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Agradecimentos A Sua Santidade o XVII Karmapa Orgyen Trinle Dorje o Buda da Compaixão nesta era degenerada. Aos Meus Lamas do Coração: Bokar Tulku Rimpoche e Tenga Rimpoche yoguis que mantem viva a chama da esperança e do treino místico. A Minha Mãe Protetora que nesta encarnação conhecemos pelo nome de Angela, As Dakinis da atividade Vania e Paula, que tanto me ajudam a ajudar aos outros. Meus Filhos Daniel e Ines discípulos eternos. A Sonielson Luciano de Souza, Escritor, Poeta, Amigo e Aluno que realizou gentilmente todas as correções possíveis com muito carinho e dedicação. 1 "Nós falamos demais, amamos raramente, odiamos freqüentemente. Nós bebemos demais, gastamos sem critérios. Dirigimos rápido demais, ficamos acordados até muito mais tarde, acordamos muito cansados. Lemos muito pouco, assistimos TV demais, perdemos tempo demais em relações virtuais, e raramente estamos com Deus. Multiplicamos nossos bens, mas reduzimos nossos valores. Aprendemos a sobreviver, mas não a viver; adicionamos anos à nossa vida e não vida aos nossos anos. Fomos e voltamos à Lua, mas temos dificuldade em cruzar a rua e encontrar um novo vizinho. Conquistamos o espaço, mas não o nosso próprio. Fizemos muitas coisas maiores, mas pouquíssimas melhores. Limpamos o ar, mas poluímos a alma; dominamos o átomo, mas não nosso preconceito. Escrevemos mais, mas aprendemos menos; planejamos mais, mas realizamos menos. Aprendemos a nos apressar e não, a esperar. Construímos mais computadores para armazenar mais informação, produzir mais cópias do que nunca, mas nos comunicamos cada vez menos. Estamos na era do 'fast-food' e da digestão lenta; do homem grande, de caráter pequeno; lucros acentuados e relações vazias. Essa é a era de dois empregos, vários divórcios, casas chiques e lares despedaçados. Essa é a era das viagens rápidas, fraldas e moral descartáveis, das rapidinhas, dos cérebros ocos e das pílulas 'mágicas'. 2 Um momento de muita coisa na vitrine e muito pouco na dispensa. Lembre-se de passar um tempo com as pessoas que ama, pois elas não estarão aqui para sempre. Lembre-se de dar um abraço carinhoso em seus pais, num amigo, pois não lhe custa um centavo sequer. Lembre-se de dizer 'eu te amo' à sua companheira (o) e às pessoas que ama, mas, em primeiro lugar, se ame. Um beijo e um abraço curam a dor, quando vêm lá de dentro. Por isso, valorize sua família, seus amores, seus amigos, a pessoa que lhe ama e aquelas que estão sempre ao seu lado". Jorge Carlim 1937-2008 3 Indice Prefácio Antes do Início O Início Duas histórias parecidas: Simeão e Asita As provações: Discipulado A Cruz A Importância do Mestre – Guru – na superação dos obstáculos na vida do discípulo Compaixão Hipocrisia Espiritual A Pratica Transformadora Amor e Compaixão Como Treinar a Compaixão Para ver a verdade você tem que ficar cego ao mundo: 5 9 29 35 64 84 88 102 123 137 155 165 172 O Saulo que está em nós deve acordar! 177 Invocando a presença do espírito 183 4 Prefácio Desde o aparecimento de Jesus milhares de discípulos que foram inspirados pela sua luz e compaixão realizaram em si mesmos e pelo seu próprio esforço, o ideal de vida e de meditação transformando-se nas tochas que iluminaram os caminhos dos peregrinos. Eles estudavam e meditavam constantemente em silêncio fora das cidades, no deserto, nas catacumbas, longe dos olhos dos seres humanos que estavam imersos na luta cotidiana pela sobrevivência. Nos primórdios do Cristianismo, existiam muitas correntes que discutiam se Jesus poderia ser ou não considerado homem, divino ou ambos, porém, nesta obra discutir se Jesus era Deus ou humano, não tem mais importância, já que quando estudamos e pomos em prática seus ensinamentos, a transformação de nosso espírito é evidente e verdadeira. Podemos pensar que Ele sendo a encarnação de Deus, veio para nos mostrar o Caminho de como nos libertar de todas as amarras internas e externas que nos impedem de viver plenamente na sua luz e no seu amor. No entanto já desde o início do Cristianismo, sempre esteve presente no seu seio uma dualidade perniciosa que maculou o desenvolvimento de toda a sua longa história. Esta dualidade começa a ser sentida quando foram celebrados os concílios e onde infelizmente pensamentos dogmáticos e racistas começam a permear todo tipo de discussão levando os “eruditos” - que interpretavam os seus ensinamentos à luz de sua própria ignorância – a impor sua fé mediante o uso da espada. Já com o advento da Reforma Protestante iniciada por M. Lutero, no século XVI, a utilização do pensamento discursivo veio a criar um enorme cisma no seio da igreja romana. Inicialmente M. Lutero não teve a pretensão de dividir o povo cristão, mas devido à proporção que suas 95 teses adquiriram, este fato foi inevitável. Para que todos tivessem acesso às escrituras que, até então, encontravam-se somente em latim, ele traduziu a Bíblia para o idioma 5 alemão, permitindo a todos um conhecimento que durante muito tempo foi guardado somente pela igreja. Neste momento histórico a Igreja Católica vinha, desde o final da Idade Média, perdendo sua identidade. A burguesia comercial, em plena expansão no século XVI, estava cada vez mais inconformada, pois os clérigos católicos estavam condenando seu trabalho. O lucro e os juros, típicos de um capitalismo emergente, eram vistos como práticas condenáveis pelos religiosos. Por outro lado, o papa arrecadava dinheiro para a construção da basílica de São Pedro em Roma, com a venda das indulgências (venda do perdão). No campo político, os reis estavam descontentes com o papa, pois este interferia muito nos comandos que eram próprios da realeza. E, por último, o novo pensamento renascentista também fazia oposição aos preceitos da igreja. O homem renascentista começava a ler mais e formar uma opinião cada vez mais crítica. Trabalhadores urbanos, com mais acesso a livros, começaram a discutir e a pensar sobre as coisas do mundo. Um pensamento baseado na ciência e na busca da verdade através de experiências e da razão. Porém ainda que este tipo de pensamento nos ofereça segurança intelectual, é um ponto por demais crítico já que quando nos fiamos de nossas convicções meramente intelectuais, ou experiências meramente sensoriais, lhes adjudicando um valor inquestionável, passamos a desprezar qualquer experiência mística que a fria razão não pode compreender. Como sempre desde os primórdios do Cristianismo os místicos são ignorados e obrigados a continuar a se refugiar no anonimato. Porém eles são os únicos que realmente podem ter acesso a uma verdadeira experiência transformadora. São os místicos que vivenciam o amor e a compaixão de Jesus, enquanto os eruditos ficam se digladiando verbalmente com palavras bonitas e floridas sobre o significado das escrituras, e mantêm nos seus 6 corações desprezo e ódio por aqueles que não compartilham com o seu modo de pensar. Se tivéssemos mestres que nos ensinassem como realizar plenamente Jesus em nosso ser, em nosso dia a dia, os obstáculos apresentados a cada minuto pelo materialismo consumista - que é uma das causas da depressão em que o homem moderno está imerso - seriam radicalmente eliminados da mente dos seres. Como diria Madre Teresa de Calcutá: “hoje se preza mais a honra do que o amor, a competição mais do que a serenidade, a arrogância mais do que a cooperação”. Com relação a minha pessoa, eu nasci num lar católico e durante toda minha infância estudei em escola católica, porém graças a um padre jesuíta, encontrei a Sabedoria de Buda e o estudo dessa filosofia desde meus treze anos me levou até os mestres do Oriente e Ásia, onde encontrei as respostas que necessitava experimentando na meditação a mística Budista que é ensinada nos Himalaias. Antes de abraçar os ensinamentos do Sr. Buda, sempre estive rodeado de sacerdotes católicos, que se dividiam em duas alas: Os que tinham abandonado a igreja por não encontrar nela as respostas aos seus anseios mais profundos, e aqueles que acomodados nas paróquias não tinham nenhum problema em se aliar com a ditadura fascista e em nome de Deus mandar matar seus próprios irmãos. Hoje, após quarenta e três anos treinando a mística Budista, decidi escrever estas palavras para oferecer a você leitor uma idéia, ou quem sabe uma explicação um pouco diferente, mais humana, menos dogmática. Minha intenção é colaborar, não é atacar, nem destruir, não acredito que algum ser humano possa ter a verdade absoluta, já que a própria condição humana é falha, ela mesma então não pode albergar o absoluto. Minha idéia é dar uma esperança àqueles que sendo cristãos não querem ficar sob o jugo de algum dogma. Tantos alunos meus me falam: “eu sou cristão, porém não sigo nenhuma igreja”, “acredito em Jesus, porém não na Igreja”. 7 Não apresento uma seqüência cronológica nem quero apresentar uma tese de doutorado, quero simplesmente lhes contar o que eu entendo dos ensinamentos de Jesus desde a ótica dos ensinamentos de Buda. Não quero converter ninguém, aspiro sim que muitos dos que hoje estão perdidos e angustiados, que não encontram um caminho ou uma luz, se utilizem destas palavras para que voltem ou a ser cristãos ou escolham o seu caminho espiritual. E lembrem-se, como diz Jean – Yves Leloup no seu livro “A Montanha No Oceano” – Ed. Vozes 2002 – “Buda e Cristo não pertencem unicamente às comunidades que reclamam seus nomes e suas experiências, mas a todos os homens de boa vontade, atentos ao segredo que habita as profundezas de seu sopro e de sua consciência”. O mais importante neste momento de extrema escuridão é que os homens de boa vontade não fiquem desamparados. Obrigado No Santo Dharma Lama Zopa Norbu – Prof. Roque E. Severino 8 Antes do Início “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio junto de Deus. Tudo foi feito por ele, e sem ele nada foi feito. Nele havia a vida, e a vida era a luz dos homens”. Evangelho de São João Tentemos nos abstrair da visão antropomórfica e tomemos a palavra Deus, como um princípio criador que escapa à nossa pequena e medíocre compreensão. Pensemos sobre o que Pitágoras e os primeiros sábios do Ocidente nos falavam sobre a “harmonia das esferas” que mostram para os olhos dos místicos que cada esfera por mais minúscula que seja e até os planetas suspensos no espaço, ao se moverem num ritmo específico criam uma vibração ou som particular. Quando São João nos fala “no princípio era o verbo” o que nós entendemos por isso? Podemos aceitar que no início, antes de toda a criação, existia então um “som primordial”? E que os universos passaram a existir em união com este som? Levando este pensamento até a esfera humana, quando o feto está sendo gerado dentro da mãe, quais são os elementos que mais influenciam este embrião? O pensamento e sentimento da mãe, o som que ela emite e o som que ele escuta vindos do seu entorno. Por este motivo agora está se falando tanto para que o pai fale com a criança já nos primeiros meses da gestação para que o recém nascido reconheça seu pai no primeiro minuto de sua vida. Pelo som, o "caos primitivo" se ordenou, se sistematizou nos mundos que conhecemos. O som, no mundo físico, afeta nossas batidas cardíacas, nossos sentimentos, nossas ações. Quando você escuta um palavrão dirigido a um terceiro, este o afeta da mesma forma que quando é dirigido a você em pessoa? 9 O pensar, direcionar o pensamento a um objeto determinado e o ato de falar ou o ato de emitir um som determinado que contenha em si mesmo um sentimento, não está nos mostrando algo divino em tudo isto? No princípio era o verbo, porém antes ele está na mente do Divino Pensador, e se expressa pela palavra ou o verbo. Reza um dito antigo: “A energia segue o pensamento, ela é dirigida pelos olhos e se manifesta pelas palavras”. Reflitam sobre isso! Sempre iniciamos nossas atividades no pensar, porém para que o pensar exista é necessário que este esteja associado a imagens; até para pensar em algo abstrato como a eternidade, você pensa num céu vasto e sem nuvens. Ou seja, sempre há uma imagem. Depois que você viu a imagem tenta expressá-la em palavras, organiza-se o pensamento numa seqüência lógica e, então, é manifestado entre os homens através de palavras, que podem elevar ou destruir. Porém o processo sempre é o mesmo. Esta é a diferença de um crime ser doloso e culposo. Dentro da tradição budista o “Verbo” se expressa nos mantras, “o som da vacuidade” que muitos “eruditos” ocidentais pensam se tratar de fórmulas mágicas. Na realidade o mantra é a expressão de uma atividade espiritual, que surge de um profundo conhecimento do método a ser empregado e dos efeitos desejados. Eles muitas vezes são acompanhados pelo som físico, no entanto esta não é a condição sine qua non para que o mantra funcione. O mantra é um som espiritual, não é percebido pelo ouvido humano e sim pelo praticante em seu coração. Não pode ser expresso pela boca e sim pela mente. Novamente trazemos à tona “O verbo é um com Deus”, ou com o Logos ou a Mente. Então estas palavras do apóstolo podem fazer mais sentido. Mais o que é esta Mente? Na tradição Budista o seu nome – quando é desprovida do aspecto temporal e humano – é Dharmakaya. Dharmakaya não é em si mesma um estado relacionado às noções de ignorância ou sabedoria. Trata-se de algo original e que espontaneamente antecede a estas noções. 10 De fato Dharmakaya – Deus – é em si mesma anterior a qualquer dualidade conceitual corrompida por emoções ou noções confusas. Dentro da esfera humana é o próprio espírito de Deus em nós que está sempre presente, apesar de que nossa vida esteja imersa num profundo caos. Por isso mesmo pode-se afirmar que Dharmakaya está muito além da própria mente de pensamento. Neste contexto Dharmakaya transcende qualquer processo de experiência, qualquer atributo, já que está além de qualquer tipo de condicionamento, seja positivo ou negativo, sendo o fundamento da própria consciência, consciente de si mesma, sempre existente e plena de bem aventurança. No Dharmakaya, o conceito de Céu (libertação) ou inferno (escravidão) não tem fundamento e não pode ser aplicado. Como um aspecto não originado e inextinguível, Dharmakaya encontrase sempre presente em todo momento e em todo lugar, não pode ser conhecido, somente pode ser reconhecido pela própria experiência do santo místico quando em retiro profundo ele quer chegar ao âmago de seu próprio ser – na tradição cristã, um exemplo vivo deste reconhecimento encontra-se na vida de Francisco de Assis. Dharmakaya não está limitada nem pelas circunstâncias nem pelos conceitos do espaço e tempo. Também não sofre mutação alguma, já que ele está antes de qualquer mutação, e em si mesma há o absoluto. Neste sentido, Dharmakaya vai muito além de qualquer realização, carece de definição, ainda que se defina pela sua própria pureza primordial. Darmakaya é o substrato de todo fenômeno manifesto e de todo ser senciente, tenha ele tendências divinas ou demoníacas. Concluindo, Dharmakaya é tudo quanto existe e ao mesmo tempo está muito além de todo o existente. Repetindo João: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio junto de Deus” 11 “Nele havia a vida, e a vida era a luz dos homens” A vida espiritual que nos anima não é diferente da mente ou do espírito. Aliás, procure o significado da palavra spiritus, e poderá observar que quer dizer sopro divino, ou sopro vital. Este sopro vital é aquele que se manifesta através de todas as nossas atitudes e palavras em nossa vida. Também este sopro vital pode ser visto através de nossos olhos, por este motivo na tradição chinesa, tibetana, mongol, japonesa e praticamente no Ocidente antigo, as pessoas observavam se alguém tinha ou não valor pelo simples fato da força de seu olhar. Hoje assusta encontrar pessoas com os olhares vazios, sem expressão alguma. Lembremos que a luz interna dos homens - a força de seu espírito – tem a sua correspondência com o brilho em seus olhos. Por este motivo tanto no Oriente como nas tradições ocidentais antigas era só olhar para os olhos das pessoas que se podia conhecer a força de seus atos e de sua vida. A Luz dos Homens Santos que é pintada sempre ao redor de sua cabeça é a luz que permeia todo o seu corpo físico. Ainda existem mestres e místicos que não necessitam de lâmpadas para olhar na escuridão, sua luz emitida pelo próprio corpo já é o suficiente. Dentro da tradição budista esta vida de luz está representada pelo Corpo de deleite, ou Sambhogakaya (samboga = deleite, kaya = corpo). No Sambhogakaya todos os sons do universo reverberam em seus verdadeiros significados, é a palavra e ao mesmo tempo a força da palavra, é o prazer e ao mesmo tempo a felicidade que ele causa. Em termos de fala humana, a vibração primordial, o verbo, evoluiu nas sílabas do alfabeto sânscrito, uma das três línguas sagradas. O que caracteriza uma língua ser sagrada é a capacidade de ela criar combinações infinitas; na humanidade encontramos somente três línguas que possuem esta característica: a chinesa, que guarda em si todas as idéias possíveis que um ser humano pode conceber; A hebraica, porque nela está contido o número em sua expressão mais pura; e a sânscrita, porque nela está guardado o som primordial do universo. 12 Anteriormente falei dos mantras. Eles surgiram pelas atividades dos Homens Santos da Índia que observaram o corpo sutil do ser humano e seus canais (o que hoje a medicina chinesa chama de meridianos). Trata-se, assim, do receptáculo por onde circula a energia Divina ou Spiritus Santo. Descobriu-se que estes canais de energia têm um som ou vibração e, em cada extremidade dos mesmos, um desenho. Pois bem, a forma das letras do alfabeto sânscrito, e seu som que o ser humano tenta expressar através dos cantos dos mantras tem esta percepção iluminada como causa. Em sânscrito estas letras são conhecidas como akshara (imperecíveis), sendo elas as sementes de todos os fenômenos, sejam eles físicos ou mentais. Na religião católica quem sabia disto era São Gregório, criador do canto Gregoriano. Continuando com o Sambhogakaya, este corpo é conhecido como o “corpo da verdade imutável” já que dentro do contexto cristão é o próprio espírito de Deus, que assopra nas narinas de sua criação, então sob nenhuma ótica pode sofrer mutação ou estar sujeita ao tempo e a corrupção. Ele não é condicionado nem pelo tempo nem pelo espaço em contato permanente com a última realidade. Dentro de outro contexto, Sambhogakaya é um veiculo de comunicação – é a palavra e ao mesmo tempo a luz dos homens, já que para existirmos necessitamos comunicarnos. É através deste corpo que podemos compreender todos os ensinamentos, desde os mais rudimentais até os mais sutis e espirituais. Sambhogakaya é a absoluta libertação do desejo grosseiro, incluindo o desejo de poder que caracteriza qualquer ser humano, como o de procurar poderes extra-sensoriais com finalidades completamente egoístas. Este corpo de luz é o que Jesus manifesta após sua crucifixação, por isso seus discípulos o observavam envolto numa radiante luz que ofuscava seus olhos. 13 Somente uma mente completamente purificada da conceitualização dualista pode perceber este corpo. Por este motivo encontramos em todas as narrações místicas os mestres sempre envoltos em seus halos luminosos, característica dos homens santos de todas as épocas. Definir Sambhogakaya pela sua insubstancialidade é dizer a carência da existência concreta, porém também é definida como a compaixão infinita dirigida a todos os seres, estando sempre presente. Em outro contexto, a realização do Sambhogakaya aumenta e purifica a capacidade comunicativa aperfeiçoando a utilização da palavra, e paralelamente integram-se e potencializam-se todas as aptidões cognitivas e o processo do pensamento. No Sambogakaya encontramos a compreensão profunda deste aspecto que estimula a força motora da ação, sempre constante e dirigida a conseguir o benefício para todos os seres. E por último temos o Corpo de Cristo, que na tradição Budista é o Nirmanakaya, ou seja, aquele corpo físico que possibilita um contato pessoal e efetivo com os discípulos (ou seja, todo corpo físico te possibilita ter um contato pessoal com a outra pessoa; sem este corpo seria impossível as pessoas aprenderem alguma coisa de um mestre). Basicamente Nirmanakaya quer dizer corpo Puro, não manchado pelo pecado, não surgido pela paixão e sim pela compaixão. Este princípio da materialidade também se manifesta pelas escrituras, que tem o mesmo sentido tanto para cristãos, muçulmanos e budistas. Ou seja, o Verbo transforma-se em palavra revestida de uma linguagem particular, o que possibilita que os seres compreendam e sejam estimulados a viver da mesma forma que seus mestres. E a palavra se manifesta em corpo físico já que sem esta manifestação não sería possível qualquer contato humano. Por este motivo tanto São Paulo apóstolo como no Budismo, fala-se da preciosidade do corpo humano que nos confere a capacidade ou de vivermos num inferno contínuo ou de tornar-nos santos. Através dos ícones específicos como as imagens sagradas, objetos religiosos, relíquias dos santos mestres, textos litúrgicos, o aspecto do 14 corpo sagrado – Nirmanakaya – pode-se entrar em contato direto com os discípulos e estabelecer assim um vínculo devocional, tão necessário para trilhar um caminho espiritual. Na prescença do seu Mestre, São João percebe a preciocidade de estar ao lado do corpo de Jesus que é a expressão física do Poder Espiritual. Esta compreensão o leva a exclamar que “Quem aceita Jesus tem a vida eterna, e quem o nega já está condenado”. Ele experimenta todo o poder divino simplesmente estando ao lado e seguindo seu Mestre. Tal é a importância da presença física. Esta expressão física da Divindade é tão poderosa que somente tocando a sombra de Jesus ou Buda as pessoas se curam; olhando para o seu rosto as pessoas esqueciam as suas vidas por completo, abandonando todos os seus afazeres para poder morar ao lado e sob os cuidados do Mestre. Houve um homem enviado por Deus cujo nome era João. Então, ele respondeu: Eu sou a voz do que clama no deserto: Endireitai o caminho do Senhor, como disse o profeta Isaías. No dia seguinte, viu João a Jesus, que vinha para ele, e disse: Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo! E João testemunhou, dizendo: Vi o Espírito descer do céu como pomba e pousar sobre ele. Eu não o conhecia; aquele, porém, que me enviou a batizar com água me dis se: Aquele sobre quem vires descer e pousar o Espírito, esse é o que batiza com o Espírito Santo. Pois eu, de fato, vi e tenho testificado que ele é o Filho de Deus. —João 1:6, 23, 29, 32-34 Batizado Jesus, saiu logo da água, e eis que se lhe abriram os céus, e viu o Espírito de Deus descendo como pomba, vindo sobre ele. E eis uma voz dos céus, que dizia: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo. Mateus 3:16, 17 15 “Houve um homem enviado por Deus cujo nome era João” Então, ele respondeu: Eu sou a voz do que clama no deserto: Endireitai o caminho do Senhor Todos os santos e profetas são manifestações de Deus, não importa a que religião eles pertençam. Todos os homens bons são homens enviados por Deus. Todo ser humano que se nega a ser destruído pelo materialismo capitalista onde o ser humano é simplesmente considerado ou um descendente de um macaco ou um pedaço de carne, é um homem enviado por Deus. Todo aquele que se sacrifica para ajudar os seres menos favorecidos é um homen enviado por Deus. Também são enviados por Deus todos os que procuram de forma incansável a verdade e a luz dentro do deserto onde impera a escuridão e a morte. O deserto é o vale da morte, onde a vida não frutifica. Na tradição Vajrayana do Budismo, o “deserto” é chamado de “cemitério”, por onde o homem iluminado tem de caminhar a fim de resgatar “os mortos vivos”. Parece um filme de terror, porém é a pura realidade. Quando um ser humano dedica toda a sua vida somente a trabalhar como um escravo para sustentar seus caprichos e desejos é considerado um morto com consciência. Ele tem consciência do seu mundo, porém não entende o seu mundo; ele é compelido a agir, falar, realizar suas tarefas como um zumbi. Sem sentido vive e com menos sentido ainda ele morre, e depois de morto perambula pelos lugares em que ele viveu, para depois também se esquecer e entrar novamente na escuridão. Retorna e começa tudo novamente and infinitum, até que a luz e a compaixão dos homens santos o toquem de alguma forma, então com muito esforço ele terá que se desenvolver rumo à luz, terá que sair de sua cova, da escuridão que sempre o acolheu e terá que olhar com seus próprios olhos a miséria em que sempre viveu. 16 Hoje em dia, mais do que nunca, forma parte deste deserto toda a massa de informações, todos os apelos da mídia para satisfazer os sentidos de forma imediata, a falta de cultura generalizada, e a falta de ética onde a esperteza vale mais do que a Sabedoria. A cada dia os seres humanos são mais e mais brutalizados pelos meios de informação e de propaganda. E pelos espetáculos de TV onde o relacionamento humano é completamente banalizado, chegando à grosseria mais estúpida. A voz que clama é a voz que surge do interior dos seres humanos que sofrem atentados a bomba todos os dias. E a voz dos povos que morrem de fome não por falta de comida e sim porque eles são eliminados silenciosamente pala burocracia dos governos, entidades de ajuda, que se aproveitam da desgraça de parcela da população para juntar dinheiro e guardar nas suas contas secretas. Existe um massacre silencioso destes povos, que se chama “descaso”. Pede-se aos quatro ventos pela doação de comida, roupas, remédios e água, porém ela nunca chega ao seu destino que é a boca dos famintos. Vejam o que aconteceu no Haiti; no país vizinho se confiscava a comida para que ela fosse levada por taxis particulares a preços exorbitantes. Vejam a hipocrisia que envolve os relacionamentos de Israel e os palestinos; são países que se utilizam dos menos favorecidos para impor sua política de terror. Nenhum dos dois lados quer uma solução para paliar o sofrimento dos desesperados. Os dois se utilizam dos conceitos elaboradíssimos para jogar a culpa um a outro, numa retórica sem fim. Porém não se alimenta os famintos com retórica nem com promessas, enquanto a comida apodrece ou é queimada propositalmemte. Eles criam comissões de parlamentares para saber quem fica com qual pedaço de terra. Enquanto isso, os pobres palestinos seguem morrendo de fome ou sendo massacrados pelo exército israelita. A voz que clama no deserto é a voz de todos aqueles que perdem suas casas humildes construídas nos barrancos dos países latinoamericanos e, claro, no Brasil, oferecidas pelos políticos em troca de votos. Agora que a natureza está mudando, foi criada a indústria da desgraça. O próprio 17 político que entregou sem nenhum critério estas terras se aproveita do desespero alheia para pedir dinheiro ao governo federal, superdimensionando os custos da desgraça para eles mesmos embolsarem seus milhões e não entregar novas moradias aos flagelados. Há mais de três anos que aqueles que perderam suas casas em Santa Catarina, ainda estão esperando a ajuda prometida. A voz que clama no deserto é a voz de milhões de idosos que no fim de suas vidas não têm um salário digno nem sequer para comprar seus remédios básicos. A voz que clama no deserto é a voz dos milhares de inocentes que estão apodrecendo nos cárceres da America Latina e do mundo, e que por falta de recursos tornam-se bodes expiatórios dos verdadeiros criminosos que estão livres. A lista é interminável! “No dia seguinte, viu João a Jesus, que vinha para ele, e disse: Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” Porque o Cordeiro? Porque ele é um dos poucos animalzinhos que se entrega sem reserva ao seu próprio matador, tamanha a bondade e inocência. O cordeiro representa o homem santo, aquele que realizou a divindade em si mesmo, que sendo pura compaixão e mansidão não enxerga nenhum traço de maldade no coração de seu algoz e, além disso, aproveita a oportunidade para abençoar aquele que tanto o faz sofrer. Que é tirar os pecados do mundo? Aqui temos de fazer um parênte-se, para entender a palavra Mundo. A maioria das pessoas que se autotitulam grandes conhecedores da Bíblia e que gritam aos quatro ventos a sua “sabedoria” conhece pouco ou nada das línguas em que os profetas, os apóstolos e até o próprio Jesus falavam. Eles lêem em português uma Bíblia toda permeada por interpretações neuróticas e casuais e fingem deter uma pretensa sabedoria. 18 Então eles interpretam a palavra “mundo” desde o ponto de vista do pensamento ordinário utilizado em nosso dia a dia, que ao se referir a mundo associam-no ao planeta Terra. Porém, os povos que viviam há dois mil anos ou mais, quando se utilizavam desta palavra, não estavam se referindo ao planeta Terra, e sim ao “corpo humano” ou à “vida humana”. Para os budistas este “mundo” além de remeter ao “corpo humano” também significa “consciência’ Então quando lemos “tirar os pecados do mundo” podemos pensar que o apóstolo não estava se referindo ao planeta e sim às pessoas, ou à sua própria consciência. Ou seja, Jesus vem a este mundo como um ser compassivo para nos guiar em tirar os pecados de nosso próprio mundo, ou consciência. Também a palavra pecado hoje tem uma conotação estritamente emocional, ou ético moral. Se bem inclue-se esta abordagem, os pecados estão referindo-se a todos os nossos hábitos e condicionamentos mentais que nos induzem a pensar, falar e agir contra o nosso espírito. Dentro deste contexto, de acordo com a tradição Mahayana do Budismo, existe um treino conhecido como “os 8 poemas da transformação da mente” onde o ponto a ser descoberto e realizado é a compaixão insustentável, que preenche a nossa mente com o amor universal que nos motiva a agir em seu benefício. Preencher a nossa mente com a compaixão é transformar e remover as causas emocionais e mentais que nos obrigam a viver no pecado. Examinando-nos mais precisamente vemos que em nossa consciência temos que gerar dois desejos: - O primeiro é o desejo de ajudar todos os seres viventes. Ajudar significa libertá-los do sofrimento, poupá-los de todas as formas de sofrimento, eliminar qualquer problema. Significa, também, o desejo de oferecer felicidade completa e realizar os desejos de todos os seres; onde quer que haja um ser no universo, haverá o desejo correspondente de torná-lo feliz. Um desejo amplo e 19 - puro, sem discriminação; um desejo que abrange todos os seres, em qualquer parte do universo. Esse é o primeiro desejo. O segundo desejo é que, para ser capaz de beneficiar todos os seres, eu mesmo devo iluminar, eu devo me tornar um Buda. O segundo desejo é gerado pela compreensão de que, se eu não atingir o estado de Buda, será impossível realizar o primeiro desejo. A principal motivação da mente de iluminação é beneficiar outros seres, sem pensar em seus sofrimentos, e desejar por um fim neles. A mente de iluminação, mesmo quando diz “Eu vou atingir a iluminação”, é completamente governada pela motivação de ajudar os outros. Não há o menor traço de egoísmo. É uma mente totalmente voltada à estima pelos outros. Entendendo isso compreenderemos o que é a mente e iluminação. Primeiro surge o desejo de beneficiar todos os seres viventes, livrando-os do sofrimento e oferecendo-lhes felicidade perfeita. A partir desse desejo surge o outro desejo: nos iluminar para que sejamos capazes de fazer isso. Como realizar isto em nosso dia a dia? Como emular a conduta do Cordeiro de Deus que nos livra de todos os pecados? Aqui alguns passos práticos: 1 – Entenda a importância de amar os outros seres, medite sobre o sofrimento daqueles que descrevi acima, pense um pouco naqueles que morrem nos acidentes de carro, nos atentados a bomba, nos hospitais, os que morrem de fome. Veja de quanto amor eles necessitam mais do que você mesmo necessita. 2 – Vejam como eles são supremamente mais importantes que você; pense que você tem comida na sua geladeira, possivelmente tenha carro, uma família – com alguns problemas – algum trabalho, roupa, cartões de credito, etc.etc. 3 – Aprenda a superar os obstáculos na prática de estimar os outros e meditamos principalmente sobre as desvantagens de estimar a nós 20 mesmos em primeiro lugar. Percebemos que “estimar a si” não se justifica e que todos os problemas, sofrimentos e dificuldades derivam desta atitude; descobrimos, por outro lado, que todas as qualidades provêm da estima pelos outros. Esta descoberta nos leva diretamente a conclusão de que não há vantagens em se estimar a si mesmo e que devemos estimar e cuidar dos outros. 4 – Nas duas primeiras meditações somos convencidos a prezar os outros tanto quanto prezamos a nós mesmos. Na verdade, no início do ciclo, pensávamos e prezávamos a nós mesmo. Depois passamos a pensar em nós e nos outros. E por ultimo concluímos que devemos amar apenas os outros, pois não há a menor razão para continuarmos a nos preocupar conosco. Nesse ponto completamos aquilo que se chama Trocar Com Outros. Ou seja, trocamos nosso objeto de afeto. O que antes era nós mesmos, agora passa a ser os outros. 5. Tendo feito essa troca, as duas meditações seguintes nos treinam a desenvolver compaixão e amor. Ampliar e fortalecer nossa compaixão e nosso amor até que possamos transformá-los em compaixão universal. Ou seja, amor e compaixão não apenas por alguns poucos seres, mas por todos os seres vivos do universo. 6. A sexta meditação é a meditação do Receber e Dar. Visualizando que o sofrimento dos seres se transforma numa fumaça preta, ela é atraída para nosso ser e entra em nosso coração. Nosso coração está preenchido pela luz da compaixão e do amor. O leitor pode pensar no Sagrado Coração de Jesus neste momento e que toda essa massa de fumaça escura é automaticamente transformada pelo próprio Sagrado Coração que na realidade é o seu próprio. Depois esta luz é devolvida a todos aqueles que voce lhes tirou a fumaça preta. Meditando no receber a fumaça preta intensificamos a compaixão e desenvolvemos um fortíssimo desejo de eliminar o sofrimento de todos os seres vivos. Treinando no Dar somente luz preenchida pelo amor e a compaixão, intensificamos nosso amor e desenvolvemos um fortíssimo desejo de dar felicidade e paz perfeita a todos os seres vivos. 21 Esta meditação pressupõe o desenvolvimento anterior de autêntica compaixão, genuína preocupação com o bem estar dos outros, genuíno desejo de ser instrumento para eliminar o sofrimento alheio. Pressupõe, além disso, que tenhamos desenvolvido genuíno amor pelo próximo, ou seja, o desejo de oferecer-lhes felicidade. Aqui nossa mente se transformou em dois intensos desejos: O desejo de eliminar o sofrimento dos outros e o desejo de dar-lhes perfeita felicidade. Esses dois desejos juntos constituem o Desejo Bodhiccita (Bodhi = compaixão - Ccita = mente). Ou seja, o desejo de beneficiar todos os seres sencientes. Agora devemos pensar algo assim: - Estou visualizando receber sobre mim o sofrimento de todos os seres. Porém, isso é tão somente uma visualização. - Não sou capaz de fazer isso de fato; não possuo o verdadeiro poder de remover o sofrimento dos outros; não tenho o verdadeiro poder de darlhes felicidade. Assim sendo, o que eu preciso é trabalhar comigo visando desenvolver as qualidades especiais que me capacitarão a realizar esse desejo mais tarde. Eu preciso obter este poder, preciso ter essa capacitação. Este desejo vai aflorar naturalmente a partir da força das seis primeiras meditações. Sentiremos a vontade de desenvolver todas as qualidades que nos capacitarão para eliminar, de fato, o sofrimento dos seres sencientes e para dar-lhes a felicidade. Atualmente, podemos, no máximo, fazer algumas mudanças cosméticas. Talvez aliviar um pouco o sofrimento de algumas pessoas ou, quem sabe, causar momentos de felicidade aqui e ali. Mas, não temos realmente o poder de erradicar o sofrimento do mundo, não temos o poder oferecer, de fato, felicidade a todos os outros seres. Pode até ser que tenhamos um fortíssimo desejo de fazê-lo, mas não temos o poder. Falta alguma coisa. Sentimos insuficiência. 22 O próximo desejo – adquirir as qualidades necessárias que nos tornem capazes de realizar o desejo de ajudar os outros – é uma decorrência da prática das primeiras seis meditações. Tendo desenvolvido o desejo de beneficiar todos os seres viventes estaremos aptos para gerar este próximo desejo, ou seja, o desejo de atingir o estado de Buda para beneficiar os outros seres; ele surgirá naturalmente da prática das seis meditações anteriores. Devemos entender que elas são a causas do nascimento da Bodhicitta. Então agora passamos a treinar no nosso dia a dia as dez perfeições: O que devo fazer? Como poderei desenvolver o poder que me permitirá ajudar os outros seres? O que me falta? Existem várias respostas a estas perguntas. Uma das mais poderosas é pensar nas Dez Perfeições. As Dez Qualidades que Buda aperfeiçoou e que nós não possuímos. É pelo fato de não possuirmos estas qualidades que somos incapazes de ajudar os outros. Não podemos sequer nos ajudar, quem dirá ajudar os outros. Mas tendo desenvolvido as Dez Perfeições, nossa mente será tão poderosa, que faremos qualquer coisa, venceremos qualquer obstáculo, realizaremos qualquer desejo. Todos os treinamentos dos Budas implicam na realização das Dez Perfeições, as dez qualidades perfeitas da mente. Segundo esse caminho, realizando as Dez Perfeições definitivamente não haverá mais obstáculos para que possamos realizar nosso desejo de ajudar todos os seres sencientes. Iremos adquirir verdadeiro poder. Verdadeiro poder mental. Nossa mente poderá influenciar o rumo dos acontecimentos no mundo. 23 Elas são: 1. Perfeição de Dar Dar é o oposto de mesquinhez. Mesquinhez é guardar para si. Quando aperfeiçoamos o Dar desaparecem todos os traços do querer guardar para si. Sentimos o impulso de Dar aos outros tudo o que possuímos, num movimento natural e espontâneo; seja saúde, riquezas, amor, felicidade, ou qualquer outra posse capaz de causar felicidade. Desaparece até mesmo a marca mental de querer reter algo para si. A perfeição do Completo Dar é muito importante. Através dela adquirimos um especial poder de ajudar os outros seres viventes com eficácia. 2. Perfeição da Disciplina Moral Disciplina moral é o oposto de não virtude. Quando aperfeiçoamos essa perfeição desaparecem da nossa mente qualquer sombra de não virtude, até mesmo nos sonhos. Não há traços de querer matar, roubar, mentir, etc. Nossa mente torna-se perfeitamente pura e pensa somente em ações positivas que beneficiarão outros seres viventes. Nunca cometemos ações, nem criamos as causas de sofrimento para nós ou para outros seres. Nunca introduzimos impurezas no mundo, pois tudo aquilo que fazemos é puro. É uma fonte de purezas que nunca prejudica ninguém. Obviamente, precisamos desta perfeição para ajudar outros seres. Precisamos ter perfeito controle sobre nossas ações. 3. Perfeição da Paciência Paciência é o oposto de raiva. Quando aperfeiçoamos a Perfeição da Paciência desaparecem da nossa mente qualquer traço de raiva e impaciência até mesmo em nossos sonhos. Independentemente das dificuldades com que nos deparamos, do tipo de injustiça que possa nos vitimar; injustiça ou humilhação, insultos, ofensas, etc.; nunca perdemos a paciência, nunca ficamos bravos; atingimos uma mente que permanece sempre imperturbável. Uma mente super estável, 24 plácida. Uma mente que tolera, que permanece sempre tranqüila, que não possui impulsos de retaliar, impulsos de autocomiseração. Perfeitamente serena diante de qualquer dificuldade. É evidente que precisamos aperfeiçoar essa serenidade mental para ajudar os outros. 4 - Perfeição do Empenho Empenho (ou esforço) significa, neste caso, o oposto de preguiça, o oposto de desencorajamento. Isso significa que nossa mente adquire uma motivação tão positiva que apreciamos integralmente nosso treino espiritual, apreciamos integralmente qualquer atividade saudável. Passamos a ter uma total aversão a outro tipo de atividade como as que são sem sentido, egoístas ou preguiçosas. No momento atual, se pudéssemos escolher entre ficar na cama até mais tarde num sábado, ou levantar cedo para rezar, escolheríamos ficar um pouco mais na cama. Um Bodisatwa, sem hesitar, preferiria se levantar para fazer prostrações, preces, etc. Há nele uma verdadeira alegria, um prazer de realizar atividades espirituais. Essa alegria, esse gostar da prática é um preventivo contra a preguiça. Desaparece o interesse por outro tipo de atividade. Através desse gostar nos tornamos capazes de fazer tremendos esforços nas práticas de treinamento. Conseqüentemente nunca desanimamos, nunca nos sentimos desencorajados. A mente sempre corajosa, determinada e confiante nunca abandona o caminho. Precisamos dessas qualidades para ajudar os outros. 5 Perfeição da Concentração Mental A Causa da infelicidade, a causa do sofrimento é o Apego às ilusões; ilusões que por sua vez originam-se na nossa mente. Para limpar a mente das ilusões desse apego, precisamos possuir uma fortíssima concentração, 25 Se acendermos uma vela para apreciar um quadro no escuro e a janela estiver aberta pouco veremos. O vento penetrara pela janela fazendo oscilar a luz da vela. Assim, não conseguiremos observar o quadro. Mas se fecharmos a janela o vento cessará e a imagem do quadro se tornará clara diante de nós; poderemos então vê-la nitidamente. Da mesma forma, para termos um claro insight na verdadeira natureza da realidade, para realizarmos a vacuidade diretamente, precisamos destruir o Apego ao Real que hora domina nossa mente, destruir as ilusões. Liberar nossa mente desses eventos mentais, transformando-a numa mente forte, estável e com uma fortíssima concentração. Devemos treinar concentração mental, pois com isso poderemos obter o que desejamos. O treinamento mental fica mais fácil quando existe concentração. Quando estamos desconcentrados podemos fazer mil preces, meditações com poucos resultados. Sem concentração não há frutos, não há força, não há poder. 6. Perfeição da Sabedoria. Trata-se da sabedoria de compreender a vacuidade (o conceito vacuidade tem muitas interpretações; neste manual, a vacuidade é entendida sob a ótica ética moral, que nos permite realizar nossas atividades diárias enfocados no inegoismo). Através dessa perfeição, familiarizando-nos com a verdade suprema da vacuidade, com a mente focada na meditação, poderemos purificar pouco a pouco, os diversos graus de apego às nossas neuroses que são o fundamento do eu na mente. Primeiramente, purificamos as formas intelectuais de apego às neuroses e medos. Depois nos aventuramos a penetrar mais e mais nos níveis instintivos. Quando purificamos o apego a estas neuroses aumenta o nosso poder de concentração nas verdades espirituais, por conseqüência todas as outras ilusões – ciúmes, raiva, orgulho etc. – também são destruídas. A mente se torna progressivamente pura, até a liberação total. 26 É evidente que se pudermos purificar nossa mente, ter uma mente sem ilusões e atingir felicidade total, então obviamente poderemos ajudar outros a fazer o mesmo. A perfeição da Sabedoria é essencial. 7. Perfeição da Habilidade Habilidade nesse caso significa conhecer perfeitamente qual é a melhor maneira de ajudar outra pessoa. A habilidade é saber precisamente qual é o melhor jeito de ajudar os outros; é ter a habilidade de saber o que deve ser feito para ajudar alguém a se purificar e a aumentar suas virtudes em qualquer situação; como ajudar a superar dificuldades, avançar galgando os estágios, etc. Essa habilidade nasce da sabedoria. É através da força da sabedoria que desenvolvemos a habilidade de ajudar realmente as outras pessoas. Precisamos, sem sombra de dúvida, de muita competência se quisermos guiar outros seres. 8. Perfeição da Prece Prece, aqui significa um poderoso desejo. A capacidade de desejar intensamente. Na verdade, quando desenvolvemos nossa mente treinando a vacuidade, torna-se possível através da força do nosso desejo fazer com que coisas aconteçam. Conseqüentemente, quando um Ser Espiritual atinge esse estágio adquire um imenso poder. O poder de realizar desejos, o poder de tornar real o acontecimento de coisas benéficas. 9. Perfeição da Força A perfeição da Força também é fruto da perfeição da Sabedoria. Significa, de novo, a capacidade de fazer as coisas acontecerem. Tudo o que desejamos, fazemos ou dizemos, todas as nossas ações são, invariavelmente, coroadas de sucesso. Há uma imensa força, um imenso poder na mente que desenvolveu essa perfeição. Os Seres Espirituais (Bodisatwas em Sânscrito) possuem o poder de fazer com que as coisas aconteçam, por que desenvolveram a perfeição da 27 força através do seu insight da realidade. Precisamos desta qualidade para ajudar os outros. 10. Perfeição da Sublime Sabedoria Aqui significa a compreensão da natureza convencional de todos os fenômenos. Por fenômenos queremos dizer tanto os materiais como os imateriais (pensamentos e emoções). Privados da Sublime Sabedoria, não poderíamos entender a natureza convencional dos fenômenos. Não poderíamos, portanto, realizar a união das duas verdades, a união da verdade suprema e da verdade convencional simultaneamente. Para nos iluminar precisamos eliminar todas as obstruções da mente, especialmente as obstruções para a onisciência. O que é isso? È que nos detemos apenas na aparência da verdadeira existência. Captamos apenas as aparências da existência real; e isto ocorre devido às marcas mentais causadas pelo apego às neuroses. Devemos superar as aparências e penetrar no verdadeiro significado daquilo que observamos. Para remover esse defeito da nossa mente, devemos realizar a união das duas verdades. Devemos realizar a verdade convencional e suprema, simultaneamente. E para tornar isso possível, temos que lapidar a perfeição da Sublime Sabedoria. Depois, através da força dessa sabedoria, seremos capazes de remover as últimas obstruções da nossa mente, tornando-a completamente livre de manchas; atingiremos então o estado de Dharmakaya, o verdadeiro corpo espiritual, onde a mente está totalmente livre, sem traços de erros, faltas, aspectos inadequados. Todas as qualidades atingem o estado de perfeição. Pode-se dizer que esse é o final do treinamento mental, o caminho do não mais aprender. 28 O Início Foi o anjo Gabriel enviado, da parte de Deus, para uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré, a uma virgem desposada com certo homem da casa de Davi, cujo nome era José; a virgem chamava-se Maria. Mas o anjo lhe disse: Maria, não temas; porque achaste graça diante de Deus. Eis que conceberás e darás à luz um filho, a quem chamarás pelo nome de Jesus. Este será grande e será chamado Filho do Altíssimo; ... E o seu reinado não terá fim. Então, disse Maria ao anjo: Como será isto, pois não tenho relação com homem algum? Respondeu-lhe o anjo: Descerá sobre ti o Espírito Santo, e o poder do Altíssimo te envolverá com a sua sombra; por isso, também o ente santo que há de nascer será chamado Filho de Deus. —Lucas 1:26, 27, 30-35 Duas considerações ao lermos estas palavras. 1) O significado da palavra Virgem. 2) O significado da palavra Anjo. O significado da palavra Virgem. "Mãe de Deus" (em grego Theotokos e em latim Mater Dei) é um termo compartilhado pela tradição Vajrayana, já que neste contexto Jesus não pode ser considerado um ser humano ordinário e sim uma manifestação divina que expresa conscientemente em todo momento esta divindade. Na realidade Ele é uma unidade e não pode ser considerado “dois” em um como queriam os nestorianos, já que na própria divindade está tudo incluído. Pensar que um Ser como Jesus é uma dualidade contradiz até o próprio princípio da “divindade”. Uma vez que o espírito é sempre um, não pode ser separado ou dividido, porém O espirito tem a possibilidade de se manifestar em tempo e espaço, para o benefício de todos os seres com as mais variadas formas, sem por isso perder em absoluto a sua própria natureza. Esse é o Seu poder sobre a matéria e as formas materiais. O ponto de vista de pensar que Jesus tem uma parte humana completamente independente da divina, realmente é um pensamento 29 contraditório e surge de uma percepção humana ordinária que não tem nenhuma realização espiritual. É muita arrogância que “professores eruditos” possam falar sobre a “divindade”. Temos de entender que qualquer conceito que surge em nossa mente não passa de uma simples apreciação e não pode ser considerado uma verdade infalível. O fato que sustenta este ponto de vista é que desde os primórdios do cristianismo, inúmeros erros foram cometidos, erros que levaram a enormes matanças de inocentes. Este fato indica que todo aquele que interpretava as escrituras e discursava sobre se Jesus era um ou dois, não passava de mero inteletual que não tinha nenhuma experiência sobre aquilo que estava discutindo. Esta situação me lembra a parábola budista dos cegos e do elefante. Quando um rei quis mostrar ao seu filho sobre a inutilidade da discussão teórica, fez trazer todos os cegos do reino e um elefante. Depois pediu a todos os cegos que cada um deles tocasse o elefante; uns tocaram sua tromba, outros a sua cauda e outros as suas patas. Então o rei pediu que se separasse por grupos e que cada grupo explicasse ao outro grupo o que era um elefante. Quando todos eles começaram a brigar, o rei olhou para seu filho e falou: “veja meu filho, assim são os eruditos, ele falam acaloradamente, se golpeam e se insultam, discutindo sobre aquilo que eles não conhecem”. Esta discussão meramente teárica tanto Sidarta Gautama, o Buda, como Francisco de Assis não aprovavam de forma alguma. Por isso Francisco um dia exclamou: “Graças a Deus que ele nos deu os homens humildes, assim nos salva dos eruditos”. Quando um ser humano ordinário realiza a Divindade presente nele, descobre a unidade fundamental e que nunca ele esteve separado de sua fonte de inspiração. Por este motivo quando um sacerdote bramânico quis perguntar ao Buda sobre estes temas que também eram constantemente debatidos pelos sábios da India, Buda se limitou a responder que “não era possível falar sobre isto, a nao ser que antes o homem erradicasse de sua mente o veneno do ódio, da conscupicência e da cólera”. 30 Depois de erradicados estes três venenos, então o homem não iria falar sobre a divindade e sim experimentá-la em toda a sua plenitude, já que são estes venenos que dão origem a todo tipo de obscurecimento mental, impossibilitando-nos de termos uma experiência verdadeira de nossa própria natureza espiritual. Devemos ir além de nossas limitações conceituais presentes. Veja sua tendência a duvidar e a criticar, e como isso enche sua mente com contradições. Não restrinja sua mente à tirania de ter que afirmar nem negar. A maioria de nossas decisões é baseada em polaridades conceituais simplistas. Nós ignorantemente acreditamos na suficiência desta maneira de pensar e supomos que o que nós não vemos não existe. Se criar divisões agudas e se agarrar a definições estreitas o que você vê irá sempre aparecer no contexto dessas limitações. Quando você vê algo, você pode dizer, "Sim, isso existe”, mas o que você não vê no estado de percepção direta facilmente é negado. No Budismo tais pareceres são conhecidos como obscurações ou concepções dualísticas. Estas concepções não levam ao conhecimento verdadeiro nem sabedoria, mas são baseados na ignorância. É a ignorância que define o mundo e põe limitações em nossa visão. Temos que abrir esta barreira para entender as atividades perfeitas das emanações de Guru Padmasambhava e as possibilidades infinitas da natureza verdadeira. Voltando ao conceito Virgem, nossos pensamentos limitados pela nossa cultura ou falta de cultura nos levam a pensar que a Virgem Maria não teve relações sexuais, ou como se fala hoje, se teve, não experimentou prazer. Todos estes pensamentos são vulgares, limitados e nao expressam nenhum tipo de sabedoria. No último dos casos, quem de nós, que erudito de que igreja pode se aventurar a exclamar com toda a sua pomposidade e eloqüencia que Maria não “teve prazer”? Isto somente nasce de uma mente absolutamente corrompida e poluida pelo veneno da ignorância. O conceito Virgem denota um ser puro de coração e de uma ética perfeita que está retratado nestas palavras: 31 Então, disse Maria ao anjo: Como será isto, pois não tenho relação com homem algum? Ela era profundamente religiosa e suas atividades não estavam matizadas pelos venenos que hoje desafortunadamente permeiam a mente dos 99% da humanidade. Quem pode julgar um ser tão poderoso e especial como a Virgem Maria? Se hoje nem sequer somos capazes de resistir um dia sequer a um desejo sexual? Porém, quando um ser humano dedica-se a viver de forma espiritual constantemente ela ou ele é considerado Virgem, já que é intocado pelos venenos da paixão e da luxúria ou pelas contaminações dos pensamentos contraditórios. Se a Virgem Maria teve ou não relações sexuais com José, se Ela experimentou prazer ou não, é tentar julgar este Ser que manifesta a Divindade do Feminino em toda sua plenitude no lugar mais baixo da escala de valores humanos ordinários. Nunca um ser humano ordinário poderia falar do Divino antes de experimentar o Divino, e se experimentar o divino, seguramente guardará silêncio. Na tradição Vajrayana encontra-se “O Nascido do Loto” Guru Padmasambhava, o “Mestre Precioso”. Há muitas histórias explicando como Guru Padmasambhava nasceu. A maioria se refere a um nascimento milagroso, explicando que ele espontaneamente apareceu no centro de um lótus. Estas histórias não são contraditórias porque seres altamente iluminados habitam na extensão de grande equanimidade com entendimento perfeito e podem fazer qualquer coisa. Quando tudo é flexível, tudo é possível. Seres Iluminados podem aparecer da maneira que eles querem ou necessitam. De acordo com a maneira regular ou convencional de pensar, se algo é preto, não é branco. Normalmente, só um destas noções pode ser aplicada em qualquer tempo. Tentar fazer com que a realidade esteja limitada, ou seja, forçada a se limitar aos nossos preconceitos, é crescer num ambiente muito estreito. 32 Trabalhar desta maneira não vai nos possibilitar de entender os aspectos místicos nem profundos do universo. Nosso minúsculo conhecimento revela o mundo real muito pequeno. Vemos só o que é possível através deste buraco pequeno. Por exemplo, dentro do contexto Budista, o loto é uma flor que representa este ser divino que morando no meio de tantas impurezas e corrupção (que retrata muito bem nosso dia a dia), nunca é poluido por elas. Também representa o ventre materno de um ser humano feminino que não é poluido pelas impurezas da paixão e a luxúria. Por este motivo, se vocês entendem o momento social, cultural e político em que a Virgem Maria vivia, poderão entender o pântano de impurezes e corrupção que a rodeava. E é no meio deste ambiente de corrupção e pecado que nela se manifesta um espírito absolutamente Incorruptível e divino na figura do menino Jesus. Esta é a forma que no Budismo se entende a palavra Virgem. Alguém que morando entre os homens não se corrompe, mantendo a pureza de seus sentimentos e dirigindo completamente a sua mente ao divino, torna-se assim pela sua prática constante um ser “apropriado” para conceber, gerar e proteger um ser da dimensão de Jesus. Ele ou Ela em toda sua dimensão espiritual e humana é Virgem. "A Santíssima Virgem, por ser Mãe de Deus, possui uma dignidade, infinita, derivada do bem infinito que é Deus" (Santo Tomás de Aquino) Exatamente este pensamento é compartilhado pela tradição Budista, ja que por ser um ser humano que recebe a possibilidade de albergar em seu seio a manifestação do Divino, ele é absolutamente Divino, ou igual à própria Mãe de Buda. A mãe de Sidarta Gautama teve um sonho simbólico de que um filhote de um elefante branco com seis presas vinha visitá-la e após este sonho Ela já estava grávida. Na tradição Cristã aparece um Anjo, na tradição Indiana um elefante. 33 Para nossos olhos vulgares, sonhar com um anjo é melhor do que sonhar com um elefante. Muitos pseudo-estudiosos denigrem a imagem deste mito, sem conhecer absolutamente o contexto em que estas revelações acontecem. Para o pensamento indiano, o elefante representa a sabedoria. Por ele ser um filhote, representa a pureza da Sabedoria, a sua cor branca representa a pureza do caráter completamente iluminado e compassivo. As seis presas representam as seis condutas excelentes que trascendem a esfera humana, conhecidas como a seis condutas iluminadas. Estas são: 1 – A Perfeição da equanimidade – que não cria diferenças entre os seres; aquele que ama a todos por igual. 2 - A perfeição da paciência – que nos ajuda a suportar todas as dores do mundo. 3 - A perfeição da ética – que nos ajuda a suportar todos os embates das paixões. 4 - A perfeição da diligência ou o entusiasmo – que nos torna felizes em nosso caminho de auto-superação. 5 - A perfeição da generosidade – que nos ajuda a doar nossa própria vida para o bem e a felicidade dos outros. 6 - A perfeição da sabedoria trascendental - que nos ajuda a comprender quais são os desígnios mais profundos de nosso próprio espirito. Neste sonho, Ela ao ser tocada pelo filhote de elefante sabe que estará concebendo uma criança completamente iluminada que virá a este mundo motivada pelo seu profundo amor e compaixão dirigidos a todos os seres. Também Santo Tomás de Aquino nos fala que “Ela é Virgem antes, durante e depois do parto”, porque ao ser o canal que trás a este plano de consciência a própria Divindade manifestada no corpo de Jesus, ela perpetua para sempre a sua própria Divindade, tornando-se Cheia de Graça (gratia plena) por toda a sua existência. No contexto Budista a Graça é a união do Mérito e da Sabedoria. Ou seja, toda a existência em 34 corpo, energia e mente é permeada pela energia divina (mérito) e ao mesmo tempo é completamente iluminada (sabedoria). 2 - O que se entende sobre o termo Anjo – Dakas e Dakinis A palavra Anjo (do grego Angelus e do latim Angelu) de forma geral significa mensageiro ou emissário. No entanto, mais do que o significado puro da palavra, os anjos têm uma presença imensamente importante na religiosidade de diversas culturas. Sob uma análise mais ampla, anjos são entidades espirituais incumbidas de conduzir a palavra e a vontade divina entre os seres humanos. São imortais, dotados de inteligência superior ao intelecto do homem, possuem vontade e personalidade próprias. Dentro do contexto Budista estes anjos são divididos em Dakas (seres de forma masculina) e dakinis seres espirituais de forma feminina. No idioma tibetano a palavra dakini é Khandroma (mkha’-‘gro-ma) que significa “aquela que atravessa o céu” ou “Aquilo que se move no espaço”. Também é conhecida como a dançarina celestial. Ela é comumente representada nua e formosa, porém ainda que sejam apresentadas desta forma no Dharma Budista, em nenhum momento refere-se a expor ícones sexuais, e sim como os símbolos da mente em seu estado mais puro e liberto de toda amarra criada por conceitualizações e especulação arbitrária. Tanto os Dakas (em seu aspecto masculino) como as dakinis, são considerados guardiões da sabedoria mais elevada. Também são os protetores dos lugares sagrados, assim como são os conhecedores dos três tempos, já que sua mente está completamente livre da idéia do próprio tempo e do espaço. Estão completamente livres de uma idéia de si mesmo, e não têm nenhuma noção psicológica de individualidade, por este motivo na tradição cristã eles “servem” ao Senhor. Na tradição Cristã o eixo de sua doutrina é a crença num Deus criador dos universos, ou seja, uma visão antropomórfica que foi importada da mitologia grega e da tradição judaica. 35 Ao mesmo tempo os gregos criaram seus mitos após passarem 500 anos na índia. Já na tradição Judaica, Jeová, que literalmente quer dizer “eu sou o que sou” foi apresentado a Moisés como “um fogo abrasador” e não como uma pessoa cósmica. Porém, tirando este método de apresentação, seja ele cristã ou budista, estamos falando dos mesmos seres. Tanto os anjos como os Dakas e as Dakinis têm a mesma função. Inspirar, proteger os lugares santos e os próprios Santos, amparar os devotos lhes oferecendo visões do eterno e a própria inspiração para que eles sigam no seu caminho de purificação. Duas histórias parecidas: Simeão e Asita. Separados no tempo por seiscentos anos, em povos e contextos culturais diferentes, algo similar acontece. Duas crianças vêm a este mundo para nos ensinar o caminho da virtude e daquilo que transcende até a própria virtude. Os dois são visitados por Santos Sábios que necessitam olhar e confirmar se estes meninos realmente são Iluminados. Os dois Santos Sábios ficam profundamente comovidos perante a visão destes espíritos que emanam naturalmente santidade e luminosidade. Eis aqui o relato de Simeão e Asita. A História de Simeão: Havia em Jerusalém um homem chamado Simeão; homem este justo e piedoso que esperava a consolação de Israel; e o Espírito Santo estava sobre ele. Revelara- lhe o Espírito Santo que não passaria pela morte antes de ver o Cristo Senhor. Como todo homem sábio esperava pela “consolação de seu povo”, neste contexto a consolação estaria atrelada ao que todo santo sábio tem como missão, que é trabalhar e se ajustar ao seu tempo (esperar) até que a 36 mente e do espírito de seu povo mostre as suas transformações interiores que justificaria a vinda de um Mestre Superior. Lembremos que antes de Simeão este trabalho que já tinha sido iniciado pelo próprio Moisés, que ofereceu as tábuas da lei. Movido pelo Espírito, foi ao templo; e, quando os pais trouxeram o menino Jesus para fazerem com ele o que a lei ordenava, Simeão o tomou nos braços e louvou a Deus, dizendo: Agora, Senhor, podes despedir em paz o teu servo, segundo a tua palavra; porque os meus olhos já viram a tua salvação, a qual preparaste diante de todos os povos: luz para revelação aos gentios, e para glória do teu povo de Israel. E estavam o pai e a mãe do menino admirados do que dele se dizia. Simeão os abençoou... —Lucas 2:25-34 Após ser completamente certificado pela sua visão espiritual, Simeão dá por concluído o seu trabalho tendo certeza absoluta em seu espírito da chegada do Mestre de seu povo. Dentro da tradição budista, quando os profetas comprovam através de sua visão transcendental que um mestre realizado tem se manifestado entre os homens eles certificam publicamente o acontecimento e após este ato, se retiram às montanhas sagradas para continuar apoiando o trabalho do salvador dos homens. Aqui no relato fala-se que Simeão morre, porém dentro da tradição budista não seria a morte no sentido comum que acontece com os seres ordinários e sim uma forma de se retirar para continuar trabalhando conscientemente, colaborando com o Mestre Jesus em tudo o que for necessário. Também dentro da tradição do Budismo vajrayana, a visita dos sábios para encontrar os meninos santos está associada com a procura dos seus mestres reencarnados considerados Budas que vêm a este mundo para trabalhar pela nossa salvação. A História do Vidente da Verdade Asita 37 No ano 624 antes de Cristo, no pequeno reino de Kapilavastu, localizado próximo à cordilheira dos Himalaias, nascia um menino especial, que ofereceria ao mundo uma doutrina capaz de libertar o ser humano do sofrimento. Sidarta Gautama ou Sakyamuni, um nome composto cujo significado é: “Sakya”, que correspondia ao nome da família real no seio da qual ele nasceu, e “Muni” que quer dizer o Capaz. Sua mãe chamava-se Maha-Mayadevi, nome composto que significa "Ilusão Luminosa” e tinha 45 anos. O nome de seu pai era Shuddodana e tinha 50 anos. Apesar de querer ter filhos, ele não alcançava esse objetivo e já estava perdendo as esperanças de conseguir um herdeiro. Maha-Mayadevi, no sétimo e último dia de um grande festival de verão, fez oferendas às pessoas na cidade. Como era lua cheia, ela observou os preceitos sagrados daquela ocasião e se retirou ao final do dia, sem ter relações com seu marido. Antigamente os discípulos e pessoas místicas não viviam um dia sem meditar ou rezar. Naquela noite, ela sonhou com quatro seres divinos levantando sua cama e a transportando aos Himalaias. Sob uma grande árvore, deusas a banharam em um dos lagos das montanhas e derramaram perfumes e flores sobre ela. Um sonho no qual via que um filhote de elefante branco vinha visitá-la, este elefante não vinha sobre a terra e sim do céu. O fato de este elefante ingressar no seu útero simbolizava que tinha concebido uma criança pura e poderosa. Basicamente, na Índia o elefante simboliza a sabedoria. Porém a Rainha sabia que este era do céu Tushita, a terra pura onde habita o Buda Maitreya: o Buda do Amor e da Compaixão. Ao compreender que o momento do nascimento da criança estava perto, a Rainha pediu para seu esposo que a levasse à casa de seu pai. O Rei concordou. Quando estavam atravessando o Jardim de Lumbini, chegou a hora: foi preparado então um leito sob uma arvore que (segundo conta a tradição oral) curvou-se para dar sustento à rainha na hora do parto. 38 No momento de dar a luz à criança a Rainha não sentiu as dores do parto, e teve uma visão muito especial e pura, na qual ela estava segurando o galho desta arvore que se curvou para ajudá-la enquanto Brama e Indra (os deuses da tradição Bramânica) tiravam uma criança de seu lado direito. Também viu que os Devas (sânscrito), Dakas e Dakinis (tibetano) anjos no misticismo cristão - desceram dos seus mundos para segurar os varais dos palanques que o Pai, o Rei Shuddhodana, tinha mandado construir para transportar seu filho até o palácio. Estes anjos ocultaram seu esplendor, vestiram roupas humildes de carregadores a fim de adorar o futuro príncipe da humanidade. A Rainha teve também uma visão de que este menino andou sete passos e que a cada passo dado nascia uma flor de loto, símbolo do homem que estando no mundo é completamente puro e imaculado Este é o motivo pelo qual todos os Budas e Bodisatwas são sempre representados descansando seus pés encima de lotos. Naquele tempo morava perto do palácio um Rishi (Vidente da Verdade) chamado Asita, que levava no bosque uma vida de santo eremita. Também era um Sacerdote ou Bramam, cujos ouvidos estavam fechados para a vida mundana e somente aberto para os sons celestiais. Através de sua profunda meditação escutou os cânticos dos Devas (anjos), adorando o novo ser que tinha nascido. Por sua idade, pelos intensos jejuns, pelo seu ascetismo e poderes da clarividência era considerado muito sábio e fiel interpretador de sonhos e presságios de homens puros. Por ter esta fama o Rei o mandou chamar para ver o Príncipe Sidharta (nome dado pelo pai ao nascer). Quando o velho o contemplou não pôde conter as lágrimas e suspirou profundamente. O Rei ao ver este homem santo chorar e suspirar ficou profundamente assustado e perguntou-lhe: “Que vistes em meu filho que te deixou tão magoado?”. Mas o velho asceta não estava chorando de pena e sim de gozo, porém quando viu a grande preocupação que tinha causado ao rei, disse: “Ó Rei qual lua em sua plenitude, deve sentir alegria sua Majestade porque gerou um filho de maravilhosa nobreza; não adoro 39 Brama, porque adoro este menino, ao qual os próprios Deuses abandonaram para virem adorá-lo. Afasta toda dúvida, afasta todo temor. Os presságios espirituais indicam que o recém nascido veio para salvar o mundo. Mas lembrai-vos de que sou velho e que não pude conter as lágrimas, pois meu fim se aproxima”. E continuou: “A pureza de sua doutrina se assemelhará à margem que recebe o náufrago; seu poder de meditação será como a frescura de um lago, e toda criatura inflamada no ardor da luxúria se tranqüilizará espontaneamente. Ele abrirá as pesadas portas do desespero e livrará todas as criaturas da trama das redes que elas mesmas teceram na sua loucura e ignorância. Ele apareceu para liberar da escravidão os miseráveis e desesperados”. E terminou falando: “Criança, eu te adoro. És ele. Vejo a luz rosada impressa na planta de seus pés, os trinta e dois sinais sagrados e os oitentas secundários. Tu serás Buda, pregarás a Lei e salvarás a todos os que aprenderem”. Depois disse à Rainha: “mãe do menino, doce rainha amada dos deuses e dos homens. Devido a este magno acontecimento já estás demasiado sagrada para continuar sofrendo. Como a vida é sofrimento, daqui a sete dias chegarás sem dor ao fim da dor”. Passados os sete dias e vendo que a hora tinha chegado, a mãe de Sidharta chamou sua irmã Pradjapati e disse: “A mãe que deu a luz ao futuro Buda, não terá outro filho. Eu abandonarei este mundo, o rei meu esposo e meu filho Sidharta. Quando eu não mais existir, seja a mãe dele”. Na mesma noite a rainha dormiu sorrindo e não despertou mais de seu sonho. Ao ouvir as profecias de Asita, Śuddhodana curvou-se em reverência ao seu próprio filho pela primeira vez. No quinto dia após o nascimento do menino, ele teria recebido o nome de Sarvārthasiddha Gautama — aquele da família Gautama que realiza todas as suas metas —, logo simplificado para Siddhārtha Gautama - aquele da família Gautama que realiza suas metas. 40 Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; o governo está sobre os seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz; para que se aumente o seu governo, e venha paz sem fim...—Isaías 9:6, 7 Dentro da tradição mística budista se pergunta: ”qual é o teu rosto antes do teu nascimento?” O sábio Platão nos diz que somente o homem é quem se pergunta quem sou eu, a que venho, para onde eu vou? No Oráculo de Delfos na antiga Grécia estava escrito no seu pórtico “homem conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo e os deuses”. Ou “Deuses sois e haveis esquecido”. “Porque um menino nos nasceu” em cada lar, em cada momento em que um ser humano vem à existência, um “filho se nos deu”, porém para que? Para que nascemos? Somente para trabalhar até a morte como escravos, seja numa indústria ou numa multinacional? Esta é a única razão de nossa existência? Toda a nossa potencialidade, todo o nosso ser Divino sendo literalmente esmagado pelo trabalho, consumo e diversão até a exaustão, para depois ficar sentado num banco de uma praça esperando a morte nos levar? Quem tornou a vida deste ser divino tão miserável e sem sentido?... “O governo está sobre os seus ombros” Não será que também nos está falando que nós nascemos para exercermos o governo de nós mesmos? Não será que o “maravilhoso Conselheiro” não é o nosso próprio espírito? Não será ele o “Pai da eternidade” que desde o infinito mora em nós? Por acaso, nós não somos criados à imagem e semelhança Dele? Então: não será o Pai da eternidade outra coisa senão a própria centelha divina que nos anima e que faz com que sonhemos e procuremos o bem estar e a felicidade? 41 Pergunte-se a si mesmo. Alguma vez eu realmente fui feliz? Eu vi alguém realmente feliz? Se sim, parabéns; se não, então tem a outra pergunta: se você nunca viu a felicidade, se você nunca foi feliz, por que a procura tão desesperadamente? O ladrão rouba e arrisca a sua vida para ser feliz. O assassino mata, para ser feliz. As pessoas trabalham 12 a 16 horas por dia correndo atrás da quimera do acumular seu dinheiro para ser feliz, porém se esquecem de beijar seus filinhos quando eles vão dormir. Os casais traem seus votos e juras de amor, procurando a felicidade nos braços dos outros, para ser mais felizes que antes, ou para recobrar a felicidade perdida, para depois voltar a repetir a mesma história. Não será que a felicidade não está noutro lugar? Não será que a felicidade não está perto do Pai que está em nós? Por que procurá-lo fora quando Ele já está em nós? Não será Ele o Príncipe da Paz, que tomando conta de si mesmo e em si mesmo aumenta o seu governo sobre si mesmo e então a paz sem fim, que é pura felicidade, reina sobre nós? Pensem: Jesus Cristo nunca falou em procurar um reino fora de nós mesmos. Replicou-lhes Jesus:...eu vim de Deus e aqui estou... —João 8:42 Que é vir de Deus? Não será que todos nós somos Um com Ele? Não seria melhor observar todo ser humano como a expressão do Divino na terra e ser educado para que demonstre a sua divindade ao longo de sua vida? Por que não pensamos em mudar drasticamente o nosso sistema educativo? Hoje queremos capacitar técnicos, não seres humanos, queremos máquinas humanas que podem ser descartadas e manipuladas pelo patrão que se utiliza de todas as técnicas de manipulação, técnicas que os assessores de propaganda de Hitler se sentiriam diminuídos ao observarem como a manipulação de massa se tornou tão sofisticada. 42 Hoje o adolescente recém formado tem de se submeter “as leis de mercado” que basicamente o degradam e exploram, e o faz receber pelo seu trabalho menos de hum mil reais por mês. Tanto seus pais como todos ao seu redor vão encorajá-lo a vender de oito a doze horas diárias de seu tempo por esta quantia. Multiplicando doze horas gastas por dia por vinte dias, para se dedicar ao trabalho, teremos duzentas e quarenta horas de Vida oferecida por mês a uma empresa que pagará por cada hora de sua vida cinco reais como muito. Ou seja, a vida de um adolescente que entra no mercado de trabalho hoje é vendida a cinco reais. A pergunta que teríamos que fazer a nós mesmos é: quem vai me devolver todo este tempo de vida? Existe alguma forma de resgatar toda esta vida vendida a preço de banana? Basicamente a resposta é não; nunca alguém poderá nos devolver sequer um minuto de vida oferecida desta forma. Também, ao entrar neste “mercado do trabalho escravo” outro fator toma conta imediatamente deste menino ou menina: o medo, que dá origem a todo tipo de agressão que ele terá de suportar já que o fantasma de perder o emprego estará sempre presente. Ele então será escravizado fisicamente e moralmente. Terá de se ajustar aos caprichos de seus patrões, e a família do menino lhe falará que isso “é normal”. O mesmo acontece com os executivos. Eles têm de se submeter ao mesmo trabalho escravo renegando a todos os seus sonhos para poder chegar a usufruir algumas regalias como um bom carro e viajar de primeira classe e se alojar em hotéis de luxo. Porém, o medo de ser descartado como uma folha velha está sempre minando todo o pouco prazer que ele experimenta. A vida passa, ele desconhece seus filhos, abandona seu lar, não consegue se relacionar de forma aberta e espontânea, já que no seu ambiente de trabalho ele está rodeado por lobos pronto para despedaçálo. Começa a criar comportamentos estereotipados e falsos, desenvolver fobias, nunca poderá expressar o que realmente sente, não vai poder confiar em seu parceiro, se alguma menina tentar algum tipo de aproximação sentimental, ele não poderá demonstrar seus sentimentos ou será assaltado pela noção de que está entrando numa arapuca. Porém 43 ele sempre será gentil, elegante, bem educado, polido. Mas isso tudo é falso e essa falsidade hoje a chamamos de ser “politicamente correto”. Até que em algum momento percebe que na realidade ele nada tem, não tem amigos, filhos amados, esposa fiel, já que ele também nunca o foi. Neste teatro do absurdo o adolescente de hoje torna-se um velho descartado do amanhã, sem nunca ter passado pela sua consciência de que ele é um Deus encarnado e que ele vendeu por meras ilusões a sua própria vida. Nunca a educação humana esteve em seu nível tão baixo e tão grosseiro como agora. Nas escolas públicas as gangues tomam conta, crianças com armas entram na sala de aula, e elas impõem a sua própria ética, onde o professor tem de chamar o menino de Senhor ou doutor. Nas escolas e faculdades particulares, ao contrário, os filinhos dos pais ricos, literalmente perdem seu tempo em festas regadas a droga, álcool e sexo explícito em grupo. Numa faculdade e fundação paulista as festas aqui descritas são comuns, assim como o tráfico de drogas, entre outras coisas. Tudo abafado, já que os estudantes são os filhos dos “conceituados senhores feudais”. Depois, estes estudantes completamente desqualificados recebem seus diplomas e continuam a sua vida, enganando-se a si mesmos e aos que o rodeiam. Hoje em dia o materialismo dialético consumista disfarçado de liberalismo e democracia, continua exercendo a sua influência corruptora em nosso sistema de educação, proibindo qualquer tipo de educação básica, dentro do campo da ética, moral ou pensamento religioso. Um escritor inglês certa vez falou: “quando tirarem a educação moral e cívica das escolas, aumentarão os presídios”. Dito e feito! Lembrem-se que nós somos seres divinos, porém estamos aqui vivendo no lixo, nos conformando com esmolas e tomando a miséria como o único real da vida. 44 Pois o próprio Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos. —Marcos 10:45 Este pensamento exposto aqui por Marcos está intimamente atrelado ao pensamento Budista de procurar a Iluminação visando beneficiar os outros seres. Se olharmos mais profundamente teremos que compreender que comumente nossa mente sempre está preenchida por pensamentos agocêntristos. Nós somos o centro do universo, a cada instante que vivemos o fazemos exclusivamente pensando em nós mesmos, tentando nos satisfazer constantemente. O mais estranho é constatar que a mente das pessoas está cada dia mais desequilibrada. Analisem friamente o comportamento das pessoas – tanto do público quanto dos jogadores e técnicos nestes últimos jogos do mundial de futebol. As massas vão da euforia histérica e o consumo exagerado para a depressão e a apatia profunda – poderia afirmar que tem muito mais bipolares do que podemos imaginar. No mesmo momento em que se despertam as paixões mais estranhas, os vícios e os hábitos autodestrutivos também se tornam cada vez mais e mais fortes. O pessoal da mídia teria que parar um pouco para refletir o que eles estão fazendo com a população como um todo; já estão entrando num caminho por demais perigoso. Jesus veio ao mundo para nos ajudar a sair desta situação caótica em que nos encontramos. Já dentro dos ensinamentos budistas entendemos que para “resgatar os muitos” teremos primeiro que transformar nossa mente auto-centrada e profundamente egoísta numa mente altruísta onde o benefício dirigido aos outros está em primeiro lugar. Então, para realizar esta transformação mental teremos que gerar dois tipos básicos de desejo. O primeiro é o desejo de ajudar todos os seres viventes. Ajudar significa libertá-los do sofrimento, poupá-los de todas as formas de sofrimento, eliminar qualquer problema. Significa, também, o desejo 45 de oferecer felicidade completa e realizar os desejos de todos os seres; onde quer que haja um ser no universo, haverá o desejo correspondente de torná-lo feliz. Um desejo amplo e puro, sem discriminação; um desejo que abrange todos os seres, em qualquer parte do universo. Esse é o primeiro desejo. O segundo desejo é que, para ser capaz de beneficiar todos os seres, eu mesmo devo iluminar, eu devo me tornar um Buda. O segundo desejo é gerado pela compreensão de que, se eu não atingir o estado de Buda, será impossível realizar o primeiro desejo. O primeiro desejo expressa nossa meta, aquilo que buscamos. O segundo desejo expressa o meio pelo qual vamos atingir nosso alvo. Atingir a iluminação não é um fim em si. Mas sim, simplesmente um meio pelo qual poderemos atingir nosso verdadeiro objetivo que é o de ajudar todos os seres. A mente de iluminação, mesmo quando diz “eu vou atingir a iluminação” é completamente governada pela motivação de ajudar os outros. Não há o menor traço de egoísmo. É uma mente totalmente voltada à estima pelos outros. Então reflitamos: se realmente queremos nos livrar para sempre da depressão, tristeza, abatimento e da paranóia do consumo compulsivo, eduquemos nossa mente para olhar os mais necessitados. Nunca pensem que você não tem força, ou que você é pequenino. Mais pequenino e mais doente que a Madre Teresa de Calcutá você leitor não é, e vejam tudo o que ela fez numa terra hostil e paupérrima. Você come várias vezes ao dia, tem cartões de crédito, carros e tudo o que a sociedade capitalista lhe pode oferecer. Porém saiba, leitor, você não é dono de seu tempo. Ele está sempre indo embora, escorrendo pelos seus dedos. A cada segundo você se torna mais e mais velho, e sua vitalidade o abandona e os pensamentos a cada dia que passam tornamse mais e mais confusos. Vejam a dificuldade que os idosos têm de pensar. Reflitam sobre isso. Ser dono de seu tempo de vida é decidir o que você vai fazer com ele. Hoje em dia você é constantemente invadido e manipulado pelo ruído 46 excessivo que tira o seu descanso, pelos seus chefes, pelos seus desejos, compras, contas a pagar, pelos impostos que lhe roubam diretamente de seu salário, pelas emoções que os outros produzem em você. Se olhar com atenção dentro de si mesmo, você verá está assustado e sem saber que rumo tomar em sua vida. A Madre Teresa de Calcutá, assim como Chico Xavier, Dom Elder Câmera, Evaristo Arns, entre tantos são o exemplo de que você pode e deve decidir sobre sua vida e seus atos. E quando sua decisão for tomada à luz de seu próprio espírito, então o seu êxito estará garantido. Pense a respeito. Porque o Filho do homem veio buscar e salvar o perdido. —Lucas 19:10 Quem é o perdido? Não seremos nós mesmos? Perdidos em nossos sonhos que nunca realizamos ou sempre postergamos; fantasias, ilusões, desejos. Constantemente estamos correndo atrás de quimeras que tarde ou cedo teremos de abandonar. O nosso sonho de prosperidade e de satisfação constante. Atordoados pelos nossos pensamentos, vivemos sonhando acordados. Perdidos, perambulamos pelas ruas como fantasmas correndo de um lado para o outro, estimulados pelos desejos contraditórios, fugindo de nossos medos e esperando um dia melhor. Porém, como poderemos ter um dia melhor se nós não somos capazes de fazer nosso dia melhor, nosso momento o melhor? Certo dia estava em Bodhigaya - Índia -, lugar onde Sidartha Gautama realizou a sua iluminação. Já era noite e estava com um monge amigo me dirigindo a um mosteiro quando ele parou para observar uma simples lâmpada que iluminava uma área. Ele apontou para milhares de pequenas borboletas girando enlouquecidamente ao redor da lâmpada. Ele me olhou e disse: “igual os seres humanos, elas ficam alucinadas voando constantemente sem parar ao redor da lâmpada. Quando chega o amanhecer, elas estarão todas mortas por causa do seu profundo cansaço”. 47 Ao amanhecer fui até o lugar e realmente elas estavam todas ali caídas sendo pisoteadas pelas pessoas que se dirigima aos templos. Voamos freneticamente até a exaustão, para depois morrer e acordar num outro corpo, sem nenhuma lembrança do dia anterior, já que nesta vida nada fizemos que fosse digno de ser lembrado. Muitos me falam que a reencarnação não existe, porque eles não se lembram de nenhum fato, nenhuma pessoa, nada. Utilizando os seus mesmos argumentos lhes respondo: se a lembrança é a prova de tua existência, então será difícil afirmar que você existiu há 20 anos, já que praticamente lembramos pouca coisa ou nada do que foi vivido, dito ou sonhado. Caro leitor, pegue um caderno e escreva o que você se lembra de sua vida. Vai perceber que a sua vida não preenche um caderno de 50 folhas. Porém, se você mostrar aos seus parentes, ou pedir para que eles se lembrem do mesmo fato, descobrirá que poucos deles se lembrarão de algo, e quão desencontradas são as informações que lhe passaram. Possivelmente fique surpreso ao constatar que pouco poderá comprovar, passando a duvidar de si mesmo porque não saberá discernir se aquilo que você está escrevendo de suas memórias foi real ou é um produto de sua imaginação. Hoje em dia a moderna psicologia já está nos confirmando este pensamento: nós vivemos uma história e, passados alguns anos, nós mesmos reinterpretamos a história, lhe conferindo valores e atos que nunca existiram. Porém, para não observar de frente que a nossa história não teve nada de significativo, a reinterpretamos, inserindo nela fatos produzidos pela nossa própria imaginação. Então se seguimos com este raciocínio, você pode realmente comprovar que existiu? Se você já desconfia de suas próprias lembranças, se você mesmo inventa o que você quer lembrar, já que possivelmente esse invento torne sua vida um pouco mais confortável, então você existiu? 48 Aqui temos outra palavra que é difícil de entender: “existir”. O que entendemos por existir? Será satisfazer os nossos sentidos? Experimentar as coisas que se nos apresentam em nossa vida? Viver confortavelmente de forma exclusiva para si mesmo? Professar um credo ou uma ideologia? Ter opiniões formadas acerca dos desenvolvimentos históricos? O que é a existência humana, de onde ela surge, qual é o processo que se desenvolve? Existência e consciência podem ser sinônimas? O Sr. Buda nos oferece outra interpretação. Ele diz que “é a procura pela satisfação constante que nos faz sofrer. O olho, ouvido, nariz, língua, corpo e mente, todas são agradáveis e causam prazer para os homens”. • • • • • • • • “Formas, sons, odores, sabores, contatos corporais e idéias são agradáveis e causam prazer para os homens”. “A consciência que se origina mediante o contato do olho, ouvido, nariz, língua, o corpo e a mente é agradável e causa prazer aos homens”. “O contato que surge através do olho, ouvido, nariz, língua, corpo e mente é agradável e causa prazer aos homens”. “As sensações que surgem mediante o olhar, escutar, cheirar, saborear, tocar e pensar é agradável e causa prazer aos homens”. “A percepção de formas, sons, cheiros, sabores, contatos corporais e idéias é agradáveil e causa prazer aos homens”. “A ansiedade das formas, dos sons, dos odores, dos sabores, do contato corporal e das idéias é agradável e causa prazer aos homens”. “Pensar e refletir sobre as formas, sons, odores, sabores, contatos corporais sobre as próprias idéias, torna-se agradável e causa prazer aos homens”. “Assim quando o ser experimenta ou contempla uma forma com o olho, escuta um son, cheira uma fragrância, experimenta um sabor com a língua, sente um contato com o corpo, experimenta uma idéia com a mente, se estas resultarem prazerosas, então o sentido de agradável aparece; se for desagradável aparece o sentido da aversão”. 49 • • • • • “Agora bem, seja qual for o sentimento que aparecer, bom, mau ou neutro, sempre é aprovado e sempre o homem se apega imediatamente e ele”. O ato de apegar-se é o ato de atar-se à existência, atar-se a existência e a causa do futuro nascimento; o nascimento dá origem à morte, à pena, à lamentação, à dor, à lamentação, ao pesar e ao sofrimento. Assim surge toda massa de sofrimento. “Impulsionado em verdade pelo desejo sensual, somente por este vão desejo, os reis fazem a guerra para outros reis, os príncipes aos príncipes, os sacerdotes aos sacerdotes, os cidadãos aos cidadãos, a mãe com o filho, o filho com o pai, os irmãos entre si, os amigos tornam-se inimigos”. Assim, entregues a esta discórdia continuam ferimdo-se mutuamente com paus, pedras, facas, armas de todo tipo. Procuram a morte rapidamente, causam a morte rapidamente, afundam os seus seres que teriam que amar, nas piores das misérias. Todos estes sofrimentos, Irmãos, somente têm como causa o Desejo sensual. Ademais Irmãos, por causa deste desejo, as pessoas rompem os contratos, roubam os pertençes dos outros, furtam, traem, seduzem as mulheres casadas, andam pelo mal caminho em palavras, pensamentos e fatos que os acompanham até depois da morte, caindo em estados de existência onde cada vez mais existem sofrimentos insuportáveis. “Porque se tem dito: Nem no ar, nem no mais profundo do oceano, nem nas cavernas das montanhas, nem em parte alguma, encontrarás um lugar onde possas estar livre dos maus atos”. Porquanto Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele. —João 3:17 50 Respondeu Jesus:...Eu para isso nasci e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz. —João 18:37 Dentro da tradição Budista, a palavra mundo pode ser interpretada como o nosso próprio ser. Como seres humanos, nosso corpo é tido como um mundo; nossa vida emocional e mental são mundos por onde nosso espírito perambula e se perde. Quantas vezes meus alunos me comentam: “estou perdido dentro do mundo de minhas ilusões, meus sofrimentos”. Quantas vezes escutamos falar: “perdido no mundo de suas fantasias”. Por exemplo, no Budismo, consciência é um termo que também inclui vida. Cada vez que estamos possuídos por uma emoção negativa estamos vivendo “num mundo onde o estado de consciência é a própria emoção”. Pensem comigo, por exemplo, como a raiva se desenvolve: Primeiro: temos uma suspeita mental, uma certeza mental, uma vaga idéia de que nosso parceiro (seja sentimental ou comercial, ou qualquer outro) está nos traindo. Aqui aparece o sofrimento mental do ciúme, que na realidade somente é uma suspeita. Não temos nenhum conhecimento certeiro de que algo está errado, simplesmente temos uma suspeita. Segundo: esta suspeita torna-se insuportável e toma conta de todo o nosso dia e também invade nossos sonhos. Vinte e quatro horas por dia estamos sendo dominados pela fantasia chamada ciúme. Terceiro: nossas emoções de desconfiança e raiva começam a despontar e passamos a transferir todo o nosso potencial emocional e inteligente para alimentar nossa fantasia de uma possível traição. Olhamos o que não existe, projetamos em nossos parceiros sentimentos, palavras e atos que eles não realizam. Sabemos com certeza absoluta o que eles pensam. Quarto: quando já estamos instalados neste mundo de fantasias e sofrimento emocional, surge então a agressão que pode ser verbal ou física. 51 O dinheiro, o sexo, a comida, o trabalho, seus ideais e sonhos... Nada mais têm importância. O ser espiritual, com toda a sua potencialidade, já está morando num mundo infernal de onde ele não poderá sair até que pela ajuda de um amigo espiritual restabeleça a calma e a confiança perdidas. Alguns chegam a cometer os crimes mais bárbaros por causa de uma suspeita. Como o grande místico da Índia Shantideva escreveu, "Apesar de todos desejarem serem felizes, em sua ignorância, eles derrotam sua própria bondade como se ela fosse o seu pior inimigo." Como seres não-iluminados, somos pegos no sofrimento do mesmo modo que uma mariposa é atraída pela luz de uma vela, apenas para morrer na chama. Jesus não veio para julgar, nenhum homem santo julga porque sabe que, ainda que nossa conduta seja tenebrosa, e causadora de inúmeros sofrimentos, estamos sempre tentando descobrir a felicidade. Basicamente estamos profundamente confusos e cansados de tanto sofrer. Jesus vem então para nos estender a sua mão de misericórdia e amor infinito consolando a criança abandonada que chora pela sua mãe. Dentro deste ensinamento temos outro item que é o amor incondicional que todo ser iluminado como Cristos ou Buda experimenta por nós. O amor é algo que todos nós devemos realmente tentar viver a cada minuto, com todas as nossas forças. Amor significa o desejo de que os outros tenham felicidade e as causas da felicidade. Há uma prece Budista que diz: "Possam todos os seres ter felicidade e as causas da felicidade.” Esta primeira linha expressa a atitude imensurável do amor para os seres sencientes. Todos os seres são idênticos no sentido de que eles querem ser felizes. 52 Eles são idênticos no sentido de que não querem sofrer. Mas eles permanecem fundamentalmente ignorantes sobre como obter felicidade e evitar o sofrimento. Tudo pelo qual eles trabalham e se esforçam é engrenado pelo seu desejo de serem felizes. O que eles sonham à noite é essa felicidade. Mas eles não sabem como obtê-la. E então cultivamos a aspiração de que eles encontrem a felicidade que procuram. Este amor é uma qualidade que podemos expressar física, verbal e mentalmente. Expressamos o amor fisicamente pelo modo como nos conduzimos ao redor dos outros, até mesmo pela expressão em nossos rostos. Também o expressamos com nossas palavras. Porém, a melhor forma de expressar este amor incondicional é treinar a si mesmo para não ser mais causador de nenhum sofrimento aos outros. Comecemos pela nossa família e o nosso entorno; observemos como todos estão mendigando um pouco de amor e compreensão. Também junto com o Amor incondicional, Jesus teve outro sentimento profundamente divino que é a compaixão. A compaixão é expressa na linha da prece acima mencionada, que diz: “Possam eles ser livres do sofrimento e das causas do sofrimento". Cultivamos a compaixão na meditação ao nos colocarmos realmente no lugar dos seres que estão sofrendo. Para começar com um exemplo bem gráfico, você pode se imaginar como uma ovelha sendo arrastada pelo açougueiro para um abatedouro. É relativamente fácil entender a dor e o medo pelo qual o animal deve atravessar, cheirando o sangue de outros animais abatidos, sabendo ele está sendo levado para a sua própria morte. Você pode pensar: "Vamos supor que eu fosse uma ovelha sendo desesperadamente arrastada para minha morte, sem ninguém para me proteger”. Pensem em vocês mesmos, perdidos numa zona de guerra, onde os soldados inimigos te prendem injustamente e te torturam de mil formas diferentes. Não é difícil pensar nisto. Também somos avaros em dar esmolas, falamos eloqüentemente que dar esmolas é sustentar o crime. Nada mais hipócrita e falso do que isto. 53 O verdadeiro crime é que o Estado não oferece uma ajuda verdadeira aos cidadãos mais fracos e despreparados. Não há pior crime do que o cometido pelos burocratas que proíbem o envio de alimento às zonas em conflito ou de desastres naturais, por medo de serem repreendidos pelo seu chefe. Trata-se de burocratas que não fazem nada sem que os mandem; são escravos conscientes, já que não querem responsabilidade nenhuma, ainda que isto custe a vida dos mais necessitados. Jose Ingenieros – um escritor argentino do início da década dos 30 - falava que este era o homem mais medíocre e degenerado que poderia existir. Porém, se vocês querem entender a compaixão numa dimensão mais ampla, passem uma semana vivendo na rua como um mendigo e vocês mesmos peçam esmolas. Tentem experimentar viver vinte e quatro horas sem levar à sua boca nenhum alimento nem bebida, então poderão entender um pouquinho o sofrimento da fome e da sede. Estes pensamentos hipócritas e cheios de maldade estão sustentados na falta de sentirmos alegria por estar vivendo. Estamos sempre insatisfeitos, culpando o mundo pelos nossos fracassos, oprimidos em nosso foro íntimo, pela desilusão e os desejos insatisfeitos. Por este motivo a terceira linha desta prece diz: “Possam todos os seres ter a felicidade e nunca se separarem dela”. Este desejo de que os demais sejam felizes surge da compreensão de que todos os nossos irmãos têm os mesmos sofrimentos e necessidades que nós experimentamos. Esta compreensão nos leva a entender a última linha desta prece, que diz: “Possam todos os seres para sempre se livrar dos preconceitos, do apego e da aversão, que unem a alguns e separam a todos”. Então, sendo Jesus um ser iluminado, não nos julga pela nossa conduta hipócrita e maldosa. Ele simplesmente nos Ama e tem profunda compaixão por nós. Então não falemos mais: “Senhor tem compaixão por nós” Este pensamento nos isenta de qualquer responsabilidade, não é minha culpa – sempre dizemos – então jogamos a culpa ao nosso irmão, a 54 satanás, aos planetas, etc. Sempre a responsabilidade pelos nossos atos fica sobre os ombros dos outros. Sejamos mais responsáveis pela nossa vida e aprendamos a ser responsáveis pela vida dos outros, ao menos de nossos seres queridos. Vejam como são tratados os idosos, os doentes, e compreenderão este pensamento. Paremos de nos comportar como miseráveis que necessitamos das esmolas alheias para existir. Sejamos seres sempre ativos na doação ao próximo e peçamos a Deus, Jesus ou Buda para que suas bênçãos nos transformem em seres tão compassivos como eles foram conosco. Ao menos assim, nossa vida terá mais um pouco de dignidade. Então a partir de hoje exclame de forma íntegra, olhando para o céu: “Senhor, me ensina a ser tão compassivo como Você é”. Era desprezado e o mais rejeitado entre os homens; homem de dores e que sabe o que é padecer... Certamente, ele tomou sobre si as nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus e oprimido. Mas ele foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniqüidades... Isaías 53:3, 4, 5 Era desprezado e o mais rejeitado entre os homens Jesus Cristo, também conhecido como o Varão das dores. Não é esta nossa sina? Quando é que realmente nós não somos desprezados por alguém? Reflitamos qual é o maior sofrimento do ser humano? O sofrimento de não ser aceito. Não ser aceito, pela própria família, não ter amigos, não ter em quem confiar. 55 Perguntem a si mesmos: Em quem eu realmente confio? Posso dizer que alguém dos que eu conheço tem verdadeiramente amor pela minha pessoa, apesar de conhecer minhas faltas e minhas debilidades? Certa vez na Índia antiga um rei perguntou a sua esposa: “Querida, seja verdadeira na sua resposta, você me ama?” Ao que a esposa lhe falou: “Meu querido rei, se eu tiver de responder com a verdade terei de lhe dizer que eu amo mais a mim mesma do que a você”. Reflitam à luz de sua própria consciência. Não será que tudo o que nós fazemos em nosso dia a dia, não é simplesmente uma forma de chamar a atenção para sermos aceitos pelo meio em que vivemos? Então Jesus vem mostrar o nosso verdadeiro rosto, desprovido de qualquer máscara. Nosso rosto limpo de criança abandonada numa caverna escura O Jesus que está em nós não será o Homem que sabe o que é padecer? Se realmente nós olhamos sem ilusões, poderemos entender também as palavras de Buda quando nos fala que a primeira Nobre Verdade que temos de admitir, é que o sofrimento existe e, a não ser que conheçamos as suas causas e o caminho que nos liberta dele, estaremos constantemente presos a esta corrente do eterno sofrer. Muitos cristãos falam que Jesus salva. Isto é verdade. Só que não falam que Jesus é nosso próprio espírito, e para termos acesso haveremos de trilhar um caminho de profunda atenção. Não é gritando na praça que Ele vai aparecer; não é induzindo os mais fracos através do medo e da superstição que Ele vai aparecer. É necessário que nós, seres humanos, desenvolvamos uma profunda sabedoria e descubram que Ele já está entre nós e que nunca nos abandonou. Se tornar sábio não é um pecado, é um dever da humanidade. Quem inventou que a Sabedoria era um pecado assim o fez para afundar as mentes humanas na mais profunda escuridão. Ainda seguem fazendo isso, de uma forma mais sutil e sofisticada. Tentam manipular as mentes e os espíritos incutindo medo e superstição. 56 Se todos nós desenvolvermos a sabedoria, o que seria dos padres e dos bispos evangélicos? Possivelmente teriam que ir trabalhar como qualquer ser humano normal. Tornaram-nos grosseiros e extremamente ateus e materialistas. O ateu não é o antigo comunista, o verdadeiro ateu é aquele que não acredita em sua própria divindade nem na sua própria inteligência, e entregandose simplesmente a consumir desesperadamente tudo o que se lhe aparece na sua frente. Adormecendo na sua preguiça, torna-se supersticioso e aterrorizado vai trabalhar como um escravo e morre sem nunca ter aproveitado um dia sequer. Seus parentes choram no máximo por uma semana e após um ano já foi esquecido. Porém Jesus aparece como homem para nos oferecer mais uma dica de como atingir esta paz interior, quando ele se ocupa mais de nós do que dele próprio. O Sr. Buda nos mostra o fundamento da existência, não para que lamentemos nossa existência e sim para que despertemos em nosso íntimo a compaixão insustentável, que não suporta olhar para o nosso irmão em todo esse sofrimento. Jesus nos mostra este caminho. Já que o sofrimento é o fundamento da existência, porque não dedicar a nossa existência a ajudar o nosso irmão? Para que fazer sofrer ainda mais aquele que já está sofrendo? – “Deixem que os mortos enterrem seus mortos”. Não é estar morto? Trabalhar como um escravo, para no fim da vida ter uma aposentadoria miserável, e finalmente morrer sem ter realizado nenhum sonho nem ter ajudado a alguém, nem sequer a si mesmo? Não é já estar morto? Viver com medo, tomar remédios para dormir, se drogar de mil formas diferentes, viver sem sentido? 57 “Mas ele foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniqüidades...” Penso que, quando Isaías olha para Jesus, um ser Completamente Iluminado, torna-se consciente do sofrimento experimentado por Ele ao observar a conduta corrupta e arrogante dos mortos vivos. Não será que esta não é também a causa de nossa profunda tristeza?... De não saber o porquê nem para que estamos vivos? Quando nosso espírito olha para nossa conduta diária e não consegue se fazer sentir presente, não será que ele fica moído pelas nossas iniqüidades? Procurando a felicidade onde somente há desgraça, perdemos toda a nossa vitalidade. Porém, a vitalidade não é outra coisa senão o próprio espírito divino que está em nós. Então, não seria a maior iniqüidade perder esse espírito divino que nos anima, procurando a felicidade somente onde há morte e sofrimento? O Mestre Budista Gampopa – que antes de ser monge foi médico – diz: 1. Tendo obtido este precioso corpo humano, seria causa de pesar jogar a vida fora; 2. Tendo obtido o precioso corpo humano seria causa de pesar morrer como um homem irreligioso e mundano; 3. Esta vida humana nesta idade de escuridão, por ser tão breve e incerta seria causa de pesar gastá-la em propósitos e perseguições mundanas; 4. Por ser nossa mente da natureza do puro Espírito, seria causa de pesar permitir que ela seja engolida pela lama das ilusões do mundo; 5. Sendo o nosso Santo Mestre (neste contexto Jesus) o guia do caminho, seria causa de pesar estar separado dele antes de atingir a iluminação; 58 Sendo a fé religiosa e os votos o navio que nos conduz à emancipação, seria causa de pesar vê-lo destruído pelas paixões; 7. Tendo encontrado a perfeita sabedoria dentro de si mesmo, em virtude da graça do Mestre, seria causa de pesar jogá-la fora na selva do mundano; 8. Vender a sublime doutrina dos sábios como se fosse uma mercadoria, seria uma profunda causa de pesar; 9. Assim como todos os seres são nossos bondosos parentes, seria causa de pesar ter aversão (ódio) e desconhecer a qualquer deles; 10. Sendo a flor da juventude o período de desenvolvimento do corpo, da fala e da mente, seria causa de pesar jogá-la fora na vulgar indiferença. 6. Viver em iniqüidade não é o comum denominador de nossa vida em sociedade? Temos uma vida preciosa entre nossas mãos e a jogamo-la literalmente no lixo, perseguindo sonhos vãos, como se fôssemos eternos. Não entendemos que em qualquer momento a morte pode nos tocar e assim como um relâmpago desapareceremos, tendo de abandonar tudo e todos. O Jesus interno, nosso próprio espírito, está constantemente sendo transpassado pelas nossas transgressões. Constantemente estamos perdendo o nosso sopro vital, já que a nossa essência divina corre atrás de fantasias de consumo que no fim transformam-se em frustração e mais desejo. Enquanto ficamos correndo de um lado para o outro desperdiçando a nossa vida, o nosso espírito - o Jesus interior - a cada momento é transpassado pelas nossas transgressões. Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância. —João 10:10 Comumente pensamos que a vida em abundância será vivida depois que passemos por “este vale de lagrimas” – aqui há uma grande manipulação política – e, depois de falecermos, teremos acesso a “vida eterna”. 59 Porém a vida em abundância tem de ser explicada dentro de um contexto mais amplo e profundo. Primeiro, o que nós definimos como vida? Se limitarmos a Vida apenas ao aspecto físico, qual é então a diferencia entre a filosofia espiritual e o materialismo dialético? Nenhuma. Então, é necessário ampliar nossa visão a este respeito senão continuaremos a perpetuar um erro por demais perigoso, já que aqui está o cerne da manipulação das massas. Enquanto exploramos o povo em nome de Jesus ou de Buda, falamos a eles que depois de mortos gozarão de todas as regalias dos paraísos, idêntico a proposta do talibã com os pobres irmãos muçulmanos. Deveríamos nos perguntar qual seria verdadeiramente o real benefício dos ensinamentos de Jesus, se eles somente nos serviriam depois da morte. No cristianismo não se aceita a idéia da reencarnação; ninguém voltou do mundo dos mortos para nos contar que a vida é eterna e que todo o ensinado é realmente assim. O que temos são especulações filosóficas e visões de lunáticos que falam muito criando verdadeiras apologias sobre a morte, porém quando pegam um resfriado qualquer saem correndo em busca de médicos, com medo de morrer. Uma vez participei de uma entrevista pelo rádio sobre o dia dos finados. Do outro lado da linha tinha um pastor cristão que falou que a morte é o remédio para todos os males. Ele falava como se tivesse voltado do mundo dos mortos e experimentado tudo o que há de melhor por lá. Tamanha ignorância a dele que se calou quando lhe perguntei se ele já esteve do outro lado, e se ele poderia me demonstrar realmente se era como ele falava. Então nós temos os “vendedores de ilusões” e temos a nossa consciência. Vamos utilizar nossa consciência. Na tradição budista o conceito de vida é aplicado à energia e o movimento que permeia todas as coisas do universo, desde o mais 60 minúsculo átomo até os universos mais complexos. Em termos cristãos seria o “Sopro Divino” A vida que está em nós, e que está em todos os seres por mais minúsculos que sejam, tem de ser valorizada, já que ela é a expressão de um tipo definido de consciência. Por exemplo, o ser humano comum detesta os insetos, e todo dia vemos as propagandas na TV sobre novos inseticidas que matam mais eficazmente. Para nós os insetos são repugnantes, e potencialmente perigosos, porém quem pensa assim tem realmente algum problema psicológico e seria muito bom se pudesse ser tratado. O problema é que são milhares que pensam assim. Se você se colocar ao lado de uma barata, quem deveria ter medo, ela ou nós? Já vi pessoas pulando compulsivamente encima de uma baratinha. Imaginem vocês um prédio de 30 andares adquirir vida e pular acima de você, só porque para o prédio tua figura é asquerosa. A relação é a mesma. “É narciso que acha feio o que não é espelho”, não é assim que fala o poeta? É nossa mente doente que observa fealdade e perigo em tudo aquilo que não está dentro de seus padrões. O pior é que estes padrões são impostos pela mídia americana e a sua forma de olhar e entender o mundo. Eles sempre têm medo de serem invadidos, sempre pensam em guerra, toda a sua cultura está voltada para a agressão ao desconhecido: mate primeiro e depois pergunte. Quando não tem mais humanos para matar, inventam invasões de aliens, conspirações internacionais. O mais importante é estar constantemente pensando em alguém que quer nos fazer o mal. Vejam como o governo Bush afetou a nossa vida através de sua neurose e me entenderão melhor. A mídia, cinema, TV, e meios de comunicação de massa lavam literalmente a mente do povo, criando falsos padrões de conduta e de pensamento, falsos medos e muitas fobias. 61 Tive um aluno que era dono de uma agência de comunicação e marketing que vinha ter aulas comigo completamente deprimido. Ao lhe questionar o motivo que o levava a tamanha depressão me confessou que tinha voltado de um encontro de líderes de agências de marketing e propaganda e tinha acordado de que o povo brasileiro está vivendo num mundo completamente ilusório criado pelas próprias agências. Que seria do povo do mundo se lhes tirássemos as novelas, cinemas, futebol e o carnaval? Moda, costumes, formas de pensar, estereótipos de caráter, formas de se dirigir aos outros, esoterismo, contato com espíritos inventados numa mesa de bar, sensação falsa de que a informação é cultura, a incapacidade de reflexão e de ação perante um pequeno problema. Nossa cultura hoje se limita a revistas vendidas em bancas e histórias vendidas em vídeos com duração de 45 minutos. No Budismo, quando falamos “não mate” inclui os insetos também, porque apesar dele ter um corpo diferente do nosso, ele também possui consciência, consciência de si mesmo e do seu meio ambiente. As pessoas como zumbis repetem de forma arrogante que o instinto não é consciência. Se olhassem com mais calma poderiam observar na própria reação instintiva milhões de anos de desenvolvimento da consciência que permeia todo o nosso ser. Por este motivo todo bichinho por menor que seja tenta por todos os meios salvar-se a si mesmo. Há pouco tempo passaram um vídeo de uma mãe búfala tentando salvar seu filhote de ser morto pelos leões; além dela espantar os leões, incentivou toda a manada de búfalos a contra-atacar os predadores e afugentá-los. Então a realeza e o poder do leão perderam perante a consciência da mãe búfala. Vida é consciência e como consciência ela está em contínuo desenvolvimento. Matar alguém por que ele é diferente de nós, ainda que seja um inseto, é crime. Já que proibimos esta consciência se autodesenvolver nessa forma específica. 62 Pitágoras, o sábio de Siracusa, nos dizia: “se quiser que teu filho não se transforme num criminoso, reprende-o severamente quando ele matar os insetos, já que o crime começa aí”. Quando Jesus nos fala que ele nos trás a vida em abundância, é para que observemos que se desenvolvemos nossos potenciais iluminados não seremos mais mortos vivos. Certa vez um santo mestre contemporâneo, Dudjom Rimpoche, esteve visitando a França quando passou de carro na frente de um cemitério. Ele perguntou o que era isso, ao que lhe responderem se tratar do lugar onde o povo guardava seus mortos. Ele ficou triste e falou: “que estranho, os mortos que andam guardam os mortos que jazem, em casas parecidas”. A vida é eterna, já que na realidade a morte não existe. O único que existe é uma pequena mudança no plano de consciência em que nós continuamos vivendo. O mesmo acontece com os sonhos. Os cientistas, na sua arrogância, tentam encontrar explicações cada vez mais complexas procurando respostas onde elas não estão. Procuram entender o funcionamento do cérebro, e oferecer explicações plausíveis para que as massas não pensem a respeito. Porém, já encontrei inúmeros cientistas que vinham me consultar após terem sofrido pesadelos e sonhos bastante reais. Nenhum deles explica o mecanismo do porque se você morre em sonhos você morre na vida “real”. A interação da informação que os cinco sentidos oferecem à consciência e a forma em que esta administra dita a informação. A ciência moderna não vai conseguir explicar colocando eletrodos nas cabeças dos monges. Pois bem, poderíamos escrever um manual dedicado a este tema, sonhos, o sonhar, a morte e a consciência do sonhador. A única coisa que podemos entender é que assim como você se sente absolutamente vivo nos mundos dos sonhos também te sentirás absolutamente vivo após esta passagem que vulgarmente chamamos morte. 63 Neste contexto Jesus nos mostra que a vida é plena, abundante e que a morte em si mesma não existe. As provações: Então, o tentador, aproximando-se, lhe disse: Se és Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pães. Jesus, porém, respondeu: Está escrito: Não só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus. Dois itens merecem aqui nossa atenção. O primeiro é a tentação de produzir milagres para demonstrar algum poder espiritual. No exemplo “Se és Filho de Deus” está implícita a tentação que surge da arrogância. É um desafio, como entre os seres ordinários, que se “prove que você é tal ou qual coisa”. Esta prova aumenta a arrogância e acentua as diferenças entre o vencedor e o vencido. Jesus, obviamente, não iria cair nesta armadilha. O Segundo item é a própria tentação associada à gula, o pão – o alimento, aquilo que nos torna melhores ou piores. Na tradição budista sempre se fala: “preste atenção àquilo que o homem tem como alimento, seja ele físico ou espiritual”. Neste momento Jesus lhe responde da forma mais sublime possível. Na realidade o único alimento possível para o homem se tornar Um com seu espírito é o alimento espiritual. Trata-se do conhecimento dos antigos homens santos que nos oferecem o verdadeiro alimento, que nos possibilita viver e transcender nossas limitações. O alimento físico adquire seu verdadeiro valor quando nos possibilita ter um corpo humano precioso, livre e bem dotado, tornando-se um instrumento que colabora com o nosso desenvolvimento espiritual. 64 Por este motivo Dom Elder Câmara sempre falava que submeter os povos à extrema fome é obrigar os seus espíritos a pensarem somente em comida e nunca pensarem em Deus. Aliás, é muito estranho pedir a Deus o pão de todos os dias, em vez de pedir o alimento espiritual. Então tentemos entender que viver e morrer pensando somente no que vamos comer amanhã, denota uma profunda perda do contato com a nossa verdadeira fonte de alimentação que é nosso espírito. Então, o diabo... colocou-o sobre o pináculo do templo e lhe disse: Se és Filho de Deus, atira-te abaixo, porque está escrito: Aos seus anjos ordenará a teu respeito que te guardem. Eles te sustentarão em suas mãos, para não tropeçares nalguma pedra. Respondeu-lhe Jesus: Também está escrito: Não tentarás o Senhor, teu Deus. Nesta passagem está implícita a cilada da arrogância, já que se Jesus teria realizado tal milagre, ele estaria cedendo à tentação de demonstrar seus poderes espirituais; estaria sendo um empregado doméstico da própria vontade do diabo. O mesmo aconteceu com dois discípulos de Buda que o chamaram para mostrar os seus poderes de levitação. Buda, após observá-los atentamente, expulsou-os da ordem, devido à profunda arrogância e desprezo destes em relação a seus condiscípulos. Numa outra ocasião outro discípulo mostrou a Buda o poder de flutuar sobre a água montado somente numa folha de bananeira. Após Sidarta, o Buda, olhar cuidadosamente tal feitio, perguntou-lhe a este discípulo quanto tempo tinha levado para realizar tal prodígio, ao que o mesmo, cheio de arrogância, lhe respondeu: “dez anos, meu senhor”. Buda então mostrou ao seu discípulo um pobre pescador e lhe falou: “aquele pescador, no período de uma manha, constrói uma balsa de madeira e atravessa este rio da mesma forma que você o fez montado numa folha de bananeira”. Após este ensinamento, Buda expulsa este arrogante da comunidade. Levou-o ainda o diabo a um monte muito alto, mostrou-lhe todos os reinos do mundo e a glória deles e lhe disse: Tudo isto te darei se, prostrado, me adorares. 65 Então, Jesus lhe ordenou: Retira-te, Satanás, porque está escrito: Ao Senhor, teu Deus, adorarás, e só a ele darás culto. —Mateus 4:3-10 Pois, naquilo que ele mesmo sofreu, tendo sido tentado, é poderoso para socorrer os que são tentados. —Hebreus 2:18 Aqui está implícita a adoração aos bens materiais, à fama, à honra, aos prazeres do mundo, ao consumo exagerado de bugigangas de todo tipo. Sempre mostro aos meus alunos: o carro luxuoso que você olha numa revendedora, numa oficina mecânica transforma-se num monte de ferros cheios de graxa. Quando os seres se apaixonam uns pelos outros, qual é a parte do seu corpo ao qual lhe confere mais valor? Se tirássemos a pele da mulher mais bonita do mundo, seríamos capazes de amá-la da mesma forma? Suportaríamos estar ao lado dela por um minuto sequer? Se por ventura alguém lhe desse somente a pele da mulher mais bela do mundo conseguiríamos estabelecer algum tipo de comunicação? Sentiríamos algo por ela? Quando alguém luta desesperadamente pelo ouro, fama e renome consegue se manter calmo perante as calúnias de seus opositores? Quanto nós fazemos pelo reconhecimento alheio? Quanto necessitamos da aprovação dos outros, que alguém note nossa existência? Podemos nos matar para mostrar que somos alguma coisa. Que estranho não é?! Quantos adolescentes entram no mundo da drogas e da prostituição somente para chamar a atenção dos seus pais. Isto é adorar os reinos do mundo, não é uma questão estritamente material, porém também emocional e mental. Um todo, um conjunto de prazeres e sensações. Jesus neste momento nos mostra que trilhar o caminho espiritual em união com a fonte e em acordo com nossas forças é o único caminho que nos dignifica. Em todo caso, por mais que você adore a fama, fortuna, etc., lembre que você vai ter que abandonar tudo isto quando sua hora chegar. Lembre-se como Alexandre o Grande se fez enterrar. 66 Alexandre o Grande deu uma ordem: que os médicos o acompanhassem no seu enterro, para que as pessoas assistissem que por mais médico que você tenha e por mais que você seja cuidado por eles, eles não poderão vencer a morte. Depois ele distribuiu todas as suas riquezas pelo chão, mostrando que por mais que ele tivesse acumulado fortunas inteiras, tudo isso iria ter de ser deixado para trás. E por último ele se fez enterrar com as mãos para o alto mostrando que ele não pode levar nada consigo. Neste caso Jesus, assim como todo mestre verdadeiramente espiritual, vai sempre tocar neste ponto. O que é mais importante em sua vida? As riquezas e as honrarias? Ou ter realmente uma consciência espiritual bem desenvolvida? Você decide. Sidarta Gautama encontra-se com o “enganador” Mara (Sanscrito) Significado de Mara no Budismo: A tradução literal: o assassino. Mara é o Senhor do Mal no Budismo, a Tentação e Senhor da Sensualidade, cujo objetivo é desviar os praticantes do caminho para a libertação e mantê-los aprisionados no ciclo de sucessivos nascimentos e mortes. Algumas vezes os textos empregam o termo “Mara” com um sentido metafórico, representando as causas psicológicas internas para o cativeiro, como o desejo e a cobiça, e as coisas externas às quais nos apegamos, em particular os próprios cinco agregados. Mas é evidente que a linha de pensamento dos suttas não concebe Mara apenas como uma representação das fraquezas morais humanas, mas o vê como uma divindade maléfica real cujo objetivo é frustrar os esforços daqueles que têm como meta alcançar o objetivo supremo. Suttra Nipata III. Estando Sidarta Gautama, o Buda, próximo ao rio Nerañjara, esforçando-me em meditação, para conquistar a segurança contra o cativeiro, Namuci veio, com seus exércitos de demônios. 67 (Namuci, que significa “Aquele que não solta” com facilidade o controle sobre os seres humanos - é um nome para Mara ou o demônio) Mara falando palavras com compaixão enganadora: dirigindo-se a Sidarta Gautama o Buda “Você está emaciado, parece doente, você está próximo da morte. A morte tem mil partes suas e apenas uma fração sua está viva. Viva, bom senhor! A vida é melhor. Vivo você pode fazer atos meritórios. Vivendo em celibato, realizando o sacrifício do fogo, muito mérito é realizado. Qual benefício lhe trará o esforço? O caminho do esforço é difícil de seguir, difícil de realizar, difícil de manter.” E para aquele Mara, que disse aquilo, o Abençoado respondeu o seguinte: “Companheiro dos negligentes, Diabólico, porque você veio até aqui? Aqueles que precisam de mérito: esses são aqueles a quem Mara deve se dirigir. Eu tenho fé, energia, sabedoria. Estando decidido pelo esforço, porque você me pede que eu viva? Este vento poderia secar até mesmo as águas de rios. Por que, estando decidido, meu sangue não deveria secar? Na medida em que meu sangue bílis e fleuma secam. Na medida em que a carne é consumida, a mente se torna mais tranqüila; atenção plena, sabedoria, concentração se firmam. Permanecendo dessa forma, alcançando a atenção máxima. (A máxima equanimidade que pode ser alcançada através de jhana-sabedoria) A mente não tem interesse nos desejos sensuais. Veja: a pureza de um ser! “Diabólico O seu primeiro exército e chamado de Sensualidade. 68 O segundo é chamado Descontentamento. O terceiro é Fome e Sede. O quarto é chamado Desejo. O quinto é Preguiça e Torpor. O sexto é chamado Medo. O sétimo é Dúvida. O oitavo e Hipocrisia e Teimosia, O nono é ganhos, honrarias, fama e status obtidos de forma incorreta, e qualquer um que se vanglorie e menospreze outros.” Esse, Namuci, é o seu exército. A força de ataque do Negro. (O “Negro” ou Kanha, é outro nome para Mara. e personifica as paixões sensuais. Ele leva consigo um alaúde, que é mencionado no fim do discurso, tocando o alaúde ele cativa os seres. Os outros acessórios que ele dispõe são um arco e flecha, um laço e um anzol). Um covarde e preguiçoso não pode vencê-lo. Porém quem o derrota conquista a felicidade E Buda pergunta ao Demônio: “Eu carrego a erva muñja? (A erva Muñja era o equivalente na antigüidade, na Índia, à bandeira branca. Um guerreiro acreditando que talvez tivesse que se render levava consigo para a batalha a erva muñja. Para se render ele deitava no chão com a erva muñja na boca. O Buda, perguntando esta questão retórica, está indicando que ele não é o tipo de guerreiro que carregaria erva muñja. Se derrotado, ele preferiria morrer a render-se) Eu cuspo na minha vida!! Morte na batalha seria melhor do que, se derrotado, eu sobrevivesse. Alguns brâmanes e contemplativos, não são vistos aqui se esforçando, tão imersos eles estão no mundo. Eles não conhecem o caminho trilhado por aqueles com a conduta perfeita “Vendo o exército que me cerca pronto para a luta com Mara montado no seu elefante, eu vou para a luta de modo que ele não me mova da minha posição. Esse seu exército, que o mundo com os seus anjos é 69 incapaz de subjugar, Eu esmagarei com a sabedoria, igual a uma cerâmica que não foi cozida, por uma pedra. Tendo domesticado a mente, a atenção plena bem estabelecida, eu irei, de reino em reino, treinando muitos discípulos. Diligentes e energéticos na prática dos meus ensinamentos, os ensinamentos daqueles desprovidos de desejos sensuais, eles irão aonde, tendo ido, não há sofrimento.” Após escutar as palavras do Bendito, Mara responde “Por sete anos, segui de perto os passos do Abençoado, mas não tive uma oportunidade para derrotar esse plenamente atento. Perfeitamente Iluminado” E cantou: “Um corvo sobrevoa uma pedra com a cor da gordura - ele pensa ‘Talvez tenha encontrado algo tenro ali. Talvez seja algo para comer. Mas não encontrando nada comestível, o corvo vai embora.’ “Igual ao corvo e a pedra, eu deixo Gotama, desalentado.” Tomado pela tristeza, o alaúde caiu do seu braço. E aquele espírito deprimido, exatamente ali desapareceu. Jesus Cristo disse a respeito dele (o demônio): “Esse foi um homicida quando começou, e não permaneceu firme na verdade, porque não há nele verdade.” (Jó 8:44; 1Jo 3:8) Jesus mostra com isso que Satanás outrora estava na verdade, mas a abandonou. A palavra que mais me tocou neste versículo é “homicida”: Porque Jesus se utiliza desta palavra tão poderosa? Se pudermos entender o que está acontecendo desde o princípio com a humanidade representada no casal mítico Adão e Eva, poderemos entender melhor o homicídio. 70 No budismo a idéia de um deus criador dos seres é discutida e não muito bem aceita, porém é ensinado que a “humanidade” daqueles tempos estava constituída por seres espirituais que conviviam com os deuses. Não é minha intenção discutir neste livro se existe somente um deus ou eram vários os deuses. A idéia a ser meditada é o que representa a figura de um tentador, alguém que criando planos ardilosos nos incita a experimentar todo tipo de condutas e vivências degradantes. Então neste primeiro ponto Jesus nos mostra alguém que no início estava em contato com a verdade, porém algo acontece com este ser que o faz afastastar-se desta verdade. Fala-se que na realidade o tentador ou o homicida peca pela sua arrogância, o maior dos venenos da mente humana, que nos leva a enganar até nossos irmãos mais queridos. Então podemos pensar que este ser (o demônio) em algum momento de sua existência estava morando no corpo da verdade. Porém descobre que é assaltado por todo tipo de desejos e que necessita compulsivamente satisfazê-los. Também podemos pensar que o demônio, a tentação e todas as conseqüências advindas dela, formam parte de um drama cósmico, ou uma necessidade que a humanidade – outrora polarizada na consciência espiritual - tem de passar por um tipo determinado de experiências e depois de compreendidas em toda a sua extensão torna a mesma Onisciente, ou seja, completamente sábia. Neste caso o homicida não é somente um espírito mau e sim uma tendência homicida que nos obriga a agir de forma compulsiva, apesar de nos causar uma profunda desgraça. Algo que opera em nossa psique da mesma forma que o vício das drogas. Ainda que Jesus possa falar dele como uma personalidade má, podemos entender que Ele tinha que instruir seus discípulos, e a melhor forma nesses tempos era o de criar uma pessoa que representasse em sua figura toda a maldade existente. 71 Na sua conversa com o casal mítico, o “ardiloso” diz: “se vocês querem ser tão sábios quanto Ele, devem experimentar o fruto da ciência do bem e do mal”. O fruto da ciência do bem e do mal se refere ao conhecimento mundano, ou seja, a experiência da dualidade que nos leva a experimentar todo tipo de dúvidas e sofrimentos mentais. No entanto, se observarmos isto desde o ponto de vista da Sabedoria, poderemos entender que é absolutamente necessário que passemos por esta experiência para depois começarmos a ter consciência de nossas potencialidades e poderes espirituais que nos tornam um com o nosso Pai. Na tradição budista é ensinado que nos primórdios dos tempos a humanidade estava constituída por seres espirituais, porém devido às causas e condições latentes quando elas tornaram-se evidentes surgiu a ânsia ou o desejo de conhecer e satisfazer os desejos que estavam florescendo no espírito destes seres sendo compelidos a experimentar os “doces aromas da terra”, algo simbolizado pela oferenda da maçã na tradição cristã. Em todo caso, nas duas lendas, seja budista ou cristã, os seres espirituais são tentados a experimentar os aromas e os sabores dos frutos da terra. Na tradição cristã é explicado que após o experimento do fruto, “seus olhos se abrem”. A pergunta que devemos nos fazer é: que olhos estavam abertos e quais os que estavam fechados? No início, quando éramos seres espirituais, o “Olho Espiritual” nos oferecia as visões dos paraísos da beleza e do eterno, porém após experimentarmos os frutos da terra, o olho espiritual se fecha e abrem-se os olhos materiais ou os olhos que estão dirigidos para as coisas da terra, os olhos da própria autoconsciência, da consciência individual. Depois da primeira experiência eles olham para si mesmos e “sentem vergonha”. Isto indica a primeira tomada de consciência de nossa individualidade. Em seguida, eles “se escondem” já que imediatamente ao se ter consciência de nossa individualidade sente-se “medo”. O medo aparece porque o universo que nos rodeia torna-se ameaçador. 72 Também não podemos aceitar a idéia de que um Deus Todo Onisciente e Todo Poderoso seja “traído” pela suas próprias criaturas, isto é humano demais. Porém dentro da esfera humana, quando um filho está fazendo alguma coisa errada, tanto o pai como a mãe sabem de forma inconsciente que o filho está aprontando. O problema de hoje em dia é que existem muitos pais que pensam mais neles mesmos dos que nos seus próprios filhos e depois que os filhos aprontam, aproveitam este problema para se acusar e destruir mutuamente. Continuando com a instrução no Dharma Budista, após termos tido contato com a experiência dos sentidos, na medida da intensidade desta experiência fomos sendo possuídos pelo apego e o desejo de experimentar cada vez mais e mais todo tipo de sensação até que neste momento de nossa existência, como seres plenamente desenvolvidos em nossa forma material, já não temos nenhum tipo de consciência de nossa origem espiritual. Através de milênios de experiência a humanidade espiritual foi se materializando e “esquecendo” a sua verdadeira natureza. Esta é uma explicação muito simplificada da expulsão do paraíso. Na realidade ninguém nos expulsou de nenhum lugar, simplesmente fomos esquecendo e não reconhecendo mais nossa origem, chegando a tal momento que hoje damos mais valor ao nosso mésero salário do que à nossa vida espiritual. Os cristãos transformaram um mito universal, num mito antropomórfico. Eles humanizaram este processo que na realidade toda criança deste mundo repete "ad eternum", já que no processo do autodesenvolvimento da psique humana está contido todo o mistério. Quando nascemos somos Um com o nosso criador e sustentador, depois vamos avançando em nossa autodescoberta chamada vida e da posição deitada em nosso berço, somos obrigados pelos nossos impulsos - que provém do nosso inconsciente – a nos sentar, depois andar e a experiência de andar nos incita a reconhecer o terreno e começar a nos relacionar com o mesmo. 73 Então começamos a esboçar nossos primeiros sons, queremos lembrar e repetimos constantemente as palavras que escutamos. Pouco a pouco começamos a ter consciência de nossos pais, lar, objetos, seres e iniciamos o nosso relacionamento. Porém continuamos sendo um com a nossa mãe e olhamos o nosso pai ainda como um estranho. Chega um momento que começamos a descobrir a nós mesmos, nosso corpo, nossas necessidades, ou seja, a nossa autoconsciência começa a se fazer sentir e na medida deste autodesenvolvimento vamos progressivamente perdendo o contato original com a nossa mãe e observando com mais atenção esse ser chamado Pai. Esta descoberta vai crescendo até o momento em que experimentamos a nossa energia sexual e, motivados pelos estímulos - sejam glandulares ou pela mídia - saímos de casa procurando ter a experiência do contato sexual, ou experimentar o “fruto proibido”. Na medida em que nos embrenhamos mais e mais em nossos contatos sexuais, a nossa consciência torna-se cada vez mais e mais material, perdendo o contato com o nosso mundo de “fantasias e sonhos” e tendo mais e mais contato com a matéria com toda a sua complexidade, seja complexidade emocional, mental e física. Nossos sentidos já estão funcionando plenamente, e nos encontramos completamente separados de nossa fonte original. Experimentamos a confusão mental, e começamos a sentir todo tipo de medos. Este contato sexual e procura da auto-satisfação reforça cada vez mais a nossa individualidade para depois abandonarmos definitivamente o nosso lar e nos esquecermos de nossos pais e de toda a sua bondade; chateamos-nos com eles e podemos chegar ao ponto de amaldiçoá-los. Ao sermos abandonados pelos nossos pais quando eles falecem, sentimos saudades de sua sabedoria e do bom que era ser uma criança com eles. A respeito desta saudade o Sábio Plotino chama de “reminiscência” ou memória de nossa alma. Continuando, em nosso caminhar também nos tornamos pais, avós e experimentamos a morte para depois começar tudo de novo, impulsionados pela nossa profunda ignorância de nós mesmos e de 74 nossa herança espiritual. Assim, and eternum, até que nalgum dia “sentimos saudades” de nosso “verdadeiro lar”. Ao sentirmos esta saudade que se manifesta pelo “profundo sentido do incômodo” começamos o retorno ao lar, ou seja, o retorno do “filho pródigo”, até que atinjamos a nossa iluminação, que é descobrir em nosso foro mais íntimo que o Nosso Pai sempre esteve ao nosso lado e que nunca nos abandonou. Jesus chama o demônio de homicida, porque na medida em que ele nos mostra os sabores, aromas, sons, formas e imagens ilusórias, ele nos convida a “esquecer” do nosso Jesus Interno, nossa fonte espiritual que nos daria a vida eterna. Porém temos de entender que nós não somos vítimas e sim “cúmplices”; na realidade nós escolhemos a ilusão, e ao escolher a ilusão nós “morremos para Deus ou o espírito”. Então quando escolhemos tomar a ilusão como realidade nos tornamos complicados, tristes, confusos, cheios de doenças, estressados, raivosos, nos tornamos criminais, já que na maioria dos casos somente estamos pensando em nós mesmos e nem sequer olhamos para os nossos filhos que mais necessitam de nossa ajuda. Então realmente o enganador, o arquiteto, é um verdadeiro homicida, já que ele nos tira a possibilidade de termos alguma experiência divina. Dentro dos homicidas modernos, temos verdadeiros exércitos de demônios. Os produtores, fornecedores e contrabandistas de todo tipo de droga, são a primeira linha deste séquito demoníaco, já que a droga destrói toda vitalidade e todo princípio consciente dos usuários, tornando-os verdadeiros mortos vivos, zumbis cujas casas corpóreas são habitadas por outros demônios. Na segunda linha deste exército de demônios estão os que prostituem as crianças e atentam contra as mulheres do mundo, tratando-as como meros pedaços de carne fáceis de serem consumidos e depois descartados. A heresia é tamanha que depois que uma prostituta já não serve mais, muitas são mortas para venderem os seus órgãos. 75 O mesmo acontece com a prostituição infantil. Milhares são mortos para aproveitarem seus órgãos, já que um rins ou um coração vale mais do que a própria criança. E assim vamos caminhando por este vale sombrio. A lista é interminável!!! Este é o motivo do por que o demônio é chamado de “homicida”, porque ao nos oferecer tudo aquilo que ele ofereceu a Jesus e não conseguiu, ele o oferece a nós como humanidade e consegue que através da nossa adoração aos objetos de desejo, estejamos adorando ele e não o espírito representado na figura de Jesus. Por este motivo na tradição budista, o demônio é conhecido como o “arquiteto” ou o “enganador”. Por que Arquiteto? Porque os métodos utilizados para nos seduzir de forma permanente através das eras sem fim, são profundamente sofisticados. Veja o que está acontecendo hoje com nossa juventude que vive presa ao computador e à realidade “virtual”; vejam como as massas são manipuladas através da sociedade de consumo e todas as suas armadilhas. Por este motivo é tão importante que você leitor se dedique a meditar, ou rezar, ou ao menos a viver dignamente com a sua família ensinando aos seus filhos valores éticos e morais. A partir do seu primeiro ato premeditado em desviar Adão e Eva de Deus, ele era homicida, porque causou com isso a morte de Adão e Eva, o que, por sua vez, causou a morte dos descendentes deles. (Ro 5:12) Aqui Jesus pode estar se referindo a morte de toda a humanidade já que ao falar dos descendentes também está se referindo a nós neste tempo. Lembremos que a consciência de um ser Divino não concebe o tempo e o espaço nos mesmos moldes de um homem vulgar. Ele enxerga o passado, presente e futuro no eterno agora. Então quando Ele fala que o homicida mata o casal mítico e todos os seus descendentes, também está se referindo a nós neste tempo degenerado. 76 Uma das emoções mais pestilentas e que promovem a corrupção do caráter humano está associada com a hipocrisia e a falsidade, como expressão da influência da consciência demoníaca. Jesus nos mostra, então: Assim também vós exteriormente pareceis justos aos homens, mas, por dentro, estais cheios de hipocrisia e de iniqüidade. —Mateus 23:28 Aqui Jesus alerta não para os homens de sua época, sejam eles sacerdotes ou homens comuns, ele mostra para todos nós além de qualquer época que a hipocrisia e a corrupção do caráter ainda são o ponto básico ao qual devemos prestar muita atenção. Não conheço muito dos problemas no mundo cristão, porém conheço muitos dos problemas que acontecem no mundo budista. Muitos Mestres, pseudo mestres, lamas e simples estudantes do Dharma se utilizam das palavras de Buda para se enriquecer de muitas formas diferentes. Para tanto, hipnotizam seus seguidores, lhes prometendo revelar inúmeros segredos. Contam-lhes contos fantásticos de como foram irmãos noutras vida, fingem que eles podem olhar com o olho da sabedoria e que possuem poderes miraculosos, e assim por diante. Isto motivou várias vezes que S.S. Dalai Lama falasse aos alunos ocidentais para que não confiem nos lamas que se apropriando dos relatos dos feitos dos antigos mestres - que possuíam poderes trascendentais - os induzam a pensar que eles também têm estes mesmos poderes, se aproveitando da credulidade dos seus alunos para exigirem enormes quantidades de dinheiro e outros serviços mais indecentes. Porém, nem todos os praticantes budistas são deste tipo de enganadores. Há uma grande tradição de iogues e místicos em todas as tradições que vivem como eremitas, meditando e orando solitários. Sejam no deserto ou em florestas. Outros eram livres e desapegados, anacoretas sem status social ou posses, aparentando serem meros mendigos ou vagabundos, mas na verdade estando mais próximos dos místicos loucos sagrados dos tempos ancestrais, os siddhas da Índia. Em nosso tempo moderno existiu um Santo mestre cujo nome era Patrul Rinpoche. Ele era conhecido pelo seu rude estilo de vida, 77 comportamento iconoclástico e aparência despretensiosa, bem como por sua imensa erudição e realização espiritual. Profundamente preocupado em manter os praticantes focados na essência da espiritualidade em contraponto às meras convenções formais, ele nunca hesitou em denunciar a pretensão e a hipocrisia dos monges corruptos. Eis aqui uma linda história Um século atrás, o iluminado vagabundo Patrul Rinpoche estava divagando como um mendicante anônimo quando ficou sabendo de um famoso eremita que vivia há muito tempo em reclusão. Patrul foi visitálo, entrando na escura caverna do monge sem ser convidado e espiando por todos os lados com um sorriso irônico em seu rosto castigado. “Quem és?”, perguntou o eremita. "De onde viestes, para onde vais?", continuou. "Venho da direção atrás das minhas costas e vou à direção que está a minha frente”, respondeu Patrul. O eremita ficou perplexo. "Onde nascestes?", indagou. "Na terra", foi a resposta. O eremita ficou um pouco agitado. "Como é teu nome?”, ele exigiu. "Iogue Além da Ação", respondeu o convidado inesperado. Então Patrul Rinpoche inocentemente perguntou por que o eremita vivia em um lugar tão remoto. Era uma questão que o eremita, com algum orgulho, estava preparado para responder. "Estou aqui há vinte anos. Tenho meditado na Perfeição da Paciência transcendental." "Essa é boa!", disse o visitante anônimo. Então, chegando mais perto, como que para dizer um segredo, Patrul sussurrou: "Duas fraudes como nós nunca conseguiram fazer uma coisa dessas!" O irado eremita levantou rápido de seu assento. "Quem tu pensas que és perturbando meu retiro assim? Que te fez vir aqui? Por que não podias 78 deixar um humilde praticante como eu meditando em paz?!" ele explodiu. "E agora, amigo", disse calmamente Patrul, "onde está sua perfeita paciência?”. Mas o que sai da boca vem do coração, e é isso que contamina o homem. Porque do coração procedem a maus desígnios, homicídios, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos, blasfêmias. — Mateus 15:18, 19 Um Santo sábio cujo nome era Dharmaraksita, que nunca abandonou o seu retiro na selva onde havia muitos animais ferozes, falou: “Nós gastamos nossa vida inteira na procura de prazer, Tremendo com medo ao mero pensamento da dor. Assim desde que somos covardes, somos miseráveis. Mas o Bodisatwa o Buda vivo, valente aceita o sofrimento alegre, e ganha da sua coragem verdadeira alegria e duradoura” “O desejo é a selva das plantas venenosas, porem somente o Verdadeiro praticante espiritual, só o Valente, como os pavões, (que se alimentam de ervas venenosas) pode prosperar em tal tarefa. Se seres covardes, como corvos, fossem tentar isto, Como são gananciosos, podem perdem as suas vidas” “Como pode alguém apreciar seu ego mais que os seres?” “Tendo luxúria e apego aos prazeres, se tenta usar deles para se transformar espiritualmente, seguramente estaria completamente perdido” Dharmaraksita nos mostra através de seus ensinamentos que a causa de nossos sofrimentos reside em nós mesmos e nunca no outros. Ele escreveu um tratado entitulado “as armas afiadas que se voltam contra nós”, mostrando de forma lógica o que acima Jesus nos fala. 79 Quando em nosso coração pensamos e maquinamos um homicídio, é nele que se perpetua primeiro para depois nosso corpo seguir os atos engendrados em nosso coração. Dharmaraksita nos fala então da lei do retorno, da lei de causa e efeito, que Jesus também nos ensina através da parábola de Mateus: Não julgueis, para que não sejais julgados. Porque com o juízo com que julgais, sereis julgados; e com a medida com que medis vos medirão a vós". Mateus 7-1/2 Ele sempre nos mostra o caminho de saída da prisão do sofrimento. Porém este caminho é para os guerreiros, os valentes de coração, já que se alguém que não tem esta valentia, tentar experimentar este tipo de conduta seguramente tornará a pessoa mais perturbada do que antes, aumentando assim seu sofrimento, podendo inclusive levá-lo a estados mentais patológicos. Uma vez perguntaram a um mestre tântrico o que aconteceria se uma pessoa vulgar treinasse o tantra, ao que ele respondeu: “É melhor começar e terminar; tantra é como uma cana oca, ou sai por cima ou por baixo, não há meio termo”. O aluno não entendeu, então voltou a lhe questionar, e o Mestre respondeu: “É melhor começar, se começa é melhor ir até o fim”. O aluno, meio desesperado, retrucou: “E se não chega ao fim?”. O mestre lhe falou: “Ou fica louco ou se mata”. Dharmaraksita diz; “Deprimido e abandonado, quando sentimos angústia mental, Esta é a roda de armas afiadas retornando, no círculo, dentro de nós cheio de injustiças que fizemos. Até agora nós perturbamos as mentes dos outros profundamente; daqui por diante assumamos este sofrimento nós mesmos” Notem que ele também fala Dentro de nós. Por que a palavra “armas afiadas? Porque os atos dirigidos contra os outros também retornam e 80 nos afeta, nos machucando da mesma forma ou mais forte do que à nossa vítima. A experiência é sentida em nosso ser como se estivessem nos cortando com armas afiadas. Esta ferida é experimentada pela mente que imediatamente somatiza, ou nos casos mais graves a ferida emocional produz danos persistentes a nossa saúde física, como problemas pulmonares, dores musculares, e até paradas cardíacas. Porém, tanto Dharmaraksita quanto Jesus nos mostra que a causa de todo o nosso sofrimento começa e é experimentado em nosso foro mais íntimo. Dharmaraksita diz: “Quando nos falta liberdade, e temos que obedecer aos outros, Esta é a roda de armas afiadas retornando, Círculo dentro de nós cheio de injustiças que fizemos. Até agora nós olhamos com desprezo aos que eram humildes, E os usamos como criados para nossas próprias necessidades egoístas; Daqui por diante ofereçamos nosso serviço aos outros, Com devoção humilde de corpo e vida” Quantas vezes em nossa vida trabalhamos até a exaustão como verdadeiros escravos sem sequer ter um pequeno tempo para nossos filhos e até para nós mesmos? Hoje em dia para poder conseguir uma bugiganga qualquer, você terá de trabalhar muitas horas. Por exemplo: se uma calça lhe custa 150 reais e você ganha por hora 20 reais - faça contas –, quantas horas você terá de trabalhar para pagar a sua calça? Você troca 7 horas e meia de sua vida por um trapo com uma etiqueta falsa? Só para mostrar para seu amigo que você pode? Pensem então na compra de um carro modelo básico, que na tabela custa trinta mil reais, e como você vai financiar acaba pagando noventa mil reais. Então, quantos meses você vai ter de trabalhar para pagar o conforto que uma latinha pintada lhe oferece? Pergunte para si mesmo: você nasceu para ser um escravo? E depois de morrer onde você vai guardar a latinha e sua calça? 81 Pense também quanto tempo você vai ter para ler um livro, falar com sua esposa ou esposo, brincar com o seu filho, escutar seus pais ou avós. Quanto tempo você vai ter para escutar uma boa música ou olhar um belo pôr do sol. Mas pode ser que realmente você tenha nascido para ser um simples escravo. Dharmaraksita diz: “Quando ouvimos só palavras sujas e abusivas, Esta é a roda de armas afiadas retornando, Círculo dentro de nós cheio de injustiças que fizemos. Até agora nós dissemos muitas coisas sem pensar; Nós caluniamos e causamos terminar muitas amizades. Daqui por diante censuremos nossas observações irrefletidas” Jesus diz: “Mas o que sai da boca vem do coração, e é isso o que contamina o homem”. Quantas palavras falamos por dia? Quantas por hora? Não temos a mínima consciência. Quantas palavras têm realmente algum sentido? Quantas palavras são esquecidas imediatamente? Porém, pergunte a estas pessoas que todos os dias ficam sentadas horas a fio na mesa de um restaurante falando palavras ao vento, ofensivas, sujas, degradantes, se elas ficariam uma hora por dia rezando ou falando os mantras. O que será que ela responderia? Quantas palavras ofensivas falam para seus familiares, tendo como o único ganho separação, dor e miséria em seu coração? Quantas palavras escutamos no rádio ou na televisão? O que lembramos de todo o escutado até hoje? Basicamente pouquíssima coisa, porque em realidade nada foi dito, palavras sem sentido, sem força espiritual, sem nenhuma necessidade de ter sido dita, simplesmente falamos compulsivamente, criticando, injuriando, insultando, fofocando, desunindo os que se amam. 82 Agora contem no seu dia quantas palavras imbuídas de carinho e amor falam, em especial dirigida aos seus familiares? Querido leitor você se surpreenderia, se no espaço de uma vida de 40 ou 50 anos, você falou 100 palavras autênticas, amorosas e verdadeiras. Que triste não é? Já é hora de mudar. Ou fale palavras verdadeiras que tem como fundamento a sabedoria ou guarde santo silêncio. Não se esqueça, o silêncio é para as almas fortes. Dharmaraksita diz: “Quando injustamente nós somos culpados pelos malfeitos de outros, E somos acusados falsamente de falhas que nós não fizemos, Sempre sendo objeto de abuso verbal, Esta é a roda de armas afiadas retornando, Círculo dentro de nós cheio de injustiças que fizemos. Até agora nós menosprezamos e depreciamos nossos Mestres; Daqui por diante nunca acusemos os outros falsamente, Mas lhes daremos o pleno crédito das virtudes que eles têm. Diz o Sr. Buda: “O que é, pois, irmãos, a palavra correta? É quando, irmãos, o homem venceu a mentira, venceu a falsidade. Diz a verdade, é devoto da verdade, é digno de confiança, não engana as pessoas. Quando é levado perante um juiz e o mesmo lhe pergunta: “Vamos, bom homem, fala o que sabes”, responde, se nada sabe, “nada sei” e, se sabe, “sei”; se nada viu, responde “nada vi” e, se viu, responde “vi”. Assim, nunca diz mentiras conscientemente, nem por proveito próprio, nem por proveito de outra pessoa, nem por amor a proveito algum. É quando o homem venceu a calúnia e não perjura. O que escutou aqui, não repete lá, para, assim, não ser causa de desentendimentos nem de brigas. Torna-se elemento reconciliador, alegra-se na concórdia, e a difunde com suas palavras. Renunciou à linguagem irada, usa palavras suaves 83 aos ouvidos, palavras que despertam o amor no coração das pessoas, palavras que são corteses, que deixam felizes e elevam muitas pessoas. Venceu a conversa ociosa, fala no momento justo e de acordo com os fatos. Fala somente do Dharma ou guarda santo silêncio. Fala dos fatos dos grandes mestres e estimula para que sigam seu exemplo. Sua fala é tida como de muito valor, e não contradiz seu pensamento. Discipulado Então, disse Jesus a seus discípulos: “Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me. Porquanto, quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; e quem perder a vida por minha causa achá-la-á. Pois que aproveitará o homem se ganhar o mundo inteiro a perder a sua alma?”... Mateus 16:24-26 “Assim, pois, todo aquele que dentre vós não renuncia a tudo quanto tem não pode ser meu discípulo”. Lucas 14:33 “Se me amais, guardareis os meus mandamentos”. —João 14:15 “O meu mandamento é este: que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei”. —João 15:12 “Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros”. —João 13:35 “Disse, pois, Jesus aos... que haviam crido nele: Se vós permanecerdes na minha palavra, sois verdadeiramente meus discípulos”. —João 8:31 Então, disse Jesus a seus discípulos: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me Este é o pensamento fundamental do discipulado, não só cristão e sim universal. 84 Negar-se a si mesmo, às suas pretensões ridículas de trilhar um caminho espiritual para tirar vantagens e honrarias perante o mundo, fingindo ser um homem honesto. Negar-se a si mesmo é entender que em nossa vida diária ordinária, não há um minuto sequer de sabedoria e de realização verdadeiramente espiritual. Estamos sempre fingindo ser o que não somos, fingindo ser um bom pai, um bom homem, fingindo ser pacientes, honestos e todo o blá blá blá do politicamente correto, que em tempos antigos seria considerado hipocrisia e falsidade. Negar-se a si mesmos é eliminar a corrupção que está instalada em nosso coração e que nos torna medíocres, sem rumo e sem nenhuma história verdadeira que nos possibilitaria chegar a velhice com dignidade. Negar-se a si mesmo é dizer não à arrogância que mora em nosso coração quando os poderosos nos dão umas simples palmadinhas nas costas ou um carro novo com um cartão internacional sem limite de gastos. Esta arrogância e desprezo pelos menos favorecidos, ou pelos nossos próprios filhos que quando nos pedem um pouco de carinho e presença nós os abandonamos, porque nos molestam e não nos deixam trabalhar para os nossos patrões de turno. Negar-se a si mesmo é trilhar o caminho de uma Madre Teresa de Calcutá, que nos deu o exemplo vivo da opção pelos mais pobres e desamparados, opção que um pretenso reverendo budista de araque chamou de atitude piegas, porque ele é um professor de história da faculdade de São Paulo. Negar-se a si mesmo é eliminar de nosso coração a idéia fútil e arrogante de querer nos comparar aos mestres que dedicaram todas as suas vidas ao treino da meditação, somente porque cantamos alguns milhares de mantras ou rezamos algumas preces. Negar-se a si mesmo é transformar cada minuto de nossa vida aplicando os ensinamentos, sejam os de Jesus ou Buda, erradicando de nosso 85 coração a profunda apatia e desleixo emocional em que vivemos e que nós mesmos criamos. Aborrecidos, vivemos rodeados de morte. No lamaçal de nossa vida escura e sem sentido, perambulamos pelos shoppings como zumbis comprando porcarias de todo tipo, de forma compulsiva, e quando já estouramos os nossos cartões de crédito, partimos à caça de livros de auto-ajuda, sem dar-nos conta de que estes livros formam parte do esquema da anestesia generalizada que é vendida para aqueles que preferem pintar as paredes do calabouço em que vivem ao invés de fugir dele. Lemos palavras bonitas arranjadas inteligentemente de forma a preencher todas as páginas, porém sem conteúdo verdadeiro. Na autoilusão gerada por nossa mediocridade intelectual, nos autoconvencemos, fingindo que somos representantes auto-gerados de espíritos que controlam o destino da humanidade. De medíocre passamos a auto-salvadores da humanidade num piscar de olhos, comodamente sentados em nossa poltrona, após termos assistido a novela das oito. Agora que já somos os “escolhidos” temos a necessidade de termos seguidores que vamos procurar entre os mais estúpidos e frustrados da raça humana. Quando falo frustrado não o digo porque eles tentaram e não conseguiram, e sim porque nunca tentaram nada, e ao não darem certo em suas vidas, procuram no esoterismo de botequim uma aventura psicodélica. Criam seitas, doutrinas esotéricas, teorias de conspirações extraterrestres, "intraterrestres", entre outras, justificando de uma forma pseudo-erudita que eles são reencarnações de faraós, reis, ou até do próprio Cristo. O pior de tudo é que sempre haverá alguém que será o seguidor perfeito. São esses seguidores perfeitos que vão utilizar toda a sua inteligência para explicar o porquê devemos matar os negros e os judeus e todo aquele que não concordar com nossas idéias. Eles infectam todas as filosofias e religiões, são os fundamentalistas que não hesitam em matar o seu irmão para impor a sua idéia. 86 Eles nunca se negam a si mesmos como Jesus lhes pede; eles se utilizam das palavras dos homens santos para reforçar a sua própria identidade neurótica e assassina. Negar-se a si mesmo, é negar as fantasias, é olhar com o olho severo as fraquezas que compartilham nosso dia a dia e atacá-las de forma decidida para que elas não aumentem a confusão existente. Negar-se a si mesmo é esquecer-se de si mesmo, desde o mais profundo de nosso ser. Negar-se a si mesmo é compreender que o caminho que Jesus e Buda nos propõem é um dos trabalhos mais árduos e difíceis de realizar, porém o único caminho que nos tira do lamaçal em que vivemos e nos confere um pouco mais de dignidade. A Cruz Quando Jesus nos fala “Pega a tua cruz” nos está oferecendo um ensinamento tão completo que muitos livros não conseguiriam expor a sua profunda dimensão. Uns anos atrás me convidaram à Itália para oferecer um curso relacionado à Sabedoria do I Ching, o Livro das Mutações, perto de Terni, especificamente na comuna de Viterbo (é conhecida como a cidade dos Papas, já que no século XIII muitos pontífices tinham residência de campo em Viterbo e lá passavam até mais tempo que no Vaticano. Na cidade realizou-se o primeiro conclave. Alguns dos lugares de interesse são o bairro medieval e o palácio dos Papas. Em Viterbo está sepultado o único Papa português, João XXI, entre outros da mesma época). 87 O meu anfitrião levou-me ao que foi o palácio dos papas; hoje é um lugar onde se realizam muitos cursos tanto para padres como para leigos, empresas etc., porém mantém ainda todo o clima sacro. Lá estava esperando a minha hora na sala onde tinha que oferecer os ensinamentos e observei um imenso crucifixo com Jesus pregado lá. Como tinha de esperar mais de duas horas até começar, fiquei sentado na sua frente em meditação silenciosa. Ele tão poderoso, tão humilde, tão humano. Quanto amor existe em seu próprio auto-sacrifício. Que pouco amor há em nós, humanos vulgares, que olhando para o seu exemplo nada entendemos e nada realizamos. Como diria Francisco de Assis: “O amor não é amado”. As pessoas passavam perante ele olhando seriamente para baixo, muito ocupados nos seus negócios. Nesse momento veio à minha mente estas palavras que agora estou compartilhando com Vocês. Um Ser profundamente espiritual, um Ser absolutamente Luminoso, toma um corpo humano. Pela sua própria qualidade torna este corpo humano um corpo precioso, divino. Porém ele saindo da Luz entra na escuridão, se ajusta às leis da escuridão, sofre a grande confusão ao ser abraçado por essa escuridão. A escuridão o fere, o martiriza, o engana, lhe produz raiva, frustração e tudo o que nós seres que nascemos na escuridão já estamos cansados de experimentar. Ainda assim, ele na sua infinita bondade, mostra para os seres que estão com pequenos véus em suas mentes, que há uma possibilidade, uma saída, acolhe seus discípulos. Os outros seguem adormecidos na comodidade da escuridão. Ele não se cansa. Como poderia se cansar, se é pura consciência e pura luz, pura bondade e puro Amor? O Bem não tem descanso, por isso ele ao final sempre vence. Mas no tempo e no espaço ilusório, no mundo controlado pela realidade aparente, o escuro domina. 88 Mas há uma falha no sistema. Quando um ser luminoso se manifesta a falha torna-se evidente. Então os adormecidos, os mortos vivos, os zumbis começam a reviver. Dentro de todo este drama, Ele tem de oferecer o supremo ensinamento que a maioria dos mortos vivos cospe sangue ao somente pensar: o autosacrifício, o sagrado ofício de se oferecer aos mortos para que eles o despedacem, algo que na tradição Vajrayana chama-se de Chod. Onde que Ele faz isso? No caminho da Cruz e na própria Cruz. Porém o que ela representa? Ela representa tudo aquilo que nos amarra, a morte do próprio espírito amarrado aos grilhões da matéria, e ao mesmo tempo a morte da própria morte, ou seja, a ressurreição. A parte inferior representa todo o nosso passado, o conforto e a comodidade que defendemos com unhas e dentes, de nossa vida medíocre e ordinária, uma vida sem sentido e dirigida somente para satisfazer o nosso ego. A vida egoísta, instintiva e adormecida. O braço horizontal representa a consciência e tudo aquilo que nos faz rever nossos atos e a nossa própria vida. É o lugar do encontro entre a luz que vem dos céus e o ser instintivo e animal. Trata-se do lugar do conflito, porque temos consciência de todas as nossas comodidades que nos prendem a uma vida hipócrita e ao mesmo tempo a mesma vida que nos cobra sua dose de veneno e corrupção, simbolizada pelos dois homens: o bom e o ladrão. Jesus, como nós, tem de decidir, porém esta decisão não pode ser unilateral. Ele tem de dar o grande pulo no abismo. Poderia se conformar em somente ser um homem bom, ir todo domingo à igreja, ter bastantes filhos, cumprir com suas obrigações, nada de especial, bem comum mesmo, contudo, bom. Meio vegetal, meio brócolis murcho, sem gosto, sem expressão, Jesus poderia ser hoje em dia o politicamente correto. Morno de doer... Mas ele escolhe se entregar, se esquecer absolutamente, completamente de si mesmo. A aste superior da cruz é a conduta celestial, o desígnio celestial, o Dharma a ser seguido, ou a Vontade de Deus. 89 Aquilo que nos incita a nos superar e ir além de nossa própria consciência, além de nossas próprias expectativas. A cruz nos mostra também o caminho da completa e absoluta transformação do ser, assim como uma semente. Ela - como nós- está presa na terra, ao seu passado, ao seu karma, alguém em algum dado momento a jogou ai - causas e condições. Alguém nos jogou no mundo, nós aparecemos e começamos a morrer, como meu Mestre Bokar Tulku Rimpoche certa vez nos falou: “Acostumem-se com a idéia de que vocês apareceram neste mundo para aprender a perder. Desde seu nascimento, já estão perdendo”. A semente foi jogada pelas circunstâncias na terra e já está apodrecendo, sem luz, na humildade, abandonada, perdida. Porém há nela uma energia latente que necessita urgentemente dos raios do sol, da vida, da luz. Assim como nós, pequenas sementes que aparecem neste mundo, quem sabe por quê. Como a semente, teremos de emergir pelo próprio esforço, teremos de nos desvencilhar de todas as amarras que nos prendem à nossa escuridão. Então a Luz - que é o próprio auto-sacrifício de Jesus e de todo santo toca silenciosamente esta energia que está adormecida, a desperta, a incentiva a ascender, a procurar pela sua fonte. Custa muito ao brotinho sair de todas essas amarras, sair do frio, do úmido, ao mesmo tempo em que é muito sacrificado se libertar de todas estas amarras; tanto o brotinho como nós temos de ser muito suaves, ternos, adaptáveis e o mais importante de tudo, profundamente silenciosos. Então despontamos no nosso horizonte, bem humilde, bem baixo, como uma nascente que mais tarde será um rio e depois oceano. O começo é difícil e caótico, profundamente angustiante, como quando Jesus na sua última noite pede aos seus discípulos para que não durmam. Neste momento de profundo abatimento o ser minúsculo (a pessoa) tem de aceitar a imensidão e a vastidão do universo. 90 Guru Rimpoche nos fala que esta é a causa de todos os nossos medos mais profundos. A consciência de nossa própria finitude frente à percepção da mais pura vastidão e a mais profunda solidão. Então este brotinho, nós, o próprio Jesus, é entregue aos lobos, vampiros, seres infernais, em soma a toda a crueza e violência da própria Vida, o lado Yang, violento, luminoso, destruidor. O broto sofre na intempérie, ou demasiado sol, ou demasiada água, algumas vezes uma enchente, outras vezes uma seca, nalguns momentos, um suave orvalho, porém de repente uma só gota da chuva pesada o curva, o quebra, no entanto ele não desiste, se lança ao vazio rumo à fonte que anima seu próprio ser. A luz que está fora é da mesma qualidade que a luz que está dentro, somente este brotinho não sabe ainda, então duvida, treme só de pensar em abandonar tudo. Mas Jesus nos da uma dica ao pronunciar “Pai, encomendo meu espírito. Senhor me entrego, nada há mais em mim que realmente seja meu”. Somente há Um Ser, uma única realidade, agora Ele e a Cruz são um só e Ele não tem mais medo, ele realmente tona-se um Vivo entre os mortais. Um verdadeiro Imortal, um caminhante dos céus, um perfeito Buda Vitorioso. Então olhando para esta figura e refletindo sobre a frase “pega tua Cruz e me segue”, comecemos olhando para nós mesmos e tentemos compreender que não podemos ser mais condescendentes conosco, escondendo nossas falhas, fugindo de nossos medos, inventando fantasias, manipulando as pessoas. Pegar a Cruz é tomar a pílula do filme Matrix: o que a pessoa olhou? Um mundo bonito ou um mundo em ruínas? Ele aceitou de bom grado o mundo em ruínas? Pensemos: nós nos chamamos de budistas ou cristãos, porém somos realmente praticantes sérios destas disciplinas? Quanto esforço diário oferecemos ao altar da disciplina e da meditação? 91 Quantas horas, dias e meses ao ano, nos dedicamos a nos drogar, alcoolizar, ter relações sexuais impróprias, mentir, difamar, desrespeitar nossos ancestrais e nossos pais, quanto tempo dedicamos a olhar jornais onde somente passam morte e destruições, além das informações do tempo e de economia? Quantas semanas e anos passamos olhando filmes onde somente há pornografia, maus tratos, violência, drogas e todo tipo de insultos? E o futebol, que agora se transformou na nova droga mundial? Então, meus queridos, não se queixem por eu escrever estas palavras. Se elas são mentirosas, podem queimar este livro; se não, então desligue sua TV e vai treinar e estudar que aí, sim, você vai ganhar uma nova vida. Porquanto, quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; e quem perder a vida por minha causa achá-la-á. Pois que aproveitará o homem se ganhar o mundo inteiro a perder a sua alma?... —Mateus 16:24-26 Desde antes do advento do cristianismo este pensamento está presente nas tradições espirituais do Oriente e Ásia. Em todas as épocas alguns homens destoavam entre os milhões dirigindo-se aos mosteiros, eremitas, arriscando a sua vida na procura daqueles homens conhecidos como os imortais, ou os santos sábios, rishis ou videntes da verdade. Não hesitavam em abandonar todos os seus pertences e familiares, compreendendo que esta vida é somente uma pequena fração de segundo comparado com a eternidade. Porém que esta vida é uma dádiva que não pode ser desperdiçada em banalidades. Dentro da Tradição Budista encontramos as 37 práticas do Bodisatwa, que nos oferecem uma perspectiva clara de como e porque abandonar esta vida de sonhos e frustrações permanentes. Por exemplo, na primeira estrofe diz: Diante dos amigos, o desejo e o apego nos agitam como a água. Diante dos inimigos, a cólera nos queima como o fogo. Para aquele cuja ignorância obscura faz com que esqueça o que deve ser adotado e o que deve ser rejeitado, Abandonar sua terra natal é a prática dos Bodisatwas.” 92 Basicamente temos muito medo de abandonar nossa casa, família, pertences. Gostemos ou não, vamos ter de abandoná-las em qualquer momento. Num dia eu estava feliz com minha família, noutro estive num hospital onde tive de passar três meses completamente engessado. O acidente se deu numa fração de segundos. Acreditamos que nada nos vai acontecer, porém isto é uma ilusão que surge da lógica da segurança, que nossa mente cria para que continuemos anestesiados como sempre. Podemos ter uma saúde robusta, mas quando queremos ter um filho e não conseguimos imediatamente pensamentos negativos vêm à nossa mente, culpando ou ao nosso cônjuge ou a Deus por nossa incapacidade. Queremos um emprego melhor, porém não temos condições internas, nos falta sabedoria e experiência. Atordoados vamos nos profissionalizar, para depois descobrir que fomos passados para trás, já que ninguém mais quer o que nós sabemos. Isto acontece muito com nossos filhos. Na compulsividade de que eles sejam cidadãos exemplares, os colocamos nas escolas primárias, secundárias, universidades e demais, para depois constatar que tudo isso somente lhe serviu para colecionar títulos que não vão utilizar. Sempre estamos tentando nos manter agarrados às nossas “pequenices”, às coisas efêmeras de nosso dia-a-dia, nossa posição social, nosso dinheiro, carro, casa e assim por diante. No entanto, queiramos ou não, teremos de abandoná-los, em qualquer momento, sem aviso prévio algum. Jesus, como todo mestre de sabedoria, pede que nós abandonemos toda esta vida de apegos e fantasias, Ele quer que realmente possamos nos dedicar de corpo e alma a procurar a sabedoria e a luz no mais íntimo de nosso coração, porque numa vida tão efêmera como a nossa, trocar toda a sua energia e vitalidade para acumular bugigangas que vai ter de abandonar, é realmente uma grande perda de tempo. Jesus diz o que vamos ganhar acumulando nossas fantasias? Nada. O que vamos perder realmente? Tudo, em especial nossa própria vida, nossa alma. Você decide. 93 A isto, respondeu Jesus: Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus. Que é nascer de novo? É possível que isto hoje aconteça? Como seria o processo? Dentro do contexto Budista nós temos uma cerimônia que é chamada de “cerimônia do refúgio”; nela, se adverte ao candidato de que a partir do momento em que ele passa pelo ritual, ele transforma-se num companheiro de todos os Budas, comprometendo-se de agora para o sempre a viver de forma digna e honesta. Como budista você tem nas Três Jóias – Buda, Dharma e Sangha – a última fonte de Refúgio. Ao reconhecer a Jóia-Buda como seu guia, a Jóia-Dharma como seu caminho e a Jóia-Sangha como seus verdadeiros companheiros, estas fontes de Refúgio lhe abrem o caminho do Despertar e da sabedoria. Tomar o Buda como objeto puro de Refúgio significa tomar refúgio em um mestre que é totalmente livre e que nos mostra o caminho verdadeiro. Tomar refúgio no Dharma é tomar refúgio em um caminho que leva ao perfeito Despertar e à Sabedoria. Tomar refúgio na Sangha é tomar refúgio nos companheiros espirituais, que seguem o caminho da libertação e evitam os caminhos errôneos. A mesma idéia deve estar implícita no batismo cristão: nascer para uma nova vida. Porém ser somente batizado ou simplesmente pedir o refúgio não basta. Nas duas tradições há um início, um meio e um final que ao mesmo tempo é um novo início, até realizar por completo a natureza divina que sempre foi nossa desde o principio dos tempos. No meio do caminho como cristão existe a confirmação, que é um novo batismo onde agora quem pede e recebe a benção já o faz conscientemente, incluindo neste pedido uma atitude consciente mais madura. No livro “Terapeutas Do Deserto", de J. Yves Leloup e Leonardo Boff – Ed. Vozes 8ª edição – encontrei esta mensagem sobre a “celebração final” de J. Yves Leloup, que diz: 94 “No primeiro século do Cristianismo não se falava apenas do Batismo, mas da iniciação cristã” Ele diz “A primeira etapa era o mergulho na água” Na iniciação Vajrayana se oferece ao discípulo que está recebendo o impulso para treinar a sua disciplina espiritual, a água benta que em sânscrito chama-se de Amrita. É interessante observar que esta palavra contém o sufixo A que significa Não e Mrta que significa morte. Então, de uma forma simples, é traduzido como o elixir da longa vida ou a água que nos liberta da morte. Ele continua citando Simeão, o Teólogo que fala: “Se você se batizou na água e Você não se batizou nas suas lágrimas, seu batismo é apenas um batismo exterior”. Na tradição Vajrayana, um pouco antes do discípulo receber a iniciação, ele tem de confessar perante o seu próprio espírito e todos os Budas dos três tempos – passado, presente e futuro - todos os seus pecados e verdadeiramente se arrepender destes atos. Ou seja, teria que realmente chorar pelo remorso que sente em saber que ele foi causa de enorme sofrimento dos seres. A segunda etapa – “é a unção do óleo”. “Não é suficiente estar limpo, é preciso ainda receber o amor, receber o espírito”. Na tradição Vajrayana, aqui se encontra o voto do Bodhisatwa. Por que receber a iniciação? Para que recebê-la? Então se apresenta ao discípulo a idéia de que ele está tomando todos os votos para se treinar em amar de forma indiferenciada todos os seres que são como nossas mães. Bodisatwa é aquele que renuncia a sua própria felicidade para dedicar todo o seu tempo à felicidade dos outros, motivado pela compaixão e pelo amor. 95 O aluno já recebeu os votos de refúgio, onde ele se compromete a levar uma vida onde tem de evitar os dez comportamentos nocivos, sendo três do corpo – matar, roubar e conduta sexual desonesta –, quatro da palavra – mentir, ofender, utilizar palavras duras e difamar –, e três da mente: A mente livre da sensualidade, a mente livre da má vontade e a mente livre da crueldade. A terceira etapa – contínua – é a comunhão. “A comunhão representa a via unitiva” No contexto Vajrayana agora ele se decide realmente a trilhar um caminho conhecido como “caminho de acumulação de mérito e de sabedoria”. Este caminho começa então com as práticas das cinco cem mil, ou conhecidas popularmente como os preliminares. Estas práticas consistem em realizar 111.111 práticas de invocação dos Budas e dos mestres da linhagem, unido à prostração. Estas duas purificam a causa e o sofrimento que infligimos pela nossa arrogância, ao mesmo tempo em que ela é uma atitude fundamental de humildade e entrega. Depois se repetem 111.111 mantras do Buda Dorje Sempa, o Buda da purificação, onde a investigação, a lembrança e o remorso por todo o sofrimento causado aos outros, devido à nossa arrogância, tem de ser purificado. Em seguida, pensando e descobrindo a bondade de todos os Budas e de todos os seres, a começar por nossos próprios pais, por nos terem assistido por tanto tempo, realizamos 111.111 práticas das oferendas de mandala que é um poderoso método de transformar nossa falta de agradecimento aos seres por nos terem ajudado a realizar todos os nossos sonhos, ou ao menos nos terem ajudado a sobreviver com um pouco mais de dignidade. Por último, pensando e compreendendo a nossa sorte por termos encontrado nosso caminho espiritual, e refletindo desde o mais profundo de nosso coração sobre a bondade de todos os mestres do passado e do presente, e que realizamos 111.111 preces conhecidas como a yoga do 96 guru. Isto nos prepara para, a partir deste momento, trilhar o que J. Yves Leloup chama da “via unitiva”. Estas práticas também são realizadas para erradicar os cinco venenos da mente que são a raiva, o apego, a ignorância, o orgulho e a inveja. Quando estas emoções escuras são purificadas a sabedoria inata que já está presente em nós desponta, tornando-se presente em nosso dia a dia e ao mesmo tempo elas mesmas constituem o fundamento de treinos mais elaborados que visam operar uma mudança completa na perspectiva de nosso próprio espírito. Então, quando Jesus nos pede para abandonar esta vida e “nascer de novo”, na verdade está nos indicando um caminho que não é exclusivo dos santos e sim que está acessível a todo ser humano consciente de sua finitude e da importância do sagrado em sua vida. A vida que Jesus nos pede para abandonar é a vida onde estas cinco emoções existem, se desenvolvem e nos destroem. Temos que tentar domesticá-las para transformá-las em profunda sabedoria e assim nos tornarmos um verdadeiro guia dos mais fracos e oprimidos. Para transformar estes venenos de nossa mente, vou me estender mais um pouco sobre eles, assim o leitor pode identificá-los melhor. A primeira emoção perturbadora é a ira ou agressão. Esta é a mais complicada e a mais fácil de aparecer. Buda a compara com a rapidez em que acontece um incêndio num bosque de pinheiros. Somente basta uma faísca para queimar por inteiro um bosque de mil anos. O mesmo acontece com a Ira e a agressão, somente uma suspeita para que destruamos todos e assim causemos inúmeros sofrimentos a nós mesmos e aos nossos seres mais queridos, em especial aos que estão mais perto, ou seja, nossas crianças e familiares. Por isso, se diz: “eles matam a quem deveriam amar”. Quando a ira é purificada pelo exercício da paciência, desenvolvemos a sabedoria que se assemelha a um espelho, onde não existe mais diferencia entre nós e o outro, desta forma tudo que se passa a experimentar é paz e harmonia; de modo contrário, seria guerra, competição e desarmonia. 97 Chama-se sabedoria similar a um espelho porque todo tipo de fenômeno, seja ele exterior – um fato – ou interior – um pensamento – aparece diante da mente da mesma forma que aparece num espelho polido e brilhante. Os objetos observados tornam-se limpos, precisos e sem distorção. Esta sabedoria do espelho está representada na iconografia budista como o Buda Akshobhya. Ele sustenta em sua mão esquerda um dorje, símbolo que representa o apaziguar das emoções violentas e, em particular, o sofrimento, as doenças, a frustração e a aflição. A segunda emoção perturbadora é o orgulho ou a arrogância neurótica. Ela surge da idéia básica instalada em nossa mente desde o nascimento de que nós somos “diferentes”, únicos, especiais. Ela aparece em todo momento, em nossa residência, quando tratamos nossos empregados como inferiores, nossos filhos como bobos, nossa esposa como uma “burra”. Enquanto não pudermos entender que somos “todos iguais, perante os olhos de Deus” ou perante nosso espírito, criaremos sempre barreiras e nos tornaremos impossibilitados de nos comunicar, já que a arrogância nos faz pensar que já sabemos sobre tudo o que nos mostram ou nos comentam. Esta atitude nos torna agressivos e nossas palavras, sendo muito certeiras, tornam-se como adagas que ferem o coração dos seres. Chega um momento em que sozinhos, fechados em nosso castelo cheio de armas afiadas, tornamo-nos impossíveis de conviver, então a solidão nos espreita e nos mata, somos abandonados por aqueles que mais amamos, nos tornamos “insuportáveis” e em nenhum momento poderemos manter um diálogo sincero e franco com alguém. Sempre olhando de cima de nossa própria montanha, manipulamos os seres para que eles nos ofereçam o que há de melhor neles, porém somos incapazes de oferecer ao menos um sorriso e um abraço fraterno. Para purificar nossa arrogância, dentro da prática das cinco cem mil, existem as chamadas prostrações, são cento e onze mil prostrações que 98 devemos fazer recitando cento e onze mil preces do refúgio, onde o ser em questão se compromete a se transformar em Buda, para o benefício de todos os outros seres. A maioria, no entanto, não consegue chegar a mil prostrações. Quando o corpo dói, o arrogante começa a ficar com raiva de si mesmo e de sua própria limitação. Este sentimento é o que o coloca na situação de igualdade com todos os seres. Então ele abandona, falando que isto é manipulação, ou seja, olha no espelho de sua mente o que ele sempre faz com todos os seres. Quando esta emoção perturbadora é transformada surge a sabedoria da igualdade, e está representada na iconografia budista como o Buda dourado Ratna Sambabha. A sua cor dourada está associada com o fato de descobrirmos a igualdade fundamental de todos os seres e que em último caso somos todos irmãos. Ao descobrir isto em nosso espírito, as qualidades da riqueza despertam em nós, por este motivo o Buda sustenta na sua mão direita uma jóia que satisfaz todos os desejos A terceira emoção perturbadora é o apego e o desejo. Esta emoção escura nos causa enormes sofrimentos, porque o desejo nos detrai e mantém nossa mente instável e irrequieta. Quando estamos apegados às coisas e às pessoas, nunca nos sentimos satisfeitos e sempre nossa mente percebe que poderia encontrar algo melhor do que já possuímos. Então abandonamos o que possuímos em busca de algo melhor. Aqui aparece o sentimento de perda e de pobreza. Este desejo sempre nos conduz a uma insatisfação cada vez mais profunda. Lembremos que o desejo determina nossa conduta, e o obter o que desejamos nos conduz diretamente à frustração e à desilusão. Através da compreensão e do abandono deste ciclo vicioso de desejar e nunca poder desfrutar, surge em nós uma sabedoria de discernimento compassivo representado pelo Buda Amitabha. A mente experimenta carinho e simpatia por todo ser vivente e suas qualidades. A natureza do Buda Amitabha é a ausência do apego e do desejo, e sua atividade é profundamente magnetizadora 99 A realização da sabedoria do Buda Amitabha é tão poderosa que todas as coisas tornam-se naturalmente magnetizadas como se nos pertencessem, já que intimamente experimentamos a identificação e o amor por todos os seres e seus atos. A quarta emoção perturbadora é a dos ciúmes, que inclui estar com inveja do êxito e boa fortuna dos outros. Com estes ciúmes acumulamos muita negatividade, e ela é a causa principal de não conseguir realizar todos os nossos sonhos. Podemos concretizar os nossos sonhos através da fraude, do engano, da truculência, porém o que se consegue pela manhã à noite perde-se tudo, ou literalmente nos roubam. Este estado de sofrimento mental nos incentiva a pensar mal dos outros, já que para a pessoa ciumenta, o fracasso se deve aos outros, e os acertos se deve exclusivamente ao trabalho seu. Este pensar mal dos outros a leva experimentar o sofrimento que é expresso nas seguintes palavras: “quando os outros estão muito perto de nós, estão nos manipulando; quando os outros estão afastados de nós – por não nos suportar – eles não nos amam”. O resultado deste tipo de sofrimento mental é que a cada dia nos tornamos mais e mais feios, mal cheirosos e repugnantes, afastando todos aqueles com os quais deveríamos compartilhar a nossa vida. No livro das mutações, I Ching, está escrito: “alegria compartilhada, alegria redobrada”. Neste caso o invejoso morre amargurado, esquecido e na profunda solidão. O Buda que representa a sabedoria que destrói os ciúmes e a inveja chama-se Amoghasiddhi, aquele que representa realizar a quarta sabedoria que tudo consegue, e dizer que quando todos os ciúmes são eliminados todos os desejos são realizados de forma natural e espontaneamente. Por este motivo a Sabedoria do Buda Amoghasiddhi é feroz. Ela elimina de forma decidida todos os obstáculos que impedem a maturação espiritual e o êxito em nosso dia a dia. 100 O Buda Amoghasiddhi é cor verde, a mesma cor do mundo vegetal que com suas mais variadas formas, cores e fragrâncias nos mostram as inúmeras atividades que este Buda utiliza para nos ajudar a eliminar todos os obstáculos. A quinta emoção perturbadora é a Ignorância. Ela consiste em fracassar no reconhecimento do que é ou não verdadeiro. Erramos ao reconhecer a verdade absoluta e a verdade convencional. Ela é retratada como uma porca, já que este animal erra em diferenciar de forma básica o seu alimento de suas fezes, então ela come as duas como se tudo fosse uma coisa só. A ignorância é a mãe de todos os estados escuros da mente e é a raiz de todas as emoções perturbadoras. É por causa da ignorância básica que não podemos reconhecer o Cristo interno em nosso coração, apresentado na tradição Budista como a verdade absoluta. Como São Irineu nos fala de que “Deus é tudo em todos”, então Deus nunca pode ser conhecido como um objeto, ou como uma realidade fora de nós. Ele não pode ser aprisionado em conceitos, nem em discursos inflamados, apenas podemos conhecer Deus através de nossa participação, procurando a experiência de Deus, que transcende todo discurso lógico. Quando Jesus falou que Ele é a Verdade e a Vida, estava nos oferecendo um ensinamento sobre a nossa própria essência espiritual, que deve ser procurada no mais íntimo de nosso ser, onde nenhum tipo de palavra articulada pode fazer sentido. São Paulo apóstolo dá uma reprimenda a alguns dos primeiros cristãos pelas suas intermináveis polêmicas acerca de palavras e por andarem com minúcias em vez de vivenciarem os sentidos profundos dos ensinamentos de Jesus. A ignorância fundamental é a incapacidade de reconhecer, ainda que de forma intelectual, estas verdades eternas. “Porque a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus; pois está escrito: Ele apanha os sábios na sua própria astúcia”. 3,19 101 Quando um erudito fica discutindo o sentido das palavras, a emoção perturbadora da arrogância, o desprezo, o ódio, e o ciúme dirigido aos menos inteligentes aparecem imediatamente. É por causa desta arrogância intelectual que eles mandaram matar tantos inocentes ao longo dos milênios. Não foi Francisco de Assis que criou a inquisição. O Buda que representa a sabedoria do puro espírito que surge da experiência direta é conhecido como o Buda Vairochana. Ele representa a natureza do verdadeiro espírito que não pode ser criado, que não pode ser interpretada de nenhuma forma. Vairochana é também conhecido como o Ser Radiante que brilha em todas as direções, cuja luz penetra em cada canto do planeta. Em sânscrito sua esfera está representada pela palavra Dharmadatu, ou seja, a dimensão que contém o todo da existência, e que inclui os três tempos - passado, presente e futuro -, formando assim o tempo infinito, ou seja, o quarto e único tempo. Então, ao Jesus dizer “ele apanha os sábios na sua própria astucia” mostra perante os nossos olhos a pura evidência de que por mais erudita que a pessoa possa ser, ela na realidade está sempre se utilizando das palavras dos outros, enquanto o homem sábio experimenta no mais profundo de seu ser da união com seu princípio espiritual. A Importância do Mestre – Guru – na superação dos obstáculos na vida do discípulo. A verdadeira sabedoria deve surgir de uma experiência direta da divindade, já que sem esta as palavras e os pensamentos que qualquer ser humano pode expressar são meros sons sem sentido. 102 Para realmente ter este tipo de experiência é necessário ter um verdadeiro guia espiritual ou mestre ao nosso lado que tenha uma completa realização do espírito. Este guia espiritual é denominado comumente pela palavra ‘Guru'. Um dos significados da palavra Guru, deriva do termo de sânscrito antigo Kalyanamitra. Kalyana quer dizer virtuoso. Mitra quer dizer o amigo. Juntos, o termo denota uma pessoa que é um amigo virtuoso. Associando-se com o amigo virtuoso a pessoa desenvolveria qualidades espirituais positivas que não poderiam ser adquiridas por qualquer outro meio. Este termo não se aplica a qualquer amizade formada ao longo do caminho espiritual. Nós deveríamos nos preocupar em não abusar da palavra ‘Guru'. Nós temos que entender de fato em que fase um mestre se torna nosso amigo virtuoso, e o que qualifica um ser para ser conhecido como um amigo virtuoso. Nós não devemos escolher o Mestre somente porque alguém tem personalidade ou carisma, ou por causa da sua reputação ou fama. Tais critérios são meramente emocionais. São critérios muito fracos para ser a base para uma relação que deve existir por muito tempo. Para estabelecer as qualidades essenciais de um Guru, nós temos que confiar nas escrituras. É importante no início mostrar que o termo Guru não é um termo budista geral. Freqüentemente é usado no Hinduísmo, mas dentro do Budismo seu uso é restringido ao tantra. Só se aplica no contexto de doutrinas e ensinos esotéricos. Dentro do contexto Budista a pessoa que dá Refúgio a você não se torna seu Guru. Nem a pessoa que o ordena monge; também a pessoa que lhe dá os votos de Bodisatwa não é um Guru. Nenhum destes votos envolve as doutrinas esotéricas. Uma pessoa que ensinou a você durante numerosos seminários e sessões de meditação não é um Guru. Ele é um professor, talvez também um amigo espiritual. No relacionado aos ensinamentos tântricos ou Budistas esotéricos a palavra Guru inclui outro conceito em si mesma que em sânscrito quer dizer Guhyarucita. Guhya=segredo, rucita = proprietário. Assim, se a palavra inteira pudesse ser traduzida seria como "proprietário de 103 conhecimento secreto". Uma pessoa não pode ser nosso Guru até que ele nos passe o conhecimento secreto de uma maneira prescrita. Quando nós entramos na procura da Iluminação, nós estamos buscando conhecimento secreto, não para nosso próprio benefício, mas para beneficiar os outros. Então, temos que achar uma pessoa com as credenciais mais altas para nos ensinar. Até mesmo em assuntos mundanos como conserto dos canos da cozinha, nós quereremos assegurar-nos que a pessoa que faz o serviço é um encanador qualificado. Mas muitas pessoas não parecem se preocupar com credenciais quando eles escolhem um Guru. Freqüentemente decidem simplesmente na base da reputação de uma pessoa, ou na habilidade para atrair multidões. Isto não quer dizer que não se deve assistir a ensinamentos de Mestres populares. Mas aqui nós estamos nos referindo especificamente ao papel de Guru. Baseado no Guru está a orientação com que a pessoa vai guiar a sua prática espiritual, seu conhecimento espiritual e suas realizações espirituais. Quando nós tentamos adquirir conhecimento ou práticas com os livros, nós não estamos preparados para qualquer resultado ou experiências que podem surgir. Muitos estudantes ficam confusos porque têm um Guru do outro lado do mundo que eles raramente podem ver. Eles não podem desenvolver uma relação próxima. Eles têm uma ligação meramente emocional, ou uma espécie de pacto. Eles não têm a proximidade do conhecimento detalhado sobre as práticas e experiências meditativas. Se você tem certas experiências e não pode falar com um professor que você considera como seu Guru, as circunstâncias não estão colocadas num relacionamento de Gurudiscípulo. Um grande perigo na procura de um Guru é a tentação de procurar alguém que é elevado e famoso. Seguidores de tal Guru podem sentir como se eles fossem parte de algo importante, mas eles não vão 104 conseguir muito disto porque ele [o Guru] não é muito acessível. A pessoa não adquire proximidade bastante para aprender os fundamentos. É dito que aquele Mestre deve ser alguém que é acessível, junto de quem a pessoa pode fazer tudo, não apenas coisas espirituais. Deve haver muitos anos de amizade bem construída. Nós estamos falando sobre um mestre que nos ajudará, encorajará e nos guiará, não o oposto. O que não ajuda o estudante não é Guru. O que não continua inspirando não é Guru. O que não está disponível não é Guru. Ele não deve ser um objeto, um mero ídolo. Ele deve ser um mestre qualificado. Ele deve se dedicar profundamente ao discípulo, a qualquer momento. Ele tem que ter [ou ter tido] um registro de discipulado com um mestre vivo. Ele tem que continuar vendo este mestre [se estiver vivo] e tem que continuar emulando o seu exemplo. Há um perigo quando as pessoas confiam somente na orientação de nãohumanos. Algumas pessoas podem falar diretamente sobre transmissões receptoras de algum ser místico. Mas se sua relação permanecer puramente neste plano místico e nunca no nível humano, ela não desenvolverá o respeito e obediência que um discípulo precisa mostrar. Tais pessoas não têm nenhuma experiência de discipulado com um professor humano. A pessoa tem que experimentar os pontos fracos do Guru da mesma maneira que as suas qualidades espirituais. Nós precisamos achar o anel de ouro entre a pilha de adubo. O ponto aqui é que se deve apreciar o ouro junto com o adubo, não só o ouro. Os que só tratam do ouro não desenvolverão uma relação profunda nem duradoura. Tenderão a permanecer no nível de um Guru exterior, quando o que nós realmente necessitamos é desenvolver nosso Guru interno. Isto é o que acontece quando nós crescemos. Mas não podemos fazer isto sem a ajuda de uma pessoa especial que age como um modelo e guia. Precisamos desta especial ajuda para desenvolver nosso ser espiritual interno que percebemos, e que está muito mais além do eu usual. 105 Quando desenvolvemos uma real relação de Guru-discípulo, o Guru nos inspirará, desenvolvendo nosso Guru interno. Acharemos a voz deste Guru interno, que não é diferente da voz do Guru exterior. Freqüentemente em algum nível sabemos o que deveremos fazer, mas não escutamos o que aquela voz interna suave está nos dizendo. Isto significa que a influência do nosso Guru exterior ainda não está completamente estabelecida. Na relação de Mestre discípulo encontramos duas histórias associadas à superação das dúvidas, culminando na entrega completa ao Mestre. Uma está associada com as dúvidas de Pedro. A outra, dentro da tradição Budista, que retrata algumas passagens das doze provas maiores que o Mestre Tilopa – um dos vinte e quatro mahasidhas da Índia – impôs ao seu discípulo Naropa. Vejam que por detrás das palavras há um único sabor, o sabor da experiência da superação de todo o nosso esquema mental e intelectual que se confronta com a experiência direta que o Mestre apresenta ao seu discípulo em situações que desafia por completo a nossa estrutura de pensamento. Isso tudo para que o discípulo participe da experiência do seu Mestre, encontrando assim a autêntica Fé. Entrementes, o barco já estava a muitos estádios da terra, açoitado pelas ondas; porque o vento era contrário. Â quarta vigília da noite, foi Jesus ter com eles, andando sobre o mar. Os discípulos, porém, ao vê-lo andando sobre o mar, assustaram-se e disseram: É um fantasma E gritaram de medo. Jesus, porém, imediatamente lhes falou dizendo: Tende ânimo; sou eu; não temais. Respondeu-lhe Pedro: Senhor! se és tu, manda-me ir ter contigo sobre as águas. Disse-lhe ele: Vem. Pedro, descendo do barco, e andando sobre as águas, foi ao encontro 106 de Jesus. Mas, sentindo o vento, teve medo; e, começando a submergir, clamou Senhor, salva-me. Imediatamente estendeu Jesus a mão, segurou-o, e disse-lhe: Homem de pouca fé, por que duvidaste? Mateus 14, 22-36 Esta passagem mostra para todos nós como uma simples atitude ou gesto de um homem iluminado basta para que toda a nossa vida construída pelos conceitos entre em colapso. Os homens iluminados que estão em contato com a sua fonte espiritual, têm o absoluto controle sobre todos os estados da matéria. Eles podem transformar pedras em comida, água em vinho, andar sobre as águas, voar nos céus e tudo aquilo que hoje inunda os filmes de realidade fantástica. Na realidade, todos estes filmes se baseiam em mitos, que ao mesmo tempo são narrações fabulosas que em tempos remotos continham uma verdade muito importante. Olhando ao nosso redor, as maravilhas que a tecnologia nos apresenta, é expressão de um extraordinário esforço e sabedoria, que surge do próprio espírito do ser humano. No Oriente e Ásia todo esse potencial de esforço e sabedoria sempre foi dirigido à observação dos processos mentais e espirituais do próprio ser humano. Então, assim como hoje somos mestres na transformação da matéria, antigamente também fomos mestres na transformação de nossa mente. Por este motivo podemos entender que tanto Jesus como os grandes mestres da Índia podiam exibir todos os tipos de milagres. Mesmo hoje em dia no longínquo Tibete e nas cordilheiras dos Himalaia, encontramos os santos yogues que suportam frios extremos somente vestindo túnicas de algodão. Eu mesmo já estive várias vezes na China e na Índia com estes santos homens, sob estas situações climáticas. Claro que eu não estava somente com uma túnica. No tocante à passagem de Pedro, há uma situação em que o próprio Pedro pede ao Mestre para que o chame até onde ele se encontrava. Porém, no momento de se entregar plenamente aos seus cuidados, 107 duvida e sente medo. Esta dúvida permeia praticamente toda a nossa vida em todos os nossos atos. Existe alguém que tentando trilhar um caminho espiritual não duvide do poder de seu mestre? Mas onde reside esta dúvida? No discurso intelectual que permeia nossa mente e que nos acompanha até em nossos sonhos. Constantemente estamos reescrevendo a nossa história, uma historia onde a fantasia e a realidade coexistem e se misturam para se tornar uma só. Hoje está comprovado pela psicologia moderna que a maioria das histírias que contamos aos nossos amigos tem muito mais de fantasia do que realidade. É e como se necessitássemos ser um herói e viver um filme de aventura, já que devido ao tipo de vida que o ser humano é obrigado a levar, a torna assustadoramente medíocre. O ser humano das ruas sabe que é assim, então não a suporta mais, porém ele não tem energia nem sabedoria para mudar drasticamente, como uma professora de teatro chinês um dia me comentou: “Roque, me diz, dominaram nosso espírito pela comodidade, nos tornaram zumbis, sem nenhuma capacidade nem de pensar nem de refletir, menos ainda de responder; tornaram-nos medíocres em corpo e espírito”. Perante esta triste realidade, quando lemos uma história fantástica ao nos identificar com ela nos tornamos o herói, introjetamos a história em nosso íntimo e a misturamos com os nossos próprios sonhos e fantasias vivendo e nos consubstanciando com o protagonista. Os cineastas que criaram os efeitos especiais sabem muito mais a este respeito, sabem tanto como manipular o inconsciente das massas que os nazistas mais sinistros se sentiriam criancinhas ao seu lado. Vejam como esses filmes - Senhor dos Anéis, Matéria, Avatar, e outros tantos – preenchem praticamente o dia a dia dos povos do mundo. Grande lavagem cerebral em massa!! O problema é que levamos toda esta fantasia ao nosso viver diário, e novamente a transformamos através dos discursos internos. Com tal sofisticação levamos esta brincadeira. Inclusive já existe uma parcela de adolescentes e adultos vivendo a “segunda vida” dentro dos sistemas de relacionamento da internet. 108 O que está sendo apresentado aos outros é somente uma versão imaginada de nós mesmos, ou seja, “o que nós gostaríamos de ser, não o que realmente somos”. Quando as pessoas descobrem como somos na realidade, acontece uma enorme decepção, então novamente voltamos a reforçar pelo diálogo interno todo o mundo de fantasias, até o momento em que completamente atordoados perdemos por completo contato com o nosso ser espiritual. Perante esta situação que desde tempos imemoriais continua se repetindo, a ação dos homens iluminados vem então como uma tormenta, um furação ou um terremoto para quebrar todas as ilusões e as amarras criadas pelo próprio ser humano, sendo esta a causa dos nossos medos mais profundos. Num dado momento Jesus pede a Pedro para que ele destrua todos os seus medos pela raiz; não foi somente um pedido de demonstração da fé de Pedro, e sim uma ordem para que ele coloque em prática todo o aprendido até aquele momento. Aqui nesta passagem Jesus está pedindo a Pedro para que sua entrega e confiança nele sejam absolutas e indiscutíveis. Isto é o que um verdadeiro discípulo deve ter pelo seu mestre. Neste ato magistral Jesus está ensinando a Pedro a confiar plenamente no poder puro do espírito que transcende qualquer discurso intelectual que poderia oferecer algum tipo de certeza. A água é o elemento mais instável, e pela lógica humana vulgar é impossível um corpo humano flutuar a tal ponto de poder caminhar, porém esta é a lógica vulgar, não a lógica de um verdadeiro mestre espiritual. Algo parecido aconteceu com o Santo Naropa na Índia. Eis aqui a sua historia: A procura pelo Mestre 109 De acordo com sua biografia religiosa, Naropa era renomado como erudito e era amplamente reconhecido como uma pessoa que tinha se tornado, conceitualmente, mestre nos ensinamentos do vinaya (regras da conduta monástica), sutras (filosofia e metafísica) e tantras (realização do puro espírito), tornando-se abade do monastério Nalanda, o maior local de aprendizado no mundo budista daquela época, o que indica que Naropa era um dos maiores eruditos de seu tempo. Sua proeza nos debates filosóficos, onde o vencedor levaria todos os discípulos do mestre vencido, era tão grande que ninguém podia excedê-lo em conhecimento sobre as escrituras budistas, e ele vencia todos os que ousavam debater com ele. Porém, apesar de seu grande aprendizado e prestígio, ainda não tinha penetrado no significado dos ensinamentos, e um dia isso foi apontado a ele por uma velha mulher, horrivelmente feia. As idesejáveis características físicas daquela mulher eram reflexos da própria mente de Naropa, cujo aprendizado e erudição tornaram-no orgulhoso e arrogante. A velha perguntou: "O que você está estudando? O que você está lendo?". E Naropa respondeu: "Estou estudando o “Guhyasamaja Tantra" (Segundo os tantras budistas, é possível atingir a iluminação em um período de tempo relativamente curto através da transformação das emoções negativas apego, ódio, ignorância, etc -, ou mais precisamente, revelando a sua verdadeira natureza. Os tantras de Guhyasamaja e Heruka Chakrasamvara, por exemplo, trabalham com a transmutação do desejo, enquanto o tantra de Yamantaka trabalha com a transmutação do ódio”. "Você pode ler as palavras?", continuou a senhora. "Sim", respondeu Naropa, e começou a recitar o texto. A mulher ficou muito feliz ao ouvir aquelas palavras e começou a dançar. Então, Naropa disse: "Não apenas posso ler as palavras, mas também posso compreendê-las". Neste momento a mulher parou de dançar e começou a chorar. Intrigado, Naropa perguntou: "Você estava tão alegre por eu poder ler, mas agora você ficou triste porque eu disse que podia compreender o significado. Por quê?". "Estou triste porque você, um grande erudito, está mentindo. Isto é muito triste. Hoje, no mundo inteiro, ninguém 110 além do meu irmão pode compreender o significado das palavras", disse. "Quem é o seu irmão?", indagou Naropa. "Tilo Sherab Sangpo. É incerto o lugar onde ele está, mas se você quiser encontrar o meu irmão, eu vou ajudá-lo". Ao escutar o nome de Tilopa, Naropa experimentou muita devoção. O único pensamento que ele tinha na sua mente era encontrar Tilopa. Logo depois voltou para a Universidade e pediu permissão para abandonar a instituição. Todos os eruditos da universidade de Nalanda suplicaram para Naropa que ficasse por mais três meses, para concluir os ensinamentos que estava oferecendo aos seus alunos. Após vários sonhos e presságios, ele decidiu abandonar tudo e saiu a procurar quem iria ser seu Mestre do Coração. A procura por Tilopa e as provas menores. Após ter abandonado a Universidade de Nalanda inicia uma árdua procura. Naropa, que já não era tão jovem, começou a cogitar a idéia de renunciar a sua busca, pois apesar de todos os seus esforços nada tinha encontrado. Na Índia ainda hoje as pessoas cantam, nas estradas, canções carregadas de simbolismo. Em certa ocasião Naropa escutou uma cantiga falando que a preguiça e o desânimo eram trapaças dos demônios. Ao escutar esta música redobrou seus esforços pensando que se ele orasse firmemente para seu Mestre, com certeza iria encontrá-lo. Pouco tempo depois, Naropa encontrou um caminho muito estreito onde de um lado tinha uma enorme rocha e, de outro, um rio. Estendida no meio do caminho encontravasse uma mulher doente que apresentava um quadro de lepra tão avançado que tanto seus pés como suas mãos praticamente não existiam mais, e o resto de seu corpo apresentava inúmeras feridas infectadas com sangue e pus. A mulher estava bloqueando o caminho e ao olhar Naropa lhe falou: “Lamento, porém não posso sair deste lugar. Ou você passa por cima de minha pessoa ou terás que tomar outro caminho”. 111 Como nao tinha muito a ser feito, Naropa tampa seu nariz e olhando para outro lado pula por cima desta mulher devido ao nojo que ele sentia por ela. Imediatamente ela desaparece e Naropa escuta uma voz que diz: "Se o discípulo nao pratica o caminho do amor e da compaixão nao será possivel obter resultados e nunca poderá encontrar seu mestre. Todos os seres com consciência são como nossos pais, por este motivo para praticar o caminho do amor e da compaixão não poderemos excluir nenhum ser por mais pequeno que seja”. Naropa, após este fato e comprendendo a importância de desenvolver o amor e a compaixão em todos os seus atos, continua no seu caminho à procura de Tilopa. Num certo momento numa outra paragem estreita Naropa encontra um cachorro raivoso com feridas e larvas, pronto para mordê-lo, porém a única forma que ele encontrou foi manter o cachorro longe com um pau e pulando para longe, se afastando assim do cachorro. Novamente escuta uma voz que lhe fala: “se nós nao entendemos que todos os seres de todos os reinos de existência têm sido os nossos pais neste ou noutro momento, então nunca encontraremos um bom mestre, menos ainda um mau mestre”. Tilopa estava confrontando Naropa com situações extremas, onde os ensinamentos eram muito diretos e profundamente transformadores. Abandonar pequenos apegos e emoções não é tão difícil, porém em situações extremas com as que Pedro e Naropa passaram requer treinar a capacidade em resolver todos os problemas com uma mente muito serena e clara sem cair em nenhum tipo de reaçoes emocionais, e isto é extremamente difícil, já que o indivíduo está profundamente imerso na sua própria experiência. Na procura pelo seu Mestre Tilopa, Naropa continuou a viagem e chegou a um povoado belo onde encontrou um rei que conhecia Tilopa. Ao lhe perguntar se este rei conhecia Tilopa, o rei falou que sim, porém alertou que Naropa deveria ficar alguns días com ele antes do mesmo lhe oferecer a sua resposta. Naropa aceitou e ficou por mais tempo que o devido, realizando orações pelo bem da família do rei e vivendo numa 112 situação muito confortável. Naropa não percebeu que estava novamente ficando acomodado e apegado aos bons costumes reais. Um dia o rei pediu a Naropa para se casar com a sua filha, mas como Naropa era monge rejeitou o pedido do rei que ficou profundamente chocado e com muita raiva dele, chegando a golpeá-lo. Neste momento Naropa sentio muitíssima raiva e começou a recitar mantras de magia negra para atingir o rei. Quando isto aconteceu todo o povoado desapareceu e Naropa escutou o ensinamento de que se ele fosse incapaz de abandonar o desejo e a raiva, lhe seria impossível encontrar um mestre e sem um mestre a libertação também seria impossível. Apesar de todas as provações e depois de muito tempo de contínuas buscas e de nada ter encontrado, Naropa, que já não era uma criança, perdeu todo o seu valor, e pensando que não poderia conhecer o seu mestre começou a rezar pedindo para que na próxima vida ele pudesse sim conhecer e viver com o seu mestre; então decidiu tirar a sua vida. Neste momento de desespero, quando estava levando a faca à sua garganta é que Tilopa lhe aparece segurando a sua mão para dissuadi-lo do intento. Sentindo profunda devoção por Tilopa, Naropa perguntou por que ele não tiha aparecido antes. Ao que Tilopa lhe falou que desde o primeiro momento quando começou a procurá-lo sempre esteve ao seu lado, e que pelos escurecimentos de sua mente nao teve a oportunidade de reconhecer o seu mestre em todos os problemas que tinha passado nesta longa viagem. Se estudarmos um pouco mais profundamente a vida dos Santos Cristãos poderemos encontrar o mesmo padrão de acontecimentos; muitos deles foram pessoas que na sua vida ordinaria não eram muito diferentes de nós. Porém eles tiveram uma forte conexão espiritual com os ensinamentos de Jesus e esta conexão lhes permitiu abandonar a vida ordinária e procurar seu mestre. Quando eles o encontram, o mestre lhes tenta ensinar da forma mais integral possível, onde mente, emoção e experiência física formam um 113 todo coerente, criando assim a possibilidade de que o aluno e o mestre participem do mesmo espírito. Quando Jesus chama a Pedro e lhe pede para caminhar na água, Jesus sabe que Pedro conseguirá, porém Pedro não, e então duvida de si mesmo e seu potencial, além de duvidar também do potencial de seu mestre. Por isso Jesus, na sua infinita compaixão, lhe estende a mão e lhe diz: “homem de pouca fé, por que duvidastes?”. Com Naropa acontece algo diferente. Naropa confia em seu mestre e pensa que pela compaixão de seu mestre ele vai ser poupado da experiência dolorosa. Então Naropa pede ensinamentos ao seu mestre Tilopa, porém sempre pensando que o ensinamento será teórico, calmo, bonito e sem problema. Jesus poderia ter utilizado de seu poder para evitar que Pedro afundasse, mas se assim o fissesse que teria Pedro aprendido? É Pedro que pede ao seu Mestre: “Se Você me chamar eu vou”. É fácil, bonito, é para se mostrar diferente do resto, é um clássico auto-engano. “Se meu mestre me chamar vou ser diferente de todos”. Imaginem vocês caminhar pelas águas a pedido do seu mestre. É muita encenação – “Eu sou o escolhido”. Porém Jesus sabe de tudo o que se passa dentro da mente de Pedro, e por conhecê-lo é que nao pode negar-lhe a experiência e ao não lhe negar a mesma Pedro afunda e se apavora, quase que morre afogado. Está na presença de seu mestre, porém não acredita muito nele, apesar de ser meio fanfarrão, já que quer mostrar para todos os seus colegas que ele vai, se aventura a passar pela experiência. Ao ir ao encontro de seu Mestre ele se defronta com a sua falta de verdadeira confiança em seu mestre. “Homem de pouca fé, por que duvidas?”. Naropa não duvidava, porém estava treinando com o mesmo espírito fanfarrão. Naropa pensava: “O meu mestre tem poderes. Ele vai me ajudar sem me ferir nem experimentar dor”. Claro, todo discípulo sempre pensa que o mestre é sempre muito bom e que assim como um pai o Mestre nunca 114 vai machucar seu discípulo. Porém isto nada tem a ver com o fato de que o discípulo deve passar pela experiência, ainda que esta seja muito dolorosa, seja física ou emocional. Então Tilopa leva Naropa a um templo que estava construído sobre um penhasco muito alto. Tilopa sentou-se para descansar e falou: “Bem, se eu tivesse um verdadeiro discípulo muito devoto, ele pularia deste penhasco”. Imediatamente Naropa pulou. Enquanto estava no ar, ele pensava que Tilopa viria salvá-lo, porém nada aconteceu e literalmente quebrou todos os seus ossos contra o chão. Passou vários dias agonizando sem se mover devido às dores. Enquanto isto, sabendo que iria morrer, começou a realizar orações para poder encontrar Tilopa na próxima vida e assim se iluminar. Neste momento Tilopa apareceu e lhe perguntou: “Que te acontece?”. Naropa respondeu: “Pulei deste penhasco, porque meu mestre assim pediu e agora estou aqui estendido no chão com muitas dores e com todos os meus ossos quebrados. É terrível, sinto como si estivesse meio morto”. Tilopa então lhe falou: “Como, Naropa? Por acaso você não ensinava na universidade de Nalanda que o corpo é o fruto de todas as tuas ações e de tuas emoções perturbadoras? De certa forma não é muito importante se você tem corpo ou não, porém nao te preocupes, conheço algumas coisas que aprendi com minhas mestras que poderão te ajudar”. Então Tilopa passa a sua mão pela pele de Naropa e o curou completamente. Naropa viveu doze anos ao lado de Tilopa até atingir a realização plena. A cada ano ele recebia um ensinamento diferente, precedido por uma experiência esmagadora. Se alguém vem a mim e não aborrece a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs e ainda a sua própria vida, não pode ser meu discípulo. E qualquer que não tomar a sua cruz e vier após mim não pode ser meu discípulo Lucas 14:26-33 115 Certa vez tive de dar aulas em Portugal. Perto de Lisboa existe um convento abandonado. Ele está construído ao pé de uma montanha onde os monges aproveitaram o formato natural das rochas que através dos milênios foram se acomodando, para criar as suas salas de meditação. Estas salas estão todas forradas com cortiças para evitar a umidade, oferecendo aos meditantes o aconchego necessário para poder passar muito tempo sem adoecer. O que mais me tocou foi a porta de entrada da camara interior deste templo. Ela é um quarto de uma porta comum, ou seja, para o visitante poder entrar tem que obrigatoriamente se curvar e, acima desta porta, há dois fêmures e uma caveira humana olhando para ele. É fantástico observar como o mesmo espírito de renúncia e abnegação permea estas duas tradições místicas que sobrepassam as pequenas diferenças de entendimento dos eruditos. Jesus é bem enfático ao falar sobre quem pode ou não ser seu discípulo. Ele nunca falou para aqueles que queriam segui-lo: “Tudo bem, podes ficar com a mamãe”. Jesus nos oferece o caminho da completa liberdade, mas hoje em dia as pessoas tomam o caminho espiritual como mais uma atividade que dividem entre ir à praia, ao shoping, um passeio pela Europa, ou assistir a um filme de ficção científica. Ninguém quer escapar da prisão. O máximo que querem fazer é imaginar que estão escapando, no entanto o mais importante para os escravos de hoje é a “ascensão profissional”, o carro novo, a balada nova e mais trabalho. Jesus aqui é bem claro ao dizer “abandonem todos e tudo para viver a vida que lhes apresento”, que na realidade confere a vida eterna. Mãe e Pai são importantes, no entanto eles não são sábios nem têm a chave para a vida eterna. Parentes, na maioria dos casos são inimigos. Como diz um refrão: parentes formam parte do destino, graças a Deus eu posso escolher meus amigos. Porém Jesus aqui também nos fala de abandonar tudo em nossa vida, ou em outras palavras a própria vida com todas as suas trapaças. 116 Na tradição budista encontramos as trinta e sete práticas do Bodisatwa, composto por Ngülchu Gyalse Thogme Zangpo (1295-1369), grande lama, humilde e paciente, transbordando de amor e de compaixão por todos os seres. Fazia-se acompanhar de um lobo que o seguia fielmente por toda a parte e cuja natureza ele tinha transformado, tornando do quadrúpede num vegetariano! Quando Gyalse Thogme ensinava bodhicitta (mente compasiva) o sofrimento dos seres estava tão presente para ele que as lágrimas corriam de seus olhos. Ele estudou no mosteiro Sakya (uma das quatro grandes linhagens do Budismo Tibetano) e renunciou ao mundo tarde em sua vida, retirandose para um local ermo com o fim de desenvolver mais ainda a mente compassiva. Num dos seus poemas, encontramos: “Diante dos amigos, o desejo e o apego nos agitam como a água. Diante dos inimigos, a cólera nos queima como o fogo. Para aquele cuja ignorância obscura faz com que esqueça o que deve ser adotado e o que deve ser rejeitado, Abandonar sua terra natal é a prática dos Bodisatwas.” Não é possivel servir a dois senhores ao mesmo tempo, não é certo? Se analizarmos a nossa vida diária, veremos quão pouca liberdade interior nós temos. Nossos parentes nos procuram para nos contar como eles estão sempre aflitos com doenças, nos obrigam a escutar suas lamentações, porém não aceitam nenhum tipo de conselhos que os levaria a sair dessa forma de vida. Então começam as brigas, as intrigas e as fofocas. Criticam-nos porque levamos uma vida dedicada ao espírito, procurando sempre as nossas falhas para depois se vingarem de foma impiedosa. Nossos pais normalmente estão muito preocupados em sustentar a carreira profisional, ou seus amantes, ou seus negócios. Ocupam suas vidas quase que integralmente servindo ao seu patrão. Fizeram da escravidão algo necessário e até, em alguns casos, um objeto de luxo. 117 No entanto, qual é o resultado final? Cansaço, muita preocupação, pouca ou nenhuma satisfação e muitas emoções negativas. Os ricos vivem constantemente com medo de que lhes roubem seu dinheiro, que na maioria dos casos é obtido por meios ilícitos, noutros casos pelo trabalho incansável. Todos se esquecem de amar seus filhos, os preparam para serem líderes, mas têm dificuldades de dispor-lhes carinho. Os pobres, tentando sair desta circunstância e sabendo que nunca serão menos pobres, sofrem da falta de tudo, constantemente. Todos pensam em Deus quando as coisas vão mal. Consultam mesa branca, espiritismo, candomblé e todo tipo de macumbas para conseguir por meios estranhos o que não são capazes de conseguir de forma limpa e tranqüila. Já me pediram para fazer mantras com o objetivo de conseguir namoradas! Quando a sorte lhes sorri, imediatamente esquecem todas as suas promessas e juras para mudar a qualidade de sua vida, esquecem a sua miséria interna e se entregam a todo tipo de condutas degradantes. Comem como porcos, dormem como gado cansado e se corrompem sexualmente – um estudo sobre os pedofilos mostra que a maioria é gente que sustenta o mais alto padrão de vida. Na maioria das vezes nem sequer na hora da morte pensam em Deus. Jesus é enfático. Ele nos diz: abandonem este tipo de vida! Os supostos amigos que nada de bom tem para oferecer ao desenvolvimento espiritual dos seres entram nas residências, abusam da hospitalidade, trazem consigo drogas, álcool ou palavras sem sentido, banais, insultos, fofocas, obrigando ao dono da residência a ter de suportar toda a sua mesquinhez e mediocridade. Alguns encontram um livro esotérico e nessas reuniões se aproveitam da ignorância completa de todos os presentes para se apresentarem como alguém muito sabido das disciplinas espirituais. Utilizam o esoterismo para se gabar de seu conhecimento somente para ser centro da atenção da platéia que o escuta sem saber do que ele está falando. 118 Quando viajam para Índia, China ou Egito passam horas a fio contando para os presentes as suas poucas impressões de suas viagens, mostram fotos e depois que o cansaço torna-se presente essas pessoas se vão com a sensação de um vazio enorme e a certeza de que “mataram o seu tempo”. Na tradição budista eles são conhecidos como os “espíritos masculinos e femininos que nos roubam a vida”. O imperador romano Marco Aurélio, nas “suas memórias”, comentava que somos avaros em emprestar nosso dinheiro, porém somos muito generosos em compartilhar o tempo de nossas vidas com os amigos bebendo e falando mal de todos. Sem saber que o único que nunca poderão nos devolver é o tempo de vida que nos pediram. É realmente um amigo aquele que entra em casa e assaltando nossa geladeira nos obriga a ter de escutar as milhares de estupidezes que fala e que depois de segundos já esqueceu? É amigo alguém que trás para dentro de nosso lar cigarros e bebidas alcoólicas para que a gente se enbebede e assita filmes onde a morte e a corrupção, quando não a pornografia, imperam? E o que falar daqueles que somente vem ao nosso lar para falar mal dos outros? A pergunta é: por que é tão difícil abandonar todos eles? Afim de ficar em silêncio e em companhia dos homens sábios como Jesus e Buda? A resposta é obvia. Nós gostamos de desperdiçar a nossa vida, de nos auto-enganar fingindo que somos muitos espertos. Adoramos as fofocas, o sórdido, o estranho, o escuro. Pensar em Jesus é coisa de padre, ou como dizia um coreano que conheci na minha juventude, “vou pensar nisso quando for velho”. Alguém o escutou e olhando-o fixamente nos olhos lhe perguntou: “Que te assegura que você chega à velhice?”. Ele abaixou os olhos e saiu resmungando, falando mal desta pessoa. É muito raro encontrar uma família onde os irmãos se amem e se auxiliem constantemente. Já fiz inúmeras consultas onde os meus alunos me contaram sobre os enormes sofrimentos que seus irmãos lhes causavam, quando crianças por causa da inveja, quando adultos por 119 causa do dinheiro, quando velhos por causa da partilha do espólio de seus pais falecidos. Então, abandona-se a terra natal, para evitar o apego às ideologias que são o fundamento da guerra e do martírio dos mais pobres. Abandonar os conceitos do território que disputamos igual aos lobos. Abandonar a terra que faz com que matemos os irmãos de outro povo, ou construamos muros enormes. Que paradoxo: os americanos criaram todo um movimento para derrubar o muro de Berlim, porém criaram um muro mais alto e mais extenso para se separar dos “cucarachas (baratas) mexicanos”. Que ironia: eles mesmos, que defenderam a liberdade de expressão e de consciência, se transformaram nos policiais planetários. Eles mesmos, que falam dos direitos humanos, fazem o possível para apoiar Israel no genocídio que este pais fantoche está fazendo com os palestinos. Se alguém me falar que a história é para aprendermos com os nossos erros do passado, hoje poderemos afirmar que esta é a mais pura mentira contada. Na realidade a história se repete e sempre é contada pelos vencedores. Como o ex-secretário da defesa americano Robert Mac Namara derta vez falou. “Nós americanos incendiamos duas vezes 80% do território japonês com bombas incendiárias, depois jogamos duas bombas atômicas sobre este país. Perguntar se quem fez isto é um criminoso de guerra lhe respondo que sim, porém vencemos a guerra, então somos os heróis”. Basicamente é isto, dependendo da ótica que olharmos, ou somos criminais ou somos heróis. Jesus, Buda, Lao Tzu entre outros, sempre falaram que o ideal é abandonar tudo e todos e se enbrenhar ou nas florestas ou nas cavernas para tentar realizar a sabedoria que já está em nós. Somente depois de voce conhecer a si mesmo e ter desenvolvido a profunda compaixão é que pode vir e novamente ficar entre os mortos vivos trazendo a luz do espírito. Jesus é bem claro: se você não abandonar sua vidinha medíocre e rotineira, e o seguir, nada feito. O poema continua: 120 “Abandonando-se os maus lugares, as emoções perturbadoras diminuem gradualmente. Os maus lugares são onde as pessoas brigam, se insultam, cometem todo tipo de ações negativas, também os juizados, as cortes, os presídios e os lugares onde vivem os ladrões, ou onde se matam muitos animais e seres humanos. Na ausência de distração, a prática da virtude se desenvolve naturalmente. Aqui se refere aos locais de grande concentração de público como teatros, cinemas, baladas, shows de músicos populares onde as drogas são consumidas livremente. Graças a um raciocínio límpido, nasce a certeza no espírito. Aqui o Mestre pede para utilizar toda a capacidade de análise para compreender de forma correta os ensinamentos espirituais. Vejam todo o crime que acontece em nome de Deus. Isto se deve a o raciocínio dos eruditos, que está poluído pelas emoções conflitivas. Eles não têm certeza de espírito, e assim tornam-se fanáticos ou obscurantistas. Cultivar a solidão é a prática dos Bodisatwas É na solidão que a nossa alma torna-se forte. No último dos casos, quando a morte nos leva, ninguém poderá nos acompanhar. Teremos que nos adentrar na escuridão completamente sozinhos e sem companhia alguma. A mulher que nos ama tão profundamente hoje, nossa mãe, nosso pai, por mais que nos amem não podem nos acompanhar no mundo dos mortos. É na solidão que nossas neuras aparecem e é na solidão que teremos que comprender qual é a sua causa e depois vencê-las Um a um, nos separamos de amigos e parentes com quem nos relacionamos por muito tempo. Os bens materiais adquiridos com esforço são deixados para trás. 121 Mesmo a pousada do corpo é rejeitada pela consciência, sua hóspede (no momento da morte). Rejeitar mentalmente todo apego a esta vida é a prática dos Bodisatwas. Aqui o Mestre nos mostra a raiz de todo o nosso sofrimento, o apego mental que temos aos seres, aos objetos materiais, as idéias, aos nossos sonhos, nossas lembranças, nossas fantasias. Quantas pessoas são capazes de destruir as suas fantasias e descansar na mente equânime? Ainda não conheci alguma que faça isso. A felicidade da existência, como o orvalho numa folhinha de grama, Pode ser destruída em apenas um instante. Buscar verdadeiramente o supremo estado de liberação, O Que nunca muda, é a prática dos Bodisatwas. Compaixão Vendo Jesus as multidões, subiu ao monte... e ele passou a ensiná-los, dizendo: Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus. Muitas vezes escutei que a palavra humildade foi trocada pelo termo “pobreza”. Penso que há uma enorme diferença entre estes dois conceitos, já que a humildade é uma virtude que nos pode realmente libertar das angústias causadas pelos tempos em que estamos vivendo. É na prática da humildade que podemos encontrar a grandeza de nossa existência e ao mesmo tempo entender o princípio da bondade que permeia todo o manifestado. 122 Já a pobreza está mais associada a um estado de desejos insatisfeitos e uma compulsividade pelo consumo exagerado. O sentimento que o ser humano experimenta em seu foro íntimo, quando sua procura pela auto-satisfação tem como fundamento o medo e a inveja, sempre está permeado pelo sentido de pobreza. Este sentido surge da comparação doentia entre o “eu” e o do “outro”. Esta comparação o leva de forma compulsiva a observar que aquilo que o “outro” tem é algo que possui uma qualidade infinitamente superior àquilo que nós possuímos. Se vivêssemos numa mansão sem piscina, a piscina do vizinho roubaria a nossa felicidade; se possuo um carro nacional, o carro importado de meu vizinho é muitíssimo melhor, e assim acontece com tudo o que é observado pelo ser. Ao mesmo tempo em que ele super dimensiona e super valoriza os objetos dos outros, subestima e deprecia o que ele possui. Então na mente desta pessoa o sentimento de pobreza já está instalado, roubando-lhe o seu descanso e a felicidade sonhada. Conseqüentemente, impulsionado por este sentido de pobreza, passa a trabalhar o dobro esquecendo-se de tudo e todos, ou é levado a realizar planos maquiavélicos, dos mais complicados, para obter de alguma forma - seja legal ou ilegal - o objeto da felicidade dos outros. Aqui já temos a raiz dos crimes de qualquer índole. Já a humildade nos outorga a capacidade de compreender que por detrás de todo o manifesto está a “Mão de Deus” ou, como se diria no Budismo Vajrayana, o exercício da humildade nos oferece a possibilidade de entender a sacralidade em tudo. Pobre é aquele que sempre está procurando uma situação ideal, porém nunca a encontra, é aquele que sempre está procurando o lugar ideal para trabalhar, para viver, namorar, porém ele mesmo se nega a aceitar que a oportunidade está acontecendo aqui e agora. Pobre é aquele que no fundo não acredita que merece obter o que deseja. Humilde é aquele que tendo conseguido o fruto de seu trabalho, compreende que tudo aquilo que conseguiu também se deve ao imenso 123 esforço dos muitos, então agradece a Deus ou Buda e depois a todos os seres. Tenhamos presente que a humildade provém do controle do nosso orgulho inteletual. Na China costuma-se dizer: “O orgulho perde, a humildade ganha benefícios”. Isto porque, quando estamos satisfeitos com os nossos pareceres e pensamentos não temos inspiração nem para pensar profundamente, nem predisposição para aprender. Contudo, ao sermos humildes, conseguimos encontrar formas de melhorar e de continuar a aprender; nunca esquecendo que não há limites para o conhecimento; que não importa o quão profundo consigamos ir, pois existe sempre um nível ainda mais profundo. O Mestre Confúcio diz: “Se há três pessoas que passam por mim, deve haver uma que possa ser meu professor”. Haverá sempre alguém mais talentoso ou com mais conhecimento que nós noutro campo. Então quando o homem supera a sua arrogância, no fim de sua vida tendo sua consciência plenamente satisfeita por tudo aquilo que ele estudou e realizou, no momento de sua pasagem para a outra vida o fará sem nenhum tipo de sofrimento, e na maioria dos casos até as pessoas que o rodeiam sentem-se profundamente abençoados. A cada momento em que ele agradece a divindade pela sua existência já está no “reino dos céus”. Aqui o reino dos céus está associado com a eliminação completa do veneno da inveja e do orgulho. Ele descobre no íntimo de sua consciência que o reino dos céus está em tudo e em todos. Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados. Aqui também temos de entender as causas do chorar. Muitos choram de agradecimento e alegria, outros choram por ódio e por se sentirem profundamente magoados pela vida e os seres. Jesus nos fala que todos vamos ser consolados, e é verdade. Se olharmos mais de perto, sempre temos alguém para nos escutar e nos oferecer um conselho. 124 Contudo, na maioria dos casos não entendemos que é Deus quem nos enviou este companheiro para nos assistir. Há um tipo de pessoa que torna a queixa e o choro uma profissão – estes são os piores. Eles se utilizam da bondade alheia para sugar o tempo e a vida daqueles que na sua generosidade nos querem ajudar. É esse tipo de pessoa que vem na sua casa e chora, resmunga, fala mal de todos e na realidade ele não muda em absoluto. É este tipo de pessoa que se aproveita da bondade dos outros para lhes roubar, seja seu dinheiro, sua a energia ou seu tempo de vida. Jesus aqui não fala deste tipo de pessoa, Ele nos indica que o choro que nasce do coração arrependido sempre encontrará consolo. Prestemos atenção a isto. Uma coisa é se fingir de vítima, para barganhar carinho ou conseguir que os outros pensem como nós. Outra coisa é comprender no fundo de nosso espírito os erros cometidos e como fazemos sofrer a todos os que nos rodeiam, então desde o nosso arrependimento, choramos e clamamos pela presença de nosso espírito. Então Ele nos consolará. Aqui o chorar e o fim do chorar está associado com o perdão de todos os nossos pecados e o perdão de todos os pecados dos seres. Este arrependimento é aquilo que nos livra do sofrimento criado pela arrogância e o desprezo aos menos favorecidos. Bem- aventurados os mansos, porque herdarão a terra. Manso não é covarde. O covarde está sempre espreitando nas sombras. Hoje é aquele que se refugia no comportamento politicamente correto. O covarde é essencialmente miserável em todo o sentido da palavra; mesquinho, traiçoeiro, banal, grosseiro, vende-se ao primeiro que lhe garantir um pouquinho de segurança, seja esta emocional ou material, é o primeiro que troca de crença se a outra lhe rende algum lucro. Este covarde é aquele que quando você menos espera, simplesmente te abandona e, como popularmente se diz, “cospe no prato onde comeu, e cospe na cara daquele que lhe deu de comer”. Já o manso é aquele que compreende que todo problema tem solução e que nunca é necessário “controlar” as coisas e os seres. 125 Em nossa sociedade consumista e neurótica o manso muitas vezes é tido como o “otario” ou o “babaca”. Eles sempre são difamados, atacados, caçoados pelas elites, usados como pano de chão, sempre são criticados pelos seus feitios, como a Madre Teresa, Francisco de Assis, entre tantos. Francisco queria viver como Jesus viveu, simplesmente sem pompa, sem mantos cheios de brocados dourados, sem riquezas, porque ele sabia que em qualquer momento teria que abandonar tudo isto, e porque aquele que tem riquezas também tem muitas preocupações e pouquissimo tempo para meditar. Então o manso é uma pessoa ativa o dia todo, criativa, alegre, de visão clara. É o tipo de pessoa que onde há um problema ele o soluciona da forma mais simples possível e isto é a causa de muitos lhe roubarem o fruto merecido de seu esforço. Como é possível que, onde a inteligência discursiva dos grandes pensadores não dá certo, uma pessoa jovial e criativa faz acontecer? Comumente os invejosos falam que ele teve sorte demais. Porém o homem manso é internamente poderoso, ele é poderoso porque sua mente está sempre em harmonia com a simplicidade do espírito, e ao estar em harmonia com o espírito ele é dono de todas as riquezas deste mundo. E o manso de coração que estando em contato com a energia sublime da sabedoria reconhece Deus em tudo e tudo em Deus. Aqui o herdar a terra é realizar o corpo profundo da suprema compaixão e da riqueza universal que expressa a generosidade trascendental. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos. Olhemos para nós mesmos, quantas vezes nos sentimos injustiçados? Muitas, não é? Porém, nesse momento em que a vida nos maltrata, quando as pessoas nos agridem, nos difamam, e se voltam contra nós, é que nós clamamos 126 por justiça. Mas se olharmos um pouco mais de perto, será que realmente pedimos justiça ou simplesmente queremos vingança? Quantas vezes paramos para pensar que aquilo que o mundo e os seres nos negam serve para remediar nossos defeitos e fraquezas e assim nos tornarnos a cada dia mais fortes? Sempre culpamos os outros pelos nossos fracassos, e procurando culpáveis julgamos e até mandamos matar os inocentes. A história está cheia de casos assim. Quantas vezes nos sentimos injustiçados pelo comportamento agressivo de nosso companheiro e aproveitando-nos da inocência dos filhinhos passamos a agredilos, já que ao sermos covardes não temos a ousadia nem a energia para enfrentar diretamente o agressor? Penso que quando Jesus nos fala de justiça está mostrando primeiro que temos de ter em conta todos por igual, como no caso de Maria Madalena. Quem estiver isento de pecado, quem nunca tiver pecado que atire a primeira pedra. Então de que justiça Jesus está me falando? Não será que ele está me falando da verdadeira justiça que surge do comportamento ético e moral que trascende toda e qualquer cultura, e que trascende até o próprio tempo? Não será que Ele está nos mostrando um caminho onde todas as nossas ilusões podem ser transformadas em pura realização? Não será que o complexo de vítima, de nos sentirmos completamente injustiçados não surge de uma extrema preguiça interna que não nos deixa ser constantemente criativos? Aqui a justiça está intimamente associada com a superação do veneno da frustração e a não realização de nossos sonhos. Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. Miseri – Sofrimento, Cordis – Coração. No próprio significado da palavra está contido o segredo da verdadeira misericórdia. Quem é que realmente sofre em nós, a não ser o nosso próprio coração, porém na tradição Budista o coração e a mente caminham juntos, na realidade é um só. 127 No coração que sofre nós sempre encontramos uma dualidade que está associada com a causa do sofrimento. Neste contexto Jesus fala “Bem-aventurados os misericordiosos”, ou seja, aqueles que tendo compreendido a causa do sofrimento humano não encontram neste reino o pecado e sim o sofrimento que nos une a todos. Este sofrimento que nasce da profunda ignorância em que estamos imersos. O verdadeiramente misericordioso torna seu coração um com o coração de seu amado; neste contexto Jesus mostra para os seus discípulos a disciplina que está presente na tradição Budista com a prática da Yoga do Guru. Guru em sânscrito quer dizer amigo que mora no corpo da virtude, ou seja, que é virtuoso de forma completa (Yoga = união). Porém o elo entre o discípulo e seu guru é a confiança, o amor e a devoção ao seu mestre de forma irrestrita, já que ninguém pode amar ou ter devoção pelo seu mestre parcialmente, sem uma real entrega. A Yoga do Guru mostra ao discípulo o coração do seu mestre. O que o discípulo vai encontrar neste coração a não ser a tristeza que surge no coração de todos os seres iluminados? Esta tristeza difícil de suportar, ou seja, o Coração sofredor! Quantos de nós, seres humanos simples, poderíamos suportar a tristeza que está presente no sagrado coração de Jesus que, conhecendo o coração humano com todas as suas fraquezas e corrupções, ainda nos ama profundamente sem pedir nada em troca? Para um ser mortal como nós, é praticamente impossível suportar. São Ignácio de Loyola também nos falava de como deveria ser a prática daqueles devotos de Jesus. Ele nos dizia que deveríamos estar vivendo nosso dia a dia como se Jesus estivesse morando conosco. Então podemos pensar: como deveria ser o nosso comportamento se Ele estivesse sempre nos acompanhando? Antes de pensar, falar e agir deveríamos ter muito cuidado, já que nosso Mestre estaria presente, então estaríamos obrigados a viver profundamente atentos a nós mesmos para não cometer o menor deslize, não é certo? Seríamos capazes de tal façanha? 128 No treino da misericórdia, quando tentamos imprimir esta virtude trascendental em nossa vida acordamos para uma das emoções mais violentas e sofisticadas que habita no coração do ser humano: o ódio. O ódio nos leva a experimentar um estado de consciência infernal, onde impera a agressão a si mesmo e aos outros. A agressão a si mesmo chama-se inferno frio; a agressão aos outros se chama inferno quente. No inferno frio, o sentimento que experimentamos em nosso coração é o do desprezo e abandono, o “mundo” nos tornou tristes e ou “outros” nos colocaram numa “geleira”. Sempre estamos nos defendendo dos outros e de sua agressão. Não temos nem sequer um minuto de descanso, porque em qualquer momento podem nos agredir. Estamos sempre armados contra os “imprevistos”, somos incapaces de reconhecer um sentimento afável e de carinho. Temos a nítida sensação de que somos obrigados a cada minuto a fazer aquilo que não gostamos de fazer; é como na tradição mítica onde aparecem os demônios que nos pegam e nos obrigam a ter de experimentar todo tipo de tortura. Sentimos a absoluta falta de liberdade interior. Quando alguém quer nos amar, pensamos que nos quer “manipular”. Quando o outro nos abandona triste porque não suporta mais a nossa agressão, então ele entende que ele “não o ama mais”. Sempre a culpa está no outro. O problema do inferno frio é que ele está matizado pela agressão verbal, onde as palavras tornam-se facas afiadas ferindo mortalmente o coração da bondade. Diz-se que a palavra inferno significa não ter a capacidade de saber que o céu existe. Toda esta agressão verbal que o ser infernal se utiliza lhe confere a sensação de que ele está absolutamente certo em todos os seus julgamentos. Quando este ser infernal descobre que seus julgamentos o levaram a sua própria ruína, todo o ódio destilado contra os outros retorna para si mesmo manifestando-se como um severo auto-julgamento, onde não existe o perdão. Esta é a característica de quem desenvolve 129 comportamento auto-destrutivo, que podem levá-lo ao suicídio ou o homicídio. Já no inferno quente a experiência interna que este ser manifesta é a absoluta falta de ar, sente-se oprimido por todos e por tudo, pelos familiares, seu povo, seu lar. Os filhos, o cônjuge. A vida torna-se um lugar quente onde é deficil respirar e ter um momento sequer de descanso à sombra de uma arvora. Se por ventura este ser encontra um lugar para repousar, seja num parque ou numa ilha solitária, algo acontece que ele se sente invadido, seja pelos seres humanos ou pelos pássaros, ou pelo chiar dos insetos. Parte então para a agressão extrema, agride vervalmente incitando os outros para que saiam do lugar que é “dele” e que “ele” encontrou para “seu descanso”. Não suporta o calor, as pessoas, o carinho dos outros. Numa festa encontra uma forma de criar uma confusão que destrói a felicidade do momento. Quando esta agressão volta-se contra a própria pessoa, então ele parte para o inferno frio. Deste movimento circular e contínuo, onde a liberdade interior não existe, é que surge a palavra samsara, que em sânscrito quer dizer a “roda da eterna frustração”. Esta violência extrema leva o “sofredor” a perder em absoluto a sua “misericórdia” Então Jesus nos oferece a disciplina a ser seguida, que é transformar nosso coração “sofredor”, porém odioso, através do exercício da união com o coração do mestre no “coração compassivo”. Dessa forma, quando realizamos ou vivemos o que Jesus nos pede, a Misericórdia torna-se real e é vivida em nosso dia a dia, já não é mais um ideal a ser atingido. Bem-aventurados os limpos de coração, porque verão a Deus. Neste contexto cabe a pergunta: O que é, então, que macula nosso coração? Por que Jesus nos fala “os limpos de coração”? Uma das características dos seres humanos é a procura constante por passar todo tipo de experiências que oferecem a nítida sensação de que estamos evoluindo, nos dirigindo a algum lugar paradisíaco, que 130 permeia todas as nossas atividades, sejam elas profissionais, amorosas e as associadas com o bem estar de nossa família. Nunca estamos satisfeitos com aquilo que conseguimos. Quando chegamos a realizar o nosso sonho, sentimos o sabor amargo de que, de alguma forma, algo nos falta. Como dizia um amigo meu, não adianta ter a macarronada com o vinho e toda a família ao redor da mesa, falta o queijinho, se não tem queijo a macarronada da mama não está completa, porém quando tudo está no seu lugar, sempre algo nos falta, ou ao menos a noção de que “poderia ter durado mais um pouco”. Esta necessidade por estar sempre em movimento, em direção ao atingir de nossos sonhos, transforma-se numa das piores armadilhas, porque sempre nos custa algo que é muito caro ao nosso coração. Os políticos são seduzidos pela opulência, as palmadinhas nas costas, a sensação de que eles têm o país e as pessoas nas suas mãos; porém seus filhos começam a se drogar, se prostituir e eles não conseguem parar com seu envolvimento na política, preferem a mesma a ter de renunciar e encarar de frente a situação de seus filhos. O mesmo acontece nos relacionamentos conjugais. Estamos apaixonados pelo nosso parceiro até que aparece alguém muito mais bonito, então nos perguntamos: porque não? Será que eu não tenho direito a uma vida mais plena e feliz? Tomamos as aparências como reais, e o nosso espírito se atordoa com todas as possibilidades, então aparece o adultério, o roubo, e todo tipo de conduta que desafia o bom senso. Queremos chegar a experientar o máximo do prazer e do conforto, mas notamos ao fim de nossa vida que o único que colhemos foi um coração amargo e desiludido. Percebemos como nos corrompemos e como a nossa conduta não foi permeada pela retidão. Mas afinal, o que é ser reto? De acordo com o Buda a retidão é uma forma de vida, traduzindo-se no fato de que se existe algo que nós devemos fazer, então não deveremos hesitar em fazê-lo; e da mesma forma, se houver algo que não devemos 131 fazer, então não nos devemos envolver. A razão e a compaixão - e não as emoções - devem ser o nosso guia. Se conseguirmos tal conduta, com certeza iremos nos sentir espiritualmente limpos e conseguiremos evitar influências negativas ou sentimentos de culpa. Então quando Jesus nos fala “limpos de coração” está alertando-nos a não sermos seduzidos pelas armadilhas que a própria vida nos coloca, e antes de tudo saber realmente o que queremos realizar, quanto esforço teremos que dispensar e, o mais importante, quando é que teremos que parar. Se não comprendemos nossa situação interna, então seremos seduzidos pelos prazeres e seguramente nosso coração se corromperá. A ética e a moralidade serão somente palavras antigas sem valor nenhum; pouco a pouco nosso coração perderá a sua capacidade de reconhecer a pureza de caráter. Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus. A competição que surge do medo cria o sentimento de pobreza que polui o nosso espírito; a inveja e o ciúme é o padrão mental que está por detrás de toda a sociedade de consumo e infelizmente também está poluindo os relacionamentos humanos incentivados pelos sistemas da mídia internacional. Hoje constantemente estamos com ciúmes dos mais belos, dos mais bem-sucedidos, do status de nossos vizinhos, de suas posses. O sentimento de que somos feios e gordos e que não conseguimos ser felizes está atrelado a toda a veiculação da propaganda nos mostrando um padrão falso de beleza física, entre outros. O pior é que os seres que são dominados por estes sentimentos acreditam que tudo aquilo de que sente falta, de alguma forma lhes pertence por direito e que lhes está sendo negado. Na maioria das vezes estas pessoas são atraídas pela religião ou pelo misticismo, porém no seu coração o que determina a quantidade de seu esforço é a procura por poderes mágicos, estados alterados de consciência, etc. 132 Podem dedicar-se a realizar grandes esforços, por exemplo, no treinamento do Vajrayana em especial as cinco cem mil – citadas acima. São as pessoas que se esforçam para concluir as postrações, são metódicos e profundamente esforçados demonstrando um caráter heróico e austero, mas não nos enganemos, por trás de tanto esforço está a ambição do lucro e a afirmação de que ele é o melhor e o mais bem sucedido. Ao mesmo tempo é o primeiro que se sente frustrado ao saber que seu companheiro realizou o dobro do trabalho que ele está realizando. Imediatamente então entra em crise de identidade e chega até a desistir. No seu espírito, sempre há alguém a ser superado, alguém contra quem deve competir, alguém que tem de ser ultrapassado ainda que seja às custas de colocar sua saúde em risco. Quando sonha tem a nítida sensação de que ele é sempre deixado para trás, que perde as coisas, que faz o ridículo, que está nu na frente das multidões, que se sente descoberto pelos outros. Quando Jesus nos mostra “bem aventurados os pacificadores”, está oferecendo o caminho de que adorar a Deus acima de todas as coisas não é um exercício de competição. Deus não está no final da competição esperando com um troféu em suas mãos. Nada ganharemos agindo e pensando desta forma a não ser frustração e desespero, aliada a raiva de si mesmo (devido a nossa incompetência) e dos outros, já que eles mostram nosso fracasso. Ser pacificador é entender em nosso espírito o princípio da impermanência que permeia todos os seres e o universo, por conseqüência fazer entender em nosso espírito que lutar seria em vão. Quando finalmente comprendemos que lutar é a causa de nossa própria frustração, então podemos entender as bênçãos de viver em paz, que nos oferece a capacidade de desfrutar de cada momento de nossa vida Viver é aceitar todas as contradições como parte do caminho, e nosso esforço resulta em harmonizar os mais variados pontos de vista. Então ao pacificarmos nossos corações compreenderemos a unidade fundamental de todas as coisas e poderemos viver em comunhão com todos os seres, por mais diferentes que eles sejam entre si. 133 Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus. Dentro deste mesmo contexto, a luta e a agressão de nosso dia a dia nos leva a um patamar onde os mansos de coração, ou as pessoas menos favorecidas, são vítimas de todo tipo de manipulação e agressão. Os seres invejosos que ocupam lugares de destaque em nossa sociedade se utilizam de todas as ferramentas para explorar esses mansos, até as últimas conseqüências. Podem estar nos templos, onde o pastor grita para eles tentando extorquir o dinheiro que eles mal conseguem ganhar com muito sacrifício, ou nas grandes corporações onde os executivos trocam o seu espírito por uma vida ilusória de glamour e poder, regada a wisky, para depois ser descartado como um papel velho e sem sentido. A mentalidade poluída pela competição agressiva está sempre em estado de alerta, já que a competição é uma forma de guerra, onde o medo de ser “roubado” ou ser “passado para trás” faz a pessoa permanecer constantemente em guarda e com medo da derrota. É nesta mentalidade onde fermentam todo tipo de teorias conspiratórias, a manipulação e a intriga dos seres, onde os fins justificam os meios. Esta forma de agir com os outros cria um profundo sentido de injustiça humana onde somente os espertos são os vencedores. Daqui surge a idéia de que sempre alguém nos está perseguindo, mesmo que não possamos “descobrir o mesmo”. Sentimos-nos vigiados, seja pelos sistemas de inteligência, sejam por nossos parceiros. Então a única coisa que fica em nossa mente é uma eterna luta onde infelizmente somos sempre as “vítimas”. Este sentimento nos faz procurar ajuda de outras “vítimas” que criam associações de todo tipo, e então aparecem os direitos humanos, e todas as lutas sociais que levam alguns seres a terem um pouco mais de conforto em suas vidas. Porém o mais importante é que, na realidade, este conforto, esta nova realidade é uma miragem, que é alimentada por “novas tendências”, “novos comportamentos” que deixam aqueles que lutaram por uma 134 simples melhoria na mesma situação em que se encontravam antes. Mudou somente as aparências, não o conteúdo. Jesus nos fala: “Bem aventurados os perseguidos por causa da justiça”. Mas do que Ele esta falando? Da justiça humana? Realmente ela existe? Não será que a palavra justiça, vindo da boca de um homem santo, não expressa a idéia da equanimidade que já não faz nenhuma diferença entre os seres e que está pronta para ajudar a todo necessitado, não importa onde ele se encontra, a que condição social pertence, ou qual é a sua crença em particular? Penso que a justiça está ligada ao sentimento de equanimidade que torna nosso coração profundamente compassivo e respeitoso com todos os nossos irmãos. Uma das linhas das quatro preces incomensuráveis nos fala: “Possam todos os seres para sempre se livrar dos preconceitos, do apego e da aversão, que unem a alguns e separam a todos”. Esta é a causa de todas as injustiças do mundo, quando eliminarmos de nosso coração todo tipo de preconceito realmente teremos paz na terra. Bem-aventurados sois quando, por minha causa, vos injuriarem, e vos perseguirem e, mentindo, disserem todo mal contra vós. É muito extranho pensar que a maioria dos ocidentais que se dizem cristãos, de alguma forma, ficam surpresos quando alguém propõe estudar ou ao menos ler algum ensinamento de Jesus. Na maioria dos lares, os seres absolutamente robotizados e manipulados, aceitam de bom grado trabalhar de doze a dezesseis horas por dia dentro de uma empresa ou fábrica, sofrendo todo tipo de pressões psicológicas e físicas, se submetendo ao trabalho escravo, sem discutir, para depois no fim do mês receber algo chamado salário que é, na realidade, um envelope de papel com um pouco de papel pintado dentro chamado de moeda, o que proporciona a este burro de carga a possibilidade de comprar trapos de segunda categoria, carros velhos com formato novo, e todo tipo de bugiganga que ele vai empilhando dentro de sua moradia de aluguel. É profundamente chocante olhar para uma mãe suportar que o marido passe toda a semana fora trabalhando para que ao fim do mês ele possa 135 trazer um pouco de dinheiro que irá jogar fora num shopingg, pagando preço de ouro pelos sanduíches podres que aparecem nas propagandas de TV. O mais chocante é que esta mesma mãe, ao olhar seu marido como um zumbí em casa absolutamente esgotado lendo um evangelho ou um livro sagrado, imediatamente o censure e o trate como vagabundo, lhe jogando na cara que ela está perdendo a sua vida cuidando dos filhos do marido. Ela poderia ler estes livros sagrados junto aos seus filhos, porém fica mais entretida em olhar as novelas e sonhar que tem relações sexuais com o seu ídolo preferido. É chocante observar que alguém que lê um livro sagrado seja tratado como doente mental, manipulador, esquizofrênico, idealista, ou que vive no mundo da fantasia. Ora, que maior fantasia do que querer ter uma casa no Morumbi com uma BMW na porta? Então, nesta grande fábrica de moer carne humana, neste imenso matadouro de espíritos, alguns acordam para algumas realidades evidentes, óbvias demais, mas que aos olhos das multidões soam como utopia. Jesus fala: “por minha causa vás ser perseguido, injuriado”. Mas não é somente pela sua causa, todo homem que procura um caminho espiritual e tenta segui-lo será perseguido em especial por aqueles que mais perto estão dele. Parece ser este o preço a pagar pela liberdade e a autoconsciência. Sidarta Gautama o Buda, abandonou todo o contexto familiar e social para quebrar com todas as amarras criadas pelo entorno em que ele vivia. Ele estava meditando arduamente se privando de tudo, chegando a se alimentar somente de raízes e bebendo o orvalho, porém ele viu que esse também não era o caminho. Descubriu que o corpo deve estar forte para a mente estar forte; então após comer uma tigela de arroz com leite oferecido por uma pastorinha, compreendeu que a automortificação que estava se infringindo não o levaria ao supremo despertar. Imediatamente também se libertou disto. 136 Ele foi deixado sozinho pelos seus antigos companheiros, que o injuriaram e o excluíram de sua pequena comunidade. Não adiantava que ele lhes explica-se que a auto-mortificação era ignóbil, eles não queriam escutar, de tão apegados à forma de vida de até então. Com isso, Sidarta pegou sua cuia e a colocou na água do rio Ganges que estava descendo e falou que se o ensinamento que ele ofereceria para a humanidade, se sua descoberta fosse realmente de valor, essa cuia iria contra a corrente e... foi. A partir deste momento os Budistas são conhecidos como “aqueles que nadam contra a corrente”. A corrente dos robotizados, do gado humano que é mantido em seu cativeiro mental até sua morte, preso a crenças e supertições, modas, costumes sem nexo, medos de todo tipo. Por esse motivo é necessário então treinar e guardar em seu coração a palavra dos seres como Jesus. Bem-aventurados são os que ouvem a palavra de Deus e a guardam! —Lucas 11:28 Hipocrisia espiritual Guardai-vos de fazer as vossas boas obras diante dos homens, para vos tornardes notados por eles; de outro modo, não tereis nenhuma recompensa do vosso Pai que está no Céu. Quando, pois, deres esmola, não permitas que toquem trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas, nas sinagogas e nas ruas, a fim de serem louvados pelos homens. Em verdade vos digo: Já receberam a sua recompensa. Quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua direita, a fim de que a tua esmola permaneça em segredo; e teu Pai, que vê o oculto, há-de premiar-te.» «Quando orardes, não 137 sejais como os hipócritas, que gostam de rezar de pé nas sinagogas e nos cantos das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa. Tu, porém, quando orares, entra no quarto mais secreto e, fechada a porta, reza em segredo a teu Pai, pois Ele, que vê o oculto, há-de recompensar-te. E, quando jejuardes, não mostreis um ar sombrio, como os hipócritas, que desfiguram o rosto para que os outros vejam que eles jejuam. Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa. Tu, porém, quando jejuares, perfuma a cabeça e lava o rosto, para que o teu jejum não seja conhecido dos homens, mas apenas do teu Pai que está presente no oculto; e o teu Pai, que vê no oculto, há-de recompensar-te.» Mateo 6, 1-6.16-18 Praticar em silêncio, sem alardes, sem que ninguém saiba qual é a sua disciplina, é o melhor caminho. Os melhores são aqueles que vivem nos lugares mais humildes, afastados das grandes metrópoles, nas montanhas ou isolados nas florestas. A sua influência espiritual se faz presente em nossas mentes como uma inspiração, um chamado ao treino espiritual. Esta é a primeira influência autêntica dos seres espirituais que não são conhecidos pelas multidões. Estes santos homens estão constantemente abençoando a nossa humanidade, atuando como agentes de iluminação, inspiração e proteção da nossa raça. Numa segunda instância tambám encontra-se homens santos que às vezes são procurados por aqueles que necessitam de consolo e conselhos para tornar a sua vida melhor; eles já perambulam pelas metrópoles, porém a sua mente está sempre em contato direto com a sua fonte espiritual. Igual aos primeiros, constantemente estão abençoando e protegendo os menos favorecidos de toda a maldade. A terceira influência espiritual está associada àqueles mestres espirituais que nos abençoam através de seus ensinamentos orais ou impressos nos livros, que chegam as nossas mãos das formas mais extranhas possíveis. 138 Pela força misteriosa dos primeiros santos aqui descritos, os livros caem em nossas mãos, ou nos oferecem como presente, ou são encontrados nos lugares mais remotos, como em cavernas. Tive um aluno que encontrou um livro meu numa gruta perdida numa ilha no litoral norte de São Paulo. A ilha estava deserta. Ele foi para descansar, entrou numa gruta e encontrou um livro escrito por mim. Este livro o incentivou a encontrar a nossa escola e até hoje está treinando meditação, ajudando através de seu treino todos os funcionários de sua empresa. As forças misteriosas e a bênção dos mestres nos mostram que você nunca está sozinho. Quando tem de ser encontrado, eles o encontram e assim você inicia seu caminho espiritual. A última influência está diretamente ligada com os mestres vivos que representam as linhagens espirituais e que aceitam alunos para guiá-los e instrui-los. Em todos os casos os homens santos podem ter discípulos, e a primeira lição que eles sempre vão oferecer aos seus alunos é sobre a humildade e o abandono de toda hipocrisia. Porém, temos de entender que hoje em dia ser um “mestre” rende muito dinheiro e status social. Na tradição budista tibetana, existe o retiro tradicional de três anos, três meses e três dias. Tecnicamente quem sai dum retiro destes teria que se dirigir ao seu mestre e entrar num outro retiro, desta vez solitário nas montanhas para se dedicar a uma prática em específico durante anos até que obtenha os sinais dos despertar. Lamentavelmente não existem muitas pessoas que sigam este conselho, e imediatamente após sair do retiro, investidos de “humildade” se disfarçam com roupas vermelhas dos monges do século XIII, começando imediatamente a oferecer aulas sobre o Santo Dharma aos seus alunos. Nada conhecem sobre a meditação, nem sobre os estados da mente nem suas trapaças, porém se adjudicam o direito de ensinar. Podem ser muito carinhosos, solícitos, estar sempre de bom humor, e ter um comportamento digno de louvor, enquanto estão perto dos 139 observadores, mas mudam imediatamente seu comportamento quando não se sentem mais vigiados. Ser hipócrita na vida ordinária é algo que nos causará muita tristeza, já que as pessoas sabem quando alguém é sincero de coração ou não, mas essa é a lei que impera neste mundo profundamente competitivo, onde ninguém pode relacionar-se de uma forma saudável. Porém ser hipócrita no caminho espiritual é manipular os outros, é usar as pessoas para que elas nos satisfaçam nos desejos mais sórdidos e egoístas. O estrago que se faz no coração de um aluno quando ele descobre que seu “mestre” é uma pessoa comum e ordinária, é muito pior do que na vida diária um amigo nosso nos trair ou se aproveitar de nossa bondade. A via mística se caracteriza pelo desenvolvimento da visão discriminativa que nos capacita a olhar todos os fenômenos que nos apresentam, sejam internos ou externos, como pura manifestação do espírito. Como disse Buda: “Não confie na pessoa, mas confie nos ensinamentos. Não confie nas palavras, mas confie no significado.” Esta capacidade de olhar além das aparências pode ser muito dura para o discípulo, já que vai lhe conferir o poder de desenvolver o que no Budismo chama-se de “a meditação que está além do mundo”. O mundo neste contexto representa todo o caleidoscópio de imagens, sensações, dúvidas, pensamentos contraditórios etc, que se apresentam na nossa frente. Se o aluno não estiver preparado internamente, se não tiver um pouco de contato com a divindade, poderá sofrer de muita depressão ou até – em alguns casos – enlouquecer. Por este motivo torna-se tão necessária a humildade do coração que nos leva a pedir ajuda aos seres espirituais. Como diria Francisco de Asis: “Peça a Deus porque esta é tua obrigação, além de que teu espírito já saiba do que voce necessita” Dentre todos os aspectos mais importantes da via mística, “orar e vigiar” torna-se o ponto capital da disciplina. Orar é abrir nosso coração e unir nosso coração com a divindade. 140 Vigiar é o treino da atenção permanente aos nossos estados mentais e emocionais, e em especial sempre pensar se não estamos caindo dentro da esfera dos três defeitos, que são: 1 - Não prestar atenção aos ensinamentos; 2 - Esquecê-los; 3 - Ouvi-los com a mente cheia de pensamentos negativos. Também vigiar é estar atento para evitar as seis máculas, que são: 1- Ouvir os ensinamentos com orgulho; 2- Sem fé; 3- Indiferente; 4- Distraído; 5- Aborrecido; 6- Desencorajado. E em relação com o apreender ou reter os ensinamentos em nosso espírito, vigiar é evitar que o discípulo: 1 - Lembre das palavras, mas não do significado; 2 - Lembre do significado, mas não das palavras; 3 - Lembre de ambos, mas falha em reconhecer sua intenção verdadeira; 4 - Lembre de ambos, mas confundir a ordem; 5 - Lembre de um significado errado. Tentemos entender que estes problemas nascem em nossa mente, e não fora dela. Eles são a base do comportamento falso que tanto malefício causa em nós mesmos e aos nossos amigos dentro das comunidades espirituais. Junto com estes “problemas” que permeiam nossa consciência temos os oito dharmas mundanos aos quais devemos prestar uma enorme atenção, já que eles se infiltram como um veneno virulento dentro de nosso coração, poluindo completamente nosso treino e nossa vida. Quais são? 141 1- Querer ser louvado; 2- Não querer ser criticado. Muitos podem dizer que não é assim, mas se você sorrir quando alguém lhe falar que aquilo que você está fazendo é bem feito, se você se sentir melhor por ser reconhecido pelo seu mestre, se você sentir algum tipo de sentimento de superioridade porque o mestre está chamando você a se sentar junto a ele para beber um chá, saiba que estes primeiros venenos já estão instalados em seu coração. Como saber se é realmente assim? Muito simples: se você se sentir desprezado porque seu mestre convidou para se sentar no lugar que você se sentou ontem seu colega que você tanto desprecia; se você se sentir traído, porque a sua pessoa amada também mostra sinais de que gosta de outra pessoa; se você desistir de treinar porque ninguém o nota dentro de sua comunidade. Então, meu filho, você já está envenenado. O caminho espiritual é interior. Buda diz: “Não modifique o exterior, modifique seu interior”. Jesus te diz: “Não é o que entra pela boca e sim o que sai de tua boca o que te torna superior”. Todos apontam na mesma direção, ou seja, para que modifiquemos nosso coração. La é onde se digladia a verdadeira guerra; La é onde encontramos a fera e a bela. Quem determina se um ou outro vence é a nossa motivação. Vigiando nossa motivação sem se desviar de nosso caminho. Pratique na solidão, na sua própria eremita, não necessita viver nas montanhas, a montanha é você mesmo, o eremita é seu próprio espírito, a fonte de sua vida é o espírito, o resto é sonho. Vai se preocupar porque, nesta vida de sonhos, alguém que sonha insulta alguém que também está sonhando? Certa vez tinha um poeta pintor de caligrafia chinesa. Nos ideogramas estão contidas imagens, então no Japão feudal se desenvolveu um tipo de poesia chamada de haiku, ou seja, o poeta deveria expressar no máximo com 17 sílabas a totalidade de uma experiência. Este poeta pintor teve uma pequena iluminação experimentando um vento muito suave, e começou a escrever uma ode ao vento. Porém quando ele concluiu o seu poema não se sentiu satisfeito, então pediu ao seu discípulo que levasse o mesmo a um mestre zen que morava perto dele. 142 O discípulo levou o envelope e pediu ao mestre que escrevesse seu comentário. Como é sabido, os antigos mestres zens não erão bons em seus discursos, muito menos se dedicavam a escrever a não ser o estritamente necessário. Ele leu o poema, soltou uma gargalhada e escreveu um pequeno kanji (ideograma) detrás do papel onde estava o poema. Colocou o papel dentro do seu envelope e devolveu ao discípulo que foi correndo ao seu mestre de pintura. O mestre perguntou ao seu discípulo o que tinha acontecido. Então o discípulo contou que o mestre zen soltou uma gargalhada e que tinha escrito algo no verso do papel. O poeta pintor desembrulhou o envelope com o máximo respeito e cerimônia. Quando leu, o que estava escrito? Peido! Sim, somente Peido. O poeta pintor soltou a gargalhada e queimou o papel. O discípulo nada entendeu. Temos muito a refletir nesta historia. Como você receberia este fato em sua vida? 3- Querer ganhar; 4- Não querer perder; Vivemos em um mundo onde somos atormentados pela constante insegurança. A espiritualidade tornou-se um negócio, então os professores espirituais sempre sentem a necessidade de gerar mais negócios. Dada esta insegurança, sabendo do ponto fraco das pessoas, é bem fácil vender espiritualidade. Primeiro você diz às pessoas que há algo que elas devem ter que elas não têm. Então, você lhes diz que o lugar para comprar é aqui. Pronto, você criou a necessidade e supriu a carência. Eu tenho o que você precisa. Muitos, conhecendo a liberação dos impostos, dedicam-se a todo tipo de negócio, desde os honestos até os mais desonestos possíveis. Por exemplo, conheci um lama budista que contrabandeava pedras preciosas. Quando lhe perguntei se isso não era roubo, ele simplesmente me falou que na realidade a pedra pertence à terra. 143 Outros lamas aqui em São Paulo conhecem como conjurar espíritos elementares que criam desordem e confusão nas vidas das pessoas. Primeiro eles mandam os alunos meditarem sobre este espírito elementar, sob o pretexto de que é um protetor de sabedoria, depois este espírito torna a vida do discípulo um inferno e, por último, o liberta do inferno criado por ele mesmo, e em troca recebe sua devoção. Esse é o mesmo procedimento que as gangues da máfia realizam pelo mundo afora, criam baderna, batem nos pobres comerciantes e depois lhes vendem a proteção contra eles mesmos. Quem me contou este procedimento foi um doutor em filosofia budista da tradição Nigma (kempo), que se refugiou em nosso centro, para se despoluir das aberrações por ele prescenciada nos “centros de dharma de São Paulo”. Juntos, realizamos um retiro fechado de 60 dias e depois ele saiu do Brasil e lamentavelmente não mais vai voltar. A pergunta que não se cala é: como é possível, tendo num promédio de 100 a 200 alunos, construir um palácio ao estilo tibetano cheio de ouro que tem como avaliação mínima 5 milhoes de dólares? Este é o motivo pelo qual os lamas e mestres sérios que pertencem as linhagems verdadeiras saem correndo do Brasil. Outro item muito necessário para explicar aqui é a grande confusão que existe no tocante a espiritualidade budista, seja ela japonesa, chinesa ou tibetana, e a cultura destes países. Parece ser que tudo vem enbrulhado no mesmo pacote. Em 1993 convidei para morar em nosso centro rural na cidade de Cotia, outro doutor em filosofia budista. Ele foi o primeiro a vir ao Brasil. Este lama morou junto à minha família - esposa e dois filinhos -, por três anos. Junto com ele veio seu tradutor, que sempre falava mal dos ocidentais. Argumentava que éramos demônios comedores de carne. Porém, como minha família pagava um bom salário a cada um deles um salário muito alto para os padrões desse ano –, na realidade ainda que fôssemos ocidentais – para ele – não pertencíamos a esta classe de demônios (na minha ignorância e despreparo, me sentia o “escolhido”, daí o primeiro veneno). Um dia, quando este lama tinha que oferecer um ensinamento aos nossos alunos, o tradutor aparece bêbado e, claro, não consiguiu traduzir 144 nada. Quando os alunos saíram aborrecidos de nossa escola paravam e me falavam: “Roque, por que você trouxe estas pessoas ao Brasil?”. Todos os meus alunos começaram a questionar que tipo de lama eu tinha trazido. Na realidade em meu foro íntimo também me questionei profundamente. Para complicar mais um pouco os diretores de um centro de Dharma de São Paulo começaram a entrar de forma sorrateira em nosso centro, sob o pretexto de que queriam aprender conosco, porém tanto fizeram que um dia levaram os tibetanos para as mansões do alto da Lapa, onde participaram das festas que eles ofereciam, mostrando-lhes todo tipo de prazeres que aqueles coitados nunca tinham experimentado na vida. Bem, o que aconteceu? É fácil de imaginar. Parei de lhes pagar o salário e em menos de 10 dias saíram de nosso centro falando mentiras de todo tipo. O que o tradutor falava sempre era que tínhamos que deixar de pensar como ocidentais e começar a pensar como tibetanos. Tínhamos que abdicar de nossas raízes e aceitar a forma de ser e de pensar tibetana. Quando lhe perguntei por que então ele não aceitava os chineses, já que eles queriam fazer isso com o povo tibetano, foi o início de nossas desavenças. S. Emª. Dzongsar Khyentse Rinpoche comenta a este respeito: “Devido ao seu papel de trazer o Dharma para o Ocidente, os lamas têm uma responsabilidade ainda maior pelos ensinamentos do que os alunos ocidentais que estão interessados, mas não familiarizados com eles. Entretanto, ao invés de tornar os ensinamentos acessíveis, alguns lamas tibetanos criaram uma grande segregação dos ocidentais através de uma combinação de seu complexo de superioridade e de sua fundamental falta de respeito para com ocidentais, com um insuficiente interesse no pensamento ocidental. A clássica analogia buddhista de paciente, médico e tratamento enuncia que, para diferentes pacientes com diferentes problemas, os médicos devem aplicar o medicamento apropriado. Assim, se os lamas tibetanos 145 ridicularizam a cultura e os hábitos de seus alunos ocidentais como sendo uma total perda de tempo, como poderá o remédio surtir efeito? Eles estão realmente sugerindo que devem ser concedidos para os ocidentais os mesmos ensinamentos concedidos a nômades tibetanos analfabetos? Esta falta de respeito para com os ocidentais, por parte dos tibetanos, não é recente; eles têm uma concepção muito arraigada de que os ocidentais são bárbaros”. Com relação ao querer sempre ganhar Dzongsar Khyentse Rinpoche comenta: “Além disso, os tibetanos rotularem os ocidentais como materialistas é mais do que um pouco irônico, já que a busca material tornou-se uma das principais prioridades entres tibetanos em geral e alguns lamas em particular. Grandes assentamentos de tibetanos competem por tudo, desde o maior mosteiro até as mais recentes e prestigiadas marcas de carro. Se alguns lamas de alta hierarquia vendessem suas tigelas de ouro e prata para chá, poderiam alimentar centenas de etíopes famintos por dias a fio. É verdade que os tibetanos acham que os ocidentais fazem Dharma shopping e que não conseguem manter segredo sobre os ensinamentos tântricos; mas que culpa têm eles se os próprios Lamas transformam o Dharma em um show itinerante, incluindo performances como mandalas de areia e a dança dos lamas? Seria melhor descobrirmos todas estas falhas dos tibetanos mais cedo do que tarde. Caso contrário, podemos ficar desiludidos, e isso pode ser uma razão para desistirmos do Dharma”. O budismo tibetano no Ocidente, por S. Emª.. Dzongsar Khyentse Rinpoche. Fonte dharmanet.com 5- Querer ser feliz; 6- Não querer ser infeliz; Como dizia o mestre Atisha, “todos queremos ser felizes e tememos a infelicidade, a pena e a dor, porém expulsamos a bondade de nossa mente como se ela fosse um criminal”. O ponto básico da felicidade não está atrelado à obtenção dos objetos dos sentidos, e sim na disciplina que torna a nossa mente profundamente 146 pacífica e luminosa. Comprender a causa do sofrimento dos seres nos torna pacientes e é esta paciência que modifica todas as compulsividades que nos levam a viver de forma miserável. Dentre todas as disciplinas que devemos treinar, nada se compara com a paciência No Bodisatwacaryavatara de Shantideva* (grande erudito budista 687763dC) ele dedica todo o seu sexto capítulo para explicar os benefícios de treinar a paciência e os malefícios que o ciúme e a raiva podem produzir a nós e ao nosso entorno. Santideva diz que “não há nenhum pecado tão grande como raiva. Não há nenhuma virtude tão poderosa como paciência”. Quando nos deixamos levar pela raiva e o ciúmes, nosso corpo se contrae por inteiro, os músculos doem, o sabor na boca é acido, nosso rosto se deforma e a nossa pele torna-se verde-escuro e o cheiro de nosso corpo torna-se pútrido. Quando nos viciamos na raiva, o nosso corpo vai adquirindo estes contornos e pouco a pouco vamos deformando até não poder voltar mais para trás. As pessoas fugirão de nós como se foge na presença de cachorros com raiva, vão nos acusar de nosso mau cheiro, e nossas oportunidades de crescer em nosso meio ambiente pouco a pouco irão desaparescendo até ficarmos acuados e completamente esquecidos por todos. Ao contrário, a generosidade provoca um estado de prosperidade, prazeres e riqueza, e a moralidade provoca felicidade. Assim, a prática de paciência é a causa do surgimento de uma boa 'forma de vida'. Nossos corpos são os mais gloriosos e brilhantes. Os seres humanos passam a ter os corpos mais afortunados - mais atraentes, saudáveis e poderosos. As pessoas se sentem bem ao nosso lado, querem compartilhar nossa prescença, pedem para escutá-los e compreendê-los, tornam-se nossos confidentes, passam a nos enxergar como uma pessoa confiável. Ao mesmo tempo, quando a pessoa paciente experimenta alguma contrariedade na vida, imediatamente encontra ajuda, muitas vezes sem sequer pedir diretamente. Estas boas qualidades da pessoa 147 são a forma visível da paciência, o que qualquer um pode observar a olho nu. Há três tipos de peciencia. A primeira é a paciência que nos faz suportar todos os sofrimentos causados pelos outros, sejam seres humanos ou circunstâncias temporais – calamidades, desastres etc. Se refletirmos um pouco sobre este tipo de paciência poderemos mudar a nossa perspectiva de parar de sentir que somos as vítimas e passaremos a auxiliar todos aqueles que nos agridem de alguma forma. Claro que é fácil escrever sobre isso, porém é uma tentativa que você pode experimentar. Analizemos um pouco os motivos pelos quais uma pessoa pode nos agredir. Ou por inveja – então ela sente-se profundamente inferiorizada perante o nossso sucesso – ou porque demos um motivo real, mentimos para ela. Necessitaremos de paciência para suportar as queixas verdadeiras de nossa vítima e para entendermos um pouco mais o que realmente está acontecendo conosco e com ela. No início podemos não contestar a agressão, porím fica mágoa ou rancor, ela já nos atingiu, já nos manipulou. Então o que podemos fazer é dar é um passo atrás para poder olhar melhor o panorama que se apresenta para nós. Se você puder entender que a maioria das agressões surge do sentimento de inferioridade das pessoas, será mais fácil comprender o motivo da agressão recebida por você. Depois podemos entender que a pessoa que nos agride pode estar sofrendo internamente de uma forma tal, como se ela estive-se em carne viva, então a agressão é a forma que ela tem de pedir ajuda. Pode parecer muito piegas isto que estou escrevendo, porém vejam a situação com calma e entenderão, já que vocês mesmos muitas vezes agrediram alguém. Vejam como vocês se sentiam em relação à pessoa que estavam agredindo. Quantas vezes os nossos irmãos nos agridem e, passados dez minutos, nos falam como se nada tivesse acontecido? Isto se deve ao fato de que a agressão é a forma natural de ele se expressar na sua frente. Já que não 148 há nenhuma barreira que lhe impeça de se cuidar de si mesmo, o que faria na presença de um desconhecido? Para entender todos estes processos da mente doente dos seres humanos, necessitamos primeiro nos afastar um pouco de nosso meio e estudarmos um pouco os mecanismos da raiva e da agressão. Muitos me falam que não têm como se afastar, porém aqui afastar-se implica em não responder e sair da cena da agressão; se por ventura você tiver que suportar até uma agressão física, então é muito importante aprender a se defender, não para poder agredir e sim para não ser agredido. Saber defender-se tira o nosso medo e acalma nossos impulsos para a agressão. Isto é outra forma de paciência. Treinamos-nos na arte da defesa para aprender a ter paciência. Sempre falo aos meus alunos que quem aprende uma arte marcial inicia o processo de aprendizado porque quer bater nos outros, porém já de início começa apanhando, até que ele consiga ser faixa preta. Depois que ele perde toda a sua agressividade e não tem mais medo de apanhar é que ele está apto para se defender. O que realmente aprendeu? A ter paciência consigo mesmo e não reagir compulsivamente perante uma agressão física. Temos o segundo tipo de paciência que é a que está relacionada às demanadas que nosso caminho espiritual nos exige. O segundo tipo de paciência é a paciência que nos prepara para as demandas do caminho espiritual ou às exigências de realização religiosa. Em muitos casos, sentimos um chamado que se traduz “por um profundo sentimento do incmodo”. Não nos ajustamos mais ao nosso ambiente, amigos, família etc., pensamos então que necessitamos de uma via espiritual, algum tipo de treino que nos tire ou nos resgate da mediocridade em que estamos imersos. No início de nosso caminho a dualidade entre o eu e o outro é muito clara. Sentimos como que estivéssemos lutando contra tudo e todos, e como se acordássemos de um longo sonho e, olhando ao nosso redor, somente encontrássemos os seres mais queridos dormindo profundamente. 149 Este despertar faz com que procuremos “nossa tribo” ou nossa linhagem espiritual; perambulamos por diferentes escolas, tendências, magia, misticismo, espiritismo, mística cristã e budismo. É como se estivéssemos procurando a “nossa casa, nossos amigos da antiguidade”. Em 1996 novamente convidei mais um lama a morar na minha residência. Trata-se do Lama Trinle Drubpa, um místico poderoso que me introduziu à mística budista que está além dos mosteiros e rituais complicados. Foi ele quem apresentou meus mestres Bokar Tulku Rimpoche e Kalu Rimpoche. Certa noite, perguntei-lhe: “Lama, se no Dharma de Buda se aceita a lei do karma e da reencarnação, e se fala que todo aquele que treina o budismo o faz porque em algum momento de sua existência já o fez, o que estamos fazendo aqui no Brasil?”. Ele me respondeu: “Procurando nossos amigos e irmãos”. Então, de alguma forma misteriosa – penso que é pela benção dos protetores –, “nos encontram e nós os encontramos”, e aqui começa o verdadeiro caminho de retorno ao lar. O mestre nos incita a caminhar, apesar de todas as nossas deficiências emocionais, dúvidas e todo tipo de confusão. Mostra-nos como realmente somos, e não como imaginamos ser. Passamos do menino bonzinho ao pior dos vilões. Comprendemos que nosso eu está completamente fragmentado e que cada fragmento é um poço de emoções desencontradas. Raiva, ciúmes, sexo não resolvido, mágoas que nunca pensamos que existiam, todas as memórias de nossos sofrimentos. É como se estivéssemos vivendo o momento em que Jesus pega a cruz e tem que enfrentar todos esses seres que estão aí para cuspir nele, bater, insultar. Por este motivo quando olho a vida de Jesus e vejo o que ele passou, vejo retratado o caminho interno do discípulo verdadeiro. Ninguém nunca falou que o caminho espiritual é algo que pode ser trilhado como se estivéssemos passeando num play center. O verdadeiro caminho espiritual, desprovido do que Chogyam Trungpa Rimpoche denomina de “materialismo espiritual”, é olhar e suportar pacientemente cada uma de nossas lembranças que estão matizadas pelas emoções 150 conflitivas, já alguém nos traiu e sofremos barbaramente com isso. A memória disto já está ai para nos molestar até o nosso último dia. Já que alguém nos amou profundamente, porém a vida o tirou de nós, essa marca estará presente até o último momento de nossa vida. É assim com cada ato, cada sofrimento, cada contradição. Hoje somos um conjunto de mágoas e desentendimentos, rancores, ódios, apatia, auto-comiceração. Como se diz aqui no Brasil, somos um poço de mágoas e de vingança. Por que vingança? Porque ainda que nunca tenhamos reagido no momento do trauma, amarguramo-lo em nosso coração e basta que apareça alguma cena parecida com a anterior para que toda a mágoa e a vingança do passado venha à tona. Então, quando iniciamos nosso caminho espiritual, de início começamos a ter consciência do enorme trabalho a ser realizado a fim de poder verdadeiramente ajudar a alguém. A paciência com o nosso ser sofredor torna-se de vital importância, já que sem ela não poderemos nem sequer iniciar o nosso treino, quanto menos navegar nos mistérios mais profundos de nosso ser. S. Santidade o XVII Kamapa Orgyen Trinle, a este respeito nos diz: "É muito difícil ajudarmos a nós mesmos, quem dera ajudar aos outros. Ao mesmo tempo, é muito fácil causarmos danos. Algumas vezes parece que todos nós estamos tentando machucar uns aos outros.” 6 – Devemos descobrir a paciência que deve ser empregada na percepção do vasto e do inconcebível. O terceiro tipo de paciência é a virtude requerida para suportar o entendimento de que tanto o passado quanto o futuro não é algo em si mesmo existente, e sim uma mera projeção de nossos desejos. Uma vez perguntaram ao Mestre Zen Huang Po sobre como poderíamos evitar cair no erro de fazer distinções entre uma coisa e outra. Ao que o mestre respondeu: “Percebendo que ainda que tenhas comido o dia inteiro, nem um só grão passou pela tua boca. Que um dia de viajem não o fez adiantar nem um passo sequer. 151 Ele também apontava o profundo erro de criarmos diferenciações entre nós e o caminho, entre a pureza e o impuro, pecado e virtude, e todo tipo de dualidade que torna nosso espírito confuso. “Abstenha-se de maneira uniforme das noções de ‘eu’ e ‘outro’. Não permitais que os acontecimentos de vossa vida diária os manipulem; porém não os evitem. Somente operando assim merecereis o título de ‘Liberto’. Nunca permitas confundir as aparências exteriores com a realidade”. O Mestre sempre apontava para o defeito que os seres humanos têm de criar categorias, e ao mesmo tempo estas categorias criam sentido de limitação e este sentido de limitação faz surgir em nossa mente o sentido de tempo e espaço. “Evita o erro de pensar em termos de presente, passado e futuro. O passado já se tem desvanecido. O presente é um momento fugaz. O futuro está ainda por chegar. Quando pratique controle mental, sente-se na posição adequada, permaneça tranqüilo, não permita que o mais leve movimento de vossa mente os moleste. Somente isto chama-se ‘liberação’ Sejam diligentes! Atuem com diligência! Dentre um ou dez milhares que tratam de passar pelo Portal, somente três ou cinco conseguem”. Porque esta advertência? Reflitamos: estar neste estado de atenção, não se deixar levar pela euforia de “eu estou trilhando um caminho” ou “eu não sirvo para trilhar este caminho” apresenta o que chamamos de presença. A mente clara e vazia de conteúdos fabricados. Somente com um bom treino de paciência poderemos realizar a presença tranqüila do nosso próprio espírito. Meditemos profundamente sobre estas palavras oferecidas pelo Sexto Patriarca Zen Heui Neng: 152 “Querido auditório: Que é meditação? Meditar significa adquirir uma liberdade absoluta, não perturbada mentalmente, sejam quais sejam as circunstâncias exteriores boas ou más. Meditar significa realizar, interiormente, a serenidade de nossa própria natureza. Querido auditório: Que são meditação e concentração suprema? Estar em meditação significa estar livre de apego aos objetos exteriores, e concentração suprema significa atingir a paz interior. Enquanto permaneçamos apegados aos objetos exteriores, nosso espírito será interiormente perturbado. Quando estamos desapegados dos objetos exteriores, nosso espírito está em paz. Nossa natureza própria é intrinsecamente pura, e razão pelo qual estamos perturbados, é simplesmente porque nos deixamos levar pelas circunstâncias na qual nos encontramos. Aquele que é capaz de manter o seu espírito sereno, sem prestar atenção às circunstâncias, tem atingido realmente a suprema concentração. Quando praticamos meditação e interiormente mantemos nosso espírito na concentração suprema , podemos dizer que temos atingido o Samadhi de Dhyana. O Bodhisatwa Sila Sutra diz: ‘Nossa própria natureza é intrinsecamente pura’. Querido auditório: Realizemos isto por nós mesmos em cada instante. Pratiquemos e alcançemos a via do Buda graças aos nossos próprios esforços”. Finalmente, temos estes últimos dharmas mundanos que Jesus nos adverte em seu sermão: 7 - Querer ser famoso; 8 - Não querer ser infame ou ignorado Diz Jesus: “Quando, pois, deres esmola, não permitas que toquem trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, a fim de serem louvados pelos homens. Em verdade vos digo: Já 153 receberam a sua recompensa. Quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua direita, a fim de que a tua esmola permaneça em segredo; e teu Pai, que vê o oculto, há-de premiar-te.” Jesus é bem enfático neste item. A hipocrisia está tão descarada que há um tempo um “bispo evangélico” publicou nos jornais que ele não tinha nenhum problema em aceitar dinheiro, qualquer que seja a procedência, que ele o purificava de todo pecado. Pode ser que ele tenha tanto poder espiritual assim, porém para nós míseros mortais estas palavras soam muito estranhas. O mesmo acontece no Oriente, onde depois da Segunda Guerra, em especial no Japão, inúmeras seitas começaram a aparecer, misturando ensinamentos cristãos com budismo e xintoísmo. Como eram insentas de impostos, começaram a aparecer inúmeros aparentes monges desfilando com carros importados construindo templos luxuosíssimos, tudo em nome da fé e da religião. Não nos esqueçamos das vendas de indulgência que sustentou a construção do Vaticano. Parece que o que Jesus falou não foi bem entendido. Dentro da tradição tibetana também encontramos esta hipocrisia milenar, bem sofisticada. Dzongsar Khyentse Rinpoche comenta: “Gerações de experiência em ser hipócritas deixaram os lamas bastante sutis e sofisticados. Um exemplo é como muitos ocidentais caem no quase irritante teatro da humildade dos lamas, sem perceber que por detrás da cortina acontece uma competição acirrada para sentar no trono mais alto. Essa manobra torna-se mais dramática quando a ocasião envolve um grande público e, mais ainda, se está presente no local um grande patrocinador em potencial, especialmente os de Taiwan, que parecem julgar o valor dos lamas unicamente pelo seu posto ou por quantas letras ‘S’ precedem seus nomes [por exemplo, Sua Santidade...]. 154 A imagem de Gautama com um pote de esmolas e pés descalços caminhando humildemente pelas ruas de Magadha parece ter se tornado mera mitologia.” Como podemos observar, Jesus tentou nos avisar. Parece que hoje, em todos os lugares, os exemplos destes seres iluminados foram esquecidos. Espero que alguém ao ler estas palavras seja inspirado a viver como Eles o fizeram. A prática transformadora. “Nem todo aquele que me diz: ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino dos Céus, mas o que põe em prática a vontade de meu Pai que está nos céus. Portanto, quem ouve estas minhas palavras e as põe em prática, é como um homem prudente, que construiu sua casa sobre a rocha. Caiu a chuva, vieram as enchentes, os ventos deram contra a casa, mas a casa não caiu, porque estava construída sobre a rocha. Por outro lado, quem ouve estas minhas palavras e não as põe em prática, é como um homem sem juízo, que construiu sua casa sobre a areia. Caiu a chuva, vieram as enchentes, os ventos sopraram e deram contra a casa, e a casa caiu, e sua ruína foi completa!». Mateo 7, 21.24-27 “Deixe que o mestre conheça ao discípulo por nove anos, Deixe que o discípulo conheça ao mestre por doze anos” Muitas vezes pensamos que ir a igreja no fim da semana ou praticar meditação num centro budista já é o bastante. Algumas vezes visitamos um mosteiro antigo, num país diferente como China ou Índia, porém este tipo de abordagem do divino se assemelha mais a uma visita a um 155 shoping ou a um passeio turístico por lugares exóticos do que treinar alguma disciplina realmente transformadora. Este comportamento é o que Chogyam Trungpa Rimpoche descreve como uma forma de materialismo espiritual onde procuramos através do acúmulo de informações místicas solidificar o nosso ego, passando a experimentar a sensação de que cumprimos nossa parte com o nosso espírito. Porém não é isso que Jesus e Buda nos pedem. Repetir mantras, treinar meditação até a exaustão, mortificações de nosso corpo, ascetismo, que surgem pela má compreensão dos ensinamentos dos seres iluminados reforçam de uma forma neurótica o nosso ego, tornando-o cada vez mais sólido e existente, aumentando o desprezo pelos menos favorecidos. Tanto Jesus quanto Buda nos pedem para trascender toda limitação e prisão que nos amarra à nossa pobre percepção de tempo e espaço. Repetir o Santo nome de Deus sem vivenciar o seu amor e compaixão, sentar-se frente à parede para dormir de forma sofisticada, usando roupas japonesas ou hábitos monacais tibetanos para depois quebrar todos os votos de conduta e ética, reforça somente a nossa visão neurótica, nos afastando mais e mais de nosso próprio espírito, nos afundando mais e mais nas neuroses. Muitos alunos que vão para os templos budistas estão a procura de “sensações” ou “experiências” exóticas que eles chamam de trascendentais. Misturam drogas com o seu treino, quando não lêem compulsivamente tudo o que chega às suas mãos, tentando justificar seus erros através da leitura dos sutras e comentários. Comportam-se de forma arrogante, passam a mentir de forma descarada, já que eles de alguma forma reinterpretam os ensinamentos do Sr. Buda, adaptando a sabedoria à sua vida mesquinha para justificar os erros mais grosseiros. Passa o tempo e nada muda neles, a não ser que seus comportamentos egocêntristas tornem-se mais fortes e mais sofisticados. Não se esquecem de si mesmos, não incluem nas suas preces os outros, falam da boca para fora, porém quando são contrariados guardam a 156 peçonha da mágoa e do rancor, fazendo mantras contra aqueles a quem eles detestam. Encontram um mendigo na rua, olham para outro lado e falam que este medingo sofre por causa de seu mau karma. Certa vez um “reverendo budista” me acusou de piegas porque junto com os meus alunos desenvolvemos um trabalho de assistência social na comunidade carente que existe perto do nosso templo. Este professor de história na USP não suporta o mau cheiro dos mendigos nem das pessoas pobres, porém ele se apresenta aos outros como “reverendo”. Há as pessoas que no dia a dia vivem para trabalhar, porém de forma mecânica visitam a igreja no fim de semana para ficar de bem com Deus. Repetem mecanicamente tudo o que o padre lhes manda repetir, fazem o sinal da cruz na sua frente, até se confessam, mas esta experiência não é suficiente para eliminar do seu coração as emoções aflitivas; saem das igrejas e já estão cometendo todo tipo de erros. Esta é a conhecida fé mecânica, onde nos sentimos seguros e amparados porque - como escravos – fazemos tudo aquilo que nos mandam fazer. Treinar a via mística apresentada por Jesus ou Buda requer de início uma compreensão sincera de nossa própria situação, e ter em mente o que esperamos do nosso treino espiritual. Cada discípulo deve se perguntar o que é que realmente ele quer e porque ele quer se desenvolver espiritualmente. Porque ele quer seguir o caminho dos santos homens. Sem este conhecimento interno das causas verdadeiras do porque caminhar, seguramente nada vai conseguir a não ser estresse e frustração. Como no Livro das Mutações se fala: “Quando não há um bom começo, não pode haver um bom final”. O segundo ponto é que temos de ser suficientemente capazes de expressar nosso desejo de treinar de forma clara para nosso mestre, seja ele um padre ou um mestre budista. Então aqui temos também uma boa dose de confiança naquele que vai nos guiar por um caminho absolutamente novo e que realmente nem temos a mínima idéia de como ele vai ser, nem aonde ele vai nos levar. 157 Temos a intenção de seguir os passos de Buda e Jesus, porém como estamos seguros de que chegaremos lá? Então é necessário ter um mestre ao nosso lado que nos aceite como discípulo e devemos depositar nele a nossa confiança. Para que isto realmente aconteça devemos nos relacionar com o nosso amigo espiritual da forma mais simples e sincera possível. Assim como quando vamos visitar um médico e lhe apresentamos a situação deplorável em que nossa saúde se encontra, situação esta que se deve exclusivamente ao nosso próprio descuido. Então, humildemente, devemos pedir pelas instruções capitais que nos ajudarão a transformar-nos verdadeira e profundamente. Se você não consegue gerar esta confiança em algum professor, não tente o caminho espiritual, já que como se diz: “sem guarda florestal que lhe guie pela floresta densa, seguramente que você vai se perder ao dar os primeiros passos”. Para pôr em prática o que Jesus e todo mestre iluminado nos fala, requer uma dose extra de comprenssão da preciosa existência humana, que tão pouco valor lhe damos. Esta existência humana tem de ser livre e bem dotada. Mas livre de que? 1) Livre da consciência infernal e seus estados De onde surge este tipo de consciência? Da certeza absoluta em nossos pensamentos e convições. Esta certeza absoluta nos fecha para qualquer tipo de experiência e de relacionamentos mais abertos, sejam com os nossos amigos e outras pessoas que nos rodeiam, seja com o nosso mestre. Diz-se que a palavra inferno significa “não ter a capacidade de olhar para o céu”, ou “não encontrar saída”. Acredita-se, na tradição budista, que o sofrimento mental que caracteriza a mente infernal está associado com a experiência do profundo desamor e o ódio dirigido a si mesmo e aos outros, até o ponto de chegar a se mutilar ou tirar a própria vida ou tirar a vida dos outros. Quando o ódio está sendo dirigido para si mesmo se diz que o espírito deste ser está no “inferno frio”. Ou seja, o individuo está tão perdido 158 nos seus pensamentos e certezas absolutas que já não escuta nem aceita mais nenhuma palavra que o liberte deste estado de intenso sofrimento. Então, auto-convencido de sua própria e infalível certeza, ele chega ao ponto de passar a agredir a todos com seus discursos que se asemelham a punhais e armas cortantes, palavras estas que ao serem proferidas destroem os corações dos amados. Como tudo na vida aquilo que fazemos aos outros se volta contra nós mesmos, e ao retornar o ser experimenta a dor causada aos outros de forma dupla, ou seja, o ódio contido nas suas palavras e a dor que a sua vítima experimenta. Isto é o que conhecemos como karma imediato igual que a sua causa. Ao experimentar tanta dor causada por ele mesmo, o ser infernal começa o martírio de si mesmo, primeiro tirando sangue de seu próprio corpo e, nos casos extremos, tentando encontrar no suicídio uma forma de escapar deste tormento. Quando esta consciência de ódio é dirigida aos outros em forma de agressão física, o ser experimenta o conhecido como “inferno quente”. Aqui o ser já não suporta mais se relacionar com as pessoas, ele sente-se sufocado e com falta de ar, sente-se imposibilitado de descansar sequer um momento em sua vida. A sua experiência interna é de extremo afogamento. Quando esta sensação chega ao seu apogeu, ele tende para a agressão colérica através de seus ataques de raiva e ódio dirigido a tudo e a todos. Sente-se profundamente manipulado e controlado, passando a desenvolver todo tipo de fobias associadas a idéias conspiratorias, desconfiando de seus familiares e de todos os que de alguma forma querem estar perto dele para amá-lo e ajudá-lo. Esta agressão, ao se tornar constante na sua vida, o leva a experimentar um profundo cansaço e esgotamento nervoso. Por parte dos seus amigos e parentes, passa a ser desprezado e abandonado. Esta situação é sentida sempre em seu foro íntimo, passando do Inferno quente para o inferno frio. 159 No inferno quente todos os seres o afogam. Quando ele é abandonado por todos, experimenta o inferno frio. Passa então a experimentar o ódio a si mesmo e o sentimento de que ninguém mais nesta terra o ama. 2- Livre da falta de liberdade e tormentos que a sede e a fome produzem. Esta fome não é somente estarmos privados de comida e bebida, e sim estarmos vivendo numa situação de extrema insatisfação e frustração. Procurando sempre pela auto-satisfação, o ser que vive atormentado tem a nítida sensação, constantemente, de que seu tempo é curto e que necessita ter novas experiências; ele já não consegue sentir prazer naquilo que ele faz porque a própria experiência para ele é frustrante, então na sua procura compulsiva vive trocando de objetos que lhe causem algum tipo de sensação. Seguramente que esta pessoa não disporá de nenhum tempo para se dedicar a orar ou realizar algum treino espiritual significativo. Tem aqueles que tentam, porém são os que mudam constantemente de práticas e de mestre, sem ter a capacidade de insistir em determinada prática até obter algum resultado. Consomem literatura espiritual ou esotérica, porém não conseguem vivenciar os ensinamentos nelas contidas. No âmbito da nossa vida ordinária são os consumidores compulsivos que acumulam todo tipo de objetos supérfluos. Quando viajam são os que fotografam compulsivamente, porém não desfrutam das paisagens visitadas. Vivem para acumular, mas não para desfrutar. Quando esta febre de consumo é levada ao plano espiritual, são aqueles que sempre entendem a prática desde o ponto de vista da sensação que ela produz; não estão interssados na sabedoria e sim na sensação. A mentalidade que os caracteriza se reflete no dito: “tudo para mim, nada para compartilhar”. Utilizam-se das pessoas e das situações, e tratam a todos como objetos de consumo. Sugam a energia dos outros, fazendo-os se sentirem drenados e exaustos. Quanto mais você oferecer para eles, mais vão pedir. Enquanto eles estiverem morando neste 160 estado de consciência os mestres e seus ensinamentos somente representarão estátuas num altar esquecido. 3- Livre da falta de liberdade que o estado de consciência animal produz. Aqui os animais representam todos os seres que renascem neste estado de consciência, desde o mais minúsculo inseto até os maiores animais que moram nas florestas e nos oceanos. Na tradição budista acredita-se que é possível renascer neste estado, mas não tenho possibilidade de esclarecer este item nesta obra. Então, somente me dedicarei a relacionar este estado mental a um tipo de ser humano que se caracteriza pelo apego a este tipo de consciência. Uma das características deste estado de consciência está associada com a profunda crença de que a vida nos é dada para simplesmente comer, dormir e procriar. Este estado de ser nos leva a uma realidade em que as massas populares hoje estão imersas: vivem para trabalhar como escravos, e se embebedar no fim de semana. A sua vida sexual vai desde um relacionamento aborrecido no final de semana, sem amor pelo parceiro e sim para “aliviar a tensão”, até encontrarmos todo tipo de perversões que hoje aparecem na mídia pornografia, pedofilia, sadomasoquismo, etc. – A consciência animal se caracteriza pela profunda confusão. Seu entendimento e compreensão da situação em que ele se encontra é muito limitado. São manipulados pelo medo e a superstição, e comumente esses seres são utilizados para realizar ou os trabalhos pesados ou os trabalhos burocráticos, onde não há nenhuma perpesctiva de realização. Sua consciência está delimitada pela procura da satisfação imediata e egoísta, também são pacientes, persistentes e obstinados na sua busca. Porém incapazes de se submeter a uma disciplina espiritual, perambulam por este mundo como se estivessem sempre num estado de sonho. Instintivamente se aproveitam de todas as oportunidades que lhes apresentam, mas devido a sua falta absoluta de horizontes mais amplos, limitam-se a satisfazer exclusivamente a si mesmos e a viver sempre o 161 seu momento presente, sem desafios inteletuais e espiritualmente inconscientes. 4 - Livre da falta de liberdade interior que a fascinação pela satisfação dos desejos e dos prazeres sensoriais produz: Constantemente estamos sendo atraídos pelos apelos da mídia para que possamos obter todo tipo de satisfação que os prazeres mateirais podem nos oferecer. Para o Dharma de Buda, existem dois extremos que vão desde a satisfação dos prazeres sensoriais mais grosseiros até os mais espirituais, no entanto a procura pelos prazeres ofusca a nossa inteligência, nos tornando escravos da sedução e da beleza das formas observadas e experimentadas. Quem não gosta de um lugar requintado, onde as pessoas são bonitas, limpas, perfumadas, onde os talheres e os pratos são de prata e ouro? Quem não fica fascinado pela beleza dos castelos e a pompa dos reis e príncipes? Que ser humano não sacrificaria os seus sonhos mais preciosos pela promessa de desfrutar longamente de saúde, riqueza, beleza, educação de primeira linha e todo tipo de prazer? Quando Jesus fala que é mais provável que um camelo passe pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus, estava se referindo a este processo de “solidificação do ego” que a riqueza e a beleza nos proporcionam. Encontramos realmente no homem rico alguma ponta de humildade? Existe a possibilidade de ele pensar na morte e na impermanência? Impossivel, já que se pensar na impermanência de todos os fenômenos, imediatamente abandona todas as suas riquezas, procura um mestre e entra na sua eremita para se iluminar. Nas religiões sempre houve os patronos que ofereciam enormes quantidades de dinheiro para “comprar o céu” Na tradição budista acredita-se que se um patrono sustentar um meditante, os frutos deste praticante espiritual também são compartilhados pelo seu patrono. 162 O que se esquecem de falar é que isto pode funcionar quando o patrono é do mesmo sangue que o meditador. Se um empresário oferecer dinheiro para sustentar um meditante, porque assim ele não paga impostos, o único benefício que o empresário ganhará será a insensão de algum imposto. Pensar em patrocinar mosteiros e monges pode ser um ótimo negócio, mas como diria Bodhidharma, “nenhum mérito” há nisso. Por quê? Porque o patrono pensa que com esta atitude, ao doar um pouco de papel pintado ele, o doador, torna-se alguém mais poderoso do que o próprio “céu”, já que ele pode comprá-lo, pode ter acesso quando e como quiser. Dentro da psiquiatria budista isto é chamado de solidificação completa do ego. Porém Jesus nos pede que sejamos mais sinceros conosco mesmo. Ele nos diz claramente: “Nem todo aquele que me diz: ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino dos Céus”, Toda esta procura pela felicidade material pode chegar a outro extremo, muito inteligente e sofisticado: a procura pelo êxtase espiritual. O verdadeiro êxtase espiritual surge espontaneamente, e “não fabricado, não nascido, por sempre existente”. O seu fundamento é a profunda compaixão pelos seres, que surge da profunda compreensão da lei da interdependência dos fenômenos. Diz Jesus que esta experiência espiritual é “como uma rocha onde se edificou a casa”, a base da comunhão que o discípulo experimenta com o espírito de seu mestre. O discípulo compreende o que seu mestre compreende, então, quando toda procura externa e interna cessa, no mais profundo silêncio interior brota a devoção e o reconhecimento da divindade em si mesmo. Em nenhum momento este discípulo criou estratégias para viver constantemente feliz, ele não está procurando a felicidade nem material nem espiritual, ele está procurando ser um com o seu criador. E perante seu criador, toda procura pela felicidade, saúde beleza e tudo o demais cai por terra. 163 Este apego aos deleites do paraíso é uma forma muito sutil de ficarmos atados à teia da auto-ilusão. Para evitarmos esta armadilha, meu mestre Bokar Tulku Rimpoche diz: “Um dos defeitos principais que um praticante do dharma comete é pensar ‘eu sou quem pratica, de modo que eu poderei realizar tudo o que desejar através do meu treino’”. “Estaremos profundamente equivocados se pensarmos que os resultados da meditação aparecem porque nós realizamos tal ou qual esforço, desta atitude o único que conseguiremos é nada mais do que um apego maior ao nosso próprio eu e, claro, uma maior arrogância” “A forma correta de pensar sería entender que todo o nosso desenvolvimento espiritual se deve exclusivamente às bençãos dos Mestres da linhagem e das qualidades que estão incorporadas nos ensinamentos, qualidades estas que surgem da realização dos Mestres do passado.” Em termos Cristãos, teríamos que pensar que o pouco que podemos realizar se deve à profunda compaixão que Jesus deposita em seus discípulos. É pela benção de Jesus que o discípulo pode crescer. É pela força do sol que a plantinha sai da escuridao e a humidade da terra se dirige rumo à luz. Este caminhar rumo à luz se deve graças a força da luz. É e a própria luz que a “obriga” a caminhar rumo a ela. Seria muito estranho a plantinha dizer que é únicamente pelo seu próprio esforço ela se tornou uma árvore. O ser humano é assim, não olha toda a ajuda que recebe de seus familiares, amigos espirituais e de seu próprio mestre. Ele pensa que tudo o que consegue é por esforço próprio. Enquanto isto acontecer, ele não terá dado nenhum passo em direção à luz, e sim estará construindo um lindo castelo de cristal onde somente terá espelhos que falarão para ele que bonito ele é. Este é o maior problema que um discípulo pode enfrentar. Um verdadeiro praticante espiritual é alguém que deixa constantemente de lado o seu próprio benefício e a preocupação neurótica por si mesmo. 164 Amor e compaixão: Supere seu inimigo, o ódio, com a arma do amor; Proteja sua família, e todos os seres, com os meios hábeis da compaixão; Colha, do campo da devoção, a colheita da experiência e da realização. Consumindo o trabalho de sua vida, ore e vigie constantemte, recite o mantra de seis sílabas. Om Mani Peme Hung. Na procura da compaixão, a experiência do inferno Em 1988 passei por uma experiência traumática que me confinou a uma cama durante quatro meses. Esta experiência me levou ao Hospital das Clínicas, onde fui atendido como se fosse um indigente, já que além da não possuir nenhum seguro de saúde minha fé nos Budas me levou a querer experimentar o mesmo que os menos favorecidos têm de passar a vida toda. No decorrer da minha estadia no hospital, o espírito por sempre presente em cada momento de nossa vida ofereceu-me ensinamentos preciosos que somente nestes momentos de extremo sofrimento podemos encontrar. Estes ensinamentos foram-me apresentados como em atos de uma peça de teatro. Então, passarei a lhes contar assim, em atos: Primeiro ato: a dualidade. Quando os bombeiros me colocaram no pronto socorro do HC estava ao meu lado, morrendo, uma senhora idosa, sozinha, abandonada, muito golpeada pela vida, muito pobre e num silêncio profundo. Do outro lado, um playboy junto a duas meninas belíssimas, gritando muito porque iria ter de tomar uma simples injeção. Este playboy tinha saído de uma balada e, ao dirigir bêbado, bateu com a sua BMW, destruindo-a por completo. O médico, olhando a cena toda, 165 decidiu tomar uma providência perante este marmanjo arrogante e egoísta. Este médico tinha uma forma física muito pequena perante o playboy saradão. Então de repente tira de uma prateleira uma seringa enorme e mostrando-a ao playboy, falando-lhe em seguida que se ele não respeitasse o lugar e não parasse de gritar, lhe enfiaria esta segringa no seu pênis, assim ele pararia de gitar. Claro, as meninas choravam de rir, e olhando a situação toda acabaram abandonando o marmanjo, que ficou chorando como uma pobre criança abandonada. Enquanto isto, a senhora ao meu lado expirou em profunda paz. Segundo ato: a impermanência dos fenômenos. Após os exames de rotina, me levaram para a sala de rediografias e depois para a sala onde colocam os gessos quando apresentamos um quadro de múltiplas fraturas. Eu sabia que não tinha acontecido muita coisa, porém por ninguém escutar minhas queixas e sem reconhecer minha absoluta impotência, percebi que o karma estava se manifestando completamente. Então me conduziram perante uma pessoa encarregada de engessar os pacientes que me contou como um capitão da Polícia Militar, um dia antes, o tinha ofendido e um dia depois o mesmo capitão estava nas mãos dele, todo quebrado. Como diz o ditado popular, “a vingança é maligna”. Coitado do capitão. Para colocar o gesso no corpo inteiro me desnudaram e me colocaram sobre uma estrutura de ferro curvada para forçar a coluna vertebral a voltar a seu lugar. Estavam presentes meninas residentes que, perante a visão de como se engessa um ser humano, algumas coitadas começaram a sentir-se mal Enquanto todo este teatro se desenrolava eu estava pensando como é a impermanência dos fenômenos; até um dia atrás eu era um lutador de artes marciais que não levava desaforo para casa e também profundamente arrogante e dono da verdade. Hoje, um frango pelado nas mãos de uma pessoa que estava me cobrindo com gesso, segurado por quatro residentes que não suportavam a cena. 166 Terceiro ato: a noite e o desespero. Após esta pequena apresentação fui apresentado à realidade do inferno. Colocaram-me na ala dos tetraplégicos, que é uma sala cinza sem janelas, onde perto do teto tinha uma pequena clarabóia por onde entrava a luz dos raios, já que era uma noite tormentosa, com muita chuva. Além disso, como me engessaram desde a garganta até os pés e estava tudo molhado, colocaram quatro cobertores para tentar secar o gesso. O gesso não me permitia respirar e, devido às dores corporais, não conseguia mover o meu corpo. Literalmente me enterraram vivo numa sala esquecida por todos, onde tinham mais quatro pacientes. Já de madrugada apareceu um enfermeiro que, pensando que eu estava tetraplégico e que nada sentia, aplicou-me uma injeção igual a que se destina aos animais, com a idéia de que iria me relaxar. Bem, na realidade, não consegui dormir. Um paciente gritou a noite inteira proferindo alaridos dilascerantes. Neste momento o que realmente me acalmou foi poder – às vezes – rezar por ele. Esta situação durou cinco dias. Nesse tempo, constantemente vinham à minha mente as imagens de todos os erros cometidos em minha vida e a compreensão do sofrimento que causei a todos os que de alguma forma eu tinha de amar. Quando no cristianismo se fala do juízo final e que os mortos se levantarão dos seus túmulos para serem julgados, penso que é este momento pelo qual todos nós passamos, seja antes de morrermos ou numa situação como esta. O final dos tempos é o final de nosso tempo de vida. Os mortos tomando vida são todas as lembranças que nos fazem reviver cada instante em toda a sua plenitude. Os atos, palavras e sentimentos errados que causaram muito sofrimento. O Juiz é o nosso próprio espírito que nos mostra, sem sombra de dúvida, nossa culpa. Na tradição budista é ensinado que o Buda Aksobya mostra-se-nos com um espelho onde podemos observar todos os nossos atos, e perante esta visão ou aceitamos as nossas culpas ou fugimos apavorados procurando 167 refúgio. Aqui o nosso renascimento nos estados inferiores já está acontecendo. Isto também acontece a cada dia, a cada lembrança, quando não queremos assumir a responsabilidade dos nossos atos. Aksobya sempre nos apresenta perante o espelho de nossa consciência a visão justa dos acontecimentos, porém em nosso auto-engano permanente, sempre jogamos as nossas culpas aos outros e fugimos apavorados por não suportar a visão clara e desimpedida de nossa própria corrupção. Atordoamos-nos, nos esquecemos dos erros cometidos, para depois errar novamente. Quando temos que acertar as nossas dívidas, nos sentimos as vitimas, já que como esquecemos, pensamos que tudo foi resolvido. Porém a nossa vítima não esquece e os senhores do karma também não. O único estúpido que esquece é o criminoso. Quando a justiça chega para ele, chora, fica triste sentindo-se esquecido por Deus. Então, caro leitor, aproveite este momento em que você está lendo estas palavras e peça desde o mais fundo de seu coração por perdão, não espere a morte tocar na sua porta. Peça perdão a Deus e a todos os seres que sendo Deus você desrespeitou; mantenha sua consciência limpa que tudo de bom vai lhe acontecer em sua vida. Mas não se esqueça de ser sincero em seu coração! O quarto ato: a vergonha de si mesmo e a humildade dos outros. Então, que aconteceu? Nestes cinco dias as enfermeiras vinham e traziam alguma coisa para eu comer, porém devido ao trauma não conseguia engolir, e também não conseguia evacuar. Quando as enfermeiras falaram sobre minha situação para o médico de plantão ele ordenou à enfermeira - uma graça de pessoa muito humilde – que me fosse administrado duas enemas. Bem, o desastre que aconteceu depois não é bom contar aqui neste livro. Quando esta enfermeira viu o desastre, se apavorou. Depois, abnegadamente, voltou com outras para me limpar. Que lição de humildade. Ela sempre me enconrajando e falando sobre o baixíssimo 168 salário, sobre as condições miseráveis que tinha que viver, porém, ao mesmo tempo, que nobreza de caráter. Nesses momentos de nossa vida, quando necessitamos de alguém, verdadeiramente os únicos que estão por perto sempre são os mais humildes. Como diria Dom Elder Câmara, “com Deus no meio do povo”. São os mais humildes que todos os dias limpam e consolam os doentes. O quinto ato: O carinho e a falta de compreensão. O tempo ia passando e os médicos descobriram que eu não estava tetraplégico, mas antes de me mudarem de sala, dois atos num curto espaço de tempo aconteceram que me mostraram a origem da agressividade humana. Ao meu lado tinha uma cama onde tinha um pedreiro. Ele havia caído de uma laje e tinha afetado profundamente a cervical. O coitado estava com dores muito fortes nos rins, e nenhuma injeção podia acalmar a sua dor, então foi ficando cada minuto mais e mais tenso, e começou a gritar e chamar o médico desesperadamente. As enfermeiras vieram e ficaram apavoradas, então chamaram o médico que era muitíssimo calmo e bondoso. A cena foi tão forte que após vinte e dois anos, aqui escrevendo sobre ela, lembro-me de cada detalhe. O coitado pediu ao médico mais uma injeção, ao que o mesmo lhe comentou que de nada adiantaria, já que tinha lhe aplicado a dose mais alta e poderia lhe causar mais problemas. O pedreiro, com a cervical a ponto de se quebrar e a cabeça pendendo para um lado, estava tão desesperado que se ergueu de seu leito e esbofeteou o médico violentamente. O doutor, por sua vez, fitou-lhe com um sorriso nos lábios e um olhar de profunda compaixão. Que cena. O desespero absoluto nos leva a realizar coisas tão estranhas e apavorantes como essa. Por esse motivo entendo Jesus falando: “perdoa-os, eles não sabem o que fazem”. Nunca foi tão claro este ensinamento de Jesus para mim. Depois de passados uma hora, apareceu para “me acompanhar” uma exaluna. Ao olhá-la comecei a chorar compulsivamente. Penso que nesse momento pude relaxar, e como as dores físicas e as emocionais eram 169 difíceis de suportar, chorei. Ao me olhar chorando ela ficou “horrorizada”, me questionando como era possível eu chorar perante ela. Levantou-se e foi embora. Interessante o ser humano, não é? Depois veio um senhor, muito calmo e suave, que me perguntou: “Você está barbudo, não quer que faça a barba para você?”. Quando lhe falei que sim, de forma cerimonial começou a fazer a barba. Suas mãos erão suaves e á agua estava morna; ele não falava, porém seu cuidado naquilo que estava fazendo me lembrou uma frase do Bhagavad Gita ou o “canto do Senhor” – livro místico hindu – onde fala: “que o sábio cumpra o seu trabalho da melhor forma possível por mais insignificante que ele seja”. Neste momento entendi como os seres espirituais estão em todos os lados, levando conforto e compaixão para todos os seres, em todo momento e em todo lugar. Último ato: O ministro de eucaristia No primeiro mês de hospital as dores corporais eram tão intensas que não pude me mexer; além disso, tinha de respirar bem suavemente para não sentir dor. Nunca os ensinamentos dos mestres de meditação foram tão importantes para mim. Relaxar não era para ter alucinações ou passar para estados de consciência exaltados, e sim para poder sobreviver. Enquanto estava neste processo de meditação na respiração, enquanto me esquecia de mim mesmo e me concentrava na respiração profunda, porém bem suave, as dores desapareciam. Era so me desconcentrar para tudo voltar a ser como antes e, novamente, cair na depressão. Num certo momento veio me visitar um ministro de eucaristia. Ainda não sei bem o que é ser ministro de eucaristia. Ele começou a rezar junto a meu leito, já que sabia que eu não podia me mover. Ele me perguntou se eu acreditava em Jesus. Falei-lhe que sim, porém que devido ao meu destino meu caminho era o Dharma de Buda. Ele falou: “Neste momento de tua vida, que importância tem isto?”. Esta pergunta me ajudou a relaxar profundamente, já que me auxiliou a transpassar qualquer tipo de sectarismo ou preferência. 170 Engraçado, perante a minha pessoa tinha um ministro de eucaristia, não um monge budista. Neste momento a graça divina inspirou este ministro para ajudar a este ex-galo de briga convertido em um mísero pintinho molhado para que pudesse observar que o espírito não necessita de igrejas nem de seguidores fanáticos. Este ministro me ensinou que perante o Espirito o único que existe é um outro espírito, e a ajuda vem direto de espírito a espírito. Ele começou a rezar e num certo momento aplicou suas mãos na minha cabeça. Uma energia fortíssima percorreu todo o meu corpo tirando todas as minhas dores de forma instantânea. Depois me olhou e falou: “Agora já estás curado. Deixa o tempo cumprir seu papel, então depois você vai se levantar e realizar o trabalho. Vá e cumpre teu destino”. Aqui estou escrevendo para vocês, com algumas dores corporais e muito agradecimento a estes seres que tanto me ajudaram. Todo dia rezo pelo bem estar deles. Então aconteceu um questionamento: o que é realmente a compaixão? Como desenvolver a compaixão por todos os seres? Adormeci realizando esta pergunta. Foi então que sonhei com a Pieta: eu estava num templo e olhando para o alto vi A Divina Mãe. Ela me chamou e pela Sua Graça comecei a levitar e chegar perto Dela. Estava rodeada de nuvens, porém o céu era profundamente brilhante e cálido ao mesmo tempo. O seu amor incomensurável preenchia todo o seu entorno. Olhou para mim e para o seu filho que estava carregando no seu colo, assim como na figura acima; a sua dor calada que surge da profunda compaixão pelos seres. Ela mostrou-me o seu fruto, o mais abençoado de todos. O mistério feito carne, que veio até nós para ajudar-nos a sair do inferno construído pela nossa própria miséria espiritual. Nós, seres escuros, lhes devolvemos a Encarnação da Suprema Compaixão, o seu filho dilacerado pelas nossas piores iniqüidades, quebrado, torturado e morto. 171 Claro que podemos falar que Jesus não morreu e todo bla bla bla de eruditos que questionam tudo, porém nada sabem. Na verdade, eu queria comprender o mistério da compaixão. O que é este sentimento divino de que tanto se fala nas duas tradições, e lá estava a Mãe me olhando e mostrando o sofrimento que permeia todas as mães do mundo, humanas e não humanas também. Vocês sabiam que quando uma mãe elefante perde seu filho, ela enlouquece de dor? Eu tive uma cachorra pastora que outra cachorra lhe matou em menos de cinco minutos seis filhotes. A cachorra corria desesperada, depois adoeceu de tristeza e logo morreu. A divina Mãe me mostrou o sofrimento que todas as mães do mundo sentem ao morrer o seu filho amado. Também emanando a sua sabedoria, me mostrou o sacrifício do filho que se entrega calmamente ao seu algoz, para ser torturado de todas as formas possíveis, seja física, mental e emocionalmente. Ele se entregou assim como o fazem todos os inocentes da terra, que são esmagados pela soberba e o ódio dos poderosos, que com teorias absurdas decidem entre um wyske quantos devem morrer amanhã. Por este motivo Jesus fala: “o que vocês fazem ao mais pequenino vocês fazem a mim”. Num simples sonho, me mostrou o sofrimento de todos os que padecem neste mundo, e ao mesmo tempo a profunda compreensão que surge da compaixão incomensurável. Depois deste sonho consegui suportar melhor os tempos que estavam por vir. Como treinar a compaixão Dilgo Kyentse Rimpoche diz: “Supere seu inimigo, o ódio, com a arma do amor; 172 Proteja sua família, os seres dos seis reinos, com os meios hábeis da compaixão; Colha, do campo da devoção, a colheita da experiência e da realização. Consumindo o trabalho de sua vida, recite o mantra de seis sílabas” (ou reze um terço com sua prece preferida”. De acordo com os valores comuns, superar seus inimigos, proteger sua família e ficar rico e próspero são o que constituem uma vida satisfatória e bem elevada. Mas como praticantes espirituais, devemos tentar superar nossa agressão ao invés de nossos inimigos, tomar cuidado de nossa própria experiência espiritual para proteger toda a família humana, e investir mais no amor e na bondade ao invés de na prosperidade material. Diz-se que não há mal maior que o ódio e que não há virtude maior que a paciência. Um ataque simples de raiva faz o coração humano sofrer tanto que é muito difícil depois que alguém perdoe completamente a você. A raiva é como acender um pequeno fogo dentro de um bosque de pinheiros que tem mil anos; um pouco de fogo pode destruir mil anos de esforço. Então o mais importante é treinar de forma enérgica a paciência que a tudo suporta e que não quer revidar. Não há modo melhor de lidar com os inimigos que sentir grande amor por eles, mentalizar que em vidas anteriores eles foram seus amáveis pais. Não há modo melhor de nutrir sua família e de cuidar dos outros que a nossa prática de Dharma e que dedicar a todos os seres o mérito assim obtido. Não há colheita melhor ou mais generosa que aquela que você plantou no solo de sua fé e se esforçar de modo que ela amadureça na riqueza do mérito e da sabedoria. Ter um bom coração significa estar pensando continuamente sobre o quão maravilhoso seria se as pessoas pudessem estar livres de seu sofrimento e desfrutando felicidade. Também significa desenvolver tanto as palavras quanto as ações para tentar realmente fazer isso acontecer. 173 Há inumeráveis seres vagando neste mundo, correndo desesperadamente atrás de seus negócios e das ilusões que eles mesmos engendram. Completamente perdidos vão de um lugar para o outro machucando-se constantemente. Como eles quebram todas as regras morais e éticas, acumulam sem saber causas de muito sofrimento para si mesmo e para os seus. Quantas vezes já escutamos ou presenciamos filhos que matam os pais ou filhos de antigos inimigos familiares. Quantas vezes prescenciamos brigas familiares por causas mesquinhas, onde devido à arrogância ninguém pede desculpa e o ódio entre irmãos se acumula durante anos? Pensando que todos eles são os nossos irmãos, você precisa ajudá-los. Mas como? Mesmo que você pudesse suprir todos eles com dinheiro e conforto, isso traria apenas um incompleto e curto repouso de seu sofrimento. Além disso, já vi uma família cujo filho conseguiu muito dinheiro e ofereceu para seus irmãos. Este dinheiro, que não tinha sido ganho honestamente, foi a causa deles se degenerarem mais ainda e, por causa disso, perderam todo o pouco que tinham conseguido. Agora todos estão trabalhando como operários. Então reflita profundamente: de todos os modos possíveis de ajudá-los, não poderia haver um presente mais benéfico que o presente do seu próprio treino espiritual. Você treina para libertar a si mesmo e a todos eles. Este presente não é momentâneo e sim para esta vida e toda a eternidade. Quanto maior for o número de seres que você incluir em suas intenções, maior será o mérito. Se tudo o que você fizer for para aspirar a realização do bem-estar presente e a felicidade absoluta de todos os seres, seguindo o exemplo dos Seres Compassivos, então isso poderá verdadeiramente ser chamado de "consumar o trabalho de sua vida". O significado essencial de uma vida espiritual é a certeza de que sua vida e a de todos os seres não passam de um sonho. 174 A raiz de todos os sofrimentos está em pensar que somos eternos e que os objetos que possuímos são reais, que nunca teremos de abandoná-los. Uma vez que você realiza a sabedoria de que sua vida é como um sonho, estará livre do apego neurótico aos brinquedos da vida, da fama, da honra etc, etc. Estará mais livre para desfrutar a própria vida e ao mesmo tempo seu estado melhorará consideravelmente. Repousar nesta situação será de grande ajuda a todos aqueles que necessitam se libertar da frustração e da depressão. Você terá algo verdadeiro na sua mão para lhes oferecer, será procurado por todos, terá amigos em todos os lados e será protegido tanto por eles quanto pelos seres espirituais. Sem este entendimento, ir para a igreja rezar ou a um templo budista para meditar será somente um teatro e um auto-engano. Mantendo este jeito de ser, ele se converterá num poderoso obstáculo que trará muito sofrimento a vocês e aos seus. Seu apego às coisas deste mundo aumentará, e com este apego as emoções aflitivas terão mais poder. A riqueza e a influência social quando não estão dirigidas para o bem estar dos outros, são essencialmente metas vazias. Mantenha um modo de vida perfeito, devotado inteiramente à prática. Não tenha mais apego a esta vida do que a um cadáver. A vida é precária, uma bolha que pode estourar a qualquer momento — não há como ter certeza do que virá primeiro, o amanhã ou a morte. De fato, a cada vez que você respira realmente não há uma certeza de que você inspirará de novo. Pense em realizar pequenos atos bondosos, e elimine os pequenos pensamentos negativos. Lembre-se de que os pensamentos negativos em si mesmos não têm força. A força surge de dentro de você mesmo, pelo poder de sua atenção. Então preste muita atenção às pequenas coisas já que o acúmulo da energia transformadora radica neles. Não pense que qualquer pequeno ato é insignificante apenas porque é muito pequeno, pois a menor ação negativa pode desencadear uma série 175 devastadora de conseqüências, do mesmo modo que uma única pequena faísca pode pôr fogo e uma floresta inteira. Opostamente, assim como uma pequena goteira de água rapidamente preenche um grande jarro, quando uma pequena ação positiva é adicionada a muitas outras, o efeito acumulado logo se torna substancial. Conscientizando-se de suas falhas deste modo e se arrependendo delas sinceramente, decida eliminar de agora em diante os pensamentos e atos negativos; e ao mesmo tempo dedique o mérito de suas ações positivas a todos os seres, resolvendo desenvolver mais e mais compaixão. Através deste processo de estado desperto constante e de avaliação crítica de suas ações, elas gradualmente se tornarão mais e mais positivas. Se persistirmos o suficiente, podemos aprender a fazer tudo. Um homem rico veio ver o Senhor Buda. Sofrendo de grande avareza, ele era incapaz de dar até mesmo a menor coisa. Para acostumá-lo à generosidade, o Buda ensinou-o a considerar sua mão direita como ele mesmo e sua mão esquerda como alguma outra pessoa, e a pensar que ele estava dando presentes enquanto passava pequenos objetos de uma mão para outra. Quando o avarento tinha vagarosamente se acostumado à idéia de dar deste modo, o Senhor Buda pediu-lhe que desse pequenos presentes, como uma fruta, um grão e coisas assim, à sua esposa e aos seus filhos. Então o Buda pediu-lhe para fazer caridade, primeiro aos seus vizinhos mais pobres e então aos outros mais distantes. Eventualmente, ele se tornou capaz de dar toda a sua riqueza, roupas e comida aos pobres de toda a província, e nesse ponto o Buda disse que ele tinha atingido a verdadeira generosidade. O mesmo tipo de treinamento pode ser aplicado para desenvolver ou eliminar qualquer pensamento positivo ou negativo. 176 Para ver a verdade você tem que ficar cego ao mundo: O Saulo que está em nós nós deve acordar! Naqueles dias, Saulo só respirava ameaças e morte contra os discípulos do Senhor. Ele apresentou-se ao sumo sacerdote e pediu-lhe cartas de recomendação para as sinagogas de Damasco, a fim de levar presos para Jerusalém homens e mulheres que encontrasse seguindo o Caminho. Durante a viagem, quando já estava perto de Damasco, Saulo, de repente, viu-se cercado por uma luz que vinha do céu. Caindo por terra, ele ouviu uma voz que lhe dizia: "Saulo, Saulo, por que me persegues?" Saulo perguntou: "Quem és tu, Senhor?" A voz respondeu: “Eu sou Jesus, a quem tu estás perseguindo”. Agora, levanta-te, entra na cidade e lá te será dito o que deves fazer".Os homens que acompanhavam Saulo ficaram mudos de espanto, porque ouviam a voz, mas não viam ninguém. Saulo levantou-se do chão e abriu os olhos, mas não conseguia ver nada. Então, pegaram nele pela mão e levaram-no para Damasco. Saulo ficou três dias sem poder ver. E não comeu nem bebeu. Em Damasco, havia um discípulo chamado Ananias. O Senhor o chamou numa visão: "Ananias!" E Ananias respondeu: "Aqui estou, Senhor!" O Senhor lhe disse: "Levanta-te, vai à rua que se chama Direita e procura, na casa de Judas, por um homem de Tarso chamado Saulo. Ele está rezando". E, numa visão, Saulo contemplou um homem chamado Ananias, entrando e impondo-lhe as mãos para que recuperasse a vista. Ananias respondeu: "Senhor, já ouvi muitos falarem desse homem e do mal que fez aos teus fiéis que estão em Jerusalém. E aqui em Damasco ele tem plenos poderes, recebidos dos sumos sacerdotes, para prender todos os que invocam o teu nome". Mas o Senhor disse a Ananias: 'Vai, porque esse homem é um instrumento que escolhi para anunciar o meu nome aos pagãos, aos reis e ao povo de Israel. Eu vou mostrar-lhe quanto ele deve sofrer por minha causa". Então Ananias saiu, entrou na casa e impôs as mãos sobre Saulo, dizendo: "Saulo, meu irmão, o Senhor Jesus, que te apareceu quando 177 vinhas no caminho, ele me mandou aqui para que tu recuperes a vista e fiques cheio do Espírito Santo". lmediatamente caíram dos olhos de Saulo como que escamas e ele recuperou a vista. Em seguida, Saulo levantou-se e foi batizado. Tendo tomado alimento, sentiu-se reconfortado. Saulo passou alguns dias com os discípulos de Damasco e logo começou a pregar nas sinagogas, afirmando que Jesus é o Filho de Deus Atos - At 9, 1-20 – Esta passagem da conversão de Saulo mostra a profunda transformação interna a qual devemos nos submeter se realmente queremos viver uma vida consagrada ao espírito. Saulo aparentemente perseguia os cristãos; se ele fazia isso mesmo ou não, não é aqui que vamos descobrir. O mais importante é o que devemos aprender com estes ensinamentos. A situação apresentada reflete-se em nossa vida a cada vez que nos tornamos intolerantes com os que pensam ou entendem as escrituras de uma forma diferente da nossa. Não nego aqui a necessidade que há de procurar estudar e comprender os escritos originais nos seus idiomas ou dialetos originais. Também é de conhecimento geral que houve estudiosos primitivos que em seu desejo de manipular os povos tornaram-se obscurantistas. Porém hoje em dia estamos vivendo uma subversão dos valores éticos e morais que está levando a humanidade à rua sem saída do desespero e descrença completa da via mística. Hoje, em nome da democracia ou da liberalidade, cada pessoa sem conhecimento algum pode abrir uma “igreja” num galpão, e se souber gritar desesperadamente com um pouco de oratória já começa o longo caminho de arrecadar “fiéis” e, como diria alguém muito popular nos Brasil, transformar o “templo em dinheiro”. O ponto fundamental desta passagem bíblica é que assim como Saulo, os “pseudo-líderes” ou representantes das mais variadas igrejas e templos budistas autotitulam-se os donos da verdade, começando a perseguir até os seus próprios irmãos de fé que discordam deles. 178 No Jardim do Dharma em São Paulo, foram construídas 10 Estupas (templos relicários) como uma oferenda ao desenvolvimento do Budismo no Brasil e para que todos os budistas pudessem visitá-las. Todo budista conhece – ao menos em teoria – o poder espiritual que uma estupa carrega e, em especial, quando é consagrada pelos Mestres como o M.V. Bokar Tulku Rimpoche e Mingyur Rimpoche. Porém até hoje, passados mais de quatorze anos, os únicos que visitaram e se beneficiaram destas estupas foram os alunos da Sociedade Brasileira de Tai Chi Chuan, quando vêm nos fins de semana para treinar meditação e tai chi. Quando budistas vieram visitar o Jardim do Dharma e o idealizador do projeto se ofereceu graciosamente para ajudá-los a construir uma estupa em seus centros, deixaram-no de lado e criticaram-no pelo seu empreendimento. Buda e Jesus nos oferecem o ensinamento de que os irmãos espirituais deveriam se assistir em tudo o que for necessário. Somente vi isto num momento em que, participando de um Seshin com o Mestre Ryotan Tokuda, escutamos pelo rádio que um arcebispo católico aqui no Brasil tinha sofrido um acidente de carro. Imediatamente Mestre Tokuda nos incentivou a fazer orações e dedicar todos os méritos para a pronta recuperação deste irmão do Dharma. Temos de entender que apesar de treinarmos disciplinas diferentes, somos todos irmãos no espírito e nos ajudar mutuamente não pode ser uma obrigação, e sim uma oferenda advinda de nosso coração. No entanto se o nosso coração não estiver modificado pela devoção e a compreensão da unidade essencial do espírito, a única coisa que poderemos oferecer ao mundo é incompreensão, fanatismo e morte. S. Santidade o Dalai Lama certa vez falou a este respeito. Ele disse: “Por minha própria experiência, aprendi que o método mais eficaz para superar os conflitos é o contato estreito e o intercâmbio entre os que têm crenças diferentes, não somente em um nível inteletual, mas através de experiências espirituais profundas. Ai está um método poderoso para desenvolver a compreensão e o respeito mútuos. É no curso de um intercâmbio que se pode estabelecer uma base sólida para 179 construir uma verdadeira harmonia” Jean –Yves Leloup. A Montanha No Oceano. Ed.Vozes 2002 Hoje em dia a situação entre os centros budistas aqui no Brasil é por demais alarmante. Os líderes dos centros não estimulam seus seguidores a refletirem sobre os ensinamentos de Buda. Eles o oferecem completamente reinterpretado pela sua própria personalidade. Mudam as preces em tibetano para o português sem perceber que ao fazer isto se perdem todas as bênçãos contidas na língua sacra. Então a mudança interna no coração do aluno não acontece. Sobre este parecer, Bokar Tulku Rimpoche e Kalu Rimpoche ensinam: “O corpo vasto e profundo dos ensinamentos oferecidos pelo Buda é a última fonte de benefício e felicidade para todos os seres. A maioria dos ensinamentos de Buda dos três Veículos (Três Yanas) está preservada no idioma tibetano. Para que estes ensinamentos sejam bem estabelecidos e completamente assimilados pelo mudo todo, as pessoas do Ocidente e outras partes do mundo têm de treinar o idioma tibetano. Porque isto significa que eles poderão traduzir completa e precisamente todos os textos, lhes facilitando o acesso direto ao Dharma”. Também: “Os Tantras em forma de textos são extremamente difíceis de compreender, porque as palavras que eles usam, acobertam vários níveis de compreensão”. “Uma expressão literal pode às vezes ser revelada como um erro completo”. “Diz-se que os tantras têm 10 níveis de interpretação reunidos em dois grupos: 6 possibilidades e 4 modos. 6 possibilidades 1) significado pedagógico. 2) significado definitivo. 3) com intenção. 4) sem intenção. 180 5) numa língua conhecida. 6) numa língua desconhecida. 4 Modos 1) significado comum. 2) significado oculto. 3) significado literal. 4) significado definitivo” Sem entrar em detalhes, pelo aqui exposto, torna-se compreensível que qualquer linguagem Ocidental, por mais elaborada que seja, não é suficiente para abranger e expressar todos os significados que estão contidos na língua mãe. Especialmente na linguagem contida numa Sadana. Interpretar os textos das Sadanas, dos Sutras ou Tantras utilizando alguma língua Ocidental é muito arriscado e demonstra muita arrogância, disfarçada de falso patriotismo. O Mui Venerável Kalu Rimpoche dizia: “Conhecer o tibetano é extremamente importante porque isto nos permite entender os textos de prática e os comentários tibetanos tradicionais”. “Para que Dharma seja entendido corretamente no Oeste, deve haver ocidentais que estejam dispostos para dominar o tibetano. Quando a totalidade da terminologia do Dharma for traduzida adequadamente em Ocidente, não haverá nenhuma necessidade de estudar o tibetano. Mas por agora, qualquer um que deseja estudar o Dharma profundamente, necessita estudar o Tibetano.” “Se você estuda de forma diligente em pouco tempo colherá grande benefício”. Manual de língua tibetana: Editora do Jardim do Dharma 2005 Saulo vê uma luz que o ofusca e ele cai por terra. Cair por terra é eliminar toda a nossa arrogância e a causa da arrogância. Saulo acreditava, em sua ignorância, que estava realizando um bom trabalho, 181 que sua verdade era a única, e este era o motivo que ele possuía na sua mente para perseguir seus irmãos. Hoje ninguém mata – bem, até onde sabemos –, porém a exclusão de um centro ou de outro porque não segue as diretrizes de algum mestre é cometer o mesmo erro. O tempo transcorre e estes falsos líderes também caem por terra. O ponto aqui é que depois voltam a sua vida medíocre e sem sentido, após terem enganado muitas pessoas, roubado um pouco de dinheiro dos seus ex-alunos e nada mais. Saulo fica cego para tudo aquilo que ele era ou pensava que era, fica cego perante a descoberta de Jesus e de seu poder espiritual. Meu mestre Bokar Tulku sempre nos falava que infelizmente o homem somente olha a superfície das coisas para depois simplesmente reinterpretar as mesmas à luz de sua própria neurose. Na tradição budista encontramos alguém parecido com Saulo. Trata-se de um monge e discípulo de Buda cujo nome era Anuruda. Ele, durante um sermão de Buda, dormiu sem querer, cochilou. O Buda lhe chamou a atenção e Anuruda ficou profundamente envergonhado. Hoje tenho umas alunas que quando estou oferecendo ensinamentos imediatamente começam a dormir. Depois me oferecem uma desculpa furada e seguem dormindo, até em pé! - karma ruim para mim e para elas. Continuando com Anuruda, ele fez um voto de nunca mais dormir. Meditava constantemente dia a noite de olhos abertos. Isto lhe causou uma cegueira completa e irreversível. Porèm, à medida que ele ia se desenvolvendo nos estágios da meditação seus olhos foram se abrindo. Na tradição Budista acredita-se que podemos desenvolver cinco tipos de visão: O primeiro é o olhar da carne, que nos possibilita enxergar o mundo das formas; O segundo é o olho físico que nos possibilita o aprendizado de tudo o que nos rodeia; O terceiro olhar é o da sabedoria que nos eleva através dos ensinamentos filosóficos dos grandes mestres de humanidade e nos permite enxergar o mundo invisível; 182 O quarto olhar é o olho do céu, que nos permite compreender profundamente o Dharma e, por último, temos o Olho de Buda. Bem, assim como Saulo, Anuruda teve de passar vergonha, pela admoestação de Buda. Já Saulo caiu por terra quando escutou a voz de Jesus admoestando-o por aquilo que ele fazia. Depois de experimentar o profundo arrependimento, Saulo fica três dias sem enxergar e sem se alimentar. É interessante encontrar que nas tradições chinesas e tibetanas, a descoberta de nossa ignorância fundamental nos obriga a cair na terra, nos curvar. E quando sofremos o processo de transformação interna o discípulo não deve se alimentar nem beber durantes três dias. Também estes três dias têm uma relação íntima com a purificação dos três venenos da nossa mente - ódio, ignorância e cólera - e é por causa disto que ao entrar num templo budista, ao nos lembrar-nos do compromisso de superar estes três venenos, fazemos três prosternações, ou seja, “caímos por terra” por três vezes. Invocando a presença do espírito Estou incluindo este texto para que lendo-o com o nosso coração possamos colher todo o benefício possível. Se o leitor, enquanto lê este texto, puder pensar profundamente em Jesus, então estou seguro de que Jesus o escutará assim como todos os Santos e Arcanjos que protegem os ensinamentos místicos. Realizei algumas mudanças literárias básicas tirando o contexto cultural tibetano, porém sem mudar seu conteúdo. Espero que seja de alguma ajuda. A súplica “Chamando o Guru à distância”, conhecida como “Aquela que faz nascer uma aspiração e Intensificando a Devoção em Nossos Corações Por Jamgon Köngtrul Lödro Thaye 183 Jamgon Kongtrul Lodro Thaye foi uma das estrelas mais brilhantes na constelação de eruditos e mestres iluminados do Tibete, a terra da neve. Profetizado pelo Buda, ele foi o mais importante no movimento Rime (não sectário) de Budismo no Tibet. Ele nasceu em 14 de dezembro de 1813, em Sonamphel e Tashitso em frente ao Monte Pema Lhatse, um dos oito lugares sagrados em Kham (leste do Tibete). Lodro Thaye tornou-se um conhecedor das 10 linhas de conhecimento comum e extraordinário, e ficou responsável por explicar e escrever textos, os quais associavam um grande número de ensinamentos, tanto das novas como das antigas tradições, incluindo as linhagens da tradição oral pela palavra, os termas (tesouros escondidos) e os ensinamentos de visão pura. Encontramos tudo isto na grande obra de Lodro Thaye: "Cinco Tesouros do Conhecimento". Como um segundo Buda, ele serviu a todas as tradições do Dharma sem nenhum desvio através de seus ensinamentos, prática, e atividades. Aos oitenta e sete anos, em 19 de janeiro de 1899, ele faleceu. Este texto serve para todo praticante místico que quer fazer brotar de dentro de si a mais pura devoção pelo seu mestre. Pode ser que ele ainda não o tenha encontrado, porém assim como Saulo, persistindo é fato de que em algum momento da história de sua própria vida o discípulo e o mestre irão se encontrar, já que este é o compromisso que todo ser iluminado toma para si, o de encontrar e guiar seus discípulos até a emancipação final. Me prosto diante dos Gurus e Mestres Espirituais Esta prática de chamar os Mestres à distância é muito conhecida nas regiões dos Himalaias, e a chave para a invocação de bênçãos é a devoção, que é despertada pela tristeza ao observar este mundo com todo o seu sofrimento e pela renúncia aos comportamentos que nos fazem sofrer e aos outros. Não se trata aqui de nada trivial, mas de algo nascido no centro dos nossos corações, no cerne dos nossos ossos. Com convicção decidida de que não há outro Ser espiritual maior do que o nosso Mestre, recite cotidianamente este poema. 184 Que pena! Os seres sencientes, malfeitores com comportamento negativo, assim como eu, têm vagado pelo samsara (a roda da eterna frustração) desde o tempo sem início. Mesmo agora, experimentamos um sofrimento sem fim. E, ainda assim, não se deu nem um único instante de remorso Mestre pense em mim; olhe para mim velozmente, com compaixão. Conceda suas bênçãos para que eu possa despertar a renúncia (a este vale de dor) no fundo do meu ser. Embora tenha conseguido um nascimento humano livre e bem-favorecido, Desperdicei-o em vão. Sou constantemente distraído pelas atividades desta vida fútil. Incapaz de alcançar o grande objetivo da liberação, dominado pela preguiça, Volto de mãos vazias de uma terra repleta de jóias. Mestre pense em mim; olhe para mim velozmente com compaixão. Conceda suas bênçãos para que eu preencha o propósito do nascimento humano. Não existe ninguém no mundo que não vá morrer. Mesmo agora, seres estão morrendo, um após o outro. Eu também morrerei muito em breve. Mas, como um idiota, preparo-me para viver uma vida longa Mestre pense em mim; olhe para mim velozmente com compaixão. Conceda suas bênçãos para que eu aborte meus planos sem valor. Terei que me separar dos meus amigos e dos meus amores. A riqueza e o alimento que acumulei com avareza ficarão para os outros. Até mesmo este corpo, que tanto prezo, será deixado para trás. Mestre pense em mim; olhe para mim velozmente com compaixão. Conceda suas bênçãos para que eu me dê conta da futilidade da vida. A negra escuridão do medo me acompanha. O vento vermelho-intenso das emoções aflitivas me persegue. Os mensageiros assustadores da morte batem em mim e me acossam. Assim, experimento o sofrimento insuportável dos sentimentos inferiores. 185 Mestre pense em mim; olhe para mim velozmente com compaixão. Conceda suas bênçãos para que eu possa libertar-me dos abismos dos sentimentos inferiores. Meus erros são tão grandes quanto uma montanha, mas escondo-os dentro de mim. Os erros dos outros são tão pequenos quanto uma semente de gergelim, mas eu os proclamo e condeno. Orgulho-me das minhas virtudes, embora não possua nem mesmo umas poucas. Chamo a mim mesmo de praticante espiritual e pratico apenas tudo o que contradiz o caminho espiritual. Mestre pense em mim; olhe para mim velozmente com compaixão. Conceda suas bênçãos para que eu dome meu egoísmo e orgulho. Escondo o demônio da arrogância dentro de mim, o qual irá arruinar-me permanentemente. Todos os meus pensamentos são a causa da perpetuação dos erros. Todas as minhas ações têm resultados nãovirtuosos. Nem sequer me aproximei do caminho da liberação. Mestre pense em mim; olhe para mim velozmente com compaixão. Conceda-me suas bênçãos para que eu desenraize meu egoísmo. Basta um pequeno elogio ou acusação para me deixar feliz ou infeliz. Uma mera palavra áspera me faz perder a armadura da paciência. Mesmo quando vejo seres desamparados, a compaixão não se manifesta. Quando pessoas necessitadas procuram por mim, sinto-me preso por um nó de avareza. Mestre pense em mim; olhe para mim velozmente com compaixão. Conceda suas bênçãos para que a minha mente se misture com o caminho espiritual. Agarro-me desesperadamente a todo o fútil. Luto por comida e vestimenta, abandono completamente objetivos permanentes. Embora tenha tudo que preciso, desejo constantemente mais e mais. Minha mente está obliterada por coisas insubstanciais e ilusórias. Mestre pense em mim; olhe para mim velozmente com compaixão. 186 Conceda suas bênçãos para que eu não me apegue a esta vida. Não consigo suportar nem mesmo a mais leve dor mental ou física. Mas sou tão teimoso que não sinto medo de cair nos estados mais inferiores de existência. Embora veja com clareza a infalível relação de causa e efeito, Ainda assim não ajo com virtude, mas perpetuo o mal. Mestre pense em mim; olhe por mim velozmente com compaixão. Conceda suas bênçãos para que a convicção na justiça divina se manifeste em mim. Sinto ódio por meus inimigos e apego por meus amigos. Vivo cego na escuridão quanto ao que adotar e o que rejeitar. Ao praticar o caminho espiritual caio sob a influência do pensamento discursivo, do desleixo e do sono. Ao agir contrariamente ao caminho espiritual, sinto-me alerta e meus sentidos ficam aguçados. Mestre pense em mim; olhe para mim velozmente com compaixão. Conceda suas bênçãos para que eu conquiste meus inimigos, as emoções negativas. Minha aparência é a de um autêntico praticante do Dharma, Mas em meu interior minha mente não está misturada ao Dharma. Como uma cobra peçonhenta, as emoções mais venenosas se escondem dentro de mim. Quando encontro más circunstâncias, minhas faltas ocultas de mau praticante são reveladas. Mestre pense em mim; olhe para mim velozmente com compaixão. Conceda suas bênçãos para que eu possa domar minha própria mente. Não me dou conta das minhas próprias faltas. Mantenho a aparência de um praticante enquanto me envolvo em várias atividades alheias ao Dharma. Devido as emoções negativas, estou naturalmente acostumado a ações não-virtuosas. Por várias e várias vezes dou nascimento a uma mente de virtude, mas pelo mesmo número de vezes ela termina por desmoronar. Mestre pense em mim; olhe por mim velozmente com compaixão. Conceda suas bênçãos para que eu possa enxergar minhas próprias faltas. A cada dia que passa, a morte está cada vez mais perto. 187 A cada dia que passa, meu ser está cada vez mais endurecido. Embora atenda ao meu mestre, minha devoção gradualmente se obscurece. O amor, a afeição e a perspectiva sagrada em relação aos meus companheiros espirituais constantemente diminuem mais e mais. Mestre pense em mim; olhe para mim velozmente com compaixão. Conceda suas bênçãos para que eu dome a minha natureza teimosa. Me refugiei no caminho espiritual e na ordem mística, despertei em mim a mente compassiva e fiz súplicas, Mas a devoção e a compaixão não se encontram no fundo do meu coração. Reproduzo com palavras as práticas espirituais, mas elas se tornam rotineiras e não me sinto tocado por elas. Mestre pense em mim; olhe para mim velozmente com compaixão. Conceda suas bênçãos para que eu possa me tornar uno com o caminho espiritual. Todo sofrimento vem de desejar a felicidade para si mesmo. Embora seja dito que o estado espiritual é alcançado pela consideração ao bem-estar dos outros, desperto a suprema mente compassiva, mas prezo secretamente o egoísmo. Não apenas não beneficio os outros, como descuidadamente causo-lhes a dor. Mestre pense em mim; olhe para mim velozmente com compaixão. Conceda suas bênçãos para que eu possa trocar de lugar com os outros. O Mestre é o próprio Ser Iluminado em pessoa, mas o encaro como um homem comum. Esqueço-me da sua bondade ao dar instruções profundas. Quando ele não faz o que desejo, perco o ânimo. Suas ações e comportamento são manchadas por minhas dúvidas e descrença. Mestre pense em mim; olhe para mim velozmente com compaixão. Conceda suas bênçãos para que a devoção sem obscurecimentos possa aumentar. Meu próprio espírito é o Mestre Espiritual, mas nunca me dou conta disso. Os pensamentos discursivos têm a natureza da mente do Mestre Espiritual, mas nunca me dou conta disso. Este é o estado inato, não-fabricado, mas não consigo manter-me nele. O estado de 188 naturalidade é como as coisas realmente são, mas não mantenho essa convicção. Mestre pense em mim; olhe para mim velozmente com compaixão. Conceda suas bênçãos para que minha mente seja espontaneamente liberada. A vinda da morte é certa, mas sou incapaz de convencer-me disso. O Ensinamento sagrado traz verdadeiros benefícios, mas sou incapaz de praticá-lo corretamente. Os frutos do mau comportamento são, sem dúvida, verdadeiros. Mas não discrimino corretamente o que adotar ou rejeitar. A atenção plena e o estado desperto são certamente necessários, mas, por não estabilizá-los, sou arrastado pelas distrações. Mestre pense em mim; olhe para mim velozmente com compaixão. Conceda suas bênçãos para que eu mantenha a atenção plena, sem distrações. Devido às minhas ações negativas pregressas, nasci no final desta era da escuridão. Tudo o que fiz anteriormente me trouxe sofrimento. Por causa de maus amigos, estou coberto pela sombra de ações negativas. Minha prática espiritual foi posta de lado, em favor da minha fala sem sentido. Mestre pense em mim; olhe para mim velozmente com compaixão. Conceda suas bênçãos para tornar-me capaz de perseverar na prática. No começo, não tinha nenhum outro pensamento que não fosse o ensinamento espiritual. Mas no final, o que alcancei será a causa de renascer nos estados mais inferiores da existência. A colheita da liberdade é destruída por uma geada não-virtuosa. Pessoas teimosas como eu só conseguem más conseqüências. Mestre pense em mim; olhe para mim velozmente com compaixão. Conceda suas bênçãos para que eu realize completamente o Espírito sagrado. Conceda suas bênçãos para que eu dê nascimento à profunda tristeza. Conceda suas bênçãos para que meus planos sem valor sejam abortados. Conceda suas bênçãos para que eu me convença da certeza da morte. 189 Conceda suas bênçãos para que a convicção da justiça divina desperte em mim. Conceda suas bênçãos para que o caminho seja livre de obstáculos. Conceda suas bênçãos para que eu me torne capaz de praticar até a exaustão. Conceda suas bênçãos para que as circunstâncias não-auspiciosas sejam trazidas para o caminho. Conceda suas bênçãos para que eu aplique meus antídotos continuamente. Conceda suas bênçãos para que a devoção genuína nasça em mim. Conceda suas bênçãos para que eu possa vislumbrar o estado natural do espírito. Conceda suas bênçãos para que a visão interior desperte em meu coração. Conceda suas bênçãos para que eu arranque a confusão pela raiz. Conceda suas bênçãos para que eu alcance o estado Iluminado numa só vida. Divino Mestre suplico a você. Bondoso senhor do Dharma, grito por você com anelo. Sou uma pessoa sem valor, sem ninguém com quem contar, a não ser você. Conceda suas bênçãos para que minha mente se misture de forma inseparável com a sua. 190 Buda diz: “A vitória engendra o ódio, porque o vencido sofre. Aquele que vive em paz é feliz, pois não sonha com vitória nem derrota. É pela benevolência que se deve vencer a cólera; É pelo bem que se deve vencer o mal. Deve-se vencer o avarento pela liberalidade, e o mentiroso pela verdade”. 191 Lama Karma Zopa Norbu Prof.Roque Enrique Severino Diretor Fundador da Sociedade Brasileira de Tai Chi Chuan e Cultura Oriental. Diretor Fundador da Kagyu Dag Shang Choling - Jardim do Dharma, Nasce em Buenos Aires na Rep.Argentina, Com a idade de 6 anos iniciou seus estudos sobre o Budismo com sua professora primária, incentivado pelo seus próprios pais. Aos 13 anos junto aos seus estudos primários comuns iniciou estudos de Tai Chi Chuan da linhagem da Família Yang e I Ching com o professor Ma Tsun Kuen, adido comercial da embaixada chinesa em Bs.As. . Continuou seus estudos de filosofia oriental antiga, na Faculdade de ensino Livre "San Francisco de Assis" especializandose na cultura chinesa antiga, o Budismo Chinês e o I Ching. Em 1975 Inicia seu treinamento Budista na escola japonesa Soto Senshu na Argentina continuando no Brasil sob os cuidados do Mestre Ryotan Tokuda Em 1978 Aos 24 anos mudou-se para São Paulo Brasil fundando a Sociedade Brasileira de Tai Chi Chuan e Cultura Oriental. Em 1980 adquire as terras que serão utilizadas para construir as instalações da Kagyu Dag Shang Choling – Jardim do Dharma – Estas terras foram consagradas pelo Monge Tendai Dokan Yanashigawa em 1990 novamente pelo Geshe Gelupa Lobsang Jamiang e posteriormente pelo V.Lama Trinle Drubpa – Bokar Rimpoche e Mingyur Rimpoche Viagens de Estudo e Meditação 1988, República Ocidental da China - onde realizou seu primeiro retiro de meditação com duração de 45 dias no mosteiro da tradição Chan – Tem Tão Tão Yuan 1988, China Continental - estudo do tai chi chuan tradiconal 1990, Estados Unidos de América - encontro com o Grão mestres Yang Zendhuo bisneto do criador do estilo de tai chi chuan Yang Yang Lu Chan 1998, 2000, Espanha - centro de retiros Dag Shang Choling - huesca – Lama Drubgyu Tempa 1988, 1990 Mosteiro de Será Me em Maysore – Karnataka India, 1993, 1995, 1997, 1998, 1999, 2000, 2001, 2004, 2005, 2006 Bodhigaya e Mosteiros de Salugara, Sonada Mirik W.B. Índia – Seminários sobre o Maha Mudra oferecidos pelo M. V. Bokar Tulku Rimpoche e cerimônias 192 relacionadas a passagem do M.V.Bokar Tulku 2002, 2005,2006 China Realizando peregrinações as montanhas Wu Tai Shan . Patrocinou a vinda ao Brasil de Mestres Budistas como: Ryotan Tokuda (Japão) Zen soto senshu Dokan Yanashigawa (Japão) Tendai Shu Seung Sahn (Coréia) Zen Rinzai Yukio Ponce (Japão) Shingon Shua Lobsang Jamiang (Tibete) Mosteiro Será Me Trinle Drubpa (Tibete) Dag Shang Kagyu Bokar Tulku Rimpoche (Tibete) Dag Shang Kagyu Kempo Jampa Donnyo (Tibete) Dag Shang Kagyu Yang Zhenduo (China) Yang Jun (China) Lama Yonten (França) Dag Shang Kagyu Kempo Osel Gyurme ( nepal) Nigma Tradicion M. V. Mingyur Rimpoche Monografias Premiadas pela Sociedade de Cultura Japonesa: 1981 Bushido: "O código de honra do Samurai" 1982 Haiku: "Poema Japonês" Livros e artigos de sua autoria: 1983 Revista Planeta Especial de Artes Marciais - Editora Três 1984 Revista Planeta Especial de Zen Budismo - Editora Três 1985 Tai Chi Chuan para uma vida longa e saudáve l- Editora Ícone 1987 O Espírito das Artes Marciais - Editora Ícone 1994 O I Ching: uma abordagem psicológica e espiritual - Editora Ícone 2008 DVD “Chuva de Bênçãos” 2009 I Ching o Livro da Sabedoria – uma abordagem budista 2009 O Espírito das Artes Marciais – filosofia e mística (edição revisada e amplida) Realizou sob a orientação do Ven Lama Trinle Drubpa no ano de 1996 em regime de retiro fechado durante um ano e meio retiro Karma Kamsang , onde realizou o Nongdro". Sua casa de retiro foi consagrada pelo Venerável Bokar Tulku Rimpoche, Kempo Donnyo Rimpoche e outros Lamas presentes. E aprendeu as pujas e treino das Sadanas da Linhagem . Isto foi registrada pelos Próprios Lamas Trinle, Bokar Rimpoche e Kempo Donnyo na sua visita realizada ao nosso Centro em 1996, por ocasião da consagração da Primeira Grande Estupa Dharmakaya da América Latina, construída em nosso centro. Desde o ano 1995, na procura pelo entendimento claro e profundo dos 193 ensinamerntos sobre o Mahamudra, acompanhou ao seu Mestre M.V. Bokar T.Rimpoche realizando varias vezes os retiros de Mahamudra nivel I II e III. Recebeu de mãos do M.V.Bokar Rimpoche a Iniciação e o treinamento da Sadana de Milarepa, realizando retiro fechado de 6 meses. E instruções sobre o treino das Tara Verde onde também realizou retiro fechado de 6 meses No ano de 2002 viaja ao Mosteiro de Bokar Tulku Rimpoche na india para receber o ciclo completo de iniciações Shangpa Kagyu oferecido pelo M.V. Yangsi Kalu Rimpoche, Bokar Tulku Rimpoche e todos seus lamas. Em 2003/ 2004 2 2004 recebe do Lama Yontem em sua residência ensinamentos sobre o treino do Drub Tab de Mahakala Chagdrugpa Yidam que vem treinando desde 1993 No ano de 2004 recebe das mãos do Mui Venerável Khenpo Lodro Donyod Rinpoche no mosteiro em Mirik o manto (Zen) de Naljorpa assim como as reliquias que foram inseridas nas 8 estupas consagradas em 2007. Em 2005 viaja junto com sua esposa Profa. Maria Angela Soci a Questa New Mexico U.S.A para realizar o seminario de Mahamudra nivel I e II junto ao M.V. Myngyur Rimpoche. Em 2006 e 2007 Recebe em São Paulo novamente os ensinamentos do seminario de Mahamudra nivel I e II junto ao M.V. Myngyur Rimpoche. No Centro de Retiros do Jardim do Dharma, realiza Junto com o Ven.Lopon Osel Gyurme, discipulo do M.V. Dilgo Kyentse Rimpoche, dois retiros fechados de acumulação de mantras nas Cinco Divindades 1 de 30 dias e outro de 15 dias concluindo os mesmos com o recebimento dos Votos do Bodhisatwa que tambem tinha recebido em 2002 de seu Mestre Bokar Tulku Rrimpoche. Em 2005 constrói 8 estupas de 7 metros de altura em memória do M.V.Bokar Tulku Rimpoche Em junho de 2007 participa das cerimonias de consagração das 8 Estupas realizadas pelo M.V. Mingyur Rimpoche Em 4 de Agosto de 2008, foi recebido, junto aos os seus alunos, em Dharamsala (Índia) por S.S. XVII Karmapa Orgyen Trinle Dorje. Nesta ocasião, entrega a Sua Santidade, um álbum com fotos além de 194 DVDs contendo o histórico do Jardim do Dharma e a construção das 8 Stupas. Participa depois com seus alunos das cerimônias de saída do tradicional retiro de 3 anos do M.V.Yangsi Kalu Rimpoche. Apos as cerimônias e de ter realizado suas entrevistas com Kempo Donyo Rimpoche e Kalu Rimpoche, visita o Mosteiro de Dudjom Rimpoche em Kalingpon (Índia), onde recebe instruções sobre as cinco Divindades do Lopom Yamiang. Em Agosto de 2009, por indicação de S.S.Karmapa, encontra-se, juntamente com sua esposa, Profa. Maria Angela, com o M.V. Kyabje Tenga Rimpoche, momento em que recebe as iniciações de Dorje Phurpa, os ensinamentos sobre "A União do Mahamudra e do Dzogchen", composto pelo Grão Mestre Karma Chagme. Recebe também a Iniciação das cinco Divindades (Demchok Lha nga) do Oitavo Karmapa Mikyö Dorje, assim como as instruções particulares sobre o desenvolvimento da meditação referente a esta iniciação. Neste momento, recebe também a Ordenação Nagpa, na presença dos diretores do Centro Benchen Puntsog Ling entre outros. 195
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