Revista DOR - Eduardo Januzzi
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Revista DOR - Eduardo Januzzi
vol 15 • nº 1 • Jan/Fev/Mar • 2014 SUMÁRIO Revista DOR Pesquisa, Clínica e Terapêutica Revista da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Volume 15 – nº 1 Janeiro a Março 2014 Publicação Trimestral DIRETORIA SBED Biênio 2013-2014 Presidente José Tadeu Tesseroli de Siqueira Vice-Presidente Durval Campos Kraychete Diretor Científico Alexandre Annes Henriques Diretor Administrativo Irimar de Paula Posso Tesoureiro Patrick Stump Secretária Monica Levy Andersen Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937 Cj. 2 – Vila Mariana 04014-012 São Paulo, SP Fone/Fax: (55) 11 5904-2881/3959 www.dor.org.br E-mail: [email protected] As citações da Revista Dor, Pesquisa, Clínica e Terapêutica devem ser abreviadas para Rev Dor A Rev Dor não assume qualquer responsabilidade pelas opiniões emitidas nos artigos. Os anúncios publicados nesta edição não geram conflitos de interesse. Indexada na SciELO Indexada na LILACS Indexada na Latindex Publicação editada e produzida pela MWS Design – Fone: (11) 3399-3028 Jornalista responsável Marcelo Sassine - Mtb 22.869 Diretora de arte Anete Salviano EDITORIAL Orofacial pain and the International Year_______________________________________1 As dores orofaciais e o Ano Mundial Silvia Regina Dowgan Tesseroli de Siqueira ARTIGOS ORIGINAIS Viscosupplementation as a treatment of internal derangements of the temporomandibular joint: retrospective study____________________________________________________2 Viscossuplementação como tratamento das alterações internas da articulação temporomandibular: estudo retrospectivo Daniel Bonotto, Eduardo Machado, Rafael Schlogel Cunali, Paulo Afonso Cunali Importance of evaluating the presence of temporomandibular disorders in chronic pain patients__________________________________________________________________6 A importância da avaliação da presença de disfunção temporomandibular em pacientes com dor crônica Luci Mara França Correia, Wagner Hummig, Taísa Adamowicz, Daniel Benzecy de Almeida Influence of cryotherapy application time on skin sensitivity _______________________9 Influência do tempo de aplicação da crioterapia na sensibilidade cutânea Odair Aparecido Gregório, Reywerson Cavalheiro, Rodrigo Tirelli, Andersom Ricardo Fréz, Marinêz Boeing Ruaro, João Afonso Ruaro Osteomuscular disorders and associated factors among solid waste collectors of two middle-sized cities from the South of Brazil ____________________________________13 Distúrbios osteomusculares e fatores associados em coletores de lixo de duas cidades de porte médio do sul do Brasil Rodrigo Kohn Cardoso, Airton José Rombaldi, Marcelo Cozzensa da Silva Prevalence of pain and associated factors in venous ulcer patients___________________17 Prevalência de dor e fatores associados em pacientes com úlcera venosa Marina de Góes Salvetti, Isabelle Katherinne Fernandes Costa, Danielle Vieira Dantas, Camylla Cavalcante Soares de Freitas, Quinidia Lúcia Duarte de Almeida Quithé de Vasconcelos, Gilson de Vasconcelos Torres Posteroanterior lumbar spine mobilizations in healthy female volunteers. Evaluation of pain to cold and pressure: crossover clinical trial________________________________21 Mobilizações póstero-anteriores na coluna lombar em voluntárias saudáveis. Avaliação da dor ao frio e à pressão: ensaio clínico cruzado Jhenifer Karvat, Juliana Sobral Antunes, Gladson Ricardo Flor Bertolini Comparison between Comfort-Behavior and Ramsay scales in a pediatric intensive care unit ____________________________________________________________________25 Comparação entre as escalas de Comfort-Behavior e Ramsay em uma unidade de terapia intensiva pediátrica Marcella Zuliani Lopes Soares, Andréa Gomes da Costa Mohallem, Simone Brandi, Mariana Lucas da Rocha Cunha Chronic pain portrait: pain perception through the eyes of sufferers_________________30 Retrato de dores crônicas: percepção da dor através do olhar dos sofredores Adrianna Loduca, Barbara Maria Müller, Roberta Amaral, Andrea Cristina Matheus da Silveira Souza, Alessandra Spedo Focosi, Claudio Samuelian, Lin Tchia Yeng, Marcia Batista EDITOR CIENTÍFICO João Batista Santos Garcia Universidade Federal do Maranhão, São Luiz, MA – Brasil. EDITORA EXECUTIVA Silvia Regina Dowgan Tesseroli de Siqueira Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil. CONSELHO EDITORIAL Adrianna Loduca Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil. Andréa Golfarb Portnoi Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil. Ângela Maria Sousa Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil. Cibele Andrucioli de Mattos Pimenta Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil. Cinara Maria Camparis Universidade Estadual Paulista. Araraquara, SP – Brasil. Dirce Maria Navas Perissinotti Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil. Durval Campos Kraychete Universidade Federal do da Bahia, Salvador, BA – Brasil. Eduardo Grossmann Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS – Brasil. Erich Talamoni Fonoff Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil. Hazem Adel Ashmawi Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil. Irimar de Paula Posso Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil. Ismar Lima Cavalcanti Instituto Nacional de Câncer e Universidade Iguaçu, Rio de Janeiro, RJ – Brasil. José Tadeu Tesseroli de Siqueira Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil. Josenília Maria Alves Gomes Universidade de Fortaleza, Fortaleza, CE – Brasil. Levi Higino Jales Júnior Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN – Brasil. Li Shih Min Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC – Brasil. Lin Tchia Yeng Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil. Luiz Fernando de Oliveira Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ – Brasil. Manoel Jacobsen Teixeira Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil. Marcelo Henrique Mascarenhas Associação Brasileira de Odontologia, Seção Minas Gerais, Belo Horizonte, MG – Brasil. Maria Belén Salazar Posso Universidade do Vale do Paraíba, São José dos Campos, SP – Brasil. Miriam Seligman de Menezes Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS – Brasil. Mirlane Guimarães de M. Cardoso Universidade Federal do Amazonas, Manaus, AM – Brasil. Onofre Alves Neto Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO – Brasil. Oscar César Pires Universidade de Taubaté, Taubaté, SP – Brasil. Osvaldo José Moreira do Nascimento Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, RJ – Brasil. Osvandré Luiz Canfield Lech Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, RS – Brasil. Paulo Cesar Rodrigues Conti Faculdade de Odontologia de Bauru, Bauru, SP – Brasil. Rogério Teixeira da Silva Coordenador do NEO – Núcleo de Estudos em Esportes e Ortopedia, São Paulo, SP, Brasil. Ruth Guinsburg Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil. Sergio Henrique Ferreira Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP – Brasil. INTERNATIONAL BOARD Allen Finley Dalhousie University, Halifax – Canadá. Antoon De Laat Catholic University of Leuven – Bélgica. Gary M. Heir Medicine and Dentistry University of New Jersey, New Jersey – EUA. Jeftrey P. Okeson Kentucky University, Lexington – EUA. José Manoel Castro Lopes Universidade do Porto, Porto – Portugal. Lee Dongchul Department of Anesthesiology and Pain Medicine Guwol – Dong Mamdong-gu, Incheon – Korea. Mark Jensen Washington University, Washington – USA. Ricardo Plancarte Sánchez Instituto Nacional de Cancerologia, México – México COORDENAÇÃO EDITORIAL Evanilde Bronholi de Andrade Postoperative analgesia by non-specialists in pain_______________________________36 Analgesia pós-operatória por não especialistas em dor Beatriz Locks Bidese, Karinne Akemi Sakuma, Ayrton de Andrade Júnior, Maria Cristina Sartor Difficult situation in cancer pain: breakthrough pain_____________________________41 Situação difícil em dor oncológica: dor do tipo breaktrhrough Rafael Toledo Enes Nogueira, Érica Brandão de Moraes Vieira, Luis Henrique Albuquerque Sousa, João Batista Santos Garcia ARTIGOS DE REVISÃO Influence of chronic pain on functional capacity of the elderly _____________________48 Influência da dor crônica na capacidade funcional do idoso Bárbara Kayser, Cascieli Miotto, Vinicius Dal Molin, Julia Kummer, Suelén Roberta Klein, Lia Mara Wibelinger Psychological assessment of chronic pain patients: when, how and why refer? _________51 Avaliação psicológica de pacientes com dor crônica: quando, como e por que encaminhar? José Luiz Dias Siqueira, Marcia Carla Morete Intravenous lidocaine to treat postoperative pain _______________________________55 Lidocaína intravenosa no tratamento da dor pós-operatória Tânia Cursino de Menezes Couceiro, Luciana Cavalcanti Lima, Léa Menezes Couceiro, Marcelo Moraes Valença Complementary techniques to control cancer symptoms__________________________61 Técnicas complementares para controle de sintomas oncológicos Aline Isabella Saraiva Costa, Paula Elaine Diniz dos Reis Recommendations for the use of opioids in Brazil: Part II. Use in children and the elderly__________________________________________________________________65 Recomendações para uso de opioides no Brasil: Parte II. Uso em crianças e idosos Durval Campos Kraychete, José Tadeu Tesseroli de Siqueira, João Batista Santos Garcia e Grupo de Especialistas RELATO DE CASO Laser acupuncture to manage pain in child with sickle cell disease. Case report _______70 Acupuntura a laser no tratamento da dor em criança com anemia falciforme. Relato de caso Carla Verônica Paixão Marques INSTRUÇÕES AOS AUTORES_____________________________________________74 Os artigos deverão ser enviados através de submissão online: http://www.sgponline.com.br/dor/sgp/. Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):1 EDITORIAL Orofacial pain and the International Year As dores orofaciais e o Ano Mundial DOI 10.5935/1806-0013.20140017 Caros leitores, Estamos no Ano Mundial contra a Dor Orofacial. Sem dúvida uma das áreas que mais apresenta diagnósticos relacionados ao sintoma álgico, pois há mais de 300 causas. Apresenta prevalência que varia entre 10 e 30% na população geral e, não bastasse isso, inclui estruturas anatômicas e histológicas de alta complexidade e de importância para o convívio social e para a sobrevivência, o que faz com que sejam necessários diversos especialistas como cirurgiões-dentistas, otorrinolaringologistas, oftalmologistas, fonoaudiólogas, além de outros profissionais que fazem parte das equipes interdisciplinares para a dor1. Apesar desta relevância, ainda são pobres os currículos acadêmicos para a formação de profissionais da saúde em dor ainda na graduação, e a Odontologia não é diferente neste aspecto. Neste Ano, temos pela primeira vez uma disciplina optativa que contempla o assunto na Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo, resultado da visão do Prof. Victor Arana Chavez sobre esta necessidade. Desejamos que esta iniciativa se torne obrigatória e se espalhe por todas as universidades. A Revista Dor tradicionalmente reserva seu espaço para a Dor Orofacial, e em particular as disfunções temporomandibulares (DTM) estão contempladas por dois artigos nesta edição. Trata-se de um grande grupo de doenças relacionadas ao aparelho mastigatório, musculares, articulares ou mistas, que perdem apenas para as dores dentoalveolares em prevalência. Podem afetar diversas faixas etárias e são comorbidades de outros diagnósticos como neuralgia do trigêmeo, pulpites, migrânea e fibromialgia2,3. Assim, precisam de avaliação cuidadosa para o diagnóstico preciso e escolha das terapêuticas com evidência científica. Dentre os tratamentos, há procedimentos invasivos e não invasivos, que incluem placas de mordida, acupuntura, fisioterapia, fármacos, terapia cognitivo comportamental, cirurgias e viscossuplementação. Quando bem indicados, os tratamentos são eficazes, e assim destaco o estudo retrospectivo sobre a viscossuplementação, técnica importante no tratamento de desarranjos internos da articulação temporomandibular (ATM)4. Comorbidades psicológicas e psiquiátricas também fazem parte do conjunto de morbidades associadas à dor na face, e atenção aos sofredores é necessária no papel do cuidar. A dor facial atípica, por exemplo, apresenta alta frequência de sintomas emocionais associados, que precisam ser abordados5. Os pacientes com neuralgia do trigêmeo ficam frequentemente isolados e acabam por apresentar depressão. E dor de dente comum, quando referida, pode demorar meses para ser diagnosticada e levar o paciente ao afastamento total de todas as suas atividades familiares, profissionais e de lazer, mesmo em tão pequeno espaço de tempo. Não deixo de destacar o papel importante que a dor no idoso apresenta em uma sociedade atual em processo de envelhecimento, e que busca por qualidade de vida em qualquer faixa etária. Idosos e crianças são grupos especiais que precisam de cuidados apropriados à condição clínica que apresentam, e por vezes tratamentos como a acupuntura podem auxiliar no alívio de sintomas com poucos efeitos adversos. Por fim, desejo boa leitura, e que muitos avanços científicos e acadêmicos possam acontecer no universo da Dor Orofacial neste Ano Mundial. Um abraço! Silvia Regina Dowgan Tesseroli de Siqueira Editora Executiva REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. Teixeira MJ, Siqueira SRDT, Kosminsky M, Monteiro AA. Epidemiologia da dor. In: Teixeira MJ e Siqueira JTT. Dores orofaciais: diagnóstico e tratamento. São Paulo: Artes Médicas; 2012. 46-59p. de Siqueira SR, da Nóbrega JC, Teixeira MJ, de Siqueira JT. Masticatory problems after balloon compression for trigeminal neuralgia: a longitudinal study. 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São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):2-5 Viscosupplementation as a treatment of internal derangements of the temporomandibular joint: retrospective study* Viscossuplementação como tratamento das alterações internas da articulação temporomandibular: estudo retrospectivo Daniel Bonotto1, Eduardo Machado1, Rafael Schlogel Cunali1, Paulo Afonso Cunali1 *Received from Federal University of Paraná, Curitiba, PR, Brazil. DOI 10.5935/1806-0013.20140001 ABSTRACT RESUMO BACKGROUND AND OBJECTIVES: There are many non invasive treatment modalities for internal temporomandibular joint derangements described in the literature, including counseling, drug therapy, physical therapy and interocclusal devices. However, some patients become refractory to conservative treatments and procedures such as arthrocentesis, arthroscopy and temporomandibular joint surgery are indicated. Viscosupplementation is a less invasive, low cost approach with good short and long term results. This study aimed at discussing viscosupplementation to treat internal temporomandibular joint alterations with results after four months of follow-up. METHODS: Participated in the study 55 patients with reducing and non reducing disc displacement and osteoarthritis refractory to conservative treatments who were submitted to sodium hyaluronate infiltrations. There has been statistically significant pain improvement for all groups. RESULTS: Patients with non reducing disc displacement and osteoarthritis had significant mouth opening improvement. Such results were constant along the four months of follow-up. CONCLUSION: Viscosupplementation with sodium hyaluronate may be considered a good alternative to functionally reestablish temporomandibular joint in the short term in patients with internal alterations refractory to conservative treatments. Keywords: Hyaluronic acid, Temporomandibular joint, Treatment. JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: As formas de tratamento consideradas não invasivas para as alterações internas das articulações temporomandibulares descritas na literatura são muitas, incluindo aconselhamento, farmacoterapia, fisioterapia e dispositivos interoclusais. No entanto, alguns pacientes tornamse refratários aos tratamentos conservadores, sendo indicados procedimentos como artrocentese, artroscopia e cirurgias das articulações temporomandibulares. A viscossuplementação é uma abordagem pouco invasiva, de baixo custo e com bons resultados em curto e médio prazo. O objetivo deste estudo foi discutir a viscossuplementação no tratamento das alterações internas da articulação temporomandibular com os resultados depois de quatro meses de acompanhamento. MÉTODOS: Cinquenta e cinco pacientes com deslocamento de disco com redução, deslocamento de disco sem redução e osteoartrite refratários a tratamentos conservadores foram submetidos a infiltração com hialuronato de sódio. Foi observada melhora estatisticamente significativa para dor nos três grupos. RESULTADOS: Pacientes com deslocamento de disco sem redução e osteoartrite apresentaram aumento significativo da abertura bucal. Estes resultados se mantiveram constantes ao longo dos quatro meses de acompanhamento. CONCLUSÃO: A viscossuplementação com hialuronato de sódio pode ser considerada uma boa alternativa no reestabelecimento funcional da articulação temporomandibular em curto prazo em pacientes com alterações internas refratárias a tratamentos conservadores. Descritores: Ácido hialurônico, Articulação temporomandibular, Tratamento. 1. Federal University of Paraná, Curitiba, PR, Brazil. Submitted in May 16, 2014. Accepted for publication in January 27, 2014. Conflict of interests: none. Correspondence to: Paulo Afonso Cunali Rua Cel. Napoleão Marcondes França, 360 80040-270 Curitiba, PR, Brasil. E-mail: [email protected] © Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor 2 INTRODUCTION Among temporomandibular disorders (TMD), the derangement of the condyle-disc complex derives from the collapse of the normal rotational function of the disc on the condyle. Usually this situation occurs with elongation of the discal collateral ligaments and the inferior retrodiscal lamina. This group of articular TMD includes reducing and non-reducing disk displacement. These disorders are, many times, associated with inflammatory alterations such as synovitis, capsulitis Viscosupplementation as a treatment of internal derangements of the temporomandibular joint: retrospective study and retrodiscitis or degenerative alterations like osteoarthrosis and osteoarthritis1. Generally the primary protocol to control TMD prioritizes the simplest measures, which are reversible and less invasive1. However since intracapsular dysfunctions are often a result of pathologies of the articular surface, that is, of existing structural alterations, the conservative treatment sometimes proves to be ineffective. Several forms of treatment for internal dysfunctions of the temporomandibular joint (TMJ) are supported by the literature: functional rest, non-steroid antiinflammatory drugs, oral splint, physical therapy support exercises, intra-articular corticosteroid injection, arthrocentesis, arthroscopy, open joint surgery for TMJ, among others. Viscosupplementation with intra-articular injection of sodium hyaluronate (SH) – the sodium salt of the hyaluronic acid (HA) – was first used as a treatment for traumatic arthritis on racehorses2, subsequently used in humans to treat osteoarthritis in large joints such as knees, hips and shoulder. At In 1979, sodium hyaluronate started to be indicated for internal TMJ alterations3, and since then some studies have tried to assess the effectiveness of the technique, as well as to establish a protocol to its utilization. A multicenter randomized double blind and placebo-controlled study with 121 patients has presented promising results4. A group of 80 patients received SH injections (35 had reducing disk displacement (RDD), 8 presented non-reducing disk displacement (NRDD), and 37 with degenerative alterations of TMJ), while 41 patients received injection with saline solution (15 with RDD, 6 with NRDD and 20 with degenerative alterations of TMJ). Results showed that for patients with RDD, joint sounds were subjectively reduced in both groups, without statistically significant difference, but the degree and importance of the mandibular deviation improved significantly in the SH group. Patients with NRDD treated with SH presented an improvement of mouth opening in the first five weeks when compared to the group treated with placebo, however, statistically there was no significant difference. Regarding pain assessment with visual analogue scale (VAS), results indicated that the group treated with SH obtained significant improvement in comparison to placebo group. Other study5 performed a retrospective study comparing the effectiveness of intra-articular injection of SH to the absence of treatment in patients with disk NRDD. A group of 60 patients with NRDD was submitted weekly to an injection of 1ml of SH during 5 weeks. A second group of 76 patients diagnosed with NRDD was only monitored without receiving any treatment (control group). During a period of two years, patients were examined monthly regarding mandibular movement range and joint pain. After this period, 82.3% of patients from the SH group presented an improvement (defined by the authors as mouth opening range over 35mm and absence of joint pain) against 64.7% from the control group, indicating statistically significant difference. Furthermore, it was observed that patients from the SH group presented fast remission of the symptomatology when compared to untreat- Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):2-5 ed patients, concluding that SH appears to be an effective method for the treatment of NRDD. Other authors have assessed the efficacy of intra-articular injection of SH in 38 patients presenting RDD by a randomized placebo-controlled clinical trial 6. Patients from SH group received two SH injections in the upper compartment of the affected TMJ while control group patients received saline solution injection. SH group presented statistically significant improvement for all evaluated aspects, while the placebo group presented significant improvement only for pain. It was concluded that SH injection is an efficient therapeutic option for the treatment of RDD in a six month period 6. Comparison of injections of corticosteroid (CO) and sodium hyaluronate (SH) in 33 patients with arthralgia and RDD unresponsive to conservative treatments was also performed. In that controlled double-blind study, 18 patients received two infiltrations with 0.5mL SH 1% with a two weeks interval, while 15 patients received corticosteroid injection (0.5mL of bethametasone). Evolution was assessed using a questionnaire regarding pain, functional limitation, articular sounds and symptoms persistence, and a clinical evaluation. VAS indicated significant improvement, with a reduction of the initial algic condition of 30% for SH group and of 40% for the CO group7. A randomized controlled clinical trial with 67 patients with RDD, NRDD or degenerative alteration of TMJ compared injections of sodium hyaluronate and corticosteroid. The work group received 0.5mL of SH associated to 1ml bupivacaine 1% once a week totalizing from three to four injections. Control group received 0.5mL of prednisolone 2.5% with 1ml of bupivacaine 1% once a week, total of three or four injections. During 5 weeks monitoring period both groups presented significant improvement of pain and function, with no statistically significant difference between them 8. A randomized double-blind clinical trial evaluated 41 patients with rheumatoid arthritis in the temporomandibular joints, dividing them in three groups: 14 individuals were treated with intra-articular SH injections; 14 with corticosteroid injections; 13 with saline solution injection. Monitoring period was of four weeks, and an improvement of symptoms and in the clinical indexes of dysfunction was observed in all groups. Better results were observed in the groups treated with SH and CO9. One study reports that 6 patients (7.5% of the sample) presented reactions such as discomfort and edema at the injection site4. Other author claims that 13 patients (37.1% of the sample) who received SH injection complained of pain during the procedure and within three days, 3 patients (8.5% of the sample) presented acute malocclusion at the injection side and muscular strength reduction8. This study aimed to at discussing and evaluating the viscosupplementation technique with SH injection as an alternative for the treatment of TMJ internal alterations by means of 55 case reports. 3 Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):2-5 Bonotto D, Machado E, Cunali RS and Cunali PA METHODS This is a retrospective study performed by assessment of medical records of patients treated at the TMD and Orofacial Pain Clinic of the Federal University of Paraná (UFPR) and at private clinic. Fifty five patients with articular TMD diagnosis – RDD, NRDD and osteoarthritis (OA) – and unresponsive to conservative treatments, such as occlusal splints and mandible exercises, received viscosupplementation on the affected TMJ. Diagnostic clinical criteria on RDC/TMD were followed by two specialists in TMD and orofacial pain throughout the assessment of all patients. The technique described by Bonotto, Custodio and Cunali10 for sodium hyaluronate 1mL infiltration was utilized in every procedure. Two specialists in TMD and orofacial pain performed all procedures during the period from February 2006 to March 2011. Both examiners were calibrated to data collection, and executed the technique. All patients have received from one to three infiltrations of SH with at least 10 days between them. Throughout the postoperative period patients were instructed to continue with routine conservative treatment, oral splint and/or mandibular exercises. Non-steroid anti-inflammatory drug was prescribed for the three days subsequently to the procedure. Patients’ evolution regarding temporomandibular pain complains, was assessed using a VAS before and 4 months after the procedure. To evaluate alteration concerning mandibular function, measurements of interincisal opening were also performed with the same interval. The same professionals that had executed previous procedures performed all assessments. In order to compare average mouth opening and average indexes of the VAS, before and after treatment, the Wilcoxon signed rank test was applied. A 95% confidence interval was considered. This study was approved by the Ethics Committee, Federal University of Paraná under number 1245.170.11.2010. 50 After treatment (mm) Before treatment (mm) 50 40 30 20 40 30 20 10 10 RDD NRDD OA RDD NRDD* OA* Figure 1. Interincisal opening average pre and post treatment for the three groups RDD: reducing disc displacement; NRDD: non-reducing disc displacement; OA: osteoarthritis. 10 10 8 8 VAS after treatment VAS before treatment *Statistical difference was observed in patients with NRDD and OA using Wilcoxon signed rank test (p<0.001). 6 4 2 6 4 2 0 0 RDD NRDD OA RDD NRDD* OA* Figure 2. TMJ pain intensity measured by visual analog scale (0-10 scale) before and after treatment for all groups RESULTS RDD: reducing disc displacement; NRDD: non-reducing disc displacement; OA: osteoarthritis From the 55 evaluated patients, 46 were females (83.64%) and 9 were males (16.36%). Average age was 32.98±15.84 years. After clinical assessment using RDC/TMD criteria, diagnosis was RDD for 21.8% (12 patients), NRDD for 54.5% (30 patients) and OA for 23.6% (13 patients). Table 1 shows mouth opening and VAS data at baseline. Figure 1 indicates patient’s evolution for mandibular function before and after the viscosupplementation treatment. Statistic *Statistically significant difference was observed for all groups at Wilcoxon signed rank test (p<0.001). significant improvement of the mandibular function was observed in patients with RDD and OA (p<0.001). Figure 2 shows the improvement for temporomandibular disorders pain complaint, which was statistically significant for all groups: RDD, NRDD and OA. Table 1: Mouth opening (in millimeters) and visual analogue scale (0-10 scale) at baseline for the three groups Mouth opening at baseline VAS at baseline Medium Minimum Maximum RDD 35.5 11.0 51.0 4.2 1 10 NRDD 24.3 9.0 38.0 6.5 2 10 OA 26.0 11.0 40.0 7.1 2 10 Total 27.1 RDD: reducing disc displacement; NRDD: non-reducing disc displacement; OA: osteoarthritis 4 Medium 6.1 Minimum Maximum Viscosupplementation as a treatment of internal derangements of the temporomandibular joint: retrospective study Complaints of mild discomfort in the first 48 hours were reported by 9% of patients, while 7.2% of them have experienced an open bite in the injection side. DISCUSSION There is no precise indication for viscosupplementation in the literature, however there seems to be a consensus on its utilization in cases of internal symptomatic alteration of TMJ, specially in the presence of limited range of movement. During the monitoring of the reported cases, viscosupplementation demonstrated to be an efficient treatment to control pain in patients with RDD, NRDD and OA. This result is consonant with those presented by several authors4,6-9. Furthermore, viscosupplementation improved mandibular function of patients with limited mouth opening caused by RDD and OA, corroborating others5,9. Results regarding improvement of mandibular function observed in this study may be considered expressive, since they refer to patients who did not respond to conservative treatment. However it must be highlighted that this is a retrospective study based on chart review with short term follow-up and that the same examiners have performed both treatment and postoperative assessment procedures. Therefore some obliquity may be considered in the interpretation of results. Maintenance of conservative treatment during the follow-up period may have contributed to improvement of patients. However, these patients were refractory to conservative therapy alone. Furthermore, in clinical practice viscosuplementation should be associated with conservative treatment. HA is a mucopolysaccharide acid and an essential component of animal tissues. HA is composed by multiple alternating units of D-glucuronic acid and N-acetylglucosamine, forming highly viscous gelatinous solution due to its elevated hydrophilicity11. It is the major component of the synovial fluid and plays an important role in the articular tissues lubrication due to its high molecular weight11. Inflammatory and degenerative alteration of the joints reduces the concentration and molecular weight of HA11,12. SH injection increases the concentration and molecular weight of HA at the synovial fluid, associated to the relief of pain13. By clearing the adherence zones between articular disk and the mandibular fossa, the articular mobility is enlarged allowing a better circulation of the synovial fluid. It was verified the presence of Prostaglandin E2 and Leukotriene B4 in the synovial fluid of patients with TMD suggesting that these mediators are among the factors able to generate joint pain14. It is also suggested that the analgesic effect of viscosupplementation may occur by blocking receptors and endogenous algic substances in the synovial tissues. A strictly mechanic mechanism by the interruption of trauma caused by mechanic block of the disk or of both adherence zones was also suggested4, what could explain the effects of therapy in medium and long term, because although the injected HA is kept on the joint only for a few days the results last for months15,16. Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):2-5 Only two articles reported side effects of the technique, which seem to be brief and self-limiting4,8. During the follow-up of the cases reported in this study, no severe side-effect was observed. Most common complaints were mild soreness, edema and open bite at the injection side. However in all cases sideeffects were self-limiting confirming other authors’ findings8. According to results of this study, viscosupplementation can be considered an efficient alternative for the management of pain and function improvement in patients with RDD, NRDD and OA refractory to conservative treatments. CONCLUSION After the monitoring of clinical cases it is possible to conclude that viscosupplementation with SH may be an interesting proposal to reduce TMJ pain and improve mouth opening. Controlled clinical trials with significant samples and longer monitoring period are required to evaluate real effectiveness of viscosupplementation technique and to establish an objective protocol. REFERENCES 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. Okeson JP, de Leeuw R. Differential diagnosis of temporomandibular disorders and other orofacial pain disorders. 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Efficacy of temporomandibular joint arthrocentesis with and without injection of sodium hyaluronate in treatment of internal derangements. J Oral Maxillofac Surg. 2001;59(6):613-9. 5 ARTIGO ORIGINAL Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):6-8 Importance of evaluating the presence of temporomandibular disorders in chronic pain patients* A importância da avaliação da presença de disfunção temporomandibular em pacientes com dor crônica Luci Mara França Correia1, Wagner Hummig1, Taísa Adamowicz1, Daniel Benzecry de Almeida1 *Recebido do Instituto de Neurologia de Curitiba, Curitiba, PR, Brasil. DOI 10.5935/1806-0013.20140002 ABSTRACT RESUMO BACKGROUND AND OBJECTIVES: Chronic pain patients have lower pain threshold, thus having pain in other parts of the body. This study aimed at evaluating the presence of temporomandibular disorders in patients with chronic pain in different parts of the body comparing them to a pain-free control group. In addition, we tried to determine which group had more temporomandibular disorder symptoms and myofascial changes in masticatory muscles. METHODS: Sample was made up of 180 individuals divided in 2 groups, being 90 patients with chronic pain in different parts of the body: study group, and 90 pain-free patients: control group. The questionnaire proposed by the American Academy of Orofacial Pain was used to diagnose temporomandibular disorder symptoms. A directed and validated physical evaluation was performed. Analyses were done to determine the frequency of temporomandibular symptoms both in the control group and the study group, and the presence of muscular temporomandibular disorders in both groups. RESULTS: Among chronic pain patients, 70% had temporomandibular disorder symptoms and in the control group they were 55%. Patients with symptoms were physically evaluated and it was observed that 45% had masticatory muscles myofascial pain as compared to 28% in the control group. CONCLUSION: The prevalence of temporomandibular disorder symptoms and masticatory muscles pain was higher among chronic pain patients as compared to the control group and should be taken into consideration when the proposal is to evaluate and control all pains of such patients. Keywords: Chronic pain, Facial pain, Temporomandibular joint disorder syndrome. JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Pacientes com dor crônica apresentam um menor limiar à dor apresentando dessa forma dores em outras topografias. O objetivo deste estudo foi avaliar a presença de disfunção temporomandibular em pacientes com dor crônica em diversas partes do corpo comparando com um grupo controle sem sintomatologia dolorosa. Além disso, buscou-se verificar qual dos grupos apresentou mais sintomas de disfunção temporomandibular e alteração miofascial nos músculos da mastigação. MÉTODOS: A amostra foi composta por 180 indivíduos, divididos em 2 grupos, sendo 90 pacientes com dor crônica em diversas partes do corpo: grupo estudo, e 90 pacientes sem sintomatologia dolorosa: grupo controle. Para o diagnóstico da sintomatologia de disfunção temporomandibular foi utilizado o questionário proposto pela Academia Americana de Dor Orofacial. Foi realizada uma avaliação física dirigida e validada. Análises foram feitas para verificar a frequência de sintoma de disfunção temporomandibular tanto no grupo controle quanto no grupo estudo e a presença de disfunção temporomandibular muscular em ambos os grupos. RESULTADOS: Entre os pacientes com dor crônica 70% apresentaram sintomatologia para disfunção temporomandibular e no grupo controle 55%. Os pacientes que apresentaram sintomatologia foram avaliados fisicamente e constatou-se que 45% apresentaram dor miofascial nos músculos da mastigação, contra 28% no grupo controle. CONCLUSÃO: A presença de sintomatologia de disfunção temporomandibular e dor muscular nos músculos da mastigação foi maior em pacientes com dor crônica em relação ao grupo controle e deve ser levada em consideração quando se propõe avaliar e controlar todas as dores nesses pacientes. Descritores: Dor crônica, Dor facial, Síndrome da disfunção da articulação temporomandibular. 1. Instituto de Neurologia de Curitiba, Curitiba, PR, Brasil. INTRODUÇÃO Apresentado em 03 de setembro de 2013. Aceito para publicação em 29 de janeiro de 2014. Conflito de interesses: não há. Endereço para correspondência: Luci Mara França Correia Rua Paraíba 2902 – Bairro Guaíra 80630-000 Curitiba, PR, Brasil. E-mail: [email protected] © Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor 6 As disfunções temporomandibulares (DTM) são um subgrupo das dores orofaciais caracterizado por um conjunto de alterações craniofaciais de etiologia multifatorial, com sintomas que incluem limitação de movimento e dor na região pré-auricular, articulação temporormandibular (ATM), músculos da mastigação e estruturas musculoesqueléticas relacionadas à cabeça e pescoço. A sintomatologia dolorosa de qualquer natureza provoca hiperatividade do sistema Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):6-8 A importância da avaliação da presença de disfunção temporomandibular em pacientes com dor crônica nervoso neurovegetativo e aumento do tônus muscular e consequente instalação de dor miofascial1. A dor pode surgir de maneira súbita ou progredir com frequência e intensidade flutuantes ao longo de meses ou anos, com a característica de uma doença crônica. O clique, a crepitação, o travamento, a limitação de abertura ou o desvio do movimento da mandíbula, e a dor de cabeça também estão associados à DTM1. Estudos clínicos têm demonstrado que pacientes com dor orofacial muitas vezes apresentam algias em outras áreas do corpo além do sistema mastigatório, como braços, mãos, região cervical, dorsal, lombar e membros inferiores2-4. Além disso, alguns trabalhos têm sugerido que a dor em outras partes do corpo pode representar um fator de risco para o desenvolvimento das DTM5,6, podendo também contribuir para a persistência da dor miofascial dos músculos da mastigação7,8, dificultando ainda mais o controle da dor nesses pacientes com quadro crônico. Baseado nas informações apresentadas, este estudo teve como objetivo avaliar a frequência de DTM de origem muscular, em pacientes com dor crônica (DC) em outras partes do corpo e que procuraram atendimento multidisciplinar com queixas dolorosas não relacionadas primariamente à ATM. METODOS Foi realizado um estudo transversal observacional, no período de agosto de 2011 a maio de 2012, em que 90 pacientes portadores de DC foram avaliados por dois cirurgiões-dentistas do grupo da dor no ambulatório do Instituto de Neurologia de Curitiba, PR (INC). Compuseram o grupo estudo (GE) 90 pacientes, maiores de 18 anos, com diagnóstico de dor nociceptiva miofascial crônica, baseado na presença de dor localizada ou difusa associada a presença de pontos-gatilho miofasciais à palpação por um período de pelo menos seis meses, em diversas partes do corpo e em acompanhamento pelo grupo da dor do INC. Ao mesmo tempo, esses pacientes não poderiam apresentar diagnóstico de nenhum tipo de neuralgia. Para compor o grupo controle (GC) foram selecionados indivíduos maiores de 18 anos, que pertenciam ao corpo de funcionários do INC, acompanhantes ou familiares dos pacientes sem história de dor aguda ou crônica. Os dois grupos foram pareados por gênero e idade. Os grupos foram compostos por 90 indivíduos, sendo 65 mulheres e 25 homens, com idade média de 47 anos. Para a avaliação da possível presença de DTM, todos os 180 indivíduos preencheram o questionário para triagem de dor orofacial e DTM recomendado pela Academia Americana de Dor Orofacial (AAOP), que é composto por 10 questões com respostas dicotômicas (sim e não), que abordam os sinais e sintomas mais frequentes dessas alterações. Quando havia uma resposta positiva no questionário, o indivíduo era submetido a uma avaliação física baseada no critério de diagnóstico validado: o Research Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders (RDC/TMD). Essa avaliação física foi realizada por dois cirurgiões-dentistas, previamente treinados, e compreendeu a palpação das regiões dos músculos masseter e temporal dos lados direito e esquerdo, com pressão equivalente a cerca de 1kgf. A análise dos dados foi realizada por meio da utilização do teste Qui-quadrado de Pearson para comparar as frequências de sintomas de DTM e de diagnósticos de DTM muscular entre os dois grupos. O teste Qui-quadrado também foi aplicado para verificar diferenças das frequências dos locais de dor nos voluntários do GC entre aqueles que receberam ou não o diagnóstico de DTM. O nível de significância considerado para os testes foi de 0,05. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Neurologia de Curitiba, PR, sob nº 074/2011. RESULTADOS Na avaliação da sintomatologia de DTM, 50 pessoas do GC responderam positivamente a pelo menos um dos sintomas do questionário e 63 do GE apresentaram pelo menos um dos sintomas. Por meio da aplicação do teste de Qui-quadrado foi possível observar que o GE apresentou mais sintomas de DTM que o GC (p=0,045) (Tabela 1). Tabela 1. Sintomas de disfunção temporomandibular Com sintomas de DTM Sem sintomas de DTM Grupo estudo 63 27 Grupo controle 50 40 Teste Qui-quadrado p=0,045. Em relação à presença de DTM muscular o GE também apresentou maior número de indivíduos, sendo a associação significativa (p=0,02) (Tabela 2). Tabela 2. Diagnóstico de disfunção temporomandibular muscular Com DTM muscular Sem DTM muscular Grupo estudo 40 50 Grupo controle 25 65 Teste Qui-quadrado p=0,02. Dos 90 pacientes do GE que estavam em tratamento para DC, 13 apresentavam dor miofascial em região cervical, 14 apresentavam dores miofasciais na região superior do corpo, ou seja, além da cervical havia também o envolvimento dos membros superiores, 19 apresentavam dor miofascial em membros inferiores, 20 foram diagnosticados com dor miofascial na região lombar, 14 com dores difusas e 10 com diagnóstico de cefaleias. De acordo com a análise descritiva dos dados da tabela 1, a presença da dor miofascial na face, caracterizando a DTM muscular, avaliada nesses pacientes demonstrou que a relação de DTM neste estudo foi maior nos casos de dores difusas, descritas na tabela 3. Tabela 3. Frequência de locais dolorosos no grupo de estudo n(%) Região dolorosa Cervical Pessoas com DTM (n=40) Pessoas sem DTM (n=50) Valor de p 7 (7,78) 6 (6,67) 0,46* Membros superiores 7 (7,78) 7 (7,78) 0,65* Membros inferiores 7 (7,78) 12 (13,33) 0,45* Lombar 4 (4,44) 16 (17,78) 0,011** 10 (11,11) 4 (4,44) 0,027** 5 (5,56) 5 (5,56) 0,71* Dor difusa Dor de cabeça *teste Qui-quadrado, **teste Exato de Fisher. 7 Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):6-8 França-Correia LM, Hummig W, Adamowicz T e Almeida DB DISCUSSÃO No presente estudo observou-se que pacientes com DC em outras partes do corpo têm maior possibilidade de apresentar sintomatologia na região orofacial e dor miofascial nos músculos da mastigação, quando comparados a um grupo controle. Um estudo9 relatou essa relação e encontrou compartilhamento de sintomatologias em diversas partes do corpo quando avaliados pacientes com DC. O inverso também parece ser verdadeiro. Outro estudo realizado3 encontrou que 76% dos pacientes com diagnóstico de DTM também apresentaram relato de dor em outras partes do corpo; 50% dos pacientes adultos com dor orofacial apresentavam também dores difusas10. O grande desafio dos profissionais de saúde está no gerenciamento desses pacientes, pois a dor em uma localidade pode estar influenciando a outra e vice versa, comprometendo o controle do sintoma. Indivíduos que apresentam dor miofascial e uma história de dor generalizada parecem ter dor persistente com maior frequência, comparados a pacientes sem história de dor generalizada7. Esse dado fortalece a necessidade de se compreender as áreas envolvidas pela dor em cada paciente. Curiosamente, em um estudo de fibromialgia¹¹, os pesquisadores descobriram que a dor facial, cefaleias, fadiga e limitação funcional do movimento mandibular foram prevalentes entre os pacientes com fibromialgia, e sugerem que a fibromialgia começa em outras partes do corpo e depois se estende para a região orofacial. Nos achados deste estudo a maior prevalência de DTM muscular foi encontrada entre os pacientes com dores difusas, corroborando com o fato de as dores se somarem, havendo assim a necessidade de reconhecê-las para que possam ser controladas. Nas demais localidades de dor o GE apresentou de forma praticamente equilibrada a presença ou não de DTM, havendo resultado significativo da relação no grupo que apresentou dores em várias partes do corpo, o que difere da grande maioria dos estudos na literatura. Muitos trabalhos apresentam a cervicalgia com uma estreita ligação com a DTM12,13. Esse fato traz a necessidade de se realizar um estudo com uma quantidade maior de indivíduos em cada grupo para que aumente o potencial de comparação das áreas de dor no corpo e a presença de DTM muscular concomitante. O conhecimento sobre a DC e como ela se comporta em cada indivíduo ainda é motivo de muito estudo e observação, assim como a etiologia das DTM ainda não está totalmente esclarecida. Conhecer essa inter-relação faz-se necessário para o controle da 8 dor dos pacientes com essas disfunções. Os resultados deste estudo mostram a importância da avaliação total dos indivíduos com DC, pois pacientes com dores em outras partes do corpo apresentam em maior proporção dores miofasciais nos músculos da mastigação quando comparados a um grupo controle. Esse fato é importante para o gerenciamento desses pacientes, confirmando a real necessidade de um enfoque multiprofissional na busca do restabelecimento físico completo e global desses indivíduos. CONCLUSÃO A frequência de sintomas de DTM e dor miofascial nos músculos da mastigação nos pacientes em tratamento para dor muscular crônica em outras partes do corpo foi maior que no grupo sem sintomatologia dolorosa e deve ser levada em consideração na avaliação física geral desses pacientes. REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. Teixeira MJ. Fisiopatologia da nocicepção e supressão da dor. JBA 2001;1(4):329-34. Hagberg C. General musculoskeletal complaints in a group of patients with craniomandibular disorders (CMD). 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BMC Musculoskelet Disord. 2009;2;10:28. ARTIGO ORIGINAL Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):9-12 Influence of cryotherapy application time on skin sensitivity* Influência do tempo de aplicação da crioterapia na sensibilidade cutânea Odair Aparecido Gregório1, Reywerson Cavalheiro1, Rodrigo Tirelli1, Andersom Ricardo Fréz2, Marinêz Boeing Ruaro3, João Afonso Ruaro2 *Recebido da Clínica-Escola de Fisioterapia da Faculdade Anglo-Americano, Foz do Iguaçu, PR, Brasil. DOI 10.5935/1806-0013.20140003 ABSTRACT RESUMO BACKGROUND AND OBJECTIVES: Cryotherapy is a treatment modality with several therapeutic effects, of low cost and easy to apply and access. This study aimed to observing whether there are changes in sensitivity according to cryotherapy application time, in addition to skin sensitivity behavior after treatment. METHODS: Participated in the study 21 individuals (14 females and 7 males, mean age 23.8±4 years) who were randomly distributed in three groups with 7 individuals each. Groups received cryotherapy application for 10, 20 or 30 minutes and were called groups C10, C20 and C30, respectively. All participants were previously submitted to skin sensitivity evaluation by Semmes-Weinstein monofilament and were evaluated immediately after cryotherapy application, 5, 10 and 15 minutes after application. Data were analyzed with Friedman’s test complemented by multiple comparisons post-test (Dunn’s post hoc). RESULTS: All individuals had hypoesthesia in the evaluation immediately after cryotherapy application. There has been significant difference in sensitivity recovery of group C20 as compared to C10 and C30 10 minutes after the intervention (p=0.0498). For groups C10 and C30, sensitivity has returned 15 minutes after the end of application. CONCLUSION: There has been lack of tactile sensitivity five minutes after the end of application, regardless of intervention time. Normal sensitivity recovery was observed after 10 minutes when cold was applied for 20 minutes, and after 15 minutes when cold was applied for 10 or 30 minutes. Keywords: Cryotherapy, Hypoesthesia, Pain, Tactile perception. JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A crioterapia é uma modalidade de tratamento com inúmeros efeitos terapêuticos, de baixo custo, de fácil aplicação e acesso. Os objetivos deste estudo foram verificar se existe alteração na sensibilidade de acordo com o tempo de aplicação da crioterapia além do comportamento da sensibilidade cutânea pós-aplicação. MÉTODOS: Vinte e um sujeitos (14 mulheres e 7 homens, idade média 23,8±4 anos) foram divididos aleatoriamente em 3 grupos, com 7 sujeitos cada, tendo recebido aplicação da crioterapia por 10, 20 ou 30 minutos, denominados respectivamente grupos C10, C20 e C30. Todos foram previamente submetidos à avaliação da sensibilidade cutânea com monofilamento de Semmes-Weinstein, e avaliados imediatamente ao término da aplicação da crioterapia, 5, 10 e 15 minutos após a aplicação. Para análise dos dados foi utilizado o teste de Friedman complementado pelo pós-teste de comparação múltipla (post hoc de Dunn). RESULTADOS: Na avaliação imediatamente após a aplicação da crioterapia todos os sujeitos apresentaram hipoestesia. Observou-se diferença significativa no retorno da sensibilidade do grupo C20 em relação aos demais, após 10 minutos da intervenção (p=0,0498). Para os grupos C10 e C30, o retorno da sensibilidade ocorreu após 15 minutos do término da aplicação. CONCLUSÃO: Cinco minutos depois do término da aplicação da crioterapia observou-se ausência de sensibilidade tátil, independentemente do tempo de intervenção. O retorno da sensibilidade normal foi observado depois de 10 minutos quando se aplicou o frio por 20 minutos, e depois de 15 minutos quando aplicado por 10 ou 30 minutos. Descritores: Crioterapia, Dor, Hipoestesia, Percepção do tato. INTRODUÇÃO 1. Faculdade Anglo-Americano, Foz do Iguaçu, PR, Brasil. 2. Universidade Estadual do Centro-Oeste, Guarapuava, PR, Brasil. 3. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Santa Cruz, RN, Brasil. Apresentado em 21 de outubro de 2013. Aceito para publicação em 10 de fevereiro de 2014. Conflito de interesses: não há – Fontes de fomento: não há. Endereço para correspondência: João Afonso Ruaro Rua Simeão Camargo Varela de Sá, 03 85040-080 Guarapuava, PR, Brasil. E-mail: [email protected] © Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Investigar métodos que proporcionem alívio da dor é fundamental para o avanço da ciência. Nesse contexto, a crioterapia vem sendo utilizada há vários anos como forma de tratamento de lesões musculoesqueléticas por ser uma modalidade terapêutica de baixo custo, de fácil aplicação e acesso. Essa técnica tem como objetivo o alívio da dor e diminuição do edema e das sequelas relacionadas ao processo de lesão, reduzindo a área de lesão secundária1-3. O uso do frio como terapia provoca alterações neuromusculares importantes, pois o resfriamento aumenta a rigidez tecidual e, por conseguinte, reduz a viscoelasticidade dos tecidos4, além dos reconhe- 9 Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):9-12 Gregório OA, Cavalheiro R, Tirelli R, Fréz AR, Ruaro MB e Ruaro JA cidos benefícios na recuperação e tratamento das lesões do sistema neuromusculoesquelético5. Também ocorre redução na velocidade de transmissão do impulso nervoso, que diminui, gradativamente, conforme a temperatura diminui, até o momento em que a condução fique completamente bloqueada3. Há aumento da duração do potencial de ação do nervo sensitivo, pelo aumento dos períodos refratários absoluto e relativo. Como resultado da associação entre a diminuição da velocidade de transmissão do impulso e o aumento do limiar necessário para a estimulação do nervo, pode ocorrer perda da sensibilidade cutânea2,6. Portanto, quando se associa essa a qualquer outra terapia que necessite da sensibilidade preservada, pode-se precipitar lesão cutânea ou até ineficácia da terapia combinada pelo simples conflito das vias7. Umas das formas de analisar essas alterações na sensibilidade cutânea é por meio da aplicação do estesiômetro, o qual consiste de monofilamentos de nylon com espessuras diferentes. O diâmetro e o coeficiente de deformação são pré-definidos e, quando aplicados adequadamente, representam a oferta de pressão recebida pela pele (podendo variar de 0,05g a 300g), refletindo, assim, diferentes níveis de sensibilidade2. Como a crioterapia oferece os inúmeros benefícios já apresentados, há necessidade de quantificar a resposta da alteração da sensibilidade após aplicação dessa técnica, pois os profissionais da saúde utilizam alguns recursos que exigem a redução da sensibilidade; entretanto, em algumas situações, a redução da sensibilidade expõe o paciente a riscos. Dessa forma, os objetivos deste estudo foram verificar se existe alteração na sensibilidade de acordo com o tempo de aplicação da crioterapia, como também verificar se o tempo de retorno da sensibilidade normal está relacionado com o tempo de aplicação da crioterapia. MÉTODOS Trata-se de uma pesquisa experimental, sem grupo controle, realizada na Clínica-Escola de Fisioterapia da Faculdade Anglo-Americano, em Foz do Iguaçu, PR. Para recrutar os voluntários os pesquisadores convidaram todos os acadêmicos do curso de Fisioterapia da instituição, informando todos os procedimentos da pesquisa. Trinta acadêmicos compareceram para a avaliação inicial. Todos foram novamente informados a respeito dos objetivos e procedimentos da pesquisa e assinaram o Termo do Consentimento Livre e Esclarecido de acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Nessa avaliação foi investigado se os sujeitos apresentavam algum dos fatores de exclusão da pesquisa: hipersensibilidade ao frio, síndrome de Raynaud, disfunção neurológica central ou periférica, diabetes mellitus, hanseníase, presença de cicatriz e/ou histórico de fraturas na região do antebraço, tratamento farmacológico atual com uso de analgésicos e/ou tratamento fisioterapêutico atual para disfunções do membro superior e/ou da coluna cervical. Na sequência foi realizada a avaliação da sensibilidade com o sujeito em decúbito dorsal e com o antebraço na posição supina, seguindo as diretrizes recomendadas8. Com um lápis dermatográfico foi marcado como referência o tendão do músculo bíceps braquial na linha articular do cotovelo e o tendão do músculo palmar longo na linha articular do punho. Com 10 uma fita métrica, mensurou-se a distância entre os dois pontos, dividindo-a em três partes. Assim, o antebraço foi dividido em três partes iguais: proximal, média e distal. Em cada uma dessas partes foi marcado o ponto central. Esses três pontos foram considerados para avaliação da sensibilidade, a qual foi realizada utilizando um monofilamento de Semmes-Weinstein de 0,05 gramas, previamente aferido em uma balança de precisão. A escolha desse monofilamento justifica-se por essa gramatura indicar sensibilidade normal2. Com o sujeito vendado, foi aplicado o monofilamento de forma perpendicular duas vezes em cada ponto de forma aleatória. Após cada aplicação o voluntário teve cinco segundos para indicar de forma verbal onde sentiu a pressão. Os sujeitos que apresentaram sensibilidade normal foram submetidos ao teste de sensibilidade ao frio para avaliar a presença de hipersensibilidade. Aplicou-se um cubo de gelo na região anterior do antebraço durante 30 segundos. Após a retirada do gelo observou-se durante cinco minutos a manifestação de sinais de urticária, os quais, se presentes, foram considerados fatores de exclusão da pesquisa. Nesse caso o voluntário ficaria em observação até o desaparecimento dos sinais e seria excluído da pesquisa. Seis sujeitos foram excluídos por apresentarem reação ao teste de sensibilidade e três não compareceram no dia da intervenção. Dessa forma, a amostra foi composta por 21 sujeitos, os quais foram divididos aleatoriamente em 3 grupos, com 7 sujeitos cada: grupo C10, que recebeu aplicação da crioterapia por 10 minutos; grupo C20, por 20 minutos; e grupo C30, por 30 minutos. No dia seguinte à avaliação o antebraço foi novamente marcado de acordo com os padrões já descritos. Logo após a marcação foi realizada a aplicação da crioterapia utilizando uma bolsa de gel, marca Chattanooga, com dimensão de 34,3x36,5 cm, a -5º C, a qual foi aplicada na região anterior do antebraço, de acordo com o tempo específico de cada grupo. Imediatamente ao término da aplicação da crioterapia, 5, 10 e 15 minutos depois da aplicação, avaliou-se novamente a sensibilidade seguindo o mesmo procedimento da avaliação inicial. Para análise dos dados foi utilizado o teste de Friedman para análise da variância não paramétrica, complementado pelo pós-teste de comparação múltipla (post hoc de Dunn). Em todos os testes considerou-se o nível de significância de 5%. Utilizou-se o programa GraphPad Instat 3.0. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade Assis Gurgacz (CEP/FAG), parecer nº 350/2008. RESULTADOS A tabela 1 apresenta a caracterização da amostra estratificada por grupo. Não foram observadas diferenças entre os grupos. Tabela 1. Caracterização da amostra Grupo C10 Grupo C20 Grupo C30 Valor de p 25,7±4,3 22,7±4,2 23,1±3,5 0,2034 Feminino 5 4 5 0,3679 Masculino 2 3 2 Idade (anos) Gênero Influência do tempo de aplicação da crioterapia na sensibilidade cutânea Na avaliação imediatamente após a aplicação da crioterapia, todos os sujeitos apresentaram hipoestesia. Todos os sujeitos do grupo C20 apresentaram retorno da sensibilidade na avaliação realizada 10 minutos após a intervenção. Nos grupos C10 e C30 a sensibilidade normal de todos os sujeitos só foi observada na avaliação de 15 minutos após a aplicação. Na análise estatística observou-se diferença significativa (p=0,0498) na comparação intergrupos após 10 minutos da intervenção (Tabela 2). Tabela 2. Número de sujeitos estratificado por grupo de acordo com o tempo de retorno da sensibilidade. Análise intergrupo e intragrupos, depois da aplicação da crioterapia Retorno sensitivo Grupo C10 Grupo C20 Grupo C30 p-valor2 Imediato 0 0 0 - 5 minutos 1 1 0 0,3679 10 minutos 5 7 3 0,0498* - 15 minutos p-valor1 7 7 7 0,0013* 0,0003* 0,0009* p-valor para análise intragrupo; 2p-valor para análise intergrupo; *significativo. 1 No pós-teste foram realizadas comparações intragrupos de acordo com as avaliações realizadas. Observou-se diferença significativa em todos os grupos quando comparada a avaliação 15 minutos após a crioterapia em relação à avaliação imediatamente após. No grupo C20 também se observou diferença na comparação entre a avaliação 10 minutos após a crioterapia e a avaliação imediatamente após, e no grupo C30 entre a avaliação realizada 15 minutos após a crioterapia e a avaliação 5 minutos após a crioterapia (Tabela 3). Tabela 3. Comparação intragrupo de acordo com o momento da avaliação após a crioterapia Grupo C10 Grupo C20 Grupo C30 5 minutos vs. imediato p>0,05 p>0,05 p>0,05 10 minutos vs. imediato 15 minutos vs. imediato p>0,05 * p<0,05 p>0,05 p<0,05* p<0,05* p<0,05* 10 minutos vs. 5 minutos p>0,05 p>0,05 p>0,05 15 minutos vs. 5 minutos p>0,05 p>0,05 p<0,05* 15 minutos vs. 10 minutos p>0,05 p>0,05 p>0,05 Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):9-12 Esperava-se que no grupo que recebeu a crioterapia por 10 minutos houvesse o retorno da sensibilidade de forma mais precoce em relação aos demais, como analogamente esperava-se que o grupo que recebeu a intervenção por 30 minutos demorasse mais para o retorno da sensibilidade. Entretanto, diferentemente destas suposições, o grupo que recebeu a crioterapia por 20 minutos foi o que apresentou a normalização da sensibilidade mais precocemente, 10 minutos após a crioterapia. Diferentemente desses resultados observados, Carvalho e Chieritch2 afirmam que após cinco minutos de aplicação da bolsa de gel pode-se aplicar outra técnica que necessite de sensibilidade preservada do paciente. Ademais, a redução da temperatura cutânea após a crioterapia perdura por pelo menos 15 minutos e, após 30 minutos de retirada, a temperatura é restabelecida aos níveis normais10. Um fator que pode influenciar o retorno da sensibilidade é o gênero do sujeito, pois após processos de resfriamento com compressa de gelo, observou-se maior temperatura cutânea no gênero masculino, fato que sugere a participação dos hormônios sexuais nos processos de controle e ajuste da termorregulação periférica11. No presente estudo essa análise por gênero não foi realizada, entretanto todos os grupos foram compostos por homens e mulheres e não apresentaram diferença entre eles (p=0,3679). Sabe-se também que caminhar após a aplicação da crioterapia acelera o processo de recuperação da condução nervosa sensitiva e motora12; entretanto, no presente estudo os sujeitos permaneceram em repouso depois da crioterapia. Além disso, a crioterapia melhora o grau de satisfação dos pacientes quando comparada a outras modalidades analgésicas13. Nesta pesquisa optou-se pela bolsa de gel, devido à praticidade e disponibilidade no serviço. Contudo, segundo Enwemeka et al.14, a bolsa de gel depois de colocada na pele vai perdendo seu poder de resfriamento tecidual, pois não tem um ponto de fusão para ser superado antes de aquecer. Como limitações do estudo, pode-se mencionar o não monitoramento da temperatura da bolsa de gel durante a aplicação. Além disso, há escassez de estudos referentes à avaliação da sensibilidade tátil após a crioterapia, o que dificulta a comparação dos resultados desta pesquisa. CONCLUSÃO significativo. * DISCUSSÃO Todos os sujeitos apresentaram redução da sensibilidade após a aplicação da bolsa de gel, permitindo, assim, a avaliação do retorno da sensibilidade. Sugere-se que as alterações de sensibilidade encontradas neste estudo decorrem das alterações neurológicas provocadas pela crioterapia, pois o uso da mesma pode levar ao aumento do limiar e da tolerância à dor no local da aplicação e também distalmente ao local de aplicação9. Após a aplicação do frio mantém-se o potencial de ação com aumento do período refratário, reduzindo a velocidade de condução. Dessa forma, a percepção sensorial é transmitida de forma reduzida, associando-se às mudanças da sensibilidade3, ou seja, essas alterações modificam as vias que captam, transformam e conduzem os impulsos nervosos, alterando assim a percepção do estímulo aplicado2. Considerando-se as condições experimentais descritas, até cinco minutos após o término da aplicação da crioterapia observa-se ausência de sensibilidade tátil, independentemente do tempo de intervenção. Já o retorno da sensibilidade normal pode ser observado depois de 10 minutos do término quando se aplica o frio por 20 minutos, e 15 minutos após o término da aplicação da crioterapia por 10 ou 30 minutos. REFERÊNCIAS 1. 2. 3. Oliveira NM, Gava AD, Salvini TF. O efeito da crioterapia e compressão intermitente no músculo lesado de ratos: uma analise morfométrica. Rev Bras Fisioter. 2007;11(5):403-9. Carvalho GA, Chierichetti HS. Avaliação da sensibilidade cutânea palmar nas aplicações de crioterapia por bolsa de gelo e bolsa de gel. Rev Bras Ciên Mov. 2006;14(2):23-32. Knight KL. Crioterapia no tratamento das lesões esportivas. São Paulo: Manole; 2000. 127-49p. 11 Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):9-12 4. 5. 6. 7. 8. 9. 12 Gregório OA, Cavalheiro R, Tirelli R, Fréz AR, Ruaro MB e Ruaro JA Brasileiro JS, Faria AF, Queiroz LL. Influência do resfriamento e do aquecimento local na flexibilidade dos músculos isquiotibiais. Rev Bras Fisioter. 2007;11(1):57-61. Matheus JP, Milani JG, Gomide LB, Volpon JB, Shimano AC. Análise biomecânica dos efeitos da crioterapia no tratamento da lesão muscular aguda. Rev Bras Med Esporte. 2008;14(4):372-5. Silveira DW, Boery EM, Boery RN. Reflexões acerca da crioterapia na fase aguda da atrite reumatóide e suas correlações com a crioglobulinemia. Rev Bras Fisioter. 2006;2(2):153-60. Tonon SC, Souza AT. Avaliação da marcha, sensibilidade do coto e pressão plantar do pé protético na amputação bilateral. Rev Bras Fisioter. 2005;3(3):100-10. Sydney PB, Conti PC. Diretrizes para avaliação somatossensorial em pacientes portadores de disfunção temporomandibular e dor orofacial. Rev Dor. 2011;12(4):349-53. Algafly AA, George KP. The effect of cryotherapy on nerve conduction velocity, pain threshold and pain tolerance. Br J Sports Med. 2007;41(6):365-9. 10. Carvalho AR, Medeiros DL, Souza FT, Paula GF, Barbosa PM, Vasconcellos PR, et al. Variação de temperatura do músculo quadríceps femoral exposto a duas modalidades de crioterapia por meio de termografia. Rev Bras Med Esporte. 2012;18(2):109-11. 11. Rocha WA, Facini MP, Santuzzi CH, Freitas GK, Pareira RR, Araujo MT, et al. Diferenças de gênero no limiar sensitivo para estimulação elétrica nervosa em adultos jovens. Acta Ortop Bras. 2011;19(2):74-8. 12. Herrera E, Sandoval MC, Camargo DM, Salvini TF. Effect of walking and resting after three cryotherapy modalities on the recovery of sensory and motor nerve conduction velocity in healthy subjects. Rev Bras Fisioter. 2011;15(3):233-40. 13. Abreu EA, Santos JD, Ventura PL. Analgesic effectiveness of the association of transcutaneous electrical nerve stimulation and cryotherapy for chronic low back pain. Rev Dor. 2011;12(1):23-8. 14. Enwemeka CS, Allen C, Avila P, Bina J, Konrade J, Munns S. Soft tissue thermodynamics before, during, and after cold pack therapy. Med Sci Sports Exerc. 2002;34(1):45-50. ARTIGO ORIGINAL Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):13-6 Osteomuscular disorders and associated factors among solid waste collectors of two middle-sized cities from the South of Brazil* Distúrbios osteomusculares e fatores associados em coletores de lixo de duas cidades de porte médio do sul do Brasil Rodrigo Kohn Cardoso1, Airton José Rombaldi1, Marcelo Cozzensa da Silva1 *Recebido da Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil. DOI 10.5935/1806-0013.20140004 ABSTRACT BACKGROUND AND OBJECTIVES: Solid waste collectors are constantly exposed to high physical demands and precarious ergonomic conditions at work. This study aimed to identify the prevalence of osteomuscular disorders and associated factors among solid waste collectors of two middle-sized cities from Southern Brazil. METHODS: Thys was a observational cross-sectional census study. Population was made up of all solid waste collectors of the cities of Pelotas and Rio Grande, RS. Data were collected through a questionnaire with sociodemographic, economic, nutritional and behavioral variables. Prevalence of osteomuscular disorders was evaluated with the Nordic Questionnaire for Osteomuscular Symptoms. RESULTS: All 127 solid waste collectors were interviewed. Prevalence of osteomuscular disorders in the last 12 months was 88.2%. Among affected workers, 94.5% reported no pain before starting collecting solid waste. Most affected body regions were legs, knees and lumbar spine, respectively. After multivariate analysis, only body mass index remained associated to osteomuscular disorders. CONCLUSION: The prevalence of osteomuscular symptoms among solid waste collectors in Southern Brazil is high. Adequate prevention strategies are needed. Keywords: Cumulative traumatic disorders, Occupational diseases, Occupational health, Solid waste collection, Workers. RESUMO JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Os coletores de lixo estão constantemente expostos a alta exigência física e condições ergonômicas precárias no trabalho. O objetivo deste estudo foi verificar a preva- 1. Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil. Apresentado em 12 de setembro de 2013. Aceito para publicação em 11 de fevereiro de 2014. Conflito de interesses: não há. Endereço para correspondência: Marcelo Cozzensa da Silva Rua Luis de Camões, 625 96055-630 Pelotas, RS, Brasil. E-mail: [email protected] © Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor lência de distúrbios osteomusculares e fatores associados em coletores de lixo de duas cidades de porte médio do sul do Brasil. MÉTODOS: Este estudo caracterizou-se como observacional transversal do tipo censo. A população foi composta por todos os coletores de lixo das cidades de Pelotas e Rio Grande, RS. A coleta de dados foi realizada por meio de um questionário contendo questões relativas a variáveis sociodemográficas, econômicas, nutricionais e comportamentais. A prevalência de distúrbios osteomusculares foi avaliada através do Questionário Nórdico de Sintomas Osteomusculares. RESULTADOS: Foram entrevistados todos os 127 coletores de lixo. A prevalência de distúrbios osteomusculares nos últimos 12 meses foi de 88,2%. Dentre os trabalhadores acometidos, 94,5% não apresentavam qualquer dor antes de exercerem a atividade de coleta de lixo. As regiões do corpo mais acometidas foram pernas, joelhos e coluna lombar, respectivamente. Após análise multivariável apenas o índice de massa corpórea permaneceu associado aos distúrbios osteomusculares. CONCLUSÃO: A prevalência de sintomas osteomusculares entre coletores de lixo do sul do Brasil é alta. Estratégias adequadas de prevenção são necessárias. Descritores: Coleta de resíduos sólidos, Doenças profissionais, Saúde ocupacional, Trabalhadores, Transtornos traumáticos cumulativos. INTRODUÇÃO Os coletores de lixo, popularmente chamados de garis e/ou lixeiros, são responsáveis por um serviço público essencial para a preservação ambiental e, consequentemente, para a saúde pública: o recolhimento dos lixos domiciliar e comercial. Estima-se que mais de 90.000 pessoas realizam esse trabalho no Brasil1 e durante sua atividade laboral, ficam expostas a riscos físicos, químicos, biológicos e psicossociais2. A jornada de trabalho dos coletores de lixo apresenta elevada carga de trabalho, com demanda física intensa, dentre as quais estão caminhar, correr, subir e descer ladeiras e levantar e transportar peso ao longo do dia, entre outros1. A exposição a altos níveis de exigência física pode desencadear uma série de agravos à saúde, como o aparecimento de sintomas osteomusculares, tecnicamente chamados de Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT)3. Segundo o Ministério da Saúde, os DORT são lesões musculoesqueléticas, consequência da excessiva utilização de tais estruturas, associadas à uma recuperação insuficiente. Caracterizam-se pelo aparecimento de sintomas como 13 Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):13-6 Cardoso RK, Rombaldi AJ e Silva MC dor, parestesia, sensação de peso e fadiga, concomitantemente ou não. Abrangem quadros clínicos do sistema musculoesquelético, adquiridos pelo trabalhador submetido a determinadas condições de trabalho4. Nos Estados Unidos, os DORT são responsáveis por mais da metade das doenças beneficiadas pelo Seguro de Compensação dos Trabalhadores5 e no Brasil, 48,2% dos benefícios previdenciários concedidos em 2006 foram por consequência dessas morbidades6. De acordo com o Sistema de Informações em Saúde do Trabalhador, 51,2% das doenças notificadas no estado do Rio Grande do Sul, estado do extremo sul do Brasil, em 2008 foram DORT. Assim, fica claro que os DORT são um problema de saúde pública. Existem poucos estudos publicados avaliando a saúde osteomuscular de coletores de lixo em todo o mundo. Estudo avaliando fatores relacionados à coleta de lixo encontrou que apenas 3% desses estudos investigaram lesões osteomusculares7. Outro estudo realizado na Flórida, Estados Unidos, encontrou prevalência de 75% de lesões osteomusculares nos últimos 12 meses entre coletores de lixo sólido domiciliar8. No Brasil, poucos estudos foram encontrados analisando essa temática. Diante da gravidade da problemática que envolve a saúde do trabalhador, bem como pela existência de uma lacuna no conhecimento sobre prevalência de distúrbios osteomusculares entre os coletores de lixo, justifica-se a realização deste estudo, que objetiva investigar a prevalência de distúrbios osteomusculares e fatores associados em coletores de lixo de duas cidades de porte médio do extremo sul do Brasil. MÉTODOS O presente estudo, caracterizado como observacional de delineamento transversal do tipo censo, foi realizado nas cidades de Pelotas e Rio Grande. Pelotas é uma cidade com 328.864 habitantes e, de acordo com o Serviço Autônomo de Saneamento de Pelotas (SANEP), são recolhidos cerca de 160 toneladas de lixo por dia na zona urbana da cidade. Rio Grande possui 198.048 habitantes e produz cerca de 130 toneladas de lixo por dia, de acordo com a Secretaria Municipal de Serviços Urbanos. As informações foram coletadas através de questionário que continha 50 perguntas, avaliando características sociodemográficas (escolaridade em anos de estudo, estado civil, cor da pele); econômicas (nível econômico, através do instrumento da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP) e renda familiar em reais); comportamentais (tabagismo e ingestão de bebidas alcoólicas) com a utilização do questionário CAGE, constituído por quatro questões referentes ao anagrama Cut down, Annoyed by criticism, Guilty e Eye-opener (Alguma vez o(a) senhor(a) sentiu que deveria diminuir a quantidade de bebida alcoólica ou parar de beber?) Cut down; as pessoas o(a) aborrecem porque criticam o seu modo de tomar bebida alcoólica? Annoyed by criticism; o(a) senhor(a) se sente chateado(a) consigo mesmo(a) pela maneira como costuma tomar bebidas alcoólicas? Guilty; costuma tomar bebidas alcoólicas pela manhã para diminuir o nervosismo ou ressaca? Eye-opener; antropométricas (peso e altura autorrelatadas); características do trabalho (tempo de trabalho em meses e período de trabalho diário em horas). O desfecho, prevalência de distúrbios osteomusculares nos últimos 12 meses, foi 14 avaliada através do Questionário Nórdico de Sintomas Osteomusculares (QNSO), instrumento de medida da ocorrência de sintomas nas diversas regiões anatômicas, validado no Brasil em 2002 por Pinheiro, Tróccolia e Carvalho9. Os questionários foram aplicados por entrevistadores, os quais passaram por um treinamento com duração de 12 horas, no qual foram abordadas questões referentes a técnicas de entrevistas, conhecimento do questionário e simulação da entrevista. A entrevista teve duração média de aproximadamente 30 minutos. O controle de qualidade foi realizado pelo pesquisador principal através da reaplicação de um questionário contendo cinco questões-chave a 5% dos trabalhadores de cada cidade. Os questionários foram duplamente digitados no programa EPIDATA 3.1. Para a análise estatística utilizou-se o programa STATA 10.0. Foi realizada a análise univariada de todas as informações coletadas, com cálculo das medidas de tendência central e dispersão para descrever as variáveis contínuas e de proporções para as variáveis categóricas. Utilizaram-se os testes de Qui-quadrado e de tendência linear para analisar associação entre o desfecho e os preditores em estudo. Foi realizada análise por meio de Regressão de Poisson para verificar a associação entre variáveis independentes e desfechos controlados para possíveis confundidores. O nível de confiança estabelecido para o estudo foi de p<0,05. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Superior de Educação Física da Universidade Federal de Pelotas, nº 003/2011. O consentimento desse comitê precedeu o início da coleta de dados. Os princípios éticos foram assegurados às empresas e aos funcionários, de modo que todos consentiram em participar do estudo assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. RESULTADOS Foram entrevistados os 127 coletores de lixo, todos do gênero masculino, vinculados à empresa responsável pela coleta de lixo nas cidades estudadas, durante o mês de dezembro de 2011, estando na ativa ou não (férias e/ou licença médica). A maioria dos indivíduos era de cor da pele não branca (57,5%), casados/viviam com companheira (70,1%), com médias de idade e escolaridade, respectivamente, de 26,2±5,4 anos, variando de 18 a 45 anos, e 6,2±2,33 anos de estudo. Setenta e cinco por cento dos entrevistados pertenciam ao nível econômico C de acordo com a ABEP e 55,9% trabalhavam na empresa por período igual ou menor que um ano. Oitenta por cento dos trabalhadores foram classificados na categoria de normalidade segundo o índice de massa corpórea (IMC). Trinta e quatro por cento relataram fumar atualmente e 15,1% apresentaram indicativo para alcoolismo. Não houve perdas ou recusas no estudo. A tabela 1 apresenta a descrição sociodemográfica, econômica, nutricional e comportamental da população. Um total de 112 trabalhadores (88,2 %) relatou sentir algum tipo de dor ou desconforto osteomuscular em uma ou mais regiões do corpo no último ano. Informação importante a ser descrita é que, do total de coletores, 94,5% relatou não ter apresentado dores musculoesqueléticas antes de iniciar no serviço de coleta. A análise estratificada por cidade demonstrou que a prevalência de dor em, pelo menos, alguma região corporal nos últimos 12 meses foi, Distúrbios osteomusculares e fatores associados em coletores de lixo de duas cidades de porte médio do sul do Brasil Tabela 1. Prevalência de variáveis sociodemográficas, econômicas, nutricionais, comportamentais e características do trabalho dos coletores de lixo das cidades de Pelotas e Rio Grande/RS, 2013 (n=127) Variáveis Prevalência n (%) Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):13-6 50 45 40 35 30 Idade (anos) 18-21 22-25 26-29 30 ou mais 26 (20,5) 39 (30,7) 29 (22,8) 33 (26,0) Cor da pele Branca Não branca 54 (42,5) 73 (57,5) Escolaridade Fundamental incompleto Fundamental completo Médio Superior incompleto 87 (68,5) 23 (18,1) 15 (11,8) 2 (1,6) Classe econômica B C A 11 (8,7) 96 (75,6) 20 (15,7) Situação conjugal Casado/com companheira Solteiro/sem companheira 89 (70,1) 38 (29,9) Tabagismo Nunca fumou Ex-fumante Fumante 66 (52,0) 18 (14,0) 43 (34,0) Indicativo para alcoolismo (CAGE) Negativo Positivo 107 (84,9) 19 (15,1) Índice de massa corpórea (kg/m²) Normal Sobrepeso/obesidade 103 (81,7) 24 (18,3) Tempo de trabalho (meses) Menos de 1 1-12 13-60 Mais de 60 22 (17,3) 49 (38,6) 38 (29,9) 18 (14,2) respectivamente, em Pelotas e Rio Grande, de 85,5 e 92,2%. Quando estudados aqueles trabalhadores que exerciam essa função há até um ano e que não apresentavam dor antes do seu início, 81,8% em Pelotas e 93,7% em Rio Grande vieram a ser acometidos por dor. Em relação ao turno de trabalho, indivíduos que trabalhavam à noite apresentaram uma prevalência de distúrbios osteomusculares de 91,1% seguido de 85,3% entre os que trabalhavam de dia. As regiões do corpo mais afetadas por distúrbios osteomusculares nos últimos 12 meses foram, respectivamente, as pernas (40,9%), os joelhos (36,2%), a região lombar (35,4%) e a coluna torácica (34,7%) (Figura 1). Na análise bivariada as variáveis cor da pele, idade, escolaridade, classe econômica, fumo, situação conjugal, turno de trabalho e tempo de trabalho não apresentaram associação com DORT. Apenas ingestão de bebidas alcoólicas e IMC foram identificadas como fatores associados aos distúrbios osteomusculares. Na análise multivariável apenas relativo a sobrepeso/obesidade permaneceu associado aos distúrbios osteomusculares (Tabela 2). % 25 Pelotas 20 Rio Grande 15 10 5 0 Pernas Joelhos Coluna lombar Coluna torácica Ombros Coxas Figura 1. Prevalência de regiões do corpo mais acometidas por distúrbios osteomusculares nos últimos 12 meses de coletores de lixo das cidades de Pelotas e Rio Grande/RS, 2013 (n=127) Tabela 2. Análise bruta e ajustada da associação entre distúrbios osteomusculares e preditores em coletores de lixo de Pelotas e Rio Grande/RS, 2013 (n=127) Análise bruta Distúrbios Valor Variáveis musculares p (%) Cor da pele 0,44* Branca 90,7 Não branca 86,3 0,05** Idade (anos) Até 21 88,5 22-25 87,2 100,0 26-29 30 ou mais 78,8 Situação conjugal 0,76** Com companheira 88,8 Sem companheira 86,8 Escolaridade (anos) 0,34** Até 4 80,7 5-8 91,1 9 ou mais 88,2 Classe econômica 0,20** B 100,0 C 88,8 D 83,3 Tabagismo 0,26** Não fumante 85,7 Fumante 93,0 Ingestão de álcool 0,13* Sim 91,8 Não 83,0 Índice de massa 0,05** corpórea Peso normal 85,4 Sobrepeso/obeso 95,8 Turno de trabalho 0,41** Diurno 85,3 Noturno 91,1 Tempo de trabalho 0,60** (meses) Menos de 1 90,9 1-12 87,8 13-24 94,7 25-48 100,0 49 ou mais 75,0 Análise ajustada RP (IC95%) Valor p 0,46 1,0 0,9 (0,8 -1,1) 0,60 1,0 1,0 (0,8 – 1,2) 1,1 (1,0 – 1,3) 0,9 (0,8 – 1,1) 0,80 1,0 0,8 (0,8 – 1,1) 0,50 1,0 1,1 (0,9 -1,3) 1,1 (0,8 - 1,4) 0,20 1,0 1,0 (0,8 – 1,2) 1,2 (1,0 – 1,3) 0,20 1,0 1,1 (1,0 – 1,2) 0,20 1,0 1,1 (1,0 – 1,3) 0,05 1,0 1,1 (1,1 – 1,2) 0,23 1,0 1,1 (0,9 – 1,2) 0,28 1,0 0,9 (0,8 – 1,1) 1,1 (0,9 – 1,3) 1,1 (0,9 – 1,3) 0,8 (0,6 – 1,1) RP: razão de prevalência; * teste Qui-quadrado; **teste Exato de Fisher. 15 Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):13-6 Cardoso RK, Rombaldi AJ e Silva MC DISCUSSÃO A problemática das lesões osteomusculares que acometem trabalhadores vem sendo bastante descrita nas mais diversas ocupações. Estudos descrevendo a prevalência de DORT em coletores de lixo foram realizados em vários países, como Egito10, Estados Unidos11 Taiwan12, entre outros. Entretanto, poucos estudos foram encontrados com coletores de lixo do Brasil. A prevalência de sintomas osteomusculares encontrada nos coletores de lixo durante os últimos 12 meses (88,2%) foi superior à descrita em outras regiões do mundo nessa mesma população8,10,13. Estudo10 encontrou prevalência de distúrbios osteomusculares de 60,8% entre coletores de lixo de Mansoura, Egito10, enquanto que Mehrdad et al.13 relataram 65% de distúrbios entre coletores de lixo de Tehran. A elevada prevalência encontrada no presente estudo pode ser explicada pela forma como se realiza a coleta do lixo, a qual é, ainda, predominantemente manual, como na maioria dos países em desenvolvimento10. Outro fator que pode contribuir para estes achados é a carga horária de trabalho à qual essa população está sujeita, em média de 8,5 horas. Em dias de grande volume de lixo, essa carga de trabalho, segundo os coletores, chega próximo a 14 horas, caso das segundas-feiras e após datas comemorativas. Diferentemente de achados de outros estudos com coletores de lixo10,13, a região das pernas e joelhos foram os locais mais prevalentes de sintomatologia musculoesquelética entre os participantes deste estudo. O excesso de movimentos repetitivos e de carga durante o trabalho, a realização de corridas, agachamentos, bem como os constantes saltos para subir e descer do caminhão podem ser os principais responsáveis por essa alta prevalência. Além disso, o calçado utilizado (coturnos sem um bom sistema de amortecimento) durante o trabalho, possivelmente seja mais um dos fatores contribuintes para o alto relato de dores nas pernas e joelhos. Outra região bastante acometida foi a coluna lombar. Mais de um terço dos trabalhadores relataram sentir dores nessa região, dados que estão de acordo com achados de outros estudos com essa população10,12,13. Autores destacam como possíveis fatores associados para a prevalência de dor lombar a realização de movimentos repetitivos, levantamento e carregamento de cargas, flexões, giros, vibração e alta exigência física no trabalho14, fatores presentes na rotina da coleta de lixo. As variáveis cor da pele, escolaridade, classe econômica, fumo, ingestão de bebidas alcoólicas, situação conjugal, turno de trabalho e tempo de trabalho não apresentaram associação com os distúrbios osteomusculares na análise bivariada. Na análise multivariável a idade perdeu associação com o desfecho, permanecendo, somente, o IMC relacionado ao mesmo. A associação entre IMC e distúrbios osteomusculares vêm sendo apresentada em estudos prévios com outras populações15. O IMC elevado se soma às exposições às cargas fisiológicas, favorecendo o aparecimento de problemas musculoesqueléticos. Esse dado é indicativo de que o aumento do IMC aumenta também a vulnerabilidade para os distúrbios osteomusculares, uma vez que ao sobrecarregar as estruturas osteomusculares, pode provocar dores, especialmente nos joelhos e na coluna lombar16. Algumas limitações do estudo precisam ser relatadas. O tempo de recordatório de 12 meses para a determinação da prevalência de sintomas osteomusculares pode levar a uma subestimação dos valo- 16 res encontrados devido a dificuldade de lembrança do acontecido, principalmente se a dor apresentou baixa intensidade. Como outros estudos com trabalhadores, o viés do trabalhador sadio não pode ser deixado de lado. Entretanto, pela forma como o questionário foi aplicado, por entrevistadores bem treinados, com atenção especial às variáveis que envolviam tempo de recordatório, bem como por se ter entrevistado todos os coletores de lixo, inclusive aqueles que se encontravam em licença médica, acredita-se que os dados coletados refletem a realidade da prevalência de sintomas osteomusculares desses trabalhadores. Além disso, a inexistência de perdas e recusas, a qual foi resultado de uma logística eficiente, e o ineditismo desse tipo de estudo na região sul do Brasil são pontos a serem destacados nesse estudo. CONCLUSÃO A prevalência de sintomas osteomusculares entre coletores de lixo na região sul do Rio Grande do Sul é alta, assim como a apresentada nos países desenvolvidos. Assim, sugere-se a implementação de estratégias adequadas de prevenção, como a utilização de calçados que permitam um melhor sistema de amortecimento, a introdução de sistemas educativos de posturas e movimentos ergonomicamente menos agressivos ao corpo, bem como a realização de programas com o intuito de preparar, compensar e relaxar o indivíduo antes, durante e depois da jornada de trabalho, como a ginástica laboral. REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. Anjos LA, Ferreira JA, Damião JJ. Heart rate and energy expenditure during garbage collection in Rio de Janeiro, Brazil. Cad Saude Publica. 2007;23(11):2749-55. Porta D, Milani S, Lazzarino AI, Perucci CA, Forastiere F. Systematic review of epidemiological studies on health effects associated with management of solid waste. Environ Health. 2009;8:60. Gelberg KH. Health study of New York City department of Sanitation landfill employees. J Occup Environ Med. 1997;39(11):1103-10. 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DOI 10.5935/1806-0013.20140005 ABSTRACT RESUMO BACKGROUND AND OBJECTIVES: Pain is a very frequent symptom in venous ulcer patients and may be persistent and/or exacerbated during dressing change. Pain affects quality of life and may negatively impact wound healing. This study aimed at identifying the prevalence of pain and at evaluating major pain-associated factors in venous ulcer patients. METHODS: This is a transversal study carried out in a Teaching Hospital of Natal, RN. Convenience sample was made up of 100 venous ulcer patients seen by the angiology ambulatory of this hospital. A structured interview form with socio-demographic and health characteristics, and assistance and injury characteristics was used, in addition to two questions about pain from the Medical Outcome Study Short Form 36 (SF-36). Mann-Whitney test was used to compare categorical variables. Significance level was p<0.05. RESULTS: Pain was referred by 86% of evaluated patients. Patients with profession/occupation, low income and who did not smoke/ drank, using compressive therapy, who were oriented about using compressive therapy and leg lifting, with minor injuries, in epithelialization stage, with no odor and without signs of infection had lower pain intensity and lower impact of pain on daily life activities. CONCLUSION: Socio-demographic factors and aspects regarding assistance and injury have influenced venous ulcer-related pain. Interventions aiming at influencing such factors might help controlling these patients’ pain. Keywords: Leg ulcer, Nursing care, Pain, Varicose ulcer. JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A dor é um sintoma muito frequente em pacientes com úlceras venosas e pode ser persistente e/ou ser exacerbada durante as trocas de curativo. A presença de dor afeta a qualidade de vida e pode influenciar negativamente a cicatrização da ferida. O objetivo deste estudo foi identificar a prevalência de dor e verificar os principais fatores associados à dor em pacientes com úlceras venosas. MÉTODOS: Estudo transversal, desenvolvido em um Hospital Universitário em Natal, RN. A amostra, de conveniência, foi constituída por 100 pacientes com úlcera venosa atendidos no ambulatório de angiologia do referido hospital. Utilizou-se um formulário estruturado de entrevista com características sociodemográficas e de saúde, características da assistência e da lesão, além de duas questões sobre dor do Medical Outcome Study Short Form 36 (SF-36). Para a comparação das variáveis categóricas, foi utilizado o teste Mann-Whitney. O nível de significância estabelecido foi p<0,05. RESULTADOS: A dor esteve presente em 86% dos pacientes avaliados. Pacientes com profissão/ocupação, de baixa renda e que não fumavam/bebiam, que usavam terapia compressiva, que receberam orientações sobre uso de terapia compressiva e elevação de membros inferiores, com lesões menores, em fase de epitelização, sem odor e sem sinais de infecção apresentaram menor intensidade da dor e menor impacto da dor nas atividades do dia a dia. CONCLUSÃO: Fatores sociodemográficos, relacionados à assistência e à lesão influenciaram a dor relacionada a úlceras venosas. Intervenções que visem influenciar esses fatores tem potencial para auxiliar no controle da dor desses pacientes. Descritores: Cuidados de enfermagem, Dor, Úlcera de perna, Úlcera varicosa. INTRODUÇÃO 1. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Hospital Universitário Onofre Lopes, Departamento de Enfermagem, Natal, RN, Brasil. Apresentado em 16 de outubro de 2013. Aceito para publicação em 11 de fevereiro de 2014. Conflitos de interesses: não há. Endereço para correspondência: Marina de Goes Salvetti Rua Paulino H de Campos, 106 – Centro 18130-385 São Roque, SP, Brasil. E-mail: [email protected] © Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor As úlceras venosas (UV) são um problema de saúde pública e causam considerável impacto econômico, pois afetam pessoas de diferentes faixas etárias e muitas vezes provocam absenteísmo ou perda do emprego1-3. Os índices de recidiva das úlceras são elevados, o tratamento é complexo e a presença da lesão causa sofrimento e prejuízos à qualidade de vida3-7. A prevalência das UV vem crescendo nos últimos anos, como um reflexo do envelhecimento da população4,6,8-10. No Brasil, embora sejam escassos os registros dos atendimentos, as UV contribuem para onerar os gastos do Sistema Único de Saúde (SUS) e interferem na 17 Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):17-20 Salvetti MG, Costa IK, Dantas DV, Freitas CC, Vasconcelos QL e Torres GV qualidade de vida dos portadores e de seus familiares3,11. A dor é um sintoma muito frequente em pacientes com UV e sua prevalência varia entre 80 e 96% nesse grupo de pessoas12-14. Pode ser persistente e/ou ser exacerbada durante as trocas de curativo13,15. Ainda, a presença de dor afeta negativamente a qualidade de vida, gera instabilidade de humor, provoca alterações no sono, altera a mobilidade e a deambulação, aumentando o risco de quedas12,16,17. A dor pode também influenciar negativamente a cicatrização, pois o estímulo doloroso está associado à liberação de mediadores inflamatórios, que potencialmente reduzem a reparação tecidual e a regeneração15. Apesar da relevância desse sintoma, poucos estudos têm explorado a dor em pacientes com UV. O objetivo deste estudo foi identificar a prevalência de dor e verificar os principais fatores associados à dor em pacientes com úlceras venosas. MÉTODOS Estudo transversal, desenvolvido no Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL), referência terciária do SUS vinculado ao complexo de saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), situado em Natal/RN, Brasil. A população alvo da pesquisa foi constituída por pacientes com UV atendidos nesse serviço de saúde no período de junho a novembro de 2011. A amostra, de conveniência, foi composta por 100 usuários do ambulatório de angiologia do HUOL. Os critérios de inclusão foram apresentar lesão de origem venosa; ter mais de 18 anos e ser atendido em consulta de retorno ou de primeira vez no ambulatório de angiologia do HUOL. Os critérios de exclusão foram úlcera de origem arterial ou mista e não ter concluído o preenchimento das informações dos instrumentos da coleta de dados. Os pacientes foram informados sobre os objetivos do estudo e os que aceitaram participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os instrumentos de pesquisa utilizados foram um formulário estruturado de entrevista com características sociodemográficas e de saúde, incluindo características da assistência e da lesão, além de duas questões sobre dor do instrumento de qualidade de vida relacionado à saúde, Medical Outcome Study Short Form 36 (SF-36). O SF-36 é um questionário multidimensional, formado por 36 itens englobados em oito componentes e avalia tanto os aspectos negativos (doença), quanto os positivos (bem-estar)18. Nesse questionário, a dor é avaliada por duas questões (7 e 8) que representam a intensidade da dor e o seu impacto no desempenho das atividades diárias e/ou profissionais. A questão 7 avaliou a intensidade da dor que o indivíduo sentiu nas últimas 4 semanas e a pontuação variou de 1,0 (dor muito intensa) a 6,0 (dor nenhuma) e a questão 8 avaliou quanto a dor interferiu no trabalho e atividades de casa e a pontuação variou de 1,0 (interferiu extremamente) a 6,0 (não interferiu). O escore do domínio dor varia de 0 a 100 e é calculado a partir da seguinte fórmula: Domínio = valor obtido na questão 7 + questão 8 – limite inferior x 100 variação do escore 18 O limite inferior para o domínio dor é igual a 2. A variação do escore para o domínio dor é igual a 10. Escores baixos no domínio dor indicam maior intensidade da dor e maior impacto da dor nas atividades; escores elevados no domínio dor indicam menor intensidade da dor e menor impacto da dor nas atividades. Os dados coletados foram transferidos para um banco de dados na planilha do Microsoft Excel 2007 e, após correção, exportados e analisados no programa Statistical Package for Social Science (SPSS) versão 15.0 Windows. No programa, SPSS 15.0, foram realizadas as análises descritivas com frequências absolutas e relativas, média dos escores das variáveis e análise inferencial nos cruzamentos das variáveis. Para a comparação das variáveis categóricas, foi utilizado o teste Mann-Whitney. O nível de significância estatística estabelecido foi p<0,05. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Universitário Onofre Lopes/Universidade Federal do Rio Grande do Norte (HUOL/UFRN), respeitando a normalização da Resolução CONEP 466/12, no que se refere aos aspectos éticos observados quando da realização da pesquisa envolvendo seres humanos, nº do protocolo 279/2009. RESULTADOS A caracterização sociodemográfica dos pacientes com UV mostrou predomínio de pessoas acima de 60 anos, do gênero feminino, casadas, ou com união estável. A maioria dos pacientes tinha baixa escolaridade (83%), profissão/ocupação (56%) e renda menor que um salário mínimo (76%). A prevalência de dor entre os participantes deste estudo foi de 86%. A análise da relação entre as variáveis sociodemográficas e a dor mostrou associação significativa do domínio dor com: profissão/ocupação (p=0,001), renda (p=0,042) e etilismo/tabagismo (p=0,013). Os pacientes que tinham profissão, baixa renda e que não eram etilistas nem tabagistas apresentaram melhores índices de qualidade de vida no domínio dor, ou seja, menor intensidade da dor e menor impacto da dor nas atividades do dia a dia (Tabela 1). Além de explorar os fatores sociodemográficos, a presente pesquisa investigou se a dor apresentava alguma associação com variáveis relacionadas à assistência ou com características da lesão (Tabelas 2 e 3). Em relação à assistência, observou-se que a dor apresentou associação significativa com: uso de terapia compressiva (p=0,002), orientação para uso de terapia compressiva (p=0,030) e orientação para elevação dos membros inferiores (p=0,002). Os pacientes que faziam uso de terapia compressiva, que receberam orientação sobre o seu uso e sobre elevação dos membros inferiores apresentaram menor intensidade da dor e menor impacto da dor nas atividades diárias. Esses achados mostram que a assistência prestada tem influência sobre a dor relacionada à úlcera. A análise das variáveis relacionadas à lesão mostrou que a dor apresentou associação significativa com: a condição do leito da ferida (p=0,011), odor da UV (p=0,009), área da UV (p=0,001) e sinais de infecção (p=0,001). Os pacientes que apresentavam UV com predomínio de tecido de granulação ou epitelização, ausência de odor, que tinham lesões pequenas (<50mm) e sem sinais de infecção apresentaram menor intensidade da dor e menor impacto da dor nas atividades diárias. Prevalência de dor e fatores associados em pacientes com úlcera venosa Tabela 1. Associação entre o domínio dor e variáveis sociodemográficas. Natal, 2011 Escore Domínio dor (SF-36) 51,87 47,45 0,478 ≥ 60 anos < 60 anos 46,55 55,33 0,129 ≥ 1 recidiva Nenhuma 48,53 56,75 0,223 > 6 meses Até 6 meses 50,68 50,02 0,919 45,21 61,02 0,011 45,02 55,51 0,068 37,69 54,62 0,009 49,47 49,52 0,994 40,68 60,72 0,001 41,98 61,34 0,001 Condição do leito da UV Estado civil Solteiro/viúvo/divorciado Casado/união estável 54,96 47,77 0,225 Fibrina e/ou necrose Granulação/epitelização Quantidade do exsudato da UV Escolaridade Até ensino fundamental Ensino médio/superior 48,07 62,38 0,062 Média a grande Pequena (até 3 gazes) Odor do exsudato da UV Profissão/ocupação Presente Ausente 59,10 39,56 0,001 Presente Ausente Perda tecidual provocada pela UV Renda < 1 salário mínimo ≥ 1 salário mínimo 53,79 40,08 0,042 Graus III e IV Graus I e II Área da UV Doenças crônicas Presente Ausente 46,64 56,29 0,101 Média a grande Pequena (<50 mm) Sinais de Infecção Sono < 6 horas ≥ 6 horas 40,86 53,71 0,053 Presente Ausente 36,67 54,18 0,013 DISCUSSÃO SF-36: Medical Outcome Study Short Form 36. Tabela 2. Associação entre o domínio dor e variáveis relacionadas à assistência. Natal, 2011 Escore Domínio dor (SF-36) Valor de p Uso de terapia compressiva Ausente Presente 45,05 65,22 0,002 Orientação para uso da terapia compressiva Ausente Presente 43,44 56,04 0,030 Orientação para elevação de membros inferiores Ausente Presente 35,21 55,87 0,002 48,35 54,49 0,310 50,76 49,13 0,835 45,35 54,39 0,120 Orientação para exercícios regulares Consultas com o angiologista Referência e contrarreferência SF-36: Medical Outcome Study Short Form 36. Presente Ausente SF-36: Medical Outcome Study Short Form 36; UV: úlcera venosa. Etilismo/tabagismo Ausente Presente Valor de p Tempo da UV atual Faixa etária < de 4 consultas por ano ≥ de 4 consultas por ano Escore Domínio dor (SF-36) Recidivas da UV Feminino Masculino Ausente Presente Tabela 3. Associação entre o domínio dor e as variáveis relacionadas às características da lesão. Natal, 2011 Valor de p Gênero Variáveis Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):17-20 As características sociodemográficas observadas confirmam resultados de outras pesquisas que relatam predomínio de mulheres, com baixa renda e baixa escolaridade em pacientes com úlcera venosa, em diferentes contextos19,20. A prevalência de dor entre os participantes deste estudo foi elevada (86%) e semelhante ao observado por outros estudos que avaliaram pacientes com UV e encontraram prevalência entre 80 e 96%12-14. A observação de que pacientes com profissão/ocupação apresentaram menor intensidade da dor relacionada à úlcera pode ser explicada pela Teoria do Controle do Portão21,22, que explica que as pessoas que mantém suas atividades estão expostas a maior quantidade de estímulos sensoriais, tendem a focar menos atenção e perceber menos a sensação dolorosa. Por outro lado, pacientes que permanecem em casa e/ou não têm atividades laborais tendem a focalizar sua atenção na presença da dor. O fato de pacientes com renda mais baixa terem apresentado menor intensidade da dor e menor impacto da dor nas atividades do dia a dia não era esperado, mas esses pacientes podem ter demonstrado maior resiliência frente à dor, considerando a falta de opções no contexto em que vivem. Outra possibilidade é que pacientes com baixa renda não tenham outra opção, senão manter suas atividades em casa e no trabalho, o que poderia interferir na atenção dispensada à sensação dolorosa. Esses pacientes podem considerar também que 19 Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):17-20 Salvetti MG, Costa IK, Dantas DV, Freitas CC, Vasconcelos QL e Torres GV a dor faz parte do quadro da UV, o que pode afetar a avaliação que fazem desse sintoma. Já a observação de que pacientes fumantes/etilistas apresentassem maior intensidade e impacto da dor no dia a dia era esperada, visto que a dor relacionada a UV apresenta componentes neuropáticos importantes, que podem ser agravados com o consumo dessas substâncias. A relação entre o hábito de fumar e a dor crônica é conhecida e o tabagismo é considerado um fator de risco para a dor crônica23. Na presente pesquisa os pacientes com lesões menores apresentaram menor intensidade dolorosa e menor impacto da dor na qualidade de vida. Estudo que comparou a intensidade da dor em pacientes com úlceras cicatrizadas e abertas mostrou que os pacientes com úlceras cicatrizadas apresentavam menor intensidade da dor15, confirmando estes achados. Este estudo encontrou associação entre a dor relacionada à UV e aspectos da assistência e da lesão, o que sugere que intervenções focadas nesses fatores podem contribuir para o controle da dor desses pacientes. Essa hipótese, no entanto, deve ser testada em futuros estudos. O controle eficaz da dor traz benefícios inquestionáveis à qualidade de vida dos pacientes com UV e há estudo indicando que o adequado controle da dor contribui também para a cicatrização das úlceras, o que deve ser testado em futuros estudos15. CONCLUSÃO A dor é um sintoma muito frequente em pacientes com úlcera venosa e sua presença afeta negativamente a qualidade de vida. Pacientes com profissão/ocupação, renda baixa e que não fumavam/ bebiam apresentaram menor impacto da dor na qualidade de vida. Do mesmo modo, pacientes que usavam terapia compressiva, que receberam orientações sobre o seu uso e elevação de membros inferiores, com lesões menores, em fase de epitelização, sem odor e sem sinais de infecção apresentaram menor intensidade da dor e menor impacto da dor nas atividades do dia a dia. Esses achados permitem afirmar que fatores sociodemográficos relacionados à assistência e à lesão estão associados à dor de UV. Intervenções que visem reduzir o consumo de tabaco e álcool, estimular atividades ocupacionais/laborais, fornecer orientações sobre terapia compressiva e elevação de membros inferiores e melhorar as condições do leito da ferida têm potencial para auxiliar no controle da dor desses pacientes. AGRADECIMENTOS À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo apoio recebido para o desenvolvimento deste estudo. 20 REFERÊNCIAS 1. Castillo PD. Sagues RC, Urrea CR, Bardisa JM, López AS. Colgajo sural en úlceras venosas crónicas de piernas. Rev Chil Cir. 2004;56(5):475-80. 2. Rivero MJ, Barrios JA, Castro MQ. Caracterización de la insuficiencia venosa crónica en consultas del Instituto de Angiología y Cirugía Vascular. Rev Cubana Angiol Cir Vasc. 2010;11(1):1-9. 3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância Epidemiológica. Manual de condutas para tratamento de úlceras em hanseníase e diabetes. 2ª ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2008. 4. Deodato OO, Torres GV. Venous ulcers in users assisted on Onofre Lopes University Hospital, at Natal/RN: sociodemographic and health characterization. The FIEP Bulletin. 2008;78:471-4. 5. Sant’ana SM, Bachion MM, Santos QR, Nunes CA, Malaquias SG, Oliveira BG. 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DOI 10.5935/1806-0013.20140006 ABSTRACT BACKGROUND AND OBJECTIVES: Low back pain is a public health problem and among physiotherapeutic treatment modalities there are joint mobilizations, such as central posteroanterior joints. However, there is a gap with regard to mobilization of all lumbar vertebrae. So, this study aimed at evaluating the effects of different Maitland mobilizations levels, in all lumbar spine vertebrae, in healthy volunteers, to assess pain intensity to cold and pressure. METHODS: This was a crossover clinical trial, with 15 female volunteers who received posteroanterior mobilizations, varying the level between I-IV. In one of the weeks, volunteers received no mobilization. Studied variables were pain intensity to cold and pain threshold to pressure, previous to mobilization (AV1), 5 (AV2) and 35 minutes after mobilization (AV3). RESULTS: It was observed that 35 minutes after mobilization for levels II and III there has been significant pain intensity decrease to cold as compared to AV1, what was also true for levels III and IV as compared to AV2. There have been no significant differences in pressure threshold evaluation. CONCLUSION: Mobilizations have produced as from LII significant decrease in pain intensity to cold, but there has been no effect with regard to pain to pressure. Keywords: Physiotherapy modalities, Therapy with exercises, Spine. RESUMO JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A dor lombar é um problema de saúde pública e dentre as formas de tratamento fisioterapêutico são utilizadas as mobilizações articulares, como as póstero-anteriores centrais. Contudo, há uma lacuna com relação à mobilização 1. Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel, PR, Brasil. Apresentado em 10 de setembro de 2012. Aceito para publicação em 14 de janeiro de 2014. Conflito de interesses: não há. Endereço para correspondência: Gladson Ricardo Flor Bertolini Rua Universitária, 2069 – Jardim Universitário 85819-110 Cascavel PR, Brasil. E-mail: [email protected] © Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor de todas as vértebras lombares. Assim, o objetivo deste estudo foi analisar os efeitos de diferentes graus das mobilizações de Maitland, em todas as vértebras da coluna lombar, em voluntários saudáveis, avaliando a intensidade de dor ao frio e à pressão. MÉTODOS: O estudo caracterizou-se como clínico e cruzado e composto por 15 voluntárias que receberam mobilizações póstero-anteriores, variando-se o grau entre I-IV e também em uma das semanas não receberam mobilização. As variáveis analisadas foram a intensidade de dor ao frio e o limiar de dor à pressão, prévio à mobilização (AV1), cinco (AV2) e 35 minutos após a mobilização (AV3). RESULTADOS: Foi possível observar que após 35 minutos da mobilização para os graus II e III houve diminuição significativa da intensidade de dor ao frio ao comparar com AV1, o que também ocorreu para os graus III e IV ao comparar com AV2. Na avaliação do limiar de pressão não houve diferenças significativas. CONCLUSÃO: As mobilizações produziram a partir do grau II redução significativa na intensidade de dor ao frio, mas não houve efeito com relação à dor à pressão. Descritores: Coluna vertebral, Modalidades de fisioterapia, Terapia por exercício. INTRODUÇÃO A dor lombar (DL) é reconhecida como um problema de saúde pública global e produz significantes custos sociais e para a saúde. Dentre as formas de tratamento fisioterapêutico há grande variedade, sendo mais facilmente observado o uso de terapia manual com mobilizações e manipulações, eletroestimulação e orientações1. Existem técnicas dentro da terapia manual que são aplicadas no diagnóstico e tratamento da mobilidade articular. Assim, fisioterapeutas que utilizam técnicas manuais correlacionam os achados do exame com a natureza e a distribuição dos sintomas para chegar a um diagnóstico e poder selecionar um tratamento mais adequado2. Essas técnicas manuais podem ser efetivas no controle da dor, pois o toque na pele pode ser um poderoso meio de modulação da dor, e a velocidade dos estímulos proprioceptivos pode facilitar a inibição de estímulos dolorosos no sistema nervoso central (SNC)3. Muitas das técnicas em terapia manual, por estarem associadas à aplicação de cargas através das mãos dos fisioterapeutas, dependem do treinamento da percepção manual de cada profissional. Um método bastante conhecido na terapia manual é a mobilização articular de Maitland. Esse método compreende uma série de manobras uti- 21 Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):21-4 Karvat J, Antunes JS e Bertolini GR lizadas na avaliação e tratamento de disfunções do sistema musculoesquelético. Durante sua utilização, são aplicadas cargas de forma oscilatória para a produção de movimento acessório intra-articular. Nesse método existe uma divisão da aplicação das cargas em graus de movimento. Porém, esses graus são definidos em termos qualitativos, o que pode fazer com que ocorra grande variabilidade na aplicação das cargas em cada grau4. Os graus I e II da mobilização de Maitland correspondem à aplicação dos movimentos oscilatórios, com ritmo lento no inicio da amplitude do movimento acessório da articulação, livre da resistência oferecida pelos tecidos e são indicados nos casos de processos dolorosos articulares. Os graus III e IV são manobras que se caracterizam por movimentos oscilatórios realizados no final da amplitude do movimento acessório ou a partir da resistência dada pelos tecidos periarticulares5. A carga imposta durante a manobra grau III e IV promove a adaptação viscoelástica dos tecidos conectivos e, portanto, é indicada para recuperar os movimentos acessórios quando existir uma restrição a esse mesmo movimento6. Uma das técnicas de mobilização articular utilizada em avaliações e tratamentos de disfunções na coluna vertebral é a técnica de pressão póstero-anterior (PA) central. Nessa técnica, o avaliador através do osso pisiforme aplica uma carga oscilatória sobre o processo espinhoso de uma vértebra de um paciente deitado em decúbito ventral. Apesar de existirem trabalhos utilizando a mobilização PA na coluna lombar, há uma lacuna com relação à mobilização de todas as vértebras deste segmento. O objetivo deste estudo foi analisar os efeitos de diferentes graus das mobilizações de Maitland, em todas as vértebras da coluna lombar, em voluntários saudáveis, avaliando a intensidade de dor ao frio e à pressão. MÉTODOS O estudo é caracterizado como ensaio clínico cruzado e transversal. A amostra foi composta por 15 voluntárias, adultas jovens, do gênero feminino, alunas da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), campus Cascavel, com idade de 21,27±0,88 anos, altura de 1,67±0,06 metros e peso de 57,93±4,83kg. Tal número de amostra foi calculado baseado em estudos anteriores com uso de dolorímetro de pressão para um desvio padrão de 4,5, e diferença a ser detectada de 5Kgf, com nível de significância de 5% e poder de 85%. No primeiro contato, foi explicado a cada voluntária as intenções e procedimentos, bem como foram questionadas sobre seu interesse em participar da pesquisa. Sendo aceito o convite e assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido iniciaram-se as avaliações e técnicas de mobilização. As voluntárias não deveriam apresentar DL (crônica e/ou aguda), cirurgias sobre a coluna, distúrbios sensitivos locais e/ou em membros inferiores, infecções, gestação, traumas recentes; deveriam ter sensibilidade preservada e comparecer nos momentos e datas importantes para avaliação. Momentos de avaliação As voluntárias do estudo participaram do projeto uma vez por semana, durante cinco semanas. Durante quatro semanas, aleatoriamente, receberam um grau diferente de mobilização (GI, GII, GIII, GIV) juntamente com as avaliações, e em uma semana só recebe- 22 ram a avaliação sem a mobilização (G0). Os momentos de avaliação ocorreram em 3 vezes para cada dia: momento pré-mobilização (AV1), 5 (AV2) e 35 minutos após a mobilização (AV3). Avaliação da intensidade de dor ao frio A voluntária imergiu o pé dominante, até a região mais distal do maléolo medial, em um recipiente contendo água e gelo a 5º C ± 1, mantidos por 30 segundos, sendo o controle de temperatura realizado com o auxilio de um termômetro de mercúrio da marca Incoterm®. Depois de 30 segundos a voluntária foi questionada quanto à intensidade de dor, por meio da escala analógica visual (EAV). Tal escala consistiu de um aparato de madeira, que de um lado apresentava um cursor metálico móvel, em que a voluntária marcava a posição entre “0” (sem dor) e “10” (máximo de dor imaginável), e no outro lado havia uma régua disposta inversamente, permitindo quantificar em centímetros a intensidade indicada pela participante. Avaliação do limiar de dor à pressão Para avaliação da dor à pressão foi utilizado um dolorímetro de pressão (Kratos®), com capacidade de produzir até 50 Kgf, com ponta circular de 1cm2, o qual foi aplicado sobre o processo espinhoso da 3ª vértebra lombar do indivíduo, logo após a avaliação pela EAV. Protocolo de mobilização Para a mobilização as voluntárias receberam a técnica PA central em todos os processos espinhosos da coluna lombar, por um minuto cada. Duas terapeutas realizaram as mobilizações, porém, visando evitar vieses, não havia revezamento nas voluntárias, ou seja, mobilizavam sempre os mesmos indivíduos. As voluntárias permaneceram em prono, com os braços ao lado do corpo. A terapeuta ficou do lado esquerdo e posicionou a borda ulnar da mão esquerda, região dos ossos pisiforme e hamato, em contato com o processo espinhoso da vértebra a ser mobilizada. A mão esquerda foi então reforçada pela direita em forma de concha com a aproximação das eminências tênar e hipotenar, em cima da superfície radial da outra mão. Assim, deixando os dedos médio, anular e mínimo direitos entre o indicador e polegar esquerdos, e fazendo com que o indicador e o polegar esquerdos fiquem por cima do dorso da mão esquerda, obteve-se estabilidade segurando a palma da mão esquerda entre a eminência tênar e os dedos médios, anular e mínimo da mão direita. Os ombros do terapeuta ficaram em equilíbrio por cima do paciente, com cotovelos ligeiramente flexionados. O estudo foi realizado em cinco semanas, sendo que em quatro semanas a voluntária recebeu graus intercalados de mobilização e em uma semana ela foi somente avaliada, de forma aleatória, sendo que em cada semana havia três voluntárias para cada subgrupo, sorteadas aleatoriamente. Os graus de mobilização foram: Grau I – movimento de pequena amplitude próxima à posição inicial do percurso; Grau II – movimento de grande amplitude dentro do percurso. Ele pode ocupar qualquer parte do percurso que estiver livre de qualquer rigidez ou espasmo muscular; Grau III – movimento de grande amplitude, porém dentro de rigidez ou espasmo muscular, no final da amplitude; Mobilizações póstero-anteriores na coluna lombar em voluntárias saudáveis. Avaliação da dor ao frio e à pressão: ensaio clínico cruzado Grau IV – movimento de pequena amplitude executado forçadamente dentro da rigidez ou espasmo muscular, no final da amplitude. As voluntárias receberam as mobilizações logo após o primeiro momento de avaliação (AV1) e depois ocorreram as avaliações como já descrito. Para a análise dos dados utilizou-se o teste ANOVA para medidas repetidas, com pós-teste de Bonferroni, com nível de significância de α=5%. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE) sob parecer nº 242/2011. RESULTADOS Para a avaliação de dor ao frio, realizada com a EAV, foi possível observar diminuição da intensidade da dor apenas para a última avaliação, quando utilizada a mobilização a partir de GII. Na comparação entre os grupos não houve diferenças significativas (Tabela 1). Tabela 1. Intensidade de dor ao frio, de acordo com a escala analógica visual, em todos os graus das três avaliações Escala analógica visual Graus AV1 AV2 AV3 G0 3,94 ± 2,09 4,19 ± 2,17 3,33 ± 2,64 GI 4,95 ± 3,08 4,79 ± 3,08 3,70 ± 2,86 GII 4,70 ± 2,98 4,50 ± 2,64 3,36 ± 2,58 * GIII 4,75 ± 2,37 4,65 ± 2,72 2,84 ± 2,13 *° GIV 3,90 ± 2,35 4,36 ± 2,69 2,86 ± 2,42 ° *Diferença significativa ao comparar, dentro do grupo, com AV1; ° Diferença significativa, dentro do grupo, ao comparar com AV2. Limiar de dor à pressão Na avaliação do limiar de dor à pressão, em nenhum dos grupos foi possível observar diferenças significativas (Tabela 2). Entre os grupos também não houve diferença significativa. Tabela 2. Resultados do limiar de dor à pressão, sobre L3, de acordo com os graus utilizados das três avaliações Graus Limiar de dor AV1 AV2 AV3 G0 774,0 ± 400,4 604,7 ± 455,0 596,7 ± 333,5 GI 522,0 ± 259,0 620,7 ± 384,6 519,3 ± 319,7 GII 630,7 ± 383,2 544,7 ± 326,0 485,3 ± 238,4 GIII 572,0 ± 254,2 574,0 ± 331,1 477,3 ± 275,7 GIV 638,7 ± 359,2 591,3 ± 329,9 588,0 ± 327,3 DISCUSSÃO A terapia manual é um instrumento eficaz no tratamento de DL7. Terapeutas buscam em sua avaliação sinais de rigidez na coluna de pessoas com lombalgia, objetivando tratá-la8. Porém, existem controvérsias no que diz respeito à rigidez predizer resultados clínicos como dor e incapacidade9. Contudo, apesar das controvérsias, as mobilizações da coluna apresentam como principais resultados a inibição da dor induzida por um estimulo mecânico, que pode ocorrer por meio Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):21-4 da criação de depressão em longo prazo da função sináptica do SNC, além da melhora da amplitude de movimento da coluna lombar10,11. No presente estudo, foi utilizada a técnica PA em todo o segmento lombar, a qual produziu uma redução da intensidade de dor ao frio. Um estudo anterior, também utilizando a mobilização PA, mas em pacientes com DL, mostrou que a mobilização pode reduzir a intensidade da dor quando o paciente se move ativamente, sendo que o protocolo utilizado foi de três repetições de um minuto cada e a magnitude da força de mobilização foi selecionada pelo terapeuta de acordo com o paciente12. De forma concordante, foi observado no presente estudo que a intensidade de dor ao frio foi reduzida com a aplicação das mobilizações, a partir do grau II, fato não observado tanto para o grupo controle (G0) quanto para o grau I. Os mecanismos exatos para alívio da dor ainda não são estabelecidos, mas possíveis explicações são teorias como a das comportas e de supressão descendente mediada pela substância cinzenta periaqueductal. Em estudo que utilizou mobilizações PA sobre L3, com variações na pressão entre 50 e 200N, sendo que estas alternaram desde grandes até semiestáticas oscilações, os autores observaram como resultados redução no limiar de dor à pressão em todas as variações13. Tal resultado não foi observado na avaliação do limiar de dor à pressão no presente estudo, porém, vale novamente salientar que foram mobilizadas todas as vértebras lombares o que pode ter gerado desconforto pela pressão ter ocorrido em mais de um segmento. Ainda, deve-se levar em consideração que, no presente estudo, as mobilizações foram realizadas por duas acadêmicas, que apesar de terem recebido treinamento, apresentavam pequena experiência com o uso da técnica, a qual mesmo para terapeutas experientes, segundo estudos, há pobre confiabilidade no desempenho dos graus de mobilização5,14. Outra limitação do estudo foi o fato de ter sido um estudo cruzado, o que pode gerar efeito do carregamento, apesar de que para tentar diminuir tal efeito havia um intervalo de sete dias entre as mobilizações. Sugere-se assim que novas pesquisas possam ser realizadas com terapeutas mais experientes avaliando a ação das mobilizações em mais de um segmento. Salienta-se ainda que a ausência de alterações na dor induzida pelo frio para o grau I não significa que este não possa produzir efeitos hipoálgicos15, mas, que para indivíduos sem dor prévia, tal estímulo mostrou-se insuficiente para gerar mecanismos atenuadores, assim tornam-se relevantes pesquisas com mobilizações em mais de um segmento em portadores de dor lombar aguda e crônica. CONCLUSÃO As mobilizações oscilatórias sobre vértebras lombares de indivíduos saudáveis produziram, a partir de GII, redução significativa na intensidade de dor ao frio, mas não houve efeito com relação à dor à pressão. AGRADECIMENTOS Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Fundação Araucária pelo apoio com bolsas de iniciação científica na modalidade Ações Afirmativas. 23 Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):21-4 Karvat J, Antunes JS e Bertolini GR REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 24 Gracey JH, McDonough SM, Baxter GD. Physiotherapy management of low back pain: a survey of current practice in Northern Ireland. Spine. 2002;27(4):406-11. van de Veen EA, de Vet HC, Pool JJ, Schuller W, de Zoete A, Bouter LM. Variance in manual treatment of nonspecific low back pain between orthomanual physicians, manual therapists, and chiropractors. J Manipulative Physiol Ther. 2005;28(2):108-16. Gosling AP. Mecanismos de ação e efeitos da fisioterapia no tratamento da dor. Rev Dor. 2013;13(1):65-70. Chiradejnant A, Latimer J, Maher CG. Forces applied during manual therapy to patients with low back pain. J Manipulative Physiol Ther. 2002;25(6):362-9. Snodgrass SJ, Rivett DA, Robertson VJ. Manual forces applied during cervical mobilization. J Manipulative Physiol Ther. 2007;30(1):17-25. Hsu A, Ho L, Chang J, Chang GL, Hedman T. Characterization of tissue resistance during a dorsally directed translation mobilization of the glenohumeral joint. Arch Phys Med Rehabil. 2002;83(3):360-6. Slater SL, Ford JJ, Richards MC, Taylor NF, Surkitt LD, Hahne AJ. The effectiveness of sub-group specific manual therapy for low back pain: a systematic review. Man Ther. 2012;17(3):201-12. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. Kumar S. Posteroanterior spinal stiffness at T5, T10, and L3 levels in normal subjects. PMR. 2012;4(5):342-8. Ferreira ML, Ferreira PH, Latimer J, Herbert RD, Maher C, Refshauge K. Relationship between spinal stiffness and outcome in patients with chronic low back pain. Man Ther. 2009;14(1):61-7. Zusman M. Mechanism of mobilization. Phys Ther Rev. 2011;15(4):233-6. Sato T, Koumori T, Uchiyama Y. Preliminary study of the immediate effect of spinal segmental side bending mobilization on improves lumbar range of motion. J Phys Ther Sci. 2012;24(5):431-4. Goodsell M, Lee M, Latimer J. Short-term effects of lumbar posteroanterior mobilization in individuals with low-back pain. J Manipulative Physiol Ther. 2000;23(5):33242. Krouwel O, Hebron C, Willett E. An investigation into the potential hypoalgesic effects of different amplitudes of PA mobilisations on the lumbar spine as measured by pressure pain thresholds (PPT). Man Ther. 2010;15(1):7-12. Snodgrass SJ, Rivett DA, Robertson VJ. Manual forces applied during posterior-to-anterior spinal mobilization: a review of the evidence. J Manipulative Physiol Ther. 2006;29(4):316-29. Martins DF, Bobinski F, Mazzardo-Martins L, Cidral-Filho FJ, Nascimento FP, Gadotti VM, et al. Ankle joint mobilization decreases hypersensitivity by activation of peripheral opioid receptors in a mouse model of postoperative pain. Pain Med. 2012;13(8):1049-58. ARTIGO ORIGINAL Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):25-9 Comparison between Comfort-Behavior and Ramsay scales in a pediatric intensive care unit* Comparação entre as escalas de Comfort-Behavior e Ramsay em uma unidade de terapia intensiva pediátrica Marcella Zuliani Lopes Soares1, Andréa Gomes da Costa Mohallem2, Simone Brandi1, Mariana Lucas da Rocha Cunha2 *Recebido da Faculdade de Enfermagem, Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil. • Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em Enfermagem. DOI 10.5935/1806-0013.20140007 ABSTRACT RESUMO BACKGROUND AND OBJECTIVES: Studies have tried to compare sedation scales, however time spent with their application has not been studied. This study aimed at checking sedation level of patients admitted to the pediatric intensive care unit according to Comfort-Behavior and Ramsay scales, comparing sedation score and time spent to apply both scales. METHODS: This prospective study has involved patients aged from one day of life until 18 incomplete years, admitted to the pediatric intensive care unit, submitted or not to mechanical ventilation, who needed analgesic and/or sedative therapy and after acceptance of legal representatives. Exclusion criteria were patients under neuromuscular blockers and in process of extubation. A checklist developed by the authors was used to collect dada. Data were collected in four observations per patient (14h, 16h, 18h and 20h), in a total of 48 observations. Sample was made up of six patients. RESULTS: In 22 observations there have been high sedation levels in both scales. Moderate sedation was found in one observation for both scales. No evaluation has shown low sedation levels. Mean time using Comfort-Behavior scale was longer as compared to Ramsay scale (p=0.019). There has been no significant variation among patients and among observers. CONCLUSION: Evaluated scores had similar results; however mean time for Comfort-Behavior scale was longer than for Ramsey scale without variation among patients or among observers. Keywords: Deep sedation, Method, Nursing, Pain measurement, Pediatric intensive care unit, Physiological monitoring. JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Estudos buscaram comparar escalas de sedação, porém o tempo gasto na sua aplicação não tem sido pesquisado. Os objetivos deste estudo foram verificar o nível de sedação de pacientes internados na unidade de terapia intensiva pediátrica de acordo com as escalas de Comfort-Behavior e Ramsay, comparando o escore de sedação e o tempo gasto na aplicação das duas escalas. MÉTODOS: Este estudo prospectivo englobou os pacientes a partir de um dia de vida até 18 anos incompletos, internados na unidade de terapia intensiva pediátrica, submetidos à ventilação mecânica ou não, que necessitaram de terapia analgésica e/ou sedativa e com aceite do responsável legal. Não foram incluídos pacientes em uso de bloqueador neuromuscular e em processo de extubação. Para o levantamento dos dados, foi utilizado um formulário do tipo Check List, elaborado pelas autoras. A coleta de dados foi realizada em quatro observações por paciente (14h, 16h, 18h e 20h), totalizando 48 observações. A amostra foi composta por seis pacientes. RESULTADOS: Em 22 observações foram constatados níveis altos de sedação em ambas as escalas. Níveis moderados de sedação foram encontrados em uma observação de ambas as escalas. Em nenhuma das avaliações foram observados níveis baixos de sedação. O tempo médio usando a escala de Comfort-Behavior foi maior que o da escala de Ramsay (p=0,019). Não houve variação significativa entre os pacientes assim como entre os observadores. CONCLUSÃO: Os escores avaliados apresentaram equivalência nos resultados, entretanto o tempo médio usando a escala Comfort-Behavior foi maior que o da escala de Ramsay, não tendo sido encontrada variação entre os pacientes, assim como entre os observadores. Descritores: Enfermagem, Mensuração da dor, Método, Monitorização fisiológica, Sedação profunda, Unidade de terapia intensiva pediátrica. 1. Hospital Israelita Albert Einstein, Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica, São Paulo, SP, Brasil. 2. Faculdade Israelita das Ciências da Saúde Albert Einstein, Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil. Apresentado em 19 de dezembro de 2012. Aceito para publicação em 17 de fevereiro de 2014. Conflito de interesses: não há. Endereço para correspondência: Marcella Zuliani Lopes Soares Rua Bartira 485/71 Bloco 1 - Perdizes 05009-000 São Paulo, SP, Brasil. E-mail: [email protected] © Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor INTRODUÇÃO Na unidade de terapia intensiva pediátrica (UTIP), o paciente é constantemente exposto a intenso impacto psíquico causado pela ansiedade, medo, distúrbios do sono e vigília, imobilidade no leito, manipulação desconfortável e procedimentos invasivos como intubação traqueal, punções venosas ou arteriais e drenagem de tórax. Um dos principais objetivos dos profissionais de saúde no cuidado 25 Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):25-9 Soares MZ, Mohallem AG, Brandi S e Cunha ML à criança internada na UTIP é realizar tratamento que implique na menor agressão possível, a fim de evitar maior sofrimento físico e emocional para a criança e seus familiares1,2. Esse cenário, de intenso impacto psíquico associado à necessidade de suporte ventilatório mecânico, está entre as indicações mais comuns para a utilização de analgesia e/ou sedação nesses pacientes. Analgesia e sedação, além de otimizarem o tratamento, proporcionam conforto, controlam a dor e atenuam o nível de ansiedade e agitação apresentado por eles1,2. Apesar dos benefícios do uso de fármacos vasoativos e analgésicos em pacientes graves, a utilização excessiva está associada a aumento do tempo de internação, do risco de infecção e da taxa de mortalidade, além da probabilidade de desenvolvimento de sintomas de abstinência no momento da sua suspensão, que podem variar em qualidade e intensidade1-4. O uso da sedoanalgesia deve ser criteriosamente avaliado pela equipe médica, por meio dos níveis de sedação atingidos, a fim de se utilizar a menor dose possível e minimizar os riscos de efeitos adversos, priorizando a manutenção de uma sedação ideal. Deve-se manter uma sedação profunda somente nos casos necessários, reduzindo-se, dessa forma, o tempo de suporte ventilatório mecânico e diminuindo-se consequentemente os custos com a internação hospitalar. Preconiza-se também, evitar uma sedação insuficiente, que causaria sofrimento ao paciente, além de colocar sua segurança em risco1-4. A tendência atual está voltada para a individualização do tratamento do paciente, o que torna imprescindível a avaliação contínua da dor, monitorização da sedação e da analgesia. O Consenso Brasileiro para Sedação e Analgesia em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), sugere que a avaliação periódica da intensidade e qualidade da analgesia e sedação deva ser incorporada à rotina da monitorização clínica em UTI de adultos5. A dor representa uma experiência subjetiva e considerando-se a área pediátrica, a criança deve ser avaliada por meio de instrumentos adequados e tratada de acordo com a faixa etária, o desenvolvimento cognitivo e as condições clínicas apresentadas por ela. Por esse motivo, a avaliação é muito mais complicada e difícil, sobretudo naqueles pacientes sob sedação e submetidos à ventilação mecânica (VM), pois, em muitas situações não é possível diferenciar entre dor e ansiedade, e ambas devem ser tratadas simultaneamente. Cabe à equipe de enfermagem estar preparada e proporcionar um cuidado humanizado1,6. As escalas clínicas são os instrumentos mais utilizados pelos enfermeiros para a monitorização do grau de sedação e oferecem parâmetros para a integração das informações entre os enfermeiros e a equipe médica. Essas informações auxiliam estes a redefinir e ajustar diariamente a dose dos fármacos. As principais escalas em uso atualmente são a escala de sedação de Ramsay (R), escala de agitação e sedação de Richmond e a escala de Comfort-Behavior (CB), sendo que na pediatria as mais utilizadas são a primeira e a última, citadas respectivamente1-4. Na literatura, é possível encontrar comparações entre as escalas R e CB demonstrando equivalência para a avaliação do nível de sedação de pacientes gravemente enfermos. Identifica-se também estudo que analisa a escala de CB e a de Avaliação de Atividade Motora (AAM), quanto à validação para aplicação em crianças submetidas à VM. No entanto, os estudos não explicitam referência ao tempo utilizado 26 para as aplicações das escalas2,3. Não há na literatura estudos de comparação especificamente entre as escalas R e CB. A avaliação do nível de sedação pela escala de R foi proposta em 1974 e baseia-se em critérios clínicos para sua classificação, seguindo numeração de 1 a 6 para graduar a ansiedade, agitação ou ambas, até ausência total de resposta do paciente. Necessita de contato com o paciente, uma vez que se faz necessário um leve toque glabelar ou estímulo sonoro auditivo, dependendo das condições apresentadas por ele. São observados: níveis excessivamente altos de sedação com Ramsay 5 ou 6; níveis adequados de sedação com necessidade de observação com Ramsay entre 2 e 4; e nível inadequado ou insuficiente de sedação com Ramsay 11,2. A escala de CB, descrita em 1992, é uma ferramenta observacional desenvolvida especificamente para crianças em VM. Analisa parâmetros comportamentais e fisiológicos, após dois minutos de observação, considera variáveis como: pressão arterial média (PAM), frequência cardíaca (FC), tônus muscular, tônus facial, nível de consciência, agitação/calma, movimentos respiratórios e movimento físico. Em 2005, a escala foi simplificada; foram eliminadas as variáveis fisiológicas, sendo denominada CB. Essa escala refere-se apenas às variáveis comportamentais1,3,7,8. Essa escala, evidentemente, não pode ser utilizada durante o uso de bloqueadores neuromusculares e inclui variáveis como a PAM e FC, que se alteram no paciente por outros fatores, tornando a graduação subjetiva1,3. Para os pontos de corte para a graduação encontrada, foi sugerido que: um escore entre 6 e 10 corresponderia a super-sedação ou sedação profunda; escore maior ou igual a 23, a pouca sedação ou sedação insuficiente; e para a faixa intermediária entre 11 e 22, a sedação moderada3,7. Considerando a importância da avaliação do grau de sedação da criança internada na UTIP pelos profissionais de enfermagem, o objetivo deste estudo foi comparar as escalas CB e R em relação ao escore de sedação e o tempo gasto na sua aplicação. MÉTODOS Realizou-se este estudo de campo, descritivo-exploratório, prospectivo, por meio de observação não participativa, com análise quantitativa dos dados. Realizado na UTIP do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE), um hospital privado, terciário, de grande porte, localizado na zona sul do município de São Paulo. Os critérios de inclusão foram pacientes a partir de um dia de vida até 18 anos incompletos, internados na UTIP, submetidos à VM ou não, que necessitaram de terapia analgésica e/ou sedativa e cujo responsável legal concordasse com a participação da criança no estudo. Critérios de exclusão foram pacientes em uso de bloqueador neuromuscular e em processo de extubação. Para o levantamento dos dados, foi utilizado um formulário do tipo Check List, elaborado pelas autoras, contendo os seguintes itens: data da realização da coleta; data de internação na unidade, dados de identificação da criança (gênero e idade); diagnóstico médico; antecedentes clínicos e cirúrgicos; modo de VM; fármacos analgésicos e/ ou sedativos. Também foram incluídas nesse mesmo instrumento a graduação das escalas de sedação CB e R e seus correspondentes significados; o tempo de duração da aplicação de cada uma delas, Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):25-9 Comparação entre as escalas de Comfort-Behavior e Ramsay em uma unidade de terapia intensiva pediátrica RESULTADOS Foram incluídos neste estudo seis pacientes, dos quais três eram do gênero masculino e três do feminino. As idades encontradas variaram de 30 dias até 6 anos e 5 meses, sendo duas crianças com menos de um ano, duas entre 1 e 3 anos, e duas maiores de 3 anos. As crianças apresentavam mais de um diagnóstico, e os mais frequentes foram: doença respiratória (broncopneumonia, insuficiência respiratória e bronqueolite), seguida de doença cardíaca (derrame de pericárdio e defeito do septo atrioventricular e persistência do canal atrial). Foram encontrados diagnósticos de choque séptico em duas crianças e politrauma com traumatismo cranioencefálico e contusão pulmonar em uma criança. Apenas dois pacientes apresentavam antecedentes clínicos, sendo que ambos tinham síndrome de Down. A combinação de midazolam com fentanil foi o esquema de sedação e analgesia mais usado (5 pacientes da amostra), acrescido ou não de outro fármaco sedativo: propofol, hidrato de cloral ou tiopental. Em apenas uma das amostras foi utilizado somente o hidrato de cloral para a sedação e nenhum fármaco analgésico. Quanto à modalidade de VM, em metade dos casos optou-se por pressão controlada (PC) e na outra metade por ventilação mandatória intermitente sincronizada (SIMV). Foram registradas 48 observações, sendo 24 provenientes do emprego da escala de CB e 24 da escala de R. O escore médio proveniente das observações da CB foi de 7,3 e o da R de 5,9 (Tabela 1); o que corresponde a sedação profunda em ambas as escalas. Em 22 observações foram constatados níveis altos de sedação em ambas as escalas: CB com escore entre 6 e 10 e R com escore ≥5. Níveis moderados de sedação foram encontrados em uma observação de ambas as escalas: CB entre 11 e 20, R entre 2 e 4. Em nenhuma das avaliações foram observados níveis baixos de sedação (Figura 1). Apenas em uma observação não houve concordância entre as escalas. Registra-se, porém, que os escores obtidos encontravam-se no limite da mudança de padrão de sedação: escore 5 pela R (sedação profunda) e escore 11 pela CB (sedação moderada). Escore 10 pela CB indicaria sedação profunda e escore 4 para R, indicaria sedação moderada. Foi encontrada uma média de tempo gasto para aplicação de cada escala de 63 segundos para a CB e de 30 segundos para a R, resultando em uma diferença de 33 segundos, conforme mostrado na figura 2. O teste de Análise de Variância (ANOVA), que considerou como fatores as variáveis da escala, paciente e observador, mostrou que os tempos médios gastos para a aplicação de cada escala são significativamente diferentes (p=0,019). Então, pode-se concluir que o tempo médio usando a escala de CB é significativamente maior que o da escala de R. O teste mostrou também que não há variação significativa entre os pacientes (p=0,629) assim como entre os observadores (p=0,300). Escala CB 24 Escala R 23 22 20 Número de observações que foi aferido por meio de um cronômetro; a presença de dor e se houve a necessidade de modificar a sedação. A coleta de dados foi realizada nos meses de agosto e setembro de 2012, no período das 14h00 às 20h00, totalizando quatro observações por paciente (14h, 16h, 18h e 20h). Cada paciente foi avaliado apenas um dia por um profissional diferente em cada horário. A finalidade dessa medida foi evitar que a verificação anterior influenciasse a seguinte. A aplicação das duas escalas foi realizada de maneira sequencial. Os profissionais de enfermagem, enfermeiros e técnicos de enfermagem, realizaram a aplicação das escalas à beira do leito, concomitantemente à rotina de verificação dos sinais vitais e foram anotados os escores graduados para cada uma das escalas e cronometrado o tempo de duração da aplicação de cada uma, separadamente. Para cada paciente, foi preenchido o formulário do tipo Check List. As informações foram registradas, a partir da observação não participativa do pesquisador, com a cronometragem do tempo de aplicação de cada escala, que ocorreu no próprio quarto do paciente. Antes de realizar a avaliação da criança, foi explicado sobre a pesquisa e em que consistiria a participação da criança, sendo apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que deveria ser assinado pelo responsável legal da criança, caso concordasse com a sua participação. Os dados obtidos do formulário foram submetidos a análise estatística descritiva e os resultados foram apresentados em números absolutos, por meio de tabelas e figuras. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HIAE (CAAE nº 04332712.6.0000.0071 – 2012). 16 12 8 4 0 2 Sedação profunda 1 Sedação moderada Figura 1. Níveis de sedação encontrados nas amostras observadas segundo as escalas Comfort-Behavior e Ramsay CB: Comfort-Behavior; R: Ramsay. Tabela 1. Escore médio de sedação obtido com a aplicação das escalas Comfort-Behavior e Ramsay Escalas Amostra 1 Amostra 2 Amostra 3 Amostra 4 Amostra 5 Amostra 6 Média Geral CB 7,8 7,3 8,3 7,8 7,0 6,0 7,3 R 5,8 6,0 6,0 5,5 6,0 6,0 5,9 CB: Comfort-Behavior; R: Ramsay. 27 Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):25-9 Escala R Soares MZ, Mohallem AG, Brandi S e Cunha ML 30 Escala CB 63 0 10 2030 4050 6070 Média de tempo gasto (segundos) Figura 2. Média de tempo gasto para a aplicação de cada escala CB: Comfort-Behavior; R: Ramsay. O desvio padrão da escala de CB (46,86 segundos) é quase o dobro do desvio padrão da escala de R (25,29 segundos), sendo assim, além de o tempo médio da CB ser maior que o da R, os tempos na CB tem maior variabilidade em torno da média do que os da R. O intervalo (média±DP), para a CB foi de 16 a 110 segundos e para a R foi de 5 a 55 segundos. A presença de dor poderia interferir no resultado do escore das escalas e consequentemente na fidedignidade dos dados obtidos. A dor foi avaliada conforme a rotina de verificação dos sinais vitais e concomitantemente aos momentos de observação da aplicação das escalas, não sendo observado nenhum episódio. DISCUSSÃO Os consensos para a sedoanalgesia em UTI indicam como sedativos o midazolam e o propofol que foram introduzidos na prática clínica a partir de 1980 e permanecem como os mais conhecidos e estudados para a sedação, e como analgésicos os opioides, sendo o fentanil o fármaco de escolha9. Os mesmos fármacos recomendados foram os encontrados no presente estudo. Vários estudos relatam que a sedação deve ser adaptada a cada criança em cada momento. Existe uma grande variedade de fármacos disponíveis para a sedação e analgesia da criança gravemente enferma, e cada um deles tem vantagens e desvantagens. Existem poucas revisões e guias práticos de consenso sobre os sedoanalgésicos em crianças graves, e parte das recomendações está baseada na experiência com adultos1,5,9. Um estudo realizado na China com crianças que realizaram cirurgias cardíacas explorou o estado de dor e o nível de sedação apresentados por elas nos três dias consecutivos de pós-operatório. A dor foi avaliada através de uma escala complexa que analisa rosto, pernas, atividade, choro e consolabilidade, e a sedação foi vista pela escala de CB. Os resultados mostraram que o uso de analgésicos e sedativos na UTIP foi variável e as crianças apresentaram baixos escores de dor, mas com uma alta taxa de sedação, indicando que os profissionais de saúde devem abordar maneiras de melhorar no pós-operatório a dor e o manejo da sedação nessa população10. 28 Em relação à observação da dor, o Consenso Norte Americano para Sedação e Analgesia em UTI, define que a avaliação da dor deve ser sistematicamente documentada e realizada por meio de escalas apropriadas para essa população. Após a definição da intensidade dolorosa, esse consenso sugere a reavaliação da terapêutica analgésica11. No presente estudo, não foi observado nenhum episódio de dor durante os momentos de observação da aplicação das escalas, sem que houvesse a necessidade de reavaliar a terapia sedoanalgésica por esse motivo. Com relação à utilização das escalas de sedação, um levantamento bibliográfico e revisão de experiência em UTIP desenvolvido em 2007, aponta a escala de R como simples e rápida de ser aplicada, porém, por utilizar estímulos auditivos e dolorosos para avaliar a resposta da criança, torna subjetiva a sua avaliação. Já em relação à escala de CB, o estudo cita que nenhum estímulo doloroso é necessário durante a aplicação, contudo, é mais demorada e complicada de ser aplicada devido à análise de parâmetros variados1. Uma revisão sistemática recente12 incluiu 25 estudos e analisou os relatos da sedação de crianças criticamente enfermas sob os cuidados intensivos. Os resultados mostraram o uso de 12 escalas de sedação variadas, com predomínio da escala de CB seguida da escala de R e outras duas escalas. Seis estudos utilizaram ferramentas complementares às escalas, com o destaque para o índice bispectral (BIS). Com relação ao nível de sedação, foi apresentado que os estudos diferiram quanto aos valores de corte para as escalas, apresentando sedação ideal em 57,6%, sedação excessiva em 31,8% e baixa sedação em 10,6% das observações. Nos últimos anos, outros métodos complementares às escalas vêm sendo desenvolvidos para valorizar de forma mais objetiva o nível de consciência diante da análise das características do eletroencefalograma (EEG). O BIS é o mais utilizado, porém não é rotineiro na maioria dos serviços, devido principalmente ao custo elevado. Aperfeiçoa a sedação em UTIP, evitando o risco associado à baixa e excessiva sedação, propõe um grande avanço na monitorização contínua de pacientes que necessitam de sedação profunda e bloqueio neuromuscular, além de esclarecer a classificação daqueles pacientes com níveis moderados de sedação, pois avalia de forma contínua as mudanças do EEG, oferecendo uma medida numérica do grau de sedação, desde o zero (silêncio elétrico) até 100 (acordado)1-3,13-15. A respeito da escala de CB, um estudo3 desenvolvido na UTIP de um hospital de Porto Alegre, realizou a validação da escala para o português, avaliou o nível de sedação dos pacientes em VM e comparou seu desempenho com a escala de avaliação de atividade motora (AAM), que também estava sendo validada no idioma e para a população pediátrica. Após a tradução para o português, as escalas foram aplicadas obtendo-se um total de 116 observações, que revelaram pacientes com alto nível de sedação, com predominância da combinação de midazolam com fentanil como esquema de sedação. Essa tendência também foi encontrada no presente estudo, em cinco dos seis pacientes da amostra, onde foram constatados níveis altos de sedação pela CB em 22 observações, e em 23 pela escala de R. Quanto aos diagnósticos mais frequentes, também houve concordância com o presente estudo, sendo o destaque para as doenças respiratórias em 22 dos 26 pacientes do estudo de Porto Alegre3, e em 4 dos 6 pacientes do atual estudo. Especificamente em relação ao tempo, um estudo desenvolvido na Comparação entre as escalas de Comfort-Behavior e Ramsay em uma unidade de terapia intensiva pediátrica Holanda, verificou o desempenho da escala de CB em períodos de observação de 30 segundos e de 2 minutos. Um total de 133 enfermeiros da UTIP realizaram as aplicações simultâneas, e a conclusão do estudo foi que se deve manter a observação de 2 minutos para que a avaliação da escala seja mais fidedigna e apurada, tempo superior à média encontrada no presente estudo, como pode ser visto na figura 2. Não há estudos desenvolvidos em relação ao tempo de aplicação da escala de R16. A avaliação objetiva dos níveis de sedação em UTIP é desafiador e, mesmo estando disponíveis diversas ferramentas, não existe um “padrão ouro”. A observação de baixos níveis de sedação e sedação excessiva está frequentemente relacionada à avaliação inadequada do nível de sedação17,18. Desde uma publicação que mostrou que a escala de CB é uma alternativa confiável às outras existentes, ela vem encontrando cada vez mais espaço nas UTIP, porém devido à sua complexidade e extensão por avaliar diversos parâmetros de forma mais detalhada, a procura por alternativas é constante1,3,7,8. No que se refere à graduação dos escores, a escala de R apresenta certa vantagem sobre a escala de CB. A primeira segue a numeração de 1 a 6, sendo o maior escore equivalente a um nível maior de sedação, e a segunda que varia de 6 a 30, por sua vez, quanto menor for o escore obtido, maior será o nível sedação1-3,7. Por esse motivo, a interpretação dos resultados das aplicações da escala de CB pode ser prejudicada. A consideração inicial para escolher a escala de R se baseou na sua simplicidade, ponderando-se que isto levaria a uma análise mais coerente e reprodutível1,3,7. CONCLUSÃO escalas de sedação CB e R apresentaram resultados equivalentes, demonstrando a predominância da sedação profunda. Apenas em uma observação não houve concordância entre as escalas. Registra-se, porém que os escores obtidos encontravam-se no limite da mudança de padrão de sedação. Em relação à aplicação das escalas, o tempo médio utilizado para a escala de CB é significativamente maior que o da escala de R. REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. A utilização de escalas de sedação para a avaliação de uma adequada terapia sedoanalgésica é uma prática crescente nos ambientes como o de UTIP. O presente estudo traz como diferencial a comparação entre as duas escalas apresentadas e a avaliação do tempo gasto para a aplicação de cada uma. O trabalho apresentado traz conclusões relevantes e o tema abordado é de extremo interesse para a comunidade pediátrica e para aqueles interessados no manuseio do conforto e analgesia de pacientes criticamente doentes. Sugere-se a ampliação da amostra para desenvolvimento mais amplo de um tema tão importante. Com base na análise de dados, pode-se concluir que os escores das Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):25-9 13. 14. 15. 16. 17. 18. Bartomolé SM, López-Herce J, Freddi N. Sedação e analgesia em crianças: uma abordagem prática para as situações mais frequentes. J Pediatric. 2007;83(2 Suppl):S71-S82. Mendes CL, Vasconcelos LC, Tavares JS, Fontan SB, Ferreira DC, Diniz LA, et al. Escalas de Ramsay e Richmond são equivalentes para avaliação do nível de sedação em pacientes gravemente enfermos. Rev Bras Ter Intensiva. 2008;20(4):344-8. Amoretti CF, Rodrigues GO, Carvalho PR, Trotta EA. Validação de escalas de sedação em crianças submetidas à ventilação mecânica internadas em uma unidade de terapia intensiva pediátrica terciária. Rev Bras Ter Intensiva. 2008;20(4):325-30. Cidoncha E, Mencía S, Riaño B, Urbano J, López-Herce J, Carrillo A. Valoración de la sedación em el niño crítico com ventilación mecánica durante la aspiración endotraqueal. An Pediatr (Barc). 2009;70(3):218-22. Moritz RD, Souza RL, Machado FO. Avaliação de um algoritmo para a adequação da sedoanalgesia de pacientes internados em UTI e submetidos à ventilação mecânica. Rev Bras Ter Intensiva. 2005;17(4):265-9. Silva MS, Pinto MA, Gomes LM, Barbosa TL. Dor na criança internada: a percepção da equipe de enfermagem. 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Pediatr Crit Care Med. 2006;7(2):183-4. 29 ARTIGO ORIGINAL Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):30-5 Chronic pain portrait: pain perception through the eyes of sufferers* Retrato de dores crônicas: percepção da dor através do olhar dos sofredores Adrianna Loduca1,2, Barbara Maria Müller2, Roberta Amaral2, Andrea Cristina Matheus da Silveira Souza2,4, Alessandra Spedo Focosi1,2, Claudio Samuelian2, Lin Tchia Yeng2,3, Marcia Batista1 *Recebido da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. DOI 10.5935/1806-0013.20140008 ABSTRACT BACKGROUND AND OBJECTIVES: The literature mentions several factors influencing chronic pain onset or maintenance; however, it is known that such aspects cannot be generalized and universalized because studies state that socio-cultural differences interfere with pain perception. This study aimed at characterizing patients’ perception of their pain and associated suffering as from the projective tool Portrait of Pain. METHODS: This is an exploratory study with 150 patients with different chronic pains. They were evaluated as from socio-demographic variables related to pain and beliefs with regard to pain/suffering and proposed treatment (application of the Portrait of Pain). Information obtained from the Portrait of Pain was analyzed by the content analysis method. A single meeting was scheduled with mean duration of 60 minutes. RESULTS: The study was made up of 64% of females, mean age of 52.5 years, 46% were married and 46% had not completed high school. Mean pain duration was 6 years (58%). Drawings were grouped in 8 categories (scenes, monsters, objects, geometric shapes, irregular shapes and scribbles, whole human body, parts of the body and miscellaneous), evidencing that half of the subjects associated current suffering to other events with emotional impact and 87% expected to improve as from passive strategies. CONCLUSION: There are few reports on the use of projective tools to evaluate and manage chronic pain. Results suggest that this resource could help characterizing the meaning of pain in patients’ 1. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde, Curso de Psicologia, São Paulo, SP, Brasil. 2. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Hospital de Clínicas, Grupo de Dor, São Paulo, SP, Brasil. 3. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Hospital de Clínicas, Grupo de Dor, Departamento de Fisiatria, São Paulo, SP, Brasil. 4. Instituto de Infectologia Emílio Ribas, Seção de Reabilitação, São Paulo, SP, Brasil. Apresentado em 25 de novembro de 2013. Aceito para publicação em 19 de fevereiro de 2014. Conflito de interesses: não há. Endereço para correspondência: Adrianna Loduca Avenida Arnolfo Azevedo, 70 – Pacaembu 01236-030 São Paulo, SP, Brasil. E-mail: [email protected] © Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor 30 lives and favor adhesion to proposed treatment. Further studies should come up to deepen the theme. Keywords: Chronic pain, Evaluation of impact on health, Projective tool, Psychological evaluation. RESUMO JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A literatura enumera vários fatores que influenciam na eclosão ou manutenção da dor crônica; entretanto, sabe-se que esses aspectos não podem ser generalizados e universalizados, pois estudos afirmam que as diferenças socioculturais interferem na percepção do quadro álgico. Este estudo teve como objetivo caracterizar a percepção que o paciente tem sobre sua dor e seu sofrimento associado a partir do recurso projetivo Retrato da Dor. MÉTODOS: Trata-se de um estudo exploratório realizado com 150 pacientes com dor crônica de diversas etiologias. Eles foram avaliados a partir de variáveis sociodemográficas, relacionadas a dor e de crenças em relação a dor/sofrimento e ao tratamento proposto (aplicação do Retrato da Dor). As informações obtidas no Retrato da Dor foram analisadas segundo o método de análise de conteúdo. Foi realizado um único encontro com duração média de 60 minutos. RESULTADOS: A pesquisa foi composta por 64% de mulheres, com idade média de 52,5 anos, 46% eram casados e 46% tinham o 2º grau incompleto. O tempo médio de convívio com a dor foi de 6 anos (58%). Os desenhos foram agrupados em 8 categorias (cenas, monstros, objetos, formas geométricas, formas irregulares e rabiscos, corpo humano inteiro, partes do corpo e miscelânea), evidenciando-se que a metade dos sujeitos associava o sofrimento atual a outros eventos de impacto emocional, assim como 87% aguardava melhorar a partir de estratégias passivas. CONCLUSÃO: Há poucos relatos do uso de instrumentos projetivos na avaliação e tratamento de dor crônica. Os resultados sugerem que esse recurso pode ajudar na caracterização do sentido da dor na vida do paciente e favorecer a adesão ao tratamento proposto. Novos estudos devem surgir para maior aprofundamento do tema. Descritores: Avaliação do impacto na saúde, Avaliação psicológica, Dor crônica, Instrumento projetivo. INTRODUÇÃO A dor crônica provoca impactos na vida em vários aspectos: físico, psicológico e social, que são, muitas vezes, difíceis de ajustamento e prejudicam várias áreas da vida do paciente1-10. Esses impactos resul- Retrato de dores crônicas: percepção da dor através do olhar dos sofredores tam em incertezas, medos, preocupações e sensação de incapacidade11-13, portanto, a persistência do quadro álgico compromete a vida dos sofredores de forma global. Quando a dor persiste, apesar dos esforços terapêuticos, os profissionais da saúde compartilham com o sofredor e seus familiares do sentimento de frustração, principalmente pelo fato de não se poder antecipar uma cura. A atenção deve ser voltada para ajudá-lo a ajustar-se à incapacidade resultante e aos efeitos adversos de fármacos14,15, que se usados excessivamente e de modo prolongado, podem provocar a diminuição da produção de endorfinas pelo organismo (bloqueadores de dor), aumentando, consequentemente, a percepção do quadro álgico16. Nesse sentido, compreender como cada paciente interpreta o impacto do quadro de dor crônica na sua vida constitui-se uma ferramenta fundamental para a efetividade do tratamento proposto pela equipe multi ou interdisciplinar. Na literatura da área tem se evidenciado estudos que explicam que a cultura pode potencialmente interferir na experiência dolorosa, tanto do ponto de vista do paciente quanto do profissional, em diversos aspectos da vida diária. Cada significado atribuído é fruto da influência de ideologias sobre saúde, qualidade de vida e status socioeconômico17,18. Percebe-se que a expressão do sofrimento é constituída pela somatória de fatores físicos, emocionais e sociais, portanto, não pode ser traduzida apenas pela quantificação da frequência e da intensidade do quadro álgico19. Além disso, a diferença entre grupos étnicos e culturais evidencia diferenças na linguagem e no significado relacionadas aos sintomas, abrindo espaço para a necessidade de criação e validação de questionários locais20,21. Os profissionais que trabalham em Centros de Dor no Brasil têm procurado validar instrumentos internacionais, mas também identificaram, assim como referido na literatura mundial, a necessidade de desenvolver novos recursos que venham responder as demandas de trabalho de nossas equipes e da realidade da população brasileira. Dentro dessa perspectiva, em 1998, foi realizado um estudo12 que desenvolveu um instrumento projetivo chamado Retrato da Dor. Na época, percebeu-se que pacientes que tinham o mesmo diagnóstico de dor não necessariamente atribuíam o mesmo sentido às suas dores, o que incentivou o desenvolvimento de um recurso onde se solicitava ao paciente que fizesse uma representação gráfica de seu desconforto físico, e na sequência realizava-se um inquérito que favorecia compreender o sentido da dor na vida do paciente. Desde 2000, a partir desse estudo12, um grupo de pesquisadores tem adotado o Retrato da Dor como um dos recursos de referência para a avaliação psicológica dos pacientes que ingressam no Grupo de Dor do IOT HCFMUSP. Enquanto que no Brasil valorizava-se a narrativa e o sentido que cada paciente atribuía às suas dores, por volta de 2008, surgiu um movimento denominado PainSTORY desenvolvido em países europeus que sinalizaram a preocupação de dar atenção para a narrativa e para a expressão gráfica da dor dos pacientes. A investigação, que contou com a colaboração de cerca 13 países europeus, reuniu dados de 294 pacientes, ao longo de um ano, e tinha como objetivo verificar o impacto da dor crônica na vida dos pacientes. Os resultados do PainSTORY revelaram que a dor assumia diferentes significados na vida dos pacientes, reforçando a importância de valorizar o discurso individual e a riqueza de utilizar outras formas de expressão da dor, como a produção gráfica22. Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):30-5 Em 2010, um grupo de psicólogos realizou, em parceria com uma indústria farmacêutica, uma cartilha sobre Retratos de Dor com o objetivo de mostrar para os profissionais que o significado da dor para cada paciente não se restringia ao diagnóstico clinico. Nesse período iniciou-se o estudo atual que agora se finaliza com a análise de 150 Retratos de Dor sobre diferentes aspectos. Observam-se na literatura mundial poucos relatos do uso de instrumentos projetivos nos estudos psicológicos sobre avaliação e tratamento de dores crônicas. Dentre os encontrados, foram utilizados instrumentos projetivos já existentes na área de Psicologia, como o MMPI (Minnesota Multiphasic Personality Inventory), o Rorchasch, o Teste de Apercepção Temática (TAT) e o Desenho da Figura Humana (DFH)23,24. Existe uma lacuna no que se refere ao desenvolvimento de instrumentos projetivos para facilitar a avaliação de pessoas com dor crônica. Essas constatações mostram a necessidade de serem utilizados mais recursos na área da dor que permitam que o paciente possa expressar seu sofrimento de forma mais livre e criativa. As técnicas projetivas requerem que o indivíduo utilize características de sua personalidade, necessidades e experiências de vida para interpretar estímulos ambíguos o que diminui a ação de mecanismos de defesa e permite o acesso a conteúdos não acessíveis à consciência do colaborador25. O objetivo deste estudo foi caracterizar a percepção que o paciente tem sobre sua dor e seu sofrimento associado, aplicando o instrumento projetivo Retrato da Dor. MÉTODOS Trata-se de um estudo exploratório26 realizado com 150 pacientes com dor crônica de diversas etiologias indicados pelo Grupo de Dor do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina de Universidade de São Paulo, através de parceria estabelecida com a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Foram convidados a participar todos os pacientes que iniciaram tratamento no ambulatório, entre janeiro de 2010 e julho de 2013. A presença de significativo déficit cognitivo e/ou distúrbios psiquiátricos graves foram os critérios de exclusão de participantes ou a recusa em participar da investigação por parte do sujeito. A investigação seguiu a partir de três grupos de variáveis: sociodemográficas (gênero, idade e estado civil), relacionadas a dor (tempo de convivência, escala numérica de dor) e de crenças em relação a dor e ao tratamento multidisciplinar (aplicação do Retrato da Dor). Foi realizado um único encontro com a duração média de 60 minutos. As informações obtidas com a aplicação do Retrato da Dor foram analisadas segundo o método de análise de conteúdo27. Inicialmente, foi feita a leitura flutuante do material para o levantamento de temas e categorias e após a codificação das narrativas os pesquisadores procuraram entender significações passíveis de emergirem a partir das respostas dos sujeitos. A utilização de porcentagens veio para ilustrar a frequência das respostas, portanto não foi realizado tratamento estatístico uma vez que o foco ateve-se a ampliar o conhecimento sobre o sentido da dor, caracterizando o impacto e convivência dos participantes com suas dores crônicas, o que motivou a presença de um número maior de sujeitos26. 31 Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):30-5 Loduca A, Müller BM, Amaral R, Souza AC, Focosi AS, Samuelian C et al. Descrição do material Escala numérica de dor (EN): identifica a qualidade sensitiva da experiência dolorosa28. Solicita-se ao paciente que classifique a intensidade de sua dor segundo uma série de números que variam de zero a 10 (ou zero a 100) sendo que, zero significa “nenhuma dor” e 10 “maior dor possível”. Retrato da Dor: recurso projetivo11,12,29 que tem por objetivo identificar a percepção do paciente sobre sua dor e sofrimento associado. Solicita-se ao indivíduo que imagine que sua dor tem uma forma e, em seguida, pede-se que tente desenhá-la em uma folha de papel. Lápis de cor, lápis grafite e canetas hidrográficas coloridas são oferecidos para confecção gráfica. Lembra-se ao sujeito que não existe certo ou errado. Após a confecção segue-se um inquérito elaborado com sete questões com o intuito de ampliar a compreensão do sofrimento álgico. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob o nº118/2005. mudar a situação, mas o paciente não achava que poderia contribuir para esse processo; • 17%: não acreditavam que alguém ou algo poderia tratar a dor; • 9%: atribuíram a Deus a única possibilidade de alcançar o “milagre da cura”. Quando questionados se as dores poderiam ser associadas a outras situações tão ruins ou piores do que essa convivência: • 50% relacionaram com outros eventos de impacto emocional, principalmente situações de luto e de perdas: 66% morte de entes queridos e 22% problemas nos relacionamentos amorosos (traições e separações); • 24% mencionaram eventos de impacto físico: lembrança de outras dores ou doenças agudas e crônicas; • 17% afirmaram que essa dor era o pior acontecimento já ocorrido em sua vida. RESULTADOS A prevalência de sujeitos do gênero feminino reforça dados da literatura nacional sobre a frequência da dor nessa população10, assim como a média de idade coincide com outros estudos nacionais11,14 apontando que a maior incidência de dor ocorre na população produtiva o que interfere de forma significativa na situação laboral. Discutindo um pouco mais sobre as categorias de desenhos identificadas, o texto segue trazendo ilustrações que permitem caracterizar cada categoria: CENAS: os pacientes que fizeram analogias com situações que se aproximam do sofrimento atual. O desenho de uma mulher com 36 anos e diagnóstico de dor pélvica (EN=7) ilustra bem. Ela referiu que sua dor pélvica poderia ser comparada a uma queimadura provocada por água fervente (Figura 1), sendo que as sensações de calor e queimação são descritores de dor comumente encontrados na literatura30. Houve predomínio de mulheres (64%) e a idade média foi de 52,5 anos, prevalecendo a faixa dos 31 aos 55 anos (61% dos participantes), 46% casados e 46% com o 2ª grau incompleto. Em relação ao tempo de convívio com a dor a maioria (58%) apresentou média de seis anos e a intensidade da dor ficou em torno de 7,75. A análise dos Retratos permitiu que os desenhos fossem agrupados em oito categorias: cenas, monstros, objetos, formas geométricas, formas irregulares e rabiscos, corpo humano inteiro, partes do corpo e miscelânea. Além das representações gráficas percebe-se o predomínio de algumas cores nos desenhos, a maioria coloca poucas cores prevalecendo o preto e o cinza (70%) e, quando cores diferentes apareceram destacaram-se mais o vermelho, o marrom e o amarelo acompanhando o preto e o cinza; a presença de cores como o verde e o azul foi escassa. Em relação ao inquérito, os nomes que os participantes deram para suas dores foram agrupados em três grupos: físico, emocional e misto. Poucos pacientes (4%) referiram apenas aspectos emocionais (esperança, pavor, medo, preocupação, saudade) a maioria, cerca de 67%, nomeou a dor com adjetivos e substantivos que incluíam tanto o desconforto físico quanto as emoções desagradáveis (cobra, dor maldita, montanha russa, bumerangue) e 29% ressaltaram os aspectos sensoriais (latejante, martelada, pontada, queimação). Quanto à idade da dor, 44% dos pacientes deram para o desenho idades que corresponderam ao tempo de convívio com o quadro álgico enquanto que 30% forneceram idades superiores ao seu aparecimento. Quando referiram sobre o convívio com a dor a resposta que predominou (44,8%) foi de que era ruim (terrível, horrível ou péssimo). Já no que se refere às crenças sobre o que poderia melhorar o desconforto, 85% fizeram referência a condutas passivas, ou seja, consideravam que apenas intervenções externas como fármacos ou a assistência de profissionais da área da saúde, principalmente o médico poderia reverter o quadro: • 40%: somente os médicos e os fármacos poderiam diminuir suas dores; • 19%: a equipe interdisciplinar ou o tratamento proposto poderia 32 DISCUSSÃO Figura 1. Exemplo de cena MONSTROS: representações (Figura 2) que assustam, retratando o tormento que a dor provoca no dia a dia. Um homem de 74 anos com dor lombar afirmou conviver com sua dor há 40 anos (EN=7). Disse que ela era tudo de ruim, que era a maldade, o sadismo. Comentou também que sentia que estava brigando com o próprio corpo o que ilustra o padrão de repulsa em relação à dor12, sendo esse um momento em que o paciente mede forças para combater o quadro álgico. Retrato de dores crônicas: percepção da dor através do olhar dos sofredores Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):30-5 na prática clínica, na literatura são encontrados autores que discutem o impacto da dor crônica na família31, porém sem considerar a sensação de descrédito do paciente. Figura 2. Exemplo de monstro OBJETOS: desenhos de objetos ou figuras que expressam o mal estar físico evidenciando os aspectos sensoriais da dor (algo que irradia, pulsa, pesa ou queima). A figura 3 foi realizada por um homem de 31 anos e diagnóstico de síndrome dolorosa miofascial (EN=9) que referiu que sua dor dava a sensação de estar sendo esfaqueado. Figura 4. Exemplo de forma geométrica FORMAS IRREGULARES E RABISCOS: são desenhos mais primitivos (regredidos) que evidenciam descarga motora, provável impulsividade e/ou raiva. Esse é o caso da figura 5 que foi realizada por uma mulher de 29 anos que sofria de cefaleia cervicogênica (EN=4), que referiu que desenhou uma mancha para expressar a sensação ruim provocada pela dor, ou seja, possivelmente o traçado forte evidencia a descarga de raiva e frustração32. Outros desenharam ondas como se quisessem representar o circuito do estímulo sensorial explicitando que estão procurando lidar com o problema de forma racional, não permitindo muito espaço para extravasar emoções. Percebe-se que os desenhos podem ilustrar a descarga de fortes emoções ou representar os aspectos sensoriais do quadro álgico. Figura 3. Exemplo de objeto FORMAS GEOMÉTRICAS: dentre elas as circulares foram as mais desenhadas o que pode indicar a ênfase na sensação de peso ou de permanência em um ciclo vicioso: dor-estresse-dor. A figura 4 foi realizada por uma mulher de 36 anos com diagnóstico de síndrome complexa de dor regional (EN=8). Ela referiu que sua dor melhoraria se as pessoas acreditassem que ela era real, sentia-se sozinha e desacreditada. Percebe-se, nesse caso, que o peso maior estava relacionado a falta de credibilidade e apoio de familiares e rede social mais próxima o que, por sua vez, expandiu o seu sofrimento para além do desconforto físico. Embora relatos como esse sejam comuns Figura 5. Exemplo de forma irregular e rabisco 33 Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):30-5 Loduca A, Müller BM, Amaral R, Souza AC, Focosi AS, Samuelian C et al. CORPO INTEIRO: autorretratos ou representações do esquema corporal evidenciando que a dor os atinge por completo embora, muitas vezes, essa dor acometa apenas uma ou algumas partes do corpo. A figura 6 traz o desenho de uma mulher de 25 anos e diagnóstico de síndrome de imobilismo (EN=10). Tanto o desenho quanto a narrativa da paciente sobre sua produção explicitaram que a dor atingia seu corpo todo de forma muito intensa, como se sua identidade estivesse tomada pelo quadro álgico, o que evidencia o padrão caótico de convívio com o quadro álgico, onde existe pouca ou nenhuma diferenciação entre o Eu e a Dor12. Figura 6. Exemplo de corpo inteiro PARTES DO CORPO: desenhos das partes do corpo que doem, revelando que o foco de interesse do paciente está voltado para as regiões desconfortáveis, como destacado na figura 7, feita por uma mulher de 40 anos, com diagnóstico de dor fantasma (EN=7). Per- Figura 7. Exemplo de partes do corpo 34 cebe-se aqui a necessidade de ajudar o paciente a ampliar sua percepção corporal podendo assim utilizar o potencial das partes do corpo que não foram acometidas pela dor, assim como evitar que a utilização de esquemas de compensação corporal venham a prejudicar novas áreas do corpo. Prevalece o padrão de dependência no convívio com a dor quando os interesses do paciente encontram-se calcados pela dor12. MISCELÂNEA: sujeitos que fizeram esboços que não puderam ser agrupados em nenhuma das outras categorias identificadas foram alocados neste grupo. Quanto às cores escolhidas para os desenhos, prevaleceram o preto e o cinza, ou cores que os paceintes associaram à intensidade do quadro álgico. Poucos utilizaram cores que lhes agradavam e quando o fizeram explicitaram o esforço para neutralizar o desconforto com algum estímulo que trouxesse a sensação de bem-estar. Embora exista estudo33 na área de Psicologia sobre a utilização das cores nos desenhos, o significado atribuído a essa variável neste estudo não foi considerado. Em relação ao inquérito, observou-se que a maioria dos nomes dados para as dores caracterizavam tanto o desconforto físico quanto as emoções desagradáveis que sentiam em função do quadro álgico; isso reforça a definição de dor adotada pela IASP que destaca a importância da dor ser tratada sob a perspectiva biopsicossocial34. Quanto à idade definida para o tempo de convívio com a dor, chama a atenção que pacientes atribuíram idades superiores à eclosão do quadro álgico, o que evidencia a tendência a eternizar o sofrimento e marca a necessidade de ajudá-los a romper com a posição de vítima. No que se refere às crenças35 sobre o que poderia melhorar as dores, permaneceram as condutas passivas explicitando a necessidade de serem realizados programas psicoeducativos, com o intuito de poder engajar mais com o tratamento proposto, ampliando a compreensão sobre o problema e o aprendizado de como eles próprios podem ajudar na efetividade do tratamento proposto, fortalecendo recursos de enfrentamento e senso de eficácia36. Quando questionados se associavam suas dores a outras situações tão ruins ou piores do que a convivência com o quadro álgico, metade dos colaboradores referiu outros eventos de impacto emocional, principalmente situações de luto, o que reforça a importância da assistência psicológica para essa população para evitar que variáveis psicológicas venham auxiliar na manutenção ou piora do quadro álgico ou prejudicar a adesão ao tratamento proposto para o manejo da dor. A Psicologia vem ampliando seu espaço na área da saúde em equipes multi e interdisciplinares devido ao reconhecimento da eficácia de suas intervenções e da multidimensionalidade do processo de adoecimento37. Esses resultados mostraram que a aplicação do Retrato da Dor auxilia o paciente a expressar seu sofrimento para além do sofrimento físico, procurando compreendê-la dentro da biografia de cada paciente31. Esse recurso ameniza os mecanismos de racionalização do indivíduo, permitindo a obtenção de informações importantes, e ainda o reconhecimento da influência de fatores psicológicos na percepção da dor30. Por vezes, o inquérito mobiliza emoções no paciente que o faz perceber ou reconhecer a demanda de assistência psicológica12,30. Retrato de dores crônicas: percepção da dor através do olhar dos sofredores CONCLUSÃO Observam-se na literatura mundial poucos relatos do uso de instrumentos projetivos nos estudos psicológicos sobre avaliação e tratamento de dores crônicas, e os resultados encontrados na análise evidenciaram a dificuldade de se generalizar as informações, ou seja, reforçam o caráter subjetivo e peculiar da vivência de cada paciente. É importante reconhecer também que, embora o tratamento interdisciplinar seja o mais indicado para as dores crônicas, os pacientes ainda procuram uma solução imediatista. Aguardam procedimentos invasivos ou uso de fármacos que os coloquem em um papel passivo em relação a recuperação de bem-estar. Este estudo evidenciou que os aspectos emocionais desempenham um papel importante na maneira como o individuo interpreta e utiliza recursos próprios para lidar com suas dores, portanto, não se deve negligenciar seu discurso. A análise da narrativa deve ser considerada como um elemento a ser considerado pelos profissionais de saúde nos centros de dor crônica na avaliação do paciente para posterior definição de condutas terapêuticas. Novos estudos devem ser realizados para ampliar e aprofundar as evidências explicitadas nesta investigação. REFERÊNCIAS 1. Bates MS, Edwards WT, Anderson KO. Ethnocultural influences on variation in chronic pain perception. Pain. 1993;52(1):101-12. 2. Wall PD, Melzack R, (editors). Textbook of pain. 4th ed. Edinburgh: Churchill Livingstone; 1999. 1504p. 3. Jakobsson U, Klevsgård R, Westergren A, Hallberg IR. Old people in pain: a comparative study. J Pain Symptom Manage. 2003;26(1):625-36. 4. Keefe FJ, Rumble ME, Scipio CD, Giordano LA, Perri LM. Psychological aspects of persistent pain: current state of the science. J Pain. 2004;5(4):195-211. 5. Linton SJ. A review of psychological risk factors in back and neck pain. Spine. 2000;25(9):1148-56. 6. 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Aval Psicol. 2005;4(1):75-82. 35 ARTIGO ORIGINAL Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):36-40 Postoperative analgesia by non-specialists in pain* Analgesia pós-operatória por não especialistas em dor Beatriz Locks Bidese1, Karinne Akemi Sakuma2, Ayrton de Andrade Júnior3, Maria Cristina Sartor4 *Recebido do Hospital Santa Cruz, Curitiba, PR, Brasil. DOI 10.5935/1806-0013.20140009 ABSTRACT RESUMO BACKGROUND AND OBJECTIVES: Postoperative analgesia is often administered by the assistant physician non-specialist in pain management. This study aimed at evaluating the efficacy of immediate postoperative period analgesia with drugs prescribed by the assistant physician, non-specialist in pain. METHODS: This is a prospective, descriptive and observational study carried out by means of interviews with 186 patients operated in Hospital Santa Cruz. Postoperative pain was evaluated after 12 and 24 hours, in addition to drugs used and possible adverse effects. RESULTS: In the first evaluation, 12 hours after surgery, prevalence of pain was 59%, being 35% from moderate to severe. In the second evaluation, 24 hours after surgery, prevalence of pain was 22% being 12% from moderate to severe. Variables “type of surgery” and “drugs used” have not influenced pain intensity in the postoperative period of 12 hours. However, “type of surgery” has influenced pain intensity (p=0.02) in the postoperative period of 24 hours, being that patients submitted to orthopedic procedures were more likely to report pain (49.57%) as compared to other types of surgery. Opioids had significant association with the presence of adverse effects in the first evaluation (p=0.0001). CONCLUSION: Our data have shown that analgesia with drugs prescribed by physicians non-specialists in pain management was effective when compared to other studies not using specialized pain services. However, a multimodal approach to acute pain management, coordinated by a specialized service, could further decrease this prevalence. Keywords: Analgesia, Opioid analgesics, Postoperative pain. JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A analgesia pós-operatória frequentemente é realizada pelo médico assistente, não especialista no tratamento da dor. O objetivo deste estudo foi avaliar a eficácia da analgesia utilizada em pacientes no pós-operatório imediato com fármacos prescritos pelo médico assistente, não especialista em dor. MÉTODOS: Estudo prospectivo, descritivo, observacional realizado por meio de entrevista com 186 pacientes operados no Hospital Santa Cruz. Avaliou-se a dor no pós-operatório entre 12 e 24 horas, fármacos utilizados e possíveis efeitos adversos. RESULTADOS: Na primeira avaliação, 12 horas após a cirurgia, a prevalência de dor encontrada foi de 59%, sendo 35% moderada a intensa. Na segunda avaliação, 24 horas após a cirurgia, a prevalência de dor foi de 22%, sendo 12% moderada a intensa. As variáveis “tipo de cirurgia” e “fármacos utilizados” não apresentaram influência sobre a intensidade da dor no pós-operatório de 12 horas. Entretanto, o “tipo de cirurgia” mostrou influência sobre a intensidade de dor (p=0,02) no pós-operatório de 24 horas, sendo que o paciente submetido a cirurgia ortopédica foi o que apresentou a maior probabilidade de dor (49,57%), quando comparado aos outros tipos de cirurgia. O uso de opioides apresentou associação significativa com a ocorrência de efeitos adversos na primeira avaliação (p=0,0001). CONCLUSÃO: Os dados encontrados mostram que a analgesia realizada com fármacos prescritos por médicos não especialistas em tratamento da dor foi eficaz quando comparada a outros estudos que não utilizam serviços especializados em dor. Entretanto, uma abordagem multimodal no tratamento da dor aguda, coordenada por um serviço especializado, pode diminuir ainda mais essa prevalência. Descritores: Analgesia, Analgésicos opioides, Dor pós-operatória. INTRODUÇÃO 1. Faculdade Evangélica do Paraná, Faculdade de Medicina, Curitiba, PR, Brasil. 2. Universidade Federal do Paraná, Faculdade de Medicina, Curitiba, PR, Brasil. 3. Hospital Santa Cruz, Departamento de Anestesiologia, Curitiba, PR, Brasil. 4. Universidade Federal do Paraná, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Departamento de Coloproctologia, Curitiba, PR, Brasil. Apresentado em 30 de setembro de 2013. Aceito para publicação em 15 de janeiro de 2014. Conflito de interesses: não há. Endereço para correspondência: Karinne Akemi Sakuma Rua Eduardo Carlos Pereira, 4125/33 – Bloco 3A 81020-770 Curitiba, PR, Brasil. E-mail: [email protected] © Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor 36 A dor aguda pós-operatória é resultado do trauma cirúrgico local, que provoca alterações não só fisiológicas, mas também sintomas psicológicos negativos1. Estudos mostram que até 90% dos pacientes submetidos a cirurgias sentem algum tipo de dor1,2. Alguns fatores de risco para o desenvolvimento de dor aguda pós-operatória já foram identificados: dor no período pré-operatório e fatores psicológicos, como ansiedade e depressão3. Além disso, os pacientes que usam opioides cronicamente desenvolvem tolerância ao fármaco e, portanto, têm risco aumentado para a dor pós-operatória (DPO)4. O controle inadequado da dor pode estar relacionado à equipe que assiste o paciente, por razões como falta de treinamento adequado, avaliação incompleta da dor e receio sobre os possíveis Analgesia pós-operatória por não especialistas em dor efeitos colaterais dos analgésicos5. Com o objetivo de aperfeiçoar a assistência a esses pacientes, muitos hospitais introduziram serviços de dor que permitem amplo acesso às técnicas especializadas6,7, como a analgesia controlada pelo paciente e infusão peridural de opioides e anestésicos locais6. Alguns estudos sugerem que a implantação desses serviços reduz os escores de intensidade de dor apresentados pelos pacientes7,9. No entanto, há um custo intrinsecamente ligado a esse serviço, encarecendo a assistência ao paciente8,9. Apesar de o número de hospitais que oferecem o serviço de dor estar crescendo, ainda há vários locais em que não está disponível, tornando a prescrição da analgesia pós-operatória responsabilidade do médico assistente7. A importância de tratar a dor aguda pós-operatória é que além de constituir sensação desagradável ao paciente, é fator de risco para o desenvolvimento de dor crônica e aumento da morbidade10. A persistência de dor está associada a disfunções orgânicas, como hipoventilação, aumento do trabalho cardíaco, diminuição da perfusão sanguínea periférica e contração muscular reflexa11. Além disso, estudos mostram que a DPO reduz a deambulação precoce, favorecendo o aparecimento de trombose venosa profunda, principalmente em pacientes idosos e naqueles submetidos a cirurgias de grande porte1. Para o tratamento da dor aguda pós-operatória, a abordagem multimodal pode reduzir significativamente a dor do paciente e sua progressão para dor crônica12,13. O objetivo é bloquear a geração, transmissão, percepção e apreciação dos estímulos nociceptivos, o que pode ser feito em diferentes níveis do sistema nervoso central e periférico. Para isso, pode-se lançar mão de analgésicos de ação periférica e central, como os anti-inflamatórios não esteroides (AINES) e os opioides, e também de anestésicos para uso em bloqueios14. As modalidades utilizadas incluem analgésicos orais, injeções de analgésicos intramusculares, doses de analgésicos em bolus intravenoso, analgesia intravenosa controlada pelo paciente, analgesia peridural, controlada ou não pelo paciente e o bloqueio regional do nervo15. A adequada analgesia pós-operatória pode ter início já no pré-operatório com a realização da analgesia preventiva em que há inibição prévia das vias nociceptivas por meio da intervenção farmacológica antes do início da cirurgia. O objetivo é reduzir a dor desencadeada pela ativação de mecanismos inflamatórios e impedir que o paciente apresente memória da resposta dolorosa16. A escolha do melhor método ou combinação de métodos deve ser de acordo com a intensidade de dor do paciente e conhecimento por parte da equipe de saúde da correta realização do método, dos riscos e efeitos adversos possíveis5. Nesse contexto, o objetivo deste estudo foi avaliar a eficácia da analgesia utilizada em pacientes no pós-operatório imediato com fármacos prescritos pelo médico assistente, não especialista em dor. MÉTODOS Estudo prospectivo, descritivo, observacional, realizado no Hospital Santa Cruz de Curitiba (HSC). Foram realizadas duas avaliações no período pós-operatório dos pacientes submetidos a cirurgias no HSC, sendo a primeira no pós-operatório de 12 horas e a segunda no de 24 horas. Foram avaliados os pacientes submetidos a procedimentos de cirurgia geral (fundoplicatura videolaparoscópica, colecistectomia videolaparoscópica, herniorrafia inguinal, apendicectomia videola- Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):36-40 paroscópica, gastroplastia videolaparoscópica), cirurgia ortopédica (artroscopia de ombro, artrodese de coluna, tratamento cirúrgico para fratura de clavícula, ressecção de tumor ósseo, artroscopia do joelho, cirurgia para hérnia de disco, tratamento cirúrgico para osteomielite, microcirurgia para canal estreito lombar e cirurgia do hálux), cirurgia ginecológica (perineoplastia, histerectomia vaginal, videolaparoscopia ginecológica, cirurgia para colocação de sling pubo-uretral, laqueadura tubária e miomectomia) e a cesariana segmentar transversa. A amostra foi constituída de pacientes de ambos os gêneros, com mais de 18 anos de idade. O critério de exclusão foi o paciente ter recebido alta em menos de 24 horas do período pós-operatório. Todos os pacientes que concordaram em participar da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). As avaliações foram realizadas por meio de uma ficha de avaliação contendo perguntas relativas a dor pós-operatória e, caso presente, sua intensidade, bem como possíveis efeitos adversos a fármaco (náusea, vômitos, prurido e retenção urinária) eram anotados. Os fármacos utilizados (analgésico simples, AINES ou opioide) eram listados na ficha de avaliação de acordo com a prescrição do médico assistente do paciente. Para a investigação da intensidade dolorosa foi utilizada a escala numérica verbal de dor, em que zero representa ausência de dor e 10 representa a pior dor imaginada. Os demais números representam estágios intermediários da dor. A dor foi classificada em ausente (0), leve (1-3), moderada (4-6) e intensa (7-10)17. Para análise estatística foi empregado modelo com resposta multinomial e função de ligação logística, em que as variáveis “tipo de cirurgia” e “tipo de fármacos utilizados” foram correlacionadas com possível efeito sobre a intensidade da dor no período pós-operatório de 12 e de 24 horas. Para avaliar a significância dessas variáveis foi aplicado o teste de Razão de Verossimilhanças e foram mantidas no modelo apenas as variáveis com p<0,05. As análises foram efetuadas no pacote estatístico R versão 2.15.1. Além disso, para verificar a associação entre o uso de opioides e a ocorrência de efeitos adversos (náusea, vômito, prurido, retenção urinária) foi utilizado o teste Qui-quadrado de independência e foi considerada significante quando p<0,05. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, com parecer nº 127.110/2012. RESULTADOS Foram entrevistados 186 pacientes, dos quais quatro foram excluídos por terem recebido alta hospitalar em período inferior a 24 horas. Assim, foram incluídos 182 pacientes para análise dos dados. Em relação às variáveis demográficas, 89% (n=162) dos pacientes eram do gênero feminino e 11% (n=20) eram do gênero masculino. A média de idade dos pacientes foi de 34,9±10,2 anos. Os pacientes foram submetidos a diferentes tipos de operação sendo 49% a cesariana segmentar transversa, 27% a cirurgia geral, 14% a ginecológica e 10% a ortopédica. Em relação à prescrição analgésica, dos 182 pacientes, 120 (65,9%) receberam opioide, associado ou não a AINE e/ou analgésico simples; 48 (26,4%) receberam AINE associado a analgésico simples; 7 (3,8%) 37 Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):36-40 Bidese BL, Sakuma KA, Andrade Júnior A e Sartor MC receberam AINE isolado e 7 (3,8%) receberam analgésico simples isolado. Os fármacos utilizados eram de acordo com a prescrição do médico assistente e não houve associação com “tipo de cirurgia”. A prevalência de DPO nas primeiras 12 horas foi de 59%, com o paciente em repouso, sob analgesia. Na segunda avaliação, 24 horas após a operação, a prevalência de dor foi de 22%. A prevalência de dor em cada tipo de operação realizada está descrita na tabela 1. Levando-se em consideração a intensidade da dor (12 horas) após a operação, com o paciente em repouso, constatou-se que 25% referiram dor leve (1 a 3), 23 % moderada (4 a 6) e 12% dor intensa (7 a 10). Em relação à intensidade da dor referida após 24 horas da operação, 10% referiram dor leve, 8% moderada e 4% dor intensa. Após análise estatística, os dados calculados mostraram que as variáveis “tipo de cirurgia” (geral, ortopédica, ginecológica, cesariana) e “fármacos utilizados” (analgésico simples, AINES, opioide) não apresentaram influência sobre a intensidade da dor relatada na primeira avaliação. A probabilidade calculada para cada nível de DPO de 12 horas está descrita na tabela 2. Na segunda avaliação, entretanto, que foi realizada 24 horas após o procedimento cirúrgico, a variável tipo de cirurgia apresentou significância sobre a intensidade de dor sentida (p=0,02). Essa variável, portanto, foi mantida no modelo e o cálculo da probabilidade está descrito na tabela 3. De acordo com os resultados obtidos, o paciente submetido a cirurgia ortopédica apresentou maior probabilidade de dor (49,57%) quando comparado aos outros tipos de cirurgia. Ao relacionar a prevalência de dor no período pós-operatório de 12 horas ao uso de opioides, identificou-se que entre os que utilizaram o fármaco, 57% (n=69) sentiram dor e entre os que não utilizaram 63% (n=39), conforme representado na tabela 4. Do total de pacientes estudados, 129 (70,8%) apresentaram possíveis efeitos adversos decorrentes de uso dos fármacos analgésicos na avaliação pós-operatória de 12 horas, sendo que 86 (48%) relataram prurido, 55 (30%) tiveram retenção urinária, 48 (26%) relataram náusea e 29 (16%) tiveram pelo menos um episódio de vômito. No que se refere à prevalência de tais efeitos nos pacientes que utilizaram opioides, os dados mostraram associação significativa, sendo que Tabela 1. Distribuição dos pacientes segundo o tipo de operação e a ocorrência da dor pós-operatória entre 12 e 24 horas Tipo de operação Dor pós-operatória (12h) Dor pós-operatória (24h) Sim Não Sim Não Cesariana 60% 40% 17% 83% Geral 62% 38% 24% 76% Ginecológica 52% 48% 16% 84% Ortopédica 61% 39% 50% 50% Tabela 2. Probabilidade calculada para cada nível de dor no pós-operatório de 12 horas Intensidade da dor Probabilidade (%) Ausente 40,65 Leve 24,72 Moderada 23,07 Intensa 11,53 38 Tabela 3. Intensidade de dor no pós-operatório de 24 horas de acordo com tipo de cirurgia Tipos de cirurgias Intensidade da dor Probabilidade (%) Cesariana Ausente 83,47 Cesariana Leve 7,96 Cesariana Moderada 5,61 Cesariana Intensa 2,93 Ginecológica Ausente 83,74 Ginecológica Leve 7,85 Ginecológica Moderada 5,53 Ginecológica Intensa 2,88 Geral Ausente 75,22 Geral Leve 11,30 Geral Moderada 8,67 Geral Intensa 4,79 Ortopédica Ausente 50,43 Ortopédica Leve 17,84 Ortopédica Moderada 18,64 Ortopédica Intensa 13,07 Tabela 4. Análise do uso de opioide e ocorrência de dor no pós-operatório de 12 horas Variáveis de interesse Dor pós-operatória Sim Não Total Sim n=69 (57%) n=51 (43%) n=120 (100%) Não n=39 (63%) n=23 (37%) n=62 (100%) Opioide Teste de razão de verossimilhança. p=0,950. 80,8% dos pacientes que utilizaram opioides referiram ao menos um efeito adverso versus 51,6% dos que não utilizaram o fármaco (p=0,0001). Essa relação entre o uso de opioide e efeitos adversos está representada na tabela 5. Tabela 5. Análise do uso de opioide e ocorrência de efeitos adversos Opioide Efeitos adversos Sim Não Total Sim n=97 (80,8%) n=23 (19,2%) n=120 (100%) Não n=32 (51,6%) n=30 (48,4%) n=62 (100%) Teste Qui-quadrado p=0,0001. DISCUSSÃO A prevalência de dor no período pós-operatório varia amplamente18. Estudos mostram que até 90% dos pacientes que se submetem a cirurgias sentem algum tipo de dor nas primeiras 24 horas do período pós-operatório e, se considerar a intensidade, 40 a 60% dos pacientes relatam dor moderada a intensa1,2. Entretanto, um estudo que utilizou a abordagem multimodal para o tratamento da dor mostrou que essa prevalência pode se restringir a apenas 2,2% do total de pacientes19. O presente estudo mostrou que 59% dos pacientes relataram dor nas primeiras 12 horas após a cirurgia e 35%, se for considerada Analgesia pós-operatória por não especialistas em dor apenas a dor moderada a intensa. Já na segunda avaliação, 24 horas após a cirurgia, 22% relataram dor e 12% a graduaram como moderada ou intensa. Essa prevalência reflete que há um controle da dor relativamente eficaz, considerando que a prescrição analgésica era realizada pelo médico assistente do paciente e não por especialistas em dor. Isso poderia justificar a não utilização de abordagem multimodal e ocorrência de dor superior a desejada. Além disso, deve ser considerado o perfil da amostra estudada, em que se verifica predominância do gênero feminino (89%). Estudos mostram que as mulheres têm menor limiar de dor e resposta diferente ao estímulo álgico que os homens. Isso pode ter influenciado os resultados obtidos20. No tocante aos fármacos utilizados, os pacientes que receberam opioides tiveram menor prevalência de dor (57%) comparado aos que não receberam opioides (63%). Entretanto, essa correlação não apresentou significância estatística, o que pode estar associado ao fato de que foram analisados diferentes tipos cirúrgicos, com estímulos nociceptivos diversos18. Além disso, cada paciente tem sensibilidade diferente à dor, podendo relatar dor de intensidade diferente para um mesmo procedimento21. Ao associar a DPO com o tipo de operação, os resultados mostraram correlação significativa no pós-operatório de 24 horas. Outros estudos também demonstraram essa relação18. De acordo com os dados encontrados, um paciente submetido a cirurgia geral, por exemplo, apresenta 24,78% de probabilidade de apresentar dor, diferente de um paciente submetido a procedimento ortopédico, com probabilidade bem mais elevada, de 49,57%. Na literatura não há consenso sobre o assunto. Pode-se encontrar dados semelhantes aos deste estudo, em que a prevalência de DPO é maior nos pacientes submetidos a cirurgia ortopédica22, e dados que contrapõem essa teoria, mostrando que a prevalência de dor é maior nos pacientes submetidos a cirurgia geral18. Em relação aos possíveis efeitos adversos no período pós-operatório de 12 horas, 129 pacientes (70,8%) relataram pelo menos um dos sintomas pesquisados, sendo que 86 (48%) referiram prurido; 55 (30%), retenção urinária; 48 (26%), náusea e 29 (16%) tiveram pelo menos um episódio de vômito. Consistente com esses achados, estudos mostram que o efeito adverso mais comum relativo ao emprego dos opioides por via espinhal é o prurido21. Além disso, estudos indicam que a incidência de náusea no período pós-operatório está entre 22 e 38% e a incidência de vômito entre 12 e 26%, dados semelhantes ao encontrado no presente estudo22. De acordo com os dados calculados, os pacientes que utilizaram opioides apresentaram associação significativa com a ocorrência de efeitos adversos nas primeiras 12 horas de período pós-operatório (p=0,0001). Entretanto, é importante lembrar que a dor por si só aumenta a incidência de náusea e vômito no período pós-operatório23 e também deve ser levado em conta o tipo de anestesia empregada, o que pode estar associado à incidência aumentada de efeitos adversos24. Este estudo apresenta algumas limitações que devem ser analisadas. Em primeiro lugar, foi estudada uma população submetida a diferentes tipos de cirurgias e, mesmo agrupando-as por especialidades, precisa-se levar em consideração que o estímulo doloroso provocado em cada procedimento é diferente25. Outro fator a ser ressaltado é que o tipo de anestesia realizada pode ter influenciado os resultados, visto que os pacientes submetidos Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):36-40 a bloqueios do neuroeixo (raquianestesia e peridural) apresentam analgesia prolongada devido ao bloqueio sensitivo residual que ocorre26. E, por último, deve-se considerar o tamanho limitado da amostra, que não permite que os dados relatados sejam extrapolados para a população em geral. CONCLUSÃO Os dados encontrados no estudo mostraram que a analgesia realizada com fármacos prescritos por médicos não especialistas em tratamento da dor foi eficaz quando comparada a outros estudos que não utilizam serviços especializados em dor . Entretanto, como permanece uma parcela não desprezível de pacientes com dor, uma abordagem multimodal no tratamento da dor aguda, coordenada por um serviço especializado, poderia diminuir ainda mais essa prevalência. A importância de tratar a dor aguda pós-operatória de forma adequada é que, além de reduzir o sofrimento do paciente, diminui as morbidades associadas e a progressão da dor para a cronicidade. 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Couceiro TC, Valença MM, Lima LC, de Menezes TC, Raposo MC. [Prevalence and influence of gender, age, and type of surgery on postoperative pain]. Rev Bras Anestesiol. 2009;59(3):314-20. Portuguese. 26. Imbelloni LE, Fornasari M, Fialho JC, Sant’Anna R, Cordeiro JA. [General anesthesia versus spinal anesthesia for laparoscopic cholecystectomy]. Rev Bras Anestesiol. 2010;60(3):217-27. Portuguese. ARTIGO ORIGINAL Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):41-7 Difficult situation in cancer pain: breakthrough pain* Situação difícil em dor oncológica: dor do tipo breakthrough Rafael Toledo Enes Nogueira1, Érica Brandão de Moraes Vieira2, Luis Henrique Albuquerque Sousa1, João Batista Santos Garcia3 *Recebido da Universidade Federal do Maranhão, Liga Acadêmica de Dor, São Luis, MA, Brasil. DOI 10.5935/1806-0013.20140010 ABSTRACT RESUMO BACKGROUND AND OBJECTIVES: Breakthrough pain is frequent among cancer patients and is poorly studied in Brazil. This study aimed at evaluating the characteristics of breakthrough pain and at comparing its evolution during three days. METHODS: This is a longitudinal study where a specific questionnaire developed for the study was applied and was made up of socio-demographic data (age, gender, marital status, profession, income, origin), cancer-related data (types of primary tumor, presence of metastases, therapeutic approach with chemotherapy and/or radiotherapy, surgical treatment and drugs) and parameters related to breakthrough pain (number of daily episodes, duration of crisis, intensity, pain onset velocity and types of breakthrough pain: spontaneous, incidental, drug failure at the end of the dose). RESULTS: Most patients were females (71.7%), aged between 30 and 50 years (41.7%), under concomitant chemotherapy and radiotherapy (41.7%) and had cervical cancer (54.2%). Mean pain intensity was 7, with standard deviation of 2.3. With regard to breakthrough pain, there have been no statistically significant differences in the three evaluation moments. During the three evaluations, it was observed that there has been decrease in the percentage of patients with pain for more than 15 minutes in the third evaluation (p=0.004). There has been no difference in pharmacological profile among the three evaluations (p=0.34). CONCLUSION: Breakthrough pain was frequent among the studied population. The use of opioids was effective to decrease pain duration and spontaneous pain. Keywords: Cancer pain, Incidental pain, Irruptive pain, Opioid. Justificativa e objetivos: A dor do tipo breakthrough ocorre com frequência em pacientes oncológicos e é pouco estudada no Brasil. Este estudo teve como objetivo estudar as características da dor do tipo breakthrough e comparar a evolução durante três dias. METODOS: Trata-se de um estudo longitudinal em que foi aplicado um questionário específico criado para a pesquisa e composto por dados sociodemográficos (idade, gênero, estado civil, profissão, renda, procedência), dados referentes ao câncer (tipos de tumor primário, existência de metástase, abordagem terapêutica como quimioterapia e/ou radioterapia, tratamento cirúrgico e fármacos) e parâmetros referentes à dor do tipo breakthrough (número de episódios por dia, duração da crise, intensidade, velocidade de inicio da dor e as variedades de dor do tipo breakthrough: espontânea, incidental e falha do fármaco no final da dose). Resultados: A maioria era do gênero feminino (71,7%), com idade de 30 a 50 anos (41,7%), realizava quimioterapia e radioterapia concomitante (41,7%), e tinha câncer de colo uterino (54,2%). A média da intensidade dolorosa foi 7, com desvio padrão de 2,3. Em relação à presença de dor do tipo breakthrough, não houve diferença estatisticamente significativa nos três momentos de avaliação. Durante as três avaliações observou-se que houve redução no percentual de pacientes que sentiam dor com tempo acima de 15 minutos na terceira avaliação (p=0,004). Não houve diferença entre as três avaliações quanto ao perfil farmacológico (p=0,34). Conclusão: A dor do tipo breakthrough foi frequente na população estudada. O uso de opioides mostrou eficácia na diminuição do tempo de dor e dor espontânea. Descritores: Dor incidental, Dor irruptiva, Dor neoplásica, Opioide. INTRODUÇÃO 1. Universidade Federal do Maranhão, Liga Acadêmica de Dor, São Luis, MA, Brasil. 2. Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. 3. Universidade Federal do Maranhão, São Luis, MA, Brasil. Apresentado em 05 de novembro de 2013. Aceito para publicação em 17 de fevereiro de 2014. Conflito de interesses: não há. Endereço para correspondência: Érica Brandão de Moraes Vieira Av. Bahia, Condomínio Gran Village Turu III, casa 28 65065-770 São Luís, MA, Brasil. E-mail: [email protected] © Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor A experiência dolorosa pode ocorrer em qualquer momento durante a doença e pode ser ocasionada por diversos mecanismos, como por participação direta do tumor, terapias antineoplásicas e outras causas não relacionadas ao câncer1. Além disso, muitos indivíduos com câncer procuraram um profissional de saúde por causa da dor, que pode ser o primeiro sinal de malignidade2-4. Em artigo de revisão foi demonstrado que a prevalência da dor oncológica em pacientes com metástase ou doença avançada é de 64%, enquanto que essa prevalência era quase duas vezes menor em pacientes curados. Revela ainda que a maioria dos pacientes (59%) em tratamento antineoplásico refere dor. A dor foi avaliada como moderada a intensa por cerca de um terço do total de pacientes5. A essa problemática soma-se o fato de que o número de sobreviven- 41 Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):41-7 Nogueira RT, Vieira EB, Sousa LH e Garcia JB tes de câncer aumentará significativamente na próxima década e que a avaliação da qualidade de vida desses pacientes deve suplantar a simples avaliação de sobrevida, tendo que incluir novas preocupações tais como a dor crônica e persistente, que pode acompanhá-los por décadas6. Outra grande preocupação é que apesar de tratamentos efetivos estarem disponíveis em 70 a 90% dos casos, o tratamento inadequado ainda ocorre em 40 a 50% dos pacientes aumentando ainda mais suas queixas e a intensidade da dor4. O alívio da dor pode ser alcançado em mais de 75% dos pacientes que recebem tratamento analgésico adequado por meio de condutas farmacológicas, tais como o uso de opioides e adjuvantes, como sugerido pela escada analgésica da Organização Mundial da Saúde (OMS)7. Nesse contexto, os profissionais de saúde devem estar atentos, pois há diversas barreiras ao tratamento da dor oncológica que geram uma discrepância entre a expectativa de melhora e o real alívio obtido. Algumas dessas barreiras são a falta de conhecimento dos profissionais de saúde, a atitude frente à dor como sintoma de menor importância, a falta de métodos objetivos para avaliação da dor, a inadequada educação dos pacientes e seus familiares sobre o tema, a dificuldade de acesso aos opioides em algumas localidades, entre outras8,9. Dentro de tão ampla problemática, tem se destacado nos últimos anos a pesquisa da dor do tipo breakthrough, por ser extremamente relacionada à diminuição da qualidade de vida do paciente a despeito do tratamento realizado, e por ser uma entidade não muito conhecida, resultando em quadros subdiagnosticados, pouco valorizada e sem intervenções necessárias10,11. O termo breakthrough surgiu na literatura médica há 20 anos e expressa uma exacerbação transitória da dor, que ocorre em pacientes com dor basal de moderada intensidade ou menos12. Anos depois, foi definida como “uma exacerbação da dor que ocorre em pacientes com dor basal estabilizada e recebendo terapia com opioides”, caracterizando assim a necessidade da utilização prévia de analgésicos potentes para seu controle13. Há muitas controvérsias e definições diferentes, mas é importante considerar a dor do tipo breakthrough como um escape de dor em pacientes com dor basal já sendo tratada e adequadamente controlada10,11. Desde sua primeira descrição12, tornou-se reconhecida como um importante aspecto no tratamento do câncer, evidenciado pelo crescente número de revisões e recomendações publicadas nos últimos anos11,14,15. Por muito tempo o significado desse termo permaneceu confuso em vários idiomas, devido à falta de tradução, explicando o fato de que atualmente o termo breakthrough é progressivamente adotado em vários países de diferentes continentes, inclusive no Brasil. Termos como “dor de ruptura” e “dor incidental” foram utilizados, mas pela dificuldade de normatização ou consenso, mantêm-se a nomenclatura original em inglês12,16. A dor do tipo breakthrough se caracteriza por um rápido início (menos que 3 minutos); uma intensidade muito forte e uma duração curta (por volta de 30 minutos), ocorrendo em média 4 episódios por dia. A fisiopatologia desse tipo de dor pode ter etiologia e característica somática, visceral ou neuropática, estando na maioria das vezes associada ao mesmo mecanismo que causa a dor de base12,13,15,17,18. É classificada, segundo o evento desencadeador, em três tipos: espontânea, incidental (que é relacionada com movimentação) e por falha do fim da dose terapêutica (que ocorre no intervalo final entre uma dose e o inicio da próxima dose do fármaco analgésico para o 42 controle da dor de base)12. Em estudo de prevalência, realizado na Catalunha (Espanha) com 397 pacientes, 41% (163) dos pacientes oncológicos apresentaram pelo menos um episódio de dor do tipo breakthrough em um intervalo de 24 horas, demonstrando o que pode ser a dimensão do problema19. Há necessidade de mais estudos para estimar a real prevalência desse tipo de dor nos pacientes oncológicos, principalmente no Brasil, onde não foi encontrada nenhuma referência na literatura especializada sobre essa situação ainda considerada desconhecida pela população médica. Assim, o presente estudo teve por objetivo estudar as características da dor do tipo breakthrough e comparar a evolução durante três dias em um hospital de referência para o câncer. MÉTODOS A presente pesquisa trata-se de um estudo longitudinal prospectivo em pacientes com diagnóstico de câncer e dor oncológica do tipo breakthrough. Para o cálculo amostral utilizou-se a quantidade de leitos da oncologia adulta existentes no hospital (n=42) e a prevalência de casos de breakthrough encontrada em estudos anteriores (40 a 80%)13,19,20. Definiu-se que o tamanho da amostra seria de 24 pacientes com esse tipo de dor. Foram incluídos pacientes internados maiores de 18 anos em uso de opioides por pelo menos 2 meses com dor de base do câncer controlada. Não foram incluídos pacientes que se encontravam em fase terminal, com dificuldade de compreensão e comunicação, com problemas neurológicos e psiquiátricos e com idade de 75 anos ou mais. Aplicou-se um questionário específico criado para a pesquisa e composto por dados sociodemográficos (idade, gênero, estado civil, profissão, renda, procedência), dados referentes ao câncer (tipos de tumor primário, existência de metástase, abordagem terapêutica como quimioterapia e/ou radioterapia, tratamento cirúrgico e fármacos) e parâmetros referentes à dor do tipo breakthrough (número de episódios por dia, duração da crise, intensidade, velocidade de inicio da dor e as variedades de dor do tipo breakthrough: espontânea, incidental e falha do fármaco no final da dose). Os pacientes foram incluídos na pesquisa após a aceitação e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, atendendo dessa forma aos princípios da Declaração de Helsinque. A coleta de dados ocorreu durante seis meses, sendo realizada pela equipe da Liga Acadêmica de Dor da Universidade Federal do Maranhão. Após a aplicação do questionário, os pacientes que apresentavam quadro de dor do tipo breakthrough foram acompanhados em três visitas em um intervalo de dois dias entre elas, para observar o desenvolvimento e as características dessa doença. Nesse seguimento foram avaliados apenas os parâmetros referentes à dor do tipo breakthrough (Figura 1). A digitação dos dados foi efetuada em duas cópias e depois comparada para correção de erros. A análise estatística foi realizada no programa Stata 10.0. Os dados estão apresentados como frequência, média e desvio padrão. O teste de Friedman foi aplicado para verificar se houve diferença estatisticamente significante nos três dias de acompanhamento da dor do tipo breakthrough. Foi considerado Situação difícil em dor oncológica: dor do tipo breakthrough Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):41-7 Pacientes com dor basal controlada com opioides (n=46 pacientes) Pacientes com dor do tipo breakthrough (n=24 pacientes) • Dados sociodemográficos • Dados referentes ao câncer • Parâmetros da dor do tipo breakthrough (n=24 pacientes) • Parâmetros da dor do tipo breakthrough (n= 24 pacientes) Figura 1. Fluxograma do estudo estatisticamente significante o valor de p<0,05. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Instituição, sob nº 2954/2011. Tabela 1. Dados sociodemográficos dos pacientes com dor do tipo breakthrough Variáveis n (%) Gênero RESULTADOS Foram encontrados 46 pacientes que preenchiam os critérios de inclusão, sendo 33 (71,7%) mulheres e 13 (28,2%) homens. Desses 46 pacientes, 24 (52,2%) apresentaram episódios de dor do tipo breakthrough. Dos 24 pacientes avaliados a maioria era do gênero feminino (75%), com idade de 30 a 50 anos (41,7%) e cor autorreferida como negra (58,3%). O estado civil mais encontrado foi casado ou união estável (58,3%). Mais da metade tinha menos de 8 anos de estudo (54,2%). Em relação à atividade profissional nenhum dos entrevistados estava em situação ativa e 29,2% estavam de licença saúde por causa do câncer. A maioria dos pacientes (75%) era proveniente do interior do estado (Tabela 1). De acordo com os dados relativos ao câncer, mais da metade apresentava como local primário o colo de útero (54,2%). O tempo de doença foi bastante variado, porém a maioria ainda estava no primeiro ano de doença (33,4%). Cerca de 37,5% já haviam apresentado algum tipo de metástase (Tabela 2). Em relação à abordagem terapêutica, a maioria realizava quimioterapia e radioterapia concomitante (41,7%), e 54,2% já haviam realizado procedimento cirúrgico para o câncer. Cerca de 65% faziam uso de opioides fortes em associação com analgésicos (Tabela 2). Todos os pacientes relataram dor há mais de três meses, e a maioria sentia a dor de forma contínua (58,3%). A média da intensidade dolorosa foi 7, com desvio padrão de 2,3. As características da dor mais reportadas foram pontada (54,2%) e fisgada (50,0%). A sensibilidade, relacionada ao local de dor, estava preservada em 79,3%. Cerca de 70,8% relataram restrição de movimento por causa da dor e alteração do sono (Tabela 3). Masculino 6 (25,0) Feminino 18 (75,0) Idade (anos) < 30 5 (20,8) 30-50 10 (41,7) > 50 9 (37,5) Cor Branca 6 (25,0) Parda 4 (16,7) Negra 14 (58,3) Estado civil Casado/união estável 14 (58,3) Solteiro 9 (37,5) Viúvo 1 (4,2) Escolaridade (anos) <8 13 (54,2) ≥8 11 (45,8) Atividade profissional Ativo 0 (0,0) Licença saúde 7 (29,2) Aposentado 5 (20,8)) Sem atividade remunerada 12 (50,0) Procedência Capital Interior Total 6 (25,0) 18 (75,0) 24 (100,0) 43 Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):41-7 Nogueira RT, Vieira EB, Sousa LH e Garcia JB Tabela 2. Dados relativos ao câncer e seu tratamento em pacientes com dor do tipo breakthrough n (%) Locais primários do câncer Colo de útero 13 (54,2) Mama 4 (16,7) Outros 7 (29,1) Tempo de doença (anos) <1 8 (33,4) 1a2 5 (20,8) 2a3 6 (25,0) >3 5 (20,8) Presença de metástases Sim 9 (37,5) Não 15 (62,5) Abordagem terapêutica Radioterapia isolada 7 (29,2) Quimioterapia isolada 5 (20,8) Quimioterapia + radioterapia 10 (41,7) Sem quimioterapia e sem radioterapia 2 (8,3) Procedimentos cirúrgicos Sim 13 (54,2) Não 11 (45,8) Tratamento analgésico Tabela 3. Caracterização da dor relatada pelos pacientes Variáveis n (%) Início da dor <3meses 0 (0,0) ≥3meses 24 (100,0) Periodicidade Contínua 14 (58,3) Intermitente 10 (41,7) Intensidade da dor (EN) 7 (2,3) * Características da dor ** Queimação 7 (29,1) Choque 4 (16,7) Pontada 13 (54,2) Fisgada 12 (50,0) Aperto 6 (25,0) Peso 5 (20,8) Latejante 3 (12,5) Lancinante 1 (4,1) Sensibilidade Preservada 19 (79,3) Alodínia 1 (4,1) Hipoestesia 2 (8,3) Hiperalgesia 2 (8,3) Alteração do sono Opioides fortes + AINES 16 (66,7) Opioides fracos + AINES 6 (25,0) Opioides fortes isolados 2 (8,3) AINES: anti-inflamatórios não esteroides. Sim 17 (70,8) Não 7 (29,2) Restrição do movimento Sim 17 (70,8) Não 7 (29,2) EN: escala numérica; *Média (desvio padrão); **Valores não somam 100% porque os pacientes poderiam dar mais de uma característica à sua dor. Em relação à presença de dor do tipo breakthrough, não houve diferença estatisticamente significante nos três momentos de avaliação. Apenas três pacientes não apresentaram casos de dor do tipo breakthrough em um determinado dia de entrevista, sendo dois pacientes na segunda avaliação e um paciente na terceira avaliação (p=1,00) (Tabela 4). A maioria dos pacientes apresentou até cinco episódios de dor do tipo breakthrough por dia e não houve diferença estatisticamente significativa entre as avaliações (p=0,93). De acordo com a escala numérica houve uma redução sutil na intensidade dolorosa na segunda e terceira avaliação, porém estatisticamente significante (p=0,01) (Tabela 4). A variedade de dor do tipo breakthrough mais encontrada foi a dor incidental, presente na metade dos pacientes nas três avaliações. No entanto, observou-se uma redução do percentual da dor espontânea de 20% na terceira avaliação, juntamente com um aumento da dor 44 decorrente da falha ao final da dose do opioide (p<0,001) (Tabela 4). A duração dos episódios atingiu até 15 minutos em mais da metade dos pacientes durante as três avaliações. No entanto observou-se que houve redução no percentual de pacientes que sentiam dor com tempo acima de 15 minutos na terceira avaliação (p=0,004) (Tabela 4). Seis pacientes (25,0%) não utilizaram nenhum fármaco para controlar os casos de dor do tipo breakthrough, e 18 (75,0%) os utilizaram para o controle da dor na primeira entrevista. O padrão se manteve similar na segunda e terceira avaliação (p=0,40). Dentre os fármacos prescritos estavam a morfina utilizada por via subcutânea e/ou venosa, a dipirona e o tramadol, estes somente utilizados por via venosa. Não houve diferença entre as três avaliações quanto ao perfil farmacológico (p=0,34). Quando arguidos sobre a efetividade de fármaco de resgate prescrito, apenas cinco pacientes (25%) responderam que tiveram alívio adequado (Tabela 4). Situação difícil em dor oncológica: dor do tipo breakthrough Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):41-7 Tabela 4. Análise dos episódios de dor do tipo breakthrough Variáveis 1ª avaliação n (%) 2ª avaliação n (%) 3ª avaliação n (%) Sim 24 (100,0) 22 (91,7) 23 (95,8) Não 0 (0,0) 2 (8,3) 1 (4,2) Dor breakthrough 1,00 Número de episódios 0,93 Até 5 19 (79,0) 21 (95,5) 22 (95,7) >5 5 (21,0) 1 (4,5) 1 (4,3) 8,04 (1,16)/ 6 -10** 7,85 (1,15)/ 5-9** 8,00 (1,09)/5-9** Escala numérica Valor de p* Forma da dor breakthrough Incidental 12 (50,0) 11 (50,0) 12 (52,0) Espontânea 12 (50,0) 8 (36,0) 7 (30,0) Falha ao final da dose do opioide 0 (0,0) 2 (10,0) 3 (13,0) Incidental e espontânea 0 (0,0) 1 (4,0) 1 (4,0) Duração (min) 0,004 Até 15 13 (54,0) 12 (54,0) 15 (65,0) >15 11 (45,0) 10 (45,0) 8 (35,0) Recebeu fármaco 0,40 Sim 18 (75,0) 17 (77,3) 17 (73,9) Não 6 (25,0) 5 (22,7) 6 (26,1) 4 (22,2) 1 (5,9) 2 (11,7) Fármaco recebido Dipirona 0,34 Tramadol 2 (11,1) 2 (11,7) 2 (11,7) Morfina 12 (66,7) 13 (76, 5) 13 (76,6) 0 (0,0) 1 (5,9) 0 (0,0) Morfina + dipirona 0,01 <0,001 *Teste Friedman; **Média (desvio padrão)/min-máx. DISCUSSÃO A prevalência encontrada dos pacientes oncológicos que apresentaram episódios de dor do tipo breakthrough neste estudo foi de 52,2%, percentual inferior ao observado na pesquisa americana realizada (51%)13 e no estudo inglês (72,5%)21, entretanto muito parecido ao trabalho espanhol de Gómez-Batiste et al. (41%)19. A variação descrita na literatura é de 40 a 80% de casos em pacientes com câncer21,22, o que mostra que é um problema frequente e portanto merece ser diagnosticado e tratado. A maioria dos pacientes foram mulheres jovens, o que divergiu das referências anteriores, que não demonstraram diferenças significativas entre os gêneros e registraram uma média de idade por volta da sexta década de vida13,19,21. Essas diferenças podem ser explicadas devido à prevalência bem maior de cânceres ginecológicos encontrados na instituição, que é um centro de referencia no estado, principalmente o câncer de colo uterino, que está relacionado a uma média de idade mais baixa do que a maioria dos tumores, resultando em uma maior quantidade de leitos disponíveis para internação de mulheres23. O perfil dos tumores primários existentes neste trabalho divergiu do perfil encontrado em pesquisas na Europa e EUA. Um trabalho realizado no Reino Unido14 mostrou que os principais tumores primários diagnosticados foram: câncer de mama (21%), câncer de próstata (21%), colorretal (10%), mieloma (10%), pulmão (7,5%) e outros (<5%)15,21. Pode-se observar que em tal casuística o percentual de casos de câncer de colo uterino representa menos de 5% dos pacientes, bem diferente do presente estudo onde a principal causa é essa neoplasia. Os motivos para essa diferença podem ser demonstrados devido à incidência de câncer de colo uterino ser duas vezes maior nos países subdesenvolvidos do que nos países desenvolvidos24,25. O Brasil apresentou incidência de 18 casos por 100.000 habitantes em 2010, enquanto os países da Europa Ocidental têm uma incidência menor que 10 casos por 100.000 habitantes23. A incidência de casos de câncer de colo uterino se torna maior quando se analisou a situação do estado do Maranhão, que apresentou 22,49 casos por 100.000 habitantes em 2012; já a incidência de câncer de mama nesse estado foi de 11,91 casos para 100.000 habitantes em 2012, mostrando o porquê do maior número de casos de câncer de colo de útero do que de mama entre os pacientes participantes do estudo23. Corroborando esse perfil encontrado, observou- 45 Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):41-7 Nogueira RT, Vieira EB, Sousa LH e Garcia JB -se o baixo nível de escolaridade e a falta de remuneração da amostra estudada, com a maioria dos pacientes sendo analfabeto ou tendo apenas o primeiro grau incompleto e sem emprego. A baixa escolaridade e a pobreza estão intimamente ligadas ao alto índice de câncer de colo uterino, por se tratar de um câncer muito associado à doença sexualmente transmissível e à falta de conhecimento e informações sobre a prevenção. O tratamento para controle da dor oncológica desses pacientes foi realizado em 75% dos casos com o uso de opioide forte (morfina) e 25% com opioide fraco (tramadol) com ou sem adjuvante. No estudo19 a maioria também utilizou opioides fortes, mas não apenas a morfina. Outros fármacos como a metadona, o fentanil e a oxicodona também foram prescritos, aumentando o espectro de opções terapêuticas. Esse fato pode refletir uma maior prática do tratamento da dor oncológica com morfina em nosso meio, bem como uma baixa disponibilidade de outros opioides potentes para os pacientes do Sistema Único de Saúde. Dos 20 pacientes que relataram dor do tipo breakthrough, a maioria (60%) apresentou uma média de dois a quatro episódios por dia durante a primeira entrevista, subindo esse percentual para 80% nas entrevistas subsequentes, semelhante à média de episódios por dia existentes em outros estudos que foi de um a quatro1,13,20,21. O aumento observado na segunda e terceira entrevistas era esperado, uma vez que foi explicado aos pacientes quais as características da dor do tipo breakthrough, possibilitando melhor compreensão, maior facilidade de identificação, resultando em uma maior busca por tratamento (70%). Com relação ao desenvolvimento da dor, este estudo apresentou discordância com o realizado na Catalunha, onde a dor ocorreu de forma mais rápida em 60% dos casos, versus 45% do presente estudo19. Possivelmente essa diferença ocorreu devido ao alto numero de pacientes com metástases (53%) presente no estudo catalão, o que pode acelerar o aparecimento da dor. No presente estudo, apenas 30% dos pacientes tinham metástases. Sobre a duração do episódio, os dois trabalhos apresentaram intervalos semelhantes, variando de poucos minutos até uma hora, com predomínio do tempo de dor entre 15 e 30 minutos, o que também foi observado por outros autores12,13,26. A intensidade de todos os casos de breakthrough foi moderada e/ou intensa. Nas pesquisas realizadas por Davies et al.14,21 mais de 90% dos pacientes tiveram dor moderada e/ou intensa demonstrando um quadro bastante parecido com o existente no presente estudo. Outros trabalhos consideram a dor do tipo breakthrough geralmente forte, pouco tolerada e com grande interferência na qualidade de vida das pessoas10,27,28. Quanto à classificação, a maioria dos casos de dor breakthrough foi do tipo incidental, tendo como principal subtipo a movimentação; e a menor prevalência foi de falha no final da dose do opioide. Esses resultados foram semelhantes aos demais estudos que também apresentaram a dor incidental e a movimentação como principais causas de dor breakthrough12,13,19,21. Estes dados chamam atenção para a limitação que esse tipo de dor pode causar aos pacientes, restringindo seus movimentos no leito, impedindo a deambulação e até cuidados simples como a higiene pessoal. Cerca de 70% dos pacientes utilizaram fármacos para controlar a dor, porém somente 25% tiveram alívio. As vias parenterais foram 46 vias de escolha para os pacientes internados, mas não são alternativas ideais para o tratamento da dor breakthrough, pois essa queixa tem duração curta, enquanto que os fármacos demoram a começar a agir pelas vias venosa e subcutânea. Discute-se bastante a utilização do fentanil transmucoso (sublingual ou bucal) como um método efetivo no controle da dor do tipo breakthrough, com aumento crescente de sua prescrição na Europa, baseada no seu rápido inicio de ação. No Brasil não se dispõe ainda dessa apresentação farmacêutica, o que restringe as possibilidades de tratamento. Outro fármaco citado é a cetamina, que se mostrou efetiva quando utilizada pela via nasal, através de spray com pequenas doses; porém essa apresentação também não está disponível21,29. CONCLUSÃO A partir deste estudo, pode-se inferir que a dor do tipo breakthrough tem prevalência elevada, foi mais frequente em mulheres jovens e de baixa escolaridade, com câncer de colo uterino e mama, apresentando dois a quatro episódios por dia, de curta duração, forte intensidade e de inicio gradual, e principalmente do tipo incidental. O uso de opioides mostrou eficácia na diminuição do tempo de dor e dor espontânea. Com esses dados, identificou-se que esse tipo de dor é uma situação oncológica comum, apesar de desconhecida e bastante subdiagnosticada pela classe médica e pela população em geral. Por essa razão, seu tratamento é realizado de forma inadequada ocasionando a piora na qualidade de vida dos pacientes acometidos por essa doença. Os resultados desta pesquisa podem auxiliar na elaboração de novos estudos e criação de programas de capacitação profissional no cuidado deste tipo de dor, proporcionando um melhor atendimento para os pacientes. 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Portenoy RK, Payne D, Jacobsen P. Breakthrough pain: characteristics and impact in patients with cancer pain. Pain. 1999;81(1-2):129-34. Situação difícil em dor oncológica: dor do tipo breakthrough 14. Davies AN, Dickman A, Reid C, Stevens AM, Zeppetella G. The management of cancer-related breakthrough pain: recommendations of a task group of the Science Committee of the Association for Palliative Medicine of Great Britain and Ireland. Eur J Pain. 2009;13(4):331-8. 15. Davies AN. Cancer-related breakthrough pain. Br J Hosp Med (Lond). 2006;67(8):414-6. 16. Mercadante S, Arcuri E. Breakthrough pain in cancer patients: pathophysiology and treatment. Cancer Treat Rev. 1998;24(6):425-32. 17. Caraceni A, Martini C, Zecca E, Portenoy RK, Ashby MA, Hawson G, et al. Breakthrough pain characteristics and syndromes in patients with cancer pain. An international survey. Palliat Med. 2004;18(3):177-83. 18. Zeppetella G, O’Doherty CA, Collins S. 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This study aimed at investigating relevant topics on the influence of chronic osteoarticular pain on the functional capacity of the elderly. CONTENTS: A bibliographic study was carried out by querying major publications on the subject. Material was identified with the aid of electronic databases Medline, LILACS, Scielo and Pubmed. Keywords used were “chronic pain”, “osteoarticular diseases” and “functional capacity”. CONCLUSION: Further attention should be given to public policies implementing programs aiming especially at preventing and controlling chronic osteoarticular diseases, promoting functionality and better quality of life for this population. Keywords: Chronic pain, Functional capacity, Osteoarticular diseases. RESUMO JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: No âmbito das afecções do aparelho locomotor, a dor é o sintoma mais frequente e, além da alta prevalência, sua importância decorre por estar presente nas doenças que causam maior impacto negativo na qualidade de vida e na produtividade dos indivíduos acometidos. O objetivo deste estudo foi investigar tópicos relevantes sobre a influência da dor osteoarticular crônica na capacidade funcional no idoso. 1. Universidade de Passo Fundo, Bolsista Pibic CNPq, Passo Fundo, RS, Brasil. 2. Universidade de Passo Fundo, Bolsista Pibic/Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, RS, Brasil. 3. Universidade de Passo Fundo, Bolsista Probic/Fapergs, Passo Fundo, RS, Brasil. 4. Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, RS, Brasil. 5. Universidade de Passo Fundo, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Passo Fundo, RS, Brasil. Apresentado em 03 de maio de 2013. Aceito para publicação em 26 de novembro de 2013. Conflito de interesses: não há. Endereço para correspondência: Cascieli Miotto Rua Doutor Bozano, 580/Bloco F/103 – Bairro Petrópolis 99051-370 Passo Fundo, RS, Brasil. E-mail: [email protected] © Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor 48 CONTEÚDO: Foi realizado um estudo bibliográfico mediante consulta às principais publicações sobre o tema. O material foi identificado com auxílio das bases eletrônicas de dados da Medline, LILACS, Scielo e Pubmed. Foram empregados os descritores “dor crônica”, “doenças osteoarticulares” e “capacidade funcional”. CONCLUSÃO: Deve haver maior atenção às políticas públicas de implementação de programas que visem principalmente a prevenção e o controle das doenças crônicas osteoarticulares, promovendo funcionalidade e maior qualidade de vida para essa população. Descritores: Capacidade funcional, Doenças osteoarticulares, Dor crônica. INTRODUÇÃO O processo de envelhecimento, na maioria das vezes, caracteriza-se pela alta incidência de doenças crônicas e degenerativas que, muitas vezes, resultam em elevada dependência. Muitos desses quadros são acompanhados por dor e, em significativa parcela deles, a dor crônica é a principal queixa do indivíduo, fato que pode interferir de modo acentuado na qualidade de vida dos idosos1-3. No âmbito das afecções do aparelho locomotor, a dor é o sintoma mais frequente e uma das principais causas de procura por assistência médica. Além da alta prevalência, pode estar presente nas doenças que causam maior impacto negativo na produtividade dos indivíduos acometidos4. Na maioria dos casos de doenças incapacitantes, a dor é a condição consequente, variando em intensidade e conforme a sua evolução. Pesquisadores verificaram e enfatizaram que a alta prevalência de dor na população idosa está normalmente associada a desordens crônicas, destacando-se as artrites e osteoporoses, tendo influência dos altos níveis de incapacidade funcional e fragilidade5-7. Para determinar a prevalência da dor crônica em idosos e caracterizá-la quanto ao local, intensidade, duração, frequência do episódio e horário preferencial, uma população de 451 idosos foi estudada e constatou-se que a prevalência de dor crônica era de 51,44%. Os locais de dores mais frequentes foram: região dorsal (21,73%) e membros inferiores (21,5%). A dor na região dorsal foi descrita como diária (31,63%), contínua ou com duração entre 1 e 6 horas (19,39%), leve (50%) e sem horário preferencial (56,12%). Dor nos membros inferiores foi descrita como diária (42,27%), com duração variável (32,99%) ou contínua (22,68%), leve (53,61%) e sem horário preferencial (48,45%)8. A Política Nacional de Saúde do Idoso assume que o principal problema que pode afetá-lo, como consequência da evolução de suas doenças e de seu estilo de vida, é a perda de sua capacidade funcional, isto é, a perda das habilidades físicas e mentais necessárias para a Influência da dor crônica na capacidade funcional do idoso realização de suas atividades básicas e instrumentais da vida diária9. A população senil é a que mais progride em relação à incapacidade funcional, o que demanda maiores cuidados e, assim, custos mais elevados para a sociedade10. Artrite reumatoide, osteoartrite, polimialgias e osteoporose são as doenças que mais frequentemente causam dor crônica no sistema musculoesquelético e incapacidade no Brasil e no mundo11. Foi realizado um estudo teórico mediante consulta às principais publicações sobre o tema. O material foi identificado com auxílio das bases eletrônicas de dados bibliográficos da Medline, LILACS, Scielo e Pubmed. Foram empregados os descritores “dor crônica”, “doenças osteoarticulares” e “capacidade funcional”. O objetivo deste estudo foi investigar tópicos relevantes sobre influência da dor osteoarticular crônica na capacidade funcional no idoso. OSTEOARTRITE A osteoartrite (OA) é uma doença articular degenerativa, sendo a doença reumática mais prevalente entre indivíduos com mais de 65 anos de idade. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que 25% dos indivíduos acima de 65 anos sofrem dor e incapacidade associadas à OA12. É uma afecção dolorosa que ocorre por insuficiência da cartilagem articular, ocasionada por um desequilíbrio entre a formação e a destruição dos seus principais elementos. Também está associada a uma variedade de condições como: sobrecarga mecânica, alterações bioquímicas da cartilagem e membrana sinovial e fatores genéticos13. Dentre as formas clínicas, destacam-se a OA de quadril e joelho por serem particularmente mais incapacitantes, uma vez que essas são as articulações que recebem todo o peso corporal14. Dos pacientes com OA de joelho e quadril cerca de 80% relatam problemas com a função muscular, especificamente quanto à força, resistência, equilíbrio e coordenação15. Os tratamentos clínicos utilizados para o alívio dos sintomas álgicos na osteoartrose formam um arsenal composto por: fármacos sintomáticos de ação rápida, os analgésicos narcóticos e não narcóticos, os anti-inflamatórios não hormonais e hormonais e a utilização de ácido hialurônico via intra-articular. Nas intervenções não farmacológicas, podem ser citados: a educação dos pacientes e familiares, a reabilitação e os exercícios, a redução dos fatores mecânicos sobre a articulação e as terapias complementares16. Um estudo analisou o efeito da estimulação elétrica nervosa transcutânea (TENS) nível sensório para tratamento de dor em pacientes com diagnóstico de OA de joelho. Foram estudados 10 pacientes utilizando a TENS, com parâmetros de 80 Hz e 140 μs, com um total de 10 sessões, 30 minutos para cada sessão, o período total de tratamento foi de 4 semanas. Cada paciente foi entrevistado com um questionário de avaliação de dor na 1ª, na 5ª e na 10ª sessão. Ao final do estudo os autores observaram que a TENS foi satisfatória para reduzir dor e melhorar a funcionalidade do joelho17. ARTRITE REUMATOIDE A artrite reumatoide (AR) é uma doença inflamatória articular de evolução crônica, caracterizada por eventos dolorosos e deformida- Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):48-50 des físicas, com consequentes limitações no trabalho e nas atividades cotidianas18. A doença evolui com graus variáveis de incapacidade funcional e está associada a taxas de morbidade e mortalidade aumentadas em comparação à população normal19. Em nível articular os pacientes apresentam limitação da capacidade física devido à diminuição da força muscular, da capacidade aeróbica e redução da resistência muscular, devido à dor, edema, diminuição da propriocepção e perda da estabilidade articular. Nas manifestações extra-articulares pode-se citar febre, astenia, fadiga, modificações cutâneas e vasculares, linfadenopatia, esplenomegalia, manifestações oculares, cardíacas, respiratórias, neuropatias reumáticas, anemia e a presença de nódulos reumatoides subcutâneos20. Numa análise retrospectiva das características demográficas e clínicas de pacientes com AR em acompanhamento ambulatorial no estado de São Paulo, foram revisados 1.381 prontuários de pacientes atendidos entre os anos de 2002 e 2005. No que se refere à dor, a pesquisa constatou que 67% dos pacientes apresentavam queixa de dor na última consulta registrada, sendo que a dor estava presente independentemente do tempo de diagnóstico da doença. Ainda, apenas 15% dos pacientes não utilizavam fármacos para dor21. Estudo intervencionista utilizando a hidroterapia em pacientes com AR foi realizado, participaram 8 voluntárias que foram submetidas a 10 sessões de 45 minutos, 2 vezes por semana. Foi realizada avaliação pré e pós-intervenção e concluiu-se que a hidroterapia foi benéfica para a qualidade de vida e para a dor das pacientes tratadas22. POLIMIALGIA REUMÁTICA A polimialgia reumática (PMR) é uma doença reumatológica que afeta geralmente os idosos. Com uma incidência nos países mediterrâneos de 12,7/100.000 pessoas com 50 ou mais anos. A etiologia da doença mantém-se desconhecida, apesar de fatores ambientais e genéticos poderem estar na origem do seu aparecimento e é mais frequente em mulheres (2:1)23. Caracteriza-se como uma doença com risco de incapacidade, sobretudo se existe risco de cegueira, mas com tratamento eficaz disponível e acessível em cuidados de saúde primária24. Um estudo transversal descritivo avaliou a influencia da dor crônica na qualidade de vida dos idosos. Para a avaliação foi utilizado o questionário WHOQOL para examinar a qualidade de vida e escala analógica visual (EAV) para avaliação da dor. O estudo evidenciou presença de dor moderada influenciando negativamente a qualidade de vida dos idosos25. A hidroterapia parece estar bastante indicada para esses pacientes uma vez que está relacionada com a melhora da qualidade de vida. Estudo mostrou que a hidroterapia é terapia eficaz para o tratamento da fibromialgia e oferece benefícios significativos quando comparada à atividade em solo, levando à diminuição da sintomatologia dolorosa26. OSTEOPOROSE A osteoporose é uma doença esquelética sistêmica caracterizada por diminuição da massa óssea e deterioração microarquitetural do tecido ósseo, com consequente aumento da fragilidade e suscetibilidade à fratura27. 49 Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):48-50 Kayser B, Miotto C, Molin VD, Kummer J, Klein SR e Wibelinger LM No Brasil, há poucos dados referentes à população acometida pela osteoporose28. Segundo a International Osteoporosis Foundation29 estima-se que aproximadamente 10 milhões de brasileiros sofram com osteoporose no país, sendo que 2,4 milhões sofrem fraturas anualmente e destes, cerca de 200 mil morrerão em decorrência direta de suas fraturas. As alterações esqueléticas reduzem a capacidade das cavidades torácica e abdominal, com consequente alteração das funções cardíacas, pulmonar, gástrica e vesical. As fraturas de quadril e antebraço distal geralmente ocorrem após queda. Aproximadamente 30% dos indivíduos acima de 65 anos, caem uma ou mais vezes por ano e, destes, 3% desenvolvem fraturas30. A dor não é originada pela osteoporose; manifesta-se por lombalgia, relacionada às microfraturas vertebrais por compressão ou pelo colapso ou encunhamento do corpo vertebral, algumas vezes com raquialgia importante; e por fraturas vertebrais parciais ou completas, que levam à deterioração da qualidade de vida do paciente31. Indivíduos osteoporóticos, quando submetidos a programas de atividade física, apresentaram melhora na sensação de dor e diminuição significativa no uso de analgésicos, com consequente aumento na mobilidade e na capacidade funcional, além de ganho de massa óssea32. CONCLUSÃO A dor crônica acomete, em todo o mundo, cerca de 100 milhões de indivíduos e está relacionada às articulações e ao sistema musculoesquelético. Esse entendimento é importante para o planejamento de políticas públicas e implementação de programas que visem principalmente a prevenção e o controle das doenças crônicas osteoarticulares, promovendo maior funcionalidade e qualidade de vida para essa população. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 50 Silva MC, Fassa AG, Valle NC. [Chronic low back pain in a Southern Brazilian adult population: prevalence and associated factors]. Cad Saude Publica. 2004;20(2):37785. Portuguese. Brennan DS, Singh KA. Dietary, self-reported oral health and socio-demographic predictors of general health status among older adults. J Nutr Health Aging. 2012;16(5):437-41. de Carvalho JA, Garcia RA. [The aging process in the Brazilian population: a demographic approach]. Cad Saude Publica. 2003;19(3):725-33. Portuguese. Roux CH, Guillemin F, Boini S, Longuetaud F, Arnault N, Hercberg S, et al. 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DOI 10.5935/1806-0013.20140012 ABSTRACT RESUMO BACKGROUND AND OBJECTIVES: Notwithstanding several studies pointing to a relationship between psychological aspects and pain, the scientific literature still lacks articles specifically addressing the psychological assessment process. This study aimed at answering to three questions: Why, when and how to refer painful patients to a psychological assessment? With this, we intend to cooperate with professionals of different areas by offering them guidelines about major indications for psychological assessment, what should be expected from this process and how to effectively refer patients. CONTENTS: The following databases were searched: Medline, LILACS, Pubmed and Scielo, by crossing the terms “psychology”, “pain”, “psychology interview” and “psychological tests”. In addition, we looked for articles having in the title or abstract the words “psychological assessment” or “psychological evaluation” and “pain” – since the two former terms are not descriptors identified in Health Sciences Descriptors. Studies between 2002 and 2013 were considered, being included only those specifically mentioning psychological assessment, resulting in 11 articles in total. CONCLUSION: From selected studies, all have pointed to justifications about the importance of psychological assessment of painful patients. As to indications to psychological assessment, seven articles have addressed the subject. The major gap was related to how to refer patients. Only one out of 11 articles has addressed this subject. Further studies may, in the future, better explore this aspect. Keywords: Pain, Psychological interview, Psychology. JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Apesar de inúmeros estudos apontarem a relação entre aspectos psicológicos e a experiência dolorosa, a literatura científica ainda carece de artigos a respeito, especificamente, do processo de avaliação psicológica. O objetivo deste estudo foi obter respostas para três perguntas: Por que, quando e como encaminhar pacientes com dor para uma avaliação psicológica? Com isso pretende-se colaborar com profissionais de diversas áreas no sentido de oferecer-lhes apontamentos sobre as principais indicações para uma avaliação psicológica, o que esperar desse processo e como fazer o encaminhamento de uma maneira eficaz. CONTEÚDO: Foi realizada uma pesquisa nas bases de dados Medline, LILACS, Pubmed e Scielo, cruzando-se os termos: “psychology”, “pain”, “psychology interview” e “psychological tests”. Além disso, foram buscados artigos que contivessem no título ou no resumo as palavras “psychological assessment” ou “psychological evaluation” e “pain” – já que estes dois primeiros não são descritores identificados nos Descritores em Ciências da Saúde. Foram considerados trabalhos entre 2002 e 2013, sendo incluídos apenas os que se referiam especificamente à avaliação psicológica, resultando em 11 artigos no total. CONCLUSÃO: Dos estudos selecionados, todos apontavam justificativas sobre a importância da avaliação psicológica do paciente com dor. Quanto a indicações para a avaliação psicológica, sete artigos abordaram o assunto. A grande lacuna se referiu ao modo de se encaminhar o paciente. Apenas um dos 11 artigos abordou esse assunto. Novos estudos podem no futuro explorar melhor esse aspecto. Descritores: Dor, Entrevista psicológica, Psicologia. INTRODUÇÃO 1. Hospital Israelita Albert Einstein, Área de Psicologia, São Paulo, SP, Brasil. 2. Hospital Israelita Albert Einstein, Área de Enfermagem, São Paulo, SP, Brasil. Apresentado em 17 de setembro de 2013. Aceito para publicação em 13 de fevereiro de 2014. Conflito de interesses: não há. Endereço para correspondência: José Luiz Dias Siqueira Av. Albert Einstein, 627 – Morumbi Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein Especialização em Dor 05652-900 São Paulo, SP, Brasil. E-mail: [email protected] © Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Na segunda metade do século passado, intensificaram-se os questionamentos a respeito da visão biomédica tradicional. Especificamente em relação à dor, estudos apontavam a necessidade de um modelo que abarcasse a complexidade do fenômeno doloroso. A perspectiva biopsicossocial supre essa lacuna, ao afirmar a existência de uma relação dinâmica entre mudanças biológicas, estado psicológico e contexto social1. A dificuldade em reconhecer a natureza multidimensional do fenômeno doloroso está ligada em grande parte à aceitação disseminada dos conceitos cartesianos de separação de mente e corpo2. Já a visão biopsicossocial busca considerar aspectos físicos, psicológicos, sociais e espirituais não de forma separada, mas como um todo integrado. 51 Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):51-4 Siqueira JL e Morete MC Como consequência de uma compreensão biopsicossocial, o tratamento da dor passa a exigir um trabalho interdisciplinar, contando com a atuação integrada de profissionais de diferentes especialidades3. Nesse sentido, a dor que persiste por muito tempo tem importante impacto em todos os domínios da vida da pessoa. Diversas condições complexas associadas à dor crônica afetam o funcionamento físico e psicossocial do indivíduo. Entre elas, destacam-se distúrbios do sono, perda de apetite, dependência de fármaco, transtornos de humor, crises de ansiedade, fadiga e frustração, o que gera inúmeras consequências para essas pessoas, suas famílias, empregos e o sistema de saúde4. Além disso, diversos estudos apontam o importante papel de fatores biopsicossociais na precipitação das dores crônicas, no processo de cronificação de dores agudas e na incapacidade dos pacientes. Associados a essas questões, pode-se apontar elementos cognitivos, como as crenças do paciente; afetivos, como a ansiedade, a depressão e o estresse; e comportamentais, como os processos de aprendizagem e reforço1,5-8. O entrelaçamento entre processos corpóreos e a emoção, a cognição e as dinâmicas interpessoais explica a abordagem de variáveis psicológicas no tratamento da dor crônica9. A avaliação psicológica é uma prática baseada no método científico, que conta com diferentes recursos para promover um entendimento mais completo do indivíduo. Entre as práticas principais desse processo estão a coleta de informações, os instrumentos psicológicos e diversas formas de medida para identificar dimensões específicas do sujeito, do seu ambiente e da relação entre eles10. Apesar da crescente importância da Psicologia no tratamento da dor, ainda há muito desconhecimento por parte de profissionais de outras áreas a respeito de quais são os critérios para se encaminhar um paciente para uma avaliação psicológica e o que se pode esperar deste processo. O objetivo deste estudo foi colaborar com profissionais de diversas áreas no sentido de oferecer-lhes apontamentos sobre as principais indicações para uma avaliação psicológica, o que esperar desse processo e como fazer o encaminhamento de uma maneira eficaz. Para tanto, realizou-se uma análise de artigos científicos publicados nos últimos 11 anos a respeito do assunto. CONTEÚDO Buscou-se artigos publicados no período compreendido entre 2002 e 2013, nos idiomas Inglês, Português e Espanhol, nas bases de dados LILACS, MedLine, SciElo e PubMed, cruzando-se os seguintes descritores: “psychology”, “pain”,”psychological interview” e “psychological tests”. Além disso, buscou-se nas bases de dados artigos que contivessem no título ou no resumo as expressões “psychological assessment”, “psychological evaluation” e “pain”, já que estes dois primeiros termos não estão identificados nos Descritores em Ciências da Saúde. O principal critério de inclusão foi a referência direta ao processo de avaliação psicológica. No total, foram selecionados 11 artigos que abordam a avaliação psicológica em diferentes contextos. A análise dos artigos procurou compreender como cada um desses artigos respondia a uma ou mais das seguintes questões: 1. Quando encaminhar o paciente para uma avaliação psicológica? 2. Por que encaminhar o paciente para uma avaliação psicológica? 3. Como encaminhar o paciente com dor para uma avaliação psicológica? A tabela 1 apresenta os artigos analisados, os respectivos autores, os principais assuntos abordados e quais questões, das três já descritas, puderam ser respondidas a partir da leitura de cada texto. Quando encaminhar o paciente com dor para uma avaliação psicológica? O estudo prospectivo de coorte sobre lombalgia buscou identificar sinais e sintomas que alertassem clínicos a respeito da necessidade de uma avaliação psicológica em pacientes com dor crônica lombar. Foram avaliados 229 pacientes por uma equipe de reabilitação e por um grupo de psicólogos. A partir do cruzamento dos dados avaliados pelos fisioterapeutas da equipe com os dos psicólogos, o estudo chegou a quatro variáveis que podem apontar para os clínicos em geral a importância de uma avaliação psicológica adicional: uso diário de fármaco analgésico, presença de sinais de Waddell, escores altos no teste “pain drawing” e ausência de preferência direcional11. Segundo os autores, os sinais de Waddell são um conjunto de 8 sinais físicos que podem indicar componentes não orgânicos ou psi- Tabela 1. Descrição dos textos selecionados Autores Tipos de estudos Assuntos 1 2 Apeldoorn et al.11 Estudo prospectivo de coorte Lombalgia x x Castro et al.12 Estudo comparativo Dor orofacial White13 Artigo de revisão Dor torácica x x x Rosen Artigo de revisão Cefaleia tensional x Zhang et al.15 Estudo transversal Dor pélvica x Rivera et al. Estudo prospectivo Medicina intervencionista da dor x Koestler17 Artigo de revisão Dor nas mãos x Cruz e Sardá18 Estudo transversal Lombalgia, lombociatalgia Turk et al.19 Artigo de revisão Dor neuropática x x Beltrutti e Lamberto20 Artigo de revisão Radiofrequência x x Beltrutti et al. Artigo de revisão Neuroestimulação medular x x 14 16 21 52 3 x x x x Avaliação psicológica de pacientes com dor crônica: quando, como e por que encaminhar? cológicos de dor lombar crônica. O teste “pain drawing” utilizado divide um diagrama do corpo humano em 45 áreas anatômicas que, se marcadas pelo paciente como doloridas, recebem pontuações11. O artigo sobre dor nas mãos apontou diversos pontos aos quais os clínicos devem estar atentos a fim de identificar a necessidade de uma avaliação psicológica: baixa adesão ao tratamento, resistência em assumir responsabilidade pelos cuidados com sua saúde, comportamentos de evitação, catastrofização, reações emocionais, comportamentos dolorosos exagerados e expressões de culpa, raiva e desesperança. Além disso, havendo ideação suicida, sintomas psicóticos ou abuso de fármacos, a avaliação psicológica se torna obrigatória17. O estudo sobre dor torácica apontou que, na prática, o principal motivo para o encaminhamento do paciente para uma avaliação psicológica costuma ser a não adesão ao tratamento. Outros aspectos que geralmente levam clínicos a fazerem tal encaminhamento são: presença de fatores de risco comportamentais (tabagismo, sedentarismo) e emocionais (depressão, ansiedade, raiva), além de dificuldades de enfrentamento13. O artigo sobre dor neuropática determinou seis situações em que é indicada a realização de uma avaliação psicológica: 1) quando a incapacidade excede em demasia o que se espera do paciente a partir dos achados clínicos; 2) quando o paciente demanda exageradamente os serviços de saúde; 3) quando o paciente insiste em procurar tratamentos e exames que não são indicados; 4) quando o paciente demonstra uma angústia significativa; 5) quando o paciente mostra comportamento de dependência de fármacos ou não aderência ao tratamento proposto; 6) antes de procedimentos intervencionistas, como neuroestimulação medular19. Em relação a este último item, dois artigos aponta o caráter fundamental que a avaliação psicológica adquire no período anterior aos procedimentos intervencionistas. O artigo sobre neuroestimulação medular concluiu que o processo de determinar se o paciente está apto ou não para o procedimento deve necessariamente incluir uma avaliação sobre as características psicossociais do paciente20. No artigo sobre radiofrequência, os mesmos autores chegam a conclusões semelhantes21. Nesse contexto, dois objetivos principais são apontados em relação à avaliação psicológica: 1) determinar a presença de características psicológicas e sociais que possam aumentar a probabilidade do benefício do procedimento e 2) ajudar o médico a identificar os pacientes para os quais esse tratamento resultaria em incerteza, fracasso ou consequências médico-legais. Muitas vezes, apesar do sucesso do tratamento, o paciente não é capaz de perceber uma mudança significativa em seu estado. Esse “fracasso” está intimamente ligado à forma com que cada paciente vivencia sua dor. Esse aspecto deve ser levado em conta através de uma avaliação psicológica cuidadosa antes de qualquer procedimento intervencionista21. Por que encaminhar o paciente para uma avaliação psicológica? Dos 11 artigos analisados, todos abordaram justificativas a respeito da avaliação psicológica: 10 deles buscaram justificar por que se deve encaminhar pacientes com dor crônica à avaliação com um profissional da psicologia e um procurou apontar por que não encaminhar. Um estudo prospectivo de coorte procurou analisar se médicos intervencionistas conseguem identificar ansiedade e depressão atra- Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):51-4 vés de uma entrevista breve e um questionário baseado no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais 4ª edição (DSM-IV). O estudo concluiu que esses profissionais foram bem sucedidos ao identificar essas duas condições em 100 pacientes de um centro intervencionista da dor12. Os autores justificam que, ao não encaminhar um paciente para um psicólogo ou psiquiatra, há uma economia de dinheiro e de tempo. Um dos estudos brasileiros identificou em 55 pacientes com lombalgia e lombociatalgia uma forte presença de alterações emocionais que podem interferir ou colaborar para a manifestação ou perpetuação destas, o que justifica a necessidade das avaliações psicológicas nesse contexto18. Já um estudo chinês sobre dor pélvica concluiu que o tratamento desses pacientes é muito mais adequado quando se realiza a partir de uma abordagem multidisciplinar que inclua uma avaliação psicológica de rotina15. Em outro estudo brasileiro, foram comparados diversos aspectos entre 30 pacientes de um hospital: 15 com neuralgia do trigêmeo e 15 com disfunção temporomandibular. Apesar de o primeiro grupo ter uma condição dolorosa muito mais intensa e limitante, não houve diferenças significativas quanto às queixas e aos graus de depressão e ansiedade, o que sugere que a intensidade da dor pode não estar diretamente relacionada aos aspectos afetivos. Para os autores, esse fato justifica a necessidade de uma avaliação psicológica cuidadosa nos pacientes com dor facial12. Um artigo sobre dor nas mãos explica que, quando a avaliação psicológica identifica precocemente fatores psicológicos e comportamentais complicadores nos pacientes com essa condição, isso facilita intervenções mais apropriadas e melhora os resultados dos tratamentos17. Como encaminhar o paciente com dor para uma avaliação psicológica? O artigo sobre dor torácica aponta que muitos clínicos encontram dificuldades na hora de realizar o encaminhamento para um psicólogo e por isso é essencial que se esclareça o paciente a respeito dos motivos pelos quais a avaliação psicológica é importante. Segundo o artigo, pacientes costumam ser mais receptivos ao encaminhamento quando este é introduzido como parte de uma rotina essencial para os resultados do tratamento. O esclarecimento torna-se essencial, já que pacientes ansiosos podem achar que o médico suspeita que sua dor não seja genuína, ou que ele tenha uma doença mental causando os sintomas13. CONCLUSÃO Diversos artigos abordam aspectos psicológicos da dor, porém poucos se referem à avaliação psicológica. A ausência do termo “avaliação psicológica” nos Descritores em Ciências da Saúde dificulta a pesquisa pelo tema. Dos 11 estudos avaliados, 10 pretenderam dar justificativas para a avaliação psicológica do paciente com dor, entre elas: compreender a influência das emoções na dor; elucidar estressores e estilos de enfrentamento; avaliar expectativas do paciente; identificar dificuldades e apontar alvos para intervenções. Um dos artigos afirmou que médicos intervencionistas são capazes de detectar ansiedade e depressão em pacientes com dor, sem o auxílio de um profissional da saúde mental. No entanto, os outros 53 Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):51-4 Siqueira JL e Morete MC artigos analisados mostraram o quão amplo pode ser o trabalho de uma avaliação psicológica do paciente com dor, indo muito além da identificação de ansiedade e depressão. Sete artigos apontaram critérios de encaminhamento para avaliação psicológica, entre eles: baixa adesão ao tratamento, evitação, catastrofização, culpa, raiva, angústia, desesperança, ideação suicida e antes de procedimentos intervencionistas. De todos os artigos, apenas um se referiu à maneira de se encaminhar pacientes para uma avaliação psicológica13. Novos estudos devem explorar melhor esse aspecto fundamental no trabalho com pacientes com dor, pois a maneira como o paciente é encaminhado por vezes se torna determinante a respeito da aceitação do trabalho do psicólogo e até da adesão do paciente a seu tratamento como um todo. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 54 Sardá JJ, Nicholas MK, Pimenta CA, Asghari A. Preditores biopsicossociais de dor, incapacidade e depressão em pacientes brasileiros com dor crônica. Rev Dor. 2012;13(2):111-8. Loeser JD. Part II: Evaluation of the pain patient, Introduction. In: Loeser JD, Butler SH, Chapman RC, Turk DC, (editors). Bonica’s Management of Pain. 3rd ed. Philadelphia (PA): Lippincott Williams & Wilkins Publishers; 2001. 43-6p. Almeida FF, Costa AL, Doca FN, Turra V. Experiência de dor e variáveis psicossociais: o estado da arte no Brasil. Temas em Psicologia. 2010;18(2):367-76. Garven A, Brady S, Wood S, Hattfield M, Bestard J, Korngut L, et al. 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São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):55-60 Intravenous lidocaine to treat postoperative pain* Lidocaína intravenosa no tratamento da dor pós-operatória Tânia Cursino de Menezes Couceiro1, Luciana Cavalcanti Lima3, Léa Menezes Couceiro3, Marcelo Moraes Valença4 *Recebido do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira, Recife, PE, Brasil. DOI 10.5935/1806-0013.20140013 ABSTRACT BACKGROUND AND OBJECTIVES: Postoperative pain is foreseeable however it is still undermanaged. Multimodal management decreases side-effects and provides adequate pain control. Lidocaine, local anesthetic used for more than five decades, is being intravenously administered aiming at managing pain in different types of surgeries with promising results. This study aimed at reviewing the use of intravenous lidocaine to manage postoperative pain and its action mechanism. CONTENTS: This article addresses the use of intravenous lidocaine to manage postoperative pain, its action mechanism and its applicability for different types of surgeries. An active search was carried out in the following databases: Medline via Pubmed (1974-2013), Cochrane Library (1990-2010) and LILACS (1974-2013). Search was adjusted to identify articles addressing postoperative intravenous lidocaine action mechanism and postoperative analgesia. As to language, articles in Portuguese and English were selected. CONCLUSION: Intravenous lidocaine, due to its low cost, opioid-sparing action and minimum side-effects is an adequate option to manage postoperative pain. Keywords: Intravenous lidocaine, Multimodal management, Postoperative analgesia, Postoperative pain. RESUMO JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A dor pós-operatória é previsível, no entanto continua sendo inadequadamente tratada. O tratamento multimodal diminui os efeitos colaterais e propicia adequado alivio da dor. A lidocaína, anestésico local utilizado há mais de cinco 1. Universidade Federal de Pernambuco, Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira, Recife, PE, Brasil. 2. Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira, Faculdade Pernambucana de Saúde, Recife, PE, Brasil. 3. Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira, Recife, PE, Brasil. 4. Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil. Apresentado em 17 de julho de 2013. Aceito para publicação em 24 de janeiro de 2014. Conflito de interesses: não há. Endereço para correspondência: Tânia Cursino de Menezes Couceiro Rua Jornalista Guerra de Holanda, 158/1602 – Casa Forte 52061-010 Recife, PE, Brasil. E-mail: [email protected] © Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor décadas, vem sendo empregada por via intravenosa com o objetivo de tratar a dor em diversos tipos de operação com resultados promissores. O objetivo deste estudo foi rever o uso da lidocaína intravenosa no tratamento da dor pós-operatória e seu mecanismo de ação. CONTEÚDO: Este artigo aborda o emprego da lidocaína intravenosa no manuseio da dor pós-operatória, seu mecanismo de ação e a aplicabilidade em diversos tipos de procedimentos cirúrgicos. Realizada busca ativa através das seguintes bases de dados: Medline via Pubmed (1974-2013), Cochrane Library (1990-2010), LILACS (1974-2013). A busca foi ajustada visando identificar os artigos que pesquisaram o mecanismo de ação e a analgesia pós-operatória da lidocaína intravenosa. Quanto à limitação do idioma, foram selecionados artigos nas línguas Portuguesa e Inglesa. CONCLUSÃO: A lidocaína intravenosa, pelo baixo custo, ação poupadora de opioides e mínimos efeitos colaterais, tem se mostrado adequada opção no tratamento da dor pós-operatória. Descritores: Analgesia pós-operatória, Dor pós-operatória, Lidocaína intravenosa, Tratamento multimodal. INTRODUÇÃO Assegurar o tratamento adequado da dor deve fazer parte da abordagem perioperatória do paciente cirúrgico e o anestesiologista pode utilizar os diversos fármacos disponíveis para infusão intravenosa adequando as características farmacodinâmicas destes aos diversos tipos de procedimentos cirúrgicos e às particularidades de cada paciente. Dentre os fármacos empregados para o tratamento da dor pós-operatória (DPO) a lidocaína intravenosa tem se destacado1. Este anestésico local foi utilizado pela primeira vez por via intravenosa com a finalidade de promover analgesia pós-operatória na década de 1960 e em recentes estudos esse efeito analgésico foi comprovado principalmente em cirurgias abdominais1. No entanto, apesar da praticidade em administrar a lidocaína por via intravenosa como integrante do tratamento multimodal da dor2, o seu mecanismo da ação ainda não está bem esclarecido, principalmente no que se refere à duração da analgesia. Foi realizada busca ativa através das seguintes bases de dados: Medline via Pubmed (1974-2013), Cochrane Library (2000-2010) e LILACS (1974-2013). A busca foi ajustada visando identificar os artigos que pesquisaram o mecanismo de ação e a analgesia pós-operatória da lidocaína intravenosa. Quanto à limitação do idioma, foram selecionados artigos nas línguas Portuguesa e Inglesa. O objetivo deste estudo foi rever o uso da lidocaína intravenosa no tratamento da DPO e discutir os possíveis mecanismos de ação do fármaco analgésico. 55 Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):55-60 Couceiro TC, Lima LC, Couceiro LM e Valença MM DOR PÓS-OPERATÓRIA A DPO é uma forma previsível e conhecida de dor aguda e o seu tratamento diminui a morbidade pós-operatória, propicia adequada cicatrização incisional e diminui os custos2,3. Além disso, promove menor alteração cognitiva no pós-operatório e diminui o risco de DPO crônica ou persistente4,5. Contudo, mais de 50% dos pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos experimentam dor de moderada a forte intensidade6 indicando que, apesar do desenvolvimento de novos fármacos e da utilização de novas técnicas analgésicas, a DPO ainda é inadequadamente tratada7,8. As possíveis justificativas para a sua alta prevalência podem ser: sensibilidade individual e escolha inadequada dos fármacos e das doses9. ASPECTOS FARMACOLÓGICOS DA LIDOCAÍNA INTRAVENOSA A lidocaína administrada por via intravenosa, no período perioperatório, promove importante analgesia pós-operatória resultando em redução da intensidade da dor e diminuição do consumo de opioides10-12. Estudos recentes comprovam que a lidocaína intravenosa propicia retorno rápido do trânsito intestinal em pacientes submetidos a cirurgias colônicas12 e diminuição da produção e liberação de citocinas13-16. O efeito analgésico da lidocaína no trauma cirúrgico decorre do bloqueio da transmissão neuronal no local da lesão, da sua propriedade anti-inflamatória sistêmica intrínseca e, dependendo da dose utilizada, pode reduzir a lesão celular induzida por citocinas, por meio de mecanismos envolvendo canais de potássio mitocondriais sensíveis a adenosina trifosfato (ATP)4,16,17. É importante salientar que sua propriedade analgésica persiste mesmo após a diminuição dos níveis plasmáticos, favorecendo assim a teoria do bloqueio da condução nervosa14. Por outro lado, mesmo quando utilizada em baixas doses, suprime o potencial evocado das fibras C resultando em analgesia18-21. Dentre as vantagens desse fármaco podem ser enfatizados o baixo custo e a boa efetividade18 (Tabela 1). Importante salientar que a dose dos fármacos utilizados no tratamento da dor aguda ou crônica geralmente é baseada no peso do paciente, o que não é diferente com a lidocaína. No entanto, observa-se que há uma dissociação entre o efeito analgésico e a concentração plasmática da lidocaína e do seu metabólito ativo22. Tabela 1. Vantagens do uso da lidocaína intravenosa na dor pós-operatória Baixo custo Eficaz em cirurgias abdominais Diminui o consumo de opioides Minimiza o íleo paralítico Diminuí o tempo de internação, náuseas e vômitos Diminui a incidência de dor crônica pós-cirúrgica No que se refere à metabolização da lidocaína, essa ocorre no fígado pelo sistema enzimático microssomal (citocromo P450), com taxa de depuração de 0,85L/kg/h. Ela é convertida por oxidação em monoetilglicinaxilidina, uma parte da qual é hidrolizada à glicinaxilidida. Esses metabólitos são ativos e têm sido implicados em casos de 56 intoxicação depois de doses repetidas e infusão venosa contínua. Sua excreção é realizada pelos rins, tendo uma fase de eliminação rápida de 8 a 17 minutos e uma fase lenta de 87 a 108 minutos22. Menos de 10% da lidocaína é encontrada de forma inalterada na urina22-26. Surge o questionamento a respeito dos metabólitos da lidocaína: seriam eles também responsáveis pela ação analgésica desse fármaco? Possivelmente não, porque a analgesia promovida pela lidocaína ultrapassa o tempo de meia vida desses metabólitos. A lidocaína por via venosa tem sido empregada em diferentes tipos de procedimentos cirúrgicos1,12,27. Ao ser administrada por essa via, é inicialmente distribuída aos órgãos ricamente perfundidos, tais como encéfalo, rins e coração, e em seguida pelos tecidos menos perfundidos, como pele, musculoesquelético e gordura. Seu volume de distribuição é grande (91L/kg), seu coeficiente de partição óleo/ água é de 366 e sua potência é intermediária. Cerca de 60% das suas moléculas ligam-se às proteínas plasmáticas, principalmente à alfa1-glicoproteína ácida22. Aproximadamente 40% da lidocaína por via venosa é extraída temporariamente durante a primeira passagem pelos pulmões, onde o pH é menor com relação ao plasma. A ligação proteica da lidocaína associada à extração pulmonar diminuem as chances de intoxicação sistêmica. Mecanismo de ação da lidocaína Os canais de sódio voltagem-dependentes (Nav) constituem os alvos clássicos de ação da lidocaína. Já foram identificadas nove formas diferentes (isoformas) de subunidades nos canais de sódio voltagem-dependentes de mamíferos (Nav 1.1 a 1.9), sendo que algumas delas estão relacionadas à dor neuropática (Nav 1.3, 1.7, 1.8 e 1.9) e outras à dor inflamatória (Nav 1.7, 1.8 e 1.9)28. Após atravessar a membrana neural, sob a ação do pH intracelular há a conversão da lidocaína para sua forma ionizada e esta age de forma reversível na porção S6 do domínio 4 da subunidade alfa dentro dos canais de sódio voltagem-dependentes25,28. À medida que a ação do anestésico se desenvolve, o limite para a excitabilidade elétrica gradualmente aumenta e o pico do potencial de ação diminui a condução do impulso neuronal. A afinidade da lidocaína pelos os canais de sódio varia com a conformação do canal, sendo maior quando o canal está aberto (ativado ou inativo) e menor quando o canal está fechado (desativado ou em repouso). Assim, quanto maior a frequência de estimulação neuronal, mais moléculas de lidocaína ionizadas têm acesso aos locais de ação e maior o grau de bloqueio (bloqueio uso-dependente ou frequência dependente)18. Além de atuar sobre os canais de sódio voltagem-dependentes (Nav), presentes nos nociceptores dos tecidos inflamados29, a lidocaína age também sobre os receptores acoplados à proteína G (RAPG), os receptores N-metil-D-aspartato (NMDA) e os canais de potássio e de cálcio, interferindo com a condução do impulso excitatório sobre as fibras A-delta e C30-33. Também esse anestésico local parece bloquear indiretamente os receptores NMDA34-36 através da inibição da proteinocinase C (PKC)35, influenciando, de modo importante, a hiperalgesia pós-operatória e a tolerância aos opioides10,35. Além disso, esse fármaco, por meio de sua ação nos RAPG37 interfere na sensibilização, na degranulação lisossômica de neutrófilos, na produção de radicais livres de oxigênio e na secreção de citocinas pelos macrófagos e células gliais conferindo ação anti-inflamatória14,37,38. A lidocaína também age em canais de potássio e de cálcio voltagem- Lidocaína intravenosa no tratamento da dor pós-operatória -dependentes, porém com menor afinidade quando comparado ao bloqueio produzido nos canais de sódio. Essa inibição dos canais de cálcio nos terminais nervosos pré-sinápticos tem importante implicação na liberação dos neurotransmissores e, consequentemente, interfere na propagação do impulso doloroso34. Com relação aos canais de potássio, supõe-se que agindo nesses canais a lidocaína reduza a lesão celular secundária à isquemia tecidual18, diminua a resposta inflamatória e promova diminuição da intensidade da dor. Efeitos adversos e contraindicações da lidocaína intravenosa As manifestações tóxicas desencadeadas pela lidocaína parecem ocorrer quando concentrações plasmáticas de 5μg/mL são alcançadas. No entanto, na prática clínica, a dose empregada varia de 2 a 5mg/kg, o que resulta em concentração plasmática de 2μg/mL, ou seja, aquém das doses tóxicas, promovendo uma janela de segurança para a sua administração. Essa segurança permite que esse fármaco possa ser empregado em diferentes formas no tratamento da dor (solução, colírio e creme) e por diversas vias de administração (peridural, subaracnoidea, intrapleural, intramuscular, intra-articular, tópica e intravenosa)22,25, cada uma com sua indicação estabelecida. A intensidade do efeito adverso depende da dose administrada, da velocidade e do local de administração, assim como do estado geral do paciente com relação a idade, condições clínicas e gravidez25. À medida que a concentração de lidocaína aumenta na circulação sistêmica surgem vários sinais e sintomas especialmente nos sistemas nervoso central (SNC) e cardiovascular. Quando os níveis séricos se encontram abaixo de 5µg/mL, ocorre analgesia e os motoneurônios corticais são inibidos, o que explica sua atividade anticonvulsivante24. Quando os níveis séricos ultrapassam 5µg/mL a sintomatologia é variável e a gravidade está na dependência da concentração sanguínea de lidocaína alcançada25 (Tabela 2). Tabela 2. Efeitos adversos segundo os níveis séricos2,22,26 Efeitos adversos Níveis séricos Sintomas Leve 3-8μg/mL Dormência e formigamento em quirodáctilos e pododáctilos, dormência perioral, distúrbios visuais, zumbido, tonturas e confusão Moderada 8-12μg/mL Náuseas e vômitos, tremores, diminuição da audição, alteração da pressão arterial e frequência cardíaca e confusão mental Grave >12μg/mL Confusão, perda da consciência, tremores musculares, convulsão, arritmia e parada cardíaca No que se refere ao SNC, a convulsão pode ser a primeira indicação de intoxicação grave26 e pode decorrer da inibição dos neurônios inibitórios através de receptores GABA (ácido gama-aminobutírico) na amígdala25,27. Geralmente, a convulsão acontece em concentrações plasmáticas acima de 8µg/mL, podendo surgir em níveis séricos menores na presença de hipercarbia23. Quanto à toxicidade cardiovascular, observa-se bradicardia, aumento do intervalo PR e alargamento do complexo QRS25. Por fim, a alergia a derivados aminoamida deve ser lembrada, porém é um evento extremamente raro, sendo estimada em menos que 1% das reações registradas25. Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):55-60 A lidocaína venosa não deve ser usada em pacientes com disritmia, insuficiência cardíaca, coronariopatia, Adams-Stokes ou bloqueio cardíaco, podendo ser usada com cautela em pacientes com insuficiência hepática, bradicardia sinusal e bloqueio incompleto de ramo29. Os efeitos colaterais mais comuns geralmente são leves e relacionados ao SNC22. Os pacientes podem apresentar sonolência, tontura, gosto metálico, cefaleia, visão borrada, parestesia, disartria, euforia e náusea22,29. Doses maiores administradas de maneira rápida podem causar zumbido, tremor e agitação. As alterações cardiovasculares geralmente são mínimas com doses usuais (Tabela 1). Ao ocorrer intoxicação pela lidocaína, o tratamento deve envolver medidas de suporte, com oxigenação, hidratação, uso de vasopressores, inotrópicos, anticonvulsivantes e antiarrítmicos e em casos não responsivos ao tratamento anterior, a infusão intravenosa de lipídios deve ser considerada numa dose inicial de 1,5mL/kg de uma solução a 20% podendo ser repetida a cada 3-5 minutos obedecendo a dose máxima de 8mL/kg29,30. Ação analgésica da lidocaína por via venosa A ação analgésica da lidocaína quando administrada por via venosa ocorre periférica e centralmente pelos seguintes mecanismos: bloqueio de canal de sódio e do canal de potássio, ação glicinérgica, bloqueio de receptores NMDA e redução de substância P18. Em baixas concentrações, a lidocaína inibe a atividade anormal em fibras aferentes primárias, principalmente fibras C, causa bloqueio simpático, vasodilatação e diminui o estímulo doloroso18. Por outro lado, o bloqueio de canais de sódio resulta em inibição da atividade neuronal espontânea e evocada9,25, bem como reduz a hiperatividade neuronal, resultando em alívio da dor31. Em concentrações terapêuticas, a lidocaína diminui a hiperexcitabilidade sem afetar a condução do nervo. Por via venosa promove diminuição da sensibilização medular31, reduzindo a atividade de neurônios medulares e também diminuindo a despolarização pós-sináptica mediada por receptores NMDA32. A maior suscetibilidade dos neurônios hiperexcitáveis à lidocaína pode ser explicada pela alteração da expressão de canais de sódio quando há lesão do nervo. Essa modificação torna esses canais sujeitos ao bloqueio pela lidocaína e resulta em supressão de descargas ectópicas33, com consequente redução da hiperalgesia, da alodínia mecânica4,33, da dor paroxística e disestésica34,35, fato esse que explica a ação analgésica da lidocaína venosa nas dores neuropáticas. Também é importante destacar que o bloqueio preferencial por canais de sódio inativados promovido pela lidocaína, assegura que ocorra somente bloqueio de canais de neurônios hiperexcitados, tais como os com atividade ectópica pós-lesão nervosa35. No entanto, nas dores nociceptivas os resultados são discordantes no que se refere a esse bloqueio preferencial36,37,39. Ainda quanto ao efeito analgésico, esse parece ser dependente da dose, e a dose de 5mg/kg por um período de 30 minutos promoveu resposta analgésica mais consistente36. No que se refere à concentração plasmática máxima e ao alivio máximo da dor foi relatado haver correlação entre ambos33. Esse fato pode explicar a variabilidade da analgesia obtida com doses diferentes. Tem sido demonstrado que doses baixas de lidocaína intravenosa (concentração plasmática menor que 5µg/mL) atenuam a dor decorrente de diversos tipos de lesões sem interferir na condução nervosa normal e com baixa incidência de efeitos adversos16,37,38. 57 Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):55-60 Couceiro TC, Lima LC, Couceiro LM e Valença MM A dose de lidocaína efetiva no tratamento da DPO ainda não foi definida38, e possivelmente isso se deva à diferença dos padrões de sensibilização central e periférica existente nos diversos tipos e locais de cirurgias38. Seus efeitos analgésicos são mais pronunciados quando a infusão é iniciada no período pré-operatório39 e continuada por dias ou semanas29,38. Essa particularidade sugere que a lidocaína intravenosa exerce sua ação sobre outros alvos além dos canais de sódio voltagem-dependentes. Em relação à analgesia é relatado que a lidocaína intravenosa produz três fases distintas de alívio da dor: a primeira surge durante o momento da infusão e 30 a 60 minutos após seu término; a segunda é uma fase transitória que ocorre cerca de 6h após a infusão; e a terceira fase aparece em 24 a 48h após a infusão e contínua pelos próximos 21 a 47 dias29. O efeito analgésico da lidocaína intravenosa pode ser avaliado em cirurgias realizadas por várias vias1. Em colecistectomia videolaparoscópica verificou-se efeito aditivo sobre o alívio da DPO e o efeito sinérgico sobre a recuperação do trânsito intestinal quando a dose de 3mg/kg/h foi comparada ao dextrometorfano (40mg) por via muscular39. Em cirurgias abdominais observou-se redução da intensidade da dor e do consumo de morfina pós-operatórios, com aparente prevenção da hiperalgesia central, quando a lidocaína venosa (bolus de 1,5mg/ kg, seguida de infusão de 1,5mg/kg/h) foi administrada antes da incisão cirúrgica e continuada até 60 minutos após o término da sutura cutânea, notadamente na 36ªh após a cirurgia10. Em colectomias convencionais a lidocaína por via venosa em bolus de 2mg/kg pré-incisional e infusão de 3mg/kg/h mantida até o fim da operação promoveu importante alívio da dor e o retorno mais rápido da função intestinal, reduziu o consumo de anestésico volátil e de opioides e atenuou a produção de interleucinas-1 AR (antagonista de receptor), 6 e 8 (IL-1AR, IL-6 e IL-8) durante um período de 72h12. Da mesma forma, foi também demonstrado o seu efeito analgésico em pacientes submetidos a colectomia videolaparoscópica41. Por outro lado, a lidocaína intravenosa, em bolus de 1,5mg/ kg e infusão intraoperatória de 1,5mg/kg/h até 60 minutos depois da sutura da ferida operatória não produziu melhora na analgesia e também não alterou os limiares de dor secundários ao tato e à pressão após artroplastias total de quadril41. Em cirurgias para tratamento do câncer mamário os autores observaram que esse esquema de infusão da lidocaína no perioperatório promoveu diminuição da área de hiperalgesia quando comparado ao placebo, mas a analgesia pós-operatória em repouso foi superior apenas na 4ªh pós-operatória42. Outro autor ao empregar a mesma dose da lidocaína, no entanto limitando o termino da infusão ao fechamento da pele em pacientes do gênero masculino submetidos à gastrectomia subtotal, observou não haver diferença quanto à analgesia nos três primeiros dias de pós-operatório quando comparada ao placebo43. Baseados no exposto surgem alguns questionamentos: qual a dose ideal para obter analgesia pós-operatória? O regime de infusão contínua é superior à injeção em bolus? Qual o melhor momento para se iniciar a infusão da lidocaína, antes da incisão? Por quanto tempo se deve manter a infusão da lidocaína? A menor necessidade de opioides no intra e no pós-operatório diminuirá a ocorrência de DPO persistente nos pacientes que fizerem uso de lidocaína? A 58 analgesia promovida pela lidocaína seria mais proeminente na dor visceral do que na dor somática? É imperativa a dosagem plasmática da lidocaína? Alguns estudos tentam responder a essas perguntas10,11,23,36,39,40. Com relação à dose da lidocaína intravenosa como parte do tratamento multimodal da DPO pode-se citar a sugerida por Pasero44 que compreende uma solução de 4mg/mL (0,4% solução) sem preservativo preparada na farmácia hospitalar com 2g em 500mL de solução diluente. Um bolus de 1,5mg/kg é administrado inicialmente seguido de infusão continua de 2mg/kg/h na sala de cirurgia e manutenção da infusão continua de 1,33mg/kg/h na sala de recuperação pós-anestésica e por mais 24h. Vale ressaltar que outras normas de infusão que utilizam doses discretamente maiores (1,5mg/kg/h e infusão perioperatória e 1,5mg/kg/h até 60 minutos depois da sutura da ferida operatória) não são capazes de produzir analgesia pós-operatória diferente do placebo41. A diferença entre os dois protocolos é que Pasero44 mantém a infusão da lidocaína por um período de 24h e a sua manutenção no primeiro dia de pós-operatório parece ser o diferencial, pois assim o bloqueio dos canais de cálcio e potássio voltagem-dependentes é mantido e a liberação dos neurotransmissores e as respostas inflamatórias são inibidas. Metanálise45 sobre o uso de lidocaína por via venosa em cirurgias abdominais relata que em relação à dose a ser utilizada, ao início e a duração da infusão ainda não há um consenso. Ao estudar o consumo de opioides no pós-operatório, recentes estudos avaliam a prevalência de síndrome dolorosa pós-mastectomia (SDPM) em pacientes submetidas a cirurgias mamárias e encontram uma associação entre o maior consumo de opioides no perioperatório e a ocorrência dessa síndrome46,47. Um estudo sobre dor crônica pós-cirúrgica (DCPC) identificou48 uma relação entre a intensidade da DPO e a ocorrência de DCPC em diversos tipos de operação. Dessa forma, estratégias farmacológicas (como a lidocaína por via venosa) que diminuam a intensidade da dor e o consumo de opioides no perioperatório podem proporcionar diminuição na ocorrência de dor crônica. Para responder ao questionamento sobre a ação da lidocaína nas dores viscerais e somáticas, por serem ambas de origem nociceptiva, seria de se esperar que a ação analgésica do fármaco fosse semelhante. No entanto, os estudos sobre DPO mostram que em cirurgias que cursam com dor visceral (colectomias colecistectomias)12, os resultados analgésicos são promissores, o que não ocorre com as cirurgias que resultam em dor somática (artroplastias e mastectomias). Em estudo realizado em cuidados paliativos32 é relatado que a lidocaína é capaz de promover analgesia independente da etiologia da dor. Portanto, se faz necessária a realização de estudos clínicos que utilizem as mesmas doses e o mesmo regime de infusão para avaliar a ação analgésica pós-operatória da lidocaína nos diferentes tipos de dor (Tabela 3). No que tange à dosagem plasmática sistemática da lidocaína, em recente estudo avaliando 15 pacientes submetidos a uma dose inicial de 1,5mg/kg seguida de infusão contínua de 2mg/kg/h, o autor encontrou concentrações inferiores a 4,6μg/mL após 24h de infusão desse fármaco41. Essa concentração no plasma esta relacionada à ocorrência de sintomas leves e toleráveis (Tabela 1)16,30,37,38. A dosagem plasmática da lidocaína, apesar de não ser imprescindível, proporciona mais segurança nos casos em que a infusão se estender para o período pós-operatório40. Lidocaína intravenosa no tratamento da dor pós-operatória Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):55-60 Tabela 3. Dose e tempo de infusão da lidocaína, sua relação com o consumo de opioide e intensidade da dor no pós-operatório Autores Tipos de estudos Doses de lidocaína Tempo de infusão Consumo de opioide Intensidade da dor pós-operatória Lauwick et al.11 ECR Bolus 1,5mg/kg Infusão 2mg/kg/h Até o final da operação Diminuiu no grupo da lidocaína Semelhante em repouso nos dois grupos Kaba et al.40 ERC Bolus 1,5mg/kg Infusão 2mg/kg /h 24h pós-operatórias Diminui no grupo da Diminuiu ao movimento lidocaína no grupo da lidocaína Kang et al.43 ERC Bolus 1,5mg/kg Infusão 1,5mg/kg/h Até o final do fechamen- Igual nos dois grupos to da pele Em repouso semelhante nos dois grupos Grigoras et al.42 ERC Bolus 1,5mg/kg Infusão 1,5mg/kg/h Até uma hora após o fe- Igual nos dois grupos chamento da pele Diminuiu em repouso na 4ªh ECR: ensaio clínico randomizado. CONCLUSÃO O uso da lidocaína intravenosa com fins analgésicos no período perioperatório tem se mostrado promissor. Entretanto, se fazem necessários estudos placebo controlados objetivando avaliar a segurança quanto ao seu uso, sua capacidade em promover alívio da DPO nas dores somáticas e viscerais como também a sua capacidade em prevenir a dor crônica. REFERÊNCIAS 1. Vigneault L, Turgeon AF, Côté D, Lauzier F, Zarychanski R, Moore L, et al. Perioperative intravenous lidocaine infusion for postoperative pain control: a meta-analysis of randomized controlled trials. Can J Anaesth. 2011;58(1):22-37. 2. Joshi GP, Bonnet F, Kehlet H; PROSPECT collaboration. Evidence-based postoperative pain management after laparoscopic colorectal surgery. Colorectal Dis. 2013;15(2):146-55. 3. Oderda GM, Gan TJ, Johnson BH, Robinson SB. Effect of opioid-related adverse events on outcomes in selected surgical patients. J Pain Palliat Care Pharmacother. 2013;27(1):62-70. 4. Lamacraf G. The link between acute postoperative pain and chronic pain syndromes. South Afr J Anaesth Analg. 2012;18(1):45-50. 5. 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Kehlet H, Jensen TS, Woolf CJ. Persistent postsurgical pain: risk factors and prevention. Lancet. 2006;37(9522):1618-25. ARTIGO DE REVISÃO Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):61-4 Complementary techniques to control cancer symptoms* Técnicas complementares para controle de sintomas oncológicos Aline Isabella Saraiva Costa1, Paula Elaine Diniz dos Reis2 *Recebido da Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil. DOI 10.5935/1806-0013.20140014 ABSTRACT BACKGROUND AND OBJECTIVES: Complementary techniques have positive impact on decreasing patients’ stress and suffering, since their effects on the body decrease autonomic nervous system activity, responsible for the control of visceral and homeostatic functions essential to life. This study aimed at identifying evidences in the scientific literature with regard to the use of complementary techniques to control cancer patients’ signs and symptoms. CONTENTS: Literature was reviewed as from LILACS, CINAHL, Cochrane and Medline databases using the descriptors terapia de relaxamento and dor and cancer, Relaxation Therapy and Pain and Cancer, in the period from 2002 to 2013. Eight randomized controlled clinical trials investigating the effects of complementary techniques to control anxiety, pain, fatigue and sleep in oncology were identified. Complementary techniques were beneficial to decrease pain intensity, to improve pain control perception and pain-related fatigue, to decrease anxiety and to improve sleep quality, thus leading to physical improvement. CONCLUSION: Studies have shown the effectiveness of the technique which, when adequately used, decreases perception of pain, fatigue, sleep, dyspnea and anxiety, thus helping to improve quality of life. Keywords: Complementary therapies, Neoplasia, Pain, Signs and symptoms. sistema nervoso autônomo, responsável pelo controle das funções viscerais e homeostáticas essenciais à vida. O objetivo deste estudo foi identificar evidências na literatura científica relacionadas ao uso de técnicas complementares para o controle de sinais e sintomas em pacientes com câncer. CONTEÚDO: A revisão de literatura foi realizada a partir das bases de dados LILACS, CINAHL, Cochrane e Medline, usando os descritores terapia de relaxamento and dor and câncer, Relaxation Therapy and Pain and Cancer no período de 2002 a 2013. Identificou-se 8 ensaios clínicos controlados e aleatórios que investigaram o efeitos das técnicas complementares no controle de ansiedade, dor, fadiga, sono, na oncologia. As técnicas complementares mostraram-se benéficas na redução da intensidade da dor, percepção de controle sobre a dor, angústia relacionada à dor, fadiga, redução da ansiedade, aumento da qualidade do sono e consequente melhora física. CONCLUSÃO: Os estudos demonstraram a eficácia da técnica que, quando bem empregada, obtém diminuição da percepção da dor, fadiga, sono, dispneia e ansiedade, corroborando assim para uma melhora na qualidade de vida. A técnica de relaxamento apresenta como vantagens o baixo custo, dispensa de recursos tecnológicos, além da facilidade de ser aplicável por qualquer profissional da área de saúde, desde que esteja habilitado. Descritores: Dor, Neoplasias, Sinais e sintomas, Terapias complementares. RESUMO INTRODUÇÃO JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: As técnicas complementares apresentam impacto positivo na redução do estresse e sofrimento do paciente, visto que seus efeitos no organismo reduzem a atividade do As terapias complementares têm se destacado entre as opções terapêuticas em centros de tratamento de câncer nos Estados Unidos. Entre as razões para essa aceitação está o impacto positivo imediato sobre o estresse e sofrimento do paciente, a relativa facilidade de sua aplicação e a sensação de controle proporcionado. Vários procedimentos cognitivo-comportamentais têm sido usados no tratamento do câncer, mais especificamente sobre os efeitos adversos intensos do tratamento, a saber: distração cognitivo/atencional, hipnose/imagem guiada, dessensibilização sistemática, reestruturação cognitiva e treinos de relaxamento1. A terapia de relaxamento consiste em uma técnica acessível que auxilia a obtenção do equilíbrio entre mente e corpo. Seus efeitos no organismo podem ser facilmente compreendidos se for considerado que há redução na atividade do sistema nervoso autônomo responsável pelo controle das funções viscerais e homeostáticas essenciais à vida1. Apresenta como benefício a redução de sentimentos como angústia, dor, tensões, ansiedade, frequência cardíaca, pressão arterial, além de promover energia e sono. 1. Universidade de Brasília, Departamento de Enfermagem, Brasília, DF, Brasil. 2. Universidade de Brasília, Faculdade de Ciências da Saúde, Departamento de Enfermagem, Brasília, DF, Brasil. Apresentado em 08 de julho de 2013. Aceito para publicação em 21 de janeiro de 2014. Conflitos de interesses: não há. Endereço para correspondência: Aline Isabella Saraiva Costa SQN 404, Bloco H, aptº 202 – Asa Norte 70845-080 Brasília, DF, Brasil. E-mail: [email protected] © Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor 61 Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):61-4 Costa AI e Reis PE A Resolução do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN-197/97) estabelece e reconhece as Terapias Complementares como especialidade ou qualificação do profissional de Enfermagem, desde que o profissional tenha concluído e sido aprovado em curso reconhecido por instituição de ensino ou entidade congênere, com carga horária mínima de 360 horas2. Ressalta-se que algumas práticas complementares mais simples são utilizadas como tratamento não farmacológico, e são empregadas em consultas de enfermagem e ensinadas ao paciente, contribuindo para o controle da dor no paciente com câncer. Partindo desse pressuposto, o objetivo deste estudo foi identificar evidências na literatura científica sobre o uso de técnicas complementares para controle de sinais e sintomas em pacientes com câncer. CONTEÚDO Trata-se de revisão da literatura realizada a partir da busca de artigos nas bases de dados LILACS, CINAHL, Cochrane e Medline, utilizando como descritores para base LILACS: terapia de relaxamento and dor and câncer e, para base Medline, CINAHL e Cochrane, os descritores: relaxation therapy and pain and cancer. Foram encontrados 266 artigos, porém após os critérios de seleção de estudos randomizados, com técnicas complementares disponíveis nos idiomas português, inglês e espanhol, publicados entre 2003 e 2013, restaram oito estudos para análise. Os artigos foram caracterizados quanto aos instrumentos utilizados, características socioeconômicas, clínicas e desfecho (Tabela 1). Tabela 1. Características dos achados nos ensaios clínicos Autores McChargue et al.3 Kwekkeboom et al.4 Instrumentos utilizados/ Amostra EHAD, SES e Karnofsky. 113 pessoas. Aleatório. Características sociodemográficas 97% eram de cor branca; 63% ganhavam mais de 40.000 U$; 42,5% possuíam ensino superior ou médio; 69,9% eram casados. EAV, IBD, IBF, PSQI, ASI 67% feminino, 100% não e Profile of Mood States - eram latinos ou hispânicos; short form. 96% raça branca; 60% en78 participantes. sino superior. Características clínicas Desfecho 50,4% das mulheres estavam na menopausa e acima do peso, Estadiamento: I (29%), II (57%), III (14%). Aderência à terapia de relaxamento (58-70%). Perturbação do sono, dor e ansiedade diminuíram significativamente. 49% com câncer ginecológico; 70% tratamento quimioterápico, 98% tontura, 77% esquecimento, 72% xerostomia; 58% opioides, 74% esteroides, 86% antieméticos. Fortecortin (MC=21, RPM=20), 39 Granisetron (MC=21, RPM=18), Aprepitant (MC=16, RPM=14). Terapia de comportamento foi utilizada, em média, 13,65 vezes. Verificou-se redução da dor, fadiga e sono no grupo de intervenção. Lee et al.5 SAI, percepção do tratamento de relaxamento, Eletroencefalograma. 43 pacientes. Aleatório. Idade entre 27 e 65 anos, média de idade do grupo controle (MC) 49,3 anos e intervenção (RPM) 51,3 anos. Demiralp, Oflaz, Komurcu6 Haase et al.7 PSQI, The Piper Fatigue Scale. 27 indivíduos. EAV 74 pacientes aleatórios. Não há dados demográficos Não há dados clínicos no esno estudo. tudo EAVD, STAI, mensuração de sinais vitais. 82 pacientes aleatórios. Kwekkeboom, Imaging Ability Questionnaire, Wisconsin ExperiWanta e ence Questionnaire, Bumpus9 The Outcome Expectancy Scale, The Edmonton Symptom Assessment System. 40 pacientes Kwekkeboom NRS, Percepção da terapia utilizada. et al.10 26 pacientes. Aleatório. Singh et al.8 Idade de 54-76 anos, 62% Estadiamento: I (35%), eram mulheres. (26%), III (30%). 68% possuíam estomas. II Idade em média 63 anos, 70% de homens nos grupos de intervenção. Idades (M±16,44). Maior proporção de homens não completou o estudo (34%). Não houve detalhamento, apenas classe de fármacos utilizados. Pacientes internados há pelos menos dois dias com dor igual ou maior que 2 nas últimas 24 horas. Idade de 18 a 72 anos (M=43, DP=16); 16 eram mulheres, 62% brancas; 85% nível de instrução acima do ensino médio. 77% tinham doença hematológica maligna; 69% recebiam quimioterapia ou radioterapia; dor somática (69%); 69% usavam morfina, hidromorfina, fentanil ou metadona. Ambos os grupos MC e RPM apresentaram melhora significativa em sua saúde física e estado psicológico, como ansiedade. Ouvir sons gravados MC e praticar RPM é útil em pacientes oncológicos ginecológicos durante a quimioterapia. O grupo de intervenção de RPM apresentou aumento na qualidade do sono, diminuição da fadiga. 79% reconheceram os benefícios das intervenções. Porém, tanto a imagem guiada como o relaxamento apresentaram respostas positivas, mas não mostraram relevância clinica. Música é mais eficaz na dispneia e na ansiedade por ser de fácil realização. As intervenções imagens, RPM e analgésico podem ser benéficas no tratamento da dor aguda ou episódica para alguns pacientes. Houve mudança nos escores da dor; intervenção eficaz influenciada pelo desenvolvimento ativo na intervenção. EAV: escala analógica visual; EAVD: escala analógica visual para dispneia; PSQI: Pittsburgh Sleep Quality Index; STAI: Speilberger’s state trait anxiety inventory; EHAD: escala hospitalar de ansiedade de depressão; SES: Symptoms Experience Scale; IBD: inventário breve de dor; IBF: inventário breve de fadiga; ASI: Anderson Symptom Inventory; NRS: numeric rating scale; SAI: State Anxiety Inventory; RPM: relaxamento progressivo muscular; MC: sons monocórdios. 62 Técnicas complementares para controle de sintomas oncológicos DISCUSSÃO O aumento da sobrevida das pessoas corrobora a procura de métodos não farmacológicos que propiciem uma melhora da qualidade de vida de pacientes oncológicos. Os estudos envolvem técnicas comportamentais com a finalidade de alívio de sinais e sintomas, entre eles sono, dor, fadiga, dispneia, ansiedade e outros. A seguir, serão descritas algumas características de cada estudo. Em um ensaio clínico3 com o objetivo de estabelecer as taxas de adesão a uma terapia comportamental do sono e identificar sintomas psicológicos e físicos em mulheres submetidas a ciclos de quimioterapia para câncer de mama, os autores utilizaram como intervenção: controle de estímulos, restrição de sono modificada, terapia de relaxamento e conceito de higiene do sono. Foram empregados diversos instrumentos de mensuração, os quais permitiram observar que a taxa de adesão total ao plano de terapia de comportamento foi de 51-52% em todos os quatro tratamentos. Perturbação do sono, dor e ansiedade diminuíram significativamente com o emprego das técnicas durante a quimioterapia; 58 a 70% dos pacientes demonstraram maior aderência à terapia de relaxamento. Porém, houve redução do número de participantes ao longo da pesquisa, o que pode ter causado viés. Em ensaio clínico4 duplo com o objetivo de avaliar eficácia inicial da intervenção cognitivo-comportamental (CC) para dor, fadiga e sono, os autores disponibilizaram informações sobre: 1) causas da dor, fadiga e distúrbios do sono durante o tratamento por razão de câncer, 2) efeitos esperados da terapia comportamental sobre os sintomas, 3) visão geral das 12 estratégias de terapia de comportamento oferecidas para o estudo, e 4) recomendações individuais sobre a prática de intervenção CC. Foi observado que no grupo de intervenção houve diferença significativa na diminuição da dor e fadiga. Os autores sugeriram que a terapia cognitiva comportamental talvez não seja tão eficaz para distúrbios do sono quanto para dor e fadiga. Porém, houve diferença na redução do distúrbio do sono em pacientes do grupo experimental em relação ao grupo controle. Outra estratégia encontrada foi o uso de sons monocórdios (MC)5 cujos autores investigaram a partir de perspectivas tanto subjetivas quanto neurobiológicas, a extensão dos efeitos terapêuticos dos MC em pacientes com câncer de mama ou ginecológico submetidos à quimioterapia e compararam com os efeitos obtidos com o relaxamento progressivo muscular (RPM). Os pacientes em ambos os grupos apresentaram melhora significativa em sua saúde física e mental. Os dados de eletroencefalograma mostraram que o MC e os grupos RPM foram associados com aumento de teta posterior (3,57,5 Hz) e uma diminuição de midfrontal beta-2 banda de atividade (20-29,5 Hz) durante a fase final do tratamento de relaxamento. Além disso, o grupo MC foi associado com diminuição da banda alfa (8-12 Hz) atividade em comparação com o grupo de RPM. Este estudo mostrou que tanto ouvir sons gravados MC e praticar RPM apresentam efeito positivo de relaxamento, reduzindo a ansiedade e promovendo o bem-estar. Os autores instigam outros pesquisadores a continuar o estudo de MC aplicados à oncologia com intuito da melhora do paciente fisicamente e psicologicamente, não apenas no contexto clínico como em home care. Outro estudo6 que avaliou o sono utilizou o RPM para promover melhoras na qualidade do sono e no nível de fadiga dos Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):61-4 pacientes com câncer de mama. Os dados foram coletados em quatro momentos e cada sessão durou aproximadamente 25-30 minutos. Os resultados apontaram que o treinamento de RPM melhorou a qualidade do sono e fadiga em pacientes com câncer de mama em tratamento quimioterápico adjuvante. Os autores marcaram um possível viés de seleção devido à pequena amostra. Além disso, salientaram a importância de começar o treino de relaxamento antes da quimioterapia com a finalidade diminuir a frequência e a gravidade dos problemas de sono e fadiga durante a quimioterapia. Outra técnica utilizada foi imaginação guiada7, na qual os autores fizeram uso de fitas contendo instruções para sua execução com o objetivo de investigar as possíveis diferenças existentes entre imagem guiada e RPM em pacientes idosos em pós-operatório de câncer de cólon. O paciente recebia uma fita contendo 12 minutos de instruções para imagem guiada ou RPM, sendo essas fitas desenvolvidas e gravadas por um especialista. Nenhuma das fitas continha referências religiosas ou espirituais. Os pacientes foram randomizados para três grupos: imagem guiada, RPM e controle. Na fita da imagem guiada era solicitado aos pacientes para ficarem calmos e procurar seu eu interior. Pacientes eram induzidos a uma viagem imaginária para um lugar especial onde eles poderiam se sentir seguros, confortáveis e amparados, sendo encorajados a lutar e a trabalhar com sentimentos de ansiedade e estresse. Na fita de RPM, os pacientes eram orientados a imaginar a contração e o relaxamento dos músculos. Para aumentar essa sensação foram instruídos a respirar e sentir calor e peso nos lugares que quisessem. Todas as fitas continham as mesmas músicas e não apresentavam mensagens hipnóticas, segundo os autores. Os pacientes do grupo controle não receberam nenhuma intervenção psicológica. No desfecho do estudo, foi concluído que tanto a imagem guiada como o relaxamento apresentavam resposta positiva, mas não mostraram relevância clinica sobre o curso fisiológico pós-operatório de pacientes idosos submetidos à ressecção convencional de câncer colorretal. Ainda valendo-se do emprego da técnica de RPM, um ensaio clínico8 comparou a sua eficácia com musicoterapia em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica após episódio agudo. Os pacientes podiam escolher a trilha sonora e ouviam através de fones de ouvido. Os participantes receberam instruções para sentarem confortavelmente em cadeiras e concentrar-se na música com os olhos fechados durante 30 minutos, duas vezes ao dia (manhã e tarde). Na técnica RPM, os pacientes sentavam em cadeiras igualmente confortáveis e ouviam instruções por meio de uma fita gravada sobre a técnica de relaxamento muscular de acordo com o procedimento recomendado por Bernstein e Borkovec para liberar a tensão em 16 grandes grupos musculares. No desfecho do estudo, os autores apontaram a música como mais eficaz na dispneia e na ansiedade em comparação com relaxamento muscular. Uma das hipóteses apontadas é que a música é de fácil realização, ou seja, seria apenas necessário ouvir, diferente da técnica de relaxamento que carece de ouvir/realizar as instruções da fita. Em outro estudo complementar, os mesmos autores9 objetivaram examinar a variação nos resultados alcançados com RPM e imagem guiada entre os pacientes internados com dor oncológica, além de avaliar a influência de quatro variáveis individuais (capacidade cognitiva, expectativa de resultado, experiência anterior e sintomas si- 63 Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):61-4 Costa AI e Reis PE multâneos) no alívio da dor obtida com cada intervenção. Na comparação de médias entre tratamento e condições de controle, tanto RPM quanto a imagem produziram grandes melhorias na intensidade da dor, angústia relacionada à dor e percepção de controle sobre a dor. No entanto, a análise de resposta individual revelou que apenas metade dos participantes conseguiu melhora clinicamente significativa na dor com a intervenção. Pacientes que obtiveram melhora significativa da dor com imagens relataram maior capacidade de imaginação. Os autores enfatizaram a necessidade de continuar os estudos para identificar os fatores que moderam os efeitos da terapia cognitivo-comportamental em relação à dor e de como lidar com estratégias para que os clínicos possam identificar os tratamentos mais benéficos para os pacientes. Além do emprego correto das técnicas complementares, há necessidade do comprometimento da pessoa que faz uso da mesma com o propósito de validar se a técnica irá alcançar os resultados esperados. Sendo assim, os autores10 compararam a percepção dos pacientes, perguntando a eles sobre quais fatores poderiam influenciar na eficácia das intervenções da imaginação guiada e RPM. Os pacientes utilizaram imagem guiada e RPM por 10-15 minutos. As entrevistas realizadas mostraram que a percepção dos participantes sobre os efeitos do tratamento trouxeram mudanças nos escores de dor. Dos entrevistados, 81% relataram que a intervenção RPM aliviava a dor. No geral, a percepção da eficácia do RPM obteve mudanças observadas na dor em 14 casos (54%) e 16 participantes (62%) informaram que a imaginação guiada aliviou a dor sendo comprovado com a diminuição dos escores álgicos. A maioria dos participantes relatou que se ambas as estratégias cognitivo-comportamentais tivessem durado mais, teria sido mais proveitoso. Esta revisão evidencia os efeitos benéficos das terapias complementares, existindo a necessidade da realização de mais ensaios clínicos controlados e aleatórios sobre controle de sinais e sintomas em oncologia. Os sintomas no câncer avançado é um tema que instiga muitos profissionais, o que estimula a buscar novas respostas para avaliação e controle. Sendo assim, o profissional de saúde deve exercer seu papel no controle da dor, sono, fadiga, ansiedade para avaliar, intervir e monitorar. Considerar esse conjunto de fatores que interagem nos processos da dor crônica no paciente oncológico é um passo importante no cuidado com o paciente com câncer11. 64 CONCLUSÃO As evidências científicas demonstram o benefício do uso de tratamento não farmacológico no controle de sinais e sintomas na oncologia. A terapia comportamental mostrou-se eficaz na redução da intensidade da dor, percepção de controle sobre a dor, angústia relacionada à dor, fadiga, redução da ansiedade, aumento da qualidade do sono e consequente melhora física. O profissional pode fazer uso dessas técnicas no seu dia a dia em consultório, hospitais e home care. Além disso, apresenta como vantagens o baixo custo, uso desnecessário de recursos tecnológicos e a facilidade de ser aplicável por qualquer profissional da área de saúde desde que esteja habilitado. REFERÊNCIAS 1. Lopes RF, Santos MR, Lopes EJ. Efeitos do relaxamento sobre a ansiedade e desesperança em mulheres com câncer. 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In the elderly, there is higher prevalence of degenerative diseases which induce acute and chronic pain. This study aimed at discussing recommendations for the use of opioid in neonates, children and the elderly. CONTENTS: This review has addressed the use of opioids in the neonatal period, in older children and in the elderly, their indications, drugs used, doses, risks, complications and recommendations. CONCLUSION: The use of opioids in age extremes is still a challenge. However, ongoing education about the subject is needed, encouraging clinical trials and the development of evidence-based recommendations. The safe use of such agents in correct indication and proportion for pain relief decreases risks and should be the basis for good clinical practice. Keywords: Children, Elderly, Opioids. RESUMO JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O tratamento da dor nos extremos de idade e na criança ainda exige atenção e revisão de paradigmas. Inúmeras são as doenças ou procedimentos que provocam dor desde o período neonatal até a adolescência. Nos idosos, há maior prevalência de doenças degenerativas que cursam com dor aguda e crônica. O objetivo deste estudo foi discutir recomendações para o emprego de opioides no neonato, na criança e no idoso. CONTEÚDO: Nesta revisão foi abordado o emprego de opioides no período neonatal, em crianças maiores e nos idosos, suas indicações, fármacos usados, doses, riscos, complicações e recomendações. CONCLUSÃO: O emprego de opioides em extremos de idade ainda é um desafio. No entanto, é necessária a educação continuada 1. Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil. 2. Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. 3. Universidade Federal do Maranhão, São Luis, MA, Brasil Endereço para correspondência: Durval Campos Kraychete Rua Rio de São Pedro, 327/401 – Bairro Graça 40150-350 Salvador, BA, Brasil. E-mail: [email protected] © Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor em torno do tema, estimulando a pesquisa clínica e a construção de recomendações baseadas em evidências. O uso seguro desses agentes na indicação e proporção corretas para o alívio da dor diminui riscos e deve ser a base da boa conduta clínica. Descritores: Criança, Idoso, Opioides. Introdução O emprego de opioide de maneira correta e monitorada ainda é um desafio ao profissional de saúde. Desse modo, por iniciativa de um grupo de especialistas, com a validação institucional da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED), optou-se por publicação que tem como principal proposta apresentar recomendações que orientem os profissionais da saúde para o uso de opioides no controle da dor crônica e aguda. Continuando o trabalho, serão discutidos neste estudo o emprego de opioides no período neonatal, em crianças maiores e nos idosos, suas indicações, fármacos usados, doses, riscos e complicações. As recomendações apresentadas nesta e em futuras publicações de maneira sequenciada têm como proposta iniciar a composição de um guia prático para o tratamento adequado dos pacientes, divulgar as recomendações disponíveis em relação ao uso de opioides em diversas situações clínicas, estimular a pesquisa relacionada à segurança e à sua efetividade, bem como desmitificar a associação inadequada entre adição/dependência e o uso de opioides. O uso de opioides em crianças A despeito do que se acreditava até a década de 1980, os pacientes pediátricos de todas as faixas etárias, mesmo nos graus extremos da prematuridade, são capazes de sentir dor1,2. Desse modo, a analgesia inadequada pode provocar consequências imediatas ou em longo prazo3-5. Apesar desse conhecimento, quase 80% das crianças internadas em unidades neonatais de terapia intensiva ainda são subtratadas6. Isso pode estar relacionado à falta de conhecimento da anatomia e da fisiologia da transmissão dolorosa, das escalas de avaliação da dor, da farmacocinética e farmacodinâmica dos analgésicos, além da insegurança para administrar fármacos na população neonatal por conta de medo de efeitos adversos7. Também, a maioria das crianças com doença oncológica avançada sente dor até os últimos dias de vida, enfatizando a necessidade da abordagem correta do sintoma em pediatria8-13. Assim, é importante modificar a ideia de que os opioides provocam efeitos adversos intoleráveis e de difícil manuseio clínico; ou que podem encurtar a expectativa de vida das crianças ou estar relacionados com alto potencial para abuso8,10,14-17. 65 Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):65-9 Kraychete DC, Siqueira JT, Garcia JB e Grupo de Especialistas OPIOIDES NO RECÉM-NASCIDO As modernas unidades de terapia intensiva neonatais têm utilizado opioides tanto para o alívio da dor aguda decorrente de procedimentos (injeções, intubação etc.) como para a dor crônica (enterocolite necrotizante)18. Morfina A morfina é o fármaco mais utilizado em pacientes de todas as idades, incluindo os neonatos em ventilação mecânica (VM)19. A morfina é metabolizada no fígado em morfina-3-glicuronide (inativa) e morfina-6-glicuronide (ativa), ambas excretadas pelos rins. Em geral, a meia vida de eliminação é mais longa e a depuração plasmática está diminuída em recém-nascidos, sendo mais pronunciadas nos prematuros. A ligação da morfina às proteínas também está reduzida, permitindo uma maior proporção da fração livre do fármaco para penetrar no cérebro, aumentando o risco de depressão respiratória. Por outro lado, os valores da meia vida de eliminação e a depuração plasmática igualam-se aos do adulto aos dois meses de idade, portanto, é necessária uma cuidadosa titulação do agente para obter níveis desejáveis de analgesia sem efeitos adversos20. Os recém-nascidos prematuros produzem mais metabólitos (morfina-3-glicuronide) do que crianças maiores e por se tratar de metabólito antagonista, podem desenvolver tolerância, três a quatro dias após o início do tratamento21. Também, é importante salientar que neonatos com idade gestacional inferior a 26 semanas, com longos períodos de jejum ou instabilidade hemodinâmica que necessitam assistência ventilatória prolongada apresentam risco de apresentar hipotensão arterial com o emprego de morfina22-25. Fentanil O fentanil é um opioide 50 a 100 vezes mais potente do que a morfina, altamente lipofílico, resultando em significante penetração no sistema nervoso central. Devido à sua potência, à possibilidade de não alterar a estabilidade hemodinâmica e à rápida duração de ação, tem sido bastante utilizado nas unidades de terapia intensiva, para procedimentos dolorosos, tanto em infusão contínua como em dose única. Lembrar que após cinco ou mais dias de infusão contínua com fentanil, pode ocorrer tolerância ou síndrome de abstinência. Os neonatos, por possuírem níveis reduzidos da α-1 glicoproteína ácida, proteína a que normalmente o opioide se liga, apresentam maior fração livre de fentanil no plasma7,20. Estudos em neonatos que utilizaram fentanil por via venosa durante a VM constataram redução dos escores de dor, do estresse e da frequência cardíaca, quando comparado ao placebo, além do aumento dos níveis do hormônio de crescimento26. A analgesia foi semelhante à morfina, porém com menos efeitos adversos27. Houve, entretanto, maior necessidade de aumentar as taxas de ventilação e de pico de pressão inspiratória nas primeiras 24 horas28. A CRIANÇA MAIOR E O USO DE OPIOIDES: INDICAÇÕES Dor pós-operatória Morfina: está indicada na dor moderada a intensa que não responde aos analgésicos comuns, opioides fracos ou bloqueios regionais. 66 Pode ser administrada por diferentes vias e técnicas como: venosa ou subcutânea em dose de ataque (50-100µg.kg-1); em infusão contínua (15-30µg.kg-1); na analgesia controlada pelo paciente, com ou sem infusão basal (20µg.kg-1 de demanda e 0-20µg.kg-1.h-1 de infusão basal) no neuroeixo (30-50µg.kg-1 no espaço peridural ou em infusão continua associada ao anestésico local)20,29. Fentanil: pode ser utilizado por via nasal (2µg.kg-1), peridural (12µg.kg1),em infusão venosa contínua (0,5µg.kg-1.h-1) e em dose de ataque (0,5-1µg.kg-1)20. Tramadol e codeína: opioides fracos com grandes variabilidades farmacogenéticas em relação à metabolização e igual ou superior incidência de náuseas e vômitos em relação aos opioides fortes20. Metadona e nalbufina na analgesia pós-operatória: pouca evidência de uso nas crianças20. Dor persistente A Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou recentemente que a escada analgésica de três degraus deve ser abandonada em favor da de dois degraus, dando preferência a pequenas doses de opioides fortes ao invés da utilização de opioides fracos como codeína e tramadol, no caso dos analgésicos não opioides serem insuficientes para o alívio da dor. Isso pelo fato de a codeína apresentar problemas de segurança e de eficácia relacionados à variabilidade genética na biotransformação. A codeína é um pró-fármaco que é convertido no seu metabólito ativo morfina pela enzima CYP2D6. A eficácia de um pró-fármaco depende da quantidade do metabólito ativo formado. Expressões variáveis das enzimas envolvidas na biotransformação dos pró-fármacos podem levar a diferenças nas taxas de conversão e da concentração plasmática do metabólito ativo de forma inter-individual e inter-étnica. No feto, a atividade da CYP2D6 está ausente ou é menos do que 1% dos valores de adultos, aumentando com o nascimento. As estimativas mostram que o valor da conversão não é 25% dos valores de adultos em crianças menores de cinco anos. Desse modo, o efeito analgésico é baixo ou ausente em recém-nascidos e nas crianças pequenas. A porcentagem de metabolizadores fracos pode variar segundo os grupos étnicos de 1 a 30%, resultando em ineficácia em grande número de pacientes, incluindo crianças. Inversamente, indivíduos que metabolizam a codeína rapidamente e em alta proporção estão em risco para a toxicidade do opioide, dada a conversão elevada e descontrolada de codeína em morfina. Faltam dados sobre os outros opioides de potência intermediária para uso em pediatria. O tramadol é um outro analgésico opioide com efeitos favoráveis para o controle da dor moderada. Não existe atualmente qualquer evidência disponível para a sua eficácia e a segurança para as crianças. O tramadol não está licenciado para uso pediátrico em vários países. Mais pesquisas sobre tramadol e outros opioides de potência intermediária são necessárias. Se a intensidade da dor associada a uma afecção é avaliada como moderada ou intensa, a administração de um opioide forte é necessária. Os riscos de usar um analgésico opioide forte e efetivo superam a incerteza associada com a resposta à codeína e ao tramadol em crianças. Se houver, entretanto, novos estudos utilizando o tramadol, codeína ou um opioide alternativo de potência intermediária, essa avaliação risco-benefício pode ser reconsiderada. Lembrar que a morfina é recomendada como fármaco de primeira linha para o Recomendações para uso de opioides no Brasil: Parte II. Uso em crianças e idosos tratamento de dor moderada a intensa em crianças com dor persistente. A seleção de alternativas de analgésicos opioides à morfina deve ser guiada por considerações de segurança, disponibilidade, custo e conveniência, incluindo fatores relacionados ao paciente. A morfina é relativamente de baixo custo e com disponibilidade de mais de uma formulação. Há, no entanto, a necessidade de realizar ensaios clínicos que comparem os diversos opioides em termos de eficácia, de efeitos adversos e de viabilidade para crianças com dor persistente. O desenvolvimento de formulações mais seguras com doses apropriadas para essas faixas etárias muito jovens deve se tornar uma alta prioridade. As doses de opioides por diversas vias estão disponíveis na tabela 1. Tabela 1. Doses de opioides por diferentes vias de acordo com a faixa etária A. Doses iniciais para neonatos virgens de opioides: • Morfina por via venosa e subcutânea (25-50µg.kg-1 cada 6 h); • Morfina em infusão contínua (25-50µg.kg-1 inicialmente, seguida de 5-10µg.kg-1.h-1); • Fentanil (bolus de 1-2µg.kg-1 cada 2 a 4h; infusão contínua de 0,51µg.kg-1.h-1 precedida de bolus inicial de 1-2µg.kg-1). B. Doses iniciais para crianças de um mês a um ano virgens de opioides: • Morfina oral liberação imediata (80-200µg.kg-1 cada 4h); • Morfina por via venosa: 1-6 meses (10µg.kg-1 cada 6h); • Morfina por via venosa: 6 a 12 meses (100µg.kg-1 cada 4h, com máximo de 2,5mg por dose); • Morfina por infusão venosa contínua: 1 a 6 meses (50µg.kg-1, inicialmente seguidos de 10-30 µg.kg-1.h-1 ); • Morfina infusão intravenosa contínua: 6 a 12 meses (100-200µg. kg -1 inicialmente seguido de 20-30µg.kg-1.h-1); • Morfina por infusão subcutânea contínua: 1 a 3 meses (10µg. kg-1.h-1); • Morfina por infusão subcutânea contínua: 3 a 12 meses (20µg. kg-1.h-1); • Fentanil (1-2µg.kg-1 cada 2 a 4h ou infusão contínua de 0,5-1µg. kg-1.h-1 precedidos de dose inicial por via venosa de 1 a 2µg.kg-1). C. Doses iniciais para crianças de 1 a 12 anos virgens de opioides: • Morfina de liberação imediata: 1-2 anos (200-400µg.kg-1 cada 4h); • Morfina de liberação imediata: 2-12 anos (200-500µg.kg-1.h-1 cada 4h, com máximo de 5mg); • Morfina de liberação programada (200-800µg.kg-1 cada 12h); • Morfina por via venosa e subcutânea: 1-2 anos (100µg.kg-1 cada 4h); • Morfina por via venosa ou subcutânea: 2-12 anos (100-200µg.kg-1 cada 4h, com máximo de 2,5mg); • Morfina em infusão venosa contínua (100-200µg.kg-1, inicialmente, seguidos de 20-30µg.kg-1.h-1); • Morfina em infusão subcutânea contínua (20µg.kg-1.h-1); • Fentanil por via venosa (1-2µg.kg-1 cada 30-60 minutos ou dose inicial de 1-2µg.kg-1 seguida de infusão contínua de 1µg.kg-1.h-1); • Metadona por via oral, venosa ou subcutânea: (100-200µg.kg-1 cada 4h nas primeiras 2 a 3 doses e após, cada 6 a 12h, com máximo de 5mg por dose); • Oxicodona liberação prolongada (5mg cada 12h). Os comprimidos de liberação imediata ou soluções por via oral podem ser utilizados para titulação de dosagens de morfina para a criança. São também indispensáveis para o tratamento da dor episódica ou no avanço da doença. A disponibilidade de formulações de liberação imediata tem prioridade sobre formulações de liberação cronogramada de morfina. Lembrar que a solução de morfina oral é sempre uma alternativa quando uma criança não é capaz de engolir comprimidos. Por outro lado, os comprimidos de liberação Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):65-9 cronogramada devem ser utilizados para melhorar a adesão ao tratamento e facilitar a administração em intervalos prolongados. Na presença de efeito analgésico inadequado com efeitos adversos intolerantes recomenda-se fortemente a troca de opioide e ou da via de administração. A titulação ideal de um opioide em uma criança é fundamental antes de considerar a mudança para outro opioide. A troca deve ser considerada apenas quando o fármaco administrado foi devidamente titulado, mas a resposta analgésica foi inadequada e os efeitos adversos vivenciados pela criança, intoleráveis. A segurança enquanto ocorre a troca dos opioides deve ser sempre avaliada, considerando o risco de sobredose. Formulações de fentanil, metadona e oxicodona são consideradas alternativas à morfina para troca em crianças com dor persistente. Atenção à idade e às tabelas de conversão de dose de opioides diferentes, que normalmente são empíricas. Outros fatores a serem considerados na titulação e rotação do opioide são: biodisponibilidade da formulação; interações com outros fármacos; depuração renal e hepática. A escolha de vias alternativas de administração, quando a via oral não está disponível, deve ser baseada em julgamento clínico, na disponibilidade, na viabilidade e na preferência do paciente. Os estudos disponíveis em dor aguda ou pós-operatório não fornecem evidências conclusivas para orientar as recomendações por outras vias. Para dor crônica existe a possibilidade de uso transdérmico e em casos especiais de administração no neuroeixo. A via intramuscular de administração de opioides deve sempre ser evitada em criança, por conta da dor que provoca. Há evidência insuficiente para recomendar um opioide particular ou uma via de administração para tratar dor tipo espontânea ou incidental. É necessário fazer uma escolha apropriada da modalidade de tratamento baseada no julgamento clínico, disponibilidade, considerações farmacológicas e fatores relacionados ao paciente30. USO DE OPIOIDES EM IDOSOS Os idosos têm menor probabilidade do que os mais jovens para reclamar ou aceitar a prescrição dos opioides por temerem o efeito de adição; associarem opioides (particularmente morfina) com doenças graves ou terminais, e acreditarem que, reclamando de dor, possam necessitar de investigação diagnóstica ou internação31. Também, alguns médicos são relutantes em prescrever opioides para essa faixa etária. Foi descrito, no entanto, que o idoso apresenta intensidade da dor comparável à de um jovem, e que a dose de morfina necessária para reduzir a escala analógica visual (EAV) para um nível menor que 4 não é afetada significantemente pela idade32. Os opioides são geralmente seguros para o idoso quando titulados cuidadosamente. Também, são fármacos que provocam menor toxicidade orgânica do que os anti-inflamatórios, e em trabalhos que utilizaram dose única de opioide houve menor prejuízo cognitivo do que quando foi usado benzodiazepínico33. Nas clínicas de tratamento de pacientes idosos com quadros bem definidos de dor crônica ocorrem taxas muito baixas de abuso e de adição ao opioide34,35. Riscos do uso de opioides no idoso Sobredose: vários fatores farmacocinéticos podem determinar que os idosos apresentem um risco maior de sobredose pelo uso de opioides quando comparados aos pacientes mais jovens. Isso está relacionado à menor ligação à proteína plasmática, ao menor volume 67 Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):65-9 Kraychete DC, Siqueira JT, Garcia JB e Grupo de Especialistas de ejeção ventricular (diminui o metabolismo hepático) e à maior sensibilidade aos efeitos psicoativos e respiratórios causados pelos opioides36,37. Sedação excessiva: há alta prevalência de pacientes idosos usando opioides associados aos benzodiazepínicos e outros fármacos psicotrópicos38, aumentando o risco de sedação. Recomendações para uso de opioides em idosos39,40: • Evitar o emprego de opioides em pacientes com déficit cognitivo ou os que vivem sozinhos, a menos que exista supervisão para uso adequado do fármaco; • Iniciar com a dose baixa (de até 50% da dose inicial sugerida para adultos), a titulação lenta e os intervalos entre doses mais espaçados. O monitoramento deve ser frequente, e o uso de benzodiazepínico restrito. Isso para reduzir o risco de quedas e comprometimento cognitivo; • Utilizar preferencialmente fármacos de liberação controlada (CR). No entanto, o uso de fármacos de liberação imediata pode ser empregado no controle da dor aguda ou como fármaco de resgate; • Considerar três dias para avaliar a tolerância ao opioide; • Monitorar a função renal periodicamente ou as alterações clínicas; • Reconhecer os sinais de sobredose, como por exemplo, fala arrastada, labilidade emocional, ataxia e sonolência durante a conversa ou atividade; • Tratar constipação profilaticamente ao usar qualquer opioide no idoso; • Lembrar que tramadol deve ser iniciado com precaução nos pacientes que utilizam outros psicotrópicos, pelo maior potencial de causar tontura ou crise serotoninérgica. O tramadol está contraindicado nos pacientes com epilepsia e promove menor constipação que a codeína. CONCLUSÃO O emprego de opioides em extremos de idade ainda é um desafio. No entanto, é necessária a educação continuada em torno do tema, estimulando a pesquisa clínica e a construção de recomendações baseadas em evidências. Desse modo, o uso seguro desses agentes na indicação e proporção correta para o alívio da dor, diminui riscos e deve ser a base da boa conduta clínica. Essa medida seguramente reduzirá a morbidade a curto e longo prazo e promoverá o bem-estar do paciente. Autores do grupo de Especialistas: Alexandre Annes Henriques Anderson Arantes Silvestrini Ângela Maria Sousa Ariel de Freitas Q. Américo Cláudio Fernandes Corrêa Daniel Ciampi Andrade Eduardo Grossmann Erich Talamoni Fonoff Gualter Lisboa Ramalho Guilherme A. M. de Barros Grace Haber Inês T. V. e Melo 68 Irimar De Paula Posso Janaina Vall João Marcos Rizzo João Valverde Filho José Oswaldo de Oliveira Júnior Judymara Lauzi Gozzani Karine A. S. Leão Ferreira Lia Rachel C. do Amaral Pelloso Lin Tchia Yeng Manoel Jacobsen Teixeira Mario Luiz Giublin Maria Teresa R. Jalbut Jacob Miriam Seligman Menezes Mirlane Guimarães Cardoso Newton Monteiro de Barros Onofre Alves Neto Patrick Raymond Stump Rioko Kimiko Sakata Roberto T. de Castro Bettega Rogério Teixeira Sandra Caires Serrano Sílvia Maria de Macedo Barbosa Telma M. Zakka Theodora Karnakis Toshio Chiba Waleska Sampaio William Gêmio Teixeira William Jacobsen Teixeira AGRADECIMENTOS Esta recomendação foi realizada pela Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor com o apoio da Janssen do Brasil. REFERÊNCIAS 1. Anand KJ, Hickey PR. Pain and its effects in the human neonate and fetus. N Engl J Med. 1987;317(21):1321-9. 2. Fitzgerald M, Beggs S. The neurobiology of pain: developmental aspects. Neuroscientist. 2001;7(3):246-57. 3. Grunau RE, Holsti L, Haley DW, Oberlander T, Weinberg J, Solimano A, et al. Neonatal procedural pain exposure predicts lower cortisol and behavioral reactivity in preterm infants in the NICU. Pain. 2005;113(3):293-300. 4. 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Natural, noninvasive methods, such as laser acupuncture, may be effective, cheap and useful to treat children affected by this disease, as well as they may decrease public expenses. This study aimed at showing the use of laser acupuncture for pain management in a child with sickle cell disease, thus decreasing drug ingestion. CASE REPORT: Six years old child diagnosed with sickle cell disease having pain status evaluated by the Wong Baker scale for 2 weeks. In the first week the child was treated only with analgesics, if needed, and in the second week the child was submitted to daily laser acupuncture sessions, without receiving analgesics. CONCLUSION: Initial symptoms were significantly decreased with laser acupuncture and we decided to continue with the treated designed to further improve the balance obtained. Also, this study shows that laser acupuncture may considerably decrease the use of analgesics and, as a consequence, with potential to decrease their adverse effects. Keywords: Acupuncture, Children, Laser, Sickle cell disease. JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A doença falciforme é a entidade hereditária mais frequente no Brasil, sendo considerada um problema de saúde pública. Provoca exposição repetitiva à dor, que na infância provoca alterações permanentes ou de longa duração no sistema nervoso central, assim como pode levar a óbito. O tratamento por meio de fármacos acarreta riscos quando são referidos os efeitos adversos. O uso de métodos naturais, não invasivos, como a acupuntura com laser pode ser eficaz, econômico e útil no tratamento das crianças acometidas por essa doença. A certeza da sua eficácia pode reduzir não só a ingesta farmacológica pelas crianças, como também reduzir gastos públicos. O objetivo deste estudo foi mostrar a utilização da acupuntura a laser no tratamento da dor em uma criança com anemia falciforme diminuindo a ingestão de fármacos. RELATO DO CASO: Criança com 6 anos de idade, com diagnóstico da doença falciforme, tendo seu estado de dor avaliado através da escala Wong Baker por 2 semanas, sendo na primeira apenas tratada com analgésicos, se necessário, e na segunda semana sendo submetida diariamente à acupuntura laser, sem a ingestão de analgésicos. CONCLUSÃO: Observou-se redução significativa dos sintomas iniciais com o uso da acupuntura a laser, decidindo-se pela continuação do tratamento elaborado para melhorar ainda mais o equilíbrio obtido. Ainda, este estudo mostra que a acupuntura a laser pode reduzir consideravelmente o uso de fármaco analgésico, consequentemente com o potencial de reduzir os seus efeitos adversos. Descritores: Acupuntura, Anemia falciforme, Crianças, Laser. INTRODUÇÃO 1. Instituto Superior de Ciências da Saúde, Salvador, BA, Brasil. Apresentado em 19 de agosto de 2013. Aceito para publicação em 10 de janeiro de 2014. Conflito de interesses: não há. Endereço para correspondência: Carla Verônica Paixão Marques Cond. Dom Gerônimo Bl 213/102 - Cabula 5 41150-320 Salvador, BA, Brasil. E-mail: [email protected] © Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor 70 Os primeiros casos da doença falciforme (DF) em crianças foram descritos por Sydenstricker et al. em 1923, que reconheceram a associação com fenômeno hemolítico e introduziram o termo “crise” para os episódios agudos de dor. Ocorre precocemente, desde poucos meses de vida, atingindo pequenos ossos das mãos e dos pés (síndrome mão-pé); essa é, tipicamente, a primeira manifestação dolorosa da doença1. Os glóbulos vermelhos em forma de foice não circulam adequadamente na microcirculação, resultando tanto em obstrução do fluxo sanguíneo capilar como em sua própria destruição precoce. Esse mecanismo fisiopatológico acarreta graves manifestações clínicas, com maior frequência após os três meses de idade2. Acupuntura a laser no tratamento da dor em criança com anemia falciforme. Relato de caso Os pacientes com dor leve devem, segundo o manual de condutas básicas na DF formulado pelo Ministério da Saúde3, ser instruídos para tomar analgésicos, aumentar a ingestão hídrica e serem reavaliados no dia seguinte. A Organização Mundial de Saúde (OMS) propõe a utilização de analgésicos através de uma escada de três degraus: 1º degrau - analgésico não opioide/anti-inflamatório não esteroide (AINES) ± adjuvante; 2º degrau - opioide fraco ± analgésico não opioide / AINES ± adjuvante; 3º degrau - opioide potente ± analgésico não opioide / AINES ± adjuvante. O quadro apresenta, por grupo farmacológico, os principais tipos de analgésicos usados na prática clínica. O aumento superior à dose máxima de fármacos ou a associação com outro fármaco do mesmo grupo trará apenas um incremento dos efeitos adversos, sem prover analgesia satisfatória. Sempre que não se obtiver analgesia adequada, é necessário passar ao degrau seguinte da escada analgésica4. Segundo Bricks, é fundamental rever as práticas de prescrição e políticas de saúde relacionadas ao uso de fármacos, tendo em vista que a sua utilização desnecessária pode causar riscos para a criança e para a comunidade, além de desperdiçar recursos que seriam mais bem direcionados para a prevenção de doenças5. Uma opção é o tratamento através da Medicina Tradicional Chinesa (MTC) também conhecida como medicina chinesa (em chinês: Zhongye xue, ou Zhongao xue), que diferente da Medicina Ocidental que se preocupa apenas com o que diz respeito ao físico, tratando por meio de fármacos industrializados, enxerga o indivíduo como um todo, restaurando o equilíbrio, utilizando métodos naturais. Atualmente são oito os principais métodos de tratamento da MTC: 1. Fitoterapia chinesa (fármacos naturais); 2. Acupuntura; 3. Tuina ou Tui Ná (massagem e osteopatia chinesa); 4. Dietoterapia (terapia alimentar chinesa); 5. Auriculoterapia (tratamento pela orelha); 6. Moxabustão; 7. Ventosaterapia; 8. Práticas físicas (exercícios integrados de respiração e circulação de energia e meditação como: Chi Kung, Tai Chi Chuan e algumas artes marciais) consideradas métodos profiláticos para a manutenção da saúde ou formas de intervenção para recuperá-la. Acupuntura é uma tradicional terapia médica chinesa que se utiliza de agulhas finas de metal que punturam a pele em pontos específicos do corpo para aliviar a dor e promover o bem-estar. Para a MTC a dor é resultado de uma condição de excesso ou deficiência de Qi ou de sangue6. A OMS aprovou em 1979, 43 indicações para a acupuntura e esse numero foi estendido a 64 em 19967, estando o controle da dor em geral como uma das afecções possivelmente tratadas. Nessa técnica, ocorre a estimulação de determinados pontos da pele por meio das agulhas, a uma taxa de 2 a 3Hz, ativando fibras nervosas, que conduzem os estímulos, provocando uma sequência de reações fisiológicas8. O tratamento pediátrico na MTC reserva características especiais devido à criança estar em processo de formação de canais e colaterais assim como suas vísceras e órgãos (Zang Fu), e o sangue e a energia Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):70-3 serem insuficientes, sendo então necessário evitar o uso excessivo da acupuntura. Por esse motivo se prioriza outras estratégias terapêuticas como a moxabustão, massagem, fitoterapia tradicional, aurículoacupuntura e a laserterapia9. Além disso, a aversão pelas agulhas gerou uma redução da prática da acupuntura em crianças nos países ocidentais. O laser, também conhecido como bioestimulação não invasiva, é uma alternativa atraente utilizada nos últimos 25 anos pois consiste em um tratamento rápido e com baixo risco de infecção, e considerado ideal para pacientes com fobia de agulhas. O laser de baixa potência usado nos acupontos proporciona uma energia luminosa, capaz de produzir indução fotobiológica, produzindo efeitos bioquímicos e bioelétricos nas células, proporcionando uma terapia anti-inflamatória, antiálgica e regeneradora celular10,11. O objetivo deste estudo foi descrever um caso de aplicação de acupuntura a laser em uma criança com dor causada por anemia falciforme. RELATO DO CASO Paciente de 6 anos de idade, com diagnóstico de anemia falciforme (AF) há 3 anos após a mãe ter percebido febre, urina escura, edema em membros superiores, e dificuldade para segurar objetos. Faz uso de tilenol quando apresenta crises álgicas, essas com frequência média de uma vez por semana, com agravo em temperaturas mais baixas. Nunca fez uso de tratamento alternativo. No primeiro encontro a criança não tinha queixas e durante avaliação do grau de dor através da escala Wong Baker, apresentou pontuação 0. Na avaliação energética foi percebido pulso vazio, rápido, em corda, escorregadio. A língua revelou-se pálida, sem saburra, com estagnação sublingual. Aparência frágil, alimentação pobre em frutas e verduras, pouca ingestão de líquido, urina escura, fezes diárias com aparência pastosa, sono leve. A seleção e a utilização desses pontos ocorreram a partir de breve investigação oral da paciente e do exame dos pulsos e da língua em cada sessão. Dentro da perspectiva teórica da acupuntura, é possível identificar a qualidade da energia Qi dos órgãos do corpo, a saber, pulmão, baço-pâncreas, Ming Men (órgão da medicina chinesa correspondente a um dos rins), coração, fígado e rim, por intermédio do exame dos pulsos do paciente12. Procedimento semelhante pode ser realizado pelo exame da língua, que apresentará, em áreas específicas (correspondentes aos órgãos do corpo), sinais como edemas, palidez, vermelhidão, rachaduras, saburras de diversas espessuras e tonalidades13. A partir do exame da língua e dos pulsos, a qualidade da energia de cada órgão pode ser classificada como normal, em excesso, estagnada, deficiente ou inexistente, sendo que cada uma dessas características acarretará uma sintomatologia diferenciada no paciente, que é tratado com a estimulação, a sedação ou a harmonização de pontos de acupuntura específicos11. A criança analisada apresenta como diagnóstico após avaliação deficiência de Yin, principalmente do fígado e do baço-pâncreas e deficiência do Xue, com o fluxo de energia Qi comprometido por isso. O tratamento teve como finalidade manter o livre fluxo do Qi e Xue, favorecendo também a produção destes. O Qi é produzido através da energia dos alimentos (Gu Qi), derivada do metabolismo dos alimentos e bebidas pela ação do baço (Pi) e do estômago 71 Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):70-3 Marques CV (Wei), combina com o ar do pulmão (Fei), e com a circulação do sangue (Xue) e do Qi pelo corpo. A energia dos alimentos (GuQi), derivada dos alimentos e bebidas, é transformada em Xue no tórax, pela ação do coração (Xin) e pulmão (Fei). O aspecto Yin do Jing armazenado pelos rins (Shen) produz a medula óssea que produz sangue (Xue). Também o aspecto Yang do Jing ou o Qi original – fonte ativa das transformações executadas pelo coração (Xin) e pelo pulmão (Fei) no aquecedor superior e pelo baço-estômago (PI-Wei) no aquecedor médio. Os pontos utilizados baseados nesse conceito são14: R6 – (sexto ponto do canal de energia do rim): tonifica o Yin do rim, a deficiência do rim, nutre o Yin, principalmente quando existe excesso de fogo no coração, promove o sono e os fluidos corpóreos; C7 – (sétimo ponto do canal de energia do coração): tonifica o coração, equilibra o Yin e Yang, estabiliza o coração, clareia a mente, acalma a mente e as emoções, regula o espírito, tonifica o sangue, tonifica o Yin do coração, elimina o fogo; CS6 – (sexto ponto do canal de energia do coração/sexualidade): move a estagnação e acalma irregularidades do Qi, remove a estagnação de sangue e fleuma, acalma o espírito, remove a estagnação do Qi do pulmão, tonifica o coração; é indicado para dor, choque e traumatismo; E36 – (trigésimo sexto ponto do canal de energia do estômago): fortalece o baço e o estômago para produzirem Qi e sangue, que eliminam a umidade; faz subir o Qi, tonifica o sangue e o Qi, estabiliza a mente e as emoções, regulariza o Qi defensivo e nutritivo; P9 – (nono ponto do canal de energia do pulmão): tonifica o Qi do pulmão, tonifica o Yin do pulmão, fortalece os vasos sanguíneos e a circulação do sangue; IG4 – (quarto ponto do canal de energia do intestino grosso): remove o vento exterior, remove o calor, relaxa a tensão muscular, move estagnações do sangue, acalma a hiperatividade do Yang do fígado, acalma a mente, tonifica o Qi e o sangue; IG11 – (décimo primeiro ponto do canal de energia do intestino grosso): expele o vento exterior, remove o calor, relaxa a tensão muscular e alivia a dor, acalma a hiperatividade do Yang do fígado, resolve a umidade; F3 – (terceiro ponto do canal de energia do fígado): move a estagnação do Qi e do sangue, acalma a hiperatividade do Yang do fígado, elimina o vento do fígado e reduz espasmos e dor; tonifica o sangue e acalma o espírito; F14 – (décimo quarto ponto do canal de energia do fígado): move a estagnação do Qi do fígado, elimina a umidade e calor do fígado; utilizado para congestionamento mental e emocional; VC4 – (quarto ponto do canal de energia do vaso da concepção): fortalece o Jing, o Qi, o Yin e o Yang do rim, dispersa a estagnação do Qi; VC6 – (sexto ponto do canal de energia do vaso da concepção): tonifica a deficiência e move a estagnação do Qi; VC12 – (décimo segundo ponto do canal de energia do vaso da concepção): harmoniza a preocupação e a insegurança, tonifica a deficiência do Qi e do Yang do baço, move a estagnação e regula a rebelião do Qi do estômago; BP3 – (terceiro ponto do canal de energia do baço-pâncreas): move a estagnação do Qi do baço, tonifica a deficiência e fortalece o baço, resolve o esgotamento e o embotamento mental por umi- 72 dade e fleuma; BP6 – (sexto ponto do canal de energia do baço-pâncreas): tonifica o baço, o Qi e o sangue, elimina a umidade, tonifica o Yin, acalma a mente, regula o Qi do fígado; BP9 – (nono ponto do canal de energia do baço-pâncreas): elimina a umidade. O aparelho utilizado foi a unidade portátil de emissão laser – microprocessado com uma caneta da Nova Ciência, utilizado no modo contínuo, com a potência de 2,5Hz, a mesma gerada pelas agulhas, por 60 segundos em cada ponto selecionado repetidos depois de 12 minutos de intervalo, seguindo o protocolo de Gruber. Na primeira semana de encontro foi realizada a quantificação diária do nível de dor através da escala de Wong Baker, sem uso da intervenção laser. Nos dias 1, 2, 3, 4 a criança apresentou pontuação 0, apresentando pontuação 3 no dia 5 com administração imediata do analgésico pela genitora, mantendo a pontuação 5 no dia 6, e pontuação 1 no dia 7, ainda em uso do paracetamol. A avaliação do pulso e da língua manteve-se sem alterações. No dia 8, ainda com pontuação 1, foi realizada laserpuntura com baixa frequência. Manteve-se o tratamento alternativo durante toda a semana, diariamente. Apresentou pontuação 0 nos dias 9, 10, 11, 12, 13, 14 sem necessidade de ingestão de analgésicos. Na avaliação chinesa observou-se um pulso mais cheio, com mais Qi e a estagnação sublingual desapareceu. Atendimentos semanais se mantiveram por um mês sem novos episódios de dor. DISCUSSÃO A acupuntura a laser é uma técnica de analgesia praticada comumente em pacientes pediátricos, com poucos estudos sobre o assunto, sem claras recomendações e sem nenhum estudo anterior publicado relacionado à anemia falciforme na literatura pesquisada15. O elevado índice de pacientes com resposta satisfatória à aplicação do laser de baixa potência avalia positivamente a eficácia desse método como coadjuvante na terapêutica de pacientes traumatizados10. Um estudo proposto para o tratamento de crianças com asma não obteve boa resposta, creditada pelos autores à padronização dos pontos utilizados, sem levar em consideração a avaliação individual do pulso e da língua9. Em uma revisão sistemática sobre o uso de acupuntura a laser em crianças asmáticas, os autores concluem que a técnica pode até ser eficaz, mas há poucos estudos, com pequena amostra de pacientes e metodologia pouco consistente16. Em um estudo controlado em 43 crianças com cefaleias do tipo migrânea e tensional, os autores concluem que a acupuntura a laser foi eficaz em reduzir os escores de dor avaliados por uma escala analógica visual, quando comparada a placebo17. Esses dados abrem um leque de possibilidades para o emprego dessa técnica em crianças com dor. A resposta favorável da criança analisada no presente estudo sugere um real potencial de tratamento da dor com a laserpuntura em crianças com diagnóstico de anemia falciforme, com redução da utilização de analgésicos. Entretanto, são necessários mais estudos, incluindo um grupo controle, e até envolvendo outras variáveis, como a qualidade de vida. Acupuntura a laser no tratamento da dor em criança com anemia falciforme. Relato de caso CONCLUSÃO A acupuntura a laser foi eficaz no caso apresentado e pode ser um método alternativo no tratamento da dor em crianças com anemia falciforme, abrindo uma discussão e um novo dimensionamento de técnicas complementares, favorecendo a redução da ingestão de fármacos analgésicos. REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. Tostes MA, Braga JA, Len CA. Abordagem da crise dolorosa em crianças portadoras de doença falciforme. Rev Ciênc Méd. 2009;18(1):47-55. Di Nuzzo DV, Fonseca SF. [Sickle cell disease and infection]. J Pediatr. 2004;80(5):34754. Portuguese. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada. Manual de Condutas Básicas na Doença Falciforme. Série A. Normas e Manuais Técnicos. 2006. LoboI C, Marra VN, Silva RM. Crises dolorosas na doença falciforme. Rev Bras Hematol Hemoter. 2007;29(3):247-58. Bricks LF. Judicious use of medication in children. J Pediatr. 2003;79(Suppl 1):S107-14. 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Todos os trabalhos submetidos são revisados e a revista segue os Requerimentos Uniformes para Manuscritos submetidos a revistas biomédicas (URM – Uniform Requirements of Manuscripts submitted to Biomedical Journals - The International Committee of Medical Journal Editors - ICMJE). Os artigos recebidos são enviados para 2-4 revisores, que são solicitados a devolver a avaliação em 20 dias. Após o recebimento dos pareceres os autores têm 15 dias de prazo para responderem às sugestões realizadas pela revisão. Artigos sem resposta no prazo de seis meses deverão ser ressubmetidos. Serão realizadas tantas revisões quanto necessárias, sendo que a decisão final de aprovação caberá ao editor. Aos autores são solicitadas as garantias que nenhum material infrinja direito autoral existente ou direito de uma terceira parte. A Revista Dor segue o Estatuto Político Editorial (Editorial Policy Statements) do Conselho de Editores Científicos (CSE - Council of Science Editors). Informações complementares sobre os aspectos éticos e de má conduta podem ser consultados pelo website (http://www.dor.org.br/ revista-dor) e pelo sistema de submissão online. INFORMAÇÕES GERAIS Os artigos deverão ser enviados através de submissão online: http://www.sgponline.com.br/dor/sgp/, inclusive o documento de Cessão de Direitos Autorais, devidamente assinado pelo(s) autor(es). Deve ser encaminhada Carta de Submissão juntamente com os arquivos do manuscrito, que conste as informações referentes à originalidade, conflitos de interesses, financiamento, bem como que o artigo não está em avaliação por outra revista nem foi publicado anteriormente. Também deve constar nesta carta a informação de que o artigo, se aceito, será de direito de publicação exclusiva na Revista Dor, e se respeita os aspectos éticos, no caso de estudos envolvendo animais ou humanos. Os artigos poderão ser enviados em português, inglês e espanhol, porém a publicação impressa será na língua original de envio e a publicação eletrônica em português e inglês. Os autores têm a responsabilidade de declarar conflitos de interesses no próprio manuscrito, bem como agradecer o apoio financeiro quando for o caso. Correção Final e Aprovação para Publicação: Quando aceitos, os artigos serão encaminhados para o processamento editorial que deverá ocorrer em um prazo de 5 dias, e após, submetidos ao autor correspondente no formato PDF para que faça a aprovação final antes do encaminhamento para publicação e impressão. O autor terá até 3 dias para aprovar o PDF final. FORMAS DE APRESENTAÇÃO DOS TRABALHOS Os manuscritos encaminhados devem ser acompanhados por uma Carta de Submissão que contenha as seguintes informações: originalidade, conflitos de interesses, financiamento, que o artigo não está em processo de avaliação por outra revista bem como não foi publicado anteriormente. Também deve constar nesta carta a informação de que o artigo, se aceito, será de direito de publicação exclusiva na Revista Dor, e se respeita os aspectos éticos, no caso de estudos envolvendo animais ou humanos. O manuscrito deve conter os seguintes itens: 1. Página inicial: Título: O título do artigo deve ser curto, claro e conciso para facilitar sua © Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor 74 classificação. Quando necessário, pode ser usado um subtítulo. Deve ser enviado em português e inglês. Autor(es): O(s) nome(s) completo(s) do(s) autor(es) e filiações. Indicar a instituição onde o estudo foi realizado. Autor de correspondência: Nome, endereço, fone, fax e endereço eletrônico. Fonte de financiamento (quando houver). 2. Resumo estruturado, com no máximo 250 palavras. Para artigos de Pesquisa e Ensaios Clínicos incluir: Justificativa e Objetivos, Métodos, Resultados e Conclusão. Para os relatos de casos incluir: Justificativa e Objetivos, Relato do Caso e Conclusão. Para artigos de revisão incluir: Justificativa e Objetivos, Conteúdo e Conclusão. Incluir até 6 descritores. Recomenda- se a utilização do DECS – Descritores em Ciência da Saúde da Bireme, disponível em http://decs.bvs.br/. 3. Abstract: A versão do resumo para o inglês deve ser encaminhada junto ao artigo. Incluir até 6 keywords. 4. Corpo do Texto: Organizar o texto de acordo com o tipos de artigo descritos abaixo. Em artigos originais com humanos ou animais deve-se informar aspectos éticos além do nº do processo do Comitê ou Comissão de Ética da Instituição. Agradecimentos a outros colaboradores poderão ser citados no final, antes das referências. TIPOS DE ARTIGOS A submissão de artigo de pesquisa experimental ou clínica, em humanos ou animais, implica que os autores obtiveram aprovação do Comitê de Ética apropriado, e estão em concordância com a Declaração de Helsinque. Uma declaração deste efeito precisa estar incluída no capítulo “Método”. Para todos os artigos que incluem informação sobre pacientes ou fotografias clínicas, deve-se obter consentimento escrito e assinado de cada paciente ou familiar, a ser encaminhado para a revista no processo de submissão. Nomes genéricos dos fármacos devem ser usados. Quando nomes comerciais são usados na pesquisa, estes nomes devem ser incluídos entre parênteses no capítulo “Método”. 1. Artigos Originais Introdução - esta sessão deve ser descrever sucintamente o escopo e o conhecimento prévio baseado em evidência para o delineamento da pesquisa, tendo como base referências bibliográficas relacionadas ao tema. Deve incluir ao final o objetivo da pesquisa de forma clara. Método - deve incluir o desenho do estudo, processos de seleção de amostra, aspectos éticos, critérios de exclusão e de inclusão, descrição clara das intervenções e dos métodos utilizados, além das análises dos dados bem como poder da amostra e testes estatísticos aplicados. Resultados – devem ser descritos de forma objetiva, elucidados por figuras e tabelas quando necessário. Incluir análises realizadas e seus resultados. Discussão – esta seção deve discutir os resultados encontrados na pesquisa à luz do conhecimento prévio publicado em fontes científicas, devidamente citadas. Pode ser dividido em subcapítulos. Incluir as limitações do estudo, e finalizar com a conclusão do trabalho. Incluir sempre que possível, as implicações clínicas do estudo e informações sobre a importância e a relevância. Agradecimentos – agradecimentos a colaboradores entre outros poderão ser citados nesta seção, antes das referências. Referências – devem estar formatadas segundo as normas de Vancouver (http:// www.icmje.org ) Figuras e Tabelas - devem ser enviadas separadas do texto principal do artigo, em um formato que permita edição. 2. Relatos de casos Relatos de caso que apresentem relevância e originalidade são convidados a serem submetidos à Revista Dor. Devem respeitar um limite de 1800 pa- Rev Dor. São Paulo, 2014 jan-mar;15(1):74-5 lavras. Os achados devem ser claramente apresentados e discutidos à luz da literatura científica, citando as referências. A estruturação do corpo do texto deve conter: Introdução, Relator do Caso, Discussão, Agradecimentos e Referências. Figuras e tabelas que ilustrem o texto podem ser incluídos. 3. Artigos de Revisão Revisões da literatura sobre assuntos relevantes em dor, com análise crítica da literatura e realizada de forma sistemática, são bem-vindas. Devem conter não mais que 3000 palavras, e serem estruturadas da seguinte forma: Introdução, Revisão da Literatura, Conclusão, Referências. 4. Cartas Podem ser enviadas cartas ou comentários a qualquer artigo publicado na revista, com no máximo 400 palavras e até 5 referências. REFERÊNCIAS A Revista Dor adota as “Normas de Vancouver” (http:// www.icmje.org) como estilo para formatação das referências. Estas devem ser apresentadas no texto na ordem sequencial numérica, sobrescritas. Não deverão ser citados trabalhos não publicados e preferencialmente evitar a citação de resumos apresentados em eventos científicos. Referências mais antigas do que 5 anos deverão ser citadas caso sejam fundamentais para o artigo. Artigos já aceitos para publicação poderão ser citados com a informação de que estão em processo de publicação. Deverão ser citados até seis autores e, se houver mais, incluir após os nomes, et al. O título do periódico deverá ter seu nome abreviado. Exemplos de referências: Artigos de revistas: - 1 autor - Wall PD. The prevention of postoperative pain. Pain. 1988;33(1):289-90. - 2 autores - Dahl JB, Kehlet H. The value of pre-emptive analgesia in the treatment of postoperative pain. Br. J. Anaesth 1993;70(1):434-9. - Mais de 6 autores - Barreto RF, Gomes CZ, Silva RM, Signorelli AA, Oliveira LF, Cavellani CL, et al. Pain and epidemiologic evaluation of patients seen by the first aid unit of a teaching hospital. Rev Dor. 2012;13(3):213-9. Artigo com errata publicada: Sousa AM, Cutait MM, Ashmawi HA. Avaliação da adição do tramadol sobre o tempo de regressão do bloqueio motor induzido pela lidocaína. Estudo experimental em ratos Avaliação da adição do tramadol sobre o tempo de regressão do bloqueio motor induzido pela lidocaína. Estudo experimental em ratos. Rev Dor. 2013;14(2):130-3. Errata em: Rev Dor. 2013;14(3):234. Artigo de suplemento: Walker LK. Use of extracorporeal membrane oxygenation for preoperative stabilization of congenital diaphragmatic hernia. Crit Care Med. 1993;2(2Suppl1):S379-80. Livro: Doyle AC, editor. Biological mysteries solved, 2nd ed. London: Science Press; 1991. 477-80p. Capítulo de livro: Lachmann B, van Daal GJ. Adult respiratory distress syndrome: animal models. In: Robertson B, van Golde LMG, editores. Pulmonary surfactant. Amsterdam, 2nd ed. Batenburg: Elsevier; 1992. 635-63p. ILUSTRAÇÕES E TABELAS Todas as ilustrações (incluindo figuras, tabelas e fotografias) bem como as tabelas devem ser obrigatoriamente citadas no texto, em lugar preferencial de sua entrada. Enumerá-las em algarismos arábicos. Todas deverão conter título e legenda. Utilizar fotos e figuras em branco e preto, e restringi-las a um máximo de três. Um mesmo resultado não deve ser expresso por mais de uma ilustração. Sinais gráficos utilizados nas tabelas ou figuras devem ter sua correlação mencionada no rodapé. Figuras e tabelas devem ser enviadas separadas do texto principal do artigo, e em formato que permita edição, segundo recomendação a seguir. A qualidade dos gráficos, fotos e figuras é de responsabilidade dos autores. Formato Digital A Carta de Submissão, o Manuscrito e Figuras deverão ser encaminhados no formato DOC (padrão Windows Word); figuras em barras ou linhas e tabelas deverão ser encaminhadas em Excel (extensão XLS). Fotos deverão ser digitalizadas com resolução mínima de 300 DPI, em formato JPEG. Não inserir ilustrações no corpo do texto, cada ilustração deve ter arquivo individual. O nome do arquivo deve expressar o tipo e a numeração da ilustração (Figura 1, Tabela 2, por exemplo). Títulos e legendas das ilustrações, devidamente numerados, devem ser incluídos ao final do manuscrito. Cópias ou reproduções de outras publicações serão permitidas apenas mediante a anexação de autorização expressa da Editora ou do Autor do artigo de origem. Ética: Ao relatar experimentos com seres humanos, indique se os procedimentos seguidos estavam de acordo com os padrões éticos do Comitê responsável pela experimentação humana (institucional ou regional) e com a Declaração de Helsinque de 1975, tal como revista em 1983. Deve-se citar o número de aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa. Registro de Ensaio Clínico: A Revista Dor respeita as políticas da Organização Mundial de Saúde e da Comissão Internacional de Editores de Revistas Médicas (ICMJE- International Committee of Medical Journal Editors) para registro de estudos clínicos, reconhecendo a importância dessas iniciativas para a disseminação internacional de informações sobre pesquisas clínicas com acesso aberto. Assim, a partir de 2012, terão preferência para publicação os artigos ou estudos registrados previamente em uma Plataforma de Registros de Estudos Clínicos que atenda aos requisitos da Organização Mundial de Saúde e da Comissão Internacional de Editores de Revistas Médicas. A lista de Plataforma de Registros de Estudos Clínicos se encontra no site http://www. who.int/ictrp/en, da International Clinical Trials Registry Platform (ICTRP). Entre elas está o Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos (ReBEC), que é uma plataforma virtual de acesso livre para registro de estudos experimentais e não experimentais realizados em seres humanos, em andamento ou finalizados, por pesquisadores brasileiros e estrangeiros, que pode ser acessada no site http://www. ensaiosclinicos.gov.br. O número de registro do estudo deve ser publicado ao final do resumo. Uso de Abreviações: O uso de abreviações deve ser mínimo, e não devem ser utilizadas no título ou no resumo. Quando expressões extensas precisam ser repetidas, recomenda-se que suas iniciais maiúsculas as substituam após a sua primeira menção no texto. Esta deve ser seguida das iniciais entre parênteses. Todas as abreviações inferidas em tabelas e figuras deverão conter o seu significado no rodapé. 75