dos pequenos craques 10

Transcrição

dos pequenos craques 10
22-ESPORTE-04-05
21.05.05
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4 E 5 GAZETA DO POVO
ESPORTES
Domingo, 22 de maio de 2005
O Cinderelo tímido
vai para a Holanda
Na CBF, registros em branco
Há 3 anos, a instituição não transfere jogadores menores de 18 anos
US$ 500
é o valor mensal da bolsa
paga pelo PSV a Nikão.
15 dias
Nikão passou em Moscou,
fazendo um “estágio” no CSKA.
Segundo ele, não quis ficar
porque lá fazia muito frio.
Regras
precisam
proteger a
criança
O Ministério Público do Trabalho
pretende elaborar até o fim deste
mês um estudo sobre as transferências de crianças para jogar futebol no
exterior. O objetivo é criar uma lei que
proíba assinatura de contratos de trabalho envolvendo menores de 14
anos. Para aqueles que têm de 14 a
16 anos, haveria a possibilidade do
registro como aprendiz, conforme
ocorre em outras atividades.
O debate começou no início do
mês, depois que um pai denunciou à
Procuradoria-Geral do Trabalho do
Rio de Janeiro que seu filho estava
sendo explorado por um empresário.
Os procuradores fizeram então um
levantamento e descobriram que,
atualmente, mais de mil agentes
atuam no país com negociações
envolvendo crianças – 100 deles no
Paraná. A parcela significativa fez
com que a procuradora do trabalho
Margareth Mattos de Carvalho, de
Curitiba, fosse designada para conduzir o trabalho no estado.
“Até que ponto os pais podem
permitir a saída dos filhos do país?
Quais as condições que serão
impostas a esta criança para jogar no
exterior? É diferente jogar futebol
como atividade de lazer e como profissional, com horários pré-determinados e treinos rígidos que dificultam o desenvolvimento escolar”,
observa ela, que tem bem definido o
alvo principal das conclusões do
estudo. “Se a gente conseguir controlar a ação dos agentes, controla a
saída dos meninos”, garante.
Margareth considera mais fácil
formular uma lei que controle as
transferências nacionais, mesmo
que a opinião pública fique contra
em um primeiro momento, por tirar
do garoto e da família a suposta
chance de realizar um sonho e
ganhar um bom dinheiro por isso.
“A nossa preocupação é proteger a
criança”, reforça.
Leia amanhã:
A genética do craque
Diego, 10 anos, é sobrinho de Ronaldinho Gaúcho e sonha com o Barça.
Rincón, 17 anos, está entre o Sporting e o Manchester.
Na segunda-feira
Jean Chera em Santos e à espera da
hora de conquistar o mundo
“Ronaldinhos do futuro” é uma
série de matérias produzida pelo
Núcleo de Reportagens Especiais da
Gazeta do Povo.
Reportagem -– Leonardo Mendes
Júnior e Marcio Reinecken
Edição – Franco Iacomini
Fotos – Rodolfo Bührer
Diagramação – Marcos Tavares
Infografia – Lyn Januzzi
Ilustração – Gilberto Yamamoto
UMA IRONIA LITERÁRIA MARCOU A HISTÓRIA de Nikão, nascido
Maycon Vinícius da Cruz há
13 anos, em Minas Gerais. Ele
morava em uma favela na
cidade de Montes Claros, no
Norte do estado, e começou a
treinar no Casimiro de Abreu, o
timinho local. Abreu (o homem,
não o time) foi um escritor fluminense do século 19, que tem
como obra mais conhecida o poema “Meus oito anos”: “Oh! Que
saudades que tenho/Da aurora da
.
uito da escola
minha vida,/Da minha infância
“Não gosto m
o clube
querida/Que os anos não trazem
Se não fosse
mais!” Em sua própria aurora,
à aula.”
exigir, não ia
Nikão jogava para divertir-se e
esquecer das dores da vida – que
não era “um hino d’amor”, como
nos versos de Casimiro, mas um
drama real em que os atores principais eram os traficantes da vizinhança –, mas logo o passatempo
virou profissão. Com 11 anos, ele
transferiu-se para Mirassol, no interior de São Paulo, já rotulado como
uma das grandes promessas do futebol adolescente. Em três meses,
começará um processo de adaptação que o transformará em meiaatacante do PSV Eindhoven, da
Holanda, no início de 2007.
estava vendo miragens e viajou para
Nikão tonou-se uma espécie de Minas buscar o pequeno craque.
Cinderelo de chuteiras, numa traje- “Ele é um Maradona negro”, define
tória que espelha os desejos de garo- Carvalho, que recentemente recetos que, como ele, batem bola em beu a guarda legal de Nikão.
campinhos de terra e almejam jogar
As mesmas imagens conquistacomo Ronaldinho Gaúcho nos gra- ram o representante do PSV no
mados da Europa. Casos como o dele Brasil, Vlado Lemic, que ofereceu na
estão se tornando comuns e, apesar hora um contrato para Carvalho. Os
de atiçar os sonhos da garotada, holandeses enviam uma ajuda menincluem uma dose de abuso e de ile- sal de US$ 500 para Nikão – seu
galidade, que já chamou a atenção companheiro e conterrâneo Dundo Ministério Público do Trabalho guinha, também no repertório dos
(veja texto nesta página). Por não holandeses, passará a receber a bolmais que US$ 40 mil, os cartolas do sa ainda neste semestre. Até a
Velho Mundo “contratam” crianças transferência definitiva dos menide 10 a 14 anos que demonstram nos, em 2007, o Mirassol receberá
algum potencial de serem grandes um valor a ser estipulado. A partir
craques. Para as falidas equipes bra- daí, cada clube terá 50% dos direisileiras, a negociação soa como uma tos financeiros (participação no lusalvação à asfixia financeira que se cro da venda do atleta) dos garotos.
seguiu à implantação da Lei Pelé,
Tratamento
para a qual não se prepararam.
Antes de cativar os holandeses,
Para os europeus, o risco de perder
pouco com um garoto que não se der Nikão precisou se livrar de seqüelas
bem como profissional é bem mais da infância. Alimentos sólidos eram
ameno do que os milhões jogados vomitados com sangue poucos minupela janela nos últimos anos com tos depois de serem ingeridos.
atletas consagrados no Brasil que Levado a um hospital, o médico
diagnosticou: a alinão se adaptaram à
mentação inadequavida do outro lado do
“Os meninos daqui
da tinha provocado
Oceano Atlântico.
a atrofia do sistema
A trajetória de
são bons, mas tem
digestivo do garoto,
Montes Claros até a
um que é o bicho”,
já deteriorado pela
aventura européia foi
ação de vermes.
penosa. Maycon Vidisse o treinador
Somente após um
nícius é o quinto de
tratamento com
seis filhos que sua
mãe teve com cinco homens diferen- vermífugo o meia-atacante passou a
tes. Os mais velhos, gêmeos, foram se alimentar como os seus compalevados para doação em São Paulo nheiros de time.
O outro desafio foi fazê-lo se abrir.
e Belo Horizonte. Os outros três –
um menino e uma menina mais Quase sempre calado e cabisbaixo, o
velhos e um garoto mais novo – divi- garoto só começou a conversar com
diam com ele e a avó um barraco em alguma desenvoltura depois de conMontes Claros no ano de 2001 sultas com um psicólogo. “Ele não se
(quando a mãe morreu, aos 31 anos, enturmava, era uma criança desconvítima de câncer de colo do útero e fiada. Simplesmente puseram no
anemia intensa) até a mudança mundo e deram comida”, conta
para Mirassol. O pai Nikão viu ape- Rosane Carvalho, esposa do dono do
time e principal conselheira de
nas uma vez.
E havia os traficantes. Os crimi- Nikão, com uma ressalva: “Ele não
nosos encostavam uma metralhado- fala sobre o passado. É como se a
ra nas costas do menino Nikão e vida dele não existisse antes.”
O espírito arredio é comprovado
perguntavam onde estava seu irmão
mais velho, envolvido com drogas. em cinco minutos de conversa. Quase
Diante da resposta negativa – qua- sempre de cabeça baixa e com um
se sempre em um movimento assus- sorriso tímido, quase forçado, o
tado de ombros –, os bandidos apa- pequeno craque fala pouco. Menos
gavam um cigarro nas costas dele e ainda quando o assunto é a sua infâniam embora, em uma agressão que cia. A muito custo, diz pensar na mãe
sempre que faz um gol. “Ela sempre
se repetiu mais de dez vezes.
Restava o consolo dos jogos pelo quis que eu fosse jogador”, conta.
Nikão conhece pouco do país onde,
Casimiro de Abreu. Lá o menino surpreendia os companheiros e entu- se tudo der certo, vai se profissionalisiasmava o técnico Wanilton Cézar, zar. Sabe apenas do frio intenso no
a ponto deste descrevê-lo a um inverno, mas não entende uma palaconhecido – o empresário Carlos vra sequer em holandês. Em junho, ele
Roberto Carvalho, proprietário da e Dunguinha começam a fazer aulas
CR Promoções, que administra o particulares de inglês. O curso provodepartamento de futebol do ca calafrios no menino, mau aluno
Mirassol desde 1998. “Os meninos confesso. “Não gosto muito da escola.
aqui são bons, mas um deles é o Se não fosse o clube exigir, não ia à
bicho”, disse o treinador, por telefo- aula”, conta ele, ciente de que exigênne. Acostumado a ouvir diariamen- cia por um bom desempenho escolar
te histórias de “bichos”, Carvalho continuará na Europa.
O garoto prefere, mesmo, levar a
sugeriu a Cézar que preparasse um
resumo em vídeo das jogadas de bola nos pés e fazer com os zagueiros
Nikão e lhe enviasse. Em poucas o que ele define, sem a menor cerimôsemanas a fita já estava na sua nia. “Zagueiro nenhum me pega.
mesa. E lá ficou durante 20 dias, até Quando eles chegam, eu já fui embora
entrar no videocassete e derrubar- com a bola”, resume, em uma espécie
lhe o queixo. O empresário rebobi- de aviso aos defensores europeus das
nou a fita, assistiu ao filme nova- próximas gerações.
❧ LEONARDO MENDES JÚNIOR
mente para ter certeza de que não
Nikão
10
HÁ TRÊS ANOS a Confederação Brasileira de Futebol (CBF)
não faz transferências de jogadores menores de 18 anos para o
exterior. O motivo não é algum
impedimento legal, mas sim há
falta de pedidos para esse tipo de
negócio. “São tantas exigências
da CBF e do governo brasileiro
que esse tipo de negócio ficou
inviável”, afirma o diretor do
Departamento de Registro e
Transferência da entidade, Luiz
Gustavo Vieira de Castro.
Contudo, a inexistência de
transferências oficiais nos últimos anos, antes de exaltar o
rigor dos órgãos responsáveis
com o negócio, esconde a mudança de estratégia dos clubes
estrangeiros. Eles passaram a
garimpar talentos mais baratos,
em vez de gastar dinheiro negociando com os clubes. Agora
levam meninos com idades entre
10 e 16 anos, mas que não
tenham vínculo com a confederação. Assim, os clubes também evitam incomodação.
Para um atleta com registro
na entidade brasileira se transferir a um time estrangeiro, é
necessária a comunicação da
transação do clube brasileiro à
O adeus
dos pequenos craques
Meninos de 10 a 14 anos são os novos alvos dos clubes europeus interessados na
técnica e habilidade do futebol brasileiro. Nesta edição e nos próximos dois dias,
a Gazeta apresenta uma reportagem especial sobre esses jovens, que sonham
em ser os Ronaldinhos do futuro – suas esperanças, os riscos que correm e os
abusos que são cometidas para que a Europa tenha sua dose de samba football.
SEM CONTROLE
■ Em 2000 e 2001, a CPI da
Nike/CBF investigou, entre outros temas, o tráfico de jogadores menores para a Europa.
Constatou-se que cerca de cem
garotos entre 8 e 15 anos foram
levados do Brasil para clubes
europeus, principalmente Bélgica e Holanda.
■ O relatório final da comissão
inclui exemplos de meninos
que se contundiram ou não se
adaptaram ao novo país e, descartados, acabaram por tornarse trabalhadores clandestinos.
■ Emile Boudens, consultor
legislativo da CPI, diz que um
fator torna quase impossível a
solução do problema: a participação da família dos garotos no
negócio. Só com o auxílio dela
o jovem consegue sair do país.
CBF que, desta forma, dará a
liberação do atleta quando consultado pela entidade do país de
destino. Sem a liberação, o jogador só poderá atuar após o aval
da Fifa. “Só temos registro de
jogadores menores de idade que
sejam profissionalizados, tenham
sido convocados pelas seleções de
base ou se transferido de um clube para outro dentro do Brasil”,
explica Vieira de Castro.
Já em casos de atletas que
não constam na CBF, a Fifa nem
toma conhecimento da transação
e o clube estrangeiro fica apenas
com o trabalho de registrar o jogador na confederação local.
“Não há como proibir uma
pessoa de mudar de país. E,
depois que ele está no clube,
geralmente se fica dois anos nas
categorias de base ganha o
direito de atuar sem ser considerado estrangeiro, mas como residente”, conta Antônio Galante,
agente Fifa que há dez anos vive
da negociação de jovens talentos para o exterior – recentemente ele abriu um escritório
em Roma, em sociedade com um
empresário italiano.
“Dessa forma, não há como
impedir, pois não se trata nem de
uma transferência, mas de um
cidadão que está saindo do
Brasil”, concorda o diretor de
registros da CBF.
❧
MARCIO REINECKEN
Na Hungria,
sem clube
nem comida
Arquivo
Aos 13 anos, Nikão joga bola como gente
grande e segue em agosto para o PSV
Com
Ronaldinho,
Messi
comemora
seu primeiro
gol no time
profissional.
Contrato em troca
do tratamento
O argentino Messi foi para a Europa por
razões médicas. O Barça pagou os remédios
Nikão (à esquerda) e Dunguinha, no campo do Mirassol: contratos com o clube holandês por onde passaram Romário e o fenômeno Ronaldo.
“Estudar para não falar
errado nas entrevistas”
Decidido, Dunguinha não quer perder a chance de jogar no exterior
O SORRISO QUE CUSTA A ESTAMPAR O
ROSTO DE NIKÃO se desenha com facilidade nos lábios de Dunguinha. Basta ver a equipe de reportagem para o camisa 8 liso, de 12
anos, se aproximar com os dentes largos à
mostra, peito estufado e ginga boleira. Estica
a mão direita, se apresenta, põe banca de craque. “Quem é o melhor jogador do Mirassol?”,
pergunta o empresário Carlos Roberto Carvalho, responsável pelo clube, com ar de quem
já sabe a resposta. “Eu”, devolve Dunguinha,
seco e rápido como seus dribles, em uma repetição do que o amigo Nikão diz quando é desafiado pela mesma questão.
A espontaneidade de Dunguinha é resultado de uma infância difícil, mas menos sofrida
que a do companheiro. Filho de um camelô e
uma dona de casa de um bairro pobre de Montes Claros, aproveitou o rastro de Nikão para
aparecer no futebol. Saiu dos campinhos de
terra da vizinhança para o gramado do Casimiro de Abreu. Esquentou lugar no time
amador por pouco tempo. Logo desembarcou
em Mirassol.
Quando um dirigente do PSV veio assistir
Nikão, apaixonou-se também pelo futebol do
amigo. Ofereceu casa, comida, ajuda financeira, emprego para os pais e uma oportunidade
de ouro em Eindhoven. O pai titubeou, pensou
na pouca idade do filho. O garoto acabou com
a dúvida em menos de um minuto. “Pai, não
sou novo, sei o que quero na vida. Meu sonho
é jogar futebol e pode não aparecer outra
chance dessas”, discursou, deixando o pai
com cara de zagueiro driblado e encerrando a
questão.
A maturidade abusada de Dunguinha se
reflete no gramado. Quando não está com a
bola, pede por ela sem parar. Se ela chega ao
seus pés, fica parada por pouco tempo. Sem-
pre é utilizada para enganar um zagueiro ou
deixar um companheiro na cara do gol. “É
difícil tirar a bola dele”, afirma Valdeir, 13
anos, companheiro de time, na mira do Barcelona (Espanha).
Na entrevista, mais lances de gente
grande. Conhece quase nada da Holanda,
mas não se intimida com o frio intenso, o
idioma complicado e os zagueiros botinudos que vai encontrar por lá. Só pensa na
chance de retribuir o apoio que recebeu
dos pais, irmãos, amigos e técnicos. “Tenho de ajudar quem me ajudou até agora”, afirma. Ao contrário de Nikão, não
se incomoda de ir à escola. É bom aluno, tira algumas das melhores notas do
time. Mas mesmo na sala de aula não
esquece o futebol. “Tem que estudar
para não falar errado nas entrevistas”, diz. (LMJ)
“Meu sonho é
jogar futebol
e
pode não apa
recer outra
chance dessa
s.”
Dunguinha
8
UM RETARDO NO DESENVOLVIMENTO ÓSSEO causado pela
quantidade insuficiente de hormônios do crescimento era o grande
obstáculo para que o menino argentino Lionel levasse adiante o
sonho de jogar futebol. A única
opção era pagar um tratamento de
US$ 900 mensais, valor impraticável para os Messi, família de classe
média de Rosario (norte da
Argentina). Os pais tentaram unir
a paixão pelo esporte à solução
para a saúde do garoto de 11 anos.
O local Newell’s Old Boys e o tradicional River Plate recusaram. O
Barcelona aceitou. E ganhou uma
pérola que, hoje, vale 150 milhões
de euros – mesmo valor da multa
rescisória de Ronaldinho Gaúcho, o
melhor jogador do mundo de 2004,
segundo a Fifa.
Aos 17 anos, Lionel Messi é o
caçula do atual campeão espanhol.
Sua história no Barça começou aos
13 anos, quando a família inteira
deixou a Argentina para trabalhar
e juntar dinheiro para bancar seu
tratamento hormonal. Ele só não
contava com a ajuda do Barcelona.
Seu teste no clube catalão encantou o diretor do departamento
amador, Josep Colomer, que sugeriu
sua contratação e que a equipe
assumisse as despesas médicas. O
investimento começou a dar retorno em outubro do ano passado,
quando Messi tornou-se o jogador
mais novo a vestir a camisa do clube em um jogo oficial. A coroação
veio no último dia 1.º de maio,
quando ele marcou o segundo gol
na vitória por 2 a 0 sobre o Albacete, no Nou Camp.
O caminho entre o sonho do
menino Lionel e realidade do camisa 30 Messi foi percorrido graças
a uma brecha na legislação da Federação Internacional de Futebol
Association (Fifa). A entidade
proíbe transferências de jogadores
com menos de 18 anos de um continente para outro. Na Europa, os
garotos podem mudar de país aos
16. Mas se a família do atleta trocar de país sem que o motivo oficial seja o futebol, o garoto pode
defender algum clube da sua nova
casa. No caso de Messi, a mudança dos pais para a Espanha serviu
de “autorização” para o Barça
contratá-lo.
Agora, a prática serve para
levar talentos precoces do Brasil
para o exterior e mantê-los na lei
até que eles atinjam a idade estipulada pela Fifa ou adquiram cidadania européia. “Eles levam o pai do
menino, por exemplo, dão emprego
a ele e, daí sim, colocam o garoto
no clube. Depois que tudo está certo, o pai volta como se estivesse de
férias ou de licença”, conta Marcílio Krieger, advogado da Comissão de Direitos Esportivos da OAB.
No estatuto atual da Fifa, outra
exigência para esse tipo de transferência é que o menino seja colocado em uma escola. No novo regulamento, que entrará em vigor em
julho, o “rigor” aumenta um pouco:
também há necessidade de se
garantir moradia e até um tutor no
clube para o atleta.
O ALA-ESQUERDA LEANDRO, DO ATLÉTICO, é um dos
muitos brasileiros que se transferiram para a Europa menor
de idade. Em 1999, com 17
anos, ele foi vendido pelo Londrina ao MTK, da Hungria e o
negócio foi feito legalmente, via
CBF. Mas se Leandro é um caso
de sucesso, as histórias que ele
conta de seus colegas não. No
país, o jogador acabou dividindo
o tempo entre a profissão e a
solidariedade prestada a quase
uma dezena de garotos mais
novos que, ao chegar na Hungria, se viram sem clube, sem
dinheiro e, muitas vezes, sem
nem um lugar onde morar.
Uma história ocorrida há
dois anos e meio e que não sai
da cabeça de Leandro. Ele estava no shopping com os amigos e
tomava café. “Quando eu vi, um
dos garotos estava guardando
todos os saquinhos de açúcar
que via nas mesas. Eu perguntei para que era aquilo e ele me
respondeu que era para comer
em casa, porque não tinha mais
nada. Depois, toda vez que
fazia feijão eu o convidava. Mas
era difícil aparecer, tinha vergonha.” O rapaz, hoje com 17
anos, continua na Hungria.
De acordo com Leandro, as
transferências de seus amigos
ocorriam com a participação de
dois empresários, um no Brasil
e outro na Hungria. “O que ficava aqui descobria os meninos e
convencia a família de que os
moleques iam ganhar muito
dinheiro lá fora. Daí pedia US$
3 mil dizendo que era para conseguir o visto permanente. Mas
quando os moleques chegavam,
ficavam num apartamento,
muitas vezes sem ter o que
comer. E nada do visto”, relata.
Após contatos com a embaixada brasileira na Hungria, a
reportagem da Gazeta do Povo
descobriu Reginaldo de Oliveira, o empresário brasileiro que
atua no país e que faria esse tipo de transferências. Por telefone, ele mostrou-se temeroso em
dar entrevistas. A primeira pergunta que fez foi: “essa reportagem é positiva ou negativa?”
Com uma resposta tranqüilizadora, ele primeiro colocou
em contato com a reportagem
três supostos jogadores e, só
depois de receber elogios, voltou ao telefone. Negou realizar
transferências de menores de
18 anos e justificou: “É proibido pela Fifa”. Lembrado que
em países vizinhos o negócio
seria normal, Oliveira rebateu
rápido: “Mas daí precisa trazer a família do menino, arranjar emprego para eles e isso
não compensa para mim, sai
muito caro.” (MR)