Revista Ciências da Saúde - Universidade Federal de Santa Catarina
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REVISTA CIÊNCIAS DA SAÚDE Editora da UFSC 1 REVISTA CIÊNCIAS DA SAÚDE ISSN 0101 – 9546 Revista Ciências da Saúde Florianópolis V. 25, N. 1 P. 1-134 2006 2 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA Reitor: Lúcio José Botelho Vice-Reitor: Ariovaldo Bolzan CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE Diretor: Cleo Nunes de Sousa EDITORA DA UFSC Diretor Executivo: Alcides Buss Conselho editorial Eunice Sueli Nodari (Presidente) Cornélio Celso de Brasil Camargo João Hernesto Weber Luiz Henrique de Araújo Dutra Nilcéia Lemos Pelandré Regina Carvalho Sérgio Fernando Torres de Freitas 3 Revista Ciências da Saúde é uma revista semestral editada pelo Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Santa Catarina. Comissão Editorial: Tânia Silvia Fröde (Editora-chefe), Roberto Henrique Heinish, Inês Beatriz Rath, Liliane Janete Grando, Elisabeth Wazlawik, Letícia Scherer Koester, Maria Itayra Coelho de Souza Padilha. Comissão Consultiva: Alvorita Leite Bittencourt (Instituo Geral de Perícia do Estado de Santa Catarina); Antonio Carlos Marasciuloalessandra Beirith (FURB); Cláudio Laurentino Guimarães (FURB); Cleusa Rios Martins (UFSC); Deisi Maria Vargas (FURB); Denise Maria Guerreiro Vieira da Silva (UFSC); Eduardo M. Dalmarco (FURB); Elisete Navas Sanches Próspero (UNIVALI); Eugênio Rodrigo Zimmer Neves (UNIVALI); Francisco de Assis Guedes de Vasconcelos (UFSC); João Luiz Gurgel Calvet da Silveira (FURB); Letícia Scherer Koester (UFSC); Liliane Janete Grando (UFSC); Luciane Peter Grillo (UNIVALI); Maique Weber Biavatti (UNIVALI); Marcos Vinícius da Silva (Hospital Emílio Ribas); Maurício José Lopes Pereima (UFSC); Michel Fleith Otuki (FURB); Roberto Henrique Heinish (UFSC); Rosita Saupe (UNIVALI); Rossana Pacheco da Costa Proença (UFSC); Ruth Meri Lucinda da Silva (UNIVALI);Silvia Berlanga de Moraes Barros (USP); Vera Tramonte (UFSC). Editoração: Flávio Fontes de Oliveira e Claudia Crespi Garcia Capa: Paulo Roberto da Silva Secretário: Luiz Vicente Vieira (Catalogação na fonte pela Biblioteca Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina) Revista Ciências da Saúde / Universidade Federal de Santa Catarina. Centro de Ciências da Saúde. -- v.1, n.1 (1982)- , - Florianópolis: Imprensa Universitária, 1982. v.: 27cm Semestral ISSN 0101-9546 1.Ciências Médicas. 2. Saúde – pesquisas I. Universidade Federal de Santa Catarina. II Centro de Ciências da Saúde. Indexada na Base de Dados LILACS Endereço: Revista Ciências da Saúde - Secretaria do Centro de Ciências da Saúde da UFSC Campus Universitário - Trindade Caixa Postal 476 88040 970 - Florianópolis - SC Telefone (0xx) 48 3721-9525 / 3721-9783 / (0xx) 48 3721-9712 ramal 211 4 SUMÁRIO Editorial............................................... 08 DIAGNÓSTICO CLÍNICO-LABORATORIAL DE REAÇÕES DO TIPO ALÉRGICO GRAVE A MEDICAMENTOS [Clinical-laboratory diagnosis of allergic reactions to drugs] Fernando Isoppo; Teixeira Rodrigo; Thomaz Alaver; Tânia Silvia Fröde................... 09 ENDOTELINAS NO TRATO RESPIRATÓRIO [Endothelins in respiratory tract] Cláudio Laurentino Guimarães........... 15 FATORES DE RISCO PARA DOENÇAS CARDIOVASCULARES E DISTRESSE PSICOLÓGICO EM UNIVERSITÁRIOS DISLIPIDÊMICOS [Risk factors for cardiovascular disease and psychological stress at dyslipidemic college students] Tassiele A. Heinrich; Cláudia S. M. Silva; Elizabeth M. Hermes; Maria da Graça W. Balen; Manoela Maria Bagestan; Cláudia Cavalett; Gany A. Cantos................... 26 PERFIL ANTROPOMÉTRICO DOS IDOSOS VINCULADOS AO PROATIPROGRAMA DE ATENÇÃO À TERCEIRA IDADE DA PREFEITURA MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS [Anthropometric profile of elderly citizens attended by a municipal attention program in Florianópolis (PROATI)] Ana Paula Warken do Valle Pereira; Ileana Arminda Mourão Kazapi..................... 34 A RELAÇÃO OBESIDADE MÓRBIDA E QUALIDADE DE VIDA: explorando o estado da arte [Relation between morbid obesity and quality of life: exploring the state-of-the-art] Sérgio Ricardo Pasetti; Aguinaldo Gonçalves.......................... 41 CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE DA FAMÍLIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA COMO PRÁTICA DE UMA EDUCAÇÃO REFLEXIVA: limites e possiblidades [Multidisciplinary specialization in Family health course of the Federal University of Santa Catarina as a reflexive education exercise: limits and possibilities] Antônio de Miranda Wosny; Candice B. Besen; Fernanda Werner da Silva; Jurandyr V. M. Filho; Mônica de Souza Netto........................................ 48 O ENVELHECIMENTO EM SANTA CATARINA [Aging in Santa Catarina State] Kelly Antunes dos Santos; Ricardo Koszuoski; Alexandre de Mattos Gomes................................................ 55 INSERÇÃO COMUNITÁRIA DO ESTUDANTE DE MEDICINA NA PRIMEIRA FASE: a experiência na UFSC [Community insertion of medical students of the first period: the experience at UFSC] Walter Ferreira de Oliveira; Patrícia Alves de Souza........ 63 EDUCAÇÃO POPULAR E SAÚDE NO CENÁRIO RURAL: análise de um projeto de extensão universitária [Popular education and health in the rural scenario: analysis of a universitay extention project] Ana Paula Saccol; Antônio de Miranda Wosny; Adalbi Cilonei Souza; Alexandre Pareto da Cunha; Andréia Medina Gonçalves Cruz; Camila Stefanes. Lenilza Mattos Lima.................................................... 71 ... PARA PENSAR UMA FORMA DE OPERACIONALIZAR O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO EM SAÚDE [... To think of a way to work with strategic planning for health] Marco Aurélio da Ros; Thaís Titon de Souza…………... 76 5 VIOLÊNCIA CONJUGAL – um problema de saúde pública: refletindo os porquês do adiamento da denúncia [Conjugal violence – a problem of public health: reflectinf the reasons of the adjournment of the denunciation] Patricia Alves de Souza; Marco Aurélio Da Ros............. 81 review] Jane Parisenti; Emilaura Alves; Vera Lúcia Cardoso Garcia Tramonte........................................... 118 PSICOLOGIA NO ÂMBITO DO SUS: práticas de promoção da saúde e empoderamento com grupos etários [Psychology in the ambit of SUS: practices of promotion of the health and empowerment with age groups] Leiliane G. Raimundo; Miriam B. Guesser; Sabrine Ciotta Pereira......................... 86 Aplicando a Teoria do Auto Cuidado de Orem no cuidado ao trabalhador de uma indústria metalúrgica. Narloch, L.; Ledoux, T.; Gelbeck, F. L.; Reibnitz, K. S……………………………………….. 126 NÍVEL DE INFORMAÇÃO DOS PACIENTES DO HU/UFSC A RESPEITO DO RECEITUÁRIO MÉDICO [HU/UFSC outpatients information level about their medical prescription] Caroline Alves Natividade; Cintia Vitto Bongiollo; Célia Maria Teixeira de Campos; Aline Cláudia de Mello; Maria Bernadete de Souza....... 93 O PROCESSO DE PARTICIPAÇÃO E A CULTURA ORGANIZACIONAL NA ENFERMAGEM: desafios neste novo milênio [The processo f participation and the organized culture in nursing: challenges in the new millennium] Eunice Maria Hirt; Francine Lima Gelbcke............................................. 101 MERCADO DE TRABALHO DO NUTRICIONISTA EGRESSO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA: índices de emprego / desemprego, jornada de trabalho e níveis salariais [Graduated nutritionists labor market from Santa Catarina Feral University: employment, unemployment, work hour and wagel] Francisco de Assis Guedes de Vasconcelos; Camila Elizandra Rossi; Emilaura Alves....... 111 BIODISPONIBILIDADE DE FERRO: uma revisão [Iron bioavailability: a Resumos A enfermagem humanística no cuidado perioperatório à criança e seu familiar. Maceno, P. R.; Reis, S. da S.; Maia, A. R. C. ................................................. 126 A prática de enfermagem como processo educativo em saúde: a contribuição dos agentes comunitários na prevenção precoce e DST. Matos, L. H. L.; Romanini, L. K.; Cardoso, S. B. de A.; Cartana, M. do H. F. ................... 126 O processo do nascimento no sistema prisional: assistência de enfermagem a gestantes, puérperas e recém-nascidos em privação de liberdade. Oliveira, A. M. de; Cordeiro, C. G.; Rosiniski, T. C.; Monticelli, M. .................................... 126 “Minha maluquez, misturada com minha lucidez”: A atuação de acadêmicos de enfermagem junto a adolescentes usuários de um CAPSi. Hagemann, S.; Zardo, C.; Marcelino, M. A.; Sprícigo, J. S. ...................................................... 127 Redescobrindo a vida: o cuidado de enfermagem junto ao paciente com diagnóstico de câncer fundamentado em Dorothea E. Orem e Hildegard E. Peplau. Souza, H. E. de; Hendges, L.; Radünz, V. ....................................... 127 Promoção da saúde do trabalhador de enfermagem psiquiátrica. Sanchez, A. 6 D.; Martins, T. S.; Albuquerque, G. L. de; Sprícigo, J. S. ................................... 127 Uma caminhada com Florence Nightingale: cuidando de mulheres gestantes/puérperas e suas famílias em busca do fortalecimento de seu poder vital. Mocellin, A.; Rodriguez, I. G.; Justino, M. M.; Carraro, T. E. ……… 127 Empoderando o ser mulher trabalhadora para o autocuidado em amamentação à luz da teoria de Dorothea E. Orem. Gonçalvez, J.; Mendes, B.; Tramontin, M. B.; Santos, E. K. A. dos. ............. 128 Assistência de enfermagem às premipuérperas, recém-nascidos e avós no alojamento conjunto e domicílio fundamentada na Teoria de Madeleine Leininger. Floriano, D. M.; Westphal, L. E.; Arruda, M. C.; Gonçalves, L. H. T.; Gregório, V. R. P. ............................. 128 Cuidando da criança com câncer e seu familiar acompanhante em internação hospitalar: um olhar a partir da Teoria da Adaptção de Sister Callista Roy. Lancini, A. de B.; Daniel, H. S.; Maciel, L. da S.; Nunes, S. M.; Farias, A. M. .............. 128 Vivenciando o cuidado transdimensional a pessoas com câncer: o desafio do exercício do Toque Terapêutico. Petersen, A.; Machado, C. B. M.; Ghiorzi, A. M. ................................... 129 Prática assistencial junto aos idosos, familiares e/ou cuidadores usurários da unidade local de saúde da trindade, baseada na Teoria do Autocuidado de Orem. Assmann, A.; Alves, K. L.; Ferreira, N.; Frank, S.; Santos, S. M. A. dos. .................................................. 129 O cuidado humanístico a Idosos fragilizados e seus familiares cuidadores em uma unidade local de saúde. Stefanes, C.; Toledo, G. B.; Nora, P. T.; Alvarez, A. M. ................................... 129 Normas de Publicação ..................... 130 7 Revista Ciências da Saúde Editorial Quando assumimos a direção do Centro de Ciências da Saúde, entre nossas metas de gestão estava a revitalilzação da Revista Ciências da Saúde. Entendemos que um Centro de Ensino forte como é o CCS, o segundo em número de professores e alunos da Universidade Federal de Santa Catarina, com cinco cursos de graduação e seis programas de pós-graduação sctricto sensu e vários lato sensu, tem a necessidade de dispor de um Revista forte para a publicação de sua produção científica. Para que uma revista possua credibilidade é necessário que atenda a diversos quesitos, dentre os quais a periodicidade. Com o esforço da atual comissão editorial, sob a coordenação da Professora Tânia Silvia Fröde, este primeiro objetivo já foi alcançado. Com a construção do bloco da pós-graduação, onde os programas terão condições físicas e materiais e de melhor desenvolver suas pesquisas, certamente, teremos um salto de qualidade em nossas pesquisas e, com isto, valorizando nossas publicações e, por conseguinte, qualificando ainda mais nossa Revista. Que 2006 seja efetivamente um novo marco da Revista Ciências da Saúde. Prof. Cleo Nunes de Sousa Diretor do CCS/UFSC 8 Isoppo, F. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 09-14, jan./jun.. 2006 DIAGNÓSTICO CLÍNICO-LABORATORIAL DE REAÇÕES DO TIPO ALÉRGICO GRAVE A MEDICAMENTOS [Clinical-laboratory diagnosis of allergic reactions to drugs] Fernando Isoppo; Teixeira Rodrigo; Thomaz Alaver e Tânia Silvia Fröde Resumo: A reação alérgica aos medicamentos é um dos tipos de reações adversas. Estas reações ocorrem devido a períodos prolongados de hospitalização, aos padrões atuais de prescrições médicas, o que leva ao comprometimento da vida do paciente. Estes fatos promovem alto custo sócioeconômico para o país. As reações de hipersensibilidade representam aproximadamente 1/3 de todas as reações adversas aos fármacos. Estas reações ocorrem em cerca de 10-20% nos pacientes hospitalizados e mais de 7% na população em geral. Dentre as reações adversas severas destacam-se: anafilaxia, síndromes de hipersensibilidade, síndrome de Stevens Johnson, necrose epidérmica tóxica. Pelo qual estão associadas à significativa morbidade e mortalidade Embora diversos fatores de risco possam ser identificados, a importância clínica ainda não está totalmente esclarecida. No futuro, o progresso nas áreas de imunogenética, bem como farmacogenética poderão auxiliar na identificação de populações de risco em desenvolver determinado tipo de reação adversa. podendo contribuir, desta forma, para medidas de prevenção. Palavras-chave: reações adversas, fármacos, testes in vivo e in vitro. Abstract: Hypersensitivity drug reactions are but one of the many different types of adverse drug reactions. They may be potentially life-threatening, prolong hospitalization, affect drug prescribing patterns of physicians and result in socioeconomic costs. Hypersensitivity reactions represent about one third of all adverse drug reactions. Adverse drug reactions affect 10-20% of hospitalized patients and more than 7% of the general population. Severe reactions including anaphylaxis, drug hypersensitivity syndromes, Stevens Johnson syndrome and toxic epidermal necrolysis are associated with significant morbidity and mortality. Although several risk factors have been identified, their clinical importance has not been fully understood. Future progress in immunogenetics and pharmacogenetics may help identify populations at risk for specific types of reactions and implementing early preventive measures. Keywords: adverse reactions, drugs, in vivo and in vitro tests. Introdução Atualmente o diagnóstico laboratorial para as alergias evoluiu no que diz respeito aos exames imunológicos existentes. Dentre os exames destaca-se a pesquisa da imunoglobulina do tipo E (IgE) total e específica, considerada um marcador de doenças alérgicas do tipo grave. Além disso, atualmente o laboratório de imunologia tem se destacado na tentativa de elucidar as reações alérgicas do tipo grave, ou seja, o choque anafilático. Este evento que ocorre principalmente devido a múltiplos medicamentos administrados nos pacientes, principalmente aqueles pacientes atendidos em Unidades de Terapia Intensivas, Centros Cirúrgicos, Emergências nos Hospitais1. É imperativo informar que a reação alérgica não depende da dose administrada, mas sim da sensibilização prévia do indivíduo por exposição anterior ao medicamento. Essas reações não são explicadas pelas propriedades farmacológicas do medicamento e estão relacionadas com as defesas imunológicas dos indivíduos2,3. As reações alérgicas são de diversos tipos e algumas de extrema gravidade. De modo geral, são imprevisíveis, pois ocorrem com baixa freqüência na população e, às vezes em pacientes que já foram tratados com o mesmo medicamento4. Para elucidar estas reações, um novo marcador imunológico denominado triptase surgiu no intuito de identificar as reações alérgicas graves. É importante, portanto, neste momento que façamos uma revisão dos principais medicamentos envolvidos nas reações do 9 Isoppo, F. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 09-14, jan./jun.. 2006 tipo alérgicas graves e o possível diagnóstico laboratorial na tentativa de elucidar o agente causal e/ou prevenir futuras reações que comprometam a vida do paciente. As reações adversas aos fármacos são de ocorrência freqüente, cursam com quadros clínicos variados e não têm testes preditivos seguros para o seu diagnóstico. Podem ser de natureza tóxica, idiossincrática ou de hipersensibilidade e são classificadas em reações preditíveis e não preditíveis. As reações preditíveis são aquelas que apresentam efeitos colaterais do medicamento5. As reações não preditíveis são as reações idiossincráticas e de hipersensibilidade, sendo que as primeiras dependem de alguma qualidade especial do indivíduo receptor do fármaco6. As reações alérgicas de vários tipos constituem uma forma muito comum de resposta adversa aos fármacos. Estes por serem em sua maioria, substâncias de baixo peso molecular, não são imunogênicos por si só. Um fármaco e seus metabólitos podem, entretanto, interagir com proteínas, formando um conjugado estável capaz de atuar como imunógeno. As reações alérgicas ou de hipersensibilidades incluem uma grande variedade de quadros clínicos produzidos por um mecanismo imunológico. As respostas imunológicas podem estar dirigidas a epítopos únicos do fármaco, conjugados do fármaco com proteínas do paciente, ou à metabólitos do fármaco. O desconhecimento dos determinantes antigênicos dos distintos medicamentos faz com que o diagnóstico de hipersensibilidade a medicamentos seja bastante complexo e difícil na maioria dos casos clínicos7. As reações de 2,3 hipersensibilidade compreendem as reações anafilactóides que não têm ainda seu mecanismo fisiopatológico esclarecido e, que clinicamente simulam uma reação alérgica, e as reações verdadeiramente imunológicas mediadas por qualquer dos mecanismos imunológicos descritos por Gell e Coombs (tipos I, II, III e IV)8. Estas últimas são chamadas de anafiláticas ou imediatas (tipo I), citotóxicas (tipo II), mediadas por complexos imunes (tipo III) e as reações celulares ou tardias (tipo IV). Dentre todas as citadas, as reações de hipersensibilidade do tipo imediato são as que apresentam maior gravidade e maior risco de vida1,6. As reações adversas do tipo alérgico de ocorrência imediata após uso de um medicamento são chamadas de anafiláticas. Estas reações são consideradas verdadeiramente imunológicas quando decorrem da sensibilização prévia do indivíduo por anticorpos específicos e, são chamadas de anafilactóides quando decorrem da liberação ou da ativação de mediadores vasoativos por mecanismos independentes da participação de anticorpos9. A caracterização clínica do que seja uma reação anafilática ou anafilactóide é, entretanto, muitas vezes difícil de ser realizada. Essas duas formas podem ser denominadas de Reações do Tipo Alérgico (R.T.A.) para simplificação dos fatos apresentados. A alergia a medicamentos é a principal causa de reações anafiláticas, as quais podem causar risco de vida. Dentre os principais fármacos associados a esse tipo de reação destacam-se: antibióticos, antiinflamatórios não hormonais (AINES), anestésicos locais e bloqueadores neuromusculares (relaxantes musculares), dentre outros10,11. A anafilaxia ou reações anafilactóides tem sido descritas freqüentemente em reações adversas causadas por bloqueadores neuromusculares. Esses agentes são responsáveis pela grande maioria das reações anafiláticas ocorridas durante a anestesia. Os bloqueadores neuromusculares podem se ligar a anticorpos específicos IgE ou mastócitos em pacientes sensíveis. Mas o mecanismo mais freqüente é o nãoimunológico responsável pela ativação de mastócitos12. O sinal clínico de uma reação anafilática aos bloqueadores neuromusculares ocorre dentro de poucos minutos seguido à administração do medicamento e ameaçam a vida em 70% dos casos (graus de severidade 3-4: colapso, eritema, brocoespasmo) requerendo ressuscitarão intensiva e administração de adrenalina13. Já as reações do tipo alérgico aos antiinflamatórios não-hormonais (AINES) 10 Isoppo, F. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 09-14, jan./jun.. 2006 têm sido cada vez mais freqüentes. Estas se manifestam pela presença de angioedema e/ou urticária localizados ou generalizados, broncoespasmo e até mesmo parada cardiorespiratória14. Os efeitos adversos aos antibióticos são freqüentes durante o tratamento dos pacientes. A maioria destas consistem na intolerância, efeitos colaterais e secundários, alergias, overdose ou interações 15 farmacológicas indesejáveis . Em relação à freqüência de reação do tipo alérgica aos antibióticos é importante informar que os antimicrobianos betalactâmicos constituem a primeira causa de reações por IgE seguido das pirazolonas. Os betalactâmicos contêm em comum uma estrutura denominada “anel betalactâmico”. Já as cefalosporinas pertencem a este grupo de fármacos, apresentado diferenças estruturais e funcionais em relação às penicilinas. O estudo sobre a reatividade cruzada entre o grupo das penicilinas e das cefalosporinas é controverso. Alguns estudos direcionados a avaliação desta reatividade cruzada sugeriram a existência de uma importante reatividade em pacientes, no entanto, outros trabalhos, mais recentes apontam escassa reatividade clínica cruzada entre as duas classes e demonstram uma variedade de padrões na resposta imunológica aos betalactâmicos entre os indivíduos16. O diagnóstico de hipersensibilidade aos betalactâmicos está baseado na realização de uma história clínica, dos testes cutâneos e/ou das determinações de IgE, além dos testes de provocação. Em qualquer destes passos é possível estabelecer um diagnóstico de hipersensibilidade, ainda que o mais freqüente é realizá-lo mediante os testes cutâneos e/ou a determinação de IgE específica. No entanto, existem estudos que demonstram que os testes cutâneos ou da IgE especifica podem ser negativos e posteriormente positivar ao longo do tempo17. Estima-se que a penicilina seja responsável por 75% das mortes por reação anafilática nos EUA e que ela cause 400 a 800 mortes por ano16. Segundo estudos recentes realizados pela Coordenação Nacional de DST e AIDS do Ministério da Saúde do Brasil, as reações anafiláticas à penicilina ocorrem com prevalência estimada de 0,04 % a 0,2 % e a taxa de letalidade é em torno de 0,001 %, ou seja, um a cada 50.000 a 100.000 tratamentos18. Em relação aos anestésicos locais, não está bem esclarecido o mecanismo das reações alérgicas a estes medicamentos, pois não está demonstrado de forma absoluta a existência de reação IgE mediada. Entretanto sabe-se que os anestésicos locais do tipo éster e seu produto de hidrólise, o ácido paraamino benzóico (PABA), o qual possui uma amina na posição para do anel benzóico, são altamente alergizantes. Embora estas reações alérgicas sejam mais freqüentes com o grupo dos ésteres do ácido benzóico, também ocorrem com o grupo das amidas. Algumas das manifestações mais comuns de alergia por anestésicos locais são: erupções urticárias, exantemas eritematosos e outras respostas dermatológicas. Outro aspecto importante a considerar, é que as reações cruzadas são freqüentes entre os anestésicos do grupo dos ésteres e menos freqüentes no grupo das amidas. No caso de não existir anestésico local alternativo, deve-se propor a utilização de medicamentos indutores do sono ou anestesia geral10. O objetivo deste trabalho foi fazer uma revisão bibliográfica das principais reações alergias a medicamentos do tipo grave e o seu diagnóstico clínico-laboratorial. Diagnóstico Clínico laboratorial História do paciente A História do paciente é uma importante ferramenta diagnóstica. Em geral, nas patologias mediadas por IgE , as reações ocorrem logo após o contato com o antígeno e múltiplos alvos são afetados, principalmente o sistema cardiovascular. A anafilaxia inicia, em média, dentro de 15 min a 1 hora em média após a exposição 11 Isoppo, F. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 09-14, jan./jun.. 2006 antigênica24. A anamnese é importante para a identificação de prováveis alérgenos, podendo ser confirmados por testes “in vivo” (testes puntura e de provocação) ou “in vitro” (níveis séricos de IgE total e específica)19. As manifestações clínicas mais freqüentes são descritas por: alterações cardiovasculares – hipotensão, arritmias, alterações respiratórias – congestão nasal, rinorréia, broncoespasmo, edema de laringe e glote; manifestações cutâneas – prurido, eritema, urticária, angioedema; gastrointestinais – náuseas, vômitos, diarréia, dor abdominal e neurológicas – cefaléias, vertigens, relaxamentos de esfíncteres, convulsões, perda da consciência. dentro de 15 a 20 minutos e pode ser lida imediatamente, desaparecendo rapidamente em algumas horas23. Nos pacientes que sofreram episódios de anafilaxia como conseqüência de um determinado antígeno, os níveis de IgE específica e os testes cutâneos deverão apresentar positividade24. Os testes de punctura são amplamente utilizados para confirmação diagnóstica da alergia induzida por grande variedade de substâncias inalantes e alimentos. Estes são freqüentemente usados como padrão de referência para avaliar a especificidade e a sensibilidade dos testes de laboratório que dosam o anticorpo IgE específico circulante e também para determinar as bioequivalências dos extratos alergênicos25,26. Testes Realizados Teste de Provocação Teste da Puntura O teste da puntura ou prick teste é o exame diagnóstico mais simples para alergias e que fornece inúmeras informações sobre a imunologia das reações alérgicas. No teste cutâneo, o fármaco ou o antígeno é introduzido na pele, o que leva à liberação de mediadores pré-formados, promovendo o aumento da permeabilidade vascular, edema local e prurido. Um teste cutâneo positivo normalmente correlaciona-se com um teste de radioimunoensaio: RAST para IgE específica no soro do paciente20,21. Os testes intradérmicos são contra indicados em alguns pacientes pelo risco de reações sistêmicas graves22. Os testes de punctura são usados para confirmar a hipersensibilidade a uma variedade de alérgenos, são os métodos de triagem mais específicos e convenientes para a detecção de anticorpos IgE, no entanto são menos específicos que os testes intradérmicos23. Este teste é realizado para confirmar um diagnóstico baseado em sintomas e é usualmente realizado na parte superior das costas e/ou na parte interior do antebraço. O ponto máximo da reação usualmente ocorre O teste de provocação devem ser realizado no Centro Cirúrgico do hospital e os pacientes devem ser monitorizados, avaliando-se a frequência cardíaca, a pressão distólica e sistólica. Este paciente é avaliado por um alergista e um imunologista que deverão estar presentes em todo o procedimento. No paciente aplica-se por via subcutânea o medicamento (não diluído) que possivelmente o levou a desenvolver uma R.T.A. Avaliamos se o paciente apresentou reações cutâneas, respiratórias e/ou cardiovasculares. Este teste confirma ou não uma reação alérgica do tipo grave naqueles pacientes que tiveram choque anafilático. No entanto, um resultado negativo pode não excluir o medicamento em estudo. Diagnóstico laboratorial Dosagem da Triptase A desgranulação dos mastócitos pode ser determinada pela mensuração dos níveis séricos de triptase, devido à sua 12 Isoppo, F. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 09-14, jan./jun.. 2006 estabilidade20. A triptase é uma das endoprotease que se concentra de forma seletiva nos grânulos dos mastócitos humanos. Os níveis plasmáticos de triptase são um indicador da atividade dos mastócitos e se correlacionam com a gravidade clínica da anafilaxia24. A triptase está presente nos mastócitos, sendo considerado um marcador seletivo para identificar a ativação desta célula. Além disto, a triptase possui uma vida média maior que a da histamina (4 horas). Estas duas características fazem com que a triptase sérica seja útil no diagnóstico da anafilaxia. Em pacientes alérgicos não expostos, os níveis de triptase estão habitualmente baixos (< 5 ng/dL), exceto em mastocitose. No entanto a exposição do paciente aos alérgenos resultando em reações alérgicas graves (choque anafilático), promove aumento considerável deste marcador na anafilaxia chegando a níveis superior a 100 ng/dL27. A concentração plasmática da triptase é aproximadamente de 45 minutos depois de iniciada a reação. A coleta da amostra deve proceder-se uma hora após ter iniciado os primeiros sintomas. Outro parâmetro laboratorial para auxiliar no diagnóstico de anafilaxia seria a determinação da concentração de histamina no plasma, mas esta avaliação é pouco utilizada na prática, devido entre outros motivos, à sua curta meia – vida19, 28. Conclusão As reações alérgicas graves constituem uma fração importante dos eventos adversos decorrentes da exposição a medicamentos e de seu potencial de morbidade e mortalidade. É importante enfatizar a necessidade de notificação das reações alérgicas graves pelos profissionais envolvidos no tratamento do paciente de forma sistematizada, por meio de ações da farmacovigilância e também na descoberta e utilização de novos métodos de diagnostico laboratorial. É de suma importância a elucidação dos mecanismos imunológicos envolvidos no processo alérgico à fármacos como também a identificação do agente causal para a prevenção de futuras reações alérgicas que possam comprometer a vida do paciente. Atualmente no diagnóstico laboratorial realiza-se a determinação da IgE específica que permite a identificação do alérgeno causador da R.T.A. fornecendo uma medida objetiva da sensibilização do paciente, possibilitando prever o risco de desenvolver a alergia no futuro. Há também a determinação da enzima triptase sérica que é considerada um marcador específico para as reações anafiláticas. O diagnóstico da doença alérgica depende prioritariamente da história clínica e do exame físico do paciente. Entretanto, testes laboratoriais podem contribuir para a confirmação do diagnóstico, avaliação do paciente e estabelecimento da conduta terapêutica. Referências bibliográficas 1. Coleman JW, Blanca M. Mechanisms of drug allergy. Immunology Today, maio 1998; 19 (5): p. 196-200. 2. Delves PJ, Roitt IM. The immune system. First of two parts. English Journal Medical, jul 2000a; 343(1): p. 37-49. 3. Delves PJ, Roitt IM. The immune system. Second of two parts. English Journal Medical, jul 2000b; 343 (2): p. 108-117. 4. Fröde TS. Os efeitos indesejáveis dos medicamentos. In: Cuidados com os medicamentos. Editora UFRGS, Rio Grande do Sul, 2004; 4: p. 43-48. 5. Uetrecht J. Prediction of a new drug's potential to cause idiosyncratic reactions. 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Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 15-25, jan./jun.. 2006 ENDOTELINAS NO TRATO RESPIRATÓRIO [endothelins in respiratory tract] Cláudio Laurentino Guimarães Resumo: Endotelinas (ETs) são peptídeos com 21 aminoácidos que apresentam atividade biológica diversa e estão implicadas em numerosas doenças. A ET-1 é um potente regulador do tônus da musculatura lisa e mediador inflamatório que possui papel chave nas doenças das vias aéreas, circulação pulmonar e doenças pulmonares inflamatórias agudas ou crônicas. Esta revisão focaliza a biologia das ETs e seu papel no trato respiratório. Palavras-chave: endotelinas, trato respiratório, pulmão. Abstract: Endothelins (ETs) are 21 amino acids peptides with diverse biological activity that has been implicated in numerous diseases. ET-1 is a potent regulator of smooth muscle tone, and inflammatory mediator that may play a key role in diseases of the airways, pulmonary circulation, and inflammatory lung diseases, both acute and chronic. This review will focus on the biology of ETs and its role in respiratory tract. Keywords: endothelins, respiratory tract, lung. Introdução Endotelinas são peptídeos estruturados com 21 aminoácidos e duas pontes dissulfeto, posicionadas entre os resíduos 1-15 e 3-111. Três isoformas de endotelinas são encontradas em humanos, além de outros mamíferos, a endotelina-1 (ET-1), a primeira a ser isolada a partir do sobrenadante de células endoteliais de aorta de suínos2, a endotelina-2 (ET-2) e a endotelina-3 (ET-3)2,3. Agregam-se a esta família de peptídeos as sarafotoxinas4 (SX6a, b, c, d) e a bibrotoxina5, presentes no veneno das serpentes Atractaspis engaddensis e Atractaspis bibroni, respectivamente; e o peptídeo intestinal vasoativo (VIC), uma variante da ET-2 presente em camundongos e ratos, também chamado de ET-6. Em adição, há também, duas variantes de ETs com 31 e 32 aminoácidos (exceções quanto à estrutura), denominadas de ET-1(1-31) e ET1(1-32)7,8. Receptores endotelinérgicos As respostas fisiológicas induzidas pelas ETs são sinalizadas através da ativação de receptores endotelinérgicos específicos1. Existem, pelo menos, dois tipos de receptores bem caracterizados em mamíferos, os do tipo ETA e ETB. Estudos farmacológicos apontam para a existência de um terceiro tipo de receptor, o ETC encontrado em anfíbios, e também de subtipos de receptores ETA (ETA1 e ETA2) e ETB (ETB1 e ETB2), conhecidos como receptores atípicos. Os receptores endotelinérgicos pertencem à superfamília de receptores metabotrópicos que contém sete domínios transmembrana e se acoplam às proteínas G, ativando múltiplas vias intracelulares de transdução de sinal, incluindo-se as fosfolipases, adenilato ciclase, bomba antiporte Na+/H+, entre outras. Estes processos celulares resultam na elevação intracelular de inositol-1,4,5-trifosfato, 1,2diacilglicerol e/ou monofosfato-cíclico de adenosina, liberação de íons cálcio dos estoques intracelulares e ativação de proteínas quinases9. Os receptores do tipo ETA possuem maior afinidade à ET-1 e ET-2 do que à ET3. Embora, não existam até o presente momento agonistas seletivos para esse tipo de receptor, já foram sintetizados diversos antagonistas seletivos como o BQ-123, A127722.5, FR 139317 e o SB 234551. Os receptores ETB apresentam afinidade semelhante para as três isoformas peptídicas. Entre os agonistas seletivos para esse receptor, destacam-se a SX6c, o IRL-1620 e 15 Guimarães, C. L. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 15-25, jan./jun.. 2006 o BQ-3020. Entre os antagonistas seletivos, existem o Ro 46-8443, o IRL-2500, BQ-788 e o A-192621. Há ainda, os antagonistas mistos (ou dualistas) ETA/ETB como o bosentan, o L751281 e o SB-21724210,11. Desde a descoberta das endotelinas, diversas empresas farmacêuticas desenvolveram diferentes antagonistas endotelinérgicos; entre esses, vários são estruturalmente nãopeptídicos e apresentam boa disponibilidade por via oral, como o bosentan e o tezosentan12. Biosíntese Semelhante a biosíntese protêica de outros peptídeos, as ETs são sintetizadas a partir de etapas proteolíticas específicas. A etapa inicial ocorre com a formação da prépró-endotelina, codificada por gene específico3. Este polipeptídeo (com aproximadamente 210 aminoácidos) é substrato enzimático para endopeptidades específicas, possivelmente a furina, sendo clivada entre os resíduos de lisina e arginina, nas posições 53 e 93. A lise enzimática origina um peptídeo intermetiário chamado de big-endotelina, biologicamente inativo como tal. A big-ET-1 e a big-ET-2 possuem 38 aminoácidos e são clivadas entre os aminoácidos Trp21-Val22, enquanto que a big-ET-3, com 39 aminoácidos, é clivada entre os sítios Trp21-Ile22, por ação de enzimas converosoras de endotelina (ECE, sensíveis ao bloqueio por fosforamidon e, em alguns casos, tiorfano e 1,10-fenantrolina) dando origem à respectiva endotelina13. Existem, pelo menos, dois subtipos de ECEs, denominadas de ECE-1 e ECE-2 e, em adição, existem também distintas isoformas de ambas enzimas. Por final, a inativação biológica das ETs ocorre através da ação enzimática de endopeptidases neutras (NEP), que clivam as ETs em fragmentos peptídicos inativos14. A exemplo do endotélio vascular, diversos outros tipos celulares possuem a capacidade de sintetizar e secreta ETs. No Trato respiratório em particular, diferentes populações de células são potencialmente produtoras de ETs, no entanto, as células endoteliais pulmonares ocupam grande extensão, quando comparadas a outros tipos celulares. A existência do RNAm como também das isoformas de ECESs no sistema respiratório, sinalizam a capacidade de síntese de ETs ao longo do trato respiratório. O RNAm para a ECE-1a, detectado por hibridização in situ ou por imunohistoquímica, foi encontrado em quantidades significativas no pulmão de humano15,16 e rato e na mucosa nasal de humano. Quando comparada às concentrações tissulares de humano, as três isoformas de ECE-1 estão em maior proporção no pulmão17. Estudos com imunofluorescência ou anticorpos, através da técnica de “análise de Western Blot”, detectaram somente a expressão de ECE-1a em células endoteliais vasculares de pulmão de rato18. Ao nível celular, a ECE-1a foi co-localizada com a big-ET-1 e ET-1 junto às células epiteliais, células endoteliais, glândulas submucosas e células musculares lisas do trato respiratório de indivíduos sadios10. A provável transcrição protêica para os peptídeos precursores para as ETs, de forma especial para a ET-1, no pulmão de diversas espécies animais, foi avaliada através da detecção do RNAm para a ET-1 por meio da análise da hibridização in situ ou pela técnica de “Northern Blot”10. No pulmão de rato, o RNAm para a ET-1 está associado às células epiteliais dos bronquíolos e nos vasos sangüíneos18 e, em humano, encontra-se presente nas células endoteliais pulmonares, vasos sangüíneos alveolares e brônquicos19,20,21. Em adição, os RNAs mensageiros tanto para a ET-1 como também para a ET-3 são expressos nos macrófagos pulmonares de humano22. Ambas as isoformas de ETs, ET-1 e ET-3, são abundantemente expressadas no pulmão fetal de rato18 e humano23. Similarmente, ETs imunoreativas (irET-1) estão presentes no pulmão adulto de porco24,25, rato26, cobaia27, camundongo28 e humano29 e, a bigET1-39 no pulmão de porco26. 16 Guimarães, C. L. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 15-25, jan./jun.. 2006 Diferentes substâncias bioativas são capazes de induzir a síntese e secreção de ETs de diferentes células do sistema respiratório, incluindo-se, também, as células endoteliais16,30. A indução da síntese nas células endoteliais é estimulada pela trombina31, adrenalina2, ionóforo de Ca2+ A231872, 12-tetradecanoilforbol-13-acetato3, fator de crescimento tumoral-32, IL-1 (interleucina-1)33, IL-234, interferon-35, lipopolissacarídeo bacteriano36, argininavasopressina37 e oxi-hemoglobina38. Por outro lado, a síntese de ET-1 por células epiteliais de traquéia de cobaia em cultura é aumentada por endotoxina bacteriana, fator de crescimento tumoral (TNF-), TNF-, IL-1, IL-2, IL-6 e IL-816,39,40 e por trombina em coelho41. A distribuição ou proporção relativa de receptores endotelinérgicos ETA e ETB na musculatura lisa brônquica e traqueal, epitélio brônquico, alvéolos, parênquima pulmonar e pelos vasos sangüíneos que irrigam o trato respiratório parece ser bastante heterogênea. No trato respiratório de camundongo, cobaia e humano, há maior prevalência dos receptores do tipo ETB sobre os ETA. Já os receptores ETA encontram-se em maior proporção na musculatura lisa traqueal e no alvéolo de ovelha, músculo liso brônquico de porco e, alvéolo de cobaia. Estudos com vasos sangüíneos pulmonares apontam para a prevalência dos receptores ETA ou ETB na artéria pulmonar de humano e coelho, respectivamente10,42. O leito vascular pulmonar desempenha importante papel depurativo sangüíneo e catabólito, removendo e degradando a maior parte das ETs circulantes, logo em sua primeira passagem pelo pulmão. Diversos estudos experimentos, com diferentes espécies animais, demonstraram que as ETs sofrem depuração sangüínea de 30 a 60 % ao nível pulmonar10. Além disso, há fortes evidências sugerindo que a remoção das ETs circulantes, pelo leito vascular pulmonar, depende principalmente da sua associação aos receptores endotelinérgicos do tipo ETB43,44. Efeitos farmacológicos das endotelinas no trato respiratório Uma vez sintetizadas, as ETs parecem desempenhar funções autócrinas e/ou parácrinas e medeiam diversas ações como mitogênese, constrição ou relaxamento da musculatura lisa traqueal, brônquica e vascular e induzem a formação e liberação de diversas outras substâncias potencialmente bioativas. Numerosos estudos farmacológicos in vitro e in vivo têm demonstrado as potentes ações das ETs no trato respiratório. As diferentes atividades exercidas por esses peptídeos podem ocorrer diretamente, através da ativação dos receptores ETA e/ou ETB e posterior ativação de mecanismos intracelulares de transdução de sinal, ou indiretamente, através da indução da síntese e/ou secreção de outras substâncias bioativas9,10,42. Em preparações isoladas, as ETs exercem potente atividade constritora da musculatura lisa traqueal e brônquica de cobaia, furão, rato, coelho e humano. As respostas contráteis desenvolvem-se lentamente e prolongam-se por um extenso período de tempo. Em bases molares, a ET-1 é o mais potente broncoconstritor, quando comparada à histamina, à neurocinina A ou aos leucotrienos45,46. Quando administrada intravenosamente, as ETs, a big-ET-1 ou a SX6b evocam potente efeito broncoconstritor dose-dependente, acompanhado do aumento da pressão arterial média em cobaia47 e gatos48. Porém, quando a ET-1 é administrada na forma de aerossol não se observam mudanças na pressão arterial. A resposta broncoconstritora, in vivo, mediada pela ET-1 é máxima em 1 a 2 minutos e observa-se forte taquifilaxia das respostas pressórica e broncoconstritora quando da administração de doses intravenosas repetidas47. A resposta contrátil da musculatura lisa traqueal ou brônquica induzida pelas ETs é mediada, em parte, através da liberação e ação de outras substâncias9. Há evidências substâncias que apontam o envolvimento de derivados eicosanóides nas 17 Guimarães, C. L. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 15-25, jan./jun.. 2006 respostas contráteis eliciadas pelas ETs no trato respiratório. A ET-1 induz liberação de tromboxano-A2 (TXA2) em pulmão isolado e perfundido de rato e cobaia, e traquéia, brônquio e parênquima de cobaia e brônquio humano47,49-52. Além do TXA2, a ET-1 é capaz de induzir a formação de outros derivados eicosanóides (prostaglandinas do tipo PGI2, PGF2, PGD2, PGE2 e leucotrienoC4) de diferentes tipos celulares do trato respiratório51,53-56, bem como liberar mediadores não-eicosanóicos como a histamina56,57 e serotonina de mastócitos pulmonares ativados56. Na presença de bloqueadores da cicloxigenase58-60, como a indometacina, ou por antagonistas de receptores para leucotrienos como o YM 16638 e o FPL 5571261, as respostas contráteis induzidas pela ET-1 são reduzidas em preparações isoladas de traquéia e brônquio. Em adição, o pré-tratamento com indometacina diminui a broncoconstrição in vivo induzida por ET-1 em cobaia60 e gato62. Por outro lado, há diversos estudos questionando a mediação dos produtos da via da cicloxigenase nas ações constritoras mediadas pelas ETs no trato respiratório. Além da atividade constritora no sistema respiratório, as ETs também podem mediar ações relaxantes da musculatura lisa, particularmente em preparações que apresentam elevado tono basal. Vários estudos apontam para a mediação indireta da prostaciclina (PGI2) ou do óxido nítrico (NO) na mediação do relaxamento das vias aéreas isoladas induzidas pela ET-142. Em preparações de traquéia de cobaia, in situ, a ET-1, administrada intravenosamente, causa resposta bifásica, caracterizada por relaxamento transiente seguida por contração sustentada. Além disso, o tratamento com indometacina foi capaz de reduzir a atividade constritora52. Em tiras isoladas de traquéia de cobaia, pré-contraídas com acetilcolina ou submetidas ao choque anafilático, in vitro, com ovalbumina, a adição de ET-1 é capaz de induzir resposta relaxante63,64. O leito vascular do sistema respiratório é extremamente sensível às ações mediadas pelas ETs. Dependendo do tônus vasomotor, as ETs podem induzir vasoconstrição ou relaxamento10,42. As ETs induzem contração de anéis isolados de vasos pulmonares de ovelha65, cobaia66 e humano67. No leito vascular pulmonar perfundido, com tônus sub-basal, tanto a ET1 como a ET-3 elevam a pressão pulmonar arterial e/ou a resistência vascular pulmonar em diferentes espécies animais68-71. Por outro lado, quando o tônus vascular está elevado, naturalmente ou artificialmente, as ETs induzem respostas vasodilatadoras dosedependentes68,71-73. Os receptores ETA participam na mediação de respostas predominantemente vasoconstritoras, especialmente em vasos pulmonares de condutância. Por outro lado, os receptores ETB geralmente medeiam respostas vasodilatadoras e estão densamente localizados nos vasos de resistência. Em adição, a reposta vasodilatadora via ativação dos receptores ETB é devida, em parte, pela formação de óxido nítrico e PGI210,74. Porém, há discrepâncias importantes quanto a este aspecto, entre as quais a artéria pulmonar isolada de coelho, onde receptores ETB medeiam vasoconstrição ao invés de vasodilatação43,75. Implicações fisiopatológicas endotelinas no trato respiratório das No trato respiratório, as ETs medeiam direta ou indiretamente a fisiopatologia de várias doenças, crônicas ou agudas1,42,76. As concentrações das ETs em macerado tecidual, em amostras séricas ou plasmáticas ou, ainda, no lavado broncoalveolar (BAL) estão elevadas em distintas patologias em humanos ou determinada por intermédio de modelos experimentais. Logo após a descoberta das ETs, ocorreram sugestões implicando-as como possíveis mediadores da asma brônquica, tendo-se por base a potente atividade espamogênica na musculatura lisa das vias aéreas humana e animal (vide tópico anterior). Além disso, os níveis de ET-1 estão significativamente elevados no tecido 18 Guimarães, C. L. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 15-25, jan./jun.. 2006 brônquico, BAL e no sangue de pacientes acometidos de asma77-81. As ETs mimetizam vários sintomas co-relacionados à asma como hipersecreção e diminuição da depuração de muco, hiperplasia das glândulas mucosas, aumento da sensibilidade da musculatura lisa traqueal e brônquica, fibrose subepitelial e atividade 82,83 mitogênica . A ET-1 é um dos mais potentes peptídeos espamogênicos da musculatura lisa aérea humana e animal, tendo as concentrações efetivas médias abaixo da unidade dos nanomolares84,85. Este achado é compatível com a idéia de que a liberação endógena de ET-1 contribua significativamente com a elevação do tônus brônquico observado na asma. Nesta patologia, a ativação de vias nervosas colinérgicas está diretamente implicada no aumento do tônus muscular liso. A ET-1 potencializa a resposta contrátil colinérgica da musculatura lisa aérea, induzida por estimulação elétrica, em coelho86,87, 88,89 90 91,92 camundongo , rato e humano . A ET1 também possui importante papel mitogênico nas vias aéreas. Esta suposição encontra respaldo nos estudos que evidenciaram que a ET-1 causa proliferação de células musculares lisas de traquéia de cobaia, coelho e ovelha em cultura93-95. Além disso, em humanos, a ET-1 é um potente secretagogo na mucosa aérea, o que sugere, também, a mediação endotelinérgica na rinite alérgica. A exposição da mucosa nasal humana à ET-1 resulta na secreção de lactoferrina e muco glicoprotêico de ambas células mucosa e serosa96. Em adição, em indivíduos sadios e alérgicos, a ET-1 eleva a concentração de muco nasal de forma concentração-dependente97. No processo fisiopatológico da asma brônquica, o aumento da permeabilidade vascular contribui significativamente para a obstrução das vias aéreas, acarretando diminuição do diâmetro do lúmen e impedindo o fluxo de ar. Neste sentido, as ETs podem estar envolvidas no extravasamento vascular nas vias aéreas. No pulmão isolado e perfundido de rato e cobaia, a ET-1 induz edema e elevação do peso pulmonar, provavelmente devido à elevação da pressão microvascular e um efeito direto na retração das células endoteliais, acarretando no aumento da permeabilidade vascular98. Isto pode ser devido, em parte, via liberação de mediadores secundários como o fator ativador de plaquetas (PAF) e TXA250,99. Além desses mediadores, as ETs estão envolvidas na síntese e liberação de diversos agentes pró-inflamatórios nas vias aéreas (vide item anterior), que podem estar contribuindo para a fisiopatologia da asma brônquica. A alveolite fribrosante criptogênica e a fibrose pulmonar idiopática são patologias pulmonares caracterizadas por fibrose pulmonar periférica acompanhada da proliferação dos pneumócitos do tipo II e fibroblastos. Os níveis tissulares de irET-1 estão significativamente elevados em pneumócitos do tipo II e células epiteliais, obtidas de amostras de pulmão de pacientes acometidos de alveolite fibrosante 100 criptogênica . Em adição, as ETs parecem desempenhar relevante função de fatores de crescimento, como observado em alguns casos de tumores pulmonares. Em amostras de tumores pulmonares (carcinoma de células escamosas e adenocarcinoma) foram determinados níveis elevados de irET-1 e, por outro lado, a ET-1 é profusamente secretada por células tumorais em cultura101,102. Além das patologias respiratórias que acarretam aumento na resposta contrátil da musculatura lisa da traquéia, brônquios ou parênquima pulmonar, as ETs estão, também, implicadas nas patologias vasculares, como a hipertensão pulmonar. As concentrações de irET-1 em amostras de sangue arterial e venoso de indivíduos sadios estão significativamente menores do que em amostras obtidas de pacientes com hipertensão pulmonar secundária a várias patologias. Por exemplo, em pacientes com hipertensão pulmonar secundária a distúrbios das válvulas cardíacas, os níveis plasmáticos de irET-1 estão significativamente elevados, retornado ao normal, após cirurgia cardíaca corretiva103. Os níveis elevados de ETs 19 Guimarães, C. L. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 15-25, jan./jun.. 2006 também são possíveis de serem determinados em modelos experimentais de hipertensão pulmonar. Em ratos com hipertensão pulmonar idiopática, ocorre produção elevada de ET-1 intrapulmonar104. Por outro lado, no modelo induzido por monocrotalina, evidencia-se elevação da pressão intraarterial pulmonar e hipertrofia ventricular direita. Estes achados estão correlacionados com aumentos do teor plasmático de ET-1, como também na susceptibilidade destes efeitos à inibição por antagonistas de receptores ETA ou ETA/ETB74. Recentemente, aprovado para uso clínico em humanos, o bosentan, antagonista misto de receptores ETA e ETB, vem sendo utilizado na hipertensão pulmonar. A elevação do extravasamento vascular pulmonar, acarretando a formação de edema, pode ser devido às lesões pulmonares diretas ou indiretas, causadas por diferentes agentes etiológicos. Entre as doenças do trato respiratório no qual há o possível envolvimento das ETs mediando os processos de permeabilidade vascular, migração de células inflamatórias ou, ainda, na manutenção do processo fisiopatológico encontra-se a Síndrome da Angústia Respiratória Aguda (SARA). Estudos clínicos e experimentais demonstraram que os níveis plasmáticos de ET-1 estão elevados em humanos105,106 acometidos de SARA ou, em animais submetidos à lesão pulmonar com ácido olêico107. Recentemente, foi demonstrado que o pré-tratamento de camundongos com bosentan, reduz o extravasamento vascular induzido por ácido olêico108,109. A participação das ETs nos processos fisiopatológicos de doenças que acometem o trato respiratório, aliado à descoberta e ação de antagonistas endotelenérgicos seletivos apontam para futuros avanços terapêuticos a doenças como a asma, rinite, SARA e fibrose pulmonar. Referências Bibliográficas 1. Kedzierski RM, Yanagisawa M. Endothelin system: the double-edged sword in health and disease. Annu Rev Pharmacol Toxicol, 2001; 41: p. 851876. 2. Yanagisawa M, et al. A novel vasoconstrictor peptide produced by vascular endothelial cells. Nature, 1988; 332: p. 411-415. 3. Inoue A, et al. The human preproendothelin-1 gene. 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Cantos7 Resumo: Este trabalho teve por objetivo discutir a relação entre distresse psicológico e alguns fatores de risco para doença arterial coronariana em 90 indivíduos com dislipidemia pertencentes a uma comunidade universitária, considerando o tratamento interdisciplinar e multiprofissional, no período de março de 2002 a dezembro de 2003. A população analisada foi constituída por 58,9% mulheres e 41,1% homens, com idade entre 28 e 81 anos. A prevalência dos fatores de riscos analisados foi de 59% para sedentarismo, 46% para hipertensão arterial, 19% para tabagismo, 18% para diabete mellitus e 14% para obesidade. O percentual de indivíduos que apresentaram distresse foi de 68%. O nível de adesão ao tratamento proposto foi de 27%. Este trabalho mostrou que é necessária atenção efetiva na detecção e correção de todos os potenciais fatores de risco para doenças cardiovasculares, incluindo o reconhecimento do distresse, de forma que haja o estabelecimento de estratégias de tratamento e uma sensibilização permanente para a adoção de estilos de vida mais saudáveis. Palavras-chave: fatores de risco, doença arterial coronária, estresse psicológico. Abstract: This work had for objective to argue about the relation between psychological distress and some risk factors for arterial coronary disease in 90 individuals with dyslipidemia from a university community, regarding the interdisciplinary and multiprofessional treatment, in the period of March 2002 to December of 2003. The analyzed population was constituted of 58,9% women and 41,1% men, with age between 28 and 81 years. The prevalence of the analyzed risk factors was of 59% for sedentary profile, 46% for hypertension, 19% for tobacco addicted, 18% for diabetes mellitus and 14% for obesities. The percentage of individuals that had presented distress was of 68%. The level of adhesion to the considered treatment was of 27%. This work showed that it is necessary accomplished attention in the detention and correction of all the potential risk factors for cardiovascular disease, including, the distress recognition, in a way to allow the establishment of treatment strategies and a permanent sensitization for the adoption of more healthful styles of life. Keywords: risk factors, coronary arterial disease, psychological stress. Introdução As doenças cardiovasculares têm papel indiscutível na morbidade e mortalidade do mundo ocidental, tanto nos países desenvolvidos como nos em desenvolvimento1. A herança genética, as dislipidemias, a hipertensão arterial, o sedentarismo, o tabagismo, a diabete mellitus e a elevada ingestão de calorias são fatores de risco diretamente relacionados ao dano cardiovascular2, 3. _____________ As dislipidemias estão entre os mais importantes fatores de risco da doença cardiovascular aterosclerótica. O aumento de colesterol (CT), juntamente um aumento do colesterol das lipoproteínas de baixa densidade (LDL-C) e a diminuição do colesterol das lipoproteínas de alta densidade (HDL-C) têm sido usados como indicadores de ateroma, e também estão associados a acidente vascular cerebral4. 1 Aluna de iniciação científica do curso de farmácia UFSC. Cardiologista do Hospital Universitário – UFSC. 3 Bioquímica do Hospital Universitário – UFSC. 4 Nutricionista do Hospital Universitário – UFSC. 5 Aluna da graduação do curso de farmácia – UFSC. 6 Aluna de mestrado do Curso de Farmácia – UFSC. 7 Prof (a). Dr(a) do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Contato: [email protected]. 2 26 Heinrich, T. A. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 26-33, jan./jun.. 2006 As características biológicas de cada indivíduo, como história familiar e idade são fatores contribuintes para o desenvolvimento de doenças cardíacas, sendo que os homens têm predisposição maior de desenvolver a doença do que as mulheres. Por outro lado, a hipercolesterolemia, a hipertensão e o tabagismo multiplicam por 10 as chances de desenvolver doença arterial coronariana (DAC)5. Além disso, pacientes com diabetes tipo 2, independente do tempo e da evolução da doença, o risco para DAC aumenta cerca de duas a quatro vezes6, 7. Os fatores emocionais exercem forte influência na evolução das doenças cardiovasculares. A solidão, o estresse e excesso de raiva podem provocar palpitações, dores precordiais, dispnéias, tontura, sudorese, extremidades frias e fadiga, podendo ocorrer ainda bradicardia e hipertensão, levando ao colapso circulatório8. Estas manifestações somáticas evidenciam uma hiperatividade do sistema nervoso central autônomo ou vegetativo endócrino e os pacientes que já possuem distúrbios cardio-circulatórios podem ter sua sintomatologia agravada pela presença concomitante do estresse. A essa manifestação negativa do estresse, onde o mesmo passa a interferir nas funções e no desempenho de alguns órgãos é chamada de distresse. Dentro desta esfera psicológica, há hipóteses de que os chamados hormônios do estresse levem a uma produção de adrenalina produzindo sintomas típicos de diabetes9. O estresse também está fortemente ligado à questão nutricional, sendo que os maus hábitos alimentares podem levar o organismo a uma situação de distresse10. Nota-se então, que o estresse aparece como um fator de risco importante para DAC, principalmente quando somado a outros fatores de risco. Isto remete a questão da prevenção, pois este quadro implica, entre outros problemas, na ausência no trabalho, na perda de produtividade e em maiores cuidados e gastos com a saúde. As pesquisas sobre estresse e doenças cardiovasculares ainda são escassas no Brasil. Portanto, há necessidade de mais estudos sobre a dimensão real deste problema para dar suporte na implementação de ações específicas no âmbito da saúde coletiva. Considerando-se o exposto acima, este trabalho tem como objetivo associar alguns fatores de risco para doenças cardiovasculares com o distresse, em indivíduos com dislipidemia, levando em conta um programa interdisciplinar e multiprofissional oferecido a estes pacientes. Métodos Participaram deste trabalho 90 indivíduos integrantes do Núcleo de Pesquisa, Ensino e Assistência a Dislipidemia do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (NIPEAD-HU-UFSC). Todos os participantes deste estudo foram esclarecidos quanto aos objetivos e procedimentos a que seria submetido, assinando um termo de consentimento livre e esclarecido. O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A obtenção dos dados foi feita a partir do exame clínico realizado pelo setor de cardiologia, onde se investigou a presença de alguns fatores de riscos coronarianos (FRC) para DAC como: obesidade, tabagismo, hipertensão, dislipidemia, diabetes e sedentarismo, os quais foram associados ao estado de estresse. Para análise da obesidade considerouse o índice de massa corpórea (IMC), sendo que sobrepeso corresponde a valores de IMC entre 25 e 29,99, obesidade entre30 e 30,99 e obesidade mórbida nos casos de IMC maior que 40. Foram considerados tabagistas indivíduos que fumavam qualquer quantidade de cigarro todos os dias. Em relação à pressão arterial, os valores de referência adotados obedeceram às recomendações do Joint National Committee VI, que define como hipertensão arterial níveis > 90 mmHg de pressão diastólica e > 27 Heinrich, T. A. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 26-33, jan./jun.. 2006 140 mmHg de pressão sistólica11. As pessoas que estavam com pressão arterial abaixo desses níveis, mas referiam uso de drogas anti-hipertensivas, também foram consideradas hipertensas. Para dislipidemia foram dosados os níveis de colesterol total (CT) e triglicerídeos (TG), utilizando método enzimáticocolorimétrico automatizado, sendo considerados elevados a partir de 200mg/dL; a fração LDL- colesterol (LDL-C), foi obtida por cálculo, utilizando a fórmula de Friedewald12, excetuando-se os valores de triglicerídeos acima de 400mg/dL, sendo esta considerada elevada a partir de 130 mg/dL; a fração HDL-colesterol (HDL-C) foi obtida pelo método de precipitação seletiva acoplada a dosagem por método enzimático colorimétrico automatizado, sendo considerada baixa quando foi menor que 40mg/dL. Também foi dosada a glicemia de jejum pelo método da glicose oxidaseenzimático. A prevalência de sedentários na população foi obtida por meio de questionamentos feitos durante o exame clínico realizado pela equipe multidisciplinar e multiprofissional, sendo considerado sedentário o indivíduo que não realizava nenhum tipo de atividade física. A variável do estado de estresse foi levantada por meio de um questionário de Lipp, 199613, contendo uma escala de intervalos de sete pontos, 1- indica positividade; 2- bem estar; 3-baixa positividade; 4- marginal; 5- problema de estresse; 6- sofrimento; 7- sério sofrimento. O EE negativo foi considerado a partir do nível quatro. As variáveis quantitativas foram expressas em média ± desvio padrão e percentagens. Resultados e Discussão As doenças cardiovasculares levam a graves implicações para a sociedade, podendo ser consideradas como problema de saúde pública. Sendo assim, é importante que haja um plano de atuação organizado, que leve a conhecer a etiopatogenia e história natural dessas doenças, de forma que se possa atuar na prevenção das mesmas. Dentro deste contexto, é importante que se identifique os fatores de risco modificáveis como: estresse, hipertensão arterial, obesidade, tabagismo, dislipidemia, sedentarismo e diabetes, de maneira que o controle efetivo desses fatores possa refletir em efeitos mais positivos na morbimortalidade dessas doenças14. Além dos fatores acima referidos, algumas condições individuais atuam como fatores que proporcionam maior vulnerabilidade aos indivíduos, contribuindo para o desenvolvimento de doenças cardíacas. Por exemplo, com o aumento da idade, aumenta também o risco cardiovascular. Neste trabalho, a faixa etária dos pacientes analisados variou entre 28 e 81 anos e a idade média tanto para o sexo masculino como feminino foi acima de 40 anos (figura1). Isto significa que os indivíduos em estudo já possuem um fator de risco não modificável inerente à sua condição biológica. É de se considerar ainda, que desde a desde a década de 40, a população brasileira vem passando por um processo de inversão das curvas de morbidade e mortalidade em que se observa um declínio na mortalidade por doenças infecciosas e um concomitantemente aumento na mortalidade por doenças crônicas não transmissíveis, como as doenças do coração. Esse processo chamado fenômeno de transição epidemiológica ocorreu em todos os países hoje desenvolvidos, onde a população de idosos é cada vez mais expressiva15. 28 Idade dos pacientes (anos) Heinrich, T. A. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 26-33, jan./jun.. 2006 100 80 60 40 20 0 0 20 40 60 80 100 Pacie ntes Figura 1 - Proporcionalidade da idade dos pacientes atendidos no NIPEAD A população estudada possui dislipidemia isolada ou associada a outros fatores de risco, o que já determina um processo acelerado de envelhecimento dos vasos e predispõe esses indivíduos a todas as condições dessa disfunção. A tabela 1 se refere ao perfil lipídico dessa população, mostrando diferenças encontradas nas médias entre o sexo feminino e masculino, sendo que as variações mais expressivas foram nos valores de HDL-C, o que se traduz em menor risco coronário16. Tabela 1 - Perfil lipídico de pacientes com dislipidemia pertencentes a uma comunidade universitária. Perfil Lipídico Feminino(n = 53) Masculino(n = 37) Total(n = 90) a b a b CT (mg/dl) 240,85 + 46,36 225,87 + 39,48 234,82a + 44,39b c c 13 7- 362 156 - 341 137 - 362c HDL-C (mg/dl) 45,40a + 10,35b 35,23a + 10,87b 41,21a + 11,58b c c 25,75 - 77,5 21 - 77 21 - 77,5c a b a b LDL-C (mg/dl) 167,78 + 41,61 159,42 + 11,21 164,58a + 41,84b 84,8 – 279,4c 89 - 295,8c 84,80 - 295,80c a b a b CT/HDL-C 5,49 +1,68 6,88 + 2,16 6,15a + 2,03b 3,2 - 9,69c 3,1 - 11,5c 3,1 - 11,5c a b a b TG (mg/dl) 147,77 + 87,45 191,94 + 138,16 165,84a + 112,42b 43 – 548c 51 - 685c 43 - 685c Onde: amédia; bdesvio padrão; camplitude. No entanto, a ciência tem demonstrado uma grande variedade de fatores envolvidos no desenvolvimento da doença, sendo os mais freqüentemente referidos a predisposição genética, tabagismo, hipertensão arterial, elevação dos níveis de colesterol, estresse cotidiano, vida sedentária do homem moderno, obesidade e diabetes16. A figura 2 mostra a prevalência dos fatores de risco presentes na população analisada. Percebe-se que na esfera psicológica, 68 % dos indivíduos estudados apresentaram o resultado negativo ao estresse, ou distresse. Considerando que a população estudada é pertencente a uma comunidade universitária, é possível que as situações desgastantes sejam muito mais de ordem intelectual do que física, levando entre outros sintomas, a uma tensão crônica, cansaço e irritabilidade. Provavelmente estas situações podem provocar uma alteração indesejável nos níveis de lipídeos. De fato, a literatura mostra que o estresse provoca aumento nos valores do CT, LDL-C, diminuição do HDL-C e o aumento da pressão arterial, contribuindo assim, para o desenvolvimento das doenças 17-19 cardiovasculares . 29 Heinrich, T. A. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 26-33, jan./jun.. 2006 68% Estado de estresse negativo 59% Sedentarismo 46% Hipertensão arterial Tabagismo 19% 18% 14% Diabete mellitus Obesidade Figura 2 – Prevalência quanto aos fatores de risco analisados para DAC O atual conhecimento médico no que diz respeito às causas da hipertensão arterial, tem enfatizado seu aspecto multifatorial, resultante de um complexo desequilíbrio no sistema responsável pela manutenção de um fluxo e volume sanguíneo satisfatórios e do tônus da musculatura arterial. O estresse também tem se destacado na gênese da hipertensão18,20. Na tabela 2, pode-se notar que 46% dos indivíduos que apresentavam hipertensão, 68,3% também tinham problemas ou sofrimento ao estresse. Esse alto percentual de indivíduos hipertensos e estressados mostra que é importante manter o equilíbrio no dia-a-dia, procurando sempre melhorar o processo de interiorização de hábitos saudáveis, aumentando a capacidade de enfrentar pressões e vivendo mais consciente e harmônico em relação ao meio ambiente, às pessoas e a si próprio21. Tabela 2 – Correlação entre alguns fatores de risco clássicos para DAC e estresse psicológico. Parâmetro Hipertensos Tabagistas Obesos Sedentários Diabéticos Considerado Distresse 68,3 % 64,7 % 76,9% 59% 90% A prática regular de atividades físicas faz com que o indivíduo se sinta melhor e mais disposto para realizar as tarefas diárias, pois a hipófise aumenta a produção de endorfina, que é um hormônio responsável pelo bem-estar, dando a sensação de mais tranqüilidade e euforia22. Por isso, a realização de atividades físicas tem um papel importantíssimo no tratamento e na prevenção da depressão, da ansiedade e do estresse, auxiliando na redução de peso, aumentando os níveis séricos de HDL-C e diminuindo os níveis de TG20,23,24. Apesar dos efeitos benéficos dos exercícios físicos, percebe-se que a população em geral está progressivamente reduzindo esse hábitos, seja pelo comodismo da oferta tecnológica ou por falta de educação para a saúde. Neste trabalho, 59% da população analisada era sedentária, sendo que este percentual foi representado principalmente pelo sexo masculino. Este fato refletiu certamente nas menores taxas de HDL-C apresentado pelos homens (tabela 1). Diga-se que 68% dos indivíduos sedentários apresentaram também distresse (tabela 2). O tabagismo provoca diminuição de HDL-C, sendo que a nicotina propicia a liberação de determinadas substâncias que aumentam a freqüência cardíaca e a pressão arterial, elevando o risco cardiovascular. Paradoxalmente o tabaco libera altas doses 30 Heinrich, T. A. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 26-33, jan./jun.. 2006 de "dopamina" e "endorfina" no cérebro, hormônios que proporcionam sensação de prazer e reduzem a ansiedade e o estresse. Embora a prática de esportes, também estimula a produção de endorfina de forma natural, o controle do tabagismo é difícil, pois passa pela sensação de prazer que o cigarro exerce. Por outro lado, na maioria dos casos, principalmente quando o indivíduo é fumante há muito tempo, seu organismo acostuma-se de tal maneira à nicotina, que a simples parada de um dia já é suficiente para provocar dores de cabeça, ansiedade, nervosismo, e outras reações, associadas à "síndrome de abstinência da nicotina". Neste trabalho 19% da população estudada era tabagista e 64,7% sofria de distresse (tabela 2). Assim, a compreensão dos mecanismos neurobiológicos e comportamentais, subtendendo as relações entre o tabagismo e os transtornos de ansiedade, torna-se necessária para melhorar a assistência médica prestada ao fumante em abstinência. O estresse está no rol dos ingredientes que mais têm contribuído para a deterioração dos hábitos alimentares saudáveis e para os problemas de oxidação e dos radicais livres. O alto consumo de gorduras saturadas, diminuição da ingestão de carboidratos complexos e fibras, aliados ao tabagismo e inatividade física, levam ao aparecimento das dislipidemias3. Neste trabalho pode-se notar que 14% dos indivíduos eram obesos e que desses, 76,9% tinham problemas de estresse (tabela 2). Dentro deste contexto, cabe ao nutricionista um importante papel na orientação e no controle alimentar desses indivíduos. A diabete mellitus ataca 7,6% da população adulta, duplicando a taxa de mortalidade por doença isquêmica do coração, quando a glicemia de jejum sobe de 100-109 para 130-139 mg/dL. O estresse atua na liberação de certos hormônios, que em um organismo saudável participará das reações metabólicas em geral. No entanto, em pacientes diabéticos, onde o organismo produz pouco ou não produz insulina, a indução ao estresse aumenta os níveis de glicose e esta não poderá ser metabolizada adequadamente. Com isso, pode-se dizer que o estresse é um potencial contribuidor da hiperglicemia crônica em diabéticos25. Por outro lado, constata-se que os efeitos protetores contra a doença coronariana naturais do sexo feminino, estão diminuídos ou praticamente anulados na presença da diabete26. Sem dúvida, há uma interação psicológica e comportamental entre a diabete e o estresse, e ambos passam a ser de controle mais difícil, aumentando os riscos das duas doenças. Esta pesquisa mostra que 90% dos indivíduos diabéticos tinham distresse (tabela 2), mostrando que os mesmos necessitam de tratamento continuado tanto para uma patologia quanto para outra. Após a identificação e estratificação dos fatores de riscos para DAC, a proposta deste Núcleo era de intervir nesses fatores, com intuito de modificar a evolução natural dessa doença, tentando evitar a instalação da mesma (prevenção primária), como também para impedir ou reduzir o surgimento de eventos isquêmicos (prevenção secundária e terciária). Este tipo de conduta tem sido adotado pelos clínicos que cuidam deste tipo de pacientes no sentido de regredir as lesões ateroscleróticas das coronárias14,27. Contudo, a adesão ao tratamento sofre muitas influências variáveis relativas ao paciente, tais como idade, sexo, raça, nível socioeconômico, escolaridade, hábitos de vida, aspectos culturais, crenças de saúde, entre outras28. Estas diferenças trazem um desafio ao sistema público de saúde, dificultando o acompanhamento sistemático dos indivíduos identificados como portadores desses agravos, assim como o desenvolvimento de ações referentes à promoção da saúde e à prevenção de doenças crônicas não transmissíveis. Outrossim, cumpre notar que uma interpretação em termos do perfil de evolução das variáveis de um programa adotado, passa também pela adesão que os participantes tiveram junto ao programa. Nesse contexto, programas concomitantes poderiam auxiliar na manutenção de uma maior freqüência, permitindo assim melhores 31 Heinrich, T. A. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 26-33, jan./jun.. 2006 resultados29. Neste trabalho, apesar das palestras ministradas e atividades interativas desenvolvidas pela equipe interdisciplinar e multiprofissional, a adesão ao tratamento foi limitada. A figura 3 mostra que dos 90 indivíduos que compareceram às consultas cardiológicas, apenas 27% participaram efetivamente do programa oferecido. 27,00% 63,00% Participaram Efetivamente do Programa Não participaram Efetivamente do Programa Figura 3 – Percentual de indivíduos que participaram efetivamente do programa oferecido pelo NIPEAD Cabe salientar que 53,5% dos indivíduos que realizaram e participaram efetivamente do programa, apresentaram uma considerável melhora nos valores do perfil lipídico e 58,5% melhoram o estado de estresse, sendo que 52,2% seguiram o tratamento sem ação medicamentosa. Conclusões Conclui-se que o estresse psicológico pode ser considerado como um importante fator de risco para DAC, ainda mais quando somado a outros fatores de risco. Percebe-se então, a necessidade da intervenção multiprofissional e interdisciplinar, para sua detecção e prevenção. Contudo, salienta-se também, a conscientização por parte das pessoas a despeito dos problemas que envolvem os fatores de risco para DAC e a importância de controlá-los. Referências bibliográficas 1. Matos MFD, Silva NAS, Pimenta, AJM, Cunha AJLA. Prevalence of risk factors for cardiovascular disease in employees of the Research Center at Petrobras. Arq Bras Cardiol, 2004; 82(1): p.1-4. 2. Guimarães AC. Prevenção das doenças cardiovasculares. Hipertensão. 2002; 5(3). 3. Fornés NS, Martins IS, VelásquezMeléndez G. e Latorre MRDO. Escores de consumo alimentar e níveis lipêmicos em população de São Paulo, Brasil. Rev Saúde Pública, 2002; 36 (1):12-18. 4. Goldman L, Coxson P, Hunink MGM, Goldman PA, Tosteson ANA, Mittleman M, et al. The relative influence of secondary versus primary prevention using the National Cholesterol Education Program Adult Treatment Panel II guidelinescomparison of risk-assessment methods Journal American College of Cardiology 1999; 34(3):768-776. 5. Malachias MVB. 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Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 34-40, jan./jun.. 2006 PERFIL ANTROPOMÉTRICO DOS IDOSOS VINCULADOS AO PROATI – PROGRAMA DE ATENÇÃO Á TERCEIRA IDADE DA PREFEITURA MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS Ana Paula Warken do Valle Pereira1; Ileana Arminda Mourão Kazapi2 Resumo: Avaliou-se o perfil antropométrico dos idosos do PROATI. Obteve-se os dados antropométricos de 149 idosos (10 homens e 139 mulheres) referentes ao peso, altura, circunferência da cintura e relação cintura e quadril. Foi encontrado pré - obesidade em mulheres encontradas nas regiões sul (52,9%) e leste (41,37%). A relação cintura e quadril foi semelhante ao da circunferência da cintura (90%), sendo encontrado em todos os grupos pesquisados valores acima do nível máximo de adequação em 95% dos entrevistados. Encontrou-se uma alta prevalência de sobrepeso e obesidade que pode Ter contribuído para o aumento dos valores dos outros indicadores. Palavras-chave: Idosos, perfil antropométrico, estado nutricional Abstract: The anthropometric profile of elderly citizens assisted by proati was evaluated. Anthropometric data from 149 elderly (10 men and 139 women) were collected: weight, height, waist circumference and wais-hip ratio. Pre-obesity was found in women from the southern and eastern regions (52,9% and 41,37%). Waist-hip ratio presented similar results to waist circumference (90%), all groups researched presented adequacy values above 95%. The high percentages of overweight and obesity may have contributed to the increased values of other indicators. Keywords: Elderly, anthropometric profile, nutritional status Introdução Para a OMS (Organização Mundial da Saúde), é considerado idoso o indivíduo que tiver 60 anos ou mais nos países em desenvolvimento, e 65 anos ou mais nos países desenvolvidos. Desde o final do século passado, o Brasil vêm assistindo a um acelerado crescimento da população idosa. Dados estatísticos demonstram que esse segmento no país passará dos 12 milhões existentes hoje, para 32 milhões no ano de 2025. O Brasil passará a ocupar o 6º lugar na escala mundial de população idosa.(IBGE, 2000)1 O crescimento do grupo etário de pessoas com mais de 60 anos no Brasil é evidente e exige um planejamento que atenda a demanda. No nosso país, onde as características da população variam de região para região, é preciso que se conheça a população local para favorecê-la de acordo com a realidade. Por isso tem-se direcionado a ação na busca de novas formas de atendimento ao idoso. A nutrição e a alimentação na terceira idade ainda são áreas pobres em investigação, sendo pouco exploradas e não tendo recebido a atenção que lhes é devida. Em alguns países desenvolvidos, muitas pesquisas têm sido feitas, visando a identificar o consumo alimentar de idosos. Na América Latina, particularmente no Brasil, essas investigações praticamente inexistem.(Najas, 1994)2 Em idosos no entanto, torna-se mais complexa a análise do estado nutricional em virtude da maior heterogeneidade entre os indivíduos deste grupo (Goodwin, 1989)3 e do fato de seu valor preditivo estar atrelado a um conjunto de fatores não apenas relacionado às mudanças biológicas da idade, doenças e mudanças seculares, como também às práticas ao longo da vida (fumo, dieta, atividade física) e aos fatores sócioeconômicos (WHO, 1995)4. ___________________ 1 2 Acadêmica do Curso de Graduação em Nutrição da UFSC Orientadora. Professora do Curso de Graduação em Nutrição da UFSC 34 Pereira, A. P. do V. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 34-40, jan./jun.. 2006 As mudanças fisiológicas que interferem no estado nutricional são: alterações no sistema digestório, a diminuição do metabolismo basal e alterações sensoriais, redução da sensibilidade por gostos primários doce, salgado, amargo e ácido. Devido a isto, a maioria das pessoas comem menos, em conseqüência, a ingestão de nutrientes pode ser mais baixa que o recomendado, sugerindo, então deficiência de nutrientes essenciais. Para Moreira (1995) a alimentação e o estado nutricional podem estar associados com o processo de envelhecimento e estilo de vida. ( Monteiro, 2004)5 Um bom estado nutricional pode encurtar as estadias em hospitais e retardar a entrada em casa de repouso e menos mortalidade. (Krause, 1999)6 No entanto as poucas pesquisas realizadas revelaram que a situação nutricional dos idosos sofreu uma grande alteração. Nos últimos 15 anos estima-se uma redução de 36% no grupo de baixo peso, com aumento maior dos casos de sobrepeso e obesidade, em ambos os sexos, tendo reduzido o número de indivíduos eutróficos.(Campos, 2000)7 Segundo Passero, 20038 mantendo os adultos mais velhos em bom estado nutricional, pode-se ajudá-los a manter sua saúde e independência diminuindo, com isso, as demandas dos cuidados institucionais e a melhorar a qualidade de vida. A importância de um bom estado nutricional na manutenção da independência, entre os idosos, não se pode ser exagerada. Ficar velho não precisa ser peso para sociedade, mas atenção maior com a saúde é necessária. O estudo em questão irá avaliar o estado nutricional dos idosos residentes das comunidades onde atua o PROATIPrograma de Atenção á Terceira Idade, programa da Prefeitura Municipal de Florianópolis que atua junto aos idoso desde 1979, através da formação e organização de grupos de convivência e atividade física, oportunizando espaços de convívio, de expressão, reflexão e aprendizagem, buscando a valorização pessoal e social do idoso. Acredita-se na importância deste estudo, visto que é de suma importância conhecermos o perfil dos idosos que habitam o município de Florianópolis para que futuramente se possa aplicar ações mais diretas e dinâmicas, bem como a criação de políticas públicas para esse significativo segmento da nossa sociedade. Métodos Material: População: A população deste estudo contou com todos os idosos acima de 60 anos que freqüentam os grupos de convivência e atividade física vinculados ao Programa de Atenção á Terceira Idade, programa da Prefeitura Municipal de Florianópolis, que atua junto aos idoso desde 1979, através da formação e organização de grupos de convivência e atividade física, oportunizando espaços de convívio, de expressão, reflexão e aprendizagem, buscando a valorização pessoal e social do idoso. A referida população no ano de 2003 era de 845 idosos. SELEÇÃO DOS SUJEITOS: A escolha dos idosos que foram alvo da pesquisa seguiu o perfil dos idosos cadastrados nos grupos de atividade física e convivência no ano de 2003/2004, conforme o sexo, aplicando-se o percentual de 20% em cada grupo de acordo com o quadro abaixo; alguns grupos ultrapassaram este percentual e não se excluiu o idoso voluntário. Este percentual totalizou 149 idosos distribuídos em 4 regiões conforme tabela abaixo. 35 Pereira, A. P. do V. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 34-40, jan./jun.. 2006 Quadro 1– Nome e local dos grupos pesquisados de acordo com a região e o número de idosos entrevistados por sexo. REGIÃO Central Norte Leste Sul Nome Grupo do Comunidade Nº de participantes do sexo masculino Judas Morro da caixa 02 São Tadeu Rainha da Gloria A Grande Família Esperança Alegria de Viver Entrevistado Entrevistado s do sexo s do sexo masculino feminino - 03 BalneárioEstreito Centro - 38 - 08 - 45 - 09 Chico Mendes Mocotó - 10 17 - 03 04 Saco dos limões Renascer Canasvieiras Primavera Barra da Lagoa Esperança Ingleses Vó Itelvina Rio Vermelho Alegria de Jurerê Viver Cantinho da Pontas das Amizade Canas Vida Esperança Saco Grande II N. Sra. Sambaqui Aparecida Renascer Sto. Antônio de Lisboa Renovação Monte Verde Amor e União Ribeirão da Ilha Amizade Costeira do Ribeirão Com Vivência Morro das Pedras N. Sra. Fátima Costa de Dentro Sempre Unidos Tapera N. Sra. Fátima Rio Tavares Trevo Alto Ribeirão II Alegria Alto Ribeirão I Fazenda do Rio Rio Tavares Tavares Felicidade Campeche Raio de Sol Carianos Unidas do Alto Ribeirão Canto TOTAL Nº de participantes do sexo feminino 14 03 05 01 04 - 28 28 50 36 23 01 01 - 06 06 10 07 05 - 29 - 06 04 38 34 01 08 07 03 44 01 09 - 19 22 - 04 04 07 23 02 05 02 17 - 03 01 11 - 02 03 02 31 08 17 01 - 06 02 03 03 05 23 28 01 01 05 07 06 02 21 37 28 01 - 04 07 06 51 719 10 149 36 Pereira, A. P. do V. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 34-40, jan./jun.. 2006 Avaliação do estado nutricional Índice de Massa Corporal (IMC) ou Índice de Quetelet (Kg/ m²) O Índice de massa corporal (IMC) é um indicador que vem sendo incorporado aos estudos nutricionais de caráter populacional. Ele é um indicador do estado nutricional atual, utilizado em avaliação do estado nutricional de adultos. Para as medidas antropométricas foi verificado o peso através da balança eletrônica pessoal, marca: Tech Line, modelo Tec 10 com capacidade até 136Kg, a estatura foi mensurada utilizado uma fita métrica milimetrada, afixada na parede a 50 cm do chão, e uma régua milimetrada. Para a classificação do estado nutricional segundo o IMC utilizou-se a classificação proposta pela World Health Organization (1998) sendo esta apresentada abaixo: Tabela 1 - Classificação do estado nutricional segundo o IMC (WHO, 1998)9 Classificação IMC (Kg/m²) Baixo peso < 18,5 Eutrofia 18,5 – 24,9 Sobrepeso >= 25 Pré-obesidade 25 – 29,9 Obesidade grau 1 30 – 34,9 Obesidade grau 2 35,0 – 39,9 Obesidade grau 3 <= 40 Relação Cintura/ Quadril (RCQ) Circunferência da cintura A relação da circunferência da cintura ou abdominal e do quadril ou glútea tem sido o índice mais utilizado para averiguar a distribuição local de tecido adiposo regional, que é parcialmente independente da adiposidade total. Esta relação esta associada a risco de doenças crônicas não transmissíveis. Determinou-se a circunferência da cintura através da área mais estreita, acima do umbigo, e a do quadril, sobre a protusão máxima dos glúteos. Foi utilizado o ponto de corte para risco de acordo com Bray (1991)10, onde para homens é > 0,95 e mulheres > 0,80. Esses limites são compatíveis com especificidade entre alta e moderada, conseqüentemente com uma taxa de falsopositivos reduzida. Nesse estudo classificaremos os idosos quanto a presença ou ausência deste fator de risco. A circunferência da cintura foi determinada através da área mais estreita, acima do umbigo. Os pontos de corte para riscos adotados foram os preconizados por Han e cols. (1995), onde para homens a circunferência da cintura é > 94cm e para as mulheres é > 80cm. Coleta de dados A coleta de dados foi realizada nos dias e horários de reunião dos grupos (14:00 às 17:00 hs). A coleta de dados teve início em agosto de 2003 e término em julho de 2004. Os dados foram agrupados pela planilha eletrônica Excel. Os resultados foram expressos em número absoluto e em percentual e apresentados através de gráficos e tabelas. A pesquisa em questão obteve o parecer do Comitê de Ética da Universidade Federal de Santa Catarina em pesquisas com seres humanos de acordo com a legislação vigente sendo os resultados tornados públicos sendo eles favoráveis ou não, preservando o sigilo da identidade dos participantes. 37 Pereira, A. P. do V. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 34-40, jan./jun.. 2006 Resultados e discussão A tabela 1 mostra o estado nutricional dos idosos onde se verificou uma tendência de maior prevalência de sobrepeso e obesidade em ambos os sexos. As alterações nutricionais observadas não apresentam grande variação entre as regiões do município, sendo as maiores prevalências de pré - obesidade em mulheres encontradas nas regiões sul (52,9%) e leste (41,37%). A tendência de aumento do sobrepeso tem sido acompanhada em países desenvolvidos, questionando-se suas implicações na morbi-mortalidade futura, particularmente em populações que envelhecem (Kuczs-marski et al, 1994)11. Os índices de sobrepeso elevados confirmam a tendência encontrada em um estudo realizado por Tavares em 1999 que teve com base os dados da Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição de 1989 onde se identificou desse problema em mulheres idosas brasileiras, principalmente das regiões sul (23,3%) e Sudeste (21,9%). Segundo esse autor, esses dados se aproximam a de países da Europa com altas prevalências de sobrepeso. O sobrepeso é um problema eminentemente urbano, com algumas diferenciações por região. Na região sul do Brasil, o excesso de peso em mulheres é também elevado na área rural. Ainda não há consenso sobre o impacto do sobrepeso na longevidade, porém vêm-se encontrando associações deste problema com mortalidade em idosos e questionando-se sua relação com incapacidade, que nestes indivíduos significa autonomia, favor imprescindível para uma boa qualidade de vida. (PopKins, 1994)12 Segundo Popkins (1994)12, esse processo estaria acontecendo pelo aumento proporcional do consumo de dietas caracterizadas com risco para doenças crônicas. Tem–se mais intenso justamente nas camadas sócio – econômicas intermediárias e baixas, situação que sinaliza a obesidade como questão de saúde pública e a necessidade de adoção de políticas preventivas (Monteiro et al, 1995)5. TABELA 1- Avaliação do estado nutricional de acordo com sexo dos grupos de idosos por região, segundo classificação do IMC, estabelecida pela FAO/OMS - 98, Florianópolis, 2004. ESTADO NORTE NUTRICIONAL M n(%0) Baixo peso Eutrofia 1(100) Sobrepeso Pré-obesidade - F n(%) 0 16(38,09) 1(2,38) 14(33,33) Obesidade G1 Obesidade G2 TOTAL 9(23,8) 1(2,3) 41(100) 1(100) CENTRO E CONTINENTE M F n(%) n(%) 0 7(26,08) 2(8,69) 10(30,43 ) 7(26,08) 2(8,69) 28(100) A proporção da circunferência de cintura e quadril tem sido usada em estudos populacionais, como uma preditora de risco de doenças cardiovasculares. O aumento da adiposidade central está associada com o aumento de doenças crônico degenerativas e maiores riscos de mortalidade. ( Passero, 2003)8 De acordo com a relação da cintura e quadril, observamos que o resultado foi semelhante SUL NORTE M n(%) 3(50) 2(33,33) F n(%) 1(1,96) 11(23,52) 0 24(52,94) M n(%) 1(56) - F n(%) 0 11(41,37) 1(3,44) 10(41,37) 1(16,66) 6(100) 6(15,68) 3(5,88) 45(100) 1(50) 4(13,79) 0 2(100) 26(100) ao da circunferência da cintura, sendo encontrado em todos os grupos pesquisados valores acima do nível máximo de adequação em 95% dos entrevistados (Tabela 2). Segundo Machado, 200413 este dado isoladamente ou associado com a circunferência da cintura caracteriza mais um fator de risco para problemas cardiovasculares. 38 Pereira, A. P. do V. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 34-40, jan./jun.. 2006 TABELA 2- Presença e ausência de risco para problemas cardiovasculares de acordo com a relação da circunferência da cintura e do quadril nos grupos de idosos por região, Florianópolis, 2004. GRUPOS NORTE Risco Ausência TOTAL M n (%) 2(100) 0 2(4,76) F n (%) 39(97,5) 1 (2,5) 40(100) CENTRO E SUL CONTINENTE M F M n (%) n (%) n (%) 0 27(96,4) 3(50) 0 1(3,57) 3(50) 0 28(100) 6(100) Segundo Machado, 200413 a circunferência da cintura isoladamente ou associado com a relação da cintura e do quadril caracteriza mais um fator de risco para problemas cardiovasculares. Podemos verificar através da tabela 3 que na maioria dos grupos mais de 90% dos entrevistados apresentaram valores de circunferência de cintura acima do nível máximo de adequação. Esse resultado vem de encontro aos achados por Machado, 2004, onde foram analisados 50 idosos do bairro de LESTE F n (%) 43(95,5) 2 45(100) M n (%) 2(100) 0 2(100) F n (%) 26(100) 0 26(100) Copacabana no RJ, sendo encontrado em 68% dos homens e 60% das mulheres medidas de circunferência de cintura acima do recomendado. Essa situação foi observada também na pesquisa desenvolvida com 30 pessoas idosas residentes de uma comunidade de baixo nível sócio - econômico da cidade de Curitiba onde 53,3% dos entrevistados encontram-se acima de 100% do padrão de normalidade para relação cintura e quadril. TABELA 3- Presença e ausência de risco para problemas cardiovasculares de acordo com a circunferência da cintura nos grupos de idosos por região, Florianópolis, 2004. GRUPOS NORTE Risco Ausência TOTAL M n (%) 2(100) 0 2(100) F n (%) 36(90) 4(10) 40(100) CENTRO E SUL CONTINENTE M F M n (%) n (%) n (%) 0 28(100) 3(50) 0 0 3(50) 0 28(100) 6(100) Conclusão A pesquisa em questão buscou correlacionar diversos fatores que identificam o perfil nutricional de diferentes regiões do município de Florianópolis. De acordo com a população estudada podemos observar que o perfil antropométrico não apresentou grande alteração entre as regiões do município de Florianópolis. Quanto ao estado nutricional foi verificado um alto percentual de sobrepeso e obesidade em ambos os sexos, este fator consequentemente atuou negativamente para o aparecimento de valores acima do limite também em relação à circunferência da cintura e a relação cintura quadril em todas as regiões. Tal quadro é preocupante pois favorece o aparecimento de doenças crônico LESTE F n (%) 42(93,3) 3(6,6) 45(100) M n (%) 2(100) 0 2(100) F n (%) 25(96,1) 1(3,8) 26(100) degenerativas como diabetes, hipertensão e doenças cardiovasculares. Porém considerando que as pessoas idosas constituem uma população de risco por apresentar alterações fisiológicas, particularidade de seus hábitos alimentares e déficit do estado nutricional devemos praticar ações e adotar medidas preventivas que mudem esta realidade já que estes são fatores modificáveis, a fim de melhorar a qualidade de vida desta população. Referências bibliográficas 1. Diretoria de pesquisas, Departamento de população e indicadores sociais. Censo Demográfico. Disponível em: http://www.ibege .gov.br Acesso em: 8 de maio de 2005. 39 Pereira, A. P. do V. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 34-40, jan./jun.. 2006 2. Najas MS, Andreazza R, Souza ALM, Sachs A, Guedes ACB, Sampaio LR, et al. Padrão alimentar de idosos de diferentes estratos sócio - econômicos residentes em localidade urbana da região sudeste, Brasil. Rev. Saúde Pública 1994; 187-91 – 3. 3. Goodwin, J.S. Social, psychological and physical factors affecting the nutrition status of elderly subjects: separating cause and effect. American Journal of Clinical Nutrition 1988; 50:120-120s. 4. WHO (World Health Organization). Physical Status: The Use and Interpretation of Anthropometry. Geneva; WHO, 1995. 5. Monteiro CA, Mondini L, Souza ALM & Poppkins BM. Da desnutrição para a obesidade: A transição nutricional no Brasil. In: Velhos e Novos Males da Saúde no Brasil: A Evolução do País e de suas Doenças. São Paulo: Editora Hucitec, 1995. 6. Krause MV, Mahan LK. Alimentos, Nutrição & Dietoterapia. 9nd ed. São Paulo: Rocca, 1999. 7. Campos MTS, Monteiro JBR, Ornelas ARC. Fatores que afetam o consumo alimentar e a nutrição do idoso. Rev. Nutrição 2000; 157:165- 3. 8. Passero V, Moreira EAM. Estado nutricional de idosos e sua relação com a qualidade de vida. Rev. Brasil Nutrição Clínica 2003; 1:7 – 1. 9. WHO (World Health Organization). Physical Status: The Use and Interpretation of Anthropometry. Geneva; WHO, 1998. 10. Bray G.A. Obesidad. In: Conocimientos actuales sobre nutricón. Washington: Organización Mundial de la salud, pp. 26-46, 1991. 11. Kuczs-Marski, R.J., Need for body composition in elderly subfects. American Journal of Clinical Nutrition 1989; 50:1150-1157. 12. Popkins BM. The nutrition transition in lowincome countries: Na emerging crisis. Nutrition Reviews 1994; 285:298 – 52. 13. Machado JS, Souza VV, Vidal AT, Ramos FRM, Frank AA. Perfil nutricional de idosos freqüentadores da associação recreativa de Copacabana, Rio de Janeiro. Nutrição Brasil 2004; 85:91 – 3. 40 Pasetti, S. R. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 41-47, jan./jun.. 2006 A RELAÇÃO OBESIDADE MÓRBIDA E QUALIDADE DE VIDA: EXPLORANDO O ESTADO DA ARTE [Relation between morbid obesity and quality of life: exploring the state-of-the art] Sérgio Ricardo Pasetti1; Aguinaldo Gonçalves 2 Resumo: A obesidade, considerada epidemia mundial, atinge todas as idades e classes sociais. Este agravo compromete a saúde e a Qualidade de Vida (Q.V.) do indivíduo, podendo também elevar gastos financeiros com saúde pública. Os métodos utilizados para combate ao excesso de peso são: controle alimentar, medicamentos, cirurgias e exercícios físicos. Este trabalho tem como objetivo pontuar, através da revisão da literatura, as formas de tratamento para controle da obesidade e as contribuições da atividade física para evolução da Q.V. de obesos. A literatura indica que exercícios físicos contribuem para redução do peso e melhora da Q.V. Palavras-chave: obesidade, qualidade de vida, métodos de tratamento e controle da obesidade. Abstract: Obesity, considered as world epidemics, touches all ages and social classes. This disorder impairs individual health and Quality of Life (QOL) and can also raise public health financial expenditures. Methods adopted to fight weight excess comprise: diet control, medicines, surgeries and physical exercises. The purpose of this work is to point out, through literature review, treatment forms for obesity control and physical activity contribution to obese QOL. Literature indicates that physical exercises contribute to weight reduction and QOL improvement. Keywords: obesity, quality of life, treatment methods and obesity control Introdução A obesidade, tida como acúmulo excessivo de gordura e não somente excesso de peso além daquele considerado normal para a idade, sexo e tipo corporal, é avaliada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como um dos maiores problemas de saúde pública no mundo. 1,2 O agravo em questão também pode ser definido como armazenamento em demasia de energia no tecido adiposo. 3 Através do índice de massa corporal (IMC) pode-se determinar se um indivíduo apresenta concentrações elevadas de células gordurosas. O IMC é determinado dividindose o peso da pessoa (em quilogramas) pelo quadrado de sua altura em metros; valores acima de 30 kg/m² são definidos como obesidade. 4 É importante ressaltar que este valor é de referência e não há como saber se o que o avaliado possui uma grande massa muscular ou não. 5 _____________ Quanto à massa corporal, o sujeito com 20% acima do peso-padrão em relação ao sexo, altura e estrutura corporal é classificado como obeso. 6 A mesma identificação é dada para homens e mulheres com percentual de gordura superior a 20% e 30%, respectivamente.5 Trata-se de afecção que se desenvolve a partir de fatores genéticos, sociais, comportamentais e culturais.7 Alimentação, imagem corporal, mudanças demográficas, sócio-econômicas e epidemiológicas e diferenças bioquímicas relacionadas à taxa metabólica de repouso também devem ser considerados. 8,9 Os riscos da doença incluem hipertensão, diabetes mellitus, problemas cardiovasculares, apnéia noturna, lesões articulares degenerativas e hipóxia crônica. Há também acréscimo na probabilidade de mortalidade causado por câncer endometrial em mulheres e colorretal em homens.10 1 Mestre em Ciências do Esporte. Faculdade de Educação Física. Universidade Estadual de Campinas. E-mail: [email protected] 2 Prof. Titular do Departamento de Ciências do Esporte. Faculdade de Educação Física. Universidade Estadual de Campinas. E-mail: [email protected] Agradecimentos CNPq (130874/04-3); FAEP / UNICAMP (491/03) e FAPESP (03/06366-5). 41 Pasetti, S. R. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 41-47, jan./jun.. 2006 As principais causas envolvidas são o consumo crescente de dietas com alta densidade energética, ricas em lipídios saturados e açúcares, além de atividade física reduzida. 11 É condição complexa, com sérias dimensões sociais e psicológicas, que afetam praticamente todos os grupos etários e socioeconômicos, tanto em países desenvolvidos como em desenvolvimento.12 O impacto da moléstia está dobrando a cada cinco a dez anos em algumas regiões do mundo. 13 Essa situação traz enorme ônus financeiro aos sistemas de saúde pública, hoje já bastante sobrecarregados.11 Nos Estados Unidos cerca de dez por cento do orçamento anual para a saúde, aproximadamente US$ 100 bilhões, são gastos com doenças relacionadas a este distúrbio. 14 Em nosso país os serviços de saúde gastam cerca de R$ 1,45 bilhões anuais com o problema. 15 Em 1995 havia estimativa de 200 milhões de obesos adultos no mundo; em 2000 este número aumentou para mais de 300 milhões. Estima-se que há mais de um bilhão de adultos com excesso de peso. 11 Na maioria dos países europeus a prevalência desta população tem crescido em aproximadamente 10 a 14 % nos últimos dez anos. 16 Nos Estados Unidos um terço da população está acometida, sendo um por cento, aproximadamente (cinco milhões), com forma clínica severa.17 No Brasil, segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares 2002-2003 do IBGE, cerca de 40% dos adultos (38,8 milhões) apresentam algum grau de excesso de peso, 27% dos quais são considerados casos mais graves.18 Em 2000 a prevalência aumentou no nordeste e nas faixas de menor poder aquisitivo.19 Três anos depois o número total de casos tornou-se superior nas regiões Sul e Sudeste do Brasil. 18 Entre adolescente e crianças brasileiros a situação também é grave; entre os 6 a 18 anos de idade, existem ao menos 6,7 milhões de ocorrências. 15 Entre os jovens de poder aquisitivo mais elevado observam-se as maiores taxas de sobrepeso e acúmulo de gordura. 20 Frente a tal realidade, o objetivo da presente comunicação consiste em apresentar através da revisão da literatura formas de tratamento para controle deste agravo e, posteriormente, pesquisas envolvendo a prática de atividade física e melhora da Qualidade de Vida. Os distintos métodos de tratamento e controle da obesidade – uma breve caracterização Com orientação e apoio de médicos, psicólogos, nutricionistas, professores de Educação Física, familiares e amigos, obesos podem melhorar sua saúde geral. Atualmente há vários recursos utilizados, sobretudo: 14 Métodos Cirúrgicos Procedimento baseado em restrição e/ou mal-absorção dos alimentos ingeridos, é indicado para indivíduos com IMC igual ou superior a 40Kg/m². 21 São reconhecidas três técnicas: 22 i) gastroplastia vertical com bandagem (há o fechamento de uma porção do estômago através de sutura, resultando em diminuição do reservatório gástrico; um anel de contenção é colocado no orifício de saída, tornando o esvaziamento mais lento); ii) Lap Band (aplica-se banda regulável na porção alta do estômago, criando uma pequena câmara esofágica, cuja passagem é ajustada por mecanismo percutâneo de insuflação) e; iii) gastroplastia com derivação gastrojejunal (envolve redução do reservatório gástrico, restrição ao seu esvaziamento e pequeno prejuízo na digestão por derivação gástrica-jejunal). Medicamentos O tratamento farmacológico é indicado para indivíduos com IMC superior a 30 Kg/m² ou maior que 27 Kg/m², quando houver alguma complicação (diabetes e hipertensão). 14 Este tipo de intervenção justifica-se apenas em conjunção com 42 Pasetti, S. R. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 41-47, jan./jun.. 2006 orientação dietética e mudanças no estilo de vida. 23 Nos Estados Unidos apenas dois fármacos são aceitos pelos FDA (órgão norte-americano que permite liberação e comercialização de remédios e alimentos) para uso a longo prazo, a saber: Sibutramina - inibidor da captação de serotonina e noradrenalina, contribui para manutenção do peso perdido entre seis a 18 meses; as conseqüências do seu uso consistem em elevação da pressão arterial média entre 3-5 mmHg e freqüência cardíaca de repouso aumentada (2 a 4 batimentos por minuto), Orlistat - Inibidor da lipase que age no trato gastrintestinal, diminuindo a absorção de gordura; há redução das lipoproteínas de baixa densidade (LDL) e da pressão arterial sistólica. A desvantagem é perda da absorção das vitaminas lipossolúveis A, D, E e K. 14, 23 No Brasil, além da sibutramina e orlistat, são registrados no Ministério da Saúde como agentes anti-obesidade a dietilpropiona, fendimetrazina, mazindol, e fentermina. 23, 24 Estes quatro medicamentos são estimulantes do sistema nervoso central e causam supressão do apetite.25 semanal de 0,5 – 0,9 Kg de maneira saudável e possível, já que diminuições elevadas e rápidas de peso não são efetivas. 14, 28 Dietas A relação obesidade versus qualidade de vida No manejo deste conjunto de condutas, parte-se do princípio que para conseguir a diminuição da massa gordurosa é necessário um balanço energético negativo, ou seja, o gasto supera o consumo de energia. 26 Para isso consideram-se três componentes da equação de balanço energético, onde gasto energético = taxa metabólica basal + energia gasta nas atividades físicas + efeito térmico do alimento.27 A taxa metabólica basal depende da idade, sendo determinada pelo total de massa magra; o segundo componente decorre da intensidade e da duração do exercício físico e o último item, também denominado de termogênese de indução dietética, envolve o processo de digestão, absorção e assimilação dos nutrientes. 27 A restrição calórica deve estar entre 1000 – 1500 Kcal/dia, o que permite redução Exercícios Físicos Importantes para melhora e manutenção da saúde, por promoverem alterações significativas no sistema cardiorrespiratório, imunológico, endócrino, possibilitam redução da gordura corporal, ganho de massa muscular e óssea e prevenção de doenças degenerativas. A prática regular de exercícios produz adaptações morfofuncionais, beneficiando a capacidade funcional e laborativa do indivíduo.29 Evidências epidemiológicas sugerem associação inversa entre a atividade física e o peso, pessoas fisicamente ativas possuindo distribuição mais favorável da gordura corporal. 3 O exercício físico é reconhecido como componente essencial de qualquer programa de redução ou controle de peso; quanto mais se pratica, maior o consumo diário de energia e mais rapidamente se controla o agravo. 5,30 A Qualidade de Vida (Q.V.) diz respeito ao cotidiano das pessoas, envolvendo saúde, transporte, educação, moradia, trabalho e participações nas decisões que lhes dizem respeito. Ao usar o termo Q.V. pode-se estar indicando, entre outros, bem estar pessoal, posse de bens, participações em deliberações coletivas, ou seja, a palavra é utilizada para inúmeros sentidos.31 Um dos mais utilizados é o da OMS como percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e do sistema de valores em que vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações. 32 Nesta definição observam-se duas concepções importantes para compreender Q.V.: caráter subjetivo (como o indivíduo percebe suas condições físicas, emocionais, 43 Pasetti, S. R. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 41-47, jan./jun.. 2006 culturais e sociais) e objetividade das condições materiais (posição na vida e as relações estabelecidas nessa sociedade). 33 A abordagem conceitual da OMS é tendência observada nos diferentes instrumentos de avaliação pessoal de Q.V. 32 Para medir Q.V., de acordo com os objetivos e populações a serem estudados, existem mais de mil instrumentos específicos.34 Os mais utilizados são: WHOQOL-100 desenvolvido pela OMS , para populações em geral 32 e o Medical Outcome Study Sort Form-36 (SF-36) 35, destinado predominantemente para pesquisas clínicas. Há instrumentos específicos para avaliar a Q.V. de obesos, nomeadamente o Impact of Weight on Quality of Life Questionnaire (IWQOL) questionário de impacto do peso na qualidade de vida; IWQOL-Lite (versão abreviada do IWQOL); o Bariatrics Analysis and Reporting Outcome System (BAROS) aplicado em pessoas submetidas a cirurgias bariátricas; o Obesityrelated Well-being Scale (ORWELL), que tem a finalidade de avaliar a escala de bem estar e o Obesity Related Psychosocial Problems (OP) para problemas psicosociais relatados na obesidade. 7 Estudos apontam relação inversa entre o grau de acúmulo de gordura em que o indivíduo se encontra e sua Q.V., ou seja, quanto maior a quantidade de peso menor será sua percepção; por outro lado, quando há redução do peso corporal há expressiva melhora desta condição. 36-38 Obesos, inseridos em qualquer programa ou tratamento, ao reduzirem seu peso terão avanço da percepção de Q.V. 39 O controle alimentar com baixo consumo calórico aliado a prática de atividades aeróbias ou resistidas torna-se mais eficiente no aperfeiçoamento da Q.V., além de contribuir para aprimoramento da aptidão física principalmente nos praticantes de exercícios aeróbios.40 Em qualquer faixa etária, a inclusão de dietas parece ser mais eficaz para o tratamento.41 Em crianças obesas a percepção de Q.V. também é comprometida, sendo semelhante àquelas com diagnóstico de câncer.42 Foi estudada a Q.V. de 82 pacientes – 18 a 70 anos – antes e após seis, doze e vinte e quatro meses de cirurgia de gastroplastia. Durante este período notou-se redução do peso e progresso na Q.V. em relação ao período pré-operatório e quanto maior o tempo pós-cirúrgico mais favoráveis foram os resultados. Os pesquisadores concluíram que pode haver expressiva evolução da Q.V. e perda significativa do peso após este tipo de intervenção. 43 Em pesquisas longitudinais, os instrumentos Depression and Anxiety Subscales of the Brief Symptom Inventory; Life Distress Scale; Life Satisfaction Scale; Rosenberg Self-Esteem Scale e SF-36 foram aplicados para verificar os efeitos da raça, sexo, climatério e redução do peso sobre a Q.V. Entre americanos brancos e negros obesos não se registraram diferenças na percepção de Q.V.; quando há redução de 10% do peso, a evolução da Q.V. ocorre de maneira semelhante entre os dois grupos. 7 Em mulheres com excesso de gordura corporal, na pré-menopausa e pós-menopausa observa-se menor satisfação na vida e maiores níveis de estresse no primeiro grupo do que no segundo.44 Em relação ao sexo, homens possuem escores superiores enquanto elas indicam maiores problemas psicosociais. Após programa de redução de peso, ambos demonstraram melhoras significativas; em alguns estudos eles atingiram scores bem superiores. 7 Para indivíduos com a forma mórbida, métodos cirúrgicos como a gastroplastia contribuem para redução do peso e aprimoramento da Q.V. com resultados mais favoráveis quanto maior o tempo pós-cirúrgico. 45 A obesidade afeta a percepção de Q.V., mas o impacto do sobrepeso e excesso de peso também interferem nesta percepção de acordo com a faixa etária e sexo. 46 Portanto não apenas aspectos de ordem física devem ser considerados. A questão psicológica também é relevante no tratamento destes casos: problemas de agravo 44 Pasetti, S. R. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 41-47, jan./jun.. 2006 mental não podem ser excluídos de respectivos estudos, assim como gastos com saúde e conseqüências sociais a médio e longo prazo. Conclusão Há vários métodos para controle e combate da obesidade, nomeadamente dieta, medicamentos, atividade física e, em casos extremos, cirurgias. Aliar estes recursos a instrumentos que avaliem a percepção de qualidade de vida mostra-se necessário e deve fazer parte do tratamento; os resultados podem ser mais expressivos e precisos. É interessante salientar que a efetividade do controle e combate ao acúmulo excessivo de gordura depende da aderência do acometido, apoio familiar, integração multidisciplinar, mudanças sociais que propiciem condição de vida mais saudável. Referências Bibliográficas 1- Sharkey B. Condicionamento físico e saúde. São Paulo (SP): Artes Médicas; 1998. 2- WHO. World Health Organization. Obesity. [cited 2005 nov 14]. Disponível em: URL: http://www.who.int/health_topics/obesity/en 3- Powers SK, Howley TH. Fisiologia do exercício. São Paulo (SP): Manole; 2000. 4- WHO. World Health Organization. Obesity and Overweight. [cited 2005 nov 14]. 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A partir da análise da segunda edição do curso, pretende-se refletir sobre mudanças necessárias nos processos de formação de profissionais e de trabalho, especialmente, aquelas relacionadas à Estratégia Saúde da Família. Desta forma, busca-se estimular um modelo de formação profissional alicerçado numa prática multiprofissional, interdisciplinar e intersetorial, e contribuir de maneira crítica e construtiva para melhorar este processo. Palavras-chave: recursos humanos em saúde, saúde da Família, interdisciplinaridade. Abstract: This article proposes a reflexion about the Multidisciplinary Specialization in Family Health of the Federal University of Santa Catarina. It’s objective to contribute to consolidate the National Policy of Health Permanent Education developed by the Brazilian Ministry of Health. Starting from the analysis of the 2nd edition of that course, it’s intention to reflect about necessary changes in the professional education and work process, specially in the Family Health Strategy. Therefore, it’s intention to stimulate the transformation of the professional education model based on an interdisciplinary and intersectorial practice and to contribute in a critical way to improve this process. Keywords: health occupations manpower, family health, interdisciplinary. Introdução Desde os primórdios da humanidade já se questionava sobre o processo saúdedoenca. Muitas teorias surgiram no decorrer da história. Algumas delas se mantém até hoje, como a Teoria da Medicina Social e a Teoria da Unicausalidade. Centrado na Unicausalidade, a partir do início do século XX, houve o crescimento de um modelo de ensino nos Estados Unidos conhecido como Flexneriano que se expandiu e fomentou vultosos investimentos no campo médico-industrial. No Brasil, durante o período pósgolpe militar, viabiliza-se, como nunca, o crescimento hospitalar e investe-se na medicina especializada e de alto custo, mas _____________ que não trouxe melhorias para o nível de saúde das pessoas. Inconformados com a piora crescente da saúde da população, as lutas e movimentos sociais constroem um amplo processo de reforma sanitária, que levam à criação do SUS e seus princípios: atenção integral e universal à saúde com equidade de acesso. Em 1993, formula-se o PSF (Programa de Saúde da Família), inicialmente um programa focalizado e direcionado à classe pobre, que mais tarde passa a se tornar uma estratégia de reorganização da atenção básica. Com a ESF (Estratégia Saúde da Família), o SUS busca uma nova configuração com foco voltado para a promoção e prevenção da saúde ainda hoje curativa e fragmentada.1 1- Prof. Dr. Coordenador do Curso de Especialização Multiprofissional em Saúde da Família da UFSCFlorianópolis/SC 2-5- Especializandos em Saúde da Família da UFSC 48 Wosny, A. de M. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 48-54, jan./jun.. 2006 Contudo, alguns obstáculos se contrapõem ao SUS (Sistema Único de Saúde) e o Ministério da Saúde (MS) tem buscado a adoção de instrumentos que equacionem as distorções existentes neste novo modelo assistencial. Entre outros, assume definitivamente a formação de recursos humanos para a saúde e fortalece os Pólos de Capacitação em Educação Permanente. Em 2002, a UFSC, como aliada desta nova política de formação de profissionais de saúde para o SUS, capacita seus primeiros profissionais através do Curso de Especialização Multiprofissional em Saúde da Família. Utilizar-se-á da vivência na segunda edição do curso, desenvolvida no período 2004/2005, como ferramenta para reflexões e proposição de mudanças no processo de formação e trabalho. Marco Referencial No começo do século XIX, paralelo ao início do surgimento do sistema capitalista, inicia-se na Europa um movimento pela medicina social que buscava dar explicação para o processo saúde/doença, sendo que o perfil das patologias era definido pelas condições da sociedade. Em contrapartida, na segunda metade do século XIX, com a descoberta de Pasteur que associa bactéria à doença, o modelo unicausal passa a ser hegemônico. Uma outra reflexão segundo Da Ros2, é a forma como se estabelece o modelo médico norte-americano. A Rockfeller Foundation, um dos pilares do modelo capitalista norte-americano financia a John´s Hopkin´s University, no início do século XX que pratica um modelo de ensino centrado na unicausalidade, no hospitalocentrismo, no biologicismo e na fragmentação. Em 1910, é publicado o relatório Flexner, que estabelece um modelo claramente hegemônico de medicina especializada, e dá base para o desenvolvimento do poderoso complexo médico-industrial. Até meados da década de 60, a medicina privada no Brasil tinha um traço europeu, com ênfase em médicos de família. Nesta época, a população pobre dependia de hospitais ou iniciativas de caridade para lidar com as doenças. A Saúde Pública se resumia ao sanitarismo campanhista promovido pelo Ministério da Saúde, em que as ações eram restritas à perseguição a vetores, saneamento e programas de atendimento a grandes endemias. O modelo de atenção à doença baseava-se nos Institutos de Aposentadorias e Pensões e só possuíam acesso aos serviços de saúde existentes, os contribuintes que estivessem inseridos no mercado de trabalho formal.3 Em 1964, com o Golpe Militar, é introduzido no Brasil o modelo Flexneriano. Viabiliza-se a partir de então, o crescimento de um complexo médico-industrial e hospitalar respaldado em normas que privilegiam a contratação de serviços terceirizados. Este modelo, denominado por vários autores como modelo médico assistencial privatista vigorará hegemônico de 1960 até meados dos anos 80.4 No setor saúde, é possível deflagrar com mais nitidez as mudanças a partir da década de 70. As lutas e movimentos sociais que construíram um amplo processo de reforma sanitária tiveram no ano de 1988 um marco importante, a promulgação dos artigos constitucionais 196 a 200;5 no ano de 1990, a criação das Leis Orgânicas da Saúde nº8080/906 e 8142/907 e, conseqüentemente, a efetivação do SUS. Ou seja, com este amplo processo de reforma, cada indivíduo passou à condição de cidadão de direito, sendo possuidor de acesso universal à saúde. Em meados dos anos 90 surgiu a ESF, cujas raízes recaem na década de 70 e na forte crise estrutural do capitalismo que desencadeou uma recessão generalizada. Os vultosos investimentos em medicina especializada e medicamentos de alto custo começam a ser questionados juntamente com o surgimento de novas concepções do processo saúde-enfermidade-cuidado.2 49 Wosny, A. de M. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 48-54, jan./jun.. 2006 Para Franco e Merhy, a declaração de Alma-Ata, advinda da Conferência Internacional sobre os Cuidados Primários em Saúde (1978), parte de uma lógica racionalizadora para os serviços de saúde, pretendendo responder aos investimentos necessários à assistência, com menores custos possíveis.8 A Carta de Otawa, resultante da I Conferência Internacional sobre a Promoção da Saúde em 1986 no Canadá, preconiza a reorientação dos serviços de saúde na direção da promoção da saúde, além do provimento de serviços assistenciais. Ela estabelece, assim, que as condições e os recursos fundamentais para a saúde são: paz, habitação, educação, alimentação, renda, ecossistema estável, recursos sustentáveis, justiça social e equidade, afirmando que o incremento nas condições de saúde requer uma base sólida nestes pré-requisitos básicos. Segundo Buss9, a percepção de que tais mudanças devem ser acompanhadas na formação dos profissionais de saúde também está presente na declaração resultante da Conferência em Otawa. A vigilância da saúde é uma nova forma de resposta social organizada aos problemas de saúde, referenciada pelo conceito positivo de saúde e pelo paradigma da produção social da saúde. Essa prática articula as estratégias de intervenção individual e coletivo e atua sobre os nós críticos de problema de saúde, com base em um saber interdisciplinar e em um fazer intelectual.4 O modelo assistencial proposto pelo PSF prioriza ações de proteção e promoção à saúde, além da assistência individual, como elementos para a construção de um novo modelo, cujo foco se amplia para o indivíduo/família e comunidade. Assim, o PSF objetiva colaborar na organização do SUS e na municipalização com vista à integralidade e participação comunitária.10 Contudo, para Anderson,11 os avanços do SUS, não são compatíveis com o atual modelo econômico. A proposta neoliberal só reforça a importância do SUS como política social que caminha na contramão dos atuais processos ideológicos, políticos e econômicos de exclusão social. A diminuição dos gastos em saúde e as constantes mudanças político-governamentais vêm deformando a questão da ESF. Desta forma, surgiram, dentre outros entraves, a precarização das relações de trabalho e a falta de recursos humanos capacitados. Verifica-se que não há uma formação adequada dos profissionais para atuarem na perspectiva das práticas preconizadas pelo SUS. Essas reflexões são percebidas no documento NOB/RH para o SUS. 12 Os problemas relacionados à área da gestão do trabalho e da educação na saúde são apontados como alguns dos principais fatores que levam à prestação de serviços de saúde sem a necessária qualidade. Entretanto, o Ministério da Saúde tem buscado a adoção de instrumentos que possibilitem o equacionamento das distorções existentes na ESF. A articulação e integração são o caminho permanente a ser percorrido como forma alternativa, resolutiva e eficaz de enfrentamento dos desafios postos na construção do Sistema Único de Saúde. A fim de fortalecer a articulação ensino-serviço foram criados em 1998 os Pólos de Capacitação e Educação Permanente em Saúde da Família. Assim, o MS lançou, em 2000, uma convocatória nacional com o objetivo de implementar a oferta de cursos de pós-graduação lato sensu, nas modalidades de especialização e residência multiprofissional em saúde da família.13 Os Pólos foram constituídos como instâncias de articulação interinstitucional para a gestão de educação permanente em saúde. Para tanto, é necessário o envolvimento de dirigentes, profissionais em formação, trabalhadores, estudantes e usuários que se ocupam do fazer, pensar e educar em saúde nas diferentes realidades do país. São esses atores que em “roda” negociam seus diferentes interesses e pontos de vista para prática nas áreas de saúde e educação. A partir de 2003, a educação na saúde ganhou estatuto de política pública para a 50 Wosny, A. de M. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 48-54, jan./jun.. 2006 formação e desenvolvimento no SUS como desafio para superar a tradição das ações pedagógicas pontuais, individualistas, autoritárias e focalizadas na culpabilização dos indivíduos. O Ministério da Saúde criou a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde, portaria 198/03,14 a qual recompõe as práticas de formação, atenção, gestão, formulação de políticas e controle social no setor saúde, procurando humanizar os recursos humanos, agora trabalhadores e não mais recursos. O Curso de Especialização em Saúde da Família da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC Desde o início dos anos 80, o tema saúde comunitária/saúde da família vem sendo discutido na UFSC por professores e profissionais comprometidos com esta área de atuação. Inicialmente, as equipes de saúde da família eram capacitadas com um treinamento introdutório de abrangência razoável, mas sua profundidade era limitada. Então, no final do ano de 1999, o Pólo Estadual de Capacitação, Formação e Educação Permanente de Recursos Humanos para a Estratégia de Saúde da Família, ao qual a Universidade é vinculada como coordenadora do Núcleo 1 (18a Regional de Saúde), encaminhou a proposta oriunda do MS objetivando a implantação do Curso de Especialização Multiprofissional em Saúde da Família. Seguindo a filosofia do 1º curso (2002/2003), ancorado nos princípios do SUS e tendo como base a ESF, no ano de 2004, iniciou-se a formação das turmas do 2º curso de Especialização Multiprofissional em Saúde da Família da UFSC, marcando novamente a contribuição desta instituição para o processo de mudança no modelo assistencial vigente. O quadro docente é composto por sete departamentos de ensino da UFSC, sendo cinco pertencentes ao Centro de Ciências da Saúde (Ciências Farmacêuticas, Enfermagem, Estomatologia, Nutrição e Saúde Pública), um ao Centro de Filosofia e Humanas (Psicologia) e um ao Centro SócioEconômico (Serviço Social) que juntos construíram o projeto deste curso. O curso é destinado a profissionais oriundos dos municípios de Santa Catarina abrangendo as seguintes profissões envolvidas no modelo da ESF: Serviço Social, Farmácia, Odontologia, Enfermagem, Psicologia, Nutrição e Medicina. A titulação conferida pela UFSC aos alunos que cumprirem os requisitos do curso é a de “Especialista em Saúde da Família”. A Estratégia de Saúde da Família é colocada atualmente como a opção estratégica de reorganização da atenção primária de saúde no contexto do SUS. Contudo, um dos maiores desafios da efetivação deste processo de transferência do sistema e do modelo assistencial de saúde está na relação serviços de saúde e formação profissional, pois a maioria das universidades ainda forma profissionais da área da saúde guiados pelo modelo centrado na lógica assistencial curativa e hospitalocêntrica. Assim sendo, é essencial a formação de profissionais aptos a trabalhar em equipe no sentido de contemplar a integralidade das ações em nível individual, familiar e coletivo. Na Estratégia Saúde da Família, o trabalho em equipe mostra-se fundamental para a integralidade das ações e construção de uma concepção ampliada de saúde.15 Direcionado a atender as expectativas desta Estratégia, este curso propõe: estímulo à educação popular com referencial em Paulo Freire como proposta pedagógica de criação de vínculo profissional-comunidade; alta resolutividade na atenção básica; humanização da assistência; foco na determinação social do processo saúdedoença; indissociabilidade entre a atenção clínica e epidemiológica, entre a atenção coletiva e individual e ênfase na promoção da saúde e assistência domiciliar. Também busca formar profissionais inovadores, com abordagem crítico-reflexiva e democráticoparticipativa e que desenvolvam uma prática multiprofissional, interdisciplinar e intersetorial. 51 Wosny, A. de M. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 48-54, jan./jun.. 2006 A interdisciplinaridade ajuda a melhorar a compreensão da realidade, através do diálogo com outras formas de conhecimento de maneira compartilhada e interativa, numa aprendizagem contínua que facilita os enfrentamentos profissionais e a assistência humanizada e cidadã.16 A proposta do curso fomenta os alunos para que conheçam a rede de apoio institucional-social, articulando e promovendo propostas de ações integradas para melhorar a qualidade de vida da população. Também capacita para planejamento e gerência nas Unidade de Saúde, bem como monitoramento e avaliação contínuos a fim de que se alcance a efetividade das ações. Reflexão Alcançar o patamar ideal, visando à garantia da melhoria da qualidade de vida de saúde da população, não se traduz em tarefa simples, pois exige de cada profissional da saúde da família o rompimento com a uniteralidade de suas práticas e saberes, e também que estes sejam estimulados a (re) aprender conceitos, práticas e relativizar o modo de viver em uma determinada sociedade, comunidade e/ou família. Esse novo estilo de pensamento está voltado a um processo de sensibilização dos profissionais que passam a entender a saúde como um processo multidimensional e complexo e desenvolver uma práxis mais critica, criativa e emancipadora. No decorrer do 2º curso de Especialização Multiprofissional em Saúde da Família, algumas reflexões surgiram entre os discentes o que permitiu esta análise. É possível considerar como importante contribuição para a formação e desenvolvimento profissional, a consciência interdisciplinar adquirida durante o curso, que por si só já é um grande avanço para a (re) construção de um novo estilo de pensamento em saúde. A própria convivência entre diversos sujeitos com diferentes saberes profissionais no decorrer das aulas e durante a elaboração da monografia interdisciplinar, contribui para fortalecer/propiciar enriquecimento nesse sentido. Além disso, o curso propicia um embasamento no sentido de problematizar a educação em saúde, ressalta a importância dos profissionais se engajarem aos movimentos populares, a fim de participar dos interesses e da cultura da comunidade com a qual trabalham, criando parcerias e estreitando vínculos para que fortaleçam a Educação Popular no cotidiano sócioinstitucional. A Educação Popular consiste na formação de pessoas mais sabidas e mais fortes para uma melhor retribuição à sua contribuição econômica, política e cultural; mais sabidas e fortes para serem tranqüilas, sadias e felizes e para terem uma convivência construtiva e preservadora com os seres humanos e o meio ambiente.17 Para que exista a articulação das ações básicas de saúde por parte dos agentes, mas considerando a especificidade de cada profissão, é necessário que cada profissional conheça um pouco do trabalho do outro e tenha reconhecimento de sua necessidade de atuação. Os conceitos de Campo e Núcleo de competência e de responsabilidade são sugeridos por Campos18 como forma de combinar a necessidade de polivalência e ao mesmo tempo de especialização, e de lidar com a autonomia e definição de responsabilidades. Por Núcleo entender-se-ia o conjunto de saberes e de responsabilidades específicos de cada profissão ou especialidade. Por Campo, ter-se-iam saberes e responsabilidades comuns ou confluentes a várias profissões ou especialidades. O curso possibilita e estimula a troca de experiências em eventos nacionais relacionados à área. Um dos eventos que os alunos tiveram a possibilidade de prestigiar foi o VI Encontro Nacional da Rede Unida em Minas Gerais que agregou inovações aos alunos. Alguns momentos enriquecedores também fortalecem a criatividade e espírito crítico quando alguns docentes trazem novas experiências para que os profissionais vejam além do corpo e da doença em aulas como 52 Wosny, A. de M. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 48-54, jan./jun.. 2006 Interacionismo Simbólico, Axiomas da Comunicação e Ludicidade. São proporcionadas fundamentações teóricas em eixos temáticos que alertam os alunos para que se despojem da detenção da verdade sobre o que é ruim ou bom para a comunidade e seus sujeitos. Não existe verdade sobre saúde-doença das pessoas neste sentido, mas estilos de pensamentos que estão todo o tempo se (re) significando e que os saberes devem ser respeitados para uma busca da qualidade de vida. Com o objetivo de sempre garantir a primazia, é necessário que reconheçamos também as fragilidades deste curso, para que estas sejam transformadas em desafios a serem transpostos por aqueles que estão comprometidos com a construção de um SUS cada vez melhor. Nesta direção, procurar-seá a seguir formular algumas ponderações a esse respeito, e propor sugestões que garantam a fundamentação e a (re) estruturação de situações que venham ao encontro do que é necessário para consolidar esta importante iniciativa de processo ensinoaprendizagem. Acreditamos que exista a necessidade de uma ampliação das vivências profissionais, no que se refere aos papéis desempenhados na estruturação das equipes da ESF. Sugere-se que todos os especializandos, em especial os que não tiveram ainda oportunidade de atuação na ponta, possam ir a campo, para vivenciarem a prática da teoria aplicada em sala de aula. Outrossim, urge ressaltar a essencialidade da existência de parcerias com gestores das diferentes esferas governamentais, além de outros setores da sociedade, de forma a firmar parcerias com o intuito de juntar esforços para a conquista de um sistema de saúde efetivamente justo, igualitário e de qualidade. referencial teórico, da vivência interdisciplinar e das reflexões e análise das informações obtidas no trabalho de campo. A constatação nesta fase final do Curso de Especialização Multiprofissional em Saúde da Família da UFSC traz a percepção do caráter dinâmico do mesmo, visto que transformar a formação e a gestão do trabalho em saúde não são questões simplesmente técnicas, mas mudanças nas relações, nos processos, nos atos de saúde e, principalmente, nas pessoas. A partir dos limites e das possibilidades apontadas nesta análise do curso, reflete-se sobre a realidade deste ser ainda um processo que precisa ser construído e reconstruído cotidianamente, principalmente, porque a luta pela compreensão ampliada de saúde e sua complexidade é a mesma dentro do serviço e dentro da academia, e ainda há muita resistência de alguns em romper paradigmas. Várias são as dificuldades que os sujeitos do curso enfrentam no seu transcorrer, pois essa nova formação provoca discussões permeadas de incertezas e avanços, num cenário de complexidade que envolve estruturas organizacionais fragmentadas e hierarquizadas em contraponto ao seu referencial que caminha na direção contrária – da integralidade, interdisciplinaridade, valorização da escuta e das necessidades sociais. Apesar destes aspectos apontados, alunos e professores buscam pelo mesmo ideário de construção de novos conhecimentos, contribuição para esta nova reorientação das estratégias e modos de cuidar, tratar e acompanhar a saúde individual e coletiva assim como provocar importantes mudanças nos modos de ensinar e aprender. Referências Bibliográficas Considerações Finais As considerações expostas neste artigo surgiram a partir das reflexões durante o processo ensino-aprendizagem dos alunos do curso, de seu aprofundamento do 1-Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Assistência à Saúde. Saúde da Família: uma estratégia para a reorientação do modelo assistencial. Brasília (BR); 1997. 53 Wosny, A. de M. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 48-54, jan./jun.. 2006 2-Da Ros M A. Políticas Públicas de Saúde no Brasil. In: Bagrichevski M, organizador. Saúde em debate na Educação Física. Florianópolis; 2004 (in press). 3-Carvalho BG, Martin GB, Júnior LC. A Organização dos Sistemas de Saúde no Brasil. In: Andrade SM, Soares DA, Júnior LC, organizadores. Bases da Saúde Coletiva. Londrina: Editora UEL; 2001. p. 27-59. 4-Mendes EV. Uma agenda para a saúde. São Paulo (SP): Hucitec; 1996. 5-Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Oliveira CB, organizador. 7a ed. Rio de Janeiro: DP&A; 2000. 6-Brasil. Lei nº8080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições de promoção, prevenção e recuperação da saúde, a organização e funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Coletânea de Leis-Conselho Regional de Serviço Social, 12ª Região-Santa Catarina, 2004. 7-Brasil. Lei nº 8142, de 28 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a participação na comunidade sobre a gestão do Sistema Único de Saúde - SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências. Coletânea de Leis-Conselho Regional de Serviço Social, 12ª Região - Santa Catarina, 2004. 8-Franco TB, Merhy EE. Programa de Saúde da Família (PSF): contradições de um programa destinado à mudança do modelo tecnoassistencial. In: Merhy EE, Magalhães HM, Rímoli J, Franco TB, Bueno WS. O trabalho em saúde: olhando e experienciando o SUS no cotidiano. São Paulo: Hucitec; 2003. p.55-124. 9-Buss PM. Uma introdução ao conceito de promoção de saúde. In: Czeresnia D, organizadora. Promoção da Saúde: conceitos, reflexões e tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2003. p.15-38. 10-Chiesa A, Fracolli LA. O trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde nas grandes cidades: análise do seu potencial na perspectiva da promoção de saúde. Revista Brasileira Saúde da Família. 2004; Edição Especial: 42-8. 11-Anderson P. Balanço do Neoliberalismo. In: Sader E, Gentilli P, organizadores. Pósneoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1995. p.09-23. 12-Ministério da Saúde (BR). Portaria 198/GM/MS de 13 de fevereiro de 2004: institui a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde como estratégia do Sistema único de Saúde para a formação e o desenvolvimento dos trabalhadores para o setor e dá outras providências. Brasília (BR); 2004. 13- Gil CRR. Formação de Recursos Humanos em Saúde da Família: paradoxos e perspectivas. Caderno de Saúde Pública 2005; 21 supl 2: 490-8. 14-Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Política de Educação e Desenvolvimento para o SUS. Brasília (BR); 2003. 15-Pedrosa JIS, Teles JBM. Consensos e diferenças em equipes do programa saúde da família. Revista de Saúde Pública 2001; 35 supl 3: 303-11. 16-Meirelles BHS. Interdisciplinaridade: uma perspectiva de trabalho nos serviços de atendimento ao portador do HIV/AIDS [dissertação]. 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Posteriormente realizou-se um levantamento de dados referentes à mortalidade, morbidade, causas de internações hospitalares, expectativa de vida e valores demográficos da população com mais de sessenta (60) anos do Estado de Santa Catarina como um todo e de suas macrorregiões. Apresenta por objetivo abordar características de como vem se processando o envelhecer no Estado de Santa Catarina, bem como de suas macrorregiões especificamente. Palavras-chave: envelhecimento, idoso, Estado de Santa Catarina, macrorregiões. Abstract: This study is characterized for being a research of descriptive character. Initially it was carried through a bibliographical research in the intention of making a brief story about the aspects of aging in a general way. Later was carried a data-collecting referring to mortality, morbidade, hospital internments causes, life expectancy and demographic values of the population over sixty (60) years of Santa Catarina State as a whole and its macroregions. The objective is to approach characteristics of the aging process in Santa Catarina State as well as in its macroregions specifically. Keywords: aging, aged, Santa Catarina State, macroregions. Introdução Ao considerarmos o aumento da população idosa tanto nos países desenvolvidos como nos que estão em desenvolvimento, notamos que um dos desafios que se propõe à Geriatria e Gerontologia e a outras instituições sociais é enfrentar a velocidade com que se processa o aumento do número de pessoas com mais de 60 anos na sociedade brasileira e as conseqüências que esse fenômeno acarreta. O envelhecimento da população brasileira é um fenômeno social inconteste. O aumento do número de idosos brasileiros, em um período relativamente curto, é um dos processos mais acelerados de envelhecimento populacional do mundo. No Brasil, a transição demográfica teve início nos anos 40, quando doenças infecciosas e parasitárias começaram a reduzir-se de forma acentuada. Neste mesmo período, observou-se um aumento de óbitos por doenças crônicas e ___________________ degenerativas, podendo ser atribuído ao envelhecimento da população. 1, 2. A redução da mortalidade precoce, associada à significativa queda na taxas de natalidade e fecundidade, característica de transição demográfica, vem produzindo um acentuado envelhecimento populacional no Brasil. Essa mudança no perfil de morbimortalidade faz com que o cenário, caracterizado por uma população jovem com maior incidência de doenças infecciosas, se transforme-se em outro, no qual predominam os agravos crônicos, característicos de uma população mais envelhecida 3. Basta um olhar mais aguçado em nossa volta para percebermos que, a partir de nós mesmos esse envelhecimento está mais visível. A velhice como experiência vital humana está cada vez mais ampliada e o processo de envelhecimento se tornou um objeto de estudo sério, não só para as ciências biomédicas, como também para as ciências humanas e sociais. 1 Mestranda do PPG em Ciências da Saúde da Universidade do Vale do Rio do Sinos – UNISINOS. Médico. Especialista em Geriatria pelo Instituto de Geriatria e Gerontologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC-RS. 3 Médico. Especialista em Geriatria pelo Instituto de Geriatria e Gerontologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC-RS. 1 55 Santos, K. A. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 55-62, jan./jun.. 2006 Aumenta cada vez mais o número de brasileiros estudiosos desse fenômeno pelas inúmeras conseqüências que origina. Devemos estar atentos para o fato de que o processo de transição demográfica, no Brasil, caracteriza-se pela rapidez com que o aumento das populações adulta e idosa vêm alterando a pirâmide populacional. O conhecimento da situação do idoso num país com tantas diferenças regionais, onde a esperança de vida nos Estados mais pobres do Nordeste não chega aos 60 anos e nos mais desenvolvidos do Sul passa dos 70 anos, permite constatar que não existe uma velhice, mas velhices distintas4, 5. Neste estudo será abordado algumas características de como vem se processando o envelhecer no Estado de Santa Catarina, pois já vimos que não há uma forma de envelhecer uniforme em todo o nosso país, o que há são visíveis disparidades entre as suas regiões. Procuramos, através desse saber, analisar e conhecer a situação do processo de envelhecimento nas diferentes macrorregiões do Estado de Santa Catarina. Apresenta como objetivos: 1. realizar um estudo sobre as características do envelhecimento no Estado de Santa Catarina; 2. realizar um levantamento da população idosa de Santa Catarina e suas macrorregiões; 3. coletar dados referentes a esperança de vida ao nascer, principais causas de mortalidade e de internações hospitalares no Estado como um todo e respectivas macrorregiões; 4. comparar as variáveis em estudo entre as macrorregiões e o Estado de Santa Catarina e estabelecer relações deste com as características encontradas correspondentes as variáveis em nível nacional. Metodologia Delineamento: Este estudo caracteriza-se por ser uma pesquisa de caráter descritivo2,6. Coleta de Dados: Inicialmente foi realizado uma pesquisa bibliográfica em livros textos, páginas eletrônicas, artigos nacionais e internacionais no intuito de se fazer um breve relato sobre aspectos do envelhecimento de um modo geral e de realizar um levantamento de dados referentes à mortalidade, morbidade, causas de internações hospitalares, expectativa de vida e valores demográficos da população do Estado de Santa Catarina como um todo e de suas macrorregiões. Estas variáveis foram obtidas levando-se em consideração a população com mais de 60 anos vigente no Estado, para que, posteriormente, pudessem ser feitas as tabelas com os valores respectivos de cada variável e as possíveis comparações entre as macrorregiões e o Estado. Resultados Gráfico 01 – Porcentagem da população maior de 60 anos no Estado de Santa Catarina e em suas macrorregiões, ano 2003. 7,9% 8,2% 8,1% 8,3% 8,7% 8,7% 7,7% 8,2% 6,9% Fonte: Santa Catarina. Secretaria de Estado da Saúde7. 56 Santos, K. A. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 55-62, jan./jun.. 2006 A porcentagem de maiores de 60 anos na população catarinense é de 7,9% da população total do Estado. Observa-se que o menor índice deste dado refere-se a macrorregião Nordeste com um valor de 6,9%. Acredita-se que, por ser esta região uma das mais industrializadas do Estado, ocorra uma maior imigração de jovens para a mesma em busca de trabalho. Utilizando-se o mesmo raciocínio, podemos justificar a maior porcentagem de idosos encontrada nas regiões de Lages e Planalto Norte, por serem essas, principalmente, agrícolas e madeireiras que caracteriza uma maior emigração de jovens (Gráfico 01). Gráfico 02 – Proporção da população maior de 60 anos, caracterizadas por sexo, no Estado de Santa Catarina e em suas macrorregiões: 60,0% 50,0% 55,4% 54,9% 45,1% 44,6% 54,8% 53,6% 46,4% 45,5% 45,2% 55,5% 54,5% 56,6% 53,4% 52,3% 47,7% 44,5% 46,6% 43,4% 40,0% Masculino 30,0% Feminino 20,0% 10,0% 0,0% Fonte: Santa Catarina. Secretaria de Estado da Saúde7. Há um predomínio da população idosa feminina no Estado, com 54,9% em comparação aos 45,1% do sexo masculino (Gráfico 02). Esta variação, observada entre os sexos, faz com que o Estado apresente 44.000 mulheres idosas a mais do que os homens desta mesma faixa etária8. Observa-se, também, que há pouca diferença entre os sexos nas macrorregiões, sendo que todas apresentam um predomínio do sexo feminino, com variações de 52,3% em Lages à 56,6% em Florianópolis (Gráfico 02). Gráfico 03 – Expectativa de Vida ao Nascer no Estado de Santa Catarina e suas macrorregiões, estimativa 2003. 62 64 66 68 70 Santa Catarina 72 78 80 82 77,49 77,33 69,43 ExtremoOeste 78,21 71,15 77,35 Meio Oeste 70,79 Feminino 75,59 Planlto Norte 68,86 78,04 Nordeste 70,41 75,05 Lages 70,43 79,77 Florianópolis 70,75 77,33 Sul Santa 76 70,03 Vale do itajaí Fonte: 74 69,43 Catarina. Secretaria de Estado da Saúde7 57 Santos, K. A. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 55-62, jan./jun.. 2006 A expectativa de vida ao nascer no Estado catarinense é de 70,03 anos para o sexo masculino e de 77,49 anos para o sexo feminino (Gráfico 03). Quanto as macrorregiões, podemos observar pequena variação nos valores da esperança de vida em relação ao sexo masculino, porém estes valores variam consideravelmente entre as macrorregiões quando se trata do sexo feminino. Cabe destacar as diferenças observadas entre a região de Florianópolis e Lages, onde a esperança de vida ao nascer na capital do Estado é de, praticamente, 5 anos a mais, com valores de 79,77 anos e de 75,05 anos, respectivamente (Gráfico 03). Buscou-se às 06 (seis) principais causas de internações hospitalares, na população acima de 60 anos, no ano de 2003 no Estado de Santa Catarina e suas macrorregiões, sendo estas responsáveis por mais de 80% do total das internações (Tabela 01). Tabela 01 – Principais causas de Internações Hospitalares VALE ITAJAI EXTRE MO OESTE MEIO OESTE PLAN. NORTE SUL NORDE STE SC LAGES MACRORREGIÕES FLORI PA DOENÇAS APARELHO CIRCULATÓRIO 31,3 36,2 31,2 35,7 27,3 29,5 25,2 25,7 34,7 APARELHO RESPIRATÓRIO 23,7 23,9 16,1 22,6 17,0 24,9 32,1 33,9 20,6 APARELHO DIGESTIVO 8,8 6,5 9,5 9,1 11,3 9,2 8,2 8,8 9,2 NEOPLASIAS 8,3 7,6 12,0 8,6 12,0 5,7 7,1 6,8 7,1 APARELHO GENITURINÁRIO 4,7 3,3 5,7 4,1 5,2 4,4 4,4 4,9 5,5 ENDOCRINAS METABOLICOS NUTRICIONAIS 3,9 4,6 2,9 3,8 4,5 5,2 4,5 3,0 3,7 Fonte: Santa Catarina. Secretaria de Estado da Saúde7. As patologias dos Aparelhos Circulatório e Respiratório são responsáveis por mais da metade das internações hospitalares, com destaque para a macrorregião Sul com 60% das internações e a Nordeste que atingiu o menor índice de internações por estas causas, com 40,3% (Tabela 01). Cabe destacar ainda outras diferenciações da macrorregião Nordeste, esta apresenta os maiores índices de internação por causas Neoplásicas e do Aparelho Digestivo com 45% acima da média estadual (Tabela 01). As causas relacionadas ao Aparelho Geniturinário, Endócrinas / Metabólicas / Nutricionais, apresentam pequena variação entre as macrorregiões do Estado, ocupando a quinta e a sexta causas de internações, respectivamente (Tabela 01). Tabela 02 refere às principais causas de Mortalidade. Buscou-se as 06 (seis) principais causas de mortalidade da população acima de 60 anos no Estado de 58 Santos, K. A. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 55-62, jan./jun.. 2006 Santa Catarina e suas macrorregiões no ano de 2003, pois estas causas foram responsáveis por 92,1% dos óbitos no território catarinense no período. Tabela 02 – Principais causas de Mortalidade REGIÕES DOENÇAS APARELHO CIRCULATÓRIO NEOPLASTIAS (TUMORES) APARELHO RESPIRATÓRIO ENDÓCRINA, NUTRICIONAIS METABÓLICAS APARELHO DIGESTIVO CAUSAS EXTERNAS SC 39,5 46,2 22,7 16,8 17,2 12,6 4,6 8,8 4,5 4,8 3,9 2,1 42,6 20,1 15,1 6,5 4,7 3,1 PLANALTO NORTE 39,2 41,6 44,3 22,5 20,1 17,1 15,7 14,7 13,4 4,0 6,0 8,4 6,5 7,5 4,0 2,2 7,0 3,2 MEIO OESTE 36,1 40,4 45,4 23,5 19,6 15,1 18,6 16,8 14,7 4,5 6,8 9,4 41,9 49,0 22,4 15,1 16,3 10,3 5,1 5,2 4,9 3,4 2,5 3,8 4,1 3,1 2,5 5,1 3,0 SUL FLORIPA 45,2 19,1 13,5 7,7 10,7 4,0 2,8 44,4 44,3 23,2 18,9 14,4 12,6 3,8 7,8 4,2 4,2 3,1 2,0 44,4 21,2 13,5 5,7 4,2 2,6 LAGES 39,4 48,1 22,4 20,2 12,2 12,1 6,4 7,3 5,4 5,0 2,6 1,8 43,3 21,4 15,0 6,8 5,3 2,2 EXTREMO OESTE 34,4 39,3 45,6 25,0 22,3 18,7 21,6 18,2 13,7 3,8 5,3 7,1 VALE ITAJAI 39,5 42,9 46,9 21,9 19,2 15,8 18,0 15,9 13,3 5,1 6,9 9,0 4,1 4,9 5,0 1,9 4,0 4,2 4,3 2,1 4,5 3,7 4,1 3,3 NORDESTE 38,5 44,4 22,6 16,7 15,5 11,2 4,3 9,0 5,2 5,8 4,4 1,2 Fonte: Santa Catarina. Secretaria de Estado da Saúde7. Legenda Masculino Feminino As doenças do Aparelho Circulatório são a principal causa de óbitos entre os idosos com 42,6%. Este predomínio ocorre também nas macrorregiões com pequena variação entre as mesmas, oscilando de 39,3% à 45,2%. Em relação a variação por sexo, percebe-se que o sexo feminino é mais acometido, por esta patologia, no Estado como um todo em relação ao sexo masculino (Tabela 02). Neoplasias com 20,1% dos óbitos dos maiores de 60 anos somam a segunda causa de mortes do Estado, ocorrendo um predomínio da população idosa masculina. As patologias do Aparelho Respiratório aparecem como a terceira causa de óbitos e ocorre um predomínio do sexo masculino (Tabela 02). Os Distúrbios Endócrinos, Nutricionais e Metabólicos são responsáveis por 6,5% dos óbitos e correspondem a causa que demonstra um maior predomínio do sexo feminino em, aproximadamente, 100% em relação ao sexo masculino (Tabela 02) . O sistema digestivo ocupa a quinta colocação com 4,7% das causas de óbito e apresenta uma certa uniformidade em relação as diferenças por sexo (Tabela 02). Total Causas Texternas (trânsito, violência, fraturas, entre outras) somam a sexta causa de óbitos da população idosa catarinense, apresentando maior prevalência no sexo masculino, em torno de 100% em relação ao sexo feminino (Tabela 02). Discussão Atualmente a população idosa brasileira com idade igual ou superior a 60 anos ultrapassa 15 milhões de habitantes8. O caso do envelhecimento brasileiro pode ser exemplificado por aumento da participação da população maior de 60 anos no total da população nacional de 4%, em 1940, para 9%, em 2000. Também pode-se fazer referência ao aumento da proporção da população mais idosa, isto é, de 80 anos ou mais, a qual está alterando a composição etária dentro do próprio grupo, ou seja, a população considerada mais idosa também está envelhecendo. Esse tem sido o segmento populacional que mais cresce, embora ainda apresente um contingente pequeno. De 166 mil pessoas em 1940, o contingente mais idoso passou para quase 1,9 milhões no ano 2000. Representava 12,6% da população 59 41,2 19,9 13,6 6,5 5,5 3,0 Santos, K. A. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 55-62, jan./jun.. 2006 idosa em 1996 e 1,1% da população total.9 Isto leva á heterogeneidade do segmento populacional chamado idoso. Um dado importante a ser observado diz respeito a feminilização das pessoas idosas quando em 1996, dos 12,4 milhões de idosos 54,4% eram do sexo feminino. Isso se deve à sua maior taxa de crescimento relativamente à do segmento masculino. A predominância da população feminina entre idosos tem repercussões importantes nas demandas por políticas públicas. Uma delas diz respeito ao fato de que, embora as mulheres vivam mais do que os homens, elas estão mais sujeitas a deficiências físicas e mentais, além do que, a viuvez tem sido apontada, em geral, como sinônimo de solidão, considerando que no ano de 1996 45% das mulheres idosas eram viúvas.10 Comparando-se os dados a nivel de Brasil com os dados encontrados neste estudo relativos a população idosa do Estado de Santa Catarina, observamos que os idosos do Estado representam 7,9% da população total o que corresponde valores abaixo dos observados no país. Porém, quando se trata da divisão da população por sexo, tanto no Brasil quanto em Santa Catarina a população feminina predomina com valores de 54,4% e 54,9% respectivamente.11 O envelhecimento da população brasileira é um fato incontestável, principalmente, a partir da década de 70, constata-se no país um crescimento considerável do contingente populacional de indivíduos com mais de 60 anos em contraste ao início do século passado (1900), quando a expectativa de vida ao nascimento era de 33,7 anos. A expectativa de vida média do brasileiro aumentou quase 25 anos nestes últimos 50 anos. A expectativa de vida após os 60 anos não varia significativamente, por exemplo, entre países com diferentes níveis socioeconômicos. Ao contrário do esperado, a expectativa de vida do idoso pode ser maior em populações de nível socioeconômico mais baixo. Uma comparação entre a curva de expectativa de vida da Inglaterra com a de São Paulo mostrou que, até os 50 anos para homens e 55 para mulheres, a expectativa de vida era maior na Inglaterra, com os maiores diferenciais nos primeiros 5 anos de vida. A partir dos 55 e 60 anos, para homens e mulheres, respectivamente a expectativa de vida passa a ser maior em São Paulo. O dado serve para ressaltar que a expectativa de vida após os 60 anos é praticamente a mesma em todo o mundo, o que varia é a proporção de pessoas atingindo essa idade. Em outras palavras, os cerca de 20 anos que se espera viver após os 60 são realidade tanto para o idoso europeu, por exemplo, como para o idoso no Brasil. No Brasil como um todo, a esperança de vida ao nascer apresentou ganhos de cerca de 30 anos, entre 1940 e 1998, como resultado, principalmente, da queda da mortalidade infantil.10 Segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano da ONU (2004)9, a expectativa de vida média no Brasil é de 68 anos, a partir desse dado podemos destacar os valores encontrados para essa variável no Estado catarinense em relação ao Nacional, já que a expectativa de vida neste Estado é de 70,03 anos para o sexo masculino e de 77,49 anos para o sexo feminino. A fase idosa é um período da vida com uma alta prevalência de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), limitações físicas, perdas cognitivas, sintomas depressivos , declínio sensorial, acidentes e isolamento social. No entanto tem crescido o interesse em estabelecer quais as causas que, isolada ou conjuntamente, explicam melhor o risco que um idoso tem de morrer. Junto com a expansão da população idosa encontra-se uma elevação da prevalência da doença cardiovascular aterosclerótica, representada, em maior grau, pela cardiopatia isquêmica e pelo acidente vascular encefálico e justificada pela maior frequência dos fatores de risco cardiovascular (obesidade, diabetes, dislipidemia e hipertensão arterial). Dados estatísticos mostram que ocorrerá um significativo aumento da mortalidade por doença coronariana e cerebrovascular nos próximos 20 anos.12 Com a Transição Demográfica (TD), o panorama epidemiológico relativo à 60 Santos, K. A. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 55-62, jan./jun.. 2006 morbidade e mortalidade de uma determinada população alterou-se fundamentalmente. As doenças infectocontagiosas (DIC), altamente prevalentes em populações jovens, tendem a diminuir sua incidência, enquanto as DCNT aumentam sua prevalência, expressando a maior proporção de pessoas idosas portadoras dessas doenças. A esse processo de mudança do perfil da morbimortalidade que acompanha o processo demográfico, denomina-se transição epidemiológica 12 (TE) . No Brasil, à semelhança do que se observou com os coeficientes de mortalidade geral, houve uma queda abrupta da mortalidade por DIC e um aumento concorrente por DCNT, sobretudo as de origem cardiovascular. Num período de 30 anos (1950-80), as DIC caíram do primeiro lugar para o terceiro, e as doenças cardiovasculares (DCV) assumiram o posto da principal causa de morte no país, em todas as suas diferentes regiões geográficas. Antes consideradas doenças do desenvolvimento, as doenças cardiovasculares, hoje, podem ser mais bem caracterizadas como doenças da urbanização 5,8. Países como o Brasil, mesmo sem terem experimentado um desenvolvimento social pleno, vivem uma epidemia de DCV, muito provavelmente explicada pela mudança de hábitos alimentares, pelo excesso de estresse e de poluentes ambientais, todos decorrentes do processo de urbanização. Dados do Ministério da Saúde9 mostram que a principal causa isolada de internação no Brasil é a insuficiência cardíaca congestiva (ICC), trata-se de uma doença crônica exigindo cuidados especializados e seu impacto no custo do sistema é bastante significativo. É de grande valia citar as principais causas de internações hospitalares do contingente idoso a nível de Brasil no ano de 2003: causas relacionadas ao Aparelho Circulatório (28,9%), Aparelho Respiratório (17,4%), Aparelho Digestivo (9,2%), Doenças Infecciosas e Parasitárias (7,1%), Neoplasias (6,8%), Aparelho Geniturinário (5,6%), Doenças Endócrinas / Metabólicas / Nutricionais (4,9%)(9). De acordo com estes dados, podemos verificar que, a diferença do Estado catarinense para o Brasil, situa-se, basicamente, nas causas de internação por doenças Infecciosas e Parasitárias, sendo que esta ocupa a quarta colocação a nível nacional com 7,1%, enquanto que em Santa Catarina é citada como a oitava causa de internação com apenas 1,1%. Porém, cabe observar que as patologias relacionadas ao aparelho circulatório aparecem como principais causas de morbimortalidade tanto no Brasil como no estado em estudo. Conclusão De acordo com este estudo pode-se concluir que os idosos catarinenses: Representam 7,9% da população total do estado, sendo que as macrorregiões Planalto Norte e Lages, destacam-se por apresentar porcentagens maiores que a média estadual desta população com 8,7% em ambas regiões. E a macrorregião Nordeste apresenta valores abaixo dos observados no estado, com 6,9%. Em relação a proporção da população estudada dividida pelo sexo observa-se que há um predomínio do sexo feminino em relação ao sexo masculino com, 54,9% e 45,1%, respectivamente. A expectativa de vida ao nascer em Santa Catarina é de 77,49 anos para o sexo feminino e 70,03 anos para o sexo masculino. Destacam-se as macrorregiões de Florianópolis e Planalto Norte por apresentarem diferenças mais significativas nesta variável entre os sexos. As maiores causas de internações hospitalares observadas no estado como um todo são as patologias do aparelho circulatório (31,3%), seguidas das patologias do aparelho respiratório (29,7%), digestivo (8,8%) e das neoplasias (8,3%). Em relação a variável mortalidade, temos seis (6) principais patologias que causam esta condição, sendo as do aparelho circulatório responsáveis por 42,6% dos óbitos , as neoplasias com 20,1%, doenças respiratórias com 15,1%, causas 61 Santos, K. A. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 55-62, jan./jun.. 2006 endócrinas/nutricionais e metabólicas com 6,5%, aparelho digestivo com 4,7% e causas externas com 3,1%. Observa-se que há um predomínio das patologias relacionadas ao aparelho circulatório e causas endócrinas/nutricionais/metabólicas pelo sexo feminino, já as relacionadas ao aparelho respiratório, neoplasias e causas externas acometem mais os idosos homens. Referências bibliográficas 1. Barata RB. 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Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 63-70, jan./jun.. 2006 INSERÇÃO COMUNITÁRIA DO ESTUDANTE DE MEDICINA NA PRIMEIRA FASE: A EXPERIÊNCIA NA UFSC [Community insertion of medical students of the first period: the experience at UFSC] Walter Ferreira de Oliveira1; Patrícia Alves de Souza2 Resumo: No novo currículo integrado do Curso de Medicina da UFSC, os estudantes realizam, desde a primeira fase, atividades nas comunidades, refletindo sobre a cidadania e a realidade social. As atividades se organizam segundo um eixo teórico-prático, que se materializa no módulo “Interação Comunitária” (práticas), considerado elemento integrador dos módulos do curso. Permite aos estudantes desvendar a construção dos sistemas de saberes, fortalecer a possibilidade do vínculo entre o futuro profissional e os habitantes das comunidades onde estão inseridos e ampliar a consciência da formação de sua própria identidade. Palavras-chave: extensão comunitária, atenção primária, mudanças curriculares Abstract: In the new medical integrated curriculum of UFSC, students carry through, since the first period, supervised activities in the communities, reflecting on citizenry and on the social reality. These activities are organized according to a theoretical and practical ax, materialized in the module "Communitarian Interaction" (practical), an integrative element of the course. Modules. This allows the students to unmask the ways of construction of knowledge, to fortify bonds between the future professionals and community members, as well as to amplify their conscience about the formation of its own identity. Keywords: community extension, primary care, curricular changes. Introdução O novo currículo e o conhecimento sobre a comunidade O Programa de Mudanças Curriculares (PMC), implantado, inicialmente, em 24 universidades federais, entre as quais a UFSC, propicia a transformação dos currículos de cursos de graduação na área da saúde 1. A necessidade de um novo currículo vem sendo discutida já desde os anos de 1970, por grupos de estudantes e profissionais, que constituíram o movimento da reforma sanitária 2,3. No novo currículo integrado do Curso de Medicina da UFSC, os estudantes realizam, desde a primeira fase, atividades supervisionadas junto a comunidades, o que marca uma postura radicalmente contrária ao isolamento tradicional frente à sociedade, à cidadania e à realidade social, característica dos currículos anteriores. Estas atividades são organizadas segundo um eixo teóricoprático, que se materializa no módulo “Interação Comunitária” (práticas), considerado como elemento integrador dos módulos do curso, da 1ª até a 8ª fase. As atividades comunitárias seguem a lógica da territorialização, base para o funcionamento operacional do SUS. Assim, os estudantes têm atividades em áreas de abrangência de 16 Centros de Saúde (CS) municipais conveniados com o curso. Áreas de abrangência são definidas como áreas geográficas que têm como ponto de referência os serviços básicos de saúde, isto é, CS, Postos de Saúde ou Unidades Básicas de Atenção à Família, e que identificam uma população adscrita a cada serviço, que tem responsabilidade pelos cuidados sanitários 4 dessa população . ________________ 1 Professor Doutor do Departamento de Saúde Pública, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal de Santa Catarina. [email protected]. 2 Professora Mestre do Departamento de Saúde Pública, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal de Santa Catarina, [email protected]. 63 Oliveira, W. F. de et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 63-70, jan./jun.. 2006 Os estudantes de primeira fase vão às comunidades sob a supervisão de professores da UFSC. Para cada área de abrangência/CS é designado um professor-supervisor e entre dois a quatro alunos de cada fase. As atividades de campo são acompanhadas por Agentes Comunitários de Saúde (ACS), o que é visto como estratégico, por constituírem estes agentes um elo primordial do sistema de saúde com a comunidade, sendo responsáveis pelo acompanhamento das ações de saúde, pela detecção de problemas e riscos de saúde e pelo acompanhamento de tratamentos. O ACS promove uma capilaridade fundamental à operacionalização do SUS, sendo essencial na construção do vínculo com os habitantes, visitando-os em seus domicílios. Algumas atividades dos estudantes de primeira fase são realizadas em ambientes institucionais, como escolas e centros comunitários ou no próprio CS, e outras são externas, no bairro, em caminhadas ou de carro e, ainda, eventualmente, em ambientes domésticos, em visitas domiciliares. Dado o objetivo principal, de inserção na comunidade 5 o CS não deve ser a principal opção para as atividades, mas um local de apoio, um ponto de encontro, uma referência. Os conteúdos teóricos ministrados pela disciplina “Saúde e Sociedade”, também sob responsabilidade do Departamento de Saúde Pública, servem como base para as atividades programadas e tarefas a serem cumpridas no âmbito do trabalho de campo. Um dos objetivos do PMC é a inserção precoce do estudante junto às comunidades, vista como essencial para uma formação humanizada e crítica 6. Assim, se busca proporcionar um olhar diferenciado para as realidades sócio-econômicas e culturais que permeiam as relações entre o sistema institucional de saúde e os cidadãos, considerando-se que o setor saúde compartilha responsabilidades na relação com a vida comunitária, constituindo-se, desta forma, em componente fundamental da estrutura sócio-ambiental. Para que os professores possam verificar os resultados da experiência junto à comunidade, e como parte de sua avaliação, os estudantes constróem relatórios de campo, em grupo, durante o semestre. Este artigo se baseia na vivência de dois professores do Departamento de Saúde Pública, que vêm atuando no processo do PMC, um deles desde a fase de planejamento da implantação, no segundo semestre de 2002 e o outro desde o primeiro semestre de 2004. Durante este período os autores atuaram no PMC como parte do grupo gestor do projeto de implantação, coordenadores da disciplina “Saúde e Sociedade” na primeira e segunda fases e membros do planejamento e supervisores de campo no módulo “Interação Comunitária”. Privilegia-se, no artigo, a descrição do processo teórico-prático do estudante de primeira fase. Metodologia de trabalho Com a implantação das mudanças curriculares, novos fatores passaram a influenciar a formação teórico-prática do estudante de medicina, já na primeira fase. Do ponto de vista da atuação profissional, o estudante começa, a reconhecer e discutir a diversidade das concepções de saúde e normalidade e os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde, bem como, no âmbito do SUS, o discurso e a prática, as condições de trabalho dos profissionais de saúde e os desafios do trabalho interdisciplinar. Outros assuntos emergentes no contexto das atividades de Interação Comunitária e nas discussões teóricas da disciplina Saúde e Sociedade incluem a conscientização dos estudantes sobre a realidade nas comunidades e a desinformação dos estudantes sobre a vida em comunidades carentes. A abordagem pedagógica adotada no novo currículo é de natureza construtivista, conforme acordado durante o processo de planejamento da implantação. Esta abordagem, em tese, facilita o aprendizado conjunto de estudantes e professores e prevê que o professor e o estudante construam juntos, em muitos aspectos, o conhecimento sobre o objeto de estudo 7. 64 Oliveira, W. F. de et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 63-70, jan./jun.. 2006 Atualmente as atividades dos estudantes de medicina da primeira fase à comunidade realizam-se quinzenalmente, devendo o estudante cumprir, em cada uma, determinadas tarefas. Estas, apesar de serem as mesmas para todos os grupos, são executadas de acordo com as características de cada local. As 16 áreas de abrangência são diferentes, bem como suas equipes, seus problemas e seus modos de trabalhar. Cabe ao estudante e ao supervisor manter um foco, ao mesmo tempo em que devem exercer uma certa flexibilidade que permita a adaptação às situações específicas. Incluem-se entre as atividades a territorialização, reuniões com cidadãos e líderes comunitários, uma visão dos equipamentos da comunidade (áreas de lazer, praças, centros comunitários, escolas, centros e estabelecimentos de comércio, etc) e observação do funcionamento do CS. O trabalho de campo traz à tona um grande número de temas, que refletem os desafios vividos por alunos e professores no contexto de uma prática tradicionalmente pouco exercida neste estágio da formação médica. Alguns destes temas têm chamado bastante à atenção, por sua persistência e pelo interesse demonstrado pelos estudantes, em seus relatórios e conversas de supervisão. Entre estes estão a conscientização dos estudantes sobre a realidade nas comunidades, a desinformação prévia destes estudantes sobre a vida da comunidade, a relação dos estudantes com os diferentes atores deste cenário de práticas, inclusive os ACS, pessoal do CS, professoressupervisores e os habitantes dos bairros, o desvelar, perante o estudante, e conforme sua percepção, de sua futura carreira profissional, e o avanço, por parte de alunos e professores, na compreensão dos determinantes da saúde dos cidadãos. Discussão dos temas emergentes A implantação dos novos currículos nos cursos de medicina almeja, entre outras coisas, a transformação na forma de atuar dos corpos docente e discente e a promoção de reflexões sobre a função social do acadêmico de medicina, do médico, dos profissionais e dos serviços de saúde 8. Um dos resultados buscados é uma reorganização nas relações sociais mediadas pela Saúde, vista como agente, representação e construção social. Na implantação do Currículo Integrado do Curso de Medicina da UFSC vem-se buscando, por meio das atividades de Interação Comunitária, favorecer uma nova relação do estudante com a cidade e seus cidadãos. Ocorre aí uma guinada epistemológica profundamente significativa, passando-se a privilegiar o raciocínio do bem-estar coletivo, a partir do campo de ação da Saúde Pública. Este raciocínio, esta mentalidade, passa a organizar a estrutura pedagógica e a nortear o desenvolvimento de uma visão de futuro que prevê transformações nos papéis sociais e culturais tradicionalmente executados pelos profissionais de saúde. Reordena-se também a dinâmica interna do próprio curso de medicina, que passa a incorporar a Atenção Primária como foco maior das intervenções de saúde, legitimando, assim, o redirecionamento das energias, antes totalmente aplicadas às demandas do modelo hospitalocêntrico. Muda, com isso, a perspectiva teórico-prática do curso e concretiza-se a proposição de um novo olhar para a relação profissionalcidadão. Na vertente teórica, um dos primeiros temas discutidos em sala de aula é o conceito de Saúde. Este tema é tratado de forma aprofundada, a partir do entendimento de que ele organiza, epistemologicamente, e permeia, operacionalmente, os outros conceitos que fundamentam a base curricular. Os alunos são inicialmente convidados a apresentarem seus próprios conceitos de saúde. A seguir, o professor examina, com eles, os conceitos apresentados, discutindo sua origem, isto é, a construção social e cultural destes conceitos pelos estudantes, que refletem a construção social e cultural mais ampla, em nível de concepção coletiva culturalmente compartilhada. Em todas as turmas a maioria dos alunos se surpreende com a diversidade de conceitos emergentes na classe e com o 65 Oliveira, W. F. de et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 63-70, jan./jun.. 2006 fato de usarem, em seus raciocínios, conceitos dos quais não têm necessariamente consciência, pois que raramente são discutidos ou examinados. Surpreendem-se, também, por descobrirem que esses conceitos não são necessariamente construídos de maneira autônoma e informada, mas a partir da influência nem sempre desinteressada de vários atores sociais e transmitidos geralmente pela mídia. O próximo passo é desafiar os conceitos, por meio de uma dinâmica onde são propostas situações para serem analisadas em pequenos grupos, onde os estudantes “julgam” se determinadas pessoas, com determinadas características, podem ser consideradas saudáveis ou não. O exercício se constitui de três blocos de “casos”, onde as descrições são apresentadas de forma a gerar dúvidas sobre o “diagnóstico” que o grupo poderá oferecer. Os grupos raramente chegam a consenso sobre o diagnóstico e muito menos este consenso é alcançado no grande grupo, quando os pequenos grupos relatam a experiência. Aparece, novamente, a diversidade de conceitos, de estilos de pensamento e de análise, de maneiras de encarar a saúde, a doença e a qualidade de vida. O exercício suscita descobertas e procura mostrar que conceitos são construções culturais e que nem sempre todos compartilham das mesmas idéias. Finalmente, é apresentada aos alunos a história conceitual da saúde, isto é, os alunos aprendem a contextualizar os conceitos vigentes de saúde nas diferentes épocas e culturas, até o conceito atual utilizado no Sistema Único de Saúde, emergente da 8a. Conferência Nacional de Saúde de 1986 9 . A discussão sobre o conceito de saúde inclui, entre seus objetivos, preparar o aluno para a realidade da lida com grupos e populações, alertando-o para o fato de que nem todos os conceitos que cada indivíduo tem sobre um assunto são óbvios para outros e muito menos compartilhados por todos. Este é um passo importante no preparo para a interação com a comunidade, pois pode “desarmar” atitudes etnocêntricas, preconceitos e tendências ao autoritarismo e à discriminação. Além disso, auxilia o estudante a colocar-se numa posição mais equânime, mais curiosa, mais disposta a ouvir e aprender com o outro, inclusive com um outro que é visto, tradicionalmente, como menos preparado, menos educado, menos instruído e portanto destituído de saberes; o outro que Foucault (1979)10 identifica como portador de um “saber dominado”, um saber menosprezado pelos que “sabem mais” - na visão de uma sociedade onde se reconhece como legítimo apenas o pensar científico e onde se perpetua a hegemonização da cultura da classe dominante. A primeira visita à comunidade costuma coincidir com o início da discussão teórica sobre os princípios do SUS. Nesta visita o principal objetivo é conhecer a equipe do CS, o funcionamento da unidade, entender sua base territorial e ter uma visão geral da área de abrangência. Não é a finalidade da visita, mas pode acontecer, e muitas vezes acontece, de o estudante, em suas caminhadas junto com o ACS, seja convidado a entrar em alguma casa ou mesmo visitar uma instituição do bairro. Apresenta-se um grande desafio, de não ceder à tentação de colocar-se o estudante centrado na idéia de mostrar-se já como um profissional da saúde. O papel do estudante é, neste momento, de aprendiz, de se colocar perante o bairro, a comunidade e o território, não como “futuro médico”, mas como visitante, como cidadão jovem que procura entender a dinâmica do local, com interesse em aprender sobre as formas da vida na comunidade. Não tem, ainda, uma base teórica ampla e sólida, por isso lhe é sugerido que olhe, anote, pergunte, exercite sua curiosidade e reconheça que pode apenas, até aí, imaginar como vivem as pessoas nas casas que eles apenas vêem de fora, caminhando ou de carro, ou entram, eventualmente, pela primeira vez e numa visita relativamente rápida. As tarefas consignadas implicam em outros ensinamentos, como o de desmistificar as generalizações fáceis e aprender a não tirar conclusões apressadas, entender a diferença e o devido lugar do saber científico e das 66 Oliveira, W. F. de et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 63-70, jan./jun.. 2006 construções, às vezes equivocadas, do senso comum. E, sobretudo, manter uma mente aberta ao aprendizado. A experiência é, por vezes, fonte de muita satisfação para o estudante, que descobre que sua postura mais igualitária. Enquanto os fundamentos teóricos continuam a ser apresentados a próxima tarefa é um encontro com pessoas da comunidade que têm um conhecimento do bairro, pessoas de mais idade, que moram há muito tempo ali e que podem dar uma idéia, aos alunos, da evolução urbana, econômica, cultural e social da área. É fundamental a mediação do ACS que conhece as pessoas, verifica disponibilidades e planeja o encontro, que pode se dar numa praça, num café, à beira da praia ou em qualquer lugar onde se possa promover uma conversa tranqüila, agradável e produtiva. Assim os estudantes vão, ao mesmo tempo, se familiarizando com a área de abrangência e as micro-áreas em que estas se dividem, suas diversas potencialidades e dificuldades, e com os moradores, sobretudo os mais idosos, apresentados como importantes depositários da cultura do local. Procura-se evitar que o encontro se dê no CS, para que o estudante possa melhor perceber, num local livre das ainda inevitáveis associações com a patologia, as capacidades das pessoas, ao invés de suas limitações. Aprendem que antes de ser pacientes os cidadãos da comunidade podem ser pessoas cultas, autônomas e produtivas. O ideal é que se possa, já desde o início, trabalhar a desconstrução da visão medicalizante da sociedade, trazendo o estudante para o território onde pessoas, com diferentes graus de autonomia e também com seus problemas, habitam e atuam socialmente. No segundo semestre de 2004 um dos autores acompanhou um grupo de estudantes que se encontrou com um pequeno grupo de senhoras, que contaram muitas histórias sobre o bairro. O encontro se deu sob uma árvore frondosa, tendo o mar como pano de fundo, e os estudantes quedaram-se por longo tempo, fascinados pelas senhoras, que eram muito ativas em um grupo de convivência da terceira idade, cujas atividades principais são, atualmente, viajar pelo estado em ônibus fretados pelo grupo e participar, mensalmente, de um bingo dançante num clube local. O encontro culminou com a participação inesperada de um senhor que é poeta e que, além de contribuir com suas histórias sobre o bairro, brindou a todos recitando suas poesias. Já em outro encontro, em outro bairro, no primeiro semestre de 2005, um pescador, que depois revelou ter, também, um diploma em pedagogia, contou para os estudantes não só a história do bairro, mas como esta história local se confunde com a história de toda a cidade de Florianópolis, revelando fatos desconhecidos por todos os estudantes, que manifestaram, em seus relatórios, sua admiração não só pela inesperada erudição do pescador, mas pela grande valia do que com ele aprenderam. A terceira e quarta visitas compõem-se de atividades de territorialização. Os estudantes discutem, previamente, o conceito de territorialização, na sala de aula, fixando definições como as de área de abrangência, de influência e microáreas, bem como a noção de populações adscritas ao CS, entre outras. Nestas atividades o estudante constrói, com a ajuda do ACS e a partir do reconhecimento das micro-áreas, em caminhadas e de carro, mapas do território, localizando seus equipamentos e redes de urbanização, como esgotos, coleta de lixo, disponibilidade e qualidade da água, transporte, instituições comunitárias, de saúde e educação, áreas de lazer, praças, centros culturais e comerciais, etc. Aprende a mapear a existência ativa e dinâmica dos bairros, dos centros vivos que constituem o cerne da vida cidadã, e a reconhecer suas igualdades e desigualdades, necessidades e características diferenciais. Os estudantes se deparam com um mundo que lhes impressiona pela insuspeitada exuberância: Apesar de se designar tarefas específicas para cada visita, uma das riquezas do trabalho junto à comunidade é a possibilidade de acontecimentos inesperados. Isto se dá principalmente pelas características diferentes de cada local, tendo cada CS sua 67 Oliveira, W. F. de et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 63-70, jan./jun.. 2006 própria dinâmica, e pela natureza do trabalho da saúde, sempre apresentando necessidades de última hora, que levam ao conhecimento de outras realidades e ao aprendizado no lidar com situações inusitadas. Numa destas ocasiões um grupo de estudantes viu-se sem o acompanhamento dos ACS, que foram convocados emergencialmente para outra atividade. Além disso, estavam juntos alguns alunos que não haviam conseguido, naquele dia, transporte para dois outros CS mais longínquos. O professor de Saúde Pública resolveu visitar, com eles, algumas instituições do bairro. Foram primeiro a um grêmio recreativo e esportivo e, logo depois, em sua caminhada, viram um distrito policial, onde resolveram entrar, tendo sido lá bem recebidos pelos funcionários de plantão. Conheceram o interior da delegacia, as celas, que estavam vazias, o funcionamento do trabalho dos policiais na comunidade, e conversaram com a delegada, que explicou toda a lógica do policiamento na região. Discutiram com a delegada sobre vários problemas, como “pena de criminosos e quais os motivos que ela (a delegada) achava serem a causa de tanta violência.” Aprenderam como agem os traficantes do local, como se localizam no território e sobre o uso dos adolescentes na cadeia do tráfico de drogas, o que propiciou, conforme os colocam em seu relatório “compreender melhor alguns problemas que a região enfrenta e que já haviam sido citados pela coordenadora do CS e pelas ACS”. Nesta tarde, os estudantes visitaram ainda um ginásio de esportes e um colégio estadual, que também os recebeu “de forma calorosa”. Uma outra vertente de aprendizado nesta breve experiência dos estudantes nas comunidades refere-se ao reconhecimento do trabalho dos outros profissionais da saúde, particularmente dos ACS. A proximidade com o ACS revela-se extremamente enriquecedora, tanto do ponto de vista do aprendizado das práticas quanto do entendimento da complexidade do trabalho destes profissionais. Ao mesmo tempo, a partir da percepção da realidade dos profissionais, os estudantes desenvolvem uma visão crítica, observando as conexões entre as condições de trabalho nos serviços e as conseqüências para o funcionamento do sistema como um todo: No decorrer do trabalho, os estudantes tomam contato com as dificuldades do Sistema de Saúde para colocar em prática seus princípios e diretrizes. O SUS é percebido como uma construção histórica, num país que, por um lado, anuncia o privilegiamento da saúde mas, por outro, não consegue demonstrar, em termos de alocação de recursos, seu apoio de forma inequívoca. A ambigüidade do discurso político-social frente às iniqüidades encontradas na prática não passa despercebida nos relatórios de campo: Ao final do semestre, os alunos fazem um fechamento, junto ao CS, voltando a se encontrar, se possível, com toda a equipe, e proporcionando um retorno de seu trabalho. Este retorno se deu, em algumas turmas, através dos próprios materiais produzidos pelos alunos para sua avaliação final. Em uma das turmas, por exemplo, a avaliação constou de pôsteres sobre o trabalho desenvolvido durante o semestre. Após a exibição dos pôsteres no salão principal do Centro de Ciências da Saúde – CCS, da Universidade, os alunos eram então incentivados a levá-los para o CS, onde poderiam deixá-los ou promover uma exibição e posteriormente recolhê-los. Considerações finais A função de incutir nos estudantes de medicina uma consciência mais holística, humanista, crítica e anti-etnocêntrica é imprescindível para que estes, em sua formação como profissionais de saúde, possam avaliar, de uma maneira efetiva, as capacidades dos cidadãos e os infortúnios que atingem as comunidades. As atividades comunitárias, aliadas às reflexões teóricas correlacionadas, permitem aos estudantes desvendar as maneiras de construção dos sistemas de saberes, que estão, conforme nos demonstra Foucault (1979)10, freqüentemente por trás das estruturas diferenciais de poderes 68 Oliveira, W. F. de et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 63-70, jan./jun.. 2006 disciplinares e de injustiças sociais. O estudante de medicina necessita exercitar uma visão crítica e, tanto quanto possível imparcial, para que as melhores soluções sejam encontradas na busca de servir e auxiliar esses cidadãos, que esperam que o CS, assim como todo o sistema, os ajude a realizar suas potencialidades biopsicossociais e a combater suas mazelas. É através de uma formação com tais características que pode se concretizar a transformação almejada no panorama da dinâmica interna dos cursos de Medicina, na medida em que passam a privilegiar uma nova forma de relação entre o profissional e os cidadãos que buscam sua ajuda, no contexto da atenção primária e da saúde coletiva, conforme preconizado nas diretrizes curriculares dos Ministérios da Educação e da Saúde. Nessa caminhada de implantação do Currículo Integrado do Curso de Medicina na UFSC, há uma nova forma de encarar a Saúde Pública, que passa a protagonista dos eixos pedagógicos e organizadora da interação comunitária, favorecendo, desta forma, a inserção dos estudantes nas 16 áreas de abrangência dos respectivos CS municipais conveniados. Este protagonismo constitui, já em si, uma transformação. Na dinâmica interna dos cursos tradicionais de Medicina a Saúde Pública e, por conseguinte, a Atenção Primária, foram sempre incompreendidas e periféricas ao processo de formação. O reconhecimento, pelo PMC, da necessidade de priorização da Saúde Pública e da Atenção Primária aponta uma nova era na educação de profissionais de saúde, onde a tônica deve ser a interdisciplinaridade e o foco na pessoa e na promoção da saúde, sem prejuízo da cura e da reabilitação, ao invés da posição corporativista, médicocêntrica e do foco na patologia e limitado à ação curativa. Com a alteração de visão epistemológica proporcionada pela ratificação da Saúde Pública como eixo central do curso em suas primeiras fases, altera-se também a perspectiva teóricoprática dos estudantes, que passam a exercer um novo papel no contexto das relações entre o sistema de saúde e a população. Este novo papel favorece a desconstrução de mitos e posturas que têm tradicionalmente servido para afastar o estudante do entendimento da vida comunitária, aumentando a distância entre estes atores sociais e favorecendo a objetificação dos sujeitos-cidadãos. O novo currículo tem como objetivo reverter este distanciamento e fortalecer a possibilidade do vínculo entre o futuro profissional e os habitantes das comunidades onde estão inseridos. Os exercícios teóricos priorizados na primeira fase, partindo do aprofundamento e da ampliação da idéia conceitual sobre saúde, contribuem favoravelmente para o entendimento do estudante a respeito da produção social dos conceitos, bem como da consciência da formação de sua própria identidade. Acredita-se que os estudantes que iniciam desta forma seu curso de medicina poderão desenvolver um olhar mais sensível para com seus concidadãos, poderão estar mais imunes aos perigos da medicalização da vida social, e obterão mais satisfação pessoal no exercício de sua profissão. Poderão, até mesmo, ter mais sucesso em atribuir significado à sua vida pessoal, sentindo-se mais presentes como profissionais cidadãos. Suas práticas serão, quiçá, mais humanizadas, na medida em que se enriquecem no caminho que lhes é dado construir. Referências Bibliográficas 1. Programa de Incentivo a Mudanças Curriculares nos Cursos de Medicina. Uma nova Escola Médica para um novo Sistema de Saúde. 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Ministério da Educação, Conselho 2001: p. 209-226. Nacional de Educação. Resolução no. 4 de 9. Ministério da Saúde, Centro de 7 de novembro de 2001. Brasília: Documentação do Ministério da Saúde. Ministério da Educação; 2001. Anais da 8a. Conferência Nacional de 7. Lincoln YS. The making of a Saúde 1986. Brasília: Ministério da constructivist: a remembrance of Saúde; 1987. transformations past. In: Guba, EG 10. Foucault M. Genealogia e poder. editors. The paradigm dialogue. Microfísica do poder. 14 ed. In: Machado Califórnia: Sage; 1990. R trad. Rio de Janeiro: Graal; 1979: p. 167-177. 70 Saccol, A. P. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 71-75, jan./jun.. 2006 EDUCAÇÃO POPULAR E SAÚDE NO CENÁRIO RURAL: ANÁLISE DE UM PROJETO DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA [Popular education and health in the rural scenario: analysis of a universitary extension project] Ana Paula Saccol1; Antônio de Miranda Wosny2; Adalbi Cilonei Souza3; Alexandre Pareto da Cunha4; Andréa Medina Gonçalves Cruz5; Camila Stefanes6; Lenilza Mattos Lima7 Resumo: O NEPEPS/CCS/UFSC propicia formação prática e humanística, promovendo a participação de professores e estudantes de graduação e pós-graduação interdisciplinarmente. A proposta fortalece vínculos com a comunidade objetivando a reflexão crítica sobre iniciativas de problematização e enfrentamento de suas necessidades, apoiada na Pedagogia de Paulo Freire, aproximando as práticas educativas com as políticas, transformando os sujeitos em autores de suas histórias. Como ferramenta de ação e luta, recorreu-se ao diálogo, como perspectiva de solução aos impasses encontrados. Problematizam-se entraves políticos, ideológicos e burocráticos dos poderes relacionados a dificuldades de acesso às informações técnicas, sanitárias, econômicas e sociais. Palavras-chave: educação em saúde, qualidade de vida, população rural. Abstract: The NEPEPS/CCS/UFSC propitiates to its integrants a practical and humanistic background, promoting the participation of professors, graduation and post-graduation students in interdisciplinary work. The application fortifies bonds with the community aiming at the critical reflection on problematization initiatives and facing their needs, based upon Paulo Freire’s pedagogy, bringing educative and political practices together, turning the subjects into their own stories’ authors. As an alternative tool of action and fight, the dialogue as perspective of solution to the impasses found, was appealed. Many local political, ideological and bureaucratic obstacles are conjecturated, such as: difficulties of access to the information of sanitary, economic and social techniques. Keywords: education in health, quality of life, agricultural population O Núcleo de Extensão e Pesquisa em Educação Popular e Saúde/CCS/UFSC desenvolve desde sua criação em 1994, atividades de ensino, pesquisa e extensão, propiciando aos seus integrantes, uma vivência extra mural em distintas realidades. Constitui-se em um Grupo de Pesquisa da Pós Graduação de Enfermagem, registrado no CNPq. Subdividido em duas áreas de pesquisa: saberes compartilhados com o sistema familiar de cuidado com marco teórico em autores da antropologia da saúde e a área de educação popular e saúde sob o referencial pedagógico de Paulo Freire. No ano de 1999, dentro da área de educação popular e saúde, constituiu-se o __________________ Projeto Passos Maia/SC, com o objetivo de atender necessidades assistenciais e educacionais em saúde, contribuir com o desenvolvimento da comunidade local e favorecer a presença universitária no cenário rural. Este trabalho relata a reflexão crítica decorrente da inserção de novos atores e novas propostas metodológicas em espaço onde, tradicionalmente, a maioria das ações político-pedagógicas desenvolviam-se de maneira verticalizadas. Configurou-se como prática de educação popular, contribuindo para a democratização do conhecimento e aproximação do Sistema Único de Saúde ao cotidiano das pessoas, em especial atenção, aos moradores do interior do município. 1 Estudante do Curso de Ciências Sociais da UFSC; [email protected] Professor do Departamento de Enfermagem da UFSC e Coordenador do Projeto; [email protected] 3 Enfermeiro e Professor Substituto da UFSC do Departamento de Enfermagem; [email protected] 4 Enfermeiro e Professor Substituto da UFSC do Departamento de Enfermagem [email protected] 5 Bióloga, Mestre em Enfermagem; [email protected] 6 Enfermeira do Programa de Saúde da família/Biguaçu – SC; [email protected] 7 Professora do Departamento de Análises Clínicas da UFSC; [email protected] 2 71 Saccol, A. P. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 71-75, jan./jun.. 2006 O Município de Passos Maia foi fundado há 14 anos, na região conhecida como Alto Irani, a Noroeste do Estado de Santa Catarina, aproximadamente 512 km de distância da Capital/Florianópolis. Conta com uma população de 5000 habitantes, sendo a maioria residente em área rural e nos assentamentos da reforma agrária.1 A realidade deste município, não difere muito da realidade do espaço rural em todo o país. Infelizmente, é diagnosticado que, os setores que trabalham com a saúde, encontram-se geralmente longe destas comunidades. A maior queixa na população rural está relacionada a não acessibilidade a serviços de saúde. Destaca-se a necessidade de atendimento médico e de outros profissionais da área, caracterizando precariedade das condições de saúde da população.2 A falta de infra-estrutura mínima no município retrata a realidade acima descrita, visto que a grande maioria da comunidade carece de informação sobre o cuidado com o meio ambiente, aliado às péssimas condições de vida, tais como: habitações precárias, inexistência de saneamento básico (água potável e esgoto), a não acessibilidade à luz elétrica, tornando a população extremamente fragilizada no que diz respeito as seus direitos de cidadão. Acrescentando-se a isso, o imaginário popular e o senso-comum que vincula automaticamente saúde com doença, farmácias, remédios, hospitais e congêneres, destacam-se necessidades emergências de práticas educativas em saúde. Após estudo das condições de saúde do município, verificou-se que os problemas mais urgentes no município, são as carências relativas ao meio ambiente e saneamento básico e a constituição de um novo modelo de atenção à saúde de acordo com o princípio da integralidade. Para enfrentar estes problemas, foi estabelecida uma parceria entre a UFSC, a Prefeitura Municipal de Passos Maia e os integrantes da Comunidade no sentido de tentar reverter o modelo vigente encaminhando ações de promoção, proteção e recuperação da saúde. Desta maneira, estabeleceu-se uma proposta dialógica na perspectiva de ampliar e fortalecer a troca de conhecimentos acadêmicos e populares relativos à saúde, higiene, meio ambiente, fitoterapia, cidadania, entre outros assuntos levantados pela comunidade e/ou diagnosticados pelos sujeitos do projeto resgatando a necessidade de se trabalhar com uma ideologia social, aliando os saberes na construção de novos saberes.3 Como metodologia, para trabalhar estes temas, foram planejadas atividades lúdicas desenvolvidas conjuntamente com a comunidade participante envolvendo temas de educação popular e saúde. A equipe composta interdisciplinarmente contou com professores e alunos de graduação e pós-graduação, das áreas de Enfermagem, Farmácia-Análises Clínicas, Sociologia, Saúde Pública e Biologia trabalhando na perspectiva de construção de uma sociedade justa e democrática e em defesa da qualidade de vida. Este interesse e a necessidade de criar espaços específicos para a reflexão e a busca da consolidação destas práticas educativas e populares, nada mais é do que a construção da cidadania e da dignidade desta comunidade. Buscaram-se estratégias para evitar ou reduzir esta exclusão social que as comunidades rurais enfrentam. Trabalhar com classes excluídas, faz com que a equipe envolvida nas atividades perceba um modo de pensar diferente. Há uma valorização dos trabalhos em grupo, da interdisiplinariedade, no cuidar do próximo, o preocupar-se com o bem estar geral, valorizando os sentimentos humanos, criando e desenvolvendo vínculos de acolhimento de forma mais afetiva. Os movimentos populares e sua luta pela saúde vêm conquistando cada vez espaços maiores para a obtenção da melhoria de sua qualidade de vida. Estes movimentos propiciam a participação em programas e projetos, com representação democrática em termos reais. Articula parcerias numa rede social mais humana. “Com isso a sociedade aprendeu a se organizar e reinvidicar por seus direitos de cidadania, a partir da qualidade de não cidadãos que são na prática.”4 Estes grupos, intitulados populares, tornam-se sujeitos de direito, ao lutar por seus sonhos 72 Saccol, A. P. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 71-75, jan./jun.. 2006 de transformação da cidadania individual numa cidadania coletiva. A educação popular esforça-se no processo de mobilização, organização e capacitação das classes populares, incluindo a capacitação científica e técnica. “Sempre que se luta há uma certa noção, há uma certa claridade sobre aquilo que se luta, há uma noção de remover obstáculos. [...]. há um momento em que se pode descobrir que as necessidades pelas quais se lutam, podem ser resolvidas; essa descoberta dá conta de que há caminhos possíveis e que as necessidades – as que fazem lutar – não são tão exageradas e podem ser resolvidas.”5 O educador Paulo Freire nos ensina através de suas reflexões que o mundo é feito por nós mesmos. A educação não é capaz de mudar o mundo, mas ajuda as pessoas que vivem neste mundo a mudar o que as cercam, tornando-se autores de suas histórias. O aprendizado se dá um pouco por dia, a cada minuto de cada hora da vida das pessoas; ao aprender se ensina, assim como, ao ensinar se aprende. A educação crítica e reflexiva, deve levar as pessoas a apreenderem e a procurar quais são os motivos que fazem o mundo ser o que é.6 “Educação é formação, perpassando a informação, é o aprofundar do sentir, pensar e agir. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. (...) Esta é uma das significativas vantagens dos seres humanos – a de se terem tornado capazes de ir mais além de seus condicionantes”.7 Para Freire, aprender criticamente é ter pessoas criadoras, instigadoras, inquietas, rigorosamente curiosas, humildes e persistentes, se transformando em reais sujeitos da construção e da reconstrução de sua realidade. É o pensar sobre o fazer, é o pensamento dinâmico, em movimento, é dialético. O ser humano enquanto ser cultural é um ser histórico, inacabado e consciente do inacabamento. “A Educação Popular em Saúde consiste na formação de pessoas mais sabidas e mais fortes para uma melhor retribuição à sua contribuição econômica, política e cultural; mais sabidas e fortes para serem tranqüilas, sadias e felizes e para terem uma convivência construtiva e preservadora com os seres humanos e o meio ambiente”.8 No Projeto Passos Maia, todas as técnicas e dinâmicas utilizadas na execução das atividades vieram para facilitar o processo de aprendizagem. Com o apoio da metodologia Freiriana os objetivos do Projeto de se trabalhar critica e reflexivamente com os indivíduos, acabaram tornando-se projetos de sociedade onde o ser humano foi resgatado às idéias de libertação, começando pela aquisição de seus direitos e pelo cumprimento de seus deveres. “É possível transformar os sonhos em realidade quando se é movido por atitude de curiosidade e pesquisa e se opta por uma prática pedagógica democrática, radical e progressista, rompendo criticamente com as amarras da acomodação, do silenciamento, da discriminação, para a superação dos desequilíbrios do mundo”.9 A maioria das atividades, especialmente as que trabalharam com o imaginário criativo, despertando o prazer e a curiosidade em aprender tiveram boa aceitação entre as crianças. Dentre as técnicas pedagógicas destacou-se a teatralização, relacionando temas como higiene, meio ambiente, parasitoses intestinais, pediculose, entre outros, invadindo o imaginário infantil. Estes temas foram sugeridos pela comunidade, incluindo pais e professores, sendo desenvolvidos com os mesmos, oficinas participativas, utilizando ilustrações em retroprojeção, debates em rodas de cultura, oficinas de preparações fitoterápicas, proporcionando a abrangência e profundidade das propostas educativas, no que diz respeito à contribuição aos saberes construídos nestes espaços de discussão. No entanto toda atividade que desenvolve e propicia a reflexão crítica e a faz como prática transformadora defronta-se com a legitimidade do poder no intuito de manter o status quo. É longa e secular a reflexão sobre o problema de relação entre Estado e Sociedade, provocando uma ruptura do fluxo social do fazer.10 As instituições que deveriam estar comprometidas em atender as necessidades assistências da população que 73 Saccol, A. P. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 71-75, jan./jun.. 2006 elegeu seus representantes, muitas vezes acabam transformando-se em obstáculos para o desenvolvimento de projetos e atividades educativas. Além da burocratização, procrastinação e falta de vontade política, há ainda, a existência de um pensamento predominantemente cartesiano que engloba o agir de programas propostos pelos governantes Numa tentativa de superar estes obstáculos a participação da UFSC, a combinação de necessidades e a vontade da comunidade local, realizaram-se diversas atividades com o objetivo de refletir e intervir sob a realidade de vida de sua saúde, evitando fragilizar-lhes, resgatando espaços de lutas e conquistas aos seus direitos. Esta participação não realizou-se de forma facilitada e espontânea. Ela resultou do empenho de professores e acadêmicos na negociação, planejamento de atividades e viabilização de recursos humanos e materiais. Não foram medidos esforços para a concretização dos objetivos propostos para garantir permanência e efetiva criatividade na elaboração das propostas aplicadas. A distância física não foi impedimento para os bons resultados alcançados, sendo possível a superação desta barreira ao longo do trajeto. Quando se trabalha com práticas educativas reflexivas e educação política, espera-se a transformação dos sujeitos em autores de sua história. Esta possibilidade gerou debate relativo as diferentes instâncias de poder envolvidas no projeto. De um lado a Academia, de outro o Estado, e entre eles, a Comunidade. Havendo neste contexto os poderes hierarquizados, decidindo verticalmente, sendo visível às dificuldades de diálogos referentes aos de programas elaborados pelo governo, em todos os seus níveis. Na perspectiva ideal para superar estes conflitos é necessário lembrar que a saúde deve ser considerada em sua visão integral, incluindo aspectos sociais atendendo as necessidades da população com autoconfiança e responsabilidade. A Educação em Saúde na lógica desencadeada pelo projeto nos aponta para a troca de conhecimentos, num processo dialógico e construtivo tem como meta a melhoria na qualidade de vida da população.11 Verifica-se que é cada vez mais nítido que os espaços de grandes transformações estão ocorrendo nos movimentos sociais, fortalecendo os grupos excluídos pelo sistema sócio-econômico vigente. Estas ações políticas devem estar em sintonia com esta era em que vivemos. Os caminhos certos são aqueles que se fazem ao andar, às teorias de dominação existentes devem ser transformadas em teorias de revolução, de luta. Assim como defende e retrata em seu discurso, Brandão nos aponta que os movimentos sociais fomentam pela sua independência, identidade e visibilidade social.12 Não estamos diante de uma prática isolada, mas de algo inerente à nossa história, à construção de novas sociedades, de novas condições de saúde para a vida do campo. Essas mudanças refletem-se na construção crescente de uma consciência que se faz necessária para a mudança do modelo assistencial predominante e uma reordenação do sistema de formação em saúde.13 As transformações desejadas não ficaram somente na esfera da comunidade e das organizações sociais. Os acadêmicos envolvidos nestas atividades percebem-se como importantes sujeitos de mudança no modelo pedagógico educativo tradicional representado por uma educação bancária. Mudam suas atitudes não somente na prática profissional, mas enquanto estudantes responsáveis pela construção libertador evitando a reprodução de um novo processo educacional de conhecimento pronto e acabado. Aponta-se também para uma iniciativa mais forte para a superação das carências dos pequenos municípios, principalmente relativas ao acesso às informações técnicas necessárias para o enfrentamento das questões ambientais, saúde e educação. Bem como, maior aproximação dos acadêmicos com a realidade vivenciada fora dos muros das salas de aula, numa perspectiva de aproximação entre teoria e prática, formando profissionais solidários, conscientes e sincronizados com 74 Saccol, A. P. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 71-75, jan./jun.. 2006 os problemas atuais. Outro fator, que por vezes, prejudicou o desenvolvimento das atividades, foi a longa distância para deslocamento dos estudantes ao município. O planejamento das atividades era realizado com antecedência para que pudessem ser viabilizados o transporte e os materiais didáticos utilizados. Não foram medidos esforços humanos para a concretização dos objetivos propostos. A permanência e efetividade da criatividade de todos os membros envolvidos nas diversas etapas foram permanentes e decisivas para os bons resultados alcançados, facilitando a superação das barreiras encontradas ao longo do caminho. Cada povo cria e recria as condições sob as quais pretende viver, estando em seu poder, o poder de fazer história. Durante a execução do projeto, pode-se perceber, que o cenário rural encontra-se isolado, não somente no que se refere a acessibilidade dos serviços de saúde, mas também em outros aspectos de desenvolvimento, especialmente a educação superior e suas instituições normalmente instaladas em grandes centros urbanos. As Universidades, em especial as Universidades Públicas, são de fundamental valor no processo de fortalecimento aos movimentos sociais. Nota-se ainda, a importância de se quebrar algumas barreiras. “ [...] nós do interior dizemos que a universidade é negocio da cidade. UNIVERSIDADE, no próprio nome dá impressão que é uma coisa só da cidade. Esta barreira temos que quebrar entre a universidade e a comunidade”.14 Referências Bibliográficas 1. Disponível em URL: http://www.sc.gov.br/conteudo/municipi os/frametsetmunicipios.htm 2. Geremias FM. Agricultura Familiar; um movimento pela qualidade de vida no campo. Anais do I Encontro Catarinense de Educação Popular e Saúde; 1997. Pág 66 3. Medeiros LCM, Cabral IE. As plantas medicinais no cuidar da infância – um guia teóricoprático. Teresina: Editora Gráfica da UFPI, 2000. pág 25. 4. Gohn MG. Movimento Sociais e Educação. São Paulo: Editora Cortez; 2001. pág 8. 5. Freire P, Nogueira A. Que fazer? Teoria e prática em educação popular. Petrópolis: Editora Vozes; 1989. pág 23 6. Brandão CR. História do menino que lia o mundo. Associação Nacional de Cooperação Agrícola; São Paulo (SP): 2002. 7. Freire P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo (SP): Editora Paz e Terra; 1996. 8. Vasconsellos EM. Formar bons lutadores pela saúde. Boletim da Rede de Educação Popular e Saúde. Ministério da Saúde: Brasília, 2004; (7). 9. Pelandré NL. Ensinar e aprender com Paulo Freire: 40 horas 40 anos depois. São Paulo (SP); Editora Cortez: 2002. 10. Bobbio N. Estado, Governo, Sociedade: para uma teoria geral da política. Tradução: Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro (RJ); Editora Paz e Terra: 1987. 11. Werner D, Bower B. Aprendendo e ensinando a cuidar de saúde: manual de métodos, ferramentas e idéias para um trabalho comunitário. São Paulo; Editora Paulus: 1984. pág 2. 12. Brandão CR. História do menino que lia o mundo. Associação Nacional de Cooperação Agrícola 13. Briceno-Leon, R. Seven theses on health education for community participation. Cad. Saúde Pública. [online]. jan./mar. 1996; 12 (1): p.7-30. 14. Geremias FM. Agricultura Familiar; um movimento pela qualidade de vida no campo. Anais do I Encontro Catarinense de Educação Popular e Saúde; 1997: pág 69. 75 Da Ros, M. A. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 76-80, jan./jun.. 2006 ... PARA PENSAR UMA FORMA DE OPERACIONALIZAR O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO EM SAÚDE [... To thing of a way to work with strategic planning for health ] Marco Aurélio Da Ros1; Thaís Titon de Souza2 Resumo: O artigo se insere numa proposta de construção do SUS, utilizando a lógica do Planejamento Estratégico em Saúde, especialmente nas vertentes de Mário Testa, e o Documento da OPAS – Formulacion de Políticas de Salud1. Propõe-se a contribuir para operacionalizar uma proposta de execução do Planejamento. São colocadas categorias tradicionais de Planejamento Estratégico e é discutida uma forma de torná-las um instrumento prático. Na caracterização da forma de executar, discute análise de conjuntura em contraste com uma Imagem-Objetivo sonhada. Propõe a subordinação do Planejamento Local (entendido como Programação) a uma proposta maior, resgatando a importância de associar Planejamento à Programação. Palavras-chave: planejamento estratégico em saúde, programação, imagem-objetivo. Abstract: The article inserts itself in a construction proposal from SUS, using the logics of Strategic Health Planning, specially the ideas of Mário Testa and the OPAS Document – Formulacion de Políticas de Salud1. Its objective is to contribute with the organization of a Planning execution proposal. Traditional forms of Strategic Planning are viewed, and a form to make them viable is discussed. When viewing ways for it to be executed, the contrast between an idealized ObjectiveImage and a conjuncture analysis is discussed. It proposes the subordination of the Local Planning (considered Programation) to a bigger proposal, getting back the importance of associating Planning to Programming. Keywords: strategic planning for health, programming, objective-image. Se planejar é pensar no futuro, é sonhar e ter um desenho (pelo menos aproximado) de onde se quer chegar, vamos pensar um pouco sobre isso. Talvez um dos exemplos mais importantes para refletir sobre a importäncia do planejar seja uma pequena história infantil. Alice quando dialoga com o gato no livro de Lewis Carol, Alice no País das Maravilhas, acaba deixando explícito que quando não se sabe aonde ir, não se chega onde se quer. Nunca! Só chega aonde o caminho leva – e quem o fez sabe porquê o fez, e aonde queria que levasse. Portanto, a primeira etapa do planejamento é colocar uma Imagemobjetivo (I. O.), de preferência societária – que sociedade sonhamos, que é para onde queremos ir - para só à posteriori fazer análise de conjuntura -, verificando que meios temos de chegar lá, ou o que vamos precisar fazer para conseguir meios de chegar _____________ lá. Quem parte dos recursos que tem, para adaptar-se, não sonha... E nem chega, LÁ2. Uma argumentação bastante comum, em momentos de neoliberalismo, é que devemos planejar nos adequando aos recursos que temos. Além de isto não ser planejamento, nos coloca a impossibilidade de sonhar com mudanças. Pode significar, no máximo, programação de recursos. A análise de conjuntura (segunda fase do planejamento) é uma função da I. O. Diferentes Imagens-objetivo fazem diferentes análises de conjuntura. A análise faz eco, a partir daquilo que queremos fazer. Se nosso objetivo intermediário é fazer funcionar um Pólo de Educação Permanente, em princípio não nos interessa se, por exemplo, morreu uma girafa no zoológico australiano ontem. Já se nosso objetivo é garantir a reprodução das girafas, este caso anterior nos interessa muito para a análise de conjuntura. 1 Professor Titular do Departamento de Saúde Pública – UFSC; Mestrado em Planejamento em Saúde – ENSP FIOCRUZ; Doutorado em Educação – UFSC. [email protected] 1 Graduanda do Curso de Nutrição da UFSC. 76 Da Ros, M. A. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 76-80, jan./jun.. 2006 Numa sociedade dividida em classes ou como o neoliberalismo propôs mais recentemente em ghettos/tribos, onde cada um defende a sua corporação, há uma implicação óbvia de que existem I.O distintas – cada grupo-classe quer assegurar ou as desigualdades ou a proposta de erradicá-las, ou minimizá-las, ou.... Isto implica em projetos de construção de situações intermediárias distintas, que conduzem à aproximação de I. O. Este é o terceiro passo de planejamento, já que o segundo passo é a análise de conjuntura. Ou seja: dada uma determinada realidade (conjuntura) o que devemos fazer para acumular poder (construção de viabilidade) Ou, dito de outra forma, para construir situações intermediárias que nos permitam ir construindo a I. O3. Para tentar continuar o raciocínio vamos eleger uma situação intermediária como I. O. provisória (aquela que imaginamos como forma de nos aproximar da I. O. final). Em verdade devemos fazer isso com cada situação intermediária imaginada como importante para construir a I.O. Mas, eleita uma para continuar, agora devemos fazer nova análise de conjuntura, mais específica da situação escolhida, mais detalhada, mais aprofundada. Nela vamos desenhar os aliados e inimigos (tanto estratégicos quanto táticos)1 e, se possível, sabermos de seus projetos para forjarmos alianças ou delinearmos formas de combatê-los. Desta forma, estamos pensando em construir acumulação (poder) para aproximação da I.O. Aqui, Mário Testa4 coloca a dialética da opacidade-transparência (que será explicada mais adiante). Isto permite fazer um exercício de criação de novas situações intermediárias que nos aproximam da I. O. provisória (para efeito prático, promovida à I. O. de fato). Para cada situação intermediária devem ser feitas análises de conjuntura que, como se vê, são uma função daquela I. O. É possível que algum adversário estratégico tenha situações intermediarias muito semelhantes à nossa (do planejador que estamos definindo). Isto pode vir a caracterizar uma aliança tática que durará até o momento em que um tiver mais poder, e “engolir”, cooptar, absorver o outro. Pode-se caminhar juntos muito tempo, mas como a I.O. final é diferente, é inevitável o fim de um destes projetos. Como não queremos que seja o nosso, quanto mais conhecermos o projeto do inimigo estratégico, quanto mais alianças fizermos, apesar da opacidade de nossa I. O., melhor... Mais teremos chance de implodir o projeto do adversário estratégico5. Este entendimento de alianças faz com que vislumbremos mais facilmente alguns equívocos constantes aos que querem transformar a sociedade. É muito comum verificarmos lutas por projetos táticos, entre aliados de uma mesma I. O., entregando, desta forma, mais poder para o adversário estratégico - que tem uma sociedade diferente da nossa por objetivo - em função de não se esclarecer que o ponto de chegada é o mesmo e que existem diferentes caminhos de chegar lá. Costumamos errar muito de inimigo por não dialogar com nossos aliados. Nestes sucessivos deslocamentos de I. O. vamos construindo desenhos de análise de conjuntura e construções de situações intermediárias, o que é chamado por Matus6 de Rede de Trajetórias. Uma situação intermediária 1 pode ser construída por várias situações intermediárias 2 e uma situação intermediária 2 pode colaborar com vários situações intermediárias 1 (vide desenho). 77 Da Ros, M. A. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 76-80, jan./jun.. 2006 Figura 1: Representação resumida do discurso do Planejamento Estratégico em Saúde. Situação Intermediária 3 ou Projetos Dinamizadores Situação Intermediária 2 Situação Intermediária 1 I. O. I. O. Deslocada Análise de conjuntura 2 Análise de conjuntura 1 Rede de Trajetórias Situação Intermediária Compartilhada com Adversário Estratégico ou Aliança Tática I. O. Adversária Fonte: os autores. 1 Entendemos como aliado estratégico aquele que compartilha da mesma imagem-objetivo e tático como aquele que, apesar de I.O. diferente compartilha de alguma situação intermediária. O adversário estratégico é aquele que tem I.O. antagônica, mas eventualmente poderá ser aliado tático. O adversário tático é aquele contrário às nossas propostas de situações intermediárias. 78 Da Ros, M. A. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 76-80, jan./jun.. 2006 Isto aponta para que, se um caminho não se viabilizar, existem outros possíveis. Tentamos caracterizar até aqui que, mesmo sendo contra-hegemônicos, é possível, necessário e desejável que se planeje (a partir de um grupo-referência), pelo fato de que se não tomarmos o leme do barco na mão, o barco ou fica desgovernado ou outro segura o leme e leva para onde ele quer. É importante assinalar que até agora não falamos em recursos, não estabelecemos financiamento, não programamos ações. Fizemos um exercício de política, viabilidade, desenho de alianças, necessidade de combate à projetos adversários. Outra coisa importante a assinalar é que para tudo isto não há prazos. O planejamento não tem tempo mensurável7. É importante que ele seja conduzido de forma a acumular poder para a construção da I. O. societária sonhada. Quanto menos tempo levar, melhor. Mas é imensurável se vamos levar trinta dias ou um século para chegarmos lá. Há, segundo Matus6, uma Conjuntura Dinâmica dos Fatos (CDF) e uma Política Construída por Atores Sociais (PCAS). Na primeira temos pouca capacidade de intervenção, embora ela, a CDF, tenha que estar sempre contida como possibilidade em nosso planejamento (PCAS). Embora não tenhamos governabilidade sobre ela, a mesma determina novas estratégias e alianças a todo o momento. Portanto, a mobilidade é uma característica fundamental do 8 planejamento . Isto não implica em mudança da I. O.( que é inegociável), mas das táticas necessárias para a construção de situações intermediárias. Nesta sucessão de deslocamentos podemos identificar, numa determinada situação, que um aliado tático ou estratégico de nosso grupo planejador pode ter a função de passar o dia carimbando papéis (por exemplo), mas, nem por isso, sua tarefa é menos importante, já que ele estará, desta maneira, ajudando a construir a I. O. revolucionária. As pessoas passam, desta forma, a construir um processo-projeto. O trabalho deixa de ser alienante e passa a estar a serviço da causa dos aliados, da construção da sociedade sonhada. É também em algum momento dos sucessivos deslocamentos de situações intermediarias “n” que desenhamos projetos para viabilizar uma determinada situação. Estes projetos são chamados de projetos dinamizadores ou de programas. Aqui chegamos à linguagem do tal Planejamento CENDES-OPAS1: como organizar programas Deve ter um ponto de chegada, um financiamento, um desenho de recursos, um desenho de alianças, mas... Um prazo. Podemos chamar isso de Planejamento Local, sim, e devemos fazê-lo. Isso não é incompatível com toda a discussão anterior. Ao contrário, trata-se agora de tornar o projeto factível. E isso deve assinalar prazos, inclusive para reavaliar, se for o caso. O que questionamos é fazer um Planejamento Local sem ter desenhado antes onde se quer chegar. Sem este desenho assumimos a priori que o desenho institucional é o único possível e que programaremos ações para que aquela situação intermediária se viabilize. Ela pode não ser a nossa. Então, clareemos antes se faremos uma aliança tática, se ela é estratégica ou se nossos projetos devem combater os da instituição ou se devemos buscar outros aliados. Daí, com opacidade. Mas, afinal, o que é essa opacidade – transparência Mário Testa4 faz uma analogia com um jogo de pôquer para tentar esclarecer. A idéia é que se mostrarmos o nosso jogo, perdemos. Se as pessoas têm um jogo menor na mão não quererão jogar para perder. Se têm mais ganharão SEMPRE, porque conhecem nossas cartas-projetos. Portanto, é necessário que se oculte a I. O. Mas, não por tempo tão grande que inviabilize a construção de aliados. Às vezes é conveniente mostrarmos em parte nosso jogo (pedindo duas cartas, por exemplo), ao invés de nunca pedirmos carta nenhuma. Isto garante a transparência e a possibilidade de conquistarmos aliados. Por outro lado, isto pode entusiasmar nossos adversários, mas certamente eles granjearão 79 Da Ros, M. A. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 76-80, jan./jun.. 2006 inimigos também, já que eles também estarão pedindo (ou não) cartas. Planejar, portanto, é construir o sonho. Programar é ver como se constrói o tijolo.1. Não adianta termos ótimos tijolos se não sabemos para que usá-los. Se não soubermos pode ser que alguém saiba e use. Devemos preferir só construir o tijolo quando2. soubermos para que ele será usado. As etapas da programação, por outro lado, não são atividades menores. Sem tijolo não há prédio. Se o tijolo é ruim, ele (o prédio) cai. Portanto... Ao planejamento local. Alianças serão construídas neste3. processo. Já sabemos que o SUS nos une. Para os autores, o SUS deve ser uma situação intermediária. Para outros não foi dada ainda a possibilidade nem ao menos de sonhar sobre o SUS que querem. O Neoliberalismo criou na nossa idéia uma coisa assim: adequar o sonho ao recurso que temos. Como o recurso para o SUS tem5. sido pequeno (orientação de um determinado tipo de poder, seguramente com outra imagem-objetivo), devemos nos adaptar,6. tirando, portanto, ou a integralidade, ou a equidade, ou a universalidade. E deixando no lugar dele um monstro. Monstro este que poderá ser justamente o sonho de outros7. planejadores (adversários), cujo projeto de SUS amplo como está concebido pelo movimento sanitário, os inviabiliza. Portanto, vamos tentar construir este sonho, pelo menos do SUS que queremos, ou8. se ousarmos mais, da sociedade que imaginamos... Planejando e arregaçando as mangas para o processo de luta que esta proposta implica. Referências Bibliográficas OPAS-OMS-CPPS. Formulacion de politicas de salud. Santiago (Chile): CEPAL/ILPPES; 1985. Mercer H, Ruiz V. Quem não sonha, não investe em mudança: perguntas e respostas sobre o impacto dos Projetos UNI nas comunidades participantes. Buenos Aires (Argentina): Fundação W. K. Kellogg; 2003. Da Ros MA. Um drama estratégico: o Movimento Sanitário e sua expressão em um município de SC [Dissertação]. Rio de Janeiro (RJ): ENSP/FIOCRUZ; 1991. 4. Testa M. Pensar en salud. Buenos Aires (Argentina): Lugar Editorial; 1993. Chung TC. A arte da guerra em quadrinhos. Rio de Janeiro (RJ): Ediouro; 1998. Matus C. Planificacion em situaciones de poder compartido. Caracas (Venezuela): [mimeografado]; 1981. Ferreira FW. Planejamento sim e não: um modo de agir em um mundo em permanente mudança. Rio de Janeiro (RJ): Paz e Terra; 1979. Rovere MR. Planificacion estrategica de recursos humanos em salud. Washington (EUA): OPS; 1993. 80 Souza, P. A. de et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 81-85, jan./jun.. 2006 VIOLÊNCIA CONJUGAL – UM PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA? REFLETINDO OS PORQUÊS DO ADIAMENTO DA DENÚNCIA [Conjugal violence - a problem of public health: reflecting the reasons of the adjournment of the denunciation] Patricia Alves de Souza1; Marco Aurélio da Ros2 Resumo: A violência contra a mulher, no âmbito interpessoal, é uma das mais difíceis de serem prevenidas e evitadas. O objetivo foi identificar se a dependência financeira é um dos fatores determinantes para o adiamento da denúncia na delegacia de polícia. Foram investigadas mulheres vítimas de violência física conjugal atendidas no CEVIC (Centro de Atendimento à Vítima de Crime), em Florianópolis. Embora algumas mulheres relataram o medo de não se sustentar e aos seus filhos, existe um contraponto de que várias mulheres são as provedoras do lar. Desta forma, não se confirma o pressuposto e levanta-se a possibilidade da dependência emocional. Palavras-chave: violência física, mulher, dependência financeira., dependência emocional Abstract: Violence against women is extremely difficult to be prevented and avoided. The objective of this study was to identify whether financial dependence is a determining factor for the postponement of charges. Victims of marital physical violence assisted at CEVIC (Assistance Center to Crime Victims), in Florianópolis, were investigated. Although some women reported the fear of having to support their children, many of them are breadwinners. Therefore, the premise is not confirmed and the possibility of emotional dependence is considered. Keywords: physical violence, women, financial dependence, emotional dependence. Introdução A violência contra a mulher vem sendo tratada como problema de Saúde Pública1,2, tanto pelo movimento feminista, quanto por associações profissionais, serviços de saúde e organismos nacionais e internacionais3. E é, neste contexto, definida como uma maneira coerciva de controle conjugal, podendo ocorrer na forma de agressão física, sexual e/ou psicológica. Geralmente a violência contra a mulher é cometida pelo seu companheiro1,2,4 e as conseqüências podem ser sérias, causando danos físicos e incapacidades, podendo levar a homicídio, suicídio, agressão sexual, complicações na gravidez, depressão, alcoolismo, abuso de drogas e prejuízos econômicos1. Esse tipo de violência em particular pode englobam tipos específicos e variações que oscilam de física a verbal, afetam a autoestima, a capacidade de reação e decisão da pessoa agredida, originando, barreiras e traumas psicológicos4. Segundo o Ministério da Saúde3, “a violência física ocorre quando uma pessoa está na relação de poder em relação à outra, causa ou tenta causar dano não acidental, por meio da força física ou de algum tipo de arma que pode provocar ou não lesões externas, internas ou ambas. Sendo empurrão, tapas, socos, mordidas, chutes, queimaduras, cortes, estrangulamento, lesões por armas ou objetos, obrigar a tomar medicamentos desnecessários ou inadequados, tirar de casa à força, amarrar, arrastar, arrancar a roupa, abandonar em lugares desconhecidos, danos à integridade corporal decorrentes de negligência”. A violência doméstica é relatada, em um elevado número de vezes, como queda acidental, o que a torna oculta. De acordo com Deslandes5, os dados de violência doméstica são subnotificados. _____________ 1 2 Professora Mestre do Departamento de Saúde Pública, UFSC, [email protected] Professor Doutor do Departamento de Saúde Pública, UFSC, [email protected] 81 Souza, P. A. de et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 81-85, jan./jun.. 2006 A violência contra a mulher, no âmbito interpessoal, é uma das mais difíceis de serem prevenidas e evitadas. Além de causar problemas de saúde física e mental, a relação violenta vai diminuindo a qualidade de vida da mulher, sua capacidade produtiva e sua auto-estima6 influencia também a vida dos filhos7. A violência conjugal acontece em todos os países independem do grupo social, econômico ou religioso4. Nos Estados Unidos, foram realizadas pesquisas que constataram que a prevalência da violência física contra as mulheres está entre 28% e 54,2%, sendo que a cada ano, 2 a 4 milhões de mulheres são vítimas de violência física e uma em cada 4 famílias vive em situação de violência doméstica4. Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) revelam que a cada 4 minutos uma mulher é espancada no mundo7. Segundo o Banco Mundial, para cada cinco mulheres entre 15 e 44 anos, a violência intrafamiliar representa quase um ano de vida saudável perdido, com significância similar aos números de casos de tuberculose, HIV e enfermidades cardiovasculares3. As estimativas internacionais variam extensamente: de 10 a 69% das mulheres que relatam agressão física por um companheiro em sua vida, e de 1 a 52% das mulheres que sofreram violência conjugal nos últimos 12 meses8. A mulher inserida em uma situação de violência muitas vezes não consegue visualizar o que a faria se libertar. E, para dar esse suporte, existem instituições que funcionam como apoio para sua “libertação” de um relacionamento violento. Está comprovado que de 20 a 70 % das mulheres que são vítimas de maus tratos dentro de um relacionamento conjugal nunca relataram o assunto a outras pessoas.4 No Brasil, os primeiros frutos das reivindicações feministas foram a criação dos Conselhos Estaduais de Direitos das Mulheres (1982/1983), das Delegacias de Polícia de Defesa da Mulher e da primeira Casa Abrigo para Mulheres (1986). Essas iniciativas formam um espaço de denúncia e de elaboração de políticas públicas9 para a diminuição da violência doméstica, mais especificamente, da violência conjugal contra a mulher6,9. Em Florianópolis, SC, foi criado o Centro de Atendimento à Vítima do Crime (CEVIC), local onde foi realizada a presente pesquisa. O CEVIC foi fundado em 1997 pelo Governo Federal, por meio do Ministério da Justiça, em parceria com o Governo do Estado de Santa Catarina, através da Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania. O Centro oferece atendimento assistencial, psicológico e jurídico às vítimas de crime da grande Florianópolis, sendo que o maior número de ocorrências é o de mulheres agredidas fisicamente. As vítimas são encaminhadas ao serviço pela mídia (jornais, rádio, televisão), amigos, familiares e delegacia (quando a denúncia é realizada). A decisão da denúncia na delegacia parte da própria vítima e é muitas vezes um fator contínuo da guerra conjugal, pois o marido agressor sente-se agredido10. A maioria das mulheres não realiza a denúncia na delegacia após a primeira agressão e demora em média 8 anos para prestar a primeira denúncia11. Uma das razões desse adiamento pode ser a dependência financeira. O objetivo deste artigo foi identificar se a dependência financeira (falta de condições da mulher de se sustentar e/ou os filhos) é fator determinante para o adiamento da denúncia na delegacia de polícia. Método A população investigada foi constituída de mulheres vítimas de violência física conjugal atendidas no CEVIC, em Florianópolis, no ano de 2002. Foram convidadas, via telefone, 47 mulheres vítimas deste tipo violência, atendidas pela instituição, no período de junho a agosto de 2002, para participarem do grupo de estudo. Os encontros foram realizados em cinco horários sugeridos, que duraram em média quatro horas, envolvendo relatos da infância, namoro, noivado, casamento, filhos, e contaram com a 82 Souza, P. A. de et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 81-85, jan./jun.. 2006 participação de 11 das 47 mulheres convidadas. Os encontros foram gravados em fita cassete e transcritos para facilitar a análise do material. A metodologia utilizada foi a qualitativa, na forma de análise de conteúdo de entrevistas abertas e semi-estruturadas, trabalhadas em grupo através de grupo focal. A análise de conteúdo, conforme Bardin12, pode ser conceituada como “um conjunto de técnicas de análise das comunicações que visa obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) dessas mensagens”. Para a análise de conteúdo, segundo 12 Bardin , o corpus constituiu-se do material transcrito das reuniões. A constituição do corpus de um trabalho segue certas regras, como a da exaustividade, que é aplicada quando há ampliação dos temas de pesquisa, em que não se pode deixar de fora qualquer elemento. Já a regra da homogeneidade, segundo Coelho13, determina que “os documentos devem obedecer a critérios precisos de escolha e não apresentar demasiada singularidade fora dos critérios de escolha”. E a última regra que diz respeito à pertinência do material de análise, ou seja, esse material deve se adequar ao objetivo da análise como fator de informação. Após a constituição do corpus do trabalho pelas regras acima citadas, passouse à categorização, que, de acordo com Coelho13, é uma operação de classificação dos elementos que constituem o conjunto, por diferenciação e por reagrupamento, segundo critérios previamente definidos. Para preservar suas identidades, as mulheres receberam o nome de pedras semi-preciosas: Pérola, Esmeralda, Granada, Turmalina, Ametista, Jade, Sodalita, Safira, Ágata, Água Marinha e Turquesa. O trabalho foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFSC. As mulheres foram informadas de que suas identidades seriam preservadas e que questões relativas à violência seriam abordadas. Todas as mulheres que aceitaram participar do estudo concordaram em assinar o termo de consentimento. Resultados e Discussão Feito o convite para as quarenta e sete mulheres, cinco disseram que não tinham interesse em participar, pois haviam se reconciliado com seus companheiros (homens que vivem em um relacionamento conjugal com essas mulheres); quatro responderam que não gostariam de participar; três afirmaram que estavam em tratamento de saúde; oito não foram encontradas; sete relataram disponibilidade de participar e outras vinte confirmaram a participação mas somente onze participaram de fato. Todas as mulheres que participaram do grupo já haviam realizado pelo menos uma vez a denúncia contra o seu companheiro na delegacia de polícia. Um dos pressupostos para o adiamento da denúncia era o de que a mulher dependesse financeiramente do companheiro, razão da inibição para a tomada de atitude, segundo os relatos contidos na bibliografia. Os dados, porém, demonstraram que a mulher vítima de violência muitas vezes é a provedora do lar, sendo o companheiro o dependente financeiro, conforme se pode observar pelos relatos abaixo: Ágata: eu até montei um barzinho pra ele embaixo de casa, mas não dava lucro, ele bebia e pagava pros amigos ... eu trabalhava ... ele ficava em casa ... (...) a casa quem comprou fui eu, com as minhas economias ... Ametista: ... Não trabalha, não faz nada, não faz nada 24 horas por dia, tu só pode ficar pensando coisa ruim, na vida, então ... eu sempre dizia pra ele ... eu tô assim doente por causa de ti, ele ... é ... desceu o sarrafo em cima, né, e tudo de ruim eu era ... tudo ... ééé ... depois hoje eu vejo ... ele dizia: ah por que se eu sair dessa casa quem é que vai limpar? Essa casa vai viver numa sujeira, ah ... o Junior vai viver não sei como... o que vai ser do nosso filho? Quem é que vai cuidar dele? Pois eu trabalhava e trabalhava à 83 Souza, P. A. de et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 81-85, jan./jun.. 2006 noite e trabalhava durante o dia queria que eu trabalhava, eu sou formada ..., queria que eu tivesse outro emprego, queria que eu tivesse três emprego, queria dizer que era formado ..., e tinha vários anúncios no jornal ... Jade: Chegava tava bêbado, mas deixava ... ninguém dormia, nós saía pra trabalhar a criança ir pra escola e ele dormia o resto do dia ... E aquilo ainda se tornou mais 3 anos, tanto que chegou um dia e eu disse A CA BÔ, cada um vai viver a sua vida, o tanto que ele não quis sair de casa ... Depreende-se então que, segundo os relatos apresentados acima, mesmo sendo as mantenedoras do lar, as mulheres assumem uma postura de dependência diante do marido provavelmente, emocional. Estão tão envolvidas no relacionamento que não conseguem enxergar as contradições em que vivem. Observa-se, todavia, que para algumas mulheres, confirma-se o pressuposto: o medo de não conseguir se sustentar e sustentar os filhos é o fator que as prende à relação. Água Marinha: ... tenho medo de não conseguir me sustentar e os meus filhos ... agora depois de muito tempo voltei a trabalhar de recepcionista ... Esmeralda: ... eu não tenho nada, eu costurava pra fora ... mas parei, a nossa casa é alugada, e eu não tenho pra onde ir ... é ele que manda o dinheiro contadinho para as compras ... Outra questão levada em consideração neste estudo foi o “grau de escolaridade”. Pode-se afirmar que a sujeição feminina às normas masculinas não ocorre apenas devido ao baixo grau de instrução das mulheres ou à falta dele. Isso pode ser verificado através dos depoimentos Jade e Ametista anteriormente citados. Um sentimento que leva mulheres à denúncia é a contínua exposição à agressão e a exaustividade gerada pela situação de violência, especialmente a vergonha dos filhos. Outro sentimento detectado é o medo de que a situação se agrave mais14. Langley e Levy15 observaram que a violência também é comum nos casos em que a classe social a que pertence o marido é mais baixa. Quando não se sente prestigiado e satisfeito economicamente, é comum que use a violência contra a mulher. A educação machista atribuiu aos homens o papel de chefe da família e às mulheres a tarefa de cuidarem dos filhos, o que tem gerado sérios problemas nos relacionamentos e problemas psicológicos nos filhos4, visto que a realidade nem sempre proporciona esses papéis na nossa cultura atual15. Conclusão A violência contra a mulher, como pôde ser constatado através da bibliografia e em parte por este trabalho, mesmo atualmente, aparece ainda recoberta pelo manto da invisibilidade política, pela vergonha da denúncia, pela falta de acesso a informações jurídicas, pela ausência de políticas públicas e pela pouca legitimidade social que muitas vezes lhe é atribuída. Principalmente a violência que ocorre no âmbito doméstico. Há muita dificuldade de se trabalhar com a questão. A interferência do público no privado ainda é muito delicada na questão não legitimada ou legislada. As relações afetivas são complexas. Diversas formas de relacionamento são tidas como "diferentes" e na realidade fazem parte de um "pacto relacional", o que poderia servir como “pano de fundo” para a não denúncia. As mulheres adiam a denúncia por motivos diversos (medo de novas agressões, vergonha, falta de apoio da família, dependência emocional e de modo que) não se confirma a hipótese de ser unicamente em função da dependência financeira. Como se observou em alguns casos, a mulher era a responsável pela sustentação financeira do casal. Manter-se em um relacionamento violento parece vir da necessidade de um modelo de complementaridade de um em relação ao outro, no qual estão envolvidos jogos de valores, interesses, afirmações e sentimentos. Pode-se dizer que um suprime o outro dentro de um jogo simbiótico. Quando 84 Souza, P. A. de et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 81-85, jan./jun.. 2006 o “equilíbrio do jogo” e das trocas de poder dentro do relacionamento “desestabiliza-se” a mulher vai em busca de auxílio. Segundo Grossi16, existe um “jogo simbiótico” no qual existem alternâncias de poder, como se fosse uma gangorra. A partir do momento em que ocorre uma desestruturação na sustentação desse relacionamento violento, a mulher decide denunciar, procurar ajuda, pois não está conseguindo sustentação para a relação. Pode-se observar que a falta de apoio financeiro e psicológico pode levar a mulher a não sair do relacionamento, sem, contudo, ser fator determinante, mas sim, de apoio à tomada de decisões. Portanto, nas entrevistas realizadas não foi possível confirmar o pressuposto da dependência financeira, mas os dados geram pistas para uma investigação mais aprofundada sobre a dependência emocional em um trabalho futuro. Referências Bibliográficas 1. Faramarzi M, Esmailzadeh S, Mosavi S. A comparison of abused and non-abused women's definitions of domestic violence and attitudes to acceptance of male dominance. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. [serial online] 2005 June. Disponível em: URL: http://www.sciencedirect.com/science 2. Balci YG, Ayranci U. Physical violence against women: Evaluation of women assaulted by spouses. Journal of Clinical Forensic Medicine 2005; 12: 258-263. 3. Ministério da Saúde (BR) Violência intrafamiliar: orientações para a prática em serviço. Brasília: Secretaria de Políticas de Saúde; 2001. 4. Organización Mundial de la Salud (OMS). World report on violence and health. Washington: Biblioteca de la OPS Organización Panamericana de la Salud; 2003. 5. 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Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 86-92, jan./jun.. 2006 PSICOLOGIA NO ÂMBITO DO SUS: PRÁTICAS DE PROMOÇÃO DA SAÚDE E EMPODERAMENTO EM UMA INSTITUIÇÃO PÚBLICA DE SAÚDE [Psychology in the ambit of SUS: practices of promotion of the health and empowerment in a public institution of health.] Leiliane G. Raimundo1; Miriam B. Guesser2; Sabrine Ciotta Pereira3 Resumo: O presente artigo tem a finalidade de expor a atuação de estagiárias de Psicologia inseridas em uma instituição filiada ao Sistema Único de Saúde - SUS, denominada Policlínica Municipal de Campinas. Esta é tida como uma unidade de saúde de especialidades e de referência do município de São José. O local não contava com este tipo de serviço, sendo que o trabalho desenvolvido foi pioneiro. Serão enfocados os projetos direcionados à promoção e prevenção da saúde, através de atividades com grupos etários, pensando, também, a questão do empoderamento como proposta que ultrapassa modelos convencionais de atenção à saúde. Palavras-chave: psicologia da saúde, SUS atenção primária, promoção da saúde, grupos de reflexão, empoderamento. Abstract: The present article has the purpose of exposing the performance of probationers of Psychology inserted in an institution affiliate to the Only System of Health - SUS, denominated Municipal Policlínica of Campinas. This is had about an unit of health of specialties and of reference of the municipal district of São José. The place didn't count with this service type, and the developed work was pioneer. The projects addressed to the promotion and prevention of the health will be focused, through activities with age groups, thinking, also, the subject of the empowerment as proposal that surpasses conventional models of attention to the health. Keywords: psychology of the health, SUS, primary attention, promotion of the health reflection groups, empowerment. O presente artigo é o resultado de atividades desenvolvidas por três estagiárias do Curso de Psicologia, supervisionadas pela Professora Maria do Rosário Stotz, na Policlínica de Campinas, São José/SC, unidade de especialidades e de referência do Município. As atividades referem-se ao Estágio Curricular para conclusão do Curso de Psicologia da Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL - e foram realizadas no período de março a dezembro de 2004, perfazendo um total de 180 horas/aula, distribuídas em 8 (oito) horas semanais em atividades na própria instituição. A população envolvida nos projetos desenvolvidos pela equipe foi a comunidade de São José, área de __________________ abrangência dos serviços de saúde da Policlínica. O interesse pelo estágio se deu pelo desejo da equipe em estar atuando na área da saúde, mais especificamente no Programa Saúde da Família - PSF, visando estratégias de promoção da saúde e também pela carência deste tipo de serviço naquela unidade. Tratase, portanto, de um trabalho novo na instituição, que até então não contava com a atuação da área da Psicologia no rol dos serviços que presta à comunidade. Este trabalho, então, faz parte de um serviço implantado pela equipe, sendo que a mesma teve aceitabilidade em todos os projetos desenvolvidos. 1 Psicóloga e aluna da Especialização Multiprofissional em Saúde da Família (UFSC). Contato: [email protected] Psicóloga. Contato: [email protected] 3 Psicóloga e aluna da Especialização Multiprofissional em Saúde da Família (UFSC). Contato: [email protected] 2 86 Raimundo, L. G. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 86-92, jan./jun.. 2006 Este artigo tem como objetivo, através do relato da experiência vivida pela equipe, problematizar o trabalho da Psicologia com vistas à promoção da saúde no âmbito do SUSa. Para tal, convém, a princípio, destacar que as intervenções realizadas pela equipe, na Policlínica dividiram-se em dois tipos de atenção à saúdeb: uma voltada à atenção primária e outra à atenção secundária. Direcionada à primeira, foram desenvolvidos dois projetos, um com um grupo de sujeitos da terceira idade – Grupo de Reflexão “Um novo idoso”, na própria Policlínica – e um outro trabalho com um grupo de adolescentes – Grupo de Reflexão “Caminhando e Cantando”, em uma escola da comunidade de Campinas, área de abrangência da Policlínica.1 O projeto com os idosos foi formulado a partir do convite para integrar a equipe do NAMTI – Núcleo Ambulatorial Multidisciplinar da Terceira Idadec, enquanto que o projeto com os adolescentes foi uma das necessidadesd a serem trabalhadas na instituição, identificadas a partir do diagnóstico institucional da Policlínica, realizado num primeiro momento. Em relação ao segundo tipo de atenção à saúde (secundária), foi realizado Atendimento Clínico Individual com pacientes encaminhados via médicos do PSF, o que também foi uma necessidade identificada através do diagnóstico realizado. Articulando a relação atenção primária - promoção de saúde, serão destacados nos projetos desenvolvido com os idosos e com os adolescentes esta perspectiva. Optou-se por trabalhar com grupos, pois, segundo Zimerman (1997), as atividades grupais objetivam um compartilhar entre pessoas com características em comum, uma vez que, favorece o bem-estar das pessoas, pois, facilita a emergência de significados comuns, permitindo que estes verbalizem seus conflitos, seus desejos, favorecendo aproximação interpessoal. Neste sentido, trabalhou-se na perspectiva de grupos etários por compreender que esta modalidade de trabalho configura-se como uma técnica significativa no tocante à promoção da saúde.2 Segundo Néri (2001) a Psicologia, enquanto um campo de conhecimento, vê o desenvolvimento ontogenético como um processo que dura toda a vida e elimina a supremacia de qualquer estágio ou tempo de vida sobre o outro, de modo que, em todos os estágios do curso de vida operam tanto processos contínuos (cumulativos) como descontínuos (inovativos). Qualquer mudança significa simultaneamente ganhos e perdas. As pessoas apresentam capacidade de mudanças e adaptação que podem ser maiores ou menores, dependendo das suas condições de vida e experiências anteriores. Desta forma, o partilhar destas experiências permite a continuidade do desenvolvimento humano, independente da idade cronológica (p. 26-33).3 Em relação ao grupo a ser desenvolvido com os sujeitos do NAMTI c, o primeiro encontro teve como objetivo, a apresentação da proposta, através de folders, e o convite para a participação às pessoas interessadas. Logo, de início, percebeu-se a necessidade de dividir o grande grupo em dois, devido o grande número de pessoas. O projeto do grupo de reflexão com idosos contou, então, com o Grupo A e o Grupo B, cujos encontros foram realizados quinzenalmente, cada grupo em uma semana diferente, no período da manhã, das 9h às 10h e 30min., na sala de Educação para Saúde da Policlínica, com uma média de 17 participantes. O projeto do grupo de adolescentes foi divulgado através de folders, cartazes distribuídos pela escola e visitas as salas de aula como convite para a triagem. A partir da triagem organizaram-se dois grupos respeitando o horário de aula, de modo que quem estudava no período matutino freqüentava o grupo vespertino, e vice-versa: o grupo matutino e o vespertino com encontros quinzenais, porém, ambos no mesmo dia. O encontro do grupo matutino se dava das 10h às 11h e 30 min. e o vespertino das 15h às 16h e 30 min., na sala de vídeo da Escola Laércio 87 Raimundo, L. G. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 86-92, jan./jun.. 2006 Caldeira de Andrada e contava com uma média de três a seis participantes. Após a organização dos projetos, foi elaborado um cronograma dos encontros a serem realizados no ano, registrados em cartões que foram distribuídos aos interessados, sendo que no projeto realizado com os idosos ocorreram 13 encontros com o grupo A e 14 com o grupo B, e com os adolescentes foram 09 encontros. Buscando referência nos conceitos de Promoção da Saúde e Empoderamento que integram estratégias de trabalho nos serviços de saúde pública, o presente artigo abre um debate acerca das possíveis contribuições da Psicologia no campo dos cuidados primários de saúde como promotora de saúde. A Declaração de Alma-Ata documento que registra os princípios discutidos na I Conferência Internacional sobre Cuidados Primários, de 1978 - define Cuidados Primários como sendo “[...] cuidados essenciais de saúde baseados em métodos e tecnologias práticas, cientificamente bem fundamentadas e socialmente aceitáveis, colocadas ao alcance universal de indivíduos e famílias da comunidade, mediante sua plena participação e [...]” (BRASIL, 2001a, p.15). 4 Seguindo a articulação já mencionada, cuidados primários - promoção da saúde, os projetos referidos foram elaborados com o objetivo de proporcionar a cada população específica a promoção da saúde voltada, também, para os aspectos psicológicos dos sujeitos, integrando uma concepção de saúde ampliada referenciada pelo relatório da 8ª Conferência Nacional de Saúde, segundo o qual: [...] a saúde é a resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio-ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. É, assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar desigualdades nos níveis de vida (BRASIL, 1986, p. 12).5 Diante de uma concepção de saúde ampliada a Psicologia deve incluir-se, também, com uma concepção de homem e de mundo ampliada, tendo uma visão integral da subjetividade e do coletivo. A concepção de saúde adotada em uma sociedade é de fundamental importância, uma vez que é o norte para as formas de se pensar a saúde e conseqüentemente para orientar as práticas voltadas à saúde da população. Mendes (1996, p. 235), em sua discussão acerca de um novo paradigmaf sanitário que leva a uma nova prática sanitária, marca esta questão6. Para o autor “A prática sanitária é a forma como uma sociedade, num dado momento, a partir do conceito de saúde vigente e do paradigma sanitário hegemônico, estrutura as respostas sociais organizadas ante os problemas de saúde”. O novo paradigma baseia-se em uma concepção de processo saúde-doença ampliada, que relaciona saúde com condições de vida, concepção esta que se contrapõe ao conceito de saúde postulado pelo paradigma Flexnerianog. O resultado é a nova prática sanitária que para Mendes é “[...] uma nova forma de resposta social organizada aos problemas de saúde, referenciada pelo conceito positivo de saúde e pelo paradigma da produção social da saúde.” (p. 241 - 243). 6 Para discutir promoção e prevenção de saúde, é importante, de acordo com Buss (2003) entendê-las como ações distintas.7 Dentro das práticas da atenção básica toma-se como norte a promoção da saúde por se tratar de uma ação bastante difundida desde a I Conferência sobre Promoção da Saúde em 1986, da qual resultou a Carta de Ottawa. De acordo com esta carta, Promoção da Saúde é: [...] o processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo. Para atingir um estado de completo bem-estar físico, mental e social os indivíduos e grupos devem saber identificar aspirações, satisfazer necessidades e modificar favoravelmente o meio ambiente (BRASIL, 2001b, p.19).8 88 Raimundo, L. G. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 86-92, jan./jun.. 2006 Quanto à prevenção da saúde, segundo Buss (2003, p.33), tem-se que a mesma [...] “orienta-se mais às ações de detecção, controle e enfraquecimento dos fatores de risco ou fatores causais de grupos de enfermidades ou de uma enfermidade específica; seu foco é a doença e os mecanismos para atacá-la mediante o impacto sobre os fatores mais íntimos que a geram ou precipitam”. Deste modo, enquanto o objetivo da prevenção é evitar a doença, a promoção da saúde propõe buscar continuamente um nível de saúde sempre melhor. Por isso, é possível afirmar que o enfoque da prevenção é a doença e o da promoção, a saúde. O autor afirma: [...] “as estratégias de promoção da saúde são mais integradas e intersetoriais, bem como supõem uma efetiva participação da população desde sua formulação até sua implementação”.7 Enredado neste processo, tomou-se o empoderamento por ser um conceito, também bastante referenciado, e que constitui uma das ações norteadoras da promoção da saúde. De acordo com Gibson e Airhihenbuwa (apud TEIXEIRA, 2002, p.1) “Empoderamento, em Promoção da Saúde, é sempre definido como ‘um processo que ajuda as pessoas a firmar seu controle sobre os fatores que afetam a sua saúde’”. De acordo com Labonte, Bersntein et al (apud TEIXEIRA, 2002, p. 4) existem algumas estratégias de empoderamento, como: “[...] as várias formas de desenvolvimento de grupos de suporte pessoal, incluindo educação crítica, ajuda mútua, suporte terapêutico”.9 Seguindo esta concepção, os grupos foram formados a partir de uma demanda espontânea, sendo que foi feito todo um trabalho de divulgação sobre o que seria o grupo e quais os seus objetivos, de acordo com as características de cada grupo. O molde de trabalho em grupo utilizado nos projetos foi o de “Grupo de Reflexão e Informação” que, segundo Coronel (1997), permite a resolução das ansiedades quando estas estão relacionadas ao ensino/aprendizagem e à informação.10 Os grupos desenvolveram-se partindo da premissa de que somente às pessoas envolvidas no processo, seja ele qual for, cabem as decisões e direção dos seus desejos. Por isso, a cada final de encontro era acordado com o grupo o tema que gostariam de discutir no encontro seguinte. Trabalhou-se de acordo com as necessidades emergidas no grupo, ou seja, a cada encontro partia-se do que o grupo trazia como importante naquele momento e somente sobre esta demanda é que se intervinha com informações que se faziam necessárias; pontuavam-se e assinalavam-se questões relevantes trazidas e enfatizadas pelo grupo com o intuito de permitir que o tema não se perdesse e seguisse o movimento do grupo. O fechamento dos grupos era feito sobre o que foi dito durante o encontro, resgatando-se as falas e sintetizando o assunto em questão, frisando a importância da experiência individual e o compartilhar grupal. Marca-se, aqui, o papel fundamental do facilitador do grupo, no caso, Psicólogos, como sendo o diferencial do grupo de reflexão. Em casos em que se percebia que as falas tinham uma forte carga afetiva tomava-se cuidado para que todas as questões levantadas não se perdessem e fossem resgatadas ao final, buscando delinear o aspecto das diferenças de experiências de cada sujeito dentro de sua singularidade e a importância do resgate e integração das experiências vividas por cada um. Quanto à característica do Grupo de Reflexão e Informação, aberto a trabalhar temáticas pertinentes às vivências de cada faixa etária, advinda dos próprios sujeitos, percebeu-se, inicialmente, que a dinâmica do grupo estava sempre voltada para que as facilitadoras trouxessem temas prontos, de modo que os participantes ficassem como ouvintes, denotando o quanto a cultura de “receber o conhecimento pronto” ainda perdura. Este aspecto remonta uma forma de funcionamento estereotipada dos serviços de saúde, herdada do modelo hegemônico médico-centradoh, em que a população estava acostumada a delegar ao médico as decisões sobre sua saúde. 89 Raimundo, L. G. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 86-92, jan./jun.. 2006 Hoje, fala-se em uma nova forma de atuar sobre a saúde, não mais partindo de decisões externas à realidade dos sujeitos, mas, ao contrário, partindo desta realidade e transferindo aos sujeitos o papel ativo sobre o seu estado de saúde. Esta prática se solidifica sobre a concepção de saúde ampliada. Segundo Mendes (1996, p. 236), as novas práticas voltadas à saúde, baseadas em “[...] novas concepções de processo saúdedoença - surgidas nos países do primeiro mundo em meados dos anos 70 -, procuram [...]” articular quatro dimensões explicativas: biologia humana, estilos de vida, meio ambiente e serviços de saúde”.6 Resgata-se, aqui, o empoderamento enquanto estratégia de promoção da saúde que vem ao encontro da concepção de saúde ampliada. A Carta de Ottawa propõe estratégias de que visam a promoção da saúde considerando o processo de empoderamento dos sujeitos envolvidos, entre estas estratégias está o “Desenvolvimento de Habilidades Pessoais” que se refere à importância de “[...] capacitar as pessoas para aprender durante toda a vida, preparando-as para as diversas fases da existência, o que inclui o enfrentamento das doenças crônicas e causas externas”.8 O trabalho da equipe de Psicologia na Policlínica sugere exatamente este encontro, pois a partir do momento que se proporcionou a vivência de trocas de experiências em comum - como no caso de grupos etários – as pessoas envolvidas neste processo tornaram-se mais preparadas para elas mesmas lidarem com situações que pudessem surgir no intercurso de suas vidas, inclusive no que se refere ao processo de saúde-doença. No grupo com os idosos, este aspecto ficou evidenciado ao longo dos encontros nos discursos dos participantes, principalmente no último encontro em que foi discutido o aproveitamento do grupo. De um modo geral, foi trazido o quanto a participação no grupo foi importante em vários aspectos, como no caso de uma idosa, de 78 anos, que ao ingressar no grupo relatou ter dificuldades de se expressar devido a timidez e um certo nível de tristeza. À medida que foi se integrando ao grupo ela passou a participar ativamente, falando sobre seus sentimentos, angústias e sobre sua vida de um modo geral. Ao final, trouxe, claramente, as mudanças ocorridas em sua vida cotidiana, de modo que até mesmo em suas consultas médicas passou a falar mais de si e de seus problemas de saúde, atitude esta que, anteriormente, sentia-se insegura para fazer. Outro caso marcante foi de um idoso de 75 anos, militar aposentado, que trouxe, ao longo dos encontros, as mudanças ocorridas em sua vida pessoal. No primeiro encontro, frisou que nunca falou de si mesmo e que se achava “esquisitão”. No decorrer dos encontros foi trazendo questões pessoais com mais facilidade e no último encontro, também, marcou bastante o quanto a participação no grupo refletiu em suas relações e no seu modo de viver a vida. Com os adolescentes, este aspecto, também, foi marcado. Um exemplo foi um adolescente de 13 anos que iniciou no grupo com bastante ansiedade relativa a alguns comportamentos seus que considerava “antisocial”. Através de temas refletidos no grupo, ele conseguiu baixar sua ansiedade de maneira que passou a lidar com algumas situações de uma forma mais tranqüila. Este fato foi, não só percebido pelas facilitadoras, mas trazido no próprio discurso do adolescente. Estes são apenas alguns exemplos de mudanças positivas ocorridas através dos grupos, demarcando sua relevância no processo de promoção da saúde. Outro ponto a ser considerado é a relação feita entre empoderamento e o conceito de Apoio Social. De acordo com a classificação de apoio social de Arrosi (apud TEIXEIRA, 2002, p. 14) pôde-se identificar nos grupos o “[...] apoio emocional, que é referente à ajuda emocional, tais como carinho, afeto, estima, valor, etc.”.10 No decorrer dos encontros com os grupos, principalmente dos idosos, este tipo de apoio 90 Raimundo, L. G. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 86-92, jan./jun.. 2006 social ficou evidente durante as trocas de experiências, tanto por parte dos próprios integrantes, os quais ouviam a fala um do outro, e, na medida do possível, devolviam estas falas com palavras de reconhecimento do tipo “Eu já passei por isso”; quanto por parte das facilitadoras, que tinham o cuidado da escuta que respeitava cada sentimento que permeava as falas. Outra questão que merece ser pontuada é o “insight” ocorrido no grupo em relação ao processo de aprendizagem como algo que não tem tempo determinado para ocorrer. Ficou marcado que é possível aprender ao longo da vida, permitindo, assim, que os sujeitos revejam valores e pré-conceitos tidos como definitivos. Diante destes resultados positivos, pode-se afirmar que as necessidades anteriormente levantadas foram, de alguma forma, trabalhadas e, embora um dos grupos de adolescentes não tenham se mantido até o fim, o grupo dos idosos (ambos) conseguiu configurar uma identidade de grupo, com estabelecimento de vínculo e com resultados positivos, também, no que tange à singularidade dos participantes. O retorno positivo por parte dos participantes confirmou mudanças percebidas pela equipe. A partir do momento que se abre um espaço para trocas de experiências, permite-se a reflexão “sobre” e, consequentemente, mudanças de atitudes negativas assumidas frente à vida. Ao falar, o sujeito coloca em questão situações que, embora existam diferenças, coincidem com situações vividas por outros participantes, facilitando, assim, o apoio mútuo. A vivência grupal, então, pode ser pensada como uma das possibilidades de fomentar o empoderamento dos sujeitos visando a promoção e manutenção da saúde, de modo que, a Psicologia, com seu corpo de conhecimentos a serviço do bem estar e qualidade de vida do ser humano, pode incluirse nesse processo. Notas de rodapé a Constitui o Sistema Único de Saúde – SUS, [...] “o conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público”. Entre os princípios e diretrizes que norteiam os serviços do SUS estão: da universalidade, integralidade, equidade, autonomia, participação da comunidade, regionalização e hierarquização (Lei Orgânica 8.080 de 19 de setembro de 1990). b Mendes (1996) refere-se a três níveis de atenção à saúde: Atenção Primária, que envolve a promoção da saúde e prevenção da ocorrência de enfermidades e profilaxia; Atenção Secundária, que se refere á prevenção da evolução das enfermidades ou execução de procedimentos diagnósticos ou terapêuticos; Atenção Terciária, que diz respeito á invalidez ou reabilitação dos enfermos (p. 245). c O NAMTI é um projeto implantado recentemente com o objetivo de trabalhar com a terceira idade numa perspectiva interdisciplinar. Conta com uma equipe composta por um Médico, uma Assistente Social, uma Enfermeira, uma Professora de Educação Física, uma Nutricionista e Estagiárias de Psicologia. d Uma outra necessidade a ser trabalhada, surgida a partir do diagnóstico, foi a de estar desenvolvendo um projeto junto aos funcionários da Policlínica. Este trabalho não pode ser realizado, no momento, devido ao fluxo de trabalho do local que dificultou a disponibilização dos funcionários para estar desenvolvendo um trabalho efetivo. e Grifo nosso. f Mendes (1996) conceitua paradigma como sendo o “conjunto de elementos culturais, de conhecimentos e códigos teóricos, técnicos e metodológicos compartilhados pelos membros de uma comunidade científica” (p. 237). g De acordo com Mendes (1996), este paradigma “consolida-se pelas recomendações 91 Raimundo, L. G. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p. 86-92, jan./jun.. 2006 do famoso Relatório Flexner, publicado em 1910, pela Fundação Carnegie” e tem como elementos centrais o mecanismo (“analogia do corpo humano com uma máquina”), o biologismo (foco na natureza biológica das doenças), o individualismo (exclusão dos aspectos sociais da vida dos indivíduos), a especialização (“parcialização abstrata do objeto global”), a tecnificação (investimento em instrumentos para intervenções médicas) e o curativismo (ênfase nos aspectos curativos). Todos estes aspectos norteiam o conceito de saúde flexneriano como sendo “ausência de doença” (p. 238). h Este modelo de atenção à saúde fundamentase na concepção de saúde como sendo ausência de doença “e a organização dos seus serviços é medicamente definida e tem como objetivo colocar à disposição da população serviços preventivos e curativo-reabilitadores acessíveis, de conformidade com os elementos ideológicos do flexnerianismo” - citado anteriormente - (MENDES, 1996,.p. 236) Referências Bibliográficas 1- BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE. Conselho nacional de Saúde. Lei Orgânica da Saúde 8.080. Brasília, Ministério da Saúde, 1990. Disponível em: URL: www.conselho.saude.gov.br/ legislação/lei8.080. 2- Zimerman DE. Fundamentos Teóricos. In: Zimerman DE, Osorio LC. Col. Como trabalhamos com grupos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. p. 23-31. 3- Neri AL. Palavras-chave em gerontologia. Campinas (SP): Editora Alínea, 2001. 4- BRASIL. Declaração de Alma Ata. In: Caderno do Projeto Promoção da Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2001b. 112 p. 5- BRASIL. Saúde Como Direito. In: Relatório Final da 8ª Conferência Nacional de Saúde.1986. 29 p. 6- Mendes EV. Uma agenda para a saúde. São Paulo (SP): Hucitec, 1996. 7- Buss PM. Uma Introdução ao Conceito de Promoção da Saúde. In: Dina C. (Org). Promoção da Saúde: conceitos, reflexões, tendência. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2003. p. 15 -38. 8- BRASIL. Carta de Otawa. In: Caderno do Projeto Promoção da Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2001a. 112 p. 9- Coronel LC. Grupos de Reflexão. In: Zimerman DE, Osorio LC. Col. Como trabalhamos com grupos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. p. 345-350. 10- Teixeira MB. Empoderamento de idosos em grupos direcionados á promoção da saúde. [Mestrado] – Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública, 2002. 105 p. Disponível em: URL: http://portalteses.cict.fiocruz.br/transf. 92 Natividade, C. A. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p.93-100, jan./jun.. 2006 NÍVEL DE INFORMAÇÃO DOS PACIENTES DO HU/UFSC A RESPEITO DO RECEEITUÁRIO MÉDICO [HU/UFSC outpatiens information level about their medical prescription] Caroline Alves Natividade1; Cintia Vitto Bongiollo1; Célia Maria Teixeira de Campos2; Aline Cláudia de Mello2; Maria Bernadete de Souza3 Resumo: A prescrição é um documento de consulta ao paciente que deve ser emitida completa, correta e legível. No presente trabalho foi realizada uma pesquisa com os pacientes provenientes do ambulatório ou emergência do HU/UFSC com o objetivo de avaliar quanto o mesmo entende sobre o seu receituário médico. Os resultados obtidos revelaram que os pacientes estavam orientados pelos médicos quanto ao uso correto dos medicamentos, facilitando a dispensação pelo farmacêutico, reduzindo os erros de medicação. Palavras-chave: prescrição, uso correto de medicamentos, dispensação. Abstract: The prescription is a patient’s consultation document. Information on it should be correct, complete and legible. The present work was designed to evaluate how much clinic or emergency HU/UFSC patients undertand about their medical prescription. According with the obtained results, patients were instructioned by the physicians about the correct use of medication. This reduce medications errors and can aid the pharmacist in health care delivery. Keywords: medical prescription, correct use of medication, health care delivery. para alcançar o que foi proposto pela lei. A sua definição e a inserção no âmbito da política Durante a 8a. Conferência Nacional de nacional de saúde é um elemento fundamental Saúde, realizada em Brasília no ano de 1986, para a implementação de ações capazes de elaborou-se um projeto para a criação de um promover a melhoria das condições de Sistema Único de Saúde (SUS). A Constituição assistência à saúde da população 5-7. de 1988 incorporou esta proposta. A A atenção farmacêutica compreende regulamentação do SUS, em 1990, deu-se atitudes, valores éticos, comportamentos, através da Lei Orgânica de Saúde 8080/90 e da habilidades, funções, conhecimentos, Lei 8142 1,2. compromissos e co-responsabilidades na Dentre os princípios prevenção de doenças, promoção e recuperação éticos/doutrinários do SUS destacam-se: a da saúde de forma integrada à equipe universalidade, a equidade e a integralidade. multiprofissional. É a interação direta do Como atribuição, a execução das ações de: farmacêutico com o usuário, sendo este o vigilância sanitária e epidemiológica, saúde do principal foco do profissional e não o trabalhador, assistência terapêutica integral, medicamento. Também, cabe ao profissional inclusive a assistência farmacêutica3, 4. garantir o acesso, racionalização, adesão e A assistência farmacêutica tem como farmacoterapia com qualidade, segurança e objetivo garantir a acessibilidade e o uso eficácia 8-11. racional de medicamentos como ferramentas Introdução ______________________ 1 Acadêmicas do Curso de Farmácia da Universidade Federal de Santa Catarina. 2 Professoras do Departamento de Ciências Farmacêuticas/ CCS/ UFSC. E-mail: [email protected]. 3 Farmacêutica – Serviço de Farmácia do HU 93 Natividade, C. A. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p.93-100, jan./jun.. 2006 Dentro da assistência farmacêutica, a dispensação consiste no último elo entre a complexa cadeia de eventos envolvendo o medicamento e o paciente. É o ato farmacêutico de distribuir um ou mais medicamentos a um paciente, geralmente, como resposta a apresentação de uma prescrição elaborada por um profissional autorizado. Neste momento é possível informar e orientar o paciente quanto ao uso correto do medicamento e fornecer esclarecimentos acerca da prescrição, garantindo que a terapia medicamentosa se faça completa e sem erros. Todo o processo de atenção farmacêutica deve envolver as atitudes de respeito aos princípios da bioética, as habilidades de comunicação e os conhecimentos técnico-específicos12, 13. A partir disto, observa-se a importância do farmacêutico em todas as etapas da assistência farmacêutica, destacando o seu papel insubstituível na dispensação. Outro fator a ser relatado durante a dispensação é orientar o paciente a respeito do armazenamento de seus medicamentos. Este é um conjunto de atividades destinadas a protegê-los contra os riscos de alterações físico-químicas e microbiológicas, garantindo a qualidade e segurança dos mesmos durante a estocagem1316 . Portanto, os pacientes precisam de informações, instruções e advertências que lhes permitam ter os conhecimentos necessários para aceitar e seguir o tratamento e para adquirir as habilidades necessárias para administrar as formas farmacêuticas de maneira adequada. A informação deve ser oferecida em linguagem clara e fácil, e se faz necessário que o paciente repita com as suas palavras todas as informações para assegurar que ele a tenha entendido 17. Ao mesmo tempo em que o medicamento é um importante insumo no processo de atenção à saúde, pode também se constituir em fator de risco quando utilizado de maneira inadequada. A morbi-mortalidade relacionada ao uso de medicamentos constitui um sério problema de saúde coletiva tanto no Brasil quanto em vários outros países. A maioria das falhas na farmacoterapia ocorre em função da má utilização por parte dos pacientes9, 10. A prescrição é o processo de escolha e indicação de uma terapêutica adequada para o paciente, consciência do diagnóstico preciso. É a indicação por escrito de medicamentos a serem usados e condutas a serem adotadas. Consiste no elo chave da idéia de racionalização de consumo de medicamentos. Um receituário deve incluir: nome, endereço, telefone, número do Conselho Regional de Medicina ou Odontologia (CRM, CRO) e sua devida especialidade; identificação do paciente (nome, sexo e idade); informações essenciais do medicamento (nome, posologia, forma farmacêutica, via de administração, tempo e quantidade suficiente para o tratamento, concentração do fármaco e intervalo posológico). A condição mais importante é que a prescrição seja clara e legível, já que 15% dos erros de medicação são resultados de erros provenientes de uma prescrição ilegível e dificuldade de interpretação do receituário 18-20. Com isto, uma farmacoterapia apropriada permite obter uma assistência sanitária segura e econômica, enquanto que o uso inadequado de medicamentos tem importante conseqüência tanto para os pacientes como para a sociedade em geral. É necessário assegurar sua utilização racional e econômica em todos os países, independente do seu nível de desenvolvimento. Os médicos e os farmacêuticos têm uma atribuição fundamental a desempenhar, no que se refere a atender as necessidades do indivíduo e da sociedade a este respeito 4. Para isso, o presente estudo tem como objetivo de verificar se os usuários que procuram a Farmácia Básica do SUS do HU/UFSC estavam orientados pelos médicos quanto ao uso seguro e correto dos medicamentos. 94 Natividade, C. A. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p.93-100, jan./jun.. 2006 Metodologia Local O estudo foi realizado na Farmácia Básica do Hospital Universitário da UFSC (HU/UFSC), com pacientes que deixaram o ambulatório ou emergência. Pacientes Foram entrevistados pacientes de todas as idades e ambos os sexos moradores de Florianópolis que apresentavam o cartão SUS. Os usuários com idade inferior a 15 anos e idosos, cuja administração do medicamento era feita por outras pessoas, o questionamento foi realizado com o responsável. Estes foram selecionados por meio de uma amostragem aleatória, no período de 15/03/2005 a 29/04/2005, atingindo um total de 120 entrevistados. Coleta de dados Para realização do trabalho, foi feito um estudo piloto para a validação do instrumento de coleta de dados. Os usuários foram entrevistados individualmente, em local reservado a respeito do nível de informação de seu receituário, mediante perguntas relativas ao nome e identificação do medicamento prescrito; se o paciente já o utilizou; com qual finalidade; conhecimento da dose, dos horários e como se deve administrá-lo(s); se foi orientado pelo médico para tomar alguns cuidados especiais durante o tratamento medicamentoso; noções de como manusear o(s) medicamento(s), e por fim, o quanto a receita é legível. Durante a conversa foi permitido ao paciente consultar sua receita para responder as questões relativas ao medicamento. O usuário foi questionado somente após sua aceitação, mediante termo de compromisso assinado. Este projeto (nº 104/05) foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina. Avaliação dos dados Como era permitido ao paciente consultar a receita durante a pesquisa, considerou-se corretas as respostas em que o relato do usuário coincidia com os dados da receita e, também, nos casos em que utilizavam termos populares, porém, com o mesmo sentido das informações passadas a eles. Para questões em que sabia apenas parte da resposta (informações incompletas), seu conhecimento era considerado razoável. As respostas incorretas eram aquelas em que o entrevistado não possuía informação alguma, ou quando respondia incorretamente aos itens em questão. Resultados e discussão A tabela 1 mostra que a maior parte dos usuários participantes do estudo são do sexo feminino (69,17%). Com relação a idade dos pacientes, a prevalência foi da faixa etária de 45 a 60 anos. 95 Natividade, C. A. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p.93-100, jan./jun.. 2006 Tabela 1: Prevalência do sexo e idade dos pacientes Características Sexo Feminino Masculino Faixa Etária 0 15 15 21 21 45 45 60 acima de 60 Freqüência 83 (69,17%) 37 (30,83%) 29 06 32 34 19 (24,17%) (5,00%) (26,67%) (28,33%) (15,83%) A tabela 2, a seguir, informa os resultados obtidos no estudo referentes a cada pergunta feita ao usuário. Tabela 2: Resultado total dos dados obtidos pelo instrumento de coleta de dados Pergunta Sim (%) Razoável (%) Conhece o(s) medicamento(s) receitado(s) 65,00 11,67 Consegue identificar as informações contidas na receita 65,83 12,50 Já utilizou o medicamento alguma vez 78,33 ----Sabe para qual doença está sendo tratado 99,17 ----Sabe a dose e como deve(m) ser administrado(s) o(s) 77,50 3,33 medicamento(s) Sabe os horários de administração 78,33 4,17 Foi orientado a tomar alguns cuidados especiais durante o 46,67 1,66 tratamento Tem noção de como manusear e armazenar os 44,17 11,66 medicamentos Do total dos indivíduos indagados a respeito do nível de informação em relação ao seu receituário; 65% destes conheciam os medicamentos prescritos, sendo que foram consideradas corretas todas as respostas em que o paciente não confundia o medicamento prescrito com o nome de outro qualquer; 78,33% já os haviam utilizado anteriormente e 99,17% sabiam qual patologia estava sendo tratada. Identificação do medicamento e outras informações contidas na receita: Em relação a esta questão, a receita era legível para 65,83% dos entrevistados. Foram consideradas respostas corretas todas aquelas em que o paciente conseguia ler a receita, sem ficar com nenhuma dúvida. Não (%) 23,33 21,87 21,67 0,83 19,17 17,50 51,67 44,17 Dose e Administração: 77,5% dos indivíduos estavam orientados pelos médicos, já que havia concordância entre a sua resposta e a informação contida na receita (a forma farmacêutica, quantidade a ser administrada e via de administração). Horários: Observou-se que 78,33% dos usuários sabiam os horários corretos de administração dos medicamentos, visto que foram julgadas corretas as respostas em que o usuário respondia o intervalo entre doses (Ex: de 8 em 8 horas) ou quantas vezes ao dia utilizavam a medicação (Ex: 3 vezes ao dia). Cuidados especiais durante o tratamento: Dos 120 entrevistados, 51,67% não estavam orientados pelos médicos em relação a esta questão. As respostas corretas 96 Natividade, C. A. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p.93-100, jan./jun.. 2006 eram aquelas em que o paciente sabia de informações e cuidados suficientes no que diz respeito à patologia e ao medicamento. Armazenamento e manuseio dos medicamentos (conta-gotas/aplicador vaginal): Neste item foi verificado um resultado igual de 44,17% entre os indivíduos orientados pelos médicos e não orientados. Para esta questão ser considerada correta, o paciente teve que descrever como utilizava o conta-gotas e/ou aplicador vaginal. Com relação ao armazenamento foram julgadas corretas as respostas em que os usuários sabiam que deviam deixar o medicamento longe de umidade (banheiro), calor (cozinha) e evitar luz solar ou artificial incidente. Na tabela 3, constam os lugares relatados mais utilizados pelos pacientes para o armazenamento de seus medicamentos. Tabela 3: Locais relatados de armazenamento dos medicamentos pelos pacientes. Local Porcentagem Cozinha 45,83 Quarto 35,00 Sala 12,50 Banheiro 4,17 Copa 1,67 Geladeira 0,83 Como informa o gráfico 1, 65,83% dos pacientes em estudo conseguiram identificar todas as informações contidas no receituário. 100 freqüência 80 60 40 20 0 Sim Não Razoável Respostas Gráfico 1- Percentagem de respostas corretas quanto a identificação das informações contidas nos receituários avaliados. O fato de se obter um resultado positivo em relação a esta questão pode ser explicado, pois 78,33% dos pacientes já utilizaram os medicamentos prescritos alguma vez. Além disto, verificou-se que dos 120 entrevistados, 40 utilizavam os medicamentos continuamente. Isto explica o fato de 65% dos usuários conhecerem o nome do medicamento que estão utilizando e 99,17% sabiam qual patologia estava sendo tratada. Percebeu-se que alguns destes pacientes conseguiam identificar os dados contidos no receituário em função do uso rotineiro destes medicamentos, o que levava a uma dedução das informações. Deve-se levar em consideração que para 21,67% dos usuários a receita era considerada ilegível e que 12,5% conseguiam identificar apenas parte das informações, dificultando assim uma adesão completa ao tratamento. Se o paciente não for orientado pelo médico e/ou farmacêutico, provavelmente, apresentará dúvidas quanto à utilização dos medicamentos, sendo que o último recurso para o esclarecimento de suas dúvidas seria o receituário legível. 97 Natividade, C. A. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p.93-100, jan./jun.. 2006 A partir dos gráficos 2 e 3, verificou-se informações a respeito da dose e horários de que uma receita preenchida completa e administração. corretamente, também auxilia o usuário a saber 100 100 80 % pacientes freqüência 80 60 40 60 40 20 20 0 Sim Não Razoável Resultados 0 Sim Não Razoável Respostas Gráfico 2- Percentagem de respostas corretas quanto ao nível de conhecimento sobre dose e administração. Gráfico 3- Percentagem de respostas corretas quanto ao nível de conhecimento sobre o horário de uso dos medicamentos. Embora a maioria dos pacientes tenha sido orientada pelo médico quanto à dose e horário de administração do medicamento (77,5% e 78,33%, respectivamente), verificouse que no momento da dispensação, o indivíduo não conseguia reproduzir o que lhe havia sido informado. Isto pode ser explicado pelo fato dos usuários se prenderem a doença e diagnóstico durante a consulta, não dando tanta importância às explicações dadas pelo profissional da saúde (médico, dentista) a respeito do(s) medicamento(s) indicado(s). Como durante a pesquisa foi permitido consulta a receita, observou-se que mesmo os indivíduos que não recordavam das informações conseguiam responder corretamente as perguntas relativas à administração dos medicamentos. Com relação aos cuidados especiais que o paciente deve ter durante o tratamento, 51,67% destes não foram orientados pela equipe de saúde (médico, dentista, enfermeiro) a respeito de cuidados na alimentação; prática de exercício físico; não ingerir bebida alcoólica; evitar cigarros, relação sexual; não interromper o tratamento. Destes 46,67% foram orientados e 1,66% receberam instruções de forma incompleta. As informações mencionadas anteriormente devem ser completadas pelo farmacêutico no momento da dispensação, já que somente este profissional tem conhecimento de cuidados relativos aos fármacos. Durante a pesquisa, os usuários foram abordados a respeito do manuseio e armazenamento dos medicamentos. Obteve-se uma parcela muito pequena dos entrevistados que utilizavam aplicador vaginal e/ou contagotas, todavia estes se apresentavam orientados pelos médicos. Segundo Marin e colaboradores (2003), o medicamento armazenado em local inadequado (luz solar e artificial incidente, umidade, calor) pode ter suas propriedades físico-químicos alteradas, o que o torna inapropriado para o tratamento. Verificou-se para esta questão um resultado igual de 44,17% dos usuários sabiam onde guardar e os outros 44,17% estavam desinformados a respeito do local de armazenamento. 98 Natividade, C. A. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p.93-100, jan./jun.. 2006 Como mostrou a tabela 2, de modo geral os pacientes estavam orientados pelos médicos a respeito das questões ao qual foram avaliados. Porém, deve-se levar em consideração a parcela dos não orientados acrescidos dos que receberam uma informação incompleta. Salienta-se a que a prática farmacêutica é de extrema importância para uma orientação adequada e completa. O receituário médico é um documento de extrema importância tanto para uma dispensação e orientação correta quanto para uma fonte de informação ao paciente. Por isso seu preenchimento deve ser correto, completo e de forma legível. Alguns estudos demonstram que a introdução de prescrições eletrônicas pode minimizar, mas não eliminam totalmente a possibilidade dos riscos de problemas relacionados aos medicamentos. Mesmo com a prescrição eletrônica o farmacêutico é essencial para a orientação sobre o uso correto dos medicamentos e para o esclarecimento das dúvidas referentes ao tratamento 18-20. Conclusão Foi verificado que os pacientes entrevistados estavam orientados pelos médicos quanto ao uso correto dos medicamentos, o que indica que o atendimento prestado no Hospital Universitário HU/UFSC é satisfatório. Mesmo o resultado apontando para o positivo, não se deve deixar de lado a parcela significativa dos usuários não orientados juntamente com os que apresentavam orientação razoável. É sobre esta parcela de pacientes que os farmacêuticos devem ficar atentos durante a dispensação, para que possam atender as necessidades dos indivíduos, quanto ao uso racional e correto dos medicamentos. Referências Bibliográficas 1. Marin N, et al. O Sistema Único de Saúde. In: Marin N, et al. Assistência farmacêutica para gerentes municipais. 20ed. Rio de Janeiro (RJ): OPS/OMS; 2003. 2. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Desenvolvimento do SUS no Brasil: Avanços, desafios e reafirmação de princípios e diretrizes. Brasília (DF): Conselho Nacional de Saúde; Ago, 2002. 3. Marin N, et al. Dispensação ambulatorial e atenção Farmacêutica. In: Marin N, et al. Assistência Farmacêutica para gerentes municipais. 20ed. Rio de Janeiro (RJ): OPAS/OMS; 2003. 4. Santos MA. Farmacêuticos do Estado de Santa Catarina: Perfil Profissional-1999. [Dissertação]. Florianópolis (SC): UFSC; 2000. 5. Costa HL. Avaliação da assistência farmacêutica na Secretaria Municipal de Saúde Pública de Blumenau/SC, 2001. 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Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p.101-110, jan./jun.. 2006 O PROCESSO DE PARTICIPAÇÃO E A CULTURA ORGANIZACIONAL NA ENFERMAGEM: DESAFIOS DESTE NOVO MILÊNIO [The process of participation and the organized culture in nursing: challenges in new millennium] Eunice Maria Hirt1; Francine Lima Gelbcke2 Resumo: Nesta reflexão busca-se compartilhar o conhecimento produzido acerca da organização do trabalho na área da saúde e em especial na enfermagem e os reflexos desta na cultura organizacional. Salienta-se que com a reestruturação produtiva e com novos modelos de gestão há que se alterar a cultura organizacional, por meio da participação dos trabalhadores, sendo o modelo de gestão participativo uma alternativa viável para a construção da cidadania do trabalhador. Palavras-chave: organização do trabalho, cultura organizacional, saúde, enfermagem, participação. Abstract: This study shows health work organization, nursing specially, and its consequences of organized culture. It is quoted also that it is necessary a productive reorganize and new management patterns to alterate organized culture through workers participation. Keywords: work organization, organized culture, health, nursing, participation. Introdução Ao longo dos últimos anos houve uma significativa reorganização do processo de trabalho nas organizações empresariais, com a implementação de novas teorias administrativas que flexibilizam e descentralizam os processos de decisão e trabalho, que visando a qualidade e eficiência dos serviços. Na administração pública brasileira, tem se buscado na última década implementar, também, mudanças gerenciais, sendo que no setor saúde, estas se tornam mais difíceis, tendo em vista a complexidade destas organizações1. Considerando que a enfermagem encontra-se inserida nos serviços de saúde, sua organização se pauta, ainda, em modelos gerenciais inspirados na escola clássica ou científica, influenciado pelo trabalho parcelado e pela gerência taylorista-fordista. No dia a dia, os serviços de enfermagem permanecem com tarefas repetitivas, normas e rotinas determinando o fazer, sem a participação dos trabalhadores na definição das mesmas. ________________- Neste sentido, consideramos como uma possível estratégia para romper com práticas antigas, que não possibilitam acesso à cidadania, a incorporação de uma nova filosofia ou política de liderar pessoas - a participação. Desta forma, novos modelos de gerenciamento se fazem necessários, destacando-se a gestão participativa, no qual a participação ocorre no âmbito da organização do trabalho, bem como do poder, do ter e obter resultados. O modelo de gestão participativo “parte do princípio de que o ser humano é uma pessoa responsável à qual se deve conceder toda a autonomia necessária para a realização da tarefa para, na verdade, integrá-la na gestão mais global da empresa”2. Pensar em participação na estrutura dos serviços de saúde, na atualidade, é repensar a cultura organizacional. Poucos são os estudos encontrados na literatura específica de Administração em Enfermagem, que possam dar suporte a esta forma de organização do trabalho, desta forma, buscaremos respaldo na literatura da Administração Geral para esta reflexão. 1 Enfermeira/HU/UFSC, Especialista em Gestão dos Serviços de Enfermagem, Mestranda em Enfermagem da UFSC. e-mail: [email protected] 2 Enfermeira, Diretora de Enfermagem/HU/UFSC, Doutora em Filosofia da Enfermagem. Docente do Departamento de Enfermagem da UFSC. 101 Hirt, E. M. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p.101-110, jan./jun.. 2006 Há que se considerar, no entanto, que mesmo nos estudos sobre cultura organizacional, há uma multiplicidade de abordagens teóricas e metodológicas, sendo este um campo de conhecimentos vasto e que necessita de aprofundamentos teóricos, com uma diversidade de correntes de pensamento que determinam diferentes pressupostos filosóficos e teóricos que orientam os estudos nesta área do conhecimento3. Na visão da antropologia social, a cultura está relacionada a um conjunto de significados compartilhados por um grupo, que permite a seus membros interpretar e agir sobre ambiente que está inserido. Esse conceito nos revela dois elementos importantes, coletividade e comunicação. O primeiro exprime a necessidade de grupos humanos como meio propício ao desenvolvimento da cultura, enquanto o segundo, refere-se à transmissão da informação como elemento chave de sua evolução. Na verdade, para o desenvolvimento da cultura é necessário que, além dos grupos, existam as interações sociais entre seus membros 4. Logo, podemos afirmar que cultura é muito mais do que conhecimento: é linguagem, código, que se expressa por meio de valores, crenças, mitos, religiões, folclores, entre outros. Para os sociólogos, uma corrente importante para a análise da cultura é o interacionismo simbólico, no qual toda atividade está sujeita ao hábito. Qualquer ação freqüentemente repetida torna-se um padrão que pode ser reproduzido, com economia de esforço e tempo. Os fenômenos estão préarranjados em padrões que parecem ser independentes da apreensão que cada pessoa faz deles individualmente. Existe o compartilhar de um senso comum sobre a realidade, produzindo signos (sinais que têm significação). Nas organizações, observa-se como certos símbolos são criados, com procedimentos implícitos e explícitos para legitimá-los 5. A socialização ocorre em diferentes grupos sociais dentro de uma mesma sociedade. Isto porque dentro de um mesmo sistema social existem múltiplos subsistemas, como por exemplo, as estratificações de classe. Dentro dos sistemas culturais também encontramos inúmeros subsistemas, cada um reunindo características diferentes em função da natureza dos indivíduos que agrega. Podemos citar, ainda, os subsistemas regionais, étnicos e religiosos. Ainda neste contexto, as organizações surgem como um subsistema cultural, já que representam grupos de pessoas com identidades claramente definidas. Sendo assim, são os indivíduos que por meio de suas ações, contribuem para a construção da organização. Porém, os contextos que lhes são preexistentes orientam o sentido de suas ações. São os indivíduos da organização que pressionam a mudança, e também dificultam estas pelo próprio contexto e pelas estruturas por eles criadas 6,7. A cultura organizacional é um sistema que se estrutura, sobretudo, pelo jogo dos atores que agem na organização em um ambiente de múltiplas interações e que desempenham um papel importante na construção de conteúdos significantes, por exemplo, na construção de novos valores e mitos da organização. Portanto, a cultura pode ser considerada como um processo e um produto que ocorre, ao mesmo tempo, dentro e fora da organização8. Também é entendida como um conjunto de valores e pressupostos básicos expressos em elementos simbólicos, que em sua capacidade de ordenar, atribuir significações e construir a identidade organizacional, tanto agem como elemento de comunicação e consenso, como ocultam e instrumentalizam as relações de dominação9. Frente a isto, reafirmamos que a enfermagem ainda mantém a cultura de comando e controle, pressupondo concentração de poder – o autoritarismo. O caminho para a democratização do poder está na participação, que é definida como O caminho natural para o homem exprimir sua tendência inata de realizar, fazer coisas, 102 Hirt, E. M. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p.101-110, jan./jun.. 2006 afirmar-se a si mesmo e dominar a natureza e o mundo. Além disso, sua prática envolve a satisfação de outras necessidades não menos básicas, tais como a interação com os demais homens, a auto-expressão, o desenvolvimento do pensamento reflexivo, o prazer de criar e recriar coisas, e, ainda, a valorização de si mesmo pelos outros10. Buscar a participação na enfermagem possibilitará redescobrir valores, repensar posições, abandonar velhos paradigmas, desafiar idéias, visando o exercício da real cidadania. Destacamos, também, a importância dessa reflexão para a área da saúde, visto que muitas vezes os enfermeiros administram as organizações de saúde, sendo imprescindível à compreensão e o significado do que é, e o que representa a cultura organizacional, o que instrumentalizará o enfermeiro para gerenciar a mudança. A organização do trabalho na enfermagem e a necessidade de mudança Atualmente, para a maioria das pessoas, o trabalho acontece no contexto de uma empresa, de uma organização, de uma instituição. Isso significa que o trabalho, geralmente, ocorre em contextos culturais bem determinados. Tomando como base os períodos históricos da evolução da sociedade, marcados inicialmente pela produção manufatureira e, posteriormente, demarcados pela produção industrial e pós-industrial, constatamos que foram fortemente influenciados pela incorporação tecnológica nos processos de produção e que causaram grandes mudanças na forma de vida das pessoas. Com o avanço tecnológico, este processo tornou-se mais complexo. As organizações tornaram-se hierarquizadas, especializadas, demandando supervisão e gerência. Por conseguinte, a preocupação passou a ser com a autoridade, responsabilidade, planejamento, controle, coordenação e relações no trabalho11. Desde o início do século XX, as empresas foram organizadas a partir dos princípios da Teoria Científica, cujo precursor, Frederick Taylor, preconizava a divisão do trabalho, a disciplina, a racionalização dos métodos e sistemas de trabalho e a padronização da produção. Para garantir que os padrões de produção fossem atingidos, sugeriu a seleção, o treinamento e o controle dos trabalhadores, incluindo o pagamento pela produção gerada em cada um deles, por meio de um sistema de incentivos monetários12. Os antigos paradigmas tayloristas levaram a profundas distorções nas organizações, que desumanizaram as relações no trabalho e robotizaram os indivíduos. Neste contexto, os gerentes assumiam o papel de “controladores”, encarregados de fiscalizar os funcionários para garantir maior 13 produtividade . Os pressupostos da administração científica estão presentes na enfermagem desde a época de Florence Nightingale, que preconizava a divisão entre quem concebe e quem executa o trabalho; a substituição do critério individual e improvisação pelo emprego de métodos baseados nos princípios científicos; a seleção científica do trabalhador e treinamento do mesmo; o controle do trabalhador, por meio do papel do supervisor (enfermeiro chefe de serviço e/ou enfermeiro assistencial); e a distribuição de atribuições e tarefas, disciplinando ao extremo o trabalhador. Ao analisar a influência deste modelo de gestão, observa-se o quanto as normas, rotinas, padrões fazem parte do cotidiano de trabalho da enfermagem, justificando-se sua aplicação em função da qualidade da assistência prestada. No entanto, este modelo de organização rotiniza e robotiza o trabalhador, bem como permite selecioná-lo e treiná-lo conforme padrões definidos, facilitando o controle do seu trabalho, já que as atribuições são dadas em função das normas e rotinas pré-estabelecidas, podando, desta forma, qualquer possibilidade de manifestação de criatividade do 14 trabalhador . 103 Hirt, E. M. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p.101-110, jan./jun.. 2006 Em 1916, Henry Fayol, buscando a racionalização da estrutura administrativa, salienta nesta estrutura o princípio da unidade de comando, da divisão do trabalho, da especialização e da amplitude de controle15. A estrutura organizacional da enfermagem segue esse modelo, com ênfase na hierarquia, sob o ângulo vertical, e a departamentalização, sob o ângulo horizontal; com a divisão do trabalho pautada na especialização; ênfase na autoridade do gerente; disciplina rígida; ordem, em que pessoas e materiais devem estar no lugar certo e no tempo certo; espírito de equipe, visando harmonia e unidade na organização; e as funções da administração: prever, organizar, comandar, coordenar e controlar14. No modelo clássico, as pessoas e as relações interpessoais não são devidamente consideradas e as avaliações são exclusivamente quantitativas16. Com a introdução da administração científica/clássica no hospital, surge conseqüentemente a padronização hospitalar, que consiste em normas para a realização das atividades internas e com intensa burocratização. A enfermagem mantém todas as características da administração científica e clássica, adotando a regulamentação por meio de normas, rotinas rígidas, formais e escritas, assegurando uma uniformidade (impessoalidade das relações); com ênfase na competência profissional e técnica, com admissão por concursos e provas de seleção descritivas. A influência da burocracia constitui um dos fatores que tem contribuído para uma prática administrativa estanque, baseada em regras e normas obsoletas, mostrando poucas perspectivas de mudança. Há que se considerar que o profissional enfermeiro se submete às diferentes formas de poder organizacional e assume o papel de cumprir e fazer cumprir as decisões do poder maior da instituição. Exerce, muitas vezes, um papel de capataz, gerenciando recursos humanos e materiais insuficientes e inadequados, sem ter o poder decisório sobre a transformação desta condição16. Na década de 30, a administração passou a valorizar os recursos humanos, correspondendo a um deslocamento da ênfase na organização formal para a informal, entendida como o conjunto das relações sociais não previstas em regulamentos e organogramas e nas relações de trabalho, caracterizadas pela espontaneidade e pela falta de objetivo comum12. Estas premissas foram marcantes na influência das teorias da administração posteriores que passaram a preocupar-se com o lado psicossocial que envolve o processo de trabalho. Na década de 40, a Teoria Comportamentalista reforça a preocupação com as relações das pessoas no processo de trabalho nas organizações, reconhecendo a propriedade de adaptação do ser humano e enfatizando a maneira satisfatória de realização do trabalho, e não a melhor maneira de realizar o trabalho13, 17. A enfermagem mantém as práticas anteriores e com a escola das relações humanas passa a repensar o indivíduo na organização, trazendo dessa teoria aspectos ligados à liderança, motivação, comunicação e dinâmica de grupos, além de possibilitar uma participação maior dos enfermeiros nos processos decisórios. Porém, o que se observou é que com esta teoria se consolida uma forma paternalista de administração, em que na busca de harmonia, os conflitos são abafados e os confrontos entre trabalhador e a administração, ignorados. Outro alerta se faz necessário frente à defesa da necessidade psicológica do trabalhador, em sentir-se como membro de um grupo social, pois esse discurso traz camuflada uma nova forma de controle do indivíduo, visando o aumento da produção, por meio de uma supervisão mais humanizada 14, 16. Na década de 60, a Teoria de Sistemas, foi introduzida na análise organizacional, fundamentando-se na premissa de que os sistemas existem dentro de sistemas, são abertos e suas funções dependem de sua 104 Hirt, E. M. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p.101-110, jan./jun.. 2006 estrutura16. Neste contexto, sistema é entendido como um conjunto de partes que se relacionam, cujos objetivos fazem com que o arranjo das partes não ocorra ao acaso. O homem se caracteriza pelo relacionamento interpessoal com outros indivíduos, e todos, na organização, são atores que representam papéis. Dessa teoria, a enfermagem incorpora a preocupação com o estabelecimento de metas, objetivos e finalidades, buscando adequar-se ao 14 estabelecido pela instituição . Em décadas mais recentes, a Teoria Contingencial surge como resposta a estudos que buscam entender como uma empresa se comporta em diferentes cenários, partindo do princípio de que a organização e o processo de trabalho são influenciados pelo ambiente externo em que se inserem 17. Porém, dessa teoria, a enfermagem não incorporou nenhum princípio 14. Todas estas correntes do pensamento administrativo deixaram sua contribuição na organização das empresas modernas públicas e privadas. Inicialmente, mediante a incorporação da racionalidade nas empresas e, gradativamente, da adaptação ao contexto social e da evolução e incorporação tecnológica. Alguns traços podem ser percebidos na estrutura das instituições que nos remetem à forma complexa de organização, tais como os vários níveis hierárquicos, concentração de poder e autonomia para tomada de decisão restrita aos que ocupam os cargos de chefia e direção. Mais recentemente podem ser citados, entre outros aspectos, a valorização do contexto social na definição do negócio da empresa, a flexibilização nos processos gerenciais, a mudança no processo de trabalho a partir da incorporação tecnológica e a participação do cliente interno e externo na definição do produto/serviço final. A enfermagem incorporou alguns aspectos das teorias modernas ou modelos de gestão, porém vêm sendo apreendidos lentamente. Da qualidade total, a enfermagem visualizou um referencial para “exigir” qualidade de assistência, adotando, em muitas instituições, opiniões do usuário externo, que servem de parâmetro para avaliar o seu trabalho. Também adotou fortemente a responsabilização do trabalhador, que deve “vestir a camisa” da instituição, comprometendo-se com ela. Não há, contudo, uma maior autonomia e flexibilidade no processo de trabalho da enfermagem, tampouco a rotatividade entre os diferentes locais de produção, aspectos preconizados por esse modelo. Em relação à gestão participativa, a enfermagem, enquanto profissão, têm poucas experiências ainda nesta direção, no sentido de valorização efetiva do trabalhador, como preconizado em abordagens participativas14. Em relação às modernas teorias de gestão, destaca-se a utilização destas como instrumento para tornar a força de trabalho, em função das necessidades do capital, mais eficiente, produtiva, satisfeita, cooperativa, harmônica, dócil e leal 18. Um repensar dos modos de gestão se faz presente na atualidade, tanto no setor saúde, como na enfermagem, especificamente. Desde a década de 70, estudos têm sido realizados focalizando a tendência do gerenciamento na enfermagem como terreno nebuloso, interfacetado por características que variam de acordo com o nível ocupado na escala hierárquica da organização (direção intermediária e ocupacional). Dessa época em diante, críticas têm surgido em relação à situação do papel gerencial do enfermeiro, porém mudanças efetivas ainda não se consolidaram na prática, visando uma mudança significativa que busque a socialização do saber, em que a prática gerencial do enfermeiro possa avançar para uma construção coletiva19, sendo que esta mudança não se restringe à enfermagem, mas à cultura organizacional das instituições de saúde. Conhecer a identidade organizacional é rever o sistema de gestão. Este aspecto é importante no sentido de se alcançar um sistema de gestão mais democrático, dirigido de forma colegiada, no qual o papel do 105 Hirt, E. M. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p.101-110, jan./jun.. 2006 enfermeiro como facilitador não pode ser ignorado 20. Neste sentido, a “forma como o trabalho da enfermagem está organizado dificulta a manifestação da dimensão humana e da subjetividade. As normas, regras, rotinas determinam o que fazer, como fazer e inclusive o que sentir” 14. As modernas teorias de gestão são as que mais preconizam a valorização do ser humano, onde são vistos como pessoas, e nelas buscam integrar as instâncias individuais e coletivas, pessoais e profissionais, portanto, sua utilização é uma possibilidade de introduzir na enfermagem, principalmente o modelo de gestão participativo 14. Processo participativo como forma de alterar a cultura organizacional na Saúde e na Enfermagem A pressão histórico-social por competências gerenciais é, neste inicio de século, intensa e concreta, exigindo resultados institucionais e novos modelos de gestão que possam atender as necessidades de escassez de recursos e o desenvolvimento de programas sociais. Estamos submersos em um contexto de mudanças e transformações, provocadas por avanços tecnológicos e que ocasionam o obsoletismo dos conhecimentos em gestão, determinando uma necessidade de mudanças no perfil do gerente e das formas de abordagem de gestão em saúde 19. Nas organizações de saúde é necessário que a gerência considere o sujeito – usuário interno (trabalhador) e o usuário externo (paciente), como o centro do seu trabalho. As organizações hospitalares possuem características próprias de seu ambiente profissional, tornando o processo decisório nessas organizações bastante difícil, sendo a cooperação um grande desafio19. Desta forma, destaca-se o papel de liderança a ser desenvolvido pelos gerentes. O discurso na enfermagem enfatiza o elemento humano como principal capital, assim é importante que os enfermeiros trabalhem articuladamente com os demais trabalhadores, visando um trabalho em equipe, em que a participação seja mola mestre na articulação e na relação dos trabalhadores de enfermagem. A tarefa suprema da liderança é a criação de energia e visão humanas21. O verdadeiro líder é essencialmente um indivíduo capaz de investir tempo e energia no futuro de sua organização e, principalmente, no seu pessoal22,23. A essência da liderança para os autores está em saber distribuir o poder com os outros, para traduzir suas intenções em realidade e sustentá-las ao longo do tempo. Há que se ter em mente que as relações de poder estão sempre presentes nas questões ligadas à participação, sendo baseado na definição de controle como a capacidade de criar efeitos desejados ou de impedir efeitos indesejados. Neste sentido, se faz necessário um alerta para duas teorias que abordam a ligação entre participação e poder nas organizações. A primeira diz que a participação aumenta o controle por parte de todos os grupos que participam no processo de decisão, envolvendo tanto gerentes quanto trabalhadores; a segunda nos fala que a participação serve apenas para reforçar a estrutura de poder, a menos que se mude radicalmente a hierarquia básica da organização 24. Participar não significa assumir poder, mas participar de um poder, o que desde logo inclui qualquer alteração radical na estrutura de poder. Ainda, freqüentemente é difícil avaliar até que ponto as pessoas efetivamente participam na tomada e na implantação das decisões que dizem respeito à coletividade. As formas participativas normalmente utilizadas pelas organizações se situam, como meio de integração e de mobilização ideológica. Essas técnicas agem, sobretudo, na distribuição dos sentimentos de estar engajado, mas ainda são muito frágeis no que se refere a distribuição do poder, inteferindo na verdadeira participação, que pressupõe aos grupos ou atores sociais atuarem como parceiros de negociação nas relações de trabalho. Desta 106 Hirt, E. M. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p.101-110, jan./jun.. 2006 forma, podemos afirmar que só podemos localizar o sentido real da participação, se ela implicar na divisão de poder entre os grupos e a possibilidade concreta de todos influenciarem à decisão coletiva sobre os objetivos sociais10, 25, 26 . A construção da liberdade é feita, paralelamente com a construção da cidadania. Sendo assim, podemos resumir cidadania a uma palavra – participação. Isto é, de não omissão, indiferença em relação ao exercício do poder 26, 27. A cidadania democrática é aquela que realmente se apóia nos pilares da democracia, que são a liberdade, a igualdade e a solidariedade. Essa liberdade recupera todo o processo de garantia dos direitos individuais e das liberdades públicas; a igualdade no sentido de reconhecimento da igualdade intrínseca de todos os seres humanos em relação aos direitos fundamentais para uma vida digna; e a solidariedade no sentido de que a sociedade é esse sólido que deve estar interligado por laços de apoio, de convivência, entre outros27. Entendemos que estimular o desenvolvimento da cultura organizacional alicerçada na participação é valorizar uma nova forma de cooperação em que os valores individuais venham a ser estimulados a somar e se fortalecer, e não tenham de se anular em uma disputa febril pelo poder. Com isso, acreditamos que a gestão participativa na enfermagem só se formará por meio da consciência social dos trabalhadores. Para fortalecer a condição de ser humano é indispensável que este assuma novas responsabilidades, individuais e coletivas, não ficando apenas dependendo dos gerentes, mas que se mostre cidadão, isto é, ator ativo no processo de construção de uma nova gestão solidária. Esse novo perfil não pode ser imposto, mas, pode ser aprendido. Contudo, ingressar na dimensão participativa significa substituir os estilos gerenciais tradicionais – autoritários, impositivos, indiferentes, paternalistas – por cooperação mútua, liderança, autonomia e responsabilidade. Informar, envolver, delegar, consultar e perguntar, em vez de mandar – são palavras-chaves da gestão participativa, no que diz respeito ao comportamento do enfermeiro, seja chefe ou não. Porém, também requer mudança do comportamento dos demais integrantes da equipe de enfermagem. Tomar a iniciativa, agir, perguntar, questionar, participar, oferecer sugestões – em vez de esperar a decisão que “vem de cima”. Desta forma, entendemos que sem disposição nos escalões operacionais para participar, não há administração participativa28. Todavia, a preocupação com a participação é algo que decorre de valores democráticos, isto é, da idéia de que a sociedade ou as coletividades menores como as organizações de saúde são pluralistas, constituindo-se num sistema de pessoas e grupos heterogêneos, e que, por isto mesmo, precisam ter seus interesses, suas vontades e seus valores levados em conta. Na verdade, pensar o pluralismo na enfermagem é acima de tudo romper com as formas, os padrões instituídos, repensar a sua prática não mais como meramente técnica ou reproduzindo os erros administrativos do passado, mas, sobretudo, compreendendo que a imposição de limites estabelece uma estagnação no âmbito do seu saber e da sua prática29. Participação é um dos cinco princípios da democracia. Sem ela, não é possível transformar em realidade, em parte da história humana, nenhum dos outros princípios: igualdade, liberdade, diversidade e solidariedade. Considerações finais A cultura organizacional é criada por meio das interações simbólicas do grupo, estabelecendo-se uma conduta coletiva, um universo simbólico. Esse universo simbólico serve de referência, norteia comportamentos, atitudes e ações. Analisar a cultura organizacional, nesta perspectiva pressupõe 107 Hirt, E. M. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p.101-110, jan./jun.. 2006 decifrar como seus membros interpretam e compreendem suas experiências, o que significa compreender a cultura como algo interno ao grupo e não manipulável. O estudo da cultura organizacional deve ser realizado com a crença de que possa vir a constituir-se num evento histórico naquela subcultura e com a convicção de que, alguns trabalhadores, num certo momento de sua vida, possam refletir sobre si ou sobre sua prática. No entanto, o estudo da cultura organizacional traz, também, contribuições no âmbito externo à subcultura estudada. Pode constituir-se em instrumento de reflexão dos enfermeiros em geral, por meio de uma reflexão pedagógica, levando ao crescimento pessoal e profissional e, assim, gerar mudanças, não como estratégias de intervenção gerencial, mas como um evento natural da trajetória histórica de um grupo e de uma profissão. Mudar a organização do trabalho, reformular a equipe para que o trabalho possa fluir adequadamente, fazendo parceria com os seus membros, tornando-os responsáveis pelo processo de trabalho é, em nosso entendimento, um caminho para melhorar a condição de vida no trabalho. No entanto, só avançaremos se houver interesse dos trabalhadores em participar. Porque participar implica num desejo. Pessoas educadas em contextos muito autoritários podem simplesmente preferir não participar. Esse interesse somente será despertado, por meio da reflexão crítica do cotidiano, de nossas ações, crenças, valores poderemos mudar a realidade e promover uma mudança na postura profissional dos trabalhadores de enfermagem. Por que a enfermagem precisa manter o ultrapassado? Criar, inovar é como respirar. Faz parte da necessidade e sobrevivência humana, bem como das organizações, as quais, para não se tornarem obsoletas, precisam iniciar o processo de mudanças, em busca de ações criativas. Dentro desse sistema padronizado que se encontra a enfermagem, as pessoas recebem um uniforme organizacional, recheado de regras e procedimentos, para que a sua adaptação seja mais rápida e eficaz. Essa cultura tolhe as pessoas, isto é, o trabalhador é obrigado a bloquear seu jeito de ser para se adequar. Assim, ao assumir um papel que contraria sua própria característica humana, o trabalhador estará indo contra sua própria essência, o que limita sua criatividade, seu jeito de agir, pensar e decidir sobre o que faz. Acreditamos que o passo inicial parece estar em uma mudança de atitude, e isso se refere a todos os participantes diretos e indiretos das organizações hospitalares e sistemas educacionais. No âmbito das unidades formadoras de profissionais de enfermagem, a participação deveria constituir tema de formação, voltada para a construção de uma sociedade verdadeiramente igualitária, em termos de distribuição de poder. A tomada de decisão é um fator essencial a todas as ações do enfermeiro e muitas vezes não se dá à devida importância a essa questão. Portanto, é preciso estudar formas criativas e partilhar as decisões com a equipe, fazer uma revisão diária das ações e do papel assumido. O espaço que se cria para a participação permite aos trabalhadores compartilhar seus saberes, suas dificuldades, ampliar seus conhecimentos a respeito do funcionamento da organização, assumir responsabilidades pela execução e controle de seu próprio trabalho. O desenvolvimento da participação exige um aprendizado contínuo, tanto das tarefas que serão executadas, como a respeito da organização, o que pressupõe produzir conhecimento também de forma contínua, já que este muda constantemente. Participação é pois um processo constante, com produção de conhecimento e transformação da realidade. Há que se pensar no novo, nos desafios que são colocados atualmente às organizações, principalmente na administração pública e nos serviços de saúde, e, consequentemente, na enfermagem. Portanto, porque não dar um novo direcionamento à organização do trabalho na enfermagem? 108 Hirt, E. M. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p.101-110, jan./jun.. 2006 Referências Bibliográficas 1. Vaitsman J. Cultura de organizações públicas de saúde – notas sobre a construção de um objeto. Cad. Saúde Pública. Rio de Janeiro, jul-set, 2000; 16 (3): p. 847-850. 2. Chanlat JF. Modos de gestão, saúde e segurança no trabalho. In. Davel E, Vasconcelos J (orgs). Recursos humanos e subjetividade. Petrópolis: Vozes, 2000. 3. Ferreira MC, Assmar EML Perspectivas epistemológicas, teóricas e metodológicas no estudo da cultura organizacional. [periódico na internet]; [citado em 2005 dez] Disponível em: http://www.ppgte.cefetpr.br/revista/vol4/ artigos/artigo1.pdf. 4. Bertolino Filho J. Cultura Organizacional. CAADM. [periódico na internet]. 2000. [citado 2005 abr]:[cerca de 8 p.]. Disponível em URL: [ www.caadm.com.] 5. Fleury MTL. Estória, mitos, heróis: cultura organizacional e relações de trabalho. Rev de Administração de Empresas. São Paulo (SP): 1987. 6. 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Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p.111-117, jan./jun.. 2006 MERCADO DE TRABALHO DO NUTRICIONISTA EGRESSO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA: ÍNDICES DE EMPREDO/DESEMPREGO, JORNADA DE TRABALHO E NÍVEIS SALARIAIS [The labor market of nutrition graduates from Universidade Federal de Santa Cararina: employment and unemployment indexes, work day and salary levels Francisco de Assis Guedes de Vasconcelos1; Camila Elizandra Rossi2; Emilaura Alves2 Resumo: Este artigo apresenta os resultados de investigação transversal descritiva sobre o mercado de trabalho de nutricionistas egressos da Universidade Federal de Santa Catarina. Aplicou-se questionário auto-resposta aos 296 egressos localizados, sendo o serviço de Correios a principal via de remessa. Os resultados indicaram 84,9% dos egressos atuando na profissão. Destes, 67,6% possuem somente um emprego e 81,1% vinculam-se às instituições como empregados. A maioria, 60,4%, tem jornada semanal acima de 30 horas e 34,2% até 30 horas (média de 34,9 ± 13,0 horas/semana). A média salarial foi 7,4 salários mínimos para uma jornada semanal média de 35 horas. Palavras-chave: mercado de trabalho, nutricionista, perfil profissional do nutricionista. Abstract: This article presents the results of a descriptive traverse investigation about the labor market of nutrition graduates from Universidade Federal de Santa Catarina. It was applied an auto-answer questionnaire to the 296 found addresses, being the service of Mail the main remittance road. The results indicated 84.9% of graduates acting in the profession. Of these, 67.6% possess only an employment and 81.1% are linked to the institutions as employees. The most, 60.4%, acts with weekly day above 30 hours and 34.2% up to 30 hours (average of 34.9 ± 13.0 hour/week). The salary average approaches of 7.4 minimum wages for a day weekly average of 35 hours. Keywords: labor market, nutritionist, nutritionist’s professional profile. mercado de trabalho concentrou-se em duas áreas de atuação: Nutrição Clínica e No Brasil, a profissão de nutricionista Alimentação Coletiva. A Nutrição Clínica surgiu há cerca de sessenta e seis anos, quando, caracterizava-se por ações de caráter em 1939, foi implantado o primeiro Curso de individual, em hospitais públicos e privados, Nutrição do país1-3. Àquela época, frente à tendo como base a assistência dietoterápica (o tortuosa tarefa de construção da nacionalidade alimento como agente de tratamento). A brasileira e de implantação das bases de uma Alimentação Coletiva, por sua vez, voltava-se sociedade capitalista urbano-industrial, o ao desenvolvimento de ações de administração principal desafio que se colocava a este de serviços de alimentação de coletividades profissional era a superação do perfil sadias e enfermas de instituições públicas e epidemiológico nutricional, caracterizado, privadas4,5. sobretudo pelas doenças carenciais Nas duas décadas seguintes (1960(desnutrição energético protéica, 1970), às duas primeiras áreas agregaram-se hipovitaminose A, anemia ferropriva, etc.), mais duas: Nutrição em Saúde Coletiva e associadas às condições de pobreza, de fome, Ensino da Nutrição, ampliando de desigualdades regionais4. consideravelmente o mercado de trabalho do Nas duas primeiras décadas de nutricionista. existência do nutricionista (1940-1950), o _________________ Introdução 1 Professor titular do Departamento de Nutrição/CCS/UFSC. E-mail: [email protected] Nutricionistas egressas do Curso de Graduação em Nutrição/CCS/UFSC, bolsistas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC/CNPq/BIP/UFSC. 2 111 Vasconcelos, F. de A. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p.111-117, jan./jun.. 2006 A Nutrição em Saúde Coletiva voltavase às ações de caráter coletivo, visando à garantia de produção e consumo de alimentos adequados e acessíveis a todos os indivíduos da sociedade. Na área de Ensino caberia ao nutricionista o ensino de disciplinas de Nutrição nos Cursos de Graduação em Nutrição e outros da área de Saúde e afins4,5. Nos últimos vinte e cinco anos, sobretudo a partir de 1996, com a instituição da nova Lei de Diretrizes e Base da Educação (LDB), observou-se uma intensa expansão no número de Cursos de Graduação em Nutrição4,6-8. Segundo dados do Conselho Federal de Nutricionistas (CFN), até outubro de 2005 existiam 262 Cursos de Nutrição no país9. Por conseqüência, dados do CFN apontam um efetivo de 37.238 nutricionistas registrados, até 30 de março de 2005, nos distintos conselhos regionais10. Esta expansão do número de cursos e, conseqüentemente de nutricionistas no país, têm propiciado a ampliação e a diversificação do mercado de trabalho, provocando alterações nas condições de trabalho. Este contexto tem provocado o debate das distintas entidades da categoria (escolas, associações científicas, conselhos profissionais e sindicatos)11, bem como suscitado a realização de investigações que buscam retratar a realidade da atuação e das condições de trabalho do nutricionista2,7,1220 . O presente artigo refere-se aos resultados de um estudo mais amplo que procurou traçar um perfil quanti-qualitativo da atuação do universo de egressos do Curso de Nutrição da UFSC, visando à criação de subsídios que possam contribuir para a melhoria do processo de ensino de graduação e pós-graduação em Nutrição. Este artigo descreve aspectos relacionados à situação profissional (índices de emprego, desemprego e abandono da profissão), à jornada de trabalho e aos níveis salariais dos nutricionistas egressos da UFSC, no período de dezembro de 1983 a fevereiro de 2000. Ressalta-se que o Curso de Nutrição da UFSC foi criado em 10 de agosto de 1979 e implantado no primeiro semestre de 1980. A primeira turma de egressos colou grau em dezembro de 1983. Até fevereiro de 2000, 343 nutricionistas haviam colado grau. Até fevereiro de 2005, ao completar 25 anos de implantação, vinte e duas turmas haviam colado grau, totalizando 509 nutricionistas egressos da UFSC 7,8,16,19. Método Realizou-se estudo transversal descritivo, cujos procedimentos metodológicos iniciaram-se com o levantamento dos endereços residenciais e telefônicos do universo de nutricionistas egressos da UFSC, ao longo de dezembro de 1983 a fevereiro de 2000. Recorreu-se às listagens de endereços dos profissionais cadastrados no Conselho Regional de Nutricionistas (CRN-2), na Associação Catarinense de Nutrição (ACAN) e nas malas-diretas de eventos organizados pelo Departamento de Nutrição da UFSC. Dispôs-se também da relação de assinantes fornecida pelas Telecomunicações de Santa Catarina S.A. Ao final, localizaram-se 296 (86,3%) endereços. Não foram localizados os endereços de 47 (13,7%) egressos. Esses resultados são semelhantes aos de BOOG et al.12 sobre os egressos da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP), no qual 15,1% dos endereços não foram localizados. Aplicou-se um questionário autoresposta, desenhado especificamente para atender aos objetivos da pesquisa. A principal via de remessa do questionário foi o serviço de Correios. Utilizou-se também endereço eletrônico (e-mail), fax e contato pessoal para entrega dos questionários. As informações foram processadas no Microsoft Access 97. As variáveis foram analisadas a partir da distribuição de freqüência, acompanhada de cálculos de medidas de tendência central e dispersão (médias e desvios-padrão). Neste artigo apresentam-se os resultados relativos aos índices de emprego, desemprego e abandono 112 Vasconcelos, F. de A. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p.111-117, jan./jun.. 2006 da profissão; número de empregos por profissional; vínculos empregatícios e cargos ocupados; jornada de trabalho e níveis salariais, incluindo nível salarial médio em cada área de atuação profissional (Ensino, Nutrição Clínica, Nutrição em Saúde Coletiva e Alimentação Coletiva). Em relação aos índices de emprego e desemprego, considerou-se empregado o profissional que desempenhava atividades remuneradas na área da Nutrição no momento da pesquisa e desempregado aquele que não as exercia, mas estava à procura de emprego na área. Designaram-se vínculo empregatício quatro categorias de relações trabalho: empregados, empregadores, voluntários e/ou autônomos. O cargo designa a função específica do profissional junto ao órgão em que trabalha. Para especificar vínculo empregatício e cargo ocupado foi necessário estabelecer um emprego principal nos casos em que o profissional possuía mais de um emprego. Sendo assim, considerou-se emprego principal aquele de maior carga horária semanal e/ou de maior remuneração salarial e emprego secundário aquele de menor carga horária e/ou de menor remuneração salarial. Quanto à jornada de trabalho, considerou-se o total de horas trabalhadas semanalmente, sendo somadas as cargas horárias quando houvesse mais de um emprego. Em relação à variável nível salarial, os dados são apresentados em faixas salariais, tomando-se como referência o valor do salário mínimo vigente em agosto de 2001, igual a R$ 180,00 (cento e oitenta reais). O protocolo de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UFSC. Um Termo Consentimento Livre e Esclarecido assinado pelos nutricionistas participantes investigação, garantindo-se o sigilo e anonimato das informações obtidas. de foi da o Resultados e discussão Retornaram respondidos 131 questionários, perfazendo um índice de 44,2% de adesão à pesquisa. Esse resultado assemelha-se aos encontrados em estudos desta natureza realizados com nutricionistas12,13,18,20. Índices de emprego, desemprego e abandono da profissão De acordo com a tabela 1, verificou-se que 84,7% dos egressos encontravam-se empregados e exercendo a profissão de nutricionista. Apenas 4,6% encontravam-se desempregados, destacando-se o percentual de abando da prática profissional (6,9%). BOOG et al.12, a respeito dos egressos da PUCCAMP, encontraram um percentual inferior de desempregados (2,4%), enquanto PRADO & ABREU15, entre os nutricionistas residentes no Estado do Rio de Janeiro, encontraram índices mais elevados de desemprego (13,2%). Ressalta-se que o percentual de desemprego encontrado apresentou-se bem inferior aos índices do período, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (10% da população ativa) e pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócioeconômicos (DIEESE) (20% em algumas metrópoles brasileiras)21-23. Tabela 1. Distribuição dos nutricionistas egressos da UFSC de acordo com sua situação profissional Florianópolis, agosto de 2001. Situação profissional Empregado Abandonou a profissão Desempregado Nunca exerceu a profissão TOTAL N 111 9 6 5 131 % 84,7 6,9 4,6 3,8 100,0 113 Vasconcelos, F. de A. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p.111-117, jan./jun.. 2006 Dentre os motivos de abandono alegados, destacam-se a baixa remuneração (44%), o zelo à família (22%), a não identificação com a profissão (22,2%) e a falta de emprego (11,1%). A maioria daqueles que nunca exerceram a profissão (60%), ingressaram na pós-graduação imediatamente após o término do curso de graduação, justificando que nunca tenham trabalhado. Houve apenas um caso (20%) de dedicação imediata à família e outro (20%) de insegurança para o exercício da profissão. Em relação ao número de empregos dos 111 que exercem a profissão, 75 (67,6%) possuem apenas um emprego, 25 (22,5%) possuem dois empregos e 11 (9,9%) possuem três. Este achado assemelha-se ao de Prado & Abreu15, onde 62,3% dos nutricionistas estudados possuíam apenas um emprego. Quanto ao vínculo do principal emprego exercido, 81,1% são empregados, 11,7% são autônomos, 4,5% são empregadores, 0,9% é voluntário e 1,8% não responderam. Os empregadores atuam como gerentes ou administradores comerciais de empresas, destacando-se a venda de carnes exóticas, panificados e refeições prontas. No emprego secundário, entre os 36 egressos que possuem mais de um emprego, 63,9% são autônomos, 27,7% são empregados, 5,5% são empregadores e 2,7% é voluntário. Ainda em seus empregos secundários, a maioria dos autônomos atua em consultórios clínicos, enquanto a maioria dos empregados atua como docentes. Em relação ao cargo ocupado no emprego principal, 55,0% dos egressos atuam como nutricionistas, 19,8% como docentes e os demais desempenham variados cargos, tais como administradores, assessores, empresários, fiscais sanitários, gerentes, representantes de vendas, responsáveis técnicos e supervisores comerciais. Jornada de trabalho e níveis salariais Verificou-se que a maioria dos egressos trabalha semanalmente até 40 horas (69,4%), destacando-se o percentual de nutricionistas trabalhando com jornada semanal superior a 40 horas (25,2%) (Tabela 2). A média de jornada de trabalho perfaz um total de 35 ± 12,5 horas semanais. GAMBARDELLA et al.18 observaram que 88,7% dos egressos da USP trabalhavam 40 horas ou mais por semana, índice superior ao encontrado entre os egressos da UFSC. Tabela 2. Distribuição da jornada semanal de trabalho dos nutricionistas egressos da Florianópolis, agosto de 2001. Jornada semanal (horas) < 10 N 9 % 8,1 % acumulado 8,1 10 ├– 20 7 6,3 14,4 20 ├–30 22 19,8 34,2 30 ├– 40 39 35,2 69,4 > 40 28 25,2 94,6 Não responderam 6 5,4 100,0 TOTAL 111 100,0 --- A média salarial encontrada foi de R$ 1.311,93, correspondente a 7,3 ± 4,3 salários mínimos. Resultado semelhante também foi encontrado por Boog et al.13 entre UFSC. os egressos da PUCCAMP, onde se verificou uma faixa salarial média entre 6 e 8 salários mínimos mensais. Na tabela 3 apresenta-se a distribuição dos níveis salariais encontrados, 114 Vasconcelos, F. de A. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p.111-117, jan./jun.. 2006 onde se observa que a maioria recebe menos de 10 salários mínimos mensais (66,7%). Em estudo anterior realizado em Florianópolis, os resultados mostraram-se semelhantes, uma vez que 65% dos nutricionistas investigados ganhavam menos de 10 salários mínimos16. Além disso, observa-se que esses resultados destoam com a reivindicação de um piso salarial de 10 salários mínimos para uma jornada de trabalho de 30 horas semanais, com proporcionalidade salarial à jornada que ultrapasse este limite, aspirada pelas entidades da categoria profissional em meados da década de 198016. Prado & Abreu15 verificaram que a carga horária média de trabalho dos nutricionistas do Estado do Rio de Janeiro totalizava 36,8 horas semanais, com remuneração média de 7,5 salários mínimos, demonstrando semelhança aos valores observados entre os egressos da UFSC. Tabela 3. Distribuição dos nutricionistas egressos da UFSC de acordo com a faixa salarial . Florianópolis, agosto de 2001. Faixa salarial (salário mínimo) < 3 3 ├– 5 5 ├– 10 10├– 15 15 Não responderam TOTAL N 9 23 42 15 7 15 111 % 8,1 20,7 37,9 13,5 6,3 13,5 100,0 % acumulado 8,1 28,8 66,7 80,2 86,5 100,0 --- Observou-se entre os 75 nutricionistas que possuem apenas um emprego uma média salarial de 7,8 ± 4,6 salários mínimos. Entre os 36 que possuem mais de um emprego, a média salarial encontra-se na faixa dos 6,4 ± 3,0 salários mínimos. Ou seja, os nutricionistas com apenas um emprego possuem rendimentos mensais médios superiores aos que possuem mais de um emprego. Por fim, observaram-se os maiores índices salariais na área de Ensino. As áreas da Alimentação Coletiva, Nutrição Clínica e Nutrição em Saúde Coletiva revelam níveis salariais semelhantes, correspondendo aproximadamente a uma média de 3,3 salários mínimos mensais. Boog et al.13 também não detectaram diferenças salariais importantes entre as distintas áreas de atuação do nutricionista. quando comparado aos índices encontrados pelo IBGE e DIEESE entre a classe trabalhadora em geral. A maioria dos profissionais encontra-se empregada e vinculase à instituição onde trabalha como nutricionista. A maioria dos egressos possui apenas um emprego, recebendo remuneração salarial superior a dos egressos com mais de um vínculo empregatício. A área de Ensino revela-se como a que melhor remunera, enquanto as áreas de Alimentação Coletiva, Nutrição Clínica e Nutrição em Saúde Coletiva não demonstram diferenças salariais importantes. Apesar disso, a remuneração salarial média não atende às reivindicações da categoria profissional. Em relação aos índices de adesão à pesquisa, cabe apontar as limitações da presente investigação, embora o percentual de adesão obtido tenha sido semelhante aos de outros estudos realizados no país. Sendo assim, Conclusão é preciso ressaltar que a generalização dos Os resultados indicaram um baixo resultados da presente investigação para o índice de desemprego entre os nutricionistas universo dos nutricionistas egressos da UFSC, 115 Vasconcelos, F. de A. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p.111-117, jan./jun.. 2006 no período analisado, deve ser feita com bastante cautela. Enfim, a realização de investigações sobre perfil profissional e mercado de trabalho revela-se de grande importância. Para o campo da formação acadêmica, os resultados destes estudos poderão direcionar a formulação de propostas visando à melhoria do ensino de graduação e pós-graduação em Nutrição no país. Para o campo da atuação profissional, estudos desta natureza revelam-se não menos essenciais, uma vez que podem captar a dinâmica do processo de atuação do nutricionista na sociedade brasileira e, por conseqüência, sinalizar aos profissionais as atuais condições e as novas tendências e exigências do mercado de trabalho. Referências bibliográficas 1. ASBRAN (Associação Brasileira de Nutrição). Histórico do Nutricionista no Brasil - 1939 a 1989: coletânea de depoimentos e documentos. São Paulo: Ateneu, 1991. 444 p. 2. Bosi MLM. Profissionalização e conhecimento: a Nutrição em questão. São Paulo: Hucitec, 1996. 205 p. 3. Vasconcelos FAG. Fome, eugenia e constituição do campo da nutrição em Pernambuco: uma análise de Gilberto Freyre, Josué de Castro e Nelson Chaves. 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A biodisponibilidade do ferro é determinada pelo estado fisiológico e nutricional do indivíduo, pela forma química do ferro e a presença de inibidores e facilitadores da absorção. Os fatores dietéticos primários da quantidade de ferro absorvida são o conteúdo de ferro heme e de ferro não-heme e o balanço entre os fatores que influenciam sua biodisponibilidade. O ferro heme, mais solúvel no trato gastrointestinal, tem melhor absorção comparado ao ferro não-heme. Entre os fatores inibidores da absorção do ferro não-heme estão fitatos, proteína de soja, polifenóis, fibra alimentar, cálcio, zinco e produtos da reação de Maillard. Entre os fatores promotores da absorção do ferro não-heme estão o ácido ascórbico e outros ácidos, “fator carne”, vitamina A e β-caroteno. A interação dos promotores e inibidores é determinante na biodisponibilidade do ferro. Muitos conhecimentos sobre a interação do ferro com outros elementos já estão consolidados e devem ser aplicados nas práticas de fortificação de alimentos ou suplementação. Palavras-chave: biodisponibilidade, ferro heme, ferro não-heme, interação Abstract: This paper presents a review on iron and the factors that interfere in its bioavailability. The study of bioavailability of minerals and its interaction with other nutrients is becoming more and more important due to the increase of the offer of fortified products and of the crescent use of alimentary supplements, especially with iron. Iron is a mineral of extreme importance for the human organism. In Brazil, the deficiency of iron affects mainly children from 6 to 60 months old, with prevalence around 50%. The bioavailability of iron is determined by the individual’s physiologic and nutritional state, for the chemical form of iron and the presence of inhibitors and facilitators of absorption. The primary dietary factors of the amount of iron absorbed are the amount of heme iron and nonheme iron and the balance among the factors that influence its bioavailability. Heme iron, more soluble in the intestine, has better absorption compared to nonheme iron. Among the inhibiting factors of absorption of nonheme iron are phytate, soy protein, polyphenols, alimentary fiber, calcium, zinc, and products of the reaction of Maillard. Among the factors that promote the absorption of nonheme iron are the ascorbic acid and other acids, “factor meat”, vitamin A and β -carotene. The interaction of the promoters and inhibitors is decisive in the bioavailability of iron. Many studies about the interaction of iron along with other elements have already been consolidated and they should be applied to the practices of fortification of food or supplementation. Keywords: bioavailability, heme iron, nonheme iron, interaction Introdução O ferro é um mineral de extrema importância para o organismo pois participa do transporte de oxigênio, síntese do DNA, transporte de elétrons e outras funções ________________ essenciais 1. No entanto, a deficiência de ferro é a carência nutricional mais comum no mundo 2,3 e a causa de 90% dos casos de anemia. No Brasil a prevalência da anemia é em torno de 20% em adolescentes, 15 a 30% em gestantes e de até 50% em crianças de 6 a 60 meses 4. 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Nutrição. Departamento de Nutrição, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal de Santa Catarina. [email protected] 2 Professora do Departamento de Nutrição, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal de Santa Catarina. 118 Parisenti, J. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p.118-125, jan./jun.. 2006 A deficiência de ferro e a anemia ferropriva devem-se em grande parte a baixa ingestão de ferro aliada à baixa biodisponibilidade deste mineral. Para apresentar boa biodisponibilidade o nutriente deve estar disponível para absorção no lúmem intestinal, ser absorvido, retido e utilizado pelo organismo 2. A homeostase de ferro no organismo deve ser muito bem controlada, pois embora a deficiência seja preocupante, o excesso também pode ser tóxico para o organismo. O efeito tóxico do ferro no organismo deve-se principalmente a capacidade de gerar radicais nocivos a células e tecidos. Além de doenças como a hemocromatose hereditária, o excesso de ferro pode ser uma das causas de câncer de fígado 5. Fatores que interferem biodisponibilidade do ferro na A disponibilidade do ferro na dieta é fortemente determinada por fatores relacionados com o indivíduo (fisiológicos), como estado fisiológico e nutricional, e com a dieta, em especial a forma química do ferro e presença de inibidores e facilitadores da absorção 6. Fatores fisiológicos As variações fisiológicas individuais como eficiência da digestão, ingestão anterior do nutriente, estado nutricional, tempo de trânsito intestinal, doenças gastrointestinais 7, além de variações genéticas, doenças e uso de medicamentos 8 afetam a biodisponibilidade do ferro e de outros nutrientes. Estudos sugerem que em condições onde a necessidade de ferro está aumentada como na gravidez, período de crescimento (infância) e perdas sanguíneas, a sua absorção está aumentada 1. Doenças que causam alterações nas secreções gástricas e intestinais (acloridria), aumento da motilidade gastrointestinal, síndrome da má absorção e hemorragia crônica também podem interferir 8,2 A deficiência de ferro promove maior absorção desse mineral sendo a homeostase mantida pelo controle da absorção intestinal 9,10 . Estima-se que indivíduos com carência de ferro absorvem até 20% do ferro não-heme e 35% do ferro heme, enquanto indivíduos com estoques normais absorvem em torno de 2% e 15% 9. Estudo realizado por Hunt & Roughead 11 em que avaliaram 31 homens, durante 12 semanas, consumindo dietas com igual quantidade de ferro total, mas com diferentes biodisponibilidades (alta e baixa), mostra que a absorção do ferro (heme e não-heme) não foi correlacionada com os níveis de ferritina sérica. No entanto, foi observado que na dieta de baixa biodisponibilidade houve diminuição da excreção de ferritina fecal. Observou-se uma resposta adaptativa na absorção de ferro não-heme (mas não no ferro-heme) em relação a biodisponibilidade da dieta, resultando em diminuição da absorção na dieta de alta biodisponibilidade (3,4% - 2,1%) e aumento na dieta de baixa biodisponibilidade (0,7% 0,9%) com o passar das semanas do estudo. A diferença na absorção do ferro não-heme entre as dietas no início do estudo era de 5 vezes, no final do experimento diminuiu para 2 vezes. Essa mudança na absorção aconteceu mais pronunciadamente em indivíduos com baixos níveis de ferritina sérica. A incorporação do ferro absorvido pelos heritócitos foi inversamente correlacionada com a ferritina sérica. Este foi o primeiro estudo longitudinal sobre absorção do ferro e sugere que estudos de curta duração podem superestimar diferenças na biodisponibilidade entre dietas. Fatores dietéticos Dietas que apresentam um balanço positivo entre inibidores e facilitadores da absorção de ferro e boa quantidade de carne são consideradas de alta biodisponibilidade 11 e propiciam absorção de seis vezes mais ferro 119 Parisenti, J. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p.118-125, jan./jun.. 2006 que dieta com a mesma quantidade de ferro, mas de baixa biodisponibilidade 12. Fatores inibidores Entre os fatores inibidores da absorção do ferro não-heme estão fitatos, proteína de Forma química (especiação) soja, polifenóis (taninos), fibra alimentar, Através da alimentação podemos cálcio, zinco, produtos da reação de Maillard, consumir dois tipos de ferro, heme e não-heme. avidina (ovo), ácido oxálico (espinafre), O ferro heme é derivado da hemoglobina e fosfatos e outros elementos inorgânicos (Cu, mioglobina das carnes e apresenta-se na forma Mn) 6. Fe+2 (íon ferroso). O ferro não-heme está presente nos alimentos vegetais, ovo, leite e Fitatos parte não-heme das carnes (ferritina, hemossiderina e ferro heme oxidado) e O fitato, presente nos grãos de cereais, apresenta-se principalmente na forma Fe+3 (íon nas sementes de legumes e proteína texturizada férrico), menos solúvel no organismo 9. de soja, é o principal fator responsável pela Embora as taxas de absorção do ferro baixa absorção do ferro nestes alimentos e seus variem muito, estima-se que o ferro heme é derivados 18. absorvido em torno de 15 – 30 % e o ferro nãoA interação ferro e fitato ocorre porque heme entre 2 – 20% 13. o fitato não é digerido e liga-se facilmente ao Cerca de 40% do ferro das carnes está ferro, formando compostos insolúveis na forma de ferro heme. Alimentos à base de impedindo sua absorção 19. Conforme a sangue de animais e moluscos (em especial quantidade de fitato fosfatado aumenta na mexilhões) são os alimentos (não fortificados) refeição, diminui a absorção de ferro 20. que apresentam as maiores quantidades de Alguns processos como a fermentação, ferro. A carne vermelha (bovina) tem mais a germinação e o “deixar de molho” podem ferro por apresentar mais vasos sanguíneos, ativar as enzimas fitases presentes nos grãos de mioglobina e hemoglobina que as carnes cereais, degradando o conteúdo de fitato e brancas 14,15. melhorando a absorção do ferro 18,21,22. O Os alimentos de origem vegetal processo térmico de extrusão também diminui fornecem ferro não-heme sendo a quantidade e o fitato e os taninos de sementes 22. biodisponibilidade dependente da idade da planta, horas de luz solar durante a fase de Proteína de soja crescimento, hora do dia e estação do ano no momento da colheita, matriz alimentar, Quanto à proteína de soja, além do resíduos de pesticidas e fertilizantes 16, além conteúdo de fitato, a redução da absorção de dos demais fatores dietéticos facilitadores e ferro deve-se as proteínas de alto peso inibidores da absorção. molecular e polipeptídios produzidos pela digestão gastrointestinal que podem também ligar-se ao ferro no duodeno e impedir sua Interação do ferro com outros nutrientes absorção. A fração conglicina da proteína de A absorção do ferro não-heme é soja também pode ser responsável pela fortemente influenciada por fatores promotores diminuição da biodisponibilidade 23. e inibidores presentes na dieta 9,17. Para o ferro heme os únicos fatores dietéticos que parecem Polifenóis (taninos) influenciar na sua biodisponibilidade são o cálcio e a carne presentes na refeição 3. Os polifenóis (ácidos fenólicos e derivados, flavonóides e taninos) presentes nos 120 Parisenti, J. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p.118-125, jan./jun.. 2006 alimentos vegetais e em grandes quantidades nas bebidas como chá, café, chá verde, cocacola e vinho tinto são potentes inibidores da absorção do ferro 18. O consumo de chá verde ou preto junto com a refeição diminui a biodisponibilidade de ferro 24. A absorção do ferro em humanos, diminuiu cerca de um terço quando se adicionou no pão 12mg de tanino. O efeito inibitório foi maior com a adição de doses de 26mg e 55mg, esta última reduziu a absorção em aproximadamente 70%. Com superdoses de 263mg e 833mg deste ácido, a absorção reduziu cerca de 80% 20. 1,1mg de ferro heme e 4,3mg de ferro não heme. A esta refeição foi adicionado 127mg de cálcio. A absorção de ferro heme foi de 15%. Cerca de 11% do conteúdo de ferro não-heme contido na refeição passou do lúmem intestinal para a mucosa e 7% foi absorvido. Segundo os autores, esta quantidade de cálcio não foi suficiente para alterar significativamente a absorção de ambas formas de ferro. Todavia, dois terços do ferro nãoheme captado pela mucosa intestinal 8 horas após a ingestão da refeição foi retido pelo corpo depois de duas semanas (transferência serosal). Isto quer dizer que uma quantidade considerável de ferro não-heme que entrou nas células da mucosa não foi transferida para o Fibra dietética organismo (cerca de 37%), indicando que além Os estudos para avaliar a influência da do controle primário da regulação da absorção fibra na biodisponibilidade de ferro são através da entrada do ferro não-heme nas conflitantes, pois existem poucas informações células da mucosa, a transferência serosal de estudos “in vivo” 25. também exerce um papel importante. 26 21 Gibson e Brune et al. , defendem O efeito de um componente dietético que as fibras por si só não exercem grande específico na absorção do ferro pode ser influência na absorção do ferro e o efeito superestimado em estudos de inibitório dos cereais e seus derivados podem biodisponibilidade de curta duração ou com ser atribuídos ao alto nível de fitatos e aos refeição única, enquanto que em períodos de produtos de sua degradação. tempo maiores as respostas de mecanismos Um estudo “in vitro” apontou que a adaptativos podem evitar este efeito verificado. biodisponibilidade de ferro é reduzida em 32% Sugere-se que a diminuição do conteúdo de pela pectina altamente esterificada, 2,2% pela ferro no plasma, observada no início dos oligofrutose e 2,1% pela a pectina pouco experimentos, modificaria o desenvolvimento esterificada, enquanto que a inulina não dos enterócitos nas criptas das vilosidades mostrou alterar a quantidade de ferro intestinais, estimulando a produção de disponível 27. proteínas específicas, que induziria um melhor aproveitamento do ferro dietético quando estas células alcançassem a maturidade. Assim, Cálcio mesmo em dietas suplementadas com cálcio, as O cálcio é o único componente dietético reservas orgânicas de ferro não seriam conhecido capaz de inibir a absorção das duas comprometidas 29. formas de ferro (ferro heme e não-heme) 3. Esta interação ocorre nas células da mucosa Zinco através de mecanismo intracelular comum para ambos os minerais, especialmente quando são Em relação ao zinco, a inibição da consumidos concomitantemente 28. absorção do ferro parece depender da forma Roughead et al. 10 testaram o efeito química dos minerias, da proporção entre eles e inibitório do cálcio na absorção do ferro em da matriz alimentar. O mecanismo de interação humanos. A refeição teste continha cerca de 121 Parisenti, J. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p.118-125, jan./jun.. 2006 destes minerais parece surgir da afinidade mútua pela proteína carregadora transferrina 26. Segundo Pedrosa & Cozzolino 30, a proporção ferro:zinco encontrada nos alimentos naturais (0,5 a 2) possivelmente não exerce influência no processo competitivo, com exceção dos alimentos fortificados. Herman et al. 31, estudaram em crianças o efeito do óxido de zinco e do sulfato de zinco na absorção do ferro (sulfato ferroso) fortificado na farinha de trigo refinada. A absorção de ferro e zinco foi considerada boa, contudo, a co-fortificação da farinha com sulfato de zinco aparentemente reduziu a absorção de ferro. Essa inibição não foi notada quando a co-fortificação deu-se com óxido de zinco, menos solúvel em água. A vitamina A e o β-caroteno aumentam a absorção de ferro não-heme de diversos cereais, formando complexos solúveis com o ferro e prevenindo o efeito inibidor dos fitatos e polifenóis na absorção de ferro 34. Compostos de ferro: sódio-ferro-EDTA, ferro quelado com glicina e sulfato ferroso Suplementos como sódio-ferro-EDTA, ferro quelado com glicina e sulfato ferroso são utilizados no tratamento e prevenção de anemia. O EDTA (etileno diamino tretraacetato) é adicionado nos alimentos como um antioxidante na forma de Na2ETDA (di-sodio etileno diamino tretraacetato). Possui a capacidade de aumentar a biodisponibilidade de ferro por ligar-se a ele formando um Fatores promotores composto quelado (NaFeETDA), protegendo o Entre os fatores promotores da absorção ferro dos fatores inibidores, como o fitato 35. do ferro não-heme estão os ácidos ascórbico Um estudo realizado por MacPhail 36, (mais potente), cítrico, maláico, tartárico, lático em humanos, observou que a adição de ferro 25 e eritórbico (estéreo isômero do ácido (sulfato ferroso) e EDTA na fração molar de ascórbico empregado como antioxidante na 0,5 a 1 aumentou em 5 vezes a absorção do indústria de alimentos)32. Também o “fator ferro, quando comparada com adição de apenas carne”, vitamina A e β-caroteno, compostos de ferro. Frações molares superiores a 1 ferro como EDTA (etileno diamino mostraram diminuição da absorção de ferro. tretraacetato), ferro quelado com glicina e No entanto, o uso prolongado de EDTA sulfato ferroso, álcool 2. pode induzir depleção de elementos traços, particularmente zinco. Ácido ascórbico “Fator carne” O ácido ascórbico melhora a absorção do ferro devido a sua capacidade óxidoO “fator carne” presente na carne redutora, convertendo o ferro férrico para a vermelha, cordeiro, porco, frango, peixe e forma ferrosa que é mais solúvel no pH do fígado aumentam a absorção de ferro. Outros duodeno, evitando a formação de hidróxido alimentos de origem animal como o leite, férrico insolúvel. Também no estômago, em queijo e ovos podem diminuir o ferro pH altamente ácido, o ácido ascórbico forma disponível, demonstrando que não seria a compostos solúveis com íons férricos proteína o fator responsável pelo aumento da mantendo essa solubilidade a pH alcalino no biodisponibilidade do ferro 9. Possivelmente a duodeno 33. O ácido ascórbico pode prevenir os proteína de moluscos e crustáceos também efeitos inibitórios dos polifenóis e fitatos 20. apresenta o “fator carne” 37. O efeito promotor do “fator carne” parece estar relacionado ao alto nível do Vitamina A e β-caroteno aminoácido cisteína presente no tecido 122 Parisenti, J. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p.118-125, jan./jun.. 2006 muscular destes animais 38,11. A cisteína liga-se ao ferro, reduzindo a forma férrica (ferro nãoheme) à ferrosa 18. Embora a alta temperatura reduza a quantidade de cisteína presente na carne, o efeito promotor mantem-se após o cozimento 38. Em estudo com ratos deficientes em ferro a adição de carne ao feijão promoveu um aumento na biodisponibilidade do ferro em 147% 24. Embora a absorção de ferro varie muito, estima-se que em dieta com grande quantidade de carne, cerca de 10-15% do ferro total ingerido é absorvido. Aproximadamente 25% do ferro heme é absorvido e 10% do não-heme em dietas contendo carnes 2. Tratamento térmico e absorção do ferro Com o cozimento, parte do ferro heme presente nas carnes é convertido em ferro nãoheme 11. Essa perda de ferro heme deve-se a desnaturação da hemoglobina e mioglobina, onde o ferro esta armazenado, com oxidação e quebra do anel porfirínico e conseqüente liberação do ferro, o qual passa a fazer parte do pool de ferro não-heme. Segundo vários autores a quantidade de ferro heme convertido em ferro não-heme pode variar de 10 – 100% e depende da temperatura e tempo de cozimento 38 . A adição de 1,5 a 3% de sal de cozinha (NaCl), antes da cocção diminui os efeitos da alta temperatura sobre o ferro heme 39. Considerações Finais A deficiência de ferro representa a carência nutricional mais comum no mundo. O crescente uso de suplementos alimentares e o aumento da oferta de produtos fortificados ressaltam a importância de estudos sobre a biodisponibilidade de minerais. Novas pesquisas são necessárias para melhor compreensão das interações do ferro com outros nutrientes ou substâncias adicionadas aos alimentos, elucidando principalmente os mecanismos que permitem o aumento ou redução da biodisponibilidade desse mineral. Apesar dos mecanismos envolvidos na biodisponibilidade de ferro não serem ainda totalmente compreendidos, muitos conhecimentos sobre a interação do ferro com outros elementos já estão consolidados e podem ser aplicados nas práticas de fortificação de alimentos ou suplementação. Dessa forma é possível evitar uma ingestão deficiente ou excessiva, prevenindo-se um desequilíbrio no estado nutricional do ferro e de outros nutrientes. Referências Bibliográficas 1. Gurzau ES, Neagu C, Gurzau AE. Essential metals—case study on iron. Ecotoxicology and Environmental Safety 2003; 56:190– 200. 2. Fairweather-Tait SJ. Bioavailability of trace elements. Food Chemistry 1992; 43: 213-17. 3. Patterson AJ, Brown WJ, Roberts DCK. Development, prevention and treatment of iron deficiency in women. Nutrition Research 1998; 18 (3): 489-502. 4. MINISTERIO DA SAÚDE. Disponível em URL: http://portal.saude.gov.br/alimentacao/def_ ferro.cfm. Acesso em: 15/05/04. 5. Papanikolaou G, Pantopoulos K. Iron metabolism and toxicity. Toxicology and Applied Pharmacology 2005; 202 (2): 199211. 6. Heath ALM, Fairweather-Tait SJ. Clinical implications of changes in the modern diet: iron intake, absorption and status. Best practice & Research clinical Haematology 2002; 15 (2):225-41. 7. Jackson MJ. 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Este trabalho apresenta a experiência vivenciada, pelas acadêmicas da 8ª unidade curricular do curso de Enfermagem da UFSC, resultante da prática assistencial de conclusão de curso, apresentada à disciplina de Enfermagem Assistencial Aplicada. Foi desenvolvido no período de 30 de agosto de 2005 a 31 de outubro de 2005, no Serviço de Saúde da Fundição Tupy, localizada em Joinville. Utilizando como A Enfermagem Humanística no Cuidado Perioperatório à criança e seu familiar Maceno, P. R.; Reis, S. da S.; Maia, A. R. C. Este trabalho é o relato do desenvolvimento da prática assistencial, visando atender as necessidades da disciplina Enfermagem Assistencial Aplicada da VIII Unidade Curricular do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina. Nosso objetivo foi desenvolver uma assistência humanizada de Enfermagem durante os períodos pré, trans e pós-operatórios, a crianças submetidas a cirurgias ambulatoriais no Hospital Infantil Joana de Gusmão, baseandose na Teoria de Josephene E. Paterson e Loretta J. Zderad. A população de estudo foram crianças de um a dez anos submetidas à cirurgia ambulatorial, especificamente Herniorrafia. A metodologia assistencial utilizada foi a realização de consultas de enfermagem nas visitas domiciliares A prática de enfermagem como processo educativo em saúde: a contribuição dos agentes comunitários na prevenção precoce e DST Matos, L. H. L; Romanini, L. K.; Cardoso, S. B. de A.; Cartana, M. do H. F. Este trabalho consiste em uma reflexão, através do projeto teórico-prático assistencial, desenvolvido na disciplina de Enfermagem Prática Assistencia Aplicada, da VIII Unidade Curricular do Curso de graduação de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Foi executado na Unidade Básica de Saúde do Sapé, FlorianópolisSC, no período de março a junho de 2005, objetivando a vivência experiência e ponderação do processo educativo e preventivo na Atenção Primária à Saúde. Nossa proposta refere-se à construção, implementação e avaliação de uma proposta pedagógica fundamentada em Paulo Freire O processo do nascimento no sistema prisional: assistência de enfermagem a gestantes, puérperas e recém-nascidos em privação de liberdade Oliveira, A. M. de; Cordeiro, C. G.; Rosinski, T. C.; Monticelli, M. Trata-se de um relato de experiência sobre a prática assistencial desenvolvida pelas acadêmicas da última fase do curso de graduação em enfermagem da UFSC, no Presídio Feminino de Florianópolis-SC, no período de 30 de agosto a 31 de outubro de 2005. Este estudo teve como principal objetivo prestar assistência de enfermagem a gestantes, puérperas e recém- referencial teórico a Teoria do Auto Cuidado de Dorothea Orem, foram assistidos, trabalhadores com níveis pressóricos elevados, por meio de consultas de enfermagem, estendendo o cuidado aos familiares no domicílio, bem como foram realizadas atividades educativas, com o objetivo de atingir uma parcela maior de trabalhadores. Ao término deste trabalho, as acadêmicas consideram que foi possível vivenciar uma experiência ímpar, na qual estabeleceu-se uma interação trabalhador-enfermagem, além da aplicação de uma metodologia da assistência fundamentada num referencial teórico favorecendo as práticas de auto cuidado. pré e pós-operatórias, acompanhamento à criança/família na chegada ao Hospital, no trans-operatório, no pós-operatório imediato e mediato, bem como, o acompanhamento da criança na consulta pós-operatória. Desta forma, percebemos que as visitas domiciliares pré-operatórias tiveram como resultado um trans-operatório menos estressante, pois à criança sentia-se confiante com a nossa presença no Centro Cirúrgico, facilitando o processo anestésico. Além disso, após as informações sobre o processo cirúrgico, fornecidas à criança, família, houve uma melhor compreensão facilitando a segurança, tranquilidade e auxiliando na recuperação cirúrgica. Concluímos que o cuidado de crianças em situações perioperatórias com a filosofia do cuidadohumanizado assegura uma assistência de qualidade e restabelecimento mais rápido. Tornando o cuidador, a criança e sua família mais sensíveis e possibilitando o enfermeiro/cuidador ser reconhecido por sua humanindade/sensibilidade e competência técnico científica como um profissional do cuidado. envolvendo a Enfermeira, Agentes Comunitários de Saúde e adolescentes, da área de abrangência da Unidade, na prevenção da gravidez precoce e das Doenças Sexualmente Transmissíveis. Visa aprimorar as Estratégias de Saúde da Família no âmbito da educação, utilizando as concepções do educador Paulo Freire voltadas à educação, prevenção, promoção e manutenção da saúde dos jovens locais, que já iniciaram ou iniciarão sua vida sexual, com risco de uma eventual gravidez ou exposição às DST. Através de processos educativos como a construção de conhecimentos relacionados e a elaboração de uma peça teatral, para a abordagem e resgate das situações com os jovens, proporcionou-se a reflexão da realidade com as ACS. Por meio da proposta de educação em saúde, conseguimos pensar coletivamente sobre a situação local e construir saberes que podem, potencialmente, refletir na melhoria da qualidade de vida da população. nascidos em privação de liberdade, fundamentada na Teoria Geral de Enfermagem de Dorothea E. Orem. Entendeu-se como pressuposto do estudo, que a enfermagem deve estar presente no ambiente institucional para ajudar as mulheres privadas de iberdade, que vivenciam o processo do nascimento, a aumentarem seus potenciais e habilidade para o autocuidado e para serem agentes dos cudiados aos recém-nascidos. Assumiu-se que a enfermagem deve ser suporte nesses períodos desenvolvimentais, instrumentalizando-as com conhecimentos e práticas que as promovam como agentes ativos neste processo, mesmo estando inseridas em um contexto prisional. O marco conceitual adotado para a prática fez referência aos conceitos de ser humano, enfermagem, 126 Resumos Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p.126-129, jan./jun.. 2006 processo saúde-doeça, sociedade/meio-ambiente, autocuidado, demanda terapêutica (ou requisito, ou exigência) de autocuidado, déficits de autocuidado, sistemas de enfermagem, competência do indivíduo para o autocuidado e competência ou poder da enfermagem para agenciar o autocuidado. A metodologia adotada para a prática assistencial com as mulheres e seus filhos compreendeu a consulta de enfermagem (contemplando três fases concomitantes e complementares: coleta de dados, plano de cuidados e implementação, e evolução de enfermagem) e abordagens coletivas (oficinas com temáticas pertinentes ao processo de nascimento). A vivência com estas mulheres e seus filhos dentro do contexto prisional, em ambas as atividades, oportunizou a identificação dos requisitos e habilidades de autocuidado de cada mulher, sendo que através desta relação foi possível o estabelecimento dos déficits para o autocuidado. A partir destas identificações foram emitidas as metas assistenciais introjetadas de modo participativo, visando a resolução dos déficits apresentados. Os resultados deste trabalho proporcionaram um maior entendimento das relações de cuidado adotadas por estas mulheres a partir dos recursos que dispõem ara tal, assim ocmo os valoers da sociedade civil e do universo carcerário que se fundem dentro desta realidade. Conseguiu-se atuar junto às mulheres de maneira participativa, ajudando a empoderá-las para as ações de auto-cuidado, desenvolvendo aprimorando habilidades para o contínuo processo de cuidar. “Minha maluquez, misturada com minha lucidez”: A atuação de acadêmicos de enfermagem junto a adolescentes usuários de um CAPSi Travelbee e o Método Problematizador de Paulo Freire. A arte de “se olhar olhando” tem nos proporcionado ver, sentir, interpretar e agir com estes adolescentes entre de 15 a 18 anos. Temos compreendido com os participantes do estudo que a diversidade e modificações biopsicossociais da adolescência, associadas à necessidade de superação da realidade é um fazer acontecendo e um conhecer vivendo. As transformações naturais, muitas vezes julgadas como transtorno ou mau comportamento social, servem como justificativa para a baixa autoestima, isolamento, estigma e falta de sentido de vida a eles atribuídos. Nossa atuação enquanto acadêmicos tem sido impulsionada pela problematização, discussão das escolhas, criação de oportunidades para repensarmos juntos aos adolescentes, suas trajetórias de vida, assim como as nossas, descortinando cada cena e com isto buscando as tão almejadas liberdade e felicidade. Hagemann, S.; Zardo C.; Marcelino, M. A.; Sprícigo, J. S. Com a necessidade de elaboração de um projeto de assistência para conclusão do Curso de Graduação em Enfermagem e motivados pelo processo atual da Reforma Psiquiátrica brasileira, iniciamos nosso projeto. Neste relato destacamos a assistência de enfermagem prestada a adolescentes que vivenciam alguma dificuldade em relação a sua saúde mental. Para concretizar essa assistência selecionamos usuários de um Centro de Atenção Psicossocial (CAPSi), em Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. Como referencial teórico utilizamos a Relação Pessoa Pessoa de Joyce Redescobrindo a vida: o cuidado de enfermadem junto ao paciente com dianóstico de câncer fundamentado em Dorothea E. Orem e Hildegard E. Peplau Souza, H. E. de¹; Hendges, L.¹; Radünz, V.² No presente Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina, apresentamos o caminho trilhado desde a elaboração do projeto assistencial, sua implementação e o relatório desta prática, Promoção da Saúde do Trabalhador de Enfermagem Psiquiátrica Sanches, A. D.¹; Martins, T. S.¹; Albuquerque G. L. de²; Sprícigo, J. S.² Desenvolver a Assistência de Enfermagem e Educação Continuada aos trabalhadores da área de Enfermagem Psiquiátrica, visando o cuidado de si e o cuidado de outro, na perspectiva da humanização da atenção em saúde. A metodologia utilizada fundamentou-se na Teoria Humanística Uma caminhada com Florence Nightingale: cuidando de mulheres gestantes/puérperas e suas famílias em busca do fortalecimento de seu poder vital Mocellin, A.¹; Rodriguez, I. G.¹; Justino, M. M.¹; Carraro, T. E.² Este trabalho relata um caminhada com mulheres que vivenciam o período gestacional e puerperal e suas famílias, descrevendo as vivências, experiências e o aprendizado no cuidado ao paciente com diagnóstico de câncer, incluindo neste processo seu acompanhante. Foi desenvolvido no Hospital de Internação do CEPON, na Unidade de Oncologia Clínica. A população alvo compreendeu os pacientes internados nesta Instituição. O Referencial Teórico utilizado foi o processo de enfermagem proposto pelas enfermeiras do CEPON (ÁVILA, 1997) que está baseado nas teorias de autocuidado de Dorothea E. Orem e do inteacionismo de Hildegard E. Peplau. de Paterson & Zderad, tendo a observação participante, sobre o que ocorre no campo e na cena observada, princípios da metodolia problematizadora, para criarmos um ambiente reflexivo. Aplicando o lúdico, a motivação nos encaminhando a educação permanente. Considerando a temática proposta, buscamos com os trabalhadores conhecer meios de extravasar seus sentimentos, mostrando que é possível prestar um cuidado de Enfermagem, respeitando o cliente, e o colega de profissão, aprendendo a reduzir a influência de sentimentos de raiva sobre si e sobre as outras pessoas, seja por gestos ou palavras. utilizando o Modelo de Cuidado de Carraro elaborado em 1994 para cuidar de pacientes cirúrgicos sob o título de: A Trajetória de Enfermagem junto ao Ser Humano e sua família na Prevenção de Infecções, embasado na teoria de Florence Nightingale. Foi desenvolvido no alojamento conjunto e sala de espera do ambulatório gineco/obstetra do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina, no Grupo de Casais Grávidos do HU, no Grupo de Gestantes da Igreja Santíssima Trindade e no domicílio de mulheres gestantes/puérperas, na cidade de Florianópolis – SC. Os 127 Resumos Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p.126-129, jan./jun.. 2006 relatos, junto às cinco mulheres gestantes/puérperas e suas famílias que caminhamos, são neste apresentados e analisados a partir dos objetivos traçados. A realização destas caminhadas contribuiu para visualização da oscilação e fortalecimento do poder vital dos envolvidos. Desta forma pudemos concluir a importância de ver e valorizar a mulher como um ser integral e Empoderando o ser mulher trabalhadora para o autocuidado em amamentação à luz da teoria de Dorothea E. Orem Gonçalves, J.¹; Mendes, B.¹; Tramontin, M. B.¹; Santos, E. K. A. dos² Este trabalho trata do relato de experiência de uma proposta assistencial desenvolvida em uma Unidade Local de Sáude (ULS) da cidade de Florianópolis, SC, Brasil, por três acadêmicas do oitavo período do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), formandos 2005/01. Foi desenvolvido no período de 01/03/2005 a 30/06/2005 na área da saúde da mulher, enfocando o serr mulher trabalhadora e/ou estudante sendo ela gestante ou puérpera. O mesmo baseou-se na teoria do autocuidado proposta por Dorothea E. Orem, tendo como Assistência de Enfermagem às Primipuérperas, RecémNascidos e Avós no Alojamento Conjunto e Domicílio Fundamentada na Teoria de Madeleine Leininger Floriano, D. M.¹; Westphal, L. E.¹; Arruda, M. C.¹; Gonçalves, L. H. T.²; Gregório, V. R. P.² O presente trabalho relata a experiência desenvolvida pelas autoras, enquanto acadêmicas de enfermagem da disciplina Enfermagem Assistencial Aplicada da VIII Unidade Curricular do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina. Teve como objetivo geral desenvolver assistência de enfermagem, com base na teoria da Diversidade e Universalidade do Cuidado Cultural de Madeleine Leininger, focalizando a influência cultural das avós no cuidado da primipuérpera e do recém nascido. A prática assistencial foi realizada no período de 30/03 a 03/06/2005, no Alojamento conjunto do HU/UFSC. A teoria foi escolhida para Cuidando da criança com câncer e seu familiar acompanhante em internação hospitalar: um olhar a partir da Teoria de Adaptação de Sister Callista Roy Lancini, A. de B.¹; Daniel, H. S.¹; Maciel, L. da S.¹; Nunes, S. M.¹; Farias, A. M.² Este trabalho trata do relato de uma prática assistencial desenvolvida para a conclusão do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina, realizada na unidade de internação Onco-Hematológica do Hospital Infantil Joana de Gusmão, em Florianópolis – SC, Brasil, no período de 30 de agosto a 31 de outubro de 2005, tendo como objetivo geral prestar cuidado de Enfermagem à criança com câncer e seu familiar acompanhante, embasado na Teoria de Adaptação de Sister Callista Roy. Para implementação da prática adotou-se como metodologia: a aplicação do Processo de Enfermagem a partir de Roy, constituído de seis etapas (avaliação de primeiro nível, singular que está vivenciando um momento único, repleto de mudanças que podem influenciar diretamente em seu poder vital. O cuidado que este relatório propõe é direcionado ao fortalecimento do poder vital da mulher e família que estão passando por estes períodos. objetivo geral: empoderar o ser mulher trabalhadora e/ou estudante para se engajar em ações de autocuidado, fundamentadas na Teoria de Orem, visando a efetivação e posterior manutenção do aleitamento materno quando esta retornar as suas atividades profissionais. Durante as atividades na ULS realizamos 12 consultas de enfermagem e aplicamos o processo da teoria utilizada. Nós também visistamos creches, empresas, visita domiciliar, grupo de gestantes e realizamos demais atividades de enfermagem. Acreditamos que este trabalho seja de grande relevância social, uma vez que, visa através da educação à busca dos direitos já conquistados e que muitas vezes são negados, negligenciados ou esquecidos. Além disso, contribuiu imensamente para a nossa formação profissional já que entendemos que o autocuidado é algo aprendido e que o Enfermeiro possui responsabilidades em cuidar e atender os requisitos para o autocuidado terapêutico de seus pacientes, além de ser este, um agente de formação e transformação da sociedade. direcionar a prática, por conceber o cuidado numa visão holística e permitir o reconhecimento da cultura e sua influência sobre o processo de cuidar. Para implementar o referencial na prática utilizamos a aplicação do processo de enfermagem baseadas no processo de Silva (2002), que se divide em quatro fases distintas: conhecendo a situação, refletindo sobre a situação, planejando e implementando os cuidados e avaliando os cuidados. Este processo foi aplicado a seis primipuérperas, seus recém-nascidos e avós acompanhantes e a implementação dos cuidados baseou-se nas seguintes formas de cuidado: manutenção, acomodação e repadronização dos cuidados culturais, conforma propõe a teórica. Conclui-se que apesar das primipuérperas estarem passando por experiências semelhantes há diversidades culturais entre elas, as quais nos mostram o quanto é importante o atendimento de forma individualizada focalizando suas crenças, valores, significados e práticas de cuidado, pois isto favorece a assistência culturalmente congruente. avaliação de segundo nível, diagnóstico, fixação de metas, intervenção, evolução) a fim de sistematizar os cuidados prestados, sendo este aplicado a quatro crianças e seus familiares acompanhantes: a realização de atividades lúdicorecreativas e de sensibilização; as oficinas educativas, entre outras. O estudo permitiu a identificação: das diversas reações adaptativas apresentadas pelas crianças e seus familiares acompanhantes frente ao adoecimento pelo câncer e sua consequente hospitalização; os fatores que influenciaram positiva ou negativamente no processo de adaptação, tais como experiências anteriores, suporte social, espiritual e familiar, capacidade de enfrentar os problemas; das contribuições da Enfermagem para tornar o ambiente hospitalar propício a uma adaptação saudável. Ressaltamos a necessidade da equipe de saúde estender o cuidado ao familiar acompanhante, para que este possa contribuir no processo adaptativo da criança, uma vez que percebemos ser a adaptação um processo individual e contínuo enfrentada de maneira diferenciada por cada ser. 128 Resumos Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p.126-129, jan./jun.. 2006 Vivenciando o Cuidado Transdimensional a pessoas com câncer: o desafio do exercício do Toque Terapêutico Petersen, A.¹; Machado, C. B. M.¹; Ghiorzi, A. M.² Trata-se do relatório de nossa vivência de Cuidado transdimensional a pessoas com câncer utilizando o Toque Terapêutico no cuidado de Enfermagem. O referencial teórico estudado e aplicado é o do Cuidado Transdimensional de Silva (1997). A prática de cuidado foi desenvolvida no Centro de Apoio ao Paciente com Câncer – CAPC, instituição que utiliza como base de tratamento a Medicina Vibracional/Energética, junto com pessoas que estavam em regime de internação, com pessoas externas para o atendimento e com pessoas que faziam parte do Programa de Auto-Ajuda. A teoria do Cuidado Prática assistencial junto aos idosos, familiares e/ou cuidadores usuários da unidade local de saúde da trindade, baseada na Teoria do Autocuidado de Orem Assmann, A.¹; Alves, K. L.¹; Ferreira, N.¹; Frank, S.¹; Santos, S. M. A. dos² Trata do relatório da prática assistencial apresentado à disciplina Enfermagem Asssitencial Aplicada, da VIII Unidade Curricular do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina. A prática foi realizada durante o segundo semestre de 2005, na Unidade Local de Saúde Dr. Waldomiro Dantas da Trindade, em Florianópolis, Santa Catarina. Nessa prática tivemos como objetivo prestar assistência de enfermagem à clientela idosa, seus familiares e/ou cuidadores, com enfoque na promoção do autocuidado na esfera da saúde coletiva e no âmbito domiciliar. Para tanto, utilizamos como Marco Conceitual a Teoria de Enfermagem do Autocuidado de Dorothea E. Orem. Assim, desenvolvemos atividades assistenciais na ULS – Trindade e, quando fizemos O Cuidado Humanístico a Idoso Fragilizados e seus Familiares Cuidadores em uma Unidade Local de Saúde Stefanes, C.¹; Toledo, G. B.¹; Nora, P. T.¹; Alvarez, A. M.² O presente estudo trata-se do registro da prática assistencial implementada na Unidade Local de Saúde (ULS) da Trindade, no período de 30 de março a 06 de junho de 2005, como trabalho de conclusão de curso da disciplina de Enfermagem Assistencial Aplicada da VIII Unidade curricular do Cursode Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Esse estudo consistiu na implementação da assistência de enfermagem ao idoso fragilizado e seu familiar cuidador no cenário comunitário de saúde. Como metodologia norteadora utilizou-se a Teoria Humanística de Paterson e Zderad, a qual considera o encontro, o relacionar-se, o diálogo vivido e a presença efetiva do enfermeiro como elementos terapêuticos de uma enfermagem existencial. As atividades desenvolvidas foram de caráter assistencial-educativas visando o bem-estar e o estar melhor dos clientes envolvidos no processo de cudiado. Tais atividades foram realizadas tanto no serviço primário como em domicílio e vieram ao encontro das Transdimensional permitiu cuidar, percebendo e sentindo as pessoas de forma transdimensional: plural, indivisível e irredutível somenta às explicações da razão, apesar de suas diversidades estruturantes. Pessoas que são razão e emoção, corpo físico e corpo energético mais sutil. Esse cuidado mostrou-se multissensorial, extrapolando o corpo e o cérebro pensante, o tempo e o espaço. É a vivência do paradigma da Simultaniedade. Concluimos conceituando Consulta de Enfermagem na Era III de atenção à saúde, apontando o amor como fonte energética curadora, o Toque Terapêutico como terapia integrante do cuidado de enfermagem, a importância do cudiado do próprio cuidador e a importância da integralização dos cuidados biológico, psicológico, espiritual e energético para a saúde e a cura do corpo e da alma. visitas domiciliárias a idosos que não apresentavam condições de irem até essa unidade. Também fizemos o mapeamento dos idosos de uma microárea de abrangência dessa unidade com finalidade de levantarmos as demandas de saúde e suas competências para realizarem o autocuidado. Destacamos, ainda, as atividades adminsitrativas e assistenciais desenvolvidas pelas acadêmicas na própria unidade. Através do trabalho desenvolvido foi possível conhecer-se a realidade cotidiana de uma unidade local de saúde e o significado do trabalho em equipe interdisciplinar. Percebemos também que, para se estimular o autocuidado entre a clientela idosa, é necessário conhecer-se suas exigências e competências para implementá-lo. Dessa forma, entendemos que os profissionais precisam estar imbuídos do referencial teórico escolhido, possuir conhecimentos sobre o processo de envelhecimento e as necessidades de saúde requeridas pela clientela idosa. Assim, os profissionais poderão estabelecer a relação entre teoria e prática, prestar uma assistência de qualidade e favorecer a troca de conhecimentos com os idosos, familiares e/ou cuidadores e os demais membros da equipe. disposições legais previstas nas Políticas Públicas de Assistência ao Idoso. Fez parte desse estudo o desenvolvimento e implementação de passos metodológicos que contribuíram para a organização da assistência gerontológica na unidade local, como a consulta de Enfermagem: a visita domiciliária e a implantação de um grupo de ajuda mútua de familiares cuidadores de idosos fragilizados. Ainda emergiram outras ações políticas e adminsitrativas de Enfermagem que permearam a prática e enriqueceram essa vivência. Conclui-se que se estabeleceu uma relação empática e um vínculo entre o ser-idoso, ser-familiar cuidador e o serenfermeiro, possibilitando um cuidado humanizado e um olhar gerontológico aos usuários idosos da Unidade Local de Saúde. Assim como, foi possível também participar de um trabalho interdisciplinar com toda a equipe da Unidade. Por fim, esse trabalho permitiu a intefração do enfoque humanístico aos conhecimentos já adquiridos durante a graduação contribuindo desta maneira para com nossa formação no sentido de uma sensibilização para um cuidado efetivamente integral e comprometido com a saúde de todos os seres humanos. 129 Normas de Publicação Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p.130-133, jan./jun.. 2006 NORMAS EDITORIAIS DA REVISTA CIÊNCIAS DA SAÚDE 1. Serão aceitos, no máximo 2 (dois) artigos originais por autor que, destinados exclusivamente à Revista Ciências da Saúde, serão submetidos à avaliação e aprovação de uma Consultoria Científica e Comissão Editorial. 2. A Comissão Editorial assegura o anonimato do(s) autor(es) no processo de avaliação pela Consultoria Científica. 3. Um dos autores, pelo menos, deverá ser assinante(s) da Revista Ciências da Saúde. Anexar comprovante de assinatura. 4. Trabalhos apresentados em eventos (congressos, simpósios, seminários...) serão aceitos desde que não tenham sido publicados integralmente em anais e autorizados, por escrito, pela entidade organizadora do evento, quando as normas do mesmo assim o exigirem. 5. Excepcionalmente, serão aceitos trabalhos já publicados em periódicos estrangeiros, desde que autorizados pela Comissão Editorial do periódico onde o artigo tenha sido originalmente publicado. 6. A Consultoria Científica se reserva o direito de sugerir eventuais modificações de estrutura ou conteúdo do trabalho, que serão acordadas com os autores. Não serão admitidos acréscimos ou alterações após o envio para composição editorial. 7. As opiniões emitidas nos trabalhos, bem como a exatidão, adequação e procedência das citações bibliográficas, são de exclusiva responsabilidade dos autores. 8. A revista classificará os textos encaminhados de acordo com as seguintes seções: 8.1 EDITORIAL – matéria de responsabilidade da Comissão Editorial da Revista. 8.2 ARTIGOS ORIGINAIS: a) PESQUISA – constará de relatos de investigações científicas concluídas. b) REVISÃO – abrangerá revisões de literatura sobre temas específicos. c) RELATO DE EXPERIÊNCIA/CASOS CLÍNICO – incluirá descrições de atividades acadêmicas assistenciais e de extensão. d) REFLEXÃO – apresentará materiais de caráter opinativo e/ou análise de questões que possam contribuir para o aprofundamento de temas relacionados à área a que se destina a revista. 8.3 OUTRAS SEÇÕES: a) ENTREVISTA – espaço destinado a entrevistas de autoridades / especialistas / pesquisadores. b) TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO / DISSERTAÇÕES DE MESTRADO E TESES DE DOUTORADO – RESUMOS E ABSTRACT c) PÁGINA DO LEITOR. 9. NORMAS DE APRESENTAÇÃO DE TRABALHOS 9.1 – FORMATO – O trabalho deverá ser encaminhado em 02 (duas) vias. Na digitação deverá ser utilizado espaço 1,5; com margem esquerda 3 cm; margem direita (superior e inferior) 2 cm; letra Times New Roman, tamanho 12, observando a ortografia oficial, editor Word For Windows. O título deverá ser em caixa alta, negrito, espaço 1,5 simples e justificado. Os autores deverão estar abaixo do título do artigo, em negrito, espaço simples e em caixa baixa. O texto deverá conter seus respectivos títulos, de acordo com as características do trabalho (ex. Artigo de pesquisa: Introdução, Métodos, Resultados e Discussão, etc.), formatados em caixa baixa, negrito. É obrigatório o envio de disquete ou CD-ROM na primeira etapa do trabalho. 9.2 – PADRÃO DE APRESENTAÇÃO – a) ARTIGOS ORIGINAIS – redigidos de acordo com as normas da Revista do CCS devendo conter no máximo 15 laudas de texto para artigos originais e 25 para revisões e observar o que segue: Título do artigo em português (caixa alta) e inglês (caixa baixa) e 130 Normas de Publicação Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p.130-133, jan./jun.. 2006 entre colchetes. Nome(s) completo(s) do(s) autor(es). Em nota de roda pé a(s) credencial(is) e local de atividade do(s) autor(es) (espaço 1,5 cm), email para correspondência. Resumo indicativo em português, de acordo com as normas da Revista do CCS, com até 100 palavras, em espaço 1,5. Palavras-chave - palavras ou expressões que identifiquem o artigo. Para determinação das palavras-chave consultar a lista de “Descritores em Ciências da Saúde – DECS-LILACS”, elaborada pela BIREME e/ou “Medical Subject Heading – Comprehensive Medline”. Texto – incluindo ilustrações (quadros, fotos, modelos, mapas, desenhos, gravuras, esquemas, gráficos e tabelas), com seus respectivos títulos e fontes (quando houver). Exceto gráficos e tabelas, todas as ilustrações deverão ser designadas como figuras. As despesas com os fotolitos de figuras somente coloridas serão de responsabilidade dos autores Abstract – tradução do resumo em inglês, em espaço 1,5 cm. Keywords – tradução das palavraschave para o inglês. As referências (Normas de Vancouver) no texto deverão ser numeradas consecutivamente de forma crescente e na ordem que aparecem no texto pela primeira vez, identificando assim os autores SOMENTE POR NÚMEROS. A numeração, no texto, portanto deve ser em ORDEM CRESCENTE e SOBRESCRITO. NÃO LISTAR OS NOMES DOS AUTORES NO TEXTO. No setor de referências: (Normas de Vancouver) A listagem de referências deverá seguir a mesma ORDEM NUMÉRICACRESCENTE do texto. NÃO COLOCAR OS AUTORES EM ORDEM ALFABÉTICA. EXEMPLOS DE REFERÊNCIAS A) Artigos de revistas 1. Artigo padrão de revista: Listar os primeiros seis autores seguido por et al. Vega KJ, Pina I, Krevsky B. Heart transplantation is associated with an increased risk for pancreatobiliary disease. Ann Intern Med 1996;124:980-3. Mais do que seis autores: Parkin DM, Clayton D, Black RJ, Masuyer E, Friedl HP, Ivanov E, et al. Childhood-leukaemia in Europe after Chernobyl: 5 year follow-up. Br J Cancer 1996;73:1006-12. 2. Organização como autor: The Cardiac Society of Australia and New Zealand. Clinical exercise stress testing. Safety and performance guidelines. Med J Aust 1996;164:282-4. 3. Sem menção de autor: Cancer in South Africa [editorial]. S Afr Med J 1994;84:15. 4. Volume com suplemento: Shen HM, Zhang QF. Risk assessment of nickel carcinogenicity and occupational lung cancer. Environ Health Perspect 1994;102 Suppl 1:275-82. 5. Número com suplemento: Payne DK, Sullivan MD, Massie MJ. Women's psychological reactions to breast cancer. Semin Oncol 1996;23(1 Suppl 2):8997. 6. Volume com parte: Ozben T, Nacitarhan S, Tuncer N. Plasma and urine sialic acid in non-insulin dependent diabetes mellitus. Ann Clin Biochem 1995;32(Pt 3):303-6. 7. Número com parte: Poole GH, Mills SM. One hundred consecutive cases of flap lacerations of the leg in ageing patients. N Z Med J 1994;107(986 Pt 1):377-8. 8. Número sem menção de volume: Turan I, Wredmark T, Fellander-Tsai L. Arthroscopic ankle arthrodesis in rheumatoid arthritis. Clin Orthop 1995;(320):110-4. 9. Sem menção de número nem de volume: 131 Normas de Publicação Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p.130-133, jan./jun.. 2006 Browell DA, Lennard TW. Immunologic status of the cancer patient and the effects of blood transfusion on antitumor responses. Curr Opin Gen Surg 1993:325-33. 10. Paginação em numeração romana: Fisher GA, Sikic BI. Drug resistance in clinical oncology and hematology. Introduction. Hematol Oncol Clin North Am 1995 Apr;9(2):xi-xii. 11. Indicação do tipo de artigo, se necessário: Enzensberger W, Fischer PA. Metronome in Parkinson's disease [carta]. Lancet 1996;347:1337. Clement J, De Bock R. Hematological complications of hantavirus nephropathy (HVN) [resumo]. Kidney Int 1992;42:1285. 12. Artigo contendo retratação: Garey CE, Schwarzman AL, Rise ML, Seyfried TN. Ceruloplasmin gene defect associated with epilepsy in EL mice [retractação de Garey CE, Schwarzman AL, Rise ML, Seyfried TN. In: Nat Genet 1994;6:426-31]. Nat Genet 1995;11:104. 13. Artigo retratado: Liou GI, Wang M, Matragoon S. Precocious IRBP gene expression during mouse development [retractado em Invest Ophthalmol Vis Sci 1994;35:3127]. Invest Ophthalmol Vis Sci 1994;35:1083-8. 14. Artigo com erratum publicado: Hamlin JA, Kahn AM. Herniography in symptomatic patients following inguinal hernia repair [erratum publicado encontra-se em West J Med 1995;162:278]. West J Med 1995;162:28-31. B- Livros e outras monografias 1. Autor(es) individual: Ringsven MK, Bond D. Gerontology and leadership skills for nurses. 2nd ed. Albany (NY): Delmar Publishers; 1996. 2. Editor(es), compilador, como autor: Norman IJ, Redfern SJ, editors. Mental health care for elderly people. New York: Churchill Livingstone; 1996. 3. Organização como autor e editor: Institute of Medicine (US). Looking at the future of the Medicaid program. Washington: The Institute; 1992. 4. Capítulo de um livro: Phillips SJ, Whisnant JP. Hypertension and stroke. In: Laragh JH, Brenner BM, editors. Hypertension: pathophysiology, diagnosis, and management. 2nd ed. New York: Raven Press; 1995. p. 465-78. 5. Livro de atos de conferência, congresso, encontro: Kimura J, Shibasaki H, editors. Recent advances in clinical neurophysiology. Proceedings of the 10th International Congress of EMG and Clinical Neurophysiology; 1995 Oct 15-19; Kyoto, Japan. Amsterdam: Elsevier; 1996. 6. Comunicação em conferência: Bengtsson S, Solheim BG. Enforcement of data protection, privacy and security in medical informatics. In: Lun KC, Degoulet P, Piemme TE, Rienhoff O, editors. MEDINFO 92. Proceedings of the 7th World Congress on Medical Informatics; 1992 Sep 6-10; Geneva, Switzerland. Amsterdam: North-Holland; 1992. p. 1561-5. 7. Relatório técnico ou científico: Publicado pela entidade financiadora ou patrocinadora: Smith P, Golladay K. Payment for durable medical equipment billed during skilled nursing facility stays. Final report. Dallas (TX): Dept. of Health and Human Services (US), Office of Evaluation and Inspections; 1994 Oct. Report No.: HHSIGOEI69200860. Publicado pela entidade executora: Field MJ, Tranquada RE, Feasley JC, editors. Health services research: work force and educational issues. Washington: National Academy Press; 1995. Contract No.: AHCPR282942008. Sponsored by the Agency for Health Care Policy and Research. 8. Dissertação: Kaplan SJ. Post-hospital home health care: the elderly's access and utilization [dissertação]. St. Louis (MO): Washington Univ.; 1995. 132 Normas de Publicação Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p.130-133, jan./jun.. 2006 9. Patente: Larsen CE, Trip R, Johnson CR, inventors; Novoste Corporation, assignee. Methods for procedures related to the electrophysiology of the heart. US patent 5,529,067. 1995 Jun 25. C).Outras publicações 1. Artigo de jornal: Lee G. Hospitalizations tied to ozone pollution: study estimates 50,000 admissions annually. The Washington Post 1996 Jun 21;Sect. A:3 (col. 5). 2. Material audiovisual: HIV+/AIDS: the facts and the future [cassette video]. St. Louis (MO): Mosby-Year Book; 1995 3. Texto legal: Legislação publicada Preventive Health Amendments of 1993, Pub. L. No. 103-183, 107 Stat. 2226 (Dec. 14, 1993). Legislação não promulgada: Medical Records Confidentiality Act of 1995, S. 1360, 104th Cong., 1st Sess. (1995). Code of Federal Regulations: Informed Consent, 42 C.F.R. Sect. 441.257 (1995). Audição: Increased Drug Abuse: the Impact on the Nation's Emergency Rooms: Hearings Before the Subcomm. on Human Resources and Intergovernmental Relations of the House Comm. on Government Operations, 103rd Cong., 1st Sess. (May 26, 1993). 4. Mapa: North Carolina. Tuberculosis rates per 100,000 population, 1990 [demographic map]. Raleigh: North Carolina Dept. of Environment, Health, and Natural Resources, Div. of Epidemiology; 1991. 5. Livro da Bíblia: The Holy Bible. King James version. Grand Rapids (MI): Zondervan Publishing House; 1995. Ruth 3:1-18. 6. Dicionário e referências semelhantes: Stedman's medical dictionary. 26th ed. Baltimore: Williams & Wilkins; 1995. Apraxia; p. 119-20. 7. Texto clássico: The Winter's Tale: act 5, scene 1, lines 13-16. The complete works of William Shakespeare. London: Rex; 1973. B) Material não publicado 8. Aguardando publicação: Leshner AI. Molecular mechanisms of cocaine addiction. N Engl J Med. Em publicação 1996. Material electrónico C) Material eletrônico 9. Revista em formato eletrônico: Morse SS. Factors in the emergence of infectious diseases. Emerg Infect Dis [serial online] 1995 Jan-Mar [cited 1996 Jun 5]; 1(1):[24 ecrans]. Disponível em: URL: http://www.cdc.gov/ncidod/EID/eid.htm 10. Monografia em formato eletrônico: CDI, clinical dermatology illustrated [monografia em CD-ROM]. Reeves JRT, Maibach H. CMEA Multimedia Group, producers. 2nd ed . Version 2.0. San Diego: CMEA; 1995. 11. Ficheiro de computador: Hemodynamics III: the ups and downs of hemodynamics [programa de computador]. Version 2.2. Orlando (FL): Computerized Educational Systems; 1993. 10.O(s) autores deverão encaminhar o artigo para análise acompanhado de uma carta com os seguintes dizeres: (Cidade, data) À Comissão Editorial Revista de Ciências da Saúde Os autores abaixo assinados transferem come exclusividade, os direitos de publicação, na Revista de Ciências da Saúde do artigo intitulado: (escrever título do artigo) e garantem que o artigo é inédito e não está sendo avaliado ou foi publicado por outro periódico. (incluir nome completo de todos os autores, endereço postal, telefone, email, fax, e assinaturas respectivas. 133 Normas de Publicação Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 25 n.1, p.130-133, jan./jun.. 2006 133