Evangelho segundo S. Mateus 14,1-12.

Transcrição

Evangelho segundo S. Mateus 14,1-12.
Evangelho segundo S. Mateus 14,1-12. – cf.par. Mc 6,14-29; Lc 9,7-9; 3,19-20
Por aquele tempo, a fama de Jesus chegou aos ouvidos de Herodes, o tetrarca, e ele disse aos
seus cortesãos: «Esse homem é João Baptista! Ressuscitou dos mortos e, por isso, se
manifestam nele tais poderes miraculosos.» De facto, Herodes tinha prendido João, algemarao e metera-o na prisão, por causa de Herodíade, mulher de seu irmão Filipe. Porque João
dizia-lhe: «Não te é lícito possuí-la.» Quisera mesmo dar-lhe a morte, mas teve medo do
povo, que o considerava um profeta. Ora, quando Herodes festejou o seu aniversário, a filha
de Herodíade dançou perante os convidados e agradou a Herodes, pelo que ele se
comprometeu, sob juramento, a dar lhe o que ela lhe pedisse. Induzida pela mãe, respondeu:
«Dá-me, aqui num prato, a cabeça de João Baptista.» O rei ficou triste, mas, devido ao
juramento e aos convidados, ordenou que lha trouxessem e mandou decapitar João Baptista na
prisão. Trouxeram, num prato, a cabeça de João e deram-na à jovem, que a levou à sua mãe.
Os discípulos de João vieram buscar o corpo e sepultaram-no; depois, foram dar a notícia a
Jesus.
São Pedro Damião (1007-1072), eremita e depois bispo, doutor da Igreja
Sermões 24-25
Precursor pela sua vida e pela sua morte
Precursor de Cristo, foi-o João pelo seu nascimento, pela sua pregação, pelo seu baptismo e
pela sua morte. Seremos capazes de encontrar alguma virtude, algum género de santidade, que
o Precursor não tenha possuído no mais elevado grau? Qual dos santos eremitas impôs jamais
a si próprio a regra de se alimentar apenas de mel silvestre ou deste alimento incomestível:
gafanhotos! Alguns renunciam ao mundo e fogem aos homens para viverem santamente, mas
João não passava de uma criança […] quando se afundou no deserto e escolheu
decididamente habitar na solidão. Renunciou a suceder ao pai no cargo de sacerdote, a fim de
poder anunciar com toda a liberdade o verdadeiro e soberano Sacerdote. Os profetas
predisseram antecipadamente a vinda do Salvador, os apóstolos e os outros mestres da Igreja
atestam que esta vinda teve efectivamente lugar, mas João mostra-O presente no meio dos
homens. Foram muitos os que preservaram a sua virgindade, não tendo manchado a brancura
da sua veste (cf. Ap 14, 4), mas João renuncia por completo às companhias humanas a fim de
arrancar a cobiça da carne pela raiz e, cheio de fervor espiritual, habita entre os animais
selvagens.
João preside igualmente ao coro escarlate dos mártires, como mestre de todos eles: combateu
valorosamente pela verdade e por ela morreu. Tornou-se assim chefe de todos quantos
combatem por Cristo e, como primeiro de todos, foi plantar no céu o estandarte triunfal do
martírio.
Beato Guerric d'Igny (c. 1080-1157), abade cisterciense
3º Sermão sobre João Baptista
A grandeza de João Baptista
O que dá grandiosidade a João, aquilo que o fez grande entre os grandes, foi o facto de ele ter
levado ao extremo as suas virtudes [...], a estas acrescentando a maior de todas, a humildade.
Enquanto todos o consideravam o mais importante de todos, ele, espontaneamente e com o
desvelo do amor, colocou acima de si Aquele que é o mais humilde de todos, e de tal maneira
O colocou acima de si que se declarou indigno de lhe descalçar as sandálias (Mt 3,11).
Que os homens se maravilhem por João ter sido predito pelos profetas, por ter sido anunciado
por um anjo [...], por ter nascido de pais tão santos e nobres, ainda que idosos e estéreis [...],
por ter preparado o caminho ao Redentor no deserto, por ter feito voltar o coração dos pais a
seus filhos e os dos filhos a seus pais (Lc 1, 17), por ter sido julgado digno de baptizar o
Filho, por ouvir o Pai, por ver o Espírito Santo em forma corpórea (Lc 3,22), por, enfim, ter
lutado até à morte pela verdade e por, para ser o percursor de Cristo até à morada dos mortos,
ter sido mártir de Cristo antes da Paixão. Que todos se maravilhem com isto [...]
Quanto a nós, irmãos, é a sua humildade que nos é proposta como objecto não só de
admiração, mas também de imitação. Ela incitou-o a não se fazer passar por grande, quando o
podia ter feito [...] De facto, este fiel «amigo do Esposo» (Jo 3,29), que amava o seu Senhor
mais do que a si próprio, desejava ele próprio «diminuir» para que Ele pudesse «crescer»
(v.30). Esforçava-se por tornar maior a glória de Cristo fazendo-se a si próprio mais pequeno,
exprimindo assim em toda a sua conduta aquilo que diria o apóstolo Paulo: «Pois não nos
pregamos a nós próprios, mas a Cristo Jesus, o Senhor» (2 Cor 4,5).
S. João Crisóstomo (c. 345-407), bispo de Antioquia, depois de Constantinopla, doutor da
Igreja.
Homilias sobre S. Mateus, nº 48
A morte de João Baptista
"Dá-me aqui,num prato, a cabeça de João Baptista". E Deus permitiu-o, não lançou o raio do
alto dos céus para devorar aquele rosto insolente; não ordenou à terra que se abrisse e
engolisse os convivas daquele horroroso banquete. Deus dava assim a mais bela coroa ao
justo e deixava uma magnífica consolação aos que, no futuro, viesem a ser vítimas de
semelhantes injustiças. Escutemo-lo, pois, todos nós que, apesar da nossa vida honesta, temos
de suportar os malvados... O maior dos filhos nascidos de mulher (Lc 7,28) foi levado à morte
pelo pedido de uma jovem impudica, de uma mulher perdida; e isso por ter defendido as leis
divinas. Que estas considerações nos façam suportar corajosamente os nossos próprios
sofrimentos...
Mas repara no tom moderado do evangelista que, na medida do possível, procura
circunstâncias atenuantes para este crime. A propósito de Herodes, ele nota que agiu "por
causa do seu juramento e dos convivas" e que "ficou entristecido"; a propósito da jovem, nota
que tinha sido "induzida pela mãe"... Também nós, não odiemos os malvados, não
critiquemos as faltas do próximo, escondamo-las tão discretamente quanto possível;
acolhamos a caridade na nossa alma. Porque, acerca desta mulher impudica e sanguinária, o
evangelista falou com toda a moderação possível... Tu, porém, não hesitas em tratar o teu
próximo com malvadez... Toda a diferença está na maneira de agir dos santos: ele choram
pelos pecadores, em vez de os amaldiçoarem. Façamos como eles; choremos por Herodíades e
pelos que a imitam. Porque vemos hoje muitos banquetes do género do de Herodes; não se
condena à morte o Precursor mas destroem-se os membros de Cristo...
Evangelho segundo S. Mateus 14,13-21. – cf.par. Mc 6,31-44; Lc 9,10-17; Jo 6,1-13
Tendo ouvido isto, Jesus retirou-se dali sozinho num barco, para um lugar deserto; mas o
povo, quando soube, seguiu-o a pé, desde as cidades. Ao desembarcar, Jesus viu uma grande
multidão e, cheio de misericórdia para com ela, curou os seus enfermos. Ao entardecer, os
discípulos aproximaram-se dele e disseram-lhe: «Este sítio é deserto e a hora já vai avançada.
Manda embora a multidão, para que possa ir às aldeias comprar alimento.» Mas Jesus disselhes: «Não é preciso que eles vão; dai-lhes vós mesmos de comer.» Responderam: «Não
temos aqui senão cinco pães e dois peixes.» «Trazei-mos cá» disse Ele. E, depois de ordenar à
multidão que se sentasse na relva, tomou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos ao
céu e pronunciou a bênção; partiu, depois, os pães e deu os aos discípulos, e estes
distribuíram-nos pela multidão. Todos comeram e ficaram saciados; e, com o que sobejou,
encheram doze cestos. Ora, os que comeram eram uns cinco mil homens, sem contar mulheres
e crianças.
Beata Teresa de Calcutá (1910-1997), fundadora das Irmãs Missionárias da Caridade
Não há maior amor
"Partiu os pães, deu-os aos discípulos e os discípulos deram-nos à multidão"
Simplicidade da nossa vida contemplativa: ela faz-nos ver o rosto de Deus em cada coisa, em
cada ser, em toda a parte e sempre! E a sua mão, presente em cada acontecimento, faz-nos
tudo realizar - a meditação e o estudo, o trabalho e a partilha, comer e dormir - em Jesus, com
Jesus, por Jesus e à imagem de Jesus sob o olhar amoroso do Pai, enquanto estivermos
dispostos a recebê-lo sob qualquer forma que ele revista.
Fico maravilhada pelo facto de que, antes de comentar a Palavra de Deus, antes de anunciar as
Bem-Aventuranças às multidões, Jesus, enchendo-se de compaixão para com elas, as tenha
curado e alimentado. E só depois lhes começou a dar o seu ensinamento.
Ama Jesus com generosidade, ama-o com confiança, sem olhares para trás de ti, sem
apreensão. Dá-te inteiramente a Jesus. Ele tomar-te-á como instrumento para realizar
maravilhas com a condição de que estejas infinitamente mais consciente do seu amor do que
da tua fraqueza. Acredita n ele, entrega-te nas suas mãos num ímpeto de confiança cega e
absoluta, porque ele é Jesus. Acredita que Jesus, e só Jesus, é a vida; aprende que a santidade
não é senão esse mesmo Jesus vivendo intimamente em ti; então ele será livre para fazer o que
quiser contigo.
S. Beda Venerável
« Eu vou conduzi-la ao deserto e aí lhe falarei ao coração.» (Os 2, l6)
Mateus dá mais explicações (que Marcos) sobre o modo como Jesus teve piedade da
multidão, quando diz: «Ele teve piedade e curou os enfermos». Porque ter compaixão dos
pobres e daqueles que não têm pastor, é precisamente abrir-lhes o caminho da verdade,
instruindo-os, é fazer desaparecer as suas enfermidades físicas, cuidando-as, mas é também
alimentá-los quando têm fome e, assim, encorajá-los a louvar a generosidade de Deus. Foi o
que Jesus fez…
Mas Ele pôs também à prova a fé da multidão, e tendo-a provado, deu-lhe uma recompensa
proporcionada. Efectivamente, Ele procurou um lugar isolado, para ver se as pessoas teriam o
desejo de O seguir. E elas seguiram-n’O. Eles tomaram, com toda a pressa, o caminho do
deserto, não sobre burros ou veículos, mas a pé, e assim mostraram, através deste esforço
pessoal, o grande cuidado que tinham com a sua salvação.
Por seu lado, Jesus acolheu esta gente fatigada. Como Salvador e médico cheio de poder e de
bondade, instruiu os ignorantes, curou os doentes e alimentou os famintos, manifestando,
assim, quanta alegria Lhe dá o amor dos que crêem.
Pregador do Papa comenta piquenique mais feliz da história
A passagem evangélica da liturgia do domingo
CIDADE DO VATICANO, quinta-feira, 31 de julho de 2008 (ZENIT.org).- Publicamos o
comentário do Pe. Reniero Cantalamessa, OFM Cap, pregador da casa Pontifícia, sobre a
liturgia do próximo domingo.
XVIII Domingo do Tempo Comum
Isaías 55, 1-3; Romanos 8,35.37-30; Mateus 14, 13-21
Todos comeram e ficaram saciados
Um dia, Jesus havia se retirado a um lugar solitário, às margens do Mar da Galiléia. Mas
quando ia desembarcar, encontrou uma grande multidão que o esperava. «Sentiu compaixão
deles e curou seus doentes.» Falou do Reino de Deus para eles. Pois bem, enquanto isso,
escureceu. Os apóstolos lhe sugeriram que despedisse a multidão, para que pudessem
encontrar algo para que comer nos povoados próximos. Mas Jesus os deixou atônitos,
dizendo-lhes em voz alta, para que todos escutassem: «Dai-lhes vós mesmos de comer». «Não
temos aqui mais que cinco pães e dois peixes», respondem-lhe, desconcertados. Jesus pede
que os tragam. Convida todos a se sentarem. Toma os cinco pães e os dois peixes, reza,
agradece ao Pai, depois ordena que distribuam tudo à multidão. «Todos comeram e ficaram
saciados, e dos pedaços que sobraram, recolheram doze cestos cheios». Eram cerca de 5 mil
homens, sem contar mulheres e crianças, diz o Evangelho. Foi o piquenique mais feliz da
história do mundo!
O que este evangelho nos diz? Em primeiro lugar, que Jesus se preocupa e «sente compaixão»
do homem completo, corpo e alma. Às almas Ele dá a palavra, aos corpos, a cura e o
alimento. Alguém poderia dizer: «Então, por que Ele não faz isso também hoje? Por que não
multiplica o pão entre tantos milhões de famintos que existem na terra?». O evangelho da
multiplicação dos pães oferece um detalhe que pode nos ajudar a encontrar a resposta. Jesus
não estalou os dedos para que aparecesse, como mágica, pão e peixe para todos. Ele
perguntou o que eles tinham; convidou a compartilhar o pouco que tinham: 5 pães e 2 peixes.
Hoje Ele faz a mesma coisa. Pede que compartilhemos os recursos da terra. Sabemos
perfeitamente que, pelo menos do ponto de vista alimentar, nossa terra seria capaz de dar de
comer a bilhões de pessoas a mais do que as que existem hoje. Mas como podemos acusar
Deus de não dar pão suficiente para todos, quando cada dia destruímos milhões de toneladas
de alimentos que chamamos de «excedentes» para que não diminuam os preços? Melhor
distribuição, maior solidariedade e capacidade para compartilhar: a solução está aqui.
Eu sei, não é tão fácil. Existe a mania dos armamentos, há governantes irresponsáveis que
contribuem para manter muitas populações na fome. Mas uma parte da responsabilidade recai
também nos países ricos. Nós somos agora essa pessoa anônima (um menino, segundo um dos
evangelistas) que tem 5 pães e 2 peixes; mas nós os temos muito bem guardados e temos
cuidado para não entregá-los, por medo de que eles sejam distribuídos entre todos.
A forma como se descreve a multiplicação dos pães e dos peixes («elevando os olhos ao céu,
pronunciou a bênção e, partindo os pães, deu-os aos discípulos e estes à multidão») sempre
recordou a multiplicação desse outro pão que é o Corpo de Cristo. Por este motivo, as
representações mais antigas da Eucaristia nos mostram um cesto com 5 pães e, ao lado, 2
peixes, como o mosaico em Tabga, na palestina, na igreja construída no lugar da
multiplicação dos pães, ou na famosa pintura das catacumbas de Priscila em Roma.
No fundo, o que estamos fazendo neste momento também é uma multiplicação dos pães: o
pão da palavra de Deus. Eu parti o pão da palavra e a internet multiplicou minhas palavras, de
forma que mais de 5 mil homens, também neste momento, se alimentaram e ficaram saciados.
Resta uma tarefa: recolher «os pedaços que sobraram», fazer a Palavra chegar também a quem
não participou do banquete. Converter-se em «repetidores» e testemunhas da mensagem.
[Tradução; Aline Banchieri]
Pregador do Papa: Também hoje se podem multiplicar os pães
Padre Raniero Cantalamessa comenta as leituras do próximo domingo
ROMA, sexta-feira, 29 de julho de 2005 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do padre
Raniero Cantalamessa OFM Cap --pregador da Casa Pontifícia-- às leituras do próximo
domingo (Is 55,1-3; Sal 144,8-18; Rm 8,35.37-39; Mt 14, 13-21).
***
Mateus (14,13-21)
Tendo ouvido isto, Jesus retirou-se dali sozinho num barco, para um lugar deserto; mas o
povo, quando soube, seguiu-o a pé, desde as cidades. Ao desembarcar, Jesus viu uma grande
multidão e, cheio de misericórdia para com ela, curou os seus enfermos. Ao entardecer, os
discípulos aproximaram-se dele e disseram-lhe: «Este sítio é deserto e a hora já vai avançada.
Manda embora a multidão, para que possa ir às aldeias comprar alimento.» Mas Jesus disselhes: «Não é preciso que eles vão; dai-lhes vós mesmos de comer.» Responderam: «Não
temos aqui senão cinco pães e dois peixes.» «Trazei-mos cá» disse Ele. E, depois de ordenar à
multidão que se sentasse na relva, tomou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos ao
céu e pronunciou a bênção; partiu, depois, os pães e deu os aos discípulos, e estes
distribuíram-nos pela multidão. Todos comeram e ficaram saciados; e, com o que sobejou,
encheram doze cestos. Ora, os que comeram eram uns cinco mil homens, sem contar mulheres
e crianças.
Papa Bento XVI
Sacramentum caritatis, 88 (trad. DC n° 2377, p. 339 © copyright Libreria Editrice Vaticana)
"Dai-lhes vós mesmos de comer"
« O pão que Eu hei-de dar é a minha carne que Eu darei pela vida do mundo » (Jo 6, 51). Com
estas palavras, o Senhor revela o verdadeiro significado do dom da sua vida por todos os
homens; as mesmas mostram-nos também a compaixão íntima que Ele sente por cada pessoa.
Na realidade, os Evangelhos transmitem-nos muitas vezes os sentimentos de Jesus para com
as pessoas, especialmente doentes e pecadores (Mt 20, 34; Mc 6, 34; Lc 19, 41). Ele exprime,
através dum sentimento profundamente humano, a intenção salvífica de Deus que deseja que
todo o homem alcance a verdadeira vida. Cada celebração eucarística actualiza
sacramentalmente a doação que Jesus fez da sua própria vida na cruz por nós e pelo mundo
inteiro. Ao mesmo tempo, na Eucaristia, Jesus faz de nós testemunhas da compaixão de Deus
por cada irmão e irmã; nasce assim, à volta do mistério eucarístico, o serviço da caridade para
com o próximo, que « consiste precisamente no facto de eu amar, em Deus e com Deus, a
pessoa que não me agrada ou que nem conheço sequer.
Isto só é possível realizar-se a partir do encontro íntimo com Deus, um encontro que se tornou
comunhão de vontade, chegando mesmo a tocar o sentimento. Então aprendo a ver aquela
pessoa já não somente com os meus olhos e sentimentos, mas segundo a perspectiva de Jesus
Cristo ».(240) Desta forma, nas pessoas que contacto, reconheço irmãs e irmãos, pelos quais o
Senhor deu a sua vida amando-os « até ao fim » (Jo 13, 1).
Por conseguinte, as nossas comunidades, quando celebram a Eucaristia, devem
consciencializar-se cada vez mais de que o sacrifício de Jesus é por todos; e, assim, a
Eucaristia impele todo o que acredita n'Ele a fazer-se « pão repartido » para os outros e,
consequentemente, a empenhar-se por um mundo mais justo e fraterno. Como sucedeu na
multiplicação dos pães e dos peixes, temos de reconhecer que Cristo continua, ainda hoje,
exortando os seus discípulos a empenharem-se pessoalmente: « Dai-lhes vós de comer » (Mt
14, 16). Na verdade, a vocação de cada um de nós consiste em ser, unido a Jesus, pão
repartido para a vida do mundo.
Naquele tempo, Jesus disse a seus discípulos: «Não tem por que irem embora; dai-lhes vós de
comer». Disseram eles: «Não temos aqui mais que cinco pães e dois peixes». Ele disse:
«Trazei-os aqui». E ordenou ao povo reclinar-se sobre a relva; tomou logo os cinco pães e os
dois peixes, e, levantando os olhos ao céu, pronunciou a benção e, partindo os pães, deu-os
aos discípulos e os discípulos ao povo. Comeram todos e se saciaram, e recolheram dos
pedaços que restaram doze cestos cheios. E os que haviam comido eram uns cinco mil
homens, sem contar mulheres e crianças.
Todos foram saciados
Um dia Jesus se retira para um lugar solitário, no mar da Galiléia. Mas quando vai
desembarcar, encontra-se com uma grande multidão que o espera. Ele «sentiu compaixão
deles e curou os enfermos». Fala-lhes do reino de Deus. Mas, entretanto, tarda. Os apóstolos
sugerem despedir a multidão, para que procure comida nos povos próximos. Mas Jesus os
deixa estupefatos, dizendo, de forma que todos ouçam: «Dai-lhes vós de comer!». E os
discípulos respondem desconcertados: «Não temos mais que cinco pães e dois peixes!». Jesus
ordena que tragam a ele. Convida todos a sentar-se. Toma os cinco pães e os dois peixes, ora,
dá graças ao Pai, depois ordena distribuir tudo à multidão.
«Todos comeram e se saciaram, e recolheram dos pedaços que restaram doze cestos cheios».
São cinco mil homens, sem contar, diz o Evangelho, as mulheres e as crianças. É o
piquenique mais gozoso na história do mundo! O que nos ensina esta passagem do
Evangelho? Primeiro, que Jesus se preocupa e «sente compaixão» de todo o homem, corpo e
alma. Às almas Jesus distribui a Palavra, aos corpos a cura e o alimento. Surge, portanto,
objetar: Por que não o faz também hoje? Por que não multiplica o pão para tantos milhões de
famintos que há na terra?
O Evangelho da multiplicação dos pães contém um detalhe que nos pode ajudar a encontrar a
resposta. Jesus não estalou simplesmente os dedos e fez aparecer como por arte de magia pães
e peixes a vontade. Perguntou a seus discípulos o que tinham; convidou a compartilhar o
pouco que tinham: cinco pães e dois peixes.
O mesmo faz hoje. Pede que ponhamos em comum os recursos da terra. É sabido que, ao
menos desde o ponto de vista alimentar, nossa terra seria capaz de manter mais bilhões de
seres humanos que os atuais. Mas como podemos acusar a Deus de não proporcionar pão
suficiente para todos, quando a cada ano destruímos milhões de toneladas de provisões
alimentares, que chamamos «excedentes», para não baixar os preços? Necessita-se de uma
melhor distribuição, uma maior solidariedade e compartilhar. A solução está aí.
Sei: não é tão simples. Existe a mania dos armamentos, há governantes irresponsáveis que
contribuem a manter muitas populações na fome. Mas uma parte de responsabilidade cai
também nos países ricos. Nós somos agora aquela pessoa anônima (um jovem, segundo um
dos evangelistas) que tem cinco pães e dois peixes; só que os mantemos e guardamos para não
entregar para que sejam divididos entre todos.
Pelo modo em que está descrita («tomou os cinco pães e os dois peixes, e levantando os olhos
ao céu, pronunciou a benção e, partindo os pães, os deu aos discípulos»), a multiplicação dos
pães e dos peixes fez sempre pensar na multiplicação desse outro pão que é o corpo de Cristo.
Por isso, as mais antigas representações da Eucaristia nos mostram um cesto com cinco pães
e, ao lado, dois peixes, como o mosaico descoberto em Tabga, na Palestina, na igreja erigida
no lugar da multiplicação dos pães, ou no afresco das catacumbas de Priscila.
No fundo, também o que estamos fazendo neste momento é uma multiplicação dos pães: o
pão da palavra de Deus. Eu parti o pão da palavra e a imprensa multiplicou minhas palavras,
de modo que mais de cinco mil homens, também desta vez, comeram e se saciaram. Fica uma
tarefa: «recolher os pedaços que restam», fazer chegar a palavra igualmente a quem não
participou do banquete. Fazer-se «repetidores» e testemunhos da mensagem.
[Original publicado por «Famiglia Cristiana». Traduzido por Zenit]
ZP05072901
Evangelho segundo S. Mateus 14,22-36. – cf.par. Mc 6,45-46; Jo 6,16-21
Depois, Jesus obrigou os discípulos a embarcar e a ir adiante para a outra margem, enquanto
Ele despedia as multidões. Logo que as despediu, subiu a um monte para orar na solidão. E,
chegada a noite, estava ali só. O barco encontrava-se já a várias centenas de metros da terra,
açoitado pelas ondas, pois o vento era contrário. De madrugada, Jesus foi ter com eles,
caminhando sobre o mar. Ao verem-no caminhar sobre o mar, os discípulos assustaram-se e
disseram: «É um fantasma!» E gritaram com medo. No mesmo instante, Jesus falou-lhes,
dizendo: «Tranquilizai-vos! Sou Eu! Não temais!» Pedro respondeu-lhe: «Se és Tu, Senhor,
manda-me ir ter contigo sobre as águas.» «Vem» disse-lhe Jesus. E Pedro, descendo do barco,
caminhou sobre as águas para ir ter com Jesus. Mas, sentindo a violência do vento, teve medo
e, começando a ir ao fundo, gritou: «Salva-me, Senhor!» Imediatamente Jesus estendeu-lhe a
mão, segurou-o e disse-lhe: «Homem de pouca fé, porque duvidaste?» E, quando entraram no
barco, o vento amainou. Os que se encontravam no barco prostraram-se diante de Jesus,
dizendo: «Tu és, realmente, o Filho de Deus!» Após a travessia, pisaram terra em Genesaré.
Ao reconhecerem-no, os habitantes daquele lugar espalharam a notícia por toda a região.
Trouxeram-lhe todos os doentes, suplicando-lhe que, ao menos, os deixasse tocar na orla do
seu manto. E todos aqueles que a tocaram, ficaram curados.
Orígenes (c. 185-253), presbítero e teólogo
Comentário sobre Mateus
“Passemos à outra margem” (Lc 8, 22)
“Jesus mandou os discípulos subir para a barca a fim de precedê-Lo na outra margem,
enquanto despedia as multidões”. As multidões não podiam passar para a outra margem, dado
que não eram Hebreus no sentido espiritual do termo, o qual se traduz: “os da outra margem”.
Esta é a obra dos discípulos de Jesus: partir para a outra margem, ultrapassar o visível e o
corporal – estas realidades temporárias – e ser os primeiros a chegar ao invisível e eterno…
Os discípulos, contudo, não puderam preceder Jesus na outra margem… Talvez Ele tivesse
querido ensiná-los, por experiência, que, sem Ele, não é possível lá chegar… Que barca é esta
para a qual Jesus os manda subir? Não será a luta contra as tentações e as circunstâncias
difíceis? … Ele, o Salvador, manda, portanto, os discípulos subir para a barca das provações a
fim de chegarem à outra margem, ultrapassando as circunstâncias difíceis através da sua
vitória sobre elas…
Depois, sobe à montanha, a um lugar apartado, para orar. Por quem reza?
Provavelmente, em primeiro lugar, pelas multidões, para que, despedidas
depois de terem comido os pães abençoados, não façam nada contrário à
despedida de Jesus. Também pelos discípulos…, para que, no meio do mar, não
sofram com as vagas nem com o vento contrário. Sou levado a dizer que é,
graças à oração que Jesus dirige ao Pai, que os discípulos não sofreram
danos no mar.
E nós, se algum dia caírmos sob a força das tentações, lembremo-nos de que
não é possível chegarmos à outra margem sem sofrermos a prova das vagas e do
vento contrário. Além disso, quando nos virmos rodeados de muitos e custosos
afazeres, já um tanto fatigados pela travessia que se alonga, pensemos que a
nossa barca se encontra em pleno mar e que as vagas procuram fazer-nos
“naufragar na nossa fé” (1 Tm 1, 19) … Acreditemos, então, que o fim da
noite está iminente: “A noite vai avançada e o dia aproxima-se» (Rm 13, 12).
O Filho de Deus virá até nós para nos acalmar o mar caminhando sobre as
águas.
Orígenes (c. 185-253), presbítero e teólogo
Comentário ao Evangelho de Mateus, 11, 6
«Tu és verdadeiramente o Filho de Deus»
Quando tivermos suportado as longas horas da noite escura que domina os momentos de
prova, quando tivermos feito o melhor que sabemos, [...] tenhamos a certeza de que, para o
fim da noite, quando «a noite vai adiantada, e o dia está próximo» (Rom 13, 12), o Filho de
Deus virá até junto de nós, caminhando sobre as ondas. Quando O virmos aparecer assim,
ficaremos perturbados, até compreendermos claramente que é o Salvador que vem ao nosso
encontro. Pensando ainda que vemos um fantasma, gritaremos de medo, mas Ele dir-nos-á
imediatamente: «Tende confiança, sou Eu, não temais.»
Talvez essas palavras de conforto façam surgir em nós um Pedro a caminho da perfeição, que
desça da barca, seguro de ter escapado à prova que o abalava. Inicialmente, o seu desejo de se
aproximar de Jesus permitir-lhe-á andar sobre as águas. Mas, tendo ele uma fé ainda pouco
segura, estando ainda cheio de dúvidas, aperceber-se-á da «força do vento», terá medo e
começará a afundar-se. Escapará porém a tal infortúnio, apelando para Jesus com um forte
brado: «Senhor, salva-me!» E, mal este Pedro acabe de dizer «Senhor, Salva-me!», já o Verbo
terá estendido a mão para o socorrer, agarrando-o quando ele começava a afundar-se,
censurando-lhe a falta de fé e as dúvidas. Notemos, porém, que Ele não diz: «Incrédulo!»,
mas antes: «Homem de pouca fé!», e acrescenta: «Por que duvidaste?», ou seja: «Tinhas
alguma fé, mas deixaste-te levar na direcção contrária.» E Jesus e Pedro voltarão a entrar para
a barca, o vento acalmará e os outros discípulos, compreendendo os perigos a que escaparam,
adorarão a Jesus dizendo: «Tu és verdadeiramente o Filho de Deus» – palavras que só os
discípulos próximos de Jesus, os que se encontravam na barca, podem proferir.
Santo Isaac, o Sírio (séc. VII), monge em Nínive, perto de Mossul, no actual Iraque
Discursos Ascéticos, 1ª série, nº 62
Caminhar sobre as águas, atravessar o fogo
O saber intelectual não nos livra do medo. Mas aquele que caminha segundo a fé é
inteiramente livre; como verdadeiro filho de Deus, pode usar livremente todas as coisas. Os
que estão apaixonados por esta fé usam, tal como o próprio Deus, todos os elementos da
criação, porque a fé tem o poder de fazer criaturas novas à semelhança de Deus...
O conhecimento intelectual nada pode fazer sem uma base material: não ousa realizar o que
não tiver sido dado à natureza. O corpo não pode caminhar sobre a superfície das águas; os
que se aproximam do fogo queimam-se. Por isso, o simples conhecimento guarda as suas
defesas; nunca se deixa ir para além dos limites naturais. Mas a fé tem o poder de ir mais
longe e diz: "Se passares através do fogo, ele não te queimará. E os rios não te engolirão" (Is
43,2). Muitas vezes, a fé realiza coisas destas diante de toda a criação. Mesmo que fosse
concedido ao intelecto experimentar fazer as mesmas coisas, ele nunca teria ousado.
Pela fé, muitos entraram nas chamas..., atravessaram o fogo sãos e salvos e caminharam sobre
o mar como sobre terra firme. Todas essas coisas eram mais altas do que a natureza e
contrárias às modalidades do simples conhecimento intelectual. Mostraram como este é vão
em todos os seus caminhos e em todas as suas leis. Estás a ver como a inteligência respeita as
condições da natureza? E vês como a fé percorre o seu caminho por sendas mais altas do que
a natureza?
São Bruno ( ? – 1101), fundador dos cartuxos
Carta a Raoul le Verd, 4, 15-16
«Jesus subiu a um monte para orar na solidão»
Querido irmão, habito um deserto situado na Calábria, bastante afastado, de todos os lados,
das habitações dos homens; aqui estou com os meus irmãos religiosos, alguns deles detentores
de muita sabedoria; fazem vigília santa e perseverante, à espera do regresso do seu Mestre,
para Lhe abrirem a porta quando Ele bater (Lc 12,36) [...].
O que a solidão e o silêncio do deserto trazem de útil e de divina alegria àqueles que os
amam, sabem-nos aqueles que tal experimentaram. Aqui, de facto, os homens fortes podem
recolher-se o quanto desejarem, ficar em si próprios, cultivar assiduamente as virtudes e
alimentar-se, em felicidade, dos frutos do paraíso. Aqui esforçamo-nos por adquirir aquele
olhar claro que fere de amor o divino Esposo e cuja pureza denuncia ver a Deus. Aqui nos
dedicamos a um repouso bem preenchido e nos pacificamos em acções tranquilas. Aqui Deus
dá aos seus atletas, para o labor do combate, a desejada recompensa: uma paz que o mundo
ignora e a alegria no Espírito Santo [...].
De facto, que há de mais contrário à razão, à justiça, à própria natureza, que preferir a criatura
ao Criador, perseguir os bens perecíveis mais que os bens eternos, os da terra mais que os do
céu? [...] A Verdade em pessoa dá este conselho a todos: «Vinde a mim, vós que estais
cansados e oprimidos, que Eu hei-de aliviar-vos» (Mt 11,28). Não é um ingrato sofrimento ser
atormentado pelo desejo de adquirir, pelas preocupações, pela ansiedade, pelo temor? [...]
Foge, irmão, de todas estas inquietações, muda-te da tempestade deste mundo para o repouso
tranquilo e seguro do bom porto.
S. Tomás Moro (1478-1535), estadista inglês, mártir
Carta escrita da prisão em 1534
"Senhor, salva-me!"
Minha querida Meg, não posso deixar de confiar em Deus; contudo, sinto que o medo poderia
bem afundar-me. Recordar-me-ei que S. Pedro, por causa da sua pouca fé, começava a ir ao
fundo sob o efeito do vento e farei como ele: chamarei por Cristo e pedir-lhe-ei auxílio.
Assim, espero que Ele me estenda a mão, me agarre e não me deixe soçobrar no mar alterado.
E, se Ele permitir que eu desempenhe o papel de Pedro naquilo que se seguiu, que eu caia
verdadeiramente, jurando e abjurando (que nosso Senhor, na ternura da sua misericórdia, me
livre disso e que tal queda não me prejudique mais do que me traga vantagem!)..., se Ele
permitir que eu caia, apesar disso espero que, na sua bondade, lance sobre mim, como sobre
Pedro, um olhar cheio de compaixão (cf. Lc 22,61) e me erga para que, de novo, eu confesse a
verdade e liberte a minha consciência. Espero também que me faça suportar corajosamente o
castigo e a vergonha de tal renúncia.
São Columbano (563-615), monge, fundador de mosteiros
Instruções espirituais I, A fé
«Abristes o caminho através do mar..." (Sl 76)
Deus está em toda a parte, é imenso e está próximo de cada um de nós, segundo o testemunho
que dá de Si mesmo: «Eu sou um Deus que está próximo, não um Deus que está longe».
Portanto, o Deus que buscamos não está longe de nós, porque está dentro de nós mesmos, se
merecemos a sua presença. Habita em nós como a alma no corpo, se somos seus membros
dignos, se estamos mortos para o pecado (cf. 1 Co 12, 27). Nesse caso, habita
verdadeiramente em nós Aquele que disse: «Estabelecerei a minha morada no meio deles e
andarei com eles» (Lv 26, 11-12). Se somos dignos de que Ele esteja conosco, então somos
realmente vivificados por Ele, como seus membros vivos. «Nele – diz o Apóstolo – vivemos,
nos movemos e existimos» (Act 17, 28).
Mas quem poderá investigar a inefável e incompreensível essência do Altíssimo? Que poderá
sondar os profundos segredos de Deus? Quem poderá gloriar-se de conhecer o Deus infinito,
que tudo enche e circunda, que tudo penetra e supera, que tudo abrange e transcende?
«Ninguém jamais o viu como Ele é verdadeiramente» (Jo 1, 13). Por isso, ninguém tenha a
presunção de descobrir os mistérios incompreensíveis de Deus: o que foi, como foi, quem foi.
São realidades inefáveis, insondáveis, impenetráveis; deves limitar-te a acreditar com toda a
simplicidade, mas com grande firmeza, que Deus é e será como sempre foi, porque Deus é
imutável.