Edições UFC - Júlio Araújo
Transcrição
Edições UFC - Júlio Araújo
Gêneros, Interação e Ensino Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva Ministro da Educação Fernando Haddad Universidade Federal do Ceará REITOR Prof. Jesualdo Pereira Farias VICE-REITOR Prof. Henry Campos Conselho Editorial PRESIDENTE Prof. Antônio Cláudio Lima Guimarães CONSELHEIROS Profa Adelaide Maria Gonçalves Pereira Profa Ângela Maria Mota Rossas de Gutiérrez Prof. Gil de Aquino Farias Prof. Italo Gurgel Prof. José Edmar da Silva Ribeiro Diretor da Faculdade de Educação Luís Távora Furtado Ribeiro Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira Hermínio Borges Neto Chefe do Departamento de Fundamentos da Educação Nicolino Trompieri Filho Diálogos Intempestivos C OORDENAÇÃO E DITORIAL José Gerardo VasconceloS (EDITOR-CHEFE) Kelma Socorro Lopes de Matos Wagner Bandeira Andriola Conselho Editorial Dra Dra Dra Dr. Dra Dr. Dra Dra Dra Dr. Dr. Dra Dr. Dra Dra Dr. Dr. Dr. Dr. Dr. Dr. Ana Maria Iório Dias (UFC) Ângela Arruda (UFRJ) Ângela T. Sousa (UFC) Antonio Germano M. Junior (UECE) Antônia Dilamar Araújo (UECE) Antonio Paulino de Sousa (UFMA) Carla Viana Coscarelli (UFMG) Dora Leal Rosa (UFBA) Eliane dos S. Cavalleiro (UNB) Elizeu Clementino de Souza (UNEB) Enéas Arrais Neto (UFC) Francimar Duarte Arruda (UFF) Hermínio Borges Neto (UFC) Ilma Vieira do Nascimento (UFMA) Jaileila Menezes (UFPE) Jorge Carvalho (UFS) José Aires de Castro Filho (UFC) José Gerardo Vasconcelos (UFC) José Levi Furtado Sampaio (UFC) Juarez Dayrell (UFMG) Júlio Cesar R. de Araújo (UFC) Dr. Dra Dra Dra Dra Dra Dra Dra Dra Dr. Dr. Dr. Dr. Dra Dra Dra Dra Dra Dra Dr. Justino de Sousa Júnior (UFMG) Kelma Socorro Alves Lopes de Matos (UFC) Luciana Lobo (UFC) Maria de Fátima V. da Costa (UFC) Maria Izabel Pedrosa (UFPE) Maria Juraci Maia Cavalcante (UFC) Maria Nobre Damasceno (UFC) Marly Amarilha (UFRN) Marta Araújo (UFRN) Messias Holanda Dieb (UERN) Nelson Barros da Costa (UFC) Ozir Tesser (UFC) Paulo Sérgio Tumolo (UFSC) Raquel S. Gonçalves (UFMT) Sandra H. Petit (UFC) Shara Jane Holanda Costa Adad (UESPI) Silvia Roberta da M. Rocha (UFCG) Valeska Fortes de Oliveira (UFSM) Veriana de Fátima R. Colaço (UFC) Wagner Bandeira Andriola (UFC) JÚLIO CÉSAR ARAÚJO MESSIAS DIEB [organizadores] Gêneros, Interação e Ensino ANA CRISTINA LOBO-SOUSA CAMILA MARQUES PEIXOTO CARLA VIANA COSCARELLI DOROTÉA EMÍLIA RIBEIRO-SAYED EULÁLIA VERA LÚCIA FRAGA LEURQUIN FLÁVIO CÉSAR BEZERRA AVELINO FRANCISCA DAS CHAGAS SOARES REIS FRANCISCA MONICA DA SILVA HALYSSON DANTAS ILANA SNYDER JOÃO PAULO EUFRAZIO DE LIMA JÚLIO CÉSAR ARAÚJO LARISSA PEREIRA ALMEIDA MÁRCIA MARIA RIBEIRO MARILENE BARBOSA PINHEIRO MESSIAS DIEB OBDÁLIA SANTANA FERRAZ SILVA REGINA CLÁUDIA PINHEIRO RODRIGO ARAGÃO SAMUEL DE CARVALHO LIMA TATIANA LOURENÇO DE CARVALHO VALÉRIA MARIA CAVALCANTI TAVARES VICENTE DE LIMA-NETO Fortaleza 2009 Letramentos na Web: gêneros, interação e ensino © 2009 Júlio César Araújo e Messias Dieb (Orgs.) Impresso no Brasil / Printed in Brazil Efetuado depósito legal na Biblioteca Nacional TODOS OS DIREITOS RESERVADOS Editora Universidade Federal do Ceará – UFC Av. da Universidade, 2995 – Benfica – Fortaleza – Ceará CEP 60020-181 – Tel/Fax: (085) 3366.7439 / 3366.6766 / 3366.7499 Site: www.editora.ufc.br – e-mail. [email protected] Endereço da Faculdade de Educação Rua: Waldery Uchoa, no 1, Benfica – CEP 60020-110 Telefones: (85) 3366-7663/3366-7665/3366-7667 – Fax: (85) 3366-7666 Distribuição: Fone: (85) 3214-5129 – e-mail: [email protected] Normalização de texto Perpétua Socorro Tavares Guimarães Projeto Gráfico e Capa Carlos Alberto Alexandre Dantas Revisão Leonora Vale de Albuquerque Elisângela Oliveira Viana Editora filiada à Associação Brasileira das Editoras Universitárias Catalogação na Fonte L ??? Letramentos na Web: gêneros, interação e ensino. / Júlio César Araújo e Messias Dieb [organizadores]. – Fortaleza: Edições UFC, 2009. XXXp. ISBN: 978-85-7282-XXX-X 1. 2. I. Título. CDD: SOBRE OS AUTORES Ana Cristina Lobo-Sousa – Mestre em Linguística pelo PPGL da UFC, onde, com bolsa do CNPq, desenvolveu sua pesquisa no grupo Hiperged , do PPGL da UFC. <[email protected]> Camila Marques Peixoto – Doutoranda e mestre em Linguística pelo PPGL da UFC. Bolsista do Projeto CapesReuni e Membro do grupo Geforp, vinculado ao PPGL da UFC. <[email protected]> Carla Viana Coscarelli – Doutora em Linguística pela UFMG, onde leciona, desenvolve pesquisas e orienta dissertações e teses. Fez pós-doutorado no Departamento de Ciências Cognitivas da University of Califórnia San Diego. É pesquisadora do grupo “A Tela e o Texto” e do CEALE (Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita), ambos sediados na UFMG. <cvcosc@yahoo. com.br> Dorotéa Emília Ribeiro-Sayed – Graduada em Letras pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Membro do grupo de pesquisa Hiperged, vinculado ao PPGL. Professora da rede particular de ensino e da rede pública do Estado do Ceará. <[email protected]> Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin – Doutora em Educação pela UFRN. Professora e pesquisadora do PPGL e do Departamento de Letras Vernáculas da UFC. Desenvolve e orienta estudos sobre ensino, gêneros textuais e formação de professores de línguas. É coordenadora do grupo de pesquisa Geforp, vinculado ao PPGL da UFC. <[email protected]> Flávio César Bezerra Avelino – Graduado em Letras pela UERN. Membro do grupo de pesquisa Pradile (UERN – Campus de Assú). <[email protected]>. Francisca das Chagas Soares Reis – Mestranda em Educação pelo PPGEB da UFC. Membro do grupo de pesquisa Hiperged, vinculado ao PPGL da UFC. Professora do Colégio Militar de Fortaleza (CMF). <[email protected]> Francisca Monica da Silva – Mestre em Linguística pelo PPGL da UFC. Membro do grupo de pesquisa Hiperged, vinculado ao PPGL da UFC. É professora efetiva da rede estadual de ensino, lotada em Fortaleza. É tutora em cursos virtuais de Informática do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial - Senac/AR/Ceará. <[email protected]> Halysson Dantas – Mestrando em Linguística pelo PPGL da UFC. Professor do Colégio da Polícia Militar do Ceará. <[email protected]> Ilana Snyder – Pesquisadora e professora da Faculdade de Educação da University of Monash, Austrália. <ilana. [email protected]> João Paulo Eufrazio de Lima – Doutorando e Mestre em Linguística pelo PPGL da UFC. Membro do grupo de pesquisa Hiperged, vinculado ao PPGL da UFC. Email: <[email protected]> Júlio César Araújo – Doutor em Linguística pela UFC, onde trabalha como professor e pesquisador no PPGL e no Departamento de Letras Vernáculas, lecionando, desenvolvendo pesquisas e orientando dissertações e teses sobre hipertexto, gêneros digitais, novos letramentos e EaD. É coordenador do grupo de pesquisa Hiperged, vinculado ao PPGL da UFC. <http://www. julioaraujo.com> / <[email protected]> Larissa Pereira Almeida – Mestre em Linguística pelo PPGL da UFC. Membro do grupo de pesquisa Hiperged, vinculado ao PPGL da UFC. Professora substituta no Instituto de Cultura e Arte do curso de Comunicação Social da UFC e Professora do curso de Comunicação Social na Faculdade Integrada da Grande Fortaleza- FGF. E-mail: <[email protected]> Márcia Maria Ribeiro – Especialista em Ensino de Língua Portuguesa pela UECE, onde desenvolveu pesquisa sobre a influência dos gêneros digitais no processo de alfabetização de crianças. É Pedagoga pela UNIFOR e, atualmente, é professora da rede particular de ensino no município de Fortaleza–CE e membro do grupo de pesquisa Hiperged, vinculado ao PPGL da UFC. Email: <[email protected]> Marilene Barbosa Pinheiro – Mestre em Linguística pelo PPGL da UFC. Membro do grupo de pesquisa Hiperged, vinculado ao PPGL da UFC. Professora de Língua Portuguesa na rede pública de ensino no Ceará. <[email protected]> Messias Dieb – Doutor em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Professor Adjunto no Departamento de Educação da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Campus de Assú. Pesquisador do Núcleo de Pesquisas em Educação (NUPED) e do Hiperged, este último vinculado ao PPGL da UFC. <[email protected]>. Obdália Santana Ferraz Silva – Doutoranda e Mestre em Educação pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB), onde trabalha como professora titular no Departamento de Educação (Campus XIV). <[email protected]> Regina Cláudia Pinheiro – Doutoranda e Mestre em Linguística pelo PPGL da UFC e Especialista em Informática Educativa pela UECE. É professora da UECE, atuando no Centro de Educação, Ciências & Tecnologia, campus de Tauá. É membro do grupo de pesquisa Hiperged, vinculado ao PPGL da UFC. <rclaudiap@ yahoo.com.br> Rodrigo Aragão – Doutor em Linguística pela UFMG. É professor do Departamento de Letras e Artes na Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), em Ilhéus – Bahia onde coordena a implantação do Centro de Apoio Multimidiático ao Ensino de Línguas (CAEL) e o Projeto de Pesquisa e Geração de Tecnologia Educacional da Rede Pública de Ilhéus e Itabuna. Este último com apoio financeiro da FAPESB (Edital Educação 004/2007). É líder do grupo de pesquisa Formação de Professores e Tradutores e membro do grupo de pesquisa Hiperged (UFC). <[email protected]> Samuel de Carvalho Lima – Mestrando em Linguística pelo PPGL da UFC. Bolsista FUNCAP e membro do grupo de pesquisa Hiperged, vinculado ao PPGL da UFC. <[email protected]> Tatiana Lourenço de Carvalho – Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da UECE. Bolsista FUNCAP e membro do grupo de pesquisa Hiperged, vinculado ao PPGL da UFC. <[email protected]> Valéria Maria Cavalcanti Tavares – Mestre em Linguística Aplicada pela UECE. Professora do Colégio Militar de Fortaleza (CMF) e membro do grupo de pesquisa Hiperged, vinculado ao PPGL da UFC. E-mail: <[email protected]> Vicente de Lima-Neto – Mestrando em Linguística pelo PPGL da UFC. Bolsista CAPES e membro do grupo de pesquisa Hiperged, vinculado ao PPGL da UFC. <[email protected]>. Para Yuri Vítor Araújo, pelas descobertas dos letramentos na web. SUMÁRIO LIKANDO AS IDEIAS DOS TEXTOS Carla Viana Coscarelli 13 APRESENTAÇÃO Júlio César Araújo Messias Dieb 21 AME-OS OU DEIXE-OS: NAVEGANDO NO PANORAMA DE LETRAMENTOS EM TEMPOS DIGITAIS Ilana Snyder 23 PANORAMA DAS PESQUISAS SOBRE LETRAMENTO DIGITAL NO BRASIL: PRINCIPAIS TENDÊNCIAS Samuel de Carvalho Lima Vicente de Lima-Neto 47 PROJETO FORTE: FORMAÇÃO, REFLEXÃO E TECNOLOGIAS NO ENSINO DE INGLÊS NA BAHIA Rodrigo Aragão 58 O PROFESSOR DE ESPANHOL DIANTE DOS LETRAMENTOS DA WEB E A UTILIZAÇÃO DOS GÊNEROS DIGITAIS Tatiana Lourenço de Carvalho 82 O E-MAIL E O BLOG: INTERAÇÃO E POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS Francisca das Chagas Soares Reis 99 LETRAMENTOS QUE EMERGEM DA HIPERTEXTUALIDADE Ana Cristina Lobo-Sousa Júlio César Araújo Regina Cláudia Pinheiro 111 LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS ACADÊMICOS NO EAD: LETRAMENTOS E ENSINO NA WEB Camila Maria Marques Peixoto Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin 123 AS NOVAS EXIGÊNCIAS DO LETRAMENTO E A CONSTRUÇÃO DE UM AMBIENTE PROPÍCIO AO ENSINO DA LEITURA Valéria Maria Cavalcanti Tavares 137 ENTRE TEXTOS E HIPERTEXTOS: OS LETRAMENTOS E A CONSTITUIÇÃO DA AUTORIA NA UNIVERSIDADE Obdália Santana Ferraz Silva 153 LINKS ENTRE MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA, LETRAMENTO DIGITAL E HIPERTEXTUALIDADE EM EAD Francisca Monica da Silva João Paulo Eufrazio de Lima Júlio César Araújo 172 O ENDEREÇO ELETRÔNICO E AS PRÁTICAS DE ESCRITA NA WEB: AMPLIANDO A APRENDIZAGEM DA ORTOGRAFIA Márcia Maria Ribeiro Dorotéa Emília Ribeiro Sayed 189 WIKIPÉDIA E DICIONÁRIO ESCOLAR: LINKS ENTRE O LETRAMENTO DIGITAL E LETRAMENTO LÉXICOGRÁFICO Halysson Oliveira Dantas 210 MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS DOS PROPÓSITOS DE LEITURA DE HIPERTEXTOS: CONSIDERAÇÕES ACERCA DE LETRAMENTO DIGITAL Regina Cláudia Pinheiro Marilene Barbosa Pinheiro 235 CARTA-CORRENTE POR E-MAIL: EVIDÊNCIAS DO MEIO DIGITAL NO GÊNERO Larissa Pereira de Almeida 249 “ESCREVO ABREVIADO PORQUE É MUITO MAIS RÁPIDO”: O ADOLESCENTE, O INTERNETÊS E O LETRAMENTO DIGITAL Messias Dieb Flávio César Bezerra Avelino 264 LIKANDO AS IDEIAS DOS TEXTOS Carla Viana Coscarelli No artigo que escreveu para este livro, Snyder faz uma citação de Gibson com a qual eu gostaria de começar esse prefácio Uma das coisas que nossos netos irão achar muito estranho sobre nós é que distinguimos o digital do real, o virtual do real. No futuro, isso se tornará literalmente impossível. A distinção entre ciberespaço e o que não é ciberespaço se tornará inimaginável. [...] Agora, ciberespaço está aqui para muitos de nós, e lá tem se tornado qualquer estado de relativa desconectividade. Lá é onde eles não têm Wi-Fi. Vivemos o digital, somos o digital, fazemos o digital. Isso faz parte de nós, cidadãos inseridos no mundo contemporâneo, e se não faz ainda, deveria fazer, ou vai fazer logo. Sabendo que, como explica Gibson, a distinção entre digital e não-digital, entre real e virtual não faz mais sentido,1 precisamos entender e criar formas de nos apropriarmos, da melhor maneira possível, das ferramentas que o computador e suas redes disponibilizam, para que possamos fazer bom uso delas. Isso não pode ser diferente na educação. O computador já faz parte da escola de alguma forma, mas isso não significa que ele seja usado com propósitos educacionais, que ele esteja sendo bem usado e que esteja sempre gerando bons resultados. Há experiências muito produtivas tanto no ensino presencial, como mostram Ribeiro e Ribeiro-Sayed (no artigo que escreveram para este livro), quando na modalidade a distância, a respeito da qual Peixoto e Leurquin trazem re1 Em seu livro Life on the screen, Sherry Turkle (1995) faz uma discussão muito rica e profunda sobre cibercultura e vida real que reforça o ponto de vista de Gibson e de Snyder. 13 flexões interessantes neste volume, mas ainda precisamos saber como professores, alunos e instituições educacionais estão se apropriando dessas tecnologias. Além disso, precisamos saber que experiências têm gerado bons resultados, e que práticas precisam ser enriquecidas ou modificadas para serem consideradas eficientes. Como bem dizem Peixoto e Leurquin, neste volume, “não é transferindo ações didáticas utilizadas no ensino presencial que podemos garantir um ensino de qualidade; até porque o ensino presencial não vem garantindo bons resultados”. Isso nos obriga a repensar as práticas escolares cotidianas. Não adianta trazer o computador para a sala de aula, com programas sofisticados, se a concepção de aprendizagem continua sendo centrada no professor, na ideia de que os alunos vão aprender ouvindo, de que todos aprendem da mesma forma e que todos têm de aprender a mesma coisa no mesmo momento e da mesma forma. O computador disponibiliza muitos textos, encoraja com suas ferramentas a construção de textos mono ou multimodais. O computador é um meio de comunicação, diminui distâncias, pode aproximar as pessoas. Essas, entre tantas outras propriedades dessa máquina e das redes que se constroem com ela, podem nos ajudar a realizar a tarefa de formar aprendizes autônomos, curiosos e livres para buscar respostas para suas perguntas, críticos para avaliar as possíveis soluções e cooperativos para participar da construção do saber em rede. É bom lembrar que esses sempre foram ou deveriam ter sido objetivos da escola, o diferente hoje é que está mais fácil ter acesso à informação, o que pode ajudar, sensivelmente, na realização deles. Voltando à citação de Gibson, não precisamos pensar na existência de um ciberespaço que se contrapõe ao espaço de nossas vidas, mas assimilar a ideia de que vivemos o ciberespaço, de que ele é parte da nossa vida. Não precisamos pensar, no entanto, que este é um mundo novo e estranho que está entrando em nossa vida 14 sem nossa permissão e com o qual todo cuidado parece ser pouco. Pelo contrário, já estamos sonhando com esse espaço há alguns séculos2 e só agora estamos tendo condições de construí-lo, o que nos confere esse privilégio de poder participar de um momento tão rico na história da humanidade. Tendo vencido a fase do estranhamento e da resistência como já acontece com alguns professores, conforme mostra Carvalho (neste volume), precisamos entender melhor o que significa letramento digital e refletir sobre o que significa lidar com essas noções em contextos educativos. Precisamos refletir, como nos alertam Lobo-Sousa, Araújo e Pinheiro (também neste volume), sobre a hipertextualidade e suas diferentes manifestações para, se for o caso, defendermos a idéia de que precisamos considerar a necessidade de pensar em letramentos hipertextuais, O trabalho com gêneros textuais foi um passo preparatório para isso, uma vez que foi fruto da necessidade do trabalho com textos de forma mais significativa, trazendo para os alunos não só um bloco de palavras descontextualizado, mas a situação comunicativa que a leitura desse texto deveria envolver. O mesmo acontecendo com a escrita, em que o aluno precisa reconhecer a situação de comunicação, a função a que o texto deveria se prestar, os efeitos que deveria provocar, e assim escolher a forma mais adequada para atender a essas demandas. Com relação ao universo digital, precisamos saber ao certo o que sabem os professores sobre o computador, sobre seus usos, seu potencial e o que pode ser feito com ele para fins educacionais. Quem lida com a formação de professores, por sua vez, precisa, junto aos futuros professores, conhecer formas para o uso das tecnologias em sala de aula, seja presencial ou online, e desenvolver novas formas de usá-las, a fim de preparar os futuros professores 2 “A máquina permitia essa simultaneidade de “janelas”, isso é certo, mas a necessidade disso já era sentida antes, muito antes, quando Agostino Ramelli apresentava sua roda de livros mecânica, ainda na Idade Média.” (RIBEIRO, 2008) 15 para incorporar de forma efetiva essas tecnologias em suas práticas pedagógicas. Um fato interessante acompanha essa nova tecnologia: os jovens estão tendo um grande domínio dela antes mesmo de entrar para escola, muitos alunos dominam mais ferramentas que seus professores. Os alunos estão vivenciando a construção de uma linguagem para alguns ambientes digitais como MSN, Orkut, chats, entre outros, e sabem diferenciar onde esse uso é aceito e onde ele não deve ser usado, como mostram em seu artigo Dieb e Avelino. Isso nos obriga a repensar nossas práticas pedagógicas, pois, “na contramão do que pensam alguns pais e professores, os adolescentes estão aprendendo intuitivamente a realizar o que deveria lhes estar sendo ensinado pela escola: o amplo uso da linguagem escrita nas mais variadas situações enunciativas.” (DIEB e AVELINO, neste volume). Precisamos rever os objetos de ensino e as formas de fazer isso. Precisamos urgentemente admitir nossas muitas falhas nos cursos de formação de professores, já que ainda nos pautamos em práticas tradicionais de ensino, ainda temos uma visão muito preconceituosa da linguagem e de suas possibilidades, ainda não assimilamos uma visão mais plural da noção de letramento, ainda temos muito medo do novo e temos dificuldade de desenvolver a autonomia da aprendizagem nos nossos alunos e de promover a aprendizagem colaborativa, porque ainda não conseguimos nos livrar das aulas expositivas centradas no professor em ambientes presenciais. Será que sabemos o que precisamos ensinar aos nossos alunos? O que eles sabem? O que precisam saber? O que é papel da escola ensinar e o que os alunos devem aprender em casa ou em outros ambientes? Essas são questões para as quais precisamos encontrar respostas atualizadas. Não podemos contar com o saber que adquirimos nos nossos tantos anos de experiência como professores. Os alunos são outros, os saberes e necessidades também e o modo de fazer não pode continuar sendo o mesmo. 16 Precisamos ter informações atualizadas sobre nossos alunos, sobre a tecnologia e sobre a vida fora da escola, a fim de poder, no ambiente formal de ensino-aprendizagem, lidar da melhor forma possível com a tecnologia, buscando familiarizar nossos alunos com as mais diversas práticas discursivas que a vida contemporânea pode exigir deles, contribuindo assim mais efetivamente para sua formação. Nem todas as questões que se apresentam, no entanto, são novas. Velhos problemas continuam demandando atenção, como é o caso da adequação da linguagem e o domínio de variantes de diferentes níveis de formalidade (inclusive o registro formal) e apropriadas para o público e a situação comunicativa. Outra questão antiga que vem novamente a tona é a da autoria. Como nos lembra Silva, em seu artigo neste volume, a cópia, agora mais fácil que antes, aponta para a necessidade de discutirmos com os alunos sobre “ética, criatividade e criticidade para a construção do conhecimento”. Os artigos aqui apresentados trazem, tanto para professores de língua materna quando para professores de línguas estrangeiras, questões que merecem muita reflexão. Em seu ponderado artigo, Snyder discute a polaridade das discussões sobre o uso das novas tecnologias para propósitos educacionais nos levando a refletir se devemos ou não usar a tecnologia para fins educacionais. Ela defende a integração do letramento impresso e do letramento digital, dizendo que não há necessidade de escolhermos um ou outro, mas de assumirmos a união dos dois tomando como base para isso uma ampliação do conceito de letramento. É um texto que estimula o leitor a rever o conceito de letramento e as práticas educativas face às novas tecnologias. Lima e Lima Neto nos apresentam, com base no portal virtual da CAPES, um panorama das pesquisas sobre letramento digital no Brasil e nos ajudam a descobrir as tendências das pesquisas sobre esse tema no país. 17 Discussões acerca da relação entre as tecnologias e ensino de línguas estrangeiras estão representadas aqui nos textos de Aragão e de Carvalho. Aragão apresenta o Projeto FORTE, que tem como principal objetivo desenvolver o letramento digital de professores e alunos bolsistas de graduação, a partir de experiências práticas de uso das tecnologias. Carvalho, por sua vez, apresenta uma pesquisa sobre o letramento digital de professores de espanhol de cursos livres e sobre os usos que eles fazem do computador em sua prática pedagógica, a fim de verificar se o mito do professor que vê o computador como uma ameaça à educação ainda se sustenta nesses casos. Em seu texto, Soares-Reis apresenta reflexões sobre aprendizagem colaborativa e o desenvolvimento da autonomia, por meio do uso de e-mails e blogs. Esses e outros gêneros são tomados por Lobo-Sousa, Araújo e Pinheiro para discutir as noções de hipertexto, hipertextualidade nos levando a repensar não só esses conceitos, mas também a idéia de letramento digital, levantando a necessidade de pensarmos em letramentos hipertextuais, que englobaria uma diversidade de hipertextos que podemos encontrar na Web. Peixoto e Leurquim por sua vez, narram a experiência de construção de aulas virtuais para a disciplina Leitura e produção de textos lembrando-nos de que um material adequado para um ambiente virtual não deve ser uma simples transposição do material impresso, mas precisa usar o potencial interativo das ferramentas desse ambiente, assim como explorar as possibilidades multisemióticas que ele oferece. O artigo de Tavares faz coro com essas autoras, mostrando que o leitor deve desenvolver as habilidades de avaliar e analisar críticamente as informações disponíveis em ambientes digitais, além de ser capaz de navegar nos hipertextos, integrando gráficos, imagens, sons, vídeos. Ambientes virtuais de aprendizagem também são alvo de discussão nos artigos de Silva e de Silva, Lima e Araújo. Silva nos lembra que este é um momento propí18 cio para refletirmos sobre o papel da escola como agência de letramento, que, para isso, deveria incorporar em sua rotina o desenvolvimento de práticas colaborativas. Silva, Lima e Araújo, por sua vez, mostram como mecanismos hipertextuais presentes em chats podem ser usados com fins pedagógicos, a fim de estimular a interação em ambientes virtuais de aprendizagem. Esses autores observam que professores e tutores precisam conhecer bem a tecnologia e os recursos que ela oferece para serem capazes de estimular o “uso funcional do maior número possível dessas ferramentas, promovendo o letramento digital do aluno”. Ribeiro e Ribeiro-Sayed, apresentam uma experiência prática de como os professores podem usar endereços eletrônicos para ajudar os alunos a aprender e refletir sobre a ortografia, mostrando também que a convivência entre o papel e o digital pode ser pacífica e que ambos os universos se complementam. Analisando a necessidade que o hipertexto aponta de darmos mais atenção para questões de lexicografia como os mecanismos de remissão em verbetes, Dantas nos mostra como os estudos dos ambientes digitais dão margem para muitas pesquisas e estudos, como a usabilidade, a navegabilidade, formas de o texto colaborar com as estratégias de leitura do leitor, mostrando que há, nos ambientes digitais, novas formas de interação com os textos, mas que também há muitas semelhanças com o impresso, corroborando as ideias defendidas por Snyder, e por outros autores de artigos deste volume, de que temos uma relação de continuidade entre digital e impresso e não uma ruptura. Essa noção de continuidade também pode ser vista no texto de Pinheiro e Pinheiro, em que as autoras narram um experimento de leitura de hipertexto por leitores proficientes, bem como no texto de Almeida, em que ela analisa as cartas-correntes, mostrando as transformações desse gênero, que antes era impresso ou manuscrito, em um gênero que circula em ambientes digitais, ganhando algumas novas propriedades. 19 Para concluir o livro, o capítulo de Dieb e Avelino nos alerta para o fato de que muitas vezes precisamos mudar nosso olhar para realmente perceber o que está acontecendo. Alguns ambientes da Internet possibilitam o uso de uma linguagem que se diferencia do padrão já aceito em nossa sociedade, provocando reações diversificadas, incluindo a desaprovação de algumas pessoas, que não percebem que os frequentadores desses ambientes, normalmente usuários dessa linguagem, desenvolveram um letramento específico para essa situação. Esses autores levantam a questão dos “cursos de formação de professores que ainda não estão suficientemente adequados para auxiliá-los nesse desafio, discutindo como aproveitar e ampliar as oportunidades de interação de acordo com as transformações do mundo contemporâneo”. Os textos desse livro, portanto, nos ajudam a entender melhor o mundo digital e a pensar formas de realmente incorporá-lo ao universo educacional do qual ele precisa fazer parte e para o qual ele tem muito a contribuir. janeiro/2009 Universidade Federal de Minas Gerais Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos Referências Bibliográficas RIBEIRO, A.E. Hipertexto e Vannevar Bush. Informação & Sociedade. Est., João Pessoa, v.18, n.3, p. 45-58, set./ dez. 2008. TURKLE, S. Life on the screen. New York: Touchstone, 1995. 20 APRESENTAÇÃO O livro Letramentos na web: gêneros, interação e ensino se configura como um projeto bem-sucedido de interação e diálogo, capitaneado pelo grupo de pesquisa Hiperged, do Programa de Pós-Graduação em Linguística (PPGL) da Universidade Federal do Ceará (UFC), entre vários outros grupos de pesquisa e entre universidades, tanto do Brasil como do exterior. Nele se encontra a colaboração de alunos da graduação e da pós-graduação e pesquisadores já renomados, nacional e internacionalmente, tal como a profa. Dra. Ilana Snyder, da Monash University – Austrália. O texto da pesquisadora retoma as discussões de sua conferência no I Colóquio sobre Hipertexto, evento idealizado pelo Hiperged, que aconteceu na UFC, em julho de 2008.1 Além do texto da Snyder, a maioria dos trabalhos que compõem o livro resulta de reflexões suscitadas pela disciplina Letramentos na web, ministrada como Tópicos Avançados I, no semestre 2008.1, no PPGL da UFC.2 Os autores desses trabalhos são os alunos que cursaram a citada disciplina, tanto na condição de regularmente matriculado nos cursos de mestrado e doutorado em Linguística como na de aluno especial. Nesse sentido, pode-se dizer que o presente livro é uma contribuição efetiva não apenas do Hiperged, mas também do PPGL da UFC que, ao ofertar disciplinas como a referida acima e apoiar pesquisas sobre linguagem e tecnologia como as que desenvolvem os membros do grupo, trazem a lume importantes reflexões acerca dos novos letramentos demandados pelas diversas práticas de linguagem ambientadas na Internet. 1 Por iniciativa do grupo Hiperged, o CHIP aconteceu graças a parceria dos Programas de Pós-Graduação em Linguistica da UFC, do Programa de Pós-Graduação em Linguistica Aplicada da UECE e do Programa de Pós-Graduação em Linguistica Aplicada da Unicamp. 2 A disciplina foi ministrada pelo Prof. Dr. Júlio Araújo, co-organizador do presente volume e coordenador do grupo de pesquisa Hiperged. 21 Com efeito, assinar a organização deste livro representou para nós uma experiência extremamente prazerosa, haja vista a amizade e o companheirismo dos colegas autores, que conosco empreenderam esta obra, ter sido o grande combustível para chegarmos até aqui. Por isso, gostaríamos de tecer um caloroso agradecimento aos membros do Hiperged, participantes ou não deste livro. Também queremos agradecer aos membros que atuam em outras universidades, como a profa. Dra. Carla Coscarelli (UFMG) cuja disponibilidade para escrever o prefácio do livro em pleno gozo de suas férias não tem preço e a prof. Dra. Antônia Dilamar Araújo (UECE) pela generosidade de suas palavras na orelha do livro. Além delas, agradecemos ao prof. Dr. Rodrigo Aragão (UESC), à prof. Ms. Obdália Santana Ferraz Silva (UNEB) e à profa. Dra. Ilana Snyder (Monash University) por, na condição de pesquisadores do grupo, aceitar nosso convite para fortalecer o diálogo sobre os novos letramentos na web. Por fim, queremos agradecer ao prof. Dr. Gerardo Vasconcelos (FACED/UFC) que, na condição de idealizador da coleção Diálogos Intempestivos, nos permite levar a você, caro leitor, as reflexões que realizamos no Hiperged e que são extensivas a algumas disciplinas do PPGL. Desse modo, esperamos que com sua leitura atenta e exigente possamos ampliar cada vez mais essas discussões, a fim de que os letramentos na web não sejam apenas a condição de poucos, mas a realidade de todos. Júlio César Araújo (UFC) Messias Dieb (UERN) Fortaleza – CE, fevereiro de 2009. 22 AME OS OU DEIXE OS: NAVEGANDO NO PANORAMA DE LETRAMENTOS EM TEMPOS DIGITAIS1 Ilana Snyder No passado, na década de 90, a escrita e o discurso acadêmicos sobre novas mídias frequentemente incluíam uma referência ao escritor de ficção científica Willian Gibson. Receio ainda estar presa a essa tendência. É à capacidade de Gibson de criar novas palavras e de dar novos significados às antigas que eu chamo atenção. Ele nomeou alguns dos critérios culturais da sociedade tecnológica em que vivemos. Em Neuromancer, publicado em 1984, Gibson cunhou a palavra ciberespaço, que ele explicou como sendo uma matriz de “sistema brilhante de vigas cruzadas de desdobramento lógico através do vácuo sem cor” (GIBSON, 1986, p. 11) – uma “alucinação consensual” (GIBSON, 1986, p. 12). Em seus mais recentes romances, Pattern Recognition e Spook Country, Gibson (2003, 2007) mudou-se do território da ficção científica e se estabeleceu, de modo quadrado, no presente. Spook Country é povoado por “facilitadores ilegais”, revistas não existentes, terrorismo, piratas, viciados em heroína, negociantes dementes de arte e de armas de destruição em massa. Como sempre, as personagens femininas são brilhantemente desenhadas. Nesta ocasião, é Hollis Henry, uma jornalista investigativa de uma revista chamada Node, que ainda não existe. Em Pattern Recognition, é Cayce Pollard, uma caçadora moderada, cujos clientes querem saber o que funcionará comercialmente e pagarão a ela muito dinheiro para descobrir. 1 Versão ampliada da conferência de encerramento do Chip (Colóquio sobre Hipertexto), realizado pelo grupo de pesquisa Hiperged (UFC) em parceria com os Programas de Pós-Graduação em Linguística da UFC, Linguística Aplicada da UECE e Linguística Aplicada da Unicamp, no dia 24 de julho, na cidade de Fortaleza-CE. Tradução de Samuel de Carvalho Lima (UFC). Revisão Técnica de Carla Viana Coscarelli (UFMG) e Júlio César Araújo (UFC). 23 ILANA SNYDER Quando Spook Coutry foi lançado no ano passado, Andrew Leonard (2007) do Rolling Stone perguntou a Gibson se ele tinha perdido o interesse pelo futuro. Gibson respondeu: Tem a ver com a natureza do presente. Se alguém tivesse ido conversar com uma editora, em 1997, sobre um enredo para um romance de ficção científica que situasse verdadeiramente o cenário para o ano 2007, ninguém compraria algo do tipo. É complexo demais, com muitos tropos enormes de ficção científica: aquecimento global; a mortal, sexualmente transmitida deficiência do sistema imunológico; os Estados Unidos, atacados por terroristas loucos, invadindo o país errado. Qualquer um desses teria sido mais do que adequado para um romance de ficção científica. Mas se você sugerisse fazer todos eles e apresentá-los como um futuro imaginário, eles não apenas iriam mostrar a porta a você, mas também provavelmente chamariam a segurança. Quando Leonard perguntou: quais são os maiores desafios que nós enfrentamos? Gibson respondeu: “Vamos por aquecimento global, apogeu do petróleo e computação ubíqua”. Dos três desafios de Gibson, “computação ubíqua” tem a maior saliência para a educação do letramento nos tempos digitais. Em Spook Country, Gibson usa o termo para capturar a nova ontologia, mas ele não o inventou. “Computação ubíqua” é atribuído a Mark Weiser que trabalhou na Xerox no final da década de 80. Uma outra possível fonte é o romance Ubik, de 1969, escrito pelo formidável escritor de ficção científica, Philip K. Dick, cujo trabalho Gibson sempre admirou. Contudo, em Spook Country, Gibson atribui à “computação ubíqua” um novo significado e importância. Explica Gibson: Uma das coisas que nossos netos irão achar muito estranho sobre nós é que distinguimos o digital do real, o virtual do real. No futuro, isso se tornará literalmente impossível. A distinção entre ciberespaço e o que não é ciberespaço se tornará 24 AMEͳOS OU DEIXEͳOS: NAVEGANDO NO PANORAMA DE LETRAMENTOS EM TEMPOS DIGITAIS inimaginável. Quando escrevi Neuromancer, em 1984, ciberespaço já existia para algumas pessoas, mas eles não gastavam todo seu tempo lá. Então, ciberespaço estava lá, e nós estávamos aqui. Agora, ciberespaço está aqui para muitos de nós, e lá tem se tornado qualquer estado de relativa desconectividade. Lá é onde eles não têm Wi-Fi. Em um mundo de computação superubíqua, você não vai saber quando você está conectado e quando você está desconectado. Você sempre estará conectado, em algum tipo de estado de realidade coligada. Você apenas pensa sobre isso quando alguma coisa dá errado e fica desconectado. Daí, essa coisa se torna um empecilho. Nós ainda não alcançamos o estado da computação ubíqua, mas, novamente, Gibson está ciente de algo. É uma idéia que podemos guardar, achar difícil de compreender e reexaminar ao passo que o panorama do textual e da comunicação continua a mudar rapidamente, dramaticamente e de maneiras imprevisíveis. Na entrevista a Rolling Stone, Gibson também sugeriu que estivéssemos vivendo no que a teoria pósmoderna de Fredric Jameson chama de “apreensão simultânea de temor e êxtase” ou, como eu expressei no título deste artigo, uma condição de ambos “amar e detestar” as novas mídias. Um estado de extrema ambivalência, a meu ver. Posições polares sobre o uso das novas tecnologias para propósitos educacionais são familiares para todos nós. Em um extremo, há os promotores do último estouro tecnológico inteligente, celebrações da vida online e predições da otimização do ensino e aprendizagem quando a mais avançada tecnologia aparecer. No outro, há a ninharia nostálgica a favor do livro e da cultura do livro, críticos violentos dos computadores, dos vídeos-game e da internet, e expressões de pânico moral sobre os perigos à espreita das crianças no ciberespaço. Textos que admitem tais posições extremas têm um impacto cultural enorme, moldando as formas que 25 ILANA SNYDER nós pensamos sobre as novas tecnologias. Sendo tanto consumidores da cultura quanto professores do letramento, nós precisamos ser capazes de identificar esses textos, entendê-los e achar formas efetivas de lidar com eles em nossas salas de aula. Por quê? Porque isso é parte da nossa responsabilidade profissional em tempos digitais. Retornarei a esse argumento em breve, mas primeiro vamos dar uma olhada em alguns exemplos de textos que celebram ou demonizam as novas tecnologias. Textos que celebram as novas tecnologias são muito fáceis de encontrar. A capa da revista Time, que anunciou a pessoa do ano em Dezembro de 2006, é um exemplo clássico. Na capa, havia um computador de mesa com um espelho no lugar de sua tela. Lia-se no título: “Você. Sim, você. Você controla a Era da Informação. Bem-vindo ao seu mundo”. Aquela edição de Natal reverenciou as pessoas que estavam mudando a natureza da era da informação – os criadores e consumidores do conteúdo gerado pelo usuário que está transformando a arte, a política e o comércio. O Editor Chefe, Richard Stengel (2006, p. 4), disse que eles são “os cidadãos engajados da nova democracia digital”. Vinte e sete páginas da revista foram dedicadas à emocionalmente excitante Web 2.0 – um termo usado mais ou menos de forma permutável com a mídia social nesses dias. Embora estabelecer uma rede de contatos e interagir online tenham sido disponíveis desde o lançamento da Web no começo dos anos 90, os avanços na tecnologia têm possibilitado que ferramentas de programas sociais, como os blogs, os wikis e a conferência virtual agora também permitam aos usuários carregar fotos, vídeos e músicas. Como o crescimento extraordinário da Wikepedia, MySpace, FaceBook, You Tube e Twitter tem demonstrado, mídias sociais é o que importa hoje – pelo menos até uma próxima tecnologia melhor aparecer. O fragmento introdutório na Time declara que a Web 2.0 proporciona às pessoas comuns oportunidade de “construir um novo tipo de compreensão internacional” 26 AMEͳOS OU DEIXEͳOS: NAVEGANDO NO PANORAMA DE LETRAMENTOS EM TEMPOS DIGITAIS (GROSSMAN, 2006, p. 25). Isso foi seguido por quinze descrições de cidadãos da nova democracia digital, incluindo Leila, a real Loneleygirl 15, uma das mais vistas pelos usuários do You Tube, que é um trabalho de ficção criado por dois roteiristas de cinema profissionais e uma atriz da Nova Zelândia. Em seguida, duas páginas sobre o poder de alguém, com uma câmera digital, “mudar a história” (PONIEWOZIK, 2006, p. 44), iniciando com a estória do espectador curioso que filmou a polícia batendo em Rodney King. Isso tudo seguido de um fragmento maior que celebrou os “gurus” do You Tube, Chad Hurley e Steve Chen, “um casal de rapazes comuns” que criaram a companhia que “mudou a maneira como nos vemos” (CLOUD, 2006, p. 46-47). Qualquer presença de crítica foi deixada para as últimas duas páginas: um fragmento questionou a celebração de si, intrínseca para a geração atual, e a outra lamentou o “vasto crescimento na quantidade e qualidade da mudança de rumo do lixo puro, mesmo quando medido em relação à escória da banca de jornal e ao espectro do cabo” (JOHNSON, 2006, p. 55). A saudação de Time para os cidadãos do ciberespaço pela Pessoa do Ano em 2006 foi parte da tradição da escrita sobre novas tecnologias que não é exclusiva das mídias impressas. Primeiramente, foi o hipertexto, daí, foi a Internet e o World Wide Web, agora é a Web 2.0, com pessoas realmente ponderadas falando sobre a Web 3.0. Entusiastas dotam novas mídias com promessas utópicas e discutem-nas de forma comemorativa. A esperança é para a mudança social e cultural impulsionada pelas últimas tecnologias de informação e comunicação. Dois escritores de livros populares em novas mídias, Ted Nelson e Howard Rheingold, consubstanciam esse gênero. Em Dream Machines, Ted Nelson (1978) imaginou a World Wide Web antes que a tecnologia que a torna possível estivesse disponível. Nomeando seu projeto em homenagem ao poema Xanadu de Coleridge, ele conjetura um sistema que possibilitaria o armazenamento 27 ILANA SNYDER da herança humana por inteiro, tornando-a mais acessível do que nunca. Sua explicação para o propósito do Xanadu era imbuída de fervor utópico: “Nosso objetivo no projeto Xanadu não foi satisfazer as necessidades da indústria, ou fazer as coisas acontecerem um pouco mais rapidamente ou eficientemente. Nós mesmos fomos o único exato objetivo: criar um novo mundo” (NELSON, 1992, p. 56-57). No The Virtual Community, Howard Rheingold (1995) descreve uma comunidade onde as pessoas conversam, discutem, procuram por informação, organizamse politicamente, apaixonam-se e enganam outras – a seus olhos, tão real e diverso como qualquer comunidade física. Em Smart Mobs (2002), Rheingold olhou para a convergência da cultura popular, a mais recente tecnologia e o ativismo social como o real impacto das tecnologias móveis tais como telefones e computadores portáteis. Os livros de Rheingold repercutem o tom distinto da edição especial de Time. O gênero comemorativo também se torna saliente na imprensa. Quando jornalistas escrevem sobre as novas mídias e educação, eles frequentemente concentram-se em como as tecnologias estão mudando as escolas para melhor. Quando a escola do futuro de Bill Gates abriu em Setembro de 2006, ela foi reportada como uma oportunidade da Microsoft de “provar que ela podia ajudar a consertar a calamidade da educação pública” (YAO, 2006). A escola foi descrita como “um vislumbrante recurso transparente e moderno olhando cuidadosamente os lugares entre as filas de lares caindo aos pedaços em um bairro de trabalhadores no oeste da Filadélfia”. Ela tem um edifício de alta tecnologia, laptops, acesso sem cabo (wireless), fechaduras digitais, quadros inteligentes e interativos, e um processo de aprendizagem modelado nas técnicas de administração da Microsoft. Os alunos são “aprendizes”, os professores são “educadores” e não há biblioteca, mas um centro interativo de aprendizagem onde a informação é digital e as especialistas multimídias ajudam os estudantes com suas dúvidas. 28 AMEͳOS OU DEIXEͳOS: NAVEGANDO NO PANORAMA DE LETRAMENTOS EM TEMPOS DIGITAIS Exemplos de textos que demonizam as novas tecnologias são igualmente fáceis de serem encontrados. Os detratores da tecnologia prevêem a morte do livro, que é vista por eles como sinônimo da morte da civilização. Eles descrevem seu amor pelo livro impresso, as primeiras memórias da leitura na infância, subsequente hábito e contínuo romance, reforçado pelos prazeres da propriedade. Novas formas de escrita são disseminadas como uma ameaça à santidade da língua inglesa. Um exemplo antigo desses tipos de textos foi o Guttenberg Elegies, de Sven Birkert, publicado em 1994. Birkert escreveu de maneira bastante elegante sobre a ameaça da cultura do hipertexto. Um outro livro, dessa vez escrito por um autor australiano, John Nieuwenhuizen, foi publicado em 1997. Em Asleep at the Wheel: Australia on the superhighway, Nieuwenhuizen adverte sobre os perigos de seguir o itinerário da auto-estrada da informação (information superhighway). Você se lembra do primeiro presente linguístico de Al Gore para o mundo, antes de Uma Verdade Inconveniente (An inconvenient truth)? Foi a auto-estrada da informação, uma metáfora que, desde então, tem sido suplantada pela noção das redes de computadores. A “computação ubíqua” será o próximo caminho a se pensar sobre o acesso à tecnologia? Os escritores desses textos associam o uso das tecnologias digitais com a trivialidade e a grosseria da cultura popular argumentando que as novas tecnologias tais como jogos de computador não têm espaço algum na educação do letramento. A Internet está em algum lugar em que as crianças e os jovens talvez passem seu tempo fora das horas que passam na escola, mas isso não justifica seu uso na educação formal. Os detratores também expressam sua profunda preocupação com o acesso aberto das crianças às indesejáveis fontes e informações por meio da Internet. Em um artigo no The Age, um jornal diário em Victoria, Austrália, pertencente à Fairfax Media Limited, 29 ILANA SNYDER Pamela Bone (2004) disse: “[s]e a leitura decair então todos nós decaímos”. Escrevendo em resposta à sugestão de um outro comentarista que “na cultura de hoje, as habilidades de um letramento elegantemente efetivo não são simplesmente tão importante quanto elas um dia foram... por fazer seu caminho no mundo”, Bone argumentou que apenas os livros proporcionam os recursos para explorar o significado da vida. Uma leitura séria demanda “tempo e paciência” e “solidão” que é “contra o espírito dessa era hiperativa”. Bone associa a profundidade com livros e a superficialidade com as novas mídias – seu temor era que uma geração iletrada se erguesse das mensagens de texto, da navegação da Internet e dos vídeos-game. Contudo, nem todas as celebrações do livro e da cultura do livro são tão afáveis como os exemplos oferecidos até agora. A preferência cultural prolongada pelo livro e a tecnologia impressa é uma dimensão ideal da desaprovação conservadora dirigida ao ensino de inglês e aos currículos na Austrália. Uma questão, no ano de 2005, sobre os exames de inglês avançado ano 12 no Novo Sul do País de Gales, Austrália, ofereceu aos estudantes “uma escolha de ‘textos’ para análise, incluindo o site do ATSIC (Aboriginal and Torres Strait Islander Commission), esboçando o julgamento que sua inclusão era um insulto aos clássicos” (LANE, 2005). Um currículo estadual que reconheceu a importância de ensinar aos alunos como avaliar criticamente os espaços das novas mídias foi veementemente atacado. No dia seguinte “Sticking to the book” era o cabeçalho do editorial do Australian (2005). O editorial atacou os estudantes que tinham denunciado as críticas dos cursos de inglês e seus professores como reportou em Sydney Morning Herald. O editorial argumentou que embora a análise crítica possa ser um componente fundamental de qualquer curso de inglês: “livros – não blogs, nem a coisa efêmera digital, mas livros” devem ser utilizados para estudo. Profundamente conectado com textos que vêem as novas tecnologias como produtoras apenas de consequ30 AMEͳOS OU DEIXEͳOS: NAVEGANDO NO PANORAMA DE LETRAMENTOS EM TEMPOS DIGITAIS ências culturais negativas está um forte sentimento de inquietação. Tais medos não são novos. Desde os primeiros dias da televisão, houve preocupação sobre os efeitos da TV nas crianças, na educação, no letramento e na cultura, bem como recomendações feitas para o controle de seu conteúdo e para a supervisão rigorosa. Cada tecnologia sucessiva tem sido vista como tendo uma influência negativa nas crianças – por sancionar valores inapropriados e por representar experiências assustadoras e violentas. Não é surpresa alguma que existam inquietações semelhantes em relação ao acesso da criança à Internet, ao ciberespaço e aos jogos de computador, considerado extensamente como inerentemente perigoso exceto se controlado. O papel dos governos e das escolas para regular as novas tecnologias nos interesses das crianças vulneráveis está no centro do interesse público. Então, quando a acadêmica Victoria Carrington (2005) foi entrevistada no rádio sobre a estudante escocesa de 13 anos de idade que enviou sua experiência escrita em caracteres usando seu telefone celular, as perguntas da jornalista levaram a uma direção particular: My smmr hols wr CWOT. B4, we used 2go2 NY 2C my bro, his GF & thr 3 : – kids FTF. ILNY, it’s a gr8 plc’. Tradução: Minhas férias foram uma total perda de tempo. Antes, nós íamos a Nova York para ver meu irmão, sua namorada e seus três filhos engraçados cara a cara. Eu amo Nova York. É um lugar formidável (My summer holidays were a complete waste of time. Before, we used to go to New York to see my brother, his girlfriend and their three screaming kids face to face. I love New York. It’s a great place). A jornalista perguntou a Carrington sobre o estilo distinto dos caracteres comparando-os com a forma correta de escrita e a correta gramática, e então procedeu a vincular essa produção com a juventude, o declínio de 31 ILANA SNYDER padrões, o empreendimento acadêmico empobrecido e o desarranjo social. Quando Carrington analisou um número de artigos impressos discutindo essa forma de produção textual, ela achou que os jovens e os padrões estão muito mais frequentemente representados como precisando de proteção de um vício que poderia pôr em perigo seus sucesso em exames e seu futuro educacional. Tomando um outro exemplo: Quando dois alunos de dezesseis anos no ensino médio foram encontrados mortos no Dandenong Ranges, leste de Melbourne, a imprensa relacionou o suicídio ao MySpace. Com uma imagem de duas garotas e sua última mensagem, “Descansem em paz, Jessica & Mel” (nomes fictícios), postada em seu website, a inferência foi de que a Internet é um lugar perigoso para os jovens (ex. CUBBY; DUBECKI, 2007). Através da inserção da palavra “MySpace”, os jornalistas fizeram a estória parecer emocionante. Contudo, todas as evidências sugeriram que as garotas não cometeram suicídio porque elas escreveram sobre depressão na Internet. Elas escreveram sobre depressão na Internet porque MySpace era um lugar para a expressão de si mesmo e a comunicação como ele ainda o é para muitos outros jovens. Um grau de cautela e perspectiva crítica sobre as tecnologias digitais é conveniente e apropriado. Sem dúvidas, as tecnologias tais como a Internet e a produção de caracteres permitiram certos comportamentos sociais indesejáveis e deram a algumas pessoas o anonimato que elas precisavam para ludibriar o suscetível. Contudo, as crianças podem se tornar presas se colocadas em qualquer lugar que elas escolham para divertimento, e os professores podem ser vítimas de coação, através do website ou em uma carta anônima endereçada ao seu superior. A história sugere que um senso de preocupação e pânico moral é injustificado uma vez que as velhas tecnologias também têm sido usadas para vincular as crianças com conteúdo adulto inapropriado e publicidade agressiva. Riscos podem ser exagerados com a finalidade de se ter uma estória, mas produzir um pânico 32 AMEͳOS OU DEIXEͳOS: NAVEGANDO NO PANORAMA DE LETRAMENTOS EM TEMPOS DIGITAIS moral não informa ou conduz ao debate sensato público ou à orientação política. Como sugeri antes, em tempos digitais onde textos que assumem posições extremas sobre as novas tecnologias representam um aspecto dominante do nosso panorama cultura, temos um conjunto de responsabilidades adicional. Precisamos nos assegurar que nossos alunos adquiram competência crítica para que compreendam o panorama do letramento contemporâneo e então possam participar efetivamente na vida após a escola e no trabalho como cidadãos informados e ativos. Proporcionar oportunidades cuidadosamente estruturadas para os alunos desenvolverem as habilidades do letramento e um forte senso de ceticismo instruído é mais importante do que nunca. Para ser capaz de fazer bem esse trabalho, é útil considerar o conhecimento que os pesquisadores têm acumulado na área de estudo sobre letramento e tecnologia. Primeiramente, as diferentes formas de pensar a tecnologia que têm tido um impacto significante na maneira que a tecnologia é representada. Segundo, há muito para ser aprendido a partir do exame dos resultados das pesquisas na área de estudos do letramento e da tecnologia. Terceiro, é salutar olhar como os professores do letramento têm respondido ao chamado de integrar as novas mídias em seus currículos e pedagogia. Tenho expressado essas áreas importantes do conhecimento em três perguntas: Quais as formas dominantes em que os pesquisadores pensam a tecnologia? O que as pesquisas nos dizem a respeito da maneira como o uso das tecnologias digitais afeta as práticas letradas dos alunos e sua aprendizagem? Como os professores do letramento, bem como os professores de maneira geral, têm respondido ao uso das tecnologias computacionais na educação? Primeiramente – Quais as formas dominantes em que os pesquisadores pensam a tecnologia? Diferentes formas de pensar sobre as novas tecnologias modelam os tipos de perguntas que os pesquisadores fazem sobre seus 33 ILANA SNYDER efeitos e como elas são organizadas nas escolas e nas salas de aula. Uma abordagem particular domina o discurso público e alguns periódicos escolares: o determinismo tecnológico e social. Ambas as formas de determinismo têm suas fraquezas conforme designam muito poder para a tecnologia ou para a pessoa que faz uso dela. A principal idéia por detrás do determinismo tecnológico é que as qualidades na tecnologia são responsáveis por mudanças que inevitavelmente afetam as relações sociais. A linguagem do determinismo tecnológico é simbolizada por frases em que a tecnologia aparece como o sujeito ativo de uma afirmação: “os computadores aumentam a aprendizagem dos alunos”, “a Web democratiza a disponibilidade da informação”, “a Web 2.0 tem mudado a forma que nós concebemos o mundo”. Em cada caso, um evento complexo é criado para parecer o resultado de uma inovação tecnológica. O determinismo social é o inverso. Como exemplificado na estória do Time, há o argumento de que aqueles que usam a tecnologia têm ação, e controle sobre como ela é usada. Nas palavras do Editor Chefe de Time (STENGEL, 2006, p. 4): “Nós escolhemos colocar um espelho na capa porque ele literalmente reflete a idéia que você, não nós, está transformando a era da informação”. As pessoas, não a tecnologia, são retratadas como as responsáveis pelo fenômeno da democracia digital. Das muitas teorias sociais e tecnológicas disponíveis, a domesticação oferece uma forma particularmente produtiva de se pensar sobre a tecnologia na educação do letramento. A domesticação é um compromisso entre o determinismo tecnológico e o social. A teoria foi desenvolvida para examinar a adoção das tecnologias no lar, mas pode ser expandida para pensar sobre o uso da tecnologia na educação do letramento (SILVERSTONE; HIRSCH, 1994). A teoria da domesticação é essencialmente uma abordagem pragmática. Ela aceita a idéia de que as tecnologias têm efeitos nas pessoas e que as pessoas mol34 AMEͳOS OU DEIXEͳOS: NAVEGANDO NO PANORAMA DE LETRAMENTOS EM TEMPOS DIGITAIS dam seus usos. A teoria da domesticação olha juntamente para as interações entre as pessoas e as tecnologias e os contextos particulares em que as tecnologias estão sendo circunscritas e usadas. Ela também reconhece que a adoção das tecnologias e seu uso são dinâmicos e variáveis. Tome como exemplo os alunos da universidade escandinávia que trabalharam como enviar mensagens de texto com um telefone celular, um aparelho projetado para a comunicação através da voz. Traços da teoria de domesticação são evidentes em recentes relatos de pesquisas que exploraram as relações complexas entre o letramento, a aprendizagem e a tecnologia. Agora para a segunda pergunta – O que as pesquisas nos dizem a respeito da maneira como o uso das tecnologias digitais afeta as práticas letradas dos alunos e sua aprendizagem? Todo tipo de alegação baseada em pesquisa tem sido feita em relação à maneira como as tecnologias digitais afetam a aprendizagem do letramento e suas práticas. Os achados dos estudos que têm investigado o impacto das tecnologias na aprendizagem variam de claro melhoramento para nenhum melhoramento, enquanto alguns têm dito ainda que elas pioram as coisas. Às vezes, estatísticas são usadas para indicar se têm havido diferenças significativas no empreendimento entre a leitura e a escrita com as novas tecnologias e a leitura e a escrita com as ferramentas tradicionais. Às vezes, descrições detalhadas do ambiente e das mudanças de como os alunos criam significados e se comunicam são fornecidas. O que as pessoas farão com essa exibição de evidências? Faz-se proveitoso considerar qual teoria da tecnologia sustentou as pesquisas no momento em que ela deu forma às questões que os pesquisadores perguntaram, às investigações que eles iniciaram e às conclusões a que eles chegaram. Quando o determinismo tecnológico instruiu a pesquisa, a questão condutora tem sido frequentemente sobre o impacto da tecnologia no desempenho letrado dos estudantes. Quando o determinismo social instruiu a pesquisa, então o foco tem sido nos professores e nos alunos nos contextos da sala de aula e como eles 35 ILANA SNYDER têm usado as tecnologias para propósitos particulares. Quando a teoria da domesticação sustenta a pesquisa, as relações entre os professores, os alunos e as tecnologias têm sido todas examinadas como parte de redes complexas de interação e aprendizagem. Os primeiros estudos usaram principalmente métodos experimentais – a abordagem dominante na ciência e na medicina. Eles investigaram se o uso dos computadores melhorou os resultados do letramento e seus achados foram incertos. Quase três décadas depois, não há ainda grandiosa consistência de evidência que demonstre que o uso da Internet na assistência dos alunos, editores de texto e outros aplicativos populares tenham qualquer impacto no empreendimento acadêmico. Meu estudo de doutoramento estava nessa tradição. Seu título era: O impacto dos editores de textos na escrita dos alunos. A pergunta central era: O uso de editores de textos melhora a qualidade de escrita dos alunos? Por volta da metade da década de 80, os pesquisadores estavam considerando os ambientes em que os computadores eram usados, produzindo descrições detalhadas das salas de aula de ensino e aprendizagem. Houve um reconhecimento crescente de que os computadores nas salas de aula eram improváveis de negar a influência da classe social no empreendimento dos alunos. Por volta da metade da década de 90, a Internet e a Web tinham se tornado lugares para pesquisa. Informados pelo entendimento do letramento como um conjunto de práticas sociais, as investigações focaram nas novas práticas letradas, identidade, gênero, classe e acesso. Meu livro, escrito com Colin Lankshear e Bill Green (LANKSHEAR; SNYDER; GREEN, 2000), Professores e Technoletramento reporta os achados de um estudo australiano importante que produziu estudos de caso de professores tentando integrar os computadores em suas práticas de sala de aula. Houve também estudos que enfatizaram a necessidade de ensinar aos alunos como acessar criticamente a fidedignidade e o valor das informações que eles encontravam na Web a partir do entendimento de suas 36 AMEͳOS OU DEIXEͳOS: NAVEGANDO NO PANORAMA DE LETRAMENTOS EM TEMPOS DIGITAIS fontes bem como suas características textuais e não-textuais tais como imagens, links e interatividade. O trabalho de Nick Burbules (ex. 2000 com CALLISTER) foi muito importante nessa área. Levantamentos de larga escala têm examinado as complexas relações entre a mídia, a infância, a família e o lar. O trabalho de Sonia Livingstone (ex. 2002) é notável. Os levantamentos constataram que os jovens vivem vidas preenchidas de mídias com acesso a uma quantidade sem precedente de mídias em seus lares. No entanto, idade, gênero, raça e classe influenciam a quantidade de tempo que os jovens passam usando as mídias. A televisão e o ouvir música permanecem importantes em suas vidas, mas a Internet comanda a maior parte do tempo. Embora as crianças e os jovens continuem a ler livros, eles gastam menos tempo nisso do que suas gerações passadas. Alguns jovens estão preocupados com a dependência crescente nas máquinas, a natureza do isolamento da Internet, e como a tecnologia ameaça sua privacidade e sua habilidade de se relacionar com outros. Desde o final da década de 90, pesquisadores vêm identificando novos tipos de texto, práticas de linguagem e formações sociais ao passo que os jovens usam telefones celulares, mensagens de texto, a Internet, mensagens instantâneas, jogos online, blogs, mecanismos de busca, websites, e-mail, vídeo digital, música, imagens entre outros. Suas práticas de letramento digital compreendem processar palavras, articular hipertextos, participar em discussões online, usar software de apresentação, criar páginas na Web e se congregar em portfólios digitais. New Literacies de Colin Lankshear e Michele Knobel (2003) é um excelente exemplo da ênfase nessas pesquisas. Pesquisas examinando as complexas conexões entre os letramentos da escola e de fora da escola têm fornecido clareza para os professores sobre a experiência e o conhecimento que os alunos trazem para os estudos formais na escola. Em direções semelhantes, pesquisadores têm investigado a relação entre os jogos de computador e a apren37 ILANA SNYDER dizagem do letramento. O trabalho de Jim Gee (2003) e Henry Jenkins (2006) se sobressai. Os estudos têm demonstrado que os jogos requerem letramentos complexos e ensinam um grau de sofisticação multimodal, visual e linguística, geralmente negligenciado na sala de aula de letramento. As pesquisas têm também sugerido o valor que os textos populares oferecem para a consolidação e a extensão do entendimento dos alunos nas práticas de leitura. Por exemplo, Catherine Beavis (2002) argumentou que trabalhar com jogos de computador nas salas de aula de letramento proporciona ao aluno recursos adicionais de expressão e comunicação àqueles dependentes das habilidades impressas. Estudos baseados em gênero têm revelado que os jogos de computador são um aspecto do uso da tecnologia em que as diferenças em torno de gêneros estão sucumbindo. Embora a maioria das meninas ainda não escolha as matérias de tecnologia na escola ou em seus estudos após a escola e continua a ser inferiormente representada na indústria de tecnologia da informação, elas estão participando mais na cultura dos jogos de computadores. A hipótese de que o mundo dos jogos de computador é do domínio masculino que enfatiza a violência e a fantasia sexual de garotos não se mantém mais. As narrativas estereotípicas masculinas de certos jogos são desagradáveis a garotas, mas há outras opções agora para elas. Então quais são as implicações dos achados de pesquisas para os professores de letramento? As pesquisas têm enfatizado a importância do entendimento das crianças e dos jovens que povoam as salas de aula: o que eles fazem em suas vidas fora da escola, o que prende seu interesse e o que não o faz. Os jovens trazem habilidades avançadas relacionadas à tecnologia para a sala de aula que poderiam ser usadas produtivamente para a aprendizagem da língua e do letramento. Mas nós também necessitamos nos lembrar de que há uma grande diversidade nas formas em que as famílias e os jovens se comprometem com as novas tecnologias. O trabalho de Mark Wars38 AMEͳOS OU DEIXEͳOS: NAVEGANDO NO PANORAMA DE LETRAMENTOS EM TEMPOS DIGITAIS chauer (2003) sobre a inclusão social e a exclusão digital pode ser alarmante. Simplesmente ter acesso no lar ou na escola não garante aos alunos oportunidades de aprendizagem do letramento. Escrevendo sobre as possibilidades de mudanças criativas para as salas de aula e escolas quando as novas tecnologias são usadas, os pesquisadores têm argumentado que o conhecimento sobre a história das novas práticas letradas é um pré-requisito. Outros pesquisadores têm questionado a hipótese de que quanto mais as escolas dependerem da tecnologia, melhores serão seus resultados. Sugestões da literatura de pesquisas de como repensar, redefinir e reprojetar a linguagem e o letramento na sala de aula para satisfazer as necessidades dos alunos no século XXI inclui um componente comum: acima de tudo, uma sala de aula de letramento para o futuro deve envolver a integração efetiva do letramento impresso e o letramento digital. Não deveria ser uma escolha entre o mundo da página e o mundo da tela – a educação necessita de dar atenção a ambos. A realização dessa importante meta requer um conceito de letramento mais amplo. Mas apesar do reconhecimento crescente dessa necessidade presente na literatura, as alterações nas práticas dos professores em sala de aula têm sido vagarosas. O que me leva a minha terceira pergunta: Como os professores do letramento, bem como os professores de maneira geral, têm respondido ao uso das tecnologias computacionais na educação? Na maior parte, professores do letramento têm visto a tecnologia como antitética aos seus interesses. Embora essa atitude não seja compartilhada por todos, tem havido uma desconfiança geral das máquinas. Então quando os computadores de mesa entraram no sistema educacional no final da década de 70, anunciado como a nova tecnologia que inevitavelmente melhoraria a educação, os professores do letramento estavam reticentes sobre explorar seu uso potencial na sala de aula. Esse efeito reprimido continuou na década de 80, quando os computadores foram promovidos como 39 ILANA SNYDER máquinas de escrever maravilhosas, assistentes e mestres de atividades. Eu tracei esses padrões em Hypertext (SNYDER, 1996) e em Page to Screen (SNYDER, 1997). Isso persistiu nos anos da década de 90, quando a Internet e a Web foram aclamadas enquanto tornavam possível uma abordagem para a educação em que os alunos seriam capazes de aprender qualquer coisa, em qualquer lugar, em qualquer momento. E isso progrediu nos anos 2000, em que a excitação centrou-se nas possibilidades de comunicação da Web 2.0. O interesse tem vagarosamente se expandido, e crescentes números de professores do letramento, particularmente os mais jovens, estão usando agora as tecnologias digitais em suas salas de aula, embora a relutância inicial permaneça. Muita reflexão tem sido dedicada à literatura da pesquisa de como os professores e educadores de letramento podem fazer efetivamente uso das novas tecnologias em suas salas de aula. Contudo, as aplicações mais comumente utilizadas no letramento e nas salas de aula de inglês são os processamentos de palavras para a escrita e a Internet para a pesquisa de informações, o que não diminui o valor de ambos. Em geral, os professores de letramento de todos os níveis de escolarização têm usado as novas tecnologias para continuar fazendo o que eles têm sempre feito. Os alunos usam computadores portáteis como eles usariam seus cadernos. Os professores podem postar exercícios na Web, comunicar-se com os alunos por e-mail e responder aos seus escritos eletronicamente, mas a abordagem tradicional de iniciar uma atividade curricular, estabelecer lições para casa e avaliar o trabalho dos alunos tem sido mantida. Embora os professores de algumas disciplinas tenham sido mais entusiastas do que os professores alfabetizadores em relação à promessa dos computadores, não tem havido uma revolução tecnológica na educação. Apesar do imenso investimento dos governos nos sistemas elétricos das escolas, reduzindo a proporção de alunos por computador e assegurando que os documentos 40 AMEͳOS OU DEIXEͳOS: NAVEGANDO NO PANORAMA DE LETRAMENTOS EM TEMPOS DIGITAIS curriculares considerem as novas tecnologias em todos os níveis da educação, o processo de ensino e aprendizagem nas escolas da Austrália e do Brasil não tem sido transformado. Através da tecnologização da educação, os governos têm objetivado formar escolas mais eficientes e produtivas, mais conectadas à vida real e preparar os jovens para o emprego após a escola. Sem real evidência alguma que indique que esses objetivos foram alcançados, os governos devem agora estar se perguntando se o valor do investimento em computadores e em outras tecnologias valeu a pena (CUBAN, 2001). A parábola de Seymour Papert (1993) sobre os viajantes do tempo do século XIX tem uma ressonância aqui. Quando os viajantes do tempo visitam um anfiteatro do século XXI em operação em um hospital, eles reconhecem pouco do que está acontecendo, mas quando eles visitam uma sala de aula em uma escola, muitas coisas são familiares. O crescimento exponencial da ciência e da tecnologia nos anos recentes tem significado que algumas áreas da atividade humana tais como as de telecomunicações, entretenimento, transporte e medicina têm mudado dramaticamente, mas a educação não. As escolas como as instituições e os professores que trabalham nelas parecem ser resistentes às mudanças baseadas na tecnologia. Até agora ninguém que esteve presente em uma escola na década de 50 e então visitou uma em 2008 poderia deixar de observar que importantes mudanças no currículo e nas práticas de sala de aula baseados na tecnologia tenha ocorrido. O ponto não é que as escolas e os professores não possam mudar, mas que a sala de aula e as práticas de ensino persistem devido aos legados históricos e aos fatores contextuais. Mudanças incrementais para a educação em resposta às novas tecnologias têm ocorrido, mas mudanças fundamentais têm sido raras. Como Larry Cuban (2001) apontou, apesar das reivindicações extravagantes dos promotores, o fornecimento da tecnologia é insuficiente para transformar a educação e mais insuficiente para equipar os alunos com 41 ILANA SNYDER as habilidades e atividades que eles precisam para operar efetivamente no mundo pós-escola do lazer, do trabalho e da cidadania. Mudanças reais requerem muito mais do que simplesmente dar às escolas recursos tecnológicos. A ecologia inteira da educação escolar necessitaria ser repensada se a transformação for o objetivo: mudanças na forma em que as escolas são organizadas e financiadas, na forma em que os professores são preparados e valorizados, e na forma em que os dispositivos elétricos e o conjunto de programas são projetados para satisfazer as necessidades de professores e alunos mais do que o mundo dos negócios. Sem tais principais mudanças, apenas relativamente menores alterações na prática de sala de aula são prováveis de acontecer (CUBAN, 2001). Oportunidades e desafios Meu foco aqui foi nas respostas sensacionalistas às novas tecnologias que têm sido os textos dominantes culturalmente por décadas. Há dois filamentos principais – a importância esbaforida dos últimos equipamentos eletrônicos e o que está vindo em seguida, e os argumentos morais para conservar a fidelidade tradicional da educação em relação à cultura impressa. Contudo, polarizar e simplificar a discussão dessa forma desconsidera os desafios que nós enfrentamos ao tentar encontrar estratégias em lidar com as necessidades de ambos os letramentos impresso e o digital de nossos alunos. Alguns de nós têm encontrado formas de explorar as oportunidades da aprendizagem rica que as novas mídias oferecem e ajudar os alunos a se tornarem usuários críticos e capazes. No entanto, a maioria de nós tem sido vagarosa em adaptarse e quando nós realmente usamos as tecnologias, é geralmente para realizar os propósitos baseados no impresso e de formas orientadas pelo impresso. Há razões sistêmicas muito reais para explicar esse fenômeno que vai além da nossa relutância histórica com as novas tecnologias. As salas de aula de letramento são 42 AMEͳOS OU DEIXEͳOS: NAVEGANDO NO PANORAMA DE LETRAMENTOS EM TEMPOS DIGITAIS restritas pelo modelo estático das escolas e das instituições que impedem cuidadosa pesquisa sobre os novos letramentos e o expansivo uso das novas mídias. Nós temos pouco tempo para refletir sobre o que fazemos, não importando a direção curricular proposta. Então quando nós tentamos trabalhar com as mídias digitais em nossas salas de aula, há muito pouca oportunidade para criar uma parceria criativa com colegas e ter experiência com os novos letramentos. Usos construtivos são frequentemente limitados aos defensores da tecnologia cuja experiência, como mostram as pesquisas, se extingue consequentemente. Há um abismo entre o mundo da sala de aula de alfabetização e o mundo dos alunos que estão imersos nas mídias, na Internet e nos vídeos-game. Problemas com a infra-estrutura das escolas onde trabalhamos também exacerbam as dificuldades: a Internet pode estar funcionando um dia, não funcionar no próximo, e os computadores frequentemente não são potentes o suficiente para o uso de ferramentas avançadas. Além disso, as escolas talvez possam ter regras rígidas e limitadoras sobre e-mail e o acesso à Internet o que frustra ambos professores e alunos. Esses fatores sozinhos são suficientes para desencorajar todos nós de tentarmos integrar as novas tecnologias em nossas práticas de sala de aula mesmo que nós talvez possamos ser usuários dedicados e experientes em nossas vidas privadas. Por ora, como professores, nós ainda estamos encarregados com a responsabilidade de encontrar maneiras inovadoras para incorporar os novos letramentos na prática de sala de aula. As habilidades e o conhecimento do letramento impresso são essenciais, mas não suficientes para dar assistência aos jovens ao passo que eles vivem suas vidas em uma sociedade de informação e rede. Quando o letramento é visto como o repertório de habilidades linguísticas e intelectuais que os alunos necessitam para atuar nos níveis mais elevados em um mundo multimídia, noções de letramento como um conjunto de habilidades básicas prescritas por um mundo baseado no impresso parecem cada vez mais limitadas. 43 ILANA SNYDER A responsabilidade dos educadores de letramento é proporcionar aos jovens oportunidades cuidadosamente planejadas para que eles aprendam como se tornar navegadores críticos no novo panorama do letramento em tempos digitais. Nós podemos ajudar nossos alunos a compreenderem o panorama do letramento digital para que eles não sejam seduzidos pelo que eles acharem. O objetivo é embebê-los com um senso forte de ceticismo instruído. Referências Bibliográficas BEAVIS, C. ‘Reading, writing and role-playing computer games’. In. SNYDER, I. (Ed), Silicon Literacies: Communication, innovation and education in the electronic age. London: Routledge, 2002, p.47-61. BIRKERTS, S. The Gutenberg Elegies: The fate of reading in an electronic age. New York: New York: Fawcett Columbine, 1994. BONE, P. ‘If reading declines, so do we all’, The Age, 17 december, 2004. BURBULES, N. & CALLISTER, T. Watch IT: The risks and promises of information technologies for education. Boulder, Colorado: Westview, 2000. CARRINGTON, V. ‘Txting: the end of civilization (again)?’. Cambridge Journal of Education, 35, 2, p. 161-175, 2005. CLOUD, J. ‘The youth gurus’. Time Double Issue Dec 25, 2006 / January 1, 2007, p. 46-52, 2006. CUBAN, L. Oversold and Underused: Computers in the classroom. Boston: Harvard University Press, 2001. CUBBY, B.; DUBECKI, L. ‘Tragic last words of MySpace suicide girls’, Sydney Morning Herald, 24 April, 2007. EDITORIAL. ‘Sticking to the book’, The Australian, 22 october, 2005. GEE, J.P. What Video Games Have to Teach us about Learning and Literacy. New York: Palgrave Macmillan, 2003. 44 AMEͳOS OU DEIXEͳOS: NAVEGANDO NO PANORAMA DE LETRAMENTOS EM TEMPOS DIGITAIS GIBSON, W. Neuromancer. London: Grafton Books, [1986] 1984. GIBSON, W. Pattern recognition. New York: Berkeley Books (Penguin), 2003. GIBSON, W. Spook Country. Melbourne: Viking (Penguin), 2007. GROSSMAN, L. ‘Person of the year’. Time Double Issue Dec 25, 2006 / January 1, 2007, p. 22-40. JENKINS, H. Convergence Culture: Where old and new media collide. New York University Press, New York and London, 2006. JOHNSON, S.‘It’s all about us’. Time Double Issue Dec 25, 2006 / January 1, 2007, p. 55, 2006. LANE, B. ‘ATSIC website in exam “an insult”’, The Australian, 21 October, 2005. LANKSHEAR, C. & KNOBEL, M. New Literacies: Changing knowledge and classroom learning. Buckingham: Open University Press, 2003. LANKSHEAR, C., SNYDER, I. & GREEN, B. Teachers and Technoliteracy: Managing literacy, technology and learning in schools. Sydney: Allen & Unwin, 2000. LEONARD, A. The Rolling Stone 40th Anniversary Interview: <http://www.rollingstone.com/politics/story/17227831/william_gibson_the_rolling_stone_40th_ anniversary_interview 31> [June 2008], 2007. LIVINGSTONE, S. Young People and New Media: Childhood and the changing media environment. London: Sage, 2002. NELSON, T.H. Dream Machines. South Bend, Indiana: The Distributors, 1978. NELSON, T.H. ‘Opening hypertext: a memoir’. In TUMAN, M.C. (ed) Literacy Online. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 1992, p.43-57. NIEUWENHUIZEN, J. Asleep at the wheel: Australia on the superhighway. Sydney: ABC Books, 1997. 45 ILANA SNYDER PAPERT, S. The Children’s Machine: Rethinking school in the age of the computer. New York: Basic Books, Harper Collins, 1993. PONIEWOZIK, J. ‘The beast with a billion eyes’. Time Double Issue Dec 25, 2006 / January 1, 2007, p. 44-45, 2006. RHEINGOLD, H. The Virtual Community: Finding connection in a computerized world. London: Minerva, 1995. RHEINGOLD, H. Smart Mobs: The next social revolution. Cambridge, Mass: Basic Books, 2002. SCOTT, R. Blade Runner. Los Angeles: Warner Bros, 1982. SILVERSTONE, R. & HIRSCH, E. (eds) Consuming Technologies: Media and information in domestic spaces. London & New York: Routledge, 1994. SNYDER, I. Hypertext: The electronic labyrinth. Melbourne: Melbourne University Press, 1996. SNYDER, I. (ed) Page to Screen: Taking literacy into the electronic era. Sydney: Allen & Unwin, 1997. STENGEL, R. ‘Now it’s your turn’. Time Double Issue Dec 25, 2006 / January 1, 2007, p. 4, 2006. WARSCHAUER, M. Technology and Social Inclusion: Rethinking the digital divide. Cambridge Mass: MIT Press, 2003. YAO, D. The Philadelphia experiment: Microsoft-designed school opens The Associated Press, <http://www.cs.unc. edu/~walsh/C380/Spr07/RHN/RHN--DIGDIVIDE--PhiladelphiaExperiment-2006.htm> [9 June 2007], 2006. 46 PANORAMA DAS PESQUISAS SOBRE LETRAMENTO DIGITAL NO BRASIL: PRINCIPAIS TENDÊNCIAS1 Samuel de Carvalho Lima Vicente de Lima-Neto Considerações Iniciais O termo letramento surgiu no Brasil há pouco mais de vinte anos com Kato (1986) e tem sido tema de incessante discussão entre muitos autores (TFOUNI, 1988; 1995; KLEIMAN, 1995; 1998; SOARES, 2000; 2002; 2004; GOULART, 2006, 2007). Estes autores anseiam por melhor elucidação acerca da expressão letramento, ainda nova no país, concernente às práticas sociais de leitura e escrita engajadas e realizadas por sujeitos que exercem plenamente sua cidadania. Dessa forma, inicialmente, diferencia-se letramento de um processo com o qual já estamos bastante familiarizados, a alfabetização, relacionado à “aquisição da escrita enquanto aprendizagem de habilidades para leitura, escrita” (TFOUNI, 1995, p. 9). Paralelamente, examinam-se possíveis mudanças nas práticas sociais de leitura e escrita devido à influência da propagação e consequente utilização das novas tecnologias de informação e comunicação (TICs), particularmente o computador conectado à Internet (XAVIER, 2005; COSCARELLI e RIBEIRO, 2005; ARAÚJO, 2007; RIBEIRO, 2008). Dessa forma, passa-se a falar sobre um novo tipo de letramento, situado e específico: o digital. Nesse contexto, Soares (2002) nos alerta para esse fato ao defender a pluralização do termo letramento, ou 1 Parte dessas reflexões nasceu das discussões travadas durante a disciplina Letramentos na Web, ministrada pelo Prof. Dr. Júlio Araújo, em 2008.1 no PPGL-UFC e tem vínculo direto como o projeto de pesquisa Gêneros digitais: relações entre hipertextualidade, propósitos comunicativos e ensino, em andamento sob a coordenação do referido professor no grupo de pesquisa Hiperged, do PPGL-UFC. 47 SAMUEL DE CARVALHO LIMA • VICENTE DE LIMAͳNETO seja, letramentos, por acreditar que variadas tecnologias acarretam diferentes modalidades de letramento, pois a utilização da tecnologia, diferenciada em cada cultura e contexto específicos, acarreta efeitos sociais, cognitivos e discursivos distintos. Compartilhando dessas concepções, autores como Coscarelli; Ribeiro (2005), Xavier (2005) e Araújo (2007) acrescentam a necessidade de se trabalhar o letramento digital nas instituições de ensino, dada a realidade do novo milênio, que traz um mundo cercado cada vez mais por máquinas eletrônicas e digitais. Nesse sentido, Araújo (2007, p. 81) reforça a concepção de que nossa sociedade “exige práticas múltiplas de letramento, inclusive digitais” e determina que só a partir do momento que um cidadão é letrado digitalmente é que ele poderá atuar criticamente nesta sociedade. Ao concordar com esse ponto de vista, Ribeiro (2008) diz que, para ser letrado digitalmente, os cidadãos necessitam se apropriarem de comportamentos que compreendem desde os gestos e o uso de periféricos do computador até a leitura e escrita de gêneros que são publicados em ambientes virtuais. Nessa esteira, pesquisadores de mestrado ou doutorado, no exercício de empregar as contribuições teóricas dos estudiosos do letramento, desenvolvem investigações sobre as práticas sociais de leitura e escrita dos cidadãos brasileiros inseridos num contexto informatizado e digitalizado. Sendo assim, observa-se que, a cada ano, muitas pesquisas acadêmicas se debruçam sobre o complexo fenômeno do letramento digital. Diante dessa constatação, surge a necessidade de elaborar este trabalho fundamentalmente exploratório e de caráter descritivo, que objetiva verificar o que atualmente as pesquisas estão abordando em relação ao tema letramento digital no Brasil. Para isso, acreditamos, ao analisar as pesquisas aportadas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e disponibilizadas pelo seu Portal Virtual,2 ser possível criar um panorama das pesquisas sobre letra2 www.capes.gov.br 48 PANORAMA DAS PESQUISAS SOBRE LETRAMENTO DIGITAL NO BRASIL: PRINCIPAIS TENDÊNCIAS mento digital e verificar quais são as tendências, para os próximos anos, dessas pesquisas no País. Vale ressaltar que um inventário de pesquisas sobre letramento digital já nos foi apresentado anteriormente por Vieira (2004) que analisou títulos e resumos de trabalhos que foram apresentados em congressos na área de Lingüística, em diferentes níveis – 1 em nível internacional, 3 em nível nacional, e 1 em nível regional –, com o objetivo de mapear os estudos nascentes no País sobre esse tema, no período de 2000 a 2001. Nosso trabalho, portanto, acresce-se e distingue-se ao de Vieira (2004) na medida em que contribui para a elucidação acerca dos fenômenos estudados pertinentes ao tema letramento digital, tanto nas áreas de Linguística como na área de Educação; distingue-se na medida em que apresenta procedimentos metodológicos outros, concernentes ao levantamento do corpus, bem como aos critérios de categorização e análise dos dados obtidos. Procedimentos O corpus utilizado nesse estudo exploratório foi constituído pelos resumos3 de teses e dissertações disponibilizadas no portal da Capes cujo assunto aborda o fenômeno letramento digital. Foram selecionados resumos por se tratar de um gênero que deve trazer as informações suficientes para o leitor acerca da pesquisa que está prestes a ser lida, levando em consideração que o resumo tem a responsabilidade de não frustrar as expectativas do leitor, constituindose um convite à leitura do texto-fonte na íntegra, além de ser um gênero distinto que emerge como resultado de um propósito comunicativo bem definido, independente das disciplinas a que eles servem (BHATIA, 1993). Para o levantamento do corpus, inicialmente, selecionou-se o banco de teses da CAPES (cf. figura 1). 3 A veracidade das informações contidas nos resumos é uma responsabilidade que cabe a cada autor. 49 SAMUEL DE CARVALHO LIMA • VICENTE DE LIMAͳNETO A escolha dessa entidade deve-se ao fato de ela possuir papel relevante no desenvolvimento, na expansão e na consolidação da pesquisa em todo o Brasil, sendo órgão máximo no que diz respeito à avaliação da pós-graduação stricto sensu. Dessa forma, analisar um corpus de resumos disponíveis na CAPES representa a investigação de um panorama geral das pesquisas acadêmicas sobre letramento digital em todo o país, uma vez que essa entidade abrange todos os 26 estados da federação. Dessa maneira, seguiu-se, portanto, os procedimentos apontados pelo Portal concernentes à busca dos resumos, conforme nos mostra a figura abaixo. Figura 1 – Banco Fi B de d teses t da d CAPES Para realizar tal procedimento, é preciso, em primeiro lugar, digitar a expressão letramento digital no campo assunto (número 1, na figura 1 acima); depois selecionar a opção todas as palavras (número 1, na figura 1 acima); por último, selecionar o ano e o nível (número 2, na figura 1 acima). O período selecionado foram os anos de 2000 a 2007 nos níveis de Mestrado e Doutorado. Em um universo de inúmeros resumos disponibilizados pelo Portal da 50 PANORAMA DAS PESQUISAS SOBRE LETRAMENTO DIGITAL NO BRASIL: PRINCIPAIS TENDÊNCIAS Capes, foram encontrados 18 resumos de teses e dissertações cujo assunto versa sobre o fenômeno letramento digital, resultado da consulta feita a partir dos procedimentos listados anteriormente. Após o corpus ter sido coletado,4 passamos ao mapeamento dos moves (SWALES, 1990)5 constituintes do gênero resumo para investigarmos o conteúdo de nosso interesse. Para a realização dessa segmentação de informações, utilizou-se o modelo de resumos de Biasi-Rodrigues (1998), resultado de uma investigação acerca de resumos de dissertações escritos em língua portuguesa. A seguir, apresentamos o modelo proposto pela autora, em que podemos visualizar: na coluna da esquerda, a codificação das unidades retóricas, unidades obrigatórias na constituição do gênero resumo, e de suas subunidades, opcionais em sua atualização; bem como uma breve descrição, na coluna da direita, funcionalmente determinada de acordo com a informação presente em cada unidade e subunidade. Unidade retórica 1 Apresentação da pesquisa Subunidade 1A Expondo o tópico principal e/ou Subunidade 1B Apresentando o(s) objetivo(s) e/ou Subunidade 2 Apresentando a(s) hipótese(s) Unidade retórica 2 Contextualização da pesquisa Subunidade 1 Indicando área(s) de conhecimento e/ou Subunidade 2 Citando pesquisas/teorias/modelos anteriores e/ou Subunidade 3 Apresentando um problema Unidade retórica 3 Apresentação da metodologia Subunidade 1A Descrevendo procedimentos gerais e/ou Subunidade 1B Relacionando variáveis/fatores de controle e/ou Subunidade 2 Citando/descrevendo o(s) método(s) 4 Vale ressaltar que o corpus foi colhido no dia 12 de maio de 2008. Não há como controlar os resumos que são inseridos ou retirados da plataforma da Capes. 5 Segundo Swales (1990), moves, ou unidades retóricas (cf. BIASIRODRIGUES, 1998), são as partes que, prototipicamente, compõem a estrutura de um determinado gênero, representativos da distribuição de informações, e reveladores de uma arquitetura textual. 51 SAMUEL DE CARVALHO LIMA • VICENTE DE LIMAͳNETO Unidade retórica 4 Sumarização dos resultados Subunidade 1A Apresentando fato(s)/achado(s) e/ou Subunidade 1B Comentando evidência(s) Unidade retórica 5 Conclusão(ões) da pesquisa Subunidade 1A Apresentando conclusão(ões) Subunidade 1B Relacionando hipótese(s) a resultado(s) e/ou e/ou Subunidade 2 Oferecendo/apontando contribuição(ões) e/ou Subunidade 3 Fazendo recomendação(ões)/sugestão(ões) Figura 2 – Distribuição retórica das informações em resumos Fonte: Biasi-Rodrigues (1998, p. 141) Para obter uma representação da problemática em questão, focalizamos as informações presentes na unidade retórica 1, denominada Apresentação da pesquisa, uma vez que essa é a unidade responsável por apresentar informações acerca do tópico principal e demonstrar os objetivos da pesquisa, conforme pode ser observado a partir da descrição das subunidades que compreendem essa unidade retórica. Sendo assim, buscamos respostas para a seguinte questão, já proposta por Vieira (2004, p. 256) anteriormente: o que está sendo investigado em pesquisas que versam sobre o letramento digital? Para uma melhor visualização dos resultados encontrados à indagação proposta, faremos uso de uma tabela composta, fundamentalmente, de duas colunas. Na primeira coluna, denominada Exemplar, identificaremos o exemplar R (resumo) analisado, exposto através de sua codificação. Referimo-nos aos resumos com este código – R1, R2,... R18, já que não é do nosso interesse a identidade dos autores. Na segunda coluna, denominada Resposta, sintetizamos as informações presentes na unidade retórica analisada que responde à indagação central deste artigo. Dessa forma, a tabela permitirá ao leitor analisar e acompanhar todos os passos tomados por estes pesquisadores no decorrer deste trabalho. 52 PANORAMA DAS PESQUISAS SOBRE LETRAMENTO DIGITAL NO BRASIL: PRINCIPAIS TENDÊNCIAS Resultados A tabela a seguir apresenta respostas ao questionamento central deste artigo: O que está sendo investigado numa pesquisa que versa sobre letramento digital? Exemplar Resposta A contribuição do letramento eletrônico e posterior fluênR1 cia digital em língua estrangeira dominante, assim como os meios de interagir mais eficazmente na Internet. O letramento influenciado pelo uso da Internet das produções R2 digitais de adolescentes. A aquisição de língua estrangeira a partir de uma experiência R3 pedagógica realizada em contexto virtual. As contradições em um curso de leitura instrumental em inR4 glês via Internet para professores de inglês da rede pública. A relação dos alunos/usuários com a escrita diante do novo R5 suporte de texto, o computador. A maneira como o sujeito professor se relaciona com a cultura R6 digital, do ponto de vista do acesso, do domínio das ferramentas e técnicas necessárias para a utilização desse suporte. A concepção de linguagem, leitura e escrita do meio virtual, R7 no âmbito do ensino fundamental. O processo de ensino-aprendizagem da língua inglesa e o uso R8 do computador na educação. O processo de apropriação de uso da Internet por indivíduos R9 analfabetos. R10 A intersubjetividade virtual na produção e leitura de blogs. O discurso de professores, futuros professores e alunos do ensino médio face ao processo de integração de tecnologia e da R11 internet ao ensino presencial de alemão como língua estrangeira. A produção de e-mail por crianças de 2ª e 3ª série do ensino R12 fundamental. A forma como o letramento está sendo promovido pelos proR13 fessores de Ensino Fundamental de escola municipal. 53 SAMUEL DE CARVALHO LIMA • VICENTE DE LIMAͳNETO R14 R15 R16 R17 R18 As potencialidades e limitações do letramento digital na 4ª série do ensino fundamental e as novas práticas de leitura e escrita mediada pelas novas tecnologias digitais, em especial, o computador e a Internet. Elementos teórico-metodológicos inferidos da junção da psicologia histórico-cultural/tecnologias da informação e da comunicação que resultam em contribuições para o letramento. O uso social da linguagem escrita/língua portuguesa por surdos em interação com ouvintes em contexto digital. Como ocorre o letramento digital na experiência de professoras de escolas públicas. A formação pré-serviço de professores de inglês em uma sociedade em processo de digitalização. Tabela 1 – Resultados da coleta de dados Percebe-se que as pesquisas que focalizam o letramento digital são bastante diversificadas concernentes ao que delimitam como objeto de suas investigações. Entretanto, é possível observar que há uma tendência para as pesquisas que buscam elucidar o que há de novo na prática social de escrita, em língua materna, estabelecida no universo virtual dos gêneros digitais. De acordo com a tabela, portanto, há 7 (sete) trabalhos relacionados à produção escrita, em língua materna, no âmbito dos gêneros digitais (R2; R5; R7; R10; R12; R14; R16); 4 (quatro) trabalhos em aquisição de língua estrangeira (R1; R3; R8; R11), sendo 2 (dois) com foco na fluência da língua-alvo; 3 (três) trabalhos envolvendo a prática docente (R13; R17; R18), sendo 2 (dois) em relação à língua materna e 1 (um) que trata a língua estrangeira; 1 (um) trabalho relacionado à formação continuada de professores de língua estrangeira da rede pública (R4); 1 (um) trabalho envolvendo o gerenciamento das ferramentas técnicas por parte do sujeito professor (R6); 1 (um) trabalho a respeito do uso da Internet por analfabetos (R9); 1 (um) trabalho predominantemente teórico que trata, entre outros assuntos, das contribuições para o letramento (R15). A tabela abaixo nos permite visualizar melhor a descrição desse sumário apresentado: 54 PANORAMA DAS PESQUISAS SOBRE LETRAMENTO DIGITAL NO BRASIL: PRINCIPAIS TENDÊNCIAS Quantidade 7 4 3 1 1 1 1 Assunto Gêneros digitais Aquisição de LE Prática docente Formação continuada de professores Gerenciamento das ferramentas técnicas Uso da internet por analfabetos Contribuições teóricas para o letramento Percentual 38,8% 22,2% 16,6% 5,55% 5,55% 5,55% 5,55% Tabela 2 – Resultados percentuais Notamos que algumas áreas da pesquisa acadêmica acerca do fenômeno letramento digital têm recebido destaque. Nossos resultados demonstram que 38% das pesquisas acadêmicas sinalizam para o fato de que os gêneros digitais constituem um grande campo de pesquisa que muito ainda tem de ser explorado. Salienta-se que esses 38% de estudos de mestrado e doutorado relacionam os gêneros digitais ao processo de ensino-aprendizagem de línguas, evidenciando, portanto, que a Internet e as novas tecnologias estão sendo, enfim, utilizadas no universo pedagógico, de forma que alunos e professores possam ser incluídos no que tem sido denominado cibercultura, preparando-se “para atuar adequadamente no Século do Conhecimento” (XAVIER, 2005, p. 8). Vale ressaltar que 22% do total das pesquisas que envolvem o ambiente digital são voltados para a língua estrangeira. Pesquisas voltadas à formação continuada de professores (R4) e trabalhos envolvendo o gerenciamento das ferramentas técnicas por parte do sujeito professor (R6) chamam a atenção, pois é sabido que muitos professores não têm os letramentos necessários à prática do ensino mediado por computador, como destacam Dieb e Avelino (neste volume). Na mesma esteira, Xavier (2005) diz que o letramento digital requer que o sujeito assuma uma nova maneira de realizar as atividades de leitura e de escrita, que pedem diferentes abordagens 55 SAMUEL DE CARVALHO LIMA • VICENTE DE LIMAͳNETO pedagógicas que ultrapassam os limites físicos das instituições de ensino [...] (p. 3-4) Tais resultados muito nos animam, pois já são reflexos de que a política de investir no profissional está dando certo, bem como o uso da internet por analfabetos (R9), que também traz um grande avanço no que diz respeito à inclusão digital. Considerações finais Como vemos, os assuntos e as linhas de pesquisa sobre letramento digital são variados, o que reflete a multidisciplinaridade da área. Os dados mostram uma grande diversidade em relação aos estudos sobre letramento digital, o que parece ser reflexo da emergência que se faz estudar essa área tão rica e tão desafiadora, mas ainda tão pouco explorada. Ao que tudo indica, as perspectivas para o futuro são promissoras, principalmente no que diz respeito ao investimento no profissional e no combate à exclusão digital. Referências Bibliográficas ARAÚJO, J.C. Os gêneros digitais e os desafios de alfabetizar letrando. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, n. 46, p. 79-92, jan./jun. 2007. BIASI-RODRIGUES, B. Estratégias de condução de informações em resumos de dissertações. 1998. 272 f. Tese (Doutorado em Lingüística). Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1998. KATO, M. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolingüística. São Paulo: Ática, 1986. KLEIMAN, A. Modelos de letramento e as práticas de alfabetização na escola. In: KLEIMAN, A. (Org.). Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado de Letras, 1995, p. 15-61. 56 PANORAMA DAS PESQUISAS SOBRE LETRAMENTO DIGITAL NO BRASIL: PRINCIPAIS TENDÊNCIAS KLEIMAN, A. Ação e mudança na sala de aula: uma pesquisa sobre letramento e interação. In: ROJO, R. (Org.). Alfabetização e letramento: perspectivas lingüísticas. Campinas: Mercado de Letras, 1998, p. 173-203. RIBEIRO, A.E. Navegar lendo, ler navegando: aspectos do letramento digital e da leitura de jornais. 2008. 243 f. Tese (Doutorado em Lingüística) –Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2008. SOARES, M.B. Letramento: um tema em três gêneros. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. SOARES, M.B. Novas práticas de leitura e escrita: letramento na cibercultura. Educação & Sociedade, Campinas, v. 23, n. 81, p. 143-160, dez. 2002. SOARES, M.B. O que é letramento. Diário do Grande ABC. Santo André, 29 de agosto de 2003. Diário na Escola, p. 3. SOARES, M.B. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista Brasileira de Educação, n. 25, jan./abr. 2004. SWALES, J. Genre analysis: English in academic and research settings. Cambridge: Cambridge University Press, 1990. TFOUNI, L.V. Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso. Campinas: Pontes, 1988. TFOUNI, L.V. Letramento e alfabetização. São Paulo: Cortez, 1995. VIEIRA, I.L. Tecnologia eletrônica e letramento digital: um inventário da pesquisa nascente no Brasil. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, Belo Horizonte, v. 4, n. 1, p. 251-276, 2004. XAVIER, A.C. Letramento digital e ensino. In: SANTOS, C. F.; MENDONÇA, M. (Org.). Alfabetização e letramento: conceitos e relações. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. p. 133-148. 57 PROJETO FORTE:1 FORMAÇÃO, REFLEXÃO E TECNOLOGIAS NO ENSINO DE INGLÊS NA BAHIA Rodrigo Aragão Considerações Iniciais O presente artigo descreve o projeto denominado de FORTE que objetiva fomentar o desenvolvimento de letramentos na Web a partir da interação de professores e alunos bolsistas de Iniciação Científica e Tecnológica do curso de Letras da Universidade Estadual de Santa Cruz com os professores de inglês em serviço na rede pública de ensino de Ilhéus e Itabuna, no estado da Bahia. A metodologia do projeto pretende fomentar a reflexão do professor de língua inglesa sobre seu fazer pedagógico, culminando em autoconsciência sobre a prática, engrandecimento profissional, desenvolvimento de letramentos digitais e produção colaborativa de materiais de ensino apropriadas aos seus contextos de atuação. Está previsto a construção de um portal na Web para publicação dos conhecimentos gerados no projeto e interação dos participantes em ambientes virtuais de aprendizagem, fomentando o desenvolvimento de multiletramentos e a produção de materiais de ensino baseados na Web. Temse como meta a parceria universidade-escola a partir da geração de conhecimento sobre o ensino de inglês e o livre acesso do conhecimento pela internet. 1 Projeto 8948 – Pesquisa e Geração de Tecnologia Educacional no Ensino de Inglês da Rede Pública de Ilhéus/Itabuna, aprovado pelo edital 004/2007 – FAPESB (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia), e registrado pela PROPP/UESC. O projeto é coordenado por Rodrigo Aragão e vice-coordenado por Joara Bergsleithner. Conta em sua equipe executora com Élida Ferreira e Zelina Beato (UESC), e colaboração da professora Vera Menezes de Oliveira e Paiva (UFMG). O autor gostaria de agradecer a Vera Menezes Paiva pela fundamental colaboração desde o início da construção deste projeto. 58 PROJETO FORTE: FORMAÇÃO, REFLEXÃO E TECNOLOGIAS NO ENSINO DE INGLÊS NA BAHIA Pouco se sabe sobre o desempenho de estudantes de língua estrangeira no Brasil, já que esta é uma área de conhecimento não avaliada pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), nem pelo ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio, e tampouco pelo Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior e do Exame Nacional de Cursos de Graduação, o antigo Provão. Embora o conhecimento de uma Língua Estrangeira seja contemplado nos discursos do Governo Federal (LDB, PCNEF e PCNEM),2 o Programa Nacional do Livro Didático não contempla esta área do conhecimento. A ausência de instrumentos oficiais do governo federal para avaliação e para o ensino de línguas estrangeiras no Brasil indica a falta de políticas públicas claras e orientadas para o ensino desta área do conhecimento nas redes regulares de ensino deste país. Neste processo, se entrelaçam uma gama de situações e elementos que dificultam a efetivação de melhorias no ensino de Línguas Estrangeiras no ensino regular. Para que mudanças efetivas venham a ser consolidadas no ensino de Línguas, neste caso de inglês, na rede pública no Brasil, e do estado da Bahia, em particular, um dos caminhos é investir em pesquisa sobre o ensino/aprendizagem na rede regular, na formação do professor e na utilização produtiva e efetiva de tecnologias educacionais, tanto as tradicionais quanto as novas tecnologias da informação e da comunicação. Neste sentido, busca-se com o projeto FORTE fomentar a formação dos professores em serviço na rede pública e dos professores em formação inicial no curso de Letras através de reflexão sobre o fazer pedagógico no ensino de inglês, dando-se especial atenção ao uso de tecnologias da informação e comunicação integradas, assim como o desenvolvimento de letramentos digitais na Web. Os conhecimentos que serão gerados no projeto serão disponibilizados pela internet, como tem sido feito 2 Respectivamente: LDB – Lei de diretrizes e Bases da Educação; PCNEF – Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Fundamental; PCNEM – Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. 59 RODRIGO ARAGÃO em projeto pioneiro pela professora doutora Vera Lúcia Menezes de Oliveira e Paiva, da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais.3 Em seu projeto ARADO – Agregar, Refletir, Agir, Doar – a professora Vera Menezes agrupa alunos de graduação, da pós-graduação e da rede pública de ensino da cidade de Belo Horizonte na reflexão teórica/prática sobre diversos problemas encontrados no processo de ensino-aprendizagem de inglês nas escolas públicas, e na avaliação e produção de materiais pedagógicos para fins e contextos específicos, das escolas de atuação dos professores, que são posteriormente disponibilizados na internet nos portais indicados em nota de rodapé. Por uma Formação de Professores com Novas Tecnologias Conforme argumentado na seção anterior, mesmo tendo havido uma restauração do papel da língua estrangeira nos currículos de ensino fundamental e médio pela LDB e PCNs (PAIVA, 2003; GIMENEZ, 2005; BRASIL, 2006), a situação da formação dos professores não tem melhorado substancialmente, uma vez que há ainda limitações na educação inicial desses professores nas universidades e poucas iniciativas de formação continuada de professores em serviço (ABRAHÃO e PAIVA, 2000; PAIVA, 2003). A esmagadora maioria destas iniciativas se encontra em universidades no sudeste do Brasil (cf. ABRAHÃO, 2004). A Resolução do governo federal que institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível Superior, determina em seu Art. 7º, parágrafo IV, que: “as instituições de formação trabalharão em interação sistemática com as escolas de educação básica, desenvolvendo projetos de formação compartilhados” (BRASIL, 2002). Esta mesma 3 Cf. <www.letras.ufmg.br/arado/freebooks.htm< e < www.veramenezes.com>. 60 PROJETO FORTE: FORMAÇÃO, REFLEXÃO E TECNOLOGIAS NO ENSINO DE INGLÊS NA BAHIA resolução argumenta em favor da importância das tecnologias na formação de professores. Em seu Art. 2º, inciso VI, afirma que os currículos devam preparar o docente para “o uso de tecnologias da informação e da comunicação e de metodologias, estratégias e materiais de apoio inovadores”. Resoluções estas que acenam em direção de ações como o projeto ARADO, coordenado pela professora Vera Menezes, e o FORTE coordenado pelo autor deste artigo. Ainda, a lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, dedica o artigo 80 à educação a distância e a questão nas novas tecnologias no ensino. Em 1996, ano em que entrou em vigor a LDB, o Ministério da Educação instituiu a Secretaria de Educação a Distância. Logo após, em 1998, surge a regulamentação para cursos a distância (Decreto 2494/98, modificado pelo Decreto 2561/98), que abrange o ensino médio, a educação profissional e a educação superior. Este decreto foi substituído pelo Decreto 5.622, de dezembro de 2005, prevendo a educação a distância em todos os níveis e modalidades da Educação Nacional, como indicou a LDB já em 1996. Professores de inglês lidam cotidianamente com situações adversas à sua profissão (cf. ALMEIDA FILHO, 1999; LEFFA, 2001; CELANI, 2003a; GIMENEZ, 2002; ABRAHÃO, 2004; GIMENEZ, JORDÃO e ANDREOTTI, 2005). Muitos se queixam da vida escolar, de seu desempenho limitado na língua que ensinam e da precariedade de suas condições de trabalho (ARAGÃO, 2008). Estas podem ser vistas como consequências de uma ausência de políticas públicas claras para o ensino de Línguas Estrangeiras no Brasil. O seguinte trecho que Dutra e Melo (2004, p. 37) expõem a partir de seu projeto de Educação Continuada para Professores de Línguas Estrangeiras da rede pública de Belo Horizonte, o Educonle, ilustra a situação: O professor é muitas vezes desrespeitado pela própria estrutura escolar, pois suas aulas são colocadas nos piores horários ou reuniões são marcadas no horário de suas aulas, gerando o can- 61 RODRIGO ARAGÃO celamento das mesmas. Sendo assim, o professor, que na maioria das vezes já é inseguro quanto ao domínio da disciplina que ensina, sente-se ainda mais desvalorizado. Esta relação entre o pouco domínio da língua e da falta de respeito ao seu trabalho tem gerado um círculo vicioso, como provado via relatos de professores de inglês participantes do nosso Projeto entre 1999-20001, que dizem estar na rede pública por não terem um bom domínio da língua. Portanto, o que se vê são professores que reclamam por formação continuada para exercerem seu papel com segurança, entusiasmo, criatividade e autonomia (PAIVA e ABRAHÃO, 2000; PAIVA, 2003; CELANI, 2003b). Ainda, a partir deste cenário é fundamental criar estratégias para a melhoria da formação inicial dos professores nas universidades. Além disso, há escassez de materiais didáticos e o domínio de conhecimentos que possam ser utilizados no uso significativo dos mesmos e na produção própria de tecnologias educacionais apropriadas aos diversos contextos de atuação dos professores da rede pública no Brasil. Como apontei anteriormente, o Programa Nacional do Livro Didático, do Ministério da Educação, não contempla o ensino de Língua Estrangeira.4 Assim, não é difícil ver o professor de inglês circunscrito ao uso da lousa, do giz e da escrita como únicas tecnologias educacionais, e práticas de ensino pautadas na repetição de pontos gramaticais, ao longo da educação básica, e alunos de ensino médio desmotivados sem a esperança de ter uma aula que tenha algum sentido (PAIVA, 2006). A partir da análise de inúmeras narrativas coletadas pelo projeto AMFALE,5 Paiva (2006, 2007a/b) nos mostra 4 http://portal.mec.gov.br/seb/index.php?option=content&task=vi ew&id=648&Itemid=666 5 AMFALE – Aprendendo com Memórias de Falantes e Aprendizes de Línguas Estrangeiras é um banco de dados que reúne narrativas de estudantes e professores de línguas e pesquisadores interessados em questões de ensino e de aprendizagem de línguas, e é coordenado pela Profa. Dra. Vera Menezes de Oliveira e Paiva (http://www. veramenezes.com/amfale.htm). 62 PROJETO FORTE: FORMAÇÃO, REFLEXÃO E TECNOLOGIAS NO ENSINO DE INGLÊS NA BAHIA como é forte o desejo pelo desenvolvimento das habilidades orais por estudantes e também professores de línguas estrangeiras (cf. ARAGÃO, 2007). Ao mesmo tempo em que esse desejo é latente, fica claro o desafio de se desenvolver tal habilidade no contexto das escolas brasileiras do ensino básico que tendem a enfatizar práticas de ensino de formas gramaticais descontextualizadas e tradução. Ainda, pesquisas na Linguística Aplicada têm demonstrado que o professor encontra dificuldade em utilizar tecnologias já consagradas, como a leitura/escrita, a lousa e o giz, para se obter uma aprendizagem significativa, colaborativa e comunicativa na área de Línguas Estrangeiras (cf. ABRAHÃO, 2004). Estas dificuldades são muitas vezes resultantes de sua formação inicial (ABRAHÃO e PAIVA, 2000; PAIVA, 2003; MATEUS, 2004). Desta forma, a simples presença de novas tecnologias, que podem propiciar maior interatividade e sentido no ensino de línguas, como os computadores nas salas de aula, não garantem a qualidade, nem um ensino significativo e comunicativo de uma Língua Estrangeira. Dito em outras palavras, a proposta aqui delineada é buscar integrar as tecnologias digitais disponíveis na Web no cotidiano escolar dos professores, em serviço e em formação inicial, resignificando, quando necessário, e expandindo o uso de tecnologias já consagradas no ambiente escolar tradicional e em suas experiências de ensino/aprendizagem. Acredita-se que ao utilizar-se de ferramentas de ensino baseadas na Web nas atividades do projeto, os professores podem dar outros contornos a tecnologias educacionais já consagradas como a lousa/giz e a leitura/escrita assim como práticas pedagógicas que podem ser efetivas e significativas no ensino de Línguas como a produção de jornais, revistas, histórias em quadrinhos, a elaboração e apresentação de pequenas peças teatrais, apresentações orais, realização de reportagens e pesquisas na comunidade, produção de folhetos, cartazes, propagandas, planilhas, dentre outros artefatos didático-pedagógicos. Estudos têm apontado que há despreparo dos professores em serviço para a utilização de tecnologias da 63 RODRIGO ARAGÃO informação e comunicação nas práticas pedagógicas, menos ainda, para edição e publicação de materiais pedagógicos que sejam apropriados e situados na contingência das suas comunidades (ABRAHÃO e PAIVA, 2000; MATEUS, 2004). Ressalta-se que este despreparo se deve comumente há quase inexistência de práticas de ensino/aprendizagem de Línguas nas universidades que sejam pautadas na importância de se efetivar letramentos na Web com vistas a auxiliar os professores na docência com tecnologias da informação e da comunicação. Professores que durante sua formação inicial nas universidades não tiveram contato com ferramentas digitais de ensino podem apresentar dificuldade ou resistência a lidar com elas em sua prática de sala de aula (ROLAND, 2006). Sampaio e Leite (1999) sugerem que as novas tecnologias chegam à escola por imposição e sem o oferecimento de condições que propiciem sua utilização adequada em programas de desenvolvimento de professores (cf. SANTOS, 2007; MOTTA-ROTH, REIS e MARSHALL, 2007). Estas afirmações encontram respaldo nos discursos dos professores em formação inicial que já se encontram em serviço na rede pública em nossa região. Desta maneira, é fundamental promover a formação de professores de Línguas tendo como meta o desenvolvimento de letramentos digitais. Contexto e Objetivos A Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC, situada entre os pólos urbanos de Ilhéus e Itabuna, em Ilhéus – Bahia, a quase 500 quilômetros de Salvador, tendo como área de abrangência educacional, a região Sul da Bahia, é a principal instituição de ensino superior na região. Criada em 1991, a UESC é a mais nova Instituição de Ensino Superior (IES) pública, das quatro IES mantidas pelo Governo do Estado da Bahia. Está fortemente vinculada ao desenvolvimento de sua região. No momento, a UESC investe maciçamente no processo de sua informa64 PROJETO FORTE: FORMAÇÃO, REFLEXÃO E TECNOLOGIAS NO ENSINO DE INGLÊS NA BAHIA tização e expansão de seu link de internet (no momento possui rede restrita); na melhoria do seu acervo bibliográfico; e na expansão dos projetos de pesquisa e atividades extensionais. O Departamento de Letras e Artes oferece à sua comunidade cursos de Licenciatura em PortuguêsInglês, Português-Espanhol, e o bacharelado em Línguas Estrangeiras Aplicadas às Negociações Internacionais. Há escassez de pesquisas sistemáticas sobre os problemas e desafios encontrados pelos professores e alunos de inglês como língua estrangeira nas escolas públicas no Estado da Bahia, e no contexto Sul da Bahia, em particular. Na região de abrangência da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), em especial nas cidades de Ilhéus e Itabuna, não se sabe como os professores utilizam tecnologias educacionais, tantos as já consagradas quanto às novas tecnologias da informação e comunicação. Ademais, se desconhece as reais necessidades dos professores e também de seus alunos. O desconhecimento das situações locais dificulta a construção de alternativas para enfrentamento das dificuldades e problemas encontrados na prática de ensino de línguas. Estes professores reclamam por uma educação continuada que vise lidar com o aspecto tecnológico de sua formação. Ainda não existem projetos de desenvolvimento do professor de inglês sendo oferecido em nossa região. Ciente do papel da Universidade Estadual de Santa Cruz como líder na produção e disseminação do conhecimento, e principal formadora de professores na região Sul da Bahia, busca-se com o FORTE oferecer um programa de pesquisa e formação inicial e continuada do professor de inglês em nossa comunidade, em particular na rede estadual de ensino de Ilhéus e Itabuna. Através desse projeto, os professores serão levados a pesquisar sua prática e sua trajetória profissional, avaliar seu uso de tecnologias educacionais de maneira situada e os interesses e necessidades de seus alunos em contextos específicos. De maneira concomitante, os professores se envolverão em um programa de desenvolvimento e valorização de seu ofício como professores de Línguas Estrangeiras, além de ex65 RODRIGO ARAGÃO pandirem seus conhecimentos na confecção de produtos tecnológicos educativos que poderão ser usados em sala de aula com orientação da equipe executora do projeto e posteriormente disponibilizados na internet. Assim os objetivos pontuais do FORTE são: 1. Pesquisar a situação prática do ensino, sua realidade, seus desafios e as necessidades dos professores de inglês da rede pública de Ilhéus e Itabuna; 2. Integrar formadores, professores em formação inicial e professores em serviço, num programa de aprimoramento linguístico/comunicativo, teórico/prático aliado a construção de processos e produtos tecnológicos para o ensino de inglês; 3. Fomentar uma conscientização crítica sobre o papel formativo, ideológico/político e social das línguas estrangeiras dos multiletramentos no mundo contemporâneo; 4. Realizar pesquisa bibliográfica sobre a história das tecnologias educacionais no ensino do inglês para avaliar e publicar materiais inovadores em nosso contexto; 5. Construir um portal virtual para o projeto, configurado a fazer uso de ambientes virtuais de aprendizagem para suas atividades e para disseminação dos conhecimentos gerados, de maneira descentralizada e ágil, tendo por meta a parceria universidade-escola pública e o livre acesso do conhecimento na Web. Fundamentação Teórica Este projeto possui dois eixos teóricos centrais: (1) a formação de professores reflexivos; (2) o conceito de multiletramentos. No escopo da Linguística Aplicada, este projeto contempla pesquisas ligadas ao desenvolvimento de professores em práticas reflexivas socialmente situadas (CELANI, 2003; ARAGÃO, 2007a/b), em trabalhos ino66 PROJETO FORTE: FORMAÇÃO, REFLEXÃO E TECNOLOGIAS NO ENSINO DE INGLÊS NA BAHIA vadores resultantes de programas de formação continuada (cf. MELLO e DUTRA, 2007; ABRAHÃO, 2007) e em práticas de ensino e aprendizagem de inglês como foco na autonomia (PAIVA, 2005). Segundo a linha reflexiva, o aluno-professor, ao refletir sobre sua prática, pode explicitar e desenvolver uma postura crítica de suas crenças, pressupostos e ações sobre linguagem, ensinar e aprender línguas, e buscar alternativas transformadoras para suas adversidades e situações cotidianas de sala de aula. Aqui o professor “se torna agente da reflexão, responsável por seu desenvolvimento profissional e pelas ações que gerem mudanças das práticas pedagógicas” (DUTRA e MELLO, 2004, p. 32). O processo reflexivo pressupõe esforço, vontade e que tem lugar, quando condições são criadas de maneira sustentada e colaborativa. Já o foco na autonomia visa auxiliar o professor a continuar seu processo de ensino/aprendizagem da língua estrangeira e desenvolvimento profissional de forma autônoma e fomentando esta atitude em seus alunos. Portanto, é a reflexão na linguagem que possibilita vermos nas dinâmicas correntes de ensino/aprendizagem em sala de aula, ao descrever e auto-observar num distanciamento o que se vive no fluir contínuo da experiência pedagógica. Se olharmos nossas ações de ensino/aprendizagem, de maneira reflexiva, é possível atuar coerentemente com elas ou podemos mudar de conduta, se assim o desejamos. Na reflexão damos significado às experiências e adentramos um domínio em que passamos a nos ver responsáveis pelos nossos atos e por nossa conduta, ao dar-nos conta das consequências das ações em nosso entorno pedagógico e sociocultural (ARAGÃO, 2007b). Aqui tomamos para nós mesmos a responsabilidade do mundo em que vivemos com os outros e da consequência de nossas ações para nós mesmos e para os que conosco convivem. Neste processo é possível efetivar transformações e mudanças em práticas pedagógicas coletivas. Portanto, é no âmbito da reflexão que se acredita ser possível realizar intervenções e instaurar a possibilidade de reconfigurações de práticas pedagógicas já consoli67 RODRIGO ARAGÃO dadas na ação sem reflexão. Assim como a aprendizagem, a mudança de práticas pedagógicas é vista aqui como um processo lento, dinâmico e incerto (cf. ABRAHÃO, 2007; PAIVA 2007, ARAGÃO, 2007a). FORTE, sigla deste projeto, sugere força, empoderamento, protagonismo, mas também, fortaleza e resistência a mudanças e novas práticas e posturas no ensino/aprendizagem. É fato conhecido por aqueles que lidam com tecnologias digitais e com formação continuada de professores a resistência àquilo que é novo, desconhecido. Na reflexão passamos a considerar elementos que antes não eram observados conscientemente. A reflexão envolve ainda uma disposição para a dúvida e a incerteza. A certeza nega a reflexão, pois não questionamos o que se toma como certo. O medo também nos impede de refletir, pois não refletimos sobre aquilo que tememos ver (ARAGÃO, 2007a). Por outro lado, este projeto encontra embasamento nos estudos sobre multiletramento, de acordo com a fundamentação teórica delineada nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio (PCNEM): Linguagens, Códigos e Suas Tecnologias.6 Este documento oficial do Governo Federal, editado em 2006, nos apresenta reflexões sobre a função educacional do ensino de Língua Estrangeira no contexto do ensino básico ao introduzir teorias sobre a linguagem como prática social na confluência com a emergência das novas tecnologias. A ênfase é dada aos impactos da comunicação em ambientes hipermidiáticos sobre os diferentes usos da linguagem (e-mail, MSN, fóruns, chats ou salas de bate-papo, listas de discussão, wikis, orkut, aprendizagem de línguas en tandem, blogs, hipertexto) e suas implicações para o ensino e para a aprendizagem em contextos formais (veja ARAÚJO, 2007a/b, para discussão de impactos no ensino de língua materna e estrangeira). De fato, práticas emergentes têm suscitado formas alternativas de interação e produção de gêneros na linguagem. O texto atualizado dos Parâmetros Curriculares Nacionais para Ensino Médio (BRASIL, 2006) argumenta 6 Cf. <http://portal.mec.gov.br/seb/> 68 PROJETO FORTE: FORMAÇÃO, REFLEXÃO E TECNOLOGIAS NO ENSINO DE INGLÊS NA BAHIA em favor do ensino/aprendizagem da língua como uma prática socioculturalmente situada em determinadas comunidades de prática (cf. LAVE e WENGER, 1991). Neste âmbito, o professor se vê desafiado a propor alternativas de uso significativo da língua que ensinam. Estas tarefas de uso significativo podem ser realizadas por atividades mediadas pelo computador e intermediadas na Web. Os recursos destas tecnologias propiciam com que estudantes de inglês possam se comunicar com outros usuários da língua inglesa ao redor do mundo (cf. PAIVA, 2001). Portanto, o ensino de uma língua mediado pela Web oferece oportunidades de interação comunicativa, de reflexão sobre o uso da linguagem no mundo contemporâneo e de construção de conhecimentos colaborativos. Neste domínio, o documento lança mão do conceito de multiletramento que enfatiza a característica digital, multimodal (mescla de texto, som, imagem estática e em movimento), heterogênea (variabilidade linguística) e ideológica das práticas sociais e funções contemporâneas de língua(gem). Aqui, produzir sentido numa língua envolve um processo semiótico multifacetado. Este processo social implica na lide com usos contextualizados e que tem sentido em espaços textuais que mesclam vídeo, imagens, som e linguagem verbal sobre os quais “as tarefas são reais, porque muitas pessoas podem ter acesso a elas (RIBEIRO, 2007, p. 222)”. Neste cenário, os recursos oferecidos pelo que tem sido chamado de Web 2.0, ou a segunda geração de recursos intermediados pela Web na internet, oferece aos seus usuários ferramentas que aumentam a capacidade de produção, publicação, autoria e, consequentemente, o incremento de recursos interativos, colaborativos e comunicativos disponibilizados nestes novos ambientes virtuais da internet, como os Wikis.7 7 Segundo Schmitt (2006, p. 1), Wikis são “ambientes que permitem a construção coletiva de hipertextos de forma muito rápida e simplificada, não exigindo dos colaboradores conhecimento especializado na construção de páginas”. Para uma discussão interessante sobre como a Web 2.0 pode ser utilizada no ensino de inglês, ver Bohn (2007). 69 RODRIGO ARAGÃO Metodologia A metodologia de ação do FORTE constitui-se na construção de um programa que congrega ações de ensino, pesquisa e extensão com o objetivo maior de fomentar a formação reflexiva do professor de inglês, e o desenvolvimento de conhecimentos para uso e produção de tecnologias educacionais apropriadas aos contextos de prática dos participantes envolvidos no projeto. Desta forma, pretende-se fazer uma ligação entre a formação inicial na universidade e a formação continuada dos professores em serviço na rede pública das cidades de Ilhéus e Itabuna na Bahia. Vale ressaltar que os instrumentos de pesquisa que auxiliam na construção de um banco de dados sobre a realidade tecnológica e educacional dos participantes desta pesquisa, estão relacionados ao estabelecimento de uma reflexão consistente e sistemática sobre suas práticas de ensino/aprendizagem situadas socialmente em suas comunidades. Além disso, estes instrumentos têm o intuito de favorecer o engrandecimento e valorização profissional de todos os participantes envolvidos, conforme apontam trabalhos recentes sobre formação de professores reflexivos no escopo da Linguística Aplicada (cf. MELLO e DUTRA, 2007; ARAGÃO, 2005; 2007a/b). Assim o FORTE compõe-se de quatro momentos: (1) divulgação do programa, sensibilização e estabelecimento de contato com diretores e professores de escolas públicas de Ilhéus e Itabuna, e a construção, em conjunto, de critérios para permanência no projeto; (2) formação e seleção de monitores/pesquisadores da graduação em Letras da UESC que participarão do projeto como bolsistas de Iniciação Científica, Iniciação Tecnológica, monitores e estagiários de pesquisa voluntários; (3) encontros iniciais com todos participantes para (a) explicitação dos objetivos, critérios acordados de permanência no projeto, metodologia e cronograma de trabalho e (b) realização de levantamento de dados sobre as práticas de ensino dos professores, suas trajetórias profissionais, 70 PROJETO FORTE: FORMAÇÃO, REFLEXÃO E TECNOLOGIAS NO ENSINO DE INGLÊS NA BAHIA análise e reflexão de suas necessidades e desafios; (4) oferecimento de oficinas de aperfeiçoamento linguístico, em língua inglesa, de reflexão teórica/prática e de uso e produção de material tecnológico educacional. Concomitante a estas fases, pretende-se realizar (a) uma contínua pesquisa bibliográfica sobre a história das tecnologias educacionais no ensino de inglês e (b) a construção de um portal virtual na Web para divulgação dos conhecimentos gerados no projeto. A primeira e a segunda fase deste projeto se darão no primeiro ano, a terceira e quarta fase se concentrarão no segundo ano de ação, embora ações da terceira fase terão início no primeiro ano. No momento, se prevê o início deste projeto para o mês de agosto de 2008. A metodologia de ação está embasada no ensino reflexivo e no conceito de multiletramentos que reconhecem a contextualidade e continuidade do processo de aprender a ensinar durante toda uma carreira de um professor. Esse processo reflexivo é melhor implementado quando existe uma comunidade, um grupo de professores que se ajudam mutuamente, mediados por tecnologias que favoreçam a construção de comunidades presenciais ou virtuais de aprendizagem. Vale esmiuçar aqui os procedimentos metodológicos da terceira fase, em especial, que se dará com a coleta de documentos de pesquisa narrativa, de orientação qualitativa, para avaliar e refletir sobre a prática corrente dos professores, seus desafios, e seu uso de tecnologias educacionais. Neste momento, o que se busca é compreender como e porque os professores agem da forma que agem na sala de aula. Além disso, nesta fase, pretendese realizar a construção de um banco de dados sobre a atuação corrente dos professores participantes, realizando um diagnóstico inicial da pesquisa sobre sua realidade prática e seus desafios, e assim, também, se assegura uma avaliação posterior, de impactos na realidade desses professores a partir da participação no projeto. Na Linguística Aplicada, pesquisas qualitativas com narrativas de ensino/aprendizagem têm se mostrado pro71 RODRIGO ARAGÃO dutivas na compreensão das experiências de professores e estudantes de língua inglesa em sala de aula (Cf. PAIVA, 2006, 2007a; ARAGÃO, 2005, 2007; BARCELOS, 2006). Nestas pesquisas, as narrativas de ensino/aprendizagem fomentam a reflexão sobre as dinâmicas da experiência humana, mostrando como o ensino/aprendizagem de uma língua envolve um sistema imbricado de emoções, crenças, contingências, ideologias, identidades e desafios. Na Pesquisa Narrativa, os participantes e o pesquisador são compreendidos como co-construtores da pesquisa, como co-agentes envolvidos na construção da pesquisa. De maneira similar à etnografia, a Pesquisa Narrativa propõe uma parceria com o participante na compreensão da experiência educacional do participante. Em um processo contínuo de negociação na convivência com os participantes, durante um período suficientemente prolongado, o pesquisador mergulha num turbilhão de histórias, crenças e ações, procurando conexões, padrões e sentidos, entre histórias relatadas no discurso e experiências observadas pelos pesquisadores na realidade da sala de aula dos professores participantes. Neste processo, o pesquisador adentra dimensões temporais, contextuais e pessoais sobre a experiência educacional do participante, ao coletar diversas informações contidas nos documentos de pesquisa como autobiografias escritas, diários, poemas, entrevistas, observações de campo em sala de aula, narrativas orais, dentre outros (CLANDININ e CONNELY, 2000). Desta maneira, ao entrecruzar as observações realizadas nas salas de aula e na análise das narrativas de ensino/aprendizagem, o pesquisador busca produzir textos de pesquisa, ou seja, relatos escritos das histórias e ações dos participantes, imputando-lhes um enredo histórico e tecendo interpretações ao conectar diversos elementos que compõe a experiência do participante, um processo denominado de triangulação na pesquisa qualitativa. Em seguida, estes textos de pesquisa são retornados aos participantes para comentários e reflexões. Clandinin e Connelly (2000), referenciais na Pesquisa Narrativa, to72 PROJETO FORTE: FORMAÇÃO, REFLEXÃO E TECNOLOGIAS NO ENSINO DE INGLÊS NA BAHIA mam a obra de John Dewey (1938) para descrever sua epistemologia. Segundo os autores, o conceito de continuidade de Dewey aponta para as relações contínuas da experiência temporal humana, tendo em mente um passado que levou a este presente e que pode nos projetar para um determinado futuro. Ao narrar suas experiências, e as continuidades em sua trajetória, os professores podem reavaliar suas experiências atuais e partir para a construção de histórias alternativas com as quais desejam, e podem viver num futuro distinto. Assim, os documentos de pesquisa a serem coletadas na terceira fase são: a) autobiografias e histórias de ensino-aprendizagem de inglês (orais e/ou escritas), sobre as quais os professores relatam a construção de sua identidade profissional e uso de tecnologias educacionais ao longo de sua trajetória educacional (ver ARAGÃO, 2007a/b: http://www.veramenezes.com/amfale.htm e conferir o roteiro para escrita da autobiografia);8 b) questionários pontuais sobre questões levantadas nas autobio8 Refletindo sobre Minha história de Ensino/Aprendizagem de Inglês – Roteiro para Escrita da Autobiografia – Já que o que nos interessa é o processo reflexivo, a narrativa pode ser escrita em língua portuguesa, caso sinta-se limitado na língua inglesa. Porém, se for de seu interesse, ela pode ser escrita em inglês. A narrativa deve contar um pouco de sua história pessoal e escolar. Conte de onde vem, onde estudou, o que gosta de fazer e o que não, coisas que lhe interessam... Mas conte, principalmente, de suas experiências com a língua inglesa: a) como foi sua aprendizagem de inglês antes, durante e depois da universidade – conte suas experiências positivas e negativas; b) quais razões lhe trouxeram ao curso de Letras/Inglês (e não Letras/ Espanhol) e quais razões lhe levaram a querer seguir uma carreira profissional no ensino de inglês; d) pense e descreva o uso que você fez de tecnologias no ensino de inglês como aluno e professor; e) você gosta de aprender e ensinar inglês (justifique) e quais atividades de aprendizagem e de ensino de inglês mais lhe (des)interessam ou apresentam dificuldade (porque); f) fale de você como professor de inglês, suas ações mais praticadas na sala de aula e suas crenças sobre como se aprende e se deve ensinar uma língua, e o que gostaria de melhorar com a participação neste projeto de pesquisa; g) qual seu contato no cotidiano com a língua inglesa; h) na sua opinião o que é faz um bom aprendiz de inglês e um bom professor. 73 RODRIGO ARAGÃO grafias; c) gravações de aulas dos professores em áudio e/ou vídeo e sessões de reflexão sobre estas aulas com os professores; f) entrevistas semi-estruturadas a partir de dados levantados nas autobiografias e na observação das aulas dos professores; f) conversas informais com os professores; g) notas de campo em observações de aula dos professores participantes da pesquisa; h) uso de outros recursos semióticos, como representações visuais de crenças e sentimentos sobre ensino/aprendizagem, que possam deflagrar reflexões sobre as ações, e especialmente, quanto ao uso de tecnologias educacionais (cf. ARAGÃO, 2007a/b; 2008). Os participantes são entrevistados individualmente. Em uma primeira entrevista, explora-se a autobiografia escrita aprofundando questões levantadas nesta sobre história de vida, crenças, pressupostos e ações sobre diversas questões ligadas ao ensino/aprendizagem de línguas, estilos e estratégias de ensino/aprendizagem, uso de tecnologias educacionais, eventos marcantes em sua trajetória, motivações, expectativas e desafios frente à profissão e participação na pesquisa. Em uma segunda, discute-se rotinas de sala de aula em uma sessão de reflexão sobre observações do pesquisador sobre aulas dos professores e sobre a narrativa educacional. Em uma entrevista seguinte, abordamos as representações do professor sobre sua prática, conectando-as às suas histórias de ensino/ aprendizagem. Na observação em sala de aula procurase registrar as ações do professor. O processo de coleta de dados poderá contar também com o envolvimento de alunos de Estágio Supervisionado, de Prática de Pesquisa e Prática de Ensino em Inglês da UESC, além dos monitores/pesquisadores bolsistas e voluntários já selecionados para participarem do projeto. A quarta fase consistirá de oficinas com os professores. Inicialmente, previram-se encontros semanais presenciais de oito horas cada, perfazendo um total de 15 encontros e 120 horas. Nestes encontros serão desenvolvidas oficinas de aprimoramento linguístico, em paralelo às oficinas de pesquisa sobre sua prática que visam 74 PROJETO FORTE: FORMAÇÃO, REFLEXÃO E TECNOLOGIAS NO ENSINO DE INGLÊS NA BAHIA aprofundar a reflexão teórica/prática sobre o ensino de inglês na escola pública, tendo o resultado das pesquisas iniciais. Além disso, nesta fase, os professores farão uso sistemático de computadores conectados a internet bem como a resignificação de tecnologias já consagradas na instrução formal no contexto das tecnologias multimidiáticas, numa visão de linguagem como prática social situada (BRASIL, 2006). Nas oficinas de desenvolvimento linguístico/comunicativo, em língua inglesa, os professores farão uso dos suportes digitais, propiciando assim uma vivência de ensino/aprendizagem de inglês mediado por computador, possibilitando assim também um enriquecimento dos multiletramentos dos professores, especialmente dos letramentos na Web. O que se pretende é fomentar a aprendizagem destes recursos pelo uso. Ao mesmo tempo em que utilizarão dos ambientes virtuais para seu aprimoramento linguístico, estes professores estarão aprendendo a utilizar os recursos em suas práticas pedagógicas de ensino. Na mediação do ensino/aprendizagem pelo computador e, especialmente, de suas ferramentas assíncronas, tem-se uma alternativa de agrupar pessoas de locais distintos, com disponibilidades de tempo e estilos de ensino/ aprendizagem diferenciados, permitindo-lhes assim experiências comuns às dos cursos presenciais que propiciam boa qualidade de interação. O computador fornece aos participantes oportunidades de interação, de reflexão e de construção de conhecimento de forma colaborativa em tempo integral. Neste processo, previram-se uma média de 100 horas de atividades, sobre as quais os professores atuarão sobre a tutoria do coordenador e da equipe executora deste projeto em tarefas de ensino/aprendizagem de inglês, em ambiente virtual de aprendizagem, utilizando-se do Sistema de Gerenciamento de Cursos Moodle, assim como outros recursos mais tradicionais na Web como e-mails pessoais, listas de discussão e chats, e mais recentes como a produção de textos colaborativos e páginas por Wikis, e repositórios de vídeo e áudio (youtube e podcasts), utili75 RODRIGO ARAGÃO zação de ferramentas de busca e dicionários on-line. Nas oficinas, os professores também estarão analisando, refletindo e produzindo materiais educacionais que serão selecionados para publicação na internet. A publicação dos materiais na internet poderá ser acessada e reproduzida por professores, em diferentes tipos de mídia, incluindo: material impresso e plastificado, CDs e DVDs, para utilização de acordo com o contexto de atuação do professor. De forma, que nesta fase, prevê-se encontros presenciais e a utilização de suportes digitais para realização de tarefas monitoradas pelo coordenador do projeto em ambientes virtuais de aprendizagem. Ainda, está previsto a contribuição de outros professores de inglês do curso de Letras da UESC que desenvolvem projetos de pesquisa e extensão. Tendo a participação destes projetos, esta fase ganhará uma carga horária extra maior, em atividades de extensão, frente a carga horária já prevista, contribuindo para a formação continuada destes professores e para riqueza do projeto em seus aspectos de formação e reflexão sobre a prática. Resultados Esperados e Considerações Finais O FORTE tem como expectativa principal tornar mais efetiva a intervenção da Universidade Estadual de Santa Cruz no universo das escolas públicas de educação básica de sua área de abrangência, em especial, nas cidades de Ilhéus e Itabuna. Além disso, busca-se um melhor aproveitamento dos recursos disponíveis das escolas que fizeram parte do programa Proinfo do governo federal assim como outras iniciativas dos governos federal, estadual e municipal, que equiparam as escolas com laboratórios de informática assim como outros equipamentos tecnológicos. O projeto pretende fomentar uma transformação na relação que o professor de inglês tem com sua prática de ensino, ao adquirirem maior reflexão sobre sua prática, engrandecimento profissional e o desenvolvimento significativo de letramentos na Web ao utilizar as diversas ferramentas digitais disponíveis para 76 PROJETO FORTE: FORMAÇÃO, REFLEXÃO E TECNOLOGIAS NO ENSINO DE INGLÊS NA BAHIA fomentar o ensino de inglês de forma interativa e comunicativa, assim como para produzir materiais inéditos e inovadores baseados na Web. Estes professores podem utilizar equipamentos disponíveis em suas escolas, bem como ambientes virtuais de aprendizagem, que podem ser acessados em suas comunidades ou no espaço destinado a este projeto na UESC. Este projeto poderá ter impacto na prática de ensino dos professores já atuantes assim como na formação inicial dos alunos de licenciatura em Letras, e, por conseguinte, na aprendizagem dos alunos da educação básica da Bahia. Através da solicitação de bolsas de Iniciação Científica e Iniciação Tecnológica, estágios e monitoria, prevê-se um maior envolvimento dos alunos de graduação em ambiente de pesquisa que tem como eixo temático a compreensão de práticas de ensino/aprendizagem de línguas na Web, o que pode contribuir significativamente para a sua formação. O conhecimento gerado no projeto será divulgado em eventos nacionais e internacionais assim como em publicações e, em particular no caso desse projeto, no portal do programa na Web. A produção de material didático, fruto do trabalho colaborativo entre os professores da rede pública de ensino do estado da Bahia, a equipe executora do projeto, e os alunos de graduação, será mediada por suportes digitais e outras tecnologias como a utilização de gravadores de áudio e vídeo, televisores, reprodutores de CD, DVD, e MP3, equipamentos de som, e reproduzidos em mídia impressa, que podem ser plastificadas para evitar danos, além da produção de jogos, coletâneas para-didáticas, materiais de leitura apropriada às comunidades, jornais, cartazes, etc. É importante ressaltar que o material pedagógico produzido, poderá tomar o formato de um “kit de ensino”, material impresso plastificado e encadernado, unidades de áudio e vídeo reproduzidas em CD e/ou DVD, softwares, atividades on-line disponíveis no portal do programa, o que deverá configurar o resultado de um processo de ensino/aprendizagem colaborativo, muito mais que apenas a geração de um produto. 77 RODRIGO ARAGÃO Em suma, este projeto pretende lidar conscientemente com condições e situações adversas a uma profissão tão importante no mundo contemporâneo. É difícil, complexo, mas não impossível, já dizia o mestre Paulo Freire. De fato, histórias desastrosas que nos rodeiam parecem ser arquitetadas para que descraditemos na nossa profissão de professores de línguas. Temos que nos lembrar sempre que de pequenas transformações fazemos o mundo que desejamos viver. Temos que ser protagonistas e parceiros da mesma empreitada: alunos, professores e pesquisadores. É este o cenário com que sonho e o mundo que se deseja com este projeto. Espera-se FORTalecer aquele que deveria ser o bem mais importante para um país, o professor. Referências Bibliográficas ABRAHÃO, M. H. V. (Org.) Prática de ensino de língua estrangeira: experiências e reflexões. Campinas: Pontes Editores, 2004. ABRAHÃO, M. H. V. Projetos de formação continuada: oportunizando o retorno de profissionais à universidade. In: ABRAHÃO, M. H. V.; GIL, G.; RAUBER, A. S. (Orgs.) Anais do I Congresso Latino-Americano Formação de Professores de Línguas. Florianópolis: UFSC, 2007. <http:// www.cce.ufsc.br/~clafpl/pagina_principal1.htm>. Acesso em 15 nov. 2007. ABRAHÃO, M. H. V. & PAIVA, V. M.O. Repensando o curso de letras: habilitação em língua estrangeira. In: LEFFA.V. J. (Org.) TELA (Textos em Linguística Aplicada) [CD ROM]. Pelotas: Educat, 2000. ALMEIDA FILHO, J. P. C. (Org.) O professor de língua estrangeira em formação. Campinas: Pontes, 1999. ARAGÃO, R.C. São as histórias que nos dizem mais: emoção, reflexão e ação na sala de aula. 2007. Tese (Doutorado em Estudos Linguisticos) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007a. 78 PROJETO FORTE: FORMAÇÃO, REFLEXÃO E TECNOLOGIAS NO ENSINO DE INGLÊS NA BAHIA ARAGÃO, R.C. Emotions and self-narratives in classroom language learning. In: PASCUAL, C. P. (Org.) Revisiting language learning resources. Newcastle: Cambridge Scholars Publishing. 2007b. p. 191-211. ARAGÃO, R.C. Desafios na Formação de Professores de Línguas com Novas Tecnologias. In: ARAÚJO, J.C.: RODRIGUES, M. (Org.). II encontro nacional sobre hipertexto – ANAIS ELETRÔNICOS. Fortaleza: UFC <http:// www.abehte.org/anais/ANAIS/Art09_Aragao.swf> Acesso em 19/04/2008. ARAÚJO, J.C. Internet e ensino: novos gêneros, outros desafios. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007a. ARAÚJO, J.C. Os gêneros digitais e os desafios de alfabetizar letrando. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, n. 46, p. 79-92, jan./jun. 2007b. BARCELOS, A.M.F. Narrativas, crenças e experiências de aprender inglês. Linguagem & Ensino (UCPel), v. 9, p. 145-175, 2006. BOHN, V. C. R. How the Web 2.0 can help teachers in English Language Teaching: some suggestions. 2007. Monografia (Monografia em Letras/Inglês) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007. BRASIL. Orientações curriculares para o ensino médio: linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria da Educação Básica, 2006. CELANI, M. A. A. (Org.) Professores e formadores em mudança relato de um processo de reflexão e transformação da prática docente. Mercado de Letras: Campinas, 2003a. CLANDININ, J.; CONNELLY, M. Narrative inquiry: experience and story in qualitative research. San Francisco: Jossey Bass Publishers, 2000. DUTRA, D.P. & MELLO, H. A prática reflexiva na formação inicial e continuada de professores de língua inglesa. In:ABRAHÃO, M.H. (Org.) Prática de ensino de língua estrangeira: experiências e reflexões. Campinas: Pontes Editores, 2004. p. 31-43. 79 RODRIGO ARAGÃO GIMENEZ, T. (Org.) Trajetórias na formação de professores de línguas. Londrina: Editora UEL, 2002. GIMENEZ, T. Políticas governamentais, mídia e ensino de línguas estrangeiras. Contribuições na área de línguas estrangeiras. Londrina: Moriá, 2005, p. 91-103. GIMENEZ, T.; JORDÃO, C.M.; ANDREOTTI, V. Perspectivas educacionais e o ensino de inglês na escola pública. Pelotas: Educat, 2005. LEFFA, V. O professor de línguas estrangeiras construindo a profissão. Pelotas: Educat, 2001. MATEUS, E. F. Os professores na era digital e os (des)usos do computador na fase de formação inicial. The Especialist, São Paulo, SP, v. 25, n. 2, p. 199-220, 2004. MELLO, H. & DUTRA, D. A pesquisa-ação colaborativa como instrumento metodológico na formação continuada de professores de línguas estrangeiras. In: ABRAHÃO, M.H. V.; GIL, G.; RAUBER, A.S. (Org.) Anais do I Congresso Latino-Americano sobre Formação de Professores de Línguas. Florianópolis: UFSC, 2007. Disponível em: <http://www.cce.ufsc.br/~clafpl/pagina_principal1. htm>. Acesso em 15 nov. 2007. MOTTA-ROTH, D; REIS, S. C; MARSHALL, D. O gênero página pessoal e o ensino de produção textual em inglês. In: ARAÚJO, J.C. Internet e ensino: novos gêneros, outros desafios. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007, p. 126-143. PAIVA, V.M. A www e o ensino de inglês. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v. 1, n. 1, p. 93-117, 2001. PAIVA, V.M.O. A LDB e a legislação vigente sobre o ensino e a formação de professor de língua inglesa. In:TEIXEIRA, C.M. & CUNHA, M.J.C. (Org.) Caminhos e colheitas: ensino e pesquisa na área de inglês no Brasil. Brasília: Editora da UNB, 2003. p. 53-84. PAIVA, V.L.M.O. (Org.) Práticas de ensino e aprendizagem com foco na autonomia. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 2005. PAIVA, V.L.M.O. Autonomia e complexidade. Linguagem e ensino, v. 9, n. 1, p. 77-127, 2006. 80 PROJETO FORTE: FORMAÇÃO, REFLEXÃO E TECNOLOGIAS NO ENSINO DE INGLÊS NA BAHIA PAIVA, V.L.M.O. Letramento digital através de narrativas de aprendizagem de língua inglesa. Crop (FFLCH/USP), v. 12, p. 1-20, 2007a. PAIVA, V.L.M.O. As habilidades orais nas narrativas de aprendizagem. Trabalhos em Linguística Aplicada. v. 46, n.2., p.165-179, 2007b. RIBEIRO, A.E. Kd o Prof? Tb foi Navegar. In: ARAÚJO, J.C. Internet e ensino: novos gêneros, outros desafios. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007, p. 221-243 SAMPAIO, M. N. & LEITE, L. S. Alfabetização tecnológica do professor. Petrópolis: Vozes, 1999. SANTOS, E.M. Pesquisa na internet: copia e cóla??? In: ARAÚJO, J.C. Internet e ensino: novos gêneros, outros desafios. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007, p. 268-278. SCHMITT, M. A. R. Dificuldades apresentadas pelo modelo wiki para a implementação de um ambiente colaborativo de aprendizagem. Revista Novas Tecnologias na Educação/UFRGS, v.4, n. 2, 1-12, 2006. 81 O PROFESSOR DE ESPANHOL DIANTE DOS LETRAMENTOS DA WEB E A UTILIZAÇÃO DOS GÊNEROS DIGITAIS1 Tatiana Lourenço de Carvalho Considerações Iniciais Diante dos avanços tecnológicos é recorrente a utilização do computador e dos gêneros digitais no dia-a-dia da maioria das pessoas. Já faz parte do cotidiano de cada sujeito práticas como: acessar e enviar e-mails, participar de fóruns virtuais, manter blogs, participar de sites de relacionamentos como o Orkut, bate-papos virtuais, além de acessar sites de interesses diversos, sejam eles para o entretenimento ou de cunho escolar, acadêmico ou profissional. Não é questionável que tais usos têm provocado uma maior utilização da linguagem escrita por “todos” nas mais diversas formas e ambientes, pois nunca se escreveu/leu tanto em situações corriqueiras como atualmente. Isso vem gerando, nos últimos anos, o interesse de diversos pesquisadores2 em “desvendar” as práticas e particularidades de utilização desses novos gêneros textuais e novos letramentos provenientes da mídia digital. Dentro desse novo panorama de pesquisa vem ganhando destaque o estudo da relação entre os gêneros digitais e o ensino de línguas estrangeiras (SOUZA, 2007; MOTTA-ROTH, REIS; MARSHALL, 2007; ARAÚJO-JÚNIOR, 2007; 2008). Entre outras coisas, tem-se buscado compreender em que medida gêneros, como e-mails, chats, blogs, e-foruns, fotologs, homepages, sites, listas de 1 Este capítulo rememora parte das discussões travadas na disciplina Letramentos na Web (Tópicos Avançados I), ministrada no semestre de 2008.1 pelo Prof. Dr. Júlio Araújo, no PPGL da UFC. 2 Entre eles, podemos citar Marcuschi (2005); Paiva (2005); Araújo (2007a); Araújo & Biasi-Rodrigues (2007); Caiado (2007); Leal (2007); Cristovão & Nascimento (2008). 82 O PROFESSOR DE ESPANHOL, OS LETRAMENTOS NA WEB E OS GÊNEROS DIGITAIS discussão etc., podem contribuir para o desenvolvimento do aprendizado de línguas estrangeiras. Diante dessas muitas formas de utilização da Web e consequentemente dos gêneros ligados a ela, será que a escola e os professores estão acompanhando e tirando proveito dessas novas práticas para enriquecer o processo de ensino e aprendizagem? Será que ainda existe o mito de que o professor vê o computador e suas utilizações como uma ameaça à educação? Estes e outros questionamentos pretendemos explorar neste capítulo a partir da análise de dados oriundos da aplicação de um questionário a professores de espanhol como língua estrangeira da cidade de Fortaleza. Este trabalho parece-nos pertinente, porque visa perceber o posicionamento desses professores frente às práticas de letramentos na Web. Diante do conhecimento da postura desses docentes poder-se-á mais facilmente buscar soluções para que as inovadoras tecnologias de comunicação venham servir de fato como ferramenta para o ensino em geral e o ensino de línguas em particular. O Professor de Espanhol e as Práticas do Idioma na Web Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o ensino de línguas estrangeiras modernas, um dos objetivos do ensino de idiomas na escola é conduzir o aluno à percepção e à compreensão de outras culturas (BRASIL, 1998). Nesse sentido, compreendemos que a Internet pode desempenhar um papel bastante significativo, pois possibilita uma comunicação instantânea entre pessoas dos mais distantes lugares do mundo, de diferentes idiomas e culturas. Além do que, os PCN sugerem um trabalho interdisciplinar, o que torna a correlação ensino de línguas e novas tecnologias uma necessidade à formação dos educadores no século XXI. No caso do Espanhol, uma língua que vem ganhando destaque significativo no cenário mundial, a importân83 TATIANA LOURENÇO DE CARVALHO cia de se estudar tal idioma, em nosso país, deve-se, entre outros motivos, à nossa localização geográfica, pois somos o único país da América que fala português. O ensino da língua espanhola no Brasil, portanto, pode promover o fortalecimento das questões econômicas e o estreitamento das relações culturais com os países vizinhos. Outro fator importante no que toca ao ensino do espanhol no Brasil foi a aprovação, em 05 de agosto de 2005, da lei de obrigatoriedade do ensino deste idioma nas escolas públicas.3 Mas, antes mesmo da aprovação dessa lei, a ascensão do espanhol no cenário mundial foi muito bem entendida pelas escolas particulares e pelas escolas de idiomas, que, em sua grande maioria, já oferecem, desde a década de 90, o espanhol como mais uma opção de língua a ser aprendida. Nesse contexto de crescimento da importância de se estudar a língua espanhola, compreendemos que a utilização do computador com o proveniente uso dos novos gêneros, bem como o letramento digital, ganha importância ainda maior no ensino, pois pode servir tanto como recurso didático, quanto instrumento de integração e interação entre falantes nativos e aprendizes da língua meta. Entende-se aqui como letramento digital não somente o conhecimento tecnológico da informática, mas também e, principalmente, os usos que se faz desses recursos informáticos de maneira significativa entendendo suas práticas e possibilidades em situações sociais e reais do dia-a-dia dos internautas. Os gêneros provenientes da mídia digital ou simplesmente gêneros digitais, como preferem Marcuschi (2005) e Araújo (2007b), são compreendidos, aqui, como gêneros emergentes do advento da tecnologia digital, em especial da Internet, tais como: e-mails, chats, blogs, e-foruns entre outros. Fundamentando-se principalmente em 3 COSTA, Alexandre. Câmara aprova projeto que obriga o ensino do espanhol nas escolas. Disponível em: (http://www.abrelivros.org.br/ abrelivros/texto.asp?id=1270). Acesso em: junho/2008. 84 O PROFESSOR DE ESPANHOL, OS LETRAMENTOS NA WEB E OS GÊNEROS DIGITAIS Bakhtin (2000) e Crystal (2001), Marcuschi (2005) define gênero como evento linguístico atrelado às necessidades comunicativas da sociedade, o que, a nosso ver, é relevante para definir também os gêneros digitais, pois estes surgem dentro de uma determinada esfera da comunicação, a esfera digital. Esses gêneros se desenvolvem em conformidade com os usos que os homens fazem das novas tecnologias de comunicação decorrentes dos avanços das tecnologias eletrônicas digitais. Sobre a utilização do computador no ensino de línguas, Lévy (1997) argumenta que este pode desempenhar funções explicitamente didáticas, relacionadas, por exemplo, com a veiculação de diversos exercícios que visem o desenvolvimento de habilidades comunicativas nos aprendizes. Humblé (2001), por sua vez, argumenta que as novas tecnologias, em especial o computador, significam uma verdadeira revolução para o ensino de línguas em geral e das línguas estrangeiras em particular, uma vez que possibilita acesso imediato a textos autênticos e atuais na língua alvo, o que antes da Internet não seria tão fácil. Falar, portanto, do ensino de línguas estrangeiras sem fazer menção ao uso da Internet, dos diversos letramentos na Web demandados por tantos gêneros emergentes, como recursos pedagógicos, é algo, a nosso ver, fora de cogitação, uma vez que estas ferramentas já fazem parte do cotidiano de nossos alunos, conforme veremos mais adiante, seja como fonte de pesquisa, seja como um meio de se comunicar. É por isso que compreendemos que, no ensino, o uso dessas novas tecnologias de comunicação, em especial dos gêneros digitais, depende, em parte, da forma como os professores vêem essas inovações. Segundo Xavier (2007), muitos professores, por desconhecerem ou desconfiarem do funcionamento e das vantagens das novas tecnologias de comunicação, têm se recusado a usá-las em suas atividades cotidianas, e o que é pior, têm se deixado levar por ideias e concepções sem o menor fundamento científico. Alguns docentes, segun85 TATIANA LOURENÇO DE CARVALHO do ele, reproduzem um discurso “tecnófobo” sem a reflexão necessária. Ainda sobre esse assunto, Araújo (2007a) argumenta que a Internet deve ser vista como um elemento ampliador das possibilidades de uso da língua e não como uma ameaça à própria língua ou aos professores. Na verdade, em função de essa chamada era digital, o computador pode ser um recurso extremamente necessário à educação se bem utilizado. De nada vai adiantar a escola estar equipada com essas ferramentas se o professor não estiver preparado para usá-los, se não possue letramento digital. A concepção de aprendizagem deve ser encarada como um processo de construção coletiva, na qual o computador é mais uma possibilidade de intermediação no ensino. Reforçando essa ideia, Coscarelli (2005) pondera que a informática não vai substituir ninguém. Ela não vai tomar o lugar do professor nem vai fazer mágica na educação. Compreendemos, portanto, concordando com Araújo (2007), que cabe ao professor de línguas, sejam elas materna ou estrangeira, o papel de explorar as possibilidades pedagógicas da Internet, e não simplesmente opor-se a esta sem realizar uma reflexão necessária. Por essa razão nossa pesquisa torna-se pertinente, uma vez que visa traçar um perfil do professor de espanhol frente à utilização dessas novas formas de comunicação, desses novos letramentos mediados pelo computador e dos novos gêneros como recursos didáticos. Metodologia Os dados dessa pesquisa foram gerados através da aplicação de um questionário, em março de 2008, a catorze professores de espanhol para brasileiros da capital cearense. Esses docentes lecionam em centros de línguas de referência ligados a instituições públicas de ensino: Casas de Cultura da Universidade Federal do Ceará (UFC), Núcleo de Línguas da Universidade Estadual do Ceará (UECE), Centro de Línguas Estrangeiras do CEFET/Ceará 86 O PROFESSOR DE ESPANHOL, OS LETRAMENTOS NA WEB E OS GÊNEROS DIGITAIS – CLEC, Centro de Línguas do Instituto Municipal de Pesquisa Administração e Recursos Humanos – IMPARH. As perguntas aplicadas no questionário foram as seguintes: 1) Você tem acesso à Internet? ( ) SIM ( ) NÃO 1.1) Onde? ( ) Em casa ( ) No trabalho ( ) Lan house, Cyber café etc. ( ) Outros: 2) Caso a resposta anterior seja afirmativa informe com que frequência você costuma acessar a Internet. ( ) Todos os dias ( ) Nos finais de semana ( ) Três vezes por semana ( ) Uma vez por semana ( ) Outros: 3) Que atividades você costuma desenvolver na Internet? (Obs.: Mais de uma alternativa pode ser marcada). ( ) Acessar e enviar e-mails. ( ) Comunicar-se por meio de salas de bate-papo virtual (Chats), MSN... ( ) Participar de fóruns virtuais. ( ) Escrever e/ou ler em blogs. ( ) Outros: 4) Você tem conhecimento de alguns dos usos que os seus alunos fazem da Internet? ( ) SIM ( ) NÃO Caso a alternativa anterior seja afirmativa que práticas dos alunos você conhece? 5) Você acha que é possível que seus alunos desenvolvam habilidades escrita na língua espanhola comunicando-se através de e-mails, chats ou outras formas mediadas por computador? ( ) SIM ( ) NÃO 87 TATIANA LOURENÇO DE CARVALHO 6) Você costuma realizar alguma atividade pedagógica com seus alunos envolvendo o computador ou a Internet? ( ) SIM ( ) NÃO Caso sua resposta seja afirmativa descreva alguma atividade que tenha utilizado? Caso a resposta seja negativa como você acha que poderia ser esses tipos atividade? (Quadro A – Questionário) As respostas dos professores nos permitem chegar a algumas conclusões que veremos no tópico seguinte. Análises dos Resultados Dentre às perguntas ligadas ao perfil do professor diante das práticas de linguagem na Internet, apresentaremos três tabelas de resultados (A, B e C) seguidos de comentários. Para facilitar a compreensão, em vez de nomear, preferimos numerar de 1 a 14 os professores, de maneira aleatória. A primeira tabela – abaixo – mostra os resultados da primeira e da segunda questão presentes no questionário apresentado acima. Em Lan Acesso Professor Em No house, à (a) casa Trabalho cyber Internet café etc. 1 • • 2 • • 3 • • 4 • • • 5 • • 88 Outros Frequência de acesso 3 vezes Todos por os semadias na • • • • O PROFESSOR DE ESPANHOL, OS LETRAMENTOS NA WEB E OS GÊNEROS DIGITAIS 6 7 • • • • • • 8 • • • • 9 • • • • 10 11 12 13 14 • • • • • • • • • • • (não especificou) • (Casa de Amigos) • • • • • • (Tabela A – Locais e frequência de acesso dos professores) Os resultados apresentados, nesta tabela, compravam que o computador faz parte da vida cotidiana desses professores, pois todos (100%) acessam a Internet. Desse total, treze (93%) possuem ou tem acesso à máquina na sua própria casa. Do total de professores, oito (57%) acessam nos locais de trabalho, além de acessar em casa e apenas um (7%) não acessa em casa, somente no trabalho, ou seja, nove (64%) têm acesso a Internet na escola. Destaque para os professores 8 e 9 que afirmam acessar tanto em casa, como no trabalho, em lan houses, cyber cafés etc. e também em outros locais, como em casa de amigos, conforme nos informa o professor 9. Isso reforça a presença do computador no cotidiano desses docentes. A frequência de acesso marcada pelos professores destaca de maneira significativa a confirmação de que a informática, de fato, está presente em situações diárias de comunicação, visto que as duas opções marcadas foram as que refletem mais dias de acesso: todos os dias, dez professores (71%) e três vezes por semana, quatro professores (29%). Nenhum professor (0%) marcou, somente, nos finais de semana ou uma vez por semana; por isso essas opções não constaram do primeiro quadro de resultados. 89 TATIANA LOURENÇO DE CARVALHO Podemos, a partir da apresentação destes dados, constatar a familiaridade desses professores na utilização, em grande frequência, da Internet em diversos ambientes, destaque especial para escola em que trabalham. Isso é um indício de que, esses docentes não vêem o computador conectado à Internet como uma “ameaça” ao trabalho que fazem ou algo desnecessário em seu dia-a-dia dentro e fora da escola. Comprovamos, portanto, que eles são pessoas letradas digitalmente, pois, ao navegar pela Internet, demonstram ter algum domínio das práticas para lidar com os sistemas de informações online na rede, de interagir via comunicação eletrônica, bem como a capacidade de utilizar os sistemas operacionais do computador sejam para usos pessoais, sejam para fins didáticos, mesmo que de maneira não tão exploratória das especificidades destes recursos. A tabela seguinte apresenta os resultados referentes à pergunta número 3, presente no questionário (Quadro A), relacionada ao tipo de atividade que eles desenvolvem na Internet. Acessar e Professor Comunicar-se Participar de Escrever enviar Outros (a) por chats, MSN... fóruns virtuais blogs e-mail 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 (Tabela B – Atividades desenvolvidas pelos docentes na Internet) 90 O PROFESSOR DE ESPANHOL, OS LETRAMENTOS NA WEB E OS GÊNEROS DIGITAIS Todas as atividades apresentadas nesta questão foram marcadas em maior ou menor frequência de uso. A utilização do e-mail predominou entre as práticas de linguagens na Internet desses professores: todos (100%) acessam e enviam e-mails. A comunicação através de bate-papo virtual, como chats e MSN, por exemplo, está presente nas utilizações de dez professores (71%), seguido da escrita em blogs – quatro docentes (29%) possuem esta prática – e da participação em fóruns virtuais – prática de somente três professores (21%). Alternativa marcada por seis professores (43%), a opção “outros” apresenta, de maneira aberta, que os professores também podem ter letramentos para fazer pesquisas diversas na Web. Neste sentido, é ilustrativo desse tipo de letramento a preocupação do professor 4 em preparar as aulas utilizando recursos da Internet, quando informa realizar pesquisas no site do Instituto Cervantes4 e em outros sites educacionais. Nessa situação, embora percebamos a boa vontade do docente em realizar pesquisas na Internet para levar atividades a serem realizadas em classe, não percebemos o incentivo aos alunos em usar esses recursos no seu próprio ambiente de origem, a Web. Essas questões são importantes para o nosso estudo porque nos permite conhecer as práticas de acesso desses professores na rede, bem como suas utilizações mais frequentes, ou seja, suas habilidades para utilizar o computador como objeto de comunicação, entretenimento, pesquisa etc. Esses dados nos permitem, ainda, afirmar que esses professores estão entre os poucos cidadãos brasileiros “incluídos” digitalmente, ou seja, fazem parte da pequena parcela da população com conhecimento para interagir por meio das tecnologias digitais de comunicação, visto que nas escolas públicas em que se pratica a educação básica, o ensino de língua de modo particular e o ensino de modo geral goza de uma realidade bem diferente daquelas vivenciadas pelos docentes estudados neste trabalho.5 4 http://www.cervantes.es/ 5 Evidentemente, não estamos negando que as universidades públicas e os CEFETS não enfrentem problemas de variadas ordem. 91 TATIANA LOURENÇO DE CARVALHO Quando perguntados se têm conhecimento dos usos que seus alunos fazem na Internet, questão 4 (quadro A), surpreendentemente todos (100%) afirmam conhecer as práticas de seus alunos, dentre as mais citadas destacamos: pesquisas em geral, acesso e envio de e-mails, salas de bate-papo, acesso a Orkut, MSN, dicionários eletrônicos, atividades culturais envolvendo músicas e filmes. Esta proposta foi indicada, mas não foi detalhada pelo professor 11. Os resultados dessa questão nos deixaram bastante animados, pois o conhecimento destas atividades desenvolvidas pelos alunos nos mostra que estes professores podem possuir certo envolvimento social com os discentes em ambientes extra-classes. Tal interação só é possível, em proporções mais amplas, devido aos letramentos na Web que abrem as portas para a comunicação utilizando os gêneros acima citados provenientes da mídia digital. Ao responder a pergunta número 5 do questionário (Quadro A), que trata da opinião desses professores sobre o desenvolvimento da habilidade escrita na língua espanhola comunicando-se através de gêneros digitais, o resultado também foi bastante animador. Treze professores (93%) afirmam achar possível, esta possibilidade de desenvolvimento da escrita em língua espanhola mediada pelas ferramentas da Internet. A pergunta de número 6, última do questionário (Quadro A), explora a questão da utilização do computador e da Internet para a realização de atividades pedagógicas. Nela oito professores, mais da metade (57%), afirmam realizar alguma atividade, enquanto seis (43%) dizem que não têm essa prática. Todos eles, ao responder a esta questão detalharam como realizam ou realizaram algumas dessas atividades, ou como seriam estas atividades caso as realizassem. Eis as propostas citadas pelos docentes: 92 O PROFESSOR DE ESPANHOL, OS LETRAMENTOS NA WEB E OS GÊNEROS DIGITAIS Professor (a) Realiza atividade pedagógica envolvendo o computador 1 “Busca de notícias em jornais eletrônicos sobre um determinado assunto.” “Ampliar o vocabulário e fazer pesquisa sobre os países.” “Ler jornais e buscar informações atuais.” 2 3 4 5 6 “Acesso dos alunos a sites educacionais como o do Instituto Cervantes e os propostos pelo livro. Na aula seguinte os alunos apresentam os resultados da investigação feita em casa.” “Para pesquisa sobre temas culturais.” “Atividades via e-mail.” “Poderia pedir para que eles façam pesquisas para serem discutidas em sala de aula.” 7 8 “Pesquisa sobre cultura, música...” “Indicar sites de jogos, leituras em livros eletrônicos (e-books).” “Atividades de pronúncia, pesquisas, resolução de exercícios, etc.” 9 10 11 “Buscar informações sobre conteúdo cultural.” “Pesquisas a sites, utilização de programas específicos, etc.” 12 13 14 Não realiza atividade pedagógica envolvendo o computador “Atividades em sala utilizando data-show. Ex: Jogos, exercícios envolvendo os conteúdos de revisão, pesquisas para casa.” “Pesquisa sobre as principais festas da Espanha para os alunos apresentarem nos seminários.” (Tabela C – Propostas de atividades sugeridas pelos professores) 93 TATIANA LOURENÇO DE CARVALHO De maneira geral as atividades pedidas pelos professores envolvem pesquisas na Internet, o que, para se obter um bom resultado, exige dos alunos letramentos diversos para que se movam pelas práticas letradas da Web com proficiência. Essa prática possibilita de maneira mais rápida e ampla o acesso à diversidade de conteúdos disponíveis na rede. No entanto, o professor não pode jogar os alunos de maneira irresponsável à mercê de tudo o que há disponível na Internet. É necessário que se faça uma orientação prévia sobre como, o que e onde investigar, pois nem todas as páginas da Web apresentam conteúdos seguros e confiáveis. Citemos o exemplo do professor 5, ao indicar sites educacionais aos alunos, como o do Instituto Cervantes e os propostos pelo livro, no caso, o livro didático. Aqui podemos perceber uma orientação aos alunos a visitar sites educacionais confiáveis ligados a respeitadas instituições de ensino. Já é comum, de acordo com as pesquisas de Araújo-Júnior (2007; 2008), haver propostas de atividade em livros didáticos incentivando o contato do aluno com esse universo digital, embora, algumas vezes, não os conduzam, necessariamente, à comunicação em ambientes virtuais. Quando se trata da utilização de gêneros com seus usos sociais da língua, somente o professor 6 afirmou utilizar uma atividade envolvendo um gênero, no caso o e-mail, porém não a detalhou, não informou como se deu esse processo. Será que ele de fato trata das especificidades desse gênero? Ou utiliza o e-mail apenas como mais um pretexto para um ensino tradicional da língua, conforme constatou, por exemplo, Araújo-Júnior (2008), ao analisar os livros didáticos destinados ao ensino de espanhol. Tais questionamentos são pertinentes, pois ao observarmos as propostas dos professores, de um modo geral, percebemos que, infelizmente muitas das atividades envolvendo o computador deixam a desejar quanto as especificidade de usos dessas ferramentas. 94 O PROFESSOR DE ESPANHOL, OS LETRAMENTOS NA WEB E OS GÊNEROS DIGITAIS Considerações Finais Os resultados, acima mencionados, nos permitem perceber de uma maneira bem geral o perfil do professor de língua espanhola destas escolas de idiomas diante dos letramentos digitais, dos gêneros provenientes da Internet e suas utilizações didáticas. Vale salientar, entretanto, que esse resultado não tem nenhuma relação com os professores da escola regular do ensino público. Nesta, a realidade é diferente, prevalece entre a maioria dos docentes, conforme constatamos em Araújo-Júnior e Carvalho (2007) um sentimento de aversão com relação às práticas de linguagem na Internet, o que se reflete, por exemplo, na ideia equivocada de que “a escrita desenvolvida em ambiente digital interfere negativamente na escrita escolar”. Isso pode estar ligado ao tratamento dado ao professor nestes estabelecimentos de ensino, nos quais enfrentam péssimas condições de trabalho, sendo, talvez, eles mesmos excluídos digitais como afirma Araújo (2007b). No entanto, percebemos algo de positivo através da aplicação do questionário, o fato de que o computador e seus recursos já fazem parte do cotidiano desses docentes, bem como o conhecimento de uso dessas práticas de linguagem mediada pela Internet na vida dos alunos. Esse resultado é bastante motivador, visto que há um conhecimento de que no dia-a-dia esses recursos são ferramentas necessárias à interação em sociedade. Não dá para se viver em pleno século XXI, sem acompanhar esses avanços tecnológicos responsáveis em facilitar a vida do homem moderno. De modo geral não percebemos nos professores aversão em utilizar a Internet como mais um recurso didático, o que falta, muitas vezes, é estrutura adequada e incentivo, por parte da escola, em capacitá-los a utilizar tais recursos. Isso nos levou a conclusão de que apesar da presença do computador nestas instituições, o acesso didático, orientado por alguém capacitado para utilizá-lo, muitas vezes não ocorre. 95 TATIANA LOURENÇO DE CARVALHO Aos professores cabe a utilização intuitiva dessas ferramentas como lhes convêm. Todos, até os que não usam a Internet no ensino, propuseram atividades que envolviam a utilização do computador, porém, como já comentamos acima, essas propostas, muitas vezes, não destacavam as características próprias da utilização desses meios em ambiente digital. Tais recursos são utilizados somente para uma mera transposição do que se fazia antes, no ensino tradicional, com os recursos hipermidiáticos da Web. Atividades, como a proposta pelo professor 13 no quadro A, exemplificam bem isso: “atividades de revisão para a prova com a utilização do data-show”. Esperamos que os resultados desta investigação possam contribuir de alguma forma para o enriquecimento da literatura sobre o tema e que os professores possam ter mais acesso à bibliografia sobre o assunto e, consequentemente, uma preparação adequada para lidar com esses novos letramentos. Na apresentação da realidade que ocorre nestas quatro escolas de idiomas de Fortaleza, acreditamos ter traçado um perfil desses profissionais que atuam no ensino de línguas, em particular a língua espanhola. Esse é o primeiro passo para o desenvolvimento de um trabalho mais aprofundado e direcionado sobre o assunto. Referências Bibliográficas ARAÚJO, J.C. (Org). Internet & ensino: novos gêneros, outros desafios. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007a. ARAÚJO, J.C. Os gêneros digitais e os desafios de alfabetizar letrando. Trabalhos em Linguística Aplicada. Campinas: IEL-UNICAMP, vl. 46(1), p. 79-92, jan/jun 2007b. ARAÚJO, J.C.; BIASI-RODRIGUES B. Questões de estilo no gênero Chat aberto e implicações para o ensino de língua materna. In: ARAÚJO, Júlio César (org.). Internet & ensino: novos gêneros, outros desafios. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007, p. 78-92. 96 O PROFESSOR DE ESPANHOL, OS LETRAMENTOS NA WEB E OS GÊNEROS DIGITAIS ARAÚJO-JÚNIOR, J. da S. Gêneros digitais: uma análise de propostas de atividades em livros didáticos de espanhol como língua estrangeira. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada). Fortaleza: CMLA/UECE, 2008. ARAÚJO-JÚNIOR, J.da S. Gêneros digitais em livros didáticos: modismo ou coerência? Anais do I simpósio nacional de linguagens e gêneros textuais, mar. 2007, UEP, LITERGE – Campina Grande, PB. Org. SILVA, A. de P.D. da; ALMEIDA, M. de L.L.; ARANHA, S.D. de G. [CD-ROM] ARAÚJO-JÚNIOR, J. da S.; CARVALHO, T. O professor e as práticas de linguagens na Internet. Anais – II encontro nacional sobre hipertexto, out. 2007, UFC – Fortaleza, CE. Org. ARAÚJO, J.C.; RODRIGUES, M.C. Disponível em: <http://www.abehte.org/anais/hipertexto2007. html>. Acesso em: junho/ 2008. BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e Tecnologia. Parâmetros curriculares nacionais, códigos e suas tecnologias. Língua estrangeira moderna. Brasília: MEC, 1999, p. 49-63. CAIADO, R.V.R. A ortografia no gênero weblog: entre a escrita digital e a escrita escolar. In. ARAÚJO, J.C (Org.). Internet & ensino: novos gêneros, outros desafios. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007, p. 35-47. COSCARELLI, C.V. Alfabetização e letramento digital. In.: COSCARELLI, C.V. e RIBEIRO, A.E. (org.). Letramento digital: aspectos sociais e possibilidades pedagógicas. Belo Horizonte: Ceale/UFMG; Autêntica, 2005, p.41-58. CRISTOVÃO, V.L.L.; NASCIMENTO, E.L. Gêneros textuais e ensino: contribuições do interacionismo sócio-discursivo. In: KARWOSKI, A.M.; GAYDECZKA, B.; BRITO, K.S. (Org). Gêneros textuais: reflexões e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2006, p. 37-56. HUMBLÉ, P. H. O uso de corpora no ensino de línguas. Alguns exemplos do português e do espanhol. In: CABRAL, L.G., SOUZA, P de. (Org.). Linguística e ensino: novas tecnologias. Blumenau: Nova Letra, 2001, p. 157-180. LEAL, V.P.L.V. O Chat quando não é chato: o papel da mediação pedagógica em Chats educacionais. In. ARAÚ97 TATIANA LOURENÇO DE CARVALHO JO, J.C (Org.). Internet & ensino: novos gêneros, outros desafios. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007, p. 48-63. LEVY, M. Computer-assisted language learning: context and conceptualization. Oxford: Claredon Press-Oxford University Press, 1997. MARCUSCHI, L.A. Gêneros digitais emergentes no contexto da tecnologia digital, In. MARCUSHI, L.A. & XAVIER, A.C. Hipertexto e gêneros digitais: novas formas de construção ao sentido. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005, p. 13-67. MOTTA-ROTH, D.; REIS, S.C.; MARSHALL, D. O gênero página pessoal e o ensino de produção textual em inglês. In: ARAÚJO, J.C (Org.). Internet & ensino: novos gêneros, outros desafios. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007, p. 126-143. MATEUS, E. F. Os professores na era digital e os (des)usos do computador na fase de formação inicial.The ESPecialist, vl. 25, nº2. São Paulo: Educ p. 199-225, 2004. PAIVA, V.L.M. de O. e. E-mail: um novo gênero textual. In: MARCUSHI, L.A. & XAVIER, A.C. Hipertexto e gêneros digitais: novas formas de construção ao sentido. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005, p.68-90. ROJO, R.H R.; BARBOSA, J. P.; COLLINS, H. Letramento digital: um trabalho a partir do gênero do discurso. In: KARWOSKI, A. M.; GAYDECZKA, B.; BRITO, K. S. (Orgs). Gêneros textuais: reflexões e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2006, p.107-130. SOUSA, S.C.T. de. As formas de interação na internet e suas implicações para o ensino de língua materna. In: ARAÚJO, J.C (Org.). Internet & ensino: novos gêneros, outros desafios. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007, p. 196 – 204. SOUZA, R.A. de. Aprendizagem em regime tandem: uma alternativa no ensino de línguas estrangeiras online. In: ARAÚJO, J.C. (Org.). Internet & ensino: novos gêneros, outros desafios. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007, p. 205-220. XAVIER, A.C. Reflexões em torno da escrita nos novos gêneros digitais da internet. Disponível em: <http: //www.ufpe. br/nehte/antonio-carlos.htm>. Acesso em: abril/2008. 98 O E MAIL E O BLOG: INTERAÇÃO E POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS1 Francisca das Chagas Soares Reis Ninguém caminha sem aprender a caminhar, sem aprender a fazer o caminho caminhando, sem aprender a refazer, a retocar o sonho, por causa do qual a gente se pôs a caminhar. (Paulo Freire) Considerações Iniciais A clássica cena do filme “2001-Uma Odisséia no Espaço” apresenta um corte temporal de milhões de anos e representa, assim, de forma contundente a evolução humana através da evolução tecnológica.2 Nesta obra, lançada em 1968, Clarke e Kubrick3 apresentam em linguagem ficcional uma visão do futuro tecno-científico da humanidade. Atualmente, mesmo que as pesquisas em Inteligência Artificial ainda não tenham produzido um HAL,4 o avanço tecnológico vem processando infindáveis transformações em nosso cotidiano; as tecnologias tornaram-se parte integrante de nossas vidas, modificando pensamentos, atitudes, percepções e comportamentos, gerando novos letramentos. 1 Este capítulo retoma parte das discussões travadas na disciplina Letramentos na Web (Tópicos Avançados I), ministrada no semestre de 2008.1 pelo Prof. Dr. Júlio Araújo, no PPGL da UFC. 2 A cena parte de um homenídeo que sai da posição de caça para caçador, através do uso de ferramentas rústicas, para uma nave espacial controlado por um computador. 3 Arthur Clarke (escritor britânico) e Stanley Kubrick (diretor de cinema), autores de 2001: Uma Odisséia no espaço. 4 Personagem principal do filme, um supercomputador capaz de enxergar e reconhecer pessoas, de utilizar a linguagem verbal para comunicar-se e de expressar emoções. 99 FRANCISCA DAS CHAGAS SOARES REIS Por essa razão, ao lado desse progresso, surge a necessidade de fornecer ao homem os meios para uma convivência na qual predomine o uso crítico e ético da tecnologia, evitando o que Jacques Ellul (1968) chamaria de dominância da técnica sobre o homem. As técnicas criadas pelo homem as quais constituem suas descobertas e suas esperanças, mas que, num dado momento, passam a dominá-lo completamente modificando tempo, espaço, fragmentando o homem e massificando a sociedade. Essa questão fica bem clara quando observamos as mudanças ocorridas após o advento da internet. As distâncias diminuíram e a rede de informações e a comunicação aumentaram. Mas, da mesma forma que trouxe benefícios quanto às possibilidades de interações, de conhecimentos e de desenvolvimento cultural, se mal utilizada, torna-se arma capaz de trazer graves prejuízos para os usuários, tais como: exposição à material inapropriado, invasão de privacidade e agressões em ambiente virtual.5 Diante dessa constatação, a escola como instituição de difusão de saberes e uma das responsáveis para a preparação desse homem para a vida em sociedade, não pode caminhar à margem da evolução tecnológica nem “fazer vistas grossas” para as transformações ocorridas na sociedade; principalmente, porque se as possibilidades das tecnologias são muitas, com a internet tendem a ampliar muito mais. Para Araújo & Biasi-Rodrigues (2007, p.79), por exemplo, a escola “precisa construir a sua história absorvendo novos conhecimentos e novas tecnologias e, valendo-se deles, promover um ensino-aprendizagem contextualizado”. Partindo dessa premissa de escola como articuladora de saberes e tecnologias, além de promotora de conhecimentos contextualizados, pretendo, nesse capítulo, apresentar sugestões de como o professor em sua prática docente pode vir a contribuir positivamente para essa função da escola. 5 Como mostra Siqueira (2005), ao tratar das lamentáveis cenas de racismo que analisa em fóruns digitais. 100 O EͳMAIL E O BLOG: INTEGRAÇÃO E POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS Para Lemos (2004), a interação entre o homem e as tecnologias vem evoluindo com o tempo a caracterizar o que ele denomina de revolução digital que propicia ao homem interagir não só com a máquina, mas também com a informação e com o conhecimento. Cabe, então, ao professor fazer uso dessa tecnologia como estratégia de aprendizagem, mediar essa interação, de modo a contribuir com o processo de apropriação das informações disponíveis e com a construção do conhecimento. Ao observar os Planos de Estudos6 (PLAEST) da escola na qual trabalho, verifiquei a ausência de sugestões para o uso das novas tecnologias, com exceção do de Língua Portuguesa que sugere correio eletrônico, quando do estudo dos gêneros textuais. Essa observação foi ponto de partida para as seguintes questões: como pode o professor utilizar-se da internet se os conteúdos relativos às novas tecnologias não são contemplados nos conteúdos programáticos de suas disciplinas? Pode o professor utilizar recursos da informática sem ser portador de grandes conhecimentos na área? O letramento digital7 (SOARES, 2002, p.9) é exclusivo dos professores de Língua Portuguesa? Estas questões motivaram-me a refletir sobre de que maneira pode o professor contribuir, independentemente da disciplina ou do currículo oficial, com a prática social da leitura e da escrita de seus alunos; e, estimular o uso da internet como ferramenta de construção de conhecimento. As reflexões feitas a partir de minhas observações reforçaram a crença nas possibilidades oferecidas pela informática e levaram-me a propor o uso das ferramentas interativas como estratégias que visem a orientar o processo de pensamento e construção do conhecimento centrado na aprendizagem do aluno. 6 Documento contendo o planejamento do conteúdo programático das disciplinas do ensino fundamental, a ser desenvolvido no ano letivo. 7 Certo estado ou condição que adquirem os que se apropriam da nova tecnologia digital e exercem práticas de leitura e de escrita na tela, diferente do estado ou condição – do letramento – dos que exercem práticas de leitura e de escrita no papel. 101 FRANCISCA DAS CHAGAS SOARES REIS O uso do computador na escola é tema de diversos artigos, teses e dissertações; autores como Valente (1998), Kenski (2003), Moran (2006), entre outros, há muito pesquisam as múltiplas possibilidades da informática como recurso didático. Não é minha intenção, porém, fazer relações com essas pesquisas, ou com as mais recentes acerca de hipertexto ou linguagem na internet, pois pretendo apenas destacar dois gêneros digitais utilizados na web para propiciar a interação e o compartilhamento de informações – e-mail e blog – a fim de defender sua aplicabilidade em um ambiente educativo. Como suporte para essa defesa pretendo utilizarme das ideias de Paulo Freire (2004; 2002; 1988) que, ao defender a participação ativa do aluno como sujeito de sua aprendizagem, a relação dialógica, a importância da linguagem e da cultura, a busca de significações e a prática reflexiva e a permanente formação do educador em busca de desenvolver a criatividade e a criticidade do aluno, encerra em si todos os pressupostos teóricos aos quais eu poderia recorrer: construção do conhecimento (PIAGET, 1986), o Sócio-interacionismo (VYGOTSKY, 1991) e a Aprendizagem Significativa (AUSUBEL, 1982). Porque a Proposta? Ao entrar na universidade, seja na graduação ou na pós-graduação, o aluno vê-se diante da possibilidade do uso de ferramentas do Ensino a Distância (EaD) mescladas às atividades avaliativas presenciais. Minha experiência no Mestrado em Educação da Universidade Federal do Ceará propiciou-me a observação de algumas situações: na matrícula do curso é exigido um e-mail para a lista de discussão,7 espaço legitimado pelo grupo para comuni7 Recurso ou ferramenta de comunicação virtual que funciona na plataforma do endereço eletrônico e reúne um grupo de pessoas com interesses comuns. 102 O EͳMAIL E O BLOG: INTEGRAÇÃO E POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS cação envolvendo troca de informações; e, algumas disciplinas ao utilizarem ferramentas de EaD, têm como critério de avaliação entradas e postagens em um ambiente virtual através da participação em fóruns e chats. Constatei também que, para passar por essa experiência sem maiores dificuldades, cumprindo as tarefas solicitadas e participando das discussões propostas, não basta saber usar a internet ou conhecer as ferramentas disponíveis no ambiente, é necessário autodisciplina, autonomia e motivação para esse tipo de interação pedagógica. Atitudes desenvolvidas através da prática usual de uma metodologia específica. O fórum prolonga a discussão a respeito do que foi discutido em sala, exige a leitura prévia, a reflexão sobre os conceitos trabalhados e o posicionamento, a interpretação individual contextualizada e muitas vezes reelaboradas a partir do texto do outro. Além disso, não é como uma produção que é entregue ao professor, corrigida, devolvida e arquivada muitas vezes sem exceder à díade professor-aluno. O que se escreve é visto, discutido e complementado por todos, podendo ainda, ser acessado a qualquer momento e promover retomadas na discussão. Portanto, acredito que essa participação seria facilitada se o aluno vivenciasse a partir do ensino fundamental, uma prática dinâmica, participativa, que estimulasse a metacognição, a argumentação e o contato regular com a internet direcionado ao desenvolvimento da aprendizagem. Para Costa (2006, p.26), “o leitor-navegador” não é um mero consumidor passivo, mas um co-autor do texto que está lendo; portanto, quanto mais cedo crianças e adolescentes tiverem contato com o ciberespaço, mais se desenvolveriam em suas capacidades motoras, linguísticas e cognitivas. Acrescento a essa opinião, a importância de um contato mediado pelo professor com a intencionalidade de promover espaços propícios a esse desenvolvimento, por considerar a postura mediadora capaz de significar experiências e propiciar a relação entre situações vivenciadas em sala de aula e fenômenos do cotidiano. 103 FRANCISCA DAS CHAGAS SOARES REIS Sobre essa contextualização do saber escolar, Freire (1988) ressalta a importância de valorizarmos a cultura em que nosso aluno está inserido, partindo desta cultura, e procurando aprofundar seus conhecimentos, para que ele participe do processo permanente da sua libertação. Atendendo a esse princípio, o autor orientava, quando de seus estudos sobre alfabetização de adultos, que o educador deveria, inicialmente, pesquisar o universo vocabular do aluno para obter os temas geradores. Isso nos leva, mais uma vez, a refletir sobre a prática do professor que utiliza o blog, o e-mail e o chat como recursos didáticos e a analisá-la à luz das ideias de Freire. O computador e a internet já fazem parte do capital cultural8 (BOURDIEU, 2001) da maioria de nossos alunos, daí acreditarmos que esse professor está a partir do contexto cultural desse aluno criando possibilidades para sua própria produção ou a sua construção do conhecimento; além de permitir ao que ainda não tem acesso à cultura digital, a possibilidade de apropriar-se desse novo saber. Interagindo e Aprendendo na Web Como professora de Informática, do Colégio Militar de Fortaleza, tive a oportunidade de colaborar com algumas atividades desenvolvidas por professoras da disciplina de Língua Portuguesa envolvendo o uso da internet. A grade curricular da referida disciplina, traz conteúdo estabelecido prevendo o estudo dos gêneros impressos. A proposta das professoras era, sem abandonar os gêneros impressos e orais e sem se distanciar da proposta curricular em uso, reconhecer a importância dos gêneros eletrônicos para o letramento digital do aluno (FIGUEIREDO; TAVARES, 2007). 8 Capital – conceito utilizado por Bourdieu para falar das vantagens culturais e sociais que indivíduos possuem e que geralmente os conduzem a um nível socioeconômico mais elevado; Capital Cultural – conjunto de objetos, conhecimentos e habilidades que o indivíduo adquire paulatinamente nas diversas instituições sociais. 104 O EͳMAIL E O BLOG: INTEGRAÇÃO E POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS Como era previsto no conteúdo programático o cartão pessoal, o convite e a carta (gêneros impressos), alunos e professores desenvolveram atividades contemplando o aprendizado do correio eletrônico e cartão digital. Em sala de aula foram discutidas as características estruturais do gênero impresso, produção textual do gênero estudado, avaliação e reescritura dos textos produzidos. No laboratório de informática foram realizadas as mesmas atividades, agora, com os gêneros digitais. Como professora de informática, responsabilizei-me pelas informações básicas para a criação de um endereço eletrônico. A partir daí, com a supervisão das professoras, eles passaram e-mail, fizeram rascunhos, criaram e enviaram cartões digitais. Além dessa atividade com e-mail, podemos vivenciar a prática da construção de blogs para registro de pesquisa realizada em Trabalho Interdisciplinar9 (SOARES-REIS; SILVA; LOIOLA; CANECA, 2007). O que observamos foi que a atividade com blogs estimulou o interesse pela pesquisa e foi o primeiro passo para reflexões sobre aprendizagem colaborativa. A partir da observação das aulas das referidas professoras, teço algumas reflexões, à luz da teoria de Paulo Freire, sobre o uso de ferramentas interativas como recurso didático, no caso, o e-mail e o blog. O E-mail e o Blog como Recurso de Letramento Digital Um dos recursos virtuais mais antigos e difundidos na internet, o e-mail ou correio eletrônico é uma ferramenta assíncrona por permitir a interação entre duas ou mais pessoas sem exigir a simultaneidade dos interlocutores. Muito utilizada na troca de mensagens e informações, permite editar textos e anexar arquivos. Além de permitir o uso de um gênero digital relativamente novo que rece9 Atividade integradora das disciplinas curriculares. 105 FRANCISCA DAS CHAGAS SOARES REIS be o mesmo nome do ambiente (e-mail), é útil na prática de edição de textos já que ele conta com ferramentas de edição: tipo, estilo, tamanho e cor da fonte, espaçamento, marcadores, alinhamento e a possibilidade de inserir emoticons10 e assinaturas personalizadas. Além disso, o e-mail pode ser utilizado, a exemplo da universidade, como uma extensão da sala de aula. Em uma hora aula, muitas vezes o professor não tem tempo para dar mais atenção a um aluno específico, recomendar uma tarefa especial, indicar uma leitura individual ou até mesmo tirar uma dúvida. Nesses casos, o e-mail pode funcionar como canal de comunicação entre o professor e aluno, permitindo uma maior interação, ampliando o ambiente escolar além da sala de aula e aumentando os vínculos afetivos. O blog, utilizado como recurso pedagógico oferece infinitas possibilidades para o desenvolvimento da escrita, da capacidade argumentativa, da criatividade, da organização, da estética, proporciona a experiência de aprendizagem colaborativa e permite a reflexão sobre valores éticos. Dito assim parece um exagero e uma supervalorização da ferramenta, mas, vejamos: o aluno, quando da criação do blog, utiliza templates11 oferecidos pela hospedagem; mas, com a continuidade ficam estimulados a mudar combinação de cores, letras, inserirem imagens; isso, sem fazer referência ao título a ser criado que deve ser sugestivo e coerente com a temática do blog. Quando da postagem de textos (no caso do blog criado pelo aluno) ou de comentários (no blog criado pelo professor), por ser uma tarefa escolar a construção do texto exige um pouco mais de atenção com a linguagem e a coerência entre as ideias apresentadas; a atenção quanto aos créditos e referências às fontes pesquisadas envolve o caráter ético do uso da internet e ao estimular a contribuição através da leitura e comentários dos blogs, desenvolve-se a prática colaborativa; afinal, a educação 10 11 Imagens gráficas representando emoções. Modelos para o layout gráfico do weblog. 106 O EͳMAIL E O BLOG: INTEGRAÇÃO E POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS acontece na relação dialógica (FREIRE,2004), pois o indivíduo se educa no diálogo com o outro. Soma-se a isso o fato de serem gratuitos e não exigirem maiores conhecimentos de informática, o que facilitará o trabalho do professor que não tenha capacitação no uso das novas tecnologias. Será necessário, porém, leituras exploratórias sobre o tema e a observação de blogs educativos, mas, esses são passos básicos sempre que procuramos inovar e aperfeiçoar nossa prática docente. A busca de informações, de novos conhecimentos são atitudes necessárias à produção de saberes. Como diz Freire (2002), sem a curiosidade que nos move na busca, não aprendemos, nem ensinamos. Considerações Finais A partir dessas reflexões, posso responder às questões do início do capítulo. Não é minha pretensão, em nenhum momento, apresentar a informática como a resposta para todas as questões e dificuldades educacionais, não. A intenção é, através dessas considerações com base na observação de experiências, responder às questões iniciais. Ouso afirmar ser possível utilizar as tecnologias respeitando o currículo da escola, através da articulação dos diversos saberes que circulam no ambiente escolar e da prática interdisciplinar. Considero a informática um saber que transcende a disciplinaridade e que, ao mesmo tempo em que é utilizada pelas diversas disciplinas, delas também faz uso. Podendo, portanto, ser utilizada como estratégia de aprendizagem, como instrumento que propicie ao professor pensar no cotidiano de sua sala como espaço que favoreça, ao aluno, a vivência com a diversidade de saberes. Sim, independentemente da disciplina e de sua inserção no currículo oficial, a informática permeia o currículo real e, havendo o desejo, o professor contribui com 107 FRANCISCA DAS CHAGAS SOARES REIS a construção desse currículo alternativo12 no momento da transposição didática de seus conteúdos programáticos e da seleção de estratégias a serem utilizadas durante esse processo. Não sendo necessário para as duas ferramentas sugeridas que o professor possua grandes conhecimentos em programação, tendo em vista que os serviços que oferecem esses suportes trazem o passo-a-passo que facilita a sua utilização. Com o uso da internet, como suporte de incentivo à leitura e à escrita, o professor de qualquer disciplina poderá contribuir para melhorar o nível de letramento de nossas crianças e de nossos adolescentes no sentido de ajudá-los a uma leitura crítica do seu entorno. E, principalmente, proponho o uso da informática inserida no currículo não como um fim em si mesmo, isolada do contexto pedagógico; mas, como uma ferramenta à disposição do professor para contribuir com uma prática docente que privilegie a interação, a construção do conhecimento e a reflexão profunda (metacognição) sobre o próprio processo de aprendizagem, como formas de desenvolver a autonomia, e o aprender a aprender. Referências Bibliográficas ARAÚJO, J.C.; BIASI-RODRIGUES, B. (Org.). Internet & ensino: novos gêneros, outros desafios. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007. AUSUBEL, D. P. A aprendizagem significativa: a teoria de David Ausubel. São Paulo: Moraes, 1982. BOURDIEU, P. Os três estados do capital cultural. In: NOGUEIRA, M. A.; CATANI, A. (Org.) Escritos de educação. 3ª ed., Petrópolis: Vozes, 2001, pp. 73-79. COSTA, S.R. Oralidade, escrita e novos gêneros (hiper) 12 Produzido como opção ao currículo oficial. (GALLO, Sílvio. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental: entre o oficial e o alternativo. Disponível em: <http://www.unimep.br/fch/ revcomunica/jun%202004/01.pdf> 108 O EͳMAIL E O BLOG: INTEGRAÇÃO E POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS textuais na internet. In: FREITAS, M.T.A; COSTA, S.R. Leitura e escrita de adolescentes na internet e na escola. 2ª ed.,Belo Horizonte: Autêntica, 2006. ELLUL, J. A técnica e o desafio do século. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968. FIGUEIREDO, R.C. e TAVARES, V.M.C. Ensino de produção textual em Língua Portuguesa mediado pelo computador. In. ARAÚJO, J.C. e RODRIGUES, M.C. (Org.) Anais do II encontro nacional sobre hipertexto. Disponível em: <http://www.abehte.org/anais/ANAIS/Art35_ Figueiredo&Tavares.swf>. Acessado em 20 de junho de 2008. FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 38ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2002. FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 22ª ed. São Paulo: Cortez, 1988. KENSKI, V.M. Tecnologias e ensino presencial e à distância. Campinas, SP: Papirus, 4ª ed., 2003. LEMOS, A. Anjos interativos e retribalização do mundo: sobre interatividade e interafaces digitais. Disponível em: <http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/lemos/interativo.pdf>. Acesso em 18 de junho de 2008. MASETTO, M.T.; MORAN, J.M.; BEHRENS, M.A. Novas tecnologias e mediação pedagógica. 12 a ed. São Paulo: Papirus, 2006. PIAGET, J. A psicologia da criança. 9ª ed., São Paulo: DIFEL, 1986. SILVA, M. O que é interatividade. Disponível em: <http://forum.ievolutionweb.com/index.php?showtopic=9407>. Acesso em 16 de junho de 2008. SIQUEIRA, K.A. de. Cenas de racismo explícito: o discurso racista no fórum virtual. In: COSTA, Nelson Barros da (Org.). Práticas discursivas: exercícios analíticos. Campinas: São Paulo, pontes Editora, 2005, p. 127-136. 109 FRANCISCA DAS CHAGAS SOARES REIS SOARES, M. Novas práticas de leitura e escrita: letramento na cibercultura. Educ. Soc., Campinas, vol. 23, n. 81, p. 143-160, dez. 2002 143. SOARES-REIS, F.C; SILVA, F.C.B; LOIOLA, A.A.A; CANECA, A.M.S. Compartilhando saberes: o uso do blog como ferramenta de aprendizagem. In. Anais do II Encontro nacional sobre hipertexto. Disponível em: <http://www. ufpe.br/nehte//hipertexto2007/anais/ANAIS/Art64_ReisSilva-Loiola&Caneca.swf>. Acesso em: 20 de junho de 2008. VALENTE, J.A. O computador na sociedade do conhecimento. Campinas-SP:UNICAMP/NIED, 1998. VYGOTSKY, L.S. Pensamento e linguagem. 3ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 1991. 110 LETRAMENTOS QUE EMERGEM DA HIPERTEXTUALIDADE1 Ana Cristina Lobo-Sousa Júlio César Araújo Regina Cláudia Pinheiro Considerações iniciais O acesso à Internet tem favorecido a participação crescente de pessoas, dos mais variados níveis escolares e socioeconômicos em diferentes hipertextos. Proliferam lan-houses nas periferias das grandes cidades (e também nas pequenas) e com elas os perfis no Orkut, as conversas no MSN, os blogs... Mas será que esses diferentes usos em função da heterogeneidade dos gêneros hipertextuais são contemplados pelas definições de hipertexto e de letramento digital? As múltiplas práticas discursivas de interação por hipertextos passam ao largo de definições cujos exemplares são as home-pages e com elas a busca de informação, desconsiderando a perspectiva dos gêneros hipertextuais, já amplamente estudados, como o e-mail, (cf. PAIVA, 2005); os chats, que inicialmente entendidos como gêneros transmutantes e a seguir, como constelação de gêneros (cf. ARAÚJO, 2003; 2006) e os blogs (cf. KOMESU, 2005; LIMA, 2008), para citar alguns. Esses trabalhos nos autorizam afirmar com Lobo-Sousa (2009) que, se os hipertextos são tão diversos em função dos gêneros que os constituem, então é razoável sugerir que estamos diante de uma categoria maior que o contemple em toda sua diversidade, ou seja, a hipertextualidade. 1 As ideias do presente capítulo são oriundas das calorosas discussões feitas durante a disciplina Letramentos na web, ministrada em 2008.1, no PPGL da UFC, pelo Prof. Júlio Araújo. Parte dessas reflexões são tributárias da pesquisa de mestrado de Lobo-Sousa (2009) e do anteprojeto de doutorado de Pinheiro (2009), em fase bastante embrionária de elaboração no grupo de pesquisa Hiperged/PPGL. 111 ANA CRISTINA LOBOͳSOUSA • JÚLIO CÉSAR ARAÚJO • REGINA CLAUDIA PINHEIRO Em meio a esse contexto, pesquisas apontam a emergência do conceito de letramento digital, ora restringindo-o a habilidades de manuseio do computador e de alguns softwares, como o Word, ora limitando-se à interação hipertextual, sem, contudo, considerar que o letramento digital ultrapassa os limites da hipertextualidade e dela difere, o que nos permite encetar uma reflexão acerca de um novo tipo de letramento que estaria relacionado às práticas de linguagem que emergem da hipertextualidade. Estamos falando dos letramentos hipertextuais. Para tanto, nesse capítulo, pretendemos estabelecer, primeiramente, uma distinção entre os conceitos de hipertexto e de hipertextualidade para, a partir disso, reivindicarmos a emergência do conceito de letramentos hipertextuais, frente à insuficiência dos termos hipertexto e letramento digital, para dar conta da multiplicidade de usos da linguagem que se faz hoje na web. Acreditamos que a heterogeneidade funcional dos hipertextos permite que se vislumbre pensar hipertextualidade e letramentos hipertextuais, tendo como hipótese de trabalho a afirmação segundo a qual muitos são os usos individualizantes que se faz nas múltiplas esferas comunicativas virtuais, tendo em vista que muitos internautas declaram saberem conversar no MSN, porém não são usuários do Orkut. Outros internautas declaram saberem enviar e receber e-mails sem muitas alterações de configuração, ao passo que outros, são experts em medidas de segurança na rede, mas incapazes de produzirem slides em power point. Assim, inscritos nos preceitos teórico-filosóficos de Bakhtin (1997), relativos aos conceitos de enunciação, gêneros e enunciado, procedemos a uma revisão do conceito de enunciação digital proposto por Xavier (2002) para o hipertexto, entendendo-o como formas de enunciar num tempo/espaço específico das esferas de comunicação humana (ARAÚJO, 2008) que coexistem na internet e que demandam, em um sentido ontológico, o que aqui denominaremos de letramento hipertextual. 112 LETRAMENTOS QUE EMERGEM DA HIPERTEXTUALIDADE Hipertexto e Hipertextualidade: Diferenciações De acordo com Primo & Recuero (2006), a web já não é mais a mesma e, portanto, nem o hipertexto, isso porque vivemos hoje a terceira geração da hipertextualidade, que se caracteriza pela colaboração e participação dos internautas na escrita coletiva de hipertextos. Segundo os autores, a primeira fase da web, em seus primeiros dez anos, foi caracterizada pela publicação de home-pages isoladas, marcada principalmente pela linguagem HTML e pelo sistema de envio de informações produzidas offline via FTP a um servidor. Esses hipertextos eram bastante vinculados ao meio impresso, nos quais rodapés, remissões e índices faziam a interligação de diferentes textos. Com o avanço das tecnologias informáticas, hipertextos de segunda geração emergem, o link confere velocidade à conexão entre diferentes documentos digitais, apesar de o programador do hipertexto deixar poucas oportunidades para o internauta, pois este apenas poderia decidir quais links poderia seguir, e não criar os seus próprios. Conforme defendem os autores, hoje os hipertextos atingem a terceira geração, não só por se apresentarem em uma estrutura integrada de funcionalidade e conteúdo, mas também por permitirem a abertura dos documentos à intervenção dos participantes do sistema, ou seja, à participação dos internautas em formas multi-direcionais de leitura, a exemplo do que ocorre com os blogs, os peerto-peer (P2P),2 o webjornalismo participativo e serviços como Flickr,3 para a publicação e discussão de imagens através de associações livres, ou del.icio.us,4 sistema de compartilhamento de listas de favoritos e geração colabo2 De acordo com Primo (2007), trata-se de redes voltadas para a troca de arquivos digitais, em que cada cliente tanto pode fazer download de arquivos, quanto oferecer seus próprios arquivos para que outros baixem. 3 http://www.flickr.com/ 4 http://del.icio.us 113 ANA CRISTINA LOBOͳSOUSA • JÚLIO CÉSAR ARAÚJO • REGINA CLAUDIA PINHEIRO rativa de metadados. Um dos exemplares de hipertexto mais representativos dessa geração é a Wikipédia.5 Enquanto tecnicamente a hipertextualidade sofre tantas modificações tecnológicas, Xavier (2002, p. 9) propõe uma definição de hipertexto como uma nova tecnologia enunciativa, da qual emerge o modo de enunciação digital, que é “resultado do amálgama, integração e superposição dos vários modos de enunciação (verbal + visual + sonoro) em um mesmo suporte digital de leitura: a tela do computador”. Nessa perspectiva, podemos supor que o hipertexto é, ao mesmo tempo, processo e produto, lugar e uso, sendo tanto a tecnologia que enuncia, quanto a própria enunciação, ambas inter-relacionadas, designadas por um só termo. O hipertexto, segundo Xavier, surge da clipagem/ bricolagem paradigmática de vários modos enunciativos já existentes, que cooperam com igual peso e valor linguístico, semântico e cognitivo para a estruturação do sentido pelo hiperleitor. É na fusão proporcionada pelo hipertexto, que a novidade surge. Mas nesse caso, não podemos concordar que essa fusão seja sempre harmônica, pois a depender do hipertexto, uma enunciação ou outra ganham destaque. É nesse aspecto que o conceito de hipertexto se apresenta bastante amplo, pois, do mesmo modo que encontramos ainda na rede hipertextos compostos prioritariamente de enunciados verbais, encontramos outros cujo conteúdo é eminentemente visual, ou sonoro, como o Youtube, por exemplo. Ademais, chats, blogs, e-mails, scraps, sendo gêneros das esferas hipertextuais, acaso não são também hipertextos? Para Xavier, o hipertexto tende a mediar as relações dos sujeitos e instituições com a produção e circulação do saber na Sociedade da Informação. Contudo, de certa maneira, a definição de hipertexto parece referir-se 5 pt.wikipedia.org/wiki/Página_principal . Dantas, neste volume, faz uma discussão interessante sobre a Wikipédia. 114 LETRAMENTOS QUE EMERGEM DA HIPERTEXTUALIDADE a hipertextos cuja função seja informar. Ao menos é o que se percebe em consulta à bibliografia recente sobre o assunto. Gualberto (2008, p.26), por exemplo, ao investigar a influência dos hiperlinks na construção do significado na leitura de hipertexto enciclopédico digital, assim se posiciona: O hipertexto, visto como um sistema que permite a articulação de diferentes fontes de informação, pode ser usado para recolher, ordenar, agrupar, atualizar, pesquisar e recuperar a informação de um modo fácil, rápido e eficiente (...).O hipertexto tem se tornado um formato frequente para softwares educativos, interativos, obras de referência, livros de texto, documentação técnica etc. Nesse sentido, as mudanças e os avanços do conceito, bem como a compreensão que se tem hoje sobre o tema é auxiliada pelas primeiras conceituações de hipertexto, como a proposta por Vannevar Bush (1945) que, mesmo após décadas de sua publicação (o que significa muito em matéria de tecnologia) tem em seu ensaio sobre o que seria o hipertexto futuramente, a referência teórica fundamental. A definição de hipertexto sugerida em Bush e denominada Memex, refere-se a um dispositivo técnico-informacional a ser criado para indexar a informação de um usuário de maneira não-sequencial, que se assemelhasse ao nosso jeito de pensar, diferentemente dos modelos de listas alfabéticas ou numéricas. A ideia não era prioritariamente a socialização da informação, mas um modo de buscar algo que, estando em conexão com outros, pudesse a ele estar associado. A proposta de Bush, portanto, está longe do que viriam a ser os hipertextos efetivamente produzidos após suas ideias, tais como os apontados por Primo & Recuero, no início dessa seção. Isso nos leva a indagar quantos dos milhares de internautas estão na web nesse momento, estão se informando acerca dos fatos que acontecem? Melhor dizendo, quantos deles sabem buscar a informação de maneira efi115 ANA CRISTINA LOBOͳSOUSA • JÚLIO CÉSAR ARAÚJO • REGINA CLAUDIA PINHEIRO ciente? Será que hipertexto é só aquilo que informa? Conversar utilizando o MSN é utilizar uma ferramenta hipertextual (cf. SILVA, 2008), logo, também estamos diante de hipertexto. Parece não ser sem razão que continuamos indagando o que é uma enunciação digital. De acordo com Bakhtin (1997, p. 303) “são muitas as pessoas que, dominando magnificamente a língua, sentem-se logo desamparadas em certas esferas da comunicação verbal, precisamente pelo fato de não dominarem, na prática, as formas do gênero de uma dada esfera”. A enunciação digital, ou a hipertextualidade, conforme pontua Lobo-Sousa (2009), pode ser caracterizada tendo em vista características como a interatividade, a hipermodalidade e a multilinearidade. A interatividade diz respeito ao grau de interação possibilitado pelo hipertexto, se apenas percorrendo os links, se os criando também; ao passo que a hipermodalidade refere-se ao conjunto de enunciados reunidos para essa interação (sons, animações, vídeos e gráficos etc.) que se apresentam necessariamente de maneira multilinear, ou seja, com múltiplas possibilidades. Pistas para a compreensão de que a hipertextualidade se constitui da diversidade de hipertextos podem ser encontradas em trabalhos como o de Gomes (2007) que, ao produzir o hipertexto multimodal, o distingue de outros, baseados somente na escrita e, portanto, muito parecidos com os textos impressos. Também Lima (2008) que, ao considerar que há características gerais e locais que definem a comunidade dos blogueiros, aponta-nos para a necessidade de restringir o conceito de hipertexto a contextos mais específicos, tendo em vista as particularidades de usos pelos internautas. Assim, hipertextos serão sempre uma porção da hipertextualidade e, dessa maneira, o conceito de enunciação digital de Xavier (2002) parece aplicar-se mais a hipertextualidade que ao hipertexto, tendo em vista que conforme o gênero hipertextual acionado pelo hiperleitor, teremos um grau maior ou menor de hipermodali116 LETRAMENTOS QUE EMERGEM DA HIPERTEXTUALIDADE dade, ou seja, de semioses que possibilitam a interação nas variadas esferas comunicativas na web, a hipertextualidade, em nossa proposta. Desse modo, o hipertexto só se deixa definir em suas especificidades, conferidas em razão dos e-gêneros. Letramento Hipertextual: um Conceito em Emergência O termo letramento digital surge com a inserção das tecnologias de informação e comunicação para designar as práticas de leitura e escrita por elas demandadas. De acordo com Soares (2002), uma concepção de letramento mais ampla se define não como pelas próprias práticas de leitura e escrita, nem pelos eventos relacionados com o uso e função dessas práticas, ou pelo impacto e consequências da escrita sobre a sociedade, mas pelo estado ou condição de quem participa de eventos em que a escrita é parte integrante da interação entre pessoas e do processo de interpretação dessa interação – os eventos de letramento. Desse modo, os eventos de letramento mencionados pela autora podem não ter a presença física da escrita, mas os indivíduos participantes desse evento devem tê-la como representação, como ocorre em eventos religiosos em que se fazem reflexões sobre passagens bíblicas, mesmo que esse livro não esteja presente na ocasião. Percebemos, assim, que, nas concepções de letramento, não há lugar para outros modos de fazer sentido em práticas sociais que não seja através da escrita. Não sem razão, os conceitos de letramento se modificam à proporção que mudam as culturas, tornandose, assim, em muitos casos, concepções restritas que não abarcam as diversas práticas em que a escrita é mediadora nas diferentes sociedades. Para amenizar essa problemática, os estudiosos do assunto caracterizam o letramento, a fim de restringi-lo a práticas específicas, o que ocorreu com a designação de letramento digital. 117 ANA CRISTINA LOBOͳSOUSA • JÚLIO CÉSAR ARAÚJO • REGINA CLAUDIA PINHEIRO Sobre isso, Ribeiro (2006) define o letramento digital como o domínio de textos feitos na e para o computador, deixando implícito que quem consegue digitar ou ler um texto produzido num processador de texto, como o Word, é letrado digital. Observamos que essa definição, a qual consideramos muito restrita, não contempla outras práticas mediadas por computador e outros dispositivos eletrônicos, como por exemplo, uma apresentação em power point, uma brincadeira com jogos de vídeo-game, limitando-se a alguns usos que não se diferenciam muito de uma prática de letramento com texto impresso, como ler arquivos do tipo pdf. Em Buzato (2003), encontramos uma definição mais abrangente do conceito a qual procura se sustentar segundo a argumentação de que o letramento digital designa todo conhecimento necessário para práticas mediadas pelos equipamentos eletrônicos do mundo contemporâneo, que são as habilidades de construir sentido a partir de textos multissemióticos, de localizar, filtrar e avaliar informação e o conhecimento das “normas” que regem a Comunicação Mediada por Computador. Nessa mesma direção, Xavier (2003) entende que o letramento digital é realizado com o uso de hipertextos, através da aquisição e do domínio dos vários gêneros hipertextuais. Notemos aqui que as definições de Xavier (2002) e Buzato (2003) contemplam as práticas mediadas através de hipertextos, porém, os autores desconsideram os usos apontados por Ribeiro (2006). Chamamos ainda a atenção para a nomenclatura adotada por aqueles autores ao qualificarem o letramento como digital, pois se os gêneros são hipertextuais, por que o letramento também não o é? Feitas essas considerações, verificamos que os autores ora restringem o letramento digital a práticas que não consideram o hipertexto, ora consideram somente as práticas mediadas por hipertextos, nomeando-as por letramento digital, termo que se refere não só a práticas em ambiente do qual o hipertexto é oriundo (a web, por 118 LETRAMENTOS QUE EMERGEM DA HIPERTEXTUALIDADE exemplo), mas também a outros usos envolvendo tecnologias digitais, como o manuseio de uma máquina fotográfica digital, o envio de torpedos via celular, o nível de interatividade exigida pela TV digital. Convém ainda, ressaltar que as inquietações apresentadas aqui já foram encontradas em autores como Barton (2001) e Ribeiro (2008). O primeiro autor, refletindo sobre a cultura impressa e as outras mídias, levanta o seguinte questionamento: os pesquisadores podem ou poderiam incluir outras formas de fazer sentido como parte do letramento ou elas seriam mais úteis se observadas como recursos diferentes para produzir sentidos que podem distinguir-se de letramentos? Com a intenção de responder a essa pergunta, o referido autor afirma, posteriormente, que pesquisas sobre letramento forneceram indícios de que esse termo abarca mais que os atos de ler e escrever. Também Ribeiro (op. cit.) sugere que o conceito de letramento digital é demasiadamente amplo e necessitaria de mais subcategorias para que se tornasse mais operacional. Diante do exposto, as reflexões aqui iniciadas sobre alguns termos e conceitos já consagrados na literatura vigente suscitam a necessidade da criação e concepção do termo letramento hipertextual como uma nova categoria do letramento digital, com base na ideia de que todo letramento hipertextual é digital, mas nem todo letramento digital é necessariamente hipertextual. Considerações Finais Tendo em vista o contexto atual de desenvolvimento de práticas sociais de leitura e escrita (e nem somente de escrita), aliada à fase ainda inicial de compreensão de conceitos como hipertexto e letramento digital, julgamos favorável que se refinem teoricamente tais conceitos. O hipertexto, uma categoria em construção, não considera em sua definição a heterogeneidade funcional dos hipertextos; apesar de estudos isolados sobre gêneros hipertex119 ANA CRISTINA LOBOͳSOUSA • JÚLIO CÉSAR ARAÚJO • REGINA CLAUDIA PINHEIRO tuais estarem em curso em diferentes programas de pósgraduação no país. Em decorrência disso, a abrangência dos conceitos de letramento digital também se faz sentir na literatura sobre o assunto, sendo, em alguns casos, restrita demais, limitando-se ao manuseio tecnológico, como em Ribeiro (2006); em outros casos, embora enquadrando às práticas mediadas por hipertexto, o termo que a designa é o letramento digital, conforme o conceito de Buzato (2003) e Xavier (2002) e não o letramento hipertextual, como se poderia esperar. Referências Bibliográficas ARAÚJO, J. C. Chat na web: um estudo de gênero hipertextual. Dissertação (Mestrado em Linguística). Fortaleza: PPGL, UFC, 2003. ARAÚJO, J. C. Os chats: uma constelação de gêneros na internet. Tese (Doutorado em Linguística). Fortaleza: PPGL/UFC, 2006. ARAÚJO, J. C. Pra tc c a galera vc tem q abreviar muito: o internetês e as novas relações com a escrita. In: DIEB, M. (Org.) Relações e saberes na escola: os sentidos do aprender e do ensinar. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008. (Coleção Escrita, Leitura e Oralidade). BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997. BARTON, D. Directions for Literacy Research: Analysing Language and Social Practices in a Textually Mediated World. Language and education, Vol. 15, Nº 2 & 3, 2001, pp. 92-104. BUSH, V. As we may think. The atlantic monthly, julho de 1945. Disponível em <http://www.theatlantic.com/ doc/194507/bush> Acesso em: 30 nov 2008. BUZATO, M.E.K. Letramento digital abre portas para o conhecimento. EducaRede. Entrevista por Olivia Rangel 120 LETRAMENTOS QUE EMERGEM DA HIPERTEXTUALIDADE Joffily em 23/01/2003. Disponível em www.educarede. org.br. Acessado em: 21 maio 2008 GUALBERTO, I.M.T. A influência dos hiperlinks na leitura de hipertexto enciclopédico digital. Tese (Doutorado em Linguística). Belo Horizonte: PPGEL/UFMG, 2008. GOMES, F.G. Hipertextos multimodais: o percurso de apropriação de uma modalidade com fins pedagógicos. Tese (Doutorado em Linguística). Campinas: IEL/UNICAMP. KOMESU, F.C. Entre o público e o privado: um jogo enunciativo na constituição do escrevente de blogs na internet. Tese. (Doutorado em Linguística). Campinas: IELUNICAMP, 2005. LIMA, J.P.E.de. Blog(ueiros): critérios para o estudo de comunidades discursivas globais e locais. Dissertação (Mestrado em Linguística). Fortaleza: PPGL-UFC, 2008. LOBO-SOUSA, A.C. Hipertextualidade: uma abordagem enunciativa de hipertextos. Dissertação (Mestrado em Linguística). Fortaleza: PPGL-UFC, 2009. PAIVA, V. L. M. de O. E-mail: um novo gênero textual. In: MARCUSCHI, L.A.; XAVIER, A.C. Hipertexto e gêneros digitais: novas formas de construção do sentido. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005, p. 68-90. PINHEIRO, R.C. Práticas sociais mediadas por hipertexto: letramento hipertextual? (Anteprojeto de tese de doutorado). Fortaleza: grupo de pesquisa Hiperged/PPGL, 2009. mimeo. PRIMO, A.; RECUERO, R. da C. A terceira geração da hipertextualidade: cooperação e conflito na escrita coletiva de hipertextos com links multidirecionais. Líbero (FACASPER), v. IX, p. 83-93, 2006. PRIMO, A. O aspecto relacional das interações na Web 2.0. E-compós (Brasília), v. 9, p. 1-21, 2007. RIBEIRO, A. E. Habilidades com a leitura e a escrita. Estado de Minas, Belo Horizonte / MG, 14/02/2006. Disponível em: http://www.vivaleitura.com.br/artigos_show. asp?id_noticia=18. Acesso em: 23 jul. 2007. 121 ANA CRISTINA LOBOͳSOUSA • JÚLIO CÉSAR ARAÚJO • REGINA CLAUDIA PINHEIRO RIBEIRO, A. E. Navegar lendo, ler navegando: aspectos do letramento digital e da leitura de jornal. Belo Horizonte, UFMG, 2008 (Tese de Doutorado). SILVA, F. M. da. Chats e–efóruns na EaD virtual: links entre mediação pedagógica e hipertextualidade. Dissertação (Mestrado em Linguística). Fortaleza: PPGL-UFC, 2008. SOARES, M. Novas práticas de leitura e escrita: Letramento na cibercultura. Educ. Soc., Campinas, vol. 23, n. 81, p. 143-160, dez. 2002. XAVIER, A. C. Hipertexto na sociedade da informação: a constituição do modo de enunciação digital. Campinas: São Paulo, 2002 (Tese de Doutorado). 122 LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS ACADÊMICOS NO EAD: LETRAMENTOS E ENSINO NA WEB1 Camila Maria Marques Peixoto Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin Considerações Iniciais O ensino de língua portuguesa, apesar das diversas tentativas de melhoria, não vem apresentando resultados positivos porque ainda está distante das necessidades dos objetivos dos aprendizes; enquanto eles precisam ampliar as competências comunicativas/interacionais, a escola permanece valorizando exercícios de memorização e repetição de regras gramaticais, da produção de redações escolares. Quando muito, temos atividades de identificação de elementos gramaticais em textos. Diferentemente dessa relação que o aluno tem com o texto em situação de ensino-aprendizagem, em seu convívio cotidiano com a língua portuguesa ele lê e produz gêneros textuais para pegar ônibus, ler livro de receitas, ler o cardápio de um restaurante, fazer listas de compras e para tantas outras atividades. As questões que ora fazemos são as seguintes: se não existe um incentivo à leitura e à produção de textos/ gêneros textuais para o aluno da educação básica interagir nas situações cotidianas, chegando à universidade, como ele fará nas situações de comunicação que exigem de nós competências diferentes daquelas necessárias para realizar as atividades rotineiras? Como fazer com os textos/gêneros textuais que exigem de nós maior nível de letramento, isto é, mais nível de capacidade de responder 1 Parte da discussão deste capítulo é resultado das reflexões feitas durante a disciplina Letramentos na Web (Tópicos Avançados I), ministrada no semestre de 2008.1 pelo Prof. Dr. Júlio Araújo, no PPGL da UFC. 123 CAMILA MARQUES PEIXOTO • EULÁLIA VERA LÚCIA FRAGA LEURQUIN de maneira ampla e satisfatória às demandas sociais fazendo uso da leitura e escrita (cf. TFOUNI, 1995)? Documentos oficiais do Ministério de Educação (Parâmetros Curriculares Nacionais, Programa Nacional do Livro Didático, entre outros) mostram que todos têm consciência do papel das instituições de ensino (escolas, faculdades e universidades) na formação de leitores e produtores de gêneros textuais. Parece que o grande problema permanece no mostrar por que é preciso ensinar a língua portuguesa a partir de gêneros textuais e no como o ensino deveria acontecer. No caso dos cursos de graduação em Física e em Química ofertados pela UFC na modalidade à distância virtual, trabalhamos com uma disciplina chamada Práticas de Leitura e produção de textos cuja carga horária é de 64 horas/aula e cuja duração é de um mês; o que corresponde a seis aulas sendo duas presenciais. A primeira corresponde a 20% e a avaliação2 presencial corresponde a 60% da nota do aluno. Na produção do material à distância dessa disciplina, propusemos,3 atividades de leitura e de produção de textos acadêmicos (resenha, artigo científico e resumo) ignorando uma sugestão de trabalho com conteúdos gramaticais descontextualizados. Nossa opção decorreu de dois motivos: a comunicação/ interação acontece em forma de leitura e compreensão de textos; e na situação da academia, o aluno é provocado a ler e a produzir textos acadêmicos para ter acesso a sua área de conhecimento, às pesquisas. Esses argumentos também se constituíram vieses para dar funcio2 A prova presencial do curso a distancia da UFC-VIRTUAL vale 60% da nota final. As notas das atividades de portfólio correspondem aos outros 40% da nota final. 3 As aulas disponibilizadas para a disciplina Práticas de Leitura e Produção de Textos foram construídas, em 2007, com a participação de alguns membros do grupo GEFORP (Camila Maria Marques Peixoto e Mônica Maria Viera Evangelista), sob a orientação da Profa. Dra. Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin. Participaram também da construção desse material Mariza Angélica Brito e Valdinar Custódio Filho, doutorandos em Linguística pelo PPGL-UFC. 124 LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS ACADÊMICOS NO EaD: LETRAMENTOS E ENSINO NA WEB nalidade à disciplina. Mas, propor um ensino de língua portuguesa com esse perfil e mediada pelo computador4 exige um dinamismo muito grande do professor, uma formação especializada. A modalidade do Ensino a Distância (doravante EaD) é uma tendência em nosso país que deve ser questionada e problematizada porque não é transferindo ações didáticas utilizadas no ensino presencial que podemos garantir um ensino de qualidade; até porque o ensino presencial não vem garantindo bons resultados (para se aprofundar, ver documentos do MEC sobre resultados do ENEM, SAEB, PISA, SPAECE, entre outros). A EaD não é novidade na história de nossa educação. No Brasil, funciona há décadas cursos por correspondências ou em sistema de TV. Novidade sobre esse assunto é a particularidade associada ao maior incentivo dado a essa modalidade de ensino principalmente no ensino superior devido ao, entre outros fatores, desenvolvimento das novas tecnologias que propiciaram o desenvolvimento de alternativas mais elaboradas e interativas de ensino à distância. Para assegurar a interação/comunicação entre alunos, tutores e professor conteudista existem as seguintes ferramentas: o link (onde são expostas as aulas virtuais); a agenda (onde está o planejamento da disciplina); o portfólio dos alunos (espaço da apresentação de atividades); fórum (lugar de interação a partir dos tópicos que estão em discussão em determinado momento do curso; chat (espaço de interação/comunicação em tempo-real dos alunos do curso com seus tutores; e, por fim, as mensagens (sistema de correio eletrônico interno ao ambiente). 4 Os cursos de graduação na modalidade semi-presencial são ofertados pela Universidade Federal do Ceará, em parceria com os governos do Estado e dos municípios, através do projeto nacional Universidade Aberta do Brasil (UAB), que visa à expansão do ensino superior à distância para regiões onde não há acesso hábil a cursos superiores na modalidade presencial. Maiores informações podem ser encontradas no site <http://www.virtual.ufc.br/>. 125 CAMILA MARQUES PEIXOTO • EULÁLIA VERA LÚCIA FRAGA LEURQUIN Dentre essas ferramentas disponibilizadas pelo ambiente solar, não utilizamos algumas, o chat, por exemplo, por ser um gênero com estrutura menos planejada, em que a interação ocorre mais espontaneamente e por isso não é apropriado para introduzir tópicos e aprofundar questionamentos teóricos. No tocante aos papéis dos docentes envolvidos no ensino de língua portuguesa no ambiente solar, é importante registrar que oficialmente, o tutor (o professor que ministra a disciplina) é responsável pelo acompanhamento da turma, pela aplicação e correção das avaliações, cabendo, portanto, ao professor conteudista (responsável pelas aulas virtuais e pelo bom andamento da disciplina) construir o material, elaborar as provas e assegurar um bom andamento da disciplina. No entanto, por uma opção teórico-metodológica defendida pelo professor conteudista, os tutores também fazem parte do momento da construção do material. Neste ambiente específico de ensino-aprendizagem, a atuação presencial aconteceu na primeira e última aula e o tutor da disciplina, normalmente, seguiu o planejamento proposto no início do curso, que foi construído sob a coordenação do professor conteudista em parceria com os tutores da disciplina. O planejamento teve como referência teórico-metodológica o interacionismo sóciodiscursivo a partir das contribuições de autores como Bronckart (1999, 2006, 2007) e Schneuwly e Dolz (2004) porque concebem o gênero como instrumento de comunicação e como objeto de ensino-aprendizagem. No tocante à noção de letramento, consideramos os estudos desenvolvidos por Tfouni (1995) que define letramento como o estado/condição daquele que sabe ler e escrever, e, que responde, de maneira ampla e satisfatória, às exigências impostas pelas relações sociais. Também nos fundamentamos nas pesquisas de Soares (2003), sobretudo quando ela mostrou a necessidade de trazer para a discussão sobre letramento a discussão sobre gêneros textuais. 126 LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS ACADÊMICOS NO EaD: LETRAMENTOS E ENSINO NA WEB A Importância do Estudo do Gênero em Instituições de Ensino A noção de gênero textual que acabamos de mostrar tem bases nos estudos de Bakthin (2003 [1979]). Para o autor, todos os campos da atividade humana estão indissociavelmente ligados ao uso da linguagem. Dessa forma, os usos da linguagem são tão múltiplos quanto são as formas de organização e os tipos de atividades desenvolvidas pelo homem. Assim, cada segmento das atividades humanas possui gêneros que são socialmente construídos, resultado da experiência das gerações precedentes, renovados e modificados pelas especificidades da necessidade de comunicação. Portanto, a situação de comunicação dentro de determinada esfera social define o que é dizível, e dialogicamente o que deve ser dito define a escolha de um gênero. Mas, considerando que o objetivo maior do ensino de língua portuguesa é ampliar os conhecimentos do aprendiz a fim de que ele se comunique/interaja de maneira mais significativa, acreditamos que o gênero também deve ser objeto de ensino (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004). E, com base nesse entendimento, precisamos atentar às práticas de leitura e escrita de determinados gêneros secundários5 pois eles exigem de seus usuários que mobilizem competências muito complexas, que, na maioria das vezes, os alunos não dominam. Tais competências são essenciais para a interação/comunicação através de gêneros praticados no meio acadêmico. Dentro da discussão sobre o ensino de língua a partir de gênero, observamos muito claramente um desencontro de informações. Primeiro vemos que na educação básica, ainda se trata a apropriação dos gêneros 5 Para Bakthin (2003 [1979]), os gêneros estão divididos em gêneros primários, menos complexos, relacionados à situação imediata de comunicação; e secundários, mais complexos, pouco relacionados à situação imediata de comunicação. 127 CAMILA MARQUES PEIXOTO • EULÁLIA VERA LÚCIA FRAGA LEURQUIN de maneira equivocada, acreditando-se que pelo fato de tê-los em materiais didáticos estaríamos proporcionando um ensino produtivo de língua portuguesa (FRAGA LEURQUIN, 2001; MARCUSCHI, 2005; PEIXOTO, 2007; EVANGELISTA, 2008, por exemplo). No ensino superior, é comum a exigência de leitura e de escrita de gêneros acadêmicos, sem que se ensine a produzir resenhas, artigos científicos, seminários, palestras, comunicações, resumos científicos, entre outros. No entanto, na maioria das disciplinas, o aluno é avaliado através da produção de um desses gêneros. A opção por ensinar a língua portuguesa tendo como base o gênero resenha, vem justamente suprir essa necessidade. Além do mais também rompe com o modelo de ensino de língua portuguesa que muito pouco vem contribuindo para o bom desempenho do aprendiz, como afirmamos ao longo desse capítulo. Segundo Schneuwly e Dolz (2004), para concretizar o papel central dos gêneros como objeto de ensino e instrumento de trabalho para o desenvolvimento da linguagem, há dois aspectos de reflexão. O primeiro aspecto está relacionado aos objetivos precisos de aprendizagem a partir dos gêneros, objetivos que, além de possibilitarem ao aluno dominar determinado gênero, permitam o desenvolvimento de capacidades que ultrapassam o gênero alvo e que são transferíveis para outros gêneros. O segundo aspecto diz respeito ao fato de o gênero ter seu contexto de produção e circulação relacionado a outro lugar social diferente daquele da instituição de ensino; o gênero sofre transformações como gênero a apreender, apesar de continuar sendo forma de mediação das atividades humanas. Dessa maneira, o gênero em ambiente de aprendizagem é sempre uma variação do gênero de referência, construído em uma dinâmica diferente, lido e produzido com objetivos relacionados ao ensino-aprendizagem. É, pois, com base nisso que se apresenta uma proposta de ensino-aprendizagem de língua portuguesa em ambiente virtual de aprendizagem. 128 LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS ACADÊMICOS NO EaD: LETRAMENTOS E ENSINO NA WEB Por uma Proposta de Ensino-Aprendizagem de Língua Materna em Ambiente Virtual a Partir do Gênero Acadêmico Resenha Como vimos reforçando ao longo desse texto, é fundamental que o ensino de língua aconteça a partir de gêneros textuais. O desafio está, retomamos, na proposta das atividades. Com base nisso, foi preciso elaborar aulas virtuais que facilitassem a apropriação de gêneros acadêmicos, em ambiente virtual. A internet, nesse sentido, tem um papel fundamental: ela é um suporte que viabiliza, media a interação/comunicação. Analisaremos, neste trabalho, apenas as aulas que tratam do gênero resenha, uma vez que não seria possível aprofundarmos aqui os demais gêneros trabalhados na disciplina. O trabalho com o gênero resenha foi contemplado nas quatro últimas aulas. Inicialmente, estudamos o conceito de resenha e depois as características dela, as condições de produção e os tipos de resenha. Antes de mostrar como se constitui uma resenha, apresentamos uma estratégia de leitura para os alunos, a fim de que eles desenvolvessem uma reflexão sobre a resenha, a saber: A seguir você lerá uma resenha sobre o filme Mar adentro. Mas antes de fazer a leitura do texto, vamos tentar refletir sobre as características desse gênero. É preciso identificar esses blocos de textos. São citações? De onde foram retirados? Qual é a referência? O que você sabe sobre resenha? Já fez a leitura de algum texto pertencente a esse gênero? Onde pode ser encontrada? Na sua opinião, qual o objetivo do autor do texto ao escrever uma resenha? Quem normalmente escreve resenhas? Para quem? (Texto extraído do material da disciplina Leitura e produção de textos, do Curso de Química, disponível na UAB) 129 CAMILA MARQUES PEIXOTO • EULÁLIA VERA LÚCIA FRAGA LEURQUIN Como podemos perceber, o aluno foi provocado para que pudesse acionar seus conhecimentos anteriormente adquiridos sobre o gênero resenha. Orientamos, através dessas questões, a ativação dos conhecimentos prévios sobre o contexto de produção e circulação desse gênero, sobre os lugares sociais em que o gênero circula, bem como sobre os lugares sociais dos produtores e destinatários desse gênero. Essa ativação é muito importante na proposição de apropriação de um gênero, uma vez que potencializa um maior engajamento por parte do aluno na construção de conhecimentos necessários sobre o gênero, que é objeto de ensino-aprendizagem no contexto escolar. Depois do exercício de ativação dos conhecimentos prévios, propusemos a leitura e a resolução de atividades de compreensão e interpretação6 de uma resenha não acadêmica,7 já que a leitura de resenhas acadêmicas é uma tarefa mais “árida” para o aluno universitário iniciante. Compreendemos que o trabalho de apropriação do gênero deve partir da realidade do aluno, possibilitando a ligação dos novos conhecimentos, que serão trazidos pelas aulas virtuais, aos conhecimentos prévios dos aprendizes. Nessa construção, está presente a nossa concepção de ensino-aprendizagem, que tem bases principalmente em Vygotsky (2005 [1987]). Para esse autor, a aprendizagem acontece na desestabilização dos conhecimentos prévios dos alunos, quando estes interagem com novos conhecimentos mediados pelo professor. A esse contexto, Vygotsky chamou de Zona de Desenvolvimento Proximal a distância entre aquilo que o indivíduo é capaz de fa6 Assumimos aqui a mesma percepção de Orlandi (2006 [1988]) sobre a distinção entre interpretar e compreender. A primeira noção está relacionada à atribuição dos sentidos, que leva em consideração apenas o contexto linguístico, e a segunda noção considera que a construção de sentido é um processo sócio-historicamente determinado. 7 Propusemos a leitura de uma resenha cinematográfica do filme Mar-adentro. Para lê-la, o leitor pode acessar <http://www.recantodasletras.com.br/resenhasdefilmes>. 130 LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS ACADÊMICOS NO EaD: LETRAMENTOS E ENSINO NA WEB zer de forma autônoma (nível de desenvolvimento real) e aquilo que ele realiza em colaboração com os outros elementos do seu grupo social (nível de desenvolvimento potencial). É justamente nessa distância que o professor atuará enquanto mediador do conhecimento. Em uma atitude de mediação, expusemos características da resenha e de sua situação de produção. Dependendo do domínio discursivo, do objetivo do resenhista e do suporte, este gênero terá características diferentes quanto à organização textual. Por exemplo, uma resenha sobre determinado filme, escrita em um jornal, terá especificidades dos gêneros divulgados nesse suporte. (Texto extraído da disciplina Leitura e produção de textos, do Curso de Química, da UAB, 2007) A partir da compreensão de que havia muitos tipos de resenhas, focalizamos nossa atenção à resenha acadêmica, objeto do nosso estudo. Mostramos explicitamente em uma resenha os aspectos formais que materializam a estrutura composicional da resenha; apresentamos aspectos relacionados à articulação entre a estrutura composicional do gênero e as condições de produção desse texto. Mostramos aos aprendizes a forte ligação entre os gêneros e as formas de interação humana. Devido à extrema complexidade das relações humanas, devemos compreender que as características dos gêneros podem ser modificadas de acordo com a necessidade de interação. Assim, não é possível pensarmos em características de composição dos gêneros totalmente fixas; há, na verdade, uma relativa estabilidade do gênero que nos permite interagir mediado por ele. (Texto extraído da disciplina Leitura e produção de textos, do Curso de Química, da UAB, 2007) Na aula seguinte, buscamos questionar mais explicitamente o contexto de produção do gênero resenha acadêmica. Assim, propusemos perguntas que recuperassem o contexto de produção e questionassem sobre a relação 131 CAMILA MARQUES PEIXOTO • EULÁLIA VERA LÚCIA FRAGA LEURQUIN entre essas condições e a construção de sentido dos textos. Para na aula posterior trabalhar a construção de uma resenha de um artigo científico tratado nas primeiras aulas. Propusemos então aos alunos que recuperassem os parâmetros definidores do contexto de produção, através do seguinte comando: Vimos que, na escritura de um texto, devemos ter em mente o destinatário, o objetivo, a adequação ao gênero textual e demais elementos envolvidos na produção. Diante disso, preencha o quadro sobre o artigo8 “AVALIAÇÃO QUÍMICA E NUTRICIONAL DO QUEIJO MUSSARELA E IOGURTE DE LEITE DE BÚFALA - (Texto extraído da disciplina Leitura e produção de textos, do Curso de Química, da UAB, 2007) Os questionamentos sobre os parâmetros definidores do contexto de produção foram a partir dos aspectos relacionados ao mundo físico: o lugar de produção que é o lugar concreto, geograficamente situado no qual o texto foi produzido; o momento de produção que é a extensão do tempo durante a qual o texto é produzido; o emissor (produtor ou locutor) que é quem produziu fisicamente o texto; e, por último, o receptor que é a pessoa que pode receber ou perceber concretamente o texto. Problematizamos também os parâmetros do mundo sócio-subjetivo, quando questionamos os seguintes aspectos: lugar social, que corresponde ao quadro de qual formação social ou instituição a interação é efetivada (escola, família, exército, interação comercial etc.); a posição social do emissor (que lhe dá estatuto de enunciador) diz respeito ao papel social que o emissor desempenha na interação em curso (papel de professor, papel de pai, papel de cliente, por exemplo); a posição social do receptor (que lhe dá estatuto de destinatário) qual é o papel social assumido pelo receptor (papel de aluno, de criança, de 8 O quadro faz as seguintes perguntas: função social do autor do texto/área de atuação; tema do artigo a ser resenhado; finalidade do texto e tese/posicionamento do autor do texto 132 LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS ACADÊMICOS NO EaD: LETRAMENTOS E ENSINO NA WEB colega, de empregado, por exemplo); o objetivo da interação que diz respeito, do ponto de vista do enunciador, ao efeito que o texto deve produzir no destinatário. A última aula teve o propósito de envolver o aluno na produção de uma resenha, mesmo consciente de que o processo de escrita é realizado a partir do cumprimento de etapas (planejamento, escrita da primeira versão e revisão). As etapas do planejamento e primeira versão foram propostas na aula anterior. Também levamos em consideração, para o cumprimento dessas etapas iniciais, a orientação de uma nova leitura do artigo e da explicitação das características do gênero artigo de opinião. No final dessa aula, propusemos a seguinte atividade: Baseado no que você aprendeu sobre resenha, elabore uma resenha sobre o artigo lido e envie ao e-mail de um colega de curso. Cada participante só poderá fazer avaliação de uma resenha. Atenção: Como se trata da primeira resenha, da produção de um estudante em início de formação acadêmica, o importante é avaliar em termos de como está descrito o texto resenhado. (Texto extraído da disciplina Leitura e produção de textos, do Curso de Química, da UAB, 2007) A atividade seguinte diz respeito a uma revisão da resenha feita. Primeiro os alunos trocam por e-mail os textos produzidos, com base nos seguintes critérios de avaliação: O texto está adequado aos objetivos propostos pela atividade? 2. O texto está adequado aos destinatários?3. O texto traz clara a voz do resenhista e a voz do autor do texto resenhado? 4. Existe posicionamento do resenhista sobre o texto resenhado? 5. Os mecanismos de estruturação do texto auxiliam na organização global do texto? 6. Os aspectos relativos à norma culta são observados pelo resenhista? 7. Observe os aspectos enumerados acima e faça um comentário sobre a resenha que você avaliou. (Texto extraído da 133 CAMILA MARQUES PEIXOTO • EULÁLIA VERA LÚCIA FRAGA LEURQUIN disciplina Leitura e produção de textos, do Curso de Química, da UAB, 2007) Nos critérios de avaliação estão sendo vistos aspectos formais e aspectos relacionados ao contexto de produção do texto. Depois dessa avaliação realizada pelo colega, ainda no processo de revisão propusemos a seguinte atividade, a ser realizada no fórum de discussão: Leia os comentários feitos pelo colega sobre o seu texto e discuta com ele, no fórum “Aula 10 – Revisão da resenha”, sobre as mudanças no texto. O nosso objetivo era o aluno ler o próprio texto e, a partir dessa a leitura, considerar ou não a intervenção do colega. A versão final é proposta na sequência através de uma atividade de portfólio que deve considerar os passos propostos: 1. Refaça seu texto, a partir das discussões com seu colega avaliador e arquive, no portfólio, a nova versão. 2. Após a (re)escritura do texto, o professor irá analisar cada resenha e fazer algumas observações sobre o texto produzido. Verifique as observações feitas e reescreva a sua resenha. Arquive todas as versões em seu Portfólio. “Aula 10_Ativ2_revisão da resenha”. (Texto extraído da disciplina Leitura e produção de textos, do Curso de Química, da UAB, 2007) Essas etapas exigem do aluno a leitura de seu próprio texto, bem como a produção de várias versões do mesmo texto. Possibilita-lhe conceber o texto como um processo, que exige planejamento e revisão. É importante dizer que a revisão vem sendo uma atividade necessária na sala de aula de línguas. No ensino de língua mediado pelo computador, percebemos claramente o envolvimento do aprendiz no processo e o dinamismo que isso ocorre. O aluno, da maneira que planejamos é co-autor de sua revisão, enquanto que na modalidade de ensino presencial cabe apenas ao professor fazer a revisão do texto do aluno, normalmente. 134 LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS ACADÊMICOS NO EaD: LETRAMENTOS E ENSINO NA WEB Considerações Finais Sobre a construção de aulas virtuais para a disciplina Leitura e produção de textos, no Curso de Química e Física ainda temos muitos desafios a serem superados. Tais desafios são oriundos do próprio planejamento da disciplina que ainda é muito tradicional e é fortalecido nas particularidades dessa modalidade de ensino. Na verdade, ainda estamos em busca da construção de um material de ambiente virtual que não seja ainda mais distante da transposição do material impresso. Alguns passos foram dados, mas não é tão evidente a superação das limitações que ainda temos. Ainda precisamos avançar para aproveitarmos o potencial interativo das ferramentas do ambiente; ainda pouco utilizamos as possibilidades multi-semióticas, por uma série de razões: a pressa na construção do material, que tem data fixada para entrar no ar e que precisa passar pelas instâncias de transição didática e de revisão das aulas, sobrando pouco tempo para elaboração e discussão teórica de questões relacionadas às especificidades do ambiente virtual; a falta de conhecimento teórico dos envolvidos nesse processo acerca das especificidades do ambiente virtual; o pouco diálogo entre a equipe de transição didática e os professores elaboradores das aulas; poucas oportunidades de discussão sobre as questões teóricas envolvidas na construção dessa complexa experiência; entre outros motivos. Essas questões têm nos inquietado bastante, pois somos conscientes de que o material construído para a referida disciplina não potencializa a utilização multi-semiótica dos recursos disponibilizados pelo ambiente virtual de aprendizagem em que acontecer o curso. Essa lacuna tem nos motivado a realizar discussões sobre o “fazer” das aulas virtuais e, ao mesmo tempo, faz-nos perceber em que direção é possível caminhar. 135 CAMILA MARQUES PEIXOTO • EULÁLIA VERA LÚCIA FRAGA LEURQUIN Referências Bibliográficas BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. BRONCKART, J.P. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sócio-discursivo. São Paulo, EDUC, 1999. LEURQUIN, E.V.L.F. Contrato de comunicação e concepções de leitura na prática pedagógica de língua portuguesa. Tese (Doutorado em Educação). Natal: PPGED-UFRN, 2001. MOREIRA, H.; CALEFFE, L.G. Metodologia da pesquisa para o professor pesquisador. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. ORLANDI, E.P. Discurso e leitura. 7 ed. São Paulo: Cortez, 2006. PEIXOTO, C.M.M.P. Análise da proposta de planejamento da aula de leitura no material didático do ProJovem. Dissertação (Mestrado em Linguística). Fortaleza: PPGLUFC, 2007. SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Trad. Roxane Rojo e Glaís Cordeiro. Campinas. São Paulo. Mercado das Letras, 2004. VYGOTSKY, L.S. Pensamento e linguagem. 3. ed. São Paulo. Martins Fontes, 2005. 136 AS NOVAS EXIGÊNCIAS DO LETRAMENTO E A CONSTRUÇÃO DE UM AMBIENTE PROPÍCIO AO ENSINO DA LEITURA1 Valéria Maria Cavalcanti Tavares Considerações Iniciais Nas duas últimas décadas do Século XX, assistimos a uma mudança radical nas formas de armazenar e transmitir informações. Ao voltarmos nossos olhos ao passado recente, não podemos deixar de observar as grandes modificações produzidas pela informática na vida de toda a sociedade. Os computadores, que antes ficavam restritos às áreas militares e acadêmicas, ganharam as fábricas, os bancos, as lojas, as casas, fazendo surgir novas formas de comunicação e informação. Essa revolução da tecnologia da informação e comunicação trouxe o computador para a vida cotidiana das pessoas: o auto-atendimento no banco, o código de barras no supermercado, o passe eletrônico no ônibus urbano, os formulários online, os sites governamentais de serviços; além de gerar uma nova necessidade de consumo, o computador doméstico, que, segundo dados apurados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) através do PNDA (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio), desde 2001, é o bem durável com maior aumento percentual de consumo. As informações acima, com certeza, são insuficientes para desenhar um quadro completo da influência da informática na sociedade atual, no entanto, trazem dados suficientes para as seguintes constatações: a informatização da sociedade vêm revolucionando o cotidiano das pessoas, pelo surgimento de novas práticas sociais independentes do seu nível social ou cultural, abrangendo 1 Alguns aspectos do presente trabalho retomam as discussões realizadas durante a disciplina Letramentos na Web, ministrada pelo Prof. Júlio Araújo, em 2008.1, no PPGL da UFC. 137 VALÉRIA MARIA CAVALCANTI TAVARES desde o trabalhador que anda de ônibus até o alto executivo, intelectual ou cientista; e o computador pessoal deve se tornar um objeto de uso rotineiro nas residências, visto o seu crescimento constante como bem de consumo durável (Quadro 1). Quadro 1 – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2001-2006) – Percentual de domicílios com computador e com acesso à Internet 25 20 15 Com putador 10 Internet 5 2006 2005 2004 2003 2002 2001 0 Fonte: IBGE Tais constatações nos inquietam, como professores de língua portuguesa, e nos fazem pensar de que maneira essas novas práticas sociais, oriundas da popularização da informática e do computador, afetam o homem moderno, principalmente no âmbito da leitura (ler a tela da máquina do banco, preencher formulários online, marcar atendimento nos sites de serviços do governo federal etc.), que deixa de incluir apenas os textos impressos, expandindose para abranger as novas tecnologias de comunicação e informação, representadas pelo texto multimídia, o hipertexto e outros gêneros que vão aparecendo no mundo digital, principalmente na Internet. E, consequentemente, afetam a escola que, como importante agência de letramento, tem o dever de ensinar as novas gerações a ler nessa nova realidade. O desejo de responder concretamente as questões acima, isto é, como a leitura é afetada pelas exigências 138 AS NOVAS EXIGÊNCIAS DE LETRAMENTOS E A CONSTRUÇÃO DE UM AMBIENTE PROPÍCIO AO ENSINO DA LEITURA das novas tecnologias de informação e comunicação e como a escola deve atuar nesse novo contexto, levounos a refletir sobre dois pontos que consideramos, a partir da nossa experiência em sala de aula, como cruciais para a obtenção das respostas desejadas, que são: compreender o conceito de letramento que se delineia com o advento das novas tecnologias; e definir o ambiente de aprendizagem mais propício ao ensino da leitura nessa nova realidade. Esse texto foi desenvolvido a partir das reflexões originadas na tentativa de obtermos respostas consistentes às questões anteriormente descritas (compreender o letramento e definir o ambiente de aprendizagem na era das novas tecnologias), de forma a enriquecer a prática educacional daqueles professores que são considerados, pelo senso comum, como responsáveis pelo ensino da leitura, ou seja, os professores de língua materna. Assim, ele consta de duas partes: na primeira, buscamos definir letramento, discutindo esse conceito a partir das novas práticas sociais que a tecnologia digital traz e suas consequências para a natureza da leitura e sua instrução; na segunda, passamos à caracterização do ambiente de aprendizagem que consideramos mais propício ao ensino da leitura na era digital. Definição de Letramento Na tentativa de definir letramento, identificando, assim, as novas exigências que a tecnologia digital traz para a natureza da leitura e sua instrução, levantamos a existência de duas dimensões nessa definição: uma de caráter individual e outra social (SOARES, 2000), além da existência de uma tendência do uso do termo letramento no plural, letramentos (SEMALI: 2001; LEU et al., 2004). A partir desse levantamento, buscamos uma definição que incluísse as novas práticas sociais e individuais oriundas das novas tecnologias, a fim de determinar o que ensinar e como preparar os alunos para os desafios que irão enfrentar ao sair da escola. 139 VALÉRIA MARIA CAVALCANTI TAVARES Letramento: Dimensão Social e Pessoal A dimensão individual privilegia as habilidades pessoais, vê o letramento como um atributo do indivíduo, envolvendo um conjunto de habilidades que vai desde a habilidade de decodificar (transformar sinais gráficos em sons) até de decifrar (transformar sinais gráficos em ideias, gerando reflexões, analogias, questionamentos, generalizações). A dimensão social, por sua vez, defende que o letramento é mais que a capacidade de ler e escrever, pois inclui o uso dessas habilidades, concretamente, em práticas sociais, levando o indivíduo não só a responder adequadamente às exigências sociais do uso da leitura/escrita (visão funcional), mas também a refletir sobre a realidade, tomando consciência e agindo para transformá-la (FREIRE, 1981). Qualquer que seja a dimensão de letramento tomada como base, sua definição sofre influência das forças sociais e culturais vigentes, pois essas desempenham importante papel nas habilidades de leitura e escrita que são exigidas do indivíduo (MCNABB et al., 2002; LEU et al., 2005). Portanto, na tentativa de definir letramento, devemos levar em consideração as forças sociais que atuam na sociedade de hoje, centrada na expansão das novas tecnologias de informação e comunicação, sobretudo na Internet, vivendo o que Reinking (apud EL-HINDI, 2001)2 chama de era “pós-tipográfica”. Assim, a definição de letramento requer que a leitura e a escrita não fiquem restritas ao papel, mas avancem para o mundo digital, alargando as noções de ler e escrever para incluir representações gráficas, visuais e sonoras (SEMALI, 2001), incluindo as habilidades necessárias a compreensão leitora do texto eletrônico, principalmente do hipertexto, modo mais comum de veiculação de informação na Internet (SCHMARDOBLER, 2003). 2 REINKING, Reading and writing with computers: Literacy research in a post-typographic world. In HINCHMAN, K. A., LEU, D. J. & KINZER, C. (eds.), Perspectives on literacy research and practice 9PP. 17-33, Chicago: National Reading Conference, 1995. 140 AS NOVAS EXIGÊNCIAS DE LETRAMENTOS E A CONSTRUÇÃO DE UM AMBIENTE PROPÍCIO AO ENSINO DA LEITURA Desta maneira, o conceito de letramento passa a incluir habilidades, como: acessar a melhor informação no menor espaço de tempo, avaliar sua credibilidade, identificar e resolver problemas e comunicar a solução encontrada. Ao mesmo tempo em que abrange o desenvolvimento do pensar criticamente, permitindo ao leitor comparar documentos, selecionar e sintetizar informações, cujo acesso é praticamente ilimitado na Internet. Além de usar essas informações de forma a influir no espaço ao seu redor, criando soluções e informando suas descobertas, em um ambiente de grande poder de comunicação e interação, representado por e-mail, chats, listas de discussão, entre outros. Ressaltamos que essa nova concepção de letramento é construída com base nas concepções de letramento tradicionais (com foco no texto impresso), pois o texto eletrônico utiliza o mesmo código linguístico, mantendo válidos elementos fundamentais, como decodificação, vocabulário, compreensão, inferência, ortografia e outros requeridos para ler livros e demais elementos impressos. Esse letramento tradicional se torna mais importante no mundo “pós-tipográfico”, mas insuficiente para alguém que precise usar a Internet e outros meios de informação e comunicação baseados nas novas tecnologias (LEU et al., 2004). Letramento Versus Letramentos Na tentativa de solucionar a questão da definição de letramento, abrangendo as novas e antigas tecnologias, temos visto o aparecimento do termo letramentos, que engloba: o letramento digital, o letramento computacional, o letramento informacional, o letramento visual, o letramento midiático, entre outros. Cada um abrangendo diferentes habilidades para o uso em situações específicas de letramento. Ao examinar as definições de alguns dos termos mencionados anteriormente, Semali (2001) afirma que é 141 VALÉRIA MARIA CAVALCANTI TAVARES difícil entender como alguém pode se tornar letrado na era pós-moderna, em qualquer de um dos tipos de letramento citados, sem que, de alguma forma, seja nos demais. Prossegue mostrando que o letramento computacional refere-se não só ao uso do computador, mas abrange competências relacionadas a ler, entender, avaliar e interpretar textos visuais, incluindo imagens, desenhos e cores que representam acontecimentos, ideias e emoções (letramento visual), além da habilidade de acessar, avaliar e produzir textos usando os recursos de multimídia (letramento midiático). E acrescentamos que esse mesmo letramento ainda requer a capacidade de selecionar uma informação importante, avaliá-la, usá-la adequadamente e difundi-la, aplicando-a a uma dada situação (letramento informacional). Essas afirmações de Semali (2001) reforçam a nossa crença de que, a cada nova tecnologia de ler e escrever, novas exigências são impostas pela sociedade ao homem. Assim foi na Mesopotâmia, com a escrita cuneiforme; no Egito, com o papiro; na Idade Média, com os monges copistas e com a imprensa de Gutenberg; e não poderia ser diferente na era “pós-tipográfica” com o advento do rádio, da televisão, do computador, da Internet e do hipertexto. Essa constatação impõe a teoria a necessidade de uma definição de letramento ampla, que venha a incluir os desafios presentes nas novas tecnologias, principalmente no hipertexto, uma vez que esses desempenham um importante papel na determinação de quais habilidades de leitura e escrita a escola deve ensinar. Natureza do Letramento Leu et al. (2004), ao definir o que seriam os novos letramentos, baseados nas novas tecnologias de comunicação e informação, afirmam que esses possuem uma natureza múltipla, formada por pelo menos três níveis. O primeiro nível caracteriza a construção do significado pela integração de ícones, símbolos animados, som, ví142 AS NOVAS EXIGÊNCIAS DE LETRAMENTOS E A CONSTRUÇÃO DE UM AMBIENTE PROPÍCIO AO ENSINO DA LEITURA deos, tabelas interativas, ambientes da realidade virtual, entre outros, de forma que a compreensão se dá pela integração das diferentes mídias, gerando um sentido diferente do que cada uma possui separadamente. O segundo nível, por sua vez, se refere às múltiplas formas de comunicação e acesso à informação que o indivíduo, usuário das novas tecnologias, precisa saber para atingir seus propósitos. Entre elas estão: usar sites de buscar, avaliar a credibilidade e importância da informação, acessar mensagens instantâneas, comunicar-se através de e-mails, participar de videoconferências, salas de bate-papo, listas de discussão, entre outras. O último nível está relacionado à possibilidade de acesso e troca de informações em diferentes contextos culturais e sociais. A Internet cria oportunidades para pesquisas nos locais mais distantes e situações culturais e sociais mais diferentes, além da troca de comunicação entre pessoas do mundo inteiro sem sair de casa, da escola ou do trabalho. Essa possibilidade gera a necessidade de interpretar e responder a questionamentos de múltiplos contextos sociais e culturais antes praticamente inacessíveis. Perpassando todos esses níveis, precisamos ressaltar três elementos centrais nas novas tecnologias que vão influenciar, diretamente, na formação dos novos leitores, portanto nas exigências do novo letramento, que são: a necessidade de novas formas de avaliação e análise crítica da informação, incluindo questões como a autoria, credibilidade e utilidade; a velocidade na solução dos problemas e comunicação da solução encontrada; e a natureza dêitica das novas tecnologias, que sofrem mudanças rapidamente, tanto pelas novas descobertas tecnológicas, como pela criação de novas formas de uso das já existentes. Desta forma, parece-nos claro que o indivíduo precisa adquirir novas habilidades para ler na sociedade “pós-tipográfica”, caracterizada pelas novas tecnologias digitais, principalmente pela Internet, onde os textos normalmente se apresentam na forma de hipertexto, integrando gráficos, imagens, sons, vídeos e hiperlinks. Ao mesmo tempo em que a escola precisa desenvolver novos 143 VALÉRIA MARIA CAVALCANTI TAVARES modelos de instrução leitora para corresponder a essas necessidades, em um mundo em que as tecnologias de informação e comunicação tornam-se cada vez mais complexas e sofrem mudanças rapidamente. Ambientes de Aprendizagem Numa sociedade em que o homem é chamado a ler e a escrever, usando as novas tecnologias de informação e comunicação, a escola é chamada a responder aos desafios impostos pelo novo letramento, preparando alunos capazes de ler, escrever e navegar no espaço cibernético, correspondendo, assim, as necessidades dessas novas tecnologias. Analisando a natureza do novo letramento proposta por Leu et al. (2004) e os trabalhos de Schmar-Dobler (2003) e Karchmer (2004), observamos que quatro áreas de habilidade se tornam essenciais para a construção de uma nova proposta de ensino da leitura, a saber: (1) construir significado a partir de diferentes fontes de informação, através da integração de gráficos, imagens e sons; (2) adquirir, selecionar, avaliar e usar informações das mais diversas fontes, inclusive tendo em vista variedades sociais e culturais; (3) identificar e solucionar problemas, trabalhando em grupo; e (4) comunicar-se e comunicar, rapidamente, suas decisões e descobertas. O desenvolvimento dessas habilidades não será obtido pela simples inclusão das novas tecnologias na escola (LEU et al., 2004; GUIMARÃES e DIAS, 2002; ELHINDI, 2001; TAPSCOTT, 1999), exige uma mudança na prática da instrução em sala de aula, pela inclusão de um novo modelo de ensinar, de um novo fazer educativo. Torna-se cada vez mais necessário um fazer educativo que ofereça múltiplos caminhos e alternativas, distanciando-se do discurso monológico da resposta certa, da sequência linear de conteúdos, de estruturas rígidas dos saberes prontos, com compromissos renovados em relação à flexibilidade, à interconectividade, à diversidade e à va- 144 AS NOVAS EXIGÊNCIAS DE LETRAMENTOS E A CONSTRUÇÃO DE UM AMBIENTE PROPÍCIO AO ENSINO DA LEITURA riedade, além da contextualização no mundo das relações sociais e de interesses dos envolvidos no processo de aprendizagem. O modelo exige que coloquemos como meta da educação o preparo do aluno para saber pensar ecológica, sistemática e criticamente (LITTO3 apud GUIMARÃES e DIAS, 2002, p. 23). Esse fazer educativo caracteriza-se pelo surgimento de um novo paradigma para o ensino/aprendizagem, o qual abandona a visão tradicional, embasada na transmissão do conhecimento, e assume o conhecimento como um objetivo a ser alcançado numa perspectiva sócioconstrutivista, baseada em Vygotsky (LA TAILLE et al., 1992). Nessa perspectiva, o conhecimento é construído através da interação social, portanto o papel do professor não é impor verdades, mas criar um ambiente onde os aprendizes venham a construir a compreensão através da troca de experiências e informações. Essa forma de entender o conhecimento, como um objetivo a ser alcançado, uma realidade fora do aprendiz, que se constrói de forma ativa, transformando a realidade, é compatível com o aprender usando as novas tecnologias de comunicação e informação, entre elas a Internet (TAPSCOTT, 1999; ELHINDI, 2001; LEU et al., 2004). Ao permitir que os alunos tenham acesso à rede mundial de computadores, a sala de aula deixa de ser o local de transmissão de conhecimento para ser o lugar de novas descobertas. Nessa sala de aula, o livro-texto deixa de ser o único meio de obter conhecimento, pois o aluno está livre para buscar informações que vão satisfazer sua curiosidade natural, na exploração de uma variedade infinita de tópicos, no engajamento em questionamentos através de listas de discussões, na comunicação através de e-mails ou chats, criando, assim, trabalhos originais e suscitando novos questionamentos que poderão dar 3 LITTO, E.M.,Um modelo para prioridades educacionais numa sociedade de informação. Pátio, vol. 1, n. 3, nov. 1997/jan. 1998, p. 15-21. 145 VALÉRIA MARIA CAVALCANTI TAVARES origem a novos trabalhos. Na tentativa de mostrar como se daria o processo de ensino através da exploração da mídia digital, Tapscott (1999) propõe oito mudanças na maneira tradicional de ensinar, um novo paradigma que denomina de Aprendizagem Interativa (Fig. 1). Figura 1 – Aprendizagem interativa (TAPSCOTT, 1999, p. 189) Instrução Centralizado no professor Absorção de matéria Escolar Um-tamanho-para-todos Escola como tortura Professor como transmissor Aprendizado hipermídia Construção/descoberta Centralizado no aluno Aprendendo a aprender Vitalício Sob medida Escola como diversão Professor como facilitador Aprendizado Interativo Aprendizado transmitido Linear, sequencial/serial Analisando a proposta de Tapscott (1999), observamos que ela retoma o paradigma do sócio-construtivismo, uma vez que se fundamenta na construção do conhecimento, no aluno como centro do processo de ensino/aprendizagem, no aprender a aprender, no aprender como um processo contínuo para toda a vida (vitalício) e no professor como facilitador da aprendizagem. Sem esquecer que os elementos citados levam a um processo que respeita o tempo do aluno (sob-medida) e a sua maneira de aprender, nem sempre linear, sequêncial/serial, mas através da consulta a diferentes materiais em diversas ordens (aprendizado hipermídia). O modelo sugerido 146 AS NOVAS EXIGÊNCIAS DE LETRAMENTOS E A CONSTRUÇÃO DE UM AMBIENTE PROPÍCIO AO ENSINO DA LEITURA por Tapscott (1999) organiza a nova sala de aula dentro de um modelo, onde os professores criam ambientes que promovem a aprendizagem através da interação social com o uso da Internet. Outro ponto que devemos levar em consideração, ao pensar em um ambiente de aprendizagem propício ao uso da Internet, são as diferentes linguagens que o leitor deverá integrar para compreender o hipertexto, uma vez que esse integra as linguagens verbais e não-verbais em um mesmo nível hierárquico (XAVIER, 2002; ARAÚJO, 2006). Assim, além da criação de um ambiente que favoreça a colaboração e a construção do conhecimento, é necessário dar oportunidade a que o aprendiz desenvolva diferentes habilidades. Sugerimos, desta forma, que, nesse novo fazer educativo, concebido com base nas novas exigências do letramento, esteja presente a concepção de inteligências múltiplas de Gardner (1995), como sugerido por Guimarães e Dias (2002). Em sua teoria, Gardner (apud GUIMARÃES e DIAS, 2002)4 identificou sete centros de inteligência no cérebro humano, cada um relacionado a uma habilidade ou aptidão diferentes, como descritas na Figura 2, a seguir. Figura 2 – Diferentes inteligências (GARDNER apud GUIMARÃES e DIAS, 2002, p. 29) Interpessoal Intrapessoal Visual ou espacial Lógica ou Matemática Cinestésica Lingüística Musical 4 GARDNER, H. Inteligências múltiplas: a teoria na prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. 147 VALÉRIA MARIA CAVALCANTI TAVARES Cada inteligência se refere a uma habilidade e é assim definida: • a linguística se refere à nossa habilidade de leitura e produção escrita; • a lógica ou matemática é a aptidão para calcular e raciocinar logicamente, usando a dedução e a indução (que são processos também inerentes aos processos de produção e compreensão escrita); • a musical é a capacidade para ouvir e produzir sons; • a espacial ou visual é a capacidade de interpretar, explorar e criar o espaço; • a cinestésica é a linguagem dos movimentos; • a interpessoal é a consciência sobre o outro e sobre o espaço social, envolvendo habilidades para a interlocução e para interações grupais na sociedade; e • a intrapessoal está relacionada à introspecção, ou seja, à capacidade de conhecer a si mesmo e de saber lidar com as emoções de maneira equilibrada, envolve também a habilidade para a reflexão e o discernimento. O hipertexto, sendo formado pela integração de diferentes linguagens, exige, para sua compreensão, um tipo de atividade que demanda as inteligências de Gardner (1995), como descritas na Figura 2, p. . Tal exigência advém de sua concepção como um texto multissemiótico, que inclui a linguagem escrita, a imagem, a exploração do espaço, das cores, dos sons e do movimento, que correspondem a diferentes inteligências. A linguagem escrita faz parte da inteligência linguística, pois se refere a habilidade de ler e escrever, já a compreensão da imagem, a exploração do espaço e das cores encontram-se na inteligência espacial e visual, uma vez que dizem respeito à capacidade de interpretar, criar e explorar o espaço; ouvir, compreender e produzir sons incluem-se na inteligência musical; e o movimento na inteligência cinestésica. Assim entendida, a leitura do hipertexto se expande para além da decodificação e significação da escrita, incluindo as outras linguagens como acima descritas. 148 AS NOVAS EXIGÊNCIAS DE LETRAMENTOS E A CONSTRUÇÃO DE UM AMBIENTE PROPÍCIO AO ENSINO DA LEITURA Além disso, o hipertexto permite a interação em grupo e a interlocução que são habilidades da inteligência interpessoal, devido à existência dos meios de comunicação quase simultâneos ou simultâneos, como e-mails, chats e listas de discussão, permitidos pelo acesso à Internet. Por fim, sua natureza multilinear e a possibilidade de infinitos acessos exigem, do hiperleitor, o desenvolvimento da capacidade de reflexão e discernimento própria da linguagem intrapessoal, a fim de escolher corretamente os caminhos a seguir e não se perder em digressões infrutíferas para seu objetivo. O Quadro 2, a seguir, relaciona, de forma esquemática, a relação entre as inteligências de Gadner (1995) e as características do hipertexto que vão influenciar na concepção de um ambiente de aprendizagem propício às novas exigências do letramento, como entendido neste trabalho. Quadro 2 – Relação entre as inteligências de Gadner (1995) e as características do hipertexto Inteligências de Gedner (1995) Inteligência linguística Inteligência espacial e visual Inteligência musical Inteligência cinestésica Inteligência Interpessoal Inteligência Intrapessoal Características do Hipertexto Linguagem escrita Imagens e cores Som Movimento Comunicação (convite para a interação presente nos sites) Multilinearidade, múltiplos acessos (links) Considerações finais Consideramos que o modelo de instrução de leitura a ser usado para atingir os objetivos do novo letramento, deverá ter como base uma proposta que defenda a construção do conhecimento pela solução de problemas e interação social, ocupando o professor a posição de mediador entre o aluno e o novo, enquanto os alunos 149 VALÉRIA MARIA CAVALCANTI TAVARES assumem a postura de produtores de conhecimento. Isso se justifica porque essa proposta possibilita a liberdade de acesso a diversas fontes de pesquisa, facilitado pelo uso da Internet, libertando o aluno do livro-texto, como única fonte de conhecimento, e criando a necessidade de selecionar, avaliar e usar as informações obtidas de forma a solucionar os problemas propostos pelo professor. Além disso, ela incentiva o trabalho colaborativo e a comunicação entre os aprendizes, por defender que a construção do conhecimento se dá pela interação social. Dessa maneira, é possível abranger as quatro áreas de habilidade como propostas por Leu et al ao ensino da leitura dentro de uma nova visão de letramento, além de o professor não se abster de trabalhar as diferentes inteligências, como propostas por Gardner (1995), facilitando, ao aprendiz, o desenvolvimento das habilidades necessárias à leitura na Internet. Referências Bibliográficas ARAÚJO, J.C. Os chats: uma constelação de gêneros na Internet. Tese. (Doutorado em Linguística). Fortaleza: PPGL-UFC, Fortaleza, 2006. COIRO, J. Reading comprehension on the Internet: Expanding our understanding of reading comprehension to encompass new literacies. The reading teacher, 56(6), fevereiro de 2003. EL- HINDI, A.E. Beyond Classroom Boundaries: Constructivist Teaching with the Internet. Reading online, março de 2001. Disponível em <http://www.readingonline. org/electronic/elec_index.asp?HREF=RT/constructivist. html> FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 9a. Edição. Rio do Janeiro: Paz e Terra, 1981. GARDNER, H. Inteligências múltiplas: a teoria na prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. GUIMARÃES, A.M. e DIAS, R. Ambientes de aprendiza150 AS NOVAS EXIGÊNCIAS DE LETRAMENTOS E A CONSTRUÇÃO DE UM AMBIENTE PROPÍCIO AO ENSINO DA LEITURA gem: reengenharia da sala de aula. In: COSCARELLI, C.V. (Org.) Novas tecnologias, novos textos, novas formas de pensar. Belo Horizonte: Autêntica, 2002, p. 23-42. HAMMERICH, I. e HARRISON, C. Is Reading Print Different than Reading Web Text? Developing online content: the principles of writing and editing for the Web. United States of America, Willey, 40-42, 2002. IBGE, <www.ibge.gov.br/>, Acesso em 11 abr. 2006. KARCHMER, R.A. The journey Ahead: thirteen teachers report how the internet influences literacy and literacy instruction in their k-classrooms. In: RUDEELL, R.B., UNRAU, N.J. (Org) Theoretical models and processes of reading. Newark: International Reading Association, 5a. ed. Artigos Suplementares. CD-ROM, 2004. LA TAILLE, Y. et al. Piaget, Vygotsky, Wallon: Teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus, 1992. LEU, D.J. et al. Toward a theory of new literacies emerging from the internet and other information and communication technologies. In: RUDDELL, R.B., UNRAU, N.J. Theorical models and processes of reading. 5a. Edição. Newark: IRA, 1570-1613, 2004. MCNABB, M.L., HASSEL B. & STEINER, L. Literacy learning on the net: An exploratory study. Reading online, 5(10), junho de 2002. Disponível em <www.readingonline.org/articles/art_index.asp?HREF=mcnabb/index. html. Acesso em 11/4/2006> SCHMAR-DOBLER, E. Reading on the internet: The link between literacy and technology. Journal of adolescent & adult literacy, 47(1), setembro de 2003. Disponível em <www.readingonline.org/newliteracies/lit_index. asp?HREF=/newliteracies/jaal/9-oe_column/index. html>. Acesso em 11/4/2006. SEMALI, L. Defining new literacies in curricular practice. Reading Online, 5(4), novembro de 2001. Disponível em <www. Readingonline.org/newliteracies/lit_index. asp?HREF+semali1/index.html>, Acesso em 11 abr. 2006. 151 VALÉRIA MARIA CAVALCANTI TAVARES SMITH, F. Leitura significativa. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999. SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. 2a edição. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. TAPSCOTT, D. Geração digital: A crescente e irreversível ascensão da geração net. São Paulo: Makron Books, 1999. XAVIER, A. C. O hipertexto na sociedade da informação: a constituição do modo de enunciação digital. Tese de doutorado. Campinas: IEL-Unicamp, 2002. 152 ENTRE TEXTOS E HIPERTEXTOS: OS LETRAMENTOS E A CONSTITUIÇÃO DA AUTORIA NA UNIVERSIDADE Obdália Santana Ferraz Silva Considerações Iniciais Na sociedade atual, vivenciam-se significativas transformações de tempo e espaço, possibilitadas pelas tecnologias da informação e comunicação (doravante TIC), as quais se configuram como uma linguagem que tem proporcionado ao sujeito, através da Web, outros letramentos em função das dinâmicas dos processos de leitura e escrita mediados pelo computador. Como afirma Lévy (1993, p. 17), “vivemos um destes raros momentos em que, a partir de uma nova configuração técnica, quer dizer, de uma nova relação com o cosmos, um novo estilo de humanidade é inventado”. Desse modo, podemos dizer que as TIC têm ressignificado as relações entre os homens, a qualidade da vida e dos ambientes humanos, tendo em vista seu elevado nível de concentração e de poder, que se potencializa cada vez mais nas possibilidades futuras do vir a ser. No entanto, sendo a constituição da tecnologia, consequência da ação imaginativa e reflexiva do homem, este também a ressignifica, ao mesmo tempo em que se transforma, ao criar e utilizar recursos e instrumentos, para atuar no seu contexto vivencial (LIMA JR., 2003). Entende-se, então, a necessidade de se discutir sobre como o sujeito interage, constrói e ressignifica, de forma sistemática e significativa, no ciberespaço; bem como de que forma ele se relaciona com o texto móvel, maleável, aberto, que lança profundos desafios ao leitor e que se lhe apresenta de várias formas: sonora, pictórica, icônica, textual, numérica. Assim, para a compreensão desta dinâmica, faz-se necessário discutir algumas concepções fundamentais neste estudo: leitor, leitura, texto, 153 OBDÁLIA SANTANA FERRAZ SILVA hipertexto, entendendo-os no movimento das relações e dos processos que se desenvolvem no mundo digital. Entrelaçando Fios Teóricos Leitura, leitor, autor e (hiper)texto: entrelaces A concepção de leitura, na atualidade, perpassa pela materialidade do livro e se estende à tela do computador. Assim, ler é atualizar as significações de um texto (LÉVY, 1996), é atribuição de sentidos, que se dá sempre num encontro enigmático e labiríntico com o(s) outro(s), lançando o leitor a uma infinidade de leituras multissensoriais. Chartier (2002, p. 25) esclarece que “nesse processo desaparece a atribuição dos textos ao nome de seu autor, já que estão constantemente modificados por uma escritura coletiva, múltipla, polifônica”. Então, o leitor, ao construir caminhos de leitura, torna-se ele próprio co-autor, ao passo que a leitura vai exigindo dele, sobretudo, uma posição ativa. Ler é, portanto, construir sentidos a partir de uma dimensão interacional entre leitor e autor. Nessa relação, o leitor é orientado por seus conhecimentos prévios e pela imagem/ leitura do mundo (KLEIMAN, 2000). A leitura torna-se um ato criativo de construção de sentidos, através do qual o sujeito leitor vai ressignificando os nós no tecido, os pontos de tensão, a problemática que o texto sugere, o jogo para o qual o texto convida. Nesse jogo de significações, confundem-se o escrito, o falado, o vivido, o inventado, o humano. O leitor navega por labirintos instáveis que trazem o deslimite como prazer, e que lhe permitem exteriorizar o “mecanismo de funcionamento” daquilo que o faz ser, porque ele se deixa fluir desvelando seu mundo cultural, social, histórico, sua linguagem, reconhecendo-se inconcluso, ilimitado, ser. Sob esta perspectiva, o texto é visto como um objeto complexo, relacionado a um contexto com tantas e 154 ENTRE TEXTOS E HIPERTEXTOS: OS LETRAMENTOS E A CONSTITUIÇÃO DA AUTORIA NA UNIVERSIDADE variadas dimensões que não se sabe por onde iniciar a sua apreensão. É, como afirma Koch (2003, p. 17), “construído na interação texto-sujeitos (ou texto-enunciadores) e não algo que preexista a essa interação”. Texto, nesse sentido, torna-se um construto eminentemente social. No contexto atual, o (hiper)texto se configura como um espaço de leitura e escrita sem margens e sem fronteiras, que exige a revisão das estratégias de lidar com o escrito, constituindo-se num movimento que implica posicionamento crítico. Envolve um exercício de contínuo agir para a busca de novos saberes, propondo respeito aos saberes dos outros; provoca inquietações, exigindo posturas críticas, indagações e soluções para os desafios que, incessantemente, se apresentam. Há, portanto, uma outra textualidade eletrônica que “permite desenvolver argumentações e demonstrações segundo uma lógica [...] aberta, clara e racional graças à multiplicação dos vínculos hipertextuais” (CHARTIER, 2002, p. 24), os quais tornam possível a interação dinâmica entre leitor e texto: o hipertexto. Nessa construção de caminhos labirínticos, o leitor, ao dinamizar sua leitura, instaura um espaço de produção significativa concretizando as possibilidades que já se insinuavam no texto impresso. Construído na interação texto-sujeitos, o hipertexto dialetiza a distinção entre texto de leitor e texto de escritor, bem como a subversão dessa relação. Co-enunciador, co-autor, o leitor pode decidir o rumo de sua leitura, recriar seu texto individual, elegendo links entre os vários disponíveis. Xavier (2004, p. 171) traz um conceito de hipertexto como tecnologia de leitura e escrita que medeia as relações do sujeito na sociedade da informação. Segundo o autor, na esteira da leitura do mundo pela palavra, vemos emergir uma tecnologia de linguagem cujo espaço de apreensão de sentido não é apenas composto por palavras, mas, junto com elas, encontramos 155 OBDÁLIA SANTANA FERRAZ SILVA sons, gráficos e diagramas, todos lançados sobre uma mesma superfície perceptual, amalgamados uns sobre os outros formando um todo significativo [...]. É assim o hipertexto. Com ele, ler o mundo tornou-se virtualmente possível, haja vista que sua natureza imaterial o faz ubíquo por permitir que seja acessado em qualquer parte do planeta, a qualquer hora do dia e por mais de um leitor simultaneamente. A construção hipertextual presentifica os textos com os quais o autor dialoga e que em uma obra impressa geralmente estão apenas intuídos. Assim, na medida em que o hipertexto gera associações com outras leituras, nele a relação de intertextualidade é uma constante, e se concretiza na interação entre os vários textos de signos diferentes. Como enuncia Ramal (2002, p. 126), “a ideia da intertextualidade permite pensar no diálogo entre épocas diferentes e entre diversos pontos de vista. Não se trata de negar o passado nas vozes do futuro, mas sim encontrar pontos de contato, plurivocidades que se enriqueçam mutuamente”. A intertextualidade, no hipertexto, implica a identificação, o reconhecimento de remissões a obras ou a textos, através de links que fazem conexões com outros textos, permitindo tecer caminhos para outras janelas. Está relacionada, ainda, à característica de não fechamento do hipertexto digital, que possui uma permanente abertura do texto ao exterior, sempre em constante mutação e expansão, estimulando o leitor a iniciar a leitura de um novo texto sem ter concluído o anterior. Ramal (2002, p. 85) esclarece, porém, que “para ser entendida, a intertextualidade requer visão de mundo, multiplicidade de leituras, certa experiência de cultura, pois sem isso, perde-se o jogo, perde-se o sentido”. Outro fato relevante a ser lembrado são as mudanças nas concepções de tempo e espaço. O tempo do hipertexto é o do desdobramento: o tempo-presente se desdobra, ao mesmo tempo, como passado-presente-futuro, criando uma ilusão tridimensional que caracteriza 156 ENTRE TEXTOS E HIPERTEXTOS: OS LETRAMENTOS E A CONSTITUIÇÃO DA AUTORIA NA UNIVERSIDADE as experiências temporais da contemporaneidade. Sobre isso, comenta Chartier (2002, p. 31): Em primeiro lugar, é preciso considerar que a tela não é uma página, mas sim, um espaço de três dimensões, que possui profundidade e que nele os textos brotam sucessivamente do fundo da tela para alcançar a superfície iluminada. Por conseguinte, no espaço digital, é o próprio texto, e não o seu suporte, que está dobrado. Assim, espaço e tempo passam a ter dobras de sentido e não podem ser mais reduzidos à linearidade, visto que comportam diferentes pontos de vista, infinitos universos contemporâneos, de tempos divergentes, convergentes e paralelos. Convivem, neste espaço, diferentes sentidos, sujeitos e situações, considerando o que diz Borges (2001, p. 114): “se o espaço é infinito, estamos em qualquer ponto do espaço. Se o tempo é infinito, estamos em qualquer ponto do tempo”. O hipertexto apresenta um campo de possibilidades infinitas de produção textual. Como revela Borges (2001, p. 114), “o número de páginas deste livro é exatamente infinito. Nenhuma é a primeira; nenhuma é a última”. Portanto, mais do que um espaço a ser percorrido, é um percurso a ser inventado pelo sujeito-leitor para, num ambiente colaborativo de aprendizagem, construir conhecimentos, ampliar saberes. Porém, Ramal (2003, p. 251) chama a atenção para o fato de que: Um hipertexto só se concretiza a partir do click do mouse; um link só tem sentido se for acessado pelo usuário. O novo texto é naturalmente dialógico, construído para a polifonia, o diálogo entre diversas vozes e só tem sentido se a comunicação se estabelecer [...] os percursos são pessoais, o espaço é vasto e tantos serão os textos (re)criados quantos forem os novos navegadores dessa imensa rede [...]. Os sujeitos são instigados a participar de uma comunicação que pressupõe troca, comunhão, diálogo. A 157 OBDÁLIA SANTANA FERRAZ SILVA partir do diálogo que se dá através dessa leitura/escrita, a compreensão das ideias, os conceitos e atitudes do sujeito, bem como a sua expressividade tendem a crescer, ampliando, também, o nível de clareza das suas análises e conclusões (XAVIER, 2004). Nessa aventura, surge a possibilidade de gestar o novo, pela exploração das margens plurais, instáveis e inacabadas do texto. O leitor, a partir de gestos de autoria/co-autoria, pelos quais vão revelando seu potencial criador, pode expandir o texto, desencadeando um processo de construção que gera, incessantemente, múltiplos significantes e significados. A noção de autor, desde a invenção da escrita até o período da modernidade, exercia um papel fundamental na produção cultural, contribuindo para o estabelecimento de um mercado editorial, bem como das técnicas de impressão tipográfica. Entretanto, seguindo a trilha das discussões que tomaram corpo na contemporaneidade, a respeito do conceito de autoria, bem como da relação entre autor e leitor, face aos desafios propostos pelas TIC, percebe-se que o autor canônico tem se destituído de um papel centralizador, para fazer aparecer o pensar de uma coletividade e, consequentemente, o fortalecimento de práticas colaborativas. A partir destas, o texto é tecido com os fios das várias vozes que o compõe; portanto, “num texto efetivamente coletivo não existe uma única autoria, isto é, ‘não existe o meu texto’, mas o ‘nosso texto’” (ALVES e NOVA, 2003, p. 137). Nesse sentido, entende-se que as práticas colaborativas recusam a noção proprietária do texto e, portanto, das ideias, do pensamento, como ratifica Lévy (1993, p. 169): “O pensamento já é sempre a realização de um coletivo”. Portanto, vive-se num “tempo de trabalho em conjunto”, do conhecimento compartilhado, no qual “a palavra viva reúne e articula em si a presença e a força de autores e leitores” (RAMAL, 2002, p. 121). Essa ideia coaduna com a de relação dialógica na perspectiva defendida por Bakhtin (2000), quando afirma que a consciência, o conhecimento que o indivíduo adquire sobre algo não existe mais em si e para si, mas para algum ou158 ENTRE TEXTOS E HIPERTEXTOS: OS LETRAMENTOS E A CONSTITUIÇÃO DA AUTORIA NA UNIVERSIDADE tro. Ao que se pode acrescentar as palavras de MerleauPonty (1980, p. 35): Doravante, meu corpo pode comportar segmentos extraídos uns dos outros como minha substância se transfere para eles: o homem é espelho do homem. O espelho é o instrumento de uma universal magia que transforma coisas em espetáculos, espetáculos em coisas, eu no outro, o outro em mim [...]. O modo de pensar a autoria, nesse contexto, passa por transformações e a concepção de autor sofre modificações. Essas mudanças se dão, principalmente, no hipertexto, que é concebido a partir de uma reunião de vozes e sua construção é multiautoral. Como afirma Ramal (2002, p. 172): O hipertexto é subversivo na relação entre autor e leitor. O cursor do mouse está permanentemente presente no texto do monitor, como um sinal concreto de que, no momento em que desejarmos, poderemos invadi-lo, reescrever seus caminhos, optar por outras vias. (...) Subverte-se, com tudo isso, a noção de autoria. Pela possibilidade de se construir caminhos de leitura/escritura, os papéis de autor e leitor se misturam e se confundem, distanciando-se de suas caracterizações tradicionais e colocando em discussão a autoria. Pois, a escrita, sendo hipertextual, não mais se apresenta exclusivamente como a produção íntegra e perene de autores reconhecidos, mas como obra coletiva, múltipla, incompleta, mutante e, muitas vezes, fugaz. Esse aspecto multifuncional é um dos dados da especificidade do ciberespaço. No ciberespaço, que permite a textualidade interativa, todo mundo é autor, ninguém é autor; ou seja, há uma linha tênue entre quem faz e quem frui; muda-se o status de leitor, bem como o de autor, que tem sofrido transformações substantivas, gerando mudanças na forma de se compreender letramento. Tal situação remete às discussões sobre o papel da escola na formação de leitores e de produtores de texto no século XXI. 159 OBDÁLIA SANTANA FERRAZ SILVA Leitura e Escrita na Tela: Outros Letramentos A relação interativa que se estabelece entre leitor e autor, na leitura/escrita hipertextual, exige do leitor competências e habilidades para lidar com essas mudanças, de modo que o auxiliem na significação do (hiper)texto como construção que ultrapassa o espaço da tela e ganha dimensões socioculturais; pois, considerando a evolução nas interfaces de leitura/escrita – do papel à tela; da caneta ao mouse e teclado... –, o sujeito precisa tornar-se letrado digital, o que, como diz Xavier (2005, p. 135) “[...] pressupõe assumir mudanças nos modos de ler e escrever os códigos e sinais verbais e não-verbais, como imagens e desenhos, se compararmos às formas de leitura e escrita feitas no livro, até porque o suporte sobre o qual estão os textos digitais é a tela, também digital.” Nesse sentido, a leitura/escrita na tela exige outros letramentos1 que possibilitem o sujeito leitor reinventar o mundo à sua volta e reinventar-se. Assim, tendo em vista a diversidade de letramentos engendrados pelos diferentes e infinitos espaços virtuais, propiciados pela internet, que oferece inúmeras possibilidades de produção, reprodução e disseminação da escrita, a educação escolar precisa repensar a formação de leitores, propondo atividades em que seus alunos – da Educação Básica à Universidade – possam construir sentidos e produzir conhecimentos a partir dos hipertextos digitais, os quais apresentam aos leitores-navegadores novas formas de representação da linguagem; [...] novas formas de acesso à informação, mas também novos processos cognitivos, novas formas de conhecimento, novas maneiras de ler e de escrever, enfim, um novo letramento, isto é, 1 Parte-se da concepção de letramento adotada por Soares, na qual ela o define como “[...] práticas sociais de leitura e escrita e os eventos em que essas práticas são postas em ação, bem como as consequências delas sobre a sociedade (SOARES, 2002, p. 144). 160 ENTRE TEXTOS E HIPERTEXTOS: OS LETRAMENTOS E A CONSTITUIÇÃO DA AUTORIA NA UNIVERSIDADE um novo estado ou condição para aqueles que exercem práticas de escrita e de leitura na tela. (SOARES, 2002, p. 152). Letramento, nessa perspectiva, envolve as dimensões individual e social; exige do indivíduo realizar tanto funções cognitivas quanto práticas socioculturais de leitura e escrita que favoreçam a reflexão crítica sobre a relação linguagem e tecnologia digital, o que significa um exercício muito mais amplo e complexo que ultrapassa o simples acesso às letras. Isso implica repensar sobre o conceito de letramento, uma vez que este, historicamente, tem se reduzido, no espaço escolar, à ideia de codificação e decodificação, isto é, exigia-se (e ainda se exige) do aluno o cumprimento de atividades, sem função social. Acontece que os letramentos mudam; isso ocorre porque, situados num contexto histórico, precisam acompanhar as mudanças nos âmbitos culturais, sociais, políticos e tecnológicos. Portanto, vivenciam-se, no momento presente, processos de letramento digital. Marcuschi (2000, p. 87) lembra que relacionar a política do letramento a uma tecnologia digital sensível não é algo ainda muito claro, pois ambos “[...] estão imbuídos de conflitos ideológicos, modelados por forças da economia, história e política”. Mas alerta para o fato de que podemos tomar o hipertexto como [...] um bom momento para rever a questão mais ampla do papel da escola no letramento e a função do computador no ensino [...]. Trata-se de um caso importante para se analisar como tecnologia e cultura interagem de forma sistemática e significativa para interferir nas práticas de escrita (idem). Momento em que as funções e usos da escrita, na atual sociedade, desfazem seus vínculos imediatos com a escola; porque leitura e escrita tornam-se objetos de problematização; leitura converte-se em objeto de pesquisa, exigindo atenção ao ato de ler mesmo, aos textos, gêne161 OBDÁLIA SANTANA FERRAZ SILVA ros e suportes, às práticas sociais2 e discursivas, através das quais esse ato se realiza; às condições sociais e históricas e de usos da leitura e da escrita que estão para além da tela, dos links e dos nós que constituem o hipertexto, e têm a dimensão do ciberespaço, que é multilinear, infinito. Daí poder-se afirmar que, tendo em vista a inovações tecnológicas, Letramento não é o mesmo em todos os contextos; ao contrário, há diferentes Letramentos. A noção de diferentes letramentos tem vários sentidos: por exemplo, práticas que envolvem variadas mídias e sistemas simbólicos, tais como um filme ou computador, podem ser considerados diferentes letramentos, como letramento fílmico e letramento computacional (computer literacy) (BARTON; HAMILTON, 1998 apud XAVIER, 2005, p.139).3 Desse modo, pensar em leitura e escrita hipertextuais, bem como a formação de leitores, implica uma reconfiguração da concepção de letramento e das condições sociais de produção do conhecimento no contexto das tecnologias digitais, não esquecendo que discutir leitura e escrita hipertextuais, na perspectiva do letramento digital, aponta para um continuum entre as tecnologias impressa e digital, como expõe Xavier (2005, p. 140): “Há uma inegável dependência do “novo” tipo de letramento em relação ao “velho”. Essa condicionalidade aumenta a importância e amplia o uso do letramento alfabético em razão da chegada do digital”. Partindo desse princípio, a escola poderá contribuir para a ampliação do letramento 2 De acordo com Xavier (2005, p.142), “As Práticas Sociais são as formas culturais pelas quais os indivíduos organizam, administram e realizam suas ações e atitudes esperadas em cada um dos diversos Eventos de Letramento existentes na sociedade. Essas ações são, ao longo do tempo, construídas conjuntamente pelos cidadãos comuns e algumas delas passam a ser ritualizadas e oficializadas, posteriormente, pelas instituições que as retomam e exigem que os indivíduos as utilizem em momentos específicos da vida social”. 3 BARTON, D.; HAMILTON, M. Local literacies: reading and writing in one community. London: Routledge, 1998. 162 ENTRE TEXTOS E HIPERTEXTOS: OS LETRAMENTOS E A CONSTITUIÇÃO DA AUTORIA NA UNIVERSIDADE do aluno, a partir dos novos gêneros discursivos e textuais, dando-lhe condições pedagógicas de ampliar seus modos de ler e de escrever em diferentes suportes, através das interfaces possibilitadas pela internet. Na pesquisa em questão, os sujeitos puderam experienciar, a partir das interfaces fórum, chat, wiki e diário on-line, o uso social da linguagem escrita no ambiente digital como prática de letramento, ao responderem às demandas sociais que exigiam deles o uso de recursos tecnológicos para a escrita digital. Nesse sentido, além da palavra escrita, enfrentaram o desafio de lidar com a não-linearidade dos textos, o uso do som, da imagem, do movimento, bem como as habilidades de inserir esses recursos em seus textos, conferindo-lhes um formato hipertextual. No contexto da sociedade tecnológica em que vivemos, há uma imperiosa necessidade de que a educação – do ensino fundamental à universidade – se comprometa com o desenvolvimento de competências para os atos de ler e escrever na tela. É preciso que os currículos contemplem a discussão do letramento digital e suas implicações no contexto educacional, já que os “letramentos” são vários na sociedade informática e vão além do domínio do código linguístico. Dada a sua diversidade, implicam mudanças nas práticas de reelaboração e de construção do conhecimento, nas atitudes, nos modos de pensar; pressupõem assumir transformações nos modos de ler e de escrever; exigem consciência crítica, desde a elaboração dos projetos de leitura e escrita até sua aplicação nos espaços escolares e acadêmicos. Acredita-se que, somente desse modo, pode-se formar, nos espaços educacionais, cidadãos ativos, participantes, com capacidades afetiva, cognitiva e social para, diante da diversidade de (hiper)textos disponibilizados pela internet, saber selecionar, organizar, interpretar, elaborar e avaliar as informações para construir seu próprio aprendizado. 163 OBDÁLIA SANTANA FERRAZ SILVA Tessituras: dos Objetivos ao Tear Estas mudanças na concepção de leitura/leitor/ texto/autoria motivaram uma pesquisa de mestrado que teve início em agosto/2005, estendendo-se até novembro/2005, sob a forma de um curso de extensão semipresencial, com carga horária de sessenta horas, no Moodle, ambiente virtual de aprendizagem (doravante AVA), instalado no servidor da Universidade do Estado da Bahia – UNEB. Tela inicial do curso de extensão semi-presencial A interação proporcionada por este AVA se deu através de suas interfaces: chats, fóruns, diário e o Wiki, que se constituíram como genuínos espaços para escrita colaborativa. Desse processo de leitura/escrita na tela participaram vinte alunos, graduandos de Letras, do primeiro ao oitavo semestre, da UNEB – Campus XIV. Nesse ambiente, trabalhou-se a leitura e escrita nas interfaces: fórum, chat, diário e wiki. O fórum constituiu um ambiente para discussão dos temas do curso, propiciando, entre os participantes, interatividade e relações 164 ENTRE TEXTOS E HIPERTEXTOS: OS LETRAMENTOS E A CONSTITUIÇÃO DA AUTORIA NA UNIVERSIDADE movidas por interesses comuns. Semelhante a uma lista de discussão, possibilita a todos os participantes, o acesso a todas as mensagens postadas. O diário foi o espaço autobiográfico, com observações que podiam ser diárias ou não, contendo reflexões subjetivas do processo de construção, além de produção teórica individual. Essa ferramenta possibilitou observar a evolução do processo de aprendizagem e habilidade de produção textual de cada participante. Quanto ao chat, este se constituiu em espaço de bate-papo com finalidade educacional, agendado, temático, ocorrendo duas vezes por mês, durante o período da pesquisa. Foi um recurso válido, uma vez que possibilitou a participação de todos os envolvidos, bem como a construção coletiva de conhecimentos em torno de temas como leitura e escrita hipertextuais e plágio. A interface denominada Wiki foi de grande importância para o exercício da escrita coletiva. Um tema era sugerido pelo professor/pesquisador, para ser desenvolvido pelo grupo nesse espaço, que propicia aos alunos a oportunidade de dar ao seu texto a forma característica do hipertexto com a inserção de imagens – em movimento ou não – e links: intratextualidade, intertextualidade, multivocalidade. Nesta e em todas as construções, os alunos foram orientados a buscar referenciais em produções teóricas impressas e/ou digitalizadas, evitando o plágio. Nesse período de interação, objetivou-se: compreender a relação que os graduandos tinham com a leitura e escrita do texto do papel ao digital; discutir sobre o acesso ao hipertexto digital como fonte de estudo/pesquisa no meio acadêmico, seu uso ético, de maneira que forme o sujeito do conhecimento para o julgamento, o senso crítico, as faculdades de observação e de pesquisa, a imaginação, a análise, a reelaboração de textos e de hipertextos. Para tanto, algumas questões em relação à leitura e à escrita a partir do hipertexto digital, mereceram reflexão e discussão: com que frequência o hipertexto digital tem sido utilizado pelos graduandos de Letras do Campus XIV 165 OBDÁLIA SANTANA FERRAZ SILVA (da UNEB), como auxílio à leitura e à produção de textos acadêmicos? Em que medida o convívio do aluno com a Internet tem influenciado ou colaborado na leitura e produção de textos acadêmicos, em termos de construção de ideias, co-autoria e organização textual? Métodos e Modos de Tecer os Fios Considerando a pesquisa como um compromisso social, julgou-se relevante o envolvimento e implicação entre sujeito pesquisador e sujeitos participantes da pesquisa, bem como a construção de um espaço dialético entre ambos, visto que há um movimento do objeto que invade o sujeito e vice-versa. Assim, por entender-se que não é possível a realização de uma pesquisa qualitativa fora da dinâmica da interação entre o pesquisador e o pesquisado (MACEDO, 2000), a interação através do AVA fez-se necessária para a compreensão das estratégias que os sujeitos constroem para ler e escrever, a partir dos hipertextos digitais, partindo-se do princípio de que os atores sociais definem a situação em que se encontram ao construí-la. A opção metodológica pela pesquisa de campo qualitativa alicerçou-se nestes pressupostos: a educação não deve ser pensada a partir dos “a priori” – porque todo “a priori” em educação tem que ser problematizado e relativizado; a leitura e produção de textos – em qualquer que seja o suporte – são práticas sociais permeadas de complexidade que fazem parte do processo de instauração do(s) sentido(s); o sujeito-leitor tem suas especificidades e sua história. Desse modo, realizaram-se entrevistas semi-abertas, fóruns e chats, os quais possibilitaram tematizar e problematizar o objeto de estudo, interpretá-lo e compreendê-lo, ao modo dos etnometodólogos, para quem “a constituição social do saber não pode ser analisada independentemente dos contextos da atividade institucionalizada que o produz e mantém” (MACEDO, 2000, p. 112). 166 ENTRE TEXTOS E HIPERTEXTOS: OS LETRAMENTOS E A CONSTITUIÇÃO DA AUTORIA NA UNIVERSIDADE Dialogando sobre os fios tecidos O estudo fundamentou-se na visão de pesquisa, não como ação para diagnóstico apenas, mas, principalmente, para intervenção. Nas interfaces do Moodle, os sujeitos produziram textos, gerados pelas reflexões e discussões sobre o objeto, além das entrevistas semi-abertas que forneceram subsídios para as observações e discussões sobre como lêem e escrevem os graduando de letras, como organizam suas ideias, como constroem conhecimentos, a partir do hipertexto digital. Constituíram eixos de análise: a produção textual, a leitura, o plágio, a co-autoria, partindo-se dos textos que os sujeitos construíram nas seguintes interfaces: o fórum e o chat sobre leitura e escrita na Internet, o chat no qual se discutiu sobre plágio, o diário, no qual escreveram suas experiências de leitores/produtores de texto e escrita colaborativa realizada no wiki, como experiência de produção em co-autoria. Analisaram-se as produções textuais construídas pelos sujeitos nos fóruns de discussão e no wiki. O diálogo através dos chats e em entrevistas semiabertas contribuíram para a discussão crítico-reflexiva sobre como os sujeitos lêem e produzem textos a partir dos hipertextos. Os “dados” revelaram que o hipertexto digital é o maior meio de pesquisa entre os graduandos, que dizem utilizá-lo por ser um meio facilitador, pela rapidez e grande variedade de links, e por solucionar problemas como falta de “tempo para exaustivas pesquisas bibliográficas” (JB),5 além de contribuir, segundo os alunos, para melho5 O uso, a partir desse parágrafo, de letras aleatórias para identificar os sujeitos da pesquisa, deveu-se à necessidade de preservar a identidade de cada um, conforme combinação com o grupo. Ressalta-se, ainda, que as falas fora, transcritas na íntegra, conservando as características próprias da escrita no ambiente on-line, como, por exemplo, equívocos na digitação, falta de acentuação, trocas de letras ou letras a mais, e as abreviações de palavras: “que (= q)”; “te (= t)”; “espere aí (= perae)”; “hoje (=hj)”, entre outras. 167 OBDÁLIA SANTANA FERRAZ SILVA ria da construção dos argumentos; “embasamento teórico para ajudar na concretização de alguns trabalhos” (DC); “para facilitar as atividades acadêmicas” (SO). Nos chats e nas entrevistas os graduandos afirmaram que os hipertextos servem de “ajuda” às suas pesquisas: a maioria declarou usar trechos dos textos transcritos na íntegra, sem nenhuma referência ao autor. Segundo um dos sujeitos, “a produção textual ainda é um mito, não só no ensino básico, como também na faculdade” (CS). Atribuem o fato de não produzirem, mas reproduzirem, à escola que sempre incentivou a nota, a cópia fiel, não considerando a compreensão e o esforço interpretativo do aluno: [...]os professores, quando eu estudava ensinavam a fazer pesquisa como cópia mesmo... não com o que nós entendemos sobre o assunto (VD) [...] é interesante observarmos o erro que acontece desde as serie iniciais [...] somos iniciados na cultura da copia desde cedo (MA) [...]o problema maior que vislumbro é a indiferença com que alguns ou a maioria dos professores mesmo na Universidade, encaram a questão do plágio[...]. (CR) Da discussão e análise sobre produção de texto na universidade, constatou-se que, mesmo não estando essencialmente ligadas ao hipertexto digital, as dificuldades que os sujeitos têm de produzir textos são ampliadas a partir dele, pois se o propósito do hipertexto digital é auxiliar os sujeitos na busca de saberes, na qualidade e na criatividade de elaboração de ideias, notou-se que, entre eles, lamentavelmente, o hipertexto, na maioria das vezes, não tem sido utilizado para esse fim. Demonstraram, nos textos produzidos, durante o período da pesquisa, que ainda não se autorizam, não selecionam, não avaliam nem recriam as informações extraídas dos hipertextos. Essa situação pôde ser notada nas falas dos sujeitos, quando revelam claramente, ou nas entrelinhas do discurso, que usam a estratégia do plágio. 168 ENTRE TEXTOS E HIPERTEXTOS: OS LETRAMENTOS E A CONSTITUIÇÃO DA AUTORIA NA UNIVERSIDADE [...] eu, sou sincero. Plagiei semestre passado [...] eu sei que não é o caminho correto, mas desde q não seja prejudicial na minha construção do conhecimento. Aconteceu em uma disciplina que não considerava importante para mim, já que o curso de letras é muito abrangente e então sei o q é de meu interesse, o que acredito que seja de importância para mim e devo tentar aperfeiçoar-me; o que não era a disciplina na qual plagiei da net (JL). fica difícil não plagear com tantas oportunidades (GB). que plágio é crime eu sei. Mas quem nunca plagiou (IJ). Discussões e reflexões surgiram a partir destas experiências, na tentativa de se questionar a situação vigente e de estabelecer um diálogo crítico sobre o problema da cópia no espaço acadêmico; sobre a necessidade de (re) elaboração das palavras do outro, transformando-as em palavras-próprias (BAKHTIN, 2000): “Estamos numa licenciatura... somos futuros professores [...]” (VD); “Como futuros professores, devemos ter outras práticas em relação à pesquisa” (MA). Pretendeu-se, neste estudo, não a precisão do conhecimento, mas o envolvimento e a participação ativa, tanto do pesquisador quanto dos pesquisados, para, a partir das reflexões, diálogos e ação, neste espaço/tempo da pesquisa, contribuir para que compreendessem – mas também externassem em suas práticas – que nem todos os hipertextos disponíveis na Internet são confiáveis, nem estão prontos na rede para serem apenas capturados num clique; mas que é preciso, antes de tudo, ética, criatividade e criticidade para a construção do conhecimento. Considerações Finais Refletir e discutir sobre as transformações ocasionadas pela comunicação digital, no concernente às questões relacionadas às práticas de leitura e produção 169 OBDÁLIA SANTANA FERRAZ SILVA textual, principalmente no contexto escolar, é urgente e fundamental, considerando-se as mutações e rupturas decorrentes do surgimento do hipertexto que, indubitavelmente, propõe uma nova forma de leitura e de relação com a escrita; traz à discussão a necessidade de se traçar um paralelo entre os textos impresso e digital, considerando critérios referentes à maleabilidade, ins/estabilidade, autoria e identidade do escrito. Diante do exposto entende-se que, na atualidade, no momento em que novas formas de expressão e de leitura reforçam o caráter multifacetado e polêmico da linguagem, faz-se necessário compreender esses mecanismos desencadeadores de novas posturas de leitura e produção textual; compreender que essas práticas, compartilhadas no hipertexto, trazem, no seu âmago, a percepção de que ler e escrever são atividades dinâmicas, constituídas por um conjunto de práticas e de condições de ordem individual e social, nas quais diferentes temporalidades se tocam e, às vezes, se confundem e se misturam, numa relação dinâmica e plural de sujeitos que, ao se enredarem, vão construindo o conhecimento como potência geradora. Referências Bibliográficas ALVES, L. Do discurso à prática: uma experiência com uma comunidade de aprendizagem. In: ALVES, L. e NOVA, C. (Org.). Educação e tecnologia: trilhando caminhos. Salvador: Editora da UNEB, 2003, p. 124-145. BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2000. BORGES, J.L. O livro de areia. São Paulo: Globo, 2001. CHARTIER, R. Os desafios da escrita. São Paulo: Editora UNESP, 2002. KLEIMAN, A. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. Campinas, SP: Pontes, 2000. KOCH, I.G.V. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2003. 170 ENTRE TEXTOS E HIPERTEXTOS: OS LETRAMENTOS E A CONSTITUIÇÃO DA AUTORIA NA UNIVERSIDADE LÉVY, P. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993. LÉVY, P. O que é virtual. Trad. Paulo Neves. São Paulo: Ed. 34, 1996. LIMA JR., A.S. de. Tecnologização do currículo escolar: um possível significado proposicional e hipertextual do currículo contemporâneo. (Tese de Doutorado). Salvador: UFBA, 2003. MACEDO, R.S. A etnopesquisa crítica e multirreferencial nas ciências humanas e na educação. Salvador: EDUFBA, 2000. MARCUSCHI, L.A. O hipertexto como um novo espaço de escrita em sala de aula. In: AZEREDO, J.C.de. Língua Portuguesa em debate: conhecimento e ensino. RJ: Vozes, 2000. p. 87-111. MERLEAU-PONTY, M. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980. RAMAL, A.C. Educação na cibercultura: hipertextualidade, leitura, escrita e aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2002. RAMAL, A.C. A hipertextualidade como ambiente de construção de novas identidades docentes. In: ALVES, L. e NOVA, C. (Org.). Educação e tecnologia: trilhando caminhos. Salvador: Editora da UNEB, 2003, p. 247-263. ROSA, J.G. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. SOARES, M. Novas práticas de leitura e escrita: letramento na cibercultura. Revista Educação e Sociedade, Campinas, vol. 23, n. 81, p. 143-160, dez. 2002. p. 143-160. XAVIER, A.C. Leitura, texto e hipertexto. In: MARCUSCHI, L.A.; XAVIER, A.C. Hipertexto e gêneros digitais: novas formas de construção do sentido. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004, p. 170-180. XAVIER, A.C. Letramento digital e ensino. In. SANTOS, C.F.; MENDONÇA, M. (Org). Alfabetização e letramento: conceitos e relações. Belo Horizonte: Autêntica, 2005, p. 133-148. 171 LINKS ENTRE MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA, LETRAMENTO DIGITAL E HIPERTEXTUALIDADE EM EAD1 Francisca Monica da Silva João Paulo Eufrazio de Lima Júlio César Araújo Considerações Iniciais A Internet permite que seus usuários não apenas tratem de assuntos pessoais, como também oportuniza oportunidades concretas de formação acadêmico-escolar as pessoas que recorrem, por exemplo, aos cursos de educação a distância virtual. Um dos diversos gêneros digitais frequentemente utilizados com fins pedagógicos nesses contextos é chat educacional, o qual tem se mostrado como uma das ferramentas que possibilita ricos momentos de interação nos ambientes virtuais de aprendizagem (doravante AVA) em que se dão tais cursos. Em função dessa realidade, conceitos como letramento, mediação e interação necessitaram ser adaptados em virtude da mudança de suporte.2 Assim, diversos estudiosos da linguística e da educação, principalmente a partir do final do século XX, têm voltado suas lentes para os conceitos supracitados, com o objetivo de, adaptando-os ao meio digital, atingir melhores resultados no processo ensinoaprendizagem virtual. 1 As reflexões aqui apresentadas derivam das discussões realizadas durante a disciplina Letramentos na Web, ministrada pelo Dr. Prof. Júlio Araújo, em 2008.1 no PPGL-UFC e das discussões relativas ao projeto Gêneros digitais: relações entre hipertextualidade, propósitos comunicativos e ensino, em andamento no grupo de pesquisa Hiperged, do PPGL-UFC. 2 Denominamos suporte, neste artigo, o meio através do qual a informação escrita é propagada, como por exemplo: pergaminho, papiro, papel e tela de cristal líquido do computador. (cf. RIBEIRO, 2008, p. 14) 172 LINKS ENTRE MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA, LETRAMENTO DIGITAL E HIPERTEXTUALIDADE EM EaD Tais conceitos, por si só, não são nenhuma novidade, pelo fato de já terem sido objeto de estudo há bastante tempo. Porém, a eles estão sendo atribuídas novas roupagens em virtude das peculiaridades do meio digital, o que tem despertado o interesse de vários pesquisadores interessados em discutir as implicações desses conceitos no contexto das tecnologias digitais. Nesse sentido, convém lembrar com Ribeiro (2008) que o termo letramento, cujo conceito é mais amplo que o de alfabetização e corresponde ao uso social e efetivo que se faz de uma tecnologia, não é, portanto, único, já que ele poderá ser entendido dependendo do contexto, da situação de uso e do objetivo da agência de letramento.3 Considerando isso, podemos dizer que no meio digital, como não podia deixar de ser, existem letramentos específicos, em virtude dos diversos meandros que caracterizam o suporte e o ambiente digitais, os quais devem ser do conhecimento de quem os utiliza. Em se tratando da modalidade de ensino a distância virtual, também é importante lembrar que os conceitos de mediação e interação precisam ser adaptados, em virtude da distância físico-espacial entre os interlocutores e dos diversos recursos multissemióticos presentes nos gêneros digitais frequentemente utilizados pelos sujeitos. Assim, quem participa do processo ensino-aprendizagem precisa se apropriar desses mecanismos, dentre eles os hipertextuais, para aprender como eles funcionam, para que servem e quais seus contextos de uso. Dessa forma, a mediação por parte do tutor – que orienta o aluno na construção do conhecimento – e a interação entre os demais sujeitos poderão acontecer de maneira prática, lúdica, funcional e produtiva. Nesse sentido, é razoável admitir que, para que os sujeitos do processo ensino-aprendizagem que atuam em 3 Segundo Ribeiro (2008, p. 28), “os diversos espaços que orientam as práticas de indivíduos e comunidades para letramentos diversos são chamados de agências de letramento.” Segundo Kleiman (1995), isso inclui não só a escola, mas a família, o trabalho, a igreja, entre outros locais onde possa haver algum tipo de letramento. 173 FRANCISCA MONICA DA SILVA • JOÃO PAULO EUFRAZIO DE LIMA • JÚLIO CÉSAR ARAÚJO AVAs possam interagir de modo a interferir positivamente na construção do conhecimento, é necessário que eles tenham certo grau de letramento. Isso é corroborado por algumas pesquisas que comprovam não existir letramento zero nas pessoas (cf. TFOUNI, 2004; PEIXOTO et al, 2006; RIBEIRO, 2008). Não obstante isso, não podemos confundir esse “grau de letramento” apenas com o fato de o usuário ter acesso a um computador, com kit multimídia e acesso à Internet, pois, assim como também mostra Mateus (2004), ter acesso a essas ferramentas não indica, necessariamente, que o sujeito saiba fazer uso funcional das mesmas. Com base nessas considerações, no presente capítulo, iremos mostrar alguns mecanismos hipertextuais presentes em chats educacionais, verificando de que forma eles são ou poderiam ser utilizados para garantir a mediação, facilitando a interação em salas virtuais e, por consequência, garantindo o avanço no grau de letramento digital do aluno. Para isso, iniciaremos nossas discussões tratando dos conceitos de letramento(s) e letramento digital. Na sequência, à luz de considerações vygotskyanas e bakhtinianas trataremos de mediação e interação. Com base nisso, apresentaremos nossa análise para dela extrairmos nossas considerações finais. Letramento(s) e Letramento Digital O termo letramento tem origem no aportuguesamento da palavra inglesa literacy, que em inglês diz respeito ao estado ou condição daquele que é educado para ler e escrever (PEIXOTO et al, 2006). Magda Soares (2003) constatou que uma das primeiras menções feitas ao termo letramento está em Kato (1986) e, desde então, mais e mais pesquisadores tem feito uso desse termo que, no Brasil, dada sua realidade social, tem se tornado algo mais amplo que o anteriormente usual alfabetização. Essa mudança deve-se à própria mudança social pela qual passa todo o mundo, e mais especialmente nosso país, em termos de emergência das situações que requerem um 174 LINKS ENTRE MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA, LETRAMENTO DIGITAL E HIPERTEXTUALIDADE EM EaD saber mais exigente em situações em que se haja de lidar com a leitura e a escrita. Dessa forma, os termos alfabetização e alfabetizado, já eivados de uma carga negativa, pelos tantos programas fracassados de erradicação do analfabetismo em nosso país, e que além do mais já não servem propriamente às exigências da sociedade, em termos de saber ler e escrever, estão sendo paulatinamente ampliados pelos termos letramento e letrado, tidos como “condição daquele que sabe ler e escrever, e, que responde de maneira ampla e satisfatória as demandas sociais fazendo uso de alguma maneira da leitura e escrita” (PEIXOTO et al, 2006, p. 2). Assim, o termo alfabetização tem-se tornado mais restrito, dizendo respeito tão somente ao processo de aquisição da escrita, enquanto que por letramento entende-se não somente o fato de saber ler e escrever, mas também de, através dessa condição, participar das diversas ações sociais que se utilizam da escrita. Nessa esteira, letrar é bem mais que simplesmente alfabetizar, é ensinar a ler e a escrever de maneira contextualizada e funcional, levando em consideração a função social e comunicativa da linguagem, como mostram Araújo (2007) e Ribeiro e Ribeiro-Sayed (neste volume). Barton (1998)4 e, mais recentemente, Soares (2002) apontam para letramentos distintos em função do contexto. Soares (2002, p.8), por exemplo, afirma que [...] diferentes tecnologias de escrita geram diferentes estados ou condições naqueles que fazem uso dessas tecnologias, em suas práticas de leitura e de escrita: diferentes espaços de escrita e diferentes mecanismos de produção, reprodução e difusão da escrita resultam em diferentes letramentos. Mas se o letramento está relacionado ao contexto e contextos existem vários, convém falar letramento ou letramentos? Esse é um questionamento que tem perdurado por algum tempo entre linguistas aplicados, pedagogos e 4 BARTON, D.; HAMILTON, M. Local literacies. London: Routledge, 1998. 175 FRANCISCA MONICA DA SILVA • JOÃO PAULO EUFRAZIO DE LIMA • JÚLIO CÉSAR ARAÚJO estudiosos interessados nessas questões. Do ponto de vista de alguns deles (SOARES, 2002; BARTON, 1998), não podemos falar apenas em letramento (no singular), mas sim em letramentos (no plural), em virtude da tecnologia de escrita utilizada. Dessa forma, assim como temos o letramento alfabético, apresentado, a princípio, no meio impresso, temos também um outro tipo de letramento, o digital, baseado no suporte com o mesmo nome e que é específico do contexto das Tecnologias da Informação e Comunicação (doravante TICs). É importante assinalar que o letramento digital não exclui o alfabético nem tampouco surgiu para substituir este, como alguns chegam a pensar. Na realidade, ambos se completam. A ordem de letramento (alfabético para digital ou digital para alfabético) é variável, pois existem os usuários das TICs que primeiramente tiveram contato com o letramento alfabético e, somente depois, tiveram contato com o suporte digital. Porém, há um grande número de crianças que, nascidas na era digital, tendo contato com vídeos-game de última geração, computadores com acesso à Internet, celulares que mais parecem mini-computadores, MP3, MP4 etc., mesmo antes de serem alfabetizadas, já sabem utilizar várias funções desses aparelhos eletrônicos levando em consideração não as palavras que encontram na tela/display, mas outras semioses lá existentes. Isso comprova a seguinte afirmação de Soares (2002, p.6): Pode-se concluir que a tela como espaço de escrita e de leitura traz não apenas novas formas de acesso à informação, mas também novos processos cognitivos, novas formas de conhecimento, novas maneiras de ler e de escrever, enfim, um novo letramento, isto é, um novo estado ou condição para aqueles que exercem práticas de escrita e de leitura na tela. [negrito nosso] Dessa forma, o meio digital deve ser entendido para além de um simples contexto que abrange diversos suportes, dentre eles a tela de cristal líquido, que facilita o acesso à informação de forma mais rápida. Ele também, dada as 176 LINKS ENTRE MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA, LETRAMENTO DIGITAL E HIPERTEXTUALIDADE EM EaD suas peculiaridades, altera significativamente o processo cognitivo de leitura, e de escrita, o que torna necessária a construção de um conceito de letramento, específico a esse novo e pungente meio. Considerando, portanto, o raciocínio de Soares, podemos dizer com Xavier (2005, p.135) que, para ser considerado letrado digital é necessário assumir mudanças nos modos de ler e escrever os códigos e sinais verbais e não-verbais, como imagens e desenhos, se compararmos às formas de leitura e escrita feitas no livro, até porque o suporte sobre o qual estão os textos digitais é a tela –, também digital. Assim, uma pessoa letrada digitalmente é capaz de identificar e fazer uso das linguagens verbal e nãoverbal que dividem o espaço da tela de cristal líquido. Dependendo do seu grau de letramento, também deve saber usar de maneira funcional os diversos mecanismos hipertextuais (texto + som + imagem) presentes na tela do computador, os quais acreditamos ser relevantes não só para a interação do hiperleitor com o texto e o suporte no qual ele se encontra, como também para o processo de interação com outros interlocutores no meio digital. Essas reflexões são importantes para o presente capítulo porque os dados analisados que trazemos nele nos autorizam a sugerir que o letramento digital é importante tanto para a interação quanto para a mediação pedagógica em AVAs em cursos a distância, modalidade de ensino essa que vem encontrando espaço cada vez maior em sociedades multiletradas onde as instituições de ensino já encontraram nas ferramentas da Internet uma nova estratégia de construção de conhecimento. Mediação e Interação: Abordagens Vygotskyana e Bakhtiniana Segundo Vygotsky (1998, p. 115), “o aprendizado humano pressupõe uma natureza social específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida in177 FRANCISCA MONICA DA SILVA • JOÃO PAULO EUFRAZIO DE LIMA • JÚLIO CÉSAR ARAÚJO telectual daquelas que as cercam”. Para tanto, percebe-se a necessidade não só da mediação propriamente dita, feita por um educador, mas também da interação com seus colegas de sala de aula. No caso dos cursos pela Internet, através dos AVAs, essa interação acontece por meio dos vários gêneros digitais – dispostos no sistema como ferramentas de comunicação entre tutor-aluno e aluno-aluno. Assim, mediação e interação são dois conceitos que estão intimamente relacionados, uma vez que, considerando-se o processo de ensino-aprendizagem como um constante processo para a construção do conhecimento mediado, na perspectiva bakhtiniana, a interação é necessária e essencial para que a aprendizagem aconteça. Se considerarmos as reflexões de Bakhtin (1981, p. 112) sobre a interação verbal, é procedente afirmar que a interação tem base social e, por isso, concretiza a linguagem em uso, uma vez que a enunciação é a realidade fundamental da língua. A forma e o estilo dessa enunciação, “produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados”, são determinados pela situação de uso da linguagem dentro de um grupo social, histórico e cultural em que os interlocutores se encontram inseridos. Tudo isso se aproxima da visão sócio-interacionista vygotskyana que defende ser através dessa interação entre os sujeitos, sendo um deles o mediador, que o homem terá acesso ao conhecimento. Nessa direção, Vygotsky (1998, p. 7) defende a ideia de o homem, como sujeito do conhecimento, ter acesso mediado e não direto aos objetos, como pode ser comprovado quando ele afirma que “a transmissão racional e intencional de experiência e pensamento a outros requer um sistema mediador”. Desse ponto de vista surgiu o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (doravante ZDP), que define a zona de aprendizagem de uma criança. Em outras palavras, a ZDP corresponde à zona que distancia ou separa o modo como uma criança resolve individualmente um problema, do modo como esse mesmo problema é resolvido pela criança através da mediação. Partindo da ZDP, Vygotsky acredita que todo conhecimento seja assimilado 178 LINKS ENTRE MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA, LETRAMENTO DIGITAL E HIPERTEXTUALIDADE EM EaD mais facilmente quando mediado, porém, deve-se mediar motivando o outro a um discurso participativo e reflexivo, o que pode gerar sua autonomia do pensar. Ao trazermos essa perspectiva para o EaD, entendemos que o tutor deve estimular o aluno a refletir sobre as possibilidades de interação promovidas pelo gênero digital em uso, garantindo o avanço deste em seu nível de letramento digital e, consequentemente, a construção do conhecimento. Isso significa que, para a realidade dos cursos virtuais, os mediadores no processo de ensino-aprendizagem seriam igualmente os tutores e os demais colegas virtuais, com quem o aluno se comunica através de gêneros síncronos e assíncronos, tais como o chat e o e-fórum, respectivamente. Nesse sentido, Molon (2000, p.11) afirma que a mediação não é a presença física do outro, não é a corporeidade do outro que estabelece a relação mediatizada, mas ela ocorre através dos signos, da palavra, da semiótica, dos instrumentos de mediação. A presença corpórea do outro não garante a mediação. Com isso, percebemos a importância de haver uma mediação pedagógica adequada aos cursos virtuais a distância, nos quais acreditamos ser o uso da hipertextualidade relevante para que os atores presentes no processo construam o conhecimento juntos, de forma mais dinâmica e interativa. Para tanto, assim como alerta Silva (2008), é importante lembrar que os tutores devem estimular seus alunos a utilizar mais os recursos oferecidos pelos gêneros digitais, dentre eles o chat, para que, fazendo uso de tais recursos, possam tornar a interação mais atrativa e participativa, o que pode, inclusive, proporcionar ao aluno o desenvolvimento de sua autonomia na construção do conhecimento. Chat: uma Amostra de Seus Recursos hipertextuais O chat, por sua natureza síncrona, é utilizado, normalmente, em discussões para “tira-dúvidas” com o 179 FRANCISCA MONICA DA SILVA • JOÃO PAULO EUFRAZIO DE LIMA • JÚLIO CÉSAR ARAÚJO tutor ou para que este provoque uma “tempestade de ideias” sobre um tema a ser discutido em um fórum, por exemplo. Conforme pondera Abreu (2002), o ideal é que sejam formados grupos com número reduzido de alunos para que o tutor tenha condições de orientá-los on-line, discutir o tema e mediar a interação de forma que não se formem subgrupos discutindo outros assuntos e fuja à proposta da discussão a ser desenvolvida. Além disso, a autora lembra ser importante delimitar o tempo de cada sessão de vinte a noventa minutos, bem como o número de alunos para sete. Os chats, devido aos seus propósitos comunicativos e ao suporte digital em que estão inseridos, apresentam alto grau de hipertextualidade (ARAÚJO, 2005, 2006; ARAÚJO e BIASI-RODRIGUES, 2005). Neles, além do uso da linguagem verbal reestruturada para atender à demanda do meio virtual cada vez mais dinâmico, também encontramos outros recursos semióticos para a comunicação entre as pessoas: emoticons,5 imagem, som, links etc. Estudos já demonstraram que todos esses recursos que permeiam o chat podem ser bastante úteis no processo de interação professor-aluno e aluno-aluno em cursos virtuais oferecidos pelas diversas instituições educacionais espalhadas pelo país (cf. MOTTA-ROTH, 2001; YUAN, 2003; ARAÚJO; 2005; FONTES, 2007). Para que os sujeitos do processo ensino-aprendizagem façam uso consciente e funcional dos mecanismos hipertextuais presentes nesse gênero digital, é necessário que eles tenham um letramento digital mínimo para realizar ações como: ligar o micro, acessar à Internet, entrar no site desejado e navegar dentro dele, alternando entre as diversas janelas abertas, usando as barras de rolagem horizontal e vertical para ver o texto que excede o espa5 Emoticons (emotion + icons) são ícones de emoção que procuram simular as expressões da comunicação face a face. São obtidos através da combinação de caracteres do teclado, posteriormente sofisticados pelos engenheiros de softwares que passaram a produzir imagens em cores e movimentos. 180 LINKS ENTRE MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA, LETRAMENTO DIGITAL E HIPERTEXTUALIDADE EM EaD ço da tela, bem como clicando nos links, nos botões e nos vários recursos semióticos próprios dos gêneros no meio digital. Como estamos tratando da natureza hipertextual do chat e da necessidade do letramento digital do sujeito para o manuseio das ferramentas existentes nesse gênero, focalizaremos nossa análise nas telas que seguem, para descrevermos os recursos hipertextuais presentes no MSN (chat personalizado, mas que também pode ser utilizado com fins educacionais) e no chat do Moodle (AVA desenvolvido pelo cientista computacional australiano Martin Dougiamas).6 Os Recursos Hipertextuais no MSN Iniciando pelo MSN (ou o Windows Live Messenger, em versões mais recentes desenvolvidas pela Microsoft), encontramos um ambiente com uma riqueza enorme de recursos hipertextuais, que nos servirá como exemplo do uso pedagógico de um gênero síncrono. Na figura 1, que segue, abordaremos um recorte de sessão de uso do MSN, que é comumente usado pelos tutores que trabalham no SENAC-CE. Neste caso, temos uma seção de chat educacional em que interagem dois participantes: o tutor e um de seus alunos virtuais. O que mais nos chama atenção é o uso do recurso hipertextual de compartilhamento de arquivos (1) como meio para troca direta de arquivos considerados importantes àquele momento. Em azul (no original), destacado de outras partes do texto, temos o caminho deixado pelo compartilhamento após completado seu download, nesse caso, a transferência de arquivo foi realizada pelo aluno destinado ao seu tutor. Esse recurso 6 As sessões de chats educacionais em questão aconteceram em cursos na modalidade a distância, no Senac – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial. Nossa pesquisa tem a autorização da Direção de Educação Profissional do Senac/Ceará. 181 FRANCISCA MONICA DA SILVA • JOÃO PAULO EUFRAZIO DE LIMA • JÚLIO CÉSAR ARAÚJO 2 1 Figura 1 – Sessão de Chat no MSN. é possibilitado pelo ambiente através da ferramenta de compartilhamento de arquivos situada na parte superior da tela e acessada através do menu “arquivo” (2). Depois de clicar nesse menu, opção “enviar arquivo”, o seu interlocutor terá a sua disposição a possibilidade de aceitá-lo ou não. Sendo aceito, iniciar-se-á o download que, após completo, deixa sua marca de link, destacado em azul na figura 1. Esse é um meio frequente para se enviar textos ou outros tipos de arquivos que possam ser úteis para tirar dúvidas de alunos, e pode ser um exemplo de como esses recursos hipertextuais podem servir como facilitadores da interação tutor-aluno, assim como da mediação, o que pode favorecer à aprendizagem. Dessa forma, essa ferramenta serve como meio de interação importante para a consecução dos objetivos do ensino-aprendizagem em ambientes que sejam ou possam servir como AVAs. Queremos crer com isso que seu uso 182 LINKS ENTRE MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA, LETRAMENTO DIGITAL E HIPERTEXTUALIDADE EM EaD deve ser estimulado por parte do tutor, para que, dessa troca direta com o aluno, surja uma interação mais eficaz que promova o letramento desse sujeito, levando-o a refletir sobre a capacidade funcional desse tipo de recurso. Diferentemente do MSN, o próximo chat analisado faz parte de um AVA chamado Moodle, bastante utilizado em cursos da modalidade a distância devido à facilidade de interação com o ambiente que dispõe de diversos recursos, dentre os quais vão nos interessar mais de perto os hipertextuais, que iremos tratar a partir de agora. Os Recursos Hipertextuais no Moodle Na figura 2, encontramos alguns dispositivos que caracterizam a hipertextualidade presente no chat do Moodle. Temos, por exemplo, as imagens com as carinhas amarelas (1), lugar reservado para colocarmos as fotos dos usuários; clicando sobre essas imagens teremos acesso ao perfil de cada participante e, de lá, podemos acessar seus respectivos e-mails e blogs, bem como podemos enviar uma mensagem através do próprio AVA. Ou seja, através de um simples clique sobre a imagem que representa o usuário, podemos contactá-lo através do AVA e deixar comentário sobre alguma tarefa realizada, ou solicitar complementar essa tarefa, entre outras ações, sem que seja necessário sair do chat e entrar em um webmail, por exemplo. Dessa forma, tendo habilidade para alternar janelas, o usuário terá acesso mais rápido a diversas formas de se comunicar com seu interlocutor, o que pode ser um ponto positivo para a interação entre os sujeitos. Encontramos, ainda, as barras de rolagem horizontal e vertical (2) que são úteis para visualizarmos as “falas” anteriores dos interlocutores e que não cabem no espaço da tela. Para mostrar o nível de afetividade, (in)satisfação, dúvida, (des)contentamento etc., assim como no MSN, os sujeitos também podem fazer uso dos emoticons (3), ativados através da combinação de símbolos alfanuméricos, disponíveis no teclado. Isso pode “quebrar o gelo” duran183 FRANCISCA MONICA DA SILVA • JOÃO PAULO EUFRAZIO DE LIMA • JÚLIO CÉSAR ARAÚJO te a interação, aproximando os interlocutores apesar da distância físico-espacial em que eles se encontram. Além disso, se for necessário entrar na ajuda do chat do Moodle para sabermos como utilizar suas ferramentas, basta que o aluno clique sobre o ícone da interrogação (4) que fica no lado direito da caixa de texto onde as mensagens são digitadas. Uma caixa de diálogo com várias dicas de uso desse gênero digital será aberta e tanto o aluno quanto o tutor poderão ter acesso a informações de como melhor usar o chat em sua interação. Por fim, existe a ferramenta de som através da qual é possível solicitar a atenção do interlocutor, produzindo um barulho resultado de um clique de mouse sobre o “bip” (5). Caso algum aluno esteja conectado e ativo no chat, mas não esteja participando da discussão, essa é uma forma de o tutor/professor tentar promover a participação do aluno na aula. MCAALE1 MCAALE1 MCAALE1 MCAOTA5 MCALUC4 MCALUC4: todos falam ao mesmo tempo né? MCAOTA5 MCAOTA5 MCALUC4 MCAGUI6 MCAOTA5 MCAALE1 MCAOTA5 MCAALE1 3 MCACHR8 2 MCALUC4: Maravilha, alexandre! bom final de semana! 4 5 Figura 2 – Sessão de Chat do Moodle. Complementando os recursos existentes no chat do Moodle, e já descritos na figura 2, encontramos na figura 3 o recurso de criação de links (1) da seguinte forma: ao digitarmos endereços de sites na janela, esses transfor184 LINKS ENTRE MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA, LETRAMENTO DIGITAL E HIPERTEXTUALIDADE EM EaD mam-se em links que, acionados através de um clique, abrem a janela do site informado. Assim, o professor/tutor poderá, durante uma conversa com seus alunos, indicar sites de pesquisas, os quais poderão ser acessados pelos alunos sem que esses saiam da janela do bate-papo. Dessa forma, o aluno poderá ampliar suas leituras, tirar dúvidas, observar a escrita dos nomes de autores, especialmente se for estrangeiros, conhecer ideias opostas as que estão sendo discutidas no chat etc., enquanto “tecla” com seus colegas e com o tutor. MCAGUI6: E desde agora já me preocupo com o trabalho de conclusão 12:07 MCALUC4: não, MCAGUI6, não avaliamos os trabalhos com base em subjetividade, temos critérios muito bem estabelecidos MCALUC4: tem que se preocupar mesmo 12:08 MCACHR8: Lu, so pra testar, vou colocar aki o site do greenpeace pra ver se transforma em link, ta? 1 12:08 MCALUC4: o que avaliamos subjetivamente é a questão individual de cada aluno, em que não se comparam trabalhados pois cada realidade é única MCAGUI6: Estes critérios serão disponibilizados para os alunos? MCALUC4: ok, “Chris”, deu certo! MCALUC4: sim, serão 12:09 MCACHR8: Que bom q funcionou. Figura 3 – Sessão de Chat do Moodle. Portanto, diante de todos esses recursos hipertextuais mostrados nas figuras 1, 2 e 3 acima, fica evidente a necessidade de que o professor/tutor estimule o uso funcional do maior número possível dessas ferramentas, as quais não apenas poder servir para promover o letramento digital necessário aos que ingressam nos cursos virtuais como também pode ser útil para otimizar a interação que se estabelece entre os participantes do chat educacional. 185 FRANCISCA MONICA DA SILVA • JOÃO PAULO EUFRAZIO DE LIMA • JÚLIO CÉSAR ARAÚJO Considerações Finais A descrição dos principais recursos hipertextuais em cada uma das sessões de chats em análise nos permite concluir que o letramento digital, tanto para professores que atuam na educação a distância virtual, como para pessoas que optam por realizar cursos nessa modalidade de ensino, deve ser trabalhado durante o próprio processo de interação homem-homem e homem-máquina. Ao se disporem a trabalhar em um AVA, além de se dedicarem aos letramentos em sua área de estudo, preocupando-se com os conteúdos específicos que serão discutidos ao longo das interações, tutor e aluno precisam usar os recursos tecnológicos a seu favor, para otimizarem a mediação pedagógica e a interação com os demais componentes do grupo ou da “sala de aula virtual”. Isso, no entanto, não reduz o que entendemos por letramento digital, uma vez que, decididamente, a questão não é apenas “saber usar” cada mecanismo hipertextual, ou “usar por usar” cada ferramenta oferecida pelo e-gênero, mas sim “saber usar de maneira reflexiva”, tirando o máximo de proveito de tais recursos para a construção do conhecimento e para a mediação pedagógica. A análise descritiva que fizemos dos recursos hipertextuais presentes em um chat educacional nos permite concluir que o dinamismo do suporte desse e-gênero insta que seus produtores/consumidores explorem mais a hipertextualidade não apenas dos chats praticados nos cursos virtuais mas também de todo o AVA, englobando os outros gêneros digitais nele praticados. Nossa suposição, confirmada em pesquisas como a de Silva (2008), é a de que podemos sim extrair ricas possibilidades pedagógicas da natureza hipertextual dos e-gêneros presentes nos AVAs os quais, por serem também hipertextuais, requerem uma confluência de letramentos, como o acadêmico e os hipertextuais, para citar apenas dois. Dessa maneira, estamos convencidos de que o domínio dessa convergência de letramentos pode ser decisivo não ape186 LINKS ENTRE MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA, LETRAMENTO DIGITAL E HIPERTEXTUALIDADE EM EaD nas na discussão acerca do conteúdo específico de cada disciplina do curso, como também no desenvolvimento das habilidades de ensinar e aprender em ambientes virtuais de aprendizagem. Referências Bibliográficas ABREU, L.S. O chat educacional: o professor diante desse gênero emergente. In: DIONÍSIO, Ângela Paiva et al (Org.). Gêneros textuais & ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002, p. 87-94. ARAÚJO, J.C. Os gêneros digitais e os desafios de alfabetizar letrando. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, n. 46, p. 79-92, jan./jun. 2007. ARAÚJO, J.C. Os chats: uma constelação de gêneros na Internet. Tese (Doutorado em Linguística). Fortaleza: PPGL-UFC, 2006. ARAÚJO, J.C. Chat educacional: o discurso pedagógico na Internet. In. COSTA. N.B. (Org.). Práticas discursivas: exercícios analíticos. Campinas, SP: Pontes, 2005. p. 97-111. ARAÚJO, J.C.; BIASI-RODRIGUES, B. A natureza hipertextual do gênero chat aberto. In: ARAÚJO, J.C.; BIASI-RODRIGUES, B. (Org.). Interação na Internet: novas formas de usar a linguagem. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005, pp. 48-62. BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. 2 ed. São Paulo: Editora Hucitec, 1981. FONTES, M.do C.M. O uso de emoticons em chats: afetividade em ensino a distância. In. ARAÚJO, J.C. (Org.), Internet e Ensino: novos gêneros, outros desafios. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007, p. 64-77. KATO, M.A. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística. São Paulo: Ática, 1986, Série Fundamentos. KLEIMAN, A.B. (Org.) Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1995. (Coleção Letramento, Educação e Sociedade) 187 FRANCISCA MONICA DA SILVA • JOÃO PAULO EUFRAZIO DE LIMA • JÚLIO CÉSAR ARAÚJO MARCUSCHI, L.A.; XAVIER, A.C. (Org.). Hipertexto e gêneros digitais: novas formas de construção de sentidos. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005. MATEUS, E.F. Os professores na era digital e os (des)usos do computador na fase de formação inicial. The Especialist. São Paulo: PUC-SP, vl.25 (2), p.199-220, 2004. MOLON, S.I. A dimensão psicológica e a mudança histórica e cultural. In. III Conferência de pesquisa sócio-cultural. Campinas: Anais, 2000. MOTTA-ROTH, D. De receptador de informação a construtor de conhecimento: o uso do chat no ensino de inglês para formandos de Letras. In: PAIVA, V.L.M. de O.e. Interação e aprendizagem em ambiente virtual. Belo Horizonte: Faculdade de Letras, UFMG, 2001, p. 231-248. PEIXOTO, Cyntia Santuchi; SILVA, Eliane Bisi da; SILVA, Ivan Batista da; FERREIRA, Luciano Dutra. Letramento: você pratica? Disponível em: <http://www.filologia.org. br/viiicnlf/anais/caderno 09-6.html>, 2006. Acesso em: 24 de maio de 2008. RIBEIRO, A.E. Navegar lendo, ler navegando: aspectos do letramento digital e da leitura de jornais. Tese (Doutorado em Linguística). Belo Horizonte: FALE/POSLIN-UFMG, 2008. SILVA, F.M. da. Chats e–efóruns na EaD virtual: links entre mediação pedagógica e hipertextualidade. Dissertação (Mestrado em Linguística). Fortaleza: PPGL-UFC, 2008. SOARES, M.B. Letramento: um tema em três gêneros. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. SOARES, M.B. Novas práticas de leitura e escrita: letramento na cibercultura. Educação & Sociedade. Centro de Estudos Educação e Sociedade –São Paulo: Cortez: Campinas: Cedes, vl. 23, n. 81, p., 143-160, 2002. TFOUNI, L.V. Letramento e alfabetização. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2004. VYGOTSKY, L.S. A. A formação social da mente. 6 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. YUAN, Y. The use of Chat rooms in na ESL setting. Computers and composition: an international journal. vl. 20. number 2, p. 194-206, 2003. 188 O ENDEREÇO ELETRÔNICO E AS PRÁTICAS DE ESCRITA NA WEB: AMPLIANDO A APRENDIZAGEM DA ORTOGRAFIA Márcia Maria Ribeiro Dorotéa Emília Ribeiro Sayed Considerações Iniciais Durante muito tempo, a escola tratou o erro de ortografia e de caligrafia como algo a ser punido até mesmo com agressões físicas e orais. Um exemplo dessa prática pode ser dado com Gilberto Freyre (2005) que, em seu livro Casa-grande & senzala, faz um depoimento no qual diz que, se o aluno não soubesse a lição de português ou borrasse uma página do caderno de caligrafia, arriscavase a castigo tremendo. Diz ainda que se fazia muita questão pela “letra bonita” e, ao escrever com penas de ganso, a tortura começava, pois com o mestre ao lado do aluno, os riscos de punição em função de alguma letra “troncha” ou um errinho qualquer era eminente. Dessa maneira, muitas crianças de uma determinada época da história da educação básica brasileira sofreram algumas “bordoadas” nos dedos, beliscões pelo corpo, “puxavante” de orelha, e isso era um horror. Tal depoimento demonstra que o foco do aprendizado da escrita era o formato da letra, a grafia bem trabalhada e bela e, por isso, o erro abrangia não somente a ortografia, mas também a caligrafia. Felizmente, não vemos hoje mais agressões desse tipo, porque a escola mudou e não se vê mais esse tratamento com alunos no que se refere ao ato de escrever. Segundo Bagno (2002), no último século e com as profundas transformações nos modos de encarar o ensino de línguas nas escolas de ensino fundamental e médio devido à implantação das teorias linguísticas, percebemos que a postura dos professores está mudando e já observamos que situações 189 MÁRCIA MARIA RIBEIRO • DOROTÉA EMÍLIA RIBEIROͳSAYED como as denunciadas por Freyre (2005) parecem ser ações do passado. Em função dessas mudanças, e neste momento histórico em que são calorosas as discussões relativas ao novo acordo da reforma ortográfica (AZEREDO, 2008), queremos, no presente capítulo, refletir sobre as normas ortográficas da língua portuguesa através de experiências de letramentos por meio de práticas reais de escrita no gênero digital endereço eletrônico.1 Para tanto, em primeiro lugar, apresentaremos uma revisão teórica apresentando as razões que nos levaram a decidir a tratar de ortografia infantil por meio de experiências de letramentos na web. Logo em seguida, apresentaremos os procedimentos metodológicos e a caracterização dos sujeitos envolvidos na pesquisa aqui relatada. Na sequência, mostraremos os resultados de ensinar/aprender ortografia a partir da prática de escrita do endereço eletrônico, para finalizarmos nosso trabalho com os resultados e as principais conclusões da análise. Revisão Teórica Mesmo que o ensino da escrita tenha passado por transformações qualitativas, ainda é comum ouvir de professores comentários do tipo: esse aluno é completamente analfabeto, fato que nos remete à antiga (e sempre nova) vigilância do professor quanto ao erro do aluno no ato de escrever, mais precisamente quanto à ortografia. Talvez esse tipo de situação ainda aconteça na escola porque, conforme pondera Morais (2001), discutir/ensinar/ aprender ortografia é enveredar por um espaço de controvérsias, pois, de acordo com o autor, esse é um objeto marcado por preconceitos. 1 Marcuschi (2004) considera o endereço eletrônico como um gênero digital e, com base nisso, Ribeiro e Araújo (2007) e Araújo (2007) analisaram práticas de letramentos digitais vivenciadas por crianças em fase inicial de alfabetização. 190 O ENDEREÇO ELETRÔNICO E AS PRÁTICAS DE ESCRITA NA WEB: AMPLIANDO A APRENDIZAGEM DA ORTOGRAFIA Enquanto de um lado existem profissionais que continuam dando à questão ortográfica um peso não somente desproporcional e perseguindo seus alunos tachando-os de analfabetos, encontramos, no outro extremo, professores que veem o ensino de ortografia como algo conservador deixando, assim, de dar a atenção devida ao assunto, considerando que o aluno pode construir a habilidade da escrita sozinho e ao longo de sua escolaridade. Morais julga essas duas posturas equivocadas, sendo necessário superá-las para enxergarmos uma nova forma de ensinar a ortografia. Diante disso, Morais elabora a hipótese segundo a qual bastaria entendermos as razões da existência das normas ortográficas e de sua organização para poder ajudar o aluno a “escrever certo”. Em contrapartida, já é um consenso entre os linguistas de que conhecer gramática para falar e escrever bem não passa de um mito (BAGNO, 1999, p.48.). Por isso, Bagno defende que “a verdade dos fatos está na inversão exata desse mito: é preciso saber falar, ler e escrever bem para estudar gramática”. Com isso, o autor enfatiza que “nós”, professores, “deveríamos propor um ensino de língua que tivesse como objetivo levar o aluno a adquirir um grau de letramento (grifo do autor) cada vez mais elevado”. Nesse sentido, defendemos que não devemos nos esquecer de incluir, entre os letramentos, aqueles praticados na Web, uma vez que os meios digitais de informação e comunicação têm avançado muito rapidamente e não incluí-los em nossa prática pedagógica implicará prejuízo para o aluno. Isso se justifica na medida em que “a tela do computador [conectado à Internet] tornou-se um novo portador de textos (e de hipertextos), suscitando novos gêneros, novos comportamentos sociais referentes às práticas de uso da linguagem oral e escrita” (BAGNO, 2002, p.55-56). O problema da inversão exata desse mito foi que, assim como afirma Morais (2001), essa nova prática passou a considerar o trabalho com a ortografia conservador e retrógrado, levando muitos professores a acreditar que seus alunos aprenderiam a escrever corretamente à 191 MÁRCIA MARIA RIBEIRO • DOROTÉA EMÍLIA RIBEIROͳSAYED medida que fossem incentivados a ler e a produzir textos significativos. Morais (2001) diz que alguns professores passaram, então, a adotar um postura espontaneísta, ou seja, não ensinar ortografia, e, de maneira cruel, ainda assim cobrar resultados de aprendizagem em ortografia de seus alunos. Essa cobrança passa a ser injusta, porque os professores cobram o que não ensinam. Por esse motivo, Morais (2001, p.17.) pensa que “as atuais dúvidas sobre como tratar a ortografia são o reflexo dos avanços de pesquisas vividos na área da linguagem que nos têm levado a priorizar, no trabalho escolar, a formação de alunos capazes de ler e produzir textos significativos”, mas considera ser possível trabalhar a leitura e a produção de texto através do construtivismo e ainda assim ensinar ortografia. “Aprender ortografia não é somente uma questão de memória”, afirma Morais (2001, p.27.), e, em função disso, o autor acrescenta que nem sempre é necessário “decorar” a forma correta da palavra para acertar sua grafia. Essa afirmação nos leva a inferir que os erros apresentam naturezas distintas, sendo necessário somente o aluno observar que, em alguns casos, a correspondência letra-som é regular, mas em outros, irregular, exigindo, nesse caso, a memorização da irregularidade. É através desse conhecimento que não somente o aluno como o professor tomam consciência de que os erros ortográficos não são obviamente todos idênticos, justamente porque possuem naturezas diferentes. Dessa maneira, em alguns casos, será necessário o uso da memória, em outros, será possível o uso da correspondência regular. Porém, não podemos ver a dificuldade que a criança encontra em fixar a forma escrita das palavras como um obstáculo intransponível. Esse dilema não é novo, pois pode ser encontrado já na Grécia e Roma antigas, onde as pessoas letradas já procuravam fixar a forma escrita das palavras da língua. (BONNER, 1984). Segundo Benveniste & Chervel (1976), a tendência histórica ao criar ortografias foi manter um casamento entre 192 O ENDEREÇO ELETRÔNICO E AS PRÁTICAS DE ESCRITA NA WEB: AMPLIANDO A APRENDIZAGEM DA ORTOGRAFIA o ideal fonográfico e o princípio ideográfico. Isso, porém, na prática não ocorre. Tomando-se por base a língua portuguesa, por exemplo, esse casamento ideal entre som e letra não é comum, pois o que se observa é uma complexidade responsável por fazer não só a criança, em estágio de aquisição da escrita, mas também o adulto vacilarem quando a questão é a ortografia da palavra. Tome-se como exemplo “partisse” e “chatice” que, embora terminem com o mesmo seguimento sonoro, os sufixos -isse e -ice, veiculam informações diferentes: o primeiro refere-se a uma flexão verbal e o segundo identifica um tipo de substantivo, remetendo à ideia de “qualidade de”. Por esse motivo, faz-se necessário reconhecer que as duplicações ou irregularidades nas correspondências letra-som constituem-se em fontes de informação (MORAIS, 2005). Isso nos leva a observar que, ao notar a linguagem, as atuais ortografias apresentam princípios que vão além da mera codificação de relações som-grafema (CATACH, 1989). Não é difícil perceber que o ensino de ortografia tendo por base apenas a memorização da grafia das palavras não desenvolverá habilidades na produção escrita. Acreditamos com Araújo e Dieb (2006) que somente uma prática reflexiva aliada também à memorização pode levar à aprendizagem significativa e permanente da ortografia. Sentimos exatamente isso em nossa experiência com as crianças que participaram de nossa pesquisa, pois, a partir das experiências vividas por elas nas aulas de letramento digital, elas passaram a refletir mais sobre o que liam/escreviam. As aulas envolviam o aprendizado do uso do computador e seus periféricos, da navegação no ambiente virtual, do conhecimento de gêneros digitais, da interação na Internet e, mais especificamente, do conhecimento relativa ao endereço eletrônico. Foi o uso constante desse e-gênero que nos possibilitou o desenvolvimento de um trabalho com práticas de escrita no endereço eletrônico, pois, a partir dos “erros” de acesso do endereço eletrônico, as crianças passavam a refletir mais sobre a escrita de várias palavras. 193 MÁRCIA MARIA RIBEIRO • DOROTÉA EMÍLIA RIBEIROͳSAYED Caracterização dos Sujeitos da Pesquisa A experiência está em andamento desde 2004, mas, por limitação de espaço, só serão mostrados dados relativos a sete crianças que formavam as turmas de terceiro e quarto anos e que participaram das atividades de letramento digital desde 2005, respectivamente nos anos de 2006 e de 2007. Na turma de 2004, havia três crianças2 e na turma de 2005 quatro. Em 2006 e 2007, esse número chegou à totalidade de sete, cinco do terceiro ano e duas do quarto ano. As crianças do terceiro ano já haviam superado as dificuldades apresentadas no início desta pesquisa (cf. RIBEIRO, 2005) e agora já conseguiam ler e escrever, mesmo com algumas pequenas dificuldades. Seria o que Ferreiro e Teberosky (1999) consideram de dificuldades alfabéticas, sendo necessário agora desenvolver as dificuldades ortográficas. Mesmo assim, elas passaram a navegar na Internet com esperteza e já dominavam periféricos, como o teclado e mouse e, o mais importante, liam e escreviam sem medo ou grandes dificuldades. No quarto ano, havia um quadro singular: <CR1>, agora com 09 anos de idade, lia com fluência e não se sentia mais desanimada diante das atividades escolares, como no início da experiência. Já havia vencido as dificuldades de leitura apresentadas e, por isso, navegava com facilidade, fazendo muitas vezes uso não somente dos periféricos, mas também de algumas teclas de atalho, saber construído pela observação da criança. <CR2> iniciou no projeto sem saber ler nem escrever e chegou ao colégio após dois anos repetindo o 2º ano, levando muito tempo para alcançar a fase alfabética. Em virtude de estar repetindo esse ano por uma terceira vez e por não ter a credibilidade dos pais, <CR2> tinha uma forte imagem negativa de si e não acreditava ser capaz de aprender a ler e a escrever. Nesse período, ela já se iniciava nas práticas 2 Para efeitos de identificação dos sujeitos, foi usado <CR>, acrescido de um número subscrito como uma espécie de codificação para a palavra CRIANÇA. Assim, <CR1> deve ser lido como CRIANÇA UM, por exemplo. 194 O ENDEREÇO ELETRÔNICO E AS PRÁTICAS DE ESCRITA NA WEB: AMPLIANDO A APRENDIZAGEM DA ORTOGRAFIA de ler e escrever, mas precisava ser trabalhada no reconhecimento das normas ortográficas, pois, infelizmente, não tinha se recuperado da imagem negativa de si por não ter se alfabetizado no período dedicado a isso. Ela, em vários momentos, apresentava uma dependência afetiva da professora-pesquisadora, mas, aos poucos, ia vencendo e entendendo que podia errar e rever seus textos. Em um dos momentos de aula, ela até expressou: “Ah, qual o problema se eu errar, eu estou aqui é para aprender, não é, tia?”. Esse foi o maior crescimento demonstrado por ela durante o tempo de trabalho tanto com o letramento digital quanto com as outras atividades realizadas fora do laboratório de informática. O melhor da superação dessa criança foi perceber que seus pais passaram a acreditar que ela poderia aprender a ler e constataram isso na prática. A turminha do terceiro ano era formada por crianças cujas idades variavam entre 07 e 08 anos. Todas já navegavam com mais facilidade pela Internet, e as atividades de leitura e escrita não lhes eram mais um fardo. Dentre as cinco crianças dessa turma, somente uma delas, <CR6>, não apresentava tantos problemas com a ortografia, mas as outras todas tinham dificuldades e percebemos que precisávamos desenvolver situações didáticas para ajudá-las a superar tais dificuldades. Com esse novo quadro, a pesquisa precisava atender a essa nova dificuldade: a ortografia, e foi nesse ponto que a interferência da professora foi importante para a formação do hábito de revisão da escrita e da reescrita, bem como para a reflexão dos desvios ortográficos. Esse era o contexto novo, resultado do trabalho de 2005, momento quando se deu a experiência de alfabetizar letrando digitalmente crianças com dificuldades de leitura e escrita (RIBEIRO, 2005; ARAÚJO, 2007). Procedimentos Metodológicos Na tentativa de fazer o que acredita Morais (2001), desenvolvemos diversas atividades significativas que in195 MÁRCIA MARIA RIBEIRO • DOROTÉA EMÍLIA RIBEIROͳSAYED centivassem os alunos a ler e a produzir textos reais e significativos. Nos primeiros anos de trabalho com essa faixa etária, o mundo foi trazido para dentro da sala de aula. Sempre ao desenvolver atividades com os alunos, fizemos isso: o mundo real tinha de ser real na sala de aula. Assim, ao estudar a casa (conteúdo relativo ao 2º ano), um profissional da área era chamado, e as crianças preparavam antes uma entrevista. No dia preparado para a entrevista, um engenheiro, por exemplo, conversava com elas, que anotavam as respostas. Ao estudar os animais e a taxonomia deles (classificação de mamíferos, aves, répteis, peixes e anfíbios), alguns animais eram trazidos para a sala ou os alunos iam ao zoológico. Eles levavam gatos, cachorros ou outros animais domésticos, recebiam formulário para relatórios de desenho e escrita para o registro das diferenças e semelhanças entre todos esses bichos. Para os répteis e anfíbios, dentre outros, eles visitaram o zoológico. No estudo dos meios de comunicação, as crianças receberam uma carta e no dia planejado para esse conteúdo elas estavam com as cartas que haviam sido enviadas pelos correios e assim a atenção e a vontade de ler e escrever eram naturalmente afloradas. Várias outras atividades foram criadas nessa tentativa de dar a elas não somente a oportunidade de sentir necessidade de escrever, mas fazer uma atividade animada e prazerosa. O resultado é que elas queriam, sim, escrever, mas jamais reler o que escreviam ou, pior ainda, apagar para reescrever o que já haviam escrito. Muitas até diziam já ter escrito e que estava certo. Por algum tempo, tentamos explicar às crianças a necessidade de reler o que escreviam, a fim de um aprimoramento de suas produções. Tal tentativa representou uma dificuldade não apenas para nós, mas também para as próprias crianças que ainda não compreendiam o sentido das constantes correções a serem feitas. Elas não compreendiam a necessidade de apagar algo, choravam e entristeciam-se, pois escrever com um lápis a mão lhes era uma tarefa ainda recente e, talvez por isso, cansativa. 196 O ENDEREÇO ELETRÔNICO E AS PRÁTICAS DE ESCRITA NA WEB: AMPLIANDO A APRENDIZAGEM DA ORTOGRAFIA Eles eram alunos de 2º ano3 e, por isso, ainda estavam aprendendo a dominar o lápis com o movimento correto das letras na tentativa de formar palavras. Não podemos nos esquecer de que, se as crianças ainda estavam fazendo treinos de escrita (como movimentar o lápis), parece muito rigoroso pedir que ainda prestem atenção às regras de ortografia da língua. Ora, como iniciantes no processo de leitura e escrita, ainda não estavam seguras para a atenção do que escreviam e também para a revisão de seus textos. Como ensinar a escrever, ter atenção e mostrarlhes a necessidade de rever e reescrever os textos se o processo do manuseio do lápis ainda era cansativo? Tornava-se, então, imprescindível trabalhar a ortografia e a revisão da escrita de alguma forma, mas ainda não se sabia como. Em nossas buscas por uma nova didática de ensino, um caminho foi encontrado: o letramento digital, que muito ajudou nessa empreitada. Esse caminho, encontramos por acaso. Após a apresentação de uma monografia4 na Universidade Estadual do Ceará em 2005, na qual apresentava um trabalho com os gêneros endereço eletrônico e cartão digital, continuamos o trabalho de letramento digital com os alunos explorando mais o endereço eletrônico. Para trabalhar explorando esse gênero, apresentamos uma lista maior de sites infantis e, à medida que apresentávamos novos sites, as crianças se deparavam com algumas dificuldades ortográficas. Para ajudá-las a vencer essas dificuldades, conversávamos sobre a escrita dos sites e da relação de letra-som de alguns casos em particular. Começamos a perceber que esse trabalho poderia, então, contribuir para um ensino reflexivo da ortografia. Através dessa prática de escrita na Web, conseguimos fazer um ensino reflexivo com a ortografia e ainda ajudar as crianças a criar o hábito da revisão da escrita. 3 Estamos usando a nomenclatura atual, portanto os alunos sobre os quais falamos, haviam acabado de sair da alfabetização. 4 Essa monografia foi orientada pelo Prof. Dr. Júlio Araújo, do PPGL da UFC. 197 MÁRCIA MARIA RIBEIRO • DOROTÉA EMÍLIA RIBEIROͳSAYED Assim elas passaram não somente a aceitar reler e rever seus textos, como também não mais se incomodavam em apagar e procurar encontrar a letra adequada para a escrita de cada palavra. Assim como o trabalho anterior de Ribeiro (2005), este trabalho também foi resultado de uma pesquisa-ação que, segundo Kemmis & Wilkinson (2002, p. 49), é um estudo de “práticas reais, materiais, concretas e específicas de certas pessoas em locais específicos”. Os autores defendem que tal estudo deve ser “um processo de aprendizagem cujos frutos são as mudanças reais e materiais” (idem). Assim, partimos de uma situação identificada na prática didática com alunos, agora, nos 3º e 4º ano do Ensino Fundamental I que alcançavam a fase alfabética e precisavam não somente dominar a ortografia da língua como desenvolver o hábito de reler o que escreviam e reescrever o que precisava de correção. Os trabalhos aconteciam obedecendo à seguinte dinâmica. Em duas aulas semanais, as turmas iam ao laboratório de informática para participar das aulas de leitura e escrita na Internet. Na sequência, as aulas passaram a ter atividades diferentes, pois agora as crianças precisavam dominar quatro janelas do Internet Explorer abertas para escrever o endereço eletrônico de quatro sites diferentes e para esse trabalho foi construída uma relação de sites infantis que contemplassem as dificuldades ortográficas das crianças por elas relatadas. Conversas gravadas durante as aulas em um celular e gravações da telas acessadas foram arquivadas para tabulação dos dados. De acordo com a maioria dos alunos, as letras C, S, SS, Z, X e CH eram as mais difíceis de identificar. Elas escutavam o endereço da professora, apertavam a tecla enter e passavam imediatamente para a nova janela e assim acontecia até todos terem digitado os endereços nas quatro janelas abertas. Essa atividade exigia não somente o domínio da leitura e da escrita, mas exigia principalmente uma ótima habilidade no domínio tanto dos periféricos do computador quanto do próprio letramento digital (digitar o endereço, apertar a tecla enter, segurar o mouse, dar um clique na próxima 198 O ENDEREÇO ELETRÔNICO E AS PRÁTICAS DE ESCRITA NA WEB: AMPLIANDO A APRENDIZAGEM DA ORTOGRAFIA janela do Internet Explorer e acessar um outro site). Caso contrário, eles não poderiam acompanhar as atividades por todos desenvolvidas. Para maior agilidade no processo de letramento digital, sentimos necessidade nesse momento de ensinar teclas de atalho para todos poderem participar sem ficar excluídos de todas as etapas. As teclas aqui ensinadas foram ALT + TAB que faz surgir na tela todas as janelas abertas para que pudessem mudar de uma tela para outra sem o uso efetivo do mouse. Esse procedimento foi relevante porque percebemos que, em alguns casos, o uso do teclado com as teclas de atalho faz o usuário movimentarse na máquina com mais rapidez do que retirar a mão do teclado e movimentá-la em direção ao mouse e, para logo em seguida, retorná-la ao teclado. Na prática de escrita com o endereço eletrônico, utilizamos também o editor de textos Word como auxílio para a revisão de escrita e releitura dos escritos das crianças. Esses dados foram conservados porque gravamos as telas que se juntaram às telas de acesso à Internet, que também foram salvas em arquivo do Paint. A seleção dos sites infantis para o trabalho em sala de aula aumentou, mas também foram classificados de acordo com o grau de dificuldade. Assim, os de sílabas simples (consoante/vogal) foram considerados de baixo grau; os de sílabas complexas (consoante/vogal/vogal ou consoante/consoante/vogal) foram considerados de médio grau; e, por fim, os de língua estrangeira foram considerados de alto grau de dificuldade. Para a identificação dessa graduação, resolvemos utilizar a seguinte legenda: site A = baixo grau; site B = médio grau; site C = alto grau, conforme mostra a figura. Sites ou Portais Endereços Classificação Turma da Mônica http://www.monica.com.br Sítio do Picapau Amarelo http://www.sitiodopicapauamarelo.com.br http://www.meninomaluquinho.com.br Menino Maluquinho http://www.hotmail.com Hotmail Figura 1 – Relação dos sites por nível de dificuldades. Site A Site B Site B Site C 199 MÁRCIA MARIA RIBEIRO • DOROTÉA EMÍLIA RIBEIROͳSAYED A escolha dos sites agora precisava atender outros critérios que não apenas o fato de serem educativos. Era preciso que eles fossem conhecidos pelas crianças, possuíssem uma acentuada natureza interativa e ter uma característica intersemiótica. Além disso, eles precisavam levar as crianças a fazer uso de palavras que apresentavam alto grau de dificuldade e deveriam levá-las a refletir sobre os erros de acesso, pois estes agora passaram novamente a ser frequentes, visto serem escolhidos de acordo com as dificuldades ortográficas das crianças. Por esse motivo, fizemos uma nova lista de sites infantis, bem maior que aquela realizada por Ribeiro (2005) e os selecionamos de acordo com as normas ortográficas que desejávamos trabalhar, ou seja, se as crianças apresentavam muitas trocas de letras como S e C, os sites para a aula de letramento digital deveriam ter fonemas representados por essas letras. Se as crianças tinhas grandes dificuldades com a letra X, a relação de sites a serem trabalhados deveriam ter o fonema /∫/ (fonema encontrado nas palavras xale e chuva), e assim por diante. Vejamos alguns dos sites utilizados na aula para o trabalho com o fonema /∫/: http://www.chamequinho.com.br/ http://www.turmadochaves.com http://www.exercito gov.br/Recrutinha/homepage.htm Figura 2 – Exemplos de sites que poderiam ajudar na reflexão do fonema /∫/ Como já anunciamos, os dados foram gerados por meio do recorte de telas dos endereços eletrônicos e dos arquivos de Word, o que nos permitiu acompanhar o crescimento das crianças durante as aulas. Assim, a fim de sistematizar os dados da pesquisa, algumas telas foram salvas, mostrando o uso pelas crianças do endereço eletrônico, sobretudo daquelas imagens que mostravam as tentativas fracassadas de entrar nos sites pretendidos pelos pequenos navegadores e os processos de revisão de escrita. 200 O ENDEREÇO ELETRÔNICO E AS PRÁTICAS DE ESCRITA NA WEB: AMPLIANDO A APRENDIZAGEM DA ORTOGRAFIA Figura 3 – Site do Exército Brasileiro destinado às crianças, chamado Recrutinha Com o auxílio de um celular, fizemos também algumas gravações das falas das crianças, e essas gravações foram arquivadas por ano e data. Essas falas espontâneas foram importantes para nosso estudo, porque revelaram a construção do sentido que as crianças foram dando à aprendizagem da escrita. Observemos a figura abaixo com o exemplo de revisão da escrita de uma criança e o auxílio do programa Word: Figura 4 – Tentativa de acesso ao Site do Exército Brasileiro destinado às crianças 201 MÁRCIA MARIA RIBEIRO • DOROTÉA EMÍLIA RIBEIROͳSAYED Figura 5 – Tela do Word com o processo de revisão de escrita Figura 6 – Tela com a barra da área de trabalho com as quatro janelas de acesso e o paint, que servia de coleta de dados As crianças abriam as quatro janelas do Internet Explorer, como mostra a figura 6, digitavam o endereço dito pela professora, escreviam na primeira janela e apertavam a tecla enter, devendo passar imediatamente para a próxima janela e fazer o mesmo procedimento. Ao final da atividade, todas podiam navegar naquelas que tinham acessado e esperavam o auxílio da professora para a revisão, como mostra a figura 5 com a tela do Word. Como o importante era ver o crescimento das práticas de escrita em outros momentos, acompanhamos as crianças em suas atividades escolares comuns, tais como, escrita de cadernos e provas bimestrais. Para o armazenamento dessas informações, registramos algumas delas fotografando como dados da pesquisa. A Ortografia e o Endereço Eletrônico Ainda paira a dúvida no meio de alguns estudiosos quanto à classificação do endereço eletrônico como um gênero textual. Para tanto, conforme já anunciamos, achamos importante relembrar que, para Marcuschi (2004, p. 28-29), o endereço eletrônico está na lista dos “gêneros mais conhecidos e que vêm sendo estudados no momento”. Isso significa que, segundo o autor, o endereço ele202 O ENDEREÇO ELETRÔNICO E AS PRÁTICAS DE ESCRITA NA WEB: AMPLIANDO A APRENDIZAGEM DA ORTOGRAFIA trônico é um legítimo gênero digital, cuja função social é a de nos direcionar para acessos a sites ou para fazermos usos do e-mail. Tanto Araújo (2003) quanto Marcuschi (2004) nos mostram que, nesse gênero, a escrita se apresenta com algumas especificidades, como a completa ausência de acentuação gráfica e diacríticos, e uma pontuação que se limita à presença do ponto (no caso também de e-mails) e dos dois pontos, no caso de endereço de sites, como o <http://www.turmadamonica.com.br>. Essas especificidades demarcam suas características linguísticas e foi, a partir delas, que as crianças apresentaram avanços na escrita, pois, ao depararem-se com as dificuldades, tiveram de perceber que, para usar o gênero corretamente, deveriam observar as restrições de uso que lhe eram inerentes, como escrever sem deixar espaço entre as palavras e as siglas, observando a pontuação, além de rejeitar o uso da acentuação, como na palavra Mônica, que aparece no endereço acima. A exatidão da escrita como uma das características do gênero endereço eletrônico permitiu o desenvolvimento de um ensino reflexivo de ortografia. Não fosse esse gênero, não alcançaríamos aulas tão importantes para as crianças, nas quais elas conversavam livremente com a professora sobre o uso de uma letra por dúvidas de escrita. Como esse trabalho aqui citado é um recorte de uma pesquisa5 maior com outros gêneros digitais sendo utilizados nessas aulas, assim como o endereço eletrônico, elas puderam perceber que no referido e-gênero escreviam nesse formato específico, mas em outros, sabiam que as palavras deveriam ficar separadas. O leitor poderia pensar que a influência do gênero endereço eletrônico, por sua natureza linguística, fosse até negativa, mas os outros gêneros nos levaram a crer que essa influência negativa não aconteceu, como comprovam dois exemplos dos gêneros trabalhados. 5 Pesquisa já citada anteriormente, defendida em 2005. 203 MÁRCIA MARIA RIBEIRO • DOROTÉA EMÍLIA RIBEIROͳSAYED Figura 7 – E-mail enviado por <CR4> reclamando do site do plenarinho que não informaram a data de um concurso de desenho, motivo de sua não participação, mensagem enviada 29/08/2007. Figura 8 – E-mail resposta do site plenarinho para <CR4> explicando onde ela deveria ter encontrado a data desejada. Os dados das figuras 7 e 8 nos mostram como a aluna expôs sua insatisfação para o site por não ter par204 O ENDEREÇO ELETRÔNICO E AS PRÁTICAS DE ESCRITA NA WEB: AMPLIANDO A APRENDIZAGEM DA ORTOGRAFIA ticipado de um concurso de desenho em agosto, sendo prontamente atendida pelo plenarinho com sua resposta. Observamos que <CR4> está assimilando algumas questões de ortografia, mas ainda permanece com algumas dúvidas, pois de seis palavras com o fonema /s/, ela acertou quatro, o que nos leva a constatar que a porcentagem de acertos é maior que a de “erros”. Acrescentamos ainda a informação de que o endereço eletrônico não afetou a escrita das palavras separadas. Percebemos, então, que as reflexões das convenções da língua com essas práticas eram inovadoras e não tradicionais para o ensino de ortografia. Considerando os vários anos de trabalhos com alunos nessa faixa etária, não nos lembramos de outras oportunidades tão inovadoras e confortantes na troca de ideias sobre a escrita das palavras. Relembramos agora o início desse capítulo quando dissemos ser sofrido o trabalho de revisão da escrita não só para as crianças, mas também para nós adultos. E, hoje, ao escutar as gravações das aulas de letramento digital, percebemos que as crianças não tinham medo de falar sobre suas dúvidas nem mesmo medo de errar. Errar agora era possível e um passo para o acerto. A grata surpresa que essas experiências nos trouxeram foi quanto ao fato de as crianças escreverem, relerem seus escritos e reescreverem seus textos. Agora poderíamos pedir, sem medo de magoá-las, que revisassem seus textos em seus cadernos ou agendas, que elas, sem constrangimento, identificavam os erros e tratavam de apagar e corrigir. Outra grande conquista foi a desmitificação de que a prática da escrita no computador leva ao abandono do caderno de anotações. As crianças demonstraram durante as aulas que desejavam voltar à escrita manuscrita como também queriam navegar e explorar novas ondas do mundo infantil na Internet. Tivemos, então, oportunidade de coletar não somente as telas de acesso do endereço eletrônico, mas também acesso aos cadernos de anotações das crianças, nos quais elas tinham o cuidado e a 205 MÁRCIA MARIA RIBEIRO • DOROTÉA EMÍLIA RIBEIROͳSAYED precisão de anotar os sites novos visitados no momento de aula. Os pequenos desejavam escrever o endereço eletrônico em cadernos para poder acessar também em casa. Observemos a figura a seguir, que ilustra uma página do caderno de uma das crianças que faziam suas anotações durante a aula de letramento digital: Figura 9 – Imagem do caderno de anotações de <CR1> em 2007. Não podemos negar que essas experiências não somente permitiram que as crianças refletissem sobre a língua escrita e adquirissem o hábito de revisão de seus escritos, mas também crescessem no letramento digital. O manuseio de quatro telas habilitou-as quanto ao uso do teclado, ao domínio do mouse e, em alguns casos, à descoberta de teclas de atalho para navegar com mais rapidez. Nesta etapa, ao depararem-se com a imagem de não acesso, elas mesmas não mais esperavam a professora para a prática da releitura e reescrita dos endereços. Algumas crianças já faziam a correção antes mesmo de a professora fazer com elas a revisão da escrita. 206 O ENDEREÇO ELETRÔNICO E AS PRÁTICAS DE ESCRITA NA WEB: AMPLIANDO A APRENDIZAGEM DA ORTOGRAFIA Considerações Finais Observamos que, na medida em que vivenciavam essas novas experiências, as crianças internalizaram a prática de revisão da escrita não somente no ambiente digital, mas em suas escritas em cadernos ou mesmo nas provas do colégio. As crianças passaram a perceber em outras situações de escrita que existe uma norma e que ela precisa dominar, não como algo imposto sem explicação, visto ser a norma ortográfica uma convenção e um acordo social, inclusive entre países lusófonos (AZEREDO, 2008). Ao pensar nas várias formas de escrever uma palavra, ela tenta se apropriar daquela que a levará para o site desejado. Essa consciência chega à criança através da experiência do letramento digital. Como esse trabalho ainda não está totalmente concluído, afirmamos primeiramente que essas atividades de 2007 até 2008 trouxeram resultados positivos, pois hoje as professoras de outras áreas já percebem a diferença das atividades de leitura e produção escrita das crianças e afirmam ainda que já não podemos mais deixar de ter aulas que possibilitem avanços nos letramentos digitais pelas crianças. Os processos de escrita em cadernos e provas foram acompanhados e neles pudemos observar novas realidades com a ortografia e também com a revisão do texto produzido por elas. Se no início deste texto afirmamos não ter conseguido fazer os alunos refletirem em seus textos e fazer o aprimoramento com uma revisão de escrita no início do trabalho, agora eles passaram a assumir uma aceitação para a revisão e não mais colocam empecilho para refazer ou reescrever seus textos. Mesmo que estejamos falando do ambiente virtual, no qual os processos de revisão e reescrita são mais leves, ainda assim as crianças não recusam fazer a revisão ou reescrita em cadernos ou agendas de anotações, não demonstram mais existir aquela barreira encontrada ao relatar o início de nossas observações 207 MÁRCIA MARIA RIBEIRO • DOROTÉA EMÍLIA RIBEIROͳSAYED (momentos nos quais as crianças choravam ou rejeitavam completamente apagar o que escreviam). Esse caminho do letramento digital pode não ser o único que levará crianças ao prazer da escrita e da revisão de textos, porém, no contexto de nossa pesquisa, mostrouse eficaz para transpor alguns obstáculos que se erguiam no trabalho com a alfabetização e letramento de crianças. Referências Bibliográficas ARAÚJO, J. C. Os gêneros digitais e os desafios de alfabetizar letrando. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, n. 46, p. 79-92, jan./jun. 2007. ARAÚJO. J.C. Chat na web: um estudo de gênero hipertextual. Dissertação (Mestrado em Linguística). Fortaleza: PPGL-UFC, 2003. ARAÚJO, J.C.; DIEB, M. Meu aluno escreveu iscada e pechi: o que devo fazer? Vida e Educação. Fortaleza: Brasil Tropical, ano 3, n. 9, p. 40-41, 2006. AZEREDO, J.C. (Coord.). Escrevendo pela nova ortografia: como usar as regras do novo acordo ortográfico da língua portuguesa. Instituto Antônio Houaiss. São Paulo: PubliFolha, 2008. BAGNO, M. A inevitável travessia: da prescrição gramatical à educação linguística. In: BAGNO, M. (Org.).Língua materna: letramento, variação e ensino. São Paulo: Parábola, 2002. FREYRE, G. Casa-grande e senzala. 50ª. ed. São Paulo: Global Editora, 2005. FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999. KATO, M.A. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística. 3ª ed. São Paulo: Ática, 1990. MARCUSCHI, L.A.; XAVIER, A.C. (Org.) Hipertexto e gêneros digitais: novas formas de construção do sentido. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004. 208 O ENDEREÇO ELETRÔNICO E AS PRÁTICAS DE ESCRITA NA WEB: AMPLIANDO A APRENDIZAGEM DA ORTOGRAFIA MORAIS, A.G. de. O aprendizado da ortografia. 3ª ed., 2ª reimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. MORAIS, A.G. de. Ortografia: ensinar e aprender. 3ª ed., 2ª reimp. São Paulo: Ática, 2001. NUNES, S. Ensino da ortografia: uma prática interativa na sala de aula. Belo Horizonte: Formato Editorial, 2002. RIBEIRO, M.M. Os gêneros digitais na escola: uma experiência com crianças em processo de alfabetização. Monografia (Especialização em Ensino de Língua Portuguesa). UECE, 2005. RIBEIRO, M.M.; ARAÚJO, J.C. “Tia, eu já escrevi o site do ‘Rotimeio’. Agora é só apertar o enter?” O endereço eletrônico na sala de aula. In: ARAÚJO, J.C. (Org). Internet e Ensino: novos gêneros, outros desafios. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007, p. 165-178. 209 WIKIPÉDIA E DICIONÁRIO ESCOLAR: LINKS ENTRE O LETRAMENTO DIGITAL E LETRAMENTO LÉXICOGRÁFICO1 Halysson Oliveira Dantas Considerações Iniciais Nas últimas décadas, as discussões acerca do conceito de letramento têm dado uma enorme contribuição para o estabelecimento de uma visão do processo de ensino/aprendizagem de língua materna, que privilegia a competência para compreender e produzir textos, dos mais diversos gêneros,2 em detrimento a uma perspectiva já obsoleta centrada na simples aquisição do código escrito. Assim, outros ramos da Linguística como a lexicologia e a lexicografia têm participado dessas discussões e têm também contribuído para o desenvolvimento de novas técnicas não só para a produção de verbetes em dicionários impressos, como também para demonstrar as estratégias que devem ser utilizadas pelos usuários de tais obras lexicográficas ao consultá-las, configurando-se, estas estratégias, como um novo tipo de letramento: o letramento lexicográfico. Desta forma, o que preceitua o fazer lexicográfico transcende a simples confecção de dicionários e passa a centrar-se na necessidade de dar suporte para 1 Este capítulo representa parte das reflexões que propomos durante a disciplina Letramentos na Web (Tópicos Avançados I), ministrada no semestre de 2008.1 pelo Prof. Dr. Júlio Araújo, no PPGL da UFC. 2 Para Bakhtin [1953] (1992, p. 179) “todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão relacionadas com a utilização da língua. Não é de surpreender que o caráter e os modos dessa utilização sejam tão variados como as próprias esferas da atividade humana (...) O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo temático e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos da língua – recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais – mas também, e sobretudo, por sua construção composicional.” 210 WIKIPÉDIA E DICIONÁRIO ESCOLAR: LINKS ENTRE O LETRAMENTO DIGITAL E O LETRAMENTO LEXICOGRÁFICO que os usuários de dicionários, especialmente estudantes, possam consultá-los com maior eficácia. Essa necessidade de esclarecer as especificidades presentes nas obras lexicográficas cresce em resposta à enorme gama de palavras e conceitos que a todo instante têm sido criados no mundo moderno, pois com o aprimoramento de algumas tecnologias, dentre elas a informática, o intercâmbio entre as pessoas de diversos países ocorre com uma frequência jamais vista. Além do mais, a internet, propicia não apenas o estreitamento de fronteiras, mas também a possibilidade de fazer pesquisas sobre assuntos, os mais diversos, numa velocidade infinitamente maior do que aquela demandada em pesquisas em materiais impressos. Assim, autores como Soares (2000) e Kleiman (2000), por exemplo, já têm chamado atenção para o fato de que o ensino de língua materna deve enfatizar o desenvolvimento de habilidades, que propiciem ao indivíduo competência para absorver e fazer uso das informações trazidas pelos diversos gêneros de texto que circulam em nossa sociedade. Não apenas textos impressos, mas também os hipertextos, que são cada vez mais uma realidade que a escola não pode deixar à margem, conforme alerta Araújo (2007). Ao contrário, talvez, o papel fundamental dos professores de língua materna seja favorecer o letramento e suas várias outras formas como letramento digital, letramento crítico, letramento lexicográfico etc, com base nas semelhanças e diferenças existentes entre textos, de acordo com o meio em que são veiculados. Por isso mesmo, algumas questões poderiam ser levantadas a partir dessa nova realidade. Por exemplo, a mudança no meio em que o verbete é veiculado (impresso ou digital) altera radicalmente a forma como usuário faz sua pesquisa? Ou melhor, há alguma relação entre o conhecimento lexicográfico do consulente e sua habilidade com hipertextos? Deste modo, nosso trabalho visa justamente discutir essas questões com base em uma análise comparativa de dois verbetes, um em meio impresso, retirado do dicionário Miniaurélio Jr. (2005) e outro em 211 HÁLYSSON OLIVEIRA DANTAS meio digital, extraído da base de dados da Wikipédia, enciclopédia livre na internet. Nosso intuito, pois, é tentar estabelecer uma interface entre o que preceitua a metalexicografia e as estratégias de consulta utilizadas por quem pesquisa em meio digital, a fim de relacionar letramento digital e letramento lexicográfico e demonstrar que eis aí um tema ainda pouco explorado por pesquisadores do hipertexto e por lexicógrafos. Para tanto, discutiremos brevemente sobre o fazer lexicográfico, especialmente no que tange às remissivas, e sobre os conceitos de letramento, de letramento digital, para, em seguida, fazermos uma análise comparativa dos mecanismos de remissão presentes nos verbetes em questão. Teceremos ainda algumas considerações a respeito dessa interface entre teoria lexicográfica e o letramento digital. Fundamentos Teóricos Lexicologia e lexicografia A lexicografia é caracterizada por muitos autores, como a “arte” ou “técnica” de fazer dicionários. Ancorada nos preceitos teóricos estabelecidos pela lexicologia, que foram feitos nos últimos tempos, a lexicografia surge como a aplicação prática dessas teorias lexicológicas. Por isso mesmo, tem sido classificada como estando no âmbito da Linguística Aplicada. Para Casares (1992, p.10-11), apesar de serem disciplinas que têm o mesmo objeto de estudo – o léxico – diferenciam-se pelo enfoque que lhe é dado: É de igual maneira que distinguimos uma ciência da gramática e uma arte da gramática, podemos distinguir duas faculdades que têm sua origem num objeto comum, a forma e o significado das palavras: a Lexicologia, que estuda estas matérias do ponto de vista geral e científico, e Lexicografia, cujo sentido, principalmente usual, define-se 212 WIKIPÉDIA E DICIONÁRIO ESCOLAR: LINKS ENTRE O LETRAMENTO DIGITAL E O LETRAMENTO LEXICOGRÁFICO acertadamente em nosso léxico como “a arte de compor dicionários” Esta concepção apresentada por Casares (1992) tem sido bastante aceita e difundida pela maioria dos linguistas que se preocupam com o estudo do léxico, por concordarem que a Lexicografia está notabilizando-se como a parte prática da Lexicologia, o que parece ser de extrema importância para que não se confundam as duas disciplinas como se tratando de uma só. Além disso, a lexicografia influencia ainda em outros aspectos importantes dos estudos lexicográficos que vão além da elaboração de dicionários. Ela apresenta elementos que servem de base para a crítica a obras lexicográficas, em especial, aquelas destinadas a aprendizes, apresentando parâmetros que devem ser levados em consideração não só por lexicógrafos na confecção de novos dicionários, mas também por professores que têm a tarefa de guiar seu aluno para que este consiga consultar tais obras explorando todas as suas possibilidades. Assim, alguns autores mais atuais como é o caso de Hernández (2000, p. 174), levando em consideração esse aspecto crítico da lexicografia, vão mais além, quando afirmam que ela “não se limita apenas à prática, também apresenta uma vertente teórica autônoma, mas de base lexicológica”. Para ele, a Lexicografia pode ser dividida em “Lexicografia Prática e Lexicografia Teórica (ou Metalexicografia)”. O desenvolvimento de tratamentos informáticos no estudo do léxico, bem como a demanda por novas tecnologias e a pressão comercial pela confecção de bons dicionários têm feito com que a lexicografia prática dê um enorme salto, atraindo cada vez mais a atenção de muitos linguistas. Assim, muitos dicionários têm deixado de ser apenas normativos e passaram a ser mais descritivos e a ser elaborados de acordo com os princípios estabelecidos pelo fazer lexicográfico. Deixa-se de lado, pois, o caráter predominante nos dicionários anteriores ao surgimento da lexicografia prática, que cumpriam apenas a função de 213 HÁLYSSON OLIVEIRA DANTAS simples repositórios de significados. Deste modo, as obras lexicográficas precisam acompanhar o avanço das novas tecnologias, ampliando cada vez mais o leque de informações que as compõe, além de apresentá-las de maneira clara, a fim de proporcionar a quem consulta estas obras a possibilidade de suprir suas demandas. Por isso mesmo, a procura por dicionários e enciclopédias tem crescido bastante seja em meio impresso, seja em meio digital. Vale ressaltar, como afirma Pontes (2007, p.5), que essa mudança na forma como se produzem os dicionários, atualmente, tem por base “a preocupação com os usos da língua e com a educação linguística de um povo”. Em resposta a essa nova forma de enfocar as obras lexicográficas, é que já a partir dos anos sessenta e setenta, começa-se a falar sobre a lexicografia teórica ou, para usar um termo mais atual e cunhado por Hausmann (1988, p. 84),3 sobre a metalexicografia. Segundo esse mesmo autor, apesar de comumente apontar-se os anos 60 e 70 como o período em que se iniciaram os estudos efetivos sobre teoria lexicográfica, essa disciplina já existia desde sempre nos prólogos dos dicionários e nos artigos das enciclopédias. Realmente, é fato que os prólogos das obras lexicográficas eram tidos como ensaios para estudos críticos mais apurados em relação aos dicionários. Deste modo, quando um lexicógrafo apresenta a forma como o dicionário está organizado, as fontes em que realizou suas pesquisas e algumas pistas importantes para a consulta de sua obra, o que ele está fazendo é um pequeno estudo metalexicográfico de sua própria obra. Por isso mesmo, é que um bom dicionário deve trazer informações de como o consulente deve proceder a pesquisa, de quais as informações relevantes que podem ser encontradas no interior 3 HAUSMANN, Franz J. Grundprobleme des zweisprachigen Wörterbuch: eine Ubersicht. In: Hausmann, F. J. et al. (ed.) vol. 1, 1988, p. 649-657. 214 WIKIPÉDIA E DICIONÁRIO ESCOLAR: LINKS ENTRE O LETRAMENTO DIGITAL E O LETRAMENTO LEXICOGRÁFICO da obra, bem como esclarecer as diversas abreviaturas que figuram no dicionário, especialmente aquelas referentes às remissivas. Para Pontes (2007, p. 5) as pesquisas que se baseiam nos métodos da metalexicografia “servem de fundamentos sólidos para o fazer lexicográfico e para as discussões relativas à Lexicografia Aplicada”. Este ramo dá conta ainda dos estudos do dicionário em sala de aula, mas pode também ser aplicado a outras áreas, como aquelas que estudam os gêneros digitais. Assim, o que mais se tem estudado em relação aos dicionários escolares impressos são as atitudes e as crenças dos alunos diante destas obras, suas dificuldades de uso, as estratégias de consulta e a descrição de parâmetros que favorecem a análise destas obras destinadas a aprendizes. Contudo, a mesma energia que os lexicógrafos dispensam ao estudo de obras em meio impresso não tem sido dispensada ao estudo destes mesmos aspectos nas obras em meio digital. Pois, apesar da mudança em relação ao suporte em que os verbetes apareçam, acreditamos que haja muitas semelhanças entre o que preceitua a metalexicografia e as teorias que estudam os textos digitais. Portanto, não é um contra-senso afirmar-se que a metalexicografia está muito mais centrada no consulente, e a crítica feita a obras lexicográficas (impressas ou digitais) com base nessa teoria tem o intuito de aprimorá-las cada vez mais para facilitar a consulta do usuário. O Verbete Welker (2004, p. 110) diz que pode ser considerada a cabeça do verbete a junção do “lema com as informações anteriores à(s) definição(ões), a saber, variantes ortográficas, a pronúncia, a categoria gramatical, informações flexionais e/ou sintáticas, a etimologia, marcas de uso.” É necessário, pois, que o lexicógrafo leve em consideração que, em seu plano de elaboração dos verbetes, a seleção de um lema para figurar como palavra-entrada 215 HÁLYSSON OLIVEIRA DANTAS na nomenclatura de um dicionário, implica necessariamente que possam ser estabelecidas suas características formais e semânticas. Sendo, pois, tais características extremamente relevantes para quem, por exemplo, consulta um dicionário no intuito de aprender a pronúncia, a grafia correta de uma palavra, para ampliar seu vocabulário ou para compreender o significado de um dado conceito. Deste modo, interessa-nos, para o escopo de nosso trabalho, a rede léxico-semântica que se estabelece no interior dos verbetes por meio das remissivas. Esse talvez seja o aspecto constante na microestrutura dos verbetes em que possam ser percebidas as maiores semelhanças e diferenças existentes entre os verbetes impressos e os digitais. Visto que, como as remissivas ou links são complementos da definição ou são essenciais para esclarecer a definição de um conceito, tem-se, neste caso, uma interseção entre a metalexicografia e as teorias do hipertexto. A mudança de suporte em que o verbete se apresenta faz com que novas estratégias sejam demandadas para que o consulente atinja sua meta. Assim sendo, enquanto no verbete impresso as remissões estão limitadas por uma visão espacial de avançar ou retroceder páginas do dicionário, para encontrar a nova entrada, no verbete digital essa noção se perde, pois, ao clicar num link, o consulente é remetido a outro verbete que aparecerá como uma nova tela que pode gerar várias outras, sem que o consulente perceba que há a dinâmica do ‘ir’ e ‘vir’ presente nos dicionários impressos. Portanto, vejamos como se dão as remissivas em dicionários impressos, de acordo com os parâmetros estabelecidos pela lexicografia, a fim de que possamos observar alguns pontos em comum com as remissões feitas no âmbito digital do hipertexto. As Remissivas Tradicionalmente, costuma-se analisar a organização dos dicionários em geral, a partir de dois pontos 216 WIKIPÉDIA E DICIONÁRIO ESCOLAR: LINKS ENTRE O LETRAMENTO DIGITAL E O LETRAMENTO LEXICOGRÁFICO fundamentais: a macroestrutura e a microestrutura. A primeira diz respeito à disposição das palavras-entrada no dicionário, bem como à quantidade de entradas constantes no mesmo. A microestrutura, por sua vez, refere-se à estruturação interna do verbete (informações gramaticais, definições, etc). Há ainda a medioestrutura, que explica as relações léxico-semânticas presente nas obras lexicográficas. Welker (2004, p177) destaca o conceito de medioestrutura, conforme sua explicação abaixo: (...) entre essas duas ‘estruturas’ (macro e microestrutura) há uma outra, denominada, às vezes, medioestrutura (termo empregado mais na Alemanha, mas aparecendo como lema também em Hartmann e James 1998). Trata-se de um sistema de remissões (ou referências cruzadas, al. Verweise, esp. Remissiones, fr. Renvois, ingl. Cross-references), isto é, de maneiras de se remeter o usuário de um lugar a um outro. As relações léxico-semânticas se estabelecem no interior dos dicionários por meio de remissões (também conhecidas como referências cruzadas) de um termo a outro e devem de alguma forma ser explicitadas. É bastante comum nos dicionários a presença de sinônimos e antônimos, que podem figurar inseridos na própria definição da palavra, logo após a definição ou no final do verbete. Em relação ao que se pode considerar como sinônimo e antônimo, há muitas opiniões divergentes tanto no âmbito da metalexicografia quanto da própria Linguística, porém, ao nosso trabalho interessará a visão de sinônimos e antônimos como palavras, que, apesar de serem diferentes na sua forma, apresentam alguma analogia semântica. No caso dos dicionários escolares, Damim (2005, p. 36) afirma que a sinonímia e a antonímia devem ser “um resultado aproximado, e não total, de similaridade e oposição e significado entre duas palavras, como é o caso de guria e menina e dentro e fora, respectivamente”, visão esta que pode também ser aplicada aos verbetes digitais. 217 HÁLYSSON OLIVEIRA DANTAS Nessa perspectiva, recorrer a sinônimos e antônimos seria uma forma de complementar o significado da palavra consultada. Contudo, essa complementação não deve ser restrita apenas à relação entre a palavra-entrada e os sinônimos e antônimos, tem-se ainda a complementação por meio de consulta aos textos externos e às fontes pesquisadas pelo lexicógrafo na elaboração do dicionário. Em relação, aos links nos hipertextos, por exemplo, esse caráter de complementação pode se apresentar ainda em forma de home-pages relacionadas ao assunto pesquisado, vídeos, música, fotos, entre outros, revelando assim as múltiplas possibilidades de um texto digital. As formas de remissão que são utilizadas variam nos diversos dicionários, mas pode-se dizer que as mais frequentes são aqueles que utilizam o verbo Ver ou sua forma abreviada V., setas e nos textos externos usa-se a sigla Cf.4 Há, portanto, remissões que são externas, referindo-se às fontes de consulta utilizadas pelo lexicógrafo para a produção do dicionário, ou internas, que dizem respeito às informações presentes nos verbetes. No caso dos verbetes digitais, é mais comum destacar-se a remissiva por meio de uma cor diferente da fonte, ou por ícones que se movimentam ou piscam na tela de cristal líquido. As remissivas, nos dicionários impressos, podem ser, pois, obrigatórias ou facultativas, cumprindo, desta forma, a função de evitar repetições. Ao passo que no hipertexto, não apresentam muito esse caráter de obrigatoriedade, sendo muito mais facultativa e de responsabilidade do leitor/consulente. A respeito dessa classificação, Wiegand (1996, p.35)5 expõe as características das remissivas mais encontradas em dicionários impressos. Para ele, a remissão pode ser feita de um lema a outro, quando o lexema representado pelo lema não está defi4 Dependendo da obra esta sigla pode significar confronte ou conferir. 5 WIEGAND, Herbert E. Fragen zur Grammatik in Wörterbuchbenut- zungsprotokollen. Ein zur empirischen Erforschung der Benutzung einspraichiger Wörterbucher. In: Bergenholtz, H & Mugdan, J. (eds.) Lexicografie und Grammatik. Tubingen: Niemeyer, 17-100, 1985. 218 WIKIPÉDIA E DICIONÁRIO ESCOLAR: LINKS ENTRE O LETRAMENTO DIGITAL E O LETRAMENTO LEXICOGRÁFICO nido na nomenclatura do dicionário. Tratando-se, desta forma, de um lema remissivo, ou seja, só se pode compreender o significado da palavra buscada se, e somente se, for acessada a nova palavra sugerida pela remissão, que, neste caso, é obrigatória. Além disso, o mesmo autor ainda destaca outros tipos de remissões às quais chama de facultativas, pois dependem da vontade do leitor/consulente. Como exemplo de remissões facultativas, Wiegand (op. Cit) destaca as referências a sinônimos, a antônimos e a hiperônimos; referência a lexemas relacionados etimologicamente; referência de lexias complexas a lexias simples; ou, para informações nos textos externos6 e para ilustrações gráficas; etc. No que se refere às remissões em hipertextos, os links, pode-se afirmar que seguem uma dinâmica própria do meio digital, a saber a dispersão e a possibilidade de atualização quase que simultânea com a tela que está sendo acessada em dado momento. Ao contrário do trabalho um tanto quanto mais complexo e braçal das remissões em verbetes impressos, as remissões em verbetes digitais dependem apenas de um clique e são essencialmente facultativas. Contudo, tais remissões ainda carecem de uma atenção maior de lexicógrafos e de analistas do hipertexto, a fim de que possam ser melhor descritas. Como se pode observar, a rede léxico-semântica que se estabelece no interior de verbetes impressos e digitais é muito mais complexa do que parece e envolve muito mais do que simplesmente palavras sinônimas ou antônimas. Há que se considerar ainda que o desconhecimento das remissões por parte de quem consulta obras lexicográficas é um fator que contribui para uma má consulta, que por vezes não supri a demanda do consulente. 6 Por textos externos entende-se o conjunto dos textos que aparecem antes e depois da nomenclatura de um dicionário. Podemos citar como exemplos de textos externos, o prefácio, a introdução, a lista de abreviaturas usadas no dicionário, resumo gramatical, as tabelas de conjugação verbal, as fontes pesquisadas pelo lexicógrafo, entre outras informações. 219 HÁLYSSON OLIVEIRA DANTAS Isto porque a informação que ele busca pode até estar no dicionário, mas o fato de não saber como utilizá-lo, acaba gerando-lhe frustração e consequente antipatia, em relação a esses instrumentos de consulta. Sendo assim, podemos afirmar que a leitura de obras lexicográficas impressas ou digitais requer um tipo de conhecimento específico, ou melhor, requer um letramento específico, não sendo demais falar-se de um letramento lexicográfico para facilitar a consulta a dicionários impressos e enciclopédias digitais, por exemplo. Letramentos: Letramento Digital e Letramento Lexicográfico Ao longo da história da humanidade, presenciamos alguns momentos importantes para a transformação da percepção de que o homem tem do mundo à sua volta e, por conseguinte, dos esquemas cognitivos, que são formados a partir de experiências novas, posteriormente cristalizadas na mente humana. Citem-se, como exemplos históricos de transformação da conduta humana, a descoberta da roda e o início das relações de compra e venda, utilizando papel-moeda. Assim como esses fatos, a descoberta da tecnologia da escrita teve (e ainda tem) um papel de extrema relevância para o desenvolvimento da humanidade, pois quando os Sumérios criaram a escrita cuneiforme, com o objetivo de registrar textos religiosos, talvez eles não tivessem a dimensão da gama de possibilidades que a escrita daria a todos que dela se apropriariam. Mas, a escrita cuneiforme idealizada pelos Sumérios, da mesma forma que os ideogramas chineses e os hieróglifos egípcios, foram adquirindo novas formas à medida que as pessoas os utilizavam, tornando-se tão imprescindível para algumas sociedades que seus integrantes não conseguiriam sequer imaginarse sem o suporte dessa tecnologia, que requer uma técnica e o desenvolvimento de habilidades, que precisam ser ensinadas por outrem. 220 WIKIPÉDIA E DICIONÁRIO ESCOLAR: LINKS ENTRE O LETRAMENTO DIGITAL E O LETRAMENTO LEXICOGRÁFICO Ong (1986),7 citado por Soares (2002, p.147), também se refere ao fato de que não se pode, nas sociedades letradas dissociar-se a tríade fala-pensamento-escrita, pois a tecnologia da escrita está tão profundamente internalizada em nós que nos tornamos incapazes de separá-la de nós mesmos, e assim não conseguimos perceber sua presença e influência – não temos consciência da natureza do fenômeno do letramento, temos dificuldade de captar as características do estado ou condição de ser “letrado”, porque vivemos imersos nele. A perspectiva de letramento defendida por Ong (op. cit.) reafirma o status que a escrita adquiriu ao longo dos tempos, em relação à forma de encarar o mundo e em relação à forma de pensar daqueles que vivem em sociedades letradas. Além do mais, esse caráter que a escrita assumiu de ser inerente ao próprio modo de vida dos indivíduos de uma sociedade letrada, acaba por torná-la uma necessidade primária, assim como são a moradia, o transporte, o entretenimento, etc. Neste sentido, um indivíduo que não domina ou tem pouca habilidade com a tecnologia da escrita, nos tempos atuais, sente enorme dificuldade de constituir-se plenamente como membro de uma sociedade que se baseia em tal tecnologia, sendo, por conseguinte, marginalizado. Contudo, aliamo-nos a Araújo (2007) para dizer que não basta apenas proporcionar aos indivíduos a possibilidade de aquisição do código escrito, pois as demandas sociais se sofisticaram tanto que requerem muito mais do que uma simples decodificação ou uma transcrição da escrita. Para além disso, para que alguém possa ser considerado como um sujeito que exercita de maneira plena o seu conhecimento da língua escrita e, portanto, a sua cidadania, é necessário que ele saiba ‘navegar’ pelas mais 7 ONG, W. J. Writing is a technology that restructures thought. In:BAUMANN, G. The written word: literacy in transition. Oxford:Clarendon, 1986, p. 23-50. 221 HÁLYSSON OLIVEIRA DANTAS diferentes formas de realização da escrita nos diferentes eventos comunicativos. Neste sentido, não é a alfabetização um fim em si mesmo, mas uma parte importante do processo que leva o indivíduo a tornar-se letrado, pois nessa perspectiva ser letrado é entender que a linguagem, quer seja escrita ou falada, é tão somente um meio para chegar-se a determinados objetivos, que serão alcançados na interação entre indivíduos num dado contexto. Assim, é que para além de discutirmos apenas o conceito de letramento, na perspectiva da linguagem escrita, precisamos também lançarmos um olhar cada vez mais atento para os desdobramentos que esse conceito possa ter. Dentre esses desdobramentos, interessam-nos os conceitos de letramento digital e de letramento lexicográfico. O primeiro tem sido bastante discutido, visto que hoje vivemos uma nova revolução científico-cultural, que é o desenvolvimento de uma cibercultura, pois assim como aconteceu no passado em relação à leitura e escrita de textos impressos, moldando formas de comportamento e estratégias de uso frente ao texto, presenciamos esse mesmo acontecimento, agora frente aos textos veiculados em meio digital, os chamados hipertextos. Além do mais, alguns textos por transitarem entre os ambientes impresso e digital demandam não somente a necessidade de que o leitor possua habilidades em relação à leitura de textos em meio digital, mas também habilidades específicas de leitura destes mesmos textos em meio impresso. É o caso, por exemplo, da consulta a verbetes em enciclopédias digitais. Para além do conhecimento de leitura de hipertextos, é necessário, sobretudo, que o consulente tenha algumas habilidades próprias de quem costuma ler dicionários e enciclopédias impressas. Portanto, neste sentido, é preciso também aliar um letramento digital com um letramento lexicográfico, que seria algum conhecimento mínimo que o consulente precisa ter sobre algumas estratégias de leitura de obras lexicográficas e de algumas nuances que elas trazem, comuns tanto em meio impresso quanto em meio digital. 222 WIKIPÉDIA E DICIONÁRIO ESCOLAR: LINKS ENTRE O LETRAMENTO DIGITAL E O LETRAMENTO LEXICOGRÁFICO Soares (2002, p. 152) levanta a questão da necessidade de levar-se em consideração as diferenças que influenciam a produção e recepção de textos no meio impresso e no meio digital. Segundo essa autora, pode-se concluir que a tela como espaço de escrita e de leitura traz não apenas novas formas de acesso à informação, mas também novos processos cognitivos, novas formas de conhecimento, novas maneiras de ler e de escrever, enfim, um novo letramento, isto é, um novo estado ou condição para aqueles que exercem práticas de escrita e de leitura na tela. Contudo, o fato de que há muitas diferenças no que concerne ao ambiente em que se veicula o texto, não descarta a possibilidade de haver também pontos comuns entre as estratégias de que o leitor lança mão para conseguir construir o sentido do texto. Em relação aos verbetes presentes em enciclopédias digitais e aos verbetes de dicionários escolares impressos, por exemplo, há algumas semelhanças, especialmente, na forma de fazer-se as remissões, revelando, deste modo, a necessidade de que os estudos no campo do hipertexto estabeleça algumas interfaces com os estudos lexicográficos. E é justamente este diálogo entre essas duas vertentes teóricas da Linguística moderna que norteia a análise que veremos a seguir de um único verbete publicado em suporte impresso e em suporte digital. Fundamentos Metodológicos Como nosso trabalho visa tão-somente buscar indícios de uma interseção entre os estudos metalexicográficos e as teorias do hipertexto, e não se propõe a fazer o mapeamento completo de todos os pontos comuns entre estas teorias, resolvemos escolher apenas um único verbete para proceder a nossa análise, sendo que sua publicação se dá em meio impresso e em meio digital. 223 HÁLYSSON OLIVEIRA DANTAS Escolhemos trabalhar com verbetes por ser um gênero textual basicamente de consulta e por ser também um conceito fundamental para os estudos lexicográficos. Além do mais, o verbete impresso em sua essência já apresenta algumas nuances que devem ser conhecidas por quem os consulta, para que se possa atingir com sucesso a informação demandada. Cite-se como exemplo destas nuances, a organização em ordem alfabética, as informações gramaticais e de uso que aparecem abreviadas e as remissivas, entre outras. Evidenciando-se assim a necessidade de que o consulente possua um certo nível de letramento lexicográfico. Ao passo que no caso do verbete digital, além de um letramento lexicográfico, o leitor que acessa esse gênero, precisa possuir ainda um letramento digital para que possa navegar com mais fluidez pela gama de informações que um verbete digital pode lhe proporcionar. Para tanto, fizemos num primeiro momento o levantamento de alguns conceitos teóricos importantes não só na área da metalexicografia, mas também em relação aos estudos do hipertexto. Em seguida, delimitamos as obras que serviriam de ponto de partida para a escolha do verbete que constaria da análise. Decidimos, pois, escolher como obra impressa o Minidicionário Aurélio Jr. (2005), doravante MDAu05, por figurar no grupo dos três grandes dicionários da língua portuguesa juntamente com o Houaiss e o Michaellis (WELKER, 2004). Além disso, a escolha deste dicionário ainda se justifica pelo fato de que ele figura entre as obras recomendadas e selecionadas pelo INEP/MEC para serem distribuídas entre alunos do ensino fundamental da escola pública (INEP/MEC, 2001). Em relação à obra digital, escolhemos a Wikipédia, a enciclopédia livre da internet, por ser talvez a mais completa obra de consulta presente na web e também pela enorme popularidade que esta enciclopédia digital tem junto aos internautas.8 8 “A Wikipédia é a enciclopédia popular digital de maior sucesso da internet. Só a versão alemã possui 750 mil artigos” (Revista Língua Portuguesa, no 33, ano III, julho de 2008). 224 WIKIPÉDIA E DICIONÁRIO ESCOLAR: LINKS ENTRE O LETRAMENTO DIGITAL E O LETRAMENTO LEXICOGRÁFICO A palavra escolhida, pois, a ser pesquisada na nomenclatura do Miniaurélio Jr. (2005) e na banco de dados da Wikipédia, foi BASE. A escolha desta palavra não levou em conta nenhum tipo de levantamento estatístico, na verdade a nossa experiência como usuário de dicionários e da Wikipédia, bem como nossa experiência em sala de aula, nortearam tal escolha. Outro fator que influenciou na seleção do verbete BASE, é o fato de que esta palavra está presente não só no universo da língua comum, como também nas línguas de especialidades.9 Por fim, a análise é feita a partir de um só verbete de cada obra pelo fato de que as remissões e os links encerrarem em si muitas possibilidades de novas consultas, o que no caso do dicionário pode até ser possível imaginar um limite, porém em relação à Wikipédia essas possibilidades parecem infinitas. Portanto, uma análise mais apurada não seria o propósito de nosso estudo. Dicionário Escolar e Wikipédia: Duas Faces de uma Mesma Moeda Muito se tem discutido, ultimamente, acerca dos meios em que os textos são produzidos e, como consequência disso, discute-se também as implicações que decorrem do fato de que hoje textos impressos e textos digitais – os chamados hipertextos – co-ocorrerem livremente em nosso cotidiano. Dentre essas implicações, destacam-se a preocupação em relação às ‘pistas’ que o autor de um texto quer seja impresso, quer seja digital, deve dar ao seu leitor para que este possa de forma interativa construir seu sentido. Além disso, é preciso observar ainda que a forma 9 Por língua comum entendemos ser aquela que é natural, corrente e cotidiana, própria dos indivíduos de uma dada comunidade linguística (a língua portuguesa), sua substância é, pois, a palavra. Ao passo que a língua de especialidade diz respeito a um tipo de código específico de uma certa área de conhecimento ou domínio técnicocientífico (medicina, engenharia, linguística, etc), sendo, pois, sua substância o termo. 225 HÁLYSSON OLIVEIRA DANTAS de leitura de textos impressos e textos digitais apresenta nuances que devem ser consideradas em qualquer análise que se faça tomando por base tais textos, visto que os meios em que eles são veiculados provêm de tecnologias diferentes, que carecem de habilidades físicas e sóciocognitivas diversificadas por parte do leitor. Contudo, acreditamos com Coscarelli (2005) o fato de que a leitura em meio impresso e em meio digital apresentar diferenças em relação à forma de interação entre autor-texto-leitor, não implica dizer que se trata de textos completamente diferentes e que não há pontos comuns entre eles. Ao contrário, uma análise um pouco mais atenta de uma mesma notícia veiculada num jornal impresso ou na internet, por exemplo, revela-nos muito mais semelhanças que diferenças, como mostra Ribeiro (2008). Assim ocorre também com os dicionários e as enciclopédias que são impressos, em relação aos dicionários e às enciclopédias digitais, que apesar de serem veiculados em meios diferentes apresentam algumas características comuns que são explicadas pela Lexicografia. Vejamos, como forma de ilustrar o que foi exposto, uma breve análise de dois verbetes, um constante no MDAu05 e outro presente no Wikipédia, enciclopédia livre na internet. A análise gira em torno das remissivas, conceito fundamental em Lexicografia para a composição de dicionários e enciclopédias. Como veremos abaixo: 1) Microestrutura abstrata: Palavra-entrada + categoria gramatical + flexão de gênero + paradigma(s) definicional(is) + lexia(s) complexa(s) + remissiva + abonação Ba.se s.f. 1. Tudo quanto serve de fundamento ou apoio. 2. Parte inferior onde alguma coisa repousa ou se apóia. 3. Parte inferior de coluna, pilar, etc. 4. Origem, fundamento. 5. Preparo intelectual. 6. Ingrediente ou substância principal de uma mistura. 7. Conjunto de construções e instalações militares destinadas a prestar apoio às unidades que operam em determinada área. 8. Eletrôn. Estreita região entre o emissor 226 WIKIPÉDIA E DICIONÁRIO ESCOLAR: LINKS ENTRE O LETRAMENTO DIGITAL E O LETRAMENTO LEXICOGRÁFICO e o coletor, num transmissor bipolar. 9. Gram. Radical (5). 10. Mat. Num sistema de logaritmos, o número constante que, elevado ao logaritmo de outro, reproduz este outro. 11. Quím. Substância que reage com um ácido para dar um sal, que se dissocia em água formando íons hidroxila (HO), que é capaz de aceitar um próton e que pode doar um par de elétrons. ♦ Base de dados. Inform. Banco de dados (1). Base espacial. Centro de lançamento de foguetes e satélites. Base ortonormal. V. ortonormal. Tremer nas bases. 1. Bras. Sentirse seriamente ameaçado; ter muito medo. 2. Ficar fortemente impressionado: Ao ver a beleza da moça, tremeu nas bases. Figura 1 - Verbete ‘BASE’ – Fonte Miniaurélio jr (2005) Conforme podemos perceber na figura 1, temos primeiramente a microestrutura abstrata do verbete ‘base’. A determinação da microestrutura abstrata é um expediente metodológico fundamental em qualquer análise lexicográfica, pois é a partir dela que o analista pode visualizar o plano inicialmente desenvolvido pelo lexicógrafo na composição dos verbetes de seu dicionário. Além do mais, utilizando a construção de um prédio como metáfora, poderíamos afirmar que a microestrutura abstrata seria, pois, toda a armação de um prédio com bases sólidas e com colunas e vigas de ferro e concreto. No caso do verbete da fig. 1, a microestrutura abstrata é constituída pela palavra-entrada, ou seja, aquela que figura na nomenclatura do dicionário e deve ser pesquisada pelo consulente para que este possa acessar o verbete como um todo; em seguida, as informações gramaticais como a categoria gramatical da palavra e sua flexão de gênero, outros dicionários trazem ainda informações sobre pronúncia, divisão silábica, ortoépia; o paradigma definicional apresenta as várias acepções referentes à palavra-entrada, no caso da palavra ‘base’, temos elencadas onze acepções; as lexias complexas são perífrases nas quais podem aparecer a palavra-entrada, elas também são uma importante fonte de remissões facultativas, visto que essas lexias são geralmente expressões idiomáticas ou expressões próprias de uma área do conhecimento; 227 HÁLYSSON OLIVEIRA DANTAS Há ainda a remissiva facultativa marcada, como podemos perceber pela utilização da sigla V.(ver), sendo esse expediente muito utilizado em verbetes impressos e não tão frequente em verbetes digitais, que marcam a remissão por meio da utilização de uma cor diferente na fonte, como veremos mais adiante na análise comparativa; por fim, temos as abonações, que são exemplos nos quais aparecem a palavra-entrada, criados pelo próprio lexicógrafo ou extraídos por ele de obras literárias consagradas – sendo este segundo caso uma característica marcante do MDAu05. 2) Figura 2 – Verbete ‘BASE’ – Fonte <http://pt.wikipedia.org/wiki/ Base> Como já foi dito em seção anterior, as remissões levam o consulente/leitor de um lugar a outro e cumprem o papel, na maioria das vezes, de complementar uma informação que esteja incompleta. Além disso, as remissões podem vir a ser uma condição sine qua non para a compreensão da palavra-entrada, tendo em vista que alguns verbetes apresentam apenas a definição por sinonímia, remetendo o consulente obrigatoriamente por meio da sigla V. (ver), de uma palavra a outra constante 228 WIKIPÉDIA E DICIONÁRIO ESCOLAR: LINKS ENTRE O LETRAMENTO DIGITAL E O LETRAMENTO LEXICOGRÁFICO da macroestrutura do dicionário. Essa dinâmica, de navegar de um lugar a outro, se estabelece também nos textos digitais, constituindo-se, na verdade, como uma das principais características do hipertexto. No entanto, as remissões no gênero verbete de natureza hipertextual são feitas por meio de links, que geralmente aparecem destacados no hipertexto, através de cores chamativas ou por ícones que piscam e se movimentam ao longo da tela de cristal líquido, como mostra a figura 2 acima. Se compararmos, por exemplo, a maneira como o MDAu05, e o Wikipédia apresentam o verbete ‘base’ (cf. figuras 1 e 2), podemos constatar que tanto um quanto outro estabelecem remissões semelhantes, revelando assim uma certa incompletude em relação ao sentido da palavra-entrada, bem como as diversas possibilidades em que tal palavra pode ser utilizada, de acordo com o contexto em que se realize. Desta forma, o MDAu05 e o Wikipédia mostram as mesmas áreas de conhecimento, nas quais pode-se utilizar a palavra ‘base’, o que revela que as fontes de pesquisa de ambos tenham sido semelhantes. Além do mais, pode-se afirmar ainda que o primeiro apresenta definições mais completas, para a língua comum, em relação ao conceito de ‘base’, o que está de acordo com aquilo a que se propõe um dicionário escolar, que é esclarecer dúvidas de estudantes, ao passo que o segundo demonstra de forma excessivamente objetiva, o conceito de ‘base’ em áreas específicas, demonstrando, assim, talvez, a intenção de atingir um público-alvo mais restrito. Esta forma de apresentação do conteúdo diz muito em relação à maneira como o consulente/leitor vai interagir com os verbetes, pois, ao produzi-los, seus autores têm em mente o tipo de pessoas que consultarão tais verbetes, o que faz com que os autores possam delinear os caminhos, os quais eles desejam que o consulente/ leitor percorra/navegue. Entretanto, o “percurso” foge ao controle do autor, a partir do momento em que sua obra se torna pública, passa para as mãos – literalmente – do consulente/leitor o controle das ações em relação à cons229 HÁLYSSON OLIVEIRA DANTAS trução dos sentidos, quer seja num verbete impresso quer seja num verbete digital. Assim, é o consulente que em última instância cria o seu texto, o sentido, porque é a partir das escolhas que ele faz que o texto, no caso em questão, o verbete, vai se tornando um todo coeso e coerente. Especificamente no que se refere ao verbete impresso no MDAu05, percebemos a presença de remissões obrigatórias no interior das diversas acepções constantes na definição da palavra ‘base’. Essas remissões se manifestam através de palavras, que podem ter significado obscuro e assim não cumprem a função de suprir a demanda por significado daquele que consulta uma obra lexicográfica. No que diz respeito ao MDAu05, destacam-se como exemplos de remissões obrigatórias as palavras ‘fundamento’, ‘emissor’, ‘coletor’ e a lexia complexa ‘transmissor bipolar’. Para além de esclarecer apenas um conteúdo obscuro, as remissões feitas por intermédio dessas palavras também servem para ampliar o significado inicialmente buscado para a palavra ‘base’. Nesse sentido, observa-se que para conseguir a compreensão global da palavra-entrada, o consulente/ leitor precisa lançar mão de algumas estratégias que lhe possibilitem chegar a esse fim. Em relação ao verbete do Wikipédia, percebemos que há, na verdade, um direcionamento extremamente marcado pela presença do autor, que destaca as palavras que no seu entender possam ter significado obscuro ou despertar algum interesse para o consulente/leitor, por meio de uma cor de fonte diferente, no caso, azul (no original). Assim, no ato da consulta o usuário do computador se vê diante de algumas palavras que aparecem em forma de links, que estão ali prontos para levar o usuário a uma outra infinidade de verbetes que podem ser acessados a cada vez que alguém “clica” sobre eles. Desta forma, como se pode perceber não há uma diferenciação entre remissões obrigatórias e remissões facultativas marcadas pela sigla V. (ver), como acontece no verbete do MDAu05, por exemplo, V. ortonormal, dando assim uma oportunidade de escolha mais clara para o consulente, 230 WIKIPÉDIA E DICIONÁRIO ESCOLAR: LINKS ENTRE O LETRAMENTO DIGITAL E O LETRAMENTO LEXICOGRÁFICO longe disso, o que acontece no verbete do Wikipédia é uma espécie de isomorfismo entre as remissivas colocando-as num mesmo patamar. Obviamente, o meio em que se realizam os verbetes exerce certa influência também no estabelecimento das remissões ou dos links. Pois pareceria uma operação um tanto quanto mais complexa e mais cansativa para quem consulta significados em um dicionário impresso ter que estar diversas vezes avançando e voltando páginas, procurando em ordem alfabética nas colunas, que constituem a macroestrutura do dicionário a nova palavra direcionada pela remissiva, bem como ater-se excessivamente aos detalhes no interior dos verbetes que possam complementar a informação buscada. Na tela de cristal líquido, esse processo é muito mais rápido, necessitando tão-somente que o consulente visualize a palavra-link, pegue o mouse e direcione cursor para esta palavra e com um clique sobre ela atualize a infinidade de novas páginas que estão, digamos assim, em “stand by”, prontas para serem acessadas. Contudo, consideramos que apesar da praticidade e velocidade advinda dos avanços da internet, que tornaram as remissões menos enfadonhas, é necessário levar em conta que o excesso de links, presentes em alguns sites podem ter um efeito contrário ao pretendido pelo autor e, ao invés de facilitar, tornarem a consulta ainda mais complexa, especialmente para aqueles que não têm experiência na internet e não conhecem as estratégias de que devem lançar mão para atingir seus objetivos. Por isso mesmo, julgamos importante um maior diálogo entre as teorias que estudam o hipertexto e a Lexicografia, a fim de que possam aproveitar as contribuições que cada uma tem a dar para a análise de obras lexicográficas, sejam impressas, sejam digitalizadas. Considerações Finais Podemos afirmar, sem sombra de dúvidas, que hoje estamos diante de uma revolução em curso, que 231 HÁLYSSON OLIVEIRA DANTAS está mudando aos poucos a forma de encarar a escrita e a leitura de textos. Com o advento da internet, novos gêneros textuais surgiram, outros, que já existiam foram digitalizados, propiciando, assim, uma postura diferente e o surgimento de novos letramentos, por parte daqueles que entram em contato com o hipertexto, denominação frequentemente utilizada hoje para designar os textos em meio digital. Todavia, a cultura do papel, ao que parece, não está sendo deixada de lado em detrimento de uma cibercultura, ao contrário, tem, outrossim, dado muitas contribuições para que se possa entender a lógica inerente aos textos digitais. Basta, pois, observarmos o exemplo das obras lexicográficas, que apresentam características próprias e consequentemente requerem estratégias específicas para sua produção e sua compreensão. Não só em relação àquelas que são impressas, mas também àquelas que estão em meio digital. Assim, pela breve análise feita com um verbete cuja atualização se dá em um dicionário escolar e em uma enciclopédia digital, constatamos que há muito mais semelhanças que diferenças entre eles, exatamente pelo fato de que a consulta a obras lexicográficas impressas ou digitais demanda habilidades específicas por parte do leitor/consulente, evidenciando a necessidade do desenvolvimento de um tipo de letramento específico para essa atividade. Contudo, nosso trabalho para além de exaurir todas as questões relativas ao tema interfaces entre letramento digital e letramento lexicográfico, é na verdade o ponto de partida para que se investiguem aspectos aos quais não pudemos nos deter, como, por exemplo, as expectativas do leitor/consulente frente à consulta digital de verbetes e até que ponto ele pode contribuir para a construção dos sentidos; a descrição de parâmetros para análise de obras lexicográficas digitais; bem como a eficácia dessas obras em relação ao ensino-aprendizagem de língua materna. Eis aí, pois, um campo vasto de estudos e ainda pouco explorado por lexicógrafos e por estudiosos do hipertexto. 232 WIKIPÉDIA E DICIONÁRIO ESCOLAR: LINKS ENTRE O LETRAMENTO DIGITAL E O LETRAMENTO LEXICOGRÁFICO Referências Bibliográficas ARAÚJO, J.C. Os gêneros digitais e os desafios de alfabetizar letrando. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, n. 46, p. 79-92, jan./jun. 2007. CASARES, J. Novíssimo diccionario inglês-español, español-inglês. Madrid: Saturnino Calleja, 1992. COSCARELLI, C.V. Da leitura de hipertexto: um diálogo com Rouet et alii. In: In: ARAÚJO, J.C. & BIASI-RODRIGUES, B. (Org.). Interação na Internet: novas formas de usar a linguagem. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005. p. 109123. DAMIM, C. Proposição de critérios metalexicográficos para avaliação do dicionário escolar. Porto Alegre. Dissertação de mestrado. UFRS, 2005. FERREIRA, A.B. de H. Dicionário Aurélio Jr.: dicionário escolar da língua portuguesa. Curitiba: Positivo, 2005, p. 131. FERNÁNDEZ, D.A. La Lexigografia como disciplina linguística. In: GUERRA, A.M.M. (Coord.). Lexicografia española. Barcelona: Ariel Linguística, 2003. HERNÁNDEZ, H. El diccionario en la enseñanza de E.L.E. (dccionarios de español para extranjeros). In: Actas del XI congreso internacional de ASELE. Zaragoza, 2000. JORNAL DO MEC. Órgão Oficial do Ministério da Educação Ano IX, n. 11. Brasília -DF, junho/julho de 2001. MARTÍN, M.del C.A. El diccionario en el aula: sobre los diccionarios escolares destinados a la enseñanza y aprendizaje del españolcom lengua materna. Granada: Ed. Universidad de Granada, 2000. MORKOVKIN, V.V. Fundamentos teóricos de la lexicografía docente contemporánea. Actas del IV Congreso internacional EURALEX 90, 1992, 359-368. PONTES, A.L. Estudo de quatro dicionários monolíngues para estrangeiros. Projeto de Pesquisa do colegiado de letras. Universidade Estadual do Ceará. Fortaleza, 2007. 233 HÁLYSSON OLIVEIRA DANTAS REVISTA LÍNGUA PORTUGUESA, ano III – no 33 – Editora Segmento. São Paulo, julho de 2008. RIBEIRO, A.E. Navegar lendo, ler navegando: aspectos do letramento digital e da leitura de jornais. Tese (Doutorado em Linguística). Belo Horizonte: FALE/POSLIN-UFMG, 2008. SOARES, M.B. Novas práticas de leitura e escrita: letramento na cibercultura. Revist. Educ. Soc., Campinas, vol. 23, n. 81, 2002, p. 143-160. TRAVAGLIA, L.C. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. 5 ed – São Paulo: Cortez, 2000. WELKER, H. A. Introdução à lexicografia. Brasília: Thesaurus, 2006. WIKIPÉDIA, a Enciclopédia livre. Disponível em: <http:// pt.wikipedia.org/wiki/Base>. Acesso em 10 jun 2001. KLEIMAN, A.B. Alfabetização e letramento: implicações para o ensino. Revista da FACED, nº 06, 2002, p. 99-112. KOCH, I.G.V. Desvendando os segredos do texto. 2 ed – São Paulo: Cortez, 2002. 234 MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS DOS PROPÓSITOS DE LEITURA DE HIPERTEXTOS: CONSIDERAÇÕES ACERCA DE LETRAMENTO DIGITAL1 Regina Cláudia Pinheiro Marilene Barbosa Pinheiro Considerações Iniciais A leitura é, sem dúvida, uma atividade humana complexa, visto requerer a detenção de diversos elementos para a sua execução, o que evidencia, portanto, vários níveis de letramento. O presente trabalho, uma releitura da análise de dados coletados durante a pesquisa de mestrado de Pinheiro (2005a), se enquadra no uso funcional da leitura e escrita, corroborando a ideia de autores que consideram o letramento como o uso da escrita nas práticas sociais, em contextos específicos para alcançar determinados objetivos (KLEIMAN, 1995; BARTON, 2001; SOARES, 2001). É objetivo, então, deste artigo refletir sobre o comportamento de leitores proficientes, quando envolvidos na leitura de hipertextos.2 Para tanto, serão investigados os propósitos dessa leitura e suas variações, utilizando-se 1 Parte da discussão deste capítulo é resultado das reflexões feitas durante a disciplina Letramentos na Web (Tópicos Avançados I), ministrada no semestre de 2008.1 pelo Prof. Dr. Júlio Araújo, no PPGL da UFC. A outra parte é relativa à dissertação de mestrado da primeira autora (PINHEIRO, 2005a) que contou com a cuidadosa orientação da Profa. Dra. Rosemeire Selma Monteiro-Platin a quem se tece um especial agradecimento. 2 Nesta pesquisa, adota-se a concepção de Xavier (2002, p. 17) para quem o hipertexto constitui-se “um novo modo enunciativo, [disponível na internet], efeito da soma de vários outros modos de enunciação (verbal+visual+sonoro) [que] cooperam em igualdade de peso e valores linguístico, semântico e cognitivo para a estruturação do sentido proposto a ser processado pelo hiperleitor”. 235 REGINA CLAUDIA PINHEIRO • MARILENE BARBOSA PINHEIRO a seguinte sequência: primeiro, apresentam-se algumas discussões sobre mudanças ocorridas na leitura e na escrita com o surgimento das tecnologias digitais; em seguida, descrevem-se pesquisas empíricas já realizadas sobre leitura nesse novo contexto e, logo depois, faz-se a análise, propriamente dita, concluindo-se o trabalho com algumas considerações finais. Contextualizando a Revolução Eletrônica e as Formas de Ler e Escrever Desde o aparecimento da escrita, a tecnologia para ler e escrever se modificou ao longo da história, conforme as condições que a sociedade letrada impunha. As transformações repercutiram sobre autores e leitores, objetos de leitura e escrita, e provocaram, consequentemente, mudanças nas posturas e estratégias usadas para se efetuar a leitura. Ferreiro (2002, p. 13), refletindo sobre esses aspectos, declara com muita propriedade: “ler e escrever são construções sociais. Cada época e cada circunstância histórica dão novos sentidos a esses verbos”. Nessa mesma perspectiva, o advento da internet tem provocado mais mudanças, fazendo emergir diversos gêneros e, com isso, permitindo novas formas de escrita, de leitura e de interação, demandando, por parte de todos os usuários, habilidades diversas que constituem um novo letramento, o digital. Chartier (2002) também acredita que essa revolução do computador traz profundas transformações sociais e exemplifica mencionando a construção do hipertexto no qual, além de o autor ser o criador, desempenha ainda a função de editor, agrupando textos, imagens, tabelas, a fim de contribuir para que o leitor melhor o compreenda. Corroborando essa mesma ideia, Smith (1999, p.156) comenta: Novas formas de escrita estão sempre surgindo (...). E tudo o que é novo e se exige daqueles que escrevem deverá ser aprendido por aqueles que lêem. 236 MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS DOS PROPÓSITOS DE LEITURA DE HIPERTEXTOS: CONSIDERAÇÕES SOBRE LETRAMENTO DIGITAL Nesse sentido, é importante estar alerta às mudanças de comportamento dos sujeitos em relação ao conhecimento adquirido na interação com os textos dispostos na internet, para que se possa descobrir de que maneira ocorre a compreensão da leitura via cultura digital. Todavia, não se tem, neste trabalho, a intenção de propagar a leitura na tela como algo diferente da leitura do livro impresso, nem anunciar o desaparecimento deste. De acordo com Smith (1999, p. 157), as características do livro impresso poderiam ser reproduzidas na tecnologia eletrônica e, como ele previu, já existe tentativa bem sucedida para tornar os livros eletrônicos semelhantes aos impressos. Aqueles são surpreendentemente práticos, leves, transportáveis, duráveis, pouco menores que uma folha de papel A4 dobrada, com capacidade de armazenar meia centena de livros, (RYDLEWSKY, 2004). Em meio a essas discussões, é interessante ressaltar a democratização das informações através da Internet, o que possibilitou o acesso a documentos/textos antes não acessíveis ou de difícil acesso. Nesse novo espaço, muitos escritores anônimos estão divulgando suas histórias, suas descobertas e seus poemas em blogs, orkuts e em outros espaços de leitura/escrita hipertextual. Por outro lado, essa superabundância torna a busca do que realmente se procura muito mais difícil e também favorece maior facilidade de dispersão do leitor. Nesse caso, supõe-se que, quanto maior o nível de letramento digital do hiperleitor, mais fácil se tornará essa busca, o que poderá garantir um maior proveito no alcance do seu objetivo. Retomando Algumas Pesquisas sobre Leitura e Hipertexto A questão da leitura em hipertexto está ainda incipiente por tratar de aspectos em constituição, tendo em vista que há muito o que pesquisar sobre o assunto. Apresentam-se, a seguir, alguns trabalhos referentes a esse tema para contextualizar as mudanças ocorridas a partir dessa revolução hipertextual. 237 REGINA CLAUDIA PINHEIRO • MARILENE BARBOSA PINHEIRO Nielsen (1997 a, b, c), estudou a usabilidade de páginas na Internet em um de seus estudos (1997b), dividindo-o em três pesquisas sobre leitura na Web. Investigando um total de 81 leitores, o autor procurou descobrir o que os usuários queriam encontrar nos sites e como gostariam de que a informação fosse organizada, a fim de fazer recomendações a respeito da construção das páginas. Após diversas constatações importantes, o autor recomenda aos construtores de páginas da Web que os textos devem ser pequenos e conter tópicos que façam sentido, limitando cada parágrafo a uma ideia. Esses estudos revelaram as impressões dos leitores em relação ao hipertexto e favoreceram a constatação de que a leitura na tela do computador é 25% mais lenta do que no papel. Diante disso, podemos nos perguntar: O que os hiperleitores fazem conscientemente para suprir as falhas na compreensão do hipertexto? Pinheiro (2005b), trabalhando com leitores proficientes, constatou que, apesar destes utilizarem estratégias semelhantes às usadas no texto impresso, fizeram uso de outras estratégias requeridas ao ler hipertexto, tais como ativar o conhecimento prévio através de imagens e links realizando uma leitura top down e fazer uma leitura previewing, a fim de selecionar somente aquilo que é importante para o seu objetivo. Conforme afirmação da própria autora: ... os hiperleitores experientes em leitura na Internet, adquirem, interagindo com o hipertexto, a habilidade de selecionar somente aquilo que é importante para o seu objetivo de leitura (p. 145). Foltz (1996), investigando as habilidades cognitivas requeridas para uma interação exitosa com o hipertexto, desenvolveu sua pesquisa sobre compreensão de hipertexto, baseando-se em fatores como estrutura do texto, conhecimento prévio e habilidades do leitor. Realizou dois experimentos focalizando a coerência do texto e a relação dos objetivos do leitor com as estratégias de leitura. No primeiro, comparou dois grupos de alunos em relação às estratégias usadas para compreender um hiper238 MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS DOS PROPÓSITOS DE LEITURA DE HIPERTEXTOS: CONSIDERAÇÕES SOBRE LETRAMENTO DIGITAL texto e um texto linear. O autor descobriu que não havia diferenças significativas na compreensão em virtude do formato dos textos e também que as estratégias usadas pelos leitores eram muito similares. Ainda comprovou o seguinte: quando a estrutura do texto é modificada de sua forma linear, eles escolhem caminhos no hipertexto que podem fluir coerentemente. Para o autor, as estratégias poderiam variar dependendo dos objetivos e do conhecimento prévio do leitor. No segundo experimento, o autor acima mencionado investigou, através de protocolos verbais, as estratégias utilizadas por seis sujeitos ao lerem hipertextos. Sua pesquisa evidenciou que os leitores raramente queriam perder-se da estrutura hierárquica e expressavam interesse em ler todo o texto numa área do hipertexto, antes de mover-se para outras. Além disso, demonstrou que, para entender o texto, os sujeitos desenvolvem métodos que conduzem à manutenção da coerência, mesmo num texto em que o assunto e o formato não lhes sejam familiares. Também Pinheiro (2007), em um trabalho comparativo para relacionar a frequência de acesso à Internet com o nível de compreensão leitora de texto impresso, investigou um grupo de 43 professores através de dois questionários, cujas respostas possibilitaram a seguinte constatação: a compreensão leitora de textos impressos pode ser auxiliada pela leitura de hipertextos, pois quanto mais tempo os professores passam conectados à Internet, mais o nível de compreensão na cultura impressa melhora. A conclusão, ora mencionada, deu-se por meio de dados estatísticos obtidos pela divisão dos professores em 04 grupos, com base na quantidade de acessos à Internet, relacionando-os a níveis de compreensão classificados em fraco (até 45% de acertos), médio (entre 50% e 70% de acertos) e independente (a partir de 70% de acertos). Assim, no grupo em que o número de acesso diário à Internet foi nulo ou de apenas uma vez por semana, 25% encontraram-se no nível fraco de compreensão leitora e 42% no nível independente. No 2° grupo em que o nú239 REGINA CLAUDIA PINHEIRO • MARILENE BARBOSA PINHEIRO mero de acesso se dava uma vez por semana, não houve leitores com nível fraco e 57% estavam no nível independente. No 3° grupo, aqueles que acessavam três ou mais vezes por semana, houve 0% no nível fraco e 64% no nível independente. No 4° grupo, cujo acesso era diário, não houve leitores com nível fraco e no nível independente a porcentagem foi de 54%. Resultados e Análise A partir da análise realizada no trabalho de Pinheiro (20005a) que investigou as estratégias metacognitivas usadas por professores na leitura de hipertextos, decidiuse refletir sobre letramento digital destes. Para isso, tomaram-se por base as estratégias estabelecer os propósitos iniciais de leitura e modificar a leitura devido à variação de seus propósitos. Para a realização da situação experimental daquela pesquisa, foram selecionados 15 professores do Ensino Médio, que afirmaram usar a Internet, pelo menos, três vezes por semana e que demonstraram ser leitores proficientes através de um questionário de compreensão. Os participantes tiveram de escolher dentre três sites que lhes foram apresentados aquele com o qual mais se identificassem e, a partir da escolha, procedeu-se à leitura com acompanhamento individualizado. Nessa etapa, foi utilizada a técnica do protocolo verbal (verbalização do pensamento ao realizar uma atividade) com o objetivo de investigar como os leitores agiam durante o processo de leitura e, portanto, eles foram instruídos a ser fiéis em suas verbalizações, o máximo possível (CAVALCANTI, 1989). Veja-se, a seguir, os resultados encontrados. Primeira Estratégia a Ser Analisada: Estabelecer um Propósito Sabe-se que um leitor proficiente procura alcançar um objetivo estabelecido previamente, seja para apren240 MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS DOS PROPÓSITOS DE LEITURA DE HIPERTEXTOS: CONSIDERAÇÕES SOBRE LETRAMENTO DIGITAL der, obter informação ou por simples prazer e essa atitude é o que confere sentido a sua leitura. Solé (1998) enumera alguns objetivos para a leitura e distingue-os entre os de uso essencial à vida cotidiana, como obter uma informação precisa ou geral, seguir instruções, revisar um escrito próprio, ler para aprender, ler por prazer e ler um texto a um auditório; e os tipicamente escolares, como praticar leitura em voz alta e verificar o que se aprendeu. Assim, toda leitura cumpre a função de realizar o propósito do leitor, seja um que ele próprio tenha estabelecido ou que seja apenas conhecido por ele. Os sujeitos participantes desta pesquisa estabeleceram, inicialmente, o propósito de aprender algo que os auxiliasse na vida profissional, visto que optaram pelo site que estava mais relacionado à sua área de atuação e/ ou formação. Um exemplo em que ficou claro o propósito de leitura de um dos participantes, professor de História, foi quando, ao selecionar o site www.historianet.com.br para ler, afirmou que o havia escolhido porque preferia atualidades. Ao abrir um link, foi indagado sobre o motivo de o texto ter chamado sua atenção e eis a resposta: (1) Porque é bem atual, é bem a nossa história, o nosso momento. Na verdade, eu tenho grande esperança no governo Lula. Ainda esse mesmo sujeito, que vinha sempre buscando temas de interesse nacionais, abriu um link que falava da Grécia e, ao ser interrogado sobre o porquê da mudança de tema, respondeu: (2) Agora foi só curiosidade mesmo, na realidade eu estava procurando um tema que fosse mais parecido, como eu não vi, eu já vi da primeira vez e não tinha muito; tinha o tema dívida externa, mas eu não me interessei. Um outro sujeito afirmou que lia todos os links para depois escolher aquele que lhe chamou mais a atenção, como se lê no seguinte relato: 241 REGINA CLAUDIA PINHEIRO • MARILENE BARBOSA PINHEIRO (3) Não, eu leio todos e aí escolho. Quando eu estou lendo, por exemplo, quando eu li, quando eu fui lendo já chamou atenção esse aqui: “Caminhos do Lixo”, mas aí eu resolvo ler logo outros pra poder ainda... na maioria das vezes, fica dois; aí eu vejo o que chamou mais atenção e em segundo lugar eu vejo o outro. Percebe-se, conforme as verbalizações anteriores, que os sujeitos da pesquisa estabeleceram seus propósitos de leitura de forma diversificada, contudo, a maioria dos sujeitos, ao ler os hipertextos condizentes com sua área de atuação, estabeleceu seus propósitos de leitura para auxiliar o processo de ensino e aprendizagem e monitorou sua compreensão para a busca desse propósito. Acredita-se que a razão para tal escolha deveu-se ao fato de todos serem professores do Ensino Médio e o interesse mais forte sempre pender para assuntos que pudessem ser trabalhados em sala de aula, propiciando um melhor resultado na aprendizagem de seus alunos. Além desse, outros propósitos mais procurados pelos hiperleitores foram: ler para atualizar-se, para informar-se sobre um tema de seu interesse e ler por prazer. Percebe-se, na utilização dessa estratégia, semelhança no comportamento dos sujeitos na leitura de hipertextos e de textos impresso, cujo nível de letramento permite que inicie a leitura estabelecendo um objetivo inicial. Segunda Estratégia Encontrada: Modificar a Leitura Devido a Variações no Propósito Percebe-se que os hiperleitores, após estabelecer um propósito inicial, muitas vezes, desviam-se desse e, consequentemente, modificam a leitura devido a essa variação. A leitura de um texto é condicionada por seu objetivo, como por exemplo, se o leitor intenta encontrar uma 242 MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS DOS PROPÓSITOS DE LEITURA DE HIPERTEXTOS: CONSIDERAÇÕES SOBRE LETRAMENTO DIGITAL informação específica, agirá diferente do modo como se fosse fazer um resumo de um texto, pois, como afirma Lerner (2002, p. 81), um mesmo material informativo-científico pode ser lido para se obter uma informação global, para se buscar um dado específico ou para aprofundar um aspecto determinado do tema sobre o qual se está escrevendo. Nessa mesma perspectiva, na leitura hipertextual, o objetivo do leitor pode ir se modificando muito rapidamente à medida que o leitor se depara com uma grande variedade de links que o remetem a outros textos. Alliende & Condemarín (1987) consideram três tipos de leitura cuja finalidade é ler em diferentes ritmos: a visão preliminar ou previewing apenas para decidir o que será necessário ao seu propósito; a leitura seletiva espontânea ou skimming, usada para alcançar um objetivo específico, detectando-se o conteúdo principal e os detalhes que justificam sua importância e a seletiva indagatória ou scanning em que se procura rapidamente uma informação específica no texto, sem lê-lo por completo. À luz dessa tipologia, apresentada no item anterior,os hiperleitores desta pesquisa, em alguns momentos, fizeram uma leitura previewing dos sites, quando selecionavam os conteúdos para fazer uma leitura skimming. Verificou-se também o uso da leitura previewing pelo comportamento de um sujeito que estava passando a barra de rolagem rapidamente. Indagado se era possível ler daquele modo, este informou: (4) (...) Na verdade, eu procuro palavras-chave dos subtítulos aí. Eu estou lendo só os subtítulos também. Um outro sujeito também comentou: (5)...dê uma visualizada nele todo pra ver o que tem; se tem gravura, aí depois você julga se merece ou não dar atenção àquilo que você está vendo. 243 REGINA CLAUDIA PINHEIRO • MARILENE BARBOSA PINHEIRO Em outros momentos, ocorreu uma leitura skimming, confirmada pelo tempo destinado à leitura silenciosa de alguns parágrafos e pelos comentários sobre eles. Nos hipertextos, assim como nos textos impressos, os leitores diferenciam o tipo de leitura, pois as diferentes maneiras de ler são apenas diversos caminhos para alcançar o objetivo pretendido (KLEIMAM, 2000, p.35). Porém, é muito comum o hiperleitor desviar-se de seu objetivo inicial, pois os links podem levá-lo a textos que inicialmente não se enquadravam no objetivo pré-estabelecido, conforme atestam os comentários abaixo: (6) (...) eu vou buscar aquilo e aí de repente eu vou acessando outro, vou buscando outras coisas que vai me interessando. (7) Às vezes eu não encontro e acabo me cansando de tanto procurar e acabo mudando pra outra coisa, principalmente pelas janelas que abrem de propaganda – algumas vezes com uma coisa interessante, eu acabo abrindo pra dar uma olhada (...). A seguir, o comentário fornece evidências de que há uma modificação da leitura, devido a variações no propósito para a compreensão de hipertextos, pois os hiperleitores mudam seu objetivo inicial de leitura, devido à variedade de blocos de textos característicos dos hipertextos: (8) (...) o texto que me interessa então eu volto a ler ou eu peço pra imprimir (Skimming). Aquele que não me interessa então a leitura dinâmica vai descartar, eu dou assim uma rápida olhada e não, esse tema não me interessa, então eu vou passar pra uma outra. (Previewing) Percebe-se, no relato, que o propósito inicial de ler para aprender passa a ser ler para escolher os textos que serão lidos posteriormente. Os hiperleitores demonstraram modificar a leitura devido a variações no propósito e usaram somente dois tipos de leitura: a previewing, para escolher os textos que 244 MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS DOS PROPÓSITOS DE LEITURA DE HIPERTEXTOS: CONSIDERAÇÕES SOBRE LETRAMENTO DIGITAL lhes interessavam e a skimming, a fim de poder compreendê-los como um todo. Para a compreensão de hipertextos, a leitura previewing precedeu a leitura skimming. Nesse caso, é possível concluir que as mudanças praticadas por esses leitores sejam manifestas exatamente por serem proficientes e estarem recorrendo às práticas de letramento necessárias ao alcance do seu objetivo inicial de beneficiar o aprendizado de seus alunos. Considerações Finais Neste capítulo, buscou-se investigar os propósitos de leitura e suas variações por sujeitos proficientes para estabelecer o sentido de suas leituras. Comprovou-se que os participantes da pesquisa, antes de ler os hipertextos, estabeleceram seus propósitos, em geral, associando-os à prática profissional. Verificou-se também que esses sujeitos desviaram-se de seu objetivo inicial e, consequentemente, mudaram o tipo de leitura devido à variação do propósito. Inicialmente, eles praticaram uma leitura previewing, a fim de escolher os fragmentos de textos que iriam ler e, posteriormente, realizaram a leitura skimming, na qual o fragmento foi lido completamente para uma compreensão global. Além disso, percebeu-se que as estratégias usadas pelos hiperleitores nesta pesquisa evidenciaram um bom nível de letramento digital que, para Buzato (2003, s/p.), é: o conjunto de conhecimentos que permite às pessoas participarem nas práticas mediadas por computador e outros dispositivos eletrônicos no mundo contemporâneo. (...) Inclui a habilidade para construir sentido a partir de textos que mesclam palavras, elementos pictórios e sonoros numa mesma superfície (textos multimodais), a capacidade para localizar, filtrar e avaliar criticamente informação disponibilizada eletronicamente (...). Espera-se que os resultados desta pesquisa contribuam para a compreensão das semelhanças e diferenças 245 REGINA CLAUDIA PINHEIRO • MARILENE BARBOSA PINHEIRO entre texto e hipertexto e que, aliados a outros estudos, suscitem mais questionamentos, possibilitando, em consequência, o aprofundamento das reflexões acerca do tema. Referências Bibliográficas ALLIENDE, F.G. & CONDEMARÍN, M.G. A leitura: teoria, avaliação e desenvolvimento. Trad. de José Cláudio de Almeida Abreu. Porto Alegre: Artmed, 1987. BARTON, D. Directions for literacy research: analysing language and social practices in a textually mediated world. Language and education, vol. 15, nº 2 & 3, p. 92104, 2001. BRASIL. Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica – SAEB. Relatório Saeb – 2001 – Língua Portuguesa. Brasília: INEP, 2002 BUZATO, M.E.K. Letramento digital abre portas para o conhecimento. Entrevista por Olivia Rangel Joffily em 23/01/2003. Disponível em <www.educarede.org.br>. Acessado em 21.05.03. CAVALCANTI, M. do C. Interação leitor-texto: aspectos de interpretação pragmática. Campinas: Editora da UNICAMP, 1989. CHARTIER, R. Os desafios da escrita. Trad. de Fulvia M. L. Morreto. São Paulo: Editora UNESP, 2002. COSTA, S.R. Leitura e escritura de hipertextos: implicações didático-pedagógicas e curriculares. Revista Veredas, v. 4, n. 1, p. 43-49, jan/jun 2000. FERREIRO, E. A revolução informática e os processos de leitura e de escrita. In: PEREZ, F.C. & GARCIA, J.R. Ensinar ou aprender a ler e a escrever? Belo Horizonte: ArtMed, 2001, p. 157-164. FERREIRO, E. Passado e presente dos verbos ler e escrever. Trad. Cláudia Berliner. São Paulo: Cortez, 2002. FOLTZ, P.W. Comprehension, Coherence, and Strategies in Hypertex and Linear Text. In: ROUET, Jean-François. 246 MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS DOS PROPÓSITOS DE LEITURA DE HIPERTEXTOS: CONSIDERAÇÕES SOBRE LETRAMENTO DIGITAL et al. Hypertext and cognition. Mahwah, New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates: 1996, p.109-136. GOODMAN, K. O processo de leitura: considerações a respeito das línguas e do desenvolvimento. In: FERREIRO, E. & PALACIO, M. Os processos de leitura e escrita: novas perspectivas. Porto Alegre: ArtMed, 1990, p.11-22. KLEIMAN, A. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura, 7ª ed., Campinas: São Paulo: Pontes, 2000. LERNER, D. Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário. Trad. de Ernani Rosa. Porto Alegre: Artmed, 2002. LANDOW, G.P. Hipertexto: la convergência de la teoria critica contemporânea y la tecnologia. Ediciones Paidós: Barcelona – Buenos Aires – México, 2002. NIELSEN, J. Concise, escannable, and objective: how to write for the Web. Disponível em <www.useit.com/papers/webwriting/writing.html>, 1997a. Acesso em junho de 2002. NIELSEN, J. How users read on the Web. Disponível em <www.useit.com/alertbox/9710a.html>, 1997b. Acesso em junho de 2002. NIELSEN, J. Be succinct! (Writing for the Web). Disponível em <www.useit.com/alertbox/9703b.html>, 1997c. Acesso em junho de 2002. PINHEIRO, R.C. Leitura de hipertexto: estratégias metacognitivas utilizadas por leitores proficientes. Dissertação (Mestrado em Linguística). Fortaleza: PPGL-UFC, 2005a. PINHEIRO, R.C. Estratégias de leitura para compreensão de hipertextos. In: ARAÚJO, J.C.; BIASI-RODRIGUES, B. (Org.). Interação na internet: novas formas de usar a linguagem. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005b, p. 131-146. PINHEIRO, R.C. A influência da leitura do hipertexto sobre a compreensão do texto impresso. In: ARAGÃO, M.S.S.; PONTES, A.L.; ADERALDO, M.F. (Org.). Estudos em linguagem, literatura e ensino. V. 1. Fortaleza: UECE, 2007. 247 REGINA CLAUDIA PINHEIRO • MARILENE BARBOSA PINHEIRO RAMAL, A.C. Ler e escrever na cultura digital. Revista Pátio, ano 4, n. 14, ago-out., p. 21-242000. RYDLEWSKY, C. A tinta digital salva as árvores. Revista Veja, 21 julho 2004. Disponível em: <http://www.revistaveja.com.br>. Acesso em: 15.04.2005. SMITH, F. Leitura significativa. Trad. Beatriz Affonso Neves – Porto Alegre: Artes Médicas, 1999. SOLÉ, I. Estratégias de leitura. Trad. Cláudia Schilling – Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. 248 CARTA CORRENTE POR E MAIL: EVIDÊNCIAS DO MEIO DIGITAL NO GÊNERO1 Larissa Pereira de Almeida Considerações iniciais As cartas-corrente são correspondências enviadas em série, que possuem, geralmente, um caráter místico e/ou supersticioso e autoria desconhecida. Circulando usualmente em papel, as cartas-corrente ocupavam um espaço importante no imaginário popular há algumas décadas. Elas eram enviadas cada uma a uma pessoa que, por sua vez, deveria enviar certo número estipulado a outras pessoas, e assim por diante, formando uma corrente ou uma cadeia de cartas que, de acordo com seus dizeres, acarretaria desgraça se não fosse enviada pela pessoa que a recebeu ou benefícios, se esta fosse replicada. Assim, a aura mística, que evocava acontecimentos especiais para quem replicasse a carta, motivava a distribuição de cópias por debaixo das portas, embora, não se possa negar que as consequências da não-replicação eram mais assustadoras do que a própria recompensa. Não se sabe – e talvez nunca se saiba – o real motivo da replicação das cartas-corrente em papel, se por crença ou por medo. O certo é que a prática de reprodução atravessou gerações e, no meio digital, essa prática encontrou um amplo campo de “reprodução”. No entanto, a carta-corrente ainda sofre um processo de reconhecimento do gênero que se realizava no suporte de papel e que hoje se materializa no ambiente virtual. Como po1 Neste capítulo, retomamos alguns aspectos analisados em nossa dissertação de mestrado (ALMEIDA, 2007) defendida no PPGL da UFC sob a orientação da Profa. Dra. Bernardete Biasi-Rodrigues e da co-orientação do Prof. Dr. Júlio Araújo. Agradeço a leitura atenta que o Prof. Dieb (UERN) fez das primeiras versões deste texto. Os problemas remanescentes são de minha responsabilidade. 249 LARISSA PEREIRA DE ALMEIDA dem facilmente constatar os titulares de contas de e-mail,2 não são poucas as pessoas que as confundem com os famosos spams ou simplesmente, mensagens de e-mail que contêm lixo virtual e vírus. Nesse sentido, interessa-nos saber se tanto as cartas que eram enviadas no papel, por debaixo das portas, como as que recebemos hoje, por email, podem ser consideradas o mesmo gênero. Assim, no presente capítulo, abordaremos o gênero digital carta-corrente, que precisa do meio digital para reprodução e formação de sentido, e faremos uma distinção para o reconhecimento deste gênero no ambiente virtual. Para isto, partimos dos postulados teóricos e das concepções de gênero de Bakhtin (1997) para quem qualquer texto (oral ou escrito) se realiza em forma de gênero, embora nem sempre saibamos identificá-lo ou reconhecêlo de forma imediata. Carta-Corrente: Estudos e Natureza De acordo com Van Arsdale (1998; 2002), as precursoras das cartas-corrente podem ser identificadas como as “cartas do céu”. De acordo com esse autor, não se tem certeza sobre a data do início de sua propagação, mas eram escritas e replicadas com o intuito de propagar as boas novas do evangelho e, por isso, continham orações, além, é claro, de solicitação de reenvio através de cópias pessoais. Com uma tecnologia rudimentar, a única forma de garantir a reprodução das cartas era de forma manuscrita, fato que acompanhou grande parte da história dos exemplares. Já em autores como Coimbra (2002) e Meurer (2002), que fazem um levantamento sobre as cartas-cor2 O termo e-mail pode significar tanto a mensagem eletrônica como a caixa de correio digital. Usaremos neste trabalho, o termo e-mail como significando caixa de correio eletrônico e, também, especificaremos a mensagem como “mensagem de e-mail”. Discussões sobre o estatuto genérico do e-mail podem ser encontradas em Paiva (2004). 250 CARTAͳCORRENTE POR EͳMAIL: EVIDÊNCIAS DO MEIO DIGITAL NO GÊNERO rente propagadas por e-mail, encontramos uma categorização de acordo com os grupos mais comuns, que são formadas por cartas sentimentais, religiosas, “animadas” e de apelo material. Indo além desses estudos, Araújo (2003) investiga os problemas causados pelas correntes digitais, e classifica as cartas de acordo com grupos disponíveis na internet que se propõem a desmistificar o conteúdo das mesmas. Araújo elabora ainda uma janela de categorização a partir dos itens lexicais mais comuns encontrados nas correntes. No entanto, nenhum desses autores se detém a analisar, em específico, as cartas que têm o meio digital como a única maneira de propagação e de construção de sentido. Portanto, sendo essa nossa preocupação, buscamos observar ainda como o meio pode modificar a concepção de um gênero. Para isso, partimos da concepção bakhtiniana de esferas comunicativas (cf. BAKHTIN, 1997), que podem ser definidas como espaços não necessariamente geográficos de interação humana, social e que possui uma dinâmica peculiar e complexa. Desse modo, a noção de esfera está subordinada ao entendimento da língua como lugar de interação social, no qual os indivíduos materializam, linguisticamente, suas necessidades comunicativas e enunciativas. Diz respeito, diretamente, ao “lugar” de interatividade humana onde discursos são produzidos e reproduzidos, dando lugar ao interfluxo de vários gêneros e sempre levando consigo a marca de onde surgem e de onde aparecem no espaço. Com base nisso, podemos dizer que, em sua forma tradicional, a carta-corrente impressa fazia parte do imaginário coletivo. Enviadas por um “anônimo” por debaixo das portas ou pelos correios, as cartas gozavam da pequena possibilidade de comprovação das informações ali veiculadas. Uma vez recebidas e lidas as cartas, restava ao “destinatário” replicá-las (recebendo um prêmio por sua fidelidade) ou ignorá-las (mesmo com o alto grau de ameaças registradas, como a morte ou acidentes na famí251 LARISSA PEREIRA DE ALMEIDA lia). A esfera comunicativa (BAKHTIN, 1997), como um grupo heterogêneo de pessoas, gira, portanto, em torno da leitura da mensagem, da compreensão e da disponibilidade de reescrita e replicação. A reprodução da carta-corrente de forma “manuscrita” acabou por impor algumas restrições, como o domínio de regras ortográficas e uma boa leitura, de modo a “decifrar” muitas vezes o que estava escrito. Isto comprova que, na medida em que os gêneros se complexificam, conforme defende Bakhtin (1997), novos letramentos são exigidos tanto para o uso adequado desses gêneros quanto para o simples (re)conhecimento deles. Os exemplares em papel das primeiras cartas eram mais suscetíveis a erros e imprecisões por diversas razões: ortografia ruim, pouco conhecimento de regras gramaticais, rasuras, desgaste do papel, manchas, entre outros. Por essas razões, os textos corriam os riscos de não serem reproduzidos fielmente, havendo a possibilidade de acréscimo de palavras ou até frases. Com as cartas-corrente digitais, poderíamos dizer que a esfera de envio, a recepção e a replicação mudaram, em grande parte, devido ao novo meio de replicação. Já não se tem cartas em sua forma física e palpável, mas cartas digitais que se replicam pelas caixas de correio eletrônico. Para que haja reprodução da mensagem, é preciso ter um relativo conhecimento digital, aqui entendido como um conjunto de noções sobre como navegar na Internet, de como escrever um e-mail e enviá-lo ou até mesmo de como encaminhar uma mensagem a outros destinatários. Portanto, o novo tipo de letramento reclamado pela mudança de esfera pode ser importante na alteração genérica dessa prática discursiva, ou seja, as esferas de comunicação são diferenciadas e requerem observância de peculiaridades próprias. Aspectos de Natureza Metodológica Em todas as mensagens que analisamos, observamos que o ambiente de replicação contribuiu para novas 252 CARTAͳCORRENTE POR EͳMAIL: EVIDÊNCIAS DO MEIO DIGITAL NO GÊNERO percepções do gênero e que, embora possuam o propósito comunicativo geral comum a todas (replicação), há uma importância considerável aos propósitos comunicativos específicos que evocam a compreensão da mensagem pelo leitor e o domínio – ainda que relativo – do meio digital para replicação e alcance dos objetivos. Não só nas solicitações de reenvio, nas quais o pedido explícito de replicação deixa claro, a importância que se dá ao ambiente virtual ao solicitar que se “envie o e-mail”, para a maior quantidade de pessoas possível, mas também na própria natureza digital das cartas, que só surtem efeito caso sejam replicadas por e-mail ou dentro do ambiente virtual. Dessa forma, as mensagens explicam a eficácia de seu mecanismo de funcionamento através da contagem de títulos e do rastreamento de determinado e-mail. Assim, baseada no conhecimento inicial do espaço onde o gênero carta-corrente digital se realiza (no nosso caso, a internet), e observando a sua relação com o meio, é que iniciamos a coleta de exemplares para o nosso corpus. Para compô-lo, foi preciso coletar cartas-corrente de diferentes formas: algumas delas foram recebidas por email e, outras, coletadas de um site que as armazena e expõe na Internet.3 Neste artigo, utilizamos exemplares das cartas-corrente do corpus digital de Almeida (2007) e preservamos a sua numeração original. Como já havíamos destacado, em geral, a cartacorrente, seja impressa ou digital, é um texto anônimo4 e, por esta razão, torna-se quase impossível definir o seu redator/autor. O caráter “anônimo” da mensagem, o pedido de replicação e o constante aparecimento das cartas no meio digital (muitos com estrutura textual recorrente) acabaram por criar uma imagem negativa do 3 Coletamos as cartas-corrente digitais do site <www.quatrocantos. com/lendas> 4 Não é o objetivo do presente trabalho debater os domínios discursivos do anonimato. Consideraremos, portanto, uma carta-corrente anônima como aquela que não possui um autor explícito, alguém que assume a autoria da escrita da carta. 253 LARISSA PEREIRA DE ALMEIDA gênero. Especificamente no caso das cartas-corrente digitais, elas passaram a ser vistas por muitas pessoas como lixo eletrônico. Quanto a isso, identificamos pelo menos um ponto que nos faz entrar em desacordo com essa classificação: o vínculo (ou a tentativa de recriação dele) evidencia o aspecto que vai diferenciar o gênero carta-corrente digital dos spams, ou seja, as mensagens não solicitadas que circulam pela Internet. Os spams5 podem ser definidos como mensagens publicitárias sem emissor conhecido que partem de uma conta de correio eletrônico falsa, enquanto as cartas-corrente têm a característica de sempre serem enviadas por uma conta de e-mail válida e remetidas a endereços de pessoas conhecidas. Logo, esse é o primeiro passo para diferenciar as cartas-corrente digitais dos “spams” e de propagandas não solicitadas: o emissor da mensagem como uma pessoa com conta de e-mail ativa. É preciso que se atente para o fato de que, para reconhecer as cartas-corrente digitais como categorias genéricas diferenciadas, é preciso ter um relativo conhecimento do gênero. Por isso, em pesquisa realizada para 5 O termo spam, de acordo com o site Dicas L <http://www.dicas-l. com.br/dicas-l/20040503.php>, (acesso em 22 de outubro de 2006), mantido por Allan Britto, vem do inglês e deriva do nome da primeira carne enlatada criada e comercializada nos Estados Unidos pela empresa Hormel Foods a partir de 1937. “Spam” origina da junção das palavras spiced (apimentada, temperada) e ham (presunto). O grupo humorístico Monty Python agregou o nome “spam” a um episódio em que um grupo de vikings famintos entrava num bar, e começava a gritar “spam, spam, spam, spam” de maneira intermitente e irritante, simplesmente tornando um fardo qualquer comunicação das outras pessoas presentes com a gritaria repetitiva. Como a comida era muito popular, o grupo satirizava também o spam como a única especialidade de comida no restaurante. De acordo com o site, a ideia do spam foi ligada diretamente às mensagens publicitárias enviadas insistentemente entre grupos de discussões, impossibilitando a comunicação direta entre as pessoas. A partir de então, o termo pode ser definido como o envio de mensagem eletrônica não solicitada e não autorizada. 254 CARTAͳCORRENTE POR EͳMAIL: EVIDÊNCIAS DO MEIO DIGITAL NO GÊNERO compreensão sobre o que seriam cartas-corrente, estabelecemos critérios de reconhecimento e critérios temáticos, ao avaliar as respostas recebidas de nossos entrevistados (cf. ALMEIDA, 2007), Entre as respostas, 64% dos entrevistados consideraram os textos como “spams ou lixo eletrônico”, 12% consideram “mensagens específicas que tratam de assuntos de interesses variados”, 12% consideraram como “trote ou pegadinha”. A opção carta-corrente, correspondeu apenas a 10% das respostas, ficando a frente apenas da opção “outros”, que recebeu como sugestão “mensagens de veracidade duvidosa que não merecem ser repassadas para alardear boatos”. No entanto, insistimos em frisar que a carta-corrente conta com elementos que são mais precisos e traz, na sua estrutura, elementos e evidências que as diferencia dos outros gêneros que circulam por e-mail e, também, do próprio spam. Desta forma, selecionamos, em nosso estudo, outros aspectos como a sua reprodutibilidade, a instrução de reenvio, a explicação de mecanisos de funcionamento e a presença de termos específicos do meio para observância do gênero. Portanto, além da perspectiva bakthiniana, para a análise dos aspectos sócio-comunicativos do gênero carta-corrente digital, seguimos ainda a abordagem de Marcuschi (2000; 2004) sobre as relações entre os gêneros do discurso e reconhecimento do gênero a partir de relações sociais. Isto se justifica porque, em grande parte de seu trabalho, Marcuschi aborda o meio digital como um causador de “impacto”6 no meio tradicional, e ressalta que o atual contexto do “discurso eletrônico” é ideal para analisar os efeitos de novas tecnologias na linguagem e o papel da linguagem nas tecnologias “emergentes”. O autor também prioriza a observação do gênero na relação com 6 Embora utilizemos a obra de Marcuschi como apoio teórico para este trabalho, consideramos o termo “impacto” equivocado, pois, baseados em Schaff (1985), Rheingold (1996) e em Levy (1998, 1999), acreditamos que as novidades digitais e tecnológicas não causam impacto, mas sim mudanças. 255 LARISSA PEREIRA DE ALMEIDA a comunidade, a história, a cultura, além dos propósitos comunicativos e a observação do meio digital e de aspectos da inter-relação homem-máquina, que nos é útil para compreender os aspectos pragmáticos que compõem o gênero, conforme passaremos a discutir. Cartas-Corrente e Instrução de Reenvio: Analisando o Gênero e seus Mecanismos de Funcionamento O correio eletrônico, ou simplesmente e-mail, sobretudo na condição de suporte, colaborou para o aumento do fluxo de gêneros na web. Pelas caixas de e-mail começaram a passar todos os dias mensagens pessoais, receitas, memorandos, fotos e tudo mais quanto o software suportasse. A lista do que circula (e que continua circulando) por e-mail parece não ter fim, tamanha variedade e velocidade de trânsito. Foi deste meio que nos interessamos por um tipo específico de cartas-corrente, cujo ambiente discursivo parece sinalizar para uma possível mudança de gênero. Observamos, então, que as cartas-corrente digitais7 apresentam características específicas do meio virtual, agregando termos específicos que só constituem efeito se replicados dentro do próprio ambiente digital e se, caso impressas, perderiam o propósito de replicação e a ajuda a que se propunham. O meio digital requer um conhecimento específico de como navegar na Internet. Só através desse conhecimento, é possível abrir páginas, visitar links, participar de chats, copiar trechos de textos importantes para colá-los em outro lugar, abrir, ler, produzir e enviar e-mails. Em nosso caso, o conhecimento do gênero vai além da simples abertura de e-mails: vai do entendimento de ações como encaminhar mensagens a um receptor, ou mais, até 7 Convém destacar que as cartas-correntes digitais continuam sendo propagadas junto com outras que não apresentam a característica efetivamente digital. 256 CARTAͳCORRENTE POR EͳMAIL: EVIDÊNCIAS DO MEIO DIGITAL NO GÊNERO a preservação do título da mensagem ou de anexar algum arquivo. Além desse conhecimento, o uso de alguns termos se tornam extremamente comuns e fazem parte quase que de forma natural no vocabulário contemporâneo. Dessa forma, copiar e colar,8 por exemplo, ganha outros significados que não é o de nenhuma aula de artes de escola, e sim reproduzir integralmente um determinado texto ou figura. A instrução de encaminhamento é um mecanismo que tem como finalidade assegurar que a mensagem será encaminhada sem grandes dificuldades pelo leitor. A instrução parte, muitas vezes, do pressuposto de que o leitor não domina o meio digital e que precisa de ajuda para enviar a mensagem corretamente. Além das pistas sobre como proceder com a mensagem recebida, a instrução contida na mensagem ajuda na construção de entendimento da mesma, pois indica que se as intruções forem seguidas corretamente, a carta terá a eficácia prometida. Conforme podemos observar no trecho abaixo, a instrução sobre como encaminhar a mensagem pode aparecer como uma sutil solicitação para que a mensagem tenha uma determinada frase como título (e que assim possa ser útil ao ser rastreada): “não corte a corrente e não esqueça o título da mensagem, é importante porque é o meio decontrole deles” (carta 81)9 “mas lembre-se de mandar uma para mailto:jcajc@ ambev.com.br modo pelo qual podemos ver se você mandou essa mensagem adiante” (carta 10) Também pode aparecer como “roteiro” a ser seguido para que a pessoa consiga vencer as barreiras do conhecimento da própia caixa de correio eletrônico, o e-mail: 8 Para uma discussão mais aprofundada sobre esse recurso, cf. Santos (2007). 9 Exemplares coletados do corpus digital de Almeida (2007). A numeração original dos exemplares foi preservada. 257 LARISSA PEREIRA DE ALMEIDA ENTRE NO ORKUT E VÁ EM MENSAGENS (AO LADO DE AMIGOS, NA BARRA DE CAMINHOS). CLIQUE NO LINK ESCREVER E-MAIL (TEM UM LAPIS EM CIMA DE UMA FOLHA); SELECIONE TODOS OS AMIGOS NO CAMPO PARA: E REDIJA OU COLE O CONTEUDO DESTE E-MAIL (carta 73) A instrução de reenvio, portanto, tem o caráter claramente didático e, por ocupar um espaço apenas de “garantia” de entendimento do processo de repasse, muitas vezes é desprezado. Observando o corpus de nossa pesquisa, constatamos que os exemplares que apresentaram a instrução de reenvio eram menos objetivo do que as outras e tentavam “explicar” a importância da mensagem de maneira mais exaustiva. Os sujeitos que assim descrevem os recursos da carta demonstram um nível de conhecimento digital muito bom, o que implica no reconhecimento do gênero e no seu mecanismo de funcionamento. E este não é privilégio apenas de quem escreve, já que o leitor comum precisa vencer algumas “barreiras” de conhecimento do gênero para poder acessar a caixa de correio eletrônico do seu computador, abrir a mensagem e até encaminhá-la. O gênero carta-corrente digital, por estar se estabelecendo nas práticas discursivas novas (e voltadas para o meio digital), reclama de seus usuários esse tipo de questão. O uso de verbos imperativos como entre, clique, selecione, redija, cole podem ser úteis para sinalizar como a escrita em ambiente digital se processa e esse uso caracteriza o ambiente e os gêneros nele praticados. Assim, os mecanismos de funcionamento têm como função explicar o mecanismo da mensagem que está sendo lida, a razão dela existir e a forma como ela pode ser útil. Essa é a parte que tenta convencer o leitor através de argumentos e tenta parecer convincente. É neste ponto que as informações de termos técnicos surgem com maior frequência. Consideramos como mecanismos de funcionamento os trechos que explicam como a mensagem pode ser útil, a forma como ela pode atuar. No caso de mensa258 CARTAͳCORRENTE POR EͳMAIL: EVIDÊNCIAS DO MEIO DIGITAL NO GÊNERO gens que envolvem rastreamento para envio de dinheiro, o tópico tenta explicar como o dinheiro vai ser enviado, se o recebimento/envio do dinheiro será por rastreamento do título da mensagem, do e-mail ou através do recebimento da mensagem por alguma pessoa específica: “O IGWSAM Internet Good Will Boys Service Association of Massachussets) local e extrangeiro doara US$ 0.10 por mail mandado com o titulo (subject) SOLIDARIEDADE COM ADILSINHO” (carta 91) O exemplo acima mostra que a mensagem funciona se houver cooperação do leitor. Se ele cumprir as instruções, a mensagem será útil para um determinado grupo de pessoas. O mesmo pode ser visto no exemplo abaixo, referente ao reenvio das mensagens e ao recebimento de prêmios materiais: “Tudo o que é preciso fazer é enviar uma cópia deste e-mail para 8 (oito) conhecidos. Dentro de 2 (duas) semanas você receberá um Ericsson T18. Se a mensagem for enviada para 20 (vinte) ou mais pessoas, você poderá receber um Ericsson R320.” (carta 113) Assim como no exemplo acima, em alguns exemplares a explicação do mecanismo da mensagem se confunde com a cota de reenvio, pois estipulam para quantas pessoas deve-se mandar a mensagem. Nos exemplares analisados, quando a cota de reenvio é pré-determinada (enviar para oito pessoas/enviar para 20 pessoas) o item “mecanismo de replicação” está presente. Mais uma vez, pressupõe o conhecimento do leitor sobre o ambiente em que a mensagem está sendo propagada e evidencia, também, uma apropriação da mensagem das particularidades do meio. Quando observamos o envio de cotas das mensagens, encontramos outros aspectos: “Tudo o que vc tem de fazer é mandar esta mensagem para 25 pessoas. Depois de duas semanas 259 LARISSA PEREIRA DE ALMEIDA do envio das mesmas, vc receberá gratuitamente Kit Ambev...contendo (Camisa da Skol, relogio de parede e uma caixa de Long Neck). Mas se vc enviar esta mensagem para 25 amigos, vc receberá gratuitamente o Kit Ambev.” (carta 10) No exemplo acima, a cota de envio era determinada: bastava alcançar a cota para que a mensagem tivesse valor. Outro exemplo que colocamos aqui para ilustrar, é o uso da cota mínima. Caso o leitor envie para a quantidade X de pessoas, a mensagem surtirá efeito, mas se exceder essa quantidade, não haverá nenhum problema, pois é melhor ainda, como pode se observar no trecho abaixo: “Se você enviar esse e-mail a amigos a Microsoft pode e vai por um período de 2 semanas rastrearam esse e-mail. Para cada pessoa para quem você mandar este e-mail a Microsoft vai pagar U$245,00. Para cada pessoa para quem você enviar, que enviar este e-mail adiante a Microsoft paga a você $243,00; e para cada terceira pessoa que receber este e-mail você recebe $241,00 da Microsoft. Daqui a 2 semanas a Microsoft vai te contactar neste teu endereço e te enviar um cheque.” (carta 11) A cota de reenvio nos mostra, também, que as cartas-corrente digitais herdaram diretamente a função das cartas-corrente tradicionais, que estabeleciam cotas de reenvio para replicação da mensagem e, também, na forma de meta a ser alcançada. É importante destacar, aqui, que o destinatário apresenta o domínio de um letramento digital, conforme pode ser visto em Araújo (2007). Não é simplesmente a leitura da mensagem que o faz repassar a carta-corrente, mas a compreensão de que o sistema de cotas esse é um dos critérios necessários para se alcançar o prêmio. O processo de escrita da mensagem e de reenvio nos permite entender que a compreensão de termos específicos e solicitações dentro da mensagem são percebidas por 260 CARTAͳCORRENTE POR EͳMAIL: EVIDÊNCIAS DO MEIO DIGITAL NO GÊNERO cidadãos que não apenas sabem “ler/escrever”, mas que também sabem compreendem o significado de cada termo para o alcance dos objetivos propostos na mensagem. As facilidades do meio digital imprimiram uma característica que deve ser observada com atenção quando se fala em cota de reenvio. As versões impressas das cartas-corrente contavam com o esforço físico para reescrita das mensagens em próprio punho. Com o surgimento de máquinas copiadoras, o esforço físico deu lugar aos gastos com fotocópias para cumprimento da meta quase sempre pré-estabelecida. No meio digital a meta aparece em alguns exemplares de carta-corrente digital, mas é bem marcante a presença de cartas nas quais a cota não está estabelecida. Por e-mail, a facilidade de reprodução das cartas aumenta consideravelmente, pois o custo é praticamente nulo para reenviar a mesma mensagem a dezenas ou centenas de receptores. Acreditamos que esta pode ser uma evidência da influência e possibilidades do meio digital. As informações especializadas podem ser tanto do assunto, com termos técnicos e que exigem o mínimo de domínio tecnológico para compreensão, como também podem ser informações recebidas por quem entende do assunto ou que podem ajudar. Ainda que as informações especializadas nem sempre sejam compreendidas pelo leitor, é importante destacar que as informações sobre o meio digital estão sempre presentes, ajudando a criar uma aura de tecnologia de ponta, inalcançável para a maioria das mentes comuns. Considerações Finais Neste capítulo, propusemo-nos a evidenciar os elementos digitais presentes nas cartas-corrente que se reproduzem via e-mail. De acordo com o que nele discutimos, as cartas-corrente surgem como um gênero cada vez mais frequente nos correios eletrônicos e entendemos que o gênero se coloca em um patamar especial ao 261 LARISSA PEREIRA DE ALMEIDA que geralmente é destinado às mensagens impessoais que circulam na grande rede: embora desprezadas pela maioria dos seus receptores e vistas como lixo eletrônico, as correntes que se propagam por e-mail podem conservar características da escrita, importantíssimas para entender o fenômeno de replicação nos dias atuais. Concluímos, também, que as cartas-corrente digitais possuem peculiaridades perceptíveis não apenas na sua forma escrita, mas também na própria essência de replicação, já que as cartas- ainda que tenham um caráter anônimo- são enviadas por pessoas conhecidas do leitor e por usuários com contas de e-mail válidos. No entanto, isso não foi suficiente para a identificação e observamos que as cartas diferem dos outros textos apresentados por apresentarem um pedido explícito de replicação e consequências caso a mensagem seja (ou não) enviada por e-mail. Ao circular pela internet, a carta-corrente passou a agregar elementos de reconhecimento que são característicos do meio digital, como o uso de termos específicos e condições de replicação que exigem relativo conhecimento do mundo virtual para reprodução e compreensão de sentido. Referências Bibliográficas ALMEIDA, L. P. Gênero carta-corrente digital: estudo dos aspectos formais e funcionais. Dissertação (Mestrado em Linguística). Fortaleza: PPGL-UFC, 2007. ARAÚJO, J. C. Os gêneros digitais e os desafios de alfabetizar letrando. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, n. 46, p. 79-92, jan./jun. 2007. ARAÚJO, J.P. Cartas–correntes: Evolução e classificação, 2003b. Disponível em: <http://www.comunicar.pro.br/ artigos.html> Acesso em mai/2008 ARSDALE, D.W. Chain Letters Evolution. 1998, 2002. Disponível em: <http://www.silcom.com/~barnowl/ chain-letter/evolution.html>. Acesso em jan/2006. 262 CARTAͳCORRENTE POR EͳMAIL: EVIDÊNCIAS DO MEIO DIGITAL NO GÊNERO BAKHTIN, M.M. Estética da criação verbal. Trad. Maria Ermantina Pereira. São Paulo, SP: Ed. Martins Fontes, 1997. BHATIA, V.K. Worlds of written discourse: a genre-based view. London: Continuum, 2004. COIMBRA, R.L. Cartas em cadeia por e-mail: um novo gênero textual? II Colóquio Internacional Redes e Cibercidades, 4-6 de Novembro de 2002, Universidade de Aveiro. CROWSTON, K. e WILLIAMS, M. Reproduced and emergent genres of communication on the World-Wide-Web. In: Proceedings of the Thirtieth Annual Hawaii International Conference on System Sciences (HICSS ‘97). Maui, Hawaii, vol. Vl, p. 30-39. Disponível em <http://crowston.syr.edu/papers/genres-journal.html> Acesso em fev/2006 LEVY, P. O que é o virtual? Trad. Paulo Neves. São Paulo: ed. 34, 1998 LEVY, P. Cibercultura. Trad. Carlos Irineu da Costa. São Paulo: ed. 34, 1999. MEURER, C.E.C. “no creo em bruja, mas que las hay, lãs hay: uma análise de cartas-corrente via e-mail” in MEURER, J.L; MOTTA-ROTH, D. Gêneros textuais. Santa Catarina, EDUSC, 2002, p. 291-309. MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais emergentes no contexto da tecnologia digital. In. MARCUSCHI, L.A. & XAVIER, A.C. (Org.). Hipertexto e gêneros digitais: novas formas de construção de sentido. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004. p. 13-67. RHEINGOLD, H. A comunidade virtual. Lisboa: Gradiva, 1996. SCHAFF, A. A sociedade informática. Ed; Brasiliense, 1985. 263 “ESCREVO ABREVIADO PORQUE É MUITO MAIS RÁPIDO”: O ADOLESCENTE, O INTERNETÊS E O LETRAMENTO DIGITAL1 Messias Dieb Flávio César Bezerra Avelino Considerações Iniciais O uso do computador conectado à Internet tem modificado e ampliado de modo significativo a comunicação entre as pessoas. Essa modificação pode ser observada não somente por meio da quantidade de novos gêneros que surgiram, e que possibilitaram uma interação mais ampla, como também no estilo sob o qual esses novos gêneros foram se apresentando, geralmente com base na atividade de escrita. Assim sendo, é possível reconhecer que a Internet materializou, juntamente com o processo de sua “democratização”, um novo estilo no projeto de dizer dos sujeitos contemporâneos, o qual foge ao uso da escrita já estandardizado socialmente, provocando o estranhamento e a rejeição por parte de alguns setores mais conservadores da sociedade. Um exemplo do que estamos nos referindo, no parágrafo acima, pode ser visto em gêneros como o chat, ou bate-papo via computador, cujas características estilísticas mais marcantes são: a abreviação de palavras e o uso ressignificado de sinais da escrita canônica. Segundo Araújo e Biasi-Rodrigues (2007, p. 83), tais características foram estabelecidas no chat devido ao fato de que a possibilidade que esse gênero oferece de uma interação simultânea entre várias pessoas, ao mesmo tempo, e a ausência físico-espacial das pessoas impuseram aos chatters a necessidade de eles adquirirem não somente uma agili1 Este capítulo é fruto de uma pesquisa realizada por Avelino (2008), sob a orientação do prof. Dr. Messias Dieb na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN, campus de Assú. 264 “ESCREVO ABREVIADO PORQUE É MUITO MAIS RÁPIDO”: O ADOLESCENTE, O INTERNETÊS E O LETRAMENTO dade na digitação, mas também outras desenvolturas em relação à escrita, a fim de que “informações paralinguísticas, comuns em situações comunicativas presenciais, tais como o barulho do ambiente, os gestos utilizados, a demonstração fácil de sentimentos, por exemplo,” fossem materializadas por meio da escrita. Portanto, o internauta foi, e ainda é, “forçado” por pressões pragmáticas a se apropriar de um novo estilo de escrita, ao qual se tem comumente atribuído o nome de internetês. Nesse sentido, uma relevante quantidade de pessoas passou a utilizar o termo internetês para se referir a uma nova língua que parecia ter surgido com a Internet. Ainda que seja fácil compreender a associação feita entre a proximidade fonética Internet/internetês e o diferente/ emergente estilo de escrita, com termos quase indecifráveis para internautas pouco experientes no uso dos gêneros digitais mais informais, não é difícil perceber que não se trata de uma nova língua. Isto se justifica porque, na opinião de autores como Komesu (2006; 2008) e Araújo (2007; 2008), o internetês é, a exemplo do Brasil, apenas outro modo de se grafar o português. Por conseguinte, podemos dizer que ele deve ser compreendido apenas como uma variedade escrita da língua portuguesa,2 à qual foi atribuído o estilo abreviado de escrita que é típico na maioria dos gêneros do universo digital. E o Que Letramento Tem a Ver com Internetês? Ao ler os parágrafos acima, o leitor pode inferir que estamos nos afastando da complexidade que se instaura em torno dessa nova atividade de escrita e que a grande questão a ser discutida parece residir apenas na definição do termo internetês. Entretanto, afirmamos que não, pois o que defendemos é que a partir da definição e do entendimento desse conceito é que poderemos ter melho2 O mesmo raciocínio se aplica também as outras línguas: inglês, francês, alemão, etc. 265 MESSIAS DIEB • FLÁVIO CÉSAR BEZERRA AVELINO res condições de adentrar a complexidade que circunda sua prática. Afinal, sempre que nos deparamos com “algo novo” é comum que busquemos, inicialmente, construir um sentido para esse “algo novo” a partir de sua denominação, ao mesmo tempo em que vinculamos tal denominação ao universo das percepções, opiniões e atitudes que mais se aproximam do modo como nos relacionamos com as coisas do mundo e das expectativas que criamos em torno dessas mesmas coisas. Com base nisso, nossa discussão neste capítulo representa uma tentativa de tornar menos hermética a compreensão acerca da relação que, em especial, os adolescentes, notáveis consumidores e produtores de gêneros digitais, estão construindo com essa nova prática de linguagem por causa do “mal-estar” gerado entre pais e professores. Tal empreendimento se justifica porque estes últimos, geralmente, concebem o internetês como uma séria mutilação da escrita cuja tendência é a de prejudicar tanto a aprendizagem dos estudantes na escola como, consequentemente, a performance desses sujeitos em práticas sociais nas quais a escrita está envolvida diretamente. No entanto, esse “mal-estar” não tem razão de existir a não ser em função do desconhecimento e do preconceito que, infelizmente, tanto a escola como os pais dos alunos parecem ter em relação ao tema. Logo, mais do que uma deficiência de leitura e escrita ou um prejuízo na aprendizagem dessas duas atividades, os adolescentes (alunos) que se utilizam do internetês para interagir com seus pares apresentam um domínio das práticas discursivas que cada vez mais se fortalecem nos ambientes digitais de comunicação. Assim sendo, por esse domínio do internetês, e da linguagem característica de outros espaços de comunicação digital, que não somente a Internet, bem como ao conjunto de todas as habilidades que gravitam em seu entorno, compreenderemos, no presente capítulo, como uma manifestação do letramento digital que foi construído pelos sujeitos. Esta compreensão parte do conceito 266 “ESCREVO ABREVIADO PORQUE É MUITO MAIS RÁPIDO”: O ADOLESCENTE, O INTERNETÊS E O LETRAMENTO de letramento, em consonância com as reflexões de Soares (2002, p. 146), como um domínio das atividades de leitura e escrita que confere aos indivíduos ou grupos sociais “um determinado e diferenciado estado ou condição de inserção em uma sociedade letrada”, devido à apropriação de “habilidades e atitudes necessárias para uma participação ativa e competente em situações em que práticas de leitura e/ou de escrita têm uma função essencial”. Além disso, assumimos que o referido domínio possibilita a esses indivíduos manterem “com os outros e com o mundo que os cerca formas de interação, atitudes, competências discursivas e cognitivas” que servirão como elementos potencializadores no desenvolvimento de suas práticas sociais. Portanto, na contramão do que pensam alguns pais e professores, os adolescentes estão aprendendo intuitivamente a realizar o que deveria lhes estar sendo ensinado pela escola: o amplo uso da linguagem escrita nas mais variadas situações enunciativas. 2 Escolhas metodológicas E como chegamos a essa compreensão? Por meio de uma pesquisa que foi realizada com 21 (vinte e um) adolescentes, alunos do 9.º ano de uma escola pública chamada Centro Educacional Municipal Batista Montenegro – Ensino Fundamental (CEMBM), localizada no município de Afonso Bezerra – RN.3 A escolha dessa escola obedeceu a dois critérios. O primeiro, pelo fato de ela atender a um expressivo público formado por adolescentes, e o segundo porque esses sujeitos, mesmo com as limitações de uma escola pública, podem contar com um pequeno laboratório de informática, sendo o único na cidade. Os alunos podem navegar na Internet durante o turno da noite, sendo este reservado exclusivamente para pesquisa de trabalhos escolares. A navegação dos alunos, além de restrita, sempre é monitorada por instrutores que 3 A distância entre Afonso Bezerra e Natal, capital do estado do Rio Grande do Norte, é de 169 Km. 267 MESSIAS DIEB • FLÁVIO CÉSAR BEZERRA AVELINO trabalham no laboratório daquela escola. Por esse motivo, estabelecemos que um dos critérios para selecionar os sujeitos que colaborariam com a pesquisa seria o acesso frequente a Internet, não apenas na escola, mas também fora dela. Isto se justifica, ainda, porque, além de uma alarmante desproporção entre a demanda de alunos e a oferta de computadores, a navegação nos computadores da escola, como já dissemos, era restrita unicamente aos trabalhos escolares. Em função disso, os alunos também deveriam ter contato com a rede mundial de computadores em outras localidades, como, por exemplo, em casa ou em lan house. Após essas escolhas, optamos, entre as muitas possibilidades de procedimentos metodológicos, por uma técnica denominada de “instruções ao sósia”4 e pela técnica da “entrevista”, a fim de complementar as informações dos adolescentes. Pudemos contar com o apoio de cada um dos alunos da turma, os quais demonstraram uma grande satisfação por terem sido escolhidos a partici4 A instrução ao sósia, segundo Oliveira, Rezende e Brito (2006, p.128), foi elaborada no contexto da reforma sanitária italiana nos anos de 1970 com o intuito de compreender melhor a relação saúde-trabalho nas fábricas. Ainda segundo os autores, esse método das instruções ao sósia foi originalmente empregado por Oddone, psicólogo do trabalho italiano, com os operários da Fiat porque havia observado que quando os operários eram simplesmente solicitados a falar sobre seu trabalho, eles tendiam a reproduzir um comportamento ideal, de acordo com o prescrito, tendo pouco a ver com o trabalho real. Em nosso caso, essa solicitação ocorreu de modo escrito, ou seja, por meio de uma produção de texto solicitada aos adolescentes da escola pesquisada. Portanto, e de acordo com a leitura que fizemos sobre as “instruções ao sósia”, foi criada a seguinte situação para o nosso investimento acadêmico junto aos adolescentes: Imagine se você estivesse sentado na praça de sua cidade, tentando se passar por um rapaz que vende picolés, e presenciasse um grupo de jovens como você falando sobre o modo como as pessoas escrevem quando conversam pela Internet. Uma parte do grupo acha tudo muito legal e a outra parte critica porque acha que eles estão escrevendo tudo errado e vão levar esses erros de escrita para a escola ou outros lugares, enfrentando as reclamações dos pais e dos professores. Qual seria o seu ponto de vista sobre esse assunto? O que você diria para cada uma dessas partes do grupo? 268 “ESCREVO ABREVIADO PORQUE É MUITO MAIS RÁPIDO”: O ADOLESCENTE, O INTERNETÊS E O LETRAMENTO par da pesquisa por meio das duas técnicas citadas. Desse modo, a técnica das “instruções ao sósia” foi realizada na sala de aula e as entrevistas foram realizadas nas residências dos alunos, pois precisávamos também do consentimento dos pais. Na sequência, apresentaremos os resultados que obtivemos com a citada pesquisa cujo objetivo maior era analisar a relação entre os adolescentes e o internetês, focalizando, inicialmente, seu entendimento acerca desse novo uso da linguagem escrita, depois, a relação que estabelecem entre a notação da escrita em ambientes digitais e a utilizada nas atividades escolares e, por fim, suas atitudes frente ao “mal-estar” de pais e professores acerca do internetês. Vale salientar que, ao demonstrarmos as falas dos sujeitos, abaixo, estes serão referenciados por um nome fictício, que será acompanhado pela idade real dos adolescentes. O Entendimento dos Adolescentes sobre o Internetês Quando os adolescentes falaram sobre o que eles acham do modo como as pessoas escrevem na Internet, a maioria, ou seja, 80% disseram que achavam “legal”. Isso se justifica porque, para os adolescentes, o uso da escrita abreviada na Internet facilita muito a comunicação devido à economia de tempo. Portanto, como nos mostram as falas, abaixo, os adolescentes parecem ter acolhido de modo satisfatório esse novo estilo de grafia da língua. Eu acho muito legal [Mara (13)]. Escrever desse modo torna tudo muito mais fácil, pois é bem mais rápido e a pessoa não fala só com uma pessoa, vai falar com várias [Elza (14)]. Como podemos observar, na compreensão desses sujeitos o internetês torna a escrita mais rápida. Nesse sentido, eles percebem como necessário o uso desta nova escrita, não somente por modismo, mas principalmente porque facilita muito a interação entre eles no ambiente 269 MESSIAS DIEB • FLÁVIO CÉSAR BEZERRA AVELINO digital, pois seria praticamente impossível, por exemplo, conseguir manter contato com mais de 10 pessoas ao mesmo tempo, e de culturas totalmente diferentes através da escrita canônica. No que concerne ainda à compreensão sobre o modo típico de escrever nos gêneros do universo digital, apenas 1 (um) adolescente, entre os que participaram tanto da técnica do sósia como da entrevista, disse que usar o internetês é uma prática que torna a escrita totalmente errada. Eu acho essa escrita totalmente errada, ... o jeito que o povo escreve... esse jeito não é correto, o povo vai abreviando tudo [Laura (14)]. Apesar da clareza dessa opinião, encontramos em outra parte dos alunos o seguinte comportamento: mesmo achando que se trata de um “erro”, ainda assim não deixam de utilizar o internetês porque facilita a interação com os amigos, conforme podemos ilustrar nas falas das alunas abaixo. Eu acho legal e errado, porque o português fica muito errado, por causa das abreviações, e legal porque fica mais fácil, porque quando a gente vai escrever uma palavra enorme penso logo no cansaço dos dedos [Flora (15)]. Por um lado é ruim, né? Porque a língua portuguesa fica errada e por outro é melhor porque fica mais fácil e a gente gasta menos tempo pra escrever [Fabrícia (13)]. De acordo com essas falas, podemos inferir que o que chamam de errado não é para eles na verdade “um erro”. O fato é que alguns adolescentes se manifestam dessa maneira porque ainda não estão recebendo a devida orientação sobre essa prática de escrita, nem tampouco estão tendo a oportunidade de discutir sobre o assunto com tranquilidade, seja na escola, seja na família. Em acréscimo, podemos dizer que essas falas vieram confirmar o que já tinham exposto anteriormen270 “ESCREVO ABREVIADO PORQUE É MUITO MAIS RÁPIDO”: O ADOLESCENTE, O INTERNETÊS E O LETRAMENTO te Araújo e Biasi-Rodrigues (2007) e Buzato (2007). De acordo com esses autores, a linguagem em ambientes virtuais é baseada na simplificação informal da escrita, com o objetivo principal de tornar mais rápida a comunicação. Ainda sobre essa discussão acerca do internetês, Komesu (2006) diz que ele é conhecido, no caso do Brasil, como o português digitado na Internet, e é caracterizado por simplificações de palavras que levariam em consideração, principalmente, uma suposta interferência da fala na escrita. Com base nessa discussão, podemos sugerir que o problema em relação ao entendimento de alguns adolescentes sobre o internetês como uma mutilação da escrita alfabética talvez não tenha sua origem em si mesmo, mas na opinião da maioria dos pais e professores, a qual é imputada aos jovens de modo silencioso. Com efeito, não podemos deixar de observar que são alguns professores os primeiros a dizer que o internetês é o português escrito de maneira errada, ao invés de dizer inadequado, quando se trata de transferência da escrita abreviada da Internet para práticas de escrita no ambiente escolar. No entanto, sabemos também que, pelo fato de serem sujeitos e, por isso mesmo capazes de construir seu próprio entendimento, os adolescentes acabam inserindo novos elementos a essas opiniões, como vimos nas falas acima. Assim sendo, discutir o fato se torna necessário porque os alunos parecem ter outra compreensão acerca disso e saberem que a linguagem ou o uso da língua exige deles a adequabilidade necessária ao sucesso da interação, conforme passaremos a discutir na próxima seção. A Escrita Digital: da Internet à Sala de Aula Conforme vimos discutindo, uma das grandes preocupações para pais e professores, com relação ao uso da Internet, seria a migração desta nova linguagem, o internetês, para outros ambientes de discurso, como a escola, por exemplo. Esse fato também já fora explicitado por Caiado 271 MESSIAS DIEB • FLÁVIO CÉSAR BEZERRA AVELINO (2007) quando afirmou que as questões ortográficas, que brotam nesse contexto dos ambientes digitais, vão de encontro ao que é proposto pela norma ortográfica vigente da Língua Portuguesa. Por esse motivo, segundo a autora, a migração da escrita da Internet para outros espaços de interação tem se constituído uma preocupação constante em algumas instituições de ensino, especialmente no que concerne aos professores e aos pais dos alunos. Ao analisarmos a entrevista feita aos adolescentes, poucos disseram ter escrito na sala de aula do mesmo modo como fazem na Internet. Perguntamos, então, quais seriam os motivos que os levaram a escrever daquele jeito em um outro ambiente, que não fosse o virtual, e eles responderam da seguinte maneira. É porque eu já estou tão acostumada no MSN, no computador que na hora de fazer uma redação lá de português, fui e escrevi abreviado e a professora me chamou atenção [Bianca (14)]. Na escola, eu escrevi porque eu esqueci e coloquei tudo abreviado [Clara (15)]. Como se pode notar, a primeira aluna explica-se dizendo que só escreveu dessa maneira na sala de aula devido ao costume de escrever na Internet, o que pode ser interpretado como uma demonstração de consciência da (in)adequação do estilo de escrita que foi por ela utilizada nos dois ambientes. A segunda aluna, por sua vez, diz ter escrito por motivo de esquecimento, o que também pode estar implícito na fala da primeira. Com efeito, a demonstração mais explícita de consciência sobre a adequabilidade da escrita pode ser observada nas palavras da aluna, abaixo: Às vezes, eu ... digito aqueles “errinhos”, mas é só no Orkut [Mara (13)]. Assim sendo, é necessário reforçar que parte dos jovens já demonstra, por menor que seja, ter uma noção indutiva da adequabilidade da escrita, ou seja, sabe que 272 “ESCREVO ABREVIADO PORQUE É MUITO MAIS RÁPIDO”: O ADOLESCENTE, O INTERNETÊS E O LETRAMENTO não deve escrever na sala de aula da mesma maneira como escreve nos espaços digitais de comunicação. Outra informação relevante a ser acrescida nessa discussão é que, às vezes, o professor chama à atenção os alunos e baixa a nota, conforme relatado acima por Bianca. Desse modo, a atitude do professor, ao reprimir seus alunos, passa a ser inadequada visto que, ao invés de orientar e promover a ampliação desse conhecimento indutivo demonstrado por eles, acaba reforçando a ideia equivocada de que se trata de um erro. Tem professor que é a favor da Internet, mas têm outros que falam muito. Quando falam da escrita, todos são contra, principalmente a professora de Português [Joana (14)]. Os professores são sempre contra. Eles acham errado o jeito que a gente escreve, o modo de escrever, dizem que não é o correto [Roberta (13)]. Eles [os professores] acham que é errado e pode nos prejudicar [Mara (13)]. Desse modo, somos impelidos mais uma vez a inferir que a afirmação segundo a qual usar o internetês é um erro ou um prejuízo para os estudantes vem principalmente dos professores, conforme também demonstram as falas dos próprios alunos acima. No entanto, não podemos simplesmente condenar os docentes sem que lhes seja concedido o direito de defesa, visto que “o domínio das práticas discursivas que se revelam em gêneros da esfera digital é mais um desafio para o ensino” (ARAÚJO; BIASI-RODRIGUES, 2007, p. 79). O problema é que os cursos de formação de professores ainda não estão suficientemente adequados para auxiliá-los nesse desafio, discutindo como aproveitar e ampliar as oportunidades de interação de acordo com as transformações do mundo contemporâneo, as quais já adentram, mesmo que ainda timidamente, nos estabelecimentos escolares. Com base nas afirmações dos entrevistados, podemos dizer que o problema parece residir apenas na (in) 273 MESSIAS DIEB • FLÁVIO CÉSAR BEZERRA AVELINO compreensão acerca da adequabilidade do uso da escrita. Isto se justifica porque os professores parecem ainda não conceber o internetês como mais uma variação linguística e estilística de nossa rica língua, além de uma ampla demonstração de letramento por parte de seus alunos. Assim sendo, a preocupação dos professores, especialmente os da área do ensino de língua materna, parece existir, entre outras coisas, por conta da ausência de pontuação na grafia de algumas palavras e do uso constante de abreviações na Internet, por meio dos quais os internautas procuram associar pensamentos e sentimentos escritos com a fala. Não obstante tal preocupação, os professores parecem não observar que seus alunos sabem direitinho o lugar adequado para o uso da cada uma das duas formas de escrita: a forma padrão da língua portuguesa e a que se exprime por meio do internetês. Vejamos como essas informações podem ser extraídas das citações dos alunos, logo abaixo. Quando eu vou mandar um bilhetinho, pra mim não escrever muito, eu faço como eu escrevo na Internet [Mara (13)]. Quando eu estou conversando com as meninas ... eu já utilizei essa escrita, mas uso somente na Internet e nos bilhetinhos [Fabricia (13)]. De acordo com essas falas, podemos ver que a linguagem abreviada da Internet tem sido adaptada para outras situações do cotidiano desses jovens. Eles a têm levado para a troca de bilhetinhos entre si, o que continua demonstrando a informalidade na qual ela é utilizada. Um outro ponto que nos chamou a atenção, foi o caso da aluna Flora (15), pois, esta, além de utilizar o internetês em ambientes digitais e na troca de bilhetinhos com os seus amigos, diz também utilizá-lo em seu caderno, mas somente quando está copiando os deveres para si, conforme podemos constatar na afirmação abaixo: Quando é pra fazer um assunto de escola, eu coloco tudo abreviado porque quem vai estudar no 274 “ESCREVO ABREVIADO PORQUE É MUITO MAIS RÁPIDO”: O ADOLESCENTE, O INTERNETÊS E O LETRAMENTO caderno sou eu, agora na prova eu tento sempre fazer “o correto” [Flora (15)]. Como podemos perceber na fala da aluna, ela assume que escreve em seu caderno como se fosse à Internet, somente para si; certamente, por ser mais rápido e menos cansativo. Entretanto, a aluna deixa bem claro que quando o assunto é avaliação e/ou trabalho escolar, os quais serão entregues aos professores para a obtenção de uma nota, ela procura fazer “o correto”, ou seja, dentro da norma padrão de escrita da língua portuguesa. Isso é mais uma prova de que Flora, assim como seus colegas, tem um bom entendimento com relação à adequabilidade da escrita internetiana. Portanto, como já havíamos mencionado antes, a escola não deveria tratar o internetês como uma escrita errada ou mutilada, mas como um jeito novo de notar a escrita de nossa língua, de acordo com as necessidades do ambiente em que ela se encontra. Além disso, podemos dizer, com Tfouni (1995) e Soares (2002), que esses alunos, apesar dos equívocos cometidos pela escola e de suas limitações no enfrentamento desse novo desafio que se lhe apresenta, demonstram um bom nível de letramento, dada a sua capacidade de apreender e de responder, satisfatoriamente, as novas situações comunicativas que lhes exigem, entre outras coisas, um bom uso das atividades de leitura e escrita. As Atitudes dos Adolescentes Frente à Preocupação de Pais e Professores De acordo com Guzman (apud FERREIRA e CARDOSO, 2007), o conceito de atitude refere-se a uma predisposição psicológica geral dos indivíduos humanos em relação a um determinado objeto. Essa predisposição pode ser dividida em três dimensões: a cognitiva, relacionada aos conhecimentos que um sujeito tem sobre o objeto, a afetiva, que se relaciona com os sentimentos que o sujeito tem em relação a esse objeto e, por último, a dimensão 275 MESSIAS DIEB • FLÁVIO CÉSAR BEZERRA AVELINO comportamental, que diz respeito às ações em relação ao objeto. Assim, de acordo com essa explicação acerca do conceito de atitude, e levando em consideração os dados construídos por meio da técnica do sósia e das entrevistas, passaremos a demonstrar a atitude dos alunos frente à preocupação de seus pais e professores. Com relação à dimensão cognitiva, ou seja, ao conhecimento que os alunos têm a respeito do internetês, eles têm demonstrado que sabem do que se trata. Eu utilizo muito a nova linguagem da Internet. “Você”, por exemplo, é um “VC”, “não” é um “Ñ” [Andréia (13)]. Escrevo assim só abreviado porque é um jeito muito mais rápido de se comunicar [Heloisa (14)]. Como podemos ver, eles sabem que se trata de uma nova linguagem, como nos diz Andréia, e dizem ainda como se caracteriza a escrita nesse ambiente, explicando-a por meio da ressignificação de certas formas linguísticas. No que diz respeito a esse fenômeno da ressignificação das formas linguísticas, Araújo (2007) nos lembra Bakhtin quando afirma que o aspecto formal do signo não interessa ao sujeito, o que realmente importa é a significação que as formas linguísticas escritas lhe transmitem. Portanto, conforme nos diz o próprio Bakhtin ([1929] 1981, p. 94).), “enquanto uma forma linguística for apenas um sinal e for percebida pelo receptor somente como tal, ela não terá para ele nenhum valor linguístico”. Isso implica dizer, segundo a interpretação que faz Araújo (2007), que restringir-se à mera identificação da forma linguística nos faz comprometidos apenas com a sinalidade, abrindo um fosso expressivo entre o sinal e o signo. Dessa maneira, sendo o sinal algo imutável, ele não substitui nem reflete nada e, por esta razão, é preciso haver a interação para que dela possa se extrair os significados atribuídos pelos usuários aos signos da língua. Nesse sentido, para Bakhtin ([1929] 1981), a sinalidade constitui um componente da 276 “ESCREVO ABREVIADO PORQUE É MUITO MAIS RÁPIDO”: O ADOLESCENTE, O INTERNETÊS E O LETRAMENTO língua, já que o sinal existe na língua, mas quando é absorvido e reinterpretado pelas práticas humanas, como o internetês, por exemplo, conforme explicado nas palavras de Andréia acima, ascende à qualidade de signo. Portanto, a atitude de utilizar conscientemente essa variedade linguística escrita se mostra explícita entre os alunos e está envolvida numa compreensão de que essa atividade de escrita tanto facilita a comunicação, por ser mais rápida de ser notada, como se adequa perfeitamente aos ambientes discursivos digitais. Assim, eles a usam com tranquilidade e ainda transferem essa prática para outras situações enunciativas corriqueiras, tais como quando trocam bilhetinhos e cartas com os amigos. Esta situação nos fornece, pois, os elementos necessários a fim de que afirmemos o quanto se enganam aqueles que julgam os alunos como desconhecedores da distinção entre a adequabilidade da notação escrita da língua na Internet e em outros espaços de interação, como a escola, por exemplo. Em suma, pais e professores parecem não perceber quão letrados são esses adolescentes. Quanto à dimensão afetiva, os alunos têm reagido silenciosamente às recriminações que lhe são impostas pelos adultos, geralmente pais e professores, demonstrando sentimentos de receio e até mesmo de medo. Quando são repreendidos, com relação à escrita do meio digital, eles acabam ficando calados, como podemos observar por meio de alguns depoimentos sobre isso: Bom, eu fico calada na minha [Flora (15)]. Não ligo o que dizem [Mara (13)]. Essas afirmações confirmam o sentimento de apreensão e de “medo” em que se encontram os alunos para discutir sobre o internetês com seus pais e professores. Em outras palavras, eles preferem ficar calados ou dizer que não ligam quando são chamados à atenção. No entanto, o que pais e professores não estão sabendo é que esse silêncio pode dizer muito mais do que eles imaginam. Basta atentarmos para o fato de que os adolescentes 277 MESSIAS DIEB • FLÁVIO CÉSAR BEZERRA AVELINO continuam utilizando, sem alarde, e apenas entre eles, as notações da escrita aqui chamada de internetês. Isso é o que nos mostram as falas transcritas abaixo: Mesmo que falem, eu continuo usando, mas só na internet [Maria (13)]. Eu sei que dizem que está errado, mas ainda assim continuo usando [Elza (14)]. Eu tento me consertar, mas ainda assim continuo escrevendo..., quando o material é meu, como por exemplo o caderno, aí eu fico na minha, aí continuo escrevendo do mesmo jeito [Flora (15)]. Apesar do “mal-estar” de pais e professores, os adolescentes continuam usando o internetês. Entretanto, ao que nos parece, quando eles decidem agir dessa maneira não se trata apenas de uma transgressão de normas, como é característico nos adolescentes, já que eles parecem observar a questão da adequabilidade na notação da escrita. Nesse sentido, os estudantes demonstram que são, intuitivamente, bons praticantes em relação aos usos da língua materna, isto é, possui um bom nível de letramento. Algo que achamos muito interessante foi quando uma das alunas afirmou que alguns de seus professores também têm Orkut e que utilizam o internetês: Tem alguns professores que até têm Orkut..... E eles [os professores] escrevem com os mesmos “errinhos” [Patrícia (14)]. Como podemos ver, os mesmos professores que taxam o internetês como uma escrita errada, também a utilizam, como mostra a fala de Patrícia (14). Esses professores não deveriam dizer aos alunos que essa escrita é errada, pois eles também a usam. O que realmente deve ser feito é mostrar para esses alunos que não é errado o uso dessa nova linguagem, desde que a utilize no ambiente adequado: os espaços de escrita digital. Com efeito, pelo que foi aqui discutido e analisado, pais e professores precisam atentar para o fato de que 278 “ESCREVO ABREVIADO PORQUE É MUITO MAIS RÁPIDO”: O ADOLESCENTE, O INTERNETÊS E O LETRAMENTO não é reprimindo ou repreendendo os estudantes que eles lhes darão a orientação necessária a uma interação e/ou a um letramento satisfatórios. Afinal, como nos diz Araújo (2008), a escola precisa aprender a abolir o medo das novas linguagens e a refletir sobre onde e quando devemos interagir por meio de cada uma delas. Se assim não o fizer, segundo o mesmo autor, estará incorrendo no lamentável equívoco de confundir a língua portuguesa com suas inúmeras formas de notação escrita, as quais já são de domínio real por parte dos seus praticantes, pelo menos os que desta pesquisa participaram. Considerações Finais Neste capítulo, procuramos analisar a relação que os adolescentes, notáveis e letrados consumidores e produtores de gêneros digitais, estão construindo com o internetês. Para isso, focalizamos, inicialmente, seu entendimento acerca desse novo uso da linguagem escrita, depois, a relação que estabelecem entre a notação da escrita em ambientes digitais e a utilizada nas atividades escolares e, por fim, suas atitudes frente ao “mal-estar” de pais e professores acerca do internetês. Após essa discussão, foi possível chegarmos a algumas considerações, as quais serão aqui expostas a título de aprendizagem construída a partir da análise dos dados. No que diz respeito ao entendimento dos adolescentes acerca do internetês, pudemos constatar o quanto eles já sabem acerca dessa nova linguagem que vem surgindo através da Internet. Os alunos demonstram uma clara compreensão de que se trata de um modo mais rápido de comunicação escrita e que nada tem a ver com outra língua. Trata-se apenas de um estilo diferente, abreviado e criativo de interagir com outras pessoas, por meio da escrita. Em adendo, a referida prática passa longe de trazer-lhes qualquer tipo de prejuízo, a não ser devido à incompreensão, por parte da família e da escola, de que o internetês implica a exigência de um alto nível de letramento, enquanto capacidade de bom uso da língua. 279 MESSIAS DIEB • FLÁVIO CÉSAR BEZERRA AVELINO No que concerne à notação da escrita em ambientes digitais e à utilizada nas atividades escolares, verificamos que os alunos já entenderam essa diferenciação e não a praticam senão sob o efeito de um rápido descuido ou esquecimento, como eles mesmos afirmam. Curiosamente, isto representa o seguinte problema: os alunos compreendem muito mais sobre a adequabilidade da língua do que propriamente seus pais e professores. Por isso, é importante salientar que os adolescentes percebem que o modo como eles escrevem na Internet é próprio desse ambiente e que não deve migrar para outros espaços enunciativos, a não ser que esse uso seja bem administrado, como é o caso dos bilhetinhos e cartas trocadas entre eles. Nesse sentido, ainda que os alunos estejam adaptando o internetês para novas situações de seu cotidiano, como já aludimos, eles dificilmente irão utilizá-lo em avaliações e trabalhos escolares, especialmente aqueles dos quais dependem suas notas. Quanto às atitudes dos alunos com relação ao “malestar” de pais e professores sobre o internetês, eles têm demonstrado apreensão para levantar discussões sobre o referido tema. Por isso, reagem silenciosamente a esse sentimento, demonstrando que estão nitidamente decididos a não deixar, em nenhum momento, de utilizar a nova forma de notação da escrita. No entanto, conforme inferimos, a reação dos adolescentes representa muito mais uma satisfatória utilização da referida prática de linguagem por parte deles do que uma simples transgressão de valores ou de regras frente à postura autoritária dos adultos. Referências Bibliográficas ARAÚJO, J.C. As relações com a escrita: reflexões sobre o Internetês. In. DIEB, M. (Org.) Relações e saberes na escola: os sentidos do aprender e do ensinar. Belo Horizonte: Autêntica, 2008, p. 119-134. ARAÚJO, J.C. “Kd a roupinha do nick?”: brincando de vestir identidades no chat aberto. In.: COSTA, M.de F.V. et alii 280 “ESCREVO ABREVIADO PORQUE É MUITO MAIS RÁPIDO”: O ADOLESCENTE, O INTERNETÊS E O LETRAMENTO (Org.). Modos de brincar, lembrar e dizer: discursividade e subjetivação. Fortaleza: Edições UFC, 2007, p. 189-204. ARAÚJO, J.C.; BIASI-RODRIGUES, B. Questões de estilo no gênero chat aberto e implicações para o ensino da língua materna. In: ARAÚJO, J.C. (Org.). Internet & ensino: novos gêneros, outros desafios. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007, p. 78-92. AVELINO, Flávio César Bezerra. A escrita na internet: estudo da relação entre os adolescentes e o internetês. Monografia de Graduação. Assú: UERN, 2008. BAKHTIN, M. Marximo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1981. BUZATO, M. Vc sab flr assim? Entrevista. Revista Aprendiz. Disponível em: <http://www.aprendiz.uol.com.br/ content.view.action?uuid=be2fca2a0af47010017f11f b26333665> Acesso em: 08 out. 2007. CAIADO, R.V.R. A ortografia no gênero Weblog: entre a escrita digital e a escrita escolar. In: ARAÚJO, J.C. (Org.). Internet & ensino: novos gêneros, outros desafios. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007, p. 35-47. FERREIRA, C.C.; CARDOSO, P.R. Uma abordagem qualitativa e quantitativa sobre a atitude dos estudantes universitários em relação à Publicidade. Disponível em: <http// bocc.ubi.pt/pág/cardoso-ferreira-abordagem-publicidade. pdf> Acesso em: 15 out. 2007. KOMESU, F. “Num sabi neim iscreve i fik disfarssandu”: a polêmica como interincompreensão em comentários sobre “internetês”. In: POSSENTI, S; BARONAS, R.L. (Org.). Contribuições de Dominique Maingueneau para a Análise do Discurso do Brasil. São Carlos: Pedro & João Editores, 2008, p. 49-70. KOMESU, F. Visões da linguagem em comentário sobre Internetês não é língua portuguesa. Revista Filologia e Linguística Portuguêsa, v. 8. São Paulo: Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas – USP, p. 425-437, 2006. OLIVEIRA, Simone; REZENDE, Marcello Santos; BRITO, Jussara Cruz de. Saberes e estratégias dos operadores de 281 MESSIAS DIEB • FLÁVIO CÉSAR BEZERRA AVELINO telemarketing frente às adversidades do trabalho. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional. São Paulo, 31 (114), p. 125-134, 2006. SOARES, M. Novas práticas de leitura e escrita: letramento na cibercultura. Educação e Sociedade. Campinas: Unicamp, vol. 23, n. 81, p. 143-160, dez. 2002. TFOUNI, L.V. Letramento e alfabetização. São Paulo: Cortez, 1995. 282 Coleção Diálogos Intempestivos 1. Ditos (mau)ditos. José Gerardo Vasconcelos; Antonio Germano Magalhães Junior e José Mendes Fonteles (Orgs.). 2001. 208p. 2001. ISBN: 85-86627-13-5. 2. Memórias no plural. José Gerardo Vasconcelos e Antonio Germano Magalhães Junior (Orgs.). 140p. 2001. ISBN: 85-86627-21-6. 3. Trajetórias da juventude. Maria Nobre Damasceno; Kelma Socorro Lopes de Matos e José Gerardo Vasconcelos (Orgs.). 112p. 2001. ISBN: 85-86627-22-4. 4. Trabalho e educação face à crise global do capitalismo. Enéas Arrais Neto; Manuel José Pina Fernandes e Sandra Cordeiro Felismino (Orgs.). 2002. 218p. ISBN: 85-86627-23-2. 5. Um dispositivo chamado Foucault. José Gerardo Vasconcelos e Antonio Germano Magalhães Junior (Orgs.). 120p. 2002. ISBN: 85-86627-24-0. 6. Registros de pesquisa na educação. Kelma Socorro Lopes de Matos e José Gerardo Vasconcelos (Orgs.). 2002. 216p. ISBN: 85-86627-25-9. 7. Linguagens da história. José Gerardo Vasconcelos e Antonio Germano Magalhães Junior (Orgs.). 2003. 154p. ISBN: 85-7564084-4. 8. Esboços em avaliação educacional. Brendan Coleman Mc Donald (Org.). 2003. 168p. ISBN: 85-7282-131-7. 9. Informática na escola: um olhar multidisciplinar. Edla Maria Faust Ramos; Marta Costa Rosatelli e Raul Sidnei Wazlawick (Orgs.). 2003. 135p. ISBN: 85-7282-130-9. 10. Filosofia, educação e realidade. José Gerardo Vasconcelos (Org.). 2003. 300p. ISBN: 85-7282-132-5. 11. Avaliação: Fiat Lux em Educação. Wagner Bandeira Andriola e Brendan Coleman Mc Donald (Orgs.). 2003. 212p. ISBN: 85-7282-136-8. 12. Biografias, instituições, idéias, experiências e políticas educacionais. Maria Juraci Maia Cavalcante e José Arimatea Barros Bezerra (Orgs.). 2003. 467p. ISBN: 857282-137-6. 13. Movimentos sociais, educação popular e escola: a favor da diversidade. Kelma Socorro Lopes de Matos (Org.). 2003. 312p. ISBN: 85-7282-138-4. 14. Trabalho, sociabilidade e educação: uma crítica à ordem do capital. Ana Maria Dorta de Menezes e Fábio Fonseca Figueiredo (Orgs.). 2003. 396p. ISBN: 85-7282-139-2. 15. Mundo do trabalho: debates contemporâneos. Enéas Arrais Neto, Elenice Gomes de Oliveira e José Gerardo Vasconcelos (Orgs.). 2004. 154p. ISBN: 85-7282-142-2. 16. Formação humana: liberdade e historicidade. Ercília Maria Braga de Olinda (Org.). 2004. 250p. ISBN: 85-7282-143-0. 283 17. Diversidade cultural e desigualdade: dinâmicas identitárias em jogo. Maria de Fátima Vasconcelos e Rosa Barros Ribeiro (Orgs.). 2004. 324p. ISBN: 85-7282-144-9. 18. Corporeidade: ensaios que envolvem o corpo. Antonio Germano Magalhães Junior e José Gerardo Vasconcelos (Orgs.). 2004. 114p. ISBN:85-7282-146-5. 19. Linguagem e educação da criança. Silvia Helena Vieira Cruz e Mônica Petralanda Holanda (Orgs.). 2004. 369p. ISBN:85-7282-149-X. 20. Educação ambiental em tempos de semear. Kelma Socorro Lopes de Matos e José Levi Furtado Sampaio (Orgs.). 2004. 203p. ISBN: 85-7282-150-3. 21. Saberes populares e práticas educativas. José Arimatea Barros Bezerra, Catarina Farias de Oliveira e Rosa Maria Barros Ribeiro (Orgs.). 2004. 186p. ISBN: 85-7282-162-7. 22. Culturas, currículos e identidades. Luiz Botelho de Albuquerque (Org.). 231p. ISBN: 85-7282-165-1. 23. Polifonias: vozes, olhares e registros na filosofia da educação. José Gerardo Vasconcelos, Andréa Pinheiro e Érica Atem (Orgs.) 274p. ISBN: 85-7282-166-X. 24. Coisas de cidade. José Gerardo Vasconcelos e Shara Jane Holanda Costa Adad. ISBN: 85-7282-172-4. 25. O caminho se faz ao caminhar. Maria Nobre Damasceno e Celecina de Maria Vera Sales (Orgs.). 2005. 230p. ISBN: 85-7282-179-1. 26. Artesania do saber: tecendo os fios da educação popular. Maria Nobre Damasceno (Org.). 2005. 169p. ISBN: 85-7282-181-3. 27. História da educação: instituições, protagonistas e práticas. Maria Juraci Maia Cavalcante e José Arimatea Barros Bezerra. (Orgs.). 458p. ISBN: 85-7282-182-1. 28. Linguagens, literatura e escola. Sylvie Delacours-Lins e Sílvia Helena Vieira Cruz (Orgs.). 2005. 221p. ISBN: 85-7282-184-8. 29. Formação humana e dialogicidade em Paulo Freire. Maria Ercília Braga de Olinda e João Batista de A. Figueiredo (Orgs.). 2006. ISBN: 85-7282-186-4. 30. Currículos contemporâneos: formação, diversidade e identidades em transição. Luiz Botelho Albuquerque (Org.). 2006. ISBN: 85-7282-188-0. 31. Cultura de paz, educação ambiental e movimenos sociais. Kelma Socorro Lopes de Matos (Org.). 2006. ISBN: 85-7282-189-9. 32. Movimentos sociais, educação popular e escola: a favor da diversidade II. Sylvio de Sousa Gadelha e Sônia Pereira Barreto (Orgs.). 2006. 172p. ISBN: 85-7282-192-9. 33. Entretantos: diversidade na pesquisa educacional. José Gerardo Vasconcelos, Emanoel Luís Roque Soares e Isabel Magda Said Pierre Carneiro (Orgs.). ISBN: 85-7282-194-5. 34. Juventudes, cultura de paz e violências na escola.Maria do Carmo Alves do Bomfim e Kelma Socorro Lopes de Matos (Orgs.). 2006. 276p. ISBN: 85-7282-204-6. 35. Diversidade sexual: perspectivas educacionais. Luís Palhano Loiola. 183p. ISBN: 857282-214-3. 284 36. Estágio nos cursos tecnológicos: conhecendo a profissão e o profissional. Gregório Maranguape da Cunha, Patrícia Helena Carvalho Holanda, Cristiano Lins de Vasconcelos (Orgs.). 93p. ISBN: 85-7282-215-1. 37. Jovens e crianças: outras imagens. Kelma Socorro Lopes de Matos, Shara Jane Holanda Costa Adad e Maria Dalva Macedo Ferreira (Orgs.). 221p. ISBN: 85-7282-219-4. 38. História da educação no Nordeste brasileiro. José Gerardo Vasconcelos e Jorge Carvalho do Nascimento (Orgs.). 2006. 193p. ISBN: 85-7282-220-8. 39. Pensando com arte. José Gerardo Vasconcelos e José Albio Moreira de Sales (Orgs.). 2006. 212p. ISBN: 85-7282-221-6. 40. Educação, política e modernidade. José Gerardo Vasconcelos e Antonio Paulino de Sousa (Orgs.). 2006. 209p. ISBN: 978-85-7282-231-2. 41. Interfaces metodológicas na história da educação. José Gerardo Vasconcelos, Raimundo Elmo de Paula Vasconcelos Júnior, Zuleide Fernandes de Queiroz e José Edvar Costa de Araújo (Orgs.). 2007. 286p. ISBN: 978-85-7282-232-9. 42. Práticas e aprendizagens docentes. Ercília Maria Braga de Olinda e Dorgival Gonçalves Fernandes (Orgs.). 2007. 196p. ISBN 978.85-7282.246-6 . 43. Educação ambiental dialógica: as contribuições de Paulo Freire e as representações sociais da água em cultura sertaneja nordestina. João B. A. Figueiredo. 2007. 385p. ISBN: 978-85-7282-245-9. 44. Espaço urbano e afrodescendência: estudos da espacialidade negra Urbana para o debate das políticas públicas. Henrique Cunha Júnior e Maria Estela Rocha Ramos (Orgs.). 2007. 209. ISBN: 978-85-7282-259-6. 45. Outras histórias do Piauí. Roberto Kennedy Gomes Franco e José Gerardo Vasconcelos. 2007. 197p. ISBN: 978-85-7282-263-3. 46. Estágio supervisionado: questões da prática profissional. Gregório Maranguape da Cunha, Patrícia Helena Carvalho Holanda e Cristiano Lins de Vasconcelos (Orgs.). 2007. 163p. ISBN: 978-85-7282-265-7. 47. Alienação, Trabalho e emancipação humana em Marx. Jorge Luís de Oliveira. 2007. 291p. ISBN: 978-85-7282-264-0. 48. Modo de brincar, lembrar e dizer: discursividade e subjetivação. Maria de Fátima Vasconcelos da Costa, Veriana de Fátima Rodrigues Colaço e Nelson Barros da costa (Orgs.). 2007. 347p. ISBN: 978.85-7282-267-1. 49. De novo ensino médio aos problemas de sempre: entre marasmos, apropriações e resistências escolares. Jean Mac Cole Tavares Santos. 2007. 270p. ISBN: 978.85-7282-278-7. 50. Nietzscheanismos. José Gerardo Vasconcelos, Cellina Muniz e Roberto Kennedy Gomes Franco (Orgs.). 2008. 150p. ISBN: 978.85-7282-277-0. 285 51. Artes do existir: trajetórias de vida e formação. Ercília Maria Braga de Olinda e Francisco Silva Cavalcante Júnior (Orgs.). 2008. 353p. ISBN: 978-85-7282-269-5. 52. Em cada sala um altar, em cada quintal uma oficina: o tradicional e o novo na história da educação tecnológica no cariri cearense. Zuleide Fernandes de Queiroz (Org.). 2008. 403p. ISBN: 978-85-7282-280-0. 53. Instituições, campanhas e lutas: história da educação especial no Ceará. Vanda Magalhães Leitão. 2008. 169p. ISBN: 978-85-7282-281-7. 54. A Pedagogia feminina das casas de caridade do padre Ibiapina. Maria das Graças de Loiola Madeira. 2008. 391p. ISBN 978-85-7282-282-4. 55. História da educação – vitrais da memória: lugares, imagens e práticas culturais. Maria Juraci Maia Cavalcante, Zuleide Fernandes de Queiroz, Raimundo Elmo de Paula Vasconcelos Júnior e José Edvar Costa de Araujo (Orgs.). 2008. 560p. ISBN: 978-85-7282-284-8. 56. História educacional de Portugal: discurso, cronologia e comparação. Maria Juraci Maia Cavalcante. 2008. 342p. ISBN: 978-85-7282-283-1. 57. Juventudes e formação de professores: o ProJovem em Fortaleza. Kelma Socorro Alves Lopes de Matos e Paulo Roberto de Sousa Silva (Orgs.). 2008. 198p. ISBN: 978-857282-295-4. 58. História da Educação: arquivos, documentos, historiografia, narrativas orais e outros rastros. José Arimatea Barros Bezerra (Org.). 2008. 276p. ISBN: 978-85-7282-285-5. 59. Educação: utopia e emancipação. Casemiro de Medeiros Campos. 2008. 104p. ISBN: 978-85-7282-305-0. 60. Entre Línguas: movimentos e mistura de saberes. Shara Jane Holanda Costa Adad, Ana Cristina Meneses de Sousa Brandim e Maria do Socorro Rangel (Orgs.). 2008. 202p. ISBN: 978-85-7282-306-7. 61. Reinventar o presente: . . . pois o amanhã se faz com a transformação do hoje. Reinaldo Matias Fleuri. 2008. 76p. ISBN: 978-85-7282-307-4. 62. Cultura de Paz: do Conhecimento à Sabedoria. Kelma Socorro Lopes de Matos,Verônica Salgueiro do Nascimento e Raimundo Nonato Júnior (Orgs.) 2008. 260p. ISBN: 978-857282-311-1. 63. Educação e Afrodescendência no Brasil. Ana Beatriz Sousa Gomes e Henrique Cunha Júnior (Orgs.). 2008. 291p. ISBN: 978-85-7282-310-4. 64. Reflexões sobre a Fenomenologia do Espírito de Hegel. Eduardo Ferreira Chagas, Marcos Fábio Alexandre Nicolau e Renato Almeida de Oliveira (Orgs.). 2008. 285p. ISBN: 978-85-7282-313-5 65. Gestão Escolar: saber fazer. Casemiro de Medeiros Campos e Milena Marcintha Alves Braz (Orgs.). 2009. 166p. ISBN: 978-85-7282-316-6. 66. Letramentos na Web: Gêneros, Interação e Ensino. Júlio César Araújo e Messias Dieb (Orgs.). 2009. 286p. ISBN: 978-85-7282-???-?. 286