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A LUTA II
TEATRO OFICINA UZYNA UZONA
dramaturgia: José Celso Martinez Corrêa
1º ATO
17.05.2006
1
PRÓLOGO:
1 - RUA Jaceguay OFICINA UZYNA UZONA DO OUVIDOR On Line
2
(Enquanto o público se prepara para entrar no teatro: Manifestação pro ataque de Canudos, NÃO `A DEPOSIÇÃO
DAS ARMAS. Pipoqueiros, cachorro quente, Tvs na Ágora do Minhocão, comício convocando as Armas, comandado
pelo Tenente Pires Ferreira, na escadaria de um palanque em frente ao Teatro.)
TENENTE PIRES FERREIRA
Eu Tenente Pires Ferreira
Herói de Guerra e desta Feira !
Paulista !
Brado: Abaixo a Monarquia Terrorista !
(apontando o telão)
Vejam que imagens indecentes
usadas neste Teatro Oficina, este antro de Monarquistas doentes !
Dizem ser arte, �Os Sertões�, nessa mentirosa encenação !
Aproveitando-se da nossa derrota na terceira expedição,
pretendem mais, se expandir por todo quarteirão,
nos privando do progresso do Shopping do Minhocão !
Nesta manifestação pelos Humanos Direitos de Propriedade,
Da República agonizante clamemos: às armas povo desta cidade !
Vejam: a República está a perigo. É preciso salvar a República !
(Entra a REPÚBLICA toda entubada numa cama de UTI, toda monitorizada, Estátua da Liberdade passando mal)
CORO
VAMOS SALVAR A REPÚBLICA !
TENENTE PIRES FERREIRA
O Governo Prudente de Morais
incumbiu-me de estar aqui entre vós mortais,
para anunciar
que começa a atuar,
atenções !
E Atuar é: agremiar batalhões.
Aliste-se é sua sina
diante do terrorismo do Teatro Oficina !
E mais ainda agora que nada nos alivía,
diante do nacionaliasmo da Bolivia !
PRODUTORA DAS CORISTAS DO CÉUS
Aqui nesta rua viril,
Ouvido do Brasil,
você frequentador
da Rua do Ouvidor.
(apontando a República com a vedete)
Para espantar a onda taciturna,
aliste-se enfiando seu nome na Buceturna,
e para vos fazer perder o medo
do grande Arthur Azevedo:
�O Jagunço�
CORISTAS DOS CÉUS
(Marcha Funk)
“Guerra, Guerra
Que é dever de patriotismo
Guerra, Guerra
Pra defender a nossa terra
Guerra, Guerra
Contra o negro fanatismo”
3
Marchar que a pátria espera
Na primavera
Um novo sol
SOLDADOS E VEDETES
(em outro tom)
“Guerra, Guerra
Que é dever de patriotismo
Guerra, Guerra
Pra defender a nossa terra
Guerra, Guerra
Contra o negro fanatismo”
Marchar que a pátria espera
Na primavera
Um novo sol
Guerra nesse céu de anil
(Breque rufar de tambores)
Alistamento, (a Banda faz um Papapaparã)
em defesa do Brasil…
(contra a Bolívia Canudos do Brasil)
(A PERCURSSÃO METRALHA BRUTAL ANTES DO �OBA !�)
TENENTE PIRES FERREIRA
Agora para nossa emoção
trago-vos a heroína desta manifestação !
(Projeções de Imagens de Marketing do Herói Wanderley)
NOIVA DE WANDERLEY
Eu sou a Porcina, noivinha do Rey !
O nosso herói Cabo, Wanderley !
Hoje noivo póstumo do Brasil todinho, eu sei !
TENENTE PIRESFERREIRA
Um soldado Pop,
despertou o IBOP,
que injetou no Povão
esta póstuma paixão.
De Moreira Cezar era Ordenança�
Quando a tropa desertou sem esperança,
e o cadáver de Cezar foi lançado
à margem da estrada, abandonado
Wanderley revoltado
permaneceu ao lado do coronel,
guardando o cadáver como um precioso anel�
Por todo exército desprezado
cuidou o Cabo,
daquele ser sagrado.
(fotos tiradas pelos desertores que foram encontradas, do momento heróico do fim da Luta I, exibidas pela Viúva)
De joelhos junto ao corpo do comandante,
não se rendeu nem por um instante,
Jesus no Horto,
lutando por um morto…
Até ao último cartucho se bateu
tombando herói num quadro de museu !
Viva o Cabo Wanderley !
4
O CABO WANDERLEY
(aparece na rua em trapos)
Eu não morri, eu estou vivo.
VIÚVA
Não, isso é pegadinha.
Não meu amor, você é um fantasma.
Eu sou viúva
Essa Campanha pela Guerra é um sucesso absoluto !
Você morreu
(Joga seu luto sobre ele)
E sai do rua do Ouvidor…
CABO WANDERLEY
Você não me ama mais ?
ATRIZ VIÚVA
Amo. Morto.
CAPITÃO CAVALO PEDREIRA FRANCO
O Senhor morreu Cabo Wanderley
Mas ressuscita em outro papel:
é promovido na hierarquia
a Alferes da cavalaria !
(Hino como o da cavalaria Rusticana ou da Brasileira que deve ter seu Hino; recebe o título e o Cavalo Neve,
ovação)
ALFERES WANDERLEY
Tarda mas não falha a justiça divina do teatro militar !
Monte Santo atendeu a dádiva do meu retrato
virei celebridade de fato,
que barato !
(pessoas do público, pedem autógrafos de uma foto dele)
UM SOLDADO DA POLÍCIA
The Human Rights, pelo Bem !
Espectadores debandem !
Hoje não tem sessão, essa imoralidade não é mais viável !
Quem é o responsável ?
O que é isso ?
MANIFESTANTES EMPASTELADORES
(neonazistas- skinheads protestam pelos direitos humanos)
Vamos queimar o livro desta peça de menores corruptora !
Somos a nação salvadora.
(CONGELA TUDO-AFASTAMENTO)
EUCLIDES DA CUNHA
(ao vivo em torno do auto da fé)
Eu estou aqui, queimando tudo
Eu ainda não fui à Canudos.
ALFERES WANDERLEY
Que fizestes, Oh Cezar,
com as minhas legiões ! ?
5
(De dentro do Teatro vem um Homem Bomba. Agora a destruição é aqui ?)
HOMEM BOMBA
Jihad ! Alalaô !
(Pratica o Suicídio por Alá ! Explodindo-se com uma bomba. É O PRIMEIRO CLARÃO DE DESCARGAS. Vai tudo
aos ares. O Público entra guiado por militares que invadem o Teatro na maior brutalidade e paranóia, dominando o
público e transformando o Teatro num Centro de Operação de Guerra. É a Tropa recém formada no alistamento da
Rua do Ouvidor e os Convocadores de alistamento que invadem, ocupam o Teatro e conduzem o público. Após a tensa
ocupação, os batalhões vão se distribuindo na pista, de acordo com seus Estados. No chão está um enorme mapa do
Brasil. Mas ouve-se o Tropel de Bárbaros ao vivo, com o som vindo de baixo da terra do que serão as bocas de fogo
logo mais. Sons de helicópteros, e de guerras de todo o mundo onde há a multidão canudense mundial em canto de
guerreiros. De repente, SEGUNDO CLARÃO de DESCARGAS: Segundo Sinal. É Lida a Ordem do Dia do Espetáculo
� Segurança, patrocinadores etc� até MERDA !)
EUCLIDES DA CUNHA
(No Camarote Norte ao lado do Teatro de Estádio que está construindo 3 anos depois.)
3 anos depois, aqui em São Jose do Rio Pardo
reconstruo essa ponte, na febre ardo !
Queimam os sertões
queimam as Metrópoles,
explosões de exclusões.
São Paulo-Rio-Paris-Nova York bumerangados
capitais de alienados !
A rua do Ouvidor vale por um desvio das caatingas.
A correria do sertão entra
arrebatadamente pela civilização adentro.
E a guerra de Canudos é sintomática apenas.
O mal é maior.
Não se confina num recanto da Bahia.
Alastra-se.
Rompe nas capitais do litoral.
O homem do sertão, encourado e bruto, tem parceiros mais perigosos.
Os meios mais adiantados
encobertos de tênue verniz de cultura
são trogloditas completos.
Revela que pouco nos avantajamos
aos rudes patrícios retardatários.
Estes, ao menos, são lógicos.
Insulado no espaço e no tempo,
o jagunço,
um anacronismo étnico,
só pode fazer o que faz
bater, bater terrivelmente a nacionalidade que,
depois de o enjeitar cerca de cinco séculos,
procura levá-lo para os deslumbramentos da nossa idade
dentro de um quadrado de baionetas,
mostrando-lhe o brilho da civilização
através do clarão de descargas.
(TERCEIRO CLARÃO DE DESCARGAS - Terceiro Sinal)
6
1º MOVIMENTO: 1ª COLUNA
1 - a direção da luta
2 - grande mapa do brasil no chão da pista
3 - mãe primal bahia
4 - razzia dos soldados liderados pelos republicanáticos
5 - abertura de teatro de estádio
6 - formação da primeira coluna
7 - projeção de aracaju e da bahia, mapas do percurso das duas colunas
8 - com a primeira coluna
9 - com a segunda coluna
10 - monte santo-brecada
11 - troca de comando
12 - oficinas e oficinas de teatro enquanto se espera a estréia
e busca da produção e organização
13 - noite de santo antônio
14 - baixo clero pede uma reunião
15 - conselho: porque não partir
16 - entra a 32
17 - general entusiasmado com a 32, decide a partida
18 - foto de partida
19 - general apresenta a estratégia de marcha
20 - song da 32
21 - cai a 32
22 - saída do embaço com a 32
23 - os bois querem fazer greve
24 - noites de iguana dos cantos com chuva
25 - na vanguarda: marcha em bossa nova
26 - retaguarda do atraso - outro ponto mais distanciado da tropa o 5ª de policia
27 - no centro, na brigada joaquim manoel de medeiros, wanderley faz um balanço da estratégia
28 - primeiro reencontro
29 - ano novo de junho
30 - surge a 1ª coluna no portal da luz das cunanãs
31 - madrugada de são joão - travessia da 32
32 - apagão
33 - chuva canto pranto:
mandrágoras oxums e iansãs do céu, choram com o alferes wanderley
34 - inauguração
travessia da 32 rainha do mundo para canudos
35 - cunanãs renascem em forma de cinema
36 - parada: primeiro prisioneiro. rapto do filho de pajeú
37 - pitombas �jagunços surgem ao alto. pajeú na cezalpina
38 - meio dia
39 - ataque dos jagunços entrincheirados
40 - proclamação de vitória pelo silêncio dos jagunços - fuga ?
41 - chuva de balas agora do exército
42 - baixas em dominó
43 - s. o. s. à coluna savaget
44 - balanço da situação
7
A DIREÇÃO DA LUTA
GENERAL ARTHUR OSCAR DE ANDRADE GUIMARÃES
(no centro do Teatro)
Eu, General Arthur Oscar de Andrade Guimarães
Comandante do 2° Distrito Militar de Porto Alegre
Declaro:
aceito a direção da Luta.
Todas as grandes idéias tem seus mártires;
nós estamos votados ao sacrifício
não fugimos
para legar à geração futura
uma República honrada, firme e respeitada.
Viva a República !
TODOS
Viva !
(telégrafos em todas as línguas, transmitem o novo Comando da Guerra)
GENERAL ARTHUR OSCAR DE ANDRADE GUIMARÃES
Sejam convocadas tropas do Brasil inteiro
Alistem-se civis, novos guerreiros
Vamos salvar a República !
É dever dos cidadãos republicanos do mundo inteiro.
Batalhões�
GRANDE MAPA DO BRASIL NO CHÃO DA PISTA
(Os ajudantes dos ordenanças vão trazendo rapidamente o público e o colocando, com suas faixas de Batalhão, na
pista-mapa, de acordo com a localização de seus estados, onde já se encontram Oficiais de cada região. A Música
Militar inicia com simples batidas de Caixa e vai se euforizando, até todo o mapa ser ocupado com todos de pé
cantando trecho do Hino Nacional)
CORIFEU CONVOCADOR 1
(no sul do Teatro)
…Do Rio Grande do Sul!
CORIFEU CONVOCADOR 2
(ao Norte, com chapéus de Carnaúba)
Do Pará!
ORDENANÇA CONVOCADOR 3
(ao Norte, com chapéus de palha de Babaçu)
Do Maranhão!
ORDENANÇA CONVOCADOR 4
(no centro norte, fora do litoral)
Do Piauí!
CORIFEU CONVOCADOR 6
(mais para o Norte)
Do Rio Grande do Norte!
CORIFEU CONVOCADOR 7
(no nordeste)
Da Paraíba!
8
CORIFEU CONVOCADOR 8
De Pernambuco!
ORDENANÇA CONVOCADOR 9
(nordeste)
De Sergipe!
ORDENANÇA CONVOCADOR 10
Da Bahia!
CORIFEU CONVOCADOR 11
(o público é conduzido para o Sul no Rio)
Do Rio de Janeiro!
(As Krupps já estão no Rio, seguem artilheiros para manejá-las e empurrá-las.)
ARTHUR OSCAR
Levantem-se brasileiros, cantemos todos de pé, o nosso maravilhoso Hino Nacional !
(Todos cantam imóveis a primeira parte do HINO NACIONAL�)
CORO DE TODOS OS EXPEDICIONÁRIOS
Ouviram do Ipiranga às margens plácidas
de um povo heróico o brado retumbante !
E o sol da liberdade em raios fúlgidos,
brilhou no céu da pátria nesse instante.
Se o penhor dessa igualdade
conseguimos conquistar com braço forte !
Em teu seio, oh liberdade
desafia o nosso peito à própria morte !
Oh Pátria amada, idolatrada, salve salve !
Brasil um sonho intenso, um raio vívido
de amor e de esperança à Terra desce
em teu formoso céu risonho e límpido
a imagem do cruzeiro resplandece !
Gigante pela própria natureza
és belo, és forte impávido colosso
e o teu futuro espelha essa grandeza, Terra adorada
entre outras mil, és tu Brasil, oh Pátria amada,
dos filhos deste solo és mãe gentil,
Pátria amada Brasil !
(� e saem em marcha pelo Brasil em direção à Bahia cantando em Bossa Nova)
Deitado ethernamente em berço esplêndido
ao som do mar e a luz do céu profundo
fulguras oh Brasil florão da América
iluminado ao sol do novo mundo !
Do que a Terra mais garrida
teus risonhos lindos campos tem mais flores
nossos bosques tem mais vida
nossa vida em teu seio mais amores !
(Calypso do Pará)
9
Oh Pátria amada, idolatrada, salve salve !
Brasil de amor etherno seja símbolo
um lábaro que ostentas estrelado
e diga ao verde louro desta flâmula
paz no futuro e glória no passado !
(Samba)
Mas se ergues da Justiça a clava forte
verás que um filho teu não foge à Luta
nem teme quem te adora à própria morte, Terra adorada,
entre outras mil és tu Brasil, oh Pátria amada !
Dos filhos deste solo és mãe gentil
Pátria amada Brasil !
MÃE PRIMAL BAHIA
(O Samba Hino vai virando Melodia e Ritmo receptivo da Terra da Felicidade)
BAHIA EULÂMPIA
(Com Parangolé imenso de uma Saia-Grande-Bahia, inicialmente pudicamente fechada.)
Meus filhos de todo mapa da nossa nação,
por esta maldita briga,
voltam, convergem pra mim,
sua primeira Barriga.
De todo o Brasil, pois venham tropas, noite e dia,
Com os braços, pernas abertas
vos recebo, sou vossa Mãe Pátria
nas horas certas
Sou Bahia !
(rufa o Olodum. Eulâmpia abre a Saia do Parangolé, imensa como uma Barriga, e abriga os que chegam das várias
partes do Mapa do Brasil)
Mas, Bahia de Todos os Santos
as tropas entretanto, tantas,
dos jovens de hoje em dia,
suspeitam de minha nobreza de Mãe Santa,
me dizem ainda viver na velha… Monarquia !
Por que saltam filhos na Bahia Amada
com arrogância de triunfadores em praça conquistada ?
TROPA
A Bahia é uma enorme Canudos.
BAHIA EULÂMPIA
Repare ! Préconceito seus Péludos !
Porque a velha capital conservou seus tesouros antigos ?
Nessas montanhas alteadas, meus filhos, meus amigos,
se embateram em tempos
BAHIANAS IEMANJÁS
“varredores da mar”,
BAHIA EULÂMPIA
batavos, normandos, atraídos,
BAHIANAS IEMANJÁS
10
por nosso jeito único�
… de amar.
Na nossa metrópole, o passado vive
o futuro de cada ano !
BAHIA EULÂMPIA
Roma Negra
Coma, coma !
BAHIANAS IEMANJÁS
É pra já ! Iemanjá !
TROPA
Não nos comove
irrita-nos, Bahia, renove !
Trincheiras de Taipa do tempo de Tomé de Sousa,
ruas estreitas, embaralhadas, que cousa !
CABO VIADO CANTOR
Gregório de Matos na certa, ia,
encontrar igual a Triste Bahia…
BAHIA EULÂMPIA DE ALAQUETO
A Bahia vos espera, venham ver nossas belezas,
mesmo aqui na Alfândega quanta nobreza !
(Mostra um Brasão Imperial nas Estruturas do Portal da Alfândega, onde chegam os navios)
Bahia… ! Bahia… ! Bahia… ! Bahia… !
RAZZIA DOS SOLDADOS LIDERADOS PELOS REPUBLICANÁTICOS
SOLDADO REPUBLICANÁTICO
Abaixo a Monarquia
Quebrem essa Porcaria !
(a marretadas, depredam o escudo em que se via as armas imperiais; a soldadesca seguindo o exemplo, exercita -se em
correrias e conflitos, procurando relíquias para profanar)
BAHIA EULÂMPIA DE ALAQUETO
Êpa Hey ! ! !
BAHIANAS IEMANJÁS VIRADAS IANSÃS
Êpa Hey ! ! !
(Silêncio. A Banda pára.)
Cossacos em ruas Varsóvia.
Matutice óbvia.
SOLO
A Guerra não é aqui, é preciso vos ensinar ?
SOLO
Há em toda Bahia um descontentamento popular�
prestes a explodir
BAHIANAS IEMANJÁS VIRADAS IANSÃS
E vocês a provocar, provocar�
Vão dançar.
GENERAL ARTHUR OSCAR
(aos gritos, furioso)
11
Fuzilo agora, o primeiro estúpido que continuar com essa palhaçada !
Nenhum batalhão permanecera mais aqui !
Já do porto pra Estação da Calçada,
vocês não merecem sequer pisar essa terra sagrada.
(para Bahia Eulâmpia)
Salve Rainha…
Perdoa. Não sabem o que fazem�
é tudo gentinha.
BAHIA EULÂMPIA DE ALAQUETO
Vosso conceito de civilidade sabe o que vale nosso Farol
O Brasil sem axé, sem magia, sem poesia é só Besteirol
Nobre caudilho…
TROPA
Nobre caudilho ? !
BAHIA EULÂMPIA DE ALAQUETO
Cavalheiro Republicano, eu sei
Baianos saudemos General Arthur Oscar: “Meu Rei”
Viva a República �Meu Rei� !
BAHIANAS IEMANJÁS
Viva A República �Meu Rei� !
ABERTURA DE TEATRO DE ESTÁDIO
ALFERES WANDERLEY
Sou eu, Alferes Wanderley, O Rei !
Ou errei ?
(a multidão, e os fãs que o seguem desde a rua do Ouvidor invadem pedindo autógrafos. Luzes de flash e música de
Estádio para a celebridade.)
BAHIANAS
Rei ! Rei !
ALFERES WANDERLEY
(do alto do soldados salta e abre o jogo Olímpico da Quarta Expedição como Teatro de Estádio) Convoco o time dos
Leões !
Na Arena com todos nossos Gládios
Jogadores de Teatro de Estádio !
(Toque da Introdução de Merda de Caetano Veloso. Com Wanderley entra uma bola: o Exército vai formar a 1ª
Coluna fazendo a abertura da dionisíaca olímpica � a grande abertura musical da ópera de carnaval do final do ciclo
serestando dança atual de rua.)
FORMAÇÃO DA PRIMEIRA COLUNA
(O Coronel Joaquim Manoel de Medeiros recebe a bola e comanda o jogo de formação, passando alegremente para as
Brigadas, com toda a euforia de todos.)
CORONEL JOAQUIM MANOEL MEDEIROS
Atenção, formação 1ª Coluna !
1ª, 2ª e 3ª Brigadas
por mim,
Coronel Joaquim Manoel de Medeiros, comandadas.
GENERAL JOÃO DA SILVA BARBOSA
12
(aparece apitando do camarim norte)
Até que pra minha chefia sejam passadas.
(Silêncio pesado no acorde de baixo)
Eu, General João da Silva Barbosa,
sem prosa.
1ª CO-LU-NA !
Se una !
(a primeira coluna se forma em uma grande linha)
PROJEÇÃO DE ARACAJU E DA BAHIA, MAPAS DO PERCURSO DAS DUAS COLUNAS
ARTHUR OSCAR
Atenção !
Transmissão !
(Entra o General Savaget e os Coronéis comandantes das 3 Brigadas independentes da 2ª Coluna no vídeo, direto
de Aracaju no vídeo. Dançam em pequenos grupos e rodopios com Coreografia de Bastões, fazem a passagem falas,
através de um Jogo de Bastões: Há muitos Objetos num só Objeto)
GENERAL SAVAGET
Por mim comandada,
General Cláudio do Amaral Savaget !
Segunda Coluna
Te apruma !
(passa bastões para as outras Brigadas)
Na liderança das Brigadas�
CARLOS TELLES
(recebendo o bastão)
Eu, coronel Carlos Maria da Silva Telles, comando a 4ª Brigada:
meu esquadrão de lanceiros na vanguarda
COM A PRIMEIRA COLUNA
CABO VIADO
Gente, é a cara do Alferes Wanderley ! ?
(a tropa vaia)
COM A SEGUNDA COLUNA
(Carlos Telles passa para Coronel Serra Martins outro Bastão)
CORONEL SERRA MARTINS
(recebendo o Bastão)
Coronel Julião Augusto de Serra Martins, formada
aqui está 5ª Brigada !
(passando para o Coronel Pantoja, que apanha o Bastão)
CORONEL PANTOJA
Aqui se aloja,
por mim comandada
Coronel Donaciano de Araújo Pantoja,
a Sexta Brigada !
GENERAL SAVAGET
(para Arthur Oscar)
A segunda CO-LU-NA, se reúne aqui em Aracaju,
13
daí, Jeremoabo, Cocorobó, até o ponto tabú !
GENERAL ARTHUR OSCAR
Nossas duas Colunas, Savaget, de duas diferentes cidades vão partir
pra em Canudos convergir.
GENERAL SAVAGET
No Combate, General Arthur Oscar,
nossas duas colunas, no dia 27 de junho, vão se enlaçar
CORO
E ganhar !
GENERAL ARTHUR OSCAR
Da Pátria vamos operar o coração !
Está constituída a 4ª Expedição.
TROPAS DOS DOIS LADOS
Viva a república !
(sai o vídeo de Aracaju)
ZABANEIRAS
Viva !
(corografia dos gestos explícitos de dedos cobrando dinheiro e enfiando nas bocetas)
Tem bububu no bóbóbó !
(As Tropas partem para seus destinos. A 1ª Coluna parte marchando animada até que os soldados se dão conta que,
pouco aparelhados para o salto da 4ª Expedição para o Estádio do Desmassacre, são bucha de canhão; protestam)
MONTE SANTO-BRECADA
BATALHÕES CHEGADOS
Batalhões chegamos
desfalcados,
armamentos estragados
ZABANEIRAS
(sentadas no jardim de Queimadas com espelhinhos da boceta, pernas entrelaçadas, sentadas)
sem feijão nem arroz
sozinhos ou em companhias de dois.
ALFERES WANDERLEY
Vozes detonadas
BATALHÕES CHEGADOS
Incompletos.
OFICIAIS
Como vamos completá-los ?
BATALHÕES CHEGADOS
Sem armas.
OFICIAIS
Como vamos armá-los ?
BATALHÕES CHEGADOS
Sem vestes.
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OFICIAIS
Ninguém pode ficar pelado.
(Zabaneiras reagem cantando um grito)
BATALHÕES CHEGADOS
Da viagem enferrujados
OFICIAIS
Como vamos adestrá-los ?
BATALHÕES
Não sei ler, escrever nem contar
OFICIAIS
Pior, nem sabem interpretar
Como dar educação
Cultura, arma e pão ?
CORO
Falta tudo,
CABO STANISLAVSKI
amor, tesão, o que faz ficar de pé,
CORO
Falta a falta,
CABO STANISLAVSKI
será o axé ?
TROPA
Falta
ZABANEIRAS
rapidez de apaixonado !
CABO STANISLAVSKI
oh primavera, estou desesperado
CORO E PÚBLICO
Falta ! Falta !
ZABANEIRAS
Agora, nos campos de manobras…
CABO VIADO
…vamos agasalhar umas cobras
(Os soldados tiram seus soldos do bolso para foder com as Putas. Entra Barbosa, tensionando o clima)
TROCA DE COMANDO
GENERAL BARBOSA
Em Monte Santo, aqui no acampamento,
pornografia dá fuzilamento !
GENERAL ARTHUR OSCAR
15
Tropa, concentração !
É preciso marchar e vencer o vudu.
O general Savaget já está se aprumando em Aracaju.
(a tropa por instantes se convence e reanima a marcha até que�)
ZABANEIRAS FETICEIRAS
(Jogam búzios em seus espelhos, banda acompanha o ruído como introdução do poema delas� para os Oficiais,
principalmente para Arthur Oscar)
Mas só sai daqui meu cú de boi,
só daqui duas luas depois�
No dia do meu Parto
em São Pedro,
se não, enfarto ! ! !
(Todos se quedam vudusados pela profecia das Zabaneiras)
OFICINAS E OFICINAS DE TEATRO ENQUANTO SE ESPERA A ESTRÉIA
E BUSCA DA PRODUÇÃO E ORGANIZAÇÃO
CORONEL SIQUEIRA DE MENESES
Davai davai,
Tavarisht Constantin !
ZABANEIRAS
Iêbai !
CABO STANISLAVSKI
Não se tem exército, se tem está enfermo
Nem companhia, na significação real do termo,
Não vale nada,
essa gente amontoada
com espingarda,
Mais vale uma direção
Uma linha contínua de ação
Uma técnica, uma tática
Encontrada por nós mesmos na prática
Democrática, com um Estado-maior
Planejando fazeres, roteiros de cor
totalidade inspirada no vivo
ação de um super objetivo
órgão sem órgãos
de operações militares para o ato,
de Te-Ato.
GENERAL BARBOSA
Cabo Stanislaviski, que sabedoria !
Agora vamos ganhar linha
Vamos ter que entrar na sua escolinha !
ZABANEIRAS
Pra que dar educação ?
Cultura é só tesão !
ZABANEIRA
Noite do Sto Antônio !
Hoje Monte Santo vira uma escolona, sim !
De amor !
Vem Deus Matrimônio,
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seja com quem e como for !
GENERAL BARBOSA
A famosa universidade das dragoas?
Contra nós, Santos Guerreiros ?
Querem morrer, suas à toas ?
ZABANEIRAS
(Oferecendo-se pedindo $$$)
Tem bububu no bóbóbó�
Tem bububu no bóbóbó�
(As Zabaneiras tentam assediar os soldados.)
GENERAL BARBOSA
Querem assaltar o pobre soldo dos soldados ?
Exaustos, esfomeados ?
NOITE DE SANTO ANTÔNIO
ZABANEIRA DA ÓPERA
(canta como uma cadela no cio, com um Santo Antonio e Vaso Transparente com Pinga)
Hoje é Dia de Santo Antônio ! ! !
Pecado ! Nenhum Matrimônio ? !
Ah ! Não conformo.
(Põe Santo Antonio de cabeça pra baixo no vaso)
CANTADORAS ZABANEIRAS
(tentando seduzir os Soldados e fazer de Monte Santo uma Capua; mas se estes cederem à sedução das gatas no cio,
General Barbosa chia.)
As tropas romanas desmoronavam
Aí em Capua demoravam,
lugar cheio de delícias,
ninguém queria deixar�
Ai Ai Ai…
Ah ! Pro descanso do guerreiro
SOLO
Fodia-se
SOLO
soldava-se
(fazem sinal de $)
o dia inteiro
ZABANEIRAS
(decepcionando-se)
Monte Santo, que inversão
Ninguém trepa, e o tesão ?
Zabaneira
Que brocheira
Ninguém paga,
Tudo caga,
Não vai nem de graça
(decidem fazer uma orgia de mulheres, entre si e as do público; sugestão: sauna gay para mulheres; procuram as
mulheres do público, provocam os homens, viram Dragoas com Línguas de Fogo Sexuais desafiando a fúria Machista
dos São Jorges)
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Rala o grelo Zabaneira
Rala o grelo Zabaneira
No meu grelo brincadeira
Rala o grelo Zabaneira
Rala o grelo Zabaneira
No meu grelo brincadeira
a fome até passa�
Zabaneira meu inferno
(tocando a boceta)
queima, neste afago terno,
gozo como o pai eterno !
(quase gozando)
GENERAL BARBOSA
Vocês já nasceram queimadas,
pombas putas desgraçadas.
ZABANEIRAS
Aqui vocês bocejam,
Nós bocetamos
Vocês desassossegam
Nós valentgozamos.
(Gozam descaradamente)
GENERAL BARBOSA
Fuzilaria, preparar !
(Os soldados guardam as trouxas do soldo e apanham as armas)
Atirar !
ARTHUR OSCAR
Não ! ! !
(com gravidade e respeito, com medo que Barbosa faça uma loucura)
Hoje é dia dos namorados !
ZABANEIRAS
General, nem assim serão recompensados !
Marcam passo, marcam toca
diante do inimigo,
nosso amigo,
nem vos ligo.
(saem putas atrás do(a)s amantes sertanejo(a)s)
ALFERES WANDERLEY
(para os Oficiais, desesperado por esta perda do elenco)
Perdemos as Zabaneiras !
CABO VIADO
Vamos comer o Pires Ferreira !
GENERAL BARBOSA
Fuzilamento !
ARTHUR OSCAR
(sem saber o que fazer, manda a tropa dispersar)
Dispersar!
18
BAIXO CLERO PEDE UMA REUNIÃO
(todos dispersam, ficam Tenente Pires Ferreira e o Alferes Wanderley)
TENENTE PIRES FERREIRA
Alferes Wanderlei
Não sei� Sempre contigo impliquei.
Mas agora sois uma celebridade !
Pois com tua habilidade,
organiza uma reunião,
um Conselho para alguma decisão ? !
(Banda Entra com Acordes Solenes no Piano)
antes que eu perca olhos,
(Um acorde)
tripas,
(outro em outro tom)
mãos !
CONSELHO: PORQUE NÃO PARTIR
(A Banda entra Eloqüente e Solene a Grande Reunião de Cupula Mundial Montada pelo Alferes; A Luz vai para a
reunião)
ALFERES WANDRELEY
7 palmas.
Esta aberta a sessão.
(ninguém se manifesta)
A pauta é uma pergunta
por todos perguntada
e essa pergunta pergunta:
PORQUE ESSA REUINIÃO ?
TENENTE PIRES FERREIRA
Ah ! Não foi isso que eu falei !
Pára, me segura que vou ter um troço !
(se atira de raiva ao chão)
Ai ! Quebrei mais uns três ossos�
(É socorrido pelo Médico)
MÉDICA TERRA
Quebrou ? Vais perder o braço !
TENENTE PIRES FERREIRA
General ! O importante é sair do embaço
(decidindo, decidido)
Se o Sr. me permite, essa operação aqui mesmo faço.
GENERAL ARTHUR OSCAR
Compustura. Olha o garrão !
Num momento decisivo, iniciamos assim a reunião !
MÉDICA TERRA
Morfina !
(entra a ambulância de enfermeiras)
ALFERES WANDERLEY
(tendo um ataque, contagiado pelo do Tenente)
A Pergunta é: como e quando vamos sair daquí ?
É preciso repetir ?
19
(o Tenente recebe o pico da morfina que contagia a reunião. A matadeira entra de Costas, a morfina traz uma lucidez
simples para um acontecimento tão grandioso)
ALFERES WANDERLEY
(TEMA MUSICAL DO PAÍS DE FORA CONTRA O PAÍS DE DENTRO)
Vem do estômago, meu coração, a revelação ! ! !
As tropas já estão chumbadas nas toneladas, desse novo canhão.
(Olhando a Matadeira de Costas, todos os corpos sofrem um balanço marítimo)
A máquina defensora da quietude das fortalezas costeiras,
Aponta, tragédia, pro coração das terras Brasileiras !
(32 entra de costas para a Pista, e acoitera-se do apontar para fora para mirar o país de dentro)
ENTRA A 32
(a With-worth electric sound, uma máquina-atriz que fala sons microfonados, um Globo da morte. Alferes está atônito,
e deve sua imagem estar presente no vídeo com seu desacordo)
TROPA E ARTILHEIROS DA MARAVILHA ELETRÔNICA
Presos de amor,
com valor
à With-Worth !
Mola de aço
da English court (sotaque interior de São Paulo)
Queen mulher, é pois
“a” 32
1. 700 quilos !
Tremendos fuzílos !
Gamei na hora !
Big game do mundo o centro,
importada do país, de fora,
pra atirar
no país de dentro !
Importada do país, de fora,
pra atirar
no país de dentro !
GENERAL ENTUSIASMADO COM A 32, DECIDE A PARTIDA
GENERAL ARTHUR OSCAR
(possuído pelo encanto da Máquina, fala como uma personagem de Tchecov, como se já estivesse em ação mas esta no
mesmo movimento. A Máquina que caiu do céus do Hemisfério Norte vai resolver tudo !)
Com esta potência
partamos agora, na urgência,
na emergência das batalhas.
(A Luz baixa no geral mas ilumina o Médico terminando a operação do corte de braço
e o Tenente Pires Ferreira)
MÉDICO
Lá se foi seu Tenente, aqui está seu braço,
o senhor é um homem de aço.
Sobe o Monte Santo, faz um ex voto,
pede reforma, volta, mas antes vamos à foto.
FOTO DE PARTIDA
(A Luz vai se abrindo para a foto geral, todos se preparam para foto da partida em glossolalias e evoés� Arthur
Oscar subiu nas alturas da 32. Toda uma multidão posando feliz. Flávio da Barros prepara seu equipamento e todos
20
posam expectantes, querem sair bem na fotografia da História.)
TENENTE PIRES FERREIRA
Vou à luta até o fim
até que nada mais sobre de mim.
TROPA
Olha o Garrão !
(Flávio de Barros faz a Foto. Explode a pólvora !)
GENERAL APRESENTA A ESTRATÉGIA DE MARCHA
ALFERES WANDERLEY
19 de junho,
Está no meu punho:
a Ordem Do Dia,
pura Poesia.
ALFERES E GENERAL
�Deixo à imparcialidade da História
a resposta ao porque
dessa demora.
Assino, para nela ficar
general Arthur Oscar.”
TROPA
Lindo ! ! !
GENERAL ARTHUR OSCAR
Corpos desenvolvam-se sem falhas,
nas distâncias regulamentares,
cada brigada nos seus lugares.
(as Brigadas se colocam em posição. Arthur Oscar apresenta-as fazendo a revista)
Na geometria:
vanguarda: engenharia e atiralharia.
Linhas de apoio.
Reforço: 5º de Polícia no comboio.
E reservas,
agir como sérvas !
Tropa Marchar !
(A Tropa começa a marchar)
SONG DA 32
CABO BRECHT
Inicia-se com a Santa Rainha, a 32
Uma Era, antes e depois
BOIS E SOLDADOS
Bois bois
bois
Bois bois
bois
Bois bois
Bois bois
bois
bois
A 32
Bois, on the road,
21
bad boys,
Soldiers, Gorilas !
You don’t know how to drive me !
Oh ! Bréque !
CORO
She is the high tech ! (4x)
A 32
I’m Raitéque
terceira mundo
imundo
carro de boi
isso já foi !
I don’t need you !
I want to be alone !
TROPA E ZABANEIRAS
Pôôô !
Pôôô !
(soltam a máquina que despenca na caatinga)
Ai minha saco !
UM BURRACO ! ! !
CAI A 32
(O Carro de Shiva, a 32, máquina pesadíssima cai, fica de ponta cabeça; tomba causando um barulhão acústico
eletrônico. A Marcha pára.)
A 32
Aiii#$%***** ! ! ! ! ! ! ! !#$$
CABO STANISLAVSKI
Emperração, corte da ação !
SOLO
(viajando numa bad trip, tendo que erguer a 32)
Entope a estrada
à cada cagada ! !
32
(Enquanto uma multidão de soldados tenta desvirar a Máquina, a 32 amaldiçoa todos)
Ainda não descobriram o que ío já sou ?!
A Withworth ?!
Da computador
a precursor ?!
Da míssel
a bisavô ?!
Não me façam sofrer assssim
Força animal !
No sabe fazer,
dar-me prazer.
(A 32 é desvirada. Ela põe a cabeça pra fora do canhão e para o público canta:)
I’m the Death Machine
The With Worth
I came, ai vim !
I am the Queen
22
CORO
God save the Drag Queen !
A 32
Repeat everibody !
CORO E PÚBLICO
God save the Drag Queen !
GENERAL ARTHUR OSCAR
Vamos assustando todo espaço
com esse importado Espantalho de Aço !
32
I beg your pardon ?
I am an espantalho ?
How dare you ? Fuck you!
GENERAL ARTHUR OSCAR
Sorry my love,
nosso primeiro Passo,
na Era Raitéque ! ! !
(para os soldados)
For Madam, Conféte ! ! !
CORO DE CONFETES
She is the high tech ! (4x)
SAÍDA DO EMBAÇO COM A 32
A 32
Let’s go!
(A 32 sai do empacamento puxada por seus bois.)
GENERAL ARTHUR OSCAR
Ufa ! De Monte Santo ao menos, largamos em frente,
diga Coro: está contente ?
OS BOIS QUEREM FAZER GREVE
(os bois caem de cansaço)
CORO GERAL
Não completamente.
MAJOR FRUTUOSO
Agora são os bois
Cansaram da 32 ! ! !
ZABANEIRAS LÍDERES DOS CHINESES
Querem parar
Vamos ter que boisar ?
(Os Chineses-público saem de seus lugares pra liberar os bois e empurrar com a força humana a 32 emperrada.
Tambores tocam. Os Bois fogem. Soldados põe cordas no público que se transforma em Bois)
Bois bois
bois
Bois bois
bois
32
23
Let’s go !
NOITES DE IGUANA DOS CANTOS COM CHUVA
MAJOR FRUTUOSO MENDES e ALFERES DUQUE ESTRADA
A canhão 32, não pode vencer os obstáculos do instante
Vamos dormir meus chineses na picada, com nossa amante.
Vamo protegê nossa Rainha das chuvas torrenciais
com nosssas peles e nosso amor demais.
Amiga amante
essa noite, imante.
Dormimos todos pois
com a 32.
CABO BOFE XIBOQUINHA
Viados ! ! !
RETAGUARDA DO ATRASO
OUTRO PONTO MAIS DISTANCIADO DA TROPA O 5ª DE POLICIA
(Brega Nordestino Lindo, Baile Perfumado, Fashion sertanejo)
CABO VIADO
Por quem estou sendo chamado ?
Eu o Cabo Viado,
Percorri três léguas,
em três dias !
Por causa da tecnologia
da porcaria.
O 5° BATALHÃO DA POLICIA BAIANA
(Brega militar-pique Jackson do Pandeiro inciando-se dopado)
O Quinto de Polícia de tanta distância se dópa,
no coice do rabo de toda tropa.
ZABANEIRAS
(mostrando o tamanho dos páus)
Quinto de Polícia Baiana
400 praças de páu de fama !
CABO VIADO
Guarnecendo provisão e a bóia desse drama
O 5° BATALHÃO DA POLICIA BAIANA
dos fodidos
OFICIAIS
e dos bacanas.
(Convocando os sertanejos)
Convocados !
Sertanejos-soldados !
(Entra o Brega com as Zabaneiras e o Quinto)
ZABANEIRAS
Dos viveiros do S. Francisco.
O QUINTO
24
Batalhão de risco
Arisco !
ZABANEIRAS
Levanta a moral, se gruda, oh ! tropa
ao som do machete, da modinha e da anedóta.
QUINTO
ao som do machete, da modinha e da anedóta.
(Levantam o Cabo Viado e navegam)
QUINTO E ZABANEIRAS
Ilha perdida no mar do sertão
OFICIAIS
Na frente vai o gaúcho�
SOLO DO QUINTO
Atrás nós policia baiana,
CORO
ralando o bucho.
CABO VIADO
Ai, estou sendo comído, é indecente,
por uma bromélia-boceta com dente !
(se libertando das bromélias e tendo um insight)
Ah ! Éra só seguir o fashion vaqueiro
(Entra Maneca com Roupa Sertaneja Fashion de Couro mas com uma virilha vermelha avantajada de Paraíba)
show de passarela pro mundo inteiro !
Préconizo a volta do exercito, com um it,
com jagunço figurino
evoluindo estonteante nordestino…
ZABANEIRAS
… nordestino !
CABO BOFE
Farda de Jagunço nordestino ?
ZABANEIRAS
Nordestino !
CABO VIADO
(caindo na real)
Mas para a maioria do seu rebanho rapaz
seria uma inovação extravagante dimais.
SOLDADO VIADO IMITANDO O VIADO CONTAGIADO
Mais extravagantes, nesse calor, que eu
são esses dólmãs europeus.
SOLDADO VIADO E CABO VIADO
A gente acaba ficando nú
E vamos querer tomar no cú !
25
As evoluções estonteadoras dos jagunços pra nos é esporte,
FREVO DE TODA A TROPA TRAVESTIDA DE FLANQUADORES SERTANEJOS DO 5º DE POLICIA DA
BAHÍA
Em todos os batalhões, estamos nós, os filhos do Norte,
O uniforme bárbaro num vai se ajustar em mim pela prémera vez.
Num me é originalidade vestir com o couro da rez.
ZABANEIRAS
Esses dólmãs europeus,
SOLDADOS
ai, me frevem, me fazem mal
ZABANEIRAS
É um espalhafato fora do Carnaval
listras vivas botões fulgentes,
SOLDADOS
é pra entregar na catinga arrente, é ?
ZABANEIRAS E SOLDADOS
A vestidura sertaneja ia trazer, garante
Talhos de nossa plástica elegante,
atenua o calor no estio,
atenua no inverno o frio;
e dá pra tirar um soninho
sobre uma moita de espinho.
(dormem com/no público.)
HERVAÇAL
(na platéia acendendo um incêndio erótico)
depara, adiante, um hervaçal em chamas
(as chamas são cúmplices da passagem da Cangaceira, não obstáculo)
rompe altivo sem dramas;
RIBEIRÃO
(na platéia oposta)
um ribeirão correntoso naufragável,
vadeia, leve, na véstia impermeável.
CABO VIADO
(Tem um Eureka, pula na pista)
This is it !
Um corpo só di�amante
Bem ensaiado, praticante.
(ENTRA TRILHA DE ROGERINHO)
TROPAS DIAMANTIS
This is it !
Um corpo só di�amante
bem ensaiado, praticante
This is it !
Um corpo só di�amante
bem ensaiado, praticante
(Formam-se dois Times: o das Amazonas com um dos peitos de fora e a os Viados Soldados. A Vaqueiro Fashion
Andrógina está no centro da pista BREQUE)
26
CABO BOFE
Não me deixe mais aperreado
colar ao pelo do soldado a pele jagunça desgraçada ? !
Isso já dá confusão
e ainda mais
um exército de bicharada ?
É o Apocalipse de São João !
(música de Rogerinho Amor Grego Nego; o exército se transforma subitamente no Batalhão de Aquiles e Pátroclo, um
bando apaixonado)
CABO VIADO
Como na Grécia, Boçal !
Amor Grego, Nego !
CORO DO EXERCITO DE AQUILES E DAS AMAZONAS
Uau !
Não perdíamos uma batalha.
Nem na tenda
nem na guerra com a gentalha.
Um corpo diamanti, lapidado,
um batalhão de viado
bem amado !
Vamos dar,
vamos arrasar !
Vamos dar,
vamos arrasar !
Vamos dar,
vamos arrasar !
SOLDADO VIADO
E se formos derrotados…
TOPAS DIAMANTIS
Morreremos todos abraçados.
NO CENTRO, NA BRIGADA JOAQUIM MANOEL DE MEDEIROS, WANDERLEY FAZ UM BALANÇO
DA ESTRATÉGIA
ALFERES WANDERLEY
(Olhando dos lados vendo se ninguém vê, fala com a almas do público. Com uma grande trena, desenha na pista a
longura da Expedição.)
A tropa espichou-se em mais de quatro léguas,
violando instruções combinadas nas réguas.
Sonho noite e dia
Com outra estratégia.
Mas mesmo sendo celebridade
não gozo de liberdade
sou obrigado a ficar quieto.
PRIMEIRO REENCONTRO
(Entra música cinética de catavento e suspense grandioso, anunciador dos futuros confrontos da aparição mística do
Anjo Negro)
ALFERES WANDERLEY
Meu piquete, vamos nos preparando
Olhem ! Rebeldes naquela casa desafiando !
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Em linha ! Fogo !
(Vêem no Telhado de Vidro Sertanejo Anjo Negro Batendo suas Asas de Armas Negras, como uma Ave Catavento,
provocando, chamando, para uma direção - um Moinho de Vento, a desafiar e chamar o exército em espiral eólica.
A música cinética continua. Os soldados atiram, não o ferem, ele Salta ! O Vídeo mostra seu salto do alto para o
Estádio.)
ALFERES WANDERLEY
Um moinho de vento
anunciando o primeiro momento ?
ANO NOVO DE JUNHO
(A música cinética do catavento traz a roda de S. João, vira a sua introdução. Sertanejos entram com bandeirascataventos de S. João, e abrem a fase dos primeiros encontros, exércitos e sertanejos olimpicamente comemorando a
Noite de S. João numa roda.)
ENTIDADE DE NOITE ESTRELADA ! (com um enorme pano preto do tamanho da pista)
ENTIDADE SOL- SOL(com um enorme parangolé dourado de raios do sol)
AS ENTIDADES SE SAUDAM E SAUDAM TODOS -SAUDAÇÃO GERAL DO ANO NOVO
A NOITE
É o ano novo no sul hemisfério
a noite mais longa do novo Império
CANTO GERAL DOS SERTANEJOS, EXÉRCITO, ZABANEIRAS E PÚBLICO
É o ano novo no sul hemisfério
a noite mais longa do novo Império
O SOL E A NOITE
Deus, irmão de João
Luís,
Nos protege dessa Trinta e dois
CANTO GERAL DOS SERTANEJOS, EXÉRCITO, ZABANEIRAS COM O PÚBLICO
Deus, irmão de João
Luís,
Nos protege dessa Trinta e dois
O SOL E A NOITE
de todo mal do bem desse mundo pois
CANTO GERAL DOS SERTANEJOS, EXÉRCITO, ZABANEIRAS COM O PÚBLICO
de todo mal do bem desse mundo pois
O SOL E A NOITE
nesse equinócio,
sóis !
CANTO GERAL DOS SERTANEJOS, EXÉRCITO, ZABANEIRAS COM O PÚBLICO
nesse equinócio,
sóis !
O SOL E A NOITE
nesse equinócio,
sóis !
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CANTO GERAL DOS SERTANEJOS, EXÉRCITO, ZABANEIRAS COM O PÚBLICO
nesse equinócio,
sóis !
ZABANEIRAS MANDRÁGORAS
(Dançam as substituições da noite Tela Negra e do dia tela Dourada)
Dia 24 é a festa da Deusa Sol
hoje sai mais cedo e volta tarde no arrebol.
A noite é a mais longa no meu degredo,
na Terra Grande o dia expulsa a noite de cedo a cedo.
Acorda João,
te chamo pra um brinco,
amanhã é vinte cinco.
(Todos batem no centro da pista para Acordar João Dionisos. Abrem as portas do Subterraneo, João Dionisios ainda
dorme, as Mandrágoras, acordam-no.)
CORO GERAL
(Todos comas palmas das mãos em adoração ao Bambino)
Xangô Dionisios Menino !
DIONISIOS XANGÔ
Novo dia, nova sociedade
CORO
nova maneira de pensar
DIONISIOS XANGÔ
A luiz e a sombra vão guerrear
O SOL
a Sol da Terra vinho
DIONISIOS XANGÔ
a baioneta e o espinho
CORO
vão se enfrentar.
O SOL
(Imenso LEQUE redondo se abre todo e depois vai se fechando para Oeste)
É meio dia em Aracati,
eu Sol, vou ter que partir
no portal de Cunanã vai fulgir
e guerrear
Na sombra Cunanã irmã minha acende
da terra a luiz rubraamarelada
apaga a lâmina baioneta que corta prateada
SURGE A 1ª COLUNA NO PORTAL DA LUZ DAS CUNANÃS
ALFERES WANDERLEI
(assustado)
São Jorge, são labaredas do Dragão de Planta a larvar.
É o Portal
Labirintal
O Primeiro Círculo do Inferno
Do Arraial Interno ! ! !
29
SIQUEIRA DE MENESES
General Arthur Oscar,Chegamos ao Juetê !
Juetê espinho grande, vai doer.
CATINGA ESPINHENTA E FEROZ DO JUETÊ
(Protegendo o Touro que está no labirintos das Cunanãs, que como polvos de luz do mar, começam a se desenrolar Labirinto de luz, de matéria luminosa, a ser abatido.)
Cunanã ! Cunanã !
Cunanã ! Cunanã !
Eu sou a mal falada, a temida cunanã !
Cunanã !
Cunanã ! Cunanã !
De planta cultivada em jardim eu sou a má irmã !
Má irmã !
Cunanã ! Cunanã !
(as Cunanãs vegetam suicidas como um polvo de milhões de antenas acendidas.)
Vamos fazer natal no sertão
na noite de São João
(Toque de possessão)
Venham “burgueses” covardes
Ardemos, ardeis, ardam.
(Os soldados atacam com Baionetas, ao som de Britadeiras que estavam repentinas-cenas de prédios históricos
derruídos, Juquerí em Chamas etc� BREQUE)
CUNANÃS
Fogos fátuos vegetais e minerais
a Terra acendemos aos imortais.
Labirinto Áureo
protege nosso Minotauro,
muitas horas pra destruir nossas fogueiras
seis quilômetros, de matança da sol da noite inteira,
até a escuridão chegar.
Vocês vão nos suicidar
e nossas luzes, voltarão a vos atormentar.
MADRUGADA DE SÃO JOÃO
TRAVESSIA DA 32
GAL ARTHUR OSCAR
Vamos ceifar a lu(i)z
com que Terra, não quer nos deixar passar.
GAL JOÃO BARBOSA
100 baionetas prateadas,
masssacrem as Cunañas aluzadas ! ! !
APAGÃO
(100 Baionetadas, penetram no Inferno Iluminado vegetal e dançam o Massacrar das Cunanãs, no meio de Luzes e
contra Luzes até que as Cunanãs sucumbam. BREQUE. Cunanãs desligam juntas suas tomadas e morrem. Silêncio
seguido da chuva)
CHUVA CANTO PRANTO
MANDRÁGORAS OXUMS E IANSÃS DO CÉU,
CHORAM COM O ALFERES WANDERLEY
MANDRÁGORAS E ALFERES
Chuva canto pranto
30
Chovo a noite inteira
Apagou-se a fogueira
Atravessou destruição
Do Portal vencido, sul sertão
(Nos dias 23, o CANTOR canta O AMOR de Maiakoviski.
A CHUVA PÁRA.)
TENENTE SIQUEIRA DE MENESES
(chorando)
Cunanã faleceu
A mais benigna, e luminosa
vegetação que se conheceu ! ! !
INAUGURAÇÃO
TRAVESSIA DA 32 RAINHA DO MUNDO PARA CANUDOS
(Fanfarras)
GAL ARTHUR OSCAR
Artilharia, atravessar !
CORO
Atravesse Rainha do Mundo
O Portal do Inferno rubicundo
Metal, polido, faiscante jóia
Entra e vence oh Cavalo de Tróia
Metal, polido, faiscante jóia
Entra e vence oh Cavalo de Tróia
(filmar closes de Siqueira Cantando Guerreiro para ser susado mais adiante)
Oh ! gênio da Liberdade,
Tua tocha nos mostra a via do dever na nossa Idade
É o Nosso Capital
pra que Deus nos conduz a vitoria do bem contra o Mal
o extermínio da pústula do arraial !
A 32
Cunanãs do diabo !
TROPA
Viram Atapetado da vitória dos predestinados.
(Todos penetram o portal e a Zona onde está o Touro Preto, até então lutando com discrição ao lado das Cunanãs agora
mortas, protetoras dos portais da natureza dos Sertões)
CUNANÃS RENASCEM EM FORMA DE CINEMA
TENENTE SIQUEIRA DE MENESES
Entre os mortos, despertemos
Cegos de novo, a luz líquida do liquor, o cinema reinventemos�
(Siqueira vai para o piano, desapeando da guerra, mas ainda não toca)
CENA 1: EUCLIDES NO LAGO PALCO CAMA NO RIO,
VENDO UM FILME DO CINEMATÓGRAFO EM CANUDOS PALIMPSESTOS
(1.1.1 - Entra a equipe de cinema: 2 câmeras, microfonista com boom e assistente de direção com claquete.
1.1.2 - A claquete é batida no Primeiro Plano no rosto de Euclides, que está na fonte, virada cadeira de cinema,
pronto pra assistir no cinematógrafo, a reportagem da travesssia da 32 e todos os filmes que serão projetados nas
31
cenas 1, 2 e 3.
ASSISTENTE DE DIREÇÃO
Filme…
Cena 1.2.1
Tomada 1 !
1.2.1 - Por alguns segundos, a imagem do rosto de Euclides, captada pelo vídeo, é projetada nas telas.
1.2.2 - Em sincronia com a projeção de Euclides, o projecionista liga o projetor 16mm, ainda com a lâmpada
apagada, pois durante a imagem de Euclides projetada só ouvimos o som do motor do projetor de cinema.
1.3.1 - O Filme se sonoriza; o sonoplasta-pianista do cinema toca o tema da Travessia da 32.
1.3.2 - Em sincronia com os primeiros acordes da música, o projetor 16mm projeta na Tela o filme da Travessia da 32;
a primeira cena é o título do filme que segue com passagem das tropas, com a sonoplastia da música da Travessia; o
filme da 32 segue até fundir-se com as imagens de expectativa de tiroteios na favela em guerra de gangs.
CENA 2: NO LAGO PALCO CAMA DE MOTEL DO RIO,
DILERMANDO E ANA SE ENCONTRAM
(2.1.1 - Na trilha Sonora entra Tristão e Isolda de Wagner, no arranjo de Lizt. Entram na pista ANA E DILERMANDO
chegando num Bairro perigoso, para procurar um motel pra trepar. Cada um vem de um lado da pista filmados pelos
dois câmeras, e se encontram no centro.
2.2.1 - Tiroteios na sonoplastia.
2.2.2 - Rápidos, Ana e Dilermando caem no chão evitando as balas.
2.3.1 - O editor funde a imagem captada ao vivo de Ana e Dilermando e projeta o filme 16mm Favelas do Rio-SP em
guerra de gangs.
2.3.2 - Ana e Dilermando caminham em direção ao palco cama gostoso maior que o de casal: a fonte virada piscina
do Motel. A luz da fonte sai enquanto eles tiram as roupas e as câmeras ao vivo não os filmam. Projetadas as
imagens da favela que se fundem com�)
CENA 3: FILME DE AMOR
(3.1.1 - �Imagens de Siqueira de Meneses sujo de fuligem de guerra, desapeando-se do cavalo e da guerra,
procurando o conforto da Terra e da região remansada do amor. Corta para�
3.1.2 - …O mapa Maravilhoso de Siqueira, projetado na Tela, ainda com trilha de Wagner e voz off de Siqueira
gravada:
SIQUEIRA DE MENESES
Bordo mapas, curvas
montes ondas turvas,
risco estudos,
das volutas impossíveis de Canudos
3.2.1 - Em palimpsesto somam-se ao mapa na Tela, Ana e Dilermando ao vivo. Estão deitados na piscina, a barriga
de Ana flutua. O projetor menor do teatro, projeta na barriga de Ana, na água, o mapa de Siqueira que Dilermando
lê, com os dedos e fala ao vivo, captado pelo boom, junto com Siqueira ainda em off:
DILERMANDO(na cama) e SIQUEIRA(off)
Uma página da terra, que ainda ninguém leu
ainda não aconteceu
tateio mão mão a mão
desconhecida e bárbara remansada região !
3.3.1 - Soma ao palimpsesto plano de Siqueira abrindo a Caderneta e tirando sua pena, com a Terra Impressa na
Tela. Siqueira em off:
32
SIQUEIRA
Nas notas da Caderneta de Campo,
Agora mundo, te anoto
3.3.2 - Câmeras ao vivo captam Dilermando escrevendo com a língua na barriga de Ana.
Ana fala para Dilermando ao vivo com boom :
ANA
Escreve com tua língua lorilambendo
tateando mão a mão
minha desconhecida, bárbara, remansada região !
3.3.3 - Ana tem orgasmos.
3.4.1 - Plano de uma lasquinha de uma pedra e uma flor do sertão em palimpsesto com a cena de Dilermando e Ana
no Motel. A flor por cima da água que está por cima da rocha. Siqueira em off gravado e Ana e Dilermando ao vivo
com boom.
SIQUEIRA E DILERMANDO
Uma lasca de rocha viva…
uma flor dasabrocha diva !
ANA, DILERMANDO E SIQUEIRA
Tatear, tatear, mão a mão
desconhecida e bárbara região.
3.5.1 - Euclides olhando o filme, vê a mesma rocha e flor que Siqueira e Dilermando tem nas mãos: a sua rocha e Ana
que Dilermando mapeia com as mãos)
EUCLIDES
(de costas para Ana, olhando a projeção)
Ana, me desperta inveja
Desejo ler, tocar essa terra heréja.
ANA
(Distraída com Dilermando na da piscina)
O que ?… .
(Cai na risada de alguma coisa que ela e Dilermando também descobriram.)
3.6.1 - Siqueira sai do piano, mas a música continua. Ele fala ao vivo com Euclides, que continua assistindo vidrado
as imagens.
SIQUEIRA MENESES
Euclides !
Você cai mimetisado, enfeitiçado
pelo que meu olho vê e é desenhado
3.7.1 - Siqueira olha para a imagem não projetada que a Luz revela: a transa de Dilermando e Ana. Euclides ainda
vidrado vê a mesma imagem palimpsesteada com mapas de Siqueira na tela)
SIQUEIRA MENESES
Corno Coroado !
Nada vê em teu redor,
o teu sertão do Rio não é menor�
3.8.1 - Na Tela, entram os letreiros finais do filme: FIM sobre imagens da ROCHA VIVA: DO LAGO DO I CHING
SOBRE A PEDRA com a água e os amantes. Euclides olha o fim do filme. Sai a luz da Rocha Viva.
33
3.9.1 - Siqueira e Euclides ao vivo no teatro. Siqueira está transtornado, nervoso, apaixonado, mas tolhido pelos
ressentimentos. Sua respiração e seu tremor, somente serão progressivamente amansados com a entrada da Valsa.
SIQUEIRA MENESES
Atenção, público! Fiquem sabendo, juro por Deus!
O verdadeiro autor de boa parte de Os Sertões fui eu:
Tenente Coronel e Engenheiro Militar José Siqueira de Meneses
Ah, e também estudo botânica às vezes�
Minha maior paixão:
A paisagem interplanetária do sertão!
(saca a caderneta)
Eis aqui meus estudos
Sobre a região de Canudos,
Uma nova �Odisséia�
(mudando o tom)
E o Dr. Euclides roubou minha idéia ! !
(para Euclides)
Seu filho da puta ! Você nem esteve lá !
Ah, essa angústia de te influenciar,
é tua inveja de Ana,
vai nos liquidar…
EUCLIDES DA CUNHA
Não. Somos amigos do mesmo ido mar�
Por tanto te amar vivo a te personificar.
(Euclides sem sapatos, mas com as meias, dançando com Siqueira a música que então vira valsa Seresta Ser-estando
de Nestrovski)
(Ana e Dilermando saem valsando da cama-piscina Rocha Viva e valsam pela pista )
Te vejo Coronel Meneses, Lu(i)z da expedição,
traça teu caminho, Ser-estando,
Ser-estando no Sertão.
SIQUEIRA
Mas minha Caderneta anotada
No teu livro vingador vai ser devorada ! !
EUCLIDES
Sou tapuio grego negro, não nego.
Te devoro e não arrego.
Te fiz fantasma rondando a cena,
de fisionomia nazarena.
SIQUEIRA
Tua inveja do que você viu no cinema
Minha angústia de influenciar teu poema,
Teu ciúme de Dilermando,
Não vão nos dar paz no mundo rodando.
(a luz da valsa de Ana e Dilermando vai saindo)
EUCLIDES
Desafiadores na cadência,
com a arte da ciência
não caio, nem cairás na pista,
na emboscada conselheirista.
SIQUEIRA
34
Nem tu Corno Sagrado!
É por ciúme que serás aniquilado.
EUCLIDES
Te vejo Coronel Meneses, Lu(i)z da expedição,
traça teu caminho, Ser-estando,
Ser-estando no Sertão.
SIQUEIRA
Faz com minhas entranhas, teu Sertões.
Minha angústia suicidou-se nessas emoções.
(ele passa sua caderneta para Euclides)
EUCLIDES
Com nossas entranhas façamos os Sertões.
Rocha Viva ser-estando
SIQUEIRA
Rocha Viva ser-estando
DUO
Rocha Viva ser-estando
(Black out.)
PARADA: PRIMEIRO PRISIONEIRO. RAPTO DO FILHO DE PAJEÚ
PIQUETE DE SOLDADOS
Prisioneiro de guerra !
(Um menino entra preso num pau de arara)
JESUÍNO
Lembra de mim, teu Padrasto?
Filho de Helena de Tróia, minha vaca de pasto!
Um Troféu, um Vodú
O Filho de Pajeú!
(O menino vai pro General pendurado.)
GENERAL JOÃO DA SILVA BARBOSA
Nosso refém inesperado!
Jesuino! Serás fartamente recompensado !
O pai agora está emboscado!
Te batizo Bicho Diabo
(O General João Silva Barbosa tenta surrar o menino; Arthur Oscar o impede jogando o chicote de Barbosa no chão.
Campelo França pega o chicote e o esconde.)
GENERAL ARTHUR OSCAR
(para Silva Barbosa)
Para com isso já, demente !
Filho de General mesmo das Banda é gente!
Prisioneiro de guerra é pra bem tratar�
Queres a Corte Militar ? !
(Arthur Oscar manda os soldados soltarem Bicho Diabo do pau de arara. O homem dos comboios pega o pau de
arara; Barbosa amarra o menino que vai seguir com a tropa, abraça-o e lhe dá uma bala)
35
GENERAL SILVA BARBOSA
Quer uma balinha
minha florzinha ?
(Bicho Diabo joga a bala fora. Barbosa puxa o menino pra si. No pequeno espaço de entrada do teatro, Arthur Oscar
ordena:)
ARTHUR OSCAR
Pro Alto, do mais alto !
Pro morro da Favela !
Tropas, Krupps, 32, juntas!
Paralelas !
(toques militares de caixa; a tropa segue em marcha)
PITOMBAS �JAGUNÇOS SURGEM AO ALTO. PAJEÚ NA CEZALPINA
(Pajeú Trepado na Árvore atrai-os para o alto da favela.)
PAJEÚ
Cão fedorento ! Jesuíno !
Seqüestrou o menino !
Filho de Pajeú !
Vai uns tiros no teu cú
(atira; diz para a Tropa, mirando o General Arthur Oscar com os olhos.)
General Arthur Oscar, esse seqüestro vai ser tua perdição
o inferno está pronto pra tua danação !
Vim, vi, e desapareci…
não me siga, vai te foder se insistir.
(o exército reage com uma carga de balas e Pajeú some.)
ARTHUR OSCAR
Vamos atrás dessa besta !
PAJEÚ
(Gravação, voz off)
Meu piquete bombeia, finge só espioná.
Eu Pajeú quadrilheiro dirijo a tropa do General Oscá
vão pro lugar marcado, pra nos encontrá.
(A TROPA segue em direção à favela, tomando o rumo norte; nas suas costas os SERTANEJOS vão entrando em suas
trincheiras Bocas de Fogo;)
Caçadores caçados
o Touro tá danado.
Jesuíno é teu guia
Eu sou o teu também
Mas pra caminho
Que a ti não convem
Sigam o meu rabo, Piquetada
Vem manada, Pro abate, Eh Boi !
Pate !
MEIO DIA
(A TROPA dá meia volta em direção ao morro da Favela; avança na pista, e se decepciona chegando ao morro. Pausa,
General Arthur decepcionando-se com o terreno.)
GENERAL ARTHUR OSCAR
36
É o alto do Morro da Favela ?
Não se avista nada ainda d�Ela�
É uma ante-sala de espera ?
(a tropa vai avançando)
O morro lendário é um vale ? !
Onde querem que o camarote se instale ?
Onde, o amphiteatro ? !
Onde o centro da cena de fato ?
ATAQUE DOS JAGUNÇOS ENTRINCHEIRADOS
(Um apito de João Abade. Surgem as Bocas de Fogo trincheiras preparadas com a surpresa de um ataque inesperado
dos jagunços como uma ressurreição dos mortos. Música GRAVADA gloriosa ! João Abade, Pajeú, lideram um
relampaguear de descargas terríveis fulminantes, rompendo de trincheiras em redes, pelo espaço todo explodindo
principalmente debaixo do chão como fogaças de minas explodindo na terra em transe. Luzes debaixo. Batalhões
surpreendidos, multidão atônita, assombrada inquieta: homens se esbarrando sem chão, a pista passa a ser o mais
inóspito lugar de cena. 3 Bocas de incêndio. Os Soldados atravessam o Labirinto de Trincheiras surpreendidos, de onde
os jagunços atiram sem riscos, de cócoras ou deitados nos fundos dos fossos, estendendo os canos das espingardas.
Thompson Flores chega até a extremidade do morro no topo do palco sul do teatro, e desenrola no ar a bandeira
nacional.)
THOMPSON FLORES
VIVA A REPUBLICA!
TROPA
Viva !
(Uma salva de tiros jagunços cai sobre Thompson, que se atira no chão.
Entra a música de Laura Finochiaro, Assum Preto, tema da Luta I, com as imagens de Canudos no video. Maravilhado,
GENERAL ARTHUR OSCAR, observa pela primeira vez, esbatido no clarão do luar deslumbrante, a misteriosa cidade
sertaneja. Ele expõe-se temerariamente inconsciente. Um tiro passa rasante quase acertando o General. Stanislaviski
se atira sobre ele salvando-o)
ORDENANÇA STANISLAVSKI
General, cuidado !
(tomando ar)
De frente e de costas
observe as circunstâncias propostas
por todos os flancos são batidas as tropas.
Sem quorum no palco da luta
pelotões atrasados faltam na disputa.
Chegam divididos,
pior desaparecidos !
A guerra é como teatro na ação
não se faz por procuração !
GENERAL ARTHUR OSCAR
Cabo Stanislavski, traga os impontuais nos cascudos,
para a arremetida sobre Canudos.
(Uma enorme carga de tiros explodem vindos de Canudos. De repente, cessam inteiramente e inexplicavelmente os tiros
sertanejos)
É a mais contraproducente das estréias.
Barbaridade ! Estamos cercados !
Será que vamos ter que fazer um esquéte, do teatro de Beckéte ! ?
PROCLAMAÇÃO DE VITÓRIA PELO SILÊNCIO DOS JAGUNÇOS - FUGA ?
37
GENERAL ARTHUR OSCAR
(tendo a sacação)
Mas foram embora!?
Foi um combate brilhante !
O inimigo foge neste instante ! ! !
Viva a República !
CORO DE TUDO QUE SOBROU DA 1ª COLUNA
Viva ! Vitória ! ! !
(Toques festivos de cornetas)
GENERAL ARTHUR OSCAR
Parte agora, Alferes Wanderley, você
ao encontro do General Savaget.
Leva esta mensagem para que se complete,
o nosso encontro de amanhã, dia 27.
(O Alferes toma o bilhete em mãos e sai.)
TROPA
Urraa!!!
(Ouvem-se as cornetas anunciando a 32)
GENERAL ARTHUR OSCAR
Que impontualidade !
Artilharia, alinhar-se para a Rainha chegando atrasada !
(A Tropa vaia a Retardada 32)
Respeito Tropa !
Ou será antes do sertanejo, por mim, Massacrada !
(Entra a 32 puxada pela orelha por Cabo Stanislaviski e é instalada no centro e no alto do Morro da Favela,
apontado para Canudos.)
A 32
I Tried to came a mil!
Impossible in Brazil !
My British pontuality
OH! Boys, you have turned into calamity !
(CANUDOS faz um ATAQUE CALAMITOSO.
Atiradores das altas troneiras dos buracos de Beirute, batem sobre os morros, percutem numa chuva de balas dos
Jagunços.)
CHUVA DE BALAS AGORA DO EXÉRCITO
(O coronel Flores pessoalmente ordena a linha de fogo.)
CORONEL THOMPSON FLORES
Cezar será vingado !
TROPA
Ave Cezar !
BAIXAS EM DOMINÓ
(Sua brigada investe e será batida em cheio pelos fogos diretos do inimigo entrincheirado.)
CORONEL THOMPSON FLORES
Não vou arrancar dos peito minhas medalhas gloriosas
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os jagunços que ousem tomá-las como mira preciosa !
Vá tudo pras picas !
Não debandamos, maricas !
(Baquea, ferido em pleno peito, more e passa seu Cetro.)
MAJOR CUNHA MATOS
Substitu-o eu o major Cunha Matos, sorrindo
Penitencio-me de minha covardia com o Coronel Tamarindo.
(leva um tiro, é desmontado por um projétil certeiro)
Passo meu cetro, Cezar dita,
“pro o major Carlos Frederico de Mesquita”.
(Cunha Matos passa o Cetro. Major Mesquita é atingido por uma bala)
MAJOR CARLOS FREDERICO MESQUITA
Assuma a direção Capitão Pereira Pinto
(Ele passa o Cetro.)
CAPITÃO PEREIRA PINTO.
Vem heroísmo, te sinto !
(cai baleado)
Segura esta bandeira
Capitão Martiniano de Oliveira.
(Pereira Pinto passa o Cetro. Capitão Martiniano de Oliveira recebe o Cetro e é baleado)
CAPITÃO MARTINIANO DE OLIVEIRA
Puta que pariu, que puteiro ! !
ARTILHEIRO
La vai tiro !
TENENTE PIRES FERREIRA
Em mim, por favor, artilheiro !
ARTILHEIRO
Você nasceu pra não morrer companheiro.
Sai da frente, vem cá ! Fica de molho !
(Tenente tenta se atirar na frente do tiro, e cai e perde um olho)
TENENTE PIRES FERREIRA
Uma lasca de rocha furou meu olho !
(Silêncio)
MÉDICA TERRA
Metade dos Cezares mortos ! Numa manhã
Porque não tiraram esses balangandãs ?
(A Médica atende Pires Ferreira)
S. O. S. À COLUNA SAVAGET
GENERAL ARTHUR OSCAR
(escolhe dois soldados)
Vocês emissários,
sigam separados e furtivamente,
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insinuando-se pelas caatingas, em frente
busquem o socorro da 2ª coluna, do general Savaget,
estacionada menos de meia légua, depressa ! Correr�
(saem em direções opostas)
BALANÇO DA SITUAÇÃO
(No Camarote, sozinho, Arthur Oscar percebe o tiroteio longínquo, abraça-se à Bandeira Brasileira rasgada e
comneça a costurá-la .)
GENERAL ARTHUR OSCAR
Não há Triunfadores, um meio de sair da posição conquistada.
Batidos no flanco, à retaguarda, quase toda a oficialidade suicidada
nossa expedição está completamente pelo inimigo, cercada.
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2º MOVIMENTO: 2ª COLUNA � COLUNA SAVAGET
1 - 5 de abril - via embratel - direto de salvador + conexão aracaju
letreiros:
2 - 12 de junho - quadrilha de santo antônio com o povo da cidade
aracaju - primeira festa junina dos 3 santos à beira mar
3 -jeremoabo
4 - cocorobó
5 - uma grande cobertura de música - água invade o espaço.
tema do vasto oceano cretáceo
6 - outro sentido
ponto de vista da arquitetura desse teatro de estádio
7 - diante das trincheiras
8 - coronéis serra martins e carlos telles propõe táticas diversas
9 - desmascarar a natureza
10 - martelo
11 - tomada das trincheiras - surpreender os jagunços
12 - fuga de baque
13 - gritos triunfais de vitoria
14 - noturno
15 - alvorada - mensageiros
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1 - 5 DE ABRIL - VIA EMBRATEL - DIRETO DE SALVADOR + CONEXÃO ARACAJU
LETREIROS:
Dois meses antes, dia 5 de Abril de 1897, a Segunda Coluna Chega em Aracaju!
GENERAL ARTHUR OSCAR
Nossas duas Colunas, Savaget, de duas diferentes cidades vão partir
pra em Canudos convergir.
GENERAL SAVAGET
No Combate, Geral Arthur Oscar,
nossas duas colunas, no dia 27 de junho, vão se enlaçar
CORO
E ganhar !
GENERAL ARTHUR OSCAR
Da Pátria vamos operar o coração !
Está constituída a 4ª Expedição.
TROPAS DOS DOIS LADOS
Viva a república !
(sai o vídeo de Salvador)
2 - 12 DE JUNHO - QUADRILHA DE SANTO ANTÔNIO COM O POVO DA CIDADE
ARACAJU - PRIMEIRA FESTA JUNINA DOS 3 SANTOS À BEIRA MAR
(No centro são trazidas coroas de flores de catinga, os 3 Oficiais, estão com suas Brigadas, fazem 3 quadrilhas: Carlos
Telles de Santo Antônio, Serra Martins de São João e Pantoja de São Pedro; cada Santo forma seu bando guerrilheiro
de bastões em torno de seu bastão)
Armadilha
da Quadrilha
da emboscada
encantada
da fogueira
Santo Antonio namorada
de São João Dionisio dos Quebrantos
de São Pedro guardião do Estádio de Todos os Santos
GENERAL CLAUDIO DO AMARAL SAVAGET COMANDANTE DE QUADRILHA
(Savaget de Chefão Condutor da Dança puxa a despedida de aracaju)
En Arriére Aracaju !
CORO DAS BRIGADAS
En Arriére Aracaju !
(a quadrilha vai se desfazendo em marcha rodopiada militar)
GENERAL CLAUDIO DO AMARAL SAVAGET COMANDANTE DE QUADRILHA
En Avant Jeremoabú !
CORO DAS BRIGADAS
42
En Avant Jeremoabú !
GENERAL SAVAGET
Eu General Savaget
Mudo o balancê:
Autoridade pra cima de moi ?
Jamais !
CORO DAS BRIGADAS
Un, deux, trois, quatre Roi…
GENERAL SAVAGET, CARLOS TELLES, SERRA MARTINS E DONACIANO PANTOJA (Dançando e Coroandose)
Co-Mandantes,
A-tuantes,
a guerrilha está a ensinar,
nova tática militar:
CORO DAS BRIGADAS
pode ser, pode não ser
mas se tudo move,
vamos nos mover.
SAVAGET
Aracaju, as 3 fogueiras de junho bem comemora,
CORO DAS BRIGADAS
que pro teu país de dentro, adeus, vamos embora !
POVO DE ARACAJU
Adeus !
CORO
(em quatro vozes)
Até Jeremoabo.
Cada Brabo,
em si
no repique
do Pique,
Pique
até chegar ali !
(batem Pique, sai cada brigada para seu lado, cantando a música repetindo.)
Até Jeremoabo,
Cada Brabo em si
No repique
do Pique,
Pique.
(estão unidas novamente)
Até chegar aqui !
3 - JEREMOABO
Jeremoabo
Universidade do Improvisado !
Na guerra
sem regra,
única coisa esperada:
43
estar preparado:
pro inesperado.
CORO DAS TRÊS BRIGADAS
Três Brigadas elásticas, fodidas
sem comboios abastecidas
sem presilhas
na ginástica das guerrilhas,
movimentos.
Mais que quantidade,
velocidade !
(Saem as Brigadas por diferentes pontos acompanhadas inicialmente pelos Telões de vídeo.)
CORO DE LANCEIROS
(Foco nos bastões do Coro do Coronel Carlos Telles; eles passando entre si e com o público)
Coronel Carlos Maria da Silva Telles, O Bastão
da mais inteiriça militar organização !
CORONEL CARLOS TELLES
Oh ! Brigadores do Ardor…
CORO
� pra 5ª Dimensão !
Levemo-nos assim pelo Sertão
arremessos temerários
bravura tranqüila, Templários.
CORONEL CARLOS TELLES
Adoro brigar ao teu lado, praça de pré
no bote aplicado…
CORO
� de cobra de fé !
(Sempre na dança dos bastões, no ritmo de suas deslocações, Carlos Telles e o Lanceiro improvisam uma luta
corografica Apolínea)
CORONEL CARLOS TELLES
(exercício de bastões)
�Há muitos objetos num só objeto
CORO
Mas o objetivo é um só
Destruir o inimigo
SOLO
E se esse objetivo não for conseguido
CORO
Não há um só objeto
em nenhum objeto”
CORONEL CARLOS TELLES
Vamos prolongar este pau de macho,
na erecção do enfrentamento com o populacho.
O inimigo a vencer está fora de nós
44
CORO
e dentro de nós !
Bastão !
Auto penetração !
CORO DAS TRÊS BRIGADAS MAIS GENERAL SAVAGET
Adeus Jeremoabo,
cada Brigada só
seguimos ago…
� ra até Cocorobó.
No repique
do Pique,
Pique.
Cocorobó.
4 - COCOROBÓ
GENERAL SAVAGET E BRIGADAS
Alto !
Cocorobó !
GENERAL SAVAGET
Leque da Aurora,
CORO
vem iluminar
nova maneira
de Lutar.
GENERAL SAVAGET
Pela primeira vez uma tropa expedicionária não se deixa surpreender !
Aproveitem agora, no Sertão isto está a acontecer.
dia 25 de junho
ergamos o punho.
(Cocorobó é percebido em sua beleza atordoante)
Mas se não foi pelo sertanejo,
surpreendido estou pela paisagem que agora vejo !
5 - UMA GRANDE COBERTURA DE MÚSICA - ÁGUA INVADE O ESPAÇO.
TEMA DO VASTO OCEANO CRETÁCEO
OXUNS E IEMANJÁS OFÉLIAS
(trazem de volta as antigas águas)
Grandes lagos cobrimos
descobrimos, recobrimos
em diferentes edades,
leitos de Divindades.
Terras de Canudos guardadas
criamos apaixonadas,
Oxum Iemanjá namoradas,
Vaza-Barril filho amante
por vergonhas humanas massacrantes,
afogado !
(Um Gorila da ditadura militar ordena aos soldados que represem Cocorobó, transformando-o em imenso açude,
afogando a paisagem e a história)
45
GENERAL GORILA
O Governo Militar da Revolução Brasileira de 1964,
cumpre com Deus, a Pátria , a Propriedade e a Familia, o Trato:
A memória Anárquica de Canudos será afogada
e a Sede do Sertão, sem demagogia, finalmente, saciada.
Nordeste, teu Progresso desviando o destino de tuas velhas águas
acaba com tuas mágoas.
Velho Antro Reacionário Subversivo, atenção: Sumir !
(os soldados represam Cocorobó, todo o espaço é coberto com águas)
OXUNS E IEMANJÁS OFÉLIAS
Sob vastos cemitérios como depois do antes
doces-salgadas amantes.
Da Favela ao Caipã afogadas bromélias
na caatinga reexinsistentes Ofélias
nos arcos da Catedral engolida
afogadas repegam cantigas idas,
colonifélias submersas, esquecidas
COCOROBÓ COBERTO
Cocorobó,
CORO
Cocorobó�
COCOROBÓ COBERTO
eu afogado
represo Canudos,
mas hoje, dia (o dia do dia)
nesta noite de 2006,
clamo:
Paisagem tombada nas páginas de Euclides,
retorne de vez !
Deixo falar vocês, Grandeza
das pedras da Nobreza.
Recomecem tudo,
Eu fico Mudo.
CORO DOS ELEMENTOS
do Monumento que o tempo
as correntes,
o fogo, o vento
as enchentes,
no Levante então,
esculpiram, do Sertão,
na Origem
Portal Vertigem.
CORIFEU
37 anos de moderno sedimento
CORO DOS ELEMENTOS
me recobriu
me revestiu…
me reinudou…
COCOROBÓ
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Potência dos elementos
me descubram ventos !
Desenterrem-me !
CORO
Cocorobó !
COCOROBÓ
Meu entorno, exumar !
Serra primitiva ressurja, levantar !
Removam
com a força das torrentes
todas as nossas correntes !
(O Coro dos Elementos e os contra-regras retiram todas as coberturas que inundavam Cocorobó. música de
transmutação de um estado de represa em esvaziamento. A represa esvaindo-se, vai, esvazia, então toma conta a
antiga paisagem, num desenterrar de velhas camadas, desaparecendo a atual represa de Cocorobó transformada em
Teatro de Estádio.
Abre-se o teto. Quando todo pano-água é retirado, Cocorobó desacorrenta-se.)
Espelhem nossa ousadia dos réus,
linhas ondulantes dos céus !
6 - OUTRO SENTIDO
PONTO DE VISTA DA ARQUITETURA DESSE TEATRO DE ESTÁDIO
CORO DAS ROCHAS
Ah ! Rampas abruptas de formatura
afastemos solenemente em grande abertura
arquibanquemo-nos
CORO DAS ÁGUAS
Anhangabaú !
Anhangabaú !
CORO DOS ELEMENTOS
rebolemos baianas de idade
curvas de nível convexas
e em concavidade.
Dv, música rádio
coros dançantes, Teatro de Estádio !
TERRA ROCHA-ILHA-NUCLEAR NO CENTRO DO ESPAÇO CERCADA POR ÁGUAS
Dentro
no centro,
ilhas-palcos,
pra todas as vistas
pedimos passagem
bifurquem-se, em negras pistas
ocas abertas paulistas
CORO DOS ELEMENTOS
em duplo funil,
o Vaza-Barril…
Nas vertentes ocidentais,
envolventes, maiorais
Anfiteatro Aberto Ágora da Cidade !
Nas vertentes orientais
Oficinas Florestas Tropicais
Cyber-Jardim Multiversidade
47
palco boceta des-ilhado.
Passagem do rastro nababo
Tragicomédiaorgya do Rabo !
ESTEVÃO
De Canudos para Jeremoabo
nessa passagem de Garbo encrustrado
correndo no levante do dia
venho na brecha profunda que enfía
a única vereda, o rio
de leito vazio,
vazando o barril, entro no set
com a minha AK-47.
(dando ordem a si memo)
Sertanejo, nessa fenda estreita,
no desfiladeiro, deita.
CORO
A Guerra em Cocorobó
vai ser de fazer dó !
A Guerra em Cocorobó
vai ser de fazer dó !
SOLO
Várzea desimpedida e vasta
plano de cineasta.
CINEASTA
Quem trilha do litoral para o ocidente,
o mesmo gosto sente:
de maneira idêntica incide
na bifurcação que divide,
à esquerda, ou à direita
até chegar à outra espreita
se metendo por uma vereda dessa,
atravessa.
Segue dali miúdo
por qualquer das bordas do rio,
de frente sem desvio.
Árido Movie !
Chego em Canudos.
CORTA !
7 - DIANTE DAS TRINCHEIRAS
ESTEVÃO
(No alto do desfiladeiro corta o êxtase da paisagem que agora invisível, começa a despejar sua fuzilaria.)
Tiros de Recepção !
(Mandam fuzilaria.)
CARLOS TELLES
(volve a toda a rédea)
Alto !
CORO DAS BRIGADAS
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Inimigo Entricheirado !
CORONEL SERRA MARTINS
Avancemos sobre os leões, cristãos meus !
Tiroteio nutrido, nos camarotes do Coliseu !
Revidem nesta rocha romana à vista
aos tiros do nunca visto,
antagonista.
(Fuzilaria Sertaneja renhida contra os regimentos, vinda das rochas; baixas e ferimentos. Savaget vê caírem seus
homens.)
8 - CORONÉIS SERRA MARTINS E CARLOS TELLES PROPÕE TÁTICAS DIVERSAS
CORONEL SERRA MARTINS COMANDANTE DA 5ª BRIGADA
Deusa guerreira ! Disciplina !
(Serra Martins tira o I ching - Criação)
Reagir daqui é nossa sina.
Estacados
no mato escasso,
não adiantemos um passo.
CORO 4ª
Não !
CARLOS TELLES
Esses desfiladeiros geminados
intestinos abertos, seduzindo ser penetrados,
por diminutas fracções,
potentes pra aniquilá-los com nossos tesões,
impõe direto o assalto,
CORO 4ª
de sobressalto !
9 - DESMASCARAR A NATUREZA
GENERAL SAVAGET
Krupps, arranquem as máscaras de pedra dos protagonistas do Afeganistão
caiam muralhas onde escondem-se terroristas, no espetáculo da traição.
Fogo !
(A Krupp bombardeia a estrutura da montanha. As granadas e lanternetas, batendo-lhe em cheio, ricocheteando,
deslocando-as, derrubando-as, fazendo rolar com estrépito abaixo num súbito derruir de pedaços as muralhas da
estrutura que caem, rochas da terra. Os soldados comemoram)
SAVAGET
Em poucos minutos arrebentamos
Teatro pela natureza criado há milhares de anos
e é o que é: Loucura da cabeça aos pés.
LANCEIRO DA 6ª BRIGADA
Vejam !
SERTANEJOS MASCARADOS NAS ROCHAS
(os tecidos tombaram mas não chegam a desmascarar os sertanejos que replicam com mais violência, conforme o
desabamento das trincheiras do cenário projetado ou do tecido. Os atiradores rareiam. Os batalhões da 5ª Brigada,
francamente engajados na ação, sacrificam-se inutilmente tendo, crescente, o número de baixas. O resto da expedição,
49
estirada em colunas numa linha de dois quilômetros para a retaguarda, permanece imóvel.)
SAVAGET
É quase um revés !
Três horas de fogo, nem um palmo de terreno adquirido.
A quinhentos metros do adversário impedernido
nós milhares de vistas fixas, nas vistas despidas
não avistamos única alma, nem as perdidas.
Essas cenas são incompreensíveis,
os protagonistas
CORO DAS BRIGADAS
são invisíveis !
O sol ofuscante, ardente bate-os de chapa
GENERAL SAVAGET
Mas os jagunços são duzentos, dois milhões ?
CORO DAS BRIGADAS
Enigma de todas as Campanhas !
GENERAL SAVAGET
Vamos arrancá-los das entranhas !
10 - MARTELO
CORO DAS BRIGADAS
Grande lâmina em elo
de um desmedido martelo.
(Os cinco batalhões se lançam à investida em ordem perpendicular e se preparam para a batida,
com as colunas atacantes. Uma percussão, uma pancada única de anunciação)
Iááá !
(Os assaltantes avançam todos ao mesmo tempo: os pelotões da frente embatendo com as estruturas - morros e enfiando
pelo vale)
CORO DAS BRIGADAS
Maravilhosa façanha !
1. 600 baionetas contra uma montanha.
CARLOS TELLES
Marche-marche,
suspensas armas
sem atirar,
velozes correr,
a distância do inimigo vencer
4ª E 5ª BRIGADAS
e atacar.
CHEFE DO ESQUADRÃO DA CAVALARIA
Esquadrão de cavalaria, direcionado
Pro Vaza-Barrís esturricado.
Em atrevida disparada,
abra
o desfiladeiro da esquerda e da direita.
50
Lá te mete, rola e deita.
11 - TOMADA DAS TRINCHEIRAS - SURPREENDER OS JAGUNÇOS
CARLOS TELLES DA 4ª
No desfiladeiro não aposta.
Invistamos pela encosta,
direto às posições pelos jagunços ocupadas.
Nas patas, brasas ! ! !
No dorso, Asas ! ! !
(Os homens e os Cavalos começam a subir as estruturas, ondulam à base dos morros, que se partem com as reentrâncias
do solo estrutura. O esquadrão de lanceiros e a divisão de artilharia entram na forte trincheira posta de uma e outra
margem da estrutura margeando o rio no último andar das galerias até os palcos do fundo, numa bifurcação das duas
estruturas. As Brigadas do assalto, a princípio avançam corretíssimas. Uma linha luminosa a cavalo, de baionetas de
centenares de metros se estira, fulgurando.)
CORO DAS BRIGADAS
Vamos voar nessas covas rasas e arrasar !
(Pausa)
Covas vazias, não existe esta gente !
CORONEL CARLOS TELLES
(Pegando nas mãos os cartuchos que lhe queimam)
Existe, cartucho detonado e ainda quente.
12 - FUGA DE BAQUE
(As Brigadas assaltantes atacam com vigor as Trincheiras jagunças.)
ESTEVÃO E JAGUNÇOS
Não é recuo não
é fuga de baque,
solta o cão,
ió craque !
JAGUNÇOS
Mas nós juramos defender o Portal
chumbados até o final.
ESTEVÃO
É um Batalhão talentoso
usou nosso teato surpreendoso.
JAGUNÇOS
Surpreendoso !
ESTEVÃO
Já ganhou
JAGUNÇOS
já ganhou, beleza
mas não na esperteza.
ESTEVÃO
Não há mais o que fazer,
abraçar armas, e correr.
51
(Fogem rolando e resvalando pelos declives, desaparecendo.)
CORONEL CARLOS TELLES
Por essa ladeira empinada
crespa de tropeços e ciladas,
Lance de Operetas,
nos libretos das baionetas !
CORO LANCEIRO
A hora sorri para nós lanceiros,
a guerra vêm nesse transe terreiro !
Nesses pampas, cheios de valos
em carreiras baixem, cavalos !
CARLOS TELLES
Brigadas, cumprir a ordem do dia:
Travessia !
(As Brigadas avançam; uma carga Jagunça e uma réplica violenta do exército)
Os céus de Terra gritam em mim
só sei viver assim�
13 - GRITOS TRIUNFAIS DE VITORIA
GENERAL SAVAGET
Vitória. Travessia.
(Minutos depois as duas brigadas, num imenso alvoroço de batalhões a marche-marche, adensam-se, atravessam o
desfiladeiro, que os atravessa talvez. Música Monumental de Travessia do Rio Vermelho. No Apogeu voltam os jagunços
em desordem, depois do primeiro arranco da fuga, ao mesmo resistir inexplicável. GENERAL SAVAGET é atingido e
desmontado juntamente com um ajudante de ordens e parte do piquete quando, à retaguarda da coluna, penetrava a
garganta. Cessam as comemorações)
GENERAL SAVAGET
O tiro não foi fatal,
nós ganhamos o arraial !
LANCEIRA
Nós ganhamos ! Nós ganhamos !
14 - NOTURNO
NOITE
Noite faço parar, sou o sinal
a expedição a um quarto de légua do arraial.
Ainda deixo ver as ocas da igreja nova, erótico músculo
branqueando no empardecer, do crepúsculo.
SAVAGET
(Do Camarote animado)
Mas tudo delata sucesso, compensa o que foi perdido.
Realizou-se pontual o itinerário preestabelecido:
abram seus ouvidos !
O canhoneio aberto agora,
a Primeira coluna comemora !
(Silêncio na escuta do som gravado da 32;)
52
15 - ALVORADA - MENSAGEIROS
(entram os acordes do Leque da Aurora)
ALFERES WANDERLEY
(entra correndo todo sujo, com sangue, muito ferido, mensageiro para Savaget)
27, dia do encontro
a Coluna avança cedo pro confronto
toma posição a dois quilômetros do arraial,
começa a bombardear o quintal.
Estamos aqui, a dois passos do comando, da chefia,
Segunda Coluna está pronta pro assalto do dia ?
GENERAL SAVAGET
Prontos. Agora arrebatar sem escudos,
triunfantes, o centro de Canudos.
Toda a segunda coluna como uma lombriga,
a despeito das perdas na briga,
está esperançosa, robusta na intriga.
ALFERES WANDERLEY
Como ordem do dia de hoje, vinte sete
trago ordem do dia de 26, Trompete
GENERAL SAVAGET
(lendo o bilhete que Wanderley entregou)
�Para nós motivo de justo orgulho e de completa alegria,
o nosso encontro nesse histórico e glorioso dia.
Não podemos ao honroso convite faltar.
Comandante General Arthur Oscar”
SEGUNDA COLUNA
Lindo ! ! !
GENERAL SAVAGET
A concentração almejada, com esse assalto convergente,
far-se-a hoje, dentro de poucos minutos, debaixo desse sol quente.
Preparar pro assalto !
(A Coluna toda está reunida, e a ordem é dada em ecos que vão de comando a comando, por seus arautos, para todo
o espaço ficar ciente.)
4ª BRIGADA
Preparar pro assalto !
SERRA MARTINS
Preparar pro assalto !
PANTOJA
Preparar pro assalto !
(Toda a coluna olhos de fitos na Favela, respira em suspense. Vêem descendo as vertentes do norte, para o
acampamento, um sertanejo ofegante; todos apontam armas.)
SERTANEJO POMBEIRO DA COLUNA 1
Por ordem do comandante-em-chefe,
estou aqui para dizer que as aperturas em que se acha a tropa, no alto da Favela,
exige imediato socorro a ela.
ALFERES WANDERLEY
Essa nova é velha, traz minha mensagem ao contrário.
53
É traça óbvia do adversário.
SAVAGET
Retenham este indivíduo. Vai ser fuzilado.
(O homem vai ser retido, mas vem novo emissário: um alferes honorário, adido à comissão de engenharia.)
ALFERES HONORÁRIO ALCEU
Não, ele é homem nosso, assumo a responsabilidade eu
Alferes honorário Alceu.
ALFERES WANDERLEY
Alferes Alceu. Eu conheço.
(os soldados da 2ª Coluna liberam o Sertanejo Pombeiro)
ALFERES HONORÁRIO ALCEU
O general-em-chefe apela instantemente que se una
à nossa
o concurso da vossa coluna.
GENERAL SAVAGET
Vai por terra todo o esforço despendido
de Aracaju até a porta do bandido ?
(Suspira)
Envio brigadas levando munições,
as demais permaneçam sustentando as conquistadas posições.
ALFERES HONORÁRIO ALCEU
General, é mais grave, repito eu
Alferes Honorário Alceu:
a tropa está assediada
precisa ser libertada.
GENERAL SAVAGET
Canudos está em nossas mãos
É trágica qualquer que seja a decisão.
(Pausa)
Segunda Coluna, meia volta, a vitória fica aqui, abandonada�
Tropa ! Agora, a tempo de libertar a tropa assediada. Marchar !
(As cabeças todas da Segunda Coluna olham Canudos em suas mãos e despedem-se, olham em direção ao morro da
Favela. A Segunda Coluna dá meia volta�)
54
3º MOVIMENTO: 2 COLUNAS JUNTAS
1 - as duas colunas se encontram no alto da favela
2 - exército acuado no morro da favela
3 - dia 29. são pedro. dia do parto
4 - conselheristas em ciranda de cerco
cercando ocultos o morro da favela
5 - na prisão dos cercados dia 29
6 - desesporro
7 - no meio da catinga
8 - maxotauro de seis mil estômagos
9 - na casa do cansaço
10 - general da banda em off
11 - canudos futebol júnior
12 - esquete de bequete
13 - canudos olhado da favela - minaretes
14 - desertores
15 - cidades cercadas
16 - choque galvânico
17 - sinos tocam - choque em canudos
55
AS DUAS COLUNAS SE ENCONTRAM NO ALTO DA FAVELA
(� e se encontra nos deslocamentos, pelos corredores em mutação rápida com a Primeira Coluna no Palco Camarote
da Ala Sul do Teatro - o Morro da Favela. Se confrontam no alto da favela..)
ARTHUR OSCAR
�Uma página tarjada de horrores,
mas perfumada de Glória.
Apesar de parecidos,
nós não somos um bando de foragidos,
Nós, somos Triunfadores,
só não pudemos ensaiar um passo fora da marcação conquistada,
(para o desânimo da sua coluna.)
e não vamos nesse período crítico virar uma tropa derrotada.
GENERAL SAVAGET
Não percamos o tempo
no alento
de estéreis recontros.
Duvidosas vitórias,
deixemos abandonadas na história,
para trazermos às tropas irmãs cercadas,
o esforço de vencermos juntos as ciladas.
(Os grupos se abraçam comovidos. A 2ª Coluna faz menção de armar suas barracas)
EXÉRCITO ACUADO NO MORRO DA FAVELA
OFICIAIS
Barracas, não armem mais
vão ocupar espaço demais.
MÉDICA TERRA MULHER DE BRANCO FANTASMA
(sacando)
Enxurrada! Fez Rasgão.
Vira Hospital de Sangue,
da morte Estação.
TROPA DAS DUAS COLUNAS, TODOS
Não podemos dar um passo pra frente.
Não podemos dar um passo pra trás.
CORONEL JOAQUIM MANUEL DE MEDEIROS
A expedição anterior
colocou espingardas, canhões na mão do jagunço lutador.
Com o comboio perdido, completamos este rito singular:
mais de metade das munições, acabamos de entregar.
De graça
pra eternizar esta desgraça.
TODOS
Agora, a cavaleiro do acampamento,
vencidos devolvem as balas, em agradecimento…
CORONEL JOAQUIM MANUEL DE MEDEIROS
Parto em busca de comida
56
e do comboio perdido.
CORO
Boa sorte !
(Corte brusco no ritmo da música, a noite desce enluarada.)
Oh ! Luar fulgurante,
ilumina esses pobres figurantes
pro jagunço neste instante
fazer sua pontaria.
Sem mais força pra nos esconder,
é mais fácil morrer.
DIA 29. SÃO PEDRO. DIA DO PARTO
ZABANEIRA
São Pedro !
Dia do meu parto !
Jesus nasceu no meio do esterco.
Porque você nasceu assim, eu Zabaneira, te batizo:
Cerco !
CONSELHEIRISTAS
Cerco !
CONSELHERISTAS EM CIRANDA DE CERCO
CERCANDO OCULTOS O MORRO DA FAVELA
(coro em voz sussurada comemorando São Pedro)
CORO DA CIRANDA DO CERCO
Ciranda
Ciranda anda,
Ciranda anda
na Andada da Rodada.
É Madrugada,
de São Pedro das balada.
Badalada badalada do Cerco dos bailões
na nossa casa - os sertões.
São Pedro Xangô
o Inimigo cortou !
São Pedro Xangô
o Inimigo cortou !
Inferno eterno alarma
de quem invade é o Karma,
Ataque e mais ataque
O Iraque bebe o Araque
Ataque e mais ataque
O Iraque bebe o Araque
Go Hóme(m) Go hóme(m)
Some com os Home(m)
Go Hóme(m) Go hóme(m)
Some com os Home(m)
Os Hóme(m) não podem ir nem ficar
São Pedro cóme, vem comer morar.
57
Os Hóme(m) não podem ir nem ficar
São Pedro cóme, vem comer morar.
(Entra a Matadeira para coibir a ciranda do cerco. Os Sertanejos fogem)
SERTANEJOS
A Matadeira ! ! ! A Matadeira ! ! !
NA PRISÃO DOS CERCADOS DIA 29
GENERAL BARBOSA
Que fazer ?
GENERAL ARTHUR OSCAR
Falta tudo, até arroz.
Mas vai ser dado o primeiro tiro da 32 !
Tropa, muita discrição.
Todos pra posição !
Um bombardeio vigoroso há de devolver-nos a fé,
são vantajosas as posições da nossa artilharia de pé.
32
Eu, Rainha do mundo, vosso canhão,
vingo vosso coração !
GENERAL ARTHUR OSCAR
Nova fé, renova
nosso alvo é o bunker, a igreja nova,
destacando do casario baixo,
Baluarte Imponente, ABAIXO !
TROPA
Abaixo!
MAJOR FRUTUOSO
Fogo!
(A 32 atira.)
ALFERES DUQUE ESTRADA ARTILHEIRO DA 32
As balas não atingem, que cegueira
passam-lhe, silvando, sobre a cumeeira.
32
Mas a fachada raspou,
e uma lasquinha voou !
CORO
Uuhh !
(Trevas.)
DESESPORRO
(VÍDEO: Entalados 5 mil soldados, mais de novecentos mortos e feridos, mil e tantos animais de montada e de
tração, centenares de carguerios entupindo Terra virada prisão.
Todos os soldados entram no quadrado de cerco projetado. Aperto. Soldados fissurados, sem nada em cima)
SOLDADOS
58
Oh ! Suruba forçada
sem tesão
enfiados por toda a parte sem ação,
pra dois mil já lotada,
pra 6 mil, prisão!!!
GENERAL ARTHUR OSCAR
Não. Este cerco já bailou.
O deputado do quartel-mestre-general me afiançou.
De Monte Santo chega em breve a vida,
num comboio com comida !
ALFERES WANDERLEY
Mas esse comboio não existe.
GENERAL ARTHUR OSCAR
Que dia é hoje, 30 ?
Pois são 30 abdominais.
Já ! Não admito intervenção de animais.
1, 2, 3…
(ALFERES WANDERLEY começa contrariado a fazer abdominais. Entra arrasado no quadrado de cerco, o buscador
de comboios, Coronel Joaquim, entrando desanimado.)
CORONEL JOAQUIM MANUEL DE MEDEIROS
Voltei e não encontrei nada.
(O Alferes pára o castigo, olha para General Arthur Oscar que está apavorado)
Disse pra mim: Coronel insiste !
Monte Santo !
Prossegui� lá também, só o nada existe.
Quando eu parti, eu recebi
as primeiras punhaladas da fome.
Agora volto pra Casa das Provações sem nome.
SOLDADO 1
(Do cerco, mostrando a redondeza)
Tem aqui perto, umas roças de milho, mandioca ó !
Vamos, se ninguém for eu vou só.
SOLDADO 2
Eu vou. Pro outro lado
caçar um cabrito desgarrado.
SOLDADO 3
Ou arrebanhar um gado.
GENERAL ARTHUR OSCAR
É Proibido pelas leis militares.
GENERAL SAVAGET
General, nesses penares
não podemos nem proibir.
O recurso é mesmo por aí sair.
Rgulamentar este ato.
A caçada mesmo com risco, nessa eliminatória,
é obrigatória.
Saiam os melhores, autorizados.
59
NO MEIO DA CATINGA
(SOLDADO 1: Um valente faminto. Ouve um ressoar de sincerros de cabras no sertão e reanima-se esperançado.
Recobra-se um momento das fadigas, avança cauteloso, pra não espantar a presa, se mete na caatinga, no meio do
público. Segue serpejando devagar, guiado pelas notas da campainha, a pontilharem, nítidas e claras, o silêncio das
chapadas. Adianta-se até ouvir perto�
JAGUNÇO COM O SINCERRO: Em vez do animal arisco, negaceia, sinistro e traiçoeiro, esse jagunço. Procura o
soldado acaroado com o chão, rente da barba a fecharia da espingarda e avança rastejando quedo, fazendo a cada
movimento tanger o sininho que apresilha ao próprio pescoço.
SOLDADO 1: Vê invés da cabra, o cabreiro feroz. A caça caçava o caçador.
JAGUNÇO COM O SINCERRO: Atira e o Soldado 1 cai. Os tiros são ouvidos no acampamento.)
MAXOTAURO DE SEIS MIL ESTÔMAGOS
(Cabo Viado corifeia os sons das Barrigas que formam um ESTÔMAGO COLETIVO: O MAPINGUARI. Uma das
características mais marcantes do Mapinguari é o odor insuportável que ele exala na mata. Um bicho semelhante a
um homem com o corpo coberto de pêlos, como um grande macaco, e com apenas um olho bem no meio da testa; sua
boca do Mapinguari é algo descomunal; tão grande que não termina no queixo, como a dos homens, mas na barriga.
A pele dessa figura mitológica é parecida ao couro dos jacarés e ele tem nas costas uma espécie de armadura que se
parece com um casco de tartaruga. Ao correr no meio da mata o Mapinguari solta gritos, da mesma forma como os
caçadores fazem para se comunicarem uns com os outros. Ele faz isso para atrair a atenção dos caçadores e poder
devorá-los com sua boca imensa. E dizem que começa pela cabeça da vítima !)ela (
CABO VIADO CORIFEU MAXOTAURO
Machotauro!
CORO MAXOTAURO
MachoTauro.
CORIFÉIA LÍRICA MAXOTAURO
Gado caçado
CORO MAXOTAURO
insuficiente.
CABO VIADO CORIFEU MAXOTAURO
Seis mil estômagos
CORO MAXOTAURO
Fome de Dinossauro
(como quem vomita; para multidão)
AAAHHH!
SOLO DE UM OUTRO PEDAÇO DO MAXOTAURO
(Busca no público a vítima)
Tem carne humana
MAXOTAURO
Provar
(1 pedaço de público entra na Boca do Maxotauro. Suspense. O Maxotauro se prepara para comer a vítima; mordem
e passam mal.)
NA CASA DO CANSAÇO
CORO GERAL
Esperamos de novo Godot.
60
(Vem um Sol de Meio Dia. Soldados e oficiais, dormem chapados)
CANUDOS FUTEBOL JÚNIOR
(Um Time de Futebol sertanejo, envergando a camisa do CANUDOS FUTEBOL JÚNIOR, abraçados num círculo
fechado, combinam o jogo)
MACAMBIRA Jr.
Não vamos perder a feira
nós Grupos dos 11, já, matar a Matadeira
antes que mate todos com mira certeira.
SOLO
Valentia, abalar
(Partem para aventura e sempre falarão como que cochichando.)
OS 11
Onze, um time disposto,
SOLO
Acabá com o encosto
SOLO
Vaza-Barril, atravessar,
SOLO
Psiiii
(Embrenha a gang, na caatinga amarela, direto pro inimigo da Favela. Desliza, dobra, rasteja cobra. Chegam ao
Morro da Favela)
VÍDEO
TIME DOS 11
Nossos 22 olhos inquietos,
Felinos, fiquem quietos.
Rápido, ligeiro,
pro ponto dianteiro,
11 rostos de homens nascentes,
de rastro, no tufo das bromélias florescentes.
EXÉRCITO
Ninguém sente
Ninguém vê
indiferença soberana
vinte batalhões tirando sua pestana
Todos na chapação
as costas nos dão.
BICHO DIABO que está dormindo, encoleirado pelo General João Barbosa, acorda. Vê os meninos que o
reconhecem, trocam sinais de silêncio, olha pra ação dos colegas sem poder jogar o jogo porque está encoleirado,
e aponta a Matadeira. Os meninos entregam uma pistola ao Bicho Diabo. Luz-Som, vibração do forte encontro.
TRILHA SONORA DE PELEGRINO.)
UM SOLO
Olha aí !
SOLO
A presa cobiçada,
61
CORO DOS 11
(Falando com a Luz do Sol, em voz muito baixa de cócoras, na posição mais adorável, mas ordenando:)
Raios do sol, à pino ! Brilhem lampejos !
(Contemplam-na extasiados)
Lhe adoramos, nós, tróianos sertanejos !
(Rezam o gozo do encontro. Passam a se preparar para a excução. Os 11 contemplam-na, aprumam-se e arrojam-se
sobre o monstro. Assaltam; jugulam, no silêncio. Um traz uma alavanca rígida.)
SOLO
Mas pra essa guerra terminar ligeira,
vamos lhe matar Matadeira !
(Ergue a alavanca num gesto ameaçador e rápido; a batida ainda não soa�)
OS 11
(Cantam)
Um brado de alarma pousa,
estala,
na mudez universal das cousas !
(� o Ferro chega à Matadeira e a batida soa. CORO DOS SOLDADOS EM CAMERA LENTA ACORDANDO.
Começam ainda sentados a perceber. O Som se distribui nas caixas� e pelo espaço todo aos poucos em Som-lento
tipo Camera lenta� E multiplica-se nas quebradas, enche o espaço todo a repicadas, detonando ecoando atroando
vales, ressaltando morros, combale numa vibração triunfal estrugidora e chega até o arraial, sacode num repelão
violento, inteiro, o acampamento. O som e os movimentos se liberam TOTALMENTE. ESTRONDO)
GENERAL JOÃO BARBOSA
Massacrar!
(Num segundo, os jogadores assaltantes se vêem, primeiro, num círculo de sabres; depois, sob uma irradiação de
golpes e tiros; um apenas se salva � chamuscado, baleado, golpeado � correndo, saltando, e despenca -se, livre
afinal, alcandorado sobre abismos, pelos pendores abruptos da montanha. Pausa. Os soldados contemplam os 10
cadáveres.)
GENERAL BARBOSA
O esgoto se abre, a merda vem a tona inteira…
(Um soldados abre a vala comum e os soldados começam a enterrar os 10 cadáveres)
ARTHUR OSCAR
(num ataque de loucura)
Vamos tomar essa plantação de trincheira
limpar essa sujeira !
(Avança o Batalhão. Fica o corpo do último menino morto para enterrar com um soldado. Ele reza uma ave-maria
baixinho. Quando este último está quase enterrado, Bicho Diabo, atira nele e o mata. Ele cai entre os cadáveres
baqueados, na vala comum, enterrado no túmulo que com suas próprias mãos abriu. Bicho Diabo fecha a cova dos
amigos. Entra Gal. Barbosa.)
ESQUETE DE BEQUETE
JOÃO SILVA BARBOSA POZZO
Já é uma miragem esse comboio.
Nada a fazer.
(O Prisioneiro jaguncinho é por ele preso num laço.)
�Bicho diabo vem cá, quero te bater.
(Trevas. No VÍDEO: Passam-se 13 dias sem notícias do Comboio. A cena volta ao quadrado do cerco, com todo
62
exército derrotado.)
GENERAL ARTHUR OSCAR
Neo Romano, no meu epitáfio, quero ser “O” que pacientou:
“Chegou; viu… e ficou.”
CORONEL CARLOS TELLES
Vamos avançar sobre Canudos amanhã !
ARTHUR OSCAR
Não. �Chegou; viu� � e ficou.�
CORONEL CARLOS TELLES
Mas estão reunidas as duas colunas
e o arraial está à distância
de um tiro de Mannlicher.
Venceremos, aposto minha estância !
ARTHUR OSCAR
Compartilho o destino comum da expedição
imóvel, na inação.
�Não me afrouxa o garrão !�
GENERAL SAVAGET
(explodindo)
Esta fala me dilacera.
Fere mais que minha ferida,
é o fim de uma era.
Despedaça o fio dos meus comentários
não me sinto mais expedicionário,
estou desalentado,
mas de agora em diante, permaneço calado.
(sai)
GENERAL BARBOSA
(feito uma criança apavorada, abraçado à Bicho Diabo)
Talvez daqui não saiamos nunca mais
vamos virar jagunços
ou sumirmos nos documentos secretos dos anais.
CANUDOS OLHADO DA FAVELA - MINARETES
(Todos no cerco estão transtornados; uns choram. Ouve-se os cantos dos Minaretes. LUZ SOBRE Canudos. Depois
de ouvir o som, Tenente Pires Ferreira, vidente cego, e soldados dentro do cerco, se levantam cautelosamente, para
verem o arraial, a salvos. A Noite cai, de Canudos ascende, ressoando longamente nos descampados em ondulações
sonoras, que vagarosamente se alargam pela quietude dos ermos e se extinguem em ecos indistintos, refluindo nas
montanhas longínquas, o toque dos Sinos duma Ave-Maria Muçulmana. Cruzam-se sobre o campanário humilde,
trajetórias das granadas Mísseis luminosas nos Telões, como de paiéis de tv de aviões de bombardeio�
SINO E SINEIRO
Thimoteo, o Sineiro impassível não claudica um segundo no intervalo consagrado. Não perde uma nota.)
SOLDADOS CURIOSOS
1, 2, 3, 5 mil casas !
20 mil almas em brasas.
Corda ondulante de serras desertas,
povoados invisíveis de alcaidas incertas.
(uma menina muçulmana atravessa de burca)
63
SOLO
Olha lá ! Aquela coisa já está fugindo.
TENENTE PIRES FERREIRA VIDENTE CEGO
É Maomé, Osama, Morales ou Conselheiro Abbas ?
SOLO
Não, são Mulheres do Hamas !
SOLO
É a boliviana cantando em quechuá !
CANTOS DE MÂNTRICA ÁRABE JUDAICA SERTANEJA
(Uma invocação total deste lugar hoje, que primeiro os Sons no espaço podem trazer, aliado às projeções em
Palimpsestos, e voltadas para fora, para São Pã. São cantos das cidades árabes que irradiam dos minaretes, pelas
alturas das estruturas do teatro todo. Rezam os cantos vários:
1 - CANTO ISRAELENSE por dibuk incorporado
2 - CANTO PALESTINO
3 - CANTO DA AVE MARIA
4 - CANTO INDÍGENA
5 - CANTO QUECHUA
a sinfonia das cidades do médio oriente.)
CANTO SERTANEJO PALESTINO ISRAELENSE
Foi um recanto da Iduméia,
Antiga Eterna Palestina, a véia�
Hoje é Israel, estrela solitária,
na paragem médio-oriental lendária
à margem do deserto sem horto,
do Jordão, do Mar Morto,
do Sertão Brasil
do Vaza Barril.
SOLDADOS
É uma evocação sem rédeas !
A terra aqui se paramenta pra idênticas tragédias !
Mar estéril pra sempre pelas maldições dos profetas !
Ainda protestas ?
SERTANEJO(A)S
(em grito de Guerra)
Mar Vermélha!
SOLDADOS
O Mar Vermélha
Arraial compacto, cidade Evangelha !
TENENTE PIRES FERREIRA VIDENTE CEGO
Mundo antigo reincarna no Oriente do Sertão�
CORO
Retornam em Canudos das Favelas do Morro do Alemão !
(Tiro sertanejo-estrela bomba, sinal mágico de poderes surreais. Os soldados e oficiais todos voltam ao quadrado de
cerco.)
DESERTORES
(Luz vai para o desertor. Todos estão emocionados, principalmente o soldado que decidiu ir e se desprender do corpo
64
coletivo.)
DESERTOR HERÓICO
Vou desertar.
O inimigo vai na certa me ganhar.
Prefiro do jagunço
o tiro de misericórdia
à essa agonia lenta,
na concórdia.
Adeus companheiros, boa sorte
afundo no deserto, nômade, inventando outra morte.
(O desertor vai embora e entrando na caatinga recebe um tiro de misericórdia dos jagunços)
CIDADES CERCADAS
Ah ! Os cercos lendários das idades
das arcaicas cidades,
SOLO
Fuenteovejuna,
SOLO
Sodoma,
SOLO
Gomorra,
SOLO
La Paz,
CARLOS TELLES
Bagé
CORO
bem lembrado,
SOLO
Leningrado.
CORO
A Retirada. A retirada do Sertão !
(Todos os soldados e oficiais, com exceção de Arthur Oscar e Carlos Telles, se desesperam e saem do quadrado de
cerco. Barbosa fica no meio do caminho, entre a Matadeira e o quadrado, apoiado por Bicho Diabo; não consegue
sair do lugar.)
GENERAL ARTHUR OSCAR
A Retirada está fora de questão.
Num Exército, não!
Catástrofe até que nada reste,
consumatum est…
(todos voltam à situação de cerco, lentos ou rápidos, cada um na sua.)
CHOQUE GALVÂNICO
(Entra o Comboio)
MENINO DE GODOT
65
O Coronel Godot me mandou trazer esta Petição.
Quer forças necessárias nesse momento
pro Comboio que chegou e precisa de proteção.
(A expedição combalida nem o deixa terminar. Uma energia de choque elétrico provoca raios,
descargas de um CHOQUE na imobilidade Godot, donde jorra Alegria imensa, abraços, gritos, exclamações,
entrecruzar por todos lados dos lutadores.)
CORO
Choque galvânico !
Feliz pânico.
(Com a empolgante nova auspiciosa, o rosto abatido, vira, goza. Os parados movem-se, as posturas dobradas
desdobram-se. Desdobram-se as bandeiras. Ressoam clarins, ataques de choro histéricos, alvoradas doidas, a música
explode em todas as bandas de todos os corpos. Estrugem hinos…
O Vento Nordeste sopra rijo ares inflantes. Rufla bandeiras ondulantes, mistura sons baralhados de ira e hilários
de Canudos e Expedicionários, das bandas marciais notas metálicas dos hinos, à milhares de brados de triunfo e de
Canudos o Sino� Traz o sopro inicial dos primeiros Acordes da Ave Maria. Desce a noite. Estrelada como um dia.)
SINOS TOCAM - CHOQUE EM CANUDOS
(TIMÓTHEO toca contagiado pelo choque e avassala com o toque, a energia do galvânico choque em ecos indistintos
quentes, flui pras montanhas longínquas dos orientes. Ascende aos céus Onde não há juízes ou réus. Vibra pelos
descampados do mar do globo num ondular sonoro, de arrobo, todas as brazyleyras turquyas, todas as Ave-Maryas�
A alegria da AveMaria se soma a das Bandas como seu Choque Galvânico)
66
4º MOVIMENTO: O ASSALTO DE 14 DE JULHO
1 - o assalto - dia 14 - marselhesa
2 - luta pela conquista das trincheiras
3 - atirador fantástico único com armas de reptição e brigada carlos telles
4 - carlos telles é ferido (e levado por seus lanceiros)
5 - serra martins encontrando um caminho a direita.
6 - as tropas avançam e enfrentam últimos habitantes das casas
7 - construção da linha negra
arthur oscar da favela dirige-se agachado para canudos.
8 - no cemitério recém tomado pelo exército
9 - zabaneira em canudos excitada com a promiscuidade e aumento repentino da população
10 - alferes e seu cavalo são feridos, conduzidos ao hospital de sangue improvisado em canudos, atrás da igreja velha
11 - construção dos muros barricadas do exército
12 - início do cerco com siqueira e seus mapas na projeção
13 - alerta de joaquim manoel de medeiros
14 - considerações finais sobre tempo do cerco por siqueira de meneses, defendendo a legitimidade dos jagunços de
se defederem em seu próprio lar
15 - mensangeiro é enviado em busca de reforço da divisão salvadora.
67
1 - O ASSALTO - DIA 14 - MARSELHESA
ARTHUR OSCAR
(Discursando solenemente diante da tropa, lendo o texto de seu ghost writer: Alferes Wanderley)
14 de julho,
Dia propício, minha expedição:
Dia da Revolução Francesa.
Há pouco mais de cem anos um grupo de sonhadores,
se bateu pela utopia da fraternidade humana, universal !
Liberté ! Egalité ! Fraternité !
TROPA TODA
Liberté ! Egalité ! Fraternité !
CORONEL CARLOS TELLES
General, no Ataque não comprometa toda a força numa jogada.
Um ensaio primeiro feito por uma única brigada da vanguarda,
outras a seguir, até convergir afinal,
a concentração de todas, dentro do arraial.
GENERAL ARTHUR OSCAR
Sua argumentação para o combate,
é inteligente, é, mas não bate.
Depois desse tempo de desmobilização,
mais que rasgos de uma estratégia de imaginação,
a psicologia da tropa exige: sair da paralisia, para o salto,
da inércia absoluta para o Assalto !
(Recepção delirante da 1ª coluna.)
MAJOR VIEIRA PACHECO FRUTUOSO MENDES
Eu, Major Vieira Pacheco Frutuoso Mendes
ALFERES DUQUE ESTRADA
E eu, Alferes Duque Estrada
MAJOR VIEIRA PACHECO FRUTUOSO MENDES E ALFERES DUQUE ESTRADA
Juramos pela deusa República a Canudos dar uma boa cova:
desarticular pedra por pedra, os muros da igreja nova.
GENERAL ARTHUR OSCAR
Jurado?
MAJOR VIEIRA PACHECO FRUTUOSO MENDES E ALFERES DUQUE ESTRADA
Jurado!
GENERAL ARTHUR OSCAR
Tropa, meia volta, volver !
Vive la Révolution Française !
TROPA
Viva!
MAJOR VIEIRA PACHECO FRUTUOSO MENDES E ALFERES DUQUE ESTRADA
68
Fogo!
(A 32 atira. A 1ª e 2ª colunas penetram, reunidas a arena do combate.)
CORO
Aux armes, citoyens,
Formez vos bataillons,
Marchons, marchons !
Qu’un sang impur
Abreuve nos sillons !
2 - LUTA PELA CONQUISTA DAS TRINCHEIRAS
(a luz se concentra na Brigada de Carlos Telles)
CORONEL CARLOS TELLES
(se benzendo)
Deus dos sem deus !
Agora deu ou não deu.
Lanceiros, perseguição no galope !
O buraco da minhoca desentope.
3 - ATIRADOR FANTÁSTICO ÚNICO COM ARMAS DE REPTIÇÃO E BRIGADA CARLOS TELLES
(o retorno do atirador fantástico com arma de repetição. Em baixo, numa cova, o atirador fantástico com suas armas
super automáticas: Do clavinote, à linha demontagem; da linha de montagem à arma de repetição do web atirador
Fantástico que dá a primeira rajada.)
CARLOS TELLES
Meu Estado-maior não baqueia.
É a última ladeira, esperneia !
O adversário é implacável
na ondulação favorável, tropa esconde.
CORO DE LANCEIROS
Mas onde ? É tudo descampado !
Mato Capado !
CARLOS TELLES
Terra Mãe Sanguinária.
Avancemos !
(Uma fuzilaria de repetição eletrônica dos Sertanejos)
CORO DE LANCEIROS
Não ! O chão explode nossos pés.
Milhares soltam busca-pés !
(Tiros sertanejos vindo de trincheira de baixo)
CARLOS TELLES
Numeroso Exército Sertanejo ! Incomum !
Derrubam um a um.
(Carlos Telles e alguns últimos sobreviventes, vêem afinal, perplexes, sem nenhuma iniciativa pela própria
perplexidade, à borda de uma cova circular, ressurgir à flor do chão um rosto bronzeado e duro. E pulando do buraco,
sem largar a arma, o jagunço, escorregando célere, desaparece. Carlos Telles lança-se na trincheira soterrada,
apanha no chão cartuchos, que derruba como cachoeira.)
UM LANCEIRO
(aos berros)
69
Um só caçador ! Todo tempo de tocaia,
mais de trezentos cartuchos vazios de uma única metrálha.
4 - CARLOS TELLES É FERIDO (E LEVADO POR SEUS LANCEIROS)
CARLOS TELLES
ATACAR ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! !
(Carlos Telles é atingido por um tiro de parta do atirador fantástico)
Um só caçador.
De um exército imolador ! ?
Meu esquadrão, o mais forte desta guerra
o mais querido, todo se enterra ?
E minha vitoria nesta Bagé
não se repetiu. É um fato, é!
Minha ansia!
Lá se foi minha estância!
(Herói Grego forte, explodindo ainda na pista)
Ai de Mim.
(Os Lanceiros o acolhem fora de cena. Treva férteis.)
5 - SERRA MARTINS ENCONTRANDO UM CAMINHO A DIREITA.
CORONEL SERRA MARTINS SUBSTITUINDO SAVAGET NA 2ª COLUNA
(Encontrando o caminho)
Alonguem-se para a direita,
entrada única, estreita.
GENERAL ARTHUR OSCAR
(do camarote)
Na extrema direita, uma direção começa a sugir !
Vai fazer os sertanejos agora fugir!
6 - AS TROPAS AVANÇAM E ENFRENTAM ÚLTIMOS HABITANTES DAS CASAS
(Em novas trincheiras, do bairro à direita, Jagunços arrebentam descargas vivas, e depois abandonam as primeiras
casas. Felicidade fugaz do exército que vê os sertanejos abandonando suas casas.)
SERRA MARTINS
Abandonaram as primeiras casas!
CORO DE TODO EXÉRCITO
Abandonaram as primeiras casas…
SIQUEIRA DE MENESES
Vitória!
7 - CONSTRUÇÃO DA LINHA NEGRA
ARTHUR OSCAR DA FAVELA DIRIGE-SE AGACHADO PARA CANUDOS.
SERRA MARTINS E GENERAL BARBOSA
(do camarote)
RISCAR A LINHANEGRA!!!!!
(A Soldado Juliana da 5ª BRIGADA DO CORONEL SERRA MARTINS faz uma linha descontínua e torcida, que
se alonga para a esquerda até ao Vaza-Barris. O 5° DE POLÍCIA BAIANA rompe pelo leito seco do rio, e cai nos
subterrâneos. RISCAM A LINHA NEGRA. NA PROJEÇÃO, o mapa com o terreno conquistado. General Arthur Oscar
faz a pé, mal encoberto pelas casinhas esparsas da vertente, uma travessia até o bairro conquistado.)
8 - NO CEMITÉRIO RECÉM TOMADO PELO EXÉRCITO
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(entra a projeção no chão formando o cemitério de Canudos)
TERRA MÉDICA
Na retaguarda, coalhada de mortos e feridos, o sangue brota.
É a impressão emocionante da derrota.
GENERAL ARTHUR OSCAR
O primeiro terreno reconquistado ao Império é, está se vendo: um Cemitério.
9 - ZABANEIRA EM CANUDOS EXCITADA COM A PROMISCUIDADE E AUMENTO REPENTINO DA
POPULAÇÃO
(Sai a a Luz que se concentra agora em Canudos)
ZABANEIRA DO ACAMPAMENTO PÉROLA NEGRA
Que noite ! Em poucos minutos, aumento absoluto da população
3 mil bofes a mais no nosso chão !
Essa promiscuidade me excita inteira
Emoção de Zabaneira !
10 - ALFERES E SEU CAVALO SÃO FERIDOS, CONDUZIDOS AO HOSPITAL DE SANGUE
IMPROVISADO EM CANUDOS, ATRÁS DA IGREJA VELHA
(LUZ A PINO. Alferes Wanderley e seu cavalo Néve chegam até o limite da Linha Negra.)
ALFERES WANDERLEY
Viva a Repú�
(Um tiro certeiro faz cair o Alferes e seu cavalo.)
LANCEIRA DO EXÉRCITO
Foi atingido nosso Rei!
O Alferes Wanderley
GENERAL ARTHUR OSCAR
(vai ao encontro do ferido)
Meu São Jorge! Guerra, sacrifica o que quiseres
mas não leve nossa celebridade, o Alferes !
ALFERES WANDERLEY
(Ordenanças contra regras, os vão encaminhando numa maca para o Hospital improvisado atrás da Igreja Velha,
numa calha do lado leste.)
Ah ! São Jorge ! Meu querido General Arthur Oscar
pedaços sobraram, não,
nem tudo está morrido,
nem meu cavalo,
nem vosso Alferes,
somente muito, muito sentidos.
(o corpo de socorro sai levando o cavalo e o Alferes)
CORONEL JOAQUIM MANOEL DE MEDEIROS
Nesse cair da tarde, imobilizemos-nos como os mortos deste cemitério.
Quinta parte do arraial…
Limitemos-nos a faixa dessa coxilha em declive para a praça principal.
(VÍDEO da praça principal de Canudos.)
CORONEL OLÍMPIO DA SILVEIRA
A cidadela não foi atingida.
Aqui em frente está �ameaçadora �rígida�
71
Sem muros, inexpugnável,
na nossa frente, oferecida,
mais de milhares de portas escancaradas,
entradas abertas
para a inextrincável rede de becos alertas.
11 - CONSTRUÇÃO DOS MUROS BARRICADAS DO EXÉRCITO
GENERAL ARTHUR OSCAR
Muros seguros levantem no escuro
muros e mais muros
Toda extensão da linha Negra blindada,
tábuas, pedras, paredes, ossos, pernas, orelhas: barricada.
(o Muro vai sendo construído com as barricadas trincheiras. Tudo é feito nesta surdina tensa de esperar que de um
momento a outro venha uma tocaia. A Luz vai saindo, entra a projeção com as linhas das posições, no Mapa, deste
início de cerco nos fundos da igreja velha, paralelamente à face leste da praça. Uma retaguarda, guarda o flanco
direito do acampamento, onde vai sendo maquinado o Palco Italiano Camarim de Arthur Oscar - O Quartel-General,
na vertente oposta, à extrema direita, no segundo andar.)
12 - INÍCIO DO CERCO COM SIQUEIRA E SEUS MAPAS NA PROJEÇÃO
(camarote leste do comandante em chefe no quartel general)
GENERAL ARTHUR OSCAR
(Para seu ESTADO MAIOR, bem desfalcado, e para todos seus soldados próximos e para o público)
O balanço do 14 de julho nos impõe essa incumbência:
começar traçar do cerco, a circunferência
mesmo que as linhas curvas de nossa frente,
desenhem por enquanto, uma pequenina lua crescente.
Mas já alude
como a lua, sua plenitude.
(Mapa estratégico muito específico, trazido por Siqueira de Meneses, desenhado pela direção de arte exatamente
para esta finalidade, evidentemente inspirado na personagem que o traz, projetado em GRANDE TELA NO CHÃO;
e a linha de cerco conforme se fala dela, vai sendo traçada num computador, pelo próprio Siqueira, e por pequenas
bandeiras, maquetes virtuais das atuais, grandes que serão depois abertas no espaço todo, no instante do cerco.)
TENENTE CORONEL SIQUEIRA DE MENESES
Para se últimar a circunferência
temos que conquistar na persistência
este traçado prolongado - para a direita em cheio
virando para o norte ao meio,
dobrando para as “cidades encantadas”
no Cambaio, a oeste do casario,
serpenteando depois o rio,
até o sul na cola da zona da peste,
até a cauda ir encontrando a cabeça aqui ao leste
seis quilômetros, rodando a partir de onde estamos e cercando.
13 - ALERTA DE JOAQUIM MANOEL DE MEDEIROS
CORONEL JOAQUIM MANOEL DE MEDEIROS
Catástrofe próxima ! Ninguém mais pode esconder.
O inimigo na luta regular, está pra nos bater
na vingança, na desforra
os selvagens vêm à fórra.
GENERAL BARBOSA
72
Chamar isso de �inimigo�é eufemismo exagerado!
São bandidos famigerados.
14 - CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE TEMPO DO CERCO POR SIQUEIRA DE MENESES,
DEFENDENDO A LEGITIMIDADE DOS JAGUNÇOS DE SE DEFEDEREM EM SEU PRÓPRIO LAR
TENENTE CORONEL SIQUEIRA DE MENESES
Enquanto estávamos distantes, nas caladas
nos preparavam ciladas.
Mas, agora, batemo-lhes às portas
defendem o lar, mais nada importa.
Canudos só será conquistado casa a casa,via a via,
a expedição vai dispender três meses pra travessia
dos cem metros de prova
que vão da capela velha à igreja nova.
15 - MENSANGEIRO É ENVIADO EM BUSCA DE REFORÇO DA DIVISÃO SALVADORA.
GENERAL ARTHUR OSCAR
Coronel Medeiros,
seja nosso especial mensageiro,
vá telegrafar este pedido em Queimadas,
de um reforço de 5 mil homens para a empreitada.
CORONEL JOAQUIM MANOEL DE MEDEIROS
Uma divisão salvadora ?
GENERAL ARTHUR OSCAR
Uma divisão salvadora.
Depois de mais uma vitória,
de novo esperar Godot é nossa falta de história.
73
5º MOVIMENTO: GOLFADA DE SANGUE
1 - no alto da montanha da igreja nova � pajeú general das banda
2 - no acampamento � jesuíno
3 - pajeú dá ultimato para a tropa
4 - arrastão
5 - morte de pajeú
6 - morte de jesuíno
7 - enterro de pajeú
8 - triunfo pelo telégrafo � coral sinfônico
9 - decisão de por na estrada os feridos: a golfada
10 - golfadas de sangue do vulcão do hospital de sangue
11 - hospital de sangue na estrada
12 - looping estranhos frutos do angico
13 - o rancho fundo
14 - o r i t o d o v a l e
15 - nos telões, baixas de canudos do iraque, de americanos, dos soldados mortos nas guerra do tráfico.
74
1 - NO ALTO DA MONTANHA DA IGREJA NOVA � PAJEÚ GENERAL DAS BANDA
(Vem o Tema do General das Banda� GENERAL PAJEÚ surge no alto da estrutura, coroado de TOURO. Combina
ataque com seu bando como um General Autoritário.)
GENERAL PAJEÚ
Eu, General Pajeú, comandante das Banda, declaro:
aceito a direção da Luta.
Super-Objetivo, sem desviação,
Capturá Arma e Munição.
Vamo atacá em dois bando,
por duas banda:
uma vinda do sol nascente
e a nossa, do morrente.
A nossa ataca cortando rente,
separando a Frente do resto do Contingente.
A outra banda de pivete,
CRIANÇAS
em Arrastão,
PAJEÚ
atravessa pescando arma e munição.
AÍ! Manda!
2 - NO ACAMPAMENTO � JESUÍNO
(Jesuíno, começa a respirar e a cheirar o ar como um cão; sente, no alto, Pajeú e late. Ele fala com voz gravada em
off.)
GUIA JESUÍNO
Meio dia, cheiro forte,
ah, irresistível, perfumado tição!
Domina doce perfume, faz parar a agitação.
Vem Pajeú, te espero aqui te cheirando,
meu faro está apontando !
3 - PAJEÚ DÁ ULTIMATO PARA A TROPA
(os guerrilheiros se colocam nas duas extremidades opostas.
Pajeú propõe a entrega para a Tropa)
PAJEÚ
Tropa ! Tão Cercado
por dois bando
da minha banda.
Deixa todas arma, munição, o garoto
e se Manda !
O General das Banda Comanda!
OUTRA BANDA DO GENERAL DAS BANDA
(Outra banda surge do leste. Pajeú aponta o quartel general, onde está o Estado Maior, nas Galerias do Leste do
Teatro)
Tropa, Chegou por outra banda
a outra banda
do General das banda.
Te Manda!
(Os Militares sentem o cerco. Jesuíno está em êxtase erótico que quase não suporta, entra em possessão, transe com o
cheiro. Os Soldados quase entregam as armas, apavorados, quando�)
75
GENERAL BARBOSA
Em formação ! Vem General das Banda, vem pegar teu filho tição !
Todos os batalhões te esperam.
4 - ARRASTÃO
OUTRA BANDA DO GENERAL DAS BANDA
Olha o arrastão !
(ENTRA O ARRASTÃO. Os homens armados de Pajeú, como combinado, separam a Frente do Resto do Contingente.
Do lado Sul-leste o ARRASTÃO vem, com uma rede, roubando um carro-comboio do exército com armas e munições.
Quando o Arrastão consegue passar as armas para o outro lado da linha negra, tudo imobiliza num quadro que
somente respira. General Barbosa aparece apontando uma pistola para a cabeça de Bicho Diabo.)
PAJEÚ
Meu filho !
5 - MORTE DE PAJEÚ
GUIA JESUÍNO
(A cena se congela; Mão no gatilho, a câmera vê na mira do CAXANGÁ JESUÍNO.)
Minotauro
Acabou Tua Era
Cheguei no Labirinto
Da Tua espera
É tudo que precisava
Mas não desejava
Mas tinha que ser
Perdoa Touro Preto
Meu Deus Meu Senhor
Já não existo mais
Morro nesse ato de amor.
(Jesuíno atira no impetuoso, no TOURO PAJEÚ que baqueia mortalmente ferido. Atira-se sobre o corpo de Pajeú
chorando e cheira-o como um cachorro, beija-o)
GENERAL ARTHUR OSCAR
Atirem Baterias da Favela.
Gloria Final !
Matamos o Touro Labirintal !
Fogo !
(Pajeú continua a ser metralhado pelos soldados, como se matassem 100 homens num só homem. Os jagunços lutam
pelo corpo de Pajeú, conseguem arrancar de Jesuíno, e levar para o Arraial. Jesuíno cambaleia, ferido, chora-rindo,
como se quisesse acompanhar aquele cheiro até o fim da vida. Todo ferido, agonizando, enlouquecido como um
jogador que fez o maior gol do mundo, ele canta desesperado a Morte de seu deus Bin Laden Pajeú)
GUIA JESUÍNO
AuauauauauauauauauauauauaÚ
MANDRÁGORAS, JAGUNÇOS E NINFAS
(Iiniciando o enterro.)
O Deus Morreu ! Ai …!
JESUÍNO
(ouvindo os sons do enterro)
Vou pra Canudos enterrar Pajeú.
6 - MORTE DE JESUÍNO
76
GENERAL BARBOSA
Pelotão de fuzilaria, preparar !
(Os Soldados vão fazendo uma linha de fuzilamento sob o Comando do General Barbosa)
JESUÍNO
(começa a falar para os soldados num crescendo quase doce)
Eu matei, eu morri.
Ninguém mata um Deus, Soldados famintos,
Eu matei. Atirem em mim
(para o Bode Campelo França)
seu rango porco é insuficiente ?
Comam a mim !
General Arthur Oscar
diante do General Pajeú
tu não tem perfume.
Tu fede banha branca de cortume.
Gaúcho porco cor de rosa,
(Jesuíno grita ordenando para os soldados e oficiais do público)
atira suíno, Assassino Prosa
GENERAL JÕAO BARBOSA
Fogo !
(Os soldados matam Jesuíno�)
7 - ENTERRO DE PAJEÚ
(�Então explode o ENTERRO DE PAJEÚ. TOMA CONTA COM TODOS OS ORIXÁS E EXUS EM DELÍRIO
FÚNEBRE CORTEJO PROCISSÃO)
MANDRÁGORAS, JAGUNÇOS E NINFAS SERTANEJAS
“Deus Morreu !”
Vamos Bailar o Bailado do deus Morto
Aih !… Aih !… Aih !… Aih !…
DEUSA BATERÍA
FAZ DA TRISTEZA ALEGRÍA
(Invocando a Bateria que deve fazer enloquecer os corpos dos atores e personagens, que devem deixar que a Deusa
Bateria tome em curvas todos seu corpo em transe.)
VAI TAM TAM
(invocando a Cuíca)
CUÍCA! CUIÍCA
(Sons de Cuícas. Trasformação do ai, em Iá; momento de gozo humorado líquido e delicioso, absolutamente diferente
dos outros Deus Morreu� ALEGRE, EXPLODINDO DE ALEGRIA)
IAh… IAh !… IAh !… o Deus Morreu !
(O GRITO DA MORTE DO DEUS cantado e dançado com CUÍCAS, percorre o espaço no meio do Público até
plantá-lo no jardim, ao lado das Árvores.)
JAGUNÇOS
Pu Ti Bum
MANDRÁGORAS
Twig Twig
JAGUNÇOS
77
Pu Ti Bum
MANDRÁGORAS
Twig Twig
(O Enterro-banquete Coroa com chifres de Touro, todos os sertanejos, alimentados pela força do seu Deus. Jesuíno é
jogado na vala comum pelo exército. No VÍDEO Cenas do enterro de Garrincha e de Traficantes, enquanto as mídias
anunciam a Vitória do Exército e o enterro de Pajeú.)
8 - TRIUNFO PELO TELÉGRAFO � CORAL SINFÔNICO
(SONS DE TELÉGRAFO, MÍDIAS, MÚSICA DO ENTERRO VIVA E NA GRAVADA, ELOQUÊNCIA DA
EXCITAÇÃO ELETRÔNICA DE SONS E IMAGENS DO BROADCASTING EM SEUS MOMENTOS DE GLÓRIA)
CORAL SINFÓNICO
VITÓRIA VITÓRIA PAJEÚ, O DEUS, MORREU !
COMEÇA OUTRA ERA DE DEUS
MAXOTAURO RENASCEU
MONARQUIA, FOI-SE EMBORA O SEU BIN LADEN
NÃO SE ENFADEM !
ESTÁ MORTO ESTÁ MORTO ESTÁ MORTO,
CHÊ NEGRO NÚ, GENERAL DAS BANDA PAJEÚ
GENERAL ARTHUR OSCAR DECLAROU:
(Gravada para entrevista)
BANDIDOS ENCURRALADOS,
A INSURREIÇÃO FRACASSOU.
A VITÓRIA DA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA É TOTAL
DENTRO DE DOIS DIAS ESTARÁ EM NOSSAS MÃOS O ARRAIAL
(Toda a farra eletrônica virtual emudece como se houvesse um apagão apagando-se, deixando uns fios de som
perdidos, até morrer.)
9 - DECISÃO DE POR NA ESTRADA OS FERIDOS: A GOLFADA
CORONEL JOAQUIM MANOEL DE MEDEIROS
Diante da morte de seu Deus Pajeú,
não temos mais Segurança.
Os Sertanejos coroaram-se todos com seus Cornos:
Tocaiam Selvagens Vinganças.
Esperamos a Divisão Salvadora
Mas, antes mais que tudo morra,
sem víveres, constrangidos,
devemos evacuar do campo de batalha, todos os feridos.
10 - GOLFADAS DE SANGUE DO VULCÃO DO HOSPITAL DE SANGUE
(ENTRA EM CIMA TEMA MUSICAL SINFÔNICO DA GOLFADA HEDIONDA. A médica cobre a pista com um
plástico branco. Alferes Wanderley entra com um cano móvel, catéter, canudo de plástico, cheio de sangue, que vai
fazer jorrar como brindando, abrindo uma garrfa de champagne Golfada de Sangue
PROJEÇÃO:
Quase mil homens entre mortos e feridos!
A luz se fecha em Wanderley e no cavalo. Entra Leit Motivo de Wanderley dando continuidade ao tema da Luta I)
ALFERES WANDERLEY
Estamos sendo vomitados pro ralo!
Nós rebotalhos ! Nós meu cavalo !
Não servimos mais pros republicanáticos.
Pra estrada, nós lunáticos !
78
Lá se vai nossa geração de Cruzados,
fóra, como a ralé dos mouros desarmados!
Todos republicanáticos todos,
sem excetuar um,
temos ainda no bolso, mal soldado, um soldo, um,
mal arrancado do banqueiro do país endividado
e no peito esquerdo pendurado
a marca do marechal Floriano Peixoto
pra morrendo, saúdar sua memória de escroto
com a mesma história, com o mesmo entusiasmo delirante,
a mesma aberração tocante,
com que os jagunços bradam pelo Bom Jesus de Cá,
os fundamentalistas clamam por Alá,
ou os liberais pelo deus do Dólar de Lá !
(Lança fora a medalha de Floriano.)
Fora Soldados!
sob o hipnotismo da coragem pessoal dos chefes,
imobilizados.
Pelo prestígio de oficiais,
dominados,
avançemos pelas linhas de fogo cambaleando imundos,
desafiando a morte moribundos.
(Abre o Champagne GOLFADA. Cai na gargalhada, chorando rindo, abraçando seu cavalo ferido que relincha.)
Ferido, Parelho
atravessemos o mar vermelho !
CORO DA GOLFADA
Golfada de sangue hedionda, estronda,
Vomitados pra fora do acampamento nesta onda,
pra estrada da vida
da morte que ronda.
(A luz vai saindo, com os feridos no rastro de sangue saindo pela porta da rua. Silêncio. Na sala a Viúva do Alferes
Wanderley, sensitiva e simples, a Viúva Porcina Desmontada)
VIÚVA DO ALFERES WANDERLEY PORCINA DESMONTADA
Eu Ex-viúva venho dizer só esta estrofe
Estão chegando os documentos vivos da catastrofe.
11 - HOSPITAL DE SANGUE NA ESTRADA
(Entra a Seca �o chão é uma praia de areia. Volta o tema da Golfada)
SECA
Sugadas dos sóis
árvores, dobrem murchas em bemóis
folhas, caiam dia a dia,
por terra vazia,
murchas flores do absurdo
à ação latente do meu incêndio surdo�
Sob meu deslumbrante, implacável céu sem nuvens
à luz crua dos dias claríssimos, ardentes:
feridos, coadjuvem.
CORO DOS FERIDOS GOLFADOS
Coadjuvantes !
Trazemos sangria quente nunca vista antes.
Sangue repelido
em golfadas derramando,
79
inúmeros bandos,
pra rota!
Sem ordem, sem nota.
SOLO
10 horas. Nesta manhã plana,
estacionemos, caravana!
CORO DOS FERIDOS GOLFADOS QUE QUEREM PARAM
Anunciemos inertes
o fim,
pra onde tudo converte.
CORO DOS GOLFADOS
Unidos saídos, todos éramos um,
distendemo-nos agora pelos caminhos,
CORO PEQUENO
em pequenos grupos,
SOLO
sozinhos.
CORO DOS FERIDOS GOLFADOS QUE ANDAM E CORO DOS FERIDOS GOLFADOS QUE PARAM
SEDENTOS
(vem ficando para trás, mas simulam que andam)
Nós, aguilhoados pela sede,
nas águas das terras viradas parede
chupamos cardos
llenos de espinos, estranhos vinhos.
Deslembramos do inimigo,
ferocidade de jagunço é até de amigo,
diante da Terra Mãe
secada até o umbigo.
Aqui está a mesma trilha
um mês antes percorrida.
Tontos, irradiando 4 mil baionetas,
ao som das heróicas trombetas
no ritmo das cargas, febricitantes…
O depois …
é sempre o contrário do antes.,
(Glossolalia de explosão bucal, vindo da boceta da garganta, a ser criada)
BOOOOOOMMMM-TZHATZAHTZHA
12 - LOOPING ESTRANHOS FRUTOS DO ANGICO
(Entram as caveiras trazida pelos fantasmas dos atores e a deTamarindo, trazida agora pelo ator que o fez, e pelas
madrágoras. Transição.)
SOLO
Agnus dei !
(no VÍDEO entram imagens da Luta I: corpos mortos e o empalamento de Tamarindo)
CORO DOS FERIDOS
Replay
um icto do Indo,
um icto do Vindo
80
Revindo
Noutro Retorno
E o tempo consumindo,
(Diante da fileira de ossadas)
brancas ossadas, debruadas
gêmeas enfileiradas
natureza morta apodrecendo aparecendo…
ALFERES WANDERLEY
(Diante do espantalho de Tamarindo, “O Enforcado”, um boneco decapitado, despedaçado, no pau do empalo,
trazido por seu Fantasma)
Oh Anjo do Angico, não é um crucifixo
mas um frutifico
Te Santifico.
Peço a ti, Santo Decapitado
Empalado,
Lindo
coronel Tamarindo
não permita deus que eu morra sem que volte para lá
…onde meu cavalo vai voar.
CORO DA GOLFADA
Martírio Secular da Terra
Um carnaval de verdade
Hospitaleira inamizade
Jardim Brutalidade
(A marcha dos feridos continua, o estranho fruto vai desaparecendo levado pelos Fantasmas…)
13 - O RANCHO FUNDO
(�e se percebe uma paisagem com sentido oposto da anterior. As luzes vão transmudando. De repente, o Alferes vê
um Rancho, um rio, uma árvore. A GOLFADA Cerca a casa, o Alferes, com seu animal fantástico, fica distante da
multidão que rodeia a Zabaneira, não a viu ainda)
ZABANEIRA
(Na choupana para Golfada)
Aqui é o famoso Rancho Fundo
CORO DA GOLFADA
O Rancho Fundo…
DUPLA SERTANEJA
O Rancho Fundo bem pra lá do fim do mundo.
ZABANEIRA
Deus ficou sabendo da tristeza aqui da serra
e me mandou pra cá, pra dar todo o amor que há na Terra !
Por isso, me vendo por amor,
pros que estão no fundo
entre o desejo e o extertor.
ALFERES WANDERLEY
Zabaneira, Zabaneira
Você nesta golfada expelida ?
ZABANEIRA
(Aproxima-se em silêncio, se afastando do Coro, que começa a instalar-se no Rancho, evitando os carentes da
Golfada que queriam já os seus serviços)
81
Fez tudo certo Soldado,
e deu errado.
(Ela está ao lado dele e, antes de tudo, com seu dedo e saliva, molha os lábios secando de Wanderley e vai se
molhando. Beija o Alferes umidamente, desapeam-se.)
Me fala de amor
A Golfada aqui passa
e eu vendo amor.
Minha bolsa tem muito soldo de soldado,
mas ninguém tem mais vontade
de me fazer uma declaração de amor�
Você faz, coração ?
ALFERES WANDERLEY
(Relaxado, deitado sobre seus frangalhos)
Matutos aqui passavam a vida,
noutra encarnação
horas de paz do sertão.
Onde nunca estive.
Agora estou,
assim precário,
num instante de paz,
pra mim antes desconhecido !
A Paz� É isso ?
Muito prazer.
Zabaneira
sagrada guerreira
que trouxe o amor de Terra inteira,
teu aroma me arranca do meu coma.
Cheire lá o que for
é minha declaração de amor
(Eles se cheiram muito, primeiro com distância visível dos corpos, para o vazio do cheiro ser desenhado no espaço;
depois vão se cheirando e se aproximando.)
ZABANEIRA
(Caminha amparando o Alferes e o cavalo)
Eu te banho cavalo assanhado,
suado, poento, fedorento, machucado.
SOLDADOS
Água morta, envenenada.
ZABANEIRA
(para a Ipueira)
Líquido só renovado,
ano sim, ano não
por chuvas, de passagem, sem estação�
Vamos chover e ser, líquido, a tua ablução
CHORADEIRA PRA OXUM
Chora, chora, choradeira
nessa hora derradeira
chama Oxum.
Uma de muitos uns
soma tuas águas
às de cada um
às dos olhos, afogados nas mágoas
ZABANEIRA
82
às debaixo da minha anágua.
CHORADEIRA PRA OXUM
Lágrimas rolem inteiras!
Em cachoeiras!
Poça contaminada, vira
lagoa desta montanha sagrada.
(A água se ilumina com luz dourada de adoração. Se banham como num ritual de ligação entre água, homem, mulher,
cavalo, corpo sem órgãos.)
ZABANEIRA
Vêm vindo o touro preto e as vaca
Sinto na minha tabaca
Minha mãe do deus!
Você me atendeu
Podem vir, sou eu !
Manada desgarrada
na guerra alvoroçada
sentiram de longe nossa viragem,
voltam à sua velha paragem.
Buscam a mim !
(Canta o toar de um sonho de Aboiada)
IÉU O
VACAS, TOUROS E BEZERROS
IÉU O
ZABANEIRA
GADO GODOT
OXUM XAMÔ
IÉU O
(entram os Touros, bezerros e vacas)
Aqui ! Soltas ! As mais amadas
as mais fartas da manada.
(Vai ao encontro delas)
Minhas irmãs
trotem no terreiro…
nada vale mais no mundo inteiro
(Recepção cruel da turba faminta: em tumulto, gritos discordantes, a Zabaneira no meio tentando impedir, o Alferes
impotente, o Animal Fantástico começa a relinchar. Estrondam as espingardas. Vacas e o Touro preto, vão morrendo,
em tiroteios vivos, que lembram combates. Acertam a Zabaneira.)
ALFERES WANDERLEY
ZABANEIRA!
(Com a Zabaneira ferida)
Não sou vocês, rebanho ensandecido!
Não quero estar com essas coisas,
nem morto nem ferido
nem na promiscuidade de um fosso injuriante,
numa cova comum, com esse bando repugnante
homens que abatem feridos,
já abatidos !
ZABANEIRA
(Zabaneira ferida)
Sou só mais uma ferida
83
das Féras Feridas
de Terra.
Deus, missão cumprida.
Vamos andando.
Não fico mais aqui
sigo com vocês amores, por aí.
ALFERES WANDERLEY
(Para os matadores dos bois)
Escória, vivem uma tragédia
e fazem drama, comédia.
Pro deserto varridos
trambolhos esquecidos
inúteis,
e apavorados assassinos fúteis !
(tentam se afastar só os três, mas o bando segue-os, os fazem de líderes)
Não me sigam.
(o grupo não desiste de segui-los)
A única maneira de me livrar de vocês
é mandar em vocês,
guiar o rebanho.
Está bem, esse papel, abocanho.
Sou Alferes Capitão
Coronel General Marechal Deus !
Guiando todos para a morte no vale ! Como eu.
14 - O R I T O D O V A L E
(Caminham, o espaço se esvazia inteiramente como um Vale Vazio da Morte, um lugar pelo qual se passa para
morrer, todos caminham no passo do Monge como Yamabushis, mas desolidarizados, somente ligados no corpo sem
órgãos, ou ignorando-o, inteiramente, acreditando somente em sua vida única, pessoal)
CORO DOS FERIDOS GOLFADOS QUE PARAM
Nós ficamos quietos,
à sombra dos arbustos abjetos
de fadigas sucumbidos
até o fim de todos os sentidos, estivando�
ALFERES WANDERLEY
Depois dos primeiros passos,
Senhor dos Passos, começo a fraquejar�
(Alferes Wanderley cai, o cavalo fica a seu lado; Zabaneira chega até ele.)
CORO DOS FERIDOS GOLFADOS
A fraqueza é humana
vai experimentar o seu final
ZABANEIRA
Alferes Wanderley, você agora é mais.
CORO DOS FERIDOS GOLFADOS
É um sinal.
ALFERES
Meu animal fantástico, branco zoombí,
minha montada, fique aqui.
CABO BACO BRECHT
Nimm’ meine Bibel, die sich Fatzer nennt,
84
lies sie wie eine letzte salbung.
einige geschriebene Fragmente, ueber ein und dieselbe Emotion.
Tome minha Bíblia, chama-se Fatzer.
Leia como extrema-unção.
Alguns fragmentos escritos, sob a mesma emoção.
(Passa-lhe o livro)
ALFERES WANDERLEY
Não vou mais sair do chão
nossa causa perdida, faltou precisão.
Tem que ser organizada,
não como os que no alto estão falando de barriga cheia,
em vão�
Alguma coisa vai se perder na areia
porque nós fazemos tudo na vida para nos perdermos na areia�
Um Corpo, o que é afinal?
CORO DOS FERIDOS GOLFADOS
Quatro baldes de água, um pacote de sal.
ALFERES WANDERLEY
Não há mais vencidos
só vencedores.
A derrota está conquistada.
O derrotado, da sabedoria,
não tem escapada.
(deixa o livro do Cabo Brecht)
Sigo Fundo e estivo
deixem-me ficar exausto e vivo
nas curvas do caminho nesta quixabeira.
Ninguém vai dar por minha falta, nem você Zabaneira.
Meu palpite é feliz
você logo vai me respirar,
na poeira, que cheira a vida inteira,
quando os ventos baterem, no teu nariz.
(Wanderley deixa a cabeça tombar pra trás, retorna, olha pra todos, que jogam a cabeça pra trás e retornam mortos.
Cai areia em todos e se faz um Jardim Brutalidades de MÚMIAS)
CORO GERAL PROTAGONISTAS HUMANOS VEGETAIS MINERAIS AÉREOS TERRESTRES, EM ESTADO
DE ESTIVA
Dias, semanas, meses sucessivos,
viandantes passando vivos,
nos vêem na mesma postura:
nossa carcaça dura
no brilho, o braço direito arqueando-se à fronte
resguardando do sol que toma o horizonte.
Combatentes fatigados aparentando
estar descansando…
Morte pungente
imobilizamos em vida latente
Não nos decompomos, como toda gente
A atmosfera ressequida, ardente
nossos corpos conserva,
murchamos, apenas,
enrugando a pele, exaurindo reservas.
À margem dos caminhos permanecemos�
85
longo tempo
o corpo a morte vivendo
até o suave momento, do desabamento�
(entra a fauna do Bixigão)
CORO GERAL
Esperamos
Estivamos…
ÁRVORES
Árvores esturricadas.
Desesperadas
AVES
Aves caídas mortas dos ares estagnados,
os vôos dos ventos continuam cancelados.
CORO GERAL
Esperamos
Estivamos…
CORO GERAL
Esperamos
Estivamos�
GADO
Rêses caídas,
manadas de cera,
como em feira
exibidas
SUÇUARANA
Suçuarana, garra dianteira no chão fincada
em salto paralisada
o pescoço alongado,
procurando um líquido
�já secado.
CORO GERAL
Esperamos
Estivamos…
CORO GERAL
Esperamos
Estivamos�
CORO GERAL
Cacimba extinta,
TERRA - CACIMBA EXTINTA
Mas o ponto, o ponto …sinta
CORO GERAL
Sem que os vermes nos alterem os tecidos,
Retornamos aos elos perdidos…
(Música dos Ventos ásperos, rígidos finos, em redemoinhos)
ANIMAL FANTÁSTICO
Agora, passam
rajadas ásperas e finas,
agitando ondulantes minhas longas crinas…
ALFERES WANDERLEY
Sem decomposição repugnante,
numa exaustão imperceptível,
começo a volver ao turbilhão da vida.
CORO GERAL MAIS CAVALO E ALFERES WANDERLEY
É agora: o ponto.
(1 Bundo acende o fogo - uma vela. Silencio depois da inspiração)
As águas, o vento,
no tempo
nos desabam:
86
pronto.
(Todos os mortos se deitam, humanos e bichos. Mortos descansando. Tombam grossas e bulhentas as águas da
cachoeira iluminada virando lago sobre a Montanha, o lago do I ching na Rocha Viva.
Subtexto: O desabamento das múmias é total. Os corpos dissolvem-se em implosão vertiginosa, devorados em flamas
gozosas, varridos aos ares em decomposição. A Terra gostosa inicia sua sucção, arrebatando-os vida a fora, na
revivescência triunfal da vida ! Os corpos se encontram na passagem da aniquilação para a Iniciação)
NOS TELÕES, BAIXAS DE CANUDOS DO IRAQUE, DE AMERICANOS, DOS SOLDADOS MORTOS
NAS GUERRA DO TRÁFICO.
(Entra o hino do Expedicionário Brasileiro. Superpondo-se à LISTA DE MORTOS:
CHEGAM NA BAHIA FERIDOS E MAIS FERIDOS,
DOCUMENTOS VIVOS DA CATÁSTROFE
LUTO NACIONAL
REZA O MUNDO REPUBLICANO
PRA QUE SE FORME UMA DIVISÃO SALVADORA
DIVISÃO SALVADORA
DIVISÃO SALVADORA
DIVISÃO SALVADORA
DIVISÃO SALVADORA
DIVISÃO SALVADORA
DIVISÃO SALVADORA
DIVISÃO SALVADORA
DIVISÃO SALVADORA
De 25 de junho, dos primeiros tiros com o inimigo, até 10 de agosto, 2. 0 4 9 baixas.
(Imagens sob mapas oficiais.)
1ª coluna 1. 171 homens 2. ª com 878. “1ª coluna �Artilharia: 9 oficiais e 47 praças feridos; 2 oficiais e 12 praças
mortos; ala de cavalaria: 4 oficiais e 46 praças feridos; 30 oficiais e 16 praças mortos; engenheiros: 1 oficial e 8 praças
feridos; 1 praça morta; corpos de polícia: 8 oficiais e 46 praças feridos; 8 oficiais e 24 praças mortos; 5. ° Batalhão de
Infantaria: 4 oficiais e 66 praças feridos; 1 oficial e 25 praças mortos; 7. °: 8 oficiais e 95 praças feridos; 5 oficiais e 52
praças mortos; 9. °: 6 oficiais e 59 praças feridos; 2 oficiais e 22 praças mortos; 14. °: 8 oficiais e 119 praças feridos; 5
oficiais e 42 praças mortos; 15. °: 5 oficiais e 30 praças feridos; 10 praças mortos; 16. °: 5 oficiais e 24 praças feridos;
10 praças mortos; 25. °: 9 oficiais e 134 praças feridos; 3 oficiais e 55 praças mortos; 27. °: 6 oficiais e 45 praças
feridos; 24 praças mortos; 30. °: 10 oficiais e 120 praças feridos; 4 oficiais e 35 praças mortos. 2. ª coluna � 1 general
ferido; artilharia: 1 oficial morto; 12. ° de Infantaria: 6 oficiais e 128 praças feridos; 1 oficial e 50 praças mortos; 26. °:
6 oficiais e 36 praças feridos; 2 oficiais e 22 praças mortos; 31. °: 7 oficiais e 99 praças feridos; 4 oficiais e 48 praças
mortos; 32. °: 6 oficiais e 62 praças feridos; 4 oficiais e 31 praças mortos; 32. °: 10 oficiais e 65 praças feridos; 1
oficial e 15 praças mortos; 34. °: 4 oficiais e 18 praças feridos; 7 praças mortos; 35. °: 4 oficiais e 91 praças feridos; 1
oficial e 22 praças mortos; 40. °: 9 oficiais e 75 praças feridos; 2 oficiais e 30 praças mortos. “E a hecatombe progride
com uma média diária de oito homens fora de combate.
BRASIL Quantos nas Guerras dos Morros e Periferias
Quantos no Iraque,Quantos nos EEUU SUDÃO PALESTINA ISRAEL MORROS DO RIO, FAVELAS DE SAMPÃ,
HAITÍ HAITÍ HAITÍ HAITÍ HAITÍ
87
2º ATO
EUCLIDES EM CANUDOS
17.05.2006
88
6º MOVIMENTO: RIO DE JANEIRO
1 - sobre a ameaça de canudos não querer fugir ao cerco, e sobre como tirar do cerco a expedição do general arthur
oscar, prudente:
a - prepara-se
b - faz seu pronunciamento para república:
tudo para nomear o marechal da divisão salvadora.
2 – relações do marechal com sua secretária ordenança e anunciação da entrevista do jornalista euclides da cunha
3 - contratação de euclides da cunha
4 - perfil do marechal
5 - novíssima república invade a cena
89
1 - SOBRE A AMEAÇA DE CANUDOS SE EXPANDIR E SOBRE COMO TIRAR DO CERCO A EXPEDIÇÃO
DO GENERAL ARTHUR OSCAR, PRUDENTE
a) PREPARA-SE
(Presidente Prudente lendo o texto do briefing preparado por seu GHOST WRITER. Conhece a pauta e a estuda enquanto
vai sendo paramentado na intimidade com Dona Adelaide, com Maquiador, Camareiro e Cabeleireiro etc… para o ato
oficial. A cena vai se montando, o Presidente vai ficando pronto; a luz vai criando o ambiente e de repente, sem que se
perceba, já se está em pleno espetáculo da nomeação do Comandante Geral da Guerra de Canudos)
PRUDENTE DE MORAIS
Golfadas Hediondas de Sangue,
vomitadas de Salvador para o Rio,
(Para o Camareiro)
para os “Apocalípticos”: “Batalha perdida !” Shit !
(Para Dona Adelaide primeira Dama)
para os “Prudentes”: O governo, por prudência, tem de agir,
com a presteza requerida ! This is it!
CAMAREIRO
Você é o Presidente,
tenho aqui comigo,
todas as ordens do dia, não se impaciente.
PRUDENTE DE MORAIS
-“Jagunços batidos, moscas no mel!
Vitórias!Vitórias!”…no papel.
CABELEIREIRO RUBENS
Esse otimismo exagerado da Macheza
está a-fo-gan-do a República na incerteza.
Cresce a comoção nacional…
Tome, amor, uma decisão maternal.
DONA ADELAIDE PRIMEIRA DAMA
Nem Freud entende essa jagunçomania,
por que não fogem pr’outros sertões da Bahia ?
Ou pros confins do Araguaya ?
Quem iria atrás deles em tais tocaias ? !
Eu vibro, jagunça, para tomarem outra decisão:
curtirem sua comunidade, em outra locação,
mas uns ressentidos, gente do mal,
insistem em enraizar-se no arraial !
PRUDENTE DE MORAIS
Que fazer ? !
Acho até de mau gosto uma sangria.
Mas os jagunços insistem na martiriolatría.
Querem o nosso assédio, querem fechada a derradeira saída ! ?
Torcem para um massacre suicida ! ?
CAMAREIRO
Então vamos fazê-los sucumbir como querem, massacrados,
sob os escombros heróicos, dos templos sagrados.
CABELEREIRO RUBENS
Acho dispensável esta cena clichê de “As Troianas”:
Tudo pra entrar na história de Marias Pulquérias Bahianas ?
(Ouve-se o Hino da Cerimônia Oficial; Prudente põe o terno e a Coroa de Café.)
90
CORO DOS QUE PREPARAM PRUDENTE
Triple Merde !
b) FAZ SEU PRONUNCIAMENTO PARA REPÚBLICA:
TUDO PARA NOMEAR O MARECHAL DA DIVISÃO SALVADORA
PRESIDENTE PRUDENTE DE MORAIS
(Já saindo do Solilóquio para o Balcão, para todo o público.)
Eu, presidente da República do Brasil,
busco formar não uma outra expedição,
pois a Quarta está dentro de Canudos,
necessitando de reforço, lanças e escudos.
Então a Presidência decidiu enviar,
não somente uma Salvadora Divisão:
arrebanhando os últimos batalhões dispersos pelos Estados da União,
mas principalmente, um Comando Geral à altura, para pulsear a situação.
Em vez da opção pela Garra, Raça, Violência, Euforia,
opta pela sabedoria,
a técnica da revolução, não a do atraso,
mas a do médio prazo.
Por isso, nomeio para dar fim a este conflito que se acerra,
o próprio Secretário de Estado dos Negócios da Guerra:
in loco, tout court,
o Marechal Carlos Machado de Bittencourt.
(Aplausos fortíssimos. O Marechal, que estava no computador de costas, levanta-se, olha o público bem
desinteressado dos aplausos; Prudente passa um laptop para o Marechal, cumprimenta-o. O Estado Maior e os
Soldados aplaudem-no e fazem o público aplaudi-lo com ENTUSIASMO.)
UM DISCURSADOR
Movimento armado, ultrapassa !
Assuma a forma d’um levante de massa !
Do extremo norte ao extremo sul de todas as zonas
de S. Paulo agora, do Pará e do Amazonas !
(aplausos)
Ao Comando da Divisão Salvadora
Nossa gratidão Imorredoura.
Um Viva…
MARECHAL BITTENCOURT
(Fazendo um gesto para o discursador…)
Não, chega, por favor… Tropa Evacuar
(A Tropa vai saindo, se retira desapontada)
Precisamos trabalhar !
(o Marechal cumprimenta Prudente que sai com sua comitiva e volta à sua mesa.)
2 – RELAÇÕES DO MARECHAL COM SUA SECRETÁRIA ORDENANÇA E ANUNCIAÇÃO DA
ENTREVISTA DO JORNALISTA EUCLIDES DA CUNHA
SECRETÁRIA REPUBLICANA
Está aí há muitas horas o engenheiro e jornalista Dr. Euclides da Cunha
MARECHAL BITTENCOURT
Ficha e Assunto, por escrito.
SECRETÁRIA
(Passa a ficha para o Marechal Bittencourt, enquanto passa um halytol, e se aproxima…)
Ah ! Já está arquivado aqui, na ficha de segurança…
91
aqui diz o assunto…
MARECHAL BITTENCOURT
(Diante do seu computador)
Por favor, senhorita, tire o dedo da ficha, assim não consigo ler, péssimo habito,
não gosto dessa intimidade de hálitos…
Mande-o entrar.
SECRETÁRIA
Perdão Excelência.
(esconde o halitol e introduz Euclides)
3 - CONTRATAÇÃO DE EUCLIDES DA CUNHA
EUCLIDES DA CUNHA
Muito prazer, Marechal Bittencourt,
eu sou Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha
enviado pelo Dr. Júlio Mesquita,
como já é de seu conhecimento,
como jornalista para cobrir o evento
para o Jornal O Estado de São Paulo.
Fui membro do exército,
então, eu estaria designado a acompanhar sua expedição
na qualidade de repórter de guerra
pois é a primeira a ser telegrafada no mundo,
que acompanha os acontecimentos com muita paixão.
Sei que há outros jornalistas credenciados
e o fotógrafo Flávio de Barros.
Mas vou seguir com minha máquina também,
e ousaria documentar o combate, para além das reportagens,
(o coro ressoa como um órgão por todo o espaço)
escrevendo um livro mais profundo
sobre esse assunto tão decisivo para o Brasil e pra República no mundo.
MARECHAL BITTENCOURT
O senhor tem tudo isso por escrito ?
(o órgão pára de ressoar)
Cartas de recomendação ?
EUCLIDESS DA CUNHA
Do General Solon.
MARECHAL BITTENCOURT
Seu sogro.
EUCLIDESS DA CUNHA
Um grande Republicano. Meu mestre.
MARECHAL BITTENCOURT
Seu sogro.
Me passa a carta.
EUCLIDES DA CUNHA
E do Jornalista Dr. Júlio Mesquita
(Euclides passa a carta)
MARECHAL BITTENCOURT
Firmas reconhecidas, autenticadas. Seus documentos.
92
(Euclides põe seus documentos a dispor. O Marechal confere.)
Está escrito, não está ?
Que o senhor tem talento de escritor e disciplina de soldado,
e que além das reportagens, quer fazer um trabalho definitivo sobre a Campanha.
O Dr. Júlio Mesquita fez o requerimento de seu passe, não fez ?
O Presidente Prudente de Morais respondeu, sim.
Está aqui em vermelho: recebido,
e depois atendido. Está escrito, não está ?
Então o Dr. Euclides da Cunha passa a fazer parte do nosso Estado Maior,
como adido de imprensa.
(música)
4 - PERFIL DO MARECHAL
MARECHAL BITTENCOURT
Está também escrito aqui, que com o início de seu trabalho,
o senhor me pede neste encontro para traçar um perfil meu ? !
EUCLIDES DA CUNHA
Um Retrato,
mas a partir da sua própria avaliação,
eu anoto e fotografo.
MARECHAL BITTENCOURT
Sim. Eu também li aqui.
Sua entrevista já foi requerida e agendada há algum tempo,
concluí interessar ao meu currículo, à minha aposentadoria.
E vai ficar tudo por escrito, não vai ?
EUCLIDES DA CUNHA
Por escrito. A entrevista será publicada.
Fará parte dos anais da República.
Pode ser ao vivo falando para este público no Teatro.
São momentos importantes,
corpo a corpo em que seu coração se abrirá nesse órgão.
(o coro ressoa como um órgão por todo o espaço)
Vibre na música de sua preferência que anoto, suas notas.
MARECHAL BITTENCOURT
Não gosto de música.
(corte brusco do órgão.)
EUCLIDES DA CUNHA
Há grande poetas que também não.
E todo o auto-retrato somente é bom quando se fotografa a si mesmo com muito amor
e rigor.
Essa é a verdadeira beleza.
(o coro ressoa como um órgão por todo o espaço)
Fale dela.
MARECHAL BITTENCOURT
Não me interessa a beleza.
(o órgão se cala.)
EUCLIDES DA CUNHA
É seu retrato, não o meu, sincero perdão.
Fotografe-se como achar melhor.
93
MARECHAL BITTNCOURT
Sou principal árbitro da situação.
Fui feito ao molde de todas as dificuldades do momento.
(Falando com prazer erótico de sua maneira burocrática de ser, como que para causar um surpreendente e doce
escândalo ao público. Um orgão quase imperceptivel marca o êxtase burocrático de suas phalas)
Sou frio, viciado num ceticismo tranqüilo, inofensivo.
Na minha simplicidade plebéia se amortecem todas as expansões generosas.
Militar às direitas, sou capaz de me contabilizar, nos maiores riscos.
Mas, friamente, equilibradamente, encarrilhado nas linhas do dever.
Não sou um bravo, nem um pusilânime.
Ninguém vai me ver,
arrebatado num lance de heroísmo.
Mas ninguém vai poder sequer imaginar-me
subtraindo-me a uma conjuntura perigosa.
Não sou uma organização militar inteiriça,
entretanto, afeiçôo-me ao automatismo típico dessas máquinas sem músculos, sem nervos,
feitas para agir mecanicamente, à pressão inflexível das leis.
Menos por educação disciplinar e sólida que por temperamento.
Fico inerte, movo-me passivo, comodamente endentado
na entrosagem complexa das portarias e dos regulamentos.
Fora disto, sou um nulo.
Tenho realmente, o fetichismo das determinações escritas.
Não as interpreto, não as critico: cumpro-as.
Boas ou péssimas, absurdas, extravagantes, anacrônicas, estúpidas ou úteis,
não importa,
espelho-as;
“está escrito”.
Por isto, todas as vezes que os abalos políticos baralharam as determinações escritas,
me retraí cautelosamente no ostracismo.
(Diante de um enorme quadro de Floriano Peixoto Projetado, da cabeça aos pés e que é do próprio que deve fazer os
dois papéis: Floriano e Marechal Bittencourt. Tamanho natural.)
Marechal Floriano Peixoto, profundo conhecedor dos homens do seu tempo,
nos períodos críticos de seu governo,
deixou-me ficar sempre de parte.
Felizmente, não me chamou
não me afastou
não me prendeu.
Era-lhe por igual desvalioso como adversário ou partidário.
Sabia que esse homem, cuja carreira se desatava numa linha reta, seca, inexpressiva,
não daria um passo a favor ou contra no travamento dos estados de sítio.
5 - NOVÍSSIMA REPÚBLICA INVADE A CENA
(A República invade a cena na garupa da moto de seu amante)
SECRETÁRIA
(tentando barrar a República)
A senhora não marcou a entrevista, o Marechal está em reunião com um jornalista…
REPÚBLICA
Eu sou a República, a senhorita não está me reconhecendo
porque passei por uma grande transformação noturna.
Vê, está sem cadeado minha buceturna…
(Trilha Sonora. A República mostra sua “Buceturna”, uma “Caixa 2” virada uma urna eletrônica de voto, no meio de
suas pernas. Está bastante rejuvenescida com muito botox, e vestida como a estátua da Liberdade, mas incorporando
muito bem toda sua história dos tempos da revolução Francesa até 2006. É uma Grande Diva Mais que Centenária.)
Nunca mais voy a perder the elections.
MARCECHAL BITTENCOURT
94
Madame, a senhora deveria ser a primeira a dar exemplo.
Leis são feitas para que vosso regime sirva nosso tempo.
REPÚBLICA RESTAURADA
(dengosa, coquete, provocadora)
Marechal, você nunca me amou.
Eu República fui sim, um acidente inesperado agora, no fim de sua vida.
Fui para você cidadão, sempre, novidade irritante.
Não porque mudei os destinos de um povo
mas porque alterei uns tantos decretos,
e umas tantas fórmulas,
velhos preceitos que o senhor, súdito da Monarquia
sabia de cor e salteado.
Mas sinto que agora, nos seremos úteis.
(O Marechal toma a República em seus braços)
Que tal ficou minha plástica ?
Sou a Novíssima República.
Olha a Pele !
Principalmente na Televisão
minha Imagem é uma Sensação !
Bato Rei, Bato Rainha, Juiz, Bispo, General, Marechal !
Nem Jean Genet nem Andy Warhol, souberam me ver bem.
Existo bela desde my lieben Platão,
faça mais de 100, 200 ou 3.000 anos
Eu estou mais bela que a Bárbara, a “Buscha”
E assim sigo à Bahia,
voy a fazer uns trabalhos no terreiro da Orixá Joséphine Baker
uma amante de santo transexual,
acho que voy assumir
sair do armário,
virar uma eterna travesti
para teu escândalo, mon chér.
(gargalha)
MARECHAL BITTENCOURT
Não recebi nenhum aviso sobre Vossa Honrosa participação neste meu retrato
mas como Madame é a Lei…
Guardo só para mim,
a impressão sobre este tão inesperado fato.
Partimos amanhã, no navio Espírito Santo.
EUCLIDES DA CUNHA
Espírito Santo ?
MARECHAL BITTENCOURT
Chegamos em Salvador dia 1º de agosto
e em Canudos, dia 14 de setembro às 15: 35.
Boa Noite, Dr. Euclides da Cunha.
EUCLIDES DA CUNHA
Até o Espírito Santo
(Beija as mãos da República, que o faz acariciar sua Buceturna)
Amor, Ordem e Progresso. A República é uma Imortal !
95
7º MOVIMENTO: BAHIA
1 - no espírito santo diante da bahia de todos os santos
solilóquio
2 - canto de recepção a todos os santos
3 - recepção no porto
4 - encontro com um ferido
5 - introdução forte do trenzinho caipira para queimadas
6 - palimpsestos ultrajantes: vão sendo gravados a carvão os reais problemas, impedimentos, sentimentos, fúrias
7 - tanquinho - foco em euclides e no general carlos eugênio
8 - 3 bruxas zabaneiras fazem profecias ao marechal bittencourt diante das chuvas de novembro
9 - resort de monte santo
10 - exaltação das patas dominadoras do burro
11 - shote-reggae da engrenagem orgânica dos comboios dos burros, na roda da fortuna cirandando a guerra
g(r)an(h)a energia tudo vai se transformando
96
1 - NO ESPÍRITO SANTO DIANTE DA BAHIA DE TODOS OS SANTOS
SOLILÓQUIO
(Euclides está já no navio, chegando à Bahia. Música maritime, o dia vem nascendo. Começa escuro até uma
alvorada de luz. A Imagem da República permanece ao fundo.)
EUCLIDES DA CUNHA
Eu nunca pensei que fosse tão calorosa a noção de “Pátria”,
que encarnasse em síntese tão admirável essa afeição,
que nos anima, nos consola, a nós,
que nos afastamos de lares intranqüilos,
para a agitação da guerra entre dois tão diferentes estilos.
Aqui à bordo do “Espírito Santo”, ouço na nossa chegada o canto do mar,
(as sereias cantam)
mais próximos do solo do sertão que em breve vamos pisar,
onde a República com segurança vai dar,
o último embate ao monarquista bárbaro e impertinente.
Nossa ! Que vejo ! ?
Pras bandas do ocidente, erguem-se nesse instante,
em contraste com o dia brilhante que nos rodeia,
no lado oposto dessa manhã que incendeia:
cúmulus pesados, precisamente, do lado do sertão !
(Nuvens pesadas surgem no horizonte.)
Sensação de violentos tornados,
grandes nuvens desenrolando-se silenciosas,
fazendo-nos sentir saudades mais tormentosas.
(Observa o rosto do público diante de nuvens projetadas bolhando nas alturas)
Canudos, Nossa Vendéia, se esconde numa larga manta nublada
avultando como uma emboscada…
Nos deslumbramentos dessa manhã tropical recém-nascida
esta manta embuçada em breve será rompida,
à fulguração de Metralha,
num cintilar vivíssimo de espadas,
em luzes brancas de Mortalha ! O Cosmos dá o sinal:
A República, é Imortal.
(A Luz termina com a Imagem da República como a estátua da Columbia Pictures)
2 - CANTO DE RECEPÇÃO A TODOS OS SANTOS
(Formando uma Bahia de Santos.)
CORO DE TODOS OS SANTOS
Saravá !
Nós, todos os Santos bendizemos São São Paulo !
Pela primeira vez nesta Missão,
Santo Irmão !
Vem Santa Amazonia !
Vem São Pará !
3. 000 mortais
300 Oficiais, Imortais.
BAHIA EULÂMPIA
Comandante de Brigada General Carlos Eugenio de Andrade Guimarães
do General Arthur Oscar Irmão, eu, mãe das mães…
CORO DE TODOS OS SANTOS
…de Santo Irmão pra Irmão
Bem-vinda Santa, Redentora, Divisão Salvadora !
97
3 - RECEPÇÃO NO PORTO
(O porto está cheio, uma recepção maior que a de Moreira Cezar. O Marechal desce do barco sem dar a menor
importância aos que querem homenageá-lo, aos aplausos, aos lenços, à Música triunfal. Baixa um silencio
constrangedor. Entra a música sagrada do órgão, muito remota ecoando de Todos, de onde sai a energia do
Marechal. Depois de um silêncio que enche o ar todo, a ação de sua emoção de Grande Intendente)
MARECHAL BITTENCOURT
Esse mundo todo é uma imensa Casa da Ordem,
e a História uma variante da escrituração dos sargentos.
(A mídia que vai viajar com seu estado maior, anota o que diz com estranheza. Seria um gênio, um Nelson Rodrigues
antecipado ?
A Declamadora, ‘diseuse’ vestida como Isadora Ducan, uma Maria Betânia, descalça, da Época, sobe num palquinho,
todos a adoram, para declamar um poema para o Marechal)
UMA JOVEM DA ARISTOCRACIA REPUBLICANA
De Euclides da Cunha, aos 16 anos,
à Saint Just !
(imagem no Vídeo)
Quando a tribuna a ele se ergueu,
rugindo, ao forte impulso das paixões audazes
- ardente o lábio de terríveis frases,
e a luz do gênio em seu fulgor surgindo…
(a luz tudo ilumina como um milagre)
A tirania estremeceu nas bases,
de um rei na fronte escorreu, ferindo, um suor de morte
e um terror infindo gelou o seio aos cortezãos sequazes
Uma alma nova ergueu-se em cada peito,
brotou em cada um, uma esperança,
de um sono acordou, o firme, o Direito
e a Europa - o mundo
– mais que o mundo, a França
– sentiu numa hora sob verbo seu
as comoções que em séculos não sofreu !…
(O público do porto aplaude histérico. O Marechal passa os aplausos para Euclides. A cena se congela nos aplausos
e foca no Marechal que tem seus pensamentos em off.)
MARECHAL BITTENCOURRT
Versos flamívomos, oradores explosivos dispenso,
estrondam-me em torno,
me ferem mais que bombas
deflagram meus ouvidos,
esse estrepitar de palmas, aplausos, ouço-os aparentemente indiferente
mas muito contrafeito.
Não sei respondê-los.
Tenho a frase emperrada e pobre.
Além disso, tudo quanto saia do passo ordinário da vida,
não me comove
desorienta, contraria-me, demove-me.
4 - ENCONTRO COM UM FERIDO
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UM FERIDO
Sou recém-vindo da luta.
Pela Pátria, atenda:
requiro uma transferência
ou uma licença.
SECRETÁRIA ORDENAÇA DO MARECHAL
Tem atestado médico ?
UM FERIDO
Não.
SECRETÁRIA ORDENAÇA DO MARECHAL
Nada feito, não adianta,
o Marechal Bittencourt não dispensa a formalidade de um atestado médico.
UM FERIDO
E se eu lhe puser à vista esse rombo de um tiro de trabuco
Essa cicatriz sangrando nesse meu rosto maluco!
(Arranca as ataduras do rosto, e mostra ao Marechal)
MARECHAL BITTENCOURT
(Muito delicado e frio)
São coisas banais, do ofício.
Secretária, encaminhe esse cidadão
ao funcionário competenete, que regularize esta situação imediatamente.
(O Marechal encaminha-o para o hospital.)
5 - INTRODUÇÃO FORTE DO TRENZINHO CAIPIRA PARA QUEIMADAS
CORO VILLA-LOBOS DA DIVISÃO SALVADORA
Terra estranha
Outros hábitos
Outros quadros
Outra gente
Outro povo
Outra língua
Me sinto fora do Brasil.
Pátria nós teus filhos
armados até os dentes,
buscando nossa Terra
ao sons da nossa nova guerra
despedaçando
tuas montanhas
escacarando
tuas entranhas.
desmatando
queimando, queimadas
queimadas, queimando
queimadas queimadas…
Queimadas.
(Descem do Trem. O órgão novamente ressoa pelo espaço.
MARECHAL BITTENCOURT Sorri orgulhoso de sua generosidade religiosa, de Santo da Ordem, para o público.
Música bela e respeitosa do órgão, enaltecedora da figura que se confessa ao órgão, à platéia das Galerias. Fala com
o público. VIDEO MOSTRA SEU QUADRO OFICIAL NO VATICANO MILITAR)
99
EUCLIDES DA CUNHA
Marechal pra essa emergência o senhor, é o Protagonista, concordem !
Sua presença neste tempo de guerra, inspira um lema sagrado da nossa Bandeira: a Ordem !
MARECHAL BITTENCOURT
(para os soldados e para o publico)
O senhor está enganado, não sou o Protagonista não,
mas o Coadjuvante, o Intendente.
(diante do retrato do Marechal Bittencourt)
Hoje eu sou o Patrono da Intendência do Exército Brasileiro,
meu bom senso, faz com que eu apanhe, por inteiro,
as exigências reais da luta.
A menos valiosa, nem se discuta,
a acumulação de um maior número de combatentes na disputa.
Eu mesmo dou o exemplo,
não vou seguir para a frente da Batalha.
Mais gente na região conflagrada, só atrapalha.
Vão compartilhar as mesmice das provações no fronte
concorrendo todos à penúria comum, prum total desmonte.
Sou o diretor de cena, o produtor,
o incansável administrador,
o humilde deputado do Quartel-Mestre-General
de uma campanha em que é chefe supremo
meu inferior hierárquico, o General Arthur Oscar.
O que é preciso combater a todo o transe,
e vencer,
não é o jagunço,
é o deserto.
(o órgão pára de ressoar)
Imprescindível dar à campanha o que ela ainda não teve:
uma linha e uma base de operações.
Reina harmonia e competência no meu acampamento
porque ninguém discorda de meu planejamento.
6 - PALIMPSESTOS ULTRAJANTES
(Vídeo:
MAS O DESCONTENTAMENTO IMPERA NA CASERNA,
O ÚNICO MEIO DE COMUNICAÇÃO: SECRETA BADERNA.
Vêm bastões fortes de carvão que o público e a tropa podem apanhar, dentro de uma cerimônia solene, que a música
sacra furiosa mantém; o chão se abre e os muros do subterrâneo se transformam nas TELAS de expansões do que
está retido, da fúria do tabu querendo virar Totem.)
MÚSICA SACRA CENA FÚRIA SACRA
CORIFEU
Harmonia no Acampamento ? !
Tá Viajando o Elemento !
Grafitar, Rebelados, o quanto antes
PALIMPSESTOS ULTRAJANTES !
COROS EM VÁRIOS RITMOS PALIMPSESTOS
Grafia bronca,
colhe em flagrante
o sentir deste instante
100
Nos palimpsestos ultrajantes !
(Muros PALIMPSESTOS começam a ser grafitados)
SOLO
Nas capelas: telas, amurados
descarreguemos nossos pecados.
Literatura bronca de soldado.
Tatuar o que vier na veneta,
à carvão, à baioneta !
Tatuar o que vier na veneta,
à carvão, à baioneta !
Grafia bronca,
colhe em flagrante
o sentir deste instante
Nos palimpsestos ultrajantes !
Blasfêmias fulminantes,
brados retumbantes !
Onda escura de rancores,
retidos amores.
Trocadilhos ferinos,
enrustidos libertinos.
Chora, tatua teus muros
e entra nas casas, faz furos.
Chora, tatua teus muros
e entra nas casas, faz furos.
Grafia bronca,
colhe em flagrante
o sentir deste instante
Nos palimpsestos ultrajantes !
Pornografias fundas,
arrancadas das bundas,
Poesia de Banheiro
Glória, do mundo inteiro!
Memórias, brasileiros
gravadas nos imundos banheiros.
são Pauta da Ação
de direção, de produção.
7 - TANQUINHO
FOCO EM EUCLIDES E NO GENERAL CARLOS EUGÊNIO
(LUZ SE FECHA NO TANQUINHO E NO JARDIM. Tabuleta ou projeção com o Nome da Vila. A Luz partindo do
Tanquinho ilumina o entorno, onde os que seguem para Monte Santo se encontram com os que voltam de Canudos,
feridos, no objetivo comum, água. LUZ FÓCO na água bebida pelo General Carlos Eugênio e em Euclides da
Cunha, que está com uma capa sobre terno elegantíssimo, inaugura um completo de linho branco com botinas
muito bem engraxadas por seu ordenança Jaguncinho. Mas está com os primeiros sintomas da maleita. Golfada de
feridos, vindos de pra onde a Divisão vai indo; os feridos a pé se encontram Euclides o o General Carlos Eugênio.)
GENERAL CARLOS EUGÊNIO
Tchê, região coalhada de feridos !
101
Nós bem montados, abastecidos !
Tchê, imagine essa gente seguindo a pé
sem um bastão incendiado de fé.
EUCLIDES DA CUNHA
Cada vez que se pára
a guerra me encara,
é febre ou é calor… Ah !
Como era bom ser só doutor.
GENERAL CARLOS EUGÊNIO
É mistério ser chamado pelo irmão
para a mesma vocação.
No nosso sangue, de Arthur e do meu
corre por Deus
a Arte Militar,
mas este Tanquinho dentro de mim está a jorrar
tem mais arte, sinto agora, meu caminho vai mudar.
Sera que Arthur Oscar
Vai concordar?
EUCLIDES DA CUNHA
(olhando as ruínas do lugar)
…é solo brasileiro…
(Comovido)
foi destruído inteiro !
(Mas, de repente, seu olfato sente)
Que cheiro ! Alecrim-dos-tabuleiros !
(Como uma criança descobrindo, corre pro Tanquinho)
Tanquinho ! Que pequenininho !
Aqui as raízes fizeram teias
libertaram o solo da sucção das areias !
GENERAL CARLOS EUGÊNIO
Raízes solidárias querem transbordar,
estancar essa golfada sangrando
na terra sem parar.
(À sua borda, marginal à estrada, sesteiam dezenas de feridos. Todos se aproximam e tentam beber.)
8 - 3 BRUXAS ZABANEIRAS FAZEM PROFECIAS AOS SOLDADOS FERIDOS OU NÃO, DIANTE DAS
CHUVAS DE NOVEMBRO E DO MARECHAL BITTENCOURT
(Começa uma chamada de cuíca e percussão de magia, uma fumaceira, e surgem três feiticeiras de Macbeth, três
bruxas adivinhas, fazendo defumação. A tarde vai caindo até a escuridão iluminada pela fogueira delas que tem um
caldeirão com pinga em cima do fogo.)
3 BRUXAS
(gargalham)
Aqui na Zona até novembro vem a estação torrencial
o Vaza-Barris intumesce feito um pau.
Uau ! Uau !
Aí piora ! Ah Piora !
(Pausa. Duas fazem Defumação no Local, o Teatro. Uma fica no atabaque.
A tarde vai caindo até a escuridão iluminada pela fogueira delas e que tem um caldeirão com pinga já no fogo,
para se sentir o cheiro e vão pouco a pouco se relacionando com o teatro inteiro para compensar as más vibrações
que virão… Bem caboclas, bem bregas, bem umbandistas ciganas… Vão defumando com chocalhos xamânicos nas
mãos e folhas secas…)
102
Tórrentes se éxtinguirão
em ardéntíssima cómbustão.
Na seca rétornada
cada lagoa chórada
vai déstilar fébre
repróduzindo feito lebre
germens dos infernos vindos,
infinitas crias em cada ponto parindo.
SOLO
Basta um raio di sol e pronto:
vão cair, sobre a tropa, miasmas,
bichos em festa fantasmas.
(Estão de novo tentando livrar os ares desta maldição; retornam ao ponto inicial em torno do caldeirão)
Em nóvembro dos escorpiões,
não mais restarão
nem batalhões
nem sertões.
MARECHAL BITTENCOURT
Até Novembro
não haverá de jagunço
cabeça, corpo ou membro
nem ciganas,
Microbianas.
AS 3 ZABANEIRAS
Podes escapar do Inverno
Mas não do désejo do Inferno
(pára a percussão)
Intendenti
rima com…
Ah ! Acidenti.
(Ordenando com os chocalhos ferozes, de féras)
Vá buscar Cabeção
a Cabeça do Conselheiro na tua mão,
tua cabeça também cairá
teu sangue vai rolar terno,
por todo claro do vosso terno.
Estás fadado
serás derrotado por bem ou por mal.
Dentro do barril de cachaça
(surgem 2 repolhos-cabeça)
a tua Cabeça e a do Conselheiro,
clamam em dupra: Desgraça!
(Mostram as duas cabeças e picam os repolhos numa mesinha de tronco. Gargalham. Volta a percussão alta e logo
abaixa a dinâmica para o Marechal falar. Elas passam a preparar a comida de Monte Santo. Um soldado quer
fazer continência pro Marechal, mesmo quase morto.)
SHITÉ DO CORONEL SERRA MARTINS FERIDO SEMI MORTO
Está entristecido Marechal ?
Sobrou um pouco de ração ?
Sou um troço em desencarnação.
Fantasma mal aprumado no ar
mas ainda posso fazer continência militar:
103
MARECHAL BITTENCOURT
Não te daria como comida nem prum animal,
carne podre, féde a incarnação do mal.
EUCLIDES DA CUNHA
Como você, sou um ferido,
sem saber onde, nem porquê,
tiritando sem querer, Maleita,
me dobra, me deita
me abriga ipueira
…Ah! a Mulher de Branco se abeira!
(Uma Mulher de Branco surge dançando em torno de Euclides, no Tanquinho)
Sombra voa
Dança, À toa, à toa…
MULHER DE BRANCO
À toa… À toa… À toa…
9 - RESORT de MONTE SANTO
(Vídeo:
RESORT DE MONTE SANTO
Da escuridão explode a Luz do Resort de Monte Santo. Bandeiras ondulantes, vibrações metálicas saúdam
possantes tambores em cadência triunfal ! Saudando todo espaço, um Ressort BRANCO, estão armadas as 2.000
tendas brancas. A Música instrumental explode num Barry White dos séculos 19, 20 e 21, de acordo com o ambiente
que lembra um show room; o Marechal, sempre à paisana, parece um empresário inaugurando uma feira moderna e
sóbria de Marketing. Vende a Guerra. Todos os convidados vem do norte para cortar a fita de inauguração. O povo
vai ocupar a praça que ficará repleta do povo e gentes atraídas de todos os lugares.)
CHEFE DA EQUIPE DE PRODUÇÃO E DIREÇÃO DE ARTE
Estão entregues: 2 mil barracas brancas
(os convidados se surpreendem)
avenidas alinhadas sem trancas.
(a fita de inauguração é cortada)
EUCLIDES DA CUNHA
Quem foi o artista ?
MARECHAL BITTENCOURT
Esses maquinistas.
CHEFE DA EQUIPE DE PRODUÇÃO E DIREÇÃO DE ARTE
O Marechal é um homem modesto,
veio tudo por escrito
é dele o branco limpo,
agora sóbrio, restrito.
(Os soldados maravilhados juntam-se aos bandos em torno de cornetas e tambores festeiros; começam
improvisando, comunicando-se musicalmente de um lado a outro do acampamento.)
EUCLIDES DA CUNHA
Parabéns, Marechal !
MARECHAL BITTENCOURT
Minha primeira modesta vitória neste pé da serra
minha coxia central nesta guerra !
ANIMADOR
104
(Discurso convite ao coquetel)
Acotovelemo-nos nestas praças belas,
aos esbarros pelas vielas,
ombro a ombro
que assombro !
todas posições sociais,
num happy hour demais,
Publico mistura-te a nossas atuações.
(Cena em que o público entra para o coquetel, e as personagens fazem as apresentações.)
Atuem como soldados simpáticos com armamento,
feridos e senhoras dançando no andamento !
Um coquetel não dispensa apresentações !
Lélis Piedade !
LÉLIS PIEDADE
Do Jornal da Bahia, Lélis Piedade.
Com os Comitês Patrióticos vamos trabalhar com vontade:
atender feridos, fugidos,
dar voz aos vencidos
em comum situação
lutando a sua maneira, cada qual pelo seu sertão.
ANIMADOR
Fávila Nunes !
FAVILA NUNES
A minha apresentação é franca
me chamam jornalista chapa branca
Favila Nunes da Gazeta de Notícias, do Rio !
Luta pela República Prudente de Moraes.
Viva Marechal Bittencourt, ele é demais !
CORO
Viva !
ANIMADOR
Euclides da Cunha !
EUCLIDES DA CUNHA
Euclides da Cunha pelo “Estado de São Paulo”
Na civilização não me enjaulo, nem no arraial: o Sertão,
O Brasil é arraial e civilização,
São Paulo, sem conversão !
Flávio de Barros, filma em movimento todos nós,
todos que estamos neste papel.
O Cinematógrafo é uma revolução
quem me dera escrever, filmando esta expedição.
MANOEL BENÍCIO
(desabafando)
Manoel Benício do Jornal do Comércio de Pernambuco.
(os seguranças impedem Manoel de falar)
ANIMADOR
O Sr. não está protocolado neste cerimonial republicano !
(o Marechal dá ordem aos seguranças de liberar o jornalista)
105
MANOEL BENÍCIO
Minha pena na liberdade batuco,
mas me ponham no esquife
ou me exportem pro Recife
tenho que escrever o que vejo
declaro que não desejo
aqui, onde a guerra é vendida,
minha expulsão,
por mim não está consentida.
(Vaias)
Mas aviso, Marechal, “O Rei dos Jagunços”, publíco e não é ficção.
Há uma outra nação,
em extermínio ou negociação.
EUCLIDES DA CUNHA
Ele escreveu um livro, armado na situação.
Honrado não pode ser castigado, por liberdade de expressão
(O Filme vai para o Marechal Bittencourt)
MARECHAL BITTENCOURT
Não é o coquetel para dramatizar nosso descontentamento.
Pois agora vivemos o grande momento!
Estamos conseguindo organizar
um corpo de comboios regular
ligando o exército em atuação
à nossa base, aqui, de operação.
A esperança agora em Monte Santo se alcança
na Ordem do Dia, está escrito “Mudança”.
10 - EXALTAÇÃO DAS PATAS DOMINADORAS DO BURRO
ANIMADOR
A grande apresentação do dia, sussuro:
Viva o Burrro!
(Entra um burrico meio Science, quer dizer, mais ou menos cyber sob Acordes Triunfais)
MARECHAL BITTENCOURT
1.000 burros mansos valem, na emergência, por 10.000 heróis !
Ah ! Salve a colaboração
dessa espécie tão caluniada.
Suas patas entaloadas,
sobre as crises crescentes
vão esmagá-las, inclementes.
ANIMADOR
A República finalmente, Dom Casmurro,
Recebe sobre seu dorso as patas de um Burro !
(O Marechal desfila com o Burro, levando-o até a República. Grandes Acordes republicanos acompanhados de
relinchos de burro e aplausos. O Burro sobe como numa charge da época em que se vê as patas de um burro
dominando “A Crise da República”. Imagem de Vídeo ao vivo será mais bela fundindo-se com a charge histórica.
Renée e o Burro, La belle et la bête: PROJEÇÃO : “A REPÚBLICA ESTÁ SOB AS PATAS DE UM BURRO”.)
CORO
Viva o Burro ! Viva o Burro !
Viva o Burro ! Viva o Burro !
106
REPÚBLICA
Oh patriotisme lirique! Est-vous pour toujours foutu?
Ça ronge mon coeur deçu !
Oh Cette Blague mauvaise de l’ Histoire
Mais il faut tout faire pour ma Gloire!
Voilá je sui prête
Pour faire foutre cette scene de bête!
11 - SHOTE-REGGAE DA ENGRENAGEM ORGÂNICA DOS COMBOIOS DOS BURROS, NA RODA DA
FORTUNA CIRANDANDO A GUERRA G(R)AN(H)A ENERGIA TUDO VAI SE TRANSFORMANDO
(As belas barracas brancas do resort são transformadas nas cargas que vão para as costas dos soldados
transformados em burros, desfilando pela pista, formando uma engrenagem de comboios. No vídeo começam a
desfilar comboios infinitos em todas as telas, como a Roda da Fortuna, de belos burros carregando carga, numa linha
de montagem ao infinito, burros de 3.000.000 watts; o homem e o cavalo forçam, energia nuclear, digital, virtual
crescendo, a energia pela energia, a energia na ciranda do moto contínuo da guerra.)
MARECHAL BITTENCOURT
Todos já sentem novos ares,
Seguem pra Canudos, os primeiros comboios regulares,
desenrolando-se com os muares
num moto contínuo infindo,
indo e vindo
(Impaciente, de relógio em punho, e dando a voz de partida.)
Comboio, passou da sua hora, quinze minutos,
Vão ser descontados, matutos.
(Respirando)
Cada comboio que segue vale batalhões.
o combatente os recebe nos mais perdidos rincões
e pouco a pouco a vitória lhe chegando as mãos
destróindo vai-se a estagnação
o assédio não está mais paralisado,
pelas últimas notícias, está totalmente ligado.
CORO
Agora a guerra se larga,
Valentes, troquemos pelos burros de carga
Cavalos de força: quilowatts
herói militar, vates,
todos desempregados,
o arremesso das brigadas,
só precisa, de bestas disciplinadas:
Entrem na nova cena. sem urros,
Viva os burros !
Viva os Burros !
EUCLIDES DA CUNHA
(Euclides em cima de um burrico, escrevendo nas costas dele)
A dezesseis léguas do centro da ação
o Marechal é de fato o diretor supremo da encenação.
Numa internet tosca virtual
nos beats do burro animal.
(Sai a Luz)
107
8º MOVIMENTO: CANUDOS BODES BACOS - DE 24 DE AGOSTO À 7 DE SETEMBRO
1- canudos bodes bacos - 24 de agosto
em canudos ocupado, na área da igreja velha, onde se faz a gira de coroar o bode joão de goya abade demônio
batuque
2 - no morro da favela
3 - jagunços e mandrágoras na igreja velha
4 - do alto do acampamento leste ocupando canudos
5 - na igreja velha o sino vai caindo e rolando
6 - sinofuzilaria sertaneja - sin(o)fonia
7 - suicídio da 32
8 - vingar a 32: canhoneio sobre a igreja nova
9 - no canto das torres caídas do arraial
10 - diante da trincheira jagunça, no morro fazenda velha
11 - despedaçamento
12 - trincheira 7 de setembro
13 - funerais de joão abade
108
1- CANUDOS BODES BACOS - 24 DE AGOSTO
EM CANUDOS OCUPADO, NA ÁREA DA IGREJA VELHA, ONDE SE FAZ A GIRA DE COROAR O BODE
JOÃO DE GOYA ABADE DEMÔNIO BATUQUE
(No Santuário, Conselheiro-Sileno e Beatinho-Satyro antam o vinho do São Francisco.)
CORO
Ditirambo ! Ditirambo ! Ditirambo !
BRAZYLINA
24 de agosto,
o Diabo tá solto !
Ou você muda ou vira encosto !
CORIFEU
IÓ ! PÃ !
CORO
IÓ ! Francisco Rio São !
Vinha da Ira Vaza o Sertão !
Baixa Vinho, deus da Atuação !
Vamos coroar nesta Ode
o nosso grande bode !
João Abade, orgya
Coroe-se e comande a folia !
João Abade, folía
Coroe-se o Rey da orgya !
(João Abade se coroa de bode)
2 - NO MORRO DA FAVELA
(O batuque deixa os oficiais e soldados loucos, que ficam pegos pelo fetiço do ritmo)
GENERAL BARBOSA
32, você e teus macaco !
Do alto da Favela, desçam, no ato.
(tocam alto os atabaques)
Essa doideira de Atabaque,
mata mais que um Ataque !
ALFERES ARTILHEIRO DUQUE ESTRADA E MAJOR FRUTUOSO MENDES
Oh! Vamos provar que valemos mais que um jumento !
É hora de cumprir o juramento !
(A Câmera foca-os através da Mira no Sino, que passa a ser a grande personagem agora.)
É uma ruina esse Campanário,
mas Thimoteo abala o Cenário.
3 - JAGUNÇOS E MANDRÁGORAS NA IGREJA VELHA
BEATINHO SATYRO
Da Favela à Ribanceira,
vem descendo a Matadeira !
(O Sineiro pendurado na Corda do sino, badala bêbado transfigurado, chamando os sertanejos, para um ataque
báquico.)
JOÃO ABADE
(Coroado de Bode, da roda vê, (e câmera também na mira) o General João Barbosa espionando com o menino Bicho
Diabo como escudo.)
109
Ave-chumbo, direta pro Degolador
na mira dourado esplendor.
MANDRÁGORA
Não! O anjinho Serafim está de refém.
(Bicho Diabo atira, o General Barbosa cai. Médica Terra chega até ele. O menino tenta fugir mas é pego.)
JOÃO ABADE
Serafim deu fim antes de mim, ainda bem!
Mas vai apanhar continuar vivo refém.
4 - DO ALTO DO ACAMPAMENTO LESTE OCUPANDO CANUDOS
GENERAL ARTHUR OSCAR
(Para a direção dos tiros)
General Menelau foi ferido,
revide imediato, renhido.
Grande peça detona !
Acerta no Badalo da Cona !
MAJOR FRUTUOSO MENDES
Fogo !
5 - NA IGREJA VELHA O SINO VAI CAINDO E ROLANDO
(A 32 atira. O badalo do sino é atingido, despenca câmera-lentamente descendo com o sineiro, que chega ao chão
sobre o sino abraçado, rolando, rolando, rolando, masturbando o badalo para tocar. Beatinho Satyro quer tirar
Conselheiro nos braços, raptando-o.
Conselheiro Sileno gira com as Mandrágoras Bacas, como se o Canto Báquico detivesse o Inimigo)
CORO
Timóteo, abraça
Sino, arruaça !
Chama Multidão !
Vem Possessão
insistente,
vem, Dionisio Combatente
(as Bacas tiram da adega subtarrânea do Vaza Barrís, um Barril de vinho, que vaza. Milagre !)
CONSELHEIRO SILENO
Diabo! Deus do Hoje,
do teu Umbigo !
Castiga,
Brinda o Inimigo !
(Apanham Taças Brindando)
No Terreiro que arde
todos de Fogo
no Fogo da tarde !
CORO
Vaza Barril
Vaza Vinho do Brazyl !
Mel Vermelho !
Mel Vermelho !
6 - SINOFUZILARIA SERTANEJA - SIN(O)FONIA
(Os sertanejos mandam uma fuzilaria de copos de cristais brindando milhões de sinos de Dionísio atirando,
abastecendo-se literalmente no Barril Vazando, da Fonte para todos. O exército responde com uma fuzilaria de tiros.)
110
CONSELHEIRO SILENO
Sertanejos sátiros bacantes,
soldados atacantes
brindem
pela noite adentro até o amanhecer
não parar mais de beber
Sonho da Guerra do Amor
Trepar com o adversário, por Baco, sem dor !
(Os sertanejos vão até o limite da Linha Negra; com uma dança báquica, com todas as taças e o vinho derrubam
a Linha, desfazem os limites. Todos os soldados se põe a beber o Vaza Barris, no milagre do Vinho, todos bêbados,
ouvindo as badaladas enquanto a luz gira três dias; os guerreiros num delírio báquico se amam, se mordem, se
afastam, numa gira de explosão da Peste da Paixão no meio da Guerra. Depois dos três dias, um soldado põe o
Barril vazado na adega sertaneja.)
BEATINHO SATYRO
Embriagados soldados, oficiais
fuzilaria de brindes, 3 dias seguidos querendo mais !
(soldados e sertanejos sátyros e bacantes ocupam toda a pista para um grande brinde à Matadeira e ao Sino)
JOÃO ABADE
À Matadeira !
SERTANEJOS E SOLDADOS
À Matadeira ! Aleggro ma non troppo !
Brindemos nossos Copos !
SANTA BACANTE
Ao Sino !
SERTANEJOS E SOLDADOS
Morre o Sino, morram os dois !
Mata de Amor Thimótéo, a trinta e dois !
(Levantam o Brinde em direção à 32. Silêncio. Satyro e Sertanejos pãs bacantes copos transbordantes. o CORO DE
DEMONIOS E SOLDADOS vai matando a 32, com o progressivo tocar do sino dos brindes nos copos.)
7 - SUICÍDIO DA 32
A 32
I die with the Bell’s ringing.
It’s beautiful, my ancestor
Two eras, in the battle of love,
horror under and above !
I hear the bells,
I love the bells !
I know I’m the death machine,
but we commit suicide together.
I go to my future back,
I will be reborn as the sound track…
(Timótheo e a 32, JUNTOS, na última respiração.)
A 32
TIMÓTEO
The sound track
O som do treco
(Desmonta-se a máquina desmaquinada, desconstruída, destrambelhada que solta fumaça e morre como um ser vivo.)
111
SERTANEJOS E MANDRÁGORAS
Evoé!!!!
GENERAL BARBOSA
(ferido, ordena que os soldados saiam do transe báquico)
Reponham a Linha Negra !
(os soldados ainda bêbados nada fazem. Barbosa atira para o alto e eles repôem a linha)
Fogo !
(Artilheiros da matadeira: Alferes Duque Estrada e Major Frutuoso Mendes tentam detonar, sem conseguir; olham
espantados o canhão.)
EX-ARTILHEIRO DA MATADEIRA ALFERES DUQUE ESTRADA
Mas o que é isso ?
Cumpriu sua derradeira missão ?
Uma pecinha, o obturador do canhão…
GENERAL BARBOSA
Quebrou-se por psicotecnossomática emoção ?
EX-ARTILHEIRO DA MATADEIRA MAJOR FRUTUOSO MENDES
Emudeceu por amor ao sino, seu velho irmão !
Inventor da comunicação !
(o exército e os sertanejos cobrem e enterram a 32 e o Sino)
8 - VINGAR A 32: CANHONEIO SOBRE A IGREJA NOVA
ALFERES DUQUE ESTRADA E MAJOR FRUTUOSO MENDES
Então torres gêmeas,
a Macha e a Fêmea,
estão por nós juradas.
Seja nossa Rainha 32 vingada !
(entram as Krupps)
Porra ! Nós juramos as Torres Gêmeas, juradas !
Essas munições vieram todas erradas !
TROPA
Granadas ?!
MAJOR ARTILHEIRO FRUTUOSO MENDES
Balas-cagadas !
ALFERES DUQUE ESTRADA
Vamos gastar logo essa bosta,
cagando na igreja nova, na crosta.
Fogo !
(Canhoneio forte incessante sobre a Igreja Nova.)
ARTILHEIROS DUQUE ESTRADA E MAJOR FRUTUOSO MENDES
O quê ?
Caíram as Torres Gêmeas ?
Já vi essa cena ! ! !
As Torres Gêmeas da Igreja Nova !
Das miras altíssimas, fomos libertados !
112
Sitiados, não seremos mais fulminados ! ! !
(a tropa comemora. Abrem-se as janelas da Igreja nova, massacrada desmassacrando-se)
SOLDADO
Acabou inimigo, o teu encanto.
O arraial enorme, é só um canto.
Vaia ! Vaia em quem não vale mais nada,
vaia na jagunçada.
(Vaia imensa.)
9 - NO CANTO DAS TORRES CAÍDAS DO ARRAIAL
(As Mandrágoras recebem as vaias como Divas Altivas.)
MANDRÁGORAS
Altas Esbeltas Celtas
no firmamento azul arremessadas,
acendam em noites estreladas,
alcancem as cestas de nuvens de véus,
basquetes de rezas, bolas do inferno, pros céus.
10 - DIANTE DA TRINCHEIRA JAGUNÇA, NO MORRO FAZENDA VELHA
(no Vídeo: 7 de setembro de 1897)
CORONEL OLIMPIO DA SILVEIRA
Atiradores pelos dois flancos,
desçam pelos barrancos !
Fazenda Velha endemoniada…
Em cinco minutos,
a casa onde morreu César, será vingada !
Ave Cezar !
TROPA
Ave Cezar !
(Os soldados descem vindos das laterais, até as trincheiras da Fazenda Velha.)
11 - DESPEDAÇAMENTO
(Atacam a trincheira, de onde vem uma carga de balas, mandada por João Abade. Surpreendido, é cercado e
capturado na Trincheira do Alto do Mario. Os soldados pegam o Bode para o sacrifício. Estraçalham-no: pés, braços
e cabeça. Atiram suas partes para os sertanejos do outro lado da Linha negra.)
12 - TRINCHEIRA 7 DE SETEMBRO
(Olímpio de Silveira toma o espaço do Bode João Abade, euforia da soldadesca.)
CORONEL OLIMPIO DA SILVEIRA
Hoje dia 7, te batizo: “Trincheira Sete de Setembro”
GENERAL BARBOSA
Tomar o terreno !
CORONEL OLIMPIO DA SILVEIRA
Independência, do leste,
até o corpo do oeste !
(A Linha Negra é redesenhanda ampliando o terreno conquistado pelo exército: Leste, centro, penetrando agora o
oeste.)
113
CORONEL OLIMPIO DA SILVEIRA
Independência ou Morte !
TROPA
Independência ou Morte !
13 - FUNERAIS DE JOÃO ABADE
MANDRÁGORAS BACANTES
João Abade ! ! ! Foi despedaçado !
(chegam até os pedaços do corpo de João Abade, cantando o canto do Bode)
Tomba um Sonho rasgado.
(no video entra a projeção do Bode Coroado de Goya)
BODE JOÃO
Reconstrói outro dos pedaços encontrados.
João Diabo
Conselheiro
me fez Padre
me chamou
de João Abade.
CORO DE MANDRÁGORAS
Por Amor ao Diabo,
e ao Abade do Rabo,
Canta a Tragédia
o canto do Bode !
(Todos improvisam a ode aos Bodes, com imprecações. As Bacantes oferecem os pés ao Bode. Ele pega o esquerdo,
pega o pé direito. As Bacas oferecem os braços, ele pega um braço, pega outro. Recebe o rabo do Bode. Elas
oferecem os chifres. Ele se coroa)
Fúria ! Fura, Bacante
Canta o bode Berrante !
Bale badalo de Sino de cabra,
Abracadabra !
(A pólvora com enxofre explode. Sinos da Cabra.)
114
9º MOVIMENTO: CHEGADA DA DIVISÃO SALVADORA
1 - divisão salvadora aproxima-se
2 - recepção na linha negra
3 - rotina - primeiros contatos: diálogos no arraial e acampamento
115
1 - DIVISÃO SALVADORA APROXIMA-SE
(Entra o Tema da Divisão Salvadora. O FOCO é uma cabeça de frade sangrando que Euclides fotografa
apaixonado.)
EUCLIDES DA CUNHA
(Anotando tudo em seu diário de expedição e em sua caderneta de campo; tem dois cadernos.)
Não vamos ver nem o fim ?
Vamos chegar numa guerra perdida
antes de vencida ? !
Trincheiras vazias da platéia ?
Jagunços deixam as posições na pré-estréia ?
Materiais abandonados antes do terceiro sinal…
Refluíram pro arraial.
GAL. CARLOS EUGÊNIO
Vamos aumentar a celeridade,
antes que a guerra acabe de verdade.
BRIGADA DOS NOVOS EXPEDICIONÁRIOS
Ô lôco, meu ! Tesão doido de um recontro fugitivo,
com a porra do adversário, ainda vivo.
EUCLIDES DA CUNHA
(De surpresa)
Na frente, mudo,
distante dois quilômetros: Canudos ! ! !
(Euclides tira o binóculo e começa a tremer. Entra no VÍDEO a Paisagem de Canudos. Foco no general)
GENERAL CARLOS EUGÊNIO
Chegamos a tempo.
Entremos avante pelo acampamento.
Candidatos à História,
agora não nos faltará,
ao menos, meia ração de Glória.
EUCLIDES DA CUNHA
(De binóculos)
O quê ? Erramos de acampamento ?
Estamos com o bando de Conselheiro ?
Que será de nós ?
(Apavorado com toda sua banda que está fardada, ele mesmo está com um traje elegantíssimo, sapatos engraxados,
brilhando)
Chegamos de sopetão
num vilarejo suspeito do sertão.
Homens à paisana !
Roupas insanas !
Mais percalços,
a maioria…
EUCLIDES E GENERAL CARLOS EUGÊNIO
D E S C A L Ç O S ! ? ! ? /&%@#
3 BRUXAS DO ACAMPAMENTO
(Que tudo ouviram o tempo todo, na sentinela vanguarda do acampamento, feito bruxas)
Assustados com as Bruxa maltrapilha ?
Às porta tecemo tranqüila
queimando achas de lenha.
116
O exército, meus filho,
se rendeu pras grenha.
Se amestiçou,
se amulherou.
Na guerra, se acabou !
CORO DA DIVISÃO
Não, mano ! Há um engano na rota,
isso é treta de jagunço ou de xoxota.
(As 3 Bruxas Gargalham)
SOLDADO DA DIVISÃO
Bruxas: Tua Feitiçaria é perdedora !
CORO DA DIVISÃO
Sumam ! Chegou a Divisão Salvadora !
2 - RECEPÇÃO NA LINHA NEGRA
GENERAL ARTHUR OSCAR
Santo Irmão de todos Irmão !
(Festa no Acampamento. Musica grandiloqüente gaúcha cinematográfica, pontuando o encontro dos dois irmãos
generais. O General Arthur Oscar vem correndo de cima, como um menino, encontrar-se com seu irmão; se abraçam
emocionados: Carlos Eugenio e Arthur. A aparência dos dois é oposta: um fardado, limpo, o outro com a farda tendo
a marca do cerco, sujo; uma força nova e uma força velha desgastada, trocando energias de sangue incestuoso.
Choram e riem de alegria.)
DIVISÃO SALVADORA
(Como um sub-texto secreto, físico, confessado.)
A musculatura de ferro da nossa Divisão
anseia se medir com o espernear da insurreição, tá entendendo ?
Cês que tão aqui desdos tempo inicial,
já tiveram uma puta glória animal.
Nós tá afim de lutar o quanto antes.
Somo paulista, somo atacante.
GENERAL ARTHUR OSCAR
Inútil despender mais vidas.
Vamos esperar a rendição pretendida.
DIVISÃO SALVADORA
Não, firmeza locão, mas só vai acontecer se nós tomá a decisão, tá ligado ?
GENERAL ARTHUR OSCAR
Respirem, paulistas, está calmo o acampamento
uma povoação pequena de um aldeamento
bem policiada, sem nenhum algoz,
nada que recorde a campanha feroz.
3 - ROTINA
PRIMEIROS CONTATOS: DIÁLOGOS NO ARRAIAL E ACAMPAMENTO
(Noite Velha, os soldados da linha negra, na tranqueira avançada do cerco, travam conversas com os jagunços.)
SOLDADO DO EXÉRCITO
(Entre a muralha e um fosso no vão, entre um lado e outro da linha negra, na Zona de Gaza, no estreito da trincheira.
Volta-se para o lado da praça e fala.)
117
Que saudade da minha nega, compadre Severino.
JAGUNÇO
Aqui não tem nenhum Severino, não sabe ?
Meu nome é Elvys José Sidney Science,
e o teu ?
SOLDADO DO EXÉRCITO
(Com voz amiga e carinhosa, como se velho camarada.)
Severino Suassuna Pelotas
JAGUNÇO
Pois é, Seu Séverino, eu não estou com muitas saudades não das minhas,
elas estão aqui me aperreando,
(rindo)
queria saber como é a tua.
(do âmago dos entulhos das igrejas)
UMA MANDRÁGORA
Seu Suassuna tem uma nega aqui,
que achou sua voz de artista.
OUTRA MANDRÁGORA
(Rindo debochando)
Não é nega não, é galega !
E Cabo Pelota, tá toda molhadinha !
(Uma batendo na outra na mesma tonalidade mansa, dolorosamente irônica, mas não querendo fazer muito barulho,
mas chamando ao mesmo tempo a atenção com suas gargalhadas, e seus Pissius ! Chut !)
JAGUNÇO SCIENCE
Dêem-se ao respeito diante do Inimigo, Zabaneiras !
MANDRÁGORAS
Vai te fuder Science !
SOLDADO DO EXÉRCITO
Não é tudo irmão e irmã. Você é batizado ?
OUTRA MANDRÁGORA
Pelo Vigário do Cumbe, pela Mãe Marilda, pelo Exu Boca Torta.
(Caem na gargalhada)
Tira a mão daí menina.
JAGUNÇO SCIENCE
O Comandante Suassuna está conversando comigo
Onde comandante nasceu ?
SOLDADO DO EXÉRCITO
Em Alegrete no Rio Grande do Sul
e o Comandante… como é… Science ?
JAGUNÇO SCIENCE
Yes, I am.
Na Bósnia de Tuparetama.
SARGENTO DO EXÉRCITO
Tem família ?
Eu tenho, mas é de amigado
118
minha mulher legítima me abandonou por uma prenda velha.
JAGUNÇO SCIENCE
Prenda ?
SARGENTO DO EXÉRCITO
Uma Chimarroa, uma mulher, tchê.
(Dá risada)
O Comandante está bem de vida ?
Já tem sua casa ? Os filhos estão na escola ?
Ganha bem ?
OUTRA MANDRÁGORA
Tá ótimo !
JAGUNÇO SCIENCE
Minha casa agora é aqui mesmo, nesse buraco.
Num sabe ? Gosto dessa aqui na linha negra ? !
E meus filho tão na oficina da jagunçada,
o Canudão, por aí nos piquetes.
MANDRÁGORA
(Rolando num cascalhar de risos abafados.)
Repara uma coisa, isso vai dar amigação…
(Dão uns gritinhos de sapatinha e viadinhos)
Diadorim ! Riobaldo !
SARGENTO DO EXÉRCITO
Estou aqui na conversa de amizade,
meu nome é Suassuna
Não sou de Pelotas não,
Zabaneiras de Merda !
JAGUNÇO SCIENCE
Não fala assim com Mulher,
sou filho de Nossa Senhora.
Tu vai engolir essa merda do meu Trabuco agora
(atira)
SARGENTO DO EXÉRCITO
Tu é um filho de uma china.
JAGUNÇO SCIENCE
China não, Xana, filho de uma Xana
e tu nasceu do que, filho de canhão ?
SARGENTO DO EXÉRCITO
O canhão eu vou mandar na tua cara de bunda e nas suas putas.
MADRÁGORA
Eu vou aí e te capo,
se é que tem alguma coisa pra capar aí nessa farda nojenta.
JAGUNÇO SCIENCE
A conversa é minha, não se mete, enfia essa faca na terra.
SARGENTO DO EXÉRCITO
Povo porco.
119
Vamos por um ponto final ?
(Manda uma bala)
JAGUNÇO SCIENCE
três pontinhos no cú do teu Marechal Bítencú.
(Manda três tiros)
SARGENTO DO EXÉRCITO
Uma rajada de peido no teu Conselheiro.
(Estronda um canhão.)
120
10º MOVIMENTO: TRIBUNAL INTERNACIONAL
1 - euclides na sua barraca próxima às conversas de rotina
que ele ouvia enquanto fumava e bebia
2 - “tribunal internacional para os crimes das nacionalidades contra a humanidade euclides da cunha”
depoimento de uma testemunha
3 - prisioneiros criancinhas chegando desfilando como numa passarela de moda andrajosa
canção das desgraças das criancinhas
4 - escrivão ordenança - brazyleirinho
5 - primeiro lutador a ser degolado
6 - de orangotango a titã: anjo negro
7 - a velhinha, as crianças e o palhaço
8 - hécuba euá
9 - dente por dente
10 - uma página de protesto
121
1 - EUCLIDES NA SUA BARRACA PRÓXIMA ÀS CONVERSAS DE ROTINA QUE ELE OUVIA
ENQUANTO FUMAVA E BEBIA
EUCLIDES DA CUNHA
(Trêmulo amaleitado. Tem as feridas das balas de Dilermando no corpo e um pano amarrado à cabeça como fazem
com os mortos e os febris.)
A Batalha decisiva vai matar !
O vitorioso em meu eu Republicano, vai chegar
meu bardo acobardado minha cabeça, trança, febril, desenlança !
Édipo sabe, Euclides !
Olha !
Vê ! Tira o lacre,
É o nosso próprio Massacre !
(Joga o caderno de anotações fora e os dedos que escrevem leva para os olhos como se tentasse se cegar como Édipo.
Imagem da Justiça cega nos Telões. VENDADA)
Ai de mim ! Ai de mim ! Édipo !
Tira as mãos dos olhos, vê anota Escreve, diz: Não arrego
Deixa de ser cego
(A Justiça da Projeção tira a faixa dos olhos, larga a balança e começa por ela a criação do Tribunal mundial, do
Deus sem juízo.)
Ai de mim ! Ai de mim ! Édipo !
Trêmulo transtornado,
Pega já tua caderneta, nefando !
(DILERMANDO FARDADO FERIDO COM ANA NA CAMA)
Vê tua amada amando Dilermando !
Vê a República a Terra massacrando !
2 - “TRIBUNAL INTERNACIONAL PARA OS CRIMES DAS NACIONALIDADES CONTRA A
HUMANIDADE EUCLIDES DA CUNHA”
DEPOIMENTO DE UMA TESTEMUNHA
(Letreiro projetado da Cena. Rufares e Abertura de um Tecno Ditirâmbico Tribunal do deus sem juízo da Multidão
Mundial. A cena da degola acontece dentro do Tribunal INTERNACIONAL HOJE: O TEATRO e ao mesmo tempo
na moita no meio da Caatinga em 1897. O Tribunal Internacional hoje, julga este crime. A Multidão do dia de cada
apresentação, constitui este tribunal, como jurados, carrascos, vítimas, juizes e réus. Euclides está ao mesmo tempo
em l897, na TENDA DO GENERAL JOÃO BARBOSA e no Tribunal Hoje. General Barbosa, ferido, está em uma
rede, com Bicho Diabo amarrado no chão ao lado. Há uma cadeira onde está escrito: Relator dos Direitos Humanos
do Governo Americano. Nela está assentado um estrangeiro que somente faz anotar, gravar… Sofre com o que vê,
mas tem de se mostrar imparcial. Há os estudantes de Medicina, já uniformizados como médicos, que contemplam as
cenas, além de Soldados Carrascos, Auxiliares, e a Secretária Escrivã. A Cena é muito intensa, pública, mas tem um
quê de segredo erótico. É dor-prazer co(a)ntada com Morfina. Uma Justiça ao vivo SEM VENDA.)
EUCLIDES DA CUNHA
(Afirmativo, com as mãos sobre a caderneta, mas ferido como na cena anterior, com a faixa na cabeça e tudo, vítima e
carrasco de guerra.)
Deponho aqui em Canudos, na minha caderneta
E agora, aqui, diante do planeta.
3 - PRISIONEIROS CRIANCINHAS CHEGANDO DESFILANDO COMO NUMA PASSARELA DE MODA
ANDRAJOSA
CANÇÃO DAS DESGRAÇAS DAS CRIANCINHAS
GENERAL BARBOSA
Traz os prisioneiros !
122
(Entram crianças prisioneiras. Bicho Diabo começa a reconhecer seus companheiros de Canudos.)
CANÇÃO DAS DESGRAÇAS DAS CRIANCINHAS
Somos as crianças dessa terra
Somos as sobras dessa Guerra
Somos os frutos da mãe terra
Somos os restos de toda Guerra
e só temos pra mostrar ao mundo
esse desfile “fashion” do tipo imundo
Não pedimos pra nascer
não pedimos pra nascer
não pedimos pra nascer
mas também não queremos morrer
CRIANÇAS
(para BRAZYLEIRINHO, criança com a cabeça encoberta por um trapo)
Risada aberta…
Rí em cheio
Um tiro me acerta
Me cala no meio.
(BRAZYLERINHO gargalha com a chaga aberta enquanto os soldados terminam com um longo suspiro.)
GENERAL BARBOSA
Refresco !
(as crianças sentam na posição clássica de repressão da FEBEM)
4 - ESCRIVÃO ORDENANÇA - BRAZYLEIRINHO
GENERAL BARBOSA
Vamos abrir as Comissões de inquéritos Republicanos
inquirindo criança de poucos anos.
Só vamos apurar a verdade.
Respeito a infantil ingenuidade.
Escrivã registre religiosamente.
Fala a criança, mas não mente.
ORDENANÇA ESCREVENTE
Nome
BRAZYLEIRINHO
Brasileirinho
ORDENANÇA ESCREVENTE
Idade
BRAZYLEIRINHO
(real de Ariclenes)
13 ano.
ORDENANÇA ESCREVENTE
Figura encolhida,
embrião de lumbriga.
Olho preto grandão
tipo jaboticabão.
123
BRAZYLEIRINHO
Me dá um cigarro.
GENERAL BARBOSA
O quê ?
BRAZYLEIRINHO
Senão, não falo.
GENERAL BARBOSA
Dá o cigarro.
Pode dar.
(Escrivão dá o cigarro, o menino espera o fogo, BRAZYLEIRINHO acende, traga e solta baforadas fortes, dá um
show de fumaça.)
ESCRIVÃO
(Escrevendo)
Suga o fumo, precoce
na bonomia de velho viciado, nem tosse !
GENERAL JOÃO BARBOSA
Você é um chefe de quadrilha ?
BRAZYLEIRINHO
Nós dançava quadrilha antes das estilha.
GENERAL JOÃO BARBOSA
Você participou da tentativa de matar a 32 ?
BRAZILEIRNHO
32 ?
Sei não ?
Contar, não sei contar não ?
GENERAL BARBOSA
Como vocês dizem ?
BICHO DIABO
Matadeira
GENERAL BARBOSA
Você participou da tentativa de matar a Matadeira ?
BRAZILEIRNHO
Nós não mata a mata é muito seco,
quase não tem mata nem matadeira.
GENERAL BARBOSA
Chega de brincadeira.
Seu tratante, isso não é informação!
É negaceio de embrulhão !
(Barbosa manda prender Brazyleirinho. Entra um soldado sobraçando a Comblain, a criança interrompe a linguagem
confusa, ininteligível, observa convicta entre o espanto geral.)
BRAZYLEIRINHO
Essa comblé não presta, é xulé
124
É uma arma à toa,
xixilada: sem vergonha, numa boa,
faz um “zoadão danada”,
mas não tem força, não é de nada.
Prefiro a manuliche cem por cento,
um clavinote de”talento”.
GENERAL BARBOSA
Tome então essa mannlicher.
(Um soldado tira as balas da Mannlincher e passa a arma pra Brazyleirinho que toma, maneja)
ESCRIVÃ
(Escreve)
Maneja com perícia de soldado atento.
Desarticula na maior agilidade fechos completos !
É seu brinco infantil predileto.
GENERAL DE BRIGADA CARLOS EUGÊNIO DE ANDRADE GUIMARÃES
O senhor atirou com ela, em Canudos ?
ESCRIVÃ
(Envolvido)
Sorriso adorável,
Ah ! De superioridade dos sortudos.
BRAZYLERINHO
E por que não ?
Nas treta de miliano, no tribuzanado
havera de levar pancada, como boi acuado ?
E ficar moscando na Diamba,
enquanto os mano fechava o samba ?
ESCRIVÃ
Essa criança é uma aberração!
Quem te ensinou essa danação?
EUCLIDES DA CUNHA
(Euclides tem uma crise de metralhadora revoltante, levanta e fala.)
É aluno nosso perfeito,
reponta bandido feito,
à tona da luta,
carregando no ombro pequenino
treze anos de ondas milionárias de erros,
soma essa, escrivão, à tua cárie
cinco séculos de barbárie.
A campanha de Canudos dá prova nesse momento:
É ela a Aberração !
Qual é seu objetivo civilizador ?
Destruir um povoado do Sertão ?
Toda essa campanha será crime inútil, carnicería
se os caminhos abertos para a artilharia
não trouxerem abraçados aos nossos tempos libertários,
esses rudes amados compatriotas, ditos retardatários.
Meu deus, o que eu disse ?
Estamos vários,
o que está acontecendo com minha cabeça ?
Que a pressão dessas cenas não me enlouqueça !
125
(Respira tentando se conter.)
Desculpem-me todos.
GENERAL BARBOSA
Recolher !
(as crianças são levadas para fora do tribunal)
5 - PRIMEIRO LUTADOR A SER DEGOLADO
(Primeiro interrogado entra.)
ESCRIVÃ
Entra na tenda.
Comandante João Barbosa,
O que será jugulado, é fera perigosa.
Vem da fila de espera
(Para o lutador.)
É sua vez nessa era.
SOLDADINHO CARRASCO CORAÇÃO DE MÃE
Escrivão, sublinha
lutador de primeira linha.
(Maquiando o lutador que está de cabeça baixa. Ordenando, amigável, e delicado, sempre, com tesão.)
Alevanta a cabeça.
Olhem o olhar:
um inteiro a brilhar
o outro meio a sangrar
(O chapéu de couro começa a tirar, faz menção de se sentar…)
GENERAL JOÃO BARBOSA
(Amassa o papel do interrogatório, joga fora.)
Tirar o chapéu, sentar ?
Pensa que em sua casa está ?
Suprema petulância do bandido !
Pode ser brutalmente repelido !
Cabo de esquadra,
(O cabo se apresenta, faz continência.)
O senhor é o Famoso, por certas façanhas…
SOLDADINHO CARRASCO CORAÇÃO DE MÃE
(Bem pequenininho, do tamanho de uma criança ou de um anão, meio dengoso, sorri, tímido, sem jeito.)
Modéstia a parte.
GENERAL JOÃO BARBOSA
Como é teu nome de Guerra ?
SOLDADINHO CARRASCO CORAÇÃO DE MÃE
(Ri orgulhoso.)
Coração de Mãe.
GENERAL JOÃO BARBOSA
Coração de Mãe ?
SOLDADINHO CARRASCO CORAÇÃO DE MÃE
É que eu tenho a Tatuagem do Coração de Mãe no meu braço.
(Mostra a tatuagem.)
126
Eu sou um coração de mãe,
como a minha mãezinha, cabe tudo aqui dentro !
RELATOR DOS DIREITOS HUMANOS
Send greetings for your mother.
ESTUDANTE TRADUTOR
Mande lembranças pra tua mãe.
GENERAL JOÃO BARBOSA
Então Coração de Mãe, o que está esperando ?
(SOLDADINHO CARRASCO CORAÇÃO DE MÃE Sorri orgulhoso com a cumplicidade, adivinhando o intento do
General, apanha o baraço, a corda, e faz o laço para estrangular, com muita competência e tesão.)
EUCLIDES DA CUNHA
(Para o público do tribunal, ainda com medo do General Barbosa, vendo, horrorizado, febril, tenta uma objetividade
de jornalista do Brasil.)
Um cabresto de touro:
pode ser uma tira de couro,
um relho amarrado na ponta de um cacete,
usado pro chiqueiro de chicote-porrete,
impele-se a vítima pra diante com a faca
pra atravessar por cada barraca.
Ao mínimo sinal de fuga ou resistência
um puxão pra trás na premência
faz com que o laço se antecipe a faca de mola,
e o estrangulamento…à degola.
(O Coração de Mãe, leva para fora do Foco da Tenda, outra luz, a Presa. Leva para um buraco. Euclides segue em
l897, vendo a degola primeira, arquetipal.)
Fora, aos empurrões segue o guerreiro
com o estranho parteiro.
Na barriga da caatinga, vai o infeliz
abrir na minha vista a primeira cicatriz.
(Somem. Euclides acompanha. O fotógrafo Flávio de Barros tenta segui-los. É detido.)
GENERAL JOÃO BARBOSA
Não insista o diretor de fotografia, não vá lá o senhor.
Esta cena por enquanto é bela demais para ser divulgada no exterior
(FOCO EM EUCLIDES.)
EUCLIDES DA CUNHA
(Se escondeu em 1897. Reaparece e tenta olhar dos lados para não ser visto, começa a vomitar… e a tremer em 1897
e em 2006)
Chega à primeira vala deserta
uma cena vulgar obscena,
o soldado impõe à vitima uma fala que não o excita.
SOLDADINHO CARRASCO CORAÇÃO DE MÃE
(Fora de cena, num buraco.)
Viva a República ! Grita !
JAGUNÇO A SER DEGOLADO
Lutando, um tiro merecedor, dá brio
127
mas morrer a ferro frio ?
Não é da morte temor.
Não, é o nosso supremo pavor !
Noss’alma assim não se salva.
SOLDADINHO CARRASCO CORAÇÃO DE MÃE
Então, prometo a esmola de um tiro, mas custa uma revelação.
JAGUNÇO A SER DEGOLADO
Ninguém revela nada, não.
Afronto então mudo, a eterna perdição.
EUCLIDES
(Silêncio)
Os próprios jagunços, ao perder a liberdade,
conhecem a sorte que lhes cabe
no arraial desse processo se sabe,
o que contribui pra a resistência enlouquecida.
Poderiam se render a outros adversários, não serem suicidas,
mas diante dos que lhe oferecem tal sorte,
vão lutar até à morte.
Prólogo invariável, cena modelo:
agarra do lutador o cabelo,
dobra a cabeça, esgargalha o pescoço
põe a nu, exposta, a garganta,
o carrasquinho seduz, pede, canta…
SOLDADINHO CARRASCO CORAÇÃO DE MÃE
(Carrasco soldado repete.)
Viva à República, Filho Meu !
PRIMEIRO LUTADOR
Louvado seja Antonio com Deus !
EUCLIDES DA CUNHA
(Geme, se contorce, tirita de febre, segura a caderneta e a esconde.)
Pronto.
SOLDADINHO CARRASCO CORAÇÃO DE MÃE
(Como uma puta, um michê)
Mais outro, entre…
(Entra outro lutador puxado à corda.)
6 - DE ORANGOTANGO A TITÃ: ANJO NEGRO
(ANJO NEGRO Totalmente coberto de barro como uma estátua elameada, destruída, morrendo diante do Escrivão.)
GENERAL JOÃO BARBOSA
Isso não interrrogo, nem por bem, nem por mal,
seria uma ofensa a dignidade deste tribunal !
É um gorila !
Deus que me defenda.
Isso nem se questiona, morde ?
Ladra ?
CORO DO TRIBUNAL
Anjo Negro Zumbi,
dos raros puros daqui.
128
ANJO NEGRO
Na presença asquerosa
do general João da Silva Barbosa
Num recontro fui colhido,
empurrado, arfando, exausto, vencido.
Sou assim: espigado, seco, exato.
Desfibrada delato
o rigor da fome e do combate.
A magreza me estica encurvado num baque.
A grenha, crescida,
afoga minha cara fugida,
Cambaleio,
cambaleio claudicante, sem freio,
nariz chato, lábios grossos,
dentes, esmaltados colóssos,
olhos pequeninos,
vivos,
luzindo cristalinos,
das minhas órbitas profundas de macaco
meus braços oscilam como um Gorila de fato.
Deus me acuda
Deus me acuda
agrava mais a semelhança, minha carranca carrancuda.
GENERAL JOÃO BARBOSA
Coração de Mãe !
(O Soldadinho Carrasco Coração de Mãe, como é muito baixinho, pequeno na altura, custa a enlear o laço ao
pescoço do condenado, vai ficando nervoso, cai. O Condenado, porém, olha dentro dos olhos do Coração de Mãe
e auxilia-o tranqüilamente, apanha o nó já embaralhado enfia ao pescoço, pelas próprias mãos, jugula-se. O
condenado vai transmudando-se aos primeiros passos para o suplício.)
ANJO NEGRO
(Um blue, uma reza, cool jazz, com percussões longínquas, arcaicas, africanas, no som mixado do DJ.)
Little tyrant ! Take it Easy !
Envergadura abatida
aprume vertical rígida,
atitude cheia da graça
singularmente altiva da raça.
(O barro vai caindo.)
Ombro retraído
relaxe, distraído,
minha cabeça, firme,
gire, me confirme.
Dilate, meu peito, dance
meu olhar, num lampejo ilumina-me a fronte,
e alcance a nobreza da África Fonte.
RELATOR DOS DIREITOS HUMANOS
(Em êxtase, contorcendo-se, levanta-se de sua cadeira.)
Desse arcabouço repugnante,
num instante
despontam linhas terrivelmente esculturais,
plástica estupenda, o mais que o mais !
Um primor de estatuária, tudo que se ama,
modelado em lama !
ANJO NEGRO
129
Oh ! Stop baby !
Ok, ajeito esse troço.
(Já está saindo a maior parte da casca da estátua que vira conforme se aproxima da degola, humana, viva,
transhumana. Anjo Negro parte; entra seu som em off.)
Parto antes, Antonio Xamã
eu, velha estátua de Titã
há cinco séculos soterrada
agora desenterrada,
na imensa Canudos arruinada,
Ismael, escrivão, o eterno Arcanjo:
Negro Anjo,
Negro,
Anjo Negro.
(Vai cantando seu blue na direção morte. Ele se dá ao torturador, dobra o pescoço, lhe entrega a faca e cai degolado.)
7 - A VELHINHA, AS CRIANÇAS E O PALHAÇO
(Um Palhaço Mendigo, fazendo um numero de circo, uma Velha invadem a tenda. Ela dança amparada por uma
mocinha, com duas netinhas, menininhas num definhamento absoluto. Trilha eletro acústica da”Sombra Impertinente
do Remorso”)
GENERAL JOÃO BARBOSA
(percebendo a velhinha, as criancinhas e o Palhaço)
Quem deixou isso entrar ?
DUPLA: DUAS MOCINHA ENGATINHA
“Duas Mocinha que engatinha”
Sombra da vóinha que acende sua luzinha.
Dançarina do perigo
do amigo e do inimigo,
Joga Luz com seus esforço
na sombra Impertinente escondida dos Remorso…
(cantam pedindo esmola para o General Barbosa)
Se nóis não come,
nóis chorá de fome
De pé nós mais não anda,
Então criamo essa ciranda:
(o General dá balinhas de esmola)
“Duas Mocinha que engatinha”
Sombra da vóinha que acende sua luzinha.
(DANÇARINA EUÁ dança sua dança com uma lanterninha e um mundo na mão.)
GENERAL JOÃO BARBOSA
Vamos aplaudi-la, em sua dança ?
(Aplausos. Terminado o número, um silêncio)
DANÇARINA EUÁ
Não tem aí uns resto de marmita ?
(Acende sua lanterninha perguntando para o público.)
Quem tem uma brusa véia ?
(A Secretária Escrivã, num ataque, cospe uma bolacha no chão; a Velha vê e, tossindo, manda o Palhaço Mendigo
pegar e dá pra netinhas. Os soldados tiram de cena as meninas e a vozinha, dando pão a elas, que saem mordendo o
pão, e cantando sua cantiguinha.)
130
GENERAL JOÃO BARBOSA
(Chorando comovido.)
Não trucidamos mulheres, nem crianças,
mas a Degolação é mais prática, mais humana.
Sou um mutilado de guerra e eu sei,
mas o inquérito tem que ser feito, e dentro da lei.
Resume-se às perguntas de Convenção
necessárias ao nosso Serviço de Informação.
Nosso Estudante, Tenente do Estado Maior,
está relatando tudo pra Comissão de Diretos Humanos, de cor…
8 - HÉCUBA EUÁ
(um soldado entra com outra prisioneira: Hécuba Euá)
GENERAL JOÃO BARBOSA
(exibindo bondade)
Minha Senhora, Grande Matriarca Nordestina, Qual o seu nome ?
HÉCUBA EUÁ
Hécuba,
(espera a reação do General Barbosa)
a Rainha de Tróia !
A Megera, a Jóia !
Euá Euá Euá Euá !
GENERAL JOÃO BARBOSA
Viva a nossa Hécuba
(Todos aplaudem menos Euclides e o relator dos Direitos Humanos.)
Qual é o número de combatentes ?
(silêncio.)
Em que estado de saúde se acham ?
HÉCUBA DANÇARINA EUÁ
E eu sei ?
GENERAL JOÃO BARBOSA
Observem todos, estou querendo até ajudá-los,
mas nossa Matriarca não está colaborando…
De que recursos dispõem ?
HÉCUBA EUÁ
E eu sei ?
GENERAL JOÃO BARBOSA
Nossas leis, em casos excepcionais…
HÉCUBA EUÁ
Não vale nada perguntar tanto…
Quem quer saber muito é que sabe muito bem:
Vocês estão todos perdidos.
Não são sitiantes, são sitiados.
Não vão poder voltar, como as outras Expedição
vai ficar ainda mais Cegos
do que já são !
Cegos de ficar tateando à toa na bruma,
sua colunas…
(Enquanto Barbosa fala, Hécuba Megera Matriarca continua possessa, gritando –“Cegos ! Não são sitiantes, são
131
sitiados, estão presos, chumbados… não vão mais voltar, vão ficar ainda mais cegos, cegos de ficar tateando à toa…)
GENERAL JOÃO BARBOSA
Conseguiu irritar !
Matriarca ?
Megéra !
Bruxa Agourenta !
Diabo de Saia !
Virago !
Mulher Macho !
Rainha Lacaia !
De nós triunfadores, bem-querer não vai merecer.
Segurem essa Maluca,
Coração de Mãe, dá o cabo, degola essa Mãe do Diabo…
(Sai gritando, ouve-se somente o som, pelo caminho e debaixo da vala.)
HÉCUBA MEGERA
Louvado seja Antonio, vou pra baixo
Não te encontro mais lá no eterno,
vou de carro de Boi pro inferno,
mas não me Rebaixo.
Louvado seja…
(Sons da degola.)
9 - DENTE POR DENTE
EUCLIDES DA CUNHA
Isso não é uma campanha.
É uma charqueada.
General, não é a ação severa das leis, é vingança.
COMANDANTE MAJOR HENRIQUE SEVERINO
Meus amigos foram trucidados,
nas tocaias traiçoeiras, foram degolados,
no papel de cadáveres ainda ficaram apalhaçados,
como espantalhos
daninhos
à orla dos caminhos.
(Fogueira)
Uma criança debatia-se entre as chamas !
Eu Major Henrique o incêndio afrontei
Tomei-a nos braços, aconcheguei-a
(Abraça com um belo gesto carinhoso.)
GENERAL JOÃO BARBOSA
O único traço de heroísmo,
nessa jornada feroz de cinismo.
COMANDANTE MAJOR HENRIQUE SEVERINO
Salvei-a.
(Aplausos dos dois lados. Mas a criança está armada, aponta, olha bem no olho do Salvador e ameaça atirar.)
COMANDANTE MAJOR HENRIQUE SEVERINO
Porque guri ?
CRIANÇA
Vê se ri !
132
COMANDANTE MAJOR HENRIQUE SEVERINO
Vou morrer em poucas horas aqui,
Complete o trabalho, guri…
Não me arrependo… é meu destino,
eu major comandante Henrique Severino,
guerreio desde menino.
Consistente e valente.
CRIANÇA
E eu não ?
(A criança dá o tiro de misericórdia, termina o trabalho e foge)
COMANDANTE MAJOR HENRIQUE SEVERINO MORTO
Isso não se faz.
10 - UMA PÁGINA DE PROTESTO
EUCLIDES DA CUNHA
A piedade dos companheiros
alivia-os pra essa impiedosa selvageria.
(Para o público do Tribunal contra os Crimes das Nacionalidades contra a Humanidade.)
A púrpura do luto Chinês, vestem altaneiros
com as lágrimas lavadas no sangue vira lata dos brazyleiros.
(As Personagens do tribunal Militar da tenda da Rede do general Barbosa coagulam-se, no museu de Cera da
História.)
E depois porque temer o juízo tremendo do futuro.
A História não vai chegar mesmo aqui ? !
Afeiçoamo-nos,
vendo a fisionomia temerosa dos povos,
na ruinaria majestosa das cidades devastadas,
na imponência soberana dos coliseus ciclópicos,
nas gloriosas chacinas das batalhas clássicas,
e na selvatiqueza épica das grandes invasões.
O que tem demais este matadouro ?
À Favela não chega, certo, a correção dos poderes constituídos.
O atentado é público.
Conhece-o, em Monte Santo, o principal representante do governo,
o Marechal Bittencourt
e silencia.
Coonesta com a indiferença culposa.
Segue a cumplicidade tácita dos únicos que podiam reprimí-la,
amalgama-se a todos os rancores acumulados,
e arroja, armada até aos dentes,
em cima da mísera sociedade sertaneja,
a multidão criminosa paga pra matar.
Canudos tem muito apropriadamente, em roda,
uma cercadura de montanhas.
É um parêntesis
É um hiato.
É um vácuo.
Não existe.
Transposto cordão de morros,
ninguém mais peca.
Descidas as vertentes, em que se entala essa furna enorme,
133
pode-se representar lá dentro, lá em cima, lá em baixo, obscuramente,
um drama sanguinolento da idade das cavernas.
O cenário é sugestivo.
Os atores, de um e de outro lado,
negros, caboclos, brancos e amarelos,
trazem, intacta, nas faces, a caracterização indelével, multiforme das raças
e só podem unificar-se sobre a base comum dos instintos inferiores e maus.
A animalidade primitiva, lentamente expungida pela civilização, ressurge, inteiriça.
Desforra-se afinal.
Encontra nas mãos,
ao invés do machado de diorito e do arpão de osso,
a espada, a carabina.
Mas a faca relembra melhor o punhal antigo de sílex lascado.
Vibra-a.
Nada tem a temer.
Nem mesmo o juízo remoto do futuro.
CORO
Mas que entre os deslumbramentos do futuro caia,
brutalmente violenta, sombria,
esta página sem brilhos,
implacável e revolta, sem altitude,
porque a deprime o assunto
porque é um grito de protesto,
caia sombria,
porque reflete uma nódoa,
sombria
esta página sem brilhos,
sombria
implacável e revolta,
sombria
porque a deprime o assunto
sombria
porque é um grito de protesto.
134
11º MOVIMENTO: EMBAIXADA AO CÉU
1 - embaixada ao céu no camarote do anfiteatro
2 - arraial
Partida de vila nova
3 - conselhos de substituições
4 - camarote do amphiteatro
5 - decisão de antonio conselheiro
6 - camarote dos generais
7 - cenário de tragédia
8 - tiroteio/abalo nuclear
9 - nave viajeira
10 - cerco fechado
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EMBAIXADA AO CÉU NO CAMAROTE DO ANFITEATRO
(No camarote, numa barraca na estrutura superior, lado leste, de veludo vermelho com franjas douradas e apliques
amarelos, como um camarote. As Bandeiras do cerco estão quase todas levantadas, como um estádio cercado por
cortinas de palco italiano, menos no NORTE. Olímpio da Silveira comanda Bandeiras que poderão fechar o norte a
partir do OESTE, sentido horário, e o General Carlos Eugênio comanda outro batalhão com as bandeirolas-cortinas
que poderão fechar o NORTE a começar pelo lado LESTE, sentido anti-horário.)
OLÍMPIO DA SILVEIRA
Cobertores vermelhos, bandeiras, archotes…
Façamos o cerco aparecer pros generais, nos camarotes
formando em vermelha lista,
desenhando o mapa do cerco da conquista.
CORO DA TROPA
Resta apenas, antes das extremas unções,
o quadrante norte pros fujões:
as veredas do Uauá e Várzea da Ema.
A ação rápida dos ventos do tempo
nos guia, pra última Cena.
GENERAIS ARTHUR OSCAR E BARBOSA
Ninguém acreditava, a batalha já foi ganha
abra-se para o começo do fim da campanha.
(Música Muito Forte, sim-fônica de Vitória.)
GENERAL ARTHUR OSCAR
Bloqueio quase completo,
há extenso claro ao norte,
não reduz ainda o inimigo à morte.
Se não fecharmos as portas do Norte
essas represas em fuga abrem lá comportas.
Vão fugir: quem aposta, nesta Proposta ? !
GENERAL BARBOSA
Essa sua proposta,
é uma bosta.
GENERAL CARLOS EUGÊNIO
(ao Nordeste)
Temos que dar aos sertanejos,
estes caminhos, os mais benfazejos !
Nesse instante deixemos que escapem, há salvação.
Se a população fugir, não entraremos em perseguição.
GENERAL BARBOSA
Discordo !
(Suspense entre os militares, vão os sertanejos fugir ?)
2 - ARRAIAL
PARTIDA DE VILA NOVA
(No centro em CANUDOS)
ANTÔNIO CONSELHEIRO
Pelo baixo S. Francisco, zonas sempre desconhecidas,
fugas pra Várzea da Ema e Uauá são garantidas.
Quem quiser partir, é também amado,
e sempre bem será lembrado.
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(Silêncio)
VILA NOVA
(Com o livro de contabilidade na mão.)
Não. O Balanço final, bateu azul
não foi vermelho, não.
Ouro, sobre o azul.
Aqui na nossa mão
(Mostra ouro dos cofres de Canudos, que quer passar pras mãos de Conselheiro, que entretanto não solta das mãos
de Vila Nova)
Nossa glória, nosso prazer
é viver junto até o nosso morrer.
CONSELHEIRO
Não Vila Nova, vive junto com nosso viver.
Contabilidades, contas estamos cotados,
viva para esse conto, ser bem contado.
Não esqueça, não esqueço,
é só o começo
contabilidade de conta
que não tem preço
esse ouro faça dobrado,
cada vez mais dourado
pra luta do sertão de dentro
de fora, de todo lado.
(Vila Nova chora, beija Conselheiro, beija o chão de Canudos olha todos, vai sair. Pausa.)
ANTÔNIO CONSELHEIRO
Conta esse silêncio, o resto é ruído.
(Sai, todos se olham, ninguém o segue. Silêncio. Para os que ficam.)
A gorda força dos nossos adversários crescente
coincide com a nossa fragilidade nascente.
(Olhando para o lugar onde está Olímpio da Silveira, dirigindo-se aos mais frágeis e feridos.) Não é melhor feridas
mais queridas, fugir ?
Ir se escoando, pouco e pouco, às encobertas
Em bandos diminutos, pelas veredas ainda abertas ?
Os lutadores desembaraçados, na luta por vício
livram vocês, desse último sacrifício ?
FERIDOS ABATIDOS - 3 CEGUINHAS
Nós, ceguinha forte, já decidimo todas por um:
nos devotamo ao compreto jejum,
em pró dos que pode lutar e nos defender,
não vamo deixar vocês,
pois nóis vai vencer.
TODOS LUTADORES VIVOS E ANJOS
Não saiam de perto de nós.
Não vamos ficar sós.
NORBERTO CARIRÍ
Nossa maioria não é um trambolho,
nosso movimento não vai pro encolho.
Não é a Farinha quem vai decidir.
3 - CONSELHOS DE SUBSTITUIÇÕES
BRAZYLINA
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João Abade, João Grande, Timótheo Sineiro, nossos mais fortes guerrilheiros que desapareceram,
em nossos corpos vivem inteiros.
BEATINHO
De Guerra, que comandantes tem abertos o fiofó ?
MANDRÁGORAS
O Índio Cariri ! Sela ele, ao comando guindado !
(todos cercam apaixonados Norberto)
BEATINHO
Ficou entre os maiores
pela carência de outros pro mando melhores.
3 CEGUINHAS
Norberto tem qualidade é esperto.
O Último Cariri ! Aqui tão perto ? !
ANTÔNIO CONSELHEIRO
Certo !
Nosso coração ferido,
pra ti, Norberto, está aberto.
NOBERTO CARIRÍ
Meu guerreiro,
perdão, não estou a altura da situação,
mas a luta agora se fará com os que aqui estão
(Norberto pega a AK-47)
porque além de lutar, não vão poder mais tomar outra decisão.
(Norberto Carirí recebe as Faixas)
TODOS
Vem Alegria da Dor Feroz.
Vem Miséria, abatimento, magreza, falta de voz.
Vem dias de angústia, suportamo a crueldade
diante da porta aberta pra liberdade.
CONSELHEIRO
(Para o público e para os que não se decidem)
Para vocês é inexplicável ?
É mesmo impensável ?
Experimentemos a matéria desse êxtase, estático.
Não, não ponham neste instante um nome, nem o batizem de fanático.
Começo a ação do que chamam morrer
vi tombar o sino, as igrejas,
santos feito estilhas,
altares caídos, relíquias…
Meu organismo,
sem organismo
combalido
dobra-se ferido
de comoção violenta,
de uma caminheira.
De uma bala perdida na fronteira,
começa a viver o morrer,
frágil, enfrenta
requinta na abstinência
138
jejua, mas não aceita a continência.
4 - CAMAROTE DO AMPHITEATRO
(General Arthur Oscar do seu, ordena que em cada um, a Artilharia da Favela a seu lado, e a do 7 de Setembro,
através de uma chamada de Bateria de Sopro, comecem a movimentar-se para fechar o Cerco. Toque de Cerco. Os
três lados ao mesmo tempo que atiram, o cerco começa caminhar as bandeiras-cortinas cobertores vermelhos para
cercar o arraial inteiro, como uma procissão redonda de Teatro Italiano. De repente, percebem o olhar de Antônio
Conselheiro, estacam. Foca-se no Norte, um espaço grande de abertura que interrompe a procissão do cerco num
repente… e se liga em Conselheiro, lentamente.)
5 - DECISÃO DE ANTONIO CONSELHEIRO
ANTÔNIO CONSELHEIRO
Os olhos rodam 360 graus
Os olhos
(A última bandeirola pára quase se encontrando com a primeira. Há uma enorme ferradura na cena, o cerco começa
a se fechar. Conselheiro contracena com a seqüência dos últimos gestos do cerco pelo olhar. Os movimentos todos se
ralentam, o olhar de Conselheiro tem o poder de contracenar com a força de vibração assim com o todo. O ARRAIAL
atrasa ao máximo o MOVIMENTO DO EXÉRCITO, em guerra de energia, e vai determinando o ritmo do cerco: O
DO QUE QUER MANTER ABERTO E DO QUE QUER FECHAR. A partir desse ponto começa outro movimento.
Conselheiro começa a imobilizar-se de bruços, fronte colada à terra, entre as ruínas do templo.)
ANTÔNIO CONSELHEIRO
(para todos)
Vou seguir em viagem pro céu.
Resolvi me dirigir diretamente à Providência.
Vou me encontrar agora, com Deus.
Já deixei tudo roterizado com a maior antecedência.
Sinto muito, vocês soldados vão cair agora na maior apertura,
não vão por um tempo poder sair do lugar em que escolheram nessa tortura
nem mesmo para fugir apressados.
Estão todos tomados
cegos de amor nas trincheiras,
nos camarotes, nas troneiras.
Vão ficar pra expiação suprema,
gozando sua pena,
até o final da cena das cenas.
Eu retorno, logo, com milhões de arcanjos nas cismeiras
(os Anjos de Canudos começam a subir nas alturas)
descendo caralhos maiores que todas as matadeiras,
esporreando em fogo das alturas
numa revoada, olímpicas figuras
caindo sobre os sitiantes aos risos
apaixonando a todos pro começo do Fim dos Juízos !
BEATINHO
Antônio, é Antônio Beato, me reconhece ?
Eu te sinto. Me sente ?
Aconchego no teu peito o T do Teatro !
(Comunica)
Antônio Conselheiro está indo !
NORBERTO
Insurreição !
Antônio Conselheiro vai se encontrar com Deus !
(Essas palavras contagiam o arraial em ecos.)
“Insurreição ! Antônio Conselheiro vai se encontrar com Deus”
139
MANDRÁGORA
(Com os dedos pedindo que tudo pare, pois ela esta se comunicando com Antonio)
Antônio Conselheiro ainda aqui está,
mas ouço música ao longe
vibrando fogos de Maracatus !
Anjos de Bucetas, Caralhos, Peitos, Pés, Bocas e Cus ! ! ! ! !
(Surgem os ANJOS ESPORREANDO FOGO. Nesses intervalos desaparece o arraial sob a fumaça.)
6 - CAMAROTE DOS GENERAIS
GENERAL ARTHUR OSCAR
Estamos assistindo o Clímax do drama ! Que Teatro !
Ufa ! Estamos chegando ao fim, do quinto ato !
7 - CENÁRIO DE TRAGÉDIA
(O DIA COMEÇA A NASCER. EXÉRCITO CERCANDO: OFICIAIS DE BINÓCULOS NOS SEUS CAMAROTES DE
SEGUNDO E TERCEIRO ANDAR nas estruturas lado leste galerias de franjas, veludo vermelho e ouro, misturadas
com o público, Platéia enorme para a contemplação do drama. Apontam binóculos em todos os rasgões das
estruturas.)
ANTÔNIO CONSELHEIRO
Babas de línguas de fogo esporreiem jatos de gozo !
(ANJOS ESPORREAM FOGO.)
Antes que eu fosse, chegam pra me buscar
Lambam-nos todos no linguarar !
(O delírio de Antonio vai se materializando, os artistas de Circo mandam jatos aéreos de fogo.)
Nas galerias do Amphiteatro ! Oficiais Chumbados
No Espetáculo do Massacre Massacrado
Assistam Animados, Sertanejos !
Soldados encarem fortes,
as Trincheiras e os Camarotes.
(Os Soldados desmontados encaram os camarotes. Os generais são surpreendidos pelo enquadramento da camera. Ao
lado de Beatinho e das Mandrágoras, Conselheiro vai caindo de bruços sobre a terra, como que querendo entranharse carinhosamente, plantando-se, para a viagem… Entra GLAUBER ROCHA. Está numa cadeira de diretor numa
grua, que pelo espaço flutua, ao lado dos câmeras com um megafone. Na cadeira está escrito Glauber Rocha. Ele
vai dirigindo a cena na grua. Conforme vai pedindo aos contra regras as máquinas de fumaça, aos operadores e
iluminadores as luzes, a sonoplastia ao DJ, todos vão realizando sua direção…)
GLAUBER ROCHA
Villa-Lobos !
Uma Gambiarra de Incêndios
(Contra regras aprontam…)
Um Sopro do Nordeste
(Ligam-se ventiladores…)
Desapareça a Favela dos amores,
diante dos espectadores;
estenda-se a prumo
a imprimadura sem relevos do fumo.
Sombreando o quadro de extremo a extremo
velando o espaço supremo.
(Trabalham as máquinas de fumaça…)
Como um Telão descido sem rédeas
Sobre um Ato de Tragédia.
(O Teatro está todo coberto de nuvens negras…)
Uma chapa circular em brasa
140
sem brilhos, rubra, vaza !
(Os maquinistas fazem a lata lua…)
Um sol minguante de eclipse
Apocalipse.
(Escuridão quase total. As vistas curiosas dos Camarotes e do público, que pelo próprio afastamento não compartem
do enfrento, coam-se nesse sendal de brumas em aparato e em toda a cercadura de camarotes grosseiros do
monstruoso anfiteatro; explodem irreprimíveis clamores de desapontamentos do espectador boquiaberto, agitam
binóculos inúteis.)
BARONESA DO JEREMOABO
Que enredo é o desta peça, Meu Deus !
De repente encoberto no apojeu !
Quá Quá Quá ? !
8 - TIROTEIO/ABALO NUCLEAR
GLAUBER ROCHA
(ordenando aos Sertanejos)
Fogo !
(Sertanejos retomam a iniciativa da fuzilaria, no bala-bala abalando a balada do baile de gala de encontro a fuzilaria
de metralhadora circular de Shostakovich, com todos do assédio, o cerco do público e dos camarotes. Os generais se
abaixam, se jogam no chão…)
TODO CERCO
Socorro ! Tiroteio cerrado, vivo, clama,
tapadeiras em chama!
GENERAL BARBOSA
Um ataque do bárbaro em tropel ?
CORONEL OLÍMPIO DA SILVEIRA
ou um revide repentino de cordel ?
GENERAL DO SUL JOÃO BARBOSA
Polícia, Exército, batam de frente ! Bateria!!!!
CORO DE SERTANEJOS BORRADOS DO SANGUE
Hemorragia!
GLAUBER ROCHA
(aos berros)
Chama Euclides ! Chama !
EUCLIDES DA CUNHA
Ana, Ana !
ANA
Euclides !
GENERAL BARBOSA
Atacar !
Teerã !
(Um abalo nuclear fortíssimo, realizado pela luz, video e pela sonoplastia.)
ARTHUR OSCAR
141
(abalado)
Não foram essas as ordens.
9 - NAVE VIAJEIRA
(Detalhe, close de Luz em Conselheiro, no meio da Fumaça. Conselheiro vai entrando no túmulo, olhando a todos…
Silêncio absoluto, todos se concentram em Conselheiro)
CONSELHEIRO
Adeus aves, adeus árvores, adeus campos, adeus bichos, adeus a todos vós
aceito minha despedida pelas gratas recomendações que ao deus levo em minha voz,
jamais se apagará da lembrança deste viajante,
o desejo ardente de amor desmassacrante
do nosso afeto comum,
esteja no nosso eterno retorno em todos e em cada um.
(Conselheiro olha Beatinho, a todos, vai se despedindo para sua viagem. Esvazia-se nos braços de Beatinho que
abraça e beija Conselheiro. Este respira sorrindo entrando na viagem espacial, abre muitos os olhos e coloca a
personagem no espaço da energia do Teatro. Os olhos continuam abertos. Beatinho entra na trincheira túmulo, na
nave especial.)
CONSELHEIRO
Ninho
Sepultura,
Trincheira,
Nave Viajeira
Debaixo da Pedra
Tem Mar
Plantio Entorno
Eterno retorno.
Debaixo da Pedra
Tem Mar
BEATINHO MANDRÁGORAS SERTANEJOS
(cantam)
Ninho
Sepultura,
Nave Viajeira
Debaixo da Pedra
Tem Mar
Plantio Entorno
Eterno retorno.
(Brazylina cobre seu corpo com o Lençol Sagrado. Atiram camadas leves de pedrinhas de rocha, regam, trazem flores
amarelas…)
MACHA ANA
(para o Estádio)
Antonio nosso Irmão,
esperanças vem e vão ?
Milhares adoraram a corrente de ouro
em torno de um Carvalho,
a bigorna bicorneada do deus touro
erguendo esse trabalho.
Custou tanta Luta
Alegria Sofrimento disputa
142
cumpram-se os destinos
destes Sinos ?
De repente caíram, quebraram.
CORO
(Para o sino quebrado que está em cena no jardim como a Taça…)
Derreta-se esse chumbo
já derretido de um canhão
foi taça, vira bigorna
forja agora
o país de fora
no
de dentro,
sertão.
O divino corno
toca bigorna
o eterno retorno.
(Os Anjos embarcam na Nave Espacial de Conselheiro. Fecha-se o túmulo. Silêncio.)
Os massacres estão massacrados.
Todos amantes! Todos Amados !
10 - CERCO FECHADO
GLAUBER ROCHA
Generais retomem seus binóculos.
Que uma rajada corra límpida pela cerração adentro
talhando-a de meio a meio,
desvendando o novo cenário.
(A Luz Manda uma Fuzilaria de canhões que desvendam a cena, onde se vê o começo e o fim do do cerco fechando-se
com as cortinas rubro douradas e bandeirolas vermelhas. FINALMENTE UNINDO-SE…)
Vai Siqueira, Brados, vivas longínquos.
(A LINHA NEGRA toma todo o espaço e faz um cerco fechado em torno da praça de Canudos)
SIQUEIRA
Vive La Republique !
CORNETEIRO
God Save The Republic !
GENERAL CARLOS EUGÊNIO
Viva A República !
GENERAL BARBOSA
Fogo !
(O Baile de gala do exército manda uma fuzilaria violenta em cima dos jagunços que caem mortos na vala.)
GENERAL BARBOSA
Os jagunços estão sendo massacrados !
CABO VIADO
Está bloqueado Canudos é o que importa !
A insurreição está morta !
(Nos Camarotes corre-se aos mirantes acasamatados. Retomam os binóculos, aplaudem e fazem o público aplaudir.
Batem com os pés no chão. Gritam. Aplausos emocionados…)
143
12º MOVIMENTO: ÚLTIMOS DIAS
1 - estrebuchar dos vencidos - presos no 8 do infinto
2 - o lago e o cerco das águas
titãs contra moribundos
3 - terra se transmuta em oxum
4 - no camarote de arthur oscar
5 - assalto final - 48 minutos de fogo
6 - assalto das baionetas caladas
7 - cadete
8 - vassourada
9 - clamor
10 - dinamite
11 - dinamitação
12 - pós dinamite
apocalipse do phogo da rosácea de entulhos no centro da pista gritos e sussuros aos quatro cantos.
um sol irradiando o terror e as fúrias das cóleras
cantos murmúrios dos jagunços ainda vivos no miolo central
13 - o que restou do arraial
1 - carnes de cadáveres incinerando-se:
2 - caxerenguengues:
14 - coro do livro vingador
15 - euclides vê a bigorna
144
1 - ESTREBUCHAR DOS VENCIDOS - PRESOS NO 8 DO INFINTO
(Os soldados fazem uma linha negra de cerco, apertada em torno do quadrado central de Canudos.
CANTO GRAVADO DESTE MANTRA:
ESTREBUCHAR ESTREBUCHAR ESTREBUCHAR
VÍDEO:
25 DE SETEMBRO
CANUDOS CERCADO,
A INSSUREIÇÃO ESTÁ MORTA !
Entra imagem em movimento do mar revolto estrebuchando
e dançante; montagens de letras de Filmes Soviéticos Revolucionários MAIAKOWISKIANOS:
AS LETRAS DO ESTREBUCHAR DOS VENCIDOS JUNTO AO MOVIMENTO DO ESTREBUCHAR DOS ATORES
DANÇARINOS
Partitura Musical e Corográfica MARÍTIMA:
Energias Sertanejas dos 2 cantos retornam e batem nos corpos das beiras terrestres do público nas platéias, nas
cortinas italianas do cerco até nos camarotes… e se recolhem em busca de novas energias em corpos muito próximos,
apaixonados e sedentos depois do ESTREBUCHAR. A luz cai numa noite enluarada e revela:)
2 - O LAGO E O CERCO DAS ÁGUAS
TITÃS CONTRA MORIBUNDOS
(Militares tomam água mineral, ou cerveja, ou bebidas de camarotes patrocinados de carnaval, que Marechal
Bittencourt fez chegar lá sob um patrocínio de marca de alguma uma corporação. a luz lunar revela os copos dos
bebedores cheios de água e com marcas comerciais de marchandising nos camarotes e cercos.
A Lua reflete o brilho da lama dourada enganadora da Lago onde Terra está misturada ao lamaçal de Nana Burucú.
Os próprios atiradores do Cerco, voltados pra Lago, impedindo a aproximação dos Jagunços à Cacimba dourada,
bebem Água Mineral Importada.)
CORO DOS ÚLTIMOS RESISTENTES
(Grupo de últimos resistentes no Buraco central, olham o Lago sedutor, brilhando fétido ao luar. Uma das Câmeras
está com a mira ótica da arma do Atirador Invasor, vê, vindo lento, rastejando, de bruços, rentes com o chão,
vagarosamente serpenteando, dois Lagartos sertanejos camuflados da pré-história, silenciosos; arrastam-se pelo
esteio areento do rio… A Câmera nos gatilhos de um soldado do exército. Deixa que se aproximem, que atinjam o
líquido brilhando na noite de lua cheia, chamariz único dessa ceva monstruosa.)
SOLDADOS
Ipueira esgotada!
Jóia estragada…
CORO SEDENTO
Ipueira esgotada!
Jóia estragada…
SOLDADOS
Seguranças armados
saciados,
fazemos cercado
CORO SEDENTO
à nossa sede de fissurados !
Sem mais Oxuns,
lamaceiros imundos
nem Nanãs Burucús
SOLDADOS
fosfatos intoxicados
CORO SEDENTO
145
intóxicados
SOLDADOS E CORO SEDENTO
dos cadáveres insepultados
água salobra apodrecida
estrela sedutora no mangue fedida
CORO SEDENTO
preste ou não preste
traga ou não peste,
te queremos
nos drenos
dos teus atômicos venenos
ou de sêde,
de sede
morreremos.
(Então lampeja o fulgor da descarga subitânea. Um tiro de luz ou som. Fica um corpo lagarto, estrebuchando à beira
do Lago.)
3 - TERRA SE TRANSMUTA EM OXUM
(Terra está enterrada na Lagoa embarrada, chora. O VÍDEO projeta a água de suas lágrimas que escorrem
purificadas. O Lagarto que sobrevive, enche um bogó com as lágrimas e leva para os aflitos que pedem o elemento
regenerador… O Milagre cria trégua. O Exército vê as lágrimas douradas de Terra, oferecendo em suas faces sob
a lama. Todos soldados choram e deixam os matutos beberem as águas das lágrimas douradas do rosto da Terra. A
Música traz a entidade água, muito cool, de um Vaza Barryl novo. Notas docemente atabaqueadas, suaves, da água
viva…)
4 - NO CAMAROTE DE ARTHUR OSCAR
EUCLIDES DA CUNHA
Meus joelhos tremendo começam a dobrar,
e General nem sei rezar,
em Deus nunca,
muito menos diante disso,
consigo acreditar.
Sinto nesse instante,
vontade de pedir perdão
pro meu povo irmão.
General, este vale é sagrado…
Não pode nunca mais ser profanado.
(sai a luz da ipueira)
5 - ASSALTO FINAL - 48 MINUTOS DE FOGO
GENERAL ARTHUR OSCAR
(Faz um gesto pedindo concentração a Euclides. Silêncio. Euclides não sabe como se dominar. O General olha de um
binóculo grande de um tripé, do alto da estrutura.)
O Dr. Euclides com todo respeito é um analfabeto em guerra,
nessa atitude patética, com todo respeito, o senhor erra.
(VÊ O QUADRADO PROJETADO.)
Num quadrado estreito do centro da praça
está o que resta da massa.
Número diminuto,
quatrocentos, calculo em bruto.
Os que lá se abrigam unidos
com uma hora a mais, terão desistido.
146
Somos 6 mil pro assalto final, vale a pena tentar,
vamos começar.
(Deixa o Círculo de reunião e dirige-se à todos. Fala com a clareza necessária de um diretor de teatro, ou treinador
da Copa do Mundo.)
Militares, nova estratégia:
não adianta aguardar a rendição,
será dupla tragédia.
Loucos são, não se renderão.
Resolvamos o Embate
vamos pro último Combate.
6 mil soldados,
em números arredondados.
Atenção!
O assalto será iniciado por todas as brigadas,
é minha Direção.
Tropa ! Toda Etiqueta !
Última punctura da baioneta !
No peito do agonizante,
o tiro de misericórdia retumbante.
Com essa façanha,
fim da Campanha…
CORONEL OLÍMPIO DA SILVEIRA
(Do camarote do oeste, como um mestre escola de uma Bateria de Grande Ópera.)
Overture:
(Tambores surdos, trompetes, vão criando diferentes temas para diferentes comandos, alas, grupos no círculo do
cerco. Quadrado da Praça é a projeção: o foco, o ALVO.)
um bombardeio que fure.
Um Concerto Clássico pros matutos.
Já já, de 48 minutos.
Depois do canhoneio,
um minuto de silêncio cheio…
(Cessam os tambores)
Entram virtuoses, baionetas caladas,
sem o estrondo dos gongos nem nada.
(Os tambores voltam a tocar um toque de caixa de avançar)
EUCLIDES DA CUNHA
Há algo de dolorosamente insolente e irritante
no afogo, na inquietação, na ânsia desapoderada,
com que vocês, bravos militares robustos,
bem fardados, bem nutridos, bem armados,
bem dispostos
marcham a morcegar
a organização desfibrada dos adversários,
que desvivem há três meses,
famintos, baleados, queimados,
dessangrados gota a gota,
e as forças perdidas, e os ânimos frouxos,
e as esperanças mortas.
(a Médica vem atender Euclides, tirá-lo do ataque histérico)
147
CORONEL OLÍMPIO DA SILVEIRA
Dr. Euclides o senhor é um artista,
isto não é uma sala de Visita!
Comporte-se! Não crie obtáculo !
Isso é um espetáculo !
GENERAL ARTHUR OSCAR
Iniciamos a Estréia da Paulicéia
nessa Odisséia.
(soam os clarins da estréia da Paulicéia)
1° de outubro, Alvorada de Canhoneio
Ponteio
(Rufar dos tambores)
4, 3, 2, 1, e… 48 MINUTOS DE FOGO ! ! ! !
(Todas as armas e o sound around do Teatro, que pode soar MUDO SOMENTE COM IMAGENS DO FOGO
convergentes para o centro, dos 4 cantos, sobre os últimos casebres, no centro. Não há errar o alvo imóvel.)
6 - ASSALTO DAS BAIONETAS CALADAS
(Breve silêncio. Tensão. Os camarotes e os binóculos estão atentos, quase sem respirar acompanhando a ação visível.
Principia o assalto das baionetas caladas.)
GENERAL CARLOS EUGENIO DE ANDRADE
Branqueia, vem o sol, é dia.
Embaixo, a praça continua, vazia !
7 - CADETE
(Ao avançar um dos batalhões de reforço, um Cadete crava dentro do quadrado da igreja a Bandeira Nacional.
Ressoam dezenas de cornetas…)
CADETE
Ao grito Republicano vindo nosso mais profundo anseio
os sertanejos, cessaram o tiroteio !
Viva à República !
TROPA TEATRO – TODOS
Viva !
CADETE
E a praça, pela primeira vez é livre Amor !
É do povo como o céu é do condor !
Desce aí General !
Linha negra vai pro escambau !
(retirando a Linha Negra. Atiram para o alto os quepes de guerra. Generais João Barbosa, Arthur Oscar e Carlos
Eugênio, seguem com dificuldades, rompendo pela massa tumultuária e ruidosa, na direção da latada.)
SOLO
Desce espectador, em teatral e cívico ardor !
SOLO
Espadas espingardas, cruzemos
brindemos !
CORNETEIRO PAULISTA DA DIVISÃO SALVADORA
Paulista,
é nóis na pista !
Me abraça maluco !
Cola aí com seu trabuco !
148
CADETE
Termina afinal “A Luta” Crudelíssima !
SOLO
Absoluta ! Milagre !
PAULISTAS
Banda,
Comanda !
1, 2, 3, e…
(Quando a Banda vai começar…)
8 - VASSOURADA
CORO DO ARRAIAL
Olha a Va-ssou-ra-da… !
(De Pratos, luzes, ruídos de vassouras, vassourada, espaço esvazia-se. Percebem surpreendidos, sobre as cabeças,
zimbrando rijamente os ares, balas. O combate continua… Esvazia-se de repente, a praça. O Público foge apavorado,
cercado de balas por todos os lados…
Reação Inerperada dos Sertanejos no núcleo central. Tiroteio de Canudos.)
9 - CLAMOR
(Foco no General Arthur Oscar. On Line, o Presidente Prudente de Morais e o Marechal Bittencourt no VIDEO.)
GENERAL ARTHUR OSCAR
Marechal, comunique este texto ao presidente.
Que o orçamento da República dos Banqueiros
e das coporações do Globo Inteiro
sejam investidos, o quanto antes
em mais forças assaltantes !
Torne disponível, o indisponível,
o infinito necessário,
pra lutar contra o invisível.
Uma fogueirada arde em toda a latada !
Há um sumiço geral !
Do exército, de todo nosso pessoal !
TROPA
(E o público lendo projeções, colocadas no Tempo Ritmo da Fala.)
Nós, Chasqueados, Batidos !
Em pleno agonizar dos vencidos !
Triunfadores, que triunfadores !
GENERAL CARLOS EUGÊNIO
Os mais originais Triunfadores de toda a História,
SIQUEIRA DE MENESES
nesse andar, vão nos devorar na sua Glória !
10 - DINAMITE
GENERAL JOÃO BARBOSA
Dinamite!
A única lei que se admite
vem de molde.
É a da dinamite.
149
(O General João Barbosa e ajudantes de ordens do comandante geral, comandam as operações de instalação da
DINAMITE no Teatro. Trazidas pela artilharia e a comissão de engenharia, surgem no acampamento, caixas com
Bombas, FIOS, e DETONADOR DE DINAMITE. Os engenheiros começam a instalar, em PÂNICO, como se tudo fosse
aos ares.)
GENERAL CARLOS EUGENIO DE ANDRADE
(tentando impedir)
Não vamos talhar na praça,
o corpo da rocha viva da nossa raça,
o cerne revelado da nossa nação ! ! ! !
EUCLIDES DA CUNHA
O Estado de Sítio Permite ? ! !
CORO DE JAGUNÇOS
(irônico deseseperado)
É uma consagração ! ? !
(Silêncio. Cessam as fuzilarias. Desce sobre todas as linhas um grande silêncio de expectativa ansiosa…)
11 - DINAMITAÇÃO
(O ARTILHEIRO DETONA. O teatro todo treme num crescendo antes da explosão, acompanhando o fio detonador
das várias bombas de dinamite.)
12 - PÓS DINAMITE
APOCALIPSE DO PHOGO DA ROSÁCEA DE ENTULHOS NO CENTRO DA PISTA GRITOS E
SUSSUROS AOS QUATRO CANTOS.
UM SOL IRRADIANDO O TERROR E AS FÚRIAS DAS CÓLERAS
CANTOS MURMÚRIOS DOS JAGUNÇOS AINDA VIVOS NO MIOLO CENTRAL
(O CANTO MURMURADO, surdo e indefinível dos evoés da população entocada, cantos de choros e risos
transpirando nos subterrâneos)
MANDRÁGORAS
(as Chamas cobrem os corpos)
…
13 - O QUE RESTOU DO ARRAIAL
(Fundida ao fogo, projeção dos Croquis dos desenhos de Euclides dos fundos da Igreja Velha e das Paredes da
Nova derrubadas. Atores, técnicos, contra-regragem vão enchendo a pista de Ex votos, de todas as partes do corpo.
Primeiros cadáveres insepultos dos inimigos, jazentes.
1 - CARNES DE CADÁVERES INCINERANDO-SE:
Fumaça de corpos, ex votos, ardem em combustão. Atuadores incinerados em ação-psicofísica-meditação-ativa,
despejam seus corpos ex-votos em combustão, virando cinzas. Euclides fotografa, apesar da vontade de vomitar,
respira findo, anota na sua caderneta, em fotos e no corpo de sua alma. Ex-votos pouco a pouco vão povoando a
cena, formando um tapete de massacre. Entre ex -votos, edições de “Os Sertões” defiguradas, queimadas. Pessoas e
Edições de “Os Sertões”, exaustos, deixam fugir suas páginas como um brinquedo desarticulado. Euclides anota:
2 - CAXERENGUENGUES:
Projeção revela no chão, chocalhos azuis, rosários, papéis esparsos, caderninhos costurados, doutrinas cristãs
velhíssimas, LIVROS VERMELHO DE MAO, livros que foram importantes para montar os Sertões, restos do
espetáculo, Imagens dos Santo do Beija: escapulários de Verônicas e Madalenas encardidas.)
14 - CORO DO LIVRO VINGADOR
EUCLIDES DA CUNHA – A TROPA, SERTANEJOS, TODOS
Não bastam 6 mil mannlichers
150
e 6 mil sabres
e o golpear de 12 mil braços,
e o acalcanhar de 12 mil coturnos
e 6 mil revólveres
e vinte canhões,
e milhares de granadas,
e milhares de schrapnels;
e os degolamentos,
e os incêndios,
e a fome,
e a sede;
e dez meses
de combates,
e cem dias
de canhoneio contínuo
e o esmagamento das ruínas
SOLA EUCLIDES DA CUNHA
e o quadro indefinível dos templos derrocados,
e por fim, na ciscalhagem das imagens rotas,
dos altares abatidos, dos santos em pedaços,
sob a impassibilidade dos céus tranqüilos e claros
a queda de um ideal ardente,
a extinção absoluta
de uma crença consoladora e forte…
15 - EUCLIDES VÊ A BIGORNA
(A Música se transforma. DO CAMAROTE do LESTE, EUCLIDES HAM-LET VÊ A BIGORNA no meio dos
caxerenguengues nos subterrâneos do centro não conquistado. A Bigorna brilhando no Centro do Quadrado, no
subterrâneo. MUITA FUMAÇA)
EUCLIDES DA CUNHA
(VOZ OFF. Relacionado com o Oficina inteiro.)
O que foi esse pardieiro ?
Uma tenda de ferreiro ?
Oficina ! Mina ! ?
Casa de Pantomima ?
(Entra uma Composicão símile a Vila Lobos de “Rude Poema”. Euclides com o Binóculo lê a marca “ESSEN”.)
Em Essen, o mais fino aço fundido
prum canhão lançar-se por este espaço
tomado de César na 3ª expedição
foi Sino, hoje bigorna,
fundação.
151
13º MOVIMENTO: UM BRASIL OLHA O OUTRO
1 - susto
2 - no meio da catinga
3 - entrega
4 - um brasil olha o outro
5 - anunciação do povo brasileiro
6 - fotografia
7 - como uma bandeira:
no centro o losango se abre: estão os últimos lutadores.
atravessando o globo vermelho de sangue corre o filete vermelho que vai dar na saia da sanga de sangue do hospital
de sangue com o o lema desta bandeira.
os últimos defensores do arraial no centro onilê da bola de sangue da bandeira brazileira
8 - dois sargentos ajudantes
9 - em são josé do rio pardo
152
1 - SUSTO
(Aparece um lenço branco, nervosamente agitado.
VÍDEO:
2 de outubro de 1897.)
SOLDADOS E OFICIAIS
Estão se rendendo ! Até que enfim ! ! ?
(Esses gritos ecoam por todo cerco. Comovidos, tiram lenços, choram alguns.
A bandeira desaparece e, logo depois, dois sertanejos, saem de um atravancamento impenetrável. Um grande silêncio
avassala as linhas e o acampamento. Eles se apresentam ao que julgam ser um Comandante de um dos batalhões.)
GENERAL ARTHUR OSCAR
Quem é você ?
BEATINHO
Saiba o seu doutor general, sou Antônio Beato
e eu mesmo vim por meu pé me entregar
porque a gente não tem mais opinião
e não agüenta mais.
(Um frêmito de alegria contagia a Tropa ! Beatinho roda lentamente o gorro nas mãos lançando sobre circunstantes
um olhar sereno.)
GENERAL ARTHUR OSCAR
Bem. E o Conselheiro…?
BEATINHO
O nosso bom Conselheiro está no céu…
Agravou um antigo ferimento,
que recebeu de um estilhaço de granada.
Atravessava a praça,
da igreja para o Santuário,
morreu, a 22 de setembro,
de uma “caminheira”.
ARTHUR OSCAR
O que é isso ?
BEATINHO
(Com naturalidade)
Uma caganeira.
(Todos explodem em um frouxo de riso, coletivo. O Beato finge talvez, não perceber. Queda imóvel, face impenetrável
e tranqüila, de flecha sobre o general, olhar a um tempo humilde e firme. O diálogo prossegue.)
GENERAL ARTHUS OSCAR
Já viu quanta gente aí está, toda bem armada e bem disposta ?
BEATINHO
(A resposta é sincera, ou admiravelmente calculada. O rosto do altareiro desmancha-se numa expressão incisiva e
rápida, de espanto.)
Eu fiquei espantado !
GENERAL ARTHUR OSCAR
Pois bem. A sua gente não pode resistir, nem fugir.
Volte para lá e diga aos homens que se entreguem.
Não morrerão.
153
Garanto-lhes a vida.
Serão entregues ao governo da República.
E diga-lhes que o governo da República é bom para todos os brasileiros.
Que se entreguem.
Mas sem condições; não aceito a menor condição…
BEATINHO
Não, recuso essa missão.
Temo meus próprios companheiros.
Todas as razões não adiantam…
Não vão se entregar.
GENERAL ARTHUR OSCAR
Este seu gesto não é o de entrega ?
BEATINHO
Não.
GENERAL JOÃO BARBOSA
Degola esse cabecilha.
É truque da Camarilha.
GENERAL ARTHUR OSCAR
(Está impactado com a figura, mostra um crucifixo para o General João Barbosa e tira um revólver.)
Toma um vinho vampiro
Sossega tua sede de sangue ou atiro.
GENERAL ARTHUR OSCAR
E esse outro ?
BARNABÉ JOSÉ DE CARVALHO
Barnabé José de Carvalho
GENERAL ARTHUR OSCAR
Profissão
BARNABÉ JOSÉ DE CARVALHO
Eu sou chefe de segunda linha.
Meu cabelo alourado se arrepia nesse lugar nefasto
meu único olho azul acendo neste pasto.
Sou matuto sim,
largado, amigado com filha do General Pedro Celeste.
Do Belo Monte, eu sou mesmo a Peste.
(Para Beatinho.)
Vamos, Homem ! Vamos ! Sem vacilar.
Eu falo com eles pra se entregar.
Agora deixe tudo comigo
nada pro inimigo.
(Beatinho, faz que hesita. Barnabé, olha. Para todos e saindo diz.)
Fomos.
(Black out, a lua cheia ilumina a caatinga; de povo, só os dois.)
2 - NO MEIO DA CATINGA
BARNABÉ
Eclipse de Lua Cheia !
154
BEATINHO
Incendeia
A mim
A Você
A tudo que é vivo
Nossa missão passa o crivo
Você fica com os lutadores como antes
Leve nossas novas informações das forças sitiantes.
Trocando em miúdos,
venho com os que precisam sair de Canudos.
Conselheiro deve ter retornado
Diga a ele, que retorno
ao eterno amor retornado.
BARNABÉ
Volta, conto contigo no quadrado
onde estamos plantados.
(Enquanto Barnabé se afasta, o Povo que vai sair de Canudos vai aparecendo, passam pra Beatinho o tyrso de
Conselhiro num afoxé com os sertanejos feridos, e todas as mulheres grávidas.)
3 - ENTREGA
CORO DOS CORPOS FERIDOS FECUNDADORES
Chegamos
com o bastão de Antonio Conselheiro,
nas mãos de Antonio Beatinho, santinho brasileiro !
(Afoxé cool, no icto do Bastão de Beatinho. O povo vai cantar e Beatinho vai falar com Euclides e o público como em
off, com a voz microfonada, ou mesmo gravada.)
Batuta biruta
oscila,
vacila
no vacila do não vacila.
Dança carcaça
passo fracassa
e logo renasça !
Tente
metrônomo indolente
isocronamente
tente:
Tente
metrônomo indolente
isocronamente
tente:
Olhos nos olhos
que não olham
e nos que olham,
Olhos nos olhos
que não olham
e nos que olham,
no passo da batuta cadente
afoxé permanente
vivendo morrendo
no vai não vai
do tempo sai
155
mas não sai
mas não sai
vai não vai
mas vai
Vai vai
Vai !
Atrasados mancando na historia
no compasso glorioso dos sem glória!
(A fila extensa, tracejando ondulada curva pelo pendor da colina, segue na direção do acampamento; acumulase, metros adiante, em amontoado repugnante de corpos repulsivos em andrajos. Beatinho entra de novo no
acampamento arado e pronto para a recepção dos Feridos, com seu afoxé de saídas de germes de Canudos para o
mundo, dançando todo, na marcação de seu bastão…)
EUCLIDES DA CUNHA
(Escrevendo em sua Caderneta de Campo, voz off gravada, ou microfonada como se fosse off -vê entrar o Afoxé.)
Beatinho joga de mestre estrategista:
diplomata consumado, grande conselherista,
liberta da fome a multidão
e ainda dá sobrevida aos últimos combatentes do mutirão.
Determinado, bem aventurado, criador do próprio papel,
completa sua ação e ganha desta Guerra o Troféu.
GENERAL JOÃO BARBOSA
(fala alto, desconfiado)
Isso cheira cilada !
(Barbosa se aproxima de Beatinho…)
Cilada…
(…tenta lhe tomar a batuta, que o beato não larga. Barbosa chama um soldado que encaminha Beatinho até o
carrasquinho Coração de Mãe, que está à beira da cova.)
BEATINHO
(Como que rezando, voz off)
Alento !
Tatuando o momento
além do nosso tempo,
último sacrifício sem dor,
à nossa crença de amor.
Retorno, depois retorno
ao passado transtorno
no nosso futuro presente
crescente
no ar que aqui agora se sente.
Da sagração do delírio,
ao desejo de gozar o martírio
ardente aniquilaçao
eterno retornado
finado
em iniciação.
(Coração de Mãe degola BEATINHO, que pari seu parto de iluminados, de sementes do Brasil, frágeis, pra serem
brotadas. Comovem, porque estão CO-MOVIDOS. O carrasquinho pega o bastão de Conselheiro e o entraga ao
General Menelau Barbosa, que o joga no chão. Helena se mostra ao Menelau. O General solta Bicho Diabo que
corre ao encontro de sua mãe, Helena)
BICHO DIABO
156
Mãe !
GENERAL MENELAU BARBOSA
(murmura)
Helena…
4 - UM BRASIL OLHA O OUTRO
( A TROPA vê pela primeira vez os sertanejos:
Nem um rosto viril, porque se alarmam ? Nem um braço capaz de suspender uma arma !
É um assalto massacrante, o mais torturante: a legião desarmada, mutilada,
faminta claudicante… São estes os mesmos guerreiros das trincheiras de fogo ? Gente inútil, numerosa, frágil,
pavorosa, dos casebres habitados três meses bombardeados. Rostos baços, desejos de abraços, sujos arcabouços,
cuspidos dos fossos. A vitória tão longamente apetecida decai, se esvai. Repugna-os este triunfo. Envergonha, o
trunfo! Contra-producente compensação,
gastos luxuosos de combates, em vão, reveses de milhares de vidas, pro apresamento dessa caqueirada humana que
não ufana, entre trágica e imunda. Os olhos nos seus olhos, afunda!)
EUCLIDES DA CUNHA
(Pro público e pro futuro presente.)
Um contraste dolorido.
Um mesmo povo dividido.
O povo forte e íntegro abatido
dentro de um quadrado de seres indefinidos
não rendidos.
5 - ANUNCIAÇÃO DO POVO BRASILEIRO
(Um movimento de intensa energia de luta, um corpo energético invadindo todo o espaço de felicidade guerreira
ameaçadora para aqueles soldados, em presentificação da força do povo brazyleiro. Todas mais uma vez, Grávidas,
Mulheres, sem número de Mulheres. Velhas espectrais, velhas e moças, distintas, indistintas, mesma fealdade da
beleza. Filhos escanchados nos quadrís desnadegados. Crias encarapitadas às costas, suspensas aos peito murchos,
afastadas pelos braço, nos ventres todos túmidos. Crianças, sem número, crianças… Criação..)
EUCLIDES DA CUNHA
(repórter)
Qual é vossa história ?
CORO DAS MULHERES
(Responde como um coro grego para Euclides Corifeu)
Em meia dúzia de palavras: a de uma tragédia
um drama, ou uma besta comédia
com final invariável, sem fala
de facão ou de bala.
6 - FOTOGRAFIA
FLÁVIO DE BARROS
Vamos fazer a fotografia
(Não entendem. Os soldados tentam ajudar e começam a pôr todas juntas, enquanto Flávio de Barros prepara e dirige
a fotografia.)
EUCLIDES DA CUNHA
Miséria tu escava as faces com maldade,
mas não destrói a mocidade.
(chamando a atenção do fotógrafo)
Olha ! Uma beleza Olimpica, ressurgindo assim, no prosaico ? !
Lá… naquele perfil judaico!
157
(ficam curtindo na Lente)
FLÁVIO DE BARROS
Dr. Euclides da Cunha, concentre-se, na veia,
vou fotografar minha santa ceia !
(Fotografa)
7 - COMO UMA BANDEIRA:
NO CENTRO O LOSANGO SE ABRE: ESTÃO OS ÚLTIMOS LUTADORES.
ATRAVESSANDO O GLOBO VERMELHO DE SANGUE CORRE O FILETE VERMELHO QUE VAI DAR
NA SAIA DA SANGA DE SANGUE DO HOSPITAL DE SANGUE COM O O LEMA DESTA BANDEIRA.
OS ÚLTIMOS DEFENSORES DO ARRAIAL NO CENTRO ONILÊ DA BOLA DE SANGUE DA BANDEIRA
BRAZILEIRA
(um friso de sangue vindo dos soldados, do hospital de sangue, dos soldados feridos, se mistura, cruza o coração dos
que são os últimos resistentes e estão no centro do Losango, na bola da Bandeira do Brasil.)
BARNABÉ, VELHO NEGRO, CRIANCINHA ÍNDIA, NORBERTO: ÚLTIMOS DEFENSORES
Nós, Trágicos Brasileiros
saltando sobre braseiros,
sem cuidar de ocultação
os últimos em ação !
Ouçam o que dizemos:
nós não nos rendemos,
nós vencemos.
(EUCLIDES DA CUNHA Deixou o arraial, trêmulo, com muita febre, olha para o quadrado. A
Câmera de Flávio de Barros que esteve o tempo todo, vê do ponto de vista de Euclides: a praça das
igrejas, a Bigorna, n subterrâneo, o quadrado do PROJETOR NUMA ABERTURA AMPLA refletindo a
PRAÇA DESERTA, plaina, varrida, fachada das torres de janelas escancaradas, a nave vazia, escura,
misteriosa. O Templo monstruoso dos jagunços é O TEATRO OFICINA, O TETO, QUE MOVE, ABRE
PRO CÉU. A PROJEÇÃO REVELA NO JARDIM)
EUCLIDES DA CUNHA
O que houve a 3 e 4, não há relatar,
a luta, perde dia a dia o caráter militar,
os jagunços não podem resistir por muitas horas,
vivem, sua deshora.
No sangue em bola, do tumor,
da bandeira brasileira, sem o amor,
a última trincheira dos jagunços derradeiros…
Os primeiros…
(No Centro da Pista como o Losango da Bandeira do Brasil, numa cava quadrangular de pouco mais
de metro de fundo, ao lado das ruínas da igreja nova, do estádio em construção, lutadores esfomeados e
rotos, medonhos de ver-se, predispõe-se a um suicídio formidável.)
OS ÚLTIMOS
(Acúmulo de mortos, de muitos dias, se amontoando cheirando mal, das quatro bordas da escavação
transbordando, compondo o losango da última ação.)
Nós moribundos concentrados no enredo:
nossa vida na última contração do nosso dedo.
8 - DOIS SARGENTOS AJUDANTES
(Cena em câmera-lenta. Gêmeos juntos, aproximam, mãos nos gatilhos, atiram. Recebem um tiro
sem som e caem fulminados na trincheira de corpos esmigalhados, sendo incorporados ao acervo de
cadáveres andrajosos, a camuflagem dos uniformes garbósos, com divisas de sargentos ajudantes.
O vermelho do sangue dos gêmeos, contamina, sobre o fosso domina. Quadro dos corpos, de uma
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trincheira de mortos, argamassada de sangue, esvurmando pus, na seca: um mangue, campo fértil de
germes, do escombro.)
9 - EM SÃO JOSÉ DO RIO PARDO
(Euclides está muito mal, vai começando a sentar-se na cabana de São José do Rio Pardo, de onde
está, no fim do livro, e no fim da ponte – Estádio de Teatro em construção. Está comovido, e escreve
suas conclusões finais, chorando com as lágrimas escorrendo nas tintas, mas segurando uma fala sem
pieguismo. Toda emoção interiorizada jorra nas tintas e nas lágrimas. Num foco, os últimos lutadores,
na trincheira de cadáveres no centro como a bola da bandeira do Brasil, perfurada de onde brotam
intestinos, como flores de hemorróidas. Se vêem na pista esverdeada, no losango cercado de fogo, os
militares atônitos.)
EUCLIDES
Não tive o intuito de defender os sertanejos,
porque este livro não é um livro de defesa
é, infelizmente, de ataque.
Suas últimas páginas, fechemos
o desmassacre comecemos.
Canudos não se rendeu, não se rende
não vai se render,
é sua glória.
Exemplo único em toda a história,
resiste, não se esgota,
no esgotamento completo,
é vivo, começo, feto.
Expugnado palmo a palmo,
na precisão integral do termo,
recomeça no dia 5, ao entardecer,
quando caem seus últimos defensores,
que todos morreram.
Quatro vivos apenas:
um velho, dois homens feitos e uma criança, calados
na frente dos quais rugem raivosamente 6 mil soldados.
Não vamos descrever os últimos momentos.
Nem poderíamos,
esta página, imaginamos sempre trágica e emocionante
mas vamos cerrá-la sem brilhos… vacilante.
Como quem vinga uma montanha altíssima, virgem…
no alto, de uma perspectiva maior: a vertigem…
(Apagão. A SONOPLASTIA solta os 6.000 tiros rugindo raivosamnte. A Trincheira é fechada.)
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14º MOVIMENTO: CABEZAS
1 - cabezas
2 - rio de janeiro - porto
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1 - CABEZAS
GENERAL ARTHUR OSCAR
Caiu o arraial hoje, dia 5.
Amanhã acabamos sua destruição.
As 5.200 casas, cuidadosamente contadas,
serão desmanchadas
com Fogo, único elemento purificador
do veneno contagiante do agitador !
(O guia, filho de Jesuíno, vingando pai, busca o cadáver de Conselheiro, cisca. Pede para Cabos
removerem uma camada de terra de um ponto. Aparece o Cadáver de Antonio Conselheiro, no lençol
de Brazylina, imundo, flores murchas. Mãos cruzadas ao peito, rosto tumefato e esquálido, olhos fundos
cheios de terra.)
Desenterrem com cuidado,
único prêmio dessa guerra,
despojo opulento desta terra.
TENENTE PIRES FERREIRA
Máximo resguardo,
o corpo não pode se desarticular,
senão vai virar
uma massa de tecidos decompostos
em náusea expostos.
GENERAL ARTHUR OSCAR
Flávio de Barros, desabafa:
fotografa.
(Flávio obedece e tira a famosa foto.)
Lavre-se uma ata rigorosa
firmando a identidade
de Antonio Vicente Mendes Maciel, o Conselheiro.
Importa que o mundo se convença bem
de que está, afinal, extinto, aqui na pista,
esse terribilíssimo antagonista.
(Marechal Bittencourt, chega de Monte Santo, de terno, muito limpo em contraste com todos os outros
militares e com a paisagem dos mortos. Sua ordenança traz uma tina com pinga. Vão restituir o
cadáver de Conselheiro à cova…)
MARCECHAL BITTENCOURT
Não, não enterrem.
Vamos guardar essa cabeça tantas vezes maldita.
(General João Barbosa traz uma faca jeitosamente brandida, corta a cabeça que o MARECHAL
BITTENCOURT levanta como troféu empastada de escaras, e matéria podre, depois mergulha dentro de
um tacho com pinga, para conservar. Mas volta com ela pingando pinga, nas mãos.)
2 - RIO DE JANEIRO - PORTO
(A Cabeça de Antonio é exibida, chorando pinga. Ouve-se forte o barulho do mar, tão grande é o silêncio
quando do alto do navio o Marechal Bittencourt vem trazendo a cabeça para o Presidente Prudente de
Moraes que o espera no Porto.)
MARECHAL BITTENCOURT
Presidente Prudente,
Que a ciência diga a última palavra competente.
aqui estão no relevo de circunvoluções expressivas ou obscuras,
161
as linhas essenciais do crime e da loucura…
(Um Tenente Jacobino, vestido com uma farda, faz pontaria na cabeça de Prudente de Morais, vai atirar,
o tiro falha. SEGURANÇAS capturam o Atirador)
MULTIDÃO
MATA! MATA! MATA!
PRUDENTE
Não ! Seja julgado pelas leis republicanas !
(Os segurança se distraem, o Jacobino apanha uma espada e se atira sobre Prudente, mas Marechal
Bittencourt passa a frente e é decepado, o assassino é dominado. Prudente de Moraes não larga a
Cabeça, de Bittencourt; apanha com a outra mão, das mãos do Marechal, a cabeça de Conselheiro. e
com a outra mão, a que foi agarrada, a do Marechal Bittencourt e fica com uma em cada mão. Euclides
vem para o Centro da Cena, fecha o Livro.)
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EPÍLOGO:
SERESTANDO
CORO
Ah Sertão
Tão sem ser
Sertão
Rocha Viva
Voando ando
ser estando, ser estando…
Serestando…
Tão sem Ser…
O sertão pisei
e encontrei
fundamento sem fundamento
e escorreguei,
e então valsei…
Rocha viva brazyleira
mestiçeira resistente
retornando sempre.
Muitas gentes,
ocidentes, orientes
sul e nortes,
devorando mortes,
desmassacrados,
tão amados,
caboclos persistentes
valseios permanentes.
EUCLIDES
(pode ser falado)
Removendo
a nacionalidade,
a personalidade,
a superfície,
rocha surge nua
frágil pedra
onde a alma viva medra…
CORO
Material dos ventos ventre,
saudade do futuro-passado, no presente
subsolo vazando o desejo
serestando sertanejo
despedaçando cada pedaço
juntando novo, no novo abraço.
Ah! Sertão
Tão sem ser
Sertão
Rocha Viva
Voando, ando
Ser estando, ser estando…
Serestando…
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Tão sem ser…
(Marcelo Drummond tira o bigode, a maquillagem, e diz ao público.
VÍDEO:
última página dos sertões)
Ah ! só mais duas ultimas Fá-linhas:
Existe um Maudsley, pras loucuras e crimes das nacionalidades
Sou testemunha…
é Euclides da Cunha.
CORO
FIM
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