Edições UFC - Júlio Araújo

Transcrição

Edições UFC - Júlio Araújo
Gêneros, Interação e Ensino
Presidente da República
Luiz Inácio Lula da Silva
Ministro da Educação
Fernando Haddad
Universidade Federal do Ceará
REITOR
Prof. Jesualdo Pereira Farias
VICE-REITOR
Prof. Henry Campos
Conselho Editorial
PRESIDENTE
Prof. Antônio Cláudio Lima Guimarães
CONSELHEIROS
Profa Adelaide Maria Gonçalves Pereira
Profa Ângela Maria Mota Rossas de Gutiérrez
Prof. Gil de Aquino Farias
Prof. Italo Gurgel
Prof. José Edmar da Silva Ribeiro
Diretor da Faculdade de Educação
Luís Távora Furtado Ribeiro
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira
Hermínio Borges Neto
Chefe do Departamento de Fundamentos da Educação
Nicolino Trompieri Filho
Diálogos Intempestivos
C OORDENAÇÃO E DITORIAL
José Gerardo VasconceloS (EDITOR-CHEFE)
Kelma Socorro Lopes de Matos
Wagner Bandeira Andriola
Conselho Editorial
Dra
Dra
Dra
Dr.
Dra
Dr.
Dra
Dra
Dra
Dr.
Dr.
Dra
Dr.
Dra
Dra
Dr.
Dr.
Dr.
Dr.
Dr.
Dr.
Ana Maria Iório Dias (UFC)
Ângela Arruda (UFRJ)
Ângela T. Sousa (UFC)
Antonio Germano M. Junior (UECE)
Antônia Dilamar Araújo (UECE)
Antonio Paulino de Sousa (UFMA)
Carla Viana Coscarelli (UFMG)
Dora Leal Rosa (UFBA)
Eliane dos S. Cavalleiro (UNB)
Elizeu Clementino de Souza (UNEB)
Enéas Arrais Neto (UFC)
Francimar Duarte Arruda (UFF)
Hermínio Borges Neto (UFC)
Ilma Vieira do Nascimento (UFMA)
Jaileila Menezes (UFPE)
Jorge Carvalho (UFS)
José Aires de Castro Filho (UFC)
José Gerardo Vasconcelos (UFC)
José Levi Furtado Sampaio (UFC)
Juarez Dayrell (UFMG)
Júlio Cesar R. de Araújo (UFC)
Dr.
Dra
Dra
Dra
Dra
Dra
Dra
Dra
Dra
Dr.
Dr.
Dr.
Dr.
Dra
Dra
Dra
Dra
Dra
Dra
Dr.
Justino de Sousa Júnior (UFMG)
Kelma Socorro Alves Lopes de Matos (UFC)
Luciana Lobo (UFC)
Maria de Fátima V. da Costa (UFC)
Maria Izabel Pedrosa (UFPE)
Maria Juraci Maia Cavalcante (UFC)
Maria Nobre Damasceno (UFC)
Marly Amarilha (UFRN)
Marta Araújo (UFRN)
Messias Holanda Dieb (UERN)
Nelson Barros da Costa (UFC)
Ozir Tesser (UFC)
Paulo Sérgio Tumolo (UFSC)
Raquel S. Gonçalves (UFMT)
Sandra H. Petit (UFC)
Shara Jane Holanda Costa Adad (UESPI)
Silvia Roberta da M. Rocha (UFCG)
Valeska Fortes de Oliveira (UFSM)
Veriana de Fátima R. Colaço (UFC)
Wagner Bandeira Andriola (UFC)
JÚLIO CÉSAR ARAÚJO
MESSIAS DIEB
[organizadores]
Gêneros, Interação e Ensino
ANA CRISTINA LOBO-SOUSA
CAMILA MARQUES PEIXOTO
CARLA VIANA COSCARELLI
DOROTÉA EMÍLIA RIBEIRO-SAYED
EULÁLIA VERA LÚCIA FRAGA LEURQUIN
FLÁVIO CÉSAR BEZERRA AVELINO
FRANCISCA DAS CHAGAS SOARES REIS
FRANCISCA MONICA DA SILVA
HALYSSON DANTAS
ILANA SNYDER
JOÃO PAULO EUFRAZIO DE LIMA
JÚLIO CÉSAR ARAÚJO
LARISSA PEREIRA ALMEIDA
MÁRCIA MARIA RIBEIRO
MARILENE BARBOSA PINHEIRO
MESSIAS DIEB
OBDÁLIA SANTANA FERRAZ SILVA
REGINA CLÁUDIA PINHEIRO
RODRIGO ARAGÃO
SAMUEL DE CARVALHO LIMA
TATIANA LOURENÇO DE CARVALHO
VALÉRIA MARIA CAVALCANTI TAVARES
VICENTE DE LIMA-NETO
Fortaleza
2009
Letramentos na Web: gêneros, interação e ensino
© 2009 Júlio César Araújo e Messias Dieb (Orgs.)
Impresso no Brasil / Printed in Brazil
Efetuado depósito legal na Biblioteca Nacional
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS
Editora Universidade Federal do Ceará – UFC
Av. da Universidade, 2995 – Benfica – Fortaleza – Ceará
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Distribuição: Fone: (85) 3214-5129 – e-mail: [email protected]
Normalização de texto
Perpétua Socorro Tavares Guimarães
Projeto Gráfico e Capa
Carlos Alberto Alexandre Dantas
Revisão
Leonora Vale de Albuquerque
Elisângela Oliveira Viana
Editora filiada à
Associação Brasileira das
Editoras Universitárias
Catalogação na Fonte
L ??? Letramentos na Web: gêneros, interação e ensino. /
Júlio César Araújo e Messias Dieb [organizadores]. – Fortaleza: Edições UFC, 2009.
XXXp.
ISBN: 978-85-7282-XXX-X
1. 2. I. Título.
CDD:
SOBRE OS AUTORES
Ana Cristina Lobo-Sousa – Mestre em Linguística pelo
PPGL da UFC, onde, com bolsa do CNPq, desenvolveu sua pesquisa no grupo Hiperged , do PPGL da
UFC. <[email protected]>
Camila Marques Peixoto – Doutoranda e mestre em Linguística pelo PPGL da UFC. Bolsista do Projeto CapesReuni e Membro do grupo Geforp, vinculado ao PPGL
da UFC. <[email protected]>
Carla Viana Coscarelli – Doutora em Linguística pela
UFMG, onde leciona, desenvolve pesquisas e orienta
dissertações e teses. Fez pós-doutorado no Departamento de Ciências Cognitivas da University of Califórnia San Diego. É pesquisadora do grupo “A Tela e o
Texto” e do CEALE (Centro de Alfabetização, Leitura e
Escrita), ambos sediados na UFMG. <cvcosc@yahoo.
com.br>
Dorotéa Emília Ribeiro-Sayed – Graduada em Letras pela
Universidade Estadual do Ceará (UECE). Membro do
grupo de pesquisa Hiperged, vinculado ao PPGL. Professora da rede particular de ensino e da rede pública
do Estado do Ceará. <[email protected]>
Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin – Doutora em Educação pela UFRN. Professora e pesquisadora do PPGL
e do Departamento de Letras Vernáculas da UFC.
Desenvolve e orienta estudos sobre ensino, gêneros
textuais e formação de professores de línguas. É coordenadora do grupo de pesquisa Geforp, vinculado ao
PPGL da UFC. <[email protected]>
Flávio César Bezerra Avelino – Graduado em Letras pela
UERN. Membro do grupo de pesquisa Pradile (UERN
– Campus de Assú). <[email protected]>.
Francisca das Chagas Soares Reis – Mestranda em Educação pelo PPGEB da UFC. Membro do grupo de
pesquisa Hiperged, vinculado ao PPGL da UFC. Professora do Colégio Militar de Fortaleza (CMF). <[email protected]>
Francisca Monica da Silva – Mestre em Linguística pelo
PPGL da UFC. Membro do grupo de pesquisa Hiperged, vinculado ao PPGL da UFC. É professora efetiva
da rede estadual de ensino, lotada em Fortaleza. É tutora em cursos virtuais de Informática do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial - Senac/AR/Ceará.
<[email protected]>
Halysson Dantas – Mestrando em Linguística pelo PPGL
da UFC. Professor do Colégio da Polícia Militar do Ceará. <[email protected]>
Ilana Snyder – Pesquisadora e professora da Faculdade de
Educação da University of Monash, Austrália. <ilana.
[email protected]>
João Paulo Eufrazio de Lima – Doutorando e Mestre em
Linguística pelo PPGL da UFC. Membro do grupo de
pesquisa Hiperged, vinculado ao PPGL da UFC. Email: <[email protected]>
Júlio César Araújo – Doutor em Linguística pela UFC,
onde trabalha como professor e pesquisador no PPGL
e no Departamento de Letras Vernáculas, lecionando,
desenvolvendo pesquisas e orientando dissertações e
teses sobre hipertexto, gêneros digitais, novos letramentos e EaD. É coordenador do grupo de pesquisa
Hiperged, vinculado ao PPGL da UFC. <http://www.
julioaraujo.com> / <[email protected]>
Larissa Pereira Almeida – Mestre em Linguística pelo
PPGL da UFC. Membro do grupo de pesquisa Hiperged, vinculado ao PPGL da UFC. Professora substituta
no Instituto de Cultura e Arte do curso de Comunicação Social da UFC e Professora do curso de Comunicação Social na Faculdade Integrada da Grande Fortaleza- FGF. E-mail: <[email protected]>
Márcia Maria Ribeiro – Especialista em Ensino de Língua
Portuguesa pela UECE, onde desenvolveu pesquisa
sobre a influência dos gêneros digitais no processo de
alfabetização de crianças. É Pedagoga pela UNIFOR
e, atualmente, é professora da rede particular de ensino no município de Fortaleza–CE e membro do grupo
de pesquisa Hiperged, vinculado ao PPGL da UFC. Email: <[email protected]>
Marilene Barbosa Pinheiro – Mestre em Linguística pelo
PPGL da UFC. Membro do grupo de pesquisa Hiperged, vinculado ao PPGL da UFC. Professora de Língua
Portuguesa na rede pública de ensino no Ceará. <[email protected]>
Messias Dieb – Doutor em Educação pela Universidade
Federal do Ceará (UFC). Professor Adjunto no Departamento de Educação da Universidade do Estado do
Rio Grande do Norte (UERN), Campus de Assú. Pesquisador do Núcleo de Pesquisas em Educação (NUPED) e do Hiperged, este último vinculado ao PPGL
da UFC. <[email protected]>.
Obdália Santana Ferraz Silva – Doutoranda e Mestre
em Educação pela Universidade do Estado da Bahia
(UNEB), onde trabalha como professora titular no Departamento de Educação (Campus XIV). <[email protected]>
Regina Cláudia Pinheiro – Doutoranda e Mestre em Linguística pelo PPGL da UFC e Especialista em Informática Educativa pela UECE. É professora da UECE,
atuando no Centro de Educação, Ciências & Tecnologia, campus de Tauá. É membro do grupo de pesquisa
Hiperged, vinculado ao PPGL da UFC. <rclaudiap@
yahoo.com.br>
Rodrigo Aragão – Doutor em Linguística pela UFMG. É
professor do Departamento de Letras e Artes na Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), em Ilhéus
– Bahia onde coordena a implantação do Centro de
Apoio Multimidiático ao Ensino de Línguas (CAEL) e o
Projeto de Pesquisa e Geração de Tecnologia Educacional da Rede Pública de Ilhéus e Itabuna. Este último com apoio financeiro da FAPESB (Edital Educação
004/2007). É líder do grupo de pesquisa Formação de
Professores e Tradutores e membro do grupo de pesquisa Hiperged (UFC). <[email protected]>
Samuel de Carvalho Lima – Mestrando em Linguística
pelo PPGL da UFC. Bolsista FUNCAP e membro do
grupo de pesquisa Hiperged, vinculado ao PPGL da
UFC. <[email protected]>
Tatiana Lourenço de Carvalho – Mestranda no Programa
de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da UECE.
Bolsista FUNCAP e membro do grupo de pesquisa Hiperged, vinculado ao PPGL da UFC. <[email protected]>
Valéria Maria Cavalcanti Tavares – Mestre em Linguística Aplicada pela UECE. Professora do Colégio Militar
de Fortaleza (CMF) e membro do grupo de pesquisa
Hiperged, vinculado ao PPGL da UFC. E-mail: <[email protected]>
Vicente de Lima-Neto – Mestrando em Linguística pelo
PPGL da UFC. Bolsista CAPES e membro do grupo de
pesquisa Hiperged, vinculado ao PPGL da UFC. <[email protected]>.
Para
Yuri Vítor Araújo,
pelas descobertas dos letramentos na web.
SUMÁRIO
LIKANDO AS IDEIAS DOS TEXTOS
Carla Viana Coscarelli
13
APRESENTAÇÃO
Júlio César Araújo
Messias Dieb
21
AME-OS OU DEIXE-OS: NAVEGANDO NO
PANORAMA DE LETRAMENTOS EM TEMPOS
DIGITAIS
Ilana Snyder
23
PANORAMA DAS PESQUISAS SOBRE LETRAMENTO
DIGITAL NO BRASIL: PRINCIPAIS TENDÊNCIAS
Samuel de Carvalho Lima
Vicente de Lima-Neto
47
PROJETO FORTE: FORMAÇÃO, REFLEXÃO E
TECNOLOGIAS NO ENSINO DE INGLÊS NA BAHIA
Rodrigo Aragão
58
O PROFESSOR DE ESPANHOL DIANTE DOS
LETRAMENTOS DA WEB E A UTILIZAÇÃO DOS
GÊNEROS DIGITAIS
Tatiana Lourenço de Carvalho
82
O E-MAIL E O BLOG: INTERAÇÃO E
POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS
Francisca das Chagas Soares Reis
99
LETRAMENTOS QUE EMERGEM DA
HIPERTEXTUALIDADE
Ana Cristina Lobo-Sousa
Júlio César Araújo
Regina Cláudia Pinheiro
111
LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS ACADÊMICOS
NO EAD: LETRAMENTOS E ENSINO NA WEB
Camila Maria Marques Peixoto
Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin
123
AS NOVAS EXIGÊNCIAS DO LETRAMENTO E A
CONSTRUÇÃO DE UM AMBIENTE PROPÍCIO AO
ENSINO DA LEITURA
Valéria Maria Cavalcanti Tavares
137
ENTRE TEXTOS E HIPERTEXTOS: OS LETRAMENTOS
E A CONSTITUIÇÃO DA AUTORIA NA
UNIVERSIDADE
Obdália Santana Ferraz Silva
153
LINKS ENTRE MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA,
LETRAMENTO DIGITAL E HIPERTEXTUALIDADE
EM EAD
Francisca Monica da Silva
João Paulo Eufrazio de Lima
Júlio César Araújo
172
O ENDEREÇO ELETRÔNICO E AS PRÁTICAS
DE ESCRITA NA WEB: AMPLIANDO A
APRENDIZAGEM DA ORTOGRAFIA
Márcia Maria Ribeiro
Dorotéa Emília Ribeiro Sayed
189
WIKIPÉDIA E DICIONÁRIO ESCOLAR: LINKS
ENTRE O LETRAMENTO DIGITAL E
LETRAMENTO LÉXICOGRÁFICO
Halysson Oliveira Dantas
210
MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS DOS PROPÓSITOS
DE LEITURA DE HIPERTEXTOS: CONSIDERAÇÕES
ACERCA DE LETRAMENTO DIGITAL
Regina Cláudia Pinheiro
Marilene Barbosa Pinheiro
235
CARTA-CORRENTE POR E-MAIL: EVIDÊNCIAS
DO MEIO DIGITAL NO GÊNERO
Larissa Pereira de Almeida
249
“ESCREVO ABREVIADO PORQUE É MUITO MAIS
RÁPIDO”: O ADOLESCENTE, O INTERNETÊS E O
LETRAMENTO DIGITAL
Messias Dieb
Flávio César Bezerra Avelino
264
LIKANDO AS IDEIAS DOS TEXTOS
Carla Viana Coscarelli
No artigo que escreveu para este livro, Snyder faz
uma citação de Gibson com a qual eu gostaria de começar esse prefácio
Uma das coisas que nossos netos irão achar
muito estranho sobre nós é que distinguimos o
digital do real, o virtual do real. No futuro, isso se
tornará literalmente impossível. A distinção entre
ciberespaço e o que não é ciberespaço se tornará
inimaginável. [...] Agora, ciberespaço está aqui
para muitos de nós, e lá tem se tornado qualquer
estado de relativa desconectividade. Lá é onde
eles não têm Wi-Fi.
Vivemos o digital, somos o digital, fazemos o digital. Isso faz parte de nós, cidadãos inseridos no mundo
contemporâneo, e se não faz ainda, deveria fazer, ou vai
fazer logo.
Sabendo que, como explica Gibson, a distinção
entre digital e não-digital, entre real e virtual não faz mais
sentido,1 precisamos entender e criar formas de nos apropriarmos, da melhor maneira possível, das ferramentas
que o computador e suas redes disponibilizam, para que
possamos fazer bom uso delas. Isso não pode ser diferente na educação. O computador já faz parte da escola de
alguma forma, mas isso não significa que ele seja usado
com propósitos educacionais, que ele esteja sendo bem
usado e que esteja sempre gerando bons resultados. Há
experiências muito produtivas tanto no ensino presencial,
como mostram Ribeiro e Ribeiro-Sayed (no artigo que escreveram para este livro), quando na modalidade a distância, a respeito da qual Peixoto e Leurquin trazem re1
Em seu livro Life on the screen, Sherry Turkle (1995) faz uma
discussão muito rica e profunda sobre cibercultura e vida real que
reforça o ponto de vista de Gibson e de Snyder.
13
flexões interessantes neste volume, mas ainda precisamos
saber como professores, alunos e instituições educacionais estão se apropriando dessas tecnologias. Além disso, precisamos saber que experiências têm gerado bons
resultados, e que práticas precisam ser enriquecidas ou
modificadas para serem consideradas eficientes.
Como bem dizem Peixoto e Leurquin, neste volume, “não é transferindo ações didáticas utilizadas no
ensino presencial que podemos garantir um ensino de
qualidade; até porque o ensino presencial não vem garantindo bons resultados”. Isso nos obriga a repensar as
práticas escolares cotidianas. Não adianta trazer o computador para a sala de aula, com programas sofisticados,
se a concepção de aprendizagem continua sendo centrada no professor, na ideia de que os alunos vão aprender
ouvindo, de que todos aprendem da mesma forma e que
todos têm de aprender a mesma coisa no mesmo momento e da mesma forma.
O computador disponibiliza muitos textos, encoraja com suas ferramentas a construção de textos mono ou
multimodais. O computador é um meio de comunicação,
diminui distâncias, pode aproximar as pessoas. Essas, entre tantas outras propriedades dessa máquina e das redes
que se constroem com ela, podem nos ajudar a realizar a
tarefa de formar aprendizes autônomos, curiosos e livres
para buscar respostas para suas perguntas, críticos para
avaliar as possíveis soluções e cooperativos para participar da construção do saber em rede. É bom lembrar que
esses sempre foram ou deveriam ter sido objetivos da escola, o diferente hoje é que está mais fácil ter acesso à
informação, o que pode ajudar, sensivelmente, na realização deles.
Voltando à citação de Gibson, não precisamos
pensar na existência de um ciberespaço que se contrapõe ao espaço de nossas vidas, mas assimilar a ideia de
que vivemos o ciberespaço, de que ele é parte da nossa
vida. Não precisamos pensar, no entanto, que este é um
mundo novo e estranho que está entrando em nossa vida
14
sem nossa permissão e com o qual todo cuidado parece
ser pouco. Pelo contrário, já estamos sonhando com esse
espaço há alguns séculos2 e só agora estamos tendo condições de construí-lo, o que nos confere esse privilégio
de poder participar de um momento tão rico na história
da humanidade.
Tendo vencido a fase do estranhamento e da resistência como já acontece com alguns professores, conforme mostra Carvalho (neste volume), precisamos entender
melhor o que significa letramento digital e refletir sobre o
que significa lidar com essas noções em contextos educativos. Precisamos refletir, como nos alertam Lobo-Sousa,
Araújo e Pinheiro (também neste volume), sobre a hipertextualidade e suas diferentes manifestações para, se for o
caso, defendermos a idéia de que precisamos considerar
a necessidade de pensar em letramentos hipertextuais,
O trabalho com gêneros textuais foi um passo preparatório para isso, uma vez que foi fruto da necessidade
do trabalho com textos de forma mais significativa, trazendo para os alunos não só um bloco de palavras descontextualizado, mas a situação comunicativa que a leitura desse texto deveria envolver. O mesmo acontecendo com a
escrita, em que o aluno precisa reconhecer a situação de
comunicação, a função a que o texto deveria se prestar,
os efeitos que deveria provocar, e assim escolher a forma
mais adequada para atender a essas demandas.
Com relação ao universo digital, precisamos saber
ao certo o que sabem os professores sobre o computador,
sobre seus usos, seu potencial e o que pode ser feito com
ele para fins educacionais. Quem lida com a formação de
professores, por sua vez, precisa, junto aos futuros professores, conhecer formas para o uso das tecnologias em sala
de aula, seja presencial ou online, e desenvolver novas
formas de usá-las, a fim de preparar os futuros professores
2 “A máquina permitia essa simultaneidade de “janelas”, isso é certo,
mas a necessidade disso já era sentida antes, muito antes, quando
Agostino Ramelli apresentava sua roda de livros mecânica, ainda na
Idade Média.” (RIBEIRO, 2008)
15
para incorporar de forma efetiva essas tecnologias em
suas práticas pedagógicas.
Um fato interessante acompanha essa nova tecnologia: os jovens estão tendo um grande domínio dela
antes mesmo de entrar para escola, muitos alunos dominam mais ferramentas que seus professores. Os alunos
estão vivenciando a construção de uma linguagem para
alguns ambientes digitais como MSN, Orkut, chats, entre outros, e sabem diferenciar onde esse uso é aceito
e onde ele não deve ser usado, como mostram em seu
artigo Dieb e Avelino. Isso nos obriga a repensar nossas práticas pedagógicas, pois, “na contramão do que
pensam alguns pais e professores, os adolescentes estão
aprendendo intuitivamente a realizar o que deveria lhes
estar sendo ensinado pela escola: o amplo uso da linguagem escrita nas mais variadas situações enunciativas.”
(DIEB e AVELINO, neste volume). Precisamos rever os
objetos de ensino e as formas de fazer isso. Precisamos
urgentemente admitir nossas muitas falhas nos cursos de
formação de professores, já que ainda nos pautamos em
práticas tradicionais de ensino, ainda temos uma visão
muito preconceituosa da linguagem e de suas possibilidades, ainda não assimilamos uma visão mais plural
da noção de letramento, ainda temos muito medo do
novo e temos dificuldade de desenvolver a autonomia
da aprendizagem nos nossos alunos e de promover a
aprendizagem colaborativa, porque ainda não conseguimos nos livrar das aulas expositivas centradas no professor em ambientes presenciais.
Será que sabemos o que precisamos ensinar aos
nossos alunos? O que eles sabem? O que precisam saber? O que é papel da escola ensinar e o que os alunos
devem aprender em casa ou em outros ambientes? Essas
são questões para as quais precisamos encontrar respostas
atualizadas. Não podemos contar com o saber que adquirimos nos nossos tantos anos de experiência como professores. Os alunos são outros, os saberes e necessidades
também e o modo de fazer não pode continuar sendo o
mesmo.
16
Precisamos ter informações atualizadas sobre nossos alunos, sobre a tecnologia e sobre a vida fora da escola, a fim de poder, no ambiente formal de ensino-aprendizagem, lidar da melhor forma possível com a tecnologia,
buscando familiarizar nossos alunos com as mais diversas
práticas discursivas que a vida contemporânea pode exigir deles, contribuindo assim mais efetivamente para sua
formação.
Nem todas as questões que se apresentam, no entanto, são novas. Velhos problemas continuam demandando
atenção, como é o caso da adequação da linguagem e o
domínio de variantes de diferentes níveis de formalidade
(inclusive o registro formal) e apropriadas para o público
e a situação comunicativa. Outra questão antiga que vem
novamente a tona é a da autoria. Como nos lembra Silva,
em seu artigo neste volume, a cópia, agora mais fácil que
antes, aponta para a necessidade de discutirmos com os
alunos sobre “ética, criatividade e criticidade para a construção do conhecimento”.
Os artigos aqui apresentados trazem, tanto para
professores de língua materna quando para professores
de línguas estrangeiras, questões que merecem muita
reflexão.
Em seu ponderado artigo, Snyder discute a polaridade das discussões sobre o uso das novas tecnologias
para propósitos educacionais nos levando a refletir se devemos ou não usar a tecnologia para fins educacionais.
Ela defende a integração do letramento impresso e do
letramento digital, dizendo que não há necessidade de
escolhermos um ou outro, mas de assumirmos a união
dos dois tomando como base para isso uma ampliação do
conceito de letramento. É um texto que estimula o leitor
a rever o conceito de letramento e as práticas educativas
face às novas tecnologias.
Lima e Lima Neto nos apresentam, com base no
portal virtual da CAPES, um panorama das pesquisas sobre letramento digital no Brasil e nos ajudam a descobrir
as tendências das pesquisas sobre esse tema no país.
17
Discussões acerca da relação entre as tecnologias
e ensino de línguas estrangeiras estão representadas aqui
nos textos de Aragão e de Carvalho. Aragão apresenta o
Projeto FORTE, que tem como principal objetivo desenvolver o letramento digital de professores e alunos bolsistas de graduação, a partir de experiências práticas de uso
das tecnologias. Carvalho, por sua vez, apresenta uma
pesquisa sobre o letramento digital de professores de espanhol de cursos livres e sobre os usos que eles fazem do
computador em sua prática pedagógica, a fim de verificar
se o mito do professor que vê o computador como uma
ameaça à educação ainda se sustenta nesses casos.
Em seu texto, Soares-Reis apresenta reflexões sobre
aprendizagem colaborativa e o desenvolvimento da autonomia, por meio do uso de e-mails e blogs. Esses e outros
gêneros são tomados por Lobo-Sousa, Araújo e Pinheiro
para discutir as noções de hipertexto, hipertextualidade
nos levando a repensar não só esses conceitos, mas também a idéia de letramento digital, levantando a necessidade de pensarmos em letramentos hipertextuais, que
englobaria uma diversidade de hipertextos que podemos
encontrar na Web.
Peixoto e Leurquim por sua vez, narram a experiência de construção de aulas virtuais para a disciplina
Leitura e produção de textos lembrando-nos de que um
material adequado para um ambiente virtual não deve
ser uma simples transposição do material impresso, mas
precisa usar o potencial interativo das ferramentas desse
ambiente, assim como explorar as possibilidades multisemióticas que ele oferece. O artigo de Tavares faz coro
com essas autoras, mostrando que o leitor deve desenvolver as habilidades de avaliar e analisar críticamente as
informações disponíveis em ambientes digitais, além de
ser capaz de navegar nos hipertextos, integrando gráficos,
imagens, sons, vídeos.
Ambientes virtuais de aprendizagem também são
alvo de discussão nos artigos de Silva e de Silva, Lima e
Araújo. Silva nos lembra que este é um momento propí18
cio para refletirmos sobre o papel da escola como agência
de letramento, que, para isso, deveria incorporar em sua
rotina o desenvolvimento de práticas colaborativas. Silva,
Lima e Araújo, por sua vez, mostram como mecanismos hipertextuais presentes em chats podem ser usados com fins
pedagógicos, a fim de estimular a interação em ambientes
virtuais de aprendizagem. Esses autores observam que professores e tutores precisam conhecer bem a tecnologia e os
recursos que ela oferece para serem capazes de estimular o
“uso funcional do maior número possível dessas ferramentas, promovendo o letramento digital do aluno”.
Ribeiro e Ribeiro-Sayed, apresentam uma experiência prática de como os professores podem usar endereços eletrônicos para ajudar os alunos a aprender e refletir
sobre a ortografia, mostrando também que a convivência
entre o papel e o digital pode ser pacífica e que ambos os
universos se complementam.
Analisando a necessidade que o hipertexto aponta de darmos mais atenção para questões de lexicografia
como os mecanismos de remissão em verbetes, Dantas
nos mostra como os estudos dos ambientes digitais dão
margem para muitas pesquisas e estudos, como a usabilidade, a navegabilidade, formas de o texto colaborar com
as estratégias de leitura do leitor, mostrando que há, nos
ambientes digitais, novas formas de interação com os textos, mas que também há muitas semelhanças com o impresso, corroborando as ideias defendidas por Snyder, e
por outros autores de artigos deste volume, de que temos
uma relação de continuidade entre digital e impresso e
não uma ruptura.
Essa noção de continuidade também pode ser vista
no texto de Pinheiro e Pinheiro, em que as autoras narram um experimento de leitura de hipertexto por leitores
proficientes, bem como no texto de Almeida, em que ela
analisa as cartas-correntes, mostrando as transformações
desse gênero, que antes era impresso ou manuscrito, em
um gênero que circula em ambientes digitais, ganhando
algumas novas propriedades.
19
Para concluir o livro, o capítulo de Dieb e Avelino
nos alerta para o fato de que muitas vezes precisamos
mudar nosso olhar para realmente perceber o que está
acontecendo. Alguns ambientes da Internet possibilitam
o uso de uma linguagem que se diferencia do padrão já
aceito em nossa sociedade, provocando reações diversificadas, incluindo a desaprovação de algumas pessoas, que
não percebem que os frequentadores desses ambientes,
normalmente usuários dessa linguagem, desenvolveram
um letramento específico para essa situação. Esses autores
levantam a questão dos “cursos de formação de professores que ainda não estão suficientemente adequados para
auxiliá-los nesse desafio, discutindo como aproveitar e
ampliar as oportunidades de interação de acordo com as
transformações do mundo contemporâneo”.
Os textos desse livro, portanto, nos ajudam a entender melhor o mundo digital e a pensar formas de realmente incorporá-lo ao universo educacional do qual ele precisa fazer parte e para o qual ele tem muito a contribuir.
janeiro/2009
Universidade Federal de Minas Gerais
Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos
Referências Bibliográficas
RIBEIRO, A.E. Hipertexto e Vannevar Bush. Informação
& Sociedade. Est., João Pessoa, v.18, n.3, p. 45-58, set./
dez. 2008.
TURKLE, S. Life on the screen. New York: Touchstone,
1995.
20
APRESENTAÇÃO
O livro Letramentos na web: gêneros, interação e
ensino se configura como um projeto bem-sucedido de
interação e diálogo, capitaneado pelo grupo de pesquisa
Hiperged, do Programa de Pós-Graduação em Linguística (PPGL) da Universidade Federal do Ceará (UFC), entre
vários outros grupos de pesquisa e entre universidades,
tanto do Brasil como do exterior. Nele se encontra a colaboração de alunos da graduação e da pós-graduação e
pesquisadores já renomados, nacional e internacionalmente, tal como a profa. Dra. Ilana Snyder, da Monash
University – Austrália. O texto da pesquisadora retoma as
discussões de sua conferência no I Colóquio sobre Hipertexto, evento idealizado pelo Hiperged, que aconteceu
na UFC, em julho de 2008.1
Além do texto da Snyder, a maioria dos trabalhos
que compõem o livro resulta de reflexões suscitadas pela
disciplina Letramentos na web, ministrada como Tópicos
Avançados I, no semestre 2008.1, no PPGL da UFC.2 Os
autores desses trabalhos são os alunos que cursaram a citada disciplina, tanto na condição de regularmente matriculado nos cursos de mestrado e doutorado em Linguística como na de aluno especial. Nesse sentido, pode-se
dizer que o presente livro é uma contribuição efetiva não
apenas do Hiperged, mas também do PPGL da UFC que,
ao ofertar disciplinas como a referida acima e apoiar pesquisas sobre linguagem e tecnologia como as que desenvolvem os membros do grupo, trazem a lume importantes
reflexões acerca dos novos letramentos demandados pelas
diversas práticas de linguagem ambientadas na Internet.
1
Por iniciativa do grupo Hiperged, o CHIP aconteceu graças a parceria dos Programas de Pós-Graduação em Linguistica da UFC, do
Programa de Pós-Graduação em Linguistica Aplicada da UECE e do
Programa de Pós-Graduação em Linguistica Aplicada da Unicamp.
2 A disciplina foi ministrada pelo Prof. Dr. Júlio Araújo, co-organizador do presente volume e coordenador do grupo de pesquisa
Hiperged.
21
Com efeito, assinar a organização deste livro representou para nós uma experiência extremamente prazerosa, haja vista a amizade e o companheirismo dos colegas autores, que conosco empreenderam esta obra, ter
sido o grande combustível para chegarmos até aqui. Por
isso, gostaríamos de tecer um caloroso agradecimento aos
membros do Hiperged, participantes ou não deste livro.
Também queremos agradecer aos membros que atuam em
outras universidades, como a profa. Dra. Carla Coscarelli
(UFMG) cuja disponibilidade para escrever o prefácio do
livro em pleno gozo de suas férias não tem preço e a prof.
Dra. Antônia Dilamar Araújo (UECE) pela generosidade
de suas palavras na orelha do livro. Além delas, agradecemos ao prof. Dr. Rodrigo Aragão (UESC), à prof. Ms.
Obdália Santana Ferraz Silva (UNEB) e à profa. Dra. Ilana
Snyder (Monash University) por, na condição de pesquisadores do grupo, aceitar nosso convite para fortalecer o
diálogo sobre os novos letramentos na web.
Por fim, queremos agradecer ao prof. Dr. Gerardo
Vasconcelos (FACED/UFC) que, na condição de idealizador da coleção Diálogos Intempestivos, nos permite levar
a você, caro leitor, as reflexões que realizamos no Hiperged e que são extensivas a algumas disciplinas do PPGL.
Desse modo, esperamos que com sua leitura atenta e exigente possamos ampliar cada vez mais essas discussões,
a fim de que os letramentos na web não sejam apenas a
condição de poucos, mas a realidade de todos.
Júlio César Araújo (UFC)
Messias Dieb (UERN)
Fortaleza – CE, fevereiro de 2009.
22
AME OS OU DEIXE OS:
NAVEGANDO NO PANORAMA DE
LETRAMENTOS EM TEMPOS DIGITAIS1
Ilana Snyder
No passado, na década de 90, a escrita e o discurso acadêmicos sobre novas mídias frequentemente incluíam uma referência ao escritor de ficção científica Willian
Gibson. Receio ainda estar presa a essa tendência. É à
capacidade de Gibson de criar novas palavras e de dar
novos significados às antigas que eu chamo atenção. Ele
nomeou alguns dos critérios culturais da sociedade tecnológica em que vivemos. Em Neuromancer, publicado
em 1984, Gibson cunhou a palavra ciberespaço, que ele
explicou como sendo uma matriz de “sistema brilhante
de vigas cruzadas de desdobramento lógico através do vácuo sem cor” (GIBSON, 1986, p. 11) – uma “alucinação
consensual” (GIBSON, 1986, p. 12).
Em seus mais recentes romances, Pattern Recognition e Spook Country, Gibson (2003, 2007) mudou-se
do território da ficção científica e se estabeleceu, de modo
quadrado, no presente. Spook Country é povoado por
“facilitadores ilegais”, revistas não existentes, terrorismo,
piratas, viciados em heroína, negociantes dementes de
arte e de armas de destruição em massa. Como sempre,
as personagens femininas são brilhantemente desenhadas.
Nesta ocasião, é Hollis Henry, uma jornalista investigativa
de uma revista chamada Node, que ainda não existe. Em
Pattern Recognition, é Cayce Pollard, uma caçadora moderada, cujos clientes querem saber o que funcionará comercialmente e pagarão a ela muito dinheiro para descobrir.
1 Versão ampliada da conferência de encerramento do Chip (Colóquio
sobre Hipertexto), realizado pelo grupo de pesquisa Hiperged (UFC)
em parceria com os Programas de Pós-Graduação em Linguística
da UFC, Linguística Aplicada da UECE e Linguística Aplicada da
Unicamp, no dia 24 de julho, na cidade de Fortaleza-CE. Tradução
de Samuel de Carvalho Lima (UFC). Revisão Técnica de Carla Viana
Coscarelli (UFMG) e Júlio César Araújo (UFC).
23
ILANA SNYDER
Quando Spook Coutry foi lançado no ano passado,
Andrew Leonard (2007) do Rolling Stone perguntou a Gibson se ele tinha perdido o interesse pelo futuro. Gibson
respondeu:
Tem a ver com a natureza do presente. Se alguém
tivesse ido conversar com uma editora, em 1997,
sobre um enredo para um romance de ficção
científica que situasse verdadeiramente o cenário
para o ano 2007, ninguém compraria algo do tipo.
É complexo demais, com muitos tropos enormes
de ficção científica: aquecimento global; a mortal,
sexualmente transmitida deficiência do sistema
imunológico; os Estados Unidos, atacados por
terroristas loucos, invadindo o país errado. Qualquer um desses teria sido mais do que adequado
para um romance de ficção científica. Mas se você
sugerisse fazer todos eles e apresentá-los como um
futuro imaginário, eles não apenas iriam mostrar
a porta a você, mas também provavelmente chamariam a segurança.
Quando Leonard perguntou: quais são os maiores
desafios que nós enfrentamos? Gibson respondeu: “Vamos por aquecimento global, apogeu do petróleo e computação ubíqua”. Dos três desafios de Gibson, “computação ubíqua” tem a maior saliência para a educação do
letramento nos tempos digitais. Em Spook Country, Gibson usa o termo para capturar a nova ontologia, mas ele
não o inventou. “Computação ubíqua” é atribuído a Mark
Weiser que trabalhou na Xerox no final da década de 80.
Uma outra possível fonte é o romance Ubik, de 1969,
escrito pelo formidável escritor de ficção científica, Philip
K. Dick, cujo trabalho Gibson sempre admirou. Contudo,
em Spook Country, Gibson atribui à “computação ubíqua” um novo significado e importância. Explica Gibson:
Uma das coisas que nossos netos irão achar
muito estranho sobre nós é que distinguimos o
digital do real, o virtual do real. No futuro, isso se
tornará literalmente impossível. A distinção entre
ciberespaço e o que não é ciberespaço se tornará
24
AMEͳOS OU DEIXEͳOS:
NAVEGANDO NO PANORAMA DE LETRAMENTOS EM TEMPOS DIGITAIS
inimaginável. Quando escrevi Neuromancer, em
1984, ciberespaço já existia para algumas pessoas,
mas eles não gastavam todo seu tempo lá. Então,
ciberespaço estava lá, e nós estávamos aqui.
Agora, ciberespaço está aqui para muitos de nós,
e lá tem se tornado qualquer estado de relativa
desconectividade. Lá é onde eles não têm Wi-Fi.
Em um mundo de computação superubíqua, você
não vai saber quando você está conectado e quando você está desconectado. Você sempre estará
conectado, em algum tipo de estado de realidade
coligada. Você apenas pensa sobre isso quando
alguma coisa dá errado e fica desconectado. Daí,
essa coisa se torna um empecilho.
Nós ainda não alcançamos o estado da computação ubíqua, mas, novamente, Gibson está ciente de algo.
É uma idéia que podemos guardar, achar difícil de compreender e reexaminar ao passo que o panorama do textual e da comunicação continua a mudar rapidamente,
dramaticamente e de maneiras imprevisíveis.
Na entrevista a Rolling Stone, Gibson também
sugeriu que estivéssemos vivendo no que a teoria pósmoderna de Fredric Jameson chama de “apreensão simultânea de temor e êxtase” ou, como eu expressei no título
deste artigo, uma condição de ambos “amar e detestar”
as novas mídias. Um estado de extrema ambivalência, a
meu ver.
Posições polares sobre o uso das novas tecnologias
para propósitos educacionais são familiares para todos
nós. Em um extremo, há os promotores do último estouro
tecnológico inteligente, celebrações da vida online e predições da otimização do ensino e aprendizagem quando
a mais avançada tecnologia aparecer. No outro, há a ninharia nostálgica a favor do livro e da cultura do livro, críticos violentos dos computadores, dos vídeos-game e da
internet, e expressões de pânico moral sobre os perigos à
espreita das crianças no ciberespaço.
Textos que admitem tais posições extremas têm
um impacto cultural enorme, moldando as formas que
25
ILANA SNYDER
nós pensamos sobre as novas tecnologias. Sendo tanto
consumidores da cultura quanto professores do letramento, nós precisamos ser capazes de identificar esses textos, entendê-los e achar formas efetivas de lidar com eles
em nossas salas de aula. Por quê? Porque isso é parte da
nossa responsabilidade profissional em tempos digitais.
Retornarei a esse argumento em breve, mas primeiro vamos dar uma olhada em alguns exemplos de textos que
celebram ou demonizam as novas tecnologias.
Textos que celebram as novas tecnologias são
muito fáceis de encontrar. A capa da revista Time, que
anunciou a pessoa do ano em Dezembro de 2006, é um
exemplo clássico. Na capa, havia um computador de
mesa com um espelho no lugar de sua tela. Lia-se no título: “Você. Sim, você. Você controla a Era da Informação.
Bem-vindo ao seu mundo”. Aquela edição de Natal reverenciou as pessoas que estavam mudando a natureza da
era da informação – os criadores e consumidores do conteúdo gerado pelo usuário que está transformando a arte,
a política e o comércio. O Editor Chefe, Richard Stengel
(2006, p. 4), disse que eles são “os cidadãos engajados da
nova democracia digital”.
Vinte e sete páginas da revista foram dedicadas à
emocionalmente excitante Web 2.0 – um termo usado
mais ou menos de forma permutável com a mídia social
nesses dias. Embora estabelecer uma rede de contatos e
interagir online tenham sido disponíveis desde o lançamento da Web no começo dos anos 90, os avanços na
tecnologia têm possibilitado que ferramentas de programas sociais, como os blogs, os wikis e a conferência virtual agora também permitam aos usuários carregar fotos,
vídeos e músicas. Como o crescimento extraordinário da
Wikepedia, MySpace, FaceBook, You Tube e Twitter tem
demonstrado, mídias sociais é o que importa hoje – pelo
menos até uma próxima tecnologia melhor aparecer.
O fragmento introdutório na Time declara que a
Web 2.0 proporciona às pessoas comuns oportunidade de
“construir um novo tipo de compreensão internacional”
26
AMEͳOS OU DEIXEͳOS:
NAVEGANDO NO PANORAMA DE LETRAMENTOS EM TEMPOS DIGITAIS
(GROSSMAN, 2006, p. 25). Isso foi seguido por quinze
descrições de cidadãos da nova democracia digital, incluindo Leila, a real Loneleygirl 15, uma das mais vistas
pelos usuários do You Tube, que é um trabalho de ficção
criado por dois roteiristas de cinema profissionais e uma
atriz da Nova Zelândia. Em seguida, duas páginas sobre
o poder de alguém, com uma câmera digital, “mudar a
história” (PONIEWOZIK, 2006, p. 44), iniciando com a
estória do espectador curioso que filmou a polícia batendo em Rodney King.
Isso tudo seguido de um fragmento maior que celebrou os “gurus” do You Tube, Chad Hurley e Steve Chen,
“um casal de rapazes comuns” que criaram a companhia
que “mudou a maneira como nos vemos” (CLOUD, 2006,
p. 46-47). Qualquer presença de crítica foi deixada para
as últimas duas páginas: um fragmento questionou a celebração de si, intrínseca para a geração atual, e a outra lamentou o “vasto crescimento na quantidade e qualidade
da mudança de rumo do lixo puro, mesmo quando medido em relação à escória da banca de jornal e ao espectro
do cabo” (JOHNSON, 2006, p. 55).
A saudação de Time para os cidadãos do ciberespaço pela Pessoa do Ano em 2006 foi parte da tradição da
escrita sobre novas tecnologias que não é exclusiva das
mídias impressas. Primeiramente, foi o hipertexto, daí, foi
a Internet e o World Wide Web, agora é a Web 2.0, com
pessoas realmente ponderadas falando sobre a Web 3.0.
Entusiastas dotam novas mídias com promessas utópicas
e discutem-nas de forma comemorativa. A esperança é
para a mudança social e cultural impulsionada pelas últimas tecnologias de informação e comunicação.
Dois escritores de livros populares em novas mídias, Ted Nelson e Howard Rheingold, consubstanciam
esse gênero. Em Dream Machines, Ted Nelson (1978)
imaginou a World Wide Web antes que a tecnologia que
a torna possível estivesse disponível. Nomeando seu projeto em homenagem ao poema Xanadu de Coleridge, ele
conjetura um sistema que possibilitaria o armazenamento
27
ILANA SNYDER
da herança humana por inteiro, tornando-a mais acessível do que nunca. Sua explicação para o propósito do
Xanadu era imbuída de fervor utópico: “Nosso objetivo
no projeto Xanadu não foi satisfazer as necessidades da
indústria, ou fazer as coisas acontecerem um pouco mais
rapidamente ou eficientemente. Nós mesmos fomos o
único exato objetivo: criar um novo mundo” (NELSON,
1992, p. 56-57).
No The Virtual Community, Howard Rheingold
(1995) descreve uma comunidade onde as pessoas conversam, discutem, procuram por informação, organizamse politicamente, apaixonam-se e enganam outras – a seus
olhos, tão real e diverso como qualquer comunidade física. Em Smart Mobs (2002), Rheingold olhou para a convergência da cultura popular, a mais recente tecnologia
e o ativismo social como o real impacto das tecnologias
móveis tais como telefones e computadores portáteis. Os
livros de Rheingold repercutem o tom distinto da edição
especial de Time.
O gênero comemorativo também se torna saliente
na imprensa. Quando jornalistas escrevem sobre as novas
mídias e educação, eles frequentemente concentram-se
em como as tecnologias estão mudando as escolas para
melhor. Quando a escola do futuro de Bill Gates abriu em
Setembro de 2006, ela foi reportada como uma oportunidade da Microsoft de “provar que ela podia ajudar a consertar a calamidade da educação pública” (YAO, 2006). A
escola foi descrita como “um vislumbrante recurso transparente e moderno olhando cuidadosamente os lugares
entre as filas de lares caindo aos pedaços em um bairro de
trabalhadores no oeste da Filadélfia”. Ela tem um edifício
de alta tecnologia, laptops, acesso sem cabo (wireless),
fechaduras digitais, quadros inteligentes e interativos, e
um processo de aprendizagem modelado nas técnicas de
administração da Microsoft. Os alunos são “aprendizes”,
os professores são “educadores” e não há biblioteca, mas
um centro interativo de aprendizagem onde a informação
é digital e as especialistas multimídias ajudam os estudantes com suas dúvidas.
28
AMEͳOS OU DEIXEͳOS:
NAVEGANDO NO PANORAMA DE LETRAMENTOS EM TEMPOS DIGITAIS
Exemplos de textos que demonizam as novas tecnologias são igualmente fáceis de serem encontrados. Os
detratores da tecnologia prevêem a morte do livro, que
é vista por eles como sinônimo da morte da civilização.
Eles descrevem seu amor pelo livro impresso, as primeiras memórias da leitura na infância, subsequente hábito e
contínuo romance, reforçado pelos prazeres da propriedade. Novas formas de escrita são disseminadas como
uma ameaça à santidade da língua inglesa.
Um exemplo antigo desses tipos de textos foi o
Guttenberg Elegies, de Sven Birkert, publicado em 1994.
Birkert escreveu de maneira bastante elegante sobre a
ameaça da cultura do hipertexto. Um outro livro, dessa
vez escrito por um autor australiano, John Nieuwenhuizen, foi publicado em 1997. Em Asleep at the Wheel:
Australia on the superhighway, Nieuwenhuizen adverte
sobre os perigos de seguir o itinerário da auto-estrada da
informação (information superhighway). Você se lembra
do primeiro presente linguístico de Al Gore para o mundo, antes de Uma Verdade Inconveniente (An inconvenient truth)? Foi a auto-estrada da informação, uma metáfora que, desde então, tem sido suplantada pela noção
das redes de computadores. A “computação ubíqua”
será o próximo caminho a se pensar sobre o acesso à
tecnologia?
Os escritores desses textos associam o uso das
tecnologias digitais com a trivialidade e a grosseria da
cultura popular argumentando que as novas tecnologias
tais como jogos de computador não têm espaço algum na
educação do letramento. A Internet está em algum lugar
em que as crianças e os jovens talvez passem seu tempo
fora das horas que passam na escola, mas isso não justifica seu uso na educação formal. Os detratores também
expressam sua profunda preocupação com o acesso aberto das crianças às indesejáveis fontes e informações por
meio da Internet.
Em um artigo no The Age, um jornal diário em
Victoria, Austrália, pertencente à Fairfax Media Limited,
29
ILANA SNYDER
Pamela Bone (2004) disse: “[s]e a leitura decair então todos nós decaímos”. Escrevendo em resposta à sugestão de
um outro comentarista que “na cultura de hoje, as habilidades de um letramento elegantemente efetivo não são
simplesmente tão importante quanto elas um dia foram...
por fazer seu caminho no mundo”, Bone argumentou que
apenas os livros proporcionam os recursos para explorar
o significado da vida. Uma leitura séria demanda “tempo
e paciência” e “solidão” que é “contra o espírito dessa era
hiperativa”. Bone associa a profundidade com livros e a
superficialidade com as novas mídias – seu temor era que
uma geração iletrada se erguesse das mensagens de texto,
da navegação da Internet e dos vídeos-game.
Contudo, nem todas as celebrações do livro e da
cultura do livro são tão afáveis como os exemplos oferecidos até agora. A preferência cultural prolongada pelo
livro e a tecnologia impressa é uma dimensão ideal da
desaprovação conservadora dirigida ao ensino de inglês e
aos currículos na Austrália. Uma questão, no ano de 2005,
sobre os exames de inglês avançado ano 12 no Novo Sul
do País de Gales, Austrália, ofereceu aos estudantes “uma
escolha de ‘textos’ para análise, incluindo o site do ATSIC (Aboriginal and Torres Strait Islander Commission),
esboçando o julgamento que sua inclusão era um insulto
aos clássicos” (LANE, 2005). Um currículo estadual que
reconheceu a importância de ensinar aos alunos como
avaliar criticamente os espaços das novas mídias foi veementemente atacado.
No dia seguinte “Sticking to the book” era o cabeçalho do editorial do Australian (2005). O editorial
atacou os estudantes que tinham denunciado as críticas
dos cursos de inglês e seus professores como reportou
em Sydney Morning Herald. O editorial argumentou que
embora a análise crítica possa ser um componente fundamental de qualquer curso de inglês: “livros – não blogs,
nem a coisa efêmera digital, mas livros” devem ser utilizados para estudo.
Profundamente conectado com textos que vêem as
novas tecnologias como produtoras apenas de consequ30
AMEͳOS OU DEIXEͳOS:
NAVEGANDO NO PANORAMA DE LETRAMENTOS EM TEMPOS DIGITAIS
ências culturais negativas está um forte sentimento de inquietação. Tais medos não são novos. Desde os primeiros
dias da televisão, houve preocupação sobre os efeitos da
TV nas crianças, na educação, no letramento e na cultura,
bem como recomendações feitas para o controle de seu
conteúdo e para a supervisão rigorosa. Cada tecnologia
sucessiva tem sido vista como tendo uma influência negativa nas crianças – por sancionar valores inapropriados e
por representar experiências assustadoras e violentas.
Não é surpresa alguma que existam inquietações
semelhantes em relação ao acesso da criança à Internet,
ao ciberespaço e aos jogos de computador, considerado extensamente como inerentemente perigoso exceto
se controlado. O papel dos governos e das escolas para
regular as novas tecnologias nos interesses das crianças
vulneráveis está no centro do interesse público.
Então, quando a acadêmica Victoria Carrington
(2005) foi entrevistada no rádio sobre a estudante escocesa de 13 anos de idade que enviou sua experiência escrita
em caracteres usando seu telefone celular, as perguntas
da jornalista levaram a uma direção particular:
My smmr hols wr CWOT. B4, we used 2go2
NY 2C my bro, his GF & thr 3 : – kids FTF.
ILNY, it’s a gr8 plc’.
Tradução: Minhas férias foram uma total perda de
tempo. Antes, nós íamos a Nova York para ver meu irmão, sua namorada e seus três filhos engraçados cara a
cara. Eu amo Nova York. É um lugar formidável (My summer holidays were a complete waste of time. Before, we
used to go to New York to see my brother, his girlfriend
and their three screaming kids face to face. I love New
York. It’s a great place).
A jornalista perguntou a Carrington sobre o estilo
distinto dos caracteres comparando-os com a forma correta de escrita e a correta gramática, e então procedeu a
vincular essa produção com a juventude, o declínio de
31
ILANA SNYDER
padrões, o empreendimento acadêmico empobrecido e o
desarranjo social. Quando Carrington analisou um número de artigos impressos discutindo essa forma de produção
textual, ela achou que os jovens e os padrões estão muito
mais frequentemente representados como precisando de
proteção de um vício que poderia pôr em perigo seus sucesso em exames e seu futuro educacional.
Tomando um outro exemplo: Quando dois alunos
de dezesseis anos no ensino médio foram encontrados
mortos no Dandenong Ranges, leste de Melbourne, a
imprensa relacionou o suicídio ao MySpace. Com uma
imagem de duas garotas e sua última mensagem, “Descansem em paz, Jessica & Mel” (nomes fictícios), postada em seu website, a inferência foi de que a Internet é
um lugar perigoso para os jovens (ex. CUBBY; DUBECKI, 2007). Através da inserção da palavra “MySpace”,
os jornalistas fizeram a estória parecer emocionante.
Contudo, todas as evidências sugeriram que as garotas
não cometeram suicídio porque elas escreveram sobre
depressão na Internet. Elas escreveram sobre depressão
na Internet porque MySpace era um lugar para a expressão de si mesmo e a comunicação como ele ainda o é
para muitos outros jovens.
Um grau de cautela e perspectiva crítica sobre as
tecnologias digitais é conveniente e apropriado. Sem dúvidas, as tecnologias tais como a Internet e a produção
de caracteres permitiram certos comportamentos sociais
indesejáveis e deram a algumas pessoas o anonimato
que elas precisavam para ludibriar o suscetível. Contudo, as crianças podem se tornar presas se colocadas em
qualquer lugar que elas escolham para divertimento, e
os professores podem ser vítimas de coação, através do
website ou em uma carta anônima endereçada ao seu
superior. A história sugere que um senso de preocupação e pânico moral é injustificado uma vez que as velhas tecnologias também têm sido usadas para vincular
as crianças com conteúdo adulto inapropriado e publicidade agressiva. Riscos podem ser exagerados com a
finalidade de se ter uma estória, mas produzir um pânico
32
AMEͳOS OU DEIXEͳOS:
NAVEGANDO NO PANORAMA DE LETRAMENTOS EM TEMPOS DIGITAIS
moral não informa ou conduz ao debate sensato público
ou à orientação política.
Como sugeri antes, em tempos digitais onde textos
que assumem posições extremas sobre as novas tecnologias representam um aspecto dominante do nosso panorama cultura, temos um conjunto de responsabilidades
adicional. Precisamos nos assegurar que nossos alunos
adquiram competência crítica para que compreendam
o panorama do letramento contemporâneo e então possam participar efetivamente na vida após a escola e no
trabalho como cidadãos informados e ativos. Proporcionar oportunidades cuidadosamente estruturadas para os
alunos desenvolverem as habilidades do letramento e um
forte senso de ceticismo instruído é mais importante do
que nunca.
Para ser capaz de fazer bem esse trabalho, é útil
considerar o conhecimento que os pesquisadores têm acumulado na área de estudo sobre letramento e tecnologia.
Primeiramente, as diferentes formas de pensar a tecnologia que têm tido um impacto significante na maneira que
a tecnologia é representada. Segundo, há muito para ser
aprendido a partir do exame dos resultados das pesquisas
na área de estudos do letramento e da tecnologia. Terceiro, é salutar olhar como os professores do letramento têm
respondido ao chamado de integrar as novas mídias em
seus currículos e pedagogia. Tenho expressado essas áreas importantes do conhecimento em três perguntas: Quais
as formas dominantes em que os pesquisadores pensam
a tecnologia? O que as pesquisas nos dizem a respeito
da maneira como o uso das tecnologias digitais afeta as
práticas letradas dos alunos e sua aprendizagem? Como
os professores do letramento, bem como os professores
de maneira geral, têm respondido ao uso das tecnologias
computacionais na educação?
Primeiramente – Quais as formas dominantes em
que os pesquisadores pensam a tecnologia? Diferentes
formas de pensar sobre as novas tecnologias modelam os
tipos de perguntas que os pesquisadores fazem sobre seus
33
ILANA SNYDER
efeitos e como elas são organizadas nas escolas e nas salas de aula. Uma abordagem particular domina o discurso
público e alguns periódicos escolares: o determinismo
tecnológico e social. Ambas as formas de determinismo
têm suas fraquezas conforme designam muito poder para
a tecnologia ou para a pessoa que faz uso dela.
A principal idéia por detrás do determinismo tecnológico é que as qualidades na tecnologia são responsáveis por mudanças que inevitavelmente afetam as relações sociais. A linguagem do determinismo tecnológico
é simbolizada por frases em que a tecnologia aparece
como o sujeito ativo de uma afirmação: “os computadores aumentam a aprendizagem dos alunos”, “a Web democratiza a disponibilidade da informação”, “a Web 2.0
tem mudado a forma que nós concebemos o mundo”. Em
cada caso, um evento complexo é criado para parecer o
resultado de uma inovação tecnológica.
O determinismo social é o inverso. Como exemplificado na estória do Time, há o argumento de que aqueles
que usam a tecnologia têm ação, e controle sobre como
ela é usada. Nas palavras do Editor Chefe de Time (STENGEL, 2006, p. 4): “Nós escolhemos colocar um espelho
na capa porque ele literalmente reflete a idéia que você,
não nós, está transformando a era da informação”. As pessoas, não a tecnologia, são retratadas como as responsáveis pelo fenômeno da democracia digital.
Das muitas teorias sociais e tecnológicas disponíveis, a domesticação oferece uma forma particularmente
produtiva de se pensar sobre a tecnologia na educação
do letramento. A domesticação é um compromisso entre
o determinismo tecnológico e o social. A teoria foi desenvolvida para examinar a adoção das tecnologias no
lar, mas pode ser expandida para pensar sobre o uso da
tecnologia na educação do letramento (SILVERSTONE;
HIRSCH, 1994).
A teoria da domesticação é essencialmente uma
abordagem pragmática. Ela aceita a idéia de que as tecnologias têm efeitos nas pessoas e que as pessoas mol34
AMEͳOS OU DEIXEͳOS:
NAVEGANDO NO PANORAMA DE LETRAMENTOS EM TEMPOS DIGITAIS
dam seus usos. A teoria da domesticação olha juntamente
para as interações entre as pessoas e as tecnologias e os
contextos particulares em que as tecnologias estão sendo
circunscritas e usadas. Ela também reconhece que a adoção das tecnologias e seu uso são dinâmicos e variáveis.
Tome como exemplo os alunos da universidade escandinávia que trabalharam como enviar mensagens de texto
com um telefone celular, um aparelho projetado para a
comunicação através da voz. Traços da teoria de domesticação são evidentes em recentes relatos de pesquisas que
exploraram as relações complexas entre o letramento, a
aprendizagem e a tecnologia.
Agora para a segunda pergunta – O que as pesquisas nos dizem a respeito da maneira como o uso das
tecnologias digitais afeta as práticas letradas dos alunos
e sua aprendizagem? Todo tipo de alegação baseada em
pesquisa tem sido feita em relação à maneira como as
tecnologias digitais afetam a aprendizagem do letramento
e suas práticas. Os achados dos estudos que têm investigado o impacto das tecnologias na aprendizagem variam
de claro melhoramento para nenhum melhoramento, enquanto alguns têm dito ainda que elas pioram as coisas.
Às vezes, estatísticas são usadas para indicar se têm havido diferenças significativas no empreendimento entre a
leitura e a escrita com as novas tecnologias e a leitura e a
escrita com as ferramentas tradicionais. Às vezes, descrições detalhadas do ambiente e das mudanças de como os
alunos criam significados e se comunicam são fornecidas.
O que as pessoas farão com essa exibição de evidências?
Faz-se proveitoso considerar qual teoria da tecnologia sustentou as pesquisas no momento em que ela deu
forma às questões que os pesquisadores perguntaram, às
investigações que eles iniciaram e às conclusões a que
eles chegaram. Quando o determinismo tecnológico instruiu a pesquisa, a questão condutora tem sido frequentemente sobre o impacto da tecnologia no desempenho
letrado dos estudantes. Quando o determinismo social
instruiu a pesquisa, então o foco tem sido nos professores
e nos alunos nos contextos da sala de aula e como eles
35
ILANA SNYDER
têm usado as tecnologias para propósitos particulares.
Quando a teoria da domesticação sustenta a pesquisa, as
relações entre os professores, os alunos e as tecnologias
têm sido todas examinadas como parte de redes complexas de interação e aprendizagem.
Os primeiros estudos usaram principalmente métodos experimentais – a abordagem dominante na ciência
e na medicina. Eles investigaram se o uso dos computadores melhorou os resultados do letramento e seus achados foram incertos. Quase três décadas depois, não há
ainda grandiosa consistência de evidência que demonstre
que o uso da Internet na assistência dos alunos, editores
de texto e outros aplicativos populares tenham qualquer
impacto no empreendimento acadêmico. Meu estudo de
doutoramento estava nessa tradição. Seu título era: O impacto dos editores de textos na escrita dos alunos. A pergunta central era: O uso de editores de textos melhora a
qualidade de escrita dos alunos?
Por volta da metade da década de 80, os pesquisadores estavam considerando os ambientes em que os
computadores eram usados, produzindo descrições detalhadas das salas de aula de ensino e aprendizagem.
Houve um reconhecimento crescente de que os computadores nas salas de aula eram improváveis de negar a influência da classe social no empreendimento dos alunos.
Por volta da metade da década de 90, a Internet e a Web
tinham se tornado lugares para pesquisa. Informados
pelo entendimento do letramento como um conjunto de
práticas sociais, as investigações focaram nas novas práticas letradas, identidade, gênero, classe e acesso. Meu
livro, escrito com Colin Lankshear e Bill Green (LANKSHEAR; SNYDER; GREEN, 2000), Professores e Technoletramento reporta os achados de um estudo australiano
importante que produziu estudos de caso de professores
tentando integrar os computadores em suas práticas de
sala de aula. Houve também estudos que enfatizaram a
necessidade de ensinar aos alunos como acessar criticamente a fidedignidade e o valor das informações que eles
encontravam na Web a partir do entendimento de suas
36
AMEͳOS OU DEIXEͳOS:
NAVEGANDO NO PANORAMA DE LETRAMENTOS EM TEMPOS DIGITAIS
fontes bem como suas características textuais e não-textuais tais como imagens, links e interatividade. O trabalho
de Nick Burbules (ex. 2000 com CALLISTER) foi muito
importante nessa área.
Levantamentos de larga escala têm examinado as
complexas relações entre a mídia, a infância, a família e o
lar. O trabalho de Sonia Livingstone (ex. 2002) é notável.
Os levantamentos constataram que os jovens vivem vidas
preenchidas de mídias com acesso a uma quantidade sem
precedente de mídias em seus lares. No entanto, idade,
gênero, raça e classe influenciam a quantidade de tempo que os jovens passam usando as mídias. A televisão e
o ouvir música permanecem importantes em suas vidas,
mas a Internet comanda a maior parte do tempo. Embora
as crianças e os jovens continuem a ler livros, eles gastam menos tempo nisso do que suas gerações passadas.
Alguns jovens estão preocupados com a dependência
crescente nas máquinas, a natureza do isolamento da Internet, e como a tecnologia ameaça sua privacidade e sua
habilidade de se relacionar com outros.
Desde o final da década de 90, pesquisadores vêm
identificando novos tipos de texto, práticas de linguagem
e formações sociais ao passo que os jovens usam telefones
celulares, mensagens de texto, a Internet, mensagens instantâneas, jogos online, blogs, mecanismos de busca, websites, e-mail, vídeo digital, música, imagens entre outros.
Suas práticas de letramento digital compreendem processar palavras, articular hipertextos, participar em discussões online, usar software de apresentação, criar páginas
na Web e se congregar em portfólios digitais. New Literacies de Colin Lankshear e Michele Knobel (2003) é um
excelente exemplo da ênfase nessas pesquisas. Pesquisas
examinando as complexas conexões entre os letramentos
da escola e de fora da escola têm fornecido clareza para
os professores sobre a experiência e o conhecimento que
os alunos trazem para os estudos formais na escola.
Em direções semelhantes, pesquisadores têm investigado a relação entre os jogos de computador e a apren37
ILANA SNYDER
dizagem do letramento. O trabalho de Jim Gee (2003)
e Henry Jenkins (2006) se sobressai. Os estudos têm demonstrado que os jogos requerem letramentos complexos
e ensinam um grau de sofisticação multimodal, visual e
linguística, geralmente negligenciado na sala de aula de
letramento. As pesquisas têm também sugerido o valor
que os textos populares oferecem para a consolidação e a
extensão do entendimento dos alunos nas práticas de leitura. Por exemplo, Catherine Beavis (2002) argumentou
que trabalhar com jogos de computador nas salas de aula
de letramento proporciona ao aluno recursos adicionais
de expressão e comunicação àqueles dependentes das
habilidades impressas.
Estudos baseados em gênero têm revelado que os
jogos de computador são um aspecto do uso da tecnologia
em que as diferenças em torno de gêneros estão sucumbindo. Embora a maioria das meninas ainda não escolha
as matérias de tecnologia na escola ou em seus estudos
após a escola e continua a ser inferiormente representada
na indústria de tecnologia da informação, elas estão participando mais na cultura dos jogos de computadores. A
hipótese de que o mundo dos jogos de computador é do
domínio masculino que enfatiza a violência e a fantasia
sexual de garotos não se mantém mais. As narrativas estereotípicas masculinas de certos jogos são desagradáveis a
garotas, mas há outras opções agora para elas.
Então quais são as implicações dos achados de
pesquisas para os professores de letramento? As pesquisas têm enfatizado a importância do entendimento das
crianças e dos jovens que povoam as salas de aula: o que
eles fazem em suas vidas fora da escola, o que prende seu
interesse e o que não o faz. Os jovens trazem habilidades
avançadas relacionadas à tecnologia para a sala de aula
que poderiam ser usadas produtivamente para a aprendizagem da língua e do letramento. Mas nós também necessitamos nos lembrar de que há uma grande diversidade
nas formas em que as famílias e os jovens se comprometem com as novas tecnologias. O trabalho de Mark Wars38
AMEͳOS OU DEIXEͳOS:
NAVEGANDO NO PANORAMA DE LETRAMENTOS EM TEMPOS DIGITAIS
chauer (2003) sobre a inclusão social e a exclusão digital
pode ser alarmante. Simplesmente ter acesso no lar ou na
escola não garante aos alunos oportunidades de aprendizagem do letramento.
Escrevendo sobre as possibilidades de mudanças
criativas para as salas de aula e escolas quando as novas
tecnologias são usadas, os pesquisadores têm argumentado que o conhecimento sobre a história das novas práticas letradas é um pré-requisito. Outros pesquisadores têm
questionado a hipótese de que quanto mais as escolas dependerem da tecnologia, melhores serão seus resultados.
Sugestões da literatura de pesquisas de como repensar, redefinir e reprojetar a linguagem e o letramento
na sala de aula para satisfazer as necessidades dos alunos
no século XXI inclui um componente comum: acima de
tudo, uma sala de aula de letramento para o futuro deve
envolver a integração efetiva do letramento impresso e o
letramento digital. Não deveria ser uma escolha entre o
mundo da página e o mundo da tela – a educação necessita de dar atenção a ambos. A realização dessa importante meta requer um conceito de letramento mais amplo.
Mas apesar do reconhecimento crescente dessa necessidade presente na literatura, as alterações nas práticas dos
professores em sala de aula têm sido vagarosas.
O que me leva a minha terceira pergunta: Como
os professores do letramento, bem como os professores
de maneira geral, têm respondido ao uso das tecnologias
computacionais na educação? Na maior parte, professores do letramento têm visto a tecnologia como antitética
aos seus interesses. Embora essa atitude não seja compartilhada por todos, tem havido uma desconfiança geral das
máquinas. Então quando os computadores de mesa entraram no sistema educacional no final da década de 70,
anunciado como a nova tecnologia que inevitavelmente
melhoraria a educação, os professores do letramento estavam reticentes sobre explorar seu uso potencial na sala
de aula. Esse efeito reprimido continuou na década de
80, quando os computadores foram promovidos como
39
ILANA SNYDER
máquinas de escrever maravilhosas, assistentes e mestres
de atividades. Eu tracei esses padrões em Hypertext (SNYDER, 1996) e em Page to Screen (SNYDER, 1997).
Isso persistiu nos anos da década de 90, quando
a Internet e a Web foram aclamadas enquanto tornavam
possível uma abordagem para a educação em que os alunos seriam capazes de aprender qualquer coisa, em qualquer lugar, em qualquer momento. E isso progrediu nos
anos 2000, em que a excitação centrou-se nas possibilidades de comunicação da Web 2.0. O interesse tem vagarosamente se expandido, e crescentes números de professores do letramento, particularmente os mais jovens,
estão usando agora as tecnologias digitais em suas salas
de aula, embora a relutância inicial permaneça.
Muita reflexão tem sido dedicada à literatura da
pesquisa de como os professores e educadores de letramento podem fazer efetivamente uso das novas tecnologias em suas salas de aula. Contudo, as aplicações mais
comumente utilizadas no letramento e nas salas de aula
de inglês são os processamentos de palavras para a escrita
e a Internet para a pesquisa de informações, o que não
diminui o valor de ambos. Em geral, os professores de
letramento de todos os níveis de escolarização têm usado
as novas tecnologias para continuar fazendo o que eles
têm sempre feito. Os alunos usam computadores portáteis
como eles usariam seus cadernos. Os professores podem
postar exercícios na Web, comunicar-se com os alunos
por e-mail e responder aos seus escritos eletronicamente,
mas a abordagem tradicional de iniciar uma atividade curricular, estabelecer lições para casa e avaliar o trabalho
dos alunos tem sido mantida.
Embora os professores de algumas disciplinas tenham sido mais entusiastas do que os professores alfabetizadores em relação à promessa dos computadores,
não tem havido uma revolução tecnológica na educação.
Apesar do imenso investimento dos governos nos sistemas elétricos das escolas, reduzindo a proporção de alunos por computador e assegurando que os documentos
40
AMEͳOS OU DEIXEͳOS:
NAVEGANDO NO PANORAMA DE LETRAMENTOS EM TEMPOS DIGITAIS
curriculares considerem as novas tecnologias em todos
os níveis da educação, o processo de ensino e aprendizagem nas escolas da Austrália e do Brasil não tem sido
transformado. Através da tecnologização da educação, os
governos têm objetivado formar escolas mais eficientes
e produtivas, mais conectadas à vida real e preparar os
jovens para o emprego após a escola. Sem real evidência
alguma que indique que esses objetivos foram alcançados, os governos devem agora estar se perguntando se
o valor do investimento em computadores e em outras
tecnologias valeu a pena (CUBAN, 2001).
A parábola de Seymour Papert (1993) sobre os viajantes do tempo do século XIX tem uma ressonância aqui.
Quando os viajantes do tempo visitam um anfiteatro do
século XXI em operação em um hospital, eles reconhecem
pouco do que está acontecendo, mas quando eles visitam
uma sala de aula em uma escola, muitas coisas são familiares. O crescimento exponencial da ciência e da tecnologia nos anos recentes tem significado que algumas áreas
da atividade humana tais como as de telecomunicações,
entretenimento, transporte e medicina têm mudado dramaticamente, mas a educação não. As escolas como as
instituições e os professores que trabalham nelas parecem
ser resistentes às mudanças baseadas na tecnologia.
Até agora ninguém que esteve presente em uma
escola na década de 50 e então visitou uma em 2008
poderia deixar de observar que importantes mudanças no
currículo e nas práticas de sala de aula baseados na tecnologia tenha ocorrido. O ponto não é que as escolas e
os professores não possam mudar, mas que a sala de aula
e as práticas de ensino persistem devido aos legados históricos e aos fatores contextuais. Mudanças incrementais
para a educação em resposta às novas tecnologias têm
ocorrido, mas mudanças fundamentais têm sido raras.
Como Larry Cuban (2001) apontou, apesar das
reivindicações extravagantes dos promotores, o fornecimento da tecnologia é insuficiente para transformar a
educação e mais insuficiente para equipar os alunos com
41
ILANA SNYDER
as habilidades e atividades que eles precisam para operar
efetivamente no mundo pós-escola do lazer, do trabalho
e da cidadania. Mudanças reais requerem muito mais do
que simplesmente dar às escolas recursos tecnológicos. A
ecologia inteira da educação escolar necessitaria ser repensada se a transformação for o objetivo: mudanças na
forma em que as escolas são organizadas e financiadas,
na forma em que os professores são preparados e valorizados, e na forma em que os dispositivos elétricos e o
conjunto de programas são projetados para satisfazer as
necessidades de professores e alunos mais do que o mundo dos negócios. Sem tais principais mudanças, apenas
relativamente menores alterações na prática de sala de
aula são prováveis de acontecer (CUBAN, 2001).
Oportunidades e desafios
Meu foco aqui foi nas respostas sensacionalistas
às novas tecnologias que têm sido os textos dominantes
culturalmente por décadas. Há dois filamentos principais
– a importância esbaforida dos últimos equipamentos eletrônicos e o que está vindo em seguida, e os argumentos
morais para conservar a fidelidade tradicional da educação em relação à cultura impressa. Contudo, polarizar e
simplificar a discussão dessa forma desconsidera os desafios que nós enfrentamos ao tentar encontrar estratégias
em lidar com as necessidades de ambos os letramentos
impresso e o digital de nossos alunos. Alguns de nós
têm encontrado formas de explorar as oportunidades da
aprendizagem rica que as novas mídias oferecem e ajudar
os alunos a se tornarem usuários críticos e capazes. No
entanto, a maioria de nós tem sido vagarosa em adaptarse e quando nós realmente usamos as tecnologias, é geralmente para realizar os propósitos baseados no impresso e
de formas orientadas pelo impresso.
Há razões sistêmicas muito reais para explicar esse
fenômeno que vai além da nossa relutância histórica com
as novas tecnologias. As salas de aula de letramento são
42
AMEͳOS OU DEIXEͳOS:
NAVEGANDO NO PANORAMA DE LETRAMENTOS EM TEMPOS DIGITAIS
restritas pelo modelo estático das escolas e das instituições que impedem cuidadosa pesquisa sobre os novos letramentos e o expansivo uso das novas mídias. Nós temos
pouco tempo para refletir sobre o que fazemos, não importando a direção curricular proposta. Então quando nós
tentamos trabalhar com as mídias digitais em nossas salas
de aula, há muito pouca oportunidade para criar uma parceria criativa com colegas e ter experiência com os novos
letramentos. Usos construtivos são frequentemente limitados aos defensores da tecnologia cuja experiência, como
mostram as pesquisas, se extingue consequentemente.
Há um abismo entre o mundo da sala de aula de alfabetização e o mundo dos alunos que estão imersos nas
mídias, na Internet e nos vídeos-game. Problemas com a
infra-estrutura das escolas onde trabalhamos também exacerbam as dificuldades: a Internet pode estar funcionando
um dia, não funcionar no próximo, e os computadores
frequentemente não são potentes o suficiente para o uso
de ferramentas avançadas. Além disso, as escolas talvez
possam ter regras rígidas e limitadoras sobre e-mail e o
acesso à Internet o que frustra ambos professores e alunos. Esses fatores sozinhos são suficientes para desencorajar todos nós de tentarmos integrar as novas tecnologias
em nossas práticas de sala de aula mesmo que nós talvez
possamos ser usuários dedicados e experientes em nossas
vidas privadas.
Por ora, como professores, nós ainda estamos encarregados com a responsabilidade de encontrar maneiras inovadoras para incorporar os novos letramentos na
prática de sala de aula. As habilidades e o conhecimento
do letramento impresso são essenciais, mas não suficientes para dar assistência aos jovens ao passo que eles vivem suas vidas em uma sociedade de informação e rede.
Quando o letramento é visto como o repertório de habilidades linguísticas e intelectuais que os alunos necessitam para atuar nos níveis mais elevados em um mundo
multimídia, noções de letramento como um conjunto de
habilidades básicas prescritas por um mundo baseado no
impresso parecem cada vez mais limitadas.
43
ILANA SNYDER
A responsabilidade dos educadores de letramento
é proporcionar aos jovens oportunidades cuidadosamente planejadas para que eles aprendam como se tornar
navegadores críticos no novo panorama do letramento
em tempos digitais. Nós podemos ajudar nossos alunos
a compreenderem o panorama do letramento digital para
que eles não sejam seduzidos pelo que eles acharem. O
objetivo é embebê-los com um senso forte de ceticismo
instruído.
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46
PANORAMA DAS PESQUISAS SOBRE
LETRAMENTO DIGITAL NO BRASIL:
PRINCIPAIS TENDÊNCIAS1
Samuel de Carvalho Lima
Vicente de Lima-Neto
Considerações Iniciais
O termo letramento surgiu no Brasil há pouco mais
de vinte anos com Kato (1986) e tem sido tema de incessante discussão entre muitos autores (TFOUNI, 1988;
1995; KLEIMAN, 1995; 1998; SOARES, 2000; 2002;
2004; GOULART, 2006, 2007). Estes autores anseiam por
melhor elucidação acerca da expressão letramento, ainda
nova no país, concernente às práticas sociais de leitura e
escrita engajadas e realizadas por sujeitos que exercem
plenamente sua cidadania. Dessa forma, inicialmente,
diferencia-se letramento de um processo com o qual já
estamos bastante familiarizados, a alfabetização, relacionado à “aquisição da escrita enquanto aprendizagem de
habilidades para leitura, escrita” (TFOUNI, 1995, p. 9).
Paralelamente, examinam-se possíveis mudanças
nas práticas sociais de leitura e escrita devido à influência da propagação e consequente utilização das novas
tecnologias de informação e comunicação (TICs), particularmente o computador conectado à Internet (XAVIER,
2005; COSCARELLI e RIBEIRO, 2005; ARAÚJO, 2007;
RIBEIRO, 2008). Dessa forma, passa-se a falar sobre um
novo tipo de letramento, situado e específico: o digital.
Nesse contexto, Soares (2002) nos alerta para esse
fato ao defender a pluralização do termo letramento, ou
1 Parte dessas reflexões nasceu das discussões travadas durante a
disciplina Letramentos na Web, ministrada pelo Prof. Dr. Júlio Araújo,
em 2008.1 no PPGL-UFC e tem vínculo direto como o projeto de
pesquisa Gêneros digitais: relações entre hipertextualidade, propósitos comunicativos e ensino, em andamento sob a coordenação do
referido professor no grupo de pesquisa Hiperged, do PPGL-UFC.
47
SAMUEL DE CARVALHO LIMA • VICENTE DE LIMAͳNETO
seja, letramentos, por acreditar que variadas tecnologias
acarretam diferentes modalidades de letramento, pois a
utilização da tecnologia, diferenciada em cada cultura e
contexto específicos, acarreta efeitos sociais, cognitivos
e discursivos distintos. Compartilhando dessas concepções, autores como Coscarelli; Ribeiro (2005), Xavier
(2005) e Araújo (2007) acrescentam a necessidade de
se trabalhar o letramento digital nas instituições de ensino, dada a realidade do novo milênio, que traz um
mundo cercado cada vez mais por máquinas eletrônicas
e digitais. Nesse sentido, Araújo (2007, p. 81) reforça
a concepção de que nossa sociedade “exige práticas
múltiplas de letramento, inclusive digitais” e determina
que só a partir do momento que um cidadão é letrado
digitalmente é que ele poderá atuar criticamente nesta
sociedade. Ao concordar com esse ponto de vista, Ribeiro (2008) diz que, para ser letrado digitalmente, os
cidadãos necessitam se apropriarem de comportamentos
que compreendem desde os gestos e o uso de periféricos
do computador até a leitura e escrita de gêneros que são
publicados em ambientes virtuais.
Nessa esteira, pesquisadores de mestrado ou doutorado, no exercício de empregar as contribuições teóricas
dos estudiosos do letramento, desenvolvem investigações
sobre as práticas sociais de leitura e escrita dos cidadãos
brasileiros inseridos num contexto informatizado e digitalizado. Sendo assim, observa-se que, a cada ano, muitas
pesquisas acadêmicas se debruçam sobre o complexo fenômeno do letramento digital. Diante dessa constatação,
surge a necessidade de elaborar este trabalho fundamentalmente exploratório e de caráter descritivo, que objetiva
verificar o que atualmente as pesquisas estão abordando
em relação ao tema letramento digital no Brasil. Para isso,
acreditamos, ao analisar as pesquisas aportadas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e disponibilizadas pelo seu Portal Virtual,2
ser possível criar um panorama das pesquisas sobre letra2
www.capes.gov.br
48
PANORAMA DAS PESQUISAS SOBRE LETRAMENTO DIGITAL NO BRASIL:
PRINCIPAIS TENDÊNCIAS
mento digital e verificar quais são as tendências, para os
próximos anos, dessas pesquisas no País.
Vale ressaltar que um inventário de pesquisas
sobre letramento digital já nos foi apresentado anteriormente por Vieira (2004) que analisou títulos e resumos
de trabalhos que foram apresentados em congressos na
área de Lingüística, em diferentes níveis – 1 em nível
internacional, 3 em nível nacional, e 1 em nível regional –, com o objetivo de mapear os estudos nascentes no
País sobre esse tema, no período de 2000 a 2001. Nosso
trabalho, portanto, acresce-se e distingue-se ao de Vieira (2004) na medida em que contribui para a elucidação
acerca dos fenômenos estudados pertinentes ao tema letramento digital, tanto nas áreas de Linguística como na
área de Educação; distingue-se na medida em que apresenta procedimentos metodológicos outros, concernentes
ao levantamento do corpus, bem como aos critérios de
categorização e análise dos dados obtidos.
Procedimentos
O corpus utilizado nesse estudo exploratório foi
constituído pelos resumos3 de teses e dissertações disponibilizadas no portal da Capes cujo assunto aborda o fenômeno
letramento digital. Foram selecionados resumos por se tratar de um gênero que deve trazer as informações suficientes
para o leitor acerca da pesquisa que está prestes a ser lida,
levando em consideração que o resumo tem a responsabilidade de não frustrar as expectativas do leitor, constituindose um convite à leitura do texto-fonte na íntegra, além de
ser um gênero distinto que emerge como resultado de um
propósito comunicativo bem definido, independente das
disciplinas a que eles servem (BHATIA, 1993).
Para o levantamento do corpus, inicialmente,
selecionou-se o banco de teses da CAPES (cf. figura 1).
3
A veracidade das informações contidas nos resumos é uma responsabilidade que cabe a cada autor.
49
SAMUEL DE CARVALHO LIMA • VICENTE DE LIMAͳNETO
A escolha dessa entidade deve-se ao fato de ela possuir
papel relevante no desenvolvimento, na expansão e na
consolidação da pesquisa em todo o Brasil, sendo órgão
máximo no que diz respeito à avaliação da pós-graduação
stricto sensu. Dessa forma, analisar um corpus de resumos disponíveis na CAPES representa a investigação de
um panorama geral das pesquisas acadêmicas sobre letramento digital em todo o país, uma vez que essa entidade
abrange todos os 26 estados da federação.
Dessa maneira, seguiu-se, portanto, os procedimentos apontados pelo Portal concernentes à busca dos
resumos, conforme nos mostra a figura abaixo.
Figura 1 – Banco
Fi
B
de
d teses
t
da
d CAPES
Para realizar tal procedimento, é preciso, em primeiro lugar, digitar a expressão letramento digital no
campo assunto (número 1, na figura 1 acima); depois selecionar a opção todas as palavras (número 1, na figura 1
acima); por último, selecionar o ano e o nível (número 2,
na figura 1 acima).
O período selecionado foram os anos de 2000 a
2007 nos níveis de Mestrado e Doutorado. Em um universo de inúmeros resumos disponibilizados pelo Portal da
50
PANORAMA DAS PESQUISAS SOBRE LETRAMENTO DIGITAL NO BRASIL:
PRINCIPAIS TENDÊNCIAS
Capes, foram encontrados 18 resumos de teses e dissertações cujo assunto versa sobre o fenômeno letramento
digital, resultado da consulta feita a partir dos procedimentos listados anteriormente.
Após o corpus ter sido coletado,4 passamos ao mapeamento dos moves (SWALES, 1990)5 constituintes do
gênero resumo para investigarmos o conteúdo de nosso
interesse. Para a realização dessa segmentação de informações, utilizou-se o modelo de resumos de Biasi-Rodrigues
(1998), resultado de uma investigação acerca de resumos
de dissertações escritos em língua portuguesa. A seguir,
apresentamos o modelo proposto pela autora, em que podemos visualizar: na coluna da esquerda, a codificação das
unidades retóricas, unidades obrigatórias na constituição
do gênero resumo, e de suas subunidades, opcionais em
sua atualização; bem como uma breve descrição, na coluna da direita, funcionalmente determinada de acordo com
a informação presente em cada unidade e subunidade.
Unidade retórica 1 Apresentação da pesquisa
Subunidade 1A
Expondo o tópico principal e/ou
Subunidade 1B
Apresentando o(s) objetivo(s) e/ou
Subunidade 2
Apresentando a(s) hipótese(s)
Unidade retórica 2 Contextualização da pesquisa
Subunidade 1
Indicando área(s) de conhecimento e/ou
Subunidade 2
Citando pesquisas/teorias/modelos anteriores e/ou
Subunidade 3
Apresentando um problema
Unidade retórica 3 Apresentação da metodologia
Subunidade 1A
Descrevendo procedimentos gerais e/ou
Subunidade 1B
Relacionando variáveis/fatores de controle e/ou
Subunidade 2
Citando/descrevendo o(s) método(s)
4 Vale ressaltar que o corpus foi colhido no dia 12 de maio de 2008.
Não há como controlar os resumos que são inseridos ou retirados
da plataforma da Capes.
5 Segundo Swales (1990), moves, ou unidades retóricas (cf. BIASIRODRIGUES, 1998), são as partes que, prototipicamente, compõem
a estrutura de um determinado gênero, representativos da distribuição
de informações, e reveladores de uma arquitetura textual.
51
SAMUEL DE CARVALHO LIMA • VICENTE DE LIMAͳNETO
Unidade retórica 4 Sumarização dos resultados
Subunidade 1A
Apresentando fato(s)/achado(s) e/ou
Subunidade 1B
Comentando evidência(s)
Unidade retórica 5 Conclusão(ões) da pesquisa
Subunidade 1A
Apresentando conclusão(ões)
Subunidade 1B
Relacionando hipótese(s) a resultado(s) e/ou
e/ou
Subunidade 2
Oferecendo/apontando contribuição(ões) e/ou
Subunidade 3
Fazendo recomendação(ões)/sugestão(ões)
Figura 2 – Distribuição retórica das informações em resumos
Fonte: Biasi-Rodrigues (1998, p. 141)
Para obter uma representação da problemática em
questão, focalizamos as informações presentes na unidade retórica 1, denominada Apresentação da pesquisa,
uma vez que essa é a unidade responsável por apresentar
informações acerca do tópico principal e demonstrar os
objetivos da pesquisa, conforme pode ser observado a
partir da descrição das subunidades que compreendem
essa unidade retórica. Sendo assim, buscamos respostas
para a seguinte questão, já proposta por Vieira (2004, p.
256) anteriormente: o que está sendo investigado em pesquisas que versam sobre o letramento digital?
Para uma melhor visualização dos resultados encontrados à indagação proposta, faremos uso de uma tabela composta, fundamentalmente, de duas colunas. Na
primeira coluna, denominada Exemplar, identificaremos
o exemplar R (resumo) analisado, exposto através de sua
codificação. Referimo-nos aos resumos com este código
– R1, R2,... R18, já que não é do nosso interesse a identidade dos autores. Na segunda coluna, denominada Resposta, sintetizamos as informações presentes na unidade
retórica analisada que responde à indagação central deste
artigo. Dessa forma, a tabela permitirá ao leitor analisar e
acompanhar todos os passos tomados por estes pesquisadores no decorrer deste trabalho.
52
PANORAMA DAS PESQUISAS SOBRE LETRAMENTO DIGITAL NO BRASIL:
PRINCIPAIS TENDÊNCIAS
Resultados
A tabela a seguir apresenta respostas ao questionamento central deste artigo:
O que está sendo investigado numa pesquisa que
versa sobre letramento digital?
Exemplar
Resposta
A contribuição do letramento eletrônico e posterior fluênR1
cia digital em língua estrangeira dominante, assim como os
meios de interagir mais eficazmente na Internet.
O letramento influenciado pelo uso da Internet das produções
R2
digitais de adolescentes.
A aquisição de língua estrangeira a partir de uma experiência
R3
pedagógica realizada em contexto virtual.
As contradições em um curso de leitura instrumental em inR4
glês via Internet para professores de inglês da rede pública.
A relação dos alunos/usuários com a escrita diante do novo
R5
suporte de texto, o computador.
A maneira como o sujeito professor se relaciona com a cultura
R6
digital, do ponto de vista do acesso, do domínio das ferramentas e técnicas necessárias para a utilização desse suporte.
A concepção de linguagem, leitura e escrita do meio virtual,
R7
no âmbito do ensino fundamental.
O processo de ensino-aprendizagem da língua inglesa e o uso
R8
do computador na educação.
O processo de apropriação de uso da Internet por indivíduos
R9
analfabetos.
R10
A intersubjetividade virtual na produção e leitura de blogs.
O discurso de professores, futuros professores e alunos do ensino médio face ao processo de integração de tecnologia e da
R11
internet ao ensino presencial de alemão como língua estrangeira.
A produção de e-mail por crianças de 2ª e 3ª série do ensino
R12
fundamental.
A forma como o letramento está sendo promovido pelos proR13
fessores de Ensino Fundamental de escola municipal.
53
SAMUEL DE CARVALHO LIMA • VICENTE DE LIMAͳNETO
R14
R15
R16
R17
R18
As potencialidades e limitações do letramento digital na 4ª
série do ensino fundamental e as novas práticas de leitura e
escrita mediada pelas novas tecnologias digitais, em especial,
o computador e a Internet.
Elementos teórico-metodológicos inferidos da junção da psicologia histórico-cultural/tecnologias da informação e da comunicação que resultam em contribuições para o letramento.
O uso social da linguagem escrita/língua portuguesa por surdos em interação com ouvintes em contexto digital.
Como ocorre o letramento digital na experiência de professoras de escolas públicas.
A formação pré-serviço de professores de inglês em uma sociedade em processo de digitalização.
Tabela 1 – Resultados da coleta de dados
Percebe-se que as pesquisas que focalizam o letramento digital são bastante diversificadas concernentes
ao que delimitam como objeto de suas investigações. Entretanto, é possível observar que há uma tendência para
as pesquisas que buscam elucidar o que há de novo na
prática social de escrita, em língua materna, estabelecida
no universo virtual dos gêneros digitais. De acordo com a
tabela, portanto, há 7 (sete) trabalhos relacionados à produção escrita, em língua materna, no âmbito dos gêneros
digitais (R2; R5; R7; R10; R12; R14; R16); 4 (quatro) trabalhos em aquisição de língua estrangeira (R1; R3; R8; R11),
sendo 2 (dois) com foco na fluência da língua-alvo; 3 (três)
trabalhos envolvendo a prática docente (R13; R17; R18),
sendo 2 (dois) em relação à língua materna e 1 (um) que
trata a língua estrangeira; 1 (um) trabalho relacionado à
formação continuada de professores de língua estrangeira
da rede pública (R4); 1 (um) trabalho envolvendo o gerenciamento das ferramentas técnicas por parte do sujeito
professor (R6); 1 (um) trabalho a respeito do uso da Internet
por analfabetos (R9); 1 (um) trabalho predominantemente
teórico que trata, entre outros assuntos, das contribuições
para o letramento (R15). A tabela abaixo nos permite visualizar melhor a descrição desse sumário apresentado:
54
PANORAMA DAS PESQUISAS SOBRE LETRAMENTO DIGITAL NO BRASIL:
PRINCIPAIS TENDÊNCIAS
Quantidade
7
4
3
1
1
1
1
Assunto
Gêneros digitais
Aquisição de LE
Prática docente
Formação continuada de professores
Gerenciamento das ferramentas técnicas
Uso da internet por analfabetos
Contribuições teóricas para o letramento
Percentual
38,8%
22,2%
16,6%
5,55%
5,55%
5,55%
5,55%
Tabela 2 – Resultados percentuais
Notamos que algumas áreas da pesquisa acadêmica acerca do fenômeno letramento digital têm recebido
destaque. Nossos resultados demonstram que 38% das
pesquisas acadêmicas sinalizam para o fato de que os gêneros digitais constituem um grande campo de pesquisa
que muito ainda tem de ser explorado. Salienta-se que esses 38% de estudos de mestrado e doutorado relacionam
os gêneros digitais ao processo de ensino-aprendizagem
de línguas, evidenciando, portanto, que a Internet e as novas tecnologias estão sendo, enfim, utilizadas no universo
pedagógico, de forma que alunos e professores possam
ser incluídos no que tem sido denominado cibercultura,
preparando-se “para atuar adequadamente no Século do
Conhecimento” (XAVIER, 2005, p. 8). Vale ressaltar que
22% do total das pesquisas que envolvem o ambiente digital são voltados para a língua estrangeira.
Pesquisas voltadas à formação continuada de professores (R4) e trabalhos envolvendo o gerenciamento das
ferramentas técnicas por parte do sujeito professor (R6)
chamam a atenção, pois é sabido que muitos professores não têm os letramentos necessários à prática do ensino mediado por computador, como destacam Dieb e
Avelino (neste volume). Na mesma esteira, Xavier (2005)
diz que
o letramento digital requer que o sujeito assuma
uma nova maneira de realizar as atividades de leitura e de escrita, que pedem diferentes abordagens
55
SAMUEL DE CARVALHO LIMA • VICENTE DE LIMAͳNETO
pedagógicas que ultrapassam os limites físicos das
instituições de ensino [...] (p. 3-4)
Tais resultados muito nos animam, pois já são reflexos de que a política de investir no profissional está
dando certo, bem como o uso da internet por analfabetos
(R9), que também traz um grande avanço no que diz respeito à inclusão digital.
Considerações finais
Como vemos, os assuntos e as linhas de pesquisa
sobre letramento digital são variados, o que reflete a multidisciplinaridade da área. Os dados mostram uma grande
diversidade em relação aos estudos sobre letramento digital, o que parece ser reflexo da emergência que se faz
estudar essa área tão rica e tão desafiadora, mas ainda
tão pouco explorada. Ao que tudo indica, as perspectivas
para o futuro são promissoras, principalmente no que diz
respeito ao investimento no profissional e no combate à
exclusão digital.
Referências Bibliográficas
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(Doutorado em Lingüística). Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1998.
KATO, M. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolingüística. São Paulo: Ática, 1986.
KLEIMAN, A. Modelos de letramento e as práticas de alfabetização na escola. In: KLEIMAN, A. (Org.). Os significados
do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social
da escrita. Campinas: Mercado de Letras, 1995, p. 15-61.
56
PANORAMA DAS PESQUISAS SOBRE LETRAMENTO DIGITAL NO BRASIL:
PRINCIPAIS TENDÊNCIAS
KLEIMAN, A. Ação e mudança na sala de aula: uma pesquisa sobre letramento e interação. In: ROJO, R. (Org.).
Alfabetização e letramento: perspectivas lingüísticas.
Campinas: Mercado de Letras, 1998, p. 173-203.
RIBEIRO, A.E. Navegar lendo, ler navegando: aspectos
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Tese (Doutorado em Lingüística) –Universidade Federal
de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2008.
SOARES, M.B. Letramento: um tema em três gêneros. 2.
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SOARES, M.B. O que é letramento. Diário do Grande
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SWALES, J. Genre analysis: English in academic and research settings. Cambridge: Cambridge University Press,
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TFOUNI, L.V. Adultos não alfabetizados: o avesso do
avesso. Campinas: Pontes, 1988.
TFOUNI, L.V. Letramento e alfabetização. São Paulo:
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um inventário da pesquisa nascente no Brasil. Revista
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XAVIER, A.C. Letramento digital e ensino. In: SANTOS,
C. F.; MENDONÇA, M. (Org.). Alfabetização e letramento: conceitos e relações. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
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57
PROJETO FORTE:1
FORMAÇÃO, REFLEXÃO E TECNOLOGIAS NO
ENSINO DE INGLÊS NA BAHIA
Rodrigo Aragão
Considerações Iniciais
O presente artigo descreve o projeto denominado
de FORTE que objetiva fomentar o desenvolvimento de
letramentos na Web a partir da interação de professores e
alunos bolsistas de Iniciação Científica e Tecnológica do
curso de Letras da Universidade Estadual de Santa Cruz
com os professores de inglês em serviço na rede pública de ensino de Ilhéus e Itabuna, no estado da Bahia. A
metodologia do projeto pretende fomentar a reflexão do
professor de língua inglesa sobre seu fazer pedagógico,
culminando em autoconsciência sobre a prática, engrandecimento profissional, desenvolvimento de letramentos
digitais e produção colaborativa de materiais de ensino
apropriadas aos seus contextos de atuação. Está previsto a construção de um portal na Web para publicação
dos conhecimentos gerados no projeto e interação dos
participantes em ambientes virtuais de aprendizagem,
fomentando o desenvolvimento de multiletramentos e a
produção de materiais de ensino baseados na Web. Temse como meta a parceria universidade-escola a partir da
geração de conhecimento sobre o ensino de inglês e o
livre acesso do conhecimento pela internet.
1
Projeto 8948 – Pesquisa e Geração de Tecnologia Educacional no
Ensino de Inglês da Rede Pública de Ilhéus/Itabuna, aprovado pelo
edital 004/2007 – FAPESB (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
da Bahia), e registrado pela PROPP/UESC. O projeto é coordenado
por Rodrigo Aragão e vice-coordenado por Joara Bergsleithner. Conta
em sua equipe executora com Élida Ferreira e Zelina Beato (UESC), e
colaboração da professora Vera Menezes de Oliveira e Paiva (UFMG).
O autor gostaria de agradecer a Vera Menezes Paiva pela fundamental
colaboração desde o início da construção deste projeto.
58
PROJETO FORTE:
FORMAÇÃO, REFLEXÃO E TECNOLOGIAS NO ENSINO DE INGLÊS NA BAHIA
Pouco se sabe sobre o desempenho de estudantes
de língua estrangeira no Brasil, já que esta é uma área
de conhecimento não avaliada pelo Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Básica (SAEB), nem pelo ENEM
– Exame Nacional do Ensino Médio, e tampouco pelo
Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior e do
Exame Nacional de Cursos de Graduação, o antigo Provão. Embora o conhecimento de uma Língua Estrangeira seja contemplado nos discursos do Governo Federal
(LDB, PCNEF e PCNEM),2 o Programa Nacional do Livro
Didático não contempla esta área do conhecimento. A
ausência de instrumentos oficiais do governo federal para
avaliação e para o ensino de línguas estrangeiras no Brasil
indica a falta de políticas públicas claras e orientadas para
o ensino desta área do conhecimento nas redes regulares
de ensino deste país. Neste processo, se entrelaçam uma
gama de situações e elementos que dificultam a efetivação de melhorias no ensino de Línguas Estrangeiras no
ensino regular. Para que mudanças efetivas venham a ser
consolidadas no ensino de Línguas, neste caso de inglês,
na rede pública no Brasil, e do estado da Bahia, em particular, um dos caminhos é investir em pesquisa sobre
o ensino/aprendizagem na rede regular, na formação do
professor e na utilização produtiva e efetiva de tecnologias educacionais, tanto as tradicionais quanto as novas
tecnologias da informação e da comunicação.
Neste sentido, busca-se com o projeto FORTE fomentar a formação dos professores em serviço na rede
pública e dos professores em formação inicial no curso
de Letras através de reflexão sobre o fazer pedagógico
no ensino de inglês, dando-se especial atenção ao uso
de tecnologias da informação e comunicação integradas,
assim como o desenvolvimento de letramentos digitais
na Web. Os conhecimentos que serão gerados no projeto
serão disponibilizados pela internet, como tem sido feito
2 Respectivamente: LDB – Lei de diretrizes e Bases da Educação;
PCNEF – Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Fundamental;
PCNEM – Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio.
59
RODRIGO ARAGÃO
em projeto pioneiro pela professora doutora Vera Lúcia
Menezes de Oliveira e Paiva, da Faculdade de Letras da
Universidade Federal de Minas Gerais.3 Em seu projeto
ARADO – Agregar, Refletir, Agir, Doar – a professora
Vera Menezes agrupa alunos de graduação, da pós-graduação e da rede pública de ensino da cidade de Belo Horizonte na reflexão teórica/prática sobre diversos problemas encontrados no processo de ensino-aprendizagem de
inglês nas escolas públicas, e na avaliação e produção de
materiais pedagógicos para fins e contextos específicos,
das escolas de atuação dos professores, que são posteriormente disponibilizados na internet nos portais indicados
em nota de rodapé.
Por uma Formação de Professores com Novas
Tecnologias
Conforme argumentado na seção anterior, mesmo
tendo havido uma restauração do papel da língua estrangeira nos currículos de ensino fundamental e médio pela
LDB e PCNs (PAIVA, 2003; GIMENEZ, 2005; BRASIL,
2006), a situação da formação dos professores não tem
melhorado substancialmente, uma vez que há ainda limitações na educação inicial desses professores nas universidades e poucas iniciativas de formação continuada
de professores em serviço (ABRAHÃO e PAIVA, 2000;
PAIVA, 2003). A esmagadora maioria destas iniciativas
se encontra em universidades no sudeste do Brasil (cf.
ABRAHÃO, 2004). A Resolução do governo federal que
institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação
de Professores da Educação Básica, em nível Superior, determina em seu Art. 7º, parágrafo IV, que: “as instituições
de formação trabalharão em interação sistemática com as
escolas de educação básica, desenvolvendo projetos de
formação compartilhados” (BRASIL, 2002). Esta mesma
3 Cf. <www.letras.ufmg.br/arado/freebooks.htm< e < www.veramenezes.com>.
60
PROJETO FORTE:
FORMAÇÃO, REFLEXÃO E TECNOLOGIAS NO ENSINO DE INGLÊS NA BAHIA
resolução argumenta em favor da importância das tecnologias na formação de professores. Em seu Art. 2º, inciso
VI, afirma que os currículos devam preparar o docente
para “o uso de tecnologias da informação e da comunicação e de metodologias, estratégias e materiais de apoio
inovadores”. Resoluções estas que acenam em direção de
ações como o projeto ARADO, coordenado pela professora Vera Menezes, e o FORTE coordenado pelo autor
deste artigo.
Ainda, a lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, dedica o artigo 80 à educação a distância e a
questão nas novas tecnologias no ensino. Em 1996, ano
em que entrou em vigor a LDB, o Ministério da Educação
instituiu a Secretaria de Educação a Distância. Logo após,
em 1998, surge a regulamentação para cursos a distância
(Decreto 2494/98, modificado pelo Decreto 2561/98),
que abrange o ensino médio, a educação profissional e a
educação superior. Este decreto foi substituído pelo Decreto 5.622, de dezembro de 2005, prevendo a educação
a distância em todos os níveis e modalidades da Educação
Nacional, como indicou a LDB já em 1996.
Professores de inglês lidam cotidianamente com
situações adversas à sua profissão (cf. ALMEIDA FILHO,
1999; LEFFA, 2001; CELANI, 2003a; GIMENEZ, 2002;
ABRAHÃO, 2004; GIMENEZ, JORDÃO e ANDREOTTI,
2005). Muitos se queixam da vida escolar, de seu desempenho limitado na língua que ensinam e da precariedade de
suas condições de trabalho (ARAGÃO, 2008). Estas podem
ser vistas como consequências de uma ausência de políticas públicas claras para o ensino de Línguas Estrangeiras
no Brasil. O seguinte trecho que Dutra e Melo (2004, p.
37) expõem a partir de seu projeto de Educação Continuada para Professores de Línguas Estrangeiras da rede pública
de Belo Horizonte, o Educonle, ilustra a situação:
O professor é muitas vezes desrespeitado pela
própria estrutura escolar, pois suas aulas são
colocadas nos piores horários ou reuniões são
marcadas no horário de suas aulas, gerando o can-
61
RODRIGO ARAGÃO
celamento das mesmas. Sendo assim, o professor,
que na maioria das vezes já é inseguro quanto
ao domínio da disciplina que ensina, sente-se
ainda mais desvalorizado. Esta relação entre o
pouco domínio da língua e da falta de respeito
ao seu trabalho tem gerado um círculo vicioso,
como provado via relatos de professores de inglês
participantes do nosso Projeto entre 1999-20001,
que dizem estar na rede pública por não terem um
bom domínio da língua.
Portanto, o que se vê são professores que reclamam
por formação continuada para exercerem seu papel com
segurança, entusiasmo, criatividade e autonomia (PAIVA
e ABRAHÃO, 2000; PAIVA, 2003; CELANI, 2003b). Ainda, a partir deste cenário é fundamental criar estratégias
para a melhoria da formação inicial dos professores nas
universidades. Além disso, há escassez de materiais didáticos e o domínio de conhecimentos que possam ser
utilizados no uso significativo dos mesmos e na produção
própria de tecnologias educacionais apropriadas aos diversos contextos de atuação dos professores da rede pública no Brasil. Como apontei anteriormente, o Programa
Nacional do Livro Didático, do Ministério da Educação,
não contempla o ensino de Língua Estrangeira.4 Assim,
não é difícil ver o professor de inglês circunscrito ao uso
da lousa, do giz e da escrita como únicas tecnologias educacionais, e práticas de ensino pautadas na repetição de
pontos gramaticais, ao longo da educação básica, e alunos de ensino médio desmotivados sem a esperança de
ter uma aula que tenha algum sentido (PAIVA, 2006).
A partir da análise de inúmeras narrativas coletadas
pelo projeto AMFALE,5 Paiva (2006, 2007a/b) nos mostra
4 http://portal.mec.gov.br/seb/index.php?option=content&task=vi
ew&id=648&Itemid=666
5 AMFALE – Aprendendo com Memórias de Falantes e Aprendizes
de Línguas Estrangeiras é um banco de dados que reúne narrativas
de estudantes e professores de línguas e pesquisadores interessados
em questões de ensino e de aprendizagem de línguas, e é coordenado pela Profa. Dra. Vera Menezes de Oliveira e Paiva (http://www.
veramenezes.com/amfale.htm).
62
PROJETO FORTE:
FORMAÇÃO, REFLEXÃO E TECNOLOGIAS NO ENSINO DE INGLÊS NA BAHIA
como é forte o desejo pelo desenvolvimento das habilidades orais por estudantes e também professores de línguas
estrangeiras (cf. ARAGÃO, 2007). Ao mesmo tempo em
que esse desejo é latente, fica claro o desafio de se desenvolver tal habilidade no contexto das escolas brasileiras
do ensino básico que tendem a enfatizar práticas de ensino de formas gramaticais descontextualizadas e tradução.
Ainda, pesquisas na Linguística Aplicada têm demonstrado que o professor encontra dificuldade em utilizar tecnologias já consagradas, como a leitura/escrita, a lousa
e o giz, para se obter uma aprendizagem significativa,
colaborativa e comunicativa na área de Línguas Estrangeiras (cf. ABRAHÃO, 2004). Estas dificuldades são muitas
vezes resultantes de sua formação inicial (ABRAHÃO e
PAIVA, 2000; PAIVA, 2003; MATEUS, 2004).
Desta forma, a simples presença de novas tecnologias, que podem propiciar maior interatividade e sentido
no ensino de línguas, como os computadores nas salas de
aula, não garantem a qualidade, nem um ensino significativo e comunicativo de uma Língua Estrangeira. Dito em
outras palavras, a proposta aqui delineada é buscar integrar
as tecnologias digitais disponíveis na Web no cotidiano
escolar dos professores, em serviço e em formação inicial,
resignificando, quando necessário, e expandindo o uso
de tecnologias já consagradas no ambiente escolar tradicional e em suas experiências de ensino/aprendizagem.
Acredita-se que ao utilizar-se de ferramentas de ensino
baseadas na Web nas atividades do projeto, os professores podem dar outros contornos a tecnologias educacionais já consagradas como a lousa/giz e a leitura/escrita
assim como práticas pedagógicas que podem ser efetivas
e significativas no ensino de Línguas como a produção de
jornais, revistas, histórias em quadrinhos, a elaboração e
apresentação de pequenas peças teatrais, apresentações
orais, realização de reportagens e pesquisas na comunidade, produção de folhetos, cartazes, propagandas, planilhas, dentre outros artefatos didático-pedagógicos.
Estudos têm apontado que há despreparo dos professores em serviço para a utilização de tecnologias da
63
RODRIGO ARAGÃO
informação e comunicação nas práticas pedagógicas,
menos ainda, para edição e publicação de materiais
pedagógicos que sejam apropriados e situados na contingência das suas comunidades (ABRAHÃO e PAIVA,
2000; MATEUS, 2004). Ressalta-se que este despreparo
se deve comumente há quase inexistência de práticas de
ensino/aprendizagem de Línguas nas universidades que
sejam pautadas na importância de se efetivar letramentos
na Web com vistas a auxiliar os professores na docência
com tecnologias da informação e da comunicação. Professores que durante sua formação inicial nas universidades não tiveram contato com ferramentas digitais de
ensino podem apresentar dificuldade ou resistência a lidar com elas em sua prática de sala de aula (ROLAND,
2006). Sampaio e Leite (1999) sugerem que as novas tecnologias chegam à escola por imposição e sem o oferecimento de condições que propiciem sua utilização adequada em programas de desenvolvimento de professores
(cf. SANTOS, 2007; MOTTA-ROTH, REIS e MARSHALL,
2007). Estas afirmações encontram respaldo nos discursos dos professores em formação inicial que já se encontram em serviço na rede pública em nossa região. Desta
maneira, é fundamental promover a formação de professores de Línguas tendo como meta o desenvolvimento de
letramentos digitais.
Contexto e Objetivos
A Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC,
situada entre os pólos urbanos de Ilhéus e Itabuna, em
Ilhéus – Bahia, a quase 500 quilômetros de Salvador, tendo como área de abrangência educacional, a região Sul
da Bahia, é a principal instituição de ensino superior na
região. Criada em 1991, a UESC é a mais nova Instituição
de Ensino Superior (IES) pública, das quatro IES mantidas
pelo Governo do Estado da Bahia. Está fortemente vinculada ao desenvolvimento de sua região. No momento, a
UESC investe maciçamente no processo de sua informa64
PROJETO FORTE:
FORMAÇÃO, REFLEXÃO E TECNOLOGIAS NO ENSINO DE INGLÊS NA BAHIA
tização e expansão de seu link de internet (no momento
possui rede restrita); na melhoria do seu acervo bibliográfico; e na expansão dos projetos de pesquisa e atividades
extensionais. O Departamento de Letras e Artes oferece
à sua comunidade cursos de Licenciatura em PortuguêsInglês, Português-Espanhol, e o bacharelado em Línguas
Estrangeiras Aplicadas às Negociações Internacionais.
Há escassez de pesquisas sistemáticas sobre os problemas e desafios encontrados pelos professores e alunos
de inglês como língua estrangeira nas escolas públicas no
Estado da Bahia, e no contexto Sul da Bahia, em particular. Na região de abrangência da Universidade Estadual
de Santa Cruz (UESC), em especial nas cidades de Ilhéus
e Itabuna, não se sabe como os professores utilizam tecnologias educacionais, tantos as já consagradas quanto às
novas tecnologias da informação e comunicação. Ademais, se desconhece as reais necessidades dos professores e também de seus alunos. O desconhecimento das
situações locais dificulta a construção de alternativas para
enfrentamento das dificuldades e problemas encontrados
na prática de ensino de línguas. Estes professores reclamam por uma educação continuada que vise lidar com o
aspecto tecnológico de sua formação.
Ainda não existem projetos de desenvolvimento
do professor de inglês sendo oferecido em nossa região.
Ciente do papel da Universidade Estadual de Santa Cruz
como líder na produção e disseminação do conhecimento, e principal formadora de professores na região Sul da
Bahia, busca-se com o FORTE oferecer um programa de
pesquisa e formação inicial e continuada do professor de
inglês em nossa comunidade, em particular na rede estadual de ensino de Ilhéus e Itabuna. Através desse projeto, os professores serão levados a pesquisar sua prática e
sua trajetória profissional, avaliar seu uso de tecnologias
educacionais de maneira situada e os interesses e necessidades de seus alunos em contextos específicos. De maneira concomitante, os professores se envolverão em um
programa de desenvolvimento e valorização de seu ofício
como professores de Línguas Estrangeiras, além de ex65
RODRIGO ARAGÃO
pandirem seus conhecimentos na confecção de produtos
tecnológicos educativos que poderão ser usados em sala
de aula com orientação da equipe executora do projeto
e posteriormente disponibilizados na internet. Assim os
objetivos pontuais do FORTE são:
1. Pesquisar a situação prática do ensino, sua
realidade, seus desafios e as necessidades dos
professores de inglês da rede pública de Ilhéus
e Itabuna;
2. Integrar formadores, professores em formação
inicial e professores em serviço, num programa
de aprimoramento linguístico/comunicativo, teórico/prático aliado a construção de processos e
produtos tecnológicos para o ensino de inglês;
3. Fomentar uma conscientização crítica sobre o
papel formativo, ideológico/político e social
das línguas estrangeiras dos multiletramentos no
mundo contemporâneo;
4. Realizar pesquisa bibliográfica sobre a história
das tecnologias educacionais no ensino do inglês
para avaliar e publicar materiais inovadores em
nosso contexto;
5. Construir um portal virtual para o projeto,
configurado a fazer uso de ambientes virtuais
de aprendizagem para suas atividades e para
disseminação dos conhecimentos gerados, de
maneira descentralizada e ágil, tendo por meta
a parceria universidade-escola pública e o livre
acesso do conhecimento na Web.
Fundamentação Teórica
Este projeto possui dois eixos teóricos centrais: (1)
a formação de professores reflexivos; (2) o conceito de
multiletramentos. No escopo da Linguística Aplicada, este
projeto contempla pesquisas ligadas ao desenvolvimento
de professores em práticas reflexivas socialmente situadas
(CELANI, 2003; ARAGÃO, 2007a/b), em trabalhos ino66
PROJETO FORTE:
FORMAÇÃO, REFLEXÃO E TECNOLOGIAS NO ENSINO DE INGLÊS NA BAHIA
vadores resultantes de programas de formação continuada (cf. MELLO e DUTRA, 2007; ABRAHÃO, 2007) e em
práticas de ensino e aprendizagem de inglês como foco
na autonomia (PAIVA, 2005). Segundo a linha reflexiva, o
aluno-professor, ao refletir sobre sua prática, pode explicitar e desenvolver uma postura crítica de suas crenças,
pressupostos e ações sobre linguagem, ensinar e aprender línguas, e buscar alternativas transformadoras para
suas adversidades e situações cotidianas de sala de aula.
Aqui o professor “se torna agente da reflexão, responsável por seu desenvolvimento profissional e pelas ações
que gerem mudanças das práticas pedagógicas” (DUTRA
e MELLO, 2004, p. 32). O processo reflexivo pressupõe
esforço, vontade e que tem lugar, quando condições são
criadas de maneira sustentada e colaborativa. Já o foco
na autonomia visa auxiliar o professor a continuar seu
processo de ensino/aprendizagem da língua estrangeira
e desenvolvimento profissional de forma autônoma e fomentando esta atitude em seus alunos.
Portanto, é a reflexão na linguagem que possibilita
vermos nas dinâmicas correntes de ensino/aprendizagem
em sala de aula, ao descrever e auto-observar num distanciamento o que se vive no fluir contínuo da experiência
pedagógica. Se olharmos nossas ações de ensino/aprendizagem, de maneira reflexiva, é possível atuar coerentemente com elas ou podemos mudar de conduta, se assim
o desejamos. Na reflexão damos significado às experiências e adentramos um domínio em que passamos a nos
ver responsáveis pelos nossos atos e por nossa conduta,
ao dar-nos conta das consequências das ações em nosso
entorno pedagógico e sociocultural (ARAGÃO, 2007b).
Aqui tomamos para nós mesmos a responsabilidade do
mundo em que vivemos com os outros e da consequência
de nossas ações para nós mesmos e para os que conosco
convivem. Neste processo é possível efetivar transformações e mudanças em práticas pedagógicas coletivas.
Portanto, é no âmbito da reflexão que se acredita
ser possível realizar intervenções e instaurar a possibilidade de reconfigurações de práticas pedagógicas já consoli67
RODRIGO ARAGÃO
dadas na ação sem reflexão. Assim como a aprendizagem,
a mudança de práticas pedagógicas é vista aqui como um
processo lento, dinâmico e incerto (cf. ABRAHÃO, 2007;
PAIVA 2007, ARAGÃO, 2007a). FORTE, sigla deste projeto, sugere força, empoderamento, protagonismo, mas
também, fortaleza e resistência a mudanças e novas práticas e posturas no ensino/aprendizagem. É fato conhecido
por aqueles que lidam com tecnologias digitais e com formação continuada de professores a resistência àquilo que
é novo, desconhecido. Na reflexão passamos a considerar elementos que antes não eram observados conscientemente. A reflexão envolve ainda uma disposição para
a dúvida e a incerteza. A certeza nega a reflexão, pois
não questionamos o que se toma como certo. O medo
também nos impede de refletir, pois não refletimos sobre
aquilo que tememos ver (ARAGÃO, 2007a).
Por outro lado, este projeto encontra embasamento
nos estudos sobre multiletramento, de acordo com a fundamentação teórica delineada nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio (PCNEM): Linguagens, Códigos
e Suas Tecnologias.6 Este documento oficial do Governo
Federal, editado em 2006, nos apresenta reflexões sobre
a função educacional do ensino de Língua Estrangeira no
contexto do ensino básico ao introduzir teorias sobre a linguagem como prática social na confluência com a emergência das novas tecnologias. A ênfase é dada aos impactos
da comunicação em ambientes hipermidiáticos sobre os
diferentes usos da linguagem (e-mail, MSN, fóruns, chats
ou salas de bate-papo, listas de discussão, wikis, orkut,
aprendizagem de línguas en tandem, blogs, hipertexto) e
suas implicações para o ensino e para a aprendizagem em
contextos formais (veja ARAÚJO, 2007a/b, para discussão
de impactos no ensino de língua materna e estrangeira).
De fato, práticas emergentes têm suscitado formas
alternativas de interação e produção de gêneros na linguagem. O texto atualizado dos Parâmetros Curriculares
Nacionais para Ensino Médio (BRASIL, 2006) argumenta
6
Cf. <http://portal.mec.gov.br/seb/>
68
PROJETO FORTE:
FORMAÇÃO, REFLEXÃO E TECNOLOGIAS NO ENSINO DE INGLÊS NA BAHIA
em favor do ensino/aprendizagem da língua como uma
prática socioculturalmente situada em determinadas comunidades de prática (cf. LAVE e WENGER, 1991). Neste
âmbito, o professor se vê desafiado a propor alternativas
de uso significativo da língua que ensinam. Estas tarefas
de uso significativo podem ser realizadas por atividades
mediadas pelo computador e intermediadas na Web. Os
recursos destas tecnologias propiciam com que estudantes de inglês possam se comunicar com outros usuários da
língua inglesa ao redor do mundo (cf. PAIVA, 2001).
Portanto, o ensino de uma língua mediado pela
Web oferece oportunidades de interação comunicativa,
de reflexão sobre o uso da linguagem no mundo contemporâneo e de construção de conhecimentos colaborativos. Neste domínio, o documento lança mão do conceito
de multiletramento que enfatiza a característica digital,
multimodal (mescla de texto, som, imagem estática e em
movimento), heterogênea (variabilidade linguística) e ideológica das práticas sociais e funções contemporâneas de
língua(gem). Aqui, produzir sentido numa língua envolve
um processo semiótico multifacetado. Este processo social implica na lide com usos contextualizados e que tem
sentido em espaços textuais que mesclam vídeo, imagens,
som e linguagem verbal sobre os quais “as tarefas são reais, porque muitas pessoas podem ter acesso a elas (RIBEIRO, 2007, p. 222)”. Neste cenário, os recursos oferecidos
pelo que tem sido chamado de Web 2.0, ou a segunda
geração de recursos intermediados pela Web na internet,
oferece aos seus usuários ferramentas que aumentam a
capacidade de produção, publicação, autoria e, consequentemente, o incremento de recursos interativos, colaborativos e comunicativos disponibilizados nestes novos
ambientes virtuais da internet, como os Wikis.7
7 Segundo Schmitt (2006, p. 1), Wikis são “ambientes que permitem a
construção coletiva de hipertextos de forma muito rápida e simplificada, não exigindo dos colaboradores conhecimento especializado na
construção de páginas”. Para uma discussão interessante sobre como
a Web 2.0 pode ser utilizada no ensino de inglês, ver Bohn (2007).
69
RODRIGO ARAGÃO
Metodologia
A metodologia de ação do FORTE constitui-se na
construção de um programa que congrega ações de ensino, pesquisa e extensão com o objetivo maior de fomentar
a formação reflexiva do professor de inglês, e o desenvolvimento de conhecimentos para uso e produção de tecnologias educacionais apropriadas aos contextos de prática dos participantes envolvidos no projeto. Desta forma,
pretende-se fazer uma ligação entre a formação inicial na
universidade e a formação continuada dos professores em
serviço na rede pública das cidades de Ilhéus e Itabuna na
Bahia. Vale ressaltar que os instrumentos de pesquisa que
auxiliam na construção de um banco de dados sobre a realidade tecnológica e educacional dos participantes desta
pesquisa, estão relacionados ao estabelecimento de uma
reflexão consistente e sistemática sobre suas práticas de
ensino/aprendizagem situadas socialmente em suas comunidades. Além disso, estes instrumentos têm o intuito
de favorecer o engrandecimento e valorização profissional de todos os participantes envolvidos, conforme apontam trabalhos recentes sobre formação de professores reflexivos no escopo da Linguística Aplicada (cf. MELLO e
DUTRA, 2007; ARAGÃO, 2005; 2007a/b).
Assim o FORTE compõe-se de quatro momentos:
(1) divulgação do programa, sensibilização e estabelecimento de contato com diretores e professores de escolas
públicas de Ilhéus e Itabuna, e a construção, em conjunto, de critérios para permanência no projeto; (2) formação e seleção de monitores/pesquisadores da graduação
em Letras da UESC que participarão do projeto como
bolsistas de Iniciação Científica, Iniciação Tecnológica,
monitores e estagiários de pesquisa voluntários; (3) encontros iniciais com todos participantes para (a) explicitação dos objetivos, critérios acordados de permanência
no projeto, metodologia e cronograma de trabalho e (b)
realização de levantamento de dados sobre as práticas
de ensino dos professores, suas trajetórias profissionais,
70
PROJETO FORTE:
FORMAÇÃO, REFLEXÃO E TECNOLOGIAS NO ENSINO DE INGLÊS NA BAHIA
análise e reflexão de suas necessidades e desafios; (4)
oferecimento de oficinas de aperfeiçoamento linguístico, em língua inglesa, de reflexão teórica/prática e de
uso e produção de material tecnológico educacional.
Concomitante a estas fases, pretende-se realizar (a) uma
contínua pesquisa bibliográfica sobre a história das tecnologias educacionais no ensino de inglês e (b) a construção de um portal virtual na Web para divulgação dos
conhecimentos gerados no projeto.
A primeira e a segunda fase deste projeto se darão
no primeiro ano, a terceira e quarta fase se concentrarão
no segundo ano de ação, embora ações da terceira fase
terão início no primeiro ano. No momento, se prevê o
início deste projeto para o mês de agosto de 2008. A metodologia de ação está embasada no ensino reflexivo e
no conceito de multiletramentos que reconhecem a contextualidade e continuidade do processo de aprender a
ensinar durante toda uma carreira de um professor. Esse
processo reflexivo é melhor implementado quando existe
uma comunidade, um grupo de professores que se ajudam mutuamente, mediados por tecnologias que favoreçam a construção de comunidades presenciais ou virtuais
de aprendizagem.
Vale esmiuçar aqui os procedimentos metodológicos da terceira fase, em especial, que se dará com a coleta de documentos de pesquisa narrativa, de orientação
qualitativa, para avaliar e refletir sobre a prática corrente
dos professores, seus desafios, e seu uso de tecnologias
educacionais. Neste momento, o que se busca é compreender como e porque os professores agem da forma que
agem na sala de aula. Além disso, nesta fase, pretendese realizar a construção de um banco de dados sobre a
atuação corrente dos professores participantes, realizando
um diagnóstico inicial da pesquisa sobre sua realidade
prática e seus desafios, e assim, também, se assegura uma
avaliação posterior, de impactos na realidade desses professores a partir da participação no projeto.
Na Linguística Aplicada, pesquisas qualitativas com
narrativas de ensino/aprendizagem têm se mostrado pro71
RODRIGO ARAGÃO
dutivas na compreensão das experiências de professores
e estudantes de língua inglesa em sala de aula (Cf. PAIVA,
2006, 2007a; ARAGÃO, 2005, 2007; BARCELOS, 2006).
Nestas pesquisas, as narrativas de ensino/aprendizagem
fomentam a reflexão sobre as dinâmicas da experiência
humana, mostrando como o ensino/aprendizagem de uma
língua envolve um sistema imbricado de emoções, crenças, contingências, ideologias, identidades e desafios. Na
Pesquisa Narrativa, os participantes e o pesquisador são
compreendidos como co-construtores da pesquisa, como
co-agentes envolvidos na construção da pesquisa.
De maneira similar à etnografia, a Pesquisa Narrativa propõe uma parceria com o participante na compreensão da experiência educacional do participante. Em
um processo contínuo de negociação na convivência
com os participantes, durante um período suficientemente prolongado, o pesquisador mergulha num turbilhão de histórias, crenças e ações, procurando conexões,
padrões e sentidos, entre histórias relatadas no discurso
e experiências observadas pelos pesquisadores na realidade da sala de aula dos professores participantes. Neste
processo, o pesquisador adentra dimensões temporais,
contextuais e pessoais sobre a experiência educacional
do participante, ao coletar diversas informações contidas nos documentos de pesquisa como autobiografias
escritas, diários, poemas, entrevistas, observações de
campo em sala de aula, narrativas orais, dentre outros
(CLANDININ e CONNELY, 2000).
Desta maneira, ao entrecruzar as observações realizadas nas salas de aula e na análise das narrativas de ensino/aprendizagem, o pesquisador busca produzir textos
de pesquisa, ou seja, relatos escritos das histórias e ações
dos participantes, imputando-lhes um enredo histórico e
tecendo interpretações ao conectar diversos elementos
que compõe a experiência do participante, um processo denominado de triangulação na pesquisa qualitativa.
Em seguida, estes textos de pesquisa são retornados aos
participantes para comentários e reflexões. Clandinin e
Connelly (2000), referenciais na Pesquisa Narrativa, to72
PROJETO FORTE:
FORMAÇÃO, REFLEXÃO E TECNOLOGIAS NO ENSINO DE INGLÊS NA BAHIA
mam a obra de John Dewey (1938) para descrever sua
epistemologia. Segundo os autores, o conceito de continuidade de Dewey aponta para as relações contínuas da
experiência temporal humana, tendo em mente um passado que levou a este presente e que pode nos projetar para
um determinado futuro. Ao narrar suas experiências, e as
continuidades em sua trajetória, os professores podem reavaliar suas experiências atuais e partir para a construção
de histórias alternativas com as quais desejam, e podem
viver num futuro distinto.
Assim, os documentos de pesquisa a serem coletadas na terceira fase são: a) autobiografias e histórias de
ensino-aprendizagem de inglês (orais e/ou escritas), sobre as quais os professores relatam a construção de sua
identidade profissional e uso de tecnologias educacionais
ao longo de sua trajetória educacional (ver ARAGÃO,
2007a/b: http://www.veramenezes.com/amfale.htm e
conferir o roteiro para escrita da autobiografia);8 b) questionários pontuais sobre questões levantadas nas autobio8 Refletindo sobre Minha história de Ensino/Aprendizagem de Inglês
– Roteiro para Escrita da Autobiografia – Já que o que nos interessa
é o processo reflexivo, a narrativa pode ser escrita em língua portuguesa, caso sinta-se limitado na língua inglesa. Porém, se for de seu
interesse, ela pode ser escrita em inglês. A narrativa deve contar um
pouco de sua história pessoal e escolar. Conte de onde vem, onde
estudou, o que gosta de fazer e o que não, coisas que lhe interessam...
Mas conte, principalmente, de suas experiências com a língua inglesa: a) como foi sua aprendizagem de inglês antes, durante e depois
da universidade – conte suas experiências positivas e negativas; b)
quais razões lhe trouxeram ao curso de Letras/Inglês (e não Letras/
Espanhol) e quais razões lhe levaram a querer seguir uma carreira
profissional no ensino de inglês; d) pense e descreva o uso que você
fez de tecnologias no ensino de inglês como aluno e professor; e)
você gosta de aprender e ensinar inglês (justifique) e quais atividades
de aprendizagem e de ensino de inglês mais lhe (des)interessam ou
apresentam dificuldade (porque); f) fale de você como professor de
inglês, suas ações mais praticadas na sala de aula e suas crenças sobre
como se aprende e se deve ensinar uma língua, e o que gostaria de
melhorar com a participação neste projeto de pesquisa; g) qual seu
contato no cotidiano com a língua inglesa; h) na sua opinião o que
é faz um bom aprendiz de inglês e um bom professor.
73
RODRIGO ARAGÃO
grafias; c) gravações de aulas dos professores em áudio
e/ou vídeo e sessões de reflexão sobre estas aulas com
os professores; f) entrevistas semi-estruturadas a partir de
dados levantados nas autobiografias e na observação das
aulas dos professores; f) conversas informais com os professores; g) notas de campo em observações de aula dos
professores participantes da pesquisa; h) uso de outros recursos semióticos, como representações visuais de crenças e sentimentos sobre ensino/aprendizagem, que possam deflagrar reflexões sobre as ações, e especialmente,
quanto ao uso de tecnologias educacionais (cf. ARAGÃO,
2007a/b; 2008).
Os participantes são entrevistados individualmente. Em uma primeira entrevista, explora-se a autobiografia
escrita aprofundando questões levantadas nesta sobre história de vida, crenças, pressupostos e ações sobre diversas questões ligadas ao ensino/aprendizagem de línguas,
estilos e estratégias de ensino/aprendizagem, uso de tecnologias educacionais, eventos marcantes em sua trajetória, motivações, expectativas e desafios frente à profissão
e participação na pesquisa. Em uma segunda, discute-se
rotinas de sala de aula em uma sessão de reflexão sobre
observações do pesquisador sobre aulas dos professores
e sobre a narrativa educacional. Em uma entrevista seguinte, abordamos as representações do professor sobre
sua prática, conectando-as às suas histórias de ensino/
aprendizagem. Na observação em sala de aula procurase registrar as ações do professor. O processo de coleta
de dados poderá contar também com o envolvimento de
alunos de Estágio Supervisionado, de Prática de Pesquisa
e Prática de Ensino em Inglês da UESC, além dos monitores/pesquisadores bolsistas e voluntários já selecionados
para participarem do projeto.
A quarta fase consistirá de oficinas com os professores. Inicialmente, previram-se encontros semanais
presenciais de oito horas cada, perfazendo um total de
15 encontros e 120 horas. Nestes encontros serão desenvolvidas oficinas de aprimoramento linguístico, em paralelo às oficinas de pesquisa sobre sua prática que visam
74
PROJETO FORTE:
FORMAÇÃO, REFLEXÃO E TECNOLOGIAS NO ENSINO DE INGLÊS NA BAHIA
aprofundar a reflexão teórica/prática sobre o ensino de
inglês na escola pública, tendo o resultado das pesquisas
iniciais. Além disso, nesta fase, os professores farão uso
sistemático de computadores conectados a internet bem
como a resignificação de tecnologias já consagradas na
instrução formal no contexto das tecnologias multimidiáticas, numa visão de linguagem como prática social situada (BRASIL, 2006).
Nas oficinas de desenvolvimento linguístico/comunicativo, em língua inglesa, os professores farão uso dos
suportes digitais, propiciando assim uma vivência de ensino/aprendizagem de inglês mediado por computador,
possibilitando assim também um enriquecimento dos
multiletramentos dos professores, especialmente dos letramentos na Web. O que se pretende é fomentar a aprendizagem destes recursos pelo uso. Ao mesmo tempo em
que utilizarão dos ambientes virtuais para seu aprimoramento linguístico, estes professores estarão aprendendo a
utilizar os recursos em suas práticas pedagógicas de ensino. Na mediação do ensino/aprendizagem pelo computador e, especialmente, de suas ferramentas assíncronas,
tem-se uma alternativa de agrupar pessoas de locais distintos, com disponibilidades de tempo e estilos de ensino/
aprendizagem diferenciados, permitindo-lhes assim experiências comuns às dos cursos presenciais que propiciam
boa qualidade de interação. O computador fornece aos
participantes oportunidades de interação, de reflexão e de
construção de conhecimento de forma colaborativa em
tempo integral.
Neste processo, previram-se uma média de 100 horas de atividades, sobre as quais os professores atuarão sobre a tutoria do coordenador e da equipe executora deste
projeto em tarefas de ensino/aprendizagem de inglês, em
ambiente virtual de aprendizagem, utilizando-se do Sistema de Gerenciamento de Cursos Moodle, assim como
outros recursos mais tradicionais na Web como e-mails
pessoais, listas de discussão e chats, e mais recentes como
a produção de textos colaborativos e páginas por Wikis, e
repositórios de vídeo e áudio (youtube e podcasts), utili75
RODRIGO ARAGÃO
zação de ferramentas de busca e dicionários on-line. Nas
oficinas, os professores também estarão analisando, refletindo e produzindo materiais educacionais que serão selecionados para publicação na internet. A publicação dos
materiais na internet poderá ser acessada e reproduzida
por professores, em diferentes tipos de mídia, incluindo:
material impresso e plastificado, CDs e DVDs, para utilização de acordo com o contexto de atuação do professor.
De forma, que nesta fase, prevê-se encontros presenciais
e a utilização de suportes digitais para realização de tarefas monitoradas pelo coordenador do projeto em ambientes virtuais de aprendizagem. Ainda, está previsto a
contribuição de outros professores de inglês do curso de
Letras da UESC que desenvolvem projetos de pesquisa e
extensão. Tendo a participação destes projetos, esta fase
ganhará uma carga horária extra maior, em atividades de
extensão, frente a carga horária já prevista, contribuindo
para a formação continuada destes professores e para riqueza do projeto em seus aspectos de formação e reflexão sobre a prática.
Resultados Esperados e Considerações Finais
O FORTE tem como expectativa principal tornar
mais efetiva a intervenção da Universidade Estadual de
Santa Cruz no universo das escolas públicas de educação básica de sua área de abrangência, em especial, nas
cidades de Ilhéus e Itabuna. Além disso, busca-se um
melhor aproveitamento dos recursos disponíveis das escolas que fizeram parte do programa Proinfo do governo
federal assim como outras iniciativas dos governos federal, estadual e municipal, que equiparam as escolas com
laboratórios de informática assim como outros equipamentos tecnológicos. O projeto pretende fomentar uma
transformação na relação que o professor de inglês tem
com sua prática de ensino, ao adquirirem maior reflexão sobre sua prática, engrandecimento profissional e o
desenvolvimento significativo de letramentos na Web ao
utilizar as diversas ferramentas digitais disponíveis para
76
PROJETO FORTE:
FORMAÇÃO, REFLEXÃO E TECNOLOGIAS NO ENSINO DE INGLÊS NA BAHIA
fomentar o ensino de inglês de forma interativa e comunicativa, assim como para produzir materiais inéditos e
inovadores baseados na Web. Estes professores podem
utilizar equipamentos disponíveis em suas escolas, bem
como ambientes virtuais de aprendizagem, que podem
ser acessados em suas comunidades ou no espaço destinado a este projeto na UESC.
Este projeto poderá ter impacto na prática de ensino dos professores já atuantes assim como na formação
inicial dos alunos de licenciatura em Letras, e, por conseguinte, na aprendizagem dos alunos da educação básica
da Bahia. Através da solicitação de bolsas de Iniciação
Científica e Iniciação Tecnológica, estágios e monitoria,
prevê-se um maior envolvimento dos alunos de graduação em ambiente de pesquisa que tem como eixo temático a compreensão de práticas de ensino/aprendizagem de
línguas na Web, o que pode contribuir significativamente
para a sua formação. O conhecimento gerado no projeto
será divulgado em eventos nacionais e internacionais assim como em publicações e, em particular no caso desse
projeto, no portal do programa na Web. A produção de
material didático, fruto do trabalho colaborativo entre os
professores da rede pública de ensino do estado da Bahia,
a equipe executora do projeto, e os alunos de graduação,
será mediada por suportes digitais e outras tecnologias
como a utilização de gravadores de áudio e vídeo, televisores, reprodutores de CD, DVD, e MP3, equipamentos
de som, e reproduzidos em mídia impressa, que podem
ser plastificadas para evitar danos, além da produção de
jogos, coletâneas para-didáticas, materiais de leitura apropriada às comunidades, jornais, cartazes, etc. É importante ressaltar que o material pedagógico produzido, poderá
tomar o formato de um “kit de ensino”, material impresso
plastificado e encadernado, unidades de áudio e vídeo
reproduzidas em CD e/ou DVD, softwares, atividades
on-line disponíveis no portal do programa, o que deverá
configurar o resultado de um processo de ensino/aprendizagem colaborativo, muito mais que apenas a geração de
um produto.
77
RODRIGO ARAGÃO
Em suma, este projeto pretende lidar conscientemente com condições e situações adversas a uma profissão tão importante no mundo contemporâneo. É difícil,
complexo, mas não impossível, já dizia o mestre Paulo
Freire. De fato, histórias desastrosas que nos rodeiam parecem ser arquitetadas para que descraditemos na nossa
profissão de professores de línguas. Temos que nos lembrar sempre que de pequenas transformações fazemos o
mundo que desejamos viver. Temos que ser protagonistas
e parceiros da mesma empreitada: alunos, professores e
pesquisadores. É este o cenário com que sonho e o mundo que se deseja com este projeto. Espera-se FORTalecer
aquele que deveria ser o bem mais importante para um
país, o professor.
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81
O PROFESSOR DE ESPANHOL DIANTE DOS
LETRAMENTOS DA WEB E A UTILIZAÇÃO DOS
GÊNEROS DIGITAIS1
Tatiana Lourenço de Carvalho
Considerações Iniciais
Diante dos avanços tecnológicos é recorrente a utilização do computador e dos gêneros digitais no dia-a-dia da
maioria das pessoas. Já faz parte do cotidiano de cada sujeito
práticas como: acessar e enviar e-mails, participar de fóruns
virtuais, manter blogs, participar de sites de relacionamentos como o Orkut, bate-papos virtuais, além de acessar sites
de interesses diversos, sejam eles para o entretenimento ou
de cunho escolar, acadêmico ou profissional.
Não é questionável que tais usos têm provocado
uma maior utilização da linguagem escrita por “todos”
nas mais diversas formas e ambientes, pois nunca se escreveu/leu tanto em situações corriqueiras como atualmente. Isso vem gerando, nos últimos anos, o interesse
de diversos pesquisadores2 em “desvendar” as práticas e
particularidades de utilização desses novos gêneros textuais e novos letramentos provenientes da mídia digital.
Dentro desse novo panorama de pesquisa vem ganhando destaque o estudo da relação entre os gêneros
digitais e o ensino de línguas estrangeiras (SOUZA, 2007;
MOTTA-ROTH, REIS; MARSHALL, 2007; ARAÚJO-JÚNIOR, 2007; 2008). Entre outras coisas, tem-se buscado
compreender em que medida gêneros, como e-mails,
chats, blogs, e-foruns, fotologs, homepages, sites, listas de
1 Este capítulo rememora parte das discussões travadas na disciplina
Letramentos na Web (Tópicos Avançados I), ministrada no semestre
de 2008.1 pelo Prof. Dr. Júlio Araújo, no PPGL da UFC.
2 Entre eles, podemos citar Marcuschi (2005); Paiva (2005); Araújo
(2007a); Araújo & Biasi-Rodrigues (2007); Caiado (2007); Leal (2007);
Cristovão & Nascimento (2008).
82
O PROFESSOR DE ESPANHOL, OS LETRAMENTOS NA WEB
E OS GÊNEROS DIGITAIS
discussão etc., podem contribuir para o desenvolvimento
do aprendizado de línguas estrangeiras.
Diante dessas muitas formas de utilização da Web
e consequentemente dos gêneros ligados a ela, será que
a escola e os professores estão acompanhando e tirando
proveito dessas novas práticas para enriquecer o processo
de ensino e aprendizagem? Será que ainda existe o mito
de que o professor vê o computador e suas utilizações
como uma ameaça à educação? Estes e outros questionamentos pretendemos explorar neste capítulo a partir da
análise de dados oriundos da aplicação de um questionário a professores de espanhol como língua estrangeira da
cidade de Fortaleza.
Este trabalho parece-nos pertinente, porque visa
perceber o posicionamento desses professores frente às
práticas de letramentos na Web. Diante do conhecimento da postura desses docentes poder-se-á mais facilmente
buscar soluções para que as inovadoras tecnologias de comunicação venham servir de fato como ferramenta para o
ensino em geral e o ensino de línguas em particular.
O Professor de Espanhol e as Práticas do Idioma
na Web
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN) para o ensino de línguas estrangeiras modernas,
um dos objetivos do ensino de idiomas na escola é conduzir o aluno à percepção e à compreensão de outras
culturas (BRASIL, 1998). Nesse sentido, compreendemos
que a Internet pode desempenhar um papel bastante significativo, pois possibilita uma comunicação instantânea
entre pessoas dos mais distantes lugares do mundo, de
diferentes idiomas e culturas. Além do que, os PCN sugerem um trabalho interdisciplinar, o que torna a correlação
ensino de línguas e novas tecnologias uma necessidade à
formação dos educadores no século XXI.
No caso do Espanhol, uma língua que vem ganhando destaque significativo no cenário mundial, a importân83
TATIANA LOURENÇO DE CARVALHO
cia de se estudar tal idioma, em nosso país, deve-se, entre
outros motivos, à nossa localização geográfica, pois somos
o único país da América que fala português. O ensino da
língua espanhola no Brasil, portanto, pode promover o
fortalecimento das questões econômicas e o estreitamento das relações culturais com os países vizinhos.
Outro fator importante no que toca ao ensino do
espanhol no Brasil foi a aprovação, em 05 de agosto de
2005, da lei de obrigatoriedade do ensino deste idioma
nas escolas públicas.3 Mas, antes mesmo da aprovação
dessa lei, a ascensão do espanhol no cenário mundial foi
muito bem entendida pelas escolas particulares e pelas
escolas de idiomas, que, em sua grande maioria, já oferecem, desde a década de 90, o espanhol como mais uma
opção de língua a ser aprendida.
Nesse contexto de crescimento da importância de
se estudar a língua espanhola, compreendemos que a utilização do computador com o proveniente uso dos novos
gêneros, bem como o letramento digital, ganha importância ainda maior no ensino, pois pode servir tanto como
recurso didático, quanto instrumento de integração e interação entre falantes nativos e aprendizes da língua meta.
Entende-se aqui como letramento digital não somente o conhecimento tecnológico da informática, mas
também e, principalmente, os usos que se faz desses recursos informáticos de maneira significativa entendendo
suas práticas e possibilidades em situações sociais e reais
do dia-a-dia dos internautas.
Os gêneros provenientes da mídia digital ou simplesmente gêneros digitais, como preferem Marcuschi
(2005) e Araújo (2007b), são compreendidos, aqui, como
gêneros emergentes do advento da tecnologia digital, em
especial da Internet, tais como: e-mails, chats, blogs, e-foruns entre outros. Fundamentando-se principalmente em
3
COSTA, Alexandre. Câmara aprova projeto que obriga o ensino do
espanhol nas escolas. Disponível em: (http://www.abrelivros.org.br/
abrelivros/texto.asp?id=1270). Acesso em: junho/2008.
84
O PROFESSOR DE ESPANHOL, OS LETRAMENTOS NA WEB
E OS GÊNEROS DIGITAIS
Bakhtin (2000) e Crystal (2001), Marcuschi (2005) define
gênero como evento linguístico atrelado às necessidades
comunicativas da sociedade, o que, a nosso ver, é relevante para definir também os gêneros digitais, pois estes
surgem dentro de uma determinada esfera da comunicação, a esfera digital. Esses gêneros se desenvolvem em
conformidade com os usos que os homens fazem das novas tecnologias de comunicação decorrentes dos avanços
das tecnologias eletrônicas digitais.
Sobre a utilização do computador no ensino de
línguas, Lévy (1997) argumenta que este pode desempenhar funções explicitamente didáticas, relacionadas, por
exemplo, com a veiculação de diversos exercícios que
visem o desenvolvimento de habilidades comunicativas
nos aprendizes. Humblé (2001), por sua vez, argumenta que as novas tecnologias, em especial o computador,
significam uma verdadeira revolução para o ensino de
línguas em geral e das línguas estrangeiras em particular,
uma vez que possibilita acesso imediato a textos autênticos e atuais na língua alvo, o que antes da Internet não
seria tão fácil.
Falar, portanto, do ensino de línguas estrangeiras
sem fazer menção ao uso da Internet, dos diversos letramentos na Web demandados por tantos gêneros emergentes, como recursos pedagógicos, é algo, a nosso ver, fora
de cogitação, uma vez que estas ferramentas já fazem parte do cotidiano de nossos alunos, conforme veremos mais
adiante, seja como fonte de pesquisa, seja como um meio
de se comunicar. É por isso que compreendemos que, no
ensino, o uso dessas novas tecnologias de comunicação,
em especial dos gêneros digitais, depende, em parte, da
forma como os professores vêem essas inovações.
Segundo Xavier (2007), muitos professores, por
desconhecerem ou desconfiarem do funcionamento e das
vantagens das novas tecnologias de comunicação, têm se
recusado a usá-las em suas atividades cotidianas, e o que
é pior, têm se deixado levar por ideias e concepções sem
o menor fundamento científico. Alguns docentes, segun85
TATIANA LOURENÇO DE CARVALHO
do ele, reproduzem um discurso “tecnófobo” sem a reflexão necessária. Ainda sobre esse assunto, Araújo (2007a)
argumenta que a Internet deve ser vista como um elemento ampliador das possibilidades de uso da língua e não
como uma ameaça à própria língua ou aos professores.
Na verdade, em função de essa chamada era digital, o computador pode ser um recurso extremamente
necessário à educação se bem utilizado. De nada vai
adiantar a escola estar equipada com essas ferramentas
se o professor não estiver preparado para usá-los, se não
possue letramento digital. A concepção de aprendizagem
deve ser encarada como um processo de construção coletiva, na qual o computador é mais uma possibilidade de
intermediação no ensino. Reforçando essa ideia, Coscarelli (2005) pondera que a informática não vai substituir
ninguém. Ela não vai tomar o lugar do professor nem vai
fazer mágica na educação.
Compreendemos, portanto, concordando com
Araújo (2007), que cabe ao professor de línguas, sejam
elas materna ou estrangeira, o papel de explorar as possibilidades pedagógicas da Internet, e não simplesmente
opor-se a esta sem realizar uma reflexão necessária. Por
essa razão nossa pesquisa torna-se pertinente, uma vez
que visa traçar um perfil do professor de espanhol frente
à utilização dessas novas formas de comunicação, desses
novos letramentos mediados pelo computador e dos novos gêneros como recursos didáticos.
Metodologia
Os dados dessa pesquisa foram gerados através da
aplicação de um questionário, em março de 2008, a catorze professores de espanhol para brasileiros da capital
cearense. Esses docentes lecionam em centros de línguas
de referência ligados a instituições públicas de ensino: Casas de Cultura da Universidade Federal do Ceará (UFC),
Núcleo de Línguas da Universidade Estadual do Ceará
(UECE), Centro de Línguas Estrangeiras do CEFET/Ceará
86
O PROFESSOR DE ESPANHOL, OS LETRAMENTOS NA WEB
E OS GÊNEROS DIGITAIS
– CLEC, Centro de Línguas do Instituto Municipal de Pesquisa Administração e Recursos Humanos – IMPARH.
As perguntas aplicadas no questionário foram as
seguintes:
1) Você tem acesso à Internet?
( ) SIM
( ) NÃO
1.1) Onde?
( ) Em casa
( ) No trabalho
( ) Lan house, Cyber café etc.
( ) Outros:
2) Caso a resposta anterior seja afirmativa informe com que frequência você
costuma acessar a Internet.
( ) Todos os dias
( ) Nos finais de semana
( ) Três vezes por semana
( ) Uma vez por semana
( ) Outros:
3) Que atividades você costuma desenvolver na Internet? (Obs.: Mais de uma
alternativa pode ser marcada).
( ) Acessar e enviar e-mails.
( ) Comunicar-se por meio de salas de bate-papo virtual (Chats), MSN...
( ) Participar de fóruns virtuais.
( ) Escrever e/ou ler em blogs.
( ) Outros:
4) Você tem conhecimento de alguns dos usos que os seus alunos fazem da Internet?
( ) SIM
( ) NÃO
Caso a alternativa anterior seja afirmativa que práticas dos alunos você conhece?
5) Você acha que é possível que seus alunos desenvolvam habilidades escrita na
língua espanhola comunicando-se através de e-mails, chats ou outras formas
mediadas por computador?
( ) SIM
( ) NÃO
87
TATIANA LOURENÇO DE CARVALHO
6) Você costuma realizar alguma atividade pedagógica com seus alunos envolvendo o computador ou a Internet?
( ) SIM
( ) NÃO
Caso sua resposta seja afirmativa descreva alguma atividade que tenha
utilizado?
Caso a resposta seja negativa como você acha que poderia ser esses tipos atividade?
(Quadro A – Questionário)
As respostas dos professores nos permitem chegar
a algumas conclusões que veremos no tópico seguinte.
Análises dos Resultados
Dentre às perguntas ligadas ao perfil do professor
diante das práticas de linguagem na Internet, apresentaremos três tabelas de resultados (A, B e C) seguidos de
comentários. Para facilitar a compreensão, em vez de nomear, preferimos numerar de 1 a 14 os professores, de
maneira aleatória.
A primeira tabela – abaixo – mostra os resultados
da primeira e da segunda questão presentes no questionário apresentado acima.
Em
Lan
Acesso
Professor
Em
No
house,
à
(a)
casa Trabalho cyber
Internet
café
etc.
1
•
•
2
•
•
3
•
•
4
•
•
•
5
•
•
88
Outros
Frequência de
acesso
3 vezes
Todos
por
os
semadias
na
•
•
•
•
O PROFESSOR DE ESPANHOL, OS LETRAMENTOS NA WEB
E OS GÊNEROS DIGITAIS
6
7
•
•
•
•
•
•
8
•
•
•
•
9
•
•
•
•
10
11
12
13
14
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
(não especificou)
•
(Casa de
Amigos)
•
•
•
•
•
•
(Tabela A – Locais e frequência de acesso dos professores)
Os resultados apresentados, nesta tabela, compravam que o computador faz parte da vida cotidiana desses
professores, pois todos (100%) acessam a Internet. Desse total, treze (93%) possuem ou tem acesso à máquina
na sua própria casa. Do total de professores, oito (57%)
acessam nos locais de trabalho, além de acessar em casa
e apenas um (7%) não acessa em casa, somente no trabalho, ou seja, nove (64%) têm acesso a Internet na escola.
Destaque para os professores 8 e 9 que afirmam acessar
tanto em casa, como no trabalho, em lan houses, cyber
cafés etc. e também em outros locais, como em casa de
amigos, conforme nos informa o professor 9. Isso reforça
a presença do computador no cotidiano desses docentes.
A frequência de acesso marcada pelos professores
destaca de maneira significativa a confirmação de que a
informática, de fato, está presente em situações diárias
de comunicação, visto que as duas opções marcadas foram as que refletem mais dias de acesso: todos os dias,
dez professores (71%) e três vezes por semana, quatro
professores (29%). Nenhum professor (0%) marcou, somente, nos finais de semana ou uma vez por semana;
por isso essas opções não constaram do primeiro quadro
de resultados.
89
TATIANA LOURENÇO DE CARVALHO
Podemos, a partir da apresentação destes dados,
constatar a familiaridade desses professores na utilização,
em grande frequência, da Internet em diversos ambientes,
destaque especial para escola em que trabalham. Isso é
um indício de que, esses docentes não vêem o computador conectado à Internet como uma “ameaça” ao trabalho
que fazem ou algo desnecessário em seu dia-a-dia dentro
e fora da escola.
Comprovamos, portanto, que eles são pessoas letradas digitalmente, pois, ao navegar pela Internet, demonstram ter algum domínio das práticas para lidar com
os sistemas de informações online na rede, de interagir
via comunicação eletrônica, bem como a capacidade de
utilizar os sistemas operacionais do computador sejam
para usos pessoais, sejam para fins didáticos, mesmo que
de maneira não tão exploratória das especificidades destes recursos.
A tabela seguinte apresenta os resultados referentes
à pergunta número 3, presente no questionário (Quadro
A), relacionada ao tipo de atividade que eles desenvolvem na Internet.
Acessar e
Professor
Comunicar-se Participar de Escrever
enviar
Outros
(a)
por chats, MSN... fóruns virtuais
blogs
e-mail
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
(Tabela B – Atividades desenvolvidas pelos docentes na Internet)
90
O PROFESSOR DE ESPANHOL, OS LETRAMENTOS NA WEB
E OS GÊNEROS DIGITAIS
Todas as atividades apresentadas nesta questão foram marcadas em maior ou menor frequência de uso. A
utilização do e-mail predominou entre as práticas de linguagens na Internet desses professores: todos (100%) acessam e enviam e-mails. A comunicação através de bate-papo
virtual, como chats e MSN, por exemplo, está presente nas
utilizações de dez professores (71%), seguido da escrita em
blogs – quatro docentes (29%) possuem esta prática – e da
participação em fóruns virtuais – prática de somente três
professores (21%). Alternativa marcada por seis professores
(43%), a opção “outros” apresenta, de maneira aberta, que
os professores também podem ter letramentos para fazer
pesquisas diversas na Web. Neste sentido, é ilustrativo desse tipo de letramento a preocupação do professor 4 em
preparar as aulas utilizando recursos da Internet, quando
informa realizar pesquisas no site do Instituto Cervantes4
e em outros sites educacionais. Nessa situação, embora
percebamos a boa vontade do docente em realizar pesquisas na Internet para levar atividades a serem realizadas em
classe, não percebemos o incentivo aos alunos em usar esses recursos no seu próprio ambiente de origem, a Web.
Essas questões são importantes para o nosso estudo
porque nos permite conhecer as práticas de acesso desses professores na rede, bem como suas utilizações mais
frequentes, ou seja, suas habilidades para utilizar o computador como objeto de comunicação, entretenimento,
pesquisa etc. Esses dados nos permitem, ainda, afirmar que
esses professores estão entre os poucos cidadãos brasileiros
“incluídos” digitalmente, ou seja, fazem parte da pequena parcela da população com conhecimento para interagir
por meio das tecnologias digitais de comunicação, visto
que nas escolas públicas em que se pratica a educação básica, o ensino de língua de modo particular e o ensino de
modo geral goza de uma realidade bem diferente daquelas
vivenciadas pelos docentes estudados neste trabalho.5
4
http://www.cervantes.es/
5 Evidentemente, não estamos negando que as universidades públicas
e os CEFETS não enfrentem problemas de variadas ordem.
91
TATIANA LOURENÇO DE CARVALHO
Quando perguntados se têm conhecimento dos
usos que seus alunos fazem na Internet, questão 4 (quadro
A), surpreendentemente todos (100%) afirmam conhecer
as práticas de seus alunos, dentre as mais citadas destacamos: pesquisas em geral, acesso e envio de e-mails, salas
de bate-papo, acesso a Orkut, MSN, dicionários eletrônicos, atividades culturais envolvendo músicas e filmes.
Esta proposta foi indicada, mas não foi detalhada pelo
professor 11. Os resultados dessa questão nos deixaram
bastante animados, pois o conhecimento destas atividades desenvolvidas pelos alunos nos mostra que estes professores podem possuir certo envolvimento social com os
discentes em ambientes extra-classes. Tal interação só é
possível, em proporções mais amplas, devido aos letramentos na Web que abrem as portas para a comunicação
utilizando os gêneros acima citados provenientes da mídia digital.
Ao responder a pergunta número 5 do questionário (Quadro A), que trata da opinião desses professores
sobre o desenvolvimento da habilidade escrita na língua
espanhola comunicando-se através de gêneros digitais, o
resultado também foi bastante animador. Treze professores (93%) afirmam achar possível, esta possibilidade de
desenvolvimento da escrita em língua espanhola mediada
pelas ferramentas da Internet.
A pergunta de número 6, última do questionário
(Quadro A), explora a questão da utilização do computador e da Internet para a realização de atividades pedagógicas. Nela oito professores, mais da metade (57%),
afirmam realizar alguma atividade, enquanto seis (43%)
dizem que não têm essa prática. Todos eles, ao responder
a esta questão detalharam como realizam ou realizaram
algumas dessas atividades, ou como seriam estas atividades caso as realizassem. Eis as propostas citadas pelos
docentes:
92
O PROFESSOR DE ESPANHOL, OS LETRAMENTOS NA WEB
E OS GÊNEROS DIGITAIS
Professor
(a)
Realiza atividade pedagógica
envolvendo o computador
1
“Busca de notícias em jornais
eletrônicos sobre um determinado
assunto.”
“Ampliar o vocabulário e fazer
pesquisa sobre os países.”
“Ler jornais e buscar informações atuais.”
2
3
4
5
6
“Acesso dos alunos a sites educacionais como o do Instituto Cervantes
e os propostos pelo livro. Na aula
seguinte os alunos apresentam os
resultados da investigação feita
em casa.”
“Para pesquisa sobre temas
culturais.”
“Atividades via e-mail.”
“Poderia pedir para que eles
façam pesquisas para serem
discutidas em sala de aula.”
7
8
“Pesquisa sobre cultura, música...”
“Indicar sites de jogos,
leituras em livros eletrônicos
(e-books).”
“Atividades de pronúncia,
pesquisas, resolução de
exercícios, etc.”
9
10
11
“Buscar informações sobre conteúdo cultural.”
“Pesquisas a sites, utilização
de programas específicos, etc.”
12
13
14
Não realiza atividade
pedagógica envolvendo o
computador
“Atividades em sala utilizando
data-show. Ex: Jogos, exercícios envolvendo os conteúdos de revisão,
pesquisas para casa.”
“Pesquisa sobre as principais festas
da Espanha para os alunos apresentarem nos seminários.”
(Tabela C – Propostas de atividades sugeridas pelos professores)
93
TATIANA LOURENÇO DE CARVALHO
De maneira geral as atividades pedidas pelos professores envolvem pesquisas na Internet, o que, para se
obter um bom resultado, exige dos alunos letramentos
diversos para que se movam pelas práticas letradas da
Web com proficiência. Essa prática possibilita de maneira mais rápida e ampla o acesso à diversidade de conteúdos disponíveis na rede. No entanto, o professor não
pode jogar os alunos de maneira irresponsável à mercê
de tudo o que há disponível na Internet. É necessário
que se faça uma orientação prévia sobre como, o que
e onde investigar, pois nem todas as páginas da Web
apresentam conteúdos seguros e confiáveis. Citemos o
exemplo do professor 5, ao indicar sites educacionais
aos alunos, como o do Instituto Cervantes e os propostos pelo livro, no caso, o livro didático. Aqui podemos
perceber uma orientação aos alunos a visitar sites educacionais confiáveis ligados a respeitadas instituições
de ensino. Já é comum, de acordo com as pesquisas de
Araújo-Júnior (2007; 2008), haver propostas de atividade em livros didáticos incentivando o contato do aluno
com esse universo digital, embora, algumas vezes, não
os conduzam, necessariamente, à comunicação em ambientes virtuais.
Quando se trata da utilização de gêneros com seus
usos sociais da língua, somente o professor 6 afirmou utilizar uma atividade envolvendo um gênero, no caso o
e-mail, porém não a detalhou, não informou como se
deu esse processo. Será que ele de fato trata das especificidades desse gênero? Ou utiliza o e-mail apenas como
mais um pretexto para um ensino tradicional da língua,
conforme constatou, por exemplo, Araújo-Júnior (2008),
ao analisar os livros didáticos destinados ao ensino de
espanhol.
Tais questionamentos são pertinentes, pois ao observarmos as propostas dos professores, de um modo geral, percebemos que, infelizmente muitas das atividades
envolvendo o computador deixam a desejar quanto as
especificidade de usos dessas ferramentas.
94
O PROFESSOR DE ESPANHOL, OS LETRAMENTOS NA WEB
E OS GÊNEROS DIGITAIS
Considerações Finais
Os resultados, acima mencionados, nos permitem
perceber de uma maneira bem geral o perfil do professor
de língua espanhola destas escolas de idiomas diante dos
letramentos digitais, dos gêneros provenientes da Internet
e suas utilizações didáticas. Vale salientar, entretanto, que
esse resultado não tem nenhuma relação com os professores da escola regular do ensino público. Nesta, a realidade
é diferente, prevalece entre a maioria dos docentes, conforme constatamos em Araújo-Júnior e Carvalho (2007)
um sentimento de aversão com relação às práticas de
linguagem na Internet, o que se reflete, por exemplo, na
ideia equivocada de que “a escrita desenvolvida em ambiente digital interfere negativamente na escrita escolar”.
Isso pode estar ligado ao tratamento dado ao professor
nestes estabelecimentos de ensino, nos quais enfrentam
péssimas condições de trabalho, sendo, talvez, eles mesmos excluídos digitais como afirma Araújo (2007b).
No entanto, percebemos algo de positivo através
da aplicação do questionário, o fato de que o computador
e seus recursos já fazem parte do cotidiano desses docentes, bem como o conhecimento de uso dessas práticas de
linguagem mediada pela Internet na vida dos alunos. Esse
resultado é bastante motivador, visto que há um conhecimento de que no dia-a-dia esses recursos são ferramentas
necessárias à interação em sociedade. Não dá para se viver em pleno século XXI, sem acompanhar esses avanços
tecnológicos responsáveis em facilitar a vida do homem
moderno.
De modo geral não percebemos nos professores
aversão em utilizar a Internet como mais um recurso didático, o que falta, muitas vezes, é estrutura adequada e
incentivo, por parte da escola, em capacitá-los a utilizar
tais recursos. Isso nos levou a conclusão de que apesar
da presença do computador nestas instituições, o acesso
didático, orientado por alguém capacitado para utilizá-lo,
muitas vezes não ocorre.
95
TATIANA LOURENÇO DE CARVALHO
Aos professores cabe a utilização intuitiva dessas
ferramentas como lhes convêm. Todos, até os que não
usam a Internet no ensino, propuseram atividades que
envolviam a utilização do computador, porém, como já
comentamos acima, essas propostas, muitas vezes, não
destacavam as características próprias da utilização desses meios em ambiente digital. Tais recursos são utilizados somente para uma mera transposição do que se fazia
antes, no ensino tradicional, com os recursos hipermidiáticos da Web. Atividades, como a proposta pelo professor
13 no quadro A, exemplificam bem isso: “atividades de
revisão para a prova com a utilização do data-show”.
Esperamos que os resultados desta investigação
possam contribuir de alguma forma para o enriquecimento da literatura sobre o tema e que os professores possam
ter mais acesso à bibliografia sobre o assunto e, consequentemente, uma preparação adequada para lidar com
esses novos letramentos.
Na apresentação da realidade que ocorre nestas
quatro escolas de idiomas de Fortaleza, acreditamos ter
traçado um perfil desses profissionais que atuam no ensino de línguas, em particular a língua espanhola. Esse é
o primeiro passo para o desenvolvimento de um trabalho
mais aprofundado e direcionado sobre o assunto.
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O PROFESSOR DE ESPANHOL, OS LETRAMENTOS NA WEB
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98
O E MAIL E O BLOG: INTERAÇÃO E
POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS1
Francisca das Chagas Soares Reis
Ninguém caminha sem aprender a
caminhar, sem aprender a fazer o caminho caminhando, sem aprender a
refazer, a retocar o sonho, por causa
do qual a gente se pôs a caminhar.
(Paulo Freire)
Considerações Iniciais
A clássica cena do filme “2001-Uma Odisséia no
Espaço” apresenta um corte temporal de milhões de anos
e representa, assim, de forma contundente a evolução
humana através da evolução tecnológica.2 Nesta obra,
lançada em 1968, Clarke e Kubrick3 apresentam em linguagem ficcional uma visão do futuro tecno-científico da
humanidade. Atualmente, mesmo que as pesquisas em
Inteligência Artificial ainda não tenham produzido um
HAL,4 o avanço tecnológico vem processando infindáveis transformações em nosso cotidiano; as tecnologias
tornaram-se parte integrante de nossas vidas, modificando
pensamentos, atitudes, percepções e comportamentos,
gerando novos letramentos.
1
Este capítulo retoma parte das discussões travadas na disciplina
Letramentos na Web (Tópicos Avançados I), ministrada no semestre
de 2008.1 pelo Prof. Dr. Júlio Araújo, no PPGL da UFC.
2 A cena parte de um homenídeo que sai da posição de caça para
caçador, através do uso de ferramentas rústicas, para uma nave espacial controlado por um computador.
3 Arthur Clarke (escritor britânico) e Stanley Kubrick (diretor de
cinema), autores de 2001: Uma Odisséia no espaço.
4 Personagem principal do filme, um supercomputador capaz de
enxergar e reconhecer pessoas, de utilizar a linguagem verbal para
comunicar-se e de expressar emoções.
99
FRANCISCA DAS CHAGAS SOARES REIS
Por essa razão, ao lado desse progresso, surge a
necessidade de fornecer ao homem os meios para uma
convivência na qual predomine o uso crítico e ético da
tecnologia, evitando o que Jacques Ellul (1968) chamaria
de dominância da técnica sobre o homem. As técnicas
criadas pelo homem as quais constituem suas descobertas
e suas esperanças, mas que, num dado momento, passam
a dominá-lo completamente modificando tempo, espaço,
fragmentando o homem e massificando a sociedade.
Essa questão fica bem clara quando observamos as
mudanças ocorridas após o advento da internet. As distâncias diminuíram e a rede de informações e a comunicação
aumentaram. Mas, da mesma forma que trouxe benefícios
quanto às possibilidades de interações, de conhecimentos
e de desenvolvimento cultural, se mal utilizada, torna-se
arma capaz de trazer graves prejuízos para os usuários,
tais como: exposição à material inapropriado, invasão de
privacidade e agressões em ambiente virtual.5
Diante dessa constatação, a escola como instituição de difusão de saberes e uma das responsáveis para a
preparação desse homem para a vida em sociedade, não
pode caminhar à margem da evolução tecnológica nem
“fazer vistas grossas” para as transformações ocorridas na
sociedade; principalmente, porque se as possibilidades
das tecnologias são muitas, com a internet tendem a ampliar muito mais. Para Araújo & Biasi-Rodrigues (2007,
p.79), por exemplo, a escola “precisa construir a sua história absorvendo novos conhecimentos e novas tecnologias
e, valendo-se deles, promover um ensino-aprendizagem
contextualizado”.
Partindo dessa premissa de escola como articuladora de saberes e tecnologias, além de promotora de conhecimentos contextualizados, pretendo, nesse capítulo,
apresentar sugestões de como o professor em sua prática
docente pode vir a contribuir positivamente para essa função da escola.
5
Como mostra Siqueira (2005), ao tratar das lamentáveis cenas de
racismo que analisa em fóruns digitais.
100
O EͳMAIL E O BLOG:
INTEGRAÇÃO E POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS
Para Lemos (2004), a interação entre o homem e
as tecnologias vem evoluindo com o tempo a caracterizar o que ele denomina de revolução digital que propicia
ao homem interagir não só com a máquina, mas também
com a informação e com o conhecimento. Cabe, então,
ao professor fazer uso dessa tecnologia como estratégia
de aprendizagem, mediar essa interação, de modo a contribuir com o processo de apropriação das informações
disponíveis e com a construção do conhecimento.
Ao observar os Planos de Estudos6 (PLAEST) da escola na qual trabalho, verifiquei a ausência de sugestões
para o uso das novas tecnologias, com exceção do de Língua Portuguesa que sugere correio eletrônico, quando do
estudo dos gêneros textuais. Essa observação foi ponto de
partida para as seguintes questões: como pode o professor
utilizar-se da internet se os conteúdos relativos às novas
tecnologias não são contemplados nos conteúdos programáticos de suas disciplinas? Pode o professor utilizar recursos da informática sem ser portador de grandes conhecimentos na área? O letramento digital7 (SOARES, 2002,
p.9) é exclusivo dos professores de Língua Portuguesa?
Estas questões motivaram-me a refletir sobre de que
maneira pode o professor contribuir, independentemente
da disciplina ou do currículo oficial, com a prática social da
leitura e da escrita de seus alunos; e, estimular o uso da internet como ferramenta de construção de conhecimento.
As reflexões feitas a partir de minhas observações
reforçaram a crença nas possibilidades oferecidas pela informática e levaram-me a propor o uso das ferramentas interativas como estratégias que visem a orientar o processo
de pensamento e construção do conhecimento centrado
na aprendizagem do aluno.
6 Documento contendo o planejamento do conteúdo programático das
disciplinas do ensino fundamental, a ser desenvolvido no ano letivo.
7 Certo estado ou condição que adquirem os que se apropriam da
nova tecnologia digital e exercem práticas de leitura e de escrita na
tela, diferente do estado ou condição – do letramento – dos que
exercem práticas de leitura e de escrita no papel.
101
FRANCISCA DAS CHAGAS SOARES REIS
O uso do computador na escola é tema de diversos
artigos, teses e dissertações; autores como Valente (1998),
Kenski (2003), Moran (2006), entre outros, há muito pesquisam as múltiplas possibilidades da informática como
recurso didático.
Não é minha intenção, porém, fazer relações com
essas pesquisas, ou com as mais recentes acerca de hipertexto ou linguagem na internet, pois pretendo apenas
destacar dois gêneros digitais utilizados na web para propiciar a interação e o compartilhamento de informações
– e-mail e blog – a fim de defender sua aplicabilidade em
um ambiente educativo.
Como suporte para essa defesa pretendo utilizarme das ideias de Paulo Freire (2004; 2002; 1988) que,
ao defender a participação ativa do aluno como sujeito
de sua aprendizagem, a relação dialógica, a importância
da linguagem e da cultura, a busca de significações e a
prática reflexiva e a permanente formação do educador
em busca de desenvolver a criatividade e a criticidade do
aluno, encerra em si todos os pressupostos teóricos aos
quais eu poderia recorrer: construção do conhecimento
(PIAGET, 1986), o Sócio-interacionismo (VYGOTSKY,
1991) e a Aprendizagem Significativa (AUSUBEL, 1982).
Porque a Proposta?
Ao entrar na universidade, seja na graduação ou na
pós-graduação, o aluno vê-se diante da possibilidade do
uso de ferramentas do Ensino a Distância (EaD) mescladas
às atividades avaliativas presenciais. Minha experiência
no Mestrado em Educação da Universidade Federal do
Ceará propiciou-me a observação de algumas situações:
na matrícula do curso é exigido um e-mail para a lista de
discussão,7 espaço legitimado pelo grupo para comuni7 Recurso ou ferramenta de comunicação virtual que funciona na
plataforma do endereço eletrônico e reúne um grupo de pessoas
com interesses comuns.
102
O EͳMAIL E O BLOG:
INTEGRAÇÃO E POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS
cação envolvendo troca de informações; e, algumas disciplinas ao utilizarem ferramentas de EaD, têm como critério de avaliação entradas e postagens em um ambiente
virtual através da participação em fóruns e chats.
Constatei também que, para passar por essa experiência sem maiores dificuldades, cumprindo as tarefas
solicitadas e participando das discussões propostas, não
basta saber usar a internet ou conhecer as ferramentas
disponíveis no ambiente, é necessário autodisciplina, autonomia e motivação para esse tipo de interação pedagógica. Atitudes desenvolvidas através da prática usual de
uma metodologia específica.
O fórum prolonga a discussão a respeito do que
foi discutido em sala, exige a leitura prévia, a reflexão
sobre os conceitos trabalhados e o posicionamento, a
interpretação individual contextualizada e muitas vezes
reelaboradas a partir do texto do outro. Além disso, não é
como uma produção que é entregue ao professor, corrigida, devolvida e arquivada muitas vezes sem exceder à díade professor-aluno. O que se escreve é visto, discutido e
complementado por todos, podendo ainda, ser acessado
a qualquer momento e promover retomadas na discussão.
Portanto, acredito que essa participação seria facilitada se
o aluno vivenciasse a partir do ensino fundamental, uma
prática dinâmica, participativa, que estimulasse a metacognição, a argumentação e o contato regular com a internet direcionado ao desenvolvimento da aprendizagem.
Para Costa (2006, p.26), “o leitor-navegador” não
é um mero consumidor passivo, mas um co-autor do texto que está lendo; portanto, quanto mais cedo crianças e
adolescentes tiverem contato com o ciberespaço, mais se
desenvolveriam em suas capacidades motoras, linguísticas e cognitivas. Acrescento a essa opinião, a importância
de um contato mediado pelo professor com a intencionalidade de promover espaços propícios a esse desenvolvimento, por considerar a postura mediadora capaz de significar experiências e propiciar a relação entre situações
vivenciadas em sala de aula e fenômenos do cotidiano.
103
FRANCISCA DAS CHAGAS SOARES REIS
Sobre essa contextualização do saber escolar, Freire (1988) ressalta a importância de valorizarmos a cultura
em que nosso aluno está inserido, partindo desta cultura,
e procurando aprofundar seus conhecimentos, para que
ele participe do processo permanente da sua libertação.
Atendendo a esse princípio, o autor orientava, quando de
seus estudos sobre alfabetização de adultos, que o educador deveria, inicialmente, pesquisar o universo vocabular
do aluno para obter os temas geradores.
Isso nos leva, mais uma vez, a refletir sobre a prática do professor que utiliza o blog, o e-mail e o chat como
recursos didáticos e a analisá-la à luz das ideias de Freire.
O computador e a internet já fazem parte do capital cultural8 (BOURDIEU, 2001) da maioria de nossos alunos,
daí acreditarmos que esse professor está a partir do contexto cultural desse aluno criando possibilidades para sua
própria produção ou a sua construção do conhecimento;
além de permitir ao que ainda não tem acesso à cultura
digital, a possibilidade de apropriar-se desse novo saber.
Interagindo e Aprendendo na Web
Como professora de Informática, do Colégio Militar de Fortaleza, tive a oportunidade de colaborar com algumas atividades desenvolvidas por professoras da disciplina de Língua Portuguesa envolvendo o uso da internet.
A grade curricular da referida disciplina, traz conteúdo
estabelecido prevendo o estudo dos gêneros impressos. A
proposta das professoras era, sem abandonar os gêneros
impressos e orais e sem se distanciar da proposta curricular em uso, reconhecer a importância dos gêneros eletrônicos para o letramento digital do aluno (FIGUEIREDO;
TAVARES, 2007).
8 Capital – conceito utilizado por Bourdieu para falar das vantagens
culturais e sociais que indivíduos possuem e que geralmente os conduzem a um nível socioeconômico mais elevado; Capital Cultural
– conjunto de objetos, conhecimentos e habilidades que o indivíduo
adquire paulatinamente nas diversas instituições sociais.
104
O EͳMAIL E O BLOG:
INTEGRAÇÃO E POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS
Como era previsto no conteúdo programático o cartão pessoal, o convite e a carta (gêneros impressos), alunos
e professores desenvolveram atividades contemplando o
aprendizado do correio eletrônico e cartão digital.
Em sala de aula foram discutidas as características
estruturais do gênero impresso, produção textual do gênero estudado, avaliação e reescritura dos textos produzidos. No laboratório de informática foram realizadas as
mesmas atividades, agora, com os gêneros digitais. Como
professora de informática, responsabilizei-me pelas informações básicas para a criação de um endereço eletrônico. A partir daí, com a supervisão das professoras, eles
passaram e-mail, fizeram rascunhos, criaram e enviaram
cartões digitais.
Além dessa atividade com e-mail, podemos vivenciar a prática da construção de blogs para registro de
pesquisa realizada em Trabalho Interdisciplinar9 (SOARES-REIS; SILVA; LOIOLA; CANECA, 2007). O que observamos foi que a atividade com blogs estimulou o interesse pela pesquisa e foi o primeiro passo para reflexões
sobre aprendizagem colaborativa.
A partir da observação das aulas das referidas professoras, teço algumas reflexões, à luz da teoria de Paulo
Freire, sobre o uso de ferramentas interativas como recurso didático, no caso, o e-mail e o blog.
O E-mail e o Blog como Recurso de Letramento
Digital
Um dos recursos virtuais mais antigos e difundidos
na internet, o e-mail ou correio eletrônico é uma ferramenta assíncrona por permitir a interação entre duas ou
mais pessoas sem exigir a simultaneidade dos interlocutores. Muito utilizada na troca de mensagens e informações,
permite editar textos e anexar arquivos. Além de permitir
o uso de um gênero digital relativamente novo que rece9
Atividade integradora das disciplinas curriculares.
105
FRANCISCA DAS CHAGAS SOARES REIS
be o mesmo nome do ambiente (e-mail), é útil na prática
de edição de textos já que ele conta com ferramentas de
edição: tipo, estilo, tamanho e cor da fonte, espaçamento, marcadores, alinhamento e a possibilidade de inserir
emoticons10 e assinaturas personalizadas.
Além disso, o e-mail pode ser utilizado, a exemplo
da universidade, como uma extensão da sala de aula. Em
uma hora aula, muitas vezes o professor não tem tempo
para dar mais atenção a um aluno específico, recomendar uma tarefa especial, indicar uma leitura individual ou
até mesmo tirar uma dúvida. Nesses casos, o e-mail pode
funcionar como canal de comunicação entre o professor
e aluno, permitindo uma maior interação, ampliando o
ambiente escolar além da sala de aula e aumentando os
vínculos afetivos.
O blog, utilizado como recurso pedagógico oferece infinitas possibilidades para o desenvolvimento da
escrita, da capacidade argumentativa, da criatividade, da
organização, da estética, proporciona a experiência de
aprendizagem colaborativa e permite a reflexão sobre valores éticos. Dito assim parece um exagero e uma supervalorização da ferramenta, mas, vejamos: o aluno, quando da criação do blog, utiliza templates11 oferecidos pela
hospedagem; mas, com a continuidade ficam estimulados
a mudar combinação de cores, letras, inserirem imagens;
isso, sem fazer referência ao título a ser criado que deve
ser sugestivo e coerente com a temática do blog.
Quando da postagem de textos (no caso do blog
criado pelo aluno) ou de comentários (no blog criado
pelo professor), por ser uma tarefa escolar a construção
do texto exige um pouco mais de atenção com a linguagem e a coerência entre as ideias apresentadas; a atenção
quanto aos créditos e referências às fontes pesquisadas
envolve o caráter ético do uso da internet e ao estimular
a contribuição através da leitura e comentários dos blogs,
desenvolve-se a prática colaborativa; afinal, a educação
10
11
Imagens gráficas representando emoções.
Modelos para o layout gráfico do weblog.
106
O EͳMAIL E O BLOG:
INTEGRAÇÃO E POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS
acontece na relação dialógica (FREIRE,2004), pois o indivíduo se educa no diálogo com o outro.
Soma-se a isso o fato de serem gratuitos e não exigirem maiores conhecimentos de informática, o que facilitará o trabalho do professor que não tenha capacitação
no uso das novas tecnologias. Será necessário, porém,
leituras exploratórias sobre o tema e a observação de blogs educativos, mas, esses são passos básicos sempre que
procuramos inovar e aperfeiçoar nossa prática docente.
A busca de informações, de novos conhecimentos
são atitudes necessárias à produção de saberes. Como diz
Freire (2002), sem a curiosidade que nos move na busca,
não aprendemos, nem ensinamos.
Considerações Finais
A partir dessas reflexões, posso responder às questões do início do capítulo. Não é minha pretensão, em
nenhum momento, apresentar a informática como a resposta para todas as questões e dificuldades educacionais,
não. A intenção é, através dessas considerações com
base na observação de experiências, responder às questões iniciais.
Ouso afirmar ser possível utilizar as tecnologias
respeitando o currículo da escola, através da articulação
dos diversos saberes que circulam no ambiente escolar
e da prática interdisciplinar. Considero a informática um
saber que transcende a disciplinaridade e que, ao mesmo
tempo em que é utilizada pelas diversas disciplinas, delas
também faz uso. Podendo, portanto, ser utilizada como
estratégia de aprendizagem, como instrumento que propicie ao professor pensar no cotidiano de sua sala como
espaço que favoreça, ao aluno, a vivência com a diversidade de saberes.
Sim, independentemente da disciplina e de sua inserção no currículo oficial, a informática permeia o currículo real e, havendo o desejo, o professor contribui com
107
FRANCISCA DAS CHAGAS SOARES REIS
a construção desse currículo alternativo12 no momento da
transposição didática de seus conteúdos programáticos e
da seleção de estratégias a serem utilizadas durante esse
processo. Não sendo necessário para as duas ferramentas
sugeridas que o professor possua grandes conhecimentos
em programação, tendo em vista que os serviços que oferecem esses suportes trazem o passo-a-passo que facilita
a sua utilização.
Com o uso da internet, como suporte de incentivo
à leitura e à escrita, o professor de qualquer disciplina
poderá contribuir para melhorar o nível de letramento de
nossas crianças e de nossos adolescentes no sentido de
ajudá-los a uma leitura crítica do seu entorno.
E, principalmente, proponho o uso da informática
inserida no currículo não como um fim em si mesmo,
isolada do contexto pedagógico; mas, como uma ferramenta à disposição do professor para contribuir com uma
prática docente que privilegie a interação, a construção
do conhecimento e a reflexão profunda (metacognição)
sobre o próprio processo de aprendizagem, como formas
de desenvolver a autonomia, e o aprender a aprender.
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110
LETRAMENTOS QUE EMERGEM DA
HIPERTEXTUALIDADE1
Ana Cristina Lobo-Sousa
Júlio César Araújo
Regina Cláudia Pinheiro
Considerações iniciais
O acesso à Internet tem favorecido a participação
crescente de pessoas, dos mais variados níveis escolares
e socioeconômicos em diferentes hipertextos. Proliferam
lan-houses nas periferias das grandes cidades (e também
nas pequenas) e com elas os perfis no Orkut, as conversas
no MSN, os blogs... Mas será que esses diferentes usos
em função da heterogeneidade dos gêneros hipertextuais
são contemplados pelas definições de hipertexto e de letramento digital?
As múltiplas práticas discursivas de interação por
hipertextos passam ao largo de definições cujos exemplares são as home-pages e com elas a busca de informação,
desconsiderando a perspectiva dos gêneros hipertextuais,
já amplamente estudados, como o e-mail, (cf. PAIVA,
2005); os chats, que inicialmente entendidos como gêneros transmutantes e a seguir, como constelação de gêneros (cf. ARAÚJO, 2003; 2006) e os blogs (cf. KOMESU,
2005; LIMA, 2008), para citar alguns. Esses trabalhos nos
autorizam afirmar com Lobo-Sousa (2009) que, se os hipertextos são tão diversos em função dos gêneros que os
constituem, então é razoável sugerir que estamos diante
de uma categoria maior que o contemple em toda sua
diversidade, ou seja, a hipertextualidade.
1
As ideias do presente capítulo são oriundas das calorosas discussões feitas durante a disciplina Letramentos na web, ministrada em
2008.1, no PPGL da UFC, pelo Prof. Júlio Araújo. Parte dessas reflexões são tributárias da pesquisa de mestrado de Lobo-Sousa (2009)
e do anteprojeto de doutorado de Pinheiro (2009), em fase bastante
embrionária de elaboração no grupo de pesquisa Hiperged/PPGL.
111
ANA CRISTINA LOBOͳSOUSA • JÚLIO CÉSAR ARAÚJO •
REGINA CLAUDIA PINHEIRO
Em meio a esse contexto, pesquisas apontam a
emergência do conceito de letramento digital, ora restringindo-o a habilidades de manuseio do computador e de
alguns softwares, como o Word, ora limitando-se à interação hipertextual, sem, contudo, considerar que o letramento digital ultrapassa os limites da hipertextualidade e
dela difere, o que nos permite encetar uma reflexão acerca de um novo tipo de letramento que estaria relacionado
às práticas de linguagem que emergem da hipertextualidade. Estamos falando dos letramentos hipertextuais.
Para tanto, nesse capítulo, pretendemos estabelecer, primeiramente, uma distinção entre os conceitos
de hipertexto e de hipertextualidade para, a partir disso,
reivindicarmos a emergência do conceito de letramentos
hipertextuais, frente à insuficiência dos termos hipertexto
e letramento digital, para dar conta da multiplicidade de
usos da linguagem que se faz hoje na web.
Acreditamos que a heterogeneidade funcional dos
hipertextos permite que se vislumbre pensar hipertextualidade e letramentos hipertextuais, tendo como hipótese de trabalho a afirmação segundo a qual muitos são os
usos individualizantes que se faz nas múltiplas esferas comunicativas virtuais, tendo em vista que muitos internautas declaram saberem conversar no MSN, porém não são
usuários do Orkut. Outros internautas declaram saberem
enviar e receber e-mails sem muitas alterações de configuração, ao passo que outros, são experts em medidas de
segurança na rede, mas incapazes de produzirem slides
em power point.
Assim, inscritos nos preceitos teórico-filosóficos de
Bakhtin (1997), relativos aos conceitos de enunciação,
gêneros e enunciado, procedemos a uma revisão do conceito de enunciação digital proposto por Xavier (2002)
para o hipertexto, entendendo-o como formas de enunciar num tempo/espaço específico das esferas de comunicação humana (ARAÚJO, 2008) que coexistem na internet e que demandam, em um sentido ontológico, o que
aqui denominaremos de letramento hipertextual.
112
LETRAMENTOS QUE EMERGEM DA HIPERTEXTUALIDADE
Hipertexto e Hipertextualidade: Diferenciações
De acordo com Primo & Recuero (2006), a web já
não é mais a mesma e, portanto, nem o hipertexto, isso
porque vivemos hoje a terceira geração da hipertextualidade, que se caracteriza pela colaboração e participação
dos internautas na escrita coletiva de hipertextos. Segundo
os autores, a primeira fase da web, em seus primeiros dez
anos, foi caracterizada pela publicação de home-pages
isoladas, marcada principalmente pela linguagem HTML
e pelo sistema de envio de informações produzidas offline via FTP a um servidor. Esses hipertextos eram bastante
vinculados ao meio impresso, nos quais rodapés, remissões e índices faziam a interligação de diferentes textos.
Com o avanço das tecnologias informáticas, hipertextos de segunda geração emergem, o link confere velocidade à conexão entre diferentes documentos digitais,
apesar de o programador do hipertexto deixar poucas
oportunidades para o internauta, pois este apenas poderia decidir quais links poderia seguir, e não criar os seus
próprios.
Conforme defendem os autores, hoje os hipertextos atingem a terceira geração, não só por se apresentarem
em uma estrutura integrada de funcionalidade e conteúdo,
mas também por permitirem a abertura dos documentos
à intervenção dos participantes do sistema, ou seja, à participação dos internautas em formas multi-direcionais de
leitura, a exemplo do que ocorre com os blogs, os peerto-peer (P2P),2 o webjornalismo participativo e serviços
como Flickr,3 para a publicação e discussão de imagens
através de associações livres, ou del.icio.us,4 sistema de
compartilhamento de listas de favoritos e geração colabo2 De acordo com Primo (2007), trata-se de redes voltadas para a
troca de arquivos digitais, em que cada cliente tanto pode fazer
download de arquivos, quanto oferecer seus próprios arquivos para
que outros baixem.
3 http://www.flickr.com/
4 http://del.icio.us
113
ANA CRISTINA LOBOͳSOUSA • JÚLIO CÉSAR ARAÚJO •
REGINA CLAUDIA PINHEIRO
rativa de metadados. Um dos exemplares de hipertexto
mais representativos dessa geração é a Wikipédia.5
Enquanto tecnicamente a hipertextualidade sofre
tantas modificações tecnológicas, Xavier (2002, p. 9) propõe uma definição de hipertexto como uma nova tecnologia enunciativa, da qual emerge o modo de enunciação
digital, que é “resultado do amálgama, integração e superposição dos vários modos de enunciação (verbal + visual + sonoro) em um mesmo suporte digital de leitura: a
tela do computador”. Nessa perspectiva, podemos supor
que o hipertexto é, ao mesmo tempo, processo e produto,
lugar e uso, sendo tanto a tecnologia que enuncia, quanto
a própria enunciação, ambas inter-relacionadas, designadas por um só termo.
O hipertexto, segundo Xavier, surge da clipagem/
bricolagem paradigmática de vários modos enunciativos
já existentes, que cooperam com igual peso e valor linguístico, semântico e cognitivo para a estruturação do
sentido pelo hiperleitor. É na fusão proporcionada pelo
hipertexto, que a novidade surge. Mas nesse caso, não
podemos concordar que essa fusão seja sempre harmônica, pois a depender do hipertexto, uma enunciação ou
outra ganham destaque.
É nesse aspecto que o conceito de hipertexto se
apresenta bastante amplo, pois, do mesmo modo que
encontramos ainda na rede hipertextos compostos prioritariamente de enunciados verbais, encontramos outros
cujo conteúdo é eminentemente visual, ou sonoro, como
o Youtube, por exemplo. Ademais, chats, blogs, e-mails,
scraps, sendo gêneros das esferas hipertextuais, acaso não
são também hipertextos?
Para Xavier, o hipertexto tende a mediar as relações dos sujeitos e instituições com a produção e circulação do saber na Sociedade da Informação. Contudo, de
certa maneira, a definição de hipertexto parece referir-se
5
pt.wikipedia.org/wiki/Página_principal . Dantas, neste volume, faz
uma discussão interessante sobre a Wikipédia.
114
LETRAMENTOS QUE EMERGEM DA HIPERTEXTUALIDADE
a hipertextos cuja função seja informar. Ao menos é o que
se percebe em consulta à bibliografia recente sobre o assunto. Gualberto (2008, p.26), por exemplo, ao investigar
a influência dos hiperlinks na construção do significado
na leitura de hipertexto enciclopédico digital, assim se
posiciona:
O hipertexto, visto como um sistema que permite
a articulação de diferentes fontes de informação,
pode ser usado para recolher, ordenar, agrupar,
atualizar, pesquisar e recuperar a informação de
um modo fácil, rápido e eficiente (...).O hipertexto
tem se tornado um formato frequente para softwares educativos, interativos, obras de referência,
livros de texto, documentação técnica etc.
Nesse sentido, as mudanças e os avanços do conceito, bem como a compreensão que se tem hoje sobre o
tema é auxiliada pelas primeiras conceituações de hipertexto, como a proposta por Vannevar Bush (1945) que,
mesmo após décadas de sua publicação (o que significa
muito em matéria de tecnologia) tem em seu ensaio sobre
o que seria o hipertexto futuramente, a referência teórica
fundamental.
A definição de hipertexto sugerida em Bush e denominada Memex, refere-se a um dispositivo técnico-informacional a ser criado para indexar a informação de um
usuário de maneira não-sequencial, que se assemelhasse
ao nosso jeito de pensar, diferentemente dos modelos de
listas alfabéticas ou numéricas. A ideia não era prioritariamente a socialização da informação, mas um modo de
buscar algo que, estando em conexão com outros, pudesse a ele estar associado. A proposta de Bush, portanto,
está longe do que viriam a ser os hipertextos efetivamente
produzidos após suas ideias, tais como os apontados por
Primo & Recuero, no início dessa seção.
Isso nos leva a indagar quantos dos milhares de
internautas estão na web nesse momento, estão se informando acerca dos fatos que acontecem? Melhor dizendo,
quantos deles sabem buscar a informação de maneira efi115
ANA CRISTINA LOBOͳSOUSA • JÚLIO CÉSAR ARAÚJO •
REGINA CLAUDIA PINHEIRO
ciente? Será que hipertexto é só aquilo que informa? Conversar utilizando o MSN é utilizar uma ferramenta hipertextual (cf. SILVA, 2008), logo, também estamos diante
de hipertexto. Parece não ser sem razão que continuamos
indagando o que é uma enunciação digital.
De acordo com Bakhtin (1997, p. 303) “são muitas
as pessoas que, dominando magnificamente a língua, sentem-se logo desamparadas em certas esferas da comunicação verbal, precisamente pelo fato de não dominarem, na
prática, as formas do gênero de uma dada esfera”.
A enunciação digital, ou a hipertextualidade, conforme pontua Lobo-Sousa (2009), pode ser caracterizada
tendo em vista características como a interatividade, a hipermodalidade e a multilinearidade. A interatividade diz
respeito ao grau de interação possibilitado pelo hipertexto, se apenas percorrendo os links, se os criando também;
ao passo que a hipermodalidade refere-se ao conjunto de
enunciados reunidos para essa interação (sons, animações, vídeos e gráficos etc.) que se apresentam necessariamente de maneira multilinear, ou seja, com múltiplas
possibilidades.
Pistas para a compreensão de que a hipertextualidade se constitui da diversidade de hipertextos podem
ser encontradas em trabalhos como o de Gomes (2007)
que, ao produzir o hipertexto multimodal, o distingue de
outros, baseados somente na escrita e, portanto, muito
parecidos com os textos impressos. Também Lima (2008)
que, ao considerar que há características gerais e locais
que definem a comunidade dos blogueiros, aponta-nos
para a necessidade de restringir o conceito de hipertexto
a contextos mais específicos, tendo em vista as particularidades de usos pelos internautas.
Assim, hipertextos serão sempre uma porção da
hipertextualidade e, dessa maneira, o conceito de enunciação digital de Xavier (2002) parece aplicar-se mais a
hipertextualidade que ao hipertexto, tendo em vista que
conforme o gênero hipertextual acionado pelo hiperleitor, teremos um grau maior ou menor de hipermodali116
LETRAMENTOS QUE EMERGEM DA HIPERTEXTUALIDADE
dade, ou seja, de semioses que possibilitam a interação
nas variadas esferas comunicativas na web, a hipertextualidade, em nossa proposta. Desse modo, o hipertexto só
se deixa definir em suas especificidades, conferidas em
razão dos e-gêneros.
Letramento Hipertextual: um Conceito em
Emergência
O termo letramento digital surge com a inserção
das tecnologias de informação e comunicação para designar as práticas de leitura e escrita por elas demandadas. De acordo com Soares (2002), uma concepção de
letramento mais ampla se define não como pelas próprias
práticas de leitura e escrita, nem pelos eventos relacionados com o uso e função dessas práticas, ou pelo impacto
e consequências da escrita sobre a sociedade, mas pelo
estado ou condição de quem participa de eventos em que
a escrita é parte integrante da interação entre pessoas e
do processo de interpretação dessa interação – os eventos
de letramento.
Desse modo, os eventos de letramento mencionados pela autora podem não ter a presença física da escrita,
mas os indivíduos participantes desse evento devem tê-la
como representação, como ocorre em eventos religiosos
em que se fazem reflexões sobre passagens bíblicas, mesmo que esse livro não esteja presente na ocasião. Percebemos, assim, que, nas concepções de letramento, não
há lugar para outros modos de fazer sentido em práticas
sociais que não seja através da escrita.
Não sem razão, os conceitos de letramento se modificam à proporção que mudam as culturas, tornandose, assim, em muitos casos, concepções restritas que não
abarcam as diversas práticas em que a escrita é mediadora
nas diferentes sociedades. Para amenizar essa problemática, os estudiosos do assunto caracterizam o letramento,
a fim de restringi-lo a práticas específicas, o que ocorreu
com a designação de letramento digital.
117
ANA CRISTINA LOBOͳSOUSA • JÚLIO CÉSAR ARAÚJO •
REGINA CLAUDIA PINHEIRO
Sobre isso, Ribeiro (2006) define o letramento digital como o domínio de textos feitos na e para o computador, deixando implícito que quem consegue digitar ou
ler um texto produzido num processador de texto, como
o Word, é letrado digital. Observamos que essa definição,
a qual consideramos muito restrita, não contempla outras
práticas mediadas por computador e outros dispositivos
eletrônicos, como por exemplo, uma apresentação em
power point, uma brincadeira com jogos de vídeo-game,
limitando-se a alguns usos que não se diferenciam muito
de uma prática de letramento com texto impresso, como
ler arquivos do tipo pdf.
Em Buzato (2003), encontramos uma definição
mais abrangente do conceito a qual procura se sustentar segundo a argumentação de que o letramento digital
designa todo conhecimento necessário para práticas mediadas pelos equipamentos eletrônicos do mundo contemporâneo, que são as habilidades de construir sentido
a partir de textos multissemióticos, de localizar, filtrar e
avaliar informação e o conhecimento das “normas” que
regem a Comunicação Mediada por Computador. Nessa
mesma direção, Xavier (2003) entende que o letramento
digital é realizado com o uso de hipertextos, através da
aquisição e do domínio dos vários gêneros hipertextuais.
Notemos aqui que as definições de Xavier (2002)
e Buzato (2003) contemplam as práticas mediadas através de hipertextos, porém, os autores desconsideram os
usos apontados por Ribeiro (2006). Chamamos ainda a
atenção para a nomenclatura adotada por aqueles autores ao qualificarem o letramento como digital, pois se os
gêneros são hipertextuais, por que o letramento também
não o é?
Feitas essas considerações, verificamos que os autores ora restringem o letramento digital a práticas que
não consideram o hipertexto, ora consideram somente
as práticas mediadas por hipertextos, nomeando-as por
letramento digital, termo que se refere não só a práticas
em ambiente do qual o hipertexto é oriundo (a web, por
118
LETRAMENTOS QUE EMERGEM DA HIPERTEXTUALIDADE
exemplo), mas também a outros usos envolvendo tecnologias digitais, como o manuseio de uma máquina fotográfica digital, o envio de torpedos via celular, o nível de
interatividade exigida pela TV digital.
Convém ainda, ressaltar que as inquietações apresentadas aqui já foram encontradas em autores como
Barton (2001) e Ribeiro (2008). O primeiro autor, refletindo sobre a cultura impressa e as outras mídias, levanta o seguinte questionamento: os pesquisadores podem
ou poderiam incluir outras formas de fazer sentido como
parte do letramento ou elas seriam mais úteis se observadas como recursos diferentes para produzir sentidos que
podem distinguir-se de letramentos? Com a intenção de
responder a essa pergunta, o referido autor afirma, posteriormente, que pesquisas sobre letramento forneceram
indícios de que esse termo abarca mais que os atos de
ler e escrever. Também Ribeiro (op. cit.) sugere que o
conceito de letramento digital é demasiadamente amplo
e necessitaria de mais subcategorias para que se tornasse
mais operacional.
Diante do exposto, as reflexões aqui iniciadas sobre alguns termos e conceitos já consagrados na literatura
vigente suscitam a necessidade da criação e concepção
do termo letramento hipertextual como uma nova categoria do letramento digital, com base na ideia de que todo
letramento hipertextual é digital, mas nem todo letramento digital é necessariamente hipertextual.
Considerações Finais
Tendo em vista o contexto atual de desenvolvimento de práticas sociais de leitura e escrita (e nem somente
de escrita), aliada à fase ainda inicial de compreensão de
conceitos como hipertexto e letramento digital, julgamos
favorável que se refinem teoricamente tais conceitos. O
hipertexto, uma categoria em construção, não considera
em sua definição a heterogeneidade funcional dos hipertextos; apesar de estudos isolados sobre gêneros hipertex119
ANA CRISTINA LOBOͳSOUSA • JÚLIO CÉSAR ARAÚJO •
REGINA CLAUDIA PINHEIRO
tuais estarem em curso em diferentes programas de pósgraduação no país.
Em decorrência disso, a abrangência dos conceitos
de letramento digital também se faz sentir na literatura
sobre o assunto, sendo, em alguns casos, restrita demais,
limitando-se ao manuseio tecnológico, como em Ribeiro
(2006); em outros casos, embora enquadrando às práticas mediadas por hipertexto, o termo que a designa é o
letramento digital, conforme o conceito de Buzato (2003)
e Xavier (2002) e não o letramento hipertextual, como se
poderia esperar.
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ANA CRISTINA LOBOͳSOUSA • JÚLIO CÉSAR ARAÚJO •
REGINA CLAUDIA PINHEIRO
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122
LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS
ACADÊMICOS NO EAD:
LETRAMENTOS E ENSINO NA WEB1
Camila Maria Marques Peixoto
Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin
Considerações Iniciais
O ensino de língua portuguesa, apesar das diversas
tentativas de melhoria, não vem apresentando resultados
positivos porque ainda está distante das necessidades dos
objetivos dos aprendizes; enquanto eles precisam ampliar
as competências comunicativas/interacionais, a escola
permanece valorizando exercícios de memorização e repetição de regras gramaticais, da produção de redações
escolares. Quando muito, temos atividades de identificação de elementos gramaticais em textos. Diferentemente
dessa relação que o aluno tem com o texto em situação
de ensino-aprendizagem, em seu convívio cotidiano com
a língua portuguesa ele lê e produz gêneros textuais para
pegar ônibus, ler livro de receitas, ler o cardápio de um
restaurante, fazer listas de compras e para tantas outras
atividades.
As questões que ora fazemos são as seguintes: se
não existe um incentivo à leitura e à produção de textos/
gêneros textuais para o aluno da educação básica interagir nas situações cotidianas, chegando à universidade,
como ele fará nas situações de comunicação que exigem
de nós competências diferentes daquelas necessárias para
realizar as atividades rotineiras? Como fazer com os textos/gêneros textuais que exigem de nós maior nível de
letramento, isto é, mais nível de capacidade de responder
1
Parte da discussão deste capítulo é resultado das reflexões feitas
durante a disciplina Letramentos na Web (Tópicos Avançados I),
ministrada no semestre de 2008.1 pelo Prof. Dr. Júlio Araújo, no
PPGL da UFC.
123
CAMILA MARQUES PEIXOTO • EULÁLIA VERA LÚCIA FRAGA LEURQUIN
de maneira ampla e satisfatória às demandas sociais fazendo uso da leitura e escrita (cf. TFOUNI, 1995)?
Documentos oficiais do Ministério de Educação
(Parâmetros Curriculares Nacionais, Programa Nacional
do Livro Didático, entre outros) mostram que todos têm
consciência do papel das instituições de ensino (escolas,
faculdades e universidades) na formação de leitores e produtores de gêneros textuais. Parece que o grande problema permanece no mostrar por que é preciso ensinar a
língua portuguesa a partir de gêneros textuais e no como
o ensino deveria acontecer.
No caso dos cursos de graduação em Física e em
Química ofertados pela UFC na modalidade à distância
virtual, trabalhamos com uma disciplina chamada Práticas de Leitura e produção de textos cuja carga horária é
de 64 horas/aula e cuja duração é de um mês; o que corresponde a seis aulas sendo duas presenciais. A primeira
corresponde a 20% e a avaliação2 presencial corresponde a 60% da nota do aluno. Na produção do material
à distância dessa disciplina, propusemos,3 atividades de
leitura e de produção de textos acadêmicos (resenha, artigo científico e resumo) ignorando uma sugestão de trabalho com conteúdos gramaticais descontextualizados.
Nossa opção decorreu de dois motivos: a comunicação/
interação acontece em forma de leitura e compreensão
de textos; e na situação da academia, o aluno é provocado a ler e a produzir textos acadêmicos para ter acesso
a sua área de conhecimento, às pesquisas. Esses argumentos também se constituíram vieses para dar funcio2 A prova presencial do curso a distancia da UFC-VIRTUAL vale 60%
da nota final. As notas das atividades de portfólio correspondem aos
outros 40% da nota final.
3 As aulas disponibilizadas para a disciplina Práticas de Leitura e Produção de Textos foram construídas, em 2007, com a participação de
alguns membros do grupo GEFORP (Camila Maria Marques Peixoto
e Mônica Maria Viera Evangelista), sob a orientação da Profa. Dra.
Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin. Participaram também da construção desse material Mariza Angélica Brito e Valdinar Custódio Filho,
doutorandos em Linguística pelo PPGL-UFC.
124
LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS ACADÊMICOS NO EaD:
LETRAMENTOS E ENSINO NA WEB
nalidade à disciplina. Mas, propor um ensino de língua
portuguesa com esse perfil e mediada pelo computador4
exige um dinamismo muito grande do professor, uma formação especializada.
A modalidade do Ensino a Distância (doravante EaD) é uma tendência em nosso país que deve ser
questionada e problematizada porque não é transferindo ações didáticas utilizadas no ensino presencial que
podemos garantir um ensino de qualidade; até porque
o ensino presencial não vem garantindo bons resultados
(para se aprofundar, ver documentos do MEC sobre resultados do ENEM, SAEB, PISA, SPAECE, entre outros). A
EaD não é novidade na história de nossa educação. No
Brasil, funciona há décadas cursos por correspondências
ou em sistema de TV. Novidade sobre esse assunto é a
particularidade associada ao maior incentivo dado a essa
modalidade de ensino principalmente no ensino superior
devido ao, entre outros fatores, desenvolvimento das novas tecnologias que propiciaram o desenvolvimento de
alternativas mais elaboradas e interativas de ensino à distância.
Para assegurar a interação/comunicação entre alunos, tutores e professor conteudista existem as seguintes
ferramentas: o link (onde são expostas as aulas virtuais);
a agenda (onde está o planejamento da disciplina); o portfólio dos alunos (espaço da apresentação de atividades);
fórum (lugar de interação a partir dos tópicos que estão
em discussão em determinado momento do curso; chat
(espaço de interação/comunicação em tempo-real dos
alunos do curso com seus tutores; e, por fim, as mensagens (sistema de correio eletrônico interno ao ambiente).
4
Os cursos de graduação na modalidade semi-presencial são
ofertados pela Universidade Federal do Ceará, em parceria com os
governos do Estado e dos municípios, através do projeto nacional
Universidade Aberta do Brasil (UAB), que visa à expansão do ensino
superior à distância para regiões onde não há acesso hábil a cursos
superiores na modalidade presencial. Maiores informações podem
ser encontradas no site <http://www.virtual.ufc.br/>.
125
CAMILA MARQUES PEIXOTO • EULÁLIA VERA LÚCIA FRAGA LEURQUIN
Dentre essas ferramentas disponibilizadas pelo ambiente
solar, não utilizamos algumas, o chat, por exemplo, por
ser um gênero com estrutura menos planejada, em que a
interação ocorre mais espontaneamente e por isso não é
apropriado para introduzir tópicos e aprofundar questionamentos teóricos.
No tocante aos papéis dos docentes envolvidos no
ensino de língua portuguesa no ambiente solar, é importante registrar que oficialmente, o tutor (o professor que
ministra a disciplina) é responsável pelo acompanhamento da turma, pela aplicação e correção das avaliações,
cabendo, portanto, ao professor conteudista (responsável
pelas aulas virtuais e pelo bom andamento da disciplina)
construir o material, elaborar as provas e assegurar um
bom andamento da disciplina. No entanto, por uma opção teórico-metodológica defendida pelo professor conteudista, os tutores também fazem parte do momento da
construção do material.
Neste ambiente específico de ensino-aprendizagem, a atuação presencial aconteceu na primeira e última
aula e o tutor da disciplina, normalmente, seguiu o planejamento proposto no início do curso, que foi construído
sob a coordenação do professor conteudista em parceria
com os tutores da disciplina. O planejamento teve como
referência teórico-metodológica o interacionismo sóciodiscursivo a partir das contribuições de autores como
Bronckart (1999, 2006, 2007) e Schneuwly e Dolz (2004)
porque concebem o gênero como instrumento de comunicação e como objeto de ensino-aprendizagem. No tocante à noção de letramento, consideramos os estudos
desenvolvidos por Tfouni (1995) que define letramento
como o estado/condição daquele que sabe ler e escrever, e, que responde, de maneira ampla e satisfatória, às
exigências impostas pelas relações sociais. Também nos
fundamentamos nas pesquisas de Soares (2003), sobretudo quando ela mostrou a necessidade de trazer para
a discussão sobre letramento a discussão sobre gêneros
textuais.
126
LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS ACADÊMICOS NO EaD:
LETRAMENTOS E ENSINO NA WEB
A Importância do Estudo do Gênero em
Instituições de Ensino
A noção de gênero textual que acabamos de mostrar tem bases nos estudos de Bakthin (2003 [1979]). Para
o autor, todos os campos da atividade humana estão indissociavelmente ligados ao uso da linguagem. Dessa
forma, os usos da linguagem são tão múltiplos quanto
são as formas de organização e os tipos de atividades
desenvolvidas pelo homem. Assim, cada segmento das
atividades humanas possui gêneros que são socialmente
construídos, resultado da experiência das gerações precedentes, renovados e modificados pelas especificidades da
necessidade de comunicação. Portanto, a situação de comunicação dentro de determinada esfera social define o
que é dizível, e dialogicamente o que deve ser dito define
a escolha de um gênero.
Mas, considerando que o objetivo maior do ensino de língua portuguesa é ampliar os conhecimentos do
aprendiz a fim de que ele se comunique/interaja de maneira mais significativa, acreditamos que o gênero também deve ser objeto de ensino (SCHNEUWLY; DOLZ,
2004). E, com base nesse entendimento, precisamos atentar às práticas de leitura e escrita de determinados gêneros
secundários5 pois eles exigem de seus usuários que mobilizem competências muito complexas, que, na maioria
das vezes, os alunos não dominam. Tais competências
são essenciais para a interação/comunicação através de
gêneros praticados no meio acadêmico.
Dentro da discussão sobre o ensino de língua a
partir de gênero, observamos muito claramente um desencontro de informações. Primeiro vemos que na educação básica, ainda se trata a apropriação dos gêneros
5
Para Bakthin (2003 [1979]), os gêneros estão divididos em gêneros
primários, menos complexos, relacionados à situação imediata de
comunicação; e secundários, mais complexos, pouco relacionados
à situação imediata de comunicação.
127
CAMILA MARQUES PEIXOTO • EULÁLIA VERA LÚCIA FRAGA LEURQUIN
de maneira equivocada, acreditando-se que pelo fato de
tê-los em materiais didáticos estaríamos proporcionando um ensino produtivo de língua portuguesa (FRAGA
LEURQUIN, 2001; MARCUSCHI, 2005; PEIXOTO, 2007;
EVANGELISTA, 2008, por exemplo). No ensino superior,
é comum a exigência de leitura e de escrita de gêneros
acadêmicos, sem que se ensine a produzir resenhas, artigos científicos, seminários, palestras, comunicações, resumos científicos, entre outros. No entanto, na maioria das
disciplinas, o aluno é avaliado através da produção de um
desses gêneros.
A opção por ensinar a língua portuguesa tendo
como base o gênero resenha, vem justamente suprir essa
necessidade. Além do mais também rompe com o modelo de ensino de língua portuguesa que muito pouco
vem contribuindo para o bom desempenho do aprendiz,
como afirmamos ao longo desse capítulo. Segundo Schneuwly e Dolz (2004), para concretizar o papel central
dos gêneros como objeto de ensino e instrumento de
trabalho para o desenvolvimento da linguagem, há dois
aspectos de reflexão. O primeiro aspecto está relacionado aos objetivos precisos de aprendizagem a partir dos
gêneros, objetivos que, além de possibilitarem ao aluno
dominar determinado gênero, permitam o desenvolvimento de capacidades que ultrapassam o gênero alvo e
que são transferíveis para outros gêneros. O segundo aspecto diz respeito ao fato de o gênero ter seu contexto de
produção e circulação relacionado a outro lugar social
diferente daquele da instituição de ensino; o gênero sofre transformações como gênero a apreender, apesar de
continuar sendo forma de mediação das atividades humanas. Dessa maneira, o gênero em ambiente de aprendizagem é sempre uma variação do gênero de referência,
construído em uma dinâmica diferente, lido e produzido
com objetivos relacionados ao ensino-aprendizagem. É,
pois, com base nisso que se apresenta uma proposta de
ensino-aprendizagem de língua portuguesa em ambiente
virtual de aprendizagem.
128
LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS ACADÊMICOS NO EaD:
LETRAMENTOS E ENSINO NA WEB
Por uma Proposta de Ensino-Aprendizagem de
Língua Materna em Ambiente Virtual a Partir do
Gênero Acadêmico Resenha
Como vimos reforçando ao longo desse texto, é
fundamental que o ensino de língua aconteça a partir de
gêneros textuais. O desafio está, retomamos, na proposta
das atividades. Com base nisso, foi preciso elaborar aulas
virtuais que facilitassem a apropriação de gêneros acadêmicos, em ambiente virtual. A internet, nesse sentido, tem
um papel fundamental: ela é um suporte que viabiliza,
media a interação/comunicação.
Analisaremos, neste trabalho, apenas as aulas que
tratam do gênero resenha, uma vez que não seria possível aprofundarmos aqui os demais gêneros trabalhados na
disciplina. O trabalho com o gênero resenha foi contemplado nas quatro últimas aulas. Inicialmente, estudamos
o conceito de resenha e depois as características dela, as
condições de produção e os tipos de resenha.
Antes de mostrar como se constitui uma resenha,
apresentamos uma estratégia de leitura para os alunos,
a fim de que eles desenvolvessem uma reflexão sobre a
resenha, a saber:
A seguir você lerá uma resenha sobre o filme Mar
adentro. Mas antes de fazer a leitura do texto,
vamos tentar refletir sobre as características desse
gênero. É preciso identificar esses blocos de textos.
São citações? De onde foram retirados? Qual é a
referência?
O que você sabe sobre resenha? Já fez a leitura
de algum texto pertencente a esse gênero? Onde
pode ser encontrada? Na sua opinião, qual o objetivo do autor do texto ao escrever uma resenha?
Quem normalmente escreve resenhas? Para quem?
(Texto extraído do material da disciplina Leitura
e produção de textos, do Curso de Química, disponível na UAB)
129
CAMILA MARQUES PEIXOTO • EULÁLIA VERA LÚCIA FRAGA LEURQUIN
Como podemos perceber, o aluno foi provocado
para que pudesse acionar seus conhecimentos anteriormente adquiridos sobre o gênero resenha. Orientamos,
através dessas questões, a ativação dos conhecimentos
prévios sobre o contexto de produção e circulação desse
gênero, sobre os lugares sociais em que o gênero circula, bem como sobre os lugares sociais dos produtores e
destinatários desse gênero. Essa ativação é muito importante na proposição de apropriação de um gênero, uma
vez que potencializa um maior engajamento por parte do
aluno na construção de conhecimentos necessários sobre
o gênero, que é objeto de ensino-aprendizagem no contexto escolar.
Depois do exercício de ativação dos conhecimentos prévios, propusemos a leitura e a resolução de atividades de compreensão e interpretação6 de uma resenha
não acadêmica,7 já que a leitura de resenhas acadêmicas
é uma tarefa mais “árida” para o aluno universitário iniciante. Compreendemos que o trabalho de apropriação
do gênero deve partir da realidade do aluno, possibilitando a ligação dos novos conhecimentos, que serão trazidos pelas aulas virtuais, aos conhecimentos prévios dos
aprendizes.
Nessa construção, está presente a nossa concepção
de ensino-aprendizagem, que tem bases principalmente
em Vygotsky (2005 [1987]). Para esse autor, a aprendizagem acontece na desestabilização dos conhecimentos
prévios dos alunos, quando estes interagem com novos
conhecimentos mediados pelo professor. A esse contexto,
Vygotsky chamou de Zona de Desenvolvimento Proximal
a distância entre aquilo que o indivíduo é capaz de fa6 Assumimos aqui a mesma percepção de Orlandi (2006 [1988]) sobre
a distinção entre interpretar e compreender. A primeira noção está relacionada à atribuição dos sentidos, que leva em consideração apenas
o contexto linguístico, e a segunda noção considera que a construção
de sentido é um processo sócio-historicamente determinado.
7 Propusemos a leitura de uma resenha cinematográfica do filme
Mar-adentro. Para lê-la, o leitor pode acessar <http://www.recantodasletras.com.br/resenhasdefilmes>.
130
LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS ACADÊMICOS NO EaD:
LETRAMENTOS E ENSINO NA WEB
zer de forma autônoma (nível de desenvolvimento real)
e aquilo que ele realiza em colaboração com os outros
elementos do seu grupo social (nível de desenvolvimento
potencial). É justamente nessa distância que o professor
atuará enquanto mediador do conhecimento. Em uma atitude de mediação, expusemos características da resenha
e de sua situação de produção.
Dependendo do domínio discursivo, do objetivo
do resenhista e do suporte, este gênero terá características diferentes quanto à organização textual.
Por exemplo, uma resenha sobre determinado
filme, escrita em um jornal, terá especificidades
dos gêneros divulgados nesse suporte. (Texto extraído da disciplina Leitura e produção de textos,
do Curso de Química, da UAB, 2007)
A partir da compreensão de que havia muitos tipos
de resenhas, focalizamos nossa atenção à resenha acadêmica, objeto do nosso estudo. Mostramos explicitamente
em uma resenha os aspectos formais que materializam a
estrutura composicional da resenha; apresentamos aspectos relacionados à articulação entre a estrutura composicional do gênero e as condições de produção desse texto.
Mostramos aos aprendizes a forte ligação entre os gêneros
e as formas de interação humana.
Devido à extrema complexidade das relações
humanas, devemos compreender que as características dos gêneros podem ser modificadas de
acordo com a necessidade de interação. Assim,
não é possível pensarmos em características de
composição dos gêneros totalmente fixas; há, na
verdade, uma relativa estabilidade do gênero que
nos permite interagir mediado por ele. (Texto extraído da disciplina Leitura e produção de textos,
do Curso de Química, da UAB, 2007)
Na aula seguinte, buscamos questionar mais explicitamente o contexto de produção do gênero resenha acadêmica. Assim, propusemos perguntas que recuperassem
o contexto de produção e questionassem sobre a relação
131
CAMILA MARQUES PEIXOTO • EULÁLIA VERA LÚCIA FRAGA LEURQUIN
entre essas condições e a construção de sentido dos textos. Para na aula posterior trabalhar a construção de uma
resenha de um artigo científico tratado nas primeiras aulas. Propusemos então aos alunos que recuperassem os
parâmetros definidores do contexto de produção, através
do seguinte comando:
Vimos que, na escritura de um texto, devemos ter
em mente o destinatário, o objetivo, a adequação
ao gênero textual e demais elementos envolvidos
na produção. Diante disso, preencha o quadro
sobre o artigo8 “AVALIAÇÃO QUÍMICA E NUTRICIONAL DO QUEIJO MUSSARELA E IOGURTE
DE LEITE DE BÚFALA - (Texto extraído da disciplina Leitura e produção de textos, do Curso de
Química, da UAB, 2007)
Os questionamentos sobre os parâmetros definidores do contexto de produção foram a partir dos aspectos
relacionados ao mundo físico: o lugar de produção que é
o lugar concreto, geograficamente situado no qual o texto
foi produzido; o momento de produção que é a extensão
do tempo durante a qual o texto é produzido; o emissor
(produtor ou locutor) que é quem produziu fisicamente o
texto; e, por último, o receptor que é a pessoa que pode
receber ou perceber concretamente o texto.
Problematizamos também os parâmetros do mundo sócio-subjetivo, quando questionamos os seguintes aspectos: lugar social, que corresponde ao quadro de qual
formação social ou instituição a interação é efetivada (escola, família, exército, interação comercial etc.); a posição
social do emissor (que lhe dá estatuto de enunciador) diz
respeito ao papel social que o emissor desempenha na
interação em curso (papel de professor, papel de pai, papel de cliente, por exemplo); a posição social do receptor
(que lhe dá estatuto de destinatário) qual é o papel social
assumido pelo receptor (papel de aluno, de criança, de
8 O quadro faz as seguintes perguntas: função social do autor do
texto/área de atuação; tema do artigo a ser resenhado; finalidade do
texto e tese/posicionamento do autor do texto
132
LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS ACADÊMICOS NO EaD:
LETRAMENTOS E ENSINO NA WEB
colega, de empregado, por exemplo); o objetivo da interação que diz respeito, do ponto de vista do enunciador,
ao efeito que o texto deve produzir no destinatário.
A última aula teve o propósito de envolver o aluno
na produção de uma resenha, mesmo consciente de que
o processo de escrita é realizado a partir do cumprimento
de etapas (planejamento, escrita da primeira versão e revisão). As etapas do planejamento e primeira versão foram
propostas na aula anterior. Também levamos em consideração, para o cumprimento dessas etapas iniciais, a orientação de uma nova leitura do artigo e da explicitação das
características do gênero artigo de opinião. No final dessa
aula, propusemos a seguinte atividade:
Baseado no que você aprendeu sobre resenha,
elabore uma resenha sobre o artigo lido e envie ao
e-mail de um colega de curso. Cada participante
só poderá fazer avaliação de uma resenha.
Atenção: Como se trata da primeira resenha, da
produção de um estudante em início de formação
acadêmica, o importante é avaliar em termos de
como está descrito o texto resenhado. (Texto extraído da disciplina Leitura e produção de textos,
do Curso de Química, da UAB, 2007)
A atividade seguinte diz respeito a uma revisão da
resenha feita. Primeiro os alunos trocam por e-mail os
textos produzidos, com base nos seguintes critérios de
avaliação:
O texto está adequado aos objetivos propostos
pela atividade? 2. O texto está adequado aos
destinatários?3. O texto traz clara a voz do resenhista e a voz do autor do texto resenhado? 4.
Existe posicionamento do resenhista sobre o texto
resenhado? 5. Os mecanismos de estruturação do
texto auxiliam na organização global do texto?
6. Os aspectos relativos à norma culta são observados pelo resenhista? 7. Observe os aspectos
enumerados acima e faça um comentário sobre
a resenha que você avaliou. (Texto extraído da
133
CAMILA MARQUES PEIXOTO • EULÁLIA VERA LÚCIA FRAGA LEURQUIN
disciplina Leitura e produção de textos, do Curso
de Química, da UAB, 2007)
Nos critérios de avaliação estão sendo vistos aspectos formais e aspectos relacionados ao contexto de produção do texto. Depois dessa avaliação realizada pelo colega, ainda no processo de revisão propusemos a seguinte
atividade, a ser realizada no fórum de discussão: Leia os
comentários feitos pelo colega sobre o seu texto e discuta
com ele, no fórum “Aula 10 – Revisão da resenha”, sobre
as mudanças no texto. O nosso objetivo era o aluno ler o
próprio texto e, a partir dessa a leitura, considerar ou não
a intervenção do colega.
A versão final é proposta na sequência através de
uma atividade de portfólio que deve considerar os passos
propostos:
1. Refaça seu texto, a partir das discussões com
seu colega avaliador e arquive, no portfólio, a
nova versão.
2. Após a (re)escritura do texto, o professor irá
analisar cada resenha e fazer algumas observações
sobre o texto produzido. Verifique as observações
feitas e reescreva a sua resenha. Arquive todas as
versões em seu Portfólio. “Aula 10_Ativ2_revisão
da resenha”. (Texto extraído da disciplina Leitura
e produção de textos, do Curso de Química, da
UAB, 2007)
Essas etapas exigem do aluno a leitura de seu próprio texto, bem como a produção de várias versões do
mesmo texto. Possibilita-lhe conceber o texto como um
processo, que exige planejamento e revisão. É importante
dizer que a revisão vem sendo uma atividade necessária
na sala de aula de línguas. No ensino de língua mediado pelo computador, percebemos claramente o envolvimento do aprendiz no processo e o dinamismo que isso
ocorre. O aluno, da maneira que planejamos é co-autor
de sua revisão, enquanto que na modalidade de ensino
presencial cabe apenas ao professor fazer a revisão do
texto do aluno, normalmente.
134
LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS ACADÊMICOS NO EaD:
LETRAMENTOS E ENSINO NA WEB
Considerações Finais
Sobre a construção de aulas virtuais para a disciplina Leitura e produção de textos, no Curso de Química
e Física ainda temos muitos desafios a serem superados.
Tais desafios são oriundos do próprio planejamento da
disciplina que ainda é muito tradicional e é fortalecido
nas particularidades dessa modalidade de ensino. Na
verdade, ainda estamos em busca da construção de um
material de ambiente virtual que não seja ainda mais distante da transposição do material impresso. Alguns passos
foram dados, mas não é tão evidente a superação das limitações que ainda temos.
Ainda precisamos avançar para aproveitarmos o
potencial interativo das ferramentas do ambiente; ainda
pouco utilizamos as possibilidades multi-semióticas, por
uma série de razões: a pressa na construção do material,
que tem data fixada para entrar no ar e que precisa passar pelas instâncias de transição didática e de revisão das
aulas, sobrando pouco tempo para elaboração e discussão teórica de questões relacionadas às especificidades
do ambiente virtual; a falta de conhecimento teórico dos
envolvidos nesse processo acerca das especificidades
do ambiente virtual; o pouco diálogo entre a equipe de
transição didática e os professores elaboradores das aulas; poucas oportunidades de discussão sobre as questões
teóricas envolvidas na construção dessa complexa experiência; entre outros motivos.
Essas questões têm nos inquietado bastante, pois
somos conscientes de que o material construído para a referida disciplina não potencializa a utilização multi-semiótica dos recursos disponibilizados pelo ambiente virtual
de aprendizagem em que acontecer o curso. Essa lacuna
tem nos motivado a realizar discussões sobre o “fazer”
das aulas virtuais e, ao mesmo tempo, faz-nos perceber
em que direção é possível caminhar.
135
CAMILA MARQUES PEIXOTO • EULÁLIA VERA LÚCIA FRAGA LEURQUIN
Referências Bibliográficas
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BRONCKART, J.P. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sócio-discursivo. São Paulo, EDUC, 1999.
LEURQUIN, E.V.L.F. Contrato de comunicação e concepções de leitura na prática pedagógica de língua portuguesa. Tese (Doutorado em Educação). Natal: PPGED-UFRN,
2001.
MOREIRA, H.; CALEFFE, L.G. Metodologia da pesquisa
para o professor pesquisador. Rio de Janeiro: DP&A,
2006.
ORLANDI, E.P. Discurso e leitura. 7 ed. São Paulo: Cortez, 2006.
PEIXOTO, C.M.M.P. Análise da proposta de planejamento da aula de leitura no material didático do ProJovem.
Dissertação (Mestrado em Linguística). Fortaleza: PPGLUFC, 2007.
SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na
escola. Trad. Roxane Rojo e Glaís Cordeiro. Campinas.
São Paulo. Mercado das Letras, 2004.
VYGOTSKY, L.S. Pensamento e linguagem. 3. ed. São
Paulo. Martins Fontes, 2005.
136
AS NOVAS EXIGÊNCIAS DO LETRAMENTO E A
CONSTRUÇÃO DE UM AMBIENTE PROPÍCIO
AO ENSINO DA LEITURA1
Valéria Maria Cavalcanti Tavares
Considerações Iniciais
Nas duas últimas décadas do Século XX, assistimos
a uma mudança radical nas formas de armazenar e transmitir informações. Ao voltarmos nossos olhos ao passado
recente, não podemos deixar de observar as grandes modificações produzidas pela informática na vida de toda a
sociedade. Os computadores, que antes ficavam restritos
às áreas militares e acadêmicas, ganharam as fábricas, os
bancos, as lojas, as casas, fazendo surgir novas formas de
comunicação e informação. Essa revolução da tecnologia da informação e comunicação trouxe o computador
para a vida cotidiana das pessoas: o auto-atendimento
no banco, o código de barras no supermercado, o passe
eletrônico no ônibus urbano, os formulários online, os sites governamentais de serviços; além de gerar uma nova
necessidade de consumo, o computador doméstico, que,
segundo dados apurados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística) através do PNDA (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio), desde 2001, é o bem
durável com maior aumento percentual de consumo.
As informações acima, com certeza, são insuficientes para desenhar um quadro completo da influência da
informática na sociedade atual, no entanto, trazem dados
suficientes para as seguintes constatações: a informatização da sociedade vêm revolucionando o cotidiano das
pessoas, pelo surgimento de novas práticas sociais independentes do seu nível social ou cultural, abrangendo
1 Alguns aspectos do presente trabalho retomam as discussões realizadas durante a disciplina Letramentos na Web, ministrada pelo
Prof. Júlio Araújo, em 2008.1, no PPGL da UFC.
137
VALÉRIA MARIA CAVALCANTI TAVARES
desde o trabalhador que anda de ônibus até o alto executivo, intelectual ou cientista; e o computador pessoal
deve se tornar um objeto de uso rotineiro nas residências,
visto o seu crescimento constante como bem de consumo
durável (Quadro 1).
Quadro 1 – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2001-2006) – Percentual de domicílios com computador e com acesso à Internet
25
20
15
Com putador
10
Internet
5
2006
2005
2004
2003
2002
2001
0
Fonte: IBGE
Tais constatações nos inquietam, como professores
de língua portuguesa, e nos fazem pensar de que maneira
essas novas práticas sociais, oriundas da popularização da
informática e do computador, afetam o homem moderno,
principalmente no âmbito da leitura (ler a tela da máquina
do banco, preencher formulários online, marcar atendimento nos sites de serviços do governo federal etc.), que
deixa de incluir apenas os textos impressos, expandindose para abranger as novas tecnologias de comunicação
e informação, representadas pelo texto multimídia, o hipertexto e outros gêneros que vão aparecendo no mundo
digital, principalmente na Internet. E, consequentemente,
afetam a escola que, como importante agência de letramento, tem o dever de ensinar as novas gerações a ler
nessa nova realidade.
O desejo de responder concretamente as questões
acima, isto é, como a leitura é afetada pelas exigências
138
AS NOVAS EXIGÊNCIAS DE LETRAMENTOS E A CONSTRUÇÃO
DE UM AMBIENTE PROPÍCIO AO ENSINO DA LEITURA
das novas tecnologias de informação e comunicação e
como a escola deve atuar nesse novo contexto, levounos a refletir sobre dois pontos que consideramos, a partir da nossa experiência em sala de aula, como cruciais
para a obtenção das respostas desejadas, que são: compreender o conceito de letramento que se delineia com
o advento das novas tecnologias; e definir o ambiente de
aprendizagem mais propício ao ensino da leitura nessa
nova realidade.
Esse texto foi desenvolvido a partir das reflexões
originadas na tentativa de obtermos respostas consistentes
às questões anteriormente descritas (compreender o letramento e definir o ambiente de aprendizagem na era das
novas tecnologias), de forma a enriquecer a prática educacional daqueles professores que são considerados, pelo
senso comum, como responsáveis pelo ensino da leitura,
ou seja, os professores de língua materna. Assim, ele consta
de duas partes: na primeira, buscamos definir letramento,
discutindo esse conceito a partir das novas práticas sociais
que a tecnologia digital traz e suas consequências para a
natureza da leitura e sua instrução; na segunda, passamos à
caracterização do ambiente de aprendizagem que consideramos mais propício ao ensino da leitura na era digital.
Definição de Letramento
Na tentativa de definir letramento, identificando,
assim, as novas exigências que a tecnologia digital traz
para a natureza da leitura e sua instrução, levantamos a
existência de duas dimensões nessa definição: uma de caráter individual e outra social (SOARES, 2000), além da
existência de uma tendência do uso do termo letramento
no plural, letramentos (SEMALI: 2001; LEU et al., 2004).
A partir desse levantamento, buscamos uma definição que
incluísse as novas práticas sociais e individuais oriundas
das novas tecnologias, a fim de determinar o que ensinar
e como preparar os alunos para os desafios que irão enfrentar ao sair da escola.
139
VALÉRIA MARIA CAVALCANTI TAVARES
Letramento: Dimensão Social e Pessoal
A dimensão individual privilegia as habilidades pessoais, vê o letramento como um atributo do indivíduo, envolvendo um conjunto de habilidades que vai desde a habilidade de decodificar (transformar sinais gráficos em sons)
até de decifrar (transformar sinais gráficos em ideias, gerando reflexões, analogias, questionamentos, generalizações).
A dimensão social, por sua vez, defende que o letramento
é mais que a capacidade de ler e escrever, pois inclui o
uso dessas habilidades, concretamente, em práticas sociais,
levando o indivíduo não só a responder adequadamente
às exigências sociais do uso da leitura/escrita (visão funcional), mas também a refletir sobre a realidade, tomando
consciência e agindo para transformá-la (FREIRE, 1981).
Qualquer que seja a dimensão de letramento tomada como base, sua definição sofre influência das forças
sociais e culturais vigentes, pois essas desempenham importante papel nas habilidades de leitura e escrita que são
exigidas do indivíduo (MCNABB et al., 2002; LEU et al.,
2005). Portanto, na tentativa de definir letramento, devemos levar em consideração as forças sociais que atuam
na sociedade de hoje, centrada na expansão das novas
tecnologias de informação e comunicação, sobretudo na
Internet, vivendo o que Reinking (apud EL-HINDI, 2001)2
chama de era “pós-tipográfica”. Assim, a definição de letramento requer que a leitura e a escrita não fiquem restritas ao papel, mas avancem para o mundo digital, alargando as noções de ler e escrever para incluir representações
gráficas, visuais e sonoras (SEMALI, 2001), incluindo as
habilidades necessárias a compreensão leitora do texto
eletrônico, principalmente do hipertexto, modo mais comum de veiculação de informação na Internet (SCHMARDOBLER, 2003).
2 REINKING, Reading and writing with computers: Literacy research
in a post-typographic world. In HINCHMAN, K. A., LEU, D. J. &
KINZER, C. (eds.), Perspectives on literacy research and practice 9PP.
17-33, Chicago: National Reading Conference, 1995.
140
AS NOVAS EXIGÊNCIAS DE LETRAMENTOS E A CONSTRUÇÃO
DE UM AMBIENTE PROPÍCIO AO ENSINO DA LEITURA
Desta maneira, o conceito de letramento passa a
incluir habilidades, como: acessar a melhor informação
no menor espaço de tempo, avaliar sua credibilidade,
identificar e resolver problemas e comunicar a solução
encontrada. Ao mesmo tempo em que abrange o desenvolvimento do pensar criticamente, permitindo ao leitor
comparar documentos, selecionar e sintetizar informações, cujo acesso é praticamente ilimitado na Internet.
Além de usar essas informações de forma a influir no espaço ao seu redor, criando soluções e informando suas
descobertas, em um ambiente de grande poder de comunicação e interação, representado por e-mail, chats, listas
de discussão, entre outros.
Ressaltamos que essa nova concepção de letramento é construída com base nas concepções de letramento
tradicionais (com foco no texto impresso), pois o texto
eletrônico utiliza o mesmo código linguístico, mantendo
válidos elementos fundamentais, como decodificação,
vocabulário, compreensão, inferência, ortografia e outros
requeridos para ler livros e demais elementos impressos.
Esse letramento tradicional se torna mais importante no
mundo “pós-tipográfico”, mas insuficiente para alguém
que precise usar a Internet e outros meios de informação
e comunicação baseados nas novas tecnologias (LEU et
al., 2004).
Letramento Versus Letramentos
Na tentativa de solucionar a questão da definição
de letramento, abrangendo as novas e antigas tecnologias, temos visto o aparecimento do termo letramentos,
que engloba: o letramento digital, o letramento computacional, o letramento informacional, o letramento visual, o
letramento midiático, entre outros. Cada um abrangendo
diferentes habilidades para o uso em situações específicas
de letramento.
Ao examinar as definições de alguns dos termos
mencionados anteriormente, Semali (2001) afirma que é
141
VALÉRIA MARIA CAVALCANTI TAVARES
difícil entender como alguém pode se tornar letrado na
era pós-moderna, em qualquer de um dos tipos de letramento citados, sem que, de alguma forma, seja nos demais. Prossegue mostrando que o letramento computacional refere-se não só ao uso do computador, mas abrange
competências relacionadas a ler, entender, avaliar e interpretar textos visuais, incluindo imagens, desenhos e
cores que representam acontecimentos, ideias e emoções
(letramento visual), além da habilidade de acessar, avaliar e produzir textos usando os recursos de multimídia
(letramento midiático). E acrescentamos que esse mesmo
letramento ainda requer a capacidade de selecionar uma
informação importante, avaliá-la, usá-la adequadamente
e difundi-la, aplicando-a a uma dada situação (letramento
informacional).
Essas afirmações de Semali (2001) reforçam a nossa
crença de que, a cada nova tecnologia de ler e escrever,
novas exigências são impostas pela sociedade ao homem.
Assim foi na Mesopotâmia, com a escrita cuneiforme; no
Egito, com o papiro; na Idade Média, com os monges copistas e com a imprensa de Gutenberg; e não poderia ser
diferente na era “pós-tipográfica” com o advento do rádio,
da televisão, do computador, da Internet e do hipertexto.
Essa constatação impõe a teoria a necessidade de uma
definição de letramento ampla, que venha a incluir os
desafios presentes nas novas tecnologias, principalmente
no hipertexto, uma vez que esses desempenham um importante papel na determinação de quais habilidades de
leitura e escrita a escola deve ensinar.
Natureza do Letramento
Leu et al. (2004), ao definir o que seriam os novos
letramentos, baseados nas novas tecnologias de comunicação e informação, afirmam que esses possuem uma
natureza múltipla, formada por pelo menos três níveis.
O primeiro nível caracteriza a construção do significado
pela integração de ícones, símbolos animados, som, ví142
AS NOVAS EXIGÊNCIAS DE LETRAMENTOS E A CONSTRUÇÃO
DE UM AMBIENTE PROPÍCIO AO ENSINO DA LEITURA
deos, tabelas interativas, ambientes da realidade virtual,
entre outros, de forma que a compreensão se dá pela integração das diferentes mídias, gerando um sentido diferente do que cada uma possui separadamente. O segundo nível, por sua vez, se refere às múltiplas formas
de comunicação e acesso à informação que o indivíduo,
usuário das novas tecnologias, precisa saber para atingir
seus propósitos. Entre elas estão: usar sites de buscar, avaliar a credibilidade e importância da informação, acessar
mensagens instantâneas, comunicar-se através de e-mails,
participar de videoconferências, salas de bate-papo, listas
de discussão, entre outras. O último nível está relacionado à possibilidade de acesso e troca de informações
em diferentes contextos culturais e sociais. A Internet cria
oportunidades para pesquisas nos locais mais distantes e
situações culturais e sociais mais diferentes, além da troca de comunicação entre pessoas do mundo inteiro sem
sair de casa, da escola ou do trabalho. Essa possibilidade
gera a necessidade de interpretar e responder a questionamentos de múltiplos contextos sociais e culturais antes
praticamente inacessíveis.
Perpassando todos esses níveis, precisamos ressaltar três elementos centrais nas novas tecnologias que vão
influenciar, diretamente, na formação dos novos leitores,
portanto nas exigências do novo letramento, que são: a
necessidade de novas formas de avaliação e análise crítica da informação, incluindo questões como a autoria,
credibilidade e utilidade; a velocidade na solução dos
problemas e comunicação da solução encontrada; e a
natureza dêitica das novas tecnologias, que sofrem mudanças rapidamente, tanto pelas novas descobertas tecnológicas, como pela criação de novas formas de uso das já
existentes. Desta forma, parece-nos claro que o indivíduo
precisa adquirir novas habilidades para ler na sociedade
“pós-tipográfica”, caracterizada pelas novas tecnologias
digitais, principalmente pela Internet, onde os textos
normalmente se apresentam na forma de hipertexto, integrando gráficos, imagens, sons, vídeos e hiperlinks. Ao
mesmo tempo em que a escola precisa desenvolver novos
143
VALÉRIA MARIA CAVALCANTI TAVARES
modelos de instrução leitora para corresponder a essas
necessidades, em um mundo em que as tecnologias de
informação e comunicação tornam-se cada vez mais complexas e sofrem mudanças rapidamente.
Ambientes de Aprendizagem
Numa sociedade em que o homem é chamado a
ler e a escrever, usando as novas tecnologias de informação e comunicação, a escola é chamada a responder
aos desafios impostos pelo novo letramento, preparando
alunos capazes de ler, escrever e navegar no espaço cibernético, correspondendo, assim, as necessidades dessas
novas tecnologias. Analisando a natureza do novo letramento proposta por Leu et al. (2004) e os trabalhos de
Schmar-Dobler (2003) e Karchmer (2004), observamos
que quatro áreas de habilidade se tornam essenciais para
a construção de uma nova proposta de ensino da leitura, a
saber: (1) construir significado a partir de diferentes fontes
de informação, através da integração de gráficos, imagens
e sons; (2) adquirir, selecionar, avaliar e usar informações
das mais diversas fontes, inclusive tendo em vista variedades sociais e culturais; (3) identificar e solucionar problemas, trabalhando em grupo; e (4) comunicar-se e comunicar, rapidamente, suas decisões e descobertas.
O desenvolvimento dessas habilidades não será
obtido pela simples inclusão das novas tecnologias na
escola (LEU et al., 2004; GUIMARÃES e DIAS, 2002; ELHINDI, 2001; TAPSCOTT, 1999), exige uma mudança na
prática da instrução em sala de aula, pela inclusão de um
novo modelo de ensinar, de um novo fazer educativo.
Torna-se cada vez mais necessário um fazer educativo que ofereça múltiplos caminhos e alternativas, distanciando-se do discurso monológico da
resposta certa, da sequência linear de conteúdos,
de estruturas rígidas dos saberes prontos, com
compromissos renovados em relação à flexibilidade, à interconectividade, à diversidade e à va-
144
AS NOVAS EXIGÊNCIAS DE LETRAMENTOS E A CONSTRUÇÃO
DE UM AMBIENTE PROPÍCIO AO ENSINO DA LEITURA
riedade, além da contextualização no mundo das
relações sociais e de interesses dos envolvidos no
processo de aprendizagem. O modelo exige que
coloquemos como meta da educação o preparo
do aluno para saber pensar ecológica, sistemática
e criticamente (LITTO3 apud GUIMARÃES e DIAS,
2002, p. 23).
Esse fazer educativo caracteriza-se pelo surgimento
de um novo paradigma para o ensino/aprendizagem, o
qual abandona a visão tradicional, embasada na transmissão do conhecimento, e assume o conhecimento como
um objetivo a ser alcançado numa perspectiva sócioconstrutivista, baseada em Vygotsky (LA TAILLE et al.,
1992). Nessa perspectiva, o conhecimento é construído
através da interação social, portanto o papel do professor
não é impor verdades, mas criar um ambiente onde os
aprendizes venham a construir a compreensão através da
troca de experiências e informações. Essa forma de entender o conhecimento, como um objetivo a ser alcançado,
uma realidade fora do aprendiz, que se constrói de forma ativa, transformando a realidade, é compatível com o
aprender usando as novas tecnologias de comunicação e
informação, entre elas a Internet (TAPSCOTT, 1999; ELHINDI, 2001; LEU et al., 2004).
Ao permitir que os alunos tenham acesso à rede
mundial de computadores, a sala de aula deixa de ser o
local de transmissão de conhecimento para ser o lugar de
novas descobertas. Nessa sala de aula, o livro-texto deixa
de ser o único meio de obter conhecimento, pois o aluno está livre para buscar informações que vão satisfazer
sua curiosidade natural, na exploração de uma variedade
infinita de tópicos, no engajamento em questionamentos
através de listas de discussões, na comunicação através
de e-mails ou chats, criando, assim, trabalhos originais
e suscitando novos questionamentos que poderão dar
3
LITTO, E.M.,Um modelo para prioridades educacionais numa
sociedade de informação. Pátio, vol. 1, n. 3, nov. 1997/jan. 1998,
p. 15-21.
145
VALÉRIA MARIA CAVALCANTI TAVARES
origem a novos trabalhos. Na tentativa de mostrar como
se daria o processo de ensino através da exploração da
mídia digital, Tapscott (1999) propõe oito mudanças na
maneira tradicional de ensinar, um novo paradigma que
denomina de Aprendizagem Interativa (Fig. 1).
Figura 1 – Aprendizagem interativa (TAPSCOTT, 1999,
p. 189)
Instrução
Centralizado no professor
Absorção de matéria
Escolar
Um-tamanho-para-todos
Escola como tortura
Professor como transmissor
Aprendizado hipermídia
Construção/descoberta
Centralizado no aluno
Aprendendo a aprender
Vitalício
Sob medida
Escola como diversão
Professor como facilitador
Aprendizado Interativo
Aprendizado transmitido
Linear, sequencial/serial
Analisando a proposta de Tapscott (1999), observamos que ela retoma o paradigma do sócio-construtivismo, uma vez que se fundamenta na construção do
conhecimento, no aluno como centro do processo de ensino/aprendizagem, no aprender a aprender, no aprender
como um processo contínuo para toda a vida (vitalício)
e no professor como facilitador da aprendizagem. Sem
esquecer que os elementos citados levam a um processo
que respeita o tempo do aluno (sob-medida) e a sua maneira de aprender, nem sempre linear, sequêncial/serial,
mas através da consulta a diferentes materiais em diversas ordens (aprendizado hipermídia). O modelo sugerido
146
AS NOVAS EXIGÊNCIAS DE LETRAMENTOS E A CONSTRUÇÃO
DE UM AMBIENTE PROPÍCIO AO ENSINO DA LEITURA
por Tapscott (1999) organiza a nova sala de aula dentro
de um modelo, onde os professores criam ambientes que
promovem a aprendizagem através da interação social
com o uso da Internet.
Outro ponto que devemos levar em consideração,
ao pensar em um ambiente de aprendizagem propício ao
uso da Internet, são as diferentes linguagens que o leitor
deverá integrar para compreender o hipertexto, uma vez
que esse integra as linguagens verbais e não-verbais em
um mesmo nível hierárquico (XAVIER, 2002; ARAÚJO,
2006). Assim, além da criação de um ambiente que favoreça a colaboração e a construção do conhecimento, é
necessário dar oportunidade a que o aprendiz desenvolva
diferentes habilidades. Sugerimos, desta forma, que, nesse novo fazer educativo, concebido com base nas novas
exigências do letramento, esteja presente a concepção de
inteligências múltiplas de Gardner (1995), como sugerido
por Guimarães e Dias (2002).
Em sua teoria, Gardner (apud GUIMARÃES e DIAS,
2002)4 identificou sete centros de inteligência no cérebro
humano, cada um relacionado a uma habilidade ou aptidão diferentes, como descritas na Figura 2, a seguir.
Figura 2 – Diferentes inteligências (GARDNER apud
GUIMARÃES e DIAS, 2002, p. 29)
Interpessoal
Intrapessoal
Visual
ou
espacial
Lógica
ou
Matemática
Cinestésica
Lingüística
Musical
4 GARDNER,
H. Inteligências múltiplas: a teoria na prática. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1995.
147
VALÉRIA MARIA CAVALCANTI TAVARES
Cada inteligência se refere a uma habilidade e é
assim definida:
• a linguística se refere à nossa habilidade de leitura e
produção escrita;
• a lógica ou matemática é a aptidão para calcular e raciocinar logicamente, usando a dedução e a indução
(que são processos também inerentes aos processos de
produção e compreensão escrita);
• a musical é a capacidade para ouvir e produzir sons;
• a espacial ou visual é a capacidade de interpretar, explorar e criar o espaço;
• a cinestésica é a linguagem dos movimentos;
• a interpessoal é a consciência sobre o outro e sobre o
espaço social, envolvendo habilidades para a interlocução e para interações grupais na sociedade; e
• a intrapessoal está relacionada à introspecção, ou seja,
à capacidade de conhecer a si mesmo e de saber lidar
com as emoções de maneira equilibrada, envolve também a habilidade para a reflexão e o discernimento.
O hipertexto, sendo formado pela integração de
diferentes linguagens, exige, para sua compreensão, um
tipo de atividade que demanda as inteligências de Gardner (1995), como descritas na Figura 2, p. . Tal exigência
advém de sua concepção como um texto multissemiótico,
que inclui a linguagem escrita, a imagem, a exploração
do espaço, das cores, dos sons e do movimento, que correspondem a diferentes inteligências. A linguagem escrita
faz parte da inteligência linguística, pois se refere a habilidade de ler e escrever, já a compreensão da imagem, a
exploração do espaço e das cores encontram-se na inteligência espacial e visual, uma vez que dizem respeito à capacidade de interpretar, criar e explorar o espaço; ouvir,
compreender e produzir sons incluem-se na inteligência
musical; e o movimento na inteligência cinestésica. Assim entendida, a leitura do hipertexto se expande para
além da decodificação e significação da escrita, incluindo
as outras linguagens como acima descritas.
148
AS NOVAS EXIGÊNCIAS DE LETRAMENTOS E A CONSTRUÇÃO
DE UM AMBIENTE PROPÍCIO AO ENSINO DA LEITURA
Além disso, o hipertexto permite a interação em
grupo e a interlocução que são habilidades da inteligência interpessoal, devido à existência dos meios de comunicação quase simultâneos ou simultâneos, como e-mails,
chats e listas de discussão, permitidos pelo acesso à Internet. Por fim, sua natureza multilinear e a possibilidade
de infinitos acessos exigem, do hiperleitor, o desenvolvimento da capacidade de reflexão e discernimento própria
da linguagem intrapessoal, a fim de escolher corretamente os caminhos a seguir e não se perder em digressões
infrutíferas para seu objetivo.
O Quadro 2, a seguir, relaciona, de forma esquemática, a relação entre as inteligências de Gadner (1995)
e as características do hipertexto que vão influenciar na
concepção de um ambiente de aprendizagem propício às
novas exigências do letramento, como entendido neste
trabalho.
Quadro 2 – Relação entre as inteligências de Gadner (1995)
e as características do hipertexto
Inteligências de Gedner (1995)
Inteligência linguística
Inteligência espacial e visual
Inteligência musical
Inteligência cinestésica
Inteligência Interpessoal
Inteligência Intrapessoal
Características do Hipertexto
Linguagem escrita
Imagens e cores
Som
Movimento
Comunicação (convite para a interação
presente nos sites)
Multilinearidade, múltiplos acessos (links)
Considerações finais
Consideramos que o modelo de instrução de leitura a ser usado para atingir os objetivos do novo letramento, deverá ter como base uma proposta que defenda
a construção do conhecimento pela solução de problemas e interação social, ocupando o professor a posição
de mediador entre o aluno e o novo, enquanto os alunos
149
VALÉRIA MARIA CAVALCANTI TAVARES
assumem a postura de produtores de conhecimento. Isso
se justifica porque essa proposta possibilita a liberdade
de acesso a diversas fontes de pesquisa, facilitado pelo
uso da Internet, libertando o aluno do livro-texto, como
única fonte de conhecimento, e criando a necessidade de
selecionar, avaliar e usar as informações obtidas de forma
a solucionar os problemas propostos pelo professor. Além
disso, ela incentiva o trabalho colaborativo e a comunicação entre os aprendizes, por defender que a construção
do conhecimento se dá pela interação social.
Dessa maneira, é possível abranger as quatro áreas
de habilidade como propostas por Leu et al ao ensino da
leitura dentro de uma nova visão de letramento, além de
o professor não se abster de trabalhar as diferentes inteligências, como propostas por Gardner (1995), facilitando,
ao aprendiz, o desenvolvimento das habilidades necessárias à leitura na Internet.
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AS NOVAS EXIGÊNCIAS DE LETRAMENTOS E A CONSTRUÇÃO
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152
ENTRE TEXTOS E HIPERTEXTOS:
OS LETRAMENTOS E A CONSTITUIÇÃO
DA AUTORIA NA UNIVERSIDADE
Obdália Santana Ferraz Silva
Considerações Iniciais
Na sociedade atual, vivenciam-se significativas
transformações de tempo e espaço, possibilitadas pelas
tecnologias da informação e comunicação (doravante
TIC), as quais se configuram como uma linguagem que
tem proporcionado ao sujeito, através da Web, outros
letramentos em função das dinâmicas dos processos de
leitura e escrita mediados pelo computador. Como afirma
Lévy (1993, p. 17), “vivemos um destes raros momentos
em que, a partir de uma nova configuração técnica, quer
dizer, de uma nova relação com o cosmos, um novo estilo de humanidade é inventado”. Desse modo, podemos
dizer que as TIC têm ressignificado as relações entre os
homens, a qualidade da vida e dos ambientes humanos,
tendo em vista seu elevado nível de concentração e de
poder, que se potencializa cada vez mais nas possibilidades futuras do vir a ser. No entanto, sendo a constituição
da tecnologia, consequência da ação imaginativa e reflexiva do homem, este também a ressignifica, ao mesmo
tempo em que se transforma, ao criar e utilizar recursos e
instrumentos, para atuar no seu contexto vivencial (LIMA
JR., 2003).
Entende-se, então, a necessidade de se discutir
sobre como o sujeito interage, constrói e ressignifica, de
forma sistemática e significativa, no ciberespaço; bem
como de que forma ele se relaciona com o texto móvel,
maleável, aberto, que lança profundos desafios ao leitor e
que se lhe apresenta de várias formas: sonora, pictórica,
icônica, textual, numérica. Assim, para a compreensão
desta dinâmica, faz-se necessário discutir algumas concepções fundamentais neste estudo: leitor, leitura, texto,
153
OBDÁLIA SANTANA FERRAZ SILVA
hipertexto, entendendo-os no movimento das relações e
dos processos que se desenvolvem no mundo digital.
Entrelaçando Fios Teóricos
Leitura, leitor, autor e (hiper)texto: entrelaces
A concepção de leitura, na atualidade, perpassa
pela materialidade do livro e se estende à tela do computador. Assim, ler é atualizar as significações de um texto
(LÉVY, 1996), é atribuição de sentidos, que se dá sempre
num encontro enigmático e labiríntico com o(s) outro(s),
lançando o leitor a uma infinidade de leituras multissensoriais. Chartier (2002, p. 25) esclarece que “nesse processo desaparece a atribuição dos textos ao nome de seu
autor, já que estão constantemente modificados por uma
escritura coletiva, múltipla, polifônica”.
Então, o leitor, ao construir caminhos de leitura,
torna-se ele próprio co-autor, ao passo que a leitura vai
exigindo dele, sobretudo, uma posição ativa. Ler é, portanto, construir sentidos a partir de uma dimensão interacional entre leitor e autor. Nessa relação, o leitor é orientado por seus conhecimentos prévios e pela imagem/
leitura do mundo (KLEIMAN, 2000). A leitura torna-se um
ato criativo de construção de sentidos, através do qual o
sujeito leitor vai ressignificando os nós no tecido, os pontos de tensão, a problemática que o texto sugere, o jogo
para o qual o texto convida.
Nesse jogo de significações, confundem-se o escrito, o falado, o vivido, o inventado, o humano. O leitor
navega por labirintos instáveis que trazem o deslimite
como prazer, e que lhe permitem exteriorizar o “mecanismo de funcionamento” daquilo que o faz ser, porque
ele se deixa fluir desvelando seu mundo cultural, social,
histórico, sua linguagem, reconhecendo-se inconcluso,
ilimitado, ser.
Sob esta perspectiva, o texto é visto como um objeto complexo, relacionado a um contexto com tantas e
154
ENTRE TEXTOS E HIPERTEXTOS:
OS LETRAMENTOS E A CONSTITUIÇÃO DA AUTORIA NA UNIVERSIDADE
variadas dimensões que não se sabe por onde iniciar a
sua apreensão. É, como afirma Koch (2003, p. 17), “construído na interação texto-sujeitos (ou texto-enunciadores)
e não algo que preexista a essa interação”. Texto, nesse
sentido, torna-se um construto eminentemente social.
No contexto atual, o (hiper)texto se configura como
um espaço de leitura e escrita sem margens e sem fronteiras, que exige a revisão das estratégias de lidar com o
escrito, constituindo-se num movimento que implica posicionamento crítico. Envolve um exercício de contínuo
agir para a busca de novos saberes, propondo respeito
aos saberes dos outros; provoca inquietações, exigindo
posturas críticas, indagações e soluções para os desafios
que, incessantemente, se apresentam.
Há, portanto, uma outra textualidade eletrônica
que “permite desenvolver argumentações e demonstrações segundo uma lógica [...] aberta, clara e racional graças à multiplicação dos vínculos hipertextuais” (CHARTIER, 2002, p. 24), os quais tornam possível a interação
dinâmica entre leitor e texto: o hipertexto. Nessa construção de caminhos labirínticos, o leitor, ao dinamizar
sua leitura, instaura um espaço de produção significativa
concretizando as possibilidades que já se insinuavam no
texto impresso.
Construído na interação texto-sujeitos, o hipertexto
dialetiza a distinção entre texto de leitor e texto de escritor, bem como a subversão dessa relação. Co-enunciador,
co-autor, o leitor pode decidir o rumo de sua leitura, recriar seu texto individual, elegendo links entre os vários
disponíveis.
Xavier (2004, p. 171) traz um conceito de hipertexto como tecnologia de leitura e escrita que medeia as
relações do sujeito na sociedade da informação. Segundo
o autor,
na esteira da leitura do mundo pela palavra, vemos
emergir uma tecnologia de linguagem cujo espaço
de apreensão de sentido não é apenas composto
por palavras, mas, junto com elas, encontramos
155
OBDÁLIA SANTANA FERRAZ SILVA
sons, gráficos e diagramas, todos lançados sobre
uma mesma superfície perceptual, amalgamados
uns sobre os outros formando um todo significativo
[...]. É assim o hipertexto. Com ele, ler o mundo
tornou-se virtualmente possível, haja vista que
sua natureza imaterial o faz ubíquo por permitir
que seja acessado em qualquer parte do planeta,
a qualquer hora do dia e por mais de um leitor
simultaneamente.
A construção hipertextual presentifica os textos
com os quais o autor dialoga e que em uma obra impressa geralmente estão apenas intuídos. Assim, na medida
em que o hipertexto gera associações com outras leituras,
nele a relação de intertextualidade é uma constante, e se
concretiza na interação entre os vários textos de signos diferentes. Como enuncia Ramal (2002, p. 126), “a ideia da
intertextualidade permite pensar no diálogo entre épocas
diferentes e entre diversos pontos de vista. Não se trata
de negar o passado nas vozes do futuro, mas sim encontrar pontos de contato, plurivocidades que se enriqueçam
mutuamente”.
A intertextualidade, no hipertexto, implica a identificação, o reconhecimento de remissões a obras ou a
textos, através de links que fazem conexões com outros
textos, permitindo tecer caminhos para outras janelas.
Está relacionada, ainda, à característica de não fechamento do hipertexto digital, que possui uma permanente abertura do texto ao exterior, sempre em constante mutação
e expansão, estimulando o leitor a iniciar a leitura de um
novo texto sem ter concluído o anterior. Ramal (2002, p.
85) esclarece, porém, que “para ser entendida, a intertextualidade requer visão de mundo, multiplicidade de leituras, certa experiência de cultura, pois sem isso, perde-se
o jogo, perde-se o sentido”.
Outro fato relevante a ser lembrado são as mudanças nas concepções de tempo e espaço. O tempo do
hipertexto é o do desdobramento: o tempo-presente se
desdobra, ao mesmo tempo, como passado-presente-futuro, criando uma ilusão tridimensional que caracteriza
156
ENTRE TEXTOS E HIPERTEXTOS:
OS LETRAMENTOS E A CONSTITUIÇÃO DA AUTORIA NA UNIVERSIDADE
as experiências temporais da contemporaneidade. Sobre
isso, comenta Chartier (2002, p. 31):
Em primeiro lugar, é preciso considerar que a
tela não é uma página, mas sim, um espaço de
três dimensões, que possui profundidade e que
nele os textos brotam sucessivamente do fundo
da tela para alcançar a superfície iluminada. Por
conseguinte, no espaço digital, é o próprio texto,
e não o seu suporte, que está dobrado.
Assim, espaço e tempo passam a ter dobras de
sentido e não podem ser mais reduzidos à linearidade,
visto que comportam diferentes pontos de vista, infinitos
universos contemporâneos, de tempos divergentes, convergentes e paralelos. Convivem, neste espaço, diferentes sentidos, sujeitos e situações, considerando o que diz
Borges (2001, p. 114): “se o espaço é infinito, estamos em
qualquer ponto do espaço. Se o tempo é infinito, estamos
em qualquer ponto do tempo”.
O hipertexto apresenta um campo de possibilidades infinitas de produção textual. Como revela Borges
(2001, p. 114), “o número de páginas deste livro é exatamente infinito. Nenhuma é a primeira; nenhuma é a última”. Portanto, mais do que um espaço a ser percorrido,
é um percurso a ser inventado pelo sujeito-leitor para,
num ambiente colaborativo de aprendizagem, construir
conhecimentos, ampliar saberes. Porém, Ramal (2003, p.
251) chama a atenção para o fato de que:
Um hipertexto só se concretiza a partir do click
do mouse; um link só tem sentido se for acessado
pelo usuário. O novo texto é naturalmente dialógico, construído para a polifonia, o diálogo entre
diversas vozes e só tem sentido se a comunicação
se estabelecer [...] os percursos são pessoais, o
espaço é vasto e tantos serão os textos (re)criados
quantos forem os novos navegadores dessa imensa
rede [...].
Os sujeitos são instigados a participar de uma comunicação que pressupõe troca, comunhão, diálogo. A
157
OBDÁLIA SANTANA FERRAZ SILVA
partir do diálogo que se dá através dessa leitura/escrita,
a compreensão das ideias, os conceitos e atitudes do sujeito, bem como a sua expressividade tendem a crescer,
ampliando, também, o nível de clareza das suas análises e
conclusões (XAVIER, 2004). Nessa aventura, surge a possibilidade de gestar o novo, pela exploração das margens
plurais, instáveis e inacabadas do texto. O leitor, a partir
de gestos de autoria/co-autoria, pelos quais vão revelando
seu potencial criador, pode expandir o texto, desencadeando um processo de construção que gera, incessantemente, múltiplos significantes e significados.
A noção de autor, desde a invenção da escrita até
o período da modernidade, exercia um papel fundamental na produção cultural, contribuindo para o estabelecimento de um mercado editorial, bem como das técnicas
de impressão tipográfica. Entretanto, seguindo a trilha das
discussões que tomaram corpo na contemporaneidade, a
respeito do conceito de autoria, bem como da relação
entre autor e leitor, face aos desafios propostos pelas TIC,
percebe-se que o autor canônico tem se destituído de
um papel centralizador, para fazer aparecer o pensar de
uma coletividade e, consequentemente, o fortalecimento
de práticas colaborativas. A partir destas, o texto é tecido com os fios das várias vozes que o compõe; portanto,
“num texto efetivamente coletivo não existe uma única
autoria, isto é, ‘não existe o meu texto’, mas o ‘nosso texto’” (ALVES e NOVA, 2003, p. 137).
Nesse sentido, entende-se que as práticas colaborativas recusam a noção proprietária do texto e, portanto,
das ideias, do pensamento, como ratifica Lévy (1993, p.
169): “O pensamento já é sempre a realização de um
coletivo”. Portanto, vive-se num “tempo de trabalho em
conjunto”, do conhecimento compartilhado, no qual “a
palavra viva reúne e articula em si a presença e a força
de autores e leitores” (RAMAL, 2002, p. 121). Essa ideia
coaduna com a de relação dialógica na perspectiva defendida por Bakhtin (2000), quando afirma que a consciência, o conhecimento que o indivíduo adquire sobre
algo não existe mais em si e para si, mas para algum ou158
ENTRE TEXTOS E HIPERTEXTOS:
OS LETRAMENTOS E A CONSTITUIÇÃO DA AUTORIA NA UNIVERSIDADE
tro. Ao que se pode acrescentar as palavras de MerleauPonty (1980, p. 35):
Doravante, meu corpo pode comportar segmentos
extraídos uns dos outros como minha substância se
transfere para eles: o homem é espelho do homem.
O espelho é o instrumento de uma universal magia
que transforma coisas em espetáculos, espetáculos
em coisas, eu no outro, o outro em mim [...].
O modo de pensar a autoria, nesse contexto, passa
por transformações e a concepção de autor sofre modificações. Essas mudanças se dão, principalmente, no hipertexto, que é concebido a partir de uma reunião de vozes e
sua construção é multiautoral. Como afirma Ramal (2002,
p. 172):
O hipertexto é subversivo na relação entre autor e
leitor. O cursor do mouse está permanentemente
presente no texto do monitor, como um sinal
concreto de que, no momento em que desejarmos,
poderemos invadi-lo, reescrever seus caminhos,
optar por outras vias. (...) Subverte-se, com tudo
isso, a noção de autoria.
Pela possibilidade de se construir caminhos de leitura/escritura, os papéis de autor e leitor se misturam e
se confundem, distanciando-se de suas caracterizações
tradicionais e colocando em discussão a autoria. Pois,
a escrita, sendo hipertextual, não mais se apresenta exclusivamente como a produção íntegra e perene de autores reconhecidos, mas como obra coletiva, múltipla,
incompleta, mutante e, muitas vezes, fugaz. Esse aspecto
multifuncional é um dos dados da especificidade do ciberespaço. No ciberespaço, que permite a textualidade
interativa, todo mundo é autor, ninguém é autor; ou seja,
há uma linha tênue entre quem faz e quem frui; muda-se
o status de leitor, bem como o de autor, que tem sofrido
transformações substantivas, gerando mudanças na forma
de se compreender letramento. Tal situação remete às discussões sobre o papel da escola na formação de leitores e
de produtores de texto no século XXI.
159
OBDÁLIA SANTANA FERRAZ SILVA
Leitura e Escrita na Tela: Outros Letramentos
A relação interativa que se estabelece entre leitor e
autor, na leitura/escrita hipertextual, exige do leitor competências e habilidades para lidar com essas mudanças,
de modo que o auxiliem na significação do (hiper)texto
como construção que ultrapassa o espaço da tela e ganha
dimensões socioculturais; pois, considerando a evolução
nas interfaces de leitura/escrita – do papel à tela; da caneta ao mouse e teclado... –, o sujeito precisa tornar-se
letrado digital, o que, como diz Xavier (2005, p. 135) “[...]
pressupõe assumir mudanças nos modos de ler e escrever
os códigos e sinais verbais e não-verbais, como imagens
e desenhos, se compararmos às formas de leitura e escrita
feitas no livro, até porque o suporte sobre o qual estão os
textos digitais é a tela, também digital.”
Nesse sentido, a leitura/escrita na tela exige outros
letramentos1 que possibilitem o sujeito leitor reinventar o
mundo à sua volta e reinventar-se. Assim, tendo em vista
a diversidade de letramentos engendrados pelos diferentes e infinitos espaços virtuais, propiciados pela internet,
que oferece inúmeras possibilidades de produção, reprodução e disseminação da escrita, a educação escolar precisa repensar a formação de leitores, propondo atividades
em que seus alunos – da Educação Básica à Universidade
– possam construir sentidos e produzir conhecimentos a
partir dos hipertextos digitais, os quais apresentam aos
leitores-navegadores novas formas de representação da
linguagem;
[...] novas formas de acesso à informação, mas
também novos processos cognitivos, novas formas de conhecimento, novas maneiras de ler e
de escrever, enfim, um novo letramento, isto é,
1 Parte-se da concepção de letramento adotada por Soares, na qual ela
o define como “[...] práticas sociais de leitura e escrita e os eventos em
que essas práticas são postas em ação, bem como as consequências
delas sobre a sociedade (SOARES, 2002, p. 144).
160
ENTRE TEXTOS E HIPERTEXTOS:
OS LETRAMENTOS E A CONSTITUIÇÃO DA AUTORIA NA UNIVERSIDADE
um novo estado ou condição para aqueles que
exercem práticas de escrita e de leitura na tela.
(SOARES, 2002, p. 152).
Letramento, nessa perspectiva, envolve as dimensões individual e social; exige do indivíduo realizar tanto
funções cognitivas quanto práticas socioculturais de leitura e escrita que favoreçam a reflexão crítica sobre a relação linguagem e tecnologia digital, o que significa um
exercício muito mais amplo e complexo que ultrapassa
o simples acesso às letras. Isso implica repensar sobre
o conceito de letramento, uma vez que este, historicamente, tem se reduzido, no espaço escolar, à ideia de
codificação e decodificação, isto é, exigia-se (e ainda se
exige) do aluno o cumprimento de atividades, sem função social.
Acontece que os letramentos mudam; isso ocorre
porque, situados num contexto histórico, precisam acompanhar as mudanças nos âmbitos culturais, sociais, políticos e tecnológicos. Portanto, vivenciam-se, no momento presente, processos de letramento digital. Marcuschi
(2000, p. 87) lembra que relacionar a política do letramento a uma tecnologia digital sensível não é algo ainda
muito claro, pois ambos “[...] estão imbuídos de conflitos
ideológicos, modelados por forças da economia, história
e política”. Mas alerta para o fato de que podemos tomar
o hipertexto como
[...] um bom momento para rever a questão mais
ampla do papel da escola no letramento e a função
do computador no ensino [...]. Trata-se de um caso
importante para se analisar como tecnologia e cultura interagem de forma sistemática e significativa
para interferir nas práticas de escrita (idem).
Momento em que as funções e usos da escrita, na
atual sociedade, desfazem seus vínculos imediatos com a
escola; porque leitura e escrita tornam-se objetos de problematização; leitura converte-se em objeto de pesquisa,
exigindo atenção ao ato de ler mesmo, aos textos, gêne161
OBDÁLIA SANTANA FERRAZ SILVA
ros e suportes, às práticas sociais2 e discursivas, através
das quais esse ato se realiza; às condições sociais e históricas e de usos da leitura e da escrita que estão para além
da tela, dos links e dos nós que constituem o hipertexto, e
têm a dimensão do ciberespaço, que é multilinear, infinito. Daí poder-se afirmar que, tendo em vista a inovações
tecnológicas,
Letramento não é o mesmo em todos os contextos;
ao contrário, há diferentes Letramentos. A noção
de diferentes letramentos tem vários sentidos: por
exemplo, práticas que envolvem variadas mídias
e sistemas simbólicos, tais como um filme ou
computador, podem ser considerados diferentes
letramentos, como letramento fílmico e letramento
computacional (computer literacy) (BARTON;
HAMILTON, 1998 apud XAVIER, 2005, p.139).3
Desse modo, pensar em leitura e escrita hipertextuais, bem como a formação de leitores, implica uma reconfiguração da concepção de letramento e das condições
sociais de produção do conhecimento no contexto das
tecnologias digitais, não esquecendo que discutir leitura e escrita hipertextuais, na perspectiva do letramento
digital, aponta para um continuum entre as tecnologias
impressa e digital, como expõe Xavier (2005, p. 140): “Há
uma inegável dependência do “novo” tipo de letramento
em relação ao “velho”. Essa condicionalidade aumenta a
importância e amplia o uso do letramento alfabético em
razão da chegada do digital”. Partindo desse princípio, a
escola poderá contribuir para a ampliação do letramento
2 De acordo com Xavier (2005, p.142), “As Práticas Sociais são as
formas culturais pelas quais os indivíduos organizam, administram
e realizam suas ações e atitudes esperadas em cada um dos diversos
Eventos de Letramento existentes na sociedade. Essas ações são, ao
longo do tempo, construídas conjuntamente pelos cidadãos comuns
e algumas delas passam a ser ritualizadas e oficializadas, posteriormente, pelas instituições que as retomam e exigem que os indivíduos
as utilizem em momentos específicos da vida social”.
3 BARTON, D.; HAMILTON, M. Local literacies: reading and writing
in one community. London: Routledge, 1998.
162
ENTRE TEXTOS E HIPERTEXTOS:
OS LETRAMENTOS E A CONSTITUIÇÃO DA AUTORIA NA UNIVERSIDADE
do aluno, a partir dos novos gêneros discursivos e textuais, dando-lhe condições pedagógicas de ampliar seus
modos de ler e de escrever em diferentes suportes, através
das interfaces possibilitadas pela internet.
Na pesquisa em questão, os sujeitos puderam experienciar, a partir das interfaces fórum, chat, wiki e diário on-line, o uso social da linguagem escrita no ambiente digital como prática de letramento, ao responderem às
demandas sociais que exigiam deles o uso de recursos
tecnológicos para a escrita digital. Nesse sentido, além
da palavra escrita, enfrentaram o desafio de lidar com a
não-linearidade dos textos, o uso do som, da imagem,
do movimento, bem como as habilidades de inserir esses recursos em seus textos, conferindo-lhes um formato
hipertextual.
No contexto da sociedade tecnológica em que vivemos, há uma imperiosa necessidade de que a educação
– do ensino fundamental à universidade – se comprometa
com o desenvolvimento de competências para os atos de
ler e escrever na tela. É preciso que os currículos contemplem a discussão do letramento digital e suas implicações
no contexto educacional, já que os “letramentos” são
vários na sociedade informática e vão além do domínio
do código linguístico. Dada a sua diversidade, implicam
mudanças nas práticas de reelaboração e de construção
do conhecimento, nas atitudes, nos modos de pensar;
pressupõem assumir transformações nos modos de ler e
de escrever; exigem consciência crítica, desde a elaboração dos projetos de leitura e escrita até sua aplicação nos
espaços escolares e acadêmicos.
Acredita-se que, somente desse modo, pode-se formar, nos espaços educacionais, cidadãos ativos, participantes, com capacidades afetiva, cognitiva e social para,
diante da diversidade de (hiper)textos disponibilizados
pela internet, saber selecionar, organizar, interpretar, elaborar e avaliar as informações para construir seu próprio
aprendizado.
163
OBDÁLIA SANTANA FERRAZ SILVA
Tessituras: dos Objetivos ao Tear
Estas mudanças na concepção de leitura/leitor/
texto/autoria motivaram uma pesquisa de mestrado que
teve início em agosto/2005, estendendo-se até novembro/2005, sob a forma de um curso de extensão semipresencial, com carga horária de sessenta horas, no Moodle, ambiente virtual de aprendizagem (doravante AVA),
instalado no servidor da Universidade do Estado da Bahia
– UNEB.
Tela inicial do curso de extensão semi-presencial
A interação proporcionada por este AVA se deu
através de suas interfaces: chats, fóruns, diário e o Wiki,
que se constituíram como genuínos espaços para escrita
colaborativa. Desse processo de leitura/escrita na tela participaram vinte alunos, graduandos de Letras, do primeiro
ao oitavo semestre, da UNEB – Campus XIV.
Nesse ambiente, trabalhou-se a leitura e escrita nas
interfaces: fórum, chat, diário e wiki. O fórum constituiu
um ambiente para discussão dos temas do curso, propiciando, entre os participantes, interatividade e relações
164
ENTRE TEXTOS E HIPERTEXTOS:
OS LETRAMENTOS E A CONSTITUIÇÃO DA AUTORIA NA UNIVERSIDADE
movidas por interesses comuns. Semelhante a uma lista
de discussão, possibilita a todos os participantes, o acesso
a todas as mensagens postadas.
O diário foi o espaço autobiográfico, com observações que podiam ser diárias ou não, contendo reflexões
subjetivas do processo de construção, além de produção
teórica individual. Essa ferramenta possibilitou observar a
evolução do processo de aprendizagem e habilidade de
produção textual de cada participante.
Quanto ao chat, este se constituiu em espaço de
bate-papo com finalidade educacional, agendado, temático, ocorrendo duas vezes por mês, durante o período da
pesquisa. Foi um recurso válido, uma vez que possibilitou a participação de todos os envolvidos, bem como a
construção coletiva de conhecimentos em torno de temas
como leitura e escrita hipertextuais e plágio.
A interface denominada Wiki foi de grande importância para o exercício da escrita coletiva. Um tema era
sugerido pelo professor/pesquisador, para ser desenvolvido pelo grupo nesse espaço, que propicia aos alunos a
oportunidade de dar ao seu texto a forma característica do
hipertexto com a inserção de imagens – em movimento
ou não – e links: intratextualidade, intertextualidade, multivocalidade. Nesta e em todas as construções, os alunos
foram orientados a buscar referenciais em produções teóricas impressas e/ou digitalizadas, evitando o plágio.
Nesse período de interação, objetivou-se: compreender a relação que os graduandos tinham com a leitura e
escrita do texto do papel ao digital; discutir sobre o acesso
ao hipertexto digital como fonte de estudo/pesquisa no
meio acadêmico, seu uso ético, de maneira que forme o
sujeito do conhecimento para o julgamento, o senso crítico, as faculdades de observação e de pesquisa, a imaginação, a análise, a reelaboração de textos e de hipertextos.
Para tanto, algumas questões em relação à leitura e
à escrita a partir do hipertexto digital, mereceram reflexão
e discussão: com que frequência o hipertexto digital tem
sido utilizado pelos graduandos de Letras do Campus XIV
165
OBDÁLIA SANTANA FERRAZ SILVA
(da UNEB), como auxílio à leitura e à produção de textos
acadêmicos? Em que medida o convívio do aluno com a
Internet tem influenciado ou colaborado na leitura e produção de textos acadêmicos, em termos de construção de
ideias, co-autoria e organização textual?
Métodos e Modos de Tecer os Fios
Considerando a pesquisa como um compromisso
social, julgou-se relevante o envolvimento e implicação
entre sujeito pesquisador e sujeitos participantes da pesquisa, bem como a construção de um espaço dialético
entre ambos, visto que há um movimento do objeto que
invade o sujeito e vice-versa. Assim, por entender-se que
não é possível a realização de uma pesquisa qualitativa
fora da dinâmica da interação entre o pesquisador e o
pesquisado (MACEDO, 2000), a interação através do
AVA fez-se necessária para a compreensão das estratégias
que os sujeitos constroem para ler e escrever, a partir dos
hipertextos digitais, partindo-se do princípio de que os
atores sociais definem a situação em que se encontram
ao construí-la.
A opção metodológica pela pesquisa de campo
qualitativa alicerçou-se nestes pressupostos: a educação
não deve ser pensada a partir dos “a priori” – porque todo
“a priori” em educação tem que ser problematizado e relativizado; a leitura e produção de textos – em qualquer
que seja o suporte – são práticas sociais permeadas de
complexidade que fazem parte do processo de instauração do(s) sentido(s); o sujeito-leitor tem suas especificidades e sua história.
Desse modo, realizaram-se entrevistas semi-abertas,
fóruns e chats, os quais possibilitaram tematizar e problematizar o objeto de estudo, interpretá-lo e compreendê-lo,
ao modo dos etnometodólogos, para quem “a constituição
social do saber não pode ser analisada independentemente dos contextos da atividade institucionalizada que o produz e mantém” (MACEDO, 2000, p. 112).
166
ENTRE TEXTOS E HIPERTEXTOS:
OS LETRAMENTOS E A CONSTITUIÇÃO DA AUTORIA NA UNIVERSIDADE
Dialogando sobre os fios tecidos
O estudo fundamentou-se na visão de pesquisa,
não como ação para diagnóstico apenas, mas, principalmente, para intervenção. Nas interfaces do Moodle, os
sujeitos produziram textos, gerados pelas reflexões e discussões sobre o objeto, além das entrevistas semi-abertas
que forneceram subsídios para as observações e discussões sobre como lêem e escrevem os graduando de letras,
como organizam suas ideias, como constroem conhecimentos, a partir do hipertexto digital.
Constituíram eixos de análise: a produção textual,
a leitura, o plágio, a co-autoria, partindo-se dos textos que
os sujeitos construíram nas seguintes interfaces: o fórum e
o chat sobre leitura e escrita na Internet, o chat no qual se
discutiu sobre plágio, o diário, no qual escreveram suas
experiências de leitores/produtores de texto e escrita colaborativa realizada no wiki, como experiência de produção em co-autoria. Analisaram-se as produções textuais
construídas pelos sujeitos nos fóruns de discussão e no
wiki. O diálogo através dos chats e em entrevistas semiabertas contribuíram para a discussão crítico-reflexiva sobre como os sujeitos lêem e produzem textos a partir dos
hipertextos.
Os “dados” revelaram que o hipertexto digital é o
maior meio de pesquisa entre os graduandos, que dizem
utilizá-lo por ser um meio facilitador, pela rapidez e grande variedade de links, e por solucionar problemas como
falta de “tempo para exaustivas pesquisas bibliográficas”
(JB),5 além de contribuir, segundo os alunos, para melho5 O uso, a partir desse parágrafo, de letras aleatórias para identificar os
sujeitos da pesquisa, deveu-se à necessidade de preservar a identidade
de cada um, conforme combinação com o grupo. Ressalta-se, ainda,
que as falas fora, transcritas na íntegra, conservando as características
próprias da escrita no ambiente on-line, como, por exemplo, equívocos na digitação, falta de acentuação, trocas de letras ou letras a
mais, e as abreviações de palavras: “que (= q)”; “te (= t)”; “espere
aí (= perae)”; “hoje (=hj)”, entre outras.
167
OBDÁLIA SANTANA FERRAZ SILVA
ria da construção dos argumentos; “embasamento teórico
para ajudar na concretização de alguns trabalhos” (DC);
“para facilitar as atividades acadêmicas” (SO).
Nos chats e nas entrevistas os graduandos afirmaram
que os hipertextos servem de “ajuda” às suas pesquisas: a
maioria declarou usar trechos dos textos transcritos na íntegra, sem nenhuma referência ao autor. Segundo um dos
sujeitos, “a produção textual ainda é um mito, não só no
ensino básico, como também na faculdade” (CS). Atribuem
o fato de não produzirem, mas reproduzirem, à escola que
sempre incentivou a nota, a cópia fiel, não considerando a
compreensão e o esforço interpretativo do aluno:
[...]os professores, quando eu estudava ensinavam
a fazer pesquisa como cópia mesmo... não com o
que nós entendemos sobre o assunto (VD)
[...] é interesante observarmos o erro que acontece desde as serie iniciais [...] somos iniciados na
cultura da copia desde cedo (MA)
[...]o problema maior que vislumbro é a indiferença com que alguns ou a maioria dos professores
mesmo na Universidade, encaram a questão do
plágio[...]. (CR)
Da discussão e análise sobre produção de texto na
universidade, constatou-se que, mesmo não estando essencialmente ligadas ao hipertexto digital, as dificuldades
que os sujeitos têm de produzir textos são ampliadas a
partir dele, pois se o propósito do hipertexto digital é auxiliar os sujeitos na busca de saberes, na qualidade e na
criatividade de elaboração de ideias, notou-se que, entre
eles, lamentavelmente, o hipertexto, na maioria das vezes, não tem sido utilizado para esse fim. Demonstraram,
nos textos produzidos, durante o período da pesquisa,
que ainda não se autorizam, não selecionam, não avaliam
nem recriam as informações extraídas dos hipertextos.
Essa situação pôde ser notada nas falas dos sujeitos, quando revelam claramente, ou nas entrelinhas do discurso,
que usam a estratégia do plágio.
168
ENTRE TEXTOS E HIPERTEXTOS:
OS LETRAMENTOS E A CONSTITUIÇÃO DA AUTORIA NA UNIVERSIDADE
[...] eu, sou sincero. Plagiei semestre passado [...]
eu sei que não é o caminho correto, mas desde q
não seja prejudicial na minha construção do conhecimento. Aconteceu em uma disciplina que não
considerava importante para mim, já que o curso de
letras é muito abrangente e então sei o q é de meu
interesse, o que acredito que seja de importância
para mim e devo tentar aperfeiçoar-me; o que não
era a disciplina na qual plagiei da net (JL).
fica difícil não plagear com tantas oportunidades
(GB).
que plágio é crime eu sei. Mas quem nunca
plagiou (IJ).
Discussões e reflexões surgiram a partir destas experiências, na tentativa de se questionar a situação vigente
e de estabelecer um diálogo crítico sobre o problema da
cópia no espaço acadêmico; sobre a necessidade de (re)
elaboração das palavras do outro, transformando-as em
palavras-próprias (BAKHTIN, 2000): “Estamos numa licenciatura... somos futuros professores [...]” (VD); “Como
futuros professores, devemos ter outras práticas em relação à pesquisa” (MA).
Pretendeu-se, neste estudo, não a precisão do conhecimento, mas o envolvimento e a participação ativa,
tanto do pesquisador quanto dos pesquisados, para, a
partir das reflexões, diálogos e ação, neste espaço/tempo
da pesquisa, contribuir para que compreendessem – mas
também externassem em suas práticas – que nem todos
os hipertextos disponíveis na Internet são confiáveis, nem
estão prontos na rede para serem apenas capturados num
clique; mas que é preciso, antes de tudo, ética, criatividade e criticidade para a construção do conhecimento.
Considerações Finais
Refletir e discutir sobre as transformações ocasionadas pela comunicação digital, no concernente às
questões relacionadas às práticas de leitura e produção
169
OBDÁLIA SANTANA FERRAZ SILVA
textual, principalmente no contexto escolar, é urgente
e fundamental, considerando-se as mutações e rupturas
decorrentes do surgimento do hipertexto que, indubitavelmente, propõe uma nova forma de leitura e de relação
com a escrita; traz à discussão a necessidade de se traçar
um paralelo entre os textos impresso e digital, considerando critérios referentes à maleabilidade, ins/estabilidade,
autoria e identidade do escrito.
Diante do exposto entende-se que, na atualidade,
no momento em que novas formas de expressão e de leitura reforçam o caráter multifacetado e polêmico da linguagem, faz-se necessário compreender esses mecanismos
desencadeadores de novas posturas de leitura e produção
textual; compreender que essas práticas, compartilhadas
no hipertexto, trazem, no seu âmago, a percepção de que
ler e escrever são atividades dinâmicas, constituídas por
um conjunto de práticas e de condições de ordem individual e social, nas quais diferentes temporalidades se tocam
e, às vezes, se confundem e se misturam, numa relação
dinâmica e plural de sujeitos que, ao se enredarem, vão
construindo o conhecimento como potência geradora.
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170
ENTRE TEXTOS E HIPERTEXTOS:
OS LETRAMENTOS E A CONSTITUIÇÃO DA AUTORIA NA UNIVERSIDADE
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171
LINKS ENTRE MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA,
LETRAMENTO DIGITAL E HIPERTEXTUALIDADE
EM EAD1
Francisca Monica da Silva
João Paulo Eufrazio de Lima
Júlio César Araújo
Considerações Iniciais
A Internet permite que seus usuários não apenas
tratem de assuntos pessoais, como também oportuniza
oportunidades concretas de formação acadêmico-escolar
as pessoas que recorrem, por exemplo, aos cursos de educação a distância virtual. Um dos diversos gêneros digitais
frequentemente utilizados com fins pedagógicos nesses
contextos é chat educacional, o qual tem se mostrado
como uma das ferramentas que possibilita ricos momentos de interação nos ambientes virtuais de aprendizagem
(doravante AVA) em que se dão tais cursos. Em função
dessa realidade, conceitos como letramento, mediação
e interação necessitaram ser adaptados em virtude da
mudança de suporte.2 Assim, diversos estudiosos da linguística e da educação, principalmente a partir do final
do século XX, têm voltado suas lentes para os conceitos
supracitados, com o objetivo de, adaptando-os ao meio
digital, atingir melhores resultados no processo ensinoaprendizagem virtual.
1 As reflexões aqui apresentadas derivam das discussões realizadas
durante a disciplina Letramentos na Web, ministrada pelo Dr. Prof.
Júlio Araújo, em 2008.1 no PPGL-UFC e das discussões relativas ao
projeto Gêneros digitais: relações entre hipertextualidade, propósitos comunicativos e ensino, em andamento no grupo de pesquisa
Hiperged, do PPGL-UFC.
2 Denominamos suporte, neste artigo, o meio através do qual a
informação escrita é propagada, como por exemplo: pergaminho,
papiro, papel e tela de cristal líquido do computador. (cf. RIBEIRO,
2008, p. 14)
172
LINKS ENTRE MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA, LETRAMENTO DIGITAL
E HIPERTEXTUALIDADE EM EaD
Tais conceitos, por si só, não são nenhuma novidade, pelo fato de já terem sido objeto de estudo há bastante tempo. Porém, a eles estão sendo atribuídas novas
roupagens em virtude das peculiaridades do meio digital,
o que tem despertado o interesse de vários pesquisadores
interessados em discutir as implicações desses conceitos
no contexto das tecnologias digitais. Nesse sentido, convém lembrar com Ribeiro (2008) que o termo letramento, cujo conceito é mais amplo que o de alfabetização e
corresponde ao uso social e efetivo que se faz de uma
tecnologia, não é, portanto, único, já que ele poderá ser
entendido dependendo do contexto, da situação de uso
e do objetivo da agência de letramento.3 Considerando
isso, podemos dizer que no meio digital, como não podia
deixar de ser, existem letramentos específicos, em virtude
dos diversos meandros que caracterizam o suporte e o
ambiente digitais, os quais devem ser do conhecimento
de quem os utiliza.
Em se tratando da modalidade de ensino a distância virtual, também é importante lembrar que os conceitos de mediação e interação precisam ser adaptados, em
virtude da distância físico-espacial entre os interlocutores
e dos diversos recursos multissemióticos presentes nos
gêneros digitais frequentemente utilizados pelos sujeitos.
Assim, quem participa do processo ensino-aprendizagem
precisa se apropriar desses mecanismos, dentre eles os
hipertextuais, para aprender como eles funcionam, para
que servem e quais seus contextos de uso. Dessa forma,
a mediação por parte do tutor – que orienta o aluno na
construção do conhecimento – e a interação entre os demais sujeitos poderão acontecer de maneira prática, lúdica, funcional e produtiva.
Nesse sentido, é razoável admitir que, para que os
sujeitos do processo ensino-aprendizagem que atuam em
3 Segundo Ribeiro (2008, p. 28), “os diversos espaços que orientam
as práticas de indivíduos e comunidades para letramentos diversos
são chamados de agências de letramento.” Segundo Kleiman (1995),
isso inclui não só a escola, mas a família, o trabalho, a igreja, entre
outros locais onde possa haver algum tipo de letramento.
173
FRANCISCA MONICA DA SILVA • JOÃO PAULO EUFRAZIO DE LIMA •
JÚLIO CÉSAR ARAÚJO
AVAs possam interagir de modo a interferir positivamente na construção do conhecimento, é necessário que eles
tenham certo grau de letramento. Isso é corroborado por
algumas pesquisas que comprovam não existir letramento
zero nas pessoas (cf. TFOUNI, 2004; PEIXOTO et al, 2006;
RIBEIRO, 2008). Não obstante isso, não podemos confundir
esse “grau de letramento” apenas com o fato de o usuário
ter acesso a um computador, com kit multimídia e acesso à
Internet, pois, assim como também mostra Mateus (2004),
ter acesso a essas ferramentas não indica, necessariamente,
que o sujeito saiba fazer uso funcional das mesmas.
Com base nessas considerações, no presente capítulo, iremos mostrar alguns mecanismos hipertextuais
presentes em chats educacionais, verificando de que forma eles são ou poderiam ser utilizados para garantir a
mediação, facilitando a interação em salas virtuais e, por
consequência, garantindo o avanço no grau de letramento digital do aluno. Para isso, iniciaremos nossas discussões tratando dos conceitos de letramento(s) e letramento
digital. Na sequência, à luz de considerações vygotskyanas e bakhtinianas trataremos de mediação e interação.
Com base nisso, apresentaremos nossa análise para dela
extrairmos nossas considerações finais.
Letramento(s) e Letramento Digital
O termo letramento tem origem no aportuguesamento da palavra inglesa literacy, que em inglês diz
respeito ao estado ou condição daquele que é educado
para ler e escrever (PEIXOTO et al, 2006). Magda Soares
(2003) constatou que uma das primeiras menções feitas
ao termo letramento está em Kato (1986) e, desde então,
mais e mais pesquisadores tem feito uso desse termo que,
no Brasil, dada sua realidade social, tem se tornado algo
mais amplo que o anteriormente usual alfabetização.
Essa mudança deve-se à própria mudança social pela
qual passa todo o mundo, e mais especialmente nosso país,
em termos de emergência das situações que requerem um
174
LINKS ENTRE MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA, LETRAMENTO DIGITAL
E HIPERTEXTUALIDADE EM EaD
saber mais exigente em situações em que se haja de lidar
com a leitura e a escrita. Dessa forma, os termos alfabetização e alfabetizado, já eivados de uma carga negativa, pelos
tantos programas fracassados de erradicação do analfabetismo em nosso país, e que além do mais já não servem propriamente às exigências da sociedade, em termos de saber
ler e escrever, estão sendo paulatinamente ampliados pelos
termos letramento e letrado, tidos como “condição daquele
que sabe ler e escrever, e, que responde de maneira ampla
e satisfatória as demandas sociais fazendo uso de alguma
maneira da leitura e escrita” (PEIXOTO et al, 2006, p. 2).
Assim, o termo alfabetização tem-se tornado mais
restrito, dizendo respeito tão somente ao processo de
aquisição da escrita, enquanto que por letramento entende-se não somente o fato de saber ler e escrever, mas
também de, através dessa condição, participar das diversas ações sociais que se utilizam da escrita. Nessa esteira,
letrar é bem mais que simplesmente alfabetizar, é ensinar
a ler e a escrever de maneira contextualizada e funcional,
levando em consideração a função social e comunicativa
da linguagem, como mostram Araújo (2007) e Ribeiro e
Ribeiro-Sayed (neste volume).
Barton (1998)4 e, mais recentemente, Soares (2002)
apontam para letramentos distintos em função do contexto. Soares (2002, p.8), por exemplo, afirma que
[...] diferentes tecnologias de escrita geram diferentes estados ou condições naqueles que fazem uso
dessas tecnologias, em suas práticas de leitura e de
escrita: diferentes espaços de escrita e diferentes
mecanismos de produção, reprodução e difusão da
escrita resultam em diferentes letramentos.
Mas se o letramento está relacionado ao contexto e
contextos existem vários, convém falar letramento ou letramentos? Esse é um questionamento que tem perdurado
por algum tempo entre linguistas aplicados, pedagogos e
4 BARTON, D.; HAMILTON, M. Local literacies. London: Routledge,
1998.
175
FRANCISCA MONICA DA SILVA • JOÃO PAULO EUFRAZIO DE LIMA •
JÚLIO CÉSAR ARAÚJO
estudiosos interessados nessas questões. Do ponto de vista de alguns deles (SOARES, 2002; BARTON, 1998), não
podemos falar apenas em letramento (no singular), mas
sim em letramentos (no plural), em virtude da tecnologia
de escrita utilizada. Dessa forma, assim como temos o
letramento alfabético, apresentado, a princípio, no meio
impresso, temos também um outro tipo de letramento, o
digital, baseado no suporte com o mesmo nome e que é
específico do contexto das Tecnologias da Informação e
Comunicação (doravante TICs).
É importante assinalar que o letramento digital não
exclui o alfabético nem tampouco surgiu para substituir
este, como alguns chegam a pensar. Na realidade, ambos
se completam. A ordem de letramento (alfabético para digital ou digital para alfabético) é variável, pois existem os
usuários das TICs que primeiramente tiveram contato com
o letramento alfabético e, somente depois, tiveram contato
com o suporte digital. Porém, há um grande número de
crianças que, nascidas na era digital, tendo contato com vídeos-game de última geração, computadores com acesso à
Internet, celulares que mais parecem mini-computadores,
MP3, MP4 etc., mesmo antes de serem alfabetizadas, já
sabem utilizar várias funções desses aparelhos eletrônicos
levando em consideração não as palavras que encontram
na tela/display, mas outras semioses lá existentes. Isso
comprova a seguinte afirmação de Soares (2002, p.6):
Pode-se concluir que a tela como espaço de escrita
e de leitura traz não apenas novas formas de acesso à informação, mas também novos processos
cognitivos, novas formas de conhecimento, novas
maneiras de ler e de escrever, enfim, um novo
letramento, isto é, um novo estado ou condição
para aqueles que exercem práticas de escrita e de
leitura na tela. [negrito nosso]
Dessa forma, o meio digital deve ser entendido para
além de um simples contexto que abrange diversos suportes, dentre eles a tela de cristal líquido, que facilita o acesso
à informação de forma mais rápida. Ele também, dada as
176
LINKS ENTRE MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA, LETRAMENTO DIGITAL
E HIPERTEXTUALIDADE EM EaD
suas peculiaridades, altera significativamente o processo
cognitivo de leitura, e de escrita, o que torna necessária a
construção de um conceito de letramento, específico a esse
novo e pungente meio. Considerando, portanto, o raciocínio de Soares, podemos dizer com Xavier (2005, p.135)
que, para ser considerado letrado digital é necessário
assumir mudanças nos modos de ler e escrever
os códigos e sinais verbais e não-verbais, como
imagens e desenhos, se compararmos às formas
de leitura e escrita feitas no livro, até porque o
suporte sobre o qual estão os textos digitais é a
tela –, também digital.
Assim, uma pessoa letrada digitalmente é capaz
de identificar e fazer uso das linguagens verbal e nãoverbal que dividem o espaço da tela de cristal líquido.
Dependendo do seu grau de letramento, também deve
saber usar de maneira funcional os diversos mecanismos
hipertextuais (texto + som + imagem) presentes na tela
do computador, os quais acreditamos ser relevantes não
só para a interação do hiperleitor com o texto e o suporte
no qual ele se encontra, como também para o processo
de interação com outros interlocutores no meio digital.
Essas reflexões são importantes para o presente capítulo porque os dados analisados que trazemos nele nos
autorizam a sugerir que o letramento digital é importante
tanto para a interação quanto para a mediação pedagógica em AVAs em cursos a distância, modalidade de ensino essa que vem encontrando espaço cada vez maior em
sociedades multiletradas onde as instituições de ensino
já encontraram nas ferramentas da Internet uma nova estratégia de construção de conhecimento.
Mediação e Interação: Abordagens Vygotskyana
e Bakhtiniana
Segundo Vygotsky (1998, p. 115), “o aprendizado
humano pressupõe uma natureza social específica e um
processo através do qual as crianças penetram na vida in177
FRANCISCA MONICA DA SILVA • JOÃO PAULO EUFRAZIO DE LIMA •
JÚLIO CÉSAR ARAÚJO
telectual daquelas que as cercam”. Para tanto, percebe-se
a necessidade não só da mediação propriamente dita, feita por um educador, mas também da interação com seus
colegas de sala de aula. No caso dos cursos pela Internet,
através dos AVAs, essa interação acontece por meio dos
vários gêneros digitais – dispostos no sistema como ferramentas de comunicação entre tutor-aluno e aluno-aluno.
Assim, mediação e interação são dois conceitos que estão
intimamente relacionados, uma vez que, considerando-se
o processo de ensino-aprendizagem como um constante
processo para a construção do conhecimento mediado,
na perspectiva bakhtiniana, a interação é necessária e essencial para que a aprendizagem aconteça.
Se considerarmos as reflexões de Bakhtin (1981, p.
112) sobre a interação verbal, é procedente afirmar que a
interação tem base social e, por isso, concretiza a linguagem em uso, uma vez que a enunciação é a realidade fundamental da língua. A forma e o estilo dessa enunciação,
“produto da interação de dois indivíduos socialmente
organizados”, são determinados pela situação de uso da
linguagem dentro de um grupo social, histórico e cultural
em que os interlocutores se encontram inseridos.
Tudo isso se aproxima da visão sócio-interacionista
vygotskyana que defende ser através dessa interação entre
os sujeitos, sendo um deles o mediador, que o homem
terá acesso ao conhecimento. Nessa direção, Vygotsky
(1998, p. 7) defende a ideia de o homem, como sujeito
do conhecimento, ter acesso mediado e não direto aos
objetos, como pode ser comprovado quando ele afirma
que “a transmissão racional e intencional de experiência
e pensamento a outros requer um sistema mediador”.
Desse ponto de vista surgiu o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (doravante ZDP), que define a
zona de aprendizagem de uma criança. Em outras palavras, a ZDP corresponde à zona que distancia ou separa
o modo como uma criança resolve individualmente um
problema, do modo como esse mesmo problema é resolvido pela criança através da mediação. Partindo da ZDP,
Vygotsky acredita que todo conhecimento seja assimilado
178
LINKS ENTRE MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA, LETRAMENTO DIGITAL
E HIPERTEXTUALIDADE EM EaD
mais facilmente quando mediado, porém, deve-se mediar
motivando o outro a um discurso participativo e reflexivo,
o que pode gerar sua autonomia do pensar.
Ao trazermos essa perspectiva para o EaD, entendemos que o tutor deve estimular o aluno a refletir sobre as
possibilidades de interação promovidas pelo gênero digital
em uso, garantindo o avanço deste em seu nível de letramento digital e, consequentemente, a construção do conhecimento. Isso significa que, para a realidade dos cursos virtuais, os mediadores no processo de ensino-aprendizagem
seriam igualmente os tutores e os demais colegas virtuais,
com quem o aluno se comunica através de gêneros síncronos e assíncronos, tais como o chat e o e-fórum, respectivamente. Nesse sentido, Molon (2000, p.11) afirma que
a mediação não é a presença física do outro,
não é a corporeidade do outro que estabelece a
relação mediatizada, mas ela ocorre através dos
signos, da palavra, da semiótica, dos instrumentos
de mediação. A presença corpórea do outro não
garante a mediação.
Com isso, percebemos a importância de haver uma
mediação pedagógica adequada aos cursos virtuais a distância, nos quais acreditamos ser o uso da hipertextualidade
relevante para que os atores presentes no processo construam o conhecimento juntos, de forma mais dinâmica e interativa. Para tanto, assim como alerta Silva (2008), é importante lembrar que os tutores devem estimular seus alunos a
utilizar mais os recursos oferecidos pelos gêneros digitais,
dentre eles o chat, para que, fazendo uso de tais recursos,
possam tornar a interação mais atrativa e participativa, o que
pode, inclusive, proporcionar ao aluno o desenvolvimento
de sua autonomia na construção do conhecimento.
Chat: uma Amostra de Seus Recursos
hipertextuais
O chat, por sua natureza síncrona, é utilizado,
normalmente, em discussões para “tira-dúvidas” com o
179
FRANCISCA MONICA DA SILVA • JOÃO PAULO EUFRAZIO DE LIMA •
JÚLIO CÉSAR ARAÚJO
tutor ou para que este provoque uma “tempestade de
ideias” sobre um tema a ser discutido em um fórum, por
exemplo. Conforme pondera Abreu (2002), o ideal é que
sejam formados grupos com número reduzido de alunos
para que o tutor tenha condições de orientá-los on-line,
discutir o tema e mediar a interação de forma que não
se formem subgrupos discutindo outros assuntos e fuja à
proposta da discussão a ser desenvolvida. Além disso, a
autora lembra ser importante delimitar o tempo de cada
sessão de vinte a noventa minutos, bem como o número
de alunos para sete.
Os chats, devido aos seus propósitos comunicativos e ao suporte digital em que estão inseridos, apresentam alto grau de hipertextualidade (ARAÚJO, 2005,
2006; ARAÚJO e BIASI-RODRIGUES, 2005). Neles, além
do uso da linguagem verbal reestruturada para atender à
demanda do meio virtual cada vez mais dinâmico, também encontramos outros recursos semióticos para a comunicação entre as pessoas: emoticons,5 imagem, som,
links etc. Estudos já demonstraram que todos esses recursos que permeiam o chat podem ser bastante úteis no
processo de interação professor-aluno e aluno-aluno em
cursos virtuais oferecidos pelas diversas instituições educacionais espalhadas pelo país (cf. MOTTA-ROTH, 2001;
YUAN, 2003; ARAÚJO; 2005; FONTES, 2007).
Para que os sujeitos do processo ensino-aprendizagem façam uso consciente e funcional dos mecanismos
hipertextuais presentes nesse gênero digital, é necessário
que eles tenham um letramento digital mínimo para realizar ações como: ligar o micro, acessar à Internet, entrar
no site desejado e navegar dentro dele, alternando entre
as diversas janelas abertas, usando as barras de rolagem
horizontal e vertical para ver o texto que excede o espa5 Emoticons (emotion + icons) são ícones de emoção que procuram
simular as expressões da comunicação face a face. São obtidos através
da combinação de caracteres do teclado, posteriormente sofisticados
pelos engenheiros de softwares que passaram a produzir imagens em
cores e movimentos.
180
LINKS ENTRE MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA, LETRAMENTO DIGITAL
E HIPERTEXTUALIDADE EM EaD
ço da tela, bem como clicando nos links, nos botões e
nos vários recursos semióticos próprios dos gêneros no
meio digital.
Como estamos tratando da natureza hipertextual
do chat e da necessidade do letramento digital do sujeito
para o manuseio das ferramentas existentes nesse gênero,
focalizaremos nossa análise nas telas que seguem, para
descrevermos os recursos hipertextuais presentes no MSN
(chat personalizado, mas que também pode ser utilizado
com fins educacionais) e no chat do Moodle (AVA desenvolvido pelo cientista computacional australiano Martin
Dougiamas).6
Os Recursos Hipertextuais no MSN
Iniciando pelo MSN (ou o Windows Live Messenger, em versões mais recentes desenvolvidas pela Microsoft), encontramos um ambiente com uma riqueza
enorme de recursos hipertextuais, que nos servirá como
exemplo do uso pedagógico de um gênero síncrono. Na
figura 1, que segue, abordaremos um recorte de sessão de
uso do MSN, que é comumente usado pelos tutores que
trabalham no SENAC-CE.
Neste caso, temos uma seção de chat educacional
em que interagem dois participantes: o tutor e um de seus
alunos virtuais. O que mais nos chama atenção é o uso
do recurso hipertextual de compartilhamento de arquivos
(1) como meio para troca direta de arquivos considerados importantes àquele momento. Em azul (no original),
destacado de outras partes do texto, temos o caminho
deixado pelo compartilhamento após completado seu
download, nesse caso, a transferência de arquivo foi realizada pelo aluno destinado ao seu tutor. Esse recurso
6
As sessões de chats educacionais em questão aconteceram em
cursos na modalidade a distância, no Senac – Serviço Nacional de
Aprendizagem Comercial. Nossa pesquisa tem a autorização da
Direção de Educação Profissional do Senac/Ceará.
181
FRANCISCA MONICA DA SILVA • JOÃO PAULO EUFRAZIO DE LIMA •
JÚLIO CÉSAR ARAÚJO
2
1
Figura 1 – Sessão de Chat no MSN.
é possibilitado pelo ambiente através da ferramenta de
compartilhamento de arquivos situada na parte superior
da tela e acessada através do menu “arquivo” (2). Depois
de clicar nesse menu, opção “enviar arquivo”, o seu interlocutor terá a sua disposição a possibilidade de aceitá-lo
ou não. Sendo aceito, iniciar-se-á o download que, após
completo, deixa sua marca de link, destacado em azul na
figura 1. Esse é um meio frequente para se enviar textos
ou outros tipos de arquivos que possam ser úteis para tirar
dúvidas de alunos, e pode ser um exemplo de como esses
recursos hipertextuais podem servir como facilitadores da
interação tutor-aluno, assim como da mediação, o que
pode favorecer à aprendizagem.
Dessa forma, essa ferramenta serve como meio de
interação importante para a consecução dos objetivos do
ensino-aprendizagem em ambientes que sejam ou possam
servir como AVAs. Queremos crer com isso que seu uso
182
LINKS ENTRE MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA, LETRAMENTO DIGITAL
E HIPERTEXTUALIDADE EM EaD
deve ser estimulado por parte do tutor, para que, dessa
troca direta com o aluno, surja uma interação mais eficaz
que promova o letramento desse sujeito, levando-o a refletir sobre a capacidade funcional desse tipo de recurso.
Diferentemente do MSN, o próximo chat analisado
faz parte de um AVA chamado Moodle, bastante utilizado
em cursos da modalidade a distância devido à facilidade
de interação com o ambiente que dispõe de diversos recursos, dentre os quais vão nos interessar mais de perto os
hipertextuais, que iremos tratar a partir de agora.
Os Recursos Hipertextuais no Moodle
Na figura 2, encontramos alguns dispositivos que
caracterizam a hipertextualidade presente no chat do
Moodle. Temos, por exemplo, as imagens com as carinhas amarelas (1), lugar reservado para colocarmos as fotos dos usuários; clicando sobre essas imagens teremos
acesso ao perfil de cada participante e, de lá, podemos
acessar seus respectivos e-mails e blogs, bem como podemos enviar uma mensagem através do próprio AVA. Ou
seja, através de um simples clique sobre a imagem que representa o usuário, podemos contactá-lo através do AVA
e deixar comentário sobre alguma tarefa realizada, ou solicitar complementar essa tarefa, entre outras ações, sem
que seja necessário sair do chat e entrar em um webmail,
por exemplo. Dessa forma, tendo habilidade para alternar
janelas, o usuário terá acesso mais rápido a diversas formas de se comunicar com seu interlocutor, o que pode
ser um ponto positivo para a interação entre os sujeitos.
Encontramos, ainda, as barras de rolagem horizontal e vertical (2) que são úteis para visualizarmos as “falas”
anteriores dos interlocutores e que não cabem no espaço
da tela. Para mostrar o nível de afetividade, (in)satisfação,
dúvida, (des)contentamento etc., assim como no MSN, os
sujeitos também podem fazer uso dos emoticons (3), ativados através da combinação de símbolos alfanuméricos,
disponíveis no teclado. Isso pode “quebrar o gelo” duran183
FRANCISCA MONICA DA SILVA • JOÃO PAULO EUFRAZIO DE LIMA •
JÚLIO CÉSAR ARAÚJO
te a interação, aproximando os interlocutores apesar da
distância físico-espacial em que eles se encontram. Além
disso, se for necessário entrar na ajuda do chat do Moodle
para sabermos como utilizar suas ferramentas, basta que
o aluno clique sobre o ícone da interrogação (4) que fica
no lado direito da caixa de texto onde as mensagens são
digitadas. Uma caixa de diálogo com várias dicas de uso
desse gênero digital será aberta e tanto o aluno quanto o
tutor poderão ter acesso a informações de como melhor
usar o chat em sua interação.
Por fim, existe a ferramenta de som através da qual
é possível solicitar a atenção do interlocutor, produzindo um barulho resultado de um clique de mouse sobre
o “bip” (5). Caso algum aluno esteja conectado e ativo
no chat, mas não esteja participando da discussão, essa é
uma forma de o tutor/professor tentar promover a participação do aluno na aula.
MCAALE1
MCAALE1
MCAALE1
MCAOTA5
MCALUC4
MCALUC4: todos falam ao mesmo tempo né?
MCAOTA5
MCAOTA5
MCALUC4
MCAGUI6
MCAOTA5
MCAALE1
MCAOTA5
MCAALE1
3
MCACHR8
2
MCALUC4: Maravilha, alexandre! bom final de semana!
4
5
Figura 2 – Sessão de Chat do Moodle.
Complementando os recursos existentes no chat
do Moodle, e já descritos na figura 2, encontramos na figura 3 o recurso de criação de links (1) da seguinte forma:
ao digitarmos endereços de sites na janela, esses transfor184
LINKS ENTRE MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA, LETRAMENTO DIGITAL
E HIPERTEXTUALIDADE EM EaD
mam-se em links que, acionados através de um clique,
abrem a janela do site informado. Assim, o professor/tutor
poderá, durante uma conversa com seus alunos, indicar
sites de pesquisas, os quais poderão ser acessados pelos
alunos sem que esses saiam da janela do bate-papo. Dessa
forma, o aluno poderá ampliar suas leituras, tirar dúvidas,
observar a escrita dos nomes de autores, especialmente
se for estrangeiros, conhecer ideias opostas as que estão
sendo discutidas no chat etc., enquanto “tecla” com seus
colegas e com o tutor.
MCAGUI6: E desde agora já me preocupo com o trabalho de conclusão
12:07 MCALUC4: não, MCAGUI6, não avaliamos os trabalhos com base em subjetividade, temos critérios
muito bem estabelecidos
MCALUC4: tem que se preocupar mesmo
12:08 MCACHR8: Lu, so pra testar, vou colocar aki o site do greenpeace pra ver se transforma em link, ta?
1
12:08 MCALUC4: o que avaliamos subjetivamente é a questão individual de cada aluno, em que não se comparam
trabalhados pois cada realidade é única
MCAGUI6: Estes critérios serão disponibilizados para os alunos?
MCALUC4: ok, “Chris”, deu certo!
MCALUC4: sim, serão
12:09 MCACHR8: Que bom q funcionou.
Figura 3 – Sessão de Chat do Moodle.
Portanto, diante de todos esses recursos hipertextuais mostrados nas figuras 1, 2 e 3 acima, fica evidente
a necessidade de que o professor/tutor estimule o uso
funcional do maior número possível dessas ferramentas,
as quais não apenas poder servir para promover o letramento digital necessário aos que ingressam nos cursos
virtuais como também pode ser útil para otimizar a interação que se estabelece entre os participantes do chat
educacional.
185
FRANCISCA MONICA DA SILVA • JOÃO PAULO EUFRAZIO DE LIMA •
JÚLIO CÉSAR ARAÚJO
Considerações Finais
A descrição dos principais recursos hipertextuais
em cada uma das sessões de chats em análise nos permite
concluir que o letramento digital, tanto para professores
que atuam na educação a distância virtual, como para
pessoas que optam por realizar cursos nessa modalidade
de ensino, deve ser trabalhado durante o próprio processo de interação homem-homem e homem-máquina.
Ao se disporem a trabalhar em um AVA, além de
se dedicarem aos letramentos em sua área de estudo,
preocupando-se com os conteúdos específicos que serão
discutidos ao longo das interações, tutor e aluno precisam
usar os recursos tecnológicos a seu favor, para otimizarem a mediação pedagógica e a interação com os demais
componentes do grupo ou da “sala de aula virtual”. Isso,
no entanto, não reduz o que entendemos por letramento digital, uma vez que, decididamente, a questão não
é apenas “saber usar” cada mecanismo hipertextual, ou
“usar por usar” cada ferramenta oferecida pelo e-gênero,
mas sim “saber usar de maneira reflexiva”, tirando o máximo de proveito de tais recursos para a construção do
conhecimento e para a mediação pedagógica.
A análise descritiva que fizemos dos recursos hipertextuais presentes em um chat educacional nos permite concluir que o dinamismo do suporte desse e-gênero
insta que seus produtores/consumidores explorem mais
a hipertextualidade não apenas dos chats praticados nos
cursos virtuais mas também de todo o AVA, englobando
os outros gêneros digitais nele praticados. Nossa suposição, confirmada em pesquisas como a de Silva (2008),
é a de que podemos sim extrair ricas possibilidades pedagógicas da natureza hipertextual dos e-gêneros presentes nos AVAs os quais, por serem também hipertextuais,
requerem uma confluência de letramentos, como o acadêmico e os hipertextuais, para citar apenas dois. Dessa
maneira, estamos convencidos de que o domínio dessa
convergência de letramentos pode ser decisivo não ape186
LINKS ENTRE MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA, LETRAMENTO DIGITAL
E HIPERTEXTUALIDADE EM EaD
nas na discussão acerca do conteúdo específico de cada
disciplina do curso, como também no desenvolvimento
das habilidades de ensinar e aprender em ambientes virtuais de aprendizagem.
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188
O ENDEREÇO ELETRÔNICO E AS PRÁTICAS
DE ESCRITA NA WEB: AMPLIANDO A
APRENDIZAGEM DA ORTOGRAFIA
Márcia Maria Ribeiro
Dorotéa Emília Ribeiro Sayed
Considerações Iniciais
Durante muito tempo, a escola tratou o erro de ortografia e de caligrafia como algo a ser punido até mesmo
com agressões físicas e orais. Um exemplo dessa prática
pode ser dado com Gilberto Freyre (2005) que, em seu
livro Casa-grande & senzala, faz um depoimento no qual
diz que, se o aluno não soubesse a lição de português ou
borrasse uma página do caderno de caligrafia, arriscavase a castigo tremendo. Diz ainda que se fazia muita questão pela “letra bonita” e, ao escrever com penas de ganso,
a tortura começava, pois com o mestre ao lado do aluno,
os riscos de punição em função de alguma letra “troncha”
ou um errinho qualquer era eminente. Dessa maneira,
muitas crianças de uma determinada época da história da
educação básica brasileira sofreram algumas “bordoadas”
nos dedos, beliscões pelo corpo, “puxavante” de orelha,
e isso era um horror.
Tal depoimento demonstra que o foco do aprendizado da escrita era o formato da letra, a grafia bem trabalhada e bela e, por isso, o erro abrangia não somente
a ortografia, mas também a caligrafia. Felizmente, não
vemos hoje mais agressões desse tipo, porque a escola
mudou e não se vê mais esse tratamento com alunos no
que se refere ao ato de escrever. Segundo Bagno (2002),
no último século e com as profundas transformações nos
modos de encarar o ensino de línguas nas escolas de
ensino fundamental e médio devido à implantação das
teorias linguísticas, percebemos que a postura dos professores está mudando e já observamos que situações
189
MÁRCIA MARIA RIBEIRO • DOROTÉA EMÍLIA RIBEIROͳSAYED
como as denunciadas por Freyre (2005) parecem ser
ações do passado.
Em função dessas mudanças, e neste momento
histórico em que são calorosas as discussões relativas ao
novo acordo da reforma ortográfica (AZEREDO, 2008),
queremos, no presente capítulo, refletir sobre as normas
ortográficas da língua portuguesa através de experiências
de letramentos por meio de práticas reais de escrita no gênero digital endereço eletrônico.1 Para tanto, em primeiro
lugar, apresentaremos uma revisão teórica apresentando
as razões que nos levaram a decidir a tratar de ortografia
infantil por meio de experiências de letramentos na web.
Logo em seguida, apresentaremos os procedimentos metodológicos e a caracterização dos sujeitos envolvidos na
pesquisa aqui relatada. Na sequência, mostraremos os resultados de ensinar/aprender ortografia a partir da prática
de escrita do endereço eletrônico, para finalizarmos nosso trabalho com os resultados e as principais conclusões
da análise.
Revisão Teórica
Mesmo que o ensino da escrita tenha passado por
transformações qualitativas, ainda é comum ouvir de
professores comentários do tipo: esse aluno é completamente analfabeto, fato que nos remete à antiga (e sempre
nova) vigilância do professor quanto ao erro do aluno no
ato de escrever, mais precisamente quanto à ortografia.
Talvez esse tipo de situação ainda aconteça na escola porque, conforme pondera Morais (2001), discutir/ensinar/
aprender ortografia é enveredar por um espaço de controvérsias, pois, de acordo com o autor, esse é um objeto
marcado por preconceitos.
1 Marcuschi (2004) considera o endereço eletrônico como um gênero
digital e, com base nisso, Ribeiro e Araújo (2007) e Araújo (2007)
analisaram práticas de letramentos digitais vivenciadas por crianças
em fase inicial de alfabetização.
190
O ENDEREÇO ELETRÔNICO E AS PRÁTICAS DE ESCRITA NA WEB:
AMPLIANDO A APRENDIZAGEM DA ORTOGRAFIA
Enquanto de um lado existem profissionais que continuam dando à questão ortográfica um peso não somente
desproporcional e perseguindo seus alunos tachando-os
de analfabetos, encontramos, no outro extremo, professores que veem o ensino de ortografia como algo conservador deixando, assim, de dar a atenção devida ao assunto,
considerando que o aluno pode construir a habilidade da
escrita sozinho e ao longo de sua escolaridade. Morais
julga essas duas posturas equivocadas, sendo necessário
superá-las para enxergarmos uma nova forma de ensinar a
ortografia. Diante disso, Morais elabora a hipótese segundo a qual bastaria entendermos as razões da existência
das normas ortográficas e de sua organização para poder
ajudar o aluno a “escrever certo”.
Em contrapartida, já é um consenso entre os linguistas de que conhecer gramática para falar e escrever
bem não passa de um mito (BAGNO, 1999, p.48.). Por
isso, Bagno defende que “a verdade dos fatos está na inversão exata desse mito: é preciso saber falar, ler e escrever bem para estudar gramática”. Com isso, o autor
enfatiza que “nós”, professores, “deveríamos propor um
ensino de língua que tivesse como objetivo levar o aluno
a adquirir um grau de letramento (grifo do autor) cada
vez mais elevado”. Nesse sentido, defendemos que não
devemos nos esquecer de incluir, entre os letramentos,
aqueles praticados na Web, uma vez que os meios digitais de informação e comunicação têm avançado muito
rapidamente e não incluí-los em nossa prática pedagógica
implicará prejuízo para o aluno.
Isso se justifica na medida em que “a tela do computador [conectado à Internet] tornou-se um novo portador de textos (e de hipertextos), suscitando novos gêneros, novos comportamentos sociais referentes às práticas
de uso da linguagem oral e escrita” (BAGNO, 2002,
p.55-56). O problema da inversão exata desse mito foi
que, assim como afirma Morais (2001), essa nova prática
passou a considerar o trabalho com a ortografia conservador e retrógrado, levando muitos professores a acreditar
que seus alunos aprenderiam a escrever corretamente à
191
MÁRCIA MARIA RIBEIRO • DOROTÉA EMÍLIA RIBEIROͳSAYED
medida que fossem incentivados a ler e a produzir textos
significativos. Morais (2001) diz que alguns professores
passaram, então, a adotar um postura espontaneísta, ou
seja, não ensinar ortografia, e, de maneira cruel, ainda
assim cobrar resultados de aprendizagem em ortografia
de seus alunos. Essa cobrança passa a ser injusta, porque
os professores cobram o que não ensinam. Por esse motivo, Morais (2001, p.17.) pensa que “as atuais dúvidas
sobre como tratar a ortografia são o reflexo dos avanços
de pesquisas vividos na área da linguagem que nos têm
levado a priorizar, no trabalho escolar, a formação de
alunos capazes de ler e produzir textos significativos”,
mas considera ser possível trabalhar a leitura e a produção de texto através do construtivismo e ainda assim
ensinar ortografia.
“Aprender ortografia não é somente uma questão
de memória”, afirma Morais (2001, p.27.), e, em função
disso, o autor acrescenta que nem sempre é necessário
“decorar” a forma correta da palavra para acertar sua grafia. Essa afirmação nos leva a inferir que os erros apresentam naturezas distintas, sendo necessário somente o
aluno observar que, em alguns casos, a correspondência
letra-som é regular, mas em outros, irregular, exigindo,
nesse caso, a memorização da irregularidade. É através
desse conhecimento que não somente o aluno como o
professor tomam consciência de que os erros ortográficos
não são obviamente todos idênticos, justamente porque
possuem naturezas diferentes. Dessa maneira, em alguns
casos, será necessário o uso da memória, em outros, será
possível o uso da correspondência regular.
Porém, não podemos ver a dificuldade que a
criança encontra em fixar a forma escrita das palavras
como um obstáculo intransponível. Esse dilema não é
novo, pois pode ser encontrado já na Grécia e Roma
antigas, onde as pessoas letradas já procuravam fixar a
forma escrita das palavras da língua. (BONNER, 1984).
Segundo Benveniste & Chervel (1976), a tendência histórica ao criar ortografias foi manter um casamento entre
192
O ENDEREÇO ELETRÔNICO E AS PRÁTICAS DE ESCRITA NA WEB:
AMPLIANDO A APRENDIZAGEM DA ORTOGRAFIA
o ideal fonográfico e o princípio ideográfico. Isso, porém, na prática não ocorre. Tomando-se por base a língua portuguesa, por exemplo, esse casamento ideal entre
som e letra não é comum, pois o que se observa é uma
complexidade responsável por fazer não só a criança,
em estágio de aquisição da escrita, mas também o adulto
vacilarem quando a questão é a ortografia da palavra. Tome-se como exemplo “partisse” e “chatice” que, embora
terminem com o mesmo seguimento sonoro, os sufixos
-isse e -ice, veiculam informações diferentes: o primeiro refere-se a uma flexão verbal e o segundo identifica
um tipo de substantivo, remetendo à ideia de “qualidade
de”. Por esse motivo, faz-se necessário reconhecer que
as duplicações ou irregularidades nas correspondências
letra-som constituem-se em fontes de informação (MORAIS, 2005).
Isso nos leva a observar que, ao notar a linguagem,
as atuais ortografias apresentam princípios que vão além
da mera codificação de relações som-grafema (CATACH,
1989). Não é difícil perceber que o ensino de ortografia tendo por base apenas a memorização da grafia das
palavras não desenvolverá habilidades na produção escrita. Acreditamos com Araújo e Dieb (2006) que somente uma prática reflexiva aliada também à memorização
pode levar à aprendizagem significativa e permanente da
ortografia. Sentimos exatamente isso em nossa experiência com as crianças que participaram de nossa pesquisa,
pois, a partir das experiências vividas por elas nas aulas
de letramento digital, elas passaram a refletir mais sobre
o que liam/escreviam. As aulas envolviam o aprendizado
do uso do computador e seus periféricos, da navegação
no ambiente virtual, do conhecimento de gêneros digitais, da interação na Internet e, mais especificamente, do
conhecimento relativa ao endereço eletrônico. Foi o uso
constante desse e-gênero que nos possibilitou o desenvolvimento de um trabalho com práticas de escrita no endereço eletrônico, pois, a partir dos “erros” de acesso do
endereço eletrônico, as crianças passavam a refletir mais
sobre a escrita de várias palavras.
193
MÁRCIA MARIA RIBEIRO • DOROTÉA EMÍLIA RIBEIROͳSAYED
Caracterização dos Sujeitos da Pesquisa
A experiência está em andamento desde 2004,
mas, por limitação de espaço, só serão mostrados dados
relativos a sete crianças que formavam as turmas de terceiro e quarto anos e que participaram das atividades de
letramento digital desde 2005, respectivamente nos anos
de 2006 e de 2007. Na turma de 2004, havia três crianças2 e na turma de 2005 quatro. Em 2006 e 2007, esse número chegou à totalidade de sete, cinco do terceiro ano e
duas do quarto ano. As crianças do terceiro ano já haviam
superado as dificuldades apresentadas no início desta pesquisa (cf. RIBEIRO, 2005) e agora já conseguiam ler e escrever, mesmo com algumas pequenas dificuldades. Seria
o que Ferreiro e Teberosky (1999) consideram de dificuldades alfabéticas, sendo necessário agora desenvolver as
dificuldades ortográficas. Mesmo assim, elas passaram a
navegar na Internet com esperteza e já dominavam periféricos, como o teclado e mouse e, o mais importante, liam
e escreviam sem medo ou grandes dificuldades.
No quarto ano, havia um quadro singular: <CR1>,
agora com 09 anos de idade, lia com fluência e não se
sentia mais desanimada diante das atividades escolares,
como no início da experiência. Já havia vencido as dificuldades de leitura apresentadas e, por isso, navegava com
facilidade, fazendo muitas vezes uso não somente dos periféricos, mas também de algumas teclas de atalho, saber
construído pela observação da criança. <CR2> iniciou
no projeto sem saber ler nem escrever e chegou ao colégio após dois anos repetindo o 2º ano, levando muito
tempo para alcançar a fase alfabética. Em virtude de estar
repetindo esse ano por uma terceira vez e por não ter a
credibilidade dos pais, <CR2> tinha uma forte imagem
negativa de si e não acreditava ser capaz de aprender a ler
e a escrever. Nesse período, ela já se iniciava nas práticas
2 Para efeitos de identificação dos sujeitos, foi usado <CR>, acrescido de um número subscrito como uma espécie de codificação para
a palavra CRIANÇA. Assim, <CR1> deve ser lido como CRIANÇA
UM, por exemplo.
194
O ENDEREÇO ELETRÔNICO E AS PRÁTICAS DE ESCRITA NA WEB:
AMPLIANDO A APRENDIZAGEM DA ORTOGRAFIA
de ler e escrever, mas precisava ser trabalhada no reconhecimento das normas ortográficas, pois, infelizmente, não
tinha se recuperado da imagem negativa de si por não ter
se alfabetizado no período dedicado a isso. Ela, em vários
momentos, apresentava uma dependência afetiva da professora-pesquisadora, mas, aos poucos, ia vencendo e entendendo que podia errar e rever seus textos. Em um dos
momentos de aula, ela até expressou: “Ah, qual o problema se eu errar, eu estou aqui é para aprender, não é, tia?”.
Esse foi o maior crescimento demonstrado por ela durante
o tempo de trabalho tanto com o letramento digital quanto
com as outras atividades realizadas fora do laboratório de
informática. O melhor da superação dessa criança foi perceber que seus pais passaram a acreditar que ela poderia
aprender a ler e constataram isso na prática.
A turminha do terceiro ano era formada por crianças cujas idades variavam entre 07 e 08 anos. Todas já
navegavam com mais facilidade pela Internet, e as atividades de leitura e escrita não lhes eram mais um fardo.
Dentre as cinco crianças dessa turma, somente uma delas,
<CR6>, não apresentava tantos problemas com a ortografia, mas as outras todas tinham dificuldades e percebemos que precisávamos desenvolver situações didáticas
para ajudá-las a superar tais dificuldades.
Com esse novo quadro, a pesquisa precisava atender a essa nova dificuldade: a ortografia, e foi nesse ponto
que a interferência da professora foi importante para a formação do hábito de revisão da escrita e da reescrita, bem
como para a reflexão dos desvios ortográficos. Esse era o
contexto novo, resultado do trabalho de 2005, momento
quando se deu a experiência de alfabetizar letrando digitalmente crianças com dificuldades de leitura e escrita
(RIBEIRO, 2005; ARAÚJO, 2007).
Procedimentos Metodológicos
Na tentativa de fazer o que acredita Morais (2001),
desenvolvemos diversas atividades significativas que in195
MÁRCIA MARIA RIBEIRO • DOROTÉA EMÍLIA RIBEIROͳSAYED
centivassem os alunos a ler e a produzir textos reais e
significativos. Nos primeiros anos de trabalho com essa
faixa etária, o mundo foi trazido para dentro da sala de
aula. Sempre ao desenvolver atividades com os alunos, fizemos isso: o mundo real tinha de ser real na sala de aula.
Assim, ao estudar a casa (conteúdo relativo ao 2º ano),
um profissional da área era chamado, e as crianças preparavam antes uma entrevista. No dia preparado para a
entrevista, um engenheiro, por exemplo, conversava com
elas, que anotavam as respostas. Ao estudar os animais e
a taxonomia deles (classificação de mamíferos, aves, répteis, peixes e anfíbios), alguns animais eram trazidos para
a sala ou os alunos iam ao zoológico. Eles levavam gatos,
cachorros ou outros animais domésticos, recebiam formulário para relatórios de desenho e escrita para o registro
das diferenças e semelhanças entre todos esses bichos.
Para os répteis e anfíbios, dentre outros, eles visitaram
o zoológico. No estudo dos meios de comunicação, as
crianças receberam uma carta e no dia planejado para
esse conteúdo elas estavam com as cartas que haviam
sido enviadas pelos correios e assim a atenção e a vontade de ler e escrever eram naturalmente afloradas. Várias
outras atividades foram criadas nessa tentativa de dar a
elas não somente a oportunidade de sentir necessidade
de escrever, mas fazer uma atividade animada e prazerosa. O resultado é que elas queriam, sim, escrever, mas
jamais reler o que escreviam ou, pior ainda, apagar para
reescrever o que já haviam escrito. Muitas até diziam já
ter escrito e que estava certo.
Por algum tempo, tentamos explicar às crianças a
necessidade de reler o que escreviam, a fim de um aprimoramento de suas produções. Tal tentativa representou uma dificuldade não apenas para nós, mas também
para as próprias crianças que ainda não compreendiam o
sentido das constantes correções a serem feitas. Elas não
compreendiam a necessidade de apagar algo, choravam
e entristeciam-se, pois escrever com um lápis a mão lhes
era uma tarefa ainda recente e, talvez por isso, cansativa.
196
O ENDEREÇO ELETRÔNICO E AS PRÁTICAS DE ESCRITA NA WEB:
AMPLIANDO A APRENDIZAGEM DA ORTOGRAFIA
Eles eram alunos de 2º ano3 e, por isso, ainda estavam
aprendendo a dominar o lápis com o movimento correto
das letras na tentativa de formar palavras. Não podemos
nos esquecer de que, se as crianças ainda estavam fazendo treinos de escrita (como movimentar o lápis), parece
muito rigoroso pedir que ainda prestem atenção às regras
de ortografia da língua. Ora, como iniciantes no processo
de leitura e escrita, ainda não estavam seguras para a atenção do que escreviam e também para a revisão de seus
textos. Como ensinar a escrever, ter atenção e mostrarlhes a necessidade de rever e reescrever os textos se o
processo do manuseio do lápis ainda era cansativo?
Tornava-se, então, imprescindível trabalhar a ortografia e a revisão da escrita de alguma forma, mas ainda
não se sabia como. Em nossas buscas por uma nova didática de ensino, um caminho foi encontrado: o letramento digital, que muito ajudou nessa empreitada. Esse caminho, encontramos por acaso. Após a apresentação de
uma monografia4 na Universidade Estadual do Ceará em
2005, na qual apresentava um trabalho com os gêneros
endereço eletrônico e cartão digital, continuamos o trabalho de letramento digital com os alunos explorando mais
o endereço eletrônico. Para trabalhar explorando esse gênero, apresentamos uma lista maior de sites infantis e, à
medida que apresentávamos novos sites, as crianças se
deparavam com algumas dificuldades ortográficas. Para
ajudá-las a vencer essas dificuldades, conversávamos sobre a escrita dos sites e da relação de letra-som de alguns
casos em particular. Começamos a perceber que esse trabalho poderia, então, contribuir para um ensino reflexivo
da ortografia.
Através dessa prática de escrita na Web, conseguimos fazer um ensino reflexivo com a ortografia e ainda
ajudar as crianças a criar o hábito da revisão da escrita.
3
Estamos usando a nomenclatura atual, portanto os alunos sobre os
quais falamos, haviam acabado de sair da alfabetização.
4 Essa monografia foi orientada pelo Prof. Dr. Júlio Araújo, do PPGL
da UFC.
197
MÁRCIA MARIA RIBEIRO • DOROTÉA EMÍLIA RIBEIROͳSAYED
Assim elas passaram não somente a aceitar reler e rever
seus textos, como também não mais se incomodavam em
apagar e procurar encontrar a letra adequada para a escrita de cada palavra.
Assim como o trabalho anterior de Ribeiro (2005),
este trabalho também foi resultado de uma pesquisa-ação
que, segundo Kemmis & Wilkinson (2002, p. 49), é um
estudo de “práticas reais, materiais, concretas e específicas de certas pessoas em locais específicos”. Os autores
defendem que tal estudo deve ser “um processo de aprendizagem cujos frutos são as mudanças reais e materiais”
(idem). Assim, partimos de uma situação identificada na
prática didática com alunos, agora, nos 3º e 4º ano do
Ensino Fundamental I que alcançavam a fase alfabética e
precisavam não somente dominar a ortografia da língua
como desenvolver o hábito de reler o que escreviam e
reescrever o que precisava de correção.
Os trabalhos aconteciam obedecendo à seguinte
dinâmica. Em duas aulas semanais, as turmas iam ao laboratório de informática para participar das aulas de leitura e
escrita na Internet. Na sequência, as aulas passaram a ter
atividades diferentes, pois agora as crianças precisavam
dominar quatro janelas do Internet Explorer abertas para
escrever o endereço eletrônico de quatro sites diferentes
e para esse trabalho foi construída uma relação de sites infantis que contemplassem as dificuldades ortográficas das
crianças por elas relatadas. Conversas gravadas durante
as aulas em um celular e gravações da telas acessadas foram arquivadas para tabulação dos dados. De acordo com
a maioria dos alunos, as letras C, S, SS, Z, X e CH eram as
mais difíceis de identificar. Elas escutavam o endereço da
professora, apertavam a tecla enter e passavam imediatamente para a nova janela e assim acontecia até todos terem digitado os endereços nas quatro janelas abertas. Essa
atividade exigia não somente o domínio da leitura e da
escrita, mas exigia principalmente uma ótima habilidade
no domínio tanto dos periféricos do computador quanto
do próprio letramento digital (digitar o endereço, apertar
a tecla enter, segurar o mouse, dar um clique na próxima
198
O ENDEREÇO ELETRÔNICO E AS PRÁTICAS DE ESCRITA NA WEB:
AMPLIANDO A APRENDIZAGEM DA ORTOGRAFIA
janela do Internet Explorer e acessar um outro site). Caso
contrário, eles não poderiam acompanhar as atividades
por todos desenvolvidas.
Para maior agilidade no processo de letramento
digital, sentimos necessidade nesse momento de ensinar
teclas de atalho para todos poderem participar sem ficar
excluídos de todas as etapas. As teclas aqui ensinadas foram ALT + TAB que faz surgir na tela todas as janelas
abertas para que pudessem mudar de uma tela para outra
sem o uso efetivo do mouse. Esse procedimento foi relevante porque percebemos que, em alguns casos, o uso do
teclado com as teclas de atalho faz o usuário movimentarse na máquina com mais rapidez do que retirar a mão do
teclado e movimentá-la em direção ao mouse e, para logo
em seguida, retorná-la ao teclado.
Na prática de escrita com o endereço eletrônico,
utilizamos também o editor de textos Word como auxílio
para a revisão de escrita e releitura dos escritos das crianças. Esses dados foram conservados porque gravamos as
telas que se juntaram às telas de acesso à Internet, que
também foram salvas em arquivo do Paint.
A seleção dos sites infantis para o trabalho em sala
de aula aumentou, mas também foram classificados de
acordo com o grau de dificuldade. Assim, os de sílabas
simples (consoante/vogal) foram considerados de baixo
grau; os de sílabas complexas (consoante/vogal/vogal ou
consoante/consoante/vogal) foram considerados de médio grau; e, por fim, os de língua estrangeira foram considerados de alto grau de dificuldade. Para a identificação
dessa graduação, resolvemos utilizar a seguinte legenda:
site A = baixo grau; site B = médio grau; site C = alto
grau, conforme mostra a figura.
Sites ou Portais
Endereços
Classificação
Turma da Mônica
http://www.monica.com.br
Sítio do Picapau Amarelo http://www.sitiodopicapauamarelo.com.br
http://www.meninomaluquinho.com.br
Menino Maluquinho
http://www.hotmail.com
Hotmail
Figura 1 – Relação dos sites por nível de dificuldades.
Site A
Site B
Site B
Site C
199
MÁRCIA MARIA RIBEIRO • DOROTÉA EMÍLIA RIBEIROͳSAYED
A escolha dos sites agora precisava atender outros
critérios que não apenas o fato de serem educativos. Era
preciso que eles fossem conhecidos pelas crianças, possuíssem uma acentuada natureza interativa e ter uma característica intersemiótica. Além disso, eles precisavam levar
as crianças a fazer uso de palavras que apresentavam alto
grau de dificuldade e deveriam levá-las a refletir sobre
os erros de acesso, pois estes agora passaram novamente
a ser frequentes, visto serem escolhidos de acordo com
as dificuldades ortográficas das crianças. Por esse motivo,
fizemos uma nova lista de sites infantis, bem maior que
aquela realizada por Ribeiro (2005) e os selecionamos de
acordo com as normas ortográficas que desejávamos trabalhar, ou seja, se as crianças apresentavam muitas trocas
de letras como S e C, os sites para a aula de letramento digital deveriam ter fonemas representados por essas letras.
Se as crianças tinhas grandes dificuldades com a letra X, a
relação de sites a serem trabalhados deveriam ter o fonema /∫/ (fonema encontrado nas palavras xale e chuva), e
assim por diante. Vejamos alguns dos sites utilizados na
aula para o trabalho com o fonema /∫/:
http://www.chamequinho.com.br/
http://www.turmadochaves.com
http://www.exercito gov.br/Recrutinha/homepage.htm
Figura 2 – Exemplos de sites que poderiam ajudar na reflexão
do fonema /∫/
Como já anunciamos, os dados foram gerados por
meio do recorte de telas dos endereços eletrônicos e dos
arquivos de Word, o que nos permitiu acompanhar o
crescimento das crianças durante as aulas. Assim, a fim
de sistematizar os dados da pesquisa, algumas telas foram salvas, mostrando o uso pelas crianças do endereço
eletrônico, sobretudo daquelas imagens que mostravam
as tentativas fracassadas de entrar nos sites pretendidos
pelos pequenos navegadores e os processos de revisão
de escrita.
200
O ENDEREÇO ELETRÔNICO E AS PRÁTICAS DE ESCRITA NA WEB:
AMPLIANDO A APRENDIZAGEM DA ORTOGRAFIA
Figura 3 – Site do Exército Brasileiro destinado às crianças,
chamado Recrutinha
Com o auxílio de um celular, fizemos também algumas gravações das falas das crianças, e essas gravações
foram arquivadas por ano e data. Essas falas espontâneas
foram importantes para nosso estudo, porque revelaram
a construção do sentido que as crianças foram dando à
aprendizagem da escrita. Observemos a figura abaixo
com o exemplo de revisão da escrita de uma criança e o
auxílio do programa Word:
Figura 4 – Tentativa de acesso ao Site do Exército Brasileiro
destinado às crianças
201
MÁRCIA MARIA RIBEIRO • DOROTÉA EMÍLIA RIBEIROͳSAYED
Figura 5 – Tela do Word com o processo de revisão de escrita
Figura 6 – Tela com a barra da área de trabalho com as quatro
janelas de acesso e o paint, que servia de coleta de dados
As crianças abriam as quatro janelas do Internet
Explorer, como mostra a figura 6, digitavam o endereço
dito pela professora, escreviam na primeira janela e apertavam a tecla enter, devendo passar imediatamente para
a próxima janela e fazer o mesmo procedimento. Ao final
da atividade, todas podiam navegar naquelas que tinham
acessado e esperavam o auxílio da professora para a revisão, como mostra a figura 5 com a tela do Word.
Como o importante era ver o crescimento das práticas de escrita em outros momentos, acompanhamos as
crianças em suas atividades escolares comuns, tais como,
escrita de cadernos e provas bimestrais. Para o armazenamento dessas informações, registramos algumas delas
fotografando como dados da pesquisa.
A Ortografia e o Endereço Eletrônico
Ainda paira a dúvida no meio de alguns estudiosos
quanto à classificação do endereço eletrônico como um
gênero textual. Para tanto, conforme já anunciamos, achamos importante relembrar que, para Marcuschi (2004, p.
28-29), o endereço eletrônico está na lista dos “gêneros
mais conhecidos e que vêm sendo estudados no momento”. Isso significa que, segundo o autor, o endereço ele202
O ENDEREÇO ELETRÔNICO E AS PRÁTICAS DE ESCRITA NA WEB:
AMPLIANDO A APRENDIZAGEM DA ORTOGRAFIA
trônico é um legítimo gênero digital, cuja função social é
a de nos direcionar para acessos a sites ou para fazermos
usos do e-mail.
Tanto Araújo (2003) quanto Marcuschi (2004) nos
mostram que, nesse gênero, a escrita se apresenta com
algumas especificidades, como a completa ausência de
acentuação gráfica e diacríticos, e uma pontuação que se
limita à presença do ponto (no caso também de e-mails)
e dos dois pontos, no caso de endereço de sites, como o
<http://www.turmadamonica.com.br>. Essas especificidades demarcam suas características linguísticas e foi, a
partir delas, que as crianças apresentaram avanços na escrita, pois, ao depararem-se com as dificuldades, tiveram
de perceber que, para usar o gênero corretamente, deveriam observar as restrições de uso que lhe eram inerentes,
como escrever sem deixar espaço entre as palavras e as
siglas, observando a pontuação, além de rejeitar o uso
da acentuação, como na palavra Mônica, que aparece no
endereço acima.
A exatidão da escrita como uma das características do gênero endereço eletrônico permitiu o desenvolvimento de um ensino reflexivo de ortografia. Não fosse
esse gênero, não alcançaríamos aulas tão importantes
para as crianças, nas quais elas conversavam livremente
com a professora sobre o uso de uma letra por dúvidas de
escrita. Como esse trabalho aqui citado é um recorte de
uma pesquisa5 maior com outros gêneros digitais sendo
utilizados nessas aulas, assim como o endereço eletrônico, elas puderam perceber que no referido e-gênero escreviam nesse formato específico, mas em outros, sabiam
que as palavras deveriam ficar separadas. O leitor poderia
pensar que a influência do gênero endereço eletrônico,
por sua natureza linguística, fosse até negativa, mas os
outros gêneros nos levaram a crer que essa influência negativa não aconteceu, como comprovam dois exemplos
dos gêneros trabalhados.
5
Pesquisa já citada anteriormente, defendida em 2005.
203
MÁRCIA MARIA RIBEIRO • DOROTÉA EMÍLIA RIBEIROͳSAYED
Figura 7 – E-mail enviado por <CR4> reclamando do site
do plenarinho que não informaram a data de um concurso de
desenho, motivo de sua não participação, mensagem enviada
29/08/2007.
Figura 8 – E-mail resposta do site plenarinho para <CR4> explicando onde ela deveria ter encontrado a data desejada.
Os dados das figuras 7 e 8 nos mostram como a
aluna expôs sua insatisfação para o site por não ter par204
O ENDEREÇO ELETRÔNICO E AS PRÁTICAS DE ESCRITA NA WEB:
AMPLIANDO A APRENDIZAGEM DA ORTOGRAFIA
ticipado de um concurso de desenho em agosto, sendo
prontamente atendida pelo plenarinho com sua resposta.
Observamos que <CR4> está assimilando algumas questões de ortografia, mas ainda permanece com algumas dúvidas, pois de seis palavras com o fonema /s/, ela acertou
quatro, o que nos leva a constatar que a porcentagem de
acertos é maior que a de “erros”. Acrescentamos ainda a
informação de que o endereço eletrônico não afetou a
escrita das palavras separadas.
Percebemos, então, que as reflexões das convenções da língua com essas práticas eram inovadoras e não
tradicionais para o ensino de ortografia. Considerando os
vários anos de trabalhos com alunos nessa faixa etária,
não nos lembramos de outras oportunidades tão inovadoras e confortantes na troca de ideias sobre a escrita das palavras. Relembramos agora o início desse capítulo quando dissemos ser sofrido o trabalho de revisão da escrita
não só para as crianças, mas também para nós adultos.
E, hoje, ao escutar as gravações das aulas de letramento
digital, percebemos que as crianças não tinham medo de
falar sobre suas dúvidas nem mesmo medo de errar. Errar
agora era possível e um passo para o acerto.
A grata surpresa que essas experiências nos trouxeram foi quanto ao fato de as crianças escreverem, relerem
seus escritos e reescreverem seus textos. Agora poderíamos pedir, sem medo de magoá-las, que revisassem seus
textos em seus cadernos ou agendas, que elas, sem constrangimento, identificavam os erros e tratavam de apagar
e corrigir.
Outra grande conquista foi a desmitificação de que
a prática da escrita no computador leva ao abandono do
caderno de anotações. As crianças demonstraram durante
as aulas que desejavam voltar à escrita manuscrita como
também queriam navegar e explorar novas ondas do
mundo infantil na Internet. Tivemos, então, oportunidade
de coletar não somente as telas de acesso do endereço
eletrônico, mas também acesso aos cadernos de anotações das crianças, nos quais elas tinham o cuidado e a
205
MÁRCIA MARIA RIBEIRO • DOROTÉA EMÍLIA RIBEIROͳSAYED
precisão de anotar os sites novos visitados no momento
de aula. Os pequenos desejavam escrever o endereço eletrônico em cadernos para poder acessar também em casa.
Observemos a figura a seguir, que ilustra uma página do
caderno de uma das crianças que faziam suas anotações
durante a aula de letramento digital:
Figura 9 – Imagem do caderno de anotações de <CR1> em 2007.
Não podemos negar que essas experiências não
somente permitiram que as crianças refletissem sobre a
língua escrita e adquirissem o hábito de revisão de seus
escritos, mas também crescessem no letramento digital.
O manuseio de quatro telas habilitou-as quanto ao uso
do teclado, ao domínio do mouse e, em alguns casos,
à descoberta de teclas de atalho para navegar com mais
rapidez. Nesta etapa, ao depararem-se com a imagem de
não acesso, elas mesmas não mais esperavam a professora para a prática da releitura e reescrita dos endereços.
Algumas crianças já faziam a correção antes mesmo de a
professora fazer com elas a revisão da escrita.
206
O ENDEREÇO ELETRÔNICO E AS PRÁTICAS DE ESCRITA NA WEB:
AMPLIANDO A APRENDIZAGEM DA ORTOGRAFIA
Considerações Finais
Observamos que, na medida em que vivenciavam
essas novas experiências, as crianças internalizaram a
prática de revisão da escrita não somente no ambiente
digital, mas em suas escritas em cadernos ou mesmo nas
provas do colégio.
As crianças passaram a perceber em outras situações de escrita que existe uma norma e que ela precisa
dominar, não como algo imposto sem explicação, visto
ser a norma ortográfica uma convenção e um acordo social, inclusive entre países lusófonos (AZEREDO, 2008).
Ao pensar nas várias formas de escrever uma palavra, ela
tenta se apropriar daquela que a levará para o site desejado. Essa consciência chega à criança através da experiência do letramento digital.
Como esse trabalho ainda não está totalmente concluído, afirmamos primeiramente que essas atividades de
2007 até 2008 trouxeram resultados positivos, pois hoje
as professoras de outras áreas já percebem a diferença das
atividades de leitura e produção escrita das crianças e afirmam ainda que já não podemos mais deixar de ter aulas
que possibilitem avanços nos letramentos digitais pelas
crianças. Os processos de escrita em cadernos e provas
foram acompanhados e neles pudemos observar novas
realidades com a ortografia e também com a revisão do
texto produzido por elas.
Se no início deste texto afirmamos não ter conseguido fazer os alunos refletirem em seus textos e fazer o
aprimoramento com uma revisão de escrita no início do
trabalho, agora eles passaram a assumir uma aceitação
para a revisão e não mais colocam empecilho para refazer
ou reescrever seus textos. Mesmo que estejamos falando
do ambiente virtual, no qual os processos de revisão e
reescrita são mais leves, ainda assim as crianças não recusam fazer a revisão ou reescrita em cadernos ou agendas
de anotações, não demonstram mais existir aquela barreira encontrada ao relatar o início de nossas observações
207
MÁRCIA MARIA RIBEIRO • DOROTÉA EMÍLIA RIBEIROͳSAYED
(momentos nos quais as crianças choravam ou rejeitavam
completamente apagar o que escreviam).
Esse caminho do letramento digital pode não ser o
único que levará crianças ao prazer da escrita e da revisão
de textos, porém, no contexto de nossa pesquisa, mostrouse eficaz para transpor alguns obstáculos que se erguiam
no trabalho com a alfabetização e letramento de crianças.
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209
WIKIPÉDIA E DICIONÁRIO ESCOLAR:
LINKS ENTRE O LETRAMENTO DIGITAL E
LETRAMENTO LÉXICOGRÁFICO1
Halysson Oliveira Dantas
Considerações Iniciais
Nas últimas décadas, as discussões acerca do conceito de letramento têm dado uma enorme contribuição
para o estabelecimento de uma visão do processo de
ensino/aprendizagem de língua materna, que privilegia
a competência para compreender e produzir textos, dos
mais diversos gêneros,2 em detrimento a uma perspectiva
já obsoleta centrada na simples aquisição do código escrito. Assim, outros ramos da Linguística como a lexicologia
e a lexicografia têm participado dessas discussões e têm
também contribuído para o desenvolvimento de novas
técnicas não só para a produção de verbetes em dicionários impressos, como também para demonstrar as estratégias que devem ser utilizadas pelos usuários de tais obras
lexicográficas ao consultá-las, configurando-se, estas estratégias, como um novo tipo de letramento: o letramento
lexicográfico. Desta forma, o que preceitua o fazer lexicográfico transcende a simples confecção de dicionários
e passa a centrar-se na necessidade de dar suporte para
1 Este capítulo representa parte das reflexões que propomos durante a
disciplina Letramentos na Web (Tópicos Avançados I), ministrada no
semestre de 2008.1 pelo Prof. Dr. Júlio Araújo, no PPGL da UFC.
2 Para Bakhtin [1953] (1992, p. 179) “todas as esferas da atividade
humana, por mais variadas que sejam, estão relacionadas com a
utilização da língua. Não é de surpreender que o caráter e os modos
dessa utilização sejam tão variados como as próprias esferas da atividade humana (...) O enunciado reflete as condições específicas e
as finalidades de cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo
temático e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos
recursos da língua – recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais –
mas também, e sobretudo, por sua construção composicional.”
210
WIKIPÉDIA E DICIONÁRIO ESCOLAR:
LINKS ENTRE O LETRAMENTO DIGITAL E O LETRAMENTO LEXICOGRÁFICO
que os usuários de dicionários, especialmente estudantes,
possam consultá-los com maior eficácia.
Essa necessidade de esclarecer as especificidades
presentes nas obras lexicográficas cresce em resposta à
enorme gama de palavras e conceitos que a todo instante
têm sido criados no mundo moderno, pois com o aprimoramento de algumas tecnologias, dentre elas a informática, o intercâmbio entre as pessoas de diversos países
ocorre com uma frequência jamais vista. Além do mais, a
internet, propicia não apenas o estreitamento de fronteiras, mas também a possibilidade de fazer pesquisas sobre
assuntos, os mais diversos, numa velocidade infinitamente maior do que aquela demandada em pesquisas em materiais impressos. Assim, autores como Soares (2000) e
Kleiman (2000), por exemplo, já têm chamado atenção
para o fato de que o ensino de língua materna deve enfatizar o desenvolvimento de habilidades, que propiciem
ao indivíduo competência para absorver e fazer uso das
informações trazidas pelos diversos gêneros de texto que
circulam em nossa sociedade. Não apenas textos impressos, mas também os hipertextos, que são cada vez mais
uma realidade que a escola não pode deixar à margem,
conforme alerta Araújo (2007). Ao contrário, talvez, o papel fundamental dos professores de língua materna seja
favorecer o letramento e suas várias outras formas como
letramento digital, letramento crítico, letramento lexicográfico etc, com base nas semelhanças e diferenças existentes entre textos, de acordo com o meio em que são
veiculados.
Por isso mesmo, algumas questões poderiam ser
levantadas a partir dessa nova realidade. Por exemplo, a
mudança no meio em que o verbete é veiculado (impresso ou digital) altera radicalmente a forma como usuário
faz sua pesquisa? Ou melhor, há alguma relação entre o
conhecimento lexicográfico do consulente e sua habilidade com hipertextos? Deste modo, nosso trabalho visa
justamente discutir essas questões com base em uma análise comparativa de dois verbetes, um em meio impresso,
retirado do dicionário Miniaurélio Jr. (2005) e outro em
211
HÁLYSSON OLIVEIRA DANTAS
meio digital, extraído da base de dados da Wikipédia, enciclopédia livre na internet. Nosso intuito, pois, é tentar
estabelecer uma interface entre o que preceitua a metalexicografia e as estratégias de consulta utilizadas por quem
pesquisa em meio digital, a fim de relacionar letramento
digital e letramento lexicográfico e demonstrar que eis aí
um tema ainda pouco explorado por pesquisadores do
hipertexto e por lexicógrafos.
Para tanto, discutiremos brevemente sobre o fazer
lexicográfico, especialmente no que tange às remissivas,
e sobre os conceitos de letramento, de letramento digital,
para, em seguida, fazermos uma análise comparativa dos
mecanismos de remissão presentes nos verbetes em questão. Teceremos ainda algumas considerações a respeito
dessa interface entre teoria lexicográfica e o letramento
digital.
Fundamentos Teóricos
Lexicologia e lexicografia
A lexicografia é caracterizada por muitos autores,
como a “arte” ou “técnica” de fazer dicionários. Ancorada nos preceitos teóricos estabelecidos pela lexicologia,
que foram feitos nos últimos tempos, a lexicografia surge
como a aplicação prática dessas teorias lexicológicas. Por
isso mesmo, tem sido classificada como estando no âmbito da Linguística Aplicada. Para Casares (1992, p.10-11),
apesar de serem disciplinas que têm o mesmo objeto de
estudo – o léxico – diferenciam-se pelo enfoque que lhe
é dado:
É de igual maneira que distinguimos uma ciência
da gramática e uma arte da gramática, podemos
distinguir duas faculdades que têm sua origem
num objeto comum, a forma e o significado das
palavras: a Lexicologia, que estuda estas matérias
do ponto de vista geral e científico, e Lexicografia, cujo sentido, principalmente usual, define-se
212
WIKIPÉDIA E DICIONÁRIO ESCOLAR:
LINKS ENTRE O LETRAMENTO DIGITAL E O LETRAMENTO LEXICOGRÁFICO
acertadamente em nosso léxico como “a arte de
compor dicionários”
Esta concepção apresentada por Casares (1992)
tem sido bastante aceita e difundida pela maioria dos linguistas que se preocupam com o estudo do léxico, por
concordarem que a Lexicografia está notabilizando-se
como a parte prática da Lexicologia, o que parece ser de
extrema importância para que não se confundam as duas
disciplinas como se tratando de uma só. Além disso, a
lexicografia influencia ainda em outros aspectos importantes dos estudos lexicográficos que vão além da elaboração de dicionários. Ela apresenta elementos que servem
de base para a crítica a obras lexicográficas, em especial,
aquelas destinadas a aprendizes, apresentando parâmetros que devem ser levados em consideração não só por
lexicógrafos na confecção de novos dicionários, mas também por professores que têm a tarefa de guiar seu aluno
para que este consiga consultar tais obras explorando todas as suas possibilidades.
Assim, alguns autores mais atuais como é o caso de
Hernández (2000, p. 174), levando em consideração esse
aspecto crítico da lexicografia, vão mais além, quando
afirmam que ela “não se limita apenas à prática, também
apresenta uma vertente teórica autônoma, mas de base
lexicológica”. Para ele, a Lexicografia pode ser dividida
em “Lexicografia Prática e Lexicografia Teórica (ou Metalexicografia)”.
O desenvolvimento de tratamentos informáticos
no estudo do léxico, bem como a demanda por novas
tecnologias e a pressão comercial pela confecção de bons
dicionários têm feito com que a lexicografia prática dê um
enorme salto, atraindo cada vez mais a atenção de muitos
linguistas. Assim, muitos dicionários têm deixado de ser
apenas normativos e passaram a ser mais descritivos e a
ser elaborados de acordo com os princípios estabelecidos
pelo fazer lexicográfico. Deixa-se de lado, pois, o caráter
predominante nos dicionários anteriores ao surgimento
da lexicografia prática, que cumpriam apenas a função de
213
HÁLYSSON OLIVEIRA DANTAS
simples repositórios de significados. Deste modo, as obras
lexicográficas precisam acompanhar o avanço das novas
tecnologias, ampliando cada vez mais o leque de informações que as compõe, além de apresentá-las de maneira
clara, a fim de proporcionar a quem consulta estas obras
a possibilidade de suprir suas demandas. Por isso mesmo,
a procura por dicionários e enciclopédias tem crescido
bastante seja em meio impresso, seja em meio digital.
Vale ressaltar, como afirma Pontes (2007, p.5), que essa
mudança na forma como se produzem os dicionários,
atualmente, tem por base “a preocupação com os usos da
língua e com a educação linguística de um povo”.
Em resposta a essa nova forma de enfocar as obras
lexicográficas, é que já a partir dos anos sessenta e setenta, começa-se a falar sobre a lexicografia teórica ou,
para usar um termo mais atual e cunhado por Hausmann
(1988, p. 84),3 sobre a metalexicografia. Segundo esse
mesmo autor,
apesar de comumente apontar-se os anos 60 e 70
como o período em que se iniciaram os estudos
efetivos sobre teoria lexicográfica, essa disciplina
já existia desde sempre nos prólogos dos dicionários e nos artigos das enciclopédias.
Realmente, é fato que os prólogos das obras lexicográficas eram tidos como ensaios para estudos críticos
mais apurados em relação aos dicionários. Deste modo,
quando um lexicógrafo apresenta a forma como o dicionário está organizado, as fontes em que realizou suas pesquisas e algumas pistas importantes para a consulta de
sua obra, o que ele está fazendo é um pequeno estudo
metalexicográfico de sua própria obra. Por isso mesmo, é
que um bom dicionário deve trazer informações de como
o consulente deve proceder a pesquisa, de quais as informações relevantes que podem ser encontradas no interior
3 HAUSMANN, Franz J. Grundprobleme des zweisprachigen Wörterbuch: eine Ubersicht. In: Hausmann, F. J. et al. (ed.) vol. 1, 1988,
p. 649-657.
214
WIKIPÉDIA E DICIONÁRIO ESCOLAR:
LINKS ENTRE O LETRAMENTO DIGITAL E O LETRAMENTO LEXICOGRÁFICO
da obra, bem como esclarecer as diversas abreviaturas
que figuram no dicionário, especialmente aquelas referentes às remissivas.
Para Pontes (2007, p. 5) as pesquisas que se baseiam nos métodos da metalexicografia “servem de fundamentos sólidos para o fazer lexicográfico e para as discussões relativas à Lexicografia Aplicada”. Este ramo dá
conta ainda dos estudos do dicionário em sala de aula,
mas pode também ser aplicado a outras áreas, como
aquelas que estudam os gêneros digitais. Assim, o que
mais se tem estudado em relação aos dicionários escolares impressos são as atitudes e as crenças dos alunos diante destas obras, suas dificuldades de uso, as estratégias
de consulta e a descrição de parâmetros que favorecem a
análise destas obras destinadas a aprendizes. Contudo, a
mesma energia que os lexicógrafos dispensam ao estudo
de obras em meio impresso não tem sido dispensada ao
estudo destes mesmos aspectos nas obras em meio digital. Pois, apesar da mudança em relação ao suporte em
que os verbetes apareçam, acreditamos que haja muitas
semelhanças entre o que preceitua a metalexicografia e as
teorias que estudam os textos digitais. Portanto, não é um
contra-senso afirmar-se que a metalexicografia está muito
mais centrada no consulente, e a crítica feita a obras lexicográficas (impressas ou digitais) com base nessa teoria
tem o intuito de aprimorá-las cada vez mais para facilitar
a consulta do usuário.
O Verbete
Welker (2004, p. 110) diz que pode ser considerada a cabeça do verbete a junção do “lema com as informações anteriores à(s) definição(ões), a saber, variantes ortográficas, a pronúncia, a categoria gramatical, informações
flexionais e/ou sintáticas, a etimologia, marcas de uso.”
É necessário, pois, que o lexicógrafo leve em consideração que, em seu plano de elaboração dos verbetes,
a seleção de um lema para figurar como palavra-entrada
215
HÁLYSSON OLIVEIRA DANTAS
na nomenclatura de um dicionário, implica necessariamente que possam ser estabelecidas suas características
formais e semânticas. Sendo, pois, tais características extremamente relevantes para quem, por exemplo, consulta
um dicionário no intuito de aprender a pronúncia, a grafia
correta de uma palavra, para ampliar seu vocabulário ou
para compreender o significado de um dado conceito.
Deste modo, interessa-nos, para o escopo de nosso
trabalho, a rede léxico-semântica que se estabelece no
interior dos verbetes por meio das remissivas. Esse talvez
seja o aspecto constante na microestrutura dos verbetes
em que possam ser percebidas as maiores semelhanças
e diferenças existentes entre os verbetes impressos e os
digitais. Visto que, como as remissivas ou links são complementos da definição ou são essenciais para esclarecer
a definição de um conceito, tem-se, neste caso, uma interseção entre a metalexicografia e as teorias do hipertexto.
A mudança de suporte em que o verbete se apresenta faz com que novas estratégias sejam demandadas
para que o consulente atinja sua meta. Assim sendo, enquanto no verbete impresso as remissões estão limitadas
por uma visão espacial de avançar ou retroceder páginas
do dicionário, para encontrar a nova entrada, no verbete digital essa noção se perde, pois, ao clicar num link,
o consulente é remetido a outro verbete que aparecerá
como uma nova tela que pode gerar várias outras, sem
que o consulente perceba que há a dinâmica do ‘ir’ e ‘vir’
presente nos dicionários impressos.
Portanto, vejamos como se dão as remissivas em
dicionários impressos, de acordo com os parâmetros estabelecidos pela lexicografia, a fim de que possamos observar alguns pontos em comum com as remissões feitas no
âmbito digital do hipertexto.
As Remissivas
Tradicionalmente, costuma-se analisar a organização dos dicionários em geral, a partir de dois pontos
216
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LINKS ENTRE O LETRAMENTO DIGITAL E O LETRAMENTO LEXICOGRÁFICO
fundamentais: a macroestrutura e a microestrutura. A primeira diz respeito à disposição das palavras-entrada no
dicionário, bem como à quantidade de entradas constantes no mesmo. A microestrutura, por sua vez, refere-se à
estruturação interna do verbete (informações gramaticais,
definições, etc). Há ainda a medioestrutura, que explica
as relações léxico-semânticas presente nas obras lexicográficas.
Welker (2004, p177) destaca o conceito de medioestrutura, conforme sua explicação abaixo:
(...) entre essas duas ‘estruturas’ (macro e microestrutura) há uma outra, denominada, às vezes,
medioestrutura (termo empregado mais na Alemanha, mas aparecendo como lema também
em Hartmann e James 1998). Trata-se de um
sistema de remissões (ou referências cruzadas,
al. Verweise, esp. Remissiones, fr. Renvois, ingl.
Cross-references), isto é, de maneiras de se remeter
o usuário de um lugar a um outro.
As relações léxico-semânticas se estabelecem no
interior dos dicionários por meio de remissões (também
conhecidas como referências cruzadas) de um termo a outro e devem de alguma forma ser explicitadas. É bastante
comum nos dicionários a presença de sinônimos e antônimos, que podem figurar inseridos na própria definição da
palavra, logo após a definição ou no final do verbete.
Em relação ao que se pode considerar como sinônimo e antônimo, há muitas opiniões divergentes tanto no
âmbito da metalexicografia quanto da própria Linguística,
porém, ao nosso trabalho interessará a visão de sinônimos
e antônimos como palavras, que, apesar de serem diferentes na sua forma, apresentam alguma analogia semântica.
No caso dos dicionários escolares, Damim (2005, p. 36)
afirma que a sinonímia e a antonímia devem ser “um resultado aproximado, e não total, de similaridade e oposição e significado entre duas palavras, como é o caso de
guria e menina e dentro e fora, respectivamente”, visão
esta que pode também ser aplicada aos verbetes digitais.
217
HÁLYSSON OLIVEIRA DANTAS
Nessa perspectiva, recorrer a sinônimos e antônimos seria uma forma de complementar o significado da
palavra consultada. Contudo, essa complementação não
deve ser restrita apenas à relação entre a palavra-entrada
e os sinônimos e antônimos, tem-se ainda a complementação por meio de consulta aos textos externos e às fontes
pesquisadas pelo lexicógrafo na elaboração do dicionário. Em relação, aos links nos hipertextos, por exemplo,
esse caráter de complementação pode se apresentar ainda
em forma de home-pages relacionadas ao assunto pesquisado, vídeos, música, fotos, entre outros, revelando assim
as múltiplas possibilidades de um texto digital.
As formas de remissão que são utilizadas variam
nos diversos dicionários, mas pode-se dizer que as mais
frequentes são aqueles que utilizam o verbo Ver ou sua
forma abreviada V., setas e nos textos externos usa-se a
sigla Cf.4 Há, portanto, remissões que são externas, referindo-se às fontes de consulta utilizadas pelo lexicógrafo
para a produção do dicionário, ou internas, que dizem
respeito às informações presentes nos verbetes. No caso
dos verbetes digitais, é mais comum destacar-se a remissiva por meio de uma cor diferente da fonte, ou por ícones
que se movimentam ou piscam na tela de cristal líquido.
As remissivas, nos dicionários impressos, podem
ser, pois, obrigatórias ou facultativas, cumprindo, desta
forma, a função de evitar repetições. Ao passo que no
hipertexto, não apresentam muito esse caráter de obrigatoriedade, sendo muito mais facultativa e de responsabilidade do leitor/consulente. A respeito dessa classificação, Wiegand (1996, p.35)5 expõe as características das
remissivas mais encontradas em dicionários impressos.
Para ele, a remissão pode ser feita de um lema a outro,
quando o lexema representado pelo lema não está defi4
Dependendo da obra esta sigla pode significar confronte ou conferir.
5 WIEGAND, Herbert E. Fragen zur Grammatik in Wörterbuchbenut-
zungsprotokollen. Ein zur empirischen Erforschung der Benutzung
einspraichiger Wörterbucher. In: Bergenholtz, H & Mugdan, J. (eds.)
Lexicografie und Grammatik. Tubingen: Niemeyer, 17-100, 1985.
218
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LINKS ENTRE O LETRAMENTO DIGITAL E O LETRAMENTO LEXICOGRÁFICO
nido na nomenclatura do dicionário. Tratando-se, desta
forma, de um lema remissivo, ou seja, só se pode compreender o significado da palavra buscada se, e somente
se, for acessada a nova palavra sugerida pela remissão,
que, neste caso, é obrigatória. Além disso, o mesmo autor
ainda destaca outros tipos de remissões às quais chama de
facultativas, pois dependem da vontade do leitor/consulente. Como exemplo de remissões facultativas, Wiegand
(op. Cit) destaca as referências a sinônimos, a antônimos
e a hiperônimos; referência a lexemas relacionados etimologicamente; referência de lexias complexas a lexias
simples; ou, para informações nos textos externos6 e para
ilustrações gráficas; etc.
No que se refere às remissões em hipertextos, os
links, pode-se afirmar que seguem uma dinâmica própria
do meio digital, a saber a dispersão e a possibilidade de
atualização quase que simultânea com a tela que está sendo acessada em dado momento. Ao contrário do trabalho
um tanto quanto mais complexo e braçal das remissões
em verbetes impressos, as remissões em verbetes digitais
dependem apenas de um clique e são essencialmente facultativas. Contudo, tais remissões ainda carecem de uma
atenção maior de lexicógrafos e de analistas do hipertexto, a fim de que possam ser melhor descritas.
Como se pode observar, a rede léxico-semântica
que se estabelece no interior de verbetes impressos e digitais é muito mais complexa do que parece e envolve
muito mais do que simplesmente palavras sinônimas ou
antônimas. Há que se considerar ainda que o desconhecimento das remissões por parte de quem consulta obras
lexicográficas é um fator que contribui para uma má consulta, que por vezes não supri a demanda do consulente.
6 Por textos externos entende-se o conjunto dos textos que aparecem
antes e depois da nomenclatura de um dicionário. Podemos citar
como exemplos de textos externos, o prefácio, a introdução, a lista
de abreviaturas usadas no dicionário, resumo gramatical, as tabelas
de conjugação verbal, as fontes pesquisadas pelo lexicógrafo, entre
outras informações.
219
HÁLYSSON OLIVEIRA DANTAS
Isto porque a informação que ele busca pode até estar
no dicionário, mas o fato de não saber como utilizá-lo,
acaba gerando-lhe frustração e consequente antipatia, em
relação a esses instrumentos de consulta. Sendo assim,
podemos afirmar que a leitura de obras lexicográficas
impressas ou digitais requer um tipo de conhecimento
específico, ou melhor, requer um letramento específico,
não sendo demais falar-se de um letramento lexicográfico
para facilitar a consulta a dicionários impressos e enciclopédias digitais, por exemplo.
Letramentos: Letramento Digital e Letramento
Lexicográfico
Ao longo da história da humanidade, presenciamos alguns momentos importantes para a transformação
da percepção de que o homem tem do mundo à sua volta e, por conseguinte, dos esquemas cognitivos, que são
formados a partir de experiências novas, posteriormente
cristalizadas na mente humana. Citem-se, como exemplos históricos de transformação da conduta humana, a
descoberta da roda e o início das relações de compra e
venda, utilizando papel-moeda.
Assim como esses fatos, a descoberta da tecnologia
da escrita teve (e ainda tem) um papel de extrema relevância para o desenvolvimento da humanidade, pois quando
os Sumérios criaram a escrita cuneiforme, com o objetivo
de registrar textos religiosos, talvez eles não tivessem a
dimensão da gama de possibilidades que a escrita daria a
todos que dela se apropriariam. Mas, a escrita cuneiforme
idealizada pelos Sumérios, da mesma forma que os ideogramas chineses e os hieróglifos egípcios, foram adquirindo novas formas à medida que as pessoas os utilizavam,
tornando-se tão imprescindível para algumas sociedades
que seus integrantes não conseguiriam sequer imaginarse sem o suporte dessa tecnologia, que requer uma técnica e o desenvolvimento de habilidades, que precisam ser
ensinadas por outrem.
220
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LINKS ENTRE O LETRAMENTO DIGITAL E O LETRAMENTO LEXICOGRÁFICO
Ong (1986),7 citado por Soares (2002, p.147), também se refere ao fato de que não se pode, nas sociedades
letradas dissociar-se a tríade fala-pensamento-escrita, pois
a tecnologia da escrita está tão profundamente
internalizada em nós que nos tornamos incapazes
de separá-la de nós mesmos, e assim não conseguimos perceber sua presença e influência – não
temos consciência da natureza do fenômeno do
letramento, temos dificuldade de captar as características do estado ou condição de ser “letrado”,
porque vivemos imersos nele.
A perspectiva de letramento defendida por Ong
(op. cit.) reafirma o status que a escrita adquiriu ao longo
dos tempos, em relação à forma de encarar o mundo e
em relação à forma de pensar daqueles que vivem em
sociedades letradas. Além do mais, esse caráter que a escrita assumiu de ser inerente ao próprio modo de vida dos
indivíduos de uma sociedade letrada, acaba por torná-la
uma necessidade primária, assim como são a moradia, o
transporte, o entretenimento, etc. Neste sentido, um indivíduo que não domina ou tem pouca habilidade com
a tecnologia da escrita, nos tempos atuais, sente enorme
dificuldade de constituir-se plenamente como membro de
uma sociedade que se baseia em tal tecnologia, sendo,
por conseguinte, marginalizado.
Contudo, aliamo-nos a Araújo (2007) para dizer
que não basta apenas proporcionar aos indivíduos a possibilidade de aquisição do código escrito, pois as demandas sociais se sofisticaram tanto que requerem muito mais
do que uma simples decodificação ou uma transcrição da
escrita. Para além disso, para que alguém possa ser considerado como um sujeito que exercita de maneira plena
o seu conhecimento da língua escrita e, portanto, a sua
cidadania, é necessário que ele saiba ‘navegar’ pelas mais
7
ONG, W. J. Writing is a technology that restructures thought.
In:BAUMANN, G. The written word: literacy in transition.
Oxford:Clarendon, 1986, p. 23-50.
221
HÁLYSSON OLIVEIRA DANTAS
diferentes formas de realização da escrita nos diferentes
eventos comunicativos.
Neste sentido, não é a alfabetização um fim em si
mesmo, mas uma parte importante do processo que leva
o indivíduo a tornar-se letrado, pois nessa perspectiva ser
letrado é entender que a linguagem, quer seja escrita ou
falada, é tão somente um meio para chegar-se a determinados objetivos, que serão alcançados na interação entre
indivíduos num dado contexto.
Assim, é que para além de discutirmos apenas o
conceito de letramento, na perspectiva da linguagem escrita, precisamos também lançarmos um olhar cada vez
mais atento para os desdobramentos que esse conceito
possa ter. Dentre esses desdobramentos, interessam-nos
os conceitos de letramento digital e de letramento lexicográfico. O primeiro tem sido bastante discutido, visto
que hoje vivemos uma nova revolução científico-cultural,
que é o desenvolvimento de uma cibercultura, pois assim
como aconteceu no passado em relação à leitura e escrita
de textos impressos, moldando formas de comportamento
e estratégias de uso frente ao texto, presenciamos esse
mesmo acontecimento, agora frente aos textos veiculados
em meio digital, os chamados hipertextos.
Além do mais, alguns textos por transitarem entre
os ambientes impresso e digital demandam não somente a necessidade de que o leitor possua habilidades em
relação à leitura de textos em meio digital, mas também
habilidades específicas de leitura destes mesmos textos
em meio impresso. É o caso, por exemplo, da consulta a
verbetes em enciclopédias digitais. Para além do conhecimento de leitura de hipertextos, é necessário, sobretudo,
que o consulente tenha algumas habilidades próprias de
quem costuma ler dicionários e enciclopédias impressas.
Portanto, neste sentido, é preciso também aliar um letramento digital com um letramento lexicográfico, que seria
algum conhecimento mínimo que o consulente precisa
ter sobre algumas estratégias de leitura de obras lexicográficas e de algumas nuances que elas trazem, comuns tanto
em meio impresso quanto em meio digital.
222
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Soares (2002, p. 152) levanta a questão da necessidade de levar-se em consideração as diferenças que influenciam a produção e recepção de textos no meio impresso e no meio digital. Segundo essa autora,
pode-se concluir que a tela como espaço de escrita
e de leitura traz não apenas novas formas de acesso à informação, mas também novos processos
cognitivos, novas formas de conhecimento, novas
maneiras de ler e de escrever, enfim, um novo
letramento, isto é, um novo estado ou condição
para aqueles que exercem práticas de escrita e de
leitura na tela.
Contudo, o fato de que há muitas diferenças no
que concerne ao ambiente em que se veicula o texto, não
descarta a possibilidade de haver também pontos comuns
entre as estratégias de que o leitor lança mão para conseguir construir o sentido do texto. Em relação aos verbetes
presentes em enciclopédias digitais e aos verbetes de dicionários escolares impressos, por exemplo, há algumas
semelhanças, especialmente, na forma de fazer-se as remissões, revelando, deste modo, a necessidade de que
os estudos no campo do hipertexto estabeleça algumas
interfaces com os estudos lexicográficos. E é justamente
este diálogo entre essas duas vertentes teóricas da Linguística moderna que norteia a análise que veremos a seguir
de um único verbete publicado em suporte impresso e
em suporte digital.
Fundamentos Metodológicos
Como nosso trabalho visa tão-somente buscar indícios de uma interseção entre os estudos metalexicográficos e as teorias do hipertexto, e não se propõe a fazer o
mapeamento completo de todos os pontos comuns entre
estas teorias, resolvemos escolher apenas um único verbete para proceder a nossa análise, sendo que sua publicação se dá em meio impresso e em meio digital.
223
HÁLYSSON OLIVEIRA DANTAS
Escolhemos trabalhar com verbetes por ser um gênero textual basicamente de consulta e por ser também um
conceito fundamental para os estudos lexicográficos. Além
do mais, o verbete impresso em sua essência já apresenta
algumas nuances que devem ser conhecidas por quem os
consulta, para que se possa atingir com sucesso a informação demandada. Cite-se como exemplo destas nuances, a
organização em ordem alfabética, as informações gramaticais e de uso que aparecem abreviadas e as remissivas,
entre outras. Evidenciando-se assim a necessidade de que
o consulente possua um certo nível de letramento lexicográfico. Ao passo que no caso do verbete digital, além de
um letramento lexicográfico, o leitor que acessa esse gênero, precisa possuir ainda um letramento digital para que
possa navegar com mais fluidez pela gama de informações
que um verbete digital pode lhe proporcionar.
Para tanto, fizemos num primeiro momento o levantamento de alguns conceitos teóricos importantes não
só na área da metalexicografia, mas também em relação
aos estudos do hipertexto. Em seguida, delimitamos as
obras que serviriam de ponto de partida para a escolha
do verbete que constaria da análise. Decidimos, pois, escolher como obra impressa o Minidicionário Aurélio Jr.
(2005), doravante MDAu05, por figurar no grupo dos três
grandes dicionários da língua portuguesa juntamente com
o Houaiss e o Michaellis (WELKER, 2004). Além disso,
a escolha deste dicionário ainda se justifica pelo fato de
que ele figura entre as obras recomendadas e selecionadas pelo INEP/MEC para serem distribuídas entre alunos
do ensino fundamental da escola pública (INEP/MEC,
2001). Em relação à obra digital, escolhemos a Wikipédia, a enciclopédia livre da internet, por ser talvez a mais
completa obra de consulta presente na web e também
pela enorme popularidade que esta enciclopédia digital
tem junto aos internautas.8
8 “A Wikipédia é a enciclopédia popular digital de maior sucesso da
internet. Só a versão alemã possui 750 mil artigos” (Revista Língua
Portuguesa, no 33, ano III, julho de 2008).
224
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LINKS ENTRE O LETRAMENTO DIGITAL E O LETRAMENTO LEXICOGRÁFICO
A palavra escolhida, pois, a ser pesquisada na nomenclatura do Miniaurélio Jr. (2005) e na banco de dados
da Wikipédia, foi BASE. A escolha desta palavra não levou em conta nenhum tipo de levantamento estatístico, na
verdade a nossa experiência como usuário de dicionários
e da Wikipédia, bem como nossa experiência em sala de
aula, nortearam tal escolha. Outro fator que influenciou
na seleção do verbete BASE, é o fato de que esta palavra
está presente não só no universo da língua comum, como
também nas línguas de especialidades.9 Por fim, a análise
é feita a partir de um só verbete de cada obra pelo fato de
que as remissões e os links encerrarem em si muitas possibilidades de novas consultas, o que no caso do dicionário
pode até ser possível imaginar um limite, porém em relação à Wikipédia essas possibilidades parecem infinitas.
Portanto, uma análise mais apurada não seria o propósito
de nosso estudo.
Dicionário Escolar e Wikipédia: Duas Faces de
uma Mesma Moeda
Muito se tem discutido, ultimamente, acerca dos
meios em que os textos são produzidos e, como consequência disso, discute-se também as implicações que decorrem do fato de que hoje textos impressos e textos digitais
– os chamados hipertextos – co-ocorrerem livremente em
nosso cotidiano. Dentre essas implicações, destacam-se
a preocupação em relação às ‘pistas’ que o autor de um
texto quer seja impresso, quer seja digital, deve dar ao seu
leitor para que este possa de forma interativa construir seu
sentido. Além disso, é preciso observar ainda que a forma
9 Por língua comum entendemos ser aquela que é natural, corrente
e cotidiana, própria dos indivíduos de uma dada comunidade linguística (a língua portuguesa), sua substância é, pois, a palavra. Ao
passo que a língua de especialidade diz respeito a um tipo de código
específico de uma certa área de conhecimento ou domínio técnicocientífico (medicina, engenharia, linguística, etc), sendo, pois, sua
substância o termo.
225
HÁLYSSON OLIVEIRA DANTAS
de leitura de textos impressos e textos digitais apresenta
nuances que devem ser consideradas em qualquer análise que se faça tomando por base tais textos, visto que os
meios em que eles são veiculados provêm de tecnologias
diferentes, que carecem de habilidades físicas e sóciocognitivas diversificadas por parte do leitor.
Contudo, acreditamos com Coscarelli (2005) o fato
de que a leitura em meio impresso e em meio digital apresentar diferenças em relação à forma de interação entre
autor-texto-leitor, não implica dizer que se trata de textos
completamente diferentes e que não há pontos comuns
entre eles. Ao contrário, uma análise um pouco mais atenta de uma mesma notícia veiculada num jornal impresso
ou na internet, por exemplo, revela-nos muito mais semelhanças que diferenças, como mostra Ribeiro (2008).
Assim ocorre também com os dicionários e as enciclopédias que são impressos, em relação aos dicionários e
às enciclopédias digitais, que apesar de serem veiculados
em meios diferentes apresentam algumas características
comuns que são explicadas pela Lexicografia.
Vejamos, como forma de ilustrar o que foi exposto, uma breve análise de dois verbetes, um constante no
MDAu05 e outro presente no Wikipédia, enciclopédia
livre na internet. A análise gira em torno das remissivas,
conceito fundamental em Lexicografia para a composição
de dicionários e enciclopédias. Como veremos abaixo:
1) Microestrutura abstrata: Palavra-entrada +
categoria gramatical + flexão de gênero
+ paradigma(s) definicional(is) + lexia(s)
complexa(s) + remissiva + abonação
Ba.se s.f. 1. Tudo quanto serve de fundamento ou apoio. 2.
Parte inferior onde alguma coisa repousa ou se apóia. 3. Parte inferior de coluna, pilar, etc. 4. Origem, fundamento. 5.
Preparo intelectual. 6. Ingrediente ou substância principal de
uma mistura. 7. Conjunto de construções e instalações militares destinadas a prestar apoio às unidades que operam em
determinada área. 8. Eletrôn. Estreita região entre o emissor
226
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e o coletor, num transmissor bipolar. 9. Gram. Radical (5).
10. Mat. Num sistema de logaritmos, o número constante
que, elevado ao logaritmo de outro, reproduz este outro. 11.
Quím. Substância que reage com um ácido para dar um sal,
que se dissocia em água formando íons hidroxila (HO), que
é capaz de aceitar um próton e que pode doar um par de
elétrons. ♦ Base de dados. Inform. Banco de dados (1). Base
espacial. Centro de lançamento de foguetes e satélites. Base
ortonormal. V. ortonormal. Tremer nas bases. 1. Bras. Sentirse seriamente ameaçado; ter muito medo. 2. Ficar fortemente
impressionado: Ao ver a beleza da moça, tremeu nas bases.
Figura 1 - Verbete ‘BASE’ – Fonte Miniaurélio jr (2005)
Conforme podemos perceber na figura 1, temos primeiramente a microestrutura abstrata do verbete ‘base’. A
determinação da microestrutura abstrata é um expediente
metodológico fundamental em qualquer análise lexicográfica, pois é a partir dela que o analista pode visualizar o plano inicialmente desenvolvido pelo lexicógrafo
na composição dos verbetes de seu dicionário. Além do
mais, utilizando a construção de um prédio como metáfora, poderíamos afirmar que a microestrutura abstrata seria, pois, toda a armação de um prédio com bases sólidas
e com colunas e vigas de ferro e concreto.
No caso do verbete da fig. 1, a microestrutura abstrata é constituída pela palavra-entrada, ou seja, aquela
que figura na nomenclatura do dicionário e deve ser pesquisada pelo consulente para que este possa acessar o verbete como um todo; em seguida, as informações gramaticais como a categoria gramatical da palavra e sua flexão
de gênero, outros dicionários trazem ainda informações
sobre pronúncia, divisão silábica, ortoépia; o paradigma
definicional apresenta as várias acepções referentes à
palavra-entrada, no caso da palavra ‘base’, temos elencadas onze acepções; as lexias complexas são perífrases nas
quais podem aparecer a palavra-entrada, elas também são
uma importante fonte de remissões facultativas, visto que
essas lexias são geralmente expressões idiomáticas ou expressões próprias de uma área do conhecimento;
227
HÁLYSSON OLIVEIRA DANTAS
Há ainda a remissiva facultativa marcada, como
podemos perceber pela utilização da sigla V.(ver), sendo
esse expediente muito utilizado em verbetes impressos
e não tão frequente em verbetes digitais, que marcam a
remissão por meio da utilização de uma cor diferente na
fonte, como veremos mais adiante na análise comparativa; por fim, temos as abonações, que são exemplos nos
quais aparecem a palavra-entrada, criados pelo próprio
lexicógrafo ou extraídos por ele de obras literárias consagradas – sendo este segundo caso uma característica
marcante do MDAu05.
2)
Figura 2 – Verbete ‘BASE’ – Fonte <http://pt.wikipedia.org/wiki/
Base>
Como já foi dito em seção anterior, as remissões
levam o consulente/leitor de um lugar a outro e cumprem o papel, na maioria das vezes, de complementar
uma informação que esteja incompleta. Além disso, as
remissões podem vir a ser uma condição sine qua non
para a compreensão da palavra-entrada, tendo em vista
que alguns verbetes apresentam apenas a definição por
sinonímia, remetendo o consulente obrigatoriamente por
meio da sigla V. (ver), de uma palavra a outra constante
228
WIKIPÉDIA E DICIONÁRIO ESCOLAR:
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da macroestrutura do dicionário. Essa dinâmica, de navegar de um lugar a outro, se estabelece também nos textos
digitais, constituindo-se, na verdade, como uma das principais características do hipertexto. No entanto, as remissões no gênero verbete de natureza hipertextual são feitas
por meio de links, que geralmente aparecem destacados
no hipertexto, através de cores chamativas ou por ícones
que piscam e se movimentam ao longo da tela de cristal
líquido, como mostra a figura 2 acima.
Se compararmos, por exemplo, a maneira como
o MDAu05, e o Wikipédia apresentam o verbete ‘base’
(cf. figuras 1 e 2), podemos constatar que tanto um quanto outro estabelecem remissões semelhantes, revelando
assim uma certa incompletude em relação ao sentido da
palavra-entrada, bem como as diversas possibilidades
em que tal palavra pode ser utilizada, de acordo com o
contexto em que se realize. Desta forma, o MDAu05 e
o Wikipédia mostram as mesmas áreas de conhecimento, nas quais pode-se utilizar a palavra ‘base’, o que revela que as fontes de pesquisa de ambos tenham sido
semelhantes. Além do mais, pode-se afirmar ainda que
o primeiro apresenta definições mais completas, para a
língua comum, em relação ao conceito de ‘base’, o que
está de acordo com aquilo a que se propõe um dicionário escolar, que é esclarecer dúvidas de estudantes, ao
passo que o segundo demonstra de forma excessivamente objetiva, o conceito de ‘base’ em áreas específicas,
demonstrando, assim, talvez, a intenção de atingir um
público-alvo mais restrito.
Esta forma de apresentação do conteúdo diz muito
em relação à maneira como o consulente/leitor vai interagir com os verbetes, pois, ao produzi-los, seus autores
têm em mente o tipo de pessoas que consultarão tais
verbetes, o que faz com que os autores possam delinear os caminhos, os quais eles desejam que o consulente/
leitor percorra/navegue. Entretanto, o “percurso” foge ao
controle do autor, a partir do momento em que sua obra
se torna pública, passa para as mãos – literalmente – do
consulente/leitor o controle das ações em relação à cons229
HÁLYSSON OLIVEIRA DANTAS
trução dos sentidos, quer seja num verbete impresso quer
seja num verbete digital.
Assim, é o consulente que em última instância cria
o seu texto, o sentido, porque é a partir das escolhas que
ele faz que o texto, no caso em questão, o verbete, vai se
tornando um todo coeso e coerente. Especificamente no
que se refere ao verbete impresso no MDAu05, percebemos a presença de remissões obrigatórias no interior
das diversas acepções constantes na definição da palavra
‘base’. Essas remissões se manifestam através de palavras,
que podem ter significado obscuro e assim não cumprem
a função de suprir a demanda por significado daquele
que consulta uma obra lexicográfica. No que diz respeito
ao MDAu05, destacam-se como exemplos de remissões
obrigatórias as palavras ‘fundamento’, ‘emissor’, ‘coletor’ e a lexia complexa ‘transmissor bipolar’. Para além
de esclarecer apenas um conteúdo obscuro, as remissões
feitas por intermédio dessas palavras também servem para
ampliar o significado inicialmente buscado para a palavra ‘base’. Nesse sentido, observa-se que para conseguir
a compreensão global da palavra-entrada, o consulente/
leitor precisa lançar mão de algumas estratégias que lhe
possibilitem chegar a esse fim.
Em relação ao verbete do Wikipédia, percebemos
que há, na verdade, um direcionamento extremamente
marcado pela presença do autor, que destaca as palavras
que no seu entender possam ter significado obscuro ou
despertar algum interesse para o consulente/leitor, por
meio de uma cor de fonte diferente, no caso, azul (no
original). Assim, no ato da consulta o usuário do computador se vê diante de algumas palavras que aparecem em
forma de links, que estão ali prontos para levar o usuário
a uma outra infinidade de verbetes que podem ser acessados a cada vez que alguém “clica” sobre eles. Desta
forma, como se pode perceber não há uma diferenciação
entre remissões obrigatórias e remissões facultativas marcadas pela sigla V. (ver), como acontece no verbete do
MDAu05, por exemplo, V. ortonormal, dando assim uma
oportunidade de escolha mais clara para o consulente,
230
WIKIPÉDIA E DICIONÁRIO ESCOLAR:
LINKS ENTRE O LETRAMENTO DIGITAL E O LETRAMENTO LEXICOGRÁFICO
longe disso, o que acontece no verbete do Wikipédia é
uma espécie de isomorfismo entre as remissivas colocando-as num mesmo patamar.
Obviamente, o meio em que se realizam os verbetes exerce certa influência também no estabelecimento das
remissões ou dos links. Pois pareceria uma operação um
tanto quanto mais complexa e mais cansativa para quem
consulta significados em um dicionário impresso ter que
estar diversas vezes avançando e voltando páginas, procurando em ordem alfabética nas colunas, que constituem a
macroestrutura do dicionário a nova palavra direcionada
pela remissiva, bem como ater-se excessivamente aos detalhes no interior dos verbetes que possam complementar
a informação buscada. Na tela de cristal líquido, esse processo é muito mais rápido, necessitando tão-somente que
o consulente visualize a palavra-link, pegue o mouse e direcione cursor para esta palavra e com um clique sobre ela
atualize a infinidade de novas páginas que estão, digamos
assim, em “stand by”, prontas para serem acessadas.
Contudo, consideramos que apesar da praticidade
e velocidade advinda dos avanços da internet, que tornaram as remissões menos enfadonhas, é necessário levar
em conta que o excesso de links, presentes em alguns
sites podem ter um efeito contrário ao pretendido pelo
autor e, ao invés de facilitar, tornarem a consulta ainda
mais complexa, especialmente para aqueles que não têm
experiência na internet e não conhecem as estratégias de
que devem lançar mão para atingir seus objetivos. Por
isso mesmo, julgamos importante um maior diálogo entre
as teorias que estudam o hipertexto e a Lexicografia, a fim
de que possam aproveitar as contribuições que cada uma
tem a dar para a análise de obras lexicográficas, sejam
impressas, sejam digitalizadas.
Considerações Finais
Podemos afirmar, sem sombra de dúvidas, que
hoje estamos diante de uma revolução em curso, que
231
HÁLYSSON OLIVEIRA DANTAS
está mudando aos poucos a forma de encarar a escrita
e a leitura de textos. Com o advento da internet, novos
gêneros textuais surgiram, outros, que já existiam foram
digitalizados, propiciando, assim, uma postura diferente
e o surgimento de novos letramentos, por parte daqueles
que entram em contato com o hipertexto, denominação
frequentemente utilizada hoje para designar os textos em
meio digital.
Todavia, a cultura do papel, ao que parece, não
está sendo deixada de lado em detrimento de uma cibercultura, ao contrário, tem, outrossim, dado muitas contribuições para que se possa entender a lógica inerente
aos textos digitais. Basta, pois, observarmos o exemplo
das obras lexicográficas, que apresentam características
próprias e consequentemente requerem estratégias específicas para sua produção e sua compreensão. Não só em
relação àquelas que são impressas, mas também àquelas
que estão em meio digital. Assim, pela breve análise feita
com um verbete cuja atualização se dá em um dicionário escolar e em uma enciclopédia digital, constatamos
que há muito mais semelhanças que diferenças entre eles,
exatamente pelo fato de que a consulta a obras lexicográficas impressas ou digitais demanda habilidades específicas por parte do leitor/consulente, evidenciando a necessidade do desenvolvimento de um tipo de letramento
específico para essa atividade.
Contudo, nosso trabalho para além de exaurir todas
as questões relativas ao tema interfaces entre letramento
digital e letramento lexicográfico, é na verdade o ponto
de partida para que se investiguem aspectos aos quais não
pudemos nos deter, como, por exemplo, as expectativas
do leitor/consulente frente à consulta digital de verbetes e
até que ponto ele pode contribuir para a construção dos
sentidos; a descrição de parâmetros para análise de obras
lexicográficas digitais; bem como a eficácia dessas obras
em relação ao ensino-aprendizagem de língua materna.
Eis aí, pois, um campo vasto de estudos e ainda pouco explorado por lexicógrafos e por estudiosos do hipertexto.
232
WIKIPÉDIA E DICIONÁRIO ESCOLAR:
LINKS ENTRE O LETRAMENTO DIGITAL E O LETRAMENTO LEXICOGRÁFICO
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234
MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS DOS
PROPÓSITOS DE LEITURA DE HIPERTEXTOS:
CONSIDERAÇÕES ACERCA DE LETRAMENTO
DIGITAL1
Regina Cláudia Pinheiro
Marilene Barbosa Pinheiro
Considerações Iniciais
A leitura é, sem dúvida, uma atividade humana
complexa, visto requerer a detenção de diversos elementos para a sua execução, o que evidencia, portanto, vários
níveis de letramento. O presente trabalho, uma releitura
da análise de dados coletados durante a pesquisa de mestrado de Pinheiro (2005a), se enquadra no uso funcional
da leitura e escrita, corroborando a ideia de autores que
consideram o letramento como o uso da escrita nas práticas sociais, em contextos específicos para alcançar determinados objetivos (KLEIMAN, 1995; BARTON, 2001;
SOARES, 2001).
É objetivo, então, deste artigo refletir sobre o comportamento de leitores proficientes, quando envolvidos
na leitura de hipertextos.2 Para tanto, serão investigados
os propósitos dessa leitura e suas variações, utilizando-se
1
Parte da discussão deste capítulo é resultado das reflexões feitas
durante a disciplina Letramentos na Web (Tópicos Avançados I),
ministrada no semestre de 2008.1 pelo Prof. Dr. Júlio Araújo, no
PPGL da UFC. A outra parte é relativa à dissertação de mestrado da
primeira autora (PINHEIRO, 2005a) que contou com a cuidadosa
orientação da Profa. Dra. Rosemeire Selma Monteiro-Platin a quem
se tece um especial agradecimento.
2 Nesta pesquisa, adota-se a concepção de Xavier (2002, p. 17)
para quem o hipertexto constitui-se “um novo modo enunciativo,
[disponível na internet], efeito da soma de vários outros modos de
enunciação (verbal+visual+sonoro) [que] cooperam em igualdade de
peso e valores linguístico, semântico e cognitivo para a estruturação
do sentido proposto a ser processado pelo hiperleitor”.
235
REGINA CLAUDIA PINHEIRO • MARILENE BARBOSA PINHEIRO
a seguinte sequência: primeiro, apresentam-se algumas
discussões sobre mudanças ocorridas na leitura e na escrita com o surgimento das tecnologias digitais; em seguida,
descrevem-se pesquisas empíricas já realizadas sobre leitura nesse novo contexto e, logo depois, faz-se a análise,
propriamente dita, concluindo-se o trabalho com algumas
considerações finais.
Contextualizando a Revolução Eletrônica e as
Formas de Ler e Escrever
Desde o aparecimento da escrita, a tecnologia para
ler e escrever se modificou ao longo da história, conforme
as condições que a sociedade letrada impunha. As transformações repercutiram sobre autores e leitores, objetos
de leitura e escrita, e provocaram, consequentemente,
mudanças nas posturas e estratégias usadas para se efetuar a leitura. Ferreiro (2002, p. 13), refletindo sobre esses
aspectos, declara com muita propriedade: “ler e escrever
são construções sociais. Cada época e cada circunstância
histórica dão novos sentidos a esses verbos”.
Nessa mesma perspectiva, o advento da internet
tem provocado mais mudanças, fazendo emergir diversos
gêneros e, com isso, permitindo novas formas de escrita,
de leitura e de interação, demandando, por parte de todos os usuários, habilidades diversas que constituem um
novo letramento, o digital.
Chartier (2002) também acredita que essa revolução do computador traz profundas transformações sociais
e exemplifica mencionando a construção do hipertexto no
qual, além de o autor ser o criador, desempenha ainda a
função de editor, agrupando textos, imagens, tabelas, a fim
de contribuir para que o leitor melhor o compreenda. Corroborando essa mesma ideia, Smith (1999, p.156) comenta:
Novas formas de escrita estão sempre surgindo
(...). E tudo o que é novo e se exige daqueles que
escrevem deverá ser aprendido por aqueles que
lêem.
236
MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS DOS PROPÓSITOS DE LEITURA DE HIPERTEXTOS:
CONSIDERAÇÕES SOBRE LETRAMENTO DIGITAL
Nesse sentido, é importante estar alerta às mudanças de comportamento dos sujeitos em relação ao conhecimento adquirido na interação com os textos dispostos
na internet, para que se possa descobrir de que maneira
ocorre a compreensão da leitura via cultura digital. Todavia, não se tem, neste trabalho, a intenção de propagar
a leitura na tela como algo diferente da leitura do livro
impresso, nem anunciar o desaparecimento deste.
De acordo com Smith (1999, p. 157), as características do livro impresso poderiam ser reproduzidas na
tecnologia eletrônica e, como ele previu, já existe tentativa bem sucedida para tornar os livros eletrônicos semelhantes aos impressos. Aqueles são surpreendentemente
práticos, leves, transportáveis, duráveis, pouco menores
que uma folha de papel A4 dobrada, com capacidade de
armazenar meia centena de livros, (RYDLEWSKY, 2004).
Em meio a essas discussões, é interessante ressaltar
a democratização das informações através da Internet, o
que possibilitou o acesso a documentos/textos antes não
acessíveis ou de difícil acesso. Nesse novo espaço, muitos
escritores anônimos estão divulgando suas histórias, suas
descobertas e seus poemas em blogs, orkuts e em outros
espaços de leitura/escrita hipertextual. Por outro lado,
essa superabundância torna a busca do que realmente se
procura muito mais difícil e também favorece maior facilidade de dispersão do leitor. Nesse caso, supõe-se que,
quanto maior o nível de letramento digital do hiperleitor,
mais fácil se tornará essa busca, o que poderá garantir um
maior proveito no alcance do seu objetivo.
Retomando Algumas Pesquisas sobre Leitura e
Hipertexto
A questão da leitura em hipertexto está ainda incipiente por tratar de aspectos em constituição, tendo
em vista que há muito o que pesquisar sobre o assunto.
Apresentam-se, a seguir, alguns trabalhos referentes a esse
tema para contextualizar as mudanças ocorridas a partir
dessa revolução hipertextual.
237
REGINA CLAUDIA PINHEIRO • MARILENE BARBOSA PINHEIRO
Nielsen (1997 a, b, c), estudou a usabilidade de páginas na Internet em um de seus estudos (1997b), dividindo-o em três pesquisas sobre leitura na Web. Investigando
um total de 81 leitores, o autor procurou descobrir o que
os usuários queriam encontrar nos sites e como gostariam
de que a informação fosse organizada, a fim de fazer recomendações a respeito da construção das páginas. Após
diversas constatações importantes, o autor recomenda aos
construtores de páginas da Web que os textos devem ser pequenos e conter tópicos que façam sentido, limitando cada
parágrafo a uma ideia. Esses estudos revelaram as impressões dos leitores em relação ao hipertexto e favoreceram a
constatação de que a leitura na tela do computador é 25%
mais lenta do que no papel. Diante disso, podemos nos
perguntar: O que os hiperleitores fazem conscientemente
para suprir as falhas na compreensão do hipertexto?
Pinheiro (2005b), trabalhando com leitores proficientes, constatou que, apesar destes utilizarem estratégias semelhantes às usadas no texto impresso, fizeram
uso de outras estratégias requeridas ao ler hipertexto, tais
como ativar o conhecimento prévio através de imagens e
links realizando uma leitura top down e fazer uma leitura previewing, a fim de selecionar somente aquilo que é
importante para o seu objetivo. Conforme afirmação da
própria autora:
... os hiperleitores experientes em leitura na Internet, adquirem, interagindo com o hipertexto, a
habilidade de selecionar somente aquilo que é importante para o seu objetivo de leitura (p. 145).
Foltz (1996), investigando as habilidades cognitivas
requeridas para uma interação exitosa com o hipertexto,
desenvolveu sua pesquisa sobre compreensão de hipertexto, baseando-se em fatores como estrutura do texto, conhecimento prévio e habilidades do leitor. Realizou dois
experimentos focalizando a coerência do texto e a relação
dos objetivos do leitor com as estratégias de leitura.
No primeiro, comparou dois grupos de alunos em
relação às estratégias usadas para compreender um hiper238
MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS DOS PROPÓSITOS DE LEITURA DE HIPERTEXTOS:
CONSIDERAÇÕES SOBRE LETRAMENTO DIGITAL
texto e um texto linear. O autor descobriu que não havia
diferenças significativas na compreensão em virtude do
formato dos textos e também que as estratégias usadas
pelos leitores eram muito similares. Ainda comprovou o
seguinte: quando a estrutura do texto é modificada de sua
forma linear, eles escolhem caminhos no hipertexto que
podem fluir coerentemente. Para o autor, as estratégias
poderiam variar dependendo dos objetivos e do conhecimento prévio do leitor.
No segundo experimento, o autor acima mencionado investigou, através de protocolos verbais, as estratégias utilizadas por seis sujeitos ao lerem hipertextos. Sua
pesquisa evidenciou que os leitores raramente queriam
perder-se da estrutura hierárquica e expressavam interesse em ler todo o texto numa área do hipertexto, antes de
mover-se para outras. Além disso, demonstrou que, para
entender o texto, os sujeitos desenvolvem métodos que
conduzem à manutenção da coerência, mesmo num texto
em que o assunto e o formato não lhes sejam familiares.
Também Pinheiro (2007), em um trabalho comparativo para relacionar a frequência de acesso à Internet
com o nível de compreensão leitora de texto impresso, investigou um grupo de 43 professores através de dois questionários, cujas respostas possibilitaram a seguinte constatação: a compreensão leitora de textos impressos pode
ser auxiliada pela leitura de hipertextos, pois quanto mais
tempo os professores passam conectados à Internet, mais
o nível de compreensão na cultura impressa melhora.
A conclusão, ora mencionada, deu-se por meio de
dados estatísticos obtidos pela divisão dos professores em
04 grupos, com base na quantidade de acessos à Internet,
relacionando-os a níveis de compreensão classificados
em fraco (até 45% de acertos), médio (entre 50% e 70%
de acertos) e independente (a partir de 70% de acertos).
Assim, no grupo em que o número de acesso diário à
Internet foi nulo ou de apenas uma vez por semana, 25%
encontraram-se no nível fraco de compreensão leitora e
42% no nível independente. No 2° grupo em que o nú239
REGINA CLAUDIA PINHEIRO • MARILENE BARBOSA PINHEIRO
mero de acesso se dava uma vez por semana, não houve
leitores com nível fraco e 57% estavam no nível independente. No 3° grupo, aqueles que acessavam três ou mais
vezes por semana, houve 0% no nível fraco e 64% no
nível independente. No 4° grupo, cujo acesso era diário,
não houve leitores com nível fraco e no nível independente a porcentagem foi de 54%.
Resultados e Análise
A partir da análise realizada no trabalho de Pinheiro (20005a) que investigou as estratégias metacognitivas
usadas por professores na leitura de hipertextos, decidiuse refletir sobre letramento digital destes. Para isso, tomaram-se por base as estratégias estabelecer os propósitos
iniciais de leitura e modificar a leitura devido à variação
de seus propósitos.
Para a realização da situação experimental daquela pesquisa, foram selecionados 15 professores do Ensino
Médio, que afirmaram usar a Internet, pelo menos, três
vezes por semana e que demonstraram ser leitores proficientes através de um questionário de compreensão.
Os participantes tiveram de escolher dentre três sites
que lhes foram apresentados aquele com o qual mais se
identificassem e, a partir da escolha, procedeu-se à leitura
com acompanhamento individualizado. Nessa etapa, foi
utilizada a técnica do protocolo verbal (verbalização do
pensamento ao realizar uma atividade) com o objetivo de
investigar como os leitores agiam durante o processo de
leitura e, portanto, eles foram instruídos a ser fiéis em suas
verbalizações, o máximo possível (CAVALCANTI, 1989).
Veja-se, a seguir, os resultados encontrados.
Primeira Estratégia a Ser Analisada: Estabelecer
um Propósito
Sabe-se que um leitor proficiente procura alcançar
um objetivo estabelecido previamente, seja para apren240
MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS DOS PROPÓSITOS DE LEITURA DE HIPERTEXTOS:
CONSIDERAÇÕES SOBRE LETRAMENTO DIGITAL
der, obter informação ou por simples prazer e essa atitude
é o que confere sentido a sua leitura. Solé (1998) enumera
alguns objetivos para a leitura e distingue-os entre os de
uso essencial à vida cotidiana, como obter uma informação precisa ou geral, seguir instruções, revisar um escrito
próprio, ler para aprender, ler por prazer e ler um texto a
um auditório; e os tipicamente escolares, como praticar
leitura em voz alta e verificar o que se aprendeu. Assim,
toda leitura cumpre a função de realizar o propósito do
leitor, seja um que ele próprio tenha estabelecido ou que
seja apenas conhecido por ele.
Os sujeitos participantes desta pesquisa estabeleceram, inicialmente, o propósito de aprender algo que
os auxiliasse na vida profissional, visto que optaram pelo
site que estava mais relacionado à sua área de atuação e/
ou formação.
Um exemplo em que ficou claro o propósito de
leitura de um dos participantes, professor de História, foi
quando, ao selecionar o site www.historianet.com.br para
ler, afirmou que o havia escolhido porque preferia atualidades. Ao abrir um link, foi indagado sobre o motivo de o
texto ter chamado sua atenção e eis a resposta:
(1) Porque é bem atual, é bem a nossa história,
o nosso momento. Na verdade, eu tenho grande
esperança no governo Lula.
Ainda esse mesmo sujeito, que vinha sempre buscando temas de interesse nacionais, abriu um link que
falava da Grécia e, ao ser interrogado sobre o porquê da
mudança de tema, respondeu:
(2) Agora foi só curiosidade mesmo, na realidade
eu estava procurando um tema que fosse mais
parecido, como eu não vi, eu já vi da primeira vez
e não tinha muito; tinha o tema dívida externa,
mas eu não me interessei.
Um outro sujeito afirmou que lia todos os links
para depois escolher aquele que lhe chamou mais a atenção, como se lê no seguinte relato:
241
REGINA CLAUDIA PINHEIRO • MARILENE BARBOSA PINHEIRO
(3) Não, eu leio todos e aí escolho. Quando eu
estou lendo, por exemplo, quando eu li, quando
eu fui lendo já chamou atenção esse aqui: “Caminhos do Lixo”, mas aí eu resolvo ler logo outros pra
poder ainda... na maioria das vezes, fica dois; aí
eu vejo o que chamou mais atenção e em segundo
lugar eu vejo o outro.
Percebe-se, conforme as verbalizações anteriores,
que os sujeitos da pesquisa estabeleceram seus propósitos
de leitura de forma diversificada, contudo, a maioria dos
sujeitos, ao ler os hipertextos condizentes com sua área
de atuação, estabeleceu seus propósitos de leitura para
auxiliar o processo de ensino e aprendizagem e monitorou sua compreensão para a busca desse propósito.
Acredita-se que a razão para tal escolha deveu-se
ao fato de todos serem professores do Ensino Médio e o
interesse mais forte sempre pender para assuntos que pudessem ser trabalhados em sala de aula, propiciando um
melhor resultado na aprendizagem de seus alunos.
Além desse, outros propósitos mais procurados
pelos hiperleitores foram: ler para atualizar-se, para informar-se sobre um tema de seu interesse e ler por prazer.
Percebe-se, na utilização dessa estratégia, semelhança no comportamento dos sujeitos na leitura de hipertextos e de textos impresso, cujo nível de letramento
permite que inicie a leitura estabelecendo um objetivo
inicial.
Segunda Estratégia Encontrada: Modificar a
Leitura Devido a Variações no Propósito
Percebe-se que os hiperleitores, após estabelecer
um propósito inicial, muitas vezes, desviam-se desse e,
consequentemente, modificam a leitura devido a essa
variação.
A leitura de um texto é condicionada por seu objetivo, como por exemplo, se o leitor intenta encontrar uma
242
MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS DOS PROPÓSITOS DE LEITURA DE HIPERTEXTOS:
CONSIDERAÇÕES SOBRE LETRAMENTO DIGITAL
informação específica, agirá diferente do modo como se
fosse fazer um resumo de um texto, pois, como afirma
Lerner (2002, p. 81),
um mesmo material informativo-científico pode
ser lido para se obter uma informação global, para
se buscar um dado específico ou para aprofundar
um aspecto determinado do tema sobre o qual se
está escrevendo.
Nessa mesma perspectiva, na leitura hipertextual,
o objetivo do leitor pode ir se modificando muito rapidamente à medida que o leitor se depara com uma grande
variedade de links que o remetem a outros textos.
Alliende & Condemarín (1987) consideram três tipos de leitura cuja finalidade é ler em diferentes ritmos:
a visão preliminar ou previewing apenas para decidir o
que será necessário ao seu propósito; a leitura seletiva
espontânea ou skimming, usada para alcançar um objetivo específico, detectando-se o conteúdo principal e os
detalhes que justificam sua importância e a seletiva indagatória ou scanning em que se procura rapidamente uma
informação específica no texto, sem lê-lo por completo.
À luz dessa tipologia, apresentada no item anterior,os hiperleitores desta pesquisa, em alguns momentos, fizeram uma leitura previewing dos sites, quando
selecionavam os conteúdos para fazer uma leitura skimming. Verificou-se também o uso da leitura previewing
pelo comportamento de um sujeito que estava passando
a barra de rolagem rapidamente. Indagado se era possível
ler daquele modo, este informou:
(4) (...) Na verdade, eu procuro palavras-chave
dos subtítulos aí. Eu estou lendo só os subtítulos
também.
Um outro sujeito também comentou:
(5)...dê uma visualizada nele todo pra ver o que
tem; se tem gravura, aí depois você julga se merece
ou não dar atenção àquilo que você está vendo.
243
REGINA CLAUDIA PINHEIRO • MARILENE BARBOSA PINHEIRO
Em outros momentos, ocorreu uma leitura skimming, confirmada pelo tempo destinado à leitura silenciosa de alguns parágrafos e pelos comentários sobre eles.
Nos hipertextos, assim como nos textos impressos,
os leitores diferenciam o tipo de leitura, pois as diferentes maneiras de ler são apenas diversos caminhos para
alcançar o objetivo pretendido (KLEIMAM, 2000, p.35).
Porém, é muito comum o hiperleitor desviar-se de seu
objetivo inicial, pois os links podem levá-lo a textos que
inicialmente não se enquadravam no objetivo pré-estabelecido, conforme atestam os comentários abaixo:
(6) (...) eu vou buscar aquilo e aí de repente eu
vou acessando outro, vou buscando outras coisas
que vai me interessando.
(7) Às vezes eu não encontro e acabo me cansando de tanto procurar e acabo mudando pra
outra coisa, principalmente pelas janelas que
abrem de propaganda – algumas vezes com uma
coisa interessante, eu acabo abrindo pra dar uma
olhada (...).
A seguir, o comentário fornece evidências de que há
uma modificação da leitura, devido a variações no propósito para a compreensão de hipertextos, pois os hiperleitores
mudam seu objetivo inicial de leitura, devido à variedade
de blocos de textos característicos dos hipertextos:
(8) (...) o texto que me interessa então eu volto a
ler ou eu peço pra imprimir (Skimming). Aquele
que não me interessa então a leitura dinâmica vai
descartar, eu dou assim uma rápida olhada e não,
esse tema não me interessa, então eu vou passar
pra uma outra. (Previewing)
Percebe-se, no relato, que o propósito inicial de ler
para aprender passa a ser ler para escolher os textos que
serão lidos posteriormente.
Os hiperleitores demonstraram modificar a leitura
devido a variações no propósito e usaram somente dois
tipos de leitura: a previewing, para escolher os textos que
244
MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS DOS PROPÓSITOS DE LEITURA DE HIPERTEXTOS:
CONSIDERAÇÕES SOBRE LETRAMENTO DIGITAL
lhes interessavam e a skimming, a fim de poder compreendê-los como um todo. Para a compreensão de hipertextos, a leitura previewing precedeu a leitura skimming.
Nesse caso, é possível concluir que as mudanças
praticadas por esses leitores sejam manifestas exatamente
por serem proficientes e estarem recorrendo às práticas de
letramento necessárias ao alcance do seu objetivo inicial
de beneficiar o aprendizado de seus alunos.
Considerações Finais
Neste capítulo, buscou-se investigar os propósitos
de leitura e suas variações por sujeitos proficientes para
estabelecer o sentido de suas leituras. Comprovou-se que
os participantes da pesquisa, antes de ler os hipertextos,
estabeleceram seus propósitos, em geral, associando-os
à prática profissional. Verificou-se também que esses sujeitos desviaram-se de seu objetivo inicial e, consequentemente, mudaram o tipo de leitura devido à variação
do propósito. Inicialmente, eles praticaram uma leitura
previewing, a fim de escolher os fragmentos de textos
que iriam ler e, posteriormente, realizaram a leitura skimming, na qual o fragmento foi lido completamente para
uma compreensão global.
Além disso, percebeu-se que as estratégias usadas
pelos hiperleitores nesta pesquisa evidenciaram um bom
nível de letramento digital que, para Buzato (2003, s/p.), é:
o conjunto de conhecimentos que permite às
pessoas participarem nas práticas mediadas por
computador e outros dispositivos eletrônicos no
mundo contemporâneo. (...) Inclui a habilidade
para construir sentido a partir de textos que mesclam palavras, elementos pictórios e sonoros numa
mesma superfície (textos multimodais), a capacidade para localizar, filtrar e avaliar criticamente
informação disponibilizada eletronicamente (...).
Espera-se que os resultados desta pesquisa contribuam para a compreensão das semelhanças e diferenças
245
REGINA CLAUDIA PINHEIRO • MARILENE BARBOSA PINHEIRO
entre texto e hipertexto e que, aliados a outros estudos,
suscitem mais questionamentos, possibilitando, em consequência, o aprofundamento das reflexões acerca do tema.
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248
CARTA CORRENTE POR E MAIL:
EVIDÊNCIAS DO MEIO DIGITAL NO GÊNERO1
Larissa Pereira de Almeida
Considerações iniciais
As cartas-corrente são correspondências enviadas
em série, que possuem, geralmente, um caráter místico
e/ou supersticioso e autoria desconhecida. Circulando
usualmente em papel, as cartas-corrente ocupavam um
espaço importante no imaginário popular há algumas décadas. Elas eram enviadas cada uma a uma pessoa que,
por sua vez, deveria enviar certo número estipulado a outras pessoas, e assim por diante, formando uma corrente
ou uma cadeia de cartas que, de acordo com seus dizeres,
acarretaria desgraça se não fosse enviada pela pessoa que
a recebeu ou benefícios, se esta fosse replicada. Assim, a
aura mística, que evocava acontecimentos especiais para
quem replicasse a carta, motivava a distribuição de cópias
por debaixo das portas, embora, não se possa negar que
as consequências da não-replicação eram mais assustadoras do que a própria recompensa.
Não se sabe – e talvez nunca se saiba – o real motivo da replicação das cartas-corrente em papel, se por
crença ou por medo. O certo é que a prática de reprodução atravessou gerações e, no meio digital, essa prática
encontrou um amplo campo de “reprodução”. No entanto, a carta-corrente ainda sofre um processo de reconhecimento do gênero que se realizava no suporte de papel
e que hoje se materializa no ambiente virtual. Como po1
Neste capítulo, retomamos alguns aspectos analisados em nossa
dissertação de mestrado (ALMEIDA, 2007) defendida no PPGL da
UFC sob a orientação da Profa. Dra. Bernardete Biasi-Rodrigues e
da co-orientação do Prof. Dr. Júlio Araújo. Agradeço a leitura atenta
que o Prof. Dieb (UERN) fez das primeiras versões deste texto. Os
problemas remanescentes são de minha responsabilidade.
249
LARISSA PEREIRA DE ALMEIDA
dem facilmente constatar os titulares de contas de e-mail,2
não são poucas as pessoas que as confundem com os famosos spams ou simplesmente, mensagens de e-mail que
contêm lixo virtual e vírus. Nesse sentido, interessa-nos
saber se tanto as cartas que eram enviadas no papel, por
debaixo das portas, como as que recebemos hoje, por email, podem ser consideradas o mesmo gênero.
Assim, no presente capítulo, abordaremos o gênero digital carta-corrente, que precisa do meio digital para
reprodução e formação de sentido, e faremos uma distinção para o reconhecimento deste gênero no ambiente
virtual. Para isto, partimos dos postulados teóricos e das
concepções de gênero de Bakhtin (1997) para quem qualquer texto (oral ou escrito) se realiza em forma de gênero,
embora nem sempre saibamos identificá-lo ou reconhecêlo de forma imediata.
Carta-Corrente: Estudos e Natureza
De acordo com Van Arsdale (1998; 2002), as precursoras das cartas-corrente podem ser identificadas como
as “cartas do céu”. De acordo com esse autor, não se tem
certeza sobre a data do início de sua propagação, mas
eram escritas e replicadas com o intuito de propagar as
boas novas do evangelho e, por isso, continham orações,
além, é claro, de solicitação de reenvio através de cópias
pessoais. Com uma tecnologia rudimentar, a única forma
de garantir a reprodução das cartas era de forma manuscrita, fato que acompanhou grande parte da história dos
exemplares.
Já em autores como Coimbra (2002) e Meurer
(2002), que fazem um levantamento sobre as cartas-cor2 O termo e-mail pode significar tanto a mensagem eletrônica como
a caixa de correio digital. Usaremos neste trabalho, o termo e-mail
como significando caixa de correio eletrônico e, também, especificaremos a mensagem como “mensagem de e-mail”. Discussões
sobre o estatuto genérico do e-mail podem ser encontradas em
Paiva (2004).
250
CARTAͳCORRENTE POR EͳMAIL: EVIDÊNCIAS DO MEIO DIGITAL NO GÊNERO
rente propagadas por e-mail, encontramos uma categorização de acordo com os grupos mais comuns, que são
formadas por cartas sentimentais, religiosas, “animadas” e
de apelo material.
Indo além desses estudos, Araújo (2003) investiga
os problemas causados pelas correntes digitais, e classifica as cartas de acordo com grupos disponíveis na internet
que se propõem a desmistificar o conteúdo das mesmas.
Araújo elabora ainda uma janela de categorização a partir
dos itens lexicais mais comuns encontrados nas correntes.
No entanto, nenhum desses autores se detém a analisar,
em específico, as cartas que têm o meio digital como a
única maneira de propagação e de construção de sentido. Portanto, sendo essa nossa preocupação, buscamos
observar ainda como o meio pode modificar a concepção
de um gênero.
Para isso, partimos da concepção bakhtiniana de
esferas comunicativas (cf. BAKHTIN, 1997), que podem
ser definidas como espaços não necessariamente geográficos de interação humana, social e que possui uma dinâmica peculiar e complexa. Desse modo, a noção de
esfera está subordinada ao entendimento da língua como
lugar de interação social, no qual os indivíduos materializam, linguisticamente, suas necessidades comunicativas
e enunciativas. Diz respeito, diretamente, ao “lugar” de
interatividade humana onde discursos são produzidos e
reproduzidos, dando lugar ao interfluxo de vários gêneros
e sempre levando consigo a marca de onde surgem e de
onde aparecem no espaço.
Com base nisso, podemos dizer que, em sua forma
tradicional, a carta-corrente impressa fazia parte do imaginário coletivo. Enviadas por um “anônimo” por debaixo
das portas ou pelos correios, as cartas gozavam da pequena possibilidade de comprovação das informações ali
veiculadas. Uma vez recebidas e lidas as cartas, restava
ao “destinatário” replicá-las (recebendo um prêmio por
sua fidelidade) ou ignorá-las (mesmo com o alto grau de
ameaças registradas, como a morte ou acidentes na famí251
LARISSA PEREIRA DE ALMEIDA
lia). A esfera comunicativa (BAKHTIN, 1997), como um
grupo heterogêneo de pessoas, gira, portanto, em torno
da leitura da mensagem, da compreensão e da disponibilidade de reescrita e replicação.
A reprodução da carta-corrente de forma “manuscrita” acabou por impor algumas restrições, como o domínio de regras ortográficas e uma boa leitura, de modo a
“decifrar” muitas vezes o que estava escrito. Isto comprova que, na medida em que os gêneros se complexificam,
conforme defende Bakhtin (1997), novos letramentos são
exigidos tanto para o uso adequado desses gêneros quanto para o simples (re)conhecimento deles. Os exemplares em papel das primeiras cartas eram mais suscetíveis a
erros e imprecisões por diversas razões: ortografia ruim,
pouco conhecimento de regras gramaticais, rasuras, desgaste do papel, manchas, entre outros. Por essas razões,
os textos corriam os riscos de não serem reproduzidos
fielmente, havendo a possibilidade de acréscimo de palavras ou até frases.
Com as cartas-corrente digitais, poderíamos dizer
que a esfera de envio, a recepção e a replicação mudaram, em grande parte, devido ao novo meio de replicação. Já não se tem cartas em sua forma física e palpável,
mas cartas digitais que se replicam pelas caixas de correio eletrônico. Para que haja reprodução da mensagem,
é preciso ter um relativo conhecimento digital, aqui entendido como um conjunto de noções sobre como navegar na Internet, de como escrever um e-mail e enviá-lo
ou até mesmo de como encaminhar uma mensagem a
outros destinatários. Portanto, o novo tipo de letramento
reclamado pela mudança de esfera pode ser importante
na alteração genérica dessa prática discursiva, ou seja, as
esferas de comunicação são diferenciadas e requerem observância de peculiaridades próprias.
Aspectos de Natureza Metodológica
Em todas as mensagens que analisamos, observamos que o ambiente de replicação contribuiu para novas
252
CARTAͳCORRENTE POR EͳMAIL: EVIDÊNCIAS DO MEIO DIGITAL NO GÊNERO
percepções do gênero e que, embora possuam o propósito comunicativo geral comum a todas (replicação), há
uma importância considerável aos propósitos comunicativos específicos que evocam a compreensão da mensagem
pelo leitor e o domínio – ainda que relativo – do meio
digital para replicação e alcance dos objetivos. Não só
nas solicitações de reenvio, nas quais o pedido explícito de replicação deixa claro, a importância que se dá ao
ambiente virtual ao solicitar que se “envie o e-mail”, para
a maior quantidade de pessoas possível, mas também na
própria natureza digital das cartas, que só surtem efeito
caso sejam replicadas por e-mail ou dentro do ambiente
virtual. Dessa forma, as mensagens explicam a eficácia de
seu mecanismo de funcionamento através da contagem
de títulos e do rastreamento de determinado e-mail.
Assim, baseada no conhecimento inicial do espaço
onde o gênero carta-corrente digital se realiza (no nosso
caso, a internet), e observando a sua relação com o meio,
é que iniciamos a coleta de exemplares para o nosso corpus. Para compô-lo, foi preciso coletar cartas-corrente de
diferentes formas: algumas delas foram recebidas por email e, outras, coletadas de um site que as armazena e
expõe na Internet.3 Neste artigo, utilizamos exemplares
das cartas-corrente do corpus digital de Almeida (2007) e
preservamos a sua numeração original.
Como já havíamos destacado, em geral, a cartacorrente, seja impressa ou digital, é um texto anônimo4
e, por esta razão, torna-se quase impossível definir o
seu redator/autor. O caráter “anônimo” da mensagem,
o pedido de replicação e o constante aparecimento das
cartas no meio digital (muitos com estrutura textual recorrente) acabaram por criar uma imagem negativa do
3 Coletamos as cartas-corrente digitais do site <www.quatrocantos.
com/lendas>
4 Não é o objetivo do presente trabalho debater os domínios discursivos do anonimato. Consideraremos, portanto, uma carta-corrente
anônima como aquela que não possui um autor explícito, alguém
que assume a autoria da escrita da carta.
253
LARISSA PEREIRA DE ALMEIDA
gênero. Especificamente no caso das cartas-corrente
digitais, elas passaram a ser vistas por muitas pessoas
como lixo eletrônico.
Quanto a isso, identificamos pelo menos um ponto
que nos faz entrar em desacordo com essa classificação:
o vínculo (ou a tentativa de recriação dele) evidencia o
aspecto que vai diferenciar o gênero carta-corrente digital dos spams, ou seja, as mensagens não solicitadas que
circulam pela Internet. Os spams5 podem ser definidos
como mensagens publicitárias sem emissor conhecido
que partem de uma conta de correio eletrônico falsa, enquanto as cartas-corrente têm a característica de sempre
serem enviadas por uma conta de e-mail válida e remetidas a endereços de pessoas conhecidas. Logo, esse é o
primeiro passo para diferenciar as cartas-corrente digitais
dos “spams” e de propagandas não solicitadas: o emissor
da mensagem como uma pessoa com conta de e-mail ativa.
É preciso que se atente para o fato de que, para
reconhecer as cartas-corrente digitais como categorias
genéricas diferenciadas, é preciso ter um relativo conhecimento do gênero. Por isso, em pesquisa realizada para
5 O termo spam, de acordo com o site Dicas L <http://www.dicas-l.
com.br/dicas-l/20040503.php>, (acesso em 22 de outubro de 2006),
mantido por Allan Britto, vem do inglês e deriva do nome da primeira
carne enlatada criada e comercializada nos Estados Unidos pela empresa Hormel Foods a partir de 1937. “Spam” origina da junção das
palavras spiced (apimentada, temperada) e ham (presunto). O grupo
humorístico Monty Python agregou o nome “spam” a um episódio
em que um grupo de vikings famintos entrava num bar, e começava
a gritar “spam, spam, spam, spam” de maneira intermitente e irritante, simplesmente tornando um fardo qualquer comunicação das
outras pessoas presentes com a gritaria repetitiva. Como a comida
era muito popular, o grupo satirizava também o spam como a única
especialidade de comida no restaurante. De acordo com o site, a
ideia do spam foi ligada diretamente às mensagens publicitárias enviadas insistentemente entre grupos de discussões, impossibilitando a
comunicação direta entre as pessoas. A partir de então, o termo pode
ser definido como o envio de mensagem eletrônica não solicitada
e não autorizada.
254
CARTAͳCORRENTE POR EͳMAIL: EVIDÊNCIAS DO MEIO DIGITAL NO GÊNERO
compreensão sobre o que seriam cartas-corrente, estabelecemos critérios de reconhecimento e critérios temáticos, ao avaliar as respostas recebidas de nossos entrevistados (cf. ALMEIDA, 2007), Entre as respostas, 64%
dos entrevistados consideraram os textos como “spams
ou lixo eletrônico”, 12% consideram “mensagens específicas que tratam de assuntos de interesses variados”,
12% consideraram como “trote ou pegadinha”. A opção
carta-corrente, correspondeu apenas a 10% das respostas,
ficando a frente apenas da opção “outros”, que recebeu
como sugestão “mensagens de veracidade duvidosa que
não merecem ser repassadas para alardear boatos”. No
entanto, insistimos em frisar que a carta-corrente conta
com elementos que são mais precisos e traz, na sua estrutura, elementos e evidências que as diferencia dos outros
gêneros que circulam por e-mail e, também, do próprio
spam. Desta forma, selecionamos, em nosso estudo, outros aspectos como a sua reprodutibilidade, a instrução de
reenvio, a explicação de mecanisos de funcionamento e a
presença de termos específicos do meio para observância
do gênero.
Portanto, além da perspectiva bakthiniana, para a
análise dos aspectos sócio-comunicativos do gênero carta-corrente digital, seguimos ainda a abordagem de Marcuschi (2000; 2004) sobre as relações entre os gêneros do
discurso e reconhecimento do gênero a partir de relações
sociais. Isto se justifica porque, em grande parte de seu
trabalho, Marcuschi aborda o meio digital como um causador de “impacto”6 no meio tradicional, e ressalta que o
atual contexto do “discurso eletrônico” é ideal para analisar os efeitos de novas tecnologias na linguagem e o papel da linguagem nas tecnologias “emergentes”. O autor
também prioriza a observação do gênero na relação com
6 Embora utilizemos a obra de Marcuschi como apoio teórico para
este trabalho, consideramos o termo “impacto” equivocado, pois,
baseados em Schaff (1985), Rheingold (1996) e em Levy (1998, 1999),
acreditamos que as novidades digitais e tecnológicas não causam
impacto, mas sim mudanças.
255
LARISSA PEREIRA DE ALMEIDA
a comunidade, a história, a cultura, além dos propósitos
comunicativos e a observação do meio digital e de aspectos da inter-relação homem-máquina, que nos é útil para
compreender os aspectos pragmáticos que compõem o
gênero, conforme passaremos a discutir.
Cartas-Corrente e Instrução de Reenvio:
Analisando o Gênero e seus Mecanismos de
Funcionamento
O correio eletrônico, ou simplesmente e-mail,
sobretudo na condição de suporte, colaborou para o aumento do fluxo de gêneros na web. Pelas caixas de e-mail
começaram a passar todos os dias mensagens pessoais,
receitas, memorandos, fotos e tudo mais quanto o software suportasse. A lista do que circula (e que continua
circulando) por e-mail parece não ter fim, tamanha variedade e velocidade de trânsito. Foi deste meio que nos
interessamos por um tipo específico de cartas-corrente,
cujo ambiente discursivo parece sinalizar para uma possível mudança de gênero. Observamos, então, que as
cartas-corrente digitais7 apresentam características específicas do meio virtual, agregando termos específicos que
só constituem efeito se replicados dentro do próprio ambiente digital e se, caso impressas, perderiam o propósito
de replicação e a ajuda a que se propunham.
O meio digital requer um conhecimento específico
de como navegar na Internet. Só através desse conhecimento, é possível abrir páginas, visitar links, participar de
chats, copiar trechos de textos importantes para colá-los
em outro lugar, abrir, ler, produzir e enviar e-mails. Em
nosso caso, o conhecimento do gênero vai além da simples abertura de e-mails: vai do entendimento de ações
como encaminhar mensagens a um receptor, ou mais, até
7 Convém destacar que as cartas-correntes digitais continuam sendo
propagadas junto com outras que não apresentam a característica
efetivamente digital.
256
CARTAͳCORRENTE POR EͳMAIL: EVIDÊNCIAS DO MEIO DIGITAL NO GÊNERO
a preservação do título da mensagem ou de anexar algum
arquivo. Além desse conhecimento, o uso de alguns termos se tornam extremamente comuns e fazem parte quase que de forma natural no vocabulário contemporâneo.
Dessa forma, copiar e colar,8 por exemplo, ganha outros
significados que não é o de nenhuma aula de artes de
escola, e sim reproduzir integralmente um determinado
texto ou figura.
A instrução de encaminhamento é um mecanismo
que tem como finalidade assegurar que a mensagem será
encaminhada sem grandes dificuldades pelo leitor. A instrução parte, muitas vezes, do pressuposto de que o leitor
não domina o meio digital e que precisa de ajuda para
enviar a mensagem corretamente. Além das pistas sobre
como proceder com a mensagem recebida, a instrução
contida na mensagem ajuda na construção de entendimento da mesma, pois indica que se as intruções forem
seguidas corretamente, a carta terá a eficácia prometida.
Conforme podemos observar no trecho abaixo, a
instrução sobre como encaminhar a mensagem pode aparecer como uma sutil solicitação para que a mensagem
tenha uma determinada frase como título (e que assim
possa ser útil ao ser rastreada):
“não corte a corrente e não esqueça o título da
mensagem, é importante porque é o meio decontrole deles” (carta 81)9
“mas lembre-se de mandar uma para mailto:jcajc@
ambev.com.br modo pelo qual podemos ver se
você mandou essa mensagem adiante” (carta 10)
Também pode aparecer como “roteiro” a ser seguido para que a pessoa consiga vencer as barreiras do conhecimento da própia caixa de correio eletrônico, o e-mail:
8 Para uma discussão mais aprofundada sobre esse recurso, cf. Santos
(2007).
9 Exemplares coletados do corpus digital de Almeida (2007). A numeração original dos exemplares foi preservada.
257
LARISSA PEREIRA DE ALMEIDA
ENTRE NO ORKUT E VÁ EM MENSAGENS (AO
LADO DE AMIGOS, NA BARRA DE CAMINHOS).
CLIQUE NO LINK ESCREVER E-MAIL (TEM UM
LAPIS EM CIMA DE UMA FOLHA); SELECIONE
TODOS OS AMIGOS NO CAMPO PARA: E REDIJA OU COLE O CONTEUDO DESTE E-MAIL
(carta 73)
A instrução de reenvio, portanto, tem o caráter
claramente didático e, por ocupar um espaço apenas de
“garantia” de entendimento do processo de repasse, muitas vezes é desprezado. Observando o corpus de nossa
pesquisa, constatamos que os exemplares que apresentaram a instrução de reenvio eram menos objetivo do que
as outras e tentavam “explicar” a importância da mensagem de maneira mais exaustiva. Os sujeitos que assim
descrevem os recursos da carta demonstram um nível de
conhecimento digital muito bom, o que implica no reconhecimento do gênero e no seu mecanismo de funcionamento. E este não é privilégio apenas de quem escreve,
já que o leitor comum precisa vencer algumas “barreiras”
de conhecimento do gênero para poder acessar a caixa de
correio eletrônico do seu computador, abrir a mensagem
e até encaminhá-la.
O gênero carta-corrente digital, por estar se estabelecendo nas práticas discursivas novas (e voltadas para
o meio digital), reclama de seus usuários esse tipo de
questão. O uso de verbos imperativos como entre, clique, selecione, redija, cole podem ser úteis para sinalizar
como a escrita em ambiente digital se processa e esse uso
caracteriza o ambiente e os gêneros nele praticados. Assim, os mecanismos de funcionamento têm como função
explicar o mecanismo da mensagem que está sendo lida,
a razão dela existir e a forma como ela pode ser útil.
Essa é a parte que tenta convencer o leitor através
de argumentos e tenta parecer convincente. É neste ponto
que as informações de termos técnicos surgem com maior
frequência. Consideramos como mecanismos de funcionamento os trechos que explicam como a mensagem pode
ser útil, a forma como ela pode atuar. No caso de mensa258
CARTAͳCORRENTE POR EͳMAIL: EVIDÊNCIAS DO MEIO DIGITAL NO GÊNERO
gens que envolvem rastreamento para envio de dinheiro,
o tópico tenta explicar como o dinheiro vai ser enviado, se
o recebimento/envio do dinheiro será por rastreamento do
título da mensagem, do e-mail ou através do recebimento
da mensagem por alguma pessoa específica:
“O IGWSAM Internet Good Will Boys Service
Association of Massachussets) local e extrangeiro
doara US$ 0.10 por mail mandado com o titulo
(subject) SOLIDARIEDADE COM ADILSINHO”
(carta 91)
O exemplo acima mostra que a mensagem funciona se houver cooperação do leitor. Se ele cumprir as instruções, a mensagem será útil para um determinado grupo
de pessoas. O mesmo pode ser visto no exemplo abaixo,
referente ao reenvio das mensagens e ao recebimento de
prêmios materiais:
“Tudo o que é preciso fazer é enviar uma cópia
deste e-mail para 8 (oito) conhecidos. Dentro de
2 (duas) semanas você receberá um Ericsson T18.
Se a mensagem for enviada para 20 (vinte) ou
mais pessoas, você poderá receber um Ericsson
R320.” (carta 113)
Assim como no exemplo acima, em alguns exemplares a explicação do mecanismo da mensagem se confunde com a cota de reenvio, pois estipulam para quantas
pessoas deve-se mandar a mensagem. Nos exemplares
analisados, quando a cota de reenvio é pré-determinada
(enviar para oito pessoas/enviar para 20 pessoas) o item
“mecanismo de replicação” está presente. Mais uma vez,
pressupõe o conhecimento do leitor sobre o ambiente em
que a mensagem está sendo propagada e evidencia, também, uma apropriação da mensagem das particularidades
do meio.
Quando observamos o envio de cotas das mensagens, encontramos outros aspectos:
“Tudo o que vc tem de fazer é mandar esta mensagem para 25 pessoas. Depois de duas semanas
259
LARISSA PEREIRA DE ALMEIDA
do envio das mesmas, vc receberá gratuitamente
Kit Ambev...contendo (Camisa da Skol, relogio
de parede e uma caixa de Long Neck). Mas se vc
enviar esta mensagem para 25 amigos, vc receberá
gratuitamente o Kit Ambev.” (carta 10)
No exemplo acima, a cota de envio era determinada: bastava alcançar a cota para que a mensagem tivesse
valor. Outro exemplo que colocamos aqui para ilustrar,
é o uso da cota mínima. Caso o leitor envie para a quantidade X de pessoas, a mensagem surtirá efeito, mas se
exceder essa quantidade, não haverá nenhum problema,
pois é melhor ainda, como pode se observar no trecho
abaixo:
“Se você enviar esse e-mail a amigos a Microsoft
pode e vai por um período de 2 semanas rastrearam esse e-mail. Para cada pessoa para quem
você mandar este e-mail a Microsoft vai pagar
U$245,00. Para cada pessoa para quem você
enviar, que enviar este e-mail adiante a Microsoft
paga a você $243,00; e para cada terceira pessoa
que receber este e-mail você recebe $241,00 da
Microsoft. Daqui a 2 semanas a Microsoft vai
te contactar neste teu endereço e te enviar um
cheque.” (carta 11)
A cota de reenvio nos mostra, também, que as cartas-corrente digitais herdaram diretamente a função das
cartas-corrente tradicionais, que estabeleciam cotas de
reenvio para replicação da mensagem e, também, na forma de meta a ser alcançada. É importante destacar, aqui,
que o destinatário apresenta o domínio de um letramento
digital, conforme pode ser visto em Araújo (2007). Não é
simplesmente a leitura da mensagem que o faz repassar
a carta-corrente, mas a compreensão de que o sistema de
cotas esse é um dos critérios necessários para se alcançar
o prêmio.
O processo de escrita da mensagem e de reenvio nos
permite entender que a compreensão de termos específicos e solicitações dentro da mensagem são percebidas por
260
CARTAͳCORRENTE POR EͳMAIL: EVIDÊNCIAS DO MEIO DIGITAL NO GÊNERO
cidadãos que não apenas sabem “ler/escrever”, mas que
também sabem compreendem o significado de cada termo
para o alcance dos objetivos propostos na mensagem.
As facilidades do meio digital imprimiram uma característica que deve ser observada com atenção quando
se fala em cota de reenvio. As versões impressas das cartas-corrente contavam com o esforço físico para reescrita das mensagens em próprio punho. Com o surgimento
de máquinas copiadoras, o esforço físico deu lugar aos
gastos com fotocópias para cumprimento da meta quase
sempre pré-estabelecida. No meio digital a meta aparece em alguns exemplares de carta-corrente digital, mas
é bem marcante a presença de cartas nas quais a cota
não está estabelecida. Por e-mail, a facilidade de reprodução das cartas aumenta consideravelmente, pois o custo
é praticamente nulo para reenviar a mesma mensagem a
dezenas ou centenas de receptores. Acreditamos que esta
pode ser uma evidência da influência e possibilidades do
meio digital.
As informações especializadas podem ser tanto do
assunto, com termos técnicos e que exigem o mínimo de
domínio tecnológico para compreensão, como também
podem ser informações recebidas por quem entende do
assunto ou que podem ajudar. Ainda que as informações
especializadas nem sempre sejam compreendidas pelo
leitor, é importante destacar que as informações sobre o
meio digital estão sempre presentes, ajudando a criar uma
aura de tecnologia de ponta, inalcançável para a maioria
das mentes comuns.
Considerações Finais
Neste capítulo, propusemo-nos a evidenciar os
elementos digitais presentes nas cartas-corrente que se
reproduzem via e-mail. De acordo com o que nele discutimos, as cartas-corrente surgem como um gênero cada
vez mais frequente nos correios eletrônicos e entendemos que o gênero se coloca em um patamar especial ao
261
LARISSA PEREIRA DE ALMEIDA
que geralmente é destinado às mensagens impessoais que
circulam na grande rede: embora desprezadas pela maioria dos seus receptores e vistas como lixo eletrônico, as
correntes que se propagam por e-mail podem conservar
características da escrita, importantíssimas para entender
o fenômeno de replicação nos dias atuais.
Concluímos, também, que as cartas-corrente digitais possuem peculiaridades perceptíveis não apenas na
sua forma escrita, mas também na própria essência de replicação, já que as cartas- ainda que tenham um caráter
anônimo- são enviadas por pessoas conhecidas do leitor e
por usuários com contas de e-mail válidos. No entanto, isso
não foi suficiente para a identificação e observamos que as
cartas diferem dos outros textos apresentados por apresentarem um pedido explícito de replicação e consequências
caso a mensagem seja (ou não) enviada por e-mail.
Ao circular pela internet, a carta-corrente passou a
agregar elementos de reconhecimento que são característicos do meio digital, como o uso de termos específicos
e condições de replicação que exigem relativo conhecimento do mundo virtual para reprodução e compreensão
de sentido.
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263
“ESCREVO ABREVIADO PORQUE É MUITO
MAIS RÁPIDO”: O ADOLESCENTE, O
INTERNETÊS E O LETRAMENTO DIGITAL1
Messias Dieb
Flávio César Bezerra Avelino
Considerações Iniciais
O uso do computador conectado à Internet tem modificado e ampliado de modo significativo a comunicação
entre as pessoas. Essa modificação pode ser observada
não somente por meio da quantidade de novos gêneros
que surgiram, e que possibilitaram uma interação mais
ampla, como também no estilo sob o qual esses novos
gêneros foram se apresentando, geralmente com base na
atividade de escrita. Assim sendo, é possível reconhecer
que a Internet materializou, juntamente com o processo
de sua “democratização”, um novo estilo no projeto de
dizer dos sujeitos contemporâneos, o qual foge ao uso
da escrita já estandardizado socialmente, provocando o
estranhamento e a rejeição por parte de alguns setores
mais conservadores da sociedade.
Um exemplo do que estamos nos referindo, no parágrafo acima, pode ser visto em gêneros como o chat,
ou bate-papo via computador, cujas características estilísticas mais marcantes são: a abreviação de palavras e o
uso ressignificado de sinais da escrita canônica. Segundo
Araújo e Biasi-Rodrigues (2007, p. 83), tais características foram estabelecidas no chat devido ao fato de que a
possibilidade que esse gênero oferece de uma interação
simultânea entre várias pessoas, ao mesmo tempo, e a ausência físico-espacial das pessoas impuseram aos chatters
a necessidade de eles adquirirem não somente uma agili1 Este capítulo é fruto de uma pesquisa realizada por Avelino (2008),
sob a orientação do prof. Dr. Messias Dieb na Universidade do Estado
do Rio Grande do Norte – UERN, campus de Assú.
264
“ESCREVO ABREVIADO PORQUE É MUITO MAIS RÁPIDO”:
O ADOLESCENTE, O INTERNETÊS E O LETRAMENTO
dade na digitação, mas também outras desenvolturas em
relação à escrita, a fim de que “informações paralinguísticas, comuns em situações comunicativas presenciais,
tais como o barulho do ambiente, os gestos utilizados, a
demonstração fácil de sentimentos, por exemplo,” fossem
materializadas por meio da escrita. Portanto, o internauta
foi, e ainda é, “forçado” por pressões pragmáticas a se
apropriar de um novo estilo de escrita, ao qual se tem
comumente atribuído o nome de internetês.
Nesse sentido, uma relevante quantidade de pessoas passou a utilizar o termo internetês para se referir a
uma nova língua que parecia ter surgido com a Internet.
Ainda que seja fácil compreender a associação feita entre
a proximidade fonética Internet/internetês e o diferente/
emergente estilo de escrita, com termos quase indecifráveis para internautas pouco experientes no uso dos gêneros digitais mais informais, não é difícil perceber que não
se trata de uma nova língua. Isto se justifica porque, na
opinião de autores como Komesu (2006; 2008) e Araújo
(2007; 2008), o internetês é, a exemplo do Brasil, apenas
outro modo de se grafar o português. Por conseguinte,
podemos dizer que ele deve ser compreendido apenas
como uma variedade escrita da língua portuguesa,2 à qual
foi atribuído o estilo abreviado de escrita que é típico na
maioria dos gêneros do universo digital.
E o Que Letramento Tem a Ver com Internetês?
Ao ler os parágrafos acima, o leitor pode inferir que
estamos nos afastando da complexidade que se instaura
em torno dessa nova atividade de escrita e que a grande
questão a ser discutida parece residir apenas na definição
do termo internetês. Entretanto, afirmamos que não, pois
o que defendemos é que a partir da definição e do entendimento desse conceito é que poderemos ter melho2 O mesmo raciocínio se aplica também as outras línguas: inglês,
francês, alemão, etc.
265
MESSIAS DIEB • FLÁVIO CÉSAR BEZERRA AVELINO
res condições de adentrar a complexidade que circunda
sua prática. Afinal, sempre que nos deparamos com “algo
novo” é comum que busquemos, inicialmente, construir
um sentido para esse “algo novo” a partir de sua denominação, ao mesmo tempo em que vinculamos tal denominação ao universo das percepções, opiniões e atitudes
que mais se aproximam do modo como nos relacionamos
com as coisas do mundo e das expectativas que criamos
em torno dessas mesmas coisas.
Com base nisso, nossa discussão neste capítulo representa uma tentativa de tornar menos hermética
a compreensão acerca da relação que, em especial, os
adolescentes, notáveis consumidores e produtores de gêneros digitais, estão construindo com essa nova prática de
linguagem por causa do “mal-estar” gerado entre pais e
professores. Tal empreendimento se justifica porque estes
últimos, geralmente, concebem o internetês como uma
séria mutilação da escrita cuja tendência é a de prejudicar tanto a aprendizagem dos estudantes na escola como,
consequentemente, a performance desses sujeitos em práticas sociais nas quais a escrita está envolvida diretamente. No entanto, esse “mal-estar” não tem razão de existir a
não ser em função do desconhecimento e do preconceito
que, infelizmente, tanto a escola como os pais dos alunos
parecem ter em relação ao tema. Logo, mais do que uma
deficiência de leitura e escrita ou um prejuízo na aprendizagem dessas duas atividades, os adolescentes (alunos)
que se utilizam do internetês para interagir com seus pares apresentam um domínio das práticas discursivas que
cada vez mais se fortalecem nos ambientes digitais de comunicação.
Assim sendo, por esse domínio do internetês, e da
linguagem característica de outros espaços de comunicação digital, que não somente a Internet, bem como ao
conjunto de todas as habilidades que gravitam em seu
entorno, compreenderemos, no presente capítulo, como
uma manifestação do letramento digital que foi construído pelos sujeitos. Esta compreensão parte do conceito
266
“ESCREVO ABREVIADO PORQUE É MUITO MAIS RÁPIDO”:
O ADOLESCENTE, O INTERNETÊS E O LETRAMENTO
de letramento, em consonância com as reflexões de Soares (2002, p. 146), como um domínio das atividades de
leitura e escrita que confere aos indivíduos ou grupos
sociais “um determinado e diferenciado estado ou condição de inserção em uma sociedade letrada”, devido à
apropriação de “habilidades e atitudes necessárias para
uma participação ativa e competente em situações em
que práticas de leitura e/ou de escrita têm uma função essencial”. Além disso, assumimos que o referido domínio
possibilita a esses indivíduos manterem “com os outros e
com o mundo que os cerca formas de interação, atitudes,
competências discursivas e cognitivas” que servirão como
elementos potencializadores no desenvolvimento de suas
práticas sociais. Portanto, na contramão do que pensam
alguns pais e professores, os adolescentes estão aprendendo intuitivamente a realizar o que deveria lhes estar
sendo ensinado pela escola: o amplo uso da linguagem
escrita nas mais variadas situações enunciativas.
2 Escolhas metodológicas
E como chegamos a essa compreensão? Por meio
de uma pesquisa que foi realizada com 21 (vinte e um)
adolescentes, alunos do 9.º ano de uma escola pública
chamada Centro Educacional Municipal Batista Montenegro – Ensino Fundamental (CEMBM), localizada no
município de Afonso Bezerra – RN.3 A escolha dessa
escola obedeceu a dois critérios. O primeiro, pelo fato
de ela atender a um expressivo público formado por
adolescentes, e o segundo porque esses sujeitos, mesmo
com as limitações de uma escola pública, podem contar
com um pequeno laboratório de informática, sendo o
único na cidade.
Os alunos podem navegar na Internet durante o
turno da noite, sendo este reservado exclusivamente para
pesquisa de trabalhos escolares. A navegação dos alunos,
além de restrita, sempre é monitorada por instrutores que
3
A distância entre Afonso Bezerra e Natal, capital do estado do Rio
Grande do Norte, é de 169 Km.
267
MESSIAS DIEB • FLÁVIO CÉSAR BEZERRA AVELINO
trabalham no laboratório daquela escola. Por esse motivo, estabelecemos que um dos critérios para selecionar os
sujeitos que colaborariam com a pesquisa seria o acesso
frequente a Internet, não apenas na escola, mas também
fora dela. Isto se justifica, ainda, porque, além de uma
alarmante desproporção entre a demanda de alunos e a
oferta de computadores, a navegação nos computadores
da escola, como já dissemos, era restrita unicamente aos
trabalhos escolares. Em função disso, os alunos também
deveriam ter contato com a rede mundial de computadores em outras localidades, como, por exemplo, em casa
ou em lan house.
Após essas escolhas, optamos, entre as muitas possibilidades de procedimentos metodológicos, por uma
técnica denominada de “instruções ao sósia”4 e pela
técnica da “entrevista”, a fim de complementar as informações dos adolescentes. Pudemos contar com o apoio
de cada um dos alunos da turma, os quais demonstraram
uma grande satisfação por terem sido escolhidos a partici4 A instrução ao sósia, segundo Oliveira, Rezende e Brito (2006,
p.128), foi elaborada no contexto da reforma sanitária italiana nos
anos de 1970 com o intuito de compreender melhor a relação
saúde-trabalho nas fábricas. Ainda segundo os autores, esse método
das instruções ao sósia foi originalmente empregado por Oddone,
psicólogo do trabalho italiano, com os operários da Fiat porque havia
observado que quando os operários eram simplesmente solicitados a
falar sobre seu trabalho, eles tendiam a reproduzir um comportamento
ideal, de acordo com o prescrito, tendo pouco a ver com o trabalho
real. Em nosso caso, essa solicitação ocorreu de modo escrito, ou seja,
por meio de uma produção de texto solicitada aos adolescentes da
escola pesquisada. Portanto, e de acordo com a leitura que fizemos
sobre as “instruções ao sósia”, foi criada a seguinte situação para
o nosso investimento acadêmico junto aos adolescentes: Imagine
se você estivesse sentado na praça de sua cidade, tentando se passar
por um rapaz que vende picolés, e presenciasse um grupo de jovens
como você falando sobre o modo como as pessoas escrevem quando
conversam pela Internet. Uma parte do grupo acha tudo muito legal
e a outra parte critica porque acha que eles estão escrevendo tudo errado e vão levar esses erros de escrita para a escola ou outros lugares,
enfrentando as reclamações dos pais e dos professores. Qual seria o
seu ponto de vista sobre esse assunto? O que você diria para cada uma
dessas partes do grupo?
268
“ESCREVO ABREVIADO PORQUE É MUITO MAIS RÁPIDO”:
O ADOLESCENTE, O INTERNETÊS E O LETRAMENTO
par da pesquisa por meio das duas técnicas citadas. Desse
modo, a técnica das “instruções ao sósia” foi realizada na
sala de aula e as entrevistas foram realizadas nas residências dos alunos, pois precisávamos também do consentimento dos pais.
Na sequência, apresentaremos os resultados que
obtivemos com a citada pesquisa cujo objetivo maior era
analisar a relação entre os adolescentes e o internetês, focalizando, inicialmente, seu entendimento acerca desse novo
uso da linguagem escrita, depois, a relação que estabelecem
entre a notação da escrita em ambientes digitais e a utilizada nas atividades escolares e, por fim, suas atitudes frente
ao “mal-estar” de pais e professores acerca do internetês.
Vale salientar que, ao demonstrarmos as falas dos sujeitos,
abaixo, estes serão referenciados por um nome fictício, que
será acompanhado pela idade real dos adolescentes.
O Entendimento dos Adolescentes sobre o
Internetês
Quando os adolescentes falaram sobre o que eles
acham do modo como as pessoas escrevem na Internet, a
maioria, ou seja, 80% disseram que achavam “legal”. Isso
se justifica porque, para os adolescentes, o uso da escrita
abreviada na Internet facilita muito a comunicação devido à economia de tempo. Portanto, como nos mostram
as falas, abaixo, os adolescentes parecem ter acolhido de
modo satisfatório esse novo estilo de grafia da língua.
Eu acho muito legal [Mara (13)].
Escrever desse modo torna tudo muito mais fácil,
pois é bem mais rápido e a pessoa não fala só com
uma pessoa, vai falar com várias [Elza (14)].
Como podemos observar, na compreensão desses
sujeitos o internetês torna a escrita mais rápida. Nesse
sentido, eles percebem como necessário o uso desta nova
escrita, não somente por modismo, mas principalmente
porque facilita muito a interação entre eles no ambiente
269
MESSIAS DIEB • FLÁVIO CÉSAR BEZERRA AVELINO
digital, pois seria praticamente impossível, por exemplo,
conseguir manter contato com mais de 10 pessoas ao
mesmo tempo, e de culturas totalmente diferentes através
da escrita canônica.
No que concerne ainda à compreensão sobre o modo
típico de escrever nos gêneros do universo digital, apenas 1
(um) adolescente, entre os que participaram tanto da técnica do sósia como da entrevista, disse que usar o internetês é
uma prática que torna a escrita totalmente errada.
Eu acho essa escrita totalmente errada, ... o jeito
que o povo escreve... esse jeito não é correto, o
povo vai abreviando tudo [Laura (14)].
Apesar da clareza dessa opinião, encontramos em
outra parte dos alunos o seguinte comportamento: mesmo achando que se trata de um “erro”, ainda assim não
deixam de utilizar o internetês porque facilita a interação
com os amigos, conforme podemos ilustrar nas falas das
alunas abaixo.
Eu acho legal e errado, porque o português fica
muito errado, por causa das abreviações, e legal
porque fica mais fácil, porque quando a gente
vai escrever uma palavra enorme penso logo no
cansaço dos dedos [Flora (15)].
Por um lado é ruim, né? Porque a língua portuguesa fica errada e por outro é melhor porque
fica mais fácil e a gente gasta menos tempo pra
escrever [Fabrícia (13)].
De acordo com essas falas, podemos inferir que o
que chamam de errado não é para eles na verdade “um
erro”. O fato é que alguns adolescentes se manifestam
dessa maneira porque ainda não estão recebendo a devida orientação sobre essa prática de escrita, nem tampouco estão tendo a oportunidade de discutir sobre o assunto
com tranquilidade, seja na escola, seja na família.
Em acréscimo, podemos dizer que essas falas
vieram confirmar o que já tinham exposto anteriormen270
“ESCREVO ABREVIADO PORQUE É MUITO MAIS RÁPIDO”:
O ADOLESCENTE, O INTERNETÊS E O LETRAMENTO
te Araújo e Biasi-Rodrigues (2007) e Buzato (2007). De
acordo com esses autores, a linguagem em ambientes
virtuais é baseada na simplificação informal da escrita,
com o objetivo principal de tornar mais rápida a comunicação. Ainda sobre essa discussão acerca do internetês,
Komesu (2006) diz que ele é conhecido, no caso do Brasil, como o português digitado na Internet, e é caracterizado por simplificações de palavras que levariam em
consideração, principalmente, uma suposta interferência
da fala na escrita.
Com base nessa discussão, podemos sugerir que o
problema em relação ao entendimento de alguns adolescentes sobre o internetês como uma mutilação da escrita alfabética talvez não tenha sua origem em si mesmo,
mas na opinião da maioria dos pais e professores, a qual
é imputada aos jovens de modo silencioso. Com efeito,
não podemos deixar de observar que são alguns professores os primeiros a dizer que o internetês é o português
escrito de maneira errada, ao invés de dizer inadequado,
quando se trata de transferência da escrita abreviada da
Internet para práticas de escrita no ambiente escolar. No
entanto, sabemos também que, pelo fato de serem sujeitos e, por isso mesmo capazes de construir seu próprio
entendimento, os adolescentes acabam inserindo novos
elementos a essas opiniões, como vimos nas falas acima.
Assim sendo, discutir o fato se torna necessário porque
os alunos parecem ter outra compreensão acerca disso e
saberem que a linguagem ou o uso da língua exige deles
a adequabilidade necessária ao sucesso da interação, conforme passaremos a discutir na próxima seção.
A Escrita Digital: da Internet à Sala de Aula
Conforme vimos discutindo, uma das grandes preocupações para pais e professores, com relação ao uso da
Internet, seria a migração desta nova linguagem, o internetês, para outros ambientes de discurso, como a escola, por
exemplo. Esse fato também já fora explicitado por Caiado
271
MESSIAS DIEB • FLÁVIO CÉSAR BEZERRA AVELINO
(2007) quando afirmou que as questões ortográficas, que
brotam nesse contexto dos ambientes digitais, vão de encontro ao que é proposto pela norma ortográfica vigente
da Língua Portuguesa. Por esse motivo, segundo a autora,
a migração da escrita da Internet para outros espaços de
interação tem se constituído uma preocupação constante
em algumas instituições de ensino, especialmente no que
concerne aos professores e aos pais dos alunos.
Ao analisarmos a entrevista feita aos adolescentes,
poucos disseram ter escrito na sala de aula do mesmo
modo como fazem na Internet. Perguntamos, então, quais
seriam os motivos que os levaram a escrever daquele jeito em um outro ambiente, que não fosse o virtual, e eles
responderam da seguinte maneira.
É porque eu já estou tão acostumada no MSN, no
computador que na hora de fazer uma redação lá
de português, fui e escrevi abreviado e a professora
me chamou atenção [Bianca (14)].
Na escola, eu escrevi porque eu esqueci e coloquei tudo abreviado [Clara (15)].
Como se pode notar, a primeira aluna explica-se
dizendo que só escreveu dessa maneira na sala de aula
devido ao costume de escrever na Internet, o que pode
ser interpretado como uma demonstração de consciência da (in)adequação do estilo de escrita que foi por ela
utilizada nos dois ambientes. A segunda aluna, por sua
vez, diz ter escrito por motivo de esquecimento, o que
também pode estar implícito na fala da primeira.
Com efeito, a demonstração mais explícita de
consciência sobre a adequabilidade da escrita pode ser
observada nas palavras da aluna, abaixo:
Às vezes, eu ... digito aqueles “errinhos”, mas é
só no Orkut [Mara (13)].
Assim sendo, é necessário reforçar que parte dos
jovens já demonstra, por menor que seja, ter uma noção
indutiva da adequabilidade da escrita, ou seja, sabe que
272
“ESCREVO ABREVIADO PORQUE É MUITO MAIS RÁPIDO”:
O ADOLESCENTE, O INTERNETÊS E O LETRAMENTO
não deve escrever na sala de aula da mesma maneira
como escreve nos espaços digitais de comunicação.
Outra informação relevante a ser acrescida nessa
discussão é que, às vezes, o professor chama à atenção
os alunos e baixa a nota, conforme relatado acima por
Bianca. Desse modo, a atitude do professor, ao reprimir
seus alunos, passa a ser inadequada visto que, ao invés
de orientar e promover a ampliação desse conhecimento
indutivo demonstrado por eles, acaba reforçando a ideia
equivocada de que se trata de um erro.
Tem professor que é a favor da Internet, mas têm
outros que falam muito. Quando falam da escrita,
todos são contra, principalmente a professora de
Português [Joana (14)].
Os professores são sempre contra. Eles acham errado o jeito que a gente escreve, o modo de escrever,
dizem que não é o correto [Roberta (13)].
Eles [os professores] acham que é errado e pode
nos prejudicar [Mara (13)].
Desse modo, somos impelidos mais uma vez a inferir que a afirmação segundo a qual usar o internetês é
um erro ou um prejuízo para os estudantes vem principalmente dos professores, conforme também demonstram as
falas dos próprios alunos acima. No entanto, não podemos simplesmente condenar os docentes sem que lhes
seja concedido o direito de defesa, visto que “o domínio
das práticas discursivas que se revelam em gêneros da
esfera digital é mais um desafio para o ensino” (ARAÚJO;
BIASI-RODRIGUES, 2007, p. 79). O problema é que os
cursos de formação de professores ainda não estão suficientemente adequados para auxiliá-los nesse desafio,
discutindo como aproveitar e ampliar as oportunidades
de interação de acordo com as transformações do mundo
contemporâneo, as quais já adentram, mesmo que ainda
timidamente, nos estabelecimentos escolares.
Com base nas afirmações dos entrevistados, podemos dizer que o problema parece residir apenas na (in)
273
MESSIAS DIEB • FLÁVIO CÉSAR BEZERRA AVELINO
compreensão acerca da adequabilidade do uso da escrita.
Isto se justifica porque os professores parecem ainda não
conceber o internetês como mais uma variação linguística
e estilística de nossa rica língua, além de uma ampla demonstração de letramento por parte de seus alunos. Assim
sendo, a preocupação dos professores, especialmente os
da área do ensino de língua materna, parece existir, entre
outras coisas, por conta da ausência de pontuação na grafia de algumas palavras e do uso constante de abreviações
na Internet, por meio dos quais os internautas procuram
associar pensamentos e sentimentos escritos com a fala.
Não obstante tal preocupação, os professores parecem não observar que seus alunos sabem direitinho o
lugar adequado para o uso da cada uma das duas formas
de escrita: a forma padrão da língua portuguesa e a que
se exprime por meio do internetês. Vejamos como essas
informações podem ser extraídas das citações dos alunos,
logo abaixo.
Quando eu vou mandar um bilhetinho, pra mim
não escrever muito, eu faço como eu escrevo na
Internet [Mara (13)].
Quando eu estou conversando com as meninas
... eu já utilizei essa escrita, mas uso somente na
Internet e nos bilhetinhos [Fabricia (13)].
De acordo com essas falas, podemos ver que a
linguagem abreviada da Internet tem sido adaptada para
outras situações do cotidiano desses jovens. Eles a têm
levado para a troca de bilhetinhos entre si, o que continua
demonstrando a informalidade na qual ela é utilizada.
Um outro ponto que nos chamou a atenção, foi
o caso da aluna Flora (15), pois, esta, além de utilizar o
internetês em ambientes digitais e na troca de bilhetinhos
com os seus amigos, diz também utilizá-lo em seu caderno, mas somente quando está copiando os deveres para
si, conforme podemos constatar na afirmação abaixo:
Quando é pra fazer um assunto de escola, eu coloco tudo abreviado porque quem vai estudar no
274
“ESCREVO ABREVIADO PORQUE É MUITO MAIS RÁPIDO”:
O ADOLESCENTE, O INTERNETÊS E O LETRAMENTO
caderno sou eu, agora na prova eu tento sempre
fazer “o correto” [Flora (15)].
Como podemos perceber na fala da aluna, ela assume que escreve em seu caderno como se fosse à Internet, somente para si; certamente, por ser mais rápido e
menos cansativo. Entretanto, a aluna deixa bem claro que
quando o assunto é avaliação e/ou trabalho escolar, os
quais serão entregues aos professores para a obtenção de
uma nota, ela procura fazer “o correto”, ou seja, dentro da
norma padrão de escrita da língua portuguesa. Isso é mais
uma prova de que Flora, assim como seus colegas, tem
um bom entendimento com relação à adequabilidade da
escrita internetiana.
Portanto, como já havíamos mencionado antes, a
escola não deveria tratar o internetês como uma escrita
errada ou mutilada, mas como um jeito novo de notar a
escrita de nossa língua, de acordo com as necessidades
do ambiente em que ela se encontra. Além disso, podemos dizer, com Tfouni (1995) e Soares (2002), que esses
alunos, apesar dos equívocos cometidos pela escola e de
suas limitações no enfrentamento desse novo desafio que
se lhe apresenta, demonstram um bom nível de letramento, dada a sua capacidade de apreender e de responder,
satisfatoriamente, as novas situações comunicativas que
lhes exigem, entre outras coisas, um bom uso das atividades de leitura e escrita.
As Atitudes dos Adolescentes Frente à
Preocupação de Pais e Professores
De acordo com Guzman (apud FERREIRA e CARDOSO, 2007), o conceito de atitude refere-se a uma predisposição psicológica geral dos indivíduos humanos em
relação a um determinado objeto. Essa predisposição pode
ser dividida em três dimensões: a cognitiva, relacionada
aos conhecimentos que um sujeito tem sobre o objeto, a
afetiva, que se relaciona com os sentimentos que o sujeito
tem em relação a esse objeto e, por último, a dimensão
275
MESSIAS DIEB • FLÁVIO CÉSAR BEZERRA AVELINO
comportamental, que diz respeito às ações em relação ao
objeto. Assim, de acordo com essa explicação acerca do
conceito de atitude, e levando em consideração os dados
construídos por meio da técnica do sósia e das entrevistas, passaremos a demonstrar a atitude dos alunos frente à
preocupação de seus pais e professores.
Com relação à dimensão cognitiva, ou seja, ao conhecimento que os alunos têm a respeito do internetês,
eles têm demonstrado que sabem do que se trata.
Eu utilizo muito a nova linguagem da Internet.
“Você”, por exemplo, é um “VC”, “não” é um
“Ñ” [Andréia (13)].
Escrevo assim só abreviado porque é um jeito muito mais rápido de se comunicar [Heloisa (14)].
Como podemos ver, eles sabem que se trata de
uma nova linguagem, como nos diz Andréia, e dizem
ainda como se caracteriza a escrita nesse ambiente, explicando-a por meio da ressignificação de certas formas
linguísticas.
No que diz respeito a esse fenômeno da ressignificação das formas linguísticas, Araújo (2007) nos lembra
Bakhtin quando afirma que o aspecto formal do signo não
interessa ao sujeito, o que realmente importa é a significação que as formas linguísticas escritas lhe transmitem. Portanto, conforme nos diz o próprio Bakhtin ([1929] 1981,
p. 94).), “enquanto uma forma linguística for apenas um
sinal e for percebida pelo receptor somente como tal, ela
não terá para ele nenhum valor linguístico”. Isso implica
dizer, segundo a interpretação que faz Araújo (2007), que
restringir-se à mera identificação da forma linguística nos
faz comprometidos apenas com a sinalidade, abrindo um
fosso expressivo entre o sinal e o signo. Dessa maneira,
sendo o sinal algo imutável, ele não substitui nem reflete
nada e, por esta razão, é preciso haver a interação para
que dela possa se extrair os significados atribuídos pelos
usuários aos signos da língua. Nesse sentido, para Bakhtin
([1929] 1981), a sinalidade constitui um componente da
276
“ESCREVO ABREVIADO PORQUE É MUITO MAIS RÁPIDO”:
O ADOLESCENTE, O INTERNETÊS E O LETRAMENTO
língua, já que o sinal existe na língua, mas quando é absorvido e reinterpretado pelas práticas humanas, como o
internetês, por exemplo, conforme explicado nas palavras
de Andréia acima, ascende à qualidade de signo.
Portanto, a atitude de utilizar conscientemente
essa variedade linguística escrita se mostra explícita entre
os alunos e está envolvida numa compreensão de que
essa atividade de escrita tanto facilita a comunicação, por
ser mais rápida de ser notada, como se adequa perfeitamente aos ambientes discursivos digitais. Assim, eles a
usam com tranquilidade e ainda transferem essa prática
para outras situações enunciativas corriqueiras, tais como
quando trocam bilhetinhos e cartas com os amigos. Esta
situação nos fornece, pois, os elementos necessários a fim
de que afirmemos o quanto se enganam aqueles que julgam os alunos como desconhecedores da distinção entre
a adequabilidade da notação escrita da língua na Internet e em outros espaços de interação, como a escola, por
exemplo. Em suma, pais e professores parecem não perceber quão letrados são esses adolescentes.
Quanto à dimensão afetiva, os alunos têm reagido
silenciosamente às recriminações que lhe são impostas
pelos adultos, geralmente pais e professores, demonstrando sentimentos de receio e até mesmo de medo. Quando
são repreendidos, com relação à escrita do meio digital,
eles acabam ficando calados, como podemos observar
por meio de alguns depoimentos sobre isso:
Bom, eu fico calada na minha [Flora (15)].
Não ligo o que dizem [Mara (13)].
Essas afirmações confirmam o sentimento de apreensão e de “medo” em que se encontram os alunos para
discutir sobre o internetês com seus pais e professores.
Em outras palavras, eles preferem ficar calados ou dizer
que não ligam quando são chamados à atenção. No entanto, o que pais e professores não estão sabendo é que
esse silêncio pode dizer muito mais do que eles imaginam. Basta atentarmos para o fato de que os adolescentes
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MESSIAS DIEB • FLÁVIO CÉSAR BEZERRA AVELINO
continuam utilizando, sem alarde, e apenas entre eles, as
notações da escrita aqui chamada de internetês. Isso é o
que nos mostram as falas transcritas abaixo:
Mesmo que falem, eu continuo usando, mas só
na internet [Maria (13)].
Eu sei que dizem que está errado, mas ainda assim
continuo usando [Elza (14)].
Eu tento me consertar, mas ainda assim continuo
escrevendo..., quando o material é meu, como por
exemplo o caderno, aí eu fico na minha, aí continuo escrevendo do mesmo jeito [Flora (15)].
Apesar do “mal-estar” de pais e professores, os adolescentes continuam usando o internetês. Entretanto, ao
que nos parece, quando eles decidem agir dessa maneira
não se trata apenas de uma transgressão de normas, como
é característico nos adolescentes, já que eles parecem observar a questão da adequabilidade na notação da escrita.
Nesse sentido, os estudantes demonstram que são, intuitivamente, bons praticantes em relação aos usos da língua
materna, isto é, possui um bom nível de letramento.
Algo que achamos muito interessante foi quando
uma das alunas afirmou que alguns de seus professores
também têm Orkut e que utilizam o internetês:
Tem alguns professores que até têm Orkut..... E
eles [os professores] escrevem com os mesmos
“errinhos” [Patrícia (14)].
Como podemos ver, os mesmos professores que
taxam o internetês como uma escrita errada, também a
utilizam, como mostra a fala de Patrícia (14). Esses professores não deveriam dizer aos alunos que essa escrita é errada, pois eles também a usam. O que realmente deve ser
feito é mostrar para esses alunos que não é errado o uso
dessa nova linguagem, desde que a utilize no ambiente
adequado: os espaços de escrita digital.
Com efeito, pelo que foi aqui discutido e analisado, pais e professores precisam atentar para o fato de que
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“ESCREVO ABREVIADO PORQUE É MUITO MAIS RÁPIDO”:
O ADOLESCENTE, O INTERNETÊS E O LETRAMENTO
não é reprimindo ou repreendendo os estudantes que
eles lhes darão a orientação necessária a uma interação
e/ou a um letramento satisfatórios. Afinal, como nos diz
Araújo (2008), a escola precisa aprender a abolir o medo
das novas linguagens e a refletir sobre onde e quando
devemos interagir por meio de cada uma delas. Se assim
não o fizer, segundo o mesmo autor, estará incorrendo
no lamentável equívoco de confundir a língua portuguesa
com suas inúmeras formas de notação escrita, as quais já
são de domínio real por parte dos seus praticantes, pelo
menos os que desta pesquisa participaram.
Considerações Finais
Neste capítulo, procuramos analisar a relação
que os adolescentes, notáveis e letrados consumidores e
produtores de gêneros digitais, estão construindo com o
internetês. Para isso, focalizamos, inicialmente, seu entendimento acerca desse novo uso da linguagem escrita,
depois, a relação que estabelecem entre a notação da escrita em ambientes digitais e a utilizada nas atividades
escolares e, por fim, suas atitudes frente ao “mal-estar” de
pais e professores acerca do internetês. Após essa discussão, foi possível chegarmos a algumas considerações, as
quais serão aqui expostas a título de aprendizagem construída a partir da análise dos dados.
No que diz respeito ao entendimento dos adolescentes acerca do internetês, pudemos constatar o quanto eles já sabem acerca dessa nova linguagem que vem
surgindo através da Internet. Os alunos demonstram uma
clara compreensão de que se trata de um modo mais rápido de comunicação escrita e que nada tem a ver com
outra língua. Trata-se apenas de um estilo diferente, abreviado e criativo de interagir com outras pessoas, por meio
da escrita. Em adendo, a referida prática passa longe de
trazer-lhes qualquer tipo de prejuízo, a não ser devido à
incompreensão, por parte da família e da escola, de que
o internetês implica a exigência de um alto nível de letramento, enquanto capacidade de bom uso da língua.
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MESSIAS DIEB • FLÁVIO CÉSAR BEZERRA AVELINO
No que concerne à notação da escrita em ambientes digitais e à utilizada nas atividades escolares, verificamos que os alunos já entenderam essa diferenciação e
não a praticam senão sob o efeito de um rápido descuido
ou esquecimento, como eles mesmos afirmam. Curiosamente, isto representa o seguinte problema: os alunos
compreendem muito mais sobre a adequabilidade da língua do que propriamente seus pais e professores. Por isso,
é importante salientar que os adolescentes percebem que
o modo como eles escrevem na Internet é próprio desse ambiente e que não deve migrar para outros espaços
enunciativos, a não ser que esse uso seja bem administrado, como é o caso dos bilhetinhos e cartas trocadas entre
eles. Nesse sentido, ainda que os alunos estejam adaptando o internetês para novas situações de seu cotidiano,
como já aludimos, eles dificilmente irão utilizá-lo em avaliações e trabalhos escolares, especialmente aqueles dos
quais dependem suas notas.
Quanto às atitudes dos alunos com relação ao “malestar” de pais e professores sobre o internetês, eles têm
demonstrado apreensão para levantar discussões sobre
o referido tema. Por isso, reagem silenciosamente a esse
sentimento, demonstrando que estão nitidamente decididos a não deixar, em nenhum momento, de utilizar a nova
forma de notação da escrita. No entanto, conforme inferimos, a reação dos adolescentes representa muito mais uma
satisfatória utilização da referida prática de linguagem por
parte deles do que uma simples transgressão de valores ou
de regras frente à postura autoritária dos adultos.
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