Aula Magna do Prof. Pasquale Cipro Neto na

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Aula Magna do Prof. Pasquale Cipro Neto na
Aula Magna do Prof. Pasquale Cipro Neto na Escola de Especialistas de Aeronáutica
Natural de Guaratinguetá-SP, Pasquale Cipro Neto cursou Letras (Espanhol-Português) na Universidade
de São Paulo. É professor de português desde 1975 e colunista dos jornais Folha de São Paulo, Correio
Popular (de Campinas), O Povo (de Fortaleza), A Tribuna (de Santos), entre outros. Idealizou e apresentou
os programas Nossa Língua Portuguesa e Letra e Música, da Rádio Cultura de São Paulo, e Nossa Língua
Portuguesa, transmitido pela TV Cultura durante 17 anos. Apresenta o boletim Com a Palavra o Professor
Pasquale, transmitido pela Rádio Globo.
É consultor de língua portuguesa e integrante da Editoria de Treinamento da Folha de São Paulo, desde
1989. Foi consultor do Departamento de Jornalismo da Rede Globo (São Paulo), de 1996 a 2010.
É co-autor da Gramática da Língua Portuguesa (com Ulisses Infante), da editora Scipione, e do livro
Brasil na Ponta da Língua (com Gilberto Dimenstein), da Editora Ática. É autor do Anexo Gramatical do
Manual da Redação da Folha de São Paulo e co-autor (com diversos autores) do Manual da Globo News. É
autor de 13 livros lançados pela Publifolha e de 18 lançados pela Editora Gold. É co-autor do Dicionário da
Língua Portuguesa, Comentado pelo Professor Pasquale (Melhoramentos/Gold). É responsável pelo
conteúdo didático do CD-ROM Nossa Língua Portuguesa (da Publifolha) e do software Pasquale Explica (da
Anasoft).
Quando o assunto é o trato adequado da Língua Portuguesa, poucos no Brasil conseguem expor com
tanta clareza de raciocínio e bom humor como Pasquale Cipro Neto.
Convidado pela Escola de Especialistas de Aeronáutica de Guaratinguetá, o professor aceitou proferir
uma aula magna para mais de mil alunos e convidados desta escola militar. Um público que impressionou o
convidado pela quantidade e pela disciplina.
Durante mais de duas horas o professor, que se tornou afamado por criar e apresentar, no rádio e na TV,
programas voltados para o conhecimento das regras básicas da língua portuguesa, dirigiu-se ao público de
mais de mil pessoas falando sobre Como fazer uma boa redação.
Prendendo a atenção de todos com humor inteligente e uma multiplicidade de exemplos factuais, Prof.
Pasquale, uma vez mais, demonstrou sua grande habilidade como docente, transformando assuntos
aparentemente áridos em algo agradável a despertar a curiosidade e o interesse da plateia.
Sobre a estrutura da redação, o mestre foi enfático ao destacar a informação e o conhecimento de
mundo como primeiro ponto para a elaboração de qualquer texto. O exemplo utilizado pelo Professor
Pasquale foi o de escrever sobre a economia de um país africano pouco conhecido no Brasil e no mundo:
“Se eu pedisse para que escrevessem sobre a economia do Gabão, poucos de vocês escreveriam alguma
coisa. Talvez umas poucas linhas ou nenhuma”.
Ter o que dizer é a dica inicial para quem se propõe a tarefa de escrever, ou seja, as normas em nada
contribuem para a construção de um texto vazio de conteúdo. Da junção de conteúdo e forma é que nasce
um bom texto.
E, segundo Pasquale, só há uma maneira de superar a dificuldade inicial de escrever bem: ler.
Elemento indispensável, a leitura torna-se conditio sine qua non para que qualquer pessoa possa
constituir uma interpretação coerente e bem informada de realidade, o que lhe permitirá elaborar uma
redação que cumpra sua finalidade comunicativa.
Para tanto, Pasquale propõe que se leia tudo o que tiver em mãos, de jornal a bula de remédio, de livro a
propaganda de supermercado. Para ele, nenhuma leitura é descartável.
Discorrendo sobre os aspectos formais da língua portuguesa, muitas vezes desconsiderados no
momento da redação, o professor destacou a necessidade de clareza ao escrever, visto que o outro é
sempre a razão do ato de redigir. “Ninguém escreve para si mesmo. Escrevemos para o outro. Não existe
essa de o outro vai entender o que eu quis dizer. O que se quis dizer é o que está escrito e pronto”, realça o
professor.
Assim, os cuidados com a objetividade é que permitirão subtrair do texto os aspectos subjetivos que
poderão comprometer seu entendimento pelo leitor.
Pasquale não deixou de falar sobre a importância da coerência e da coesão, permitidas pelo uso correto
do idioma somado ao conhecimento de contexto, como garantia de eficiência comunicacional que somente
a boa redação é capaz propiciar.
Em um segundo momento de sua fala, e multiplicando exemplos, o professor apresentou situações
diversas, extraídas principalmente de jornais, que demonstram como não se deve escrever.
Dentre os muitos meios de comunicação, diz o criador do programa Nossa Língua Portuguesa, os
jornais e a Internet tem sido responsáveis pela elaboração e disseminação de textos repletos de erros que
geram ambiguidades e problemas de interpretação.
Para ele, a velocidade dos acontecimentos e a pressa para dar a notícia não justificam tantas
incorreções: “Muitos erros poderiam ser evitados com uma simples releitura do texto”.
Concluída a palestra, Pasquale Cipro Neto recebeu mimos do Comandante da EEAR, de representantes
do corpo de alunos e dos professores organizadores; posou para fotos e seguiu para uma coletiva com a
imprensa local e regional.
De início, ao ser perguntado sobre o que foi tratado na palestra, respondeu: “Falamos de redação,
falamos de Português, falamos de clareza textual,como escrever com clareza, com objetividade, com
correção... falamos disso.”
E sobre a indagação de se o povo brasileiro fala ou não o português correto, retorquiu de pronto:
“Fala, fala. Falar é uma coisa, escrever é outra. A língua do dia-a-dia é uma coisa, a língua formal é
outra. Nossa preocupação deve ser voltada para o estudo da língua no que diz respeito a necessidade de
domínio dessas variedades formais, porque são elas que regulam a vida das pessoas, a vida social, né, a
vida contratual, a vida formal das pessoas. Então, as pessoas tem que saber ler um contrato, tem que saber
preencher um requerimento, tem que saber solicitar um emprego, e por aí vai, e claro, e tem que também
entender outras coisas que estão inscritas nas modalidades formais. Por isso que o estudo das variedades
formais da língua sempre é importante para quem quer frequentar territórios regidos por essas variedades.
“Os jornais e os sites tem abusado do texto ruim”
Considerados os inúmeros exemplos dados envolvendo textos escritos por jornalistas, Pasquale foi
impiedoso quando questionado se os jornalistas não estão escrevendo bem:
“Não, de jeito nenhum! A coisa vai mal, obrigado (rsrsrsrs). Os jornais tem abusado. Os jornais e os sites
tem abusado do texto ruim. Eu não me refiro à gramática, eu não me refiro ao clássico erro de português, o
verbo mal conjugado ou a letra trocada. Não é isso não! Eu me refiro a questão da coerência textual, da
coesão textual, da clareza, do texto que não pode ser ambiguo, mas é (no jornal há uma série de
ambiguidades), do texto que não precisa ter a ordem que tem, que pode ficar numa outra ordem e com isso
ficar mais claro, né! Em relação a isso os textos jornalísticos vão realmente muito mal”.
E continua suas apreciações ao dizer do que anda faltando aos jovens jornalistas:
Leitura, leitura! Esse povo não lê, esse povo não lê! Sem leitura não há milagre! Você já ouviu falar em
uma escola de natação sem piscina, ou não? Você frequentaria uma? Não, né! Pois é! Então, não dá pra ter
contato com a língua sem ter contato com a língua. Não adianta!
Indagado sobre estar ou não surpreso sobre recente informação de que a profissão de jornalista
encontra-se como a terceira no ranking dos profissionais que mais maltratam o idioma cometendo erros de
português, prontamente retorquiu:
“Não acredito na necessidade do diploma para ser jornalista”
“Não, de jeito nenhum, de jeito nenhum. Aí, muita gente vai dizer: Ah, mas a pressa, o pessoal tem
pressa, escreve rapidamente, não sei o que. Mas muita coisa pode ser evitada, né, uma releitura pode
resolver muitos problemas, né. E o que a gente tem visto, sobretudo no jornalismo de sites, presente em
sites, meu Deus do céu! O pessoal escreve, põe no ar e... tá bom vai, é a pressa, Enquanto o negócio tá no
ar, já quente, porque a notícia acabou de chegar, dá uma mexida no texto, né! É tão fácil substituir, né. Vai
dando uma relida, vai dando uma mexida, mas o mesmo erro fica lá o dia inteiro. O erro fica lá o dia inteiro.
O erro que eu digo é aquela frase mal construída, aquela coisa ambigua, esquisita, né!”
Também colocou sua discordância da colocação de que a falta de certificação profissional ou a inclusão
ou incremento do ensino da língua portuguesa na universidade fosse o ponto fundamental a ser combatido:
“Não, não acredito na necessidade do diploma pra ser jornalista, de jeito nenhum e, claro, que os cursos
de jornalismo deveriam ter Português, mas Português pra valer, né. Parece que eles tem um semestre só
de uma coisa meio superficial e tal. É preciso sim mexer nessas coisas, mas não sei se isso só resolveria. O
que resolve mesmo é cultura, é leitura, é vastidão”.
Não há fórmulas mágicas para escrever, assevera o entrevistado.
Com relação à linguagem de internet e as alterações e supressões por ela permitidas, Pasquale não vê
qualquer problema desde que as pessoas não fiquem limitadas ao código restrito de um grupo igualmente
limitado.
“O que resolve mesmo é cultura, é leitura, é vastidão”
“Eu não vejo nenhum problema se o cidadão for... Eu não vejo nenhum problema no uso dessas formas,
se o cidadão for capaz de escrever também dos outros jeitos. Se ele for poliglota na mesma língua, ou seja,
se ele for capaz de se expressar desse jeito na internet, no site de conversa, como é que chama aquilo?”
Chat, alguém auxilia.
“Chat ou sei lá o que. Tem outro nome lá, o facebook, msn. Ele não pode ficar só nisso, né, porque a
linguagem não é só essa. Essa é uma linguagem fechada, é um código que se usa por determinados
grupos e enquanto o sujeito tá lá nessa comunicação com elementos desses grupos, tudo bem. Agora, ele
precisa dominar as outras manifestações, né! E aí, às vezes, a coisa não se dá assim. A gente vê gente
escrevendo trabalho escolar com linguagem de internet. Não funciona. É roupa errada, é ir à praia de terno,
ou melhor, nesse caso aí, é ir ao tribunal de sunga, né.”
Sobre a proximidade das eleições municipais e sobre os discursos proferidos pelos políticos que aí virão,
o mestre responde:
Ééé’! A gente se diverte com eles. Opa, lá vem bobagem, lá vem bobagem porque o que eles falam de
bobagem é um negócio assim... bobagem pra todo gosto: bobagem linguística, bobagem... bobagem
Dadas estas respostas aos jornalistas e radialistas presentes, Pasquale Cipro Neto voltou-se para os
questionamentos formulados pelo redator do Jornal O Lince.
“Eu prefiro ler uma porcaria a não ler nada”
O LINCE - O senhor havia falado durante a palestra de alguns ingredientes para a boa redação:
conhecimento, clareza, coerência e coesão textuais, e também o senhor disse que não há leitura
descartável. Deve-se ler de tudo. Realmente? Nem a má leitura é descartável?
PASQUALE - Eu prefiro ler uma porcaria a não ler nada. Eu fico inquieto. Se eu tô num avião, por exemplo,
e não tô com sono e não tem com quem conversar, eu prefiro ler, embora eu não goste de ler em avião. Aí
eu leio o que tem na frente. Alguém largou lá uma revista Caras, eu leio. Paciência!
O LINCE - E o mal escrito a quem não tem o domínio da norma culta? Não seria uma espécie de reforço
de um conhecimento mal elaborado por parte do leitor?
PASQUALE - Como que é? Eu não ouvi. Desculpe, repita.
O LINCE - No caso daquele texto mal feito, mal escrito. Ler qualquer coisa, de repente, para a pessoa
despreparada, incapaz de discernir o bom e o mal texto, isso não seria uma maneira de agravar o
problema?
PASQUALE - Pode ser, pode ser. O impresso tem muita força, né. As pessoas acreditam muito no
impresso, então, pra quem não tem esse discernimento, a leitura de algo ruim pode ser...
O LINCE - Descartável... (rsrsrsrs)...
PASQUALE - ... um tiro no pé (rsrsrsrs)
“É que existe gente dotada de ideologia cega e que não lê, não lê...”
O LINCE - Com relação às críticas que geralmente os linguistas colocam com relação a esse seu apego à
norma descritiva, à norma culta, que resposta o senhor costuma dar a eles?
PASQUALE - Eu não dou resposta nenhuma, eu faço o meu trabalho, quem entende o que eu faço sabe
que eu não faço isso. Quem realmente... é que existe gente dotada de ideologia cega e que não lê, não lê...
já tem o conceito pré-estabelecido e tudo que diz respeito ao ensino de norma culta já, pra essa gente, é
repressivo, já é... Eu não ligo, não dou a menor importância. Eu nunca escrevi uma linha sobre, nunca
respondi a ninguém, eu não perco meu tempo, eu tenho mais o que fazer, eu sou ocupado, eu sou
ocupado.
A uma intervenção de um radialista interessado em saber como o professor Pasquale vê e sente as
presenças de Guaratinguetá e Clube Atlético Juventus (“time do coração do professor”, como afirmou) na
mesma série do futebol paulista, respondeu não sem antes fazer uma breve correção sobre a real situação
do “moleque travesso” no campeonato estadual:
PASQUALE - Não, está na A3. Queremos estar na A2. Domingo agora a gente tem um jogo decisivo, a
última rodada da A3, contra o Osasco. Se nós não perdermos, estaremos na A2 e aí, no ano que vem
haverá o clássico Juventus e Guaratinguetá e meu coração ficará dividido como sempre. O Juventus e o
Guaratinguetá jogaram poucas vezes na vida, mas nas poucas vezes eu sempre fiquei com o coração pelo
meio (rsrsrsrs).
“... eu procuro sempre mostrar que a gente pode ensinar com prazer...”
O LINCE - Uma última pergunta, professor: essa ideia de lançar para o rádio e para a televisão um
programa voltado para a Língua Portuguesa e esse atrelamento do ensino da Língua Portuguesa com o
humor, com essa pitada de humor, da interpretação bem humorada... De onde nasceu isso? Como nasceu
isso?
PASQUALE - Eu faço isso na sala de aula, eu fui professor na sala de aula durante mais de 20 anos.
Fiquei na sala de aula de 75 a 98. Depois, de 99 em diante, deixei o exercício regular da profissão,
semanal, diário, aquela coisa toda. Me dediquei a outras atividades ligadas à língua: consultoria, palestras,
cursos pequenos, cursos de pouca duração e tal, mas é uma coisa que eu faço desde o começo da
atividade didática.
Eu procuro sempre arejar, eu procuro sempre mostrar que a gente pode ensinar com prazer, com
alegria, com tudo isso respeitando o aluno, trazendo pro aluno (ou levando pro aluno) objetos de estudo
mais próximos da realidade dele e por aí vai, sem descartar os clássicos.
O LINCE - Isso teria alguma relação com a ideia de uma aridez intrínseca à disciplina?
Pasquale - Não, a língua não, mas o ensino sim. Muita gente faz disso uma coisa terrível, né, seca, né, e
aí não há quem aguente, né!
Entrevista concedida no dia 04 de maio de 2012.