Livro Direitos Humanos de Crianças e

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Livro Direitos Humanos de Crianças e
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DIREITOS DE CRIANÇAS A ADOLESCENTES NA AMAZÔNIA:
Referências para a formação de Conselheiros Tutelares e de Direitos e
outros atores do Sistema de Garantia.
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Organizadores
Salomão Hage, Lúcia Isabel Silva e Nazaré Araújo
DIREITOS DE CRIANÇAS A ADOLESCENTES NA AMAZÔNIA:
Referências para a formação de Conselheiros Tutelares e de Direitos e
outros atores do Sistema de Garantia.
1º Edição
Editora Gráfica UFPA
Belém – 2015
3
2015 by, Editora Gráfica UFPA
Título: Direitos de Crianças a Adolescentes na Amazônia: Referências para a formação de Conselheiros
Tutelares e de Direitos e outros atores do Sistema de Garantia, 2015.
Organizadores: Salomão Hage, Lúcia Isabel Silva e Nazaré Araújo
Comitê Científico: Carlos Alberto Batista Maciel, Edval Bernardino Campos, Flávia Cristina Silveira
Lemos, Lília Iêda Chaves Cavalcante, Lúcia Cortes da Costa, Paula Regina Arruda de Azevedo, Reinaldo
Nobre
Pontes
e
Sandra Helena Ribeiro Cruz.
Revisão: Joana Sena
Projeto Gráfico e capa: Cláudio Lima Assunção
Diagramação: Joana Sena
Impressão e Acabamento: Gráfica da Universidade Federal do Pará – UFPA.
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
Organizadores: Salomão Hage, Lúcia Isabel Silva e Nazaré Araújo.
Direitos de Crianças a Adolescentes na Amazônia: Referências
para a formação de Conselheiros Tutelares e de Direitos e outros
atores do Sistema de Garantia/ 1ª ed.,-Belém-Pará-2015. – 540p.
Indexado em EscoladeConselhos –
http://www.escoladeconselhospara.com.br
ISBN 2446-8924
1.
Universidade Federal do Pará, Instituto de Ciências da
Educação, Escola de Conselhos.
ISSN 2446-8924
Todos os direitos reservados.
Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sem autorização.
1ª Edição: Novembro de 2015.
Instituto de Ciências da Educação / ICED – UFPA
Rua Augusto Corrêa, nº 01.
Campus Universitário do Guamá – Setor Profissional
CEP: 66075-110, Belém – Pará
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO........................................................................................................08
Lúcia Isabel Silva, Salomão Hage e Nazaré Araújo
PREFÁCIO....................................................................................................................11
Renato Roseno
POR UMA CIDADE EM ESTADO DE POESIA......................................................15
Padre Bruno Sechi
O PROGRAMA DISQUE 100 E A REDE DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS
HUMANOS NA REGIÃO NORTE: Configuração, dificuldades e indicadores de
dinamização....................................................................................................................19
Salomão Hage, Lúcia Isabel Silva e Nazaré Araújo.
APÊNDICE 01: O PROGRAMA DISQUE 100 E A REDE DE PROTEÇÃO AOS
DIREITOS HUMANOS NA REGIÃO NORTE: CONFIGURAÇÃO,
DIFICULDADES E INDICADORES DE DINAMIZAÇÃO....................................40
O RECONHECIMENTO DA DIFERENÇA NA EVOLUÇÃO DOS DIREITOS
DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE......................................................................49
Luanna Tomaz de Souza
O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E A EXPERIÊNCIA DA
ESCOLA DE CONSELHOS NA AMAZÔNIA PARAENSE...................................63
Nazaré Araújo
INDICADORES SOCIAIS DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA NA
AMAZÔNIA...................................................................................................................73
Alberto Damasceno, Carlos Maciel e Émina Santos
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APÊNDICE 02: INDICADORES SOCIAIS DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA
NA AMAZÔNIA............................................................................................................83
POR UMA AGENDA PARA AS CRIANÇAS DA AMAZÔNIA.............................85
Fábio Atanásio de Morais
CRIANÇA E DIREITOS HUMANOS: EDUCAÇÃO E CIDADANIA NA
INFÂNCIA.....................................................................................................................97
Ana Maria Orlandina Tancredi Carvalho
O FÓRUM DE DEFESA DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS E DOS
ADOLESCENTES: Polêmicas e questões.................................................................114
Carlos Alberto Batista Maciel
FUNDO DA INFÂNCIA E DA ADOLESCÊNCIA: INSTRUMENTO PARA
CONCRETIZAÇÃO DE DIREITOS........................................................................122
Patrícia de Fátima de Carvalho Araújo
OS DESAFIOS PROCESSUAIS DE RESPONSABILIZAÇÃO PENAL NOS
CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES.......................................................................................................143
Suzany Brasil
MÍDIA E REPRESSÃO PENAL: A MÍDIA COMO FATOR POLÍTICO
CRIMINAL. A “ESCOLHA” MIDIÁTICA DOS DELINQUENTES: OS
ADOLESCENTES ESTÃO NA “MIRA”.................................................................160
Ana Celina Bentes Hamoy
APRESENTANDO O MOVIMENTO PELA VALORIZAÇÃO DO ESTATUTO
DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NA AMAZÔNIA.....................................160
Izabela Jatene de Souza e Valdemir Monteiro Corrêa.
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O CONSELHO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E ADOLESCENTE E O CONSELHO
TUTELAR E SUA RELAÇÃO COM O PRINCÍPIO DA INTERSETORIALIDADE NA
GARANTIA
DOS
DIREITOS
HUMANOS
DE
CRIANÇAS
E
ADOLESCENTES....................................................................................................................169
André Franzini
DESAFIOS PARA INCLUSÃO DOS INDÍGENAS NOS DIREITOS DAS
CRIANÇAS..................................................................................................................222
Assis da Costa Oliveira
SOBRE OS AUTORES...............................................................................................224
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APRESENTAÇÃO
Salomão Hage
Lúcia Isabel Silva
Nazaré Araújo
As temáticas da infância e adolescência e juventude impuseram-se na
agenda de debates das políticas públicas no Brasil, sobretudo nas últimas três décadas
como resultado de um amplo movimento social, em defesa dos direitos destes
segmentos populacionais. Este debate fez emergir uma nova concepção social de
infância e adolescência na qual estes sujeitos são vistos como sujeitos em um período
especial do desenvolvimento, exigindo, portanto, cuidados e proteção especiais por
parte da sociedade.
A aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8.069 de
13.07.1990 – ECA) constituiu-se no grande marco desta concepção no Brasil, juntandose com outras normativas internacionais que avançam significativamente na
compreensão sobre as crianças e adolescentes, como sujeitos de direitos. Esta
prerrogativa coloca assim, estes segmentos como prioritários na garantia na garantia das
necessidades de desenvolvimento em suas mais diversas dimensões – orgânicas,
afetivas, cognitivas, emocionais e sociais e desencadeando uma série de ações,
programas e políticas para todas as crianças e adolescentes e com um olhar especial para
os sujeitos considerados como vivendo em situação de risco. Estas referências passam a
pautar grande parte das ações governamentais e não governamentais desde então.
Vale ressaltar que a efervescência do debate em torno da doutrina de
proteção integral defendida pelo ECA e do protagonismo dos movimentos sociais e
acadêmicos e iniciativas governamentais tem sido responsável por grandes avanços
neste campo. Por outro lado, este movimento também revela que o caminho da
conquista da cidadania plena para todas as crianças e adolescentes brasileiros ainda é
longo.
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Várias questões e desafios se interpõem nesse caminho, em especial, a
necessidade de mudanças nas formas de pensar criança e adolescentes e seus diversos
processos de desenvolvimento e papeis sociais e o distanciamento entre as prerrogativas
legais e as condições concretas de existência desses sujeitos.
Sabe-se que infância e adolescência, como todas as etapas da vida, são
resultantes dos processos de interação entre um sujeito, com suas características
individuais e os diferentes contextos dos quais estes participam aí incluídas as
oportunidades, estímulos e recursos que estes contextos podem oferecer e das condições
e fatores pessoais que cada sujeito é capaz de construir nestas relações – daí porque
nenhuma análise dos processos de desenvolvimento pode ser feita sem considerar estas
variáveis.
Pensar nestas etapas como construções históricas e relacionais impõe então
indagar quais direitos básicos se acham garantidos nestas trajetórias? As condições
materiais de vida, o acesso à educação, saúde, alimentação, lazer e as possibilidades de
vivências, sociabilidade, formação de vínculos seguros estão asseguradas de forma
ampla a todos as crianças e adolescentes? O que significa perguntar, portanto, o que tem
significado ser criança ou adolescente no Brasil e na Amazônia?
Os artigos que se encontram neste livro, de diferentes formas e perspectivas,
dialogam, com estas questões, cobrindo as seguintes temáticas: a atuação da rede de
proteção de direitos na Amazônia; o olhar sobre a evolução histórica dos direitos de
crianças e adolescentes; a experiência da Escola de Conselhos na formação de agentes
de defesa de direitos; alguns indicadores sociais sobre infância e adolescência; educação
e cidadania, os movimentos em defesa dos direitos, pela valorização do ECA e a
atuação dos Fóruns, Conselhos de Direitos e Tutelares na garantia dos Direitos
Humanos de crianças e adolescentes; a importância do Fundo da Infância e
Adolescência como instrumento na concretização de direitos; os desafios para a
responsabilização penal de crimes cometidos contra crianças e adolescentes; os desafios
para a inclusão dos direitos de crianças indígenas na agenda de debates.
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Todos os artigos foram elaborados por pesquisadores, estudiosos e,
sobretudo, militantes e defensores dos direitos das crianças e adolescentes na Amazônia
com atuação nos diferentes setores que compõem esta rede de proteção.
A Escola de Conselhos como um projeto que tem efetivado a formação
permanente de conselheiros de direitos das crianças e adolescentes e de conselheiros
tutelares, de forma a fortalecer o Sistema de Garantia de Direitos das Crianças e
Adolescentes, se orgulha de participar desta trajetória e de apresentar esta coletânea à
sociedade.
Esperamos que a leitura seja prazerosa e que possa contribuir cada vez mais
para o fortalecimento das ações individuais e coletivas em defesa dos Direitos Humanos
de Crianças e Adolescentes na Amazônia.
Os organizadores.
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PREFÁCIO
Maria de Nazaré Sá de Oliveira
O Estatuto da Criança e Adolescente é uma lei que foi elaborada e
assegurada dentro de um processo de organização, mobilização e vontade política para
mudar um cenário histórico de violação de direitos de crianças e adolescentes em nosso
país.
No processo de implementação desta lei, vários atores tem tido papel
significativo. Identificamos a implantação e implementação da Escola de Conselhos
como uma das possibilidades concretas de assegurar aos operadores do Estatuto da
Criança e Adolescente, condições objetivas de analisar, compreender e aplicar no
cotidiano, uma lei que garante os direitos humanos de crianças e adolescentes.
A estruturação e a consolidação da Escola de Conselhos se constituem em
um projeto que prioriza crianças e adolescentes através de ações formativas que
pretendem capacitar os profissionais da rede de garantia de direitos para que se tornem
propulsores de uma nova cultura de direitos humanos, conforme o “Art: 227 da
Constituição Federal do Brasil”.
“Buscamos com a implantação da Escola de Conselho uma formação
entendida, como “o esforço permanente de qualificação teórico prática dos
conselheiros tutelares e de direitos, visando seu envolvimento nos processos
de elaboração, intervenção, acompanhamento e controle das políticas
públicas de atendimento a crianças e adolescentes”, objetivando-se alcançar o
propósito de incorporar a dimensão política ao papel desses conselheiros,
como agentes de transformação da realidade”
(PPP Escola de Conselhos. Pág. 09).
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Toda a experiência da Escola de Conselhos do Pará tem sido desenvolvida
em um processo de troca de saberes teóricos e práticos, que tem como princípio partir
das experiências concretas de cada participante, que se enriquecem com informações e
análises teóricas e práticas, gerando novos subsídios na realização das atividades
formativas.
O percurso formativo une experiências práticas com referenciais teóricos,
abarcando diversos vários conteúdos, entre eles: aspectos históricos e concepções sobre
a criança e adolescência, Políticas públicas no Brasil, Orçamento Público, Doutrina
protetiva que norteia a garantia dos direitos de crianças e adolescentes. Nesta
experiência da Escola de Conselhos consideramos que as ações de capacitação se
concretizam em Vivências Formativas onde todos os participantes têm contribuições a
partir de suas experiências cotidianas as quais se juntam a referenciais legais, políticos,
psicológicos e filosóficos.
Reconhecendo que as crianças e adolescentes são constitucionalmente
sujeitos de direitos humanos e que devem ter seus direitos assegurados com prioridade
absoluta, fomos partilhando, construindo e reissignificando saberes que nos permitiram
o fortalecimento de pessoas encorajadas e seguras em suas atribuições na rede de
garantia de direitos.
Em todos os momentos é fundamental o interesse de Conselheiros Tutelares,
Conselheiros de Direitos, Gestores e Técnicos da maioria dos municípios que superaram
adversidades como a escassez de recursos, distâncias e porque não citar, a falta de
prioridade absoluta para garantir recursos para ações formativas na área de crianças e
adolescentes.
Tendo clareza que o cumprimento do ECA se baseia no conhecimento,
interpretação e garantia de instrumentos técnicos e jurídicos que fomentam a cultura de
respeito aos direitos humanos, buscamos chegar em todos os municípios, superando as
distâncias regionais de nosso estado, através articulação de polos regionais e em alguns
momentos de forma presencial nos municípios.
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Com a união de forças o processo avançou. A experiência ratificou o
pressuposto de que processos de capacitação demandam articulações amplas.
Assumimos o desafio de buscar permanentemente interlocução com outros órgãos e
instituições, tais como o Ministério Público, Defensoria Pública, Tribunal de Justiça,
Secretarias Estaduais e Municipais, Organizações não Governamentais, Universidades,
Conselho e Fórum Estadual dos Direitos da Criança e Adolescente, Associação de
Conselheiros Tutelares.
Avançamos também através de reuniões do Núcleo Gestor da Escola de
Conselhos, que apesar de entraves para encontros sistemáticos, temos conseguido a
mobilização e o acompanhamento das atividades formativas.
A constituição da equipe de formadores deu-se em um processo singular, no
qual conseguimos reunir estudiosos da área da infância e adolescência e profissionais
com vivências práticas na garantia de direitos humanos.
Ultrapassando os muros da Universidade, onde ainda se verifica que a pauta
de direitos humanos de crianças e adolescentes não se constitui objeto central de estudos
e pesquisas, podemos dizer que avançamos, envolvendo profissionais que estavam fora
do espaço docente da academia e trouxeram experiências do processo de luta e
conquista de instrumentos e espaços na área da infância e adolescência, buscando
efetivar a lei 8069 – Estatuto da Criança e Adolescente.
Hoje temos um grupo de profissionais que ao longo desses anos de atuação
na Escola de Conselhos, vem se debruçando e consolidando uma proposta metodológica
que se alimenta da prática, sistematiza referenciais teóricos e incorpora novos
paradigmas de ação que dão sustentação permanente a luta por justiça e dignidade
humana.
Hoje temos certeza que contribuímos e continuaremos juntando saberes e
fazeres teóricos e práticos na perspectiva de dias melhores para nossas crianças,
adolescentes e nossa sociedade e este livro que agora chega às suas mãos é fruto e
testemunho desta caminhada. Que ele possa seguir contribuindo nos processos
formativos de todos os agentes da rede de garantia de direitos.
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Todos (as) que tiveram a oportunidade de participar das Vivências
formativas e de outras ações realizadas pela Escola de Conselhos têm o compromisso de
partilhar a certeza daquilo que Geraldo Vandré nos fala na música Caminhando e
Cantando “Vem vamos embora que esperar não é saber, quem sabe faz a hora não
espera acontecer”.
Façamos a hora. Vamos unir os esforços, os conhecimentos e continuar
firmes para fazer o Estatuto da Criança e Adolescente valer para todas as crianças e
adolescentes brasileiras.
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POR UMA CIDADE EM ESTADO DE POESIA
Pe. Bruno Sechi
Belém, fevereiro de 2015
Vivo como todos nós vivemos, numa cidade linda de um povo que amamos.
Por amor e paixão desejo-a, com suas crianças, uma “cidade em estado de poesia”.
“A criança é o homem em estado de poesia”, e todas as crianças “hão de
nos reensinar a vida”, escreve o nosso poeta Paes Loureiro. Que elas sejam o centro de
gravitação de um povo.
Por amor e paixão por este povo e seu mundo infanto-juvenil venho aqui
com algumas reflexões.
Precisamos olhar de frente os desafios que hoje se põem e exigem políticas
públicas firmes e corajosas que efetivamente privilegiem o resgate das condições de
vida digna para todos.
Há 25 anos foi criado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): lei
fruto do amor pelas crianças e jovens, mais do que de outros interesses! Fruto de um
claro compromisso de torná-los, de direito e de fato, sujeitos de direito.
Uma lei bonita que esbarrou, na sua implementação, com outros interesses,
desta feita, econômicos e políticos: eles vêm impedindo até hoje a adoção de medidas
que efetivamente garantam o direito à vida digna para todas as crianças.
Família! A criança não pode ser dissociada de sua família, quando se
consideram políticas globais de atendimento. A situação da criança é, geralmente, a
expressão mais contundente vivida por sua família.
É claro que, na atual situação, uma parte dos esforços que venham a ser
dirigidos em favor da criança deve contemplar a correção de distorções já estabelecidas,
como é o caso de abandonados, viciados, infratores, ou vítimas das muitas variações da
violência. Mas o principal eixo de qualquer política séria deverá ser sempre o
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cumprimento do direito constitucionalmente assegurado à criança que é de seu
crescimento em ambiente familiar estável.
O trabalho é condição objetiva de sobrevivência: só há possibilidade de
assegurar plenamente os direitos da criança em ambiente familiar estável, quando as
políticas públicas priorizarem decididamente moradia, ocupação e renda satisfatória.
Muitas áreas que já foram consideradas periféricas vêm sendo palco de uma
intensa transformação: grandes investimentos que beneficiam os já aquinhoados,
expulsam os pobres para moradias cada vez mais distantes da cidade. De um lado, o
“progresso”, do outro, famílias que vivem em espaços mínimos, sem condições de
moradia, saneamento, cultura, profissionalização e opção de lazer, sem praças, parques
ou qualquer espaço de sadia convivência.
Quando a família, como primeiro e sagrado espaço de educação e formação,
perde o estado de poesia por viver em condições subumanas, sem trabalho digno, em
moradia precária, em ambiente insalubre, sem creche, sem atendimento digno à saúde...
Vai ser difícil transmitir aconchego e harmonia dentro de casa. Verdadeiros heróis são
aqueles pais que, mesmo nessas condições, dão afeto, carinho e educação sadia a seus
filhos.
Educação! “Aí se planta o grão da liberdade. Aí se planta o sonho e a
esperança!” É responsabilidade de todos: da família, do Estado e da sociedade; não é
restrita à escola obrigatória e sim extensiva à educação infantil, programas sociais, de
lazer, esporte, cultura...
A escola viverá seu estado de poesia quando se tornar centro de irradiação
de conhecimento, valores e cidadania em perfeita e estreita sintonia com a família e os
outros agentes sociais que dividem a missão de educar, como igrejas, centros sociais,
organizações de inclusão social – espaços de exercício da cidadania, celeiros de
participação, organização e protagonismo juvenil.
A alegria, a satisfação e o bem-estar de mestres e educadores irradiam-se
nas crianças e jovens. Entretanto, quando o educador é mal remunerado, luta pela
subsistência em condições precárias de vida, em periferias sem infraestrutura e
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esquecidas, torna-se difícil transmitir essa alegria e satisfação. Aqueles que, mesmo
nessas condições, fazem da educação sua vital doação e missão, também são heróis.
A despeito de todo histórico de luta da comunidade e das conquistas
alcançadas para a melhoria de vida, ainda existem dificuldades graves: alto índice de
violência, insegurança, precariedade nos serviços de saúde, desemprego, subempregos,
falta de creches e escolas e ensino de péssima qualidade, reduzindo as possibilidades de
inclusão de crianças, adolescentes e jovens na vida social. O trabalho infantil, o
envolvimento com as drogas e o tráfico, entre outras formas de violência e exclusão,
dão o quadro do desafio a ser enfrentado para que crianças e jovens vivam com
dignidade sua infância e juventude.
A redução da maioridade penal, tão propalada como solução para a
violência, tornará ainda mais excludente e vingativa a sociedade: por aí nunca teremos a
poesia do resgate do amor perdido.
Os nossos jovens estão morrendo, estão sendo mortos! Jovens que nasceram
e cresceram sem o aconchego e o carinho de uma sociedade-mãe, deixados desde cedo
nas calçadas da vida, nas ruas da amargura, para se tornarem alvo de uma insana gana
de extermínio.
O que fazer, nesse panorama, para que esta minha linda cidade viva em
estado de poesia?
Que os conselhos tutelares, de conselheiros amantes das crianças e acima de
conveniências pessoais ou políticas, sejam incansáveis na sua missão.
Que os conselhos de direitos, de conselheiros conscientes de sua
responsabilidade política, sejam espaços de autêntica busca de superação de toda forma
de exclusão.
Que em todos os bairros haja creches e centros de juventude: espaços de
acolhida e convivência sadia; verdadeiros celeiros de cidadania.
Que as pessoas possam sentar e “papear” nas soleiras das casas, reparando
suas crianças a brincar alegres em ruas e praças limpas e bonitas.
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Que os alunos, organizados em suas agremiações, participem com seus
mestres e pais na construção de escolas para a vida.
Que nos hospitais e nos centros de saúde as pessoas se sintam acolhidas e
atendidas em sua dor com cuidado e sem as famigeradas senhas e filas.
Que as instituições e os programas de “ressocialização” demonstrem aos
jovens efetivas chances de novos horizontes.
Que a polícia seja cidadã ao lado dos cidadãos.
E que os governantes e os homens públicos... Criem vergonha e sintam o
orgulho de oferecer, a todos, os recursos públicos transformados em dignidade.
Sonho ou utopia?
Infelizmente a economia de mercado está nos tolhendo à capacidade de
sonhar e caminhar na realização de nossas utopias.
Não quero ser escravo disso: quero continuar com meus sonhos e lutando
pelas minhas utopias que, graças a Deus, são os mesmos sonhos e utopias de uma
miríade de homens e mulheres: um dia, nós ou nossos filhos, iremos conseguir viver
numa cidade em estado de poesia.
O papa Francisco (como eu gosto deste papa!), no seu discurso aos
participantes do Encontro Mundial de Movimentos Populares, aponta o caminho da
construção: solidariedade como modo de fazer história e garantia dos direitos sagrados
da terra, teto e trabalho para todos.
Quero terminar com um apelo à minha cidade: Belém vai completar 400
anos de fundação. Que seja de fato o que seu nome significa: “Casa do Pão”. Pão
partilhado da comida, do teto e do trabalho; pão da dignidade para todos. Que seja a
pátria da ternura humana para suas crianças.
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O PROGRAMA DISQUE 100 E A REDE DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS
HUMANOS NA REGIÃO NORTE: CONFIGURAÇÃO, DIFICULDADES E
INDICADORES DE DINAMIZAÇÃO
Salomão Hage
Lúcia Isabel Silva
Nazaré Araújo
INTRODUÇÃO
O Programa Disque Denúncia (Disque 100) foi originalmente criado por um
conjunto de organizações atuantes na área de promoção e defesa dos direitos das
crianças e dos adolescentes no final da década de 1990, como um canal de denúncia de
violações dos Direitos Humanos das crianças e adolescentes. Em 2003, este programa
passou a ser responsabilidade do governo federal, sob a coordenação da recém-criada
Secretaria de Direitos Humanos, da Presidência da República (BRASIL, 2014).
A transferência de responsabilidade ampliou as ações do programa, que,
além de receber as denúncias, passou a articular uma rede de equipamentos e serviços
de atendimento e proteção em todo o Brasil, a partir dos casos concretos denunciados,
além de ampliar seu leque de abrangência, passando a receber demandas relativas a
violações de direitos humanos dos diversos grupos mais vulneráveis, como: crianças e
adolescentes, pessoas idosas, pessoas com deficiência, população LGBTT (lésbicas,
gays, bissexuais, travestis e transexuais), pessoas em situação de rua, quilombolas,
ciganos, índios, pessoas em privação de liberdade.
O programa se propõe a receber as denúncias e agir para interromper a
situação de violência, atuando então no encaminhamento para a rede de proteção ou de
responsabilização e monitorando a atuação dessa rede no encaminhamento dos casos.
As ações do programa incluem ainda a divulgação de conhecimentos e de informações
sobre direitos humanos e sobre os serviços e instrumentos de atendimento, proteção,
defesa e responsabilização disponíveis no âmbito dos três entes federados.
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Desde a sua criação, o número de denúncias vem apresentando aumento
gradativo, um indicativo da crescente violação aos direitos humanos, bem como da
conscientização da população em não tolerar tais violações.
Em termos da abrangência territorial, o programa apresentou progressão de
459,87%, passando de 892 municípios em 2003 para 4.994 em 2011, o que significa que
90% dos municípios brasileiros são atendidos pelo programa.
O aumento das denúncias revela ainda a importância do programa Disque
100 como canal de denúncia e enfrentamento às violações no Brasil. Os dados da
Secretaria de Direitos Humanos registravam até 2011 um total de 2.937.394
atendimentos e 195.932 encaminhamentos de denúncias de todo o país, considerando
apenas o módulo criança e adolescente (BRASIL, 2012). Apenas entre 2011 e 2012 o
crescimento foi de 77%, sendo que em 2012 foram registrados 234.839 atendimentos.
Os dados também indicam crianças e adolescentes como as principais
vítimas das violações de direitos humanos no país, sendo vítimas de 77% das denúncias;
os idosos, as pessoas com deficiência e a população LGBTT também aparecem como
alvos significativos1. Entre este último grupo, os dados mostram crescimento de 166%,
em 2012, registrando 3.084 denúncias (BRASIL, 2012).
Além da ação direta no encaminhamento das denúncias, o programa
também gera um material de fundamental relevância para a compreensão do cenário da
violação de direitos humanos no Brasil, permitindo identificar e mapear áreas críticas,
subsidiar a proposição de políticas públicas e visibilizar as necessidades da rede de
organizações de atendimento que precisam acompanhar a mesma abrangência e
funcionar eficientemente.
Esta questão aponta, assim, para uma reflexão sobre o sistema de garantia
de direitos em sua necessária estruturação e articulação em rede, integrando, portanto,
as ações de defesa, promoção, controle e disseminação.
1
Disponível em: http://dp-mt.jusbrasil.com.br/noticias/100238024/numero-de-denuncias-de-violacoes-de-direitos-humanos
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O pressuposto de um sistema de garantia de direitos é a percepção de que
esta garantia é de responsabilidade de diferentes instituições que atuam cada uma dentro
de suas competências, mas necessariamente de forma articulada. Conforme apontado
por Baptista (2012, p. 187):
as instituições legislativas nos diferentes níveis governamentais; as
instituições ligadas ao sistema de justiça – a promotoria, o Judiciário, a
defensoria pública, o conselho tutelar – aquelas responsáveis pelas políticas e
pelo conjunto de serviços e programas de atendimento direto (organizações
governamentais e não governamentais) nas áreas de educação, saúde,
trabalho,
esportes,
lazer,
cultura,
assistência
social;
aquelas
que,
representando a sociedade, são responsáveis pela formulação de políticas e
pelo controle das ações do poder público; e, ainda, aquelas que têm a
possibilidade de disseminar direitos fazendo chegar a diferentes espaços da
sociedade o conhecimento e a discussão sobre os mesmos: a mídia (escrita,
falada e televisiva), o cinema e os diversificados espaços de apreensão e de
discussão de saberes, como as unidades de ensino (infantil, fundamental,
médio, superior, pós‑graduado) e de conhecimento e crítica (seminários,
congressos, encontros, grupos de trabalho).
Na prática, entretanto, o pressuposto da articulação e integração da rede,
tem sido insistentemente tanto perseguido, quanto criticado pelos diversos profissionais
que atuam nas instituições e por pesquisadores, que reconhecem esta necessidade para a
eficácia da garantia dos direitos. De acordo com Baptista (2012, p. 188):
A organização e as conexões desse sistema complexo supõem, portanto,
articulações intersetoriais, interinstâncias estatais, interinstitucionais e
interregionais. Supõem também ausência de acumulação de funções – o que
exige uma definição clara dos papéis dos diversos atores sociais, situando-os
em eixos estratégicos e interrelacionados; integralidade da ação, conjugando
transversal e intersetorialmente as normativas legais, as políticas e as
práticas, sem conformar políticas ou práticas setoriais independentes.
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Os diversos atores reconhecem a complexidade e a amplitude dos desafios a
serem enfrentados que passam desde uma lógica de planejamento integrado nos
diferentes níveis de ação governamental e dos setores institucionais, passando pela
garantia de condições estruturais adequadas para funcionamento pela presença
qualificada de um conjunto de profissionais, até o desafio da legitimidade e da garantia
da participação democrática dos diversos segmentos da sociedade. Claro está, portanto,
que o funcionamento da rede de garantias de direitos impõe condições concretas para
que esta opere eficientemente, sendo que algumas destas condições precisam estar
“dadas” a priori, enquanto outras se tecem cotidianamente, na dinâmica das relações
entre
os
diferentes
atores,
que
precisam
assumir
sua
interdependência
e
complementaridade.
Diante destes pressupostos e exigências para o funcionamento da rede, a
questão que se coloca é a necessidade de compreender e manter diagnósticos
atualizados e abrangentes sobre a composição e atuação concretas destas, em diferentes
regiões do país, como instrumentos para proposição de políticas e alternativas de
fortalecimento e aperfeiçoamento das estruturas presentes, aumentando assim, a
eficiência de sua atuação.
É justamente nesta perspectiva que este trabalho se insere, apresentando
parte dos resultados da pesquisa DISK DIREITOS HUMANOS – apresentando
indicadores para dinamização do sistema de denúncia na Amazônia, estudo coordenado
pela Escola de Conselhos (Instituto de Ciências da Educação/Universidade Federal do
Pará), dentro do PROJETO DIÁLOGOS EM REDE – Construindo Políticas Públicas de
Direitos Humanos, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
O estudo se propôs a identificar e mapear órgãos, instituições e
equipamentos que compõem na região Norte, a rede de promoção e defesa que atua nas
violações de direitos humanos, identificando os níveis de articulação e mobilização da
referida rede, as dificuldades nessa articulação e as potencialidades para sua
dinamização, identificando, por exemplo, pontos de referência ou cidades polo para a
estruturação da política.
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Foram ouvidos os seguintes órgãos, equipamentos e instituições: delegacias
especializadas, promotorias, Centros de Referência Especializados de Assistência Social
(CREAS), Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), Centros de Atenção
Psicossocial (CAPS), Conselhos de Comunidade (LEP), defensorias públicas, varas de
execução penal, centros de referência do idoso, unidades de privação de liberdade,
centros de referência para a população LGBT e Centros de referência de direitos
humanos. Os equipamentos responderam a um questionário de 72 itens, entre questões
fechadas e abertas, sobre funcionamento, demandas e estrutura.
Este artigo apresenta dados coletados na região Norte, nos estados do Acre,
Amapá, Pará, Roraima, Rondônia, Tocantins e Amazonas. O estudo foi coordenado pela
equipe da Escola de Conselhos (ICED/Universidade Federal do Pará), em parceria com
uma rede de pesquisadores e universidades do Norte do Brasil. Utilizou-se a
metodologia de coleta de dados em rede, articulada por pesquisadores vinculados a uma
universidade pública de cada um dos estados da região Norte envolvidos: Acre, Amapá,
Pará, Roraima, Rondônia, Tocantins e Amazonas. Os resultados alimentaram um banco
de dados que passou a compor um banco nacional (Ver Apêndices A e B sobre a rede de
pesquisa e abrangência).
UM POUCO DO CONTEXTO NO QUAL SE INSERE A REDE DE PROTEÇÃO
DE DIREITOS HUMANOS NA REGIÃO NORTE
Considera-se que para falar sobre as instituições e os equipamentos que
compõem a Rede de Proteção de Direitos Humanos na Região Norte, seus níveis de
articulação e mobilização, as dificuldades e potencialidades para a sua dinamização,
exige uma compreensão mais abrangente do contexto sócio-político-cultural e territorial
no qual esta rede se insere.
Inicialmente, vale ressaltar que falamos de uma região que ocupa 60% do
território brasileiro, atingindo 5,1 milhões de km² e que, embora ainda pouco povoada,
vem experimentando grande crescimento populacional nos últimos anos, tendo
23
aumentado em 23% entre os anos de 2000 e 2010, enquanto no restante do país esse
aumento ficou em torno de12% (IBGE, 2010).
Para compreender melhor essa realidade é necessário considerar que a
região Norte é marcada fundamentalmente pela heterogeneidade, que se expressa em
vários aspectos, dentre os quais destacamos: ambientais, produtivos, socioculturais, e
isso de forma direta, implica um conjunto de questões que precisam ser levados em
conta quando temos intenção de garantir direitos humanos a grupos e seguimentos
sociais como crianças e adolescentes, idosos, mulheres, pessoas em extrema pobreza,
usuários de drogas, negros e pardos, pessoas em situação de rua, quilombolas, indígenas
e ribeirinhos, população LGBT e, consequentemente, enfrentar as situações violadoras
desses mesmos direitos, associadas às especificidades próprias da região.
No tocante à heterogeneidade ambiental, a região Norte é constituída por
um conjunto variado de ecossistemas, que tecem complexas e ricas teias de
biodiversidade, possuindo a maior área preservada de floresta tropical do planeta e de
diversidade biológica, com 250 milhões de hectares de floresta e cerca de 30 milhões de
espécies vegetais e animais; possui também o maior reservatório de água doce existente
no planeta, com uma extensão de 4,8 milhões de km², que representa cerca de 17% de
toda a água líquida e 70% da água doce do planeta.
Esse potencial hídrico é visto pelos setores produtivos de larga escala na
região como um enorme recurso energético para alimentar a exploração e a extração de
minérios e os projetos das grandes barragens são colocados na ordem do dia, causando
grandes impactos ambientais, econômicos e socioculturais, poluindo rios e
desestruturando os modos de vida de populações indígenas, quilombolas, ribeirinhas,
comprometendo a existência e sustentabilidade dessas populações.
As situações de violação de direitos humanos são muito frequentes,
submetendo populações e grupos sociais locais a várias atividades produtivas ilegais
como: o trabalho escravo, trabalho infantil, tráfico humano e com a exploração sexual
de jovens e adultos, de crianças e adolescentes, que ocorre em troca de alimento, sabão,
querosene ou outros produtos necessários à sobrevivência, por ocasião da passagem de
navios e embarcações nas proximidades de suas comunidades. Há ainda o envolvimento
24
de crianças e adolescentes na extração da madeira, do palmito e do fruto do açaí na
floresta, no trabalho nas carvoarias ou por meio de práticas de mendicância em que as
crianças esmolam em seus pequenos barcos e terminam sendo retiradas da escola,
prejudicando sua aprendizagem e ameaçando seu presente e futuro.
Todas essas situações são decorrentes da pobreza em que vive um número
significativo de famílias na Amazônia, que pela falta de terem atendidos os direitos
humanos e sociais fundamentais para sua sustentabilidade, são submetidas a situações
de exploração material e humana e não visualizam possibilidades de futuro e de viverem
com dignidade.
No que concerne à sua heterogeneidade produtiva, o Norte apresenta uma
estrutura bastante complexa e muito diferente de outras regiões do país, uma vez que
existem, em um mesmo espaço, de forma contraditória e conflituosa, atividades
econômicas de base familiar, cooperadas e solidárias, que envolvem tecnologias
simples; e processos de produção caracterizados como médios e grandes
empreendimentos que usam sofisticadas e complexas tecnologias, desenhando, assim,
uma matriz geográfica conflituosa de uso e de significado do território e dos recursos
naturais, que se expressam em lógicas e práticas produtivas diferentes e opostas.
Essa complexidade se materializa na perspectiva específica do grande
capital, Grandes Projetos de exploração e exportação realizados por grandes empresas
nacionais e multinacionais, assentadas numa plataforma científico-tecnológica, em larga
escala, que amplia seu potencial de produção, de mercado, sobretudo externo, e de
astronômico volume de lucros, explorando o potencial mineral, madeireiro, energético,
hídrico, ambiental e cultural da região, sem considerar e respeitar, muitas vezes, as
características de vida pujante da região. No seio dessa matriz e lógica produtiva,
encontram-se três eixos produtivos concêntricos: a extração e exploração madeireira, a
pecuária extensiva, e, mais recentemente, a existência do agronegócio, com a produção
de grãos, especialmente a soja, que expande a fronteira agropecuarista no Norte.
Em comum, esses grandes empreendimentos têm produzido riqueza para
fora e para poucos, num processo que ao fortalecer o padrão de desenvolvimento
competitivo e consumista, amplia as desigualdades sociais e os impactos ambientais em
25
larga escala, levando à desestruturação de modos de vida e de trabalho das populações
tradicionais da região e submetendo as populações locais a condições indignas de vida,
como o trabalho escravo e a produção nas carvoarias, anteriormente mencionados.
Numa perspectiva contraditória e de resistência, a agricultura de base
familiar também se faz efetivamente presente na região Norte, representada no período
mais recente por um contingente de cerca de 750 mil pequenos agricultores, que no
cultivo da roça envolvem todos os componentes da família na garantia da subsistência.
Esse segmento representa 85,4% do total de estabelecimentos rurais da região, os quais
ocupam 37,5% do total da área regional, produzindo 58,3% do valor bruto da produção
agropecuária na região (MDA, 2002).
É interessante notar, no caso das crianças e dos adolescentes, que o
envolvimento nessas atividades produtivas de base familiar, pode ser interpretado, por
um lado, como uma questão cultural, que afirma e reproduz os modos de vida próprios
das populações tradicionais, compartilhando as tarefas relacionadas à sobrevivência de
todos os membros da família; por outro, essas atividades produtivas de base familiar,
que envolvem o trabalho na roça, nas casas de farinha e em muitas outras atividades
agrícolas, já mencionados anteriormente, mantêm as crianças e adolescentes ocupados,
trabalhando, ao invés de estarem frequentando a escola. Dados recentes, divulgados
pelo Fórum de Erradicação do Trabalho Infantil, indicaram a existência de 412.753
crianças ocupadas na região Norte, e o estado do Pará como líder nesse processo, ao
possuir 192.302. Esses mesmos dados indicam que 80,7% têm entre cinco e nove anos e
que a maioria delas trabalha em atividades agrícolas2.
No que concerne à heterogeneidade sociocultural, a Amazônia é marcada
por uma ampla diversidade sociocultural, composta por populações que vivem no
espaço urbano e rural, habitando um elevado número de povoados, pequenas e médias
cidades e algumas metrópoles. Contudo, a maioria possui poucas condições para atender
às necessidades dessas populações, por apresentar infraestrutura precária e não dispor de
serviços essenciais para assegurar direitos básicos, como habitação, saúde, saneamento,
lazer e educação.
2
O LIBERAL, 12.06.2011
26
No caso das populações que vivem no meio rural encontram-se indígenas,
quilombolas, ribeirinhos e extrativistas, assentados, pescadores, agricultores familiares,
colonos, migrantes, oriundos especialmente das regiões Nordeste e do Centro-Sul do
país, entre outras. São grupos que apresentam seus modos de vida próprios e suas
tradições socioculturais, que precisam ser considerados e afirmados nos parâmetros
legais estabelecidos e na definição de políticas públicas, quando intencionamos
universalizar direitos humanos a todos os segmentos e populações que vivem na região.
Segundo o último Censo (IBGE, 2010) a população da região Norte soma
15.864.454 habitantes, o que representa 8,3% da população do país. Pará, Amazonas e
Tocantins são os estados mais populosos.
O modelo desenvolvimentista tem provocado ocupação socioespacial
desordenada, exclusão social e aumento das desigualdades sociais. Em que pese os
estados da região figurarem dentre aqueles classificados como de médio Índice de
Desenvolvimento Humano (variando entre 0,663 e 0,708), a maioria dos municípios da
região está classificada como de baixo ou muito baixo desenvolvimento, sendo que na
lista dos 50 piores IDH municipais no Brasil, estão 13 municípios de Pará, 09 do
Amazonas, 03 de Roraima, 02 do Acre e 01 do Tocantins3.
ALGUNS RESULTADOS OBTIDOS COM A REALIZAÇÃO DA PESQUISA
O material coletado resultou em um banco de dados com informações sobre
a Rede de Proteção de Direitos Humanos de 55 municípios e 245 instituições e
equipamentos da região Norte. O planejamento inicial da pesquisa previa a inserção de
74 municípios dos 07 estados do Norte, para compor a coleta de informações. A
pesquisa atingiu, portanto, 74,3% dos municípios da amostra inicial.
Considera-se que, do ponto de vista da capacidade e possibilidades de
acessar as instituições, a pesquisa conseguiu capilaridade na região, reunindo um
material relevante para referências sobre a Rede de Proteção de Direitos Humanos,
3
PNUD, 2013
27
permitindo identificar sua extensão, potencialidades e limites na região Norte, embora a
ausência de dados de 19 municípios deva ser considerada nas análises aqui realizadas.
Do total de instituições e equipamentos mapeados e acessados durante a
pesquisa na região Norte, 64,64% responderam ao questionário enviado, denotando, de
forma geral boa adesão à pesquisa, mesmo considerando as dificuldades relacionadas à
extensão e as dificuldades de acessibilidade e comunicação na região.
O índice de adesão variou entre os estados, percebendo-se, por exemplo,
que nos estados do Acre, Roraima e Tocantins todos os equipamentos acessados
responderam ao instrumento. O estado de Rondônia apresenta 80% de retorno das
instituições e equipamentos, o estado do Pará, com 72%, seguidos do estado do
Amazonas e Amapá com 24% e 12% de retorno. Essa variação ocorreu em face das
distintas configurações que a rede de pesquisa assumiu nos contatos com os diversos
estados da região, aí influindo as características de inserção e proximidade com a rede
por parte da equipe de investigação.
SOBRE A CONFIGURAÇÃO DA REDE DE PROTEÇÃO DE DIREITOS
HUMANOS
A amostra inicial constou de 74 municípios, sendo: 06 municípios no Acre,
14 no Amazonas, 05 no Amapá, 27 no Pará, 08 em Rondônia, 05 em Roraima e 09 no
Tocantins.
A Tabela 1 apresenta os 17 tipos de equipamentos que compõem a rede de
proteção na região, identificando quantos municípios em cada UF, contam com cada
tipo de equipamento.
Do ponto de vista de sua configuração, pode-se dizer que a Rede de
Proteção de Direitos Humanos é diversificada na região Norte, contando com 17 tipos
de equipamentos e instituições de proteção, conforme demonstrado na Tabela 1.
28
Os dados demonstram, entretanto, que essa diversidade não se evidencia da
mesma maneira em todos os estados e municípios, sendo que alguns apresentam uma
rede maior e mais diversa, enquanto em outros a rede é mais limitada.
Considerando o número de municípios investigados em relação à existência
de cada um dos 17 tipos de instituições, a Tabela 1 permite estimar que há um déficit
em torno de 50% em termos do quantitativo e da diversidade de tipos de instituições e
equipamentos que deveriam compor a rede de proteção na região. Esse déficit é mais
acentuado nos estados maiores, como o Pará e o Amazonas, enquanto que nos estados
de Roraima e Tocantins percebe-se a existência de todos os 17 tipos de equipamentos
em todos os municípios acessados, ressaltando-se que não foi possível contato com
alguns destes.
A diversidade também varia entre um estado e outro, de modo que se
observa, por exemplo, a ausência da Delegacia LGBT na composição da Rede de
Proteção dos estados do Amazonas e Rondônia; dos Pontos de Atendimento regional, na
rede dos estados do Amazonas, Pará e Rondônia; dos Conselhos de Comunidade, na
composição da rede do estado do Amazonas e, por fim, os centros de referência LGBT
não foram identificados na composição da rede no Amazonas, no Pará e em Rondônia
(Tabela 1) 4.
Ainda do ponto de vista da composição da amostra, vale ressalvar a maior
presença dos CRAS, CREAS, seguidos das defensorias públicas, promotorias, CAPS e
delegacias especializadas da mulher; por outro lado, destaca-se a menor presença nessa
mesma Rede, do Centro de Referência para a população LGBT, da Delegacia
Especializada LGBT e do Conselho de Comunidade – LEP. Considera-se que a amostra
é indicativa da própria composição da Rede de Proteção de Direitos Humanos dos
Estados da Região Norte (ver Tabela 2)5.
Diante disso e se considerarmos que as instituições e os equipamentos
investigados possuem especificidades em termos do atendimento às demandas dos
4
Vide tabela 01 em apêndice, página 44.
5
Vide tabela 02 em apêndice, página 46.
29
diferentes sujeitos por eles atendidos, pode-se inferir que há uma diversidade de
demandas não cobertas pelas instituições e pelos equipamentos investigados.
Além da ausência de equipamentos, identifica-se uma situação específica
quanto à distribuição geográfica destes, onde as capitais e regiões metropolitanas
apresentam uma rede mais diversa e com maior número de instituições e equipamentos,
enquanto a presença dos mesmos vai rareando nas redes dos demais municípios,
indicando então menor abrangência e diversidade.
Convém ressaltar, entretanto, que essa informação não permite perceber a
distribuição desigual das instituições e equipamentos nos distintos territórios existentes
nas capitais e municípios, como por exemplo, a distinção nessa distribuição entre o
centro e a periferia, entre o urbano e o rural.
O estado do Pará é ilustrativo, onde se percebe a maior presença dos
equipamentos em Belém e Ananindeua, que fazem parte da Região Metropolitana de
Belém (RMB) e menor presença nos municípios mais distantes. Neste estado chama
atenção a pouca presença de instituições e equipamentos em municípios considerados
polos, como: Vigia, Cametá, Santarém, Castanhal, Marabá, Parauapebas, Altamira e
Paragominas.
Os dados também demonstram diferenças na composição das redes entre os
estados da região, onde alguns estados apresentam-se com maior número e diversidade
de instituições e equipamentos (Acre, Pará e Rondônia) e outros com uma menor
diversidade (Amazonas e Amapá).
Constata-se ainda que em um terço dos municípios acessados (25
municípios) em todos os estados da região, a rede identificada é composta de apenas um
ou dois equipamentos, sendo o caso dos seguintes municípios: Tarauacá e Sena
Madureira no Acre; Lábria, Maraã, Presidente Figueiredo e Tefé, no Amazonas; no
Amapá, Calçoene e Macapá; no Pará, Bragança, Brasil Novo, Barcarena, Itaituba,
Jacareacanga, Portel, Porto de Moz e Parauapebas, Santana do Araguaia, Santarém e
Vigia; Ji-Paraná e Vilhena, em Rondônia; Pacaraima e Rorainópolis em Roraima; e
Goiatins, Paraíso do Tocantins e Porto Nacional, no Tocantins.
30
Os dados mostram ainda que os equipamentos da assistência social
(CREAS, CRAS) e os da justiça (promotorias e defensorias) são os mais presentes no
maior número de municípios. Dentre os equipamentos mais ausentes, aparecem as
delegacias especializadas, em especial as Delegacias Especializadas de Criança e
Adolescentes e a Delegacia de Proteção de Criança e Adolescente, que estão presentes
em apenas 03 e 04 municípios respectivamente; as delegacias de atendimento à
população LGBT e de atendimento ao idoso, assim como o Conselho de Comunidade
aparecem em apenas 01 município cada uma, revelando que estas ainda não têm sido
priorizadas. Há que se destacar ainda a não existência nos estados da Região do Ponto
de Atendimento Regional.
SOBRE OS GRUPOS MAIS ATENDIDOS POR TIPO DE EQUIPAMENTO
A Tabela 36 demonstra quantos equipamentos atendem cada um dos
públicos específicos, permitindo identificar os grupos com maior e menor acesso a
atendimentos, em cada uma das instituições e equipamentos investigados e na rede de
proteção como um todo.
6
A
Crianças e adolescentes
G
Negros e pardos
B
Idosos
H
Quilombolas,
indígenas e ribeirinhos
C
Pessoas com transtorno
mental
I
Usuários de drogas
D
Pessoas com deficiência.
J
Ciganos
E
Pessoas em situação de
rua
L
Sem terra
F
LGBT
M
Mulheres
Vide tabela 03 em apêndice, página 47.
31
Observando os dados da Tabela 37 identifica-se que crianças e adolescentes
se constituem no grupo com mais acesso às instituições e aos equipamentos, já que são
atendidos por 85% dos mesmos. As crianças e os adolescentes são também o público
prioritário dos CRAS, CREAS, defensorias, promotorias e delegacias especializadas,
inclusive da delegacia da mulher.
Na sequência identifica-se o público idoso, as mulheres, os usuários de
drogas, as pessoas com deficiência e os negros e pardos, com grande número de
atendimento.
Vale ressaltar que estes públicos são atendidos pelos diversos equipamentos,
havendo, contudo, carência de equipamentos específicos, em especial os equipamentos
de atendimento aos idosos e às delegacias especializadas de crianças e adolescentes e de
proteção às crianças e adolescentes.
Os quilombolas, os ribeirinhos e os indígenas aparecem como grupos bem
atendidos pelos equipamentos, com atendimento em 48% dos CRAS, 62% dos CREAS,
28% dos CAPS e 59% das defensorias públicas.
A população LGBT também tem bom acesso aos equipamentos, sendo
atendida em 33% dos CAPS, 43% dos CRAS, 37% dos CREAS, 54% das defensorias
públicas e 35% das delegacias especializadas de atendimento às mulheres. Isso mostra
que esta população, apesar da reduzida existência dos equipamentos específicos (centros
de referência e delegacias LGBT), também é atendida pelos diferentes equipamentos.
As pessoas com transtornos mentais e usuários de drogas constituem-se no
maior público dos CAPS, com 86% e 81% dos atendimentos respectivamente. As
defensorias públicas aparecem com alto percentual de atendimentos dos diversos
públicos, atendendo 95% de crianças e adolescentes, 95% de Idosos e 91% das pessoas
com deficiências. A população em situação de rua também aparece como um público
com relativo acesso aos equipamentos, sendo atendida por 47% dos CAPS, 32% dos
CRAS, 54% das defensorias públicas e 33% das promotorias.
7
Vide tabela 03 em apêndice, página 47.
32
Na Tabela 3 visualiza-se ainda que os grupos com menos acesso aos
equipamentos são os ciganos (atendidos apenas em 4% dos CRAS, 7% dos CREAS e
9% dos CAPS) e os sem terra, que constituem-se no público atendido por 9% dos
CAPS, 17% dos CRAS, 11% dos CREAS, 23% das promotorias e 45% das defensorias
públicas.
SOBRE OS REGIMES DE FUNCIONAMENTO DOS EQUIPAMENTOS
O regime de funcionamento dos equipamentos é também uma referência
importante da possibilidade de cobertura e atendimento às demandas dos diversos
públicos que buscam o serviço, indicando além de quais os equipamentos disponíveis,
quando a população pode, de fato, contar com eles, já que a violação não tem hora para
acontecer. Desse modo, a Tabela 48 permite visualizar o funcionamento em regime de
plantão das instituições:
Complementando os dados, a Tabela 059 permite, por conseguinte, a
visualização dos grupos que mais se beneficiam do funcionamento em regime de
plantão das instituições.
Os dados permitem perceber que 33,9% das instituições e equipamentos
atendem em regime de plantão, dentre os quais os que mais atendem são as defensorias
(81%) e as promotorias (80,9%), seguida das DPCA (50%) e das DCA (37,5%) e DEM
(35%).
Verifica-se um baixo percentual de atendimento em regime de plantão nos
CRAS, CREAS e CAPS, com percentuais de 9%, 25% e 19%, respectivamente. Tal
panorama chama a atenção, uma vez que estes são os equipamentos mais frequentes na
amostra e com maior número de atendimentos. Igualmente, chama a atenção o fato de
apenas 50% das unidades de privação de liberdade referenciarem o regime de
atendimento em plantão.
8
Vide tabela 04 em apêndice, página 49.
9
Vide tabela 05 em apêndice, página 51.
33
Apesar da pouca representatividade na amostra, vale ainda ressaltar que 3
das 4 delegacias do idoso e 4 das 5 varas de execução pesquisadas atendem em regime
plantão, além do centro de referência para a população LGBT com um único
equipamento representado na amostra e que também atende em regime de plantão,
enquanto que a única delegacia especializada LGBT representada na amostra, não
atende neste regime.
Do percentual das instituições e equipamentos que atendem em regime de
plantão, apenas 20% superam às 40 horas semanais de atendimento. Assim sendo, os
grupos que mais se beneficiam com esse maior horário são: crianças e adolescentes,
mulheres, usuários de drogas lícitas e ilícitas e deficientes físicos.
Um dos desafios na proteção e defesa dos direitos humanos é tornar esta
proteção efetiva e mais ampla possível, sendo a disponibilidade dos equipamentos e
serviços essencial nessa concretização. Conforme afirmado anteriormente, os casos de
violação não têm dia ou horário para acontecer e demandam encaminhamentos rápidos.
Considerando essa necessidade, pode-se afirmar que os dados sobre o regime de
funcionamento podem se configurar como indicadores de dificuldades na atuação da
Rede de Proteção, que necessitaria funcionar 24 horas de forma a disponibilizar
atendimento ininterrupto às demandas urgentes dos grupos.
DEMANDAS MAIS FREQUENTES POR GRUPOS E TIPO DE INSTITUIÇÃO
E EQUIPAMENTO
O Gráfico 1 apresenta, de forma objetiva, as principais demandas de
atendimento apresentadas para as instituições e equipamentos investigados.
34
Gráfico 1: Principais demandas de atendimento
Fonte: Dados da pesquisa
De acordo com os questionários respondidos por instituições e
equipamentos investigados, violência simbólica, vulnerabilidade econômica e
negligência e abandono constituem-se nas mais frequentes demandas apresentadas pelos
grupos sociais atendidos. Por outro lado, a vulnerabilidade jurídica apresenta-se como a
demanda menos expressiva apresentada às instituições e equipamentos investigados.
Percebe-se ainda a existência de um grupo de demandas mais frequentes,
com percentuais bem próximos, o que pode denotar que as violências a que estão
submetidos os principais grupos vulneráveis identificados nesta pesquisa se manifestam
de diferentes formas ou que, no limite, esses principais grupos são alvo de violências
diversas, sendo atingidos em várias dimensões de sua vida.
A pesquisa também buscou identificar as percepções dos respondentes
referentes aos pontos positivos das instituições e equipamentos. Esses pontos positivos
referem-se aos seguintes aspectos: pessoal motivado; equipamento; alta percentagem de
35
acesso no atendimento; local de fácil acesso; boa estrutura física; e boa rede de
atendimento. Os resultados estão demonstrados na Tabela 610.
Os dados indicam que “Pessoal motivado” constitui o item mais bem
avaliado nos aspectos positivos encontrados na avaliação das instituições e
equipamentos, variando 45,5% nas delegacias de proteção a crianças e adolescentes até
19,3%, na defensoria pública.
O Item “Estrutura física” foi o aspecto que recebeu menor percentual de
indicações enquanto avaliação positiva das Instituições e Equipamentos investigados,
variando de 23,5% nos Centros de Referência em Direitos Humanos até 7,7% na
Delegacia da Criança e Adolescente e na Unidade de Privação de Liberdade.
Em relação ao aspecto “Equipamento”, o Centro de Referência do Idoso
obteve o maior percentual de 27,3% de avaliação positiva e a Delegacia da Mulher, o
menor percentual, 5,6% de avaliação positiva. Em relação ao aspecto “Alto percentual
de sucesso no atendimento”, a Delegacia LGBT obteve o maior percentual de 33,3% de
avaliação positiva e CAPS, 5,0% de avaliação positiva. Em relação ao aspecto “Local
de fácil acesso”, o CAPS obteve o maior percentual de 35% de avaliação positiva e o
Centro de Referência em Direitos Humanos, 11,7% de avaliação positiva. Em relação
ao aspecto “Boa rede de atendimento”, o CREAS obteve o maior percentual de 23,7%
de avaliação positiva e Delegacia de Criança e Adolescente e Unidade de Privação de
Liberdade, ambos obtiveram 7,7% de avaliação positiva.
DISCUTINDO ESTES RESULTADOS E APONTANDO CONTRIBUIÇÕES
PARA DINAMIZAÇÃO DA REDE
Conforme afirmado no início deste texto, a percepção de que a garantia dos
direitos sociais é de responsabilidade do poder público, por meio de diferentes
instituições que atuam cada uma dentro de suas competências, aparece como
pressuposto da Rede de Proteção dos Direitos Humanos. Dessa forma, a análise da
10
Vide tabela 06 em apêndice, página 52.
36
dinâmica de atuação dessa rede requer um olhar de totalidade, capaz de perceber o
conjunto de elementos garantidores das condições concretas para esta atuação.
A intervenção em rede nas políticas sociais remete, portanto, a uma
interação contínua entre pessoas, instituições e demais atores sociais envolvidos com a
proposição, execução e controle destas, de forma a enfrentar e garantir as demandas da
população.
Assim, uma primeira necessidade para esta ação é a garantia de um arranjo
institucional, expresso, dentre outras formas, em um conjunto de equipamentos
fisicamente presentes e com condições estruturais e políticas de funcionamento.
Sem o objetivo de aprofundar a discussão sobre a diversidade de elementos
e princípios necessários à atuação da Rede de Proteção dos Direitos Humanos na Região
Norte (o que faremos oportunamente analisando outros resultados deste estudo), podese dizer que os dados aqui apresentados apontam uma primeira fragilidade na
estruturação da Rede, que se apresenta concentrada nas regiões metropolitanas, com
apenas uma parte dos equipamentos e instituições em vários outros e ausência completa
destes na maioria dos municípios.
Pode-se falar então, que os dados apresentam uma rede incompleta em
quantidade, diversidade e abrangência o que pode significar sobrecarga, não
atendimento ou atendimento precário a alguns grupos específicos e impedimentos
concretos à articulação, ao planejamento coletivo e à troca de saberes. Na prática,
significa um distanciamento entre o reconhecimento do pressuposto da articulação e
intersetorialidade e as condições concretas de atingi-las.
Os dados demonstram que a maioria dos municípios não contam com a
atuação sistemática dos atores da rede e que em alguns casos as denúncias são feitas em
locais que não estão diretamente ligados ao atendimento, o que provoca a demora da
confirmação das denúncias.
Impõe-se, assim, como passo inicial para dinamização da rede a ampliação e
a diversificação dos equipamentos, nos municípios, dotando-os de uma rede de
37
atendimento, de fato. Além disso, há a necessidade da ampliação do regime de plantão
para um maior número de equipamentos.
Junto à questão do aumento dos equipamentos da rede, sugere-se levar em
consideração, em especial para a região Norte o foco tanto nos municípios, quanto nos
diversos territórios destes, considerando a relação centro e periferia e espaço rural e
urbano. Este aspecto assume dimensão importante na Amazônia, região na qual as
distâncias geográficas são grandemente ampliadas pela precariedade da infraestrutura de
transporte e de comunicação, que dificulta e impede o deslocamento dos sujeitos para
outras cidades, mesmo quando se pensa que geograficamente, estas estão próximas.
Fica por fim, como uma das principais questões identificadas, a necessidade
de aperfeiçoar essa estrutura de rede de atendimento. Em primeiro lugar, pensa-se que a
prioridade deva ser pelo investimento em dotar cada cidade de uma rede o mais
completa possível, dadas as dificuldades de deslocamento entre municípios na região.
Em casos onde não seja possível de imediato, sugere-se a opção de mapear as cidadespolo em cada estado utilizando a referência da divisão administrativa adotada.
Estas são necessidades emergenciais para que passos na direção do
fortalecimento da cultura de rede e da intersetorialidade possam ser efetivados.
38
REFERÊNCIAS
BAPTISTA, Myrian Veras. Algumas reflexões sobre o sistema de garantia de direitos.
Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 109, p. 179-199, 2012. ISSN 0101-6628.
BRASIL. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Disque 100.
Informações.
Brasília,
2014.
Disponível
em:
http://www1.direitoshumanos.gov.br/spdca/exploracao__sexual/Acoes_PPCAM/disque
_denuncia Acesso em: 28 abr. 2014.
______. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Relatório sobre
Violência Homofóbica no Brasil: ano de 2012. Brasília, 2012.
______. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Secretaria
Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente. Programa Nacional de
Enfrentamento da Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes. Relatório Disque
Direitos Humanos: Módulo Criança e Adolescente. Brasília, 2011.
IBGE. Censo Populacional. Rio de Janeiro, 2010.
PNUD. Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. Brasília, 2013.
39
APÊNDICE: O PROGRAMA DISQUE 100 E A REDE DE PROTEÇÃO AOS
DIREITOS HUMANOS NA REGIÃO NORTE: CONFIGURAÇÃO,
DIFICULDADES E INDICADORES DE DINAMIZAÇÃO
Tabela 1: Municípios acessados por UF e municípios onde existem equipamentos
Nº de municípios acessados por UF / nº onde existem equipamentos
Equipamentos
AC
AM
RO
RR
TO
(06)
(14)
(08)
(05)
(09)
CREAS
06
26
06
05
09
CRAS
05
22
05
05
09
11
05
19
04
05
09
06
14
05
14
05
05
09
02
04
05
07
01
05
09
Delegacia LGBT
06
00
05
01
00
05
09
Delegacia da
06
04
05
04
02
05
09
06
13
05
03
03
05
09
06
03
05
27
05
05
09
existentes
AP (05)
PA (27)
12
05
06
13
CAPS
06
Delegacia da
Mulher
Delegacia do
Idoso
Criança e
Adolescente
Delegacia
Proteção à
Criança e
Adolescente
Defensoria
Pública
40
Pontos de
01
00
05
00
00
05
09
Promotoria
06
14
05
21
04
05
09
Conselho de
02
00
05
27
01
05
09
06
01
05
02
00
05
09
01
00
05
00
00
05
09
06
01
05
02
01
05
09
02
02
05
05
01
05
09
06
13
05
12
01
05
09
Atendimento
Regional
Comunidade
Unidade Privação
de Liberdade
Centro Referência
LGBT
Centro Referência
D. Humanos
Centro Referência
Idoso
Vara de Execução
Fonte: Dados da pesquisa
41
Tabela 2: Número de instituições e equipamentos acessados
Tipo de equipamento
Quantidade
atingida
%
CAPS
21
8,6
Centro de Referência de Direitos Humanos
5
2
Centro de Referência do Idoso
4
1,6
Centro de Referência para a população LGBT
1
0,4
Conselho de Comunidade – LEP
2
0,8
CRAS
74
30,2
CREAS
43
17,6
Defensoria Pública
22
9
Delegacia da Criança e Adolescente (DCA)
8
3,3
Delegacia de Proteção da Criança e Adolescente 6
(DPCA)
2,5
Delegacia Especializada da Mulher
20
8,2
Delegacia Especializada do Idoso
6
2,4
Delegacia Especializada LGBT
1
0,4
Promotoria
21
8,6
Unidade de Privação de Liberdade
6
2,4
Vara de Execução Penal
5
2
Total Geral
245
100%
Fonte: Dados da pesquisa
42
Tabela 3: Público atendido por tipo de instituição e equipamento na região Norte,
em número e percentual
Tipos
Público
A
B
C
D
E
F
G
H
I
J
L
M
C. R.
Direitos
Humanos
3
2
1
1
2
2
2
-
3
1
1
4
C. R. Idoso
1
3
-
1
1
1
-
-
1
-
-
1
C. R. LGBT
-
-
-
1
-
1
-
-
-
-
-
-
Cons. de
Comunidad
e – LEP
1
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
1
CAPS
11
12
18
6
10
7
9
6
17
2
2
13
CRAS
70
69
37
61
24
32
55
36
46
3
13
65
CREAS
43
41
24
37
26
16
26
27
35
3
5
41
Defensoria
Pública
21
21
18
20
12
12
19
13
21
6
10
20
DCA
8
5
4
5
5
3
5
3
7
2
2
7
DPCA
6
3
3
3
2
3
4
4
4
2
2
4
D. E.
Mulher
17
14
12
14
4
7
16
13
17
4
3
20
D. E. Idoso
3
6
3
3
3
2
3
2
2
1
1
2
D. E. LGBT
-
-
-
1
-
1
1
-
1
-
-
-
43
Promotoria
19
18
15
15
7
9
10
5
15
2
5
12
U. Privação
de
Liberdade
4
3
3
1
2
2
3
-
2
-
-
3
Vara de
Execução
Penal
1
2
1
-
-
-
-
-
2
-
-
2
TOTAL
208
199
139
168
98
98
153
109
174
26
44
195
%
85
81,2
57
69
40
40
62,4
44,5
71
11
18
79,6
Fonte: Dados da pesquisa
44
Tabela 4: Tipo de equipamento/instituição por atendimento em regime de plantão
Regime de plantão
Tipos
Não
Sim
N
%
N
%
CAPS
17
81,00
4
19,00
Centro de Referência de Direitos Humanos
4
80
1
20
Centro de Referência do Idoso
4
100
0
0
Centro de Referência para a população LGBT
0
0
1
100
Conselho de Comunidade – LEP
1
50
1
50
CRAS
67
90,5
7
9,4
CREAS
32
74,4
11
25,6
Defensoria Pública
4
18,2
18
81,8
DCA
5
62,5
3
37,5
DPCA
3
50
3
50
Delegacia Especializada da Mulher
13
65
7
35
Delegacia Especializada do Idoso
3
50
3
50
Delegacia Especializada LGBT
1
100
0
0
Promotoria
4
19
17
81
Unidade de Privação de Liberdade
3
50
3
50
Vara de Execução Penal
1
20
4
80
TOTAL
% TOTAL
Fonte: Dados da pesquisa
45
162
83
66,1%
33,9%
Tabela 5: Grupos atingidos que se beneficiam com os regimes de plantão que
superam 40 horas semanais
Plantão com mais de 40h
(15 instituições)
Grupo atingido
N. de instituições
%
Crianças e Adolescentes
14
93,3
Idosos
9
60
PTM
11
73,3
Situação de rua
9
60
Deficientes físicos
10
66,7
LGBT
7
46,7
Negros / pardos
10
66,7
Quilombolas / indígenas / ribeirinhos
7
46,7
Usuários de drogas lícitas e ilícitas
10
66,7
Ciganos
6
40
Sem terra
7
46,7
Mulheres
10
66,7
Pessoas em conflito com a lei
0
0
Estrangeiros
0
0
Extrema pobreza
0
0
Fonte: Dados da pesquisa
46
Tabela 6: Pontos positivos encontrados na avaliação das instituições e
equipamentos
Pontos positivos
Tipos
1
(N)
%
2
(N)
%
3
(N)
4
%
(N)
%
5
(N)
%
6
(N)
Total
%
%
(N)
CAPS
11
27,5
3
7,5
2
5
14
35
5
12,5
5
12,5
40
100
CRDH
2
11,7
3
17,7
3
17,7
2
11,7
4
23,5
3
17,7
17
100
CRI
2
18,2
3
27,3
1
9
2
18,2
2
18,2
1
9
11
100
CR LBGT
1
25
1
25
0
0
1
25
1
25
0
0
4
100
CC LEP
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
0
100
CRAS
53
33,7
9
5,7
24
15,3
42
26,7
0
0
29
18,5
157
100
CREAS
27
23,7
8
7
13
11,4
22
19,3
17
15
27
23,7
114
100
DP
12
19,3
9
14,5
15
24,2
12
19,4
7
11,3
7
11,3
62
100
DCA
4
30,7
2
15,4
3
23
2
15,4
1
7,7
1
7,7
13
100
DPCA
5
45,5
2
18,2
1
9,1
2
18,2
0
0
1
9,1
11
100
DEM
11
30,5
2
5,6
2
5,6
12
33,3
5
13,8
4
11,1
36
100
DEI
4
33,3
0
0
3
25
3
25
1
8,3
1
8,3
12
100
47
DE LBGT
1
33,3
0
0
1
33,3
1
33,3
0
0
0
0
3
100
Promotorias
15
25,9
6
10,3
8
13,8
11
19
13
22,4
5
8,6
58
100
Un.
4
30,8
2
15,4
2
15,4
3
23
1
7,7
1
7,7
13
100
2
25
2
25
1
12,5
2
25
1
12,5
0
0
8
100
Priv.
Liberdade
VARA
EXC
PENAL
Fonte: Dados da pesquisa
1. Pessoal motivado; 2. Equipamento; 3. Alto percentual de sucesso no atendimento; 4. Local de fácil
acesso; 5. Boa estrutura física; 6 Boa rede de atendimento
48
O RECONHECIMENTO DA DIFERENÇA NA EVOLUÇÃO DOS DIREITOS
DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Luanna Tomaz de Souza11
A EVOLUÇÃO INTERNACIONAL DO DIREITO DA CRIANÇA
Em seu desenvolvimento histórico, os direitos humanos estiveram muito
mais centrados a um ser humano genérico e universal, ignorando-se as especificidades
de uma série de outros sujeitos (como indígenas, mulheres e crianças) que apenas nas
últimas décadas têm sido objeto de importantes documentos, como a Convenção para a
Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1979), a Declaração
dos Direitos dos Povos Indígenas (2007) e a Convenção Internacional sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo (2007).
Em realidade, a compreensão da infância como uma fase diferenciada no
desenvolvimento do ser humano é recente e não pode ser entendida dentro de uma mera
abstração, mas como reflexo de um conjunto de compreensões sobre família,
maternidade, direitos, juventude, aspectos socioculturais e também jurídicos. Desde o
século XII, a sociedade desenvolve modelos para infância, alijando, contudo,
determinadas crianças de vivê-los, principalmente as mais pobres (ARIÉS, 1978).
Somente muito recentemente a noção de criança surge no cenário jurídico
internacional. Em 26 de setembro de 1924, uma primeira Declaração dos Direitos da
Criança foi adotada reconhecendo que a responsabilidade pela criança é coletiva e
internacional. Em 20 de novembro de 1959, surge uma segunda declaração perfilhando
a necessidade de proteção e cuidados específicos à infância.
11
Professora da Universidade Federal do Pará. Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-PA. Doutoranda em Direito
(Universidade de Coimbra). E-mail: [email protected]
49
Ambas as declarações, contudo, continham problemas, pois não possuíam
grande força coativa. A 1a Declaração não teve grande impacto sobre os Estados, pois se
afirmava como uma declaração de obrigações dos homens e mulheres sem força
coercitiva. A 2a Declaração, mesmo sem força coercitiva, criou forte impacto
internacional sendo convocadas a partir dela diversas reuniões internacionais.
Em 1989, há a Convenção Internacional Relativa aos Direitos da Criança12,
que reafirma a necessidade de proteção da infância, mas ao mesmo tempo, erige a
criança como um sujeito de diversos direitos, retomando alguns princípios já
estabelecidos em instrumentos internacionais anteriores.
Em seu art. 1o, define criança como todo ser humano com idade inferior a
18 anos, exceto quando, pela lei do país, a maioridade seja estabelecida antes e erige
princípios como o do “superior interesse da criança” e o da prioridade que já estavam
consagrados na 2a declaração13. Diferente das demais, esta cria mecanismos coercitivos
e mais de 50 artigos que contemplam diversos direitos.
Existem também vários documentos voltados à questão da relação entre
jovens e criminalidade, que são influenciados também pelo reconhecimento das
garantias penais aos adultos tais como: as Regras Mínimas das Nações Unidas para a
Administração da Justiça de Menores, de 198514, as Diretrizes das Nações Unidas para a
Prevenção da Delinquência Juvenil, de 1990 - "Diretrizes de Riad"
15
, e as Regras
Mínimas das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade –
Regras de Havana,
12
16
e as Regras Mínimas das Nações Unidas para Medidas Não
Resolução 44/25 da Assembleia Geral, de 20 de novembro de 1989.
13
Ambos estão consagrados no art. 227 da Constituição. O primeiro estabelece que todas as ações relativas às crianças devem
considerar, especialmente, o “interesse maior da criança” e o segundo estabelece que as ações voltadas à proteção da infância
têm prioridade sobre toda e qualquer ação.
14
Conhecidas como “Regras de Beijing”. Elas estendem aos menores de idade garantias processuais tradicionalmente asseguradas
aos maiores de idade. Este texto internacional prega também o desenvolvimento da especialização e da profissionalização da
“justiça de menores”, assim como o recurso preferencial a procedimentos extrajudiciais e a medidas educativas diversas da
privação de liberdade.
15
Diretrizes para a prevenção da delinquência juvenil, documento que passou a nortear a formulação e a execução de programas
e políticas nessa seara, com ênfase nas atividades de assistência e de estímulo à participação da comunidade.
16
Definem a privação de liberdade de forma ampla, estendendo a proteção a toda forma de internação em estabelecimento
público ou privado do qual o jovem não possa sair por sua livre e espontânea vontade.
50
Privativas de Liberdade – “Regras de Tóquio”
17
, também de 1990. Estes documentos
são importantes por traçar limites ao que, em regra, ficava sob tutela somente dos
Estados.
No sistema interamericano também temos textos gerais de proteção dos
direitos humanos aplicáveis à infância, como o “Consenso de Kingston”, de 13 de
outubro de 2000 – textos que reúne as deliberações e recomendações adotadas na V
Reunião Ministerial relativa à Infância e à Política Social nas Américas 18 - e a
Declaração do Panamá - resultado da X Cúpula Ibero-Americana de Chefes de Estado e
de Governo “Unidos pela Infância e Adolescência, Base da Justiça e da Equidade no
Novo Milênio” 19.
Os textos descritos permitem esboçar um modelo de intervenção
preconizado na esfera internacional, onde as crianças são vistas como titulares de
direitos universalmente reconhecidos, direitos estes que devem ser garantidos tanto pelo
Estado, como pela família ou ainda pela sociedade como um todo (MACIEL, 2010).
A EVOLUÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA NO BRASIL
A construção social da infância no Brasil envolveu processos de
agenciamento das crianças em espaços institucionais com funções de controle,
prevenção, repressão e educação, orientadas por filosofias políticas ligadas às
concepções da infância e às formas de gerenciamento da mesma.
Em geral, o reconhecimento jurídico das crianças no ordenamento brasileiro
é dividido em três fases: Doutrina do Direito Penal do Menor; Doutrina da Situação
Irregular e Doutrina da Proteção Integral (ISHIDA, 2011). São momentos que
17
Disciplina sobre o ato infracional juvenil em todos os estágios do processo, estabelecendo a privação da liberdade como medida
excepcional.
18
Dentre os compromissos deste texto, temos o de garantir a toda criança ou adolescente em conflito com a lei um tratamento
respeitoso das garantias processuais, dos princípios consagrados pela Convenção Internacional dos Direitos da Criança e de outros
instrumentos legais nacionais ou internacionais de proteção da infância.
19
Estes países reconhecem que a pobreza e a miséria, as desigualdades e a exclusão sociais, e a violência familiar são as principais
causas da delinquência juvenil, comprometendo-se a reduzir estas desigualdades, punir as violações de direitos e modernizar suas
instituições com a participação da sociedade civil.
51
representam, acima de tudo, regimes discursivos e processos históricos relacionados a
posições sobre o papel do Estado, contextos políticos e valores socioculturais mais
vastos que os expressos nos códigos legais (OLIVEIRA, 2012).
Temos um primeiro momento, que vai desde as primeiras leis penais até
início do século XX, momento em que as crianças eram tratadas praticamente iguais aos
adultos, no que concerne à responsabilidade penal. Nesse momento, a atuação do Estado
para a infância era voltada a programas de assistência médica, numa perspectiva
higienista20, cabendo à Igreja a responsabilidade sobre as crianças que não recebiam
proteção da família ou que precisavam ser catequizadas, como as indígenas.
A partir do início do século XX até o seu final em meados da década de
1980, temos o período da chamada Doutrina da Situação Irregular, que se caracteriza
por uma intensa aliança entre a Justiça e a Assistência. A inspiração nesse período vem
dos Estados Unidos da América (EUA), primeiro país a criar uma Justiça Especializada.
A política criminal juvenil dos EUA baseava-se na predominância do poder dos juízes
sob a intervenção familiar.
No reflexo destas discussões, surge no Brasil, em 1923, o Juízo de Menores,
tendo sido José Cândido de Albuquerque Mello Mattos o 1o Juiz de Menores da
América Latina. Em 1927, advém o Decreto 17.943-A, o 1o Código de Menores do
Brasil, ou Código Mello Matos. Este ultrapassa em muito as fronteiras da ação jurídica
sob a infância (MACIEL, 2010).
Surge nesse momento a categoria do “menor”, que simbolizava a "infância
pobre e potencialmente perigosa, diferente do resto da infância". Para Rita de Cássia
Oenning da Silva (2013, p.11), “o conceito menor é notoriamente uma desqualificação
destas crianças e adolescentes colocando-as numa condição de menor valor (menos
pessoa) que outras crianças”.
O Código claramente alertava que não atuaria sobre todas as crianças numa
conceituação extremamente preconceituosa e segregadora, reveladora de uma
20
O movimento higienista surge a partir do liberalismo, na primeira metade do século XIX quando os governantes começam a dar
maior atenção à saúde dos habitantes das cidades. Para estes, principalmente médicos, a doença era um fenômeno social que
abarcava todos os aspectos da vida humana e havia a necessidade do Estado intervir para garantir a “melhoria” da população.
52
compreensão de infância patologizante típica da aliança entre o saber jurídico e o saber
médico do movimento higienista. Este define o “delinquente” não mais como vítima,
mas sim como alguém que possui algum grau de desajuste em relação ao padrão
aceitável de conduta infantil em torno dos padrões psiquiátricos (RIZZINI, 1997).
Art. 1o - O menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinquente, que
tiver menos de 18 anos de idade, será submetido pela autoridade competente
ás medidas de assistência e proteção contidas neste Código.
Art. 14. - São considerados expostos os infantes até sete anos de idade,
encontrados em estado de abandono, onde quer que seja.
Art. 26. - Consideram-se abandonados os menores de 18 anos:
[...]
IV, que vivam em companhia de pai, mãe, tutor ou pessoa que se entregue á
pratica de actos contrários á moral e aos bons costumes;
V, que se encontrem em estado habitual de vadiagem, mendicidade ou
libertinagem;
VI, que frequentem lugares de jogo ou de moralidade duvidosa, ou andem na
companhia de gente viciosa ou de má vida.
VII, que, devido á crueldade, abuso de autoridade, negligencia ou exploração
dos pais, tutor ou encarregado de sua guarda, sejam:
[...]
c) empregados em ocupações proibidas ou manifestamente contrarias á moral
e aos bons costumes, ou que lhes ponham em risco a vida ou a saúde;
d) excitados habitualmente para a gatunice, mendicidade ou libertinagem.
Para o “menor”, a resposta adequada era a cultura da institucionalização,
tanto aqueles que houvessem cometido um delito ou qualquer um que fosse declarado
numa situação irregular pelo magistrado. Apesar de colaborar para a distinção entre a
vida adulta e a infância, este código não consegue impedir o binômio
carência/delinquência, com uma clara criminalização da pobreza.
Em 1979, temos um “novo” Código de Menores, consagrando a teoria
menorista da situação irregular e inspirado pelo regime totalitário e militarista vigente
53
no país. Este firmou o “menor” como objeto de tutela do Estado, legitimando a
intervenção estatal sobre as crianças e os adolescentes que estivessem em uma
circunstância que a lei estabelecia como situação irregular, operando uma clara divisão
entre a infância protegida e os “menores” (QUEIROZ, 2013).
Art 1o - Este Código dispõe sobre assistência, proteção e vigilância a
menores:
I - até dezoito anos de idade, que se encontrem em situação irregular;
II - entre dezoito e vinte e um anos, nos casos expressos em lei.
Parágrafo único - As medidas de caráter preventivo aplicam-se a todo menor
de dezoito anos, independentemente de sua situação.
Art 2o - Para os efeitos deste Código, considera-se em situação irregular o
menor:
I - privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução
obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de:
a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável;
b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las;
II - vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou
responsável;
III - em perigo moral, devido a:
a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes;
b) exploração em atividade contrária aos bons costumes;
IV - privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos
pais ou responsável;
V - Com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou
comunitária;
VI - autor de infração penal.
Surgem nesse período diversas políticas. Em 1941, é criado o Serviço de
Assistência ao Menor (SAM), demonstrando o reconhecimento pelo Estado do
“problema do menor” com um problema nacional. Seu objetivo era o de propiciar
atendimento dentro dos estados aos “menores” pela criação de escolas de reeducação.
54
O SAM recebe severas críticas de corrupção, maus-tratos e ineficiência,
sendo criada em 1964 a Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor (FUNABEM), por
meio da Lei nº 4.513. Tinha como objetivo formular e implantar a Política Nacional do
Bem-Estar do Menor (PNBEM), por meio do estudo do problema do “menor”
planejando soluções. Nesse contexto, é criada também a Fundação Estadual do BemEstar do Menor (FEBEM) como uma nova forma de atendimento as crianças e
adolescentes pobres uma escala mais reduzida. Substituía o enfoque correcionalrepressivo do extinto SAM, pelo enfoque assistencialista em que pese não tenha obtido
muito êxito (RIZZINI, 1997).
Na ditadura militar os “menores” tornam-se problema de segurança nacional
e as FEBEMs passam a virar “depósitos” de crianças, sob as mais diferentes
justificativas. Todo esse processo resulta em inúmeras violações denunciadas por
diversos segmentos como os Movimentos dos Meninos e Meninas de Rua e o Fórum
Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes (FNDCA).
A partir de 1980, com a redemocratização do país, inicia-se um clima
legislativo extremamente propício a mudanças que começam com a Reforma Penal de
1984, trazendo ao invés de menores “irresponsáveis”, a expressão “inimputáveis”, já
que a responsabilização aconteceria, mesmo que de maneira diferenciada.
A Constituição Federal de 198821 também sofre os impactos das pressões
dos movimentos sociais, de intelectuais e o avançar internacional, estabelecendo
reconhecendo expressamente a tutela jurídica de direitos fundamentais e a
reconfiguração da família e de novos sujeitos, como a criança e o adolescente.
É nesse espírito de pressões e mudanças, em âmbito nacional e
internacional, que surge a Lei 8.069/90 – O Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA) rompendo com a doutrina da situação irregular em nome da doutrina da proteção
integral. Segundo Lamenza (2008), esta representa todas as iniciativas que garantam à
criança e ao adolescente um ambiente propício ao seu regular e peculiar
desenvolvimento. O ECA erige assim, juntamente com a Constituição, um sistema de
21
Em especial os artigos 296 a 298.
55
garantias e um tripé formado pela família, pela sociedade e pelo Estado na proteção das
crianças e dos adolescentes.
A partir desse novo tratamento, a criança passou a ser considerada em sua
dignidade de pessoa humana e sujeito pleno de direito: à vida, à educação, à saúde, ao
lazer, à convivência familiar, à integridade física e psicológica também. Repudia-se o
uso da palavra “menor”, trazendo o novo Estatuto às expressões “criança”, definida
como o jovem até os 12 anos incompletos, e “adolescente”, o jovem entre 12 anos
completos e os 18 anos incompletos, reconhecendo as diferenças existentes em cada um
destes.
A criança passou de simples objeto de tutela a verdadeiro sujeito de direitos
e deveres, recebendo ampla proteção do Estado. A infância e a adolescência são
reconhecidas como fases específicas e especiais da vida humana, com seres em
desenvolvimento, de nenhuma forma aptos a se auto determinarem, sendo dignos de
uma proteção especial e de prioridade absoluta22 nas políticas públicas, na família e na
sociedade.
O ECA reconhece uma gama de direitos que devem ser assegurados de
forma integral e prioritária, com atuação de todos os entes federativos, da sociedade e da
família. O art. 3o do estatuto começa a enumerar os direitos assegurados, sustentados a
partir de três princípios, conforme comentário de Paolo Vercelone (2013, p.1):
Os princípios afirmados no artigo são três: a) crianças e adolescentes gozam
de todos os direitos fundamentais assegurados a toda pessoa humana; b) eles
têm direito, além disso, à proteção integral que é a eles atribuída por este
Estatuto; c) a eles são garantidos também todos os instrumentos necessários
para assegurar seu desenvolvimento físico, mental, moral e espiritual, em
condições de liberdade e dignidade.
22
Art. 4o - É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a
efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
56
Garantem-se assim o direito à vida e à saúde; o direito à liberdade, ao
respeito e à dignidade; o direito ao esporte e ao lazer; o direito à profissionalização e à
proteção ao trabalho; e à convivência familiar e comunitária. Há de se reconhecer os
avanços trazidos pelo Estatuto que reconhece direitos deste o ventre materno, como o
direito de alimentação à gestante, o nascimento digno e saudável, até o direito de
brincar, tantas vezes violado por crianças que precocemente adentram o mundo do
trabalho.
Embora se possa visualizar nisto a consolidação das crianças e dos
adolescentes como titulares de direitos, não se pode afirmar, ainda, que seja pacífico o
reconhecimento de certas dimensões de direitos, como é o caso daqueles que dizem
respeito à sexualidade.
3. OS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NA AMAZÔNIA
A Doutrina da Proteção Integral, presente no Estatuto da Criança e do
Adolescente, representa grande avanço, na medida em que evita a produção de
dicotomias entre “crianças normais” e “menores”, defendendo que as mesmas devam
ser pensadas na integralidade da condição.
Todavia, o advento do ECA não rompeu com a influência de práticas
anteriores, clientelistas, assistencialistas, patrimonialistas e de segregação, pautadas em
racismos variados. Segundo Galindo et al (2014, p. 63), o eugenismo23 e o higienismo
da atualidade têm deslocamentos, mas muitos de seus ideários foram disseminados no
campo de saberes, de poderes e de subjetivações, bem como nas práticas de segurança e
nas políticas públicas de modo geral:
“Se a FEBEM concretamente foi abolida do Sistema de Atenção
Psicossocial, a lógica FEBEM, concebida como uma disposição de saberes,
práticas e jogos de forças, persiste”.
23
O movimento eugenista estimulava a esterilização de grupos discriminados bem como penas capitais, internações e prisões
perpétuas.
57
Segundo Oliveira (2012), a qualificação de sujeitos de direitos às crianças e
aos adolescentes possibilitou a estruturação de uma concepção (proteção integral), de
uma forma de gestão (participativa e descentralizada) e de um método (não
assistencialista e, quanto aos atos infracionais, de caráter socioeducativo) com a
objetivação das relações24.
Para o autor, entretanto, é necessário adequar práticas e pensamentos,
principalmente em contextos socioculturais e em relações de poder nas quais se
mesclam, conflitam e negociam mais de uma forma de pensar o agenciamento jurídicoestatal e a cidadania da criança, o que não ocorre com a formalização normativa de
outros mecanismos institucionais e recursos discursivos. Nesse contexto, não pode
haver uma forma homogenizadora, impositiva e naturalizada de se instrumentalizar a
construção social da infância.
O artigo 30 da Convenção dos Direitos da Criança estabelece que:
[n] os Estados em que existam minorias étnicas, religiosas ou linguísticas ou
pessoas de origem indígena, nenhuma criança indígena ou que pertença a
uma dessas minorias poderá ser privada do direito de, conjuntamente com
membros do seu grupo, ter a sua própria vida cultural, professar e praticar a
sua própria religião ou utilizar a sua própria língua.
Ocorre que o Estatuto da Criança e do Adolescente ainda preserva uma
imagem idealizada de infância, estabelecendo quem é criança (de 0 a 12 anos
incompletos) e adolescente (de 12 a 18 anos incompletos)25, quando esta pode trabalhar
(acima dos 16 anos)26 que muitas vezes não se coaduna com determinados contextos
específicos da Amazônia, como o indígena, o quilombola ou o ribeirinho. O único
24
Simmel (1983) aponta a tendência moderna de desconexão entre as dimensões objetivas e subjetivas, sendo cada vez mais os
objetos autônomos perante os sujeitos e as relações pautadas por uma predominância do meio sobre o fim.
25
26
Art. 2° do ECA.
art. 7º, XXXIII da Constituição Federal.
58
momento em que o Estatuto da Criança e do Adolescente menciona as crianças
indígenas e quilombolas é no art. 28, §6o quando afirma que na adoção devem ser
consideradas e respeitadas sua identidade social e cultural.
O Projeto de Lei no 295/2009 buscava acrescentar dispositivos ao
Estatuto da Criança e do Adolescente, para dispor sobre os direitos da criança e do
adolescente indígenas, mas foi arquivado. Este projeto de lei, contudo, levanta uma
importante discussão sobre a possibilidade de relacionar integralidade e pluralidade,
com compromisso ético de relativização das supostas normalidades conceituais
ocidentais, substituída pela valorização da perspectiva sociocultural dos “outros” e de
incremento das políticas de inclusão social27.
Em realidade, vivemos em um país que resiste ao reconhecimento das
diferenças, sejam de gênero, étnicas e/ou raciais, o que alimenta desigualdades. Na
Amazônia, convivemos com diferentes contextos culturais e grupos étnico-raciais e
precisamos que as políticas públicas alcancem a população em toda a sua diversidade,
reordenando-se os discursos, as práticas e as instituições.
Todavia, muitas das leis e políticas públicas ainda partem de uma visão
idealizada e universal de infância e sofrem pressões sociais que impedem discussões
que ampliem essa perspectiva, como foi o caso recente da alteração do Plano Nacional
de Educação (PNE) sendo suprimido o item:
“São diretrizes do PNE a superação das desigualdades educacionais, com
ênfase na promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação
sexual”28.
27
OLIVEIRA, 2012
28
Disponível em http://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2014-04/comissao-da-camara-aprova-texto-base-do-pne-eretira-questao-de-genero. Acesso em: jan. 2012.
59
Tais alterações impedem que se amplie o olhar acerca da complexidade das
identidades desses sujeitos e das desigualdades sociais que vivenciam por intermédio de
um enfoque integrado, alcançando a criança a partir de seu contexto sócio-político.
A cidadania pressupõe, não apenas, o reconhecimento dos direitos, mas
garantias sociais, jurídico-institucionais para que estes direitos possam ser usufruídos
sem quaisquer tipos de discriminação. Para que as crianças sejam cidadãs, este conceito
precisa ser redimensionado na justa medida da constatação das antinomias de seu
cotidiano através da reconstrução de sua identidade político-social; da articulação entre
a esfera pública e a privada; e das distorções entre lei e realidade.
60
REFERÊNCIAS
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GALINDO, Dolores; LEMOS, Flávia Cristina Silveira; SOUZA, Leonardo Lemos de;
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psicossocial e da proteção social. Barbarói, Santa Cruz do Sul, n.41, p., jul./dez. 2014
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jurisprudência. 13. ed. São Paulo: Altlas, 2011.
LAMENZA, Francismar. O direito da criança e do adolescente ao tratamento contra
a drogadição. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XI, n. 58, out 2008. Disponível em:
http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3145lame.
Acesso em jan 2015.
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Adolescente: aspectos teóricos e práticos. 4. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010.
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para a construção da Doutrina da Proteção Plural. 2012. 240f. Dissertação (Mestrado em
Direito) - Instituto de Ciências Jurídicas, Universidade Federal do Pará, Belém, 2012.
QUEIROZ, Bruno Caldeira Marinho de. Evolução Histórico-normativa da Proteção e
Responsabilização
Penal
Juvenil
no
Brasil.
2008.
Disponível
em:
http://www.webartigos.com/artigos/evolucao-historico-normativa-da-protecao-eresponsabilizacao-penal-juvenil-no-brasil/8610/. Acesso em: 22 fev. 2013.
RIZZINI, Irene. O século perdido: raízes históricas das políticas públicas para a
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SIMMEL, G. O estrangeiro. In MORAES FILHO, Evaristo (org.). Simmel, São. Paulo,
Ática, 1983.
61
SILVA, Rita de Cácia Oenning da. O sujeito na infância: quando a visibilidade produz
exclusão. s.d. Disponível em: www.antropologia.com.br/tribo/infancia. Acesso em: 04
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VERCELONE,
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Comentando
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2010.
Disponível
em:
http://www.promenino.org.br/noticias/arquivo/eca-comentado-artigo-3-livro-1---temacrianca-e-adolescente. Acesso em: 09 fev. 2013.
62
O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E A EXPERIÊNCIA DA
ESCOLA DE CONSELHOS NA AMAZÔNIA PARAENSE
Nazaré Araújo
O princípio da dignidade humana é um dos fundamentos do Estado
Democrático de Direito brasileiro, conforme estabelecido no art. 1º. Da Constituição da
República, de 1988. Para garantir a efetividade deste fundamento o texto Constitucional
lista vários direitos fundamentais, dentre eles os direitos sociais expressos no art. 6º,
quais sejam: educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social,
proteção à maternidade e à infância, além de assistência aos desamparados.
No âmbito dos direitos fundamentais de proteção à criança e ao adolescente,
a legislação brasileira constitucional, assim como os documentos internacionais de
proteção infanto-juvenil, regulou a matéria em seu artigo 227, determinando que a
família, a sociedade e o Estado devem assegurar para as pessoas em formação, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária, além do dever de garantir que fiquem a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
O princípio da prioridade absoluta da criança como norma a ser cumprida,
estabelece que a proteção não é mais obrigação exclusiva da família e do Estado: é um
dever social. Entende-se “Prioridade Absoluta” como a qualificação dada aos direitos
assegurados à população infanto-juvenil, a fim de que sejam inseridos na ordem do dia
com primazia sobre quaisquer outros.
Em decorrência das novas normas constitucionais estabelecidas a partir de
1988, que preconizavam um novo paradigma em relação à infância, tornou-se
imperativa a elaboração de um instrumento legal para regulamentar a efetivação dos
direitos fundamentais de crianças e adolescentes. Nascia, assim, o Estatuto da Criança e
63
do Adolescente, Lei n° 8.069 de 13 de julho de 1990, reforçando no artigo 1º a doutrina
da proteção integral à infância.
O Estatuto da Criança e do Adolescente é, portanto, um conjunto de normas
que trata especificamente do tratamento social e legal a ser oferecido às crianças e
adolescentes, sendo lei complementar que decorre do processo de redemocratização do
país e tem sua expressão maior na Constituição Federal promulgada em 1988. O ECA
parte do princípio de que são sujeitos de direitos pessoas em situação peculiar de
desenvolvimento e prioridade absoluta (COSTA, 1992) e estabelece proteção integral à
criança e ao adolescente.
O Estatuto da Criança e do Adolescente inaugura uma nova concepção de
direitos e deveres pautados na proteção integral, diferentemente dos Códigos de
Menores de 1927 e 1979. Baseia-se em orientações da Organização das Nações Unidas
(ONU) e atende às diretrizes da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da
Declaração dos Direitos da Criança (1959) e da Convenção dos Direitos das Crianças
(1989/1990). Segundo Fonseca (2004), as pressões internacionais, justamente com
pressões internas no Brasil, tornaram o ECA resultado de um movimento mundial que
provocou, durante os anos 80, em muitos países, a reedição de sua legislação sobre o
bem-estar da criança.
A Lei 8.069/90 estabelece que é criança quem tem até doze anos
incompletos e adolescente quem tem entre doze e dezoito anos de idade, e ambos devem
usufruir de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da
proteção integral. Estabelece, ainda, que é dever da família, da comunidade, da
sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação
dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária.
A absoluta prioridade de que trata a Lei 8.069/90 compreende a prioridade
em receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias, a precedência de
atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública, a preferência na formulação
64
e na execução das políticas sociais públicas e a destinação privilegiada de recursos
públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.
Ressalta o dispositivo legal que nenhuma criança ou adolescente será objeto
de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus
direitos fundamentais. Também disciplina que a criança e o adolescente têm direito à
proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que
permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas
de existência.
Quanto à saúde pública, além de estabelecer a necessidade de tratamento
prioritário, destaca que o adolescente portador de deficiência receberá atendimento
especializado, definido na obrigação do poder público de fornecer gratuitamente àqueles
que necessitarem os medicamentos, próteses e outros recursos relativos ao tratamento,
habilitação ou reabilitação. Da mesma forma, determina que os estabelecimentos
destinados ao atendimento à saúde proporcionarão condições para a permanência em
tempo integral de um dos pais ou responsável, nos casos de internação de criança ou
adolescente.
Os casos de maus-tratos contra criança ou adolescente, objeto de suspeita ou
confirmação, serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva
localidade, sem prejuízo de outras providências legais. Adicionalmente, é dever de
todos cuidar da dignidade da criança e do adolescente, mantendo-os a salvo de qualquer
tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
O ECA enfatiza que toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e
educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a
convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas
dependentes de substâncias entorpecentes.
Esclarece que aos pais compete o sustento, guarda e educação dos filhos
menores, cabendo-lhes ainda, no interesse dos mesmos, a obrigação de cumprir e fazer
cumprir as determinações judiciais.
65
A lei estabelece que a falta ou a carência de recursos materiais não constitui
motivo suficiente para a perda ou a suspensão do pátrio poder. Define família natural
como a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes e
informa que a colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou
adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente e que, sempre
que possível, a criança ou adolescente deverá ser previamente ouvida e a sua opinião
devidamente considerada.
Prevê o ECA que crianças e adolescentes têm direito à educação, visando ao
seu pleno desenvolvimento, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o
trabalho. Ao Estado incumbe assegurar-lhes o ensino fundamental, obrigatório e
gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria, bem como a
progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio; atendimento
educacional especializado aos portadores de deficiência; atendimento em creche e préescola às crianças de zero a seis anos de idade, dentre outros na esfera educacional,
inclusive com eventuais programas suplementares de material didático-escolar,
transporte, alimentação e assistência à saúde.
Prevê a lei, que os pais ou responsáveis deverão matricular seus filhos na
rede regular de ensino e que os dirigentes de estabelecimentos de ensino fundamental
comunicarão ao Conselho Tutelar os casos de maus-tratos envolvendo seus alunos,
reiteração de faltas injustificadas e de evasão escolar, bem como os elevados níveis de
repetência, após esgotados os recursos escolares.
O instrumento legal proíbe qualquer trabalho aos menores de quatorze anos
de idade, salvo na condição de aprendiz e considerando a aprendizagem a formação
técnico-profissional, ministrada segundo as diretrizes e bases da legislação de educação
em vigor.
Estabelece que todas as crianças e adolescentes têm direito ao acesso às
diversões e espetáculos públicos classificados como adequados à sua faixa etária, sendo
que as crianças menores de dez anos somente poderão ingressar e permanecer nos locais
de apresentação ou exibição quando acompanhadas dos pais ou responsável; determina
que as emissoras de rádio e televisão somente exibam, no horário recomendado para o
66
público infanto-juvenil, programas com finalidades educativas, artísticas, culturais e
informativas. Finalmente, proíbe a apresentação ou anúncio de espetáculo sem aviso
prévio de sua classificação etária.
Fica proibida, a partir do ECA, a venda, para crianças e adolescentes, de
produtos prejudiciais a sua formação e sua educação, tais como armas, munições e
explosivos, bebidas alcoólicas ou produtos cujos componentes possam causar
dependência física ou psíquica, ainda que por utilização indevida, sendo prevista
advertência com pedido de mudança de atitude para o responsável e para o adolescente
nos atos infracionais, definindo sanções como internação em estabelecimento
apropriado para casos mais graves, equivalentes ao crime ou contravenção quando
cometido por adultos.
Neste aspecto as entidades que desenvolvem programas de internação
devem observar os direitos e garantias de que são titulares os adolescentes; não
restringir nenhum direito que não tenha sido objeto de restrição na decisão de
internação, preservar a identidade e oferecer ambiente de respeito e dignidade ao
adolescente, diligenciar no sentido do restabelecimento e da preservação dos vínculos
familiares, oferecer instalações físicas em condições adequadas, e toda infraestrutura e
cuidados médicos e educacionais, inclusive na área de lazer e atividades culturais e
desportivas. Também tem a obrigação de reavaliar periodicamente cada caso, com
intervalo máximo de seis meses, dando ciência dos resultados à autoridade competente.
Prevê o instrumento legal que a medida de internação só poderá ser aplicada
quando tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à
pessoa, por reiteração no cometimento de outras infrações graves e que em nenhuma
hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada. Estabelece que a
internação deverá ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local
distinto daquele destinado ao abrigo, obedecendo à rigorosa separação por critérios de
idade, compleição física e gravidade da infração.
Verificada a prática de ato infracional a autoridade competente poderá
aplicar ao adolescente as seguintes medidas: advertência; obrigação de reparar o dano;
67
prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de
semiliberdade, internação em estabelecimento educacional.
Em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a autoridade
poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o
ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o prejuízo da vítima.
A prestação de serviços comunitários consiste na realização de tarefas
gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto a entidades
assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em
programas comunitários ou governamentais.
A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios
de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento. Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a
três anos, observando que atingido este limite o adolescente deverá ser liberado,
colocado em regime de semiliberdade ou de liberdade assistida. A liberação será
compulsória aos vinte e um anos de idade.
Os pais são ou responsáveis são, primordialmente, titulares da guarda e da
tutela dos menores sob sua responsabilidade, e exatamente por isso devem sofrer
sanções ou medidas corretivas no caso incapacidade ou deficiência no atendimento ao
menor. Exemplos de medidas corretivas podem ser o encaminhamento a programa
oficial ou comunitário de proteção à família, inclusão em programa oficial ou
comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos,
encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico, obrigação de encaminhar a
criança ou adolescente a tratamento especializado, podendo sofre eventual advertência,
perda da guarda, destituição da tutela e até a suspensão ou destituição do pátrio poder.
De forma integrada, também devem funcionar as entidades que
desenvolvem programas de abrigo, que devem nortear suas atividades dentro dos
princípios da preservação dos vínculos familiares, integração em família substituta,
quando esgotados os recursos de manutenção na família de origem, atendimento
personalizado e em pequenos grupos, desenvolvimento de atividades em regime de
68
coeducação, não desmembramento de grupos de irmãos, evitar, sempre que possível, a
transferência para outras entidades de crianças e adolescentes abrigados, participação na
vida da comunidade local, preparação gradativa para o desligamento, participação de
pessoas da comunidade no processo educativo.
Nos municípios, deverá haver, no mínimo, um Conselho Tutelar composto
de cinco membros, escolhidos pela comunidade local, encarregado pela sociedade de
zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente. São atribuições do
Conselho Tutelar, atender as crianças e adolescentes, nas hipóteses em que seus direitos
estejam sendo desrespeitados, inclusive com relação a seus pais e responsáveis, bem
como em outras questões vinculadas aos direitos e deveres previstos na legislação do
ECA e na Constituição.
Conforme se verifica o conjunto normativo do ECA é acessível, sendo um
diploma legal que objetiva colaborar na melhor formação das crianças e dos
adolescentes, sem perder o foco da reeducação dos pais e dos responsáveis, no que se
inclui o próprio Estado Brasileiro. O ECA é uma Lei que para ser cumprida precisa ser
conhecida pelos que trabalham diariamente com as crianças e adolescentes.
Entretanto existem ainda 3,1 milhões de crianças e adolescentes de 4 a 17
anos fora da escola no Brasil, além de outras 4,2 milhões dentro do contexto do trabalho
infantil de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Hoje em nosso
país, a cada mil nascidos vivos, 19,3 morrem antes de completar um ano e o grande
desafio é fazer com que o ECA seja, de fato, aplicado no dia a dia dessas crianças e
adolescentes, com os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário trabalhando em rede.
Sem essa articulação é impossível termos uma política em defesa das crianças e
adolescentes.
É preciso que o ECA chegue a todos os espaços, com abrangência a outros
grupos populacionais, como ribeirinhos, quilombolas e indígenas, historicamente
excluídos desse processo.
A terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH-3,
em 2009, deu continuidade ao processo histórico de consolidação das orientações para
69
concretizar a promoção e defesa dos Direitos Humanos no Brasil. Avançou
incorporando a transversalidade nas diretrizes e nos objetivos estratégicos propostos, na
perspectiva da universalidade, indivisibilidade e interdependência dos Direitos
Humanos. Em sua Diretriz 8, Objetivo Estratégico II, estabelece a criação das escolas de
conselhos em todos estados da União e no Distrito Federal,
“com vista a apoiar a estruturação e qualificação da ação dos conselheiros
tutelares e de direitos”
(PNDH III, Brasília: 2009, p. 79).
Foram então sendo criadas as Escolas de Conselhos em todo o Brasil, com o
objetivo primordial de instruir, formar e aperfeiçoar operadores do Sistema de Garantia
dos Direitos, sobretudo em políticas públicas voltadas para a criança e o adolescente e
aprimorar a atuação de conselheiros de direitos e tutelares, tornando-os capazes de um
saber autônomo e de uma ação transformadora, no que concerne à proteção integral dos
direitos de crianças e adolescentes.
No Pará, a Escola de Conselhos Pará - Núcleo de Formação Continuada de
Conselheiros de Direitos e Conselheiros Tutelares da Amazônia Paraense é um projeto
apoiado pelo Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA)
e pelo Conselho Estadual de Direitos da Criança e do Adolescente (CEDCA-PA), por
meio da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e da Secretaria de
Estado de Assistência Social do Pará. Desde sua instalação, em janeiro de 2011, está
sob a coordenação do Professor Salomão Antônio Mufarrej Hage, do Instituto de
Ciências da Educação - Universidade Federal do Pará.
A Escola de Conselhos no Pará tem como desafio atingir os 144 municípios
do Estado, realizando a formação continuada dos conselheiros Tutelares e dos Direitos
de crianças e adolescentes, em 20 municípios polos, a saber: Altamira, Belém,
Bragança, Breves, Cametá, Capanema, Castanhal, Conceição do Araguaia, Gurupá,
70
Itaituba, Marabá, Marajó, Moju/Abaetetuba, Paragominas, Parauapebas, Redenção,
Santarém, Tucuruí, Vigia e Xinguara.
Conta com um Núcleo Gestor composto pela Universidade Federal do Pará,
o Ministério Público Estadual, a Universidade do Estado Pará, o Conselho Estadual dos
Direitos da Criança e do Adolescente do Pará, o Fórum Estadual dos Direitos da
Criança e do Adolescente, a Associação Estadual de Conselheiros e Ex-conselheiros
Tutelares e a Secretaria de Estado de Assistência e Desenvolvimento Social. São
parceiros da Escola também as seguintes organizações da sociedade civil, referenciadas
pela ampla atuação e experiência na área da criança e do adolescente: Movimento
República de Emaús, Sociedade de Defesa dos Direitos Sexuais, Instituto Universidade
Popular, Associação Paraense de Apoio às Comunidades Carentes – APACC,
Movimento de Valorização do Estatuto da Criança e do Adolescente - MOVER,
Defensoria Pública do Estado do Pará, CNBB – Comissão de Justiça e Paz, o Canal
Futura, a Radio Margarida, entre outros.
Partindo do reconhecimento de crianças e adolescentes como sujeitos de
direitos, enquanto prioridade absoluta de políticas públicas (Art. 207 da Constituição
Federal de 1988), a Escola de Conselhos – Pará, de forma mais específica se propõe a
formar os conselheiros dos direitos da criança e do adolescente e conselhos tutelares por
meio de vivências formativas realizadas com os Conselheiros de Direitos e Tutelares,
reunidos nos municípios polo anteriormente mencionados.
A Escola busca, sobretudo, o reconhecimento das especificidades regionais,
com destaque para as desigualdades de classe social e diferenças de gênero, orientação
sexual, étnico-racial, cultural, religiosa e territorial na Amazônia.
Até os dias atuais as atividades desenvolvidas pela Escola de Conselhos –
Pará dependem de projetos submetidos à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência
da República – SDH e ao Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente –
CEDCA, todos com prazo determinado de, em média, 12 ou 18 meses, e na
dependência de que novos editais sejam publicados para garantir a continuidade de suas
ações. Há, porém, estudos em andamento para tornar política pública a atuação da
Escola.
71
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72
INDICADORES SOCIAIS DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA NA AMAZÔNIA
Alberto Damasceno
Carlos Maciel
Emina Santos
A preocupação com o cumprimento dos direitos da criança e do adolescente,
acompanhada da observação atenta à situação deste segmento da população não é
recente. Em uma obra datada de 1998 José Ricardo Cunha já nos dizia que
“para compreender a situação de risco que ameaça grupos determinados de
crianças e adolescentes, é necessário um esforço interdisciplinar de análise,
complementado com a socialização da experiência concreta daqueles que
lidam no cotidiano”
(DINIZ e LOBO: 1998, 9).
A maioria dos estudiosos e militantes nesta área acredita que essa luta vai
muito além da revolta contra o preconceito e a injustiça. Ela deve compreender também
o acompanhamento cotidiano da realidade deste segmento social, por meio dos
indicadores que dizem respeito direta ou indiretamente às suas condições de existência.
Por essa razão, deve ser considerada ação estratégica a criação e o desenvolvimento de
projetos cujos objetivos compreendam a realização de diagnósticos em diferentes
âmbitos e o registro sistemático de dados sobre essa população; subsidiando estudos a
partir de indicadores de educação, saúde e situação de risco social, revelando aspectos
da situação da criança e do adolescente principalmente nas esferas municipal, estadual e
regional, tendo em vista a implementação de políticas públicas efetivas e adequadas.
O documento “A Amazônia e os objetivos de desenvolvimento do milênio”
da Articulação Regional Amazônica (CELENTANO e VEDOVETO, 2011, 5) reforça
essa importância ao constatar que
73
há uma profunda falta de informação sobre a realidade das diferentes
amazônias, situação que impede a promoção de políticas e iniciativas
regionais para a conservação e desenvolvimento sustentável.
Ainda somos uma região em transe, marcada a ferro pela mácula da
pobreza, pela negligência de governos e pela ganância de salteadores com sotaques e
gravatas. Por essa razão os movimentos sociais devem ter papel preponderante,
auxiliados por informações organizadas que lhes proporcionem recursos para a
realização de uma missão que parece ser interminável, contra o inimigo (aparentemente
invencível) da injustiça. Devem ser ativos mais que nunca, intransigentes e proativos
como devem ser, pois as perspectivas de futuro não existem sem a ação coordenada de
pessoas de bem para um bem coletivo e urgentemente necessário.
Como prova disso um recente estudo do IMAZON (2010) demonstra que
Os objetivos do Milênio têm obtido algumas melhoras na Amazônia, mas a
região continua aquém da média nacional para a maioria dos indicadores
avaliados. Ao comparar a evolução histórica dos indicadores avaliados neste
estudo, a maioria melhorou entre 1990 e 2009 (ou data mais recente) nos
Estados da Amazônia. Entretanto, como mostramos no decorrer do estudo,
essa melhoria ainda é insatisfatória na maioria dos casos. Das 15 metas
avaliadas, apenas uma foi alcançada na região e outras duas poderão ser
atingidas até o prazo de 2015. (CELENTANO e VERÍSSIMO, 2010, 73).
O território da Amazônia legal inclui os estados do Acre, Amazonas,
Roraima, Rondônia, Amapá, Tocantins e Pará, e parcialmente os estados do Maranhão e
Mato Grosso. Nesta análise os dados dos estados de Mato Grosso e do Maranhão serão
incorporados integralmente ao texto apresentado.
74
Preliminarmente, deve-se ressaltar que muitos dos discursos comuns sobre a
Região Amazônica constituíram-se em construções ideológicas distantes da realidade
regional, especialmente porque não conseguiram dar conta da diversidade e
complexidade deste espaço, uma vez que eram
“... elaborações que não passaram pelo valor das realizações coletivas que
conferem o sentido de autenticidade à ação social dos grupos humanos”
(COELHO, 1994, p. 84).
Por isso mesmo, a Amazônia não pode ser vista sob uma ótica natural, mas
como um produto histórico resultante das ações objetivas do homem sobre ela nos
diversos momentos de sua construção. Pensá-la de forma natural é idealizar um
território como um lócus sagrado, tanto para o bem quanto para o mal, obliterando
assim as condições de conhecê-la em suas potencialidades e limitações.
A rigor essas formas ideológicas de explicações sobre a Região impedem
tanto que ela seja conhecida em suas características histórico-sociais quanto obstaculiza
que sejam feitas ações planejadas que tenham em sua fundamentação e da legitimidade
social daqueles que participam e constroem a Amazônia.
No que diz respeito à realidade contemporânea das crianças e adolescentes
que vivem na Amazônia Legal, é relevante ressaltar suas complexidades e
particularidades. O diálogo sobre os indicadores das condições sociais em que vive esse
segmento social pode contribuir para o reconhecimento dos impactos sócio históricos no
viver da população infanto-juvenil que reside nesta Região.
Os registros do desenvolvimento implementado na Amazônica estão
impressos em sua trajetória sócio histórica, e repercutem nos componentes políticos,
econômicos, sociais e culturais que desenham este território e imprimem paisagens
imprecisas, que pouco revelam do seu processo constituidor, mas que ressaltam os
efeitos de um movimento desigual e injusto para a maioria de sua população, em
particular para o seu segmento mais fragilizado: as crianças e adolescentes.
75
Os indicadores sociais sobre a realidade de crianças e adolescentes
amazônidas comumente indicam uma situação complexa e desafiante. Compreender
estes indicadores pode potencializar decisões programáticas dos governos estaduais e
municipais no enfrentamento dos desafios postos para a sobrevivência dessas crianças e
adolescentes.
Sob o ponto de vista ético, o conhecimento, a análise e a publicação destes
dados têm o potencial de estimular o repensar sobre o passado sócio histórico deste
espaço e sobre as condições de vida de seus habitantes, para contribuir na constituição
de ações que construam um futuro melhor para cada uma das crianças e adolescentes
que aqui vivem.
A propósito, sobre a população que habita a Amazônia Legal é relevante
destacar a proporcionalidade do segmento infanto-juvenil em relação à totalidade de
seus habitantes, conforme pode ser identificado na tabela 129.
A concentração de crianças e adolescentes em relação à totalidade de
habitantes na Amazônica é de 36,4%, significativamente superior à média nacional de
29,6%. A análise dos dados no intervalo de 1991 a 2009 demonstra uma redução da
população infanto-juvenil na ordem de 11,4% no plano nacional e de 13,0% nesta
Região, o que evidencia uma tendência geral de diminuição deste segmento no Brasil.
Os dados desagregados por estados da Amazônia legal revelam que a
concentração da população de crianças e adolescentes assume um amplo leque de
variação desde 31,1% em Mato Grosso a 39,3% em Roraima. Certamente, estes
gradientes devem implicar em particularidades próprias em relação às demandas sobre
as políticas públicas geradas pelas diferentes concentrações do segmento de crianças e
adolescentes em cada estado desta Região, que devem requisitar uma atenção
diferencial das políticas de estado destinadas ao atendimento dos direitos das crianças e
adolescentes, seja do ponto de vista orçamentário, seja em seu aspecto técnico e
político.
29
Vide tabela 01 em apêndice, página 92.
76
No que diz respeito à proporção de crianças e adolescentes em relação ao
total de habitantes nas diversas Regiões brasileiras (dados de 2009), particularmente a
Região Norte tem a maior concentração deste segmento com o índice de 37,1%
enquanto as demais Regiões apresentam os seguintes índices: CO 30,5%; SU 27,3%; SE
26,4%; NE 33,2%, conforme pode ser visualizado no gráfico 1.
Gráfico 1: Proporção de Crianças e Adolescentes por Região - 2009
37,1
40
29,6
30,5
33,2
27,3
26,4
30
BR
NO
CO
20
SU
10
SE
0
NE
2009
Esta maior incidência da população de crianças e adolescentes na Região
Norte, mesmo com a tendência de diminuição nas últimas décadas, deve requisitar um
cuidado específico tanto no planejamento, quanto na gestão de programas, serviço e
projetos de políticas públicas destinadas a este segmento social.
Esta requisição assume relevância, especialmente quando se analisam os
demais indicadores sociais que traduzem a realidade da reprodução social das crianças e
adolescentes na Amazônia legal. Particularmente a análise da taxa média anual de
crescimento populacional da Amazônia legal expõe que a concentração de crianças e
adolescentes nesta Região permanecerá a maior por um largo período de tempo haja,
vista que todos os estados que a compõem têm um índice de crescimento populacional
superior ao índice nacional, conforme pode ser identificado na tabela 230.
30
Vide tabela 02 em apêndice, página 93.
77
Como pode ser visualizada, a taxa de crescimento anual da população
residente no território brasileiro apresenta uma tendência de redução nas duas últimas
décadas, indo de 1,64% em 1991 para 1,17% em 2010. Embora na Região Norte ocorra
também esta tendência de redução, passando de 2,86% em 1991 para 2,09% em 2010,
esta Região tem a maior taxa de crescimento populacional em relação às demais regiões
brasileiras. Em relação à taxa nacional, o dado regional é superior em aproximadamente
79%.
Esta realidade resulta da combinação de dois fatores: o crescimento
vegetativo da população residente e o fator migratório que tem promovido o
deslocamento de indivíduos de outras partes do Brasil para os estados da Amazônia
Legal em busca de novas oportunidades. Este último fator fica mais evidente quando se
consideram os dados desagregados por estado na Região Norte, sendo os estados de
Roraima e do Amapá que apresentam as maiores taxa nacionais de crescimento
populacional com 3,34% e 3,45%, respectivamente.
É crível afirmar que este crescimento populacional deve incidir sobre as
condições de vida desta população, uma vez que o aumento demográfico acelerado, sem
o correspondente investimento em políticas públicas que promovam a ampliação de
ofertas de serviços públicos, impacta em problemas sociais de diversas ordens em curto,
médio e longo prazo.
Não é difícil compreender a questão da infância na Amazônia como uma
engrenagem complexa e gigantesca, mas emperrada, que se move senão aos trancos,
afetada pela ferrugem do descaso e pela eterna e distante expectativa de melhora, vítima
que é, da distribuição desigual e iníqua das riquezas auferidas no país. Prova disso é a
própria Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2012, de cujo montante total de recursos,
menos de 10% está destinada à região Norte. Dito de outro modo, dentre os dez estados
que receberam menos recursos da União, seis são da Amazônia, com exceção de
Maranhão, Pará e Amazonas.
É passada a hora de regurgitar lamentos. A Amazônia não pode mais ser
alvo de “escutas fortes”. Já sabemos o que queremos, os brasileiros amazônidas, e o
mundo já tem conhecimento do potencial e da capacidade de contribuição ativa dessa
78
região para o desenvolvimento planetário. Ao lado da disseminação de uma cultura de
responsabilidade histórica em relação a esse “inferno” cada vez menos verde, impõemse a obrigação de priorizá-la como eixo de reconciliação entre o desenvolvimento
sustentável e a justiça social. Por tudo isso, nossas crianças são muito mais que
esperança silenciosa de futuro, são um presente que grita.
79
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APÊNDICE: INDICADORES SOCIAIS DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA NA
AMAZÔNIA
Tabela 1: População Geral e de Crianças e Adolescentes na Região Amazônica
População total (milhares)
População de crianças e
adolescentes (milhares)
Área
1991
Brasil
2008
2009
1991
2008
2009
146.816 189.953 191.796 60.254 57.244 56.810
Percentual da
população de
crianças e
adolescentes
1991
2008
2009
41,0
30,1
29,6
Reg. Amazônica 16.983
24.737
25.082
8.399
9.235
9.123
49,4
37,3
36,4
Rondônia
1.133
1.519
1.531
537
523
512
47,4
34,4
33,4
417
692
705
214
275
274
51,4
39,8
38,9
2.103
3.399
3.455
1.070
1.353
1.303
50,9
39,8
37,7
218
421
430
100
163
169
45,8
38,8
39,3
4.949
7.367
7.479
2.460
2.784
2.814
49,7
37,8
37,6
Amapá
289
626
640
152
237
244
52,7
37,8
38,1
Tocantins
918
1.303
1.316
449
462
457
48,9
35,4
34,7
Maranhão
4.930
6.400
6.469
2.515
2.478
2.398
51,0
38,7
37,1
Mato Grosso
2.026
3.010
3.057
902
960
952
44,5
31,9
31,1
Acre
Amazonas
Roraima
Para
Fonte: IBGE/PNAD
83
Tabela 2: Taxa Média de Crescimento Anual da População Residente
Taxa média geométrica de crescimento anual da
população residente (%)
Área
1991/2000
2000/2010
Brasil
1,64
1,17
Região Norte
2,86
2,09
Rondônia
2,24
1,25
Acre
3,29
2,78
Amazonas
3,31
2,16
Roraima
4,58
3,34
Para
2,54
2,04
Amapá
5,76
3,45
Tocantins
2,61
1,80
Maranhão
1,54
1,52
Mato Grosso
2,40
1,94
Fonte: IBGE
84
POR UMA AGENDA PARA AS CRIANÇAS DA AMAZÔNIA
Fabio Atanásio de Morais31
A Amazônia Legal também se revela por meio de uma quantidade
expressiva de desafios que precisam e devem ser superados, especialmente aqueles que
se referem aos direitos de crianças e adolescentes. A complexidade das questões sociais
desta região exige um esforço coletivo para garantir a todas as crianças e adolescentes
seu pleno desenvolvimento.
A região equivale a cerca de 60% do território nacional, correspondendo a
762 municípios nos estados do Acre, do Amazonas, de Roraima, de Rondônia, do
Amapá, de Tocantins e do Pará e de Mato Grosso, e parte do Maranhão. São cerca de 22
milhões de pessoas que aqui vivem, com a população mais jovem do país, da qual 40%
têm menos de 18 anos.
É a segunda região do país em registros de remanescentes de quilombos32,
bem como é onde se concentra a maior parte da população indígena,
representando 49% do total. É também onde se encontra o maior percentual
de projetos de assentamentos da reforma agrária. Tal diversidade social e
cultural apenas acrescenta, ao caldeirão que é a Amazônia, mais elementos
para serem trabalhados. Estas comunidades que se encontram atualmente
entre as mais vulneráveis, vivem de forma dispersa e exigem um olhar
específico a cada realidade, suas diferenças e demandas em respeito aos seus
diferentes aspectos sociais, culturais e econômicos.
Um trabalho desenvolvido pelos professores Carlos Maciel e Maria Luiza
Lamarão, “Indicadores sobre crianças e adolescentes na Região Amazônica”, mostra
31
Coordenador do Escritório do UNICEF em Belém.
32
Dados retirados da publicação “Território das comunidades remanescentes de antigos quilombos no Brasil".
85
“nas últimas décadas uma ocupação e exploração descontroladas, que
influenciaram no intenso processo de migração, em particular em alguns
polos e cidades, como no caso das capitais dos estados, nas regiões chamadas
de "províncias minerais" e nas cidades de implantação dos grandes projetos,
como Porto Velho, Itaituba, Carajás, Tucuruí, Serra Pelada e outros. No
entanto,
este
alto
fluxo
migratório
não
foi
acompanhado
pelo
desenvolvimento econômico, político, social e administrativo dessas
localidades”.
“Estes
fatores
fizeram
com
que
algumas
cidades
crescessem
vertiginosamente em alguns anos, de tal forma que multiplicaram várias
vezes sua população primária. Assim, como consequência direta do inchaço
populacional, estas cidades não se encontravam preparadas para enfrentar os
reflexos sociais desse fenômeno, principalmente no que tange ao aumento
das demandas aos serviços públicos”.
E neste sentido, a realidade de crianças e adolescentes da região, na verdade,
acaba por compor um quebra-cabeça difícil de ser montado. Ainda de acordo com
Carlos Maciel e Maria Luiza Lamarão,
“os indicadores sociais das crianças e adolescentes que vivem na Região
Norte apontam uma realidade complexa e desafiante. Conhecê-los remete a
uma necessidade técnica, política e ética. Técnica e política porque estes
dados podem potencializar decisões políticas e técnicas que contribuirão para
o enfrentamento dos desafios postos para sobrevivência das crianças e
adolescentes nortistas”.
Ética, pois estes dados, inevitavelmente, podem conduzir a um repensar
sobre o passado sócio histórico desta região e sobre as condições de vida de seus
habitantes, para contribuir em um reposicionamento das ações no presente, com vistas a
um futuro que agregue a cada uma das crianças e adolescentes que aqui vivem.
86
Portanto, conhecer profundamente esta realidade é fundamental para que
possamos compreender e atuar sobre ela naquilo que há de mais importante: como
melhorar a vida das crianças e dos adolescentes da região. E este é um componente
importante, na medida em que a Amazônia convive com indicadores que ainda são
duvidosos, pois é grande a subnotificação dos dados.
Para aqueles que compõem o sistema de garantia de direitos de crianças e
adolescentes, especialmente os (as) conselheiros (as), o desafio se impõe com maior
ênfase na medida em que entre as questões que afetam a oferta de serviços públicos de
qualidade é, exatamente, o baixo controle social sobre as políticas. E este é um papel
fundamental não só de conselheiros (as) de direitos, mas conselheiros (as) de saúde,
educação, entre outros.
Aliás, como diz uma frase dos povos africanos: é preciso uma tribo inteira
para cuidar de uma criança. Pois que sejamos todos e todas cuidadores e cuidadoras de
nossas crianças.
INICIATIVAS PARA REDUZIR DESIGUALDADES E PROMOVER OS
DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Em junho de 2008, nove governadores da Amazônia Legal assinaram a
Agenda Criança Amazônia, em ato promovido durante a primeira reunião do Fórum
de Governadores da Amazônia Legal, realizada em Belém (PA). Por meio de uma ação
simbólica, os governadores da região firmaram o acordo, assumindo o compromisso
para a construção de um plano de ação para integração, articulação e cooperação
voltadas para a garantia dos direitos de cada criança e de cada adolescente da região. Ao
assinar a agenda, os governadores comprometeram-se a efetivar políticas públicas que
beneficiassem os mais de 9 milhões de meninos e meninas da Amazônia Legal.
Os ministros das áreas de Direitos Humanos, Saúde, Educação, Meio
Ambiente, as organizações da sociedade civil e do setor privado também apoiaram a
iniciativa. O então ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, representando o governo
87
federal, afirmou que só é possível garantir os direitos da infância e da adolescência com
o desenvolvimento sustentado.
"Sem isso, as crianças não têm boa educação, nem uma boa alimentação, e a
mortalidade é maior. O desenvolvimento sustentado é a garantia de que as
crianças, as mulheres e a população em geral vão ter acesso aos serviços
públicos, sem a destruição da floresta".
Em 2009 durante o IV Fórum de Governadores da Amazônia Legal, em Boa
Vista (RR), houve a aprovação do documento de compromisso da Agenda Criança
Amazônia pelos governadores do Amapá, do Amazonas, do Mato Grosso, de Rondônia,
de Roraima e do Tocantins, com a participação do então ministro de Ações Estratégicas,
Mangabeira Unger; e o então subchefe de Assuntos Federativos da Presidência da
República, Alexandre Padilha.
Entre as boas práticas resultantes da iniciativa destacam-se: redução do
subregistro de nascimento, ampliação das ações de enfrentamento da exploração sexual
de crianças e adolescentes, ampliação da cobertura dos programas de saúde e educação
indígena contextualizada.
O SELO UNICEF MUNICÍPIO APROVADO
A fim de monitorar e certificar os impactos reais das políticas públicas no
âmbito municipal, o UNICEF lançou em 2005, para todo o Semiárido, o Selo UNICEF
Município Aprovado. A iniciativa de conceder um selo para os municípios que mais
avançassem na promoção dos direitos de crianças e adolescentes, surgiu em 1999 no
escritório do UNICEF para o Ceará e o Rio Grande do Norte. Por meio de uma
metodologia que combina capacitação de gestores municipais, melhoria dos
mecanismos de gestão local e ampla mobilização social, o UNICEF convocou os
municípios do Semiárido e a partir de 2009 também da Amazônia para participar de
88
uma série de atividades voltadas à melhoria da qualidade de vida de crianças,
adolescentes e suas famílias.
O Selo UNICEF Município Aprovado é um reconhecimento internacional
que o município pode conquistar. A partir de um diagnóstico e de dados levantados pelo
UNICEF, os municípios que se inscrevem passam a conhecer melhor sua realidade e as
políticas voltadas para infância e adolescência. Com dados concretos e participação
popular, o município tem condições de rever suas políticas e repensar estratégias de
forma a alcançar os objetivos buscados, que estão relacionados aos Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio.
Para participar da iniciativa, o prefeito deve assinar um termo de adesão;
garantir o funcionamento do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente (CMDCA), designar uma pessoa de sua equipe para organizar os processos
de capacitação e liderar sua cidade para assegurar a prioridade aos direitos da infância.
Os municípios são agrupados, de acordo com sua realidade socioeconômica, e são
avaliados a partir de três eixos: impacto social; gestão de políticas públicas e
participação social.
No eixo de “impacto social”, são avaliados 13 indicadores (mortalidade
infantil, matrícula escolar, acesso à água, entre outros). Em relação à “gestão de
políticas públicas”, os municípios devem trabalhar para avançar em um conjunto de
objetivos e 19 indicadores, que são analisados no início e no final da edição do selo. O
eixo de “participação social” envolve a realização de fóruns comunitários e o
desenvolvimento de atividades e projetos em três temas: educação para a convivência
com o semiárido; cultura e identidade: comunicação para igualdade étnico-racial; e
esporte e cidadania.
Em 2007, nos 1.130 municípios inscritos no selo, 4,2% das crianças
menores de 2 anos de idade estavam desnutridas. Em 2004, esse percentual era de 8,1%.
Isso significa que 291 mil crianças ficaram livres da desnutrição. A queda da
mortalidade infantil foi três vezes maior do que nos demais municípios brasileiros. De
2004 a 2006, a queda desse indicador foi de 10,7%. Isso significa que quase 1 mil e
quinhentas crianças deixaram de morrer no primeiro ano de vida. No mesmo
89
período, a taxa nos demais municípios do país caiu 3,1%. Nos municípios certificados, a
queda foi ainda maior: 15,2%. O acesso ao pré-natal melhorou 21,2%. De 2004 a 2006,
o percentual de mulheres que realizaram ao menos sete consultas de pré-natal passou de
32% para 38,8%. Enquanto o aumento na cobertura desse serviço nos demais
municípios brasileiros foi de 7%. A distorção idade-série melhorou em 63%. A
qualidade do ensino foi medida pela adequação entre a idade do aluno e a série na qual
está matriculado. Esse indicador passou de 47,1% para 17,4%, demonstrando que a
distorção idade-série caiu 63% nos municípios participantes do selo. Observou-se
também aumento no acesso ao ensino fundamental. De 2004 para 2007, a taxa líquida
de matrícula subiu 15,3% nesses municípios.
Para o período de 2009 a 2012, o UNICEF convocou novamente os
municípios do Semiárido e da Amazônia Legal para participarem do Selo UNICEF
Município Aprovado.
Síntese dos resultados
1ª edição
na
Amazônia
Legal
534 municípios
aderem à
iniciativa
119 municípios
conquistam o
selo
AGENDA CRIANÇA AMAZÔNIA
Na Região Amazônica, o Selo UNICEF está articulado com a Agenda
Criança Amazônia (ACA), firmada em 2008 por todos os governadores da Amazônia
90
Legal, além de organismos internacionais, organizações da sociedade civil e setor
privado. Em novembro de 2012, a Agenda Criança Amazônia é renovada destacando o
investimento na infância e na adolescência como fatores centrais para o
desenvolvimento da região.
Por meio da ACA, o UNICEF convoca e mobiliza as três esferas de
governo, a sociedade civil organizada e as empresas para iniciar, coordenar, articular e
implementar e monitorar ações e recursos voltados para a garantia dos direitos de todas
e cada uma das crianças e adolescentes da Amazônia Legal. Essas atividades envolvem
a implementação de marcos normativos, programas e ações nas áreas de saúde,
educação, proteção e assistência social e meio ambiente, promovendo o intercâmbio de
boas práticas e o desenvolvimento das capacidades técnicas e institucionais, todas
voltadas para a diminuição das desigualdades.
MUDANÇAS NA VIDA DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES
O Selo UNICEF Município Aprovado é um instrumento de mobilização que
motiva os municípios em torno de objetivos e metas que devem ser alcançados, num
determinado período de tempo, para melhorar a qualidade de vida das crianças e dos
adolescentes. Este processo se dá por meio de um conjunto de indicadores quantitativos
e qualitativos referentes à garantia dos direitos da criança e do adolescente de até 17
anos.
O Selo UNICEF contribui com mudanças concretas na vida das crianças,
dos adolescentes e de suas famílias. Comparados aos munícipios da região que não
participam da iniciativa, os municípios inscritos no Selo UNICEF e, de maneira
destacada os municípios certificados, exibem avanços significativos na garantia do
direito de sobreviver, se desenvolver, aprender e crescer sem violência.
PRINCIPAIS AVANÇOS OBSERVADOS NOS MUNICÍPIOS DA AMAZÔNIA
LEGAL PARTICIPANTES DO SELO
91
Nesta edição, o percentual de crianças beneficiadas pelo Benefício de
Prestação Continuada (BPC) que estão na escola foi o indicador que apresentou os
maiores avanços. Em 2011, nos 534 municípios inscritos no selo, 59,7% das crianças
nessa faixa etária estavam na escola. Em 2008, esse percentual era de apenas 21,9%.
Isso significa que aproximadamente 25,9 mil crianças portadores de deficiência
retornaram à escola.
AVANÇOS EM RELAÇÃO AO DIREITO DE SOBREVIVER
De 2007 a 2010 o percentual de nascidos vivos de mulheres com sete ou
mais consultas de pré-natal passou de 30,6% para 35,6%. Enquanto o aumento na
cobertura desse serviço nos demais municípios brasileiros foi de 10,1%.
De 2007 a 2010, a queda da taxa mortalidade infantil para os municípios
participantes foi de 6,8%. Isso significa que quase 511 crianças deixaram de morrer no
primeiro ano de vida. Nos municípios certificados, a queda foi ainda maior: 12,7%.
AVANÇOS EM RELAÇÃO AO DIREITO DE APRENDER
De 2007 a 2011 a taxa de abandono no ensino fundamental dos municípios
inscritos passou de 6,5% para 3,4%. Enquanto a queda da taxa de abandono nos demais
municípios brasileiros foi de 41,1%.
A qualidade do ensino medida pela adequação entre a idade do aluno e a
série na qual está matriculado pode ser percebida pela distorção idade-série. Esse
indicador passou de 47,0%, em 2007, para 37,9%, em 2011, demonstrando que a
distorção idade-série caiu de 19,4% nos municípios participantes do Selo. No mesmo
período, a taxa nos demais municípios do país caiu 12,6 %.
AVANÇOS EM RELAÇÃO AO DIREITO DE CRESCER SEM VIOLÊNCIA
92
Entre 2007 a 2010 houve uma queda do percentual de óbitos por causas mal
definidas de 57,1%. Nos municípios certificados, a queda foi ainda maior: 67,4%.
Outro avanço foi a melhoria no funcionamento dos conselhos tutelares (CT)
e dos conselhos de direitos de crianças e adolescentes (CMDCA), no decorrer das
capacitações do selo e da visita do (a) mediador (a) do Selo UNICEF a 172 municípios
da Amazônia Legal.
GESTÃO MUNICIPAL FORTALECIDA
É no município que a criança nasce, brinca e aprende. É também no
município que o adolescente se desenvolve, se relaciona, participa. Portanto, para
avançar na garantia dos direitos dos meninos e meninas, o Selo UNICEF contribui com
o aprimoramento das políticas públicas locais, fortalecendo a gestão municipal, a
atuação dos conselhos de direitos, dos conselhos tutelares, das organizações da
sociedade civil, além dos grupos de adolescentes.
534 municípios da Amazônia Legal aderem ao Selo UNICEF
comprometendo-se a melhorar de forma concreta a vida das crianças e dos adolescentes.
Mais de 500 municípios da Amazônia Legal organizam comissões
municipais pró-selo, avançando na integração das diferentes secretarias da gestão
municipal além de ampliar a articulação com os conselhos, sociedade civil e lideranças
adolescentes.
PARTICIPAÇÃO SOCIAL AMPLIADA
A participação cidadã dos próprios meninos e meninas revela-se essencial
para o avanço na garantia de seus direitos. Portanto, além de buscar o compromisso e o
desenvolvimento da capacidade técnica dos gestores municipais, o Selo UNICEF
incentiva e fortalece a participação das crianças, adolescentes e da comunidade no
aprimoramento das políticas públicas.
93
Abaixo, os dados da participação social traduzidos em números:
 Mais de 14.800 pessoas nos municípios envolvidas na avaliação das ações e
resultados das políticas públicas da infância e adolescência durante o 2º Fórum
Comunitário do Selo.
 160 municípios desenvolveram atividades e discussões sobre esporte e cidadania.
 157 municípios desenvolveram atividades e discussões sobre a cultura, identidade e
igualdade étnico-racial.
 591 municípios pontuaram no eixo de Impacto e 285 no eixo de gestão apresentando
avanços nos indicadores de saúde, educação e proteção.
A capacidade técnica dos municípios foi fortalecida no uso de
indicadores sociais; produção de diagnósticos sobre a situação da infância e
adolescência; realização de fóruns comunitários; elaboração de planos municipais de
ação para fortalecimento das políticas públicas na área da infância; e promoção da
cidadania dos adolescentes. Com essas temáticas, o UNICEF e seus parceiros
promoveram 27 encontros de capacitação nos 09 estados da Amazônia Legal, em
junho/julho, envolvendo ao todo 741 participantes incluindo gestores e técnicos da
área da saúde, educação, assistência social, planejamento, além de conselheiros de
direitos (representantes do governo e da sociedade civil), de 445 municípios. Novo
ciclo de capacitação foi iniciado em dezembro de 2010, com novos 14 encontros
programados. O UNICEF também produziu e distribuiu exemplares de Guias de
orientação para os municípios da Amazônia.
A participação social, especialmente dos adolescentes, foi estimulada e
fortalecida na discussão e proposição de políticas públicas para garantia de direitos da
criança e do adolescente. Entre julho e setembro de 2010, o UNICEF em parceria com
os CMDCA e as prefeituras, promoveu a realização de 298 fóruns comunitários em
298 municípios dos 09 estados da Amazônia Legal, envolvendo cerca de 30 mil
participantes, incluindo lideranças adolescentes, lideranças comunitárias, lideranças
religiosas, sociais, sindicais, comerciantes, comunicadores, além de gestores públicos,
vereadores, promotores de justiça.
94
A nova cultura de gestão municipal foi incentivada, com base em
planejamento, monitoramento e atuação intersetorial (entre as áreas de saúde, educação,
assistência social, cultura, esporte, lazer) em relação às políticas públicas locais voltadas
à infância e adolescência. No decorrer de 2010, foram formados pelo menos 200
comitês municipais pró-selo e produzidos cerca de 250 diagnósticos e planos de ação
intersetoriais.
O sistema de garantia de direitos foi fortalecido no âmbito local, com
incentivo à criação e pleno funcionamento dos conselhos municipais dos direitos da
criança e do adolescente e do conselho tutelar.
A presença e sustentabilidade institucional do UNICEF foi fortalecida
na Região Amazônica, ampliando em grande escala sua atuação junto a localidades e
populações até então não alcançadas pela instituição, levando a marca UNICEF a 534
municípios, conquistando a parceria financeira de 03 empresas locais (CELTINS,
CELPA e CEMAT).
95
REFERÊNCIAS
MACIEL, Carlos; LAMARÃO, Maria Luiza. Indicadores sobre crianças e
adolescentes na Região Amazônica. Não publicado.
ANJOS, Rafael Sanzio. Território das comunidades remanescentes de antigos
quilombos no Brasil. Editora. Mapas e Consultoria Ltda. 2005.
96
CRIANÇA E DIREITOS HUMANOS: EDUCAÇÃO E CIDADANIA NA
INFÂNCIA
Ana Maria Orlandina Tancredi Carvalho33
RESUMO
Este artigo versa sobre a história das ações do Fórum de Educação Infantil do Estado do
Pará (FEIPA) e objetiva, pela mediação desta história, propor a importância da
continuidade da luta pela garantia dos direitos da infância à educação e à cidadania,
condições para uma infância digna. Apresenta-se a trajetória do Fórum desde a sua
criação e destacam-se as principais lutas encetadas, suas propostas e conquistas ao
longo dos últimos dezesseis anos. O artigo apresenta-se como resultado de uma
pesquisa documental, cujos fundamentos encontram-se também corroborados pela
experiência da própria autora, haja vista o entrecruzar de sua história de vida e a do
início das reuniões que, posteriormente, deram origem ao FEIPA.
Palavras Chave: Direitos Humanos; Participação; Cidadania; Infância.
INTRODUÇÃO
Este artigo apresenta o percurso de dezesseis anos do Fórum de Educação
Infantil do Estado do Pará (FEIPA). Para a reconstituição desta trajetória baseamo-nos
na pesquisa dos documentos produzidos pelo FEIPA e nas análises da autora que, por
integrar o Fórum desde a sua criação, por meio de uma participação contínua, tem
participado da elaboração dos mesmos.
Destacamos, aqui, os seguintes tópicos:
33
Doutora em Educação, Professora da Universidade Federal do Pará. E-mail: [email protected]
97
Acerca da natureza do Fórum de Educação Infantil do Pará; História e
Trajetória do FEIPA; Algumas das Propostas do FEIPA; Parte das conquistas
do FEIPA e nossas Considerações Finais.
ACERCA DA NATUREZA DO FÓRUM DE EDUCAÇÃO INFANTIL DO PARÁ
O Fórum de Educação Infantil do Estado do Pará é
[...] um espaço democrático, aberto, suprapartidário, plural, de permanente
discussão, mobilização, divulgação, articulação e de lutas objetivando
instigar o poder público a garantir políticas para Educação Infantil que
assegurem o atendimento com qualidade socialmente referenciada, em
espaços adequados, confortáveis, seguros e bonitos, com profissionais
qualificados e comprometidos com o cuidar e o educar e com materiais e
atividades
que
propiciem
o
desenvolvimento
integral
da
criança.
(TANCREDI CARVALHO, 2002, p. 2)
Além do seu caráter informativo e de sua natureza deliberativa, o Fórum
possui uma dimensão eminentemente política e atua de forma autônoma, democrática e
coletiva, utilizando-se do debate de ideias e de pesquisas visando qualificar sua atuação.
O Fórum é integrado por instituições governamentais e não governamentais,
por entidades científicas e sindicais, de abrangência estadual, pela representação dos
fóruns regionais e municipais e por quaisquer membros da sociedade civil interessados
na educação infantil. Para tornar-se membro do FEIPA é preciso assinar sua Carta de
Princípios, sendo sua direção exercida por um Grupo Gestor constituído pelos
participantes do Fórum.
98
HISTÓRIA E TRAJETÓRIA DO FEIPA
2000
COMISSÃO
ESTADUAL
INTERINSTITUCIO
NAL DE
EDUCAÇÃO
INFANTIL
DENOMINAÇÃO
2002
FÓRUM DE
EDUCAÇÃO
INFANTIL DO
ESTADO DO
PARÁ
1998
COMISSÃO
INTERINSTITUCION
AL DE EDUCAÇÃO
1995
INFANTIL
COMISSÃO
ESTADUAL DE
EDUCAÇÃO
INFANTIL
1994
GRUPO DE
TRABALHO
SOCIEDADE CIVIL
MILITANTES
UNDI
ME
DELEGACIA DO MEC
1. História do FEIPA: denominações e Órgãos Coordenadores no período compreendido entre 1994 a
2002; Fonte: Ana Maria Orlandina Tancredi Carvalho.
O Fórum de Educação Infantil do Estado do Pará inicia sua trajetória em
agosto de 1994, quando um conjunto de membros da sociedade civil – representantes de
entidades34 que lidavam com a Educação Infantil, as responsáveis pela formação de
profissionais, bem como as mantenedoras de creches e pré-escolas públicas e privadas,
órgãos ligados à Educação, à Assistência Social, à Saúde – foi convidado pela
Delegacia Regional do MEC para elaborar um
[...] relatório acerca das medidas adotadas pelo Governo Brasileiro para
dar cumprimento às normas estabelecidas na Convenção sobre os Direitos
da Criança da qual o Brasil é um dos signatários, motivada pela publicação
34
Participam do Fórum as seguintes entidades: Secretaria de Estado de Educação/Divisão de Educação Pré-Escolar (SEDUC);
Secretaria Estadual de Trabalho e Promoção Social/Coordenadoria de Atendimento à Criança/Diretoria de Assistência Básica
(SETEPS/DAB); Secretaria de Saúde do Pará/Divisão Materno-Infantil (SESPA); Fundação Papa João XXXIII/Setor de Assistência à
Criança (FUNPAPA/SAG); Fundação Legião Brasileira de Assistência (LBA); Conselho Estadual de Educação (CEE); Secretaria
Municipal de Educação de Belém (SEMEC); Delegacia Regional do MEC no Pará (DEMEC/PA); Fundação Brasileira de Infância e
Adolescência (CBIA); Fundação de Assistência ao Estudante (FAE). Posteriormente, aaLBA foi substituída pela Secretaria de Ação
Social; a CBIA e a FAE solicitaram retirar-se do Fórum e ocorreu a inclusão do Ministério Público, do Conselho Estadual dos Direitos
da Criança e do Adolescente, do Conselho Tutelar Nº 1 e 2, do Fundo das Nações Unidas para a Criança (UNICEF), da Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB/Pastoral da Criança), da Universidade Federal do Pará/Centro de Educação, do Instituto de
Educação de Belém (ISEBE) e da Universidade da Amazônia (UNAMA).
99
do Decreto Presidencial de 26 de abril de 1994. (TANCREDI CARVALHO,
2002, p. 1)
Nessa reunião decidiu-se constituir um Grupo de Trabalho, sob a
coordenação da extinta Delegacia Regional do MEC, cujo objetivo era o de
“[...] estimular a grupalização interinstitucional no sentido de discutir,
socializar e programar ações integradas para a Educação Infantil no âmbito
do Estado” (RELATÓRIO DA COMISSÃO INTERINSTITUCIONAL DE
EDUCAÇÃO INFANTIL DO PARÁ, 1998).
Com a continuação das atividades do Fórum, o Grupo de Trabalho do Pará
transforma-se em Comissão Estadual de Educação Infantil35 e, em 1995, esta Comissão
participa dos encaminhamentos relativos ao XI Congresso Brasileiro de Educação
Infantil, realizado no período compreendido entre 17 e 21 de junho do mesmo ano “[...]
criando instrumentos viabilizadores das metas prioritárias a nível Estadual”.
(RELATÓRIO
DA
COMISSÃO
INTERINSTITUCIONAL
DE
EDUCAÇÃO
INFANTIL DO PARÁ, 1998).
Em 1996, o MEC mobiliza os Estados brasileiros para participar do II
Simpósio Nacional de Educação Infantil e do IV Simpósio Latino-Americano de
Atenção à Criança na Faixa etária de 0 a 6 anos, a partir do qual surge a iniciativa de
organizar-se o I Encontro Estadual de Educação Infantil. O Encontro foi realizado no
período de 14 a 16 de agosto desse ano, sob a temática Educação Infantil: educar para
a cidadania.
Ressalta-se que, em 1996, foram realizados intensos debates sobre a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN/96), a valorização do magistério, o
currículo e os temas transversais para a Educação Infantil. O primeiro tema então
trabalhado foi a inserção preventiva do uso indevido de drogas no currículo de
Educação Infantil.
35
Às entidades já existentes na Comissão, acrescentam-se: União dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), Fundação de
Assistência à Criança e ao Adolescente do Pará (FUNCAP), Serviço Social da Indústria (SESI), Creche Jardim das Oliveiras e a
Organização Mundial de Educação Pré-Escolar (OMEP/Pará).
100
Em 1997, dando seguimento às atividades, a Comissão realiza uma série de
seminários acerca da LDBEN/96 recém-aprovada. Em abril de 1998, a Delegada do
MEC no Estado do Pará, por meio da portaria n.º 032/98/SRH/DEMEC/PA institui a
Comissão Interinstitucional de Educação Infantil com a finalidade de
“[...] discutir, socializar e programar ações integradas para educação infantil
no âmbito do Estado do Pará”.
(DEMEC/PA, Portaria 1998, Belém-PA).
Em abril de 1998, realiza-se, em Belém/Pará, no auditório da UNAMA, o II
Encontro Estadual de Educação Infantil, com o tema “O atendimento às crianças de
zero a seis anos: dos direitos às políticas públicas”, com a participação de alguns
municípios do Estado.
A extinção da Delegacia do MEC, a Comissão Interinstitucional de
Educação Infantil deu lugar, em 1999, à coordenação da União Nacional dos Dirigentes
Municipais da Educação (UNDIME), que realiza um seminário interno para discutir a
continuidade da comissão, sua identidade e missão. Neste seminário foi decidido que a
Comissão Interinstitucional de Educação Infantil é uma instância interinstitucional e
interprofissional que estuda, discute, articula, propõe e busca garantir políticas públicas
para educação infantil, sob a perspectiva da cidadania, no âmbito do Estado do Pará.
A referida comissão tem como missão “Mobilizar os vários segmentos da
sociedade, a fim de garantir políticas públicas para a Educação Infantil, numa
perspectiva
de
cidadania”
(RELATÓRIO
DO
SEMINÁRIO
COMISSÃO
INTERINSTITUCIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL: PERSPECTIVAS, 1999),
podendo participar desta Comissão “[...] instituições governamentais e não
governamentais, relacionadas, direta ou indiretamente, à Educação infantil”
(RELATÓRIO
DO
SEMINÁRIO
COMISSÃO
EDUCAÇÃO INFANTIL: PERSPECTIVAS, 1999).
101
INTERINSTITUCIONAL
DE
Em 2000, no período de 02 a 04 de maio, realiza-se o III Encontro Estadual
de Educação Infantil, em Belém, com 804 participantes com o objetivo de discutir o
resultado do estudo intitulado “A Educação Infantil no Pará: Um Retrato 3x4 da
Realidade”. Desse evento saíram propostas referentes à formação do profissional de
Educação Infantil, ao Projeto Político-Pedagógico, à Gestão da Educação Infantil e ao
Plano de Cargos e Salários.
Além das questões indicadas, o Encontro aprovou uma moção pela
revogação do Decreto Presidencial nº 3276, de 06 de dezembro de 1999, que dispõe
sobre a formação em nível superior de professores para a Educação Básica, haja vista o
mesmo preterir as discussões que estavam ocorrendo Brasil afora, pois jamais tal
regulamentação foi feita por decreto, além de atentar contra a autonomia das
universidades brasileiras. A partir desse Encontro, a Comissão passou a ser coordenada
pela Universidade Federal do Pará, Universidade da Amazônia, Secretaria de Estado de
Educação, Secretaria Municipal de Educação de Belém e Ministério Público, ficando
sua coordenação geral sob a responsabilidade da UFPA e sua Secretaria sob a da
SEDUC. Também nesse momento, a Comissão passa a ser denominada Comissão
Estadual Interinstitucional de Educação Infantil – Pará (CEIEI/PA).
Nesse período – 2000/2002 – o FEIPA organiza uma série de Seminários, a
saber: (a) Os Dez Anos do ECA: uma análise crítica, ocorrido aos 11 de outubro de
2000, no Auditório Setorial Básico, da UFPA; (b) O Compromisso do Pará com a
Infância; (c) A Educação Infantil e a Legislação Vigente, realizado aos 02 de fevereiro
de 2001, no auditório do Ministério Público, em Belém (PA).
No mesmo período, passa a integrar o Movimento Interfóruns de Educação
Infantil do Brasil (MIEIB) e começa o processo de organização de Fóruns Municipais
de Educação Infantil, cuja instalação ocorreu em nove municípios: Acará, Altamira,
Anapú, Breves, Medicilândia, Salvaterra, Soure, Uruará e Vitória do Xingu.
Em agosto de 2002, o Pará sedia a Reunião Nacional do Movimento
Interfóruns de Educação Infantil do Brasil.
102
O IV Encontro Estadual de Educação Infantil representa um marco na
trajetória das lutas empreendidas em favor de creches e pré-escolas para as crianças
visto que, pela primeira vez, contou com uma Comissão Científica que selecionou vinte
trabalhos, entre comunicações e pôsteres, os quais foram apresentados no referido
Encontro. Por fim, deliberou-se, ainda, neste evento estadual, pela constituição de um
Fórum, o qual deu lugar à Comissão Estadual Interinstitucional de Educação Infantil
(CEIEI). Nesta condição passou a denominar-se Fórum de Educação Infantil do Estado
do Pará (FEIPA).
No biênio 2002-2004, o FEIPA faz novas conquistas. Ocorre a organização
dos Fóruns de Educação Infantil nos municípios de Cametá, Benevides e Almeirim e o
FEIPA passa a ser um dos membros do Grupo Gestor do Movimento Interfóruns de
Educação Infantil do Brasil (MIEIB). Em 2004, o Fórum completa 10 anos de
existência. Para comemorar essa data realiza-se o V Encontro Estadual de Educação
Infantil, no período de 29 a 30 de novembro, com o tema Educação Infantil: o papel do
poder público e dos movimentos sociais na luta pela garantia de direitos, evento esse
que contou com 450 (quatrocentos e cinquenta) participantes.
Em 2005 e 2006, integra a luta nacional em favor da inclusão das creches no
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação, tendo o FEIPA enviado 6 (seis) mil assinaturas para integrar
a listagem do MIEIB com o objetivo de pressionar o Parlamento Brasileiro pela
urgência de financiamento de toda a Educação Infantil, sendo um dos Fóruns que mais
assinaturas coletou.
Nos anos de 2007 e 2008, o FEIPA participa ativamente das discussões e
seminários promovidos pela Secretaria de Estado de Educação para o estabelecimento
de uma política para a Educação Infantil do Pará e integra duas comissões: a que vai
elaborar o documento base dos seminários regionais e, posteriormente, a de
sistematização do documento final denominado Política de Educação Infantil do Estado
do Pará: uma construção em defesa da criança paraense, publicado em 2009. Em
2009, o FEIPA dedica-se à preparação do II e III Seminários do MIEIB, na Região
Norte.
103
O II Seminário do MIEIB, na Região Norte, realizou-se em Macapá/AP e
nesse evento participou de conferências, palestras, mesas redondas e da elaboração da
Carta da Amazônia.
Outra atividade a ser destacada é a da criação do Fórum de Educação
Infantil do Município de Santarém, ocorrida em maio de 2009. Ainda em de agosto
desse mesmo ano, o FEIPA, juntamente com o MIEIB, a UNDIME e a Secretaria de
Estado de Educação organizam e realizam o III Seminário do MIEIB, em Santarém
(PA). Essa organização iniciou com a elaboração do projeto, com a participação em
conferências e palestras e, sobretudo, por meio de oficinas ministradas para os/as
professores/as da rede de ensino de Educação Infantil. Tais oficinas versaram sobre as
seguintes temáticas: “Violação dos direitos das crianças e adolescente no Estado do
Pará”, “Múltiplas Linguagens na Educação Infantil” “A Mediação de Leitura com
crianças de 0 a 6 anos”, “O Plano de Cargos e Salários”, “Normas para a
institucionalização da Educação Infantil”, “As Brincadeiras Infantis”. Participamos, por
fim, da elaboração da Carta de Santarém.
Destaca-se que o FEIPA é sempre convidado a participar de todas e
quaisquer discussões cujo tema seja a Educação Infantil.
Em 2010, o FEIPA participa da instalação do Fórum de Educação Infantil
no município de Augusto Corrêa e Jacundá e, igualmente, de debates sobre a criança no
contexto da educação infantil no meio urbano e do campo, especificamente, nos
municípios de Viseu e Salinópolis. Participa, atualmente, dos debates sobre a
construção de uma Proposta de Política para a Educação Infantil do Campo, discutindo,
de forma especial, a Educação Infantil presente em classes multisseriadas, em particular,
no município de Paragominas. Participou, ainda, do “Dia D” no contexto da Semana da
Criança no Município de Salinópolis e dos debates realizados sobre a Conferência
Estadual de Educação nos Municípios da Região do Nordeste Paraense e da Região
Metropolitana e da Conferência Nacional de Educação e da Reunião Técnica
Orientações Curriculares para Educação Infantil do Campo, no Encontro de Educação
Infantil e Educação do Campo no município de Sinop (MT), na Região Centro-Oeste.
Integra a Comissão Nacional sobre os Indicadores de Qualidade para a Educação
104
Infantil e, pela segunda vez, integra o Comitê Diretivo do Movimento Interfóruns de
Educação Infantil do Brasil (MIEIB).
ALGUMAS DAS PROPOSTAS DO FEIPA
O Fórum de Educação Infantil do Estado do Pará tem, sistematicamente,
organizado propostas nos âmbitos da política para a educação infantil; da formação de
professores e gestão desse nível de educação, bem como em relação ao plano de cargos
e salários dos/as trabalhadores/as da educação na educação infantil. Indicamos, a seguir,
algumas dessas proposições.
POLÍTICA PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL

Construção coletiva de uma política educacional para a Educação Infantil, com a
participação dos educadores, de órgãos governamentais e dos movimentos sociais
envolvidos com a Educação Infantil: Fórum de Educação Infantil do Pará, Sindicato dos
Trabalhadores em Educação Pública do Pará (SINTEPP), Conselho Tutelar, Associação
de Pais, etc.;

Política Educacional para a infância articulada às políticas da Assistência Social,
Saúde, Justiça, Cultura, Direitos Humanos, Mulher e Diversidades;

Política Educacional Estadual de apoio aos sistemas de ensino municipais de modo a
poderem assumir suas responsabilidades para com a educação infantil na diversidade
sociocultural paraense;.

Política de Educação Infantil articulada ao Ensino Fundamental, visando a
integração e a educação das crianças sem ruptura da infância nos diferentes níveis de
educação e ensino;

Política Educacional para a Infância articulada à Educação Especial na perspectiva
de uma educação inclusiva, garantindo a inclusão e a permanência, com qualidade, de
todas as crianças e suas diversidades, em particular, às crianças com deficiência(s);
105

Política de formação inicial e continuada que assegure aos professores/as sua
inclusão nos planos de cargos e salários, carreira do magistério e piso salarial que
garanta vida pessoal e profissional dignas.
FORMAÇÃO DO/A PROFESSOR/A DE EDUCAÇÃO INFANTIL

Que a formação do/a professor/a se dê em cursos de graduação, em nível de
licenciatura plena nas Universidades com possibilidades de se desenvolver o ensino, a
pesquisa e extensão e com uma base comum em todos os cursos;

Que os municípios busquem a formação de seus profissionais de Educação Infantil
celebrando convênios com as Universidades de modo a garantir a gratuidade aos
participantes;

Que, no processo de formação do/a professor/a infantil, estude-se o Estatuto da
Criança e do Adolescente;

Que seja assegurada carga horária, na jornada de trabalho, para a formação, para o
planejamento, para a avaliação e reflexão sobre a prática dos/as professores/as e para
visitas às famílias;

Que seja assegurada a formação continuada, bem como o livre acesso a livros,
publicações, em geral, e recursos tecnológicos para o/a professor/a da Educação
Infantil;

Que os professores e professoras se ocupem de registrar as experiências que são
desenvolvidas nas Unidades de Educação Infantil para que seja possível a socialização
das mesmas;

Que haja articulação sistemática entre as Unidades de Educação Infantil e os
movimentos sociais organizados.
PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO

Os municípios paraenses têm a necessidade de construir um projeto político-
pedagógico haja vista (a) acreditarem na sua importância e (b) o mesmo possibilitar um
106
compromisso coletivo visando a superação das dificuldades enfrentadas na unidade de
Educação Infantil em que trabalham;

Que se realizem, nos municípios, seminários, palestras e oficinas sobre a construção
do projeto político-pedagógico, incluindo, nesses eventos, ações integradas com o
Conselho Municipal de Direitos das Crianças e do Adolescente, Conselhos Tutelares e
Conselhos Escolares.
GESTÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Discutir o regime de colaboração técnico-financeira entre as instâncias municipais e
estaduais;.

Que haja eleição para os coordenadores das unidades de Educação Infantil.

Que haja, nos Conselhos Escolares e Municipais de Educação, a representação de
pais e professores/as de Educação Infantil;

Que seja criada, em cada município, uma Comissão de Educação Infantil para
estudar, discutir e formular propostas de modo a garantir políticas públicas para a
Educação Infantil e, ainda, supervisionar as ações desenvolvidas no Município, nesse
nível educacional; em outras palavras, o que se propôs funda-se na compreensão de uma
Educação que, ao encargo das verbas públicas – tendo por base o regime de colaboração
entre a união, os estados e municípios –, proveja uma educação de qualidade para todos,
com ênfase àquela destinada às camadas populares (pois que, historicamente, excluídas
dos bancos escolares), provisão que, incluindo desde a construção/manutenção das
escolas, aos salários de todas as categorias dos trabalhadores da educação (funcionários,
técnicos e docentes), seja subraída da tutela do Estado36 no concernente à elaboração
das políticas públicas educacionais. Tal concepção implica a proposição de políticas
públicas elaboradas, executadas e avaliadas desde o interior das escolas, em conjunto
com as instituições organizadas da sociedade civil efetivamente comprometidas com a
valorização da Educação, bem como com a dos que nela trabalham e estudam (a este
respeito conferir MARX, 2010).
36
“Isso de ‘educação popular a cargo do Estado’ é completamente inadmissível. Uma coisa é determinar, por meio de uma lei
geral, os recursos para as escolas públicas, as condições de capacitação do pessoal docente, as matérias de ensino, etc., [...] e
outra coisa completamente diferente é designar o Estado como educador do povo!” (MARX, 2010).
107

Construção de creches e pré-escolas que atendam aos padrões de infra-estrutura
estabelecidos pelo MEC;

Ação mais articulada e integrada entre a Política de Educação Infantil e a Política de
Assistência Social.
PLANO DE CARGOS, CARREIRA E SALÁRIOS

Que o Estado assuma a progressão automática do profissional, quando da conclusão
do nível médio, superior e pós-graduação;

Que haja um Plano de Cargos, Carreira e Salários de forma a estabelecer um piso
salarial profissional inicial para o exercício do Magistério em Educação Infantil e, a
partir daí, haja percentuais de 80% para o nível superior, 20% para o nível de
especialização, 30% para o nível de mestrado e 40% para o nível de doutorado, como
parte integrante da composição salarial desses profissionais.

Que seja garantido um espaço para a discussão democrática acerca da construção do
Plano de Cargos, Carreira e Salários.

Que a jornada de trabalho na creche seja de 30 horas semanais e da pré-escola, seja
de 30 horas.

Que o/a professor/a que trabalha na zona rural receba um valor a mais – 25% do seu
salário – como ajuda de custo.
PARTE DAS CONQUISTAS DO FEIPA
Eis algumas conquistas dessa trajetória histórica do Fórum de Educação
Infantil do Estado do Pará.
Da heteronomia à autonomia
De uma reunião, ocorrida por iniciativa da Delegacia Regional do MEC,
para elaborar um
108
[...] relatório acerca das medidas adotadas pelo Governo Brasileiro para dar
cumprimento às normas estabelecidas na Convenção sobre os Direitos da
Criança da qual o Brasil é um dos países signatários, motivada pela
publicação do Decreto Presidencial de 26 de abril de 1994.
Surge um movimento que, paulatinamente, ganha independência e
identidade para se autodeterminar e, passo a passo, vai abrindo caminhos para tornar-se
referência na luta em favor de uma Educação Infantil de qualidade.
Inicialmente, os participantes eram só representantes de entidades, hoje,
além destes, integram o FEIPA militâncias valorosas, na condição de estudantes,
professoras, profissionais de diferentes áreas, mas sempre pessoas com elevada
sensibilidade e espírito de cidadania se inscrevem e, inclusive, compõem o Grupo
Gestor.
Se, anteriormente, chamavam-nos para reuniões enquanto instituições que,
direta ou indiretamente, relacionavam-se à criança e sua educação, hoje, mobilizamos
pessoas e instituições para, conosco, lutarmos para que a criança possa viver sua
infância de maneira plena, destacando sempre a obrigação do poder público no sentido
de garantir vagas em creche e pré-escola de qualidade a quem demandar.
Se, no início, nossa pauta era composta por temas preponderantemente
nacionais, gradativamente, também as peculiaridades regionais e nossas particularidades
foram incluídas nas discussões.
Se, iniciamos sendo convidados para participar de eventos nacionais,
progressivamente, passamos a organizar, juntamente com o MIEIB, os eventos
nacionais em favor da Educação Infantil.
TRABALHO COLETIVO
Em 1994, em uma das primeiras reuniões anteriores à constituição do
FEIPA, um grupo de profissionais – os quais, por dever de ofício, não mantinham
109
vínculo direto com a Educação Infantil – decidiu-se pela criação de um Grupo de
Trabalho para
“[...] estimular a grupalização interinstitucional no sentido de discutir,
socializar e programar ações integradas para a Educação Infantil no âmbito
do Estado”.
(Relatório da Comissão Interinstitucional de
Educação Infantil do Pará, 1998).
A vitalidade contínua do Fórum deve-se ao fato de organizar-se tendo como
base o trabalho coletivo. Não é, portanto, tratado como propriedade de alguém. É da
sociedade. É de todos. É res publica. Cada um é e sente-se responsável por sua
continuidade uma vez que seus objetivos são notáveis e nobres são suas causas.
Sozinhos, nada somos. Juntos, entretanto, somos e fomos capazes de, por exemplo,
registrar na história a luta pela inclusão das creches no FUNDEB, de tal modo que
podemos, hoje, afirmar termos financiamento para a Educação Infantil.
Registramos, também, a participação do FEIPA na formulação da política
para a Educação Infantil do Estado do Pará e de todos os Fóruns da Região Norte nas
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, tal como aprovadas pelo
Conselho Nacional de Educação em 2009.
DAS PEQUENAS REUNIÕES ÀS GRANDES MANIFESTAÇÕES
As reuniões aconteciam em salas, com temáticas de interesses institucionais
e, paulatinamente, transformaram-se em grandes eventos, seminários, encontros,
passeatas, em audiências na Assembleia Legislativa, em coleta de assinaturas na Praça
da República.
É o Fórum em movimento. É a criança ganhando visibilidade. É a creche e a
110
pré-escola ganhando as ruas, espaço público, para serem afirmadas como direito da
criança brasileira.
AS POLÍTICAS PÚBLICAS NA AGENDA
Desde a sua criação, as políticas públicas foram objeto de discussão e pauta
de reivindicação. Incluem-se nesta agenda alguns dos temas presentes em seminários,
encontros e debates, tais como: a Convenção do Direito da Criança, a LDBEN; a
valorização do magistério; o currículo; os temas transversais para a Educação Infantil; A
Educação Infantil no Pará: um retrato 3x4 da realidade; Educação Infantil: o papel do
poder público e dos movimentos sociais na luta pela garantia de direitos; os dez anos do
Estatuto da Criança e do Adolescente; A Educação Infantil e a legislação vigente; O
Compromisso do Pará com a Infância. Acrescente-se, ainda, a questão regional que
deverá estar presente no currículo, nos livros infantis adquiridos, na alimentação
regionalizada.
DE BELÉM PARA OS MUNICÍPIOS
De Belém, o Fórum seguiu as estradas ou as margens dos rios. Assim,
engajou mais pessoas, lutando por creches e escolas públicas, em ambientes
especificamente preparados, com materiais que desafiem a criança a se superar e
provoquem-na para estabelecer relações com outras crianças, com adultos fora do
ambiente doméstico, enriquecendo sua aprendizagem, construindo-se e produzindo
conhecimentos.
De Belém, o Fórum seguiu em direção ao Marajó, ao Oeste, Sul e Sudeste
do Pará, para a Região do Salgado, para a região das Ilhas, para o Rio Tocantins, para a
zona Bragantina. Enfim, espraiou-se pelo Pará.
É a Educação Infantil se firmando, rompendo barreiras, trilhando caminhos,
se autoafirmando.
111
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Chegamos até aqui. E agora? Há muito que fazer. As creches e pré-escolas
não atendem à demanda, nem em quantidade, nem em qualidade. Aproxima-se o ano de
2016 quando todas as crianças, a partir dos quatro anos de idade, morando no campo ou
na cidade devem estar matriculadas em uma pré-escola. Como estão se preparando os
sistemas educacionais para esse grande desafio? O Plano Nacional de Educação, em
breve, será elaborado. Como vamos atuar para que nossas propostas sejam
contempladas?
Uma série de documentos sobre a Educação Infantil está sendo formulada
por solicitação do Ministério da Educação, atendendo recomendações de encontros
nacionais: como faremos para que as nossas vozes estejam presentes, contemplando as
diferentes especificidades regionais?
Tanto o poder público como a sociedade devem se organizar em torno da
garantia do direito à educação infantil de qualidade, abrangendo o campo e a cidade, os
povos da floresta, os quilombolas, as comunidades indígenas. Como fazer isto
acontecer?
Como estamos nos apropriando de resultados de pesquisas sobre a Educação
Infantil para o planejamento de nossas ações?
Todos os municípios já têm seu Fórum de Educação Infantil?
Grande é a tarefa. Todos estamos desafiados a exercer nossa cidadania em
favor das crianças, pois, é nosso engajamento, nosso compromisso, a consistência e
justeza da nossa luta que não nos deterá, fazendo com que possamos exercer o controle
sociopolítico e cultural em relação às ações sobre e para a Educação Infantil. As
crianças ganharão com atitudes lúcidas e corajosas de todos nós e, seguramente, serão
mais felizes.
112
REFERÊNCIAS
BRASIL. MEC. DEMEC/PA. Portaria Nº 032/98/SRH/DEMEC/PA. Belém/PA,
Abril de 1998.
COMISSÃO INTERISTITUCIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL DO PARÁ.
Relatório. Dezembro de 1998 (impresso).
______. Relatório do Seminário Comissão Interinstitucional de Educação Infantil:
perspectivas. Belém/PA, 1999. (impresso).
______. Prestação de Contas. Belém/Pará, 2002 (impresso).
MARX,
Karl.
Crítica
do
Programa
de
Gotha.
Disponível
em
<http://www.scribd.com/doc/6768681/Karl-Marx-Gotha>. Acesso em Dezembro de
2010.
TANCREDI CARVALHO, Ana Maria Orlandina. Proposta de Transformação da
Comissão Estadual Interinstitucional de Educação Infantil do Pará Em Fórum
Estadual de Educação Infantil, 2002. (impresso).
TANCREDI CARVALHO, Ana Maria Orlandina et al. Propostas do Fórum de
Educação Infantil do Pará, 2007 (impresso).
113
O FÓRUM DE DEFESA DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS E DOS
ADOLESCENTES: POLÊMICAS E QUESTÕES
Carlos Alberto Batista Maciel37
O processo de democratização que antecedeu a promulgação da
Constituição Federal de 1988 implicou na realização de diversas experiências de
participação da sociedade civil organizada. Esta participação expressou-se por meio de
uma mobilização que se estendeu a diversos setores da sociedade. De fato a pluralidade
de experiências participativas da sociedade civil enriqueceu o debate que adensou a
constituinte da segunda metade da década de 1980.
Desse enriquecimento resultou a construção de uma Constituição Federal
que referendou reivindicações importantes em diversas áreas sociais.
Dito de outra forma, as experiências de mobilização e participação social
conseguiram impor-se aos constituintes, apesar da presença de representantes de setores
conservadores da sociedade. Por isso, foram possíveis avanços importantes da norma
constitucional nas áreas da infância e adolescência (artigo 227), da seguridade social
(artigo 194), da saúde (artigo 196), da assistência social (artigo 203), entre outras
(BRASIL, 1988).
É exemplo relevante destas conquistas incluídas no texto constitucional a
diretriz da descentralização, da participação e do controle social na gestão
administrativa, político e financeira das políticas sociais. A institucionalização da
participação da sociedade civil organizada se tornou uma diretriz essencial no
estabelecimento de novas relações entre povo e governo para contribuir com o
fortalecimento do controle social nas diversas esferas de poder (JOVCHELOVITCH,
1993).
37
Bacharel em Serviço Social, mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal do Pará, doutor em Sociologia pela
Universidade Estadual Paulista, docente da Universidade Federal do Pará desde 1991. E-mail: [email protected]
114
Desta forma, a mobilização e a organização da sociedade civil passaram a
ser um fator estruturante no processo de descentralização democrática. Notadamente,
isto impôs uma nova dinâmica às relações tradicionais entre governantes e governados,
em que se espera dos últimos uma conduta conformada diante dos dirigentes
governamentais, numa espera eterna e silenciosa (RIBEIRO, 1995) da boa vontade
destes.
Dentre essa nova dinâmica das relações sociais do cotidiano da população,
destacaremos nos limites deste texto a institucionalização de um espaço relevante na
consolidação da mobilização e da organização popular: o Fórum de Defesa dos Direitos
das Crianças e dos Adolescentes - o Fórum DCA.
Desta forma, abordaremos certas reflexões sobre o Fórum DCA como
espaço de participação popular e consequentemente como um espaço que se propõe
democrático à participação da sociedade. Ressaltamos que os apontamentos expostos
neste texto têm a finalidade de trazer à tona a discussão sobre o tema. Portanto, não
pretendemos apresentar nenhum modelo instrumental sobre o mesmo, mas iniciar um
debate que se pretende construtor de um conhecimento coletivo sobre o assunto.
FÓRUM DCA: NATUREZA, OBJETIVOS E ORGANIZAÇÃO
O Fórum DCA é um espaço de organização da sociedade por iniciativa
desta, que pode ser construído nas diversas unidades da federação, ou seja, nas esferas
da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Por ser um espaço de
organização da sociedade, não se constitui, portanto, numa instituição com
personalidade jurídica, mas, em um espaço político da sociedade para discutir, debater,
denunciar e construir propostas para uma determinada esfera de política social.
Assim, como um espaço político, o Fórum DCA assume um formato de
assembleia permanente, em que estarão presentes as formas organizativas e
representativas da sociedade a fim de realizar os debates e a construção de propostas
para contribuir e aprimorar a política de direitos das crianças e dos adolescentes.
115
A despeito de não possuir personalidade jurídica, o Fórum DCA em sua
organização, no momento de instalação, deve registrar a sua intencionalidade, ou seja,
explicitar os seus objetivos, as suas finalidades, enfim, deixar evidenciado publicização
a razão de sua existência, em outras palavras, definir “para o que foi criado”.
Esta explicitação se materializa por meio de uma carta de intenções que
deve ser construída e aprovada por seus membros no momento da constituição e
instalação deste. Assim, a carta de intenções torna-se uma expressão concreta do projeto
político que o fórum defenderá e buscará alcançar a partir de sua criação.
A elaboração de uma carta de intenções do Fórum DCA é essencial para
marcar publicamente o papel político e ético do próprio fórum. Do ponto de vista
político, deve definir as fronteiras de sua ação na influência vigilante sobre a política de
direitos da infância e a adolescência. Do ponto de vista ético, deve explicitar os
princípios inarredáveis que serão orientadores das ações programáticas deste, assim
como os eixos de referência que devem motivar e mobilizar sua movimentação na
sociedade brasileira.
Após a constituição e a instalação do Fórum DCA e a consequente
exposição das suas finalidades e objetivos por meio de sua carta de intenções, este deve
voltar-se, entre outras ações, substancialmente para o processo de publicização de sua
existência para além das organizações que o formam.
Isto se coloca como extremamente importante, pois é necessário que a
sociedade tome conhecimento de sua natureza e objetivos, a fim de que sua legitimação
seja garantida e consolidada. Desta forma, o Fórum DCA se exporá publicamente para a
sociedade a fim de que seja reconhecido como instância de organização social sobre a
defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes.
A rigor, o Fórum DCA deve se tornar um espaço público de referência para
a sociedade. Espaço este, em que a sociedade tenha a confiabilidade necessária para
realizar ações de denúncia frente às situações de violações dos direitos sociais das
crianças e dos adolescentes preconizados na Constituição Federal de 1988, como
também um locus em que se realizarão processos de discussão política que
116
desencadearão momentos para a informação e a formação dos atores envolvidos no
próprio fórum.
Para que este processo de publicização ocorra e o Fórum DCA consiga
encaminhar a operacionalização de suas finalidades e objetivos, é necessário organizar
uma comissão provisória para coordená-lo. Esta coordenação provisória deve, por sua
vez, encaminhar as providências necessárias para o funcionamento administrativo deste
por meio das articulações iniciais para garantir a funcionalidade do mesmo. Dentre as
ações iniciais desta comissão provisória, podemos citar:
 Articular com instituições e entidades: esta ação torna-se imprescindível, haja vista a
necessidade do Fórum DCA tornar-se conhecido e legitimado como um interlocutor no
processo de construção da política descentralizada e democrática dos direitos das
crianças e dos adolescentes.
 Encaminhar o processo de organização do regimento interno do Fórum DCA: para
que sejam definidos os papéis dos membros, das coordenações, enfim do processo
interno deste que garantirão a sua organização e funcionalidade.
 Realizar o processo de escolha da coordenação efetiva e outros encaminhamentos
iniciais do Fórum DCA.
É relevante ressaltar que o Fórum DCA, ao assumir uma proposição
democrática, deve ter uma acuidade especial para não reproduzir formas organizativas
hegemônicas em que imperam relações antidemocráticas. Deve assim, a partir de sua
formação inicial, assumir uma formatação organizacional que construa uma referência
contrária e diferencial ao hegemonicamente estabelecido.
O modelo de organização institucional hegemônico em nossa realidade
nacional é o presidencialista. Neste existe uma hierarquia definida entre os membros de
uma organização com uma consequente distribuição desigual de poderes entre estes. De
fato, este modelo se torna um paradigma que tende a ser reproduzido tanto em
organizações governamentais quanto em organizações não governamentais, e como tal,
todos os vícios decorrentes da centralização do poder estão presentes neste.
117
Nesse sentido, acreditamos que a experiência da gestão colegiada tende a se
constituir em uma perspectiva interessante para que a gestão democrática possa ser
experimentada e realizada.
Entretanto, a experiência colegiada tende a ser bastante difícil de ser
construída devido às cristalizações de valores e comportamentos presentes no Estado e
na sociedade civil (MATTA, 1991). Valores e comportamentos que reproduzem o
modelo que domina e subordina a maioria, retirando destes uma capacidade de
alteridade (SPOSATI, 1989) dos cidadãos.
Enquanto paradigma de organização institucional o formato presidencialista
pode concorrer para diminuir, ou refrear, o processo de participação e do controle
social, uma vez que os espaços sociais das instituições que reproduzem este modelo
podem se constituir em um ambiente rarefeito de participação, já que “o presidente
manda”.
POLÊMICAS E QUESTÕES SOBRE A ORGANIZAÇÃO DO FÓRUM DCA
A discussão sobre a organização do Fórum DCA, enquanto espaço político
da sociedade, tem assumido duas direções em relação à natureza de sua formação. Neste
debate, evidencia-se a polêmica deste ser misto e, portanto, congregar a presença de
instituições governamentais e entidades não governamentais, ou ainda, do fórum não ser
misto e, assim, garantir somente a presença da sociedade civil organizada.
Esta polêmica tende a deslocar a discussão de uma questão central do
Fórum DCA. Deixa-se de polemizar se o Fórum DCA, como espaço político da
sociedade, deve ser um espaço democrático ou não, pois parte-se de uma visão
romântica em que o simples fato do fórum se constituir como um espaço da sociedade já
o coloca na condição de um “ente democrático”.
Assim, o Fórum DCA, ao se assumir como um espaço de natureza
democrática, deve então primar para que as práticas antidemocráticas sejam coibidas
desde a sua formação e instalação. Nesse sentido, arrolaremos duas justificativas que
118
são postas nesta discussão e que argumentam em favor de um fórum que deve congregar
somente a presença da sociedade civil organizada. Estas giram em torno de duas
direções básicas.
A primeira justificativa argumenta que a presença do governo atrapalha as
discussões do Fórum DCA. Neste raciocínio, as representações governamentais são
vistas como uma anátema, no sentido de que estas somente estariam a favor do governo,
numa perspectiva explícita de uma visão monolítica do Estado.
Esta linha de argumentação desconsidera o fato de que a existência de
representantes do governo tende a construir a formação de um espaço de intenso debate
político sobre a temática problematizada. Esse debate político pode adensar um
processo de qualificação dos atores da sociedade civil, pois implica numa discussão
política que exige profundidade.
Isto impõe a necessidade de um maior preparo para os representantes da
sociedade civil. Preparo este que exigirá um investimento na capacitação dos atores
sociais presentes no Fórum DCA, garantindo assim, um poder de barganha mais
significativo destes, especialmente nos momentos políticos de correlação de forças em
que o fórum terá de se posicionar frente ao governo e à sociedade.
Outra justificativa comum é a de que a ausência do governo impediria que o
mesmo soubesse dos encaminhamentos do Fórum. Este raciocínio também parte de uma
visão monolítica de Estado, mas apresenta também uma argumentação ingênua ao
acreditar que os representantes da sociedade civil são puros e homogêneos.
Sendo a sociedade contraditória, diversos interesses estarão presentes no
processo de participação das diferentes organizações do Fórum DCA. Interesses estes
que podem assumir uma proposta coletiva, corporativa ou individualista.
Desta forma, acreditamos que a participação no Fórum DCA deva ser aberta
a todo cidadão, para que o mesmo se consolide como um espaço democrático objetivo e
efetivo. Entretanto, a presença de cidadãos, ao ser estimulada, não deve substituir e nem
eliminar uma prerrogativa fundamental do fórum, pois este se constitui num espaço de
organização da sociedade, portanto coletivo.
119
Assim sendo, as deliberações efetivadas no Fórum DCA devem ser
realizadas pelas representações das organizações da sociedade (devido ao caráter
coletivo que estas devem estar investidas). Isto, para impedir que sobressaiam
perspectivas individualistas ou corporativas que somente reforçam a vaidade pessoal,
em vez de contribuírem para a consolidação de uma sociedade mais democrática.
Portanto, a escolha das representações se coloca como um assunto de
extrema importância, pois esta deve ser realizada com uma profunda discussão, pois
estas não podem ser vistas como puras e/ou monolíticas.
A sociedade civil por meio de suas organizações tende a reproduzir o modelo
de organização estatal existente no Brasil, gerando representações destituídas
de uma legitimidade substantiva. Desta forma, é necessário ter uma acuidade
especial com o processo de escolha da representação em que a delegação
ocorre de forma não democrática, o que a torna a escolha desta representação
não legítima (MACIEL; CAMPOS, 1995)
Ao representar uma entidade no Fórum DCA, este representante não deverá
mais representar a si mesmo, mas estar investido de uma condição coletiva em que
prevaleçam os interesses e as ideias da entidade que está representando. Deve-se então,
procurar combater a representação ilegítima, com o objetivo de fortalecer um Fórum
democrático que qualifique os seus atores sociais.
O desafio de construir um modelo de gestão democrática das políticas que
garantam os direitos das crianças e adolescentes, a consecução da descentralização e da
participação da comunidade se coloca inadiável para toda a sociedade, sob a pena de
padecermos mais algumas dezenas de anos no rio do clientelismo, do paternalismo e do
assistencialismo ainda presentes nas políticas públicas.
120
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social - Lei 8.742, de 07 de dezembro
de 1993. Brasília, 1993.
______. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988.
JOVCHELOVITCH, Marlova. Municipalização e saúde: possibilidades e limites.
Porto Alegre: UFRGS, 1993.
MACIEL, Carlos Alberto Batista; CAMPOS, Edval Bernardino. Conselhos paritários: o
enigma da participação. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ASSISTENTES
SOCIAIS, 8. Salvador, 1995. Anais... Salvador, 1995.
MATTA, Roberto da. A casa & a rua. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1991.
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
SPOSATI, Aldaíza et al. Os direitos (dos desassistidos) sociais. São Paulo: Cortez,
1989.
SPOSATI, Aldaíza; FALCÃO, M. do Carmo. A assistência social brasileira:
descentralização e municipalização. São Paulo: EDUC, 1990.
TEIXEIRA, Sônia Maria Fleury. Cidadania, direitos sociais e Estado. In:
CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE, 8. Brasília, 1986. Anais... Brasília:
Ministério da Saúde, 1986.
121
FUNDO DA INFÂNCIA E DA ADOLESCÊNCIA:
Instrumento para concretização de direitos
Patrícia de Fátima de
Carvalho Araújo38
RESUMO
O objetivo deste artigo é realizar uma análise formal, ainda que breve provida de
conteúdo crítico, lastreada em pesquisa legislativa, documental e doutrinária, sobre o
Fundo da Infância e Adolescência (FIA), procurando dissecar, sem esgotar o tema, este
importante instrumento para a concretização dos direitos humanos de crianças e
adolescentes, sob a perspectiva do Princípio da Prioridade Absoluta.
Palavras-chaves: Fundo para Infância e Adolescência. FIA. Orçamento Público.
Prioridade Absoluta. Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente.
INTRODUÇÃO
Discorrer sobre o Fundo da Infância e Adolescência significa adentrar na
seara de um dos instrumentos de gestão, colocado à disposição do Conselho de Direitos
da Criança e do Adolescente, em nível Federal, Estadual e Municipal, para a
concretização dos direitos humanos desse segmento populacional.
Fundo Especial para captação de recursos, exclusivamente destinados para a
área da infância e adolescência, suas receitas se destinam ao financiamento de ações,
programas, projetos e serviços de promoção, proteção e defesa dos direitos das crianças
e adolescentes, residindo aí, sua importância.
38
Promotora de Justiça do Estado do Pará e Vice-Presidente do Grupo de Trabalho MOVER, no âmbito do Ministério Público
Estadual. Pós-graduada, lato sensu, em Direito Eleitoral pela Universidade Federal do Pará e Escola Judiciária do Pará. Pósgraduada,lato sensu, em Ciências Penais pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Pós-graduanda,lato sensu, em Direito da
Criança e do Adolescente pela Universidade Federal do Pará
122
O objetivo do presente não foi esgotar o tema, longe disso, a pretensão é
mais modesta: apenas trazer ao debate esta importante ferramenta, fornecendo subsídios
para compreensão da temática, através de uma análise técnica e de conteúdo crítico,
esperando contribuir com todos aqueles que trabalham, cotidianamente, como atores do
Sistema de Garantia de Direitos, especialmente Conselheiros de Direitos e Tutelares.
Inicialmente, foi traçado um panorama que permitisse compreender tal
instrumento e, para tanto, após contextualizar o tema, abordou-se o conceito, a
disciplina legal, a natureza jurídica e a finalidade do Fundo.
A seguir, o enfoque recaiu na criação, gestão e competências dos Conselhos
de Direitos em relação ao Fundo, debatendo a elaboração dos Planos de Ação e
Aplicação para a escolha dos projetos e programas a serem contemplados com os
recursos do Fundo.
Por fim, perquiriu-se sobre as fontes dos recursos captados pelo Fundo e a
destinação permitida e vedada dos mesmos, sem descurar da questão da obrigatória
alocação de recursos para a área da infância e adolescência nos Orçamentos Públicos de
cada um dos entes, nos diversos níveis de governo, o que deve ser feito em observância
ao Princípio da Prioridade Absoluta. Sem perder de vista que, em se tratando de
recursos públicos, as receitas do Fundo, estão sujeitas a controle e fiscalização, políticofinalístico e técnico-contábil, o que foi abordado, em tópico derradeiro, fechando o
conjunto de informações reputadas úteis à compreensão deste importante instrumento
para a concretização dos direitos das crianças e adolescentes brasileiros.
CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA; CONCEITO; DISCIPLINA LEGAL;
NATUREZA JURÍDICA E FINALIDADE DO FUNDO.
Estatuto da Criança e do Adolescente, derivação regulamentadora das
notáveis conquistas da Constituição Cidadã, ao preconizar a Proteção Integral a todas as
crianças e adolescentes brasileiros, instituiu o Sistema de Garantia de Direitos realizado
por meio de uma política de atendimento articulada nas três esferas de governo (federal,
123
estadual e municipal), assentado em três grandes eixos: Promoção, Controle Social e
Defesa de Direitos.
Os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, no que tange à
promoção de direitos, são responsáveis pela deliberação e formulação das políticas
públicas voltadas para a infância e adolescência. São instâncias formais de participação
democrática, estabelecidas em lei, encarregados também, juntamente com qualquer
cidadão e a sociedade civil organizada, de exercer o controle social, na medida em que
devem controlar e fiscalizar a correta e adequada execução dessas mesmas políticas.
Foram idealizados com base no artigo 204 da Constituição Federal, sob o
auspício da Democracia Participativa, quando o cidadão percebeu que não bastava
apenas votar e ser votado como forma de participação efetiva na vida social, mas
também precisava debater com o governo os problemas existentes para juntos encontrar
soluções efetivas. Daí a essência paritária de sua composição, com membros
representantes do Governo, indicados pelo Chefe do Executivo (governamentais) e
membros representantes de entidades da sociedade civil (não governamentais),
escolhidos e indicados conforme a Lei que cria o Conselho, buscando o equilíbrio no
sistema de cogestão da política infanto-juvenil.
Entre suas funções essenciais está à deliberação e formulação das políticas
públicas que devem ser implementadas pelo Poder Público em prol da infância e
adolescência; a fiscalização da correta execução dessas políticas; o monitoramento dos
procedimentos de atendimento; o registro das entidades governamentais e não
governamentais e seus programas; presidir o processo de escolha dos Conselheiros
Tutelares; a articulação da rede de proteção e a gestão do Fundo da Infância e da
Adolescência.
O Fundo da Infância e da Adolescência (FIA) é mecanismo para captação
de recursos destinados ao atendimento de ações, projetos e programas em prol desse
segmento social. Constitui-se em espécie de fundo especial, o qual é definido pelo
artigo 71 da Lei nº 4.320/196439, como sendo o “produto de receitas especificadas que,
39
Lei Federal que dispõe sobre normas gerais dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e Distrito Federal.
124
por lei, se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços, facultada a
adoção de normas peculiares de aplicação”.
Encontra previsão legal no artigo 88, IV do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), configurando, sua criação e manutenção, uma das diretrizes da
política de atendimento para a área da infância e adolescência. Vinculado ao Conselho
de Direitos da Criança e do Adolescente, deve ser implantado na esfera federal, estadual
e municipal.
A Lei nº 8.242, de 12 de outubro de 1991, criou em nível federal o
Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), bem como
o respectivo Fundo Nacional.
Impende ressaltar que, o CONANDA editou Resolução nº 137, de 21 de
janeiro de 2010, dispondo sobre os parâmetros para criação e o funcionamento dos
Fundos Nacional, Estaduais e Municipais.
No Pará, a criação do Conselho e Fundo Estadual dos Direitos da Criança
e do Adolescente se deu através da Lei nº 5.819, de 11 de fevereiro de 1994.
Em âmbito municipal, cada unidade deve criar o Conselho e respectivo
Fundo, acima aludido, por mesma lei específica, ressalvados os casos em que criado o
Conselho, ainda, não tenha sido instituído o Fundo40.
Apenas anote-se que, na União, nos Estados, no Distrito Federal e nos
Municípios deve haver um único e respectivo Fundo da Infância e Adolescência41.
Cumpre assinalar ademais, que o FIA possui a natureza jurídica de fundo
público, desprovido de personalidade jurídica própria, devendo ser inscrito no Cadastro
Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), utilizando o mesmo número base de inscrição do
Órgão ou Secretaria à qual estiver vinculado por lei. E, para garantir a diferenciação
40
Vide artigo 5º, § 1º da Resolução nº 137/2010/CONANDA.
41
Vide artigo 88, IV, da Lei nº 8.069/90 e artigo 3º da Resolução nº 137/2010/CONANDA.
125
(orçamentária, administrativa e contábil), deve possuir um número de controle
próprio42.
Em
suma,
o
Fundo
da
Infância
e
da
Adolescência
tem
por
objetivo/finalidade viabilizar, por meio da captação e aplicação de recursos, a
promoção, proteção, defesa e o atendimento à criança e ao adolescente, em situação de
risco pessoal e social, através de programas e projetos desenvolvidos para tal fim e, com
vistas à redução de desigualdades sociais e suporte às famílias e ao combate à violência,
trabalho infantil e outras formas de atentado a seus direitos fundamentais.
CRIAÇÃO, GESTÃO E COMPETÊNCIAS DO CONSELHO DE DIREITOS EM
RELAÇÃO AO FUNDO.
Conforme ilustrado acima, onde se fez menção à normativa criadora dos
Fundos Nacional e Estadual, os Fundos da Infância e Adolescência devem ser criados,
sempre, por lei em sentido formal43, emanada do Poder Legislativo, após todo o trâmite
regular. O que implica na impossibilidade de criação dos fundos por meio de decreto,
portaria ou provimento baixados pelo Chefe do Executivo, nos diversos níveis de
governo.
Assim, o fundo nacional foi criado por lei federal (Lei nº 8.242/91), o fundo
no âmbito do Estado do Pará, por lei estadual (Lei nº 5.819/94) e os fundos municipais
são criados por leis municipais, exaradas das competentes Câmaras de Vereadores, após
votação de projeto de lei, de iniciativa do Prefeito Municipal.
Os Fundos da Infância e da Adolescência estão vinculados aos Conselhos de
Direitos da Criança e do Adolescente, e como estes integram a estrutura do Poder
Executivo, a criação dos Conselhos e respectivos Fundos é matéria de iniciativa
exclusiva da Chefia Executiva, conforme disposto nos artigos 61, § 1º, II “e” c/c artigo
84, III da Constituição Federal.
42
Vide artigo 7º e § 1º da Resolução nº 137/2010/CONANDA.
43
O artigo 74 da Lei nº 4.320/64 estabelece que “a lei que instituir o Fundo Especial poderá determinar normas peculiares de
controle, prestação e tomadas de contas, sem, de qualquer modo, elidir a competência do Tribunal de Contas ou órgão
equivalente”. Na elaboração da Lei instituidora do Fundo ou em sua regulamentação deverão ser atendidos os preceitos de
ordem geral insculpidos no artigo 71 a 74 da Lei nº 4.320/64.
126
A Lei que instituir o Fundo deverá estabelecer quais seus objetivos e
finalidades; a vinculação da gestão pelo Conselho de Direitos da Criança e do
Adolescente; suas fontes de receitas e formas de despesa, isto é, o destino dos recursos
captados, sendo estes, sempre, aplicados na seara infanto-juvenil. Maiores detalhes
deverão estar previstos em Decreto regulamentador, que deverá ser editado pelo Poder
Executivo, no prazo por ela estipulado44.
Por força da vinculação do Fundo ao respectivo Conselho de Direitos,
também ocorrerá à vinculação, administrativamente, ao mesmo Órgão ou Secretaria que
aquele esteja vinculado, nas diferentes esferas de governo. Aclarando, com o exemplo:
No Município de Ananindeua/Pa., o Conselho Municipal de Direitos da Criança e do
Adolescente está vinculado à Secretaria Municipal de Assistência Social, da mesma
forma o Fundo Municipal.
A vinculação do Fundo ao Conselho de Direitos implica na prerrogativa
exclusiva do Conselho para decidir sobre a destinação, execução ou aplicação dos
recursos que integrem o Fundo, por meio da elaboração do Plano de Aplicação, isto é, o
exercício da gestão política do Fundo. Enquanto que, a vinculação do Fundo a um
Órgão ou a uma Secretaria diz respeito à gestão administrativa (contábil e escriturária),
ou seja, à operacionalização do Fundo. Para tanto o Chefe do Executivo nomeia um
gestor, após a regulamentação do Fundo.
Dessa feita, estão entre as principais atribuições do Conselho de Direitos
com relação ao Fundo: elaborar os Planos de Ação e de Aplicação; monitorar e avaliar a
destinação dos recursos, bem como a execução das ações, planos, projetos e programas
por ele financiados.
A Resolução nº 137/2010 do CONANDA, em seu artigo 9º, elenca as
competências do Conselho de Direitos, em relação ao Fundo:
Art. 9º Cabe ao Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, em
relação aos. Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente, sem prejuízo
das demais atribuições:
I - elaborar e deliberar sobre a política de promoção, proteção, defesa e
atendimento dos direitos da criança e do adolescente no seu âmbito de ação;
44
Vide artigos 5º e 6º da Resolução nº 137/2010/CONANDA.
127
II - promover a realização periódica de diagnósticos relativos à situação da
infância e da adolescência bem como do Sistema de Garantia dos Direitos da
Criança e do Adolescente no âmbito de sua competência;
III - elaborar planos de ação anuais ou plurianuais, contendo os programas a
serem implementados no âmbito da política de promoção, proteção, defesa e
atendimento dos direitos da criança e do adolescente, e as respectivas metas,
considerando os resultados dos diagnósticos realizados e observando os
prazos legais do ciclo orçamentário;
IV - elaborar anualmente o plano de aplicação dos recursos do Fundo,
considerando as metas estabelecidas para o período, em conformidade com o
plano de ação;
V - elaborar editais fixando os procedimentos e critérios para a aprovação de
projetos a serem financiados com recursos do Fundo dos Direitos da Criança
e do Adolescente, em consonância com o estabelecido no plano de aplicação
e obediência aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e
publicidade;
VI - publicizar os projetos selecionados com base nos editais a serem
financiados pelo Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente;
VII - monitorar e avaliar a aplicação dos recursos do Fundo dos Direitos da
Criança e do Adolescente, por intermédio de balancetes trimestrais, relatório
financeiro e o balanço anual do fundo dos Direitos da Criança e do
Adolescente, sem prejuízo de outras formas, garantindo a devida
publicização dessas informações, em sintonia com o disposto em legislação
específica;
VIII - monitorar e fiscalizar os programas, projetos e ações financiadas com
os recursos do Fundo, segundo critérios e meios definidos pelos próprios
Conselhos, bem como solicitar aos responsáveis, a qualquer tempo, as
informações necessárias ao acompanhamento e à avaliação das atividades
apoiadas pelo Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente;
IX - desenvolver atividades relacionadas à ampliação da captação de recursos
para o Fundo;
X - mobilizar a sociedade para participar no processo de elaboração e
implementação da política de promoção, proteção, defesa e atendimento dos
direitos da criança e do adolescente, bem como na fiscalização da aplicação
dos recursos do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Parágrafo único Para o desempenho de suas atribuições, o Poder Executivo
deverá garantir ao Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente o
suficiente e necessário suporte organizacional, estrutura física, recursos
humanos e financeiros.
O gestor administrativo45 deverá, por sua vez, abrir uma conta bancária em
nome do Fundo, cientificando os conselheiros, notadamente, sobre o recurso
45
Vide artigo 8º da Resolução nº 137/2010-CONANDA.
128
disponibilizado pelo Executivo; sobre quem será o ordenador de despesas e sobre a
prestação de contas, que será, posteriormente, submetida à aprovação pelo Conselho. O
artigo 2146 da Resolução nº 137/2010 do CONANDA, traz, ainda, outras
responsabilidades a cargo do Gestor Administrativo, nomeado pelo Poder Executivo.
Na mesma esteira, o artigo 260-G47 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
PLANO DE AÇÃO E PLANO DE APLICAÇÃO
Na qualidade de gestor do FIA, compete ao Conselho de Direitos da Criança
e do Adolescente, nas três esferas de governo, esboçar, elaborar, discutir e aprovar, a
cada exercício, o Plano de Aplicação dos recursos captados pelo Fundo, o qual deve
guardar íntima relação com seu Plano de Ação, no tocante às políticas, programas,
projetos e ações a serem desenvolvidos no município48.
O Plano de Ação é, com relação ao Fundo, por conseguinte, o documento
que define as metas deliberadas pelo Conselho de Direitos, estabelecendo as prioridades
que serão observadas no que diz respeito à criação e/ou manutenção de programas,
46
Art. 21. O Gestor do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente, nomeado pelo Poder Executivo conforme dispõe o artigo
6º, caput, desta Resolução, deve ser responsável pelos seguintes procedimentos, dentre outros inerentes ao cargo: I - coordenar a
execução do Plano Anual de Aplicação dos recursos do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente, elaborado e aprovado
pelo Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente; II - executar e acompanhar o ingresso de receitas e o pagamento das
despesas do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente; III - emitir empenhos, cheques e ordens de pagamento das despesas
do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente; IV - fornecer o comprovante de doação/destinação ao contribuinte, contendo
a identificação do órgão do Poder Executivo, endereço e número de inscrição no CNPJ, no cabeçalho e, no corpo, o n° de ordem,
nome completo do doador/destinador, CPF/CNPJ, endereço, identidade, valor efetivamente recebido, local e data, devidamente
firmado em conjunto com o Presidente do Conselho, para dar a quitação da operação; V- encaminhar à Secretaria da Receita
Federal a Declaração de Benefícios Fiscais(DBF), por intermédio da Internet, até o último dia útil do mês de março, em relação ao
ano calendário anterior; VI - comunicar obrigatoriamente aos contribuintes, até o último dia útil do mês de março a efetiva
apresentação da Declaração de Benefícios Fiscais (DBF), da qual conste, obrigatoriamente o nome ou razão social, CPF do
contribuinte ou CNPJ, data e valor destinado; VII - apresentar, trimestralmente ou quando solicitada pelo Conselho dos Direitos da
Criança e do Adolescente, a análise e avaliação da situação econômico-financeira do Fundo dos Direitos da Criança e do
Adolescente, através de balancetes e relatórios de gestão; VIII - manter arquivados, pelo prazo previsto em lei, os documentos
comprobatórios da movimentação das receitas e despesas do Fundo, para fins de acompanhamento e fiscalização; e IX - observar,
quando do desempenho de suas atribuições, o princípio da prioridade absoluta à criança e ao adolescente, conforme disposto no
art. 4º, caput e parágrafo único, alínea b, da Lei n° 8.069 de 1990 e art. 227, caput, da Constituição Federal. Parágrafo único.
Deverá ser emitido um comprovante para cada doador, mediante a apresentação de documento que comprove o depósito
bancário em favor do Fundo, ou de documentação de propriedade, hábil e idônea, em se tratando de doação de bens.
47
Art. 260-G. Os órgãos responsáveis pela administração das contas dos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente nacional,
estaduais, distrital e municipais devem: manter conta bancária específica destinada exclusivamente a gerir os recursos do Fundo;
manter controle das doações recebidas; e III - informar anualmente à Secretaria da Receita Federal do Brasil as doações recebidas
mês a mês, identificando os seguintes dados por doador: a) nome, CNPJ ou CPF; b) valor doado, especificando se a doação foi em
espécie ou em bens.
48
DIGIÁCOMO, Murilo José. O Fundo Especial para a Infância e Adolescência FIA e o orçamento público. Disponível em
www.crianca.caop.mp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?. Acesso em 31.05.2013, às 15:00 h. E vide artigo 9º, III e IV da
Resolução nº 137/2010-CONANDA.
129
projetos e ações em prol das crianças e adolescentes, sobretudo, em situação de risco
pessoal e/ou social, a serem implantados com a utilização dos recursos do FIA.
Nesse diapasão, deve conter: descrição das AÇÕES a serem desenvolvidas
nas áreas de capacitação e planejamento, proteção especial, rede de atendimento, entre
outras, bem como a forma de AVALIAÇÃO destas ações, a fim de verificar se os
objetivos estão sendo alcançados.
Logo, descreve a ação a ser desenvolvida, diz o objetivo que se almeja com
sua realização, estabelece quem assume a responsabilidade por sua execução e por fim
estipula o prazo para o cumprimento.
Sugere-se, como referencial, seguir um Roteiro, a quando de sua concepção,
que abranja, pelo menos, as seguintes etapas:
a).Verificação Preliminar: A Comissão de Fundo, caso tenha sido instituída, ou o
Colegiado, devem, em primeiro lugar, para elaboração do Plano de Ação, conhecer os
recursos existentes na comunidade (materiais e humanos); identificar pessoas chaves
nos órgãos municipais para prestar informações sobre a política que está em
desenvolvimento; mapear as entidades cadastradas, os locais de atendimento em
funcionamento, bem como organizações comunitárias existentes (associações/igrejas) e
outros órgãos que possam se integrar ao processo;
b). Definição da Metodologia ou estratégia de trabalho, equipe e cronograma;
c). Elaboração de Diagnóstico da realidade local, preferencialmente por escrito.
Sugestiona-se, para o êxito da tarefa, realizar reuniões abertas, audiências públicas e
assembleias, envolvendo os vários setores e atores, periodicamente. Além de
imprescindível saber que serviços estão implantados, há que se saber também como
estão funcionando, a qualidade do atendimento prestado, as dificuldades que possam
estar comprometendo a eficiência do atendimento, bem como saber de quais ações,
serviços, programas e projetos a sociedade local está precisando para o cumprimento do
Princípio da Proteção Integral;
d). Materialização do Plano de Ação, através da elaboração de documento final escrito.
Os conselheiros, neste tocante, precisarão agir com sabedoria e assertividade, pois
múltiplas demandas irão emergir, não raro, em escala muito maior que os recursos
disponíveis, implicando em saber eleger prioridades no momento de deliberar e escolher
em quais ações os valores do Fundo serão aplicados;
130
e). Criação de Mecanismos para assegurar a implementação do Plano, tais como:
articular junto ao Poder Legislativo Local, durante a feitura das leis orçamentárias, para
que constem recursos suficientes à execução do Plano; promover articulação com outros
atores da rede do Sistema de Garantia de Direitos; promover ampla divulgação social
dos trabalhos, objetivos e metas que se pretende alcançar;
f). Realização de monitoramento/acompanhamento e avaliação da execução do Plano
de Ação;
De outra banda, o Plano de Aplicação é o documento que contém a
distribuição dos recursos do Fundo para a realização dos planos, projetos e programas
traçados no Plano de Ação, segundo as prioridades e objetivos que se pretende alcançar
em prol das crianças e adolescentes. Contém a descrição da receita e despesas, com os
respectivos valores que serão utilizados para a execução das ações escolhidas pelo
Conselho de Direitos.
Destarte, imprescindível que ambos os Planos – de Ação e de Aplicação sejam concebidos, da maneira mais transparente e participativa possível. A colaboração
do Conselho Tutelar, em parceria, se afigura preciosa, vez que são porta de entrada das
situações de risco, realizando atendimento diário à população e, pois, conhecedores das
deficiências da rede de serviços, sabendo apontar metas prioritárias.
Relevante destacar que, os dois planos devem ser encaminhados pelo
Conselho de Direitos ao Poder Executivo e por este último incluído no Projeto de Lei de
Diretrizes Orçamentárias (LDO), a ser remetido para a Câmara Municipal para análise,
discussão e aprovação, uma vez que o orçamento público é único.
Uma vez aprovados, os planos vinculam o uso das verbas do FIA, não
podendo ser oposta objeção pela Administração Pública quanto ao cumprimento.
Neste viés, convém não deixar esquecer que o Poder Executivo deve
destinar recursos para a área da infância e juventude, de forma prioritária, em
conformidade com as deliberações do Conselho de Direitos, expressas em seus planos,
visto ser o órgão encarregado de formular a política pública, nessa seara.
FONTES E DESTINAÇÃO DOS RECURSOS. ORÇAMENTO PÚBLICO E
PRINCÍPIO DA PRIORIDADE ABSOLUTA.
131
Os recursos que compõe o Fundo da Infância e Adolescência tem origem
diversificada. Alguns estão previstos na Lei nº 8.069/90, tais como: o valor das multas
aplicadas judicialmente em razão das infrações administrativas (artigo 245 a 258) ou
crimes (artigo 228 a 244-B), conforme artigos 154 c/c 214; multas impostas em sede de
ação civil pública que tenham seus preceitos cominatórios descumpridos pelo
demandado, consoante artigo 213 a 214 e doações de pessoas físicas ou jurídicas, nos
termos dos artigos 260 e seguintes, dedutíveis do imposto de renda.
Contudo, apesar das previsões estatutárias genéricas, as receitas devem,
em regra, ser indicadas na lei de criação do Fundo, que também deve contemplá-las
especificamente.
Cumpre lembrar que, além das receitas ao norte citadas, o orçamento do
ente público também é outra valiosa fonte de recursos do Fundo. Esta dotação
orçamentária do executivo local vem incluída nas leis orçamentárias anuais. Pode
também o Executivo, ao destinar o recurso, fazê-lo especificadamente para enfrentar
determinada questão, na área da infância e adolescência.
Transferências intragovernamentais, feitas de um nível de governo para o
outro (da União para os Estados, dos Estados para os Municípios), consubstanciam-se
em outra forma de receita e fundam-se na descentralização político-administrativa, pela
qual o Fundo Nacional deve fortalecer os Fundos Estaduais e Municipais, para que
desenvolvam projetos fora da esfera de atribuições da União.
De outra sorte, também podem constituir receitas, os valores decorrentes
da aplicação dos valores do Fundo no mercado financeiro e que devem constar do Plano
de Aplicação.
O artigo10 da Resolução nº 137/2010 do CONANDA, resume o elenco:
Art. 10. Os Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente devem ter
como receitas:
I - recursos públicos que lhes forem destinados, consignados no Orçamento
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, inclusive
mediante transferências do tipo "fundo a fundo" entre essas esferas de
governo, desde que previsto na legislação específica;
132
II - doações de pessoas físicas e jurídicas sejam elas de bens materiais,
imóveis ou
recursos financeiros;
III - destinações de receitas dedutíveis do Imposto de Renda, com incentivos
fiscais, nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente e demais
legislações pertinentes.
IV - contribuições de governos estrangeiros e de organismos internacionais
multilaterais;
V - o resultado de aplicações no mercado financeiro, observada a legislação
pertinente;
VI - recursos provenientes de multas, concursos de prognósticos, dentre
outros que lhe forem destinados.
Dentre as receitas enumeradas, abra-se um parêntese para reforçar que, no
tocante às doações de pessoas físicas e jurídicas, dedutíveis do imposto de renda, deve
ser dada maior publicidade, através de campanha realizada pelos Conselhos de Direitos,
para fins de aumento da captação de recursos do Fundo, visto que tais doações trazem
ao contribuinte a certeza de que o valor doado será aplicado nos programas e projetos
desenvolvidos em sua própria comunidade.
No que concerne à destinação dos recursos captados pelo Fundo, esta
também deve estar prevista, em linhas gerais, pela Lei que o instituiu, respeitadas as
diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente. É que o Estatuto, imperativamente,
determina que sejam destinados recursos nos Planos de Aplicação para o incentivo ao
acolhimento, sob a forma de guarda, de criança e de adolescente órfão ou abandonado,
na forma disposta em seu artigo 260, § 2º e no artigo 227, § 3º, VI, da Constituição
Federal, observadas as diretrizes do Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do
Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária.
Conforme previsão constitucional, a União não pode executar programas de
assistência. Por este viés, destina seus recursos aos Estados e Municípios para que estes
o façam. Contudo, é importante destacar, tais verbas federais não poderão ser recebidas
pelos Estados e Municípios que se omitirem na criação dos Conselhos de Direitos da
Criança e do Adolescente e seu respectivo Fundo.
Como já visto alhures, compete ao Conselho de Direitos deliberar sobre a
aplicação dos recursos do Fundo da Infância e Adolescência. E, sendo os recursos do
133
Fundo de natureza pública, tal aplicação deve ser feita de foram transparente e
criteriosa, não sendo possível sua utilização para manutenção das entidades que os
executam ou para o pagamento de seus dirigentes, conforme artigo 90, caput, do ECA.
Há de ser séria a seleção dos projetos e programas que serão financiados
com os recursos do Fundo, com obediência aos Princípios da Legalidade,
Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência, e através de critérios objetivos e
pré-estabelecidos, a fim de evitar qualquer direcionamento que venha a beneficiar
qualquer entidade, sobretudo, àquelas cujos representantes possuam assento no
Conselho de Direitos.
Em síntese, as receitas do Fundo destinam-se ao financiamento de ações,
projetos, programas e serviços complementares de promoção, proteção e defesa dos
direitos das crianças e adolescentes, auxiliando a inclusão social e para a qualificação da
rede de atendimento, além de destinarem-se a programas e projetos pesquisa, de estudo,
elaboração de diagnóstico, planejamento, monitoramento e avaliação das políticas
públicas.
Os recursos do FIA são complementares aos recursos orçamentários do ente
público, constituindo-se em um plus e, sua inexistência não desobriga o ente (União,
Estado ou Município) do cumprimento de seus deveres para com o público infantojuvenil. Entre estes deveres está a estruturação da política e da rede de atendimento,
preconizados no Estatuto da Criança e do Adolescente, consoante os rumos prioritários
traçados pelas deliberações do Conselho de Direitos.
Oportuno lembrar que, também, existem vedações ao emprego dos recursos
do Fundo. Segue rol exemplificativo das vedações para utilização dos recursos do
Fundo da Infância e Adolescência, estabelecido no artigo 16 da Resolução nº 137/2010
do CONANDA:
Art. 16. Deve ser vedada a utilização dos recursos do Fundo dos Direitos da
Criança e do Adolescente para despesas que não se identifiquem diretamente
com a realização de seus objetivos ou serviços determinados pela lei que o
instituiu, exceto em situações emergenciais ou de calamidade pública
previstas em lei. Esses casos excepcionais devem ser aprovados pelo plenário
do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente.
134
Parágrafo Único. Além das condições estabelecidas no caput, deve ser
vedada ainda a utilização dos recursos do Fundo dos Direitos da Criança e do
Adolescente para:
I - a transferência sem a deliberação do respectivo Conselho dos Direitos da
Criança e do Adolescente;
II - pagamento, manutenção e funcionamento do Conselho Tutelar;
III - manutenção e funcionamento dos Conselhos dos Direitos da Criança e
do Adolescente;
IV - o financiamento das políticas públicas sociais básicas, em caráter
continuado, e que disponham de fundo específico, nos termos definidos pela
legislação pertinente;
V - investimentos em aquisição, construção, reforma, manutenção e/ou
aluguel de imóveis públicos e/ou privados, ainda que de uso exclusivo da
política da infância e da adolescência. (grifos postos)
Em sendo assim, os recursos destinados pelos entes públicos para instalação
ou manutenção de órgãos, programas e ações na seara da infância e juventude não
precisam passar pelo Fundo, mas sim devem estar previstos no orçamento próprio do
ente público, responsável por sua execução, com PRIORIDADE ABSOLUTA.
Nunca é demais destacar que, a garantia de Prioridade compreende a
preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas e a destinação
privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à
juventude49.
O custeio das políticas básicas, traduzidas por meio dos serviços
permanentes dentro da rede de atendimento à criança e ao adolescente, devem ter
previsões orçamentárias e fazer parte de uma agenda política, financeira e social,
igualmente, perene.
Daí o porquê da vedação quanto ao uso do recurso do Fundo para
implantação ou manutenção de uma entidade de acolhimento institucional ou de um
programa de tratamento para desdrogadição, visto que devem ser de caráter permanente,
havendo necessidade de previsão nos orçamentos públicos da área da Assistência Social
ou da Saúde, pois o dinheiro do Fundo se destina a custear projetos, programas e
serviços de caráter temporário, executados por período determinado.
49
Vide artigo 4º, parágrafo único, alíneas “c”e “d”, do ECA.
135
Ao Conselho de Direitos, cabe, portanto, atuar para efetivação do
“Orçamento Criança”, que contempla todos os recursos destinados à garantia da
Proteção Integral aos direitos das crianças e adolescentes.
Urge que tais conselheiros recebam capacitação e formação continuada para
entendimento de seu relevante papel, inclusive como gestor do Fundo e para que
adquiram conhecimentos básicos, ao menos, sobre o Orçamento Público e as principais
leis orçamentárias, a fim de que possam participar das discussões a quando de sua
feitura, dos debates nas audiências públicas convocadas pelo Legislativo, dominando a
realidade financeira e orçamentária da esfera de governo à qual pertença (federal,
estadual ou municipal). Assim poderão argumentar em posição de igualdade com o
Poder Executivo, sobretudo, para não deixar que as deliberações soberanas do Conselho
quanto à política pública sejam desrespeitadas, notadamente, pelo inadmissível
argumento da “falta de recursos”, pois saberão repeli-lo, diante do Princípio
Constitucional da Prioridade Absoluta.
CONTROLE E FISCALIZAÇÃO DO FUNDO.
Uma vez que os recursos captados pelo FIA são públicos, como tal, estão
sujeitos ao mesmo controle e fiscalização dos recursos públicos em geral.
Norma geral, contida no artigo 74 da Lei nº 4.320/64, estabelece que o
controle do fundo especial deva ser feito pelo Tribunal de Contas ou órgão equivalente,
e que a lei instituidora do Fundo pode determinar, ainda, outras formas de controle e
fiscalização50.
À luz do Estatuto da Criança e do Adolescente, os recursos do Fundo da
Infância e Adolescência devem ser fiscalizados e controlados pelo próprio Conselho de
Direitos e pelo Ministério Público51.
O Artigo 22 da Resolução nº 137/2010 do CONANDA, preceitua que os
recursos do Fundo estão sujeitos à prestação de contas aos órgãos de controle interno do
50
LIBERATI, Wilson Donizeti. CYRINO, Públio Caio Bessa. Conselhos e Fundos no Estatuto da Criança e do Adolescente – São Paulo:
Malheiros Editores, 1997, p. 192.
51
Ibid, p. 192.
136
Poder Executivo e aos Conselhos de Direitos e, ainda, a controle externo pelo Poder
Legislativo, Tribunal de Contas e Ministério Público.
Segundo Liberati & Cyrino (1997, p. 192), “o controle do Fundo, se
submete a dois distintos níveis: um primeiro chamado controle político-finalístico; um
segundo chamado controle técnico-contábil”.
O primeiro é realizado pelo próprio gestor do Fundo, o Conselho de Direitos
da Criança e do Adolescente. O segundo é feito pelo Poder Legislativo, com auxílio do
Tribunal de Contas, observando as normas insculpidas na Lei nº 4.320/64, constituindo
forma de controle externo, visto que a prestação de contas do Fundo integra a prestação
de contas do Poder Executivo.
O Ministério Público52, por sua vez, poderá exercer qualquer das formas de
controle, consoante disposições dos artigos 201, VIII e 260-J do ECA, adotando as
medidas judiciais e extrajudiciais pertinentes, em defesa dos direitos das crianças e
adolescentes.
CONCLUSÃO
Após toda a panorâmica traçada sobre o Fundo da Infância e
Adolescência, dissecando sobre sua conceituação, sua finalidade e objetivo, forma de
instituição, operacionalização de sua gestão, a origem e destinação dos recursos
captados, bem como da fiscalização na aplicação dos mesmos, restou claro que existem
complexidades para sua implementação, nos moldes preconizados pela legislação pátria,
com vistas à Proteção Integral às crianças e adolescentes, mas que se trata de um desafio
a ser enfrentado por todos os atores do Sistema de Garantia de Direitos (SGD).
A prática demonstra que, ainda, estamos distantes da concretização teórica.
As dificuldades de operacionalização do Fundo da Infância e Adolescência saltam aos
olhos, decerto, até dos mais desatentos.
52
Os gestores do Fundo, tanto em nível político, como em nível administrativo, estão sujeitos a ação judicial, por proposição do
Ministério Público, em caso de descumprimento das obrigações constantes dos artigos 260-G e 260-I, do ECA.
137
Os desafios começam pela própria conscientização dos atores, sobretudo
dos Conselheiros de Direitos, sobre seu papel dentro do SGD. Há corresponsabilidade
pelo funcionamento da engrenagem.
Contudo, o Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente, gestor do
Fundo, grande protagonista desta temática, merece que sobre sua atuação sejam tecidas
algumas considerações. Inicialmente, seus conselheiros necessitam urgentemente atuar
realmente como protagonistas, agentes com papel principal, dentro do cenário da
formulação e deliberação das políticas públicas para a área da infância e adolescência.
Seus poderes foram conferidos pela Lei Maior do país, a Constituição de 1988, que
instituiu a Democracia Participativa. Possuem esta responsabilidade. São os donos do
poder de determinar o que será feito em prol desse contingente populacional. Precisam
realizar diagnósticos que servirão de base para a confecção de seus Planos de Ação e
Aplicação, conhecer a rede de atendimento local, verificar o que está implementado e
como está funcionando; identificar as omissões na implantação dos serviços e
programas e, sobretudo realizar a oitiva do Conselho Tutelar, porta de entrada das
situações de risco e parceiro próximo da comunidade, bem como proceder à escuta
direta da sociedade sobre os assuntos infanto-juvenis, posto que seus legítimos
representantes.
Como consequência deste processo de empoderamento não mais permitam
que suas deliberações sobre a política social pública infanto-juvenil seja ignorada e
tratada como meras sugestões, quando, na verdade são “decisões de governo” (sim, pois
o Conselho integra a estrutura do governo e possui em sua composição paritária, metade
dos membros representantes do próprio governo) e vinculam o administrador público
que não pode deixar de cumpri-las. Façam uso da mobilização social como sua aliada,
bem como busquem a articulação com os demais atores do sistema para que seus
objetivos sejam, de fato, alcançados.
As dificuldades para a operacionalização eficaz do Fundo são hercúleas,
mas vencíveis.
A capacitação e formação continuada contribuem para a superação dos
desafios.
138
Os conhecimentos sobre o Orçamento e as leis orçamentárias e seus trâmites
são fundamentais para fornecer aos atores sociais, especialmente aos conselheiros de
direitos, o poder da argumentação, do acompanhamento, da participação ativa nas
discussões tanto no âmbito do Executivo, quanto nas audiências públicas promovidas
pelo Poder Legislativo para tal fim, pois o aporte de recursos no orçamento é vital para
a execução da política pública e, também, se constitui numa das receitas que integram o
Fundo.
Jamais perder de vista que, os recursos do Fundo constituem um plus para a
realização das tarefas de materializar direitos infanto-juvenis e nunca podem substituir
os recursos do próprio orçamento do ente (União, Estados, Municípios) são
aprendizados essenciais. Os recursos do orçamento executivo é que são os responsáveis
pela implantação e manutenção dos serviços de atendimento permanentes, enquanto que
os recursos do Fundo constituem complemento para financiar ações que venham somar
na promoção, proteção e defesa dos direitos das crianças e adolescentes.
Nessa ótica, ao ser identificado local onde o Fundo para a Infância e
Adolescência não esteja instituído, imediatamente adotar providências que transformem
esta situação, para tanto articular com o Poder Executivo local para que encaminhe
Projeto de Lei à Câmara Municipal criando o Fundo. De igual modo articular, mobilizar
e buscar parcerias dentro do SGD e com a sociedade civil para o alcance deste
propósito, acionando o Ministério Público nesta jornada, pois a omissão pode acarretar
ausência no recebimento de recursos frutos das transferências intragovernamentais.
Portanto, a escolha das ações, projetos, programas, serviços que serão
financiados como os recursos do Fundo, precisa ser criteriosa e impessoal, lastreada em
critérios, previamente e objetivamente, definidos, a fim de que a escolha não seja
pautada em lastros de amizade e compadrio, ao revés, escolhidas as ações que tragam
contribuição efetiva para os problemas enfrentados.
As alterações introduzidas no artigo 260 e seguintes do Estatuto da Criança
e do Adolescente precisam ser amplamente divulgadas, pois favorecem as doações pelas
pessoas físicas e jurídicas ao Fundo e podem constituir um grande incremento de receita
que, permitirá desenvolver ações com retorno social na seara infanto-juvenil.
139
Por outro lado, não basta apenas incrementar a receita. É preciso,
sobremaneira, que haja um controle eficaz da destinação dos recursos do Fundo.
Fiscalizar e monitorar, continuamente, para que as ações deliberadas no Plano de Ação,
consoante a distribuição materializada no Plano de Aplicação sejam, de fato, cumpridas.
Por fim, apesar de demonstrar os desafios a serem enfrentados, há o
reconhecimento de que, as soluções não são fáceis, não possuem fórmula mágica e
pronta. Contudo, com uma gestão e operacionalização do Fundo da Infância e
Adolescência eficaz, ganha a sociedade e o público infanto-juvenil, com este importante
instrumento para a concretização de seus direitos.
140
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so(m)bras do orçamento público. Disponível em http://www.criança.caop.mp.pr.gov.br.
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PONTES JÚNIOR, Felício. Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente. São
Paulo: Malheiros Editores, 1993.
142
MÍDIA E REPRESSÃO PENAL: A MÍDIA COMO FATOR POLÍTICO
CRIMINAL. A “ESCOLHA” MIDIÁTICA DOS DELINQUENTES: OS
ADOLESCENTES ESTÃO NA “MIRA”
Ana Celina Bentes Hamoy53
RESUMO
O direito à informação, em uma sociedade democrática, faz parte de seus fundamentos.
Nesse sentido, não se pode conceber qualquer forma de censura prévia, pois isso
macularia a democracia. Mas como conceber uma mídia que monopoliza o direito de
informar, usa deste para definir quem são os merecedores da boa sociedade e quem são
aqueles cujo melhor destino é o cárcere? Estes são os temas centrais do presente escrito
que buscará fazer reflexões sobre como a mídia pode usar de seu discurso hegemônico e
impor uma ordem punitiva a determinadas categorias sociais, “podendo”, inclusive, ferir
o princípio da dignidade humana.
INTRODUÇÃO
É inegável que em uma sociedade democrática os direitos de expressão, de
dar informação, de receber informação, estão no contexto dos direitos fundamentais e
são de vital importância para a afirmação da democracia.
O Brasil, com toda a sua histórica vivência de ter passado por uma ditadura,
ao reerguer sua democracia faz firme opção pelo Estado Democrático, com amplas
garantias de liberdade. Assim, a suprema corte Brasileira rechaçou a dita lei de
imprensa54, promulgada na época do regime de exceção, fazendo, com isso, firme
53
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos da UFPA, especialista em Instituições Jurídicas e Sociais da
Amazônia, advogada do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Estado do Pará, coordenadora do grupo de trabalho
sobre intervenções exemplares na Defesa dos direitos humanos de crianças e adolescentes da ANCED. Pesquisadora do CESIPCentro de Estuados sobre intervenção Penal-UFPA-PPGD. E-mail: [email protected]
54
Lei 5.250/75
143
declaração de não recepção pelo atual ordenamento jurídico brasileiro55, por conter a
referida norma, restrições ao livre exercício do direito de informação e mais, fazendo a
sociedade brasileira, afirmar seu propósito de garantia das liberdades fundamentais e de
respeito ao direito cidadão de informar e ser informado, impondo, assim, o devido
controle ao exercício despótico do poder.
Todas essas questões, entretanto, são hoje debatidas com relação ao papel da
mídia e o respeito à dignidade humana. Pode a mídia, no uso de seu direito de informar,
realizar um discurso massificador da exclusão de determinados grupos na sociedade?
Mas, se existirem limites, como coadunar com o livre exercício do direito de
informação e com a devida intolerância com qualquer tipo de censura prévia, já que
aquele é um dever fundamental que está na base da democracia?
As questões acima têm fomentado amplo debate nos meios acadêmicos,
sociais e até mesmo nos meios de comunicação. Dessa forma, no presente texto se
procurará tecer reflexões para levantar elementos que possam estimular a compreensão
da importância do direito à informação dentro de um Estado democrático, frente ao
devido respeito à dignidade humana, onde as pessoas sejam assim compreendidas e não
como categorias dicotômicas do bem contra o mal.
A IMPRENSA E O ESTADO DEMOCRÁTICO
Sabe-se que em uma democracia princípios como liberdade, igualdade,
dignidade humana etc. são a fortaleza para que uma democracia possa funcionar com as
limitações necessárias a qualquer forma de tendência a um uso arbitrário do poder.
Nesse sentido, é inadmissível qualquer possibilidade de existência de um Estado
Democrático sem que essas liberdades sejam respeitadas, pois isso contribuiria para o
lado inverso da democracia, ou seja, o crescimento de um Estado absolutista, com uso
arbitrário do poder.
55
Conferir julgamento do Supremo Tribunal Federal da ADPF 130 em: www.stf.jus.br
144
A Constituição Brasileira de 1998 consagrou a ampla liberdade de
expressão e informação em seu artigo 5º incisos IV, V, IX e XVI56 e, ainda, artigo
22057, fornece toda a proteção para que o exercício do livre direito de expressão e
informação não sofra o indevido controle do Estado.
Toda essa segurança constitucional serve não só para o fortalecimento do
Estado na construção do processo democrático, mas também visa fomentar uma
sociedade crítica em percepções, conceitos e diversidade de ideias, fazendo com que
esta possa exercer o devido controle das ações do poder estatal não permitindo que o
pensar “despótico” majoritário impeça que essa diversidade seja proliferada e acabe por
permitir com que o consenso social seja criado a partir de imposições majoritárias.
Entretanto, não bastam formalizações normativas para que esse ideal
democrático de imprensa livre para propagação de ideias libertas sirva a seus reais
56
Conferir Constituição Federal de 1998:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
57
Conferir constituição Federal:
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não
sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer
veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
§ 3º - Compete à lei federal:
I - regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que
não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada;
II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou
programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e
serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.
§ 4º - A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições
legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios
decorrentes de seu uso.
§ 5º - Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.
§ 6º - A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade.
145
propósitos. Não se pode negar que hoje a realidade vigente nos segmentos da
comunicação tem assumido um caráter de controle hegemônico do poder, servindo a um
discurso que exclui, criminaliza, mercantiliza e consegue ser o grande “julgador” dos
que podem ser considerados cidadãos e daqueles que devem ser considerados a
“escoria” supérflua da sociedade, ou como bem afirma Gomes (2012, p. 1):
É induvidoso que os meios de comunicação transitam hoje por todas as
esferas do poder político. Interferem nas ações do executivo e do legislativo,
bem como, nas decisões judiciais. E o não fazem involuntariamente ou por
acidente. A capacidade de formar opiniões pela informação transformou o
fiscal em guia. Quem deveria limitar, seguindo balizas legais e orientações
éticas, passou, em muitos casos, a verdadeiramente conduzir o exercício do
poder.
Ora, as afirmações acima servem para ilustrar a urgente necessidade de
reflexões sobre o papel democrático, propagado por essa mídia que é “ditadora” da ideia
maniqueísta entre o “bem e o mal”, o “certo e o errado” e de quem “pode viver e quem
pode ser morto”, está de acordo com os propósitos democráticos?
É óbvio que não se quer aqui estabelecer, com essas afirmações, qualquer
defesa de algum tipo de censura prévia, até mesmo, porque esta só pode conviver com
governos despóticos, totalitários, mas sim, argumentar no sentido de que a quem
interessa essa imprensa que estabelece e “promulga” uma sociedade meritocrática e que
vive a construir o discurso do medo, do encarceramento em massa, ou mesmo, de que
lei deve vigorar, de como o Judiciário deve julgar e até mesmo quem o povo deve
escolher para seu governo? Com certeza não é com posturas de disseminação do
discurso do poder de permissão da segregação que se terá um país mais livre e
democrático, muito menos, uma sociedade em melhores condições de afirmar sua
capacidade crítica de garantia das liberdades individuais e coletivas.
É bem verdade que todo esse monopólio do poder que distorce ideias e pode
levar à alienação de uma maioria da sociedade, surge com a combinação de uma
146
sociedade dirigida por um ideal neoliberal e o crescimento da imposição de um mundo
globalizante que impõe regras econômicas, estabelece novas orientações na forma de
agir do Estado e funda ideias de que com esse mínimo em ações sociais e econômicas, a
sociedade obterá melhores oportunidades de crescimento, ou melhor como afirmou
Foucault em uma de suas aulas no curso dado no Collége de France (2004, p. 39):
Essa nova arte de governar se caracteriza essencialmente, creio eu, pela
instauração de um mecanismo a um só tempo internos, números e complexos,
mas que têm a função- é com isso, digamos assim, que se assinala a diferença
em relação à razão de Estado- não tanto assegurar o crescimento do Estado
em força, riqueza e poder, (o) crescimento indefinido do Estado, mas sim
limitar do interior o exercício do poder de governar.
As lições de Foucault não podem, de forma alguma, fugir do contexto das
reflexões aqui introduzidas, pois ajudam a entender que a forma de agir da mídia de
massa não pode ser considerada como uma grande “aliada” no bem informar da
sociedade, mas sim, como um propósito de fortalecer essa “nova forma de governar”,
que impõe uma economia “espetacularmente” livre, um Estado exageradamente não
intervencionista, com um mercado cuja linha mestra é o lucro desmedido, usufruindo do
uso do poder centralizado e, aqueles que são considerados como descartáveis58, são
justamente os alvos preferidos dessa mídia criminalizadora, pois em nada contribuem
para os anseios da economia neoliberal que sustenta os monopólios midiáticos que por
sua vez legitima e dá suporte a “essa nova forma de governar”.
A MÍDIA QUE ESCOLHE OS DESTINATÁRIOS DO CÁRCERE
A constatação maior que a globalização tem proporcionado à sociedade
mundial é perceber que, hoje, vige quase que uma unanimidade na pauta midiática
58
Conferir sobre este tema em Carvalho (2008, p. 94-96).
147
mundial: o direito penal é o fim para a solução dos problemas de violência urbana no
mundo.
Entretanto, toda essa construção, que ganha verdadeira proporção de
generalização no mundo, contou, é obvio, com a massiva contribuição americana de
encarceramento total dos pobres59, com a então política do “Tolerância Zero”, que
cravou o fascínio naqueles que são os verdadeiros apaixonados pela “limpeza social”
que o direito penal é capaz de realizar, quando estimulado a limitar as garantias
individuais e a ser o realizador da “politica pública”, para retirar do meio da sociedade
de “bem” e meritocrática, os ditos indesejáveis.
Nas últimas duas décadas no Brasil nada mais é debatido, como de
importância crucial, do que a deliberação de leis que promovem o rigor penal,
favorecem a flexibilização das garantias individuais e permitem que a prisão cautelar
assuma o caráter de regra, transformando o espaço do processo penal como um meio
mais favorável à aplicação de penas rigorosas e pouco espaço para a construção de um
estado menos penal e mais garantidor de oportunidades que favoreçam a diminuição das
desigualdades.
Em todo esse contexto, um fato ganhou proporções que só vêm estimulando
o aumento dessa proposta de encarceramento como regra, é o lugar assumido pela mídia
de massa (televisão, jornais escritos, rádio e internet), que usufruindo desse locus
privilegiado de poder de convencimento na sociedade, fez a firme escolha sobre de que
forma as pessoas poderão ser vistas dentro do contexto social: uns como os que devem
ser protegidos e outros como os que devem ser destinados às penitenciárias.
Não se pode negar que todo o discurso criminológico midiático, utilizado
com o intuito de proteger o patrimônio, onde o roubo, o furto são tidos como os graves
problemas que a sociedade deve enfrentar no contexto da violência urbana, muitas
vezes, tem repercussão extraordinariamente massificada, inclusive ganhando proporções
desmedidas, com a mídia, em casos de roubos, onde a polícia chega enquanto o fato está
59
Loic Wacquant, em “As prisões da miséria”, faz extenso relato de como a política de fortalecimento do Estado Penal Americano
é difundida no mundo inteiro e assume contexto global como forma de fomentar a diminuição das políticas sociais e atribuir aos
pobres a responsabilidade pela exclusão social a qual são submetidos, fazendo com que estes passem a ser os verdadeiros
destinatários da política penitenciária.
148
ocorrendo, gerar transmissões ao vivo, por horas, quase que pela unanimidade dos
meios, não permitindo, sequer, que a população tenha opção na escolha do que gostaria
de ver no dito momento. Ora, este fato não é por acaso, claro que busca fazer com que a
indução do debate mostrado ao vivo, já possa imperar uma responsabilização
inquisitorial. Assim, o dito criminoso passa a ser o que existe de pior na sociedade e que
portanto os gritos, muitas vezes, histéricos, dos locutores bradando por uma pena de
morte, instiga na sociedade não só um sentimento de vingança, mas também, um amplo
rancor e sentimento de medo que dificilmente poderá ser capaz de não ser reproduzido
como o discurso válido e capaz de “salvar” a sociedade dos “miseráveis” que ousam
ferir as regras da sociedade, para estes nada mais sobra senão uma pena máxima, um
cárcere indigno e uma vida sem direitos.
Zaffaroni (2012) ajuda com suas reflexões sobre o papel criminológico da
mídia fazendo que se possa compreender de que lugar e quem tem sido o verdadeiro
destinatário desse poder tão expressivo no contexto mundial.
A criminologia midiática cria a realidade de um mundo de pessoas descentes
frente a uma massa de criminosos, identificada através de estereótipos que
configuram um eles separado do resto da sociedade, por ser um conjunto de
diferentes e maus.
Os eles da criminologia midiática incomodam, impedem de dormir com as
portas e janelas abertas, perturbam as férias, ameaçam as crianças, sujam por
todos os lados e por isso devem ser separados da sociedade, para deixarmos
viver tranquilos, sem medos, para resolver todos nossos problemas. Para
tanto, é necessário que a polícia nos proteja de suas ciladas perversas, sem
qualquer obstáculo nem limites, porque nós somos limpos, puros imaculados
(p. 307).
Os argumentos de Zaffaroni fazem lembrar que esse discurso midiático,
onde os “eles” são os que não prestam, vem colocando em forte segregação um grande
contingente de jovens da sociedade, pois os “eles”, no debate midiático atual, são
justamente os adolescentes e os jovens das ditas comunidades periféricas das
149
metrópoles. É óbvio se “eles” são os “maus”, a sociedade tem que procurar um lugar
para colocá-los e esse lugar já está escolhido pelo debate na mídia, “cadeia neles”. Não
interessa qual a infração cometida, ou mesmo, que “ainda” não cometida, o que
“precisa” é reprimir e prevenir, dessa forma, valeria qualquer maneira de abordagem a
esses “perigosos” porque assim sustenta a “operação planetária de marketing
ideológico” (WACQUANT, 2001, p. 19), ou como afirma Zaffaroni (2012, p. 307):
A mensagem é de que o adolescente de um bairro precário que fuma
maconha ou toma cerveja em uma esquina, amanhã fará o mesmo que o
parecido que atacou a velhinha na saída do banco e, portanto, é preciso isolar
a sociedade de todos eles.
Toda essa força produzida pela mídia de massa com os “eles” da sociedade,
atualmente no Brasil, assume mais um forte contexto que é a “luta” pelo rebaixamento
da idade penal, pois esta sim, de acordo com o discurso hegemônico, resolverá cada
problema de violência urbana no Brasil, e mais, colocará os “eles” em seu devido lugar.
A forma como esse discurso ocorre toma proporções realmente fascistas, pois o que se
tem assistido é um discurso higienista, que propaga a todos os “cantos” do planeta de
que adolescentes negros de comunidades populares são iguais a criminoso, perigoso,
intolerável. Resultado: prisão neles, não pode ser pouco, tem que ser pena grande o
bastante para que a “vingança” social se realize.
Ora, todos os indicadores que monitoram os índices de mortes no Brasil
apontam os adolescentes como as principais vítimas60. Dessa forma, pode-se dizer que
são não só os destinatários do cárcere, mas também são os “alvos” preferidos dos
homicídios. Como entender então que “eles” sejam os reais responsáveis pela violência
urbana, se “eles” são os que mais morrem? Talvez a direção dada pela mídia tenha outro
contexto, o de afastar das vistas da sociedade aqueles que mais mostram como um
governo neoliberal é capaz de impor uma segregação tão forte, que promove a matança
60
Conferir o mapa da violência 2012, (www.mapadaviolencia.org.br) e o IHA (índice de homicídios na Adolescência
(www.unicef.org.br).
150
de seus “pequenos cidadãos”. É óbvio que o debate sobre o rebaixamento da idade penal
tira do foco o real problema, ou seja, a ausência de políticas sociais capazes de
promover oportunidades aos jovens, condições dignas de vida, de não serem
pressionados por uma economia de consumo que lhes dita regras firmes que, se não
seguidas, lhe impõem uma identidade rejeitada pela sociedade dos bem vistos e dos mal
vistos.
Sabe-se que hoje não é fácil para um jovem dos bairros ditos como sensíveis
(WACQUANT, 2001), conseguir qualquer tipo de oportunidade diante das poucas que
lhes são disponibilizadas na sociedade, pois o processo de “discriminação” que lhe é
imposto, não lhe permite ousar e enfrentar os “capazes”, pois muitos são os desafios
impostos: primeiro provar que não é criminoso, segundo provar que não se tornará um
criminoso, terceiro, convencer de que tem qualidade e por fim, afirmar com toda certeza
que sua “comunidade de maus” não influenciará em suas atitudes futuras.
Ora, essa perspectiva segregadora, tão fortemente disseminada pela mídia, é
muito bem observada na política americana do “Tolerância Zero”. Parece estar incubada
na realidade brasileira, esperando só o momento certo para se tornar oficialmente
assumida, pois assim, estará livrando a sociedade de um mundo de indesejáveis, que só
estão a atrapalhar o bom conviver de um Estado “tão” democrático que protege ao
máximo as pessoas que são parte de sua sociedade e, para tanto, “eles”, que não são
parte da sociedade, devem seguir o rumo disseminado pela mídia: a “sociedade das
penas”.
O Brasil vive um grande debate “imposto” pela mídia de que se algo não for
feito, ninguém sobreviverá ao “caos” da violência praticada pelos jovens. O discurso é
tão forte que a cada episódio que envolve a morte de uma pessoa, não importa de quem
é a “culpa”, ou se teve “dolo”, e se tem um adolescente no meio, a culpa é dele. A
inquisição é tão forte, que chega a exaurir o debate dos ditos penalistas especializados,
sobre como se pode apressar um emenda constitucional que logo permita uma
autorização legal para que uma avalanche de “condenados” juvenis possam adentrar as
portas do cárcere. A pressão sobre a sociedade é muito grande e as “pesquisas”
midiáticas, sobre a opinião da sociedade, são colocadas diariamente nos meios de
comunicação, claro, sempre orientadas pela prática de delitos, onde jovens são
151
acusados. O resultado dessas “pesquisas de intenção” nunca ficam abaixo de 90%,
querendo mostrar o auto pânico em que “todos” vivem. Zaffaroni (2012, p. 327) chama
esta “euforia” criminológica penal” de pânico moral:
O Pânico Moral se produz quando os meios ordinários, comuns, que
fornecem a informação supostamente séria dedicam muitos mais minutos de
televisão, com técnica que assinalamos ontem, ao homicídios do dia; quando
os jornais da mesma natureza dedicam muitos mais metros quadrados a isso
colocando a notícia sangrenta em destaque; quando os minutos da rádio
telefonia objetiva e seus comentários aumentam consideravelmente; quando
mais especialistas são entrevistados e mais gestos de resignada impotência ou
pedido de reforma à lei são transmitidos, pelos comunicadores, com voz
cavernosa.
Nesse sentido, é totalmente correto afirmar que se vive no Brasil um
“pânico moral”, sem que a sociedade tenha condições de ter outra reflexão capaz de
perceber que em nada mudará o seu “pânico moral”, se mais adolescentes e jovens
forem para a cadeia, pois, segundo levantamentos61 oficiais, o número de adolescentes
que cometem atos infracionais graves não chega a 18.000 e os atos infracionais contra o
patrimônio e de tráfico de drogas são os que lideram as pesquisas. Entretanto, não são
esses dados que interessam para a mídia criminológica, mas sim, aquele homicídio que
aconteceu naquele dia e que foi praticado por um adolescente, pois este sim é que causa
o “pânico moral” que interessa ao sistema, que busca desviar as formas de negação de
acesso a direitos, que promove o debate do “necessário encarceramento”, pois este serve
para que a sociedade seja convencida de que investimentos em políticas sociais só
fazem a população do bem ser prejudicada. Então mais interessante é sair de um
“Estado providencia e instalar um Estado Penitência62.
61
Conferir
as
informações
disponíveis
http://portal.mj.gov.br/sedh/documentos/Levantamento_Nacional_SINASE_2009_SDH_SNPDCA.pdf
http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-judiciarias/Publicacoes/panorama_nacional_doj_web.pdf
62
Conferir Wacquant (2001).
152
em:
e
A DIGNIDADE HUMANA E A MÍDIA. SERÁ QUE TUDO PODE?
Não tem sido fácil o debate sobre a dignidade humana e a liberdade de
expressão, pois é incabível qualquer possibilidade de imposição de uma censura prévia
à imprensa, pois esta atingiria frontalmente o ideal democrático ao qual está submetido
o Brasil.
Dessa forma, então, a dignidade humana poderia ser atingida em nome da
liberdade de imprensa? Poderia, em nome da liberdade de expressão e de imprensa
expor os adolescentes e jovens com um debate moralmente inaceitável, porém
legalmente permitido?
Ora, é óbvio que não se irá proceder a uma reflexão que conduza a qualquer
aspecto de restrição à liberdade, até mesmo porque isto faz parte dos debates
autoritários, mas é importante que se possa tecer comentários sobre a importância de
que a dignidade humana, como princípio fundamental, não pode ser rechaçada, mesmo
quando se está falando dos ditos “criminosos”. É óbvio que fazer um discurso capaz de
impor um padrão de desmerecimento, de retaliação, de diminuição, de colocação em
categorias consideradas não pessoas, de animais irracionais, fere a dignidade humana, se
assim não se achar se irá entrar na categorização de que algumas pessoas são detentoras
de dignidade e outras não.
O Supremo Tribunal Federal, na ADPF 130, o então relator, ministro Ayres
Brito, foi enfático em ressaltar a importância da liberdade de imprensa, que deve ser
plena, para que possa se coadunar com a democracia. Entretanto, sabe-se que algumas
restrições já foram regulamentadas pelo legislador como, por exemplo, a exposição da
imagem de adolescentes envolvidos em práticas de ato infracional63, mas é muito
comum em jornais de grande circulação, essas imagens serem divulgadas, muitas vezes
apenas com uma tarja preta nos olhos do adolescente, como se este é quem não deveria
ver a degradação de sua imagem. Ora, todos reconhecem de quem se trata, até mesmo,
porque a divulgação é sempre seguida de entrevistas do local onde mora o adolescente
e, conjunto a isto, os adjetivos ditos, nada compatíveis com quem respeita a dignidade
de qualquer pessoa. Será que estes fatos ajudam a informação da sociedade?
63
Conferir artigo 247, da lei 8069/90
153
Sarlet (2012, p. 73) define dignidade humana como uma qualidade
intrínseca ao ser humano. Vejamos:
temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva
reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e
consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste
sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a
pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano,
como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida
saudável, além de propiciar e promover a sua participação ativa e coresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com
os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que
integram a rede da vida.
As lições do jurista não deixam dúvida quanto à importância da dignidade
humana dentro do elenco dos direitos fundamentais, mas não parece que na mídia essa
importância ganha a relevância que a ética dos direitos fundamentais impõe a todos que
convivem em uma democracia, pois basta poucos minutos assistindo o jornalismo diário
de TV para perceber que a dignidade tem “proprietários”, ou seja, as pessoas de “bem”
da sociedade. Nesse sentido, emerge do seio da sociedade o grupo dos que não merecem
ser “dignos”, pois assim já foram escolhidos pela mídia criminológica, fazendo com que
esses “menos” cidadãos não mereçam qualquer tipo de respeito, pois este está destinado
ao grupo que pode exigir o cumprimento dos seus direitos.
Não poucos são os eventos de jovens assassinados sem que se identifiquem
os responsáveis, muitas vezes, a força estatal, parte logo para a resposta como se está já
estivesse gravada em suas memórias “trata-se de confrontos entre grupos rivais do
tráfico de drogas”. Ora, pergunta-se, mas se o poder estatal sabe o motivo, sabe quem
são os agressores, porque então não procede as investigações como deveria ocorrer em
qualquer outro fato? Outra situação muito comum, é quando a vítima deixa de assim
ser, para se tornar o foco da investigação, ou seja, se quem morre é um adolescente de
comunidade popular, primeiro a investigação vai verificar a sua “ficha policial”, para
154
então, fazer a sua preleção dos fatos. Caso a vítima tenha alguma antecedente, pronto, o
crime está esclarecido, trata-se de alguma “vingança privada”.
Estes exemplos são apenas para que se possa compreender o valor que
alguns “cidadãos” possuem no seio do ordenamento estatal, ou seja, quase nada. Como
então se pode atribuir dignidade a eles?
Ramonet (2010, p. 136) cola a essas questões o fato de que para a maioria
da sociedade as informações trazidas de forma trágica, desmedidas, que condenam uns e
protegem outros, são consideradas informações sérias, diz ele, ser isso um erro total,
pois esse tipo de informação é para distrair, não para informar.
Diante de tal conjuntura é óbvio que não dá para aceitar que a sociedade
brasileira está dividida entre os que merecem possuir dignidade e os que não merecem.
O Brasil como um país que vem tentando construir uma democracia apoiada em valores
que garantam os direitos fundamentais, não aceitando os preconceitos, não permitindo a
discriminação, não pode permitir que esse avanço na separação entre “espécies” de
pessoas possa ser legitimado como um processo apoiado em seu ordenamento
constitucional. A liberdade de expressão, como princípio, deve garantir que ninguém
seja tratado como “sujeito descartável”, isto não pode ser aceito.
A liberdade de informação deve ser compreendida, como bem ensina Bucci
(2013, p. 4), não como um direito de impunidade, mas ao contrário, deve impor um
grande sentimento de responsabilidade ao jornalista, que deve responder pelos excessos
cometidos, pois a “liberdade não é um conforto, mas um dever do jornalista”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É inegável que existe um movimento midiático globalizado que procura
conduzir uma mensagem de que o direito penal dará as respostas para todas as
“mazelas” da sociedade, mas o que de mais grave se vê em todo esse movimento é de
como o poder da mídia está hoje conectado com o poder do Estado, aquele serve a este e
este serve a aquele. Infelizes daqueles que são escolhidos como os “bodes expiatórios”
155
da campanha penalizadora, pois a estes resta pouca coisa a não ser tentar se desviar para
não cair na armadilha plantada.
Que a mídia vem utilizando um debate que conduz a um estado autoritário,
que promove a segregação de determinados grupos e que influencia até decisões
judicias, isso já está mais do que evidenciado. Contudo, o que mais deve ser tido como
mais grave ainda, é a forma como o Estado Democrático Brasileiro vem contribuindo
para que todo esse aparato de “espetacular” tragédia seja tido como legítimo e como
verdadeiro, levando a sociedade a uma total alienação de informação, produzindo um
caminho de sentimento de vingança contra determinados segmentos sociais, que só
estão corroborando para uma não prática de cidadania.
Claro que não existe um caminho possível que não seja o do
reconhecimento de que emerge um refazer da mídia, onde a liberdade de expressão
ganhe proporções de respeito a todos, que sirva para criar consciência crítica na
sociedade, de vigilância do poder estatal, de controle das possíveis arbitrariedades e,
não, de impulsionar um debate que separa a comunidade em categorias de desejáveis e
indesejáveis, de extermináveis e de protegidos.
Os jovens precisam ser incluídos na sociedade para que possam obter os
bons frutos da cidadania e não apenas o mero objeto de intervenção policial, que lhe
caça a possiblidade de vida digna e lhe impede de construir um futuro com perspectivas
que não sejam o mero encarceramento. A sociedade de mérito precisa perceber que a
exclusão tem contribuído tão somente para um grande império de revoltas que não
trarão um futuro de conquistas.
Zaffaroni ainda chama atenção para o fascínio que os criminosos que
desafiam o poder podem causar. Cita ele o exemplo de criminosos que, quando presos,
passam a receber grande quantidade de cartas de amor, por terem se tornado
“fascinantes” frentes a determinadas pessoas. Diz ele (2012, p. 323).
Todo adolescente é narcisista e sonha em ser adorado dessa forma.
Socialmente não é nada saudável fomentar essa fascinação, mas a
156
criminologia midiática o faz e, até o ultimo momento, mostra-os durões,
másculos, impávidos ante a morte, parecidos com os heróis das séries de TV.
Se a intenção é prevenir o delito este não parece ser o melhor método.
Essas reflexões de Zaffaroni fazem lembrar as posturas, não raras vezes
assistidas na mídia, do adolescente que confessa de pronto, que logo detalha o seu ato,
que faz com que possa parecer que ele tem o “poder”. Claro que é perceptível, que isso
é uma estratégia de defesa para quando chegar ao cárcere ser visto como poderoso,
forte. Além disso, essa confissão, muitas vezes diante da câmera de TV, é usada na
mídia para aumentar a desqualificação daquele ser como “imprestável”, como frio,
calculista, que não serve para mais nada apenas para ser jogado em uma cadeia.
Em síntese, dificilmente se poderá romper com todo esse estigma de
salvador da pátria que o direito penal assume nas sociedades contemporâneas, porque
ele conta com o que há de mais poderoso, uma informação massiva de apoio e de
qualificação da pena de prisão como a única possível solução para os conflitos violentos
que possam se instalar na sociedade. Entretanto, há de se propagar movimentos de
afirmação do respeito à dignidade da pessoa humana, que façam um debate contra
hegemônico, capaz de ir pouco a pouco construindo uma possibilidade de alternativa
que não venha limitar a informação, mas que não aceite os abusos cometidos.
157
REFERÊNCIAS
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<www.observatóriodaimprensa.com.br>. Acesso em: 5 jun. 2013.
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In: Saberes críticos. A palavra dos mortos Conferências de Criminologia Cautelar. São
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158
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http://www.cnj.jus.br/images/pesquisasjudiciarias/Publicacoes/panorama_nacional_doj_
web.pdf; 23de Agosto de 2015.
159
APRESENTANDO O MOVIMENTO PELA VALORIZAÇÃO DO ESTATUTO
DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NA AMAZÔNIA
Izabela Jatene de Souza64
Valdemir Corrêa Monteiro65
VALORIZAR DIREITOS NA AMAZÔNIA: O desafio da integração
Falar de valorização de direitos na Amazônia pressupõe antes de qualquer coisa, pontuar
brevemente, o desenho histórico-social de nossa região. Uma região em que por muitos anos o
próprio Estado foi grande violador dos direitos humanos, deixando um hiato inquantificável na
garantia de direitos, onde as crianças e os adolescentes sequer eram percebidos como sujeitos e
sofriam com todas as mazelas de uma região, cantada em verso e prosa, como "celeiro do
mundo", "inferno verde" e tantos outros mitos, que não traduziam a realidade de nossa gente.
Segundo Boaventura de Sousa Santos (1997), em seu artigo "Por uma concepção multicultural
de direitos humanos", os direitos humanos devem ser colocados a serviço de uma política
progressista e emancipatória.
Como construir um processo emancipatório na Amazônia? Como criar mecanismos de atuação
em redes, onde se respeitem os direitos numa lógica multicultural? Como fortalecer o sistema de
garantia de direitos, onde faltam atores indispensáveis na engrenagem fundamental para
construção de uma sociedade mais justa?
O Estado, na tentativa de desenvolver ações que supram as necessidades imediatas da
população, acaba por desenvolver políticas públicas de forma desarticulada e desintegrada. A
compreensão que defesa social, proteção social e promoção social precisam estar
permanentemente convergindo para uma lógica de desenvolvimento mais ampla, é fundamental
para a valorização dos direitos na Amazônia.
64
Mestre em Antropologia, docente da Universidade Federal do Pará e doutoranda pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro. E-mail: [email protected].
65
Assistente social, pós-graduado em Serviço Social e Política Social pela Universidade de Brasília (UnB). E-mail:
[email protected].
160
Para Olga Câmara (2006), a defesa social é o conjunto de mecanismos coletivos, públicos e
privados, para a preservação da paz social. A defesa é do Estado e das garantias constitucionais,
simultaneamente, e ocorre em três vertentes: a garantia dos direitos individuais e coletivos, a
segurança pública e o enfrentamento de calamidades.
A proteção social é entendida como um conjunto de políticas que ajudem a proteger as pessoas
em situação de vulnerabilidade66, com vistas a capacitá-las a conduzir suas próprias vidas de
acordo com suas escolhas. A vulnerabilidade pode surgir devido à perda de renda, idade,
deficiência, doença ou a infância. As políticas de proteção social são baseadas em uma gama de
instrumentos públicos e comunitários, que tanto podem ser contributivos ou não.
Finalmente, a promoção social é a garantia de inclusão de todos os
cidadãos que se encontram em situação de vulnerabilidade e/ou em situação de risco,
inserindo-os na rede de educação, trabalho, cultura, esporte e lazer.
Na Amazônia precisamos ainda encontrar eixos de desenvolvimento para
a garantia de direitos básicos, que promovam o surgimento de agentes livres e
sustentáveis, onde a integração das políticas públicas seja o instrumento necessário para
a grande transformação na qualidade de vida da população.
Como existem carências de toda ordem na Amazônia, as políticas
públicas são engolfadas por uma insuficiência tamanha, que perdem o foco da
importância do fomento ao protagonismo social, e acabam por se restringirem em
reproduzir padrões que não correspondem às reais necessidades coletivas.
DADOS DA AMAZÔNIA
A região Norte, com população de 14.870.666 habitantes, corresponde a
42,27% do território brasileiro, sendo a maior região em superfície. O Pará é o segundo
maior estado do país, com extensão de 1.247.689,515 km², e conta com uma população
de 7.762.758 habitantes, 548.416 dessa população são crianças, 196.445 são
66
Situação em que o conjunto de características, recursos e habilidades inerentes a um dado grupo social se revelam insuficientes,
inadequados ou difíceis para lidar com o sistema de oportunidades oferecido pela sociedade, de forma a ascender a maiores níveis
de bem-estar ou diminuir probabilidades de deteriorização das condições de vida de determinados atores sociais (VIGNOLI, 2001).
161
adolescentes e 423.330 são jovens. É o mais rico e o mais populoso da Amazônia,
possuindo uma grande diversidade sociocultural e ambiental.
O Pará é o segundo estado que mais contribui com a balança comercial
superavitária do Brasil, onde a exportação do minério e a exploração dos recursos
naturais por grandes empresas são atividades que não vêm contribuindo para que as
desigualdades no Estado sejam minimizadas, haja vista a distribuição nada justa dos
dividendos gerados por nós.
Diante de um cenário tão rico e cheio de maravilhas, temos
contraditoriamente uma estrutura social pautada na pobreza e na desigualdade, onde a
renda per capita estadual/ano é de R$7.859,00, refletindo de forma direta no Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) que está em 0,67, abaixo da média da região Norte
0,76, e se comparado ao maior IDH do Brasil, do Distrito Federal 0,87, está bem abaixo
no ranking nacional.
Indubitavelmente, esse cenário reflete uma construção histórica, onde o
processo de integração da Amazônia ao cenário nacional, vivido de 1960 ao final dos
anos 1970, deixou um saldo migratório bem denso e desafiador para a construção de
políticas públicas capazes de suprir as necessidades estruturais da sociedade amazônica.
Segundo Santos:
a natureza é um processo de humanização cada vez maior, ganhando a cada passo elementos
que são resultado da cultura. Torna-se cada dia mais culturalizada, mais artificializada, mais
humanizada. O processo de culturalização da natureza torna-se, cada vez mais, o processo de
sua tecnificação. As técnicas, mais e mais, vão incorporando-se à natureza e esta fica cada vez
mais socializada, pois é, a cada dia mais, o resultado do trabalho de um maior número de
pessoas. Partindo de trabalhos individualizados de grupos, hoje todos os indivíduos trabalham
conjuntamente, ainda que disso não se apercebam. No processo de desenvolvimento humano,
não há uma separação do homem e da natureza. A natureza se socializa e o homem se naturaliza
(SANTOS, 1988, p. 89).
162
As raízes da formação amazônica, decorrentes da colonização europeia,
guardam, essencialmente, as mesmas características analisadas pelo historiador Sérgio
Buarque de Holanda, presentes, principalmente, nas regiões Nordeste e Sudeste do
Brasil. Na Amazônia, além do caráter aventureiro dos colonizadores europeus que se
estabeleceram na região e do patrimonialismo no trato com a coisa pública, que
explicam em boa medida o comportamento da elite regional, ganham realce no período
colonial o extrativismo e a servidão, com a utilização da mão-de-obra indígena aliciada
pela Igreja Católica com propósitos de evangelização temporal (HOLANDA, 1979).
As populações tradicionais foram despojadas e expropriadas de seu hábitat
natural. Os camponeses e os garimpeiros que migraram para a região entraram em
conflito com os fazendeiros, os madeireiros, as empresas mineradoras e os povos
indígenas, fazendo crescer substancialmente a população das cidades amazônicas, onde
passou a prevalecer um quadro de exclusão social com limitada oferta de empregos e
serviços públicos em quantidade e qualidade, que permitissem a construção de um
cenário favorável à formação de relações de confiança mútua, associativismo e
solidariedade social.
A instalação dos chamados Grandes Projetos na Região fez com que o
estado do Pará se desenvolvesse de modo desigual e pouco equânime, onde os poderes
públicos não acompanharam a velocidade das transformações econômicas, e não
avançaram na modernização da gestão. Isso gerou uma enorme quantidade de ações
púbicas isoladas e sem sinergia, sobretudo nas áreas de defesa, proteção e promoção
social.
O crescimento urbano desregrado afetou seriamente as relações sociais,
provocando o desestímulo das mobilizações locais no sentido de uma sociedade mais
democrática e igualitária. As atuais condições sociais e ambientais da Amazônia são
resultantes de decisões, ações e omissões do poder público nacional e regional.
A população que mais sofre são os filhos e netos dessa desbravadora
geração que veio em busca do eldorado na Amazônia, e escolheu a região para viver e
constituir família e hoje se vê enraizado culturalmente neste espaço, que socialmente e
economicamente não supriu seus anseios de outrora.
163
MOVER - MOVIMENTO DE VALORIZAÇÃO DO ESTATUTO DA CRIANÇA
E DO ADOLESCENTE
Diante de um cenário tão desafiador, e da necessidade de implementar, de
forma articulada e perene, a doutrina de proteção integral à criança e ao adolescente,
estabelecida na Lei 8.069/90 e de promover a atualização e formação continuada dos
agentes e servidores públicos que atuam na área da infância e adolescência, em 2004,
um grupo de instituições governamentais e não governamentais comprometidas e
interessadas no fortalecimento do Sistema de Garantia de Direitos e na Valorização do
Estatuto da Criança e do Adolescente, iniciaram um grande movimento que culminou
com o lançamento do Programa de Atualização sobre o Sistema de Garantia de Direitos
e com a assinatura do protocolo de intenções em 14 de outubro de 2004.
Assinavam o protocolo - Governo do Estado do Pará, por meio do Pro Paz
(Programa de articulação de políticas públicas para infância e adolescência), Tribunal de
Justiça do Estado do Pará, Conselho Estadual da Criança e Adolescente, Tribunal de
Contas dos Municípios, Ministério Público do Estado do Pará, Fundo das Nações
Unidas para Infância (Unicef), Centro de Defesa da Criança e Adolescente (CedecaEMAUS).
No referido protocolo, cabia ao Governo do Estado por meio da área de
segurança pública: a) promover e planejar a qualificação contínua e permanente dos
policiais civis e militares que atuam na área da infância e adolescência; b) investir na
companhia especializada da Polícia Militar, com atuação na infância e juventude.
Na área de proteção social cabia: a) oferecer a estrutura física e material
necessária ao funcionamento efetivo do Conselho Estadual de Direitos da Criança e do
Adolescente; b) articular todas as políticas públicas estaduais desenvolvidas na área da
infância e juventude, e; c) implantar medidas socioeducativas em parceria com os
municípios.
164
À Defensoria Pública do Estado do Pará: a) promover as medidas
necessárias à estruturação da Defensoria Pública; b) promover a formação continuada
dos defensores públicos com atuação na referida área.
O protocolo tem como objetivo o fortalecimento do Sistema de Garantia de
Direitos no Estado do Pará, a partir de um amplo processo de reestruturação e
articulação institucional, em âmbito governamental e não governamental, com vistas à
promoção de medidas destinadas à proteção integral à criança e ao adolescente no
âmbito estadual.
Sua assinatura e o compromisso das instituições com o programa apontavam
uma enorme possibilidade para o desenvolvimento de capacitações, atualizações,
formações sobre o direito das crianças e adolescentes de forma integrada, onde os
operadores dos sistema de garantia (juízes, promotores, defensores, policiais civis e
militares, conselheiros tutelares, educadores e outros servidores, como da assistência e
da saúde) tinham o compromisso de suas instituições e de seus gestores no cumprimento
de uma agenda densa e articulada projetada para ocorrer em duas fases.
Na primeira fase ocorreram 13 encontros em municípios polo do Estado,
com a mobilização dos municípios das regiões e a participação direta de 1.420
operadores do Sistema de Garantia de Direitos. A chegada da equipe do MOVER ao
município fazia com que a gestão municipal parasse para discutir como priorizar a
infância e a adolescência, quando além da formação, ocorreram também reuniões com
gestores e com o poder legislativo local. Durante os quatro dias eram discutidos os
seguintes temas: Sistema de Garantia de Direitos e a realidade local (fundamentos,
conceitos básicos, eixos norteadores e funcionamento), legislação internacional
(Convenções da Criança, Regras Mínimas das Nações Unidas, Diretrizes Riad,
Convenção 138 e 182 da OIT, Convenção de Palermo).
A equipe do MOVER orienta tecnicamente a reunião, nivelando conceitos e
levando contribuições para o aprimoramento das linhas de ação, que devem retornar aos
municípios para diálogo com a sociedade local, para receber contribuições e reforçar
sua legitimidade. Ao Pro Paz cabe fomentar junto aos atores locais a implantação destas
linhas de ação, bem como, acompanhar o seu desenvolvimento.
165
No decorrer dos encontros do MOVER, são realizadas reuniões técnicas que
têm como objetivo trabalhar o nivelamento conceitual acerca do tema mobilização
social, além de partilhar com os representantes dos municípios, contribuições para o
aprimoramento das linhas de ação.
Vale destacar que as ações do MOVER não se restringem aos períodos em
que os encontros acontecem nos municípios. Os encontros sempre são precedidos de
reuniões de preparação, para escolha dos melhores temas a serem abordados e o acerto
da equipe de facilitadores que desenvolvem as atividades nos municípios. Além do que,
existe um processo de mobilização do público local para participação nos encontros, por
meio de contatos telefônicos, pela internet ou de ofícios, o que exige um permanente
contato dos servidores dos órgãos e programas do Governo do Estado, com os atores
locais envolvidos na garantia de direitos de crianças e adolescentes.
Na segunda fase, no ano de 2006, foram envolvidos mais de 350
educadores, 86 conselheiros tutelares, 120 conselheiros de direitos e outros 480
operadores do Sistema de Garantia de Direitos. Foram elaborados 46 planos para
implementação das medidas socioeducativas nos municípios e, realizadas 39 reuniões
com gestores para inclusão no orçamento de rubricas para o fortalecimento dos
conselhos, o que resultou que, em 2007, em todos os municípios por onde a experiência
passou foram incluídos nos orçamentos municipais rubricas de fortalecimento dos
conselhos.
De 2007 a 2010, o MOVER teve suas atividades suspensas, deixando uma
lacuna no processo que precisou ser retomado integralmente, inclusive com a assinatura
de um novo protocolo, nesse momento com um número maior de signatários. Vale
ressaltar a importância de politícas públicas não sofrerem interrupções devido a
transições de governos, e que o Brasil ainda precisa avançar muito na construção sólida
de políticas de Estado.
Segundo Meirelles, a administração pública, em sentido formal, é o
conjunto de órgãos instituídos para consecuções dos objetivos do governo. Em sentido
material, é o conjunto das funções necessárias aos serviços públicos em geral. Em
166
acepção operacional, é o desempenho perene e sistemático, legal e técnico, dos serviços
públicos próprios do Estado ou por ele assumidos em benefício da coletividade.
No discurso presente no cotidiano de ministérios, fundações, secretarias,
autarquias e empresas públicas, e por vezes reforçado pela imprensa, quando há troca de
governo, a descontinuidade administrativa é dada como fato. Como consequência, temse o desperdício de recursos públicos, a perda de memória e do saber institucional, o
desânimo das equipes envolvidas e um aumento da tensão e da animosidade entre
técnicos estáveis e gestores que vêm e vão ao sabor das eleições.
Isso se traduziria na interrupção de iniciativas, projetos, programas e obras,
mudanças radicais de prioridades e engavetamento de planos futuros, sempre em função
de um viés político, desprezando-se considerações sobre possíveis qualidades ou
méritos que tenham as ações descontinuadas.
Ao fazer essa análise, o programa Pro Paz retoma suas atividades
envolvendo não só órgãos do poder Executivo, mas sobretudo os dos poderes Judiciário
e Legislativo, assim como também a Universidade Federal do Pará na execução e
acompanhamento de seus projetos e ações.
Ao retomar suas atividades no ano de 2011, o MOVER realizou até o
momento encontros nas regiões do Carajás, Baixo Amazonas, Xingu e Marajó,
envolvendo 49 municípios com a participação de 652 operadores do Sistema de
Garantia de Direitos, sendo que o mesmo teve participação direta na realização do
Encontro Internacional de Justiça Restaurativa, do Plano de Ações Integradas sobre
Drogas e da Campanha de Portas Fechadas da Associação Brasileira da Indústria
Hoteleira.
Para o ano de 2012, estavam previstos os encontros estaduais do MOVER,
que ocorreriam no primeiro semestre na cidade de Belém, envolvendo todos os atores
do Sistema de Garantia de Direitos que estão diretamente ligados à execução do
programa; cinco encontros de atualização nas regiões do Carajás, Araguaia, Rio Capim,
Tapajós e Metropolitana de Belém; e seis reuniões técnicas nas regiões anteriormente
citadas e a do Xingu.
167
REFERÊNCIAS
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Desenvolvimento Profissional; Secretaria de Planejamento - Agência Condepe/Fidem,
2006. 72p.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 13. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio,
1979.
IBGE.
Dados
do
Censo
2010.
Disponível
em:
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SANTOS, Boaventura de Sousa. Por uma concepção multicultural de direitos humanos.
Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, n. 48, p. 11-32, jun. 1997.
VIGNOLI, J.R. Vulnerabilidad y grupos vulnerables: un marco de referencia conceptual
mirando a los jóvenes. Santiago de Chile: CEPAL, 2001. (Serie Población y Desarrollo,
n.17).
168
O CONSELHO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E ADOLESCENTE E O
CONSELHO TUTELAR E SUA RELAÇÃO COM O PRINCÍPIO DA
INTERSETORIALIDADE NA GARANTIA DOS DIREITOS HUMANOS DE
CRIANÇAS E ADOLESCENTES
André Franzini67
Todas as crianças pequenas devem ser cuidadas e educadas em ambientes
seguros de sorte que cresçam saudáveis, vivazes, com amplas possibilidades
de aprender. A última década forneceu mais evidências de que a boa
qualidade dos programas de cuidados e educação na primeira infância, na
família e em programas mais estruturados tem impacto positivo sobre a
sobrevivência, o crescimento, o desenvolvimento e o potencial de
aprendizagem da criança. Esses programas devem ser abrangentes e enfocar
todas as necessidades da criança, inclusive saúde, nutrição e higiene,
assim como seu desenvolvimento cognitivo e psicossocial. Parcerias entre
governos, ONGs, comunidades e famílias podem ajudar a garantir o
provimento de programas de cuidados e educação de boa qualidade às
crianças, principalmente àquelas em situações mais desfavoráveis, por meio
de atividades centradas na criança, focadas na família, baseadas na
comunidade e apoiadas por políticas nacionais, multissetoriais e com
recursos adequados.
UNESCO, Plano de Ação - Dakar, 2000
A garantia dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes (DHCA) vem
se constituindo, ao longo da afirmação da cidadania no Brasil, como um dos
componentes mais debatidos e complexos. Os marcos legais internacionais criados
foram alinhando as normas nacionais rumo ao fortalecimento das políticas públicas e a
todo o Sistema de Garantia dos Direitos de Crianças e Adolescentes (SGD). O Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA) introduziu no cenário brasileiro dois atores
especialmente significativos que se constituíram a partir da luta pela democracia no
processo de formulação e controle das políticas públicas (conselhos de controle social) e
67
André Franzini. Assistente Social, Mestrando em Administração, Formador da Escola de Conselho da UFPA .
Coordenador Nacional da Pastoral do Menor organismo da CNBB.
169
da necessidade da criação de um órgão específico para atender as violações dos direitos
humanos de crianças e adolescentes (Conselho Tutelar).
Todo o debate histórico acerca dos DHCA surge no bojo da construção do
princípio de Direitos Humanos (DH) que foi definitivamente pautado com o fim da
Segunda Guerra Mundial, quando as Nações Unidas aprovaram, em 10 de dezembro de
1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, afirmando a igualdade de todos os
indivíduos da humanidade. No entanto, apesar dos grandes debates que proporcionaram
o avanço do ideário da sociedade sobre os DH, esse conceito é sempre fértil de
diferenciação do ponto de vista teórico e prático. Segundo Benevides (1996, p. 3):
São aqueles direitos fundamentais da pessoa humana – considerada tanto em
seu aspecto individual como comunitário – que correspondem a esta em
razão de sua própria natureza (de essência ao mesmo tempo corpórea,
espiritual e social) e que devem ser reconhecidos e respeitados por todo poder
e autoridade, inclusive as normas jurídicas positivas, cedendo, não obstante,
em seu exercício, ante as exigências do bem comum.
Do ponto de vista de Moraes (2002, p. 39), com olhar mais
constitucionalista e legalista, os DH são:
O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem
por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção
contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas
de vida e desenvolvimento da personalidade humana.
Outra importante definição é a de Farias (2004, p. 55), que conceitua DH
pelas dimensões históricas, axiológicas e normativas, propondo que sejam entendidos,
como segue:
Os direitos humanos podem ser aproximadamente entendidos como
constituídos pelas posições subjetivas e pelas instituições jurídicas que, em
170
cada momento histórico, procuram garantir os valores da dignidade da pessoa
humana, da liberdade, da igualdade e da fraternidade ou da solidariedade.
O olhar à vida humana na sua totalidade, integralidade e complexidade foi
delineando campos específicos de luta em favor de segmentos historicamente excluídos
e, entre esse, os DHCA. Em 1959 foi aprovada a Declaração Universal dos Direitos da
Criança e em 1989 a Convenção Internacional dos Direitos da Criança que estabelece:
Art. 2. 1 – Os Estados Partes respeitarão os direitos enunciados na presente
Convenção e assegurarão sua aplicação a cada criança sujeita à sua
jurisdição, sem distinção alguma, independentemente de sexo, idioma,
crença, opinião política ou de outra natureza, origem nacional, étnica ou
social, posição econômica, deficiências físicas, nascimento ou qualquer outra
condição da criança, de seus pais ou de seus representantes legais.
Art. 3. 1 – Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por
instituições públicas ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades
administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o
melhor interesse da criança. 2 – Os Estados Partes comprometem-se a
assegurar à criança a proteção e o cuidado que sejam necessários ao seu bemestar [...] 3 – Os Estados Partes certificar-se-ão de que as instituições, os
serviços e os estabelecimentos encarregados do cuidado ou da proteção das
crianças cumpram os padrões estabelecidos pelas autoridades competentes,
especialmente no que diz respeito à segurança e à saúde das crianças, ao
número e à competência de seu pessoal e à existência de supervisão
adequada.
No contexto brasileiro, a partir dessa construção histórica, a Constituição
Federal afirmou em seu artigo 227 que as crianças e os adolescentes são Prioridade
Absoluta e desencadeou um novo processo político-metodológico da garantia dos
direitos de crianças e adolescentes. O ECA no processo de regulação normativa da
Constituição estabelece em seu artigo 88:
Art. 88 - São diretrizes da política de atendimento:
I - municipalização do atendimento;
II - criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da
criança e do adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações
171
em todos os níveis, assegurada a participação popular paritária por meio
de organizações representativas, segundo leis federal, estaduais e
municipais;
IV - manutenção de fundos nacional, estaduais e municipais vinculados aos
respectivos conselhos dos direitos da criança e do adolescente;
V - integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público,
Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social, preferencialmente em
um mesmo local, para efeito de agilização do atendimento inicial a
adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional;
O artigo 88 cria um novo ente responsável de deliberar e controlar as ações
de garantia dos direitos humanos de crianças e adolescentes. Ao afirmar que o Conselho
dos Direitos da Criança e Adolescente (CDCA) é responsável em todos os níveis, o
ECA indica as responsabilidades dos conselhos nos diferentes níveis da federação, bem
como a dimensão horizontal da ação do conselho, pois ele precisa necessariamente
dialogar com todas as políticas e conselhos existentes no seu nível de competência
federativo. Nessa linha de atuação política são indispensáveis articulações que
proporcionem agendas permanentes junto a conselhos setoriais, secretarias de gestão e
órgãos de proteção. Por ser o único de natureza intersetorial, o CDCA necessita
obrigatoriamente dialogar com as políticas específicas num processo permanente de
mútuo fortalecimento e interface.
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda)
estabelece por meio da Resolução 105, artigo 2o:
Art. 2o Na União, nos Estados, no Distrito Federal e nos Municípios haverá
um único Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, composto
paritariamente de representantes do governo e da sociedade civil organizada,
garantindo-se a participação popular no processo de discussão, deliberação e
controle da política de atendimento integral dos direitos da criança e do
adolescente, que compreende as políticas sociais básicas e demais
políticas necessárias à execução das medidas protetivas e socioeducativas
previstas nos arts. 87, 101 e 112, da Lei nº 8.069/90.
§ 2o As decisões do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, no
âmbito de suas atribuições e competências, vinculam as ações
governamentais e da sociedade civil organizada, em respeito aos princípios
constitucionais da participação popular e da prioridade absoluta à criança e
ao adolescente.
172
A natureza do CDCA é, portanto política, controladora e vincula
mutuamente a rede de atendimento que por sua vez deverá se alinhar às deliberações
desse conselho e dos outros conselhos setoriais. Em cada município o CDCA é
encarregado de criar o Conselho Tutelar (CT) por eleição pública e garantir ao mesmo
todo o suporte político para que a gestão municipal garanta sua plena implantação
estrutural e funcional. A função do CT é regulamentada pelos artigos 131 e 136 do
ECA:
Art. 131 - O Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não
jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos
direitos da criança e do adolescente, definidos nesta Lei.
Art. 136 - São atribuições do Conselho Tutelar:
III - promover a execução de suas decisões, podendo para tanto:
a) requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço
social, previdência, trabalho e segurança;
IV - encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração
administrativa ou penal contra os direitos da criança ou adolescente;
V - encaminhar à autoridade judiciária os casos de sua competência;
IX - assessorar o Poder Executivo local na elaboração da proposta
orçamentária para planos e programas de atendimento dos direitos da criança
e do adolescente;
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda),
por meio da Resolução 139, regulamenta as atribuições e estrutura físico-funcional do
CT justificando, sem eu preâmbulo, segundo os seguintes fatores:

Considerando que o Conselho Tutelar constitui-se num órgão essencial do
Sistema de Garantia dos Direitos (Resolução nº 113 do CONANDA), tendo sido
173
concebido pela Lei nº 8.069, de 13 de julho 1990, para desjudicializar e agilizar o
atendimento prestado à população infanto-juvenil;

Considerando que o Conselho Tutelar e os Conselhos Municipal e Distrital dos
Direitos da Criança e do Adolescente são fruto de intensa mobilização da sociedade
brasileira no contexto de luta pelas liberdades democráticas, que buscam efetivar a
consolidação do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente e a
implementação das políticas públicas no plano municipal;

Considerando que o Conselho Tutelar é órgão essencial para o Sistema de
Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente na estrutura dos Municípios e das
regiões administrativas do Distrito Federal;

Considerando a necessidade de fortalecimento dos princípios constitucionais da
descentralização político-administrativa da política de proteção, promoção e defesa dos
direitos da criança e do adolescente e a importância do Conselho Tutelar na
consolidação da proteção integral infanto-juvenil em âmbito municipal e distrital;
O CT é órgão indispensável no processo de garantia dos DHCA, pois é o
espaço privilegiado onde crianças, adolescentes, famílias, profissionais em geral e a
própria comunidade podem realizar denúncias de violação dos direitos. O CT se
constitui, portanto, como ator de atendimento dos direitos, bem como avaliador das
políticas de atendimento que recebem seus encaminhamentos. Nesse sentido o CT tem,
em seus relatórios de atendimento quantitativos e qualitativos, o instrumento
institucional que possibilita avaliar as políticas públicas, analisar e discutir as mesmas e
elaborar propostas de fortalecimento da rede de atendimento.
Por esse motivo o CT e o CDCA são órgãos naturalmente interligados na
discussão da melhoria das políticas públicas observando as violações de forma
abrangente e buscando compreender qual o contexto da violação e qual insuficiência de
políticas pode ter provocado a situação, bem como quais políticas são necessárias para o
atendimento pós-violação. Nesse esforço de análise é que ambos os conselhos
necessitam praticar seus atendimentos, encaminhamentos, pautas, planejamento e
planos de trabalho a partir do princípio da intersetorialidade das políticas públicas como
componente de melhoria dos fluxos de atendimento e de redução das violações.
174
A Política Nacional dos DHCA (2013) estabelece a intersetorialidade com
princípio estruturante:
3.1.8 Intersetorialidade e trabalho em rede. A organização das políticas
públicas por setores ou segmentos impõe a adoção da ótica intersetorial e de trabalho
em rede para compreensão e atuação sobre os problemas, o que está previsto no ECA ao
estabelecer que a política será implementada por meio de um conjunto articulado de
ações governamentais e não governamentais no âmbito da União, dos Estados, Distrito
Federal e Municípios.
A partir dos princípios da Política Nacional dos DHCA é necessário
conceituar a intersetorialidade para que os atores do SDG e em especial os CDCA e os
CT possam aprimorar sua compreensão acerca da importância da mesma no processo de
garantia dos direitos de crianças e adolescentes por meio de ações integradas e não
fragmentadas.
ASPECTOS
CONCEITUAIS
E
POLÍTICO-NORMATIVOS
DA
INTERSETORIALIDADE
A intersetorialidade é um princípio fundante para o processo de garantia dos
direitos sociais, no Brasil, por meio de um necessário e renovado processo de integração
das políticas que compõem o conjunto de ações básicas pressuposto para uma sociedade
baseada na equidade e justiça social. A intersetorialidade é característica de uma forma
de gestão em que vários serviços específicos constroem juntos, a partir do saber de cada
um, políticas de intervenção para determinadas situações ou grupos. Mediante
estratégias intersetoriais o gestor público, os conselhos de controle social e os outros
atores do SGD admitem que uma mesma questão tem muitas faces e que uma única área
não será capaz de abranger aquela situação social e da criança e adolescente de forma
totalizante.
Junqueira (1997, p. 37) entende a intersetorialidade como “a articulação de
saberes e experiências no planejamento, na realização e na avaliação de ações, com o
objetivo de alcançar resultados integrados em situações complexas, visando a um efeito
175
sinérgico no desenvolvimento social”. Nesse sentido, a intersetorialidade é pensada
como uma das diretrizes fundamentais da gestão e do planejamento integrado, que se
distingue do modelo tradicional, no qual todo o processo de trabalho é planejado e
executado por equipes especializadas em áreas específicas das políticas públicas. Já a
estrutura da elaboração, execução e gestão das políticas públicas, sob a lógica
intersetorial, supõe a articulação permanente de planos, programas e projetos, o
compartilhamento de informações, da elaboração do plano, passando pela execução das
ações até a avaliação, apresentando-se mais acessível à participação da sociedade e dos
cidadãos atendidos.
De acordo com estudiosos do tema, fica latente que uma das características
da intersetorialidade é seu teor político e de opção política dos gestores e dos atores de
controle social. Dessa forma a intersetorialidade precisa estar contemplada como fator a
ser fortalecido nas diversas fases do planejamento de políticas públicas, da elaboração
dos planos de ações, passando pela fase de execução até o monitoramento das mesmas.
Segundo Santos (2011, p. 32):
A intersetorialidade é, porém, resultado de um processo ainda pouco claro e
descoordenado de modelo de gestão de políticas públicas, cuja
problematização impõe o desenvolvimento de modelos integrativos de gestão
governamental. Pouco clara, pois a normatização associada aos programas
somente recentemente forneceu orientações aos municípios sobre quais as
ações e estratégias configuram uma ação intersetorial. Descoordenada, no
sentido que os setores envolvidos interagem pouco para produzir os
resultados previstos pelo programa, ou seja, o elo entre os setores ainda é
fraco, com baixa troca de informações, experiências e trabalho em equipe.
A partir dessa análise a visão da gestão de programas e políticas ainda está
pouco amadurecida, no que diz respeito ao princípio da intersetorialidade, provocando
tendências fragmentadoras que, consequentemente, enfraquecem direitos humanos de
crianças e adolescentes especificamente. Pode ocorre que os direitos de crianças e
adolescentes sejam atendidos de forma fragmentada, com serviços executados
solitariamente ou paralelamente, provocando obstáculos para um efetivo processo de
garantia dos direitos.
176
Por esse motivo a intersetorialidade, pensada como uma das diretrizes que
fundamentam as políticas públicas no Brasil, no contexto atual, pressupõe a articulação
das ações que são executadas no âmbito das políticas sociais básicas (exemplos:
educação, saúde e assistência social), ou seja, ações integradas necessitam processo de
descentralização da gestão para participação dos conselhos de controle social e, no caso
de crianças e adolescentes, do CT.
O resultado de ações intersetoriais, além de um maior processo de
integração das políticas, é o fortalecimento das redes sociais de controle sociais, que
estimulam a horizontalização dos debates sobre as políticas locais. Para Junqueira:
A articulação da descentralização com a intersetorialidade permite o
estabelecimento de redes regionais de ação social orientadas por planos
específicos e integrados para cada grupo populacional, numa dada região,
visando atender às suas peculiaridades. Essas redes não só podem integrar os
diversos equipamentos públicos existentes em um dado espaço geográfico,
como incluir outros parceiros autônomos da sociedade civil, organizações
não governamentais, conselhos e espaços de interlocução, de modo a
potencializar os resultados para um dado grupo (1997, p. 25-26).
Nota-se que intersetorialidade e descentralização caminham juntas. A
descentralização é aqui entendida como a transferência do poder de decisão para as
instâncias mais próximas dos cidadãos e a intersetorialidade se refere ao atendimento
das necessidades e expectativas desses mesmos cidadãos de forma horizontal,
transversal e integrada. Todavia nem sempre a descentralização é sinônimo de
democratização, mas um meio de viabilizá-la e a intersetorialidade é impulsionadora de
sua viabilização como ação permanente do Estado e do conjunto dos atores do SGD.
Nesse processo, o município, configurado territorialmente e socialmente, é o espaço de
integração e de ação intersetorial na busca dos direitos de cidadania, da promoção de
ações integradas e monitoradas pelos gestores e, sobretudo, pelos conselhos de controle
social. É no município que o CDCA e o CT vivem a luta cotidiana de garantia dos
DHCA.
177
A promoção e a efetivação dos DHCA dependem fortemente de programas
e projetos setoriais elaborados, planejados, aprovados, executados e monitorados de
forma intersetorial. A doutrina da Proteção Integral de crianças e adolescentes,
introduzida pela Constituição Federal, de 1988, bem como pela Lei Federal 8.069 de
1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), estabelece uma necessária correlação
entre todas as políticas afirmativas dos direitos humanos da população infanto-juvenil
colocando, dessa forma, a intersetorialidade como elemento intrínseco do processo da
execução do conjunto de políticas destinadas para meninos e meninas. É nesse contexto
que CDCA e CT necessitam agir para a garantia da totalidade dos direitos de meninos e
meninas.
A intersetorialidade está fortemente presente em todos os planos que
regulamentam as ações de atendimento de crianças e a nas diretrizes das políticas
públicas. A Política Nacional de Assistência Social (PNAS, 2004, p. 43) prevê a
intersetorialidade:
A política de assistência social tem sua expressão em cada nível da
Federação, na condição de comando único, na efetiva implantação e
funcionamento de um Conselho de composição paritária entre sociedade civil
e governo... do Plano de Assistência Social que expressa a política e suas
inter-relações com as demais políticas setoriais e ainda com a rede sócioassistencial.
A Lei Orgânica de Assistência Social coloca, ainda, que as ações das três
esferas de governo na área da assistência social realizam-se de forma articulada,
cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e execução
dos programas, em suas respectivas esferas, aos estados, ao Distrito Federal e aos
municípios.
Da mesma maneira a Política Nacional de Saúde (BRASIL, 2006, p. 7)
estabelece que:
178
O desafio colocado para o gestor federal do SUS consiste em propor uma
política transversal, integrada e intersetorial, que faça dialogar as diversas
áreas do setor sanitário, os outros setores do Governo, os setores privados e
não governamentais e a sociedade, compondo redes de compromisso e coresponsabilidade quanto à qualidade de vida da população em que todos
sejam partícipes no cuidado com a saúde. O processo de construção de ações
intersetoriais implica na troca e na construção coletiva de saberes,
linguagens e práticas entre os diversos setores envolvidos na tentativa de
equacionar determinada questão sanitária, de modo que nele torna-se possível
produzir soluções inovadoras quanto à melhoria da qualidade de vida. Tal
processo propicia a cada setor a ampliação de sua capacidade de analisar e de
transformar seu modo de operar a partir do convívio com a perspectiva dos
outros setores, abrindo caminho para que os esforços de todos sejam mais
efetivos e eficazes. O compromisso do setor Saúde na articulação
intersetorial é tornar cada vez mais visível que o processo saúdeadoecimento é efeito de múltiplos aspectos, sendo pertinente a todos os
setores da sociedade e devendo compor suas agendas.
Na mesma linha das políticas já citadas a Política Nacional de Educação,
baseada na Lei de Diretrizes e Base da Educação (LDB, 2006), também incorpora o
princípio da intersetorialidade, visto que seu pressuposto é que a educação deva ser
pensada no contexto do conjunto de outras políticas, como segue:
A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida
familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e
pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas
manifestações culturais (LDB, 2006, Artigo 1).
A Resolução n. 01/2012 do Conselho Nacional de Educação, órgão
deliberador das diretrizes da PNE, estabelece as Diretrizes Nacionais de Educação em
Direitos Humanos:
Educação voltada para a promoção dos direitos humanos caracteriza-se como
um processo sistemático e multidimensional que orienta a formação do
indivíduo nos níveis cognitivo, social, cultural e político, articulando a
apreensão de conhecimentos; a afirmação de atitudes, valores e práticas
sociais; a formação de uma consciência cidadã; o desenvolvimento de
processos metodológicos participativos; o fortalecimento de práticas
individuais e sociais que promovam, protejam e defendam os direitos
humanos.
179
Resultado desse cenário é a existência hoje de inúmeras comissões
intersetoriais onde CDCA e CT estão envolvidos, como por exemplo, as comissões
intersetoriais de combate à violência sexual e trabalho infantil, as comissões do Sistema
de Atendimento Socioeducativo (SINASE), do direito a Convivência Familiar e
Comunitária de Crianças e Adolescentes. Além das comissões, existem inúmeros
comitê e fóruns em todos os níveis da federação onde CDCA e CT são protagonistas nas
discussões. Todos esses atores intersetoriais se constituem em espaços concretos de
ruptura com a tradição fragmentadora de direitos.
Os planos que hoje tratam os diferentes direitos de crianças e adolescentes
também têm a intersetorialidade como elemento estruturante. A Figura 1 apresenta o
resumo da relação institucional integrada entre as diferentes políticas a serem
executadas para a garantia dos direitos dos adolescentes que respondem às medidas
socioeducativas segundo os princípios do SINASE:
Figura 1 – Fluxograma das ações que integram o Sistema de Garantias de Direitos da Criança e do
Adolescente
Fonte: SINASE (2006)
O SINASE (2006, p. 24) estabelece:
180
Os órgãos deliberativos e gestores do SINASE são articuladores da atuação
das diferentes áreas da política social. Neste papel de articulador, a
incompletude institucional é um princípio fundamental norteador de todo o
direito da adolescência que deve permear a prática dos programas
socioeducativos e da rede de serviços. Demanda a efetiva participação dos
sistemas e políticas de educação, saúde, trabalho, previdência social,
assistência social, cultura, esporte, lazer, segurança pública, entre outras,
para a efetivação da proteção integral de que são destinatários todos
adolescentes.
É de fundamental importância que as políticas setoriais realizem atividades
de qualificação dos técnicos, de planejamento integrado e de estabelecimento de fluxos
de atendimento intersetoriais de forma a compor um conjunto integrado e linear de
atendimento do adolescente. É necessário que CDCA e CT participem das comissões
intersetoriais do SINASE onde existirem e articulem pela criação das mesmas onde
ainda não foram organizadas.
O Plano Nacional pela Primeira Infância (2010, p. 27) estabelece em seus
princípios e diretrizes:
Quando as ações dirigidas às crianças podem ser articuladas no espaço e
no tempo, alcançam maior eficiência e eficácia: gasta-se menos e se
alcançam resultados mais consistentes. Não se trata de transformar a creche
num centro de saúde ou de atribuir a um ambulatório hospitalar as funções de
um estabelecimento de educação infantil, mas de encontrar as
complementaridades de serviços e as possibilidades de expansão das ações
em cada um dos lugares em que as crianças são atendidas – em casa, na
creche ou na pré-escola, no centro de saúde, no hospital, no consultório
médico, nos espaços institucionalizados do brincar.
E ainda em suas duas primeiras diretrizes técnicas (2010, p. 28)
“Integralidade do Plano, abrangendo todos os direitos da criança no contexto
familiar, comunitário e institucional” e “Multissetorialidade das ações, com o
cuidado para que, na base de sua aplicação, junto às crianças, sejam
realizadas de forma integrada”.
181
O Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e
Adolescentes (Comitê Nacional De Enfrentamento da Violência Sexual de Crianças e
Adolescentes, 2013, p. 23, 24) em seu Eixo Atenção indica:
Reconhece-se, portanto, que a garantia do atendimento integral com base no
respeito aos direitos humanos pressupõe o desenvolvimento de ações
articuladas. Esse eixo precisa de indicadores que deem conta do contexto
multidimensional em que está configurada a violência sexual, com aspectos
relacionados à cultura, à economia e às características psicoemocionais dos
indivíduos envolvidos, e que não poderão/deverão ser respondidas por uma
única instituição ou política pública. A qualificação da intervenção da rede
em casos de violência sexual é o que possibilita avaliar a evolução da
compreensão e a forma de intervenção da rede, a partir das fragilidades
verificadas, dados de casos concretos atendidos e de matrizes de capacitação
da rede de atendimento, bem como, o processo de assessoria técnica a serem
desenvolvidos. Também é importante mensurar a padronização e
formalização de procedimentos, a eficiência, a efetividade e da eficácia dos
fluxos de procedimentos construídos e pactuados.
Na mesma linha de olhar intersetorial o Plano Nacional de Promoção,
Proteção e Defesa do Direito à Convivência Familiar e Comunitária de Crianças e
Adolescentes (BRASIL, 2011, p. 58) estabelece que:
A defesa deste direito dependerá do desenvolvimento de ações
intersetoriais, amplas e coordenadas que envolvam todos os níveis de
proteção social e busquem promover uma mudança não apenas nas condições
de vida, mas também nas relações familiares e na cultura brasileira para o
reconhecimento das crianças e adolescentes como pessoas em
desenvolvimento e sujeitos de direitos.
Objetivos Gerais (2011, p. 65) 1. Ampliar, articular e integrar as diversas
políticas, programas, projetos, serviços e ações de apoio sociofamiliar para
a promoção, proteção e defesa do direito de crianças e adolescentes à
convivência familiar e comunitária.
A análise atenta e minuciosa permite compreender que, a partir dos marcos
conceitual e normativo construídos para a garantia dos DHCA e pelas atribuições do
CDCA e CT, é institucionalmente inevitável que esses colegiados atuem de forma a
182
perceber e analisar o cenário dos direitos violados e a rede de políticas, programas,
planos e projetos de forma intersetorial e integrada.
CONSELHO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E ADOLESCENTE, CONSELHO
TUTELAR E PRINCÍPIO DA INTERSETORIALIDADE
As atribuições conferidas ao CDCA e ao CT pelas leis brasileiras põem
ambos os órgãos numa posição naturalmente entrelaçada. Como poderia o CDA discutir
a realidade dos DHCA sem ter uma relação formal e de planejamento conjunto com o
CT? Como poderia o CT discutir melhoria das políticas públicas sem ter uma discussão
profunda com o CDCA. Ambos são atores políticos e controladores dos DHCA. Ao
cuidar desses direitos é necessário que seja sempre colocada, como esteio ideológico, a
dimensão prevista no art. 3o do ECA:
A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais
inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata
esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros, meios, todas as
oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico,
mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Para a efetivação do preconizado no artigo 3o do ECA e necessário lembrar
também o artigo 86:
Art. 86 - A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente
far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e nãogovernamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Alguns desafios foram surgindo ao longo da atuação dos CT e dos CDCA.
De forma geral, podemos analisar que a gestão das políticas no seu sentido mais amplo
(discussão, planejamento, execução e monitoramento) ainda vê uma forte interferência
183
política por parte dos gestores que, se de um lado fazem discursos democráticos, do
outro tendem a centralizar o processo democrático e intersetorial das políticas. Ainda
existe uma cultura política de cunho quase coronelista, em particular nas regiões Norte e
Nordeste, onde os gestores ainda são os donos absolutos da vida dos municípios. Isso
provoca preocupantes processos de fragmentação das ações dos diferentes órgãos da
gestão que, por motivos de “fatias políticas”, mantêm segmentação na execução de
programas e projetos, seja da área da infância como de outras áreas. Essas fatias
políticas advindas de pactos e coalizões políticas partidárias podem provocar poucos
avanços de planejamentos integrados e intersetoriais.
Esse cenário, acrescido de consistente dificuldade de pautar a infância e
adolescência como componente central da gestão em conformidade ao princípio da
Prioridade Absoluta, inviabiliza fortemente a ação dos CDCA e dos CT. Ambos vivem
os dramas da estrutura físico-funcional, trabalhando com estruturas ainda não
adequadas, com funcionários pouco qualificados e com sérias dificuldades de quebrar a
visão historicamente construída de serem órgãos que “protegem bandidos e
trombadinhas”.
O conjunto dessas dificuldades provoca, sobretudo para o CT, a sobrecarga
de trabalho, dificuldade de realizar discussões qualificadas enquanto colegiados, a
criação de um imaginário social da existência de “super conselheiros” que salvam as
crianças e os adolescentes, bem como a realização de atividades que não condizem com
suas atribuições, como, por exemplo, participar de “batidas” junto aos órgãos da
segurança pública. Esses simples exemplos são sinais de fracos processos de discussão
intersetorial que possibilitem criar fluxos e protocolo institucionais que permitam a cada
órgão desenvolver ações em conformidade com suas atribuições legais.
O CDCA também enfrenta profundos desafios em sua atuação. A
rotatividade dos conselheiros, as pautas poucos incisivas, uma formação não
aprofundada dos conselheiros, a pouca representatividade real dos conselheiros
governamentais, a ausência dos representantes da sociedade civil, o insuficiente
revezamento das representações da sociedade civil, as estruturas de participação que,
muitas vezes, não permitem uma representação real dos diferentes segmentos da área da
infância e adolescência nos municípios, estados e União, são desafios a serem
184
considerados
como
limitadores
da ação do CDCA e como
componentes
enfraquecedores de ações integradas com outros conselhos, com os gestores e com o
CT.
Observando o princípio da intersetorialidade diante dessas dificuldades,
podem ser traçadas algumas estratégias para, por meio desse princípio, CDCA e CT
executem ações de garantia dos direitos de crianças e adolescentes. O CT pode pensar
em algumas estratégias intersetoriais por meio de algumas ações como:

Categorização das violações de direitos a partir das mesmas categorias utilizadas
pelos programas e projeto de atendimento de forma a identificar a violação com mais
facilidade por parte da rede. Para isso será necessário que o CT possa agendar com
representantes dos diferentes órgãos de atendimento reuniões de alinhamento conceitual
acerca das violações;

Realização periódica de reuniões com a rede de atendimento para poder discutir
fluxos de atendimento objetivando qualificar os encaminhamentos bem como criar
protocolo
intersetoriais
que
podem
evitar
inúteis
revitimizações
e
agilizar
procedimentos de atendimento entre as diferentes políticas;

Discussão sobre a elaboração de instrumentais de atendimento dos diferentes
órgãos e entidades de atendimento que possibilitem a inclusão de itens inerentes aos
direitos de crianças e adolescentes;

Elaboração de plano de formação para os conselheiros buscando incluir não
somente procedimentos, sim conteúdos referentes a todas as políticas de atendimento
envolvendo técnicos de diferentes áreas para desenvolvimento de processo formativo
mais integral e com perspectiva intersetorial;

Solicitação anual de reuniões com os técnicos das prefeituras e das câmaras
legislativas para análise das diferentes peças do orçamento público buscando
compreender se as propostas orçamentárias contemplam as necessidades de garantia dos
DHCA;

Criação do hábito de realizar reuniões intersetoriais para discussão de
encaminhamentos;
Aos CDCA sugerem-se outras estratégias como, por exemplo:
185

Melhoria das leis municipais que contemplem cada vez mais representantes de
políticas e de entidades que representem quanto mais diversidades possíveis;

Elaboração de cronograma permanente de reuniões, planejamentos, atividades e
monitoramento interconselhos e intergestores estimulando um permanente diálogo
entre as diferentes políticas de atendimento;

Propor aos gestores locais a elaboração de normas regulatórias das atividades
intersetoriais tais como portarias, decretos legislativos locais etc.;

Propor, junto ao CT e ao SDG, a criação de protocolos de atendimento
interinstitucionais para qualificação de fluxos e atendimento;

A criação de um banco de dados das diferentes políticas em relação ao
atendimento de crianças e adolescentes, criando uma análise periódica dos dados que
possibilite analisar o atendimento de cada política, bem com os fluxos de atendimento
intersetoriais constituído;

Convidar periodicamente os gestores e entidades para apresentarem os resultados
e impactos provocados na garantia dos DCA a partir de cada política. É interessante
pensar na realização de seminários intersetoriais de análise do DCA.

Construir planejamentos integrados com os outros conselhos setoriais;

Elaborar um plano de formação que contemple o conhecimento das políticas
setoriais e suas interfaces com os DHCA;

Realizar contatos periódicos com o Conselho Estadual dos Direitos da Criança
e do Adolescente para acompanhar as discussões de nível estadual e nacional;

Realizar campanhas sobre os DCA junto aos órgãos de atendimento.
Cada uma dessas ações requer um olhar intersetorial, pois abrange
obrigatoriamente o conjunto dos atores do SGD de forma horizontal e integrada. O tão
falado trabalho em rede depende fortemente da compreensão por parte do CDCA e do
CT de suas atribuições de articuladores das políticas que garantam a totalidade dos
direitos.
Nesse cenário existe com urgência a necessidade de uma reaproximação
histórica dos dois órgãos que acabe de uma vez com sentimentos de divisão que ocorreu
em muitos locais, sobretudo em virtude do acirramento das disputas nas eleições para
186
CT e nos casos de denúncias contra os CT que têm o CDCA como fiscalizador. Diante
disso se torna necessário discutir as políticas públicas de forma preventiva, intersetorial
e multidisciplinar pondo sempre o princípio do Interesse Superior da Criança
(Convenção Internacional dos Direitos da Criança) como base ético-política das
discussões acerca dos direitos humanos de crianças e adolescentes.
187
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191
DESAFIOS PARA INCLUSÃO DOS INDÍGENAS NOS DIREITOS DAS
CRIANÇAS68
Assis da Costa Oliveira69
INTRODUÇÃO
No Brasil, o cenário demográfico dos povos indígenas é de expansão, com
grande parcela da população atual constituída por crianças. De acordo com o Censo de
2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dos 735 mil indígenas
localizados no hoje território brasileiro, nada menos que 321 mil são crianças, o que
corresponderia a 43% do total (CINEP, 2010). Tal proporção sinaliza a necessidade de
compreensão da proteção e da promoção dos direitos específicos deste grupo geracional
como ações estratégicas para a continuidade do crescimento populacional e também
para a melhoria da qualidade de vida de quase metade do contingente populacional.
Segundo Souza Lima (2013), existem, hoje, no Brasil, cerca de 274 povos
indígenas, falantes de 180 línguas distintas, portanto, correspondendo a uma imensa
diversidade cultural. No estado do Pará, Beltrão (2012) indica a existência de 50 povos
indígenas, filiados a sete troncos linguísticos, além dos povos cujas línguas e/ou
identidades jamais foram identificadas ou estudadas, “como é o caso dos índios
‘isolados’ ou ‘resistentes’ ao contato com o não indígena” (BELTRÃO, 2012, p. 50).
Apesar do último Censo do IBGE, de 2010, ainda não trazer análise
geracional dos dados demográficos sobre povos indígenas, demonstra, por outro lado,
que houve um “espalhamento” dos indivíduos indígenas pelo território brasileiro –
agora quantificados em 817 mil pessoas. Este “espalhamento” significa a ampliação da
68
Artigo anteriormente publicado em Oliveira e Pinho (2014). A presente versão foi ajustada e ampliada para trabalhar melhor a
articulação do Sistema de Garantia de Direitos, em especial do Conselho Tutelar, com a temática dos indígenas crianças.
69
Professor de Direitos Humanos do Curso de Licenciatura e Bacharelado em Etnodesenvolvimento da Faculdade de
Etnodiversidade, Campus Universitário de Altamira da Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre pelo Programa de PósGraduação em Direito da UFPA. Secretário nacional do Instituto de Pesquisa Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS). Advogado. Email: [email protected]
192
presença indígena nos municípios, passando, no Censo de 1991, da quantificação de que
em 34,5% dos municípios brasileiros residia pelo menos um indígena autodeclarado; no
Censo de 2000, esse número cresceu para 63,5%; e, segundo os dados mais recentes, do
Censo de 2010, atingiu 80,5% dos municípios brasileiros, sendo que no Nordeste já
chega a 90,2% dos municípios e na região Centro-Oeste em 89,1% (IBGE, 2012).
Tal constatação permite a compreensão de que a diversidade cultural e os
direitos indígenas reclamam um esgarçamento de abrangência territorial e
responsabilização pública bem mais ampla do que se identificava até pouco tempo atrás,
sendo que a possível continuidade da predominância de crianças nesta população
recoloca e intensifica a problemática da garantia de direitos humanos aos indígenas
crianças70, o que não significa proceder apenas a uma análise de implementação destes
direitos, mas, e de maneira prévia, a problematização de seu conteúdo e de que forma
este precisa ser estruturado para melhor trabalhar a garantia de direitos em sociedades
multiculturais.
Os indígenas crianças se situam no duplo contexto jurídico e as
tensões/relações existentes entre os direitos indígenas e os direitos das crianças, cujas
possibilidades de relação é o foco da análise do presente artigo, tendo em vista
construção teórica que pretende: (1) identificar a construção histórica da categoria
infância como marcador moderno de criança e as consequências para a realidade dos
povos indígenas; (2) analisar a legislação internacional e nacional para verificar o grau
de inclusão da diversidade cultural do “ser criança”; (3) propor ressignificação
hermenêutico-normativa dos direitos das crianças observando a diversidade cultural da
construção social da pessoa, do corpo e da infância, assim como a transversalização dos
direitos indígenas nos direitos das crianças.
O PASSADO QUE É PRESENTE: CONSIDERAÇÕES SOBRE A “INVENÇÃO
DA INFÂNCIA”
70
A inversão axiológica de criança indígena para indígena criança possui fundamento na leitura antropológica da forma de
construção sociocosmológica da pessoa, do corpo e consequentemente da infância entre povos indígenas, e será mais bem
fundamentada ao longo do presente artigo.
193
A ideia de infância é valor historicamente construído, ou seja, estimativa
manifestadora de determinada condição de existência que sofreu, ao longo do tempo,
alterações de sentido para sustentar finalidades epistemológicas e políticas.
Na cultura latina o termo infans era empregado aos que não podiam
participar da República, ou melhor, da coisa (res) ou espaços públicos, especialmente
do testemunho nos tribunais. Abrangia todos os segmentos da população – dentre os
quais: deficientes, estrangeiros, loucos, ignorantes, além das crianças – excluídos da
ordem social por possuírem “uma falta que não pode faltar, uma ausência julgada
inadmissível, a partir da qual uma linguagem, um direito e uma política dominante
consagram uma exclusão” (KOHAN, 2008, p. 41).
No contexto da modernidade ocidental a construção social da infância foi
direcionada para determinado grupo etário: as crianças. A historiografia clássica de
Áries (1981) revelou que a ideia de infância é construção social e histórica da cultura
ocidental, modo particular de pensar o “ser criança”. A ascensão da infância como
categoria geracional específica da vida ocorreu pelo fenômeno do “sentimento da
infância”, que o autor identifica como a consciência da particularidade infantil que
distingue essencialmente a criança do adulto. De acordo com o autor, a partir do século
XVII a cisão entre as duas experiências sociais se desenvolveu de modo a não
considerar mais a criança (ou infância) como estágio de transição para a fase adulta,
com consequente reconhecimento das especificidades físicas, psíquicas e sociais, ou
seja, com autonomia epistemológica.
Para Sarmento (2007), o reconhecimento das especificidades da criança na
modernidade ocorreu com a produção de princípios redutores da complexidade cultural
e abstratizantes das realidades e interpretações para fins de difusão da infância ideal,
plasmada em imagens socialmente difundidas: (1) criança má, concebida como
expressão de forças indomadas e com potencialidade permanente para o mal,
identificada, contemporaneamente, nas crianças das classes populares e, via de regra,
nos denominados “delinquentes infanto-juvenis”; (2) criança inocente, mito romântico
da infância como idade da inocência, pureza ou bondade plena, cristalizada, na
atualidade, na ideia da criança como “futuro do mundo”, pois associada à concepção
salvífica que se sustenta numa crença romântica da bondade infantil; (3) criança
194
imanente, nomeadamente conhecida pela expressão “tabula rasa”, cuja possibilidade de
aquisição da razão e experiência é algo sempre em potencial, um “ainda não”
permanentemente revitalizado na ideia de que cabe a sociedade promover o crescimento
da criança com vistas à adequação à ordem social e moral; (4) criança inconsciente,
representação empreendida pela Psicanálise freudiana e cujo eixo central imputa ao
inconsciente o desenvolvimento do comportamento humano, com incidência no conflito
relacional da idade infantil que passa a repercutir, de maneira “deterministas”, na fase
adulta; (5) criança naturalmente desenvolvida, centrada nas formulações teóricas da
Psicologia do Desenvolvimento, na qual a criança sofre processo de maturação que se
desenvolve por estágios pré-definidos de conformações biopsicossociais possíveis de
acontecer.
As representações caracterizadas acima retroalimentam a concepção
negativista de infância que, paradoxalmente, intentavam superar. A criança continua a
ser considerada o não adulto, o que ocasiona a inscrição na lógica da incompletude de
ser humano e de redução das potencialidades próprias, com consequente exclusão de
participação em determinados espaços sociais e do exercício dos direitos políticos.
Se a cidadania representa a universalização do direito a ter direitos com base
nos princípios da liberdade, igualdade e racionalidade – para os quais as crianças estão
afastadas da participação ativa, devido serem vistas como “ainda não” racionais,
portanto, “ainda não” livres e iguais aos adultos – a condição de transição ou passagem
da infância para a fase adulta não é somente a maturação biopsicossocial defendida pela
Psicologia do Desenvolvimento, e sim o estabelecimento de aparelhos sociais com
função de disciplinar, ou melhor, de socialização das crianças à racionalidade e
“civilidade” dos costumes modernos e adultos, cuja escola e a família foram (e são) os
principais condutores.
No entanto, há de se reconhecer que os postulados da Psicologia do
Desenvolvimento71 permitiram a consolidação (e difusão mundial) da infância enquanto
71
O estudo das mudanças comportamentais ocorridas em função do tempo, favorecendo escalas etárias dentro das quais se
ordenam comportamentos e se assinalam mudanças em função de processos intraorganísmicos e ambientais (BAGGIO, 1985;
SCHRAML, 1977; TRINDADE, 2007), possibilitou a Psicologia do Desenvolvimento a definição do desenvolvimento humano como
medida temporal de vida informada pela reunião de rol pré-definido de características físicas, emocionais, intelectuais e sociais,
com dimensão de abrangência universal.
195
representação cultural e situação social delimitada a determinados grupos sociais e
períodos da vida, articulados com características identitárias universais que permeiam
todos os contextos específicos e que reivindicam a presença diferenciada das crianças
em relação aos adultos.
Além disso, também possibilitou a universalização intrageracional da
condição de vulnerabilidade social, no sentido de enquadrar a criança como sujeito
susceptível a eventos externos que podem produzir lesões biopsicossociais graves
relacionadas à própria trajetória de desenvolvimento humano e assunção da
“dependência natural”, como elemento intrínseco do percurso inicial da vida, indicando
a inserção do grupo geracional num grau privilegiado de vulnerabilidade, o que exigiu
e, ao mesmo tempo, legitimou a institucionalização a partir da criação e/ou modificação
de aparelhos sociais, além de garantir atenção jurídica privilegiada para a proteção
contra as múltiplas formas de violência e promoção de condições sociais que propiciem
a melhoria da qualidade de vida.
A Psicologia do Desenvolvimento é a fundamentação científica para a
estruturação dos direitos modernos das crianças. Está presente desde a estipulação das
faixas etárias que passam a corresponder ao período identitário do ser criança e do ser
adolescente como sujeitos de direitos, e se mescla nos demais conceitos jurídicos para
estabelecer os modelos universais e “naturalizados” de compreensão do modo ideal de
produção da infância, sem o qual, na atualidade, seria impossível sustentar a Doutrina
da Proteção Integral que representa o arcabouço jurídico de apresentação e
representação, pela linguagem dos direitos humanos, do “ser criança”.
No entanto, as ênfases identitária e sociojurídica permitiram a criação e a
circulação ideológica de modelos ideais de criança. Estes modelos, referenciados em
padrões valorativos eurocêntricos, justificavam a homogeneização representacional da
infância. Ao mesmo tempo, houve desconsideração ou subjugação de valores
diferenciados, tidos como desvios, supostamente encontrados em camadas populares e
entre povos culturalmente diferenciados, possibilitando a entrada no campo jurídico,
social e político ocidental de marcadores morais hierarquicamente dispostos como
superiores, que justificavam (e ainda justificam) tanto a exclusão social quanto a
tentativa de padronização forçada (ou aparentemente consensual) da infância.
196
No Brasil, e em outros territórios nacionalizados ao redor do mundo que
sofreram (e ainda sofrem) com o colonialismo interno, a construção simbólica da
infância civilizada e sua difusão por determinados aparelhos sociais72 objetivava, quanto
aos indígenas crianças, a integração dos mesmos, e de seus respectivos povos, à
sociedade nacional por meio da assimilação cultural e a medição classificatória das
concepções diferenciadas de infância a partir de parâmetro ideal ocidental assumido
como estatuto universal, cuja função era (e é) a de produzir condições de invisibilidade,
exclusão e/ou desigualdade na diversidade – em suma, de padrões etnocêntricos de
“normalidade” e “desvio”.
INDÍGENAS CRIANÇAS NO CENÁRIO DOS DIREITOS HUMANOS
Os direitos constitucionais e internacionais dos povos indígenas trazem,
atualmente, perspectiva de garantia da autodeterminação, capacidade civil plena e
participação social, os elementos essenciais da cidadania diferenciada que lhes
possibilita o “usufruto dos direitos universais do cidadão brasileiro ou planetário, [e]
também o usufruto de direitos específicos relativos à sua cultura, às tradições, aos
valores, aos conhecimentos e aos ritos” (LUCIANO, 2006, p. 89).
A normativa fundacional da cidadania diferenciada dos povos indígenas –
para superação formal da cidadania assimilacionista73 - é o artigo 231 da Constituição
Federal da República Brasileira (CFRB) de 1988, que dispõe o reconhecimento –
portanto, a existência pré-estatal – como coletividades culturalmente distintas as quais o
direito à diferença deve salvaguardar a garantia da permanência cultural, se assim
72
A introdução da educação escolar nos territórios indígenas contribuiu para a aculturação dos indígenas/crianças. A
alfabetização, além de representar forma de consolidar a sedentarização dos povos indígenas, também produzia processo
pedagógico de aprendizagem dos cultos cívicos, de trabalhos manuais e novos cuidados com o corpo (PACHECO DE OLIVEIRA;
FREIRE, 2006) não totalmente capazes de reordenar as práticas culturais, pois a resistência dos povos indígenas não deixou de
ocorrer no campo da significação e educação dos indígenas/crianças.
73
A cidadania assimilacionista, representada juridicamente pelo Estatuto do Índio (Lei nº. 6.001/1973), que tinha por intuito
incorporar os povos indígenas junto à sociedade nacional de modo a fazê-los assimilar os valores socioculturais ocidentais e, de
maneira progressiva, perder suas identidades culturais para que pudessem se tornar cidadãos brasileiros. Em uma frase, era a
equação de que para se tornar plenamente brasileiro o indígena deveria superar seus valores culturais atrasados e, com isso,
deixar de ser indígena para tornar-se igual aos demais membros da nação. Dessa forma, a equação tratava a diversidade como
desigualdade de tratamento e, sobretudo, como algo em transição ou de superação progressiva. Sobre o assunto, consultar:
Araújo (2006), Luciano (2006), Marés (2009) e Yrigoyen Fajardo (2009).
197
desejarem, devendo o Estado brasileiro assegurar-lhes as condições para que isso ocorra
(ARAÚJO, 2006).
No entanto, no âmbito dos direitos das crianças existentes no ordenamento
jurídico nacional, o paradigma da cidadania diferenciada dos povos indígenas acabou
não logrando influência na interpenetração de seus preceitos para estruturação
normativa dos direitos das crianças, ficando este último sustentado por uma perspectiva
de universalização de direitos justificada pelo período histórico que buscava superar a
Doutrina da Situação Irregular, orientada pelo Código de Menores de 1979 (Lei no
6.697/1979)74, mas que retroalimentou perspectiva homogeneizadora da infância e
cidadania.
Basta observar os primeiros artigos da Convenção dos Direitos das Crianças
(CDC) e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei no 8.069/90), que
estipulam o período temporal do “ser criança” (e adolescente), compreendido até os 18
anos incompletos, para perceber que a definição de desenvolvimento infantil é
estruturada, hegemonicamente, pela lógica da Psicologia do Desenvolvimento,
desconsiderando outras lógicas culturais de passagem para a vida adulta, como a dos
povos indígenas, e a singularidade ontológica de cada criança no percurso da trajetória
de vida.
A correspondência entre infância/adolescência e faixas etárias juridicamente
universalizadas acaba por escamotear os processos de manipulação histórico-científica e
de imposição cultural que naturalizaram as conexões sem problematizar os impactos
produzidos nos povos indígenas, representando a porta de entrada para toda forma de
inadequação entre modelos analíticos ocidentais e as formações nativas locais, quase
sempre desfigurando ou desconsiderando as últimas.
O caráter problemático da correlação entre a categoria social e o marcador
cronológico tem seu núcleo no modo como se (con)funde o produto da constituição (a
criança) com o processo de constituição (o tornar-se criança) fazendo com que diversos
74
O Código de Menores adota expressamente a filosofia política da situação irregular segundo a qual os menores se tornam
sujeitos dos direitos disciplinados quando, e somente quando, se encontrassem em situações definidas como irregulares por
terem caráter de desvio em relação à referência normativa implícita: a infância universal, padrão ideal não projetado
explicitamente no referido Código por não ser objetivo da tutela jurídica, mas que aparece como o contraste não dito que
representa as trajetórias das crianças em situação irregular como trajetórias desviantes.
198
componentes discursivos – como lazer, educação, família, trabalho, saúde, entre outros
– sejam consolidados juridicamente numa perspectiva que, ao mesmo tempo, faz
emergir modelos ideais de infância e escamotear as moralidades e as disputas por
classificação presentes no “direito de dizer os direitos” da criança.
Entre as centenas de povos indígenas há narrativas específicas para
fundamentar as múltiplas invenções nativas das infâncias e das possibilidades de
convivência social das crianças, as quais, quando transplantadas para os direitos
humanos, precisam ser reconhecidas, num primeiro momento, pelo aspecto da
similaridade ao Ocidente naquilo em que todos procuram definir formas específicas ou
técnicas, para lembrar (MAUSS, 1974), de intervir sobre corpos e fabricar a pessoa, de
modo a constatar o caráter processual tornado invisível ou ocultado nas normas
jurídicas, as quais fundamentam hoje desde as campanhas da Organização Internacional
do Trabalho (OIT) contra a erradicação do trabalho infantil até os esforços do governo
brasileiro para a universalização do acesso à educação escolar – aqui, indígenas e não
indígenas são semelhantes porque inventam processualmente as condições de
possibilidades de emergência da infância e realizam trocas interculturais e relações de
poder assimétricas que modificam constantemente estas mesmas condições e as ideias
que as operam.
É só num segundo momento que as diferenças culturais devem efetivamente
ser caracterizadas. Não no sentido de isolamento ou relativismo absoluto, mas para
marcar o local desde o qual os direitos humanos das crianças precisam ser significados
numa disputa de classificações que, na maioria das vezes, está menos preocupada em
compreender as diferenças culturais do que em impor as moralidades jurídicas
assentadas nas concepções hegemônicas sobre a infância, e que aqui identificamos a
partir do marcador cronológico moderno, que nada mais é do que forma particular de
historicidade humana.
O trabalho de registro e compreensão das diferenças culturais é a tentativa
de apreender, mesmo que não se possa compreender, a multiplicidade da teia de
significados que se liga ao “tornar-se criança”, propondo não apenas a desconstrução
dos modelos jurídicos de produção da infância ao penetrar no universo de
discriminações e ocultações que impregna as relações e condições de produções, mas,
199
fundamentalmente, de empoderamento dos sujeitos destes povos indígenas como
autoridades do direito de dizer os direitos dos indígenas crianças.
Retornando ao plano jurídico, cabe referendar o artigo 30 da CDC como
aporte paradigmático da afirmação internacional dos direitos humanos dos indígenas
crianças.75 O artigo estabelece que:
[n]os Estados em que existam minorias étnicas, religiosas ou lingüísticas ou
pessoas de origem indígena, nenhuma criança indígena ou que pertença a
uma dessas minorias poderá ser privada do direito de, conjuntamente com
membros do seu grupo, ter a sua própria vida cultural, professar e prática a
sua própria religião ou utilizar a sua própria vida (ONU, 1989).
O dispositivo internacional é cópia contextualizada do artigo 27 do Pacto
Internacional dos Direitos Políticos e Civis (PIDPC) de 1966,76 no qual a garantia dos
direitos culturais foi enfatizada no plano individual, pois os direitos não pertenciam às
minorias enquanto grupos, antes sim aos membros individuais e com status negativo, é
dizer, para proibição ao Estado de supressão das suas culturas e línguas, mas não exigia
deste nenhum tipo de obrigação positiva de promoção da cultura, das religiões ou das
línguas das minorias (GHAI, 2003).
Porém, como ressalta Anaya (2005), parece evidente que a aplicação prática
do dispositivo internacional deve levar em consideração a proteção da integralidade
cultural tanto dos indivíduos quanto dos grupos, com a inclusão implícita da
coletividade no reconhecimento dos direitos das pessoas terem sua própria vida cultural
“conjuntamente com os membros do seu grupo”.77
75
Também é preciso fazer menção aos artigos 5º, 8º, 17 letra “d”, 20 inciso 3 e 29 letra “e” da CDC, que trazem aportes
normativos de reconhecimento da diversidade cultural.
76
“Art. 27. Nos Estados em que existam minorias étnicas, religiosas ou lingüísticas, não será negado o direito que assiste às
pessoas que pertençam a essas minorias, em conjunto com os restantes membros do seu grupo, ter sua própria vida cultural,
professar e praticar a sua própria religião e utilizar a sua própria língua” (ONU, 1966).
77
Além disso, o desenvolvimento da jurisprudência do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas (que fiscaliza a aplicação
do Pacto) e, atualmente, da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, tem possibilitado o alcance de interpretação mais
ampla do dispositivo para salvaguardar os direitos culturais das minorias às coletividades e a prestação positiva dos Estados (GHAI,
2003).
200
É possível realizar ampliação interpretativa similar do artigo contido na
CDC para problematizar ao menos quatro questões. Primeiro, a inserção dos indígenas
crianças dentro de contexto sociocultural coletivo marcado por formas diferenciadas de
construção social da infância e estrutura organizacional, reforçando o direito à
autodeterminação dos povos indígenas em relação à maneira como imaginam o “ser
criança” e os efeitos jurídicos e sociais decorrentes na interação com a sociedade
nacional.
Segundo, a autonomia diferenciada dos indígenas crianças enquanto grupo
intrageracional com recorte étnico-cultural que não necessariamente participa da
significação da infância e da relação com a cultura adulta como as crianças não
indígenas, mas que deve ter reconhecida a condição igualitária de inteligibilidade e
ativismo social.
Terceiro, refere-se à atribuição de obrigações negativas e positivas aos
Estados nacionais para preservação dos direitos coletivos e individuais, da cultura e dos
modos de vida tradicionais de grupos minoritários, como os povos indígenas.
E quarto, o texto normativo da CDC alarga a diversidade cultural do “ser
criança” para além dos povos indígenas, delineando – a minorias étnicas, religiosas ou
linguísticas – a possibilidade de recepção diferenciada da infância de outros grupos
socioculturais, como os pertencentes aos povos e comunidades tradicionais78.
O ECA, promulgado em 1990, não apresentava o mesmo vigor de
reconhecimento normativo à diversidade cultural. Sobretudo, não acompanhou a
sistemática da CDC de estabelecer norma jurídica específica ou a sistemática da CFRB
que possui capítulo que regulamenta os direitos constitucionais dos povos indígenas. A
única referência direta que pode ser utilizada para recepcionar os direitos diferenciados
dos indígenas crianças encontrava-se no artigo 58 do diploma legal, que define o
78
No Brasil, povos e comunidades tradicionais é termo utilizado de maneira equivalente aos “povos tribais” contido na Convenção
no 169 da OIT, de 1989, no artigo 1º, alínea “a”, e que foi institucionalmente reconhecido com a publicação do Decreto nº.
6.040/2007 que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais. Os povos e
comunidades tradicionais compreendem grupos humanos que num esforço coletivo ocupam, usam, controlam e identificam
determinado espaço geográfico convertendo-o em território com marcas identitárias, cuja defesa ocorre em função de
contingências históricas, marcadas pelo colonialismo externo e interno. Na Amazônia, os grupos aqui referidos são denominados:
quilombolas, indígenas, caboclos, extrativistas, quebradeiras de coco babaçu, ribeirinhos, agricultores familiares, camponeses e
assentados. Sobre o assunto, conferir: Carneiro da Cunha e Almeida (2001), Little (2002), Oliveira (2013) e Shiraishi Neto (2007).
201
respeito, nos processos educacionais, aos “... valores culturais, artísticos e históricos
próprios do contexto cultural da criança e do adolescente, garantindo-se a estes a
liberdade de criação e o acesso às fontes de cultura” (BRASIL, 1988). Percebe-se que o
texto normativo não chega a contemplar o caráter bilíngue e intercultural da educação
voltada para este segmento populacional, conforme delimitado no artigo 210, §2o da
CFRB e artigos 78 e 79 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – Lei
no 9.394/96).
O relativo esquecimento dos “novos direitos” nacionais em relação aos
indígenas/crianças não deixou de chamar a atenção, mesmo que tardia, do Conselho
Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), que editou em 2003
a Resolução no 91 na qual firmou entendimento de que o ECA se aplica “à família, à
comunidade, à sociedade, e especialmente à criança e ao adolescente indígenas [...]
observadas as peculiaridades socioculturais das comunidades indígenas.”
Diante de marcos constitucionais e internacionais que sinalizam o
reconhecimento da diversidade cultural e cidadania diferenciada, não resta dúvida de
que não é somente o ECA que se aplica aos povos indígenas, mas também a pluralidade
das lógicas culturais de concepção do “ser criança” que implica a relativização do ECA,
no sentido afirmado por Cohn (2005) de que só podemos entendê-lo e aplicá-lo se
previamente compreendermos (os limites da) concepção de infância que o embasa e as
possibilidades de diálogo intercultural para recepção das identidades étnicas como
parâmetros de legitimação e (re)significação dos “novos direitos”.
Ao exposto veio responder a Nova Lei de Adoção (Lei n o 12.010/2009) que
reconhece a configuração das famílias extensas79 e incorpora a exigência de respeito às
identidades culturais indígenas (e quilombolas) quando do procedimento de colocação
de criança em família substituta80. Entretanto ignora a necessidade de consulta direta
79
“Art. 25. Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes. Parágrafo
único. Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do
casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e
afetividade” (BRASIL, 1990).
80
“Art. 28. A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica
da criança ou adolescente, nos termos desta Lei. (...) § 6o Em se tratando de criança ou adolescente indígena ou proveniente de
comunidade remanescente de quilombo, é ainda obrigatório: I - que sejam consideradas e respeitadas sua identidade social e
cultural, os seus costumes e tradições, bem como suas instituições, desde que não sejam incompatíveis com os direitos
fundamentais reconhecidos por esta Lei e pela Constituição Federal; II - que a colocação familiar ocorra prioritariamente no seio
de sua comunidade ou junto a membros da mesma etnia; III - a intervenção e oitiva de representantes do órgão federal
202
aos povos indígenas, preferido remetê-la ao órgão indigenista (FUNAI) e aos
especialistas antropólogos, o que revela a condição entreaberta de, ao mesmo tempo,
valorizar as práticas culturais e desconsiderar o protagonismo político dos povos
indígenas no processo de decisão sobre assuntos que lhes interessam, ferindo
frontalmente a Convenção 169 da OIT.
Ainda assim, é importante compreender a inovação normativa contida nos
artigos 25, parágrafo único, e 28, parágrafo 6o81, do ECA como a continuidade de uma
abertura lenta – e, de certo modo, atrasada – dos direitos das crianças para com os
direitos indígenas, ainda permeada de limitações que refletem a condição agridoce da
situação atual dos direitos dos indígenas crianças: por mais que seja uma melhoria
jurídica de tratamento à diversidade cultural dos indígenas crianças (sabor doce), é feito
dentro de uma estrutura normativa – o ECA e os outros direitos das crianças – e
socioinstitucional dominada pelo viés do universalismo homogeneizador e redutivo do
potencial participativo dos povos indígenas (sabor amargo), carente de uma
compreensão crítica sobre como a cultura é capaz de construir diferentes concepções de
infância e de direitos, com base nas intervenções sobre o corpo e a pessoa.
CORPO, PESSOA E DIGNIDADE NA PERSPECTIVA INTERCULTURAL
No
campo
de
interseção
interdisciplinar
com
a
Antropologia,
especificamente a Etnologia Indígena, o tema da dignidade da pessoa humana deslocase da problematização do valor dignidade, para o valor pessoa82, enquanto ser forjado
socialmente. Pessoa pensada em conjunto com a noção de corpo, de modo a indicar que
dependendo
da
forma
como
cada
povo
indígena
constrói
e
intervém
sociocosmologicamente “na pessoa e no corpo”, há diferentes concepções de infância,
responsável pela política indigenista, no caso de crianças e adolescentes indígenas, e de antropólogos, perante a equipe
interprofissional ou multidisciplinar que irá acompanhar o caso” (BRASIL, 1990).
81
Em relação aos três incisos do parágrafo 6o do artigo 28, do ECA, sua abrangência de aplicabilidade não deveria se restringir
apenas aos casos de colocação em família substituta, pois, em regra, tratam-se de diretrizes que têm validade para outras
questões envolvendo indígenas crianças, especialmente os incisos I e III, no tocante, por exemplo, ao ato infracional, ao abuso
sexual e ao trabalho infantil.
82
Para considerações a respeito da construção histórica do “valor da pessoa humana” nas sociedades ocidentais, e de como este
veio a cristalizar a forma como compreendemos o “valor da dignidade” no campo dos direitos humanos, consultar: Comparato
(1999), Kirste (2009), Le Breton (2011), Mauss (1974), Rabenhorst (2001), Sarlet (2002).
203
de dignidade e, portanto, de direitos, o que torna possível a antecipação da pessoa como
valor-pressuposto da dignidade, logo, de inversão axiológica: a pessoa precede à
dignidade, em termos de definição cultural – quando instrumentalizada para o caso das
crianças em contextos de povos indígenas, permite a construção do termo político
indígenas/crianças, para enfatizar a primazia do critério étnico-cultural na definição do
marcador geracional da infância.
Para os povos indígenas, o corpo está imbricado no entendimento de pessoa,
e corpo/pessoa são pensados de forma múltipla, porque constituído em/na relação com
os demais seres. Logo, a pintura corporal, as brincadeiras, o modo como, quando e onde
se produzem ou se usam os ornamentos, as vestimentas, as restrições e as prescrições
alimentares e sexuais, e os ritos de passagem da fase de criança para a de adulto, enfim,
todas as ações devem ser entendidas sob a ótica da intervenção e transformação de
corpos e pessoas. Ao se constituir o corpo, faz-se, produz-se, concomitantemente, a
pessoa indígena, a partir de informações e significados oriundos da sociabilidade
experimentada nas relações de alteridade com humanos, animais, plantas, seres
espirituais, dentre outros, para aprendizagem e ins/constituição de conhecimentos,
habilidades, técnicas e concepções de mundo apreendidas enquanto parte da
constituição identitária.
De acordo com Seeger, DaMatta e Viveiros de Castro (1987), a noção de
pessoa entre povos indígenas remete à consideração da corporalidade enquanto idioma
simbólico que se torna pré-requisito à adequada compreensão da organização social, da
cosmologia e da natureza do ser humano. Logo, analisar as maneiras de fabricação do
corpo remete, obrigatoriamente, à percepção das formas de construção da pessoa, esta
última tomada como
categoria de relação intersubjetiva com
a realidade
sociocosmológica.
O corpo é o lugar que insere e forma a pessoa na sociocosmologia em que se
espelha, tendo em vista a concepção de pessoa não vinculada à noção de indivíduo,
como nas culturas ocidentais, “pois a pessoa, nas sociedades indígenas, se define como
uma pluralidade de níveis, estruturados internamente” (SEEGER; DAMATTA;
VIVEIROS DE CASTRO, 1987, p. 13).
204
Com base em etnografia desenvolvida entre os Kayapó, do Brasil Central,
Turner (1980) dispõe que a construção social da pessoa kayapó envolve a fusão de tipos
básicos de conceitos e categorias, entre as quais o tempo e o espaço, os modos de
atividade (por exemplo, se individuais ou coletivas, se seculares ou sagradas), os tipos
de status social (com gradações referentes ao sexo, idade, papéis familiares e posições
políticas, entre outros aspectos) as qualidades pessoais (grau de socialização,
passividade ou ativismo da interação, enquanto agente social, entre outros) e os valores
sociais que fundamentam a sociocosmologia local, como, a exemplo dos Kayapó, os
valores da beleza e da dominância.
O autor complementa informando que, em cada sociedade, os conceitos e as
categorias são combinadas e representadas de forma culturalmente diversa para instituir
a pele social (a roupa ou a segunda pele) que, cada individuo precisa vestir para ser
reconhecido como pessoa e, portanto, como membro de determinado grupo.
De acordo com Rosa (2008), que realizou estudo etnográfico entre os
Kaingang, as práticas cotidianas relativas ao “fazer-se pessoa Kaingang” compreendem
a lógica da relação dos sujeitos com os ambientes de vida. Assim, o corpo é entendido
não somente como suporte identitário ou de afirmação de papéis sociais, mas também
enquanto instrumento e atividade que articula significações sociocosmológicas, local da
justaposição entre pessoa, corpo e sujeito indígena. Segundo a autora,
a individualidade do corpo depende do processo de socialização desde o qual
o sujeito constitui suas relações [...] Como meio de incorporação dos valores
e símbolos culturais, o corpo é socialmente produzido pelo tratamento
corporal que lhe apropria os códigos relativos às mensagens específicas sobre
modos, estados e estágios de desenvolvimento do ator social (ROSA, 2008,
p. 111).
Da mesma forma, entre os Charrua – localizados no hoje estado do Rio
Grande do Sul – há vigoroso sistema xamânico-cosmológico, ancorado em lógica
anímica/perspectivista de concepção do cosmo (SILVA, 2008) ligada, entre outras
205
coisas, à concepção nativa do Ki – entendida como essência/interioridade de todos os
seres, sejam humanos ou não humanos – e a ação e contra-reação que uns promovem
em relação aos outros, demonstrando a existência de um cosmo interrelacionado e
imbricado a partir de domínios diversos – que operam como categorias ontológicas no
aperfeiçoamento de corpos e pessoas,
[t]odos os seres oriundos dos vários domínios deste cosmo, portanto,
possuem atributos e agência (interioridades compartilhadas), diferindo nos
seus corpos/roupagens (múltiplas exterioridades ou multinaturalismo). Dito
em outras palavras, corpos e pessoas são construídos através de técnicas
corporais, que são técnicas sociais, e que ao utilizarem elementos
provenientes, por exemplo, do domínio da natureza, como animais, plantas,
minerais, na confecção de adornos ou pinturas, trazem para estes corpos
propriedades imateriais e agências destes seres extra-humanos (SILVA, 2008,
p. 30).
Desse modo, a manipulação xamânica do Ki das árvores e da terra pode ser
direcionada para fortalecimento do Ki das pessoas. Para os Charrua, o cosmo é formado
por domínios intercambiáveis de contínua circulação e comunicação de alteridades, pois
todos os seres do cosmo (humanos e não humanos) são percebidos enquanto dotados de
pontos de vista, de atributos humanos e de agência, numa constante lógica de ação e
contra-reação uns em relação aos outros (SILVA, 2008).
Os exemplos de estudos etnológicos com grupos pertencentes às etnias
Kayapó, Kaingang e Charrua revelam a inevitável inversão axiológica necessária para
o início de qualquer diálogo que se pretenda intercultural no âmbito dos direitos
humanos e de seu princípio moral supremo: a dignidade da pessoa humana.
A centralidade da questão pode ser colocada da seguinte forma: ao contrário
da definição textual que antecipa o valor dignidade por entendê-la adjetivando-a a partir
do “localismo globalizado” (SANTOS, 2006) de determinada concepção de pessoa
humana, ao invés de negociar valores, no espaço do diálogo intercultural deve-se
206
preceder o questionamento acerca dos referenciais socioculturais que embasam a
construção da categoria pessoa, para, a partir daí, apreender (ainda que não se possa
compreender) a pluralidade representacional do valor moral da dignidade, presente nas
sociedades humanas, instrumentalizada nas definições dos direitos (ou sistemas
jurídicos) e fundamento último do referencial jurídico intercultural da infância.
DIREITOS INDÍGENAS TRANSVERSALIZADOS NOS DIREITOS DAS
CRIANÇAS
O diálogo intercultural definido a partir da inversão axiológica dos
indígenas crianças possibilita a recuperação da dinâmica político-organizacional e
identitária dos povos indígenas como fundamentos do processo de construção social da
pessoa e da infância, condição que repercute na valorização do referencial local – ou
seja, dos agentes sociais em determinados contextos e culturas – enquanto suportes
estruturais para a consolidação hermenêutico-normativa dos direitos e, ao mesmo
tempo, elemento de abertura dos espaços de negociação/decisão para a participação
ativa dos povos indígenas na disputa pelo direito de dizer os direitos dos indígenas
crianças.
Assim, propõe-se a instrumentalização da inversão axiológica para
relativização de conceitos normativos – tais como: trabalho infantil, lazer, brincadeira,
ato infracional, adoção, faixas etárias, violência, família, vida, infância, adolescência,
entre outros – tendo em vista o fortalecimento de aportes locais de “significação do” e
“participação no” permitido, com abertura de espaço para disposição de normas e
procedimentos, cuja aplicabilidade torna-se dependente do modo como os conceitos
gerais enunciados se materializam no plano concreto da relação sociocultural e
identitária local, além da necessária transversalização hermenêutica com os direitos
indígenas estabelecidos na Convenção 169 da OIT, de 1989, na Declaração das Nações
Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (DNUDPI), de 2007, na CRFB, de 1988,
na jurisprudência estabelecida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH),
207
vinculada ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH)83 e do Conselho de
Direitos Humanos (CDH), vinculado ao sistema da Organização das Nações Unidas
(ONU).
A transversalização dos direitos das crianças com os direitos indígenas
coloca à disposição preceitos jurídicos definidos como essenciais para a necessária
adequação do tratamento sócio-institucional dos indígenas crianças e do suporte
normativo para reordenação hermenêutica dos direitos das crianças.
O preceito jurídico fundamental para operacionalização da transversalização
normativa é o direito à autodeterminação dos povos indígenas, definido normativamente
desde o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e do Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), ambos de 1966,
no artigo 1o, especificado no artigo 4o, inciso III da CRFB e nos artigos 3o e 4o da
DNUDPI, que implica no reconhecimento do autogoverno comunitário no âmbito do
Estado nacional e o respeito aos modos de desenvolvimento, nos territórios étnicos, das
culturas, línguas, tradições e usos dos recursos naturais.
Segundo Anaya (2005) e Luciano (2006) o direito à autodeterminação dos
povos indígenas apresenta duas dimensões que se referem aos valores da liberdade e da
igualdade que, ao serem instrumentalizados pelo caráter coletivo das reivindicações dos
povos indígenas, passaram a serem significados pelo aspecto do fortalecimento dos
povos indígenas como entidades socioculturais autônomas (enfoque à autonomia) e da
participação política dos povos indígenas nos espaços de negociação e decisão do
Estado e da sociedade nacional sempre que haja questões que afetem suas vidas
(enfoque à participação).
No tocante à primeira dimensão do direito à autodeterminação a
possibilidade de transversalização com os direitos das crianças está apresente desde a
edição da Resolução no 91/2003 do CONANDA, e sinaliza para a necessidade de
compreensão pelos agentes não indígenas dos modos locais de representação e
83
De acordo com Melo (2006), o interesse pela matéria dos direitos indígenas no SIDH existe desde quase o nascimento do
mesmo, pois em 1983 a Comissão realizou investigação sobre a situação do povo Miskito na Nicarágua e em 1985 emitiu a
Resolução n. 12/85 sobre a situação do povo Yanomami no Brasil. Ainda assim, é somente a partir de 2001, mais precisamente
depois da sentença do Caso Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni Vs. Nicarágua, que a CIDH passou a apreciar e julgar vários
casos de violação de direitos cuja titularidade corresponde a coletividades culturalmente diferenciadas.
208
socialização da criança – na mescla com as formas de fabricação do corpo, da pessoa e
da dignidade – de maneira a apreender a complexidade e a dinamicidade do contexto
sociocultural em que os indígenas crianças se inserem, sem deixar de atentar, também,
para os efeitos do colonialismo interno que impuseram aos povos indígenas condições
históricas de pobreza e marginalização social.
Assim, se por um lado a diversidade cultural do “ser criança” entre povos
indígenas deve ser a fonte de orientação para a significação das noções plurais de
infância, lazer, trabalho, sexualidade, violência, entre outros, procurando analisá-las
tendo em vista o contexto sociocultural, por outro a necessidade de compensação das
injustiças históricas sofridas demanda a oferta de serviços e bens públicos que garantam
melhores condições de vida aos indígenas crianças, sobretudo no âmbito da educação
escolar, da saúde e da titulação e seguridade das terras indígenas.
O direito à autodeterminação também implica, no aspecto da autonomia, no
reconhecimento de que há decisões internas sobre a vida dos indígenas crianças que não
podem sofrer interferência de agentes externos, sob pena de violar o próprio direito à
autodeterminação.
Os modos de tratamento e socialização dos indígenas crianças no âmbito de
suas etnias de pertença foi etnograficamente apresentada como possuindo elementos
importantes de distinção para com as formas de produção da infância em outros
contextos. De acordo com Tassinari (2007), existem características comuns nas
descrições etnográficas sobre as infâncias indígenas que remetem ao: (1)
reconhecimento da autonomia das crianças e de suas capacidades de decisão: os
indígenas crianças têm liberdade de escolhas que afetam diretamente pais, familiares e
comunidades, sendo a criança respeitada como sujeito de sua própria educação; (2)
reconhecimento das diferentes habilidades frente aos adultos: a liberdade dada aos
indígenas crianças está vinculada ao reconhecimento das habilidades próprias de
aprendizagem o que, no entanto, não retira dos adultos a responsabilidade por educá-los
e
dá-los
condições
de
aprendizagem,
como
a
de
realizarem
trabalhos
familiares/comunitários e participarem de cerimônias rituais; (3) papel das crianças
como mediadoras de diversas entidades cósmicas: os indígenas crianças, em particular
as menores, são importantes mediadoras de várias esferas cosmológicas, por não
209
estarem totalmente assimiladas à categoria humana; (4) papel das crianças como
mediadoras de grupos sociais: o cuidado com os indígenas crianças é realizado no
espaço familiar (consanguíneos), mas este ambiente só pode existir combinado a
relações com “outros” (afins), o que permite a estruturação do parentesco enquanto
balanço entre “nós” e os “outros”, sendo que as formas ameríndias de transformar o
“outro” em “nós” dizem respeito também aos cuidados com crianças, pois todo indígena
criança traz a marca da alteridade, associado que é aos deuses, animais ou com outros
segmentos sociais, assim, as relações com os afins são mediadas pelas crianças; (5)
educação como produção de corpos saudáveis: constata-se que a educação entre povos
indígenas é dedicada especialmente à produção de corpos saudáveis os quais são
associados ao ensinamento de valores morais e éticos, mediante a ingestão de alimentos
adequados e a prática de técnicas corporais que relacionam a educação à garantia da
saúde e do bem-estar.
Tais elementos culturais são apreendidos e apresentados enquanto
classificações etnográficas de caráter sistematizador, ainda que exemplificativo, para o
entendimento material da aplicação do preceito da autonomia dos povos indígenas no
âmbito do tratamento de suas crianças. É, evidentemente, uma construção teórica que
permite o dimensionamento de alguns conceitos-valores (educação, trabalho, relações
de parentesco, entre outros) a partir do referencial nativo e, portanto, do reconhecimento
da pluralidade cultural da construção da pessoa, do corpo e da infância.
Todavia, aspectos internos dos povos indígenas que sinalizem a presença de
discriminação e/ou violência contra as crianças não podem ser justificados enquanto
práticas arraigadas nos costumes, sendo necessário o entendimento por parte dos
agentes não indígenas de que a eliminação destas situações não consiste em suprimir as
diferenças culturais, mas os aspectos sociais que têm o propósito de reduzir ou violar os
direitos e liberdades dos indígenas crianças. Em todo caso, a possibilidade de
participação e opinião dos indígenas crianças, dos seus familiares e membros
comunitários é elemento decisivo para o estabelecimento da natureza do problema e da
relação deste com a integralidade sociocultural do grupo, tal como preceitua o artigo 5o
da Convenção 169, na busca por soluções que respeitem a livre disposição dos povos
indígenas de possuírem regras, procedimentos e autoridades para resolução dos
210
conflitos internos organizadas no âmbito de seus sistemas jurídicos nativos, as quais
precisam ser priorizadas quando no diálogo intercultural (artigos 8o e 9o da Convenção
169).
Nesse caso, a realização de laudo antropológico pode ajudar na tradução dos
modos de significação nativos para a lógica ocidental de compreender os fatos e os
valores, sendo importante dizer que a repercussão positiva do laudo antropológico está
na possibilidade de garantir a fala dos agentes locais a respeito do que acham da questão
em disputa e de como esta se insere no contexto mais amplo da realidade sociocultural
dos sujeitos.
Os direitos à consulta e à participação em sentido estrito são subsidiários do
direito à autodeterminação no segundo aspecto elencado acima (enfoque à participação).
Na Convenção 169 a consulta e a participação em sentido estrito foram definidas no
artigo 6o como dois graus de participação distintos e que trazem repercussão na forma
como pode haver a transversalização com os direitos das crianças.
A consulta é, basicamente, momento de participação pontual em que o povo
indígena é chamado pelo agente estatal a se posicionar frente a respeito de ação externa
que lhe afetará diretamente. Recomendada para ações de caráter emergencial ou feitas
por entidades que não tenham representação indígena, precisa seguir diretrizes presentes
na Convenção 169 (artigo 6o, alínea “a”), na DNUDPI (artigo 18), na CRFB (artigo 231,
§3o) e também na jurisprudência da CIDH que dizem respeito à garantia de
procedimento apropriado – isto é, espaço e metodologia de acordo com interesses e
costumes do povo/comunidade consultado –, da presença de instituições representativas
nativas (preferencialmente a comunidade), ocorrer antes da ação de intervenção
pretendida pelo agente externo e ser de boa-fé (sem tentativa de manipulação e com os
agentes estatais sem pré-definir antes da consulta sua posição final), oportunizar ao
povo indígena consultado o máximo de informações a respeito do assunto, respeitar a
posição final do povo indígena e possibilitar, no caso de afetação, a justa indenização
por meios acordados coletivamente.
O direito à consulta incide nos direitos das crianças para tornar necessária a
realização de consulta aos povos indígenas sempre que entidades do Sistema de
211
Garantia de Direitos (SGD) – em especial o Poder Judiciário, a Polícia e o Conselho
Tutelar – forem tratar de assuntos ligados aos direitos das crianças e que interesse/afete
diretamente o grupo étnico, tais como casos de violência sexual contra indígenas
crianças, matrícula em escola ou atendimento no âmbito da saúde.
Desse modo, garante-se a participação pontual dos povos indígenas no
processo de construção das formas de resolução de problemas sociais que estejam
atingindo os indígenas crianças, seja na aldeia ou na cidade. O importante é que os
agentes externos, no caso específico as entidades do SGD e, mais particularmente, o
Conselho Tutelar, tenham obrigatoriamente que possibilitar o entendimento e o
posicionamento das instâncias político-organizacionais dos povos indígenas (a
comunidade, sempre preferencialmente, mas também associações e organizações,
lideranças políticas e/ou tradicionais, entre outros), e não apenas da família indígena
diretamente afetada, para daí compreender de forma mais ampla a situação que pretende
intervir e estabelecer de maneira participativa as formas de intervenção e de resolução,
ou simplesmente de não intervenção se assim chegarem a um consenso ou acordo com
os sujeitos consultados84.
Um exemplo do acionamento da consulta para encaminhamento de situação
envolvendo denúncia de violação de direitos de indígena criança pode ser obtido no
depoimento, abaixo, de Lalan Pripá, do povo Xokleng e conselheira tutelar do
município de José Boiteux (SC), entre 2008 e 2010, numa entrevista realizada em
setembro de 2014:
Lalan Pripra - [...] Um dia chegou o meu tio, ele mora na aldeia Bujiu. Ele
veio trazer denuncia que sua filha de 16 anos saiu de casa pra morar com um
rapaz de 22 anos. E falou um... bastante horrores do rapaz, disse que não
84
Importante lembrar que o procedimento normativo da consulta adota a possibilidade de três níveis de negociação a serem
tomados durante a consulta. O primeiro nível de negociação é o que logra o consentimento livre e informado do povo indígena
mediante a definição de proposta que o beneficie ou esteja em consonância com suas prioridades de reivindicação política e de
entendimento cultural do assunto. O segundo nível de negociação é quando o povo indígena não aceita a medida proposta e,
segundo Yrigoyen Fajardo, “cabría entrar en un proceso de negociación orientado a llegar a un acuerdo, donde ambas partes
puedan revisar sus planteamientos iniciales. Si se llega a un acuerdo, el Estado queda vinculado” (2009, p. 384). Porém, caso não
ocorra o consentimento e tampouco acordo entre o povo indígena consultado e os agentes estatais, “el Estado tiene la atribución
de tomar uma decisión. Sin embargo, no se trata de un acto arbitrário, sino que, como todo acto estatal, el Estado está obligado a
motivarlo” (YRIGOYEN FAJARDO, 2009, p. 384) e deve fazê-lo de modo a assegurar o máximo respeito possível as prioridades
apontadas pelo povo indígena consultado.
212
aceitava e queria que o Conselho Tutelar fosse buscar sua filha, porque não
sei o quê? Porque ela ia passar fome, porque ele não queria que a moça fosse.
Eu disse: “[a]gora eu vou fala tio, pra ti, mais, eu não podia”, disse pra ele:
[...] “vamos pensar: a sua filha fugiu ou ela foi embora porque quis?” “Não,
fugiu”. Será? Tem certeza? “Fugiu, ele roubou ela”. Eu disse “tá bom, eu vou
conversar com o rapaz”.
Assis Oliveira- O rapaz era também indígena?
Lalan Priprá- Indígena. Aí eu fui na aldeia Bujiu e perguntei pro cacique o
que tinha acontecido.
Assis Oliveira- Perguntou para o Cacique?
Lalan Priprá - Perguntei pro cacique: “meu tio foi lá disse assim, assim o que
tu me diz?”. Ah não é que ele não gosta do rapaz. Ele falou bem assim pra
mim: “ele veio dar queixa aqui pra mim, só que daí eu disse que não, que ela
já é moça, que ela já tem idade para casar e que ela podia casar. Aí ele disse
que não, eu não aceito porque eu não gosto do rapaz, por causa disso,
disso...”.
Lalan Priprá – [...] daí eu, chamei um outro cacique, daí disse, perguntei pra
ele: “o que tu acha?” Aí ele disse assim: “não, deixe quieto”. Falou bem
assim: “deixe quieto! Ela casou, tá casada, é um bom rapaz, deixa ela”. Aí
então eu fui atrás da menina, disse pra ela, fui atrás dela, conversei. Ela disse:
‘não eu vim porque eu quis, eu não fugi, é que o pai não gosta dele. E quero
casar com ele, quero vivê com ele, quero ter família’.
Assis Oliveira – Você sempre tinha aquela atenção de ir com os caciques
para poder saber o que aconteceu?
Lalan Priprá – Sim. Porque a autoridade maior das terras indígenas é o
cacique, se eu faço uma averiguação, constando que preciso mandar pro
Fórum [de Justiça] pra formalizar o processo, eu tenho que ter apoio do
Cacique, se o Conselho Tutelar né, caso eu, mesmo conselheira indígena eu
tenha que ter o apoio do cacique [...] (Grifos nossos).
Logo, percebe-se o quanto é relevante contar com o apoio de lideranças
indígenas e de outros membros das comunidades indígenas, pois assim consegue-se
213
obter informações mais aprofundadas sobre os sujeitos e as questões envolvidas em
cada caso e, mais do que isso, busca-se um amparo interno que tanto pode ajudar na
elucidação do problema, como apresentar indicativos de possíveis respostas e/ou
encaminhamentos a serem tomados, além de dar credibilidade/legitimidade às decisões
a serem tomadas pelo SGD.
O direito à participação em sentido estrito foi definido na Convenção 169
(artigo 6o, alínea “b”) para a promoção de meios de participação em todos os níveis de
tomada de decisões em instituições eletivas ou organismos administrativos e de outra
natureza responsáveis por políticas e programas que lhes digam respeito, em igualdade
de condições com os demais segmentos da população.
De acordo com Yrigoyen Fajardo (2009), tal assertiva consiste na garantia
de intervenção dos povos indígenas em todas as fases do ciclo de elaboração, aplicação
e avaliação de políticas, programas e projetos que lhes possam afetar. O objetivo é fazer
com que tal participação assegure que as prioridades de desenvolvimento dos povos
indígenas possam estar plasmadas nas propostas de intervenção planejadas pelo Estado,
e que estas priorizem o melhoramento das condições de vida destes povos e que não
afetem sua integridade física e sociocultural.
Na DNUDPI (artigo 23) o direito à participação no sentido aqui expresso
ganha sua tradução mais condizente: a participação significa o direito de administrar os
espaços em que são planejadas, executadas e avaliadas as políticas públicas voltadas
para saúde, habitação, educação e, no caso específico, aquelas voltadas para a criança e
o adolescente, entre outras possíveis. Portanto, o segundo sentido do direito à
participação representa processo de administração continuada dos espaços de tomada de
decisões sobre assuntos que digam respeito aos povos indígenas.
Assim, o direito à participação em sentido estrito tem implementação com a
ocupação de entidades eletivas por indígenas, tal como cargos políticos no Poder
Legislativo ou Executivo, ou vagas específicas em órgãos de controle social para serem
ocupadas por representantes indígenas.
214
O direito à participação em sentido estrito quando transversalizado nos
direitos das crianças fortalece a necessidade de inserção de representantes indígenas nos
espaços de tomada de decisão sobre os direitos das crianças em que a participação da
sociedade civil é garantida, a exemplo do Conselho Tutelar e dos Conselhos de Direitos
da Criança e do Adolescente, este último nos âmbitos municipal, estadual e nacional,
assim como nos Conselhos Escolares, da Merenda Escolar, da Saúde, entre outros. Ao
mesmo tempo, coloca o desafio de inserção de representantes políticos dos povos
indígenas em áreas do Poder Executivo e em instâncias do Poder Legislativo que sejam
estratégicas para a definição de políticas públicas e leis que melhorem as condições de
vida dos indígenas crianças e estejam sintonizadas com os interesses e realidades dos
povos indígenas.
Especificamente quanto aos conselhos que atuam mais diretamente na área
da criança, a participação nestes espaços possibilitaria aos povos indígenas a
administração direta das instâncias de execução – no caso do Conselho Tutelar – e
planejamento/fiscalização – no caso dos outros conselhos – das ações estatais e privadas
voltadas para a concretização (ou violação) dos direitos das crianças. Significa dizer que
estes espaços poderiam desenvolver formas mais adequadas de intervenção e de
tratamento aos indígenas crianças se houvesse representantes indígenas que, de maneira
continuada, pudessem controlar o colonialismo interno das entidades e promover
intercâmbio de ideias junto aos outros representantes para que todos estivessem mais
bem preparados para agir em contexto de diversidade cultural.
O Quadro 1 procura sintetizar, de maneira didática, as proposições definidas
ao longo do presente capítulo.
215
Quadro 1 - Direitos indígenas nos direitos das crianças
Princípio jurídico
Direitos
indígenas
Autonomia
Autodeterminação
(Arts. 1o, PIDCP, 7o
da Convenção 169, 3o
e 4o da DNUDPI)
Participação
Repercussão nos
direitos das crianças
Fundamentação
normativa
Livre exercício da
forma de produção da
infância indígena e de
conformação dos
valores a ela associados
(educação, trabalho,
saúde, entre outros).
Arts. 231, caput,
CRFB, 2o da
Convenção 169, 2o e 8o
da DNUDPI.
Em caso de violência
cometida contra
indígenas crianças,
definição de
procedimento de
solução que trabalhe
com a natureza do
problema, interlocução
com a integralidade
cultural e prioridade
para as formas de
solução nativas.
Arts. 5o, 8o e 9o da
Convenção 169, 34 e
35 da DNUDPI.
Participação em
instituições
representativas dentro
do Estado, de forma a
adequar políticas,
programas e projetos
aos interesses e
realidades dos povos
indígenas.
Arts. 6o , b, da
Convenção 169, e 23
DNUDPI.
Povos indígenas serem
consultados em todas as
ações administrativas e
legislativas que afetem
os indígenas crianças.
Arts. 231, §3o da
CRFB, 6, 1, “a” e 2, da
Convenção 169, 19 e
32, 2, da DNUDPI.
216
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os caminhos para desenvolver os direitos dos indígenas crianças estão
condicionados à possibilidade de incidência das realidades e dos direitos dos povos
indígenas no âmbito do campo jurídico e dos direitos das crianças.
Quando se analisa a situação dos indígenas crianças no seu conjunto, olhase para o passado e percebe-se que a superação das ausências teóricas e normativas em
relação à inclusão diferenciada nos “novos direitos” representa o primeiro passo de uma
luta empreendida contra todas as formas de homogeneização e vulnerabilidade em prol
da (re)condução para caminhos que relativizem certezas e universalidades sociojurídicas
pela valorização da diversidade cultural.
As ideias que presidem a abertura hermenêutico-normativa reordenam a
soberania política e o monismo jurídico a partir dos pressupostos teóricos, éticos e
legais da autodeterminação, pluralismo jurídico e cidadania diferenciada dos povos
indígenas e, com isso, da sociabilidade, desenvolvimento humano e ação social distinta
dos indígenas crianças.
Trata-se de reconhecer as limitações dos modelos jurídicos vigentes que
versam no cenário brasileiro sobre o tratamento dos indígenas crianças, e propor a
leitura entrecruzada destas normativas com base no apoio aos direitos indígenas na
busca pela construção de uma racionalidade transversal mediante o aprendizado mútuo
e o intercâmbio criativo.
A interpenetração entre os mundos jurídicos da criança e dos povos
indígenas representa o esforço de desconstrução das amarras coloniais dos direitos
destinados às crianças que foram politicamente “naturalizadas” ou “universalizadas” de
modo a obliterar ou subjugar as especificidades culturalmente diferenciadas. Questionar
tal monocultura da produção dos direitos da criança é, ao mesmo tempo, propor a
rearticulação entre os valores da igualdade e da diferença com o suporte do
protagonismo dos povos indígenas, de forma a reconstruir os conceitos e normativas
jurídicas para que neles os indígenas crianças se reconheçam, garantindo, assim, que a
igualdade se explicite nas diferenças, tendo por horizonte a promoção de transformações
217
sociais que corrijam discriminações, superem desigualdades e torne o Estado brasileiro
efetivamente pluricultural.
218
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223
em:
SOBRE OS AUTORES
Alberto Damasceno
Graduado em Arquitetura pela Universidade Federal do Pará (1983), mestre
em Educação Escolar Brasileira pela Universidade Federal de Goiás (1991) e doutor em
Educação (Currículo) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1998),
atualmente é professor associado IV da Universidade Federal do Pará, desenvolvendo
estudos na área da Educação com ênfase em História da Educação e Planejamento
Educacional. Além disso, coordena o Laboratório de Planejamento da Educação
Municipal (LAPEM) vinculado ao Instituto de Ciências da Educação da UFPA.
Ana Celina Bentes Hamoy
Mestra em Direitos Humanos pela UFPA. Especialista em Instituições
Jurídicas e sociais da Amazônia pela UFPA, Advogada do Centro de Defesa da Criança
e do Adolescente de Emaús. Membro do Grupo de Pesquisas sobre intervenção Penal e
Segurança Pública do programa de pós-graduação do ICED-UFPA, Membro do comitê
Nacional de Combate a Tortura, como representante da associação Nacional dos
Centros de Defesa.
Ana Maria Orlandina Tancredi Carvalho
Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do Pará (1969),
Mestrado em Scienze Dell Educazione Psicopedagogia – Universitá Italiana Degli Studi
Di Torino (1976) e Doutorado pela Universidade Estadual de Campinas / São Paulo
(2006). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação Infantil,
atuando principalmente nos seguintes temas: Educação Infantil, creche, políticas
públicas para a educação.
224
André Franzini
Nascido em Cremona Itália, Educador Social, Assistente Social, Mestrando
de Administração, Conselheiro do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e
Adolescente (Conanda), mandatos 2009 a 2014 representando a CNBB/Pastoral do
Menor. Coordenador Geral IX Conferência Nacional dos Direitos da Criança e
Adolescente (2013), membro da Comissão Intersetorial Federal de Monitoramento do
Sinase (2010-2013), Premio Direitos Humanos Cidade Cremona Itália (1997), Prêmio
Direitos Humanos OAB/PA 2007. Coordenador Nacional da Pastoral do Menor/CNBB
mandato 2015/2017. Educador da Escola de Conselho da UFPA.
Assis da Costa Oliveira
Professor de Direitos Humanos e coordenador do Curso de Licenciatura e
Bacharelado em Etnodesenvolvimento da Universidade Federal do Pará (UFPA),
Campus de Altamira. Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPA.
Secretário de articulação do Instituto de Pesquisa Direitos e Movimentos Sociais
(IPDMS). Advogado. E-mail: assisdco@gmail.
Bruno Sechi
Padre Bruno, nasceu na Sardenha – Itália em 1939 e veio bem jovem para o
Brasil. É um dos idealizadores do Movimento República de Emaús e também do
Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua; dedicou grande parte de sua vida à
causa da Defesa dos Direitos Humanos e em particular, dos direitos humanos de
crianças e adolescentes na Amazônia e no Brasil. Ganhador do Prêmio USP de Direitos
Humanos (2004).
225
Carlos Alberto Batista Maciel
Assistente social, mestre em Antropologia, doutor em sociologia.
Pesquisador da área da família, infância e adolescência. Foi membro da direção do
Conselho Federal de Serviço Social no período 1996-1999. Foi presidente do Conselho
Estadual de Assistência Social do Estado do Pará no ano de 2007. É Professor da
Universidade Federal do Pará desde 1991.
Émina Santos
Pedagoga e Advogada; Mestre em Educação pela PUC/São Paulo; Doutora
em Ciências Sociais e Ambientais pelo NAEA/UFPA; Professora da Universidade
Federal do Pará; Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação em
Direitos Humanos/GEEDH do Instituto de Ciências da Educação da UFPA; possui
como objeto de pesquisa: Direitos Humanos, Educação em Direitos Humanos e Política
e Legislação da Educação: coordena projetos de pesquisa e extensão em Educação em
Direitos Humanos.
Fábio Atanásio de Morais
Coordenador do Escritório do UNICEF de Belém.
Izabela Jatene de Souza
É Professora efetiva da UFPA, da Faculdade de Ciências Sociais desde
1996. Doutoranda em Ciências Sociais pela PUC-RJ. Mestre em Antropologia pela
UFPA e Especialista em Gestão de Projetos Sociais pela FGV. Graduada em Ciências
Sociais pela UFPA. Foi idealizadora e coordenadora do Programa ProPaz, e atualmente
está Secretária Extraordinária de Estado de Integração de Políticas Sociais do Governo
do Estado do Pará. É Membro do Comitê Permanente da América Latina para a
Prevenção do Crime do ILANUD - Instituto Latino Americano das Nações Unidas.
226
Luanna Tomaz de Souza
Professora de Direitos da Criança e do Adolescente da Universidade Federal
do Pará. Doutoranda pela Universidade de Coimbra. Presidente da Comissão de Direitos
Humanos da OAB-Pa. Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Direito Penal e
Democracia e do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Violência na Amazônia
ambos da UFPa.
Lúcia Isabel Silva
Professora da Faculdade de Educação e do Programa de pós-graduação em
Educação da UFPA. Doutora em Teoria e Pesquisa do Comportamento pela
Universidade Federal do Pará. Coordena o grupo de Estudos e Pesquisas em
Adolescência e Juventude e fatores de vulnerabilidade e proteção. Militante da área dos
direitos da Infância, Adolescência e juventude, direitos humanos e políticas públicas.
Colaboradora do Instituto Universidade Popular – UNIPOP e membro da Sociedade de
Defesa dos Direitos Sexuais Amazônia – SODIREITOS.
Nazaré Araújo.
Advogada, com especialização em Administração Financeira pela Fundação
Getúlio Vargas – RJ (1998), Docência do Ensino Fundamental e Médio – Universidade
Cândido Mendes – RJ (2003), Curso de Prevenção ao uso de Drogas – UFSC (2013),
Coordenação Administrativo-financeira de diversos Projetos do Programa de Educação
Cidadã da Universidade Federal do Pará, na Transamazônica, BR 163 e região Sudeste
do Pará (2005 a 2009), Diretora Executiva do Projovem Urbano (2009), Coordenadora
227
Pedagógica do Movimento República de Emaús (2010 a 2012), Coordenadora Geral do
Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte – PPCAAM,
executado pelo Movimento República de Emaús, por meio de convenio firmado com a
Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos - SEJUDH e Secretária Executiva
da Escola de Conselhos – projeto executado pela Universidade Federal do Pará, em
convenio com a Secretaria de Direitos Humanos, que tem por objetivo dar formação
continuada aos Conselheiros Tutelares e de Direitos da Amazônia Paraense.
Patrícia de Fátima de Carvalho Araújo
Promotora de Justiça no Ministério Público do Estado do Para, lotação
Ministério Publico de Ananindeua; Pós-graduada Latu sensu em direito da criança e do
Adolescente pela Universidade Federal do Para; Pós-graduada Latu sensu em Ciências
Penais pela Universidade do Sul de Santa Catarina; Pós-graduada Latu Sensu em
Direito Eleitoral pela Universidade Federal do Para. Palestrante no Curso de
Atualização sobre o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente
(Programa MOVER), certificado pela Escola do Governo do Estado do Para e comitê
Gestor do PRO PAZ, desde o ano de 2011 a 2014.
Salomão Hage
Possui graduação em Agronomia (1982) e em Pedagogia (1987); Mestrado
em Educação: supervisão e Currículo (1995); Doutorado Sanduiche pela Universidade
de Wisconsin-Madison (1999) e doutorado em Educação: currículo pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. É professor do Instituto de Ciências da Educação
da Universidade Federal do Pará e docente do Programa de Pós-graduação em Educação
e do Programa de Linguagens e Saberes da Amazônia. É bolsista produtividade de
CNPq. Coordena o Grupode de Estudo e Pesquisa em Educação do Campo na
Amazônia; integra a coordenação do Fórum Paraense de Educação do Campo e
coordena a Escola de Conselhos – Pará: núcleo de formação continuada de conselheiros
tutelares e de direitos da Amazônia paraense.
228
Suzany Brasil
Licenciada Plena em Letras pela Universidade Federal do Pará. Bacharel em
Direito pela Universidade Federal do Pará. Especialista em Ciências Penais pela
Universidade Anhanguera Uniderp. Possui interesse em leituras, pesquisas, estudos e
práticas voltadas para a efetivação dos direitos humanos de crianças e adolescentes,
assim como literatura e artes.
Valdemir Monteiro Corrêa
Possui graduação em Serviço Social pela Universidade Federal do Pará e pós-graduação pela
Universidade de Brasília em Serviço Social e Política Social e pela Escola de Governo do
Estado do Pará em Gestão em Planejamento em Defesa Social. Possui experiência na área de
Serviço Social, com ênfase em Serviço Social Aplicado, atuando nos seguintes temas: trabalhos
em grupo e individual, captação de recursos e gestão de projetos. Além de planejamento,
orçamento e gestão governamental e na área de segurança pública e defesa social.
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