parte 2 - Olhar de Tela

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parte 2 - Olhar de Tela
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CINEMA E GÊNERO (II) - Denilson Lopes :: SOMBRAS ELÉTRICAS
SOMBRAS ELÉTRICAS
A vida está na tela - de cinema, de vídeo etc.
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SOMBRAS ELÉTRICAS Nº 5/6 – Novembro-Dezembro de 2005
LONG-SHOT: CINEMA E SEXUALIDADE(S), À LUZ DO MIX BRASIL 2005.
CINEMA E GÊNERO (II)
Denilson Lopes
Cena de Making the boys (Garotos da banda - EUA, 2011), de Crayton Robey
Para além deste trabalho historiográfico, temos o resgate da intimidade, da afetividade, no contexto dos estudos gays e lésbicos, ao afirmar sua relação com a ética. À medida
que o próprio material da arte é a ambigüidade e não a persuasão, uma outra importante contribuição é repensar a homossociabilidade masculina (em lugares como bares, jogos,
escolas, internatos, forças armadas) não só como forma homofóbica (ver SEDGWICK, E.: 1985) , em que a masculinidade é reafirmada pela violência, mas compreender formas
mais sutis de afetividade que não se encaixam numa atitude confrontacional ativista de fortalecimento de uma identidade homossexual visível publicamente . Para tanto, pensei no
termo homoafetividade para discutir no mesmo espaço quaisquer relações afetivas entre pessoas do mesmo sexo, desconstruindo a polaridade criada no século passado entre
homossexualidade e heterossexualidade e alargar o conceito de homoerotismo, resgatado entre nós por Jurandir Freire Costa. A relação entre ética e afetividade não nega a
questão do mercado, mas a desloca oferecendo uma alternativa estética e política num mundo em que os discursos de contestação rapidamente se banalizam. Neste quadro,
procurei na arte não só a circulação dos discursos e imaginários sociais, mas talvez algo que arte possa dizer de diferente. Para encerrar, faço breves análises de três filmes em
que a homoafetividade aparece: em “Morte em Veneza”, como pedofilia; em “Entre Amigos”, enfatizando a relação entre homens: e “Colcha de Retalhos”, focando nas
experiências entre mulheres.
Seria importante frisar que discutir filmes pela perspectiva da homoafetividade é uma forma diferenciada de rever a parceria civil entre pessoas do mesmo sexo que se tornou uma
importante bandeira do movimento gay internacional, mas curiosamente as narrativas cinematográficas brasileiras (o filme “Madame Satã”, já citado, é mais uma exceção do que
regra), diferentes das norte-americanas, apresentam em sua quase totalidade as relações afetivas e sexuais entre homens como marcadas pela rapidez do encontro, mesmo
quando felizes. Seria interessante pensar esta construção não como afirmação do clichê da homossexualidade associada à promiscuidade, mas como uma alternativa afetiva
para além da submissão a modelos tradicionais da família monogâmica estável.
De qualquer forma, poderíamos pensar filmes bem comerciais como “Entre Amigos” (Love! Valour! Compassion!) de Joe Mantello (1991) e “Colcha de Retalhos” (How to Make an
American Quilt) de Jocelyn Moorehouse (1995) como estratégias de redefinição do cotidiano, da casa e da intimidade. Em “Entre Amigos”, diferente do modelo tradicional de
narrativa de transitar do exterior para o interior, do macro para o micro, a voz do narrador, dono da casa em que um grupo de amigos passa três fins de semana, nos apresenta
primeiro, a casa por dentro, terminando com um convite ao espectador como a de um visitante recém-chegado, um novo amigo que nunca tivera ali: make yourself at home (esteja
à vontade como na sua casa)[2].
Casa distante da cidade, próxima da natureza, em que homens gays de diferentes gerações convivem, se traduz menos em espaço misógino e heterofóbico, gueto, do que
espaço de trocas em que a afetividade entre homens, tão escondida, mesmo demonizada para não ser confundida com homossexualidade, mas possuindo sutil genealogia
histórica, incluindo o amparo, a camaradagem, a solidariedade, a amizade, o amor, reconfigura o próprio sentido da família centrada em uma relação monogâmica, estável,
heteronormativa, tantos nos modelos patriarcais rurais como mononucleares urbanas. O que não quer dizer que preconceitos contra pobres, latinos e afeminados não sejam
explicitados por seus personagens neste meio predominantemente branco de classe média.
Por mais que os feriados sejam momentos excepcionais, fora da lógica do trabalho, período de tempo livre; uma intimidade se constrói em meio às tensões e fragmentações
contemporâneas. O encontro na casa à beira de um lago evoca uma melancolia e fragilidade de tudo, como em situação semelhante no recente “As Invasões Bárbaras” (2003) de
Denys Arcand; traduzida tanto na cena em que os amigos encenam “O Lago do Cisne”, momento de encontro e êxtase, mas que também prenuncia a morte de cada um dos
personagens; quanto no banho noturno no lago em que todos nus parecem caminhar para a vida apesar da morte, apesar do mundo, com a morte, com o mundo.
Também em “Colcha de Retalhos”, há um espaço quase monossexual, aqui majoritariamente feminino, representado por uma casa, por uma sala de estar em que um grupo de
amigas se encontra para costurar uma imensa colcha de retalhos, ao mesmo tempo juntando suas lembranças e suas vidas, num mesmo lugar, mas de forma diferente. A colcha
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de retalhos, como o arco-íris, imagem rica da democracia multicultural, tão utilizada nas manifestações públicas como demonstração de afeto dos parentes e amigos dos que
morreram de Aids, aqui na sua perspectiva feminina, refaz a própria sociedade norte-americana e sua história, não do ponto de vista do rancor, do ressentimento, mas da aposta,
como na cena em que uma das personagens refaz seu gesto de juventude ao pular do trampolim mais alto na piscina. Trata-se menos de nostalgia do que uma recuperação de
possibilidade de futuro.
Para observar, de forma mais enfática, como o cinema pode dizer o que outros discursos não dizem, começo com uma analogia para falar de um tema ainda mais polêmico: a
pedofilia. Na segunda metade do século XIX, a homossexualidade é aprisionada como doença, crime e pecado. Emerge um pânico homossexual reafirmado por uma rígida
distinção entre amor e amizade e um controle feroz em instituições em que há a presença exclusiva de pessoas de um sexo. O homossexual se transforma no anormal, no
monstro. Passados 100 anos, por vários motivos que não interessam aqui discutir; a homossexualidade deixa de ser doença, a partir dos critérios da Organização Mundial da
Saúde e do Conselho Federal de Psicologia; também não só deixa de ser crime, mas surgem por todo o mundo leis que combatem a homofobia, inclusive em várias cidades
brasileiras, no estado do Rio de Janeiro e no DF. Apesar dos segmentos conservadores de religiões cristãs e fundamentalistas, a anacronia histórica do Cristianismo diante os
assuntos relativos á sexualidade como um todo, cada vez mais é combatida. Enfim, o homossexual deixou de ser o monstro e o anormal bem como o trasngressor dos anos 60 e
70 e está em vias de ser mais um cidadão integrado nos padrões da democracia representativa ocidental, para o melhor ou para o pior.
Hoje em dia, outra prática sexual parece ocupar o lugar da homossexualidade como tabu, estamos falando da pedofilia, verdadeira paranóia globalizada, assunto constante de
capas de revistas e manchetes de noticiários na televisão, fazendo com que carreiras e vidas sejam destroçadas diante de uma simples suspeita, como no caso de Michael
Jackson, talvez o mais notório, em meio a tantos outros; ministros caiam; o papa se pronuncie; passeatas sejam feitas. Os pedófilos talvez só percam para os árabes como alvo
de caça às novas bruxas. Mas do que estamos falando?
Parto da própria etimologia: pedofilia seria gostar de crianças? Desde quando gostar passou a se considerado como violentar? Como pensar uma sociedade que erotiza ao
máximo suas crianças nas propagandas, como nas famosas campanhas da Calvin Klein, para dar um exemplo, e programas de televisão na busca de corpos cada vez mais
jovens e ao mesmo levanta suspeita sobre qualquer relação inter-etária entre adultos e crianças fora do modelo pais-filhos? Como bem sabemos, o que Michel Foucault chamou
de sexo-rei, ou seja, da centralidade da sexualidade no último século, não só liberou práticas mas criou novas prisões ao dissociar radicalmente sexualidade e afetividade, e
reduzir a sexualidade ao meramente genital, ao invés de articular sexualidade e ética, postura defendida por Foucault a partir de uma experiência grega em que a pedofilia teve um
papel fundamental. Voltarei a este aspecto mais à frente.
Reafirmo a hipótese e a provocação: a homossexualidade ocupou no século XIX, o lugar que é hoje da pedofilia. A partir de critérios suposta e novamente científicos (medicina,
psicologia), jurídicos e religiosos; a pedofilia se apresenta como doença, crime e pecado, o que é ampliado pelos meios de comunicação de massa. Mera coincidência para
realidades bem diferentes? Talvez possamos reafirmar em uma perspectiva radicalmente histórica e cultural, portanto anti-essencialista, anti-naturalista e comparativa, que pelo
menos, como no século XIX em relação aos homossexuais, todos falavam por ele, exceto o homossexual propriamente dito ou este só podia falar de um lugar bem determinado,
de preferência na cadeia, humilhado em sociedade, melhor ainda se calado, morto. Hoje todos parecem saber a verdade da pedofilia e defendem suas posições com unhas e
dentes, sem dúvidas. Todos falam, exceto os adultos que se interessam (esta palavra é proposital) por crianças e as crianças que se interessam por adultos (talvez até
tivéssemos que pensar outro nome, adultófilos, gerontófilos ...). Para além da histeria generalizada e de dogmas que são perpetuados, a bem de uma visão mais livre de
preconceitos; seria fundamental ouvir aqueles que não têm voz, como em “Chicken Hawk” (1994) de Adi Siderman, inédito no circuito comercial brasileiro, em que são
apresentados depoimentos do polêmico grupo NAMBLA, Associação Norte-Americana pelo Amor entre Homens e Garotos, que foi expulso até da Associação Intenacional de
Gays e Lésbicas, que congrega militantes de todo o mundo, tão o grau como este tema é polêmico e vítima de preconceito, mesmo dentro do movimento LGBTS.
Lembremos que segundo os historiadores da infância, a criança parece ser uma invenção moderna, antes um adulto em miniatura, cada vez nas sociedades capitalistas, ela
assume atitudes supostamente próprias, configurando um comportamento, um mundo e um segmento de mercado específico. Um primeiro entrave a uma discussão mais aberta
sobre a pedofilia ainda é um novo velho puritanismo, o mesmo que ridicularizou Freud quando este afirmou que toda criança, longe do anjo idealizado e inocente, já possuía uma
sexualidade. Se deixarmos de lado este obstáculo, o que muitos ainda têm dificuldades em o fazer; e aceitarmos uma sexualidade infantil quem seríamos nós para normatizar o
que ela deva ser ou definir o que a criança deva desejar? É muito fácil generalizar casos clínicos, estórias específicas como verdades universais. Me permitam duvidar, me
permitam apostar que ao lado do abuso sexual de crianças, majoritariamente realizada por homens heterossexuais dentro de suas próprias famílias, o que aliás deve ser
combatido e punido a todo custo; há outras estórias.
Apesar da haver tanto uma pedofilia heterossexual como homossexual; salvo engano, a pedofilia como pânico social é uma última estratégia da direita ultra-conservadora de
barrar os avanços dos movimento de gays e lésbicas politicamente organizados ao confundirem homossexualidade e pedofilia, fazendo vista grossa a uma longa tradição de
homens mais velhos que casavam e casam com jovens moças e meninas, notadamente em nossa cultura, sem que isto nunca tenha causado nenhum escândalo Há outras
estórias silenciadas, pouco contadas, para além da violência, que falam também de intimidade, amizade, respeito, admiração, carinho, atenção, compartilhamento e porque não,
paixão e amor? Onde podemos encontrá-las?
Não falo aqui como jurista obcecado em determinar uma idade de consentimento para as relações sexuais. Seria a criança o menor de 21, 18, 16 ou 12 anos? Onde termina a
infância e começa a pré-adolescência, a adolescência ou a juventude? Não falo aqui como os profissionais de saúde e psicólogos obcecados por uma maturidade afetiva, sexual
biológica. Sabe-se lá quando se atinge essa tal maturidade para que só então possa ter autonomia sobre seu próprio corpo. Em todo caso, ainda estou esperando por ela. Espero
sinceramente que ela não venha. Procuro também fugir do discurso de fácil apelo dos moralistas de toda ordem, nos púlpitos, nas universidades ou em programas
sensacionalistas.
Em meio a tanta intolerância e posições bem marcadas, creio que a arte, e no caso aqui o cinema, tem uma contribuição fundamental a dar na criação de dúvidas e proliferação
de narrativas diversas, sobretudo no lado mais visível e difícil de ser aceito: a pedofilia homossexual masculina.
Antes disso contudo, há vários relatos de como culturas não-ocidentais lidam com a pedofilia, seria interessante relembrar talvez o mais conhecido e que lança um forte
imaginário em toda história e imaginário ocidentais, até os nossos dias. Seguindo a leitura da Foucault em sua História da Sexualidade, no mundo grego clássico, justamente o
que é por nós mais rejeitado era a referência para o discurso amoroso: a relação entre um homem adulto e um menino imberbe, aquele deveria ser uma espécie de tutor na vida
intelectual e afetiva, pedagogo de corpo e alma, integrando sexualidade e conhecimento do mundo, ética e cidadania, todo estes elementos fundamentais para a formação do
homem grego. O que não era aceito socialmente era exatamente o que cada vez mais é considerado normal entre nós como padrão conservador do “gay saudável”, ou seja,
relações estáveis ou não entre homens adultos. Isto nos dá o que pensar. Sem entrar em mais detalhes, passo então à adaptação que Luchino Visconti fez da novela homônima
de Thomas Mann.
"Morte em Veneza" (1971) (ver LOPES, D.: 2002, 50/66) é uma ópera de olhares, ou melhor, em meio ao fluxo sonoro que parece conduzir, encarnar os personagens, é o
caminho de Gustav Von Aschenbach até a resposta de Tadzio. Nesse jogo de olhares, sem palavras, o aprendiz conduz o mestre, fazendo do voyeurismo ou mesmo do
fetichismo, que eventualmente não é só de Aschenbach mas do espectador, um ato pedagógico, de reeducação dos sentidos, rumo a uma visão de mundo afetiva. O velho
músico recebe do jovem algo de tão poderoso que conduz a uma perda de referências, a uma destruição de valores, com se sua experiência, seu mundo desmoronasse.. De
certa forma, “a vivência do mais experiente é de pouca valia. (...) De nada vale o paternalismo responsável no direcionamento da conduta. A não ser que o paternalismo se prive de
palavras de conselho e seja um longo deslizar silencioso e amoroso pelas alamedas do olhar (...). Caso o olhar queira ser reconhecido como conselho, surge a
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incomunicabilidade entre o mais experiente e o menos. A palavra já não tem sentido porque já não existe mais o olhar que ela recobre. Desaparece a necessidade da narrativa”
(SANTIAGO, S.: 1989, 46) enquanto forma de transmitir a sabedoria. O único momento em que Aschenbach parece falar a Tadzio é em desejo, devaneio, cena constrangedora,
justamente um conselho para que a família de Tadzio parta, antes que a peste os contamine, mas a família decide partir sem que o conselho tenha sido dado de fato. Das ruínas
da impossibilidade ou da pobreza da palavra, que estilhaça a narrativa, emerge um ambíguo diálogo de imagens, entre um rosto apreendido num frágil esplendor, sem futuro, e
outro rosto decomposto no tempo mesmo do filme, algo que dificilmente pode ser comunicado ou expresso por palavras.
A melancolia conformadora do olhar de Aschenbach faz do próprio corpo de Tadzio, sobretudo do rosto, uma imagem frágil diante do tempo, mas não menos bela, uma imagem
que não cessa de ser explorada como a superfície de um quadro. Quanto mais Aschenbach se move, mais ele se aproxima da morte, até culminar no seu último esforço ao
tentar se erguer da cadeira, na cena final. Ele não busca a morte, busca compor um outro corpo. Pelo olhar ele quer se fazer outro, ganhar uma nova vida, mas já é tarde demais.
No diálogo sem falas do filme, a beleza desconstrói o racional, e a música "estabelece o sistema para a organização de todos os elementos na linguagem do filme" (FLETCHER,
A.: 1991, 216). Isso se dá tanto na sua equivalência com as tomadas lentas como na interpretação exagerada, operística do protagonista. Também a música é a base para o
diálogo entre Tadzio e Aschenbach. Afinal, "comparada com a música, toda comunicação por palavra é despudorada; palavras diluem e brutalizam; palavras despersonalizam;
palavras tornam o incomum comum" (Friedrich Nietzsche apud FLETCHER, A.: idem, 217). O olhar desejante implode as carapaças da moral burguesa. O jogo de olhares e os
flashbacks confluem para a síntese final do rosto de Tadzio em close, momento de suspensão do fluxo temporal dos longos e lentos movimentos da câmera em que o próprio
espaço parece abolido. Fugaz epifania, que se apresenta em outros filmes de Visconti, com ou sem o uso de zoom. O rosto se apresenta na sua concretude, embora
teatralizado. Rosto material que desconstrói o rosto-signo em sua dependência da referência. Não mais o rosto de uma pessoa inteira, do homem do cinema moderno, do NeoRealismo. "Centrando forte, visivelmente, como insistência a representação sobre os rostos, [Visconti] parte do ideal de verdade do cinema moderno, mas para ampliá-lo
excessivamente, fazer uma caricatura" (AUMONT, J.: 1992, 159). "Tudo que é olhado no tempo é excessivo, se não for expressamente concebido como um ideal. O rosto
humano procurado pelo cinema terminou por perder sua humanidade por não ter sido suficientemente ideal" (idem, 163). Não me canso de repetir a mesma cena. O olhar de
Tadzio para a câmera. E para o espectador ele também olha. Olhar, sem nenhum fim, a não ser o jogo do momento, em que me lanço irremediavelmente seduzido. Não se trata
de um rosto reificado, tornado pura venda de um produto ou da juventude como valor. Em simulacro, vitória do corpo, da máscara, do presente sobre a memória. Vitória
problemática, fugaz por ser corroída pelas repetições subvertedoras da linearidade, como o velho maquiado recebendo Aschenbach e, ao mesmo tempo, anunciando a
transformação deste, como num espelho, ou ainda o barco Esmeralda, mesmo nome da prostituta, que por sua vez é associada a Tadzio, pela lembrança de "Pour Elise" de
Beethoven, que ambos tocam. Entretanto, de todas as repetições, a repetição mais encenada é a da morte. A morte se anuncia desde o ambiente frágil do mundo à beira da
Primeira Guerra Mundial e se desdobra como uma espiral decrescente, tornando-se cada vez mais visível, do doente caindo na estação à lembrança da morte da filha de
Aschenbach. Por fim, a peste grassa em Veneza, atinge o protagonista.
A decadência aparece finalmente como uma abertura à rigidez moral e ao ascetismo intelectual. É nesse quadro que deve ser entendida a ambiência homoerótica, na qual se
fundem sentidos e saberes, num esforço rumo a uma ética estética, sensual e particularista. Mais do que a associação estereotipada e demonizadora da diferença, apresentada
na tríade doença-Oriente-homossexualidade, o que interessa é a procura de um ato estético que possa poetizar o cotidiano. Entre o sublime e a perversão, entre o voyeurismo e a
condenação pela sociedade, algo se perde, algo de sutil, talvez apenas o corpo, talvez apenas uma possibilidade humana. A relação entre Tadzio e Aschenbach não deve ser
reduzida a alegorias, diluidoras da sexualidade e sensualidade. Eles não são nem símbolos nem duplos, mas personagens concretos, singulares encontrando-se brevemente. Um
que se despede. Outro, por que rumos? Num encontro sem fala, tudo é trocado. Talvez, ainda máscaras, como o escultural Tadzio a quem se oferta um Aschenbach
transformado em dândi. No final, quando não há mais dúvida a respeito da cólera e com sua saúde muito debilitada, Aschenbach busca na maquiagem, no cabelo pintado e nas
roupas novas não tanto a juventude que ele não possui, mas um gesto de beleza e sedução, um último brilho antes da morte.
A praia deserta. Tadzio, em breve, vai partir, junto com sua família. Por que não rimar amor e morte? Amar a beleza até a morte. Mas o que interessa no rosto de Tadzio é menos
um tipo de beleza estereotipada, a do adolescente frágil e andrógino[3] , pronto a ser vendido no mercado das imagens, como a do gay supermacho[4] ou da drag queen entre
outras. O rosto traduz a própria ruína de alguns dos protagonistas de Visconti, expressa a aliança entre estética e dor. Mesmo a beleza aparentemente atemporal de Tadzio se
situa no espetáculo da morte, que tudo desgasta, até o prazer. Se fosse num quadro, o rosto representado pelos closes fixaria classicamente o modelo a ser contemplado por
um só lado, o rosto na sua monumentalidade. Em “Morte em Veneza”, o rosto traduz um momento de suspensão temporal, de beleza fugidia, de fugacidade do desejo.
Talvez se vivêssemos em tempos menos intolerantes, nem precisássemos evocar um filme, talvez em outros lugares da sociedade seriam ouvidas outras estórias que falam para
além da redução mecanicista do violentado que vira violentador ou marginal, a que nem mesmo o grande Almodóvar parece não escapar em seu último filme “Má Educação”
(2004), ao contrário do libertário e amoral “O Que eu Fiz para Merecer isto” (1984). Talvez num futuro, que espero próximo, haja um tempo em que falar de pedofilia seja apenas
falar de uma expressão afetiva, tão impura e divina, violenta e intensa, terna e animal, como outra qualquer, apenas parte, do que na falta de uma palavra melhor, ainda
chamamos, da condição humana.
Não pretendi dar uma única resposta à contribuição dos estudos de gênero, e mais especificamente, dos estudos gays, à análise de produtos culturais e objetos artísticos mas
levantar algumas possibilidades sem me aprofundar em nenhuma, talvez mais até contar uma estória, uma aventura. Esta trajetória me leva hoje a pensar a identidade feminina, a
homossexualidade e o travestimento não só como experiências que apenas digam respeito, respectivamente a mulheres, homossexuais e a travestis, nem só como uma questão
que diga respeito a com quem cada indivíduo tem relações sexuais, mas uma base para uma formação (Bildung) contemporânea, pela qual aprendemos com o que somos mas
também com o que não somos; uma ética, entendida como uma forma de conduta diante do mundo, em que a amizade e a deriva, como nos ensinou Michel Foucault (1989,
1994), aparecem como contraponto às prisões patriarcais do amor romântico e ao sexo rei, bem como base para uma estética mais afetiva e direta, o retorno ao simples a ao
cotidiano. Trata- se ainda de um lugar de fala silenciado mas que precisa e tem sido resgatado se quisermos uma democracia multicultural, uma base para uma política em que o
privado não é apenas espetáculo midiático permanente mas possibilidade de adesão ao mundo, uma política tão ambígua como somos todos nós.
O encontro de dois homens pode ser apenas um encontro, mas também pode ser uma possibilidade de diálogo e abertura para o mundo, desafio maior de todo discurso
minoritário, alguma vez discriminado. Esta é o motivo por que acho central ainda hoje assinar como crítico, gay. Não se trata de apenas considerar a homossexualidade como um
adjetivo, mas afirmar uma experiência substantiva que interliga vida cotidiana e prática intelectual. A experiência gay nada tem de redutora, classificadora, se assim o quisermos,
é um mistério insondável, um ponto de partida, uma pergunta mais do que uma resposta.
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[3] Aqui caberia um estudo que incluiria não só a tradição da fotografia, desde trabalhos do início do século, como os de Wilhelm von Gloeden até Pierre &
Gilles e Alair Gomes, bem como o uso de modelos e atores adolescentes, como no filme “Kids” (1995) de Larry Clark, até filmes poronográficos, como as séries
“The Lukas Trilogy” e “Märchen Knaben”.
[5] Dos trabalhos de Tom of Finland a “Carne Fresca” (1999) de John Greyson muito haveria para se falar
DENILSON LOPES é professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília, pesquisador do CNPq , autor de Nós os Mortos: Melancolia e NeoBarroco (RJ,7Letras, 1999) e O Homem que Amava Rapazes e Outros Ensaios (RJ, Aeroplano, 2002) bem como vários ensaios sobre cinema, literatura e cultura
contemporânea. Acaba de concluir a organização de O Cinema dos Anos 90 (Chapecó, Argos, 2005).
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VONTADE DE CRÔNICA SOBRE O CIRCO PIOLIM... - Paulo Emílio Salles Gomes
A TV NÃO É O PROBLEMA - José Roberto Marinho
COM CULPA OU NÃO, A TV É A QUESTÃO - Hermano Penna
O BOOM GAY E LÉSBICO - William Aguiar
A DIFÍCIL ARTE DE VOAR - Mariana Kant
CINEMA E GÊNERO (I) - Denilson Lopes
CINEMA E GÊNERO (II) - Denilson Lopes
A HOMOSSEXUALIDADE EM O MENINO E O VENTO - Antonio Moreno
MENINA SANTA: COMO NUM TOQUE DE THEREMIN - Aristeu Araújo
CARTA ABERTA - Domingos de Oliveira
A MONTANHA DOS SETE ABUTRES: COM AS ASAS DOS URUBUS - Aristeu Araújo
MORRO DA CONCEIÇÃO: O TEMPO DO SILÊNCIO - Aristeu Araújo
UM PÉ E MEIO - Antonio Paiva Filho
ALMANACH FESTIVALIS 2006 - Antonio Paiva Filho
O DRAGÃO QUE MORA CONOSCO - Antonio Paiva Filho
ÉLODIE BOUCHEZ: A VIDA NÃO-SONHADA (E NÃO-REAL) DOS ANJOS TORTOS - Antonio Paiva Filho
CIRANDA PATCHWORK DA BAILARINA - Antonio Paiva Filho
PARA NÃO ENTRAR DE GAIATO NESTA CONVERSA...
A BABEL QUE DEU CERTO - Entrevista de José Celso Martinez Correa
CURTA O DIA DO CURTA - Jaime Lerner
NOITE, NÉVOA, TROVOADAS E OUTRAS MANIFESTAÇÕES METEORO-BESTIALÓGICAS - Antonio Paiva Filho
A UTILIZAÇÃO DO SOM E DO SILÊNCIO EM A FESTA DA MENINA MORTA - Mariana Angelim
CINEMA DE UMA NOTA SÓ - Marcelo Marchi
VENHA PARA O TRISTE MUNDO DE MARLBORO - Marcelo Marchi
O DIA EM QUE JOGARAM A CHUPETA FORA (Sobre Strovengah, de André Sampaio) - Antonio Paiva Filho
O ROMANCE BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO REVISITA HOLLYWOOD: O CASO CIDADE DE DEUS, DE PAULO LINS - Héder Júnior dos Santos
MODERNISMO E CINEMA NOVO: PROPOSTA TÍMIDA DE INTERPRETAÇÃO SOBRE AS FRICÇÕES ENTRE A LITERATURA E O CINEMA... MODERNOS E BRASILEIROS Heder Junior dos Santos
A ADAPTAÇÃO COMO GÊNERO CINEMATOGRÁFICO - Fernanda de Souza Sbrissa
A INTERSEÇÃO NO DIÁLOGO ENTRE CINEMA E LITERATURA: A CONSTRUÇÃO DA NARRATIVA NO FILME UM COPO DE CÓLERA - Marcus Vinicius Azevedo de Mesquita
HOJE TEM FILME DE CARLITO: CINEMA E POESIA MODERNISTA - Antonio Paiva Filho
A GRANDE ILUSÃO ANTICLÁSSICO-NARRATIVA DE JEAN RENOIR - Vinicius Bandera
OZU-HARA: O SUBLIME NO CINEMA JAPONÊS - João Luiz Vieira
CINEMA BRASILEIRO: O BAKUNIN DIGITAL DE SILVIO TENDLER - Éder Rodrigues
PONTO FINAL DA JORNADA INTERNACIONAL DE CINEMA DA BAHIA - Guido Araújo
CINEMA E MÚSICA NO BRASIL DE TODOS OS SANTOS - Andersen Viana
CARTA CAPITAL, A DISPUTA PELA ANCINE E A FALTA DE DEBATE - Gustavo Gindre
ROTEIRO? PRA QUE ROTEIRO? - José Geraldo Couto
A PROPÓSITO DE MANUÉIS E JOAQUINS (OU: ROTEIRO DE CINEMA SE APRENDE EM MANUAIS?) – Antonio Paiva Filho
BATALHAS SANGRENTAS – Isabela Lino
DOIS PERFUMES, DOIS FRASCOS E UMA REFLEXÃO SOBRE A BUSCA MALOGRADA PELO SENTIDO DE COMPLETUDE A PARTIR DAS TRAJETÓRIAS DE JEANBAPTISTE GRENOUILLE (NO ROMANCE E NO LONGA-METRAGEM) E SEUS ESTREITAMENTOS COM A CONTEMPORANEIDADE – Heder Junior dos Santos
FOMENTO X REGULAÇÃO NO AUDIOVISUAL: POR UMA NOVA AGÊNCIA REGULADORA – Gustavo Gindre
AS ÚLTIMAS FALAS – Dois textos (e, talvez, grossos) de Carlos Reichenbach
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