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COLECÇAO: Problemas Internacionales nº 38 IEPALA EDITORIAL© Hermanos García Noblejas, 41 bis 28037 Madrid (España) Tel. 91 408 41 12 Fax. 91 408 70 47 Email: [email protected] www.iepala.es ISBN Depósito Legal: Título original: processi di decentramento e la questione democratica. Porto Alegre e Kerala: radici e ali, Roma, CeSPI CeSPI, Centro di Studi di Política Internazionale, é um think tank independente de relaçoes internacionais, fundado em 1985, que realiza estudos de orientacçao política. O Centro desenvolve actividades de investigaçao em temas de globalizaçao, ampliaçao e acçao internacional da Uniao Europeia e as suas implicaçoes para Itália, cooperaçao, desenvolvimento e economía internacional, problemáticas das migraçoes internacionais e as novas dimensoes da segurança Ficha catalográfica: IANNI, Vanna La cuestión democrática [texto impreso] : la democracia, la descentralización y la cooperación al desarrollo / Vanna Ianni .—Madrid : IEPALA, 2011 128 p. ; 24 cm .—(Problemas internacionales ; 38) ISBN: 978-84-89743-85-4 Democracia 2. Descentralización administrativa 3. Desarrollo comunitario I. Título II. Serie "La cuestión democrática. Descentralización del poder político. Aportes y retos de la cooperación descentralizada" se puede reseñar y reproducir con fines educativos, nunca para la venta u otro uso relacionado con fines comerciales o intereses distintos a los de los autores. En todo uso que se haga de la obra se deberá reconocer la autoría y la fuente. La reproducción de partes sustanciales de la publicación requiere autorización de los editores. A QUEST ÃO DEMOCRÁTICA DESCENTRALIZAÇÃO DO PODER POLÍTICO Aportes e retos da cooperação descentralizada Vanna IANNI IEPALA EDITORIAL ÍNDICE Presentação pág. 11 Introducção pág. 17 A descentralização na segunda modernidade Processos e conceitos pág. 21 - As formas de descentralização pág. 25 - A crise da constelação nacional e a questão democrática pág. 29 - As democratizações das últimas décadas do século XX pág. 44 pág. 49 A descentralização democrática: trajetória, tensões, desafíos pág. 49 - A descentralização no Sul pág. 61 - Porto Alegre e Kerala: dois casos para o análise - A cooperação ao desenvolvimento e a descentralização, uma relação multilateral pág. 76 pág. 97 Figuras pág. 101 Observações finais pág. 107 Referências bibliográficas pág. 123 Siglas pág. 127 ANEXO I pág. 167 ANEXO II pág. 189 ANEXO III Para Nennella, Presença amiga na minha infância. 7 Agradecimentos Um Obrigada de coração ao Juan Carmelo García, presidente de IEPALA, que há muitos anos segue com interesse e apreço a minha reflex ão. A edição espanhola deste novo texto, como em outras ocasiões, é para mim de grande valor. Apresentação Porque editamos em IEPALA este magnífico livro da Vanna Ianni Porque Vanna é do IEPALA e as suas investigações e trabalho intelectual formam parte do nosso património formativo e tem contribuido a ir assentando e consolidando- o nosso pensamento. Vanna titula o livro I processi di decentramento e la questione democratica. Como em Espanha e, também no que diz repeito à América Latina e as Caraibas, divulgou-se e até se 'vendeu' a imagen da descentralização espanhola com o seu Estado das Autono- mias, 'constituido' na transição democrática, pareceu-nos melhor, no título da versão espanhola, colocar diante a Questão Democrática por ser um problema sempre presente e sempre pendente, também nas democracias consolidadas…, sabendo que segundo como se compreenda e se difunda tal 'questionamento' assim, inclusive, se conceberá e aplicará a descentralização ou 'descentramento'1 -palavra que soa forte, mas que não está permitida pela Real Academia da Língua Espanhola-. Mas, ao mesmo tiempo, o tipo de descentralização do Estado, como não podia ser de outra forma, influencia de forma decisiva no avanço ou no estancamento dea questão de- mocrática. De forma que em múltiples 'situações' pode ver-se como se reduz o horizonte da Questão Democrática pelas práticas e exigências (?) que imponham o modo concreto de aplicação dea descentralização do Estado... O livro centra-se em duas experiências paradigmáticas jás clássicas: a de Porto Alegre e a de Kerala, sem que elas nos façam esqueçer outras experiências noutros países, inclusive em alguns dos Estados Federais, que seguem sendo referências descentralizadas –ainda que muitos continuem duvidando se chegam a ser 'descentralizadoras'..., tendo em conta tanto a dimensão como a evolução e 'governos' dos Estados Centrais- para crescer em democracia. Neste livro, como em grande parte da realidade e os seus plurais, o tema de fundo -para não falar do problema de fundo... e da forma- é o Estado. ¿Não deve ser esse mesmo o problema que toda a cidadania tem de viver, pensar, debater e ver como ir melhorando ou solucionando-o...?. 1É muito interessante estudar ou considerar os matizes de dois termos que sím admite o Diccionário da RAE, e que tivemos em conta a la hora de titular e traduzir o livro: Descentrar = Sacar uma coisa do seu centro, lugar no qual cada um encontra o seu bem- estar e sossego; Descentrado = que se encontra fora do estado ou lugar do seu natural assento e acomodo. Enquanto que Descentralizar ou descentralizado é um processo de transferencia a diversas corporaçoes ou oficios de parte da autoridade que antes exercia o governo supremo do Estado. 11 APRESENTAÇ O Ã Segue sendo uma citação válida a que diz que ..o conceito de Estado não é universal senão que somente serve para in- dicar e descrever uma forma de ordenamento político que se vai dando na Europa a partir do século XIII e até começos do XIX, sobre a base, mo- tivos e orçamentos específicos da história europeia... e que desde aquele momento em adiante estendeu-se à todo o mundo civilizado... 2 Não podemos esqueçer que o Estado europeu, com as suas variantes, aparece como uma forma de organização do Poder, com tendência 'natural' -não é natural!- a centralização, com a desculpa da necessária "unidade do território" e sobre (contra?) a naç ão ou as nações e os seus povos..., porque estabeleceu-se e damos por seguro–ainda que também deva ser submetido a busca da racionalidade convincente para as maiorias e inclusive para a totalidade simbólica- que o Estado deve ter e ostentar "o monopólio da força legítima". Estas duas vertentes, - O ordenamento organização das formas do poder e o seu exercicio racional em função de uns fins que busquem ou coincidam com o bem--estar da tot lidade do território e a população com as suss maneiras de ser, viver e pensar, e - A cesão-concesão-atribuição de autoridade para usar em exclusiva a força legítima quando fosse necessária, são as que confluem-convergem no estabelecimento do necessário equilibrio dos Estados ao serviço do qual estarão as instituções que serão criadas -sempre em função da eficiência no exercicio do poder... para o cumprimento deos fins (conscientes que as instituições são instrumentos, não 'absolutos' que tenham ra- zão de ser como um "em si" próprio)-. Essa convergência é a constituinte da "Ordem Política" a qual aglutina e coesiona o Poder Político do Estado, que adoptará as diversas formas que 'se dêm' os Povos Soberanos. E a partir de este ponto surjem uma imensidão de questões que o livro ajuda a focar, mas que toda cidadania e as suas organizações deve plantear-se e que queremos, ao menos, enunciar: 1ª.- Segue pendente esclarecer en que análise/visão/concepção do Estado nos mexemos e, dentro delas, que estruturas, instituciones e papel se lhe atribui ou desempenha o 'Poder Político' e os outros poderes fortes... 2 Ernest Wolfgang Böckenförde 12 CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER 2ª.- É necessário analisar em cada contexto, desde a perspectiva jurídica e po- lítica (sem excluir a mais profunda perspectiva ética, e a mais pragmática, a utilitária e funcional), a valoração que se faz, em concreto, da descentralização do poder político e como está articulado na práctica diária...; e se sigue sendo essencialmente um 'poder dependente' do Poder Central... ou converte-se no 'seu' mero administrador ou gestor... 3ª.- Não podem explicitar-se as dúvidas desvinculadas das significações que tenha a 'Cidadania', sua atribuição de sentido e o 'reconhecimento' que lhe dão e lhe dêm, de facto, aas estruturas jurídicas, políticas, culturais e y sociais na práctica diária. Com este tema emanam outros dois frentes de reflexão para a conseguinte acção - O que tem a ver com a Sociedade Civil Organizada e o seu papel de Sujeito político... dentro da teoria dos Tres sectores (analisados no desde a sua forma de ges- tão e administração, senão desde a naturaleza do "poder" que lhes define...). - O que tem a ver com o reconhecimento, vigência e exigibilidade do sistema integrado de todos os Direitos Humanos para todos os seres humanos no local e concreto. 4ª.- Sempre fica pendente a concepção e modos práticos de dar-se a Participação e a Democracia directa... na sua articulação com outras formas -compátiveis- de democracia representativa e o tipo de participação 'ritual' que costuma promover... 5ª.- E por suposto, fica pendiente interpretar conseguinte e integralmen- te o "Desenvolvimento Local" desde a mesma teorização do Território (físico e simbólico), como processo integral da unidade local de convivência e unidade de desenvolvimento desde abaixo e desde dentro. Alguma informaçao adicional para contextualizar as dúvidas Tudo debe ser tratado no suposto ou real -se bem situando- a e ponderando-a- Crise do Estado3 (ao qual ainda não se lhe foi encontrada sustitução) e em especial do Estado-nação e as suas 'doutrinas' tanto políticas, como jurídicas; e dos estudos sobre as relações internacionais e inclusive sobre o papel e horizontes do Direito internacional Público; e no outro pólo a Soberanía, os seus sujeitos, dimensões e aplicações... Não é estranho evocar o Federalismo como una forma distinta -¿contrária?- ao 3Tendo dado seguimento, por idade e 'profissao' desde meados dos anos 50, as descolonizaçoes e independencias dos países africanos, o tema "Crise do Estado", resulta fundamental ainda que de envergadura e 'racionalidade' diferente as crises dos velhos Estado-naçao da Europa inteira e da América latina (com a que podiam assinalar alguns campos de coincidencia ). Em África, ao menos em 90% dos seus países foram construido Estados, nao só a margen senao em contra dos seus povos e 'naçoes'... E dele deveriam tomar nota os outros Estados e os organismos internacionais... 13 PRESENTACIÓN Estado nacional. E que tem muito em comum com os 'principios' que fundamentam a necessidade da descentralização política. Hoje são vários os países que têm formas de Estados federais diferenciados, desde los Estados Unidos de norteamérica a México, Brasil, Alemanha, India... e são muitos os países que se dividem em Estados e territórios diferenciados com formas de auto - governo... Estão também as uniões de Estados que na segunda metade do século xx vão proliferando nas distintas regiões do mundo com tratados de distinta obrigatoriedade e vínculo. Não é desdenhável ressaltar a importância da União Europeia com os seus actuais 27 Estados (e o problema permanente da cesão da soberania...). E devem valorizar-se esforços de uniões regionais ou formas de constituir-se como uniões de Estados en matérias sócio-económicas ou sectoriais Mercosur, Sica, SADC, ASEAN Tratados de Livre comércio TLCs..., UNASUR... Actualmente, mas com raizes ancestrais -às quais se reourre para fundamentar a defesa de posturas interessadas concretas- têm-se vindo a destacar a importância "do regional" "do local" "do comunal", não só no étnico, cultural e próprio dos povos mas também como suporte identitário básico que não deve desaparecer senão ao que há que recorrer para evitar o dominio ou sobre-determinação das forças anónimas que geram dominação, anomia e enajenaç ão... - Inclusive em alguns 'dominios' como o do mesmo Desenvolvimento, perante o manifesto fracasso do global, teorizou-se muito sobre o regional e o local. Na Europa inclusive degradou-se tanto o significado de ambos termos que hoje sería difícil encontrar um sentir comum válido e homologável para todos, com a significação do Desenvolvimento Local ou regional na América Latina, África ou Asia... - Não é suficiente recorrer 'ao local' como contrapeso daquilo que é maior ou mais abstracto. Está claro que aplicado ao Poder, o que é conhecido como 'poder local', dentro da sua amplíssima diversificação que vai desdo o poder caciquil do dictadorzinho que controla um território e a sua gente... a experiência de participação cidadã consciente não só na posta em prática de Agendas locais XXI ou Orçamentos participativos, senão em formas activas e sugerentes de democracia directa articulada vitalmente com outras formas creativas de afir- mação da cidadania..., hoje, o poder local é um poder 'tomável' -a grande aspiração estratégica da ' toma do poder'democraticamente pelos povos e, sem dúvida alguma, será onde se possa chegar a descobrir, se fosse possível, a transformação da natureza do poder que propõem colectivos que têm o empoderamento como objectivo das suas revindicações (pensamos, fundamentalmente nas Redes e colectividades de mulheres organizadas recla- mando o cambio de poder e os seus modos de exerce- lo como finalidade e programa estratégico do seu horizonte de luta...). 14 CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER - Como em outros poucos espaços, estes planteamentos radicalizam-se e absolutizam quando se trata dos Povos Indígenas e trivais que na sua História e Cultura têm-se identificado estreita e miticamente vinculados a sua Terra e territórios, os próprios da sua nação.... É imprescindível ler com atenção e abertura de espirito a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas e inclusive, me atreveria a sugerir que, se tivessemos uma boa dose de liberdade intelectual, convem estudar e reflexionar con suma atenção a nova Constituição da Bolivia e a sua auto- compreensão como povo, e a comprensão que dá- se dos "seus poderes", incluido o do Estado... Teoricamente há toda uma estela que vai desde Kant, a Utopia de Saint-Simon ou de Proudom e atravessa pensamentos e prácticas políticas que preenchem todo o século XIX e XX e que desembocam em múltiples formas nas quais se ressalta a importância de que sejam os povos, as gentes conscientes e livres as que organizem e exerçam a participação directa nos seus assuntos... co-gerindo o governo. Não devem desdenhar-se ou rejeitar sem mais ditas teorias... Para todo isto e mais é importante estudar e reflexionar o livro de Vanna que nos alegramos muito de poder publicar. IEPALA Primavera de 2011 NOTA ACLARATORIA: ao final do livro incorporamos algumas reflexões feitas desde Espanha, sobre Sociedade Civil Organizada, Descentralização do Poder Político, Cooperação Descentralizada e o tema sempre pendente da Questão democrática. Gostariamos de receber críticas, contribuições e ampliações a esse debate que fica aberto... 15 Introducção Caminhante, não há caminho, somente sulcos no mar. António Machado A globalização económica, a crise do Estado-nação, a exigência de uma difícil e inapreensivel governo mundial, modificam os termos com os que se define a questão democrática nos começos deste novo século. Encontramo- nos perante uma nova encrucilhada, os velhos marcos teóricos perdem a força explicativa, enquanto que os novos apenas se vão perfilando. Nos anos entre os dois milénios, a democracia manifesta capacidades no- táveis de difus ão: um aumento da sua força atractiva e a busca de novas formas de exercicio mais inclusivas; mas, ao mesmo tiempo, mostra uma permeavilidade igualmente notável frente a um esvaziamento progressivo e a uma evaporação estendida dos seus caracteres constitutivos. A reflexão sobre as complexas transformações actuais está presente em muitos estudos e em âmbitos teóricos distintos. São muito diversos os enfoques desde os quais o tema está sendo debatido: local, nacional, global; social, político, cultural; actores, movimentos, instituções; negociações, argumentações, são algumas das dimensões que, combinadas de maneiras diversas, identificam os distintos pontos de análise. Pela sua parte, este livro privilegia como eixo de observação os processos de descentralização. Para além das diferenças que os caracterizam, estes oferecem a possibilidade de explorar o surgimento de formas mais incluentes de democracia sem ficar "bloqueados" numa perspectiva somente local senão reconhecendo, desde um principio, a importância da abertura à escenários nacionaia e globais. A relação entre democracia e democratização é o que permitiu que, nas últimas décadas, notem-se mais as características atractivas e também implosivas da democracia. Introduzir nesta relação o foco da descentralização implica centrar a análise na área específica dos paises do Sul, consentindo ao mesmo tempo detectar as peculiariedades e as trajetórias daquelas novas prácticas participativas que representam aspectos significativos do marco democrático actual. O orçamento participativo de Porto Alegre e a planificação democrática do Estado de Kerala são os dois casos que seleccionamos para raciocinar sobre estas prácticas. Trata-se de experimentos acti- 17 INTRODUCCIÓN vos em continentes e processos históricos distintos, que constituem laboratórios importantes para a análise de temas centrais do discurso democrático. Propomos como tarefa de hoje a reflexão sobre as razões que explicam a capacidade de inovações e os aportes de experiências desta natureza, mas também o questionamento do impacto limitado que tem nas políticas e as prácticas predominantes nos niveis nacionais e global, tendencioso mais que nada para diferentes formas de "democracia iliberal" ou, de uma forma mais geral, de democracia "sem qualidade". Para cumprir com esta tarefa, focamos a análise numa dimensão que muitas vezes não se tem suficientemente em conta, a dimensão transnacional, sem a qual o local transforma se em localismo, resíduo inerte de processos que o trascendem, e a reflexão sobre o mesmo reduz-se a um exercicio com possibilidades limitadas de confrontar-se com as lógicas económicas e políticas dominantes. Para isso fizemos uma eleição ulterior: decidimos utilizar a len- te da cooperação para o desenvolvimento que desde hace mais de cinco décadas é um elemento no secundário das relações internacionais. A finais do século XX a cooperação internacional sofreu uma crise que em muitos aspectos é irreversível. O pós-bipolarismo e a globalização crescente exigem uma profunda redefinição das relações Norte-Sul e das políticas a impelementar, enquanto que a visão mesma do desenvolvimento é objecto de um processo acelerado de posta em discussão e de diferentes tentativas de redefinição. Nesta cojuntura, também no âmbito da cooperação manifesta-se aquela tendência para a descentralização, que é activa tanto no marco geral da forma do Estado como no marco específico das políticas sectoriais. Na segunda metade dos '90, de facto, começa a emerger uma nova modalidade de fazer cooperação, a descentralizada, que apresenta diferenças relevantes com respeito às políticas e as formas de acção do passado. Esta aponta a construir um partenariado inédito entre múltiples actores do Norte e do Sul para promover um desenvolvimento que seja local, participativo, multi-actorial, multidimensional e em múltiples níveis, isto é que seja capaz de conectar o local, o nacional e o global. Põe em marcha um laboratório de experimentação de novos vínculos cooperativos transnacionais, cuja escassa espessura debilita as prácticas democráticas surgidas nas últimas décadas, e é portadora de uma visão de co-desenvolvimento que redefine profundamente o conceito de desenvolvimento, entravado por uma relação unidireccional entre Norte e Sul, e solicita cambios simultâneos em ambas direcciones: em outras palavras, a cooperação descentralizada aposta por uma visão a suma positiva das actividades de cooperação internacional, que identifica no local o âmbito de acção que lhe é maiss propicio. Conectar a análise da cooperação descentralizada con aquilo das novas experiências de descentralização democrática nos tem assim permitido olhar desde uma perspectiva inédita tanto a uma como às outras, e também a questão democrática mais geral. Obviamente, trata- se só do começo de um caminho que terá que ser recorrido, aprofundado e posto a verificação. Sintetizo, a continuação, o esquema que temos adoptado para a exposição deste trabalho. a primeira parte, após um rápido exame das formas possíveis de des- 18 CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER centralização e das diferenças que existem entre as análises que reflexionam sobre elas, num plano geral, e os que estudam, pelo contrário, os processos concretos da descentralização, centra- se nos cambios que hoje redefinem a questão democrática, detectando na relação descentralização-democracia-democratização a que permite perfilar de forma mais acuciante as suas tendências, obstruções e potencialidades. A segunda parte divide- se em tres capítulos: o primeiro examina as características da terceira onda democrática, questionando também a validez do "Sul" como categoria de análise; o segundo propõe um estudo comparado de dois casos de descentralização democrática, Porto Alegre e Kerala; o terceiro e último, focaliza- se nas características específicas da cooperação descentralizada, pondo particular atenção nos espaços democráticos que estaabriu. Finalmente, algumas notas gerais sintetizam os resultados do caminho percorrido. Vanna Ianni Outubro de 2008 19 A descentralização na segunda modernidade Processos e conceitos Falar de descentralização na primeira década do século XXI significa entrar num tema controvertido e opaco, conceptual e empiricamente. Por outra parte, è precisamente a centralidade que adquiriu o que contribui a outorgar-lhe tais características. O aumento dos países envolvidos em processos de descentralizaç ão acentua, junto com a importância deste fenomeno, a diversidade das formas nas que se realiza e a polissemia do termo que o define. Em tempos de modernidade "líquida"1, as transformações dos contextos internacionais, nacionales e locais, solicitam aos analistas a criação de conceitos-oxímoron, aptos para por de relevo as tendências contraditórias que os geram: fragmegration, para captar as tendências opostas para a fragmentação e ao mesmo tempo a integração, que co-existem, entrelaçam-se e alimentam-se reciprocamente2; chaord, para remarcar como o caos e a ordem se sobrepoem e confundem; glocal, para descrever "espaços que não são nem locais nem globais"3, para tornar transparente a interação do global com um local que se tornou multi-escalar, já não circunscrito territorialmente senão enlaçado por relações horizontais e verticais a outros locais e ao global4; distant proximities5, para indicar proximidades baseadas não nas redes curtas da proximidade física senão naquelas longas das problemáticas e dos horizontes de expectativaspartilhadas; "democracias iliberais", para definir democracias que misturam participação e autoritarismo6. Trata-se, mais que nada, de processos inacabados que 1As comunicaçoes que se dao no interior da comunidade ja nao tem vantagem sobre as relaçoes entre comunidades, o espaço perde a sua importancia perante o tempo. Modernidade "liquida" é a metáfora usada por Bauman (2002) para definir o estado de continuo cambio que caracteriza a época actual. 2 "Como conceito, a fragmegration poe em relaçao os processos de fragmentaçao e de integraçao que acontecem no interior e entre as organizaçoes, comunidades, países e sistemas transnacionais, de modo que é virtualmente impossivel nao considerá-los interactivos e vinculados por relaçoes causais" (Rosenau,1990:1999). Trata-se do mismo fenómeno posto em evidência também por Geertz quando observa: "O mundo de hoje está caracterizado por um paradoxo sobre o qual, apesar das referencias ocasionais a ela, reflexiona-se muito pouco: a globalizaçao crescente implica um aumento das novas diferenciaçoes, e as interconexoes cada vez mais globales sao a outra cara de divisioes cada vez mais complexas" Geertz, 1999:57. Chaord é outro oxímoron criado por Rosenau. 3 Harcourt e Escobar, citados em Gaventa, 2003. 4O local perde assim o seu vínculo com a proximidade física e a ideia de contexto. "A reconceptualizaçao crítica do local segundo estas linhas, implica a rejeiçao, pelo menos parcial, da concepçao segundo a qual as escalas locais sao inevitavelmente parte de hierarquias de escalas que vao do local ao regional, ao nacional, ao internacional". (Sassen, 2008: 21). 5 Rosenau, 2003. 6 Zakaria, 2003. 21 LA DESCENTRALIzACIÓN EN LA SEgUNDA MODERNIDAD contribuem a aumentar o carácter incerto e complexo da nossa contemporaneidade, complexus en quanto vincula elementos diferentes e muitas vezes opostos que são inseparáveis, entretecidos, inter-dependentes, interactivos e inter-retroactivos7. Não obstante, a "contraditoriedade" é só uma das características da linguagem do nosso tempo: a opacidade, a equivocidade, a evasividade constituem dimensões igualmente peculiares de ello. os conceitos são híbridos, polisémicos, apresentam características transideológicas, encerram significados múltiples que os fazem localizaveis em marcos concentuais profundamente distintos; estratégias discursivas diferentes e discordantes os interpretam dando predominancia a um ou a outro; democracia, sociedade civil, governança são todos termos deste mesmo tipo. No âmbito dos estudos de desenvolvimento, nos anos noventa proliferam palavras deste tipo, palavras sutilmente imprecisas e, ao mesmo tiempo, justamente pelo mesmo, muito atractivas. O cono de sombra que elas projectam deixa permanecer, por debaixo da casca dos principios partilhados nas declarações -apropriação, partenariado, empoderamento, participação 8- o coração das distinções e contraposições presentes na sua interpretação. O consenso que estas despertam entre os analistas, os políticos, os funcionários e os agentes de organismos internacio- nais, nacionais e ONG, escurece em grande medida a presença de vozes e leituras divergentes. No ensaio de Majid Rahnema, Participação, põe em relevo, por exemplo, as distintas razões que operam por debaixo do interesse actual à l participação, e que alteram em muitos casos a sua natureza. Ela "já não é o tabú que era há 20 años atrás", e a percepção das suas dinâmicas e do seu impacto mudou profundamente. Agora é percebida, segundo o analista irani, como: - Um apoio, e já não ameaça, para o poder; - Um slogan politicamente atractivo, que opera como um instrumento eficaz de produção de consenso e de controlo das tensões; - Um assunto económico atrativo, que permite aos governos descargar sobre os pobres os custos do ajuste das suas políticas; - Um meio para alcançar mais eficácia e, ao mesmo tempo, uma nova fonte de inversões que facilita o conhecimento do território e o acesso a grupos e redes relacionais; 7 Edgard Morin, 1999. 8O termo "participaçao", assim como todos os conceitos que adquirem uma visibilidade particular para finais do século, é indefinido, ambiguo, "evasivo" (Tomassoli, 2001), sujeito a tendencias contrastantes e aberto a leituras e a usos diversos; é um termo "apanha-tudo" que evoca posturas e estrategias inclusive opostas. (White, 1996). As vezes assume as características de um verdadeiro " declaração de fé" que reivindica positividade de por sí e, apresentando-se como busca das "técnicas justas", exclui do horizonte todo conflicto possivel . (Cleaver, 1999). 22 CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER POLÍTICO - Uma ferramenta útil para a captação de fundos, que garante às ONG o apoio da opinião pública e o destino de recursos crescentes por parte dos governos; - Um conceito que pode ajudar ao sector privado para envolver-se em actividades de desenvolvimento9. A evasividade dos termos utilizados contribui a que muitos os definam como verdadeiras buzzword (palavras de moda), que são tais justamente pela sua ambiguidade que lhes permite ser utilizadas por actores e estratégias diferentes. Palavras que provêm de moda porque são fuzzword10, isto é , palavras conscientemente imprecisas; não simplesmente uma linguagem de evasão, langue de bois, senão termos que unem à ausencia de una definição clara com uma forte crença no que parecem indicar. Para eles também tem sido utilizado, como faz Gilbert Rist no caso de "desenvolvimento", a express ão de "palavras mala" ou também "palavras de plástico", para sublinhar a variedade e y a diversidade dos significados e das prácticas que encerram11. Com a descentralização, encontramo- nos perante um termo-contentor deste mesmo tipo, que inclui lógicas de acção e significados múltiples e contrapostos, com dimensões tanto analíticas como normativas confusas, que se transformou nas últimas décadas num componente central de enfoques e políticas diferentes e inclusive em oposição. A descentralização constitui, de facto, um "tema com muitas facetas", como observa Ribot12, inclusive "paradóxico" em certo sentido, já que, como se notou, os seus processos requerem "de um centralismo mais grande e de competências estatais mais complexas"13. Por outra parte, os governos, as organizações internacionais, os operadores, põe nela expectativas importantes e lhe atribuem muitas vezes resultados positivos. Muitos argumentan que a descentralização garantiza em si vantagens importantes: maior eficácia e eficiência na prestação de serviços, fortalecimento da democracia atravéz da ampliação da participação dos cidadãos nas decisões públicas, desactivação dos conflitos e desincentivar as tendências secessionistas, desenvolveu mais profundo e equitativo. A crítica principal à estas afirmações reside na premissa de base que as sustenta, na assunção infundada de que sempre existam mecanismos que fazen que as "Autoridades locais sejam responsáveis perante às populações locais"14. A estas afirmações se contrapõem, no debate científico e político, outras, directamente antagónicas, as quais evidenciam, 9 Rahnema, 1998. 10 Cornwall, 2007. Ver também Cornwall e Brock, 2005. 11 Rist, 1997:19. 12 Ribot, 2002. 13Le Meur, 2003; Tendler, 1997. Descentralizaçao e centralismo sao dimensoes que nao só coexistem de maneira diferente nos distintos ordenamentos positivos senao que, nalguns casos, fortalecem recíprocamente a qualidade do seu próprio funcionamento. 14 Ribot, 2002. 23 LA DESCENTRALIzACIÓN EN LA SEgUNDA MODERNIDAD Pelo contrário, os aspectos negativos produzidos pela descentralização, atravéz de uma leitura diametralmente oposta dos mesmos aspectos considerados pelas primeiras, mas que neste caso levam a falar de aumento da corrupção, desperdicio de recursos, profundização dos conflictos e das tendências divisórias, travão aos processos de desenvolvimento e aumento das desigualdades15. Estes contrastes constituem um indicador explícito de ate que ponto os efeitos da descentralização não possam ser considerados como "dados", senão que resultam decisivas as formas que esta assume e as estrategias que a sustentam. Por outra parte, são diversas as motivações que estão na base da acção descentralizadora. Diana Conyers põe de relevo que, em contextos de conflitividade aguda sobre base territorial, os governos a aplicam com três propósitos distintos: Para incorporar regiões ou grupos étnicos que aspiran à independência; Para reforzar regiões que, em situações de pós-conflicto, possam ajudar a fortalecer a unidade nacional; Para aumentar o controlo do partido do governo sobre as actividades locais. os casos da Nigéria, Africa do Sul, Uganda, Zâmbia e das políticas de pês-independência implementadas por estes países, são considerados exemplares a este respeito16. Devido à esta multiplicidade de objectivos e a sobreposição das formas, o debate sobre a questão dos efeitos da descentralização deve considerar-se ainda não solucionado. A mesma análise empírico não deixa certezas definitivas relativamente às relações existentes entre a descentralização e a luta contra a pobreza, a democratização, a equidade, a eficiência e as temáticas de género ou a prestação de serviços. Trata-se de aspectos que é difícil isolar e medir, e alguns deles até agora têm sido pouco analisados17. A observação de Rondinelli sobre o carácter composto, "misto", dos resultados da descentralização levada a cabo pelos PVD18, deve considerar-se válida até ao dia de hoje, inclusive num proposta geral, em contraste com qualquer tendência a fazer desta uma nova "bala mágica" (magic bullet) das políticas de modernização e democratização. sustenta que o processo de descentralizaçao democrática realizado em 2001 pelo Estado indio de 15 Manor Madhya Pradesh tem querido responder a exigencia de substituir a democracia representativa por formas de democracia directa, devido a concentraçao de poder adquirida pelos Conselhos descentralizados eleitos. A experiencia de distintos países demostra, segundo esse autor, as dificuldades da gestao local democrática. A este tema têm dedicado atençao também outros analistas, entre eles Ribot (2002). Por outra parte, é importante sublinhar que Manor, recusando um fácil pessimismo, conclui o seu trabalho centrando-se nas condiçoes que tornam possível uma relaçao positiva entre descentralizaçao e democracia. Manor, 2002. 16 Conyers en Ribot, 2002 : 14. 17 Ribot, 2002 ; World Bank 2000 : 109 ; Crook e Sverrisson, 2001. 18 Rondinelli, Nellis, Cheema, 1983. 24 CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER POLÍTICO As formas de descentralização Pelas razões expostas, assinalar sinteticamente as distintas formas que toma a descentralização constitui uma condição sine qua non para qualquer análise que queira superar a opacidade e as confus ões e medir-se com a complexidade de processos específicos deste tipo. Desconcentração, descentralização política e privatização constituem, na nossa visão, as suas tres principais formas. A desconcentração, ou descentralização administrativa, transfere poder aos funcionários locais do Estado central, sejam administradores, prefeitos ou empregados dos distintos ministérios. A transferencia de funções, recursos e pessoal, não aumenta, neste caso, os processos de responsabilidade local, senão que, pelo contrário, conserva e fortalece a responsabilidade para cima (upwardly accountability). Esta forma de descentralização tem sido a mais impelementada na fase pós-colonial em África e na Asia, mas também é a mais próxima às políticas neoliberais. Até à actualidade é amplamente predominante nos países da África do Norte e nela o âmbito de acção das Autoridades locais é rigorosamente limitado e subordinado ao poder central19. A desconcentração permite, em princípio, tomar decisões mais acordes com a realidade local, mas não interrompe a cadeia rigorosamente "de cima para baixo " do poder. Não obstante, coloca a questão da coordenação entre as distintas cadeias decisórias, visto que as subdivisões sectoriais poem referir-se à territórios distintos. Educação e saúde, por exemplo, apresentam em vários casos níveis de descentralização distintos: a primeira, principalmente municipais; a segunda, pelo contrário, na maioria sub-nacionais. A delegação, pela sua parte, realizando uma transferência de funções públicas a agentes dotados de autonomia no seu desempenho, mas que seguem sendo responsáveis para o governo central20, representa uma forma particular de desconcentração . une- a à esta a permanência de uma responsabilidade (accountability) rigorosamente dirigida para cima, enquanto que a diferença entre ambas reside na maior autonomia que a delegação apresenta a nivel local21. A descentralização política inlcui, pela sua parte, a transferência de poderes à uma Autoridade representativa, responsável perante a população local. A sua eleição constitui um elemento necessário mas não suficiente, já que muitas vezes estão acompanhadaa pela permanência de formas importantes de controlo administrativo central22. Clayton sublinha também que é importante tomar em consideração tanto o carácter eleitoral ou não das Autoridades locais, como a extensão dos poderes transferidos pelo governo central. Ambas dimensões tendem, de facto, a despregar-se num es- 19 United Cities and Local Governments, 2007. 20 Rondinelli, 1981; Ribot, 2002; Agrawal y Ribot, 1999. 21 Manor 1999, Crook y Manor, 2000; Agrawal y Robot, 1999. 22Significativamente, a Carta Europeia das Autonomias Locais reconhece como tais só aqueles governos locais dotados do direito e a habilidade, "dentro dos límites da lei, para regular e gerir uma quota sustancial dos assuntos públicos sob responsabilidade propria e no interesse da populaçao local", (Council of Europe/Conseil de l 'Europe, 1985). 25 A DESCENTRALIZAÇAO NA SEGUNDA MODERNIDADE pectro de situações que vão desde as que são caracterizadas por "um nível máximo de participação, unido a um nível mínimo de delegação"23 as quais mostram "un nível mínimo de participação juntamente com um nivel máximo de delegação". A relação entre as Autoridades locais eleitas e os representantes e funcionários do governo central revela- se, neste caso, decisiva. Por outra parte, os processos electorais podem ser "esvaziados" não só pelo controlo político e fiscal central, senão tambem pelas formas e os graus com os quais as elites locais logram capturá-los, desactivando a sua potencialidade democrática e perpetuando relações de clientela e de subordinação autoritária, de marginação e exclusão dos grupos mais débeis. A referência normativa e analítica mais importante da descentralização política é o princípio de subsidiariedade, que tem uma dimensão vertical e outra horizontal. A primeira regula as relações entre os distintos níveis de governo, estabelecendo que o cuidado dos assuntos deve ser atribuído, normal e preferentemente, a entidade mais pequena e mais próxima aos directos interessados. Desta maneira, inverte a relação que tradicionalmente existe entre os poderes estatas: ocentro assume um papel subsidiário, que exerce só em caso nos quais os níveis inferiores não estejam enm condições para cumprir uma determinada função24. Por outro lado, a dimensão horizontal tem que ver com a relação entre o governo, nos seus distintos niveis e os actores sociais, e activa uma circularidade nova entre o público e o privado, entre as autonomias territoriais, funcionais e sociais. neste caso, o princípio de subsidiariedade in- troduz uma descontinuidade importante nas relações entre governo e cidadãos; marca o passo destes últimos do papel de receptores passivos de serviços ao de sujeitos activos, capazes de interactuar com a administração25. As duas dimensões vinculam- se, tendencialmente, a dois tipos igualmente distintos, que não obstante interactuam, de legitimação: a funcional e a democrática. No conjunto trata-se de um complexo e importante fenómeno de redefinição e redistribuição de poder entre os níveis do governo e, ao mismo tiempo, entre estes e os actores económicos e sociais. Ambas dimensões encontram destacada presença, no caso italiano, nos anos 2000, nas modificações aportadas ao texto constitucional; a introducção, em particular, da dimensão horizontal marca uma "novidade radical" cujas potencialidades, no entanto, ficam por desenvolver26. A este propósito e num marco geral, cabe notar que o reconhecimento do cidadão como portador de capacidades além que de necessidades, abre as portas a interpretações não unívocas das suas relações com o governo, seja este nacional ou local. De facto, realiza, não só uma inédita convergência entre tradições anti-estatistas distintas, como a liberal e a católica, como o nota Luigi Bobbio, senão que ao mesmo tempo transforma-se num elemento daqueles planteos 23 Clayton, 1998: 21. 24 Bobbio, 2002a:47. 25 Arena, 2003. 2 6 El Artículo 118, assim como tem sido reescrito na reforma do Titulo V da Constituiçao italiana afirma: "Estado, Regioes, Cidades metropolitanas, Provincias e Municipios favorecem a iniciativa autónoma dos cidadaos, individuos e associaçoes, para o desenvolvimento de actividades de interesse geral, sobre a base do principio da subsidiariedade" (Lei constitucional 3/2001. Arena, 2003). 26 CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER POLÍTICO marxistas e pós-marxistas que, a partir da crise da "constelação nacional", empenham-se na busca de novas relações entre Estado e sociedade27. A referência à dimensão horizontal da subsidiariedade permite, por outro lado, distinguir analiticamente no profundo da descentralização política genérica tout court (nada mais), a descentralização democrática, caracterizada por novas formas e mais amplas de participação novas, individual e colectiva, na vida pública e as decisões colectivas28 . Esta diferenciação, que nem sempre é explicitada na bibliografia sobre o tema, desempenha um papel central neste trabalho. Por outra parte, descentralização política e descentralizaç ão democrática s ão também, ambas, assimiladas ao conceito de "devolução "por analistas tais como Rondinelli, Heller e Manor. Este último define- as como um processo no qual "recursos, poder e a miúde actividades são assignadas a uma autoridade de nível inferior, que é bastante independente das Autoridades mais altas, e que é, pelo menos em certa medida, democrática"29. Outros, como Ribot, descartam pelo contrário o uso do termo "devolução", por ser demasiado indefinido. Neste trabalho nós seguiremos esta última postura . A descentralização fiscal, caracterizada pela transferência de recursos ou do poder de estabelecer e cobrar impostos, desde o centro até os níveis locais de governo, representa um componente tanto de desconcentração como da descentralização política: por isso não a consideramos aqui como um tipo particular de descen- tralização, ao igual do que fazem outros autores como Rondinelli, quem não a incluí entre os quatro tipos descritos por ele: desconcentraç ão, delegação, devolução e privatização. Por outra parte, outros estudos se a consideram como tal; Crook e Manor, por exemplo, falam de desconcentração ou descentralização administrativa, descentralização fiscal e devolução ou descentralização democrática30. Finalmente, a privatização constituí uma forma de descentralização que se encontra numa zona cinzenta e de fronteira, alimentada por uma leitura particular da subsidiariedade horizontal. Impelementada principalmente pelas políticas neo-liberais, 27 No caso italiano, a diversidade das leituras possiveis do principio de subsidiaridade horizontal, encontra uma expressao significativa nas diferenças que existem entre as políticas de cooperaçao internacional da Toscana e da Lombardia. Enquanto a primeira se tem comprometido com a criaçao de um sistema regional que activa, valoriza e poe em rede os recursos, as competencias e as autonomias sociais e institucionais do território, propondo-se como marco de apoio e de coordinaçao, a Regiao Lombardía tem apontado a desempenhar um papel de ente patrocinador das iniciativas promovidas pelos actores do territorio e, a vez, de "abre -caminho" nos espaços políticos internacionais, mantendo separados os roles e os planos de acçao. A este respeito consulte Diodato e Lippi, 2007. Sobre o esforço da Regiao Toscana para abrir espaços participativos, consulte Allegretti, 2006. 28Patri Heller (2001) define a descentralizaçao democrática como "um incremento e um aprofundamento da k participaçao dos grupos subalternos a distribuiçao dos recursos de autoridade". Para Ribot (2002), ela "integra a populaçao local nos momentos decisivos atravéz de uma melhor representaçao, criando e outorgando poder a governos locais representativos, os quais obtêm dominios autónomos de poder, úteis para tomar e implementar decisoes significativas". 29Man in Crook e Manor, 2002:1. or 30 Rondinelli, 1981; Crook e Manor, 2002. 27 LA DESCENTRALIzACIÓN EN LA SEgUNDA MODERNIDAD está caracterizada pela transferência definitiva de recursos a actores não estatais, individuais ou associados, com fins de lucro ou não. Alguns negam que esta constitua um tipo de descentralização, porque acreditam que os actores privados, inclusive os que n ão têm ânimo de lucro, acabam estando vinculados por interesses particulares e são por isso incapazes de fazer-se cargo de objectivos "públicos", isto é, de interesse comum31. Estas considerações permitem-nos reconstruir as razões pelas quais o uso genérico do termo "descentralização" pode originar confusão e se presta a ser utilizado como referente para estratégias e discursos diferentes, às vezes dirigidos a legitimar iniciativas concebidas expressamente para conservar y não para reformar o controlo exercido pelo Estado central. A referência às distintas formas de descentralização não pode prescindir, por outra parte, de não tomar em conta os níveis, isto é, o número das subdivisões administrativas nas que se reparte o território, assim como sobre as dimensões e o carácter uniforme ou assimétrico que lhes é atribuído32. trata-se de aspectos importantes, decisivos para a análise empírica, porque são indicativos da presença de estratégias distintas que os definem e associan segundo modalidades variáveis. Efectivamente a eleição dos níveis de descentralização e das relações entre eles resulta, em muitos casos, decisiva: o municipalismo, por exemplo, isto é a atenção exclusiva posta no nível micro, dificilmente dotado dos recursos necessários para alimentar processos de desenvolvimento sustentável, pode reproduzir mais facilmente a continuidade dos poderes existentes. Quando Stephen N. Ndegwa inicia o seu ensaio sobre a descentralização em África declarando que o seu interesse se dirige só aos processos de nível local, visto que aqueles que envolvem outros níveis respondem à dinâmicas distintas "muitas vezes estreitamente vinculadas a contestações relativas ao controlo do Estado e a um explícito equílibrio de forças regionais, étnicas ou subnacionais de diferente natureza"33, põe de manifesto, precisamente, a maior potencialidade que têm adquirido os níveis sub-nacionais para pôr em discussão o poder central. Por outros aspectos, um exame dos modelos de governo local34 que não inclua um enfoque dinâmico e comparado expõe-se a perder de vista aspectos importantes como, por exemplo, as diferenças de funcionamento que existem entre os sistemas com "hierarquia única" e os sistemas com "hierarquia dupla ou dividida". Nos primeiros, a estructura do governo nacional e a dos governos locais entrecruzam-se, 31 Ribot, 2002; Oyugi 2000. classificaçao por niveis de governo, diferencia fundamentalmente tres grupos de países, pelo número 32Um a de niveis que cada um apresenta. O Reino Unido constitui, pela sua parte, um caso sui generis, caracterizado por um regionalismo completamente assimétrico, sendo desiguais sejam as atribuiçones sejam os poderes das distintas subdivisioes do seu ordenamento territorial. (Bobbio, 2002a). 33Ndegwa, 2002: 1. O ensaio, baseado em evaluaçoes de numerosas iniciativas do Banco Mundial, reconhece duas formas fundamentais de descentralizaçao: a desconcentraçao e a descentralizaçao política. 34Est texto utiliza o termo de "governo local" de maneira extensiva, já que inclui os distintos niveis de e descentralizaçao existentes num país determinado. Usa a noçao de "governo sub-nacional" ou "nao central", só nos casos nos que cabe diferenciar a acçao do nivel descentralizado superior. Ao mesmo tempo reserva o uso de "Autonomía local" para aqueles governos que apresentam as características estabelecidas pela Carta Europeia das Autonomías locais. 28 CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER POLÍTICO Misturam-se, em vários pontos: uma mesma autoridade está incluida em ambas escalas35; nos segundos as duas estructuras apresentam-se claramente separadas. França e Grã Bretanha são referências exemplares, respectivamente, de uns e outros. Baseando-se nesta distinção, os estudos dos anos setenta e oitenta puseram de relevo como os sistemas de hierarquia única, contrariamente ao que tradicionalmente sustentava a bibliografia sobre o tema, mostram-se muitas vezes mais flexivéis e mais capazes para resistir às pressões centralistas36. Dificilmente pode sobrevalorar-se a importância destas considerações, visto o passado colonial de ambos países, cujas pegadas permanecem visivéis na actualidade. A partir deste breve, e para nada exaustivo, reconto das formas da descentralização, a exposição porá agora a atenção sobre os cenários nacionais e internacionais que emolduran os processos de descentralização das últimas décadas e, a continuação, sobre algumas experiências de descentralização democrática realizadas, em particular, no Sul do mundo. A ideia é conectar a reflexão teórica com a análise de contextos específicos, atravéz do estudo de dois casos, para poder chegar a identificar as principais dinâmicas e tendências dos processos actuais. A crise da constelação nacional questão democrática As profundas transformações que marcam os anos noventa e dois mil, motivam aos estudosos a falar da passagem a uma "segunda modernidade"37, de "retirada" do Estado38 ou do seu "desaparecimento". Ao mesmo tempo, a desarticulação entre a economia e a política que acompanha a redefinição da forma do Estado confere centralidade ao tema do governo de um mundo caracterizado pela sua complexidade e assimetrias, no qual a dimensão global assumida pela primeira não corresponde uma capacidade análoga de governo da segunda. A rígida dicotomía nacional-internacional torna-se obsoleta, tende a deixar a passagem a uma política pós-internacional39 na qual, junto 35 O prefeito, por exemplo, participa simultâneamente dos processos de descentralizaçao política, já que é o representante local de um território determinado, e dos de desconcentraçao, já que e um representante do governo central. 36Sobre este aspecto, consulte Bobbio, 2002a: 32-36. 37Enquanto que na "primeira modernidade" as relaçoes internacionais foram dominadas pelos Estados, na "segunda modernidade", ingressam nelas actores transnacionais múltiples e heterogéneos, que actuam em vários lugares e cujos membros pertencem a vários Estados. Beck, 1999, 2005. Para Habermas, a distinçao estabelece a distancia entre uma "modernidade organizada"-marcada pela presença de partidos de massa, de sistemas de segurança social, de relaçoes industriais corporativas- e uma modernidade de "liberismo estendido". (Habermas, 1999: 67). 38Strange, 1998. 39Rosenau, 1990 e 2003; Hocking, 1999. Trata-se de um fenómeno complexo que actores como Aldecoa e Keating (1999), que olham principalmente o papel dos governos sub-nacionais, conceptualizam como paradiplomacia, e outros, mais atentos ao papel que o conjunto dos novos actores pode jogar na construcçao de cenários de paz, preferem classificar como "diplomacia de múltiples caminhos" (multitrack diplomacy, Diamond e McDonald, 1996). De todos modos, o fenómeno de fundo que os distintos estudos pretendem abarcar está marcado por un complexo processo de cambio das relaçoes internacionais no qual essas assumen um perfil fragmentado e cambiante. 29 LA DESCENTRALIzACIÓN EN LA SEgUNDA MODERNIDAD Com o capital e os Estados, actuam, de maneira crescente, as organizações internacionais, os governos locais e a sociedade civil global. Um processo inédito de pluralização dos actores acompanha a emergência esta última, conjunto variado e heterogéneo que actua em espaços transnacionais e que inclui organizações n ão governamentais com uma clara vocação internacional, movimentos sociais, redes formais e informais, associações de distintas tipologias e consistência40. Esta nascente sociedade civil global, apresenta-se, ao mesmo tiempo, como uma "realidade e um conceito emergentes"41. Como conceito, interrompendo a conexão entre sociedade civil e Estado que se tinha mantido ao longo de épocas históricas distintas, entra em falência o "nacionalismo metodológico" que faz do contexto nacional-estatal, de um Estado entendido como poder de controlo do território e fundamento da sociedade, a única perspectiva desde a qual pensar e definir as relações sociais; localiza-se assim, decididamente, na segunda modernidade. A globalização, multiplicando as esferas de autoridade, os fluxos e os vínculos transversais e globais, cria sistemas normativos transfronteiriços, que escapam parcialmente ao marco do "contentor nacional"42. A fronteira transforma-se num lugar em certa medida de-territorial e virtual no qual se misturam e confundem política interior e exterior e ao qual correspondem "percepções cambiantes de alheidade y familiariedade"43: sua dimensão político-geográfica está sujeita à processos complexos de desagregação, disseminação, redefinição, enquanto que a centralidade que tem adquirido o seu conceito expressa as transformações em vigor. Estas últimas também põem de relevo a nova questão da governança, porque numa globalidade na qual os actores se ampliam e se diferenciam o conceito de "governo" já não é capaz de expressar as dinâmicas do presente. O conceito de governança, que pretende referir-se a modalidades não verticais e y não rígidas de governo, dilata-se, ao mesmo tempo, até incluir acepçoes 40Segund Martin Shaw (1994) a sociedade civil global inclui: "organizaçoes formais conectam instituiçoes o nacionais (organizaçoes de partidos, igrejas, sindicatos, gremios, corpos educativos, meios de comunicaçao, etc.); conexoes de redes informais e movimentos (p.e. de mulheres, gays, grupos pacifistas e movimentos); organizaçoes globais (p.e., Amnistía internacional, Greenpeace, Médicos sem Fronteiras), com uma orientaçao específicamente global, membros globais e objetivos globais". 41Anheier, 2001. Muitas e diversas razoes explicam o "redescubrimento", nas últimas décadas do século XX, da noçao de sociedade civil. A extensa bibliografía existente sobre este tema concorda em assiñalar que este fenómeno, começado nos anos setenta nos países de América Latina e Europa Oriental, com o ldesaparecimento dos regimes de socialismo real se reforça e estende a outras áreas geopolíticas. A saida do autoritarismo e a transiçao à democracia nao constituem, no entanto, os únicos processos dos quais surgem as tendencias para un renascimiento do conceito. Outras solicitaçoes, de tipo distinto mas igualmente fortes, procedem das transformaçoes que voltam a desenhar o perfil das sociedades pós-industriais. O debilitamento dos laços comunitários e o surgimento de formas novas de agregaçao, a crise do pensamento socialista e do Estado de bem- estar, os limites que tanto o Estado como o mercado mostram como reguladores da ordem e da integraçao social, a emergencia de novos movimentos e a desarticulaçao crescente que a globalizaçao introduz nas relaçoes entre economía, sociedade e política, contribuem a esse "renascimento", que é a expressao de exigências e objetivos distintos. Sobre as características e as razoes do regresso desse conceito e da sua incorporaçao nos estudos de desenvolvimento, vejase Ianni, 2004a. 42 Sassen, 2008. 43 Hocking, 1999: 36 30 CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER POLÍTICO múltiples e diversas44. O núcleo mais inovador deste conceito, è o que se refere às novas relações de interacção e cooperação que existem entre actores públicos e privados, institucionais e não institucionais, coexiste com acepçoes mais genéricas. Redescoberto em âmbitos diferentes (organização das corporações económicas e financeiras, governo urbano, administração estatal, política internacional) e por analistas que pertencem à áreas disciplinarias distintas (economistas, politólogos, sociólogos), apresenta significados e usos distintos: descritivos, analíticos, prescriptivos. Constitui pelo tanto um conceito opaco, assim como temos visto no caso dos demais conceitos que estão no centro do debate científico e político. Os actuais processos de compresão espaço-temporal, endurecimento e ao mesmo tempo amaciamento das culturas, não manifestam, por outra parte, uma direcionalidade única, removendo capacidade explicativa às interpretações deterministas procedentes desde qualquer perspectiva. Inclusive o fim da geografia, devido à anulação tecnológica das distâncias, expressa tendências contraditórias: redefine o local tendendo a empobrecê-lo, enquanto espaço de produção de sentido, de normas e valores45, mas, ao mesmo tempo, tende também a enriquecê-lo, a realocar numa dimensão interterritorial e transnacional. Viver juntos já não significa viver no mesmo lugar, e viver no mesmo lugar já não significa viver juntos. A passagem da primeira à segunda modernidade é o passo da monogamia à poligamia dos lugares, à multi-localizaçao das biografias, e esta transição não significa em si mesma, "nem emancipação nem falta de emancipação, nem anomia nem falta de anomia"46. De todas maneiras, o impacto dos fluxos globais não se revela unívoco; pelo contrário, produz respostas diferenciadas que, a vezes, põem em marcha processos de verdadeiro enriquecimento, de logro de maior autonomia e de capacidade de criar lógicas inclusive alternativas às predominantes47. As redes económicas globais, que unem a dispersão das actividades à crescente direcção e coordinação central mostram a acção de dinámicas análogas e contraditórias48. A glocalização como manifestação de tais cambios, constituí, significativamente, um tema recorrente dentro dos distintos enfoques teóricos, operando ao mesmo tempo como referência de múltiples estratégias de acção. "O mundo contemporâneo está caracterizado ao mesmo tempo pela globalização e a localização das políticas"49 (itálica no texto). A glocalidade, global 44 Para un examen de las principales acepciones del término, ver Renate Mayntz, 1999. Sobre las transformaciones conceptuales de la noción de "good governance" en el pasaje desde la definición que dieron de ella los analistas africanos a la que asumió, una vez incorporada en las políticas del Banco Mundial, ver Mkandawire, 2007. 45 Bauman, 1999. 46 Beck, 1999: 95-100. 47 Bonomi, 2002. 48 Sassen 2008: 185. Sassen distingue, retomando a Charles Tilly, el Estado del Estado-nación, donde el primero constituye una organización coercitiva que ejerce su predominio dentro de un territorio determinado, y el segundo se caracteriza porque gobierna a través de estructuras centralizadas, diferenciadas y autónomas. Esta distinción permite introducir la idea de Estado desnacionalizado. (Sassen, 2008: 46-47). 49 Raíz, Stokke e Törnquist, 2004: 2. 31 LA DESCENTRALIzACIÓN EN LA SEgUNDA MODERNIDAD e também vinculada a um lugar determinado, é pelo mesmo portadora de potencialidades tanto opressivas como de transformação social. O carácter complexo e inédito desta encrucilhada própria do seu tempo está no centro de muitas análises que se propõem examinar as suas peculiaridades e as tendências em vigor. Habermas fala de crise da constelação nacional para por de relevo o processo actual de desarticulação de Estado territorial, a economia nacional e a nação, os tres elementos cuja unidade tem sido historicamente a base do Estado-nação. Administração, especializada na tomada de "decisões colectivamente vinculantes", fiscalidade e territorialidade têm constituido os tres sub-conjuntos do Estado-nação, que se tem transformado depois em "Estado democrático de direito e Estado social"50. O crescimento da economia global e a pluralizaçao das tradições, das culturas, das formas de vida, derivada também da multiplicação das diásporas, têm colocado em crise, a finais do século passado, a sua capacidade de regular o ciclo económico e de exercer funções redistributivas, e pelo mesmo de produzir coesão social e normativa. Também para Arjun Appadurai, são as "desjunturas" que existem entre a economia, a cultura e a politica, o que caracteriza a complexidade do presente, a sua fragmenta ção e a incerteza que o marcam51. Também a contraposição entre tendências opostas, a descomposição do social, o declive do Estado-nação, a "disocia ção crescente dos mecanismos económicos, que funcionam a nível mundial, das organizações políticas, sociais e culturais que actuam numa escala mais reduzida, perdendo qualquer capacidade de interacção com o nível mundial", estão no centro da análise de Alain Touraine52. Rupturas e desarticulações atravessam tradi ões teóricas e perspectivas analíticas distintas. A crise epocal do Estado-nação, como desunião entre o Estado e a nação, desarticulação da autoridade exercida sobre os territórios e as populações, leva ao desaparecimento de formas de integra ção social e política mas, ao mesmo tempo, cria novas oportunidades de conexão entre o local, o nacional e o global, e abre o espaço para a busca de prácticas participativas e inclusivas inéditas. A democracia, cujas normas e procedimentos, desde o começo da época moderna, têm sido definidos principalmente em rela ção ao Estado-nação, mostra-se permeável aos processos em vigor e às redefinições que estes produzem nas relações sociais, na representa ção política e na relação entre governados e governantes. Trata-se de cambios heterogéneos que incluem a presença, em particular na última década do século, de amplos processos de democratiza ção que extendem notávelmente a área democrática mas que, ao mesmo tempo, são acompanhados por um empobrecimento da qualidade da democracia e pela difundida perda de credibilidade das suas instituições53, até ao ponto que alguns analistas preferem 50Habermas, 51Appadurai, 52Touraine, 2000: 34 e seguintes. 2001. 2005: 45. 53La A crise tem que ver com dois aspectos principais: a representatividade, que manifiesta um afastamento sig- 32 CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER POLÍTICO Falar de "de-democratização" e de pós-democracia54. Em 2002, um texto editado por Susan Pharr e Robert Putnam, põe em evidência como nos últimos vinte e cinco anos, uma distância crescente separa, nos países industrializados, aos cidadãos das instituições. Esta crise da democracia, tal como sublinham os editores, constituí una tendência de longo prazo. Um estudo análogo de Crozier, Huntington e Watanuki, vinte e cinco anos antes, já tinha colocado em evidência esta tendência e a tinha explicado, segundo os cânones clássicos da teoria elitista, como um efeito da "sobrecarga da demanda" derivada da demanda de inclusão de novos grupos sociais e da movilização cidadã; tinha proposto, consequentemente, limitar a participação como solução para a crise. A credibilidade das democracias jovens não se manifesta mais sólida. Um relatório do PNUD de 2004, sobre a democracia na América Latina, reflete um profundo malestar que debilita a democracia nesse sub-continente, mais de duas décadas depois do início dos processos de democratização55. De forma só aparentemente paradóxica, a expansão dos processos de democratização corresponde, em todas partes, ao enfraquecimento da confiança nas suas instituições e, ao mesmo tempo, um aumento da confiança nas relações de proximidade, da adesão às ideias democráticas, da participação ciudadã em actividades políticas informais56. Do mesmo modo, em distintos contextos, surjem tendências divergentes entre a política nacional e as prácticas locais; no caso italiano, Luigi Bobbio observa a formação de uma greta bastante profunda entre a afirmação a nível nacional de uma visão decisionista e marcadamente elitista da democracia e a abertura a nível local de espaços novos de participação e deliberação57. Por outra parte, a emergência de novas formas sociais e políticas de acção colectiva, a aspiração difundida para uma democracia mais incluente que a actual, põem em evidência como essas duas tendências, expansão e ao eismo tempo erosão da democracia, não devam ser separadas senão atentamente analizadas nas suas conexões internas, porque é precisamente a sua tensa coexistência o que nos indica que nos encontramos numa época de transição, aberta a êxitos incertos. Os estudos sobre este tema interpretam de maneiras diferentes as transformações da democracia, privilegiando, cada qual, o exame dos sistemas eleitorais nificativo entre governantes e governados, e a participaça, que registra un c reciente abstencionismo. Santos, 2004. 54 término "pos-democracia" es introducido por Colin Crounch para describir la fase El descendiente de la parábola democrática, cuya fase ascendente comienza para la mitad del siglo pasado. El fenómeno de entropía que causa el declive actual de la democracia, está caracterizado por el predominio creciente de las elites, junto con el alejamiento "del ideal más elevado de democracia", es decir la disminución del ejercicio activo de la ciudadanía y de la fuerza atractiva de las ideas igualitarias. Crouch afirma estar convencido de que el "creciente poder político de la empresa representa la transformación fundamental que está en la base del avance para la pos-democracia", y que por eso el declive de la democracia solo podrá ser evitado atribuyendo un papel menos importante a la economía y a los medios de comunicación, y un papel más importante a los ciudadanos y a los movimientos de la sociedad civil. (Crouch, 2003: 118). 55 PN 2004. UD, 56 " cuestión central concierne el intento de explicar la paradoja que ve la extensión de La la democracia acompañada por el enorme degrado de la praxis democrática". (Santos, 2004). 57 Bobbio, 2005. 33 LA DESCENTRALIzACIÓN EN LA SEgUNDA MODERNIDAD e da relação entre procura e capacidade de resposta do sistema político (teorias agregativas58), ou a análise da legitimidade democrática e da configuração de novos espaços e formas da política (teorias participativas e deliberativas59).Não obstante, todos coincidem em encontrar na relação entre liberdade e igualdade, cuja tensão caracteriza a reflexão moderna sobre a democracia, o eixo de referência respeito ao qual definem-se e diferenciam-se. O exame de alguns nós do debate actual sobre a questão democrática ajuda a esclarecer os caracteres e as implicações dos principais planteamentos em contraste. A visão agregativa da democracia é própria das teorias elitistas. Schumpeter, em 1947, dá início à sua definição, sustentando que o advento da sociedade de massas já não permite o funcionamento do modelo clássico de democracia e propondo otro novo, procedimental, que ele mesmo define como "a ferramenta institucional para chegar à decisões políticas, em base à qual os indíviduos obtem o poder de decidir atravéz de uma competição que tem por objecto o voto popular" 60.Na reflexão de Schumpeter, que está profundamente influenciada pelo péssimo respeito à natureza e as possibilidades da acção colectiva, esta última é fundamentalmente uma acção das elites: "…as colectividades actuam quase exclusivamente aceitando uma liderança, isto é, podemos dizer, o mecanismo dominante de qualquer acção colectiva que não se reduza a um simples reflexo"61. A democracia torna-se numa "competição pela liderança (leadership)", e o controlo sobre o governo por parte do cidadão, que é visto simplesmente como um eleitor, é reconduzido exclusivamente à possibilidade de confirmá-lo ou não no momento de votar. Nesta perspectiva, inclusive a função da representação perde importância. A formação da vontade política é reconduzida à soma dos interesses privados expressados por uma pluralidade de subjectividades individuais já constituídas; fica reafirmada, desta maneira, a subordinação da política à lógica económica e à acção estratégica que a caracteriza. A dimensão normativa da democracia está negada a favor da sua dimensão instrumental62. A concepção agregativa da democracia contrapõem, nas últimas décadas do século, teorias que questionam as suas premissas básicas, diferenciando-se ao mesmo tempo da tradição marxista, centrada na oposição entre democracia formal e democracia real e na impossibilidade de coinciliar capitalismo e democracia. Examinaremos este campo teórico atravéz das concepções deliberativa e participativa da democracia que, ainda que sejam distintas, apresentam contigüidades e continuidades importantes. A relação entre sociedade e política, entre "argumentar e 58 Autores que son por muchos aspectos distintos se insertan en este mismo marco teórico debido al presupuesto común de que las demandas sociales son algo "dado". 59 La teoría deliberativa encuentra, en la literatura de los últimos años, expresiones numerosas y diversas: Rawls y Habermas, pero también Joshua Cohen, Benhabib, Fung y Wright, Gutman y Thompson, Fishkin, Ackerman. 60 Schumpeter, 1984: 257. 61 Ibidem, 258. 62 Véase Touraine, 1997; Habermas, 2008; Mouffe, 2003. 34 CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER POLÍTICO negociar"63, entre processos de deliberação e decisões colectivamente vinculantes, a tensão entre liberdade e igualdade, são os temas que estão no centro do debate . A democracia deliberativa, cuja apresentação toma como principal referência a reflexão de Habermas, vê nos procedimentos comunicativos que caracterizam o debate público a base de um "livre processo de formação da opinião e da vontade", capaz de cambiar as preferências expressadas de maneira imediata, produzir consenso e outorgar assim legitimidade às instituições democráticas. A democracia como "projeto de cooperação entre cidadãos considerados seres morais, livres e iguais"64, apresenta uma dimens ão procedimental e também normativa, já que s ão os procedimentos comunicativos adoptados os que otorgam conteúdo normativo à interacção. Igualdade e simetria na participação, direito de cada um a questionar os temas do debate, direito de cada um a argumentar sobre os procedimentos discursivos e sobre as formas da sua aplicação, constituem segundo Benhabib as três características do processo de deliberação 65.No entanto, cabe precisar que o termo "deliberativo" no seu uso anglo-latino refere-se ao processo argumentativo atravéz do qual trata-se e debate-se um tema específico. O acto da toma de decisões fica excluído, contrariamente ao que acontece no idioma italiano, no qual o termo indica precisamente esse momento66. Esta pontualização não tem tão só uma dimensão linguística são que permite detectar um dos núcleos teór i c o s p r i n c i p ais e mais d e b a t i d o s da c o n c e pção d e l i b e r a t i v a , r e s p e ito d o q u a l s e manifestam diferenças inclusive entre os analistas que se remetem a ela . Autores como Joshua Cohen, pondo de relevo como o debate democrático não deve entender-se simplesmente como um "debate público" senão más bien como um " raciocínio público", isto é, como um debate no qual as razões argumentadas são aceitáveis para os demais, propõem uma visão inclusive sustantiva da democracia, atenta não só aos processos senão também aos resultados aos que conduzem67, enquanto que outros, mais próximos à posição de Habermas, como Benhabib e também Cohen e Arato, defendem o seu carácter procedimental. O primeiro enfoque tende, como consequência, a aproximar deliberação e tomada de decisão, inclusive na linguagem; no entanto 63 Argomentare e negoziare es el título en la edición italiana de la obra de Elster, Arguing y Bargainig en Two Constituent Assemblies. El argumentar, es decir el debate racional, se basa en la fuerza de los argumentos aducidos y constituye lo que Habermas llama "comunicación sin sujeto"; la negociación recurre, en cambio, a conce- siones y acuerdos, y pone en la mesa recursos que usa para sustentar os sus objetivos. (Elster, 2005: 97 y siguientes). "Mientras que cada una de las partes puede siempre aprobar por razones distintas (que son soltando suyas) la negociación de un acuerdo, el consenso que se produce de manera "argumentativa" debe basarse sobre razones idénticas, capaces de convencer a las partes de la misma manera" (cursiva en el texto). Habermas, precisando de tal manera las distinciones que tienen que ver con la acción colectiva introducidas en Argumentar y negociar, comenta que Elster, enfocando el análisis del desarrollo de las asambleas constituyentes de Filadelfia y París en la diferencia que existe entre los dos ámbitos discursivos, "descubre así que el recorrido efectivo de los debates difiere, como es obvio, del procedimiento ideal de la política deliberativa, pero que sin embargo siempre queda eficazmente condicionado y guiado por sus premisas". (Habermas, 1996: 403 e 405). 64 Benhabib, 2005: 177. 1996:70. 65 Benhabib, 66 Véase Bobbio, 2001. 67 Cohen, J., 1996. 35 LA DESCENTRALIzACIÓN EN LA SEgUNDA MODERNIDAD É preciso ter en conta que as diferenças quase nunca são muito rígidas porque distintas análises, principalmente às que examinam prácticas participativas concretas, aproximam e misturam vários marcos teóricos68. Um dos pontos que diferençam o marco teórico de Habermas, e um daqueles ao qual têm dirijido a atenção dos seus críticos, é precisamente a relação que instala entre política e moral, de importância crescente em épocas de crise não só do político senão também do social, de desnacionalização e também de de-socialização, "isto é de dissolução dos mecanismos de pertença à grupos e instituições capazes de fazer permanente a sua integração e de gerir as suas transformações"69. A esfera pública -sede da deliberação democrática "lugar onde a influência se forma e onde se luta para conquistá-la"70- se localiza segundo o filósofo alemão na sociedade civil, concebida como "base social de esferas públicas autónomas, tanto do sistema económico como da administra ção pública"71. Ben- habib, siguindo um recorrido iniciado por Cohen e Arato72, traça dela um perfil mais articulado, pondo de relevo a pluralidade das instituições, asociações e movimentos que configuram a sociedade civil. Em continuidade com a impostação de Habermas, é no entanto a "conversa pública anónima" o que caracteriza as suas interacções. A relação entre moral e política põe no tapete dos problemas importantes: o conceito de esfera pública e os termos da passagem da deliberação à tomada de decisão. A separação entre a deliberação e a esfera política, o momento da tomada de decisão, é reivindicada explicitamente por Habermas até ao ponto de que uma das principais críticas que este dirije aos comunitaristas é precisamente a de "querer reconduzir os discursos políticos ao plano ético"73. A política incluí, de facto 68 Fung y Wright, por ejemplo, retoman tanto a Jurgen Habermas como a Joshua Cohen, cuyas referencias principales lo conectan en cambio con Rawls. 69 Touraine, 2005:36. 70 Habermas, 2008:245. 2008: 245. 71 Habermas, 72 Cohen y Arato ponen particular atención en las esferas institucionales de la sociedad civil, que dividen en distintos conjuntos de derechos: "los que tienen que ver con la producción cultural (libertad de pensamiento, de prensa, de palabra, y de comunicación); los que aseguran la integración social (libertad de asociación y de asamblea); y los que garantizan la socialización (protección de la privacidad, intimidad, e integridad/inviola- bilidad de la persona)"; a esos añaden los que atañen a las relaciones entre sociedad civil y mercado (derechos de propiedad, contrato y trabajo) y entre la sociedad civil y el Estado (derechos políticos y derechos de los usuarios del Estado de bienestar). (Cohen y Arato, 1992: 441). 73 Habermas, 2008: 241. Es esta, según Habermas, una de las principales diferencias entre la concepción deliberativa y la comunitarista que atribuye, por el contrario, a la política una dimensión sustantiva y de búsqueda del bien común, basada en el reconocimiento recíproco derivado de la pertenencia a una sola comunidad, que es vista como dada y peculiar. La concepción comunitarista encuentra históricamente manifestaciones distintas y constituye, en la actualidad, una de las respuestas frente al proceso presente de endurecimiento de las iden- tidades nacionales y, al mismo tiempo, de ablandamiento de las formas de vida, alimentado por la afirmación de la globalización económica y por el encuentro-desencuentro cultural. Touraine pone en evidencia el vínculo que existe entre la debilitación del Estado-nación y la difusión actual del comunitarismo, que en sus expresiones más extremas reivindica la pertenencia cultural, étnica, religiosa como principio superior y que subordina el de 36 CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER POLÍTICO não só a referência aos valores partilhados, mas também a confrontação e o enfrentamento de interesses e de formas de vida distintas. Sendo permeada por conflictos e antagonismos reacios à lógica do consenso, deve como consequência recorrer a um "balançado" de interesses e de poderes, produzir um compromisso baseado n ão sobre procedimentos discursivos senão sobre a acção estratégica de "partidos que se apoiam em potenciais de poder e sanção ". Dependendo dos contextos, o grau de institucionalização das formas de comunicação 74, a política dialógica e a política instrumental entrelaçam- se con modalidades e intensidades diversas e, por isso mesmo, requerem ser indagadas empiricamente. A formação democrática da vontade, pela sua parte, vinculada à autonomia da esfera pública enquanto "poder gerado comunicativamente" proporciona diretrizes, põe "travões" às decisões tomadas pelo poder político, cuja acção é desta forma encauçada e inclusive, por alguns aspectos, canalizada, vinculada. É a autonomia recíproca das esferas da moral e da política o que garante o funcionamento da democracia e integração social75, enquanto que a continuidade entre elas é conceitualizada em termos de relação tanto indirecta, atravéz do cambio das atitudes e os valores produto da deliberação, como directa, atravéz da influência exercida por esta sobre os processos electorais e legislativos76. Benhabib, pela sua parte, põe a ênfase na função que desempenham a mobilização e as lutas políticas das minorias na produção daquela abertura mental necessária para reconhecer as razões do outro, assim como nas articulações de uma esfera pública constituída por uma pluralidade de cenários, nos quais se confrontam e debatem temas e problemas, e nos quais têm lugar "a aprendizagem moral e a transformação dos valores"77 . Desta maneira, o antagonismo não fica excluído da política, senão que constituí uma das suas dimensões fundamentais. A tensão entre política e moral não desaparece, sendo constitutivo da primeira um discurso articulado "no qual as reivindicações universalizáveis de justiça, as razões relativas aos agentes e aos grupos, e as considerações éticas culturalmente circunscritas e relativas às comunidades, unem-se e cruzam-se"78. A deliberação como tal, excluí, pelo contrário, a irreductibilidade do antagonismo e activa uma resolução dialógica do conflito. Isto é, como já vimos, um dos pontos centrais e mais debatidos do pensamento de Habermas. A ele, Chantal Mouffe contrapõe o carácter ineliminável e só "domesticiudadanía. Véase Touraine, 2005: 320 y siguientes. 74 "Para que el concepto de política deliberativa adquiera una referencia empírica, hay que tener en cuenta la multiplicidad de formas comunicativas a través de las cuales se forma una voluntad común: esta debe pasar no solo a través del auto-esclarecimiento ético, sino también a través del balance de los intereses y la negociación, la elección racional con respecto al objetivo de las herramientas, la fundamentación moral y la verificación de la coherencia jurídica" (cursivas en el texto). (Habermas, 2008: 241). 75 "…Las estructuras comunicativas de la esfera pública liberan al público del peso de tener que tomar decisiones, ya que las decisiones son reenviadas y reservadas a las instituciones deliberantes". (Habermas, 1996: 429). 76 Habermas, en Benhabib, 2005: 28. 2005: 190. 77 Benhabib, 78 Benhabibi, 2005: 190. 37 LA DESCENTRALIzACIÓN EN LA SEgUNDA MODERNIDAD cável" do conflito. A sua proposta de democracia baseada no agonismo, em vez de no antagonismo, que vê no adversário um inimigo a destruir, aparece no entanto pouco convincente, quando acusa à primeira de reduzir a política à ética. O consenso conflitivo que a caracteriza, pressume a existência de uma tensão não resolvido entre liberdade e igualdad que previne "contra a ilusão de que um dia possa realizar-se a democracia completa"79. No entanto, a transformação do antagonismo em agonismo, peça-chave da sua reflexão, supõe uma asunção de fundo: a adesão comum aos princípios ético-políticos da liberdade e igualdade que, principalmente numa época caracterizada pelo pluralismo crescente dos valores e das formas de vida, não pode, pelo contrário, dar-se por assumida. A este respeito, Benhabib observa que os modelos pós-estruturalistas, anti-fundacionistas, de democracia, como o de Chantal Mouffe, sofrem de uma "circularidade", já que pressupõe sem explicar "precisamente aquelas normas morais e políticas de igualdade dos cidadão, liberdade, e legitimidade democrática" que os modelos chamados fundacionistas têm tentado justificar .80 Também no caso de Alain Touraine, é a forma discursiva da deliberação o que se considera um dos principais pontos críticos da democracia deliberativa, visto que a democracia "não existe sem lutas contra as formas e os mecanismos do poder"81. Para o sociólogo francés, a relação com o outro não pode constituir um evento tão só cognitivo, um diálogo, senão más bien representa o reconhecimento de um sujeito caracterizado, como tal, peol esforço de conjugar, em contextos dis- tintos, instrumentalidades e identidades, estratégias e mundo vivido, um sujeito que "é a afirmação, em formas cambiantes, da liberdade e da capacidade de criar-se e transformar-se, individualmente e colectivamente"82. A análise não deixa de considerar a importância dos aspectos institucionais, aqueles talvez investigados mais debilmente pela reflexão de Habermas, demasiado circunscrita ao quadro institucional clássico da democracia representativa. Escreve Touraine em 1994 em Qu'est-ce que la democratie?: "a democracia é uma mediação institucional entre o Estado e a sociedade…"83, e mais adiante reafirma: "a democracia é, antes que nada, o conjun to das condições institucionais que permitem e favorecem a recomposição de uma experiência humana que tem sido quebrada em dois pelo modelo ocidental de modernidade e da qual cada um de nós, individualmente e nas suas formas de identidade colectiva, não pode representar mais que uma parte "84. A democracia participativa, por outra parte, está enraizada mais directamente na tradição marxista, da qual no entanto diferencia-se pela busca não da 79 Mouffe, 2003 2003. 80 Benhabib, 1996: 71. 81 Touraine, 1997: 61. 2005 : 16. 82 Touraine, 1997: 76. 1997: 76. 83 Touraine, 84 Touraine, 38 CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER POLÍTICO contraposição senão da possibilidade de articular formas directas e formas representativas de democracia. É significativo que em 1977, na sua obra The life and Times of Liberal Democracy, dirijida a "examinar os límites e as possibilidades da democracia liberal", Crawford B. Macpherson, quem se localiza numa postura intermédia entre essas duas pers- pectivas, ponha a democracia participativa em continuidade com a democracia liberal, cujo princípio ético fundamental reconduz às "liberdades do homem e da mulher de realizar as suas próprias capacidades humanas"85. Descartada a tese de que a supera ção da sociedade capitalista tenha que passar necessariamente por uma ruptura revolucionária, Macpherson define à democracia participativa como um sistema pirâmidal que coincilia a democracia directa, na base, com a democracia delegada, nos níveis superiores.No entanto, o aspecto mais interessante é que, sem negar a tese tradicio- nal da inconciliabilidade da democracia com o capitalismo, a sua análise propõe a hipótese de un modelo de democracia participativa que coexiste com um sistema plural de partidos e com a estrutura institucional do parlamento 86. É precisamente esta hipótese a que estabelece continuidades importantes com a concepção participativa. Nas últimas décadas, esta última, que pretende diferenciar-se da concepção agregativa que reduz o exercício democrático à faculdade, pontual ainda que periódica, de eleger aos que tomarão as decisões que dizem respeito à vida colectiva87, têm-se tornado no ponto de referência de reflexões teóricas e de análises empíricos múltiples e diversos. Neles podem ser reconhecidas algumas linhas principais: uma que se interessa principalmente na definição das escalas da participação e, em certos casos, nas relações de proximidade88, em temas circunscritos ou sectoriais; o outro centrado na análise de práticas inovadoras, capazes de transformar a gramática das relações sociais e os espaços da política. É comum aos distintos enfoques o interesse, muito mais marcado que no caso da democracia deliberativa89, pelo estudo de processos concretos e, nos últimos anos, pelo surjimento de novas formas de acção pública. Por outra parte, nos anos noventa e dois mil se tem verificado um crescimento notável de novos espaços e mecanismos de expressão da acção colectiva, de distintos espessuras e dimensões, laboratórios importantes de investigação para os numerosos estudos com os que contamos na actualidade90, que se mostram caracterizados , no entanto, 85 Macpherson, 1981: 10 y 11. 86 Ibidem, 133 - 138. 87 Véase, a principios de los años setenta, las posturas de Arnstein, 1969 y Pateman, 1970. 88 En el contexto francés de comienzos de los años dos mil, la noción de "democracia de proximidad" es utilizada en sustitución a aquella de democracia participativa para subrayar la limitación de la participación a un nivel microlocal y a una forma consultiva. (Bacqué, Rey y Sintomer, 2005). 89 Sin embargo, no podemos olvidar la conexión reivindicada explícitamente por Fung y Wright entre la observación empírica experimental y el debate teórico. "Nosotros esperamos, también, que incorporando en el debate actual sobre la democracia deliberativa, el examen centrado empíricamente, ello paradójicamente ex- pandirá los horizontes imaginarios de la discusión y, al mismo tiempo, incluirá en esta algo de realismo". (Fung y Wright, 2001: 6). 90 Bacqué, Rey y Sintomer, 2005; Avritzer, 2002; Santos, 2004; Heller, 2001 y 2007; Fung y Wright, 2003; Törnquist, 2002; Tulchin y Selee, 2004; Cornwall y Coelho, 2007; Bobbio, 2002b; Della Porta, 2007. El interés de la comunidad científica para esta problemática queda señalado en Italia por la atención que dedi- can a ella dos revistas importantes como Stato e Mercato y Democracia e Diritto. 39 LA DESCENTRALIzACIÓN EN LA SEgUNDA MODERNIDAD por uma certa separação, com algumas excepções91, entre os que examinan práticas activas no Norte e os que reflexionam sobre práticas análogas presentes no Sul. O facto de que tome importância e se difunda a concepção participativa da democracia é um elemento importante da actual redefinição da questão democrática. O aumento da fragmentação social e a difusão de processos de descentralização na sua dimensão tanto vertical como horizontal, a crise das formas tradicionais de mediação social e política (sindicatos e partidos), mudam a agenda dos temas em questão, nalguns casos outorgando-lhes uma nova formulação, como ocorre por exemplo com o tema da representação que já não se reduz ao momento da autorização senão que se amplia até incluir os momentos da expressão das diferenças e da rendição de contas92, em outros casos afastando-os dos cenários nos que a partir do século XIX tinham estado presentes, como ocorre com os temas relativos às condições estructurais da democracia ou a escala mais adequada às suas formas93. A democracia participativa intercepta grande parte do debate sobre a questão democrática: a relação entre os saberes -científico, técnico, local- que volta a ler as velhas tensões entre democracia e burocratização; a articulação entre formas distintas -representativas, delegadas, directas-; o nexo entre movimentos sociais e instituições; o deslocamento da atenção desde o governo para a governança; a relação entre a esfera pública e o momento decisivo. O vínculo com a experimen- tação, constituí, desde o princípio, um dos seus pontos fortes. A redefinição do espaço94 político -Contesting the Boundaries of the political, é o subtítulo significativo que Benhabib dá ao seu texto de 1996 sobre Democracy and Difference- que é comum à democracia deliberativa e à participativa, realiza-se principalmente no caso da última, atravéz de laboratórios de análises e de acção, múltiples e variados, caracterizados pelo facto de que enfrentam temas específicos e mobilizadores. Arnstein, em 1969, quando põe em relação directa a participação e o poder cidadão, o faz formulando uma escala que, dirigida a medir a primeira, detecta 91 Fung y Wright, 2001 y 2003. Los dos analistas se comprometen con la búsqueda de instituciones y prácticas democráticas capaces de unir justicia social y libertad, libertad individual y control ciudadano sobre las deci- siones colectivas, analizando casos localizados en ambas áreas. Lo mismo ocurre en algunos trabajos de Cornwall. Ver Cornwall y Coelho, 2007. 92 Santos, 2004. 93 En el caso de las transiciones latinoamericanas, el estudio de Hagopian y Mainwaring, pone en evidencia, por ejemplo, los límites de las explicaciones estructurales de las tendencias democráticas y la importancia, en cam- bio, de factores políticos, como el clima político internacional, la actitud favorable tanto de las elites como del conjunto de la población, la presencia de partidos políticos capaces de conectar a los ciudadanos con el sistema político. (Hagopian y Mainwaring, 2005). 94 Retomamos en este trabajo el significado de este término que aparece en los escritos de Cornwall (2002, 2007) y de Gaventa (2003). "El espacio es un producto social…no está simplemente "allí", no es un contenedor neutral que espera ser llenado de poder, sino que es dinámico, construido humanamente, herramienta de control y por conseguinte de dominación", citación de Lefebvre, en Cornwall (2002). Como producto social, éste ofrece una perspec- tiva importante para el análisis de prácticas participativas. 40 CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER POLÍTICO Nela três níveis principais, divididos à su vez em sub-conjuntos, que vão desde o mais baixo da não-participação até ao mais elevado que garante ao cidadão o autogoverno95. A busca deste último constitui o horizonte de toda a sua reflexão. Gaventa, pela sua parte, mais de trinta anos mais tarde, demostrando a persistência desta linha de análise, examina as possibilidades de transformar democráticamente a governança local, colocando a participação num espaço tridimensional, um cubo, "o cubo do poder", desenhado nas três dimensões de espaço, lugar e poder. Cada uma delas é à sua vez considerada sob três subdivisões: o poder como visível, escondido e invisível; o lugar como local, nacional e global; os espaços como fechados, oferecidos, e reivindicados ou criados. A classificação, no último caso, distingue os espaços nos quais as decisiões se tomam "a porta fechada", sem que a gente tenha possibilidade de participar, daqueles nos quais é convidada, de distintas maneiras e por distintas autoridades, e daqueles que, pelo contrário, são reivindicados ou directamente criados pela mobilização popular. Cornwall, que partilha com Gaventa esssa classificação, fala a este propósito de "novos espaços democráticos" híbridos, colocados no interfaz entre o Estado e a sociedade e abertos tanto à contestação como à colaboração; esses espaços constituem uma "esfera participativa", na qual actores distintos colocam em debate as suas interpretações da participação e a democracia e as "distintas agendas" das quais são portadores96. As intersecções que, num momento determinado, establecem-se entre as distintas dimensões representadas pelo cubo, permitem cap- tar as dinâmicas complexas da participação e as possibilidades de transformação democrática do espaço político que esta pode mobilizar. Por outra parte, a análise de Gaventa sublinha repetidamente a exigência de superar uma leitura estática dos estamentos do poder existentes numa determinada cojuntura. Os espaços fechados, por exemplo, podem transformar-se em espaços oferecidos, atravéz de uma estratégia dirigida a recuperar legitimidade, assim como o poder adquirido num espaço pode ser utilizado para entrar a outro: "Quando examinamos os espaços participativos, não temos que examinar somente quem e como cria o espaço, seão que temos que recordar também que estes espaços existem numa relação dinâmica um com outro, e se abrem e fecham constantemente atravéz de lutas para a legitimidade e resistência, cooptaçao e transformação"97. Uma afirmação análoga do carácter dinâmico e político da participação, leva a Sarah C. White a desenhar uma matriz capaz de representar a diversidade das formas, funções, direcções -"desde cima até abaixo" e "desde 95 S herr y Amstein clasifica la información, la consulta y la gestión de los conflictos, como tokenism o partici- pación de fachada, porque ponen al ciudadano en una postura puramente pasiva, dentro de flujos que le quitan la posibilidad de interactuar con las instituciones; junto con las formas de la no-participación, localizadas en los niveles más bajos de la escala, manipulación y tratamiento terapéutico, son exclusivamente unidireccionales, van desde arriba para abajo. El partenariado, el poder delegado y el control ciudadano constituyen, en cambio, las formas de participa ción real, capaces de otorgar poder al ciudadano. (Arnstein, 1969). La escala propuesta por Michel P. Pimbert y Jules N. Pretty (1997), arranca también de los niveles más bajos de la no-participación hasta la cumbre de la participación plena e independiente (pasiva, como aporte de in- formación, consultiva, por incentivos materiales, funcional, interactiva); aparece, sin embargo, más decidida- mente circunscrita al examen de determinadas iniciativas proyectuales. 96 Cornwall y Coelho, 2007: 1-2. 97 Gaventa, 2003: 9. 41 eLA DESCENTRALIzACIÓN EN LA SEgUNDA MODERNIDAD baixo até cima"- dos interesses presentes nela. A acção participativa é o foco de estratégias distintas nas quais se expressan os interesses muitas vezes divergentes daqueles que participam. Pelo mesmo, a análise não pode ser exclusivamente estática, senão que deve ser dinâmica para poder captar as tendências e as tensões internas eexternas de cada acto participativo, o seu carácter não unívoco y conflictivo. Este deve indagar as condições que permitem a afirmação da forma "transformadora" de participação, que constituí um verdadeiro processo de cambio social, de empoderamento que procede, ao mesmo tempo, desde cima e desde abaixo, vinculado à vontade de "outorgar poder" por parte de quem dá início à acção, e de "tomar poder" por parte de quem aceita envolver-se nela. O quadro complexo e no movimento que desenha na análise de White, oferece uma contribuição importante en termos tanto de categorias de análise como de temas de reflexão 98. Os enfoques que olham a democracia participativa como criação de uma nova gramática social capaz de redefinir o âmbito da política e das relações entre práticas sociais e práticas institucionais, encontram o seu âmbito privilegiado de análise nas experiências que nestas últimas duas décadas, principalmente no Sul do mundo, apontam a criar novas formas de cidadania e de democracia, no âmbito de processos de descentralização democrática e de construcção de uma nova governança local99. Isto revela a presença, na investigação teórica e na análise empírica, de muitos âmbitos de debate e de distintas tentativas para à integração e complementariedade entre as concepções participativa e deliberativa da democracia. A partir da oposição comum às teorias elitistas e da visão compartida sobre o processo de formação da vontade colectiva, entendida não como uma soma de preferências senão que como evaluação e transformação interna das mesmas, são muitos os estudos dirigidos a estabelecer continuidades e contiguidades, postulando agora uma e agora a outra como referência principal100. Aqui tomaremos em consideração numa primeira aproximação à estas reflexões a proposta de Avritzer, que é uma das mais articuladas à nível teórico. A releitura da teoria deliberativa proposta por este autor arranca justamente de um dos pontos que assinalamos anteriormente como centro da atenção dos críticos: a relação entre o poder político e a esfera pública. Reconhecendo que o conceito desta última é decisivo na "visão participativa da democracia, o sociólogo brasileiro considera no entanto que a "influência" que segundo Ha- bermas a segunda exerce sobre o primeiro101, não constituí uma garantia suficiente para a transformação da deliberação em poder político e propõe a introducção de um espaço público intermédio, chamado a "transferir os resultados do debate público à área democrática" e portador de uma instância decisória. Formada por foros delibera98 White, 1996. 99 Santos, 2004; Avritzer, 2002; Heller, 2001, 2007; Fung y Wright, 2003; Törnquist, 2002; Cornwall y Coelho, 2007. 100Santos, 2004; Heller, 2001; Gbikpi, 2005. 101"…en el ámbito de la esfera pública (o por lo menos de una esfera pública liberal) los actores pueden conseguir simplemente influencia, nunca poder político". (Habermas, 1996: 440). 42 CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER POLÍTICO tivos públicos e pelos partidos, essa esfera intermédia, o "participatory publics" como a denomina Avritzer, constituí um espaço no qual "razão e vontade" se unem e à qual se lhe atribuí a capacidade de transformar o consenso alcançado numa forma pública de tomada de decisões. Com um torque relativamente ao pensamento de Habermas, a deliberação associa os dois momentos do debate e da decis ão. Essa adquire, também, a dimensão da responsabilidade atravéz do monitoramento que exerce sobre o sistema político, ao qual se lhe atribuem só funções de actuação administrativa. Os "públicos participantes", caracterizados por mecanismos de deliberação cara a cara, nos quais os temas culturais específicos se fazem politicamente relevantes, oferecem aos movimentos e às associações voluntárias a possibilidade de introduzir práticas alternativas na esfera pública e, ao mesmo tempo, garantem à todos aqueles que ali participam a possibilidade de exercer uma função de monitoramento sobre a impelementação, por parte da administração, das decisões tomadas, superando desta maneira também a divisão entre conhecimento especializado e conhecimento comum, que tem sido a resposta oferecida tradicionalmente perante os processos de complexidade burocrática. Por último, esses associan ao momento deliberativo a busca de novas formas institucionais capazes de propor a nível político os temas que emergen a nível público102. A tese de Avritzer resulta interessante por distintas razões: testemunha a atenção de boa parte da actual perspectiva participativa por traduzir as novas práticas sociais em formas institucionais novas, pelo papel democratizador dos movimentos sociais, pelas articulações internas à esfera pública. A resignificaçao desta última no sistema político volta a traçar os límites entre sociedade civil e sociedade política: localiza no interior da esfera pública aquele momento decisivo que Habermas reserva a política, mas desta maneira acaba por debilitar a natureza tensa da coexistência das distintas formas de expressão da vontade colectiva, representativas e directas, e outorgar maior importância à estas últimas. Desta maneira deixa impreciso precisamente esse novo vínculo entre política e esfera pública que propõe substituir aquilo da influência, considerado insuficiente para fundar uma política democrática. Essa busca apresenta sem dúvida elementos de continuidade com a reflexão desenvolvida também por estudosos próximos à Habermas, como Benhabib e Cohen e Arato, dedicados também, como vimos, a redefinir e pluralizar a esfera pública. Benhabib reconhece, por exemplo, a presença nesta de uma área descentralizada, "formada pela superposição recíproca de redes e asociações de organismos que têm o poder tanto de influenciar a opinião pública como de tomar decisões"103. No entanto, cabe assinalar que a incorporação do momento decisivo na esfera pública, localiza-se neste caso num horizonte analítico que confere centralidade à discuss ão normativa, e desde ai à formação da vontade colectiva a partir da confrontação entre modos de vida distintos e inclusive opostos, enquanto que no caso de Avritzer e da concepção participativa a atenção se desloca para à transformação do 102Avritzer, 2002: 48-54. 103Benhabib, 2005: 184. 43 LA DESCENTRALIzACIÓN EN LA SEgUNDA MODERNIDAD debate público na decisão política. Por outra parte, a proposta de desdobramento da esfera pública avançada pelo sociólogo brasileiro, se a examinamos à luz das experiências participativas que inspiram a sua formulação, mostra uma certa debilidade de conceptualização: a disposição do governo central a perder poder, que é fruto de processos históricos determinados e que por isto deveria ser indagada completamente, torna-se num "dado" que fundamenta, mas sem ser fundamentado, a possibilidade da construcção desses foros públicos que incorporam os momentos deliberativos e decisivos, e que se relacionam de modo directo com o sistema político, deixando em consequência sem bases sólidas a redefinição proposta. A leitura das novas prticas participativas, que em Avritzer são principalmente latino-americanas, revela-se assim desequilibrada até ao lado dos actores e dos movimentos e limitadamente capaz de fazer do modelo proposto a expressão daquele cruze entre as instituições e o social, entre o de cima e o de baixo que caracteriza os processos analizados. Finalmente tende a contornar o carácter argumentativo da participação, que pelo contrário é indispensável para evitar que nos novos espaços públicos voltem a apresentar-se dinâmicas assembleárias e de tipo exclusivamente negociador, e por conseguinte formas mascaradas de particularismo e elitismo. As distintas posições sobre a localizaçao da esfera pública -na sociedade civil, no sistema político, num espaço intermédio entre um e outro- resulta por outra parte complicadas, hechas opacas, por outras duas distinções relevantes: a dis- tinção entre sociedade civil e sociedade política e aquela entre a deliberação e a decisão assim que este entrecruzamiento de eixos analíticos distintos faz que sejam reductivas tanto aquelas leituras que têm como referência somente um deles104, como aquelas que não distinguem suficientemente nas novas experiências participativas a lógica "pública" da lógica "estratégica", acabando assim por subvalorar o carácter peculiar e difícil da construcção de "horizontes de expectativas" comuns e por ser reabsorbidas dentro de una visão instrumental das instituições. As democratizações das últimas décadas oferecem às concepções participativa e deliberativa da democracia, e às tentativas de realizar la complementariedade recíproca de ambas, um âmbito privilegiado de profundização e verificação dos processos que têm sido empreendidos e das respostas que têm sido formuladas. As democratizações das últimas décadas do século XX A terceira onda democrática arranca no Sul da Europa, com o fim do regime franquista na Espanha e a transformação democrática de Portugal, e alcança sucessi 104Avritzer, por ejemplo, ubica la esfera pública en la sociedad civil, que distingue del sistema político; Cohen y Arato comparten esta conexión entre esfera pública y sociedad civil, pero según ellos la relación sociedad civil- sociedad política es más compleja y matizada, de distinción y continuidad al mismo tiempo. "Vista la comple- jidad de la normativa y las ventajas analíticas de los dos conceptos, uno que trata a la sociedad política como mediación y el otro que acentúa la diferencia analítica entre lo civil y lo político, nosotros proponemos el uso de ambas categorías y, en algunas ocasiones, de su combinación". (Cohen y Arato, 1992: 80). 44 CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER POLÍTICO vamente a América Latina, Europa Oriental, o Sul Este de Asia e África, questionando distintos regimes autoritários -monopartidistas, militares, ditaduras pessoaislocalizados principalmente no Sul do mundo105. Se em 1975, o 69% dos países está regido por regimes genericamente autoritários e só o 24% pode ser classificado como de- mocracias liberais, esta relação reverte-se em 1995, quando o número de países que entram na última categoria duplica-se106. A maior parte dos países que começam as transições pertence nos anos oitenta a América Latina (11 sobre 17, no conjunto dos distintos continentes), enquanto que para África Subsariana e Asia, a saída do autoritarismo situa-se nos anos noventa, depois da queda do muro de Berlim (1989) e o colapso da Uni ão Soviética (1991). Tais processos de democratiza ção 107, ainda que tem uma amplitud e uma intensidade inéditas, seguem trajetos incertos e complexos, expostos a regressões e à irrupção de conflictos violentos. Apresentam grandes diferenças segundo os contextos, mas também debilidades comuns: processos electoraiss problemáticos108, necessitados na maioria dos casos da presença nem sempre resolutiva de observadores internacionais; multipartidismo que em muitos casos é embrionário, sempre débil e com pouco arraigo social; instâncias institucionais pouco aptas para garantir o processamento dos conflictos no marco de normas partilhadas meios de informação alternativos, que em muitos casos são precários e nalguns casos inexistentes. Em resumo, um conjunto de déficit institucionais, de gestão, de legitimidade109, de coesão social e de cultura política desacelera, desvía ou bloqueia o caminho à transi ção. Entre 1987 e 1993, 11 dos 22 países latino-americanos se tornam menos democráticos; o refluxo manifesta-se de maneira particular em África, menos fortemente em Asia e ; 105Huntington, 1991 y 1998. La metáfora de la "ola" pretende describir el fenómeno por el cual, en un periodo de tiempo determinado, el número de las transiciones democráticas es notablemente superior al de las transiciones de dirección opuesta. Huntington, 1991, 1998 y 2000. 106Potter, en Harris, Stokke y Tornquist, 2004. pasaje de regímenes autoritarios a sistemas políticos democráticos sigue una sucesión de fases que no es lineal y que la literatura sobre este tema divide principalmente en transición, instauración y consolidación, atribuyendo a cada una de ellas características y protagonistas distintos. Esquemáticamente, la transición co- rresponde a un periodo de fluidez institucional, en el que algunos caracteres del viejo régimen desaparecen pero sin haberse conseguido plenamente los del nuevo. O'Donnel y Schmitter (1986), la definen como "el in- tervalo entre un régimen político y otro". La instauración, por su parte, implica un proceso de reorganización profunda que concluye cuando la construcción de las estructuras democráticas es completa. La consolidación corresponde, a su vez, al proceso de estabilización de las estructuras y normas democráticas instauradas prec- edentemente, es decir, al "proceso de fortalecimiento del sistema democrático dirigido a aumentar la capacidad de persistencia y contrastar y prevenir crisis posibles" (Morlino, 1986: 203). 107El procesos electorales de la primera mitad de los años 90 dibujan un cuadro en el que se mezclan estrechamente límites y conquistas, rehusando lecturas demasiado lineales. En África, en muchos países, marcan la victoria de la oposición, en otros, la continuidad de la elite dominante. 108Los legitimidad, entendida como el conjunto de "actitudes favorables que una sociedad expresa para las instituciones democráticas propias, que son consideradas como la mejor forma de gobierno posible", presenta distintos niveles. La elección preferencial, general y abstracta, a favor de la democracia, se diferencia de una actitud favorable basada en la convicción de que no existen alternativas preferibles, y de la otra igualmente favorable pero que se centra en la percepción de la eficacia de este tipo de régimen. Morlino y Montero, 1994. La distinción analítica entre las distintas formas de la legitimidad es esencial para individuar la multiplicidad de los recorridos posibles para el fortalecimiento de la democracia, y su transformación acorde con las distintas fases del proceso. 109La 45 LA DESCENTRALIzACIÓN EN LA SEgUNDA MODERNIDAD América Latina, e ainda mais debilmente na Europa Oriental. Apresenta-se acompanhado por uma estela de conflictos, cujo rosto é novo e particularmente dramático, e por um inédito connubio entre neo-liberalismo e neo-populismo. Diamond observa que as jovens democracias são menos liberais e mais corruptas, muitas delas apresentam características limitadamente democráticas enquanto que uma grave carência de legitimidade socava a sua estabilidade110. Estas debilidades, inéditas e penetrantes, têm motivado aos analistas a acuñar categorias capazes de expressá-las, isto é, aptas para reflexionar sobre uma "democracia com adjectivos"111. A este propósito, Mkandawire introduz para os paises africanos, a expressão de "democracia sem eleição", para definir umas democracias formalmente liberais mas privadas, de facto, da autonomia necessária para tomar decisões fundamentais em política económica, devido às constrições exercidas sobre elas pelos programas de ajuste estrutural, impostos pelas instituições financeiras internacionais, e pela globalização económica imperante112. Abrahamsen fala de "democracias que excluem", para caracterizar a umas democracias que não respondem às necessidades da população e carecem de transparência e accountability, nas quais as elites impõem políticas económicas e sociais decididas pela comunidad internacional113. O'Donnel propõe para América Latina, mas especificando que a sua análise também pode aplicar-se à outras áreas geográficas, a categoria de "democracia delegada"114, para indicar aquelas democracias que, ainda contando com um governo eleito, não podem ser consideradas representativas porque são caracterizadas por um "executivo cesarista, que uma vez eleito considera- se a si mesmo como portador do poder de governar o país da maneira que considera mais adequada"115. Entram nesta categoría a maior parte das democracias jovens que não podem considerar-se consolidadas e que resultam só informalmente institucionalizadas, nas quais o Executivo reduz e aponta a anular a autonomia dos outros poderes do Estado como o Parlamento e os Tribunais, o particularismo domina a vida política e existe uma separação profunda entre as normas formais e as práticas quotidianas das instituições. Essas democracias permanecem assim numa situação de incerteza, numa condição "cinzenta" que no entanto pode perdurar no tempo e cuja análise O'Donnel considera unam das tarefas centrais da transitologia. Zakaria, pela sua parte, prefere fabar de "democracias sem liberdade", definindo assim àqueles regimes "que combinam eleições e autoritarismo", onde as eleições coexiste com a negação 110Diamond, 111 2003. Collier y Levitsky, 1997. 112Mkandawire, 2006. 2000. 113Abrahamsen, 114Algunas democracias recientes, afirma O'Donnel, "…no son democracias representativas ni parecen orientadas en esa dirección; al revés, presentan un conjunto de características que me inducen a denominarlas democra- cias delegadas" (cursiva en el texto). (O'Donnel, 1994: 55). 115O'Donnel, 1996: 44. La institucionalización de las elecciones y de las libertades que constituyen su contexto son consideradas por O'Donnel indispensables para el carácter representativo de una democracia. 46 CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER POLÍTICO sistemática dos direitos constitucionais, representando por conseguinte mais que uma real competiçao uma "mera ratificação do poder"116. Smith e Ziegler utilizam esta catego- ria para uma análise da democratização latino-americana entre os anos 1978 e 2004: o resultado impactante é que a democracia iliberal resulta ser predominante, revelando ser o "regime modal" do sub-continente117. Outros analistas como Mainwaring, Brinks e Perez-Liñán preferem a no ção de "semi-democracias", considerando que não é possível falar de democracia em ausência do elemento liberal e que num esquema tricotómico, democracia-semidemocracia-autoritarismo, permite entender melhor as características dos regimes políticos intermédios118 . O esforço por detectar as características "defeituosas" da democracia, é comum a todos os estudos sobre a terceira onda democrática, mas é a capacidade de análise e de proposta o que diferencia as distintas posturas. A "revolução democrática global", como a define também Huntington, cuja ampla difusão acontece num contexto de crise das democracias mais consolidadas e apresenta-se acompanhada por "imperfeições" particulares e igualmente difundidas, põe o tema da qualidade no centro da questão democrática119. Para os partidários da participação, a origem da fragilidade, parcialidade e inestabilidade da democratização encontra-se precisamente no carácter elitista que ela mantem, na descontinuidade incompleta que instaura relativamente à política entendida como campo de competição entre elites. A crítica à concepção agregativa da democracia é o que caracteriza a todos estes autores, que colocam em jogo enfoques e ferramentas de análise in- éditas; Avritzer, por exemplo, reconduz o conjunto das erosões, intermitências, tendências regressivas, à límites internos ao proceso de abertura democrática. Ao contrário de Huntington120, quem sublinha que a especificidade da terceira onda é a dimensão interna dos perigos que a ameaçam, isto é, que a mesma democratização cria ou exaspera os problemas, Avritzer defende que estes não derivam do acesso de novos actores aos espaços democráticos, de um excesso de participação, senão de uma carência da mesma,o facto que a abertura realizada é demasiado limitada e que os políticos e os estudosos mostram-se incapazes de superar a visão elitista da actividade política e continuam atribuindo às elites o papel de protagonistas da vida pública. As mesmas análises produzidas pela teoria transitológica não dão 116Zakaria, 2003: 111. Zakaria considera el voto "el acto cívico por excelencia" y muestra desconfianza hacia la participación, de la que detecta solamente los aspectos corporativistas y particularistas; su reflexión se inscribe así en el marco de la concepción elitista y agregativa de la democracia. 117Smith e Ziegler, 2008. 118Mainwaring, 119Santos, Brinks y Pérez-Liñán, 2000; Hagopian y Mainwaring, 2005 2004. 120Huntington, 1996. Según Huntington, el problema de la democracia, a finales del siglo XX, no es tanto el peligro de su derrocamiento como la erosión, lenta e intermitente, que la socava. El retorno al poder de los antiguos partidos comunistas, la afirmación de partidos y movimientos anti-democráticos, el fortalecimien- to del Ejecutivo a daño del Parlamento, los límites de acceso a las libertades civiles y a los derechos políticos, representan distintas amenazas internas. Ese autor concluye, sin embargo, que "solo la democracia produce, en el largo plazo, buen gobierno". 47 LA DESCENTRALIzACIÓN EN LA SEgUNDA MODERNIDAD conta plenamente da natureza e dos aportes oferecidos pelas novas formas de movilização, porque continuma a reduzi-los à influência que estas exercem sobre as negociações entre as elites. Em resumo, nos distintos continentes, a pos-transição presenta, se bem em for- mas e com intensidades distintas, ambiguedade e inestabilidade política, aumento da desigualdade social, permanência importante de actores não democráticos, mas também novas práticas de democracia, o qual convida a reconsiderar os seus processos, ponndo mais atenção à utilidade de marcos teóricos e categorias capazes de superar ua vi- são dicotómica da evolução social. A análise de experiências democráticas específicas constituirá o caminho privilegiado para destacar a especificidade das novas práticas sociais e culturais que têm surgido durante a luta anti-autoritária, e para tratar de individuar, ao mesmo tiempo, as possíveis formas da sua incorporação dentro das instâncias políticas e institucionais: e para reflexionar, de forma geral, sobre a questão democrática em geral. 48 A descentralização democrática: trajetórias, tensões, desafios A descentralização no Sul Vários processos de descentralização começaram nas últimas décadas na África, América Latina, Asia e nos países dea Europa Central e Oriental. A sua conexão com as democratizações em vigor é directa. No entanto, podem detectar-se formas de descentralização já activas no período precedente, em grande parte destas mesmas regiões, com a única excepção daqueles países que nesses anos viviam o socialismo real. Como o observa em 1983 o estudo, pioneiro em muitos aspectos, de Rondinelli, Nellis e Cheema, a desconcentração é a forma que com maior frequência assume a descentralização, sustentada directamente pela acção dos governos centrais, tal como ocorre na Indonesia, Marrocos, Paquistão, Filipinas, Sri Lanka, Tailândia, Tunisia121. A diversidade das estratégias e dos actores involucrados nos processos de descentralização, exige, como o temos visto, uma análise minuciosa das formas, os níveis, os contextos. De facto, nos anos oitenta, sob o impacto do neoliberalismo e das políticas de ajuste estructural, prevalece a descentralização como desconcentração e privatização, na medida em que arranca o processo de democratização, a sua forma política adquire relevência e torna-se central no discurso e nas prácticas. Na América Latina, a maioria dos países começa processos de descentralização política já nos anos oitenta122: na Venezuela, Argentina, Guatemala, Brasil e México realizam-se as primeiras eleições verdadeiramente competitivas de Autoridades locais e sub-nacionais 123, enquanto que, ao mesmo tiempo, descentralizam-se importantes sectores das políticas públicas como a educação, a saúde, a planificação urbana124. As modalidades são diversas e nalguns casos variam inclusive dentro de um mesmo país, gerando verdadeiros "mosaicos"125 institucionais, como no caso de Venezue- la. Ainda crescendo as responsabilidades e as capacidades locais de gasto, no entanto segue sendo notável a dependência dos novos governos das transferências fis 121Rondinelli, 122Selee, Nellis, Cheema, 1983. 2004. México las elecciones de autoridades sub-nacionales están previstas desde 1917, pero antes de 1989, muy pocas veces la oposición política logra prevalecer. En Argentina y Brasil los gobiernos autoritarios, que empiezan respectivamente en 1975 y en 1964, interrumpen los procesos electorales también locales. 123En municipalidades, en particular, se vuelven en escenarios de afirmación de prácticas democráticas innovadoras. Casi todas forman Consejos, integrados por representantes del gobierno, de la sociedad civil y de las fuerzas empresariales, y que superentienden sectores importantes como la salud, la educación, el empleo, las políticas sociales. (Melo y Razende, 2004). 124Las 125La expresión es de Carlos Mascareño, citada en Selee, 2004. 49 LA DESCENTRALIzACIÓN DEMOCRÁTICA: TRAyECTORIAS, TENSIONES, DESAfÍOS cais dos governos centrais, assim como seguem sendo circunscritos às funções e os poderes recebidos. Em conjunto, esses cambios, na América Latina como nas outras áreas geográficas, conformam cenários ambiguos e não homogéneos, nos quais o surgimento de cenários locais mais ou menos democráticas coexiste com a continuidade de formas autoritárias de organização das relações sociais, dentro de contextos nacionais marcados pela predominância de uma "democracia sem liberdade". Também em África, quase todos os países se embarcam, de maneira mais ou menos acentuada e extendida, em políticas de descentralização. Em distintos casos, como na Etiopia, Gana, Mali, Namibia, Nigeria, Senegal, Uganda, África do Sul126, o mesmo texto constitucional prevê a existência de níveis locais de governo, enquanto que noutros casos, a descentralização é normada, de distintas maneiras, por leis ordinárias. Segundo o estudo de Stephen N. Ndegwa que já mencionamos, pelo menos um terço dos países africanos conta, a começos do novo século, com estructuras de governo local127.No entanto, mantêm-se particularmente débil o seu peso financeiro, que é mais baixo que em todas as demais regiões128; a coexistência de formas distintas de transfe- rências financeiras e fiscalidades contribui a alimentar uma fragilidade que condiciona de maneira determinante a possibilidade de desempenhar as funções que se lhes atribuem. Igualmente débeis são tanto os recursos humanos dos que dispõem129 como a responsabilidade local que alcançam. Nos últimos anos, também na Asia iniciaram processos de descentralização política, ainda que com uma presença menos acentuada relatvamente aos de- mais continentes. As constituições de distintos países reconhecem a autonomia das colectividades locais: Filipinas (1987), Coreia do Sul (1987), Tailândia (1997). Em Filipinas, a queda do regime de Marcos põe em marcha um importante processo de reforma que, além da descentralização, prevê também o fortalecimento da participação ciudadã. Em 1993, atravéz de duas emendas constitucionais - a 73 e a 74 - a India estabelece que cada um dos Estados constitua governos locais autó- nomos, os Panchayati Raj, de tres níveis; organize cada cinco anos eleições locais, e transfira poder, recursos e funções, tendo em conta as diferenças existentes entre zonas rurais e urbanas. Os límites de eficacia e eficiência, a porosidade perante as particularidades e os poderes tradicionais, típicos do centralismo, assim como a 126"En una medida que probablemente no tiene precedentes en las democracias instauradas recientemente, la constitución de Sudáfrica y la siguiente legislación atribuyen expresamente poder a los gobiernos locales y lo hacen con el mandato imperativo de erogar y redistribuir los servicios". (Heller 2001: 139-140). 127Ndegwa, 2002. 128En Asia y América Latina, la descentralización fiscal supera el 10% y en los mejores casos alcanza un 20% de los gastos del gobierno central. En 19 de los 30 países examinados en el estudio de Ndegwa, se establece, por el contrario, por debajo del 5%, e incluso su nivel más elevado (Sudáfrica, superior al 10%) es más bajo que la media de los países en desarrollo (14%). (Ndegwa, 2002: 5). Informe de la CGLU, de 2007, nota que en Benín, Costa de Marfil, Marruecos, Senegal y Túnez, si bien a nivel nacional el número de los empleados públicos por habitante es bajo (entre un 0,49 y un 3,11%), a nivel local es aún más débil, entre un 0,012 y un 0,46%, es decir menos que un empleado por casi 100 habitantes. (UCGL, 2007). 129El 50 CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER POLÍTICO permanência de amplas áreas de acentuada exclusão social, empurram as elites no governo a fazer da descentralização um componente do processo de reforma do Estado federal Indio130. A mais de uma década de distância, e sem entrar num exame profundo sobre o carácter mais ou menos democrático dos cambios e processos realizados por cada Estado, é possível observar que a nova legislação tem criado auto-governos locais, organizados em três níveis (aldeias, grupos de aldeias, distritos)131 e uma nova classe política local, com a presença, ainda que limitada e desigual, das mulheres e das castas mais baixas, transferindo ao mesmo tempo recursos e funções relevantes. Indonesia, pela sua parte, transfere em 1999 competências e recursos humanos a nível municipal, realizando uma importante reforma institucional. Na medida na qual possam ser legítimas as generalizações referidas a uma área tão ampla e heterogénea, é possível observar que também na Asia, na última década, a descentralização é um tema presente em quase todos os países; em grande parte deles manifesta-se a tendência dos organismos de governo local a fortalecer-se, con níveis executivos e legislativos eleitos pela população e não designados pelo governo central. Por último, na Europa Oriental, no marco de uma dupla transição, política e ao mesmo tiempo económica, a descentralização manifesta importância e dificuldades particulares. Uns governos locais, dotados de reduzidas capacidades fiscais e de gestão 132, fragmentados, coexistem com estructuras sectoriais que seguem sendo notávelmente centralizadas. Nos anos dois mil, em quase todos os países estão presentes distintos níveis de descentralização, locais e sub-nacionais, mas o seu funcionamento é bastante problemático . Também as instâncias legislativas que normam a sua adopção vinculam-se, segundo cada caso, a fontes distintas: a textos constitucionais, a leis ad hoc, e também a acordos internacionais, visto o peso que nas últimas décadas tem exercido a comunidade internacional nos processos dessa região e a adesão da maioria desses Estados à Carta Europeia da Autonomia Local133. Em muitos casos, o seu desenho reflete o tipo de solução negociada que se deu aos conflictos que se seguriam à implosão dos regimes do socialismo real, e que em prevalência está constituída pelo "poder partilhado" (power sharing). A Constituição de Bosnia-Herzegovina, nascida dos Acuerdos de Dayton, que desenha um país "nem descentralizado nem centralizado", fragmentado a nível do Estado e com autonomia reduzida à nível local, constituí um exemplo dessa eleição134. Numa região caracterizada por Estados e sociedades particularmente débeis, a descentralização entrelaça-se fortemente com a questão étnica, a confirmação de que aquela n ão constituí em si mesma uma panaceia, uma garantia de integridade territorial, de luta contra a corrupção, de desenvolvimento local, de eficien130"Así que el Panchayati Raj ha sido específicamente concebido como una herramienta para nivelar el campo a favor de los actores de las clases y las castas más bajas". (Heller, 2007 : 7). organismos de autogobierno local prevén para las zonas urbanas la presencia de municipios y, para todas las ciudades más grandes, de corporaciones. 131Los 132UNDP, 2005. 2006. 133Byrne, 134Miovčić, 2006: 4. Council of Europe, Stability Pact for South-Eastern Europe, Republic of Croatia, 2005. 51 LA DESCENTRALIzACIÓN DEMOCRÁTICA: TRAyECTORIAS, TENSIONES, DESAfÍOS cia dos serviços e de luta contra a pobreza. Se bem alguns países têm tratado, atravéz do federalismo e a descentralização, de desactivar os conflictos e as tendências secessionistas, estas decis ões têm demostrado nos factos, uma permeabilidade par- ticular perante às tensões étnicas. Inclusive a tendência a aprofundar localmente a descentralização, sub-dividindo as cidades em municípios, cada um dos quais tem acabado por refletir uma determinada maioria étnica, tem reproduzido à nível micro, na Bósnia Herzegovina, o mesmo preocupante connubio entre a descentralização e as políticas de divisão étnica presentes à nível das entidades estataiss. A este respeito, os casos de Mostar e de Sarajevo sãoemblemáticos135. O tema central da protecção das minorias e da definição de um horizonte partilhado de futuro fica eludido; a criação de umas unidades cada vez mais pequenas torna-se na busca sem fim de uma impossível pureza étnica, de uma comunidade "dada" e não "construída" que fragmenta e vazia, ao mesmo tempo, o governo central e os governos locais. A descentralização mostra-se assim como um cenário complexo e desigual, no qual coexistem, entrelaçam-se e contrapõe estratégias políticas múltiples, na qual desconcentração e descentralização política apresentam a miúde fronteiras incertas e não superponíveis, e as dimensões territorial e sectorial manifestam assimetrias temporais e graus distintos de actuação. De facto, a adopção da forma política da descentralização não anula a presença e o peso da desconcentração, de formas diversas de delegação, assim como da tendência à privatização de sectores e áreas. As discordâncias passam não só pela distinção dos níveis, senão que às vezes estão presentes no interior de cada um deles, com organismos locais em parte ele- gidos e em parte nomeados pelo governo central . A reordenação vertical e ao mesmo tempo horizontal das instâncias estatais, dirigida a transferir funções e recursos desde o centro até aos espacios locais, resulta em vários casos não homogénea e fragmentada, espelho multiplicador das relações de poder existentes. Transferência de recursos, atribuição de funções, redefinição da representatividade local, constituem momentos de uma sequência que não está pré-estabelecida e que varia significativamente segundo os contextos e laas conjunturas, e exerce efeitos directos sobre as características e a envergadura dos cambios impele- mentados. O mapa da descentralização, além disso, mostra que esta apaga só par- cialmente as pegadas do passado, em primeiro lugar as do colonialismo, principalmente aí onde a independência é mais recente. Em África, por exemplo, os processos em vigor ainda deixam entrever a marca das distintas administrações coloniais. O processo de rearticulação das relações entre sociedade e Estado responde, como temos visto, a tendências distintas, intensidades diferentes e níveis igualmente dissimilares de actuação; isto é que representa um fenómeno que sintetiza estratégias e tendências procedentes de uma pluralidade de actores políticos e sociais - locais, nacionais, internacionais - entre as quais se distinguem, em primeiro lugar: 135Byrne, 52 2006. CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER POLÍTICO - A propensão do Estado a abandonar o centralismo, expressada principalmente no marco de políticas neoliberais que apontam a una redução do seu papel a favor de actores económicos e do mercado. A transferência de funções importantes desde O governo central, soprincipalmente atravéz da desconcentração e das privatizações, responde neste caso a uma busca de eficiência baseada no redimen- sionamento das políticas de intervenção social136. Alimentam esta propensão também outros elementos, como: a visão do local como cenário de definição de políticas capazes de recolher e dar respostas articuladas e específicas às demandas de uma sociedade que é cada vez mais complexa e diferenciada; a visão da descentralização política como mecanismo capaz de desactivar os projetos se- cessionistas e de garantir a permanência da unidade nacional. - A tendência do território a reivindicar a sua autonomia, entendida principalmente como possibilidade de inserção na economia global não encapsulada no canal exclusivo da mediação estatal. Hecha propia, em primeiro lugar, pelos governos sub-nacio- nais, esta implica o surgimento de regionalismos, micro e macro, de distintos tipos, e só nalguns casos, manifesta inclinações ao secessionismo137. - La demanda de maior participação na vida pública, local e nacional, levada pelos actores sociais, inicialmente sob o impulso da transição democrática. Neste caso, a descentralização expressa a exigência de redefinição do marco político, atravéz de uma democratização local, que não implica uma extensãolineal da cidadania senão uma profunda resignificação da mesma. Para entender as dinâmicas e as direções dos processos em vigor, para superar uma visão descritiva ye fragmentada dos mesmos, é necessário de um exame empírico dos distintos contextos que seja guiado por categorias analíticas capazes de remexer por debaixo dos aspectos superficiais, de reconduzir as diferenças à mul- tiplicidade e à diversidade das estratègias e dos actores, internos e internacionais138. Ao mesmo tempo, reconstruir as continuidades e as descontinuidades que nas distintas trajetórias históricas relacionam a descentralização com a ordenação centralizada do Estado, exige a superação dos reduccionismos vinculados à mera análise do modo de acumulação, para dirigir a atenção para às formas de poder e os nós do nexo coerção-consenso, presentes num contexto determinado. A este respeito, a proposta metodológica de Mamdani para África resulta paradigmática. As formas centralista e descentralizada do despotismo tendem, facto, a gerar-se reciprocamente numa circularidade produzida pela continuidade não ques136En Chile, por ejemplo, bajo Pinochet, la desconcentración para las municipalidades de importantes políticas sectoriales, se lleva a cabo bajo la dirección de administradores no electos sino designados por el régimen, y en el marco de políticas económicas neoliberales. (Nickson, 1995). 137Hocking, 1999. 138A este respecto, véase Agrawal y Ribot, 1999. 53 LA DESCENTRALIzACIÓN DEMOCRÁTICA: TRAyECTORIAS, TENSIONES, DESAfÍOS tionada do despotismo mesmo139. O colonialismo em África, assim como em outras regiões onde tem estado presente, baseou o seu domínio sobre o reconhecimento e não sobre a negação das diferenças, sobre a sua clasaificação e hierarquização, no marco de uma estratégia dirigida a subordinarlas atravéz da incorporação140. Também na Asia, como nota Chatterjee, o colonialismo tem sido fundamentalmente etnográfico141; em ambos continentes não se criaram ordenamentos sociais e marcos jurídicos homogé- neos, senão que tem reconhecido a autonomia local justamente para pôr entre si mesmo e a população a intermediação coercitiva da autoridade nativa, protegida e legiti- mada pela aura dos costumes, que desta maneira se tornam rígidas e imovéis. A associação desta com a escala do poder tem reafirmado a producão da divião campo-cidade, rural-urbano, igualmente importante e funcional que a hierarquia racial, e organizada a partir do mesmo centro; ambas tem sido determinantes, umda atravéz a incorporação e a outra atravéz da exclusão, para a constituição e a reprodução do domínio colonial. Um olhar de mais longo alcance permite ver assim como a descentralização, na forma específica da desconcentração, tem raizes profundas e longíquas que o Estado pós-colonial não consegue cortar de todo142. De facto, a saída do colonialismo nas distintas áreas geográficas vai acompanhada da construcção de um Estado cen- tralizado, visto como fundamento da identidade e do desenvolvimento nacionais, hostil à qualquer forma de descentralização política e dirigido a privilegiar a descon- centraão. A visão desenvolvimentista, dominante nesses anos, contribuí a fortalecer essa eleição, apresentando ao Estado como oúnico agente de cambio social143. Assim que a pergunta relativa aos aportes da descentralização em termos de eficiencia e de coesão social não pode ser separada daquela relativa a quanto os caminhos recorridos e as formas adoptadas logram ser discontinuos com respeito ao passado, abrindo espaços de efectiva transformação das relações dominantes. A análise contextual dos processos de descentralização põe de relevo, por outra parte, nos anos dois mil, a presença de dificuldades difundidas e consideráveis, 139"La reforma del despotismo descentralizado ha resultado en un despotismo centralizado. Así llegamos a la oscilación de las políticas africanas que caracteriza el impasse actual. Por una parte, el despotismo descentralizado agrava las divisiones étnicas y por eso la centralización aparece como una solución. Por otra parte, el despotismo centralizado agrava la división urbano-rural y por lo mismo la descentralización aparece ser la solución. Pero ambas variables siguen dando vuelta en torno al eje común del despotismo". (Mamdami, 1996). 140Escribe Heller, "En realidad, la historia del dominio colonial ha sido en buena medida una historia de autoridades descentralizadas en la cual el orden ha sido garantizado y las ganancias han sido obtenidas a través de los déspotas locales". (Heller, 2001: 132). Asia meridional, por ejemplo, la historia de la clasificación, descripción y enumeración de los grupos de la población como objeto de la acción política en relación a la gestión del territorio, al establecimiento de im- puestos, al reclutamiento militar, a la prevención del crimen, a la salud pública, a la gestión de las hambrunas y de las sequías, a la reglamentación de los lugares sagrados, a la moralidad pública, la educación y otras funciones de gobierno empieza por lo menos un siglo antes que la independencia de Estados como la India, Pakistán y Ceilán". (Chatterjee, 2004: 53). 141"En 142Mamdami, 143Heller, 54 1996; Chatterjee, 2004. 2001: 135. CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER POLÍTICO derivadas da persistência de formas diversas de dependência dos governos locais relativamente ao governo central: - Económica, enquanto àquelas poucas vezes têm os recursos económicos necessários para desempenhar as suas funções; - Administrativa, vista a carência de pessoal local qualificado e a continuidade do centralismo da administração; - Política, porque, em muitos aspectos, siegue funcionando a supervisão das Autoridades centrais e a dependência dos partidos que dominam a cena nacional. Em todos os casos, a reduzida responsabilidade para à população local produz uma carência estructural de legitimidade: as prestações limitadas acrecen a descon- fiança da população e esta, pelo seu lado, aumenta as dificuladdes da recaudação local de impostos e por conseguinte a fragilidade financeira e administrativa dos governos locais, o qual, à sua vez, reduz ainda mais a possibilidade de responder às exigências sociais e produz assim uma maior dependência relativamente ao governo central, alimentando dinâmicas que constituem uma verdadeira "armadilha "144. A dissociação entre a eleição das Autoridades locais e a transferência dos recursos fiscais e das competências, a diacronia entre as distintas fases da sequência, tornam-se fragéis, quase sempre, os processos de descentralização dos anos noventa e dois mil. Ao mesmo tiempo, estes apresentam, nos contextos mais diversos, porosidades considera perante a tentativa in- tento de "capturá-los" pela parte dos poderes locais. As respostas que propoõem não garantem um resultado seguramente positivo, senão que manifestam a possibilidade de produzir efeitos distintos e inclusive opuostos. Como medida dirigida a aliviar rivalidades étnicas e tendências secessionistas, a desconcentração apresenta, por exemplo, perigos notáveis. Pode incorporar exigências locais satisfazendo-as, mas também pode catalizar a expressão e a agregação das exigências mais radicais, resultando num aprofundamento dos conflictos interétnicos, religiosos ou organizados à volta do controlo de determinados recursos. Pode abrir espaços para uma gestão mais partici- pativa e sensível a uma maior equidade mas também pode aumentar as desigualdades territoriais e sociais,145 ser uma forma de perpetuação da exclusão da população local dos beneficios derivados dos recursos naturais do território, como 144"….sobre todo en los países pobres, subdesarrollados, con poca o ninguna tradición de prácticas democráticas, la descentralización puede funcionar en contra de la democracia. Esto ocurre, por ejemplo, cuando un gobierno descentralizado es capturado por elites corruptas e irresponsables". (Brosio, 2000: 3-4); Anna Maria Gentili sub- raya que los procesos de descentralización sin contenido democrático, como es el caso de la mayoría de aquellos llevados a cabo en África, "….lejos de fomentar una cultura política de participación, integración y legitimidad de la autoridad provocan vastos fenómenos de rechazo, de escape en los particularismos étnicos, tribales, reli- giosos, que pueden desembocar en formas diversas, incluso violentas, de conflicto social". Gentili, 2006. Sobre este tema, véase también Manor, 1999 y 2002; Mohan y Stokke, 2000. 145Heller, 2001: 138. 55 LA DESCENTRALIzACIÓN DEMOCRÁTICA: TRAyECTORIAS, TENSIONES, DESAfÍOS o registam em África os estudos sobre ouso das florestas146. A este respeito, autores como Mohan e Stokke, sublinham a exigência de uma análise crítica sobre o uso político que se faz do local, visto que este último está reivindicado con fins diversos por múltiples actores: o perigo é que este socave o papel do Estado e imponha "soluções euro- centricas para o desenvolvimento do Terceiro Mundo" 147. É esta "doblez" dos possíveis resultados, junto com a complexidade dos modos de actuação, o principal desafio para os estudos sobre a descentralização, que são chamados a definir marcos conceituais e metodológicos capazes de medir-se com ela148. Por outra parte, existem muitas investigações que hoje analizam os aportes oferecidos pela descentralização naqueles aspectos aos quais sempre tem sido vinculada pelos seus partidários, isto é a eficácia e a eficiência da acção, em particular na prestação de serviços, na luta contra a pobreza e na promoção de uma maior equidade social149 , assim como também a maior transparência, participação eresponsabilidade no âmbito da governança local. Trata-se de estudos empíricos, sectoriais y não sectoriais, enfocados num determinado contexto nacional ou que seguem um enfoque comparado, inscritos numa óptica quantitativa ou que adoptam métodos de análise qualitativa, realizados por economistas, sociólogos e politólogos. Todos eles preocupam-se por distinguir entre as distintas formas de descentralização, mas a super- posição cinzenta das formas, dimensões e níveis que caracteriza esses processos, exigiria em muitos casos uma análise de contexto mais precisa.No entanto, é significativa que eles chegam em geral a resultados não dirimentes, circunscritos à presença de condições específicas. O trabalho de James Manor sobre as relações entre descentra- lização democrática e equidade chega à conclusão que no caso da reducção das desigualdades internas à regiões ou territórios, a evidência de uma conexão po- sitiva aparece débil, confirmando assim que o factor decisivo são as condições que a promovem e as formas como se desenvolve a descentralización150. El estudio de Brosio sobre o impacto da descentralização e sobre a redistribuição geográfica dos recursos oferece resultados análogos, assinalando que só nalguns casos, como Etiopía e África do Sul, são positivos151. A este respeito, é importante notar que a descentralização, vista a diversidade e a ambiguedade das suas formas e da sua colocar em vigor, não constituí em si mesma a garantia de uma reducção das desigualdades sociais intra 146Ribot, 2008. 147Mohan y Stokke, 2000. 148Resulta pertinente, a este respecto, la observación de Geertz: "La teoría aún no está a la altura de las reacias peculiaridades que caracterizan nuestra época, obstaculizada en esto principalmente por su lenguaje que prefiere resumir en vez que descomponer. Frente al mundo variado, confuso, irregular, cambiante y discontinuo en el que vivimos, los géneros descriptivos y evaluativos existentes no sirven mucho". (Geertz, 1999: 26). considera que el mejor conocimiento de las problemáticas locales, la mayor información, puede permitir a los gobiernos locales la toma de decisiones más eficaces y eficientes en el ámbito de la salud, de la educación y de los servicios en general. También el monitoreo, posible gracias a la mayor cercanía, ayudaría en la mejora de la eficacia de la acción. 149Se 150Manor, 151Brosio, 56 2002. 2000: 12. CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER POLÍTICO e inter-territoriais, que podem pelo contrário aumentar se não está acompanhada pela adopção de medidas compensatórias para as zonas mais vulneráveis, por estándares mínimos nacionais que impidam que os desequilibrios territoriais superem um nível determinado, pela transferência efectiva de recursos e funções, por uma participação mais ampla dos actores políticos e sociais nos momentos decisivos. Defacto, nalguns casos se assiste, como o assinala Clemente relativamente à América Latina, a fenómenos de verdadeira "municipalização da pobreza" 152. Também o estudo de Blair que analisa a experiência de seis países en desenvolvimento, concluí com a constatação de que existe uma escassa evidência que a descentralização tenha um impacto positivo sobre a reducção da pobreza153; sobre o mesmo tema, inclusive os enfoques que utilizam sofisticadas análises de variáveis múltiples registram uma heterogeneidade análoga sobre os impactos obtidos154. As investigações mais estritamente quanti- tativas, principalmente em estudos comparados transnacionais ou transectoriais, internos à uma mesma área geográfica ou transversais à áreas distintas, reconhecenm, por outra parte, que na maioria dos casos as conclusões são debilitadas pela presença de dados inadequados ou até inexistentes155 . A complexidade dos processos, a assincronia das sequências de actuação e a diversidade das estratégias que mexem aos actores, requerem que se as considere na sua interrelação, pondo problemas notáveiss à operativização dos enfoques quantitativos. Num plano geral, a definição precisa de categorias e métodos parece determinante. No caso da descentralização democrática, as ambigüidades que derivam da coexistência de concepções distintas e não explicitadas de democracia, e as dificuldades para distinguir quanto à adopção de políticas de luta contra a pobreza seja derivado da recomposição e o fortalecimento do marco democrático e cuánto da descentralização, convidam a uma cautela ainda maior. A relação entre democracia e descentralização, como observa Brosio para o caso de África, é frágil e variável;no entanto, nas distintas áreas geográficas, representa uma dimensão constitutiva para ambos termos. Os estudos que a tratam desde distintas perspectivas e fazem dela um cenário de observação das características de uma e de outra, podem ser claasificados, em geral, em duas áreas, sobre a base da concepção de democracia à que remetem e com a pontualização indispensável de que as fronteiras entre ambas são fluídas e matizadas, e não netas e precisas. A diferença encontra-se na adesão ou não a uma concepção participativa e deliberativa da democracia156 . O exa152Clemente, 2004. países considerados -Bolivia, Honduras, el Estado indiano de Karnataka, Malí, Filipinas y Ucraniapertenecen a distintas áreas geopolíticas y el periodo considerado es, en particular, la década comprendida entre mediados de los años ochenta y mediados de los noventa. (Blair, 2000). 153Los 154Von Braun y Grote, 2000. 155Véase Bosset, 2000; Robinson, 2003: 3. 156Pertenecen al área participativa los trabajos de Ribot, Heller, Törnquist, Avritzer, Cornwall y Coelho, Fung y Wright, que ya mencionamos. Heller, por ejemplo, declara que el objetivo de su análisis es "…explorar las condiciones en las cuales una variante netamente democrática de descentralización …puede ser emprendida y mantenida". (Heller, 2001: 133). 57 LA DESCENTRALIzACIÓN DEMOCRÁTICA: TRAyECTORIAS, TENSIONES, DESAfÍOS me dessa relação adquire particular relevância nos países do Sul, em particular naqueles involucrados na terceira onda democrática, donde o processo de rearticulação social e política, de reforma do Estado, adquire, como no caso de África, as características de uma verdadeira construção, complicada por uma globalização que pone en la agenda, en todas partes, la concreción de novas formas de democracia capazes de superar a crise da unidade histórica de Estado e nação. De agora em adiante nos dedicaremos a esse âmbito. No entanto, tem algum sentido falar do "Sul do mundo"? Estabelecer um âmbito de análise deste tipo? Assumindo que toda definição se inscribe num marco teórico determinado e que a falar do "Sul" estamos construindo atravéz dele o objecto da nossa reflexão, várias razões nos motivam à considerá- lo pertinente. Mais além da extrema heterogeneidade dos países e as dinâmicas que diferenciam as regiões, nas que incluimos --grosso modo- a África, parte da Europa Oriental e Asia, América Latina, acreditamos que existe um denominador comum que de maneira flexivel e fluida as une. Na época da glocalización, esse denominador traça linhas que descompoõem a geografia e que atravessa países e continentes, desenham cenários mais com- plexos que aqueles puramente geográficos e deixam entrever um Norte e um Sul que são também globais. A definição do "Sul" que propomos, e que é fundamentalmente descritiva, delimita uma constelação móvil e cujas fronteiras são discontinuas e cambiantes, constituída por aqueles países ou localidades que apresentam índices de desenvolvimento humano médios ou baixos, juntamente com condições democráticas ou institucionais fragéis. A referência teórica é ao desenvolvimento como processo multi-dimensional, aberto à uma diversidade de trajetórias, diferenciadas pelo caminho que seguem mas unidas por um horizonte comum, pela tensão não resolvida entre liberdade e igualdade. Desta maneira, o termo Sul157 pretende individuar aquele conjunto de recorridos que, na fase actual, revelam uns problemas e uma precariedade particular e que ocupam lugares débeis ou marginais no marco das relações de poder dominantes. As organizações internacionais geralmente preferem falar de "países en desenvolvimento" (PED). Parece-nos uma definição menos apropriada tanto pela linearidade do cambio que pressume como pela antonimia que evoca, os "países desenvolvidos", o que uma visão de desenvolvimento como processo não pode não recusar. Por outros aspectos, a complexidade de voltar operativa uma visão não redutível ao mero crescimento económico manifesta-se claramente no listado, proposto pelo CAD, dos países elegiveis para a ajuda oficial ao desenvolvimento 158. O listado, revisto cada tres anos e 157Éste término está presente en el debate sobre el desarrollo a partir de los años setenta; también se encuentra, en 1980, en el Informe Brand y es retomado por la Comisión Sur de las Naciones Unidas. En 2004, el PNUD, in- teresado en promover nuevas formas de cooperación Sur-Sur, lo vuelve a proponer como equivalente al de PED, considerando que aunque los países en desarrollo presentan condiciones económicas, sociales y políticas muy diversas, ellos "comparten un conjunto de vulnerabilidades y desafíos", (PNUD, 2004: 2). Este trabajo lo utiliza otorgándole una connotación no solo geográfica sino también diferente de aquella que tienen los términos de PED y de Tercer Mundo. la definición del CAD, el departamento de la OCDE que trata los temas relativos a la cooperación internacional, la ayuda oficial al desarrollo incluye donaciones, préstamos ventajosos y cooperación técnica, di158Según 58 CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER POLÍTICO baseado no indicador da renda per cápita, incluí países de renda baixa e média, de acordo com o que faz normalmente o Banco Mundial159. De todos modos, em 2007, se incluem na categoria de países em desenvolvimento, cinco economias que têm um pro- ducto interno bruto per cápita elevado, isto é Hong Kong, Israel, Kuwait, Singapura e os Emiratos Árabes, principalmente pela auto-inclusão expressada oficialmente pelos seus respectivos governos, o qual prova a debilidade dos critérios utilizados. A sua dimensão problemática é posta em evidência plenamente pela decisão da OMC que não estabelece normas ao respeito, senão que deixa que sejam os mesmos países que decidam onde colocar-se . Se a definição de PED resulta esmagada numa dimensão economicista e uma visão unilineal do desenvolvimento, a do "Terceiro Mundo" revela uma marcada dimensão político-ideológica160. Éste termo, introduzido aos inícios dos anos cinquenta pelo economista francês Alfred Sauvy, sobrepõe à contraposição Este-Oeste, que nesse momento era predominante, a do Norte-Sul; no entanto, as raizes desta classificação, vinculada com os movimentos anti-coloniais e de liberação nacional, com os distintos nacionalismos pan-asiáticos, panamericanos o pan-árabes, têm uma origem mais longíquo no tempo, nos començos do século XX, mantenendo-se constante o vínculo com o anti-colonialismo e com as lutas de liberação nacional161. Mais além da diversidade e da variabilidade das visões que se reconhecem no tercer-mundismo, é possível identificar nele alguns elementos comuns, em particular: - A aserção da presença nas massas do Terceiro Mundo de aspirações revolucionárias; - O vínculo que se estabelece entre uma leitura do passado anti-colonial do qual acentua os caracteres igualitários e uma visão de futuro decididamente utópica; - A concepção do Estado nacional centralizado como instrumento do cambio social; - A busca da aliança, em política exterior, dos Estados nacionais do Terceiro Mundo, que expressa-se em lugares e em momentos distintos como por exemplo no movimento dos países não-alienados ou nas Nações Unidas162. rigidos a los países y territorios en desarrollo. Estas transacciones deben ser implementadas por el sector público con el objetivo principal de promover el desarrollo económico y el bienestar de las poblaciones de los países re- ceptores. Se consideran ventajosos aquellos préstamos que tienen una parte de donación correspondiente a por lo menos un 25%. http://www.oecd.org/glossary/0,3414,en_2649_33721_1965693_1_1_1_1,00.html#1965586. 2005, fueron excluidos los países de renta media y los que pertenecen al G8 y los miembros de la Unión Europea -o los que están en proceso de adhesión. 159En una reconstrucción crítica de las relaciones entre la izquierda y el tercermundismo en las décadas de los cincuenta y sesenta, véase la publicación del Nouvel Observateur, Le Tiers monde et la gauche. (Varios autores, 1979). 160Para 161Berger, 162La 2004: 10-11. definición es directamente tributaria de aquella propuesta por Mark T. Berger, 2004. 59 LA DESCENTRALIzACIÓN DEMOCRÁTICA: TRAyECTORIAS, TENSIONES, DESAfÍOS No entanto, o tercer-mundismo não fica imutável no tempo senão que, a partir dos anos cinquenta, passa por distintas etapas. A primeira corresponde às suas primeiras duas décadas de vida, e tem as suas principais referentes na revolução argelina e na Conferência de Bandung de 1955. Ésta representa o momento de maior visibilidade e diferenciação relativamente às duas potências que nesses momentos dominam o cenário internacional, e faz do movimento dos não-alineados o sujeito da sua proposta política. Personagens como Sukarno -presidente de Indonesia-, Nehru -Primeiro Ministro da India-, ou Nasser -Presidente do Egipto-, são as figuras chave dessa Conferência e dessa primeira fase que, mais além das diferenças existentes entre os regimes, está caracterizada por um forte sentimiento anti-colonial, tendencialmente reformista e equidistante com respeito ao Oeste e ao Este . A segunda fase, nos anos sessenta e setenta, que alguns autores consideram "a idade de ouro" de tercermundismo, apresenta uma maior homogeneidade interna e a predominância de uma visão mais radical do cambio, de carácter principalmente socialista, bem representada pela centralidade que adquire a figura do Che Guevara e pela influência que exerce a revolução vietnamita. O fim do bipolarismo marca, à sua vez, o começoo de um profundo questionamento do tercermundismo, que já nos anos oitenta tinha entrado num declínio evidente, devido à crise dos projetos tanto revolucionários como reformistas e ao surgimiento do neo-liberalismo . Hoje os analistas se dividem entre os que consideram que as capacidades analíticas dessa classificação se tem acabado completamente e os que, pelo contrário, acreditam que essas não se têm esgo- tado senão que nos encontramos perante o surgimento de uma segunda "idade"163, ou de um neo-tercermundismo. Este estaria caracterizado, na análise que propõe R. Hadiz para ocaso indonêsio, por uma mistura de "indigenismo, populismo reaccionário e uma forte inclinação para a estreiteza mental", directamente vinculada com a difusão de formas democráticas iliberales164.No entanto, esta diferenciação está matizada e atravessada por diversidades na leitura da relação entre a dimensão geopolítica e a dimensão analítica do termo. De facto, para alguns, se bem este tem perdido significado, desaparecendo com o fim do segundo mundo também a sua área de referência, as suas potencialidades conceituais seguem existindo; estas delimitariam um conjunto de países cujo denominador comum reside numa particular configuraç ão da cultura política própria, cujas normas e valores não aparecem de todo interiorizados, nem dota- dos de plena aceptação social165. O número que o Third World Quartely dedica à este tema166, en 2004, apresenta um panorama interessante dos muitos e variados esquemas que existem ao respeito e é, à sua vez e em si mesmo, significativo da exigência de esclarecimentos neste âmbito. Por nossa parte, nós consideramos que, apesar da persistência, sob novas formas, de posturas político-ideológicas principalmente anti- occidentais, esse termo tem perdido as suas capacidades analíticas. Retomando a análise 163Moore, 2004. 164Moore, 2004. 165Kamrava, 1995. número especial que el Third World Quarterly, en 2004, dedica a este tema, tiene el título significativo de: After the Third World? 166El 60 CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER POLÍTICO de Berger, defendemos que o fim do bipolarismo, a globalização económica e a crise do Estado-nação põem a questão do cambio social de maneira completamente nova, sem que isto signifique que aherimos às teses expostas pelos pós-desenvolvimentistas como Sachs e Escobar, quem, identificando directamente Terceiro Mundo e desenvolvimento, os associan à rejeição directo de ambos167. Porto Alegre e Kerala: dois casos para a análise Há muitos estudos que, para refletir sobre os processos de descentralização, escolhem como enfoque da análise a relação democratização-descentralizaçãodemocracia, localizada especificamente no Sul do mundo. Ainda que se diferenciem nos seus enfoques e metodologias, partilham alguns elementos de base: a concepç ão da relação descentralização-democracia como constitutiva da possibilidade de uma reescritura de ambos termos, como fundamento de prácticas democráticas mais inclusivas e socialmente igualitarias que tendem a "reinventar a emancipação social", isto è a redistribuir o poder, a incorporar às políticas públicas os grupos mais vulneráveis e, ao mesmo tiempo, a redefinir as fronteiras e as formas da política, incluindo nela temas que anteriormente ficavam excluídos. Em resumo, a descentralização democrática é vista como um processo de democratização da democracia, de aprofundamento desta, de melhora da sua "qualidade", chamado a responder as carências que fazem fragéis e permeáveis as democracias existentes. Esta atenção, empírica e teórica, pelas novas formas de democracia, mexe muitas vezes a aprofundar a relação descentralização-democracia atravéz da inserção de um terceiro termo, a democratização que, na sua terceira onda, involu- cra principalmente aos países do Sul. Esta eleição coloca a análise em contextos com problemas de desigualdade económica e social, de penetração do autoritarismo, de debilidade institucional e política, de fragmentação cultural e de conflictos às vezes vio- lentos, de exposição fuerte à globalização, mas que ao mesmo tempo têm sido caracterizados nas últimas duas décadas do século XX, por aspirações de cambio social e por lutas anti-autoritárias levadas a cabo por novos actores económicos, sociais e políticos, que são expressão de un tecido social profundamente transformado. É a área democrática destas mobilizações, cujas ambigüedades não sempre são colocadas suficientemente em evidência, o que dá vida à novas prácticas sociales, a germes de uma nova cultura política que constituem elementos determinantes dos processos de descentralização democrática. Os límites e a inestabilidade das novas democracias, instam por outra parte à uma reflexão sobre os obstáculos que têm obstaculizado o impacto dessas prácticas e sobre a concepção de democracia que tem produzido e legitimado tais obstáculos. Uma releitura das formas de acção colectiva, da natureza dos movimentos sociais e das suas relações com as instituições e com o cambio social, afastam estes estudos de 167Sachs, 1998; Escobar, 2004. 61 LA DESCENTRALIzACIÓN DEMOCRÁTICA: TRAyECTORIAS, TENSIONES, DESAfÍOS as distintas versões da teoria elitista da democracia e também de uma boa parte das análises transitológicos. Há outro aspecto que é indispensável mencionar para desenhar os límites da área de estudos em questão: a postura com respeito à relação entre democracia representativa e democracia directa. Presente desde o começo na teoria democrática, esta relação tem sido muitas vezes tratada em términos de contraposição. Distintas razões têm sido aduzidas a favor da forma representativa: as dimensões do corpo político, e por conseguinte exigências de escala; a complexidade do corpo social, e por conseguinte a necessidade da burocratização e da centralidade do saber especializado, isto é de conhecimentos técnicos distanciados do conhecimento comum; as diferenciaciações sociais e políticas, e por isso a busca de uma composição atravéz de normas universais abstractas. Por outra parte, argumentos na sua maioria de carácter polémico tem justificado no pensamento moderno à defesa da democracia directa, mostrando a tendência a fazer prevalecer a atenção aos conteúdos por cima do componente procedimental dos processos. Por isto, muitas vezes, a democracia directa presentou-se também como democracia sustancial, capaz de garantir a inclusão igualitária das classes e dos grupos mais marginados e explorados, e de evitar os espelhismos de uma representatividade formal, funcional à reprodução das diferenças sociais existentes. Perspectivas teóricas como a rousseauniana e a marxista, têm reconhecido nas dimensões de pequena escala do corpo social e na sua homogeneidade, as premissas necessárias para o seu exercício. O uso de processos ascen- dentes de formação da vontade colectiva, baseados numa escala de delegações vinculadas, tem sido historicamente a resposta oferecida pelos regimes do socialismo real à primeira dessas exigências, enquanto que a solução da segunda tem sido considerada uma tarefa realizada pelo processo revolucionário de abolição das classes. Desta maneira, enfoques distintos têm sustentado, ao longo do tempo, a dificuldade da relação entre democracia representativa e democracia directa; os estudos sobre a descentralização democrática, pelo contrário, fazem da búsqueda dessa relação um momento fundacional das novas prácticas democráticas, chamadas a superar os límites de uma e de outra. Por outra parte, cabe sublinhar que estes não podem ser inscritos no âmbito da concepção participativa ou deliberativa da democracia, senão que na maioria dos casos se mexem entre as duas, proporcionando a ambas um interessan- te cenário de experimentação empírica e de elaboração teórica. Este trabalho reflete sobre as experiências do orçamento participativo de Porto Alegre e da planificação descentralizada realizada em Kerala: dois dos casos maiss presentes na bibliografia sobre este tema. O objectivo é contribuir ao debate actual, inserindo nele a referência à dimensão transnacional dos processos locais, que segue sendo bastante marginal e quase sempre é interpretada mais como pressão negativa exercida desde fora e nunca nas suas potencialidades positivas de conexão glocal. Os dois casos se emolduram em contextos e trajetórias históricas distintas, cujas diferenças não é possível ignorar mas que, se são reconhecidas, permitem analizar as razões da presença e do peso de características e tensões parecidas, o qual oferece elementos cognitivos importantes para a reflexão sobre a questão democrática. Ao 62 CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER POLÍTICO mesmo tempo, essas não são experiências isoladas senão manifestações entre as mais articuladas de um conjunto mais amplo de processos análogos. O orçamento participativo está presente em muitas outras cidades brasileiras e latino-americanas, e é actualmente, bastante difundido também na Europa, África e Asia. A planificação descentralizada de Kerala foi precedida por uma experiência parecida de profundizaç ão da democracia local em Bengala Ocidental168. De aí que o seu estudo possa oferecer também alguns elementos para uma análise comparada . A experiência de Porto Alegre começou em 1989, como producto de una transição à democracia particularmente longa, de uma duração dupla com respeito à portuguesa (a mais longa dos países da Europa do Sul). A crise do autoritarismo responde, no Brasil, como nos demais países da América latina, à pressões procedentes tanto desde abaixo como desde cima. Originada na incapacidade de garantir o crescimento (carência explícita no caso dos militares peruanos) ou de gerir os efeitos sociais e políticos da modernização (caso chileno), a abertura democrática vai acompanhada, nos distintos países da região, pela presença de movimentos que lutam pela democratização e que respondem fundamentalmente à instâncias éticas, mas também à defesa das principais necessidades básicas. Basta mencionar o caso das Mães da Praça de Maio na Argentina, ou das grandes mobilizações de massa de 1983 na Argentina e de 1984 no Brasil. De todas as maneiras, as profundas transformações introduzidas no tecido económico e social pelos processos de modernização e, sucessivamente pelos ajustes estructurais, junto com a crise do modelo vertical de ordenamento da sociedade, marcam o surgimento de actores que, a partir dos anos oitenta, reivindicam novas relações entre a sociedade e a política. Tanto na busca de soluções colectivas para o desemprego ou a ausencia de habitação, como na luta pela defesa dos direitos humanos, eles combinam de maneira variada a resistência perante o deterioro crescente dos serviços sociais e a oposição à ditadura com a exigência de democratização e de transformação, em muitos casos, dos modelos individualistas que governam as relações económicas e sociais. No marco de uma história latino-americana marcada constantemente por um "déficit de actores sociais"169, representam cambios relevantes. Eles não constituem no entanto, o único suporte do processo que conduz ao fim do autoritarismo, senão que são complementados por um empuje à abertura dos espaços políticos presente no interior das elites de poder. A importância que assumen os acordos, a dimensão negociada que caracteriza a democratização latino-americana dos anos oitenta, marcam o delicado e precário equílibrio entre ruptura e continuidade que sustenta os seus processos. É paradigmático o caso do Chile, onde é precisamente uma sucessão de acordos o que aglutina as forzçs anti-autoritárias e torna possível a transição: o acordo constitucional, que signa a aceitação por parte da oposição do marco constitucional estabelecido em 1980 pela ditadura; o acuerdo institucional, que sanciona a vontade dos sectores democráticos de realizar reformas institucionais; o acordo eleitoral, a 168Fung y Wrigth, 2001 y 2003; Isaac y Heller, 2003. 169Touraine, 1988: 450. 63 LA DESCENTRALIzACIÓN DEMOCRÁTICA: TRAyECTORIAS, TENSIONES, DESAfÍOS travéz do qual os partidos da Concertação pela Democracia chegam a estabelecer um programa de governo comum. A presença difundida de uma "reforma pactada" assinala também, por outra parte, a emergencia de uma disposição geral à "negociação", nova na cultura política latino-americana e pelo mesmo significativa de como a transição é acompanhaada por transformações culturais importantes, que abrem o caminho tambem à novas práticas sociais e políticas .170 A experiência do orçamento participativo de Porto Alegre encuentra as premissas do seu nascimento em processos de democratização caracterizados por um perfil preciso: um marco democrático reestabelecido mas restringido, entravado por uma longa tradição de continuidade no poder das elites económicas e sociais; os cambios nas forças políticas com a conformação de um partido novo como foi o Partido dos Trabalhadores (PT)171, que busca superar a antiga contraposição entre reforma e revolução; os espaços institucionais novos, contornados pela Constituição aprovada em 1988 e pela descentralização que esta reconhece e promove; as prácticas sociais participativas, vinculadas com a experiência dos movimentos sociais; uma difundida disponibilidade da cultura política às negociações e ao diálogo. As dificuldades das políticas de desenvolvimento macro-económico por produzir inclus ão social, junto com a presença de profundas desigualdades, verdadeiras fracturas sociais e territoriais, contribuem neste "clima" a fazer do local o laboratório de experimentação de novas prácticas democráticas, a motivar aos actores políticos e sociais a ver na micro-democracia uma democracia localizada mas não menos importante172, uma forma possível e relevante de reescritura das relações sociais e da geografia do poder. Desta convergência inédita entre disponibilidade política e exigência social surjem tendências à profundização da descentralização mesma, também nas suas dimens ões territoriais: Porto Alegre, por exemplo, reorganiza a divisões dea cidade em regiões, aumentando o seu número e permitindo a participação, por primeira vez, dos ciudadãos na definição dos critérios para a sua identificação. A Campanha do povo para o nono plano (People's Campaign for the Ninth Plan), conhecida também como People's Planning Campaign, que alguns consideram "o 170Solo en el caso de Haití, los movimientos sociales constituyen el principal actor de la transición. Las mediaciones que hacen posible la transición en los demás casos, fueron difíciles de alcanzar en un país de profundas desigualdades sociales, pobreza extrema y fragilidad de las instituciones y de los actores económicos. La deman- da de democracia, de un Estado de derecho y también de justicia social y de participación política, se muestra poco conciliable con las relaciones de poder existentes. Un amplio movimiento asociativo, proclive a la movili- zación pero carente en cuanto a organización, logra dar inicio a la transición pero no consigue hacerla avanzar. Es la peculiaridad de ese contexto lo que explica la larga duración y los impasses de una transición, iniciada en 1986 y aún incumplida, caracterizada por procesos electorales sin legitimidad, un golpe de Estado, dos misiones de pacificación de las Naciones Unidas, la desestructuración social y la implosión del Estado. 171En el PT confluyen orígenes y concepciones distintas: grupos marxistas, nuevo sindicalismo, movimientos sociales rurales y urbanos, comunidades eclesiales de base. Reivindicaciones de justicia social y adhesión a los prin- cipios democráticos se mezclan y se presentan unidos con la voluntad de diferenciarse de la izquierda marxista tradicional. (Utzig, 2000). 172Touraine, 64 2006. CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER POLÍTICO maior projecto de democratização realizado no mundo até agora"173, insere-se nuns processos profundamente distintos. O Estado indiano de Kerala está muito presente, a partir dos anos oitenta, na bibliografia especializada, como exemplo de uma trajetória de desenvolvimento caracterizada por decisões distintas daquelas que apontam ao crescimento económico. Amartya Sen menciona sobre este tema as políticas "guiadas pelo suporte" (support-led), que privilegiam o fortalecimento das oportunidades sociais, em primeiro lugar la educação e a saúde, como motor do cambio174. Os efeitos positivos desta opcção têm outorgado a Kerala uns indicadores sociais muito superiores aos dos demais Estados indianos, e uma condição de vida excepcional pelo nivel de crescimento económico alcançado. Em 2001, con um Producto interno bruto per capita de cerca de 3000 dólares, mais baixo que a média da India, exibe uma taxa de alfabetização quase total (90,92%)175, e um índice médio de vida (74,6 años) igual ao de países com crescimento económico muito mais elevado. Devido à inserçao da mulher na vida económica e social, não só melhorou a sua condição de vida176, senão que a fertilidade e a mortalidade infantil têm vindo a diminuir muito mais rapidamente que no resto da India. Também a pobreza e a desigualdad se têm reduzido notávelmente, junto com uma diminuição da diferença entre a cidade e o campo; no ano 2000, significativamente, a mortalidade infantil apresenta os mesmos níveis em ambos territórios. A este propósito, Drèze e Sen mencionam um "continuum rural-urbano" propondo o termo "rurban"177. Vista a importância que tem a divisão entre cidade e campo en la reproducção de regimes autoritários e injustos, este dado constituí um dos indicadores mais importantes do carácter inclusivo dos processos de cambio social postos em vigor em Kerala. Uma importante reforma agrária que redistribuiu os direitos de propriedade, considerada uma das mais profundas fora da área dos países socialistas, e serviços de segurança social estendidos aos grupos mais vulneráveis178, são medidas que têm caracterizado estes processos desde os anos sessenta. Um quadro político e associativo particular tem sido o seu marco. Desde 1956, desde o momento da sua constituição como Estado atravéz da união das três regiões de Travancore, Cochin e Malabar, uma coalição de esquerda, ou liderada por um partido de esquerda, tem governado o país. Organizações sindicais e partidos comunistas179, 173Franke, 174Sen, 1999. 2000; Drèze y en, 1989, 1997 los años ochenta, la UNESCO ha declarado Kerala, el único entre todos los Estados Indianos, totalmente alfabetizado. Hay que considerar que, en 2001, la población alfabetizada en la India alcanza tan solo el 65,2%. 175En Kerala es el único Estado indiano que presenta, a finales de los noventas, una relación de género positiva (102 sobre 100), mientras que la media del índice de los demás Estados llega tan solo a un 93 sobre 100. Este dato es una demostración de como en Kerala las mujeres no viven las condiciones de extrema desventaja que, en el país en su conjunto, provocan el dramático fenómeno de las "mujeres ausentes", analizado en Sen, 2000. 176El 177Drèze J., Sen A., 1997: 210. Constitución indiana prohíbe todo tipo de discriminación étnica, social, religiosa, sexual, y veta la aplicación de las normas de las castas. Prevé también mecanismos dirigidos a ofrecer garantías sociales y de repre- sentación política a los grupos más débiles, es decir a las scheduled castes, principalmente los intocables y las viudas, y a las scheduled tribes, es decir los grupos tribales más pequeños y vulnerables. 178La Partido comunista indiano o CPI, fundado en 1920 y a la cabeza del primer gobierno del Kerala independiente, el Partido comunista indiano o CPI-M (marxista, nacido en 1964), y el CPI-ML (marxista-leninista), for179El 65 LA DESCENTRALIzACIÓN DEMOCRÁTICA: TRAyECTORIAS, TENSIONES, DESAfÍOS tem mantido vínculos constantes com as lutas dos camponeses e dos trabalhadores, com a mobilização social presente já desde os anos tre¡inta, crescida na luta contra o colonialismo e que, após a independência, tem gerado uma sociedade civil e política activa, caracterizada por um alto nível de agregação e movilização180. A ele- vada sindicalização, no entanto, tambem tem gerado a emergencia de uma forte micro-conflitividade entre as distintas organizações sindicais e fenómenos de burocratização interna, confirmando como as formas e os efeitos da acção colectiva devam ser desagregados e examinados na sua especificidade e nas suas interacções181. As análises dividem-se com respeito à explicação das razões que fundamentam as características e os êxitos do caminho recorrido; a principal linha de divisão separa aos que fazem ênfase principalmente nos aspectos culturais e antropológicos e por conseguinte em processos de longa duração, como Sen e Drèze, dois autores que sublinham, pelo contrário, a importância das tradições políticas radicais, como Franke e Chasin que afirmam que "organização e luta política, redistribuição, democracia, participação, serviços sociais básicos, poder aos despossuídos: estas são as características da recente experiência de Kerala"182. A maior informação e consciência dos direitos próprios, com as que contava a população devido às políticas educacionais impelementadas desde o princípio do século XIX e à acção de muitos grupos missionários cristãos, juntamente com a influência da estructura matriarcal presente entre os Nairs, um dos grupos sociais mais influentes, têm criado as condições, segundo sublinha por outro lado Sen, para la mobilização social e para as decisões políticas levadas a cabo .183 A decisão da coalição de esquerda, liderada pelo Partido comunista indio (marxista) e vencedora dos comicios eleitorais de março de 1996, de começar uma profunda descentralização concebida como processo de movilização e aprofundamento da democracia, insere-se nesta trajetória e introduz nela un cambio importante. Distintos factores, nacionais e internacionais, contribuem a mexer-se nesta direcção: o fim do bipolarismo, a difusão da terceira onda de democratizações que chega até à India, expressada no que tem sido denominado "o segundo crescimento democrático" (second democratic upsurge), a globalização económica, adicionam-se ao fim do "corporativismo democrático" que já não é capaz de exercer um efeito redismado en 2004 y partidario del maoísmo, constituyen los principales partidos marxistas del Kerala. Kerala registra el nivel de sindicalización más elevado de la India. Otro aspecto bastante peculiar es la presencia de sindicatos incluso de trabajadores informales. En 1991, en Kerala existían cerca de diez mil sindicatos registrados y, probablemente, un número igualmente relevante de organizaciones no registradas. En los demás Estados indios, en el mismo periodo, la media era de cerca de 2000. (Justino, 2003:10). 180El estudio de Patricia Justino, que analiza empíricamente el impacto de la participación pública en el desarrollo económico de Kerala, tomando como indicadores las dos formas del activismo sindical y del motín, presenta resultados interesantes: mientras las huelgas y los cierres patronales revelan ejercer un efecto positivo sobre los niveles de ingreso y sobre la disminución de la pobreza; los motines, por el contrario, muestran haber creado inestabilidad y frenado el crecimiento económico. (Justino, 2003). 181El 182Franke 183Sen, 66 y Chasin, 1994: 113. 1991. CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER POLÍTICO tributivo nem de melhorar o contexto de crise fiscal endémica, de crescimento económico baixo, de sub-emprego, desemprego elevado e fluxos migratórios em aumento, que se tem conformado nos últimos anos184. Alguns analistas, como Santos, vinculan directa- mente a experiência de Kerala com o impacto da terceira onda democrática185. Heller, por outro lado, sublinha que a decisão de embarcar-se num processo de descentralização mobilizadora, o mais inovador e ambicioso da India, tem as suas premisaas na influência que uma organização massiva como o Movimento científico do povo de Kerala (Kerala Shastriya Sahitya Parishad-KSSP) logra exercer sobre o Partido comunista indio-marxista e sobre a coalição de governo. E esta conexão entre os amplos sectores da sociedade civil mais activa e os sectores reformistas internos às forças políticas do governo, o que permite a adopção de uma reforma, em boa medida alheia à cultura política verticalista que até esse momento tinha guiado a trajectória de desenvolvimento de Kerala186 . Apesar das diferenças entre ambos contextos, as duas experiências têm em comum um marco legal favorável, que permite a institucionalização da participação cidadã, e a disponibilidade política do governo -federal, estatal ou municipal- a "ceder poder". No Brasil, a Constituição nascida do processo de transição estabelece a estructura federal do Estado, põe as bases da descentralização e abre, ao mesmo tempo, novos espaços para a participação política dos cidadãos reconhecendo a sua possibilidade de iniciativa legisladora tanto à nível do Congresso, como no âmbito local. Estabelece, de facto, que cada cidade tenha um estatuto que reconhece para as asociações a possibilidade de participar nos processos de planificação urbana e de desenvolvimento local e também de apresentar propostas de leis. Porto Alegre, por su parte, tiene un estatuto comunal próprio, anterior à 1988187, e também conta com experiências de prácticas participativas desde as décadas anteriores, ainda que às vezes se tratara de iniciativas promovidas por líderes locais como ocasiões "de fachada", e que sobreviveram parcialmente inclusive sob a dictadura militar188. Em Kerala, a decisão do governo federal de começar um processo de descentralização, seguida pela decisão do governo estatal de escolher uma forma de acção participativa e de devolver, ao mesmo tempo, o 30-40% dos recursos do plano de desenvolvimento quinquenal aos níveis locais, cria um marco institucional parecido e favorável189. A vontade política "central" de desempoderamento resulta ser, em ambos casos, uma condição determinante. Ainda que Isaac, um analista pertenecente ao KSSP e activamente envolvido na Campanha, fala de um processo "de baixo até cima", as suas dinâmicas parecem muito mais complexas, e 184Sobre la crisis del viejo modelo, véase Verón, 2001. 185Santos, 2004; Heller, 2007 186Heller, 2007. Artículo 1 del estatuto de Porto Alegre, requiere que la administración de la ciudad sea "democrática, participativa y descentralizada". (Avritzer, 2002:146). 187El 188Genro y de Souza, 2002. presupuesto de los Pachayat, en el tiempo de tan solo un año se cuadruplicó y el año siguiente alcanza a ser cinco veces mayor de lo que era antes de que empezara la descentralización. (Heller, 2007). 189El 67 LA DESCENTRALIzACIÓN DEMOCRÁTICA: TRAyECTORIAS, TENSIONES, DESAfÍOS O papel da direcção "de cima até baixo" desempenhado pelo nível central resulta mais importante que no caso de Porto Alegre190. Essa iniciativa constitui mais bem um exemplo daquela forma de participação "transformadora" da que fala White, na qual se cruçam duas estratégias, uma que desde cima está dirigida a dar poder e a outra que, desde abaixo, está dirigida a reivindicá-lo, alimentando um processo de cambio social não lineal e estructuralmente conflictivo, mas que não necessariamente tem um resultado soma zero. A identificação de novas formas de participação é outro dos elementos presentes em ambas experiências. No caso de Porto Alegre, o exercício da democracia directa nas assambleas regionais e temáticas191 complementa-se com a elei ção dos delegados192 e dos conselheiros que participam com mandado vinculado e revocável, respectivamente no Foro dos Delegados e no Conselho do Orçamento Participativo (COP). Estes últimos organismos são as principais expressões daquele terceiro tipo de instituições que caracteriza o orçamento participativo: mediam entre as Oficinas e as Unidades da administração comunal e as asociações de ciudadãos, são dotadas de autonomia e são portadoras de lógicas distintas com respeito às primeiras193. Em particular, no COP encontram-se os representantes das assambleias territoriais e os plenários temáticos, das associações barriais e do sindicato dos trabalhadores comunais, além dos funcionários municipais. Este Conselho tem a tarefa de coordenar, desde uma perspectiva inter-territorial e inter-sectorial, as propostas das assambleias de base, e de debater e negociar com o Escritório de Planificação Comunal, que trabalha segundo critérios de ordem técnico e geral, a proposta final do orçamento e o plano das inversões que serão apresentados pelo prefeito ao Conselho Municipal. Dessa maneira, o COP constituí num âmbito no qual se unem o momento do debate e o da decisão, enriquecido pela dimensão ulterior deo monitoramento que o COP exerce sobre o momento da actuação. Por outra parte, cabe sublinhar que uma combinação de critérios gerais e técnicos, como as pautas que estabelecem as prioridades de acesso aos bens públicos, fixadas pela administração comunal, guia e direciona o debate e o proceso de tomada de decisões. A presença desses critérios, ainda que às vezes não é mencionada, é no entanto decisiva: estes introduzem no processo participativo princípios de justiça que induzem aos interesses particulares e a fragmentariedade das prioridades locais 190En el caso de Porto Alegre, la voluntad política del PT de llevar adelante un proceso participativo recoge y da forma a la demanda de participación política expresada, desde su fundación en 1983, por la UAMPA - União das Associações de Moradores de Porto Alegre, y confluida posteriormente en el debate electoral de la segunda mitad de la década. plenarias temáticas desempeñan la función de permitir el debate de cuestiones de carácter general y por eso transversales en las agendas de las asambleas regionales. Introducidas en 1992, confirman la capacidad de la experiencia del presupuesto participativo de asumirse a sí misma como proceso en evolución, cuya interactivi- dad es un factor de auto-mejoramiento. 191Las 192El Foro de los delegados debe servir de conexión entre los ciudadanos, individuos o asociaciones, y el COP. 193Santos, 68 1998. CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER POLÍTICO a confrontar-se com uma visão mais geral do bem colectivo194. Segundo a leitura de Avritzer, realizam duas importantes inovações: põem límites aos individualismos e introduzem no debate democrático uma dimens ão de redistribuição universalizante195. Por outra parte, a sua presença não anula a autonomia do processo, cuja regulamentação interna é estabelecida é revista cada ano pelas assambleias regionais, senão que mais bem põe em evidência o equilíbrio difícil e precário entre instituições e actores sociais sobre o qual se apoia. Em Kerala, assim como em Porto Alegre, o que está no centro da experiência participativa é um processo de planificação democrática, ainda quando o plano não se refere à uma cidade senão a um Estado, pelo qual se torna mais complexo. O enfoque que o caracteriza é decididamente particular; Heller o qualifica do tipo "grande explosão" (big-bang): o governo central transfere recursos e funções antes de que as estructuras e as capacidades locais estejam consolidadas. Isaac e Heller mencionam a este respeito de uma verdadeira "inversão" da sequência que normalmente caracteriza o processo de descentralização196.No entanto, inclusive neste caso, as dinâmicas participativas articulam formas de democracia directa, delegada e representativa, sobre uma estructura que se enfrenta com as desigualdades existentes entre zonas rurai s e zonas urbanas, pelo demais expressamente diferenciadas no ordenamento descentralizado indiano. A posta em marcha da Campanha, o 17 de agosto de 1996, ocorre no nível administrativo mais baixo, o Conselho de aldeia ou Grama Panchayat, com as reuniões dos habitantes que adoptam um estilo de trabalho em pequenos grupos197. Para promover a participação de todos nos debates, incluídos os mais débeis e marginados, os trabalhos desenvolvem-se em reuniões, os Grama Sabha, de n ão mais de trinta pessoas, a partir de umas pautas preparadas à nível central e sob a orientação de especialistas-voluntários que actuam como facilitadores: o objectivo é identificar as necessidades locais tal como estão percebidas subjectivamente e redactar um relatório preliminar. A segunda fase, de carácter cognitivo objectivo, divide-se em dois momentos: o primeiro está constituído por uma análise participativa levada a cabo pelos especialistas-voluntários, dirigido a redefinir os relatórios preliminares à luz das fontes secundárias disponíveis e dos resultados das investigações no território; o segundo, que se desenvolve atravéz de Seminários nos quais participam na sua maioria delegados eleitos pelas reuniões de aldeia, mas também políticos, funcionários dos governos locais e central e especialistas-voluntários, cumpre a tarefa de discutir os relatórios, reformulados pelos especialistas-voluntários, e as propostas dos distintos grupos. Na terceira fase, uns grupos de trabalho sectoriais, correspondentes à sectores individuados pelas pautas iniciais, que são constituídos ao termo dos Seminários e estão formados por dele194Santos, 2004; Avritzer, 2002. 195Avritzer, 2002: 155. 196Isaac, 197Isaac 2000; Isaac y Heller, 2003. y Heller, 2003. 69 LA DESCENTRALIzACIÓN DEMOCRÁTICA: TRAyECTORIAS, TENSIONES, DESAfÍOS gados, presididos por um conselheiro de circunscripção e dirigidos por um funcionário do ministério de referência198, têm que formular as propostas de projetos, à luz das conclus ões estabelecidas e sobre a base de um esquema comum. A quarta fase do processo prevê a redacção de um plano anual de desenvolvimento, com base em critérios transparentes e que respondam à princípios de redistribuição estabelecidos, por sua vez, à nível central: o plano é formulado e votado pelo Conselho da aldeia, mas um conjunto de mecanismos formais e informais garante que este siga as indicações surgidas do processo participativo realizado199. Na quinta fase, os níveis intermédios de descentralização, os Bloques de aldeias e os Distritos de aldeias elaboram o seu plano a partir do momento no qual o nível de descentralização mais baixo elaborou o seu e o fazem não sem que haja tens ões, já que devem inserir-se num processo que arranca desde abaixo para cima, mas também desde cima para abaixo, como efeito das linhas guia estabelecidas pelo governo central200. Além disso, uma vez aprovado à nível de Distrito, o plano deve ser apresentado às reuni ões dos habitantes das aldeais, que receberão explicações no caso de que algum projeto apresentado por eles tenha sido recusado201. À sexta e última fase corresponde a evaluação técnica dos planos e os projetos, levada a cabo por uns Comités de planificação dos governos locais, que em cada um dos três niveis trabalham con o apoio de Comités de especialistas. A sequência das fases revela uma direcção ascendente que no entanto é acompanhada constantemente por umas "guias" descendentes, e também por interacções horizontais que se dão dentro de cada Conselho de aldeia e -de forma mais limi- tada- também entre eles; a sua principal particularidade reside no amplo espaço que outorga ao papel dos especialistas-voluntários, expressão de las asociações mais activas202. A decisão de implementar a descentralização atravéz da movilizaão social, pre- vê, por outra parte, a formação de um Comité estatal de planificação que deve desenhar e dirigir a Campanha e de um Conselho directivo de alto nível, de amplo alcance político e social, formado por representantes de todos os partidos políticos e das organizações de massas, assim como por reitores e personalidades culturais de relevo. Um programa de formação de funcionários e de voluntários acompanha o processo no seu conjunto, enquanto que a criação de um Corpo de especialistas-voluntários permite a organização de Comités de especialistas que proporcionam assistência técnica tanto à nível das aldeias como de Grupos de aldeias e de Distritos. E interessante notar que a introducção da sexta e última fase da sequência, dá-se só num segundo momento, como resposta às debilidades técnicas e administrativas locais que surgiram ao longo do processo. As dificuldades e as resistências dos funcionarios, juntamente com a falta de pre198Es importante notar que los miembros de las distintos Grupos de trabajo son, en su mayoría, exponentes de la sociedad civil. (Heller, 2007). 199Un 200 proceso análogo se desarrolla, al mismo tiempo, en las zonas urbanas. Sharma, 2003. 201Isaac 202 y Heller, 2003. Véase la Figura 1. 70 CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER POLÍTICO paração de muitos dos delegados eleitos nos Seminários e as carências dos trabalhos realizados por alguns destes, tinham posto de relevo que as dinâmicas par- ticipativas necessitavam ser fortalecidas203. Ao mesmo tempo, a experiência acumulada em campanhas precedentes de mobilização e participação social punha à disposição uma rede, ampla e difundida capilarmente, de associações e pessoas com interesses e conhecimentos específicos neste âmbito . A finais dos anos oitenta, de facto, a realização da Campanha para a alfabetização plena e de outra para o Mapeamento dos recursos populares, inspirada nos princípios do desenvolvimento sustentável204, tinha tornado possível definir e enriquecer metodologias participativas que, principalmente no primeiro caso, retomavam a experiência latino-americana, em particular a de Paulo Frei- re, o pedagogo brasileiro que foi um dos iniciadores da investigação-acção participativa. E justamente a correspondência entre um déficit local de competências administrativas e a presença difundida de conhecimento especialista, o que torna possível a formação de Comités de especialistas, externos à administração mas capazes de sostenerla e de responder às suas exigências de evaluação da coerência e sustentabilidade dos planos de desenvolvimento aprovados. Neste recorrido adquire particular relevo a acção desempenhada pelo KSSP, associação de científicos que desde a sua fundação em 1963 se empenha para aproximar a ciência ao saber popular e que representa a principal conexão entre as iniciativas de finais dos anos oitenta e a Campanha para o Nono Plano da segunda metade dos anos noventa205. Uma sociedade civil articulada, activa, rica de uma cultura participativa nascida de experiências locais difundidas, amadurecidas durante a saída do autoritarismo no Brasil, ou de dimensões amplas e vinculada com processos de mobilização dirigidos a anular a permanência de graves desigualdades sociais, em Kerala, constituí um elemento ulterior de continuidade entre ambos casos. No último, no entanto, a conexão deliberação-tomada de decisão, que corresponde às fases finais do processo, é mais estreita e ao mesmo tempo mais afastada dos actores locais, não só pelas dimensões mais amplas e mais complexas da planificação emprendida senão também pelo maior peso das "guías" transmitidas desde cima e pelo papel mais acentuado que desempenham os representantes institucionais dos governos locais e dos especialistas. A descentralização democrática diferencia-se, dentro da descentralização política, porque prevê uma mais ampla redistribuição dos poderes e uma mais decidida redefinição do âmbito da política: novos níveis institucionais e novos grupos 203 Isaac, 2000; Sharma, 2003. En los años siguientes, la introducción de otras modificaciones alimentaría un proceso que apunta a convertir los errores y las debilidades en oportunidades de aprendizaje. 204Véase 205 la Figura 2. "El papel del KSSP, como asociación de masa, ha sido particularmente crucial. Aunque se trata de una asociación autónoma, la mayor parte de sus miembros pertenece a la comunidad de profesores y ha compartido durante largo tiempo las políticas de movilización de masa y de empoderamiento democrático del ala movimientista del CPM. En contraste con el anti-estatismo difundido entre muchas ONG, el KSSP ha estado dispuesto a trabajar con el Estado en iniciativas particulares, especialmente en la Campaña de alfabetización masiva que ha tenido mucho éxito en 1991". (Heller, 2001: 154). Véase también Heller e Isaac, 2003. 71 LA DESCENTRALIzACIÓN DEMOCRÁTICA: TRAyECTORIAS, TENSIONES, DESAfÍOS sociais acedem à decisões relativas à temas de relevância colectiva que, pela sua parte, se ampliam e se enriquecem. O empoderamento e uma cultura política não elitista e cir- cunscrita constituem para ele dimensões fundamentais. Para analizar a sua presença, nas experiências de Porto Alegre e de Kerala, tomaremos como coordenadas de referência as duas dimensões constitutivas do principio de subsidiariedade, a horizontal e a vertical; isto é, que nos perguntaremos acerca dos cambios acontecidos nas relações entre o governo local e os actores sociais assim como entre o governo local, nos seus distintos niveis, e o governo central206. Vamos nos concentrar os primeiros com referência à tipología dos actores involucrados, as formas e as características da participação, a cultura política de referência. Nos dois casos que examinamos, os protagonistas são actores políticos e sociais numerosos e diversos: governos de níveis diferentes, partidos, associa ções e movimentos interactuam activamente, com funções e modalidades distintas, numa coexistência inestável e tensa entre acção estratégica e acção dirigida ao consenso, e ao mesmo tempo se empenham na defesa das suas respectivas especificidades e autonomias. Movimentos e instituições não chegam à uma assimilação nuns e noutras, senão que tendem a interactuar no marco de um projeto de descentralização partilhado. O partido ou a coalição de partidos vencedora na competição eleitoral, por sua parte, mantem fortes vínculos com os actores sociais e se torna um importante enlace entre instituições e movimentos207. Uma parte da literatura sobre este tema, contrapõe estas experiências participativas a descentralização realizada na África do Sul que se manifiesta circunscrita, pelo contrário, a uma visão principalmente tecnocrática do cambio social208. O país africano apresenta condições gerais análogas, por muitos aspectos, às de outros dois contextos209: uma transição particularmente inclusiva e acompanhada por prácticas de negociação a nível tanto nacional como local; um marco constitucional favorável à descentralização e ao papel de redistribuição dos governos locais; um forte movimento social, alimentado por uma rede difundida de associações comunitárias conectadas às asociações obreiras, con um papel importante no processo de democratização; um partido como o ANC, com um poder político absolutamente maioritário. Neste caso, no entanto, o projeto político de uma descentralização que apoia a reforma agrária e os planos de desenvolvimento local mostra o predomínio de uma visão tecnocrática, que tende a despolitizar os conflictos, a negar os possíveis aportes dos movimentos, e a outorgar centralidade às instituições e às capacida206 También Patrick Heller habla de una dimensión horizontal y de una vertical de la descentralización democrática, pero utiliza a ambas para el análisis de los cambios internos a un mismo nivel de descentralización, acabando por reasimilar, en nuestra opinión, la segunda dentro de la primera. Véase Heller, 2001. subraya que la experiencia del presupuesto participativo ha sido posible "gracias a un pacto político no escrito entre el gobierno y las asociaciones de la comunidad". (Utzig, 2000: 12). 207Utzig 208 Véase en particular, Heller, 2001 y Santos, 2004. 209 En el marco internacional, los tres países muestran además una creciente influencia y un papel regional importante. En septiembre de 2003, han creado un foro común de diálogo, IBSA -India, Brasil, Sudáfrica, que constituye una manifestación importante de la tendencia actual a establecer sobre nuevas bases las relaciones Sur-Sur. John, 2007a y 2007b. 72 CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER POLÍTICO des do conhecimento especialista para desenhá-las210. Diversamente de isto, o vínculo entre instituições e movimentos, que não implica a incorporação destes senão más bien a preservação da sua autonomia, caracteriza as experiências de Porto Alegre e Kerala, pondo de relevo que é justamente a sua recíproca valorização e, ao mesmo tempo, limitação, o que está na base do resultado positivo de ambos processos. As prácticas que distinguem estas duas últimas experiências articulam de maneira inédita, como já observamos, formas diversas do exercicio democrático. Democracia directa e democracia representativa não se contrapõem senão que encontram uma possibilidade de continuidade, na coexistência e na interacção que se tornam possiveis, empíricamente, devido aos espacios e aos lugares desenhados para isso, como o Conselho do orçamento participativo em Porto Alegre e os Seminários na planificação democrática de Kerala e, teoricamente, devido às visões propostas pela democracia participativa e a deliberativa211. A introducção de critérios de redistribuição externos põe "limites" às possíveis tendências localistas da participação directa e favorece a preeminência nela da "dimensão pública", com uma importência que tem sido sublinhada em várias ocasiões por Avritzer. Também a relação entre saberes distintos, que sustenta o processo no seu conjunto, constituí um aspecto inédito pela forma em que é declinado. As teses que contrapõem complexidade e democracia, para as quais o aumento da primeira corresponde inevitávelmente uma reducç ão da segunda, o que é um dos pontos centrais das teorias elitistas da democracia, as novas prácticas cooperativas sustituem a busca da interacção entre conhecimento técnico e conhecimento comum, que é a única capaz de abrir novos espaços de participaç ão. Em Kerala, muito mais que em Porto Alegre, o especialista é o activador e o facilitador do processo no seu conjunto, o mediador entre movimentos e instituições. A referência aos objectivos políticos e às metodologias da investigação- acção participativa é directa. Desenvolvida a partir de distintas experiências em Asia, América Latina e África, esta ve no empoderamento, concebido como organização autónoma e tomada de consciência dos grupos populares, uma dimensão essencial do processo de cambio. Recusando os esquemas organizativos clássicos dos partidos de inspiração marxista, ela reconhece como protagonistas desse proceso os grupos populares "oprimidos", saidos do seu estado de minoridade devido à tomada de consciência e à acção colectiva. Para este fim, considera decisiva a sua interacção com os científicos sociais, empenhados no questionamento do seu papel tradicional, participantes e ao mesmo tempo aprendizes do processo no seu conjunto. Fals Borda, um dos principaies expoentes da investigação-acção participativa, junto com Muhammad Anisar 210No entramos en el análisis de las razones que motivan la elección de este camino. Aunque compartimos mucho del análisis propuesto por Heller, preferimos no abarcar el tema en este momento. 211Habermas subraya como la deliberación no sea alternativa a los procedimientos de decisión y de representación política. Sin embargo, la primera redefine, como ya hemos visto, el carácter de la legitimación democráti- ca, desplazándola desde las estructuras del Estado para as "pretensiones procedimentales que gravan sobre los procesos de la comunicación y de la decisión" (cursiva en el texto). (Habermas, 1999: 99). 73 LA DESCENTRALIzACIÓN DEMOCRÁTICA: TRAyECTORIAS, TENSIONES, DESAfÍOS Rahman, menciona uma busca que aponta a constituir uma "ciência revolucionária, em sentido kuhniano", isto é uma ruptura e não um desenvolvimento acumulativo do conhecimento precedente, à qual no entanto faltam os elementos de tensão e contradicção que são implícitos na participação, assim como no processo de cambio em geral212. Participação, relação sinérgica entre conhecimento popular e conhecimento académico, organização para a acção, empoderamento, constituem para a investigação-acção dimensões estreitamente vinculadas e reciprocamente indispensáveis. No entanto, ainda que Freire e Fals Borda aprofundam no exame das relações entre conhecimentos e transformação, falta na sua reflexão a conexão à componente institucional, que, não obstante é crucial nas novas experiências. Por sua parte, a relação movimentos-instituições se revela central para ambas experiências, também como garantía de transparência e de desempenho democrático, eficiente e eficaz. A contraposição com respeito às tradicionais prácticas clientelistas, que se expressou durante longo tempo na exigência persistente por parte do movimiento popular por "abrir a caixa negra" do orçamento 213, fundamenta em Porto Alegre a busca de formas de controlo cidadão sobre a acção da administração comunal dirigida a impelementar as decisões tomadas. O conjunto do proceso do orçamento participativo representa assim uma experiência de aprendizagem e de formação de capacidades que não constituí no entanto a proposta de uma "forma alternativa de administração214" senão más bien uma redefinição e uma transformação da mesma atravéz da incorporação de actores sociais, associações de vizinhos e cidadãos particulares, num processo deliberativo e de negociação. Uma cultura política inovadora e não dominada pela lógica da contraposição amigo-inimigo, por una visão instrumental do Estado nem por uma concepção dos movimentos sociais como protagonistas auto-suficientes do cambio, mostra ser o horizonte indispensável de referência para a incorporação das novas prácticas participativas na esfera pública e nas decisões políticas. No caso de Kerala, no entanto, os espaços par- ticipativos abertos pela descentralização parecem mais próximos à "espaços oferecidos", aos quais as pessoas são convidadas a participar, mais que a "espaços reivindicados ou criados", como no caso de Porto Alegre. Não obstante, o tránsito de um a outros não é impossível, e a presença do KSSP e das franxas associativas mais activas põe as premissas desse passo, ainda que o proceso não seja automático nem seguro e precisa principalmente, ser continuado no tempo. A dimensão vertical dos dois casos de descentralização analizados, isto é aquela relativa às relações entre governo central e governos locais, é uma das menos exploradas, examinada às vezes só em referência à decisão política do 212"…la participación no es un proceso de 'desarrollo' fluido, fácil o indoloro…La gente no siempre es víctima pasiva. A veces contribuye activamente, creando condiciones favorables para que se realicen el dominio y la opresión. De ahí que según nosotros, la participación se ha tornado en un proceso en el cual ponemos en tela de juicio toda nuestra existencia y los elementos que la componen". (Fals Borda, 1991: 11-112). 213Utzig, 2000. 214Avritzer, 74 2002: 52. CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER POLÍTICO Estado Federal de dar início ao processo. Também no caso de Kerala, donde efectivamente se colocou em marcha um processo amplo de transferência de recursos e de funções aos níveis descentralizados de governo, deverá ser estudada no tempo a consolidação das dinâmicas empreendidas 215; principalmente, em ambos casos, terá que examinar as características e os límites do impacto exercitado sobre as políticas nacionais assim como terá que esclarecer as maneiras e as formas com as quais desde o governo central ou local, segundo os casos, se estabelecem aqueles critérios de redistribuição e aquelas línhas guía que, como temos visto, acompanham ambos processos. A legitimidade reivindicada por estes critérios não puede fundamentar-se numa leitura técnica da realidade social levada a cabo pelo governo de turno; apresentando uma clara di- mensão de eleicão política, não pode não ser objecto de deliberação por parte de uma esfera pública forte e articulada. Finalmente, relativamente à análise da dimensão transnacional, esta se mostra ainda mais débil, a nivel tanto de investigação empírica como de reflexão teórica. Trata-se de uma carência de relevo, já que assinala uma área de investigação que cabe desenvolver para não reduzir as experiências de governo local a laboratórios importantes, mas circunscritos, e vê-las –pelo contrário- como nós de redes que têm uma espessura nacional e global. Esta afirmação pode parecer infundada, principalmente em casos como o do orçamento participativo, que é conhecido e presente, como temos visto, em dis- tintos continentes. A questão à qual nos referimos é outra e se coloca à outro nivel. A difusão de prácticas participativas determinadas é sem dúvida importante; no entanto, se esta não implica também a instauração de vínculos translocais capazes de mudar qualitativamente as realidades que põe em relação, o seu impacto será circunscrito . Da mesma forma, a incorporação da experiencia de Porto Alegre no horizonte de referencia do Foro Social Mundial representa uma transposição significativa a nivel global das suas instâncias de participação e de equidade social. A passagem de local ao glo- bal exige, no entanto, sob pena de limitar-se exclusivamente à sua dimensão militante, o empenho para individuar formas específicas aptas para tornar possível que as novas prácticas funcionem à um nivel distinto. Até agora, as novas experiências não têm conseguido fazer da glocalidad, distintiva do tempo presente, um eixo de força das suas prácticas ainda demasiado encapsuladas em contextos locais ou projetadas, sem mediações e reelaborações adequadas, no plano global, revelando-se como ilhas, às vezes arquipélagos, mas mais difícilmente nós de redes transnacionais de peso relevante. A limitada atenção que se colocou nessa dimensão, assim como naquela das relações entre governo local e governo central, mostra-se assim, en muitos aspectos, como un reflexo dos límites actuais das dinâmicas participativas mesmas, quase a corroboração de que a coruja de Minerva consiga levantar vôo só ao atardecer. Em resumo, as experiências de Porto Alegre e Kerala, revelam ser processos complexos, inovadores e importantes. Articulando formas distintas de participação, cru215En el caso de Porto Alegre, la dimensión vertical de la descentralización no parece poner en marcha formas importantes de redefinición de las relaciones existentes entre el Ayuntamiento y los niveles superiores de gobierno. 75 LA DESCENTRALIzACIÓN DEMOCRÁTICA: TRAyECTORIAS, TENSIONES, DESAfÍOS zando dimensões temáticas e territoriais, presença individual e sobre base associativa, abarcando conteúdos específicos e de peso, elas oferecem respostas novas aos temas da inclusão social e a equidade, e também referências importantes para os estudos sobre a questão democrática; mostram, por outra parte, uma certa fragilidade e criticidad na sua capacidade de outorgar uma dimensão de glocalidade às suas prácticas e de produzir cambios à nivel nacional e global. Constituem claramente, por muitas razões e por muitos aspectos, processos inconcluídos na práctica e na reflexão teórica, experimentos cujos desenvolvimentos ficam abertos, ainda por construir. A cooperação ao desenvolvimento e a descentralização: uma relação multilateral A cooperação internacional para o desenvolvimento representa o "convidado de pedra" de muitos dos processos de descentralização das últimas décadas. A sua influência nas formas e nas pautas que estes têm assumido é muito forte. Os progra- mas de ajuste estrutural, impostos pelo Fondo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial e inspirados numa leitura neo-liberal do problema da dívida e dos mecanismos de crescimento, têm promovido fenómenos difundidos de privatizaç ão e desconcentração em África, América Latina, Asia, Europa Central e Oriental. A descentralização política e, em particular, a descentralização democrática manifiestam-se, pelo contrário, muito menos fortes. A relação problemática entre a cooperação ao desenvolvimento e os processos de descentralização é parte, em efeito, das dificuldades mais gerais que a primeira enfrenta à hora de apoiar as exigências de cambio que se expressam desde o Sul. A crise que afecta à cooperação internacional nos noventa é um produc- to e, ao mesmo tempo, um sinal destes limites. As respostas elaboradas, a reorientação amadurecida no marco das conferências das Nações Unidas e que se tem expressado, em 2000, na individuação dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, e logo, em 2005, na Declaração de Paris, ainda que representem sem dúvida uma mudança, seguem manifestando debilidades importantes . Os ODM, aprovados pela Assambleia Geral das Nações Unidas, definem a agenda para o desenvolvimento dos primeiros 15 anos do novo século, proporcionando às políticas da comunidade internacional uos objectivos precisos e uns indicadores partilhdos para medir os progressos alcançados216. A Declaração de Paris, aprovada no marco da OCDE, colocando-se no marco traçado 216Los objetivos son ocho y, en plazos de tiempo determinado, comprometen a: 1. eliminar la pobreza extrema y el hambre; 2. alcanzar la instrucción primaria universal; 3. promover la igualdad de género y conferir poder y responsabilidades a las mujeres; 4. disminuir la mortalidad infantil; 5. mejorar la salud materna; 6. luchar contra el VIH/SIDA, la malaria y otras enfermedades; 7. asegurar la sostenibilidad ambiental; 8. implementar un partenariado global para el desarrollo. Este último objetivo, que se refiere más directamente a la cooperación internacional, utilizando como indicador del avance de los procesos a la relación existente entre la ayuda al desarrollo y las políticas relativas al comer- cio internacional, a la deuda externa y a la transferencia de tecnología, manifiesta la conciencia adquirida, por parte de la comunidad internacional, de los vínculos que unen la cooperación con las demás componentes de la política internacional de los Estados. (United Nations, 2000 y 2001). 76 CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER POLÍTICO pelos ODM, outorga prioridade ao tema da eficácia da ajuda. Apropiação, alineação, armonização, gestão segundo os resultados e responsabilidade recíproca, consti- tuem os principios segundo os quais os países sócios, devem definir a sua actuaç ão. A Declaração identifica também tarefas e indicadores que permitem a medição nacional e o monitoramento internacional dos processos realizados217. Pelo tanto contribuí a delinear um horizonte político amplamente partilhado, cuja tradução em estratégias e acções concretas se mostra, no entanto, mais complicada e difícil do que aparece nos documentos das organizações internacionais e dos governos nacionais. A busca de novas formas de coordinação temáticas218 e territoriais, auspiciadas pela UE e a ONU219, revela-se muito débil num contexto no qual a ajuda humanitária adquire uma presença e umas características novas e no qual se faz cada vez mais estreita a relação entre as acções do desenvolvimento e as políticas comerciais, de inversão, de migração, ambientais, de estabilização e pacificação, de cada país. O mesmo partenariado, fundamento basilar das novas relações entre Norte e Sul, é uma construcção complexa que muitas vezes tende a operar como uma das muitas "palavras de moda" que escurecem o horizonte actual da cooperação ao desenvolvimento. O novo partenariado, assim como o define a OCDE/CAD em 1996, exige de facto uma clara dimensão procedimental, um deslocamento progressivo dos poderes de gestão e das responsabilidadepara os actores locais e um retrocesso igualmente progressivo dos sócios externos para funçoes de apoio às estratégias decididas e impele- mentadas localmente. Exige também a abertura à uma multiplicidade de actores, e já não limitar-se exclusivamente ao único interlocutor representado pelos governos centrais220. Isso comporta, principalmente, a negociação dos objectivos em lugar da suposição prévia de que estes sejam partilhdos221, assim como a delimitação clara das funçoes e as responsabilidades, de forma diferente a como se tem actuado até agora. os cambios realizados revelam, por outro lado, importantes continuidades com o passado não só no relativo às dificuldades de implementação de políticas e prácticas coerentes com os compromissos assumidos nas declarações senao, também, a outro nivel, pelo horizonte neo-liberal no qual seguem estando insertos e pela visão instrumental da ajuda que, independientemente de como se expresse, segue muitas vezes alterando de maneira oculta as suas finalidades. Os processos de descentralização, tema central deste trabalho, constituem um cenário no qual estes problemas adquirem particular visibilidade. 217OCDE-CAD, 2005. 218El recurso a fondos especiales caracteriza los años dos mil. A este respecto, véase Rhi Sausi, 2002. Entre los fondos se distinguen los fiduciarios, cuya estructura ofrece a los donantes diferentes formas de aportar, permitién- doles elegir si quieren dirigir o no sus contribuciones para proyectos específicos y, en el caso de que sea así, poder participar en la dirección y la gestión de los mismos. (Ianni, 1999; Carrino, 2005). 219Commission of the European Communities, 2007; United Nations, 2006; DIE, 2007. 220 "En el pasado, los esfuerzos de la ayuda implicaban casi siempre una colaboración con autoridades centrales. Hoy trabajamos con socios cada vez más numerosos para satisfacer las exigencias de mayor eficiencia. Estamos ante la presencia de sistemas políticos más pluralistas y descentralizados, y ya no es necesario demostrar la im- portancia de un sector privado dinámico, de una población local involucrada y de la participación de la sociedad civil". OCDE/CAD, 1996: 13. 221Milly, 2001. 77 LA DESCENTRALIzACIÓN DEMOCRÁTICA: TRAyECTORIAS, TENSIONES, DESAfÍOS As privatizações, as desconcentrações e, na última década, inclusive as iniciativas de descentralização política, são apoiadas simultâneamente e de maneira desordenada e incoerente. Intervenções múltiples e diversas sustentam, com modalidades muitas vezes paralelas, a programas sectoriais desconcentrados, a ONG e actores sociais e económicos e, ainda que em menor medida, aos governos locais. Os efeitos principais destas ac ções, ainda que com as diferenças detectáveis nos dis- tintos contextos e tempos, produzem una proliferação de actores locais -agencias, comités, instituições descentradas, ONG, asocia ções - que terminam deixando debilitada e com legitimidade reduzida à descentraliza ção política, pondo em perigo, nalguns casos, as tentativas de reforçar a sua componente democrática222. O território enche-se de actores mas, ao mesmo tempo, atomiza-se e fragmenta-se; de aí derivam os processos de freio ao crescimento da esfera pública e, segundo cada contexto, a falta de fortalecimento ou o restreñimiento da cidadania. O "pluralismo sem representação", como o define Jesse Ribot, hoje como no passado, constituí um instrumento não da democracia senão da conservação do poder das elites. A partir dos anos oitenta, que significativamente foram denominados a década das ONG, os doadores internacionais e nacionais privilegiam-nas como canal da ajuda, já que as consideram mais próximas às pessoas, maiormente dotadas de raízes locais, menos corruptas e mais eficientes relativamente às estructuras governamentais. Esta eleição não muda quando adquire relevância o reconhecimento da importância, para o marco democrático, da presença de uma sociedade civil activa e articulada, mudando só o tipo de capacidades das ONG ao que se atribuí mais valor223. Os efeitos que derivam desta situação notam-se em distintos contextos: os governos, centrais e locais, têm dificuldades para responder às necessidades sociales, enquanto que adquire importância a mistura de ONG internacionais e locais que chegam a manipular, nalguns casos em forma maioritária, sectores importantes como a educação e a saúde, sem contar com uma coordinação adequada com as políticas governamentais e inclusive com evidentes paralelismos e falta de transparência e sustentabilidade, fortalecendo assim as tendencias centrífugas que socavam aos Estados que já estão ao borde do "fracasso"224. Não vamos entrar aquí no tema delicado e complexo das respostas oferecidas pela cooperação ao desenvolvimento perante à exigência de uma reorientação profunda dos seus enfoques e das suas políticas, estratégias, procedimentos, formas de acção. Torna-se cada vez mais difícil pensar nela com os mesmos termos que se utilizavam no 222 Crook y Manor, 2000; Manor, 2002; Ribot, 2002. 223 En el caso del Perú, por ejemplo, en el 2008 los donantes siguen canalizando a través de las ONG la mayor parte de la ayuda. En Bolivia, EEUU y España privilegian esta misma opción. 224Clayton, 1998. Son paradigmáticos a este respecto los casos de Haití y de Guinea Ecuatorial. Estas observaciones no apuntan a negar el papel das ONG sino que se inscriben más bien en una corriente amplia de estudios que desde finales de los años noventa subraya la necesidad de una revisión profunda de sus estrategias y mo- dalidades de acción. Entre otros, Fowler, 2000, 2000b, 2005; Edwards, 1999; Edwards, Hulme, Wallace, 1999; Van Rooy, 2000. 78 CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER POLÍTICO passado, ainda no passado próximo, enquanto que aumenta a consciência da necessidade de transforma ções mais radicales relativamente às que se têm posto em marcha na última década. Queremos, no entanto, sublinhar que alguns dos problemas mais persistentes se referem a aspectos constitutivos da propia natureza da coopera ção ao desenvolvimento, quando esta é entendida como uma relação vectorial entre Norte e Sul, como o "subtil paradoxo" que está no centro de qualquer acção que aponta a "ajudar e a auto-ajudarse", de qualquer "autonomia assistida"225, ou como os límites intrínsecos à coordinação entre actores que defendem interesses económicos ou estrategias políticas que competem entre sí226. Ainda assim queremos remarcar que os com- ponentes governamental e não governamental já não incluem a todo o universo da cooperação ao desenvolvimento: ao longo dos anos noventa tem surgido un novo âmbito menos conhecido, o da cooperação descentralizada227, que apresenta características inéditas e continuidades importantes relativamente aos processos de descentralização democrática, justamente na medida em que se afasta da maneira tradicional de intervenção. Por isso há que integrar o que se têm dito até agora com uma análise mais atenta das transforma ções ocorridas, nas últimas décadas, nos cenários nacionais e internacionais. Sob a influência da globalização, modifica-se também o canal de acesso do território ao mercado internacional. Uma nova conexão local-global alimenta formas de internacionalização muito diferentes relativamente as do passado, outorgando um novo papel às sociedades locais na construcção dos sistemas productivos. Se antes o desenvolvimento local "avanzçava principalmente na base das contiguidades espaciais nas que dos factores territoriaiss surgíam iniciativas económicas por proximidade física, isto é, por partilhar os recursos localizados num mesmo território: culturas productivas, sistemas familiares e de vizinhança, modelos empresariais, etc"228, as transformações actuais produzem mudanças estructurais que tornam obsoletas as antigas relações Estado-céntricas entre o local e o global. Já desde os anos oitenta, a capacidade do local por competir reside cada vez mais na capacidade já não da empresa em sí mesma ou dos grupos empresariais senão dos sistemas locais, reticulares e não hierárquicos, por organizar e valorizar229, "por ter unidas" as oportunidades económicas, os recursos físicos, o capital humano e social de um território determinado, com o objectivo de obter vantagens no marco deos processos de reor225 La expresión es de Uphoff Esman y Krishna, citados por Ellerman, que considera que esta contradicción constituye el enigma fundamental del desarrollo. (Ellerman 2001). 226 A este propósito, es significativo que las medidas individuadas por la Comisión Europea para hacer operativa la Declaración de Paris, asumen la forma de un código de conducta, lo cual señala las dificultades para llegar, incluso en el marco de lo que puede ser considerado el proceso más importante y avanzado de regionalización, a una división del trabajo que sea compartida. (Schulz, 2007; Meyer y Schulz, 2007). 227Utilizamos esta palabra en vez que hablar de cooperación municipalista o cooperación de las autonomías locales porque queremos poner de relieve la tendencia más innovadora de la nueva modalidad de cooperación, la multi-actorialidad y la lógica cooperativa entre actores privados y públicos, que en el fondo es justamente lo que marca su peculiaridad. 228 Giangrande y Ayuso en Ianni, 2004b. 229 Dematteis, 1995. 79 LA DESCENTRALIzACIÓN DEMOCRÁTICA: TRAyECTORIAS, TENSIONES, DESAfÍOS ganização económica que se desenvolve a nivel global. A velha relação que põe ao governo central como intermediário obrigado entre os governos locais e o mercado internacional está sustituida assim por uma relação mais complexa n a que estes operam no marco definido pelas políticas centrais e, ao mesmo tempo, envolve-se na busca de vínculos directos e de influência sobre os nascentes regimes econó- micos transnacionais, sob uma lógica "multi-estrato", definida também por alguns analistas como um "jogo à dois niveis"230. A sua atenção vai dirigida cada vez mais à valorização daquelas características do territorio que podem assegurar compe- titividade nos mercados internacionais, características que já não são consideradas como algo pre-existente senão como instâncias que é importante desenvolver231. Visto que a capacidade social de produzir desenvolvimento está condicionada, cada vez mais, pela presença que o local logra conquistar à nível nacional e transnacional, os governos locales, y en primer lugar los subnacionales, tienden de modo creciente a assumir um papel "proactivo", de valorização do território no âmbito internacional, em sectores chave como as políticas de saúde, as políticas sociais, ambientais, migratórias e, também, inclusive às vezes de maneira acentuada, na cooperação ao desenvolvimento. Por outro lado, nas relações internacionais, os governos locais nunca são tão só "iniciadores" de actividades senão que também são "canais" e muitas vezes "objecto" de políticas e acções de outros actores232. Na segunda metade dos anos noventa, o cruce entre a crise das políticas de cooperação ao desenvolvimento e as transformações que voltam a delinear as relações internacionais e o perfil e papel dos Estados-nação, abrem novos espaços também para o surgimento de fenómenos novos de solidariedade internacional. Emergem um interesse e uma disponibilidade inéditos ao diálogo entre diferentes tipologías asso- ciativas, propensas a superar os velhos paralelismos e as compartimentações arraigadas. As ONG tendem a deslocar algumas das suas actividades ao Norte233 enquanto que o associacionismo activo no território nacional canaliza, cada vez mais , parte da sua solidariedade no âmbito internacional. Arranca assim um interessante fenômeno de interacção entre associações que nas décadas anteriores ficavam separadas pela diferenciação nacional/internacional, interno/externo. Novas formas de mobilização perante a emergencia política, social e natural, mas também a "longo prazo", 230 Hocking, 1999. ha dado "una transformación en la noción de territorio que de ser un medio de recursos pasivos y estáticos pasa a ser un territorio que crea recursos estratégicos y específicos". Bellini, 1998. 231Se 232 Brian Hocking detecta tres roles posibles que un gobierno no-central puede asumir en sus actividades internacionales: a) iniciador: cuando persigue objetivos de política local/regional fuera del marco nacional; b) canal: cuando es el actor a través del cual otros, en particular las ONG, articulan y canalizan sus propios intereses y objetivos; c) target: cuando es él mismo el objetivo de las actividades internacionales, visto que sus políticas influyen sobre los intereses e iniciativas de otros actores internacionales. La expresión "gobiernos no centrales" ha sido introducida por Hocking porque es más específica de aquella de "actores subnacionales" e incluye ca- racterísticas como las de entidades como Quebec o Cataluña. (Hocking, 1999). 233 En los años 2000, por ejemplo, Médicos sin Fronteras, una de las seis principales ONG internacionales, comienza por primera vez en su historia, a desarrollar actividades también en los países del Norte del mundo. Se trata, sin embargo, de una transformación complicada y difícil. 80 CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER POLÍTICO um esforço crescente as nactividades dirigidas a influiar as políticas vinculadas com os problemas estructurais do desenvolvimento, iniciativas de grupos que às vezes são extremamente fluidos, de associações profissionais ou empresariais, de ONG con maior ou menor nivel de formalidade, configuram laços móveis entre sociedades do Norte e do Sul do mundo, cuja consistência é difícil quantificar mas cujas potencialidades aparecem notáveis desde um principio. Estas novas sensibilidades e modalidades de acção da sociedade civil vão acompanhadas e interactuam com aquelas igualmente novas, pela sua intensidade e pelas suas formas, dos governos locais que já mencionamos. O conflicto que acompanha a dissolução da ex Jugoslavia constitui um dos primeiros cenários donde os governos locais e o associacionismo internacional e nacional buscam novas formas de apoiar a pacificação, à reconstrucção e a democracia, numa colaboração e sinergia recíprocas. Exemplar é o caso da Bósnia-Herzegovina, no qual muitas cidades de países eu- ropeus e não só europeus -em particular Italia, Dinamarca, Holanda, Suécia, Espanha, Inglaterra, Alemanha e Turquía- estabelecem relações de geminação com municipios bosnios234. Por outra parte, são os mesmos processos de redefinição das relações entre Estado e sociedade os que dão forma e espessura tanto ao crescimento da sociedade civil como às tendências à descentralização crescente difundidas nos distintos continentes. A cooperação descentralizada, que se inicia na segunda metade da última década, constituí o cenário privilegiado no qual se expressa a nova multi-actorialidad.No entanto,a sua potencialidade mais relevante reside não tanto na multiplicidade e a heterogeneidade dos actores involucrados senão nas relações que se estabelecem entre eles. A sua lógica de acção tende a localizar-se além das contradicções binárias: governamental/não governamental, já que o diálogo e a concertação público-privado constituem um dos seus principais eixo estratégicos; horizontal/vertical, já que as relações entre actores de um mesmo nivel administrativo entrelaçam-se com rela ções entre actores de distintos niveis; local/nacional, já que o arraigo no territário não é auto referente senão que busca conectar-se com as políticas nacionais e internacionais. Por outro lado, quando os seus actores tendem a reproduzir a lógica da cooperação governamental ou da não governamental, a sua identidade confunde-se e desaparece o salto qualitativo que a descentralizada representa para a cooperação ao desenvolvimento. A mesma possibilidade de construir um partenariado entre Norte e Sul baseado na superação progressiva das assimetrías presentes na relação entre doador e beneficiario, está directamente vinculada com a capacidade de incorporar nela uma pluri - actorialidad, organizada ao redor do eixo publico-privado e unida num "pacto pelo desenvolvimento": já não um partenariado entre os Estados ou entre as ONG, actores que de todos modos são homólogos, senão entre actores heterogéneos que, nas modalidades mais complexas, adquirem o perfil de comunidades locais organizadas do Norte e do Sul. Neste caso, a expressão "comunidades locais" indica, diversamente do 234Ianni, 1999. 81 LA DESCENTRALIzACIÓN DEMOCRÁTICA: TRAyECTORIAS, TENSIONES, DESAfÍOS que ocorre nos enfoques comunitários predominantes na literatura Anglo-saxão,"populações que vivem em territórios correspondentes às subdivisões político- administrativas dos Estados", e estão caracterizadas pelo "vínculo orgânico entre um território, uma população e uma administração pública que as representa"235. Admi- nistradores locais e funcionários, profissionais dos serviços sociais, operadores de associações profissionais e do voluntariado, ONG, académicos, empresários sociais do Norte e do Sul, especialistas, mas também Estados e organizações internacionais, cada um com as suas responsabilidades específicas em temas de interesse comum, interactúam em programas de cooperação descentralizada e na definição de políticas e estratégias que tendem a ser multi-nivel, locais mas também nacionais e globais. Até agora a cooperação internacional tinha expressado só parcialmente este pluralismo, encauzándolo pelo demais em caminhos paralelos, ou inclusive contrapostos. Pelo con- trário, a cooperação descentralizada busca, atravéz de um enfoque progressivo e incre- mental, a convergência e a complementariedade dos interesses e das vocações que definem um território e que, ao mesmo tempo, aproximam territorios que partilham problemas parecidos e uma mesma visão do desenvolvimento, contribuindo a consolidar aquelas "cercanías lejanas" das que fala a literatura sobre a globalização. Desta maneira, pretende constituir a posta em práctica de um partenariado não assimétrico senão que desenvolve e fortalece capacidades, e que não se dá entre actores isolados senão entre territórios entendidos como espaços relacionais de conflicto mas também de possível negociação e acção comum. A cooperação descentralizada, como as experiências de descentralização participativa que temos considerado, nasce no espaço onde se encontram novas formas de acção que procedem desde baixo e uma disponibilidade que se expressa desde cima, desde os governos nacionais e desde as organiza ções internacionais, para individuar novos marcos de referencia e novas estrategias de intervenção. Por conseguinte intercepta as grandes questões que tomam centralidade devido à globaliza ção: a redefinição do local e a importância de novas formas de democracia, a relevancia da rela ção publico-privada e da trama local-nacional-global, a exigência de transformar o conceito de cambio levándo-o atè à ideia do co -desenvolvimento, que é a única capaz de fundamentar o reconhecimento da diversidade dos caminhos ao desenvolvimento e a questão da sua relação. O apoio que ela oferece à descentralização político- administrativa, à participação democrática, ao papel activo das comunidades locais, à reorganização dos sistemas sanitários e educativos, à um desenvolvimento económico difundido, a processos territoriais de longa duração, a uma política cultural baseada na valorização do património histórico, às políticas de género, aponta ao fortalecimento de um âmbito local que é pensado na sua dimensão glocal, isto é nas relações que os unem com outros locais e, juntos, com o nivel nacional e global. 235 Carrino, 2005: 212. 82 CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER POLÍTICO A lógica que diferencia a cooperação descentralizada, multi-actorial, multinivel, tende a valorizar as especificidades e também as relações, encontra expressões múltiples e diferentes que refletem a riqueza e a variedade dos contextos e os recorridos históricos. Significativas desta flexibilidade são, por exemplo, as diferenças que existem entre elas definições de cooperação descentralizada adoptadas pelo Ministério italiano de Assuntos Exteriores, pela União Europeia e por importantes agências das Nações Unidas como o PNUD e o UNOPS. As três defini ções incor- poram o núcleo identitário da cooperação descentralizada, constituido pela multi- actorialidad, e a relação entre governo local e actores sociais que constituí o seu nó central, oferecendo cada uma delas uma interpretação mais ou menos diferente236. A mais genérica ao respeito é aquela proposta pela União Europeia que, pelo mesmo, é também aquela que deixa mais indefinidos os límites entre cooperação descentralizada e cooperação não governamental. A política comunitária é no entanto mais ampla e articulada; basta com referir-se às iniciativas de cooperação descentralizada "triangular" de principios dos anos noventa na Europa Central e Oriental237 e hoje evolucionadas até superar, nas políticas de vizinhaça dos anos dois mil, a separação tradicional entre desenvolvimento e cooperação ao desenvolvimento. A nova estratégia, cujo desenho encontra-se em Wider Europe - Neighbourhood: A New Framework for Relations with our Eastern and Southern Neighbours, a Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento do ano 2003238, cumpre em efeito a passagem definitiva nessa direcção, criando por primeira vez um instrumento único de programação e intervenção entre áreas transversais às fronteiras que separam a UE dos países terceiros . Marca com isso não só o reconhecimento da importância da interacção entre iniciativas de desenvolvimento e iniciativas de cooperação ao desenvolvimento, senão também dos límites que debilitam a lógica unidireccional dos cambios sociais239. Por outra parte é impor236 "La acción de cooperación al desarrollo realizada por las autonomías locales italianas, individualmente o en consorcio entre ellas, también con la participación de las expresiones de la sociedad civil organizada del te- rritorio de su competencia administrativa, llevada a cabo principalmente a través de relaciones de partenariado con instituciones homólogas de los PED favoreciendo la participación activa de las distintas componentes re- presentativas de la sociedad civil de los países socios en el proceso decisional dirigido al desarrollo sustentável de su territorio." (MAE-DGCS,2000). "La cooperación descentralizada es sobre todo una manera diferente de hacer cooperación, dirigida a poner a los actores (en toda su heterogeneidad) en el centro del proceso de cooperación, involucrándolos durante todo el ciclo de la intervención y precisando los papeles y las responsabilidades de cada uno, conforme al principio de subsidiariedad." (European Union, 2000). "La cooperación descentralizada es el enlace entre comunidades locales organizadas de los países en desarrollo o en transición y de los países industrializados, en el ámbito de acuerdos de cooperación bilateral o multilateral (programas-marco). Cuando tiene el objetivo de promover el desarrollo local integrado y la implementación de los principios y los métodos de la Carta de Copenhague, se la llama 'cooperación descentralizada para el desa- rrollo humano'." (Cooperación italiana/PNUD/UNOPS,1999). programas PHARE y TACIS exigían, por ejemplo, la participación en la relación de cooperación con un país de Europa Central u Oriental de actores pertenecientes a al menos dos países de la Unión. De esta manera, la acción de fortalecimiento de los países "en transición" era vinculada, directamente, a la simultánea consoli- dación del trabajo en red interno al proceso comunitario. 237Los 238 Commission of the European Communities, 2003. 239 El inciso 2 del artículo 1 del título 1 del Reglamento del ENPI, afirmando que: "La asistencia comunitaria será usada en beneficio de los países socios. La asistencia comunitaria puede ser usada en beneficio común de los Estados Miembros y de los países socios, con el objetivo de promover la cooperación transfronteriza e inter- regional…", asume el principio del codesarrollo como eje de su acción. (Commission of the European Communities, 83 LA DESCENTRALIzACIÓN DEMOCRÁTICA: TRAyECTORIAS, TENSIONES, DESAfÍOS tante notar que, mais além de essas diferenças, as duas principais modalidades de acção da cooperação descentralizada que podem ver-se na actualidade240 -aquela hori- zontal, que se expressa principalmente na criação de redes transversais respeito à distinção Norte-Sul, e aquela territorial caracterizada pelo partenariado entre territórios integrados num acordo-marco de desenvolvimento- têm o seu denominador comum e o seu principal núcleo distintivo no principio do co-desenvolvimento. A centralidade outorgada a este241, vinculando o trabalho a favor do desenvolvimento no Sul com a luta contra a exclusão social ao Norte, oferece uma respuesta teórica e estratégica aos problemas de um desenvolvimento que, cada vez mais, mostra ser uma questão global, vinculada com uma pluralidade de caminhos e uma diversidade de opções políticas. Interrompe assim a linealidade evolutiva da relação desenvolvimento-subdesenvolvimento que só razona em termos de diferenças entre niveis e realiza uma ruptura com respeito à cooperação entendida tanto como uma prenda, conceito próximo ao assistencialismo e vulnerável perante às insidias dos interesses, tanto como un instrumento para outros fins (económicos, políticos ou de outro tipo). O seu chamado ao co-desenvolvimento convida ao difícil exercicio da identificação de com- patibilidades e convergências de interesses e "paix", indo mais além da definição que o mesmo CAD oferece da ajuda pública ao desenvolvimentoe investigando as condições para poder superar ambas lógicas -a da prenda e a do interesse- reconduzindo-as no marco de uma visão de desenvolvimento "humano", já nção entendido como um recorrido uni-direccional, uni-factorial e progressivo senão como um processo plural, fundamentalmente "dramático" e incerto, empenhado em caminhos de liberdade e equidade. Por outros aspectos, as distintas modalidades que a cooperação descentralizada assume não constituem formas alternativas de acção senão que tendem, por outro lado, a coexistir, a combinar-se, a influenciar-se reciprocamente, em relação com as políticas e as estratégias de cada governo local242. De particular interesse para os temas que temos 2004). Sobre las transformaciones ocurridas en las políticas de cooperación descentralizada de la Unión Europa, véase Ianni, 2006b. nivel general, pueden detectarse tres modalidades principales de acción, divididas a su vez en sub-clases: a) la modalidad de apoyo, caracterizada por la co-financiación de parte de gobiernos locales de iniciativas pro- movidas por gobiernos de nivel inferior, ONG y otros actores del territorio, y/o por el trabajo en actividades de promoción de determinadas políticas; b) la modalidad horizontal, basada en el partenariado entre dos o más actores homólogos del Norte y el Sur (gobiernos locales, asociaciones profesionales, universidades, sindi- catos…), en la que se incluyen también las acciones en red; c) la modalidad territorial, cuyo aspecto peculiar es el territorio y la relación entre administraciones y actores sociales y económicos. La última modalidad, en su manifestación más compleja, asume la forma de un partenariado entre territorios del Norte y el Sur, insertado en un programa-marco. Peculiar de ella es el papel de facilitador y activador de recursos y capacidades muchas veces "escondidas, dispersas, o mal utilizados" que desempeña el gobierno local y el enfoque de proceso adaptado. (Ianni, 2004b). 240A Plataforma programática del Foro italiano de las ciudades y los Entes locales para la cooperación descentralizada, suscrita por los alcaldes de las ciudades italianas miembros, testimonia que el cambio de perspectiva constituido por la adopción del principio de co-desarrollo encuentra presencia importante, ya en el 1995, en la conciencia cívica de los actores involucrados en la descentralizada. (Cooperazione Italiana,1996). 241La el caso italiano se conjugan según geometrías variables, dando lugar a una casuística cuya variedad y fluidez dificultan la identificación de modelos que no sean parciales y provisionales. Sin embargo, es posible e importante señalar la predominancia de la modalidad territorial que, de un modo u otro, otorga una conno242En 84 CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER POLÍTICO tratado é a difusão de redes de cooperação descentralizada dirigidas a promover o desenvolvimento local e processos de descentralizaçãodemocrática, como aquela cujo tema central é a experiência do orçamento participativo. O programa Urb AL, criado em 1995 e que entrou em 2009 na sua terceira etapa, é o mais importante programa horizontal da cooperação descentralizada da União Europeia. A criação de redes de cidades socias latino-americanas e europeias que este promove, aponta a favorecer "a difusão, a aquisição e a aplicação das melhores prácticas no âmbito das políticas urbanas". Cada rede pretende facilitar o intercâmbio de experiências, localizar as problemáticas e as prioridades, difundir as "boas prácticas" relativas a um tema específico; aponta, em resumo, a produzir cambios tangíveis e intangíveis nas acciones y en las percepções e atitudes de administradores e funcionários locais . A realização de projetos comuns sobre temas determinados, representa uma das actividades principais. No marco desta estructura, na segunda etapa de Urb AL 2000/2007, Orçamento participativo e economía local é o tema que identifica a rede n. 9 e a Prefeitura de Porto Alegre é o seu coordenador. Desta maneira, uma experiência surgida no Sul, uma vez inserida num programa de cooperação, se torna motor de processos virtuosos de vínculos e intercambios transversais relativamente ao eixo divisório Norte-Sul. A rede não promove uma leitura lineal da experiência do orçamento participativo, nem uma reproducção descontextualizada e do tipo estandarizado dela, senção que mais bien sublinha a especificidade da experiencia posta em marcha em Porto Alegre243, empenhando-se na individuação das variáveis que diferenciam os seus processos e explicam a sua evolução, como a sucessão das fases temporais, as dimensões, o nivel de formalização das relações entre instituições, e actores, a cultura política em geral. Por outra parte, não só a União Europeia reconhece a novidade e o valor da práctica do orçamento participativo e apoia a sua difusão, senão que também o fazem várias agências das Nações Unidas244 e o próprio Banco Mundial, com o qual, naturalmente, se põe a necessidade de indagar se e quanto estas iniciativas de cooperação internacional fortalecem tal práctica ou mais bem acaba pmor despolitizá-la e transformá-la. Para a análise da qualidade democrática da cooperação descentralizada é por conseguinte indispensável passar da consideração das modalidades de acção à consideração de como estas se conjugam no marco dos processos empreendidos, voltando a atenção aos espaços de participação que se têm aberto. Também é importante ter em conta, antes de nada, que no âmbito do desenvolvimento, a participação tem tido quase sempre uma presença limitada, reduzida aos níveis locais más restringidos e marginada dos processos decisivos. Nos anos sessenta, esta tem alimentado enfoques de tipo comunitário, baseados em formas de micro-participaç ão de carácter corporativo e consultivo; nas duas décadas seguintes passou a considerar-se, tación particular al proceso en su conjunto. 243Cabannes, 2003. junio de 1996, la experiencia de Porto Alegre es una de las prácticas innovadoras de desarrollo urbano presentada en la segunda Conferencia mundial sobre los asentamientos humanos, Hábitat II, - Estambul, 1996. 244En 85 LA DESCENTRALIzACIÓN DEMOCRÁTICA: TRAyECTORIAS, TENSIONES, DESAfÍOS basicamente, como inclusão dos "beneficiários" na execução dos projetos e como suministro por parte deles de bens e serviços. Numa e noutra acepção, faltava a conexão entre políticas económicas e políticas sociais245, enquanto que a participação ficava reduzida às suas dimensões mais circunscritas, nunca contrapostas aos poderes existentes senão mais bem funcionais à eles246. Nos anos noventa, por outro lado, o duplo movimento que desde abaixo e des- de cima, trata de combinar formas de cidadania activa e directa com a busca, de parte do Estado, de uma maior eficácia e uma nova legitimidade, tem produzido um impacto significativo também no âmbito da cooperação ao desenvolvimento. É principalmente a cooperação descentralizada a que intercepta esta mudança, fazendo-se cargo da exiência de construir novas relações entre instituições, associações e individuos, assim como entre Norte e Sul e tendendo assim a acompanhar as formas tradicionais de definição desde cima das políticas com formas novas e incluentes de tomada de decisões. A rejeição da forma tradicional de planificação, segmentada e fragmentada, e a adopção de planos de acção baseados na participação e na interacção entre instituições e actores territoriais247, constituem parte integrante da abertura destes novos espaços participativos. Caracterizados por niveis desiguais de definição e institucionalização, estes constituem, no seu conjunto, um laboratório importante para a análise de processos de planificação democrática para o desenvolvimento, que oferecem oportunidades de acesso a momentos deliberativos e às vezes decisivos -de nivel local, nacional e global- a governos locais e à actores do território, ao Norte e ao Sul. A experiência italiana dos últimos anos conta com um importante património a este respeito, e por isso a tomaremos como referencia de estudo. Traçar um rápido permite também evidenciar analogías e diferenças relativamente aos processos mais gerais da descentralização democrática. A mediados dos anos noventa, os programas multilaterais das Nações Unidas que prevêm um componente de cooperação descentralizada, põem em marcha a criação de espaços de diálogo, concertação, coordinação, de espessura nacional e com participação de representantes do governo central, das Autonomias locais e, 245En los años sesenta se ha considerado lo social como un subproducto de la economía; los años setenta han buscado una relación de complementariedad entre las dos dimensiones, pero sin embargo, en los términos de una sumatoria; los años ochenta han marcado, en cambio, sobre todo al principio, una profunda desarticu- lación de ellas. Véase, entre otros, Cardarelli y Rosenfeld,1992. concepto de participación no es nuevo, es parte de la semántica del desarrollo desde hace tres décadas; sin embargo, la práctica de ese concepto se ha vuelto parte de la retórica del discurso del desarrollo más que ser un eje de su realización." FLACSO, UNOPS, PNUD, PRODERE, 1995. Efectivamente, incluso si en la última década la participación adquiere espesor y se impone como base indiscutida de la relevancia y sostenibilidad de los proce- sos de desarrollo promovidos, ella sigue siendo muchas veces un discurso privado de prácticas reales. 246"El aquí deriva el rechazo por parte de la cooperación descentralizada del "proyectismo", es decir de la proliferación de proyectos que proceden "al estilo lluvia", segmentando procesos, simplificando la complejidad social y alimentando formas de acción de eficacia reducida que acaban alimentando ellos mismos unos círculos viciosos, interviniendo solo a nivel de los síntomas de los problemas para los que pretenden ofrecer respuesta y alimentando así una reproducción de los mismos. Ese rechazo no significa por lo tanto la negación del proyecto sino más bien poner atención a su inserción en una perspectiva procedimental que incorpore conocimientos distintos y supere la referencia exclusiva al saber experto. 247De 86 CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER POLÍTICO nalguns casos, da sociedade civil. En janeiro de 1996 forma-se, na Itália, um Grupo de trabalho nacional, no marco do projeto Atlas da cooperação descentralizada ao desenvolvimento humano na Bosnia Herzegovina248 dedicado a pôr em rede de Comités locais italianos e bosnios. O Grupo, de composição mista, desempenha a tarefa de definir as metodologias e as modalidades operativas do projeto249. O seu correspondente na Bosnia Herzegovina é um análogo Grupo de trabalho de âmbito nacional composto por representantes do governo central e a sociedade civil, que desenvolve funções de orientação das actividades do Atlas e da formulação de um documento do governo sobre estrategias de desenvolvimento humano. Colabora com este uma coordenadora política, na qual participam as agências das Nações Unidas involucradas no projeto, a DGCS do Ministério dos Assuntos Exteriores italiano e um equipo técnico, coordenado por UNOPS e formado por técnicos da OMS e por associações da sociedade civil italiana e bósnia. Nos anos 2000, reforça-se a presença de espaços significativos de diálogo e concertação entre governo nacional, organizações internacionais, Autonomías locais e, nalguns casos, ONG e actores territoriais em geral, também no nivel mais sensível da defini ção das políticas e as estrategias nacionais e internacionais de cooperação. E significativo assinalar a aprobação, en maio de 2003 e no marco da lei 84 de 2001250, de um protocolo de acordo entre o MAE e as Regiões que instituí a formação de um Comité técnico inter-institucional no qual participam representantes do Ministério de Assuntos Estrangeiros, do Ministério de Economia e das Regiões. A novidade é que, por primeira vez, um Comité deste tipo constitui-se dentro de um marco bilateral e desempenha não só funções de coordenação, programação, enlace, valorização de boas prácticas senão também de definição de "critérios e modelos de referencia para as propostas de partenariado internacional" avançadas pelas Regiões, que podem assim intervenir no âmbito mais especificamente político e estratégico da iniciativa italiana para os Balcaes. Desta maneira se abre um espaço de encontro e concertação, não consultivo senão de verdadeira associação para a defi248El proyecto, apoyado técnicamente y financiado por la Cooperación italiana a través del Fondo fiduciario para el desarrollo social sustentável, la paz y el apoyo a países en situaciones especiales del PNUD, ha sido imple- mentado por UNOPS en colaboración con la Organización Mundial de la Salud y con el Departamento de Asun- tos Humanitarios/Década Internacional para la Reducción de los Desastres Naturales. (UNOPS/PNUD, WHO, DGCS-MAE, IDNDR,1998). participado en el Grupo las Organizaciones internacionales involucradas en el Programa, PNUD/UNOPS - OMS - el UTC de la DGCS y los actores que adhirieron a la iniciativa.- la Mesa de Coordinación de la Presidencia del Consejo de ministros para las ayudas humanitarias a favor de la ex-Yugoslavia, el Consorcio italiano de Solidaridad, el Foro para el Desarrollo Humano y la Lucha contra la Exclusión Social, el Observato- rio Interregional para la Cooperación al Desarrollo y el Centro de Estudios de Política Internacional- CeSPI. (Ianni,1999). 249Han 250 La ley n. 84 de 2001, Disposizioni per la partecipazione italiana alla stabilizzazione, alla ricostruzione e allo sviluppo dei paesi nell'area balcanica, reconociendo la relevancia del aporte brindado por la cooperación descentralizada, asigna recursos consistentes a la cofinanciación de las iniciativas propuestas y administradas por las Autonomías locales. Sus líneas-guía, declaran que "la evolución del concepto de cooperación entre Estados se ha movido, en los últimos años,para aquello -mas radicado y complejo- de partenariado entre comunidades locales y en particular entre comunidades fronterizas", y llegan a reconocer explícitamente "el significado que ha asumido la cooperación descentralizada como herramienta de la política exterior." (Ianni, 2004b). 87 LA DESCENTRALIzACIÓN DEMOCRÁTICA: TRAyECTORIAS, TENSIONES, DESAfÍOS nição de criterios-guía gerais, que representa un interessante reconhecimento da demanda expressada muitas vezes pelas Autonomias locais italianas de ser protagonistas e não simplesmente ejecutoras das políticas nacionais de cooperação. Também se tem impelementado nos últimos anos varios espaços de planificação e coordinação pluri-actorial a nivel municipal e provincial. A formação de Comités locais, reconhecidos institucionalmente como grupos de actores públicos e privados de uma mesma Prefeitura, caracteriza, desde um principio, as iniciativas de cooperação descentralizada impelementadas no marco dos programas multibilaterales de desenvolvimento humano auspiciados por Italia. Estes distinguem-se dos Comités de ciudadãos, surgidos na cojuntura marcada por processos de reforma des- centrada do Estado, que implicam um aumento do poder dos governos locais mas não uma maior responsabilidade dos mesmos e estão acompanhados por uma crise de representação dos partidos. Este último tipo de Comité, que se mobiliza ao redor de objectivos específicos e está privado de estructuração e de regras formais, apresenta "alguns elementos típicos da organização dos movimentos sociais"251; os Comités locais de cooperação descentralizada colocam-se, por outro lado, num espaço social diferente, "de fronteira", entre o social e o institucional, en continuidade com experimentos análogos iniciados nos processos de desenvolvimento local, como, por exemplo, os pactos territoriais e distintos tipos de programas de requalificação e desenvolvimento urbano. A diferença das experiências de participação postas em marcha na Itália nos anos sessenta e setenta, os novos espaços abertos pela descentralizada, n ão aspiram a dar representação aos interesses constituidos senão que, em continuidade com as eleições da democracia participativa, propõem-se como lugar de debate e definição de iniciativas específicas e partilhadas na qual participam actores públicos e privados, cidadãos e associações252. Os Comités representam, para a cooperação descentralizada, um cenário importante de definição das novas relações entre administra ção e território e, ao mesmo tempo, o instrumento por excelência que organiza e sustenta o novo partenariado internacional. Na sua origen é possível assinalar raízes diferentes: nalguos casos, prevalece a iniciativa do governo local, noutros o empuje desde o território, por isso tendem a colocar-se entre os dois polos dos espaços "oferecidos" e daqueles "reivindicados". Muito cedo distinguem-se além disso pelas duas variantes constituidas pelos Comités ciudadãos e pelos Comités locais puros e duros. Os primeiros reunem a actores interessados e representativos à volta de objectivos gerais de solidariedade e cooperação internacional253; em geral, desenvolvem funções informativas, consultivas e propositivas, constituem momentos de debate e discuss ão 251Della Porta, 2004: 14. 252 Sobre las diferencias existentes entre las formas asumidas por la participación en los años sesenta y setenta y la democracia participativa, véase Allegretti,2006. 253 Por cuanto concierne a la composición de los Comités, también en este caso nos encontramos ante la presencia de una gran variedad de criterios de inclusión y de niveles de apertura, más o menos restrictivos y flexibles. Véase Ianni, 2004b. 88 CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER POLÍTICO pública que não prevêm, no entanto, a participação na tomada de decisão. Os segundos254 compreendem, por outro lado, aos actores involucrados num programa de cooperação determinado. Estes revelam menor capacidade de impacto sobre as políticas das cidades mas alcançam mais concreção e eficácia de intervenção e, principalmente, um melhor acesso aos momentos decisivos relativos aos objectivos e a operatividade das iniciativas. De todas maneiras, o vínculo deliberação-tomada de decisão aparece variável: nalguns Comitês locais é directo e também se estende até ao momento da realização das intervenções, atribuido em muitos casos à mesma secretaría técnica do Comitê ou a um ou mais dos seus membros; nos Comitês cidadãos, por outro lado, o momento da tomada de decisões fica na esfera de competencia da administração, mas estãoprevistas formas diferentes de monitoramento relativas ao momento da implementação. A maioría dos Comitês cidadãos e dos Comitês locais constituem, no seu interior, Mesas ou Grupos de trabalho, sobre base geográfica ou temática, con claras finalidades operativas, que mostram maiores possibilidades de activação e inclusão e uma melhor e mais precisa diferenciação de papéis e de funções. Uma ulterior diferenciação do espaço "Comitê" a constituem os Comitês ínter-territoriales que, na segunda parte dos anos noventa, começam a reunir governos locais múltiples, inclusive de niveis diferentes, e actores dos respectivos territórios255. Da sua parte, as Provincias constituem Comitês de cooperação internacional com funções de coordinação interterritorial e não enfocados a programas específicos ou determinadas áreas geográficas256. Em tais experiências, como naquela dos Comitês cidadãos, a função de coordinação tende a prevalecer sobre aquela mais imediatamente operativa. Por outros aspectos257, as diversas versões deste espaço participativo estão muito sujeitas às variações do ambiente político e ao desenvolvimento das relações existentes entre administração e actores do território, que são factores determinantes também nos casos de descentralização democrática que examinamos anteriormente. Muitas vezes, a presença de uma estructura formal ou uma forte implicação dos cidadãos, não têm sido capazes de travar o impacto negativo desses aspectos . Em geral, a criação inovadora de um espaço de encontro e de debate, principalmente ai onde este tem assumido uma dimensão cidado, difícilmente se tornou num lugar de elaboração de estratégias, e têm prevalecido dinâmicas caracterizadas pela ocasionalidad dos encontros e, às vezes, por uma competitividade e uma conflictividade resistentes às mediações, que se tem tornado ainda mais fragéis devido à definição incerta das funçoes e as responsabilidades. Muitos factores contribuem a estas debili- dades, alguns vinculados a situações próprias dos distintos contextos, outros a ten254En el caso de los Comités locales, el carácter ad hoc y marcadamente operativo que los caracteriza no ha hecho hasta ahora necesario enfrentarse con los problemas complejos de la representación y la selección de los miem- bros, como en cambio ocurre por los Comités ciudadanos. 255 Véase Ianni, 2004b. 256 En el caso de la Provincia de Módena, el Comité está formado por Entes locales y organizaciones sin fines de lucro del territorio. 257Ianni, 2004b. 89 LA DESCENTRALIzACIÓN DEMOCRÁTICA: TRAyECTORIAS, TENSIONES, DESAfÍOS dencias de carácter mais geral. Esta criticidade deriva-se da novidade das relações a normar, da exigência de concretar as modalidades e os procedimentos mais aptos às especificidades locais e, principalmente, da dificuldade de desenvolver um processo de articulação social ao redor de dois eixos, estreitamente vinculados entre sí, o públicoprivado e o Norte-Sul, logrando uma convergência entre formas de representação, lógicas de acção, tradições culturais e sistemas institucionais e sociais diferentes. O espaço "Mesa", pela sua parte, muitas vezes associado ao Comitê, assume também dimensões territoriais diferentes, caracterizadas por cambios ainda mais consistentes e significativos na sua composição e função. A nivel municipal, além de constituir uma articulação interior aos Comitês também se apresenta de forma autónoma258. A nivel regional tende, pelo contrário, a manter um perfil não directamente operativo, como âmbito de reflexão e coordinação com extensãohorizontal e também vertical . Neste caso participam as Prefeituras, as Provincias e actores interessados em iniciativas de cooperação descentralizada. Na Região Toscana, as Mesas, previstas explícitamente pela lei regional, divididas por áreas geográficas e respaldadas por um secretariado operativo, são concebidas explícitamente como momentos de enlace nos que podem participar todos os sujeitos que operam numa determinada área geográfica, inclusive os que não são elegíveis para a cofinanciação regional dos projetos. Constituem assim um anel importante do sistema regional de cooperação com funções de coordinação e de puesta em rede dos actores e as iniciativas. Mesas análogas estão previstas, também, por muitas outras Regiões; a estas se unem às a vezes Mesas temáticas, com carácter particularmente experimental, como no caso da Região Emilia-Romagna. A estas últimas se lhes atribuí, além da função de coordenação transversal, a de "realizar a recolecção de experiências significativas , de favorecer o intercâmbio de boas prácticas e a implementação de projetos experimentais de novas metodologías de trabalho"259. Noutros casos, por outro lado, o establecimento das Mesas vincula-se com intervenções específicas, assumendo pelo tanto um carácter menos permanente e mais directamente operativo. A coordenação concerne, em todos os casos, à relação entre actores pú- blicos e privados, enquanto que o componente inter-institucional pode ficar de fora e ser atribuído à mecanismos específicos. Comitês e Mesas vão acompanhados, a su vez, por outros espaços de debate e concertação, o qual mostra a riqueza e a complexidade dos processos de articulação social postos em marcha pela descentralizada. A criação de momentos periódicos de encontro, de âmbito regional e abertas a actores públicos e também privados, com finalidade de diálogo, reflexão, comparação, verificação das actividades desenvolvidas, e evaluação e mobilização dos recursos presentes no territo258 Éste es el caso de Turín, donde el Ayuntamiento no ha constituido un Comité ciudadano ni Comités locales sino numerosas Mesas, divididas en tres distintas tipologías sobre la base de otras tantas finalidades: coordi- nación, concertación y planificación. Reservando para sí el papel de dirección, en calidad de promotor y facilita- dor de una participación guiada por el principio de subsidiariedad; en los primeros años 2000 el Ayuntamiento ha realizado una reflexión metodológica atenta para garantizar el mejor funcionamiento de las Mesas. 259 Consejo Regional de Emilia Romagna, Deliberazione n. 516, 4 de noviembre de 2003. 90 CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER POLÍTICO rio, quase sempre assume a denominação de Conferência. Caracterizados por diferentes periodicidades, estes espaços são previstos pela maioria das leis regionais. No caso toscano a realização da Conferência regional, de periodicidade anual, é precedida por Conferências provinciais, dirigidas a ampliar a participação e a promover a posta em rede dos distintos actores do território e, além disso, a alimentar o sistema informativo regional. Frequentemente, as funções atribuidas às Conferências incluem também, explícitamente, a participação na formulação do programa das actividades futuras. A importância destes espaços participativos reside na introducção das práticas democráticas que eles realizan, tanto no Norte como no Sul, mas também, e principalmente, na dimensão transnacional que conferem a tais práticas, que tende a ler em termos novos, como o temos visto, a velha questão da possibilidade de uma relação entre Norte e Sul que não seja a soma zero. A presença, a extensão e a articulação dos distintos espaços assumem formas diferentes atribuíveis, também no caso da descentralizada, a relação específica que se estabelece entre governo local e actores sociais. O cruce entre a disponibilidade da instituição a "ceder poder" e a riqueza das práticas sociais existentes num espaço determinado, a força de mobilização destas últimas assim como a cultura política que as mexe, condicionam a configuração de espaços democráticos mais ou menos abertos e formalizados e o tipo de partenariado internacional que se estabelece entre dois territórios260. Nalguns contextos, como por exemplo no caso da Região da Toscana, a articulação dos distintos espaços dá lugar a um sistema de cooperação regional, baseado em processos recorrentes e crescentes de planificação democrática; noutros casos, apresenta niveis mais reducidos e deixa lugar à segmentação e a ocasionalidade das intervenções. Por outro lado, cabe recordar que na cooperação descentralizada, junto à dimensão horizontal e a vertical do principio de subsidiariedade, há uma terceira dimensão: a transnacional, fundamental para a sua identidade. Pelo tanto, para chegar a estabelecer o carácter mais ou menos democrático da descentralização no âmbito da cooperação ao desenvolvimento, aos principios da autonomía e da responsabilidade haverá que acrescentar um terceiro principio, o da apropriação, dirigido a avaliar a direcção e a qualidade do partenariado Norte-Sul, e por conseguinte o nivel de apropriação que os sócios desenvolvem para ello. 260 Son interesantes a este respeto las consideraciones formuladas acerca de los Comités locales en el estudio de Rhi Sausi y Aprile (2000) así como la clasificación propuesta por Rhi Sausi y Stocchiero acerca de la acción de Regiones y Ayuntamientos italianos. Rhi-Sausi y Stocchiero (1998) proponen cuatro modelos para el análisis de la relación Región-territorio: abierto, sistémico, no gubernamental e integrado, para subrayar en el primer caso, la ausencia de particulares vínculos geográficos y temáticos; en el segundo, la preferencia por "iniciativas regionales, realizadas por entes asociados, enfocadas en pocos países"; en el tercero, la centralidad otorgada a los actores no guberna- mentales y la ausencia de claras prioridades geográficas; en el cuarto y último, la elección de una mezcla de los tres precedentes. Sucesivamente, Stocchiero privilegia el uso de dos modelos, abierto e integrado, manteniendo para el primero a grandes rasgos la definición ofrecida anteriormente pero revisando las características del segundo e identificándolo con la presencia de "un poder de dirección relevante." Stocchiero,2000. Incluso no estando en- focados en la temática que está al centro de nuestro ámbito de análisis, estas contribuciones aportan elementos importantes de reflexión a la lectura de la relación institución-territorio. 91 LA DESCENTRALIzACIÓN DEMOCRÁTICA: TRAyECTORIAS, TENSIONES, DESAfÍOS A partir destas considerações e com o fim de precisar as condições que influenciam na evolução das experiências de descentralização democrática no âmbito da cooperação ao desenvolvimento, analizaremos para o caso italiano, além dos aspectos já considerados para os casos de Porto Alegre e Kerala, também o relativo à dimensão transnacional, que caracteriza os partenariados internacionais. Reflexionaremos por conseguinte sobre: a) o perfil das estructuras legislativas, b) a disponibilidade ou não do governo local para abrir espaços de participação, c) o tipo de cultura política prevalecente nos actores sociais e d) la dimensão participativa nos pactos trans- nacionais estabelecidos. O marco legislativo italiano, se bem é "detido" pela persistência de uma lei nacional sobre cooperação feita na época do bipolarismo, regista ao longo dos últimos anos varios cambios, em geral favoráveis à cooperação descentralizada. A reforma do Estado, não lineal e ainda incompleta, reescreve a relação entre governo central e governos locais, e abre espaços para a participação cidadã. No ano 2000, a modificação do Título V da segunda parte da Constituição e as sucessivas leis de 2003 e de 2005 que detalham a su aplicação261, marcam um cambio em direcção de uma transformação profunda dos marcos legislativos nacionais, assim como da autoridade reguladora e impositiva e do sistema de controlos existentes, abrogando além disso todos os controles preventivos sobre as leis e os actos administrativos das Regiões, das Provincias e das Prefeituras. Isto influencia directamente às actividades desenvolvidas pelas primeiras à nível internacional, em expansão e já não definíveis como "política menor". A reforma constitucional cria um novo marco de referência para a mesma actividade legislativa regional relativa à cooperação internacional, iniciada já a finais dos anos oitenta e que tem sido um âmbito de conflictos continuos com o governo central262. As modificações constitucionais se acompanham leis ad hoc que disciplinam a intervenção em áreas geográficas e temáticas específicas (a referência mais importante é a la lei 84/2001) e a aprovação, no ano 2000, de parte da DGCS das Linee di indirizzo e modalitá attuative (Linhas de direcção e modalidade de actuação) relativas à cooperação descentralizada, que contribuem a flexibilizar a interpretação da estrutura normativa nacional e a promover as actividades descentralizadas de cooperação internacional. As simultâneas e profundas transformações que ocorrem nas políticas da União Europeia, contribuem assimmesmo, e de maneira relevante, a reforçar estas tendências. Às mudanças dos marcos legislativos, soma-se a vontade política ds Autonomías locais por começar um processo horizontal de redistribuiç ão do novo "poder" com 261Ley n. 131 del 5 de junio de 2003, Disposizioni per l'adeguamento dell'ordinamento della Repubblica alla legge costituzionale 18 ottobre 2001, n. 3, Gazzetta Ufficiale n. 132 del 10 de junio 2003 y Ley n. 11 del 4 de febrero de 2005, Norme generali sulla partecipazione dell'Italia al processo normativo dell'Unione Europea e sulle procedure di esecuzione degli obblighi comunitari, Gazzetta Ufficiale n. 37 del 15 de febrero2005. 262 Se elimina, efectivamente, lo establecido por la vieja formulación del art. 117 y, en el nuevo contexto, el Consejo regional ya no está obligado a enviar las leyes a la Comisión de gobierno, para que dé su visto bueno antes de la promulgación. 92 CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER POLÍTICO os actores sociais. Neste caso, como nas experiencias de Porto Alegre e Kerala, esta disponibilidade e o projeto do qual é portadora encontram manifestaç ões múltiples e diferentes. A construcção na Toscana de um sistema regional participativo de cooperação descentralizada263 baseia-se na rejeição de uma visão tecnocrática do cambio e da cooperação ao desenvolvimento, expressado pelas forças políticas e pelos actores sociales, particularmente activos e portadores de uma cultura propositiva e negociadora264. As diferenças con respecto ao modo de operar da Regi ão Lombardia265 são atribuíveis, como temos visto, justamente à diferente leitura do principio de subsidiariedade que assumem, tambem neste caso, as forças políticas e as formas associativas maioritarias no territorio266. A situação geral de semi-abertura institucional donmarco nacional e de disponibilidade de Regiões e Entes locais por criar espaços de participação para os actores sociais e económicos, abre a estes últimos um leque de oportunidades. O activismo social tiene assim a orientar-se para formas de interacção com as instituições267 que não são esporádicas; allí onde estas se mostram fechadas e pouco transparen- tes, a relação que prevalece é, significativamente, de desconfiança recíproca e limita- da colaboração, como o mostra o caso da Região Campania268. A canalizaçao das exigências de participação para formas propositivas e de interlocução institucional, 263 Las Líneas pretenden ser "el instrumento destinado a reglamentar las relaciones, a detectar nuevas formas posibles de colaboración y a valorizar el papel de la descentralizada en el marco de la cooperación al desarrollo nacional, en el período que precede lo entrada en vigor de la nueva normativa." (MAE-DGCS, 2000). 264Emblemático a este respecto es el debate que se ha desarrollado en torno al proyecto de creación de una Agencia para la cooperación al desarrollo, propuesto en un momento por la Junta y parado por una inédita alianza entre el Consejo regional y ONG y asociaciones. 265 Diodato e Lippi, 2007. 266 Son interesantes a este propósito las diferencias que muestran los nudos territoriales creados en los últimos años por las ONG, coordinadoras en las cuales la proximidad geográfica y el vínculo con el territorio consti- tuyen los elementos agregativos más importantes. En la segunda parte de los años dos mil, ellos están presentes en muchas regiones: se trata del Coordinamento delle ONG e delle associazioni di cooperazione internazionale della Toscana (Coordinación de las ONG y las asociaciones de cooperación internacional de Toscana), de la Associazi- one Lombarda di ONG (Asociación Lombarda de ONG), de el COASIC-Coordinamento delle ONG e Associazioni di solidarietà internazionale della Campania (Coordinación de las ONG y Asociaciones de solidaridad internacional de Campania), del CONGER-Comitato ONG Emilia Romagna (Comité ONG Emilia Romaña), de el COP-Consorzio ONG del Piemonte (Consorcio de ONG del Piamonte) y de el Coordinamento delle ONG del Lazio (Coordinación de la ONG de Lazio). En general, ellos se ponen objetivos de diálogo con las instituciones, de apoyo a la partici- pación de ONG y asociaciones en las actividades de cooperación descentralizada, de promoción de una mayor visibilidad de sus miembros en la vida regional y nacional. Son significativas, en este contexto, las diferencias pero también las convergencias que existen entre el territorio toscano y el lombardo. La coordinación toscana nacida en 2001, agrupa a ONG idóneas y no idóneas y también a las asociaciones que trabajan en cooperación internacional al desarrollo en el territorio toscano. La asociación lombarda, constituida formalmente en abril de 2006, y que antes existía solo como coordinación informal, a diferencia del nudo toscano, solo incluye entre sus miembros a ONG idóneas con el ulterior requisito de que pertenezcan a la Associazione nazionale delle ONG ital- iane (Asociación nacional de ONG italianas). En 2007, sin embargo, el nudo lombardo se transforma, creando CoLomba (COoperazione LOMBArdia), una coordinación de la cual pueden ser miembros además de las ONG también las asociaciones benévolas. Se trata de un cambio importante que señala la importancia ascendente de la tendencia para la acción multi-actorial. encuentros ocasionales son predominantes, en cambio, en las relaciones entre Comités de ciudadanos e instituciones. (Della Porta, 2004: 30). 267Los 268 Ianni, 2006a. 93 LA DESCENTRALIzACIÓN DEMOCRÁTICA: TRAyECTORIAS, TENSIONES, DESAfÍOS Ainda que não esteja exento de contraposições e de conflitos, caracteriza a ampliação da democracia local realizada por algumas experiencias de cooperação descentralizada. Por outra parte, cabe recordar que, no caso da descentralização no âmbito da cooperação internacional, os actores sociais desempenham um papel duplo que complica a análise: cidadão mais ou menos activos, portadores de uma concepção autónoma das relações Norte-Sul e, ao mesmo tempo, potenciais receptores de financiações de parte da administração local, e, pelo tanto, potenciais beneficiários e "clientes" dsta. Este duplo estatus influi firmemente na relação, reproduzindo em muitos casos formas tradicionais de clientelismo que só a transparencia das políticas públicas e a garantia de responsabilidade oferecida pelas prácticas democráticas possam desactivar. Noutros aspectos, a descentralização democrática, também no âmbito da cooperação descentralizada, apresenta-se como uma mistura variável de formas de democracia directa, delegada e representativa. No seu caso, como no do orçamento participativo e da planificação mobilizadora de Kerala, planteam-se, de maneira específica, os temas dos límites que cabe por à participação e do vínculo entre conhecimento burocrático, conhecimento especialista e conhecimento comum. A experiencia italiana ensina que, se o planejamento partilhado das iniciativas ou dos programas-país, é guiado e emoldurado dentro de decisões distributivas estabelecidas a nivel de programação geral da instituição local, a definição desta última é aberta, muitas vezes, a participação da cidadania que contribuí à individuação dos critérios gerais que logo, como temos visto, a administração terá que definir contando com o suporte de Comités técnicos. Desempenhando estes Comités, nos que participam políticos, técnicos e representantes das mais importantes forças sociais269, funções de avaliação ex ante dos programas de intervenção e de monitoramento e avaliação ex post das iniciativas realizadas, voltamos a encontrar também no campo da descentralizada italiana a presença daquela dimensão da "rendição de contas" que caracteriza as práticas de descentralização democráticas que temos considerado. Por último, mas não menos importante, um partenariado para o desenvolvimento pressupõe a presença de disponibilidades análogas a cooperar nos dois lados da relação Norte-Sul, mas não pressupõe dinâmicas e tempos idênticos, vistas as peculiaridades dos contextos involucrados. Uma das suas principais dificuldades reside precisamente em lograr tender "pontes" entre processos sociais diferentes e pré-existentes à relação. Também neste caso, o debate comum sobre problemáticas específicas e relevantes assim como a posta em marcha de novos espaços participativos -seminários locais, nacionais e internacionais; grupos de trabalho mistos, com representantes institucionais e sociais de ambos territorios; permanencias mais ou menos longas de especialistas, funcionários ou pessoas directamente envolvidas numa determinada ini269 Su composición es mixta, a nivel regional se establece cada vez por la ley que norma las actividades de cooperación sobre la base de precisos criterios de representatividad que incluyen la presencia del Presidente de la Junta Regional y otros cargos políticos y directivos, acompañados por expertos, representantes de Provincias y Municipalidades y actores del territorio. En algunos casos, en ocasión del examen de temas específicos, está prevista la posibilidad de invitar, sin derecho a voto, a expertos o representantes de distintas categorías sociales. 94 CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER POLÍTICO ciativa, num e noutro país- têm colocado as bases sobre as quais se apoia a continuidade e a transparência dos partenariados, que pela sua própria natureza são tensos e em equilibrio inestável. Voltando a um plano geral, resulta evidente que hoje o ponto crucial das problemáticas com o qual se enfrenta a cooperação descentralizada não tem tanto que ver com a exigencia de ir mais além das intervenções pontuais e disseminadas ou de aceder a programas e a recursos de maior espessura, para não cair na dispersão e na irrelevancia, como com a de interceptar os cambios em vigor e as prácticas mais inovadoras de descentralização democrática que vão tomando forma nos distintos continentes. Ao mesmo tempo, esta deve garantir a coerencia e operatividade dos seus principios gerais definindo uma relação com l¡as esferas da política e a economia que preserve a sua identidade e não a reduza a instrumento de fins alheios senão que, mais bem, ponha em marcha, a partir da sua lógica multi-actorial, multi-dimensional, multi-direccional e fundamentalmente glocal, dinâmicas de compatibilidade recíproca e desenvolvimento integral. Noutros aspectos há que considerar que a linha de investigação que temos seguido aqui é sem dúvida limitada pela sua perspectiva circunscrita a Norte e que pelo tanto deve ser aprofundada e, principalmente, reenfocada sobre a relação mesma entre Norte-Sul. No entanto, esta permite evidenciar, desde já, a relevancia de estudos empíricos orientados em tal direcção; introduzindo na reflexão um enfoque que rescata a dimensão transnacional dos processos de descentralização democrática, detectando elementos importantes para avançar no caminho da superação do conceito de desenvolvimento ao conceito de co-desenvolvimento270 e também na de uma redefinição da questão democrática de acordo aos valores da segunda modernidade. Nota del editor: Al final de este magnífico texto de Vanna Ianni resulta claro que el concepto de co-desarrollo que ella utiliza es semejante al que se tenía en los años 70 y 80, y a esa "tesis" de los teóricos: relación estructural entre el desarrollo del Norte y el del Sur... no esa especie de intento de resignificación injusto en España que viene a decir que es co-desarrollo aquel que incorpora a los inmigrantes en proyectos de ayuda a sus países... 270 95 figuras 97 fIgURAS 98 CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER 99 Observações finais O carácter polissémico do termo "descentralização" não remite só a uma questão linguística; a diversidade dos significados que encierra reflete, e por muitos aspectos reforça, a mistura variável de formas, niveis e dimensões que caracteriza os processos actuais de descentralização. A visão descriptiva enumera os seus componentes e contorna o mosaico peculiar que tais processos desenham nos distintos contextos, mas é só atravéz de um olhar analítico como se pode chegar a um conhecimento em perspectiva deste fenómeno, reconstruindo as tensões e as tendencias internas e externas, vinculadas aos actores e às estrategias aplicadas por eles. A descentralização é um processo no qual se encontram, se confrontam e se enfrentam visões e projetos distintos de organização estatal, vida económica, relações culturais, equidade social, que não são alheios senão profundamente impregnados das relações de poder existentes. Constituí assim uma trama que leva o selo das principais estrategias económicas e políticas do nosso tempo: neo-liberalismo, formas mais ou menos avançadas de reformismo, radicalismos de distintos tipos. Concepções minimalistas do Estado assim como aquelas dirigidas a fortalecer o seu papel e os seus poderes, tendencias secessionistas e instancias de unidade nacional, manifestações de fundamentalismos de natureza distinta e reivindicações de universalismo contestualizado, todas elas encontram na ductilidade e na variabilidade da descentralização possibilidades de presença e espaços de afirmação. Os estudos que temos a disposição concordam em que os aportes desta, considerados tanto em negativo como em positivo, não podem ser, de ninguna maneira, dados por assumidos. Eficiencia e eficacia na prestação dos serviços, pertinencia e equidade nas políticas e nas intervenções, luta contra a pobreza e por uma melhor coesão social, nos distintos continentes e nas distintas cojunturas, se relacionam com a descentralização atravéz de vínculos de associação que são variáveis. Da mesma maneira, os conflictos étnicos e religiosos, as diferenças territoriais, os diversos separatismos, não são efeitos da descentralização que seja possível determi- nar a priori. Só a análise dos nexos empíricos e circunstanciais que constituem a peculiaridade de cada situação, permite ver as características que em cada caso pre- valecem numa específica descentralização, e que condicionam a natureza dos seus vínculos com a democracia e a equidade social. As dimensões vertical e horizontal do principio de subsidiariedade, oferecem as coordenadas atravéz das quais se pode traçar o mapa dos distintos contextos, reconstruir as suas peculiaridades; autonomía e responsabilidade constituem indicadores com os quais medir o carácter e a natureza dos processos em vigor. Neste marco, a descentralização democrática revela ser a 101 ObSERvACIONES fINALES forma que mais cumplidamente realiza uma redistribuição dos poderes, tanto segundo o eixo vertical das relações entre governo central e governos locais, como segundo o eixo horizontal das relações entre governo e cidadanía. A investigação acerca de como esta prevalece em cada processo e que conotações lhe confere e tarefa, como temos visto, de uma análise fundamentada empíricamente, de uma estrategia de "bom ajuste " (good-fit)271. Experiencias múltiples e heterogéneas desenham, desde o inicio dos anos dois mil e em distintas áreas geopolíticas, a actual cartografía da descentralizaç ão democrática. O exame comparado dos casos do orçamento presupuesto participativo de Porto Alegre e da planificação democrática de Kerala, permite individuar os principais caracteres comuns a ambos casos e propor algumas considerações de ordem mais geral. Recordamos sintéticamente os primeiros: o vínculo entre descentralização e democratização, associado a uma nova relação entre movimentos e instituições; a direccionalidade a múltiples polos de um cambio que procede segundo caminhos que são, ao mesmo tempo, de cima para baixo e de baixo para cima, e insta pelo mesmo a olhar desde um e outro lado do catalejo; a presença de um projeto político que evita tanto a Scilla como a Caribdis, isto é as tentaciones tanto da concepção tecnocrática do cambio como daquela, especular da primeira, do anarco-comuni- tarismo, que recusa as formas tradicionais de canalização da demanda política e social, como o são os partidos e os sindicatos, e reivindica a centralidade dos actores locais e das formas extra-parlamentarias de participação272; a importancia do debate, da deliberação, da esfera pública e, ao mesmo tempo, a relação tensa de distinção-unidade que existe entre esta e o momento de tomada de decisões; a possibilidade de um jogo de soma positiva entre os varios actores envolvidos, que recusa uma concepción estática del poder según la cual la aquisição de uma quota do mesmo por parte de um deles corresponde sempre e necessariamente a perda de uma quota análoga de parte de outro, possibilidade que não excluí o carácter conflitivo e na evolução dos processos senão que, pelo contrario, constitui uma garantía da posta em marcha de cambios reais. Os dois casos de estudo que temos considerado se localizam Sul do mundo; trata-se de um dado significativo por uma razão dupla: assinala este último como lugar de experimentação de processos originais de cambio social, liberando-o do estigma de uma condição de receptor passivo de ajudas ou de uma dependencia económica e política que e apresentada como producto de um sistema privado de espaços para a acção subjetiva; ao mesmo tempo, põe de relevo que o surgimento de novas prácticas sociais e culturais constitui um dos elementos condicionantes da implementação de novas formas de democracia e da redefinição mesma dos espaços da política. 271Esta estrategia de intervención, propuesta por el Banco Mundial a finales de los noventa, apunta a establecer el estudio atento de las peculiaridades de los distintos contextos como base sobre la cual debe asentarse la acción. Véase Gentili, 2004. 272 Heller, 2001. 102 CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER POLÍTICO A onda de democratizações dos anos oitenta e noventa, que alcança sobretudo ao Sul do mundo e que é acompanhada e seguida por um aminoramiento igualmente significativo da qualidade da democracia, permite às experiencias participativas localizadas nessas áreas, intercetar a questão democrática, tornando-se em observatorios privilegiados de cambios importantes. Ao começo do novo seculo, a globalização económica, a crise do Estadonação, as tensões culturais que cruzam as identidades individuais e colectivas põem a democracia e as teorías democráticas perante à tarefa urgente e difícil de identificar modos e formas apropriadas para uma redefinição profunda das mesmas. O relevante fenómeno de extensão da força atractiva da democracia junto com a igualmente difundida erosão da sua qualidade, assinalada com agudeza pela expressão "democracia sem liberdade", torna evidente que os múltiples défice de legitimidade (de eficacia, de responsabilidade, de representatividade) que hoje a debilitam têm raízes estructurais. A separação entre economía e política, a pluralização dos horizontes culturais de sociedades atravessadas por fluxos centrífugos crescentes, segmentadas e ao mesmo tempo interdependientes, induzem aos analistas de distintas procedencias teóricas a investigar acerca das formas da democracia do seculo XXI. Habermas reflexiona sobre a exigencia e as condições de uma política interna mundial, de uma "legitimação democrática das decisões que vão mais além do esquema de organização do Estado"273. Touraine razona sobre os principios de uma democracia chamada a reconhecer a diferença como um valor e a recusae qualquer universalismo que pretende uma homologação abstracta. Sen busca "as raízes globais da democracia" atravéz de uma reconstrução da presença articulada e difundida, em distintas sociedades, culturas e épocas, de prácticas de debate público, apontando assim a dar ao universalismo uma raíz histórica, a dimensão de um horizonte comum construido ao longo do tempo. O mérito dos estudos sobre a descentralização democrática e que aportam, graças à perspectiva que os caracteriza, elementos cognoscitivos importantes para alguns temas que estão no centro desse debate: a declinação de novos espaços democráticos atravéz da articulação de formas de democracia directa, delegada e representativa; a tensão interna à participação entre interesses particulares e principios de equidade; a relação entre a esfera pública e as decisões políticas; a conexão local-nacional-global. Relativamente à cada um destes temas, a descentralização democrática oferece contribuições relevantes. Constitui para a reflexão teórica um laboratorio interessante e particular de experimentação; proporciona, em particular, elementos importantes de análise e de verificação tanto para a concepção participativa de democracia como para a deliberativa, pondo em evidência as continuidades e as discordancias entre ambas . A investigação empírica sobre as condições que a possibilitam, torna visível os problemas que debilitam aqueles marcos conceptuais que, sobre o tema crucial da relação entre deliberação e decisão, acabam por assumir em 273Habermas, 1999: 98. 103 ObSERvACIONES fINALES boa medida como um "facto" a nova relação de interacção entre instituições e actores sociales que caracteriza cada uma das experiências participativas exitosas, deixando- a assim privada de fundamento. Em geral, permite compreender as oscilações repetidas entre a negligencia às peculiaridades da deliberação, notavel principalmente às reflexões que se ocupam de democracia participativa, e aquela para às formas institucionais da decisão, maioritaria no marco da democracia deliberativa. A primeira, incorporando o momento de tomada de decisão à deliberação acaba por socavar desde as suas raízes justamente aquela coexistencia, tensionada e conflictiva mas persistente, de formas directas e formas representativas de democracia, que está na base dos casos de estudo que temos examinado. Mostra assim que é necessaria uma leitura mais atenta das experiencias em vigor e do equilibrio inestável sobre o qual se apoia o processo no seu conjunto, o qual, significativamente, a responsabilidade da aprovação final do orçamento ou do plano segue sendo uma atribuição dos organismos eleitos . Também as visões que explicam a sua trajetoria em termos de dualidade de poderes274 parecem mostrar um visivel "atraso" da teoría que fica na velha contraposição entre formas democráticas directas e formas representativas, que as experiencias actuais mais novedosas tendem, pelo contrario, a superar. A segunda, a sua vez, inclinando para uma separação demasiado radical entre deliberação e tomada de decisão produz efectos analogamente inquietantes: expõe a primeira a irrelevancia e a segunda ao dominio dos interesses particulares. Confirma-se assim, junto com a natureza in progress das experiencias participativas actuais, o carácter ainda por resolver de um dos principais nós da actual questão democrática. Noutros aspectos, e a outro nivel, as experiencias de descentralização democrática, põem a questão da importancia que podem ter os particularismos, os corporativismos, na manifestação das preferencias e na eleição das prioridades para as quais dirigir as políticas públicas. A presença, tanto em Porto Alegre como em Kerala, de limites postos "desde cima", põem de relevo as tens ões internas nos espaços da participação directa, na formação de uma vontade colectiva alheia à simples agrega ção e necessitada de momentos distintos de constituição e expressão. Indica como a criticidade de tais experiencias não reside tanto no número e nos tipos de cidadãos envolvidos senão mais bem na capacidade de dar forma a uma esfera pública local, capaz de interactuar e influir na nacional e a global . Sobre esta capacidade joga-se tambem, em última instancia, o carácter e a qualidade das novas praticas democráticas, visto que, como dissemos, estas incluem a presença de criterios de justiça "externos", que difícilmente podem ser reconduzidos a uma racionalidade técnica ou sustancial, sob pena de condicionar desde a sua origem o processo no seu conjunto. Efectivamente, e a esfera pública o que fundamenta a possibilidade de interacção, e não simplesmente de um "estar uma junto a outra", de formas distintas do exercicio da democracia -tanto directas, necessariamente localizadas; como delegadas, de carácter exclusivamente ascendente; como representativas, mais articuladas mas tambem mais expostas a perder transparencia e capacidade de resposta- o que permite a criação 274Entre 104 otros, véase Santos, 1998. CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER POLÍTICO de vínculos ali onde historicamente se tem manifestado so contraposiciones e separaciones limitadoras. O que foi dito pretende evidenciar, mais que as debilidades de algumas respostas, a relevancia dos problemas assinalados, dos âmbitos de investigação delineados e dos enfoques adoptados, e tambem do sinal que tais experiencias representam da existencia, como o recorda Touraine, ainda no contexto da globalização económica, de espaços de acção autónoma para os sujeitos portadores de uma visão distinta do cambio social. A este respeito, e começando a reflexionar sobre a dimensão transnacional das novas prácticas democráticas, adquire importancia o fenómeno da difusão, nos anos noventa, da descentralização também no âmbito da cooperação ao desenvolvimento, num momento de profunda crise desta, de posta em discussão não só da eficacia e da eficiencia das suas intervenções, senão também da natureza mesma da sua missão. Ao começo do novo milénio, a reorientação surgida desta crise leva a comunidade internacional a confluir na assunção de objetivos de desenvolvimento partilhados e a dar continuidade a este esforço em distintos espaços e declarações, entre as quais destaca aquela de Paris de 2005, dirigida a promover a eficacia das políticas impelementadas e a facilitar o monitoramento das mesmas. No entanto, é o enfoque descentralizado o elemento verdadeiramente inovador dos cambios em vigor na cooperação internacional; a redistribuição dos poderes e das competencias que põe em marcha, segue, também neste caso, as duas dimensões da verticalidade e a horizontalidade que são proprias do principio de subsidiariedade, as quais no entanto acrescenta-se una terceira dimensão, aquela da transnacionalidade que a caracteriza. Isto marca a afirmação na cooperação internacional de uma lógica pluri-actorial e multidimensional do desenvolvimento que põe em discussão este mesmo conceito e abre espaços participativos importantes para novos actores, tanto no Norte como no Sul. Contribuí assim a promover, directamente, uma reforma da cooperação ao desenvolvimento baseada na descentralização, e indirectamente, uma reforma descentralizada do Estado caracterizada pela profundização dos processos democráticos. Instaura, além disso, uma relação entre territorios-socios que contribui a fortalecer a sustentabilidade e a capacidade de impacto destes processos tantos no Norte como no Sul, assim como a mudar a configuração das relações internacionais. A cooperação ao desenvolvimento, tanto governamental como não governamental, tem apoiado nos anos oitenta e noventa, distintos processos de descentralização. Temos visto a importancia que esta tem tido nos processos de desconcentração e de privatização, assim como sobre o desenho de novos marcos constitucionais e legislativos, sobre todo na fase de saida dos conflictos mais violentos. Nem é preciso desprezar o papel desempenhado por ela no "desenvolvimento de capacidades" de administradores e funcionarios e o apoio outorgado, em primeiro lugar pelas ONG, as transições democráticas e a formação de novos actores sociais e políticos, como é o caso, por exemplo, do PT brasileiro. A cooperação descentralizada introduz, sem 105 ObSERvACIONES fINALES No entanto, nestas políticas e nas suas modalidades de intervenção, uma mudança importante: sustitui a direccionalidade vectorial da relação Norte-Sul uma inédita circu- laridade, dirigida a promover cambios importantes ao interior de cada um dos socios e na relação entre eles. Na sociedade das redes, constitui redes transnacionais que estendem a busca de formas participativas mais alem do nivel local e tendem a substituir o conceito de desenvolvimento com ele de co-desenvolvimento, inspiradas na mesma concepção positiva e não a soma zero das relações que temos visto prevalecer nas experiencias da descentralização democrática. Quando a sua lógica pode desdobrar, promove o fortalecimento ou a posta em marcha de processos de descentralização democrática sustentavel e de impacto, proporcionando conexiones internacionales que os tornan en nudos de transformações mais amplas, dando-lhes asas para começar a difícil construção de um vínculo entre prácticas democráticas locais e qualidade democrática nos cenários nacionais e globais, que ainda hoje fica quase completamente por realizar. Contribuí assim a transformação dos equilibrios existentes, não de maneira linear e sem obstáculos, senão seguindo caminhos que incluem atalhos sem saida e uma pluralidade de direções possíveis, num andar marcado pelo ritmo do passo a passo, "golpe a golpe, verso a verso", como diz o poeta. 106 Referencias bibliográficas Abrahamsen Rita, Disciplining Democracy: Development Discourse and Good Governance in Africa, London, Zed Books, 2000. Agrawal Arun y Ribot Jesse C., Accountability in decentralization: A framework with South Asian and African cases, Journal of Developing Areas, vol. 33, verano, 1999. Ahmed Elsageer y Mbwambo Jonathan Stephen, Does decentralization have a positive impact on the use of natural resources?, University of Bonn, Center for Development Research, 20 noviembre 2004. Aldecoa Francisco e Keating Michael (eds), Paradiplomacy in Action. The International Relations of Subnational Governments, London, Frank Cass, 1999. 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IFAD International Fund for Agricultural Development INTRAC International NGO Training and Research Centre IIPA International Intellectual Property Alliance KSSP Kerala Shastriya Sahitya Parishad LED Lettere Economia Diritto MAE Ministero degli Affari Esteri MDG Millennium Development Goals MIT Massachusetts Institute of Technology NGO Non-Governmental Organization OCSE Organizzazione per la Cooperazione e lo Sviluppo Economico OCDE Organización para la Cooperación y Desarrollo Económico ODM Objetivos de Desarrollo del Milenio CUESTIÓN DEMOCRÁTICA y DESCENTRALIzACIÓN DEL PODER OECD Organisation for Economic Co-operation and Development OED Operations Evaluation Department OMS Organización Mundial de la Salud ONG Organización No gubernamental PED Países En Desarrollo PHARE Poland and Hungary Assistance for Economic Restructuring Programme PNUD Programa de las Naciones Unidas para el Desarrollo PRODERE Programme for Displaced Persons, Refugees and Returnees TACIS Technical Assistance to the Commonwealth of Indipendent States UAMPA União das Associações de Moradores de Porto Alegre UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization UNICEF United Nations Children's Fund UNOPS United Nations Office for Project Services UNRISD United Nations Research institute for Social Development UTC Unità Tecnica Centrale VIH Virus de Inmunodeficiencia Humana SIDA Síndrome de Inmunodeficiencia Adquirida -"