Revista DOR - Eduardo Januzzi

Transcrição

Revista DOR - Eduardo Januzzi
vol 15 • nº 1 • Jan/Fev/Mar • 2014
SUMÁRIO
Revista
DOR
Pesquisa, Clínica e Terapêutica
Revista da
Sociedade Brasileira
para o Estudo da Dor
Volume 15 – nº 1
Janeiro a Março 2014
Publicação Trimestral
DIRETORIA SBED
Biênio 2013-2014
Presidente
José Tadeu Tesseroli de Siqueira
Vice-Presidente
Durval Campos Kraychete
Diretor Científico
Alexandre Annes Henriques
Diretor Administrativo
Irimar de Paula Posso
Tesoureiro
Patrick Stump
Secretária
Monica Levy Andersen
Sociedade Brasileira
para o Estudo da Dor
Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937
Cj. 2 – Vila Mariana
04014-012 São Paulo, SP
Fone/Fax: (55) 11 5904-2881/3959
www.dor.org.br
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As citações da Revista Dor,
Pesquisa, Clínica e Terapêutica
devem ser abreviadas para Rev Dor
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pelas opiniões emitidas nos artigos.
Os anúncios publicados nesta edição
não geram conflitos de interesse.
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Indexada na LILACS
Indexada na Latindex
Publicação editada e produzida pela
MWS Design – Fone: (11) 3399-3028
Jornalista responsável
Marcelo Sassine - Mtb 22.869
Diretora de arte
Anete Salviano
EDITORIAL
Orofacial pain and the International Year_______________________________________1
As dores orofaciais e o Ano Mundial
Silvia Regina Dowgan Tesseroli de Siqueira
ARTIGOS ORIGINAIS
Viscosupplementation as a treatment of internal derangements of the temporomandibular
joint: retrospective study____________________________________________________2
Viscossuplementação como tratamento das alterações internas da
articulação temporomandibular: estudo retrospectivo
Daniel Bonotto, Eduardo Machado, Rafael Schlogel Cunali, Paulo Afonso Cunali
Importance of evaluating the presence of temporomandibular disorders in chronic pain
patients__________________________________________________________________6
A importância da avaliação da presença de disfunção
temporomandibular em pacientes com dor crônica
Luci Mara França Correia, Wagner Hummig, Taísa Adamowicz, Daniel Benzecy de Almeida
Influence of cryotherapy application time on skin sensitivity _______________________9
Influência do tempo de aplicação da crioterapia na sensibilidade cutânea
Odair Aparecido Gregório, Reywerson Cavalheiro, Rodrigo Tirelli, Andersom Ricardo Fréz,
Marinêz Boeing Ruaro, João Afonso Ruaro
Osteomuscular disorders and associated factors among solid waste collectors of two
middle-sized cities from the South of Brazil ____________________________________13
Distúrbios osteomusculares e fatores associados em coletores de lixo
de duas cidades de porte médio do sul do Brasil
Rodrigo Kohn Cardoso, Airton José Rombaldi, Marcelo Cozzensa da Silva
Prevalence of pain and associated factors in venous ulcer patients___________________17
Prevalência de dor e fatores associados em pacientes com úlcera venosa
Marina de Góes Salvetti, Isabelle Katherinne Fernandes Costa, Danielle Vieira Dantas, Camylla
Cavalcante Soares de Freitas, Quinidia Lúcia Duarte de Almeida Quithé de Vasconcelos,
Gilson de Vasconcelos Torres
Posteroanterior lumbar spine mobilizations in healthy female volunteers. Evaluation of
pain to cold and pressure: crossover clinical trial________________________________21
Mobilizações póstero-anteriores na coluna lombar em voluntárias saudáveis.
Avaliação da dor ao frio e à pressão: ensaio clínico cruzado
Jhenifer Karvat, Juliana Sobral Antunes, Gladson Ricardo Flor Bertolini
Comparison between Comfort-Behavior and Ramsay scales in a pediatric intensive care
unit ____________________________________________________________________25
Comparação entre as escalas de Comfort-Behavior e Ramsay
em uma unidade de terapia intensiva pediátrica
Marcella Zuliani Lopes Soares, Andréa Gomes da Costa Mohallem, Simone Brandi, Mariana
Lucas da Rocha Cunha
Chronic pain portrait: pain perception through the eyes of sufferers_________________30
Retrato de dores crônicas: percepção da dor através do olhar dos sofredores
Adrianna Loduca, Barbara Maria Müller, Roberta Amaral, Andrea Cristina Matheus da Silveira
Souza, Alessandra Spedo Focosi, Claudio Samuelian, Lin Tchia Yeng, Marcia Batista
EDITOR CIENTÍFICO
João Batista Santos Garcia
Universidade Federal do Maranhão, São Luiz, MA – Brasil.
EDITORA EXECUTIVA
Silvia Regina Dowgan Tesseroli de Siqueira
Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil.
CONSELHO EDITORIAL
Adrianna Loduca
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
São Paulo, SP – Brasil.
Andréa Golfarb Portnoi
Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil.
Ângela Maria Sousa
Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil.
Cibele Andrucioli de Mattos Pimenta
Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil.
Cinara Maria Camparis
Universidade Estadual Paulista. Araraquara, SP – Brasil.
Dirce Maria Navas Perissinotti
Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil.
Durval Campos Kraychete
Universidade Federal do da Bahia, Salvador, BA – Brasil.
Eduardo Grossmann
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS – Brasil.
Erich Talamoni Fonoff
Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil.
Hazem Adel Ashmawi
Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil.
Irimar de Paula Posso
Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil.
Ismar Lima Cavalcanti
Instituto Nacional de Câncer e Universidade Iguaçu,
Rio de Janeiro, RJ – Brasil.
José Tadeu Tesseroli de Siqueira
Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil.
Josenília Maria Alves Gomes
Universidade de Fortaleza, Fortaleza, CE – Brasil.
Levi Higino Jales Júnior
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN – Brasil.
Li Shih Min
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC – Brasil.
Lin Tchia Yeng
Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil.
Luiz Fernando de Oliveira
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ – Brasil.
Manoel Jacobsen Teixeira
Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil.
Marcelo Henrique Mascarenhas
Associação Brasileira de Odontologia, Seção Minas
Gerais, Belo Horizonte, MG – Brasil.
Maria Belén Salazar Posso
Universidade do Vale do Paraíba, São José dos Campos, SP – Brasil.
Miriam Seligman de Menezes
Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS – Brasil.
Mirlane Guimarães de M. Cardoso
Universidade Federal do Amazonas, Manaus, AM – Brasil.
Onofre Alves Neto
Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO – Brasil.
Oscar César Pires
Universidade de Taubaté, Taubaté, SP – Brasil.
Osvaldo José Moreira do Nascimento
Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, RJ – Brasil.
Osvandré Luiz Canfield Lech
Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, RS – Brasil.
Paulo Cesar Rodrigues Conti
Faculdade de Odontologia de Bauru, Bauru, SP – Brasil.
Rogério Teixeira da Silva
Coordenador do NEO – Núcleo de Estudos em
Esportes e Ortopedia, São Paulo, SP, Brasil.
Ruth Guinsburg
Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil.
Sergio Henrique Ferreira
Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP – Brasil.
INTERNATIONAL BOARD
Allen Finley
Dalhousie University, Halifax – Canadá.
Antoon De Laat
Catholic University of Leuven – Bélgica.
Gary M. Heir
Medicine and Dentistry University of New Jersey, New Jersey – EUA.
Jeftrey P. Okeson
Kentucky University, Lexington – EUA.
José Manoel Castro Lopes
Universidade do Porto, Porto – Portugal.
Lee Dongchul
Department of Anesthesiology and Pain Medicine
Guwol – Dong Mamdong-gu, Incheon – Korea.
Mark Jensen
Washington University, Washington – USA.
Ricardo Plancarte Sánchez
Instituto Nacional de Cancerologia, México – México
COORDENAÇÃO EDITORIAL
Evanilde Bronholi de Andrade
Postoperative analgesia by non-specialists in pain_______________________________36
Analgesia pós-operatória por não especialistas em dor
Beatriz Locks Bidese, Karinne Akemi Sakuma, Ayrton de Andrade Júnior, Maria Cristina
Sartor
Difficult situation in cancer pain: breakthrough pain_____________________________41
Situação difícil em dor oncológica: dor do tipo breaktrhrough
Rafael Toledo Enes Nogueira, Érica Brandão de Moraes Vieira, Luis Henrique Albuquerque
Sousa, João Batista Santos Garcia
ARTIGOS DE REVISÃO
Influence of chronic pain on functional capacity of the elderly _____________________48
Influência da dor crônica na capacidade funcional do idoso
Bárbara Kayser, Cascieli Miotto, Vinicius Dal Molin, Julia Kummer, Suelén Roberta Klein, Lia
Mara Wibelinger
Psychological assessment of chronic pain patients: when, how and why refer? _________51
Avaliação psicológica de pacientes com dor crônica: quando, como e por que encaminhar?
José Luiz Dias Siqueira, Marcia Carla Morete
Intravenous lidocaine to treat postoperative pain _______________________________55
Lidocaína intravenosa no tratamento da dor pós-operatória
Tânia Cursino de Menezes Couceiro, Luciana Cavalcanti Lima, Léa Menezes Couceiro,
Marcelo Moraes Valença
Complementary techniques to control cancer symptoms__________________________61
Técnicas complementares para controle de sintomas oncológicos
Aline Isabella Saraiva Costa, Paula Elaine Diniz dos Reis
Recommendations for the use of opioids in Brazil: Part II. Use in children and the
elderly__________________________________________________________________65
Recomendações para uso de opioides no Brasil: Parte II. Uso em crianças e idosos
Durval Campos Kraychete, José Tadeu Tesseroli de Siqueira, João Batista Santos Garcia e
Grupo de Especialistas
RELATO DE CASO
Laser acupuncture to manage pain in child with sickle cell disease. Case report _______70
Acupuntura a laser no tratamento da dor em criança com anemia falciforme. Relato de caso
Carla Verônica Paixão Marques
INSTRUÇÕES AOS AUTORES_____________________________________________74
Os artigos deverão ser enviados através de submissão online:
http://www.sgponline.com.br/dor/sgp/.
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):1
EDITORIAL
Orofacial pain and the International Year
As dores orofaciais e o Ano Mundial
DOI 10.5935/1806-0013.20140017
Caros leitores,
Estamos no Ano Mundial contra a Dor Orofacial. Sem dúvida uma das áreas que mais apresenta diagnósticos relacionados ao sintoma
álgico, pois há mais de 300 causas. Apresenta prevalência que varia entre 10 e 30% na população geral e, não bastasse isso, inclui estruturas anatômicas e histológicas de alta complexidade e de importância para o convívio social e para a sobrevivência, o que faz com que
sejam necessários diversos especialistas como cirurgiões-dentistas, otorrinolaringologistas, oftalmologistas, fonoaudiólogas, além de outros
profissionais que fazem parte das equipes interdisciplinares para a dor1.
Apesar desta relevância, ainda são pobres os currículos acadêmicos para a formação de profissionais da saúde em dor ainda na graduação,
e a Odontologia não é diferente neste aspecto. Neste Ano, temos pela primeira vez uma disciplina optativa que contempla o assunto na
Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo, resultado da visão do Prof. Victor Arana Chavez sobre esta necessidade. Desejamos que esta iniciativa se torne obrigatória e se espalhe por todas as universidades.
A Revista Dor tradicionalmente reserva seu espaço para a Dor Orofacial, e em particular as disfunções temporomandibulares (DTM)
estão contempladas por dois artigos nesta edição. Trata-se de um grande grupo de doenças relacionadas ao aparelho mastigatório, musculares, articulares ou mistas, que perdem apenas para as dores dentoalveolares em prevalência. Podem afetar diversas faixas etárias e são
comorbidades de outros diagnósticos como neuralgia do trigêmeo, pulpites, migrânea e fibromialgia2,3. Assim, precisam de avaliação
cuidadosa para o diagnóstico preciso e escolha das terapêuticas com evidência científica.
Dentre os tratamentos, há procedimentos invasivos e não invasivos, que incluem placas de mordida, acupuntura, fisioterapia, fármacos,
terapia cognitivo comportamental, cirurgias e viscossuplementação. Quando bem indicados, os tratamentos são eficazes, e assim destaco
o estudo retrospectivo sobre a viscossuplementação, técnica importante no tratamento de desarranjos internos da articulação temporomandibular (ATM)4.
Comorbidades psicológicas e psiquiátricas também fazem parte do conjunto de morbidades associadas à dor na face, e atenção aos sofredores é necessária no papel do cuidar. A dor facial atípica, por exemplo, apresenta alta frequência de sintomas emocionais associados, que
precisam ser abordados5. Os pacientes com neuralgia do trigêmeo ficam frequentemente isolados e acabam por apresentar depressão. E
dor de dente comum, quando referida, pode demorar meses para ser diagnosticada e levar o paciente ao afastamento total de todas as suas
atividades familiares, profissionais e de lazer, mesmo em tão pequeno espaço de tempo.
Não deixo de destacar o papel importante que a dor no idoso apresenta em uma sociedade atual em processo de envelhecimento, e que
busca por qualidade de vida em qualquer faixa etária. Idosos e crianças são grupos especiais que precisam de cuidados apropriados à condição clínica que apresentam, e por vezes tratamentos como a acupuntura podem auxiliar no alívio de sintomas com poucos efeitos adversos.
Por fim, desejo boa leitura, e que muitos avanços científicos e acadêmicos possam acontecer no universo da Dor Orofacial neste Ano
Mundial.
Um abraço!
Silvia Regina Dowgan Tesseroli de Siqueira
Editora Executiva
REFERÊNCIAS
1.
2.
3.
4.
5.
Teixeira MJ, Siqueira SRDT, Kosminsky M, Monteiro AA. Epidemiologia da dor. In: Teixeira MJ e Siqueira JTT. Dores orofaciais: diagnóstico e tratamento. São Paulo: Artes Médicas; 2012.
46-59p.
de Siqueira SR, da Nóbrega JC, Teixeira MJ, de Siqueira JT. Masticatory problems after balloon compression for trigeminal neuralgia: a longitudinal study. J Oral Rehabil. 2007;34(2):88-96.
Bernstein JA, Fox RW, Martin VT, Lockey RF. Headache and facial pain: differential diagnosis and treatment. J Allergy Clin Immunol Pract. 2013;1(3):242-51.
Long X, Chen G, Cheng AH, Cheng Y, Deng M, Cai H, et al. A randomized controlled trial of superior and inferior temporomandibular joint space injection with hyaluronic acid in
treatment of anterior disc displacement without reduction. J Oral Maxillofac Surg. 2009;67(2):357-61.
Madland G, Feinmann C. Chronic facial pain: a multidisciplinary problem. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2001;71(6):716-9.
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor
1
ORIGINAL article
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):2-5
Viscosupplementation as a treatment of internal derangements of the
temporomandibular joint: retrospective study*
Viscossuplementação como tratamento das alterações internas da articulação
temporomandibular: estudo retrospectivo
Daniel Bonotto1, Eduardo Machado1, Rafael Schlogel Cunali1, Paulo Afonso Cunali1
*Received from Federal University of Paraná, Curitiba, PR, Brazil.
DOI 10.5935/1806-0013.20140001
ABSTRACT
RESUMO
BACKGROUND AND OBJECTIVES: There are many non
invasive treatment modalities for internal temporomandibular joint derangements described in the literature, including
counseling, drug therapy, physical therapy and interocclusal
devices. However, some patients become refractory to conservative treatments and procedures such as arthrocentesis,
arthroscopy and temporomandibular joint surgery are indicated. Viscosupplementation is a less invasive, low cost approach with good short and long term results. This study
aimed at discussing viscosupplementation to treat internal
temporomandibular joint alterations with results after four
months of follow-up.
METHODS: Participated in the study 55 patients with reducing and non reducing disc displacement and osteoarthritis
refractory to conservative treatments who were submitted to
sodium hyaluronate infiltrations. There has been statistically
significant pain improvement for all groups.
RESULTS: Patients with non reducing disc displacement and
osteoarthritis had significant mouth opening improvement.
Such results were constant along the four months of follow-up.
CONCLUSION: Viscosupplementation with sodium hyaluronate may be considered a good alternative to functionally reestablish temporomandibular joint in the short term
in patients with internal alterations refractory to conservative
treatments.
Keywords: Hyaluronic acid, Temporomandibular joint,
Treatment.
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: As formas de tratamento
consideradas não invasivas para as alterações internas das articulações temporomandibulares descritas na literatura são muitas,
incluindo aconselhamento, farmacoterapia, fisioterapia e dispositivos interoclusais. No entanto, alguns pacientes tornamse refratários aos tratamentos conservadores, sendo indicados
procedimentos como artrocentese, artroscopia e cirurgias das
articulações temporomandibulares. A viscossuplementação é
uma abordagem pouco invasiva, de baixo custo e com bons
resultados em curto e médio prazo. O objetivo deste estudo
foi discutir a viscossuplementação no tratamento das alterações
internas da articulação temporomandibular com os resultados
depois de quatro meses de acompanhamento.
MÉTODOS: Cinquenta e cinco pacientes com deslocamento
de disco com redução, deslocamento de disco sem redução
e osteoartrite refratários a tratamentos conservadores foram
submetidos a infiltração com hialuronato de sódio. Foi observada melhora estatisticamente significativa para dor nos três
grupos.
RESULTADOS: Pacientes com deslocamento de disco sem
redução e osteoartrite apresentaram aumento significativo da
abertura bucal. Estes resultados se mantiveram constantes ao
longo dos quatro meses de acompanhamento.
CONCLUSÃO: A viscossuplementação com hialuronato de
sódio pode ser considerada uma boa alternativa no reestabelecimento funcional da articulação temporomandibular em
curto prazo em pacientes com alterações internas refratárias a
tratamentos conservadores.
Descritores: Ácido hialurônico, Articulação temporomandibular, Tratamento.
1. Federal University of Paraná, Curitiba, PR, Brazil.
Submitted in May 16, 2014.
Accepted for publication in January 27, 2014.
Conflict of interests: none.
Correspondence to:
Paulo Afonso Cunali
Rua Cel. Napoleão Marcondes França, 360
80040-270 Curitiba, PR, Brasil.
E-mail: [email protected]
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor
2
INTRODUCTION
Among temporomandibular disorders (TMD), the derangement of the condyle-disc complex derives from the collapse
of the normal rotational function of the disc on the condyle.
Usually this situation occurs with elongation of the discal
collateral ligaments and the inferior retrodiscal lamina. This
group of articular TMD includes reducing and non-reducing
disk displacement. These disorders are, many times, associated with inflammatory alterations such as synovitis, capsulitis
Viscosupplementation as a treatment of internal derangements
of the temporomandibular joint: retrospective study
and retrodiscitis or degenerative alterations like osteoarthrosis
and osteoarthritis1.
Generally the primary protocol to control TMD prioritizes
the simplest measures, which are reversible and less invasive1.
However since intracapsular dysfunctions are often a result
of pathologies of the articular surface, that is, of existing
structural alterations, the conservative treatment sometimes
proves to be ineffective. Several forms of treatment for internal dysfunctions of the temporomandibular joint (TMJ) are
supported by the literature: functional rest, non-steroid antiinflammatory drugs, oral splint, physical therapy support exercises, intra-articular corticosteroid injection, arthrocentesis,
arthroscopy, open joint surgery for TMJ, among others.
Viscosupplementation with intra-articular injection of sodium hyaluronate (SH) – the sodium salt of the hyaluronic acid
(HA) – was first used as a treatment for traumatic arthritis
on racehorses2, subsequently used in humans to treat osteoarthritis in large joints such as knees, hips and shoulder. At In
1979, sodium hyaluronate started to be indicated for internal
TMJ alterations3, and since then some studies have tried to
assess the effectiveness of the technique, as well as to establish
a protocol to its utilization.
A multicenter randomized double blind and placebo-controlled study with 121 patients has presented promising results4. A group of 80 patients received SH injections (35 had
reducing disk displacement (RDD), 8 presented non-reducing disk displacement (NRDD), and 37 with degenerative
alterations of TMJ), while 41 patients received injection with
saline solution (15 with RDD, 6 with NRDD and 20 with
degenerative alterations of TMJ). Results showed that for patients with RDD, joint sounds were subjectively reduced in
both groups, without statistically significant difference, but
the degree and importance of the mandibular deviation improved significantly in the SH group. Patients with NRDD
treated with SH presented an improvement of mouth opening in the first five weeks when compared to the group treated
with placebo, however, statistically there was no significant
difference. Regarding pain assessment with visual analogue
scale (VAS), results indicated that the group treated with SH
obtained significant improvement in comparison to placebo
group.
Other study5 performed a retrospective study comparing the
effectiveness of intra-articular injection of SH to the absence
of treatment in patients with disk NRDD. A group of 60
patients with NRDD was submitted weekly to an injection
of 1ml of SH during 5 weeks. A second group of 76 patients
diagnosed with NRDD was only monitored without receiving any treatment (control group). During a period of two
years, patients were examined monthly regarding mandibular
movement range and joint pain. After this period, 82.3% of
patients from the SH group presented an improvement (defined by the authors as mouth opening range over 35mm and
absence of joint pain) against 64.7% from the control group,
indicating statistically significant difference. Furthermore, it
was observed that patients from the SH group presented fast
remission of the symptomatology when compared to untreat-
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):2-5
ed patients, concluding that SH appears to be an effective
method for the treatment of NRDD.
Other authors have assessed the efficacy of intra-articular
injection of SH in 38 patients presenting RDD by a randomized placebo-controlled clinical trial 6. Patients from
SH group received two SH injections in the upper compartment of the affected TMJ while control group patients
received saline solution injection. SH group presented statistically significant improvement for all evaluated aspects,
while the placebo group presented significant improvement only for pain. It was concluded that SH injection is
an efficient therapeutic option for the treatment of RDD
in a six month period 6.
Comparison of injections of corticosteroid (CO) and sodium
hyaluronate (SH) in 33 patients with arthralgia and RDD unresponsive to conservative treatments was also performed. In
that controlled double-blind study, 18 patients received two
infiltrations with 0.5mL SH 1% with a two weeks interval,
while 15 patients received corticosteroid injection (0.5mL of
bethametasone). Evolution was assessed using a questionnaire
regarding pain, functional limitation, articular sounds and
symptoms persistence, and a clinical evaluation. VAS indicated significant improvement, with a reduction of the initial
algic condition of 30% for SH group and of 40% for the CO
group7.
A randomized controlled clinical trial with 67 patients with
RDD, NRDD or degenerative alteration of TMJ compared
injections of sodium hyaluronate and corticosteroid. The
work group received 0.5mL of SH associated to 1ml
bupivacaine 1% once a week totalizing from three to four
injections. Control group received 0.5mL of prednisolone
2.5% with 1ml of bupivacaine 1% once a week, total of
three or four injections. During 5 weeks monitoring period
both groups presented significant improvement of pain
and function, with no statistically significant difference
between them 8.
A randomized double-blind clinical trial evaluated 41 patients with rheumatoid arthritis in the temporomandibular
joints, dividing them in three groups: 14 individuals were
treated with intra-articular SH injections; 14 with corticosteroid injections; 13 with saline solution injection. Monitoring
period was of four weeks, and an improvement of symptoms
and in the clinical indexes of dysfunction was observed in
all groups. Better results were observed in the groups treated
with SH and CO9.
One study reports that 6 patients (7.5% of the sample) presented reactions such as discomfort and edema at the injection site4. Other author claims that 13 patients (37.1% of
the sample) who received SH injection complained of pain
during the procedure and within three days, 3 patients (8.5%
of the sample) presented acute malocclusion at the injection
side and muscular strength reduction8.
This study aimed to at discussing and evaluating the viscosupplementation technique with SH injection as an alternative for the treatment of TMJ internal alterations by means of
55 case reports.
3
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):2-5
Bonotto D, Machado E, Cunali RS and Cunali PA
METHODS
This is a retrospective study performed by assessment of medical records of patients treated at the TMD and Orofacial Pain
Clinic of the Federal University of Paraná (UFPR) and at private clinic. Fifty five patients with articular TMD diagnosis –
RDD, NRDD and osteoarthritis (OA) – and unresponsive to
conservative treatments, such as occlusal splints and mandible
exercises, received viscosupplementation on the affected TMJ.
Diagnostic clinical criteria on RDC/TMD were followed by
two specialists in TMD and orofacial pain throughout the assessment of all patients. The technique described by Bonotto,
Custodio and Cunali10 for sodium hyaluronate 1mL infiltration was utilized in every procedure. Two specialists in TMD
and orofacial pain performed all procedures during the period
from February 2006 to March 2011. Both examiners were
calibrated to data collection, and executed the technique. All
patients have received from one to three infiltrations of SH
with at least 10 days between them. Throughout the postoperative period patients were instructed to continue with
routine conservative treatment, oral splint and/or mandibular
exercises. Non-steroid anti-inflammatory drug was prescribed
for the three days subsequently to the procedure.
Patients’ evolution regarding temporomandibular pain complains, was assessed using a VAS before and 4 months after
the procedure. To evaluate alteration concerning mandibular
function, measurements of interincisal opening were also performed with the same interval. The same professionals that
had executed previous procedures performed all assessments.
In order to compare average mouth opening and average indexes of the VAS, before and after treatment, the Wilcoxon
signed rank test was applied. A 95% confidence interval was
considered.
This study was approved by the Ethics Committee, Federal
University of Paraná under number 1245.170.11.2010.
50
After treatment (mm)
Before treatment (mm)
50
40
30
20
40
30
20
10
10
RDD
NRDD
OA
RDD
NRDD*
OA*
Figure 1. Interincisal opening average pre and post treatment for the
three groups
RDD: reducing disc displacement; NRDD: non-reducing disc displacement; OA:
osteoarthritis.
10
10
8
8
VAS after treatment
VAS before treatment
*Statistical difference was observed in patients with NRDD and OA using Wilcoxon signed rank test (p<0.001).
6
4
2
6
4
2
0
0
RDD
NRDD
OA
RDD
NRDD*
OA*
Figure 2. TMJ pain intensity measured by visual analog scale (0-10
scale) before and after treatment for all groups
RESULTS
RDD: reducing disc displacement; NRDD: non-reducing disc displacement;
OA: osteoarthritis
From the 55 evaluated patients, 46 were females (83.64%)
and 9 were males (16.36%). Average age was 32.98±15.84
years. After clinical assessment using RDC/TMD criteria, diagnosis was RDD for 21.8% (12 patients), NRDD for 54.5%
(30 patients) and OA for 23.6% (13 patients). Table 1 shows
mouth opening and VAS data at baseline.
Figure 1 indicates patient’s evolution for mandibular function
before and after the viscosupplementation treatment. Statistic
*Statistically significant difference was observed for all groups at Wilcoxon
signed rank test (p<0.001).
significant improvement of the mandibular function was observed in patients with RDD and OA (p<0.001).
Figure 2 shows the improvement for temporomandibular disorders pain complaint, which was statistically significant for
all groups: RDD, NRDD and OA.
Table 1: Mouth opening (in millimeters) and visual analogue scale (0-10 scale) at baseline for the three groups
Mouth opening at baseline
VAS at baseline
Medium
Minimum
Maximum
RDD
35.5
11.0
51.0
4.2
1
10
NRDD
24.3
9.0
38.0
6.5
2
10
OA
26.0
11.0
40.0
7.1
2
10
Total
27.1
RDD: reducing disc displacement; NRDD: non-reducing disc displacement; OA: osteoarthritis
4
Medium
6.1
Minimum
Maximum
Viscosupplementation as a treatment of internal derangements
of the temporomandibular joint: retrospective study
Complaints of mild discomfort in the first 48 hours were reported by 9% of patients, while 7.2% of them have experienced an open bite in the injection side.
DISCUSSION
There is no precise indication for viscosupplementation in the
literature, however there seems to be a consensus on its utilization in cases of internal symptomatic alteration of TMJ,
specially in the presence of limited range of movement. During the monitoring of the reported cases, viscosupplementation demonstrated to be an efficient treatment to control pain
in patients with RDD, NRDD and OA. This result is consonant with those presented by several authors4,6-9. Furthermore, viscosupplementation improved mandibular function
of patients with limited mouth opening caused by RDD and
OA, corroborating others5,9.
Results regarding improvement of mandibular function observed in this study may be considered expressive, since they
refer to patients who did not respond to conservative treatment. However it must be highlighted that this is a retrospective study based on chart review with short term follow-up
and that the same examiners have performed both treatment
and postoperative assessment procedures. Therefore some
obliquity may be considered in the interpretation of results.
Maintenance of conservative treatment during the follow-up
period may have contributed to improvement of patients.
However, these patients were refractory to conservative therapy alone. Furthermore, in clinical practice viscosuplementation should be associated with conservative treatment.
HA is a mucopolysaccharide acid and an essential component
of animal tissues. HA is composed by multiple alternating
units of D-glucuronic acid and N-acetylglucosamine, forming highly viscous gelatinous solution due to its elevated hydrophilicity11. It is the major component of the synovial fluid
and plays an important role in the articular tissues lubrication
due to its high molecular weight11. Inflammatory and degenerative alteration of the joints reduces the concentration and
molecular weight of HA11,12.
SH injection increases the concentration and molecular
weight of HA at the synovial fluid, associated to the relief of
pain13. By clearing the adherence zones between articular disk
and the mandibular fossa, the articular mobility is enlarged
allowing a better circulation of the synovial fluid.
It was verified the presence of Prostaglandin E2 and Leukotriene B4 in the synovial fluid of patients with TMD suggesting
that these mediators are among the factors able to generate
joint pain14. It is also suggested that the analgesic effect of
viscosupplementation may occur by blocking receptors and
endogenous algic substances in the synovial tissues.
A strictly mechanic mechanism by the interruption of trauma
caused by mechanic block of the disk or of both adherence
zones was also suggested4, what could explain the effects of
therapy in medium and long term, because although the injected HA is kept on the joint only for a few days the results
last for months15,16.
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):2-5
Only two articles reported side effects of the technique, which
seem to be brief and self-limiting4,8. During the follow-up of
the cases reported in this study, no severe side-effect was observed. Most common complaints were mild soreness, edema
and open bite at the injection side. However in all cases sideeffects were self-limiting confirming other authors’ findings8.
According to results of this study, viscosupplementation can
be considered an efficient alternative for the management
of pain and function improvement in patients with RDD,
NRDD and OA refractory to conservative treatments.
CONCLUSION
After the monitoring of clinical cases it is possible to conclude
that viscosupplementation with SH may be an interesting
proposal to reduce TMJ pain and improve mouth opening.
Controlled clinical trials with significant samples and longer
monitoring period are required to evaluate real effectiveness
of viscosupplementation technique and to establish an objective protocol.
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5
ARTIGO ORIGINAL
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):6-8
Importance of evaluating the presence of temporomandibular disorders
in chronic pain patients*
A importância da avaliação da presença de disfunção temporomandibular em pacientes com
dor crônica
Luci Mara França Correia1, Wagner Hummig1, Taísa Adamowicz1, Daniel Benzecry de Almeida1
*Recebido do Instituto de Neurologia de Curitiba, Curitiba, PR, Brasil.
DOI 10.5935/1806-0013.20140002
ABSTRACT
RESUMO
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Chronic pain patients
have lower pain threshold, thus having pain in other parts of the
body. This study aimed at evaluating the presence of temporomandibular disorders in patients with chronic pain in different parts of
the body comparing them to a pain-free control group. In addition,
we tried to determine which group had more temporomandibular
disorder symptoms and myofascial changes in masticatory muscles.
METHODS: Sample was made up of 180 individuals divided in
2 groups, being 90 patients with chronic pain in different parts of
the body: study group, and 90 pain-free patients: control group.
The questionnaire proposed by the American Academy of Orofacial
Pain was used to diagnose temporomandibular disorder symptoms.
A directed and validated physical evaluation was performed. Analyses were done to determine the frequency of temporomandibular
symptoms both in the control group and the study group, and the
presence of muscular temporomandibular disorders in both groups.
RESULTS: Among chronic pain patients, 70% had temporomandibular disorder symptoms and in the control group they were 55%.
Patients with symptoms were physically evaluated and it was observed that 45% had masticatory muscles myofascial pain as compared
to 28% in the control group.
CONCLUSION: The prevalence of temporomandibular disorder
symptoms and masticatory muscles pain was higher among chronic
pain patients as compared to the control group and should be taken
into consideration when the proposal is to evaluate and control all
pains of such patients.
Keywords: Chronic pain, Facial pain, Temporomandibular joint
disorder syndrome.
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Pacientes com dor crônica
apresentam um menor limiar à dor apresentando dessa forma dores
em outras topografias. O objetivo deste estudo foi avaliar a presença
de disfunção temporomandibular em pacientes com dor crônica em
diversas partes do corpo comparando com um grupo controle sem
sintomatologia dolorosa. Além disso, buscou-se verificar qual dos
grupos apresentou mais sintomas de disfunção temporomandibular
e alteração miofascial nos músculos da mastigação.
MÉTODOS: A amostra foi composta por 180 indivíduos, divididos em 2 grupos, sendo 90 pacientes com dor crônica em diversas
partes do corpo: grupo estudo, e 90 pacientes sem sintomatologia
dolorosa: grupo controle. Para o diagnóstico da sintomatologia de
disfunção temporomandibular foi utilizado o questionário proposto
pela Academia Americana de Dor Orofacial. Foi realizada uma avaliação física dirigida e validada. Análises foram feitas para verificar a
frequência de sintoma de disfunção temporomandibular tanto no
grupo controle quanto no grupo estudo e a presença de disfunção
temporomandibular muscular em ambos os grupos.
RESULTADOS: Entre os pacientes com dor crônica 70% apresentaram sintomatologia para disfunção temporomandibular e no
grupo controle 55%. Os pacientes que apresentaram sintomatologia
foram avaliados fisicamente e constatou-se que 45% apresentaram
dor miofascial nos músculos da mastigação, contra 28% no grupo
controle.
CONCLUSÃO: A presença de sintomatologia de disfunção temporomandibular e dor muscular nos músculos da mastigação foi maior
em pacientes com dor crônica em relação ao grupo controle e deve
ser levada em consideração quando se propõe avaliar e controlar todas as dores nesses pacientes.
Descritores: Dor crônica, Dor facial, Síndrome da disfunção da articulação temporomandibular.
1. Instituto de Neurologia de Curitiba, Curitiba, PR, Brasil.
INTRODUÇÃO
Apresentado em 03 de setembro de 2013.
Aceito para publicação em 29 de janeiro de 2014.
Conflito de interesses: não há.
Endereço para correspondência:
Luci Mara França Correia
Rua Paraíba 2902 – Bairro Guaíra
80630-000 Curitiba, PR, Brasil.
E-mail: [email protected]
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor
6
As disfunções temporomandibulares (DTM) são um subgrupo das
dores orofaciais caracterizado por um conjunto de alterações craniofaciais de etiologia multifatorial, com sintomas que incluem
limitação de movimento e dor na região pré-auricular, articulação
temporormandibular (ATM), músculos da mastigação e estruturas
musculoesqueléticas relacionadas à cabeça e pescoço. A sintomatologia dolorosa de qualquer natureza provoca hiperatividade do sistema
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):6-8
A importância da avaliação da presença de disfunção
temporomandibular em pacientes com dor crônica
nervoso neurovegetativo e aumento do tônus muscular e consequente instalação de dor miofascial1.
A dor pode surgir de maneira súbita ou progredir com frequência e
intensidade flutuantes ao longo de meses ou anos, com a característica de uma doença crônica. O clique, a crepitação, o travamento, a
limitação de abertura ou o desvio do movimento da mandíbula, e a
dor de cabeça também estão associados à DTM1.
Estudos clínicos têm demonstrado que pacientes com dor orofacial
muitas vezes apresentam algias em outras áreas do corpo além do
sistema mastigatório, como braços, mãos, região cervical, dorsal,
lombar e membros inferiores2-4. Além disso, alguns trabalhos têm
sugerido que a dor em outras partes do corpo pode representar um
fator de risco para o desenvolvimento das DTM5,6, podendo também contribuir para a persistência da dor miofascial dos músculos
da mastigação7,8, dificultando ainda mais o controle da dor nesses
pacientes com quadro crônico.
Baseado nas informações apresentadas, este estudo teve como objetivo avaliar a frequência de DTM de origem muscular, em pacientes
com dor crônica (DC) em outras partes do corpo e que procuraram
atendimento multidisciplinar com queixas dolorosas não relacionadas primariamente à ATM.
METODOS
Foi realizado um estudo transversal observacional, no período de
agosto de 2011 a maio de 2012, em que 90 pacientes portadores
de DC foram avaliados por dois cirurgiões-dentistas do grupo da
dor no ambulatório do Instituto de Neurologia de Curitiba, PR
(INC). Compuseram o grupo estudo (GE) 90 pacientes, maiores
de 18 anos, com diagnóstico de dor nociceptiva miofascial crônica,
baseado na presença de dor localizada ou difusa associada a presença
de pontos-gatilho miofasciais à palpação por um período de pelo
menos seis meses, em diversas partes do corpo e em acompanhamento pelo grupo da dor do INC. Ao mesmo tempo, esses pacientes
não poderiam apresentar diagnóstico de nenhum tipo de neuralgia.
Para compor o grupo controle (GC) foram selecionados indivíduos
maiores de 18 anos, que pertenciam ao corpo de funcionários do
INC, acompanhantes ou familiares dos pacientes sem história de
dor aguda ou crônica.
Os dois grupos foram pareados por gênero e idade. Os grupos foram
compostos por 90 indivíduos, sendo 65 mulheres e 25 homens, com
idade média de 47 anos. Para a avaliação da possível presença de
DTM, todos os 180 indivíduos preencheram o questionário para
triagem de dor orofacial e DTM recomendado pela Academia Americana de Dor Orofacial (AAOP), que é composto por 10 questões
com respostas dicotômicas (sim e não), que abordam os sinais e sintomas mais frequentes dessas alterações. Quando havia uma resposta
positiva no questionário, o indivíduo era submetido a uma avaliação
física baseada no critério de diagnóstico validado: o Research Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders (RDC/TMD). Essa
avaliação física foi realizada por dois cirurgiões-dentistas, previamente treinados, e compreendeu a palpação das regiões dos músculos
masseter e temporal dos lados direito e esquerdo, com pressão equivalente a cerca de 1kgf.
A análise dos dados foi realizada por meio da utilização do teste Qui-quadrado de Pearson para comparar as frequências de sintomas de
DTM e de diagnósticos de DTM muscular entre os dois grupos.
O teste Qui-quadrado também foi aplicado para verificar diferenças das frequências dos locais de dor nos voluntários do GC entre
aqueles que receberam ou não o diagnóstico de DTM. O nível de
significância considerado para os testes foi de 0,05.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Neurologia de Curitiba, PR, sob nº 074/2011.
RESULTADOS
Na avaliação da sintomatologia de DTM, 50 pessoas do GC responderam positivamente a pelo menos um dos sintomas do questionário
e 63 do GE apresentaram pelo menos um dos sintomas. Por meio da
aplicação do teste de Qui-quadrado foi possível observar que o GE
apresentou mais sintomas de DTM que o GC (p=0,045) (Tabela 1).
Tabela 1. Sintomas de disfunção temporomandibular
Com sintomas de DTM
Sem sintomas de DTM
Grupo estudo
63
27
Grupo controle
50
40
Teste Qui-quadrado p=0,045.
Em relação à presença de DTM muscular o GE também apresentou maior número de indivíduos, sendo a associação significativa
(p=0,02) (Tabela 2).
Tabela 2. Diagnóstico de disfunção temporomandibular muscular
Com DTM muscular
Sem DTM muscular
Grupo estudo
40
50
Grupo controle
25
65
Teste Qui-quadrado p=0,02.
Dos 90 pacientes do GE que estavam em tratamento para DC, 13
apresentavam dor miofascial em região cervical, 14 apresentavam
dores miofasciais na região superior do corpo, ou seja, além da cervical havia também o envolvimento dos membros superiores, 19 apresentavam dor miofascial em membros inferiores, 20 foram diagnosticados com dor miofascial na região lombar, 14 com dores difusas e
10 com diagnóstico de cefaleias. De acordo com a análise descritiva
dos dados da tabela 1, a presença da dor miofascial na face, caracterizando a DTM muscular, avaliada nesses pacientes demonstrou que
a relação de DTM neste estudo foi maior nos casos de dores difusas,
descritas na tabela 3.
Tabela 3. Frequência de locais dolorosos no grupo de estudo n(%)
Região dolorosa
Cervical
Pessoas
com DTM
(n=40)
Pessoas
sem DTM
(n=50)
Valor de p
7 (7,78)
6 (6,67)
0,46*
Membros superiores
7 (7,78)
7 (7,78)
0,65*
Membros inferiores
7 (7,78)
12 (13,33)
0,45*
Lombar
4 (4,44)
16 (17,78)
0,011**
10 (11,11)
4 (4,44)
0,027**
5 (5,56)
5 (5,56)
0,71*
Dor difusa
Dor de cabeça
*teste Qui-quadrado, **teste Exato de Fisher.
7
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):6-8
França-Correia LM, Hummig W, Adamowicz T e Almeida DB
DISCUSSÃO
No presente estudo observou-se que pacientes com DC em outras
partes do corpo têm maior possibilidade de apresentar sintomatologia na região orofacial e dor miofascial nos músculos da mastigação,
quando comparados a um grupo controle.
Um estudo9 relatou essa relação e encontrou compartilhamento de
sintomatologias em diversas partes do corpo quando avaliados pacientes com DC. O inverso também parece ser verdadeiro. Outro
estudo realizado3 encontrou que 76% dos pacientes com diagnóstico de DTM também apresentaram relato de dor em outras partes do
corpo; 50% dos pacientes adultos com dor orofacial apresentavam
também dores difusas10.
O grande desafio dos profissionais de saúde está no gerenciamento
desses pacientes, pois a dor em uma localidade pode estar influenciando a outra e vice versa, comprometendo o controle do sintoma. Indivíduos que apresentam dor miofascial e uma história de
dor generalizada parecem ter dor persistente com maior frequência,
comparados a pacientes sem história de dor generalizada7. Esse dado
fortalece a necessidade de se compreender as áreas envolvidas pela
dor em cada paciente.
Curiosamente, em um estudo de fibromialgia¹¹, os pesquisadores
descobriram que a dor facial, cefaleias, fadiga e limitação funcional do movimento mandibular foram prevalentes entre os pacientes
com fibromialgia, e sugerem que a fibromialgia começa em outras
partes do corpo e depois se estende para a região orofacial.
Nos achados deste estudo a maior prevalência de DTM muscular
foi encontrada entre os pacientes com dores difusas, corroborando
com o fato de as dores se somarem, havendo assim a necessidade de
reconhecê-las para que possam ser controladas. Nas demais localidades de dor o GE apresentou de forma praticamente equilibrada a
presença ou não de DTM, havendo resultado significativo da relação no grupo que apresentou dores em várias partes do corpo, o que
difere da grande maioria dos estudos na literatura. Muitos trabalhos
apresentam a cervicalgia com uma estreita ligação com a DTM12,13.
Esse fato traz a necessidade de se realizar um estudo com uma quantidade maior de indivíduos em cada grupo para que aumente o potencial de comparação das áreas de dor no corpo e a presença de
DTM muscular concomitante.
O conhecimento sobre a DC e como ela se comporta em cada
indivíduo ainda é motivo de muito estudo e observação, assim
como a etiologia das DTM ainda não está totalmente esclarecida.
Conhecer essa inter-relação faz-se necessário para o controle da
8
dor dos pacientes com essas disfunções.
Os resultados deste estudo mostram a importância da avaliação total
dos indivíduos com DC, pois pacientes com dores em outras partes
do corpo apresentam em maior proporção dores miofasciais nos músculos da mastigação quando comparados a um grupo controle. Esse
fato é importante para o gerenciamento desses pacientes, confirmando
a real necessidade de um enfoque multiprofissional na busca do restabelecimento físico completo e global desses indivíduos.
CONCLUSÃO
A frequência de sintomas de DTM e dor miofascial nos músculos da
mastigação nos pacientes em tratamento para dor muscular crônica
em outras partes do corpo foi maior que no grupo sem sintomatologia dolorosa e deve ser levada em consideração na avaliação física
geral desses pacientes.
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ARTIGO ORIGINAL
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):9-12
Influence of cryotherapy application time on skin sensitivity*
Influência do tempo de aplicação da crioterapia na sensibilidade cutânea
Odair Aparecido Gregório1, Reywerson Cavalheiro1, Rodrigo Tirelli1, Andersom Ricardo Fréz2, Marinêz Boeing Ruaro3, João
Afonso Ruaro2
*Recebido da Clínica-Escola de Fisioterapia da Faculdade Anglo-Americano, Foz do Iguaçu, PR, Brasil.
DOI 10.5935/1806-0013.20140003
ABSTRACT
RESUMO
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Cryotherapy is a treatment modality with several therapeutic effects, of low cost and easy
to apply and access. This study aimed to observing whether there are
changes in sensitivity according to cryotherapy application time, in
addition to skin sensitivity behavior after treatment.
METHODS: Participated in the study 21 individuals (14 females
and 7 males, mean age 23.8±4 years) who were randomly distributed in three groups with 7 individuals each. Groups received cryotherapy application for 10, 20 or 30 minutes and were called groups
C10, C20 and C30, respectively. All participants were previously
submitted to skin sensitivity evaluation by Semmes-Weinstein monofilament and were evaluated immediately after cryotherapy application, 5, 10 and 15 minutes after application. Data were analyzed
with Friedman’s test complemented by multiple comparisons post-test (Dunn’s post hoc).
RESULTS: All individuals had hypoesthesia in the evaluation immediately after cryotherapy application. There has been significant
difference in sensitivity recovery of group C20 as compared to C10
and C30 10 minutes after the intervention (p=0.0498). For groups
C10 and C30, sensitivity has returned 15 minutes after the end of
application.
CONCLUSION: There has been lack of tactile sensitivity five minutes after the end of application, regardless of intervention time.
Normal sensitivity recovery was observed after 10 minutes when
cold was applied for 20 minutes, and after 15 minutes when cold
was applied for 10 or 30 minutes.
Keywords: Cryotherapy, Hypoesthesia, Pain, Tactile perception.
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A crioterapia é uma modalidade de tratamento com inúmeros efeitos terapêuticos, de baixo custo,
de fácil aplicação e acesso. Os objetivos deste estudo foram verificar
se existe alteração na sensibilidade de acordo com o tempo de aplicação da crioterapia além do comportamento da sensibilidade cutânea
pós-aplicação.
MÉTODOS: Vinte e um sujeitos (14 mulheres e 7 homens, idade
média 23,8±4 anos) foram divididos aleatoriamente em 3 grupos,
com 7 sujeitos cada, tendo recebido aplicação da crioterapia por 10,
20 ou 30 minutos, denominados respectivamente grupos C10, C20
e C30. Todos foram previamente submetidos à avaliação da sensibilidade cutânea com monofilamento de Semmes-Weinstein, e avaliados imediatamente ao término da aplicação da crioterapia, 5, 10
e 15 minutos após a aplicação. Para análise dos dados foi utilizado
o teste de Friedman complementado pelo pós-teste de comparação
múltipla (post hoc de Dunn).
RESULTADOS: Na avaliação imediatamente após a aplicação da
crioterapia todos os sujeitos apresentaram hipoestesia. Observou-se
diferença significativa no retorno da sensibilidade do grupo C20 em
relação aos demais, após 10 minutos da intervenção (p=0,0498).
Para os grupos C10 e C30, o retorno da sensibilidade ocorreu após
15 minutos do término da aplicação.
CONCLUSÃO: Cinco minutos depois do término da aplicação
da crioterapia observou-se ausência de sensibilidade tátil, independentemente do tempo de intervenção. O retorno da sensibilidade
normal foi observado depois de 10 minutos quando se aplicou o
frio por 20 minutos, e depois de 15 minutos quando aplicado por
10 ou 30 minutos.
Descritores: Crioterapia, Dor, Hipoestesia, Percepção do tato.
INTRODUÇÃO
1. Faculdade Anglo-Americano, Foz do Iguaçu, PR, Brasil.
2. Universidade Estadual do Centro-Oeste, Guarapuava, PR, Brasil.
3. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Santa Cruz, RN, Brasil.
Apresentado em 21 de outubro de 2013.
Aceito para publicação em 10 de fevereiro de 2014.
Conflito de interesses: não há – Fontes de fomento: não há.
Endereço para correspondência:
João Afonso Ruaro
Rua Simeão Camargo Varela de Sá, 03
85040-080 Guarapuava, PR, Brasil.
E-mail: [email protected]
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor
Investigar métodos que proporcionem alívio da dor é fundamental
para o avanço da ciência. Nesse contexto, a crioterapia vem sendo
utilizada há vários anos como forma de tratamento de lesões musculoesqueléticas por ser uma modalidade terapêutica de baixo custo,
de fácil aplicação e acesso. Essa técnica tem como objetivo o alívio da
dor e diminuição do edema e das sequelas relacionadas ao processo
de lesão, reduzindo a área de lesão secundária1-3.
O uso do frio como terapia provoca alterações neuromusculares importantes, pois o resfriamento aumenta a rigidez tecidual e, por conseguinte, reduz a viscoelasticidade dos tecidos4, além dos reconhe-
9
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):9-12
Gregório OA, Cavalheiro R, Tirelli R, Fréz AR, Ruaro MB e Ruaro JA
cidos benefícios na recuperação e tratamento das lesões do sistema
neuromusculoesquelético5. Também ocorre redução na velocidade
de transmissão do impulso nervoso, que diminui, gradativamente,
conforme a temperatura diminui, até o momento em que a condução fique completamente bloqueada3. Há aumento da duração do
potencial de ação do nervo sensitivo, pelo aumento dos períodos
refratários absoluto e relativo.
Como resultado da associação entre a diminuição da velocidade de
transmissão do impulso e o aumento do limiar necessário para a estimulação do nervo, pode ocorrer perda da sensibilidade cutânea2,6.
Portanto, quando se associa essa a qualquer outra terapia que necessite da sensibilidade preservada, pode-se precipitar lesão cutânea ou
até ineficácia da terapia combinada pelo simples conflito das vias7.
Umas das formas de analisar essas alterações na sensibilidade cutânea
é por meio da aplicação do estesiômetro, o qual consiste de monofilamentos de nylon com espessuras diferentes. O diâmetro e o
coeficiente de deformação são pré-definidos e, quando aplicados
adequadamente, representam a oferta de pressão recebida pela pele
(podendo variar de 0,05g a 300g), refletindo, assim, diferentes níveis
de sensibilidade2.
Como a crioterapia oferece os inúmeros benefícios já apresentados,
há necessidade de quantificar a resposta da alteração da sensibilidade
após aplicação dessa técnica, pois os profissionais da saúde utilizam
alguns recursos que exigem a redução da sensibilidade; entretanto,
em algumas situações, a redução da sensibilidade expõe o paciente
a riscos. Dessa forma, os objetivos deste estudo foram verificar se
existe alteração na sensibilidade de acordo com o tempo de aplicação
da crioterapia, como também verificar se o tempo de retorno da
sensibilidade normal está relacionado com o tempo de aplicação da
crioterapia.
MÉTODOS
Trata-se de uma pesquisa experimental, sem grupo controle, realizada na Clínica-Escola de Fisioterapia da Faculdade Anglo-Americano, em Foz do Iguaçu, PR. Para recrutar os voluntários os pesquisadores convidaram todos os acadêmicos do curso de Fisioterapia da
instituição, informando todos os procedimentos da pesquisa.
Trinta acadêmicos compareceram para a avaliação inicial. Todos
foram novamente informados a respeito dos objetivos e procedimentos da pesquisa e assinaram o Termo do Consentimento Livre
e Esclarecido de acordo com a Resolução 196/96 do Conselho
Nacional de Saúde. Nessa avaliação foi investigado se os sujeitos
apresentavam algum dos fatores de exclusão da pesquisa: hipersensibilidade ao frio, síndrome de Raynaud, disfunção neurológica
central ou periférica, diabetes mellitus, hanseníase, presença de cicatriz e/ou histórico de fraturas na região do antebraço, tratamento farmacológico atual com uso de analgésicos e/ou tratamento
fisioterapêutico atual para disfunções do membro superior e/ou da
coluna cervical.
Na sequência foi realizada a avaliação da sensibilidade com o
sujeito em decúbito dorsal e com o antebraço na posição supina, seguindo as diretrizes recomendadas8. Com um lápis
dermatográfico foi marcado como referência o tendão do músculo bíceps braquial na linha articular do cotovelo e o tendão
do músculo palmar longo na linha articular do punho. Com
10
uma fita métrica, mensurou-se a distância entre os dois pontos,
dividindo-a em três partes. Assim, o antebraço foi dividido em
três partes iguais: proximal, média e distal. Em cada uma dessas
partes foi marcado o ponto central. Esses três pontos foram
considerados para avaliação da sensibilidade, a qual foi realizada utilizando um monofilamento de Semmes-Weinstein de
0,05 gramas, previamente aferido em uma balança de precisão.
A escolha desse monofilamento justifica-se por essa gramatura
indicar sensibilidade normal2.
Com o sujeito vendado, foi aplicado o monofilamento de forma
perpendicular duas vezes em cada ponto de forma aleatória. Após
cada aplicação o voluntário teve cinco segundos para indicar de forma verbal onde sentiu a pressão.
Os sujeitos que apresentaram sensibilidade normal foram submetidos ao teste de sensibilidade ao frio para avaliar a presença de hipersensibilidade. Aplicou-se um cubo de gelo na região anterior do
antebraço durante 30 segundos. Após a retirada do gelo observou-se durante cinco minutos a manifestação de sinais de urticária, os
quais, se presentes, foram considerados fatores de exclusão da pesquisa. Nesse caso o voluntário ficaria em observação até o desaparecimento dos sinais e seria excluído da pesquisa.
Seis sujeitos foram excluídos por apresentarem reação ao teste de
sensibilidade e três não compareceram no dia da intervenção. Dessa
forma, a amostra foi composta por 21 sujeitos, os quais foram divididos aleatoriamente em 3 grupos, com 7 sujeitos cada: grupo C10,
que recebeu aplicação da crioterapia por 10 minutos; grupo C20,
por 20 minutos; e grupo C30, por 30 minutos.
No dia seguinte à avaliação o antebraço foi novamente marcado de
acordo com os padrões já descritos. Logo após a marcação foi realizada a aplicação da crioterapia utilizando uma bolsa de gel, marca
Chattanooga, com dimensão de 34,3x36,5 cm, a -5º C, a qual foi
aplicada na região anterior do antebraço, de acordo com o tempo
específico de cada grupo. Imediatamente ao término da aplicação
da crioterapia, 5, 10 e 15 minutos depois da aplicação, avaliou-se
novamente a sensibilidade seguindo o mesmo procedimento da avaliação inicial.
Para análise dos dados foi utilizado o teste de Friedman para análise da variância não paramétrica, complementado pelo pós-teste
de comparação múltipla (post hoc de Dunn). Em todos os testes
considerou-se o nível de significância de 5%. Utilizou-se o programa
GraphPad Instat 3.0.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade Assis Gurgacz (CEP/FAG), parecer nº 350/2008.
RESULTADOS
A tabela 1 apresenta a caracterização da amostra estratificada por
grupo. Não foram observadas diferenças entre os grupos.
Tabela 1. Caracterização da amostra
Grupo C10
Grupo C20
Grupo C30
Valor de p
25,7±4,3
22,7±4,2
23,1±3,5
0,2034
Feminino
5
4
5
0,3679
Masculino
2
3
2
Idade (anos)
Gênero
Influência do tempo de aplicação da crioterapia na sensibilidade cutânea
Na avaliação imediatamente após a aplicação da crioterapia, todos os
sujeitos apresentaram hipoestesia. Todos os sujeitos do grupo C20
apresentaram retorno da sensibilidade na avaliação realizada 10 minutos após a intervenção. Nos grupos C10 e C30 a sensibilidade
normal de todos os sujeitos só foi observada na avaliação de 15 minutos após a aplicação. Na análise estatística observou-se diferença
significativa (p=0,0498) na comparação intergrupos após 10 minutos da intervenção (Tabela 2).
Tabela 2. Número de sujeitos estratificado por grupo de acordo com
o tempo de retorno da sensibilidade. Análise intergrupo e intragrupos,
depois da aplicação da crioterapia
Retorno
sensitivo
Grupo
C10
Grupo
C20
Grupo
C30
p-valor2
Imediato
0
0
0
-
5 minutos
1
1
0
0,3679
10 minutos
5
7
3
0,0498*
-
15 minutos
p-valor1
7
7
7
0,0013*
0,0003*
0,0009*
p-valor para análise intragrupo; 2p-valor para análise intergrupo; *significativo.
1
No pós-teste foram realizadas comparações intragrupos de acordo
com as avaliações realizadas. Observou-se diferença significativa em
todos os grupos quando comparada a avaliação 15 minutos após a
crioterapia em relação à avaliação imediatamente após. No grupo
C20 também se observou diferença na comparação entre a avaliação
10 minutos após a crioterapia e a avaliação imediatamente após, e no
grupo C30 entre a avaliação realizada 15 minutos após a crioterapia
e a avaliação 5 minutos após a crioterapia (Tabela 3).
Tabela 3. Comparação intragrupo de acordo com o momento da avaliação após a crioterapia
Grupo C10
Grupo C20
Grupo C30
5 minutos vs. imediato
p>0,05
p>0,05
p>0,05
10 minutos vs. imediato
15 minutos vs. imediato
p>0,05
*
p<0,05
p>0,05
p<0,05*
p<0,05*
p<0,05*
10 minutos vs. 5 minutos
p>0,05
p>0,05
p>0,05
15 minutos vs. 5 minutos
p>0,05
p>0,05
p<0,05*
15 minutos vs. 10 minutos
p>0,05
p>0,05
p>0,05
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):9-12
Esperava-se que no grupo que recebeu a crioterapia por 10 minutos
houvesse o retorno da sensibilidade de forma mais precoce em relação aos demais, como analogamente esperava-se que o grupo que
recebeu a intervenção por 30 minutos demorasse mais para o retorno da sensibilidade. Entretanto, diferentemente destas suposições, o
grupo que recebeu a crioterapia por 20 minutos foi o que apresentou a normalização da sensibilidade mais precocemente, 10 minutos após a crioterapia. Diferentemente desses resultados observados,
Carvalho e Chieritch2 afirmam que após cinco minutos de aplicação
da bolsa de gel pode-se aplicar outra técnica que necessite de sensibilidade preservada do paciente. Ademais, a redução da temperatura
cutânea após a crioterapia perdura por pelo menos 15 minutos e,
após 30 minutos de retirada, a temperatura é restabelecida aos níveis
normais10.
Um fator que pode influenciar o retorno da sensibilidade é o gênero
do sujeito, pois após processos de resfriamento com compressa de
gelo, observou-se maior temperatura cutânea no gênero masculino,
fato que sugere a participação dos hormônios sexuais nos processos
de controle e ajuste da termorregulação periférica11. No presente estudo essa análise por gênero não foi realizada, entretanto todos os
grupos foram compostos por homens e mulheres e não apresentaram diferença entre eles (p=0,3679).
Sabe-se também que caminhar após a aplicação da crioterapia acelera o processo de recuperação da condução nervosa sensitiva e motora12; entretanto, no presente estudo os sujeitos permaneceram em
repouso depois da crioterapia. Além disso, a crioterapia melhora o
grau de satisfação dos pacientes quando comparada a outras modalidades analgésicas13.
Nesta pesquisa optou-se pela bolsa de gel, devido à praticidade e
disponibilidade no serviço. Contudo, segundo Enwemeka et al.14,
a bolsa de gel depois de colocada na pele vai perdendo seu poder
de resfriamento tecidual, pois não tem um ponto de fusão para ser
superado antes de aquecer.
Como limitações do estudo, pode-se mencionar o não monitoramento da temperatura da bolsa de gel durante a aplicação. Além
disso, há escassez de estudos referentes à avaliação da sensibilidade
tátil após a crioterapia, o que dificulta a comparação dos resultados
desta pesquisa.
CONCLUSÃO
significativo.
*
DISCUSSÃO
Todos os sujeitos apresentaram redução da sensibilidade após a aplicação da bolsa de gel, permitindo, assim, a avaliação do retorno da
sensibilidade. Sugere-se que as alterações de sensibilidade encontradas
neste estudo decorrem das alterações neurológicas provocadas pela
crioterapia, pois o uso da mesma pode levar ao aumento do limiar
e da tolerância à dor no local da aplicação e também distalmente ao
local de aplicação9. Após a aplicação do frio mantém-se o potencial de
ação com aumento do período refratário, reduzindo a velocidade de
condução. Dessa forma, a percepção sensorial é transmitida de forma
reduzida, associando-se às mudanças da sensibilidade3, ou seja, essas
alterações modificam as vias que captam, transformam e conduzem os
impulsos nervosos, alterando assim a percepção do estímulo aplicado2.
Considerando-se as condições experimentais descritas, até cinco minutos após o término da aplicação da crioterapia observa-se ausência
de sensibilidade tátil, independentemente do tempo de intervenção.
Já o retorno da sensibilidade normal pode ser observado depois de
10 minutos do término quando se aplica o frio por 20 minutos, e
15 minutos após o término da aplicação da crioterapia por 10 ou
30 minutos.
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ARTIGO ORIGINAL
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):13-6
Osteomuscular disorders and associated factors among solid waste
collectors of two middle-sized cities from the South of Brazil*
Distúrbios osteomusculares e fatores associados em coletores de lixo de duas cidades de
porte médio do sul do Brasil
Rodrigo Kohn Cardoso1, Airton José Rombaldi1, Marcelo Cozzensa da Silva1
*Recebido da Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil.
DOI 10.5935/1806-0013.20140004
ABSTRACT
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Solid waste collectors are
constantly exposed to high physical demands and precarious ergonomic conditions at work. This study aimed to identify the prevalence of osteomuscular disorders and associated factors among solid
waste collectors of two middle-sized cities from Southern Brazil.
METHODS: Thys was a observational cross-sectional census study.
Population was made up of all solid waste collectors of the cities of
Pelotas and Rio Grande, RS. Data were collected through a questionnaire with sociodemographic, economic, nutritional and behavioral variables. Prevalence of osteomuscular disorders was evaluated
with the Nordic Questionnaire for Osteomuscular Symptoms.
RESULTS: All 127 solid waste collectors were interviewed. Prevalence
of osteomuscular disorders in the last 12 months was 88.2%. Among
affected workers, 94.5% reported no pain before starting collecting
solid waste. Most affected body regions were legs, knees and lumbar
spine, respectively. After multivariate analysis, only body mass index
remained associated to osteomuscular disorders.
CONCLUSION: The prevalence of osteomuscular symptoms
among solid waste collectors in Southern Brazil is high. Adequate
prevention strategies are needed.
Keywords: Cumulative traumatic disorders, Occupational diseases,
Occupational health, Solid waste collection, Workers.
RESUMO
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Os coletores de lixo estão constantemente expostos a alta exigência física e condições ergonômicas
precárias no trabalho. O objetivo deste estudo foi verificar a preva-
1. Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil.
Apresentado em 12 de setembro de 2013.
Aceito para publicação em 11 de fevereiro de 2014.
Conflito de interesses: não há.
Endereço para correspondência:
Marcelo Cozzensa da Silva
Rua Luis de Camões, 625
96055-630 Pelotas, RS, Brasil.
E-mail: [email protected]
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor
lência de distúrbios osteomusculares e fatores associados em coletores de lixo de duas cidades de porte médio do sul do Brasil.
MÉTODOS: Este estudo caracterizou-se como observacional
transversal do tipo censo. A população foi composta por todos
os coletores de lixo das cidades de Pelotas e Rio Grande, RS. A
coleta de dados foi realizada por meio de um questionário contendo questões relativas a variáveis sociodemográficas, econômicas, nutricionais e comportamentais. A prevalência de distúrbios
osteomusculares foi avaliada através do Questionário Nórdico de
Sintomas Osteomusculares.
RESULTADOS: Foram entrevistados todos os 127 coletores de
lixo. A prevalência de distúrbios osteomusculares nos últimos 12
meses foi de 88,2%. Dentre os trabalhadores acometidos, 94,5%
não apresentavam qualquer dor antes de exercerem a atividade de
coleta de lixo. As regiões do corpo mais acometidas foram pernas,
joelhos e coluna lombar, respectivamente. Após análise multivariável
apenas o índice de massa corpórea permaneceu associado aos distúrbios osteomusculares.
CONCLUSÃO: A prevalência de sintomas osteomusculares entre
coletores de lixo do sul do Brasil é alta. Estratégias adequadas de
prevenção são necessárias.
Descritores: Coleta de resíduos sólidos, Doenças profissionais, Saúde
ocupacional, Trabalhadores, Transtornos traumáticos cumulativos.
INTRODUÇÃO
Os coletores de lixo, popularmente chamados de garis e/ou lixeiros,
são responsáveis por um serviço público essencial para a preservação
ambiental e, consequentemente, para a saúde pública: o recolhimento dos lixos domiciliar e comercial. Estima-se que mais de 90.000
pessoas realizam esse trabalho no Brasil1 e durante sua atividade laboral, ficam expostas a riscos físicos, químicos, biológicos e psicossociais2. A jornada de trabalho dos coletores de lixo apresenta elevada
carga de trabalho, com demanda física intensa, dentre as quais estão
caminhar, correr, subir e descer ladeiras e levantar e transportar peso
ao longo do dia, entre outros1.
A exposição a altos níveis de exigência física pode desencadear uma
série de agravos à saúde, como o aparecimento de sintomas osteomusculares, tecnicamente chamados de Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT)3. Segundo o Ministério da
Saúde, os DORT são lesões musculoesqueléticas, consequência da
excessiva utilização de tais estruturas, associadas à uma recuperação
insuficiente. Caracterizam-se pelo aparecimento de sintomas como
13
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):13-6
Cardoso RK, Rombaldi AJ e Silva MC
dor, parestesia, sensação de peso e fadiga, concomitantemente ou
não. Abrangem quadros clínicos do sistema musculoesquelético,
adquiridos pelo trabalhador submetido a determinadas condições
de trabalho4.
Nos Estados Unidos, os DORT são responsáveis por mais da metade das doenças beneficiadas pelo Seguro de Compensação dos
Trabalhadores5 e no Brasil, 48,2% dos benefícios previdenciários
concedidos em 2006 foram por consequência dessas morbidades6.
De acordo com o Sistema de Informações em Saúde do Trabalhador,
51,2% das doenças notificadas no estado do Rio Grande do Sul,
estado do extremo sul do Brasil, em 2008 foram DORT. Assim, fica
claro que os DORT são um problema de saúde pública.
Existem poucos estudos publicados avaliando a saúde osteomuscular de coletores de lixo em todo o mundo. Estudo avaliando fatores
relacionados à coleta de lixo encontrou que apenas 3% desses estudos investigaram lesões osteomusculares7. Outro estudo realizado na
Flórida, Estados Unidos, encontrou prevalência de 75% de lesões
osteomusculares nos últimos 12 meses entre coletores de lixo sólido
domiciliar8. No Brasil, poucos estudos foram encontrados analisando essa temática.
Diante da gravidade da problemática que envolve a saúde do trabalhador, bem como pela existência de uma lacuna no conhecimento
sobre prevalência de distúrbios osteomusculares entre os coletores
de lixo, justifica-se a realização deste estudo, que objetiva investigar
a prevalência de distúrbios osteomusculares e fatores associados em
coletores de lixo de duas cidades de porte médio do extremo sul do
Brasil.
MÉTODOS
O presente estudo, caracterizado como observacional de delineamento transversal do tipo censo, foi realizado nas cidades de Pelotas
e Rio Grande. Pelotas é uma cidade com 328.864 habitantes e, de
acordo com o Serviço Autônomo de Saneamento de Pelotas (SANEP), são recolhidos cerca de 160 toneladas de lixo por dia na zona
urbana da cidade. Rio Grande possui 198.048 habitantes e produz
cerca de 130 toneladas de lixo por dia, de acordo com a Secretaria
Municipal de Serviços Urbanos.
As informações foram coletadas através de questionário que continha 50 perguntas, avaliando características sociodemográficas (escolaridade em anos de estudo, estado civil, cor da pele); econômicas
(nível econômico, através do instrumento da Associação Brasileira
de Empresas de Pesquisa (ABEP) e renda familiar em reais); comportamentais (tabagismo e ingestão de bebidas alcoólicas) com a
utilização do questionário CAGE, constituído por quatro questões
referentes ao anagrama Cut down, Annoyed by criticism, Guilty e Eye-opener (Alguma vez o(a) senhor(a) sentiu que deveria diminuir a
quantidade de bebida alcoólica ou parar de beber?) Cut down; as
pessoas o(a) aborrecem porque criticam o seu modo de tomar bebida alcoólica? Annoyed by criticism; o(a) senhor(a) se sente chateado(a)
consigo mesmo(a) pela maneira como costuma tomar bebidas alcoólicas? Guilty; costuma tomar bebidas alcoólicas pela manhã para diminuir o nervosismo ou ressaca? Eye-opener; antropométricas (peso
e altura autorrelatadas); características do trabalho (tempo de trabalho em meses e período de trabalho diário em horas). O desfecho,
prevalência de distúrbios osteomusculares nos últimos 12 meses, foi
14
avaliada através do Questionário Nórdico de Sintomas Osteomusculares (QNSO), instrumento de medida da ocorrência de sintomas
nas diversas regiões anatômicas, validado no Brasil em 2002 por Pinheiro, Tróccolia e Carvalho9.
Os questionários foram aplicados por entrevistadores, os quais
passaram por um treinamento com duração de 12 horas, no qual
foram abordadas questões referentes a técnicas de entrevistas, conhecimento do questionário e simulação da entrevista. A entrevista
teve duração média de aproximadamente 30 minutos. O controle
de qualidade foi realizado pelo pesquisador principal através da reaplicação de um questionário contendo cinco questões-chave a 5%
dos trabalhadores de cada cidade.
Os questionários foram duplamente digitados no programa EPIDATA 3.1. Para a análise estatística utilizou-se o programa STATA
10.0. Foi realizada a análise univariada de todas as informações coletadas, com cálculo das medidas de tendência central e dispersão
para descrever as variáveis contínuas e de proporções para as variáveis
categóricas. Utilizaram-se os testes de Qui-quadrado e de tendência
linear para analisar associação entre o desfecho e os preditores em
estudo. Foi realizada análise por meio de Regressão de Poisson para
verificar a associação entre variáveis independentes e desfechos controlados para possíveis confundidores. O nível de confiança estabelecido para o estudo foi de p<0,05.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola
Superior de Educação Física da Universidade Federal de Pelotas, nº
003/2011.
O consentimento desse comitê precedeu o início da coleta de dados.
Os princípios éticos foram assegurados às empresas e aos funcionários, de modo que todos consentiram em participar do estudo
assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
RESULTADOS
Foram entrevistados os 127 coletores de lixo, todos do gênero masculino, vinculados à empresa responsável pela coleta de lixo nas cidades estudadas, durante o mês de dezembro de 2011, estando na ativa
ou não (férias e/ou licença médica). A maioria dos indivíduos era de
cor da pele não branca (57,5%), casados/viviam com companheira (70,1%), com médias de idade e escolaridade, respectivamente,
de 26,2±5,4 anos, variando de 18 a 45 anos, e 6,2±2,33 anos de
estudo. Setenta e cinco por cento dos entrevistados pertenciam ao
nível econômico C de acordo com a ABEP e 55,9% trabalhavam na
empresa por período igual ou menor que um ano. Oitenta por cento
dos trabalhadores foram classificados na categoria de normalidade
segundo o índice de massa corpórea (IMC). Trinta e quatro por
cento relataram fumar atualmente e 15,1% apresentaram indicativo
para alcoolismo. Não houve perdas ou recusas no estudo. A tabela
1 apresenta a descrição sociodemográfica, econômica, nutricional e
comportamental da população.
Um total de 112 trabalhadores (88,2 %) relatou sentir algum tipo de
dor ou desconforto osteomuscular em uma ou mais regiões do corpo
no último ano. Informação importante a ser descrita é que, do total
de coletores, 94,5% relatou não ter apresentado dores musculoesqueléticas antes de iniciar no serviço de coleta.
A análise estratificada por cidade demonstrou que a prevalência de
dor em, pelo menos, alguma região corporal nos últimos 12 meses foi,
Distúrbios osteomusculares e fatores associados em coletores
de lixo de duas cidades de porte médio do sul do Brasil
Tabela 1. Prevalência de variáveis sociodemográficas, econômicas,
nutricionais, comportamentais e características do trabalho dos coletores de lixo das cidades de Pelotas e Rio Grande/RS, 2013 (n=127)
Variáveis
Prevalência
n (%)
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):13-6
50
45
40
35
30
Idade (anos)
18-21
22-25
26-29
30 ou mais
26 (20,5)
39 (30,7)
29 (22,8)
33 (26,0)
Cor da pele
Branca
Não branca
54 (42,5)
73 (57,5)
Escolaridade
Fundamental incompleto
Fundamental completo
Médio
Superior incompleto
87 (68,5)
23 (18,1)
15 (11,8)
2 (1,6)
Classe econômica
B
C
A
11 (8,7)
96 (75,6)
20 (15,7)
Situação conjugal
Casado/com companheira
Solteiro/sem companheira
89 (70,1)
38 (29,9)
Tabagismo
Nunca fumou
Ex-fumante
Fumante
66 (52,0)
18 (14,0)
43 (34,0)
Indicativo para alcoolismo (CAGE)
Negativo
Positivo
107 (84,9)
19 (15,1)
Índice de massa corpórea (kg/m²)
Normal
Sobrepeso/obesidade
103 (81,7)
24 (18,3)
Tempo de trabalho (meses)
Menos de 1
1-12
13-60
Mais de 60
22 (17,3)
49 (38,6)
38 (29,9)
18 (14,2)
respectivamente, em Pelotas e Rio Grande, de 85,5 e 92,2%. Quando
estudados aqueles trabalhadores que exerciam essa função há até um
ano e que não apresentavam dor antes do seu início, 81,8% em Pelotas e 93,7% em Rio Grande vieram a ser acometidos por dor.
Em relação ao turno de trabalho, indivíduos que trabalhavam à
noite apresentaram uma prevalência de distúrbios osteomusculares
de 91,1% seguido de 85,3% entre os que trabalhavam de dia. As
regiões do corpo mais afetadas por distúrbios osteomusculares nos
últimos 12 meses foram, respectivamente, as pernas (40,9%), os joelhos (36,2%), a região lombar (35,4%) e a coluna torácica (34,7%)
(Figura 1).
Na análise bivariada as variáveis cor da pele, idade, escolaridade, classe econômica, fumo, situação conjugal, turno de trabalho e tempo
de trabalho não apresentaram associação com DORT. Apenas ingestão de bebidas alcoólicas e IMC foram identificadas como fatores
associados aos distúrbios osteomusculares. Na análise multivariável
apenas relativo a sobrepeso/obesidade permaneceu associado aos distúrbios osteomusculares (Tabela 2).
% 25
Pelotas
20
Rio Grande
15
10
5
0
Pernas
Joelhos
Coluna
lombar
Coluna
torácica
Ombros
Coxas
Figura 1. Prevalência de regiões do corpo mais acometidas por distúrbios osteomusculares nos últimos 12 meses de coletores de lixo
das cidades de Pelotas e Rio Grande/RS, 2013 (n=127)
Tabela 2. Análise bruta e ajustada da associação entre distúrbios
osteomusculares e preditores em coletores de lixo de Pelotas e Rio
Grande/RS, 2013 (n=127)
Análise bruta
Distúrbios
Valor
Variáveis
musculares
p
(%)
Cor da pele
0,44*
Branca
90,7
Não branca
86,3
0,05**
Idade (anos)
Até 21
88,5
22-25
87,2
100,0
26-29
30 ou mais
78,8
Situação conjugal
0,76**
Com companheira
88,8
Sem companheira
86,8
Escolaridade (anos)
0,34**
Até 4
80,7
5-8
91,1
9 ou mais
88,2
Classe econômica
0,20**
B
100,0
C
88,8
D
83,3
Tabagismo
0,26**
Não fumante
85,7
Fumante
93,0
Ingestão de álcool
0,13*
Sim
91,8
Não
83,0
Índice de massa
0,05**
corpórea
Peso normal
85,4
Sobrepeso/obeso
95,8
Turno de trabalho
0,41**
Diurno
85,3
Noturno
91,1
Tempo de trabalho
0,60**
(meses)
Menos de 1
90,9
1-12
87,8
13-24
94,7
25-48
100,0
49 ou mais
75,0
Análise ajustada
RP (IC95%)
Valor
p
0,46
1,0
0,9 (0,8 -1,1)
0,60
1,0
1,0 (0,8 – 1,2)
1,1 (1,0 – 1,3)
0,9 (0,8 – 1,1)
0,80
1,0
0,8 (0,8 – 1,1)
0,50
1,0
1,1 (0,9 -1,3)
1,1 (0,8 - 1,4)
0,20
1,0
1,0 (0,8 – 1,2)
1,2 (1,0 – 1,3)
0,20
1,0
1,1 (1,0 – 1,2)
0,20
1,0
1,1 (1,0 – 1,3)
0,05
1,0
1,1 (1,1 – 1,2)
0,23
1,0
1,1 (0,9 – 1,2)
0,28
1,0
0,9 (0,8 – 1,1)
1,1 (0,9 – 1,3)
1,1 (0,9 – 1,3)
0,8 (0,6 – 1,1)
RP: razão de prevalência; * teste Qui-quadrado; **teste Exato de Fisher.
15
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):13-6
Cardoso RK, Rombaldi AJ e Silva MC
DISCUSSÃO
A problemática das lesões osteomusculares que acometem trabalhadores vem sendo bastante descrita nas mais diversas ocupações.
Estudos descrevendo a prevalência de DORT em coletores de lixo
foram realizados em vários países, como Egito10, Estados Unidos11
Taiwan12, entre outros. Entretanto, poucos estudos foram encontrados com coletores de lixo do Brasil.
A prevalência de sintomas osteomusculares encontrada nos coletores
de lixo durante os últimos 12 meses (88,2%) foi superior à descrita
em outras regiões do mundo nessa mesma população8,10,13. Estudo10
encontrou prevalência de distúrbios osteomusculares de 60,8%
entre coletores de lixo de Mansoura, Egito10, enquanto que Mehrdad et al.13 relataram 65% de distúrbios entre coletores de lixo de
Tehran. A elevada prevalência encontrada no presente estudo pode
ser explicada pela forma como se realiza a coleta do lixo, a qual é,
ainda, predominantemente manual, como na maioria dos países em
desenvolvimento10. Outro fator que pode contribuir para estes achados é a carga horária de trabalho à qual essa população está sujeita,
em média de 8,5 horas. Em dias de grande volume de lixo, essa carga
de trabalho, segundo os coletores, chega próximo a 14 horas, caso
das segundas-feiras e após datas comemorativas.
Diferentemente de achados de outros estudos com coletores de
lixo10,13, a região das pernas e joelhos foram os locais mais prevalentes
de sintomatologia musculoesquelética entre os participantes deste
estudo. O excesso de movimentos repetitivos e de carga durante o
trabalho, a realização de corridas, agachamentos, bem como os constantes saltos para subir e descer do caminhão podem ser os principais
responsáveis por essa alta prevalência. Além disso, o calçado utilizado (coturnos sem um bom sistema de amortecimento) durante o
trabalho, possivelmente seja mais um dos fatores contribuintes para
o alto relato de dores nas pernas e joelhos.
Outra região bastante acometida foi a coluna lombar. Mais de um
terço dos trabalhadores relataram sentir dores nessa região, dados
que estão de acordo com achados de outros estudos com essa população10,12,13. Autores destacam como possíveis fatores associados
para a prevalência de dor lombar a realização de movimentos repetitivos, levantamento e carregamento de cargas, flexões, giros,
vibração e alta exigência física no trabalho14, fatores presentes na
rotina da coleta de lixo.
As variáveis cor da pele, escolaridade, classe econômica, fumo, ingestão de bebidas alcoólicas, situação conjugal, turno de trabalho e tempo de trabalho não apresentaram associação com os distúrbios osteomusculares na análise bivariada. Na análise multivariável a idade
perdeu associação com o desfecho, permanecendo, somente, o IMC
relacionado ao mesmo. A associação entre IMC e distúrbios osteomusculares vêm sendo apresentada em estudos prévios com outras
populações15. O IMC elevado se soma às exposições às cargas fisiológicas, favorecendo o aparecimento de problemas musculoesqueléticos. Esse dado é indicativo de que o aumento do IMC aumenta
também a vulnerabilidade para os distúrbios osteomusculares, uma
vez que ao sobrecarregar as estruturas osteomusculares, pode provocar dores, especialmente nos joelhos e na coluna lombar16.
Algumas limitações do estudo precisam ser relatadas. O tempo de
recordatório de 12 meses para a determinação da prevalência de
sintomas osteomusculares pode levar a uma subestimação dos valo-
16
res encontrados devido a dificuldade de lembrança do acontecido,
principalmente se a dor apresentou baixa intensidade. Como outros
estudos com trabalhadores, o viés do trabalhador sadio não pode ser
deixado de lado. Entretanto, pela forma como o questionário foi
aplicado, por entrevistadores bem treinados, com atenção especial
às variáveis que envolviam tempo de recordatório, bem como por
se ter entrevistado todos os coletores de lixo, inclusive aqueles que
se encontravam em licença médica, acredita-se que os dados coletados refletem a realidade da prevalência de sintomas osteomusculares
desses trabalhadores. Além disso, a inexistência de perdas e recusas,
a qual foi resultado de uma logística eficiente, e o ineditismo desse
tipo de estudo na região sul do Brasil são pontos a serem destacados
nesse estudo.
CONCLUSÃO
A prevalência de sintomas osteomusculares entre coletores de lixo
na região sul do Rio Grande do Sul é alta, assim como a apresentada nos países desenvolvidos. Assim, sugere-se a implementação de
estratégias adequadas de prevenção, como a utilização de calçados
que permitam um melhor sistema de amortecimento, a introdução
de sistemas educativos de posturas e movimentos ergonomicamente
menos agressivos ao corpo, bem como a realização de programas
com o intuito de preparar, compensar e relaxar o indivíduo antes,
durante e depois da jornada de trabalho, como a ginástica laboral.
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ARTIGO ORIGINAL
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):17-20
Prevalence of pain and associated factors in venous ulcer patients*
Prevalência de dor e fatores associados em pacientes com úlcera venosa
Marina de Góes Salvetti1, Isabelle Katherinne Fernandes Costa1, Danielle Vieira Dantas1, Camylla Cavalcante Soares de Freitas1,
Quinidia Lúcia Duarte de Almeida Quithé de Vasconcelos1, Gilson de Vasconcelos Torres1
*Recebido do Hospital Universitário Onofre Lopes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil.
DOI 10.5935/1806-0013.20140005
ABSTRACT
RESUMO
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Pain is a very frequent
symptom in venous ulcer patients and may be persistent and/or exacerbated during dressing change. Pain affects quality of life and may
negatively impact wound healing. This study aimed at identifying
the prevalence of pain and at evaluating major pain-associated factors in venous ulcer patients.
METHODS: This is a transversal study carried out in a Teaching
Hospital of Natal, RN. Convenience sample was made up of 100
venous ulcer patients seen by the angiology ambulatory of this hospital. A structured interview form with socio-demographic and
health characteristics, and assistance and injury characteristics was
used, in addition to two questions about pain from the Medical
Outcome Study Short Form 36 (SF-36). Mann-Whitney test was
used to compare categorical variables. Significance level was p<0.05.
RESULTS: Pain was referred by 86% of evaluated patients. Patients
with profession/occupation, low income and who did not smoke/
drank, using compressive therapy, who were oriented about using
compressive therapy and leg lifting, with minor injuries, in epithelialization stage, with no odor and without signs of infection had
lower pain intensity and lower impact of pain on daily life activities.
CONCLUSION: Socio-demographic factors and aspects regarding
assistance and injury have influenced venous ulcer-related pain.
Interventions aiming at influencing such factors might help controlling these patients’ pain.
Keywords: Leg ulcer, Nursing care, Pain, Varicose ulcer.
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A dor é um sintoma muito frequente em pacientes com úlceras venosas e pode ser persistente e/ou
ser exacerbada durante as trocas de curativo. A presença de dor afeta
a qualidade de vida e pode influenciar negativamente a cicatrização
da ferida. O objetivo deste estudo foi identificar a prevalência de dor
e verificar os principais fatores associados à dor em pacientes com
úlceras venosas.
MÉTODOS: Estudo transversal, desenvolvido em um Hospital
Universitário em Natal, RN. A amostra, de conveniência, foi constituída por 100 pacientes com úlcera venosa atendidos no ambulatório de angiologia do referido hospital. Utilizou-se um formulário
estruturado de entrevista com características sociodemográficas e de
saúde, características da assistência e da lesão, além de duas questões
sobre dor do Medical Outcome Study Short Form 36 (SF-36). Para
a comparação das variáveis categóricas, foi utilizado o teste Mann-Whitney. O nível de significância estabelecido foi p<0,05.
RESULTADOS: A dor esteve presente em 86% dos pacientes avaliados. Pacientes com profissão/ocupação, de baixa renda e que não
fumavam/bebiam, que usavam terapia compressiva, que receberam
orientações sobre uso de terapia compressiva e elevação de membros
inferiores, com lesões menores, em fase de epitelização, sem odor
e sem sinais de infecção apresentaram menor intensidade da dor e
menor impacto da dor nas atividades do dia a dia.
CONCLUSÃO: Fatores sociodemográficos, relacionados à assistência e à lesão influenciaram a dor relacionada a úlceras venosas.
Intervenções que visem influenciar esses fatores tem potencial para
auxiliar no controle da dor desses pacientes.
Descritores: Cuidados de enfermagem, Dor, Úlcera de perna, Úlcera varicosa.
INTRODUÇÃO
1. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Hospital Universitário Onofre Lopes,
Departamento de Enfermagem, Natal, RN, Brasil.
Apresentado em 16 de outubro de 2013.
Aceito para publicação em 11 de fevereiro de 2014.
Conflitos de interesses: não há.
Endereço para correspondência:
Marina de Goes Salvetti
Rua Paulino H de Campos, 106 – Centro
18130-385 São Roque, SP, Brasil.
E-mail: [email protected]
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor
As úlceras venosas (UV) são um problema de saúde pública e causam considerável impacto econômico, pois afetam pessoas de diferentes faixas etárias e muitas vezes provocam absenteísmo ou perda do emprego1-3. Os índices de recidiva das úlceras são elevados,
o tratamento é complexo e a presença da lesão causa sofrimento e
prejuízos à qualidade de vida3-7.
A prevalência das UV vem crescendo nos últimos anos, como um
reflexo do envelhecimento da população4,6,8-10. No Brasil, embora sejam escassos os registros dos atendimentos, as UV contribuem para
onerar os gastos do Sistema Único de Saúde (SUS) e interferem na
17
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):17-20
Salvetti MG, Costa IK, Dantas DV,
Freitas CC, Vasconcelos QL e Torres GV
qualidade de vida dos portadores e de seus familiares3,11.
A dor é um sintoma muito frequente em pacientes com UV e sua
prevalência varia entre 80 e 96% nesse grupo de pessoas12-14. Pode
ser persistente e/ou ser exacerbada durante as trocas de curativo13,15.
Ainda, a presença de dor afeta negativamente a qualidade de vida,
gera instabilidade de humor, provoca alterações no sono, altera a
mobilidade e a deambulação, aumentando o risco de quedas12,16,17.
A dor pode também influenciar negativamente a cicatrização, pois
o estímulo doloroso está associado à liberação de mediadores inflamatórios, que potencialmente reduzem a reparação tecidual e a regeneração15.
Apesar da relevância desse sintoma, poucos estudos têm explorado a
dor em pacientes com UV.
O objetivo deste estudo foi identificar a prevalência de dor e verificar os principais fatores associados à dor em pacientes com úlceras
venosas.
MÉTODOS
Estudo transversal, desenvolvido no Hospital Universitário Onofre
Lopes (HUOL), referência terciária do SUS vinculado ao complexo de saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN), situado em Natal/RN, Brasil.
A população alvo da pesquisa foi constituída por pacientes com UV
atendidos nesse serviço de saúde no período de junho a novembro
de 2011. A amostra, de conveniência, foi composta por 100 usuários do ambulatório de angiologia do HUOL.
Os critérios de inclusão foram apresentar lesão de origem venosa;
ter mais de 18 anos e ser atendido em consulta de retorno ou de
primeira vez no ambulatório de angiologia do HUOL. Os critérios
de exclusão foram úlcera de origem arterial ou mista e não ter concluído o preenchimento das informações dos instrumentos da coleta
de dados.
Os pacientes foram informados sobre os objetivos do estudo e os que
aceitaram participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE).
Os instrumentos de pesquisa utilizados foram um formulário estruturado de entrevista com características sociodemográficas e de saúde, incluindo características da assistência e da lesão, além de duas
questões sobre dor do instrumento de qualidade de vida relacionado
à saúde, Medical Outcome Study Short Form 36 (SF-36).
O SF-36 é um questionário multidimensional, formado por 36
itens englobados em oito componentes e avalia tanto os aspectos
negativos (doença), quanto os positivos (bem-estar)18. Nesse questionário, a dor é avaliada por duas questões (7 e 8) que representam
a intensidade da dor e o seu impacto no desempenho das atividades
diárias e/ou profissionais. A questão 7 avaliou a intensidade da dor
que o indivíduo sentiu nas últimas 4 semanas e a pontuação variou de 1,0 (dor muito intensa) a 6,0 (dor nenhuma) e a questão
8 avaliou quanto a dor interferiu no trabalho e atividades de casa
e a pontuação variou de 1,0 (interferiu extremamente) a 6,0 (não
interferiu). O escore do domínio dor varia de 0 a 100 e é calculado
a partir da seguinte fórmula:
Domínio = valor obtido na questão 7 + questão 8 – limite inferior x 100
variação do escore
18
O limite inferior para o domínio dor é igual a 2. A variação do escore
para o domínio dor é igual a 10. Escores baixos no domínio dor
indicam maior intensidade da dor e maior impacto da dor nas atividades; escores elevados no domínio dor indicam menor intensidade
da dor e menor impacto da dor nas atividades.
Os dados coletados foram transferidos para um banco de dados na
planilha do Microsoft Excel 2007 e, após correção, exportados e
analisados no programa Statistical Package for Social Science (SPSS)
versão 15.0 Windows. No programa, SPSS 15.0, foram realizadas
as análises descritivas com frequências absolutas e relativas, média
dos escores das variáveis e análise inferencial nos cruzamentos das
variáveis. Para a comparação das variáveis categóricas, foi utilizado o
teste Mann-Whitney. O nível de significância estatística estabelecido
foi p<0,05.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital
Universitário Onofre Lopes/Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (HUOL/UFRN), respeitando a normalização da Resolução CONEP 466/12, no que se refere aos aspectos éticos observados
quando da realização da pesquisa envolvendo seres humanos, nº do
protocolo 279/2009.
RESULTADOS
A caracterização sociodemográfica dos pacientes com UV mostrou
predomínio de pessoas acima de 60 anos, do gênero feminino, casadas, ou com união estável. A maioria dos pacientes tinha baixa escolaridade (83%), profissão/ocupação (56%) e renda menor que um
salário mínimo (76%). A prevalência de dor entre os participantes
deste estudo foi de 86%.
A análise da relação entre as variáveis sociodemográficas e a dor mostrou associação significativa do domínio dor com: profissão/ocupação (p=0,001), renda (p=0,042) e etilismo/tabagismo (p=0,013). Os
pacientes que tinham profissão, baixa renda e que não eram etilistas
nem tabagistas apresentaram melhores índices de qualidade de vida
no domínio dor, ou seja, menor intensidade da dor e menor impacto da dor nas atividades do dia a dia (Tabela 1).
Além de explorar os fatores sociodemográficos, a presente pesquisa
investigou se a dor apresentava alguma associação com variáveis relacionadas à assistência ou com características da lesão (Tabelas 2 e 3).
Em relação à assistência, observou-se que a dor apresentou associação
significativa com: uso de terapia compressiva (p=0,002), orientação
para uso de terapia compressiva (p=0,030) e orientação para elevação dos membros inferiores (p=0,002). Os pacientes que faziam uso
de terapia compressiva, que receberam orientação sobre o seu uso e
sobre elevação dos membros inferiores apresentaram menor intensidade da dor e menor impacto da dor nas atividades diárias. Esses
achados mostram que a assistência prestada tem influência sobre a
dor relacionada à úlcera.
A análise das variáveis relacionadas à lesão mostrou que a dor apresentou associação significativa com: a condição do leito da ferida
(p=0,011), odor da UV (p=0,009), área da UV (p=0,001) e sinais
de infecção (p=0,001). Os pacientes que apresentavam UV com predomínio de tecido de granulação ou epitelização, ausência de odor,
que tinham lesões pequenas (<50mm) e sem sinais de infecção apresentaram menor intensidade da dor e menor impacto da dor nas
atividades diárias.
Prevalência de dor e fatores associados em pacientes com úlcera venosa
Tabela 1. Associação entre o domínio dor e variáveis sociodemográficas. Natal, 2011
Escore
Domínio dor (SF-36)
51,87
47,45
0,478
≥ 60 anos
< 60 anos
46,55
55,33
0,129
≥ 1 recidiva
Nenhuma
48,53
56,75
0,223
> 6 meses
Até 6 meses
50,68
50,02
0,919
45,21
61,02
0,011
45,02
55,51
0,068
37,69
54,62
0,009
49,47
49,52
0,994
40,68
60,72
0,001
41,98
61,34
0,001
Condição do leito da UV
Estado civil
Solteiro/viúvo/divorciado
Casado/união estável
54,96
47,77
0,225
Fibrina e/ou necrose
Granulação/epitelização
Quantidade do exsudato da UV
Escolaridade
Até ensino fundamental
Ensino médio/superior
48,07
62,38
0,062
Média a grande
Pequena (até 3 gazes)
Odor do exsudato da UV
Profissão/ocupação
Presente
Ausente
59,10
39,56
0,001
Presente
Ausente
Perda tecidual provocada pela UV
Renda
< 1 salário mínimo
≥ 1 salário mínimo
53,79
40,08
0,042
Graus III e IV
Graus I e II
Área da UV
Doenças crônicas
Presente
Ausente
46,64
56,29
0,101
Média a grande
Pequena (<50 mm)
Sinais de Infecção
Sono
< 6 horas
≥ 6 horas
40,86
53,71
0,053
Presente
Ausente
36,67
54,18
0,013
DISCUSSÃO
SF-36: Medical Outcome Study Short Form 36.
Tabela 2. Associação entre o domínio dor e variáveis relacionadas à
assistência. Natal, 2011
Escore
Domínio dor (SF-36)
Valor de p
Uso de terapia compressiva
Ausente
Presente
45,05
65,22
0,002
Orientação para uso da terapia compressiva
Ausente
Presente
43,44
56,04
0,030
Orientação para elevação de membros inferiores
Ausente
Presente
35,21
55,87
0,002
48,35
54,49
0,310
50,76
49,13
0,835
45,35
54,39
0,120
Orientação para exercícios regulares
Consultas com o angiologista
Referência e contrarreferência
SF-36: Medical Outcome Study Short Form 36.
Presente
Ausente
SF-36: Medical Outcome Study Short Form 36; UV: úlcera venosa.
Etilismo/tabagismo
Ausente
Presente
Valor de p
Tempo da UV atual
Faixa etária
< de 4 consultas por ano
≥ de 4 consultas por ano
Escore
Domínio dor (SF-36)
Recidivas da UV
Feminino
Masculino
Ausente
Presente
Tabela 3. Associação entre o domínio dor e as variáveis relacionadas
às características da lesão. Natal, 2011
Valor de p
Gênero
Variáveis
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):17-20
As características sociodemográficas observadas confirmam resultados de outras pesquisas que relatam predomínio de mulheres, com
baixa renda e baixa escolaridade em pacientes com úlcera venosa, em
diferentes contextos19,20.
A prevalência de dor entre os participantes deste estudo foi elevada
(86%) e semelhante ao observado por outros estudos que avaliaram
pacientes com UV e encontraram prevalência entre 80 e 96%12-14.
A observação de que pacientes com profissão/ocupação apresentaram menor intensidade da dor relacionada à úlcera pode ser explicada pela Teoria do Controle do Portão21,22, que explica que as pessoas
que mantém suas atividades estão expostas a maior quantidade de
estímulos sensoriais, tendem a focar menos atenção e perceber menos a sensação dolorosa. Por outro lado, pacientes que permanecem em casa e/ou não têm atividades laborais tendem a focalizar sua
atenção na presença da dor.
O fato de pacientes com renda mais baixa terem apresentado menor
intensidade da dor e menor impacto da dor nas atividades do dia a
dia não era esperado, mas esses pacientes podem ter demonstrado
maior resiliência frente à dor, considerando a falta de opções no contexto em que vivem. Outra possibilidade é que pacientes com baixa
renda não tenham outra opção, senão manter suas atividades em
casa e no trabalho, o que poderia interferir na atenção dispensada à
sensação dolorosa. Esses pacientes podem considerar também que
19
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):17-20
Salvetti MG, Costa IK, Dantas DV,
Freitas CC, Vasconcelos QL e Torres GV
a dor faz parte do quadro da UV, o que pode afetar a avaliação que
fazem desse sintoma.
Já a observação de que pacientes fumantes/etilistas apresentassem
maior intensidade e impacto da dor no dia a dia era esperada, visto
que a dor relacionada a UV apresenta componentes neuropáticos
importantes, que podem ser agravados com o consumo dessas substâncias. A relação entre o hábito de fumar e a dor crônica é conhecida
e o tabagismo é considerado um fator de risco para a dor crônica23.
Na presente pesquisa os pacientes com lesões menores apresentaram
menor intensidade dolorosa e menor impacto da dor na qualidade
de vida. Estudo que comparou a intensidade da dor em pacientes
com úlceras cicatrizadas e abertas mostrou que os pacientes com úlceras cicatrizadas apresentavam menor intensidade da dor15, confirmando estes achados.
Este estudo encontrou associação entre a dor relacionada à UV e aspectos da assistência e da lesão, o que sugere que intervenções focadas
nesses fatores podem contribuir para o controle da dor desses pacientes. Essa hipótese, no entanto, deve ser testada em futuros estudos.
O controle eficaz da dor traz benefícios inquestionáveis à qualidade
de vida dos pacientes com UV e há estudo indicando que o adequado controle da dor contribui também para a cicatrização das úlceras,
o que deve ser testado em futuros estudos15.
CONCLUSÃO
A dor é um sintoma muito frequente em pacientes com úlcera venosa e sua presença afeta negativamente a qualidade de vida. Pacientes com profissão/ocupação, renda baixa e que não fumavam/
bebiam apresentaram menor impacto da dor na qualidade de vida.
Do mesmo modo, pacientes que usavam terapia compressiva, que
receberam orientações sobre o seu uso e elevação de membros inferiores, com lesões menores, em fase de epitelização, sem odor e sem
sinais de infecção apresentaram menor intensidade da dor e menor
impacto da dor nas atividades do dia a dia.
Esses achados permitem afirmar que fatores sociodemográficos relacionados à assistência e à lesão estão associados à dor de UV. Intervenções que visem reduzir o consumo de tabaco e álcool, estimular
atividades ocupacionais/laborais, fornecer orientações sobre terapia
compressiva e elevação de membros inferiores e melhorar as condições do leito da ferida têm potencial para auxiliar no controle da dor
desses pacientes.
AGRADECIMENTOS
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES), pelo apoio recebido para o desenvolvimento deste estudo.
20
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ARTIGO ORIGINAL
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):21-4
Posteroanterior lumbar spine mobilizations in healthy female volunteers.
Evaluation of pain to cold and pressure: crossover clinical trial*
Mobilizações póstero-anteriores na coluna lombar em voluntárias saudáveis. Avaliação da dor
ao frio e à pressão: ensaio clínico cruzado
Jhenifer Karvat1, Juliana Sobral Antunes1, Gladson Ricardo Flor Bertolini1
*Recebido do Laboratório de Estudo das Lesões e Recursos Fisioterapêuticos da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE),
Cascavel, PR, Brasil.
DOI 10.5935/1806-0013.20140006
ABSTRACT
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Low back pain is a public
health problem and among physiotherapeutic treatment modalities
there are joint mobilizations, such as central posteroanterior joints.
However, there is a gap with regard to mobilization of all lumbar
vertebrae. So, this study aimed at evaluating the effects of different
Maitland mobilizations levels, in all lumbar spine vertebrae, in healthy volunteers, to assess pain intensity to cold and pressure.
METHODS: This was a crossover clinical trial, with 15 female
volunteers who received posteroanterior mobilizations, varying the
level between I-IV. In one of the weeks, volunteers received no mobilization. Studied variables were pain intensity to cold and pain
threshold to pressure, previous to mobilization (AV1), 5 (AV2) and
35 minutes after mobilization (AV3).
RESULTS: It was observed that 35 minutes after mobilization for
levels II and III there has been significant pain intensity decrease to
cold as compared to AV1, what was also true for levels III and IV
as compared to AV2. There have been no significant differences in
pressure threshold evaluation.
CONCLUSION: Mobilizations have produced as from LII significant decrease in pain intensity to cold, but there has been no effect
with regard to pain to pressure.
Keywords: Physiotherapy modalities, Therapy with exercises, Spine.
RESUMO
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A dor lombar é um problema
de saúde pública e dentre as formas de tratamento fisioterapêutico
são utilizadas as mobilizações articulares, como as póstero-anteriores centrais. Contudo, há uma lacuna com relação à mobilização
1. Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel, PR, Brasil.
Apresentado em 10 de setembro de 2012.
Aceito para publicação em 14 de janeiro de 2014.
Conflito de interesses: não há.
Endereço para correspondência:
Gladson Ricardo Flor Bertolini
Rua Universitária, 2069 – Jardim Universitário
85819-110 Cascavel PR, Brasil.
E-mail: [email protected]
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor
de todas as vértebras lombares. Assim, o objetivo deste estudo foi
analisar os efeitos de diferentes graus das mobilizações de Maitland,
em todas as vértebras da coluna lombar, em voluntários saudáveis,
avaliando a intensidade de dor ao frio e à pressão.
MÉTODOS: O estudo caracterizou-se como clínico e cruzado e
composto por 15 voluntárias que receberam mobilizações póstero-anteriores, variando-se o grau entre I-IV e também em uma das
semanas não receberam mobilização. As variáveis analisadas foram a
intensidade de dor ao frio e o limiar de dor à pressão, prévio à mobilização (AV1), cinco (AV2) e 35 minutos após a mobilização (AV3).
RESULTADOS: Foi possível observar que após 35 minutos da mobilização para os graus II e III houve diminuição significativa da
intensidade de dor ao frio ao comparar com AV1, o que também
ocorreu para os graus III e IV ao comparar com AV2. Na avaliação
do limiar de pressão não houve diferenças significativas.
CONCLUSÃO: As mobilizações produziram a partir do grau II
redução significativa na intensidade de dor ao frio, mas não houve
efeito com relação à dor à pressão.
Descritores: Coluna vertebral, Modalidades de fisioterapia, Terapia
por exercício.
INTRODUÇÃO
A dor lombar (DL) é reconhecida como um problema de saúde
pública global e produz significantes custos sociais e para a saúde.
Dentre as formas de tratamento fisioterapêutico há grande variedade, sendo mais facilmente observado o uso de terapia manual com
mobilizações e manipulações, eletroestimulação e orientações1.
Existem técnicas dentro da terapia manual que são aplicadas no
diagnóstico e tratamento da mobilidade articular. Assim, fisioterapeutas que utilizam técnicas manuais correlacionam os achados do
exame com a natureza e a distribuição dos sintomas para chegar a
um diagnóstico e poder selecionar um tratamento mais adequado2.
Essas técnicas manuais podem ser efetivas no controle da dor, pois o
toque na pele pode ser um poderoso meio de modulação da dor, e a
velocidade dos estímu­los proprioceptivos pode facilitar a inibição de
estímulos dolorosos no sistema nervoso central (SNC)3.
Muitas das técnicas em terapia manual, por estarem associadas à
aplicação de cargas através das mãos dos fisioterapeutas, dependem
do treinamento da percepção manual de cada profissional. Um método bastante conhecido na terapia manual é a mobilização articular
de Maitland. Esse método compreende uma série de manobras uti-
21
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):21-4
Karvat J, Antunes JS e Bertolini GR
lizadas na avaliação e tratamento de disfunções do sistema musculoesquelético. Durante sua utilização, são aplicadas cargas de forma
oscilatória para a produção de movimento acessório intra-articular.
Nesse método existe uma divisão da aplicação das cargas em graus
de movimento. Porém, esses graus são definidos em termos qualitativos, o que pode fazer com que ocorra grande variabilidade na
aplicação das cargas em cada grau4.
Os graus I e II da mobilização de Maitland correspondem à aplicação dos movimentos oscilatórios, com ritmo lento no inicio da
amplitude do movimento acessório da articulação, livre da resistência oferecida pelos tecidos e são indicados nos casos de processos
dolorosos articulares. Os graus III e IV são manobras que se caracterizam por movimentos oscilatórios realizados no final da amplitude
do movimento acessório ou a partir da resistência dada pelos tecidos
periarticulares5. A carga imposta durante a manobra grau III e IV
promove a adaptação viscoelástica dos tecidos conectivos e, portanto, é indicada para recuperar os movimentos acessórios quando existir uma restrição a esse mesmo movimento6.
Uma das técnicas de mobilização articular utilizada em avaliações e
tratamentos de disfunções na coluna vertebral é a técnica de pressão
póstero-anterior (PA) central. Nessa técnica, o avaliador através do
osso pisiforme aplica uma carga oscilatória sobre o processo espinhoso de uma vértebra de um paciente deitado em decúbito ventral.
Apesar de existirem trabalhos utilizando a mobilização PA na coluna
lombar, há uma lacuna com relação à mobilização de todas as vértebras deste segmento.
O objetivo deste estudo foi analisar os efeitos de diferentes graus das
mobilizações de Maitland, em todas as vértebras da coluna lombar,
em voluntários saudáveis, avaliando a intensidade de dor ao frio e à
pressão.
MÉTODOS
O estudo é caracterizado como ensaio clínico cruzado e transversal.
A amostra foi composta por 15 voluntárias, adultas jovens, do gênero feminino, alunas da Universidade Estadual do Oeste do Paraná
(UNIOESTE), campus Cascavel, com idade de 21,27±0,88 anos,
altura de 1,67±0,06 metros e peso de 57,93±4,83kg. Tal número de
amostra foi calculado baseado em estudos anteriores com uso de dolorímetro de pressão para um desvio padrão de 4,5, e diferença a ser
detectada de 5Kgf, com nível de significância de 5% e poder de 85%.
No primeiro contato, foi explicado a cada voluntária as intenções e
procedimentos, bem como foram questionadas sobre seu interesse
em participar da pesquisa. Sendo aceito o convite e assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido iniciaram-se as avaliações
e técnicas de mobilização. As voluntárias não deveriam apresentar
DL (crônica e/ou aguda), cirurgias sobre a coluna, distúrbios sensitivos locais e/ou em membros inferiores, infecções, gestação, traumas
recentes; deveriam ter sensibilidade preservada e comparecer nos
momentos e datas importantes para avaliação.
Momentos de avaliação
As voluntárias do estudo participaram do projeto uma vez por semana, durante cinco semanas. Durante quatro semanas, aleatoriamente, receberam um grau diferente de mobilização (GI, GII, GIII,
GIV) juntamente com as avaliações, e em uma semana só recebe-
22
ram a avaliação sem a mobilização (G0). Os momentos de avaliação ocorreram em 3 vezes para cada dia: momento pré-mobilização
(AV1), 5 (AV2) e 35 minutos após a mobilização (AV3).
Avaliação da intensidade de dor ao frio
A voluntária imergiu o pé dominante, até a região mais distal do
maléolo medial, em um recipiente contendo água e gelo a 5º C ±
1, mantidos por 30 segundos, sendo o controle de temperatura
realizado com o auxilio de um termômetro de mercúrio da marca
Incoterm®. Depois de 30 segundos a voluntária foi questionada
quanto à intensidade de dor, por meio da escala analógica visual
(EAV). Tal escala consistiu de um aparato de madeira, que de um
lado apresentava um cursor metálico móvel, em que a voluntária
marcava a posição entre “0” (sem dor) e “10” (máximo de dor imaginável), e no outro lado havia uma régua disposta inversamente,
permitindo quantificar em centímetros a intensidade indicada pela
participante.
Avaliação do limiar de dor à pressão
Para avaliação da dor à pressão foi utilizado um dolorímetro de pressão (Kratos®), com capacidade de produzir até 50 Kgf, com ponta
circular de 1cm2, o qual foi aplicado sobre o processo espinhoso da
3ª vértebra lombar do indivíduo, logo após a avaliação pela EAV.
Protocolo de mobilização
Para a mobilização as voluntárias receberam a técnica PA central em
todos os processos espinhosos da coluna lombar, por um minuto
cada. Duas terapeutas realizaram as mobilizações, porém, visando
evitar vieses, não havia revezamento nas voluntárias, ou seja, mobilizavam sempre os mesmos indivíduos.
As voluntárias permaneceram em prono, com os braços ao lado do
corpo. A terapeuta ficou do lado esquerdo e posicionou a borda
ulnar da mão esquerda, região dos ossos pisiforme e hamato, em
contato com o processo espinhoso da vértebra a ser mobilizada. A
mão esquerda foi então reforçada pela direita em forma de concha
com a aproximação das eminências tênar e hipotenar, em cima da
superfície radial da outra mão. Assim, deixando os dedos médio,
anular e mínimo direitos entre o indicador e polegar esquerdos, e
fazendo com que o indicador e o polegar esquerdos fiquem por
cima do dorso da mão esquerda, obteve-se estabilidade segurando a palma da mão esquerda entre a eminência tênar e os dedos
médios, anular e mínimo da mão direita. Os ombros do terapeuta
ficaram em equilíbrio por cima do paciente, com cotovelos ligeiramente flexionados.
O estudo foi realizado em cinco semanas, sendo que em quatro semanas a voluntária recebeu graus intercalados de mobilização e em
uma semana ela foi somente avaliada, de forma aleatória, sendo que
em cada semana havia três voluntárias para cada subgrupo, sorteadas
aleatoriamente. Os graus de mobilização foram:
Grau I – movimento de pequena amplitude próxima à posição inicial do percurso;
Grau II – movimento de grande amplitude dentro do percurso. Ele
pode ocupar qualquer parte do percurso que estiver livre de qualquer rigidez ou espasmo muscular;
Grau III – movimento de grande amplitude, porém dentro de rigidez ou espasmo muscular, no final da amplitude;
Mobilizações póstero-anteriores na coluna lombar em voluntárias
saudáveis. Avaliação da dor ao frio e à pressão: ensaio clínico cruzado
Grau IV – movimento de pequena amplitude executado forçadamente dentro da rigidez ou espasmo muscular, no final da
amplitude.
As voluntárias receberam as mobilizações logo após o primeiro
momento de avaliação (AV1) e depois ocorreram as avaliações
como já descrito.
Para a análise dos dados utilizou-se o teste ANOVA para medidas
repetidas, com pós-teste de Bonferroni, com nível de significância
de α=5%.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE) sob parecer
nº 242/2011.
RESULTADOS
Para a avaliação de dor ao frio, realizada com a EAV, foi possível observar diminuição da intensidade da dor apenas para a última avaliação, quando utilizada a mobilização a partir de GII. Na comparação
entre os grupos não houve diferenças significativas (Tabela 1).
Tabela 1. Intensidade de dor ao frio, de acordo com a escala analógica visual, em todos os graus das três avaliações
Escala
analógica
visual
Graus
AV1
AV2
AV3
G0
3,94 ± 2,09
4,19 ± 2,17
3,33 ± 2,64
GI
4,95 ± 3,08
4,79 ± 3,08
3,70 ± 2,86
GII
4,70 ± 2,98
4,50 ± 2,64
3,36 ± 2,58 *
GIII
4,75 ± 2,37
4,65 ± 2,72
2,84 ± 2,13 *°
GIV
3,90 ± 2,35
4,36 ± 2,69
2,86 ± 2,42 °
*Diferença significativa ao comparar, dentro do grupo, com AV1; ° Diferença
significativa, dentro do grupo, ao comparar com AV2.
Limiar de dor à pressão
Na avaliação do limiar de dor à pressão, em nenhum dos grupos foi
possível observar diferenças significativas (Tabela 2). Entre os grupos
também não houve diferença significativa.
Tabela 2. Resultados do limiar de dor à pressão, sobre L3, de acordo
com os graus utilizados das três avaliações
Graus
Limiar
de dor
AV1
AV2
AV3
G0
774,0 ± 400,4
604,7 ± 455,0
596,7 ± 333,5
GI
522,0 ± 259,0
620,7 ± 384,6
519,3 ± 319,7
GII
630,7 ± 383,2
544,7 ± 326,0
485,3 ± 238,4
GIII
572,0 ± 254,2
574,0 ± 331,1
477,3 ± 275,7
GIV
638,7 ± 359,2
591,3 ± 329,9
588,0 ± 327,3
DISCUSSÃO
A terapia manual é um instrumento eficaz no tratamento de DL7.
Terapeutas buscam em sua avaliação sinais de rigidez na coluna de
pessoas com lombalgia, objetivando tratá-la8. Porém, existem controvérsias no que diz respeito à rigidez predizer resultados clínicos como
dor e incapacidade9. Contudo, apesar das controvérsias, as mobilizações da coluna apresentam como principais resultados a inibição da
dor induzida por um estimulo mecânico, que pode ocorrer por meio
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):21-4
da criação de depressão em longo prazo da função sináptica do SNC,
além da melhora da amplitude de movimento da coluna lombar10,11.
No presente estudo, foi utilizada a técnica PA em todo o segmento
lombar, a qual produziu uma redução da intensidade de dor ao frio.
Um estudo anterior, também utilizando a mobilização PA, mas em
pacientes com DL, mostrou que a mobilização pode reduzir a intensidade da dor quando o paciente se move ativamente, sendo que
o protocolo utilizado foi de três repetições de um minuto cada e a
magnitude da força de mobilização foi selecionada pelo terapeuta de
acordo com o paciente12.
De forma concordante, foi observado no presente estudo que a intensidade de dor ao frio foi reduzida com a aplicação das mobilizações, a partir do grau II, fato não observado tanto para o grupo
controle (G0) quanto para o grau I. Os mecanismos exatos para
alívio da dor ainda não são estabelecidos, mas possíveis explicações
são teorias como a das comportas e de supressão descendente mediada pela substância cinzenta periaqueductal. Em estudo que utilizou mobilizações PA sobre L3, com variações na pressão entre 50
e 200N, sendo que estas alternaram desde grandes até semiestáticas
oscilações, os autores observaram como resultados redução no limiar
de dor à pressão em todas as variações13.
Tal resultado não foi observado na avaliação do limiar de dor à pressão no presente estudo, porém, vale novamente salientar que foram
mobilizadas todas as vértebras lombares o que pode ter gerado desconforto pela pressão ter ocorrido em mais de um segmento. Ainda,
deve-se levar em consideração que, no presente estudo, as mobilizações foram realizadas por duas acadêmicas, que apesar de terem
recebido treinamento, apresentavam pequena experiência com o
uso da técnica, a qual mesmo para terapeutas experientes, segundo estudos, há pobre confiabilidade no desempenho dos graus de
mobilização5,14. Outra limitação do estudo foi o fato de ter sido um
estudo cruzado, o que pode gerar efeito do carregamento, apesar de
que para tentar diminuir tal efeito havia um intervalo de sete dias
entre as mobilizações.
Sugere-se assim que novas pesquisas possam ser realizadas com terapeutas mais experientes avaliando a ação das mobilizações em mais
de um segmento. Salienta-se ainda que a ausência de alterações na
dor induzida pelo frio para o grau I não significa que este não possa produzir efeitos hipoálgicos15, mas, que para indivíduos sem dor
prévia, tal estímulo mostrou-se insuficiente para gerar mecanismos
atenuadores, assim tornam-se relevantes pesquisas com mobilizações
em mais de um segmento em portadores de dor lombar aguda e
crônica.
CONCLUSÃO
As mobilizações oscilatórias sobre vértebras lombares de indivíduos saudáveis produziram, a partir de GII, redução significativa na
intensidade de dor ao frio, mas não houve efeito com relação à dor
à pressão.
AGRADECIMENTOS
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Fundação Araucária pelo apoio com bolsas de iniciação científica na modalidade Ações Afirmativas.
23
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):21-4
Karvat J, Antunes JS e Bertolini GR
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ARTIGO ORIGINAL
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):25-9
Comparison between Comfort-Behavior and Ramsay scales in a
pediatric intensive care unit*
Comparação entre as escalas de Comfort-Behavior e Ramsay em uma unidade de terapia
intensiva pediátrica
Marcella Zuliani Lopes Soares1, Andréa Gomes da Costa Mohallem2, Simone Brandi1, Mariana Lucas da Rocha Cunha2
*Recebido da Faculdade de Enfermagem, Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil.
• Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em Enfermagem.
DOI 10.5935/1806-0013.20140007
ABSTRACT
RESUMO
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Studies have tried to
compare sedation scales, however time spent with their application
has not been studied. This study aimed at checking sedation level
of patients admitted to the pediatric intensive care unit according
to Comfort-Behavior and Ramsay scales, comparing sedation score
and time spent to apply both scales.
METHODS: This prospective study has involved patients aged
from one day of life until 18 incomplete years, admitted to the pediatric intensive care unit, submitted or not to mechanical ventilation, who needed analgesic and/or sedative therapy and after acceptance of legal representatives. Exclusion criteria were patients under
neuromuscular blockers and in process of extubation. A checklist
developed by the authors was used to collect dada. Data were collected in four observations per patient (14h, 16h, 18h and 20h), in a
total of 48 observations. Sample was made up of six patients.
RESULTS: In 22 observations there have been high sedation levels
in both scales. Moderate sedation was found in one observation for
both scales. No evaluation has shown low sedation levels. Mean time
using Comfort-Behavior scale was longer as compared to Ramsay
scale (p=0.019). There has been no significant variation among patients and among observers.
CONCLUSION: Evaluated scores had similar results; however
mean time for Comfort-Behavior scale was longer than for Ramsey
scale without variation among patients or among observers.
Keywords: Deep sedation, Method, Nursing, Pain measurement,
Pediatric intensive care unit, Physiological monitoring.
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Estudos buscaram comparar
escalas de sedação, porém o tempo gasto na sua aplicação não tem
sido pesquisado. Os objetivos deste estudo foram verificar o nível
de sedação de pacientes internados na unidade de terapia intensiva
pediátrica de acordo com as escalas de Comfort-Behavior e Ramsay,
comparando o escore de sedação e o tempo gasto na aplicação das
duas escalas.
MÉTODOS: Este estudo prospectivo englobou os pacientes a partir
de um dia de vida até 18 anos incompletos, internados na unidade
de terapia intensiva pediátrica, submetidos à ventilação mecânica
ou não, que necessitaram de terapia analgésica e/ou sedativa e com
aceite do responsável legal. Não foram incluídos pacientes em uso
de bloqueador neuromuscular e em processo de extubação. Para o
levantamento dos dados, foi utilizado um formulário do tipo Check
List, elaborado pelas autoras. A coleta de dados foi realizada em quatro observações por paciente (14h, 16h, 18h e 20h), totalizando 48
observações. A amostra foi composta por seis pacientes.
RESULTADOS: Em 22 observações foram constatados níveis altos
de sedação em ambas as escalas. Níveis moderados de sedação foram
encontrados em uma observação de ambas as escalas. Em nenhuma
das avaliações foram observados níveis baixos de sedação. O tempo
médio usando a escala de Comfort-Behavior foi maior que o da escala de Ramsay (p=0,019). Não houve variação significativa entre os
pacientes assim como entre os observadores.
CONCLUSÃO: Os escores avaliados apresentaram equivalência nos
resultados, entretanto o tempo médio usando a escala Comfort-Behavior foi maior que o da escala de Ramsay, não tendo sido encontrada
variação entre os pacientes, assim como entre os observadores.
Descritores: Enfermagem, Mensuração da dor, Método, Monitorização fisiológica, Sedação profunda, Unidade de terapia intensiva
pediátrica.
1. Hospital Israelita Albert Einstein, Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica, São Paulo,
SP, Brasil.
2. Faculdade Israelita das Ciências da Saúde Albert Einstein, Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil.
Apresentado em 19 de dezembro de 2012.
Aceito para publicação em 17 de fevereiro de 2014.
Conflito de interesses: não há.
Endereço para correspondência:
Marcella Zuliani Lopes Soares
Rua Bartira 485/71 Bloco 1 - Perdizes
05009-000 São Paulo, SP, Brasil.
E-mail: [email protected]
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor
INTRODUÇÃO
Na unidade de terapia intensiva pediátrica (UTIP), o paciente é
constantemente exposto a intenso impacto psíquico causado pela
ansiedade, medo, distúrbios do sono e vigília, imobilidade no leito,
manipulação desconfortável e procedimentos invasivos como intubação traqueal, punções venosas ou arteriais e drenagem de tórax.
Um dos principais objetivos dos profissionais de saúde no cuidado
25
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):25-9
Soares MZ, Mohallem AG, Brandi S e Cunha ML
à criança internada na UTIP é realizar tratamento que implique na
menor agressão possível, a fim de evitar maior sofrimento físico e
emocional para a criança e seus familiares1,2.
Esse cenário, de intenso impacto psíquico associado à necessidade de
suporte ventilatório mecânico, está entre as indicações mais comuns
para a utilização de analgesia e/ou sedação nesses pacientes. Analgesia e sedação, além de otimizarem o tratamento, proporcionam
conforto, controlam a dor e atenuam o nível de ansiedade e agitação
apresentado por eles1,2.
Apesar dos benefícios do uso de fármacos vasoativos e analgésicos
em pacientes graves, a utilização excessiva está associada a aumento
do tempo de internação, do risco de infecção e da taxa de mortalidade, além da probabilidade de desenvolvimento de sintomas de
abstinência no momento da sua suspensão, que podem variar em
qualidade e intensidade1-4.
O uso da sedoanalgesia deve ser criteriosamente avaliado pela equipe
médica, por meio dos níveis de sedação atingidos, a fim de se utilizar
a menor dose possível e minimizar os riscos de efeitos adversos, priorizando a manutenção de uma sedação ideal. Deve-se manter uma
sedação profunda somente nos casos necessários, reduzindo-se, dessa
forma, o tempo de suporte ventilatório mecânico e diminuindo-se
consequentemente os custos com a internação hospitalar. Preconiza-se também, evitar uma sedação insuficiente, que causaria sofrimento ao paciente, além de colocar sua segurança em risco1-4.
A tendência atual está voltada para a individualização do tratamento
do paciente, o que torna imprescindível a avaliação contínua da dor,
monitorização da sedação e da analgesia. O Consenso Brasileiro para
Sedação e Analgesia em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), sugere
que a avaliação periódica da intensidade e qualidade da analgesia e
sedação deva ser incorporada à rotina da monitorização clínica em
UTI de adultos5.
A dor representa uma experiência subjetiva e considerando-se a área
pediátrica, a criança deve ser avaliada por meio de instrumentos
adequados e tratada de acordo com a faixa etária, o desenvolvimento cognitivo e as condições clínicas apresentadas por ela. Por esse
motivo, a avaliação é muito mais complicada e difícil, sobretudo
naqueles pacientes sob sedação e submetidos à ventilação mecânica
(VM), pois, em muitas situações não é possível diferenciar entre dor
e ansiedade, e ambas devem ser tratadas simultaneamente. Cabe à
equipe de enfermagem estar preparada e proporcionar um cuidado
humanizado1,6.
As escalas clínicas são os instrumentos mais utilizados pelos enfermeiros para a monitorização do grau de sedação e oferecem parâmetros para a integração das informações entre os enfermeiros e a
equipe médica. Essas informações auxiliam estes a redefinir e ajustar
diariamente a dose dos fármacos. As principais escalas em uso atualmente são a escala de sedação de Ramsay (R), escala de agitação e
sedação de Richmond e a escala de Comfort-Behavior (CB), sendo
que na pediatria as mais utilizadas são a primeira e a última, citadas
respectivamente1-4.
Na literatura, é possível encontrar comparações entre as escalas R e
CB demonstrando equivalência para a avaliação do nível de sedação
de pacientes gravemente enfermos. Identifica-se também estudo que
analisa a escala de CB e a de Avaliação de Atividade Motora (AAM),
quanto à validação para aplicação em crianças submetidas à VM.
No entanto, os estudos não explicitam referência ao tempo utilizado
26
para as aplicações das escalas2,3. Não há na literatura estudos de comparação especificamente entre as escalas R e CB.
A avaliação do nível de sedação pela escala de R foi proposta em
1974 e baseia-se em critérios clínicos para sua classificação, seguindo
numeração de 1 a 6 para graduar a ansiedade, agitação ou ambas,
até ausência total de resposta do paciente. Necessita de contato com
o paciente, uma vez que se faz necessário um leve toque glabelar ou
estímulo sonoro auditivo, dependendo das condições apresentadas
por ele. São observados: níveis excessivamente altos de sedação com
Ramsay 5 ou 6; níveis adequados de sedação com necessidade de observação com Ramsay entre 2 e 4; e nível inadequado ou insuficiente
de sedação com Ramsay 11,2.
A escala de CB, descrita em 1992, é uma ferramenta observacional
desenvolvida especificamente para crianças em VM. Analisa parâmetros comportamentais e fisiológicos, após dois minutos de observação, considera variáveis como: pressão arterial média (PAM),
frequência cardíaca (FC), tônus muscular, tônus facial, nível de
consciência, agitação/calma, movimentos respiratórios e movimento
físico. Em 2005, a escala foi simplificada; foram eliminadas as variáveis fisiológicas, sendo denominada CB. Essa escala refere-se apenas
às variáveis comportamentais1,3,7,8.
Essa escala, evidentemente, não pode ser utilizada durante o uso de
bloqueadores neuromusculares e inclui variáveis como a PAM e FC,
que se alteram no paciente por outros fatores, tornando a graduação
subjetiva1,3.
Para os pontos de corte para a graduação encontrada, foi sugerido
que: um escore entre 6 e 10 corresponderia a super-sedação ou sedação profunda; escore maior ou igual a 23, a pouca sedação ou
sedação insuficiente; e para a faixa intermediária entre 11 e 22, a
sedação moderada3,7.
Considerando a importância da avaliação do grau de sedação da
criança internada na UTIP pelos profissionais de enfermagem, o
objetivo deste estudo foi comparar as escalas CB e R em relação ao
escore de sedação e o tempo gasto na sua aplicação.
MÉTODOS
Realizou-se este estudo de campo, descritivo-exploratório, prospectivo, por meio de observação não participativa, com análise quantitativa dos dados. Realizado na UTIP do Hospital Israelita Albert
Einstein (HIAE), um hospital privado, terciário, de grande porte,
localizado na zona sul do município de São Paulo.
Os critérios de inclusão foram pacientes a partir de um dia de vida
até 18 anos incompletos, internados na UTIP, submetidos à VM
ou não, que necessitaram de terapia analgésica e/ou sedativa e cujo
responsável legal concordasse com a participação da criança no estudo. Critérios de exclusão foram pacientes em uso de bloqueador
neuromuscular e em processo de extubação.
Para o levantamento dos dados, foi utilizado um formulário do tipo
Check List, elaborado pelas autoras, contendo os seguintes itens:
data da realização da coleta; data de internação na unidade, dados de
identificação da criança (gênero e idade); diagnóstico médico; antecedentes clínicos e cirúrgicos; modo de VM; fármacos analgésicos e/
ou sedativos. Também foram incluídas nesse mesmo instrumento
a graduação das escalas de sedação CB e R e seus correspondentes
significados; o tempo de duração da aplicação de cada uma delas,
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):25-9
Comparação entre as escalas de Comfort-Behavior e Ramsay
em uma unidade de terapia intensiva pediátrica
RESULTADOS
Foram incluídos neste estudo seis pacientes, dos quais três eram do
gênero masculino e três do feminino. As idades encontradas variaram de 30 dias até 6 anos e 5 meses, sendo duas crianças com menos
de um ano, duas entre 1 e 3 anos, e duas maiores de 3 anos.
As crianças apresentavam mais de um diagnóstico, e os mais frequentes foram: doença respiratória (broncopneumonia, insuficiência respiratória e bronqueolite), seguida de doença cardíaca (derrame
de pericárdio e defeito do septo atrioventricular e persistência do
canal atrial). Foram encontrados diagnósticos de choque séptico
em duas crianças e politrauma com traumatismo cranioencefálico
e contusão pulmonar em uma criança. Apenas dois pacientes apresentavam antecedentes clínicos, sendo que ambos tinham síndrome
de Down.
A combinação de midazolam com fentanil foi o esquema de sedação
e analgesia mais usado (5 pacientes da amostra), acrescido ou não de
outro fármaco sedativo: propofol, hidrato de cloral ou tiopental. Em
apenas uma das amostras foi utilizado somente o hidrato de cloral
para a sedação e nenhum fármaco analgésico.
Quanto à modalidade de VM, em metade dos casos optou-se por
pressão controlada (PC) e na outra metade por ventilação mandatória intermitente sincronizada (SIMV).
Foram registradas 48 observações, sendo 24 provenientes do emprego da escala de CB e 24 da escala de R. O escore médio proveniente
das observações da CB foi de 7,3 e o da R de 5,9 (Tabela 1); o que
corresponde a sedação profunda em ambas as escalas.
Em 22 observações foram constatados níveis altos de sedação em
ambas as escalas: CB com escore entre 6 e 10 e R com escore ≥5. Níveis moderados de sedação foram encontrados em uma observação
de ambas as escalas: CB entre 11 e 20, R entre 2 e 4. Em nenhuma
das avaliações foram observados níveis baixos de sedação (Figura 1).
Apenas em uma observação não houve concordância entre as escalas. Registra-se, porém, que os escores obtidos encontravam-se no
limite da mudança de padrão de sedação: escore 5 pela R (sedação
profunda) e escore 11 pela CB (sedação moderada). Escore 10 pela
CB indicaria sedação profunda e escore 4 para R, indicaria sedação
moderada.
Foi encontrada uma média de tempo gasto para aplicação de cada
escala de 63 segundos para a CB e de 30 segundos para a R, resultando em uma diferença de 33 segundos, conforme mostrado na
figura 2.
O teste de Análise de Variância (ANOVA), que considerou como
fatores as variáveis da escala, paciente e observador, mostrou que os
tempos médios gastos para a aplicação de cada escala são significativamente diferentes (p=0,019). Então, pode-se concluir que o tempo
médio usando a escala de CB é significativamente maior que o da
escala de R. O teste mostrou também que não há variação significativa entre os pacientes (p=0,629) assim como entre os observadores
(p=0,300).
Escala CB
24
Escala R
23
22
20
Número de observações
que foi aferido por meio de um cronômetro; a presença de dor e se
houve a necessidade de modificar a sedação.
A coleta de dados foi realizada nos meses de agosto e setembro de
2012, no período das 14h00 às 20h00, totalizando quatro observações por paciente (14h, 16h, 18h e 20h). Cada paciente foi avaliado
apenas um dia por um profissional diferente em cada horário. A
finalidade dessa medida foi evitar que a verificação anterior influenciasse a seguinte. A aplicação das duas escalas foi realizada de maneira sequencial.
Os profissionais de enfermagem, enfermeiros e técnicos de enfermagem, realizaram a aplicação das escalas à beira do leito, concomitantemente à rotina de verificação dos sinais vitais e foram anotados
os escores graduados para cada uma das escalas e cronometrado o
tempo de duração da aplicação de cada uma, separadamente.
Para cada paciente, foi preenchido o formulário do tipo Check List.
As informações foram registradas, a partir da observação não participativa do pesquisador, com a cronometragem do tempo de aplicação
de cada escala, que ocorreu no próprio quarto do paciente.
Antes de realizar a avaliação da criança, foi explicado sobre a pesquisa e em que consistiria a participação da criança, sendo apresentado
o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que deveria ser assinado pelo responsável legal da criança, caso concordasse
com a sua participação.
Os dados obtidos do formulário foram submetidos a análise estatística descritiva e os resultados foram apresentados em números absolutos, por meio de tabelas e figuras.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do
HIAE (CAAE nº 04332712.6.0000.0071 – 2012).
16
12
8
4
0
2
Sedação profunda
1
Sedação moderada
Figura 1. Níveis de sedação encontrados nas amostras observadas
segundo as escalas Comfort-Behavior e Ramsay
CB: Comfort-Behavior; R: Ramsay.
Tabela 1. Escore médio de sedação obtido com a aplicação das escalas Comfort-Behavior e Ramsay
Escalas
Amostra 1
Amostra 2
Amostra 3
Amostra 4
Amostra 5
Amostra 6
Média Geral
CB
7,8
7,3
8,3
7,8
7,0
6,0
7,3
R
5,8
6,0
6,0
5,5
6,0
6,0
5,9
CB: Comfort-Behavior; R: Ramsay.
27
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Escala R
Soares MZ, Mohallem AG, Brandi S e Cunha ML
30
Escala CB
63
0 10 2030 4050 6070
Média de tempo gasto (segundos)
Figura 2. Média de tempo gasto para a aplicação de cada escala
CB: Comfort-Behavior; R: Ramsay.
O desvio padrão da escala de CB (46,86 segundos) é quase o dobro do desvio padrão da escala de R (25,29 segundos), sendo assim,
além de o tempo médio da CB ser maior que o da R, os tempos na
CB tem maior variabilidade em torno da média do que os da R. O
intervalo (média±DP), para a CB foi de 16 a 110 segundos e para a
R foi de 5 a 55 segundos.
A presença de dor poderia interferir no resultado do escore das escalas e consequentemente na fidedignidade dos dados obtidos. A
dor foi avaliada conforme a rotina de verificação dos sinais vitais e
concomitantemente aos momentos de observação da aplicação das
escalas, não sendo observado nenhum episódio.
DISCUSSÃO
Os consensos para a sedoanalgesia em UTI indicam como sedativos
o midazolam e o propofol que foram introduzidos na prática clínica
a partir de 1980 e permanecem como os mais conhecidos e estudados para a sedação, e como analgésicos os opioides, sendo o fentanil
o fármaco de escolha9. Os mesmos fármacos recomendados foram
os encontrados no presente estudo.
Vários estudos relatam que a sedação deve ser adaptada a cada criança em cada momento. Existe uma grande variedade de fármacos
disponíveis para a sedação e analgesia da criança gravemente enferma, e cada um deles tem vantagens e desvantagens. Existem poucas
revisões e guias práticos de consenso sobre os sedoanalgésicos em
crianças graves, e parte das recomendações está baseada na experiência com adultos1,5,9.
Um estudo realizado na China com crianças que realizaram cirurgias
cardíacas explorou o estado de dor e o nível de sedação apresentados
por elas nos três dias consecutivos de pós-operatório. A dor foi avaliada através de uma escala complexa que analisa rosto, pernas, atividade, choro e consolabilidade, e a sedação foi vista pela escala de CB.
Os resultados mostraram que o uso de analgésicos e sedativos na
UTIP foi variável e as crianças apresentaram baixos escores de dor,
mas com uma alta taxa de sedação, indicando que os profissionais de
saúde devem abordar maneiras de melhorar no pós-operatório a dor
e o manejo da sedação nessa população10.
28
Em relação à observação da dor, o Consenso Norte Americano para
Sedação e Analgesia em UTI, define que a avaliação da dor deve
ser sistematicamente documentada e realizada por meio de escalas
apropriadas para essa população. Após a definição da intensidade
dolorosa, esse consenso sugere a reavaliação da terapêutica analgésica11. No presente estudo, não foi observado nenhum episódio de
dor durante os momentos de observação da aplicação das escalas,
sem que houvesse a necessidade de reavaliar a terapia sedoanalgésica
por esse motivo.
Com relação à utilização das escalas de sedação, um levantamento
bibliográfico e revisão de experiência em UTIP desenvolvido em
2007, aponta a escala de R como simples e rápida de ser aplicada,
porém, por utilizar estímulos auditivos e dolorosos para avaliar a
resposta da criança, torna subjetiva a sua avaliação. Já em relação à
escala de CB, o estudo cita que nenhum estímulo doloroso é necessário durante a aplicação, contudo, é mais demorada e complicada
de ser aplicada devido à análise de parâmetros variados1.
Uma revisão sistemática recente12 incluiu 25 estudos e analisou os
relatos da sedação de crianças criticamente enfermas sob os cuidados
intensivos. Os resultados mostraram o uso de 12 escalas de sedação
variadas, com predomínio da escala de CB seguida da escala de R e
outras duas escalas. Seis estudos utilizaram ferramentas complementares às escalas, com o destaque para o índice bispectral (BIS). Com
relação ao nível de sedação, foi apresentado que os estudos diferiram
quanto aos valores de corte para as escalas, apresentando sedação
ideal em 57,6%, sedação excessiva em 31,8% e baixa sedação em
10,6% das observações.
Nos últimos anos, outros métodos complementares às escalas vêm
sendo desenvolvidos para valorizar de forma mais objetiva o nível
de consciência diante da análise das características do eletroencefalograma (EEG). O BIS é o mais utilizado, porém não é rotineiro
na maioria dos serviços, devido principalmente ao custo elevado.
Aperfeiçoa a sedação em UTIP, evitando o risco associado à baixa e
excessiva sedação, propõe um grande avanço na monitorização contínua de pacientes que necessitam de sedação profunda e bloqueio
neuromuscular, além de esclarecer a classificação daqueles pacientes
com níveis moderados de sedação, pois avalia de forma contínua as
mudanças do EEG, oferecendo uma medida numérica do grau de
sedação, desde o zero (silêncio elétrico) até 100 (acordado)1-3,13-15.
A respeito da escala de CB, um estudo3 desenvolvido na UTIP de
um hospital de Porto Alegre, realizou a validação da escala para o
português, avaliou o nível de sedação dos pacientes em VM e comparou seu desempenho com a escala de avaliação de atividade motora (AAM), que também estava sendo validada no idioma e para a
população pediátrica. Após a tradução para o português, as escalas
foram aplicadas obtendo-se um total de 116 observações, que revelaram pacientes com alto nível de sedação, com predominância da
combinação de midazolam com fentanil como esquema de sedação.
Essa tendência também foi encontrada no presente estudo, em cinco
dos seis pacientes da amostra, onde foram constatados níveis altos de
sedação pela CB em 22 observações, e em 23 pela escala de R.
Quanto aos diagnósticos mais frequentes, também houve concordância com o presente estudo, sendo o destaque para as doenças
respiratórias em 22 dos 26 pacientes do estudo de Porto Alegre3, e
em 4 dos 6 pacientes do atual estudo.
Especificamente em relação ao tempo, um estudo desenvolvido na
Comparação entre as escalas de Comfort-Behavior e Ramsay
em uma unidade de terapia intensiva pediátrica
Holanda, verificou o desempenho da escala de CB em períodos de
observação de 30 segundos e de 2 minutos. Um total de 133 enfermeiros da UTIP realizaram as aplicações simultâneas, e a conclusão
do estudo foi que se deve manter a observação de 2 minutos para
que a avaliação da escala seja mais fidedigna e apurada, tempo superior à média encontrada no presente estudo, como pode ser visto
na figura 2. Não há estudos desenvolvidos em relação ao tempo de
aplicação da escala de R16.
A avaliação objetiva dos níveis de sedação em UTIP é desafiador
e, mesmo estando disponíveis diversas ferramentas, não existe um
“padrão ouro”. A observação de baixos níveis de sedação e sedação
excessiva está frequentemente relacionada à avaliação inadequada do
nível de sedação17,18.
Desde uma publicação que mostrou que a escala de CB é uma alternativa confiável às outras existentes, ela vem encontrando cada vez
mais espaço nas UTIP, porém devido à sua complexidade e extensão
por avaliar diversos parâmetros de forma mais detalhada, a procura
por alternativas é constante1,3,7,8.
No que se refere à graduação dos escores, a escala de R apresenta
certa vantagem sobre a escala de CB. A primeira segue a numeração
de 1 a 6, sendo o maior escore equivalente a um nível maior de
sedação, e a segunda que varia de 6 a 30, por sua vez, quanto menor
for o escore obtido, maior será o nível sedação1-3,7. Por esse motivo,
a interpretação dos resultados das aplicações da escala de CB pode
ser prejudicada. A consideração inicial para escolher a escala de R se
baseou na sua simplicidade, ponderando-se que isto levaria a uma
análise mais coerente e reprodutível1,3,7.
CONCLUSÃO
escalas de sedação CB e R apresentaram resultados equivalentes, demonstrando a predominância da sedação profunda. Apenas em uma
observação não houve concordância entre as escalas. Registra-se, porém que os escores obtidos encontravam-se no limite da mudança
de padrão de sedação. Em relação à aplicação das escalas, o tempo
médio utilizado para a escala de CB é significativamente maior que
o da escala de R.
REFERÊNCIAS
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4.
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6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
A utilização de escalas de sedação para a avaliação de uma adequada
terapia sedoanalgésica é uma prática crescente nos ambientes como
o de UTIP. O presente estudo traz como diferencial a comparação
entre as duas escalas apresentadas e a avaliação do tempo gasto para
a aplicação de cada uma.
O trabalho apresentado traz conclusões relevantes e o tema abordado é de extremo interesse para a comunidade pediátrica e para aqueles interessados no manuseio do conforto e analgesia de pacientes
criticamente doentes. Sugere-se a ampliação da amostra para desenvolvimento mais amplo de um tema tão importante.
Com base na análise de dados, pode-se concluir que os escores das
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):25-9
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29
ARTIGO ORIGINAL
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):30-5
Chronic pain portrait: pain perception through the eyes of sufferers*
Retrato de dores crônicas: percepção da dor através do olhar dos sofredores
Adrianna Loduca1,2, Barbara Maria Müller2, Roberta Amaral2, Andrea Cristina Matheus da Silveira Souza2,4, Alessandra Spedo
Focosi1,2, Claudio Samuelian2, Lin Tchia Yeng2,3, Marcia Batista1
*Recebido da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
DOI 10.5935/1806-0013.20140008
ABSTRACT
BACKGROUND AND OBJECTIVES: The literature mentions
several factors influencing chronic pain onset or maintenance;
however, it is known that such aspects cannot be generalized and
universalized because studies state that socio-cultural differences
interfere with pain perception. This study aimed at characterizing
patients’ perception of their pain and associated suffering as from
the projective tool Portrait of Pain.
METHODS: This is an exploratory study with 150 patients with
different chronic pains. They were evaluated as from socio-demographic variables related to pain and beliefs with regard to pain/suffering and proposed treatment (application of the Portrait of Pain).
Information obtained from the Portrait of Pain was analyzed by the
content analysis method. A single meeting was scheduled with mean
duration of 60 minutes.
RESULTS: The study was made up of 64% of females, mean age
of 52.5 years, 46% were married and 46% had not completed high
school. Mean pain duration was 6 years (58%). Drawings were
grouped in 8 categories (scenes, monsters, objects, geometric shapes,
irregular shapes and scribbles, whole human body, parts of the body
and miscellaneous), evidencing that half of the subjects associated
current suffering to other events with emotional impact and 87%
expected to improve as from passive strategies.
CONCLUSION: There are few reports on the use of projective tools to evaluate and manage chronic pain. Results suggest that this
resource could help characterizing the meaning of pain in patients’
1. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Faculdade de Ciências Humanas e da
Saúde, Curso de Psicologia, São Paulo, SP, Brasil.
2. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Hospital de Clínicas, Grupo de
Dor, São Paulo, SP, Brasil.
3. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Hospital de Clínicas, Grupo de
Dor, Departamento de Fisiatria, São Paulo, SP, Brasil.
4. Instituto de Infectologia Emílio Ribas, Seção de Reabilitação, São Paulo, SP, Brasil.
Apresentado em 25 de novembro de 2013.
Aceito para publicação em 19 de fevereiro de 2014.
Conflito de interesses: não há.
Endereço para correspondência:
Adrianna Loduca
Avenida Arnolfo Azevedo, 70 – Pacaembu
01236-030 São Paulo, SP, Brasil.
E-mail: [email protected]
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor
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lives and favor adhesion to proposed treatment. Further studies
should come up to deepen the theme.
Keywords: Chronic pain, Evaluation of impact on health, Projective tool, Psychological evaluation.
RESUMO
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A literatura enumera vários
fatores que influenciam na eclosão ou manutenção da dor crônica;
entretanto, sabe-se que esses aspectos não podem ser generalizados e
universalizados, pois estudos afirmam que as diferenças socioculturais
interferem na percepção do quadro álgico. Este estudo teve como objetivo caracterizar a percepção que o paciente tem sobre sua dor e seu
sofrimento associado a partir do recurso projetivo Retrato da Dor.
MÉTODOS: Trata-se de um estudo exploratório realizado com
150 pacientes com dor crônica de diversas etiologias. Eles foram
avaliados a partir de variáveis sociodemográficas, relacionadas a
dor e de crenças em relação a dor/sofrimento e ao tratamento proposto (aplicação do Retrato da Dor). As informações obtidas no
Retrato da Dor foram analisadas segundo o método de análise de
conteúdo. Foi realizado um único encontro com duração média
de 60 minutos.
RESULTADOS: A pesquisa foi composta por 64% de mulheres,
com idade média de 52,5 anos, 46% eram casados e 46% tinham o
2º grau incompleto. O tempo médio de convívio com a dor foi de 6
anos (58%). Os desenhos foram agrupados em 8 categorias (cenas,
monstros, objetos, formas geométricas, formas irregulares e rabiscos,
corpo humano inteiro, partes do corpo e miscelânea), evidenciando-se que a metade dos sujeitos associava o sofrimento atual a outros
eventos de impacto emocional, assim como 87% aguardava melhorar a partir de estratégias passivas.
CONCLUSÃO: Há poucos relatos do uso de instrumentos projetivos na avaliação e tratamento de dor crônica. Os resultados sugerem
que esse recurso pode ajudar na caracterização do sentido da dor na
vida do paciente e favorecer a adesão ao tratamento proposto. Novos
estudos devem surgir para maior aprofundamento do tema.
Descritores: Avaliação do impacto na saúde, Avaliação psicológica,
Dor crônica, Instrumento projetivo.
INTRODUÇÃO
A dor crônica provoca impactos na vida em vários aspectos: físico,
psicológico e social, que são, muitas vezes, difíceis de ajustamento e
prejudicam várias áreas da vida do paciente1-10. Esses impactos resul-
Retrato de dores crônicas: percepção da dor
através do olhar dos sofredores
tam em incertezas, medos, preocupações e sensação de incapacidade11-13, portanto, a persistência do quadro álgico compromete a vida
dos sofredores de forma global.
Quando a dor persiste, apesar dos esforços terapêuticos, os profissionais da saúde compartilham com o sofredor e seus familiares
do sentimento de frustração, principalmente pelo fato de não se
poder antecipar uma cura. A atenção deve ser voltada para ajudá-lo a ajustar-se à incapacidade resultante e aos efeitos adversos de
fármacos14,15, que se usados excessivamente e de modo prolongado,
podem provocar a diminuição da produção de endorfinas pelo organismo (bloqueadores de dor), aumentando, consequentemente,
a percepção do quadro álgico16. Nesse sentido, compreender como
cada paciente interpreta o impacto do quadro de dor crônica na sua
vida constitui-se uma ferramenta fundamental para a efetividade do
tratamento proposto pela equipe multi ou interdisciplinar.
Na literatura da área tem se evidenciado estudos que explicam que a
cultura pode potencialmente interferir na experiência dolorosa, tanto do ponto de vista do paciente quanto do profissional, em diversos
aspectos da vida diária. Cada significado atribuído é fruto da influência de ideologias sobre saúde, qualidade de vida e status socioeconômico17,18. Percebe-se que a expressão do sofrimento é constituída
pela somatória de fatores físicos, emocionais e sociais, portanto, não
pode ser traduzida apenas pela quantificação da frequência e da intensidade do quadro álgico19. Além disso, a diferença entre grupos
étnicos e culturais evidencia diferenças na linguagem e no significado relacionadas aos sintomas, abrindo espaço para a necessidade de
criação e validação de questionários locais20,21.
Os profissionais que trabalham em Centros de Dor no Brasil têm
procurado validar instrumentos internacionais, mas também identificaram, assim como referido na literatura mundial, a necessidade
de desenvolver novos recursos que venham responder as demandas
de trabalho de nossas equipes e da realidade da população brasileira.
Dentro dessa perspectiva, em 1998, foi realizado um estudo12 que
desenvolveu um instrumento projetivo chamado Retrato da Dor.
Na época, percebeu-se que pacientes que tinham o mesmo diagnóstico de dor não necessariamente atribuíam o mesmo sentido às suas
dores, o que incentivou o desenvolvimento de um recurso onde se
solicitava ao paciente que fizesse uma representação gráfica de seu
desconforto físico, e na sequência realizava-se um inquérito que favorecia compreender o sentido da dor na vida do paciente. Desde
2000, a partir desse estudo12, um grupo de pesquisadores tem adotado o Retrato da Dor como um dos recursos de referência para a
avaliação psicológica dos pacientes que ingressam no Grupo de Dor
do IOT HCFMUSP.
Enquanto que no Brasil valorizava-se a narrativa e o sentido que
cada paciente atribuía às suas dores, por volta de 2008, surgiu um
movimento denominado PainSTORY desenvolvido em países europeus que sinalizaram a preocupação de dar atenção para a narrativa
e para a expressão gráfica da dor dos pacientes. A investigação, que
contou com a colaboração de cerca 13 países europeus, reuniu dados
de 294 pacientes, ao longo de um ano, e tinha como objetivo verificar o impacto da dor crônica na vida dos pacientes. Os resultados do
PainSTORY revelaram que a dor assumia diferentes significados na
vida dos pacientes, reforçando a importância de valorizar o discurso
individual e a riqueza de utilizar outras formas de expressão da dor,
como a produção gráfica22.
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):30-5
Em 2010, um grupo de psicólogos realizou, em parceria com uma
indústria farmacêutica, uma cartilha sobre Retratos de Dor com o
objetivo de mostrar para os profissionais que o significado da dor
para cada paciente não se restringia ao diagnóstico clinico. Nesse
período iniciou-se o estudo atual que agora se finaliza com a análise
de 150 Retratos de Dor sobre diferentes aspectos.
Observam-se na literatura mundial poucos relatos do uso de instrumentos projetivos nos estudos psicológicos sobre avaliação e tratamento de dores crônicas. Dentre os encontrados, foram utilizados
instrumentos projetivos já existentes na área de Psicologia, como o
MMPI (Minnesota Multiphasic Personality Inventory), o Rorchasch, o Teste de Apercepção Temática (TAT) e o Desenho da Figura
Humana (DFH)23,24. Existe uma lacuna no que se refere ao desenvolvimento de instrumentos projetivos para facilitar a avaliação de
pessoas com dor crônica. Essas constatações mostram a necessidade de serem utilizados mais recursos na área da dor que permitam
que o paciente possa expressar seu sofrimento de forma mais livre
e criativa. As técnicas projetivas requerem que o indivíduo utilize
características de sua personalidade, necessidades e experiências de
vida para interpretar estímulos ambíguos o que diminui a ação de
mecanismos de defesa e permite o acesso a conteúdos não acessíveis
à consciência do colaborador25.
O objetivo deste estudo foi caracterizar a percepção que o paciente
tem sobre sua dor e seu sofrimento associado, aplicando o instrumento projetivo Retrato da Dor.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo exploratório26 realizado com 150 pacientes
com dor crônica de diversas etiologias indicados pelo Grupo de
Dor do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital de
Clínicas da Faculdade de Medicina de Universidade de São Paulo, através de parceria estabelecida com a Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. Foram convidados a participar todos os
pacientes que iniciaram tratamento no ambulatório, entre janeiro de 2010 e julho de 2013. A presença de significativo déficit
cognitivo e/ou distúrbios psiquiátricos graves foram os critérios de
exclusão de participantes ou a recusa em participar da investigação
por parte do sujeito.
A investigação seguiu a partir de três grupos de variáveis: sociodemográficas (gênero, idade e estado civil), relacionadas a dor (tempo de convivência, escala numérica de dor) e de crenças em relação
a dor e ao tratamento multidisciplinar (aplicação do Retrato da
Dor). Foi realizado um único encontro com a duração média de
60 minutos.
As informações obtidas com a aplicação do Retrato da Dor foram
analisadas segundo o método de análise de conteúdo27. Inicialmente,
foi feita a leitura flutuante do material para o levantamento de temas
e categorias e após a codificação das narrativas os pesquisadores procuraram entender significações passíveis de emergirem a partir das
respostas dos sujeitos. A utilização de porcentagens veio para ilustrar
a frequência das respostas, portanto não foi realizado tratamento
estatístico uma vez que o foco ateve-se a ampliar o conhecimento
sobre o sentido da dor, caracterizando o impacto e convivência dos
participantes com suas dores crônicas, o que motivou a presença de
um número maior de sujeitos26.
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Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):30-5
Loduca A, Müller BM, Amaral R, Souza AC,
Focosi AS, Samuelian C et al.
Descrição do material
Escala numérica de dor (EN): identifica a qualidade sensitiva da experiência dolorosa28. Solicita-se ao paciente que classifique a intensidade de sua dor segundo uma série de números que variam de zero
a 10 (ou zero a 100) sendo que, zero significa “nenhuma dor” e 10
“maior dor possível”.
Retrato da Dor: recurso projetivo11,12,29 que tem por objetivo identificar a percepção do paciente sobre sua dor e sofrimento associado.
Solicita-se ao indivíduo que imagine que sua dor tem uma forma e,
em seguida, pede-se que tente desenhá-la em uma folha de papel.
Lápis de cor, lápis grafite e canetas hidrográficas coloridas são oferecidos para confecção gráfica. Lembra-se ao sujeito que não existe
certo ou errado. Após a confecção segue-se um inquérito elaborado
com sete questões com o intuito de ampliar a compreensão do sofrimento álgico.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob o nº118/2005.
mudar a situação, mas o paciente não achava que poderia contribuir
para esse processo;
• 17%: não acreditavam que alguém ou algo poderia tratar a dor;
• 9%: atribuíram a Deus a única possibilidade de alcançar o “milagre
da cura”.
Quando questionados se as dores poderiam ser associadas a outras
situações tão ruins ou piores do que essa convivência:
• 50% relacionaram com outros eventos de impacto emocional,
principalmente situações de luto e de perdas: 66% morte de entes
queridos e 22% problemas nos relacionamentos amorosos (traições
e separações);
• 24% mencionaram eventos de impacto físico: lembrança de outras
dores ou doenças agudas e crônicas;
• 17% afirmaram que essa dor era o pior acontecimento já ocorrido
em sua vida.
RESULTADOS
A prevalência de sujeitos do gênero feminino reforça dados da literatura nacional sobre a frequência da dor nessa população10, assim
como a média de idade coincide com outros estudos nacionais11,14
apontando que a maior incidência de dor ocorre na população produtiva o que interfere de forma significativa na situação laboral.
Discutindo um pouco mais sobre as categorias de desenhos identificadas, o texto segue trazendo ilustrações que permitem caracterizar
cada categoria:
CENAS: os pacientes que fizeram analogias com situações que se
aproximam do sofrimento atual. O desenho de uma mulher com
36 anos e diagnóstico de dor pélvica (EN=7) ilustra bem. Ela referiu que sua dor pélvica poderia ser comparada a uma queimadura
provocada por água fervente (Figura 1), sendo que as sensações de
calor e queimação são descritores de dor comumente encontrados
na literatura30.
Houve predomínio de mulheres (64%) e a idade média foi de 52,5
anos, prevalecendo a faixa dos 31 aos 55 anos (61% dos participantes), 46% casados e 46% com o 2ª grau incompleto. Em relação ao
tempo de convívio com a dor a maioria (58%) apresentou média de
seis anos e a intensidade da dor ficou em torno de 7,75.
A análise dos Retratos permitiu que os desenhos fossem agrupados
em oito categorias: cenas, monstros, objetos, formas geométricas,
formas irregulares e rabiscos, corpo humano inteiro, partes do corpo
e miscelânea. Além das representações gráficas percebe-se o predomínio de algumas cores nos desenhos, a maioria coloca poucas cores
prevalecendo o preto e o cinza (70%) e, quando cores diferentes
apareceram destacaram-se mais o vermelho, o marrom e o amarelo
acompanhando o preto e o cinza; a presença de cores como o verde
e o azul foi escassa.
Em relação ao inquérito, os nomes que os participantes deram
para suas dores foram agrupados em três grupos: físico, emocional
e misto. Poucos pacientes (4%) referiram apenas aspectos emocionais (esperança, pavor, medo, preocupação, saudade) a maioria,
cerca de 67%, nomeou a dor com adjetivos e substantivos que
incluíam tanto o desconforto físico quanto as emoções desagradáveis (cobra, dor maldita, montanha russa, bumerangue) e 29%
ressaltaram os aspectos sensoriais (latejante, martelada, pontada,
queimação). Quanto à idade da dor, 44% dos pacientes deram
para o desenho idades que corresponderam ao tempo de convívio
com o quadro álgico enquanto que 30% forneceram idades superiores ao seu aparecimento. Quando referiram sobre o convívio
com a dor a resposta que predominou (44,8%) foi de que era ruim
(terrível, horrível ou péssimo).
Já no que se refere às crenças sobre o que poderia melhorar o desconforto, 85% fizeram referência a condutas passivas, ou seja, consideravam que apenas intervenções externas como fármacos ou a assistência de profissionais da área da saúde, principalmente o médico
poderia reverter o quadro:
• 40%: somente os médicos e os fármacos poderiam diminuir suas
dores;
• 19%: a equipe interdisciplinar ou o tratamento proposto poderia
32
DISCUSSÃO
Figura 1. Exemplo de cena
MONSTROS: representações (Figura 2) que assustam, retratando
o tormento que a dor provoca no dia a dia. Um homem de 74 anos
com dor lombar afirmou conviver com sua dor há 40 anos (EN=7).
Disse que ela era tudo de ruim, que era a maldade, o sadismo. Comentou também que sentia que estava brigando com o próprio
corpo o que ilustra o padrão de repulsa em relação à dor12, sendo
esse um momento em que o paciente mede forças para combater o
quadro álgico.
Retrato de dores crônicas: percepção da dor
através do olhar dos sofredores
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):30-5
na prática clínica, na literatura são encontrados autores que discutem o impacto da dor crônica na família31, porém sem considerar a
sensação de descrédito do paciente.
Figura 2. Exemplo de monstro
OBJETOS: desenhos de objetos ou figuras que expressam o mal estar físico evidenciando os aspectos sensoriais da dor (algo que irradia,
pulsa, pesa ou queima). A figura 3 foi realizada por um homem de
31 anos e diagnóstico de síndrome dolorosa miofascial (EN=9) que
referiu que sua dor dava a sensação de estar sendo esfaqueado.
Figura 4. Exemplo de forma geométrica
FORMAS IRREGULARES E RABISCOS: são desenhos mais
primitivos (regredidos) que evidenciam descarga motora, provável
impulsividade e/ou raiva. Esse é o caso da figura 5 que foi realizada por uma mulher de 29 anos que sofria de cefaleia cervicogênica
(EN=4), que referiu que desenhou uma mancha para expressar a
sensação ruim provocada pela dor, ou seja, possivelmente o traçado
forte evidencia a descarga de raiva e frustração32. Outros desenharam
ondas como se quisessem representar o circuito do estímulo sensorial explicitando que estão procurando lidar com o problema de
forma racional, não permitindo muito espaço para extravasar emoções. Percebe-se que os desenhos podem ilustrar a descarga de fortes
emoções ou representar os aspectos sensoriais do quadro álgico.
Figura 3. Exemplo de objeto
FORMAS GEOMÉTRICAS: dentre elas as circulares foram as
mais desenhadas o que pode indicar a ênfase na sensação de peso ou
de permanência em um ciclo vicioso: dor-estresse-dor. A figura 4 foi
realizada por uma mulher de 36 anos com diagnóstico de síndrome
complexa de dor regional (EN=8). Ela referiu que sua dor melhoraria se as pessoas acreditassem que ela era real, sentia-se sozinha e
desacreditada. Percebe-se, nesse caso, que o peso maior estava relacionado a falta de credibilidade e apoio de familiares e rede social
mais próxima o que, por sua vez, expandiu o seu sofrimento para
além do desconforto físico. Embora relatos como esse sejam comuns
Figura 5. Exemplo de forma irregular e rabisco
33
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):30-5
Loduca A, Müller BM, Amaral R, Souza AC,
Focosi AS, Samuelian C et al.
CORPO INTEIRO: autorretratos ou representações do esquema
corporal evidenciando que a dor os atinge por completo embora,
muitas vezes, essa dor acometa apenas uma ou algumas partes do
corpo. A figura 6 traz o desenho de uma mulher de 25 anos e diagnóstico de síndrome de imobilismo (EN=10). Tanto o desenho
quanto a narrativa da paciente sobre sua produção explicitaram que
a dor atingia seu corpo todo de forma muito intensa, como se sua
identidade estivesse tomada pelo quadro álgico, o que evidencia o
padrão caótico de convívio com o quadro álgico, onde existe pouca
ou nenhuma diferenciação entre o Eu e a Dor12.
Figura 6. Exemplo de corpo inteiro
PARTES DO CORPO: desenhos das partes do corpo que doem,
revelando que o foco de interesse do paciente está voltado para as
regiões desconfortáveis, como destacado na figura 7, feita por uma
mulher de 40 anos, com diagnóstico de dor fantasma (EN=7). Per-
Figura 7. Exemplo de partes do corpo
34
cebe-se aqui a necessidade de ajudar o paciente a ampliar sua percepção corporal podendo assim utilizar o potencial das partes do
corpo que não foram acometidas pela dor, assim como evitar que a
utilização de esquemas de compensação corporal venham a prejudicar novas áreas do corpo. Prevalece o padrão de dependência no
convívio com a dor quando os interesses do paciente encontram-se
calcados pela dor12.
MISCELÂNEA: sujeitos que fizeram esboços que não puderam ser
agrupados em nenhuma das outras categorias identificadas foram
alocados neste grupo.
Quanto às cores escolhidas para os desenhos, prevaleceram o preto
e o cinza, ou cores que os paceintes associaram à intensidade do
quadro álgico. Poucos utilizaram cores que lhes agradavam e quando o fizeram explicitaram o esforço para neutralizar o desconforto
com algum estímulo que trouxesse a sensação de bem-estar. Embora
exista estudo33 na área de Psicologia sobre a utilização das cores nos
desenhos, o significado atribuído a essa variável neste estudo não foi
considerado.
Em relação ao inquérito, observou-se que a maioria dos nomes dados para as dores caracterizavam tanto o desconforto físico quanto
as emoções desagradáveis que sentiam em função do quadro álgico; isso reforça a definição de dor adotada pela IASP que destaca a
importância da dor ser tratada sob a perspectiva biopsicossocial34.
Quanto à idade definida para o tempo de convívio com a dor, chama a atenção que pacientes atribuíram idades superiores à eclosão do
quadro álgico, o que evidencia a tendência a eternizar o sofrimento e
marca a necessidade de ajudá-los a romper com a posição de vítima.
No que se refere às crenças35 sobre o que poderia melhorar as dores,
permaneceram as condutas passivas explicitando a necessidade de
serem realizados programas psicoeducativos, com o intuito de poder
engajar mais com o tratamento proposto, ampliando a compreensão
sobre o problema e o aprendizado de como eles próprios podem
ajudar na efetividade do tratamento proposto, fortalecendo recursos
de enfrentamento e senso de eficácia36.
Quando questionados se associavam suas dores a outras situações
tão ruins ou piores do que a convivência com o quadro álgico, metade dos colaboradores referiu outros eventos de impacto emocional,
principalmente situações de luto, o que reforça a importância da
assistência psicológica para essa população para evitar que variáveis
psicológicas venham auxiliar na manutenção ou piora do quadro
álgico ou prejudicar a adesão ao tratamento proposto para o manejo
da dor. A Psicologia vem ampliando seu espaço na área da saúde em
equipes multi e interdisciplinares devido ao reconhecimento da eficácia de suas intervenções e da multidimensionalidade do processo
de adoecimento37.
Esses resultados mostraram que a aplicação do Retrato da Dor auxilia o paciente a expressar seu sofrimento para além do sofrimento físico, procurando compreendê-la dentro da biografia de cada
paciente31. Esse recurso ameniza os mecanismos de racionalização
do indivíduo, permitindo a obtenção de informações importantes,
e ainda o reconhecimento da influência de fatores psicológicos na
percepção da dor30. Por vezes, o inquérito mobiliza emoções no
paciente que o faz perceber ou reconhecer a demanda de assistência psicológica12,30.
Retrato de dores crônicas: percepção da dor
através do olhar dos sofredores
CONCLUSÃO
Observam-se na literatura mundial poucos relatos do uso de instrumentos projetivos nos estudos psicológicos sobre avaliação e tratamento de dores crônicas, e os resultados encontrados na análise
evidenciaram a dificuldade de se generalizar as informações, ou seja,
reforçam o caráter subjetivo e peculiar da vivência de cada paciente.
É importante reconhecer também que, embora o tratamento interdisciplinar seja o mais indicado para as dores crônicas, os pacientes
ainda procuram uma solução imediatista. Aguardam procedimentos
invasivos ou uso de fármacos que os coloquem em um papel passivo
em relação a recuperação de bem-estar.
Este estudo evidenciou que os aspectos emocionais desempenham
um papel importante na maneira como o individuo interpreta e utiliza recursos próprios para lidar com suas dores, portanto, não se
deve negligenciar seu discurso. A análise da narrativa deve ser considerada como um elemento a ser considerado pelos profissionais
de saúde nos centros de dor crônica na avaliação do paciente para
posterior definição de condutas terapêuticas. Novos estudos devem
ser realizados para ampliar e aprofundar as evidências explicitadas
nesta investigação.
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ARTIGO ORIGINAL
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Postoperative analgesia by non-specialists in pain*
Analgesia pós-operatória por não especialistas em dor
Beatriz Locks Bidese1, Karinne Akemi Sakuma2, Ayrton de Andrade Júnior3, Maria Cristina Sartor4
*Recebido do Hospital Santa Cruz, Curitiba, PR, Brasil.
DOI 10.5935/1806-0013.20140009
ABSTRACT
RESUMO
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Postoperative analgesia is
often administered by the assistant physician non-specialist in pain
management. This study aimed at evaluating the efficacy of immediate postoperative period analgesia with drugs prescribed by the
assistant physician, non-specialist in pain.
METHODS: This is a prospective, descriptive and observational
study carried out by means of interviews with 186 patients operated
in Hospital Santa Cruz. Postoperative pain was evaluated after 12
and 24 hours, in addition to drugs used and possible adverse effects.
RESULTS: In the first evaluation, 12 hours after surgery, prevalence
of pain was 59%, being 35% from moderate to severe. In the second evaluation, 24 hours after surgery, prevalence of pain was 22%
being 12% from moderate to severe. Variables “type of surgery” and
“drugs used” have not influenced pain intensity in the postoperative
period of 12 hours. However, “type of surgery” has influenced pain
intensity (p=0.02) in the postoperative period of 24 hours, being
that patients submitted to orthopedic procedures were more likely to report pain (49.57%) as compared to other types of surgery.
Opioids had significant association with the presence of adverse
effects in the first evaluation (p=0.0001).
CONCLUSION: Our data have shown that analgesia with drugs
prescribed by physicians non-specialists in pain management was
effective when compared to other studies not using specialized pain
services. However, a multimodal approach to acute pain management, coordinated by a specialized service, could further decrease
this prevalence.
Keywords: Analgesia, Opioid analgesics, Postoperative pain.
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A analgesia pós-operatória frequentemente é realizada pelo médico assistente, não especialista no
tratamento da dor. O objetivo deste estudo foi avaliar a eficácia da
analgesia utilizada em pacientes no pós-operatório imediato com
fármacos prescritos pelo médico assistente, não especialista em dor.
MÉTODOS: Estudo prospectivo, descritivo, observacional realizado por meio de entrevista com 186 pacientes operados no Hospital
Santa Cruz. Avaliou-se a dor no pós-operatório entre 12 e 24 horas,
fármacos utilizados e possíveis efeitos adversos.
RESULTADOS: Na primeira avaliação, 12 horas após a cirurgia,
a prevalência de dor encontrada foi de 59%, sendo 35% moderada a intensa. Na segunda avaliação, 24 horas após a cirurgia, a
prevalência de dor foi de 22%, sendo 12% moderada a intensa. As
variáveis “tipo de cirurgia” e “fármacos utilizados” não apresentaram influência sobre a intensidade da dor no pós-operatório de 12
horas. Entretanto, o “tipo de cirurgia” mostrou influência sobre a
intensidade de dor (p=0,02) no pós-operatório de 24 horas, sendo
que o paciente submetido a cirurgia ortopédica foi o que apresentou a maior probabilidade de dor (49,57%), quando comparado
aos outros tipos de cirurgia. O uso de opioides apresentou associação significativa com a ocorrência de efeitos adversos na primeira
avaliação (p=0,0001).
CONCLUSÃO: Os dados encontrados mostram que a analgesia
realizada com fármacos prescritos por médicos não especialistas em
tratamento da dor foi eficaz quando comparada a outros estudos que
não utilizam serviços especializados em dor. Entretanto, uma abordagem multimodal no tratamento da dor aguda, coordenada por
um serviço especializado, pode diminuir ainda mais essa prevalência.
Descritores: Analgesia, Analgésicos opioides, Dor pós-operatória.
INTRODUÇÃO
1. Faculdade Evangélica do Paraná, Faculdade de Medicina, Curitiba, PR, Brasil.
2. Universidade Federal do Paraná, Faculdade de Medicina, Curitiba, PR, Brasil.
3. Hospital Santa Cruz, Departamento de Anestesiologia, Curitiba, PR, Brasil.
4. Universidade Federal do Paraná, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Departamento de Coloproctologia, Curitiba, PR, Brasil.
Apresentado em 30 de setembro de 2013.
Aceito para publicação em 15 de janeiro de 2014.
Conflito de interesses: não há.
Endereço para correspondência:
Karinne Akemi Sakuma
Rua Eduardo Carlos Pereira, 4125/33 – Bloco 3A
81020-770 Curitiba, PR, Brasil.
E-mail: [email protected]
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor
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A dor aguda pós-operatória é resultado do trauma cirúrgico local,
que provoca alterações não só fisiológicas, mas também sintomas
psicológicos negativos1. Estudos mostram que até 90% dos pacientes submetidos a cirurgias sentem algum tipo de dor1,2.
Alguns fatores de risco para o desenvolvimento de dor aguda pós-operatória já foram identificados: dor no período pré-operatório e
fatores psicológicos, como ansiedade e depressão3. Além disso, os pacientes que usam opioides cronicamente desenvolvem tolerância ao
fármaco e, portanto, têm risco aumentado para a dor pós-operatória
(DPO)4. O controle inadequado da dor pode estar relacionado à
equipe que assiste o paciente, por razões como falta de treinamento
adequado, avaliação incompleta da dor e receio sobre os possíveis
Analgesia pós-operatória por não especialistas em dor
efeitos colaterais dos analgésicos5. Com o objetivo de aperfeiçoar a
assistência a esses pacientes, muitos hospitais introduziram serviços
de dor que permitem amplo acesso às técnicas especializadas6,7, como
a analgesia controlada pelo paciente e infusão peridural de opioides e
anestésicos locais6. Alguns estudos sugerem que a implantação desses
serviços reduz os escores de intensidade de dor apresentados pelos
pacientes7,9. No entanto, há um custo intrinsecamente ligado a esse
serviço, encarecendo a assistência ao paciente8,9. Apesar de o número
de hospitais que oferecem o serviço de dor estar crescendo, ainda
há vários locais em que não está disponível, tornando a prescrição
da analgesia pós-operatória responsabilidade do médico assistente7.
A importância de tratar a dor aguda pós-operatória é que além de
constituir sensação desagradável ao paciente, é fator de risco para
o desenvolvimento de dor crônica e aumento da morbidade10. A
persistência de dor está associada a disfunções orgânicas, como hipoventilação, aumento do trabalho cardíaco, diminuição da perfusão
sanguínea periférica e contração muscular reflexa11. Além disso, estudos mostram que a DPO reduz a deambulação precoce, favorecendo
o aparecimento de trombose venosa profunda, principalmente em
pacientes idosos e naqueles submetidos a cirurgias de grande porte1.
Para o tratamento da dor aguda pós-operatória, a abordagem multimodal pode reduzir significativamente a dor do paciente e sua
progressão para dor crônica12,13. O objetivo é bloquear a geração,
transmissão, percepção e apreciação dos estímulos nociceptivos, o
que pode ser feito em diferentes níveis do sistema nervoso central e
periférico. Para isso, pode-se lançar mão de analgésicos de ação periférica e central, como os anti-inflamatórios não esteroides (AINES)
e os opioides, e também de anestésicos para uso em bloqueios14. As
modalidades utilizadas incluem analgésicos orais, injeções de analgésicos intramusculares, doses de analgésicos em bolus intravenoso,
analgesia intravenosa controlada pelo paciente, analgesia peridural,
controlada ou não pelo paciente e o bloqueio regional do nervo15.
A adequada analgesia pós-operatória pode ter início já no pré-operatório com a realização da analgesia preventiva em que há inibição
prévia das vias nociceptivas por meio da intervenção farmacológica
antes do início da cirurgia. O objetivo é reduzir a dor desencadeada
pela ativação de mecanismos inflamatórios e impedir que o paciente
apresente memória da resposta dolorosa16.
A escolha do melhor método ou combinação de métodos deve ser
de acordo com a intensidade de dor do paciente e conhecimento por
parte da equipe de saúde da correta realização do método, dos riscos
e efeitos adversos possíveis5.
Nesse contexto, o objetivo deste estudo foi avaliar a eficácia da analgesia utilizada em pacientes no pós-operatório imediato com fármacos prescritos pelo médico assistente, não especialista em dor.
MÉTODOS
Estudo prospectivo, descritivo, observacional, realizado no Hospital Santa Cruz de Curitiba (HSC). Foram realizadas duas avaliações
no período pós-operatório dos pacientes submetidos a cirurgias no
HSC, sendo a primeira no pós-operatório de 12 horas e a segunda
no de 24 horas.
Foram avaliados os pacientes submetidos a procedimentos de cirurgia geral (fundoplicatura videolaparoscópica, colecistectomia
videolaparoscópica, herniorrafia inguinal, apendicectomia videola-
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paroscópica, gastroplastia videolaparoscópica), cirurgia ortopédica
(artroscopia de ombro, artrodese de coluna, tratamento cirúrgico
para fratura de clavícula, ressecção de tumor ósseo, artroscopia do
joelho, cirurgia para hérnia de disco, tratamento cirúrgico para osteomielite, microcirurgia para canal estreito lombar e cirurgia do
hálux), cirurgia ginecológica (perineoplastia, histerectomia vaginal,
videolaparoscopia ginecológica, cirurgia para colocação de sling
pubo-uretral, laqueadura tubária e miomectomia) e a cesariana segmentar transversa.
A amostra foi constituída de pacientes de ambos os gêneros, com
mais de 18 anos de idade. O critério de exclusão foi o paciente ter
recebido alta em menos de 24 horas do período pós-operatório.
Todos os pacientes que concordaram em participar da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
As avaliações foram realizadas por meio de uma ficha de avaliação
contendo perguntas relativas a dor pós-operatória e, caso presente, sua intensidade, bem como possíveis efeitos adversos a fármaco
(náusea, vômitos, prurido e retenção urinária) eram anotados. Os
fármacos utilizados (analgésico simples, AINES ou opioide) eram
listados na ficha de avaliação de acordo com a prescrição do médico
assistente do paciente.
Para a investigação da intensidade dolorosa foi utilizada a escala numérica verbal de dor, em que zero representa ausência de dor e 10
representa a pior dor imaginada. Os demais números representam
estágios intermediários da dor. A dor foi classificada em ausente (0),
leve (1-3), moderada (4-6) e intensa (7-10)17.
Para análise estatística foi empregado modelo com resposta multinomial e função de ligação logística, em que as variáveis “tipo de
cirurgia” e “tipo de fármacos utilizados” foram correlacionadas com
possível efeito sobre a intensidade da dor no período pós-operatório
de 12 e de 24 horas. Para avaliar a significância dessas variáveis foi
aplicado o teste de Razão de Verossimilhanças e foram mantidas no
modelo apenas as variáveis com p<0,05. As análises foram efetuadas
no pacote estatístico R versão 2.15.1.
Além disso, para verificar a associação entre o uso de opioides e a
ocorrência de efeitos adversos (náusea, vômito, prurido, retenção
urinária) foi utilizado o teste Qui-quadrado de independência e foi
considerada significante quando p<0,05.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, com parecer nº
127.110/2012.
RESULTADOS
Foram entrevistados 186 pacientes, dos quais quatro foram excluídos por terem recebido alta hospitalar em período inferior a 24 horas. Assim, foram incluídos 182 pacientes para análise dos dados.
Em relação às variáveis demográficas, 89% (n=162) dos pacientes
eram do gênero feminino e 11% (n=20) eram do gênero masculino.
A média de idade dos pacientes foi de 34,9±10,2 anos.
Os pacientes foram submetidos a diferentes tipos de operação sendo
49% a cesariana segmentar transversa, 27% a cirurgia geral, 14% a
ginecológica e 10% a ortopédica.
Em relação à prescrição analgésica, dos 182 pacientes, 120 (65,9%)
receberam opioide, associado ou não a AINE e/ou analgésico simples;
48 (26,4%) receberam AINE associado a analgésico simples; 7 (3,8%)
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Bidese BL, Sakuma KA, Andrade Júnior A e Sartor MC
receberam AINE isolado e 7 (3,8%) receberam analgésico simples isolado. Os fármacos utilizados eram de acordo com a prescrição do médico assistente e não houve associação com “tipo de cirurgia”.
A prevalência de DPO nas primeiras 12 horas foi de 59%, com o
paciente em repouso, sob analgesia. Na segunda avaliação, 24 horas
após a operação, a prevalência de dor foi de 22%. A prevalência de
dor em cada tipo de operação realizada está descrita na tabela 1.
Levando-se em consideração a intensidade da dor (12 horas) após
a operação, com o paciente em repouso, constatou-se que 25% referiram dor leve (1 a 3), 23 % moderada (4 a 6) e 12% dor intensa
(7 a 10). Em relação à intensidade da dor referida após 24 horas da
operação, 10% referiram dor leve, 8% moderada e 4% dor intensa.
Após análise estatística, os dados calculados mostraram que as variáveis “tipo de cirurgia” (geral, ortopédica, ginecológica, cesariana)
e “fármacos utilizados” (analgésico simples, AINES, opioide) não
apresentaram influência sobre a intensidade da dor relatada na primeira avaliação. A probabilidade calculada para cada nível de DPO
de 12 horas está descrita na tabela 2.
Na segunda avaliação, entretanto, que foi realizada 24 horas após o
procedimento cirúrgico, a variável tipo de cirurgia apresentou significância sobre a intensidade de dor sentida (p=0,02). Essa variável,
portanto, foi mantida no modelo e o cálculo da probabilidade está
descrito na tabela 3.
De acordo com os resultados obtidos, o paciente submetido a cirurgia ortopédica apresentou maior probabilidade de dor (49,57%)
quando comparado aos outros tipos de cirurgia.
Ao relacionar a prevalência de dor no período pós-operatório de 12
horas ao uso de opioides, identificou-se que entre os que utilizaram
o fármaco, 57% (n=69) sentiram dor e entre os que não utilizaram
63% (n=39), conforme representado na tabela 4.
Do total de pacientes estudados, 129 (70,8%) apresentaram possíveis efeitos adversos decorrentes de uso dos fármacos analgésicos na
avaliação pós-operatória de 12 horas, sendo que 86 (48%) relataram
prurido, 55 (30%) tiveram retenção urinária, 48 (26%) relataram
náusea e 29 (16%) tiveram pelo menos um episódio de vômito. No
que se refere à prevalência de tais efeitos nos pacientes que utilizaram
opioides, os dados mostraram associação significativa, sendo que
Tabela 1. Distribuição dos pacientes segundo o tipo de operação e a
ocorrência da dor pós-operatória entre 12 e 24 horas
Tipo de operação
Dor pós-operatória
(12h)
Dor pós-operatória
(24h)
Sim
Não
Sim
Não
Cesariana
60%
40%
17%
83%
Geral
62%
38%
24%
76%
Ginecológica
52%
48%
16%
84%
Ortopédica
61%
39%
50%
50%
Tabela 2. Probabilidade calculada para cada nível de dor no pós-operatório de 12 horas
Intensidade da dor
Probabilidade (%)
Ausente
40,65
Leve
24,72
Moderada
23,07
Intensa
11,53
38
Tabela 3. Intensidade de dor no pós-operatório de 24 horas de acordo com tipo de cirurgia
Tipos de cirurgias
Intensidade da dor
Probabilidade (%)
Cesariana
Ausente
83,47
Cesariana
Leve
7,96
Cesariana
Moderada
5,61
Cesariana
Intensa
2,93
Ginecológica
Ausente
83,74
Ginecológica
Leve
7,85
Ginecológica
Moderada
5,53
Ginecológica
Intensa
2,88
Geral
Ausente
75,22
Geral
Leve
11,30
Geral
Moderada
8,67
Geral
Intensa
4,79
Ortopédica
Ausente
50,43
Ortopédica
Leve
17,84
Ortopédica
Moderada
18,64
Ortopédica
Intensa
13,07
Tabela 4. Análise do uso de opioide e ocorrência de dor no pós-operatório de 12 horas
Variáveis de
interesse
Dor pós-operatória
Sim
Não
Total
Sim
n=69 (57%)
n=51 (43%)
n=120 (100%)
Não
n=39 (63%)
n=23 (37%)
n=62 (100%)
Opioide
Teste de razão de verossimilhança. p=0,950.
80,8% dos pacientes que utilizaram opioides referiram ao menos
um efeito adverso versus 51,6% dos que não utilizaram o fármaco
(p=0,0001). Essa relação entre o uso de opioide e efeitos adversos
está representada na tabela 5.
Tabela 5. Análise do uso de opioide e ocorrência de efeitos adversos
Opioide
Efeitos adversos
Sim
Não
Total
Sim
n=97 (80,8%)
n=23 (19,2%)
n=120 (100%)
Não
n=32 (51,6%)
n=30 (48,4%)
n=62 (100%)
Teste Qui-quadrado p=0,0001.
DISCUSSÃO
A prevalência de dor no período pós-operatório varia amplamente18.
Estudos mostram que até 90% dos pacientes que se submetem a
cirurgias sentem algum tipo de dor nas primeiras 24 horas do período pós-operatório e, se considerar a intensidade, 40 a 60% dos
pacientes relatam dor moderada a intensa1,2. Entretanto, um estudo que utilizou a abordagem multimodal para o tratamento da dor
mostrou que essa prevalência pode se restringir a apenas 2,2% do
total de pacientes19.
O presente estudo mostrou que 59% dos pacientes relataram dor
nas primeiras 12 horas após a cirurgia e 35%, se for considerada
Analgesia pós-operatória por não especialistas em dor
apenas a dor moderada a intensa. Já na segunda avaliação, 24 horas
após a cirurgia, 22% relataram dor e 12% a graduaram como moderada ou intensa. Essa prevalência reflete que há um controle da dor
relativamente eficaz, considerando que a prescrição analgésica era
realizada pelo médico assistente do paciente e não por especialistas
em dor. Isso poderia justificar a não utilização de abordagem multimodal e ocorrência de dor superior a desejada.
Além disso, deve ser considerado o perfil da amostra estudada, em
que se verifica predominância do gênero feminino (89%). Estudos
mostram que as mulheres têm menor limiar de dor e resposta diferente ao estímulo álgico que os homens. Isso pode ter influenciado
os resultados obtidos20.
No tocante aos fármacos utilizados, os pacientes que receberam
opioides tiveram menor prevalência de dor (57%) comparado aos
que não receberam opioides (63%). Entretanto, essa correlação não
apresentou significância estatística, o que pode estar associado ao
fato de que foram analisados diferentes tipos cirúrgicos, com estímulos nociceptivos diversos18. Além disso, cada paciente tem sensibilidade diferente à dor, podendo relatar dor de intensidade diferente
para um mesmo procedimento21.
Ao associar a DPO com o tipo de operação, os resultados mostraram
correlação significativa no pós-operatório de 24 horas. Outros estudos também demonstraram essa relação18.
De acordo com os dados encontrados, um paciente submetido a
cirurgia geral, por exemplo, apresenta 24,78% de probabilidade de
apresentar dor, diferente de um paciente submetido a procedimento
ortopédico, com probabilidade bem mais elevada, de 49,57%. Na
literatura não há consenso sobre o assunto. Pode-se encontrar dados
semelhantes aos deste estudo, em que a prevalência de DPO é maior
nos pacientes submetidos a cirurgia ortopédica22, e dados que contrapõem essa teoria, mostrando que a prevalência de dor é maior nos
pacientes submetidos a cirurgia geral18.
Em relação aos possíveis efeitos adversos no período pós-operatório
de 12 horas, 129 pacientes (70,8%) relataram pelo menos um dos
sintomas pesquisados, sendo que 86 (48%) referiram prurido; 55
(30%), retenção urinária; 48 (26%), náusea e 29 (16%) tiveram
pelo menos um episódio de vômito. Consistente com esses achados,
estudos mostram que o efeito adverso mais comum relativo ao emprego dos opioides por via espinhal é o prurido21.
Além disso, estudos indicam que a incidência de náusea no período
pós-operatório está entre 22 e 38% e a incidência de vômito entre
12 e 26%, dados semelhantes ao encontrado no presente estudo22.
De acordo com os dados calculados, os pacientes que utilizaram
opioides apresentaram associação significativa com a ocorrência de
efeitos adversos nas primeiras 12 horas de período pós-operatório
(p=0,0001). Entretanto, é importante lembrar que a dor por si só aumenta a incidência de náusea e vômito no período pós-operatório23 e
também deve ser levado em conta o tipo de anestesia empregada, o
que pode estar associado à incidência aumentada de efeitos adversos24.
Este estudo apresenta algumas limitações que devem ser analisadas.
Em primeiro lugar, foi estudada uma população submetida a diferentes tipos de cirurgias e, mesmo agrupando-as por especialidades,
precisa-se levar em consideração que o estímulo doloroso provocado
em cada procedimento é diferente25.
Outro fator a ser ressaltado é que o tipo de anestesia realizada pode
ter influenciado os resultados, visto que os pacientes submetidos
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):36-40
a bloqueios do neuroeixo (raquianestesia e peridural) apresentam
analgesia prolongada devido ao bloqueio sensitivo residual que
ocorre26. E, por último, deve-se considerar o tamanho limitado da
amostra, que não permite que os dados relatados sejam extrapolados
para a população em geral.
CONCLUSÃO
Os dados encontrados no estudo mostraram que a analgesia realizada com fármacos prescritos por médicos não especialistas em
tratamento da dor foi eficaz quando comparada a outros estudos
que não utilizam serviços especializados em dor . Entretanto, como
permanece uma parcela não desprezível de pacientes com dor, uma
abordagem multimodal no tratamento da dor aguda, coordenada
por um serviço especializado, poderia diminuir ainda mais essa prevalência.
A importância de tratar a dor aguda pós-operatória de forma adequada é que, além de reduzir o sofrimento do paciente, diminui as
morbidades associadas e a progressão da dor para a cronicidade.
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ARTIGO ORIGINAL
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):41-7
Difficult situation in cancer pain: breakthrough pain*
Situação difícil em dor oncológica: dor do tipo breakthrough
Rafael Toledo Enes Nogueira1, Érica Brandão de Moraes Vieira2, Luis Henrique Albuquerque Sousa1, João Batista Santos Garcia3
*Recebido da Universidade Federal do Maranhão, Liga Acadêmica de Dor, São Luis, MA, Brasil.
DOI 10.5935/1806-0013.20140010
ABSTRACT
RESUMO
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Breakthrough pain is frequent among cancer patients and is poorly studied in Brazil. This
study aimed at evaluating the characteristics of breakthrough pain
and at comparing its evolution during three days.
METHODS: This is a longitudinal study where a specific questionnaire developed for the study was applied and was made up of
socio-demographic data (age, gender, marital status, profession, income, origin), cancer-related data (types of primary tumor, presence of metastases, therapeutic approach with chemotherapy and/or
radiotherapy, surgical treatment and drugs) and parameters related
to breakthrough pain (number of daily episodes, duration of crisis,
intensity, pain onset velocity and types of breakthrough pain: spontaneous, incidental, drug failure at the end of the dose).
RESULTS: Most patients were females (71.7%), aged between 30
and 50 years (41.7%), under concomitant chemotherapy and radiotherapy (41.7%) and had cervical cancer (54.2%). Mean pain
intensity was 7, with standard deviation of 2.3. With regard to breakthrough pain, there have been no statistically significant differences in the three evaluation moments. During the three evaluations,
it was observed that there has been decrease in the percentage of
patients with pain for more than 15 minutes in the third evaluation
(p=0.004). There has been no difference in pharmacological profile
among the three evaluations (p=0.34).
CONCLUSION: Breakthrough pain was frequent among the studied population. The use of opioids was effective to decrease pain
duration and spontaneous pain.
Keywords: Cancer pain, Incidental pain, Irruptive pain, Opioid.
Justificativa e objetivos: A dor do tipo breakthrough
ocorre com frequência em pacientes oncológicos e é pouco estudada
no Brasil. Este estudo teve como objetivo estudar as características
da dor do tipo breakthrough e comparar a evolução durante três dias.
METODOS: Trata-se de um estudo longitudinal em que foi aplicado um questionário específico criado para a pesquisa e composto
por dados sociodemográficos (idade, gênero, estado civil, profissão,
renda, procedência), dados referentes ao câncer (tipos de tumor primário, existência de metástase, abordagem terapêutica como quimioterapia e/ou radioterapia, tratamento cirúrgico e fármacos) e parâmetros referentes à dor do tipo breakthrough (número de episódios
por dia, duração da crise, intensidade, velocidade de inicio da dor e
as variedades de dor do tipo breakthrough: espontânea, incidental e
falha do fármaco no final da dose).
Resultados: A maioria era do gênero feminino (71,7%), com
idade de 30 a 50 anos (41,7%), realizava quimioterapia e radioterapia concomitante (41,7%), e tinha câncer de colo uterino (54,2%).
A média da intensidade dolorosa foi 7, com desvio padrão de 2,3.
Em relação à presença de dor do tipo breakthrough, não houve diferença estatisticamente significativa nos três momentos de avaliação. Durante as três avaliações observou-se que houve redução no
percentual de pacientes que sentiam dor com tempo acima de 15
minutos na terceira avaliação (p=0,004). Não houve diferença entre
as três avaliações quanto ao perfil farmacológico (p=0,34).
Conclusão: A dor do tipo breakthrough foi frequente na população estudada. O uso de opioides mostrou eficácia na diminuição
do tempo de dor e dor espontânea.
Descritores: Dor incidental, Dor irruptiva, Dor neoplásica, Opioide.
INTRODUÇÃO
1. Universidade Federal do Maranhão, Liga Acadêmica de Dor, São Luis, MA, Brasil.
2. Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
3. Universidade Federal do Maranhão, São Luis, MA, Brasil.
Apresentado em 05 de novembro de 2013.
Aceito para publicação em 17 de fevereiro de 2014.
Conflito de interesses: não há.
Endereço para correspondência:
Érica Brandão de Moraes Vieira
Av. Bahia, Condomínio Gran Village Turu III, casa 28
65065-770 São Luís, MA, Brasil.
E-mail: [email protected]
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor
A experiência dolorosa pode ocorrer em qualquer momento durante
a doença e pode ser ocasionada por diversos mecanismos, como por
participação direta do tumor, terapias antineoplásicas e outras causas não relacionadas ao câncer1. Além disso, muitos indivíduos com
câncer procuraram um profissional de saúde por causa da dor, que
pode ser o primeiro sinal de malignidade2-4.
Em artigo de revisão foi demonstrado que a prevalência da dor oncológica em pacientes com metástase ou doença avançada é de 64%,
enquanto que essa prevalência era quase duas vezes menor em pacientes curados. Revela ainda que a maioria dos pacientes (59%)
em tratamento antineoplásico refere dor. A dor foi avaliada como
moderada a intensa por cerca de um terço do total de pacientes5.
A essa problemática soma-se o fato de que o número de sobreviven-
41
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):41-7
Nogueira RT, Vieira EB, Sousa LH e Garcia JB
tes de câncer aumentará significativamente na próxima década e que
a avaliação da qualidade de vida desses pacientes deve suplantar a
simples avaliação de sobrevida, tendo que incluir novas preocupações tais como a dor crônica e persistente, que pode acompanhá-los
por décadas6. Outra grande preocupação é que apesar de tratamentos efetivos estarem disponíveis em 70 a 90% dos casos, o tratamento inadequado ainda ocorre em 40 a 50% dos pacientes aumentando ainda mais suas queixas e a intensidade da dor4.
O alívio da dor pode ser alcançado em mais de 75% dos pacientes
que recebem tratamento analgésico adequado por meio de condutas farmacológicas, tais como o uso de opioides e adjuvantes, como
sugerido pela escada analgésica da Organização Mundial da Saúde (OMS)7. Nesse contexto, os profissionais de saúde devem estar
atentos, pois há diversas barreiras ao tratamento da dor oncológica
que geram uma discrepância entre a expectativa de melhora e o real
alívio obtido. Algumas dessas barreiras são a falta de conhecimento
dos profissionais de saúde, a atitude frente à dor como sintoma de
menor importância, a falta de métodos objetivos para avaliação da
dor, a inadequada educação dos pacientes e seus familiares sobre o
tema, a dificuldade de acesso aos opioides em algumas localidades,
entre outras8,9. Dentro de tão ampla problemática, tem se destacado
nos últimos anos a pesquisa da dor do tipo breakthrough, por ser
extremamente relacionada à diminuição da qualidade de vida do
paciente a despeito do tratamento realizado, e por ser uma entidade
não muito conhecida, resultando em quadros subdiagnosticados,
pouco valorizada e sem intervenções necessárias10,11.
O termo breakthrough surgiu na literatura médica há 20 anos e expressa uma exacerbação transitória da dor, que ocorre em pacientes
com dor basal de moderada intensidade ou menos12. Anos depois,
foi definida como “uma exacerbação da dor que ocorre em pacientes
com dor basal estabilizada e recebendo terapia com opioides”, caracterizando assim a necessidade da utilização prévia de analgésicos
potentes para seu controle13. Há muitas controvérsias e definições
diferentes, mas é importante considerar a dor do tipo breakthrough
como um escape de dor em pacientes com dor basal já sendo tratada
e adequadamente controlada10,11.
Desde sua primeira descrição12, tornou-se reconhecida como um
importante aspecto no tratamento do câncer, evidenciado pelo crescente número de revisões e recomendações publicadas nos últimos
anos11,14,15. Por muito tempo o significado desse termo permaneceu
confuso em vários idiomas, devido à falta de tradução, explicando
o fato de que atualmente o termo breakthrough é progressivamente
adotado em vários países de diferentes continentes, inclusive no Brasil. Termos como “dor de ruptura” e “dor incidental” foram utilizados, mas pela dificuldade de normatização ou consenso, mantêm-se
a nomenclatura original em inglês12,16.
A dor do tipo breakthrough se caracteriza por um rápido início (menos que 3 minutos); uma intensidade muito forte e uma duração
curta (por volta de 30 minutos), ocorrendo em média 4 episódios por
dia. A fisiopatologia desse tipo de dor pode ter etiologia e característica somática, visceral ou neuropática, estando na maioria das vezes
associada ao mesmo mecanismo que causa a dor de base12,13,15,17,18.
É classificada, segundo o evento desencadeador, em três tipos: espontânea, incidental (que é relacionada com movimentação) e por
falha do fim da dose terapêutica (que ocorre no intervalo final entre
uma dose e o inicio da próxima dose do fármaco analgésico para o
42
controle da dor de base)12.
Em estudo de prevalência, realizado na Catalunha (Espanha) com
397 pacientes, 41% (163) dos pacientes oncológicos apresentaram
pelo menos um episódio de dor do tipo breakthrough em um intervalo de 24 horas, demonstrando o que pode ser a dimensão do
problema19.
Há necessidade de mais estudos para estimar a real prevalência desse tipo de dor nos pacientes oncológicos, principalmente no Brasil,
onde não foi encontrada nenhuma referência na literatura especializada sobre essa situação ainda considerada desconhecida pela população médica. Assim, o presente estudo teve por objetivo estudar
as características da dor do tipo breakthrough e comparar a evolução
durante três dias em um hospital de referência para o câncer.
MÉTODOS
A presente pesquisa trata-se de um estudo longitudinal prospectivo
em pacientes com diagnóstico de câncer e dor oncológica do tipo
breakthrough.
Para o cálculo amostral utilizou-se a quantidade de leitos da oncologia adulta existentes no hospital (n=42) e a prevalência de casos
de breakthrough encontrada em estudos anteriores (40 a 80%)13,19,20.
Definiu-se que o tamanho da amostra seria de 24 pacientes com esse
tipo de dor.
Foram incluídos pacientes internados maiores de 18 anos em uso de
opioides por pelo menos 2 meses com dor de base do câncer controlada. Não foram incluídos pacientes que se encontravam em fase terminal, com dificuldade de compreensão e comunicação, com problemas
neurológicos e psiquiátricos e com idade de 75 anos ou mais.
Aplicou-se um questionário específico criado para a pesquisa e composto por dados sociodemográficos (idade, gênero, estado civil, profissão, renda, procedência), dados referentes ao câncer (tipos de tumor primário, existência de metástase, abordagem terapêutica como
quimioterapia e/ou radioterapia, tratamento cirúrgico e fármacos) e
parâmetros referentes à dor do tipo breakthrough (número de episódios por dia, duração da crise, intensidade, velocidade de inicio da
dor e as variedades de dor do tipo breakthrough: espontânea, incidental e falha do fármaco no final da dose).
Os pacientes foram incluídos na pesquisa após a aceitação e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, atendendo dessa
forma aos princípios da Declaração de Helsinque.
A coleta de dados ocorreu durante seis meses, sendo realizada
pela equipe da Liga Acadêmica de Dor da Universidade Federal
do Maranhão.
Após a aplicação do questionário, os pacientes que apresentavam
quadro de dor do tipo breakthrough foram acompanhados em três
visitas em um intervalo de dois dias entre elas, para observar o desenvolvimento e as características dessa doença. Nesse seguimento
foram avaliados apenas os parâmetros referentes à dor do tipo breakthrough (Figura 1).
A digitação dos dados foi efetuada em duas cópias e depois comparada para correção de erros. A análise estatística foi realizada no
programa Stata 10.0. Os dados estão apresentados como frequência,
média e desvio padrão. O teste de Friedman foi aplicado para verificar se houve diferença estatisticamente significante nos três dias
de acompanhamento da dor do tipo breakthrough. Foi considerado
Situação difícil em dor oncológica: dor do tipo breakthrough
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):41-7
Pacientes com dor basal controlada com opioides
(n=46 pacientes)
Pacientes com dor do tipo breakthrough
(n=24 pacientes)
• Dados sociodemográficos
• Dados referentes ao câncer
• Parâmetros da dor do tipo breakthrough (n=24 pacientes)
• Parâmetros da dor do tipo breakthrough (n= 24 pacientes)
Figura 1. Fluxograma do estudo
estatisticamente significante o valor de p<0,05.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Instituição, sob nº
2954/2011.
Tabela 1. Dados sociodemográficos dos pacientes com dor do tipo
breakthrough
Variáveis
n (%)
Gênero
RESULTADOS
Foram encontrados 46 pacientes que preenchiam os critérios de inclusão, sendo 33 (71,7%) mulheres e 13 (28,2%) homens. Desses
46 pacientes, 24 (52,2%) apresentaram episódios de dor do tipo
breakthrough.
Dos 24 pacientes avaliados a maioria era do gênero feminino (75%),
com idade de 30 a 50 anos (41,7%) e cor autorreferida como negra
(58,3%). O estado civil mais encontrado foi casado ou união estável
(58,3%). Mais da metade tinha menos de 8 anos de estudo (54,2%).
Em relação à atividade profissional nenhum dos entrevistados estava
em situação ativa e 29,2% estavam de licença saúde por causa do
câncer. A maioria dos pacientes (75%) era proveniente do interior
do estado (Tabela 1).
De acordo com os dados relativos ao câncer, mais da metade apresentava como local primário o colo de útero (54,2%). O tempo de
doença foi bastante variado, porém a maioria ainda estava no primeiro ano de doença (33,4%). Cerca de 37,5% já haviam apresentado algum tipo de metástase (Tabela 2).
Em relação à abordagem terapêutica, a maioria realizava quimioterapia e radioterapia concomitante (41,7%), e 54,2% já haviam realizado procedimento cirúrgico para o câncer. Cerca de 65% faziam uso
de opioides fortes em associação com analgésicos (Tabela 2).
Todos os pacientes relataram dor há mais de três meses, e a maioria
sentia a dor de forma contínua (58,3%). A média da intensidade
dolorosa foi 7, com desvio padrão de 2,3. As características da dor
mais reportadas foram pontada (54,2%) e fisgada (50,0%). A sensibilidade, relacionada ao local de dor, estava preservada em 79,3%.
Cerca de 70,8% relataram restrição de movimento por causa da dor
e alteração do sono (Tabela 3).
Masculino
6 (25,0)
Feminino
18 (75,0)
Idade (anos)
< 30
5 (20,8)
30-50
10 (41,7)
> 50
9 (37,5)
Cor
Branca
6 (25,0)
Parda
4 (16,7)
Negra
14 (58,3)
Estado civil
Casado/união estável
14 (58,3)
Solteiro
9 (37,5)
Viúvo
1 (4,2)
Escolaridade (anos)
<8
13 (54,2)
≥8
11 (45,8)
Atividade profissional
Ativo
0 (0,0)
Licença saúde
7 (29,2)
Aposentado
5 (20,8))
Sem atividade remunerada
12 (50,0)
Procedência
Capital
Interior
Total
6 (25,0)
18 (75,0)
24 (100,0)
43
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):41-7
Nogueira RT, Vieira EB, Sousa LH e Garcia JB
Tabela 2. Dados relativos ao câncer e seu tratamento em pacientes
com dor do tipo breakthrough
n (%)
Locais primários do câncer
Colo de útero
13 (54,2)
Mama
4 (16,7)
Outros
7 (29,1)
Tempo de doença (anos)
<1
8 (33,4)
1a2
5 (20,8)
2a3
6 (25,0)
>3
5 (20,8)
Presença de metástases
Sim
9 (37,5)
Não
15 (62,5)
Abordagem terapêutica
Radioterapia isolada
7 (29,2)
Quimioterapia isolada
5 (20,8)
Quimioterapia + radioterapia
10 (41,7)
Sem quimioterapia e sem radioterapia
2 (8,3)
Procedimentos cirúrgicos
Sim
13 (54,2)
Não
11 (45,8)
Tratamento analgésico
Tabela 3. Caracterização da dor relatada pelos pacientes
Variáveis
n (%)
Início da dor
<3meses
0 (0,0)
≥3meses
24 (100,0)
Periodicidade
Contínua
14 (58,3)
Intermitente
10 (41,7)
Intensidade da dor (EN)
7 (2,3) *
Características da dor **
Queimação
7 (29,1)
Choque
4 (16,7)
Pontada
13 (54,2)
Fisgada
12 (50,0)
Aperto
6 (25,0)
Peso
5 (20,8)
Latejante
3 (12,5)
Lancinante
1 (4,1)
Sensibilidade
Preservada
19 (79,3)
Alodínia
1 (4,1)
Hipoestesia
2 (8,3)
Hiperalgesia
2 (8,3)
Alteração do sono
Opioides fortes + AINES
16 (66,7)
Opioides fracos + AINES
6 (25,0)
Opioides fortes isolados
2 (8,3)
AINES: anti-inflamatórios não esteroides.
Sim
17 (70,8)
Não
7 (29,2)
Restrição do movimento
Sim
17 (70,8)
Não
7 (29,2)
EN: escala numérica; *Média (desvio padrão); **Valores não somam 100% porque os pacientes poderiam dar mais de uma característica à sua dor.
Em relação à presença de dor do tipo breakthrough, não houve diferença estatisticamente significante nos três momentos de avaliação.
Apenas três pacientes não apresentaram casos de dor do tipo breakthrough em um determinado dia de entrevista, sendo dois pacientes na segunda avaliação e um paciente na terceira avaliação (p=1,00)
(Tabela 4).
A maioria dos pacientes apresentou até cinco episódios de dor do
tipo breakthrough por dia e não houve diferença estatisticamente significativa entre as avaliações (p=0,93). De acordo com a escala numérica houve uma redução sutil na intensidade dolorosa na segunda
e terceira avaliação, porém estatisticamente significante (p=0,01)
(Tabela 4).
A variedade de dor do tipo breakthrough mais encontrada foi a dor
incidental, presente na metade dos pacientes nas três avaliações. No
entanto, observou-se uma redução do percentual da dor espontânea
de 20% na terceira avaliação, juntamente com um aumento da dor
44
decorrente da falha ao final da dose do opioide (p<0,001) (Tabela 4).
A duração dos episódios atingiu até 15 minutos em mais da metade dos pacientes durante as três avaliações. No entanto observou-se
que houve redução no percentual de pacientes que sentiam dor
com tempo acima de 15 minutos na terceira avaliação (p=0,004)
(Tabela 4).
Seis pacientes (25,0%) não utilizaram nenhum fármaco para controlar os casos de dor do tipo breakthrough, e 18 (75,0%) os utilizaram para o controle da dor na primeira entrevista. O padrão se
manteve similar na segunda e terceira avaliação (p=0,40). Dentre os
fármacos prescritos estavam a morfina utilizada por via subcutânea
e/ou venosa, a dipirona e o tramadol, estes somente utilizados por
via venosa. Não houve diferença entre as três avaliações quanto ao
perfil farmacológico (p=0,34). Quando arguidos sobre a efetividade
de fármaco de resgate prescrito, apenas cinco pacientes (25%) responderam que tiveram alívio adequado (Tabela 4).
Situação difícil em dor oncológica: dor do tipo breakthrough
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):41-7
Tabela 4. Análise dos episódios de dor do tipo breakthrough
Variáveis
1ª avaliação
n (%)
2ª avaliação
n (%)
3ª avaliação
n (%)
Sim
24 (100,0)
22 (91,7)
23 (95,8)
Não
0 (0,0)
2 (8,3)
1 (4,2)
Dor breakthrough
1,00
Número de episódios
0,93
Até 5
19 (79,0)
21 (95,5)
22 (95,7)
>5
5 (21,0)
1 (4,5)
1 (4,3)
8,04 (1,16)/ 6 -10**
7,85 (1,15)/ 5-9**
8,00 (1,09)/5-9**
Escala numérica
Valor de p*
Forma da dor breakthrough
Incidental
12 (50,0)
11 (50,0)
12 (52,0)
Espontânea
12 (50,0)
8 (36,0)
7 (30,0)
Falha ao final da dose do opioide
0 (0,0)
2 (10,0)
3 (13,0)
Incidental e espontânea
0 (0,0)
1 (4,0)
1 (4,0)
Duração (min)
0,004
Até 15
13 (54,0)
12 (54,0)
15 (65,0)
>15
11 (45,0)
10 (45,0)
8 (35,0)
Recebeu fármaco
0,40
Sim
18 (75,0)
17 (77,3)
17 (73,9)
Não
6 (25,0)
5 (22,7)
6 (26,1)
4 (22,2)
1 (5,9)
2 (11,7)
Fármaco recebido
Dipirona
0,34
Tramadol
2 (11,1)
2 (11,7)
2 (11,7)
Morfina
12 (66,7)
13 (76, 5)
13 (76,6)
0 (0,0)
1 (5,9)
0 (0,0)
Morfina + dipirona
0,01
<0,001
*Teste Friedman; **Média (desvio padrão)/min-máx.
DISCUSSÃO
A prevalência encontrada dos pacientes oncológicos que apresentaram episódios de dor do tipo breakthrough neste estudo foi de
52,2%, percentual inferior ao observado na pesquisa americana
realizada (51%)13 e no estudo inglês (72,5%)21, entretanto muito
parecido ao trabalho espanhol de Gómez-Batiste et al. (41%)19. A
variação descrita na literatura é de 40 a 80% de casos em pacientes
com câncer21,22, o que mostra que é um problema frequente e portanto merece ser diagnosticado e tratado.
A maioria dos pacientes foram mulheres jovens, o que divergiu das
referências anteriores, que não demonstraram diferenças significativas entre os gêneros e registraram uma média de idade por volta
da sexta década de vida13,19,21. Essas diferenças podem ser explicadas
devido à prevalência bem maior de cânceres ginecológicos encontrados na instituição, que é um centro de referencia no estado, principalmente o câncer de colo uterino, que está relacionado a uma
média de idade mais baixa do que a maioria dos tumores, resultando
em uma maior quantidade de leitos disponíveis para internação de
mulheres23.
O perfil dos tumores primários existentes neste trabalho divergiu
do perfil encontrado em pesquisas na Europa e EUA. Um trabalho
realizado no Reino Unido14 mostrou que os principais tumores
primários diagnosticados foram: câncer de mama (21%), câncer
de próstata (21%), colorretal (10%), mieloma (10%), pulmão
(7,5%) e outros (<5%)15,21. Pode-se observar que em tal casuística
o percentual de casos de câncer de colo uterino representa menos
de 5% dos pacientes, bem diferente do presente estudo onde a
principal causa é essa neoplasia. Os motivos para essa diferença
podem ser demonstrados devido à incidência de câncer de colo
uterino ser duas vezes maior nos países subdesenvolvidos do que
nos países desenvolvidos24,25. O Brasil apresentou incidência de
18 casos por 100.000 habitantes em 2010, enquanto os países da
Europa Ocidental têm uma incidência menor que 10 casos por
100.000 habitantes23.
A incidência de casos de câncer de colo uterino se torna maior quando se analisou a situação do estado do Maranhão, que apresentou
22,49 casos por 100.000 habitantes em 2012; já a incidência de
câncer de mama nesse estado foi de 11,91 casos para 100.000 habitantes em 2012, mostrando o porquê do maior número de casos de
câncer de colo de útero do que de mama entre os pacientes participantes do estudo23. Corroborando esse perfil encontrado, observou-
45
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):41-7
Nogueira RT, Vieira EB, Sousa LH e Garcia JB
-se o baixo nível de escolaridade e a falta de remuneração da amostra
estudada, com a maioria dos pacientes sendo analfabeto ou tendo
apenas o primeiro grau incompleto e sem emprego. A baixa escolaridade e a pobreza estão intimamente ligadas ao alto índice de câncer
de colo uterino, por se tratar de um câncer muito associado à doença
sexualmente transmissível e à falta de conhecimento e informações
sobre a prevenção.
O tratamento para controle da dor oncológica desses pacientes foi
realizado em 75% dos casos com o uso de opioide forte (morfina)
e 25% com opioide fraco (tramadol) com ou sem adjuvante. No
estudo19 a maioria também utilizou opioides fortes, mas não apenas
a morfina. Outros fármacos como a metadona, o fentanil e a oxicodona também foram prescritos, aumentando o espectro de opções
terapêuticas. Esse fato pode refletir uma maior prática do tratamento da dor oncológica com morfina em nosso meio, bem como uma
baixa disponibilidade de outros opioides potentes para os pacientes
do Sistema Único de Saúde.
Dos 20 pacientes que relataram dor do tipo breakthrough, a maioria
(60%) apresentou uma média de dois a quatro episódios por dia
durante a primeira entrevista, subindo esse percentual para 80% nas
entrevistas subsequentes, semelhante à média de episódios por dia
existentes em outros estudos que foi de um a quatro1,13,20,21. O aumento observado na segunda e terceira entrevistas era esperado, uma
vez que foi explicado aos pacientes quais as características da dor do
tipo breakthrough, possibilitando melhor compreensão, maior facilidade de identificação, resultando em uma maior busca por tratamento (70%).
Com relação ao desenvolvimento da dor, este estudo apresentou
discordância com o realizado na Catalunha, onde a dor ocorreu de
forma mais rápida em 60% dos casos, versus 45% do presente estudo19. Possivelmente essa diferença ocorreu devido ao alto numero de
pacientes com metástases (53%) presente no estudo catalão, o que
pode acelerar o aparecimento da dor. No presente estudo, apenas
30% dos pacientes tinham metástases. Sobre a duração do episódio,
os dois trabalhos apresentaram intervalos semelhantes, variando de
poucos minutos até uma hora, com predomínio do tempo de dor
entre 15 e 30 minutos, o que também foi observado por outros autores12,13,26.
A intensidade de todos os casos de breakthrough foi moderada e/ou
intensa. Nas pesquisas realizadas por Davies et al.14,21 mais de 90%
dos pacientes tiveram dor moderada e/ou intensa demonstrando
um quadro bastante parecido com o existente no presente estudo.
Outros trabalhos consideram a dor do tipo breakthrough geralmente
forte, pouco tolerada e com grande interferência na qualidade de
vida das pessoas10,27,28.
Quanto à classificação, a maioria dos casos de dor breakthrough foi
do tipo incidental, tendo como principal subtipo a movimentação;
e a menor prevalência foi de falha no final da dose do opioide. Esses
resultados foram semelhantes aos demais estudos que também apresentaram a dor incidental e a movimentação como principais causas
de dor breakthrough12,13,19,21. Estes dados chamam atenção para a limitação que esse tipo de dor pode causar aos pacientes, restringindo
seus movimentos no leito, impedindo a deambulação e até cuidados
simples como a higiene pessoal.
Cerca de 70% dos pacientes utilizaram fármacos para controlar a
dor, porém somente 25% tiveram alívio. As vias parenterais foram
46
vias de escolha para os pacientes internados, mas não são alternativas
ideais para o tratamento da dor breakthrough, pois essa queixa tem
duração curta, enquanto que os fármacos demoram a começar a agir
pelas vias venosa e subcutânea. Discute-se bastante a utilização do
fentanil transmucoso (sublingual ou bucal) como um método efetivo no controle da dor do tipo breakthrough, com aumento crescente
de sua prescrição na Europa, baseada no seu rápido inicio de ação.
No Brasil não se dispõe ainda dessa apresentação farmacêutica, o
que restringe as possibilidades de tratamento. Outro fármaco citado
é a cetamina, que se mostrou efetiva quando utilizada pela via nasal,
através de spray com pequenas doses; porém essa apresentação também não está disponível21,29.
CONCLUSÃO
A partir deste estudo, pode-se inferir que a dor do tipo breakthrough
tem prevalência elevada, foi mais frequente em mulheres jovens e
de baixa escolaridade, com câncer de colo uterino e mama, apresentando dois a quatro episódios por dia, de curta duração, forte
intensidade e de inicio gradual, e principalmente do tipo incidental.
O uso de opioides mostrou eficácia na diminuição do tempo de dor
e dor espontânea.
Com esses dados, identificou-se que esse tipo de dor é uma situação
oncológica comum, apesar de desconhecida e bastante subdiagnosticada pela classe médica e pela população em geral. Por essa razão,
seu tratamento é realizado de forma inadequada ocasionando a piora
na qualidade de vida dos pacientes acometidos por essa doença. Os
resultados desta pesquisa podem auxiliar na elaboração de novos estudos e criação de programas de capacitação profissional no cuidado
deste tipo de dor, proporcionando um melhor atendimento para os
pacientes.
REFERÊNCIAS
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47
ARTIGO DE REVISÃO
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):48-50
Influence of chronic pain on functional capacity of the elderly*
Influência da dor crônica na capacidade funcional do idoso
Bárbara Kayser1, Cascieli Miotto2, Vinicius Dal Molin3, Julia Kummer4, Suelén Roberta Klein4, Lia Mara Wibelinger5
*Recebido do Curso de Fisioterapia da Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, RS, Brasil.
DOI 10.5935/1806-0013.20140011
ABSTRACT
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Among locomotor system diseases, pain is the most frequent symptom and, in addition
to its high prevalence, it is important because it is present in diseases
causing the highest negative impact on quality of life and productivity of affected individuals. This study aimed at investigating relevant topics on the influence of chronic osteoarticular pain on the
functional capacity of the elderly.
CONTENTS: A bibliographic study was carried out by querying
major publications on the subject. Material was identified with the
aid of electronic databases Medline, LILACS, Scielo and Pubmed.
Keywords used were “chronic pain”, “osteoarticular diseases” and
“functional capacity”.
CONCLUSION: Further attention should be given to public policies implementing programs aiming especially at preventing and
controlling chronic osteoarticular diseases, promoting functionality
and better quality of life for this population.
Keywords: Chronic pain, Functional capacity, Osteoarticular
diseases.
RESUMO
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: No âmbito das afecções do aparelho locomotor, a dor é o sintoma mais frequente e, além da alta
prevalência, sua importância decorre por estar presente nas doenças
que causam maior impacto negativo na qualidade de vida e na produtividade dos indivíduos acometidos. O objetivo deste estudo foi
investigar tópicos relevantes sobre a influência da dor osteoarticular
crônica na capacidade funcional no idoso.
1. Universidade de Passo Fundo, Bolsista Pibic CNPq, Passo Fundo, RS, Brasil.
2. Universidade de Passo Fundo, Bolsista Pibic/Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo,
RS, Brasil.
3. Universidade de Passo Fundo, Bolsista Probic/Fapergs, Passo Fundo, RS, Brasil.
4. Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, RS, Brasil.
5. Universidade de Passo Fundo, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul,
Passo Fundo, RS, Brasil.
Apresentado em 03 de maio de 2013.
Aceito para publicação em 26 de novembro de 2013.
Conflito de interesses: não há.
Endereço para correspondência:
Cascieli Miotto
Rua Doutor Bozano, 580/Bloco F/103 – Bairro Petrópolis
99051-370 Passo Fundo, RS, Brasil.
E-mail: [email protected]
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor
48
CONTEÚDO: Foi realizado um estudo bibliográfico mediante consulta às principais publicações sobre o tema. O material foi
identificado com auxílio das bases eletrônicas de dados da Medline,
LILACS, Scielo e Pubmed. Foram empregados os descritores “dor
crônica”, “doenças osteoarticulares” e “capacidade funcional”.
CONCLUSÃO: Deve haver maior atenção às políticas públicas de
implementação de programas que visem principalmente a prevenção e o controle das doenças crônicas osteoarticulares, promovendo
funcionalidade e maior qualidade de vida para essa população.
Descritores: Capacidade funcional, Doenças osteoarticulares, Dor
crônica.
INTRODUÇÃO
O processo de envelhecimento, na maioria das vezes, caracteriza-se
pela alta incidência de doenças crônicas e degenerativas que, muitas
vezes, resultam em elevada dependência. Muitos desses quadros são
acompanhados por dor e, em significativa parcela deles, a dor crônica é a principal queixa do indivíduo, fato que pode interferir de
modo acentuado na qualidade de vida dos idosos1-3.
No âmbito das afecções do aparelho locomotor, a dor é o sintoma mais frequente e uma das principais causas de procura por assistência médica. Além da alta prevalência, pode estar presente nas
doenças que causam maior impacto negativo na produtividade dos
indivíduos acometidos4.
Na maioria dos casos de doenças incapacitantes, a dor é a condição
consequente, variando em intensidade e conforme a sua evolução.
Pesquisadores verificaram e enfatizaram que a alta prevalência de dor
na população idosa está normalmente associada a desordens crônicas, destacando-se as artrites e osteoporoses, tendo influência dos
altos níveis de incapacidade funcional e fragilidade5-7.
Para determinar a prevalência da dor crônica em idosos e caracterizá-la quanto ao local, intensidade, duração, frequência do episódio e
horário preferencial, uma população de 451 idosos foi estudada e
constatou-se que a prevalência de dor crônica era de 51,44%. Os
locais de dores mais frequentes foram: região dorsal (21,73%) e
membros inferiores (21,5%). A dor na região dorsal foi descrita
como diária (31,63%), contínua ou com duração entre 1 e 6 horas
(19,39%), leve (50%) e sem horário preferencial (56,12%). Dor nos
membros inferiores foi descrita como diária (42,27%), com duração
variável (32,99%) ou contínua (22,68%), leve (53,61%) e sem horário preferencial (48,45%)8.
A Política Nacional de Saúde do Idoso assume que o principal problema que pode afetá-lo, como consequência da evolução de suas
doenças e de seu estilo de vida, é a perda de sua capacidade funcional, isto é, a perda das habilidades físicas e mentais necessárias para a
Influência da dor crônica na capacidade funcional do idoso
realização de suas atividades básicas e instrumentais da vida diária9.
A população senil é a que mais progride em relação à incapacidade
funcional, o que demanda maiores cuidados e, assim, custos mais
elevados para a sociedade10.
Artrite reumatoide, osteoartrite, polimialgias e osteoporose são as
doenças que mais frequentemente causam dor crônica no sistema
musculoesquelético e incapacidade no Brasil e no mundo11.
Foi realizado um estudo teórico mediante consulta às principais
publicações sobre o tema. O material foi identificado com auxílio
das bases eletrônicas de dados bibliográficos da Medline, LILACS,
Scielo e Pubmed. Foram empregados os descritores “dor crônica”,
“doenças osteoarticulares” e “capacidade funcional”.
O objetivo deste estudo foi investigar tópicos relevantes sobre influência da dor osteoarticular crônica na capacidade funcional no
idoso.
OSTEOARTRITE
A osteoartrite (OA) é uma doença articular degenerativa, sendo a
doença reumática mais prevalente entre indivíduos com mais de 65
anos de idade. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que
25% dos indivíduos acima de 65 anos sofrem dor e incapacidade
associadas à OA12.
É uma afecção dolorosa que ocorre por insuficiência da cartilagem
articular, ocasionada por um desequilíbrio entre a formação e a destruição dos seus principais elementos. Também está associada a uma
variedade de condições como: sobrecarga mecânica, alterações bioquímicas da cartilagem e membrana sinovial e fatores genéticos13.
Dentre as formas clínicas, destacam-se a OA de quadril e joelho por
serem particularmente mais incapacitantes, uma vez que essas são as
articulações que recebem todo o peso corporal14. Dos pacientes com
OA de joelho e quadril cerca de 80% relatam problemas com a função muscular, especificamente quanto à força, resistência, equilíbrio
e coordenação15.
Os tratamentos clínicos utilizados para o alívio dos sintomas álgicos
na osteoartrose formam um arsenal composto por: fármacos sintomáticos de ação rápida, os analgésicos narcóticos e não narcóticos,
os anti-inflamatórios não hormonais e hormonais e a utilização de
ácido hialurônico via intra-articular. Nas intervenções não farmacológicas, podem ser citados: a educação dos pacientes e familiares, a
reabilitação e os exercícios, a redução dos fatores mecânicos sobre a
articulação e as terapias complementares16.
Um estudo analisou o efeito da estimulação elétrica nervosa transcutânea (TENS) nível sensório para tratamento de dor em pacientes
com diagnóstico de OA de joelho. Foram estudados 10 pacientes
utilizando a TENS, com parâmetros de 80 Hz e 140 μs, com um
total de 10 sessões, 30 minutos para cada sessão, o período total de
tratamento foi de 4 semanas. Cada paciente foi entrevistado com
um questionário de avaliação de dor na 1ª, na 5ª e na 10ª sessão. Ao
final do estudo os autores observaram que a TENS foi satisfatória
para reduzir dor e melhorar a funcionalidade do joelho17.
ARTRITE REUMATOIDE
A artrite reumatoide (AR) é uma doença inflamatória articular de
evolução crônica, caracterizada por eventos dolorosos e deformida-
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):48-50
des físicas, com consequentes limitações no trabalho e nas atividades
cotidianas18. A doença evolui com graus variáveis de incapacidade
funcional e está associada a taxas de morbidade e mortalidade aumentadas em comparação à população normal19.
Em nível articular os pacientes apresentam limitação da capacidade
física devido à diminuição da força muscular, da capacidade aeróbica
e redução da resistência muscular, devido à dor, edema, diminuição
da propriocepção e perda da estabilidade articular. Nas manifestações extra-articulares pode-se citar febre, astenia, fadiga, modificações cutâneas e vasculares, linfadenopatia, esplenomegalia, manifestações oculares, cardíacas, respiratórias, neuropatias reumáticas,
anemia e a presença de nódulos reumatoides subcutâneos20.
Numa análise retrospectiva das características demográficas e clínicas
de pacientes com AR em acompanhamento ambulatorial no estado de São Paulo, foram revisados 1.381 prontuários de pacientes
atendidos entre os anos de 2002 e 2005. No que se refere à dor, a
pesquisa constatou que 67% dos pacientes apresentavam queixa de
dor na última consulta registrada, sendo que a dor estava presente
independentemente do tempo de diagnóstico da doença. Ainda,
apenas 15% dos pacientes não utilizavam fármacos para dor21.
Estudo intervencionista utilizando a hidroterapia em pacientes com
AR foi realizado, participaram 8 voluntárias que foram submetidas a
10 sessões de 45 minutos, 2 vezes por semana. Foi realizada avaliação
pré e pós-intervenção e concluiu-se que a hidroterapia foi benéfica
para a qualidade de vida e para a dor das pacientes tratadas22.
POLIMIALGIA REUMÁTICA
A polimialgia reumática (PMR) é uma doença reumatológica que
afeta geralmente os idosos. Com uma incidência nos países mediterrâneos de 12,7/100.000 pessoas com 50 ou mais anos. A etiologia
da doença mantém-se desconhecida, apesar de fatores ambientais
e genéticos poderem estar na origem do seu aparecimento e é mais
frequente em mulheres (2:1)23.
Caracteriza-se como uma doença com risco de incapacidade, sobretudo se existe risco de cegueira, mas com tratamento eficaz disponível e acessível em cuidados de saúde primária24.
Um estudo transversal descritivo avaliou a influencia da dor crônica na qualidade de vida dos idosos. Para a avaliação foi utilizado o
questionário WHOQOL para examinar a qualidade de vida e escala
analógica visual (EAV) para avaliação da dor. O estudo evidenciou
presença de dor moderada influenciando negativamente a qualidade
de vida dos idosos25.
A hidroterapia parece estar bastante indicada para esses pacientes
uma vez que está relacionada com a melhora da qualidade de vida.
Estudo mostrou que a hidroterapia é terapia eficaz para o tratamento da fibromialgia e oferece benefícios significativos quando comparada à atividade em solo, levando à diminuição da sintomatologia
dolorosa26.
OSTEOPOROSE
A osteoporose é uma doença esquelética sistêmica caracterizada por
diminuição da massa óssea e deterioração microarquitetural do tecido ósseo, com consequente aumento da fragilidade e suscetibilidade
à fratura27.
49
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):48-50
Kayser B, Miotto C, Molin VD,
Kummer J, Klein SR e Wibelinger LM
No Brasil, há poucos dados referentes à população acometida pela
osteoporose28. Segundo a International Osteoporosis Foundation29 estima-se que aproximadamente 10 milhões de brasileiros sofram com
osteoporose no país, sendo que 2,4 milhões sofrem fraturas anualmente e destes, cerca de 200 mil morrerão em decorrência direta de
suas fraturas.
As alterações esqueléticas reduzem a capacidade das cavidades torácica e abdominal, com consequente alteração das funções cardíacas,
pulmonar, gástrica e vesical. As fraturas de quadril e antebraço distal
geralmente ocorrem após queda. Aproximadamente 30% dos indivíduos acima de 65 anos, caem uma ou mais vezes por ano e, destes,
3% desenvolvem fraturas30.
A dor não é originada pela osteoporose; manifesta-se por lombalgia,
relacionada às microfraturas vertebrais por compressão ou pelo colapso ou encunhamento do corpo vertebral, algumas vezes com raquialgia importante; e por fraturas vertebrais parciais ou completas,
que levam à deterioração da qualidade de vida do paciente31.
Indivíduos osteoporóticos, quando submetidos a programas de atividade física, apresentaram melhora na sensação de dor e diminuição significativa no uso de analgésicos, com consequente aumento
na mobilidade e na capacidade funcional, além de ganho de massa
óssea32.
CONCLUSÃO
A dor crônica acomete, em todo o mundo, cerca de 100 milhões de
indivíduos e está relacionada às articulações e ao sistema musculoesquelético. Esse entendimento é importante para o planejamento de
políticas públicas e implementação de programas que visem principalmente a prevenção e o controle das doenças crônicas osteoarticulares, promovendo maior funcionalidade e qualidade de vida para
essa população.
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12.
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ARTIGO DE REVISÃO
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):51-4
Psychological assessment of chronic pain patients: when, how and why
refer?*
Avaliação psicológica de pacientes com dor crônica: quando, como e por que encaminhar?
José Luiz Dias Siqueira1, Marcia Carla Morete2
*Recebido do Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil.
DOI 10.5935/1806-0013.20140012
ABSTRACT
RESUMO
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Notwithstanding several
studies pointing to a relationship between psychological aspects and
pain, the scientific literature still lacks articles specifically addressing
the psychological assessment process. This study aimed at answering
to three questions: Why, when and how to refer painful patients to
a psychological assessment? With this, we intend to cooperate with
professionals of different areas by offering them guidelines about
major indications for psychological assessment, what should be expected from this process and how to effectively refer patients.
CONTENTS: The following databases were searched: Medline,
LILACS, Pubmed and Scielo, by crossing the terms “psychology”,
“pain”, “psychology interview” and “psychological tests”. In addition, we looked for articles having in the title or abstract the words
“psychological assessment” or “psychological evaluation” and “pain”
– since the two former terms are not descriptors identified in Health
Sciences Descriptors. Studies between 2002 and 2013 were considered, being included only those specifically mentioning psychological
assessment, resulting in 11 articles in total.
CONCLUSION: From selected studies, all have pointed to justifications about the importance of psychological assessment of painful
patients. As to indications to psychological assessment, seven articles
have addressed the subject. The major gap was related to how to
refer patients. Only one out of 11 articles has addressed this subject.
Further studies may, in the future, better explore this aspect.
Keywords: Pain, Psychological interview, Psychology.
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Apesar de inúmeros estudos
apontarem a relação entre aspectos psicológicos e a experiência dolorosa, a literatura científica ainda carece de artigos a respeito, especificamente, do processo de avaliação psicológica. O objetivo deste
estudo foi obter respostas para três perguntas: Por que, quando e
como encaminhar pacientes com dor para uma avaliação psicológica? Com isso pretende-se colaborar com profissionais de diversas
áreas no sentido de oferecer-lhes apontamentos sobre as principais
indicações para uma avaliação psicológica, o que esperar desse processo e como fazer o encaminhamento de uma maneira eficaz.
CONTEÚDO: Foi realizada uma pesquisa nas bases de dados Medline, LILACS, Pubmed e Scielo, cruzando-se os termos: “psychology”, “pain”, “psychology interview” e “psychological tests”. Além
disso, foram buscados artigos que contivessem no título ou no
resumo as palavras “psychological assessment” ou “psychological
evaluation” e “pain” – já que estes dois primeiros não são descritores identificados nos Descritores em Ciências da Saúde. Foram
considerados trabalhos entre 2002 e 2013, sendo incluídos apenas
os que se referiam especificamente à avaliação psicológica, resultando em 11 artigos no total.
CONCLUSÃO: Dos estudos selecionados, todos apontavam justificativas sobre a importância da avaliação psicológica do paciente com
dor. Quanto a indicações para a avaliação psicológica, sete artigos
abordaram o assunto. A grande lacuna se referiu ao modo de se encaminhar o paciente. Apenas um dos 11 artigos abordou esse assunto.
Novos estudos podem no futuro explorar melhor esse aspecto.
Descritores: Dor, Entrevista psicológica, Psicologia.
INTRODUÇÃO
1. Hospital Israelita Albert Einstein, Área de Psicologia, São Paulo, SP, Brasil.
2. Hospital Israelita Albert Einstein, Área de Enfermagem, São Paulo, SP, Brasil.
Apresentado em 17 de setembro de 2013.
Aceito para publicação em 13 de fevereiro de 2014.
Conflito de interesses: não há.
Endereço para correspondência:
José Luiz Dias Siqueira
Av. Albert Einstein, 627 – Morumbi
Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein
Especialização em Dor
05652-900 São Paulo, SP, Brasil.
E-mail: [email protected]
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor
Na segunda metade do século passado, intensificaram-se os questionamentos a respeito da visão biomédica tradicional. Especificamente em relação à dor, estudos apontavam a necessidade de um modelo
que abarcasse a complexidade do fenômeno doloroso. A perspectiva biopsicossocial supre essa lacuna, ao afirmar a existência de uma
relação dinâmica entre mudanças biológicas, estado psicológico e
contexto social1.
A dificuldade em reconhecer a natureza multidimensional do fenômeno doloroso está ligada em grande parte à aceitação disseminada
dos conceitos cartesianos de separação de mente e corpo2. Já a visão
biopsicossocial busca considerar aspectos físicos, psicológicos, sociais
e espirituais não de forma separada, mas como um todo integrado.
51
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):51-4
Siqueira JL e Morete MC
Como consequência de uma compreensão biopsicossocial, o tratamento da dor passa a exigir um trabalho interdisciplinar, contando
com a atuação integrada de profissionais de diferentes especialidades3.
Nesse sentido, a dor que persiste por muito tempo tem importante
impacto em todos os domínios da vida da pessoa. Diversas condições complexas associadas à dor crônica afetam o funcionamento
físico e psicossocial do indivíduo. Entre elas, destacam-se distúrbios
do sono, perda de apetite, dependência de fármaco, transtornos de
humor, crises de ansiedade, fadiga e frustração, o que gera inúmeras
consequências para essas pessoas, suas famílias, empregos e o sistema
de saúde4.
Além disso, diversos estudos apontam o importante papel de fatores
biopsicossociais na precipitação das dores crônicas, no processo de
cronificação de dores agudas e na incapacidade dos pacientes. Associados a essas questões, pode-se apontar elementos cognitivos, como
as crenças do paciente; afetivos, como a ansiedade, a depressão e o
estresse; e comportamentais, como os processos de aprendizagem e
reforço1,5-8.
O entrelaçamento entre processos corpóreos e a emoção, a cognição
e as dinâmicas interpessoais explica a abordagem de variáveis psicológicas no tratamento da dor crônica9.
A avaliação psicológica é uma prática baseada no método científico,
que conta com diferentes recursos para promover um entendimento
mais completo do indivíduo. Entre as práticas principais desse processo estão a coleta de informações, os instrumentos psicológicos e
diversas formas de medida para identificar dimensões específicas do
sujeito, do seu ambiente e da relação entre eles10.
Apesar da crescente importância da Psicologia no tratamento da
dor, ainda há muito desconhecimento por parte de profissionais de
outras áreas a respeito de quais são os critérios para se encaminhar
um paciente para uma avaliação psicológica e o que se pode esperar
deste processo.
O objetivo deste estudo foi colaborar com profissionais de diversas
áreas no sentido de oferecer-lhes apontamentos sobre as principais
indicações para uma avaliação psicológica, o que esperar desse processo e como fazer o encaminhamento de uma maneira eficaz. Para
tanto, realizou-se uma análise de artigos científicos publicados nos
últimos 11 anos a respeito do assunto.
CONTEÚDO
Buscou-se artigos publicados no período compreendido entre 2002
e 2013, nos idiomas Inglês, Português e Espanhol, nas bases de dados LILACS, MedLine, SciElo e PubMed, cruzando-se os seguintes descritores: “psychology”, “pain”,”psychological interview” e
“psychological tests”. Além disso, buscou-se nas bases de dados artigos que contivessem no título ou no resumo as expressões “psychological assessment”, “psychological evaluation” e “pain”, já que estes
dois primeiros termos não estão identificados nos Descritores em
Ciências da Saúde. O principal critério de inclusão foi a referência
direta ao processo de avaliação psicológica.
No total, foram selecionados 11 artigos que abordam a avaliação
psicológica em diferentes contextos. A análise dos artigos procurou
compreender como cada um desses artigos respondia a uma ou mais
das seguintes questões:
1. Quando encaminhar o paciente para uma avaliação psicológica?
2. Por que encaminhar o paciente para uma avaliação psicológica?
3. Como encaminhar o paciente com dor para uma avaliação psicológica?
A tabela 1 apresenta os artigos analisados, os respectivos autores, os
principais assuntos abordados e quais questões, das três já descritas,
puderam ser respondidas a partir da leitura de cada texto.
Quando encaminhar o paciente com dor para uma avaliação
psicológica?
O estudo prospectivo de coorte sobre lombalgia buscou identificar
sinais e sintomas que alertassem clínicos a respeito da necessidade
de uma avaliação psicológica em pacientes com dor crônica lombar. Foram avaliados 229 pacientes por uma equipe de reabilitação
e por um grupo de psicólogos. A partir do cruzamento dos dados
avaliados pelos fisioterapeutas da equipe com os dos psicólogos, o
estudo chegou a quatro variáveis que podem apontar para os clínicos
em geral a importância de uma avaliação psicológica adicional: uso
diário de fármaco analgésico, presença de sinais de Waddell, escores
altos no teste “pain drawing” e ausência de preferência direcional11.
Segundo os autores, os sinais de Waddell são um conjunto de 8 sinais físicos que podem indicar componentes não orgânicos ou psi-
Tabela 1. Descrição dos textos selecionados
Autores
Tipos de estudos
Assuntos
1
2
Apeldoorn et al.11
Estudo prospectivo de coorte
Lombalgia
x
x
Castro et al.12
Estudo comparativo
Dor orofacial
White13
Artigo de revisão
Dor torácica
x
x
x
Rosen
Artigo de revisão
Cefaleia tensional
x
Zhang et al.15
Estudo transversal
Dor pélvica
x
Rivera et al.
Estudo prospectivo
Medicina
intervencionista da dor
x
Koestler17
Artigo de revisão
Dor nas mãos
x
Cruz e Sardá18
Estudo transversal
Lombalgia, lombociatalgia
Turk et al.19
Artigo de revisão
Dor neuropática
x
x
Beltrutti e Lamberto20
Artigo de revisão
Radiofrequência
x
x
Beltrutti et al.
Artigo de revisão
Neuroestimulação medular
x
x
14
16
21
52
3
x
x
x
x
Avaliação psicológica de pacientes com dor crônica:
quando, como e por que encaminhar?
cológicos de dor lombar crônica. O teste “pain drawing” utilizado
divide um diagrama do corpo humano em 45 áreas anatômicas que,
se marcadas pelo paciente como doloridas, recebem pontuações11.
O artigo sobre dor nas mãos apontou diversos pontos aos quais os
clínicos devem estar atentos a fim de identificar a necessidade de
uma avaliação psicológica: baixa adesão ao tratamento, resistência
em assumir responsabilidade pelos cuidados com sua saúde, comportamentos de evitação, catastrofização, reações emocionais, comportamentos dolorosos exagerados e expressões de culpa, raiva e desesperança. Além disso, havendo ideação suicida, sintomas psicóticos
ou abuso de fármacos, a avaliação psicológica se torna obrigatória17.
O estudo sobre dor torácica apontou que, na prática, o principal
motivo para o encaminhamento do paciente para uma avaliação psicológica costuma ser a não adesão ao tratamento. Outros aspectos
que geralmente levam clínicos a fazerem tal encaminhamento são:
presença de fatores de risco comportamentais (tabagismo, sedentarismo) e emocionais (depressão, ansiedade, raiva), além de dificuldades de enfrentamento13.
O artigo sobre dor neuropática determinou seis situações em que
é indicada a realização de uma avaliação psicológica: 1) quando a
incapacidade excede em demasia o que se espera do paciente a partir
dos achados clínicos; 2) quando o paciente demanda exageradamente os serviços de saúde; 3) quando o paciente insiste em procurar
tratamentos e exames que não são indicados; 4) quando o paciente
demonstra uma angústia significativa; 5) quando o paciente mostra
comportamento de dependência de fármacos ou não aderência ao
tratamento proposto; 6) antes de procedimentos intervencionistas,
como neuroestimulação medular19.
Em relação a este último item, dois artigos aponta o caráter fundamental que a avaliação psicológica adquire no período anterior aos
procedimentos intervencionistas. O artigo sobre neuroestimulação
medular concluiu que o processo de determinar se o paciente está
apto ou não para o procedimento deve necessariamente incluir uma
avaliação sobre as características psicossociais do paciente20. No artigo sobre radiofrequência, os mesmos autores chegam a conclusões
semelhantes21.
Nesse contexto, dois objetivos principais são apontados em relação
à avaliação psicológica: 1) determinar a presença de características
psicológicas e sociais que possam aumentar a probabilidade do benefício do procedimento e 2) ajudar o médico a identificar os pacientes para os quais esse tratamento resultaria em incerteza, fracasso
ou consequências médico-legais. Muitas vezes, apesar do sucesso do
tratamento, o paciente não é capaz de perceber uma mudança significativa em seu estado. Esse “fracasso” está intimamente ligado à
forma com que cada paciente vivencia sua dor. Esse aspecto deve
ser levado em conta através de uma avaliação psicológica cuidadosa
antes de qualquer procedimento intervencionista21.
Por que encaminhar o paciente para uma avaliação psicológica?
Dos 11 artigos analisados, todos abordaram justificativas a respeito da avaliação psicológica: 10 deles buscaram justificar por que se
deve encaminhar pacientes com dor crônica à avaliação com um
profissional da psicologia e um procurou apontar por que não encaminhar.
Um estudo prospectivo de coorte procurou analisar se médicos intervencionistas conseguem identificar ansiedade e depressão atra-
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):51-4
vés de uma entrevista breve e um questionário baseado no Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais 4ª edição (DSM-IV). O estudo concluiu que esses profissionais foram bem sucedidos ao identificar essas duas condições em 100 pacientes de um
centro intervencionista da dor12. Os autores justificam que, ao não
encaminhar um paciente para um psicólogo ou psiquiatra, há uma
economia de dinheiro e de tempo.
Um dos estudos brasileiros identificou em 55 pacientes com lombalgia e lombociatalgia uma forte presença de alterações emocionais
que podem interferir ou colaborar para a manifestação ou perpetuação destas, o que justifica a necessidade das avaliações psicológicas
nesse contexto18. Já um estudo chinês sobre dor pélvica concluiu que
o tratamento desses pacientes é muito mais adequado quando se
realiza a partir de uma abordagem multidisciplinar que inclua uma
avaliação psicológica de rotina15.
Em outro estudo brasileiro, foram comparados diversos aspectos entre 30 pacientes de um hospital: 15 com neuralgia do trigêmeo e 15
com disfunção temporomandibular. Apesar de o primeiro grupo ter
uma condição dolorosa muito mais intensa e limitante, não houve
diferenças significativas quanto às queixas e aos graus de depressão
e ansiedade, o que sugere que a intensidade da dor pode não estar
diretamente relacionada aos aspectos afetivos. Para os autores, esse
fato justifica a necessidade de uma avaliação psicológica cuidadosa
nos pacientes com dor facial12.
Um artigo sobre dor nas mãos explica que, quando a avaliação psicológica identifica precocemente fatores psicológicos e comportamentais
complicadores nos pacientes com essa condição, isso facilita intervenções mais apropriadas e melhora os resultados dos tratamentos17.
Como encaminhar o paciente com dor para uma avaliação psicológica?
O artigo sobre dor torácica aponta que muitos clínicos encontram
dificuldades na hora de realizar o encaminhamento para um psicólogo e por isso é essencial que se esclareça o paciente a respeito dos
motivos pelos quais a avaliação psicológica é importante. Segundo o
artigo, pacientes costumam ser mais receptivos ao encaminhamento
quando este é introduzido como parte de uma rotina essencial para
os resultados do tratamento. O esclarecimento torna-se essencial, já
que pacientes ansiosos podem achar que o médico suspeita que sua
dor não seja genuína, ou que ele tenha uma doença mental causando
os sintomas13.
CONCLUSÃO
Diversos artigos abordam aspectos psicológicos da dor, porém poucos se referem à avaliação psicológica. A ausência do termo “avaliação psicológica” nos Descritores em Ciências da Saúde dificulta a
pesquisa pelo tema.
Dos 11 estudos avaliados, 10 pretenderam dar justificativas para a
avaliação psicológica do paciente com dor, entre elas: compreender
a influência das emoções na dor; elucidar estressores e estilos de enfrentamento; avaliar expectativas do paciente; identificar dificuldades e apontar alvos para intervenções.
Um dos artigos afirmou que médicos intervencionistas são capazes de detectar ansiedade e depressão em pacientes com dor, sem o
auxílio de um profissional da saúde mental. No entanto, os outros
53
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):51-4
Siqueira JL e Morete MC
artigos analisados mostraram o quão amplo pode ser o trabalho de
uma avaliação psicológica do paciente com dor, indo muito além da
identificação de ansiedade e depressão.
Sete artigos apontaram critérios de encaminhamento para avaliação
psicológica, entre eles: baixa adesão ao tratamento, evitação, catastrofização, culpa, raiva, angústia, desesperança, ideação suicida e antes de procedimentos intervencionistas.
De todos os artigos, apenas um se referiu à maneira de se encaminhar pacientes para uma avaliação psicológica13. Novos estudos
devem explorar melhor esse aspecto fundamental no trabalho com
pacientes com dor, pois a maneira como o paciente é encaminhado
por vezes se torna determinante a respeito da aceitação do trabalho
do psicólogo e até da adesão do paciente a seu tratamento como
um todo.
7.
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ARTIGO DE REVISÃO
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):55-60
Intravenous lidocaine to treat postoperative pain*
Lidocaína intravenosa no tratamento da dor pós-operatória
Tânia Cursino de Menezes Couceiro1, Luciana Cavalcanti Lima3, Léa Menezes Couceiro3, Marcelo Moraes Valença4
*Recebido do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira, Recife, PE, Brasil.
DOI 10.5935/1806-0013.20140013
ABSTRACT
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Postoperative pain is foreseeable however it is still undermanaged. Multimodal management
decreases side-effects and provides adequate pain control. Lidocaine,
local anesthetic used for more than five decades, is being intravenously administered aiming at managing pain in different types of
surgeries with promising results. This study aimed at reviewing the
use of intravenous lidocaine to manage postoperative pain and its
action mechanism.
CONTENTS: This article addresses the use of intravenous lidocaine
to manage postoperative pain, its action mechanism and its applicability for different types of surgeries. An active search was carried
out in the following databases: Medline via Pubmed (1974-2013),
Cochrane Library (1990-2010) and LILACS (1974-2013). Search
was adjusted to identify articles addressing postoperative intravenous lidocaine action mechanism and postoperative analgesia. As to
language, articles in Portuguese and English were selected.
CONCLUSION: Intravenous lidocaine, due to its low cost, opioid-sparing action and minimum side-effects is an adequate option to
manage postoperative pain.
Keywords: Intravenous lidocaine, Multimodal management, Postoperative analgesia, Postoperative pain.
RESUMO
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A dor pós-operatória é previsível, no entanto continua sendo inadequadamente tratada. O tratamento multimodal diminui os efeitos colaterais e propicia adequado
alivio da dor. A lidocaína, anestésico local utilizado há mais de cinco
1. Universidade Federal de Pernambuco, Instituto de Medicina Integral Professor Fernando
Figueira, Recife, PE, Brasil.
2. Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira, Faculdade Pernambucana de
Saúde, Recife, PE, Brasil.
3. Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira, Recife, PE, Brasil.
4. Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil.
Apresentado em 17 de julho de 2013.
Aceito para publicação em 24 de janeiro de 2014.
Conflito de interesses: não há.
Endereço para correspondência:
Tânia Cursino de Menezes Couceiro
Rua Jornalista Guerra de Holanda, 158/1602 – Casa Forte
52061-010 Recife, PE, Brasil.
E-mail: [email protected]
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor
décadas, vem sendo empregada por via intravenosa com o objetivo
de tratar a dor em diversos tipos de operação com resultados promissores. O objetivo deste estudo foi rever o uso da lidocaína intravenosa no tratamento da dor pós-operatória e seu mecanismo de ação.
CONTEÚDO: Este artigo aborda o emprego da lidocaína intravenosa no manuseio da dor pós-operatória, seu mecanismo de ação
e a aplicabilidade em diversos tipos de procedimentos cirúrgicos.
Realizada busca ativa através das seguintes bases de dados: Medline
via Pubmed (1974-2013), Cochrane Library (1990-2010), LILACS
(1974-2013). A busca foi ajustada visando identificar os artigos que
pesquisaram o mecanismo de ação e a analgesia pós-operatória da
lidocaína intravenosa. Quanto à limitação do idioma, foram selecionados artigos nas línguas Portuguesa e Inglesa.
CONCLUSÃO: A lidocaína intravenosa, pelo baixo custo, ação
poupadora de opioides e mínimos efeitos colaterais, tem se mostrado adequada opção no tratamento da dor pós-operatória.
Descritores: Analgesia pós-operatória, Dor pós-operatória, Lidocaína intravenosa, Tratamento multimodal.
INTRODUÇÃO
Assegurar o tratamento adequado da dor deve fazer parte da abordagem perioperatória do paciente cirúrgico e o anestesiologista
pode utilizar os diversos fármacos disponíveis para infusão intravenosa adequando as características farmacodinâmicas destes aos
diversos tipos de procedimentos cirúrgicos e às particularidades de
cada paciente.
Dentre os fármacos empregados para o tratamento da dor pós-operatória (DPO) a lidocaína intravenosa tem se destacado1. Este
anestésico local foi utilizado pela primeira vez por via intravenosa
com a finalidade de promover analgesia pós-operatória na década
de 1960 e em recentes estudos esse efeito analgésico foi comprovado
principalmente em cirurgias abdominais1.
No entanto, apesar da praticidade em administrar a lidocaína por
via intravenosa como integrante do tratamento multimodal da dor2,
o seu mecanismo da ação ainda não está bem esclarecido, principalmente no que se refere à duração da analgesia.
Foi realizada busca ativa através das seguintes bases de dados: Medline via Pubmed (1974-2013), Cochrane Library (2000-2010) e
LILACS (1974-2013). A busca foi ajustada visando identificar os
artigos que pesquisaram o mecanismo de ação e a analgesia pós-operatória da lidocaína intravenosa. Quanto à limitação do idioma,
foram selecionados artigos nas línguas Portuguesa e Inglesa.
O objetivo deste estudo foi rever o uso da lidocaína intravenosa no
tratamento da DPO e discutir os possíveis mecanismos de ação do
fármaco analgésico.
55
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):55-60
Couceiro TC, Lima LC, Couceiro LM e Valença MM
DOR PÓS-OPERATÓRIA
A DPO é uma forma previsível e conhecida de dor aguda e o seu
tratamento diminui a morbidade pós-operatória, propicia adequada
cicatrização incisional e diminui os custos2,3. Além disso, promove
menor alteração cognitiva no pós-operatório e diminui o risco de
DPO crônica ou persistente4,5. Contudo, mais de 50% dos pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos experimentam dor de
moderada a forte intensidade6 indicando que, apesar do desenvolvimento de novos fármacos e da utilização de novas técnicas analgésicas, a DPO ainda é inadequadamente tratada7,8. As possíveis
justificativas para a sua alta prevalência podem ser: sensibilidade
individual e escolha inadequada dos fármacos e das doses9.
ASPECTOS FARMACOLÓGICOS DA LIDOCAÍNA INTRAVENOSA
A lidocaína administrada por via intravenosa, no período perioperatório, promove importante analgesia pós-operatória resultando em
redução da intensidade da dor e diminuição do consumo de opioides10-12. Estudos recentes comprovam que a lidocaína intravenosa
propicia retorno rápido do trânsito intestinal em pacientes submetidos a cirurgias colônicas12 e diminuição da produção e liberação de
citocinas13-16. O efeito analgésico da lidocaína no trauma cirúrgico
decorre do bloqueio da transmissão neuronal no local da lesão, da sua
propriedade anti-inflamatória sistêmica intrínseca e, dependendo da
dose utilizada, pode reduzir a lesão celular induzida por citocinas, por
meio de mecanismos envolvendo canais de potássio mitocondriais
sensíveis a adenosina trifosfato (ATP)4,16,17. É importante salientar que
sua propriedade analgésica persiste mesmo após a diminuição dos níveis plasmáticos, favorecendo assim a teoria do bloqueio da condução
nervosa14. Por outro lado, mesmo quando utilizada em baixas doses,
suprime o potencial evocado das fibras C resultando em analgesia18-21.
Dentre as vantagens desse fármaco podem ser enfatizados o baixo
custo e a boa efetividade18 (Tabela 1). Importante salientar que a
dose dos fármacos utilizados no tratamento da dor aguda ou crônica
geralmente é baseada no peso do paciente, o que não é diferente com
a lidocaína. No entanto, observa-se que há uma dissociação entre o
efeito analgésico e a concentração plasmática da lidocaína e do seu
metabólito ativo22.
Tabela 1. Vantagens do uso da lidocaína intravenosa na dor pós-operatória
Baixo custo
Eficaz em cirurgias abdominais
Diminui o consumo de opioides
Minimiza o íleo paralítico
Diminuí o tempo de internação, náuseas e vômitos
Diminui a incidência de dor crônica pós-cirúrgica
No que se refere à metabolização da lidocaína, essa ocorre no fígado
pelo sistema enzimático microssomal (citocromo P450), com taxa
de depuração de 0,85L/kg/h. Ela é convertida por oxidação em monoetilglicinaxilidina, uma parte da qual é hidrolizada à glicinaxilidida. Esses metabólitos são ativos e têm sido implicados em casos de
56
intoxicação depois de doses repetidas e infusão venosa contínua. Sua
excreção é realizada pelos rins, tendo uma fase de eliminação rápida
de 8 a 17 minutos e uma fase lenta de 87 a 108 minutos22. Menos
de 10% da lidocaína é encontrada de forma inalterada na urina22-26.
Surge o questionamento a respeito dos metabólitos da lidocaína: seriam eles também responsáveis pela ação analgésica desse fármaco?
Possivelmente não, porque a analgesia promovida pela lidocaína ultrapassa o tempo de meia vida desses metabólitos.
A lidocaína por via venosa tem sido empregada em diferentes tipos
de procedimentos cirúrgicos1,12,27. Ao ser administrada por essa via,
é inicialmente distribuída aos órgãos ricamente perfundidos, tais
como encéfalo, rins e coração, e em seguida pelos tecidos menos
perfundidos, como pele, musculoesquelético e gordura. Seu volume
de distribuição é grande (91L/kg), seu coeficiente de partição óleo/
água é de 366 e sua potência é intermediária. Cerca de 60% das suas
moléculas ligam-se às proteínas plasmáticas, principalmente à alfa1-glicoproteína ácida22. Aproximadamente 40% da lidocaína por via
venosa é extraída temporariamente durante a primeira passagem pelos pulmões, onde o pH é menor com relação ao plasma. A ligação
proteica da lidocaína associada à extração pulmonar diminuem as
chances de intoxicação sistêmica.
Mecanismo de ação da lidocaína
Os canais de sódio voltagem-dependentes (Nav) constituem os alvos
clássicos de ação da lidocaína. Já foram identificadas nove formas
diferentes (isoformas) de subunidades nos canais de sódio voltagem-dependentes de mamíferos (Nav 1.1 a 1.9), sendo que algumas delas estão relacionadas à dor neuropática (Nav 1.3, 1.7, 1.8 e 1.9) e
outras à dor inflamatória (Nav 1.7, 1.8 e 1.9)28. Após atravessar a
membrana neural, sob a ação do pH intracelular há a conversão da
lidocaína para sua forma ionizada e esta age de forma reversível na
porção S6 do domínio 4 da subunidade alfa dentro dos canais de
sódio voltagem-dependentes25,28.
À medida que a ação do anestésico se desenvolve, o limite para a
excitabilidade elétrica gradualmente aumenta e o pico do potencial
de ação diminui a condução do impulso neuronal. A afinidade da
lidocaína pelos os canais de sódio varia com a conformação do canal,
sendo maior quando o canal está aberto (ativado ou inativo) e menor quando o canal está fechado (desativado ou em repouso). Assim,
quanto maior a frequência de estimulação neuronal, mais moléculas
de lidocaína ionizadas têm acesso aos locais de ação e maior o grau
de bloqueio (bloqueio uso-dependente ou frequência dependente)18.
Além de atuar sobre os canais de sódio voltagem-dependentes (Nav),
presentes nos nociceptores dos tecidos inflamados29, a lidocaína age
também sobre os receptores acoplados à proteína G (RAPG), os receptores N-metil-D-aspartato (NMDA) e os canais de potássio e
de cálcio, interferindo com a condução do impulso excitatório sobre as fibras A-delta e C30-33. Também esse anestésico local parece
bloquear indiretamente os receptores NMDA34-36 através da inibição
da proteinocinase C (PKC)35, influenciando, de modo importante,
a hiperalgesia pós-operatória e a tolerância aos opioides10,35. Além
disso, esse fármaco, por meio de sua ação nos RAPG37 interfere na
sensibilização, na degranulação lisossômica de neutrófilos, na produção de radicais livres de oxigênio e na secreção de citocinas pelos
macrófagos e células gliais conferindo ação anti-inflamatória14,37,38.
A lidocaína também age em canais de potássio e de cálcio voltagem-
Lidocaína intravenosa no tratamento da dor pós-operatória
-dependentes, porém com menor afinidade quando comparado ao
bloqueio produzido nos canais de sódio. Essa inibição dos canais
de cálcio nos terminais nervosos pré-sinápticos tem importante implicação na liberação dos neurotransmissores e, consequentemente,
interfere na propagação do impulso doloroso34. Com relação aos
canais de potássio, supõe-se que agindo nesses canais a lidocaína
reduza a lesão celular secundária à isquemia tecidual18, diminua a
resposta inflamatória e promova diminuição da intensidade da dor.
Efeitos adversos e contraindicações da lidocaína intravenosa
As manifestações tóxicas desencadeadas pela lidocaína parecem
ocorrer quando concentrações plasmáticas de 5μg/mL são alcançadas. No entanto, na prática clínica, a dose empregada varia de 2 a
5mg/kg, o que resulta em concentração plasmática de 2μg/mL, ou
seja, aquém das doses tóxicas, promovendo uma janela de segurança
para a sua administração. Essa segurança permite que esse fármaco
possa ser empregado em diferentes formas no tratamento da dor
(solução, colírio e creme) e por diversas vias de administração (peridural, subaracnoidea, intrapleural, intramuscular, intra-articular,
tópica e intravenosa)22,25, cada uma com sua indicação estabelecida.
A intensidade do efeito adverso depende da dose administrada, da
velocidade e do local de administração, assim como do estado geral
do paciente com relação a idade, condições clínicas e gravidez25. À
medida que a concentração de lidocaína aumenta na circulação sistêmica surgem vários sinais e sintomas especialmente nos sistemas
nervoso central (SNC) e cardiovascular. Quando os níveis séricos se
encontram abaixo de 5µg/mL, ocorre analgesia e os motoneurônios
corticais são inibidos, o que explica sua atividade anticonvulsivante24. Quando os níveis séricos ultrapassam 5µg/mL a sintomatologia
é variável e a gravidade está na dependência da concentração sanguínea de lidocaína alcançada25 (Tabela 2).
Tabela 2. Efeitos adversos segundo os níveis séricos2,22,26
Efeitos
adversos
Níveis
séricos
Sintomas
Leve
3-8μg/mL
Dormência e formigamento em quirodáctilos e pododáctilos, dormência
perioral, distúrbios visuais, zumbido,
tonturas e confusão
Moderada
8-12μg/mL
Náuseas e vômitos, tremores, diminuição da audição, alteração da pressão
arterial e frequência cardíaca e confusão mental
Grave
>12μg/mL
Confusão, perda da consciência, tremores musculares, convulsão, arritmia
e parada cardíaca
No que se refere ao SNC, a convulsão pode ser a primeira indicação
de intoxicação grave26 e pode decorrer da inibição dos neurônios inibitórios através de receptores GABA (ácido gama-aminobutírico) na
amígdala25,27. Geralmente, a convulsão acontece em concentrações
plasmáticas acima de 8µg/mL, podendo surgir em níveis séricos menores na presença de hipercarbia23. Quanto à toxicidade cardiovascular, observa-se bradicardia, aumento do intervalo PR e alargamento do complexo QRS25. Por fim, a alergia a derivados aminoamida
deve ser lembrada, porém é um evento extremamente raro, sendo
estimada em menos que 1% das reações registradas25.
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):55-60
A lidocaína venosa não deve ser usada em pacientes com disritmia,
insuficiência cardíaca, coronariopatia, Adams-Stokes ou bloqueio
cardíaco, podendo ser usada com cautela em pacientes com insuficiência hepática, bradicardia sinusal e bloqueio incompleto de ramo29.
Os efeitos colaterais mais comuns geralmente são leves e relacionados ao SNC22. Os pacientes podem apresentar sonolência, tontura,
gosto metálico, cefaleia, visão borrada, parestesia, disartria, euforia e
náusea22,29. Doses maiores administradas de maneira rápida podem
causar zumbido, tremor e agitação. As alterações cardiovasculares
geralmente são mínimas com doses usuais (Tabela 1).
Ao ocorrer intoxicação pela lidocaína, o tratamento deve envolver
medidas de suporte, com oxigenação, hidratação, uso de vasopressores, inotrópicos, anticonvulsivantes e antiarrítmicos e em casos não
responsivos ao tratamento anterior, a infusão intravenosa de lipídios
deve ser considerada numa dose inicial de 1,5mL/kg de uma solução
a 20% podendo ser repetida a cada 3-5 minutos obedecendo a dose
máxima de 8mL/kg29,30.
Ação analgésica da lidocaína por via venosa
A ação analgésica da lidocaína quando administrada por via venosa
ocorre periférica e centralmente pelos seguintes mecanismos: bloqueio
de canal de sódio e do canal de potássio, ação glicinérgica, bloqueio de
receptores NMDA e redução de substância P18. Em baixas concentrações, a lidocaína inibe a atividade anormal em fibras aferentes primárias, principalmente fibras C, causa bloqueio simpático, vasodilatação
e diminui o estímulo doloroso18. Por outro lado, o bloqueio de canais
de sódio resulta em inibição da atividade neuronal espontânea e evocada9,25, bem como reduz a hiperatividade neuronal, resultando em
alívio da dor31. Em concentrações terapêuticas, a lidocaína diminui
a hiperexcitabilidade sem afetar a condução do nervo. Por via venosa
promove diminuição da sensibilização medular31, reduzindo a atividade de neurônios medulares e também diminuindo a despolarização
pós-sináptica mediada por receptores NMDA32.
A maior suscetibilidade dos neurônios hiperexcitáveis à lidocaína
pode ser explicada pela alteração da expressão de canais de sódio
quando há lesão do nervo. Essa modificação torna esses canais sujeitos ao bloqueio pela lidocaína e resulta em supressão de descargas
ectópicas33, com consequente redução da hiperalgesia, da alodínia
mecânica4,33, da dor paroxística e disestésica34,35, fato esse que explica
a ação analgésica da lidocaína venosa nas dores neuropáticas.
Também é importante destacar que o bloqueio preferencial por
canais de sódio inativados promovido pela lidocaína, assegura que
ocorra somente bloqueio de canais de neurônios hiperexcitados, tais
como os com atividade ectópica pós-lesão nervosa35. No entanto,
nas dores nociceptivas os resultados são discordantes no que se refere
a esse bloqueio preferencial36,37,39.
Ainda quanto ao efeito analgésico, esse parece ser dependente da
dose, e a dose de 5mg/kg por um período de 30 minutos promoveu
resposta analgésica mais consistente36. No que se refere à concentração plasmática máxima e ao alivio máximo da dor foi relatado haver
correlação entre ambos33. Esse fato pode explicar a variabilidade da
analgesia obtida com doses diferentes. Tem sido demonstrado que
doses baixas de lidocaína intravenosa (concentração plasmática menor que 5µg/mL) atenuam a dor decorrente de diversos tipos de
lesões sem interferir na condução nervosa normal e com baixa incidência de efeitos adversos16,37,38.
57
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):55-60
Couceiro TC, Lima LC, Couceiro LM e Valença MM
A dose de lidocaína efetiva no tratamento da DPO ainda não foi
definida38, e possivelmente isso se deva à diferença dos padrões de
sensibilização central e periférica existente nos diversos tipos e locais
de cirurgias38. Seus efeitos analgésicos são mais pronunciados quando a infusão é iniciada no período pré-operatório39 e continuada
por dias ou semanas29,38. Essa particularidade sugere que a lidocaína
intravenosa exerce sua ação sobre outros alvos além dos canais de
sódio voltagem-dependentes.
Em relação à analgesia é relatado que a lidocaína intravenosa produz
três fases distintas de alívio da dor: a primeira surge durante o momento da infusão e 30 a 60 minutos após seu término; a segunda
é uma fase transitória que ocorre cerca de 6h após a infusão; e a
terceira fase aparece em 24 a 48h após a infusão e contínua pelos
próximos 21 a 47 dias29.
O efeito analgésico da lidocaína intravenosa pode ser avaliado em
cirurgias realizadas por várias vias1. Em colecistectomia videolaparoscópica verificou-se efeito aditivo sobre o alívio da DPO e o efeito
sinérgico sobre a recuperação do trânsito intestinal quando a dose
de 3mg/kg/h foi comparada ao dextrometorfano (40mg) por via
muscular39.
Em cirurgias abdominais observou-se redução da intensidade da dor
e do consumo de morfina pós-operatórios, com aparente prevenção
da hiperalgesia central, quando a lidocaína venosa (bolus de 1,5mg/
kg, seguida de infusão de 1,5mg/kg/h) foi administrada antes da
incisão cirúrgica e continuada até 60 minutos após o término da
sutura cutânea, notadamente na 36ªh após a cirurgia10.
Em colectomias convencionais a lidocaína por via venosa em bolus
de 2mg/kg pré-incisional e infusão de 3mg/kg/h mantida até o fim
da operação promoveu importante alívio da dor e o retorno mais
rápido da função intestinal, reduziu o consumo de anestésico volátil
e de opioides e atenuou a produção de interleucinas-1 AR (antagonista de receptor), 6 e 8 (IL-1AR, IL-6 e IL-8) durante um período
de 72h12. Da mesma forma, foi também demonstrado o seu efeito
analgésico em pacientes submetidos a colectomia videolaparoscópica41. Por outro lado, a lidocaína intravenosa, em bolus de 1,5mg/
kg e infusão intraoperatória de 1,5mg/kg/h até 60 minutos depois
da sutura da ferida operatória não produziu melhora na analgesia e
também não alterou os limiares de dor secundários ao tato e à pressão após artroplastias total de quadril41.
Em cirurgias para tratamento do câncer mamário os autores observaram que esse esquema de infusão da lidocaína no perioperatório
promoveu diminuição da área de hiperalgesia quando comparado
ao placebo, mas a analgesia pós-operatória em repouso foi superior
apenas na 4ªh pós-operatória42. Outro autor ao empregar a mesma
dose da lidocaína, no entanto limitando o termino da infusão ao
fechamento da pele em pacientes do gênero masculino submetidos à
gastrectomia subtotal, observou não haver diferença quanto à analgesia nos três primeiros dias de pós-operatório quando comparada
ao placebo43.
Baseados no exposto surgem alguns questionamentos: qual a dose
ideal para obter analgesia pós-operatória? O regime de infusão
contínua é superior à injeção em bolus? Qual o melhor momento
para se iniciar a infusão da lidocaína, antes da incisão? Por quanto
tempo se deve manter a infusão da lidocaína? A menor necessidade
de opioides no intra e no pós-operatório diminuirá a ocorrência
de DPO persistente nos pacientes que fizerem uso de lidocaína? A
58
analgesia promovida pela lidocaína seria mais proeminente na dor
visceral do que na dor somática? É imperativa a dosagem plasmática da lidocaína?
Alguns estudos tentam responder a essas perguntas10,11,23,36,39,40. Com
relação à dose da lidocaína intravenosa como parte do tratamento
multimodal da DPO pode-se citar a sugerida por Pasero44 que compreende uma solução de 4mg/mL (0,4% solução) sem preservativo
preparada na farmácia hospitalar com 2g em 500mL de solução diluente. Um bolus de 1,5mg/kg é administrado inicialmente seguido
de infusão continua de 2mg/kg/h na sala de cirurgia e manutenção
da infusão continua de 1,33mg/kg/h na sala de recuperação pós-anestésica e por mais 24h. Vale ressaltar que outras normas de infusão que utilizam doses discretamente maiores (1,5mg/kg/h e infusão
perioperatória e 1,5mg/kg/h até 60 minutos depois da sutura da ferida operatória) não são capazes de produzir analgesia pós-operatória
diferente do placebo41. A diferença entre os dois protocolos é que
Pasero44 mantém a infusão da lidocaína por um período de 24h e
a sua manutenção no primeiro dia de pós-operatório parece ser o
diferencial, pois assim o bloqueio dos canais de cálcio e potássio voltagem-dependentes é mantido e a liberação dos neurotransmissores
e as respostas inflamatórias são inibidas.
Metanálise45 sobre o uso de lidocaína por via venosa em cirurgias abdominais relata que em relação à dose a ser utilizada, ao início e a duração da infusão ainda não há um consenso. Ao estudar o consumo
de opioides no pós-operatório, recentes estudos avaliam a prevalência de síndrome dolorosa pós-mastectomia (SDPM) em pacientes
submetidas a cirurgias mamárias e encontram uma associação entre
o maior consumo de opioides no perioperatório e a ocorrência dessa
síndrome46,47. Um estudo sobre dor crônica pós-cirúrgica (DCPC)
identificou48 uma relação entre a intensidade da DPO e a ocorrência
de DCPC em diversos tipos de operação. Dessa forma, estratégias
farmacológicas (como a lidocaína por via venosa) que diminuam a
intensidade da dor e o consumo de opioides no perioperatório podem proporcionar diminuição na ocorrência de dor crônica.
Para responder ao questionamento sobre a ação da lidocaína nas dores viscerais e somáticas, por serem ambas de origem nociceptiva, seria de se esperar que a ação analgésica do fármaco fosse semelhante.
No entanto, os estudos sobre DPO mostram que em cirurgias que
cursam com dor visceral (colectomias colecistectomias)12, os resultados analgésicos são promissores, o que não ocorre com as cirurgias
que resultam em dor somática (artroplastias e mastectomias). Em
estudo realizado em cuidados paliativos32 é relatado que a lidocaína é
capaz de promover analgesia independente da etiologia da dor.
Portanto, se faz necessária a realização de estudos clínicos que utilizem as mesmas doses e o mesmo regime de infusão para avaliar a
ação analgésica pós-operatória da lidocaína nos diferentes tipos de
dor (Tabela 3).
No que tange à dosagem plasmática sistemática da lidocaína, em
recente estudo avaliando 15 pacientes submetidos a uma dose inicial de 1,5mg/kg seguida de infusão contínua de 2mg/kg/h, o autor
encontrou concentrações inferiores a 4,6μg/mL após 24h de infusão desse fármaco41. Essa concentração no plasma esta relacionada à
ocorrência de sintomas leves e toleráveis (Tabela 1)16,30,37,38.
A dosagem plasmática da lidocaína, apesar de não ser imprescindível, proporciona mais segurança nos casos em que a infusão se
estender para o período pós-operatório40.
Lidocaína intravenosa no tratamento da dor pós-operatória
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):55-60
Tabela 3. Dose e tempo de infusão da lidocaína, sua relação com o consumo de opioide e intensidade da dor no pós-operatório
Autores
Tipos de estudos
Doses de lidocaína
Tempo de infusão
Consumo de opioide
Intensidade da dor
pós-operatória
Lauwick et al.11
ECR
Bolus 1,5mg/kg
Infusão 2mg/kg/h
Até o final da operação
Diminuiu no grupo da
lidocaína
Semelhante em repouso
nos dois grupos
Kaba et al.40
ERC
Bolus 1,5mg/kg
Infusão 2mg/kg /h
24h pós-operatórias
Diminui no grupo da Diminuiu ao movimento
lidocaína
no grupo da lidocaína
Kang et al.43
ERC
Bolus 1,5mg/kg
Infusão 1,5mg/kg/h
Até o final do fechamen- Igual nos dois grupos
to da pele
Em repouso semelhante
nos dois grupos
Grigoras et al.42
ERC
Bolus 1,5mg/kg
Infusão 1,5mg/kg/h
Até uma hora após o fe- Igual nos dois grupos
chamento da pele
Diminuiu em repouso na
4ªh
ECR: ensaio clínico randomizado.
CONCLUSÃO
O uso da lidocaína intravenosa com fins analgésicos no período perioperatório tem se mostrado promissor. Entretanto, se fazem necessários estudos placebo controlados objetivando avaliar a segurança
quanto ao seu uso, sua capacidade em promover alívio da DPO nas
dores somáticas e viscerais como também a sua capacidade em prevenir a dor crônica.
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ARTIGO DE REVISÃO
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):61-4
Complementary techniques to control cancer symptoms*
Técnicas complementares para controle de sintomas oncológicos
Aline Isabella Saraiva Costa1, Paula Elaine Diniz dos Reis2
*Recebido da Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil.
DOI 10.5935/1806-0013.20140014
ABSTRACT
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Complementary techniques have positive impact on decreasing patients’ stress and suffering, since their effects on the body decrease autonomic nervous system activity, responsible for the control of visceral and homeostatic
functions essential to life. This study aimed at identifying evidences
in the scientific literature with regard to the use of complementary
techniques to control cancer patients’ signs and symptoms.
CONTENTS: Literature was reviewed as from LILACS, CINAHL,
Cochrane and Medline databases using the descriptors terapia de
relaxamento and dor and cancer, Relaxation Therapy and Pain and
Cancer, in the period from 2002 to 2013. Eight randomized controlled clinical trials investigating the effects of complementary techniques to control anxiety, pain, fatigue and sleep in oncology were
identified. Complementary techniques were beneficial to decrease
pain intensity, to improve pain control perception and pain-related
fatigue, to decrease anxiety and to improve sleep quality, thus leading to physical improvement.
CONCLUSION: Studies have shown the effectiveness of the technique which, when adequately used, decreases perception of pain,
fatigue, sleep, dyspnea and anxiety, thus helping to improve quality
of life.
Keywords: Complementary therapies, Neoplasia, Pain, Signs and
symptoms.
sistema nervoso autônomo, responsável pelo controle das funções
viscerais e homeostáticas essenciais à vida. O objetivo deste estudo
foi identificar evidências na literatura científica relacionadas ao uso
de técnicas complementares para o controle de sinais e sintomas em
pacientes com câncer.
CONTEÚDO: A revisão de literatura foi realizada a partir das
bases de dados LILACS, CINAHL, Cochrane e Medline, usando
os descritores terapia de relaxamento and dor and câncer, Relaxation Therapy and Pain and Cancer no período de 2002 a 2013.
Identificou-se 8 ensaios clínicos controlados e aleatórios que investigaram o efeitos das técnicas complementares no controle de
ansiedade, dor, fadiga, sono, na oncologia. As técnicas complementares mostraram-se benéficas na redução da intensidade da
dor, percepção de controle sobre a dor, angústia relacionada à dor,
fadiga, redução da ansiedade, aumento da qualidade do sono e
consequente melhora física.
CONCLUSÃO: Os estudos demonstraram a eficácia da técnica
que, quando bem empregada, obtém diminuição da percepção da
dor, fadiga, sono, dispneia e ansiedade, corroborando assim para
uma melhora na qualidade de vida. A técnica de relaxamento apresenta como vantagens o baixo custo, dispensa de recursos tecnológicos, além da facilidade de ser aplicável por qualquer profissional da
área de saúde, desde que esteja habilitado.
Descritores: Dor, Neoplasias, Sinais e sintomas, Terapias complementares.
RESUMO
INTRODUÇÃO
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: As técnicas complementares
apresentam impacto positivo na redução do estresse e sofrimento do
paciente, visto que seus efeitos no organismo reduzem a atividade do
As terapias complementares têm se destacado entre as opções terapêuticas em centros de tratamento de câncer nos Estados Unidos.
Entre as razões para essa aceitação está o impacto positivo imediato
sobre o estresse e sofrimento do paciente, a relativa facilidade de
sua aplicação e a sensação de controle proporcionado. Vários procedimentos cognitivo-comportamentais têm sido usados no tratamento do câncer, mais especificamente sobre os efeitos adversos
intensos do tratamento, a saber: distração cognitivo/atencional,
hipnose/imagem guiada, dessensibilização sistemática, reestruturação cognitiva e treinos de relaxamento1. A terapia de relaxamento
consiste em uma técnica acessível que auxilia a obtenção do equilíbrio entre mente e corpo. Seus efeitos no organismo podem ser
facilmente compreendidos se for considerado que há redução na
atividade do sistema nervoso autônomo responsável pelo controle
das funções viscerais e homeostáticas essenciais à vida1. Apresenta como benefício a redução de sentimentos como angústia, dor,
tensões, ansiedade, frequência cardíaca, pressão arterial, além de
promover energia e sono.
1. Universidade de Brasília, Departamento de Enfermagem, Brasília, DF, Brasil.
2. Universidade de Brasília, Faculdade de Ciências da Saúde, Departamento de Enfermagem,
Brasília, DF, Brasil.
Apresentado em 08 de julho de 2013.
Aceito para publicação em 21 de janeiro de 2014.
Conflitos de interesses: não há.
Endereço para correspondência:
Aline Isabella Saraiva Costa
SQN 404, Bloco H, aptº 202 – Asa Norte
70845-080 Brasília, DF, Brasil.
E-mail: [email protected]
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor
61
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):61-4
Costa AI e Reis PE
A Resolução do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN-197/97) estabelece e reconhece as Terapias Complementares
como especialidade ou qualificação do profissional de Enfermagem, desde que o profissional tenha concluído e sido aprovado em
curso reconhecido por instituição de ensino ou entidade congênere, com carga horária mínima de 360 horas2. Ressalta-se que algumas práticas complementares mais simples são utilizadas como
tratamento não farmacológico, e são empregadas em consultas de
enfermagem e ensinadas ao paciente, contribuindo para o controle
da dor no paciente com câncer. Partindo desse pressuposto, o objetivo deste estudo foi identificar evidências na literatura científica
sobre o uso de técnicas complementares para controle de sinais e
sintomas em pacientes com câncer.
CONTEÚDO
Trata-se de revisão da literatura realizada a partir da busca de artigos
nas bases de dados LILACS, CINAHL, Cochrane e Medline, utilizando como descritores para base LILACS: terapia de relaxamento
and dor and câncer e, para base Medline, CINAHL e Cochrane, os
descritores: relaxation therapy and pain and cancer. Foram encontrados 266 artigos, porém após os critérios de seleção de estudos
randomizados, com técnicas complementares disponíveis nos idiomas português, inglês e espanhol, publicados entre 2003 e 2013,
restaram oito estudos para análise. Os artigos foram caracterizados
quanto aos instrumentos utilizados, características socioeconômicas,
clínicas e desfecho (Tabela 1).
Tabela 1. Características dos achados nos ensaios clínicos
Autores
McChargue
et al.3
Kwekkeboom
et al.4
Instrumentos utilizados/
Amostra
EHAD, SES e Karnofsky.
113 pessoas. Aleatório.
Características sociodemográficas
97% eram de cor branca;
63% ganhavam mais de
40.000 U$; 42,5% possuíam
ensino superior ou médio;
69,9% eram casados.
EAV, IBD, IBF, PSQI, ASI 67% feminino, 100% não
e Profile of Mood States - eram latinos ou hispânicos;
short form.
96% raça branca; 60% en78 participantes.
sino superior.
Características clínicas
Desfecho
50,4% das mulheres estavam
na menopausa e acima do
peso, Estadiamento:
I (29%), II (57%), III (14%).
Aderência à terapia de relaxamento (58-70%). Perturbação do sono,
dor e ansiedade diminuíram significativamente.
49% com câncer ginecológico; 70% tratamento quimioterápico, 98% tontura, 77% esquecimento, 72% xerostomia;
58% opioides, 74% esteroides, 86% antieméticos.
Fortecortin (MC=21, RPM=20),
39
Granisetron
(MC=21,
RPM=18), Aprepitant (MC=16,
RPM=14).
Terapia de comportamento foi utilizada, em média, 13,65 vezes. Verificou-se redução da dor, fadiga e
sono no grupo de intervenção.
Lee et al.5
SAI, percepção do tratamento de relaxamento,
Eletroencefalograma.
43 pacientes. Aleatório.
Idade entre 27 e 65 anos,
média de idade do grupo
controle (MC) 49,3 anos
e intervenção (RPM) 51,3
anos.
Demiralp,
Oflaz,
Komurcu6
Haase et al.7
PSQI, The Piper Fatigue
Scale.
27 indivíduos.
EAV
74 pacientes aleatórios.
Não há dados demográficos Não há dados clínicos no esno estudo.
tudo
EAVD, STAI, mensuração
de sinais vitais.
82 pacientes aleatórios.
Kwekkeboom, Imaging Ability Questionnaire, Wisconsin ExperiWanta e
ence Questionnaire,
Bumpus9
The Outcome Expectancy
Scale, The Edmonton
Symptom
Assessment
System.
40 pacientes
Kwekkeboom NRS, Percepção da terapia utilizada.
et al.10
26 pacientes. Aleatório.
Singh et al.8
Idade de 54-76 anos, 62% Estadiamento: I (35%),
eram mulheres.
(26%), III (30%).
68% possuíam estomas.
II
Idade em média 63 anos,
70% de homens nos grupos
de intervenção.
Idades (M±16,44). Maior
proporção de homens não
completou o estudo (34%).
Não houve detalhamento,
apenas classe de fármacos
utilizados.
Pacientes internados há pelos
menos dois dias com dor igual
ou maior que 2 nas últimas 24
horas.
Idade de 18 a 72 anos
(M=43, DP=16); 16 eram
mulheres, 62% brancas;
85% nível de instrução acima do ensino médio.
77% tinham doença hematológica maligna; 69% recebiam
quimioterapia ou radioterapia;
dor somática (69%);
69% usavam morfina, hidromorfina, fentanil ou metadona.
Ambos os grupos MC e RPM apresentaram melhora significativa em
sua saúde física e estado psicológico, como ansiedade.
Ouvir sons gravados MC e praticar
RPM é útil em pacientes oncológicos ginecológicos durante a quimioterapia.
O grupo de intervenção de RPM
apresentou aumento na qualidade
do sono, diminuição da fadiga.
79% reconheceram os benefícios
das intervenções. Porém, tanto a
imagem guiada como o relaxamento apresentaram respostas positivas, mas não mostraram relevância
clinica.
Música é mais eficaz na dispneia e
na ansiedade por ser de fácil realização.
As intervenções imagens, RPM e
analgésico podem ser benéficas no
tratamento da dor aguda ou episódica para alguns pacientes.
Houve mudança nos escores da
dor; intervenção eficaz influenciada pelo desenvolvimento ativo na
intervenção.
EAV: escala analógica visual; EAVD: escala analógica visual para dispneia; PSQI: Pittsburgh Sleep Quality Index; STAI: Speilberger’s state trait anxiety inventory;
EHAD: escala hospitalar de ansiedade de depressão; SES: Symptoms Experience Scale; IBD: inventário breve de dor; IBF: inventário breve de fadiga; ASI: Anderson
Symptom Inventory; NRS: numeric rating scale; SAI: State Anxiety Inventory; RPM: relaxamento progressivo muscular; MC: sons monocórdios.
62
Técnicas complementares para controle de sintomas oncológicos
DISCUSSÃO
O aumento da sobrevida das pessoas corrobora a procura de métodos não farmacológicos que propiciem uma melhora da qualidade de vida de pacientes oncológicos. Os estudos envolvem técnicas
comportamentais com a finalidade de alívio de sinais e sintomas,
entre eles sono, dor, fadiga, dispneia, ansiedade e outros. A seguir,
serão descritas algumas características de cada estudo.
Em um ensaio clínico3 com o objetivo de estabelecer as taxas de
adesão a uma terapia comportamental do sono e identificar sintomas psicológicos e físicos em mulheres submetidas a ciclos de quimioterapia para câncer de mama, os autores utilizaram como intervenção: controle de estímulos, restrição de sono modificada, terapia
de relaxamento e conceito de higiene do sono. Foram empregados
diversos instrumentos de mensuração, os quais permitiram observar
que a taxa de adesão total ao plano de terapia de comportamento foi
de 51-52% em todos os quatro tratamentos. Perturbação do sono,
dor e ansiedade diminuíram significativamente com o emprego das
técnicas durante a quimioterapia; 58 a 70% dos pacientes demonstraram maior aderência à terapia de relaxamento. Porém, houve redução do número de participantes ao longo da pesquisa, o que pode
ter causado viés.
Em ensaio clínico4 duplo com o objetivo de avaliar eficácia inicial
da intervenção cognitivo-comportamental (CC) para dor, fadiga e
sono, os autores disponibilizaram informações sobre: 1) causas da
dor, fadiga e distúrbios do sono durante o tratamento por razão de
câncer, 2) efeitos esperados da terapia comportamental sobre os sintomas, 3) visão geral das 12 estratégias de terapia de comportamento oferecidas para o estudo, e 4) recomendações individuais sobre a
prática de intervenção CC. Foi observado que no grupo de intervenção houve diferença significativa na diminuição da dor e fadiga.
Os autores sugeriram que a terapia cognitiva comportamental talvez
não seja tão eficaz para distúrbios do sono quanto para dor e fadiga.
Porém, houve diferença na redução do distúrbio do sono em pacientes do grupo experimental em relação ao grupo controle.
Outra estratégia encontrada foi o uso de sons monocórdios (MC)5
cujos autores investigaram a partir de perspectivas tanto subjetivas
quanto neurobiológicas, a extensão dos efeitos terapêuticos dos MC
em pacientes com câncer de mama ou ginecológico submetidos
à quimioterapia e compararam com os efeitos obtidos com o relaxamento progressivo muscular (RPM). Os pacientes em ambos
os grupos apresentaram melhora significativa em sua saúde física e
mental. Os dados de eletroencefalograma mostraram que o MC e os
grupos RPM foram associados com aumento de teta posterior (3,57,5 Hz) e uma diminuição de midfrontal beta-2 banda de atividade
(20-29,5 Hz) durante a fase final do tratamento de relaxamento.
Além disso, o grupo MC foi associado com diminuição da banda
alfa (8-12 Hz) atividade em comparação com o grupo de RPM. Este
estudo mostrou que tanto ouvir sons gravados MC e praticar RPM
apresentam efeito positivo de relaxamento, reduzindo a ansiedade e
promovendo o bem-estar. Os autores instigam outros pesquisadores
a continuar o estudo de MC aplicados à oncologia com intuito da
melhora do paciente fisicamente e psicologicamente, não apenas no
contexto clínico como em home care.
Outro estudo6 que avaliou o sono utilizou o RPM para promover melhoras na qualidade do sono e no nível de fadiga dos
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):61-4
pacientes com câncer de mama. Os dados foram coletados em
quatro momentos e cada sessão durou aproximadamente 25-30
minutos. Os resultados apontaram que o treinamento de RPM
melhorou a qualidade do sono e fadiga em pacientes com câncer
de mama em tratamento quimioterápico adjuvante. Os autores
marcaram um possível viés de seleção devido à pequena amostra.
Além disso, salientaram a importância de começar o treino de
relaxamento antes da quimioterapia com a finalidade diminuir a
frequência e a gravidade dos problemas de sono e fadiga durante
a quimioterapia.
Outra técnica utilizada foi imaginação guiada7, na qual os autores
fizeram uso de fitas contendo instruções para sua execução com o
objetivo de investigar as possíveis diferenças existentes entre imagem
guiada e RPM em pacientes idosos em pós-operatório de câncer de
cólon. O paciente recebia uma fita contendo 12 minutos de instruções para imagem guiada ou RPM, sendo essas fitas desenvolvidas e
gravadas por um especialista. Nenhuma das fitas continha referências religiosas ou espirituais. Os pacientes foram randomizados para
três grupos: imagem guiada, RPM e controle. Na fita da imagem
guiada era solicitado aos pacientes para ficarem calmos e procurar
seu eu interior. Pacientes eram induzidos a uma viagem imaginária
para um lugar especial onde eles poderiam se sentir seguros, confortáveis e amparados, sendo encorajados a lutar e a trabalhar com sentimentos de ansiedade e estresse. Na fita de RPM, os pacientes eram
orientados a imaginar a contração e o relaxamento dos músculos.
Para aumentar essa sensação foram instruídos a respirar e sentir calor
e peso nos lugares que quisessem. Todas as fitas continham as mesmas músicas e não apresentavam mensagens hipnóticas, segundo os
autores. Os pacientes do grupo controle não receberam nenhuma
intervenção psicológica. No desfecho do estudo, foi concluído que
tanto a imagem guiada como o relaxamento apresentavam resposta
positiva, mas não mostraram relevância clinica sobre o curso fisiológico pós-operatório de pacientes idosos submetidos à ressecção convencional de câncer colorretal.
Ainda valendo-se do emprego da técnica de RPM, um ensaio clínico8 comparou a sua eficácia com musicoterapia em pacientes com
doença pulmonar obstrutiva crônica após episódio agudo. Os pacientes podiam escolher a trilha sonora e ouviam através de fones de
ouvido. Os participantes receberam instruções para sentarem confortavelmente em cadeiras e concentrar-se na música com os olhos
fechados durante 30 minutos, duas vezes ao dia (manhã e tarde). Na
técnica RPM, os pacientes sentavam em cadeiras igualmente confortáveis e ouviam instruções por meio de uma fita gravada sobre
a técnica de relaxamento muscular de acordo com o procedimento recomendado por Bernstein e Borkovec para liberar a tensão em
16 grandes grupos musculares. No desfecho do estudo, os autores
apontaram a música como mais eficaz na dispneia e na ansiedade
em comparação com relaxamento muscular. Uma das hipóteses
apontadas é que a música é de fácil realização, ou seja, seria apenas
necessário ouvir, diferente da técnica de relaxamento que carece de
ouvir/realizar as instruções da fita.
Em outro estudo complementar, os mesmos autores9 objetivaram
examinar a variação nos resultados alcançados com RPM e imagem
guiada entre os pacientes internados com dor oncológica, além de
avaliar a influência de quatro variáveis individuais (capacidade cognitiva, expectativa de resultado, experiência anterior e sintomas si-
63
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):61-4
Costa AI e Reis PE
multâneos) no alívio da dor obtida com cada intervenção. Na comparação de médias entre tratamento e condições de controle, tanto
RPM quanto a imagem produziram grandes melhorias na intensidade da dor, angústia relacionada à dor e percepção de controle sobre a
dor. No entanto, a análise de resposta individual revelou que apenas
metade dos participantes conseguiu melhora clinicamente significativa na dor com a intervenção. Pacientes que obtiveram melhora
significativa da dor com imagens relataram maior capacidade de
imaginação. Os autores enfatizaram a necessidade de continuar os
estudos para identificar os fatores que moderam os efeitos da terapia
cognitivo-comportamental em relação à dor e de como lidar com estratégias para que os clínicos possam identificar os tratamentos mais
benéficos para os pacientes.
Além do emprego correto das técnicas complementares, há necessidade do comprometimento da pessoa que faz uso da mesma com o
propósito de validar se a técnica irá alcançar os resultados esperados.
Sendo assim, os autores10 compararam a percepção dos pacientes,
perguntando a eles sobre quais fatores poderiam influenciar na eficácia das intervenções da imaginação guiada e RPM. Os pacientes
utilizaram imagem guiada e RPM por 10-15 minutos. As entrevistas realizadas mostraram que a percepção dos participantes sobre os
efeitos do tratamento trouxeram mudanças nos escores de dor. Dos
entrevistados, 81% relataram que a intervenção RPM aliviava a dor.
No geral, a percepção da eficácia do RPM obteve mudanças observadas na dor em 14 casos (54%) e 16 participantes (62%) informaram que a imaginação guiada aliviou a dor sendo comprovado com
a diminuição dos escores álgicos. A maioria dos participantes relatou
que se ambas as estratégias cognitivo-comportamentais tivessem durado mais, teria sido mais proveitoso.
Esta revisão evidencia os efeitos benéficos das terapias complementares, existindo a necessidade da realização de mais ensaios clínicos
controlados e aleatórios sobre controle de sinais e sintomas em oncologia. Os sintomas no câncer avançado é um tema que instiga
muitos profissionais, o que estimula a buscar novas respostas para
avaliação e controle. Sendo assim, o profissional de saúde deve exercer seu papel no controle da dor, sono, fadiga, ansiedade para avaliar,
intervir e monitorar. Considerar esse conjunto de fatores que interagem nos processos da dor crônica no paciente oncológico é um
passo importante no cuidado com o paciente com câncer11.
64
CONCLUSÃO
As evidências científicas demonstram o benefício do uso de tratamento não farmacológico no controle de sinais e sintomas na oncologia. A terapia comportamental mostrou-se eficaz na redução
da intensidade da dor, percepção de controle sobre a dor, angústia relacionada à dor, fadiga, redução da ansiedade, aumento da
qualidade do sono e consequente melhora física. O profissional
pode fazer uso dessas técnicas no seu dia a dia em consultório,
hospitais e home care. Além disso, apresenta como vantagens o
baixo custo, uso desnecessário de recursos tecnológicos e a facilidade de ser aplicável por qualquer profissional da área de saúde
desde que esteja habilitado.
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Lopes RF, Santos MR, Lopes EJ. Efeitos do relaxamento sobre a ansiedade e desesperança em mulheres com câncer. Rev Bras Ter Comp Cogn. 2008;10(1):39-49.
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Rev Dor. 2012;12(1):45-9.
ARTIGO DE REVISÃO
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):65-9
Recommendations for the use of opioids in Brazil: Part II. Use in children
and the elderly*
Recomendações para uso de opioides no Brasil: Parte II. Uso em crianças e idosos
Durval Campos Kraychete1, José Tadeu Tesseroli de Siqueira2, João Batista Santos Garcia3 e Grupo de Especialistas
*Recebido da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor, São Paulo, SP, Brasil.
DOI 10.5935/1806-0013.20140015
ABSTRACT
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Pain management in age
extremes and in children still requires attention and paradigms review. There are several diseases or procedures inducing pain from
the neonatal period to adolescence. In the elderly, there is higher
prevalence of degenerative diseases which induce acute and chronic
pain. This study aimed at discussing recommendations for the use of
opioid in neonates, children and the elderly.
CONTENTS: This review has addressed the use of opioids in the
neonatal period, in older children and in the elderly, their indications, drugs used, doses, risks, complications and recommendations.
CONCLUSION: The use of opioids in age extremes is still a challenge. However, ongoing education about the subject is needed,
encouraging clinical trials and the development of evidence-based
recommendations. The safe use of such agents in correct indication
and proportion for pain relief decreases risks and should be the basis
for good clinical practice.
Keywords: Children, Elderly, Opioids.
RESUMO
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O tratamento da dor nos extremos de idade e na criança ainda exige atenção e revisão de paradigmas. Inúmeras são as doenças ou procedimentos que provocam dor
desde o período neonatal até a adolescência. Nos idosos, há maior
prevalência de doenças degenerativas que cursam com dor aguda e
crônica. O objetivo deste estudo foi discutir recomendações para o
emprego de opioides no neonato, na criança e no idoso.
CONTEÚDO: Nesta revisão foi abordado o emprego de opioides
no período neonatal, em crianças maiores e nos idosos, suas indicações, fármacos usados, doses, riscos, complicações e recomendações.
CONCLUSÃO: O emprego de opioides em extremos de idade ainda é um desafio. No entanto, é necessária a educação continuada
1. Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil.
2. Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
3. Universidade Federal do Maranhão, São Luis, MA, Brasil
Endereço para correspondência:
Durval Campos Kraychete
Rua Rio de São Pedro, 327/401 – Bairro Graça
40150-350 Salvador, BA, Brasil.
E-mail: [email protected]
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor
em torno do tema, estimulando a pesquisa clínica e a construção de
recomendações baseadas em evidências. O uso seguro desses agentes
na indicação e proporção corretas para o alívio da dor diminui riscos
e deve ser a base da boa conduta clínica.
Descritores: Criança, Idoso, Opioides.
Introdução
O emprego de opioide de maneira correta e monitorada ainda é um
desafio ao profissional de saúde. Desse modo, por iniciativa de um
grupo de especialistas, com a validação institucional da Sociedade
Brasileira para o Estudo da Dor (SBED), optou-se por publicação que tem como principal proposta apresentar recomendações que
orientem os profissionais da saúde para o uso de opioides no controle da dor crônica e aguda. Continuando o trabalho, serão discutidos
neste estudo o emprego de opioides no período neonatal, em crianças
maiores e nos idosos, suas indicações, fármacos usados, doses, riscos e
complicações. As recomendações apresentadas nesta e em futuras publicações de maneira sequenciada têm como proposta iniciar a composição de um guia prático para o tratamento adequado dos pacientes,
divulgar as recomendações disponíveis em relação ao uso de opioides
em diversas situações clínicas, estimular a pesquisa relacionada à segurança e à sua efetividade, bem como desmitificar a associação inadequada entre adição/dependência e o uso de opioides.
O uso de opioides em crianças
A despeito do que se acreditava até a década de 1980, os pacientes
pediátricos de todas as faixas etárias, mesmo nos graus extremos da
prematuridade, são capazes de sentir dor1,2. Desse modo, a analgesia inadequada pode provocar consequências imediatas ou em
longo prazo3-5. Apesar desse conhecimento, quase 80% das crianças internadas em unidades neonatais de terapia intensiva ainda são
subtratadas6. Isso pode estar relacionado à falta de conhecimento
da anatomia e da fisiologia da transmissão dolorosa, das escalas de
avaliação da dor, da farmacocinética e farmacodinâmica dos analgésicos, além da insegurança para administrar fármacos na população
neonatal por conta de medo de efeitos adversos7. Também, a maioria
das crianças com doença oncológica avançada sente dor até os últimos dias de vida, enfatizando a necessidade da abordagem correta
do sintoma em pediatria8-13. Assim, é importante modificar a ideia
de que os opioides provocam efeitos adversos intoleráveis e de difícil
manuseio clínico; ou que podem encurtar a expectativa de vida das
crianças ou estar relacionados com alto potencial para abuso8,10,14-17.
65
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):65-9
Kraychete DC, Siqueira JT, Garcia JB e Grupo de Especialistas
OPIOIDES NO RECÉM-NASCIDO
As modernas unidades de terapia intensiva neonatais têm utilizado
opioides tanto para o alívio da dor aguda decorrente de procedimentos (injeções, intubação etc.) como para a dor crônica (enterocolite
necrotizante)18.
Morfina
A morfina é o fármaco mais utilizado em pacientes de todas as idades, incluindo os neonatos em ventilação mecânica (VM)19. A morfina é metabolizada no fígado em morfina-3-glicuronide (inativa) e
morfina-6-glicuronide (ativa), ambas excretadas pelos rins. Em geral,
a meia vida de eliminação é mais longa e a depuração plasmática está
diminuída em recém-nascidos, sendo mais pronunciadas nos prematuros. A ligação da morfina às proteínas também está reduzida,
permitindo uma maior proporção da fração livre do fármaco para
penetrar no cérebro, aumentando o risco de depressão respiratória.
Por outro lado, os valores da meia vida de eliminação e a depuração
plasmática igualam-se aos do adulto aos dois meses de idade, portanto, é necessária uma cuidadosa titulação do agente para obter níveis
desejáveis de analgesia sem efeitos adversos20. Os recém-nascidos
prematuros produzem mais metabólitos (morfina-3-glicuronide)
do que crianças maiores e por se tratar de metabólito antagonista,
podem desenvolver tolerância, três a quatro dias após o início do tratamento21. Também, é importante salientar que neonatos com idade
gestacional inferior a 26 semanas, com longos períodos de jejum ou
instabilidade hemodinâmica que necessitam assistência ventilatória
prolongada apresentam risco de apresentar hipotensão arterial com
o emprego de morfina22-25.
Fentanil
O fentanil é um opioide 50 a 100 vezes mais potente do que a morfina, altamente lipofílico, resultando em significante penetração no
sistema nervoso central. Devido à sua potência, à possibilidade de
não alterar a estabilidade hemodinâmica e à rápida duração de ação,
tem sido bastante utilizado nas unidades de terapia intensiva, para
procedimentos dolorosos, tanto em infusão contínua como em dose
única. Lembrar que após cinco ou mais dias de infusão contínua
com fentanil, pode ocorrer tolerância ou síndrome de abstinência.
Os neonatos, por possuírem níveis reduzidos da α-1 glicoproteína
ácida, proteína a que normalmente o opioide se liga, apresentam
maior fração livre de fentanil no plasma7,20. Estudos em neonatos
que utilizaram fentanil por via venosa durante a VM constataram redução dos escores de dor, do estresse e da frequência cardíaca, quando comparado ao placebo, além do aumento dos níveis do hormônio de crescimento26. A analgesia foi semelhante à morfina, porém
com menos efeitos adversos27. Houve, entretanto, maior necessidade
de aumentar as taxas de ventilação e de pico de pressão inspiratória
nas primeiras 24 horas28.
A CRIANÇA MAIOR E O USO DE OPIOIDES: INDICAÇÕES
Dor pós-operatória
Morfina: está indicada na dor moderada a intensa que não responde aos analgésicos comuns, opioides fracos ou bloqueios regionais.
66
Pode ser administrada por diferentes vias e técnicas como: venosa ou
subcutânea em dose de ataque (50-100µg.kg-1); em infusão contínua (15-30µg.kg-1); na analgesia controlada pelo paciente, com ou
sem infusão basal (20µg.kg-1 de demanda e 0-20µg.kg-1.h-1 de infusão basal) no neuroeixo (30-50µg.kg-1 no espaço peridural ou em
infusão continua associada ao anestésico local)20,29.
Fentanil: pode ser utilizado por via nasal (2µg.kg-1), peridural (12µg.kg1),em infusão venosa contínua (0,5µg.kg-1.h-1) e em dose de
ataque (0,5-1µg.kg-1)20.
Tramadol e codeína: opioides fracos com grandes variabilidades
farmacogenéticas em relação à metabolização e igual ou superior incidência de náuseas e vômitos em relação aos opioides fortes20.
Metadona e nalbufina na analgesia pós-operatória: pouca evidência de uso nas crianças20.
Dor persistente
A Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou recentemente
que a escada analgésica de três degraus deve ser abandonada em favor da de dois degraus, dando preferência a pequenas doses de opioides fortes ao invés da utilização de opioides fracos como codeína e
tramadol, no caso dos analgésicos não opioides serem insuficientes
para o alívio da dor. Isso pelo fato de a codeína apresentar problemas
de segurança e de eficácia relacionados à variabilidade genética na
biotransformação. A codeína é um pró-fármaco que é convertido no
seu metabólito ativo morfina pela enzima CYP2D6. A eficácia de
um pró-fármaco depende da quantidade do metabólito ativo formado. Expressões variáveis das enzimas envolvidas na biotransformação
dos pró-fármacos podem levar a diferenças nas taxas de conversão e
da concentração plasmática do metabólito ativo de forma inter-individual e inter-étnica. No feto, a atividade da CYP2D6 está ausente
ou é menos do que 1% dos valores de adultos, aumentando com o
nascimento. As estimativas mostram que o valor da conversão não é
25% dos valores de adultos em crianças menores de cinco anos. Desse modo, o efeito analgésico é baixo ou ausente em recém-nascidos
e nas crianças pequenas. A porcentagem de metabolizadores fracos
pode variar segundo os grupos étnicos de 1 a 30%, resultando em
ineficácia em grande número de pacientes, incluindo crianças. Inversamente, indivíduos que metabolizam a codeína rapidamente e
em alta proporção estão em risco para a toxicidade do opioide, dada
a conversão elevada e descontrolada de codeína em morfina. Faltam
dados sobre os outros opioides de potência intermediária para uso
em pediatria.
O tramadol é um outro analgésico opioide com efeitos favoráveis
para o controle da dor moderada. Não existe atualmente qualquer
evidência disponível para a sua eficácia e a segurança para as crianças.
O tramadol não está licenciado para uso pediátrico em vários países.
Mais pesquisas sobre tramadol e outros opioides de potência intermediária são necessárias. Se a intensidade da dor associada a uma
afecção é avaliada como moderada ou intensa, a administração de
um opioide forte é necessária.
Os riscos de usar um analgésico opioide forte e efetivo superam
a incerteza associada com a resposta à codeína e ao tramadol em
crianças. Se houver, entretanto, novos estudos utilizando o tramadol, codeína ou um opioide alternativo de potência intermediária,
essa avaliação risco-benefício pode ser reconsiderada. Lembrar que
a morfina é recomendada como fármaco de primeira linha para o
Recomendações para uso de opioides no Brasil:
Parte II. Uso em crianças e idosos
tratamento de dor moderada a intensa em crianças com dor persistente. A seleção de alternativas de analgésicos opioides à morfina
deve ser guiada por considerações de segurança, disponibilidade,
custo e conveniência, incluindo fatores relacionados ao paciente. A
morfina é relativamente de baixo custo e com disponibilidade de
mais de uma formulação. Há, no entanto, a necessidade de realizar
ensaios clínicos que comparem os diversos opioides em termos de
eficácia, de efeitos adversos e de viabilidade para crianças com dor
persistente. O desenvolvimento de formulações mais seguras com
doses apropriadas para essas faixas etárias muito jovens deve se tornar uma alta prioridade. As doses de opioides por diversas vias estão
disponíveis na tabela 1.
Tabela 1. Doses de opioides por diferentes vias de acordo com a
faixa etária
A. Doses iniciais para neonatos virgens de opioides:
• Morfina por via venosa e subcutânea (25-50µg.kg-1 cada 6 h);
• Morfina em infusão contínua (25-50µg.kg-1 inicialmente, seguida
de 5-10µg.kg-1.h-1);
• Fentanil (bolus de 1-2µg.kg-1 cada 2 a 4h; infusão contínua de 0,51µg.kg-1.h-1 precedida de bolus inicial de 1-2µg.kg-1).
B. Doses iniciais para crianças de um mês a um ano virgens de
opioides:
• Morfina oral liberação imediata (80-200µg.kg-1 cada 4h);
• Morfina por via venosa: 1-6 meses (10µg.kg-1 cada 6h);
• Morfina por via venosa: 6 a 12 meses (100µg.kg-1 cada 4h, com
máximo de 2,5mg por dose);
• Morfina por infusão venosa contínua: 1 a 6 meses (50µg.kg-1, inicialmente seguidos de 10-30 µg.kg-1.h-1 );
• Morfina infusão intravenosa contínua: 6 a 12 meses (100-200µg.
kg -1 inicialmente seguido de 20-30µg.kg-1.h-1);
• Morfina por infusão subcutânea contínua: 1 a 3 meses (10µg.
kg-1.h-1);
• Morfina por infusão subcutânea contínua: 3 a 12 meses (20µg.
kg-1.h-1);
• Fentanil (1-2µg.kg-1 cada 2 a 4h ou infusão contínua de 0,5-1µg.
kg-1.h-1 precedidos de dose inicial por via venosa de 1 a 2µg.kg-1).
C. Doses iniciais para crianças de 1 a 12 anos virgens de opioides:
• Morfina de liberação imediata: 1-2 anos (200-400µg.kg-1 cada 4h);
• Morfina de liberação imediata: 2-12 anos (200-500µg.kg-1.h-1
cada 4h, com máximo de 5mg);
• Morfina de liberação programada (200-800µg.kg-1 cada 12h);
• Morfina por via venosa e subcutânea: 1-2 anos (100µg.kg-1 cada 4h);
• Morfina por via venosa ou subcutânea: 2-12 anos (100-200µg.kg-1
cada 4h, com máximo de 2,5mg);
• Morfina em infusão venosa contínua (100-200µg.kg-1, inicialmente, seguidos de 20-30µg.kg-1.h-1);
• Morfina em infusão subcutânea contínua (20µg.kg-1.h-1);
• Fentanil por via venosa (1-2µg.kg-1 cada 30-60 minutos ou dose
inicial de 1-2µg.kg-1 seguida de infusão contínua de 1µg.kg-1.h-1);
• Metadona por via oral, venosa ou subcutânea: (100-200µg.kg-1
cada 4h nas primeiras 2 a 3 doses e após, cada 6 a 12h, com máximo de 5mg por dose);
• Oxicodona liberação prolongada (5mg cada 12h).
Os comprimidos de liberação imediata ou soluções por via oral
podem ser utilizados para titulação de dosagens de morfina para a
criança. São também indispensáveis ​​para o tratamento da dor episódica ou no avanço da doença. A disponibilidade de formulações
de liberação imediata tem prioridade sobre formulações de liberação cronogramada de morfina. Lembrar que a solução de morfina
oral é sempre uma alternativa quando uma criança não é capaz de
engolir comprimidos. Por outro lado, os comprimidos de liberação
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):65-9
cronogramada devem ser utilizados para melhorar a adesão ao tratamento e facilitar a administração em intervalos prolongados. Na
presença de efeito analgésico inadequado com efeitos adversos intolerantes recomenda-se fortemente a troca de opioide e ou da via de
administração. A titulação ideal de um opioide em uma criança é
fundamental antes de considerar a mudança para outro opioide. A
troca deve ser considerada apenas quando o fármaco administrado
foi devidamente titulado, mas a resposta analgésica foi inadequada e
os efeitos adversos vivenciados pela criança, intoleráveis. A segurança
enquanto ocorre a troca dos opioides deve ser sempre avaliada, considerando o risco de sobredose. Formulações de fentanil, metadona
e oxicodona são consideradas alternativas à morfina para troca em
crianças com dor persistente. Atenção à idade e às tabelas de conversão de dose de opioides diferentes, que normalmente são empíricas.
Outros fatores a serem considerados na titulação e rotação do opioide são: biodisponibilidade da formulação; interações com outros
fármacos; depuração renal e hepática. A escolha de vias alternativas
de administração, quando a via oral não está disponível, deve ser
baseada em julgamento clínico, na disponibilidade, na viabilidade e
na preferência do paciente. Os estudos disponíveis em dor aguda ou
pós-operatório não fornecem evidências conclusivas para orientar as
recomendações por outras vias. Para dor crônica existe a possibilidade de uso transdérmico e em casos especiais de administração no
neuroeixo. A via intramuscular de administração de opioides deve
sempre ser evitada em criança, por conta da dor que provoca. Há
evidência insuficiente para recomendar um opioide particular ou
uma via de administração para tratar dor tipo espontânea ou incidental. É necessário fazer uma escolha apropriada da modalidade de
tratamento baseada no julgamento clínico, disponibilidade, considerações farmacológicas e fatores relacionados ao paciente30.
USO DE OPIOIDES EM IDOSOS
Os idosos têm menor probabilidade do que os mais jovens para reclamar ou aceitar a prescrição dos opioides por temerem o efeito de
adição; associarem opioides (particularmente morfina) com doenças
graves ou terminais, e acreditarem que, reclamando de dor, possam
necessitar de investigação diagnóstica ou internação31. Também, alguns médicos são relutantes em prescrever opioides para essa faixa
etária. Foi descrito, no entanto, que o idoso apresenta intensidade da
dor comparável à de um jovem, e que a dose de morfina necessária
para reduzir a escala analógica visual (EAV) para um nível menor
que 4 não é afetada significantemente pela idade32. Os opioides são
geralmente seguros para o idoso quando titulados cuidadosamente.
Também, são fármacos que provocam menor toxicidade orgânica
do que os anti-inflamatórios, e em trabalhos que utilizaram dose
única de opioide houve menor prejuízo cognitivo do que quando foi
usado benzodiazepínico33. Nas clínicas de tratamento de pacientes
idosos com quadros bem definidos de dor crônica ocorrem taxas
muito baixas de abuso e de adição ao opioide34,35.
Riscos do uso de opioides no idoso
Sobredose: vários fatores farmacocinéticos podem determinar que
os idosos apresentem um risco maior de sobredose pelo uso de opioides quando comparados aos pacientes mais jovens. Isso está relacionado à menor ligação à proteína plasmática, ao menor volume
67
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):65-9
Kraychete DC, Siqueira JT, Garcia JB e Grupo de Especialistas
de ejeção ventricular (diminui o metabolismo hepático) e à maior
sensibilidade aos efeitos psicoativos e respiratórios causados pelos
opioides36,37.
Sedação excessiva: há alta prevalência de pacientes idosos usando
opioides associados aos benzodiazepínicos e outros fármacos psicotrópicos38, aumentando o risco de sedação.
Recomendações para uso de opioides em idosos39,40:
• Evitar o emprego de opioides em pacientes com déficit cognitivo
ou os que vivem sozinhos, a menos que exista supervisão para uso
adequado do fármaco;
• Iniciar com a dose baixa (de até 50% da dose inicial sugerida para
adultos), a titulação lenta e os intervalos entre doses mais espaçados.
O monitoramento deve ser frequente, e o uso de benzodiazepínico restrito. Isso para reduzir o risco de quedas e comprometimento
cognitivo;
• Utilizar preferencialmente fármacos de liberação controlada (CR).
No entanto, o uso de fármacos de liberação imediata pode ser empregado no controle da dor aguda ou como fármaco de resgate;
• Considerar três dias para avaliar a tolerância ao opioide;
• Monitorar a função renal periodicamente ou as alterações clínicas;
• Reconhecer os sinais de sobredose, como por exemplo, fala arrastada, labilidade emocional, ataxia e sonolência durante a conversa
ou atividade;
• Tratar constipação profilaticamente ao usar qualquer opioide no
idoso;
• Lembrar que tramadol deve ser iniciado com precaução nos pacientes que utilizam outros psicotrópicos, pelo maior potencial de
causar tontura ou crise serotoninérgica. O tramadol está contraindicado nos pacientes com epilepsia e promove menor constipação
que a codeína.
CONCLUSÃO
O emprego de opioides em extremos de idade ainda é um desafio.
No entanto, é necessária a educação continuada em torno do tema,
estimulando a pesquisa clínica e a construção de recomendações baseadas em evidências. Desse modo, o uso seguro desses agentes na
indicação e proporção correta para o alívio da dor, diminui riscos e
deve ser a base da boa conduta clínica. Essa medida seguramente
reduzirá a morbidade a curto e longo prazo e promoverá o bem-estar
do paciente.
Autores do grupo de Especialistas:
Alexandre Annes Henriques
Anderson Arantes Silvestrini
Ângela Maria Sousa
Ariel de Freitas Q. Américo
Cláudio Fernandes Corrêa
Daniel Ciampi Andrade
Eduardo Grossmann
Erich Talamoni Fonoff
Gualter Lisboa Ramalho
Guilherme A. M. de Barros
Grace Haber
Inês T. V. e Melo
68
Irimar De Paula Posso
Janaina Vall
João Marcos Rizzo
João Valverde Filho
José Oswaldo de Oliveira Júnior
Judymara Lauzi Gozzani
Karine A. S. Leão Ferreira
Lia Rachel C. do Amaral Pelloso
Lin Tchia Yeng
Manoel Jacobsen Teixeira
Mario Luiz Giublin
Maria Teresa R. Jalbut Jacob
Miriam Seligman Menezes
Mirlane Guimarães Cardoso
Newton Monteiro de Barros
Onofre Alves Neto
Patrick Raymond Stump
Rioko Kimiko Sakata
Roberto T. de Castro Bettega
Rogério Teixeira
Sandra Caires Serrano
Sílvia Maria de Macedo Barbosa
Telma M. Zakka
Theodora Karnakis
Toshio Chiba
Waleska Sampaio
William Gêmio Teixeira
William Jacobsen Teixeira
AGRADECIMENTOS
Esta recomendação foi realizada pela Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor com o apoio da Janssen do Brasil.
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69
RELATO DE CASO
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):70-3
Laser acupuncture to manage pain in child with sickle cell disease. Case
report*
Acupuntura a laser no tratamento da dor em criança com anemia falciforme. Relato de caso
Carla Verônica Paixão Marques1
*Recebido da Clínica e Dor e Acupuntura, Salvador, BA, Brasil.
• Estudo conduzido como trabalho de conclusão de curso para obtenção do título de especialista em Acupuntura pelo Instituto Superior
de Ciências da Saúde, Salvador, BA, Brasil.
DOI 10.5935/1806-0013.20140016
ABSTRACT
RESUMO
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Sickle cell disease is the
most frequent hereditary disease in Brazil, being considered a
public health problem. It causes repetitive exposure to pain, which in childhood leads to permanent or long-term changes in the
central nervous system and may lead to death. Management with
drugs poses risks especially in terms of adverse effects. Natural,
noninvasive methods, such as laser acupuncture, may be effective, cheap and useful to treat children affected by this disease, as
well as they may decrease public expenses. This study aimed at
showing the use of laser acupuncture for pain management in
a child with sickle cell disease, thus decreasing drug ingestion.
CASE REPORT: Six years old child diagnosed with sickle cell
disease having pain status evaluated by the Wong Baker scale for
2 weeks. In the first week the child was treated only with analgesics, if needed, and in the second week the child was submitted
to daily laser acupuncture sessions, without receiving analgesics.
CONCLUSION: Initial symptoms were significantly decreased
with laser acupuncture and we decided to continue with the treated designed to further improve the balance obtained. Also, this
study shows that laser acupuncture may considerably decrease
the use of analgesics and, as a consequence, with potential to
decrease their adverse effects.
Keywords: Acupuncture, Children, Laser, Sickle cell disease.
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A doença falciforme é a entidade hereditária mais frequente no Brasil, sendo considerada um
problema de saúde pública. Provoca exposição repetitiva à dor, que
na infância provoca alterações permanentes ou de longa duração no
sistema nervoso central, assim como pode levar a óbito. O tratamento por meio de fármacos acarreta riscos quando são referidos os
efeitos adversos. O uso de métodos naturais, não invasivos, como a
acupuntura com laser pode ser eficaz, econômico e útil no tratamento das crianças acometidas por essa doença. A certeza da sua eficácia
pode reduzir não só a ingesta farmacológica pelas crianças, como
também reduzir gastos públicos. O objetivo deste estudo foi mostrar
a utilização da acupuntura a laser no tratamento da dor em uma
criança com anemia falciforme diminuindo a ingestão de fármacos.
RELATO DO CASO: Criança com 6 anos de idade, com diagnóstico da doença falciforme, tendo seu estado de dor avaliado através da
escala Wong Baker por 2 semanas, sendo na primeira apenas tratada
com analgésicos, se necessário, e na segunda semana sendo submetida
diariamente à acupuntura laser, sem a ingestão de analgésicos.
CONCLUSÃO: Observou-se redução significativa dos sintomas
iniciais com o uso da acupuntura a laser, decidindo-se pela continuação do tratamento elaborado para melhorar ainda mais o equilíbrio
obtido. Ainda, este estudo mostra que a acupuntura a laser pode
reduzir consideravelmente o uso de fármaco analgésico, consequentemente com o potencial de reduzir os seus efeitos adversos.
Descritores: Acupuntura, Anemia falciforme, Crianças, Laser.
INTRODUÇÃO
1. Instituto Superior de Ciências da Saúde, Salvador, BA, Brasil.
Apresentado em 19 de agosto de 2013.
Aceito para publicação em 10 de janeiro de 2014.
Conflito de interesses: não há.
Endereço para correspondência:
Carla Verônica Paixão Marques
Cond. Dom Gerônimo Bl 213/102 - Cabula 5
41150-320 Salvador, BA, Brasil.
E-mail: [email protected]
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor
70
Os primeiros casos da doença falciforme (DF) em crianças foram
descritos por Sydenstricker et al. em 1923, que reconheceram a associação com fenômeno hemolítico e introduziram o termo “crise”
para os episódios agudos de dor. Ocorre precocemente, desde poucos meses de vida, atingindo pequenos ossos das mãos e dos pés
(síndrome mão-pé); essa é, tipicamente, a primeira manifestação
dolorosa da doença1.
Os glóbulos vermelhos em forma de foice não circulam adequadamente na microcirculação, resultando tanto em obstrução do fluxo
sanguíneo capilar como em sua própria destruição precoce. Esse mecanismo fisiopatológico acarreta graves manifestações clínicas, com
maior frequência após os três meses de idade2.
Acupuntura a laser no tratamento da dor em criança
com anemia falciforme. Relato de caso
Os pacientes com dor leve devem, segundo o manual de condutas
básicas na DF formulado pelo Ministério da Saúde3, ser instruídos
para tomar analgésicos, aumentar a ingestão hídrica e serem reavaliados no dia seguinte.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) propõe a utilização de
analgésicos através de uma escada de três degraus:
1º degrau - analgésico não opioide/anti-inflamatório não esteroide
(AINES) ± adjuvante;
2º degrau - opioide fraco ± analgésico não opioide / AINES ± adjuvante;
3º degrau - opioide potente ± analgésico não opioide / AINES ±
adjuvante.
O quadro apresenta, por grupo farmacológico, os principais tipos de
analgésicos usados na prática clínica.
O aumento superior à dose máxima de fármacos ou a associação
com outro fármaco do mesmo grupo trará apenas um incremento
dos efeitos adversos, sem prover analgesia satisfatória. Sempre que
não se obtiver analgesia adequada, é necessário passar ao degrau seguinte da escada analgésica4.
Segundo Bricks, é fundamental rever as práticas de prescrição e políticas de saúde relacionadas ao uso de fármacos, tendo em vista que
a sua utilização desnecessária pode causar riscos para a criança e para
a comunidade, além de desperdiçar recursos que seriam mais bem
direcionados para a prevenção de doenças5.
Uma opção é o tratamento através da Medicina Tradicional Chinesa (MTC) também conhecida como medicina chinesa (em chinês:
Zhongye xue, ou Zhongao xue), que diferente da Medicina Ocidental que se preocupa apenas com o que diz respeito ao físico, tratando
por meio de fármacos industrializados, enxerga o indivíduo como
um todo, restaurando o equilíbrio, utilizando métodos naturais.
Atualmente são oito os principais métodos de tratamento da MTC:
1. Fitoterapia chinesa (fármacos naturais);
2. Acupuntura;
3. Tuina ou Tui Ná (massagem e osteopatia chinesa);
4. Dietoterapia (terapia alimentar chinesa);
5. Auriculoterapia (tratamento pela orelha);
6. Moxabustão;
7. Ventosaterapia;
8. Práticas físicas (exercícios integrados de respiração e circulação de
energia e meditação como: Chi Kung, Tai Chi Chuan e algumas
artes marciais) consideradas métodos profiláticos para a manutenção
da saúde ou formas de intervenção para recuperá-la.
Acupuntura é uma tradicional terapia médica chinesa que se utiliza
de agulhas finas de metal que punturam a pele em pontos específicos do corpo para aliviar a dor e promover o bem-estar. Para a
MTC a dor é resultado de uma condição de excesso ou deficiência
de Qi ou de sangue6. A OMS aprovou em 1979, 43 indicações para
a acupuntura e esse numero foi estendido a 64 em 19967, estando o
controle da dor em geral como uma das afecções possivelmente tratadas. Nessa técnica, ocorre a estimulação de determinados pontos
da pele por meio das agulhas, a uma taxa de 2 a 3Hz, ativando fibras
nervosas, que conduzem os estímulos, provocando uma sequência
de reações fisiológicas8.
O tratamento pediátrico na MTC reserva características especiais
devido à criança estar em processo de formação de canais e colaterais
assim como suas vísceras e órgãos (Zang Fu), e o sangue e a energia
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serem insuficientes, sendo então necessário evitar o uso excessivo da
acupuntura. Por esse motivo se prioriza outras estratégias terapêuticas como a moxabustão, massagem, fitoterapia tradicional, aurículoacupuntura e a laserterapia9. Além disso, a aversão pelas agulhas
gerou uma redução da prática da acupuntura em crianças nos países
ocidentais.
O laser, também conhecido como bioestimulação não invasiva, é
uma alternativa atraente utilizada nos últimos 25 anos pois consiste
em um tratamento rápido e com baixo risco de infecção, e considerado ideal para pacientes com fobia de agulhas. O laser de baixa
potência usado nos acupontos proporciona uma energia luminosa,
capaz de produzir indução fotobiológica, produzindo efeitos bioquímicos e bioelétricos nas células, proporcionando uma terapia anti-inflamatória, antiálgica e regeneradora celular10,11.
O objetivo deste estudo foi descrever um caso de aplicação de acupuntura a laser em uma criança com dor causada por anemia falciforme.
RELATO DO CASO
Paciente de 6 anos de idade, com diagnóstico de anemia falciforme
(AF) há 3 anos após a mãe ter percebido febre, urina escura, edema em membros superiores, e dificuldade para segurar objetos. Faz
uso de tilenol quando apresenta crises álgicas, essas com frequência
média de uma vez por semana, com agravo em temperaturas mais
baixas. Nunca fez uso de tratamento alternativo.
No primeiro encontro a criança não tinha queixas e durante avaliação do grau de dor através da escala Wong Baker, apresentou
pontuação 0. Na avaliação energética foi percebido pulso vazio,
rápido, em corda, escorregadio. A língua revelou-se pálida, sem
saburra, com estagnação sublingual. Aparência frágil, alimentação
pobre em frutas e verduras, pouca ingestão de líquido, urina escura, fezes diárias com aparência pastosa, sono leve. A seleção e a
utilização desses pontos ocorreram a partir de breve investigação
oral da paciente e do exame dos pulsos e da língua em cada sessão.
Dentro da perspectiva teórica da acupuntura, é possível identificar
a qualidade da energia Qi dos órgãos do corpo, a saber, pulmão,
baço-pâncreas, Ming Men (órgão da medicina chinesa correspondente a um dos rins), coração, fígado e rim, por intermédio do
exame dos pulsos do paciente12. Procedimento semelhante pode
ser realizado pelo exame da língua, que apresentará, em áreas específicas (correspondentes aos órgãos do corpo), sinais como edemas,
palidez, vermelhidão, rachaduras, saburras de diversas espessuras e
tonalidades13. A partir do exame da língua e dos pulsos, a qualidade da energia de cada órgão pode ser classificada como normal,
em excesso, estagnada, deficiente ou inexistente, sendo que cada
uma dessas características acarretará uma sintomatologia diferenciada no paciente, que é tratado com a estimulação, a sedação ou
a harmonização de pontos de acupuntura específicos11. A criança
analisada apresenta como diagnóstico após avaliação deficiência de
Yin, principalmente do fígado e do baço-pâncreas e deficiência do
Xue, com o fluxo de energia Qi comprometido por isso.
O tratamento teve como finalidade manter o livre fluxo do Qi e
Xue, favorecendo também a produção destes. O Qi é produzido
através da energia dos alimentos (Gu Qi), derivada do metabolismo dos alimentos e bebidas pela ação do baço (Pi) e do estômago
71
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):70-3
Marques CV
(Wei), combina com o ar do pulmão (Fei), e com a circulação do
sangue (Xue) e do Qi pelo corpo. A energia dos alimentos (GuQi),
derivada dos alimentos e bebidas, é transformada em Xue no tórax,
pela ação do coração (Xin) e pulmão (Fei). O aspecto Yin do Jing
armazenado pelos rins (Shen) produz a medula óssea que produz
sangue (Xue). Também o aspecto Yang do Jing ou o Qi original
– fonte ativa das transformações executadas pelo coração (Xin) e
pelo pulmão (Fei) no aquecedor superior e pelo baço-estômago
(PI-Wei) no aquecedor médio.
Os pontos utilizados baseados nesse conceito são14:
R6 – (sexto ponto do canal de energia do rim): tonifica o Yin do
rim, a deficiência do rim, nutre o Yin, principalmente quando existe
excesso de fogo no coração, promove o sono e os fluidos corpóreos;
C7 – (sétimo ponto do canal de energia do coração): tonifica o coração, equilibra o Yin e Yang, estabiliza o coração, clareia a mente,
acalma a mente e as emoções, regula o espírito, tonifica o sangue,
tonifica o Yin do coração, elimina o fogo;
CS6 – (sexto ponto do canal de energia do coração/sexualidade):
move a estagnação e acalma irregularidades do Qi, remove a estagnação de sangue e fleuma, acalma o espírito, remove a estagnação
do Qi do pulmão, tonifica o coração; é indicado para dor, choque
e traumatismo;
E36 – (trigésimo sexto ponto do canal de energia do estômago):
fortalece o baço e o estômago para produzirem Qi e sangue, que eliminam a umidade; faz subir o Qi, tonifica o sangue e o Qi, estabiliza
a mente e as emoções, regulariza o Qi defensivo e nutritivo;
P9 – (nono ponto do canal de energia do pulmão): tonifica o Qi do
pulmão, tonifica o Yin do pulmão, fortalece os vasos sanguíneos e a
circulação do sangue;
IG4 – (quarto ponto do canal de energia do intestino grosso): remove o vento exterior, remove o calor, relaxa a tensão muscular, move
estagnações do sangue, acalma a hiperatividade do Yang do fígado,
acalma a mente, tonifica o Qi e o sangue;
IG11 – (décimo primeiro ponto do canal de energia do intestino
grosso): expele o vento exterior, remove o calor, relaxa a tensão muscular e alivia a dor, acalma a hiperatividade do Yang do fígado, resolve a umidade;
F3 – (terceiro ponto do canal de energia do fígado): move a estagnação do Qi e do sangue, acalma a hiperatividade do Yang do fígado,
elimina o vento do fígado e reduz espasmos e dor; tonifica o sangue
e acalma o espírito;
F14 – (décimo quarto ponto do canal de energia do fígado): move
a estagnação do Qi do fígado, elimina a umidade e calor do fígado;
utilizado para congestionamento mental e emocional;
VC4 – (quarto ponto do canal de energia do vaso da concepção):
fortalece o Jing, o Qi, o Yin e o Yang do rim, dispersa a estagnação
do Qi;
VC6 – (sexto ponto do canal de energia do vaso da concepção):
tonifica a deficiência e move a estagnação do Qi;
VC12 – (décimo segundo ponto do canal de energia do vaso da
concepção): harmoniza a preocupação e a insegurança, tonifica a
deficiência do Qi e do Yang do baço, move a estagnação e regula a
rebelião do Qi do estômago;
BP3 – (terceiro ponto do canal de energia do baço-pâncreas):
move a estagnação do Qi do baço, tonifica a deficiência e fortalece
o baço, resolve o esgotamento e o embotamento mental por umi-
72
dade e fleuma;
BP6 – (sexto ponto do canal de energia do baço-pâncreas): tonifica
o baço, o Qi e o sangue, elimina a umidade, tonifica o Yin, acalma a
mente, regula o Qi do fígado;
BP9 – (nono ponto do canal de energia do baço-pâncreas): elimina
a umidade.
O aparelho utilizado foi a unidade portátil de emissão laser – microprocessado com uma caneta da Nova Ciência, utilizado no modo
contínuo, com a potência de 2,5Hz, a mesma gerada pelas agulhas,
por 60 segundos em cada ponto selecionado repetidos depois de 12
minutos de intervalo, seguindo o protocolo de Gruber.
Na primeira semana de encontro foi realizada a quantificação diária
do nível de dor através da escala de Wong Baker, sem uso da intervenção laser. Nos dias 1, 2, 3, 4 a criança apresentou pontuação
0, apresentando pontuação 3 no dia 5 com administração imediata
do analgésico pela genitora, mantendo a pontuação 5 no dia 6, e
pontuação 1 no dia 7, ainda em uso do paracetamol. A avaliação
do pulso e da língua manteve-se sem alterações. No dia 8, ainda
com pontuação 1, foi realizada laserpuntura com baixa frequência.
Manteve-se o tratamento alternativo durante toda a semana, diariamente. Apresentou pontuação 0 nos dias 9, 10, 11, 12, 13, 14 sem
necessidade de ingestão de analgésicos. Na avaliação chinesa observou-se um pulso mais cheio, com mais Qi e a estagnação sublingual
desapareceu. Atendimentos semanais se mantiveram por um mês
sem novos episódios de dor.
DISCUSSÃO
A acupuntura a laser é uma técnica de analgesia praticada comumente em pacientes pediátricos, com poucos estudos sobre
o assunto, sem claras recomendações e sem nenhum estudo anterior publicado relacionado à anemia falciforme na literatura
pesquisada15.
O elevado índice de pacientes com resposta satisfatória à aplicação do laser de baixa potência avalia positivamente a eficácia
desse método como coadjuvante na terapêutica de pacientes
traumatizados10.
Um estudo proposto para o tratamento de crianças com asma não
obteve boa resposta, creditada pelos autores à padronização dos
pontos utilizados, sem levar em consideração a avaliação individual
do pulso e da língua9. Em uma revisão sistemática sobre o uso de
acupuntura a laser em crianças asmáticas, os autores concluem que
a técnica pode até ser eficaz, mas há poucos estudos, com pequena
amostra de pacientes e metodologia pouco consistente16.
Em um estudo controlado em 43 crianças com cefaleias do tipo migrânea e tensional, os autores concluem que a acupuntura a laser foi
eficaz em reduzir os escores de dor avaliados por uma escala analógica visual, quando comparada a placebo17. Esses dados abrem um
leque de possibilidades para o emprego dessa técnica em crianças
com dor.
A resposta favorável da criança analisada no presente estudo sugere um real potencial de tratamento da dor com a laserpuntura em
crianças com diagnóstico de anemia falciforme, com redução da utilização de analgésicos. Entretanto, são necessários mais estudos, incluindo um grupo controle, e até envolvendo outras variáveis, como
a qualidade de vida.
Acupuntura a laser no tratamento da dor em criança
com anemia falciforme. Relato de caso
CONCLUSÃO
A acupuntura a laser foi eficaz no caso apresentado e pode ser um
método alternativo no tratamento da dor em crianças com anemia
falciforme, abrindo uma discussão e um novo dimensionamento de
técnicas complementares, favorecendo a redução da ingestão de fármacos analgésicos.
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73
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):74-5
Instruções aos Autores
A Revista Dor Pesquisa Clínica e Terapêutica (Revista DOR, versão
impressa: ISSN 1806-0013; versão eletrônica: ISSN 2317-6393) é a revista médica multidisciplinar da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor
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2. Resumo estruturado, com no máximo 250 palavras. Para artigos de Pesquisa e Ensaios Clínicos incluir: Justificativa e Objetivos, Métodos, Resultados e Conclusão. Para os relatos de casos incluir: Justificativa e Objetivos,
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Objetivos, Conteúdo e Conclusão. Incluir até 6 descritores. Recomenda- se
a utilização do DECS – Descritores em Ciência da Saúde da Bireme, disponível em http://decs.bvs.br/.
3. Abstract: A versão do resumo para o inglês deve ser encaminhada junto
ao artigo. Incluir até 6 keywords.
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descritos abaixo. Em artigos originais com humanos ou animais deve-se
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de Ética da Instituição. Agradecimentos a outros colaboradores poderão ser
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TIPOS DE ARTIGOS
A submissão de artigo de pesquisa experimental ou clínica, em humanos ou
animais, implica que os autores obtiveram aprovação do Comitê de Ética
apropriado, e estão em concordância com a Declaração de Helsinque. Uma
declaração deste efeito precisa estar incluída no capítulo “Método”.
Para todos os artigos que incluem informação sobre pacientes ou fotografias
clínicas, deve-se obter consentimento escrito e assinado de cada paciente ou
familiar, a ser encaminhado para a revista no processo de submissão.
Nomes genéricos dos fármacos devem ser usados. Quando nomes comerciais são usados na pesquisa, estes nomes devem ser incluídos entre parênteses no capítulo “Método”.
1. Artigos Originais
Introdução - esta sessão deve ser descrever sucintamente o escopo e o conhecimento prévio baseado em evidência para o delineamento da pesquisa,
tendo como base referências bibliográficas relacionadas ao tema. Deve incluir ao final o objetivo da pesquisa de forma clara.
Método - deve incluir o desenho do estudo, processos de seleção de amostra, aspectos éticos, critérios de exclusão e de inclusão, descrição clara das
intervenções e dos métodos utilizados, além das análises dos dados bem
como poder da amostra e testes estatísticos aplicados.
Resultados – devem ser descritos de forma objetiva, elucidados por figuras e
tabelas quando necessário. Incluir análises realizadas e seus resultados.
Discussão – esta seção deve discutir os resultados encontrados na pesquisa
à luz do conhecimento prévio publicado em fontes científicas, devidamente citadas. Pode ser dividido em subcapítulos. Incluir as limitações
do estudo, e finalizar com a conclusão do trabalho. Incluir sempre que
possível, as implicações clínicas do estudo e informações sobre a importância e a relevância.
Agradecimentos – agradecimentos a colaboradores entre outros poderão
ser citados nesta seção, antes das referências.
Referências – devem estar formatadas segundo as normas de Vancouver
(http:// www.icmje.org )
Figuras e Tabelas - devem ser enviadas separadas do texto principal do artigo, em um formato que permita edição.
2. Relatos de casos
Relatos de caso que apresentem relevância e originalidade são convidados a
serem submetidos à Revista Dor. Devem respeitar um limite de 1800 pa-
Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):74-5
lavras. Os achados devem ser claramente apresentados e discutidos à luz
da literatura científica, citando as referências. A estruturação do corpo do
texto deve conter: Introdução, Relator do Caso, Discussão, Agradecimentos
e Referências. Figuras e tabelas que ilustrem o texto podem ser incluídos.
3. Artigos de Revisão
Revisões da literatura sobre assuntos relevantes em dor, com análise crítica
da literatura e realizada de forma sistemática, são bem-vindas. Devem conter não mais que 3000 palavras, e serem estruturadas da seguinte forma:
Introdução, Revisão da Literatura, Conclusão, Referências.
4. Cartas
Podem ser enviadas cartas ou comentários a qualquer artigo publicado na
revista, com no máximo 400 palavras e até 5 referências.
REFERÊNCIAS
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como estilo para formatação das referências. Estas devem ser apresentadas
no texto na ordem sequencial numérica, sobrescritas. Não deverão ser citados trabalhos não publicados e preferencialmente evitar a citação de resumos apresentados em eventos científicos. Referências mais antigas do que 5
anos deverão ser citadas caso sejam fundamentais para o artigo. Artigos já
aceitos para publicação poderão ser citados com a informação de que estão
em processo de publicação.
Deverão ser citados até seis autores e, se houver mais, incluir após os nomes,
et al. O título do periódico deverá ter seu nome abreviado.
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Artigo com errata publicada:
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Amsterdam, 2nd ed. Batenburg: Elsevier; 1992. 635-63p.
ILUSTRAÇÕES E TABELAS
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Registro de Ensaio Clínico:
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Comissão Internacional de Editores de Revistas Médicas (ICMJE- International Committee of Medical Journal Editors) para registro de estudos clínicos, reconhecendo a importância dessas iniciativas para a disseminação
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Assim, a partir de 2012, terão preferência para publicação os artigos ou estudos registrados previamente em uma Plataforma de Registros de Estudos
Clínicos que atenda aos requisitos da Organização Mundial de Saúde e da
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who.int/ictrp/en, da International Clinical Trials Registry Platform (ICTRP).
Entre elas está o Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos (ReBEC), que é
uma plataforma virtual de acesso livre para registro de estudos experimentais
e não experimentais realizados em seres humanos, em andamento ou finalizados, por pesquisadores brasileiros e estrangeiros, que pode ser acessada
no site http://www. ensaiosclinicos.gov.br. O número de registro do estudo
deve ser publicado ao final do resumo.
Uso de Abreviações:
O uso de abreviações deve ser mínimo, e não devem ser utilizadas no título
ou no resumo. Quando expressões extensas precisam ser repetidas, recomenda-se que suas iniciais maiúsculas as substituam após a sua primeira
menção no texto. Esta deve ser seguida das iniciais entre parênteses. Todas
as abreviações inferidas em tabelas e figuras deverão conter o seu significado
no rodapé.
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