Texto Inforel FARC E O BRASIL

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Texto Inforel FARC E O BRASIL
A Natureza das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia:
Organização Criminosa ou Terrorista?
Marcus Vinícius Reis1
A Guerrilha na Colômbia
Colômbia é um país que sofreu, e ainda sofre bastante com o crime e a com
a guerrilha. Até meados do século XX, a violência era constituída por uma sangrenta
disputa entre dois partidos: O partido Conservador e o partido Liberal. O grande evento
que marcou a disputa entre esses dois grupos políticos foi a guerra dos mil dias (18991902), que começou como um conflito armado tradicional, mas terminou como uma
guerra de guerrilha. Ao fim dessa disputa houve um período de relativa paz no território
colombiano - até 1948 -, quando Jorge Eliécer Gaitán2, candidato a presidente da
república pela frente dissidente do partido Liberal , chamada UNIR (União Nacional da
Esquerda Revolucionária), foi assassinado. Após esse fato, inicia outra era de extrema
brutalidade, chamada de La Violencia, que durou 16 anos e levou milhares de vidas.
Esse conflito, La Violencia, segundo SPENCER (2011)3, estava
concentrado no interior do país, deixando de fora as grandes cidades. Mas essa situação
de instabilidade rural e a dinâmica de crescimento das grandes cidades foram condições
necessárias para o surgimento de um conflito irregular denominado guerrilha e que se
alastrou por quase todo o território colombiano nas futuras décadas. Assim, apesar do
sucesso de um acordo para cessar a violência partidária denominado Frente Nacional
(1958-1974)4, no interior do país organizava-se a insurgência em nome de outras causas,
como a implantação do socialismo.
A insurgência emerge principalmente nos anos 1960, aproveitando o acordo
materializado pela Frente Nacional, direcionado às grandes cidades, e também o vácuo
1
Marcus Vinícius Reis é Advogado, bacharel em Direito, mestre em Economia (UnB) e mestre em direitos
fundamentais com foco em conflitos armados (Universidad Carlos III de Madri). Especialista em Terrorismo e
Insurgência, bem como em Combate ao Crime Organizado Transnacional, ambos pela National Defense University
(Washington, EUA), Center for Hemispheric Studies of Defense (CHDS), com Certificação em Terrorism Studies pela
University of St. Andrews, Escócia. É professor do Senado Federal no curso Segurança e Defesa, com foco no estudo do
terrorismo e inteligência, bem como professor da Secretaria de Segurança Pública do DF e da Secretaria Nacional de
Segurança Pública (SENASP) das disciplinas Antiterrorismo e Contraterrorismo.
2
A partir de 1945 Gaitán se empenhou e logrou sucesso na mobilização popular, tentando acabar com a divisão entre os
partidos tradicionais colombianos. Com seu assassinato e a conquista do poder pelo Partido Conservador, que implantou
um programa de governo inimigo da democracia liberal, inicia-se grande revolta popular e o choque de classes com
ondas de extrema violência na sociedade colombiana. Esta fase foi denominada La Violencia, onde morreram
aproximadamente 200.000 pessoas e foram cometidas atrocidades comparáveis à Guerra Civil Espanhola (PÉCAUT,
2008).
3
SPENCER, David. Colombia’s Road to Recovery: Security and Governance 1982-2010. National Defense University,
Center for Hemispheric Defense Studies, 2011.
4
Quando as elites dos dois partidos, Liberal e Conservador, decidem dar um fim ao governo do general Rojas Pinilla, e
instituem uma fórmula de repartição de poder que beneficia esses dois grupos políticos. Este acordo denominou-se
Frente Nacional.
de poder no campo. Guerrilhas começam a se alastrar por diversos pontos do interior do
país, incentivadas e treinadas com apoio do Partido Comunista Colombiano, do Exército
Popular de Liberação e do Movimento 19 de Abril (M-19). Esses movimentos conseguiram
certa tranquilidade para crescerem em regiões onde o Estado não estava presente.
Essa despreocupação governamental com o interior do país também foi
essencial para o crescimento do crime organizado, que associado às ótimas condições
climáticas e de terra, bem como ao incremento no consumo de drogas nos EUA e Europa,
tornaram a Colômbia um dos maiores produtores de entorpecentes do planeta,
especialmente cocaína.
Diante dessa situação de falta de governança em muitas regiões,
especialmente no campo, diversos grupos guerrilheiros surgiram na tentativa de
transformar a Colômbia em um estado socialista ou, inclusive, em liberar parte do território
para a formação de outro Estado. Assim, grupos como o M-19, Exército de Liberação
Nacional (ELN) e Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) tornaram-se
cada vez mais organizadas, representando o desígnio de formação de um contra-Estado
ou da secessão do Estado colombiano.
O M-19, ou movimento 19 de abril, foi um grupo politizado e com diversos
membros das classes média e alta, bem-educados e viventes das cidades. Era um
movimento aberto à negociação e buscava apoio político para um giro ao comunismo de
forma institucional. Entretanto, o governo colombiano cessou as negociações com esse
bando nos anos 1980, o que frustrou em muito as expectativas do movimento, que
imediatamente radicalizou suas ações. Em novembro de 1985 o M-19 tomou a Corte de
Justiça em Bogotá, matou 12 de seus 15 juízes e dezenas de funcionários. Esse evento,
apesar de grandioso, desacreditou o M-19 perante a opinião pública e deixou o governo
com uma “carta branca” para acabar com esse movimento, o que ocorreu nos anos
seguintes.
O ELN, Exército de Liberação Nacional, grupo guerrilheiro criado em 1965,
possui inspiração no foquismo cubano. Entendiam seus líderes que com o
estabelecimento de focos de guerrilha pelo interior do país seria possível a tomada do
poder na Colômbia em um prazo razoável. A maior fonte de recursos desse grupo
provinha da extorsão de companhias petrolíferas que atuavam no país, como se fosse a
cobrança de um imposto revolucionário. Esse grupo sofreu muito com a política de
segurança democrática de Uribe e conta atualmente com pouca força política e militar.
As FARC foram criadas oficialmente com este nome em 1966, mas ainda em
1964 houve um evento - o ataque do Exército a Marquetalia5 -, que esse grupo terrorista
apresentaria com o fato fundador do bando6. Criaram um partido, em 1985, chamado de
partido da União Patriótica (UP) e conseguiram grandes vitórias nas urnas em 1986.
Entretanto, as FARC não acreditavam na tomada do poder de forma democrática
somente, motivo pelo qual incrementavam cada vez mais ações violentas no interior do
país7. A perseguição governamental aos políticos da UP foram o pontapé para a
5
Essa região do território colombiano tinha grande influência do Partido Comunista e de grupos castristas. Foi
considerada uma república independente pelas lideranças da Frente Nacional, com a determinação de intervenção do
Exército para reconquista desse território. A resistência a essa operação militar foi considerada pelas FARC como seu
marco fundante. Ainda não se chamavam Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, mas Bloque Sur.
6
PÉCAUT, Daniel. Las FARC: uma guerrilla sin fin o sin fines? Grupo Editorial Norma, 2008, p. 23.
7
Conquistar o poder pelas duas vias: militar e política.
1
reestruturação das FARC não somente como grupo guerrilheiro, mas também como um
exército paramilitar, com hierarquia e uniforme, denominado Exército do Povo (FARC-EP).
A formação desse exército demandou recursos humanos e financeiros,
equipamentos e treinamentos. A necessidade de soldados foi suprida por uma campanha
massiva de recrutamento pelo país, inclusive recrutamento forçado. Os recursos
financeiros foram conseguidos por alguma ajuda estrangeira e pela associação com o
crime organizado na produção e distribuição de drogas e com o dinheiro obtido pela
extorsão e pelo sequestro de pessoas. Equipamentos e treinamento foram
disponibilizados por outros países e grupos simpatizantes da causa das FARC, bem como
comprados com os recursos adquiridos do crime.
Nos anos de 1990, as FARC chegaram a possuir um exército de 17.000
homens8, uniformizados, treinados e equipados, como se fossem forças militares
convencionais. Entretanto, com a eleição de Álvaro Uribe9, no início dos anos 2000, as
FARC experimentaram uma fase de declínio que se prolonga até os dias atuais, contando
com aproximadamente 9.200 homens, segundo o Ministério da Defesa colombiano, e
dificuldades de recrutamento e de aquisição de recursos financeiros, o que forçou esse
grupo a aceitar o processo de paz proposto pelo atual presidente colombiano, Juan
Manuel Santos10. Segundo SPENCER (2011)11, cinco fatores foram decisivos para esse
momento histórico colombiano: 1) liderança, em especial a de Álvaro Uribe, em confrontar
a guerrilha; 2) consenso político em torno da necessidade em combater a guerrilha; 3)
incremento da força das instituições democráticas; 4) ajuda dos EUA; e 5) incapacidade
de a guerrilha adaptar-se às mudanças realizadas pelo governo.
Crime Organizado e Terrorismo
As organizações terroristas também cometem crimes, mas são diferentes do
crime organizado. A ação criminosa dos terroristas tem o escopo de intimidar governos e
sociedades. Seus objetivos são políticos, como a mudança de regime, a mudança de
território, a mudança de atitude política de determinado Estado, a mantença de status quo
de determinado grupo ou a intimidação a minorias sociais.
Ainda que seus caminhos possam se cruzar, e se cruzam, são organismos
essencialmente distintos. Mas, devem atualmente ser estudados de forma conjunta, tendo
em vista que uma pode utilizar-se da outra para a consecução de seus objetivos. Um dos
motivos dessa associação é a dependência operacional existente entre um ente terrorista
e uma organização criminosa para o fornecimento de documentos falsos, transporte,
8
Conforme dados do portal http://www.infolatam.com/2010/09/23/colombia-datos-y-hechos-claves-de-las-farc/,
acessado em 29 de novembro de 2013, às 14h30.
9
Candidato antioquenho que pregou o enfrentamento às FARC e que com esse discurso venceu as eleições de 2002,
sendo reeleito em 2006, permanecendo no poder entre 2002 e 2010. Uribe se afastou da tentativa de acordo com as
FARC, que ocorreram nos governos anteriores de Cesar Gavíria (1990-1994), Ernesto Sampler (1994-1998) e Andrés
Pastrana (1998-2002), partindo para uma agressiva campanha militar e política, chamada Seguridad Democrática,
contra esse grupo criminoso e terrorista.
10
Há que ter cuidado, pois como as FARC encontram-se mutiladas do ponto de vista financeiro e militar, participar de
um acordo de paz pode significar mais tempo para se recuperar e voltar a ganhar operacionalidade.
11
SPENCER, ibid.
2
comunicação, armas, explosivos, munição e outros bens e serviços. A existência dessa
demanda por bens e serviços ilegais justifica o aparecimento de grupos dispostos a
ofertarem essas necessidades, em especial pelos vultosos ganhos existentes nesse
mercado.
Muitas vezes, as organizações terroristas mantêm contatos com grupos de
crime organizado para a arrecadação de fundos destinados aos atentados. As FARC, por
exemplo, até o controle de grande parte da atividade de tráfico de drogas na Colômbia,
eram conhecidas por dar proteção aos traficantes12 e receber dinheiro por esse
serviço, utilizado no planejamento e obtenção de meios em atentados terroristas13.
Autoridades colombianas também reportaram a associação que existiu entre o Cartel de
Medelin e o Exército de Libertação Nacional (ELN), em que estes contrataram o Cartel
para a inserção de carros-bomba em 1993 naquele país14.
O grupo Talibã, no Afeganistão, atua de forma similar15. Grupos radicais
islâmicos nesse país operam no comércio ilegal de ópio16, arrecadando fundos para suas
ações. Outro exemplo são as organizações criminosas responsáveis pelo tráfico de
pessoas e imigração ilegal, assim como tráfico de armas que atuam nos Balcâs, onde
grupos de traficantes de armamentos e pequenos explosivos negociam seus produtos
com organizações terroristas, como o Exército Republicano Real Irlandês, Exército de
Liberação de Kosovo, a Legião Estrangeira em Skopje e Anarquistas Gregos17. Também
podem prover explosivos e armas a grupos terroristas, como os Cartéis russos,
tradicionais fornecedores de armas às FARC.
Na atualidade, sabe-se que organizações terroristas mantêm células ligadas
ou controladoras de organizações criminosas. Estas organizações visam ao lucro, mas o
dinheiro arrecadado é muitas vezes repassado aos terroristas para o financiamento de
suas atividades de pressão política.
Por todo o exposto até o momento, reiteramos que não se pode mais
separar a análise conjunta desses dois entes pelo grande intercâmbio de interesses entre
eles. Terroristas pagam muito bem pelos serviços fornecidos por organizações criminosas
(pessoas, armas, explosivos, dinheiro, proteção etc.) e, arriscaria dizer, que cada vez
mais serão controladores desses grupos com o escopo de reduzirem seus custos.
Ao pensarmos que organizações terroristas necessitam de explosivos, de
armas, infiltrar pessoas no Estado alvo, lavar dinheiro, i.e., podemos perceber que esta
12
Como a conhecida relação entre o aliado de Pablo Escobar, Sr. Gonzalo Rodrigues Gacha, e as FARC. Enquanto esta
cultiva a coca, o grupo de Gacha compra a matéria-prima e a transforma em cocaína.
13
Os atentados da Guerrilha e do crime organizado estabeleceram níveis surpreendentes de violência na Colômbia, com
a cifra de 90 homicídios por 100.000 habitantes em 1991 (PÉCAUT, 2008, p. 54).
14
MAKARENKO, Tamara. The crime-terror continuum: tracing the interplay between transnational organised crime
and terrorism. IN: Global Crime, vol. 6, n.º 6, february 2004, pp. 133.
15
CNN.com, “U.S.: Afghan Drug Trade Funds Taliban” (February 29, 2008). Available at
http://www.cnn.com/2008/WORLD/asiapcf/02/29/narcotics.report/index.html. (accessed July 12, 2009); Veja também
LABROUSSE, Alain, “The FARC and the Taliban’s Connection to Drugs,” Journal of Drug Issues, 35 (2005), 169184.
16
Informação disponível no site http://www.trackingterrorism.org/article/transnational-crime-and-terrorism-organizedcrime, em 12 de setembro de 2013, às 10h30.
17
ARSOVSKA, Jana e KOSTAKOS, Panos. Illicit Arms Trafficking and the Limits of Rational Choice Theory: The
Case of the Balkans, Trends in Organized Crime. 11 (2008): 352-378.
3
demanda atua como causa para a formação de uma aliança comercial entre o crime
organizado e organizações terroristas. Estas participam com os recursos e aquelas com
os produtos ilegais a serem utilizados em um atentado terrorista.
As causas da gênese de organizações terroristas e de organizações
criminosas são diferentes. Ideologias e condições sociais, econômicas, políticas,
religiosas existentes em determinada sociedade podem ser responsáveis pela formação
de grupos terroristas. Oportunidade financeira é a causa de formação de grupos
criminosos. Entretanto, isso não significa que essas organizações não tenham algo em
comum. Possuem na verdade muitos interesses complementares e por isso há a
necessidade de os Estados acompanharem com intensidade essas organizações18.
Além dessa relação comercial entre essas organizações, podemos também
citar a transmutação de uma em outra. Muitas vezes uma organização terrorista pode
atuar como uma organização criminosa, especialmente na tentativa de angariar recursos
para seus atentados. O farto dinheiro que essas organizações dispunham durante a
Guerra Fria se acabou e a fonte de recursos teve que ser diversificada19. A Guerra ao
Terror declarada pelos EUA e aliados em 2001 também fez com que essas organizações
se descentralizassem, dificultando a arrecadação de recursos.
E o contrário também pode ocorrer! Organizações criminosas que migram
para o terrorismo. Esta migração pode ser pontual, em determinado momento, para
mostrar força ou poder perante um Estado e uma sociedade, ou definitiva, quando há a
total transformação em um grupo de pressão política e ideológica.
Lembremos que em maio de 2006 o Primeiro Comando da Capital (PCC)
cometeu uma série de atentados em São Paulo, com dezenas de ônibus queimados,
delegacias destruídas, policiais mortos e quartéis da Polícia Militar atacados. Foram
ações que não visavam ganhos financeiros, naquele momento, mas exercer pressão
política pontual para a mudança do regime prisional de seus líderes. Destacamos que um
dos maiores especialistas em terrorismo, o professor David WHITTAKER, autor da obra
The Terrorist Reader, assevera a possibilidade de organizações criminosas cometerem
atentados terroristas, como se observa no excerto da obra citada20:
“A violência conduzida por uma organização criminosa pode ser caracterizada
como um ato terrorista se tal ação visa a mudar o comportamento político de
determinado governo”.
Tamara MAKARENKO (2004) traz em um trabalho interessantíssimo dados
sobre a relação entre crime organizado e terrorismo, assim como a simbiose entre estes
dois entes pode chegar até ao ponto de falta de possibilidade de identificação sobre quem
é terrorista e quem é crime organizado21. Segundo a autora, o crime organizado e o
terrorismo podem convergir até uma área que a autora chama de “buraco negro”,
impossibilitando o Estado em identificar a natureza do grupo.
Essa convergência se faz de forma natural, com as organizações criminosas
iniciando a utilização de táticas terroristas em suas ações, alternando entre ganho
18
Nesse sentido, ver o Relatório do Congressional Research Service (CRS), intitulado International Terrorism and
Transnational Crime: Security Threats, U.S. Policy, and Considerations for Congress. 18 de março de 2010.
19
MAKARENKO, ibid., pp. 129-145.
20
WHITAKKER, David J. The Terrorist Reader. Routledge Readers. 4ª ed. 2010, posição 618/9300.
21
MAKARENKO, ibid., p. 131.
4
financeiro e ganho político. Da mesma forma, as organizações terroristas também utilizam
o mercado ilegal de produtos proibidos para arrecadarem dinheiro, chegando ao ponto de
controlarem esses mercados e ao final não deixarem claro se o objetivo do grupo é o
lucro ou a arrecadação de fundos para ações terroristas.
A organização criminosa brasileira Primeiro Comando da Capital (PCC) é um
exemplo de grupo que muitas vezes atua de forma a confundir as autoridades. Age
normalmente como um grupo criminoso organizado, explorando os mercados ilegais de
drogas, armas, entre outros. Mas em 200622, como já falamos, o PCC assustou a cidade
de São Paulo com o cometimento de diversos atentados que poderíamos classificar de
terroristas, segundo grande parte da doutrina.
Discordamos sobre aqueles que pensam que o PCC já é uma organização
terrorista. Na verdade, trata-se de uma estratégia que visa mais a um ganho financeiro do
que a pressão política pela melhoria da situação dos presos no sistema carcerário. O
PCC, ao pregar a defesa dos direitos dos presos, agrega simpatizantes entre a população
carcerária, fazendo com que se torne uma grife e reduz o número de pessoas dispostas a
delinquir fora dessa organização. Isso faz com que haja o monopólio do PCC na venda de
armas e outros bens ilegais, mostrando o fim econômico23.
Sem embargo, não podemos desqualificar que naquele maio de 2006 o PCC
cometeu ações terroristas, pela pontual pressão política que desejava exercer sobre o
governo de São Paulo. Como já mencionou David WHITTAKER (2010), um grupo de
crime organizado pode cometer um ato terrorista se o seu objetivo é mudar o
comportamento político de um governo. O ato terrorista é uma tática do grupo criminoso,
sem que altere a sua natureza.
FARC: Organização Terrorista ou Criminosa?
As FARC24 surgiram como um movimento político, de caráter comunista,
com o propósito de constituir um contra-Estado e aplicar sua ideologia. Esse objetivo
político certamente insere as FARC dentro do espectro formado por organizações
insurgentes e terroristas. O fim político a que se propôs determina a sua natureza de
organização terrorista. Entretanto, a sua história mostra o distanciamento gradual de
entidade de pressão política e a aproximação com os entes criminosos, em especial a
partir dos anos 1990, que coincide com a coroação da Colômbia como um dos maiores
produtores de cocaína do planeta.
As FARC contavam com pouco apoio externo, ainda que seu caráter
22
Em maio de 2006 o PCC perpetrou uma série de atentados considerados terroristas na cidade de São Paulo. Foram 82
ônibus queimados, 17 agências bancárias explodidas, 48 policiais mortos, a sede do Ministério Público de SP
danificada, 12 delegacias de polícia e postos policiais queimados e mais de 50 civis feridos. Informação disponível em
SOUZA, Fátima. O que é o PCC?. Disponível em 06/07/2012, http://pessoas.hsw.uol.com.br/pcc.htm.
23
REIS, Marcus. Terrorismo como extensión de la actividad criminal: el caso de la organización criminal brasileira
Primeiro
Comando
da
Capital
(PCC).
National
Defense
University,
2012.
Disponível
em
http://marcusviniciusreis.files.wordpress.com/2010/06/paper-chds-tco-2012.pdf.
24
São compostas pelo Estado Maior, também chamado de Secretariado, pelos Blocos e pelas Frentes. Cada um dos 7
secretários são responsáveis por um Bloco. Cada Bloco pode ser composto por pelo menos 5 frentes, podendo chegar a
22, como no caso do Bloco Oriental. Cada Frente pode ser composta por até 200 guerrilheiros.
5
comunista a tenha aproximado da ex-URSS e de Cuba. Os fundos principais desse grupo
não eram formados por doações desses países, mas pela atividade proveniente da
extorsão e doações de simpatizantes. A partir de 1980 as FARC também começam a
atuar no mercado ilegal do sequestro e do tráfico de drogas, aumentando
consideravelmente seus ingressos e permitindo o avanço de suas ações pelo país. Assim,
as FARC atuam desde há muito tempo em uma zona de convergência entre o crime
organizado e o terrorismo, utilizando o crime como fonte de financiamento da atividade
terrorista.
A extorsão é um crime. Esta ação faz parte das táticas utilizadas pelas
FARC para a arrecadação de fundos. Era praticada contra grandes fazendas de gado, em
zonas petrolheiras e, atualmente, em zonas de mineração. Consiste na cobrança do
pagamento de um “imposto”, ou seja, um valor referente à proteção e não interferência do
grupo terrorista nos negócios alheios.
O sequestro também é uma atividade criminosa explorada pelas FARC para
obtenção de recursos. Ficou conhecido mundialmente após o rapto da Senadora e
candidata à Presidência da República, Sra. Ingrid Betancourt, em fevereiro de 2002. Mas
esse crime começa a ser perpetrado pelas FARC a partir de 1980, constando nos
arquivos policiais da Colômbia25 a cifra de 7.943 pessoas sequestradas por essa banda
criminosa entre 1981 e 2003. Entre esses milhares de sequestrados, além da exSenadora Betancourt, também podemos citar o pai do ex-Presidente Álvaro Uribe, que foi
executado durante seu cativeiro.
Por fim, o tráfico de drogas é explorado pelas FARC para o ganho financeiro
necessário a suas atividades. Essa atividade surgiu na Colômbia a partir dos anos 1970,
especialmente pelas características climáticas e de solo propícias ao plantio da coca e da
canabis, assim como pelas campanhas de erradicação que ocorriam na Bolívia e no Peru.
Nesta época, as FARC atuavam como coadjuvantes dos grandes cartéis, em especial do
Cartel de Cali e do Cartel de Medelin, fornecendo proteção aos agricultores que
cultivavam a droga.
A partir dos anos 1990, com o fim dos grandes cartéis, as FARC se lançam
na administração de todo o processo de fornecimento das drogas, desde a produção até a
distribuição da pasta base de cocaína. Em seguida, esse grupo desenvolve seus próprios
laboratórios, transformando a pasta base em cocaína pronta para ser colocada nos
mercados mundiais. Os lucros das FARC disparam e surge o termo organização
narcoterrorista26 para caracterizar essa banda criminosa e terrorista.
Mas as atividades criminosas das FARC não se resumem ao sequestro, à
extorsão e ao tráfico de drogas. O terrorismo também continua a ser foco das ações da
banda, que não se afasta de seus objetivos políticos. Com a arrecadação crescente de
recursos por causa da sua atividade criminosa, a partir dos anos 1970 as FARC
conseguem vitórias expressivas sobre as forças militares oficiais e expandem seus
territórios de controle27, somente sendo contida com a modernização das Forças Armadas
e com o apoio dos EUA através do plano Colômbia a partir dos anos 2000.
25
Polícia Nacional. Revista Criminalidad. Cálculos CGR/DES-DJS.
26
Narcoterrorismo é a associação entre droga e terrorismo, ou seja, o comércio de drogas dando o suporte financeiro à
atividade de organizações terroristas (PULIDO, 2005).
27
Segundo PÉCAUT (2008, p. 111), as FARC alcançam sua maior expressão territorial entre 1995 e 2000, chegando a
dominar 42.000 Km2, o que representa quase 4% do território colombiano.
6
Entre os grande atentados cometidos por essa banda terrorista e criminosa,
podemos citar alguns expressivos:
• Tomada da base de Las Delícias em Putumayo, ano de 1996, com
saldo de 27 mortos e mais de 60 sequestrados;
• Tomada da base de Petascoy, em Nariño, no ano de 1997, com 27
mortos e vários sequestrados;
• Destruição da unidade militar em El Billar, sobre o rio Caguán, onde
65 militares foram mortos, em 1998;
• Ataque a Miraflores, em Guaviare, em 1998, com 30 mortos e 127
sequestrados;
• Ataque a La Uribe, em 1998, com 33 mortos e oito sequestrados;
• Ataque a Mitú, em 1998, na fronteira com o Brasil, onde morreram 40
pessoas e dezenas foram sequestrados;
• Atentado ao clube El Nogal, em Bogotá, em 2003, com 36 mortos e
200 feridos.
E qual a natureza dessa organização? Terrorista ou criminosa. Como visto, é
de natureza mista, mas com forte caráter terrorista pelo privilégio do objetivo político
sobre o econômico. O crime faz parte desse grupo como fonte de financiamento, não
como o objetivo ou a essência. Talvez estejamos perto de as FARC chegarem ao “buraco
negro” proposto por MAKARENKO (2004), sem a clara percepção do objetivo mais
importante da organização, se o financeiro ou se o político. Neste momento ainda
acreditamos que o político esteja por cima do objetivo financeiro, motivo pelo qual não
negamos o caráter misto das FARC, como grupo criminoso, mas essencialmente
terrorista.
Conclusão
Por tudo que falamos anteriormente, acerca da lógica da relação entre crime
e terror, como também das FARC, podemos notar que o raciocínio de grupos terroristas e
criminosos é essencialmente econômico. Nunca podemos esquecer isso. Se os
benefícios suplantarem os custos a serem vencidos para a superação da segurança de
seus alvos, bem como a probabilidade de prisão, teremos a certeza de que grupos
terroristas e criminosos estarão vislumbrando a possibilidade de atacarem e de atuarem.
As organizações terroristas e criminosas como as FARC atuam com
racionalidade e dessa maneira devem ser atacadas. Terrorismo não acontece pelo
simples objetivo de matar, como bem assevera SNODGRASS (2008)28. Existe uma lógica
por trás desse comportamento violento. Dessa maneira, também o crime organizado deve
vislumbrar ganhos para o exercício da atividade ilegal. Existe uma lógica econômica por
trás do comportamento desses entes.
O governo colombiano, em especial a partir do mandato de Álvaro Uribe, em
2002, logrou bastante sucesso no combate às FARC. Como assevera SPENCER (2011),
28
SNODGRASS, Thomas E. Know your enemy. IN: Air and Space Power Journal. Fall 2008, 22.
7
o sucesso na luta contra essa banda terrorista e criminosa foi resultado de cinco fatores:
liderança e decisão política; consenso político; fortalecimento das instituições de
segurança e de defesa; assistência militar dos EUA; e não permitir adaptação do inimigo.
Do ponto de vista econômico, esses elementos seguramente incrementaram
a possibilidade de prisão e de neutralização dos membros das FARC, bem como
aumentaram os custos dos atentados a serem cometidos por esta banda. A liderança de
Álvaro Uribe diminuiu os benefícios a serem atingidos pelas FARC, já que a visão da
população e a visão externa não consideravam esse grupo como uma organização
insurgente e idealista. A figura de Uribe uniu o povo colombiano em torno da melhora da
segurança pública naquele país, o que reduziu muito a propaganda que poderia ser
gerada em benefício da organização criminosa.
O consenso político alcançado a partir de 2002 fez com que leis mais duras
fossem aprovadas e que as instituições militares e policiais fossem reformadas no sentido
a ganharem operacionalidade e eficiência. Isso não só aumentou muito os custos de ação
das FARC, mas também a possibilidade de prisão e de neutralização de seus membros.
Investimentos em Inteligência também foram essenciais, auxiliando as instituições de
defesa e de segurança pública a combaterem o terrorismo de forma eficaz. Por fim, a
assistência militar dos EUA, em sua grande parte derivada do Plano Colômbia, foi
também fator econômico que auxiliou o combate às FARC. Este apoio financeiro e
operacional possibilitou que o governo colombiano incrementasse bastante os custos para
as ações dos guerrilheiros das FARC.
8