o que compreendem? que dificuldades apresentam?

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o que compreendem? que dificuldades apresentam?
O RACICÍNIO MULTIPLICATIVO DE CRIANÇAS DE 3ª E 5ª SÉRIES: O
QUE COMPREENDEM? QUE DIFICULDADES APRESENTAM?1
Ana Coelho Vieira Selva
Rute Elizabete de Souza Rosa Borba
Universidade Federal de Pernambuco
[email protected]; [email protected]
Tânia Campos
Uniban Brasil
[email protected]
Dayse Bivar da Silva
Maria Neuza P. Ferreira
Maria Helena Tavares de Luna
Universidade Federal de Pernambuco
RESUMO
Esta pesquisa investigou como crianças da 3ª e 5ª séries do Ensino
Fundamental resolvem diferentes tipos de problemas de estrutura
multiplicativa, as dificuldades e estratégias apresentadas. Participaram 180
crianças do Ensino Fundamental, sendo 90 alunos da 3ª série e 90 da 5ª
série. Cada estudante resolveu dez problemas dos seguintes tipos:
Multiplicação, Divisão partitiva, Divisão por quotas, Produto Cartesiano
direto e Produto Cartesiano inverso. Problemas de multiplicação e de
divisão partitiva foram mais fáceis para os alunos. Problemas de produto
cartesiano foram mais difíceis, principalmente os inversos. O uso de
desenhos para representar os dados foi mais freqüente entre os
estudantes da 3ª. série e favoreceu o desempenho dos mesmos. Os dados
indicam a importância de se trabalhar com diferentes tipos de problemas
em sala de aula, bem como focalizar intervenções que analisem as
diferentes estruturas dos problemas multiplicativos.
Palavras-chave: estrutura multiplicativa, ensino fundamental, estratégias.
1
Esta pesquisa recebeu financiamento do PROCAD/CAPES, nº 0145050 e da
UFPE/PROPESQ/PIBIC.
1. Introdução
É muito comum na escola o desenvolvimento da concepção da multiplicação através
da adição repetida. Embora alguns aspectos relativos à adição constituem a base da
multiplicação, a sua compreensão perpassa o uso do raciocínio aditivo porque a criança
precisa aprender e compreender um novo conjunto de sentidos de números e de invariáveis.
Nessa perspectiva, Nunes e Bryant (1997) e Nunes, Campos, Magina e Bryant
(2001) apontam uma diferença básica entre o raciocínio multiplicativo e aditivo. O raciocínio
aditivo se refere à relação parte-todo enquanto que o multiplicativo tem como base a relação
fixa entre duas variáveis (grandezas ou quantidades). Para ilustrar essa reflexão buscamos
um exemplo de problema multiplicativo:
Uma bandeja de ovos contém 12 ovos; quantos ovos há em 5 bandejas?
Neste exemplo, as variáveis são os números de bandejas e o número de ovos e há
uma relação fixa entre elas de 12 ovos em cada bandeja. Esta relação um-para-muitos
caracteriza o problema como multiplicativo e não aditivo.
Na análise específica do campo das estruturas multiplicativas, Nunes e Bryant (1997)
distinguem três tipos diferentes de situações multiplicativas: Correspondência um-paramuitos; situações que envolvem relações entre variáveis e situações que envolvem
distribuições e cortes sucessivos.
A estrutura do tipo correspondência um-para-muitos consiste numa situação que
envolve uma relação constante entre dois conjuntos, sendo esta a base para um novo
conceito matemático, o conceito de Proporção. A situação anterior de bandejas de ovos é
um exemplo deste tipo de problema. Problemas de produto cartesiano também são
classificados por Nunes e Bryant (1997) como sendo de correspondência um-para-muitos.
Um exemplo seria o número de conjuntos que podem ser formados com 3 saias e 4 blusas.
Neste caso, com uma saia, junto com cada uma das blusas, pode-se formar 4 conjuntos
distintos. Se há 3 saias, 12 conjuntos distintos podem ser formados. A diferença entre as
situações das bandejas de ovos e a dos conjuntos de saias e blusas é que na primeira a
relação um-para-muitos é explícita, enquanto na dos conjuntos esta relação é implícita.
O segundo tipo de estrutura descrita pelos autores - Situações que envolvem
relações entre variáveis - consiste num fator, função ou terceira variável que se conecta as
duas variáveis. Ex: Maria foi ao supermercado comprar 4 kg de feijão. Cada quilo custa R$
2,00. Quanto Maria pagou pelos 4 kg?
Tem-se nesta situação:
1ª variável: quantidade de feijão
2ª variável: quantidade de dinheiro
3ª variável: preço por quilo.
Observa-se que o preço por quilo aparece como um número novo de natureza
diferenciada porque ele se refere à relação preço e peso em vez de quantidades de feijão e
quantidades de dinheiro.
As situações que envolvem distribuições e cortes sucessivos – terceiro tipo de
problemas apontados por Nunes e Bryant (1997) - referem-se à distribuição equitativa de um
conjunto entre um numero de receptores. Ex: Há 36 doces para serem distribuídos entre 6
crianças. Quantos doces cada criança receberá?
Além da variedade de tipos de problemas multiplicativos também devemos
considerar que outro fator importante é o tipo de relação multiplicativa, se direta ou inversa.
As situações apresentadas anteriormente são situações diretas e, como exemplos de
relações inversas, tem-se: 1) Se há 60 ovos em bandejas nas quais cabem 12 ovos cada,
quantas são as bandejas?; 2) Se 36 conjuntos de saias e blusas foram formados e há 3
saias, quantas são as blusas?
Estudos realizados por Selva, Borba, Magina, Spinillo, Gomes-Ferreira e Campos
(2006) e Nunes e Bryant (1997) mostram que as situações multiplicativas que apresentam
relações diretas entre as variáveis dos problemas são mais fáceis de serem resolvidas do
que problemas de relações inversas.
Um terceiro aspecto a ser observado ainda nos problemas multiplicativos consiste na
explicitação, ou não, da relação um para muitos. Selva, Borba, Magina, Spinillo, GomesFerreira e Campos (2006) observaram que nos problemas em que a relação um-para-muitos
está implícita os estudantes apresentam maiores dificuldades. Um aspecto não focalizado
por esses autores foi verificar os tipos de estratégias utilizados pelos estudantes por tipo de
problema, possibilitando que se compreenda o desenvolvimento do raciocínio utilizado nas
diferentes situações multiplicativas.
Esta breve abordagem realizada acima sobre as diferentes situações multiplicativas
parece indicar que existem diferentes tipos de situações multiplicativas que devem ser
propostas para as crianças e que tais situações podem envolver diferentes níveis de
complexidade no raciocínio multiplicativo. Um estudo nesta direção foi realizado por Pessoa,
Silva e Matos Filho (2005). Eles analisaram a resolução de alguns tipos de problemas
multiplicativos por crianças de 3ª e 5ª séries. A análise realizado focou as dificuldades de
desempenho dos alunos no cálculo relacional (compreensão das relações envolvidas no
problema) e no cálculo numérico. Os resultados mostraram maior dificuldade na
compreensão nos problemas de produto cartesiano, mas também grandes dificuldades no
uso dos algoritmos. As conclusões mostram a importância de um trabalho mais efetivo por
parte do professor na compreensão das relações envolvidas nos problemas. É importante
salientar, no entanto, que o estudo não contemplou todas as categorias de problemas, bem
como suas variações em termos de relações diretas ou inversas.
O presente estudo tem por objetivo analisar o desempenho de estudantes do Ensino
Fundamental (3ª. e 5ª. séries) resolvendo diferentes problemas multiplicativos, analisandose as estratégias utilizadas de forma a comprendermos melhor o desenvolvimento da
compreensão de problemas multiplicativos por parte das crianças.
2. Método
Participaram da pesquisa 90 crianças da 3ª série e 90 crianças da 5ª série de
escolas públicas do Município de Recife. Os alunos resolveram 10 problemas de estrutura
multiplicativa envolvendo o esquema de correspondência um para muitos, embora com
estruturas variadas (multiplicação, divisão partitiva, divisão por quotas, produto cartesiano
direto e produto cartesiano inverso). Exemplos de cada tipo de problemas são
apresentados, a seguir:
Problema Multiplicação:
O supermercado “PreçoCerto” organiza os sabonetes em pacotes com 4 sabonetes cada. Na
prateleira tem 9 pacotes. Quantos sabonetes estão à venda?
SÓ HOJE!
SABONETES EM
PROMOÇÃO!
APROVEITE!
Problema de divisão partitiva:
Para enfeitar a loja no Natal, Seu Marcos comprou 7 árvores de Natal e 56 bolas vermelhas.
Ele quer enfeitar cada árvore com a mesma quantidade de bolas. Quantas bolas ele vai colocar em
cada árvore?
Problema de divisão por quotas:
No campeonato de vôlei de uma escola se inscreveram 48 crianças. Cada time é formado por
6 crianças. Quantos times irão disputar o campeonato?
Problema de produto cartesiano direto:
O restaurante “QDelicia” serve vários tipos de pratos prontos (Prato quente e sobremesa). Se
há 6 opções de pratos quentes e 4 opções de sobremesa, quantos tipos de pratos prontos o
restaurante serve? “Prato Pronto: Prato quente e sobremesa”
Escolha sua opção!
Pratos quentes
Bife
Filé
Frango
Macarronada
Peixe
Sopa
Sobremesa
Bolo
Doce de goiaba
Salada de
frutas
Sorvete
Problema de produto cartesiano –relação inversa
Na sorveteria “Friofrio” você escolhe o sabor e a calda do seu sorvete. Há 4 tipos de caldas:
chocolate, morango, caramelo e ameixa e ao todo tem-se 32 opções diferentes de sorvete. Quantos
sabores diferentes são oferecidos?
A avaliação consistia de dois problemas de cada um dos tipos. Os problemas foram
apresentados de forma coletiva, na sala de aula. A ordem de apresentação dos problemas
foi a seguinte: P1 – divisão partitiva; P2 – produto cartesiano direto; P3 – multiplicação; P4
divisão por quotição; P5 – produto cartesiano inverso; P6 – divisão por quotas; P7 – divisão
partitiva; P8 – multiplicação; P9 - produto cartesiano inverso; P10 - produto cartesiano
direto.
Os alunos tiveram à disposição apenas lápis e papel ao resolverem individualmente
os problemas.
3. Resultados e Discussão
Os dados obtidos apontam quais as estratégias e dificuldades mais freqüentes na
resolução de problemas envolvendo diferentes estruturas multiplicativas por crianças de 3ª e
5ª séries.
A Tabela 1, abaixo, apresenta o percentual de acertos por tipo de problema. De
modo geral, podemos observar que estudantes de 3ª. e 5ª. Séries ainda apresentam
dificuldades na resolução de problemas multiplicativos, mesmo aqueles considerados na
literatura como mais simples. Constatamos, ainda, que tanto na 3ª como na 5ª série, o
percentual de acertos nos problemas de partição foi superior aos demais problemas
propostos. Mesmo assim, o índice de acertos se mantém próximo neste tipo de problema e
nos problemas de multiplicação e de divisão por quotas. Contudo, notamos que nos
problemas de produto cartesiano diretos e, principalmente, nos problemas de produto
cartesiano inversos, o percentual de acerto é bem mais baixo.
Tabela 1: Percentual de acerto por tipo de problema da 3ª e 5ª séries
Tipo de Problema
3ª. série
5ª série
Multiplicação
62,22
58,89
Divisão partitiva
70,56
67,78
Divisão por quotas
65
62,22
Produto cartesiano direto
59,44
40,56
Produto cartesiano inverso
31,11
15
Os dados foram analisados através de uma análise de variância ANOVA, que teve
como variável independente a série e como variável dependente, o desempenho dos
estudantes.Observando cada uma das séries analisadas, podemos constatar que nos
problemas de multiplicação, divisão por partição e divisão por quotas há pouca diferença
entre o desempenho dos alunos de 3ª. e 5ª. série, sendo, inclusive, favorável aos alunos da
3ª. série. Estas diferenças, entretanto não se mostraram significativas. No entanto, nos
problemas de produto cartesiano, em que ambas as séries apresentaram maiores
dificuldades, devemos ressaltar a diferença significativa de desempenho entre as séries,
sendo o desempenho dos alunos da 3ª. Série bem superior ao dos alunos da 5ª. Série,
principalmente nos problemas inversos (F(10,432), df=1, p=0.001 para os problemas diretos
e F(16,839), df=1, p<0.001, para os problemas inversos).
Estes dados são surpreendentes, pois o esperado seria o inverso, que alunos com
mais tempo de escolarização estivessem mais preparados para resolverem problemas mais
complexos. Além disto, como já observamos acima, também poderíamos esperar que os
problemas com relações diretas já fossem resolvidos com facilidade pela grande maioria dos
alunos da 5ª. Série.
Em relação às estratégias utilizadas, encontramos 17 estratégias diferentes. A
Tabela 2, a seguir, apresenta as principais estratégias utilizadas:
Tabela 2: Percentual de uso de estratégias por tipo de problema e série
Estratégias
Desenhar
e
Distribuir
Algoritmo da
Divisão
Desenhar
o
todo e agrupar
Adição
e
subtração
repetida
Algoritmo
Multiplicativo
Árvore
das
Possibilidades
Adição
e
subtração dos
dados
Representação
Direta através
de desenhos
Estratégia
Mental
Desenha
a
cota até atingir
o todo
Dá
como
resposta
um
dos dados
Decompõe o
valor maior
Registra uma
operação e
efetua outra
Não
identificada
Partição
Quotição
Multiplicação
Prod.
Cart.
Prod.
Relação
Relação
Direta
inversa
Cart.
3ª.
5ª.
3ª.
5ª.
3ª.
5ª.
3ª.
5ª.
3ª.
5ª.
9,8
6,5
0
0
0
0
0,6
0
0
0
11,3
49,7
8,2
39,4
0
1,1
0
1,1
4,4
16,3
42,3
12,4
33,7
6,9
0
0
0
0
19,6
1,7
0,5
3,3
1,1
3,7
8,6
11,4
9,7
0,6
23,9
1,1
2,6
6
3,3
16
21,4
48,9
23,1
39,4
14,6
43,5
0
0
0
0
0
0
3,8
0
0
0
1,6
2,7
3,9
4,3
3,2
14,7
12,9
31,2
2,7
10,3
1,1
1,1
2,7
4,8
42,3
3,8
24,7
0
3,3
0
2,1
2,7
0,6
1,1
1,1
2,2
0,6
1,1
0
1,1
4,6
0
15,2
0
0
0
0
0
0,6
0
2,06
0
4,4
0
0,6
0
3,8
2,8
2,7
1,7
1,1
1,6
0,6
3,2
0
0
0
0
0
0
4,1
2,2
2,2
1,6
1,1
1,1
0,6
0
0
1,7
17
12
24,4
19,7
21,9
16,9
20,4
25
28,3
22,8
Observando a Tabela 2, acima, verificamos que nos problemas de divisão partitiva,
as estratégias mais utilizadas pelos alunos da 3ª série e 5ª. séries foram a representação do
todo agrupando por quotas e o algoritmo da divisão.
Um exemplo da estratégia de
agrupamento por quotas, mais utilizada pelos alunos da 3ª. série, é apresentado abaixo:
Exemplo da estratégia de divisão por quotas:
Devemos considerar que a representação do todo e divisão nas quotas e a
distribuição um-a-um são estratégias em que as crianças usam desenhos para representar
as quantidades dadas nos problemas. Do ponto de vista da representação do problema, nos
problemas de divisão partitiva, a estratégia de distribuição um-a-um seria uma estratégia
mais direta, pois a crianças representariam o todo (valor dado no problema) e distribuiriam
um-a-um este todo para uma quantidade dada de porções. É interessante que neste tipo de
problema, os alunos tenham preferido usar a estratégia de ao desenhar o todo, separar as
quotas (mais típica dos problemas de divisão por quotas) ao invés da distribuição um-a-um,
pois já pode demonstrar uma compreensão mais integrada da divisão, em que o valor de
cada parte (dado no problema) pode ser representado no desenho como valor da quota (o
que na verdade era o solicitado pelo problema para ser obtido!).
É interessante, também, notar na Tabela 2, que enquanto as crianças de 3ª. série
utilizaram principalmente a estratégia de representar o todo e agrupar nas quotas (42,3%),
na 5ª série, há uma queda no uso desta estratégia (12,4%) e um aumento no percentual de
uso do algoritmo da divisão (11,3% na 3ª. série e 49,7% na 5ª. série). Estes dados sugerem
uma influência da escolarização na escolha de estratégias por parte dos estudantes, que
vão se apropriando de procedimentos mais formais e econômicos para resolução de
problemas multiplicativos.
Esta preferência pelo uso do algoritmo da divisão, entre os estudantes da 5ª série,
manteve-se nos problemas de divisão por quotas, que também passaram a utilizar com mais
freqüência, o algoritmo da multiplicação. Os estudantes da 3ª série permaneceram usando
com mais freqüência a estratégia de desenhar o todo e agrupar de acordo com a quota,
podendo também usar o inverso, desenhar a quota até atingir o todo.
Um exemplo de estratégia de desenhar a quota até atingir o todo é apresentado
abaixo:
Nos problemas de multiplicação, observamos, na 3ª série, um maior percentual de
uso da estratégia de representação direta através de desenhos, seguido do uso do algoritmo
da multiplicação. Já os estudantes da 5ª série apresentam um maior percentual de uso do
algoritmo da multiplicação, reforçando os dados mostrados nos problemas de divisão que
sugerem uma influência da escolaridade na escolha das estratégias.
Apresentamos, abaixo, um exemplo de estratégia de representação direta através de
desenhos, utilizada por um aluno da 3ª série:
Ainda devemos atentar, como mostra a Tabela 2, que 14,7% das estratégias
utilizadas na resolução de problemas de multiplicação foram de uso da adição dos valores
constantes no problema, o gerou o erro de muitos alunos.
Este dado indica que a
necessidade de focalizar no trabalho com problemas multiplicativos, as diferenças que tais
tipos de problemas apresentam em relação aos problemas aditivos.
Na resolução dos problemas de produto cartesiano direto por alunos da 3ª série
constatou-se, principalmente, a utilização da estratégia de representação direta dos grupos
em desenhos (24,7%) e do algoritmo multiplicativo (23,1%). O erro mais freqüente foi de
realizar uma adição ou subtração dos dados do problema (12,9%). Na 5ª série, o algoritmo
multiplicativo foi a estratégia mais utilizada (39,4%). Entretanto, o mesmo tipo de erro
observado na 3ª série, de adicionar ou subtrair os dados do problema, é ainda bastante
presente entre alunos da 5ª série (31,2% de uso desta estratégia).
Comparando estes resultados com os resultados com os observados na Tabela 2,
compreendemos porque os alunos da 3ª. série apresentaram desempenhos superiores aos
da 5ª. Série. Enquanto os alunos da 3ª. série, talvez ainda com alguma dificuldade na
escolha do algoritmo adequado para resolver o problema, ainda optaram por um estratégia
de representação em desenhos que garantia a compreensão das relações envolvidas no
problema, alunos da 5ª série buscavam prioritariamente o uso de algoritmos, conforme
podemos observar na Tabela 2. Assim, quando estes alunos da 5ª série apresentavam
dificuldades na escolha do algoritmo correto para a resolução do problema, a opção deles
era pela escolha de outro algoritmo e não por buscar estratégias que lhes facilitasse a
compreensão do problema.
Estes resultados são preocupantes, pois sugerem uma grande influência da
escolarização na valorização das ferramentas formais de resolução em detrimento à
compreensão das relações envolvidas no problemas.
Comparando-se a escolha de estratégias por parte de alunos da 3ª e da 5ª séries
nos problemas de produto cartesiano inverso, observamos, na Tabela 2, que os alunos da 3ª
série utilizaram principalmente as estratégias de adição repetida, de desenhar o todo e
agrupar, e o algoritmo multiplicativo. Na 5ª série, as estratégias mais utilizadas pelos alunos
foram o algoritmo multiplicativo e o algoritmo da divisão.
É interessante notar que o uso da multiplicação dos valores dados no problema, nos
problemas de produto cartesiano inverso, conduzem ao erro. Este fato pode também
explicar o maior sucesso dos alunos da 3ª série neste tipo de problema. Aliado a isto devese reforçar o uso, por parte dos estudantes da 3ª série, da estratégia de representação em
desenhos (19,6% de uso) que, apesar de mais trabalhosa, permitiu que eles pudessem
acompanhar as relações envolvidas no problema.
Vale ainda salientar o grande percentual encontrado de estratégias não identificadas
em ambas as séries, que juntamente com as estratégias inadequadas, parecem indicar a
existência de um grande número de alunos que ainda apresentam dificuldades na resoluão
de problemas multiplicativos.
4. Conclusão
Os resultados obtidos mostraram que estudantes de 3ª e 5ª séries ainda apresentam
dificuldades na resolução de problemas multiplicativos, mesmo aqueles considerados
simples (multiplicação, divisão partitiva e divisão por quotas). Grande parte das dificuldades
parece recair na falta de compreensão das relações multiplicativas envolvidas nos
problemas propostos que os leva a resolver tais problemas por meio de uma adição ou
subtração simples. Estes dados confirmam a importância dada por Nunes e Bryant (1997)
para a distinção entre as relações envolvidas nas estruturas aditivas e nas estruturas
multiplicativas, que, infelizmente, muitas vezes não são trabalhadas em sala de aula.
Também devemos considerar que nos problemas mais complexos, os de produto
cartesiano, as crianças de 3ª. série apresentaram um desempenho superior aos estudantes
da 5ª série. O que pode justificar essa diferença significativa de desempenho? Será que a
escola não está cumprindo o seu papel? A análise das estratégias parece nos encaminhar
para a hipótese de que as crianças da 3ª série, por não terem tido o ensino formal sobre
problemas de combinação, recorreram a estratégias de representação dos dados do
problema através de desenhos que permitiram que resolvessem os problemas
adequadamente. As crianças de 5ª. série, ao se depararem com as situações propostas, por
sua vez, recorreram diretamente ao uso dos algoritmos, sem maior reflexão sobre as
relações envolvidas. Desta forma, muitas vezes escolheram o algoritmo errado. Além da
escolha errada, vale à pena também salientar que na maioria das vezes não há uma
preocupação dos alunos em analisarem as respostas encontradas e verificar a adequação
ou não das mesmas. Nesta direção, Vergnaud (1983) afirma que o trabalho escolar tem se
baseado muito mais na aprendizagem de algoritmos e do que nas relações envolvidas nos
problemas.
Assim, consideramos que os dados obtidos neste estudo mostram a necessidade de
um trabalho mais freqüente em sala de aula com as diferentes situações multiplicativas,
proporcionando também aos alunos a reflexão sobre os resultados obtidos e as estratégias
utilizadas.
5. Referências
NUNES, Terezinha, BRYANT, Peter. Crianças fazendo matemática. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1997.
NUNES, Terezinha, CAMPOS, Tânia, MAGINA, Sandra & BRYANT, Peter. Introdução à
Educação Matemática. São Paulo: Proem Editora, 2001.
PESSOA, Cristiane; SILVA, Cledjane; MATOS FILHO, Maurício. Uma análise sobre a
resolução de problemas multiplicativos por alunos de 3ª. e 5ª. séries. Anais do EPENN,
2005.
SELVA, Ana; BORBA, Rute; MAGINA, Sandra; SPINILLO, Alina; GOMES-FERREIRA,
Verônica e CAMPOS, Tânia. A resolução de problemas multiplicativos por crianças das
séries iniciais do ensino fundamental – o que resolvem e por que resolvem? Anais do III
SIPEM, São Paulo, 2006.
VERGNAUD, Gerárd. Multiplicative Structures. In: LESH, Richard.; LANDAU, M. (orgs.)
Acquisition of mathematics: concepts and process. New York, Academic Press, 1983.

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