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Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de Estudos em Saúde Coletiva Gabriela de Azevedo Abreu Associação entre Horas de Sono e Perfil Lipídico de Adolescentes do Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (ERICA) Rio de Janeiro 2015 Gabriela de Azevedo Abreu Associação entre Horas de Sono e Perfil Lipídico de Adolescentes do Estudo de Risco Cardiovascular em Adolescentes (ERICA) Tese de Doutorado apresentado ao Programa de Pós-Graduação do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Saúde Coletiva Orientador: Prof. Dr. Moyses Szklo Orientadora: Profª. Drª. Katia Vergetti Bloch Rio de Janeiro 2015 CIP - Catalogação na Publicação A162a Abreu, Gabriela de Azevedo Associação entre Horas de Sono e Perfil Lipídico de Adolescentes do Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (ERICA) / Gabriela de Azevedo Abreu. -- Rio de Janeiro, 2015. 179 f. Orientador: Moyses Szklo. Coorientadora: Katia Vergetti Bloch. Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, 2015. 1. saúde dos adolescentes. 2. sono. 3. dislipidemias. I. Szklo, Moyses, orient. II. Bloch, Katia Vergetti, coorient. III. Título. Elaborado pelo Sistema de Geração Automática da UFRJ com os dados fornecidos pelo(a) autor(a). Gabriela de Azevedo Abreu Associação entre Horas de Sono e Perfil Lipídico de Adolescentes do Estudo de Risco Cardiovascular em Adolescentes (ERICA) Tese de Doutorado apresentado ao Programa de Pós-Graduação do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Saúde Coletiva. Aprovada em ___/____/ 2015 Dr. Moyses Szklo, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Dra. Liliane Reis Teixeira, Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) Dra. Maria Cristina Caetano Kuschnir, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Dra. Monica Maria Ferreira Magnanini, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Dra. Valeska Carvalho Figueiredo, Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) À Deus, minha sustentação, minha força e meu equilíbrio em todas as fases de minha vida Aos meus pais João e Daise e ao meu irmão João Vitor, base de tudo o que sou e presentes em tudo o que faço Agradecimentos A Moyses Szklo, pelas constantes demonstrações de sabedoria e humildade, pela confiança depositada neste trabalho e por ceder sua grandiosa experiência na orientação desta Tese; A Katia Vergetti Bloch, a quem estimo, respeito e admiro, seja no âmbito pessoal ou acadêmico. Obrigada por todas as experiências vividas nestes 7 anos de convivência direta; A Maria Cristina Caetano Kuschnir, que comecei a admirar e respeitar após tantas viagens de treinamentos pelo ERICA. É um exemplo de pessoa, de profissional e de pesquisadora. Obrigada por tentar me fazer ver a vida de forma mais leve; A Monica Maria Ferreira Magninni, por toda a ajuda durante o árduo trabalho de limpeza do banco de dados. Obrigada pela amizade durante esses anos de convivência; A Carlos Henrique Klein, pela paciência, pela constante disponibilidade e pelas contribuições para o amadurecimento desta pesquisa; A Laura Augusta Barufaldi, amiga com a qual compartilhei nestes cinco anos, de forma intensa, os prazeres, as alegrias e as dificuldades desta jornada chamada ERICA. Certamente é uma amizade que se perpetuará, muito além da vida acadêmica; A Thiago Luiz Nogueira da Silva, pela competência, paciência e simpatia, constantes em todo seu trabalho de organização dos tão sonhados bancos de dados; Aos amigos que fazem parte da família ERICA: Bruno Tavares, Rosy Cunha, Erika Magliano, Sandro da Matta, Juliana Borges e Debora dos Santos, pelos laços de amizade criados e pelos inúmeros momentos de descontração; A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), pela concessão de bolsa de Doutorado. Aos alunos, pais/responsáveis, diretores de escolas, coordenadores estaduais, supervisores de campo e financiadores, que fizeram do ERICA uma realidade. Resumo ABREU, Gabriela de Azevedo. Associação entre horas de sono e perfil lipídico de adolescentes do Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (ERICA). Rio de Janeiro, 2015. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) – Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015. Estudos epidemiológicos recentes evidenciaram que a duração do sono está associada com obesidade, diabetes, hipertensão, doença cardiovascular e mortalidade, em adultos. Em adolescentes, alguns estudos apontam que a duração do sono estaria associada a alterações no perfil lipídico e aumento de peso. O presente trabalho teve como objetivo aprofundar o conhecimento sobre a relação entre duração do sono e dislipidemia em adolescentes. No primeiro artigo foi realizada uma revisão sistemática da literatura na qual foram incluídos estudos originais que avaliaram a relação entre a duração do sono e perfil lipídico. Dos sete estudos encontrados apenas em três houve associação, dois observaram que curta duração do sono estava associada a pior perfil lipídico, e um encontrou associação na direção oposta. A inconsistência dos resultados pode ser atribuída em parte à heterogeneidade na classificação e na forma de analisar a duração do sono, mas existe uma importante lacuna de estudos sobre o tema em jovens. Em um segundo artigo o padrão de sono de adolescentes das regiões Sul e Centro-Oeste do Brasil participantes do Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (ERICA) é descrito e questões relacionadas à aferição e classificação do sono são discutidas. Foram analisados 10.064 adolescentes. A duração do sono nos dias de semana e da semana toda foram calculadas considerando as horas de dormir e acordar preenchidas pelos adolescentes em um coletor eletrônico de dados em uma amostra de escolas públicas e privadas. A análise foi ajustada para o delineamento amostral. Inconsistências nas horas de acordar e/ou dormir foram analisadas e corrigidas quando possível. A média da duração de sono foi 7,9 horas (IC95% 7,8-8,0). Quase 1/4 dos adolescentes referiram duração do sono <7 horas. A média da duração total do sono não foi estatisticamente diferente por sexo mas os adolescentes de 12 a 14 anos dormem mais do que os de 15 a 17 anos. O padrão observado é semelhante ao encontrado em outros estudos. O objetivo do 3º artigo foi investigar a associação entre duração do sono e perfil lipídico de adolescentes das regiões Sul e CentroOeste que participaram do ERICA. A associação entre a duração do sono durante a semana e total com colesterol total, triglicerídeos, HDL-colesterol e LDL-colesterol foram analisadas separadamente. Foi investigado o papel de diferentes variáveis nessa associação. Foram ajustados modelos de regressão linear, estratificando-se por sexo e controlando-se por idade, considerando-se o desenho do estudo. A relação entre duração do sono e as frações lipídicas é inversa para colesterol total e HDL-colesterol nas adolescentes e para triglicerídeos nos adolescentes. Consumo de energia e de lipídeos, índice de massa corporal (IMC) e outras variáveis investigadas parecem não explicar essa associação. A complexidade das relações estudadas e características da adolescência, uma fase de grandes transformações biológicas e comportamentais, além de limitações metodológicas intrínsecas a estudos observacionais são discutidas ao longo desse trabalho e nas considerações finais. Palavras-chave: saúde do adolescente, sono, dislipidemias Abstract ABREU, Gabriela de Azevedo. Associação entre horas de sono e perfil lipídico de adolescentes do Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (ERICA). Rio de Janeiro, 2015. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) – Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015. Recent epidemiological studies have shown that sleep duration is associated with obesity, diabetes, hypertension, cardiovascular disease and mortality in adults. In adolescents, some studies indicate that sleep duration is associated with changes in lipid profile and weight gain. This study aims to clarify the relationship between sleep duration and dyslipidemia in adolescents. The first paper is a systematic review of the literature that includes original studies evaluating the relationship between sleep duration and lipid profile. Only three of the seven studies found associations; two found that short sleep duration was associated with a worse lipid profile, while one found an association in the opposite direction. The inconsistency of the results may be partially attributed to the heterogeneity in the way sleep duration was classified and analyzed. There is still a significant lack of research on this subject in adolescents. In the second paper sleep patterns of the adolescents from South and Midwest regions of Brazil, that took part on the Study of Cardiovascular Risk in Adolescents (ERICA), is studied. Issues related to measurement and classification of sleep duration are discussed. Data from 10,064 adolescents are analyzed. The sleep duration on weekdays and for the whole week was calculated considering adolescents’ self-report of wake up time and bedtime in a sample of students from public and private schools. The analysis was adjusted for the sample design. Inconsistencies in waking up time and/or bedtime were analyzed and corrected when possible. The average sleep duration was 7.9 hours (95%CI 7.8-8.0). Almost 1/4 of the adolescents reported sleep duration <7 hours. The mean total sleep duration was not significantly different by sex. Teenagers from 12 to 14 years old sleep more than 15 to 17 ones. The observed pattern is similar to that found in other studies. The objective of Paper 3 was to investigate the association between sleep duration and lipid profile of adolescents from South and Midwest regions of Brazil participating in the ERICA. The association between sleep duration on weekdays, and for the whole week, with total cholesterol, triglycerides, HDL-cholesterol and LDL-cholesterol were analyzed separately. We investigated the role of different variables in this association. Linear regression models were adjusted, stratified by sex, and controlled for age, considering the study design. The relationship between sleep duration and lipid fractions was inverse for total cholesterol and HDL-cholesterol in female adolescents and for triglycerides in male adolescents. Energy and lipids consumption, body mass index (BMI) and other variables studied did not seem to explain this association. The complexity of the studied relationships, the characteristics of the adolescence, a period of great biological and behavioral changes, as well as the methodological limitations inherent to observational studies are discussed throughout the text and in the final considerations. Key words: adolescent health, sleep, dyslipidemias Lista de Quadros Quadro 1. Municípios contemplados na seleção amostral e número de escolas por estado e município das regiões Sul e Centro-Oeste ................................................................................ 55 Lista de Figuras Figura 1A. Nível 1: Relação entre curta duração do sono e alterações do perfil lipídico..... 48 Figura 1B. Nível 2: Relação entre variáveis de confundimento e alterações hormonais entre horas de sono e dislipidemia......................................................................................... 48 Figura 1C. Nível 3: Relação entre obesidade e dislipidemia................................................. 49 Figura 1D. Nível 4: Relação entre diabetes mellitus e pressão arterial com dislipidemia.... 49 Figura 2. Planilha de seleção de turmas da escola................................................................. 53 Figura 3. Perguntas referentes ao bloco do sono................................................................... 57 Artigo 1 Figure 1. Flowchart of articles selection............................................................................... 81 Artigo 2 Figura 1. Perguntas referentes ao bloco do sono................................................................... 91 Figura 2. Fluxograma de informações sobre duração de sono.............................................. 95 Artigo 3 Figura 1. Fluxograma de coleta de dados para a região Centro-Oeste................................ 123 Figura 2. Fluxograma de coleta de dados para a região Sul................................................ 124 Lista de Tabelas Tabela 1. Distribuição das escolas públicas e privadas das regiões Sul e CentroOeste...................................................................................................................................... 56 Artigo 1 Table 1. Search strategy used for each data base………………………………………….. 75 Table 2. Main characteristics of the selected studies……………………………………… 76 Table 3. Principal results of the studies included………………………………………….. 78 Artigo 2 Tabela 1. Comparação por sexo, idade, tipo de escola e região entre os participantes e não participantes do turno da manhã, ERICA..................................................................... Tabela 2. Médias de duração do sono (horas) e IC95%, ajustadas para o desenho da 94 amostra com e sem correção de inconsistências das respostas dos adolescentes................ 96 Tabela 3. Adolescentes com horas de sono alteradas e não alteradas segundo as categorias de duração de sono na amostra coletada das regiões Sul e Centro-Oeste, ERICA................................................................................................................................. 97 Tabela 4. Características dos adolescentes da amostra coletada das regiões Sul e CentroOeste do ERICA segundo perda de informação sobre duração do sono............................. 98 Tabela 5. Características dos adolescentes da amostra coletada nas regiões Sul e CentroOeste, ERICA...................................................................................................................... 99 Tabela 6. Médias e IC95%, ajustados para o desenho da amostra, da duração do sono total (horas), dos dias durante a semana e no final de semana dos adolescentes das regiões Sul e Centro-Oeste, ERICA.................................................................................... 100 Tabela 7. Distribuições da duração do sono¹, ajustados para o desenho da amostra, por características dos adolescentes das regiões Sul e Centro-Oeste do ERICA...................... 101 Artigo 3 Tabela 1. Distribuição dos adolescentes participantes e não participantes, segundo sexo, idade, tipo de escola e macrorregião, Sul e Centro-Oeste, ERICA..................................... 125 Tabela 2. Médias e IC95% de duração do sono, lipídeos séricos e frações, IMC, energia e lipídeo da dieta, por sexo e idade, ajustados para o desenho da amostra, de adolescentes das regiões Sul e Centro-Oeste, ERICA......................................................... 127 Tabela 3. Distribuição de fatores de risco segundo sexo e idade, ajustados para o desenho da amostra, em adolescentes das regiões Sul e Centro-Oeste, ERICA................. 128 Tabela 4. Parâmetros dos modelos de regressão linear entre duração do sono (horas) e colesterol total, estratificados por sexo, considerando duração do sono nos dias de semana e total, em adolescentes das regiões Sul e Centro-Oeste, ERICA.......................... 129 Tabela 5. Parâmetros dos modelos de regressão linear entre duração do sono (horas) e triglicerídeos, estratificados por sexo, considerando duração do sono nos dias de semana e total, em adolescentes das regiões Sul e Centro-Oeste, ERICA....................................... 130 Tabela 6. Parâmetros dos modelos de regressão linear entre duração do sono (horas) e HDL-colesterol, estratificados por sexo, considerando duração do sono nos dias de semana e total, em adolescentes das regiões Sul e Centro-Oeste, ERICA.......................... 131 Tabela 7. Parâmetros dos modelos de regressão linear entre duração do sono (horas) e LDL-colesterol, estratificados por sexo, considerando duração do sono nos dias de semana e total, em adolescentes das regiões Sul e Centro-Oeste, ERICA.......................... 132 Lista de Abreviaturas e Siglas ACT CASPIAN DCV ENDEF HDL-colesterol HELENA IBGE IC IESC IGF IMC INA KNHANES LDL-colesterol MSM NHANES OR PDA PNSN POF PSG REC24h TA TCLE UFRJ VLDL WHO Actigrafia Childhood and Adolescence Surveillance and Prevention of Adult NonCommunicable Disease Doenças cardiovasculares Estudo Nacional de Despesa Familiar Lipoproteína de alta densidade Healthy Lifestyle in Europe by Nutrition in Adolescence Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Intervalo de confiança Instituto de Estudos em Saúde Coletiva Fator de crescimento de insulina Índice de Massa Corporal Inquérito Nacional de Alimentação Korean National Health and Nutrition Examination Survey Lipoproteína de baixa densidade Multiple Source Method National Health and Nutrition Survey Odds ratio Personal digital assistant Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição Pesquisa de Orçamentos Familiares Polissonografia Recordatório alimentar de 24 horas Termo de Assentimento Termo de Consentimento Livre e Esclarecido Universidade Federal do Rio de Janeiro Lipoproteína de densidade muito baixa World Health Organization Sumário Apresentação ........................................................................................................................... 13 1. Introdução .......................................................................................................................... 17 1.1. Dislipidemia ............................................................................................................... 19 1.2. Aterosclerose ............................................................................................................. 21 1.3. Síndrome Metabólica ................................................................................................. 23 1.4. Sono na Infância e Adolescência ............................................................................... 25 1.4.1. Métodos para Avaliação do Sono................................................................ 30 1.4.2. Relação entre Obesidade, Consumo Alimentar e Sono............................... 34 1.4.3. Relação entre Perfil Lipídico e Sono........................................................... 40 1.5. Modelo Teórico .......................................................................................................... 46 2. Objetivos ............................................................................................................................. 50 3. Métodos ............................................................................................................................... 51 3.1. População de Pesquisa do ERICA ............................................................................. 51 3.2. Dados Coletados ........................................................................................................ 56 3.2.1. Informações Obtidas pelo Questionário do Aluno ...................................... 56 3.2.2. Pressão Arterial ........................................................................................... 59 3.2.3. Medidas Antropométricas ........................................................................... 59 3.2.4. Avaliação do Consumo Alimentar .............................................................. 61 3.2.5. Exames Laboratoriais .................................................................................. 63 3.3. Controle de Qualidade ............................................................................................... 64 3.4. Aspectos Éticos .......................................................................................................... 65 3.5. Análise Estatística ...................................................................................................... 66 4. Resultados ........................................................................................................................... 68 Artigo 1 .................................................................................................................................... 68 Artigo 2 .................................................................................................................................... 86 Artigo 3 .................................................................................................................................. 115 Considerações Finais ............................................................................................................ 151 Referências Bibliográficas ................................................................................................... 154 13 Apresentação As doenças cardiovasculares (DCV) são a principal causa de mortalidade em todas as regiões do Brasil1. O sobrepeso e a obesidade, fatores de risco importantes para o estabelecimento dessas doenças, apresentam níveis de prevalência crescentes no mundo todo e atingindo todas as faixas etárias2, inclusive crianças e adolescentes3. A presença de sobrepeso e obesidade na infância e na adolescência é preditiva de sobrepeso e obesidade na idade adulta4. Estudos mostram uma forte associação entre o excesso de peso nas primeiras décadas de vida e a alta taxa de morbimortalidade por DCV na vida adulta5; 6; 7; 8; 9. Embora as crianças e os adolescentes geralmente não apresentem DCV clinicamente aparentes nesta fase da vida, já podem apresentar um perfil de risco cardiovascular, como as alterações do perfil lipídico e a resistência à insulina10. A obesidade, particularmente a abdominal, a hiperinsulinemia decorrente da resistência à insulina, a hipertensão arterial e a dislipidemia caracterizada por hipertrigliceridemia e baixas concentrações de HDL-colesterol (lipoproteína de alta densidade) no sangue formam um conjunto de condições patológicas de risco para a doença cardiovascular denominada inicialmente por “síndrome X” – subsequentemente conhecida como síndrome metabólica – em 1988 por Reaven11. A síndrome metabólica, considerada, a princípio, uma condição existente apenas em adultos, também tem sido reconhecida entre crianças e adolescentes12; 13, especialmente as com obesidade14; 15; 16 e resistência à insulina17. Várias propostas já foram elaboradas para definir a síndrome metabólica, havendo controvérsias, inclusive, quanto à terminologia mais adequada para denominá-la. Desta forma, até o momento ainda não se possui clareza sobre o seu significado e critério diagnóstico ideal. Se a definição da síndrome metabólica para adultos ainda não está esclarecida, menos ainda para crianças e adolescentes, o que dificulta a comparação das prevalências encontradas nos diferentes estudos. De um modo geral, as propostas para os adultos foram adaptadas para crianças e adolescentes, mantendo-se o critério da presença de três ou mais fatores de risco para a identificação da síndrome. Além dos fatores de risco cardiovascular clássicos, como por exemplo, inatividade física, má alimentação e excesso de peso, presentes desde a infância e adolescência, a duração 14 e a qualidade do sono também podem representar determinantes intrinsecamente relacionados ao estabelecimento desses fatores de risco18; 19. Atualmente, o sono é considerado como um possível alvo a ser explorado para minimizar o risco de morbidade cardiovascular na idade adulta20. O sono não é apenas uma função fisiologicamente essencial, mas também desempenha um papel importante na promoção do crescimento, da maturação e da saúde geral das crianças e adolescentes21. À vista disso, há um interesse crescente sobre o impacto do sono e seus distúrbios na regulação de processos inflamatórios e de morbidades, particularmente no contexto de doenças metabólicas e cardiovasculares e suas complicações22. A adolescência é uma fase de vida marcada por mudanças biopsicossociais importantes, inclusive em relação ao padrão do ciclo vigília-sono. Na puberdade, pode ser identificado um atraso de fase, caracterizado por horários tardios de dormir e acordar que, somados aos horários sociais e de início das aulas pela manhã, levam a uma importante diminuição das horas de sono21. Por conseguinte, uma duração inadequada de sono está associada a um aumento da sonolência diurna, dificuldades de aprendizagem e diminuição da qualidade de vida18; 23; 24. A literatura aponta que adolescentes que dormem pouco tendem a apresentar alterações no perfil lipídico25; 26 e aumento de peso18; 26. Confirmando-se esta tendência, as intervenções comportamentais que aumentam a quantidade e melhoram a qualidade do sono podem potencialmente servir como medidas preventivas primárias para o combate ao excesso de peso e às alterações lipídicas. Em virtude da relevância do tema e da ausência de inquéritos no Brasil para determinação da prevalência e magnitude dos fatores de riscos cardiovasculares em adolescentes, em especial da síndrome metabólica, o “Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes” (ERICA), coordenado pelo Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (IESC) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi elaborado para investigar estas importantes questões de saúde publica. Financiado pelo Ministério da Saúde (MS), com Chamada Pública – MCT/FINEP/MS/SCTIE/DECIT – CT-Saúde e FNS – Síndrome Metabólica – 01/2008, o ERICA é um estudo de delineamento transversal, multicêntrico, nacional, de base escolar, que visa determinar a magnitude de diabetes, obesidade, dislipidemias e outros fatores de risco cardiovascular em adolescentes de 12 a 17 anos de 15 cidades de mais de 100 mil habitantes; investigar características da distribuição desses fatores de risco, e estimar a prevalência da síndrome metabólica utilizando as várias definições existentes. Dentre os 273 municípios com mais de 100.000 habitantes em 1º de julho de 2009 (dado populacional mais recente à época das definições básicas do ERICA), foram contemplados 124, abrangendo 1.251 escolas, com uma amostra estimada em torno de 75.000 alunos. Para responder aos objetivos da chamada pública, foram coletados dados dos adolescentes escolares mediante um questionário autopreenchível para obtenção de características sociodemográficas e de hábitos de vida, tais como, prática de atividade física, tabagismo, ingestão de bebidas alcoólicas, além de sono, depressão, morbidade referida, saúde reprodutiva e bucal; dados de consumo alimentar via recordatório alimentar de 24 horas (REC24h); medidas antropométricas (peso, estatura e perímetro da cintura), medidas de pressão arterial, estágios de maturação sexual e exames bioquímicos. Nas amostras de sangue coletadas, realizada apenas em uma subamostra aproximada de 40.000 adolescentes, foram analisados dados de glicemia de jejum, colesterol total, HDL-colesterol (lipoproteína de alta densidade), triglicerídeos, hemoglobina glicada e insulina de jejum. Os resultados do ERICA certamente contribuirão para o conhecimento sobre fatores de risco cardiovascular em uma população jovem, cujos dados ainda são inéditos a nível nacional, importantes para subsidiar medidas preventivas e desenvolver políticas de saúde que envolvam diferentes setores da sociedade. Portanto, esta Tese de Doutorado é parte integrante do ERICA e utilizará os dados coletados das duas primeiras regiões do país a finalizarem a coleta de dados, a região Sul (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná), finalizada em novembro de 2013, e Centro-Oeste (Goiás, Distrito Federal, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul), finalizada em março de 2014. A coleta das demais regiões, Sudeste, Norte e Nordeste foi finalizada em novembro de 2014. O objetivo principal desta Tese é verificar a associação entre horas de sono e perfil lipídico de adolescentes escolares de 12 a 17 anos avaliados no ERICA das regiões Sul e Centro-Oeste do Brasil. Ela está apresentada em cinco capítulos, como explicitado resumidamente a seguir. 16 O capítulo da Introdução contextualiza o leitor frente ao tema principal da Tese. Apresenta, em linhas gerais, a ascensão da prevalência do excesso de peso em crianças e adolescentes, ao mesmo tempo em que a redução das horas de sono tornou-se um comportamento muito comum nesta faixa etária. Destaca a dislipidemia como um importante fator de risco cardiovascular que pode se instalar antes da segunda década de vida27e a estreita relação do sono tanto com a obesidade como com a dislipidemia. Os Objetivos deste trabalho estão expostos no capítulo 2. No capítulo 3, são descritos os Métodos utilizados para responder os objetivos propostos. No capítulo dos Resultados, encontram-se os três artigos elaborados como produtos desta Tese. O primeiro artigo consiste em uma revisão sistemática sobre a associação entre horas de sono e perfil lipídico em adolescentes, submetido à revista Arquivos Brasileiros de Cardiologia e que se encontra em processo de avaliação. O segundo artigo consiste na descrição do padrão de sono dos adolescentes avaliados pelo ERICA das regiões Sul e Centro-Oeste, além de descrever o método para avaliação da duração do sono e as estratégias adotadas para ajuste de respostas improváveis. O terceiro artigo investiga a associação entre lipídeos séricos e duração do sono, com análise do papel de possíveis variáveis mediadoras ou de confundimento dessa associação, tais como índice de massa corporal, consumo total de energia, percentual de lipídeos da dieta, tabagismo, hipertensão arterial e glicemia. No último capítulo, as conclusões das análises realizadas e os desdobramentos em termos de estudos e projetos que se seguirão são apresentados como Considerações Finais. Nas Referências Bibliográficas, são listadas as publicações utilizadas para embasamento teórico do tema estudado. 17 1. Introdução A adolescência é uma etapa do desenvolvimento humano marcada por profundas transformações não apenas físicas, mas também como o início da transição psicológica da infância para a idade adulta, em que os indivíduos sofrem influência de diversos fatores28. É um período de preparação para a vida adulta durante a qual ocorrem várias experiências fundamentais de desenvolvimento. Além de maturação física e sexual, essas experiências incluem o movimento para a independência econômica e social, desenvolvimento de identidade, além da aquisição das competências necessárias para levar adiante as relações e os papéis de adultos29. Enquanto que a adolescência é um período de grande crescimento, é também um momento de risco considerável durante o qual os contextos sociais exercem influências poderosas. Muitos adolescentes enfrentam pressões para o uso de álcool, cigarros ou outras drogas e para iniciar as relações sexuais em idades precoces, colocando-se em risco elevado de lesões intencionais e não intencionais, gravidez indesejada e doenças sexualmente transmissíveis29. Por sua vez, hábitos adquiridos nesse período repercutem sobremaneira no comportamento do indivíduo em muitos aspectos de sua vida futura, e a prática alimentar inadequada é apenas um dentre vários fatores que podem produzir consequências danosas à saúde em um futuro não muito distante30. Hábitos inadequados na infância e na adolescência são potenciais fatores de risco para doenças crônicas, como diabetes mellitus tipo 2 e doenças cardiovasculares na fase adulta31. O aumento no consumo de alimentos processados, ricos em gordura, açúcar e sal, o baixo consumo de legumes, verduras e frutas32, associado ao menor gasto energético diário devido à redução da atividade física, explicam as tendências crescentes de sobrepeso e obesidade na população infantil e adolescente3,2 levando ao reconhecimento da obesidade como relevante problema de saúde pública33; 34. A obesidade é uma doença multifatorial, causada por uma ação combinada entre genética e fatores ambientais. Embora fatores genéticos sejam importantes na patogênese da obesidade35, o estilo de vida e o comportamento alimentar são fatores que exercem maior influência na manifestação clínica da doença36. Crianças e adolescentes são particularmente 18 vulneráveis, já que este é o período crítico para a formação dos hábitos que irão perdurar por toda vida. Nos EUA, de acordo com os dados do National Health and Nutrition Survey (NHANES) 2009-2010, 16,9% das crianças e adolescentes entre 2 e 19 anos foram classificadas como obesas. A prevalência foi maior entre adolescentes (18,4%) do que em préescolares (12,1%). Nos meninos (2-19 anos), a prevalência de obesidade aumentou de 14% em 1999-2000 para18,6% em 2009-2010. Nas meninas da mesma faixa etária, a prevalência de obesidade também aumentou, embora de forma menos significativa, de 13,8% em 19992000 para15,0% em 2009-201037. No Brasil, em todas as idades a partir de cinco anos, confirma-se a tendência de aumento acelerado do problema. A prevalência de déficit de peso em adolescentes mostra tendência de declínio ao longo de quatro inquéritos já realizados (ENDEF 1974-1975; PNSN 1989; POF 2002-2003 e 2008-2009). De 1974-1975 a 2008-2009, a prevalência de déficit de peso diminui de 10,1% para 3,7%, no sexo masculino, e de 5,1% para 3,0%, no sexo feminino. A prevalência de excesso de peso aumenta continuamente ao longo dos quatro inquéritos. Nos 34 anos decorridos de 1974-1975 a 2008-2009, a prevalência de excesso de peso aumenta em seis vezes no sexo masculino (de 3,7% para 21,7%) e em quase três vezes no sexo feminino (de 7,6% para 19,4%). A evolução da prevalência de obesidade nos dois sexos repete, com frequências menores, a tendência ascendente descrita para o excesso de peso. Entre os adolescentes, estima-se no Brasil que quase 5% sejam obesos e 20,5% tenham sobrepeso, segundo Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2008-20093. A Estratégia Global em Alimentação, Atividade Física e Saúde38, aprovada em 2004 pela Assembleia Mundial da Saúde, com o firme apoio do governo brasileiro, alerta sobre o impacto do aumento explosivo da obesidade na incidência de várias doenças crônicas, como diabetes mellitus e doenças cardiovasculares, na expectativa de vida da população e nos custos dos serviços de saúde. Algumas complicações como pressão arterial elevada, perfil lipídico e glicemia de jejum elevados5; 6, que anteriormente pensava-se que ocorreriam alongo prazo, já são identificadas em crianças e adolescentes. Essas descobertas têm levantado preocupações sobre a saúde de um modo geral de quem desenvolve obesidade no início da vida e suscitam questões de como a epidemia da obesidade pode encurtar o tempo de vida da atual geração de crianças39. 19 Crianças e adolescentes, por estarem em crescimento e por terem em geral um maior gasto de energia (são mais ativos) em relação às outras fases da vida deveriam ter um balanço energético que os tornassem menos propensos ao ganho excessivo de peso. Porém, esses fatores parecem não ser suficientes para impedir o crescimento da obesidade também nestas faixas etárias40. Neste sentido, é importante destacar o papel do chamado “ambiente obesogênico”, representado pela: indústria de alimentos, pelas cadeias de fastfood, pelas propagandas e programações de TV, filmes, videogames, enfim, situações que mantêm as crianças mais sedentárias e com consumo calórico excessivo. As intervenções mais adequadas devem combinar mudanças ambientais e comportamentais41 1.1. Dislipidemia A obesidade também está relacionada a alterações nos lipídeos séricos, denominadas de dislipidemias. Sua implicação para o risco cardiovascular depende do perfil de distribuição anormal desses lipídeos nas diversas classes de lipoproteínas. A dislipidemia pode ser representada por um aumento do nível de triglicerídeos e de colesterol total, uma diminuição do nível de HDL-colesterol ou um aumento do nível de lipoproteína de baixa densidade (LDL-colesterol)42, além de alterar as frações dos lipídeos, aumentando a concentração das frações pró-aterogênicas43. Esse tipo de alteração nos lipídeos séricos, semelhante ao encontrado nos adultos, vem sendo detectado com uma frequência cada vez maior em crianças e adolescentes. Na maioria dos casos, a dislipidemia é decorrente de hábitos de vida inadequados, como dieta rica em gorduras saturadas ou trans e sedentarismo. Um possível mecanismo para explicar a associação entre obesidade e dislipidemia é o da ativação da via da cinase AMP-dependente, induzida pelo aumento da insulina e da leptina e pela redução da ativação da adiponectina, levando ao aumento da oxidação dos ácidos graxos44. A adiponectina possui uma associação positiva com a sensibilidade à insulina e com os níveis de HDL-colesterol e negativa com os níveis de triglicerídeos44. Quanto menor a partícula de LDL-colesterol, provavelmente maior será o seu poder de aterogênese44. As crianças obesas parecem ter um maior percentual de LDL de padrão B (partículas menores) do que as crianças com peso normal para a estatura44. Assim, mesmo nas crianças obesas com 20 níveis normais de LDL-colesterol, o seu perfil lipídico pode ser menos favorável, dada a proporção entre as subclasses de suas lipoproteínas44. Dos pontos de vista fisiológico e clínico, os lipídeos biologicamente mais relevantes são os fosfolípides, o colesterol, os triglicerídeos e os ácidos graxos. Os fosfolípides formam a estrutura básica das membranas celulares. O colesterol é precursor dos hormônios esteroidais, dos ácidos biliares e da vitamina D. Além disso, como constituinte das membranas celulares, o colesterol atua na fluidez destas e na ativação de enzimas aí situadas. Os triglicerídeos são formados a partir de três ácidos graxos ligados a uma molécula de glicerol e constituem uma das formas de armazenamento energético mais importantes no organismo, depositados nos tecidos adiposo e muscular45. As lipoproteínas permitem a solubilização e o transporte dos lipídeos, que são substâncias geralmente hidrofóbicas, no meio aquoso plasmático. São compostas por lipídeos e proteínas denominadas apolipoproteínas (apos). As apos têm diversas funções no metabolismo das lipoproteínas, como a formação intracelular das partículas lipoproteicas, caso das apos B100 e B48, e a atuação como ligantes a receptores de membrana, como as apos B100 e E, ou cofatores enzimáticos, como as apos CII, CIII e AI45. Existem quatro grandes classes de lipoproteínas separadas em dois grupos: (1) as ricas em TG, maiores e menos densas, representadas pelos quilomícrons, de origem intestinal, e pelas lipoproteínas de densidade muito baixa ou very low density lipoprotein (VLDL), de origem hepática; e (2) as ricas em colesterol, incluindo as de densidade baixa ou low density lipoprotein (LDL) e as de densidade alta ou high density lipoprotein (HDL). Existe ainda uma classe de lipoproteínas de densidade intermediária ou intermediary density lipoprotein (IDL) e a lipoproteína (a) [Lp(a)], que resulta da ligação covalente de uma partícula de LDL à apo (a)45. A função fisiológica da Lp(a) não é conhecida, mas, em estudos observacionais, ela tem sido associada a formação e progressão da placa aterosclerótica. Estudos demonstram que as crianças obesas apresentam maiores níveis de Lp(a), independente de sua história familiar46. Os estudos de tendências seculares em adolescentes europeus mostraram uma alteração no perfil lipídico dos adolescentes, caracterizada por uma redução das concentrações de HDL-colesterol e elevação das concentrações de triglicerídeos, ao longo da adolescência47; 48 . No entanto, a avaliação da concentração dos níveis de lipídeos e lipoproteínas séricos é complicada nesta fase da vida já que ela sofre profundas mudanças durante o crescimento e o 21 desenvolvimento, havendo duas fases de aumento expressivo de seus níveis: até o 2º ano de vida e durante a maturação sexual. Na fase inicial da adolescência (até os 13 anos), ocorrem o estirão de crescimento e o surgimento das características sexuais secundárias, com maior deposição de gordura corporal e, consequentemente, maior alteração nos níveis lipídicos, e nas demais fases atinge-se o pico máximo de crescimento. No decorrer da adolescência, a composição corporal do organismo é alterada, bem como as diferenças entre gêneros, em que os meninos apresentam maior proporção de massa livre de gordura e as meninas, maior quantidade de massa de gordura, devido às modificações nos níveis de estrogênio e testosterona durante a puberdade49. Os níveis séricos de lipídeos e lipoproteínas são superiores nas crianças e adolescentes do sexo feminino, sendo esta diferença mais expressiva durante a adolescência. Em média, as meninas apresentam níveis superiores de colesterol total, HDL-colesterol e LDL-colesterol50; 51; 52.Nas meninas, observa-se um aumento progressivo do HDL-colesterol a partir dos 10 anos, sendo este marcadamente superior ao dos meninos no final da adolescência. Também o LDL-colesterol e o colesterol total elevam-se progressivamente a partir dos 14-15 anos nas meninas, sendo superiores aos dos meninos por volta dos 17-18 anos53. Essa diferença de concentração de lipoproteínas entre meninos e meninas pode estar relacionado à alteração da concentração de testosterona e estradiol54. Um estudo recente realizado com adolescentes brasileiros de 10-17 anos do sexo masculino55, verificou que as concentrações de lipídios e lipoproteínas tendem a sofrer alterações durante a puberdade. Observou-se uma redução significativa das concentrações de colesterol e HDL-colesterol entre o início e o fim da puberdade. Os níveis de LDL-colesterol aumentaram durante o estágio 3 de desenvolvimento puberal, diminuindo no final do processo da puberdade. Os níveis de triglicerídeos não se alteraram significativamente com o status puberal. Outros estudos já apontaram um aumento dos níveis de triglicerídeos entre as fases inicial e final da puberdade56; 57. 1.2. Aterosclerose A aterosclerose é uma doença inflamatória crônica de origem multifatorial que ocorre em resposta à agressão endotelial, acometendo principalmente a camada íntima de 22 artérias de médio e grande calibres58. É uma das principais causas de morbidade e mortalidade em adultos de todo o mundo59. As evidências de que a aterosclerose tem seu início em fases precoces da vida60; 61; 62 e de que a sua progressão para estágios mais avançados pode ser observada já em adultos jovens, vêm se acumulando nos últimos cinquenta anos. Holman e colaboradores27relataram, em 1958, que crianças com três anos de idade já apresentavam estrias de gordura na aorta. A presença de obesidade na infância e adolescência tende a acelerar ainda mais o problema nesta faixa etária63. Outros estudos relataram manifestações de doença aterosclerótica subclínica neste grupo etário, com deposição de placas de gordura nas artérias coronárias 63; 64; 65 . O período de maior progressão das estrias gordurosas para placas fibrosas ocorre a partir dos 15 anos de idade64. O processo aterosclerótico apresenta vários marcadores inflamatórios em concentrações aumentadas, sendo mais evidentes em indivíduos obesos e dislipidêmicos66; 67. Embora a relação entre massa gorda e função vascular ainda seja pouco entendida, a obesidade, de forma independente, está associada a uma diminuição na resposta vasodilatadora, mesmo quando há necessidade de aumento do fluxo arterial63. Há descrições de disfunção endotelial precoce nas crianças e adolescentes obesos. As crianças com obesidade grave apresentam espessura médio-intimal carotídea significativamente maior do que as com peso normal. Níveis elevados de insulina parece ser um fator associado a este espessamento68. Silva e colaboradores69 conduziram uma revisão sistemática sobre espessamento médio-intimal e marcadores inflamatórios, em que comparou-se o espessamento médiointimal por meta-análise e analisou-se a correlação do espessamento com variáveis inflamatórias em crianças e adolescentes obesos e não obesos. Dos 16 artigos selecionados para análise final, houve diferença do espessamento médio-intimal entre obesos e não obesos em 12 estudos, confirmada pela meta-análise. Os autores concluem que há relação da obesidade com aumento do espessamento médio-intimal e alterações nas concentrações dos marcadores inflamatórios nesta fase. A formação da placa aterosclerótica inicia-se com a agressão ao endotélio vascular. Como consequência, a disfunção endotelial aumenta a permeabilidade da íntima às lipoproteínas plasmáticas, favorecendo a retenção das mesmas no espaço subendotelial. 23 Retidas, as partículas de LDL sofrem oxidação, tornando-as imunogênicas. O depósito de lipoproteínas na parede arterial, processo-chave no início da aterogênese, ocorre de maneira proporcional à concentração dessas lipoproteínas no plasma. Além do aumento da permeabilidade às lipoproteínas, outra manifestação da disfunção endotelial é o surgimento de moléculas de adesão leucocitária na superfície endotelial, processo estimulado pela presença de LDL oxidada (LDL-ox). As moléculas de adesão são responsáveis pela atração de monócitos e linfócitos para a camada íntima da parede arterial. Induzidos por proteínas quimiotáticas, os monócitos migram para o espaço subendotelial, onde se diferenciam em macrófagos, que por sua vez captam as LDL-ox, sem controle da quantidade recebida. Os macrófagos repletos de lipídeos são chamados de células espumosas e são o principal componente das estrias gordurosas, lesões macroscópicas iniciais da aterosclerose. Uma vez ativados, os macrófagos são, em grande parte, responsáveis pela progressão da placa aterosclerótica mediante a secreção de citocinas, que amplificam a inflamação, e de enzimas proteolíticas, capazes de degradar colágeno e outros componentes teciduais locais. Outras células inflamatórias também participam do processo aterosclerótico. Os linfócitos T, embora menos numerosos que os macrófagos no interior do ateroma, são de grande importância na aterogênese. Mediante interação com os macrófagos, por exemplo, as células T podem se diferenciar e produzir citocinas que modulam o processo inflamatório local70. Atualmente sabe-se que é possível obter uma redução na incidência de complicações da aterosclerose com a adoção de um estilo de vida saudável e com tratamento medicamentoso. Não há consenso, entretanto, em que fase da vida e de que forma a prevenção deve ser implantada. À medida que foram sendo compreendidos os mecanismos de origem e desenvolvimento da doença aterosclerótica, consolidou-se o conceito de que a prevenção deva ser iniciada na infância42, pela presença de fatores de risco já nesta faixa etária. Alterações de marcadores de perfil lipídico também estão presentes na síndrome metabólica, descrita a seguir. 1.3. Síndrome Metabólica Desde 1988, quando Reaven11 descreveu a síndrome metabólica pela primeira vez de forma sistemática, muitas pesquisas têm sido realizadas para viabilizar a compreensão da fisiopatologia, epidemiologia, implicações prognósticas e estratégias terapêuticas relacionadas 24 à síndrome. A síndrome metabólica tem sido identificada como uma constelação de distúrbios metabólicos e não metabólicos relacionados com alterações na sensibilidade à insulina, que conduzem a um elevado risco para o desenvolvimento de diabetes tipo 2 e doença cardiovascular71. Apesar deste progresso, incertezas ainda persistem em relação à síndrome metabólica, com dúvidas de organizações internacionais sobre sua real existência72; 73. A primeira definição da síndrome metabólica mencionada por Reaven incluía os seguintes componentes: hiperglicemia, obesidade abdominal, hipertrigliceridemia, LDLcolesterol elevado e hipertensão. Acreditava-se que sua patogênese, unificada pelo possível mecanismo de ação da resistência à insulina, estava relacionada às interações entre estilo de vida sedentário, dieta e fatores genéticos. Apenas recentemente foram publicadas meta-análises que combinaram o risco de desenvolvimento de doença cardiovascular, atribuíveis à síndrome metabólica. Os riscos relativos variaram de 1,53 (IC95% 1,26-1,87)74 a 1,78 (IC95% 1,58-2,00), podendo atingir 2,63 em mulheres (vs 1,98 para homens, p-valor 0,09)75. O mecanismo fisiopatológico pelo qual a síndrome metabólica aumenta o risco cardiovascular ainda está em debate, porém há forte evidência de que a resistência insulínica seja o fator principal11; 73, já que, com o tempo, indivíduos com resistência à insulina tornamse hiperinsulinêmicos73. O Bogalusa Heart Study mostrou uma forte associação entre níveis de insulina em jejum persistentemente elevados e o desenvolvimento de fatores de risco cardiovascular em crianças e adultos jovens acompanhados por um período de 8 anos de observação76. Existem evidências de presença de interação entre gordura corporal e resistência à insulina na predição de fatores de risco cardiovascular na adolescência, sendo que o IMC ou a resistência à insulina isoladamente não conseguem explicar totalmente a ocorrência de síndrome metabólica77. Na literatura, ainda não existe um consenso sobre a definição da síndrome metabólica em crianças e adolescentes. As barreiras para uma definição consistente incluem o uso de pontos de corte de adultos para todas as idades durante a infância e a adolescência, o fato de que a ocorrência de alterações metabólicas na maioria das crianças e adolescentes são quantitativamente moderadas, a falta de uma faixa normal para a concentração de insulina na infância, a resistência à insulina como característica fisiológica da puberdade e a falta de pontos de corte específicos para obesidade central considerando o perímetro da cintura para as 25 crianças e os adolescentes. Há algumas propostas, baseando-se em adaptações de critérios utilizados para adultos73; 78; 12; 79; 80; 81 . Os mais utilizados são os da World Health Organization80 e os do National Cholesterol Education Program’s Adult Treatment Panel III (NCEP-ATP III)78. A síndrome metabólica é altamente prevalente entre as crianças e adolescentes obesos, independentemente dos parâmetros adotados para o diagnóstico. De acordo com uma revisão sistemática sobre prevalência de síndrome metabólica em adolescentes de 10-19 anos82, os autores encontraram prevalências variando de 4,2% a 38,7%, dependendo da definição de síndrome metabólica utilizada, sendo que a elevação dos triglicerídeos foi o componente mais frequentemente alterado (4% a 75%), enquanto a alteração da glicose foi o menos observado. Esta revisão não encontrou estudos no Brasil que estimem a prevalência de síndrome metabólica. O aumento da prevalência do excesso de peso na população adolescente significa um aumento da prevalência da síndrome metabólica. A prática de atividade física e a alimentação têm sido os principais focos de pesquisas sobre estratégias para prevenção e controle da obesidade83. Intervenções específicas nestas áreas, no entanto, têm gerado resultados insatisfatórios no combate à obesidade a longo prazo84; 85. A compreensão dos fatores que alteram o equilíbrio entre valor energético ingerido e gasto energético ainda permanece incompleta. Outros fatores intrinsecamente relacionados ao aumento do excesso de peso começam a despontar como tentativas para explicar a epidemia de obesidade. Um desses fatores seria o perfil de sono, duração quanto a qualidade do sono19; 85. 1.4. Sono na Infância e Adolescência O sono é um estado comportamental reversível de desligamento da percepção e da falta de resposta ao ambiente. É uma mistura complexa de processos fisiológicos e comportamentais86. O ciclo sono-vigília é um ritmo circadiano que, em condições naturais, oscila ao longo de um período de 24 horas. Alternância de período claro e escuro, horário escolar, horas de trabalho, lazer e atividades familiares são alguns fatores exógenos que sincronizam esse ciclo. Além dessa sincronização regulada pelo ambiente, o ciclo sono-vigília é também regulado endogenamente por uma estrutura neural localizada no hipotálamo – o 26 núcleo supraquiasmático, considerado o relógio biológico circadiano para os mamíferos. Razões que impeçam o indivíduo de dormir à hora habitual afetam consideravelmente o equilíbrio psicossomático e os efeitos adversos da interrupção do ritmo circadiano, como o trabalho noturno, por exemplo, repercutem negativamente no período de vigília87. A duração do sono como um indicador de necessidade de sono diminui consideravelmente desde o período neonatal até o final da adolescência, mas a variabilidade individual permanece em todas as idades88, também devido à composição genética89. A regulação do ciclo sono-vigília e dos estados do sono evoluem rapidamente durante o primeiro ano de vida, com maturação continua em toda a infância90. Como recém-nascidos não têm um ritmo circadiano estabelecido, seu sono é distribuído ao longo do dia e noite, com períodos de sono curtos por causa da frequência da alimentação91. Por volta da 10ª a 12ª semanas de idade, o ritmo circadiano começa a emergir, e o sono infantil torna-se cada vez mais noturno92. Pais podem auxiliar no desenvolvimento de um padrão regular de sono noturno, através da implementação de horários para comer e rotinas para acordar e dormir91. Entre as idades de 1 e 4 anos, as crianças continuam a tirar cochilos durante o dia, a fim de alcançar seu requerimento de sono ideal88. A frequência dos despertares noturnos é um dos principais fatores pelo qual os pais julgam a qualidade do sono do seu filho93.Por volta dos 5 anos, o sono diurno cessa e a duração do sono durante a noite diminui gradualmente durante a infância, devido a hora de dormir mais tardia, com horários para acordar permanecendo estáveis durante a semana88. Na adolescência, observa-se uma tendência na população jovem de apresentar horários de sono irregulares, com discrepâncias significativas entre os dias durante a semana e dos fins de semana, particularmente com o aumento da idade88; 94; 95. Uma pesquisa nacional nos EUA realizada em 2005 mostrou que 45% dos adolescentes dormem menos de 8 horas por noite, classificado pelo estudo como sono insuficiente96. No entanto, este percentual está em elevação, pois segundo dados de uma recente pesquisa nacional de estudantes americanos do ensino médio conduzida pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças, quase 70% dos adolescentes relataram dormir menos do que oito horas de sono durante a semana97. Os declínios na duração do sono das crianças ao longo das últimas décadas têm sido relatados na literatura acadêmica. Dollman e colaboradores98 observaram uma redução de 30 minutos entre os anos de 1985 e 2004 para adolescentes australianos de10 a 15 anos de idade, 27 considerando as noites durante a semana. Os adolescentes em 2004 iam dormir mais tarde do que em 1985 e a hora de acordar não sofreu alteração. Uma revisão sistemática recentemente conduzida por Matricciani (2012)99 foi realizada para avaliar o relato da duração do sono de crianças de 5-18 anos. Houve um declínio secular de 0,75 minutos por ano na duração do sono das crianças nos últimos 100 anos, indicando uma diminuição de mais de 1 hora por noite. Os autores acreditam que as crianças de hoje apresentam mais privação de sono do que seus pais ou avós quando crianças. No entanto, é difícil determinar quais as consequências negativas para a saúde que surgiram como resultado de uma redução de mais de 1 hora de sono durante o último século. Mudanças sociais, acadêmicas e biológicas são responsáveis por diminuir a quantidade e qualidade do sono de jovens ao longo do tempo. As alterações hormonais da puberdade afetam o eixo hipotálamo-hipófise adrenal, um componente importante na regulação da energia e resposta ao estresse, que por sua vez pode afetar o sono100. Embora não seja responsável pela produção de hormônios, o sono atua como facilitador de sua produção. Entre esses podem ser destacados o hormônio do crescimento, que tem sua concentração aumentada durante os estágios mais profundos do sono e é secretado de forma rítmica pela hipófise a cada 2 horas; a melatonina, sincronizadora do ritmo sono-vigília e de vários ritmos biológicos, como a temperatura corporal; o hormônio liberador de corticotropina e o hormônio adrenocorticotrópico; além do cortisol. Todos apresentam alterações cíclicas durante as 24 horas. Portanto, quando se desorganizam os hábitos de sono, pode haver modificações na produção desses hormônios com as respectivas manifestações clínicas a eles associadas101. Os adolescentes, normalmente, apresentam um padrão de sono irregular caracterizado por atrasos de início e final do sono dos dias de semana para os finais de semana, curta duração de sono nos dias de semana e longa duração de sono nos finais de semana. O sono prolongado nos finais de semana é devido à redução do sono (privação) durante os dias de aulas ou de trabalho. O atraso na hora de deitar nos finais de semana parece estar associado à tendência do sistema de temporização circadiana de provocar atrasos na fase do início do sono102. Adolescentes estão dormindo mais tarde98, acordando mais cedo ou mantendo o mesmo horário de acordar, e se sentindo cada vez mais sonolentos durante o dia103; 104 por dormirem muito menos em comparação com a época em que eram crianças21; 90; 105 . 28 O sistema circadiano fornece uma representação interna do dia e da noite, permitindo ao corpo antecipar as mudanças diárias do ambiente. Talvez a manifestação mais evidente seja o ciclo sono-vigília. Os ritmos circadianos de melatonina e de cortisol são, por conseguinte, alinhados com o ciclo solar para promover o sono durante a noite e vigília durante o dia106. Para uma pessoa que está normalmente alinhada com o ciclo solar, a síntese de melatonina geralmente começa algumas horas antes da hora de dormir107. Os níveis circulantes de melatonina são mais elevados durante o meio da noite e depois diminuem antes da hora de acordar de costume. Em paralelo, o ritmo circadiano de cortisol plasmático é baixo durante a primeira parte da noite e aumenta acentuadamente antes da hora de acordar, presumivelmente para preparar o corpo para a atividade diurna e demandas metabólicas associadas108. Na adolescência, há maior lentidão na inibição da secreção de melatonina no início da fase clara do dia, especialmente nas etapas tardias da puberdade, o que pode levar a um atraso de fase do sono87, podendo conduzir à insuficiência crônica do sono e gerar efeitos aditivos que podem ter implicações negativas105. Empregos de meio período e uma gama crescente de atividades extracurriculares e sociais cada vez mais competem com o tempo de sono105, no mesmo momento em que os pais já não controlam os horários de dormir de seus filhos109. Mudanças também ocorrem na escola, onde exigências acadêmicas exigem mais tempo para dedicar-se aos estudos. Somado a isto, o maior uso de meios eletrônicos, como computador, telefone celular, televisão e videogame, e o recente aumento do uso da internet, apenas intensificam essas preocupações, principalmente porque o tempo gasto com esses aparelhos tem demonstrado grande impacto na redução da duração do sono e na promoção do atraso do ciclo sono-vigília110; 111 . A presença da sonolência diurna devido ao sono insuficiente pode gerar efeitos prejudiciais97, como aumento do risco não intencional de injúrias e mortes ao volante naqueles que já dirigem, baixo rendimento escolar, alterações de humor e aumento do uso de estimulantes94. Em termos fisiológicos, há estudos laboratoriais que abordam o efeito de "sono de recuperação" sobre as funções hormonais e metabólicas após um período de débito de sono. Estudos experimentais mostraram que a privação parcial de sono (apenas 4 horas por noite) de forma repetida está relacionada a uma série de alterações hormonais, tais como leptina, grelina e do eixo hipotalâmico hipofisário-adrenal, com consequente intolerância à glicose112; 113 . Após uma "recuperação" do período de sono com repouso completo (12 horas), diversas variáveis metabólicas e endócrinas parecem retornar a um nível de melhor funcionamento114. 29 Em condições naturais, os seres humanos organizam suas atividades segundo um ciclo de 24 horas e precisam de certa regularidade no seu padrão do ciclo sono-vigília115. Essa organização temporal resulta da atuação de fatores endógenos (sincronizadores internos) e de fatores ambientais (sincronizadores externos)116. Os sincronizadores sociais parecem ser os mais importantes, entre eles, especialmente, a jornada de trabalho e as atividades acadêmicas. Para os adolescentes, os dois grupos de fatores agem de forma antagônica no processo de sincronização do ciclo sono-vigília: os fatores endógenos (necessidade de sono e as preferências quanto ao horário de dormir e de acordar), que tendem a sincronizar o ciclo sonovigília em um ritmo regular e com período de 24 horas e, por outro lado, as demandas acadêmicas que tendem a reduzir o sono e os horários escolares, sincronizando o ciclo sonovigília com um padrão diferente do ciclo claro-escuro. Esta situação de conflito, em que os adolescentes precisam decidir entre manter a regularidade do ciclo sono-vigília, satisfazer as necessidades de sono, responder aos esquemas escolares e as demandas acadêmicas, pode provocar alterações no estado afetivo117. Estas preocupações persistentes têm gerado uma série de tentativas de formular recomendações sobre durações de sono adequadas para crianças e adolescentes, que datam de 189799. No entanto, ainda há uma falta de consenso sobre o que se constitui como tempo de sono "adequado" e se as crianças estão efetivamente precisando de mais horas de sono118. Propor uma "quantidade saudável de sono" é complicado uma vez que uma faixa de duração de sono noturno normalmente recomendada pode não se aplicar a todos, já que a necessidade de sono é determinada geneticamente119. Uma revisão sistemática da literatura, do período de 1897 a 2009, foi realizada para identificar recomendações de duração de sono de crianças e adolescentes, e comparar estas recomendações com médias de sono relatadas nos estudos. Trinta e dois conjuntos de recomendações foram localizados. Em média, a duração do sono recomendada, específica por idade, diminuiu a uma taxa de -0,71 minutos por ano (IC95% –0,88; –0,54), correspondendo em média a uma redução de 70 minutos. Esta taxa de declínio foi quase idêntica ao declínio na duração do sono real de crianças (-0,73 minutos por ano). A duração do sono recomendada foi aproximadamente 37 minutos (p-valor <0,0001) maior do que a duração de sono real de crianças e adolescentes, embora ambos tenham declinado ao longo do tempo. A revisão identificou que a maioria das propostas de duração de sono ideal para esta faixa etária não apresentavam nenhuma evidência, sendo muitas vezes baseadas em opiniões. Na realidade, a 30 necessidade real de sono deveria ser determinada por estudos de sono mais complexos, incluindo sua restrição, acompanhado do monitoramento de variáveis de desfecho pertinentes, mas esses estudos são raros e nenhum dos estudos que fazem recomendações fornecem provas desta natureza. Na prática, as recomendações são muitas vezes justificadas em termos de uma análise da duração do sono que as crianças e adolescentes realmente tem, baseando-se no pressuposto de que eles não estavam dormindo o suficiente. Da mesma forma, embora existam estudos abrangentes que reportem durações de sono normativas para crianças e adolescentes, a quantidade realmente necessária de sono para este grupo ainda permanece desconhecida120. A National Sleep Foundation publicou recentemente que a duração de sono ideal para os adolescentes é de 8 a 10 horas, não sendo recomendado durações menores de 7 e maiores de 11 horas por noite121. Já a National Heart, Lung and Blood Institute propõe 9 horas de tempo de sono para esta faixa etária122. Outra questão relevante quando se trata de duração de sono é a definição do que seria “curta” e “longa” duração, que ainda é muito controversa na literatura, não existindo pontos de corte oficiais. Autores de estudos com avaliação da duração de sono utilizam diferentes pontos de corte nas suas análises, existindo ainda diferenças para adultos e crianças. Para se ter um exemplo, já foi considerada como curta duração do sono aqueles que dormiam menos de 7 horas por noite e longa duração do sono aqueles que dormiam mais de 8123, enquanto outro estudo considerou poucas horas de sono menos que 5124 e muitas horas de sono mais de 10125. Essa grande variabilidade na definição de sono curto e longo dificulta sobremaneira a comparação entre os diferentes estudos e impede a utilização de técnicas estatísticas para combinar em uma medida resumo os resultados de estudos independentes. 1.4.1. Métodos para Avaliação do Sono Sono de alta qualidade é caracterizado por transições sem esforço entre a vigília e os estágios do sono, e não deve haver nenhuma interrupção. Avaliação do sono envolve a análise de quantidade, qualidade, arquitetura e de comportamentos do sono126 e pode ser realizada com a utilização de vários instrumentos, com medidas envolvendo aspectos subjetivos e objetivos. 31 O estudo polissonográfico ainda é considerado o instrumento de referência para diagnóstico da maioria dos transtornos do sono e também para conhecimento da efetiva duração do sono, em horas. É um registro gráfico minuto a minuto das ondas cerebrais, com determinação dos vários estágios do sono127. O exame, de noite inteira, através de equipamento computadorizado específico para a monitorização em laboratório de sono, é conduzido em sono espontâneo, sem nenhuma sedação ou privação do sono. É pela polissonografia (PSG) que parâmetros eventualmente alterados nos pacientes com algum transtorno de sono são identificados. São registrados eletroencefalograma, eletro-oculograma, eletromiograma, eletrocardiograma, fluxo aéreo através de termistor e de transdutor de pressão, esforço respiratório (cintas torácica e abdominal), ronco (microfone no pescoço), movimentação de pernas e posição do corpo nos diferentes decúbitos. Também são detectados o índice de apneia e hipopneia, a dessaturação da oxihemoglobina, alterações nos estágios e na eficiência do sono128. Para um exame bem-sucedido, necessita-se de um técnico especializado para monitoramento da adequação técnica e do paciente que está sendo avaliado. Já existe evidências na literatura de uma significativa taxa de erros de diagnósticos quando são realizados registros polissonográficos de apenas uma noite. Um estudo elaborado por Stenowsky (2004)129 mostrou que uma noite de PSG não seria suficiente para se determinar o diagnóstico de um determinado transtorno de sono, ocorrendo erros em aproximadamente 1 a cada 10 casos. Os autores recomendam a necessidade de pelo menos duas noites para se confirmar o diagnóstico, ainda que isso implique em considerável resistência econômica pelo alto custo do exame. Além do estudo do sono com uso da PSG ter um custo elevado, também exige as facilidades de um laboratório do sono completo, o que é tecnicamente complexo e requer uma equipe especializada em PSG. Há ainda a possibilidade de o paciente investigado apresentar uma noite de sono que não seja semelhante ao que ocorre habitualmente em sua casa, o que poderia prejudicar o diagnóstico. Neste sentido, é interessante que outros métodos de diagnóstico sejam considerados, como o uso dos monitores portáteis, administrados a nível domiciliar, operacionalmente menos complexos (desde que o paciente seja orientado por um profissional experiente) e de menor custo130. Apresentam a vantagem de utilização no ambiente em que o indivíduo vive, mas são mais propensos a erros de diagnóstico, por não detectarem distúrbios que não sejam oriundos da respiração e por não identificarem os 32 estágios do sono. Além disso, são equipamentos heterogêneos entre si, que utilizam uma gama considerável, tanto de dispositivos quanto de parâmetros a serem avaliados. Segundo o Portable Monitoring Task Force of the American Academy of Sleep Medicine131, os monitores portáteis podem ser utilizados em casos de suspeita de apneia do sono moderada a grave e em indivíduos que possuam dificuldades em se deslocar para um laboratório de sono, além de poderem ser aplicados para monitorar resposta a tratamentos com aplicadores orais, cirurgias das vias aéreas superiores e redução de peso. A diretriz também define que os monitores portáteis devem registrar, pelo menos, fluxo aéreo, esforço respiratório e oxigenação sanguínea. Este método deve ser considerado quando utilizado de forma coadjuvante, como parte de uma avaliação clínica completa de indivíduos com alta probabilidade de apresentar um transtorno do sono. No entanto, recomenda-se que quando o monitor portátil não for eficiente em realizar o diagnóstico em pacientes com alta probabilidade pré-teste, a PSG deve ser indicada para confirmação do quadro. Os monitores portáteis também não são indicados naqueles que apresentam comorbidades incluindo doença pulmonar de moderada a grave, doença neuromuscular ou insuficiência cardíaca congestiva. Mais recentemente, vem sendo muito utilizados em pesquisas e na prática clínica sensores de movimento capazes de determinar períodos de atividade e repouso, a partir de uma técnica conhecida como actigrafia (ACT) em aparelhos similares a relógios de pulso, validada utilizando-se a PSG132. Os sensores de movimento são considerados como uma alternativa mais simples, não invasiva, prática e de menor custo à PSG133. A ACT pode ser utilizada na avaliação de insônia, distúrbios do sono relacionados ao ritmo circadiano, distúrbios respiratórios relacionados com o sono, determinação da resposta à terapêutica, e na avaliação dos padrões de sono em populações especiais, como crianças e adolescentes. A ACT tem sido utilizada para estimar medidas de PSG, como tempo total de sono ou vigília após o início do sono. No entanto, ACT simplesmente mede o movimento do corpo. Embora possa ser muito sensível e há algoritmos sofisticados que se propõem a estimar com precisão os outros parâmetros, não mede os mesmos parâmetros que um eletroencefalograma. Obviamente, também não avalia a experiência subjetiva do sono (como fazem diários de sono e questionários). Desta forma, devem ser complementados por informações de diários de sono, que podem ser preenchidos pelos pais ou responsáveis ou pelos próprios indivíduos investigados134; 135. Deve-se, no entanto, atentar para o fato de que os diários de sono podem indicar superestimação sistemática do tempo de sono, em comparação com ACT136. 33 Em 2007, a American Medicine publicou no Standards of Practice Committee132 novos parâmetros para o papel da actigrafia no estudo do sono e dos ritmos circadianos, considerando sua utilidade na caracterização e monitorização de padrões do ritmo circadiano e seus distúrbios. Segundo o documento, estudos já mostraram altos percentuais de concordância para tempo total de sono com a PSG de 90%em indivíduos normais137 e 84% em pacientes com distúrbios do sono138.Verificou-se também que a concordância entre a ACT e a PSG foi maior que a detectada entre a primeira técnica e os diários de sono132. Com a dificuldade da utilização da PSG e de outros métodos objetivos de avaliação do sono devido ao alto custo, questionários também são utilizados como métodos alternativos no intuito de se obter informações importantes sobre o sono do indivíduo de forma rápida, simples, padronizada, com menores custos139 e de forma repetida em um número elevado de indivíduos140, embora tenha a limitação do viés de memória do entrevistado. Existem vários questionários que têm sido usados em pesquisas para avaliar a qualidade do sono em adolescentes, como o The School Sleep Habits Survey21, o Sleep Wake Diary141, e o Pittsburgh Sleep Quality Index142. Estas ferramentas apresentam confiabilidade e validade adequadas, mas pode ser complicado o seu uso na prática clínica; alguns são longos e exigem um tempo considerável para administrar, enquanto outros têm complicados métodos de pontuação126. Apesar da relevância e da necessidade para a prática clínica, ainda não foi estipulado o uso de um questionário padrão para diagnóstico de um transtorno de sono, ou para monitorização da resposta ao tratamento instituído, para acompanhamento dos sinais ou sintomas, como ronco e sonolência excessiva, ou para conhecimento dos hábitos de sono do indivíduo investigado. A avaliação clínica, destacando-se a história do sono do indivíduo, e os diários de sono, para observação dos distúrbios dos ritmos circadianos e de hábitos de sono, são procedimentos complementares também extensivamente utilizados. Os diários do sono, por sua vez, são considerados medidas de autorrelato muito confiáveis para quantificar o tempo de sono, usados muitas vezes em consonância com os actígrafos. Os diários do sono geralmente envolvem os participantes (ou cuidadores) que documentam os horários relacionados a dormir e a acordar, bem como a percepção de qualidade do sono, avaliada ao longo de vários dias e noites consecutivos. Estas medidas são normalmente concluídas antes de dormir e logo pela manhã135. 34 É importante ressaltar que todas as formas de se avaliar o sono apresentam limitações. Por isso, destaca-se a importância de se utilizar mais de um método nos estudos e na prática clínica, já que nenhuma forma é capaz de apreender toda a complexidade do sono isoladamente135. Os métodos objetivos são preferidos na maioria das situações, já que fornecem, praticamente, as mesmas informações que os métodos subjetivos, embora de modo mais acurado e confiável, mas, como já comentado, os altos custos e complexidade envolvidos limitam seus usos. A avaliação de fatores de risco para o sono insuficiente também envolve a análise de hábitos e elementos ambientais que podem influenciar o sono, como trabalho (remunerado ou não), exercício físico, utilização das telas eletrônicas e uso de álcool e cafeína, entre outros126. 1.4.2. Relação entre Obesidade, Consumo Alimentar e Sono Evidências epidemiológicas recentes indicam que a duração do sono está associada de forma independente à mortalidade143; 144; 145; 146 e à doenças como diabetes mellitus tipo 2147 e DCV148em adultos. A relação é normalmente uma curva em forma de U, onde o menor risco é encontrado em cerca de 7-8 horas de sono por noite, com as probabilidades mais elevadas para aqueles que dormem períodos curtos ou longos demais147; 149; 150. Há, por sua vez, outros estudos que não relatam associações em forma de U entre a duração do sono e mortalidade146; 151 . No entanto, a obesidade nestes estudos observacionais pode fazer parte da cadeia causal através da qual a duração do sono afeta a mortalidade149. Grandes estudos prospectivos, incluindo o National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES I) e o Nurses’ Health Study já demonstraram um risco aumentado de obesidade com a redução das horas de sono152; 153; 154. Em crianças e adolescentes, estudos seccionais19; 155; 156 e prospectivos157; 158 também já evidenciaram esta associação. Em 2008, Cappuccio e colaboradores124 realizaram uma meta-análise, totalizando mais de 600.000 participantes entre crianças e adultos de todo o mundo, para avaliar se as evidências apoiam a relação entre poucas horas de sono e obesidade. Em crianças e adolescentes, a medida sumária do OR (odds ratio) para curta duração do sono (<10 horas) e obesidade foi de 1,89 (IC95% 1,46-2,43), enquanto que nos adultos (<5 horas) foi de 1,55 (IC95% 1,43-1,68). Os resultados mostram uma maior chance 35 de dormir menos se o indivíduo é obeso, tanto na infância quanto na idade adulta. Análises de regressão linear em adultos também indicaram que uma redução de uma hora de sono por dia estaria associada a um aumento de 0,35 Kg/m² no índice de massa corporal (IMC). No entanto, a inferência causal neste estudo é difícil devido à falta de controle por fatores de confusão importantes e provas inconsistentes da sequência temporal, já que todos os estudos avaliados eram estudos seccionais. Devido ao grande volume de artigos já publicados sobre este tema, uma revisão crítica da literatura disponível foi realizada por Marshall em 2008149, descrevendo a relação entre a duração do sono habitual, incluindo medidas objetivas, e obesidade em adultos e crianças. Segundo esta revisão, ainda não há evidência suficiente nos adultos para se concluir que duração curta ou longa do sono esteja associada com a obesidade ou o ganho de peso, já que há estudos que verificaram associação entre IMC com curta e longa duração do sono, e outros não evidenciaram qualquer associação entre esses dois fatores. Em crianças e adolescentes, os estudos indicam que a curta duração do sono está consistentemente associada com maior massa corporal. No entanto, dois destes estudos mediram a duração do sono por meio de autorrelato dos pais, cuja informação pode ser tendenciosa. Não há evidência experimental em crianças para confirmar que esta associação seja causal. Deve-se ressaltar que, quase todos os estudos, em adultos e crianças, foram baseados em relatos subjetivos de duração do sono. Estudos são necessários para determinar a precisão com que as crianças e os adultos relatam sua duração do sono e qualidade. Além disso, a maioria dos estudos conduzem análises seccionais, o que significa que a direção de causalidade não pode ser inferida. Estudos prospectivos que utilizem medidas objetivas de sono e de adiposidade, serão importantes para investigar essas relações123. Além disso, permanece ainda a dúvida sobre o quanto da morbidade e da mortalidade é devida à duração do sono mais curta per se, e o quanto desse efeito pode ser causado pelo aumento de diferentes atividades de vigília associados a tempos mais curtos de sono159. A evidência do impacto modulatório do sono em muitas funções fisiológicas, incluindo a regulação metabólica, já foi relatada há mais de quatro décadas. Já foi descrita que a restrição de sono de forma recorrente estaria associada a uma constelação de alterações metabólicas e endócrinas, sugerindo que o sono curto é um importante, embora ainda amplamente subestimado, fator de estilo de vida não tradicional envolvido na atual epidemia de obesidade. Essa restrição pode aumentar o risco de obesidade e diabetes através de 36 múltiplos caminhos, incluindo um efeito adverso sobre os parâmetros de regulação da glicose, tais como a resistência à insulina e uma desregulação do controle neuroendócrino do apetite que conduz à ingestão excessiva de alimentos e diminuição do gasto energético123. O gasto energético reduzido é até agora um caminho pouco explorado, que também poderia estar relacionado com curta duração do sono e o risco de sobrepeso e obesidade, já que a redução das horas de sono estaria associada à sonolência e à fadiga, que pode resultar no gasto energético reduzido através da diminuição da prática de atividade física160. Além disso, a utilização de glicose cerebral parece ser reduzida após a privação do sono161. Essa deficiência no metabolismo da glicose estaria relacionada a alterações nos níveis circulantes dos hormônios leptina113; 153; apetite113; 162; 164 e gasto energético123; 162; 163 161 e grelina153; 162, envolvidos na regulação do . Em um ensaio clínico randomizado cross over realizado por Spiegel e colaboradores113, foi testado experimentalmenteos efeitos agudos darestrição de sonono controle do apetite. Os autores verificaram que a privação de sono foi associada a um aumento de 28% nos níveis da grelina, diminuição de 18% nos níveis de leptina, aumento de 24% na fome e de 23% no apetite, em homens jovens saudáveis submetidos a duas noites de restrição de sono com a ingestão de energia controlada por uma infusão intravenosa de glicose. Entretanto, a alimentação utilizada neste estudo controlado, tão diferente da alimentação da vida real, certamente limita a generalização dos resultados. Estudos experimentais que fizeram uso de alimentação livre, com um cenário mais representativo da vida usual, verificaram que a restrição do sono não se mostra associada a alterações da grelina ou a alterações significativas da leptina165; 166; 167. A leptina, um hormônio liberado pelos adipócitos, fornece informações sobre o estado energético para centros reguladores no hipotálamo168. Os níveis circulantes de leptina mostram uma rápida diminuição ou elevação em resposta ao déficit ou superávit energéticos. A grelina, um peptídeo produzido predominantemente pelo estômago, também está envolvida na regulação do balanço energético. Uma vez que a secreção de leptina é inibida pela estimulação simpática169 e que a secreção de grelina é inibida pela atividade parassimpática170, as alterações na atividade de sistema nervoso autonômico observadas com a perda de sono podem estar envolvidos na redução da leptina e no aumento da grelina, que ocorrem de forma simultânea160. Além disso, a insulina e leptina parecem modular negativamente o sistema de recompensa alimentar171; as mudanças nestas concentrações hormonais após restrição do sono podem contribuir para o aumento da ingestão alimentar, 37 presente naqueles que dormem menos, o que parece favorecer o aparecimento da obesidade85; 172 . Além disso, aqueles que dormem menos tendem a ficar mais tempo acordados e, com isso, aumentam as chances de comer mais. No entanto, pode ocorrer também um balanço energético positivo em quem dorme pouco, pois há necessidade de mais energia para sustentar a vigília prolongada85. No entanto, recentemente Chaput e St-Onge173 em um artigo de opinião argumentam que a “explicação hormonal" não seja talvez, o mais importante mecanismo para explicar a ligação entre curta duração do sono e aumento da ingestão de alimentos. Segundo os autores. a hipótese grelina / leptina seria demasiadamente simplista quando se trata do papel da duração do sono no controle da ingestão de alimentos. Tal explicação não seria, possivelmente, o mediador-chave, e, certamente, não é o único mediador, da ligação entre sono insuficiente e obesidade. Alguns estudos evidenciam que os aspectos hedônicos (prazerosos) do consumo alimentar sobrepõem os fatores hormonais165; 174; 175 . Algumas evidências apontam que a privação de sono parece aumentar não somente o apetite, como também a preferência por alimentos mais calóricos, principalmente com o estímulo do atual mercado obesogênico153; 172. Comer na ausência de fome é um fenômeno comum no ambiente atual, caracterizado pelo acesso fácil a alimentos palatáveis, com uma ingestão de alimentos proporcional ao tempo acordado176; 177 . Novos experimentos de neuroimagem também forneceram evidências de que o sono insuficiente aumenta o processamento de estímulos hedônicos no cérebro, em particular, o córtex insular, com ativação mais forte para alimentação não-saudável após um período de restrição de sono178; 179; 180 . Em adultos, o experimento de Spiegel113 previamente citado mostrou que o apetite por nutrientes que continham alta quantidade de carboidratos, incluindo doces, biscoitos salgados e tubérculos, aumentou de 33 para 45%, mas o apetite por frutas, vegetais e alimentos com alta quantidade de proteínas foi pouco afetado em consequência da restrição contínua de sono. Em adolescentes, Weiss e colaboradores181 verificaram que a avaliação quantitativa da ingestão de macronutrientes, a partir da aplicação de recordatórios alimentares de 24 horas (REC24h) em adolescentes foram associados com medidas objetivas de duração do sono. Concluíram que poucas horas de sono podem aumentar o risco de obesidade, a partir de 38 pequenas mudanças nos padrões alimentares que, cumulativamente, alteram o equilíbrio energético. Comparados aos adolescentes que dormiam oito horas ou mais, em média, nos dias de semana, aqueles que dormiam menos de 8 horas consumiram uma maior proporção de calorias provenientes de gorduras (35,9%, DP = 6,7% vs 33,2%, DP = 6,9%, p-valor 0,004) e uma menor proporção de calorias provenientes de carboidratos (49,6% DP = 8,2% vs 53,3% DP = 8,3%, p=0,001). Em análises não ajustadas, menor duração do sono foi associada também com uma probabilidade 2,1 vezes maior (IC95% 1,03-4,44) de se ingerir 475 Kcal/dia ou mais em lanches. Esses dados indicam que adolescentes que dormem pouco apresentam uma alimentação que predispõe ao aumento de peso. Essa preferência é bastante preocupante, pois além dos indivíduos com sono curto apresentarem um padrão hormonal que leva a uma ingestão calórica aumentada162, essas calorias tendem a ser obtidas de alimentos de baixa qualidade nutricional182. O padrão alimentar não saudável já está sendo observado nos adolescentes brasileiros, atualmente. A análise de pesquisas de orçamento familiar revela tendência crescente de substituição de alimentos básicos e tradicionais na dieta brasileira, como arroz, feijão e hortaliças, por bebidas e alimentos industrializados (como refrigerantes, biscoitos, carnes processadas e comida pronta), implicando em aumento na densidade energética das refeições e padrões de alimentação capazes de comprometer a autorregulação do balanço energético dos indivíduos e aumentar o risco de obesidade na população183. Segundo o documento “Análise de Consumo Alimentar Pessoal no Brasil”, que é parte da Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2008-2009 publicada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística32, destaca-se a alta frequência de consumo de biscoitos, carnes embutidas (linguiça, salsicha, mortadela), sanduíches e salgados entre os adolescentes. Também foi observado que os adolescentes, quando comparados aos adultos e idosos, apresentam as maiores médias de consumo de colesterol, de ácidos graxos trans (presentes em inúmeros alimentos industrializados) e de açúcar, assim como um menor consumo de feijão, verduras e saladas. Como consequência, os níveis séricos de colesterol total e triglicerídeos também se elevam em função do consumo alimentar aumentado de colesterol, de carboidratos, de ácidos graxos saturados, de ácidos graxos trans e de excessiva quantidade de calorias. Por isso, a seleção adequada destes itens poderá contribuir de maneira eficaz no controle das dislipidemias184. As gorduras saturadas são consideradas aterogênicas, pois, se ingeridas em excesso, são a principal causa dos aumentos do colesterol plasmático e do LDL-colesterol78. 39 Já o colesterol contido na alimentação possui menor efeito sobre a colesterolemia plasmática do que as gorduras saturadas. Os ácidos graxos trans são ácidos graxos insaturados formados no processo de hidrogenação de óleos vegetais líquidos, como na produção de margarinas nas frituras e contribuem para o aumento do colesterol total, da fração LDL-colesterol e diminuição do HDL-colesterol185. Adamo e colaboradores186 recentemente verificaram, pela primeira vez, se horas de sono estariam associadas com consumo alimentar e atividade física em uma amostra de crianças e adolescentes obesos. Observou-se que a ingestão calórica diária foi 425 kcal maior naqueles que dormiam mais tarde (ponto médio de sono maior que 3:30h da manhã) em comparação com aqueles que dormiam em horários normais (ponto médio de sono ≤ 2:30h da manhã). A hora de dormir tardia se mostrou associada com maior ingestão diária de energia, independentemente da duração do sono, adiposidade e atividade física moderada a vigorosa. No entanto, esta associação não se tornou significativa após ajuste para o tempo em frente a telas, o que sugere que o número de horas dispendido em frente ao computador, televisão e videogame pode ser um possível mediador da relação entre a hora de dormir e aumento do consumo de alimentos. Ainda segundo Adamo186, além da duração do sono, a combinação da hora de dormir e acordar também pode desempenhar um papel importante no metabolismo energético187. Por exemplo, um modelo experimental animal demonstrou que a alimentação de ratos na "hora errada", ou seja, quando eles deveriam estar dormindo, poderia levar ao ganho de peso188. Na verdade, a hora da ingestão de alimentos parece impactar significativamente o saldo de energia189. Assim, os indivíduos que apresentam restrição de sono podem não só consumir mais calorias em excesso à noite, como também podem armazenar mais dessas calorias se a mesma quantidade de alimentos fosse consumida no início do dia172; 189. Da mesma forma, o aumento da ingestão calórica diária em participantes com restrição de sono (5 noites de 4 horas de duração de sono) envolvidos em um estudo experimental recente ocorreu devido ao consumo de 553 calorias adicionais entre 22:00h03:59h, com uma maior percentagem dessas calorias derivadas de lipídios190. Estes resultados sugerem que um maior consumo calórico tarde da noite pode ser um comportamento que relaciona dormir mais tarde com risco para obesidade172; 190. Dois outros estudos transversais recentes publicados por pesquisadores australianos mostraram que horas de dormir e acordar tardias estão associados a um maior risco de 40 obesidade e de pior qualidade da dieta em crianças e adolescentes, independente da duração do sono, nível de atividade física e características sociodemográficas191; 192. Este grupo estaria menos envolvido em atividades físicas de moderada a vigorosa e teriam mais tempo dispendido em frente a telas em comparação com o grupo que dorme/acorda mais cedo, mesmo apresentando durações de sono semelhantes192. Da mesma forma, os mesmos autores encontraram que essas crianças que dormem mais tarde/ acordam tarde apresentaram um maior IMC e consumiram alimentos mais pobres em nutrientes do que o grupo que dormia/acordava mais cedo191. Embora a literatura ainda seja escassa sobre os efeitos das horas de dormir e acordar, estes novos resultados sugerem que a hora de dormir é um importante fator adicional que deve ser considerado para melhor entendimento das relações entre sono e desfechos relacionados à saúde cardiovascular. 1.4.3. Relação entre Perfil Lipídico e Sono Poucas horas de sono podem também desempenhar um papel na etiologia de outro fator de risco primário para as DCV, a dislipidemia, já que os metabolismos lipídico e o de energia são regulados pelo ritmo circadiano193. O sistema circadiano coordena processos opostos de lipogênese e oxidação de ácidos graxos. Vias lipídicas estão sob controle circadiano em todos os principais tecidos metabólicos e alterações no ciclo resultam em armazenamento inadequado de gordura e de transporte lipídico, glicemia e triglicerideos alterados e déficits na absorção de lipídeos da dieta106. Estudos experimentais já demonstraram que a restrição e a fragmentação do sono produzem um efeito adverso sobre o perfil lipídico em voluntários saudáveis194; 195 . No entanto, estudos populacionais anteriores que examinaram a associação entre a duração do sono e hipercolesterolemia, por exemplo, não têm encontrado um padrão consistente de associação25; 196; 197; 198; 199; 200 . Enquanto alguns estudos relataram uma associação positiva entre a hipercolesterolemia e curta duração25; 201, ou longa199, ou em ambas197;200, um estudo encontrou uma associação inversa entre hipercolesterolemia e longa duração do sono197, e dois estudos não relataram associação196; 198 . Kaneita e colaboradores relataram uma associação em forma de U entre a duração do sono e hipercolesterolemia em mulheres, e uma associação protetora entre a duração do sono longo e hipercolesterolemia em homens no 41 Japão197. No entanto, a maioria desses estudos foram conduzidos em grupos específicos da população, como adolescentes25, idosos199, homens198, ou pessoas com diabetes200. Outras frações lipídicas também já foram estudadas. Williams et al200encontrou associações entre curta duração do sono (< 5 horas) e níveis mais baixos de HDL-colesterol em mulheres americanas com diabetes mellitus tipo 2, em um estudo seccional. A curta duração do sono também foi associada com altos níveis de colesterol total e triglicerídeos em estudo de base populacional na Noruega196. Um estudo nacional no Japão197, encontrou associação entre HDL-colesterol baixo e duração de sono menor do que 5 horas por dia em mulheres. Em estudo realizado com 2.437 participantes na Alemanha, Wolff et al202 informaram que a espessura íntima-média carotídea, avaliada para verificar presença de aterosclerose, foi maior entre aqueles que apresentavam poucas horas de sono. Recentemente, pesquisadores do estudo CARDIA203 divulgaram resultados de um estudo longitudinal que investigou a associação entre duração de sono e perfil lipídico (triglicerídeos, HDL-colesterol, LDL-colesterol e colesterol total) em 503 adultos, utilizando a actigrafia como medida objetiva para mensuração da duração do sono. Após três avaliações em mais de 10 anos de seguimento, verificou-se que cada hora a mais na duração do sono foi significativamente associada com maiores níveis de colesterol total (5,2 mg/dL, IC95% 1,78,6) e LDL-colesterol (3,4 mg/dL, IC95% 0,2-6,6) na amostra total, indicando que maior duração do sono foi longitudinalmente e significativamente associada a um perfil lipídico alterado. Para verificar se já existem evidências desta associação em adolescentes, foi realizada uma revisão sistemática sobre este tema e observou-se que estudos sobre associação entre perfil lipídico e duração do sono em adolescentes são escassos, controversos e heterogêneos (vide Artigo 1, na seção de Resultados). Foram encontrados apenas 7 artigos que tratavam desta associação e apenas 3 apresentavam associação entre alguma alteração no perfil lipídico e horas de sono, e em direções diferentes. Gangwisch e colaboradores25 relataram que poucas horas de sono estariam relacionadas com hipercolesterolemia em um estudo longitudinal (1994-2002), conduzido com adolescentes americanos. Os autores utilizaram modelos de regressão logística para investigar a associação entre duração de sono medida na linha de base (Ondas I e II) e o relato de hipercolesterolemia ao final do seguimento (Onda III). A presença de hipercolesterolemia 42 foi autorreferida, determinada pela pergunta “Algum médico alguma vez já lhe disse que você tem colesterol alto?” para identificar os adolescentes que apresentavam colesterol elevado. Entre as meninas, cada hora adicional de sono foi associada à redução de até 13% da chance de serem diagnosticadas com colesterol alto na idade adulta jovem (OR 0,87; IC95% 0,790,96), independentemente das variáveis de ajuste (atividade / inatividade física, estresse e peso corporal). Cada hora adicional de sono também foi associada com uma diminuição, ainda que não estatisticamente significativa, do OR para hipercolesterolemia em meninos, independentemente do controle de covariáveis (OR 0,91; IC95% 0,79-1,05). A hipótese dos autores era de que atividade física, estresse e peso corporal poderiam atuar como mediadores da relação, mas a associação não se modifica após controle por estas variáveis. O estudo, no entanto, tem uma limitação importante: a forma de avaliação do desfecho (dislipidemia) foi autorreferida, sujeita portanto a viés de informação. Como a dislipidemia é assintomática, muitos adolescentes podem nunca ter sido avaliados, e assim, não têm conhecimento sobre a presença da doença. O perfil dos que realizam o exame também pode ser diferente dos que não o realizam. Por exemplo, pode ter ocorrido diferença com relação a fatores que determinam acesso à atenção médica, tais como nível socioeconômico e seguro saúde. Em 2011, foi publicado estudo seccional elaborado por Kong et al26 em jovens chineses onde foram coletadas amostras de sangue para avaliar o perfil lipídico e foi observada uma condição similar à encontrada por Gangwisch et al25. Entre os adolescentes (12-20 anos), aqueles com maior duração do sono (> 8 horas), em comparação com os de menor duração (< 6,5 horas), foram significativamente associados com um risco reduzido de ter níveis elevados de colesterol total e LDL-colesterol, com ajuste para idade, sexo, IMC e estágio puberal. Por outro lado, estudo realizado em adolescentes canadenses204 em 2012 através do Healthy Heart School’s Program, cujo objetivo foi identificar jovens com risco para doença cardiovascular, não encontrou associação entre duração do sono e perfil lipídico, mediante análises utilizando modelos de regressão logística multivariada. Os autores obtiveram as medidas de colesterol utilizando sangue capilar, para o qual não se exige jejum. Considerando a duração do sono como variável contínua, encontraram um OR ajustado de 1,03 (IC95%, 0,93-1,13). Quando a duração do sono foi classificada em quartis, o OR ajustado (1º quartil vs 4º quartil) foi de 0,92 (IC95% 0,7-1,22). 43 A relação entre a duração do sono, triglicerídeos e HDL-colesterol direcionou-se opostamente à hipótese de que curta duração do sono teria associação com maiores concentrações de lipídeos séricos no estudo de Sung et al20, conduzido em jovens americanos obesos, em 2011. Foram utilizados modelos de regressão linear múltipla para avaliar a relação do sono com lipídeos séricos. Utilizando-se o relato da duração do sono pelos adolescentes e a duração do sono obtida pela ACT, um acréscimo de 1 hora na duração do sono esteveassociado, respectivamente, a um aumento de 12,3 mg/dL (p-valor 0,01) e de 13,6 mg/dL (p-valor 0,03) para triglicerídeos. Já quando a duração do sono foi relatada pelos pais, a cada acréscimo de 1 hora da duração do sono houve uma diminuição de 2,7 mg/dL de HDLcolesterol (p-valor 0,002). O modelo foi ajustado para idade, sexo, raça, nível socioeconômico, escore z e presença de apneia obstrutiva do sono. Uma possível explicação para os autores terem encontrado associação em direção oposta à hipótese é a pequena variabilidade do desfecho em obesos, que tendem a ter concentrações elevadas de triglicerídeos e baixas de HDL. Os autores observaram grande variabilidade na duração do sono; a grande maioria dos participantes relatou menos do que 9 horas de sono, mas poucos apresentaram duração do sono menor que 6 horas (<2% por relato de pais ou dos adolescentes e 6% pela ACT). O estudo de Lee et al125 baseou-se em dados da Korean National Health and Nutrition Examination Survey (KNHANES) IV, com o objetivo de determinar a relação entre a duração do sono, excesso de peso e síndrome metabólica em 1.187 adolescentes coreanos. Na regressão logística multivariada ajustada para idade, sexo, renda familiar, ingestão calórica e atividade física, os autores observaram que OR para hipertrigliceridemia estava aumentado em indivíduos que dormiam ≥10 h (OR 2,17, IC95% 1,14-4,13), em comparação com o grupo de referência (8-9 horas). Não foi encontrada associação entre a duração do sono e HDLcolesterol baixo. Berentzen et al205 avaliaram as associações de tempo na cama (usado como um indicador para a duração do sono) e múltiplas características de qualidade do sono com marcadores cardiometabólicos em adolescentes de 11-12 anos de idade, na Holanda. Os autores também não encontraram associação entre horas de sono e perfil lipídico. Entre meninos e meninas, o tempo na cama não aumentou ou diminuiu significativamente o HDLcolesterol ou colesterol total após o ajuste para outros fatores, como idade, escolaridade da mãe e puberdade. 44 Rey-López et al206 examinaram a associação entre o tempo de sono dos adolescentes e uma pontuação de risco cardiometabólico em 699 adolescentes participando da HELENA (Healthy Lifestyle in Europe by Nutrition in Adolescence). Não foi encontrada associação entre o tempo de sono (considerando dias durante a semana ou fins de semana) e triglicerídeos ou razão colesterol total/HDL colesterol. O estudo de Azadbakht et al207 usaram dados de linha de base de um projeto nacional longitudinal, denominado Caspian III (Childhood and Adolescence Surveillance and Prevention of Adult Non-Communicable Disease), um programa escolar realizado em 27 províncias iranianas. O objetivo deste estudo foi examinar a associação entre a duração do sono e os fatores de risco cardiovascular em 5.528 adolescentes iranianos, em idade escolar (10-18 anos de idade). Os autores observaram que não houve relação significativa entre a duração do sono e perfil lipídico (LDL-colesterol, colesterol total e triglicerídeos) em adolescentes do sexo feminino e masculino. Os modelos foram ajustados para idade, nível socioeconômico, educação dos pais, história familiar de doença crônica, sedentarismo e IMC. Existem hipóteses que procuram explicar quais seriam os possíveis mecanismos biológicos responsáveis para as associações entre curta duração do sono e alterações de lipídeos séricos. A mais citada seria que a restrição do sono estaria associada a alterações hormonais, já explicitadas113; 153; 162; 163 . O ciclo circadiano é também importante para a regulação da função do tecido adiposo, onde a maioria da gordura é armazenada. Hormônios derivados de tecido adiposo mostram variação circadiana, incluindo a leptina, cujo papel, assim como o da grelina, já foram descritos106; 208. A puberdade é uma etapa importante de crescimento, durante o qual ocorrem mudanças significativas nos níveis hormonais, incluindo o fator de crescimento de insulina (IGF)-1 e proteína ligante de IGF-3, hormônios de crescimento e esteróides sexuais209, além de mudanças na gordura corporal e sua distribuição, e resistência à insulina aumentada. Todos esses hormônios são fatores relevantes na homeostase energética e na distribuição de gordura corporal, por isso idade e puberdade podem estar relacionadas ao excesso de peso ou à obesidade26. Gangwisch et al25 citam pelo menos três fatores que poderiam mediar a relação entre horas de sono, obesidade e lipídeos séricos: peso corporal, estresse e atividade física. A privação do sono aumentaria o risco para hipercolesterolemia pelo aumento do apetite162 que, 45 por sua vez, elevaria o consumo de alimentos ricos em gorduras, com consequente aumento do peso corporal. Em estudo publicado por Hitze e colaboradores18 em 207 adolescentes do sexo feminino e 207 adolescentes do sexo masculino de 6,1-19,9 anos, observou-se que fast food consumido pelas meninas e refrigerante pelos meninos foram os alimentos mais relatados por quem dormia menos de 9 horas por dia. O número reduzido de horas de sono também gera consequências psicossociais nos adolescentes. Distúrbios de humor, ansiedade, estresse e baixa autoestima podem ser mais frequentes entre os jovens que dormem menos210; 211. Depressão pode causar perda de sono, mas os pesquisadores têm especulado que a relação entre perda de sono e depressão pode ser bidirecional212. Além disso, Wolfson e Carskadon21 verificaram que os estudantes do ensino médio que dormiram menos do que habitualmente durante a semana ou apresentaram maiores discrepâncias entre a hora de dormir durante a semana e a do fim de semana, eram mais propensos a apresentar sintomas depressivos. Os pesquisadores concluíram que o mau humor do adolescente pode ser em parte uma repercussão de sono insuficiente. O estresse agudo aumenta significativamente os níveis de colesterol total e LDLcolesterol através de indução de lipólise pela produção de catecolaminas e a liberação de ácidos graxos livres que servem como substrato para a resíntese de triglicerídeos e produção hepática de VLDL213. Como a duração insuficiente do sono está associada à fadiga e à sonolência diurna excessivas, poderia, concomitantemente, diminuir a vontade do indivíduo de se envolver em algum tipo de atividade física, cuja prática reduz níveis de LDL-colesterol e aumenta níveis de HDL-colesterol214; 215. Um estudo identificou que cerca de 40% dos adolescentes de 12-16 anos relataram que acordam cansados, o que poderia ter um efeito adverso grave na prática de atividade física diária214. Como já mencionado anteriormente, existem diferenças por sexo na prevalência da dislipidemia197; 201; 25. Essas diferenças podem ser atribuídas a um padrão de sono específico para cada sexo216e a características hormonais, uma vez que os hormônios sexuais (estrogênio, em particular) afetam fortemente o metabolismo de lipoproteínas217. Por isso, segundo Kaneita et al197, não é incomum observar diferença por sexo na associação entre dislipidemia e sono. De qualquer modo, até que os mecanismos biológicos associados a 46 relação entre duração do sono e dislipidemia sejam elucidados, as razões para as diferenças por sexo nestas associações ainda necessitam de maiores esclarecimentos201. 1.5. Modelo Teórico Há evidências do impacto modulatório do sono em muitas funções fisiológicas, incluindo a regulação metabólica22. A restrição de sono de forma recorrente estaria associada a uma constelação de alterações metabólicas e endócrinas22. Essa restrição pode aumentar o risco de obesidade218; 219; 220; 221 e diabetes222 através de múltiplos caminhos, incluindo um efeito adverso sobre os parâmetros de regulação da glicose, tais como a resistência à insulina e uma desregulação do controle neuroendócrino do apetite que conduz à ingestão excessiva de alimentos e diminuição do gasto energético123; 160. A resistência à insulina pode ser definida como resposta diminuída às ações biológicas da insulina, anormalidade que ocorre principalmente em razão de ação inadequada da insulina nos tecidos periféricos, como tecido adiposo, muscular e hepático11; 223. Está associada ao excesso de gordura corporal e alterações metabólicas, como diabetes, dislipidemia, hipertensão arterial, que, em conjunto, constituem a síndrome metabólica11; 73. Existem evidências de que o tabagismo atue na promoção da inflamação arterial e esse hábito tanto pode contribuir para a curta duração do sono como ser estimulado pelas alterações neuroendócrinas resultantes da restrição do sono224; 225; 226. O gasto energético reduzido também pode estar relacionado com curta duração do sono e o risco de sobrepeso e obesidade, já que a redução das horas de sono estaria associada à sonolência e à fadiga, que pode resultar no gasto energético reduzido através da diminuição da prática de atividade física160; 224. As Figuras 1A a 1D mostram os mecanismos potenciais envolvidos entre horas de sono e alterações do perfil lipídico. As figuras são apresentadas em sequência para facilitar a visualização das linhas que representam as relações. Neste modelo, onde curta duração do sono é a exposição de interesse e dislipidemia o desfecho, foram incluídas características que representam potenciais efeitos resultantes da curta duração do sono, como as alterações hormonais, já descritas, a influência destas no consumo alimentar e também fatores de risco para a dislipidemia como inatividade física, obesidade e tabagismo, que, além das relações entre si, levam à um estado de resistência à insulina que resultaria nas alterações do 47 metabolismo lipídico, glicídico e vasculares e suas inter-relações. Esse modelo é certamente uma simplificação da complexa rede envolvida na associação entre sono e dislipidemia. Características sociodemográficas (sexo, idade, cor da pele), genéticas, étnicas e fisiológicas (maturação sexual), algumas de mensuração mais complexa, principalmente em adolescentes, não estão representadas diretamente no modelo, mas participam dessa rede e não serão consideradas na análise. A compreensão da natureza dessas relações, se mediadoras, confundidoras ou modificadoras de efeito é fundamental para a condução da análise dessa associação, uma vez que o controle por variáveis mediadoras pode dificultar a correta avaliação da magnitude e direção dessa associação. 48 Figura 1A. Nível 1: Relação entre curta duração do sono e alterações do perfil lipídico Figura 1B. Nível 2: Relação entre variáveis de confundimento e alterações hormonais entre horas de sono e dislipidemia 49 Figura 1C. Nível 3: Relação entre obesidade e dislipidemia Figura 1D. Nível 4: Relação entre diabetes mellitus e pressão arterial com dislipidemia 50 2. Objetivos 2.1. Objetivo Geral O objetivo geral do estudo é analisar a associação entre horas de sono e perfil lipídico de adolescentes de 12 a 17 anos de duas macrorregiões brasileiras, Sul e CentroOeste, avaliados pelo Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (ERICA). 2.2. Objetivos Específicos Artigo 1: o Realizar uma revisão sistemática da literatura para verificar evidências sobre a associação entre perfil lipídico e horas de sono em adolescentes. Artigo 2: o Descrever o padrão de duração do sono de adolescentes das regiões Sul e Centro-Oeste do Brasil, que participaram do ERICA. o Descrever o método para avaliação da duração do sono e as estratégias adotadas para ajuste de respostas improváveis no ERICA; Artigo 3: o Investigar a associação entre horas de sono e lipídeos séricos de adolescentes das regiões Sul e Centro-Oeste do Brasil, que participaram do ERICA, analisando o papel de possíveis variáveis mediadoras, confundidoras ou modificadoras de efeito. 51 3. Métodos Os métodos descritos a seguir referem-se aos Artigos 2 e 3. Os métodos utilizados na revisão sistemática estão descritos no Artigo 1. 3.1. População de Pesquisa do ERICA A população de pesquisado ERICA corresponde ao conjunto de adolescentes de 12 a 17 anos, que não possuem qualquer deficiência provisória ou definitiva, e que cursam um dos três últimos anos do Ensino Fundamental ou dos três anos do Ensino Médio nos turnos da manhã ou da tarde, em escolas públicas ou privadas, de âmbito rural ou urbano, localizadas em um dos 273 municípios com mais de 100 mil habitantes. Esta população foi construída com base em arquivo fornecido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP/MEC), que foi produzido com dados do Censo Escolar 2011. A população de pesquisa foi estratificada em 32 estratos geográficos (27 capitais e cinco conjuntos com os demais municípios de cada macrorregião do país). A distribuição da população de pesquisa pelos estratos geográficos indica que 44% dos alunos da população de pesquisa estavam em escolas dos estratos de capital, enquanto os restantes 56% pertenciam a escolas dos demais estratos. Foram selecionadas escolas em 124 municípios, correspondendo a um total de 3.753 turmas, em 1.251 escolas, compreendendo uma amostra estimada em 75.060 alunos. Optou–se por uma amostra selecionada em três estágios: escolas; combinações de turno e ano; e turmas. A seleção da amostra de escolas foi feita com base nos dados do Censo Escolar 2009, a fim de determinar os parâmetros de custo do projeto que permitiram elaborar o orçamento do estudo. Foi feita com probabilidade proporcional ao tamanho, sendo a medida de tamanho correspondente à razão entre o número de alunos que a escola possuía, em 2009, nos turnos e anos considerados e a distância em quilômetros entre a sede do município onde se localiza a escola e a sede do município de capital. Essa medida de tamanho objetivou reduzir o custo do deslocamento entre a capital do estado e os municípios selecionados, por meio da redução da probabilidade de seleção das escolas em municípios mais afastados da capital. Neste processo, considerou-se a distribuição de escolas por situação (urbana ou rural) 52 e dependência administrativa (pública ou privada) na amostra dentro de cada estrato geográfico. Em cada escola, foram selecionadas três combinações de turno (manhã e da tarde) e ano (série), e em cada uma destas combinações foi selecionada uma turma, totalizando três turmas por escola. Nas turmas selecionadas, todos os alunos foram convidados a participar da pesquisa. Esse estágio foi necessário por dois motivos: (1) para possibilitar a realização dos exames de sangue dos alunos, visto que a necessidade de jejum de 12 horas inviabilizava a seleção de alunos dos turnos da tarde; e (2) para representar na amostra as diferentes idades dos adolescentes elegíveis usando o ano da turma como uma aproximação da idade. O processo amostral levou em consideração o fato de que 2/3 das turmas são matutinas e 1/3 vespertinas. Deste modo, para a coleta de sangue, foram convidados todos os alunos que estudavam no turno da manhã. A seleção das turmas dentre as existentes em cada combinação de turno e ano foi feita em campo, com apoio de planilhas MS-Excel® preparadas para cada escola amostrada (Figura 2). Essas planilhas continham a identificação completa das escolas selecionadas e duas tabelas para seleção de turmas e da subamostra de dois alunos que deveriam repetir o recordatório alimentar de 24 horas. Na primeira tabela, ao digitar, na terceira coluna, o número de turmas da combinação de turno e ano selecionada, indicada nas duas primeiras colunas, automaticamente aparecia o número de ordem da turma selecionada, em função de fórmulas pré-programadas e de números aleatórios selecionados para a escola. O número de ordem estava sempre associado à sequência das designações das turmas na escola. Na segunda tabela, foram digitados os números de alunos frequentando as aulas no momento da coleta de dados; os números de alunos relacionados a cada situação relativa ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e de Assentimento (vide Aspectos Éticos); bem como o número de alunos que participaram de cada subamostra da pesquisa (preenchimento do questionário do aluno, antropometria, pressão arterial, exame de sangue e recordatório alimentar de 24 horas). Em função dos números aleatórios selecionados, das fórmulas préprogramadas e do total de alunos que preencheram o recordatório, apareciam nas duas colunas da direita o número de ordem dos dois alunos selecionados para repetir o recordatório. O número de ordem estava sempre associado à ordem alfabética dos nomes dos alunos que fizeram o primeiro recordatório. 53 Figura 2. Planilha de seleção de turmas da escola Para este estudo foram contemplados apenas dados oriundos de alunos das Regiões Sul e Centro-Oeste que estudavam no turno da manhã e aceitaram fazer o exame de sangue, com TCLE assinado pelos pais/responsáveis. A região Centro-Oeste foi contemplada com um total de 178 escolas em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Distrito Federal, enquanto na região Sul 162 escolas foram contempladas nos três Estados (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul). 54 Quadro 1 mostra os municípios contemplados em cada estado e o número de escolas em cada município, por estado e por região. A coleta de dados na região Centro-Oeste ocorreu de março de 2013 a abril de 2014, enquanto que na região Sul, a coleta ocorreu nos meses de março a dezembro de 2013. A taxa de cobertura para coleta de questionário nos estados de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal foi de 58,5%, 88,8%, 52,5% e 84,4%, respectivamente. Já para coleta de sangue, a taxa foi de 52,3%, 69,2%, 47,9% e 58,7%, respectivamente. Considerando a região Sul, a taxa de cobertura para os estados de Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul para aplicação de questionário foi de 88,4%, 77,7% e 80,5%, respectivamente. Para a coleta de sangue, a taxa de cobertura foi de 63,8%, 54,1% e 60,6%, respectivamente. Em relação ao tipo de rede de cada escola, a maioria das escolas pertence à rede pública. A Tabela 1 identifica o tipo de rede de cada escola, por estado. Os critérios de elegibilidade utilizados para responder aos objetivos propostos especificamente para este estudo foram: adolescentes com idades de 12 a 17 anos, não grávidas e não deficientes; adolescentes que pertencem ao turno da manhã; adolescentes com resultados de análises bioquímicas; adolescentes que responderam ao questionário no PDA; adolescentes com dados de peso, estatura e consumo alimentar. 55 Quadro 1. Municípios contemplados na seleção amostral e número de escolas por estado e município das regiões Sul e Centro-Oeste, ERICA Região Estado Mato Grosso Mato Grosso do Sul Centro-Oeste Goiás Distrito Federal Paraná Sul Santa Catarina Rio Grande do Sul Município Cuiabá Várzea Grande Nº de escolas 27 16 Campo Grande 29 Goiânia Trindade Rio Verde Aparecida de Goiânia Anápolis Brasília Curitiba Colombo Campo Largo Araucária Londrina Paranaguá Pinhais Ponta Grossa São José dos Pinhais Balneário Camboriú Criciúma Florianópolis Itajaí Joinville Palhoça São José Alvorada Cachoeirinha Canoas Caxias do sul Gravataí Novo Hamburgo Porto Alegre São Leopoldo Sapucaia do Sul Viamão 36 3 2 Total de escolas 43 29 178 63 17 5 43 39 3 2 1 1 1 6 1 43 61 7 1 1 23 2 2 3 6 4 3 8 1 5 1 33 3 2 2 38 62 162 56 Tabela 1. Distribuição das escolas públicas e privadas das regiões Sul e Centro-Oeste Região/Estado Região Centro-Oeste Distrito Federal Goiás Mato Grosso do Sul Mato Grosso Região Sul Paraná Rio Grande do Sul Santa Catarina Total Federal n (%) 2 (1,1) 2 (4,6) 0 (0,0) 0 (0,0) 0 (0,0) 3 (1,9) 0 (0,0) 1 (1,7) 2 (5,3) 5 (1,5) Estadual n (%) 121 (68,0) 28 (65,1) 46 (73,0) 16 (55,2) 31 (72,1) 109 (67,7) 47 (77,0) 42 (67,7) 20 (52,6) 230 (67,8) Municipal n (%) 22 (12,4) 3 ( 7,0) 7 (11,1) 8 (27,6) 4 ( 9,3) 19 (11,8) 5 ( 8,2) 8 (12,9) 6 (15,8) 41 (12,1) Privada n (%) 33 (18,5) 10 (23,3) 10 (15,9) 5 (17,2) 8 (18,6) 30 (18,6) 9 (14,8) 11 (17,7) 10 (26,3) 63 (18,6) Total n 178 43 63 29 43 161 61 62 38 339 3.2. Dados Coletados A coleta dos dados consistiu na aplicação de questionário autopreenchível, coleta de medidas antropométricas e de pressão arterial, e coleta de sangue para avaliação bioquímica. Parte da coleta dos dados foi realizada por meio de um coletor eletrônico de dados denominado personal digital assistants (PDAs). As informações de cada aluno coletadas de forma offline permaneceram armazenadas nos próprios PDAs e foram transferidas posteriormente para um servidor central, via internet. Os dados foram exportados para um formato compatível com programas de análise de dados. 3.2.1. Informações Obtidas pelo Questionário do Aluno O questionário autopreenchível destinado aos adolescentes contém informações sobre sexo, idade, cor da pele (segundo classificação utilizada pelo IBGE)227, além de dados sobre tabagismo, consumo de álcool, comportamento alimentar, atividade laboral, atividade física228 e de comportamento sedentário, saúde bucal, morbidade referida, sintomas depressivos229 e horas de sono. Além dos pesquisadores do ERICA envolvidos na tarefa de desenvolvimento do questionário, foi necessária uma extensa revisão da literatura, além da consulta a diversos pesquisadores com expertise nas diferentes áreas de pesquisa relacionadas nos tópicos do questionário para identificação de questões testadas e validadas para as diferentes áreas a serem pesquisadas. 57 As variáveis utilizadas nos Artigos 2 e 3 foram sexo, idade, as quatro perguntas que compõem o bloco do sono, tipo de escola (pública ou privada), região (Sul ou Centro-Oeste), tabagismo, atividade física, pressão arterial, estado nutricional, consumo alimentar e exames bioquímicos de glicemia de jejum e perfil lipídico. A variável idade foi analisada de forma categórica (12-14 e 15-17 anos). O bloco do sono era composto por quatro perguntas, em que o adolescente deveria selecionar a hora em que ele costuma dormir e acordar em um dia de semana comum e no final de semana. As respostas eram fechadas, com 24 opções, uma para cada hora do dia, dispostas como apresentado na Figura 3. Caso o adolescente marcasse uma opção não compatível com a realidade (por exemplo, durante a semana acordar às 2 horas da tarde ou dormir às 10 horas da manhã), o PDA mostrava uma mensagem para o respondente confirmar ou não sua resposta, caso tivesse escolhido esta opção por falta de atenção ou por acidente. Figura 3. Perguntas referentes ao bloco do sono Foram realizadas alterações das horas de acordar e dormir após análise das inconsistências das respostas dos alunos. Por exemplo, hora de acordar às 6 horas da manhã e hora de dormir às 9 horas de manhã, para o mesmo aluno; neste caso, foi alterada a hora de dormir para 9 horas da noite, entendendo-se que o aluno marcou de forma errada a hora de dormir no PDA. Estas alterações, tanto das horas de acordar quanto de dormir durante a semana e no final de semana apenas foram realizadas quando houve troca da hora do dia pela noite ou vice-versa. Mesmo após as alterações, respostas incoerentes ainda permaneceram e foram desconsideradas para cálculo da duração do sono se: a hora de acordar era a mesma da de 58 dormir, tanto para as horas durante a semana quanto no final de semana; se o adolescente acordava durante a semana antes das 4 e depois das 9 horas da manhã (todos os adolescentes neste estudo são alunos do turno da manhã, e por isso, durante a manhã subentende-se que eles deveriam estar na escola); se o adolescente dormia após as 5 horas da manhã e antes das 5 horas da tarde, durante a semana. A duração do sono foi obtida pela diferença, em horas, entre o início e o fim do sono, relatado como o intervalo compreendido entre dormir e despertar. Foi calculada a duração de sono considerando o dia de semana comum e o final de semana, separadamente. Foi definida como duração de sono inconsistente e desconsiderada na análise de dados aquela em que, durante a semana, o adolescente dormia menos que 3 e mais que 14 horas de sono. Para o final de semana, foi considerado como inconsistente se o adolescente dormia 18 horas ou mais. A duração do sono do final de semana foi desconsiderada da análise caso não houvesse duração do sono coerente para um dia de semana comum para o mesmo aluno. Como cálculo da duração do sono durante a semana e no final de semana, gerou-se uma média ponderada das horas de sono da semana, com o uso da fórmula26; 153; 222: (sono durante a semana x 5 + sono no final de semana x 2)/7. Como a definição na literatura até o momento sobre os pontos de corte ideais para curta e longa duração do sono230; 231 ainda é controversa, adotou-se uma proposta recente da National Sleep Foundation, em que recomenda-se que os adolescentes não tenham duração do sono <7 horas ou >11 horas por noite121. Desta forma, considerou-se curta e longa duração do sono como <7 horas e >11 horas, respectivamente. Em relação ao tabagismo, considerou-se como fumantes aqueles que fumaram cigarros em um ou mais dias nos últimos trinta dias232; 233; 234. Foi calculado o tempo de fumo, considerando a idade atual menos a idade em que começou a fumar. Dentre os que fumam, foi avaliada a quantidade de cigarros médios consumidos nos últimos 30 dias. Para a avaliação da prática de atividade física, foi utilizada uma adaptação do SelfAdministered Physical Activity Checklist validado por Farias Júnior para a população brasileira228. Neste bloco do questionário do adolescente, há uma lista de atividades, de intensidade moderada a vigorosa, em que o adolescente deve assinalar uma ou mais atividade praticada na semana anterior, considerando apenas as atividades realizadas fora da aula de educação física da escola. Em seguida, para cada uma das atividades físicas que o adolescente 59 listou, ele deveria responder quantos dias por semana e quanto tempo por dia, em média, praticou cada uma. Na determinação do nível de atividade física, foi considerado o somatório do produto do tempo despendido em cada uma das atividades físicas pelas respectivas frequências de prática. Foram considerados sedentários os adolescentes com prática de atividade física inferior a 300 minutos por semana235. 3.2.2. Pressão Arterial As medidas de pressão arterial e classificação de hipertensão nos adolescentes foram baseadas no Fourth Report on the Diagnosis, Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure in Children and Adolescents. As pressões sistólica, diastólica e a pulsação foram medidas usando o aparelho oscilométrico automático Omron® 705-IT, validado para adolescentes236. O adolescente deveria estar sentado, com os pés no chão; a pressão só poderia ser medida após, pelo menos, 5 minutos de repouso. O adolescente não poderia ter fumado, ingerido café, refrigerantes ou outro energético há pelo menos uma hora; a bexiga também deveria estar vazia. Foram realizadas três medições consecutivas para cada indivíduo, com um intervalo de três minutos entre cada medida. A primeira medida foi descartada e calculada a média das demais. As medidas foram realizadas no braço direito. Pressão arterial normal foi definida como pressão arterial sistólica e diastólica < percentil 90 para sexo, idade e percentil de estatura. Pré-hipertensão foi considerada como pressão arterial sistólica ou diastólica ≥ percentil 90 e < percentil 95 ou ≥120/80mmHg. A pressão arterial elevada foi definida como pressão arterial sistólica ou diastólica ≥ percentil 95. 3.2.3. Medidas Antropométricas Peso e estatura foram coletados com o auxílio de um biombo para garantir a privacidade durante a coleta de dados. Para todas as medidas, os adolescentes deveriam estar descalços e portando roupas leves. Caso o adolescente estivesse portando calças ou bermudas 60 pesadas, a equipe de campo solicitava ao adolescente a troca por shorts mais leves disponibilizados pela equipe. O peso foi obtido em balança eletrônica Líder® com capacidade de 200Kg e variação de 50g. A balança era posicionada em piso plano horizontal (sem reentrâncias, protuberâncias ou inclinação), com os pés tocando o piso simultaneamente. O adolescente era conduzido ao centro da balança após a mesma ter sido ligada e o visor ter atingido o zero. Solicitava-se ao adolescente que subisse na balança, ereto, com a cabeça erguida, os braços estendidos ao longo do corpo, o peso distribuído igualmente nos dois pés juntos e paralelos, e que permanecesse imóvel até o final da pesagem237. A leitura era realizada após o valor do peso permanecer fixo no visor, sendo digitado imediatamente no PDA no local apropriado. Foi realizada uma única medida já que a balança era digital, mas o valor foi digitado no PDA duas vezes, para que fossem evitados erros de digitação. A estatura foi medida utilizando-se estadiômetro portátil e desmontável da marca Alturexata® com resolução de 1mm e campo de uso de até 213cm. No momento da medida, a cabeça do adolescente deveria estar livre de adereços (boné, arco, tiara, prendedores de cabelo, tranças, etc). Solicitava-se ao adolescente que se posicionasse sobre a plataforma de apoio dos pés. A parte posterior da cabeça, as costas, as nádegas, as panturrilhas e os calcanhares deveriam tocar o apoio vertical do estadiômetro. No caso de joelhos em “X” (genovalgo), os pés deveriam ficar separados, de forma que as bordas mediais dos joelhos se tocassem, mas não se sobrepusessem. Quando o adolescente era capaz de encostar todos os pontos simultaneamente no estadiômetro, mantendo uma postura natural razoável, o pesquisador deveria garantir que encostasse as nádegas e o calcanhar, ou a cabeça na base vertical do equipamento237. Quando a cabeça do adolescente estivesse posicionada no Plano de Frankfürt, solicitava-se ao mesmo que inspirasse profundamente e se mantivesse ereto, sem alterar o nível dos ombros. Em seguida, deslizava-se a haste móvel até comprimir o cabelo do adolescente e, então, era realizada a leitura na escala numérica. A medida, em centímetros, era digitada imediatamente no PDA. Foram obtidas duas medidas e admitida uma variação máxima de 0,5cm entre as duas. O sistema automaticamente calculava a média das duas medidas. Caso a variação excedesse este valor, as medidas eram descartadas no visor do PDA e deveriam ser realizadas novamente. Foi calculado o IMC, definido como peso (Kg) dividido pelo quadrado da estatura (metros). Para a classificação do estado nutricional dos adolescentes, foram adotadas as novas 61 curvas de referência da WHO lançadas em 2007238, utilizando como índice o IMC-para-idade, segundo sexo. Os pontos de corte adotados foram: muito baixo peso escore Z < -3; baixo peso escore Z ≥ -3 e < -2; eutrofia escore Z ≥ -2 e ≤ 1; sobrepeso escore Z > 1 e ≤2; obesidade escore Z > 2. Os grupos muito baixo peso e baixo peso foram agrupados devido ao baixo número de adolescentes classificados como muito baixo peso. 3.2.4. Avaliação do Consumo Alimentar O consumo alimentar foi avaliado mediante uso do recordatório alimentar de 24 horas (REC24h), que consiste no relato de todos os alimentos e bebidas consumidos pelo indivíduo ao longo de um período de 24 horas, correspondendo ao dia anterior ao da entrevista. O REC24h consiste em uma entrevista face a face utilizando-se um programa especialmente desenvolvido para este fim para uso em netbooks, operando em modo offline. Este programa utiliza a lista fixa de alimentos proveniente dos resultados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF)240. Foram realizados dois REC24h: um na amostra total e outro em apenas uma subamostra (dois alunos por turma), a fim de avaliar a variabilidade intraindividual do consumo alimentar. A aplicação do REC24h foi realizada por dois examinadores de campo, devidamente treinados, utilizando-se a técnica do Multiple Pass Method241, com algumas adaptações. Essa técnica consiste em estimular o entrevistado a recordar os alimentos consumidos em cinco etapas: a) listagem rápida dos alimentos e das bebidas consumidos do dia anterior; b) questionamentos ao adolescente sobre alimentos que são usualmente omitidos em REC24h; c) informação sobre o horário em que cada alimento foi consumido; d) descrição com detalhes de todos os alimentos relatados e sua quantidade, revendo as informações sobre horário e a ocasião do consumo; e) revisão final das informações, verificando possíveis alimentos que tenham sido consumidos e que não foram relatados. Os dados coletados foram enviados ao servidor pelo mesmo sistema de transferência de informação utilizado para as informações inseridas no PDA. 62 Embora a lista de alimentos seja a mesma proveniente da POF, o programa utilizado para realização do REC24h foi criado para permitir a inserção de alimentos novos que não estavam presentes na lista do programa. Posteriormente, foi realizada uma análise dos alimentos novos inseridos pelos entrevistadores, sendo possível associar o item inserido a um outro alimento ou sinonímia já existente na base de dados do programa. Por exemplo, o alimento “carne de porco” inserido como “novo”, foi associado à composição nutricional de “carne suína”, o qual está listado na base de dados da POF. Preparações mistas, quando possível, foram desmembradas em seus componentes que já compõem a base de dados. Por exemplo, a preparação “arroz de brócolis” foi desmembrada em “arroz” + “brócolis”, adotando-se protocolos padronizados para cálculo das proporções de cada alimento que compõem as preparações mistas. Considerou-se a adição de óleo de soja em todas as formas de preparação de carnes, peixes e aves, assim como as preparações cozidas e refogadas de legumes e verduras. Adicionalmente, padronizou-se a adição de 10g de açúcar para cada 100ml de suco de fruta, café, café com leite, chá e mate, quando os indivíduos reportaram o consumo usual de açúcar. Foi adicionado 5g de açúcar para cada 100ml dessas bebidas quando reportado o consumo frequente de açúcar e adoçante. A partir da obtenção do banco de dados contendo o que cada aluno ingeriu em medidas caseiras, estas quantidades foram transformadas em gramas e mililitros, possibilitando o cálculo da quantidade de cada macro e micronutrientes ingeridos por aluno, em gramas e miligramas. Após a conversão, o banco de dados foi relacionado à Tabela de Composição Nutricional da POF240 para a obtenção dos dados de consumo dos macro e micronutrientes. Os dados de ingestão de nutrientes representam a contribuição somente dos alimentos e/ou bebidas, não tendo sido incluídos suplementos e/ou medicamentos. Para análise do 2º REC24h, foi utilizado o programa The Multiple Source Method (MSM)242. O MSM é um método estatístico para estimar a ingestão habitual de nutrientes e alimentos, incluindo alimentos consumidos esporadicamente nas populações, bem como indivíduos. A força do método reside na sua capacidade de combinar dados de ingestão alimentar, como REC24h ou registros alimentares, com o suporte para dados de frequência a partir de questionários de frequência alimentar. O MSM calcula o consumo alimentar para 63 indivíduos e depois constrói a distribuição do consumo da população com base nos dados individuais, calculando, através da diferença entre o 1º e o 2º REC24h, um fator de correção para cada um dos macros e micronutrientes, aplicando-se para toda a amostra. O MSM foi implementado como um programa na web construído com componentes de código aberto, baseado em protocolos e procedimentos padrões comprovados. As variáveis de consumo alimentar utilizadas foram energia total (Kcal) e lipídeos (gramas). Foi calculado o percentual de calorias provenientes de lipídeos ingeridas em relação às calorias totais, para cada aluno. Essa variável foi utilizada no formato dicotômico considerando como ponto de corte o valor recomendado para consumo, até 30%243. 3.2.5. Exames Laboratoriais A coleta de sangue foi realizada nas próprias escolas, o que demandava orientações prévias aos alunos e familiares. Esta orientação era dada pelos pesquisadores de campo da pesquisa, previamente capacitados e seguindo orientações do laboratório central (referentes a tempo de jejum, uso de medicações, ingestão de água). Os alunos do turno da manhã eram informados sobre a data da realização da coleta de sangue no dia da entrega dos Termos de Consentimento (TCLEs) e orientados, sempre no dia anterior à coleta, quanto à obrigatoriedade e importância de realizar o jejum de 12 horas. Em função da complexidade logística da coleta das amostras de sangue e dos exames a serem realizados, foi necessária a contratação de laboratórios parceiros em cada estado para coleta de sangue nas escolas. As análises, no entanto, foram realizadas por um único centro para garantir a padronização e a qualidade técnica do serviço prestado. A lista dos alunos de cada turma selecionada era enviada ao laboratório com aproximadamente 15 dias de antecedência para o preparo das etiquetas de identificação dos alunos e do material de coleta. Momentos antes da coleta do sangue, os adolescentes eram entrevistados para verificação da conformidade do jejum de 12 horas, cujas informações eram registradas em formulário específico em um programa no netbook, também offline. Nesse momento, era confirmada a autorização dos pais/responsáveis para a realização do exame mediante TCLE assinado por eles e pelos próprios alunos. 64 Os coletores, técnicos designados pelo laboratório parceiro local, eram treinados para atuarem de forma padronizada em todos os locais, sendo esse treinamento de responsabilidade do laboratório central contratado. O objetivo do treinamento era garantir que os Procedimentos Operacionais Padrão (POP) e as Instruções de Trabalho (IT) fossem seguidos de acordo com as recomendações da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial. A coleta de material biológico era realizada em até três visitas em cada escola (uma visita para cada turma). Após a coleta, era fornecido um lanche aos participantes. Para os exames bioquímicos, foi coletado 1 tubo de 10ml, a vácuo, sem anticoagulante, contendo gel separador. Após centrifugação, o soro foi transferido para novo tubo e mantido refrigerado. Todos os tubos foram etiquetados com o número do laboratório contendo o código de identificação do adolescente na pesquisa. Este material era enviado imediatamente à sede do laboratório central. O tempo entre a coleta e a centrifugação não deveria exceder 2 horas. O material biológico foi processado e refrigerado em até 4horas após a coleta e encaminhado para realização dos exames no laboratório central. A temperatura de transporte do material biológico foi registrada continuamente até a chegada ao laboratório central. Durante todo o transporte a temperatura das amostras foi mantida entre 4 e 10ºC. Todas as análises foram realizadas pelo laboratório central. As análises eram realizadas em até 48horas após a coleta do material biológico em equipamento automatizado. Todas as determinações laboratoriais eram realizadas com o mesmo lote do kit de reagentes. Foram utilizados valores de perfil lipídico (colesterol total, HDL-colesterol, LDLcolesterol, triglicerídeos) e glicemia de jejum. O LDL-colesterol foi calculado pela fórmula de Friedewald244, válida apenas para concentrações plasmáticas de triglicerídeos menores que 400mg/dL: LDL-colesterol = (colesterol total – (HDL-colesterol + triglicerídeos /5)). 3.3. Controle de Qualidade Para prevenir ou minimizar erros sistemáticos ou aleatórios durante a coleta dos dados, foram adotados procedimentos padronizados para garantir a qualidade das informações. Foi elaborado manual de campo com descrição detalhada dos procedimentos 65 adotados para coleta de dados. Todas as equipes de campo foram treinadas antes do início do trabalho de campo. O controle de qualidade das informações objetivas coletadas com uso de instrumentos focou em dois aspectos: valores extremos ou improváveis e dígitos terminais. Os PDAs eram programados para não aceitarem valores impossíveis, isto é, fora da faixa de variação dos instrumentos. Os valores dentro da faixa de variação admitidos eram monitorados para verificar a frequência relativa de valores abaixo do percentil 5 e acima do percentil 95, de cada medida, para cada um dos observadores. Definiu-se como regra para a monitoração da qualidade que observadores que apresentasse 10% ou mais de medidas abaixo ou acima dos percentis 5 e 95 deveriam ser avaliados quanto à necessidade de novo treinamento e/ou substituição. A verificação dos dígitos terminais, um pouco mais complexa, envolvia a utilização de dois algoritmos de cálculo, um para o teste de homogeneidade de distribuições (quiquadrado de homogeneidade) e outro para o escore de preferência por dígito. Esse monitoramento era semanal e indicava a necessidade de novo treinamento ou substituição de pesquisadores de campo. 3.4. Aspectos Éticos O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética (CEP) em Pesquisa do IESC/UFRJ em 2008 (processo/protocolo nº 45/2008). Também foi aprovado por este CEP a não obrigatoriedade de TCLE para os adolescentes que aceitassem responder ao questionário no PDA, e realizar medidas antropométricas, pressão arterial e REC24h. Os adolescentes que participaram do ERICA assinaram um Termo de Assentimento Livre e Informado (TA). A obrigatoriedade do TCLE (com assinatura dos pais/responsáveis e dos próprios alunos) foi mantida para aqueles que realizaram coleta de sangue. A direção da escola também assinou um termo de autorização. Os pais/responsáveis foram informados sobre o estudo pela cartilha explicativa do projeto acerca da metodologia da pesquisa. O TA foi aprovado pelos CEPs dos Estados da região Sul, assim como em Mato Grosso e no Distrito Federal. No entanto, como os CEPs atuam de forma independente, os 66 CEPs dos Estados de Mato Grosso do Sul e Goiás não aprovaram o uso de TA com dispensa de TCLE para os alunos do turno da tarde que não fariam exame de sangue, vigorando o uso de TCLE para todos os procedimentos. 3.5. Análise Estatística Todas as análises foram realizadas com o pacote estatístico Stata 12.0245. Foram calculadas médias e intervalos de confiança de 95% das variáveis contínuas, ajustadas segundo o delineamento amostral, com o uso de rotinas estatísticas para amostragem complexa, Survey (svy). A distribuição das respostas originais dos alunos quanto à duração do sono foi comparada à das respostas corrigidas (Artigo 2). O teste qui-quadrado foi utilizado para comparação da distribuição das faixas de duração de sono por categorias de diferentes características da população. A associação entre duração de sono em horas e perfil lipídico foi avaliada por modelos de regressão linear, após avaliação gráfica do padrão da relação entre essas características. Foram ajustados modelos para cada lipídeo ou fração (colesterol total, triglicerídeo, HDLcolesterol e LDL-colesterol) separadamente para duração do sono nos dias de semana e para duração total, incluindo o final de semana. Modificação de efeito e confundimento por sexo e idade foram investigadas. A significância estatística da heterogeneidade foi avaliada pelo termo de interação de cada variável com duração do sono. Confundimento foi avaliado pela modificação (em pelo menos 20%) do coeficiente de regressão com a entrada da variável de interesse no modelo. Foram analisadas quanto ao possível papel de mediadoras, de acordo com o modelo teórico, as variáveis: consumo de energia, percentual de recomendação de consumo de lipídeos, IMC, atividade física, pressão arterial, glicemia e tabagismo, levando-se em conta o desenho do estudo. Para ser considerada uma possível mediadora, espera-se que a característica analisada seja capaz de explicar parcialmente ou totalmente a associação entre horas de sono e dislipidemia. Utilizou-se o mesmo critério descrito para avaliação de confundimento. Foi considerado como significância estatística p-valor <0,05. 67 A amostra do ERICA é uma amostra complexa246, sendo estratificada (cada um dos 27 municípios de capital e cinco estratos com o conjunto de municípios de mais de 100 mil habitantes de cada uma das cinco macrorregiões do país) e por conglomerados (escola e turma). Os pesos amostrais foram calculados pelo produto dos inversos das probabilidades de inclusão em cada estágio da amostra e foram calibrados considerando a projeção do número de adolescentes matriculados em escolas localizadas nos estratos geográficos considerados em 31/12/2013. Foi utilizado um estimador de pós-estratificação, que modifica o peso natural do desenho por um fator de calibração que corresponde à razão entre o total populacional e o total estimado pelo peso natural do desenho para o pós-estrato ou domínio de estimação considerado. Foram definidos 12 domínios de estimação correspondentes às seis idades consideradas e aos dois sexos247. 68 4. Resultados Artigo 1 Title: Inconsistencies in a systematic review on sleep duration and dyslipidemia in adolescents: is it real? Abstract Introduction: Few hours of sleep can play a role in the etiology of a key risk factor to cardiovascular diseases, the dyslipidemia. Objective: To perform a systematic review of the literature regarding the association between alterations of lipid metabolism and sleep duration in adolescents. Methods: Original studies that evaluated the relationship between sleep duration in hours and any marker of lipid profile were included. No date limits, language, study design and sample size were used. Results: Seven studies were selected. Only three found association between hours of sleep and lipid profile. Two studies found that short sleep duration was associated with higher levels of a marker of lipid profile, while the third found an association in the opposite direction. Conclusions: Few studies were found. Methodological limitations and heterogeneity in the form of classification and analysis of sleep duration and markers of lipid metabolism were found, with consequent inconsistency of the observed results. Key words: adolescent health, sleep, dyslipidemias 69 Resumo Introdução: Poucas horas de sono pode desempenhar um papel na etiologia de um fator de risco cardiovascular importante, a dislipidemia. Objetivo: Realizar uma revisão sistemática da literatura sobre a associação entre alterações do metabolismo lipídico e duração do sono em adolescentes. Métodos: Foram incluídos estudos originais que avaliaram a relação entre a duração do sono em horas e qualquer marcador de perfil lipídico. Não foram utilizados limites de data, idioma, desenho de estudo ou tamanho da amostra. Resultados: Foram selecionados sete estudos. Apenas em três foi encontrada associação entre horas de sono e perfil lipídico. Dois estudos observaram que curta duração do sono estava associada a níveis mais elevados de algum marcador de perfil lipídico, enquanto o terceiro encontrou associação na direção oposta. Conclusões: Poucos estudos foram encontrados. Foram observadas limitações metodológicas e grande heterogeneidade na classificação e na forma de análise da duração do sono e dos marcadores do metabolismo lipídico, com consequente inconsistência dos resultados observados. Palavras-chave: saúde do adolescente, sono, dislipidemias 70 Introduction Although many questions about the role of sleep remain unanswered, it is known that sleep is not only a physiological function, but also performs an important role in promoting growth, maturation and general health of children and adolescents1, contributing significantly to cognitive, emotional functions and school performance2. Currently, there is a tendency for the young population to have irregular sleeping hours, with differences in bed and wake-up times between weekdays and weekends, especially as they get older2; 3; 4. There is a growing interest about the impact of sleep and its disorders on regulation of inflammatory processes and morbidities, particularly in the context of metabolic and cardiovascular diseases (CVD) and their complications1. In children and adolescents, crosssectional5; 6; 7 and prospective8; 9 studies have shown an association between overweight or obesity and few hours of sleep. In adults, there is evidence supporting this relationship as well as associations with insulin resistance, diabetes and cardiovascular diseases10; 11; 12; 13; 14; 15. Few hours of sleep can also play a role in the etiology of a key risk factor to CVD, dyslipidemia12; 14; 15. Physiologically, sleep reduction is associated with hormonal alterations that may promote the development of an atherogenic lipid profile, including increase of cortisol and ghrelin levels and reduction of leptin, besides sympathovagal responses16; 17; 18. In order to obtain more information about the relationship between lipid metabolism alterations and sleep duration specifically in adolescents, we have performed a systematic review of the literature. Materials and Methods The search was performed in the electronic databases Medline via Pubmed 19, Lilacs20, Web of Science21, Scopus22, and Adolec23. We also reviewed the bibliographic references of the studies we found in these databases. Selection of the descriptors used in the review process was made through consultation with MeSH (Pubmed’s Medical Subject Headings.) The search was performed in English, using three concept blocks: the first with terms related to sleep (sleep); the second with terms 71 related to adolescence (adoles*, teen*, student*, youth, young); and the third with terms related to lipids (lipid*, lipemia*, cholesterol, HDL, LDL, triglyceride*, lipoprotein*, hypercholesterolemia*, hypercholesteremia*, dyslipidemia*, dyslipoproteinemia*, hyperlipidemia*, hyperlipemia*, “high density lipoprotein cholesterol”, “low density lipoprotein cholesterol”). The Boolean operator “OR” was used for the combination of the descriptors within each block and the Boolean operator “AND” was used to combine the blocks amongst themselves. The truncation of terms was applied when necessary. Table 1 presents the search strategy used for each base. Search limits of date, language, study designs or sample size was not used. The search was made on August 2014, contemplating articles published through that date. Criteria for the inclusion of articles in the systematic review were as follows: (a) studies of adolescents over 10 years old; (b) studies that evaluated the relationship between sleep duration in hours and any lipid marker; (c) original research article. Articles evaluating any kind of sleep-related disorder, review studies, and experimental studies with animals were excluded. It was decided not to include thesis, dissertations, and monographs. The articles were selected by two epidemiologists (GAA and LAB), initially based on reading of the title, then on reading of the abstracts. Of selected abstracts, the full articles were reviewed. In case of disagreement between the two reviewers, a third person was consulted. Results The flowchart showing the selection process is presented in Figure 1. By the end of the evaluation process, of the 859 articles chosen after the removal of duplicates, 25 were subjected to the full evaluation. Seven articles fulfilled the inclusion criteria at the end of the process. Table 1 presents the search strategy used in each data base. Table 2 presents the relevant characteristics of the selected studies. Of the seven studies included, only one24 was longitudinal. The other six studies were cross-sectional. Five 72 of the 7 studies24; 25; 26; 27; 28 included students. The sample sizes varied considerably, from 699 in Rey-López et al study27 to 14,267 adolescents in Gangwisch et al study24. All studies used questionnaires to obtain hours of sleep. The variable “sleep duration” was used as continuous in three studies24; 26; 27; the other studies used different categories to classify sleep duration. To obtain the lipid profiles, five studies collected venous blood25; collected capillary blood26, and measured total cholesterol25; 27; 28; 29; 30 , one another used self-referred information24.Five studies 26; 27; 28; 29 and HDL-cholesterol25; 26; 27; 29; 30 , four measured triglycerides25; 27; 28; 30, and two evaluated LDL-cholesterol25; 28. Almost all studies controlled for sex24; 25; 27; 30 and age24; 25; 27; 28; 29; 30; waist perimeter was adjusted for in two25; 26, physical activity in four24; 27; 28; 30 , Tanner stage in two25; 29 , mother’s education in two28; 29 , socioeconomic status in two27; 28, body mass index (BMI) in one25, and caloric intake in one30. Table 3 presents the principal results of the associations found and the control variables each study used. Considering the seven studies included, only in three an association was found between hours of sleep and lipid profile24; 25; 30 . Two studies found that shorter sleep duration was associated with a worse lipid profile (total cholesterol and LDLcolesterol)24; 25, and the results of the third one30 were in the opposite direction, considering triglycerides. The other four studies26; 27; 28; 29 did not find any association. Five studies presented results for the entire study sample24; 25; 26; 27; 30 , and three presented results stratified by sex24; 28; 29.In four studies24; 26; 28; 30 the odds ratio was reported, whereas the other studies presented25; 27; 29 β coefficients from regression analysis. Discussion The present systematic review showed lack of consistent evidence regarding the association between sleep duration and lipid profile in adolescents. The biological mechanism involved in the relationship between sleep duration and lipid profile is still not well known. Gangwisch et al24 suggested that few hours of sleep could play a role in the hypercholesterolemia in women. The authors’ hypothesis was that physical 73 activity, stress and body weight could act as mediators of this relationship, however, in their study the association did not change after adjustment for these variables in women. Some methodological and study design limitations of the studies deserve to be mentioned. In the longitudinal study by Gangwisch et al24, the presence of hypercholesterolemia in individuals was based on self-reports, and not through measuring serum cholesterol. The authors, however, believed that any misclassification resulting from the self-reports would be non-differential, thus biasing the measure of association towards the null hypothesis31. As the diagnosis of dyslipidemia depends on access to medical care, and therefore to the socioeconomic status, a bias may have occurred if adolescents from different socioeconomic status have different sleep habits. Another problem in Gangwisch et al’s study was that adolescents with dyslipidemia at baseline were not excluded from the analysis and, thus, the incidence of dyslipidemia in adolescents could not be ascertained. A limitation of Berentzen et al’s29 study was the time-gap between the collection of biochemical exams and the information on sleep hours (approximately one year), which may have biased the results. In Narang et al’s study26, cholesterol was assessed in capillary blood in a non-fasting state, which may be responsible for this study’s failure to find an association. However, the authors argued that, although a fasting period of 12 to 14 hours is recommended for measurement of lipid profile to decrease the primary causes of pre-analytical variations of lipid values32, recent data indicate that cholesterol levels collected with and without fasting are comparable33. All studies included in this systematic review obtained information about sleep duration based on questionnaires, a method frequently used in research of sleep because of its easy application and low cost. However, the validity of the information obtained through questionnaires is of concern, particularly when the instruments are not submitted to a validation process. Adolescents may report only socially desirable sleeping and waking up hours34. Berentzen et al’s study used time in bed (time between going to bed and waking hour) as an indicator for duration of sleep. The authors argue that this information may create an excessively high estimate of actual sleep duration. 74 Actigraphy – based on monitoring of activities – was established as a valid and reliable method to evaluate sleep-wake patterns in children, adolescents and adults35; 36 . Objective methods for quantification of hours of sleep in a population-based study are difficult to operate, particularly in studies with relatively large samples. Kong et al 25 used actigraphy in only about 7% of their study sample (138 out of 2,053) and demonstrated a reasonable agreement between actigraphy and adolescents’ self-reports (intra-class correlation coefficient = 0.72, CI 95%: 0.61-0.80). In the studies included in this review, duration of sleep was measured in two different ways, as a continuous24; 26; 27 or categorical variable25; 28; 29; 30. The lack of consensus about the best cut-off point to define short sleep duration makes it difficult to compare different studies, which would become easier if sleep duration were used as a continuous variable. The present systematic review included a longitudinal study with important limitations and cross-sectional studies with inconsistent results. It was not possible to evaluate publication bias, due to the small number of studies identified. In summary, it is still uncertain whether there is an association between hours of sleep and lipid profile in adolescents. Heterogeneity in the way sleep hours have been classified and analyzed as well as the use of different lipids analytes may have contributed for the inconsistency of findings. More studies should be conducted on this issue to clarify the nature of this association and the biological mechanisms involved. These future studies must be longitudinal, use sleep duration as a continuous variable and consider the role of potential confounders or effect modifiers. Care must be taken to avoid over-adjustment including variables that can be intermediary in the relationship between sleep duration and dyslipidemia such as BMI and food consumption. Because of its strong association with cardiovascular disease in adults, it is important to identify and modify factors that are associated with lipid profile15 in adolescents. If short sleep duration is responsible for an unfavorable lipid profile, interventions that improve the quality and duration of sleep may contribute to decrease long-term cardiovascular risk. 75 Table 1. Search strategy used for each data base Pubmed Lilacs Adolec Web of Science Scopus (sleep*[Title/Abstract] AND (adoles* OR teen* OR student* OR youth OR young[Title/Abstract]) AND (lipid* OR lipemia* OR cholesterol OR HDL OR LDL OR VLDL OR triglyceride* OR lipoprotein* OR hypercholesterolemia* OR hypercholesteremia* OR dyslipidemia* OR dyslipoproteinemia* OR hyperlipidemia* OR hyperlipemia* OR "high density lipoprotein cholesterol" OR "low density lipoprotein cholesterol"[Title/Abstract])) sleep$ and (adoles$ OR teen$ OR student$ OR youth OR young) and (lipid$ OR lipemia$ OR cholesterol OR HDL OR LDL OR VLDL OR triglyceride$ OR lipoprotein$ OR hypercholesterolemia$ OR hypercholesteremia$ OR dyslipidemia$ OR dyslipoproteinemia$ OR hyperlipidemia$ OR hyperlipemia$ OR "high density lipoprotein cholesterol" OR "low density lipoprotein cholesterol") sleep$ [Words] and adoles$ OR teen$ OR student$ OR youth OR young [Words] and lipid$ OR lipemia$ OR cholesterol OR HDL OR LDL OR VLDL OR triglyceride$ OR lipoprotein$ OR hypercholesterolemia$ OR hypercholesteremia$ OR dyslipidemia$ OR dyslipoproteinemia$ OR hyperlipidemia$ OR hyperlipemia$ OR "high density lipoprotein cholesterol" OR "low density lipoprotein cholesterol" [Words] (Topic(sleep*) AND Topic(adoles* OR teen* OR student* OR youth OR young) AND Topic(lipid* OR lipemia* OR cholesterol OR hdl OR ldl OR vldl OR triglyceride* OR lipoprotein* OR hypercholesterolemia* OR hypercholesteremia* OR dyslipidemia* OR dyslipoproteinemia* OR hyperlipidemia* OR hyperlipemia* OR "high density lipoprotein cholesterol" OR "low density lipoprotein cholesterol")) (TITLE-ABS-KEY(sleep*) AND TITLE-ABS-KEY(adoles* OR teen* OR student* OR youth OR young) AND TITLE-ABS-KEY(lipid* OR lipemia* OR cholesterol OR HDL OR LDL OR VLDL OR triglyceride* OR lipoprotein* OR hypercholesterolemia* OR hypercholesteremia* OR dyslipidemia* OR dyslipoproteinemia* OR hyperlipidemia* OR hyperlipemia* OR "high density lipoprotein cholesterol" OR "low density lipoprotein cholesterol")) 76 Table 2. Main characteristics of the selected studies Reference/ Country Study design/ Collection date Longitudinal Gangwisch et al, 2010/ 24 United States Kong et al, 2011/ 25 Hong Kong Wave I: 199495 Wave II: 1996 Wave III 2001-02 Crosssectional/ February 2007 – April 2008 Study population Students, with national representativeness n = 14,257 48.7% male Age 11-21 years boys 15.8 years old girls 15.9 years old Method for obtaining hours of sleep Questionnaire Exposition classification (hours of sleep) Continuous Questionnaire7 Students* n = 1,274 12-20 years old† Actigraphy in sub-sample (n = 138) <6.5h: 20% 6.5-8h: 40% >8h: 20% Method for lipid profile evaluation Outcome (alterations of lipids) Questionnaire/ “Has any doctor ever (between the 1st and the 3rd wave) said you have high cholesterol?” Dichotomous variable Yes/No Blood collection (TC, TG, HDL, LDL cholesterol) Comparison of extreme quintiles Student Continuous Narang et al, 2012/ 26 Canada Azadbakht et al, 2013/ 28 Iran Crosssectional/ 2009-2010 Crosssectional Data from CASPIAN III// n = 3,372 14.6 years old‡ Questionnaire 32, 33 48.9% male Students n = 5,528 Quartiles 14,69 (2,45) years old boys 14,7 (2,38) years old girls Questionnaire <5h 5 to 8h >8h Capillary blood collection without fast (TC and HDL cholesterol) Blood colletion (TC, TG and LDL) Hypercholesterolemia TC ≥ 5.2 mmol/L LDL ≥ 2.6 mmol/L HDL <1.0 mmol/L TG ≥ 1.7 mmol/L TC Borderline: 4.4-5.1 mmol/L: High: ≥ 5.2 mmol/L Non-HDL-cholesterol§ Borderline: > 3.10 to 3.75 mmol/L High: > 3.75 mmol/L Abnormal serum lipids were defined as a TC, LDL-C and or TG higher than the level corresponding to the age and gender-specific 95th percentile34 77 Table 2. Main characteristics of the selected studies Reference/ Country Study design/ Collection date Study population Age General population Mean age at completion of the questionnaire 11.4 (±0.3) years Mean age at the moment of medical examination 12.7 (±0.4) years n = 1,481 Berentzen et al, 2014/ 29 Netherlands Rey-López et al, 2014/ Greece, Germany, Belgium, France, Hungary, Italy, Sweden, Austria, 27 Spain Lee et al, 2014/ 30 Republic of Korea Crosssectional 49% male Method for obtaining hours of sleep Questionnaire Exposition classification (hours of sleep) Method for lipid profile evaluation Outcome (alterations of lipids) 7.5–9.5 h 10–10.5 h (ref. cat.) 11–12.5 h Blood collection (TC and HDL cholesterol) Continuous variable (mM) Continuous variable Blood colletion (TG, TC and HDL cholesterol) Continuous variable (mg/dL) ≤ 5h 6-7h 8-9h (ref. cat.) ≥ 10h Blood colletion (TG and HDL cholesterol) Students Crosssectional/ 2006-2007 Crosssectional/ 2007-2008 n = 699 14.8 years old Questionnaire 52% male General population n = 1,187 15 years old Questionnaire LDL - low-density lipoprotein; HDL - high-density lipoprotein; TC - total cholesterol; TG - triglycerides; BMI- body mass index. * number of adolescents evaluated; total number of individuals evaluated in the study is 2,053, including children and adolescents; † does not provide average age data or distribution by sex only for the adolescents group; ‡ does not provide age group; § non-HDL cholesterol corresponds to total cholesterol minus HDL cholesterol; // CASPIAN III – Childhood and Adolescence Surveillance and Prevention of Adult Non-communicable disease. Continuous variable (mg/dL) 78 Table 3. Principal results of the studies included Total Total cholesterol 24 Gangwisch et al, 2010 Kong et al, 2011 25 Azadbakht et al, 2013 Berentzen et al, 2014 28 29 LDL cholesterol 25 Kong et al, 2011 Azadbakht et al, 2013 28 Male Female Control variables investigated OR (CI 95%) Each hour: 0.87 (0.79-0.96) OR (CI 95%) Each hour: 0.91 (0.79-1.05) OR (CI 95%) Each hour: 0.85 (0.75-0.96) Age/ sex/ race/ ethnic group/ alcohol/ smoke/ physical activity/ inactivity/ stress/ body weight β* = -0.160 (p-value = 0.023) --- --- --- OR (CI 95%) <5h = 1 5–8h = 4.00 (0.54–29.94) > 8h = 5.63 (0.76–41.56) OR (CI 95%) <5h = 1 5–8h = 1.07 (0.31–3.73) >8h = 1.14 (0.33–3.85) Age/ socioeconomic status/ parents’ educations/ family history of chronic disease/ sedentary lifestyle/ BMI --- β (CI 95%) 7.5–9.5 h = -0.15 (-0.35; 0.04) 10–10.5 h = 1 11–12.5 h = -0.06 (-0.17; 0.05) β (CI 95%) 7.5–9.5 h = -0.01 (-0.22; 0.21) 10–10.5 h = 1 11–12.5 h = -0.06 (-0.16; 0.05) Age at completion of the questionnaire/ age at medical examination/ height/ mother’s education/ puberty and screen time β* = -0.122 (p-value = 0.042) --- --- --- OR (CI 95%) <5h = 1 5–8h = 1.04 (0.30-3.61) >8h = 0.97 (0.28–3.30) OR (CI 95%) <5h = 1 5–8h = 1.36 (0.26–5.05) >8h = 0.76 (0.20–2.89) Age/ sex/ BMI/ waist perimeter/ Tanner stages (2-3 and 4-5) 79 Table 3. Principal results of the studies included Total HDL cholesterol 25 Kong et al, 2011 Berentzen et al, 2014 Lee et al, 2014 29 30 OR (CI 95%) ≤ 5 h = 0.79 (0.40 - 1.53) 6-7 h = 0.86 (0.50 - 1.49) 8-9 h = 1 ≥ 10 h = 1.03 (0.44 - 2.40) TG 25 Kong et al, 2011 Azadbakht et al, 2013 28 Rey-López et al, 2014 Lee et al, 2014 30 β* = -0.056 (p-value = 0.061) --- 27 β* = 0.060 (p = 0.115) --- β (CI 95%) School days: 0.26 (-2.57; 3.09) Weekends: 0.69 (-1.50; 2.88) OR (CI 95%) ≤ 5 h= 1.05 (0.55 - 2.00) 6-7 h= 1.20 (0.79 - 1.83) 8-9 h= 1 ≥ 10 h = 2.17 (1.14 - 4.13) Male Female --- --- β (95% CI) 7.5–9.5 h = 0.03 (-0.07; 0.12) 10–10.5 h = 1 11–12.5 h = 0.02 (-0.04; 0.07) --- Β (95% CI) 7.5–9.5 h = 0.07 (-0.03; 0.17) 10–10.5 h = 1 11–12.5 h = <0.01 (-0.05; 0.05) --- --- --- OR (CI 95%) < 5h = 1 5–8h = 1.09 (0.41–2.92) >8h = 1.16 (0.44–3.09) --- OR (CI 95%) < 5h = 1 5–8h = 0.53 (0.22–1.30) >8h = 0.53 (0.22–1.30) --- --- --- Control variables investigated Age/ sex/ socioeconomic status/ physical activity Age/ sex/ household income/ caloric intake/ physical activity 80 Table 3. Principal results of the studies included Total Non-HDL† 26 Narang et al, 2012 OR (CI 95%) Each hour 1.03 (0.93-1.13) First quartile (reference) x last quartile 0.92 (0.70-1.22) TC/HDL-c 27 Rey-López et al, 2014 Berentzen et al, 2014 29 β (CI 95%) School days: -0.001 (-0.05; 0.05) Weekends: 0.009 (-0.03; 0.05) --- Male Female --- --- --- --- β(95% CI) 7.5–9.5 h = -0.22 (-0.51; 0.08) 10–10.5 h = 1 11–12.5 h = -0.14 (-0.31; 0.02) β(95% CI) 7.5–9.5 h = -0.18 (-0.44; 0.08) 10–10.5 h = 1 11–12.5 h = -0.04 (-0.17; 0.09) Control variables investigated Waist perimeter/nutrition/physical activity/sex/family history of premature cardiovascular disease in first degree relatives/sleep disturbance score OR - odds ratio; CI - confidence interval; SD - standard deviation; LDL - low-density lipoprotein; HDL - high-density lipoprotein; TC - total cholesterol; TG - triglycerides; BMI - body mass index; PR - prevalence ratio. * β regression coefficient of the multiple regression model to compare groups of largest and smaller (reference) quintile of the lipid variables in relation to the hours of sleep (group with 20% of individual with shorter sleep duration vs. group with 20% of individual with longer sleep duration.) † non-HDL cholesterol corresponds to total cholesterol minus HDL cholesterol 81 Web of Sci: 258 Medline: 243 Adolec: 41 Scopus: 745 Total before the retrieval of duplicates: 1.295 Manually retrieved duplicates: 436 References for evaluation because of the title: 859 Excluded because of the title: 815 Abstract evaluation: 44 Excluded because of the 878 19 abstract: Evaluation of completed articles: 25 Excluded because of the article: 18 Articles completed for evaluation: 7 Figure 1. Flowchart of article selection Lilacs: 8 82 References 1 Kim, J. et al. Inflammatory pathways in children with insufficient or disordered sleep. Respiratory Physiology and Neurobiology, v. 178, n. 3, p. 465-474, 2011. 2 Adolescente Sleep Needs and Patterns. National Sleep Foundation, p.30. 2000 3 Dahl, R.; Carskadon, M. Sleep and its disorders in adolescence. In: (Ed.). Principles and Practices of Sleep Medicine in the Child, 1995. p.19-27. 4 Iglowstein, I. et al. Sleep duration from infancy to adolescence: reference values and generational trends. Pediatrics, v. 111, n. 2, p. 302-7, Feb 2003. 5 Gupta, N. K. et al. Is obesity associated with poor sleep quality in adolescents? American Journal of Human Biology, v. 14, n. 6, p. 762-8, Nov-Dec 2002. 6 Chaput, J. P.; Brunet, M.; Tremblay, A. Relationship between short sleeping hours and childhood overweight/obesity: results from the 'Quebec en Forme' Project. International Journal of Obesity, v. 30, n. 7, p. 1080-5, Jul 2006. 7 Chen, M. Y.; Wang, E. K.; Jeng, Y. J. Adequate sleep among adolescents is positively associated with health status and health-related behaviors. In: (Ed.). BMC Public Health. England, v.6, 2006. p.59. 8 Agras, W. S. et al. Risk factors for childhood overweight: a prospective study from birth to 9.5 years. J Pediatr, v. 145, n. 1, p. 20-5, Jul 2004. 9 Reilly, J. J. et al. Early life risk factors for obesity in childhood: cohort study. BMJ, v. 330, n. 7504, p. 1357, Jun 2005. 10 Van Cauter, E. et al. Impact of sleep and sleep loss on neuroendocrine and metabolic function. Hormone Research, v. 67 Suppl 1, p. 2-9, 2007. 83 11 Taheri, S. The link between short sleep duration and obesity: we should recommend more sleep to prevent obesity. Archives of disease in childhood, v. 91, n. 11, p. 881-4, Nov 2006. 12 Bjorvatn, B. et al. The association between sleep duration, body mass index and metabolic measures in the Hordaland Health Study. Journal of Sleep Research, v. 16, n. 1, p. 66-76, Mar 2007. 13 Choi, K. M. et al. Relationship between sleep duration and the metabolic syndrome: Korean National Health and Nutrition Survey 2001. International Journal of Obesity, v. 32, n. 7, p. 1091-7, Jul 2008. 14 Williams, C. J. et al. Sleep duration and snoring in relation to biomarkers of cardiovascular disease risk among women with type 2 diabetes. Diabetes Care, v. 30, n. 5, p. 1233-40, 2007. 15 Kaneita, Y. et al. Associations of usual sleep duration with serum lipid and lipoprotein levels. Sleep, v. 31, n. 5, p. 645-52, 2008. 16 Taheri, S. et al. Short sleep duration is associated with reduced leptin, elevated ghrelin, and increased body mass index. PLoS Med, v. 1, n. 3, p. e62, Dec 2004. 17 Spiegel, K. et al. Leptin levels are dependent on sleep duration: relationships with sympathovagal balance, carbohydrate regulation, cortisol, and thyrotropin. J Clin Endocrinol Metab, v. 89, n. 11, p. 5762-71, Nov 2004. 18 Mullington, J. M. et al. Sleep loss reduces diurnal rhythm amplitude of leptin in healthy men. J Neuroendocrinol, v. 15, n. 9, p. 851-4, Sep 2003. 19 Pubmed. Acesso em: 06 ago. 2014 >. 20 Lilacs. Disponível em: < www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed Disponível em: < lilacs.bvsalud.org >. Acesso em: Acesso em: 06 ago. 2014. 84 21 WOS. Web of Science. Disponível em: < apps.webofknowledge.com >. Acesso em: Acesso em: 06 ago. 2014. 22 Scopus. Disponível em: < www.scopus.com/home.url >. Acesso em: Acesso em: 06 ago. 2014. 23 Adolec. Disponível em: < www.adolec.br/php/index.php >. Acesso em: Acesso em: 06 ago. 2014. 24 Gangwisch, J. E. et al. Short sleep duration as a risk factor for hypercholesterolemia: analyses of the National Longitudinal Study of Adolescent Health. Sleep, v. 33, n. 7, p. 956-61, Jul 2010. 25 Kong, A. P. et al. Associations of sleep duration with obesity and serum lipid profile in children and adolescents. Sleep Medicine, v. 12, n. 7, p. 659-665, 2011. 26 Narang, I. et al. Sleep disturbance and cardiovascular risk in adolescents. In: (Ed.). CMAJ. Canada, v.184, 2012. p.E913-20. 27 Rey-Lopez, J. P. et al. Sleep time and cardiovascular risk factors in adolescents: The HELENA (Healthy Lifestyle in Europe by Nutrition in Adolescence) study. Sleep Medicine, v. 15, n. 1, p. 104-110, Jan 2014. ISSN 1389-9457; 1878-5506. 28 Azadbakht, L. et al. The association of sleep duration and cardiometabolic risk factors in a national sample of children and adolescents: The CASPIAN III Study. Nutrition, v. 29, n. 9, p. 1133-1141, Sep 2013. ISSN 0899-9007. 29 Berentzen, N. E. et al. Time in bed, sleep quality and associations with cardiometabolic markers in children: the Prevention and Incidence of Asthma and Mite Allergy birth cohort study. Journal of Sleep Research, v. 23, n. 1, p. 3-12, Feb 2014. ISSN 09621105; 1365-2869. 30 Lee, J. A.; Park, H. S. Relation between sleep duration, overweight, and metabolic syndrome in Korean adolescents. Nutrition Metabolism and Cardiovascular Diseases, v. 24, n. 1, p. 65-71, Jan 2014. ISSN 0939-4753; 1590-3729. 85 31 Szklo, M.; Nieto, J. Epidemiology: Beyond the Basics. 2nd. Jones & Bartlett Learning, 2007. 489 ISBN 9780763729271. Disponível em: < http://books.google.com.br/books?id=knc2tJa1NR0C >. 32 I Diretriz de Prevenção da Aterosclerose na Infância e na Adolescência. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 85, p. 3-36, 2005. 33 Steiner, M. J.; Skinner, A. C.; Perrin, E. M. Fasting might not be necessary before lipid screening: a nationally representative cross-sectional study. In: (Ed.). Pediatrics. United States, v.128, 2011. p.463-70. 34 Wolfson, A. R. et al. Evidence for the validity of a sleep habits survey for adolescents. Sleep, v. 26, n. 2, p. 213-6, Mar 15 2003. 35 Sadeh, A.; Sharkey, K. M.; Carskadon, M. A. Activity-based sleep-wake identification: an empirical test of methodological issues. Sleep, v. 17, n. 3, p. 201-7, Apr 1994. 36 Acebo, C. et al. Estimating sleep patterns with activity monitoring in children and adolescents: how many nights are necessary for reliable measures? Sleep, v. 22, n. 1, p. 95-103, Feb 1 1999. 86 Artigo 2 Título: Perfil da duração de sono de adolescentes escolares das regiões Sul e Centro Oeste do Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (ERICA) Resumo Introdução: O sono é um fenômeno complexo resultante de características biológicas e comportamentais. Alterações da qualidade e quantidade do sono têm sido associadas com doenças crônicas em adultos. O estilo de vida moderno induz a durações cada vez mais curtas do sono, especialmente durante a adolescência. Objetivo: Descrever o padrão de sono de adolescentes participantes do Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (ERICA) das regiões Sul e Centro-Oeste do Brasil. Métodos: Foram analisados 10.064 adolescentes. A duração do sono nos dias de semana, final de semana e da semana total foi calculada considerando as horas de dormir e acordar preenchidas pelos adolescentes, de escolas públicas e privadas, em um coletor eletrônico de dados. A análise foi ajustada para o delineamento amostral. Inconsistências nas horas de acordar e/ou dormir foram analisadas e corrigidas quando possível. Foram estimadas médias e intervalo de confiança (IC) de 95% da duração do sono segundo sexo, idade, tipo de escola (pública ou privada) e estado nutricional. Débito de sono foi calculado como sendo a diferença ≥ 2 horas entre a duração do sono nos finais de semana e a duração do sono durante a semana. Foi considerado como curta duração do sono <7 e longa >11 horas. Resultados: Dos 10.064, 415 (4,1%) alunos não foram classificados quanto a duração do sono por apresentarem respostas improváveis. A média da duração de sono foi 7,9 horas (IC95% 7,8-8,0). Quase 1/4 dos adolescentes referiram duração do sono <7 horas. A média da duração total do sono não foi estatisticamente diferente por sexo. Os adolescentes de 12 a 14 anos dormem mais do que os de 15 a 17 anos. A média de débito de sono foi de 1,9 horas (IC95% 1,8-2,1); Conclusões: Apesar das limitações inerentes ao método utilizado no ERICA para obtenção da duração do sono, a análise cuidadosa da distribuição das respostas permitiu que um percentual importante fosse corrigido e utilizado. O padrão de sono observado após as correções é semelhante ao encontrado em outros estudos. Palavras-chave: sono, adolescente, estudos transversais, questionários 87 Abstract Introduction: Sleep is a complex phenomenon resulting from biological and behavioral features. Qualitative and quantitative sleep disturbances have been associated with chronic diseases in adults. One aspect of modern living is the reduction in sleep duration, especially during adolescence. Objective: To describe the sleep patterns of adolescents of the South and Midwest regions of Brazil that participated in the Study of Cardiovascular Risk in Adolescents (ERICA) Methods: We analyzed 10,064 adolescents. The sleep duration on weekdays, weekend, and for the total week was calculated considering adolescents’ selfreport bedtimes and wake up times in a sample of students from public and private schools. The analysis was adjusted for the sample design. Inconsistencies in the waking up and/or bedtimes were analyzed and corrected when possible. Averages and CI95% of sleep duration by sex, age, type of school (public or private), and nutritional status were calculated. Sleep debt was calculated as a difference ≥ 2 hours between sleep duration on weekends and during the week. It was considered as short sleep duration <7 and long >11 hours. Results: Of the 10,064 adolescents, 415 (4.1%) students did not have sleep duration information due to unlikely answers. The average sleep duration was 7.9 hours (95%CI 7.8-8.0). Almost 1/4 of adolescents reported sleep duration <7 hours. The mean total sleep time was not significantly different by gender. Teens 12 to 14 years sleep more than 15 to 17 ones. The average sleep debt was 1.9 hours (95%CI 1.8-2.1); Conclusions: Despite the limitations inherent to the method used to obtain ERICA’s sleep duration, careful analysis of the responses distribution allowed that a significant percentage could be corrected and used. The sleep pattern observed after the corrections is similar to that found in other studies. Key words: sleep, adolescent, sleep assessment 88 Introdução A adolescência é uma fase de vida marcada por mudanças biopsicossociais importantes, inclusive em relação ao padrão do ciclo vigília-sono. O sono não é apenas uma função fisiologicamente essencial, mas também desempenha um papel importante na promoção do crescimento, da maturação e da saúde geral. Atualmente, os adolescentes têm cada vez mais apresentado horários tardios de dormir, devido ao uso de aparelhos eletrônicos como computadores e telefones, participação em eventos sociais, e ao horário de início das aulas pela manhã, levando a uma importante diminuição das horas de sono1. Por conseguinte, uma duração inadequada de sono está associada a um aumento da sonolência diurna, dificuldades de aprendizagem e diminuição da qualidade de vida2; 3; 4. Estudos epidemiológicos recentes evidenciaram que a duração do sono está associada a obesidade, diabetes, hipertensão, doença cardiovascular e mortalidade, em adultos5; 6; 7; 8; 9; 10; 11; 12 . Em adolescentes, alguns estudos apontam que adolescentes que dormem pouco tendem a apresentar alterações no perfil lipídico6; 13 e aumento de peso2; 13; 14 . Assim, a duração do sono tornou-se um fator de risco potencialmente importante e inovador para a investigação de doenças crônicas em estudos epidemiológicos15. A avaliação do sono, de forma global, envolve a análise de quantidade, qualidade, arquitetura e de comportamentos do sono16; 17 e pode ser realizada com a utilização de vários instrumentos, com medidas envolvendo aspectos subjetivos e objetivos18. O estudo polissonográfico (PSG) ainda é considerado o instrumento de referência para diagnóstico da maioria dos transtornos do sono e também para conhecimento da efetiva duração do sono, em horas17 19; 20 . Mais recentemente, vem sendo muito utilizados em pesquisas e na prática clínica sensores de movimento capazes de determinar períodos de atividade e repouso, a partir de uma técnica conhecida como actigrafia (ACT) em aparelhos similares a relógios de pulso, validada utilizando-se a PSG21. Os sensores de movimento são considerados como uma alternativa mais simples, não invasiva, prática e de menor custo à PSG22. Devido ao alto custo e pela dificuldade da utilização da PSG e de outros métodos objetivos de avaliação do sono, questionários são utilizados em estudos epidemiológicos como métodos alternativos no intuito de se obter informações sobre o sono do indivíduo de forma rápida, simples, padronizada, com menores custos23 e de forma repetida em um número elevado de indivíduos24. Entretanto, as informações coletadas por meio de respostas aos questionários são chamadas de medidas indiretas, porque são dependentes de condições 89 inerentes aos sujeitos, tais como memória, capacidade de compreensão do que está sendo perguntado, além de serem mediadas por interesses dos próprios entrevistados, como a própria motivação em querer responder, e de fazê-lo de forma acurada. Desta forma, é muito importante que as questões sejam elaboradas da forma mais simples e objetiva possíveis, a fim de evitar problemas de compreensão, o que depende muito dos padrões culturais dos sujeitos entrevistados25. Devido à existência de possíveis desvantagens no uso de questionários em estudos epidemiológicos, alguns autores apontam a necessidade de detalhamento sobre as possíveis fontes de erros sistemáticos na tentativa de evitar ou minimizar vieses nesses estudos26; 27; 28. Questões relacionadas a vieses de informação têm sido pouco enfatizadas na prática e, até de certa forma, encaradas com descaso por muitos pesquisadores, principalmente em relação à avaliação da duração do sono via aplicação de questionários. Não se menciona nos estudos as inconsistências dos dados coletados de duração do sono, em especial os de autopreenchimento, e qual estratégia foi ou deve ser adotada para corrigi-las quando existem. Frequentemente, ênfase é dada aos problemas relacionados aos desenhos de estudo e à análise de dados, mas, desenhos ou análises estatísticas sofisticadas não produzem resultados mais confiáveis quando a qualidade das informações colhidas é insatisfatória29; 30 . Uma vez ocorrida a falha na obtenção da informação, seja devido a problemas no instrumento, na coleta dos dados em si, ou a peculiaridades do próprio entrevistado, devem ser explicitados os procedimentos adotados para se corrigir ou amenizar esses erros. O objetivo deste estudo é descrever o padrão de sono de adolescentes das regiões Sul e Centro-Oeste do Brasil participantes do Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (ERICA), assim como descrever e discutir o método para obtenção da duração do sono e as estratégias adotadas para ajuste de respostas improváveis. Métodos O ERICA é um estudo de delineamento transversal, multicêntrico, nacional, de base escolar, que visa determinar a magnitude de diabetes e outros fatores de risco cardiovascular em adolescentes de cidades de mais de 100 mil habitantes. A população de pesquisa do ERICA corresponde ao conjunto de adolescentes de 12 a 17 anos, que não possuem qualquer deficiência temporária ou definitiva, não grávidas, e que 90 cursam um dos três últimos anos do Ensino Fundamental ou dos três anos do Ensino Médio nos turnos da manhã ou da tarde, em escolas públicas ou privadas, urbanas ou rurais, localizadas em um dos 273 municípios com mais de 100 mil habitantes. Foram selecionadas escolas em 124 municípios, correspondendo a um total de 3.753 turmas, em 1.251 escolas, compreendendo uma amostra inicial estimada de 75.060 alunos. Em cada escola, foram selecionadas três turmas. Nas turmas selecionadas, todos os alunos foram convidados a participar da pesquisa. A presente análise foi realizada com adolescentes das regiões Sul e Centro-Oeste, que estudavam no turno da manhã. Os alunos da tarde não foram utilizados devido à ausência de exames bioquímicos para este turno. Apenas foi realizada coletada de sangue para os do turno da manhã. Foram incluídos os alunos que participaram de todas as etapas da coleta de dados. Para a região Centro-Oeste, foram sorteadas 178 escolas distribuídas nos estados de Mato Grosso (43), Mato Grosso do Sul (29), Goiás (63) e Distrito Federal (43), e na região Sul, 162 escolas nos estados do Paraná (61), Santa Catarina (38) e Rio Grande do Sul (62). A coleta de dados na região Centro-Oeste ocorreu de março de 2013 a abril de 2014, enquanto que na região Sul, a coleta ocorreu nos meses de março a dezembro de 2013. Os dados foram obtidos através da aplicação de questionário autopreenchível pelos alunos, aferição de medidas antropométricas, avaliação do consumo alimentar do dia anterior e coleta de sangue para avaliação bioquímica. Detalhes sobre os métodos e a logística do estudo estão descritos em outro artigo31. As variáveis utilizadas para a elaboração deste artigo foram: sexo, idade, tipo de escola (pública ou privada), as relativas ao bloco do sono e estado nutricional. Foram utilizadas as medidas de peso (Kg) e estatura (m) para cálculo do IMC (índice de massa corporal) e adotadas as curvas de referência da World Health Organization (WHO) de 200732 para classificação de adolescentes com baixo peso, eutróficos, com sobrepeso e obesidade. A variável idade foi utilizada de forma categórica, considerando dois grupos: de 1214 anos e de 15-17 anos, para caracterizar os adolescentes mais jovens e os mais velhos, respectivamente. O bloco do sono era composto por quatro perguntas. O adolescente deveria selecionar a hora em que ele costuma dormir e acordar em um dia de semana comum e no final de semana. As respostas eram fechadas, com 24 opções, uma para cada hora do dia, 91 dispostas como mostra a Figura. Caso o adolescente selecionasse uma opção incompatível com atividades escolares, por exemplo, durante a semana acordar às duas horas da tarde ou dormir às dez horas da manhã), aparecia na tela do PDA uma mensagem para o aluno confirmar ou modificar sua resposta, caso tivesse escolhido esta opção por falta de atenção ou por acidente. Figura 1: Perguntas referentes a duração do sono Foram realizadas alterações das horas de acordar e dormir após análise das inconsistências das respostas dos alunos. As modificações foram feitas apenas quando foi considerado ter ocorrido troca da hora de dormir pela hora de acordar, ou vice-versa, tanto durante a semana quanto no final de semana. Por exemplo, um aluno que registrou a hora de acordar sendo seis horas da manhã e hora de dormir nove horas de manhã, foi interpretado como sendo a hora de dormir nove horas da noite. Mesmo após as alterações, respostas incoerentes ainda permaneceram e foram desconsideradas para o cálculo da duração do sono quando: a hora de acordar era a mesma da de dormir; se o adolescente durante a semana acordava antes das quatro ou depois das nove horas da manhã ou se dormia após as cinco horas da manhã ou antes das cinco horas da tarde (todos estudavam no turno da manhã). A duração do sono foi obtida pela diferença, em horas, entre o início e o fim do sono, relatado como o intervalo compreendido entre ir para cama para dormir à noite e o despertar na manhã seguinte. Foi calculada a duração de sono, separadamente, para dias de semana comum e final de semana. A duração de sono foi classificada como inconsistente, e desconsiderada na análise de dados, quando durante a semana o adolescente dormia menos 92 que três ou mais que 14 horas. Para o final de semana, foi considerada como duração inconsistente quando o adolescente dormia 18 horas ou mais. A duração do sono do final de semana foi desconsiderada da análise caso não houvesse duração do sono consistente para dia de semana comum para o mesmo aluno. A duração da média semanal do sono foi calculada como a média ponderada da hora de sono durante a semana e do final de semana, pela fórmula: (sono durante a semana x 5 + sono no final de semana x 2)/7. 8; 13; 33 Como a definição na literatura até o momento sobre os pontos de corte ideais para curta e longa duração do sono34; 35 ainda é controversa, adotou-se uma recomendação recente da National Sleep Foundation, em que não é recomendado duração do sono <7 horas ou >11 horas por noite36. Desta forma, considerou-se curta e longa duração do sono como <7 horas e >11 horas, respectivamente. Foi calculada uma medida de débito de sono, como sendo a diferença entre a duração média do sono nos finais de semana e a duração média do sono durante a semana. Apesar da ausência de uma definição consensual para débito de sono em adolescentes, alguns autores37; 38; 39 e a NSF40 consideram como débito de sono duas ou mais horas de diferença. O ERICA foi aprovado pelo Comitê de Ética (CEP) em Pesquisa do IESC/UFRJ em 2008 (processo nº 45/2008). Também foi aprovada por este CEP a não obrigatoriedade de TCLE para os adolescentes que aceitassem responder ao questionário no PDA e realizar coleta de medidas não invasivas. Os adolescentes que participaram do ERICA assinaram um Termo de Assentimento (TA). A obrigatoriedade do TCLE (com assinatura dos pais/responsáveis e dos próprios alunos) foi mantida para aqueles que realizaram coleta de sangue. O uso apenas do TA foi aprovado pelos CEPs dos estados da região Sul, assim como em Mato Grosso e no Distrito Federal. No entanto, como os CEPs atuam de forma independente, os CEPs dos estados de Mato Grosso do Sul e Goiás não aprovaram o uso de TA, vigorando o uso de TCLE para todos os procedimentos. As análises foram realizadas com o pacote estatístico Stata 12.041. A distribuição das respostas originais dos alunos foi comparada à das respostas corrigidas. O teste qui-quadrado foi utilizado para comparação da distribuição das faixas de duração de sono por categorias de diferentes características da população. 93 A distribuição das características foi ajustada segundo o delineamento amostral, com o uso de rotinas estatísticas para amostragem complexa, Survey (svy), para considerar todas as fontes de variabilidade da amostra do ERICA. A amostra do ERICA é uma amostra considerada complexa42, uma vez que emprega estratificação (cada um dos 27 municípios de capital e cinco estratos com o conjunto de municípios de mais de 100 mil habitantes de cada uma das cinco macrorregiões do país) e conglomeração (por escola e por turma) em seus estágios de seleção. Os pesos amostrais foram calculados pelo produto dos inversos das probabilidades de inclusão em cada estágio da amostra e foram calibrados considerando a projeção do número de adolescentes matriculados em escolas localizadas nos estratos geográficos considerados em 31/12/2013. Foi utilizado um estimador de pós-estratificação, que modifica o peso natural do desenho por um fator de calibração que corresponde à razão entre o total populacional e o total estimado pelo peso natural do desenho para o pós-estrato ou domínio de estimação considerado. Foram definidos 12 domínios de estimação correspondentes às seis idades consideradas e os dois sexos43. Resultados Havia 18.636 adolescentes matriculados nas turmas do turno da manhã selecionadas para participar do estudo nas regiões Sul e Centro-Oeste do país. Destes, 10.064 alunos (54%) tiveram dados coletados de todos os blocos de informação de interesse. A principal causa de perda foi a recusa para coletar sangue (43,5% na região Sul e 46,6% na região Centro-Oeste). A Tabela 1 compara os percentuais de sexo, idade, tipo de escola e região dos alunos do turno da manhã participantes e não participantes da análise. Pode-se observar que os percentuais de adolescentes do sexo masculino e da faixa de 15-17 anos são maiores dentre os que não participaram do estudo. 94 Tabela 1. Comparação por sexo, idade, tipo de escola e região entre os participantes e não participantes do turno da manhã, ERICA Características Sexo Feminino Masculino Idade 12-14 anos 15-17 anos Tipo de escola Pública Privada Região Sul Centro-Oeste Participantes (n = 10.064) N % Não participantes (n = 8572) N % 5996 4068 59,6 40,4 3851 4721 44,9 55,1 4593 5471 45,6 54,4 3127 5445 36,5 63,5 7479 2585 74,3 25,7 6441 2131 75,1 24,9 4646 5418 46,2 53,8 3711 4861 43,3 56,7 Dos 10.064 adolescentes que participaram de todas as fases de coleta, 1268 (12,6%) foram inicialmente classificados como respostas improváveis/inconsistentes. Após análise e correção das inconsistências, apenas 415 alunos ficaram sem informações referentes à média da duração do sono na semana total, representando 4,1% da amostra coletada (Figura 2); Dos 943 alunos cujas respostas sofreram alguma modificação nas informações sobre as horas de sono, 853 (90,5%) tiveram as respostas recuperadas. As respostas corrigidas correspondem a 8,8% de todas as respostas válidas. 95 Total de adolescentes n=10064 Adolescentes sem correção das horas de sono n=9121 (90,6%) Consistentes n=8796 325 Adolescentes com correção das horas de sono n=943 (9,4%) + 90 Consistentes n=853 Não consistentes (excluídos) n=415 (4,1%)* Analisados n=9649 * Referentes aos 10.064 Figura 2. Fluxograma de informações sobre duração de sono A Tabela 2 mostra as médias de duração do sono obtidas antes e após as alterações realizadas nas horas de dormir e acordar para correção de respostas consideradas inconsistentes. Observa-se que a correção das inconsistências produziu uma redução da média da duração de sono em todas as categorias avaliadas. As alterações produziram maior impacto nos adolescentes do sexo masculino, de 12 a 14 anos, de escolas públicas e da região CentroOeste. 96 Tabela 2. Médias de duração do sono (horas) e IC95%, ajustadas para o desenho da amostra com e sem correção de inconsistências das respostas dos adolescentes, das regiões Sul e Centro-Oeste, ERICA Características Sexo Feminino Masculino Idade 12-14 15-17 Tipo de escola Pública Privada Região Sul Centro-Oeste Informação original Média IC95% Informação corrigida Média IC95% Diferença 8,51 8,76 8,39-8,62 8,56-8,95 7,90 7,93 7,83-7,96 7,78-8,07 0,61 0,83 8,96 8,35 8,78-9,13 8,23-8,47 8,20 7,67 8,04-8,36 7,61-7,72 0,76 0,68 8,72 8,26 8,61-9,82 7,97-8,53 7,96 7,73 7,87-8,03 7,54-7,91 0,76 0,53 8,59 8,70 8,43-8,75 8,54-8,85 7,96 7,84 7,82-8,10 7,78-7,89 0,63 0,86 A faixa de mais de 11 horas de sono foi a que mais sofreu alterações (22,6%), seguida da outra faixa extrema, de menos de 7 horas (10,8%), enquanto que a faixa de sono adequado, segundo a recomendação da National Sleep Foundation, foi a que menos sofreu alteração (8,2%). Ainda assim, as distribuições percentuais de faixas de sono são semelhantes quando se comparam os que sofreram alteração com os inalterados (Tabela 3). 97 Tabela 3. Adolescentes com horas de sono alteradas e não alteradas segundo as categorias de duração de sono na amostra coletada das regiões Sul e Centro-Oeste, ERICA Duração do sono (horas) Total Sem alteração nas horas de sono Com alteração nas horas de sono Total N % n % n % <7 1757 20,0 212 24,8 1969 20,4 7-11 6936 78,8 611 71,7 7547 78,2 >11 103 1,2 30 3,5 133 1,4 8796 100,0 100,0 9649 100,0 853 Alteração em relação ao total % (212/1969) 10,8 (611/7547) 8,1 (30/133) 22,6 Na Tabela 4, observa-se que no grupo de adolescentes sem informação sobre a duração do sono, o percentual é maior de adolescentes do sexo masculino, mais jovens e de escola pública quando comparado com o grupo com informação sobre a duração do sono. No entanto, a distribuição segundo o estado nutricional é semelhante em ambos os grupos. 98 Tabela 4. Características dos adolescentes da amostra coletada das regiões Sul e Centro-Oeste do ERICA segundo perda de informação sobre duração do sono Características Sexo Feminino Masculino Idade 12-14 anos 15-17 anos Estado nutricional Baixo peso Eutrófico Sobrepeso Obesidade Tipo de escola Pública Privada Adolescentes sem informação (n = 415) n % Adolescentes com informação (n = 9649) n % 218 197 52,5 47,5 5778 3871 59,9 40,1 0,003 240 175 57,8 42,2 4353 5296 45,1 54,9 <0,001 8 292 75 40 1,9 70,4 18,1 9,6 201 6796 1802 850 2,1 70,4 18,7 8,8 369 46 88,9 11,1 7110 2539 73,7 26,3 p-valor 0,933 <0,001 A média de idade da amostra é de 14,6 anos, com desvio-padrão de 1,6. A Tabela 5 descreve algumas características da amostra final por região. 99 Tabela 5. Características dos adolescentes da amostra coletada nas regiões Sul e CentroOeste, ERICA Características Sexo Feminino Masculino Idade 12-14 anos 15-17 anos Estado nutricional Baixo peso Eutrófico Sobrepeso Obesidade Tipo de escola Pública Privada Região Sul (n = 4646) Região Centro-Oeste (n = 5418) n % n % 2671 1975 57,5 42,5 3325 2093 2011 2635 43,3 56,7 63 3162 976 445 3661 985 Total (n = 10.064) p-valor N % 61,4 38,6 5996 4068 59,6 40,4 <0,001 2582 2836 47,7 52,3 4593 5471 45,6 54,4 <0,001 1,3 68,1 21,0 9,6 146 3926 901 445 2,7 72,5 16,6 8,2 209 7088 1877 890 2,1 70,4 18,7 8,8 78,8 21,2 3818 1600 70,5 29,5 7479 2585 74,3 25,7 <0,001 <0,001 Observa-se um percentual maior de meninas em ambas as regiões. Há maior percentual de adolescentes de maior idade (15-17 anos) em ambas as regiões. Aproximadamente 1/3 dos adolescentes da região Sul e 1/4 da região Centro-Oeste estão acima do peso. Na Tabela 6, observa-se que nos adolescentes mais jovens a duração de sono é maior do que a de adolescentes mais velhos. Não há diferença por sexo na média da duração total do sono. A média de duração do sono da semana total é semelhante entre as categorias de estado nutricional. Nos dias de semana, a média de horas de sono é um pouco maior nos adolescentes obesos. A média de duração do sono no final de semana é maior do que a do restante da semana para todas as características avaliadas. A média total de duração do sono é de 7,9 horas (IC95% 7,8-8,0). 100 Tabela 6. Médias e IC95%, ajustados para o desenho da amostra, da duração do sono total (horas), nos dias durante a semana e no final de semana dos adolescentes das regiões Sul e Centro-Oeste, ERICA Característica Sexo Feminino Masculino Idade 12-14 15-17 Tipo de escola Pública Privada Região Sul Centro-Oeste Estado nutricional Baixo peso Eutrófico Sobrepeso Obesidade Durante a semana Média IC95% Duração do sono Final de semana Média IC95% Total de semana Média IC95% 7,27 7,44 7,19-7,34 7,28-7,61 9,47 9,13 9,37-9,58 9,00-9,26 7,90 7,93 7,83-7,96 7,78-8,07 7,72 7,04 7,51-7,92 6,98-7,11 9,40 9,21 9,29-9,52 9,13-9,30 8,20 7,67 8,04-8,36 7,61-7,72 7,40 7,19 7,28-7,50 7,02-7,34 9,36 9,09 9,28-9,42 8,83-9,34 7,96 7,73 7,87-8,03 7,54-7,91 7,41 7,27 7,24-7,58 7,21-7,33 9,33 9,25 9,21-9,45 9,17-9,34 7,96 7,84 7,82-8,10 7,78-7,89 7,18 7,39 7,20 7,46 6,80-7,56 7,24-7,53 7,06-7,34 7,24-7,68 9,32 9,34 9,34 9,05 8,82-9,81 9,23-9,43 9,22-9,46 8,84-9,26 7,79 7,94 7,81 7,92 7,41-8,16 7,82-8,06 7,70-7,92 7,74-8,10 Cerca de 64% dos adolescentes relataram dormir durante a semana após as 23 horas. Cerca de 90% acordam entre 6 e 7 horas da manhã. A média de débito de sono é de 1,9 horas (IC95% 1,8-2,1). O percentual de adolescentes que apresentaram débito de sono ≥ 2 horas, ou seja, dormem mais no final de semana em comparação com a duração do sono durante a semana é de 62%. A Tabela 7 apresenta a distribuição dos adolescentes por faixas de duração do sono segundo algumas características. Assim como observou-se na distribuição das médias da duração do sono, o percentual de adolescentes mais velhos na faixa de curta duração do sono é maior do que o dos adolescentes mais novos. Na faixa de longa duração de sono, as maiores frequências encontram-se entre os eutróficos, seguidos dos obesos, enquanto que, na faixa de curta duração, os mais frequentes são os com sobrepeso, seguidos dos adolescentes com baixo peso. 101 Tabela 7. Distribuições da duração do sono¹, ajustados para o desenho da amostra, por características dos adolescentes das regiões Sul e Centro-Oeste do ERICA Características Total Sexo Feminino Masculino Idade 12-14 anos 15-17 anos Estado nutricional Baixo peso Eutrófico Sobrepeso Obesidade Tipo de escola Pública Privada <7 21,3 7-11 76,2 >11 2,5 Total 100,0 p-valor 20,2 22,4 78,6 73,9 1,2 3,7 100,0 100,0 <0,001 16,5 25,5 79,7 73,2 3,8 1,3 100,0 100,0 <0,001 22,1 20,7 23,1 21,8 77,6 76,2 76,0 76,2 0,3 3,1 0,9 2,0 100,0 100,0 100,0 100,0 21,1 22,3 76,1 76,8 2,8 0,9 100,0 100,0 0,19 0,07 ¹ Sem informação para 415 adolescentes Discussão A duração e a qualidade do sono, assim como outros fatores já investigados, como inatividade física, consumo alimentar inadequado e excesso de peso, também podem estar intrinsecamente relacionados ao risco cardiovascular2; 44. Atualmente, o sono é considerado como um fator que pode minimizar o risco de morbidade cardiovascular na idade adulta45. Estes estudos têm sido em parte motivados por descobertas de estudos laboratoriais do sono, que demonstram que a redução das horas de sono produz desarranjos hormonais e metabólicos tais como tolerância à glicose diminuída e aumento do apetite46; 47; 48. No entanto, o sono é medido em estudos experimentais realizados em laboratórios do sono de forma diferente da utilizada na maioria dos estudos epidemiológicos15. Em um laboratório do sono, o sono é cuidadosamente controlado e monitorado através de PSG46 e o número de indivíduos avaliados nesses estudos costuma ser menor. Em estudos epidemiológicos da magnitude do ERICA, dificilmente são obtidas informações de duração do sono a partir de medidas objetivas, como PSG ou ACT devido a obstáculos como a logística para coleta de dados e o custo operacional. Desta forma, recorrese ao uso de questionários para obtenção de informações. Os questionários apresentam diversas vantagens, como a praticidade e o baixo custo, mas também possuem desvantagens, 102 como a maior possibilidade de obtenção de respostas inacuradas e enviesadas. Apesar de haver controvérsias sobre o assunto, há estudos que indicam que autorrelatos geralmente correspondem bem às medidas objetivas do sono, tais como ACT49; 50. A elaboração das perguntas de um instrumento para avaliação da duração de sono merece uma atenção especial na fase de planejamento do estudo. Com o objetivo de minimizar a possibilidade de ocorrência de problemas de compreensão que levassem a erros de respostas, teve-se cuidado no ERICA com a escolha dos itens e com a adequação das palavras, de modo a minimizar as dúvidas quanto ao entendimento das perguntas51. Questionários longos aumentam a probabilidade de inacurácia das respostas, que podem acabar sendo subutilizadas ou excluídas da análise por serem inconsistentes25. O bloco do sono no questionário do aluno do ERICA é o de número 10, de um total de 13 e o cansaço pode ter contribuído para a ocorrência de respostas inconsistentes dos adolescentes, embora o tempo médio de preenchimento do questionário tenha sido de aproximadamente 30 minutos. O bloco de questões do sono contém questões fechadas, com todas as opções de respostas oferecidas de forma explícita para os entrevistados25. Isso é um facilitador para a análise de dados à posteriori. O objetivo era que este tipo de conduta facilitasse a marcação das respostas. Perguntas abertas para coleta de horas são mais propensas a erros. Nas respostas, optou-se por listar primeiro nas perguntas sobre as horas de dormir aquelas do período noturno (a partir das 18 horas) e nas perguntas sobre horas de acordar, aquelas do período matutino (a partir das 4 horas), para que possibilitasse uma visualização rápida das opções mais prováveis. Mesmo assim, a impaciência natural dos adolescentes também pode ter contribuído para reduzir a motivação para preencher corretamente o questionário29; 30. Não há uma maneira padrão para se perguntar sobre a duração do sono em pesquisas, e pouco se sabe sobre a comparabilidade das diferentes formas já utilizadas52. Um aspecto positivo para uma maior acurácia na obtenção da duração do sono pode ter sido o fato de ter sido perguntado no ERICA a hora de dormir e de acordar, separadamente para dias durante a semana e do final de semana, e assim, realizar o cálculo da duração do sono, e não perguntar ao adolescente quantas horas ele habitualmente dorme por noite. Outros estudos optaram pela mesma estratégia37; 53; 54. Acredita-se que a indagação direta do tempo de duração do sono esteja mais suscetível ao viés de memória. Um estudo francês37 adotou de forma similar as mesmas perguntas utilizadas no ERICA, mas reduziu as opções de respostas de 24 para 13 na hora habitual de dormir e para 15 na hora de acordar, durante a semana, mas com intervalos 103 de meia em meia hora, visando evitar respostas incongruentes. No caso do ERICA, as 24 opções de respostas estavam visíveis, mas uma tela de aviso aparecia ao aluno sempre que uma resposta improvável era selecionada, permitindo ao adolescente confirmar ou não sua resposta. O sucesso de uma coleta de dados, com consequente acurácia nas informações obtidas, depende também do treinamento dos supervisores e examinadores. É função importante do supervisor explicar aos alunos a relevância do correto preenchimento de cada resposta para a pesquisa30. Chama-se atenção para a necessidade de explicitação destes dois importantes aspectos – a qualidade do instrumento e de sua aplicação, nas publicações. A descrição detalhada das variáveis e dos indicadores utilizados, permite avaliação de todo o processo pelo consumidor da informação. A acurácia dos indicadores não só contribui para a validade interna de um estudo epidemiológico, mas também permite a comparação do estudo com achados obtidos em outras pesquisas29; 30. O estabelecimento de pontos de corte deve, de preferência, ser motivado e embasado pela teoria, com a finalidade de identificar ou predizer subgrupos populacionais30. Ainda não há na literatura pontos de corte bem estabelecidos para curta e longa duração do sono, para adultos, muito menos para adolescentes, o que dificulta uma padronização e consequente comparação com os demais estudos. Definir sono curto, longo ou privação do sono em adolescentes é difícil pelo número limitado de estudos que relatam dados normativos em grupos nacionalmente representativos de adolescentes. Por isso, encontra-se na literatura uma gama considerável de definições para curta e longa duração do sono. Adotou-se para este estudo as recomendações da National Sleep Foundation. Como o documento sinaliza como não recomendado para adolescentes uma duração do sono menor que 7 e maior que 11 horas, optou-se por considerar estas as categorias de sono curto e longo respectivamente. Alguns estudos têm estabelecido como curta duração do sono menos que 6 horas53; 55 e mais que 10 horas como longa duração do sono53. Existe uma distinção entre o processo de categorização das variáveis (utilizando-se pontos de cortes) e a mensuração da característica de interesse nos indivíduos. Pode ocorrer uma situação em que ocorra falha na classificação de um indivíduo pelo uso de variáveis e indicadores inadequados, apesar de não ter ocorrido problemas na mensuração. Por outro lado, mesmo que a categorização seja adequada, pode ter ocorrido problema na mensuração. 104 Ambas as situações levam a um erro de classificação dos sujeitos estudados, diminuindo a validade do estudo30. Em relação às alterações realizadas nas horas de sono dos adolescentes que participaram do ERICA, observou-se que os percentuais entre as diferentes categorias de sono curto, adequado e longo estipuladas cujas durações do sono foram corrigidas, são similares aos dos adolescentes que não tiveram correção da duração do sono, indicando que a distribuição dos adolescentes que responderam de forma inacurada não tem um padrão específico; ou seja, se a correção produziu algum erro de classificação, o mais provável é que esse erro seja não-diferencial. Apesar das limitações inerentes ao método utilizado no ERICA para obtenção da duração do sono, a análise cuidadosa da distribuição das respostas permitiu que um percentual importante fosse corrigido e utilizado. O padrão de sono observado é semelhante ao encontrado em outros estudos. Um estudo americano encontrou uma média de duração de sono de 7,7 em uma amostra representativa nacional53 e um estudo que avaliou adolescentes em dez países europeus, encontrou média de 8 horas56, ambas semelhantes à encontrada no ERICA, de 7,9 horas. Em relação à duração do sono nos dias durante a semana, a média de 7,3 horas também foi encontrada por Wolfson quando avaliou 3.120 adolescentes americanos1 e por Huang57, quando avaliou padrão de sono em mais de 1600 adolescentes de Taiwan. A duração média do sono no final de semana observada no ERICA, 9 horas, é semelhante à observada por outros pesquisadores1; 58; 59, inclusive do próprio Huang57. Uma tendência que tem se estabelecido nos adolescentes e adultos jovens é a compensação do sono perdido no final de semana, atribuída a fatores como compromissos acadêmicos, profissionais e de lazer60. Um percentual considerável de adolescentes do ERICA (62%) apresentou um débito maior do que duas horas. Esse percentual foi mais elevado do que o observado em outros estudos. Um estudo conduzido por Leger et al em 2012 verificou que 27% dos adolescentes de 11-15 anos avaliados estariam compensando o sono no final de semana37. Essa compensação foi de 40,5% nos adolescentes de 15 anos, utilizando a mesma definição de débito de sono. Matthews, avaliando 250 adolescentes de 14-19 anos, encontrou os percentuais de 35% e 42% de débito de sono usando actigrafia e diários de sono, respectivamente39. Em termos fisiológicos, há estudos laboratoriais que abordam o efeito de "sono de recuperação" sobre as funções hormonais e metabólicas após um período de débito de sono. Estudos experimentais mostraram que a privação parcial de sono recorrente (4 horas) poderia estar relacionada a uma série de alterações hormonais, nomeadamente alterações na 105 produção de leptina, grelina e do eixo hipotalâmico hipofisário-adrenal, com consequente intolerância à glicose47; 48 . Após uma "recuperação" do período de sono com repouso completo (12 horas), diversas variáveis metabólicas e endócrinas parecem retornar a um nível de melhor funcionamento. Um estudo realizado por Wing et al em 2009 sugere que a compensação do sono nos fins de semana ou feriados poderia diminuir o risco de excesso de peso em crianças60. Análises que investiguem essas associações na população avaliada no ERICA serão realizadas em futuro próximo. A prevalência de adolescentes que foram classificados como tendo curta duração do sono no ERICA também é preocupante, já que corresponde a 21,3% da amostra. Um estudo de amostra representativa de adolescentes franceses, com mais de nove mil avaliados, utilizando o mesmo ponto de corte <7 horas, encontrou para adolescentes de 11-15 anos um percentual de 11,7%. Entretanto, para os adolescentes de 15 anos, este percentual ultrapassou os 24%37. Já está bem documentado na literatura que sono insuficiente produz impactos negativos nos adolescentes, que vão desde diminuição das funções cognitivas (por exemplo, falta de atenção, diminuição da concentração), baixo rendimento escolar, aumento de problemas de comportamento, e até mesmo suicídio entre adolescentes38; 54; 61; 62. Observou-se nesta amostra do ERICA que os adolescentes mais velhos dormem menos que os mais novos, o que condiz com a tendência de redução das horas de sono ao se aproximar a idade adulta, o que foi confirmado por outros estudos37; 57; 63; 64; 65 . Os adolescentes são especialmente vulneráveis às consequências da privação do sono, pois é uma fase da vida em que devem enfrentar os desafios da puberdade e do desempenho escolar assim como pressão nas provas para ingresso nas universidades. Estão expostos às influências eletrônicas como telefones celulares, computadores e videogames, o que faz com que os pais dificilmente consigam monitorar as horas dedicadas ao sono de seus filhos adolescentes. A tendência de ir para cama tarde, como mostrado nos adolescentes do ERICA em que 64% dormem após as 23 horas, também ocorre em outras culturas66; 67. Há uma mudança no ciclo vigília-sono (atraso de fase) durante a adolescência, resultando em uma tendência a ficar acordado até mais tarde. Essa mudança está relacionada a uma redução da produção de melatonina39; 68 . Considerando que cerca de 1/4 da amostra dorme menos de 7 horas e tendo em vista que a recomendação é de 8-10 horas de sono diário para esta faixa etária, os resultados caracterizam um padrão de sono de duração insuficiente entre os adolescentes, o que pode levar ao aumento da prevalência de doenças crônicas na idade adulta6; 69, ainda mais se considerarmos a tendência de declínio da duração do sono53. 106 A duração do sono entre adolescentes do sexo feminino e masculino foi similar, resultado também encontrado por Williams em uma amostra nacional representativa de crianças e adolescentes americanos59. No entanto, uma duração de sono menor em adolescentes do sexo feminino é encontrado por outros pesquisadores53; 54; 57, que atribuem o fato às variações hormonais típicas da idade e diferenças entre os sexos54. Dentre os que dormem <7 horas, os que têm sobrepeso apresentaram maior percentual. Este achado é consistente com resultados de uma meta-análise recente que verificou relação inversa entre IMC e duração do sono em crianças e adolescentes34. A curta duração do sono tem sido considerada como um risco potencial para o excesso de peso/obesidade na infância e adolescência. Os autores da meta-análise, que avaliaram apenas estudos longitudinais com medidas objetivas de duração de sono, verificaram que adolescentes com curta duração do sono têm cerca de duas vezes mais chances de terem sobrepeso/obesidade, em comparação com aqueles que dormem por mais tempo34. No ERICA, os adolescentes obesos tiveram média de duração de sono maior durante a semana e este foi o grupo com o 2º maior percentual de indivíduos na faixa de duração de sono >11 horas. Por outro lado, adolescentes com sobrepeso e obesidade estavam mais representados na faixa de duração de sono curta do que os eutróficos. Taheri et al8, em seu levantamento epidemiológico com 1.024 adultos, verificaram que existe uma relação entre o sono e o IMC no formato de “U”, sugerindo que tanto o excesso como a falta do sono poderiam influenciar o estado nutricional. Pouco ainda se conhece sobre os efeitos da longa duração do sono na saúde de jovens e adultos, visto que, como a tendência da duração do sono é de declínio, as pesquisas tendem a centrar esforços nos efeitos deletérios da curta duração, e não da longa. Há a hipótese de que os obesos que dormem mais apresentariam um gasto energético menor por ficarem mais tempo na cama e se exercitarem menos8. No entanto, ainda não é claro o que os relatos de longa duração do sono representam, isto é, se significam erros de medida por representar o tempo que permanecem na cama e não necessariamente dormindo, ou, simplesmente, porque há indivíduos que realmente dormem mais que outros, por uma necessidade biológica70. Tem sido postulado que longa duração do sono pode ser um reflexo precoce de uma deterioração da saúde devido a uma condição crônica, inclusive de problemas psiquiátricos71; 72. Dentre as possíveis fontes de vieses que podem ser encontradas neste estudo, podem ser citados, além do viés de informação para a exposição (duração do sono), o viés de seleção, devido às perdas de indivíduos elegíveis que não forneceram algum tipo de informação, 107 predominantemente por recusa em fazer exame de sangue (46%). Comparando-se os participantes e não participantes, nota-se que há diferença entre os dois grupos: nos não participantes, há um número maior de adolescentes do sexo masculino, de 15-17 anos e da região Centro-Oeste, e isso pode ter distorcido os resultados encontrados, já que os mais velhos tendem a dormir menos que os mais novos. Este é um estudo que descreve o padrão de sono em uma amostra representativa de adolescentes brasileiros, que estudam no turno da manhã, de duas regiões brasileiras. Conhecimento das tendências das durações médias e extremas do sono ao longo do tempo irá ajudar a compreender o papel da duração do sono no desenvolvimento, manutenção e modificação de muitos comportamentos e condições de saúde física e mental. Identificar a idade em que o sono insuficiente surge pode ser útil para futuros estudos cujo alvo sejam os fatores de risco para o sono insuficiente e os mecanismos pelos quais o sono pode catalisar doenças. Um objetivo importante para pesquisas futuras será a melhor caracterização de subgrupos que se afastem das recomendações ideais de sono, até então publicadas, particularmente aqueles com a duração do sono extremamente longa ou curta, e para caracterizar os marcadores de doença que possam explicar a morbidade e mortalidade associadas ao sono53. 108 Referências 1 WOLFSON, A. 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Survey questions about sleep duration: does asking separately about weekdays and weekends matter? Behavioral Sleep Medicine, v. 12, n. 2, p. 158-68, 2014. 113 53 MASLOWSKY, J.; OZER, E. J. Developmental trends in sleep duration in adolescence and young adulthood: evidence from a national United States sample. Journal of Adolescent Health, v. 54, n. 6, p. 691-7, 2014. 54 KIM, S. J. et al. Relationship between weekend catch-up sleep and poor performance on attention tasks in Korean adolescents. Archives of Pediatrics & Adolescent Medicine, v. 165, n. 9, p. 806-12, 2011. 55 ROBERTS, R. E.; ROBERTS, C. R.; XING, Y. Restricted sleep among adolescents: prevalence, incidence, persistence, and associated factors. Behavioral Sleep Medicine, v. 9, n. 1, p. 18-30, 2011. 56 GARAULET, M. et al. Short sleep duration is associated with increased obesity markers in European adolescents: effect of physical activity and dietary habits. The HELENA study. 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Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (ERICA) Resumo Introdução: Existem evidências recentes de que a duração do sono está associada com obesidade, diabetes, hipertensão, doença cardiovascular e mortalidade, em adultos. Em adolescentes, entretanto ainda existem controvérsias. Alguns estudos apontam que a curta duração do sono estaria associada a pior perfil lipídico e aumento de peso, mas outros não encontram associação ou encontram associação em direção oposta. Objetivo: Investigar a associação entre duração do sono e perfil lipídico de adolescentes das regiões Sul e CentroOeste que participaram do ERICA. Métodos: A associação entre a duração do sono durante a semana e total com colesterol total, triglicerídeos, HDL-colesterol e LDL-colesterol foram analisadas separadamente. Foi investigado o papel de diferentes variáveis nessa associação. Foram ajustados modelos de regressão linear, estratificando-se por sexo e controlando-se por idade, considerando-se o desenho do estudo. Resultados: A relação entre duração do sono e as frações lipídicas é inversa para colesterol total e HDL-colesterol nas adolescentes e para triglicerídeos nos adolescentes. Consumo de energia e de lipídeos, IMC e outras variáveis investigadas parecem não explicar essa associação. Conclusão: Os resultados encontrados sugerem que sono de curta duração pode estar associado a um pior perfil lipídico em adolescentes de duas regiões brasileiras. Palavras-chave: saúde do adolescente, sono, dislipidemias 116 Abstract Introduction: There are recent evidences that sleep duration is associated with obesity, diabetes, hypertension, cardiovascular disease, and mortality in adults. In adolescents, however, there is still controversy. Some studies indicate that short sleep duration was associated with a worse lipid profile and weight gain, some did not find an association and others found an association in the opposite direction. Objective: To investigate the association of sleep duration with lipid profile in adolescents of South and Midwest Brazilian regions participating in the ERICA. Methods: The association of sleep duration on weekdays, and for the whole week with total cholesterol, triglycerides, HDL-cholesterol, and LDLcholesterol were analyzed separately. We investigated the role of different variables in this association. Linear regression models were adjusted, stratified by sex, and controlled for age, considering the design of the study. Results: The relationship between sleep duration and lipid fractions was inverse for total cholesterol and HDL-cholesterol in female adolescents and for triglycerides in male adolescents. Energy and lipids consumption, BMI, and other variables studied did not seem explain this association. The results suggest that short sleep duration may be associated with a poor lipid profile of adolescents of two Brazilian regions. Key words: adolescent health, sleep duration, dyslipidemias 117 Introdução Existe um interesse crescente sobre o impacto da duração do sono e seus distúrbios na regulação de processos inflamatórios e de morbidades, particularmente no contexto de doenças metabólicas, cardiovasculares (DCV), e suas complicações1. Em adultos, já existem evidências sugerindo associações de curta duração do sono com resistência à insulina, diabetes, dislipidemia e DCV2; 3; 4; 5; 6. Alguns estudos apontam que adolescentes que dormem pouco tendem a apresentar alterações no perfil lipídico7; 8 e aumento de peso8; 9, mas a literatura existente ainda é recente para essa faixa etária e com resultados controversos10; 11; 12; 13; 14; 15 , quanto à existência e direções das associações. A confirmação de uma associação causal de curta duração de sono com alterações metabólicas em adolescentes permitiria que intervenções comportamentais que aumentem a quantidade e melhorem a qualidade do sono servissem como medidas preventivas primárias para o combate ao excesso de peso e às alterações lipídicas, sendo mais uma estratégia para redução de risco cardiovascular. Postula-se que o sono insuficiente possa estar relacionado ao aumento da vulnerabilidade a comer mais no ambiente obesogênico atual16; 17 . Muito embora os mecanismos responsáveis por essa associação não estejam totalmente elucidados, sabe-se que os distúrbios provocados pelas alterações nos horários de sono/vigília influenciam o apetite, a saciedade18 e, consequentemente, a ingestão alimentar17. Além disso, há mais tempo e oportunidade para se ingerir mais alimentos quando se passa mais tempo acordado, principalmente alimentos palatáveis e altamente energéticos17. A literatura mostra que é possível que obesidade e fatores associados à obesidade e à resistência à insulina, tais como consumo alimentar, inatividade física, tabagismo, níveis elevados de glicose e de pressão arterial façam parte do mecanismo envolvido na associação entre curta duração do sono e dislipidemia2; 3; 4; 5; 6. Como a maioria dos estudos que investigaram o efeito do sono sobre o metabolismo se concentraram em adultos e os resultados ainda são inconsistentes sobre este efeito em adolescentes e crianças, o objetivo deste artigo é investigar a associação entre duração do sono e perfil lipídico de adolescentes de duas regiões brasileiras. 118 Métodos Esse estudo é parte do Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (ERICA). Trata-se de um estudo de delineamento transversal, multicêntrico, nacional, de base escolar. A base de estudo (população de referência) do ERICA corresponde ao conjunto de adolescentes de 12 a 17 anos, que não possuem deficiência física temporária ou definitiva, e que cursam um dos três últimos anos do Ensino Fundamental ou dos três anos do Ensino Médio nos turnos da manhã ou da tarde, em escolas públicas ou privadas, urbanas ou rurais, localizadas em um dos 273 municípios com mais de 100 mil habitantes em 2009. Foram selecionadas aleatoriamente escolas em 124 municípios, correspondendo a um total de 3.753 turmas, em 1.251 escolas. Em cada escola, foram selecionadas três turmas também aleatoriamente. Nas turmas selecionadas, todos os alunos foram convidados a participar da pesquisa. Os critérios de elegibilidade para a presente análise foram: adolescentes das regiões Sul e Centro-Oeste, com idades de 12 a 17 anos, não grávidas e não portadores de deficiência, que estudavam no turno da manhã. Para a região Centro-Oeste, foram sorteadas 178 escolas distribuídas nos estados de Mato Grosso (43), Mato Grosso do Sul (29), Goiás (63) e Distrito Federal (43), e na região Sul, 162 escolas foram sorteadas nos estados do Paraná (61), Santa Catarina (38) e Rio Grande do Sul (62). A coleta de dados na região Centro-Oeste ocorreu de março de 2013 a abril de 2014, enquanto que na região Sul, a coleta ocorreu nos meses de março a dezembro de 2013. Um questionário autopreenchível foi respondido pelos alunos utilizando um coletor eletrônico de dados (Personal Digital Assistant – PDA), foram aferidas medidas antropométricas e realizada coleta de sangue para avaliação bioquímica. Detalhes sobre os métodos e a logística do estudo estão descritos em outro artigo19. As informações utilizadas para este artigo foram sexo, idade, tipo de escola (pública ou privada), tabagismo, estado nutricional, duração do sono nos dias de semana e da semana total, atividade física, hipertensão arterial, estágios de maturação sexual, dados de consumo alimentar e exames bioquímicos de perfil lipídico e glicose. A variável idade foi analisada de forma dicotômica (12-14 e 15-17 anos). 119 Em relação ao tabagismo, considerou-se como fumantes aqueles que fumaram cigarros em um ou mais dias nos últimos trinta dias20; 21; 22. Foi calculado o tempo de fumo, considerando a idade atual menos a idade em que começou a fumar. Dentre os que fumam, foi avaliada a quantidade de cigarros médios consumidos nos últimos 30 dias. O IMC (índice de massa corporal) foi calculado a partir das medidas de peso (Kg) e estatura (m). Para classificação do estado nutricional, foram adotadas as curvas de referência da World Health Organization (WHO) de 200723 para classificação de adolescentes com baixo peso, eutróficos, com sobrepeso e obesidade. O bloco de questões sobre sono era composto por quatro perguntas, em que o adolescente deveria selecionar a hora em que ele costuma dormir e acordar em um dia de semana comum e no final de semana. A duração do sono foi obtida pela diferença, em horas, entre o início e o fim do sono, relatado como o intervalo compreendido entre dormir à noite e o despertar na manhã seguinte. As respostas eram fechadas, com 24 opções, uma para cada hora do dia. Foram realizadas análises de consistência das respostas. Foram desconsideradas para cálculo da duração do sono quando a hora de acordar fosse a mesma da hora de dormir, tanto para o período de 2ª a 6ª feira (dias de semana) quanto para o final de semana; se o adolescente acordava durante a semana antes das 4 ou depois das 9 horas da manhã (todos são estudantes do turno da manhã); se o adolescente dormia após as 5 horas da manhã ou antes das 5 horas da tarde, durante a semana. Não havia questões sobre sono vespertino. Foi também considerada como duração de sono inconsistente e desconsiderada na análise de dados aquela em que, durante a semana, o adolescente relatava dormir menos que 3 e mais que 14 horas de sono. Para o final de semana, foi considerado como inconsistente se o adolescente relatava dormir 18 ou mais horas. A duração do sono do final de semana foi desconsiderada da análise caso a resposta indicava duração do sono inconsistente para um dia de semana comum para o mesmo aluno. A duração da média semanal do sono foi calculada como a média ponderada da duração do sono durante a semana e a do final de semana, pela fórmula8; 24; 25: (sono durante a semana x 5 + sono no final de semana x 2)/7. Para a avaliação da prática de atividade física, foi utilizada uma adaptação do SelfAdministered Physical Activity Checklist validado por Farias Júnior para a população brasileira26. Neste bloco do questionário do adolescente, há uma lista de atividades, de intensidade moderada a vigorosa, em que o adolescente deve assinalar uma ou mais atividade 120 praticada na semana anterior, considerando apenas as atividades realizadas fora da aula de educação física da escola. Em seguida, para cada uma das atividades físicas que o adolescente listou, ele deve responder quantos dias por semana e quanto tempo por dia, em média, praticou cada uma. Na determinação do nível de atividade física, foi considerado o somatório do produto do tempo despendido em cada uma das atividades físicas pelas respectivas frequências de prática. Foram considerados sedentários os adolescentes com prática de atividade física inferior a 300 minutos por semana27. As medidas de pressão arterial e classificação de hipertensão nos adolescentes foram baseadas no Fourth Report on the Diagnosis, Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure in Children and Adolescents28. As pressões sistólica e diastólica e a pulsação foram medidos usando o aparelho oscilométrico automático Omron® 705-IT, validado para adolescentes29. Foram realizadas três medições consecutivas para cada indivíduo, com um intervalo de três minutos entre cada medida. A primeira medida foi descartada e calculada a média da segunda e terceira medidas. Hipertensão foi definida por valores de pressão arterial sistólica e diastólica ≥ percentil 95, considerando sexo, idade e estatura. O consumo alimentar foi avaliado mediante uso de recordatório alimentar de 24 horas (REC24h), que consiste no relato de todos os alimentos e bebidas consumidos pelo indivíduo ao longo de um período de 24 horas, correspondendo ao dia anterior ao da entrevista. Foi realizado mediante entrevista face a face utilizando-se um programa especialmente desenvolvido para este fim, em netbooks, em modo offline. O programa utiliza a lista fixa de alimentos proveniente dos resultados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF)30. Foram realizados dois REC24h: um na amostra total e outro em apenas uma subamostra (dois alunos por turma). O REC24h em uma subamostra foi realizado a fim de se avaliar a variabilidade intraindividual do consumo alimentar. As quantidades ingeridas em medidas caseiras foram transformadas em gramas e mililitros, possibilitando o cálculo da quantidade de cada macro e micronutrientes, em gramas e miligramas. Para transformação dessas medidas, foi utilizada a Tabela de Medidas Caseiras da POF31 e gerada uma variável de quantidade em gramas para cada alimento. Em seguida, o banco de dados foi relacionado à Tabela de Composição Nutricional da POF30 para a obtenção dos dados de consumo dos macro e micronutrientes. Não foram incluídos suplementos e/ou medicamentos. 121 Para análise do 2º REC24h, foi utilizado o programa The Multiple Source Method (MSM)32, para estimar a ingestão habitual de nutrientes e alimentos, considerando que alguns alimentos são consumidos esporadicamente. O MSM calcula o consumo alimentar para indivíduos e depois constrói a distribuição da população com base nos dados individuais, calculando, através da diferença entre o 1º e o 2º REC24h, um fator de correção para cada um dos macro e micronutrientes, que é então aplicado a toda a amostra. As variáveis de consumo alimentar utilizadas na presente análise foram energia total (Kcal) e lipídeos (gramas). Foi calculado o percentual de calorias provenientes de lipídeos ingeridas em relação às calorias totais, para cada aluno. Essa variável foi utilizada no formato dicotômico considerando como ponto de corte o valor recomendado para consumo que é até 30%33. A coleta de sangue foi realizada nas próprias escolas. Foram convidados apenas os alunos do turno da manhã e só se realizava a coleta para aqueles que estivessem em jejum de 12 horas e que trouxessem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE, assinado pelos responsáveis. Após a coleta, foi fornecido um lanche aos participantes. Foram avaliados glicemia de jejum, colesterol total, HDL-colesterol, triglicerídeos e LDL-colesterol. O valor de LDL-colesterol foi calculado pela fórmula de Friedewald34, válida apenas para concentrações plasmáticas de triglicerídeo menores que 400mg/dL. Foram considerados glicemia de jejum elevada entre 100-125 mg/dL e diabéticos ≥ 126 mg/dL. O ERICA foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do IESC/UFRJ em 2008 (processo nº 45/2008). Também foi aprovada por este CEP a não obrigatoriedade de TCLE para os adolescentes que aceitassem responder ao questionário no PDA e realizar coleta de medidas não invasivas. Os adolescentes que participaram do ERICA assinaram um Termo de Assentimento (TA). A obrigatoriedade do TCLE (com assinatura dos pais/responsáveis e dos próprios alunos) foi mantida para aqueles que realizaram coleta de sangue. Cada direção de escola assinou um termo de autorização. Os pais/responsáveis foram informados sobre o estudo pela cartilha explicativa do projeto acerca da metodologia da pesquisa. O TA foi aprovado pelos CEPs dos estados da região Sul, assim como em Mato Grosso e no Distrito Federal. No entanto, como os CEPs atuam de forma independente, os CEPs dos estados de Mato Grosso do Sul e Goiás não aprovaram o uso de TA, vigorando o uso de TCLE para todos os procedimentos. 122 As análises foram realizadas utilizando o pacote estatístico Stata 12.035. Foram calculadas médias e intervalos de confiança (IC) de 95% das variáveis contínuas, por sexo e idade, ajustadas segundo o delineamento amostral, com o uso de rotinas estatísticas para o desenho de amostra complexa, Survey (svy). A amostra do ERICA é uma amostra complexa36 estratificada (cada um dos 27 municípios de capital e cinco estratos com o conjunto de municípios de mais de 100 mil habitantes de cada uma das cinco macrorregiões do país) e por conglomerados (escola e turma). Os pesos amostrais foram calculados pelos produtos dos inversos das probabilidades de inclusão em cada estágio da amostra e foram calibrados considerando a projeção do número de adolescentes matriculados em escolas localizadas nos estratos geográficos considerados em 31/12/2013. Foi utilizado um estimador de pósestratificação, que modifica o peso natural do desenho por um fator de calibração que corresponde à razão entre o total populacional e o total estimado pelo peso natural do desenho para o pós-estrato ou domínio de estimação considerado. Foram definidos 12 domínios de estimação correspondentes às seis idades consideradas (12 a 17) e os dois sexos37. A associação entre duração de sono em horas e perfil lipídico foi avaliada por modelos de regressão linear após avaliação gráfica do padrão da relação entre essas características. Modificação de efeito e confundimento por sexo e idade foram investigadas. A significância estatística da heterogeneidade foi avaliada utilizando-se termo de interação de cada variável com duração do sono. Confundimento foi avaliado pela modificação (em pelo menos 20%) do coeficiente de regressão com a entrada da variável de interesse no modelo. Foram analisadas quanto ao possível papel de mediadoras, de acordo com o modelo teórico, as variáveis: consumo de energia, consumo de lipídeos, IMC, atividade física, pressão arterial, glicemia, tabagismo, levando-se em conta o desenho do estudo. Para ser considerada uma possível mediadora espera-se que a característica analisada seja capaz de explicar parcialmente ou totalmente a associação entre horas de sono e dislipidemia. Utilizou-se o mesmo critério descrito para avaliação de confundimento. Foram ajustados modelos para cada lipídio ou fração (colesterol total, triglicerídeo, HDL-colesterol e LDL-colesterol) separadamente para duração do sono nos dias de semana e para duração total, incluindo o final de semana. Foi considerado como significância estatística p-valor <0,05. 123 Resultados Nas regiões Sul e Centro-Oeste, 18.636 adolescentes do turno da manhã eram elegíveis. Destes, 10.064 alunos (54%) tiveram dados coletados de todos os blocos de informação de interesse. A principal causa de perda foi a recusa para coletar sangue. Os fluxogramas das perdas por blocos de informação são apresentados nas Figuras 1 (CentroOeste) e 2 (Sul). Os conjuntos de informações obtidas em procedimentos não invasivos foram maiores na região Centro-Oeste do que na região Sul. Região Centro-Oeste n=10.281 Quest. e sangue n=5515 53,6% Quest. e antropometria n=6910 67,2% Quest., antropometria e sangue n=5492 53,4% Quest. e REC24h n=6830 66,4% Quest., antropometria e REC24h n=6796 66,1% Todos os blocos n=5408 52,6% Quest.: questionário; REC24h: recordatório alimentar de 24 horas Figura 1. Fluxograma de coleta de dados para a região Centro-Oeste 124 Região Sul n=8355 Quest. e sangue n=4758 56,9% Quest. e antropometria n=6693 80,1% Quest., antropometria e sangue n=4720 56,5% Quest. e REC24h n=6591 78,9% Quest., antropometria e REC24h n=6558 78,5% Todos os blocos n=4639 55,5% Quest.: questionário; REC24h: recordatório alimentar de 24 horas Figura 2. Fluxograma de coleta de dados para a região Sul Os percentuais de adolescentes do sexo masculino e da faixa de 15-17 anos foram maiores entre os que não participaram do estudo (Tabela 1). A região Centro-Oeste teve uma representação no estudo um pouco maior do que a região Sul, mas não houve diferença com relação ao tipo de escola. 125 Tabela 1. Distribuição dos adolescentes participantes e não participantes, segundo sexo, idade, tipo de escola e macrorregião, Sul e Centro-Oeste, ERICA Características Sexo Feminino Masculino Idade 12-14 anos 15-17 anos Tipo de escola Pública Privada Região Sul Centro-Oeste Participantes (n = 10.064) n % Não participantes (n = 8572) n % p-valor 5996 4068 59,6 40,4 3851 4721 44,9 55,1 <0,001 4593 5471 45,6 54,4 3127 5445 36,5 63,5 <0,001 7479 2585 74,3 25,7 6441 2131 75,1 24,9 0,214 4646 5418 46,2 53,8 3711 4861 43,3 56,7 <0,001 A Tabela 2 mostra as médias e os IC95% de duração de sono nos dias de semana e na semana total, perfil lipídico, IMC e variáveis relacionadas ao consumo alimentar, por sexo e por idade dos adolescentes avaliados. A duração do sono é menor para os adolescentes mais velhos. Adolescentes do sexo masculino de 12 a 14 anos dormem, em média, 24 minutos a mais do que adolescentes do sexo feminino da mesma faixa etária durante a semana. As médias de todas as frações lipídicas são maiores no sexo feminino do que no masculino. Para as adolescentes, as médias aumentam com a idade enquanto que para os adolescentes, com exceção dos triglicerídeos, elas diminuem. As médias de consumo de energia e de lipídeos são maiores nos adolescentes de sexo masculino, nas duas faixas etárias. Praticamente não houve diferença do percentual de lipídeos da dieta entre os sexos e as duas faixas etárias. A Tabela 3 apresenta os percentuais e os IC95% de adolescentes sedentários, tabagistas, com alteração dos níveis de glicemia, diabéticos, hipertensos, obesos, com sobrepeso e os com percentual de lipídeos da dieta acima do recomendado. 126 A maioria dos adolescentes está acima das recomendações de 30% de lipídeos da dieta (61,4%) (Tabela 3). O percentual de adolescentes que fuma, ajustado pelo desenho da amostra, é de 6,1%. Verifica-se que esse percentual se eleva com aumento da idade. Dentre os que fumam, verifica-se que 48,9% dos adolescentes do sexo feminino fumam há 1 ano e 34,9% fumam há 2 anos, contra 22,3% e 46,4% dos adolescentes do sexo masculino para 1 e 2 anos de fumo, respectivamente. Aproximadamente 79,3% dos adolescentes fumam até 10 cigarros por dia. Os adolescentes do sexo feminino mais velhas são os adolescentes mais sedentários, com 53,6%. Há um percentual maior de sobrepeso e obesidade nos mais novos que nos mais velhos. Cerca de 30% dos adolescentes está com excesso de peso (sobrepeso e obesidade). Os adolescentes do sexo feminino apresentam 19,7% e 8,8% de sobrepeso e obesidade respectivamente, contra 17,6% de sobrepeso e 12,4% de obesidade para o sexo masculino Os adolescentes do sexo masculino mais novos são os mais obesos (16,2%). Em compensação, os mais velhos têm mais pressão arterial elevada (16,9%). O percentual de adolescentes com alterações de glicemia (100-125 mg/dL) é baixo, 4,5%, sendo menor ainda o percentual de diabéticos (0,31%). 127 Tabela 2. Médias e IC95% de duração do sono, lipídeos séricos e frações, IMC, energia e lipídeo da dieta, por sexo e idade, ajustados para o desenho da amostra, de adolescentes das regiões Sul e Centro-Oeste, ERICA Característica Sexo Feminino Sexo Masculino Total 12-14 15-17 12-14 15-17 Duração do sono em dias de semana (h) 7,5 (7,4-7,6) 7,1 (7,0-7,2) 7,9 (7,6-8,2) 7,0 (6,9-7,1) 7,3 (7,3-7,5) Duração semanal total do sono (h) 8,1 (8,0-8,2) 7,7 (7,6-7,8) 8,3 (8,0-8,6) 7,6 (7,5-7,7) 7,9 (7,8-8,0) 152,5 (150,8-154,2) 157,8 (156,2-159,4) 148,9 (146,2-151,6) 144,5 (141,9-146,9) 151,0 (149,9-152,1) Perfil lipídico (mg/dL) Colesterol total LDL-colesterol 86,7 (85,3-88,0) 89,1 (87,8-90,5) 86,3 (83,5-89,1) 83,4 (81,1-85,6) 86,4 (85,2-87,5) Triglicerídeos 78,5 (76,8-80,3) 82,8 (79,5-86,2) 75,2 (72,5-77,9) 78,4 (75,9-80,9) 78,9 (77,5-80,3) HDL-colesterol 50,1 (48,8-51,4) 52,1 (51,3-52,9) 47,7 (46,7-48,6) 45,5 (44,9-46,2) 48,9 (48,3-49,5) 2309,0 (2264,1-2353,9) 2435,3 (2392,3-2478,4) 2248,8 (2227,8-2269,7) Consumo Energia (Kcal) Lipídeo (g) IMC 2106,6 (2045,8-2167,2) 2135,9 (2105,5-2166,2) 73,3 (71,2-75,3) 75,0 (73,6-76,5) 79,9 (77,9-81,9) 83,8 (82,6-85,1) 78,1 (77,2-79,0) 21,5 (21,0-22,0) 20,9 (20,6-21,3) 22,1 (21,8-22,4) 22,3 (22,0-22,5) 21,7 (21,6-21,9) LDL: lipoproteína de baixa densidade; HDL: lipoproteína de alta densidade; IC: intervalo de confiança; IMC: índice de massa corporal * % da energia total ingerida em relação às calorias totais 128 Tabela 3. Distribuição de fatores de risco segundo sexo e idade, ajustados para o desenho da amostra, em adolescentes das regiões Sul e CentroOeste, ERICA Sexo Feminino 12-14 15-17 Característica % (IC95%) % (IC95%) Sexo Masculino 12-14 % (IC95%) Total 15-17 % (IC95%) % (IC95%) >30% lipídeo da dieta 58,1 (53,9-62,1) 64,1 (60,4-67,7) 62,6 (57,9-67,0) 60,4 (56,3-64,3) 61,4 (59,2-63,5) Sedentários¹ 47,6 (42,3-52,9) 53,6 (49,8-57,3) 33,2 (28,2-38,7) 34,4 (30,6-38,3) 42,4 (40,4-44,4) Tabagismo² 5,1 (3,6-7,1) 7,2 (5,3-9,8) 3,7 (2,2-6,1) 8,1 (6,0-10,7) 6,1 (5,2-7,3) Glicemia de jejum 100-125 /dL 5,2 (3,1-8,5) 2,0 (1,3-3,1) 7,6 (5,8-10,0) 3,8 (2,6-5,5) 4,5 (3,6-5,7) ≥126 mg/dL 0,03 (0,004-0,22) 0,43 (0,16-1,2) 0,19 (0,06-0,6) 0,51 (0,12-2,1) 0,31 (0,16-0,60) Sobrepeso³ 24,1 (20,2-28,4) 16,1 (13,9-18,6) 17,8 (14,2-22,0) 17,5 (15,0-20,4) 18,7 (17,5-20,0) Obesidade4 11,8 (8,5-16,1) 6,2 (5,0-7,7) 16,2 (13,5-19,3) 9,0 (7,3-11,0) 8,6 (7,1-10,4) 13,6 (11,4-16,2) 16,9 (14,0-20,2) Estado nutricional Pressão arterial elevada5 8,1 (6,7-9,7) IC: intervalo de confiança ¹ <300 minutos por semana de atividade física ² Fumantes aqueles que fumaram cigarros em um ou mais dias nos últimos trinta dias ³ Escore Z >1 e ≤ 2 4 Escore Z >2 5 Hipertensão percentil ≥ 95 10,6 (9,4-11,8) 11,8 (10,7-13,1) 129 A análise gráfica da relação entre horas de sono e lipídeos não identificou um padrão específico que representasse uma violação do pressuposto de linearidade. As Tabelas 4 a 7 mostram os parâmetros dos modelos de regressão linear para investigar a associação entre duração do sono em horas (durante a semana e duração total) e cada fração lipídica, estratificados por sexo, brutos e ajustados por idade, controlando-se por total de energia consumida (variável contínua), por percentual de recomendação de lipídeos da dieta (variável dicotômica, sim/não), por IMC (contínua), por glicemia de jejum (contínua), hipertensão arterial (sim/não), tabagismo (sim/não), atividade física (contínua). Os modelos foram estratificados por sexo por haver heterogeneidade, estatisticamente significativas (p<0,05) ou de significância marginal (p<0,10). Tabela 4. Parâmetros dos modelos de regressão linear entre duração do sono (horas) e colesterol total, estratificados por sexo, considerando duração do sono nos dias de semana e total, em adolescentes das regiões Sul e Centro-Oeste, ERICA Período da duração do sono / modelos Sexo Feminino coef.¹ p-valor Sexo Masculino coef.¹ p-valor Dias de semana 1. Bruto 2. Idade (I) 3. (I) + Energia 4. (I) + % Lipídeos 5. (I) + IMC 6. (I) + Glicemia 7. (I) + Hipertensão 8. (I) + Fumo 9. (I) + Atividade física -1,07 -0,79 -0,81 -0,84 -0,78 -0,74 -0,76 -0,85 -0,79 <0,001 0,04 0,03 0,03 0,05 0,06 0,05 0,04 0,04 0,91 0,60 0,60 0,61 0,85 0,60 0,64 0,60 0,53 0,18 0,34 0,34 0,34 0,22 0,34 0,32 0,34 0,39 -1,04 -0,72 -0,76 -0,77 -0,70 -0,66 -0,70 -0,80 -0,72 0,05 0,16 0,14 0,14 0,18 0,19 0,17 0,15 0,16 0,66 0,32 0,31 0,32 0,61 0,32 0,36 0,32 0,23 0,43 0,69 0,68 0,68 0,47 0,68 0,65 0,68 0,76 Duração total 1. Bruto 2. Idade (I) 3. (I) + Energia 4. (I) + % Lipídeos 5. (I) + IMC 6. (I) + Glicemia 7. (I) + Hipertensão 8. (I) + Fumo 9. (I) + Atividade física ¹ Os coeficientes representam a diferença na concentração de colesterol total (em mg/dL) associada à variação de uma hora de sono 130 Tabela 5. Parâmetros dos modelos de regressão linear entre duração do sono (horas) e triglicerídeos, estratificados por sexo, considerando duração do sono nos dias de semana e total, em adolescentes das regiões Sul e Centro-Oeste, ERICA Período da duração do sono / modelos Sexo Feminino coef.¹ p-valor Sexo Masculino coef.¹ p-valor -0,61 -0,36 -0,38 -0,39 -0,29 -0,33 -0,30 -0,40 -0,36 0,40 0,61 0,59 0,58 0,67 0,63 0,67 0,58 0,61 -2,28 -2,15 -2,19 -2,15 -1,13 -2,16 -2,02 -2,16 -2,14 0,02 0,05 0,04 0,05 0,13 0,05 0,05 0,05 0,04 -0,47 -0,18 -0,21 -0,21 -0,03 -0,15 -0,12 -0,23 -0,20 0,54 0,81 0,78 0,78 0,97 0,85 0,87 0,77 0,80 -2,44 -2,28 -2,31 -2,28 -1,07 -2,29 -2,16 -2,30 -2,27 0,05 0,09 0,08 0,09 0,24 0,09 0,09 0,09 0,07 Dias de semana 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. Bruto Idade (I) (I) + Energia (I) + % Lipídeos (I) + IMC (I) + Glicemia (I) + Hipertensão (I) + Fumo (I) + Atividade física Duração total 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. Bruto Idade (I) (I) + Energia (I) + % Lipídeos (I) + IMC (I) + Glicemia (I) + Hipertensão (I) + Fumo (I) + Atividade física ¹Os coeficientes representam a diferença na concentração de triglicerídeos (em mg/dL) associada à variação de uma hora de sono 131 Tabela 6. Parâmetros dos modelos de regressão linear entre duração do sono (horas) e HDLcolesterol, estratificados por sexo, considerando duração do sono nos dias de semana e total, em adolescentes das regiões Sul e Centro-Oeste, ERICA Período da duração do sono / modelos Sexo Feminino coef.¹ p-valor Sexo Masculino coef.¹ p-valor -0,44 -0,34 -0,33 -0,34 -0,37 -0,33 -0,34 -0,37 -0,33 0,001 0,01 0,02 0,02 0,009 0,01 0,01 0,007 0,02 0,27 0,10 0,12 0,10 -0,11 0,10 0,08 0,10 0,08 0,33 0,77 0,71 0,76 0,68 0,77 0,81 0,76 0,79 -0,41 -0,29 -0,27 -0,29 -0,34 -0,28 -0,29 -0,33 -0,28 0,006 0,06 0,08 0,06 0,02 0,06 0,05 0,04 0,06 0,25 0,07 0,09 0,07 -0,17 0,07 0,05 0,08 0,05 0,49 0,85 0,81 0,85 0,59 0,85 0,89 0,84 0,89 Dias de semana 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. Bruto Idade (I) (I) + Energia (I) + % Lipídeos (I) + IMC (I) + Glicemia (I) + Hipertensão (I) + Fumo (I) + Atividade física Duração total 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. Bruto Idade (I) (I) + Energia (I) + % Lipídeos (I) + IMC (I) + Glicose (I) + Hipertensão (I) + Fumo (I) + Atividade física ¹ Os coeficientes representam a diferença na concentração de HDL-colesterol (em mg/dL) associada à variação de uma hora de sono 132 Tabela 7. Parâmetros dos modelos de regressão linear entre duração do sono (horas) e LDLcolesterol, estratificados por sexo, considerando duração do sono nos dias de semana e total, em adolescentes das regiões Sul e Centro-Oeste, ERICA Período da duração do sono / modelos Sexo Feminino coef.¹ p-valor Sexo Masculino coef.¹ p-valor -0,50 -0,38 -0,41 -0,42 -0,36 -0,33 -0,36 -0,39 -0,38 0,15 0,28 0,23 0,23 0,32 0,33 0,30 0,27 0,28 1,08 0,93 0,91 0,93 1,19 0,93 0,97 0,92 0,87 0,06 0,07 0,08 0,08 0,05 0,07 0,07 0,07 0,08 -0,54 -0,40 -0,44 -0,44 -0,36 -0,35 -0,38 -0,42 -0,40 0,18 0,34 0,28 0,29 0,41 0,39 0,35 0,33 0,34 0,87 0,69 0,67 0,69 0,99 0,69 0,72 0,68 0,61 0,22 0,28 0,29 0,28 0,17 0,28 0,26 0,29 0,33 Dias de semana: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. Bruto Idade (I) (I) + Energia (I) + % Lipídeos (I) + IMC (I) + Glicemia (I) + Hipertensão (I) + Fumo (I) + Atividade física Duração total 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. Bruto Idade (I) (I) + Energia (I) + % Lipídeos (I) + IMC (I) + Glicose (I) + Hipertensão (I) + Fumo (I) + Atividade física ¹ Os coeficientes representam a diferença na concentração de LDL-colesterol (em mg/dL) associada à variação de uma hora de sono Observa-se que os coeficientes para duração do sono nos dias de semana são maiores do que os para duração total, tanto no sexo feminino como no masculino, e para todos os lipídeos séricos e frações considerados. A relação entre duração do sono e todas as frações lipídicas é sempre inversa para as adolescentes, sendo estatisticamente significativa para colesterol total e HDL-colesterol. Para os adolescentes, a relação é direta para todos os lipídeos, exceto para triglicerídeos, e estatisticamente significativa apenas para esse. 133 Os coeficientes, de um modo geral, são pequenos. Os de maior magnitude são os do sexo masculino para triglicerídeos. Isso significa que, para os adolescentes do sexo masculino, cada aumento de uma hora de sono reduz em média 2 mg/dL de triglicerídeos. A maior diferença na magnitude dos coeficientes ocorre com ajuste por idade (modelo 2 comparado com modelo 1), produzindo sempre redução dos coeficientes para ambos os sexos e para todas as frações lipídicas. A introdução das demais variáveis, ajustando por idade, não alterou os coeficientes de regressão significativamente. Apenas IMC para LDL em adolescentes do sexo masculino modificou a magnitude (aumentou) do coeficiente de regressão de duração do sono nos dias de semana e pode ser considerada variável de confundimento nesse caso. Para triglicerídeos, há uma redução do coeficiente com a entrada do IMC, o que poderia sugerir que IMC explica parte da associação entre horas de sono e triglicerídeos. A análise por macrorregião mostrou que existe heterogeneidade da associação entre horas de sono, tanto nos dias de semana como na semana total, e HDL no sexo feminino (p = 0,08). Na região Centro-Oeste, a associação entre duração do sono e HDL foi inversa (dias de semana coeficiente -0,71, p>0,001; duração total coeficiente -0,62, p>0,004) e na região Sul não foi observada associação (dias de semana coeficiente 0,06, p>0,75; duração total coeficiente 0,02, p>0,93). Discussão Vários estudos têm investigado a duração do sono e as suas consequências durante as últimas décadas38; 39; 40; 41; 42. Outros estudos têm sido publicados para explorar alterações do perfil lipídico, seus fatores de risco e sua relação com o risco de doenças, com destaque para as cardiovasculares44; 45; 46; 48; 49. No entanto, apenas alguns foram conduzidos para estudar a relação entre duração do sono e perfil lipídico, especialmente na população adolescente7; 8; 10 11; 12; 13; 14 . Estudos sobre essa associação em adolescentes, além de escassos, são controversos. Foram encontrados 3 estudos que indicaram uma associação entre horas de sono e algum marcador de perfil lipídico7; 8; 10. Destes, dois verificaram que uma curta duração do sono foi associada com pior perfil lipídico (colesterol total e LDL-colesterol)7; 8 e os resultados do 134 terceiro indicaram que longa duração do sono estaria associada à hipertrigliceridemia10. Outros 4 estudos não encontraram qualquer associação11; 12; 13; 14. Até onde se tem conhecimento, este é o primeiro estudo que verifica a associação de duração de sono e perfil lipídico em adolescentes brasileiros. No ERICA, foi identificada uma relação inversa e estatisticamente significativa entre duração do sono e colesterol total e HDLcolesterol nas adolescentes, e para triglicerídeos nos adolescentes. Recentemente, pesquisadores do estudo CARDIA6 divulgaram resultados de um estudo que verificou relações longitudinais entre duração de sono e perfil lipídico (triglicerídeos, HDL-colesterol, LDL-colesterol e colesterol total) em 503 adultos, utilizando a actigrafia como medida objetiva para mensuração da duração do sono. Após três avaliações em mais de 10 anos de seguimento, verificou-se que cada hora a mais na duração do sono foi significativamente associada com níveis mais elevados de colesterol total (5,2 mg/dL, IC95% 1,7-8,6) e LDL-colesterol (3,4 mg/dL, IC95% 0,2-6,6) na amostra total. Por outro lado, em estudo longitudinal de adolescentes, Gangwisch e colaboradores7 relataram que cada hora adicional de duração do sono foi associada com risco mais baixo de colesterol total elevado (avaliado por questionário) no sexo feminino, mas não no masculino. Algumas pesquisas que estudam a associação entre horas de sono e perfil lipídico em adultos43; 44 e em adolescentes10; 12; 14 utilizaram a duração do sono em formato categórico, definindo-se faixas de curta e longa duração do sono, com base em estudos que observaram riscos à saúde mais elevados em indivíduos que dormem muito pouco ou em excesso45; 46; 47. No entanto, ainda não há na literatura consenso quanto aos pontos de corte para curta e longa duração do sono para adultos, muito menos para adolescentes, o que dificulta uma padronização e consequente comparação entre estudos. Definir sono curto, longo ou privação do sono em adolescentes é mais difícil ainda pelo número limitado de estudos que relatam dados normativos em grupos nacionalmente representativos de adolescentes. Por isso, encontra-se na literatura uma gama considerável de definições para curta e longa duração do sono, sendo complexa a análise da associação entre duração do sono e lipídeos, quando se utiliza duração do sono como uma variável categórica. Falha na classificação de um indivíduo pode ocorrer pelo uso de variáveis e indicadores inadequados, mesmo sem ter ocorrido problemas na mensuração48. Em alguns 135 estudos japoneses44; 49, os pontos de corte estabelecidos para curta e longa duração foram, respectivamente, ≤5 e ≥7 horas, com a justificativa de que a população japonesa costuma dormir menos que as outras populações50. No ERICA, optou-se por utilizar a variável de duração de sono no formato contínuo para avaliar esta relação, uma vez que, pelas recomendações atuais da National Sleep Foundation51 seriam classificadas como duração inadequada do sono durações abaixo de 7 ou maiores que 11 horas e a utilização desses pontos de corte definiriam grupos extremos, com números reduzidos de adolescentes. A utilização de grupos reduzidos dificultaria o ajuste de modelos multivariados. O mecanismo biológico responsável pela associação entre duração do sono e lipídeos séricos ainda não está completamente elucidado, mas o mais citado é o que envolve alterações hormonais, incluindo aumento na concentração sanguínea dos níveis de cortisol e grelina e diminuição na concentração de leptina18; 24; 52; 53. Baixos níveis de leptina sinalizam um déficit de energia54. Os níveis de grelina, liberadas pelo estômago, são maiores antes das refeições, sinalizando fome, e diminuem com a ingestão de alimento. Outros hormônios podem estar envolvidos3, principalmente durante o período da puberdade nos adolescentes, em que ocorrem mudanças significativas nos níveis hormonais, incluindo o fator de crescimento de insulina (IGF)-1, e proteína ligante de IGF-3, hormônios de crescimento e esteróides sexuais55, além de mudanças na gordura corporal e sua distribuição, e resistência à insulina aumentada56. Todos esses hormônios são fatores relevantes na homeostase energética e na distribuição de gordura corporal8. Indivíduos com menor duração do sono tendem a mostrar uma preferência por alimentos de alta densidade energética e são propensos a sofrer ganho de peso via alteração desses hormônios24; 57. Recentemente Chaput e St-Onge16 publicaram em um artigo de opinião que a “explicação hormonal" talvez não seja o mais importante mecanismo para explicar a ligação entre curta duração do sono e aumento da ingestão de alimentos. A hipótese grelina / leptina seria demasiadamente simplista com relação ao papel da duração do sono no controle da ingestão de alimentos. Alguns estudos evidenciam que os aspectos hedônicos (prazerosos) do consumo alimentar sobrepõem os fatores hormonais58; 59; 60. Quase 30% dos adolescentes estão acima do peso. As estatísticas em relação ao sobrepeso e obesidade na adolescência têm se elevado com o passar dos anos e este fato pode 136 ser confirmado comparando-se os dados encontrados no ERICA com os da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), 2008-200961. Na POF, os percentuais de obesidade nos adolescentes do sexo feminino eram de 4%, contra 8,8% encontrado no ERICA; nos de sexo masculino, o percentual de obesidade na POF foi de 5,9%, contra 12,4% no ERICA. No presente estudo, foi avaliada a influência do IMC na relação entre sono e lipídeos séricos, uma vez que o estado nutricional poderia ser um fator intermediário nessa relação. Observou-se que apenas entre os adolescentes o IMC parece alterar a associação com triglicerídeo e com LDL. Em um estudo que avaliou mais de 8.000 mil adultos em uma pesquisa nacional na China, as associações entre duração do sono e lipídeos séricos foram apenas ligeiramente alteradas após ajuste para o IMC, significando que o IMC contribui pouco para explicar a relação entre a duração do sono e lipídeos nessa população. Em adolescentes chineses, Huang et al não encontraram correlação entre IMC ou peso corporal e duração do sono em dias de semana62. Uma relação entre duração do sono e ingestão alimentar de lipídeos vem sendo postulada pela literatura atual, com um maior consumo desse macronutriente entre indivíduos que dormem menos. Weiss e colaboradores63 verificaram que, comparando os adolescentes que dormiam oito horas ou mais, em média, nos dias de semana, aqueles que dormiam menos de oito horas consumiram uma maior proporção de calorias provenientes de gorduras. A menor duração do sono foi associada também com uma probabilidade 2,1 vezes maior de se ingerir 475 Kcal/dia ou mais em lanches. No entanto, no nosso estudo, a inclusão de consumo de energia e do percentual de recomendação de lipídeos da dieta nos modelos praticamente não produziu alteração na relação, indicando que estas variáveis não explicam a relação entre duração do sono e lipídeos séricos. No Inquérito Nacional de Alimentação (INA), 2008-200964, que estimou o consumo de energia e nutrientes e a prevalência de inadequação da ingestão de micronutrientes em uma amostra probabilística de mais de 6.000 mil adolescentes brasileiros, observa-se maior média de energia total para os adolescentes do sexo masculino, assim como no ERICA. O consumo energético foi mais elevado no ERICA, em comparação com o INA. Embora o consumo médio de energia e de lipídeos em gramas tenha sido maior nos adolescentes do sexo masculino, as médias de colesterol total e HDL-colesterol foram mais 137 elevadas nas adolescentes do que nos adolescentes. É possível que esse aparente paradoxo possa ser explicado por uma atividade física mais intensa entre os adolescentes, embora a atividade física não tenha alterado a associação observada no presente estudo. Outra explicação seria a ação das alterações dos hormônios sexuais femininos. A concentração dos componentes do perfil lipídico altera-se de acordo com a fase de maturação sexual65. Mudanças na concentração de lipoproteínas durante a puberdade diferem entre meninos e meninas e podem ser responsáveis por dimorfismo entre os sexos para doenças cardiovasculares na vida adulta66, podendo estar relacionadas a alterações na concentração de testosterona plasmática e de estradiol67. As médias totais de colesterol total e HDL-colesterol encontradas no ERICA foram similares às médias encontradas por Narang11, que avaliou mais de 4.000 adolescentes no Canadá, também com média de idade de 14,6 anos. A média de triglicerídeos foi maior que a encontrada no estudo HELENA13, que avaliou adolescentes europeus (78,9 mg/dL no ERICA contra 68 mg/dL). Considerando que o valor referencial preconizado como desejável para colesterol total em crianças e adolescentes de 2-19 anos segundo recomendação nacional68 deveria ser menor de 150 mg/dL, as médias de colesterol total encontradas no ERICA para as adolescentes nas duas faixas etárias estão ligeiramente acima do recomendado. Embora a DCV seja tipicamente uma doença do adulto, a sua progressão começa na infância, através do desenvolvimento da arterosclerose, com taxa de progressão proporcional à das concentrações de lipoproteínas no plasma69. As concentrações anormais de lipoproteínas na infância e na adolescência reforçam a importância de se identificar jovens em maior risco para a DCV70. O padrão de sono observado no ERICA (7,9 horas) é semelhante ao encontrado em outros estudos: duração de sono de 7,7 horas em uma amostra representativa nacional americana de adolescentes71 e média de 8 horas72 em um estudo com adolescentes em dez países europeus. Em relação à duração do sono dos dias durante a semana, a média de 7,3 também foi encontrada por Wolfson quando avaliou 3.120 adolescentes americanos73 e por Huang62, quando avaliou padrão de sono em mais de 1600 adolescentes de Taiwan. 138 Nos adolescentes avaliados no ERICA, os mais velhos dormem menos que os mais novos, o que condiz com as alterações fisiológicas e comportamentais de redução das horas de sono com a aproximação da idade adulta, e confirmado por outros estudos62; 74; 75; 76; 77. A literatura tem mostrado diferenças de sexo em aspectos biológicos de sono78. A duração do sono foi similar em adolescentes do sexo masculino e feminino, resultado também encontrado por Williams em uma amostra nacional representativa de crianças e adolescentes americanos79. No entanto, uma duração de sono menor no sexo feminino foi encontrada por outros pesquisadores62; 71; 80, que atribuem o fato às variações hormonais típicas da idade e do sexo80. Já foram relatadas diferenças específicas por sexo na prevalência da dislipidemia, uma vez que os hormônios sexuais (estrogênio, em particular) afetam fortemente o metabolismo de lipoproteínas81. Segundo Kaneita et al82, não é incomum observar diferença por sexo na associação entre dislipidemia e sono. As razões para as diferenças por sexo nestas associações ainda necessitam de maiores esclarecimentos, mas os resultados observados na presente análise confirmam a heterogeneidade por sexo na associação entre duração do sono e níveis de lipídeos séricos. Com exceção dos triglicerídeos, para todas as frações lipídicas estudadas, observou-se coeficientes de regressão de direções opostas entre os sexos, mesmo que nem sempre com significância estatística. O ERICA, sendo um estudo seccional, apresenta algumas limitações que devem ser consideradas na interpretação dos resultados. Nos estudos seccionais, todas as observações são feitas em cada indivíduo em uma única oportunidade, sejam aquelas relacionadas com as exposições ou com os desfechos. Deste modo, em estudos seccionais geralmente não é possível estabelecer com segurança a precedência temporal da exposição sobre a doença. Dentre as possíveis fontes de viés no estudo, podemos citar o viés de seleção, devido às perdas de indivíduos elegíveis que não participaram de alguma etapa do estudo e viés de informação por erro de classificação da exposição ou de variáveis de confundimento. No entanto, viés de sobrevida – comum em estudos seccionais de adultos – é menos provável em estudo com adolescentes. Ocorreram mais perdas no sexo masculino e na faixa etária de 15-17 anos. Não é possível saber se essas perdas ocorreram em grupo específico relacionado simultaneamente à 139 duração de sono e perfil lipídico. Como a principal causa das perdas foi por recusa a fazer exame de sangue, é provável que adolescentes com "medo" de fazer exame tenham duração do sono e prevalência de dislipidemia semelhantes aos que realizaram exames. Em estudos epidemiológicos da magnitude do ERICA, dificilmente são obtidas informações de duração do sono a partir de medidas objetivas, como polissonografia ou actigrafia, devido a obstáculos como a logística para coleta de dados e o custo operacional. Desta forma, recorre-se ao uso de questionários para obtenção de informações. Os questionários apresentam diversas vantagens, como a praticidade e o baixo custo, mas também possuem desvantagens, como a maior possibilidade de obtenção de respostas inacuradas e enviesadas. Apesar de haver controvérsias sobre o assunto, há estudos que indicam que autorrelatos geralmente correspondem bem às medidas objetivas do sono, tais como ACT83; 84; 85 86 . Em estudo prévio, o impacto do erro de classificação e das estratégias para minimizá-las, da duração do sono no ERICA são descritas87. Acredita-se que esse erro de classificação seja do tipo não-diferencial, ocorrendo tanto em jovens com dislipidemia quanto nos sem dislipidemia, portanto, o viés levaria à subestimação da magnitude das associações observadas. Em relação ao consumo alimentar, vários métodos podem ser usados para estimar o consumo alimentar individual. Desenvolvimentos na área de avaliação do consumo de alimentos indicam que o REC24h, método utilizado no ERICA, quando aplicado de forma padronizada e computadorizada é o método mais apropriado para a obtenção dessas informações em estudos populacionais88 por ser bem aceito pelos entrevistados, o tempo de aplicação ser relativamente curto (em média 20-30 minutos), o custo ser baixo e não interferir na dieta habitual. No entanto, assim como outros métodos de avaliação do consumo alimentar, como a frequência alimentar, por exemplo, também está sujeito a erros na estimativa do consumo, com possibilidade de que os resultados gerem sub ou superestimativas. O uso do programa MSM32 foi adotado para corrigir o efeito da variabilidade intraindividual e remover os valores extremos, tanto relacionados à subestimação quanto à superestimação da ingestão de nutrientes e de energia. Apesar de todos os cuidados na coleta e análise dos dados de consumo alimentar, não é possível dimensionar a magnitude do viés por erro de classificação do consumo. A ingestão total de energia, assim como o percentual ingerido de lipídeos em relação às calorias totais, podem ter sido subestimados por um grupo específico de 140 adolescentes, em especial os que estão acima do peso. Erro de classificação dessas variáveis poderiam levar ao controle inadequado de confundimento. A classificação de outras variáveis utilizadas na investigação de confundimento também são passíveis de erros. Avaliar atividade física, principalmente nessa população tem sido um desafio em estudos epidemiológicos89. O instrumento utilizado foi validado para uso em adolescentes e tem características que facilitam o seu uso de forma autopreenchível para obtenção da duração semanal de atividades moderadas/intensas26. A pressão arterial medida em uma só ocasião, mesmo utilizando-se a média da duas últimas medidas, de três aferidas, não é definitiva para o diagnóstico de hipertensão arterial28, mas tem sido utilizada para avaliar a prevalência de hipertensão arterial sistêmica em estudos seccionais. É possível que algum grau de superestimação da prevalência real tenha ocorrido, com alguns normotensos tendo sido classificados como hipertensos. Os avaliadores foram treinados para realização da medida e o monitor eletrônico utilizado, validado para uso em adolescentes29, reduzindo a possibilidade de erros de medidas comuns com o uso de esfigmomanômetros de mercúrio. Para a classificação do tabagismo e caracterização dos adolescentes quanto a intensidade e o tempo do tabagismo, foram utilizadas questões já empregadas em pesquisas nacionais com adolescentes22; 90. Na presente análise, não foram consideradas características socioeconômicas que certamente atuam na modulação dessa rede de relações investigadas. Particularmente, tipo de escola, se pública e privada, em análises preliminares (dados não apresentados) parece ser uma confundidora da associação entre duração do sono e dislipidemia. Como apenas 25% dos adolescentes da amostra estudam em escolas privadas, optou-se por não introduzir mais uma variável em um cenário já bastante complexo, onde o foco foram as relações mais proximais na rede de relações estudadas. Da mesma forma, a variável cor da pele, autoclassificada, não foi incluída na análise. Essa variável tem sido utilizada como indicadora socioeconômica, mais do que genética, em estudos epidemiológicos91. O ERICA é um estudo pioneiro no nosso país por estudar fatores de risco importantes nos adolescentes, até então pouco estudados. A adolescência é uma etapa do desenvolvimento humano marcada por profundas transformações não apenas físicas, mas também como o 141 início da transição psicológica da infância para a idade adulta, em que os indivíduos sofrem influência de diversos fatores92. É um momento de risco considerável durante o qual os contextos sociais exercem influências poderosas. Deste modo, os hábitos adquiridos nesse período repercutem sobremaneira no comportamento do indivíduo em muitos aspectos de sua vida futura. Uma consideração importante a ser feita em estudos com adolescentes é sobre o tempo de exposição aos fatores de risco. Por serem jovens, o tempo de exposição aos fatores de risco pode ainda não ter sido suficiente para levar à ocorrência de desfechos. Por isso, a importância de se utilizar desfechos subclínicos, e, quando possível, analisar as variáveis de forma contínua, pois podem ainda não ter alcançado os pontos de corte que definem doença, como para diabetes, mas já apresentarem valores acima dos esperados para a idade. Os resultados encontrados sugerem que sono de curta duração pode estar associado a um pior perfil lipídico, colesterol total nas adolescentes e triglicerídeos nos adolescentes, apesar dos níveis de HDL-colesterol das adolescentes diminuírem com o aumento da duração do sono. Fica claro que a complexidade das relações estudadas contribui para a dificuldade de identificação de um padrão consistente de associação entre duração do sono e dislipidemias. Estudos longitudinais de qualidade e a utilização de técnicas analíticas mais sofisticadas que permitam a exploração de todas as dimensões dessas relações certamente contribuirão para sua compreensão. Referências 1 KIM, J. et al. 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New York: Academic Press, 1983. 151 Considerações Finais Embora muitos questionamentos sobre o papel do sono ainda permaneçam sem resposta, é de conhecimento notório que o sono não é apenas uma função fisiológica, mas também desempenha um papel importante na promoção do crescimento, da maturação e da saúde geral de crianças e adolescentes22. A evolução dos estudos sobre sono durante os anos, considerando tanto o âmbito experimental quanto o clínico, tem levado a uma percepção cada vez mais profunda sobre a caracterização da influência que o sono e a vigília exercem sobre as doenças que atingem o ser humano, direta ou indiretamente248. O padrão de sono-vigília, influenciado por uma complexa interação entre processos biológicos, fatores ambientais, comportamentais e sociais, pode variar consideravelmente. Sono insuficiente, seja pela curta duração e/ou pela má qualidade do sono, tornou-se um hábito generalizado nas sociedades modernas99. Os fatores responsáveis por este declínio secular na duração do sono são numerosos e geralmente atribuídos à forma moderna de vida249. Como consequência, esse sono insuficiente em crianças e adolescentes tem repercussões consideráveis, principalmente por reduzir a qualidade de vida, com impactos negativos na função diurna em relação ao comportamento250, desempenho cognitivo251 e performance acadêmica252, presença de problemas emocionais253 e alguns aspectos do funcionamento neuropsicológico inadequado na adolescência254. Há também um grande interesse sobre o impacto do sono e seus distúrbios na regulação de processos inflamatórios e de morbidades, particularmente no contexto de doenças metabólicas, como cardiovasculares e suas complicações22, além da relação com a obesidade218; 219; 220; 221 as já exaustivamente discutida na literatura, em virtude do crescente número de adolescentes e adultos obesos. As alterações metabólicas causadas pelo excesso de peso na infância e na adolescência aumentam o risco de doença aterosclerótica em decorrência da agressão endotelial provocada pelo acúmulo de lipídeos e exposição a outros fatores de risco, como 152 tabagismo e sedentarismo. A aterosclerose é considerada uma doença inflamatória crônica subclínica de início na infância27. A dislipidemia, que já foi considerada um problema exclusivamente de indivíduos de idade avançada, hoje está cada vez mais presente na faixa etária pediátrica255. A demonstração de que as doenças cardiovasculares podem ter sua origem na infância e adolescência leva à necessidade de que esses fatores de risco sejam amplamente investigados nesse período, com o objetivo de planejar intervenções cada vez mais precoces e, possivelmente, mais efetivas, reduzindo, no futuro, a morbidade e mortalidade por DCV41; 255. Grande parte desses fatores de risco pode ser influenciada por modificações no estilo de vida, como a mudança de hábitos alimentares e a prática de atividade física, embora intervenções específicas nestas áreas tenham gerado resultados insatisfatórios no combate à obesidade a longo prazo84; 85; 256 . A busca por outros fatores que possam estar diretamente envolvidos nesta relação tem suscitado novas hipóteses e a qualidade e a duração do sono têm sido vistos como fatores modificáveis que devem ser considerados172; 177; 257. Embora as evidências encontradas até o momento na literatura sejam frágeis e controversas no tocante à relação entre duração do sono e perfil lipídico, investigar como essas relações interagem entre adolescentes, grupo pouco abordado em estudos de um modo geral, em uma amostra diversificada e abrangente como a do ERICA pode contribuir para a compreensão da dimensão e natureza dessas associações. No primeiro artigo desta Tese, constatou-se, a partir de uma revisão sistemática realizada sobre a relação entre duração do sono e perfil lipídico em adolescentes, que esta relação ainda é controversa. Poucos estudos foram encontrados e foram observadas limitações metodológicas, grande heterogeneidade na classificação e na forma de análise da duração do sono e dos marcadores do metabolismo lipídico, com consequente inconsistência dos resultados observados. Foram encontrados três estudos que indicaram uma associação entre horas de sono e algum marcador de perfil lipídico25; 26; 125. Destes, dois verificaram que uma curta duração do sono foi associada com pior perfil lipídico (colesterol total e LDLcolesterol)25; 26 e os resultados do terceiro estudo indicaram que longa duração do sono estaria associada à hipertrigliceridemia125. Outros quatro estudos não encontraram qualquer associação204; 205; 206; 207. 153 Avaliando esta relação nos adolescentes participantes do ERICA, foi identificada uma relação inversa entre duração do sono e colesterol total e HDL-colesterol nas adolescentes, e, nos adolescentes para triglicerídeos, controlando-se por idade (Artigo 3). No Artigo 2, foi demonstrado que a obtenção da duração sono em adolescentes por meio de autorrelato requer uma análise cuidadosa, com correção das informações consideradas inconsistentes (por duração improvável ou hora de dormir/acordar não esperada para alunos que estudam no turno da manhã). As correções realizadas permitiram a recuperação de um percentual importante de respostas sem enviesar o padrão de sono que foi semelhante ao observado em outros estudos. Este é o primeiro estudo que objetivou avaliar a relação entre sono e perfil lipídico em uma amostra representativa de adolescentes brasileiros. O ERICA é um estudo pioneiro no nosso país por estudar fatores de risco importantes nos adolescentes, até então pouco estudados, representando uma oportunidade ímpar para ajudar a compreender o papel da duração do sono na modificação de muitos comportamentos e condições de saúde. Os resultados encontrados sugerem que sono de curta duração pode estar associado a um pior perfil lipídico. A complexidade das relações estudadas certamente contribui para a dificuldade de identificação de um padrão consistente de associação entre duração do sono e dislipidemias, assim como as importantes mudanças metabólicas e comportamentais características dessa fase da vida. Estudos longitudinais de qualidade e a utilização de técnicas analíticas mais sofisticadas que permitam a exploração de todas as dimensões dessas relações podem contribuir para uma melhor compreensão da natureza das mesmas e do impacto de intervenções sobre elas para a saúde púbica. 154 Referências Bibliográficas 1 SCHMIDT, M. 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