sofrer
pequenas variações de uma unidade para outra, e de uma época para outra, mas geralmente
era composta de 11 pessoas:
•
Piloto: sentado à esquerda na cabine de comando, era o comandante da aeronave.
Responsável pela tripulação e por todas as operações de seu B-29. Geralmente eram
oficiais com experiência prévia em outros bombardeiros quadrimotores;
•
Co-piloto: sentado à direita na cabine de comando, era o segundo piloto, e chamado
muitas vezes como simplesmente “piloto”. Destinado a ganhar experiência, era
responsável por decolagens e pousos, sempre que permitido. Contudo, muitos copilotos faziam todo seu ciclo de missões operacionais sem nunca tornar-se um
comandante de B-29;
•
Navegador: sentado logo atrás do comandante, era o responsável por traçar o caminho
para o alvo e de volta para a base. Em missões noturnas era tido como o mais
importante membro da tripulação, visto que a área de operações do Oceano Pacífico
quase não possui marcos terrestres de orientação, e conhecimento astronômico
aguçado era necessário para se obter sucesso;
•
Bombardeador: sentado à frente, no nariz arredondado da aeronave. Usava sua mira
de bombardeio para lançar as bombas no momento certo e acertar o alvo. Também
tinha a tarefa secundária de operar as torres de tiro dorsal e ventral da frente do B-29;
•
Engenheiro de Voo: sentado de costas atrás do co-piloto, era responsável por dar
partida nos motores, fazer a checagem dos mesmos, ajudar o piloto a determinar a
velocidade de decolagem e resolver problemas de temperatura e performance;
16
Do inglês “Super-Fortaleza”. Uma alusão ao tamanho maior do B-29 quando comparado ao seu antecessor, o
B-17 “Fortaleza Voadora”.
17
Para uma melhor visualização do conceito de unidades orgânicas da 20ª Força Aérea, consulte o Apêndice B
“Estrutura Orgânica da 20ª Força Aérea”.
23
•
Operador de Radar: inicialmente sentava-se no compartimento dos artilheiros, na
fuselagem traseira, mas depois foi trazido para a cabine de comando, sentando-se
perto da abertura do túnel no lado esquerdo. Era responsável por realizar o
bombardeio quando o mau-tempo impedia o bombardeador de enxergar o alvo no
solo;
•
Operador de Rádio: sentado também na cabine de voo do lado direito, era
responsável pelas comunicações de rádio durante as missões. Como efetivamente
pouca comunicação de rádio acontecia nas missões, o operador de rádio trabalhava
mais regularmente com código Morse18;
•
Controlador Central de Fogo: sentado no compartimento dos artilheiros, era o
principal operador do sistema de armas defensivas do Superfortress;
•
Artilheiro Direito: sentado no compartimento dos artilheiros, operava as armas do
lado direito do B-29;
•
Artilheiro Esquerdo: sentado no compartimento dos artilheiros, operava as armas do
lado esquerdo do B-29;
•
Artilheiro de Cauda: sentado sozinho em sua estação na cauda, logo abaixo do
imenso leme da aeronave, era o responsável por defender o Superfortress contra
ataques à sua traseira, operando uma torre de tiro com duas metralhadoras 12,7 mm.
Com o treinamento das tripulações seguindo um passo estável, o General Wolfe foi
retirado do comando da 58ª Ala para formar uma segunda unidade Superfortress, a 73ª Ala de
Bombardeio (Super-Pesado) em novembro de 1943. Pouco tempo depois, ele foi feito
comandante do XX Comando de Bombardeio, que fora criado com o objetivo de agremiar as
duas alas e torná-las operacionais (DORR, 2002).
18
Código de comunicação caracterizado por sinais curtos e longos, que compõem letras e números. Inventado na
década de 1840, foi utilizado amplamente até o fim do século XX.
24
Ilustração 7 - Cortes transversais do B-29: cabine de comando, compartimentos de bombas,
compartimento dos artilheiros e estação do artilheiro de cauda. (SMITH: 1995, p.210)
Com a criação do XX Comando de Bombardeio, a questão que se seguiu foi: quem
deveria comandá-lo? Certamente um conflito de interesses nos B-29 já se formava entre os
comandantes norte-americanos do Pacífico, mais especificamente Douglas MacArthur e
Chester Nimitz. A preocupação do General Arnold era que, uma vez nas mãos de um desses
comandantes, os Superfortresses acabariam desviados de sua função principal de bombardeiro
estratégico para funções de apoio tático19. O Major James “Jim” Pattillo, piloto de B-29 do
468º Grupo de Bombardeio, e que participou das operações com o Superfortress desde o
início, relatou sobre essa questão:
Onde os B-29s se encaixam nisso tudo? 40 anos depois, o Major-General Haywood
Hansell disse aos veteranos da 58ª Ala de Bombardeio que “O General Arnold
sabia que se ‘emprestasse’ os primeiros quatro grupos de B-29 (ou seja, a 58ª Ala)
ao Exército, ele nunca os teria de volta; se ele emprestasse os quatro grupos
seguintes para a Marinha ele nunca os teria de volta”, e se o comandante-geral do
Comando Aéreo do Alaska visse MacArthur e Nimitz com B-29s sob seu controle
operacional, ELE TAMBÉM insistiria em ter controle operacional sobre os
19
Os ataques estratégicos referem-se a ataques diretos à capacidade do inimigo de fazer guerra, como por
exemplo, seu parque industrial. Ataques de natureza tática são aqueles destinados contra alvos inimigos num
campo de batalha.
25
próximos quatro grupos... E nunca haveria uma única campanha de bombardeiro
estratégico conduzida por B-29s no Pacífico. (ANTUNES: 2010, p.1)
A solução de Arnold para o dilema foi inédita: em 4 de abril de 1944 ele assinou o
documento que criou a 20ª Força Aérea20. Pela primeira vez na história, uma força aérea
numerada seria comandada diretamente de Washington. E pela primeira vez na história uma
força aérea numerada foi criada para operar um único modelo de aeronave, o ainda nãotestado Boeing B-29. Ao optar por essa solução, Arnold colocou-se no comando direto dos
novos bombardeiros, ignorando qualquer interferência operacional dos comandantes do
Teatro do Pacífico (DORR, 2002).
Ilustração 8 - Distribuição operacional da USAAF durante a Segunda Guerra Mundial:
1ª Força Aérea: Nordeste dos EUA
2ª Força Aérea: Noroeste dos EUA
3ª Força Aérea: Sudeste dos EUA
4ª Força Aérea: Sudoeste dos EUA
5ª Força Aérea: Austrália, Sudoeste do Pacífico, Filipinas
6ª Força Aérea: Ilhas do Caribe, Panamá
7ª Força Aérea: Havaí, Sudoeste do Pacífico
8ª Força Aérea: Europa
9ª Força Aérea: Oriente Médio, Norte da África, Europa
10ª Força Aérea: Índia, Birmânia
11ª Força Aérea: Alasca
12ª Força Aérea: Norte da África, Mediterrâneo
13ª Força Aérea: Sudoeste do Pacífico
14ª Força Aérea: China
15ª Força Aérea: Mediterrâneo
20ª Força Aérea: Índia, Sudoeste do Pacífico
(ARQUIVO PESSOAL DE JÚLIO CÉSAR GUEDES ANTUNES)
20
Com a emergência da guerra, a USAAF tornou-se uma força de projeção global, e dividiu seu comando em
“forças aéreas numeradas”, espalhadas pelos teatros de operação dos EUA. No fim da guerra, havia 16 dessas
forças aéreas, sendo a 20ª a última a ser criada.
26
CAPÍTULO 2
Operações na Índia e China
Os primeiros B-29s deixaram os Estados Unidos em direção à Índia em 26 de março
de 1944. O presidente americano Franklin Delano Roosevelt havia prometido ao líder chinês
Chiang Kai-shek que os Superfortresses estariam operacionais nas bases chinesas em 15 de
abril. Tais bases foram construídas especificamente para prover uma plataforma de ataque ao
Japão (DAVIS, 1997).
Os bombardeiros fizeram seu trajeto passando pelo Maine, Marrocos e Egito, com
destino final em Calcutá, na Índia. Os quatro grupos da 58ª Ala de Bombardeio se instalaram
em bases ao redor da cidade, e o General Wolfe estabeleceu seu quartel-general em
Kharagpor, a oeste de Calcutá.
Segundo Birdsall (1980), o próximo passo era transportar as aeronaves para suas bases
avançadas na China, mas qualquer movimento para aquele país necessitava de completo
transporte aéreo de todos os suprimentos necessários. Faz-se vista que a cordilheira do
Himalaia separa a Índia da China, e a única rota terrestre de acesso ao território chinês, a
estrada da Birmânia, havia sido fechada pelos japoneses ainda em 1942. Sendo assim,
centenas de aeronaves de transporte norte-americanas iniciaram uma ponte aérea por cima da
cordilheira – que ficou conhecida pelas tripulações como “A Corcunda” – transportando todo
tipo de suprimento para o esforço de guerra na China. Quando os B-29s chegaram à região
tiveram que transportar seu próprio suprimento, visto que as aeronaves que já operavam na
região encontravam-se ocupadas com outros carregamentos (YOUNG, 1992).
Alguns B-29s foram convertidos em cargueiros, e realizaram missões para os quais
não haviam sido projetados, e nem para quais as tripulações haviam sido treinadas. James
“Jim” Pattillo, piloto do 468º Grupo da 58ª Ala de Bombardeio, relatou as dificuldades
encontradas:
Hap Arnold ignorou seus especialistas em logística (que lhe disseram que mandar
B-29s para o CBI21 seria ‘impraticável’, ou coisa parecida)... ele os mandou pra lá
da mesma forma! A 58ª tinha acabado de chegar ao CBI quando os mais jovens,
como eu, já começaram a ver que a situação era sem esperança. Tínhamos que voar
24.000 quilômetros no B-29 (carregando combustível para a China) para que um
único avião pudesse ir para a China, cumprir uma única missão na parte mais
ocidental do Japão (Kyushu) ou Manchúria, e ter combustível suficiente esperando
na sua base chinesa para que pudesse voltar para a Índia. Em 7 de junho de 1944, o
21
“China-Birmânia-Índia”. Teatro de Operações do Sudeste Asiático.
27
468º Grupo mandou 3 B-29s para o A-7 [base chinesa], carregando combustível.
Um desapareceu em rota (então o 468º sabia que tinha perdido um avião... Sem
notícias da tripulação). Dois B-29s pousaram no A-7 e descarregaram o
combustível. No dia seguinte ambos decolaram para a Índia. O primeiro que
decolou teve um incêndio num dos motores após meia-hora de vôo e chamou o A7, que os aconselhou a saltar; o segundo avião que decolou do A-7 em 8 de junho
teve uma falha num motor enquanto subia para ganhar altitude, e retornou ao A-7
para troca do motor. O 468º agora tinha perdido dois aviões e um terceiro prestes a
“utilizar” o último motor disponível no A-7. Muitos dias depois, alguns chineses
avisaram o A-7 de que o B-29 desaparecido em 7 de junho tinha caído perto de
Loshan (cerca de 50 quilômetros a sudoeste do A-7) e todos os tripulantes, menos
2, tinham sobrevivido; e que o B-29 (com incêndio no motor no dia 8) tinha caído
perto de Fulin, bem mais para dentro da “Corcunda” [Himalaia]. Dois ou três dias
depois a terceira tripulação completou a troca do motor no A-7 e decolou com mais
combustível (para chegar à Índia) do que os dois B-29s tinham entregado na base
no dia 8! Mais ou menos um dia depois, a tripulação que tinha desaparecido no dia
7 entrou em contato pelo sistema telefônico do Exército Chinês e reportou suas
condições. Era o piloto. Resultado do esforço do 468º para levar combustível para a
China: 3 tripulantes mortos, dois aviões destruídos, o único motor disponível no A7 “consumido”, e o 468º com MENOS combustível no A-7 do que tinha começado.
Se considerar o fato de que o B-29 não podia ir tão a leste quanto Tóquio partindo
de bases chinesas, você começa a ter idéia da dificuldade que a 58ª Ala teve para
bombardear o Japão a partir da China:
a. Não apenas o clima era um problema, GPS22 não existia, e comandantes e
estados-maiores não dispunham de dados meteorológicos com os quais
determinarem quando e onde enviar missões de combate; grande parte do nosso
esforço foi gasto inutilmente.
b. As distâncias da Ásia e o terreno montanhoso são sujeitos às monções seis meses
por ano. Monções empurram o Ar Tropical Marítimo (da Baía de Bengala) através
das montanhas da Ásia que tínhamos que cruzar, e éramos ignorantes a respeito da
Corrente de Jato23. Em 8 de outubro de 1944, a tripulação de Harold Brown (468º)
decolou do A-7 para bombardear Nagasaki, subiu para a “altitude de cruzeiro
segura” (3.600-5.400 metros?) para sair da China, entrou no piloto automático,
voou até o ETA [Estimated Time of Arrival, “Tempo Esperado de Chegada”]
expirar, desceu até que pudesse ver o solo, e descobriu que tinha passado 480
quilômetros do alvo, graças ao vento de cauda (Correntes de Jato ainda
desconhecidas)... Eles sabiam que não podiam voltar ao A-7 (sem bases
alternativas), então nos chamaram por rádio (na China), reportaram sua posição e
disseram que voariam o mais a oeste possível sobre a China central e saltariam. Isso
fizeram. Todos sobreviveram. Resgatamos todos no mesmo dia num Gooneybird
[Douglas C-47]24, mas o clima nos custou um bom avião, que não foi nem o
primeiro nem o último.
c. O incidente com Brown mostrou o preço de não termos dados meteorológicos
nem aeroportos alternativos.
d. A área do CBI sobre a qual os B-29s operavam carecia de capacidade industrial
para apoiar as operações com os bombardeiros. Não podíamos solucionar esse
problema. (ANTUNES: 2010, p.1)
22
Sistema de Posicionamento Global.
Correntes rápidas de ar que ocorrem em grandes altitudes.
24
Aeronave bimotora de transporte.
23
28
Ilustração 9 - Jim Pattillo (de pé, à esquerda) e tripulação junto ao seu B-29 "Bengal Lancer" em
Kharagpur, Índia – fevereiro de 1945. (PATTILLO: 2008, p.1)
Em meio a estas enormes dificuldades operacionais, o B-29 teve seu primeiro encontro
com o adversário japonês. Segundo Takaki e Sakaida (2001), o B-29 pilotado pelo Major
Charles Hansen, do 444º Grupo, voava sobre a fronteira sino-indiana em 26 de abril de 1944,
quando foi atacado por três caças Nakajima Ki-43 Hayabusa25 (“Oscar”)26. Um dos caças era
pilotado pelo Capitão Hideo Miyabe, comandante do 64º Sentai27.
Durante o combate que aconteceu nos 30 minutos seguintes, diversas rajadas de
metralhadora foram trocadas entre os adversários, e o artilheiro de cauda do Superfortress,
Sargento Harold Lanahan, foi creditado com a derrubada do avião de Miyabe. Este, por sua
vez, atirou num motor da asa direita do bombardeiro e clamou tê-lo abatido. Na verdade,
todos voltaram para suas bases em segurança – o B-29 com oito furos de bala na fuselagem
(TAKAKI e SAKAIDA, 2001).
No começo do mês de junho, o General Wolfe julgou que tinha os suprimentos e os
meios necessários para iniciar sua campanha de bombardeio. O primeiro alvo dos B-29s foi o
25
Ver Anexo C “Aeronaves da Força Aérea do Exército Imperial Japonês”.
Todos os modelos de aeronaves japonesas receberem codinomes americanizados, para facilitar sua designação.
Caças receberam nomes masculinos e bombardeiros receberam nomes femininos.
27
“Sentai” é a unidade da Força Aérea do Exército Imperial Japonês equivalente a um grupo de caça norteamericano.
26
29
pátio ferroviário de Makasan, perto de Bangkok, na Tailândia. No dia 5 de junho de 1944, 98
bombardeiros decolaram para atacar o alvo tailandês. Contudo, problemas mecânicos
forçaram 17 deles a retornar à base. Os que chegaram ao destino encontraram o alvo
encoberto, e pouco dano foi causado a Makasan. No caminho de volta, mais cinco aeronaves
se perderam, devido às falhas mecânicas (DORR, 2002).
O primeiro ataque ao Japão em si aconteceu na noite de 15 para 16 e junho de 1944,
contra a siderúrgica de Yawata, na costa norte da ilha de Kyushu. Como aconteceria até o fim
da campanha, a formação norte-americana foi rapidamente avistada pela rede de radares
japoneses, e seus observadores em território ocupado na China. Operador de Radar do 40º
Grupo, o Tenente Tom Friedman relatou sobre a missão:
Já tínhamos sido detectados bem antes, ainda na costa chinesa, a muitas horas do
alvo. Ao nos aproximarmos da costa, os sinais chegavam e ficavam mais fortes. Era
um sentimento sinistro saber que lá embaixo, cada movimento nosso estava sendo
cuidadosamente monitorado em telas e quadros de marcação. (TAKAKI e
SAKAIDA: 2001, p.7)
O alerta foi dado e o 4º Sentai foi decolou com seus caças bimotores Kawasaki Ki-45
Toryu (“Nick”). Essa unidade da Força Aérea do Exército Imperial Japonês28 estava sendo
treinada em táticas de caça noturna, mas na data do ataque somente alguns pilotos haviam
completado o treinamento. Segundo Takaki e Sakaida (2001), se comparado à caça noturna da
Luftwaffe29, o equivalente japonês era bastante rústico, baseando-se em holofotes em terra
para guiar os pilotos até seu alvo.
A primeira impressão do maciço B-29 nas tripulações de caça noturna japonesa pode
ser resgatada neste depoimento do Tenente Isamu Kashiide, que voou naquela noite:
Eu voava sobre a área industrial do norte de Kyushu. O comandante da unidade deu
a ordem: “Aeronaves inimigas invadindo uma área importante! Todas as aeronaves:
ataquem!” Ao mesmo tempo, holofotes de busca na área acenderam o céu.
Finalmente eu avistei um bombardeiro quadrimotor inimigo. Fiquei assustado! Me
disseram que o B-29 era uma aeronave enorme; mas quando eu vi meu oponente,
era muito maior do que eu jamais imaginara. Não havia dúvida de que, comparado
ao B-17, o B-29 era realmente uma “Super-Fortaleza”! A figura iluminada pelo
holofote me fez pensar em uma grande baleia no oceano. Eu fiquei assombrado
com seu tamanho. (TAKAKI e SAKAIDA: 2001, p.9)
28
O Japão não possuía uma força aérea independente. Seu contingente aéreo militar estava dividido entre Força
Aérea do Exército Imperial e Força Aérea da Marinha Imperial.
29
Força Aérea Alemã.
30
O primeiro Superfortress a cair perante as armas japonesas também o fez naquela
noite. O B-29 “Limber Dugan”30, do 468º Grupo, foi derrubado pelo piloto Sadamitsu
Kimura. Ele recontou o feito:
Me aproximei até 20 ou 30 metros. De repente, tudo ficou branco por causa da luz
refletida na fuselagem do avião inimigo, que encheu minha mira. Ele começou a
subir com medo de ser abalroado por mim. Eu não hesitei! Comecei a disparar, e
pude ver que o atingi. O nariz começou a abaixar e ele começou a girar. Eu vi um
pedaço da cauda se soltar. (TAKAKI e SAKAIDA: 2001, p.9)
Yawata foi novamente o alvo no dia 20 de agosto, desta vez numa missão diurna, que
marcaria a estréia do ataque japonês de abalroamento31. 76 bombardeiros decolaram da China,
sendo novamente captados pela rede de radares japoneses. Às 16:32 a defesa aérea imperial
estava no ar com 89 caças, pertencentes ao 4º, 51º, 52º e 59º Sentais. A Força Aérea da
Marinha Imperial também enviou caças do 352º Kokutai e Omura Kokutai32.
Os Superfortresses voavam em formação – fazendo uma forma de diamante – e o líder
de um elemento da formação era o B-29 “Gertrude C”, do 468º Grupo, pilotado pelo Coronel
Robert Clinkscales. O Tenente Isamu Kashiide, do 4º Sentai, e seu ala33, Sargento Shigeo
Nobe, aproximaram-se da formação pela frente, em seus Ki-45s. Quando Kashiide alinhou-se
para disparar seu canhão de 37 mm, Nobe espontaneamente comunicou que iria abalroar os
bombardeiros. Apesar dos avisos contrários de Kashiide, Nobe manobrou seu caça na linha de
voo do “Gertrude C”, enquanto este despejava suas bombas.
O caça japonês passou verticalmente pelo B-29, cortando a asa esquerda do “Gertrude
C” ao meio com sua asa direita. O tanque alar do B-29 explodiu instantaneamente, e destroços
se espalharam por toda a formação. O Superfortress “Postville Express”, pilotado pelo Major
Donald Humphrey, que voava logo atrás, escapou por pouco dos pedaços flamejantes, mas o
Capitão Ornell Stauffer, pilotando o B-29 “Calamity Sue”, não teve a mesma sorte.
Posicionado na trilha dos destroços, ele elevou o nariz da aeronave para evitar ser atingido,
30
Era costume dos aviadores norte-americanos batizarem suas aeronaves com nomes carinhosos. Esses nomes
eram geralmente pintados próximo à cabine de pilotagem, normalmente acompanhados de alguma arte
extravagante.
31
Ato de colidir propositalmente sua aeronave contra a do inimigo.
32
“Kokutai” é a unidade da Força Aérea da Marinha Imperial Japonesa equivalente a um grupo de caça norteamericano.
33
Um “ala” é um componente de uma formação de voo; normalmente é um piloto ou tripulação menos
experiente que segue um líder. Não confundir com Ala Aérea (de Bombardeio, Caça, etc.), que é um
agrupamento de Grupos Aéreos.
31
mas teve seu profundor34 arrancado e caiu em seguida. Houve somente um sobrevivente da
tripulação.
Ilustração 10 - Representação do ataque de abalroamento do Sgt. Nobe sobre Yawata, em 20 de agosto de
1944. (TAKAKI e SAKAIDA: 2001, p.15)
No dia 29 de agosto, houve uma mudança de comando no XX Comando de
Bombardeio. De Washington, Arnold demitiu Kenneth Wolfe, e em seu lugar nomeou o
Major-General Curtis LeMay como novo comandante. Dorr (2002, p.23) explica:
Arnold não estava entusiasmado com o comandante do XX Comando de
Bombardeio, Brigadeiro-General Kenneth Wolfe, a quem demitiu sumariamente
não tanto por causa de sua atitude para com ele, mas porque ele [Arnold] estava
encantado com LeMay. Embora os dois não se conhecessem pessoalmente, Arnold
sabia que LeMay tinha feito um maravilhoso trabalho como comandante de
bombardeiros na Europa. Ele queria LeMay na Índia, e conseguiu o que queria.
34
Estabilizador horizontal da cauda de uma aeronave. Responsável por movimentos de subida ou descida.
32
Ilustração 11 - General Curtis LeMay em Guam, Ilhas Marianas, 1945. (CORBIS: 2010, p.1)
O General LeMay renovou as táticas usadas pelo comando, trocando missões noturnas
por missões diurnas de precisão, e instituiu a formação de 12 aeronaves, projetada para
concentrar o poder de fogo defensivo. Ele próprio participou de uma missão de 108 B-29s
contra a siderúrgica de Showa em 8 de setembro. Apesar da esquadra aérea crescer
rapidamente – devido à escalada da produção nos EUA – as missões sobre o Japão ainda
aconteciam sem regularidade. Em nada ajudou o fato do General Douglas MacArthur ter
usado sua influência para conseguir que os Superfortresses se desviassem de sua tarefa
principal e realizassem missões de apoio tático ao desembarque norte-americano nas
Filipinas, em outubro (DORR, 2002).
De acordo com Young (1992), as missões da 58ª Ala partindo da China foram
decrescendo em importância a partir de novembro de 1944, quando as bases nas Marianas já
estavam completamente operacionais. Em março de 1945, o XX Comando de Bombardeio
encerrou suas operações na Índia e China, e a 58ª Ala foi transferida para as Marianas.
33
Operações nas Ilhas Marianas
No dia 12 de outubro de 1944, o primeiro B-29 pousou em Saipan, nas Ilhas Marianas.
Dele desembarcaram o Brigadeiro-General Haywood “Possum” Hansell, comandante do XXI
Comando de Bombardeio, e o Brigadeiro-General Emmett “Rosy” O’Donnell, comandante da
73ª Ala de Bombardeio. As operações nas Marianas levantavam muito mais expectativas do
que as operações na China, o que fez com que grande prioridade fosse dada na construção da
infra-estrutura do arquipélago. Contudo, durante todo o mês de outubro, havia mais generais
do que B-29s nas Marianas. Somente no dia 30 daquele mês é que o segundo e terceiro
bombardeiros aterrissaram lá (DORR, 2002).
Estes eram modelos de reconhecimento, equipados com câmeras de alta potência para
fazer fotos do terreno abaixo. Um destes, pilotado pelo Capitão John Steakley, decolou às
05:50 de 1 de novembro, em direção à capital japonesa. Steakley entrou para a história ao
pilotar a primeira aeronave norte-americana sobre Tóquio desde o ataque liderado pelo
General James Doolittle em abril de 1942. De acordo com Takaki e Sakaida (2001, p.25):
Quando os cidadãos de Tóquio olharam bem para o alto na tarde de 1 de novembro
de 1944, eles encontraram uma visão incomum. Nunca haviam visto uma aeronave
voando tão alto sobre sua cidade. (...) A tripulação [do B-29] pôde observar os
movimentos da grande metrópole numa preguiçosa tarde, e em particular prestaram
atenção aos grandes complexos industriais concentrados ao longo da costa de
Tóquio a Yokohama. O público japonês estava inconsciente da gigantesca
devastação que esta solitária aeronave traria, mas o intruso solitário causou grande
consternação entre eles.
O 47º Sentai, equipado com o interceptador35 Nakajima Ki-44 Shoki (“Tojo”), foi
despachado para interceptar o Superfortress que voava a 10.000 metros de altitude. Embora o
Ki-44 pudesse alcançar 10.000 metros, nessa altitude ele somente “flutuava” no ar36, e
qualquer movimento no manche fazia a aeronave despencar centenas de metros
instantaneamente. Dessa forma, o Capitão Jun Shimizu, comandante do 1º Chutai37,
conseguiu com muito esforço alcançar 9.000 metros, e avistou o quadrimotor que se afastava.
Ele e alguns dos seus pilotos ainda apontaram seus caças para cima e dispararam rajadas
curtas, sem muito controle. Em altitude bem maior, e muito à frente, os tripulantes do B-29
35
Aeronave de caça projetada para ter alta taxa de subida; seu propósito é interceptar aeronaves inimigas
invasoras.
36
O termo é utilizado no sentido de que o Ki-44 não tinha mais sustentação nessa altitude, ou seja, sua
envergadura alar já não podia proporcionar a sustentação necessária no ar rarefeito das grandes altitudes.
37
“Chutai” é a unidade da Força Aérea do Exército Imperial Japonês equivalente a um esquadrão de caça norteamericano.
34
nem se deram conta de que estavam sendo atacados, e retornaram em segurança para Saipan,
com um lote completo de preciosas fotografias de Tóquio (TAKAKI e SAKAIDA, 2001).
A análise das fotografias de Tóquio sinalizou um alvo prioritário: o complexo
industrial de Musashino, que produzia os motores para os caças Nakajima. Musashino foi
designado Alvo Estratégico Nº 357, e sua destruição recebeu a mais alta prioridade. Sendo
assim, no começo da manhã de 24 de novembro de 1944, a 73ª Ala decolou para atacar
Tóquio com uma armada de 111 B-29s. Nos comandos da aeronave que liderava a formação
estava o próprio General O’Donnell.
Baseando-se nos dados que conseguiram juntar sobre combater o B-29, os grupos de
caça japoneses haviam formado unidades especiais dentro de sua organização. Essas
unidades, chamadas “Shinten”, tinham o propósito específico de derrubar os bombardeiros
inimigos por abalroamento no ar. Concluiu-se que a grande altitude de voo do B-29, bem
como sua robustez, eram fatores desfavoráveis à defesa aérea japonesa em táticas regulares de
combate. O abalroamento foi considerado uma medida com maiores chances de sucesso –
decisão certamente influenciada pelo “duplo sucesso” do Sargento Shigeo Nobe38 em 20 de
agosto de 1944 sobre Yawata (TAKAKI e SAKAIDA, 2001).
Ilustração 12 - General Haywood "Possum" Hansell e Capitão Teruhiko Kobayashi. (TAKAKI e
SAKAIDA: 2001, p.24/35)
38
Conforme relatado na página 30 deste trabalho.
35
A formação norte-americana foi atacada por caças do 47º e do 244º Sentais. No
comando do 244º (responsável pela defesa da capital imperial) estava o Capitão Teruhiko
Kobayashi, que aos 24 anos de idade era o mais jovem comandante de um grupo de caça no
Japão. Neste dia, a 73ª Ala perdeu apenas um B-29 para a Força Aérea do Exército Imperial: o
Superfortress do Tenente Sam Wagner voava numa das bordas da formação, quando o Cabo
Yoshio Mita, voando um Ki-44 do 47º Sentai, aproximou-se velozmente com todas as armas
disparando. O Cabo Fred Ludovici, artilheiro de cauda de um Superfortress que voava ao
lado, descreveu a cena:
Ele veio até cerca de 150 ou 200 metros bem alinhado com a cauda do
bombardeiro, e nessa hora o artilheiro de cauda abriu fogo também. Ele pareceu
flutuar em pleno ar por um momento, então foi em direção à cauda; sua asa direita
atingiu o leme, e então ele levantou-se no ar e arrebentou-se contra o profundor
esquerdo. Ambos foram abaixo. (TAKAKI e SAKAIDA: 2001, p.32)
Ilustração 13 - Caças japoneses Nakajima Ki-44 do 47º Sentai preparando-se para decolar.
(SAKAIDA: 1997, p.63)
O fato de terem perdido somente uma aeronave para o fogo inimigo não significou
sucesso para os americanos. Como estavam descobrindo, as condições meteorológicas sobre o
Japão eram um inimigo muitas vezes mais eficiente que os caças nipônicos. Em particular, a
“Corrente de Jato”, um fenômeno meteorológico que gera ventos de 200 quilômetros por
hora, contribuía para tirar os aviões da rota prevista e encobrir o alvo com uma espessa
camada de nuvens.
36
Jim Pattillo lembrou-se que obter dados meteorológicos precisos sobre o tempo no
Japão era uma tarefa dificílima para os planejadores americanos:
Nossos “valiosos” aliados soviéticos39 controlavam a maior parte dos dados
meteorológicos necessários para prever o tempo do dia seguinte sobre o Japão
(porque esse tempo se origina em algum lugar sobre a Sibéria e somente os
soviéticos tinham esses dados). Infelizmente para nós, os comunistas tinham seus
próprios planos para atingir a eventual dominação do mundo, e queriam que as
Potências Ocidentais, junto com a Alemanha e o Japão, se exaurissem, lutando
entre si durante a Segunda Guerra Mundial. Nossos meteorologistas tinham
somente dados fragmentados sobre o clima siberiano, o que transformou em
adivinhação a previsão do tempo sobre o Japão. (PATTILLO: 2010, p.1)
O inesperado tempo ruim, ventos fortes e falhas mecânicas fizeram com que, dos 111
bombardeiros da formação original, somente 27 lançassem bombas sobre Musashino. Dorr
(2002), explica que uma avaliação posterior averiguou que somente cerca de 1% das
instalações haviam sido destruídas.
Somente uma mudança de comando e o emprego de táticas radicalmente diferentes
mudariam o até então incerto destino da campanha de bombardeio estratégico da 20ª Força
Aérea. E isso finalmente aconteceria no ano de 1945.
39
A União Soviética, apesar de formalmente aliada dos Estados Unidos, oferecia resistência em compartilhar
informações e disponibilizar sua infra-estrutura para o esforço de guerra americano. Durante a campanha de
bombardeio estratégico contra o Japão, três B-29s tiveram que pousar em território soviético (por falhas técnicas
ou desvio de curso) e foram internados juntamente com suas tripulações. Os soviéticos não possuíam nada
comparado ao B-29, e aplicaram engenharia reversa completa nos exemplares que internou. Com esse
conhecimento, criaram em 1946 uma cópia idêntica ao Superfortress, o Tupolev Tu-4 (DORR, 2002).
37
CAPÍTULO 3
O bombardeio incendiário
A decepcionante missão de 24 de novembro contra Tóquio não foi a última: resultados
semelhantes continuaram a marcar as missões dos B-29s nos meses seguintes. Mais uma vez
o General Arnold tornou-se impaciente com o passo das operações, e mais uma vez ele
recorreu à mesma solução: em 20 de janeiro de 1945, transferiu Curtis LeMay para a
liderança do XXI Comando de Bombardeio, em substituição a Haywood Hansell.
Historiadores hoje concordam que o General Hansell – que já gozava de uma brilhante
carreira durante a guerra – não fez nada de errado enquanto detinha o comando do XXI. Ele
apenas sofreu de uma maré de má sorte (DORR, 2002).
LeMay inicialmente não fez mudanças nas táticas operacionais, mas ordenou o início
de uma complexa análise dos fatores que levavam à falta de sucesso. Essa análise levou à
conclusão de que o elemento primordial que levava ao fracasso das missões era realmente o
clima. Foi apurado que até mesmo nos meses de bom clima (dezembro, janeiro e fevereiro),
somente uma fração dos ataques podia ser realizado por métodos de bombardeio visual – o
restante inevitavelmente tinha que ser realizado por radar. Kissner (1945), atesta que em
dezembro de 1944, somente 45% dos ataques foram feitos visualmente; essa taxa caiu para
38% em janeiro de 1945 e para 19% em fevereiro. Descobriu-se também que, para que as
aeronaves pudessem realizar um bombardeio visual, teriam que obrigatoriamente atacar as
cidades japonesas entre as 14:00 e as 16:00, o que em muito facilitaria as atividades da defesa
japonesa.
Mesmo com bom tempo sobre o alvo, as aeronaves frequentemente penetravam frentes
de mau tempo no longo voo desde as Marianas até o Japão40. Isso resultava em formações
sendo dispersadas e erros de navegação que induziam as tripulações a erros na hora de
bombardear o alvo, visto que o radar de bordo gerava sinais fracos à grande altitude,
dificultando uma identificação precisa do alvo. Os longos voos em grande altitude também
tinham efeito cumulativo sobre a diminuição da vida útil dos motores, o que levava a
recorrentes falhas mecânicas (KISSNER, 1945).
40
O tempo de voo das Marianas até o Japão era de cerca de 6 horas.
38
Embora a doutrina de bombardeio norte-americana rezasse o bombardeio diurno de
precisão41, as severas condições meteorológicas vigentes sobre o Japão não estavam
permitindo seu sucesso. Os alvos estratégicos isolados que foram identificados e atacados
continuavam a operar sem maiores problemas, apesar de todo o esforço feito em destruí-los.
Ilustração 14 - B-29s em missão diurna de grande altitude: mudança de tática era necessária para o
bombardeio efetivo dos alvos no Japão. (BIRDSALL: 1977, p.41)
A análise encomendada por LeMay também concluiu que a economia japonesa era
altamente dependente de indústrias domésticas, localizadas em áreas residenciais próximas às
grandes fábricas. Destruir essas indústrias domésticas diminuiria o fluxo de peças para a
cadeia de produção japonesa (KISSNER, 1945).
Dessa forma, foi decidido realizar no mês de março de 1945 uma série de ataques
noturnos incendiários em baixa altitude contra as principais cidades japonesas. A munição
incendiária foi escolhida devido à constituição majoritária da construção civil japonesa:
madeira e materiais com base em celulose.
Segundo Kissner (1945), foi tomada a decisão de abaixar a altitude de ataque dos
habituais 10.000 metros para 2.500 metros, diminuindo assim a influência do clima e
atenuando a dispersão da carga de bombas. Como as aeronaves voariam à noite e a força de
caças noturnos japoneses era considerada desprezível, foi decidido que os B-29s voariam sem
41
Esse tipo de bombardeio objetiva destruir alvos específicos, como fábricas e instalações militares, ao invés de
bombardear grandes áreas.
39
munição defensiva – já que os próprios artilheiros americanos poderiam se alvejar por engano
no escuro.
As radicais mudanças táticas implementadas por LeMay nunca haviam sido testadas
antes, e foi com muita apreensão que ele e sua equipe observaram os 325 bombardeiros
decolarem no fim da tarde de 9 de março de 1945, com destino a Tóquio. Seymour Appleby,
bombardeador de um B-29 do 9º Grupo de Bombardeio, voou nessa primeira missão
incendiária, e relatou o evento:
Em 8 de março chegou um boletim nos dizendo que no dia seguinte haveria um
esforço máximo42. Naquela noite fomos informados do alvo: iríamos para Tóquio.
Nos ataques anteriores, voávamos sozinhos para o Japão e, em algum ponto antes
da costa, entrávamos em formação para o bombardeio. Dessa vez iríamos voar
sozinhos até o Japão, como de costume, mas também bombardearíamos sozinhos,
sem formação. Seria à noite, em altitudes entre 1.500 e 2.200 metros. Não iríamos
carregar nenhuma munição para nossas metralhadoras e deixaríamos nossos
artilheiros em solo; somente o artilheiro de cauda iria, como mero observador, e
sem nenhuma arma também. Isso aumentou nossa capacidade de bombas e a
conservação do nosso combustível.
As instruções do oficial de inteligência na plataforma de decolagem foram ouvidas
em completo silêncio. Era completamente inacreditável para nós. Ao pensar nisso
novamente, fico impressionado com o fato de nem mesmo um homem ter deixado o
recinto e recusado-se a ir. Todos sabíamos que as baixas deveriam nos dizimar. Isso
representava uma mudança da relativa segurança da grande altitude para bem perto
do alcance e precisão das armas antiaéreas. Houve muitas reclamações murmuradas
contra a ordem, mas foi só isso. Estávamos indo.
Terminei de ler uma biografia do General LeMay e fiquei sabendo que sua equipe
esperava uma taxa de baixas em torno de 70%. Não tenho como saber se ele mesmo
recebeu essa informação, mas todos acreditávamos que a verdade era essa. A guerra
aérea, como a guerra em terra, é realizada por garotos, e garotos possuem um
sentimento de imortalidade. Éramos todos muito jovens. No entanto, eu claramente
me lembro de ir para a cama na noite anterior ao ataque, esperando não voltar. Eu
considerei escrever uma carta final para meus pais e decidi que não ia fazê-lo. Se eu
voltasse, soaria tolice. Se eu não voltasse, seria doloroso para eles ler aquilo.
Decolamos às 18:00, então nossa chegada ao alvo se deu perto das 2:00 da
madrugada. Geralmente demorava mais de uma hora para que todos os B-29s
decolassem, então a chegada ao alvo variava bastante. Os aviões marcadores43
decolaram primeiro e os primeiros incêndios deveriam guiar o resto de nós. Os
primeiros incêndios, pelo que sei, foram iniciados na parte mais próxima da cidade,
e então na parte mais distante. Quando nossa aeronave chegou a Tóquio, não havia
como saber onde os primeiros incêndios tinham começado.
Essa foi a única missão em que não precisamos depender do navegador para nos
guiar até o alvo. Quando estávamos a cerca de 500 quilômetros vimos um brilho no
horizonte. Enquanto nos aproximávamos, o brilho aumentava em intensidade até
que vimos uma vasta área de Tóquio em chamas. Os bombardeadores tinham
recebido uma instrução bem simples: procure um lugar onde não haja fogo e jogue
42
É o termo utilizado quando todas as aeronaves disponíveis de uma unidade em particular (seja uma ala, grupo
ou esquadrão) são requisitas para uma missão.
43
São aeronaves pioneiras, que demarcam uma área de ataque ao lançar suas cargas explosivas em pontos-chave
dos alvos. Também conhecidas pelo termo inglês “pathfinder”.
40
suas bombas lá. Nossos casulos tinham bombas incendiárias encapsuladas de
maneira que se espalhassem sobre a área do alvo.
Devíamos ter sido uma das últimas aeronaves a chegar ao alvo, porque claramente
havia muitos quilômetros quadrados em chamas. Através da fumaça podíamos ver
outros B-29s voando entre as chamas, com uma pesada camada de fumaça laranja
acima da cidade. Toda a área estava cheia de bombas explodindo, holofotes de
busca e rajadas de armas antiaéreas. Quando passamos acima da cidade, todo o
interior da aeronave ficou mais brilhante que o dia: tínhamos sido pegos por três
holofotes e a sensação era de choque e impotência.
Meu piloto pôs a aeronave em uma violenta curva descendente, fez alguns giros e
por milagre escapamos das luzes. Quando nivelamos novamente me ordenaram
abrir o compartimento de bombas. Eu procurei um lugar para despejá-las e fui para
a direita, onde havia um ponto ainda sem chamas. Logo a nossa frente eu pude ver
outro B-29 voando na mesma direção. De repente ele desapareceu numa gigantesca
explosão. Os japoneses devem tê-lo acertado em cheio, e tenho certeza de que a
tripulação não sentiu nada.
Eu lancei minhas bombas e disse: “As bombas se foram, vamos sair logo daqui”.
Meu piloto, que era uma alma aventurosa, não resistiu a subir algumas centenas de
metros para circular a cidade e dar mais uma olhada na impressionante vista.
Finalmente, ele fez a curva e entramos na escuridão em direção a Tinian.
(ASHLAND:2010,p.1)
Ilustração 15 - O trabalho das equipes de combate às chamas em Tóquio (na missão de 9-10 de março) foi
completamente saturado, permitindo uma conflagração geral incendiária na cidade. (CHUN: 2008, p.22)
41
Ao contrário do estimado pela equipe de LeMay, as baixas giraram em torno de
somente 5%: 14 B-29s não voltaram44. Em troca, 40 quilômetros quadrados de Tóquio
estavam agora completamente destruídos. Segundo Kissner (1945), entre os fatores que
contribuíram para tal sucesso, estavam:
•
A concentração de bombardeiros sobre o alvo: 82% da força de bombardeiros
passou sobre alvo nas duas horas iniciais do ataque, e somente alguns desgarrados
passaram na terceira hora;
•
Altitude: a baixa altitude de voo (2.000 metros) permitiu concentração maior das
bombas incendiárias do que se despejadas de grande altitude (10.000 metros). Os
diferentes grupos de bombardeio receberam altitudes de bombardeio diferentes,
dependendo de seu tempo de passagem sobre o alvo, para confundir as defesas
antiaéreas japonesas45;
•
Vento de superfície: na noite do ataque, um forte vento de superfície soprava sobre
Tóquio, no eixo do ataque. Esse vento alimentou e ajudou a espalhar os incêndios, fato
comprovado por análise de fotografias do alvo após o bombardeio.
Em solo, o efeito combinado desses fatores levou a destruição sem precedentes.
Segundo Dorr (2002), o bombardeio de Tóquio na madrugada de 10 de março de 1945 gerou
os mais quentes incêndios já registrados e foi o mais devastador ataque aéreo da história.
84.000 pessoas morreram e 1 milhão ficaram desabrigadas. Uma testemunha ocular disse:
As nuvens de fogo subiam cada vez mais alto e a torre do prédio da Dieta
silhuetava-se fortemente contra o céu vermelho. A cidade ganhou luminosidade de
sol de meio-dia; nuvens de fumaça, fuligem e fagulhas impulsionadas pela
tempestade a recobriam toda. Naquela noite pensamos que Tóquio fora reduzida a
cinzas. (COOX:1977,p.24)
O incêndio generalizado daquela noite também atingiu a família real japonesa: no
Palácio Imperial, o Imperador Hiroito e a Imperatriz se abrigaram numa casamata antiaérea
conhecida como Biblioteca Obunko. Bombas incendiárias caíram diretamente sobre as
cavalariças imperiais e uma casa de chá nos jardins da Obunko. Destroços vindos da área
incendiada no centro da cidade, soprados pelo vento forte, inflamaram a grama e as cercas44
Essa foi a maior taxa de perdas em uma única missão até então, e corrobora com o relato de Appleby, que
descreve a capital japonesa cheia de holofotes e armas antiaéreas. Contudo, a taxa foi considerada “aceitável”
devido ao tremendo sucesso da missão e o número de aeronaves envolvidas.
45
Projéteis de armas antiaéreas são equipados com espoletas para explodirem uma altitude pré-determinada. Ao
modificar a altitude de sobrevoo entre os grupos de bombardeio, os americanos diminuíam a eficácia das armas
antiaéreas japonesas, que tinham que ser constantemente recalibradas.
42
vivas, bem como os arbustos. Somente o trabalho de dezenas de soldados, bombeiros e
guardas palacianos impediu a destruição do Palácio Imperial.
Coox (1977,p.24) descreve que:
Em meio à confusão e a barulheira infernal, o Imperador e a esposa procuravam
aparentar calma, sentados no segundo subsolo da Obunko. O Imperador aguardava
informes da ocupação militar japonesa na Indochina Francesa, em meio ao inferno
em que se transformou o centro de Tóquio, e estava na expectativa do nascimento
iminente (em outro abrigo antiaéreo na cidade) do seu primeiro neto. No abrigo
imperial, apesar dos exaustores, era forte o cheiro de fumaça.
Antes que a força de B-29s fosse desviada de sua função primordial para apoiar o
ataque naval à ilha de Okinawa – cujas operações estavam marcadas para ter início no dia 23
de março – o General LeMay decidiu apressar o passo dos bombardeios incendiários, pois viu
que teria apenas duas semanas para atacar todos os alvos selecionados: Tóquio, Nagoya,
Osaka e Kobe (HUGLIN, 2008).
Ilustração 16 - Destruição em Tóquio após o ataque incendiário de 9-10 de março. (CHUN: 2008, p.31)
Após o sucesso estrondoso do ataque a Tóquio, a missão seguinte sobre Nagoya (na
noite de 11 para 12 de março) foi executada utilizando-se os mesmos princípios vigentes na
missão de Tóquio. Mas os resultados foram bastante aquém do esperado. Ao utilizar-se a
mesma política de decolagem, na qual alas decolavam juntas, mas nenhum tipo de formação
geral se dava antes da chegada ao alvo, o resultado foi que metade da força de B-29s (54%)
43
sobrevoou ao alvo durante a primeira hora do ataque, e a outra metade (46%) somente
sobrevoou a área na terceira hora do ataque. Isso gerou um interlúdio no qual as equipes de
combate às chamas puderam agir e apagar grande parte dos incêndios; a segunda metade da
força de bombardeiros despejou suas bombas sobre uma área na qual as equipes de bombeiros
já estavam distribuídas e controlavam as chamas. Ou seja, a missão Nagoya I (como ficou
conhecida) falhou no princípio básico da concentração de aeronaves sobre o alvo – os
incêndios gerados não saturaram as medidas de combate às chamas. Somente 5,3 quilômetros
quadrados da cidade foram destruídos (KISSNER, 1945).
Ao analisar-se os problemas da missão Nagoya I, o planejamento de decolagem foi
modificado para que as aeronaves chegassem juntas ao alvo na terceira missão: Osaka, na
noite de 13 para 14 de março. Ao invés de uma hora pré-determinada para decolagem, as alas
receberam como meta janelas de tempo46 sobre o alvo, encorajando cada uma a planejar sua
própria sequência de decolagem. Contudo, uma frente de mau-tempo fez com que 30% da
força de ataque se desgarrasse e passasse sobre o alvo somente na terceira hora do ataque.
Kissner (1945) prossegue dizendo que Osaka estava encoberta por uma camada baixa
de nuvens, que cobria 8/10 do alvo. Isso tornou o bombardeio visual virtualmente impossível
e forçou os bombardeadores a realizarem o lançamento de bombas de forma mais controlada,
fazendo uso do radar. Ironicamente, o mau-tempo fez com que o lançamento das bombas
fosse mais preciso, e ampliou a área destruída para 20 quilômetros quadrados.
Na quarta missão, Kobe, na noite de 16 para 17 de março, o mesmo sistema de janelas
de tempo sobre o alvo foi utilizado, e desta vez 96% da força de bombardeiros passou sobre o
alvo nas primeiras duas horas. No entanto, somente 6 quilômetros quadrados da área do alvo
foram destruídos. A explicação é que, após o sucesso da missão a Osaka utilizando-se o
bombardeio controlado por radar, LeMay resolveu utilizar essa prática como padrão. O
problema foi que a as três alas de bombardeio (73ª, 313ª e 314ª) atacaram por um mesmo eixo
de aproximação, que explorava mal a geografia da cidade. Dessa forma, a formação chegou
quase simultaneamente sobre o alvo, bombardeou controladamente utilizando-se do radar,
mas despejou as bombas numa área pequena (KISSNER, 1945).
Uma segunda missão a Nagoya (conhecida por Nagoya II) foi realizada na noite de 18
para 19 de março, e teve resultados semelhantes aos registrados em Kobe. Nagoya II concluiu
a fase inicial de bombardeio incendiário, e contribuiu para levantar dados estatísticos para
análise. Essa análise deu ênfase a um conjunto de fatores que, acreditava-se, eram os
46
Intervalo horário pré-determinado.
44
responsáveis pelo sucesso ou fracasso de uma missão incendiária. São eles, segundo Kissner
(1945):
•
Densidade do padrão (distribuição da carga de bombas de uma única aeronave):
concluiu-se o B-29 deve carregar entre 40 e 46 casulos incendiários M-6947. Em baixa
altitude de bombardeio (1.500 a 2.000 metros) a aeronave deve lançar sua carga de
bombas. Os casulos devem explodir a 15 metros de altura, espalhando os incendiários
aleatoriamente ao redor. Otimizando-se o lançamento dessa maneira, a área afetada
pela carga completa de bombas de um B-29 é de 600 m x 100 m.
•
Densidade da área (distribuição das bombas de todas as aeronaves pela área do
alvo): as medidas que permitiam distribuir as cargas de bombas das aeronaves
igualmente por toda a área do alvo não foram plenamente desvendadas. Geralmente,
os planejadores dividem a área do alvo em três setores e designam cada setor a uma
ala de bombardeio; essa teoria é acertada, mas sua execução nem sempre é tão certa.
Como visto, a missão de Tóquio foi realizada por bombardeio visual – em cada ala, os
bombardeadores despejaram bombas ao redor de sua área designada, e os resultados
foram ótimos – mas em Nagoya I os resultados foram pobres utilizando-se da mesma
tática. Em Osaka, o bombardeio foi realizado por radar, e os resultados foram bons;
contudo, em Kobe e Nagoya II, conseguiu-se pouco repetindo-se essa técnica.
Decidiu-se que aspectos individuais de cada alvo seriam analisados antes de cada
missão para melhorar a densidade da área, como o eixo do ataque, geografia da cidade,
disposição das áreas designadas para cada ala, e tamanho do alvo.
•
Tipo de bomba: o casulo M-69 provou-se o mais eficiente para ataques incendiários
contra áreas urbanas. O casulo M-50 mostrou-se um pouco menos eficiente, embora
seja menor e possibilite ampliar a área de danos da carga total.
•
Concentração (número de aeronaves bombardeando o alvo num dado momento):
Como já observado, a concentração de aeronaves sobre o alvo tem o objetivo de
saturar as defesas anti-chamas inimigas e gerar uma conflagração incendiária geral no
alvo. Ao estabelecer um horário de decolagem para cada ala, os planejadores não
levaram em conta o sincronismo de sua passagem sobre o alvo como uma força única.
A concentração de aeronaves na missão de Tóquio se deu por sorte. Já em Nagoya I,
as aeronaves se dispersaram bastante, impedindo a conflagração geral. A partir da
47
O casulo M-69 carregava 38 pequenas bombas de napalm (composto incendiário de gasolina gelatinosa que
queima prolongadamente), que se espalhavam sobre uma área-alvo.
45
missão de Osaka, cada ala recebeu uma janela de tempo sobre o alvo, e cada aeronave
fazia o necessário para cumprir a tabela de tempo. Esse modelo tornou-se um prérequisito para o sucesso, mas não uma garantia.
•
Vento de superfície: contar com vento de superfície é um fator que pode garantir o
sucesso de uma missão. O ataque a Tóquio foi o único que contou com fortes ventos
de superfície na hora do bombardeio, e a grande área destruída é reflexo disso. Além
de ampliar a área danificada, os ventos de superfície agilizam a junção de incêndios
individuais em uma conflagração geral, saturando as equipes de combate às chamas.
Sendo assim, o planejamento das missões incendiárias era feito, sempre que possível,
para tomar vantagem dos ventos de superfície.
•
Precipitação: antes da fase inicial de bombardeio noturno incendiário, acreditava-se
que a ocorrência de chuva ou neve imediatamente antes ou depois dos ataques
contribuiria para diminuir seu sucesso. Esses medos provaram-se infundados. Em
Tóquio, chuva ou neve caíram consideravelmente nas 48 horas anteriores ao ataque,
cobrindo os tetos das casas com umidade. Contudo, os incêndios se alastraram
rapidamente. Já em Nagoya I, nenhuma chuva caiu até 96 horas antes do ataque – a
cidade passava por um período extremamente seco – e os resultados foram
desanimadores. Em Osaka, segundo ataque mais bem-sucedido da fase incendiária
inicial, caiu chuva 12 horas após o ataque, mas que não interferiu com os incêndios.
Concluiu-se que a precipitação não tem efeito apreciável para o sucesso das missões.
Segundo Takaki e Sakaida (2001), durante a fase incendiária inicial, as defesas aéreas
japonesas se manifestaram incrivelmente inaptas. Embora 14 B-29s tenham sido perdidos
sobre Tóquio, nenhuma perda se deu por causa dos caças – somente a artilharia antiaérea e
falhas mecânicas levaram o crédito. O feito mais impressionante dos caças japoneses nesse
período foi protagonizado pelo Sargento Kenji Fujimoto, do 246º Sentai: ele sobreviveu a
dois abalroamentos, o primeiro quando chocou seu caça contra um B-29 sobre Osaka e o
segundo da mesma maneira sobre Kobe. Fujimoto recebeu o Bukosho48 por extraordinários
feitos de bravura.
48
O Bukosho era a “medalha de honra” japonesa. Foi instituída pelo Imperador Hiroito em 7 de dezembro de
1944, quebrando uma tradição secular – o Japão nunca condecorara indivíduos vivos por bravura.
Anteriormente, somente os mortos podiam ser considerados heróis.
46
Escolta de caças
A ilha de Iwo Jima49 fica encravada no Oceano Pacífico, a meio-caminho entre as
Ilhas Marianas e o Japão. Com apenas 20 quilômetros quadrados de área, sua paisagem plana
com solo vulcânico é dominada pelo Monte Suribachi, um vulcão extinto que é o único relevo
da ilha. Como parte do território japonês, Iwo Jima era fortificada por posições de artilharia e
uma rede de túneis que interligava as centenas de postos defensivos, que incluíam ninhos de
metralhadora, morteiros e depósitos de munição. Ela também tinha um formidável aeródromo,
do qual decolavam bombardeiros e caças japoneses, que estavam a alcance das Ilhas Marianas
(DORR, 2002).
Takaki e Sakaida (2001) relatam que desde novembro de 1944 os japoneses vinham
montando ataques aéreos contra as bases dos B-29s nas Marianas, e para garantir que as
operações de bombardeio estratégico mantivessem um nível de frequência aceitável, era um
passo lógico eliminar a ameaça que Iwo Jima impunha.
A invasão da ilha de Iwo Jima começou em 19 de fevereiro de 1945, quando 30.000
fuzileiros navais desembarcaram nas praias, apoiados por uma armada de mais de 800 navios.
A batalha durou mais de um mês e consumiu 7.000 vidas americanas e 20.000 vidas
japonesas. Pela primeira vez na história, uma nação inimiga havia içado sua bandeira em
território japonês conquistado – uma cena que ficou imortalizada pela foto tirada por Joe
Rosenthal no topo do Monte Suribachi.
Ilustração 17 - Mustangs do VII Comando de Caça na pista de Iwo Jima, após a captura da ilha. Ao
fundo, o Monte Suribachi. (YELLIN: 2009b, p.1)
Segundo Molesworth (2006), além de anular a plataforma pela qual os japoneses
podiam lançar ataques aéreos contra as Marianas, a conquista de Iwo Jima resolveu
finalmente um problema de LeMay: após a fase inicial de bombardeios incendiários, seus B-
49
Ver Anexo B “Mapa do Teatro de Operações do Pacífico Ocidental”.
47
29s tinham agora as táticas ideais para destruir as áreas industriais urbanas do Japão, mas as
fábricas em si permaneciam de pé e careciam de bombardeio diurno de precisão para serem
individualmente destruídas. Como o bombardeio de grande altitude mostrara-se de baixíssima
precisão, o bombardeio à baixa altitude tornou-se necessário. Entretanto, ao voar baixo em
plena luz do dia, os Superfortresses se tornariam um alvo fácil para a defesa antiaérea e os
caças japoneses. A solução era prover aos B-29s uma escolta de caças; mas antes da captura
da pista de Iwo Jima, nenhuma base norte-americana colocava o Japão dentro do alcance
operacional de seus caças50.
Na verdade, diversos outros fatores colaboraram para por a pequena ilha na lista de
objetivos estratégicos norte-americanos, como resumiu o Capitão Jerome “Jerry” Yellin, que
pilotou caças em Iwo Jima:
Em mãos americanas, Iwo serviu a três propósitos importantes. Foi usada como
ponto de partida para caças escoltarem os bombardeiros B-29; eliminou o
avistamento antecipado dos B-29s pelos japoneses e os avisos de ataque ao Japão; e
proveu uma pista de emergência para bombardeiros danificados que retornavam das
missões. Todas as missões sobre o Japão de caças baseados em terra originaram-se
em Iwo. Quando a guerra terminou, 2.400 B-29s danificados haviam pousado lá,
salvando a vida de 27.000 aviadores americanos. (YELLIN: 2009a, p.126)
O VII Comando de Caças foi a unidade escolhida para operar em Iwo Jima e escoltar
os B-29s. Comandada pelo Brigadeiro-General Ernest “Mickey” Moore, a unidade operava
caças North American P-51 Mustang. O Mustang caracterizava-se especialmente por seu
grande alcance operacional (2.755 km), tendo sido o primeiro caça a escoltar bombardeiros
até Berlim, partindo da Inglaterra, no verão de 1944. Molesworth (2006) relata que os pilotos
do VII Comando haviam recebido seus primeiros Mustangs no fim de 1944, e embarcaram
para as Ilhas Marianas em janeiro de 1945. No dia 7 de março, logo após o batalhão de
engenharia dos fuzileiros ter finalizado os reparos na recém-capturada pista de pouso em Iwo
Jima, os primeiros Mustangs do VII Comando de Caças pousaram na ilha. Entre eles, estava
Jerry Yellin, alocado no 78º Esquadrão do 15º Grupo de Caça:
Em 7 de março eu voei de Saipan para Iwo Jima com o 15º Grupo de Caças. Estava
no coração da guerra pela primeira vez desde meu alistamento. A ilha tinha sido
devastada por bombas e artilharia pesada; incêndios queimavam; a fumaça era
espessa no ar. De um lado da pista, pilhas de corpos de japoneses mal cobertos por
montes de terra. (YELLIN: 2009a, p.126)
50
Caças norte-americanos embarcados em porta-aviões poderiam chegar ao Japão, mas isso acarretaria levar
expor o navio ao raio de ação das aeronaves japonesas lá baseadas.
48
Ilustração 18 - General Ernest "Mickey" Moore e Capitão Jerry Yellin. (YELLIN: 2009b, p.1)
Os Mustangs do VII Comando realizaram missões de apoio terrestre aos fuzileiros até
o fim da batalha – Iwo Jima só foi considerada conquista em 26 de março – e depois disso
iniciaram um período de missões de teste para ganharem experiência em voos de longa
distância sobre o Pacífico. Assim, somente em 7 de abril os caças finalmente decolaram para
escoltar os B-29s sobre o Japão. Jerry Yellin estava entre os 108 pilotos de caça que
participaram da histórica missão. O General Moore também decolou naquele dia, mas teve
que abortar ao descobrir que seu controle de combustível não funcionava corretamente
(MOLESWORTH, 2006).
Os caças eram guiados até o Japão por um Superfortress guia, e juntaram-se à
formação principal a cerca de 160 km de Tóquio. O alvo daquela missão era o já conhecido
Alvo 357 – a fábrica de motores aeronáuticos de Musashino. Era a décima tentativa que os
americanos faziam para destruir a fábrica, mas somente desta vez foram reunidas as
possibilidades para atingir-se um bom resultado: os bombardeiros voavam baixo, com bom
tempo e cobertura de caças.
Os pilotos japoneses que decolaram naquele dia para interceptar os bombardeiros
ficaram chocados ao perceber que caças os escoltavam, mas tentaram ignorar os Mustangs e
concentrar-se nos B-29s. Um deles foi o Tenente Satohide Kohatsu, do 244º Sentai, atacou o
B-29 “Mrs. Tittymouse” (do 498º Grupo de Bombardeio), pilotado pelo Tenente John Wise.
Aproximando-se por baixo e de frente, Kohatsu atingiu em cheio o “Mrs. Tittymouse”, e teve
49
sua asa direita inteiramente arrancada. Ele ainda conseguiu sair da cabine de seu avião em
parafuso, e olhou para cima, observando um grupo de B-29s que passava, e atiravam nele.
Kohatsu se lembrou: “Que avião grande! Nossos caças eram tão pequenos. Era como uma
águia contra um pardal. E havia bem mais B-29s do que nossos caças” (TAKAKI e
SAKAIDA, 2001).
Os destroços do B-29 “Mrs. Tittymouse” espalharam-se por uma grande área, e a
fuselagem principal caiu perto de um hospital. Takaki e Sakaida (2001) relatam que o
bombardeiro tinha pintado perto da cabine uma grande figura de uma mulher nua.
Rapidamente, uma grande multidão de curiosos (principalmente homens) se juntou para
“observar” o desenho – enquanto mulheres olhavam com desprezo.
Um dos tripulantes que conseguiram saltar do bombardeiro foi o Sargento Norman
Seliz. Enquanto ele descia no paraquedas, um caça japonês tentou metralhá-lo, mas para sua
sorte, um dos Mustangs chegou para afugentar o inimigo. Ao chegar ao solo, Seliz foi
agredido por um casal de civis, mas sobreviveu ao cativeiro51.
Ilustração 19 - Caças P-51 do 15º Grupo de Caça em voo. (MOLESWORTH: 2006, p.24)
Os pilotos de caça americanos cumpriram bem seu papel em 7 de abril: somente 3 B29s foram perdidos sobre Tóquio, para um total de 21 caças japoneses destruídos pelos
51
Frequentemente aviadores americanos que saltavam sobre o Japão eram alvos de linchamento pela população.
Muitos foram condenados a morte por tribunais militares em julgamentos-relâmpago, acusados de “crimes de
guerra”. Um grupo de aviadores americanos ainda tornou-se cobaia para experimentos de vivisseção em uma
aula de anatomia.
50
Mustangs. O destaque ficou com Major James Tapp, do 78º Esquadrão de Caça, que derrubou
4 caças japoneses naquele dia (MOLESWORTH, 2006).
Sucesso também foi atingido pelos Superfortresses: Musashino foi finalmente
destruída, tendo sofrido danos em metade de sua estrutura. Ainda segundo Molesworth
(2006), LeMay convenceu-se de que os caças de Moore podiam proteger efetivamente seus
bombardeiros, e que missões diurnas de precisão em baixa altitude eram viáveis.
As missões para os pilotos de Mustang eram muito exigentes, com duração média de
quase 8 horas. Nessas missões, que foram designadas VLR, os pilotos retornavam tão
exaustos que precisavam de ajuda até mesmo para levantar-se e descer do avião. O cirurgiãochefe do VII Comando, Tenente-Coronel Joseph “Smoky” Walther, preocupado com o estado
físico deplorável dos seus pilotos após as missões, construiu um spa para relaxamento em Iwo
Jima. Os batalhões de engenharia dos fuzileiros perfuraram o solo e conseguiram bombear
água vulcânica, que subia por canos até banheiras quentes. O spa de Walther contribuiu para
manter a prontidão física dos pilotos, diminuindo o tempo de recuperação entre missões
(MOLESWORTH, 2006).
O VII Comando de Caças prosseguiu crescendo em números nos meses seguintes,
com a chegada de novos grupos de caça; com o progresso das operações, além da escolta de
bombardeiros, passaram a realizar missões de ataque ao solo no Japão.
Minagem das águas japonesas
No fim de julho de 1944 o presidente Franklin Roosevelt zarpou no cruzador USS
Baltimore para Honolulu, no Havaí. Seu objetivo era conferenciar com o General Douglas
MacArthur e o Almirante Chester Nimitz, seus dois comandantes de campo seniores no
Pacífico. Roosevelt gostaria de colher as opiniões deles, e descobrir que tipos de diferenças
existiam em relação ao pensamento dos Chefes de Estado-Maior em Washington
(SALLAGAR, 1974).
Na capital norte-americana, a opinião vigente sobre a estratégia no Pacífico defendia a
necessidade de uma invasão maciça do Japão. Essa opinião era defendida pelo Chefe de
Estado-Maior do Exército, o respeitado General George Marshall. Contudo, tanto MacArthur
quanto Nimitz, os comandantes de campo, discordavam dessa visão. Em sua opinião, era
aparente que uma invasão do Japão era desnecessária: o poder ofensivo japonês havia sido
51
destruído em sucessivas derrotas navais, com a destruição de grande parte de sua frota
mercante e a perda do acesso a petróleo e outras matérias-primas. A campanha de salto pelas
ilhas havia separado o Japão de muitas de suas conquistas de além-mar, e trouxe o poderio
aeronaval norte-americano para bem perto das ilhas japonesas. Na opinião de Sallagar (1974):
“Alguns dos líderes militares japoneses já sentiam que a perda das Marianas entre junho e
julho de 1944 havia selado o destino do Império e impedido qualquer chance de evitar a
derrota completa.”
A visão de MacArthur e Nimitz causou uma forte impressão no presidente Roosevelt.
O Almirante William Leahy, Chefe de Estado-Maior pessoal do presidente, resumiu os
resultados da conferência:
O acordo sobre a estratégia fundamental a ser empregada para derrotar o Japão e a
familiarização da situação que o presidente adquiriu nesta conferência, foram de
grande valor para prevenir uma desnecessária invasão do Japão que era advogada
pelos planejadores dos Chefes de Estado-Maior Conjunto e do Departamento de
Guerra, desconsiderando a perda de vidas que um ataque às forças terrestres
japonesas em seu território provocaria. MacArthur e Nimitz estavam agora de
acordo que as Filipinas deveriam ser recuperadas com as forças aéreas e terrestres
já disponíveis no oeste do Pacífico e que o Japão poderia ser forçado a aceitar os
termos de uma rendição pelo uso do poder aeronaval sem uma invasão do Japão.
(SALLAGAR: 1974, p.18)
Ilustração 20 - Em Honolulu, Havaí: (esq. para dir.) Gen. Douglas MacArthur, Presidente Franklin
Roosevelt, Almirante William Leahy e Almirante Chester Nimitz. (CHUN: 2008, p.11)
52
Dessa forma, o Comitê de Analistas Operacionais emitiu, em 10 de outubro de 1944,
um relatório de recomendações para a campanha com base em duas premissas (SALLAGAR,
1974):
•
Sob a Premissa nº 1: Que a derrota do Japão deveria ser atingida primariamente
através de bombardeio estratégico e bloqueio naval.
1. Campanha anti-navio generalizada, incluindo uma compreensiva campanha de
minagem;
2. Ataque à indústria aeronáutica japonesa;
3. Ataque aos centros industriais urbanos japoneses;
4. Revisão da lista de alvos da indústria aeronáutica e centros industriais urbanos
a serem atacados.
•
Sob a Premissa nº 2: Que a invasão do Japão deveria ser lançada no fim de 1945 ou
começo de 1946.
1. Ataque à indústria aeronáutica japonesa;
2. Ataque aos centros industriais urbanos japoneses;
3. Intensificação dos ataques à navegação japonesa por todos os métodos
disponíveis, incluindo a minagem por aeronaves de grande alcance onde
operacionalmente viável.
Como observado, o bloqueio naval do Japão era uma atividade que deveria ser
executada, não importando o método final a ser utilizado para atingir-se a derrota do Japão. A
minagem de portos e rotas de comboios japoneses já acontecia desde 1942, mas
primordialmente essa minagem era feita nas zonas externas dos domínios japoneses – muito
pouco contra o Japão em si.
Sallagar (1974) ressalta que como os navios de superfície norte-americanos ainda não
podiam aproximar-se das ilhas japonesas com segurança, submarinos eram os únicos meios
navais que vinham realizando o lançamento de minas. Contudo, o pequeno número de
submarinos disponíveis e sua restrita capacidade de carga – que era geralmente preenchida
com torpedos – impediam a ampliação da campanha de minagem para que resultados
palpáveis fossem obtidos.
Essa situação mudou com a chegada dos B-29s ao teatro de operações. Além de
possuírem o alcance adequado para chegar ao Japão partindo das Marianas, os Superfortresses
53
tinham dois amplos compartimentos de bombas, adequados para carregar uma grande
quantidade de minas.
Em 22 de dezembro de 1944 o General Haywood Hansell recebeu bastante contrariado
a ordem de preparar seu XXI Comando de Bombardeio para uma campanha de lançamento de
minas, na escala de 150 a 200 surtidas por mês. Hansell, como a maioria dos comandantes da
Força Aérea do Exército, não gostava da ideia de ceder seus aviões para um esforço que,
pensava, era de responsabilidade da Marinha. Contudo, a minagem havia sido colocada no
patamar de elemento estratégico, e preferências pessoais de comandantes da Força Aérea não
haveriam de ser levadas em conta desta vez52 (SALLAGAR, 1974).
Em meados de janeiro de 1945, Hansell passou o comando do XXI Comando de
Bombardeio para o General LeMay. LeMay não era mais propenso à ideia de usar os B-29s
para minagem mais do que Hansell, mas estava sob forte pressão de Nimitz para iniciar a
campanha em 1 de abril de 1945. Dessa forma (e sendo um homem que não gosta de meiasmedidas), LeMay submeteu a Washington seu próprio plano para a minagem, que
especificava o lançamento de 1.500 minas por mês e a utilização de toda uma ala de B-29s, e
não somente um grupo, como proposto por Hansell.
Quando a 313ª Ala de Bombardeio chegou às Marianas em fevereiro de 1945,
imediatamente começou a treinar para realizar a minagem aérea das águas japonesas, que
recebera o codinome Operação Starvation53 (SALLAGAR, 1974).
O alvo primordial escolhido para a minagem foi o Estreito de Shimonoseki, no oeste
do Japão. Sendo a única saída ocidental do Mar Interior54 japonês, por lá passava a maior
parte da vital navegação japonesa que trazia matérias-primas da Manchúria, Coreia, China e
outras possessões. A inadequação da malha ferroviária japonesa fazia o país depender
completamente de seus portos para o escoamento de mercadorias – e os principais portos
japoneses se localizam no Mar Interior: Tóquio, Osaka, Kobe, Kure e Nagoya. Em sua costa
oeste, havia somente portos pequenos e inadequados.
52
Anteriormente, por diversas vezes comandantes da Força Aérea do Exército recusaram-se a liberar suas
aeronaves para atividades de minagem. Um exemplo clássico é o do General George Kenney, comandante da 5ª
Força Aérea (área de operações do Sudoeste do Pacífico), que durante toda a guerra autorizou somente uma
missão de minagem, na qual foram lançadas apenas 24 minas.
53
O termo deriva do verbo inglês “to starve” que literalmente quer dizer “passar fome”. “Starvation” é fome
generalizada. Sallagar (1974) considera o termo uma escolha infeliz para a operação.
54
Corpo de água salgada localizado entre as ilhas de Honshu, Kyushu e Shikoku. Seus pontos de saída são os
estreitos de Shimonoseki, Kii e Bungo.
54
Ilustração 21 - Mar Interior do Japão (em destaque) e o Estreito de Shimonoseki (à esq.). O mapa também
mostra os principais portos japoneses que foram minados. (SALLAGAR: 1974, p.33)
Segundo Sallagar (1974), naquele ponto da guerra as saídas orientais do Mar Interior –
os estreitos de Kii e Bungo – haviam se tornado extremamente perigosas e somente eram
usadas em emergências. Porta-aviões americanos patrulhavam a costa leste do Japão, e
qualquer navio que se aventurasse por ali tinha grandes chances de ser afundado. Um exemplo
disso aconteceu com a força-tarefa da Marinha Imperial Japonesa enviada para ajudar a
guarnição da ilha de Okinawa55, que estava sob ataque americano em abril de 1945. Ao
arriscar-se passar pelo Estreito de Bungo, a força-tarefa foi rapidamente localizada e
completamente destruída por aeronaves dos porta-aviões americanos – a lista de baixas foi
encabeçada pelo super-couraçado Yamato56, o orgulho da Marinha Imperial.
Esses fatores faziam de Shimonoseki o gargalo principal pelo qual a navegação
japonesa tinha que passar, e o alvo ideal para a campanha de minagem.
Segundo Smith (1995), a Operação Starvation foi posta em prática na noite de 27 de
março de 1945, quando a recém-chegada 313ª Ala de Bombardeio decolou num esforço
máximo para minar Shimonoseki: 105 aeronaves decolaram, e 92 lançaram suas minas no
55
Ver Anexo B “Mapa do Teatro de Operações do Pacífico Ocidental”.
O Yamato foi o maior navio de guerra da Segunda Guerra Mundial e o maior e mais armado couraçado da
história.
56
55
alvo primário. A missão foi repetida na noite do dia 30 com a decolagem de 94 aeronaves, das
quais 85 completaram a missão.
O sucesso dessas duas missões foi estrondoso: averiguou-se que o tráfego pelo estreito
foi reduzido em 25%. Como os planejadores esperavam que a área permanecesse minada por
10 a 15 dias, somente outras pequenas missões contra os portos de Kure e Hiroshima foram
realizadas nessa primeira fase, concluída em 2 de maio (SALLAGAR, 1974).
A segunda fase (3 a 12 de maio) foi curta e focou-se em portos estratégicos,
estabelecendo um “bloqueio do centro industrial” japonês. Somente foram realizadas duas
missões nessa fase, nas quais decolaram quase 100 aeronaves em cada. Os alvos foram Kobe,
Tóquio, Osaka, Nagoya e outras passagens de acesso ao Mar Interior. Os B-29s também
reforçaram o campo minado em Shimonoseki.
Nas terceira (13 de maio a 6 de junho) e quarta fases (7 de junho a 8 de julho) o passo
da operação foi cada vez mais apertado. Shimonoseki foi mantido minado por missões
periódicas, e o Mar Interior foi se tornando cada vez mais perigoso para a navegação
japonesa. O resultado foi que o tráfego foi transferido para os portos da costa ocidental das
ilhas de Honshu e Kyushu. Quando isso aconteceu, esses portos também foram minados, e
muitos tiveram de ser abandonados (SALLAGAR, 1974).
Ilustração 22 - B-29 lançando minas com paraquedas. (SMITH: 1995, p.24)
Na última fase (9 de julho a 15 de agosto), praticamente não havia mais alvos para
serem minados no Japão. A situação da navegação tornou-se tão desesperada que até mesmo
manter o tráfego mínimo de suprimentos para a população faminta acarretava perdas imensas
de navios afundados ou imobilizados. O esforço dessa última fase foi concentrado em minar
os portos da Coreia, cortando uma das últimas fontes de suprimento do Japão (SMITH, 1995).
56
Uma dessas missões, realizada contra o porto de Rashin, na Coreia, no dia 6 de agosto
de 1945, totalizou 20 horas de voo – possivelmente a mais longa missão aérea da guerra. O
piloto do B-29 era o Capitão Benjamin “Ben” Nicks, que relatou:
Nossa carga nesta missão eram doze minas de 500 kg. Foi certamente uma missão
muito longa, pois passaram-se cerca de seis horas desde o momento em que
sobrevoamos o Império na ida até quando passamos novamente por ele na volta.
Em missões anteriores a esse alvo as tripulações não tinham encontrado oposição,
mas encontramos um dos lugares mais quentes que jamais visitamos. Fomos pegos
por cerca de 10 ou 12 holofotes e eles jogaram tudo que tinham em nós, menos
cerveja. Um caça com uma luz de busca no nariz nos atacou da posição das 4 horas.
Jackson disparou algumas rajadas em sua direção e sua luz desligou-se; não o
vimos novamente. Retornando por sobre o Império, vimos duas cidades em chamas
que tinham acabado de ser atacadas enquanto estávamos entre elas e a Rússia. Isso
terminou nossas missões operacionais. (NICKS: 2008, p.1)
As missões empregando toda uma ala de bombardeio (aproximadamente 100
aeronaves), foram voadas somente nas duas primeiras fases da campanha, sendo depois
substituídas por missões de um único grupo de bombardeio57 (aproximadamente 30
aeronaves). Contudo, a frequência das missões aumentou. A efetividade desse modelo
operacional foi relatada pelos planejadores operacionais do XXI Comando de Bombardeio:
Um estudo dos resultados obtidos com toda uma ala e com pequenas missões de
minagem indicou que a duração do bloqueio de um porto com grandes esforços não
foi ampliada em proporção ao esforço em nenhum porto específico. Dessa forma,
concluiu-se que para obter o bloqueio de um porto ou canal em particular,
frequentes reminagens são mais eficientes do que grandes esforços realizados uma
ou duas vezes por mês. Minar de duas em duas noites usando um único grupo foi
autorizado. (SALLAGAR: 1974, p.39)
Ainda segundo Sallagar (1974), no fim da Operação Starvation em agosto de 1945, os
suprimentos que chegavam mensalmente ao Japão haviam sido reduzidos numa média de
85%. Mais navios japoneses foram afundados pelas minas nos últimos seis meses da guerra
do que por todos os outros meios combinados: as minas afundaram ou imobilizaram 670
navios, num total de 1.250.000 toneladas de arqueação. Averiguou-se que no começo de
setembro de 1945 a população japonesa enfrentaria fome generalizada, tão grave era o
estrangulamento provocado pela minagem. Em compensação, as missões de lançamento de
minas somente totalizaram 5,7% do total de missões do XXI Comando de Bombardeio, e
apenas 15 B-29s foram perdidos durante o esforço.
57
O 505º Grupo de Bombardeio, da 313ª Ala, tornou-se a unidade especialista em missões de minagem,
protagonizando a maior parte do esforço da Operação Starvation.
57
Altos oficiais militares e civis japoneses, que foram interrogados para o Relatório de
Bombardeio Estratégico dos EUA imediatamente após a guerra, atestaram que os efeitos
econômicos dos campos minados foram tão sérios quanto os criados pelos ataques
incendiários aos centros industriais do Japão:
O Príncipe Konoye disse que os afundamentos de navios japoneses e campanha de
minagem dos portos pelos B-29s foram igualmente efetivos aos ataques de B-29s
contra a indústria japonesa nos últimos estágios da guerra, quando todo o
suprimento de comida e materiais críticos foi impedido de chegar às ilhas do Japão.
(SALLAGAR: 1974, p.2)
As missões atômicas
Quando concluiu a construção do Pentágono em janeiro de 1943, o Brigadeiro-General
Leslie Groves havia se tornado o mais proeminente supervisor de construção do Exército. Ele
era, dessa forma, uma escolha lógica para supervisionar o mais ambicioso projeto secreto do
governo americano até então: a construção dos laboratórios que produziriam as primeiras
bombas atômicas (CHUN, 2008).
Com orçamento na casa dos bilhões de dólares, o projeto (que recebeu o codinome
Projeto Manhattan) incluía a construção de três gigantescas estações de produção espalhadas
pelos Estados Unidos:
•
Oak Ridge, Tennessee: fábrica de enriquecimento de Urânio-23558, necessário para
obtenção da massa crítica para a bomba de urânio, lançada sobre Hiroshima;
•
Hanford, Washington: reator de produção de Plutônio-23959, necessário para
obtenção da massa crítica para a bomba de plutônio, lançada sobre Nagasaki;
•
Los Alamos, Novo México: central de estudos, montagem final e teste dos
dispositivos nucleares.
Segundo Dorr (2002) a entrada em operação do Boeing B-29 a partir das Ilhas
Marianas no fim de 1944 propiciou aos planejadores em Washington o vislumbre da
plataforma ideal de lançamento da – ainda teórica – bomba atômica. O B-29 era a única
58
59
Isótopo de urânio considerado “mais fissionável” pelos cientistas do Projeto Manhattan.
Isótopo de plutônio; o primeiro isótopo de fissão usado para produção de armas nucleares.
58
aeronave considerada “ideal” para a tarefa de carregar o futuro engenho, dado seu grande
alcance operacional e capacidade de carga.
Dessa forma, em dezembro de 1944 foi formado 509º Grupo Composto, a primeira
unidade treinada para conduzir guerra atômica na história. Para seu comando, foi escolhido o
experiente Coronel Paul Tibbets, veterano piloto de bombardeiro do Teatro de Operações da
Europa. A fábrica da Glenn Martin em Omaha, Nebraska, foi escolhida para modificar 15 B29s para as necessidades especiais do 509º Grupo: foram retiradas todas as metralhadoras
defensivas (exceto as da cauda), retirou-se a blindagem e seus compartimentos de bombas
passaram por uma completa reformulação, para que pudessem carregar um único artefato de
4.500 kg. Esses B-29s especiais foram chamados Silverplates (DAVIS, 1997).
Ilustração 23 - Coronel Paul Tibbets (centro) com membros da tripulação do B-29 "Enola Gay".
(DORR: 2002, p.72)
Os primeiros Silverplates começaram a chegar a Tinian, nas Marianas, em junho de
1945. Logo, começaram a praticar em missões consideradas fáceis, contra alvos que
ofereciam pouca oposição. A natureza super-secreta do propósito do 509º Grupo significava
que muitos de seus próprios integrantes não sabiam para que estavam sendo treinados:
somente Tibbets conhecia o Projeto Manhattan.
59
O primeiro dispositivo nuclear da história explodiu em Alamogordo, Novo México,
em 16 de julho de 1945 – um teste extremamente bem-sucedido, que imediatamente mudou a
perspectiva de obtenção da vitória sobre o Japão: o uso da bomba atômica, entendia-se,
poderia prevenir uma custosa invasão do país e também encurtar o período de bloqueio naval
(CHUN, 2008).
A lista de alvos dos ataques atômicos foi definida pelo Comitê de Alvos em Los
Alamos, Novo México, reunido entre 10 e 11 de maio de 1945. Para que um alvo fosse
aprovado, deveria atender a três pré-requisitos (DANNEN, 2010):
•
O alvo deve ter mais de 5 quilômetros de diâmetro, deve ser um alvo importante
dentro de uma grande área urbana;
•
O alvo deve ser passivo de eficiente destruição pela explosão;
•
O alvo não deve ser atacado até agosto [de 1945].
Isso se traduzia em alvos escolhidos por sua natureza de importância militar e
industrial. O Comitê também decidiu que o impacto psicológico do ataque deveria ser o maior
possível no Japão, e que lançamento inicial deveria ser o mais espetacular possível para
ressaltar a importância da arma entre a comunidade internacional. Baseando-se nesses
critérios, foi levantada a seguinte lista de alvos para os ataques atômicos (em ordem de
prioridade) (DANNEN: 2010, p.1):
1.
Kyoto: o alvo é uma área industrial urbana com população de 1.000.000 de
habitantes. É a antiga capital do Japão e muitas pessoas e indústrias estão se mudando
para lá devido à destruição de outras áreas. Do ponto de vista psicológico, existe a
vantagem de que Kyoto é o centro intelectual do Japão e seus habitantes estão mais
aptos a entender a significância da arma. (Classificado como Alvo AA)
2.
Hiroshima: importante depósito militar e porto no meio de uma área industrial
urbana. É um bom alvo para uso de radar e é tão grande que grande parte da cidade
pode ser extensivamente destruída. Há colinas adjacentes que podem produzir um
efeito concentrador, ampliando consideravelmente o efeito da explosão. Devido aos
seus rios, não é um bom alvo para ataques incendiários. (Classificado como Alvo AA)
3.
Yokohama: o alvo é uma importante área industrial urbana que até agora está
intocada. Suas atividades industriais incluem fabricação de aeronaves, ferramental,
docas, equipamento elétrico e refinamento de combustível. Como os danos em Tóquio
cresceram, mais indústrias se moveram para Yokohama. Tem a desvantagem de que
as áreas-alvo mais importantes estão separadas por um grande corpo de água, e tem a
mais pesada concentração de armas antiaéreas do Japão. Para nós, tem a vantagem de
ser um alvo secundário em caso de tempo ruim, pois é relativamente distante dos
outros alvos considerados. (Classificado como Alvo A)
60
4.
Arsenal de Kokura: é um dos maiores arsenais do Japão e é cercado por estruturas
industriais urbanas. O arsenal é importante em armas leves, antiaéreas e defesas
litorâneas. Suas dimensões são tão grandes que, se a bomba for precisamente lançada,
grande vantagem pode ser tirada das grandes pressões imediatamente abaixo da
explosão para destruir as mais sólidas estruturas, ao mesmo tempo em que a onda de
choque pode destruir estruturas mais frágeis a longa distância. (Classificado como
Alvo A)
5.
Niigata: é um porto de embarcação na costa noroeste de Honshu. Sua importância é
ampliada na medida em que outros portos são danificados. Fábricas de ferramental
estão localizadas lá e a cidade é um centro potencial de dispersão industrial. Tem
refinarias de combustível e depósitos. (Classificado como Alvo B)
6. A possibilidade de bombardear o Palácio do Imperador60 foi discutida. Foi
concordado que não devemos recomendar esse alvo, mas que qualquer ação nessa
direção deve vir de autoridades militares superiores. Concordamos que devemos obter
mais informações para determinar a eficácia de nossa arma contra esse alvo.
Quando a lista chegou à Casa Branca, a única alteração feita foi a exclusão de Kyoto.
O Secretário da Guerra, Henry Stimson, terminantemente proibiu o ataque à cidade, que
conhecia e admirava desde que passara lá sua lua de mel. Nagasaki foi inserida na lista em
substituição a Kyoto, mas com baixa prioridade. Quando o Japão rejeitou a Declaração de
Potsdam em 28 de julho de 1945, a autorização presidencial para os bombardeios atômicos foi
dada (DORR, 2002).
Ilustração 24 - "Little Boy", a bomba atômica de urânio lançada sobre Hiroshima. (CHUN: 2008, p.55)
Na noite de 5 de agosto o artefato nuclear – uma bomba de urânio apelidada de “Little
Boy” – foi carregada no compartimento de bombas do B-29 “Enola Gay”. Nos comandos do
60
Localizado em Tóquio.
61
bombardeiro atômico, estava o próprio comandante do 509º Grupo, Coronel Paul Tibbets.
Além do “Enola Gay”, seis outros B-29s participaram dessa missão: três aeronaves
meteorológicas61, “Straight Flush” (para Hiroshima, alvo primário), “Jabbitt III” (para
Kokura, alvo secundário) e “Full House” (para Nagasaki, alvo terciário) decolariam primeiro;
carregando instrumentos científicos e câmeras, “The Great Artiste” e “Necessary Evil”
escoltariam Tibbets até o alvo; por fim, “Top Secret” voaria somente até Iwo Jima,
permanecendo como reserva em caso de necessidade.
Às 02:00 da manhã de 6 de agosto, o “Enola Gay” decolou de Tinian. Uma hora
depois, o Capitão da Marinha William “Deak” Parsons começou a armar a bomba. Dorr
(2002, p.72) descreve:
Parsons começou seu dia ignorando as ordens do General Groves, que havia
especificamente proibido a armação da bomba em voo, dizendo que era muito
perigoso. Parsons, que já tinha testemunhado incontáveis acidentes de decolagem
com os B-29s desde que juntou-se ao 509º Grupo, achou que se armasse a bomba
em solo, e o “Enola Gay” sofresse a menor falha, a missão terminaria num
gigantesco desastre para o Projeto Manhattan, e na morte de milhares de
marinheiros e aviadores em Tinian.
Às 07:00 da manhã o radar japonês captou aeronaves em sua direção, e soou um alerta
na área de Hiroshima. Logo depois, “Straight Flush” sobrevoou a cidade, enviando
informações meteorológicas e indicando bom tempo sobre o alvo. Às 08:09, a tripulação do
“Enola Gay” avistou a cidade abaixo. Todos colocaram seus óculos de proteção, embora a
maioria dos tripulantes não fizesse ideia da razão. Tibbets colocou a aeronave numa altitude
de 10.000 metros, e o bombardeador Major Thomas Ferebee localizou o ponto de mira: a
Ponte Aioi, no centro de Hiroshima. Às 08:15, “Little Boy” foi lançada (CHUN, 2008).
A detonação da bomba atômica aconteceu numa altitude de 550 metros sobre a cidade,
para maximizar o efeito da explosão. O efeito arrasador do artefato nuclear destruiu 12
quilômetros quadrados da cidade, pulverizando 60.000 edificações (2/3 da cidade) e matando
instantaneamente 70.000 pessoas. A força da explosão foi calculada em 15 quilotons, o
equivalente a 15.000 toneladas de dinamite.
Mais tarde, no mesmo dia, a notícia do ataque atômico a Hiroshima espalhou-se pelo
mundo. O Presidente Harry Truman fez um pronunciamento pelo rádio:
Se eles não aceitarem nossos termos, podem esperar uma chuva de ruínas vinda do
ar, como nenhuma outra já vista nesta terra. Por trás desse ataque aéreo seguirão
61
Aeronaves destinadas a colher informações meteorológicas dos possíveis alvos dos bombardeios atômicos.
Decolavam com algumas horas de antecedência em relação ao avião que carregava o dispositivo nuclear.
62
forças de mar e terra e tal número e poder como eles nunca antes viram, e com
capacidades de combate como nunca conheceram. (WOOLEY e PETERS: 2010,
p.1)
Ainda sem resposta do governo japonês, foi autorizado o segundo ataque. Inicialmente
marcado para 11 de agosto, Tibbets resolveu antecipar em dois dias a missão, para evitar uma
frente de mau-tempo prevista para o Japão entre 10 e 15 de agosto (DORR, 2002).
Na madrugada de 9 de agosto de 1945, o Major Charles Sweeney decolou nos
comandos do B-29 “Bocks Car”, carregando a bomba de plutônio apelidada “Fat Man”. Essa
missão tinha a mesma estrutura da anterior, com aeronaves meteorológicas sendo enviadas
para as cidades-alvo e duas outras escoltando a principal.
Segundo Dorr (2002), um problema no sistema de transmissão de combustível do B29 de Sweeney fez com que parte dos tanques ficasse inacessível. Isso deveria ter causado
uma abortagem da missão, mas Sweeney decidiu seguir em frente, visto que voltar significaria
desarmar a bomba e recarregar suas baterias, um processo que poderia levar mais de uma
semana.
O alvo primário do “Bocks Car” era Kokura, tendo Nagasaki como alvo secundário.
Os aviões meteorológicos sobre os dois alvos reportaram tempo bom, mas quando Sweeney
chegou a Kokura uma hora depois, uma camada de nuvens e fumaça (deixada por um ataque
incendiário à uma cidade próxima no dia anterior), cobria a cidade. Determinado a fazer o
lançamento da bomba, Sweeney procedeu para o alvo secundário, Nagasaki (CHUN, 2008).
Ilustração 25 - A explosão atômica sobre Nagasaki e o B-29 "Bocks Car". (DORR: 2002, p.73/75)
63
Contudo, ao chegar à cidade, a tripulação do “Bocks Car” novamente viu seu alvo
encoberto por nuvens. Sweeney, mesmo ciente do seu problema com o combustível, decidiu
circular a cidade e aguardar uma brecha nas nuvens. Ao aproximar-se do ponto-limite de
combustível para fazer a viagem de volta, ele decidiu violar as normas e fazer o bombardeio
por radar. Um observador recordou:
Como não tinham reserva de combustível para retornar com a bomba para Tinian, o
artefato foi lançado em ataque mal-executado por radar, que foi mudado para visual
por um buraco nas nuvens no último instante, e que essencialmente errou o ponto
de mira por distância suficiente para reduzir os efeitos da bem mais poderosa “Fat
Man” em comparação com os estragos feitos pela “Little Boy” em Hiroshima.
Então, sem combustível até mesmo para chegar a Iwo Jima, o bombardeiro teve que
desviar para Okinawa, onde pousou com vapor de gasolina nos tanques. (DORR:
2002, p.74)
Mesmo tendo errado o ponto de mira por quase 3 quilômetros, a explosão de 21
quilotons (21.000 toneladas de dinamite), detonada a 470 metros de altitude, destruiu tudo
num raio de 2 quilômetros, e matou instantaneamente 40.000 pessoas. A destruição não foi
maior porque colinas protegeram grande parte de Nagasaki, e somente uma seção da cidade
foi afetada (CHUN, 2008).
Nessa época, já havia uma terceira bomba atômica disponível em Tinian, mas alguns
mecanismos de ativação desse artefato haviam sido danificados, e sobressalentes tinham que
ser trazidos dos EUA. Os americanos esperavam que a terceira bomba ficasse pronta na
terceira semana de agosto, com três mais em setembro e outras três em outubro. Os
planejadores americanos, contudo, começaram a discutir se seria melhor conservar as bombas
para uso durante a proposta invasão do Japão, marcada para novembro. Um memorando do
Departamento de Guerra datado de 13 de agosto diz:
O problema agora é se devemos ou não, presumindo que os japoneses não se
rendam, continuar a lançar as bombas toda vez que uma é feita e enviada para lá, ou
se devemos segurá-las... e então lançá-las todas em um espaço curto de tempo. Não
no mesmo dia, mas durante um curto período. E isso também leva em consideração
o alvo que estamos perseguindo. Em outras palavras, não devemos nos concentrar
em alvos de maior valia para a invasão do que indústria, moral, psicologia, e
outros? (BERNSTEIN: 2010, p.1)
A rendição japonesa em 15 de agosto de 1945 cancelou a necessidade de mais
bombardeios atômicos.
64
CONCLUSÃO
Costuma-se dizer que o Japão se rendeu na Segunda Guerra Mundial por causa das
bombas atômicas lançadas pelos americanos em Hiroshima e Nagasaki. Mas esta é uma visão
deveras simplista dos eventos. Como exposto, toda uma cadeia de acontecimentos colaborou
para levar a nação japonesa – que nunca em sua história conhecera a derrota – a concordar
com a rendição incondicional em 15 de agosto de 1945. Pode-se dizer, no entanto, que o
Boeing B-29 Superfortress foi o elemento pivotal dessa cadeia de acontecimentos.
Embora o poderio aeronaval norte-americano (sem participação alguma do B-29)
tenha sido o responsável por extirpar do Japão suas conquistas imperiais por todo o Pacífico,
esse poderio muito pouco afetou o Japão em si. Daí a insistência do Alto-Comando japonês e
do Imperador Hiroito em continuar com a guerra, mesmo com a série de derrotas consecutivas
que o país vinha sofrendo há mais de dois anos.
Coube ao B-29 extinguir a sensação de inviolabilidade do Japão, destruindo o parque
industrial que alimentava sua máquina de guerra no além-mar. Após um período que pode ser
considerado de aprendizado e adaptação – entre junho de 1944 e março de 1945 – a campanha
de bombardeio estratégico da 20ª Força Aérea consolidou-se e, nos meses seguintes até agosto
de 1945, virtualmente levou o Japão à completa ruína como nação.
Nada do que a defesa aérea japonesa tentou jamais chegou perto de parar ou mesmo
diminuir o ímpeto dos B-29s nos ataques sobre suas cidades. Até mesmo a desesperada tática
de abalroamento, que produziu alguns resultados – porém pífios quando comparados ao
esforço geral – nunca afetou psicologicamente as tripulações norte-americanas ou seus
comandantes nas Marianas. Após junho de 1945, praticamente não havia mais resistência
aérea por parte dos japoneses, que já pesadamente debilitados decidiram poupar as aeronaves
que lhes restavam para enfrentar a esperada invasão do país.
A conquista de ilhas próximas ao Japão, como Iwo Jima (fevereiro de 1945) e
Okinawa (abril de 1945), permitiu que os americanos colocassem seus caças ao alcance do
Japão. Agora sendo escoltados por caças, os B-29s tiveram suas perdas ainda mais
diminuídas, enquanto seus próprios números cresciam com a chegada de novas alas de
bombardeio às Marianas. Os caças também passaram a realizar ataques rasantes a alvos
japoneses no solo, levando destruição a pequenas localidades que não haviam sido atacadas
pelas levas de bombardeiros. Esses ataques, realizados no último trimestre da guerra,
completaram a destruição da infra-estrutura do país, eliminando estações ferroviárias,
aeroportos, estradas e outras construções.
65
Em colaboração com os incessantes ataques em terra, o bloqueio naval dos portos
japoneses através de extensiva minagem a partir de março de 1945 contribuiu para privar o
Japão de suas fontes básicas de matéria-prima e alimentos. Altamente dependente de
importações, o povo japonês passou por privações alimentares enquanto sua frota mercante
era afundada ou imobilizada pelos campos minados. Da mesma forma, a indústria passou por
severos cortes em seu suprimento de matéria-prima, que ao mesmo tempo diminuiu os
números e a qualidade da produção. A inanição da população estava prevista para o começo
de setembro de 1945, se o país insistisse na guerra.
Ilustração 26 - Hiroito (centro) reúne-se com seu gabinete em 10 de agosto de 1945, para tratar da
rendição. (CHUN: 2008, p.80)
Percebemos então que o Japão já estava bastante enfraquecido e sozinho (a Alemanha
Nazista havia se rendido em 8 de maio de 1945) quando as bombas atômicas explodiram em
agosto. É impressionante, contudo, notar que mesmo após a cidade de Hiroshima ser
fulminada por completo, o governo japonês permaneceu resistente em sua posição. O ataque
atômico a Nagasaki no dia 9 de agosto foi acompanhado de outra notícia, que soou tenebrosa
para o Alto-Comando Imperial: a União Soviética declarara guerra ao Japão e já havia
invadido a Manchúria naquela madrugada, com um exército de 1.600.000 homens. Nos dias
66
seguintes, os soviéticos realizaram uma ofensiva blindada que destruiu completamente as
forças do Exército Imperial na Manchúria.
Desde 1939 o Japão temia o poderio militar da União Soviética, e a possibilidade de
que o seu país pudesse ser ocupado por soviéticos era aterrorizante. Esse fator somou-se ao
insuperável poderio militar dos Estados Unidos da América, que já cercava o Japão com uma
imbatível esquadra de porta-aviões e couraçados, milhões de soldados e fuzileiros, e a força
de bombardeiros B-29 da 20ª Força Aérea – que agora adquirira capacidades atômicas.
Completamente consternado, com um país em ruínas e seu povo passando fome, o
Imperador Hiroito convocou, na manhã do dia 14 de agosto, seus mais altos assessores e
comandantes civis e militares para uma reunião de emergência, e decidiu anunciar que iria
aceitar a rendição incondicional pedida pelos Aliados. Naquela noite ele gravou seu discurso
anunciando a decisão, que foi ao ar ao meio-dia de 15 de agosto, para comoção geral do povo
japonês que nunca havia escutado a voz de seu Imperador.
Em 15 de agosto as hostilidades foram cessadas no Japão, embora alguns comandantes
regionais japoneses tenham continuado a lutar por mais alguns dias. O instrumento oficial de
rendição incondicional do Japão foi assinado na Baía de Tóquio, a bordo do couraçado norteamericano USS Missouri, em 2 de setembro de 1945, efetivamente encerrando a Segunda
Guerra Mundial.
67
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70
APÊNDICE A
Estratégia Geopolítica Japonesa 1905-1941:
A escolha dos objetivos imperiais na Ásia e no Pacífico
Uma nação sem grandes reservas de recursos naturais e formada sob uma política
expansionista que visava acompanhar o imperialismo ocidental, bem como ampliar o alcance
de sua influência racial, o Japão esteve envolvido – de fins do século XIX até 1945 – num
constante debate e execução de planos de defesa nacional.
No começo do século XX o Império do Japão havia saído de uma bem-sucedida guerra
com a China (1894-1895), ocupando a península da Coreia, Taiwan e porções da China
continental. Após mais um sucesso contra a Rússia czarista na Guerra Russo-Japonesa (19041905) os japoneses conseguiram posse de mais concessões territoriais, e pouco tempo depois
assegurou sua influência na Manchúria Exterior.
Neste contexto, o Marechal-de-Campo Aritomo Yamagata – destacado e influente
chefe militar que havia derrotado as últimas insurgências samurais na década de 1870 – deu
início à elaboração de um plano geopolítico nacional de defesa. Tal plano evoluiria nas
décadas seguintes, gerando as bases necessárias para o estabelecimento da Esfera de CoProsperidade Pan-Asiática – determinada como “um bloco de nações asiáticas lideradas pelo
Japão e livres dos poderes ocidentais”.
Como tal plano previa, em algum ponto, o confronto direto com as potências
colonialistas européias (que detinham a posse de quase a totalidade dos territórios do Pacífico
central, sul e oeste), o aumento dos gastos militares foi um fator de primeira grandeza em sua
elaboração. Contudo, a histórica rivalidade entre o Exército Imperial Japonês e a Marinha
Imperial Japonesa contribuiu para que o plano nacional de defesa nunca fosse uníssono, e
sempre tivesse que ter suas instâncias decididas em tensas sessões do Supremo Conselho de
Guerra, que incluía o Imperador, o Primeiro-Ministro, o Ministro das Relações Exteriores, o
Ministro da Guerra, o Ministro da Marinha, o Chefe de Estado-Maior do Exército e o Chefe
de Estado-Maior da Marinha.
O ponto de discórdia tendia a focar-se no uso combinado das duas forças armadas – e
seus respectivos contingentes aéreos – para a defesa nacional em um único (ou principal)
Grupo de Ataque62. O Exército Imperial desenvolveu e defendia o “Hokushin-ron”
(Planejamento Estratégico para a Ásia Continental) e o Grupo de Ataque Norte; já a Marinha
62
Força militar combinada de ataque, composta de unidades do Exército e da Marinha Imperiais.
71
Imperial desenvolveu e defendia o “Nanshin-ron” (Planejamento Estratégico para o Sudeste
da Ásia e Pacífico) e o Grupo de Ataque Sul.
O objeto principal de preocupação que deu origem ao planejamento do Grupo de
Ataque Norte era a União Soviética. Era presumido que a Rússia buscaria vingança pela sua
derrota na guerra de 1904-1905, e após Stalin dar início ao Primeiro Plano Soviético dos
Cinco Anos em 1928 – que incluía o desenvolvimento dos recursos econômicos do Extremo
Oriente Soviético – os japoneses preocuparam-se com o crescente poder da URSS em suas
fronteiras ao norte da Manchúria. A ocupação total da Manchúria em 1931 colocou tropas
japonesas em novas posições fronteiriças com a União Soviética, que imediatamente
começaram a ser reforçadas.
A milenar invulnerabilidade territorial do Japão foi ameaçada pela primeira vez em
1934, quando os soviéticos anunciaram que seu novo bombardeiro quadrimotor, o Tupolev
TB-3 – classificado na época como “super-bombardeiro pesado”63 – poderia atingir o
arquipélago japonês partindo de bases na província da Sibéria. Dessa forma, o Estado-Maior
do Exército submeteu um plano operacional para uma eventual guerra contra a URSS:
1. Das estimadas forças mobilizáveis de 30 divisões de infantaria64 totalmente equipadas,
cerca de 24 estariam comprometidas para operações contra a União Soviética;
2. Grande importância deve ser dada às operações aéreas desde o princípio da guerra;
3. O Japão deve procurar guerrear em solo soviético desde o começo das hostilidades;
4. O eixo principal da ofensiva deve ser para leste, partindo da Manchúria;
5. Bases de submarinos e bombardeiros que possam atacar o Japão devem ser eliminadas
prioritariamente;
6. Após o sucesso das operações a leste, as forças devem ser realocadas numa ofensiva
ao norte, cujo objetivo é o distrito do Lago Baikal.
A preocupação do Estado-Maior do Exército era agora tentar antecipar os movimentos
do Exército Vermelho na região. Estimava-se que os soviéticos pudessem colocar em campo
55 ou 60 divisões, lançando ataques simultâneos a leste, norte e oeste da Manchúria. O modo
de terminar a guerra também era uma grande preocupação, visto que a URSS era tido como
um país de extensão territorial ilimitada, cuja ocupação total não era possível.
63
“Bombardeiro Pesado” é um termo utilizado, antes e durante a Segunda Guerra Mundial, para designar
grandes aeronaves com alta capacidade de carregamento de bombas e com autonomia para alcançar alvos de
longa distância.
64
Divisão é uma formação militar que consiste geralmente de 10.000 a 30.000 homens.
72
Dessa forma, o plano do Exército incluía também o uso de uma ofensiva política
desestabilizadora, utilizando povos asiáticos que vivam na Sibéria contra o poder central de
Moscou. A ideia era incentivar uma rebelião desses povos, gerando uma “confrontação de
raças”. Tal conceito foi utilizado com sucesso pelos alemães em pequena escala durante a
invasão da União Soviética em 1941, mas em escala relativamente pequena.
A assinatura do Pacto Anti-Comintern65 com a Alemanha em 1936 abriu caminho para
outra possibilidade: uma guerra russo-alemã na qual o Japão pudesse tomar vantagem. Nessa
perspectiva, o Japão usaria sua força acumulada na Manchúria contra a União Soviética caso a
guerra favorecesse a Alemanha. O Exército Imperial previu – acertadamente – que a
Alemanha iniciaria uma ofensiva contra a União Soviética em 1941 ou 1942. Caso o decurso
dessa conflagração favorecesse os alemães, os soviéticos teriam que transferir de 20 a 30
divisões do Extremo Oriente para o teatro de operações europeu, criando as condições
essenciais para uma ofensiva japonesa.
Tal plano, entretanto, tinha suas falhas. Havia sérias dúvidas quanto à capacidade do
Exército Imperial de manter uma ofensiva durante o rigoroso inverno siberiano. Afinal, o
equipamento do Exército havia sido desenvolvido para rápidas operações de movimento
contra a União Soviética: armas leves, grupamentos blindados leves, cavalaria e extensas
cadeias de logística – um conjunto sensível ao frio extremo.
Mas o verdadeiro início do abandono do Grupo de Ataque Norte deu-se em julho de
1938, na Batalha do Lago Khasan. O Japão dizia que a URSS ocupava irregularmente duas
colinas a oeste do Lago Khasan, perto de Vladivostok, e após uma recusa de Moscou em
retirar-se dos locais, os japoneses atacaram as posições em 29 de julho. Após um recuo
inicial, os soviéticos conseguiram repelir novamente os japoneses de volta à fronteira inicial
no dia 11 de agosto. Essa derrota levou certa preocupação ao Estado-Maior do Exército, mas a
disposição em enfrentar a União Soviética não foi quebrada.
Os planos de guerra contra a União Soviética somente foram abandonados após a
Batalha de Khalkin-Gol, lutada entre maio e setembro de 1939. Desta vez, a disputa
fronteiriça se deu entre o governo de Manchukuo (o governo-fantoche estabelecido pelo Japão
na Manchúria) e a Mongólia, então aliada da URSS, pela posse de áreas ao longo do Rio
Khalkin-Gol66. A contenda trouxe os principais aliados de cada lado para o campo de batalha,
e pela primeira vez os japoneses averiguaram que uma arma do Exército Vermelho era-lhes
65
Pacto que repudiava a Internacional Comunista, reconhecendo seus objetivos como nocivos à natureza das
nações.
66
Rio localizado ao norte da China e a leste da Mongólia.
73
muito superior: a força soviética de tanques. Como já dito, o Japão moldara seu Exército
numa força leve e móvel, para ataques rápidos – e isso refletiu diretamente no projeto de seus
tanques. Havia também o problema da escassez de aço para construção de tanques pesados,
que consumiam muita matéria-prima. Os soviéticos, por seu lado, desenvolveram uma
numerosa força de tanques pesados67 que – como os alemães descobririam mais tarde – era
virtualmente inexpugnável. A definitiva derrota do Exército Imperial em Khalkin-Gol expôs
as fragilidades japonesas numa luta de grande escala contra a União Soviética, e abriu espaço
para manobras diplomáticas que culminaram na assinatura do Pacto de Não-Agressão NipoSoviético de abril de 1941.
Mesmo quando a Operação Barbarossa68 parecia estar atingindo seus objetivos finais
nos últimos meses de 1941, o governo japonês optou por não entrar em conflito com a União
Soviética, pois já perseguia ativamente a execução do plano do Grupo de Ataque Sul.
O Grupo de Ataque Sul baseava-se inicialmente numa doutrina vaga de expansão
territorial em direção aos territórios do sudeste da Ásia e do Pacífico. Com a industrialização
do Japão no início do século XX veio a crescente dependência de matérias-primas importadas,
e dessa forma o governo viu que poderia ser necessário algum dia proteger tal fluxo de
suprimentos – mesmo que pela força. Dessa forma, a Marinha Imperial divisou o Grupo de
Ataque Sul como uma forma de tomar controle das riquezas que eram necessárias para o
contínuo crescimento do Império Japonês, mas que estavam em poder das potências
ocidentais.
Como resultado da Primeira Guerra Mundial, o Japão pôde tomar posse de territórios
na região do Pacífico, pertencentes anteriormente ao Segundo Reich Alemão. Desta forma, as
Ilhas Carolinas, Ilhas Marshall, Ilhas Marianas e Palau passaram para o controle japonês a
partir de 1919. O crescimento da Marinha Imperial era inevitável para proteger os novos
domínios, bem como manter o status de potência regional.
Contudo, o Tratado Naval de Washington, assinado em 1923 pelos Estados Unidos,
Grã-Bretanha, França, Itália e Japão, restringiu a tonelagem máxima de couraçados69 e portaaviões a serem construídos por esses países. Também estabeleceu que o Japão ficaria proibido
de construir fortificações em suas novas possessões no Pacífico. A assinatura deste tratado
pelo governo ia diretamente contra o interesse dos militares, que tinham influência crescente
67
“Tanque Pesado” é um termo utilizado para designar veículos blindados de combate com armamento de maior
calibre e blindagem de maior espessura que os modelos considerados “leves” ou “médios”.
68
Invasão da União Soviética pela Alemanha, iniciada em 22 de junho de 1941.
69
Tipo de navio altamente blindado e com uma bateria principal de canhões de grosso calibre, sendo maiores e
mais bem-armados que cruzadores e destróieres. Surgiram no começo do século XX com o HMS Dreadnought,
da Marinha Inglesa. Atualmente estão em desuso.
74
na direção política tomada pelo país. Esse interesse foi ainda mais prejudicado pela ratificação
do Tratado Naval de Londres, em 1930. Com a aceitação deste acordo, o governo japonês
aceitava restringir o calibre de seus canhões navais, o que foi considerado um ultraje e
culminou no assassinato do Primeiro-Ministro Tsuyoshi Inukai em 15 de maio de 1932 –
terminando de vez com o controle civil da política japonesa.
O irrompimento da Segunda Guerra Sino-Japonesa em julho de 1937 e o fato de o
Japão ter-se retirado da Liga das Nações em março de 1933 fez com que o país angariasse
rivalidades com as potencias ocidentais. Desse ponto em diante, o governo japonês previu que
em pouco tempo teria que iniciar ações ofensivas para assegurar suas rotas de fornecimento
de matéria-prima e sua zona de influência. O anúncio público em 1940, feito pelo PrimeiroMinistro Fumimaro Konoe, da política nacional de criação da Esfera de Co-Prosperidade PanAsiática, não permitia o recuo territorial nas possessões japonesas já conquistadas na China, e
nem o decréscimo de seu poderio militar.
Tal realidade ia diretamente contra os interesses das potências ocidentais que, já
envolvidas na guerra contra a Alemanha, não desejavam correr o risco de ter suas colônias
asiáticas – preciosas fontes de matérias-primas – perdidas para o Império do Japão (que, após
a assinatura do Pacto Tripartite em 27 de setembro de 1940, tornou-se o mais novo aliado
formal de Hitler). Sendo assim, os Estados Unidos, a Austrália, a Grã-Bretanha e a Holanda
impuseram um embargo de minério de ferro, aço e petróleo ao Japão, enquanto este não
renunciasse à política militarista.
O embargo colocou o Japão na posição – já antecipada – de inevitabilidade da abertura
de hostilidades, visto que qualquer recuo era tido como uma desgraça nacional. Como 80% do
óleo para consumo doméstico provinham de importações, o governo viu o embargo como um
ato de agressão, já que significava a virtual paralisação de sua indústria e forças armadas. Foi
iniciada então a preparação de um plano estratégico de guerra contra as potências ocidentais.
Em linhas gerais, a Grande Estratégia70 japonesa previa um ataque rápido com
conquistas consecutivas dos territórios do sudeste asiático e do Pacifico, formando um grande
“cinturão de defesa” que, teoricamente, impossibilitaria ações ofensivas contra o Japão e
forçaria os inimigos à mesa de negociação. Um ataque preemptivo aos Estados Unidos seria
necessário, por duas razões: seu relacionamento próximo com a Grã-Bretanha e sua ocupação
territorial das Filipinas, cuja produção de borracha era considerada um alvo primário.
70
Grande Estratégia é a maneira de utilizar todos os instrumentos de poder disponíveis de uma nação ou bloco,
calculando seus recursos humanos e econômicos, para atingir os objetivos desejados.
75
Dividida em “Plano Leste” e “Plano Sul”, a Grande Estratégia para o Grupo de Ataque
Sul previa:
Plano Leste:
•
Ataque inicial à Frota Norte-Americana do Pacífico em Pearl Harbor, Havaí, com
aeronaves baseadas em porta-aviões da Frota Combinada71;
•
Seguir esse ataque com:
o Tomada das Filipinas;
o Cortar as linhas de comunicação norte-americanas com a tomada de Guam e
Wake.
Plano Sul:
•
Ataque à Malásia e Hong Kong;
•
Seguir com ataques a:
o Arquipélago de Bismarck;
o Java;
o Sumatra;
•
Isolar a Austrália e a Nova Zelândia.
O Japão esperava que nem a Grã-Bretanha nem a União Soviética fossem capazes de
responder efetivamente a esses ataques, visto que ambas as nações estavam ameaçadas em
grande medida pela Alemanha. Não existe evidência de que o Japão esperasse derrotar os
Estados Unidos; na verdade, após a conclusão dos ataques planejados, a instrução era
estabelecer posições defensivas e aguardar uma paz negociada.
O ataque planejado pelo Almirante Isoroku Yamamoto previa uma ofensiva aeronaval
contra a Frota Norte-Americana do Pacífico ancorada em Pearl Harbor, no Havaí, porque esta
era considerada a única força capaz de fazer frente ao Japão naquele teatro de operações. A
aniquilação da Frota Americana daria, segundo os (acertados) cálculos de Yamamoto, seis
meses de hegemonia japonesa do Pacífico, tempo suficiente para que todas as conquistas
planejadas fossem realizadas.
A autorização final dada em novembro de 1941 designou seis porta-aviões japoneses
como elemento principal da força-tarefa que navegaria até o Havaí – em completo silêncio de
71
Componente da Marinha Imperial Japonesa designado para grandes operações oceânicas.
76
rádio para obter surpresa total. As ofensivas foram coordenadas por toda a área do Pacífico e
sudeste asiático para acontecerem em simultaneidade com o ataque ao Havaí. Desta forma, o
plano de defesa nacional com base no Grupo de Ataque Sul foi decisivamente posto em ação
no dia 7 de dezembro de 1941.
77
APÊNDICE B
Estrutura Orgânica da 20ª Força Aérea
Gen. Arnold
XXI Comando
de Bombardeio
73ª Ala de
Bombardeio
XX Comando
de Bombardeio
58ª Ala de
Bombardeio
314ª Ala de
Bombardeio
313ª Ala de
Bombardeio
315ª Ala de
Bombardeio
•
58ª Ala de Bombardeio - 40º, 444º, 462º e 468º Grupos de Bombardeio.
•
73ª Ala de Bombardeio - 497º, 498º, 499º e 500º Grupos de Bombardeio.
•
313ª Ala de Bombardeio - 6º, 9º, 504º, 505º e 509º Grupos de Bombardeio.
•
314ª Ala de Bombardeio - 19º, 29º, 39º e 330º Grupos de Bombardeio.
•
315ª Ala de Bombardeio - 16º, 331º, 501º e 502º Grupos de Bombardeio.
78
ANEXO A
Boeing B-29 Superfortress
Foto 1 - Linha de produção do B-29 na fábrica da Boeing em Renton, Washington. (DAVIS: 1997, p.20)
Foto 2 - B-29 "Yokohama Yo-Yo". (BIRDSALL:1980, p.27)
79
Foto 3 - Ângulo frontal do Superfortress. (BIRDSALL:1980,p.29)
Foto 4 - B-29 "Yokohama Yo-Yo" em aproximação para pouso. (BIRDSALL:1980,p.26)
Foto 5 - Estação do artilheiro de cauda, com duas metralhadoras 12,7mm e um canhão de 20 mm.
(BIRDSALL:1980,p.20)
80
Foto 6 - Torre superior-traseira, com duas metralhadoras 12,7 mm. (BIRDSALL:1980,p.21)
Foto 7 - Torre inferior-frontal e os compartimentos de bombas. (BIRDSALL:1980,p.21)
81
Foto 8 - B-29 do 468º Grupo de Bombardeio acidentado em Iwo Jima. (BIRDSALL:1980,p.24)
Foto 9 - Lote de bombas incendiárias pronto para ser carregado no B-29. (BIRDSALL:1980,p.14)
Foto 10 - Vista geral da pista norte em Guam, abril de 1945. (BIRDSALL:1980,p.13)
82
Foto 11 - B-29s voam impunes pelo Monte Fuji, no Japão: um símbolo do poderio aéreo estratégico dos
Estados Unidos. (DORR:2002,p.27)
Foto 12 - Jim Pattillo, Maurie Ashland e Ben Nicks, os pilotos de B-29 que auxiliaram este trabalho.
(ARQUIVO PESSOAL DE JÚLIO CÉSAR GUEDES ANTUNES)
83
ANEXO B
Mapa do Teatro de Operações do Pacífico Ocidental
Mapa 1 - (SMITH: 1995,p.5)
84
ANEXO C
Aeronaves da Força Aérea do Exército Imperial Japonês
Foto 13 - Nakajima Ki-43 Hayabusa ("Oscar") do Cap. Hideo Miyabe. 64º Sentai – Birmânia, 1944.
(SAKAIDA:1997,p.42)
Foto 14 - Nakajima Ki-44 Shoki ("Tojo") do Cap. Yoshio Yoshida. 3º Chutai/70º Sentai – Japão, junho de
1945. (SAKAIDA:1997,p.44)
Foto 15 - Kawasaki Ki-45 Toryu ("Nick") do Tenente Isamu Kashiide. 2º Chutai/4º Sentai – Japão, 19441945. (SAKAIDA:1997,p.46)
85
Foto 16 - Kawasaki Ki-61 Hien ("Tony") do Capitão Teruhiko Kobayashi. 244º Sentai – Japão, janeiro de
1945. (SAKAIDA:1997,p.47)
Foto 17 - Nakajima Ki-84 Hayate ("Frank") do Capitão Tomojiro Ogawa. 1º Chutai/103º Sentai – Japão,
janeiro de 1945. (SAKAIDA:1997,p.49)

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