A EQUOTERAPIA COMO RECURSO NA TERAPIA

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A EQUOTERAPIA COMO RECURSO NA TERAPIA
A EQUOTERAPIA COMO RECURSO NA TERAPIA PSICOMOTORA PARA A
AQUISIÇÃO/DESENVOLVIMENTO DO EQUILÍBRIO CORPORAL.
THE EQUOTHERAPY AS A RESOURCE IN PSYCHOMOTOR THERAPY TO
ACQUIREMENT/DEVELOPMENT OF BODY BALANCE.
IDA MARIA SOZZI DE JESUS1
ORIENTADORA: VANIA RAMOS2
Resumo: Este artigo apresenta uma pesquisa de campo realizada em um centro de
equoterapia com uma criança portadora de distúrbios de equilíbrio. Tem por finalidade
mostrar a equoterapia como recurso na terapia psicomotora para a aquisição e o
desenvolvimento do equilíbrio estático e dinâmico. Apresenta os exercícios propostos
em algumas sessões e os resultados obtidos durante o período em que esta pesquisa foi
elaborada. Notou-se principalmente o ganho do equilíbrio na marcha, a melhora na
postura, a dissociação dos movimentos, a melhora no equilíbrio ao subir e descer
degraus, a socialização com a equipe, e a interação entre o cavalo e o praticante. A
proposta deste artigo é contribuir com os estudos no que se diz respeito à inter-relação
entre a equoterapia e a psicomotricidade.
Palavras chave: equoterapia, psicomotricidade, equilíbrio.
Abstract: This article represents a Field research performed in a equotherapy Center
with a balance disorder carrier child. Its goal is to show equotherapy as a resource in
psychomotor therapy directed to the development of static and dynamic balance. It
presents the exercises suggested in some sessions and the results that were obtained
during the period that this research was bilt. We noticed gains in the walking balance,
the posture was improved, the moves were dissociated, improvement in climbing stairs,
socialization with the crew and the interaction between the horse and the child. The
purpose of this article is to enrich the studies about the relationship between
equotherapy and psychomotor.
Key words: equotherapy, psychomotor, balance.
1
Pedagoga graduada pela Universidade São Marcos e Pós-Graduanda em Psicomotricidade pela Unifai.
Doutora em Ciências Sociais. Mestre em Gerenteologia pela PUC/SP. Psicopedagoga, Psicomotricista,
Sócio titular nº 132 da Sociedade Brasileira de Psicomotricidade, Coordenadora do Curso de PósGraduação em Psicomotricidade da Unifai.
2
INTRODUÇÃO
A equoterapia é um método terapêutico que vem abrindo caminhos e
descobertas como uma forma de terapia eficiente que propicia o desenvolvimento
biopsicossocial do praticante utilizando o cavalo como um agente promotor numa
abordagem interdisciplinar. O cavalo está presente na vida do homem há milhões de
anos, por várias gerações, com diversas finalidades e também para curar algumas
enfermidades. Desde 458-370 a.C. já existiam estudos e/ou publicações que traziam a
utilização do cavalo como método terapêutico.
Assim sendo, também a prática de
atividades eqüestres como reeducação psicomotora, não é um assunto recente. Uma
jovem praticante de equitação, Liz Hartel, acometida por poliomielite ficou
impossibilitada de se movimentar. Mesmo tendo sido desaconselhada pelos médicos
deu continuidade a esta prática, e nos Jogos Olímpicos de Helsínque em 1952
representou a Dinamarca recebendo a medalha de prata em adestramento repetindo o
mesmo feito nas Olimpíadas de 1956.
A partir destes episódios despertou-se o
interesse empírico pelo programa de atividades eqüestres com fins terapêuticos.
Pesquisas vêm sendo desenvolvidas, mas ainda existe a necessidade de se fazer
conhecer e de se expandir cada vez mais este método terapêutico.
Dentre as várias patologias que podem ser tratadas através da equoterapia o
trabalho psicomotor encontra, nesta forma de terapia, um excelente campo de atuação,
onde reúne o trabalho de uma equipe interdisciplinar, o contato com o animal e a
interação do meio físico e social.
Pela terapia psicomotora encontramos subsídios para a aquisição ou
desenvolvimento do equilíbrio estático e dinâmico através de atividades e exercícios
apropriados. Os mesmos podem ser levados à equoterapia facilitando o processo e
alcançando de forma significativa os objetivos esperados. Os estímulos produzidos
pelos movimentos do cavalo possuem um potencial cinesioterapêutico3.
Segundo Lermontov (2004:17) “Os exercícios psicomotores não tem um fim
em si mesmos, mas são um meio para atingir a integração do sujeito no meio físico e
3
Entende-se por cinesioterapêutico a utilização das técnicas do movimento como forma de terapia
visando a reabilitação funcional.
social, trabalhando a relação que se estabelece entre a consciência deste e o mundo
que o cerca”.
A equoterapia é muito mais que significativas conquistas; o cavalo dispõe o seu
dorso para proporcionar uma total imersão num mundo de magia, de momentos lúdicos
e prazerosos, capaz de conquistar a auto-estima e de poder transformar pessoas
portadoras de necessidades especiais em verdadeiros super-heróis que lutam para
conquistar seu espaço no mundo.
Neste artigo apresentamos os resultados do tratamento
de uma criança
portadora de distúrbios de equilíbrio causados por prematuridade extrema4 com a
prática de exercícios psicomotores promovidos em sessões de equoterapia. Mostra os
benefícios trazidos por esta terapia no tratamento da patologia também como nos
aspectos psicológicos e de socialização com a equipe e na relação com o animal.
O cavalo produz no praticante vários estímulos. Denominamos praticante o
paciente da equoterapia. Notou-se que o praticante a cada sessão se socializava melhor
com os integrantes da equipe, além da significativa melhora no tratamento. Outro
elemento fundamental para o tratamento foi
o envolvimento do praticante com o
animal, a relação de afeto adquirida e a relação com o ambiente natural onde as terapias
aconteceram.
1. A EQUOTERAPIA E SEUS BENEFÍCIOS
A Associação Nacional de Equoterapia (ANDE-Brasil) define a equoterapia
como: “É um método terapêutico e educacional que utiliza o cavalo dentro de uma
abordagem interdisciplinar, nas áreas de saúde, educação e equitação, buscando o
desenvolvimento biopsicossocial de pessoas com deficiência e/ou com necessidades
especiais.” (ANDE- BRASIL, 1999: 33)
A palavra equoterapia foi criada pela ANDE-BRASIL em 1989, órgão
responsável pela equoterapia no Brasil, que caracteriza todas as atividades eqüestres
com a finalidade de reabilitação, educação ou reeducação.
O Conselho Federal de Medicina reconheceu a Equoterapia, em 1997, como
Método Terapêutico e Educacional.
4
Prematuridade extrema são aqueles bebês com idade gestacional abaixo de 27 semanas.
Cada praticante possui suas necessidades específicas fazendo com que ao se
organizar um programa de atendimento este deverá ser específico para se obter os
resultados esperados e atingir os objetivos do tratamento.
Deutsches Kuratorium (1986) foi o primeiro a criar os programas básicos da
equoterapia, sendo que a equipe interdisciplinar de equoterapia ao desenvolver o
programa apropriado à necessidade do praticante deve trabalhar sempre em conjunto
dando ênfase a área profissional que se pretende trabalhar. A equipe interdisciplinar de
equoterapia pode ser formada por profissionais das áreas da saúde, educação e da
equitação.
Existe também a necessidade de se ter um médico responsável dando
respaldo à equipe indicando ou contra-indicando o tratamento.
Segundo Deutsches Kuratorium (1986) os programas básicos de equoterapia
são:
- Hipoterapia: direcionado à reabilitação de pessoas portadoras de deficiências
física e/ou mental.
- Educação/Reeducação: pode ser direcionada as áreas da saúde, educação ou
equitação.
- Pré-esportivo: mais voltado à área da educação e social, podendo também ser
reabilitativo ou educativo.
A equoterapia reúne benefícios físicos, psicológicos e sociais. Podemos citar
como benefícios físicos:
- obtenção ou melhora no equilíbrio;
- coordenação motora;
- melhora na postura;
- relaxamento ou aumento do tônus muscular;
- alongamento e flexibilidade muscular;
- dissociação de movimentos
- esquema e imagem corporal;
- melhor circulação e respiração;
- integração dos sentidos;
- cognição;
- fala e linguagem;
- melhoras na digestão e deglutição;
- controle da salivação;
- fadiga;
- melhoria nas atividades cotidianas em geral.
Como benefícios psicológicos podemos citar:
- a conquista ou reconquista da autoconfiança e da auto-estima;
- o bem estar;
- a estimulação e percepção do mundo ao seu redor;
- melhoria nas relações do praticante com os outros, com ele mesmo, na
relação do praticante com o cavalo, do praticante com o terapeuta e do cavalo com o
terapeuta.
Dentre todos os benefícios acima citados, este artigo se refere a aquisição ou
melhora do equilíbrio.
2. O CAVALO COMO INSTRUMENTO CINESIOTERAPÊUTICO
Além da beleza deste animal e de sua docilidade o cavalo propicia diversos
benefícios. Ele é imprescindível na equoterapia como um agente de reabilitação e
educação. A inteligência do cavalo permite que ele possa ser educado e que se adapte
facilmente ao uso que lhe é destinado, porém deve ter uma boa índole, ser manso e
dócil.
Segundo Walter e Vendramini (2000) o cavalo de equoterapia deverá:
- ser um atleta;
- ter seus andamentos de forma suave e harmônica;
- ter o passo ritmado, cadenciado em alta ou baixa velocidade, de baixa
freqüência;
- ter um bom engajamento natural;
- ter linhas harmônicas;
- ter um bom aprumo5.
Não existe uma raça de cavalos específica para ser usado na equoterapia. O
importante é que possua os três andamentos regulares: passo, trote e galope, sendo o
passo a andadura mais utilizada na equoterapia.
Ao passo o cavalo realiza um
movimento tridimensional exatamente idêntico ao andar do ser humano. E por ter
exatamente esse tipo de movimento, só ele é capaz de proporcionar uma reabilitação das
pessoas com necessidades especiais. Esse movimento é caracterizado por movimentos
para cima e para baixo no plano vertical; para a direita e para a esquerda no plano
horizontal, segundo o eixo transversal do cavalo e para frente e para trás segundo o seu
eixo longitudinal. .“.....o praticante sofre três forças distintas sobre o cavalo: uma força
de cima para baixo (plano vertical), uma força lateral alternada (plano horizontal/eixo
transversal), e uma força sobre o plano póstero-anterior (plano horizontal/ eixo
longitudinal). “ (Lermontov, 2004: 61)
Além desses movimentos existe ainda o
movimento realizado pela torção da bacia do praticante de oito graus para cada lado a
cada passo dado pelo cavalo.
“O componente rotacional ajuda a adequar o tônus muscular do praticante e
também a implementar as reações de equilíbrio de modo mais refinado, essenciais para
atividades funcionais normais” (Nolt Jr. et. al, 1996).
Ao passo o cavalo está o tempo todo desequilibrando o praticante que busca o
seu ponto de equilíbrio. Provoca, também no praticante, uma constante contração e
relaxação dos músculos fortalecendo-os. Transmitem impulsos ritmados para os
músculos das pernas e do tronco. Mesmo quando o cavalo está ao passo ele realiza
outros movimentos, como alongar o pescoço, virar a cabeça para um lado e outro e até
5
O aspecto geral dos membros de sustentação do cavalo, como posição das patas, arqueamento dos
joelhos, entre outras características, é chamado de aprumos. (Revista horseonline.com.br/aprumos.htm,
abril de 2010)
quando pára provoca no praticante uma readequação muscular para conseguir
equilibrar-se.
Posicionando o praticante em diversas posições sobre o cavalo conseguimos
trabalhar diferentes grupos musculares atingindo músculos profundos que normalmente
não se consegue em terapias convencionais.
O ritmo do passo tem uma freqüência de um a um e vinte e cinco movimentos
por segundo, fazendo com que o cavaleiro realize um mil e oitocentos a dois mil e
duzentos e cinqüenta ajustes tônicos em trinta minutos de sessão.
Os movimentos causados na pelve do praticante geram impulsos transmitidos
ao seu cérebro numa freqüência de 180 oscilações por minuto que acionam o sistema
nervoso para produzir as repostas visando à continuidade do movimento e permitir o
deslocamento e uma nova conscientização corporal.
3. O OLHAR DA PSICOMOTRICIDADE NA EQUOTERAPIA
De acordo com a Sociedade Brasileira de Psicomotricidade, a psicomotricidade
“é a ciência que tem como objetivo de estudo o homem através do seu corpo em
movimento e em relação ao seu mundo interno e externo, bem como suas possibilidades
de perceber, atuar, agir com o outro, com os objetos e consigo mesmo” (S.B.P.,1999).
A psicomotricidade vê o indivíduo como um todo, sem fragmentos, a sua
representação através do seu corpo, o seu modo de ser, a linguagem deste corpo
expressa através dos seus movimentos que a partir de uma atividade psíquica transforma
a imagem da ação em uma concretização dos estímulos musculares adequados para a
execução dos mesmos. É nesta perspectiva de uma visão holística que podemos
relacionar a psicomotricidade e a equoterapia, pois tanto uma como a outra busca o
desenvolvimento e/ou a reeducação do indivíduo e/ou praticante, enfatizando atividades
específicas de acordo com a necessidade de cada um, mas não deixando de agir de
forma global, nos seus aspectos biopsicossociais.
Ao analisarmos a definição dada por Osório (p. 48) sobre a psicomotricidade
fica ainda mais evidenciada a presença inevitável da psicomotricidade na equoterapia:
“Seu objetivo é fornecer elementos para que a criança possa construir seu
desenvolvimento global, através de seu próprio corpo e da relação do corpo com o
meio ambiente. É tocando, apalpando, correndo, cheirando, observando, que a criança
desenvolve seu físico, realiza seus conhecimentos, elabora seus conceitos, desperta suas
emoções, enfim, percebe o mundo que a cerca e constrói seu mundo interior.” Tudo o
que este autor nos revela é possível na equoterapia, começando pelo ambiente físico
onde esta terapia é realizada; a possibilidade do contato com sons, objetos, e inúmeras
sensações característicos da natureza, a observação e consciência do mundo que a cerca,
o despertar das suas emoções por estar sob o lombo de um grandioso e imponente
animal, mas que permite uma relação intensa de afeto, a possibilidade de naquele
momento o praticante ser ele mesmo, ser espontâneo, permitir a sua integração no meio
físico e social além da elevação da sua auto-estima por ser aceito, independente das suas
limitações, restaurando a sua imagem corporal e favorecendo o equilíbrio corporal e
psíquico.
Grande parte de uma bateria de exercícios psicomotores, propostos para serem
realizados por um paciente, durante uma sessão de psicomotricidade, numa sala ou
consultório, podem ser realizados na equoterapia atingindo os mesmos objetivos, porém
com alguns significativos diferenciais como, por exemplo, a qualidade do bem estar do
paciente como também a rapidez da evolução no tratamento.
Através da equoterapia é possível trabalhar todas as funções intelectivas como:
memória, atenção, análise e síntese, organização do pensamento, orientação e
organização espacial e temporal, figura-fundo, percepção visual, relação espacial,
coordenação viso-motora e ritmo. Além disso, podemos acrescentar:
- estimulação do esquema corporal, nomeando as partes do corpo do animal
comparando-as com as partes do próprio corpo;
- noções de lateralidade observando que o animal possui dois lados e ensinando
que o lado esquerdo é o lado correto para se montar;
- noções de lateralidade em exercícios que façam com que o praticante se vire
para todos os lados sobre o dorso do animal;
- noções de lateralidade quando o animal será conduzido sozinho pelo
praticante atendendo ao que os terapeutas estiverem solicitando.
Em relação ao equilíbrio, assunto apresentado neste artigo, podemos dizer que
pelo simples fato de andar a cavalo o praticante já é estimulado, buscando o tempo todo
o seu equilíbrio, seu controle postural e sua conscientização corporal. Segundo
Baumann, (1978:164) “A estimulação do equilíbrio através do cavalo seguindo os
padrões de movimento tipicamente humanos é a única e se torna o fundamento da
súmula da Equoterapia.” Através dos constantes deslocamentos do centro de gravidade,
pelo movimento tridimensional do cavalo, a equoterapia proporciona ao paciente
melhora nas reações de equilíbrio.
Para Hurtado (1991:50) “O equilíbrio é o estado de um corpo, quando forças
distintas se encontram sobre ele, compensam-se e anulam-se mutuamente. É a
capacidade de manter a estabilidade enquanto se realizam diversas atividades
locomotoras e não locomotoras.”
Segundo Fonseca (1995) “A equilibração reúne um conjunto de aptidões
estáticas e dinâmicas, abrangendo o controle postural e o
desenvolvimento das
aquisições de locomoções.” Pela ativação dos sistemas vestibular, cerebelar e reticular,
que excitam os músculos posturais apropriados para a manutenção do equilíbrio
adequado, é possível a manutenção do equilíbrio e da postura.
Outro ponto importante a ser mencionado em relação à melhora do equilíbrio
através da equoterapia é o ritmo proporcionado pela andadura do cavalo ao passo.
Segundo Baumann (1978:1460) “A associação do ritmo com o deslocamento pélvico,
durante o passo do cavalo, é um excelente exercício para melhorar o equilíbrio.” O
ritmo está presente o tempo todo durante uma sessão de equoterapia, desenvolvendo a
melhora no equilíbrio, tornando possível ao praticante a percepção dos seus próprios
ritmos como a batida do seu coração e ainda proporcionando uma sensação agradável
mesmo que inconscientemente, ao trazer lembranças do seu passado através da
estimulação sensório-motora ou afetiva. Segundo Uzun (2005:71) “Seu ritmo, sua
cadência, seu balançar, criam um efeito tranqüilizador e caloroso da maternagem.”
Para Oliveira (1999:92) “o ritmo envolve as noções do tempo e do espaço e a
partir da combinação dos mesmos se dá origem ao movimento. É na fusão entre a
percepção dos próprios ritmos e o movimento que está a chave do equilíbrio, pois é na
atividade sensorial complexa que se faz possível a aquisição do equilíbrio”.
Para Fonseca (1995:146) a equilibração é responsável por todos os processos
que envolvem a aprendizagem do ser humano: “A equilibração é um passo essencial do
desenvolvimento psiconeurológico da criança, logo um passo-chave para todas as
ações coordenadas e intencionais, que no fundo são os alicerces dos processos
humanos de aprendizagem.”
O papel do psicomotricista na equipe multidisciplinar é de trabalhar a
conscientização do movimento, a percepção espaço-temporal, a lateralidade e a
coordenação motora utilizando o cavalo como recurso terapêutico. Explorar os seus
conhecimentos no sentido de promover benefícios físicos, mentais, sociais e
educacionais ao praticante e trocar experiências com os demais profissionais que
integram a equipe.
4. METODOLOGIA DA PESQUISA
A pesquisa de campo foi realizada em um Centro de Equoterapia Vôo da
Liberdade6. Optou-se por uma pesquisa qualitativa de observação. Foram observadas
diversas sessões com a atuação dos profissionais que fazem parte de uma equipe
multidisciplinar composta por dois psicólogos, uma fisioterapeuta, uma fonoaudióloga,
uma terapeuta ocupacional e por um auxiliar-guia durante um período de cinco meses.
As sessões aconteceram uma vez por semana com duração de 30 minutos, com as
presenças do auxiliar-guia, do profissional responsável por conduzir a terapia daquele
dia e do auxiliar-lateral que acompanhava a pé ao lado do cavalo com o objetivo de
uma maior segurança ao praticante.
Para todos os pacientes que procuram a equoterapia a equipe solicita um laudo
médico com o diagnóstico do praticante para verificar a viabilidade do tratamento e se
existe alguma contra-indicação médica para o mesmo.
Inicialmente os pais passaram por uma anamnese com alguns profissionais da
equipe e por uma avaliação física do praticante para melhor atender as suas
necessidades.
O praticante que participou da pesquisa é uma criança, V.V.B7, de quatro anos
de idade com distúrbios de equilíbrio conseqüente de um nascimento com uma
prematuridade extrema.
V.V.B, nasceu de 24 semanas de gestação com 530 gramas. Sofreu uma
hemorragia intracraniana de grau II que foi reabsorvida naturalmente. O objetivo da
6
O Centro de Equoterapia Vôo da Liberdade fica localizado no Riacho Grande – São Bernardo do Campo
- São Paulo.
7
V.V.B. representam as iniciais do nome da criança que participou desta pesquisa.
procura pelo tratamento era fazê-lo andar, adquirir o equilíbrio, saltar, subir e descer
degraus e chutar sem o uso de apoio.
As sessões aconteceram em uma arena de piso de areia ao ar livre onde é
possível ter o contato visivelmente com outros elementos naturais como: árvores,
pássaros, lagos e outros animais.
V.V.B já estava há dois meses em tratamento quando esta pesquisa teve início.
O motivo da escolha deste praticante para este trabalho de pesquisa se deu por dois
motivos: o primeiro pelo seu diagnóstico e o segundo por ter iniciado há pouco tempo a
terapia sendo possível observar melhor a evolução do tratamento.
O animal utilizado nas sessões foi uma égua de raça Mangalarga. Possui uma
garupa (Figura 1) larga e confortável, membros posteriores musculosos, espáduas
(Figura 1) largas, equilibrada e muito dócil. Atende ao que lhe é solicitado com muita
facilidade. É como se ela entendesse o seu importante papel naquele momento, sabendo
respeitar as diferenças e condições de cada praticante. No caso do V.V.B não foi
diferente.
Figura 1: Partes anatômicas do cavalo (http://www.hipismoincitatus.com.br).
Durante toda terapia o animal foi conduzido pelo auxiliar-guia. Este tem por
objetivo ficar atento a qualquer reação e atitude do animal garantindo sempre a
segurança do praticante e atender às solicitações da equipe de acordo com as
necessidades da terapia, seja no momento de fazer o animal andar ou parar e também no
tipo da andadura apropriada para o momento.
A equipe determina, através de um planejamento, qual o profissional que
acompanhará a terapia daquele dia ou período de acordo com o objetivo que se espera
para aquela etapa do tratamento.
Periodicamente os profissionais da equipe se reúnem para uma reavaliação e
discussão sobre o caso e traçam os objetivos para as próximas terapias. Também trocam
informações com a família sobre a realidade do dia-a-dia do praticante, sobre suas
conquistas, o que já consegue fazer sozinho, o que ainda não consegue, o que a escola
tem posicionado dentro deste contexto.
Ao chegar ao local a equipe se prepara e recebe tanto o praticante como sua
família de forma acolhedora propiciando um ambiente agradável. Antes de o praticante
montar é feito um trabalho de aproximação dele com o animal, incentivando-o a dar as
boas vindas ao mesmo.
O animal é posicionado pelo auxiliar-guia num local apropriado ficando o
praticante e os profissionais em um local mais elevado que o cavalo, na altura do seu
dorso, facilitando desta maneira a colocação do praticante no mesmo. Na manta que
cobre o dorso do animal existem duas alças, posicionadas uma ao lado da outra na altura
do garrote (Figura 1) que servem de apoio ao praticante. As sessões se deram com o
cavalo sempre ao passo. Foi observada a aplicação dos seguintes exercícios
psicomotores:
- inicialmente pelo simples fato do praticante montar o cavalo, ao lançar sua
perna direita por cima do dorso do animal, já estamos trabalhando o movimento amplo e
a dissociação dos movimentos.
- elevação de um membro superior e com o progresso das sessões era solicitado
também a elevação dos dois membros superiores estimulando o controle do tronco
(Figuras 2 e 3);
- deslocamento do tronco para frente solicitando que colocasse suas mãos no
pescoço ou na crina do animal;
- deslocamento do tronco para trás solicitando que colocasse suas mãos na
garupa do animal (Figura 4);
- dissociação das cinturas posicionando um membro superior no pescoço e o
outro na garupa do animal ao mesmo tempo (Figura 5);
- mudança de postura fazendo com que o praticante se virasse para todos os
lados com o cavalo em movimento; de frente para o lado, de lado para costas, de costas
para o outro lado e finalmente de lado para frente, exigindo um grande controle postural
e equilíbrio e ao mesmo tempo uma estimulação do controle global do corpo (Figura 6).
Em algumas sessões, não sendo possível o uso da pista devido a condições
climáticas desfavoráveis, foram feitos exercícios no solo sempre de forma lúdica:
- deslocamento do praticante de um ponto específico até chegar a outro ponto
onde o ficava o animal, aumentando gradativamente cada vez mais a distância um do
outro com o objetivo de aquisição do equilíbrio durante a marcha em solo irregular sem
apoio.
- deslocamento do praticante de um ponto específico até chegar a outro ponto
onde o ficava o animal, solicitando que durante o percurso o mesmo desse um salto e
continuasse a marcha até o animal, com o objetivo de aquisição do equilíbrio tanto na
marcha sem apoio como também no salto.
Nos dois últimos exercícios acima citados além do objetivo de fazer com que o
praticante se deslocasse de um ponto ao outro, também foi sugerido alimentar o animal.
V.V.B pegava uma pequena porção de feno com os dedos em forma de pinça, com esse
movimento trabalhamos a coordenação motora fina e pelo fato de levar o alimento
também trabalhamos a aproximação e interação entre praticante e o animal.
- No solo, com o praticante ao lado do animal foi solicitado que ele escovasse o
seu pelo, acompanhando o sentido dos mesmos, objetivando trabalhar a coordenação
motora, movimentos amplos e dissociação de movimentos.
Durante toda a terapia os profissionais interagem com o praticante buscando
um relacionamento harmonioso, de confiança com a equipe e com o animal. Percebe-se
que o contato com o animal vai além do físico, cria uma relação de amizade, de
confiança, de bem estar, de reflexo das emoções, das ações com espontaneidade,
despertando, apesar de todos os obstáculos, a alegria de viver.
Figura 2: Demonstração de exercício com um MS.
Figura 3: Demonstração de exercício com MMSS.
Figura 4: Demonstração de exercício para deslocamento do tronco para trás.
Figura 5: Demonstração de exercício para dissociação das cinturas.
Figura 6: Demonstração de exercício de mudança postural.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Chegar ao final desta pesquisa foi no mínimo um aprendizado de vida. Ter a
oportunidade de conviver com pessoas tão especiais, de aprender com profissionais
competentes e de poder usufruir da magia que envolve este ser único que é o cavalo.
Neste estudo observou-se o ganho e a melhora considerável do equilíbrio
estático e dinâmico, na marcha, ao subir degraus e ao saltar. Estas observações foram
possíveis não só durante as terapias, mas também através dos depoimentos dos pais e
pessoas que convivem diariamente com o pequeno V.V.B.. Em relação ao seu aspecto
psicológico
e comportamental foi observada uma melhora significativa no
relacionamento com as pessoas do seu convívio, com os colegas da escola, uma
elevação da sua auto-estima, se sentir capaz de enfrentar os seus problemas, porém
ainda possui dificuldade de aceitar algumas diferenças. Outros fatores a serem
considerados são em relação ao tempo e a qualidade. O tempo pela rapidez dos
resultados obtidos. A qualidade da terapia por acontecer de forma lúdica em um
ambiente físico agradável, como afirma sua mãe em entrevista “Para os pais você não
tem idéia de como isso é bom, sabe, desvincula do problema, é como se você tivesse
levando seu filho a uma natação.”
Foi possível deixar evidente a eficácia da equoterapia como recurso na terapia
psicomotora por todos os benefícios que ela apresenta e ao mesmo tempo observar
todos os aspectos psicomotores encontrados nas sessões de equoterapia.
Assim como a psicomotricidade a equoterapia também trabalha o indivíduo
como um todo, aceitando-o com suas características próprias, dando-lhe a oportunidade
de um pleno conhecimento sobre ele mesmo e do mundo que o cerca, contribuindo para
a sua própria aceitação e um aumento da sua auto-estima, evidenciando suas
potencialidades.
Cabe aos profissionais, sempre de forma prazerosa e lúdica, tendo o cavalo
como seu instrumento de trabalho, aplicarem os seus conhecimentos e interagirem
trocando informações com os outros profissionais da equipe, com o único objetivo de
beneficiar o praticante, facilitando a conquista de suas metas e dos seus objetivos.
Este artigo é uma contribuição e um incentivo para futuras pesquisas que
comprovem os resultados aqui apresentados bem como os aspectos da equoterapia como
recurso na terapia psicomotora.
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