Índia

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CONFISSÕES
RELIGIOSAS
Hindus73,1%
Muçulmanos13,7%
Cristãos4,7%
Animistas4,1%
Outros4,4%
Cristãos
69.299.260
Católicos
18.813.000
Circunscrições
eclesiásticas
165
SUPERFÍCIE
3.287.263km2
POPULAÇÃO
1.214.464.000
REFUGIADOS
185.323
DESALOJADOS
500.000
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O ano de 2009 voltou a providenciar provas do crescente aumento
da violência baseada em motivos religiosos. De acordo com o relatório que o ministro dos Assuntos Internos, Ajay Maken, apresentou à
Rajya Sabha (a Câmara alta do Parlamento indiano), nos últimos cinco
anos registaram-se mais de 3.800 ataques extremistas. Este relatório apenas menciona ataques registados pelas autoridades, podendo
o número real ser ainda mais elevado. Num aumento contínuo, o
número de ataques relatados cresceu de 677 em 2004 para 943 em
2008. O relatório afirma que onze estados da União não sofreram qualquer ataque em 2009, mas, não obstante, o país assiste a uma média
de dois ataques por dia. Os estados que lideram esta infame tabela
são Maharashtra (681), Madhya Pradesh (654) e Uttar Pradesh (613). O
relatório sobre a violência religiosa e étnica radical foi apresentado à
Rajya Sabha na sequência de uma revisão da lei especial, apelidada de
Lei da Violência Comunal e datada de 2005, a qual voltou a dominar
o debate político na sequência dos recentes ataques contra minorias
religiosas, particularmente muçulmanos em Gujarate e cristãos em
Orissa. Enquanto o Governo de Nova Deli estuda novas medidas judiciais e policiais para combater o fenómeno – sendo o empenho em
tal sentido significativo, à imagem do que tem feito o Departamento
de Estado dos EUA -, as vítimas da violência queixam-se da invisibilidade das autoridades e da crescente insegurança, mormente a nível
local. Orissa é o exemplo mais pungente. Num encontro organizado
a 7 de Dezembro de 2009 em Berhampur, líderes cristãos, activistas
dos direitos humanos e habitantes do distrito de Kandhamal, descreveram a situação, na sequência dos distúrbios anti-cristãos do Verão
de 2008, levados a cabo por grupos radicais hindus. Nessa ocasião,
cerca de 5000 residências foram incendiadas ou saqueadas, cerca de
300 igrejas foram destruídas, mais de 50.000 pessoas foram forçadas
a refugiar-se, e foram apresentadas quase 2.500 queixas, das quais
apenas 823 foram registadas pelas autoridades policiais.
As vítimas de tais distúrbios duvidam que o processo judicial traga
resultados concretos, não acreditando ainda que as indemnizações
prometidas pelas autoridades sejam pagas por inteiro (as indemnizações pelos violentos ataques de 2007 não foram, ainda, totalmente
saldadas). Por estes motivos, criaram a Sampradayik Hinsa Prapidita Sangathana, a Associação das Vítimas de Violência Extremista,
apoiada pelos bispos católicos de Bhubaneswar e Berhampur, pelo
Bispo Evangélico de Bardhan e por organizações como o Conselho
Cristão da Índia e a Human Rights Law Network. Subsistem vários
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problemas não sanados, que oscilam entre o ritmo lento a que residências e igrejas têm
sido reconstruídas e a insegurança que continua a afectar os cristãos que habitam naquela
região. O Sampradayik Hinsa Prapidita Sangathana pretende monitorizar as necessidades
específicas das vítimas, promover projectos de apoio, especialmente os destinados a mulheres e crianças, e agir de forma solidária, para assim pressionar as autoridades civis.
Uma atmosfera de insegurança e impunidade generalizada tem também atormentado a
comunidade muçulmana, uma das maiores do mundo, assim como a dos Siques, vítimas
de uma feroz campanha de violência em 1984, pela qual os reais autores da mesma jamais
tiveram de responder à justiça. A Comissão Norte-Americana sobre Liberdade Religiosa Internacional (CNALRI) acrescentou a Índia à sua “lista de enfoque”, a qual inclui países nos quais
minorias étnicas e religiosas sofram discriminações graves. As relações entre a Índia e os EUA
no âmbito da liberdade religiosa têm sido tensas há já algum tempo. O relatório anual sobre
a liberdade religiosa elaborado pela CNALRI e apresentado em Washington, a 1 de Maio, menciona “sinais positivos” por parte da Índia. Em Julho, contudo, a Comissão requereu uma visita
a Orissa para aí verificar as dificuldades atravessadas pelos refugiados cristãos naquela zona
e as suas condições na sequência dos distúrbios de 2008. As autoridades indianas, contudo,
recusaram-lhe vistos de entrada, facto que degenerou em controvérsia.
A situação política
“Estou orgulhoso do meu país; o povo forneceu à classe política um claro mandato em prol
da liberdade religiosa.” Foi desta forma que o Cardeal Oswald Gracias, Arcebispo de Mumbai e presidente da Conferência Episcopal Indiana (CEI), comentou os resultados das eleições
gerais que, em Maio de 2009, redundaram na vitória da Aliança Progressiva Unida (APU) – a
coligação liderada por Sonia Gandhi e Manmohan Singh, do Partido do Congresso – e nos
desaires do partido nacionalista hindu, o Bharatiya Janata (PBJ), e da Third Front, esta última
conotada com a esquerda. Em 2009, e pela primeira vez na história da Índia, uma mulher,
Meira Kumar, de 64 anos, a qual é também uma Dalit, foi eleita como líder da Câmara Baixa
(Lok Sabha).
Cinco Dalits fazem parte do Governo, incluíndo-se nove mulheres entre os ministros nomeados, e entre estas a muito jovem Agatha Sangma, a qual cumpre já o seu segundo mandato
no Parlamento. Filha de Shri Sangma, líder do Partido Nacional do Congresso, é católica e
uma de quatro cristãos nomeados ministros no novo Governo. Os outros são o ministro da
Defesa A. K. Antony, e os ministros de Estado K. V. Thomas e Vincent Pala. A Agatha Sangma
foi confiado o Ministério do Desenvolvimento Rural, o qual lidera em colaboração com Pradeep Jain, do Partido do Congresso Nacional Indiano.
As eleições, contudo, não foram pacíficas e justas em toda a parte. Em Orissa, por exemplo, e
nas aldeias de Kandhamal violentamente atacadas em 2008 por extremistas hindus, apoiantes do PBJ reuniram-se junto às secções de voto, ameaçando cristãos no sentido de que estes
votassem em partidos nacionalistas. Sajan George, presidente do Conselho Global dos Cristãos Indianos, afirmou que, “no exterior das secções de voto, os extremistas ordenavam aos
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cristãos que votassem no ‘lótus’ (Nota do Editor: símbolo do PBJ) se quisessem evitar sérias
ameaças às suas vidas” e, apesar de não se terem registado incidentes de violência real, “não
se pode certamente falar de eleições pacíficas e tranquilas.”
Face à tensão entre o povo, o P. Ajay Singh – director do Jan Vikas, o departamento social da
Diocese de Bubhaneswar – decidou empreender um périplo por numerosas aldeias e vilas do
distrito. “Nas aldeias de Kattingia e Lingagada, aqueles que se apresentaram para votar foram
alvo de ameaças. Em Nilungia (Nota do Editor: onde um cristão tribal havia sido assassinado
nos meses que antecederam a eleição), as pessoas disseram-me que pelo menos quarenta
cristãos não votaram por recearem ser agredidos.” O P. Singh refere que há muitos refugiados
ainda demasiado assustados para regressarem às suas aldeias. Cita o exemplo de alguns
cristãos de Betticola, aldeia na qual extremistas hindus tentaram construir um templo sobre
as ruínas da igreja paroquial católica, incendiada durante os distúrbios do passado Agosto.
“Nem uma das trinta e oito famílias daquela aldeia moram hoje nas suas próprias casas”,
afirma o P. Singh, “e sete cristãos, de entre aqueles que se apresentaram nas secções de voto,
foram impedidos de votar por não possuírem documentos. As suas explicações foram ignoradas. Recordaram aos responsáveis eleitorais que os seus bilhetes de identidade e certificados
haviam sido destruídos no decorrer da violência. A resposta que receberam foi que “as regras
são iguais para todos. Sem bilhete de identidade não se pode votar!’”
A derrota dos partidos nacionalistas hindus e dos partidos de extrema esquerda
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De acordo com alguns analistas indianos, uma das explicações para a pesada derrota do PBJ
foi a decisão do partido nacionalista em explorar, como fizera no passado, os conflitos interétnicos e religiosos como plataforma para a chegada ao poder. Assistiu-se a um aumento
percentual de 4 a 5% na abstenção, comparativamente às anteriores eleições parlamentares
(para a Lok Sabha, em 2004). Um dos jornais diários mais lidos, o The Times of India, publicou
um editorial no qual afirmara peremptoriamente que, “o velho subterfúgio de causar distúrbios entre as comunidades religiosas para assim polarizar os eleitores, fórmula a que o PBJ
pareceu recorrer até, pelo menos, aos ataques de 2008 contra cristãos em Orissa, irá causar
uma diminuição na participação eleitoral.” Os dois restantes motivos apresentados pelos jornais como causas da derrota do PBJ foram, em primeiro lugar, o facto de ter apoiado Narendra
Modi (Nota do Editor: ministro-chefe de Gujarate), cuja reputação ficara manchada pelos ataques a muçulmanos em Gujarate em 2002, como candidato ao cargo de primeiro-ministro.
Em segundo lugar, o discurso eleitoral proferido em Março de 2009 pelo candidato do PBJ,
Varun Gandhi - neto do fundador da Índia, o secular Jawarhalal Nehru - gerou controvérsia,
pois ele prometeu aos seus apoiantes que “cortaria as mãos dos muçulmanos que ameacem
hindus.” A incitação ao ódio custou ao jovem Gandhi duas semanas na prisão sendo posteriormente libertado sob fiança. Varun Gandhi foi eleito posteriormente para a câmara inferior do
Parlamento nas eleições de Abril-Maio de 2009, mas o seu lugar poderá ser invalidado devido
a estas declarações. A verificação legal ainda estava a decorrer em Agosto de 2010. “Este é
um novo século, no qual a destruição de uma mesquita para aí construir um templo dificil233
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mente fará parte da agenda política de um partido”, adianta o redactor-chefe do The Times of
India. De acordo com analistas, de forma a poder sobreviver, o PBJ necessita de “cortar todos os
laços com a extrema direita”, por outras palavras, com o Rashtriya Swayamsevak Sangh (RSS), o
Vishwa Hindu Parishad (VHP), o Bajarang Dal (BD) e a assim denominada Sangh Parivar (família), associações de militantes hindus que estão por trás da violência contra cristãos e muçulmanos. Enquanto o partido recrutar “os seus líderes de entre os pregadores (pracharak) do RSS,
será impossível cercear este cordão umbilical”, conclui o editorial.
As eleições implicaram ainda a derrocada dos bastiões comunistas de Kerala e Bengala Ocidental. Os dois estados, liderados por partidos de esquerda, assistiram a um avassalador
sucesso do Partido do Congresso. Em Kerala, o Partido Comunista Marxista (PCM) passou da
vitória há cinco anos para uma derrota total. Kerala é o estado no qual os cristãos, apesar de
minoritários, representam quase 20% dos seus 31 milhões de habitantes.
Uma petição apresentada ao Supremo Tribunal de Kerala requereu que organizações de
inspiração religiosa fossem impedidas de participar na campanha eleitoral e de nomear ou
apoiar candidatos. Há já algum tempo que o Partido Comunista em Kerala tem estado em
conflito aberto com a hierarquia católica. Especificamente, os políticos Marxistas opõem-se
ao trabalho social e educacional daquela Igreja. Já os bispos e os fiéis reclamam o direito de
operar livremente na vida social da nação, e de promover actividades sociais a todos os níveis.
Os conflitos entre a Igreja e militantes comunistas estão fortemente enraízados na história
de Kerala. Em 2009, foi celebrado o 50º aniversário do Vimochana Samaram. Tratou-se do
conflito pela liberdade contra o Governo estadual Marxista-Comunista, levado a cabo pela
Igreja Católica em 1959, juntamente com a comunidade Hindu Nair.
O apelo dos líderes cristãos
Tendo em conta as eleições de Abril-Maio de 2009, os líderes de organizações ou órgãos cristãos, como a União Católica Indiana, o Conselho Nacional de Igrejas da Índia, e o Conselho
Cristão da Índia (CCI), redigiram um memorando dirigido a todos os partidos políticos.
Neste memorando, relembraram aos políticos que a pobreza e o desemprego “preocupam
todos os cidadãos, independentemente da sua religião, casta ou género”, e que a crise que
afecta as regiões rurais “é monumental e exige uma intervenção urgente”. À crise económica,
agravada pela recessão global, juntou-se “uma não menos grave crise social que se manifesta através da intolerância religiosa, de casta e género.” As comunidades cristãs esperam
que a liderança do país “fortaleça o poder da lei”, assim pondo fim à impunidade de que
gozam aqueles responsáveis pelos ataques a minorias. Os autores do memorando lamentam a imunidade atribuída a “administradores locais, polícia e criminosos” que, graças às
suas acções, colocaram em perigo a liberdade religiosa. O documento recorda aos partidos
políticos que a Constituição de 1950 garante a todos os Dalits os mesmos direitos e privilégios até então apenas outorgados a Siques e Budistas, mas não a cristãos. Mencionam ainda
a urgente necessidade de colocar um ponto final na discriminação contra as mulheres, de
desmascarar a “campanha de desinformação” implementada pelos partidos políticos e pelos
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meios de comunicação social, para garantir “um nível de vida adequado” aos cristãos refugiados em campos no distrito de Kandhamal e de “assegurar que os campos permaneçam
operacionais até que as condições adequadas estejam criadas para o regresso dos refugiados
às suas casas”, assim como “providenciar posteriores indemnizações” àqueles que perderam
as suas casas, propriedades e empregos devido à violência.
A situação legislativa
Leis anti-conversão
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Apesar da Constituição indiana garantir a liberdade religiosa, a qual inclui também o direito
à mudança de religião e ao proselitismo, a nível local as chamadas leis “anti-conversão” resultantes da actuação de políticos ultra-nacionalistas hindus, continuam presentes. O Governo
central, tradicionalmente secular, rejeita a ideologia “hindutva”, segundo a qual o Hinduísmo e as suas regras culturais e religiosas têm prevalência relativamente a todas as outras
religiões do país. Apesar deste facto, os princípios da “hindutva” continuam a influenciar as
agendas políticas de alguns estados e administrações locais. As leis anti-conversão foram
ostensivamente criadas para defender a liberdade de consciência. Na realidade, resultaram
na discriminação contra cristãos e membros de outras crenças, e numa vantagem para o
Hinduísmo. Proíbem e punem a conversão do Hinduísmo para outras crenças, mas não o
contrário, visto que o Hinduísmo é considerado a religião “natural” do povo Indiano e, assim,
cristãos e muçulmanos não se estão a submeter a uma “conversão”, mas simplesmente a
reabraçar a religião dos seus antepassados. De certa forma, tais leis são usadas como desculpa para ataques, por vezes violentos, durante cerimónias de baptismo ou contra aqueles
acusados de proselitismo, assim como para “justificar” a intervenção policial contra padres e
crentes, a qual implica detenções e acusações criminais.
Caso um hindu pretenda tornar-se cristão, tem primeiro de informar o magistrado distrital e obter permissão para tal. Caso não o faça, a sua conversão será anulada. Seis estados
indianos contam com uma lei anti-conversão nos seus Códigos Penais: Arunachal Pradesh,
Gujarate, Madhya Pradesh, Chhattisgarh, Himachal Pradesh e Rajastão.
O óbvio carácter discriminatório desta lei é demonstrado, caso tal fosse necessário, pela
“reconversão” ao Hinduísmo de milhares de cristãos, a qual é amplamente publicitada em
opulentas cerimónias, bastas vezes relatadas pelos órgãos de comunicação locais.
O Governo central mantém actualizada uma lista de livros proibidos pela possibilidade de
causarem “tensões religiosas ou interétnicas”. O Governo do Rajastão também proibiu livros
considerados “blasfemos” para com divindades hindus.
A lei não é igual para todos...
A discriminação de castas é ilegal na Índia, mas apenas no papel. Na realidade, e especialmente nas áreas rurais, as castas mais baixas, que incluem muçulmanos, cristãos, hindus,
budistas e siques Dalits, são confrontadas com variados obstáculos à progressão social.
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Em Dezembro de 2009, a Comissão Nacional para as Minorias Religiosas e Linguísticas
(CNMRL) apresentou à Lok Sabha uma proposta para uma amenda à lei que durante cinquenta e nove anos tem dividido os membros das Castas Reconhecidas, tendo por base as
suas crenças religiosas. Foi a primeira vez que o Parlamento indiano debateu um pedido
para a atribuição aos Dalits cristãos e muçulmanos dos mesmos direitos até então apenas
garantidos a Hindus e Budistas pertencentes às Castas Reconhecidas. O relatório, elaborado
por Rangnath Mishra, antigo presidente do Supremo Tribunal, sugere “que o Parágrafo 3 da
Ordem Constitucional (Castas Reconhecidas) datada de 1950 e originalmente destinada a
Dalits hindus, e mais tarde alargada a siques e budistas, mas que ainda exclui muçulmanos, cristãos, jainitas, parsis, etc., deveria ser totalmente eliminada, através de uma medida
apropriada, por forma a separar totalmente o estatuto de Dalit da religião e assim garantir
completa neutralidade à categoria social das Castas Reconhecidas, no que toca à religião, tal
como sucede já com as Tribos Reconhecidas”.
O relatório da CNMRL antecipa a aprovação de uma nova lei que estabeleça quotas garantidas para todas as Castas Reconhecidas no que toca ao emprego estatal e representação
política. A posição daqueles nas Castas Reconhecidas que se converteram ao Islão ou ao Cristianismo é ainda tema de debate, dado que, de momento, ao mudarem de religião, perdem
todos os direitos de que gozavam previamente. De acordo com Asha Das, membro do Secretariado da Comissão, deveria ser-lhes atribuído o estatuto de Outras Classes Atrasadas e não
o estatuto de Castas Reconhecidas.
A CNMRL afirma que a Ordem Constitucional (Castas Reconhecidas) colide com os Artigos
14º, 15º e 25º da Constituição. O problema levantado pelo relatório de Rangnath havia já sido
analisado pelo Supremo Tribunal, o qual expressara a esperança de que a lei fosse revista. Em
2000, os parlamentos dos estados de Bihar, Uttar Pradesh e Andra Pradesh aprovaram leis
para o tratamento equalitário de todos os Dalits. A questão nunca antes havia chegado à Lok
Sabha, contudo, e isto apesar das promessas feitas por sucessivos primeiros-ministros e dos
protestos locais e nacionais por parte de muçulmanos e de cristãos Dalits.
A chegada do relatório da CNMRL à Lok Sabha deu-se na sequência de uma infindável série
de iniciativas por parte de Dalits cristãos e muçulmanos no sentido de verem os seus direitos
reconhecidos. A 18 de Novembro, em Nova Deli, milhares de cristãos e muçulmanos Dalits de
toda a Índia protestaram em conjunto, exigindo direitos semelhantes aos dos Dalits hindus.
Em resposta a esta mobilização, o Partido Bharatiya Janata e a organização dos Dalits hindus
organizaram um protesto nacional durante dois meses, o qual teve início em Novembro de
2009, em defesa da lei de 1950. O PBJ acusou o Governo de trair a Constituição e de conspirar
em prol das minorias.
Não é fácil recorrer no caso de uma minoria
Em Dezembro de 2009, o Governo Singh anunciou emendas ao Código Penal. Mudanças na
Secção 372 permitem agora que cidadãos individuais recorram de uma sentença em tribunal, sem a autorização (como requerido anteriormente) de um agente da autoridade. Tais
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emendas foram levadas a cabo para tornar mais fácil que vítimas de perseguições religiosas
recorram contra sentenças desfavoráveis.
O Governo central atribuiu 279 milhões de dólares ao Ministério das Minorias para 20092010, um aumento de 74% relativamente ao ano anterior.
Uma nova lei da educação – uma ameaça à autonomia das escolas cristãs
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Em Agosto de 2009, o Governo central aprovou uma nova lei sobre “educação gratuita e
obrigatória”, obrigando a que todas as escolas privadas criassem comités de supervisão que
deverão incluir representantes dos governos locais. De acordo com a Igreja Católica da Índia,
tal lei é (em alguns aspectos) “um passo na direcção certa”, mas a imposição de políticos
arrisca minar a liberdade de educação, levando à interferência política na administração de
escolas privadas. O P. Babu Joseph, porta-voz da Conferência Episcopal Indiana (CEI), explica
que “o Governo fez uma escolha importante que é um passo na direcção certa” e que remedeia “o grave atraso na garantia de educação para todas as crianças [Nota do Editor: com
idades compreendidas entre os 6 e 14 anos].” A nova lei, contudo, também inclui a Cláusula 21,
a qual afirma que todas as escolas que receberem subsídios estatais devem criar um comité
administrativo de supervisão composto por representantes eleitos pelas autoridades locais,
pais de educandos e professores. O objectivo de tais comités é desenvolver um forte laço
entre as comunidades locais e as escolas. A Igreja, contudo, expressou sérias preocupações
relativamente à liberdade e independência das mais de 10.000 escolas católicas do país.
A CEI já afirmou desejar discutir o problema com o ministro para o Desenvolvimento dos
Recursos Humanos, por forma a salvaguardar a liberdade e direitos garantidos pela Constituição às minorias e “continuar a cooperar com o Governo para proporcionar educação de
qualidade às crianças da Índia.”
As escolas católicas, assim como as protestantes, fazem uma importante contribuição para o
sistema educacional do país, o qual é maioritariamente confiado a escolas privadas. O P. Babu
observa que “60% das nossas escolas situam-se em zonas rurais e providenciam educação às
crianças mais pobres e marginalizadas da sociedade, as quais representam 55% de todos os
alunos. As raparigas [Nota do Editor: muitas vezes excluídas da escola] estudam nas nossas
escolas e apenas alguns alunos são cristãos. A maioria é hindu, muçulmana, ou pertence a
outras religiões.” A nível local, e no afamado Gujarate, uma circular enviada em Outubro pelo
Governo do extremista hindu Narendra Modi, e confirmada pelo Supremo Tribunal do estado,
ordenou, por seu turno, que as escolas que recebessem subsídios estatais apresentassem às
autoridades públicas os nomes de candidatos a novos postos de trabalho, antes de os contratar. A razão oficial para tal medida passa por garantir que todo o pessoal de ensino detenha
um adequado nível de educação e também para evitar redundâncias. As minorias receiam
que tal permita a interferência na administração das escolas. Em Kerala, em Jammu e em
Caxemira, assim como em Gujarate, são frequentes episódios de interferência política.
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As escolas privadas são também habitualmente alvo de ataques violentos. A 6 de Julho de
2009, um grupo de desconhecidos irrompeu na Escola Secundária de Santo Estevão, em
Dahod, no Gujarate Oriental, atacando os padres que geriam a mesma. Aparentemente, a
razão para o ataque foi um pedido feito por alguns professores no sentido de que as raparigas removessem as suas tradicionais tatuagens henna. Apesar da escola autorizar as alunas a utilizarem tatuagens, os professores achavam que as decorações que ocupassem o
braço inteiro eram excessivas. A Irmã Archana, professora naquela escola, afirmou à AsiaNews: “Num instante, como se de um plano premeditado se tratasse, um grupo de pessoas
irrompeu na escola, acompanhado por jornalistas. Primeiro, perguntaram por que razão as
autoridades escolares estavam a pedir às raparigas que lavassem as suas tatuagens; depois,
dirigiram-se ao director, o P. C. Rayappan, insultaram-no e agrediram-no.” O director da escola
suspeita que o episódio “foi uma vingança por parte das famílias cujas crianças não haviam
sido admitidas no jardim de infância.” No final, antes de deixarem a escola, os invasores apedrejaram o local dedicado à Virgem Maria, quebrando o vidro e danificando a estátua.
Violência contra a comunidade cristã
A violência anti-cristã não conheceu fim durante 2009. Karnataka, Orissa e Tamil Nadu continuam a ser estados infames por ataques a comunidades minoritárias. De acordo com a “Lista
Parcial dos Mais Graves Incidentes Anti-Cristãos na Índia”, elaborada pela Irmandade Evangélica da Índia, tem ocorrido uma média de três ataques violentos por semana; pelo menos
152 no decorrer do ano. As mais frequentes formas de perseguição oscilam entre ameaças
pessoais e ataques a igrejas, acusações falsas de conversão forçada, e mesmo o assassinato
de sacerdotes. Em Novembro de 2009, três igrejas foram atacadas em outros tantos dias
em Tamil Nadu. A 1 de Dezembro, um grupo de extremistas hindus atacou a Igreja do Sul da
Índia, em Sulur, um bairro suburbano de Coimbatore. Os extremistas haviam previamente
atacado a igreja a 30 de Novembro quando, após partirem vidros, arremessaram pedras para
o interior da igreja. Imediatamente após os confrontos, foi encontrado um saco perto da
igreja, contendo gasolina, gasóleo e pedaços de algodão. A intenção óbvia era a de incendiar
o recinto de oração. Líderes cristãos locais acreditam que o objectivo era causar o pânico
entre os habitantes não-hindus. Anteriormente, a 29 de Novembro, uma bomba destruíra as
paredes da igreja de Thammathukonam. Nesse mesmo dia, extremistas atacaram a igreja
de Konamkade, onde profanaram a estátua de São Francisco Xavier quando as congregações
locais se reuniram para uma procissão do Advento.
O Conselho Global dos Cristãos Indianos (CGCI) revelou que a intolerância religiosa está a
aumentar em Karnataka e em outros estados governados pelo Partido Bharatiya Janata.
Durante a noite de 17 de Novembro, um grupo de indivíduos não-identificados atacou a Igreja
Beersheba de Deus, em Humanabad, no distrito de Bidar, em Karnataka. Às 3 horas da madrugada, um grupo de indivíduos irrompeu na igreja, arrancou as portas pelas dobradiças, destruíu janelas e mobiliário, e removeu o crucifixo do topo do edifício. A comunidade cristã que
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frequenta a Igreja Beersheba de Deus, cerca de oitenta fiéis liderados pelo Pastor Devadas
Chandrapa, de 32 anos, informou a polícia em Humanabad e os meios de comunicação social
locais. Tratou-se do enésimo acto de vandalismo contra um local de culto cristão relatado nas
últimas semanas do ano neste estado indiano. A 12 de Novembro, um grupo de radicais hindus pertencentes ao Vishva Hindu Parishad (VHP) havia interrompido a construção de uma
igreja em Bhadravati, no distrito de Shimoga. Os extremistas apresentaram queixa do pastor
da comunidade local junto das autoridades, acusando-o de ter efectuado conversões forçadas. A Autoridade para o Desenvolvimento de Shimoga investigou o sacerdote e pediu-lhe
que respondesse às acusações contra ele feitas pelo VHP. Em finais de Dezembro, haviam-se
já registado sessenta e seis ataques a igrejas cristãs em Karnataka. A 14 de Dezembro, atiraram pedras ao altar de Santo António na Igreja do Sagrado Coração, em Kolaigiri (Udupi). O
Comissário Distrital de Polícia, Pravin Madhukar Pawar, inspeccionou o local do incidente e
assegurou que as forças de segurança “estavam a dedicar toda a necessária atenção a estes
eventos” perpetrados por pessoas “que pretendem arruinar a atmosfera pacífica do distrito
de Udupi.” A 12 de Dezembro, membros do coro da Igreja Metodista de São Paulo foram atacados por extremistas. Novamente a 14 de Dezembro, onze fiéis foram detidos por algumas
horas numa esquadra da polícia em Virapt, após serem acusados de levar a cabo conversões
forçadas. Por este mesmo motivo e no mesmo dia, um pastor protestante e a sua mulher
foram agredidos por membros de grupos extremistas. O Conselho Global dos Cristãos Indianos culpou o Governo e o “inexplicável atraso no aumento da segurança, apesar do crescente
número de incidentes”, algo que não sucede por coincidência, precisamente no período que
antecede as festividades natalícias.
Reconversões
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As igrejas são muitas vezes atacadas também como retaliação por alegadas “conversões forçadas”. A 19 de Abril, por exemplo, um grupo de fanáticos hindus atacou e danificou uma
igreja protestante na aldeia de Saoner, a 40 km de Nagpur, no estado de Maharashtra. A
violência chegou também à Igreja Memorial Douglas, onde cristãos se encontravam a orar
durante uma celebração dominical. Duas mulheres ficaram feridas quando tentavam deter
os intrusos, os quais estavam a destruir o mobiliário da igreja ao mesmo tempo que cantavam Jai Shree Ram e Jay Bajrang (“Victória para Rama, nosso Senhor!” e “Victória para Hanuman”). Duas organizações nacionalistas hindus, a VHP (Vishwa Hindu Parishad) e a Bajrang
Dal, negaram ter desempenhado qualquer papel nos ataques, afirmando, contudo, que a violência havia sido infligida por “hindus que estavam zangados com as conversões religiosas”
na região. No dia do ataque, no entanto, a polícia havia detido três líderes do VHP, Uddhav
Choudhary, Vinod Bagde e Umesh Athavankar. Outras quatro pessoas, membros do Bajrang
Dal, foram detidas no dia seguinte. Os vândalos destruiram livros de oração e uma Bíblia,
abriram armários à força, danificaram instrumentos musicais e o altar. Dez minutos antes do
ataque, alguns membros do VHP levaram uma carta às esquadras da polícia, pedindo a sua
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intervenção nas conversões em Saoner e ameaçando com “acção vigorosa” contra a Igreja
devido ao trabalho caritativo desta, destinado sobretudo aos mais pobres.
O tema das conversões forçadas emerge ciclicamente no debate político local e nacional. O
primeiro-ministro Singh destacou-se em inúmeras ocasiões por pedir ao Governo que alargasse ao país inteiro as leis anti-conversão em vigor em cinco estados, mas não incluídas na
Constituição, a qual, pelo contrário, reconhece a liberdade religiosa. O medo de uma distorção
da cultura indiana e a traição das tradições hindus são argumentos muitas vezes utilizados
pelos políticos mais radicais e por variados swamis, os líderes religiosos hindus.Têm ocorrido
diversos episódios nos quais os grupos marginais mais extremos dos movimentos nacionalistas acusam predominantemente cristãos, mas também muçulmanos, de levarem a cabo
conversões forçadas, mormente junto de povos tribais e das classes mais desfavorecidas. Os
cristãos, e principalmente a Igreja Católica, são “culpados” de promover a igualdade social, o
que colide com o milenar sistema de castas.
A 7 de Maio de 2009, as autoridades detiveram cinco cristãos em Narsinghpur, Madhya Pradesh, acusando-os de conversões forçadas, após extremistas hindus terem irrompido num
encontro de oração promovido por um grupo evangélico, atacando e ferindo vários participantes, como noticiou a Compass News Direct. O relatório da polícia não menciona se os
extremistas hindus foram também detidos. A 5 de Abril de 2009, em Bilaspur, em Chhattisgarh, a polícia deteve o cristão Gyan Singh. Quatro hindus, que afirmaram ter sido convidados pelo mesmo para um encontro de oração, acusaram-no de conversão forçada. As autoridades libertaram-no posteriormente, após pagamento de fiança. A 17 de Fevereiro de 2009,
no distrito de Surguja, também em Chhattisgarh, onze pastores da Igreja dos Crentes foram
detidos com base na lei anti-conversão, após alguns extremistas hindus terem interrompido
um encontro de oração autorizado, destruíndo Bíblias e atacando os líderes da comunidade.
Os pastores foram libertados sob fiança no dia seguinte.
Apesar de tal raramente ocorrer, também siques atacam comunidades cristãs sob a desculpa
de conversões forçadas. A 20 de Abril de 2009, no distrito de Durg, Chhattisgarh, um grupo
de siques atacou alguns pastores cristãos que aí se haviam deslocado oriundos de Nova Deli.
Os líderes cristãos eram siques convertidos, e os siques ficaram irritados pelo facto de os pastores ainda terem o cabelo comprido e a barba que são símbolos da religião Sique. Os siques
acusaram os pastores de causar divisões interconfessionais e pediram que eles fossem presos. A polícia enviou os pastores de volta a Nova Deli, mas não tomou quaisquer medidas
contra os agressores.
Igualmente frequentes são as demonstrações públicas durante as quais os swamis (líderes
espirituais hindus) mais radicais provovem “reconversões” forçadas de volta ao Hinduísmo,
como propaganda contra a alegada invasão da Índia por culturas estrangeiras. De acordo
com Rajnath Singh, presidente do PBJ, “é necessário controlar o fenómeno alargado das conversões, as quais são alegadamente patrocinadas por poderes estrangeiros.” O líder do partido hindu, discursando a 31 de Outubro em Bhopal, acusou os “missionários estrangeiros de
usarem a religião para se infiltrarem na Índia e corromperem a sua cultura.” Singh descreveu
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ÍnDiA
as “conversões ilegais em massa” como “uma ameaça à segurança interna do país” e citou
estatísticas segundo as quais “30% das populações tribais em Chhattisgarh e Jharkhand
mudaram de religião.”
O que realmente sucede são “reconversões forçadas” em massa ao Hinduísmo, como aconteceu a 26 de Outubro de 2009, em Thane, a cerca de 50 km de Mumbai (Maharashtra). Pelo
menos 6000 cristãos foram reconvertidos ao Hinduísmo pelo Swami Narendra Maharaj. A
reconversão ao Hinduísmo é a missão específica de um grupo liderado pelo guru Narendra
Maharaj. Duas vezes por ano, organizam-se opulentas cerimónias para celebrar o retorno à
religião tradicional indiana. O porta-voz do grupo afirmou que, com os últimos 6000 casos,
o número total daqueles que se reconverteram chegou aos 94.000, e previu que “nos próximos dois anos iremos chegar aos 100.000.” Este fenómeno está amplamente implantado
nas áreas suburbanas de Mumbai, e os seguidores de Narendra Maharaj recebem o auxílio
de várias organizações no sentido de identificar aqueles que pretendem reconverter-se. O
porta-voz adianta ainda que estes são “homens infelizes que foram convertidos ao Cristianismo à força” e que regressam ao Hinduísmo “sem coacção ou garantias.”
Sajan George, presidente do Conselho Global dos Cristãos Indianos, afirma que “os cristãos
também são detidos quando se reúnem para rezar na privacidade das suas próprias casas,
ou mesmo quando se limitam a distribuir literatura religiosa, apesar de tais direitos estarem
garantidos pela Constituição.” A polícia age com base nos Artigos 153º A e 295º A 1 do Código
Penal indiano. O primeiro pune “aqueles que promovam ou procurem promover o ódio ou a
má-vontade entre os diferentes grupos, castas ou comunidades religiosas, raciais, regionais
ou linguísticas. Ou “qualquer acto prejudicial à manutenção da harmonia.” O segundo artigo,
por seu turno, debruça-se sobre “actos deliberados e maliciosos, os quais pretendem ofender
os sentimentos religiosos.” Sajan George afirma que apenas uma intenção discriminatória
pode explicar o comportamento das autoridades estatais, as quais são escrupulosas na aplicação destas leis contra os cristãos, mas são “espectadores silenciosos quando se trata da
reconversão de 6000 pessoas de volta ao Hinduísmo.”
Em Novembro, H. T. Sangliana, anterior membro da Lok Sabha e patrono da Rede de Missões
de Karnataka, anunciou que extremistas hindus haviam infiltrado membros nas comunidades cristãs para depois construir falsas acusações de conversões forçadas. Este político cristão eleito pelo PBJ em 2004 e agora membro do Congresso Nacional Indiano, afirma que este
expediente é agora amplamente utilizado pelos marginais hindus mais radicais, para criar
uma “psicose” entre os cristãos e “envenenar” a opinião pública.
As acusações de conversões forçadas têm-se tornado um hábito em Karnataka. Em Novembro, um caso envolvendo duas estudantes alojadas no Bethel Boarding Hostel em Udyavara,
terminou sem consequências. As raparigas declararam terem sido forçadas pela responsável
do recinto a ler a Bíblia e disseram ter visto os responsáveis a levar cerca de trinta crianças à igreja de Ajjarkad com o intuito de as converter. A polícia não encontrou provas que
suportassem as alegações e as sessenta e três pessoas acusadas foram ilibadas de todas as
acusações. Sangliana, também antigo oficial do Serviço da Polícia Indiana, adianta que foram
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ÍnDiA
apresentadas na esquadra da polícia setenta e quatro queixas referentes a conversões, não
tendo sido também encontrada qualquer prova das mesmas.
Ataques físicos e assassinatos de padres e pastores
A violência, contudo, não se limita aos locais de culto, envolvendo também indivíduos e
implicando agressões físicas e assassinatos. A 11 de Março de 2009, um grupo entre trinta a
quarenta pessoas atacou o Pastor Erra Krupanamdam, da Igreja Bethel, quando este regressava do mercado. O pastor, que sofreu danos permanentes na coluna vertebral, participou o
ataque à polícia e foi detida uma pessoa. A 16 de Janeiro de 2009, extremistas hindus atacaram o Pastor Yakobu no distrito de Karimnagar. Entraram na sua residência na alvorada e
atacaram-no, gritando “nenhum pastor irá viver nesta aldeia.”
O Conselho Global dos Cristãos Indianos (CGCI) noticiou o caso que envolveu um jovem deficiente cristão atacado a 6 de Novembro no distrito de Shimoga. O CGCI divulgou ainda a
discriminação contra cristãos na distribuição de auxílio às vítimas das inundações em Karnataka. Sajan K. George, presidente do CGCI, afirmou que, nos distritos de Raichur, Bellary,
Bijapur e Gulbarga, cristãos e Dalits nem sequer eram tomados em conta na distribuição de
bens “necessários à sobrevivência.”
A 25 de Outubro, no Madhya Pradesh, um pastor protestante foi atacado por onze extremistas armados com sticks de hóquei, imediatamente após a missa de Domingo. Em Julho, um
padre da diocese siro-malabar de Belthangady (em Karnataka, Sul da Índia) foi encontrado
assassinado e despido numa rua da aldeia de Thottathady. O chanceler da diocese, P. Tomy
Mattom, afirma ter sido “uma execução planeada.”
De acordo com a primeira reconstrução, o P. James, de 39 anos, morreu quando regressava à
sua paróquia, após ter oficiado um funeral na aldeia de Thottathady. O P. Tomy afirmou que
o corpo apresentava ferimentos e que havia indicações de que o sacerdote poderia ter sido
estrangulado. O Monsenhor Mukkuzhy adiantou que uma autópsia havia já sido efectuada.
“Não conseguimos compreender”, prosseguiu, “como alguém o poderia querer matar. Uma
coisa é certa, não se tratou de um roubo.”
A 30 de Março de 2009, um cristão de 23 anos, Gunjan Digal, foi atropelado e morto por
um tractor quando caminhava à beira da estrada de Gungibadi, aldeia do infame distrito de
Kandhamal. A polícia tratou o caso como um “acidente” trivial, mas alguns grupos de defesa
dos direitos dos cidadãos, como o CGCI, descreveram o ocorrido como “um assassinato planeado.” A religião da vítima era amplamente conhecida na aldeia, onde apenas se contam
vinte e uma famílias cristãs. Testemunhas oculares, presentes na cena do incidente, confirmaram ter-se tratado de um “assassinato premeditado.” Gunjan Digal caminhava ao lado da
estrada, existindo espaço mais que suficiente para o tractor se desviar. O condutor, cuja identidade permanece desconhecida, dirigiu o tractor directamente contra o jovem, matando-o
de forma instantânea.
Um mês antes, uma vez mais em Orissa, na aldeia de Rudanja, um outro cristão, Hrudananda
Nayak, de 40 anos de idade, foi morto por extremistas hindus.
242
Orissa
A frustração e o medo sentidos pelas vítimas
ÍnDiA
“Enquanto 2007 e 2008 vão entrar na história como os anos mais sangrentos para o Cristianismo moderno na Índia”, explica John Dayal, activista para os direitos dos cristãos e membro do Conselho Estatal para a Integração Nacional, “2009 foi certamente o ano das frustrações em torno da ausência de justiça para as vítimas da violência inter-religiosa.” Apesar das
detenções que se sucederam aos tumultos anti-cristãos de 2008, o calvário dos cristãos em
Orissa é infindável. As vítimas da violência continuam a enfrentar problemas na apresentação de queixas, nos testemunhos e na obtenção de indemnização. Muitos dos refugiados
criados pelos conflitos ainda não podem regressar a casa, numa altura em que as autoridades ordenaram o encerramento dos campos de refugiados.
Na área mais afectada pelos conflitos, o distrito de Kandhamal, grupos de radicais hindus
mataram, incendiaram igrejas e residências, e destruíram colheitas. O debate em torno do
número real de vítimas mortais prossegue entre o Governo de Orissa e os grupos cristãos.
As autoridades afirmam que, no máximo, foram mortas algumas dezenas de pessoas, mas
um representante do Partido Comunista-Marxista-Leninista local, e membro do Governo do
estado, estima que 500 pessoas tenham morrido e que ele próprio deu autorização para a
cremação de pelo menos 200 cadáveres.
Das 50.000 que fugiram ao massacre, cerca de 20.000 encontraram refúgio em campos
organizados pelo Governo. O P. Nithiya, secretário-executivo para a Justiça e a Paz, visitou
alguns dos sobreviventes na aldeia de Gobalpur. “Os campos de refugiados governamentais
estão a ser encerrados”, adiantou à AsiaNews, “e as pessoas estão a ser mandadas embora
com pequenas indemnizações de cerca de 10 mil rupias (cerca de 153 euros). As pessoas têm
medo e procuram imigrar para outros distritos ou estados. A segurança é melhor em cidades
maiores, mas em aldeias longínquas não há segurança para os cristãos.”
As vítimas recebem ainda cinquenta quilos de arroz e rolos de polietileno para tentarem reparar as suas habitações danificadas. Após regressarem às suas aldeias, muitos vivem entre ruínas. Tiras de plástico são usadas como telhados e pedaços de madeira ou plantas utilizadas
como paredes. Não há, contudo, nenhuma segurança. No início de 2009, grupos extremistas
hindus seguiram cristãos que regressavam de campos de refugiados, acordaram-nos a meio
da noite e ameaçaram-nos. Confrontados com tais incidentes, aqueles que regressaram não
procuram sequer reparar as suas habitações, receando que os radicais hindus as voltem a
destruir. São igualmente pressionados no sentido de assegurar que retirem acusações relativamente a agressões violentas cometidas pelos seus vizinhos.
Em Janeiro, o Supremo Tribunal indiano convidou o Governo de Orissa a demitir-se caso se
prove ser incapaz de proteger as minorias. De facto, o Governo local havia utilizado os denominados “comités de paz”, extremamente hostis relativamente às minorias religiosas, para
impor a retirada de queixas apresentadas por cristãos contra aqueles responsáveis pela des243
ÍnDiA
truição das suas residências durante a primeira fase da violência hindu, perpetrada entre 24
e 27 de Dezembro de 2007. Pelo menos 107 igrejas e cerca de um milhar de residências cristãs
foram incineradas, assim como diversas habitações hindus (na aldeia de Brahminigaon). O
instigador desta violência anti-cristã foi Laxamananda Saraswati, vice-presidente do Vishwa
Hindu Parishad (VHP), cujo assassinato por grupos maoistas a 23 de Agosto de 2008 resultou
numa segunda onda de violência.
Uma nova dimensão de terror em Kandhamal surgiu com a emergência de dois novos grupos
aparentemente trabalhando em uníssono. Um destes é uma milícia civil, patrocinada pelo
Governo e paga com fundos estatais. Oitocentos homens irão ser destacados em Kandhamal. O segundo é um grupo de cerca de oitenta jovens, que viajaram em 2008 para Gujarate,
tendo agora regressado bem-treinados e armados. Tal grupo anunciou ir matar cristãos no
dia 23 de cada mês, em memória do assassinato de Saraswati. O Governo de Orissa permanece em silêncio quanto a esta questão, ao passo que os meios de comunicação social procuram apresentar tal grupo como um braço separatista dos Maoístas responsáveis pela morte
de Saraswati no Agosto transacto.
Os meios de comunicação social têm auxiliado no envenenamento da atmosfera com informações falsas e partidárias. Os jornais e canais televisivos de língua Oriya continuam a atacar políticos, líderes religiosos e cristãos activistas dos direitos humanos.
No que toca à situação humanitária, o Governo estadual afirmou não ter a certeza daquilo
que irá ocorrer após a retirada da Polícia Federal. Entretanto, a situação permanece complicada para os refugiados. Uma delegação da Comissão Europeia visitou campos de refugiados
na área de Kandhamal, assim como em Andhra Pradesh, antes do Natal. Peritos médicos que
têm trabalhado com os refugiados nos campos de Raikia e G Udayagiri referem casos de anemia generalizada entre grávidas e mães recentes. A saúde das crianças nascidas nos campos
desde Agosto de 2008 deixa muito a desejar no que toca a cuidados neo-natais e de nutrição.
Os riscos de segurança são ainda significativos se tomarmos em conta a bomba que, a 27
de Setembro, explodiu no campo de refugiados Nandamaha, em Betticola, matando um
homem e ferindo quatro outros, de entre as trinta e duas famílias que habitam no local. As
investigações demonstraram que a vítima foi o próprio bombista, que estava a preparar a
bomba quando esta explodiu. Tinha chegado ao campo cinco dias antes, não sendo, contudo
e ao contrário dos restantes refugiados, oriundo da aldeia de Batticola. A polícia de Udayagiri,
à qual compete esta região, encontrou ainda quatro revólveres e uma bomba caseira junto ao
campo. Praveen Kumar, comissário da polícia de Kandhamal e responsável pela investigação,
afirmou que o ataque pode ter sido obra de militantes maoístas. Sajan K. George, director do
Conselho Global dos Cristãos Indianos, rejeita tal hipótese e acredita que os responsáveis são
extremistas hindus.
Investigações e detenções
Em Abril de 2009, o Governo indiano criou dois tribunais de acção rápida com o objectivo
de ouvir os casos das vítimas de Kandhamal. Apesar disso, os julgamentos são lentos e mui244
tos dos casos são rejeitados devido ao facto de existirem “provas insuficientes.” A eficiência
de tais julgamentos tem sido limitada pelo facto de os promotores públicos não falarem
Oriya, a língua local usada nestes casos. Têm ocorrido também vários incidentes envolvendo
a intimidação de testemunhas e a discriminação contra as suas famílias. Fontes da AsiaNews
revelaram que Kantan Nayak, uma das principais testemunhas no julgamento daqueles que
violaram a Irmã Meena Barwa, foi sujeito e intimidação por parte de indivíduos não-identificados que o instaram a não testemunhar no caso, a não ser que quisesse ser assassinado.
Foi preciso esperar por Novembro de 2009 para que, pela primeira vez, o Governo admitisse
que foram movimentos hindus os culpados pelos conflitos do Verão anterior. O ministrochefe de Orissa, Naveen Patnaik, reconheceu oficialmente o envolvimento directo de organizações radicais hindus na violência anti-cristã em Kandhamal, após ser interrogado por
Adikand Sethy, deputado pelo Partido Comunista da Índia (PCI). Patnaik, o que nas eleições
de Abril-Maio de 2009 abandonou o PBJ, afirmou que “as investigações aos distúrbios em
Kandhamal revelaram que o Rastriya Swayam Sevak (RSS), o Viswa Hindu Parishad (VHP) e o
Bajarand Dal (BD), estiveram envolvidos na violência. Militantes destas organizações foram
detidos.” As declarações oficiais de Patnaik representam um passo em frente decisivo nos
incidentes envolvendo violência contra cristãos. Até então, o Governo de Orissa havia sempre
evitado as questões envolvendo a origem hindu da violência, descrevendo os eventos de Kandhamal como conflitos étnicos tribais.
De acordo com o Arcebispo Raphael Cheenath, de Cuttack-Bhubaneswar, “agora que o
Governo de Orissa reconheceu que organizações radicais hindus estão por detrás dos massacres de cristãos inocentes, esperamos que estes sejam chamados a tribunal para responder
pelos mesmos.” O advogado Dibakar Parichha, que aconselha e representa as vítimas dos
tumultos, relembra que “foram denunciados à polícia 837 casos e feitas mais de 3000 queixas, relativamente a 415 aldeias. Apesar disso, apenas vinte e sete indivíduos foram presentes
a tribunal, ao passo que os restantes continuam em liberdade. Como se pode falar de paz e
justiça quando os homens responsáveis pelos incêndios, raptos e assassinatos, caminham
impunes pelas ruas?”
ÍnDiA
No entanto, se por um lado as autoridades reconhecem agora a responsabilidade de extremistas hindus, por outro fazem o possível para negar as suas próprias responsabilidades
no ocorrido. Durante o trabalho da Comissão de Inquérito à violência de Agosto de 2008, o
antigo presidente da Câmara de Kandhamal, Gangadhar Singh, culpou as “conversões ilegais”
ao Cristianismo, ao passo que o inspector-geral da polícia se desculpou, afirmando não estar
consciente das ameaças maoístas contra hindus. De acordo com o Bispo de Bhubaneswar,
todos haviam acordado a expulsão da minoria cristã daquela região.
A 19 de Novembro, o tribunal especial de Orissa para os conflitos de 2008, sentenciou nove
pessoas a quatro anos de prisão e multa de 3.500 rupias, cerca de 50 euros. Apesar disso,
têm ocorrido mais absolvições que condenações, mesmo na presença de provas irrefutáveis
contra os acusados.
245
ÍnDiA
O advogado Rasmi Ranjan Jena listou os elementos que tornam tão problemática a obtenção
de justiça em Kandhamal. “Os métodos de investigação são fracos e faccionados; as menções
de detenções nos registos da polícia e a sua apresentação nos tribunais enfraquece os julgamentos; as vítimas e testemunhas sofrem com a ausência de segurança física e social, tanto
dentro como fora das salas de audiência; as testemunhas são ameaçadas; a falta de partidos
democráticos e de direita, capazes de contrabalançar a supremacia do PBJ e do RSS, ajuda os
culpados e contamina a atmosfera nos tribunais.”
Para os cristãos que habitam em Orissa, há sempre a possibilidade do pesadelo de encontrar os seus atacantes de há mais de um ano nas ruas da aldeia. O clima de impunidade de
que disfrutam, acima de tudo, as personalidades mais importantes dos movimentos hindus,
aumenta o receio de que a paz e a justiça jamais sejam possíveis. A série de absolvições
assegurada por Manoj Pradhan, político do PBJ e deputado ao Parlamento de Bhubaneswar,
é disto um flagrante exemplo. Em Outubro de 2009, de facto, o Tribunal Superior de Orissa
libertou sob fiança este deputado do Parlamento local, pertencente ao PBJ e acusado de ser
um dos cabecilhas da violência em Kandhamal. A decisão do tribunal aplicou-se a todas as
catorze acusações apresentadas contra Pradhan, absolvido em duas anteriores ocasiões por
“falta de provas” em dois casos de assassinato de que havia sido acusado.
A 18 de Outubro de 2009, as forças policiais de Orissa detiveram Madhu Baba, do Jalespeta
Ashram, a 310 km de Bhubaneswar, levando-o para a prisão de Baliguda, onde permanece
detido. As autoridades judiciais recusaram-se a autorizar uma fiança. Fontes na esquadra
da polícia de Baliguda afirmaram que a detenção nada tem a ver com os ataques extremistas em Kandhamal e que os agentes policiais tinham recebido informações sobre possíveis
ataques de minorias contra Madhu Baba. O líder hindu é uma das figuras mais controversas
do VHP em Orissa, bastas vezes criticado pelas suas posições extremistas. Braço-direito de
Laxmananda Saraswati e seu sucessor na liderança do Jalespeta Ashram, Madhu Baba estava
presente aquando do assassinato do swami a 23 de Agosto de 2008, e é uma das testemunhas mais importantes. Ele próprio foi o primeiro a comunicar o crime, assim contribuindo
para os rumores de que os assassinos do líder hindu eram cristãos e não militantes maoístas
como revelado pelas investigações posteriores.
Em Julho de 2009, quase um ano após os violentos confrontos, o Governo central indiano e o
do estado de Orissa, decidiram alocar fundos para as vítimas e para a reconstrução das igrejas destruídas pelos extremistas hindus. O Governo local vai contribuir para a reconstrução
dos edifícios, providenciando 4,23 milhões de rupias, o equivalente a cerca de 62 mil euros.
É a primeira vez que o Estado providencia fundos para a reconstrução de locais de culto e
edifícios religiosos. O dinheiro vai ser usado para a reconstrução de 196 edifícios, igrejas e
locais de culto pertencentes a várias denominações cristãs, maioritariamente do distrito de
Kandhamal. O Governo central, por sua vez, destinou 10,5 milhões de rupias (154 mil euros)
para trinta e cinco famílias que perderam familiares durante os ataques de Agosto.
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Em finais de 2009, das mais de 4.640 casas incendiadas durante os ataques de 2008, apenas
200 haviam sido totalmente reparadas. De acordo com estimativas optimistas de organizações cristãs, até finais de 2010 outras 2.500 serão reparadas, mas outras 2000 permanecerão
em ruínas.
O destino da igreja em Betticola, no distrito de Kandhamal, destruída por extremistas hindus
em 2008, é igualmente deprimente. Após se ter cancelado a construção de um templo hindu
sobre as suas ruínas, o Governo local recusou autorização para a reconstrução da igreja,
devido ao facto de a comunidade católica não possuir documentos de propriedade. A Igreja
de Betticola foi construída num terreno comprado em nome de um padre católico tribal, que
entretanto faleceu. Dado não existirem provas de que a propriedade tenha sido legada a
outros, o Governo questiona a legalidade do próprio edifício.
A motivação política
Camufladas pela violência anti-cristã em Orissa continuam a estar as motivações políticas.
Quarenta por cento da população deste estado é formada por povos tribais ou Dalits. Tal
implica que seja um dos estados mais sub-desenvolvidos da Índia. O distrito de Kandhamal,
o qual tem sofrido violência anti-cristã nos últimos dez anos, é também uma área que tem
registado um maior número de conversões ao Cristianismo. A sua conversão tem implicado
que muitos Dalits alcancem evidentes melhorias em termos sociais e económicos. Recentemente, muitos povos tribais têm decidido seguir o exemplo dos Dalits e tornar-se cristãos.
Assim, enquanto em toda a Orissa os cristãos são apenas 2% da população, nos últimos dez
anos este número cresceu para 5% no distrito de Kandhamal. Outro factor pode ajudar a
explicar a hostilidade relativamente aos cristãos: graças à educação que recebem, os povos
tribais e os Dalits não são já susceptíveis de ser utilizados como mão-de-obra agrícola barata.
O seu sentido de dignidade e a educação dão-lhes agora a coragem para protestar contra a
exploração e a opressão.
Esforços em prol do diálogo
ÍnDiA
Em Junho, uma delegação católica, liderada pelo Cardeal Jean Louis Tauran, presidente do
Conselho Pontifício para o Diálogo Inter-religioso, encontrou-se com doze líderes espirituais
hindus em Mumbai. “Falei dos muitos episódios de violência que têm tido lugar na Índia
recentemente, tentando comprender as razões para tal. Sabemos que esta não é a face real
da Índia, um país magnífico, rico em tolerância, religião e cultura”, afirmou o cardeal no final
do encontro.
A delegação católica liderada pelo cardeal consistia em sete pessoas, entre elas o Cardeal
Oswald Gracias, Arcebispo da Arquidiocese de Mumbai, o qual foi o anfitrião; o Monsenhor
Pedro Lopez Quintana, Núncio Apostólico na Índia; o Monsenhor Felix Machado, Arcebispo
de Nashik; e o Monsenhor Thomas Dabre, recentemente nomeado Bispo de Pune. Os hindus estiveram representados por doze líderes espirituais da comunidade indiana, liderados
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ÍnDiA
pelo Swami Sankaracharya Kanchi Kamakoti Mutt. O encontro de Mumbai resultou de uma
iniciativa liderada pelo Cardeal Gracias, o qual encorajou estas discussões, parcialmente em
resposta ao desejo de diálogo e debate entre representantes das duas comunidades religiosas expressas pelo Swami Sankaracharya. O caminho iniciado na sequência do diálogo de
Mumbai é o do entendimento mútuo e da contribuição de hindus e cristãos para a sociedade
indiana. “O diálogo inter-religioso tem resultados muito práticos”, afirmou o Cardeal Tauran,
“como a paz e o desenvolvimento para todos.”
A 16 de Outubro, por ocasião do Festival Hindu de Diwali, o Festival da Luz, a mensagem do
Conselho Pontifício para o Diálogo Inter-religioso mencionou que o verdadeiro desenvolvimento humano é alcançado quando há respeito pelas liberdades de cada indivíduo, incluindo
a vontade política para trabalhar e garantir uma maior protecção dos direitos humanos e um
clima de co-existência pacífica.
Terrorismo e tensão entre hindus e muçulmanos
A ameaça e o medo do terrorismo, quer perpetrado por activistas locais, como os Maoístas, ou por activistas estrangeiros ou regionais, como os grupos paquistaneses ou oriundos
do Bangladesh, permanecem muito elevados na Índia e continuam a fomentar um clima
de suspeita generalizada relativamente à comunidade muçulmana. Em Fevereiro de 2010,
uma bomba explodiu na German Bakery (Padaria Alemã) em Pune, Maharashtra, matando
dezassete pessoas e ferindo outras cinquenta. A Bakery é um popular ponto de encontro
para turistas e locais, tendo as suspeitas recaído imediatamente sobre o grupo extremista
Lashkar-e-Taiba, o qual combate pela independência de Caxemira. Não se registaram represálias contra a comunidade muçulmana após este massacre mas, de acordo com os analistas,
isto deve-se mais ao nível de educação e integração do povo de Pune do que aos esforços
governamentais para suster quaisquer tensões inter-religiosas. O nível de violência rebelde
no estado de Jammu e Caxemira caiu em 2009, apesar de elementos ligados ao Governo e
mesmo civis continuarem a ser mortos. Em Dezembro de 2009, cerca de quarenta pessoas
ficaram feridas quando a polícia decidiu usar gás lacrimogéneo e bastões para dispersar uma
procissão durante a festividade xiita do Muharram, em Jammu e Caxemira. Encontros de tal
tipo estão proibidos nesta região desde 1989, e as autoridades apenas autorizam pequenos
encontros e procissões nas áreas maioritariamente xiitas.
Subsistem também receios em torno de alguns episódios que indicam uma tendência para
“talibanizar” o extremismo hindu. A 24 de Janeiro de 2009, o grupo extremista hindu Sri Ram
Sena atacou um bar em Mangalore, agredindo as mulheres aí presentes por considerar as
mesmas “indecentes”. A 7 de Fevereiro de 2009, membros do Sri Ram Sena raptaram a filha
de um deputado de Kerala e de uma jovem muçulmana, por estes falarem um com o outro
enquanto viajavam num transporte público. Os atacantes foram detidos e imediatamente
libertados sem qualquer acusação.
A 11 de Julho de 2009, e no início do seu primeiro ano escolar no Colégio Sri Venkatarama
Swamy em Bantwal, perto de Mangalore, no estado de Karnataka, uma jovem estudante
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ÍnDiA
muçulmana, Aysha Asmin, chegou à aula usando o véu, de acordo com as tradiçoes islâmicas.
As regras escolares proíbem que as raparigas usem os dhotis negros, como é habitual para os
devotos hindus de Ayappan, mas não há qualquer proibição relativamente ao uso do hijab,
o qual é utilizado por muitas mulheres muçulmanas para cobrir a cabeça. Contudo, alguns
colegas apresentaram objecções; afirmavam que o véu de Aysha era um símbolo religioso
provocatório, e pediram que a escola proibisse a rapariga de utilizar o véu na sala de aula. A
6 de Agosto, as autoridades escolares proibiram Aysha de usar o véu. Um encontro entre os
pais da rapariga e o director da escola, Sitaram Mayya, não produziu quaisquer resultados.
Este último afirmou que a aluna não estava a utilizar um véu, mas antes uma “meia-burqa”,
e que proibir o uso do véu foi a única maneira de evitar criar tensão entre os alunos.
O incidente no colégio em Bantwal atraiu a atenção da opinião pública do estado de Karnataka, onde as relações entre muçulmanos e hindus são bastas vezes marcadas por conflitos
e controvérsias. Em muitas cidades e aldeias há uma lei não-escrita que proíbe jovens de
distintas religiões de falarem uns com os outros em público. As consequências de uma tal
atmosfera são acima de tudo arcadas pelas mulheres, as quais são vítimas habituais de violência e discriminação, infligida pelas margens mais extremistas de ambas as religiões.
Muitas vezes as consequências desta desconfiança reflectem-se no quotidiano das comunidades. Em muitas cidades, um muro inultrapassável de preconceito, suspeição e ignorância impede que muçulmanos encontrem habitação. Em Mumbai, pouco depois de proceder
ao pagamento da entrada para um apartamento num bairro da moda, um famoso actor
de Bollywood viu o seu contrato ser rescindido, logo após o administrador da propriedade
ter descoberto que se tratava de um muçulmano. O actor, Emrann Hashmi, denunciou este
facto à Comissão Estatal para a Protecção das Minorias, a qual tem o dever constitucional
de defender tais direitos. Contudo, alguns partidos políticos culparam Hashmi. Sanjay Bedia,
membro do Partido Bharatiya Janata, acusou Hashmi de preconceito, e denunciou o mesmo
à polícia por proferir declarações ofensivas contra a comunidade.
A comunidade muçulmana de Nova Deli, contudo, afirma que o que sucedeu com Hashmi
em Mumbai ocorre diariamente na capital, uma cidade que ainda assim é uma mistura de
variadas identidades regionais e religiosas. Isto afecta não apenas os muçulmanos comuns,
mas também aqueles com níveis superiores de educação, como quadros, engenheiros, médicos e jornalistas, os quais não conseguem encontrar propriedades nas melhores zonas residenciais de Deli. A Velha Deli, por seu turno, permanece um bastião da comunidade muçulmana. Também aqui, no entanto, se começa a assistir à mudança. A vontade de viver na sua
própria comunidade é também evidente na Cidade Murada, onde comerciantes hindus têm
vivido desde há séculos ao lado de muçulmanos. Muitos estão agora a vender as suas casas
a muçulmanos e a partir para outros locais.
O mais recente relatório sobre o estatuto social e económico dos muçulmanos na Índia, o
Relatório Sachar de 2006, condenou as condições discriminatórias experimentadas pela
comunidade no acesso à educação, ao crédito, e na compra ou aluguer de propriedades, comparativamente ao que sucede com a maioria hindu.
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ÍnDiA
A violência de 2002 em Gujarate – ainda uma ferida em aberto
Em Abril de 2009, o Supremo Tribunal indiano nomeou uma Comissão de Inquérito especial
para analisar o papel desempenhado pelo governador de Gujarate, Narendra Modi – membro
do PBJ – e por cinquenta outros indivíduos, nos massacres que devastaram este estado em
2002, causando a morte de mais de um milhar de pessoas, a maioria das quais muçulmanas.
Os confrontos étnico-religiosos de 2002 causaram um número indeterminado de mortes
em Gujarate – algumas fontes falam de 2.000 vítimas mortais – e 150.000 refugiados. A
violência deflagrou após a morte de sessenta hindus durante um ataque a um comboio na
cidade de Godhra, alegadamente levado a cabo por um grupo islâmico. Modi, líder do Partido Bharatiya Janata (PBJ), e na altura já governador daquele estado, é mormente acusado
de ter estado envolvido no assassinato de um deputado. Contudo, uma considerável secção
da opinião pública considera que este importante membro do partido nacionalista hindu
deve também ser levado perante a justiça para responder pela aprovação tácita dada aos
revoltosos, e pela inércia demonstrada pelas autoridades na prestação de auxílio às vítimas
do massacre. De acordo com Lenin Raghuvanshi, director do Comité Popular para a Supervisão dos Direitos Humanos, a criação de uma Comissão “prova que o genocídio de minorias
muçulmanas em Gujarate está ligado ao Governo do estado.”
Persistem, contudo, alguns sinais de esperança. A 21 de Dezembro de 2009, o Estádio Supari
Talao, no município de Bandra, Mumbai, foi palco de um concerto de Natal que contou com
a presença de cristãos, hindus e muçulmanos. O evento, organizado pela ONG Atmawishwas,
foi patrocinado por Ashish Shelar, o novo rosto do PBJ. O advogado de 36 anos, e líder daquele
partido hindu no Conselho Administrativo do estado de Maharashtra, escolheu “Vamos celebrar juntos o nascimento de Jesus” como designação para o evento. O Festival de Natal, como
foi nomeado por aqueles que no mesmo participaram, reuniu cerca de 4000 pessoas, que
escutaram canções e hinos, alguns dos quais escritos por não-cristãos, como “Noite Santa”
e “Hoje é Natal”, compostos e interpretados pelo cantor muçulmano Bashir Sheikh. Ashish
Shelar explicou que o Festival de Natal é uma iniciativa organizada “como sinal de expressão
cultural” e baseada “nos valores exibidos há séculos pela Constituição indiana.” Shelar afirmou ainda que “enquanto advogado, há muito que estou empenhado na defesa dos direitos
da comunidade cristã, e é admirável o facto desta nunca ter protestado contra a lei, sendo
reconhecida pela predisposição para o diálogo, para a tolerância e para a paz.”
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