maiores maconheiros da ficção
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maiores maconheiros da ficção
RECEITA PARA O REGIME DO PSEUDO INTELECTUAL // MORADA DO NADA MAIORES MACONHEIROS DA FICÇÃO // ANTOLOGIA POÉTICA // E MAIS... A Medulla transgrediu os ideais estéticos da harmonia clássica em uma capa que combina saturação de cores, tipografias e uma chamada para o principal assunto deste exemplar de poeira simbólica flutuando na atmosfera digital: o Manifesto da Anarcofagia - um articulado desconexo de despropósitos para a formação de um movimento desorganizado de teor lúdico-lunático- (tetra)surrealista-psico-transgressor. Agradável leitura, patrulheiro! Editor de Arte Gastronomia Receita para o Regime do Pseudo Conto Morada do Nada (17) Intelectual (3) Resenha Área de Psicotrópicos Crime e Castigo de Dostoiévski (18) Maiores Maconheiros da Ficção (4) Poesia Capa Comunista Curitibano (21) Manifesto da Anarcofagia (7) Humor Literatura Antologia Poética (12) O Outro Lado da História: Os Três Porquinhos (23) Diagramação e Arte: André HP Colunistas: Frico, Taize Odelli, Milton Diogo, Rodrigo Lobo, William Gomes, Inã Cândido, Dhiego Tchmolo, Guilherme Daldin e André HP. Chargista: Doo http://comunistaateu.blogspot.com/ RECEITA PARA O REGIME DO PSEUDO INTELECTUAL Em diversas cores Veja que beleza Em vários sabores A burrice está na mesa (Tom Zé – Sabor de Burrice) Ingredientes 100 gramas de Woody Allen ou Glauber Rocha em pó; 50 gramas de Gramsci picado ou Chico Buarque; 2 colheres de chá de Marx; 2 colheres de chá de Freud; 2 colheres de chá de Nietzsche; 1 xícara de citações de algum poeta erudito desconhecido pelas “massas acéfalas”; Visual alternativo a gosto – de preferência o europeu. Modo de Preparo Misture tudo na forma do ridículo, coloque no forno do egocentrismo e espere até ficar uma chatice. Rendimento: de três a cinco ignorantes. ATENÇÃO: não recomendado ao bom senso e alérgicos a estupidez. André HP escreve no blog: http://anarcofagia.com/sss/ _03 MAIORES MACONHEIROS DA FICÇÃO E nquanto na vida real, os políticos ficam Destino” (Editora Rocco) que teve a ideia para o passando a bola da questão da legaliza- roteiro do longa em 1967, após fumar um basea- ção uns pros outros, na ficção os artis- do e olhar o cartaz de divulgação de “The Wild liberado. Angels” – longa sobre uma gangue de motoquei- Proporcionalmente à diminuição da presença do ros que ele atuou em 1966. Em Easy Rider, os tabaco nos filmes, séries e quadrinhos, a mariju- personagens Capitão Améria e Billy The Kid cru- ana tem tomado a ponta das drogas mais popu- zam os EUA de moto. Assim como o filme, o cli- lares, tornando-se o verdadeiro cigarrinho de ma artista. Fizemos esta lista baseada em filmes, sé- hippie: o ator Jack Nicholson já revelou em en- ries, quadrinhos e livros, confiando em nossa trevistas que na famosa “cena do mato” fumou memória e baseado em que nós podemos fazer cerca de cem (!!!) baseados. Easy Rider foi indi- quase tudo. cado ao Oscar de Melhor Roteiro Original em tas já resolveram que está tudo das gravações também foi totalmente 1970. O enredo não ganhou o prêmio da Acade- 5) Capitão Améria e Billy The Kid, “Easy Rider” – cinema mia mas com certeza merece o título de filme O filme é fruto de uma viagem de Peter Eles pediram carona, fumaram maco- Fonda. E a gente pode dizer isso literalmente. O nha, usaram sandálias de couro, fumaram maco- ator contou para o escritor Lee Hil no livro “Sem nha, tocaram rock ‘n’ roll, fumaram maconha e… mais maconheiro de todos os tempos. 4)Wood e Stock – Quadrinhos _04 envelheceram!(Mas continuam fumando…) Wood muuuita maconha. As discussões chapadas sem- & Stock são uma versão nacional de Cheech & pre renderam cenas engraçadíssimas! Nunca te- Chong, só que 30 anos mais velhos. Criados pe- remos certeza, mas apostamos que a erva que lo quadrinista Angeli, a dupla de “eternos hippi- eles fumavam na série era boa: afinal chegaram es carecas cabeludos” já queimou estoques a dividir a roda com o legendário Tommy Chong, quilométricos de “orégano” em tirinhas, álbuns que fez participações especiais como o velho-hip- de quadrinhos e no longa-metragem de anima- pie-malucao Leo. ção “Wood & Stock – Sexo, óregano e rock ‘n’ roll”, que contou em sua trilha sonora com doi- A Democracia Direta - O Comunista Ateu dões da estirpe de Arnaldo Baptista, Rita Lee e Júpiter Maçã. 3) Eric, Fez, Kelso e Hyde, That’s 70 Show – Séries de TV 2) Fabulous Brothers – Quadrinhos Furry Freak Como a própria Kitty, mãe da família Foreman disse: “Nosso porão parece Amsterdã”. Sim, a série retratava os anos 70, mas nunca se viu tanta gente chapada no horário nobre americano e nem por tanto tempo! Durante oito temporadas, a série retratou o dia-a-dia de um grupo de adolescentes em Wisconsin, EUA. En- Os alucinados Freak Brothers são os Ir- tre calças boca-de-sino, pôster das Panteras e mãos Marx da contracultura. E olha que quem uma trilha sonora cheia de rocks psicodélicos es- soltou essa ideia foi ninguém menos que o gênio tilo The Who, Led Zeppelin e Stones, Eric Fore- dos quadrinhos Alan Moore. Gerados no final man e seus amigos ficaram boa parte dos oito dos anos 60, inspirados por filmes de humor pre- anos da série no porão da sua casa, fumando to e branco e pelo movimento hippie, os Freak _04 _05 Brothers foram um sucesso enfumaçado das lançaram até dez álbuns com piadas e músicas. HQs undergound americanas. Fat Freddy era o O primeiro dos filmes, “Queimando Tudo”, é de gordo laricado, Phineas uma versão freakie do 1978 e foi dirigido por Lou Adler. Parte da pro- Rolo de Maurício de Souza e Freewhelin ‘ Fran- gramação da madrugada do SBT por muito tem- klin o radical de esquerda que comandava o trio. po, mostra a dupla se conhecendo: Cheech é A grande missão dos três era arrumar bagulho, Pedro de Pacas um cantor latino e Chong escapar da polícia e, nas horas vagas, revolucionar o mundo. 1)Cheech & Chong – Cinema Anthony “Man” um cara de classe média, que largou tudo pra tocar bateria. Juntos, eles curtem “ficar com olhos de chineses” fugindo da polícia num carro “embaçado”. Depois de 20 anos separados, eles lançaram em 2010 o documentário “Hey Watch This”, baseado na turnê Light Up America, show de stand up que eles estão apresentando pelos Estados Unidos. No caso de Cheech e Chong, a ficção se misturou com a vida real: os caras defendem a legalização da maconha, mas Chong deixa claro que largou a cannabis: “Fumei por 50 anos, mas parei quando fui preso [em 2003, por vender a droga pela Internet]. Na cadeia, me ofereciam maconha todos os dias, mas não fazia muito sentido desobedecer às leis atrás das grades. Virei quase um monge.” No caso de Cheech e Chong, parece que eles já queimaram tudo que tinham pra Até o D2, mais notório maconheiro do Brasil já fez uma referencia a dupla que ficou em primeiro lugar no nosso ranking. Afinal, ele canta que “continua queimando tudo como Cheech e Chong”. Juntos, a dupla de atores Richard “Cheech” Marin e Tommy Chong fizeram dez fil- queimar. Por Bárbara dos Anjos e Fred Di Giacomo Frico escreve no blog: http://www.punkbrega.com.br/ mes e devem ter fumado uma tonelada de maconha. Os longas viraram clássicos e os caras O Comunista Ateu _04 _06 Jacek Yerka INTRODUÇÃO Vou abrir a porta da Loucura (...) Um dia serei o garçom dos acadêmicos E servirei o chá de cogumelos Quem sabe assim eles enxergam alguma arte na vida. Cássio Amaral – Divã a moda canina O mundo é grave, absurdo & inexorável, & carece de Arte & Humor - vitaminas essenciais para suportarmos o tédio existencial. A dimensão intelectual é um arcabouço de imbecilismo, forrada com uma ciência selvática & caduca, atravessada por sistemas filosóficos medíocres & sustentada pelo autoritarismo de autores sacrossantos – Freud, Marx, Kant & outros endeusados pelo fetichismo acadêmico. Faço deste manifesto um convite aos Artistas & Intelectuais a subverter & transgredir este cenário estupidificante. Este é um manifesto, sobretudo, pela Arte & pelo Humor. _07 _07 Wassily Kandinsky. A ANARCOFAGIA Se religiões organizadas são o ópio do povo, então religiões desorgani- zadas são a maconha da turba lunática. Principia Discordia - Kerry Thornley Os Anarcofágicos – anarco (relativo a anarquia) & fagia (do grego, phagein: come) - são devoradores de teorias, lógicas, paradigmas & cosmovisões que não adotam ideologias, valendo-se de teorias provisorias para fragilizar as demais. Para além da refutação higienizadora & massiva, os Anarcofágicos entendem que para ativar a imaginação, o delírio & o prazer das massas eles devem perfurar a dimensão mais cotidiana da vida humana promovendo: a) arte transgressora, como prazerosa alucinação coletiva, & não reduzida a produto, espetáculo, poder de impacto ou militância ideológica; b) humor como último argumento contra o tédio existencial, aproveitando a capacidade dele pautar símbolos, reforçar estigmas, criticar comportamentos, derrubar estereótipos & satirizar arquétipos - Zero Mostel disse que “o grau de liberdade que há em qualquer sociedade é diretamente proporcional ao riso que nela existe”. Theodor Adorno estabeleceu o excêntrico como critério da arte: “a arte é a antítese social da sociedade, & não deve imediatamente deduzir-se desta” & Vladimir Maiakovski atribuiu um caráter construtor à arte: “a arte não é um espelho para refletir o mundo, mas um martelo para forjá-lo”. Adorno errou considerando a arte apenas em sua dimensão social & Maiakovski esqueceu do poder de desconstruir da arte, como ilustrou endogenamente Roberto Piva: “arcanjos de enxofre bombardeiam o horizonte através dos meus sonhos”. Está é a aposta da Arte Anarcofágica. _08 Barry ReigateTower O INTELECTUAL ANARCOFÁGICO Eu me contradigo? Pois muito bem, eu me contradigo, sou amplo, vasto, contenho multidões. Walt Whitman O Intelectual Anarcofágico é multidisciplinar & apela mais para a aparência das argumentações do que as suas consistências lógicas – acreditando que mais vale a beleza das ideias do que a coerência com a realidade absolutizada pela razão, como manifestou Charles Bukowski: “não confio muito nas estatísticas, porque um homem com a cabeça dentro de um forno acesso & os pés no freezer, estatisticamente possui uma temperatura média”. As armas de combate dos Anarcofágicos é a Arte Anarcofagica, a Ciência Experimental, o Ensaísmo Lírico & o Humor Contundente. Os Anarcofágicos não representam um grupo de esquerda & acreditam que “se a revolução não servir para dançar e rir, não será nossa revolução”, como escreveu Bob Black, um Groucho-Marxista. _09 Wassily Kandinsky ARQUI-INIMIGOS & ALIANÇAS 1ª Lei Absoluta: PATAFÍSICA- Tudo é decidido pela imaginação e não pela razão. 2ª Lei Não Absoluta: Não encher as caras aos domingos. Quem quer fazer sentido? A realidade é relativa; A Fantasia é bem melhor; Arte, Poesia e Loucura. 3ª Lei Absoluta: Usar LSD. 4ª Lei Absoluta: Enlouquecer a Política. 5ª Lei Absoluta: Nenhum tipo de censura. Mandar as preposições e a gramática pro inferno! 6ª Lei Absoluta: O que fazer em casos de incêndio? Deixe queimar! 7ª Lei Absoluta: Jogar uma garrafa de conhaque no Delírio Coletivo 8ª Lei Absoluta: DELIRAR. 9ª Lei Absoluta: Assassinar a monotonia causada pela razão. Leis Absolutas do Delírio Coletivo - Por Fada Verde Arqui-inimigos & alianças são deliberações dos Anarcofágicos. Aos arquiinimigos oferecemos extermínio argumentativo & às alianças oferecemos ajuda apologética de suas bandeiras & causas. O Intelectual Gramsciano é um dos arqui-inimigos dos Anarcofágicos – defendem certos princípios & acreditam dogmaticamente em somente uma forma de mudança social, geralmente doutrinados acriticamente pelos que se dizem críticos. O Niilista também é um dos arqui-inimigos dos Anarcofágicos – por fazerem covardias com suas existências. As alianças são com os Antiproibicionistas – entendendo os direitos humanos & os anseios libertários da percepção -, & com os Discordialistas – responsáveis por operações como Salve os Anões de Jardins & Mindfuck (criação de uma zona onde a normalidade e o comum sejam suspensos e trocados pelo anormal e incomum). _10 Billy Shire MILITÂNCIA & REIVINDICAÇÕES Não é o medo da loucura que nos vai obrigar a hastear a meio-pau a bandeira da imaginação. Manifesto Surrealista – André Breton As bandeiras & reivindicações são renovadas pelos Anarcofágicos com frequência & cada Anarcofágico tem a liberdade de escolher se vai militar por elas & quais vai adotar, assim como propor a inclusão de novas. Os Anarcofágicos defendem a cultura popular, o folclore, o jardinismo da área urbana, a transformação de praças publicas em centros de cultura & arte, as terapias naturais & artísticas, os direitos humanos, o antiproibicionismo, a flexibilidade da língua, o zombar filosófico - "zombar da filosofia é realmente filosofar", como escreveu Blaise Pascal (1623-1662) -, o culto da percepção & da sensibilidade, a ventilação da arte & a democratização da dimensão artística da vida cotidiana. Os Anarcofágicos reivindicam: uma edição higienizada & conservada do Kama Sutra para as próximas gerações, cotas para desenhos infantis que reproduzem músicas clássicas, o fim da avaliação valorativa (de 0 a 10) propondo a promoção das avaliações adjetivas, a proibição moral de dar nós nas sacolas – responsável por significativa caraga de stresse da humanidade -, & a liberdade do compositor brasileiro - “aí chegou o gringo com o sequencer para prender o músico brasileiro na camisa-de-força do metonímico 4/4 rock-pop-box.'' como escreveu Tom Zé. http://anarcofagia.com/ _11 Quando você pensa que o nada É alguma coisa Você está certo Se você estiver errado (Pseudos Poemas Poéticos - Milton Diogo) Lutei contra a opressão Perdi Agora vamos todos ficar quietinhos e assistir novela das oito. (Pseudos Poemas Poéticos - Milton Diogo) Santa hipocrisia! Santa sim, Porque hoje Encontrei um de seus devotos. (Pseudos Poemas Poéticos - Milton Diogo) Dizer que alguém é comunista É coisa de comunista Na verdade, todos somos comunistas Mas não diga a ninguém Ou dirão que isso é coisa de comunista (Pseudos Poemas Poéticos - Milton Diogo) A medida do amor É um quilômetro vezes Vinte luas cheias (Haicais - Milton Diogo) Atrás da mesa O cientista anota Coisas do mundo (Haicais - Milton Diogo) _12 Começo (William Gomes) parágrafo para grafar o vácuo que sobra do pensamento para pensá-lo modelo para moldar o modo de criar o quê para fazer preliminar para eliminar a tensão e relaxar para gozar prólogo para logo alongar o enredo para lê-lo lagarta para largar a terra e o céu pintar para alar acender para entender o que não sabia paradiafonia acordar para nascer, crescer, reproduzir, morrer para viver. Fim (William Gomes) O vaso ao chão quebrado Fragmentos de multissonhos Agora jaz sem dono Por todos os lados afiado Ainda na mente intacto Enquanto de vácuo se compor Parado, de curvas formato Oh, não era um vaso! Amor. _13 disse o gringo meio a poesia popular de roda (André HP) hai cai cai haicai garfadas da anti-etiqueta (André HP) tê quê tê de lê lê bó gô dó bó gô dó tá lu hy ré ró rú ca ki ke ká ká bló tú bú tú bló gá bá yê bá yê gá a mulher que tirou a virgindade de einstein (André HP) não deve ser só no mundo imagético que trabalhar é patético hackers (André HP) meus anti-heróis (de infância) morreram de lordose mac maiakovski (André HP) orações subordinadas foram coordenadas ao comunismo matei meu amor – para Juliana Zavadzki (André HP) engatilho beijos: o coração dispara _14 O capitalismo capeta de careta. Kaput. Cabeça. Falo a nos foder na entrada das origens. O capital é a relação que encabeça nossas relações. Nunca se sabe quem é realmente que está sofrendo decapitado… Quero o vulvalismo-lesbinista! Quero o clitoricismo crítico mais vaginal! E, última etapa de uma história escatológica, quero o comunismo real que nunca existiu: o anal-cúmunismo! Cúmulo da alegria deslumbrada que pulsa em passeatas coloridas pelo mundo. Delírio na ponta dos dedos femininos (dedos sábios experientes de vivenciar penetrações várias e carícias delicadas) Supremo fio-terra do qual fogem todos os machos com medo de desenrustir. (Rodrigo Lobo) No lixo sepultamos as maiores vergonhas, os maiores pecados, os poemas de amor que fracassaram, coração avariado. Sou: logo entulho (Rodrigo Lobo) No currículo cristão, inquisição sem camisinha. No currículo científico, duas explosões cancerígenas. Igualando as fichas criminais, o mesmo caráter quixotesco de cruzada bárbara contra bárbaros inexistentes. A Verdade, em suma. E em sumo amargor. O único parâmetro universal é a bomba atômica. Não se discute com a racionalidade radioativa. Um artefato acionado por botão vermelho pode pôr fim ao humano: mesquinharia que um dinossauro não compreenderia no medroso vasculhar do céu em detecção de asteróide colisor. Na cultura das baratas sobreviventes o big bang será representado por um cogumelo nuclear e o pecado original será a degustação de ogivas. (Rodrigo Lobo) _15 O que você esconde no armário? (Frico) Eu escondo uma gárgula, um cadáver, e um menino de 10 anos. Mas penso em libertá-los em breve. Po-los pra correr me fará muito bem. Aos nervos e as neuras que pesam em minhas pobres curvas costas. Escondem sexualidades nos armários, via de regra. Medos de fracasso, vontades de matar e de se matar. Amor por mãe, pai, irmão, irmã e por freiras bonitas Vontade de largar o emprego e ser vagabundo Pequenos pecados que ninguém liga. Pequenos desejos que todos têm. Escondem-se nos armários amigos invísiveis Sonhos previsíveis Amores proibidos e porres homéricos inibidos. Uma garrafa de bourbon, fotos, veneno de rato. Do artista quando jovem, um retrato. Mas ei de libertá-los, torná-los tão comuns. Quando a felicidade parece ser em comerciais Tão comuns quanto a vitória parece ser na televisão. Torná-los tão comuns como peitos siliconados e sucesso. Até que ser um fraco seja ser homem. E ponto. Correr sem peso extra é muito mais fácil. Milton Diogo http://abrindo-aspas.blogspot.com/ William Gomes http://william-gomes.blogspot.com/ André HP http://anarcofagia.com/sss/ Rodrigo Lobo http://nadadireito.wordpress.com/ Frico http://www.punkbrega.com.br/ _16 Morada do Nada Por longos anos eu freqüentei aquele lugar. Naquele templo que julgava sagrado, no qual o tempo não conseguia apagar. Um dia, entre lamentações, eu acordei do meu longo torpor. Enquanto o sarcedote pregava, eu tentava curar minhas chagas. Porém, elas nunca sequer existiram. O medo, pai da moralidade, doutrinava e ordenava que eu sempre voltasse para aquele local. Logo percebi que tudo não passava de um mal entendido, tudo era uma loucura coletiva, o tudo não existia… Quando minha consciência me mordeu, percebi minha estupidez. No ápice do culto ao absurdo, todos alimentavam suas imaginações com ilusões e todos felizes cantavam um nome em vão… a filosofia, a ciências e a religião são interpretações desse nome! Levanto-me e subo no altar! Entre choros e bravatas eu profano aquele lugar: - Somos tolos! É isso que somos… mas que piada! Não percebem que estamos na morada do nada. Esse é um não-lugar. Eis o que devemos louvar!? Do nada nascemos e para ele voltaremos… Entre uma tempestade de vaias, protestos e agressões, fui embora e nunca mais voltei. Desde então descobri que dentro da nossa insignificância, existimos por tudo que sonhamos, e buscamos, porém, sem fazer idéia, somos. Inã Cândido http://sagaz.wordpress.com/ _17 Crime e Castigo, de Fiodor Dostoiévski de sua família. De certa forma, o jovem se sensibiliza com a história do homem, chegando a lhe O que leva uma pessoa a cometer um crime? Pobreza, situação social, vontade, superioridade, ganância? E qual é a conseqüência desse crime? Podemos listar diversos casos onde o criminoso era um psicótico que não conseguia parar de matar ou um pai de deixar dinheiro para amenizar seus problemas. Mas a crítica à postura do bêbado permanece. Raskólnikov sente a escória que envolve Marmeládov ao mesmo tempo que entende a exploração à sua família para conseguir o que sacia suas vontades. Há nesse trecho uma família, tentando conseguir comida para os fil- batalha entre o certo e o errado, entre valores hos. E as conseqüências podem ser prisão, de Raskólnikov que se embatem antes dele morte, ou até liberdade sem nenhuma suspeita. cometer o crime. Dependendo do caso, tudo ou nada pode aconte- O ex-estudante, inteligente e orgulhoso, cer. A reflexão sobre o que decide assassinar leva alguém a cometer um crente de crime e o que acontece fazendo um bem às pess- com essa pessoa é o que oas que faziam negócios Fiodor Dostoiévski faz em com um de seus mais famosos jovem que é um acabou de em São esse crime que permeia todo o resto da narrativa de Peters- tempo longe da família e monta em Dostoiévski, mostrando sua quanto apreensão à descoberta de seu ato e com dificuldades financeirele também mal. É a reação dele a burgo. Vivendo há algum as, Mas er boa que nunca lhe fez abandonar a faculdade de direito ela. estaria mata sua irmã, uma mulh- romances, Crime e Castigo. Raskólnikov que velha, como sua esse mente um plano para con- agia seguir Alióna mente. Ivanovna, uma velha que penhora objetos de ainda mais receoso de ajuda, fechado e ran- valor, é escolhida para ser sua vítima, uma mulh- zinza, vendo o mundo de forma mais vil en- er rabugenta que arranca dos seus clientes até o quanto tenta se desligar do ocorrido, tornando-o último fiozinho de ouro. Nos primeiros capítulos um acontecimento sem importância. Aqui surge do romance, dividido em dois volumes na edição Razumíkin, ex-colega e amigo do protagonista dos Clássicos Abril Coleções, vemos a o assas- que procura ajuda-lo, mas vira alvo de suas dinheiro. sinato apenas na cabeça de Raskólnikov, com ele verificando cada passo que deve fazer e instrumentos que tem de usar para colocar em prática o seu plano. Podemos considerar Raskólnikov um homem certo, solidário e justo. Percebe-se isso na cena em que o estudante fala com Marmeládov, o bêbado no bar, que lhe conta a desgraça em nervosismo seu corpo Raskólnikov e fica grosserias. Uma das “boas” personagens da trama que, apesar do tratamento que lhe é dispensado, não deixa de zelar pelo amigo. É importante ressaltar a forma com que Dostoiévski narra, permeando a história com tramas paralelas, fazendo suas personagens se perderem em raciocínios que dão voltas na cabeça _18 do leitor, mas que sempre retomam o tema prin- com quem alivia seus temores e confidencia o cipal do livro. Por meio de diálogos e transcre- crime. vendo pensamentos, o as Mas na cabeça do protagonista ainda há personagens, mostrando seu real caráter e con- a duvida quanto ao que fez. Sua teoria do assas- duzindo a trama com seus apontamentos. Certa- sinato por um bem maior, uma transgressão ne- mente, uma forma bem cansativa de narrar que cessária, é verdadeira ou ele deve se jogar à tira as forças do leitor, mas vale a pena pelo culpa, ver que o que fizera era, em todos os sen- estudo personagem, tidos, um crime? Ele merecia ser severamente servindo como crítica e reflexão do comporta- punido por isso? Dostoiévski se estende minu- mento humano. ciosamente em todos os pensamentos das per- aprofundado autor de caracteriza cada Deve-se destacar a passagem em que sonagens, principalmente aos do jovem Raskólnikov visita Porfíri, o inspetor que invest- assassino. E também cria diversas tramas que iga o caso, e a discussão entre os dois sobre a trabalham valores e moral do homem que incre- existência do ato criminoso. Ali o autor expõe a mentam ainda mais a história. explicação moral que seu protagonista encon- Crime e Castigo é denso, demorado, e trou para se inocentar do assassinato, a brecha por vezes confuso por conta das voltas que que lhe permitiu matar Alióna Ivanovna. Em todo momento, percebe-se a semelhança entre os “homens extraordinários” de um artigo de Raskólnikov, aqueles que matam e se "Não digo que a leitura é orbigatória por ela ser um clássico, mas por tratar as personagens de forma tão completa." Dostoiévski dá com suas tramas paralelas. São muitas personagens e diversas histórias que transportam o leitor para principal, longe mas da que ação ao mesmo tempo acrescentam tornam mártires, e ele mesmo. Enquanto explica mais à compreensão de quem é Raskólnikov. Ele sua teoria, ele se sente preso ao pensar que to- cria uma personalidade forte e faz o leitor en- dos na sala sabem que ele é o assassino. tender o que o ex-estudante pensa e faz. Todas Nervoso, Raskólnikov tenta se manter frio e im- as criações de Dostoiévski são ricas, seja em passível para demonstrar pouca ligação com o suas ações ou em seu psicológico, que montam ocorrido. Não se tem certeza se esse medo é uma trama onde cada pessoa tem sua importân- fruto de seus delírios e desconfianças, ou se as cia. Não digo que a leitura é obrigatória por ela autoridades realmente suspeitam de sua parti- ser um clássico, mas por tratar as personagens cipação no crime. de forma tão completa. No início do segundo volume o foco sai de cima de Raskólnikov, com uma grande passagem falando da morte de Marmeládov e a relação do jovem com a família do finado. Sem falar no embate entre Raskólnikov e o noivo de sua irmã, a quem odeia e não aprova o casamento. Aí também cria-se uma intriga entre os dois e a prostituta Sónia, filha de Marmeládov, que tira dos olhos do leitor o assassinato de Alióna Ivanovna e os volta para sua família. Raskólnikov se mostra mais são, principalmente Taize Odelli http://rizzenhas.com/ por estar em constante companhia de Sónia, _19 Texto: Frico. Ilustrações: Ale Kalko. http://www.punkbrega.com.br/ Encostado no telescópio Hubble, Olavo Bilac aprecia seu Marlboro Lights enquanto amargura-se em plena nostalgia celestial, entorpecido de vinho diz ao vento: - Sinto o que desperdicei na juventude; Choro, neste começo de velhice, mártir da hipocrisia ou da virtude, os beijos que não tive por tolice, por timidez o que sofrer não pude e por pudor os versos que não disse! Oswald de Andrade andava de um lado pro outro cronicamente agitado. Ao ver a esquizofrênica nostalgia do velho poeta aproximou-se como uma cobra perante um velho sapo sábio. - Dê-me um cigarro. Ó grande ourives das poéticas mundanas! Com elegância inigualável, Olavo Bilac deslizou o cigarro na borda do cinzeiro e lançou seu olhar por cima dos óculos dependurados no nariz e disse: "(...) Se quiserem fumar existe um fumódromo lá embaixo. Vão pedir isqueiro para Lúcifer! Vocês poetas são subversivos onde quer que estejam. (...)" - Onde está o modernista violentador das normas. É por que estás diante de Deus ou por que apenas queres um cigarro de um teimoso parnasiano? Só assim para que uses da gramática formal. Onde estás o mulato da nação brasileira? Ousa-te! Chamas a mim de sapo aguado! Encabulado Oswald de Andrade abaixou a cabeça no momento em que Olavo Bilac lhe estendia entre os dedos, um cigarro cintilante. O modernista tomou o cigarro e logo ateou fogo. Enquanto divagava e gozava do entorpecente, Deus aproximou-se furioso ao lado de seu Pitt Bull chamado A Besta e gritou-lhes o novo mandamento: - É expressamente proibido fumar no céu. Se quiserem fumar existe um fumódromo lá embaixo. Vão pedir isqueiro para Lúcifer! Vocês poetas são subversivos onde quer que estejam. Ao ouvir a discussão, Vinicius saiu em defesa dos poetas: - E vocês profetas são autoritários onde quer que estejam. Eu não agüento mais isto aqui. Estas anjinhas são uma delícia, mas porra; bossa nova gospel, não pode fumar e ainda por cima não tem whisky, só essa porra de vinho velho! Tô indo nessa,vou me encontrar com Neruda e Lúcifer! Deus tentando consertar as coisas, vendo o prejuízo entre suas ovelhas disse: - Até você Vinicius. Você era da juventude cristã, que decepção. _21 Ainda há tempo de se ajoelhar perante a mim, e pedir perdão. Vinicius dando risada seguiu seu caminho cantando. “Às vezes quero crer mas não consigo. É tudo uma total insensatez...”. Oswald e Bilac foram com ele. Aí Deus olhou em sua volta, analisando o seu rebanho e como sempre justificou a si mesmo sua tirania pelos poetas não saberem o que fazem. Então Deus continuou sua ronda repressora noturna, e ao chegar perto da recepção do paraíso, deparou-se com Leminski bêbado de vinho, com um baseado na boca e flertando duas anjinhas. -Eu sabia que não deveria ter deixado entrar aqui Paulo. -Porra Deus, qual é? Vamos conversar num plano histórico e não necessariamente religioso. Essa tua força é uma conseqüência do pioneirismo revolucionário através de uma estrutura chamada linguagem, que nasceu das infladas palavras de Sócrates e desembocou numa miséria tanto social quanto intelectual, te tornando uma figura arraigada pré-clássica com redescobrimentos metafísicos, políticos e necessidades estruturais na pós-modernidade frívola e entorpecida por mistérios como este e outros. Quando começo escrever, sumo no texto _22 O Outro Lado da História: Os Três Porquinhos Quando ouvimos a história dos três por- tudo isso é que a midia tratou a queda da casa como culpa do lobo, mostrando os bastidores sujos do interesse da burguesia. quinhos somos transportados a um mundo da lit- Na segunda casa, a mesma coisa aconte- eratura infantil onde o bem prevalece sobre o ceu. O lobo, não contente com a distribuição mal, certo? Errado. Aqui, vamos desmistificar es- desigualitária de terras, invade a segunda pro- ta triste história transvestida em conto de fadas. priedade do porco do meio. Os fatos que ocorr- O começo da história revela que os por- em são os mesmos do paragrafo anterior. cos vêm de uma elite burguesa, permitindo ao Novamente a midia fica a favor de quem tem ganho do capital de suas mães para construir posses. suas respectivas residências. É provável que O terceiro porco, morador da casa de ti- eles não tenham usado o financiamento da jolos, e mais instruido, colocou capangas em torno da sua propriedade. Caixa para a casa própria. segundo O lobo, sedento por um cenário, apenas o suíno bacon e tentando sua ter- mais graduado ceira investida, foi escur- em Engenharia Civil, con- raçado e sumiu do mapa, sequentemente só ele po- segundo os próprios por- deria assinar um projeto. cos. Não há dúvidas que O mais novo é um hippie foi que quer estar em con- com o líder do MST da tato floresta. No velho com usando é a como natureza, queima de arquivo O final todos sabem: lá matéria- prima de sua moradia a palha. O segundo, estavam os três porcos 'morando junto' (pois o malandro que é, aproveitando o corte ilegal de que sai na midia não significa que é verdade) e arvores na Amazonia, e que por isso é 'isenta' brincando no mercado de ações, com seus de impostos, constrói sua casa de madeira. Já o charutos e vinhos refinados. bacharel em E. Civil constrói sua casa de tijolos. MST, MORAL DA HISTÓRIA: a elite social sempre tenta invadir o latifundio dos poderosos suínos e abafará o proletariado. A reforma agraria será come-los. Comer no sentido literal mesmo, pois um sonho enquanto não tivermos leis duras con- são de espécies diferentes. tra os donos de propriedades de muitos hec- O lobo mau, representante do O primeiro porco demonstra como a luta tares. O padrão de consumo de um bacon de classes é um mal a ser combatido, usando o suculento imposto por marcas como Batavo, nome da familia mais poderosa da floresta (a le- Sadia e Frimesa, faz com que os menos des- onina) a seu favor. Resultado: após um vendaval favorecidos estejam a mercê da práticas ilicitas forte, frequente da estação em que a história se em busca de um prazer que não lhes é propor- passa, o pseudo-hippie saiu combalido, pedindo cionado. arrego ao irmão do meio. O interessante de Dhiego Tchmolo http://musgosabordeenchete.blogspot.com/ _23 Irmãos Marx http://www.youtube.com/watch?v=6DxxA8wvuaQ