Infliximab na Doença de Crohn

Transcrição

Infliximab na Doença de Crohn
PARECER DO GATS – nº 20/08
Responsável: Sandra de Oliveira Sapori Avelar
Data de elaboração: 10 de julho de 2008.
TEMA: INFLIXIMABE NA DOENÇA DE CROHN
INTRODUÇÃO:
A doença de Crohn é uma condição inflamatória crônica, de etiologia desconhecida que
pode afetar qualquer porção do trato gastro-intestinal, desde a boca até a região perianal.
A inflamação tem caráter transmural e extensão variável, o que provoca diferentes
quadros clínicos.
Fatiga, diarréia prolongada com dor abdominal, perda de peso e febre com ou sem perda
de sangue nas fezes são os sintomas típicos da doença de Crohn.1 Cerca de 10% dos
portadores não manifestam diarréia e outros podem ter sintomas durante anos antes do
diagnóstico ser estabelecido.
Quanto ao envolvimento do trato gastro-intestinal observa-se que:
−
Aproximadamente 80% dos pacientes tem envolvimento do intestino delgado,
usualmente do íleo, sendo que um terço apresenta, exclusivamente, quadro de ileíte.
−
Aproximadamente 50% dos pacientes manifestam envolvimento do íleo e do cólon.
−
Aproximadamente 20% têm doença limitada ao cólon, com uma tendência de poupar
o reto, o que difere a doença de Crohn da retocolite ulcerativa, na qual é muito raro
não haver envolvimento do reto.
−
Uma pequena porcentagem apresenta manifestações predominantemente na boca e
na região gastroduodenal; poucos pacientes têm envolvimento do esôfago e da
porção proximal do intestino delgado.
−
Aproximadamente um terço dos pacientes têm doença perianal.
De acordo com a intensidade e a porção do intestino atingida, a doença pode cursar com
predominância do componente inflamatório ou pode complicar com o surgimento de
obstruções (doença estenosante) ou de fístulas (doença fistulizante). Em situações de
complicações com obstrução intestinal ou aparecimento de fístulas pode ser necessária
uma abordagem cirúrgica.
1
Não há cura para a doença de Crohn. O tratamento visa a induzir a remissão do quadro
inflamatório, manter a remissão e evitar complicações.2
A definição da gravidade da doença é parte importante na escolha do tratamento.
Entre os critérios, o índice de atividade da doença de Crohn (IADC) constitui um meio
validado.
A doença de Crohn pode ser classificada como:
−
Doença leve a moderada: pacientes ambulatoriais, capazes de tolerar dieta oral, sem
desidratação, distensão abdominal, massas ou obstrução.( IADC 150-219)
−
Doença moderada a grave: Pacientes em que a abordagem terapêutica inicial tenha
falhado ou com sintomas de febre, perda de peso, dor e distensão abdominal, náuseas
e vômitos ou anemia.(IADC entre 220-450)
−
Doença grave, fulminante: Persistência de sintomas apesar de tratamento com
corticosteróides ou pacientes com febre alta, vômitos persistentes, obstrução
intestinal, distensão abdominal, caquexia ou formação de abscessos. (IADC acima de
450)
−
Remissão: Pacientes que se tornam assintomáticos espontaneamente ou após
intervenções clínica ou cirúrgica. Os pacientes assintomáticos, dependentes de
corticosteróides para manter este estado, não são considerados como em remissão.
(IADC abaixo de 150)
O tratamento depende da gravidade do quadro clínico.
Dada a heterogeneidade da doença e das opções terapêuticas, inclusive com
possibilidade de combinação de múltiplas drogas, é muito pouco provável que ensaios
controlados surjam com dados suficientes para orientar cada circunstância clínica. Além
disto, o custo da terapia, a adesão à mesma por parte dos pacientes e a susceptibilidade
à toxicidade da droga são fatores igualmente relevantes na tomada de decisão
terapêutica.3
Como regra geral, recomenda-se iniciar o tratamento com drogas mais conhecidas quanto
à eficácia e à segurança e progredir para tratamentos mais potentes e potencialmente
mais tóxicos, na medida em que o quadro clínico se defina como mais grave ou mesmo
refratário. Alguns autores têm preconizado o tratamento agressivo, com uso de
imunomoduladores e mesmo de infliximabe, no curso inicial da doença, como uma forma
de prevenir a dependência de corticosteróides. Esta conduta, entretanto, ainda não foi
devidamente estudada.
2
A terapia convencional inclui:
−
Uso de aminossalicilatos: os mais usados são a sulfasalazina e a mesalasina.
Geralmente eficazes na doença leve a moderada. Não têm papel na manutenção da
remissão induzida com medicamentos, embora possam ser úteis na manutenção da
remissão após tratamento cirúrgico.
−
Uso de antibióticos (metronidazol e ciprofloxacino): podem ser alternativa aos
aminossalicilatos na doença leve a moderada, ou podem ser associados aos mesmos,
geralmente, antes de se propor o uso de corticosteróides.
−
Corticosteróides: Geralmente empregados nos casos moderados a graves e quando
as tentativas com aminossalicilatos e antibióticos falharam. A prednisona continua a
ser o principal agente desta classe. A dose inicial é de 40 a 60 mg/dia; 60% a 80% dos
pacientes respondem bem a estas doses num período de 10 a 14 dias, quando, então,
as mesmas devem ser reduzidas de forma gradual. A budesonida, um corticosteróide
de liberação ileal controlada, pode ser usada como alternativa à prednisona, mas
apenas nos casos de acometimento ileal e de cólon ascendente.
É desafiador tratar o paciente que se mantém sintomático, qualquer que seja a
localização da doença, a despeito do uso adequado de aminossalicilatos, antibióticos e
corticosteróides. Outra situação não incomum é a recidiva dos sintomas durante o período
de retirada dos corticosteróides, o que configura uma dependência destes agentes.
Os agentes imunomoduladores, azatioprina e o seu metabólito ativo, a 6-mercaptopurina
constituem a primeira opção terapêutica nestes casos.
Geralmente, usa-se a azatioprina, na dose de 2,5 mg/Kg/dia ou a 6-mercaptopurina
(1,5mg/Kg/dia).
A resposta esperada a estes medicamentos ocorre usualmente dentro de três a seis
meses, período em que se inicia a retirada progressiva do corticosteróide. Os pacientes
em uso destes medicamentos necessitam de monitorização constante para toxicidade.
O metotrexato constitui uma opção à azatioprina e à 6-mercaptopurina para os pacientes
que manifestam intolerância a estas drogas e para aqueles com manifestações
articulares. Deve ser iniciado por via intra-muscular (25 mg/ semana), sendo esperada
uma resposta dentro de três meses.
3
INFLIXIMABE
O infliximabe é um agente biológico que foi introduzido como opção terapêutica na
doença de Crohn no fim da década de 1990. Trata-se de um anticorpo monoclonal
quimérico (com componentes humano e murino) contra o fator alfa de necrose tumoral
(TNF). Esta droga tem se firmado como uma ferramenta importante no tratamento da
doença de Crohn moderada ou grave, resistente ao tratamento convencional.3
Nesta situação, ou seja, doença moderada ou grave, com ou sem fístulas, resistente ao
tratamento convencional, o infliximabe mostrou ser eficaz na indução da remissão, na
melhora da qualidade de vida e na manutenção da remissão por até 54 semanas, após
dose única.
O infliximabe não deve ser usado como terapia de primeira linha. O seu emprego deve ser
reservado para os casos de refratariedade, a fim de que se possa proceder à suspensão
gradual dos corticosteróides. Mesmo entre os portadores de fístulas, o emprego do
infliximabe está reservado para os casos refratários ao tratamento convencional.
A dose preconizada de infliximabe é 5mg/kg nas semanas 0, 2 e 6 , seguida por
aplicações na mesma dose a cada 8 semanas4. Em estudos populacionais e em relatos
de casos, o infliximabe mostrou-se eficaz em 65% a 75% dos casos, sendo o tempo
médio para a resposta inicial de cerca de dez a quinze dias. A duração da remissão é de
cerca de oito semanas após uma única infusão.
O tabagismo e o uso concomitante de drogas imunossupressoras têm influência na
resposta inicial e na durabilidade da resposta da doença de Crohn ao infliximabe. Os
pacientes tabagistas tendem a apresentar respostas piores. O uso concomitante de
imunossupressores melhorou a resposta ao medicamento e a duração do período em
remissão.
Pode ocorrer a formação de anticorpos contra o infliximabe, o que provoca indução de
resistência além de reações intensas durante as infusões subseqüentes. Os efeitos
adversos incluem riscos mais altos de infecções, inclusive de infecções oportunísticas e
até ativação de tuberculose. Há riscos de indução de doenças malignas, sobretudo
linfomas.
Embora o FDA (Food and Drug Administration ) tenha liberado o uso do infliximabe para
crianças portadoras de doença de Crohn moderada ou grave resistente ao tratamento
convencional, em maio de 2006, essa não é uma indicação de bula para o medicamento
no Brasil.5
4
Resumo das indicações de Infliximabe na Doença de Crohn:4,6,7
−
Doença de Crohn moderada ou grave, refratária ao tratamento convencional e/ou em
pacientes dependentes de corticosteróide, em que as tentativas de retirada da droga
desencadeiam reativação da doença.
−
Doença de Crohn fistulizante, de moderada a grave intensidade, sem resposta ao
tratamento convencional.
−
A dose recomendada é de 5 mg/kg; Três doses com intervalos de duas a quatro
semanas( 0, 2 , 6 semanas) para indução, seguida de infusões de manutenção, na
mesma dose, a cada oito semanas se houver resposta adequada ao tratamento inicial.
A dose pode ser aumentada até 10 mg/kg e os intervalos entre as doses podem ser
encurtados, caso haja desenvolvimento de resistência.
−
O infliximabe não deve ser usado como terapia de primeira linha no tratamento da
doença de Crohn.
−
Os pacientes em uso de infliximabe devem ser monitorados cuidadosamente devido
ao risco de complicações potencialmente graves (infecções, neoplasias).
REFERÊNCIAS
1. Peppercorn MA. Clinical manifestations, diagnosis and natural history of Crohn's
disease in adults. Acesso em: 19 jun. 2008. Disponível em: www.uptodate.com.
2. Akobeng AK, Zachos M. Tumor necrosis factor-alpha antibody for induction of
remission in Crohn's disease (Cochrane Review). In: The Cochrane Library, n 2,
2008. Oxford: Update.Software.
3. Farrell RJ, Peppercorn MA. Medical management of Crohn's Disease in adults.
Acesso em: 19 jun. 2008. Disponível em: www.uptodate.com.
4. MacDermott RP, Lichtenstein GR. Infliximab in Crohn's disease. Acesso em: 20 jun.
2008. Disponível em: www.uptodate.com.
5. Bousvaros A, Leichtner A. Overview of the management of Crohn's disease in
children and adolescents. Acesso em: 26 jun. 2008. Disponível em:
www.uptodate.com.
6. National Institute for Clinical Excellence (NICE). Guidance on the use of infliximab
for Crohn's disease. Acesso em: 26 jun. 2008. Disponível em: www.nice.org.uk
7. Behm BW, Bickston SJ. Tumor necrosis factor-alpha antibody for maintenace of
remission in Crohn's disease (Cochrane Review). In: The Cochrane Library, n 2,
2008. Oxford: Update Software.
5
8. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria SAS/MS n 858, de 12 de novembro de 2002.
Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas Doença de Crohn, Sulfasalazina,
Mesalazina, Metronidazol, Ciprofloxacina, Hidrocortisona, Predinisona, Azatioprina,
6-Mercaptopurina, Metotrexate, Ciclosporina, Infliximabe, Talidomida. Acesso em:
14
jul.
2008.
Disponível
em:
http://www.conass.org.br/admin/arquivos/PORTARIA_SAS_NR_858_12_NOVEMB
RO_2002.pdf
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