O movimento comunista e as particularidades da - PPGHC

Transcrição

O movimento comunista e as particularidades da - PPGHC
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO – UFRJ
INSTITUTO DE HISTÓRIA – IH
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA COMPARADA PPGHC
Felipe Santos Deveza
O MOVIMENTO COMUNISTA E AS PARTICULARIDADES DA AMÉRICA
LATINA: Um Estudo Comparado do México, do Brasil e do Peru (1919-1930)
Orientador: Prof. Dr. Wagner Pinheiro Pereira
Tese apresentada como requisito para a
obtenção do título de doutor no
Programa de Pós-Graduação em
História Comparada da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Rio de Janeiro
Março de 2014
i
ii
Felipe Santos Deveza
O Movimento Comunista e as Particularidades da América Latina: Um Estudo
Comparado do México, Brasil e Peru (1919-1930)
Orientador: Prof. Dr. Wagner Pinheiro Pereira
iii
FELIPE SANTOS DEVEZA
O Movimento Comunista e as Particularidades da América Latina: Um Estudo Comparado
do México, do Brasil e do Peru (1919-1930)
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
História Comparada da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, como requisito parcial para a obtenção do
título de Doutor.
Área de concentração: História Comparada
Linha de pesquisa: Poder e instituições
Orientador: Prof. Dr. Wagner Pinheiro Pereira
Aprovada em: 30/04/2014
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________
Prof. Dr. Wagner Pinheiro Pereira (Orientador)
_________________________________________
Profa. Dra. Camila Oliveira do Valle (PPGCP-UFF)
_________________________________________
Profa. Dra. Nazira Correia Camely (PPGEO - UFF)
_________________________________________
Prof. Dr. André Leonardo Chevitarese (PPGHC - UFRJ)
_________________________________________
Prof. Dr. Ivo José e Aquino Coser (PPGHC - UFRJ)
iv
A vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que
seduzem a teoria para o misticismo encontram a sua solução
racional na práxis humana e no compreender desta práxis.
(MARX - Teses sobre Feuerbach)
v
Dedico este trabalho a Adriana Cruz, minha companheira e
exemplo diário de solidariedade, rebeldia e amor...
vi
Agradecimentos
Em primeiro lugar eu preciso agradecer a minha companheira, Adriana, que
acompanhou esse trabalho de perto, sendo obrigada a suportar ausências, e de diversas formas
foi “vítima” de tudo que um trabalho de pesquisa deste demanda. Essa tese é um pouco dela
também.
Em segundo lugar, preciso agradecer a Professora Maria da Conceição de Góes, que
acreditou neste trabalho lá no início, quando ainda era um esboço de projeto.
E, naturalmente, preciso agradecer ao professor Wagner Pinheiro Pereira, que assumiu
a orientação no meio, sempre preocupado em ajudar da melhor forma possível, crítico sincero
e solidário. Sem a sua orientação teria sido muito difícil dar sentido a uma infinidade de
questões e hipóteses que eu havia chegado quando nos conhecemos.
Agradeço especialmente a professora Gracilda, que dirigiu o dia-a-dia do PPGHC
enquanto estive cursando o doutorado, nos apresentando possibilidades, oportunidades e
fazendo dos editais da CAPES algo realizável para todos nós. E nessa tarefa, a professora
Gracilda contou sempre com a diligência e o trabalho sério da Márcia e da Leniza, e depois
também da Andrea, funcionárias do PPGHC com quem sempre pudemos contar.
Não posso deixar de agradecer a minha mãe, que me possibilitou uma educação formal
e moral de qualidade, um privilégio neste país, sem o qual eu sequer poderia pensar em
começar essa empreitada. Para a minha mãe são tantos agradecimentos... enumerá-los aqui
seria impossível.
Agradeço aos companheiros e alunos do PPGHC com quem dividi algumas aulas,
conversas e momentos importantes na minha formação como historiador. Agradeço aos
professores Ricardo Castro e a professora Sabrina Evangelista que avaliaram este trabalho na
fase de qualificação, indicando importantes questões para que eu pudesse concluir a pesquisa.
Agradeço ao professor Horácio Crespo, que orientou esta tese no México e teve um
papel fundamental no debate das hipóteses e na indicação de fontes e arquivos.
No México, tenho muitos para agradecer. Primeiramente ao amigo e colega, o
professor Irving Reynoso e sua companheira Elsa, que me receberam e me possibilitaram todas
as coisas que necessitei na estadia que tive na Cidade do México. Sou muito grato aos dois.
Com Irving pude aprender muito sobre o movimento camponês mexicano, e sobre os mais
variados assuntos da história do México. Foi imprescindível a sua solidariedade intelectual.
No México também pude conviver por vários meses com alguns estudantes que me
deram verdadeiras aulas do verdadeiro espanhol-mexicano, sempre com muita alegria e
vii
solidariedade. Foram eles: Nuria, Marta Sofia, Juan David, Estefania, Erick e Erik.
Tive também a oportunidade de aprender muito sobre muralismo mexicano com um
estudioso e praticante desse movimento artístico, Daniel Zaynos, que me guiou e apresentou a
várias obras murais pela Cidade do México. Agradeço a equipe do CEMOS, que me ajudou na
pesquisa dos arquivos do movimento operário mexicano.
Agradeço especialmente ao amigo de longa data, Hugo Vellozo, que me ajudou a
projetar e tocar o arquivo digital Memória Vermelha.
Tenho que agradecer a diversos trabalhadores que se dedicam a organização das
bibliotecas, arquivos, bem como aos que fornecem outros suportes para o trabalho acadêmico,
seja limpando as salas, trabalhando em cantinas e cafés, além de todo tipo de trabalhos de
manutenção que a infraestrutura universitária demanda.
Agradeço aos meus companheiros de trabalho na Petrobras, que de diversas formas me
ajudaram, apoiando e se solidarizando nos momentos em que eu precisava terminar alguma
diligência acadêmica, ou parte desta tese. O convívio e a luta com os companheiros petroleiros
foi fundamental para que eu pensasse sobre diversos aspectos do movimento operário.
Agradeço especialmente ao Mauro Bonfim e ao Anderson Torres que sabem o quanto me
ajudaram.
Não posso esquecer da equipe do CEDEM, que me apresentou todo o material
disponível no arquivo, particularmente o Luis Alberto Zimbarg e o professor Antonio Celso
Ferreira.
Agradeço ao André, pelo debate e crítica, que me ajudaram a encontrar respostas para
várias hipóteses e a avançar por esse sendero complexo que é a história do movimento
comunista.
É importante, e formalmente obrigatório, registrar minha gratidão à CAPES, instituição
que me forneceu recursos para uma bolsa sanduíche no México.
E por fim, agradeço a juventude que tem resistido nas ruas à truculência terrorista do
Estado brasileiro desde junho de 2013. A experiência deste momento de rebeldia na juventude
me inspirou importantes reflexões e certamente o resultado deste trabalho teria sido muito
diferente sem essa importante influência.
viii
O
MOVIMENTO
COMUNISTA
E
AS
PARTICULARIDADES
DA
AMÉRICA LATINA: Um Estudo Comparado do México, Brasil e Peru (1919-1930)
Esta pesquisa visa demonstrar como os comunistas desenvolveram suas primeiras
interpretações acerca da realidade particular latino-americana ao longo da década de 1920.
Nossa pesquisa inicia com o desenvolvimento do liberalismo em meio aos setores
marginalizados das três repúblicas oligárquicas (Brasil, Peru e México), que encontraram a
agitação anarquista, fermentando as rebeliões radicais anti-oligárquicos. Esse encontro
entre anarquismo e rebelião antioligárquica obteve expressão em alguns movimentos de
camponeses, em meio a intelectualidade marginalizada e em grupos do emergente
proletariado das cidades. Com a ruptura provocada pela Primeira Guerra Mundial e a
Revolução Bolchevique em 1917, aparecem os primeiros grupos inspirados pela
Internacional Comunista na América Latina. Esses primeiros grupos trazem e divulgam as
primeiras obras marxistas. Após uma ruptura efetiva com a tradição libertária, esses grupos
iniciam o processo de construção partidária e interpretação das realidades nacionais a partir
do marxismo-leninismo.
No México o esforço por interpretar a realidade mexicana esteve relacionado com o
Muralismo Mexicano, com a formação da Liga Nacional Camponesa e com a formação das
Ligas Antimperialistas, que por algum tempo estiveram sob a hegemonia do PCM. No
Brasil as resoluções do II Congresso do PCB e o livro de Octávio Brandão, Agrarismo
versus Industrialismo, foram o primeiro esforço em interpretar a tática dos comunistas
para a Revolução Brasileira. E esse também foi o contexto e o sentido da obra do peruano
José Carlos Mariátegui.
Por último tratamos as rupturas nas frentes com as organizações e as classes nãoproletárias, que ocorreria até o ano de 1930. Procuramos analisar o conteúdo teórico da luta
política que influenciou as rupturas do final da década de 1920, bem como compreender o
papel da Internacional Comunista nesse processo.
Palavras Chave: Comunismo, Marxismo-Leninismo, José Carlos Mariátegui,
Internacional Comunista, marxismo na América Latina
ix
EL MOVIMIENTO COMUNISTA Y LAS PARTICULARIDADES DE LA
AMÉRICA LATINA: Un Estudio Comparativo de México, Brasil y Peru (1919-1930)
Esta investigación ha pretendido demonstrar como los comunistas desarrollarón
sus primeras interpretaciones acerca de la realidade particular de latinoamerica, apartir de
uma comparación de tres reaalidade, Brasil, Peru y México en los años 1920.
Empezamos com el desarrollo del liberalismo de los setores marginados de las
repúblicas estudiadas que encontrarón la agitación anarquista, fermentando las rebeliones
radicales antioligarquicas.
Este encuentro entre anarquismo y rebelión antioligarquica obtiene expression en
algunos movimientos campesinos, em medio a la intelectualidad marginada y en grupos del
emergente proletariado de las cidades. Con la ruptura provocada por la interrupción
causada por la Primera Guerra Mundial y la Revolución Bolchevique en 1917, aparecen los
primeros grupos inspirados por el significado de la Internacional Comunista en América
Latina. Estos primeros grupos traen y dan a conocer las primeras obras marxistas. Después
de una ruptura efectiva de la tradición libertaria, estos grupos comienzan el proceso de
construcción del partido y la interpretación de la realidad nacional desde el marxismoleninismo.
En México el esfuerzo de interpretar la realidad mexicana estaba relacionado con el
muralismo mexicano, con la formación de la Liga Nacional Campesina y la formación de
Ligas Antimperialistas, que durante algún tiempo estuvo bajo la hegemonía del PCM. En
Brasil las resoluciones del II Congreso del PCB y el libro de Octavio Brandão,
industrialismo vs agrarismo, fue el primer esfuerzo por interpretar la táctica de los
comunistas para la revolución brasileña. Y este fue también el contexto y el significado de
la obra del peruano José Carlos Mariátegui .
Por fin tratamos las rupturas en las frentes con las organizaciones y las clases noproletarias, que tendrían lugar en el año 1930 . Tratamos de analizar el contenido teórico de
la lucha política que influyó en las interrupciones de la década de 1920, así como la
comprensión del papel de la Internacional Comunista en el proceso.
Palabras Clave: Comunismo, Marxismo-Leninismo, José Carlos Mariátegui,
Internacional Comunista, marxismo en la América Latina
x
THE
COMMUNIST
MOVEMENT
AND
LATIN
AMERICA’S
PARTICULARITIES: A compared study between Mexico, Brazil and Peru (19191930)
This research aimed to demonstrate how communists developed their first
interpretations concerning to the particular Latin-America reality throughout the 1920’s.
Our research begins with the development of liberalism among marginalized
sectors of the three oligarchic republics (Brazil, Peru and Mexico), which had faced the
anarquist turmoil, fermenting the antioligarchic radical rebellions. This encounter between
anarquism and antioligarchic rebellion obtained expression in a few peasant movements,
amid the marginalized intellectuality and in groups of the emergent city proletariat. With
the disruption caused by World War I and the Bolshevik Revolution in 1917, the first
groups inspired by the Latin America International Communist movement appeared. After
an effective disruption with the libertarian tradition, these groups began the party
construction and interpretation of national realities from Marxism-Leninism.
In Mexico, the efforts to interpret the Mexican reality had been related with the
Mexican Muralism, with the formation of the National Peasant League and the Antiimperialist Leagues, that had been under PCM’s hegemony for a while. Agrarianism
versus Industrialism was the first efforts to interpret the communist tatic for the Brazilian
Revolution. And this was also the context and the meaning of the Peruan’s work José
Carlos Mariátegui.
Finally, we also covered the front disruption with the organizations and nonproletarian classes, which occurred up to the end of 1930. We tried to analyze the theorical
content of the political fight that influenced the disruptions in the late 1920’s, as well as to
comprehend the role of the International Communist movement in this process.
Keywords: Communism, Marxism-Leninism, José Carlos Mariátegui, International
Communist movement, Marxism in Latin America.
xi
Indice de ilustrações
Figura 1 - "Homenagem a Posada", Leopoldo Mendez, linoleogravura s/papel, s/d.. ........ 44
Figura 2 – Botoncito do Partido Liberal Mexicano ............................................................. 47
Figura 3 - Representação do zapatismo em uma gravura de Posada. .................................. 51
Figura 4 – Francisco “Pancho” Villa na silla presidencial, ao lado de Zapata .................... 56
Figura 5- Gravura de Posada representando a destruição da Primeira Guerra .................... 72
Figura 6 - "Batalhas do Ocidente", José Clemente Orozco ................................................. 80
Figura 7 - Capa do Jornal O Cosmopolita tratando os mártires de Chicago. ...................... 88
Figura 8 – Charge publicada em Fon-Fon que relaciona os “maximalistas” como o gado da
Alemanha ............................................................................................................................. 94
Figura 9 – Charge de Fon-Fon em que um “maximalista” russo está sendo manipulado por
um mascarado em Brest-Litovski ........................................................................................ 95
Figura 10 – Jornal A Época apresentando Kerenski como a “alma da democracia Russa” 96
Figura 11 - "Pleito de Vencidad", José Guadalupe Posada ................................................ 121
Figura 12 - Desenho de Emiliano Zapata na Revista Amauta, por Diego Rivera ............. 123
Figura 13 - Ilustração do livreto publicado para a Convenção Agrarista de Tamaulipas
(1927) ................................................................................................................................ 129
Figura 14 - Ilustração interna da brochura para as ligas agraristas. .................................. 130
Figura 15 - Aliança operária e camponesa, desenho de Rivera (1924) ............................. 135
Figura 16: Primo Tapia e Úrsulo Galván em 1924 ............................................................ 141
Figura 17: Desenho de José Guadaalupez Rodriguez, feito por Diego Rivera, publicado na
Classe Operária .................................................................................................................. 142
Figura 18 - Agraristas enforcados. Detalhe do Mural do Palácio do Governo, de Diego
Rivera (1929-1930) .......................................................................................................... 144
Figura 19 - Livro Fermín, divulgação agrarista ilustrada pelos muralistas. ...................... 145
Figura 20 - Ilustrações do livro Fermin, por Diego Rivera. .............................................. 145
Figura 21 – Ilustrações do livro Fermin, por Diego Rivera............................................... 146
Figura 22 – Ilustrações do livro Fermin, por Diego Rivera............................................... 146
Figura 23: A imagem da comunista Frida Kahlo em um rótulo de cerveja mexicana. ...... 148
Figura 24 – Autortrato com Stalin, 1954, Frida Kahlo ...................................................... 149
Figura 25 - Pesadilla de Guerra y sueño de paz, Diego Rivera (1952) ............................. 150
Figura 26 - Inovações técnicas de Siqueiros, o movimento no mural. .............................. 151
Figura 27 – Barda Mural em homenagem ao Cinquentenário do Movimento Muralista
Mexicano ........................................................................................................................... 155
Figura 28 - Vasconcelos na Revista Amauta ..................................................................... 157
Figura 29 - Almoço em que aparecem Rivera e Vasconcelos em Chapultepec (1923) ..... 160
Figura 30: "Episódios da Conquista", Felix Parra, 68 x 109 cm (1877) ........................... 162
Figura 31 – Siqueiros durante o período que serviu nas forças constitucionalistas, durante a
Revolução Mexicana. ........................................................................................................ 164
Figura 32:"La Creación" de Diego Rivera, Auditório Simon Bolívar do Antíguo Colegio
San Ildefonso (1923) ......................................................................................................... 165
Figura 33 - Alegoria de la Virgen de Guadalupe, Fermn Revueltas (1923) ...................... 167
Figura 34 - Los Elementos Siqueiros (1922-23) ............................................................... 167
Figura 35 - La Catrina, as caveiras popularizadas pelo gravador José Guadalupe Posada 169
Figura 36 - Dia dos Mortos, Diego Rivera, Pintado na SEP (1923-4) .............................. 170
Figura 37 – Orozco de macação, em cima de uma escada, uma imagem típica dos "pintores
proletários" muralistas. ...................................................................................................... 171
xii
Figura 38- Ilustração de Rivera na capa da revista soviética Krasnaya Niva (1928) ....... 173
Figura 39 - A aristocracia, de José Clemente Orozco. ....................................................... 176
Figura 40 - La Siembra, de Fermín Revueltas (1932) ....................................................... 178
Figura 41 – Desenho de Fermín Revueltas (1934) ........................................................... 179
Figura 42 - Quetzalcóatl antimperialista .......................................................................... 180
Figura 43 - Planta do 3º andar da SEP, com a numeração dos murais. ............................. 181
Figura 44 - Rascunho para “La Cooperativa”, Diego Rivera, (1928) .............................. 182
Figura 45 – “La Cooperativa”, Diego Rivera (1928) ........................................................ 182
Figura 46 – “El Trabajo”, Diego Rivera, 2º andar da SEP (1924) ..................................... 183
Figura 47 - Mural simbolizando a aliança operária e camponesa, Diego Rivera (SEP) ... 183
Figura 48 – “Simbolos da Nova Ordem”, Diego Rivera, Chapingo.................................. 184
Figura 49 – Coatlicue, deusa mexica ................................................................................. 185
Figura 50 – Foto de Tina Modotti, representação do comunismo mexicano. ................... 185
Figura 51 – “El Arsenal”, Diego Rivera, terceiro andar da SEP (1928) ............................ 188
Figura 52 – “Reparto de tierras”, Diego Rivera, Chapingo (1924) ................................... 189
Figura 53 - Porta da Capilla Riveriana, desenho de Diego Rivera, Chapingo (1929) ...... 191
Figura 54 - Porta da Capilla Riveriana, desenho de Diego Rivera, Chapingo (1929) ...... 192
Figura 55 - Mural de Rivera em que os trabalhadores decidem o seu destino. ................. 192
Figura 56 - Detalhe do Mural de Chapindo, em que o capataz dos fazendeiros seguram um
papel dizendo: "eu defendo meus amos contra meus próprios irmãos" ............................ 193
Figura 57 - Detalhe do teto da Capilla Riveriana, em Chapingo. ...................................... 193
Figura 58 – Aliança operário e camponesa, Chapingo. ..................................................... 194
Figura 59 - Comando da Coluna Prestes (1925) ............................................................... 196
Figura 60 - Trecho do Jornal A Nação em que aparecem analises da direção do PCB
derivadas da tese Agrarismo x Industralismo. ................................................................... 205
Figura 61 – Manchete do Jornal A Classe Operária defendendo a candidatura do BOC no
pleito eleitoral .................................................................................................................... 206
Figura 62 – "Los Sabios", Diego Rivera, SEP, México. Representa a elite intelectual
burguesa. ............................................................................................................................ 207
Figura 63 – Detalhe da imagem ao lado, com uma lista de autores liberais e positivistas
preferidos pela antiga elite intelectual porfirista ............................................................... 207
Figura 64 – “El que quiera comer que trabaje”, Diego Rivera, SEP (1928) ..................... 208
Figura 65 – Retrato de Barbusse em Amauta .................................................................... 214
Figura 66 – Credencial de Mariátegui no Congresso de Livorno..................................... 220
Figura 67 - Lenin na Revista Amauta ................................................................................ 223
Figura 68 - APRA na Revista Amauta ............................................................................... 226
Figura 69 - Dzerchinsky no primeiro número de Amauta ................................................. 227
Figura 70 - Artigo de Martínez de La Torre em Amauta, sobre a estabilização capitalista.
........................................................................................................................................... 270
Figura 71 - Desenho de Rivera para o Congresso de Bruxelas (1927) ............................. 281
Figura 72 - Artigo da Revista Amauta acompanhando os acontecimentos na China. (1928)
........................................................................................................................................... 287
Figura 73 – A Revista Amautta aderiu a campanha internacional em defesa da vida dos
anarquistas Sacco e Vanzetti (1927) .................................................................................. 296
Figura 74 - Capa da Revista Amauta, com uma gravura indigenista de Sabogal. ............. 304
Figura 75 – “Família Russa”, Diego Rivera (1928) .......................................................... 313
Figura 76 – Ilustração de Rivera no livro Fermín comemorando os 10 anos da Revolução
Russa.................................................................................................................................. 315
xiii
Figura 77 - Retrato de Stalin em Amauta .......................................................................... 317
Figura 78 - A revista Amauta publicou notícias do Plano Quinquenal soviético. ............. 327
Figura 79 - Capa do Jornal El Machete expondo a ruptura entre comunistas e Sandino. . 349
xiv
Lista de abreviaturas e siglas
APRA – Aliança Popular Revolucionária Americana
ASMOB – Archivo Storico del Movemento Operaio Brasiliano
BO – Bloco Operário
BOC – Bloco Operário e Camponês
CCE – Comissão Central Executiva do Partido Comunista do Brasil
CEIC – Comitê Executivo da Internacional Comunista
CGT – Central Geral dos Trabalhadores
COB – Confederação Operária Brasileira
Comintern – Internacional Comunista
IC – Internacional Comunista ou III Internacional
ICCLA – Primeira Conferência Comunista Latino-Americana
ISV – Internacional Sindical Vermelha (ISR, em espanhol)
IWW – Industrial World Worker
KPD- Kommunistische Partei Deutschlands
Krestintern – Internacional Camponesa
LCAEV – Liga de Comunidades Agrarias do Estado de Veracruz
LNC – Liga Nacional Campesina
OIT – Organização Internacional do Trabalho
PAP – Partido Aprista Peruano
PC – Partido Comunista
PCA – Partido Comunista da Alemanha
PCB – Partido Comunista do Brasil
PCI – Partido Comunista da Itália
PCM – Partido Comunista do México
PCP – Partido Comunista do Peru
PLM – Partido Liberal Mexicano
PNA - Partido Nacional Agrarista
PRI - Partido Revolucionario Institucional (México).
PRM - Partido de la Revolución Mexicana.
PSI – Partido Socialista Italiano
PSP – Partido Socialista do Peru
xv
SOTPE – Sindicato de Operários, Técnicos, Pintores e Escultores
SRI – Sindicato Revolucionário Inquilinário
SSAIC – Secretariado Sulamericano da Internacional Comunista
TUC- Trade Union of Commonwealth.
xvi
Sumário
INDICE DE ILUSTRAÇÕES .................................................................................................................... XII
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................... 3
1º CAPÍTULO – O MOVIMENTO RADICAL ANTES DOS COMUNISTAS ....................................... 20
A HIPÓTESE DE ARICÓ ................................................................................................................................. 21
O LIBERALISMO RADICAL QUE SE TORNA ANARQUISTA: A CRÍTICA SOCIAL DE MANUEL GONZÁLEZ PRADA 28
A REBELDIA DE RICARDO FLORES MAGÓN .................................................................................................. 37
REBELIÃO ZAPATISTA E ANARQUIA NOS ANDES ........................................................................................... 48
REBELIÃO INDÍGENA E O ANARQUISMO ....................................................................................................... 58
A GRANDE RUPTURA: A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL E A REVOLUÇÃO RUSSA ......................................... 68
A REFUNDAÇÃO LENINISTA ......................................................................................................................... 79
REPERCUSSÕES DA REVOLUÇÃO RUSSA NO BRASIL .................................................................................... 84
OS PRIMEIROS “BOLCHEVIQUES” MEXICANOS ........................................................................................... 100
2º CAPÍTULO – OS COMUNISTAS LATINO-AMERICANOS DESCOBREM AS CLASSES NÃOPROLETÁRIAS .......................................................................................................................................... 103
O LENINISMO PARA A PERIFERIA................................................................................................................. 104
OS COMUNISTAS ALÉM DO MOVIMENTO PROLETÁRIO .................................................................................113
ESTOU DE GREVE, NÃO PAGO ALUGUEL! .....................................................................................................119
O NASCIMENTO DA LIGAS CAMPONESAS E DO AGRARISMO ROJO ............................................................. 122
ÚRSULO GALVÁN, O LÍDER CAMPONÊS COMUNISTA................................................................................... 126
OS COMUNISTAS COMBATEM A REBELIÃO DELAHUERTISTA DE ARMAS NA MÃO ........................................... 127
O PCM ENCONTRA OS ARTISTAS, QUE DESCOBREM UM MOTIVO: A REVOLUÇÃO SOCIAL .......................... 147
DIEGO RIVERA, O MURALISTA ................................................................................................................... 159
SIQUEIROS, O “TEÓRICO” DO MURALISMO ................................................................................................. 163
O SINDICATO DE OPERÁRIOS, TÉCNICOS, PINTORES E ESCULTORES .......................................................... 175
AS PRIMEIRAS INTERPRETAÇÕES VISUAIS MARXISTAS DA HISTÓRIA DO MÉXICO: OS MURAIS DA SEP E DE
CHAPINGO ................................................................................................................................................. 180
CHAPINGO, OS MURAIS DO PROBLEMA AGRÁRIO MEXICANO ...................................................................... 189
A CRISE DO ESTADO BRASILEIRO E O TENENTISMO .................................................................................... 195
AGRARISMO E INDUSTRIALISMO ................................................................................................................ 198
JOSÉ CARLOS MARIÁTEGUI E OS BOLCHEVIQUES ...................................................................................... 209
MARIÁTEGUI E SEU APRENDIZADO EUROPEU ............................................................................................. 215
O MODELO POR TRÁS DOS SETE ENSAIOS.................................................................................................... 230
A NACIONALIDADE EM FORMAÇÃO E O PROCESSO DA LITERATURA............................................................ 253
3º CAPÍTULO – TENSÕES COM OS NACIONALISTAS “PEQUENO-BURGUESES” E A
RUPTURA DA FRENTE ÚNICA. .............................................................................................................. 259
O V CONGRESSO DA INTERNACIONAL COMUNISTA, BOLCHEVIZAÇÃO DOS PARTIDOS COMUNISTAS E
CONSTRUÇÃO DE FRENTES ÚNICAS PARA GANHAR AS AMPLAS MASSAS ..................................................... 260
A BOLCHEVIZAÇÃO NA AMÉRICA LATINA.................................................................................................... 268
O QUE É O ARPA? ..................................................................................................................................... 297
A REVISTA AMAUTA .................................................................................................................................. 302
O VI CONGRESSO DA IC E OS COMUNISTAS LATINO-AMERICANOS ............................................................. 312
A PRIMEIRA CONFERÊNCIA COMUNISTA LATINO-AMERICANA DE BUENOS AIRES ..................................... 327
A AMÉRICA LATINA NA REVOLUÇÃO MUNDIAL E O “PROBLEMA DA TÁTICA DOS PARTIDOS COMUNISTAS”
.................................................................................................................................................................. 329
O MÉTODO DE INTERPRETAÇÃO DA REALIDADE COLONIAL E SEMICOLONIAL PARA A AMÉRICA LATINA (1929)
.................................................................................................................................................................. 334
O PROBLEMA DAS RAÇAS NA AMÉRICA LATINA NA LINHA DO VI CONGRESSO DA INTERNACIONAL
COMUNISTA ............................................................................................................................................... 343
CONCLUSÃO ............................................................................................................................................. 350
CRONOLOGIA: ......................................................................................................................................... 366
xvii
ARQUIVOS E BIBLIOTECAS CONSULTADAS: .................................................................................. 384
FONTES ....................................................................................................................................................... 384
PERIÓDICOS CONSULTADOS ....................................................................................................................... 384
CONJUNTOS MURAIS CONSULTADOS .......................................................................................................... 385
CATÁLOGOS DE ARTE E SOBRE O MURALISMO........................................................................................... 385
DICIONÁRIOS ............................................................................................................................................. 387
FILMOGRAFIA ............................................................................................................................................ 387
MEMÓRIAS ................................................................................................................................................ 387
DOCUMENTOS, RESOLUÇÕES, LIVROS, CARTAS E FOLHETOS IMPORTANTES ................................................ 388
BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................................................... 394
ANEXOS ...................................................................................................................................................... 409
ANEXO A – O POVO MEXICANO ESTÁ APTO PARA O COMUNISMO ........................................................... 409
ANEXO B - TRECHOS DAS RESOLUÇÕES 2º CONGRESSO DA INTERNACIONAL COMUNISTA: “TESES E
ACRÉSCIMOS SOBRE AS QUESTÕES NACIONAL E COLONIAL” .....................................................................411
xviii
Introdução
Em 1980, José Aricó publicava pela primeira vez o livro Marx y América
Latina1, a partir do exílio no México. Entre as questões que ele tratou nesse texto,
estava a tentativa de responder a uma antiga preocupação dos marxistas latinoamericanos e que mobilizava esforços do grupo que debatia marxismo em torno da
Revista Pasado y Presente2,3: onde buscar as razões do desencontro entre socialismo e
América Latina?
Se socialismo e movimento operário são ainda hoje na Europa dois
aspectos de uma mesma realidade – por mais contraditórias e
nacionalmente diferenciadas que se evidenciem suas relações –, na
América Latina constituem duas histórias paralelas que em contadas
ocasiões se identificaram e que na maioria dos casos se mantiveram
separadas e até opostas entre si. (ARICÓ, 1999, p. 23).
A preocupação acadêmica e militante de Aricó não era solitária e nem apenas
vinculada apenas ao grupo de Pasado y Presente. Outros intelectuais marxistas
buscaram na história a explicação para a dificuldade do socialismo em nosso continente.
No Brasil, Leandro Konder foi um exemplo. Imbuído por um similar sentimento de
perplexidade frente às derrotas da esquerda e às equivocadas avaliações do Partido
Comunista Brasileiro4 no contexto do Golpe Militar de 1964, buscou compreender
melhor a formação do movimento comunista brasileiro e as formulações políticas que o
guiaram5.
Essa busca por explicar os desencontros entre marxismo e América Latina levou
1
ARICÓ, José de. Marx e América Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
A partir da revista Pasado y Presente desenvolveu-se uma série de publicações agrupadas na coleção
Cuadernos del Pasado y Presente que até os dias atuais são uma das mais importante compilação de
documentos, coleções de textos e analises acerca de Marx, do marxismo e da história do socialismo na
América Latina. Por trás dessa publicação e como principal animador desse grupo de intelectuais e
ativistas esteve José de Aricó (1931-1991). Outros nomes importantes de grupo foram: Juan Carlos
Portantiero, Oscar del Barco, Hector Schmucler, entre outros. Os Cuadernos del Pasado y Presente
tiveram 98 números e podem ser divididos em três períodos, 1968-1970 (1 ao 16), em Córdoba; o
segundo, 1970-1975 (17 ao 65) em Buenos Aires, o último, 1976-1983 (63 ao 98) no México.
3
Cf. CRESPO, Horácio. En Torno a Cuadernos de Pasado y Presente, 1968-1983, s/d. Disponível em:
<http://shial.colmex.mx/textos/crespo.pdf>. Acesso em: 17 set. 2011.
4
Referimo-nos ao PCB de Prestes, já que o PCdoB, que desde 1962 havia rompido com o PCB, estava
transferindo militantes para o campo e dirigindo a luta dos comunistas para a estratégia da Guerra Popular
Prolongada, estratégia que havia sido vitoriosa na China, na Coreia e depois seria também na luta
anticolonial em vários países, particularmente os da antiga Indochina.
5
O livro de Konder que tratou a recepção do marxismo no Brasil foi: KONDER, Leandro. A Derrota da
Dialética: A recepção das Ideias de Marx no Brasil até o começo dos anos trinta. Rio de Janeiro: Campus,
1988.
2
3
ao debate do que seria particular no Brasil e qual a relação entre especificidade regional
e marxismo.
José de Aricó estudou os textos de Marx sobre Bolívar; as edições de Pasado y
Presente, que ele dirigia, publicaram compilações sobre escritos de Marx que tratavam
da América Latina, e também escreveu uma reflexão inovadora acerca da recepção do
marxismo na América Latina, “A Hipotesis del Justo”6. Em meio às investigações sobre
a trajetória das ideias marxistas em nosso continente, Aricó chegou aonde muitos que
seguiram esse raciocínio chegaram: na obra do peruano José Carlos Mariátegui.
Mariátegui, ao longo da década de 1920, havia produzido uma interessante e
inovadora reflexão acerca da realidade peruana a partir do marxismo. Depois de sua
morte, em 1930, a obra de Mariátegui havia sido criticada pela direção do Partido
Comunista do Peru – partido que havia ajudado a fundar – e foi esquecido pelo
movimento comunista.
Somente a partir da década de 1950 a obra de Mariátegui seria retomada e, a
partir da década de 1970, estudada sistematicamente pelas correntes da esquerda latinoamericana, que buscavam uma alternativa para os modelos soviéticos de Partido
Comunista7.
Nesse contexto, Aricó descobriu Mariátegui e publicou um ensaio intitulado
“Mariátegui y los Orígenes del Marxismo Latino-americano”8, em que ressaltava o que
depois Michel Lowy9 denominaria de “heterodoxia” do pensamento de Mariátegui.
O que chamava a atenção desses autores para o pensamento de Mariátegui eram
algumas inovações conceituais que o afastavam da “ortodoxia” da Internacional
Comunista, e uma análise original da formação histórica peruana, grande parte presente
nos “Siete Ensayos”10.
6
ARICÓ, José de. La Hipótesis del Justo: Escritos sobre el Socialismo en América Latina. Buenos Aires:
Editorial Sudamericana, 1999.
7
É importante sublinhar que, quando falamos de modelo soviético, não estamos nos referindo ao modelo
leninista de PC, mas da estrutura que a partir de meados dos anos 1950 dominou a maioria dos Estados do
que ficou conhecido como “bloco socialista”. É importante verificar que a China produziu uma crítica
importante ao “modelo soviético”, bem como o chamado “guevarismo” ou “castrismo” nascido da
revolução cubana, e possuía uma importante crítica à burocracia do PCUS pós-1956. Trataremos essa
questão ao longo do texto.
8
ARICÓ, José de. “Mariátegui y los Orígenes del Marxismo Latino-americano”. In: _______. La
Hipótesis de Justo: Escritos sobre el Socialismo en América Latina, Buenos Aires: Editorial
Sudamericana, 1999.
9
LÖWY, Michael (Org.). O Marxismo na América Latina: uma antologia de 1909 aos dias atuais.
Tradução de C. Schilling e Luís C. Borges. São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo, 1999.
10
Siete Ensayos de Interpretación de la Realidad Peruana é a principal obra de José Carlos Mariátegui e
até hoje o livro mais vendido de um autor peruano no mundo. MARIÁTEGUI, J. C. Sete ensaios de
4
O que Mariátegui trazia de diferente e original era o papel das comunidades
indígenas na Revolução Socialista no Peru, a inversão da lógica “progressivista”11 da
conquista espanhola no Peru e o papel do mito para a revolução peruana, além de seu
estilo pouco programático e mais ensaísta.
Para a esquerda, um trecho de um dos textos de Mariátegui sintetizava a
percepção que se tinha da obra de José Carlos Mariátegui: “O socialismo no Peru não
será nem cópia, nem decalque, mas criação heroica”. (MARIÁTEGUI, 1994). E, sobre o
que seria essa criação, socialistas12, comunistas e até apristas têm debatido em milhares
de páginas na América Latina e no mundo.
O que Mariátegui passava a simbolizar nos debates da esquerda latino-americana
era a crítica ao espelhismo (reprodução acrítica e mecânica) do marxismo produzido em
outras experiências sociais, particularmente europeias e soviéticas, sem uma análise do
que teríamos de particular. Essa reprodução automática de fórmulas explicaria grande
parte das derrotas da esquerda latino-americana em construir uma alternativa socialista
no continente, ou, ao menos, explicava a dificuldade em fundir o socialismo às tradições
radicais do movimento popular.
interpretação da realidade peruana. Tradução de S.O. de Freitas e Caetano, prefácio de F. Fernandes. São
Paulo: Alfa-Omega, 1975.
11
Utilizamos o termo progressivista, para substituir evolucionista ou positivista, conforme trataremos nos
capítulos que seguem. Ambos os termos são insuficientes para tratarmos a corrente do marxismo que
defendeu a sucessão de modos de produção, do escravismo ao socialismo, de forma mecânica e simplista.
Evolucionismo e positivismo são correntes do pensamento liberal, e seguem outros pressupostos estranhos
ao marxismo.
12
O termo socialista tem contexto e história, e não pode ser definido com poucas palavras. Os marxistas
anteriores à Revolução Russa, em oposição às correntes anarquistas, libertárias e sindicalistas, utilizaram
dois termos para si: social-democratas ou socialistas. Ou seja, as correntes marxistas filiadas na Segunda
Internacional (1889-1914), se reconheciam pelo nome de socialistas, e em vários países denominavam
seus partidos como social-democratas. Após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a Revolução Russa
impõe uma cisão entre os marxistas, de forma que os “social-democratas de esquerda”, os que se
opuseram à guerra imperialista, e estiveram presentes na Conferencia de Zimmerwald (setembro de
1915), fundaram a Internacional Comunista em 1919, e resolveram denominar esses marxistas
revolucionários, como comunistas. O discurso inaugural de Lenin no Primeiro Congresso da IC deixa
claro o problema do nome e a opção por comunista. O problema é que os comunistas jamais abriram mão
do nome socialista, geralmente atacando a corrente reformista do marxismo como social-democrata, por
vezes também como socialistas, ou socialistas reformistas. Na obra de José Carlos Mariátegui, muito
próxima em tempo a essa cisão do marxismo, é utilizado o termo socialismo para definir muitas coisas
diferentes, e por isso, normalmente a palavra socialista aparece com adjetivos, como “socialismo
revolucionário”, “socialismo reformista”, “socialistas de Amsterdam” para se referir aos comunistas ou
social-democratas, afora quando socialista designa algo da economia soviética, ou mesmo uma postura
ideológica antiliberal. Enfim, socialismo não é uma palavra precisa nas fontes, sempre necessita de
contexto. Nós, em termos de definição de correntes políticas, utilizaremos apenas para tratar o marxismo
reformista, ou o que atualmente denominamos como social-democracia. Naturalmente socialismo está,
em economia e como descrição de uma sociedade, referindo-se a um sistema político, que na versão de
Lenin, presente no Estado e a Revolução (1918), trata-se da “ditadura do proletariado”, a forma de Estado
intermediário entre o capitalismo e o comunismo, este último a sociedade sem classes.
5
Esses debates acerca da particularidade da revolução na América Latina estavam
diretamente relacionados aos ecos da Revolução Cubana na esquerda. O próprio Aricó
havia militado em uma organização guevarista na Argentina, e tudo indicava que a
dificuldade em se tratar a particularidade latino-americana era um importante fator para
a explicação das dificuldades da esquerda em obter êxitos no continente.
O debate foi interrompido pelos efeitos da queda do muro em Berlin e a
fragmentação da URSS, que trouxeram novas preocupações para os estudos
acadêmicos, distanciando o marxismo e o movimento comunista das preocupações
historiográficas da década de 1990.
Foi apenas depois das consequências negativas das políticas denominadas como
“neoliberais”, a partir do início do século XXI, e a vitória eleitoral de governos que
reivindicavam, ao menos em discurso, um projeto de esquerda, como Hugo Chávez,
Evo Morales, o casal Kirchner e o governo do PT no Brasil, que Mariátegui voltou a
aparecer como o centro das preocupações de alguns estudiosos do movimento popular
latino-americano, especialmente quando se tratava da questão indígena (tema
importante para os países andinos) e das particularidades do continente latino-americano
no marxismo.
Como acontece com muitos autores importantes, Mariátegui passou a
representar muito mais que a sua própria obra. Desde sua redescoberta na década de
1950, ele foi referência para muitas lutas políticas entre os partidos peruanos e seu
pensamento tornou-se tão multifacetado que é difícil apreender sua figura histórica em
meio ao tanto que se citou, se escreveu e se reivindicou em seu nome. A obra de
Mariátegui descolou-se de sua própria trajetória política, e por muitas vezes de seus
próprios textos13.
Alberto Flores Galindo14 chamou atenção para essa perda da figura histórica de
Mariátegui e concentrou-se na tentativa de reconstruir o ambiente em que viveu
Mariátegui, suas influências e experiências políticas. Galindo buscou nos mais diversos
dados daquela realidade, como na economia peruana, na demografia, nas influências
ideológicas e até nas polêmicas entre o aprismo e a Internacional Comunista, as fontes
do pensamento de Mariátegui.
Ao longo do texto, demonstraremos que o que se denomina como “Obra de Mariátegui”, pode,
inclusive, ter contradições com o próprio texto escrito por Mariátegui, tamanha a importância que as
interpretações alcançaram para os estudos sobre o amauta peruano. Esse fenômeno pode ser facilmente
observado com a “Obra de Marx”, de Gramsci, entre outros.
14
FLORES GALINDO, Alberto. Obras Completas. Lima: SUR, 1994.
13
6
Nesse esforço por compreender o pensamento de Mariátegui, as conclusões
costumaram isolar Mariátegui de seu meio e militância política, sempre solitário e
excepcional no seu tempo. Tanto Flores Galindo15 quanto José Aricó e mesmo Michel
Löwy tenderam a isolar Mariátegui dos coletivos comunistas e a explicá-lo como
exceção ao ambiente “superficial” do movimento comunista na América Latina.
Os textos de Aricó e de Flores Galindo16 contribuíram para os estudos do
pensamento de Mariátegui e acrescentaram muitos dados na explicação das dificuldades
que as ideias socialistas encontraram para fundirem-se ao movimento popular latinoamericano. Mas ainda permanecia uma pergunta materialista: por que as condições que
propiciaram o desenvolvimento do pensamento de Mariátegui no Peru não
possibilitaram o mesmo em outros países, como Brasil, México e Argentina? Seria
mesmo Mariátegui o único exemplar do comunismo latino-americano que conseguiria
interpretar à luz do marxismo a realidade peruana ou latino-americana?
A direção de pesquisa desses autores tratou Mariátegui como um autor
excepcional, distinto de tudo o que havia no movimento comunista latino-americano da
época, e foi em busca das influências e peculiaridades que explicavam essa
excepcionalidade. Aricó escreveu:
Não é casual que em uma etapa que se coloca como tarefa inescusável
a reflexão crítica sobre toda uma tradição histórica, consolidada pela
força que se outorgou em décadas de ação teórica e política em
formações estatais emergentes, dessa luta reapareça em um plano
destacado a figura excepcional de Mariátegui. Ocorre que, igual a
outros heterodoxos pensadores marxistas, ele pertence à estirpe das
rara avis, que em uma etapa muito difícil e de cristalização dogmática
da história do movimento operário e socialista mundial se esforçam
por estabelecer uma relação inédita e original com a realidade.
(ARICÓ, 1978, p. XIII, grifos nossos).
O que houve de peculiar na vida de Mariátegui foi a sua passagem pela Europa,
particularmente pela Itália, onde pôde conhecer o pensamento de Sorel, Croce, Gobetti
e, principalmente, Lenin. Ou seja, pelo filtro de um tipo de pensamento revolucionário
socialista que explicava, do mesmo modo, a excepcionalidade de Gramsci. Em uma
15
Idem.
O texto de Alberto Flores Galindo que trata da relação entre Mariátegui e a Internacional Comunista
está no capítulo intitulado “La agonia de Mariátegui”. In: FLORES GALINDO, Alberto. Buscando un
inca: identidad y utopía en los Andes. México: Grijalbo, 1993.
16
7
recente tese de doutorado17, acerca da obra de José Carlos Mariátegui, a professora
Leila Escorsin Netto partiu de uma hipótese muito próxima ao que a historiografia havia
concluído acerca da excepcionalidade de Mariátegui. Para Escorsin, Mariátegui era não
apenas a rara avis, mas também quem havia trazido para o Peru a “modernidade”
emergente que se desenvolvia na Europa, o movimento socialista. Mariátegui era
excepcional, um sujeito de qualidades raras que havia se alimentado dos debates e
experiências políticas do que existia de mais avançado na Europa para interpretar a
realidade peruana, e também, para muitos, latino-americana.
Em um trabalho anterior18, acerca da questão indígena, identidade nacional
peruana e aprismo19 no Peru, deparamo-nos com uma série de personagens, fontes
periódicas e textos que nos permitiram perceber que, embora os textos de Mariátegui
tivessem qualidades pouco comuns, se comparadas às de outros militantes comunistas
da época, suas reflexões não se desenvolveram solitárias, nem se alimentaram apenas do
que ele aprendeu na viagem pela Itália, mas foi fruto de um período germinal e
importante do movimento comunista na América Latina. Trata-se de um período inicial
do marxismo na América Latina, em que se buscou compreender pela primeira vez a
realidade regional em suas particularidades, à luz de um projeto político internacional
de emancipação dos trabalhadores, audacioso em suas metas e que iria influenciar
diversas gerações posteriores de revolucionários.
Partimos da negação da excepcionalidade de Mariátegui20 e fomos à busca de
outros militantes que durante a década de 1920 tentaram aplicar o marxismoleninismo21 à realidade latino-americana. O país que reunia as condições mais
17
ESCORSIN MACHADO, Leila. J. C. Mariátegui: Marxismo, Cultura e Revolução. Rio de Janeiro:
UFRJ (Tese de Doutorado), 2004.
18
DEVEZA, Felipe. Mariátegui, A Comunidade Indígena e a Indo-américa – Mariátegui, APRA e Haya,
Rio de Janeiro: UFRJ (Dissertação de Mestrado), 2006.
19
Aprismo é a corrente nacionalista que se desenvolveu em torno de Victor Raúl Haya de La Torre,
fundada no México em 1924, mas que se desenvolveu a partir da década de 1930 no Peru como partido, o
Partido Aprista Peruano (PAP). O termo aprismo faz referência ao nome da organização Aliança Popular
Revolucionária Americana (APRA).
20
Não existiu entre os estudiosos do marxismo de José Carlos Mariátegui uma tese acerca da
excepcionalidade de Mariátegui. Existe um esforço por estudar a obra deste peruano e de valorizar seu
pensamento, contrapondo os Siete Ensayos com o que se costuma denominar genericamente como “teses
stalinistas”. Nossa crítica à ideia de excepcionalidade de Mariátegui não está dirigida a nenhum autor
específico, mas serve para apontar a falta de estudos da obra de outros teóricos comunistas do período e
seus esforços “criadores”.
21
Os comunistas, após a morte de Lenin, denominaram a sua doutrina e ideologia como marxismoleninismo. Como veremos no capítulo 3 deste texto, após 1924 a Internacional sistematizou o que seria
marxismo-leninismo. Utilizaremos marxismo ou leninismo separadamente quando tratarmos de questões
específicas que remetem diretamente a um ou outro desses autores, mas, principalmente, quando tratamos
8
“excepcionais” da América Latina, onde poderíamos encontrar outro “Mariátegui”, seria
o México pós-revolucionário, no qual diversas características, potencializadas pela
Revolução Mexicana e pelo nacionalismo oficial, poderiam ter impulsionado um tipo de
marxismo original, um movimento comunista preocupado com as particularidades do
México, e por consequência, da América Latina. Comparando o percurso de Mariátegui
e dos militantes em seu entorno com a experiência dos comunistas mexicanos,
poderíamos encontrar explicações, verificar se a obra de Mariátegui era excepcional em
sua época e até que ponto a compreensão de uma particularidade latino-americana, ou
mesmo nacional, nas teorias marxistas poderiam contribuir para o êxito ou o fracasso
das organizações comunistas no continente.
***
O conceito que percorrerá todo este trabalho é o que denominamos de
particularidade latino-americana, que não possui um significado absoluto e nem será
definido em um sentido rígido e estático. A particularidade latino-americana foi em
cada realidade percebida de maneira distinta, com muitos elementos, e variou entre os
grupos políticos e ao longo dos anos. Aqui, tratamos a particularidade latino-americana
como pensaram os primeiros comunistas da região, com referência no marxismoleninismo, ao longo da 1ª década do movimento comunista na América Latina, entre
1919 e 1930.
Para o movimento comunista, particularidade foi a especificidade nacional22, e
para a Internacional Comunista, as especificidades de cada seção nacional, que em
termos gerais foram as características diferentes da realidade industrial e urbana da
Europa Ocidental. No caso latino-americano, essa particularidade esteve associada a
duas características estruturais presentes em todos os países: a situação periférica e
subordinada em relação ao centro capitalista (a situação semicolonial ou colonial
conforme a conceitualização utilizada pela Internacional Comunista) e a predominância
do debate mais teórico. A ideologia e doutrina do movimento comunista, ao menos até o fim da
Internacional Comunista em 1943, chama-se marxismo-leninismo.
22
Em uma interpretação marxista mais rígida, a particularidade nacional estaria associada à burguesia.
Analisaremos mais detalhadamente ao longo deste trabalho essa questão, mas importa desde já dizer que,
para o contexto latino-americano e para a Internacional Comunista, a particularidade nacional pode estar
relacionada a um país específico, como pode tratar de uma região ou sub-regiões da América Latina. Não
faremos uma distinção mais que pontual, para cada momento ao longo do texto, entre particularidade
nacional e latino-americana.
9
da economia agrícola sobre a industrial (a questão camponesa, feudal ou semifeudal);
para a maioria dos países latino-americanos, particularmente os andinos e os
mesoamericanos23, essas características específicas se somam ao complicador que
Melgar Bao denomina de questão etnoclassista, a questão de raça ou questão indígena24,
que se mistura com uma série de questões, como economia comunal, identidade étnica e
nacional, cooperativismo indígena, Ejido, Ayllu entre outras.
Grande parte da bibliografia acerca da história do movimento comunista na
América Latina tendeu a subestimar o papel que questões endêmicas da região tiveram
nas opções dos dirigentes comunistas e na própria dinâmica de inserção desses
revolucionários nos movimentos populares.
São essas características, subestimadas pela historiografia tradicional, que
pretendemos utilizar amplamente, sendo para nós uma importante fonte para a
especificidade do movimento comunista latino-americano e para o que temos
denominado como particularidades latino-americanas no movimento comunista.
Barry Carr chama a atenção para essas características que distinguem as
particularidades do movimento comunista em cada país.
[...] durante os cinco primeiros anos de existência da Comintern o
processo de criação da famosa estrutura disciplinada e centralizada
que funcionaria nos anos posteriores foi lenta e frequentemente
contraditória. As comunicações e outros problemas obstaculizavam e
desorganizavam a compreensão e o manejo das situações europeias
pela Comintern. Por isso resulta ainda mais difícil aceitar a seriedade
daqueles estudos históricos que sustentam de uma maneira
rigidamente teleológica que havia uma correspondência exata, desde o
princípio, entre as ações do Partido Comunista do México e o Comitê
23
Segundo Wagner Pinheiro Pereira, o termo Mesoamérica foi utilizado pela primeira vez pelo filósofo e
antropólogo alemão Paul Kirchhoff (1900-1972) em seu texto “Mesoamérica: seus limites geográficos,
composição étnica e caracteres culturais”, de 1943, no qual desenvolveu esse conceito com base nas
reflexões de outros estudiosos que, desde o século XIX, se dedicavam aos estudos das antigas civilizações
do México e da América Central. Trata-se de uma macrorregião cultural de grande diversidade étnica e
linguística, onde se desenvolveram as civilizações pré-colombianas consideradas as mais avançadas e
complexas, tais como a olmeca, teotihuacana, maia e asteca. Em termos territoriais, a Mesoamérica é
composta pelas áreas de agricultura estável situadas no México – ao sul dos desertos setentrionais –,
Guatemala, Belize, oeste de Honduras, sudoeste da Nicarágua, e a península de Nicoya na Costa Rica. Cf.
PEREIRA, Wagner Pinheiro. História da América Pré-Colombiana. Rio de Janeiro: Mimeo, 2010.
24
Para Melgar Bao, “é necessário avançar na aproximação e recuperação do código etnoclassista do
político e do sindical, em uma América Latina que apresenta um arraigado mosaico etnoclassista do qual
emerge um proletariado misto. Este se apresenta como principal componente de uma classe subalterna de
perfil impreciso, que a historiografia operária reivindica implicitamente como o principal enlace de seu
objeto de estudo” (MELGAR BAO, Ricardo. El Movimento Obrero Latinoamericano – Historia de una
Clase Subalterna, México: Alianza, 1988, p. 18). A questão etnoclassista inclui também a questão negra
em países como o Brasil e Cuba, mas, por ser predominantemente indígena, no Peru e no México, nos
concentraremos nesta parte do “mosaico”.
10
Executivo da Comintern. […] Uma última advertência se refere ao
perigo de aceitar sem reservas a homogeneidade internacional do
movimento comunista. Todos os Partidos, sem importar o quanto
estalinizados e servis fossem, invariavelmente assimilam muitas das
características peculiares da cultura nacional e das tradições radicais
de seu país. (CARR, 1996, p. 23).
Essas características peculiares de que nos fala Carr, base para o que os
comunistas entenderam como suas particularidades nacionais e regionais, foram pouco
exploradas pela historiografia de maneira integrada e, ainda menos, de forma
comparativa. Quando o movimento comunista latino-americano foi tema de
investigações históricas, com raras exceções, foi estudado apenas em manifestações
nacionais ou pelas experiências das seções nacionais em relação ao Comitê Executivo e
os Congressos da Internacional Comunista25.
***
A primeira hipótese que guiou essa investigação foi a de que a década de 1920
reuniu características que propiciaram uma reflexão frutífera acerca da particularidade
latino-americana entre os primeiros marxistas do continente. Entre essas características,
estiveram, principalmente, a influência de um emergente nacionalismo regional, a
crítica radical gonzález pradista e magonista (nos casos peruanos e mexicanos) e a
emergência de movimentos populares que inspirariam a reflexão de particularidades no
movimento popular latino-americano, tais como: a insurreição indígena no Peru, o
agrarismo no México, o muralismo, o nacionalismo pós-revolucionário no México e os
movimentos anti-imperialistas que se desenvolveram ao redor do Partido Comunista do
25
Utilizaremos o termo Internacional Comunista para designar a organização comunista fundada a partir
da Revolução Bolchevique de 1917. Outras opções seriam Comintern, Komintern e 3ª Internacional.
Optamos por Internacional Comunista por parecer o nome que melhor define a organização, que se
pretendeu Internacional, seguindo as Internacionais, desde a I Internacional de Marx (fundada em 1864),
somado ao termo Comunista, que acompanha o nome dos partidos, as seções nacionais: os Partido
Comunista. Internacional Comunista em português foi a forma com que os brasileiros que militaram sob
sua influência denominaram a organização. Pierre Broué, na apresentação do seu livro História da
Internacional Comunista, abre um debate sobre o nome da organização, optando por a Comintern
(BROUÉ, 2007, p. 5). Embora não seja uma questão fundamental, esse termo ajuda a reforçar a ideia de
que a Internacional Comunista era uma espécie de agência de espionagem russa, uma típica interpretação
da propaganda anticomunista da Guerra Fria. Não é por outro motivo que William Waack utiliza o termo
“agente” para se referir aos militantes dos Partidos Comunistas e membros da Internacional Comunista.
(WAACK, Willliam. Camaradas – Nos arquivos de Moscou: a história secreta da revolução brasileira de
1935, São Paulo: Companhia das Letras, 1993).
11
México, entre eles o sandinismo, o aprismo e a luta contra a intervenção norteamericana em Cuba. No Brasil, o movimento tenentista foi revelador para a necessidade
de uma análise da situação política nacional que superasse as análises baseadas na
dicotomia simples da contradição proletariado x burguesia.
Durante a década de 1920, houve esforços para ampliar a frente composta pelas
classes oprimidas, aliadas do proletariado (ou do Partido Comunista) na estratégia da
Internacional Comunista. Isso significou, para muitos Partidos Comunistas, uma busca
pelo nacional, pelo específico e pelo característico dos povos. É possível identificar uma
tentativa de adaptar e “latino-americanizar” a doutrina, ao mesmo tempo que se tenta
conceitualizar o papel político-econômico das classes não proletárias aliadas
(camponeses pobres e pequena burguesia) para a Revolução. Esse período rico para o
marxismo latino-americano, não maior que uma década, produziu novas visões acerca
da questão indígena, agrária, colonial e do imperialismo, que podem ser bem
representadas pela obra de José Carlos Mariátegui e também pelo muralismo mexicano,
entre os anos de 1919, quando chega o leninismo na América Latina, e 1930, quando
morre Mariátegui e o PCM entra na ilegalidade26. O corte temporal desta pesquisa está
delimitado pelo início da atividade comunista na América Latina, em 1919, e o fim do
período de debates em torno da construção dos Partidos Comunistas na América Latina,
marcado pela primeira Conferência Latino-Americana de Partidos Comunistas, em
Buenos Aires no ano de 1929, onde se tentou sistematizar a estratégia e tática dos PCs
latino-americanos.
Como desdobramento imediato da hipótese acima, chegamos à segunda
hipótese, que se insere no debate acerca do lugar da teoria na atividade política,
tentando responder à seguinte questão: qual a importância que as interpretações acerca
da particularidade latino-americana tiveram na atividade política dos primeiros
comunistas latino-americanos? Como essas formulações podem ter afetado o êxito ou o
fracasso da atividade política comunista na América Latina? E até que ponto esse
elemento subjetivo da prática política condiciona, potencializa ou limita a ação social,
assim como a capacidade de mobilização das organizações políticas e a manutenção dos
vínculos com suas bases sociais? Até que ponto determinadas interpretações da
realidade condicionam a inserção dos militantes partidários e até onde as doutrinas
26
O PCM entra na ilegalidade exatamente em 1929. Diferente do caso brasileiro, a ilegalidade do PCM
foi exceção à regra, durou pouco mais do que meia década e ao contrário do PCB, teve, antes da década
de 1980, um curtíssimo período de legalidade de menos de 3 anos, logo após a 2 ª Guerra Mundial.
12
podem deslocar-se da realidade e conseguir flutuar como dogmas abstratos em
programas partidários sem sofrerem questionamentos por seus militantes?
Compartilharemos do que denominamos como a Hipótese de Aricó, de que
existe uma relação dialética entre formulação teórica com a prática política dos
movimentos populares, mas ampliamos nosso objeto de estudo para o movimento
comunista que surgiu em torno de Mariátegui, em comparação ao movimento comunista
mexicano e brasileiro durante a década de 1920, não apenas na trajetória específica de
José Carlos Mariátegui. Assim, formulamos a segunda hipótese que guia este trabalho.
Na medida em que os comunistas conseguiam perceber o que era específico da
realidade
latino-americana,
inclusive
mobilizando
artifícios
simbólicos
que
possibilitassem uma identidade nacional, como a questão indígena, ou a inserção em
movimentos emergentes do contexto latino-americano, como o agrarismo e a luta antiimperialista, ampliavam a influência e a participação no cenário político nacional.
Para testar nossas hipóteses, confrontamos o ambiente em que viveu Mariátegui
e sua obra com o movimento comunista que se desenvolveu no México, o mais rico em
experiência política, e que mais interessou à Internacional Comunista ao longo da
década de 1920, a qual atuou como organização legal, e entre os PCs latino-americanos,
alcançando maior penetração e influência nacional, embora não tenha produzido uma
sistematização teórica como a elaborada por José Carlos Mariátegui nos Siete Ensayos.
Nossa metodologia de investigação passou primeiramente pela análise e a busca
de artigos, discursos e definições programáticas que tratassem dos temas que estivessem
relacionados a uma particularidade latino-americana, como a Revolução Mexicana; a
questão indígena; temas relacionados ao anti-imperialismo na América Latina e à
questão agrária quando tratada em relação às formas específicas de propriedade da terra,
como os Ayllus, Calpullis ou Ejidos27. Através do método que se denomina como
análise dos conteúdos, buscamos alguns conceitos e temas pertinentes e chaves para
uma caracterização da “particularidade latino-americana”, ou mesmo sua ausência. A
partir dessa primeira análise, procuramos datar e contextualizar os debates com os
acontecimentos políticos nacionais, com o Movimento Comunista em uma dimensão
mais global e com os fatos importantes da situação internacional, que tiveram influência
para os militantes do PCM, do PCB e em torno do núcleo fundador do PCP (até 1930,
27
Ayllu, Calpullis e Ejidos são os nomes dados às diversas formas de propriedade comunal da terra no
Peru e no México. Trataremos em detalhes essa questão ao longo das próximas páginas.
13
Partido Socialista do Peru).
***
O primeiro ponto de reflexão de definição metodológica está relacionado aos
problemas de determinação que qualquer reflexão à luz do marxismo inevitavelmente
provoca. Para nós, a ideia de determinação é inerente a qualquer possibilidade de
entender a história enquanto ciência e é diferente da crítica caricata ao que se chamou
de determinismo. Como assinala Raymond Williams28, não pode existir marxismo sem
determinação e isso muitas vezes significou o estabelecimento de uma relação direta
entre o que se convencionou chamar de estrutura e superestrutura. Na explicação
simplista e mistificadora, a estrutura (basicamente a economia) de uma dada sociedade
determina a superestrutura (política, ideologia, leis, religião e demais aspectos
“subjetivos” da sociedade). Assim, a economia como base estrutural produz em cada
época histórica a superestrutura equivalente. Para entender uma época, bastaria
investigar e definir a economia para desvelarmos todos os outros aspectos da sociedade.
Essa forma simplificada e caricata de marxismo foi muito propagada pelos seus
detratores29.
A outra face da importante contribuição do marxismo para a história foi o
reconhecimento da dialética em oposição à perspectiva positivista e metafísica dos
conceitos sociais.
Dialética, além do esquema hegeliano tese, antítese e síntese, pressupõe interrelação, significa ver o conjunto dos fenômenos e não apenas categorias abstratas,
fechadas em limites rígidos e estáticos. O próprio conceito de modo de produção30 é
expressão dessa dinâmica de totalidade com que o marxismo procura interpretar os
28
WILLIAMS, Raymond. Marxismo e literatura. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
Uma das fontes mais conhecidas nos textos de Marx e Engels que tratou de forma sintética o problema
da determinação no materialismo dialético está na “Carta de Engels a Bloch”, de 23 de setembro de 1890:
ENGELS, F. “Letters on Historical Materialism to Joseph Bloch”. In: TUCKER, Robert C. (Org.). The
Marx-Engels reader. New York: W. W. Norton & Company, 1978. p.760-765. Traduzido para publicação
eletrônica por Vinicius Valentin Raduan Miguel. Disponível em: <http://www.marxists.org/espanol/me/cartas/e21-9-90.htm>. Acesso em: 30/03/2014
30
Pierre Vilar explica o conceito de modo de produção em sua perspectiva de História Total, sem
margens para reduções mecânicas, composto pelos seguintes elementos: “1) As regras que presidem a
obtenção pelo homem de produtos da natureza e a distribuição social desses produtos; 2) As regras que
presidem as relações dos homens entre eles, por meio de agrupações espontâneas ou institucionalizadas;
3) As justificativas intelectuais ou míticas que dão destas relações, com diversos graus de consciência e de
sistematização, os grupos que as organizam e se aproveitam delas, e que se impõem aos grupos
subordinados”. (VILAR, 1982, p. 67).
29
14
fenômenos sociais.
Nosso esforço de investigação está concentrado nas práticas políticas, na luta de
ideias e no esforço de construção partidária, mas sem que isso signifique esquecer o
contexto socioeconômico em que esses homens e mulheres estavam submetidos e
determinados.
É útil a reflexão que Raymond Willians desenvolveu acerca da ideia de
determinação e da superação da ideia de limites ao tratar qualquer possibilidade de
determinação.
Na prática determinação não é apenas fixação de limites, mas a
existência de pressões. Pressões sobre limites […] por formações
novas. Qualquer objetivação categórica de estruturas determinadas ou
superdeterminadas é uma repetição do erro básico do “economismo”
em um nível mais sério, já que agora pretende resumir (por vezes com
certa arrogância) toda a experiência vivida. (WILLIAMS, 1979, p.
30)31.
Colocada nesses termos, a ideia de determinação, inerente à própria ciência,
perde sua conotação pejorativa e pode servir na investigação que se segue, finalmente
sintetizadas nas palavras de Konder:
O que os seres humanos pensam depende também de como eles
vivem. A história das ideias é sempre parte da história geral da
sociedade, e só faz sentido quando relacionada ao movimento global
da transformação social. Esse condicionamento da produção cultural
pelas tensões internas do quadro em que funciona a produção de bens
materiais, na sociedade, constitui o que alguns costumam chamar de
“dimensão ideológica da cultura”. A história das ideias é, assim, uma
história de ideologias. Mas a ideologia não é um acompanhamento
mecânico, automático, das atividades práticas; não é mera reprodução
ou registro passivo, na consciência, das ações que os seres humanos
realizam. A consciência é, não só o plano em que os homens percebem
as coisas, mas também o plano em que eles fazem suas escolhas e
tomam suas decisões. Como observou o historiador francês Georges
Duby, “a ideologia não é reflexo do vivido, mas um projeto de agir
sobre ele”. Por isso na sua riqueza, a história das ideias não se deixa
reduzir a um simples apêndice da história econômica ou da história
política. (KONDER, 2003, p. 7-8).
O método comparativo trouxe questões que seriam imperceptíveis em uma
análise baseada na singularidade dos fenômenos. Assim pudemos enxergar ausências,
similitudes e continuidades nos projetos políticos do Partido Comunista do México
31
WILLIAMS, Raymond. Marxismo e Literatura. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
15
(PCM), do Partido Comunistado Brasil (PCB) e do Partido Comunista do Peru (PCP) e
melhor formular as hipóteses.
Ao encontro de nossas pretensões em história comparada, destacamos Cardoso,
citando Henri Sée e Henri Pirene, para o qual “O método comparativo seria um
instrumento capaz de transformar a história em uma ciência, ao permitir a passagem da
descrição para a explicação dos processos históricos”. (CARDOSO, 1983).
***
Até algum tempo atrás, estudar o movimento comunista na América Latina era
atividade custosa, difícil e até subversiva. Isso deveu-se a alguns fatores, entre eles a
repressão ao movimento comunista em quase todos os países do nosso continente, a
dispersão das fontes em pequenos arquivos públicos ou mesmo particulares e a falta de
estímulo e recursos disponíveis nas universidades latino-americanas. Hoje, essa
realidade mudou; a perseguição aos comunistas não ocorre como na década de 197032,
muitos pesquisadores dedicados ao movimento operário, ao longo da década de 1980 e
1990, conquistaram importantes espaços nas universidades públicas, e os arquivos se
desenvolveram com a assimilação de coleções particulares que chegaram com as
centenas de exilados que voltavam para os seus países. Hoje, a possibilidade de
digitalização de fontes facilitou o acesso aos documentos e até às traduções33.
Os estudos separados das diversas seções nacionais do movimento comunista na
América Latina, sem uma relação integrada, tenderam a elaborar uma cronologia do
movimento, em termos regionais, muito dependente dos acontecimentos na
Internacional Comunista e da URSS.
Foi comum entre os historiadores que estudaram o movimento comunista na
América Latina o estabelecimento de uma periodização que se referenciava no
movimento europeu ou mais especificamente na URSS. Nesse sentido, da mesma
cronologia que se dividiam as fases do processo histórico que tinha como centro a
União Soviética, dividiam o desenvolvimento das seções nacionais da Internacional
32
É importante destacar que, nos países em que há atividade dos partidos comunistas, há também diversas
formas de repressão política. Atualmente, há comunistas presos em diversas partes da América Latina.
33
Um importante esforço para a disponibilização de fontes sobre a atividade da Internacional Comunista
na América Latina foi iniciado pelo projeto Memória Vermelha/Roja, relacionado ao Laboratório do
Tempo Presente, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, que visa a organização digital e a
disponibilização na Internet de fontes e dados sobre a atividade da Internacional Comunista na América
Latina. O Portal Memória Vermelha/Roja está disponível em www.memoriavermelha.com.
16
Comunista na América Latina. Embora fossem organizações com fortes vínculos e
referenciadas pela experiência bolchevique, o exame detido das fontes tem demonstrado
que existiu uma significativa descontinuidade entre o centro e a periferia, e, por diversos
momentos, as demandas políticas nacionais, ou até regionais, forçaram reinterpretações
e criaram situações em que as orientações da Internacional Comunista foram ignoradas
ou mal assimiladas na prática política militante, particularmente na década de 1920. É
importante também ressaltar que muitos autores superestimaram a importância que a
Internacional Comunista deu às realidades dos países periféricos e à ingerência que os
comunistas estrangeiros tiveram nos Partidos Comunistas latino-americanos34. De
maneira geral, repassavam orientações bastante gerais sobre as realidades latinoamericanas, na maioria das vezes alimentados pelos informes dos comunistas latinoamericanos. E os próprios militantes tinham muita dificuldade em digerir, quando
recebiam, as resoluções dos Congressos da Internacional.
Procuramos não nos prender a periodização que fez referência à história
soviética e europeia e que viu o movimento operário latino-americano como extensão
sem vida própria. Organizamos os capítulos desta tese em divisões, tendo como bússola
a cronologia e levando em consideração a política nacional, os desencontros e
descontinuidades entre centro e periferia do movimento comunista internacional. Além
do exposto, tivemos como eixo o desenvolvimento das formulações acerca da
particularidade latino-america, das primeiras tentativas de se formular as táticas
nacionais, até a organização de sínteses mais elaboradas, como as apresentadas na
Conferência de Partidos Comunistas de Buenos Aires (ICCLA) em 1929.
No primeiro capítulo, serão apresentados a realidade política e econômica da
América Latina e o desenvolvimento dos movimentos populares, que constarão no
espólio herdado pelos primeiros comunistas latino-americanos.
Durante o século XIX, o movimento operário foi quase inexistente e os centros
industriais que surgem no final do século carregam características distintas da Europa
Ocidental, como a origem estrangeira da classe operária e o vínculo com o campo. Para
alguns autores, essas condições foram responsáveis por características particulares na
formação da classe operária latino-americana e propiciaram o crescimento das correntes
34
Diversos episódios da história do movimento comunista latino-americano demonstram que a ingerência
do Comitê Executivo da Internacional Comunista nos países da América Latina foi muitas vezes mais um
pretexto para a repressão que uma realidade. O mito da infiltração de estrangeiros a serviço dos russos foi
repetido e exagerado a tal ponto que a própria historiografia acabou acreditando. O levante de 1935 é um
bom exemplo.
17
libertárias em detrimento à social-democracia e às correntes ligadas à 2ª Internacional e
o marxismo.
Tratamos de alguns movimentos revolucionários anteriores à Primeira Guerra
Mundial, da radicalização dos liberais e da aproximação de alguns desses com o
anarquismo, principalmente entre os dois mais importantes teóricos radicais latinoamericanos desse período, Flores Magón e González Prada, que conseguiram incluir no
projeto anarquista temas latino-americanos, particularmente a questão camponesa e
indígena no Peru e no México.
O movimento operário anterior à Revolução Russa vai se alimentar da
radicalização do liberalismo do século XIX, que se encontra com um tipo de
anarquismo bastante eclético e tem contatos com as rebeliões camponesas e indígenas.
Muitas dessas rebeliões estão identificadas com a defesa do modo de vida tradicional
nas comunidades rurais latino-americanas ameaçadas pela expansão do imperialismo na
virada do século. Assim, diferente da lógica europeia e da ordem que comumente se
utiliza para classificar a “fase” anterior ao socialismo moderno do século XX: ludismo,
jacobinismo, socialismo utópico, etc.35.
Relacionados à herança de Flores Magón e González Prada, alguns
acontecimentos na América Latina terão profunda influência no movimento popular que
conheceu a Revolução Bolchevique: a Revolução Mexicana e as rebeliões indígenas no
sul do Peru. No Brasil, o movimento operário radical não estabeleceu relações com
outros setores antioligárquico antes da década de 1920, mantendo-se restrito aos centros
urbanos e à vida nas fábricas.
O segundo capítulo pretende apresentar as primeiras tentativas de interpretação
das realidades latino-americanas no contexto de construção dos primeiros núcleos
comunistas do Peru, do México e do Brasil. Concentramo-nos nas expressões mais
importantes das primeiras interpretações marxistas latino-americanas produzidas na
década de 1920: o Agrarismo Rojo, o muralismo mexicano, a tese agrarismo e
industrialismo de Octávio Brandão e Astrojildo Pereira, e a obra de José Carlos
Mariátegui, os Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana.
O terceiro e último capítulo está dedicado ao tratamento da luta política e às
interpretações produzidas a partir de 1925,
com a criação do Secretariado Sul-
HOBSBAWM, Eric J. Rebeldes Primitivos – Estudio sobre las formas arcaicas de los movimientos
sociales en los siglos XIX y XX. Barcelona: Ariel, 1983.
35
18
americano da Internacional em Buenos Aires. Estabelecido esse secretariado, a
particularidade latino-americana seria tratada de forma sistemática pela Internacional
Comunista.
Avaliamos o impacto do chamado “terceiro período” da IC, a bolchevização e o
significado desse processo nas elaborações teóricas produzidas pelos comunistas acerca
da realidade da América Latina em geral, e do Brasil, Peru e México em particular.
19
1º Capítulo – O movimento radical antes dos comunistas
Vê-se, pois, que o povo mexicano é apto para chegar ao comunismo,
porque o tem praticado, ao menos em parte, desde faz séculos, e isso
explica porque até quando na sua maioria é analfabeta, compreende
que melhor que fazer parte em farsas eleitorais para elevar verdugos, é
preferível tomar posse da terra, e a está tomando para o grande
escândalo da ladrona burguesia.
Agora, só resta que o operário tome posse da fábrica, da oficina, da
mina da fundição, da estrada de ferro, do barco, de tudo, em uma
palavra; que não se reconheçam amos de nenhuma classe e esse será o
final do presente movimento.
Adiante, Camaradas!36 (FLORES MAGÓN, 1911, p.1)
FLORES MAGÓN, Ricardo, “El Pueblo Mexicano es apto para el comunismo”, Regeneración, nº 53,
Los Angeles: 2 set. 1911.
36
20
A Hipótese de Aricó
Durante as décadas de 1960 e 1970, um grupo de pesquisadores marxistas
argentinos passou a editar uma revista de crítica marxista denominada Pasado y
Presente. Essa publicação, com vida curta e poucos números, foi muito influente entre a
esquerda latino-americana e renovou significativamente o olhar sobre o marxismo na
América Latina. Entre os temas que mais despertaram interesse, estavam: marxismo e
América Latina, que engloba outras questões como colonialismo, especificidade da
Revolução no continente e a própria história das correntes marxistas em nossa região. A
partir dessa revista, desenvolveu-se uma série de publicações agrupadas na coleção
Cuadernos del Pasado y Presente, que até os dias atuais são a mais importante
compilação de documentos, coleções de textos e análises acerca de Marx, do marxismo
e da história do marxismo na América Latina.
Por trás dessa publicação e como principal animador desse grupo de intelectuais
e ativistas, esteve José de Aricó (1931-1991). Outros nomes importantes de grupo
foram: Juan Carlos Portantiero, Oscar del Barco, Hector Schmucler, entre outros.
Os Cuadernos del Pasdo y Presente tiveram 98 números e podem ser divididos
em três períodos: 1968-1970 (1 ao 16), em Córdoba; o segundo, 1970-1975 (17 ao 65),
em Buenos Aires; o último, 1976-1983 (63 ao 98), no México. (CRESPO, s/d, s/p.)37.
Aricó mesmo definiu assim os objetivos destas publicações38:
Os Cuadernos representaram uma tentativa por implementar uma
perspectiva crítica do marxismo que admitisse a dimensão pluralista e
que reconhecesse a natureza múltipla do próprio objeto. O que os
Cuadernos tratou de afirmar, não meramente como declaração de
princípios, senão como maneira de construir cada um de seus
números, era a ideia de que não existia “o” marxismo, que desde seu
início existiram “os” marxismos, que distintas perspectivas teóricas e
políticas haviam coabitado nas instituições internacionais e as que se
expressaram, que discutiram arduamente uma diversidade de
CRESPO, Horácio. “En Torno a Cuadernos de Pasado y Presente”, 1968-1983, s.d, s/p.. Disponível em:
<http://shial.colmex.mx/textos/crespo.pdf>. Acessado em: 17 set. 2011.
38
A melhor definição do grupo foi feita por Aricó nos seguintes termos: “Em uma primeira etapa de sua
existência, Pasado y Presente foi um órgão político e cultural da esquerda cordobesa com forte prestígio
em certos meios intelectuais e vinculada ao campo ideológico do leninismo castrista. O que nos
diferenciava das demais correntes similares surgidas do partido comunista, ou de raiz católica, era nossa
filiação ‘gramsciana’. Reconhecendo a potencialidade revolucionária dos movimentos terceiro-mundistas,
castristas, fanonianos, guevaristas, etc., tratávamos de estabelecer um nexo com os processos de
recomposição do marxismo ocidental, que para nós tinha seu centro na Itália. Éramos uma mescla rara de
‘guevaristas togliattianos’. Se alguma vez essa combinação foi possível, nós a expressamos”. (ARICÓ,
1987 apud CRESPO, En Torno a Cuadernos de Pasado y Presente, s.d.).
37
21
problemas e nessa complexa batalha ideal houve triunfadores e
perdedores circunstanciais; enfim, que toda a história do socialismo,
em cujo interior o debate marxista encontrou significação, havia sido,
e seguia sendo um processo infinitamente mais complexo que as
simplificações bizarras de uma historiografia a serviço da política.
(ARICÓ, 1999, p. 22).
Independente dos objetivos e de qual corrente do marxismo militou Aricó, os
cadernos trouxeram muitos elementos para o aprofundamento do debate marxista na
América Latina, particularmente a coletânea de trechos da obra de Marx e Engels sobre
a América Latina39.
Outros dois livros que ficaram famosos e seguem até hoje como importantes
referências para os estudos de Marx na América Latina foram os livros de Aricó: La
Hipótesis de Justo – escritos sobre el socialismo en América Latina, Marx e a América
Latina (único publicado em português) e Mariátegui y los orígenes del marxismo
latinoamericano40.
Embora faça parte do pensamento de Aricó um esforço por afastar-se das
simplificações e fórmulas simplistas, podemos encontrar uma ideia que percorre todos
os três livros e que se resume na constatação de que o marxismo e o movimento popular
na América Latina não tiveram um relação orgânica, como ocorreu na Europa. Nas
palavras de Aricó:
Se socialismo e movimento operário são ainda hoje na Europa dois
aspectos de uma mesma realidade – por mais contraditórias e
nacionalmente diferenciadas que se evidenciem suas relações –, na
América Latina constituem duas histórias paralelas que em contadas
ocasiões se identificaram e que na maioria dos casos se mantiveram
separadas e até opostas entre si. (ARICÓ, 1999, p. 23).
Para Aricó, importava responder onde estavam as respostas para essa dificuldade
do marxismo na América Latina. Responder essa questão estava diretamente
relacionado à estratégia que os marxistas deveriam empregar no continente. Aricó era
assumidamente um militante e buscava na teoria respostas para a conjuntura política que
39
O Cuaderno a que fazemos referência é uma coletânea traduzida pelo grupo de Pasado y Presente
diretamente do alemão e cuidadosamente editado: MARX, Karl e ENGELS, F. Materiales para La
Historia de América Latina. México: PyP, 1972.
40
Respectivamente: ARICÓ, José. La Hipótesis de Justo: Escritos sobre el Socialismo en América Latina.
Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1999; ARICÓ, José. Marx e a América Latina. Rio de Janeiro:
Terra e Paz, 1982 e ARICO, José. “Introdução”. In: Mariátegui y los origenes del marxismo en
Latinoamericano, Cuaderno 60, México: Pasado y Presente, 1978.
22
viviam os comunistas argentinos.
Sua conclusão não é simples, e procurou afastar-se dos caminhos fáceis, como o
que levava a uma conclusão de que existia um europeísmo intrínseco em Marx e Engels,
que impossibilitava a utilização do conjunto teórico dos fundadores do comunismo para
a transformação da América Latina.
Por outro lado, era inegável que a perspectiva de Marx estava impregnada de sua
própria realidade, que cobrava diversas imprecisões fruto da distância e da falta de
informação de meados do século XIX na Europa. Leopoldo Zea cita as palavras de Che
Guevara sobre os limites da análise de Marx acerca da América Latina, colocando essas
dentro do devido contexto e que representa também a percepção de Aricó sobre as
limitações da análise de Marx para a América Latina.
Marx, como pensador – dizia Che Guevara –, como investigador das
doutrinas sociais e do sistema capitalista em que viveu, podem
evidentemente, objetar certas incorreções. Nós, os latino-americanos,
podemos, por exemplo, não estar de acordo com a sua interpretação de
Bolívar ou com a análise que fizeram Engels e ele dos mexicanos,
dando por certas algumas teorias sobre as raças inadmissíveis hoje.
[...] Mas os grandes homens descobridores de verdades luminosas,
vivem apesar de suas pequenas falhas, e estas servem somente para
nos demonstrar que são humanos, ou seja, seres que podem incorrer
em erros, ainda com a clara consciência da altura alcançada por estes
gigantes do pensamento. (GUEVARA, 1960 apud ZEA, 1980, p. 5941).
Reconhecendo e colocando Marx em seu contexto histórico, Aricó foi buscar na
própria obra de Marx os limites interpretativos para a América Latina e o contexto da
América Latina em que esses fatores limitantes foram desenvolvidos.
Pedro Scaron42 é quem elabora a introdução do Cuaderno de número 30 com
trechos de Marx e Engels sobre a América Latina e propõe uma periodização do
pensamento dos dois alemães acerca da questão nacional. (SCARON, 1972, p. 5-19).
A primeira etapa começa em 1847 e termina com a Guerra da Crimeia (18531856). Nesse período, Marx esperava que o capitalismo fosse exercer um papel
“civilizador” e progressista no mundo não-europeu, desestruturando antigas relações
servis ou pré-capitalistas, como havia ocorrido na Europa Ocidental. Marx repudiou as
atrocidades do colonialismo, mas acabou por justificá-lo, já que vê nessas forças o
41
ZEA, Leopoldo. Visión de Marx sobre a América Latina, Nueva Sociedad, n. 66, México, maio/jun.
1983, p. 59-66.
42
Pedro Scaron foi um dos tradutores para o espanhol do texto de Marx intitulado Elementos
fundamentais para a Crítica da Economia política, os famosos Gründrisse de Marx.
23
progresso, que, enfim, levaria a humanidade à sociedade sem classes.
É desse período o Manifesto Comunista e, principalmente, nos escritos dessa
época que se encontram as citações que “comprovam” o “positivismo eurocêntrico” de
Marx.
Fica claro que Marx via a burguesia e o capitalismo como um fator
revolucionário de desenvolvimento econômico e social. Sua formulação, embora
carregue uma crítica à exploração capitalista, possui uma crítica ainda maior às relações
feudais. Toda a lógica histórica apresentada no Manifesto está orientada para a
superação do capitalismo, e, embora não de maneira explícita, segue uma lógica de
processo. A ideia de egoísmo, que substitui as relações feudais e idílicas, embora para
muitos soe como um juízo de valor, é a análise de um processo que contribuiria para
criar as condições de um futuro comunismo.
A burguesia, lá onde chegou à dominação, destruiu todas as relações
feudais, patriarcais, idílicas. Rasgou sem misericórdia todos os
variegados laços feudais que prendiam o homem aos seus superiores
naturais e não deixou outro laço entre homem e homem que não o do
interesse nu, o do insensível “pagamento a pronto”. Afogou o frêmito
sagrado da exaltação pia, do entusiasmo cavalheiresco, da melancolia
pequeno-burguesa, na água gelada do cálculo egoísta. Resolveu a
dignidade pessoal no valor de troca, e no lugar das inúmeras
liberdades bem adquiridas e certificadas pôs a liberdade única, sem
escrúpulos, de comércio. Numa palavra, no lugar da exploração
encoberta com ilusões políticas e religiosas, pôs a exploração seca,
direta, despudorada, aberta. (MARX, 1997, s/p.).
Esse foi o texto que a maior parte das pessoas leu. Alguns conhecem Marx
apenas por esse pequeno livro e não é difícil entender o materialismo histórico e a
questão nacional como um processo evolutivo conduzido progressivamente pelo
capitalismo até a redenção comunista.
A burguesia, pela sua exploração do mercado mundial, configurou de
um modo cosmopolita a produção e o consumo de todos os países.
Para grande pesar dos reacionários, tirou à indústria o solo nacional
onde firmava os pés. As antiquíssimas indústrias nacionais foram
aniquiladas, e são ainda diariamente aniquiladas. São desalojadas por
novas indústrias cuja introdução se torna uma questão vital para todas
as nações civilizadas, por indústrias que já não laboram matériasprimas nativas, mas matérias-primas oriundas das zonas mais
afastadas, e cujos produtos são consumidos não só no próprio país
como simultaneamente em todas as partes do mundo. Para o lugar das
velhas necessidades, satisfeitas por artigos do país, entram
[necessidades] novas que exigem para a sua satisfação os produtos dos
24
países e dos climas mais longínquos. Para o lugar da velha
autossuficiência e do velho isolamento locais e nacionais, entram um
intercâmbio unilateral, uma dependência das nações umas das outras.
E tal como na produção material, assim também na produção
espiritual. Os artigos espirituais das nações singulares tornam-se bem
comum. A unilateralidade e estreiteza nacionais tornam-se cada vez
mais impossíveis, e das muitas literaturas nacionais e locais forma-se
uma literatura mundial.
A burguesia, pelo rápido melhoramento de todos os instrumentos de
produção, pelas comunicações infinitamente facilitadas, arrasta todas
as nações, mesmo as mais bárbaras, para a civilização. Os preços
baratos das suas mercadorias são a artilharia pesada com que deita por
terra todas as muralhas da China, com que força à capitulação o mais
obstinado ódio dos bárbaros ao estrangeiro. Compele todas as nações a
apropriarem o modo de produção da burguesia, se não quiserem
arruinar-se; compele-as a introduzirem no seu seio a chamada
civilização, i. é, a tornarem-se burguesas. Numa palavra, ela cria para
si um mundo à sua própria imagem. (MARX, 1997, s.p.).
O segundo período, de 1856 até 1864, foi quando a Marx produziu mais textos
sobre a questão nacional e sobre o mundo não europeu. Prevalece a denúncia contra o
colonialismo das grandes potências e a reivindicação dos direitos dos chineses e
indianos de resistir contra os agressores e invasores. (SCARON, 1972, p. 943).
A partir de 186444 até a morte de Marx, diversos dos seus textos demonstram que
sua percepção acerca da consequência da expansão capitalista inglesa havia mudado.
Marx passou a questionar se essa expansão colonial levaria necessariamente ao
capitalismo. O caso irlandês será o objeto de estudo para essa mudança de posição sobre
a questão nacional e colonial. Marx passou a perceber que o capitalismo inglês poderia
ter um efeito desindustrializador “ao retirar as tarifas protecionistas estabelecidas pelo
parlamento irlandês, a Inglaterra destruiu toda a vida industrial na Irlanda”45. (MARX,
1869, s.p.). Nesse período de nascimento do imperialismo, Marx percebeu o valor das
barreiras protecionistas para o desenvolvimento industrial na periferia do sistema
capitalista. (SCARON, 1972, p. 11).
A maior parte dos historiadores que se dedicou ao estudo do marxismo esteve
43
SCARON, Pedro. A modo de introducción. In: MARX, Karl; ENGELS, F. Materiales para La Historia
de América Latina. México: PyP, 1972.
44
1864 é o ano de fundação da Internacional dos Trabalhadores, a 1ª Internacional.
45
“Eis porque a Internacional deve sempre dar prioridade ao conflito entre a Inglaterra e a Irlanda,
tomando abertamente o partido desta última. A tarefa especial do Conselho Central em Londres é
despertar na classe operária inglesa a consciência de que a emancipação nacional da Irlanda não é para ela
uma abstrata questão de justiça e de humanitarismo, mas a condição primeira de sua própria emancipação
social”. In: MARX. “A Questão Irlandesa”, edição eletrônica, 2004, s.p. Disponível em:
<http://www.marxists.org/portugues/marx/1869/11/questao.htm>. Acesso em: 27 mar 2014;
25
ligado ao movimento socialista e comunista, ou se opunha ferozmente a este. O
marxismo não foi, nesse contexto, ausente de paixões e sempre houve entre os
militantes marxistas uma preocupação pela defesa dos escritos de Marx como uma
referência simbólica. Afinal, da credibilidade de Marx dependia o projeto
revolucionário. Qualquer crítica que pudesse ser retirada da obra de Marx por seus
detratores seria logo propagandeada de maneira generalizada para apontar para o
conjunto de seu pensamento como obsoleto. Esse sempre foi o ambiente de debate do
marxismo. E não podia ser diferente, já que, ao debater o marxismo, debatemos um
projeto de sociedade, um programa político que tem profundas consequências sociais.
Tamanha polarização não estimulou os marxistas a exporem, e normalmente
evitarem, a questão colonial e a questão camponesa na obra de Marx e Engels.
Preferiu-se, sobre esse tema, citar Lenin, Stalin, Mao Tsetung e criticar a posição
de Kautsky46 e outros marxistas que trataram de maneira mais concentrada o tema.
Ao crítico com dificuldades de perceber os homens em seu tempo, é fácil
encontrar trechos que exortam a Inglaterra para avançar na ampliação do império
colonial. Como todos nós, Marx não podia conhecer o que ainda não existia. Ao final de
sua vida, Marx já percebia que a expansão inglesa não trazia necessariamente o
progresso, com o sistema capitalista suplantando as formas arcaicas de produção. Para a
Irlanda, chegou a propor medidas protecionistas como forma de desenvolver o
capitalismo.
Será a partir da constatação de como se apresentou inicialmente o marxismo que
seguiremos as conclusões de Aricó na explicação da quase ausência do marxismo na
América Latina antes da Revolução Bolchevique, e também a atração de parte da
intelectualidade marginalizada pelo
anarquismo
e pelo
movimento
operário
revolucionário.
***
Nos últimos anos de vida de Engels, os socialistas começaram a alcançar
“espaços” nos Estados liberais europeus. A dura repressão que viveram logo após 1848
46
Kautsky é o autor de uma obra fundamental do debate sobre os camponeses. Até que se avançasse nesse
tema, após a Revolução Russa e a fundação da Internacional Comunista, a obra de Kautsky foi a
referência para todos os debates marxistas acerca do problema camponês. Ver: KAUTSKY, Karl. A
Questão Agrária. São Paulo: Nova Cultural, 1986.
26
foi se transformando e pareceu para muitos que o caminho para a sociedade sem classes
seguiria sem violência, de maneira progressiva como consequência de um processo de
desenvolvimento civilizatório em direção ao comunismo. Depois viria a Primeira
Guerra Mundial e esse estado de espírito mudaria radicalmente. Nos últimos anos do
século XIX, a ascensão do movimento socialista e uma forte influência do liberalismo
positivista estimulavam e alimentavam essa perspectiva.
Diferente da Europa, na América Latina a classe operária nascia em um
ambiente de quase inexistente representação popular no parlamento, com liberais na
oposição e uma hegemonia da oligarquia conservadora no Estado. Diversos episódios
em que os liberais reivindicavam simples reformas democráticas foram reprimidos com
violência pelas forças do Estado. Em uma população com altos índices de
analfabetismo, de população fragmentada por um grande território em algumas dezenas
de cidades, o marxismo da 2ª Internacional47, progressivista, pacifista e parlamentar,
tinha dificuldades em conquistar adeptos. Nas palavras de Aricó:
A segunda consequência se refere às expressões ideológicas de todo
esse processo. Porque é evidente que as dificuldades objetivas com
que a classe operária enfrentava para constituir-se como tal se davam
no interior de um tecido nacional e continental em que predominavam
uma multiplicidade de correntes democráticas revestidas de um forte
caráter social, duradouras esperanças messiânicas em uma regeneração
universal, sem que existissem entre elas as fronteiras mais ou menos
precisas que a Revolução de 1848 foi estabelecendo na Europa [...]
Nesse mundo de violência e messianismo, de mitos e milenarismos
que marcaram a luta das classes subalternas contra a desagregação
social e a opressão capitalista, o socialismo moderno proposto pela
doutrina de Marx encontrava obstáculos muito difíceis de evitar para a
sua difusão. (ARICÓ, 1999, p. 30).
Nesse contexto, foi o anarquismo que encontrou espaço, primeiramente entre a
intelectualidade liberal marginalizada, e, posteriormente, entre os operários, muitos
deles estrangeiros.
Foram as correntes anarquistas as que, pelo menos até os anos 20 do
presente século [XX], mostram extrema ductilidade para representar
boa parte de todo este hibrido mundo de pensamentos inspirados em
47
É importante assinalar que a Segunda Internacional assume uma posição cada vez mais progressivista
nos últimos anos do século XIX, e principalmente na primeira década do século XX. Para acompanhar
os debates na Segunda Internacional, ver: LA SEGUNDA INTERNACIONAL y el Problema Colonial
(primera Parte) Caderno 73, México: PYP, 1978 e LA SEGUNDA INTERNACIONAL y el Problema
Colonial (segunda Parte) Caderno 74, México: PYP, 1978
27
projetos de reformas sociais e de justiça econômica, mantendo,
contudo, uma estreita vinculação com as classes operárias urbanas.
(ARICÓ, 1999, p. 33).
Para Aricó, a impossibilidade em se participar do jogo político institucional, a
repressão e o controle político conservador propiciavam um ambiente de desespero
político, em que a única opção seria uma ruptura total com o Regime Oligárquico, um
tipo de resolução catastrófica que combinaria com muitas visões milenaristas que se
desenvolveram entre as comunidades serranas do altiplano andino e entre as
comunidades camponesas que tinham suas terras usurpadas pela expansão das
monoculturas.
A reação imediata contra a “desordem social” imposta pelas classes
dominantes encontrava nas doutrinas libertárias uma ideologia acorde
com uma visão que se fundava na eliminação física de toda a estrutura
autoritária e repressiva a possibilidade de liberação dos homens. As
esperanças postas em uma resolução catastrófica e imediata do
presente, que é típica do mundo de nosso século e particularmente de
suas zonas periféricas, tornava definitiva e prescindível toda a
estratégia que se colocara objetivos futuros em longo prazo. (ARICÓ,
1999, p. 33).
O liberalismo radical que se torna anarquista: a crítica social de Manuel González
Prada
Para a maior parte da historiografia que trata a independência latino-americana,
o processo de ruptura com a metrópole não significou mudanças substanciais para a
maioria da população, pois a estrutura social e econômica, mesmo que com a ausência
das autoridades espanholas, permaneceu muito próxima à existente na época colonial.
Na linguagem dos revolucionários do início do século XX, precisávamos de uma
revolução social e econômica, e não apenas política.
Na estrutura oligárquica que os países independentes herdaram, a população
estava alijada da política oficial. Entre as facções da oligarquia latino-americana,
acostumou-se a serem divididos liberais e conservadores. De maneira geral, os liberais
estiveram geralmente associados a posições modernizantes, com discurso laico e
algumas vezes com preocupações por democracia, sufrágio etc. Os conservadores
estavam alinhados mais diretamente à manutenção do status quo, aos interesses dos
latifundiários e da Igreja Católica. A diferença entre conservadores e liberais varia muito
28
no tempo e no espaço, permitindo apenas definições parciais. No México, os liberais
levantaram a bandeira da laicidade do Estado com muito mais veemência do que os
liberais brasileiros, por exemplo48.
Por definição, os liberais estão agrupados em algumas crenças, que, inclusive, os
nomeiam. No raciocínio liberal clássico, o desenvolvimento material e o progresso da
civilização são consequências naturais da liberdade do mercado. O que está implícito
nessa concepção, e que realmente nos importa aqui, é a defesa da diminuição do Estado,
necessário apenas para a manutenção da ordem e da propriedade privada. Para os
liberais, o Estado é sinônimo de entrave, burocracia e atraso.
Córdova, ao tratar do anarquismo de Ricardo Flores Magón, que surge do
interior do movimento liberal, em oposição ao Governo Diaz, pontua a relação entre o
liberalismo radicalizado e o anarquismo em uma nota de seu livro.
O anarquismo é sem dúvida uma etapa, a mais radical no processo de
desenvolvimento lógico do liberalismo, tanto política como
economicamente. Em ambas as doutrinas é preocupação fundamental
a atividade reservada ao Estado dentro da sociedade, dessa maneira, da
restrição do poder estatal dos liberais, os anarquistas passam à
abolição de todo Estado, sem estabelecer nenhuma diferença, nem
sequer de matiz, entre as formas que este pode adotar, ou a serviço de
que classe ou grupo a adota. Da fórmula clássica de que o melhor
governo é o que governa menos, o anarquismo sem gradação alguma
conclui que o melhor governo é o que não existe; a dicotomia
autoridade-liberdade é para ele absoluta. (BLANQUEL apud
CORDOVA, 1991, p. 175).
Essa relação de hereditariedade entre o radicalismo anarquista e o liberalismo
latino-americano possibilitou aos anarquistas mexicanos e peruanos a posição de
vanguarda no debate acerca da realidade em que estavam inseridos. Assim superaram
uma tendência ao isolamento que o radicalismo de origem bakuninista poderia impor
em uma sociedade agrária, com uma ínfima e recente classe operária, em que as
relações pessoais regulavam a organização do trabalho. Por essa origem no liberalismo
que os anarquistas mexicanos e peruanos procuraram se organizar em partido, além de
terem sido flexíveis quanto a algumas formas de participação política, as quais, para os
anarquistas europeus, seriam incompatíveis e conciliadoras. É também por essa dupla
48
Em vários documentos escritos pelos militares rebelados, na década de 1920, no Brasil, podemos
perceber típicas reivindicações liberais, inclusive a separação entre Igreja e Estado. Em uma “mensagem
aos revolucionários de Pernambuco, enviada do Piauí, em janeiro de 1926”, reivindicavam como ideais:
“Voltar ao regime liberal assegurado pela Contituição de 24 de fevereiro”. Cf.: “Anexos nº 3 e 13”. In:
PRESTES, Anita. A Coluna Prestes. São Paulo: Brasiliense, 1990, p. 401 e 417.
29
filiação que foram os anarquistas que agitaram as mais latentes questões das sociedades
peruana e mexicana, as quais ultrapassaram o âmbito da fábrica urbana e iniciaram
reflexões importantes sobre as questões étnicas, nacionais e, principalmente, agrárias.
González Prada foi emblemático: um anarquista que tentou fundar um partido e
que ficaria conhecido pela sua crítica nacionalista-popular ao tratar a identidade
nacional de seu país. Paradoxal para o que se espera encontrar no anarquismo.
***
A ocupação da cidade de Lima pelas tropas chilenas em 1876 foi um fato
traumático para a oligarquia peruana. Além das perdas territoriais, os chilenos
arrancaram o orgulho criollo49 dos conservadores capitalinos, situação que propiciou
um debate sobre a nacionalidade peruana.
Para a maioria dos letrados e políticos da época, toda falta de unidade do povo
peruano recaía sobre as deficiências e a falta de patriotismo da população mestiça e
indígena. Em geral, tal interpretação apontava para os índios como os males do qual
vivia o Peru, incompatibilizando os ideais republicanos e nacionais com a população da
Sierra e os mestiços do litoral. Era cômodo para a oligarquia, derrotada e humilhada
após a ocupação chilena, explicar a debilidade do Estado peruano apoiando-se em
arraigados preconceitos racistas, que os eximiam da responsabilidade pela crise política.
Os jornais da época estamparam manchetes que “denunciavam” a falta de patriotismo e
a covardia dos indígenas.
Com episódios de alianças entre latifundiários peruanos e o exército chileno, e a
indiferença de várias comunidades indígenas frente à “defesa da pátria”, as palavras do
oficial britânico, delegado de um quartel general peruano, foram sintomáticas.
A maioria dos oficiais, sobretudo os superiores, são descendentes dos
antigos colonizadores espanhóis e, por isso, têm pouco em comum
com os seus homens. O espírito da corporação é desconhecido e,
embora o soldado peruano grite invariavelmente “Viva o Peru!”, antes
de cada ataque ou fugindo do inimigo, não sabe o que essas palavras
significam e repete simplesmente o que lhe foi ordenado. Muitos eram
totalmente ignorantes da causa pela qual lutavam, imaginando tratar-se
de uma revolução cujas partes em conflito eram o “general Chile”
[sic] e Piérola. Fui informado também por um oficial que muitos
49
Criollo foi o termo utilizado para denomiar os espanhóis nascidos nas colônias americanas. Após a
iundependência, esses criollos tornaram-se a elite dirigente dos novos Estados.
30
soldados tinham dito que “não se deixariam matar por causa dos
brancos”. (BONILLA, 1977, p.59-60 apud COTLER, 2006, p. 98).
Coube a Manuel González Prada (1844-1818) denunciar o racismo, inverter a
lógica da “culpa” indígena e apontar a aristocracia como a responsável pelas mazelas do
povo peruano.
Manuel González Prada nasceu em Lima no ano de 1844. Pertencente a uma das
famílias mais aristocráticas da capital, renunciou a sua origem e colocou-se em defesa
dos indígenas, agricultores, trabalhadores e marginais do Peru. Viajou pela Europa e no
Peru fundou um circulo literário que, posteriormente, constituiu-se como um partido
político, a União Nacional50.
Frente ao fracasso peruano na Guerra contra o Chile, na qual lutou, Prada
denunciou a miséria da maioria da população e nestas condições buscou a explicação
para a falta de mobilização e interesse das camadas populares em defender o território
peruano. Sua trajetória política segue o curso de uma radicalização crescente contra as
classes dominantes e a estrutura oligárquica das instituições estatais peruanas.
Na Europa, descobriu o anarquismo de Kropotkin, Proudhom, Malatesta e
Bakunin, que o vinculou cada vez mais aos operários anarquistas peruanos. Seus
escritos foram amplamente divulgados entre os círculos anarco-sindicalistas51 da
primeira década do século. Ficou conhecido pela defesa do anarquismo, pela crítica à
religião e contra a ordem oligárquica, mas foi na defesa dos índios, com o artigo
“Nuestros Indios”, escrito em 1904, que seu nome seria lembrado na América Latina
como um dos primeiros indigenistas contemporâneos.
O “redescobrimento” da importância do componente indígena no Peru
a partir de González Prada foi o ponto de partida para que, entre 1900
e 1930, surgissem duas maneiras – contrárias e similares – de pensar
os componentes culturais daquele país. Ambas as maneiras,
hispanismo e indigenismo, marcaram profundamente o pensamento
social peruano ao longo deste século. A base comum dessas
interpretações e de suas propostas foi o dualismo. Tal dualismo, isto é,
o esquema binário, a ênfase na distância e oposição dos componentes
culturais e o conflito como única ou principal maneira de
50
A União Nacional ou o Partido Radical criado a partir do grupo literário que rodeava Prada teve vida
efêmera e pouca vocação para a militância organizada. Nas palavras de Mariátegui: “O programa do
Partido Radical, que, por outro lado, não foi elaborado por González Prada, permanece como um
exercício de prosa política de um ‘círculo literário’. Já vimos que a União Nacional, efetivamente, não
passou disso” (MARIÁTEGUI, 1975, p. 186).
51
O termo anarco-sindicalismo designa o movimento sindical radical que se baseava em certos autores
anarquistas e atuava nos sindicatos.
31
relacionamento entre eles conforma, desde então, a principal herança
intelectual que sucessivas gerações – salvo exceções – pouco
questionaram. (URIARTEL, 1998, s.p.)52.
Hispanistas (ou arielistas53) e indigenistas opuseram duas versões acerca do
papel do índio. Em uma apresentação em Genova, em 196654, José Maria Arguedas, um
importante arqueólogo peruano, fez um histórico dessa dualidade e resgatou na
conhecida generación del 900 os primeiros representantes destas duas correntes: Riva
Aguero (1858-1923) e Vitor Andrés Belaúnde (1883-1966) (hispanismo) e Julio O.
Tello (1880-1947) (indigenismo).
Como o oposto ao indigenismo, os hispanistas caracterizavam-se pela afirmação
da superioridade e a predominância da cultura hispânica no Peru. (ARGUEDAS, 1997,
p. 328-329) No outro polo estaria o arqueólogo Tello, que buscou aprofundar seus
conhecimentos acerca das culturas inca e pré-inca. Embora fosse um grande entusiasta
da cultura inca, seu ânimo limitou-se a um estudo acadêmico do passado indígena, não
tendo consequências diretas na atividade política e na identidade nacional peruana.
Mas o mesmo Tello, como arqueólogo, perde de vista o índio vivo.
Admira o folclore; entretanto, forma um conjunto de bailarinos de seu
povoado nativo, Huarochiri, e os veste com trajes “estilizados” por
ele, criados por ele, inspirando-se em motivos arqueológicos com
menosprezo aos vestidos típicos do povoado de Huarochiri.
A monumental obra de Tello guarda certa semelhança com a de Riva
Aguero e Belaúnde quando exalta os já indiscutíveis valores da
antiguidade peruana; existe, por outro lado, uma diferença clara, uma
contraposição na atitude; Tello se proclama índio com orgulho
aparentemente sincero. (ARGUEDAS, 1997, p. 329).
Embora tenha consequências para a conformação da identidade nacional
peruana, os estudos de Tello alcançaram êxitos importantes no campo da ciência 55, mais
52
URIARTEL, Montoya Urpi. Hispanismo e Indigenismo: o dualismo cultural no pensamento social
peruano (1900-1930). Revista de Antropologia, São Paulo, v. 41, n. 1, 1998.
53
O termo arielistas faz referência a obra de José Enrique Rodó, Ariel, que influenciou os que
procuraram na herança espanhola a identidade nacional para a América Latina, em oposição a um panamericanismo, que durante a Guerra entre Espanha e Estados Unidos passou a influenciar a emergente
intelectualidade do continente.
54
ZEA, Leopoldo. Fuentes de la Cultura Latinoamericana. México DF: Fondo de Cultura Economica,
1997. v. 1-3.
55
Vargas Llosa descreve a obra de Tello: “Levou a cabo uma extraordinária obra de investigação
arqueológica, que contribuiria de maneira decisiva para revelar ao mundo a antiguidade e a riqueza de um
passado que remontava há muitos séculos antes do Império dos Incas, e a importância das culturas préincaicas da Costa, entre elas a de Paracas e seus belíssimos tecidos, que o próprio Tello descobriu”
(LLOSA, 1996, p. 57).
32
que na política.
A inserção da questão indígena no debate sobre identidade nacional surgiria pela
crítica de Manuel González Prada, que denunciou as condições de exploração do índio e
assentou nas classes dominantes a responsabilidade pela fragmentação nacional.
A crítica gonzalezpradista seguiu o caminho da radicalização crescente, do
liberalismo democrático, à descoberta das mazelas da população e da literatura radical
europeia.
Prada foi considerado o primeiro modernista peruano, e, embora tenha
contribuído com novos ares para a literatura peruana, particularmente na poesia,
inaugurando uma nova estética com elementos populares, de sentido realista e político,
não foi na literatura que repousou seu mais importante legado.
Na virada do século, González Prada reconheceu que é no regime latifundiário
que se encontravam os problemas peruanos. Como solução, apresentou uma revolução
próxima e inevitável, embora essa apareça em sua obra de forma vaga e apocalíptica.
(ANDERLE, 1985, 94).
As concepções políticas expressas em seus discursos e artigos não possuem uma
estrutura que possa representar um programa de ação, nem uma perspectiva de futuro.
Suas ideias refletem mais a solução e a perspectiva anarquista da época. A análise de
González Prada é mais uma crítica, um estado de espírito – como diz Mariátegui –
contra a política oligárquica, o latifúndio e a Igreja, do que uma análise sistemática da
realidade peruana.
Prada ajudou a romper a despolitização no movimento operário – que nos seus
primeiros anos estava hegemonizado por concepções mutualistas e por um sindicalismo
economicista56 –, contribuindo na introdução dos temas mais amplos da realidade
nacional, como as condições de vida no campo e a exploração gamonal57.
No texto mais contundente sobre o problema indígena, “Nuestros Indios”,
González Prada, conhecedor dos autores influentes da época, introduziu o tratamento da
questão indígena pela crítica as ideias pseudocientíficas do positivismo comtiano e
outras variantes, como o darwinismo social, de Spencer, bastante em voga na época.
56
Economicismo é o termo utilizado no movimento operário para designar um tipo de sindicalismo que
privilegia as lutas por melhorias econômicas e despreza a luta política.
57
Gamonal refere-se ao sistema latifundiário típico da região andina. Mariátegui (2008) afirma que o
gamonalismo não é apenas um sistema econômico, ou uma relação de produção, é um modo de produção,
com consequências políticas e superestruturais.
33
[...] Cômoda invenção da Etnologia nas mãos de alguns homens!
Admitida a divisão da Humanidade em Raças superiores e raças
inferiores, reconhecida a superioridade dos brancos e por conseguinte
seu direito de monopolizar o governo do planeta, nada mais natural
que a supressão do negro na África, de pele vermelha nos Estados
Unidos, do tálago nas Filipinas, do índio no Peru. Como na seleção ou
eliminação dos débeis e inadaptados, se realiza a suprema lei da vida,
os eliminadores ou supressores violentos não fazem mais que acelerar
a obra lenta e preguiçosa da natureza: abandonam a marcha de
tartaruga pelo galope do cavalo. Muito não o escrevem, mas deixam
ler nas entre linhas, como Person quando se refere à “solidariedade
entre os homens civilizados da raça europeia frente a Natureza e a
barbárie humana”. Onde se lê “barbárie humana” traduz-se “homem
sem pele branca”. (GONZALEZ PRADA, 1908, s.p.).
E, da politização do racismo, Prada passou à questão indígena e a sua origem
colonial, que está na raiz da divisão da sociedade peruana entre indígenas e brancos.
Gonzalez Prada, já um anarquista assumido, encontrou no Estado o seu inimigo.
Sob uma constatação demográfica que seria repetida por Mariátegui anos depois,
fundamenta a rebelião: o Estado peruano, a “grande mentira”, mantém dois ou três
milhões fora da lei.
Primeiro os Conquistadores, em seguida seus descendentes, formaram
nos países da América um elemento étnico bastante poderoso para
subjugar e explorar aos indígenas. Embora se tache de exageradas as
afirmações de Das Casas, não se pode negar a avarenta crueldade dos
conquistadores [...] No Peru vemos uma sobreposição étnica:
excluindo aos europeus e ao curtíssimo número de brancos nacionais
ou criollos, a população se divide em frações muito desiguais pela
quantidade de “encastados” ou dominadores e os indígenas ou
dominados. Cem a duzentos mil indivíduos se sobrepõem a três
milhões.
Existe uma aliança ofensiva e defensiva, uma troca de serviços entre
os dominadores da capital e os da província: se o gamonal da Sierra
serve de agente político ao senhorio de Lima, o senhorio de Lima
defende o gamonal da Sierra quando abusa barbaramente do índio.
(Ibidem, s.p.)
Nas atitudes governamentais que se pretendem redentoras da situação do índio e
carregadas de filantropia, González Prada acusa sua insuficiência perante uma classe
latifundiária que não respeita a lei. Em relação às atitudes governamentais, afirma:
[…] Se na costa se percebe um vislumbre de garantías ou um
remendo de república, no interior se sente a violação de todo direito
sob um verdadeiro regime feudal. Ali não regem Códigos nem
imperam tribunais de justiça, porque os fazendeiros e “gamanais”
dirimem toda questão arrogando-se o papel de juízes e executores das
34
sentenças. (Ibidem, s.p.).
Na sequência, Prada denuncia o racismo, desnaturaliza a desigualdade e desvela
a essência do Estado peruano. Por fim, relaciona os problemas da sociedade peruana à
manutenção do sistema gamonal-feudal da Sierra, parte da dominação do Estado.
[…] Uma fazenda se forma pela acumulação de pequenos lotes
arrebatados de seus legítimos donos, um patrão exerce sobre seus
peões aautoridade de um barão normando. Não só influí no
nomeamento de gobernadores, prefeitos e juizes de paz, senão que
faz matrimônios, designa herdeiros, reparte as heranças, e para os
filos que satisfaçam as dívidas do pai, os submete a uma servidão que
frequentemente dura a vida inteira. Impõe castigos tremendos como a
“corma”, a flagelação, o “cepo de campaña”58 e a norte; risíveis como
a raspagem do cabelo e o banho de água fria. Quem não respeita
vidas nem propiedades realizaría um milagre se resgardasse à
exposição da honra das mulheres: Toda índia, solteira ou casada, pode
servir aos desejos brutais do “senhor”.
[...] Em resumo: as fazendas constituem reinos no coração da
República, os fazendeiros exercem o papel de autocratas no meio da
democracia.
[...] A questão do ínido, mais que padagógica, é económica e
social. Como resolve-la? (GONZÁLEZ PRADA, op.cit., s.p., grifo
nosso).
A citação acima é importante para desvelarmos a contribuição de Prada ao
problema indígena. Em Nuestros Indios, pela primeira vez seria vista a ligação entre a
situação dos índios e a ordem feudal da Sierra. Essa análise sobre a subsistência de um
regime de servidão que se apresenta não somente em uma divisão social – entre classes
gamonales e camponeses explorados –, mas também em suas características étnicas, vai
influenciar toda uma geração posterior e é o traço mais marcante do pensamento de
González Prada.
Como solução, que não é um programa, mas uma exaltação a rebeldia, conclui:
A condição do indígena pode melhorar de duas maneiras: ou o
coração dos opressores se comove ao extremo de reconhecer o direito
dos oprimidos, ou o ânimo dos oprimidos adquire a virilidade
suficiente para castigar os opressores. [...] Que não se pregue ao índio
a humildade e a resignação, senão orgulho e rebeldia. O que tem
ganho com trezentos ou quatrocentos anos de conformismo e
paciência? De quanto menos autoridades sofram, de maiores danos se
liberta. Há um fato revelador: reina maior bem-estar nas comarcas
58
Tanto a corma como o cepo de campaña são instrumentos de tortura que consistem em em duas
madeiras que aprisionam membros ou a cabeça da vítima. Utilizado para criar extremo desconforto,
humilhação e imobilização.
35
mais distantes das grandes fazendas, se disfruta de mais ordem e
tranquilidade nos povos menos frequentados pelas autoridades.
Em resumo: O índio se redimirá graças ao seu próprio esforço, não
pela humanização de seus opressores. Todo branco é, mais ou menos,
um Pizarro, um valverde ou um Areche. (GONZÁLEZ PRADA, op.
cit, p. 438).
Além da classe operária, o pensamento de González Prada contribuiria na
ventilação de novos ares entre os intelectuais e as classes médias 59 progressistas,
preparando terreno para os debates que irão dominar a intelectualidade da geração
posterior à sua morte, levantando temas como a questão agrária, a solução
revolucionária para o problema indígena e a urgência de uma autêntica democracia.
(ANDERLE, 1985, p. 97).
A herança que González Prada deixaria para a geração dos anos 20 seria a crítica
frontal às condições econômico-sociais do Peru, a denúncia do racismo contra o índio e
a colocação do problema indígena como formador da identidade nacional peruana.
A historiografia peruana afirma que coube a González Prada, depois de séculos
de silêncio, denunciar a situação de exploração do índio e ligar essa situação aos
problemas nacionais.
Diversos aspectos da agitação gonzalezpradista confirmam a Hipótese de Aricó
sobre as dificuldades de difusão do marxismo na América Latina e, principalmente,
explicam a difusão do anarquismo no continente. Cabe pontuar o papel das classes
médias que emergiam com as transformações das cidades latino-americanas no início do
século XX.
Um fato ao que se deveu em boa parte a grande difusão do
anarquismo, tanto em sua variante individualista, primeiro, e na
sindicalista, depois, foi a capacidade de atração que teve frente à
intelectualidade de origem pequeno-burguesa. (ARICÓ, 1999 p. 35).
59
Classe média é um conceito vago, não define uma posição econômica na produção, não se relaciona a
uma camada política definida, mas tem um uso corrente nas análises sociais de todas as épocas.
Entendemos tratar-se de um conceito mutável que para ser usado necessita ser definido no tempo, mas
que geralmente tenta abarcar uma camada social não proletária e urbana. Na América Latina, essa
categoria assume uma importância grande ao tentar agrupar um setor politicamente significativo nos anos
1920. Seriam pertencentes à classe média os pequenos comerciantes, os intelectuais e artistas não
orgânicos ao Estado Oligárquico, os militares de patente média, funcionários públicos com baixos
salários e por vezes pequenos agricultores, mas geralmente esse termo se relaciona a uma população
urbana.
Conforme uma conceitualização aprista, o setor social que Haya de La Torre e a APRA vinculam ao termo
tem uma definição tão ampla, que chega a permitir um peculiar exagero demográfico: “[…] el pequeno
proprietario, el pequeno productor minero; el pequeno comerciante; esa clase que constituye, quizás, la
mayoria [sic] del país”. (HAYA DE LA TORRE, 2000, p. 179).
36
Mas, se por um lado, Aricó explicou a dificuldade do socialismo na América
Latina, não deu o devido valor à importância dos anarquistas latino-americanos em
agitar a crítica aos problemas estruturais em seus países, que, em muitos casos, não se
limitavam ao binômio patrões e empregados, ou propriedade privada e comunismo.
González Prada é uma boa representação dessa capacidade de utilizar a crítica
anarquista para compreender melhor a sociedade peruana.
A rebeldia de Ricardo Flores Magón
Na falta de novas perspectivas para uma realidade de opressão e miséria, os
homens, muitas vezes, olham para o passado, o idealizam como alternativa para
transformar e criar algo novo. Assim, no México porfirista, as ideologias da Revolução
nasceram acompanhadas da defesa do passado liberal.
Desde o início, o passado não era o porfirismo, senão a tradição
libertária que se deu a partir da Revolução de Independência, se
desenvolve em um longo período de luta dos liberais contra os
conservadores e culmina com o triunfo da República nas
guerras da Reforma e contra a intervenção francesa.
(CORDOVA, 1991, p. 87).
Com um incipiente proletariado e com revoltas camponesas de caráter local e
sem perspectivas nacionais, coube aos intelectuais médios da cidade a organização de
um movimento de oposição. Os fundamentos dessa oposição seriam encontrados no
antigo liberalismo juarista60, em que era possível encontrar inspiração de democracia
política que almejavam61.
A faísca que incendiaria os meios liberais da época porfirista seria o discurso do
bispo de San Luis de Potosi, em junho de 1900. Proclamado na Assembleia Geral do
60
Benito Juárez promungou uma série de leis de cunho liberal em meados do século XIX, como a Lei do
Matrimônio Civil, a que nacionalizava os bens eclesiásticos ou o decreto de secularização dos cemitérios.
Na História Independente do México, as diferenças entre liberais e conservadores estiveram muitas vezes
relacionadas à luta contra os privilégios da Igreja e na defesa do Estado laico.
61
Cockcroft nos conta que: “[...] [Félix Palacini] cria que a próxima revolução social do México se
iniciaria com os ‘intelectuais da classe média’ e com o 'proletariado intelectual' [...] cria que os
intelectuais do México haviam sido a principal força dinâmica de toda a história da República desde a
Guerra da Independência [...] advertia: ‘a classe média intelectual’, quando se enfrente com a ‘fome
chamando às portas’, com os salários reduzidos, com a carência de vestido, com o indecente alojamento,
com o pão caro e a carne ‘ruim e cara’, ‘será revolucionária’: ‘O proletariado intelectual iniciará sua
defesa’”. (COCKCROFT, 1981, p. 46).
37
Congresso Nacional de Agências Católicas, o bispo afirmou que no México a Igreja
havia progredido apesar das restrições impostas pelas Leis da Reforma, denunciava a
separação entre a Igreja e o Estado e que, sob o benévolo governo de Diaz e o apoio das
mulheres mexicanas, as Leis da Reforma não passavam de letra morta. (COCKCROFT,
1981, p.90; CORDOVA, 1991, p. 90).
O discurso do bispo Montes de Oca y Obregón (1840-1921) fez com que Camilo
Arraiga (1862-1945), apoiado por outros liberais de San Luis de Potosi, publicasse um
manifesto convidando os clubes liberais a reunirem-se em uma Convenção Nacional em
San Luis de Potosi, em fevereiro de 1901. (COCKCROFT, 1981, p. 90).
Camilo Arraiga era um engenheiro de minas, membro de uma das famílias mais
abastadas da região, que havia passado um período pela Europa, de onde havia trazido
muitos livros. De sua biblioteca particular liam-se muitos dos autores radicais,
principalmente anarquistas, que influenciariam todo o grupo de liberais reunidos no
entorno de Camilo62.
No manifesto de Arraiga estava definido que se discutiria e se necessitaria
decidir os meios “de levar a prática a unificação, a solidariedade e força do Partido
Liberal, a fim de conter os avanços do clericalismo e conseguir dentro da ordem e da lei
a vigência efetiva das Leis da Reforma”. (Ibidem, p. 69)63.
A reunião liberal ocorreu em fevereiro de 1900 e contou com muito mais
delegados do que estavam esperando inicialmente. Entre os delegados, estava o jovem
Ricardo Flores Magón (1874-1922), que do seu jornal Regeneración passou à oposição
ativa ao governo com denúncias e um crescente radicalismo. Inicialmente, o objetivo do
jornal era essencialmente legalista: combater e denunciar as falhas da justiça, os juízes
venais, os litigantes imorais e as autoridades arbitrárias (CÓRDOVA, 1991, p. 91).
Regeneración noticiaria no número 2664 detalhes do Congresso, e reconheceria a
liderança de Arraiga sob o movimento liberal mexicano. A transformação de um
liberalismo legalista, crente nas possibilidades de conquistar reformas políticas pelo
Estado, vai desenvolvendo-se e radicalizando o seu discurso. Esse processo é facilmente
“Santiago de la Veja declarou mais tarde: ‘Graças a Camilo – Camilito, como o chamávamos – toda a
biblioteca Stock de Paris fez parte de nossas bagagens de prisioneiros’ A Biblioteca Stock foi uma
proeminente casa de publicações e livraria em Paris da qual através de sua Biblioteca Anarchiste distrbuía
as obras dos líderes anarquistas europeus, e a través de sua Bibliothèque cosmopolite” oferecia as obras
de autores mundialmente conhecidos (Tolstoi, Ibsen, Hugo, Kipling e outros.)”. In: COCKCROFT, 1981,
p. 69.
63
Ibidem, p. 78.
64
REGENERACIÓN, El Gran Congreso Liberal. Regeneración, México, DF, n. 27, 15 fev. 1901.
62
38
acompanhado pelas páginas de Regeneración. Em 1900, pouco antes da Convenção (ou
Congresso) Nacional do movimento liberal, o periódico, antes dedicado às questões
jurídicas, avança para o tratamento de questões mais amplas. A partir do número 2065, o
jornal dos irmãos Flores Magón passou a denominar-se Reneración, Periódico
Independiente de Combate e apresentou suas proposições:
A justiça, mal administrada como tem estado até esta data, foi o que
primeiro nos induziu a fundar nosso periódico [...] Nossa luta tem sido
dura. Tem tido todas as características de uma luta de pigmeus
encarando titãs [...] Nossa luta por Justiça, não era mais que um
reflexo de nossos princípios; mas essa luta se via circuscrita a um
mesquinho raio de ação: não podíamos tratar mais que de assuntos
jurídicos. [...] Por outra parte, continuaremos tratando os assuntos
jurídicos, como até esta data, e seguiremos fazendo as críticas, quiçá
um tanto amargas, mas não por isso menos justas, dos atos dos
empregados judiciais. (REGENERACIÓN, n. 20, 31 de dez. 1900).
As críticas amargas vieram cada vez mais dirigidas a Porfírio Diaz. No número
34, dizia: “Não acredite que nos dirigimos a esta personalidade para adular [...] Nos
dirigimos ao presidente para por em manifesto o grave mal que tem ocasionado com seu
sistema político, ditatorial, absorvente, absoluto, autocrático” (REGENERACIÓN, n.
34, 15 abr. 1901, p. 1)66.
Frente ao sucesso do Congresso e ao crescimento da oposição liberal, Enrique e
Ricardo Flores Magón são presos, logo depois seria encarcerado também Antonio Diaz
Soto y Gama (1880-1967), outro importante participante do chamado grupo precursor
da Revolução Mexicana.
A ideologia de oposição ao Governo Diaz nasceu liberal e foi transformando-se
ao longo dos conflitos. Fechada qualquer via de transição política, a radicalidade
crescente de Reneración vai conquistando leitores. O jornal havia sido fundado pelos
irmãos Jesus e Ricardo Flores Magón, e depois se incorporaria o irmão mais novo,
Enrique. O destaque seria para Ricardo, mas, além dos irmãos, no círculo do jornal
teriam destaque também Práxedes Guerrero (1882-1910), Librado Rivera (1864-1932),
Antonio I. Villarreal (1879-1944) e Juan Sarabia (1882-1920).
Com Ricardo ainda preso e a fim de ampliar o movimento liberal, Arraiga e José
Maria Facha convocam o 2ª Congresso do Partido Liberal Mexicano, em que se
especificam os temas a serem debatidos, entre outros a liberdade de imprensa e a
65
66
Idem. Periódico independiente de combate. Regeneración, México, DF, n. 20, 31 dez. 1900.
Idem. Al Presidente de la República, Regeneración, México, DF, n. 34, 15 abr. 1901.
39
resolução do problema agrário.
Como González Prada havia conseguido tocar na ferida que envolvia ¾ da
população peruana, a questão indígena, os liberais em processo de definição
programática esbarravam na questão que assolava os também ¾ da população
mexicana, o problema agrário.67.
Sem condições de fazer oposição de forma legal, Ricardo Flores Magón se exila
em San Antonio, no Texas, e do território norte-americano continua a publicar
Regeneración. Em 1903, um agente de Porfírio Diaz tenta assassiná-lo, sem êxito.
A partir de 1905, forma-se uma Junta Organizadora do Partido Liberal
Mexicano, com Ricardo à cabeça. Na situação de repressão política, fechados os
caminhos institucionais, o tom legalista perdeu espaço nos clubes liberais, e os mais
radicais, que permaneceram politicamente mais ativos, foram ganhando maior
importância entre os que se opunham à ditadura de Diaz.
É nesse momento, por volta do ano de 1904, que o liberalismo radicalizado de
Regeneración vai sendo substituído pelo anarquismo, estabelecendo relações cada vez
mais fortes com os operários. Entre os dias 1 e 3 de junho de 1906, seria deflagrada uma
greve que se tornaria historicamente importante, em Cananea, por marcar a primeira
manifestação da Rebelião que conflagraria o México a partir de 1910. Os organizadores
dessa greve estavam reunidos na União Liberal Humanitária.
Os protestos por melhores salários e equiparação com os salários pagos aos
norte-americanos foram reprimidos pela força particular da empresa de mineração com
o auxílio de alguns mineiros de nacionalidade norte-americana. O dono da empresa
solicitou a intervenção de tropas norte-americanas, que atravessaram a fronteira do
México com o Arizona, e os mineiros foram atacados e reprimidos. Essa greve foi
duramente reprimida pelo Governo e descrita em um artigo de Ricardo Flores Magón,
assinado com o pseudônimo de Netzahualpilli, da seguinte maneira68:
Declarou-se a greve. Ninguém voltaria a entrar nas minas para
trabalhar, já que as famílias dos trabalhadores eram colocadas na
miséria para que se engordassem e gozassem a vida das famílias dos
67
Como no Peru a questão indígena, embora evidente, mantinha-se sob desinteresse dos letrados da
capital, no México a questão agrária somente havia sido tratada em favor do campesinato por Wistano
Luis Orozco, com o livro: “Legislación y jurisprudência sobre terrenos baldios” ver: OROZCO, Wistano
Luis.
“Legislación
y
jurisprudência
sobre
terrenos
baldios.”
Disponível
em:
<http://biblio.juridicas.unam.mx/libros/2/940/40.pdf>. Acesso em: 27 mar 2014.
68
Netzahualpilli ou Nezahualpilli foi o tlatoani de Texcoco entre 1473 e 1515, conhecido por abolir a
pena de morte para escravos e soldados em alguns crimes.
40
que não suavam. Seis mil homens deixaram cair a ferramenta,
animado pela esperança de que, arrependidos, os amos atenderiam
suas reclamações. Vã esperança. Os amos armaram seus lacaios e
assassinaram o povo. O governo, por sua parte, mandou soldados
que fizeram o mesmo e, covarde e traidor, tolerou que foragidos
estrangeiros violassem as leis de neutralidade para exterminar aos
mineiros mexicanos.
[...] Que espantoso crime os mineiros haviam cometido para serem
caçados como bestas selvagens? Um crime realmente e muito
grande, um monstruoso crime: o de reclamar seu direito com as
mãos vazias. Esse é o crime dos povos submetidos e escravos.
[...] Os direitos não se reclamam cruzando os braços, senão com o
ferro e com o fogo. Armem-se os operários e reclamem seus direitos,
só assim se conquista a liberdade e o bem estar. (FLORES MAGÓN,
1908)69.
Depois, no final de 1906, trabalhadores de Rio Blanco reagiriam a um lockout70
nas indústrias têxteis, atacando e destruindo a fábrica. O governo não hesitaria em
reprimir os operários. Alguns autores chegam a contar a morte de 800 pessoas nesse
conflito. (BARBOSA, 2010, p. 55).
Um mês depois da Greve de Cananea, o PLM lançaria seu programa
revolucionário, que definiria dois campos no liberalismo mexicano pré-revolução. Por
um lado, uma tendência puramente liberal (CORDOVA, 1991, p. 96), que depois seria
encarnada pela figura de Francisco Madero, e outro campo, agitado pela prédica
anarquista de Ricardo Flores Magón, avançando do liberalismo radicalizado para um
anarco-sindicalismo com características particulares, que receberia o nome de
magonismo71.
Melgar Bao explica os motivos que levaram o liberalismo mexicano ao encontro
da parte mais radical do movimento anarquista:
A repressão constante contra os clubes liberais e seus órgãos de
imprensa, foi acelerando o processo de radicalização ideológica e
política destes setores até os fazer convergir com o movimento
operário que se desenvolvia de maneira espontânea, autônoma e que
igualmente era objeto de repressão governamental (MELGAR BAO,
69
NETZAHUALPILLI (Pseudônimo de Ricardo Flores Magón), Libertad y Trabajo, Los Angeles, 30
maio 1908. Disponível em: <http://www.fte-energia.org/E80/e80-17.html> e em Memoria, México, n
245, p. 39-40, ago. 2010.
70
Lockout é o termo utilizado para definir o ato dos donos de uma empresa para impedir que os
funcionários exerçam suas funções. Como uma “greve” patronal. Essa tática é utilizada para impedir e
dificultar negociações em meio a uma greve de trabalhadores, ou a ameaça de uma. Na maioria dos
países, essa prática é proibida por lei.
71
Denominamos como magonismo o conjunto de ideias que fizeram parte do pensamento de Ricardo e
Enrique Flores Magón, bem como de seus companheiros do PLM na fase anarquista, como Práxedes
Guerrero.
41
1988, p. 179).
O próprio Ricardo Flores Magón explica a transição de seu pensamento e
confirma a assertiva de Melgar Bao:
O avanço das minhas ideias é lógico, não tem nada de estranho nele,
nada de postiço. Primeiro acreditei na política. Eu acreditava que a lei
teria a força necessária para que houvesse justiça e liberdade. Mas vi
que em todos os países ocorria o mesmo que no México, que o povo
do México não era o único desgraçado e busquei a causa da dor de
todos os pobres da terra e a encontrei: o capital. (FLORES MAGÓN
apud CORDOVA, 1991, p. 175).
O Programa do PLM é interessante por demonstrar algumas desconfianças de
um anarquismo ainda incipiente, que depois seria mais pleno e claro. Em 1906, o PLM
ainda recomendava receio frente ao governo, e não a negação de qualquer participação.
[...] é preferível impor aos liberais a obrigação de velar pelo
cumprimento do programa, para que assim recorde continuamente que
não deve fiar demasiado em nenhum governo, por exemplar que
pareça, senão que devem vigiá-lo para que chegue a seus deveres. Esta
é a única maneira de evitar tiranias no futuro e de assegurar que o
povo goze e aumente os benefícios que conquiste. (PARTIDO
LIBERAL MEXICANO, 1906, s.p.)72.
O programa, que depois Ricardo recordará como muito ameno, declarava-se
contra a reeleição e pela redução do mandato presidencial para 4 anos. Opunha-se ao
serviço militar obrigatório, pela liberdade de imprensa, igualdade jurídica para militares
e civis, abolição da pena de morte (exceto por traição), pela expansão da educação
pública laica, valorização do magistério, valorização dos mexicanos sobre os
estrangeiros, proibição da imigração chinesa73, limitação do poder do clero, melhoria
das condições de trabalho, 8 horas de trabalho, salário mínimo, proibição do trabalho
infantil, descanso dominical, reforma agrária, fortalecimento dos laços com os países
latino-americanos, proteção da raça indígena, entre outros. (PARTIDO..., 1906, s.p.).
O grupo do PLM continuou organizando a resistência, através da propaganda e
da agitação política pelos jornais. Depois formaria grupos clandestinos pelo país, que
72
PARTIDO Liberal Mexicano, Programa del Partido Liberal y Manifiesto a La Nación, St. Louis, 1º jul.
1906. Disponível em: <http://www.antorcha.net/biblioteca_virtual/historia/programa/44.html>. Acesso
em: 27 mar 2014.
73
A proibição de imigração chinesa é um ponto do programa do PLM que depois se repetirá em outras
organizações na década de 1920, e seria combatido intensamente pelos comunistas, e particularmente
através da Liga Anti-imperialista, conforme veremos no capítulo 3 deste trabalho.
42
animaram diversas mobilizações, como a Greve de Cananea, de Orizava, em Veracruz,
uma guerrilha em 1908 em Yucatán, até que o PLM passasse à organização e defesa
aberta da revolução social através da luta armada74.
[...] en defensa de la Justicia, ultrajada sin tregua por el puñado de
bandoleros que nos oprimen, nos rebelamos contra la dictadura de
Porfirio Díaz, y no depondremos las armas que hemos empuñado con
toda justificación, hasta que en unión de todo el Partido Liberal
Mexicano, hayamos hecho triunfar el Programa promulgado el día 1°
de julio del corriente año, por la Junta Organizadora del Partido
Liberal. (PARTIDO..., 1906)75.
Quando Madero lança o Plano de San Luis de Potosí, e conclama o povo
mexicano às armas, os magonistas levantam-se em várias partes do país, mas
concentram-se no território isolado da Baixa Califórnia onde imaginavam conseguir
resistir.76 O magonismo maduro combinou radicalismo, levante camponês armado e
coletivismo agrário, e argamassa para as mais radicais correntes do agrarismo
mexicano, anos depois.
Cockcroft (1981, p. 135) “[...] também nasceu uma revolução durante 1906-1908, tanto em termos
ideológicos, como de preparação militar; o PLM aportou contribuições-chave ao desenvolvimento da
Revolução de 1910-1917. Ainda que não tivessem alcançado êxito na derrubada de Porfírio Diaz, as
revoltas do PLM ajudaram a sovacar seu regime. As ideias do Programa do PLM começam então a
receber uma ênfase mais militante em benefício da classe operária”.
75
PARTIDO Liberal Mexicano, Proclama a la nación, St. Louis, set. 1906. Disponível em:
<http://www.antorcha.net/biblioteca_virtual/historia/programa/45.html>. Acesso em: 27 mar 2014
76
Ricardo Flores Magón noticia, em uma carta de 28 de junho de 1911, o andamento dos combates no
norte do México. Emílio campa foi um dos que assinaram o Plano de Empacadora, conhecido como
Plano Orozquista. O trecho abaixo demonstra a relação direta entre Ricardo e as forças revolucionárias,
particularmente Pascual Orozco. “Por falta de parque se perdió Tijuana. Los bravos compañeros
lucharon ahí como leones hasta que quemaron su último cartucho. [...] Agotado el parque, los
compañeros se pasaron al lado americano. Mexicali se perdió por la traición de Rodolfo Gallegos, un
miserable que nos engaño vilmente y se vendió a los capitalistas americanos del norte de la Baja
California. Sin embargo, los pesimistas no deben desalentarse, pues sería ridículo pretender que la
Revolución Social estaba confinada en un rincón del territorio mexicano. Acabo de recibir cartas muy
interesantes de los Estados de Chihuahua y Coahuila. Una es del firme y valeroso compañero José María
Rangel, quien con el no menos firme y valeroso Inés Salazar, hacen la campaña liberal en el norte de
Chihuahua. [...] Me dice Rangel en carta del 20 de este mes, que estaba ya para unir a su columna otra
columna liberal que anda por el rumbo de San Antonio, Chihuahua. Si ya se unieron, muy pronto será
dueña la bandera roja de una gran extensión territorial del Estado de Chihuahua. [...] Como es muy
difícil la comunicación, no tenemos detalles de más operaciones de dichos compañeros.” Disponível em:
<http://www.antorcha.net/biblioteca_virtual/politica/reflexiones/5.html>. Acesso em: 27 mar 2014.
74
43
Figura 1 - "Homenagem a Posada", Leopoldo Mendez, linoleogravura s/papel, s/d..77
Oficialmente, a Revolução Mexicana começou com a convocação de Madero em
novembro de 1910. Para conseguir apoio dos magonistas, chegaram a espalhar um
boato de que Ricardo poderia ser o vice em uma futura presidência de Madero após a
Revolução.
A essa altura, Ricardo já estava plenamente convencido do anarquismo, e fez
questão de responder, pelas páginas de Regeneración com um rotundo “não” e muita
propaganda anarquista ao convite oficioso maderista.
Os magonistas se lançaram à luta e no norte de Chihuahua fizeram uma série de
ataques contra as forças federais, conquistando posições e agrupando combatentes. Em
uma dessas lutas, morreu Práxedes Guerrero, um dos mais importantes membros da
direção do PLM em uma das frentes de batalha próximas a fronteira. Práxedes Guerrero
foi um importante militante anarquista e seus artigos possuem muitas posições próximas
ao que depois seria considerado como as bases do leninismo em termos de organização
clandestina. Barbosa (2010, p. 57) chama a atenção para a proximidade do magonismo78
e a forma de organização do PLM, em células centralizadas e clandestinas, com o
modelo de organização partidária leninista.
Entre os diversos grupos do PLM que lutaram na primeira fase da Revolução
Mexicana, estiveram os magonistas, os quais em 1911 tomaram algumas cidades do
77
A Gravura de Leopoldo Mendez mostra uma cena hipotética, em que aparece o gravador José
Guadalupe Posada preparando uma gravura enquanto Ricardo Flores Magón prepara um número de
Regeneración. Pela janela Posada observa as tropas porfiristas reprimirem a população. Fonte: PEREIRA,
Lucésia. “A Revolução Mexicana nas gravuras do Museu de Arte de Santa Catarina: entre aparição e
nostalgia” Disponível em: <http://halshs.archives-ouvertes.fr/halshs-00496214 > Acesso em: 23 mar
2014.
78
Ver nota 65.
44
Território de Baixa Califórnia, que alguns afirmam ser o primeiro intento de fundação
de um Estado socialista no século XX, seis anos antes dos bolcheviques tomarem o
poder na Rússia.
O Governo Diaz manteve a repressão a qualquer dissidência política e com isso
prejudicou os liberais mais moderados, que nesse contexto sucumbiam como alternativa
frente aos radicais do PLM. Sem muitas opções, os liberais que representavam a
oligarquia marginalizada no porfiriato se reuniram em torno da figura de Madero, que
única e exclusivamente propunha uma transição política e não uma transformação
revolucionária da sociedade.
O tom conciliador do liberalismo que Madero representava ficou claro em seu
livro Sucessión Presidencial79 (CORDOVA, 1991, p. 100). Espírita kardecista, Madero
imaginava-se realizando uma missão transcendental. A sua proposta de governo,
expressa no Plano de San Luis de Potosi, além da reivindicação por democracia política,
estava bem limitada em relação a uma proposta de transformação social.
Definidos os campos, Magón aprofundaria sua posição anarquista e se ligaria
mais e mais aos operários e camponeses, ao mesmo tempo que se incompatibilizava
com o maderismo.
As ideias de Magón, muito depressa, passaram a ser divulgadas,
associando-se a elas, segundo Angel Capelletti, o grito revolucionário
de Tierra y Liberdad. O referido lema teria sido entoado primeiro pelo
poeta e militante anarquista Práxedis Guerrero e depois disseminado
pelos magonistas. Entretanto, foi Soto y Gama, um magonista muito
próximo a Emiliano Zapata, que viria a popularizá-lo junto ao exército
zapatista. (SAMIS, 2003, p.19)80,81.
Da visão bakuninista que associa o Estado ao Capital, o grupo de Regeneración
evolui para a associação da propriedade do solo ao Capital (CORDOVA, 1991, p. 178).
Na lógica do comunalismo kropotiano, Magón encontra a comunidade indígena, os
Capullis e os Ejidos, que possibilitaram novos elementos radicais para a Revolução
Agrária que seguiria pelos próximos anos.
79
MADERO, Francisco, Sucesión Presidencial, INEP AC, 1910. Disponível em:
<http://www.memoriapoliticademexico.org/Textos/6Revolucion/1910LSP.pdf>. Acesso em: 27 mar 2014
80
SAMIS, Alexandre. Apresentação. In: FLORES MAGÓN, Ricardo. A Revolução Mexicana. São Paulo:
IEL – Imaginário, 2003.
81
Embora Samis (2003, p.19) afirme que o lema Tierra y Libertad tenha sido popular entre os zapatistas,
a verdade é que essa consigna nunca fez parte de nenhum documento zapatista, que assinavam
normalmente: Reforma, Libertad, Justicia y Ley (um exemplo: o comunicado de Zapata, “Comunicado de
Emiliano Zapata a los miembros del ejercito libertador”, 13 fev. 1915. Disponível em:
<http://www.bibliotecas.tv/zapata/1915/z13feb15.htm>. Acesso em: 27 mar 2014.
45
O apoio mútuo era igualmente a regra; as casas se fabricavam em
comum; a moeda quase não era necessária, porque havia intercâmbio
de produtos, mas a Autoridade se robusteceu e os bandidos da política
e do dinheiro roubaram descaradamente as terras, os bosques, tudo.
[...] o povo mexicano está apto para chegar ao comunismo, porque o
tem praticado, ao menos em parte, desde vários séculos, e isso explica
porque embora em sua maioria seja analfabeta, compreende que,
melhor que fazer parte em farsas eleitorais para elevar verdugos, é
preferível tomar possessão da terra e a está tomando, para o grande
escândalo da ladrona burguesia. (FLORES MAGÓN, 1910, p. 1)82.
Ao chegar à questão da propriedade da terra, Flores Magón alcançou o problema
de grande parte dos camponeses mexicanos que sofria sob o porfirismo. Foi a prédica
magonista que agregou densidade política às rebeliões camponesas, mas seu tom
apocalíptico não proporcionou uma solução objetiva para os camponeses, embora tenha
instrumentalizado ideologicamente a combatividade insurgente.
82
FLORES MAGÓN, Ricardo. El Pueblo Mexicano es apto para el comunismo. Regeneración, Los
Angeles, n. 53, 2 set. 1911.
46
Figura 2 – Botoncito do Partido Liberal Mexicano83
Fonte: Regeneración, n. 66, Los Angeles: 2 dez. 1911, p. 1
Aos 48 anos de idade, morreu Ricardo Flores Magón, depois de suportar mais de
13 anos de clausura em diferentes prisões nos EUA e no México. Manteve, através de
Regeneración, sua agitação, mesmo dentro das piores condições de repressão política.
A câmara dos deputados, por ocasião da morte de Ricardo em uma prisão dos
EUA, em 1922, rendeu homenagens, que foram rechaçadas pelos companheiros de
Ricardo. Por outro lado, a confederação de sindicatos ferroviários trouxe por sua própria
conta o corpo de Magón. Pelo caminho, operários lhe renderam diversas homenagens.
Ricardo Flores Magón foi o mais rebelde entre todos que lutaram na Revolução
Mexicana e, dessa maneira, é lembrado pelo povo mexicano.
O magonismo não possuía um projeto de poder político nacional, mas a negação
83
Fonte: REGENERACIÓN, Los Angeles, n. 66, 2 dez. 1911, p. 1. Abaixo da gravura, aparece o seguinte
texto: “Temos à venda botoncitos contendo a figura que reproduz a gravura. Cada botoncito vale 10
centavos ouro. Compre os botoncitos, pois tudo o que se reúna por esse meio servirá para o fomento da
propaganda. O homem que sustenta a Bandeira vermelha é um trabalhador que acaba de fazer um esforço,
tem rompido seus grilhões e se lança à luta contra o atual sistema. Na bandeira se pode ler com claridade
o lema dos liberais mexicanos: Terra e Liberdade! Essa bela bandeira é a que nesses momentos aterroriza
a burguesia e as autoridades em toda a extensão do território mexicano. O botoncito constitui um meio de
propaganda, pois ao vê-los nas blusas de nossos irmãos deserdados, muitos procuraram indagar pelo
Partido e os princípios que o defende”.
47
dos outros projetos em busca de um horizonte distante. Mais adiante, veremos que,
como Madero não solucionava a questão agrária, os zapatistas receberam influências da
prédica magonista para manter suas reivindicações pela democratização da terra e para
opor-se ao governo maderista.
No México, a oposição ao porfiriato se organiza em torno do liberalismo,
reivindicando as conquistas juaristas. Os liberais mexicanos, diferente do que ocorreu
no Peru, haviam alcançado maiores êxitos, emplacado importantes reformas e
consolidado uma tradição política entre a intelectualidade marginalizada pela ditadura
de Diaz. Essa influência liberal alcançou tamanha importância que de uma maneira ou
de outra as correntes que se insurgem durante a Revolução Mexicana (1910-1920)
reivindicam o liberalismo de Benito Juárez, ou as correntes mais populares e
radicalizadas como o zapatismo inspiram-se em ideias facilmente associáveis à agitação
anarquista, que nascem com a radicalização do programa do Partido Liberal Mexicano.
Mas, se a oposição liberal e anarquista foi mais densa no México porfirista que
no Peru civilista, a repressão do Governo Diaz foi também mais violenta, a ponto de
Ricardo Flores Magón passar parte de sua vida e atividade política entre o exílio norteamericano e a prisão.
González Prada seria o inspirador dos primeiros movimentos operários no Peru,
foi a voz crítica ao sistema oligárquico civilista e o seu legado foi reivindicado por todas
as correntes radicais do Peru contemporâneo.
A vitória do magonismo e do gonzalezpradismo era irrealizável, mas o legado da
agitação que promoveram alimentou outros movimentos, tornando-os mais combativos,
encontrando na rebeldia dos dois anarquistas a densidade doutrinária para sustentar
projetos radicais em tempos anteriores à possibilidade de poder bolchevique, quando
toda a alternativa social era apenas um projeto irrealizável.
Rebelião Zapatista e Anarquia nos Andes
Entre nós o anarquismo foi mais a expressão de um subversivismo
espontâneo das massas populares, que a busca de uma resolução
positiva da “questão social”. (ARICÓ, 1999, p. 33).
No subcapítulo anterior, analisamos duas importantes figuras do movimento
radical no Peru e no México, com diversas semelhanças de trajetória: ambos utilizavam
48
a imprensa para divulgar novas ideias e encontraram no anarquismo a saída para os
limites do liberalismo radical que reivindicavam anteriormente. As diferenças entre o
pensamento de González Prada e Flores Magón estão relacionadas às diferenças entre a
realidade política de seus países. Se por um lado o Peru esteve sempre tensionado pela
dualidade entre indígenas da Sierra e brancos da Costa, no México as contradições
entre as classes se manifestou sob outros aspectos, claramente na questão agrária e na
pressão exercida pela pesada fronteira com o vizinho do norte. É em torno da luta pela
terra que os movimentos radicais se organizarão e fundamentarão toda a rebeldia
popular, alternando momentos de nacionalismo anti-imperialista.
O movimento revolucionário dirigido por Emiliano Zapata em Morelos foi
provavelmente o movimento camponês mais bem-sucedido de toda a América Latina,
por dois motivos: primeiro, chegou junto com as tropas da Divisão Norte, comandadas
por “Pancho” Villa, ao centro do poder político. Ambos chegaram a sentar na silla84
presidencial, tomaram a capital e derrotaram as tropas federais. No caso dos zapatistas,
formulou-se o mais avançado programa de Revolução Agrária da época, o Plano de
Ayala, e o defenderam de forma intransigente e com clareza política os seus objetivos.
O segundo motivo que torna a organização político-militar liderada por Zapata tão
importante foi o seu legado para o movimento camponês mexicano posterior,
inspirando o que seria denominado como agrarismo mexicano, com várias vertentes,
mas reivindicando uma mesma origem histórica. Pela importância que o zapatismo
alcançou, a busca das origens do agrarismo se deu nas mais remotas origens:
econômicas, relacionadas à propriedade da terra em diferentes épocas, inclusive préhispânicas; em conflitos regionais provocados pela política porfirista; e em uma
tradição mesoamericana de levantes agrários desde antes da Conquista.
A mais aceita explicação para a rebelião zapatista de Morelos foi econômica. Os
ejidos que sobreviveram e até conviveram como o domínio colonial espanhol se
organizaram a partir de uma derivação dos calpullis mexicas. A propriedade da terra
coletiva teria mantido uma certa autonomia política durante a administração colonial.
Quando os liberais alcançaram o poder, depois de expulsarem os franceses,
promoveram algumas reformas liberais e criaram alguns precedentes privatizadores
com a chamada Ley Lerdo, que depois seria utilizada por Porfírio Diaz para transferir as
84
Silla em espanhol tem dois significados, que em português tem nomes bastante diferentes: significa
tanto cadeira de sentar como cela para cavalos. A “silla” presidencial carregava um duplo sentido aos
críticos do Governo: era a cadeira de onde o presidente montava e oprimia o povo.
49
terras comunais à exploração de cana-de-açúcar no Estado de Morelos.
Os dados desse processo de concentração de terra são muito conhecidos pela
historiografia mexicana, e o ressentimento dessas comunidades transformadas em
peones nas lavouras de açúcar e sem-terras é uma consequência presumível. Assim teria
nascido o movimento zapatista e explodiria a rebelião agrarista.
Uma linha de pesquisa inovadora da historiografia sobre a Revolução Mexicana
foi o livro de Womack, Zapata y La Revolucion Mexicana, publicado em 1969, em que
o autor narra, a partir do contexto regional da política porfirista em Morelos, a rebelião
zapatista, renunciando a esquemas “sociológicos abstratos”, como as tentativas
frustradas de enquadrar em classes abstratas as motivações do movimento. Uma das
hipóteses de Womack é de que os camponeses se rebelaram para não mudar, e
encontraram mudanças ainda maiores, das quais fizeram parte. “Este é um livro acerca
de camponeses que não queriam mudar e que por isso mesmo, fizeram uma revolução.”
(WOMACK, 1999, p. XI).
Como na obra de Womack, foi comum na sociologia, inclusive marxista, a
associação de movimentos camponeses ao conservadorismo, às forças retrogradas que,
geralmente, quando se rebelaram, o fizeram para manter seus antigos direitos85.
Frederich Katz organizou um livro com vários autores, publicado em 1998, em
que busca novas hipóteses para a explicação da rebeldia camponesa e sua tradição de
violentos levantes. “Os camponeses mexicanos têm desempenhado um papel único na
História da América Latina. O México é o único país do continente americano em que
todas as transformações sociais têm estado vinculadas a levantamentos rurais.” (KATZ,
2008, p. 18).
Atualmente, muitos historiadores têm explorado uma influência indígena no
agrarismo de Emiliano Zapata, em uma perspectiva comunalista e autonomista. Essa
preocupação está muito relacionada à influência da perspectiva indígena insurgente
introduzida pelos membros do EZLN (Exército Zapatista de Liberação Nacional) em
Chiapas.
Em que pesem os exemplos das diferentes visões sobre o zapatismo, para nós
tanto as transformações econômicas, fruto da expansão do imperialismo norte“[...] de forma pouco clara e persistente se tem infiltrado a ideia, quase um dogma, de que os grupos
camponeses, mais estritamente a classe camponesa não pode gerar um projeto global para a
transformação da sociedade complexa” (WARMAN, Arturo. El Proyecto Político de Zapatismo. In:
KATZ, Friedrich (compilador). Revuelta, Rebelión y Revolución – La Lucha Rural en México del Siglo
XVI ao Siglo XX. México: ERA, 2008, p. 291).
85
50
americano durante o porfiriato, quanto o contexto da crise da oligarquia em Morelos
ajudam a explicar por que camponeses de Morelos levantaram-se em rebeldia, como
tem acontecido, particularmente no México, desde os tempos da Conquista, conforme
nos demonstra Katz. O que nos chama atenção, em todos esses estudos, é a pouca
importância que o anarquismo assume como influência para o zapatismo.
Figura 3 - Representação do zapatismo em uma gravura de Posada.
Fonte: POSADA, 2012, p. 162
O chamado às armas de Madero, marco oficial da Revolução Mexicana, foi
herdeiro direto do movimento liberal, e, de uma maneira ou de outra, todos os
movimentos que resistiram ao porfiriato estavam vinculados aos clubes liberais.
Madero representava o liberalismo das classes abastadas, com um programa de
51
reformas democráticas limitadas e que não tocavam de maneira significativa na questão
agrária, exceto pelo artigo 3º no parágrafo 3 do Plano de San Luis de Potosi, em que se
dizia:
Abusando da lei dos terrenos baldios, numerosos pequenos
proprietários, na maioria indígenas, foram despojados de seus
terrenos, por decisão da secretaria de Fomento ou por falha dos
tribunais da República. Sendo de toda justiça restituir a seus antigos
possuidores os terrenos de que se despojou de um modo tão arbitrário,
se declaram sujeitas a revisões tais disposições e falhas, e se exigirá
aos que os adquiriram de um modo tão imoral ou a seus herdeiros, que
os restituam a seus primitivos proprietários, a quem pagarão também
uma indenização pelos prejuízos sofridos. Só em caso em que esses
terrenos tenham passado a terceiras pessoas antes da promulgação
deste plano, os antigos proprietários receberão indenizações daqueles
em cujo benefício se verificou o despojo. (MADERO, 191086).
A parte mais radicalizada do movimento liberal estava vinculada ao Jornal
Regeneración de Ricardo Flores Magón, que nesse tempo já fazia propaganda
abertamente anarquista. Foi essa propaganda que chegou a Morelos, foram essas ideias,
que desconheciam a propriedade privada, que olhava com desconfiança os governos e
que chamava para a ação direta os trabalhadores, que consolidaram a intransigência
zapatista frente às negociações contra as diversas facções revolucionárias e que
possibilitaram maturidade e clareza política aos chefes militares para não desarmarem
seus exércitos e aceitarem os engodos e as promessas. Essa desconfiança armada de
Zapata foi muito bem apresentada no filme norte-americano Viva Zapata87, no qual
Emiliano Zapata (interpretado por Marlon Brando) aparece apontando uma arma para
Madero e logo depois entregando sua arma para que o presidente lhe apontasse. Assim
foi explicando noções de ciência político-militar ao mandatário, e demonstrando que
quem está com o controle das armas é quem tem a independência política. A influência
da propaganda anarquista para os revolucionários zapatistas é clara, e Herzog, que teve
participação na Revolução, chegou a afirmar:
O autor deste livro pode assegurar, porque constatou pessoalmente que
muitos chefes revolucionários na etapa constitucionalista da
Revolução conheciam bem o manifesto e o programa do PLM e que
indubitavelmente influiu em seu pensamento [...]. Os autores do
documento político que citamos continuaram, depois da distribuição
86
MADERO, Francisco. Plano de San Luis de Potosi. San Luis de Potosi, 5 out. 1910. Disponível em:
<http://es.wikisource.org/wiki/Plan_de_San_Luis_Potos%C3%AD>. Acesso em: 30 mar 2014.
87
VIVA Zapata!. Direção: Elia Kazan. EUA: Fox Filmes, 1952. 1 filme (113 min.).
52
do mesmo, semeando ideias de inconformidade e agitando a massa
trabalhadora por meio do jornal Regeneración, que publicavam nos
EUA e que era enviado pelo correio aos assinantes no México.
(HERZOG, 1988, p. 69).
O magonismo chegou em Ayala pelos intelectuais liberais radicais, influenciados
pelo anarquismo de Regeneración.
Para os camponeses, a reinvindicação imeditada estava clara: democratização do
acesso à terra, principal meio de subsistência do campesinato. A prédica anarquista, que
a princípio parece mais adequada a uma realidade fabril, vestia como uma luva o tipo
de luta que os camponeses buscavam organizar, embora não em uma totalidade lógica e
doutrinária, mas, principalmente, em aspectos da crítica contra a propriedade privada, a
opressão do Estado e na ação direta como método de luta.
Não foram os anarquistas que influenciaram os camponeses, se tomamos como
referência a ideia comumente passiva de quem é influenciado. Foram os camponeses
que escolheram entre as ideologias que melhor poderiam armá-los subjetivamente para
a luta em torno de suas demandas. O Plano de Ayala, que Womack chama de a “sagrada
escritura” zapatista, é o documento fundador, e é defendido em todo processo da luta
como programa do Estado Maior zapatista. Nenhum documento é melhor para
analisarmos o zapatismo.
O Plano de Ayala foi assinado pelos comandantes militares que representavam a
rebelião de Morelos e os quais, depois de várias tentativas em garantir o cumprimento
efetivo da parte do Plano de San Luis de Potosi, que prometia a restituição das terras
usurpadas pelo porfirismo, decidem-se em iniciar a luta armada novamente, agora
contra Francisco Madero. O Plano zapatista começa desconhecendo Madero e
colocando a traição maderista como justificativa para o levante. O tom de
pronunciamento público contrasta com as soluções práticas e antiburocráticas: como
definir como um dos critérios para a expropriação das terras a opções que cada
latifundiário faça entre o apoio ou não a Revolução: “Os fazendeiros, científicos ou
caciques que se oponham direta ou indiretamente ao presente Plano, se nacionalizarão
seus bens”. (PLANO DE AYALA, 1911, s.p.).
O que define e caracteriza o documento zapatista é sua forma de tratar a questão
da propriedade privada da terra, não como direito individual, mas pela sua função
social, sujeita à expropriação em nome da melhoria, da prosperidade e do bem-estar dos
mexicanos. Nesse ponto, os camponeses zapatistas se afastavam da sacralização liberal
53
da propriedade privada e se aproximam do magonismo, que denunciava a propriedade
privada, junto ao Estado e à Igreja, como os grandes males da sociedade.
[...] Em virtude de que a maioria das comunidades e cidadãos
mexicanos não são mais donas do território onde pisam, sem poderem
melhorar em nada a sua condição social, nem poderem se dedicar à
indústria ou a agricultura, por estas estarem monopolizadas por umas
quantas mãos, as terras, montes e águas;por esta causa se expropriarão
prévia indenização, da terceira parte desses monopólios, aos
poderosos proprietários deles a fim de que os povos e cidadãos do
México obtenham ejidos, colônias, fundos legais para comunidades ou
campos para semear ou trabalhar e se melhore emtudo e pata tudo a
falta de prosperidade e bem-estar aos mexicanos. (Ibidem, s.p.).
O corte imediato das propriedades expropriadas pelos zapatistas são a versão
camponesa da Ação Direta anarco-sindicalista e fizeram parte fundamental da agitação
magonista88.
[…] que os terrenos, montes e águas que os fazendeiros, científicos ou
caciques tenham usurpado à sombra da justiça venal ficarão em posse
desses bens imóveis desde logo, as comunidades ou cidadãos que
tenham seus títulos, correspondentes a essaspropriedades, das quais
tem sido despojados pela má fé de nossos opressores, mantendo em
todo o processo, as armas nas mãos, durante mencionada posse. E os
usurpadores que se considerem com direitos a eles, o deduzirão ante
aos tribunais especiais que se estabeleçam com o triunfo da
Revolução. (Ibidem, s.p.)
A desconfiança frente aos governos foi talvez o mais importante aprendizado de
ciência política absorvido pelo Estado Maior zapatista da experiência e agitação política
magonista, mas padeceu da mesma falha que os anarquistas em outros contextos
históricos. A agitação revolucionária em busca da sociedade sem classes não possuía
um meio-termo de ordem social que possa servir de acúmulo de forças, ou estágio antes
da sociedade sem classes, a anarquia. No caso dos comunistas, em várias situações
estavam abertas diversas possibilidades, desde a participação política no parlamento,
88
Em 1918, o zapatismo tinha claros os meios para conquistar a terra, próximo da propagada Ação Direta
anarquista: “En cambio, la revolución ha hecho promesas concretas, y las clases humildes han
comprobado con la experiencia, que se hacen efectivos esos procedimientos. La revolución reparte
tierras a los campesinos, y procura mejorar la condición de los obreros citadinos; nadie desconoce esta
gran verdad. En la región ocupada por la revolución no existen haciendas ni latifundios, porque el
Cuartel General ha llevado a cabo su fraccionamiento en favor de los necesitados, aparte de la
devolución de sus ejidos y fundos legales, hecha a las poblaciones y demás comunidades vecinales”. In:
ZAPATA, Emiliano. Manifiesto de Zapata: Llamamiento patriótico a todos los pueblos engañados,
Tlaltizapán, 22 ago. 1918 Disponível em: <http://www.bibliotecas.tv/zapata/1918/1918.html>. Acesso
em: 27 mar 2014.
54
como forma de acumulação de forças e conquistas parciais, até a ditadura do
proletariado; a transição socialista até o comunismo. Para os comunistas, mesmo
quando defendiam meios radicais e agitaram a luta armada e a insurreição
revolucionária, apresentaram o que foi chamado de programa mínimo da revolução,
com medidas imediatas e um plano de transição até a sociedade comunista, a sociedade
sem classes.
As principais correntes anarquistas que tiveram eco no México propagaram uma
perspectiva apocalíptica e de ruptura revolucionária, em que a velha sociedade daria
lugar a nova, em todos os lugares e em todos os aspectos. Nessa perspectiva, não era
possível nenhum recuo tático, e assim, não chegando à sociedade anarquista, só
restavam a derrota e o aniquilamento.
Politicamente, essa concepção tem duas consequências bem claras, e que
estiveram presentes no zapatismo. O movimento revolucionário quando alcança
representatividade sustenta uma grande combatividade, mas, ao mesmo tempo, não
consegue constituir um programa mínimo, e, quando alcança o poder, pouco se tem a
fazer. Outras forças políticas com propostas imediatas conquistam as bases sociais do
movimento, isolam os líderes anarquistas e a resistência é eliminada com repressão.
Assim ocorreu com as forças zapatistas e villistas, que, ao chegarem à cadeira
presidencial, com o controle do território e o poder militar, não conseguiram impor um
programa, apenas mantiveram a disposição de lutar contra uma tirania que oscilava
entre abstração e personalismo. Entre os zapatistas, manteve-se sempre como fim a
Revolução Agrária. Zapata e Villa tomaram o poder sob custódia, mas não tinham
planos para a consolidação da revolução.
A ideia de revolução sustentada pelo zapatismo requer atenção. Parece
claro que para Emiliano Zapata havia uma clara distinção entre a
tomada do governo e a tomada do poder. A transcrição da conversa
entre Zapata e Villa em Xochimilco ilustra com claridade esse ponto.
O governo era concebido como um instrumento de opressão pelo seu
centralismo, pelo seu controle por uma casta profissional desarraigada
do povo, por sua natureza repressiva e expropriatória. O governo
concebi-se como uma camisa de força para a revolução; a condenava a
repetir práticas opressivas em virtude de que todo aparato
governamental estava orientado nessa direção. O problema da
revolução não era a captura do governo, senão a sua dissolução para
proceder a reformulação do Estado. A revolução era concebida como
um processo e não como um ato de tomada de controle. O processo
revolucionário devia desenvolver-se na base da sociedade e não pelo
alto. A transformação da existência, estabelecida e defendida com as
55
armas, devia preceder a transformação do Estado, só assim seria
definitivo, irreversível. Primeiro devia entregar a terra, o poder militar
e a autonomia política às unidades constitutivas da sociedade, para
refazer o Estado como uma unidade coletiva de serviço. (WARMAN,
2008, p. 305)89.
Nos últimos anos antes de seu assassinato, o linguajar das declarações do Estado
Maior zapatista estava tão próximo da agitação magonista que seria pouco provável,
como diria Wommack (1999, p. 397), que alguma outra facção revolucionária pudesse
aliar-se aos zapatistas que não fossem os anarquistas.
Figura 4 – Francisco “Pancho” Villa na silla presidencial, ao lado de Zapata90
Fonte: Archivo fotográfico Casasola
O habitat do anarquismo não poderia ser no Estado, mas na oposição a ele.
Assim, quando Zapata e Villa passaram novamente à resistência guerrilheira contra as
tropas constitucionalistas, a partir de 1915, suas posições se aproximassem ainda mais
89
WARMAN, Arturo. El Proyecto Político de Zapatismo. In: KATZ, Friedrich (compilador). Revuelta,
Rebelión y Revolución – La Lucha Rural en México del Siglo XVI ao Siglo XX. México: ERA, 2008.
90
Fonte: Archivo fotográfico Casasola, “Francisco Villa em la Silla presidencial”, fundo Casasola, autor
Casasola, México, 6 dez. 1914. Disponível em:
<http://www.sinafo.inah.gob.mx/galerias/fotoperiodismo/fotoperiodismo.swf>. Acesso em:
56
às anarquistas, e cada vez menos aos antigos liberais. Esses últimos, a essa altura, já
estavam compondo o novo governo, discutindo a nova constituição e disputando
espaços no Estado que se reestruturava a partir das lutas entre facções do
constitucionalismo.
O espaço de desenvolvimento do zapatismo estava cada vez mais relacionado ao
movimento operário, e ao magonismo desses anos. Flores Magón, inclusive, só
reconheceria como verdadeiros revolucionários os que lutavam ao lado de Zapata.
Um dos mais interessantes documentos assinados por Zapata e que demonstra
com clareza a separação dele de toda a tradição liberal e seu esforço por aliar-se aos
operários está no documento dirigido aos operários, redigido desde o quartel general
zapatista, em 15 de março de 1918.
Falaz e astuto, o carrancismo, essa burguesia uniformizada de amarelo
envolto de cartucheiras, vestiu ontem a roupa da fábrica e fingiu [...] A
ilusão foi cruel e não se fez esperar. Em vez da ajuda prometida aos
seus sindicatos, veio a imposição governativa, exigente e tirânica; se
quis fazer do operário a criatura dócil do governo, para preparar quando
a farsa das eleições chegasse, a exaltação ao dos cupinchas do
carrancismo, ou seja, se quis transformar-los em uma arma que servisse
à tirania e a seu aliado, o capital, nada menos que dos sindicatos , ou
seja as agrupações criadas para defender o trabalho contra as
expoliações e abusos desse mesmo capital, e por haver querido resistir a
essa pressão governativa, vocês o sabem, o carrancismo cjegou onde o
próprio Huerta não chegou, a fechar as suas casas, os seus templos de
liberdades, a Casa do Operário Mundial! Não foi tudo, bem sabem;
quando a greve veio, os negou o direito de greve, em vez dos patrões o
fazer, Carranza impôs suas condições, de acordo, claro, com eles. E
como se não fosse o bastante: aos que protestaram, a prisão! Como se
não fosse demasiado, aos que resistiram, a forca! Querem mais?querem
maior infâmia! (ZAPATA, 1918, s.p.)91.
Podemos encontrar, em menor grau, as influências do anarquismo nas decisões
do Comandante da Divisão Norte, Francisco Villa, que continham essa mesma
característica antiburocrática, de soluções pouco comuns à tradição da administração
estatal na América Latina.
Uma característica do documento zapatista que evidencia um desprezo pela
lógica burocrática do Estado está na afirmação da decisão municipal em detrimento da
imposição estatal central. Foi característica do zapatismo a valorização pelas decisões
91
ZAPATA, Emiliano. A los obreros de la república, Tlaltizapán, 15 mar. 1918. Disponível em:
<http://www.bibliotecas.tv/zapata/1918/z15mar18a.html>. Acesso em: 27 mar 2014.
57
locais, no âmbito dos pueblos, longe dos “corruptos” do poder central, e carregado da
sabedoria da experiência cotidiana da vida municipal, em que todos se conheciam e
mantinham outras formas de mediação e convivência sem a necessidade da mediação
do Estado e sua burocracia administrativa.
Como temos colocado, embora o anarquismo seja peça-chave para se entender o
a ideologia zapatista, essa influência não é reconhecida pelos próprios, nem o termo
anarquia ou anarquista tem conotação positiva, como demonstra um pequeno trecho do
Plano de Ayala, em que anarquia aparece com a conotação pejorativa e sinônimo de
desordem:
pues ha sido claro y patente que ha ultrajado la soberanía de los
Estados, conculcando las leyes sin ningún respeto a vida ni intereses,
como ha sucedido en el Estado de Morelos y otros conduciéndonos a
la más horrorosa anarquía que registra la historia contemporânea
(PLANO DE AYALA, 1911, s/p., grifo nosso)92.
Rebelião Indígena e o anarquismo
Como ocorreu no México, a expansão do imperialismo trouxe mudanças
significativas também para o Peru. O crescimento das culturas de açúcar, da mineração
e as ferrovias pressionaram as terras tradicionais indígenas e desorganizaram a antiga
ordem da Sierra. Como no caso da rebelião zapatista, a rebelião indígena também foi
analisada como uma revolta que tinha como objetivo de retornar ao passado. Nas
descrições de Chevalier do início do século, os Andes aparecem como um paraíso
comunalista93.
92
Acreditamos que ao longo da Revolução, de 1911 até 1918, o Estado-Maior zapatista tenha modificado
sua percepção acerca do sentido da palavra anarquismo. Em nosso modo de ver, as palavras não têm um
significado único para todos os contextos. Os homens se apropriam das palavras, dando significados
diferentes no tempo e espaço. Em meio aos movimentos emancipatórios, frente às intensas lutas políticas,
uma mesma palavra pode ter um significado para um, e outro para um grupo diferente em uma mesma
época, além de ter conotações distintas em cada época e lugar. Por outro lado, o Plano de Ayala é do
início da década, e tudo leva a crer que o Estado-Maior zapatista foi se aproximando de antigos membros
do PLM, como Soto y Gama, o que nos faz pensar que, se houvesse uma “revisão” do Plano de Ayala por
Zapata nos anos de 1917-8, certamente esse trecho “horrorosa anarquia” seria suprimido. Zapata não foi
anarquista, e aqui não nos importa definir um simples rótulo, mas, acima de tudo, demonstrar como a
agitação anarquista influenciou um movimento camponês revolucionário com características particulares,
e como essa tradição política radical será retomada pelo PCM na década de 1920.
93
Utilizamos a palavra comunalista para identificar a organização comunal típica de algumas
experiências rurais na América, e também em outras regiões do mundo. Diferente de comunismo, que está
associado a uma corrente política contemporânea, marxista, e que prevê uma sociedade sem classes, póscapitalista e industrializada.
58
A ampla puna era para todo mundo, não havia pastos cercados por
pedras ou alambrados; a extensa puna não tinha dono. Os índios
viviam livremente onde melhor os parecia. Os mistis94 e mestiços
despertaram, então, à existência da puna: pastos, gados, índios,
estúpidos adormecidos pelo frio! Vamos, e todos juntos correram para
se apoderar da puna. Eles empreenderam a limpeza, para sempre, das
chukllas, como também das aldeias, e fizeram mais altas as cercas de
arame farpado e de pedras na puna livre. (CHEVALIER apud
ANDERLE, 1985, p. 20)95.
As mudanças provocadas pelo avanço do capital estrangeiro geraram
insatisfações e pressionaram as terras comunais, mas o que nos parece significativo
durante a década de 1920 foi a combinação de anarquismo com a precarização da vida
camponesa e indígena. Foi dessa combinação que surgiu um movimento de magnitude
que pudesse depois ficar conhecido como “La Gran Rebelión Indígena”.
Os levantes indígenas contra a ordem gamonal foram comuns, de tempos em
tempos explodiam nos Andes com violência. Esses movimentos provavelmente foram
mais comuns do que existe registrado.
Galindo nos apresenta uma série de notícias de levantes indígenas, em 1886,
1887, 1895, 1906 até 1911. Em todas essas rebeliões um mesmo padrão:
[...] inicia-se com motins ou tumultos antifiscais; dirigem-se contra as
autoridades locais, questionam o sistema de fazendas, proclamam-se
os autênticos proprietários das terras, declaram guerra ao misti ou
branco e são conduzidos pelos mestiços que viviam fora dos grupos
camponeses. (GALINDO, 1991, p. 181).
O autor analisa particularmente a última rebelião indígena que precede a “Gran
Rebelión Indígena del Sur”, dirigida por Rumi-Maqui, no ano de 1916.
Teodomiro Gutierrez Cuevas (1864-?), um sargento do exército peruano, havia
sido subprefeito de Chucuito entre os anos de 1903-04, e nessa gestão havia suprimido
os trabalhos gratuitos, o reparto da lã, além de ter aberto uma escola para os filhos dos
camponeses. (GALINDO, 1999, p. 181). Embora fossem medidas legais, a atividade de
Teodomiro Gutierrez logo tornou seu nome conhecido entre os indígenas e,
principalmente, entre os gamonales, que logo conseguiram que ele fosse destituído.
Em 1913, Teodomiro novamente entrará na cena política, convidado pelo
94
Misti é a palavra quéchua usada pelos indígenas para se referir ao branco. Pode ter significado próximo
a patrão, a chefe; ou pode ser usado pejorativamente.
95
Este trecho está em Chevalier, Imperialismo y agro peruano, sem data e sem numeração de páginas,
citado por Anderle. (1985, p. 20).
59
presidente Guillermo Billingurst (1851-1915) para investigar a situação conflituosa
entre indígenas e fazendeiros da região do altiplano. Os gamonales voltam a pedir a
destituição de Teodomiro, e, em 1914, com a queda do presidente, ele perde também o
cargo, como inclusive sua patente militar, e tem de fugir do país, inicialmente
atravessando a fronteira com a Bolívia, depois seguindo para a Argentina.
Em 1916, retorna a Puno, com um programa: “reativar a rama [...] organizar um
exército camponês e preparar um levante para o domingo de carnaval. Muda seu nome
para Rumi-Maqui [que significa mão de pedra em quéchua] e se propõe a restaurar o
Tahuatinsuyo”. (GALINDO, 1999, p. 182).
Antes do planejado, em 1º de dezembro de 1915, à frente de algumas centenas
de camponeses controla algumas fazendas, e em San José perde uma batalha para as
forças paramilitares dos gamonales, sendo preso. Em 1916, consegue fugir da prisão e
desaparece.
O importante dessa rebelião é um aspecto que acompanharia as outras rebeliões
na Sierra peruana: os camponeses opõem-se como indígenas às forças do branco e
estruturam suas reivindicações pela ideia de que as terras têm sido usurpadas pelos
brancos desde a Conquista. E, por essa razão, as terras lhes pertencem por direito e
antiguidade. Assim apareceu também o objetivo último: o restabelecimento do
Tahuantinsuyo.
Rumi-Maqui lideraria a última das rebeliões locais. Todos os outros levantes
camponeses teriam uma dimensão política mais ampla e estariam, em grande parte das
vezes, articulados com os movimentos radicais dos centros urbanos, que dariam à
reinvindicação pela terra perspectivas programáticas mais amplas.
O primeiro encontro do movimento popular com o campesinato indígena da
Sierra deu-se através de uma série de associações indigenistas com sede em Lima.
Pouco depois que González Prada escreveu Nuestros Indios, a defesa do
indígena foi sustentada por um grupo de intelectuais reunidos na Asociación Próderecho Indigena, fundada em 1909 e dissolvida em 1916. Leibner, ao analisar os
documentos dessa associação, a descreveu com as seguintes palavras:
Quando em fins de 1909 foi fundada a asociación Pró-Indigena [...] o
ponto de partida ideológico era liberal e paternalista. Por definição se
tratava de uma organização tutelar de criollos e mestiços que se
propunham em pôr os indígenas “ao abrigo do abandono, da
ignorância, da miséria, das enfermidades, da incúria e dos maus
60
tratamentos de capitalistas donos de fundo, funcionários públicos”.
(LEIBNER, 1999, p. 71-72).
O curto tempo em que essa associação esteve ativa serviu para atrair militantes
anarquistas, algumas lideranças indígenas e intelectuais. Dessa iniciativa, surgiu em
1919 o Comitê Central Pró-derecho Indígena Tahuantisuyo. Dora Mayer (1868-1959),
mais tarde, descreveria esse processo com as seguintes palavras:
Ainda que a associação Pró-Indígena não teve evidentemente em
Lima mais vida que a que a dávamos Zulen e eu, ela havia deixado
raízes maiores nas províncias. Ali perduraram na vida autônoma
algumas das delegações, ouvindo falar nos sítios mais inesperados de
uma “Pró-Indígena”, quando a instituição mãe já não existia mais, e,
pouco a pouco, estas sementes deram seu fruto no Comitê ProDerecho Indígena, constituído em Lima em 1919, e no primeiro
Congresso Indígena Tahuantinsuyo, uma verdadeira revelação de
autêntica iniciativa indígena, celebrado em Lima para o Centenário da
Independência Nacional, em 1921. (MAYER, 1926 apud ARROYO,
2004).
Pedro Zulen (1889-1925), companheiro de Dora Mayer, e com ela principal
instigador da associação indigenista, radicalizaria seu discurso e encontraria na base
econômica do latifúndio andino a explicação para as mazelas do índio. Em 1915,
escreveria um artigo intitulado “¡Destruíamos o Latifúndio!”96.
Diferente da organização criada anos antes por Dora Mayer e Pedro Zulen, o
Comitê teria outras mudanças importantes, como a influência anarquista e uma
militância mais efetiva entre os indígenas da Sierra. O próprio nome da organização
“Comitê” carregava um tom anarquista, termo tradicional nas organizações urbanas
anarco-sindicalistas. Outra influência importante, crescente ao longo dos anos
posteriores à fundação do Comitê, foi a ideia do ressurgimento do Império Inca
enquanto perspectiva utópica, combinada aos pressupostos anarquistas de justiça social
e igualdade97.
Os princípios que regiam programaticamente o Comitê tinham ainda um sentido
legalista e depositavam esperanças na possibilidade de se conseguir – através da
mobilização indígena, aliada a um aparato jurídico – o respeito de alguns artigos da
96
ZULEN, Pedro. ¡Destruíamos el latifúndio!, La Autonomia, Lima, n. 19, 27 nov. 1915. Cf. LEIBNER,
1999, p. 82.
97
A ideia de um ressurgimento do Império Inca combinada com a ideologia igualitária anarquista foi
frequente entre os jornais operários de Lima, como em La Protesta, o mais importante jornal anarquista
peruano da época.
61
constituição que protegiam os índios e suas comunidades. A crença nos instrumentos
legais98 como método para se atingir a emancipação indígena não estava baseada
somente em artigos constitucionais, mas também no apoio concreto do presidente
Augusto Lenguía (1863-1932) ao Comitê.
O 1º Congresso Indígena, realizado em 1921 na cidade de Lima, contou com o
apoio do mandatário no pagamento do transporte para os delegados da Sierra e suas
refeições. Não somente esse apoio material, mas a retórica do presidente, nos primeiros
anos de seu governo, também fazia crer que o Comitê poderia contar com o seu apoio.
Lenguía havia subido ao poder com um discurso que apontava para o combate
ao civilismo e o gamonalismo, anunciando reformas em benefício dos mais pobres. Ele
estabeleceu o Dia do Índio, inaugurou um monumento a Manco Capac, proclamou-se o
“novo Wiracocha” e pronunciou discursos em quéchua, dando a impressão de que era
simpático a um certo indigenismo. (ARROYO, 2004, s.p.).
Em 1922, Lenguía criou o Patronato de la Raza Indígena como uma tentativa de
vincular o crescente movimento indígena com o governo. Embora a institucionalização
do movimento indígena tenha sido recebida com certa desconfiança, o tom legalista da
declaração de princípios e o apoio à causa indígena criaram enormes expectativas entre
a maioria dos líderes regionais indígenas.
O escritório onde funcionava o Comitê era o local em que muitos índios serranos
se dirigiam para fazer denúncias contra os abusos dos gamonales e de usurpação das
terras. A própria Dora Mayer lembra, em suas memórias, como vivia cheio o pequeno
escritório de onde as pessoas solidárias ao problema indígena acolhiam as denúncias
dos índios e davam encaminhamento legal. Essa atividade filantrópica tinha limites na
própria estrutura da sociedade peruana. Os latifundiários da Sierra e os enganchadores99
98
Essa direção inicial na concepção do Comitê fica clara na declaração de princípios da organização:
“Siendo las comunidades de indígenas de la República el coeficiente de su propia existencia, los
miembros de este Comité tienen la obligación de llevar a todos los rincones del país a sus hermanos
indígenas la convicción de que es necesario exigir del Estado el respeto de su integridad territorial de
todas las comunidades del país. [...] de acuerdo con la Constitución de la República: Título I.
Comunidades de indígenas: – Artículos 207, 208. 209, 210, 211, 212, y de acuerdo también con la
Declaración de Principios de esta asociación indígena, en beneficio de los indígenas en general; por lo
que debe denunciarse los abusos cometidos por las autoridades de cualquier orden o gamonales
(hacendados) del lugar o sus agentes. En las denuncias por despojo, atropello u otros abusos, a falta de
otras personas que testifique el Comité, es suficiente testimonio para que los personeros de la asociación
indígena de ésta, o del lugar donde funcione un subcomité, tramiten inmediatamente ante las autoridades
superiores, la responsabilidad y el castigo del o de los culpables”. (AYALA apud ARROYO, 2004).
99
Enganchadores se refere a Enganche, um tipo de recrutamento de mão de obra comum no Peru, em que
alguns agentes das empresas agrícolas do litoral, necessitadas de mão de obra barata, recrutavam
camponeses em suas aldeias prometendo salários relativamente bons, mas, ao chegarem ao local de
62
não respeitavam a ação legal que vinha da capital e nem os funcionários da capital
faziam questão de aplicar algum tipo de penalidade aos latifundiários que cometiam
abusos contra os índios. Tão logo fosse percebida a ineficácia das denúncias e das
atividades de filantropia a favor dos índios, essa direção no movimento indigenista
estaria esgotada.
E assim foi. Logo no 1º Congresso Indígena, a realidade indígena parecia estar
essencialmente ligada ao problema da terra. Esse tema ocupou o centro dos debates
entre os delegados presentes. O que garantia ainda a sobrevivência da linha
filantrópica100no meio indigenista era o apoio do presidente Lenguía. O Congresso abriu
com vivas ao mandatário, contando com o apoio do emergente movimento estudantil e
do movimento operário.
O apoio e a participação de integrantes do Comitê em rebeliões indígenas101, a
crescente politização dos membros que se afastavam gradativamente da filantropia
original e a adoção de um tom cada vez mais anarco-sindicalista para a questão indígena
começaram a criar reflexos na classe gamonal. Logo que o movimento indigenista
passou a orientar-se no sentido da luta pela terra, principalmente na região de Puno, na
Sierra Sul foi fundada a Liga de Haciendados del Sur, organização de fazendeiros que
passou a fazer uma grande campanha contra o Comitê102.
Enquanto o Comitê, já sob a influência determinante do anarquismo, animava a
rebelião indígena, incitando o enfrentamento e a insurgência sob uma prédica
milenarista do retorno ao incário, os conflitos chegavam a Lima e impunham ao
governo um apoio mais resoluto aos camponeses contra os latifundiários. Nos anos de
trabalho, acabam presos, sem poderem abandonar a fazenda até que pagassem a “dívida” que contraíram
desde o transporte da aldeia, até os bens de consumo que necessitavam para sobreviver e eram obrigados
a comprar em um mercado controlado pela fazenda. Esse tipo de relação de trabalho, com características
de servidão, em que a mão de obra é aprisionada por uma dívida artificial ou outro compromisso que
nunca conseguiam quitar, foi recorrente em toda a América Latina. Conhecida com o nome de Tienda de
Raia no México, Casas Aviadoras no Ciclo da Borracha no Norte do Brasil, entre outros.
100
Utilizamos a palavra filantrópica conforme foi caracterizada por Mariátegui à direção do Comitê
Indígena nesses tempos, já que essa associação estava composta principalmente por profissionais liberais
que, por meio de medidas legais, pedagógicas e “solidárias”, buscavam romper (ou diminuir) o estado de
opressão e miséria que viviam os indígenas andinos. Uma melhor definição desta organização por
Mariátegui, Cf. MARIÁTEGUI, J.C. Mariátegui Total, Lima: T. I, Editora Amauta, 1994, p. 18-23.
101
As rebeliões camponesas e indígenas que se deram pouco antes do oncenio, até meados da década de
20, foram denominadas como a Grande Rebelião. Segundo Leibner, houve uma expectativa entre os
indígenas de que Lenguía interferiria em favor dos camponeses por uma nova repartição de terras.
Somava-se a isso o mito do retorno do Inca. O mito do Inkarri é o mais conhecido, mas outros fazem
parte da tradição andina de restauração do antigo Império. Cf. CURATOLA, Marco. “Mito y milenarismo
en los Andes: del Taki Onqoy a Inkarri. La vision de um pueblo invicto”, Allpanchis, n. 10, 1977; OSSIO,
Juan M., Ideologia mesianica del mundo andino, Lima: Ed. de Ignácio Prado Pastor, 1973.
102
Cf. LEIBNER, 1999, p. 178.
63
1922-23, na Região Sul, ocorreram diversos massacres. O que alcançou maior
repercussão foi o de Huaconé.103 Ao contrário do que alguns membros do Comitê
imaginavam, a resposta de Lenguía foi a perseguição aos dirigentes indigenistas. O ano
de 1923 foi significativo por marcar uma fronteira importante na “Nueva Patria” de
Lenguía. Ao mesmo tempo em que o Peru vivia as últimas mobilizações da onda de
lutas que animavam o movimento popular desde 1919104, o presidente passava a exercer
uma repressão generalizada contra os seus oponentes. Em busca de apoio para sua
reeleição, em 1924, encontrou a oligarquia latifundiária, a igreja e o capital norteamericano. Essa direção no governo, mais clara depois da prisão de Haya de La Torre, e
a deportação de líderes estudantis e operários modificariam a orientação de todo o
Comitê.
Nesse ano, o movimento indigenista havia conseguido estabelecer uma ligação
coordenada entre as comunidades e o centro dirigente em Lima. Muitos dos dirigentes
como Ezequiel Urviola (1885-1925), Hipólito Salazar e Carlos Condorena, de clara
filiação anarquista, vincularam-se de tal forma às comunidades indígenas que as
atividades do Comitê pareciam realmente ameaçar o latifúndio. Os fazendeiros da
Região Sul, onde as sublevações alcançaram maior importância, as descreveram com as
seguintes palavras:
Por todos estes documentos fica comprovado, até a evidência, as
complicações das [sic] sublevação indígena de Huaconé, que não
apenas tinham por objetivo a destruição de todos os pueblos e todas as
propriedades, morte a todos seus habitantes e o roubo e o saque geral,
103
Após o massacre nessa região, o líder indigenista Condorema e um grupo de camponeses-índios se
encontraram com Lenguía. Ayala cita esse encontro da seguinte forma: “Carlos Condorena y un grupo de
campesinos de Wancho Lima decidieron ir hasta la capital para entrevistarse con Leguía y pedirle
justicia. Cuando llegaron al Palacio de Gobierno, el presidente los recibió, pero de inmediato expresó su
disgusto: ‘Señor Condorena – dijo – mi opinión como presidente es muy clara, yo apoyo al indio, quiero
la revolución del indio, pero lo que no puedo consentir son los actos de vandalismo que se han desatado
en la Provincia de Huancané, tengo la información, yo no voy a permitir que en nombre de las escuelas
haya gente que se está aprovechando para amenazar, liquidar, matar a la población que tiene todo el
derecho de trabajar sus tierras. Estoy profundamente disgustado…’.Cuando Leguía terminó de hablar,
Condorena inmediatamente le respondió lo siguiente: ‘Señor Presidente, lo que nosotros queremos es que
usted cumpla con su palabra, he leído sus discursos, sé todo lo que usted ha dicho, igual que Ezequiel
Urviola yo también le pido Señor Presidente que cumpla con lo que usted dice, porque mientras usted
dice una cosa, las autoridades, los gamonales hacen otra.’ Lo cierto fue que, cuando la reunión estaba
por acabar, Leguía se encontraba tan enojado que ni siquiera quería recibir el memorial que los
campesinos habían ido a dejarle. De ahí que, una vez fuera del Palacio de Gobierno, Condorena les
comentase lo siguiente a sus paisanos: ‘Ha pasado tal como yo estaba pensando, los campesinos hemos
comenzado a caminar por nuestro propio camino y Leguía ha escogido el suyo. Desde ahora habrá que
luchar sin Leguía, desde este momento estamos solos’”. In: AYALA apud ARROYO, 2004, s/p.
104
No capítulo 2, trataremos o movimento operário e estudantil de 1919, até 1923, com o exílio de Haya
de la Torre.
64
senão a Revolução Social mais espantosa o aniquilamento de todas as
instituições nacionais, a destruição de todos os poderes públicos e, por
fim, o caos. (FISANCHO PIÑEDA apud LEIBNER, 1999, p. 179).
El Heraldo de Arequipa informava que em Azángaro “existiam sérios problemas
de que se produza uma sublevação das parcelas indígenas instigadas por elementos
estranhos para estabelecer o comunismo” (EL HERALDO DE AREQUIPA, 1923 apud
GALINDO, 1999, p.183). Em 1923, o jornal La Verdad de Sicuan, em 5 de dezembro de
1922, dizia:
A estas horas como dizíamos ontem, nem eles mesmo sabem o que
querem porque os agitadores os têm feito perder a noção clara de suas
reivindicações. O que pretendem é saquear as fazendas, queimar
populações, exterminar os mistis, repartir as propriedades territoriais e
os capitais ‘senovientes’ da criação de gado, destruir tudo e restaurar o
império do Tahuantinsuyo. (GALINDO, 1999, p. 183).
O governo Lenguía, demonstrando os limites de seu apoio à causa indígena,
passou a perseguir os dirigentes indigenistas, particularmente os que atuavam no sul.
Em 1924, o 4º Congresso Indígena teve de realizar-se quase que clandestinamente e a
perseguição aos líderes do movimento desenvolveu-se até 1927, quando Lenguía
proibiu definitivamente o funcionamento da organização. Os argumentos para esse
fechamento foram os mesmos utilizados pelos líderes gamonales desde 1921. Segundo
a Liga dos Hacendados del Sur – organização dos fazendeiros da região Sul –, os
membros do Comitê exploravam os índios com o pretexto de lutar pelos seus direitos.
Utilizavam os índios para engrossar as fileiras dos sindicatos e desorganizar o governo.
Para tirar a legitimidade do movimento indigenista e angariar simpatia e medo entre a
elite criolla de Lima, um dos argumentos que os fazendeiros mais utilizavam era o de
acusar os militantes indigenistas de rameros, bolcheviques e vermelhos. Ramero referiase a uma contribuição – a rama – que o movimento recolhia entre os índios para o
sustento e de sua atividade política. Essa contribuição era colocada pelos latifundiários
como uma forma de exploração e manipulação contra os camponeses.
Em 1927, quando Lenguía havia proibido o funcionamento do Comitê, muitos
dos líderes já estavam migrando para os novos movimentos sociais que surgiam.
Urviola, Salazar, Eduardo Quispe y Quispe ligaram-se ao marxismo de Mariátegui; Juan
Hipólito Pevez e Demétrio Sandoval por sua vez, ingressariam nas fileiras do Partido
Aprista Peruano. (ARROYO, 2004).
65
No México, os que atravessaram com vida a Revolução Mexicana optaram pelas
facções que consolidavam o poder. Muitos anarquistas continuaram anarquistas, outros,
zapatistas, villistas ou magonistas fundaram o Partido Nacional Agrarista anos depois, e
uma parcela significativa de militantes da causa da “Revolução Social” ingressou no
PCM. Como deve ter ficado claro até aqui, o anarquismo latino-americano não é
facilmente classificável, faz parte mais da experiência política das classes
marginalizadas contra o sistema que as oprime, que uma formulação doutrinária lógica,
organizada e sistemática. Do mesmo modo, como o comunismo anos depois, não foi
uma ideologia estranha, “importada desde o exterior”, mas uma série de formulações
políticas que surgiram na Europa, e que na América Latina assumiram formas próprias,
de acordo com as necessidades doutrinárias do movimento em luta. Assim, Magón não
poderia ser um europeísta, muito menos poderíamos afirmar que desconhecia as ideias
anarquistas em seus detalhes. Na medida em que a luta contra a ditadura de Diaz exigia
novas respostas, seus olhos encontravam nas ideias anarquistas a fundamentação para
continuar a luta. Não encontrou receitas, ousou e observou a realidade. E por esse
caminho González Prada encontrou a questão indígena, coberta pelo racismo e pelo
positivismo das oligarquias letradas. O anarquismo, tanto para González Prada como
para Ricardo Flores Magón, foi um importante instrumento, sem o qual seria impossível
aos dois elaborar uma crítica social que encontrasse as mazelas populares e armasse de
combatividade os movimentos revolucionários que se seguiram a eles.
Dessa experiência, surgiram os militantes sociais que fundaram os Partidos
Comunistas, que debaterão o leninismo e a Revolução Russa. Leibner nos chama
atenção para o significado do que entendemos por influência política e rejeita a ideia de
uma influência passiva.
A estas interpretações, produto do afã por fechar ou ao menos
classificar pensadores latino-americanos originais com categorias
ideológicas europeias, quero opor uma interpretação que parte do
rechaço do conceito de “influência ideológica”. As ideias criadas em
outra sociedade e em outras circunstâncias não influem simplesmente
sobre o pensador, senão que é ele quem as escolhe ao responder a
certas necessidades de sua reflexão. É a forma em que o pensador
percebe ao seu objeto de reflexão a que determina que ferramentas
conceituais, elaboradas por outras circunstâncias e com outros objetos
de reflexão, adotará em sua própria elaboração (LEIBNER, 1999, p.
12).
Os próximos capítulos tratarão da formação dos novos movimentos sociais, do
66
impacto da Revolução Russa e de como foi se constituindo, com o espólio de uma
história de luta de classes intensa, o Partido Comunista do Brasil, o Partido Comunista
do México e o movimento comunista no Peru.
67
A Grande Ruptura: A Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa
O jovem jornalista John Reed viajou meio mundo e eternizou em seus artigos os
três acontecimentos fundadores do século XX: a Primeira Guerra Mundial, a Revolução
Russa e, na América Latina, a Revolução Mexicana.
As proezas do general Francisco Villa ao longo da fronteira norte-americana
haviam despertado a curiosidade da população norte-americana que consumia as
notícias sobre os acontecimentos no vizinho do sul e, inclusive, assistia as batalhas que
ocorriam na cidade de Juárez nas coberturas dos prédios do lado norte-americano.
O jovem jornalista – formado em Harvard e que teria vivido sua infância em
uma confortável família norte-americana – atravessou a fronteira e foi viver com as
tropas de Pancho Villa. Escreveu vários artigos e chegou a conquistar a confiança do
general revolucionário. Seus artigos se transformaram em um livro, que, traduzido para
o português, ficou conhecido como México Rebelde105. A narrativa preocupada com os
detalhes da gente simples, entusiasmada pela rebeldia, pela cultura popular e humanista,
inovaram por contrastar com as exaltações dos grandes chefes de Estado e as biografias
pomposas em batalhas e grandes feitos. Seus artigos e livros logo o tornariam conhecido
o suficiente para que conseguisse financiamento para novas viagens. Em 1915, esteve
na frente oriental e descreveu os horrores da Guerra Mundial106. Depois assistiria a
Revolução Russa de outubro (novembro em nosso calendário) de 1917. Dessa última
viagem, nasceu o livro Dez Diaz que abalaram o Mundo107. Reed se tornaria comunista,
e seu livro se tornaria um material de propaganda da Internacional Comunista, um dos
mais conhecidos relatos da Revolução Russa, recomendado por Lenin e com prefácio de
Krupskaya, a companheira de Lenin.
A trilha que Reed seguiu é emblemática e nos ajuda a compreender a sequência
de acontecimentos internacionais em que se desenvolveu o movimento radical latinoamericano. Em primeiro lugar, temos a Guerra Mundial, as batalhas que em poucos
meses tornaram a guerra internacional, envolvendo de alguma forma quase todos os
países europeus. A Guerra foi descrita em cenas horripilantes aos que a assistiram e
significou um momento importante de inflexão, de transformação para toda uma
105
REED, John. México Rebelde. São Paulo: Civilização Brasileira, 1978.
REED, John. Eu vi um mundo nascer. São Paulo: Boitempo, 2001.
107
REED, John. Os Dez Dias que Abalaram o Mundo. Rio de Janeiro: Círculo do Livro, 1982.
106
68
geração. O livro de Reed que trata dessa Guerra é muito claro em demonstrar o caos em
que se transformou a Europa. Diferente das narrativas mais comuns nos jornais, Reed
procurou não se limitar à descrição das movimentações dos exércitos, à biografia dos
generais e aos acontecimentos da política oficial108.
O jovem jornalista – como havia feito no México, dormindo e vivendo entre as
tropas villistas, descrevendo seus trajes, suas conversas, sofrimentos, alegrias e
motivações políticas – descreveu a Europa em Guerra que conheceu. A Europa da
Primeira Guerra Mundial estava irreconhecível. Havia morte, tifo, irracionalidades
nacionalistas, centenas de refugiados, populações destroçadas e fome, muita fome.
Hobsbawm (1995), em seu mais conhecido livro, A Era dos Extremos,
apresentou a Primeira Guerra Mundial como o marco do início do século XX,
alcançando tanta importância que até hoje na França, por exemplo, ainda é recordada
como a Grande Guerra. Essa importância é significativa quando vemos os dados
apresentados pelo próprio Hobsbawm. Fazia um século que a Europa não assistia a uma
guerra que envolvesse a maioria das potências europeias, e as guerras que existiram
foram pontuais, localizadas e rápidas. A Guerra da Crimeia já estava longe o suficiente
(1853-1856), a Guerra Franco-Prussiana não envolveu a Inglaterra, a Rússia e tampouco
o Império Austro-Húngaro, bem como também, após o seu término, tanto a Prússia não
existia como tal, já que a Alemanha terminaria unificada, quanto a França teria a
república restaurada109. A Guerra Civil Norte-Americana (1861-1865) estava longe, e
não era exatamente entre potências europeias, as outras guerras, como entre Prússia e
Áustria (1866), duraram pouco tempo, tão pouco que ficou conhecida como a Guerra
das Sete Semanas, e fez parte mais da recomposição regional das fronteiras e do
processo de unificação da Alemanha e da Itália do que um conflito de proporções
mundiais (ou europeias), como as Guerras Napoleônicas (1799-1815).
Enfim, quando começou a Primeira Guerra Mundial, a Europa não vivia um
conflito mundial fazia quase 100 anos, e ao menos desde 1871 vivia-se um período de
“Quando me lembro de tudo isso [as viagens em meio a guerra], parece-me que a coisa mais
importante a saber sobre a guerra é como os diferentes povos vivem. Seu meio, suas tradições e as coisas
reveladoras que fazem e dizem”. In: REED, 2001, p. 14.
109
Em Paris, o mais importante resultado político da Guerra Franco-Prussiana, ainda que brevemente, foi
a primeira importante experiência socialista europeia: a Comuna de Paris, em 1971. Serviria como um
laboratório social para Marx e Engels, e uma referência para os revolucionários como Lenin, que até a
revolução de outubro de 1917 só teriam a Comuna como referência de poder proletário. Mariátegui,
quando esteve na Europa no início da década de 1920, ainda teria a oportunidade de conhecer antigos
comunards (participantes da Comuna de Paris), que, mesmo velhos, ainda faziam agitações em meio aos
grupos revolucionários da capital francesa. Ver: ROUILLON, 1982 e VANDEN, 1975, p. 25.
108
69
paz e expansão econômica sem precedentes dentro do continente, com guerras distantes,
contra populações “bárbaras” e “primitivas”. “Entre 1871 e 1914, não houvera na
Europa guerra alguma em que exércitos de grandes potências cruzassem alguma
fronteira hostil [...] Não houvera, em absoluto, guerras mundiais” (HOBSBAWM, 1994,
p. 30).
A paz e a prosperidade econômica da expansão imperialista das potências
europeias possibilitaram uma riqueza até então inédita para as elites dos centros
capitalistas, enquanto para a classe operária dos centros industriais europeus sobravam
melhorias materiais110, direitos sociais e políticos, formando o que Lênin denominaria
como a aristocracia operária. (LENIN, 1973, t. 5, 145 e 161).
A expansão imperialista conseguiu proporcionar uma elevada condição material
para a população europeia, e serviria como exemplo para o mundo, que quase em sua
totalidade vivia no campo. A Europa industrializada dominava e dividia o mundo entre
as principais potências, expandia seu domínio destruindo impérios, controlando as mais
diversas populações, mas apresentava-se como o progresso, como a estrela polar que
guiaria toda a humanidade em direção à liberdade, à democracia, ao progresso
tecnológico e à elevação das condições materiais.
O mundo que as duas primeiras décadas do século XX herdou do século XIX era
profundamente europeísta. Mesmo entre os rebeldes da periferia residia, em diversos
graus, uma certeza de que o desenvolvimento da Europa Ocidental apontava o caminho
que todas as nações deveriam percorrer. A técnica e a cultura europeia, através de seus
impérios, viria civilizar os “bárbaros” do mundo.
No início do século XX, o liberalismo eurocêntrico viveu seu auge. Quando a
Europa vencia, “civilizava”, elevava a produtividade, abria estradas de ferro, inventava
novas tecnologias, como o avião, o cinematógrafo e a luz elétrica.111 Para grande parte
dos que de alguma maneira entravam em contato com as cidades europeias, o exemplo
“Pode-se verificar que durante o mesmo período em que o mundo dos negócios conhece, por exemplo,
na França uma verdadeira ressurreição, entre 1900 e 1914, ‘La Belle Èpoque’ e em que o salário real da
massa dos operários quase duplica entre 1890 e a guerra, o número de imposições baixa no Monte de
Piedade e nunca esta instituição registrou tantos empenhos como nas vésperas da Grande Guerra. A
difusão da imprensa, o desenvolvimento da instrução, a publicidade, criaram necessidades materiais
novas, tais como uma alimentação mais variada, vestimentas cidadãs, louças, bicicletas, etc. Além de ter
revelado a possibilidade de viver uma existência mais interessante, mais rica, mais valiosa e se sentem
com o direito imprescritível a subir na escala social.” In: FERRO, Marc. La Gran Guerra (1914-1918).
Madri: Alianza, 1968, p. 28-29.
111
O cinematógrafo, por exemplo, foi inventado no século XIX, mas no auge da expansão imperialista
europeia, no início do século XX, essas invenções chegavam aos mais distantes rincões.
110
70
fascinava e parecia o próprio caminho da humanidade. Contra o próprio “barbarismo”,
aos povos do mundo restava apenas seguir o modelo europeu liberal. Era a esse mundo
que a primeira Guerra Mundial colocaria fim.
Esse choque de 1914 [data de início da Primeira Guerra Mundial] foi
– na expressão de Alain Badiou – um dèsastre, uma catástrofe na qual
um mundo inteiro desapareceu: não apenas a idílica fé burguesa no
progresso, mas também o movimento socialista que o acompanhava.
(ZIZEK, 2012, p. 13)112.
A historiografia liberal geralmente aponta para o surgimento do nazi-fascismo
como uma consequência da crise do liberalismo a partir da crise de 1929, e a
emergência de regimes totalitários, e opostos às democracias liberais. De fato, a crise de
1929 demonstrou a fragilidade do sistema econômico capitalista, e a ideia da não
intervenção do Estado na economia, parte fundamental da ideologia liberal, foi colocada
em xeque pelos acontecimentos desastrosos da quebra da Bolsa de Nova Iorque. Mas a
crise que colapsou todo o sistema político e ideológico que sustentou a expansão
imperialista no século XIX e início do XX foi do mesmo modo uma crise do liberalismo
do século XIX: positivista, eurocêntrica e, através destas características, colonialista
também. Antes da crise econômica de 1929, a crise ideológica, ou com um termo muito
usado na década de 1990, a crise de paradigmas começou no meio da Primeira Guerra
Mundial. Os liberais se esforçaram por separar colonialismo e imperialismo de um
liberalismo democrático, mas, antes da guerra, progresso, civilização, parlamento, livre
iniciativa e democracia formal eram perfeitamente relacionáveis à invasão de todo o
mundo em nome da superação do barbarismo dos invadidos113.
112
ZIZEK, Slavov. As Portas da revolução. São Paulo: Boitempo, 2012. Edição digital.
Domenico Losurdo publicou em português um livro que discute o significado do liberalismo na
história. Cf. LOSURDO, Domenico. Contra-História do Liberalismo. São Paulo: Ideias e Letras, 2010.
113
71
Figura 5- Gravura de Posada representando a destruição da Primeira Guerra114
No início do século, “civilização” europeia (principalmente França, Inglaterra e
Alemanha) parecia superior, não apenas economicamente, mas também política e
culturalmente. A Primeira Guerra Mundial destruiu materialmente, em meses, o que a
expansão imperialista demorou anos para construir. Frente aos impasses que afundaram
franceses e alemães em trincheiras de morte, a medicina “civilizada” pouco podia fazer
para controlar as doenças que matavam centenas de pessoas. O avanço tecnológico que
impressionou as populações “bárbaras” do mundo, que incluiu a invenção do avião,
veria essa mesma técnica a serviço do genocídio; a técnica que possibilitou conforto
material às massas matava em escala industrial.
Foram os horrores da Guerra, sua evidente motivação imperialista, a
irracionalidade dos governos, a incapacidade do sistema parlamentar e demoliberal em
frear a guerra que desvelou a impossibilidade da Europa “civilizada” em apontar um
caminho de progresso para a humanidade.
Essa “crise de paradigma”, essa transformação na ideologia dominante, no
“espírito da época”, teve duas consequências que não são as únicas, mas são as que nos
interessam neste trabalho.
A primeira e mais universal consequência da Guerra foi no movimento operário
europeu, a Revolução Russa de outubro de 1917. A segunda, importante
114
Fonte: Posada, 2012, p.176
72
particularmente para entendermos os movimentos radicais da periferia do capitalismo,
foi a fratura provocada na ideologia colonialista, positivista e liberal que sustentou a
expansão imperialista. Temos uma dimensão dessa mudança ideológica quando
constatamos que todos os líderes nacionalistas do chamado 3º mundo iniciaram sua
atividade anticolonialista a partir da Primeira Guerra Mundial115.
Mesmo com a repressão brutal à Comuna de Paris (1871), o socialismo havia
alcançado mais popularidade e o movimento operário deixava de ser um movimento
marginal e utópico para se apresentar em sua dimensão revolucionária (CARONE,
1989, p. 126). A expansão imperialista das últimas década do século XIX possibilitou
melhorias materiais para a classe operária das metrópoles do capitalismo, na mesma
proporção em que as organizações sindicais e os partidos operários ganhavam
maturidade e alcançavam participação política mais ampla. Mas, ao contrário de
desenvolverem seus partidos para a tomada do poder, os socialistas – ou socialdemocratas, dependendo de cada país, mas fazem parte da mesma corrente nesse
período anterior à Revolução Russa de outubro de 1917 –, evoluem para um reformismo
progressivista muito esperançoso em conquistas parlamentares e colocavam a
“revolução social” em um horizonte distante116. Expressão desse reformismo era o
Partido Socialdemocrata Alemão (SPD na sigla em alemão), o mais significativo
numérica e teoricamente, contando inclusive com um dos herdeiros de Marx e Engels,
Karl Kautsky, como dirigente e teórico. O SPD havia evoluído para uma posição
reformista, e ainda para uma posição política, a qual tornou possível o abandono das
posições internacionalistas que fundaram o socialismo alemão, para o apoio ao governo
de seu país na Guerra.
Quando a Guerra estourou em 1914, a maioria dos partidos que compunham a 2ª
Internacional apoiaram seus respectivos governos na Guerra. “[...] todos os partidos
socialistas dos países beligerantes, salvo dois – o sérvio e o russo –, empunharam a
bandeira da união nacional, alardeada pela classe dirigente: tornaram-se belicosos”.
(BROUÉ, 2007, p. 15).
115
Gandhi, Ho Chi Minh, Sol Plaajte, Sun Yat Sen e outros célebres líderes anticoloniais, até a Primeira
Guerra Mundial, viveram muitos anos na Europa, foram figuras marginais no cenário político
internacional, e após a Guerra suas vozes ganharam gradativamente mais importância.
116
“Os revolucionários, minoritários no seio de uma sociedade inconsciente, esperam o despertar dos
trabalhadores e ao resto dos oprimidos, mas, com exceção dos anarquistas, não sabem ver que
organizando Sindicatos e partidos políticos, ou fundando uma Internacional, mantém de outra forma a
relação governantes-governados, inclusive dentro dos partidos e grupos revolucionários, esta relação
conserva um caráter de classe”. In: FERRO, op. cit., 1968, p. 25.
73
Na periferia do sistema, a situação não era tão convincente, e a mensagem
reformista de alternativa socialista progressiva, através de mudanças no parlamento e a
tese das mudanças pelo sufrágio universal, tinha dificuldades em angariar adeptos em
países como a Itália, Espanha e Rússia, bem como também na América Latina, que
trataremos mais adiante. Nesses países onde o sistema parlamentar demoliberal não era
desenvolvido, existiam poucos espaços de atuação política aos operários. Os
anarquistas, em suas mais variadas correntes, eram a maioria do movimento operário.117
Nos países periféricos e menos industrializados, tendo a Rússia como um caso
típico, o Estado Tzarista não permitia nenhuma oposição, nenhuma participação
operária no parlamento e inviabilizavam qualquer ilusão de transição pacífica
parlamentar, através do sufrágio, em direção a uma república socialista.
Com a guerra, o pequeno grupo de membros do Partido Socialdemocrata Russo,
com experiência em resistir à repressão do governo tzarista, muitos vivendo no exílio e
com uma percepção desde a periferia da expansão imperialista, conseguiu manter uma
oposição ideológica com a fração do Partido que, inspirada pelo Partido congênere
alemão, insistia no caminho reformista.
Perry Anderson é categórico em afirmar a importância de Lenin para a
construção do marxismo que conhecemos hoje.
A construção sistemática de uma teoria política marxista da luta de
classes, ao nível organizativo e táctico, foi obra de Lenine. A
envergadura do que conseguiu neste plano transformou
irreversivelmente toda a arquitectura do materialismo histórico. Antes
de Lenine, o nível político propriamente dito estava praticamente por
explorar na teoria marxista. No espaço de vinte anos, ele criou os
conceitos e os métodos necessários para a condução de uma vitoriosa
luta proletária pelo poder na Rússia, dirigida por um partido operário
experiente e devotado. As formas específicas de combinar a
propaganda com a agitação, de conduzir greves e manifestações, de
forçar alianças de classe, de cimentar a organização partidária, de
dirigir a luta pela autodeterminação nacional, de analisar a conjuntura
nacional e internacional, de situar tipos de desvios, de utilizar a acção
parlamentar, de preparar o levantamento insurreccional – todas estas
inovações, que muitas vezes se encara como simples medidas
“práticas”, também representavam de facto avanços intelectuais
decisivos num terreno até à data virgem (ANDERSON, 1976, p.
21).118
117
Estamos nos referindo aos movimentos que doutrinariamente propunham alternativas mínimas ao
capitalismo. Não consideramos os sindicatos financiados pelo Estado, as associações locais mutualistas e
as organizações que não possuíam representação.
118
ANDERSON, Perry. Considerações sobre o Marxismo Ocidental. Porto: Afrontamento, 1976.
74
Para compreendermos como se desenvolveu a construção do que posteriormente
será conhecido como leninismo, precisamos apontar um traço fundamental da percepção
política de Lenin e a maneira com que ele funde a teoria marxista com a prática política
do movimento operário.
Acossado pela autocracia tzarista, os marxistas russos não tinham a menor
possibilidade de manterem uma organização descentralizada e legal. Para resistir à
repressão constante, era evidente a importância do centralismo, dos métodos
conspirativos e da abnegação e disciplina para a organização partidária. Esse modelo de
partido, organizado em células, com um núcleo político de profissionais conspiradores,
atento para manterem vínculos com os trabalhadores e um jornal para a luta política e
ideológica no movimento operário, foi defendido no livro que se tornou um clássico do
movimento comunista, O Que Fazer?119, publicado em março de 1902. Essa luta por
tornar o Partido Socialdemocrata uma organização capaz de sobreviver a repressão, ao
mesmo tempo que mantinha vínculos com as organizações operárias em crescente
expansão e organização, foi fundamental120.
A primeira contribuição significativa da obra leninista foi a sistematização da
forma de organização operária, ou da vanguarda do movimento operário revolucionário
que sustentaria a resistência nas mais duras condições de repressão política e prepararia
a tomada do poder político. Se comparamos o modelo leninista com as outras
experiências do movimento radical latino-americano, como o magonismo e a
organização dirigida por eles, o Partido Liberal Mexicano, podemos perceber que, sob
certos aspectos, esse modelo de organização leninista foi aplicado a uma realidade
análoga ao regime tzarista, o porfiriato. Mesmo influenciados pelo anarquismo de
119
LENIN, V.I. Obras escogidas. Moscou: Progreso, 1973, p. 3-78. t. 2.
Marc Ferro sintetiza as polêmicas dos marxistas russos nos primeiros anos do século: “Mais do que
nunca, era preciso unificar suas atividades, e para demonstrá-lo Lenin escreveu Que fazer?, pequena obra
que iria determinar o futuro do movimento operário. Lenin examinava todos os problemas que a
organização de um partido revolucionário apresenta. Seria necessário aumentar os efetivos, a maneira
alemã, para conquistar uma maioria no país, e em seguida tomar o poder. Ou então, como preconizava
Lenin, constituir um partido de “revolucionários profissionais de efetivo limitado , mas manejável como
um exército de campanha, um Estado-Maior que conduziria a insurreição assim que se reunissem
condições de sucesso. Não se pode estabelecer um acordo entre os partidários de uma organização
democrática e os campeões de um partido centralizado. Estes, majoritários em 1903, constituíram-se em
formação política separada; foram chamados bolcheviques (majoritários). L. Martov e P. Axelrod
tornaram-se os líderes da minoria, ou mencheviques”. In: FERRO, Marc. A Revolução Russa de 1917.
São Paulo: Perspectiva, 1974.
120
75
Bakunin121 e Kropotkin, a única forma de organização que poderia sobreviver à
repressão seria o centralismo vertical, com características quase militares, e não o
modelo federativo e antipartido típico das correntes anarquistas dominantes em nosso
continente. A organização revolucionária precisaria ser dirigida por um núcleo de
“revolucionários profissionais” abnegados, treinados em métodos conspirativos e que,
mesmo sob a repressão, pudessem manter os vínculos com os trabalhadores e suas
organizações mais amplas, como sindicatos, clubes, associações regionais e operárias.
Lenin estava convencido de que a Revolução Social era a única alternativa para
o socialismo na Rússia, e, nas acirradas lutas políticas que desenvolveu dentro da socialdemocracia, aprendeu a encontrar e desvelar teorias que encobriam o desejo dos
militantes em aliar-se, ou claudicar frente à repressão ou à cooptação do governo. Os
textos de Lenin são muito claros em buscar na prática política de seus adversários a
explicação para teorias e doutrinas que se apresentavam “inovadoras” e depois desvelálas parte a parte, apresentando seu caráter reformista, conciliador ou revisionista e
oportunista122, como ele mesmo denominava. Esse é um típico método de análise
política leninista: analisar as teorias políticas de trás para frente, ou seja, primeiro,
identificar quem está falando, seus interesses e suas consequências políticas; depois,
apresentar suas contradições internas e seu caráter oportunista, antimarxista e
contrarrevolucionário.
Em polêmica constante, Lenin constrói sua teoria acerca do imperialismo e
acusa Kautsky, o dirigente e teórico mais importante da Segunda Internacional, de
oportunista, traidor do marxismo e da causa do proletariado internacional. No livro de
Lenin, Imperialismo, Fase Superior do Imperialismo123, fica claro esse método de luta
política utilizado por Lenin. Em 1916, quando ele redige o texto, a 2ª Internacional
estava falida politicamente, os antigos líderes socialistas haviam sucumbido ao
121
Algumas correntes bakuninistas não se opõem à organização de Partidos, nem a uma centralização sob
certas condições.
122
Zizek explica a crítica de Lenin ao que chama de oportunismo a partir do que ele identifica como
recuos ou covardias da social-democracia em avançar em direção à Revolução: “Para Lenin, assim como
para Lacan, a questão é que a revolução nes’autorise que d’elle-même: deveríamos arriscar o ato
revolucionário sem o aval do grande Outro – o medo de tomar o poder ‘prematuramente’, a busca da
garantia, e o medo do abismo de agir. Essa é a máxima dimensão do que Lenin incessantemente denuncia
como ‘oportunismo’, e sua premissa e que ‘oportunismo’ é uma posição que, em si mesma, e
inerentemente falsa, mascarando o medo de realizar o ato com uma tela protetora de fatos, leis ou normas
‘objetivas’. Por isso, o primeiro passo para combatê-lo é anunciar claramente: ‘O que, então, se deve
fazer? Devemos aussprechen was ist (apresentar os fatos), admitir a verdade de que entre nós, no CC e
nos meios dirigentes do partido, há uma corrente, ou opinião…”(ZIZEK, 2012, p. 18-19).
123
LENIN, t. 5, 1973, p.161-211.
76
militarismo dos governos, muitos desses social-democratas chegaram a lutar no front e
os contatos estavam desfeitos. Lenin precisava fundamentar a luta político-ideológica
contra os grupos socialistas que claudicaram e legitimaram a guerra. Para isso,
precisaria encontrar na teoria produzida por esses marxistas o nó que possibilitou passar
do reformismo ao que denominou de social-chauvinismo.
Kautsky havia construído uma explicação para a expansão imperialista a qual
afirmava que em um dado momento a política dos países imperialistas havia se separado
de sua lógica econômica; se por um lado a expansão do imperialismo economicamente
caminhava em direção à unificação das nações em um governo geral da burguesia, por
outro lado, politicamente, apenas por um período, as nações ainda se mantinham
separadas e com tensões e guerras. Lenin estava atento ao significado dessa teoria para
as perspectivas do movimento socialdemocrata. Se o imperialismo tendia a um
superimperialismo econômico que unificaria todas as nações do globo, os
revolucionário deveriam esperar esse momento de hostilidades, confiar no papel
progressista do capitalismo e aguardar, para um futuro próximo, que o capitalismo
internacionalizado cessaria as diferenças políticas, e depois daria lugar ao socialismo.
Lenin denunciou essa teoria, demonstrou seu papel perverso que imobilizava toda a
social-democracia, justificava a posição em favor dos governos belicistas, mantinha
uma visão otimista em relação ao imperialismo e tornava a revolução desnecessária e,
portanto, não convocava a sua organização e defesa.
Lenin inovou ao explicar a Guerra que opunha as nações europeias pela lógica
interna do próprio capitalismo. Diferente do que os liberais apresentavam, o capitalismo
não gerava progresso e paz, mas era o responsável pela guerra, pela destruição e abria,
através de seu colapso, uma nova era para a história mundial, a Era das Revoluções
Proletárias. A tendência ao monopólio não levava a um domínio estável politicamente,
mas era a origem da formação de dois polos que se digladiavam pelo controle das fontes
de matérias-primas e mercados.
O texto primeiro estabelece o monopólio como consequência natural do
desenvolvimento do capitalismo de livre mercado, para depois marcar o vínculo natural
entre interesses da classe dirigente capitalista e os interesses dos Estados sede do
imperialismo pela partilha do mundo:
A particularidade fundamental do capitalismo moderno consiste na
dominação exercida pelas associações monopolistas dos grandes
77
patrões. Estes monopólios adquirem a máxima solidez quando reúnem
nas suas mãos todas as fontes de matérias-primas, e já vimos com que
ardor as associações internacionais de capitalistas se esforçam por
retirar ao adversário toda a possibilidade de concorrência, por
adquirir, por exemplo, as terras que contêm minério de ferro, os
jazigos de petróleo, etc. A posse de colônias é a única coisa que
garante de maneira completa o êxito do monopólio contra todas as
contingências da luta com o adversário, mesmo quando este procura
defender-se mediante uma lei que implante o monopólio do Estado.
Quanto mais desenvolvido está o capitalismo, quanto mais sensível se
toma a insuficiência de matérias-primas, quanto mais dura é a
concorrência e a procura de fontes de matérias-primas em todo o
mundo, tanto mais encarniçada é a luta pela aquisição de colônias.
(LENIN, 1984, s.p.)124.
Sempre fazendo referência aos oportunistas, Lenin opõe-se a Kautsky e
estabelece a relação final entre imperialismo, guerra e oportunismo reformista.
O imperialismo é uma tendência para as anexações; eis a que se reduz
a parte política da definição de Kautsky. E justa, mas extremamente
incompleta, pois no aspecto político o imperialismo é, em geral, uma
tendência para a violência e para a reação. Mas o que neste caso nos
interessa é o aspecto econômico que o próprio Kautsky introduziu na
sua definição. As inexatidões da definição de Kautsky saltam à vista.
O que é característico do imperialismo não é precisamente o capital
industrial, mas o capital financeiro. Não é um fenômeno casual o fato
de, em França, precisamente o desenvolvimento particularmente
rápido, do capital financeiro, que coincidiu com um enfraquecimento
do capital industrial, ter provocado, a partir da década de 80 do século
passado, uma intensificação extrema da política anexionista (colonial).
O que é característico do imperialismo é precisamente a tendência
para a anexação não só das regiões agrárias, mas também das mais
industriais (apetites alemães a respeito da Bélgica, dos franceses
quanto à Lorena), pois, em primeiro lugar, estando já concluída a
divisão do globo, isso obriga, para fazer uma nova partilha, a estender
a mão sobre todo o tipo de territórios; em segundo lugar, faz parte da
própria essência do imperialismo a rivalidade de várias grandes
potências nas suas aspirações à hegemonia, isto é, a apoderarem-se de
territórios não tanto diretamente para si, como para enfraquecer o
adversário e minar a sua hegemonia (para a Alemanha, a Bélgica tem
uma importância especial como ponto de apoio contra a Inglaterra;
para a Inglaterra, tem-na Bagdad como ponto de apoio contra a
Alemanha, etc.). (LENIN, 1984, s.p.).
Ao romper com a 2ª Internacional, Lenin rompia também com a ideia
progressivista de que apenas um país desenvolvido economicamente poderia construir o
124
Utilizamos as citações de uma versão digital em português, digitalizada de: LENIN, V.I. Obras
Escolhidas.
Lisboa:
Progresso,
1984.
t.
2.
Disponível
em:
<http://www.marxists.org/portugues/lenin/1916/imperialismo/index.htm>. Acesso em: 27 mar 2014
78
socialismo, colocando o imperialismo não como um fator de desenvolvimento, mas
como fator de violência, atraso e guerra. A explicação leninista para o caráter
reacionário do imperialismo será desenvolvido mais adiante.
A posição bolchevique e a de outros revolucionários contrários à Guerra
começou a encontrar mais espaço quando a carnificina aumentou e a crise se espandiu.
Em 1916, o cansaço pela guerra transformava-se em hostilidade. Os adversários da
Guerra, antes isolados, em 1916 sentiam que falavam pela maioria. (HOBSBAMW,
1994, p. 63).
Mas a ruptura leninista com a 2ª Internacional ainda precisava avançar em mais
um aspecto para transformar o socialismo reformista em uma doutrina revolucionária
capaz de tomar o poder político e construir uma alternativa real à democracia liberal.
Esse avanço apareceu próximo à revolução de outubro de 1917, primeiro com as Teses
de Abril, em que Lenin percebeu uma oportunidade ímpar para a Revolução, depois
com a palavra de ordem, Todo Poder aos Sovietes!, em que direcionou o esforço
partidário para uma alternativa real de poder, com todas as características que os
socialistas revolucionários imaginavam para a democracia operária, conselhos
diretamente eleitos pelos operários e soldados. A definição leninista para o problema do
Estado seria finalmente sistematizada em um pequeno livro publicado poucos meses
antes da tomada do poder pelos bolcheviques.
A Refundação Leninista
O livro de Lenin, O Estado e a Revolução125, escrito entre agosto e setembro do
agitado ano de 1917, é crucial para se compreender a estrutura teórica do movimento
que surgiria na esteira da Revolução Russa126. Por isso, é importante uma pequena
125
LENIN, 1973, p. 3-46, t. 7.
Zizek, ao iniciar o prefácio de um livros com diversos textos de Lenin, imediatamente anteriores à
Revolução Russa de Outubro de 1917, é obrigado a justificar essa escolha, já que nos últimos anos os
textos de Lenin foram abandonados pelos estudos sociais na maior parte das universidades do mundo. “A
primeira reação pública à ideia de reatualizar Lenin é, obviamente, uma risada sarcástica. Marx, tudo bem
– hoje em dia, até mesmo em Wall Street há gente que ainda o admira: o Marx poeta das mercadorias, que
fez descrições perfeitas da dinâmica capitalista; o Marx dos estudos culturais, que retratou a alienação e a
reificação de nossas vidas cotidianas. Mas Lenin – não, você não pode estar falando sério! Lenin não é
aquele que representa justamente o fracasso na colocação em pratica do marxismo? [...] O problema desse
argumento aparentemente convincente e que ele endossa de maneira simplista a imagem herdada de Lenin
como o sábio líder revolucionário que, após formular as coordenadas básicas de seu pensamento e prática
em O que fazer?, simplesmente as aplicou, de modo implacável, a partir de então. Mas, e se houvesse
outra história a ser contada sobre Lenin? É verdade que a esquerda de hoje esta passando pela experiência
126
79
introdução para seguirmos a repercussão da Revolução Russa no movimento radical da
América Latina, e mais especialmente do Brasil, que nos deteremos de forma mais
concentrada nas próximas páginas, e que, a nosso ver, ilustra o impacto, o significado e
o potencial ideológico do leninismo logo após a Primeira Guerra na América Latina.
Em julho de 1917, Lenin escreveu uma carta a Kamenev, na qual solicitava o
envio de seu caderno de notas em que havia separado citações de Marx e Engels e
também de Kautsky e do social-democrata holandês Pannekoek, acerca de como o
marxismo tratava o Estado127. Esse era o material inicial com o qual Lenin escreveu O
Estado e a Revolução. Se pudéssemos determinar um ponto decisivo para que os
bolcheviques conseguissem transformar a rebelião popular em um projeto alternativo de
poder, o ponto mais importante de inflexão está sistematizado nesse texto. Como disse
Zizek (2012, p. 22): “Se algum dia uma caneta serviu como arma, esta foi a caneta com
que Lenin escreveu seus textos de 1917”.
Figura 6 - "Batalhas do Ocidente", José Clemente Orozco128
A questão do Estado, do governo pós-capitalista, foi tema de debate entre as
duas principais correntes do movimento operário, socialista e anarquista. Após a
Comuna de Paris (1871), a oposição entre essas duas correntes tornou-se ainda mais
clara e em relação à questão do Estado se apresentava inconciliável. Enquanto o
socialismo, principalmente marxista, evoluiu de uma posição revolucionária na época de
Marx para o reformismo, sobretudo na Alemanha, os anarquistas defendiam a
devastadora do fim de toda uma era para o movimento progressista, uma experiência que a obriga a
reinventar as coordenadas básicas de seu projeto. Contudo, foi uma experiência exatamente homóloga que
deu origem ao leninismo”. In: ZIZEK, 2012, p. 13.
127
Esse caderno foi publicado em espanhol: LENIN, V.I. El Marxismo y el Estado – Materiales
preparatórios para el libro El Estado y la Revolución, Moscou: Progreso, s.d.
128
Fonte: ROCHFORT, 1993, p.193
80
revolução, mas pouco conseguiam formular além da destruição do Estado e da
Autoridade (segundo a linguagem comumente utilizada pelos anarquistas da época). A
prometida Revolução Social carecia de respostas para a construção da sociedade
anarquista ou comunista (alguns anarquistas utilizavam o termo comunismo de modo
muito similar à anarquia, a sociedade sem classes e sem Estado que surgiria no futuro).
Lenin, em 1917, encontrava-se entre duas correntes que pouco tinham a oferecer
para a Revolução que se desenvolvia na Rússia. Haviam elaborado a crítica à sociedade
capitalista, mas possuíam pouco para a pós-revolução129.
Com o Estado russo desabando e os conselhos operários, as organizações que
ficaram conhecidas no mundo inteiro pelo seu nome em russo, os sovietes, em ascensão,
Lenin percebeu que, para alcançar o projeto revolucionário marxista, necessitava
aprofundar-se no problema teórico do Estado.
Seguindo a mesma metodologia do livro Imperialismo, fase superior do
capitalismo, Lenin didaticamente começa caracterizando o Estado, reafirmando a
posição de Marx e Engels do Manifesto Comunista, ou seja, contrapondo-se à ideia
liberal de Estado neutro, e reafirmando o Estado como comitê gestor dos interesses das
classes dominantes. Sequer se preocupa em argumentar contra a concepção burguesa do
Estado. Seu alvo foi o debate no interior do próprio movimento socialista e
socialdemocrata, e suas palavras foram no sentido de desmascarar a posição reformista
como sendo a mesma do liberalismo burguês, e contrarrevolucionária, por
consequência.
Ficando claro que o Estado é o comitê gestor das classes dominantes, que,
segundo Marx, o Estado só existe para assegurar os interesses das classes dominantes
contra os dominados, o Estado não é geral, não é democrático e não está acima da luta
Sobre a posição dos anarquistas acerca da questão do Estado, Lenin disse: “Se dermos agora uma
olhada num período histórico completamente encerrado, que vai da Comuna de Paris à primeira
República Socialista Soviética, veremos delinear-se com relevo absolutamente definido e indiscutível a
posição do marxismo diante do anarquismo. Afinal de contas, o marxismo demonstrou ter razão. E se os
anarquistas assinalavam com justeza o caráter oportunista das concepções sobre o Estado que imperavam
na maioria dos partidos socialistas, é preciso observar, em primeiro lugar, que esse caráter oportunista
provinha de uma deformação e até mesmo de uma ocultação consciente das ideias de Marx a respeito do
Estado (em meu livro O Estado e a Revolução registrei que Bebel manteve no fundo de uma gaveta
durante 36 anos, de 1875 a 1911, a carta em que Engels denunciava com singular realce, vigor, franqueza
e clareza o oportunismo das concepções social-democratas em voga sobre o Estado); e, em segundo lugar,
que a retificação dessas ideias oportunistas e o reconhecimento do Poder Soviético e de sua superioridade
sobre a democracia parlamentar burguesa partiram com maior amplitude e rapidez precisamente das
tendências mais marxistas existentes no seio dos partidos socialistas da Europa e da América”. In:
LENIN, V.I “La enfermedad infantil del ‘esquerdismo’ en el comunismo.” in _____. Obras Escojidas. t.
11, Moscou: Progreso, 1973, p.3-43.
129
81
de classes; é apenas a expressão dessa luta e se posiciona pelo interesse de uma classe.
Assim, o Estado no capitalismo está a serviço da burguesia, é um Estado
burguês, e sua forma demoliberal não atende aos interesses de todas as classes que
disputam o seu controle. É um regime que melhor representa e legitima a dominação
burguesa sobre toda a sociedade.
A omnipotência da “riqueza” está mais segura sob a república
democrática, por não depender das imperfeições do envoltório político
do capitalismo. A república democrática é a melhor forma política
possível para o capitalismo; se o Capital tomar o poder (por
intermédio dos Paltchinski, Tchernov, Tsereteli e Cia.) e o assegurar,
sólida, e eficazmente, nunca mais será possível abalar esse poder por
meio de qualquer mudança de pessoas, de instituições ou de partidos
na república democrática burguesa.
É preciso notar ainda que Engels é inteiramente categórico quando
qualifica o sufrágio universal como instrumento de domínio para a
burguesia. O sufrágio universal, diz ele, tendo manifestamente em
conta a longa experiência da social-democracia alemã, é: “[...] o índice
que permite medir a maturidade da classe operária. Ele não pode
servir para nada mais, nem jamais servirá para outra coisa no Estado
actual.”
Os democratas pequeno-burgueses, tal como os nossos socialistasrevolucionários e os nossos mencheviques, da mesma forma que os
seus irmãos gêmeos, todos os sociais-chauvinistas e oportunistas da
Europa ocidental, esperam precisamente qualquer “mais” do sufrágio
universal. Eles próprios perfilham e inculcam no povo a ideia falsa de
que o sufrágio universal, “no Estado atual”, tem capacidade para
traduzir com realidade a vontade da maioria dos trabalhadores e para
assegurar a realização dessa mesma vontade.
Nós não podemos deixar de evidenciar aqui essa ideia falsa,
apontando simplesmente que a proposição absolutamente clara,
precisa e concreta de Engels é alterada, a cada instante, na propaganda
e agitação dos partidos socialistas “oficiais” (ou seja, oportunistas).
No decorrer da nossa exposição sobre os pontos de vista de Marx e
Engels acerca do Estado “actual” explica em pormenor toda a
falsidade da concepção que Engels refuta aqui (LENIN, 1973).
Essa definição de Lenin o aparta definitivamente das perspectivas do
movimento socialista da 2ª Internacional e seus teóricos, já que impossibilitava
teoricamente a transição ao socialismo pelo Estado demoliberal, através do sufrágio
universal e da luta parlamentar. A tarefa dos marxistas era, portanto, revolucionária, e
significava a destruição do Estado Burguês.
“Destruir a máquina burocrática e militar”. Nestas poucas palavras
encontra-se expressa, em resumo, a principal lição do marxismo
acerca das tarefas do proletariado em relação ao Estado, no decurso da
revolução. E foi esta lição que não só foi inteiramente esquecida mas
82
ainda francamente desnaturada pela “interpretação” dominante do
marxismo devida a Kautsky! (LENIN, 1973, v. 11).
A consequência para a Revolução Russa era o caminho que os bolcheviques
deveriam seguir. Para a transformação socialista, não caberia às alianças propostas pela
corrente menchevique da social-democracia russa. A transformação precisaria passar
pela “quebra do Estado”, não pela disputa do seu controle, seja através de eleições, ou
assembleias constituintes. Conforme a posição de Lenin, sem a destruição do Estado
tzarista, os russos não alcançariam a paz, não democratizariam o acesso à terra, não
teriam pão e nem democracia.
Lenin deu um passo adiante, conseguindo dar forma teórica à rebelião popular e
legitimar a destruição do aparato estatal tzarista. Até esse ponto, a posição de Lenin é
muito parecida com a dos anarquistas, já que defende a destruição do Estado. E, nesse
ponto, Lenin faz uma diferenciação fundamental entre a sua posição e a dos socialistas
da 2ª Internacional, contra a dos anarquistas, por outro lado.
Para os marxistas, o Estado durante o socialismo iria gradativamente se
extinguir, já que o socialismo acabaria com as classes sociais e sem classes sociais o
Estado se tornaria obsoleto. Os anarquistas, particularmente Bakunin, em polêmicas
com Marx, viam o Estado como responsável pelas mazelas e desigualdades, defendendo
a sua destruição, a sua abolição. Na tradução para o português, o texto de Lenin vai
frisar a oposição entre esses dois termos, e as diferenças entre anarquistas e socialistas.
Os anarquistas pretendiam abolir o Estado, e assim chegar à sociedade sem classes, sem
a autoridade, sem a opressão e a polícia. A posição dos socialistas da 2ª Internacional, e,
particularmente, de Kautsky e Bernstein acabou deixando a perspectiva da sociedade
sem classes muito distante, e a ruptura revolucionária ausente.
Lenin questiona as duas posições, resgatando o aprendizado de Marx durante a
Comuna de Paris, na qual percebeu que a transição para o socialismo deveria ser
precedida pela destruição do aparato estatal anterior e a construção de um outro Estado,
de ditadura (porque para Lenin todo Estado é uma ditadura de classe) 130 do proletariado
“Marx sublinha expressamente – para que se não venha desnaturar o verdadeiro sentido da sua luta
contra o anarquismo – a ‘forma revolucionária e passageira do Estado necessário ao proletariado. O
proletariado não tem necessidade do Estado senão durante algum tempo. Não estamos de forma alguma
em desacordo com os anarquistas quanto à abolição do Estado como fim. Nós afirmamos que, para atingir
este fim, é necessário utilizar provisoriamente os instrumentos, os meios e os processos do poder de
Estado contra os exploradores, da mesma forma que, para suprimir as classes, é indispensável estabelecer
a ditadura provisória da classe oprimida. Marx escolheu a maneira mais incisiva e mais nítida de colocar a
130
83
sob a burguesia, a fim de destruir o poder econômico da burguesia, pois, destruindo a
burguesia, o proletariado destruía a si como classe.
A etapa de transição socialista, antes da sociedade comunista, seria da ditadura
do proletariado, o período em que o proletariado se apoiaria em uma estrutura estatal
(burocrático e militar) como instrumento de destruição do mundo burguês e da
sociedade de classes.
Os socialistas advogavam pela extinção do Estado, como um processo em que
todo o aparato opressor sumia por falta de utilidade logo após o fim das classes sociais
durante a fase de transição ao comunismo, a etapa socialista.
A forma desse Estado socialista, dessa etapa de ditadura do proletariado antes
da sociedade sem classes e sem Estado, Lenin encontrou nos conselhos operários, os
sovietes. Essa forma de organização da democracia operária aparecera como solução
política para a formação da República Socialista, a república dos Sovietes Socialistas.
As ideias de Lenin e a alternativa que os bolcheviques acabavam de criar
entusiasmou todo o movimento socialista e anarquista revolucionário, e inspiraria
tentativas de tomada do poder para a implementação do Sistema Soviético em diversos
países europeus, como a Alemanha, Hungria, além de se popularizar nos mais diversos
meios anarquistas e socialistas os termos da língua russa, como: sovietes, bolcheviques,
além dos nomes de Lenin, Gorki, Trotsky; e, mais tarde, Zinoviev, Bukarin e Stalin.
Essa experiência de poder soviético chegaria à América Latina por diversos
caminhos e de forma bastante confusa, mas com significativa importância política.
Repercussões da Revolução Russa no Brasil
A primeira fase de industrialização no Brasil ocorreu ao longo da década em que
a escravidão foi abolida, quando também foi proclamada a República. Esses dois
acontecimentos somam-se as modificações econômicas e sociais que nos ajudam a
compreender um ciclo de revoltas rurais que se caracterizaram por se oporem ao Estado
brasileiro, sendo a mais significativa dessas revoltas a Guerra de Canudos, entre os anos
de 1896-1897. Como ocorreu no Peru e no México, a expansão imperialista das últimas
questão contra os anarquistas: devem os operários, depois de derrubar o jugo dos capitalistas, “depor as
armas” ou utilizá-las contra os capitalistas a fim de quebrar a sua resistência? Ora, se uma classe usa
sistematicamente as suas armas contra outra classe, que é isso senão uma ‘forma passageira’ de Estado?”.
In: LENIN, 1973, t. 11.
84
décadas do século XIX e primeiras do século XX trouxe mudanças econômicas no
interior rural latino-americano e possibilitou, no caso brasileiro, a partir da expansão da
cultura cafeeira e relativa disponibilização de capitais, a formação das primeiras
indústrias. (CHILCOTE, 1982, p. 43).
Influenciados pelo liberalismo da época, acreditava-se que os trabalhadores
europeus eram mais aptos que os nativos para o trabalho na indústria, e a imigração da
Europa para o Brasil foi estimulada, inicialmente, para suprir a necessidade de mão de
obra nas lavouras de café, e depois para as fábricas (DULLES, 1977, p. 17).
A principal origem desses imigrantes foi de países latinos, como Espanha,
Portugal e, principalmente, da Itália. Em 1900, cerca de 90% da força de trabalho
industrial de São Paulo era formada por estrangeiros. (DULLES, 1977, p. 20). Seria
através desses imigrantes que os ideais socialistas e, sobretudo, anarquistas fluiriam
para dentro do Brasil e inspirariam a combatividade dos militantes que fundariam os
primeiros sindicatos, jornais proletários e organizariam as primeiras greves. Em sua
maioria anarquistas, denominavam a si próprios como revolucionários. Everardo Dias,
militante anarquista dessa primeira fase, descreve bem esses precursores da crítica
radical e militante entre os operários brasileiros.
Surgem, nesse momento, alguns intelectuais que se colocam na
extrema-esquerda: apelidam-se revolucionários. Uns têm valor
indiscutível, são nomes com passado conhecido e notório; outros são
obscuros, aparecem sem saber de onde procuram abrir caminho
através de suas atitudes singularmente atrevidas. Estes últimos têm
ideias confusas, fruto de leituras apressadas de autores de segunda
ordem; são palavrosos, demagógicos, sem base na realidade,
confundindo teorias com possibilidades. Seus artigos, seus discursos,
seus trabalhos são sempre de crítica violenta, trovejante contra tudo
que existe, contra a sociedade, contra os privilégios, contra as
distinções sociais, contra o estabelecido. Spencerianismo em ação.
Niilismo adaptado às circunstâncias. A autoridade é um abuso do
poder, uma suplantação insuportável dos direitos naturais do
indivíduo. (DIAS, 1977, p. 34-5).
Muitos autores procuraram datar as primeiras manifestações do socialismo e,
particularmente, do marxismo no Brasil. Hermínio Linhares, por exemplo, nos conta
que desde a independência houve por parte das classes pobres planos de “reformas de
grande volto, sugerindo mesmo a divisão igualitária de toda a riqueza social”.
(LINHARES, 1977, p. 29).
Em um levantamento cronológico de periódicos, o autor cita a existência de
85
anarquistas desde 1825 no Brasil, passando antes pelo levante de escravos em 1823, a
Balaiada no Maranhão (1838-41) e a Rebelião Praiera de 1848 (LINHARES, 1977,
passim), com um programa liberal, e o periódico publicado no Rio de Janeiro entre
1845 e 1847 com o nome de Socialista da Província do Rio de Janeiro, que defendia os
princípios de Fourrier. (Ibidem, p. 30).
Linhares continua, citando o livro do General José de Abreu e Lima,
denominado O Socialismo, como o primeiro a tratar do tema, o primeiro sindicato dos
tipógrafos e a primeira greve, dos acendedores de luz. Essa é a tradicional cronologia do
movimento operário e socialista (e também anarquista) em sua fase “pré-histórica”.
Monis Bandeira (et al., 1989, p.5-19) faz um relato parecido, buscando no
período colonial os primeiros operários/escravos da fábrica de Pólvora Estrela, criada
por Dom João VI. Cita a Inconfidência Baiana, em que divagaram sobre “igualdade
social” e por isso mesmo pagaram no patíbulo o preço de suas ideias subversivas. “[...]
na Rebelião Praiera houve muita discussão de ‘ideias sociais’” e ainda cita jornais como
O Operário, O Trabalho, O Proletário, O Socialista, O Anarquista Fluminense que
surgiram mesmo antes da abolição oficial da escravidão”. (LINHARES, 1977, p. 30).
Essa cronologia garimpada pelo esforço dos pesquisadores em prover de marcos
a história das ideias socialistas no Brasil, embora apresente dados, não nega que é
apenas na última década do século XIX que as ideias de transformação radical da
sociedade irão enraizar-se no país e fundir-se aos movimentos sociais que nasciam. Com
os imigrantes, o anarquismo se separava com maior clareza dos socialistas, e tornava-se
dominante.
Autores como Dulles (1977, p. 19) atribuem essa proeminência anarquista à
origem dos imigrantes, italianos em sua maioria, que traziam o que mais influenciava o
movimento operário em seus países de origem. Na Itália e Espanha, predominava o
anarquismo, enquanto que o marxismo crescia na Alemanha e nos países ao redor como
as regiões sob domínio austro-húngaro e a Polônia. Por outro lado, Aricó131 explica a
predominância do anarquismo pelas características dos regimes aristocráticos latinoamericanos que não permitiam o desenvolvimento da participação política operária na
política oficial. Dessa maneira, a oligarquia impedia o desenvolvimento de posições
políticas reformistas, parlamentaristas, como as desenvolvidas pela social-democracia
alemã do final do século XIX e início do XX. Em nossas sociedades, como disse Carone
131
Tratamos o posicionamento de Aricó acerca dessa questão no subcapítulo: “A Hipótese de Aricó”.
86
(1988, p. 19):
A máquina do Estado está nas mãos das classes oligarca-burguesas. Os
cargos políticos e administrativos também lhe pertencem. Seu papel é
dominante e não é dividido com nenhuma outra classe. Politicamente
ela se identifica com o Estado.
Como primeira fase de organização do movimento operário, temos as
associações de auxílio mútuo, de iniciativa patronal ou do próprio operariado, mas essas
organizações não representam uma oposição ao sistema capitalista, e sim uma atitude
passiva ao regime. O objetivo geralmente se limita a organização de um seguro para
beneficiar seus associados em caso de moléstias, despejos, funerais etc. (CARONE,
op.cit., p. 33).
Por outro lado, os imigrantes trazem a experiência radical anarquista e a
experiência de organização sindical que foram se organizando a partir de uma primeira
geração de anarquistas. Inicialmente, a influência da propaganda ácrata estava limitada
ao círculo dos pequenos grupos, os sindicatos têm vida efêmera e os jornais poucas
vezes ultrapassam mais do que 1 ano de existência.
Um dos primeiros a propagar ideais anarquistas no Brasil e organizar um jornal
com alguma continuidade e duração foi Oreste Ristori (1874-1943)132, que havia saído
da Itália, passando pelas regiões do Prata e chegado ao Brasil após quase ser deportado
da Argentina. Em São Paulo, fundou o semanário La Bataglia (DULLES, 1977, p. 20).
Escrito em italiano, o semanário de Ristori contava com a colaboração de Gigi
Damiani, anarquista que, como outros, fundaria o jornal O Direito, em Curitiba.
132
A biografia de Oreste Ristori foi pesquisada por Carlo Romani. O resultado pode ser lido em:
ROMANI, Carlo. A Aventura do Anarquismo segundo Oreste Ristori. Revista de Brasileira de História, v.
17, n. 33, p.130-166, 1997 e ROMANI, Carlo. Oreste Ristori – Uma Aventura Anarquista. São Paulo:
Annablume, 2012.
87
Figura 7 - Capa do Jornal O Cosmopolita tratando os mártires de Chicago.133
133
O sindicato de empregados em Hoteis e Restaurantes do Rio de Janeiro convocando a comemoração
do Primeiro de Maio, relembrando os mártires de Chicago. Fonte: O Cosmopolita, Órgão dos empregados
em Hoteis, Restaurantes, Cafés, Bares e Conjeneres, Rio de Janeiro: 1 de maio de 1918.
88
Outros militantes anarquistas que se destacaram na última década do século XIX
e na primeira do século XX foram Florentino de Carvalho (1889-1947), Neno Vasco
(1878-1923), Everardo Dias (1883-1966), Manuel Moscoso (-1912), Edgard Leuenroth
(1881-1968) e José Mota Assunção. Esses pioneiros organizaram-se em torno dos
periódicos, na maioria das vezes com dificuldades para manterem-se, enfrentando a
repressão, o que, em diversos momentos, impossibilitava a continuidade. Mas, entre os
inúmeros periódicos editados nesse tempo, alguns conseguiram persistir, tornaram-se
núcleos de debate e divulgação dos ideais anarquistas, como La Bataglia; Amigo do
Povo, dirigido por Neno Vasco; Terra Livre, publicado por 5 anos; Avati; A Laterna; O
Trabalhador e outros.
Esses periódicos não tratavam de notícias do dia a dia e eram na maioria
voltados para as denúncias das mazelas da ordem social urbana vigente, contra o Estado
ou a Autoridade (conforme terminologia da época), e para a propaganda dos ideais
anarquistas, sem que significasse uma corrente única do movimento. Entre os autores,
estava Kropotkin, muito lido entre os militantes anarquistas134 latino-americanos.
Edgar Carone (1989, p. 27) afirma, citando inúmeros dados, que o nascente
movimento operário é de origem nacional e mantém-se com maioria numérica
brasileira, mas também fica claro que os imigrantes têm papel central na formação dos
primeiros núcleos de resistência e é através deles que o anarquismo e o socialismo
chegam em espanhol francês e italiano.
O internacionalismo está entre as características predominantes da parte mais
ativa do movimento operário, que contribuiu para que os anarquistas no Brasil se
colocassem firmemente contra a Guerra e recebessem com muito entusiasmo as notícias
da Revolução Russa. Mas também esse componente internacionalista afastou do debate
socialista, e, principalmente, anarquista as revoltas camponesas que ocorreram no Brasil
entre 1890 e 1920, particularmente as de Canudos e a Guerra do Contestado.
Não existiu qualquer conexão entre os líderes que empunharam armas contra o
Estado Brasileiro em Canudos e na divisa de Santa Catarina com o Paraná, e os
revolucionários do movimento operário.
134
Florentino afirma que foi o livro Em Defesa do Pão, de Kropotkin, o texto fundamental para a sua
conversão ao anarquismo. Esse livro teve importância para muitos anarquistas dessa geração e foi uma
das principais fontes de combatividade para esse estágio inicial do movimento anarquista, e parece ter
sido bastante difundido na América Latina, já que Ricardo Flores Magón e Astrojildo Pereira o citam
como o primeiro livro anarquista a que haviam tido acesso.
89
Ao revisar os jornais disponíveis nos centros de memória operária do Brasil,
além da bibliografia, não encontramos qualquer referência significativa às revoltas
camponesas.
Fabio da Silva (SOUZA, 2012) analisou a repercussão da Revolução Mexicana
na imprensa operária brasileira, entre os anos de 1911-1918, e, entre os diversos dados
que a pesquisa acrescenta, cabe ressaltar que, acima de tudo, o movimento anarquista
brasileiro viu, na revolta camponesa, uma espécie de revolta anarquista. Souza nos
apresenta um quadro complexo de interpretações e artigos, que reforça determinados
aspectos
característicos
desse
movimento
operário
brasileiro.
Destaca-se,
particularmente, o internacionalismo militante, que se expressava em campanhas de
arrecadação de fundos em solidariedade, como no acompanhamento pormenorizado dos
acontecimentos do México135.
Como vimos anteriormente, no México e no Peru as rebeliões camponesas e
indígenas se encontraram com os ideais anarquistas, e são esses ideais que conseguem
levar os movimentos camponeses a uma dimensão maior, ampliando a combatividade e
inspirando a desconfiança contra o Estado e os políticos tradicionais, fornecendo
legitimidade política e ideológica para que a luta prossiga de forma independente
radical, como foi o caso dos zapatistas em Morelos.
No Peru, os anarquistas contribuem para apontar o problema da distribuição e da
concentração da terra como sendo o inimigo geral dos camponeses e indígenas, e,
principalmente, ampliando e unificando as rebeliões – antes regionalizadas e restritas –
em organizações com perspectivas nacionais.
No Brasil, as rebeliões camponesas ocorreram paralelas às greves e ao
movimento operário e não encontramos relações diretas entre ambos. Podemos,
indiretamente, encontrar um vínculo entre movimentos urbanos de emancipação social e
Canudos através de Euclides da Cunha.
Inicialmente, vendo o movimento de Antônio Conselheiro como regressivo,
monarquista, conforme as notícias que se ventilavam na imprensa, o escritor chega a
Canudos e acompanha a Guerra como um jornalista do Estado de São Paulo, ao lado das
tropas do governo. Ao longo das batalhas, sua simpatia inclinou-se em direção aos
135
Souza (2012, p. 79-83) nos apresenta diversas notícias publicadas em jornais como A Guerra Social e
A Lanterna, em que se denuncia a prisão de Ricardo Flores Magón e Librado Rivera, o fechamento de
Regeneración em Los Angeles, bem como se organiza, através de um Comitê Pró-Revolucionários
Mexicanos, a arrecadação de fundos para ser enviado aos companheiros do México.
90
rebeldes e o resultado foi o clássico da literatura brasileira, Os Sertões.
Mais tarde, Euclides faria parte do grupo socialista Emancipação do Trabalho. E
escreveria um artigo em que se referiria a Marx e Engels136, mas sem que nenhum
desses teóricos, e nem mesmo os autores anarquistas, influenciassem interpretações
críticas da realidade brasileira de modo que pudéssemos afirmar que Euclides elaborou
uma interpretação marxista do Brasil. Podemos extrair, da própria obra Os Sertões,
diversos conceitos evolucionistas e até rascistas que foram comuns a uma sociologia
europeia ou mesmo de correntes progressivistas do socialismo do final do século XIX,
mas nada comparado às análises da sociedade mexicana e peruana que Ricardo Flores
Magón e González Prada produziram.
A partir de 1906, após um congresso que pretendeu unificar o movimento
operário brasileiro, nasceu a Confederação Operária Brasileira (COB), em 1908. Essa
organização possibilitou maior integração dos núcleos radicais do movimento operário,
maior propagação de obras e ideais anarquistas, que alimentariam um ciclo de greves
entre os anos de 1908 e 1920.
Apartados da maioria da população brasileira, restritos aos centros urbanos e
com muitos imigrantes, o movimento operário mais ativo esteve até 1922 sob influência
anarquista, tendo sido profundamente internacionalista e muito pouco preocupado com
a situação nacional. Entre os temas que aparecem nos jornais operários, estavam
denúncias sobre as condições de trabalho nas fábricas, exaltação da independência,
136
Sem que adentremos por demais na relação entre Euclides da Cunha e Marx, segue um trecho do
artigo de Denilton Azevedo de Morais. “O jornalista e escritor Euclides da Cunha (1866 – 1909), realizou
também alguns comentários importantes acerca das ideias de Marx. O autor de Os Sertões soube, como
poucos, diferenciar o pensamento de Marx dos demais socialistas. O escritor estava atento para as
‘supostas fragilidades’ dos pensadores socialistas, a esse respeito argumentou: ‘estupendas utopias de
Sant-Simon’, ‘alienações de Proudhon’, ‘tentativas bizarras de Fourier’, ‘soçobro completo da política de
Louis Blanc’. De acordo com Euclides, foi com Marx, ‘com este inflexível adversário de Proudhon que o
socialismo científico começou a usar uma linguagem firme, compreensível e positiva” (CUNHA, apud
CHACON, 1981, p. 177). E cita diversos trechos de Euclides da Cunha, retirados do livro de Chacon
(1981, p. 177-178): “A fonte única da produção e do seu corolário imediato, o valor, é o trabalho. Nem a
terra, nem as máquinas, nem o capital, ainda coligados, as produzem sem o braço do operário. Daí uma
conclusão irredutível: a riqueza produzida deve pertencer toda aos que trabalham. E um conceito
dedutivo: o capital é uma espoliação. [...] A exploração capitalista é assombrosamente clara, colocando o
trabalhador num nível inferior ao da máquina. [...] põe-se de manifesto o traço injusto da organização
econômica do nosso tempo. [...] Não se pode negar a segurança do raciocínio. [...] Revolução:
transformação. Para a conseguir, basta-lhe erguer a consciência do proletário. [...] Porque a Revolução
não é um meio, é um fim; embora às vezes, lhe seja mister um meio, a revolta. [...] Porque o seu triunfo é
inevitável. [...] Garantem-no as leis positivas da sociedade que criarão o reinado tranquilo das ciências e
das artes, fontes de um capital maior, indestrutível e crescente, formado pelas melhores conquistas do
espírito e do coração” (CUNHA, s.d. apud AZEVEDO, 2013, p. 203) Cf.: AZEVEDO, Denilton Novais.
A fase inicial de difusão das ideias de Marx no Brasil. Revista de Teoria da História, Universidade
Federal de Goias, Goiânia, ano 5, n. 9, jul. 2013
91
textos de famosos anarquistas europeus que denunciavam a exploração patronal, a
burguesia e o clero. Como contraponto, uma alternativa geral, apresentavam a
“Revolução Social”.
Em nada, praticamente, diferenciavam-se das organizações europeias em termos
de análise da realidade brasileira. Para os anarquistas brasileiros, avessos à política,
vendo o meio rural como um resquício ainda mais forte do atraso, a luta estava limitada
à classe operária e aos trabalhadores urbanos.
Mas se por um lado o movimento operário brasileiro mais ativo esteve distante
dos problemas camponeses e pouco preocupado em interpretar aquela realidade, não
desenvolvendo nenhuma análise acerca das “particularidades brasileiras”137, por outro
lado, o nascente movimento operário, dentre seus congêneres latino-americanos,
especialmente no Peru e no México, foi o que mais entusiasticamente recebeu as
notícias da Revolução Russa de outubro de 1917.
Após o 1º ciclo de greves e certa dispersão do movimento, a COB é reativada em
1912. Em 1913, é organizado um congresso operário. Surgiu uma nova geração 138 de
ativistas, expandiu-se o número de sindicatos e greves. Os debates amadureceram e a
COB passou a editar um periódico, A Voz do Trabalhador. Os revolucionários dessa
nova geração chegariam a enviar militantes para regiões onde a propaganda
revolucionária e a organização sindical era praticamente inexistente, como foi o caso de
Everardo Dias, enviado para Recife, sua cidade natal, a fim de organizar o movimento
na região. Futuros comunistas saíram desse esforço de construção do movimento
operário, como foi o caso de Octávio Brandão, futuro dirigente e teórico do PCB,
cooptado para o anarquismo a partir do trabalho de propaganda e organização do núcleo
fundado por Everardo Dias139, que acabou chegando até Alagoas.
O antimilitarismo desenvolveu-se como parte essencial da ideologia anarquista
137
Everardo Dias em suas memórias descreve as perspectivas dos operários estrangeiros no Brasil:
“Também não seria com gente [Dias se refere aos imigrantes] assim, com uma massa cujo pensamento
estava voltado para suas terras de origem, com ideias arraigadas de nacionalismo, às vezes até
exacerbado, deprimindo o próprio país e sua gente, onde vinha viver e ganhar a vida, apontando como
estigma as doenças tropicais, as pragas, os insetos, a insegurança pessoal; exprimindo-se mal e olhando
com desprezo para os habitantes, considerados tipos inferiores (negros, mulatos, caboclos), vadios,
indolentes, dados à embriaguez, malvestidos, mal-alimentados, sem moral, enfim”. In: DIAS, 1977, p. 3940.
138
Dentre as figuras mais significativas dessa geração, estão: João da Costa Pimenta, Domingos Passos,
Câncio de Souza, Manoel Campos, Astrojildo Pereira, José Oiticica, Edgard Leuenroth, Florentino de
Carvalho, Everardo Dias, Fábio Luz, Adelino de Pinho, entre outros. In: BRANDÃO, 1978, p. 170.
139
Everardo Dias foi preso em 1919, conduzido absolutamente nu a uma prisão em Santos, deixado três
dias em uma cela molhada, sem roupas, sem comida e sem água. Após esse período, recebeu 25
chibatadas e foi deportado. Cf.: BRANDÃO, 1978, p. 225.
92
no Brasil, e, em 1908, devido a uma série de provocações que afirmavam a iminência de
um conflito entre Brasil e Argentina, publica-se o folheto Não Matarás!, órgão da Liga
Antimilitarista Brasileira140.
Quando estoura a Primeira Guerra na Europa, os militantes mais ativos da COB
já se posicionavam resolutamente contra a guerra.
No tradicional comício de 1º de Maio [de 1915], do Rio, foi lido e
aprovado manifesto subscrito por dezenove entidades operárias e
sindicais em quatro jornais, protestando contra o “crime premeditado
da burguesia europeia”, declarando solidariedade ao proletariado
internacional contrário à guerra, concitando as classes trabalhadoras e
todos os homens livres do Brasil a se manifestarem no mesmo sentido.
A Confederação Operária Brasileira, entre 14 e 16 de outubro
seguintes, efetuou, no Rio de Janeiro, um Congresso de Paz, no qual
tomaram parte, além de delegados de vários Estados, representantes
da Argentina, Portugal e Espanha. (PEREIRA, 1979, p. xxiv).
Por um lado, estavam os anarquistas, promotores da sindicalização, da greve, da
violência revolucionária, da independência da classe operária e da Revolução Social.
Por outro, estavam os socialistas, que com esse nome carregavam ideais bastante
ecléticos, os quais, com as palavras de Everardo, foram definidos da seguinte forma:
Daí que os vocábulos – socialista-comunista, anarquista-comunista,
libertário, coletivista – fossem usados pelos nossos jornais
indistintamente. Os socialistas denominavam-se “marxistas
internacionalistas”, da mesma forma que os anarquistas se declaravam
“comunistas libertários”. Não se delimitavam muito as esferas
ideológicas nem se faziam rigorosas divisões de tendências, como
hoje sucede. Nos jornais escreviam anarquistas e socialistas,
indiferentemente. Os anarquistas eram mais conhecidos como
libertários.
Os “apolíticos” agrupavam-se preferentemente no sindicalismo, ao
qual deram forma de ação direta, que predominou desde 1906 até
depois da primeira guerra mundial. E foram eles, sem dúvida, que
deram maior impulso à organização dos trabalhadores. Sempre
manifestavam uma tendência hostil à política e aos políticos. As
organizações orientadas pelos sindicalistas moderados – geralmente
agrupando proletariado nacional – e que viviam mais ou menos na
órbita de certos políticos (isto no Rio de Janeiro) eram denominados
“amarelos”. (DIAS, 1977, p. 51-52).
É natural que para as duas correntes do movimento operário, a Revolução Russa
e os sovietes parecessem mais uma revolução anarquista que socialista.
140
O Arquivo do CEDEM dispõe de um único número deste jornal Não Matarás!, Rio de Janeiro, ano I,
n.3, dez. 1908.
93
A Revolução Russa chegou a toda a América Latina através das agências de
notícias de países envolvidos na Guerra. E os maximalistas, como seriam chamados os
revolucionários russos nos países latinos, seriam tratados como agentes da espionagem
alemã, como bandidos arruaceiros, e algumas vezes como sonhadores utópicos e
infantis.
Até a Revista Fon-Fon, que nada tinha a ver com o movimento operário,
estamparia algumas charges, entre os anos de 1917-18, que ilustram bem sob quais
perspectivas a Revolução Russa foi recebida pela aristocracia cultural desses anos.
Figura 8 – Charge publicada em Fon-Fon que relaciona os “maximalistas” como o gado
da Alemanha
Fonte: Fon-Fon ano XI, n. 46, Rio de Janeiro: 17 nov. 1917.
Foi o militante da COB, um jovem anarquista fluminense, Astrojildo Pereira,
que, através da crítica e da investigação, procurou esclarecer o que estava realmente
ocorrendo na distante Rússia, governada pelo regime absolutista dos Tzares e que desde
fevereiro de 1917 parecia oscilar entre o caos, um regime liberal “de tipo ocidental” e
uma novidade que começava a se tomar conhecimento com o nome de sovietes.
94
O Brasil acabava de declarar guerra à Alemanha quando começaram a surgir as
notícias sobre os maximalistas russos141. (DULLES, 1977, p. 62). As notícias
descreviam a derrota de Lenin e dos maximalistas, informava que os cossacos estavam
prestes a invadir São Petersburgo, que Kerenski, Kornilov e outros estavam liquidando
os partidários de Lenin, e, principalmente, que Lenin era um “perigoso agente alemão”.
O jornal diário de Vicente Piragipe, A Época, fazia alarde contra qualquer
“espionagem alemã”, delatava qualquer oposição com acusações de traição e
germanismo e, nessa linha, qualquer intenção de saída dos russos da guerra era obra de
agentes alemães. Kerenski era tratado como um herói 142.
Figura 9 – Charge de Fon-Fon em que um “maximalista” russo está sendo manipulado
por um mascarado em Brest-Litovski
Em todos os países latinos, a palavra “maximalista” foi usada, tanto pela imprensa comercial quanto
pela imprensa operária. Provavelmente, tem origem em uma tradução francesa do próprio movimento
operário, e se refere à contraposição, programa máximo (ou revolucionário) e mínimo (reformas e
conquistas parciais). Essa terminologia foi comum nos debates do movimento operário do início do
século, e podemos encontrar com facilidade essa divisão em diversos autores. Ao traduzir, entendeu-se
que bolchevique (maioria em russo) referia-se ao caráter revolucionário do programa, e por isso se
assimou esse termo com tanta facilidade. A partir de 1921-22, o termo maximalista vai desaparecer e a
palavra comunista passará a prevalecer.
142
No dia 12 de novembro de 1917, o jornal A Época noticiava: “OS ANARCHISTAS DE
PRETROGRADO A BRAÇOS COM OS COSSACOS – KERENSKI, NO QURTEÍ. GENERAL –
Noticias recebidas de Petrogrodo dizem que na noite de 10 do corrente, o sr. Kerenski conseguiu fugir da
capital numa ambulância automóvel e chegou são e salvo ao quartel general. ¦ Actnnutnente, o chefe do
governo provisório dispõe dc duzentos mil homens dedicados [...] que conseguiu escapar da censura
leninista, anuncia que os cossacos, com o auxílio dos minimalistas, estão prestes a dominar os
bolcheviques, com os quais tem travado batalha nas ruas da capital. [...] TROPAS QUE MARCHAM
SOBRE PETROGRADO) E TROPAS F1EIS AO GOVERNO PROVISÓRIO [...] o sr. Kerenski chegou
quarta-feira a sudoeste da capital. As guarnições das duas cidades declaram-se fieis ao governo
provisório. A divisão côssaca da Finlândia marcha sobre Petrogrado, afim de dar combate aos
revolucionários, a própria guarnição da capital, que a principio favorece, os maximalistas, começa estar
hesitante”.
141
95
Fonte: Fon-Fon, ano XII, n. 3, Rio de Janeiro: fev 1918.
Figura 10 – Jornal A Época apresentando Kerenski como a “alma da democracia Russa”
Fonte: A Época, n. 1992, Rio de Janeiro: 25 dez. 1917.
No natal de 1917, o jornal noticiava a subserviência dos “maximalistas na
Conferência de Brest-Litovsky143.
As notícias eram confusas e reproduziam as informações que interessavam aos
aliados em relação à permanência da Rússia no front contra a Alemanha. Qualquer
manifestação em direção à paz ou à retirada da Rússia da Guerra, de forma
independente, era considerada traição à pátria, germanismo e espionagem alemã.
Foi nesse difícil contexto de confusão e propaganda contra os bolcheviques que
143
A Época, n. 1992, Rio de Janeiro: 25 dez. 1917.
96
Astrojildo Pereira escreveu uma série de cartas argumentando sobre as mentiras e
incoerências no que se dizia sobre a Rússia e sobre Lenin. Apenas um jornal publicou
uma de suas cartas, o Jornal do Brasil. Astrojildo resolveu reuni-las em uma pequena
brochura, publicando por conta própria e difundindo no meio operário em 1918, com a
seguinte introdução:
As páginas que formam este folheto foram escritas em dias espaçados,
no interregno de tempo contado de 25 de novembro do ano findo até 4
de fevereiro último.
Algumas delas foram enviadas, em forma de cartas, aos jornais
rebatendo injúrias ou deslindando confusões. Reunidas e coordenadas
nesta brochurinha, creio valerão como um documento e protesto mais
duradouro contra as calúnias e imbecilidades de que se tem servido a
nossa imprensa nas apreciações sobre a obra dos maximalistas
russos... (PEREIRA, 1918, p. 1)144.
O interesse de Astrojildo pelo tema se justificava pela repercussão que a
Revolução começava a alcançar no mundo. A partir de fevereiro de 1917, estava claro
para todos que acompanhavam a guerra que a autocracia tzarista havia sido substituída
por um regime de tipo liberal, visto com bons olhos pelos aliados da Tríplice Entente.
Em uma e outra notícia, a imprensa falava de “extremistas”, de anarquistas ou
socialistas, mas até o mês de novembro era o nome de Kerensky que ocupava o centro
das notícias sobre o front oriental. Em abril, o nome de Lênin começou a surgir como
“espião alemão” e “agente do kaiser” na imprensa brasileira. Em julho, em O
Combate145, afirmava “Lenin está preso”. Em 1º de outubro de 1917, no mesmo jornal
aparecia uma foto falsa de Lenin: “o Governo russo prende o traidor Lenin” (MONIS
BANDEIRA, 1967, p. 91).
A desinformação, intencional ou não, era sem limites, e a partir de novembro,
com a notícia da tomada de poder pelos “maximalistas”, os termos maximalistas,
minimalistas, Trotsky e Lenin passaram a se tornar comuns. Monis Bandeira sintetiza
bem a lógica da imprensa brasileira.
O País, cabeça pensante da política nacional, o jornal onde Rui
Barbosa escrevia, era o órgão por excelência das classes dominantes.
Somente via na revolução russa, como aliás, quase tôda a imprensa, as
repercussões políticas internacionais, do ponto de vista da guerra
mundial e dos Aliados, abstraindo-se, quase que inteiramente, do
144
145
Esse texto está reproduzido integralmente ao final desta tese, na parte dos anexos.
O Combate, Rio de Janeiro: 27 set. 1917.
97
significado social. O seu comentarista, Alexandre de Albuquerque, no
artigo a que deu o nome de “Salada Russa”, limitou-se a profetizar
que a História ignoraria Lênin e exaltaria Kerenski. (MONIZ
BANDEIRA, 1967, p. 105).
Em meio à desinformação e à confusão, as cartas de Astrojildo procuraram entre
as evidências e as incoerências, com pouca informação, ligar os pontos, montar o
quebra-cabeça e alcançar o significado daqueles acontecimentos na distante Rússia e a
identidade daqueles personagens.
Com a prática na militância do movimento operário, em que sofria constantes
calúnias da imprensa dominante, Astrojildo já havia se tornado um crítico arguto dos
interesses por trás das manchetes dos jornais de maior circulação. A argumentação é de
uma clarividência impressionante, quando comparamos com os artigos publicados na
imprensa dominante da época.
Em primeiro lugar, sob o pseudônimo de Alex Pavel, Astrojildo expõe o sentido
pernicioso da acusação de “espionagem alemã” que inundava a imprensa:
Saudada quando rebentou e deu por terra com czarismo dominante, a
Revolução Russa é hoje objeto das maldições da nossa imprensa, que
nela só vê fantasmas de espionagem alemã, bicho perigoso de não sei
quantos milhões de cabeças e de garras. Provavelmente os nossos
jornais desejariam que se constituísse, na Rússia, sobre as ruínas do
Império, uma flamante democracia de bacharéis e de negociantes,
como a que tem por presidente o sr. Wilson, ou como esta nossa,
presidida pela sabedoria inconfundível do sr. Wenceslau. A caída do
nosso Império e a implantação desta nossa República, sem gota de
sangue, com uma simples e vistosa procissão na rua, parece ter-se
tornado, aos olhos dos nossos jornalistas, o padrão irrevogável pelo
qual se devem guiar as revoluções antidinásticas que se forem
efetuando pelo mundo. Como a Revolução Russa, ao contrário disso,
tem tomado um caráter profundo, de verdadeira revolução, isto é, de
transformação violenta e radical de sistemas, de métodos e de
organismos sociais, levada para diante aos empurrões, pelo povo, pela
massa popular, eis que os nossos jornais desabam sobre ela, de rijo,
toda a fúria da sua indignação democrática e republicana. É que os
nossos jornais partem dum ponto de vista errado, supondo que o povo
russo tem a mesma mentalidade do povo brasileiro de 89, que assistiu,
“bestializado”, à proclamação, por equívoco, desta bela choldra que
nos desgoverna. (PEREIRA, 1918, p. 1).
E, para comprovar que essa acusação era falsa, utilizou o argumento de que:
Lenin, um velho socialista militante de mais de 20 anos, e como tal,
ferozmente perseguido pela autocracia moscovita, mas sempre o
98
mesmo homem de caráter indomável e intransigente146.
Como pode, pois, entrar nos cascos de alguém que um homem destes,
precisamente quando vê seus caros ideais em marcha, a concretizar-se,
numa soberba flor ação de energia vital, vá vender-se a um governo
estrangeiro? Lenin, se quisesse vender-se algum dia, bastava esboçar o
mais leve sinal e o governo de São Petersburgo rechear-lhe-ia os
bolsos fartamente, vencendo pelo dinheiro o inimigo implacável. Não
precisava esperar, através de anos inteiros de perseguições e
sofrimentos que a revolução social dos seus sonhos se iniciasse para
entregar-se ao marco prussiano, como um vulgaríssimo trampolineiro,
como um jornalista qualquer, destes que abundam na imprensa desta
terra. (PEREIRA, 1918, s.p.).
Desfazer a pecha de traidor era o primeiro passo, o segundo seria identificar e
defender a ideologia que os revolucionários russos propagavam, e é a partir dessa parte
que fica evidente a impressão, entre os anarquistas brasileiros, de que aqueles
revolucionários eram uma espécie de anarquistas também147.
Nessa fase dos debates entre anarquistas e socialistas no Brasil, embora os
segundos fossem pouco expressivos no movimento operário, era claro para os
anarquistas que a oposição entre anarquistas e socialistas estava relacionada à oposição
entre reforma e revolução; certa defesa da participação na Guerra e antimilitarismo;
aceitação ou não da autoridade e autogestão.
A revolução “maximalista” possuía todas as características de um movimento
anarquista: Revolução Social (na terminologia anarquista), oposição à Guerra,
internacionalismo e, principalmente, a derrubada do governo (primeiro a autocracia
tzarista, depois o regime burguês de Kerensky para a organização de um governo de
conselhos, soviético).
Astrojildo é claro no diagnóstico do que entendia acerca da Revolução:
A revolução, como se viu, de começo manietada pelo Lvov, pelos
Rodzianko, pelos Miliukov, pelos Kerenski, integrou-se finalmente
146
No original, Astrojildo coloca a seguinte nota: A Luta, jornal burguês de Lisboa, estampou os seguintes
dados biográficos sobre Lênin: “A autocracia, talvez, por instinto, descobriu um inimigo terrível’ na
pessoa de Lênin, quando ele não contava mais de 17 anos de idade. Expulsou-o em 1867 (?) da
Universidade de Kazan, com privação do direito de admissão em qualquer outra universidade pelo motivo
de seu irmão ter sido executado como criminoso político. Lênin – cujo verdadeiro nome é Ulianov –
consagrou-se muito cedo ao estudo do desenvolvimento econômico da Rússia, e muito jovem ainda,
tornou-se um perigoso discípulo de Karl Marx. Escreveu muitos folhetos e livros; mas a sua principal
obra é um grosso volume intitulado A Evolução do Capitalismo na Rússia, editado em 1881 com o
pseudônimo de V. Iline, trabalho sobretudo acadêmico, cheio de números, todo ele apoiado em
estatísticas. Mas a atividade de Lenin não se limitou à de economista sábio, e, atraído pelo movimento
revolucionário, condenam-no a 4 anos de deportação na Sibéria. De regresso destas paragens, passou ao
estrangeiro e fêz-se chefe ativo da Social-democracia russa (Transcrito pelo Cosmopolita, 15 jan.).
147
Astrojildo Pereira cita Kropotkin para explicar a Revolução Russa. Ver anexos.
99
nas mãos da plebe, tomando uma orientação verdadeiramente popular
e libertária, – antiguerrista, antiburguesa, antiautoritária. Nada mais
lógico, nem mais justo, pois, que se declarem anulados todos os
convênios e tratados anteriormente concluídos entre os governantes da
Rússia e os governantes de outras nações. (PEREIRA, 1918, s./p.).
E, finalmente, extremamente perspicaz, aponta o significado da Revolução
Russa, que por um lado concretizava a utopia como possibilidade realizável e por outro
“marca o início da maior revolução social da história”. (MONIZ, 1967, p. 317).
Em 1918, a brochura de Astrojildo foi a informação mais correta dos
acontecimentos russos e também a que melhor percebeu o significado da Revolução
Russa para o futuro da história mundial.
Para Astrojildo, a Revolução ainda era anarquista, e, até que os primeiros
simpatizantes dos maximalistas rompessem com os anarquistas, ainda haveria muitos
debates.
Os primeiros “bolcheviques” mexicanos
Em 1919, os bolcheviques fundam a Internacional Comunista em Moscou, em
meio a um clima de expansão da Revolução. O I Congresso da Internacional Comunista
foi realizado nos primeiros dias de março, durante a Guerra Civil na Rússia e ainda sem
que o poder soviético estivesse estabilizado. O objetivo era consolidar politicamente a
iniciativa revolucionária e impulsionar outras tentativas de tomada do poder,
principalmente na Alemanha, e também na Hungria. Esse primeiro congresso não
contou com nenhum representante da América Latina, quase todos europeus. Os dois
documentos mais importantes desse congresso foram o discurso de abertura de Lenin e
a tese sobre democracia burguesa e ditadura do proletariado.
Em síntese, o I Congresso da IC apresentou as teses de Lenin sobre o Estado,
divulgando os sovietes como forma política da ditadura do proletariado, rompendo com
a 2ª Internacional e anunciando a nova era das Revoluções Proletárias. Essa nova
posição no movimento operário ganhava uma organização internacional nascida da
vitória dos bolcheviques, e assumia o nome de “comunista”.
O Congresso [...] demonstra o fim de todas as ilusões da democracia
burguesa. A guerra civil se transformou num fato, não só na Rússia,
mas nos países capitalistas mais desenvolvidos, por exemplo a
Alemanha.
100
O povo percebeu a grandeza e a importância desta luta. Tratava-se de
encontrar a forma prática quer permitisse ao proletariado exercer sua
dominação. Esta forma é o regime dos Sovietes com a ditadura do
proletariado. A ditadura do proletariado; essas palavras eram “latim”
para as massas até nossos dias. Agora, graças ao sistema dos Sovietes,
esse latim se traduziu para todas as línguas modernas; a forma prática
da ditadura foi encontrada pelas massas populares. Ela se tornou
inteligível para a grande massa de operários graças ao poder dos
Sovietes na Rússia, aos espartaquistas da Alemanha, às organizações
análogas nos outros países, como Shop Stewards Committes na
Inglaterra. [...] Tudo isso prova que a forma revolucionária da ditadura
do proletariado foi encontrada e que o proletariado está em ação para
exercer de fato sua dominação.
Camaradas! Penso que depois do que aconteceu na Rússia, depois dos
combates de janeiro na Alemanha, importa sobretudo observar que a
nova forma do movimento do proletariado se manifesta e se amplia
também nos outros países. [...] a vitória da revolução comunista
mundial está assegurada. (LENIN, 1919, s.p.).
O entusiasmo com que que significou a fundação da Internacional Comunista foi
compartilhado em diversos outros países pelo mundo. No México, que se encontrava
ainda conflagrado pelas batalhas entre carrancistas, villistas e zapatistas, a bibliografia
costuma citar o apoio inicial que Ricardo Flores Magón, preso nos EUA, deu à
revolução, e o rompimento depois, em 1921, quando começou a chegar as notícias de
que havia anarquistas presos na URSS, em 1921148.
Zapata, que morreria em 1919, chegou a comentar em uma carta sua simpatia
pela Revolução Russa, que entendeu de forma bastante genérica.
Muito ganharíamos, muito ganharia a humanidade e a justiça, se todos
os povos da América e todas as nações da velha Europa
compreendessem que a causa do México Revolucionário e a causa da
Rússia são e representam a causa da humanidade, o interesse supremo
de todos os povos oprimidos. [...] Aqui como lá, existem grandes
senhores, desumanos, gananciosos e cruéis que vêm explorando de
pais a filhos até a tortura as grandes massas camponesas. E aqui como
lá os homens escravizados, os homens de consciência adormecida,
começam a despertar, a sacudir-se, a agitar-se, a castigar. [...] Não é de
se estranhar, pelo mesmo, que o proletariado mundial aplauda e
admire a Revolução Russa, do mesmo modo que outorgará toda a sua
adesão, sua simpatia e seu apoio a esta Revolução Mexicana, ao dar-se
cabal conta de seus fins149.
“Nicolai Lenine, o líder russo, e nesses momentos, a figura revolucionária que mais brilha no caos das
condições existentes em todo o mundo, porque se encontra à frente de um momento que tem que
provocar, querendo ou não os vaidosos, [o fim] do atual sistema de exploração e de crime, a grande
Revolução Mundial que já está chamando às portas de todos os povos; a grende Revolução Mundial que
opera transformações importantes no modo de conviver dos seres humanos”. In: REGENERACIÓN, Los
Angeles, Época IV, n. 262, 16 mar. 1918.
149
Carta de Emiliano Zapata ao General Genaro Amescua, Tlaltizapán, Morelos, em 14 de fevereiro de
148
101
1
O Partido Comunista do México é fundado no mesmo ano em que a
Internacional Comunista é fundada em Moscou. O primeiro Congresso da Internacional
Comunista não contou com nenhum delegado latino-americano, mas a repercussão que
alcançou no México foi imediata, embora bastante confusa e diversa. Como no Brasil, a
Revolução Russa chegava ao Peru e ao México através das mesmas agências de notícia
com sede nos países que compunham a Entente na Guerra Mundial.
Foram os anarquistas os primeiros a captar de forma crítica as confusas
informações e tentar aos poucos montar o quebra-cabeça que respondesse o que
realmente queria Lenin e o que eram os bolcheviques, “maximalistas”, e como
funcionavam os sovietes.
1918.
102
2º Capítulo – Os comunistas latino-americanos descobrem as classes nãoproletárias
[...] os anarquistas negam a existência de uma questão nacional,
pois o objetivo a ser alcançado seria igual em todas as partes: a
fraternidade dos trabalhadores sem pátria nem patrões.
O reconhecimento da questão nacional por parte dos comunistas
levou-os a introdução de novas reivindicações nos países de 3º
mundo, como por exemplo a questão agrária e a luta contra o
imperialismo. (FAUSTO, 1996, p.303)
103
O leninismo para a periferia.
O marxismo surgiu como uma proposta universal, mas na prática o próprio Marx
tratou mais da Europa, o centro do capitalismo, que da realidade colonial ou periférica
aos países da Europa Ocidental e dos EUA. Já fizemos um breve histórico do problema
colonial e nacional para Marx no primeiro capítulo e não pretendemos repeti-lo. Mas é
necessário retomarmos a questão colonial e nacional sob o ponto de vista da prática
politica dos comunistas que viviam na periferia do capitalismo, como era o caso da
América Latina. Marx, embora tenha tratado de diversas realidades fora da Europa,
pouco teve de se preocupar com a prática política dos revolucionários nas colônias, com
exceção para o caso da Irlanda, já narrado. Os marxistas da 2ª Internacional também
viram as revoluções no mundo extraeuropeu como uma consequência das
transformações pelas quais lutavam na Europa Ocidental. As transformações socialistas
nos países europeus seriam depois refletidas para a realidade colonial.
Quando os revolucionários bolcheviques chegaram ao poder em 1917, a
Revolução na atrasada Rússia colocava uma série de questionamentos acerca de como
se imaginou a transformação socialista. Como o socialismo era fruto do
amadurecimento do próprio capitalismo, seria natural que a Revolução Mundial
começasse pelos países mais desenvolvidos, inclusive onde a classe operária estava
mais organizada, a Alemanha. Quando é fundada a Internacional Comunista, a
expectativa era de que a Revolução na Alemanha seria iminente, e a própria Revolução
Russa era apenas uma antessala da revolução alemã.
Essa perspectiva seria gradativamente transformada, e os comunistas buscariam
explicar a partir do marxismo, ao longo dos anos seguintes, os motivos que levaram à
vitória da Revolução proletária em um país rural. A Revolução Proletária foi vitoriosa
em um dos países demograficamente menos proletários e mais camponeses da Europa.
O problema colonial seguia essa mesma lógica. Por não possuir proletariado e
ser predominantemente rural, as colônias e os países periféricos possuíam um
protagonismo secundário, e sua realidade se transformaria em função dos movimentos
revolucionários que ocorreriam no centro do capitalismo.
Demoraria alguns anos até que os países da periferia começassem a aparecer de
forma central no programa dos comunistas, e foi depois das formulações, as quais vão
surgindo a partir do 2º Congresso da Internacional Comunista, em 1920, que se
104
construiu ao longo da década de 1920 um modelo de análise e prática política para os
países coloniais e semicoloniais, como seriam denominados os países periféricos. Esse
modelo, que será desenvolvido durante a revolução chinesa e experimentado ao longo
da década de 1920, deve ser encarado como guia inicial para entendermos todo o debate
dos comunistas do Brasil, do Peru e do México nesse período.
O Primeiro Congresso da Internacional Comunista careceu de uma tradicional
representatividade formal. Sua importância não pode ser medida em um quórum
mínimo representativo dos partidos marxistas revolucionários, mas em estar sendo
fundada a partir da primeira revolução socialista vitoriosa. O Congresso fundador da
Internacional Comunista foi convocado em meio à Guerra Civil na Rússia; seus
delegados estavam compostos por revolucionários que já se encontravam no país
soviético, como foi o caso de John Reed, ou por outros que tiveram de atravessar
difíceis trajetos, em meio aos fronts que sobraram da guerra150.
O debate esteve centrado no problema que diferenciava comunistas, anarquistas
e social-democratas, a diferença entre democracia burguesa e ditadura do proletariado.
Mas, embora não tenha contado com um número significativo de partidos, a fundação
da Internacional Comunista ecoou em todo o movimento radical, e logo começaram a
surgir diversos pedidos de filiação de inúmeros partidos. Estar vinculado à Internacional
Comunista do país dos sovietes dava legitimidade às organizações que se formavam no
meio do movimento operário.
O II Congresso da Internacional precisou tratar não apenas de propagar a tese
acerca da ditadura do proletariado como forma do Estado socialista, primeira etapa para
a transição do capitalismo ao comunismo. Foi necessário criar critérios claros para a
filiação dos Partidos na nova Internacional os quais a diferenciassem da 2º Internacional
– que funcionava como uma espécie de federação – e impusesse uma centralização de
ação que impulsionasse a Revolução Proletária Mundial151. No II Congresso da IC,
ainda se mantinha uma esperança de que a Revolução Mundial pudesse, muito
brevemente, espalhar-se pelo mundo.
A derrota dos comunistas na Hungria já demonstrava que a Revolução Mundial
150
Iza Salles descreve em seu livro o trajeto difícil para se chegar à Rússia, particularmente em meio à
Guerra Civil. Ver: SALLES, Iza. Um Cadáver ao Sol. A história de um operário brasileiro que desafiou
Moscou e o PCB, Rio de Janeiro: Ediouro, 2005. Há outros relatos em PORTOCARRERO, 1987, TAIBO
II, 2008 e RAVINES, 1981.
151
Cf.: LOS CUATRO congresos de la Internacional Comunista, Disponível em:
<http://grupgerminal.org/?q=system/files/cuatroprimerosICvolumen1.pdf>. Acesso em: 27 mar 2014.
105
poderia ser um processo bem mais longo. Seria no III Congresso, em 1921, que a
Internacional admitiria uma recomposição de forças da burguesia imperialista, impondo
certas mudanças táticas e alianças com outras forças políticas.
Essa mudança, a partir do III Congresso da IC, será determinante para a
elaboração da tática de alianças dos comunistas nos países coloniais e semicoloniais.
Além dos textos de Lenin, anteriores à fundação da IC 152, foram as Teses sobre o
Problema Nacional e Colonial153 que inauguraram o tratamento leninista dessa questão
para os Partidos Comunistas, e, embora seja claro que o processo formativo do modelo
que a IC utilizará para analisar a realidade dos países coloniais e semicoloniais tenha
sofrido de rupturas e lutas políticas que não fazem parte de um processo de
desenvolvimento linear, estabeleceremos uma cronologia do desenvolvimento deste
modelo leninista para o problema colonial até 1928, quando aconteceu o VI Congresso,
e o modelo de análise se tornou mais maduro e será aplicado para a análise dos PCs a
partir de conceitos mais claros.
As teses e os manifestos elaborados pelos congressos da IC foram publicados
nos idiomas oficiais da IC (russo, alemão, inglês, francês e chinês), e depois de 1926
contará com publicações diretas da IC em espanhol. Existe uma tendência bibliográfica
que explorou outras documentações, como cartas entre dirigentes, informes e relatórios
secretos que se tem encontrado recentemente nos arquivos de Moscou154, além de outras
fontes “não oficiais”, ou não publicadas pelos dirigentes das organizações comunistas
na época em que foram escritas.
Depois de uma longa temporada de estudos muito influenciados pela perspectiva
da historiografia liberal, motivada por um sentimento anticomunista, ou por um
revisionismo que partiu de pressupostos que compararam movimento comunista, com
fascismo155, é necessário resgatar a documentação mais básica, que deveria ser
obrigatória para o início de qualquer pesquisa, mas que tem sido muito pouco
152
Podemos encontrar na obra de Lenin diversos textos anteriores a 1920 em que são tratadas a questão
colonial e nacional. A síntese mais importante está na obra já tratada anteriormente, Imperialismo, fase
superior do capitalismo.
153
Ver anexos no final deste trabalho.
154
Trataremos essas fontes mais adiante.
155
Diversos autores ocidentais escreveram livros comparando fascismo com o comunismo. Não é
necessário citá-los aqui. Mas há importantes trabalhos que questionam esses pressupostos, em que se
destacam a obra de Losurdo (2011), Stalin – História crítica de uma lenda negra, além de um artigo de
Horácio Crespo. Para uma historiografia del comunismo: algunas observaciones de método. In:
CONCHEIRO, Elvira et al. (Coords.). El Comunismo: Otras miradas desde América Latina. México:
Unam, 2007.
106
consultada, e muitas vezes citada através de uma bibliografia secundária.
A historiografia liberal parte de uma visão que subestima os debates teóricos,
doutrinários e ideológicos do Movimento Comunista, pressupondo que as teses e
manifestos são apenas alegorias de uma luta pelo poder, geralmente pessoal entre
dirigentes e líderes comunistas156.
Nosso ponto de partida está em perspectiva contrária. Nossas investigações
demonstraram que o movimento comunista possui uma dinâmica diferente da maioria
dos movimentos políticos que se organizam dentro do Estado nos países capitalistas157,
onde interesses econômicos, “espaços de poder”, divisão de secretarias, ministérios e
verbas fazem parte de uma disputa política em que a parte doutrinária e as formulações
políticas representam muitas vezes apenas alegorias para a disputa de interesses
pessoais e de grupos.
Com o movimento comunista acontece uma dinâmica diferente, que alguns
autores acabaram muitas vezes associando a um “fanatismo”158, à ignorância, e até a
traumas de infância. Para muitos autores, a convicção e a decisão dos comunistas em se
aferrar a uma linha política-ideológica anti-liberal só pode ser explicada através de
conspirações de grupos em luta pelo poder; ou quando essa explicação é evidentemente
descartada, como no caso do pintor comunista David Alfaro Siqueiros, somente pode
ser explicada a partir de adjetivos como “fanatismo” e outros similares.
Nossa análise do movimento comunista pretende retomar o debate da década de
1970 e início dos anos 80, revisando com seriedade os manifestos e teses produzidas
pelos comunistas ao longo do período analisado, tratando-os como sínteses de parte
importante da luta política e ideológica que a prática revolucionária dos militantes
produziu.
Para compreendermos a formulação da IC para os países coloniais e
semicoloniais, iniciaremos pelo primeiro importante documento produzido pala IC, que
tenta colocar o mundo colonial na estratégia da Revolução Proletária Mundial. Esse
documento tem uma história interessante e se relaciona indiretamente à fundação do
157
Ver: DEVEZA, Felipe. O Conflito Sino-soviético (monografia), Rio de Janeiro: UFRJ, 2006.
A autora da biografia de Siqueiros, Irene Herner, por exemplo, trata a militância de Siqueiros,
particularmente sua adesão a corrente que reivindicou Stalin, como fanatismo. Naturalmente, nesse termo
está implícita uma ideia contrária à racionalidade, e próxima aos mitos religiosos. Ver: HENER, Irene.
Siqueiros, Del Paraíso a la Utopia. México: Secretaria de Cultura del DF, 2010.
158
107
Partido Comunista do México.
***
Em meados de março de 1919, no mesmo mês em que se realizou o I Congresso
da IC, foi convocado o Primeiro Congresso Nacional Socialista, na Cidade do México.
Entre os que assinavam a convocação estavam Adolfo Santibañez, Francisco Cervantes
López, Felipe Dávalos e Timóteo Garcia. (TAIBO II, 2008, p. 17).
Em um movimento operário dominado por concepções anarquistas por um lado,
e com uma posição reformista se desenvolvendo em torno do Grupo Acción de Luis
Morones de outro, a convocatória socialista foi recebida sem muito entusiasmo.
O congresso encontraria eco nos grupos que não possuíam expressão no
movimento sindical, particularmente entre estrangeiros que estavam no México
conhecidos como slackers, nos EUA. Esse termo pode ser traduzido como covardes ou
frouxos, e se referia a um heterogêneo grupo de norte-americanos que, para não serem
obrigados a lutar na Primeira Guerra Mundial, haviam atravessado a fronteira mexicana,
e foram viver em uma espécie de exílio no país vizinho neutro no conflito.
Dentre eles havia anarquistas, socialistas e pacifistas das mais variadas
motivações. Um desses era o indiano nacionalista Narendra Nath Bhattacharya,
conhecido como Manabendra Nath Roy (1887-1954), que fugia de seu país por ter
participado de movimentos anticoloniais159. No início de 1919, havia entrado em
contato com o partido Socialistas de Saltibañes, e teria um protagonismo importante
nesse momento de fundação do comunismo peruano.
O congresso somente se realizou em 25 de agosto, e contaria com a participação
de outros grupos, como o Grupo de Morones, os Jovens Socialistas Vermelhos, de
tendência anarquista160, os que publicavam a Gale’s Maganize, dirigida por Linn Gale,
um norte-americano de ideologia eclética; representantes de partidos socialistas
regionais e outras figuras importantes na vida do Partido Comunista do México nos seus
159
Detalhes do percurso de Roy, tanto em questões político-ideológicas como em suas aventuras por
vários países, podem ser encontrados em suas memórias (ROY, Manabendra Nath, M.N. Roy's Memoirs,
Bombay: Allied Publisher, 1964) ou no livro de Paco Ignácio (TAIBO II, 2008). Em relação às suas
memórias, Taibo II (2008) e Verdugo (1985) chamam a atenção para diversas inconsistências de datas,
além de uma possível ampliação de sua importância nos fatos narrados.
160
“O dominante no movimento operário da época era um sindicalismo anarquizante, antipolítico e
minoritário nos centros de trabalho, ainda que bastante unânime nos quadros militantes, nas organizações
de afinidade e nas redações dos periódicos operários.” (TAIBO II, 2008, p. 53).
108
primeiros anos, como José Allen, Viocente Ferrer Aldana, Jacinto Huitrón, entre
outros161.
Depois de uma semana de debates, foi elaborada uma declaração de princípios,
assinada por 22 delegados, em que se afirmava uma posição revolucionária, contra a
posição de Morones, sobre a “Ação Múltipla”. Decidiu-se que o objetivo da luta era a
posse e a direção comunista de todos os meios de produção, distribuição e troca.
(TAIBO II, 2008, p. 59).
Ao longo do ano, apareceria Borodin, um enviado da Internacional Comunista
ao México, a fim de apoiar a constituição de uma seção mexicana da IC, e levar
delegados para o II Congresso da IC, que se realizaria no ano seguinte.
Roy narra em suas memórias como foi o encontro de Borodin com o grupo do
Partido Socialista no Final de 1919.
Uma tarde, Charlie e Irwin entraram subitamente perturbando a minha
sesta pós-matinal. Estavam cheios de emoção. Um líder bolchevique,
um verdadeiro bolchevique, de carne e osso, havia chegado
secretamente ao México, diretamente desde a terra da revolução
proletária. Embora eu mesmo estivesse suficiente animado pelas
notícias, o ingênuo entusiasmo deles provocou em mim uma jocosa
pergunta: – Como o reconheceram? Tinha barba e uma faca entre os
dentes? (ROY, 1964, p. 139162).
Com a chegada do bolchevique, reúne-se o grupo mais ativo do PSM e decide-se
pela criação do Partido Comunista do México, nomeando Roy e Phillips como
delegados para o II Congresso da IC.
Roy iria com a sua esposa Evelyn para Moscou e nunca mais voltaria ao México.
Em junho de 1920, Phillips e Roy, que haviam tomado caminhos diferentes para
chegarem à Rússia, se encontram no 2º Congresso da IC. Roy interviu, mais preocupado
com os problemas da Índia que com o México que representava.
Nesse congresso, foi tomada a decisão de se formar um escritório da
Internacional Sindical Vermelha no México, com dois quadros importantes da IC, Lois
Fraina e Sen Katayama. Phillips retornaria junto com os dois e os auxiliaria na tarefa.
161
Para conhecer melhor o período inicial do PCM: SPENSER, Daniela e ORTIZ, Rina, La Internacional
Comunista em México: Los primeros tropiezos – documentos, 1919-1922. México, DF: INEHRM, 2006;
______. El triángulo imposible: México, Rusia Soviética y Estados Unidos en los Veinte. Cidade do
México, DF.: Ciesas, 2004; GIL, Mario. México y la Revolución de octubre. México: Cultura Popular,
1978. Além de TAIBO II, 2008 e VERDUGO, 1985, já citados.
162
O trecho utilizado foi retirado de uma tradução em espanhol citada por TAIBO II, 2008, p. 75.
109
(TAIBO II, 2088, p. 179).
Uma das mais importantes colaborações da delegação mexicana seria a
participação de Roy na elaboração da tese sobre o problema nacional e colonial,
redigidas em conjunto com Lenin e aprovadas pelo congresso.
A posição da resolução sobre o problema colonial seguiu a crítica à democracia
burguesa163, presente no centro dos dois primeiros congressos da IC, e reconheceu não
apenas a necessidade de uma igualdade formal das nações defendida pelo direito
burguês, mas a igualdade real, expressa pela forma federativa de organização da União
de Repúblicas Soviéticas. Afirmou-se a necessidade de se considerar objetiva a
diferença entre as nações que vivem sob o sistema imperialista.
A resolução é extensa, e inclusive chega a tratar de casos específicos, como dos
judeus na Palestina164. A posição da IC sobre a questão colonial romperia abertamente
com os resquícios de europeísmo, com um estigma de superioridade do proletariado
europeu sobre os outros povos, sentimentos presentes na 2ª Internacional.
O congresso defendeu o nacionalismo anti-imperialista nas colônias, inclusive
para que essa questão fosse vista com paciência, já que derivavam de um odioso
preconceito racista oriundo do domínio imperialista.
[...] A oposição secular das pequenas nações e das colônias às
potências imperialistas fez nascer, entre as massas trabalhadoras dos
países oprimidos, não somente um sentimento de rancor para com as
nações opressoras em geral, mas também um sentimento de
desconfiança em relação ao proletariado dos países opressores. A
infame traição dos chefes oficiais da maioria socialista em 1914-1919,
quando o socialismo chauvinista qualificou de “defesa nacional” a
defesa dos “direitos” de “sua burguesia”, a submissão das colônias e
dos países financeiramente dependentes, só pode tornar essa
“[...] o Partido comunista, intérprete consciente do proletariado em luta contra o jogo da burguesia,
deve considerar como formando a chave de abóbada da (questão nacional, não os princípios abstratos e
formais, mas: 1º - uma noção clara das circunstâncias históricas e econômicas; 2º - a dissociação precisa
dos interesses das classes oprimidas, dos trabalhadores, dos explorados, com rejeição à concepção geral
dos pretensos interesses nacionais, que significam, na realidade, os interesses das classes dominantes; 3º a divisão mais clara e precisa das nações oprimidas, dependentes, protegidas, e opressoras e exploradoras,
gozando de todos os direitos, contrariamente a hipocrisia burguesa e democrática que dissimula a
submissão (própria da época do capital financeiro e do imperialismo), pelo poder financeiro e
colonialista, da imensa maioria das populações do globo a uma minoria de ricos países capitalistas.”
RESOLUÇÕES sobre o Problema Nacional e Colonial, 1920. A resolução está nos anexos deste trabalho.
164
A resolução é critica a posição dos judeus na Palestina: “Como exemplo gritante das mentiras
praticadas com relação à classe trabalhadora nos países subjugados pelos esforços combinados do
imperialismo dos aliados e da burguesia desta ou daquela nação, podemos citar o caso dos sionistas na
Palestina, onde sob pretexto de criar um Estado judeu, num país onde os judeus são em número
insignificante, o sionismo abandonou a população de trabalhadores árabes à exploração da Inglaterra”.
(RESOLUÇÃO..., 1920, s.p.)
163
110
desconfiança completamente legítima. Os preconceitos só podem
desaparecer com o desaparecimento do capitalismo e do imperialismo
nos países avançados, e depois, da transformação radical da vida
econômica dos países atrasados, sua extinção será muito lenta, de
onde o dever do proletariado consciente de todos os países de se
mostrar particularmente circunspecto diante dos resíduos de
sentimento nacional dos países oprimidos durante um longo tempo, e
de fazer também algumas concessões úteis a fim de promover o
desaparecimento desses preconceitos e dessa desconfiança.
(RESOLUÇÃO..., 1920).
Mas o trecho mais significativo da resolução, e que terá influência nas
interpretações futuras da IC, está na definição dos aliados nas colônias para a Revolução
Proletária Mundial: os “movimentos revolucionários de emancipação”, “o movimento
camponês nos países atrasados contra os proprietários rurais”.
Com relação aos Estados e países mais atrasados onde predominam
instituições feudais ou patriarcais-rurais, convém ter em vista: 1º – A
necessidade da colaboração de todos os partidos comunistas com os
movimentos revolucionários de emancipação nesses países, colaboração
que deve ser verdadeiramente ativa e cuja forma deve ser determinada
pelo partido comunista do país. [...] E de uma importância toda especial
sustentar o movimento camponês nos países atrasados contra os
proprietários rurais, contra os resquícios ou manifestações do espírito
feudal; deve-se, antes de tudo, fazer um esforço para dar ao movimento
camponês um caráter revolucionário, para organizar, em todos os
lugares onde seja possível, os camponeses, e todos os oprimidos, em
Sovietes e assim criar uma ligação bastante estreita do proletariado
comunista europeu com o movimento revolucionário camponês do
Oriente, das colônias e dos países atrasados em geral (RESOLUÇÃO...,
1920, s.p.).
A posição da IC era clara. Os comunistas pretendiam fazer uma revolução
mundial, e cabia aos explorados da periferia do capitalismo se aliar à Revolução
Proletária: “não há saída possível para os povos fracos e subjugados fora da federação
das repúblicas soviéticas”. (Ibidem).
E, para tanto, seria necessário que os comunistas buscassem a alianças com os
elementos que pareciam propensos a luta contra o imperialismo mundial: Em primeiro
lugar, os camponeses pobres, e depois, com ressalvas, os movimentos revolucionários
nacionalistas que realmente tivessem em luta pela emancipação nacional, e não
manejados por outra potência imperialista.
Nos países oprimidos existem dois movimentos que, a cada dia, se
separaram mais: o primeiro é o movimento burguês democrático
nacionalista que tem um programa de independência política e de
111
ordem burguesa; o outro é aquele dos camponeses e dos operários
ignorantes e pobres por sua emancipação de toda espécie de
exploração. O primeiro tenta dirigir o segundo e nisso tem sucesso em
certa medida. Mas a Internacional Comunista e os partidos que a ela
pertencem devem combater esta tendência e procurar desenvolver o
sentimento de classe independente nas massas operárias das colônias.
(RESOLUÇÃO..., 1920, s.p.).
Por fim, aparece uma ressalva importante, que depois dará base programática
para as revoluções nos países periféricos:
Seria certamente um grande erro desejar aplicar imediatamente nos
países orientais os princípios comunistas à questão agrária. Em seu
primeiro estágio, a revolução nas colônias deve ter um programa que
comporte reformas pequeno-burguesas, tais como a divisão das terras.
Mas não decorre necessariamente que a direção da revolução deva ser
abandonada à democracia burguesa. O partido proletário deve, ao
contrário, desenvolver uma propaganda poderosa e sistemática em favor
dos Sovietes e organizar Sovietes de camponeses e operários. Esses
Sovietes deverão trabalhar em estreita colaboração com as repúblicas
sovietistas dos países capitalistas avançados para chegar à vitória final
sobre o capitalismo no mundo inteiro. (RESOLUÇÃO..., 1920, s.p.).
Em resumo, como consequência da interpretação revolucionária leninista do
fenômeno imperialista, a IC aprovava em sua resolução que o problema nacional não
deveria ser tratado a partir de uma igualdade formal apenas, como ocorre na legislação
burguesa. O modelo de unificação soviética seria a forma federativa, modelo para a
relação solidária entre as nações. Como parte do sistema capitalista mundial, os
trabalhadores, que conformavam as classes oprimidas pelo imperialismo nos países
periféricos, não estavam formados apenas por proletários, e a Internacional Comunista
deveria apoiar a luta pela emancipação nacional e em favor dos camponeses. E, como
conclusão, os comunistas não poderiam sustentar um programa imediatamente socialista
nesses países, mas defender a aplicação de um programa democrático, principalmente a
distribuição de terras aos camponeses, assegurando que o processo fosse dirigido pelo
Partido Comunista, que, com o auxílio dos proletários dos países avançados que
estavam construindo o socialismo, levaria esses países coloniais e agrários em direção
ao socialismo e ao avanço econômico e material.
112
Os comunistas além do movimento proletário
Uma das grandes dificuldades da historiografia que tratou da Revolução
Mexicana sob um ponto de vista comparativo com outros processos revolucionários no
mundo esteve relacionada à dificuldade em se encontrar o sentido, a ideologia política
que havia guiado a luta revolucionária. Não faltaram as comparações com a Revolução
Russa e até chinesa, e ao menos até a década de 1970 muitos ressaltavam o seu caráter
social, particularmente na historiografia oficial mexicana.
Wommack (1992, p. 80), em uma síntese escrita para a coleção de História da
América Latina organizada por Bethell165, indicou:
O que aconteceu realmente foi uma luta pelo poder, no qual diferentes
facções revolucionárias não contendiam unicamente contra o antigo
regime e os interesses estrangeiros, senão também, frequentemente
mais ainda, umas contra as outras, por questões tão profundas como
classe social e tão superficiais como a inveja. (WOMMACK, 1992, p.
80).
Com a implosão do Estado Porfirista e o início da luta revolucionária, a ausência
de um poder central trouxe o fenômeno que marcaria o espectro político mexicano, o
caudilhismo. Desde que Madero convocou a rebelião armada em 1910, houve irrupções
de rebeliões contra o poder, ao menos nos 20 anos posteriores. Madero enfrentou Zapata
e Orozco, depois foi assassinado por Huerta, derrotado em
1914 pelos
constitucionalistas. Carranza iniciou um processo de institucionalização em 1917.
Obregón se levantou contra a tentativa de Carranza impor Bonillas e enfrentou a
Rebelião de De La Huerta. Brading chegou a afirmar que:
Os sovietes eram a instituição decisiva da Revolução Russa,
com igual justiça podemos dizer que no México a forma social
essencial que predominou na Revolução foram as bandas
armadas e seus caudilhos. (BRADING apud MONTALVO
ORTEGA,1988, p. 2).
Enrique Montalvo Ortega caracterizou 3 etapas desse caudilhismo mexicano,
que relacionou diretamente ao processo de institucionalização da Revolução Mexicana.
A primeira etapa se deu com o surgimento dos chefes locais marginalizados pelo
porfirismo (como Zapata) e a luta entre facções lideradas por caudilhos. O governo
165
BETHELL, 1992, p. 80. v. 9.
113
Obregón (1920-1924) seria o início da segunda etapa, e se desenvolveria ao longo de
uma estabilidade pouco institucionalizada, dependente dos acertos entre caudilhos e da
figura de Obregón. Essa etapa foi do governo Obregón até a o Governo Calles (19241928). A terceira etapa se desenvolveria ao longo do Maximato166, com a fundação do
Partido Nacional Revolucionário (PNR), em 1929, até o Governo Cárdenas, a partir de
meados da década de 1930.
Sob essa institucionalização da Revolução, a realidade política que o PCM atuou
difere dos primeiros anos de atividade dos outros grupos comunistas do continente,
como o PCB no Brasil e o grupo de Mariátegui, imersos em um sistema político
oligárquico e ainda muito bloqueado à participação política das classes sociais que não
formavam os pequenos grupos que controlavam o Estado.
Os comunistas mexicanos, desde o início da década de 1920, já possuíam
possibilidades de alianças amplas com os governos pós-revolucionários, contaram com
armamento em algumas circunstâncias e conseguiram apoio entre as diversas
instituições do Estado.
Essa relação com os caudilhos não seria simples, e por diversas vezes os
comunistas foram reprimidos, por uma ou outra facção do poder, mas o espaço de
atuação política do PCM era incomparavelmente maior que o encontrado pelos
comunistas no Brasil e no Peru.
Esse espaço de atuação e a própria aliança estiveram diretamente relacionados
com a necessidade que os caudilhos tinham em construir e ampliar a sua base social e
assim tentar manter o controle do frágil Estado pós-revolucionário, chegando a fornecer
armas aos camponeses das Ligas dirigidas pelos comunistas para lutar contra a ameaça
de um golpe por De La Huerta, no final de 1923, por exemplo.
Durante os Governos Obregón e Calles se realiza a transição do poder
do caudilho às instituições. Contudo ainda existiam muitos caudilhos
por aqueles anos. Os mesmos presidentes não ocultavam seus traços
tipicamente caudilhescos. (MONTALVO ORTEGA, 1988, p. 3).
Como forma de construir uma base social, os caudilhos não podiam ignorar os
movimentos populares que se organizavam em meio à ascensão que haviam vivido
166
O termo Maximato se refere ao período compreendido entre os governos de Emilio Portes Gil (19281930), Pascual Ortis Rubio (1930-1932) e Abelardo Rodriguez (1932-1934), presidentes oficiais do
México que estiveram sob a influência direta de Calles, o “Chefe Máximo da Revolução”, daí deriva o
termo maximato.
114
desde o fim do porfirismo, e não tinham outro meio que negociar, apoiar e tentar
cooptar.
Se os caudilhos regionais e o próprio presidente precisavam buscar o movimento
popular, por outro lado, as organizações que aceitavam colaborar com os governos
sentiam a contradição que significava o espaço de atuação sendo ampliado e a ameaça
que esse apoio institucional significava para a autonomia política e ideológica das
organizações populares.
Os governantes atuavam no movimento operário e camponês de forma que
favorecessem as organizações mais comprometidas com os governos, isolando os
movimentos mais radicais. “Por outra parte, tanto Calles como Obregón se empenharam
em frear o nascimento de qualquer forma de organização autônoma”. (MONTALVO
ORTEGA, 1988, p. 5).
O processo de cooptação por parte do Estado pós-revolucionário deu início a um
processo de coorporativização dos movimentos operário e camponês e a Central
Regional Operária Mexicana seria a primeira expressão importante desse processo.
Após a constituição, se deu um ano mais tarde a fundação da primeira
organização operária propriamente dita e de caráter moderno e
nacional: a Confederação Regional Operária Mexicana (CROM). Sua
criação representou um triunfo dos dirigentes operários que decidiram
aproveitar a maior debilidade da classe trabalhadora do país, ou seja, a
incapacidade para transformar-se em um foco de ação política
independente, com o objetivo de garantir um futuro melhor mediante a
aliança com personalidades políticas.
Esta estratégia, colocada em marcha em 1919 e 1920, mediante a
aliança da nascente CROM com o principal representante da coalizão
de caudilhos revolucionários que deram à constituição seu caráter
populista. Álvaro Obregón colocou os trabalhadores na arena política,
não como protagonistas de uma nova ordem social, senão como
fiadores de um regime comprometido em reformar a sociedade
mexicana, mas não em alterar o seu caráter capitalista. (CARR, 1976,
p. 82).
Com o fracasso da Casa del Obrero Mundial de inspiração anarquista, que
rechaçava a participação no Estado167, surgiu a primeira central sindical que teria
importância nacional, a CROM, fundada em1919. Em um artigo publicado no Jornal A
167
A Casa del Obrero Mundial manteve uma aliança com o Governo Carranza na formação de tropas de
operários, conhecidos como Batallones Rojos, que foram utilizados na repressão ao movimento camponês
de Morelos. Os batalhões operários estavam formados por anarquistas e sindicalistas radicais, e sua
atuação foi muito controvertida na época, e seguiu sendo para a historiografia também. Existe uma
relação entre o fim da Casa del Obrero Mundial com a colaboração dessa organização com o carrancismo.
Ver: CARR, 1976.
115
Luz, Morones, o principal líder dessa central começou a defender uma nova perspectiva
para o movimento operário, até então hegemonizado pelas táticas anarco-sindicalistas
de Greve Geral e Ação Direta. (CARR, 1976, p. 87).
Morones foi eleito no Congresso Operário que fundou a CROM, em Saltillo, a
qual contou com a participação de anarquistas da Casa del Obrero Mundial. Mas, dois
anos depois, os anarquistas se retirariam da Central, devido à nova tática que o líder da
CROM passava a adotar, denominanda com o termo Ação Multipla, ao invés da Ação
Direta, com um slogan que dizia “perseguir menos ideais e mais organização”. (CARR,
1976, p. 92).
Essa nova orientação, mais flexível, levou a CROM rapidamente ao
estabelecimento de alianças políticas com os chefes revolucionários que buscavam
fortalecer a sua base social.
Inicialmente, Morones tentou se aliar com Carranza, mas a posição antipopular
do chefe do constitucionalismo impediu que se desenvolvesse uma relação consolidada.
No final de 1918 e em 1919, a CROM passou a apoiar as várias greves que ocorriam no
México. Durante as greves, a polícia prendeu diversos líderes cromistas importantes,
como Celestino Garça, Samuel Yúdico, Eduardo Moneda e Ezequiel Salcedo, marcando
qualquer possibilidade de acerto entre Carranza e a CROM. (CARR, 1976, p. 93).
Com a proclamação do Plano de Agua Prieta168, as forças que haviam lutado
contra Carranza se agruparam em torno de Obregón, e Morones pode se juntar aos que
lutavam contra Carranza, dando início à primeira relação entre um governo latinoamericano e o movimento operário com expressão política entre os trabalhadores.
Com base em tais alianças, Obregón inaugurou uma forma de
manipulação e controle, que seria desenvolvida e refinada em todo o
país pelos generais que o sucederam. Em torno de sua figura conseguiu
também a unificação da maioria dos agraristas, a quem convenceu de
que sua intenção era a de significativas reformas no campo.
(MONTALVO ORTEGA, 1976, p. 8).
No governo Obregón, a partir de 1920, os membros da CROM assumem
importantes cargos no governo, sendo Celestino Gasca nomeado governador do Distrito
168
O Plano de Água Prieta (abril de 1920) foi proclamado após a indicação de Ignácio Bonilla para a
sucessão presidencial. Com o plano se somaram três quartos dos militares, e Adolfo de la Huerta foi
designado como presidente interino, no lugar de Carranza, morto em Tlaxcalantongo, Puebla.
Após as eleições presidenciais e a destituição de antigos porfiristas mantidos por Carranza nos cargos
executivos, foi eleito Álvaro Obregón, no final de 1920.
116
Federal, e Morones ocupando diversos cargos no governo, como o de secretário de
Indústria e Comércio no Governo Calles, cargo equivalente ao de um ministro.
O crescente espírito conservador do governo Carranza, que não
conseguiu colocar seus agentes na direção dos sindicatos, logo perdeu
o escasso apoio que gozava no movimento operário organizado. A
CROM foi obrigada a buscar apoio em outra parte recebendo uma
acolhida cordial do grupo de caudilhos revolucionários nortenhos
reunidos ao redor de Álvaro Obregón, Plutarco Elías Calles e Adolfo
de La Huerta. Ao contrário de Carranza, da ala conservadora do
constitucionalismo, estes eram experientes na manipulação de grupos
populares, pois anteriormente haviam logrado com maestria obter
apoio dos camponeses e operários mediante disposições agraristas e
sobre o trabalho industrial. (CARR, 1976, p. 109)
O PCM havia nascido junto com a institucionalização do Estado Pósrevolucionário, e em meio à polarização do movimento operário. A CROM se aliou ao
obregonismo em 1920, e no ano seguinte foi fundada a Central Geral dos Trabalhadores,
que aglutinaria a parte independente do movimento operário, anarquistas e comunistas,
além de membros de sindicatos sem filiação ideológica definida.
Ao longo desse ano de 1921, a aliança entre anarquistas e comunistas conseguiu
produzir um resultado significativo, ganhando a adesão de sindicatos e grupos que se
afastaram do cromismo. Em setembro, a frente na CGT seria rompida. O motivo dessa
cisão seria a polêmica entre anarquistas e comunistas acerca do rumo que a Revolução
Russa estava tomando.
No México, o debate seria iniciado em torno da adesão da CGT à Internacional
Sindical Vermelha (ISR), ligada aos comunistas. As discussões descambaram para o
tema Revolução Russa e ditadura do proletariado.
Com o aumento da tensão, a Revolução Russa dividia anarquistas e comunistas,
provocando a retirada dos membros da juventude comunista169, que não foi seguida por
nenhum sindicato. Esse foi o início da cisão entre anarquistas e comunistas no
movimento operário mexicano.
Diaz Ramírez, então secretário geral do PCM, retornou do II Congresso da IC
alguns dias depois desse rompimento com a CGT, e tentaria refazer a unidade e
reincorporar os comunistas na CGT, mantendo a filiação da Central à ISV. Ele havia
169
Nos primeiros anos do PCM, a Juventude Comunista estava organizada de forma quase autônoma ao
PCM, e foi uma das bases mais importantes de ativismo comunista entre os movimentos de massas. Entre
os comunistas que se destacaram na Juventude comunista, estiveram Manuel Diaz Ramírez e Valadés,
sendo que esse último sairia do partido antes de 1924.
117
estado no lugar de onde se originavam as polêmicas, inclusive havia mantido contato
com Lenin, e trazia as últimas novidades da Revolução Russa e dos acontecimentos que
havia visto no país dos sovietes.
Foi convocada uma reunião, e Diaz Ramirez, que havia viajado como
representante da CGT, deu seu informe, recebido com curiosidade pelos sindicalistas.
Denunciou os sindicatos social-democratas e a atitude que tomaram frente à Guerra
Mundial, além da necessidade de anarquistas, comunista e sindicalistas se agruparem
contra esses traidores. Logo passou à descrição da visita à Rússia bolchevique e as
atividades do Congresso da ISV. (TAIBO II, 2008, p. 245) Quando chegou à parte em
que trataria as posições dos anarquistas na ISV, afirmou: “era natural que se produzisse
certa excitação que se traduziu em protesto por vários delegados anarquistas quando
Bukharin tratou em um mesmo plano os anarquistas presos e os bandos que seguiam o
bandido Makno”. (RAMIREZ apud TAIBO II, 2008, p. 245).
Com esse informe, a sede da CGT se transformou em um caos, entre gritos de
defesa e ataque em relação a Makno. Na outra semana, uma nova reunião foi
organizada, mas a ruptura já havia se aprofundado.
Nos meses seguintes, Diaz Ramirez continuou a aproveitar os detalhes de sua
viagem para fazer propaganda da Revolução Russa, inclusive escrevendo e publicando
artigos. Em dezembro, é constituído um comitê para reorganizar o PCM (Ibidem, p. 248
e VERDUGO, 1985, p. 51), o qual cuidaria da preparação do 1º Congresso do PCM,
que se reuniria na Cidade do México entre os dias 25 e 31 de dezembro de 1921.
O secretário geral do PCM trazia de Moscou a orientação para se buscar a frente
única operária170. O núcleo militante do PCM, ainda muito ligado à tradição anarquista,
debateria um documento escrito por José C. Valadés, denominado “Revolución Social o
Mitin Político”, em que recomendava aos trabalhadores que não tomassem nenhuma
posição frente às rebeliões e motins de grupos políticos mexicanos e preparassem suas
forças para a Revolução Social (VERDUGO, 1985, p. 53).
Diaz Ramirez chegou com a recomendação da IC para que os comunistas
participassem do pleito eleitoral. E embora essa posição fosse, segundo o próprio
secretário geral do PCM, uma recomendação de Lenin, o congresso se definiu pela não
participação naquelas eleições. (TAIBO II, 2008, p. 254).
O congresso tratou da relação entre a juventude comunista e o PCM, já que a JC
170
A evolução da política de frente única na IC será analisada no capítulo 3.
118
tinha assumido posições independentes. Essa autonomia da juventude foi vista como
uma influência anarquista, que deveria ser superada. Na resolução do Congresso, a
Juventude Comunista ficava subordinada ao PCM.
Em relação a CGT, o Congresso apontou para a frente única com todas as
organizações operárias, inclusive a CROM, pronunciando-se pela unificação e pela luta
contra a direção de ambas (TAIBO II, 2008, p. 265), a frente única pela base171.
Dentre as resoluções, duas interessam particularmente à narrativa das próximas
páginas. Uma que tratou da questão agrária, que Taibo II (2008, p. 254) afirma seguir a
“ortodoxia” comunista da época a qual indicaria uma negação do parcelamento da terra,
defendendo a coletivização.
Essa “ortodoxia” a que se refere Taibo II não aparece na resolução da Questão
Agrária do II Congresso da IC, como veremos mais adiante, mas a resolução define uma
posição que marcaria o programa agrário do PCM ao longo da década.
A segunda resolução tratava da luta contra o aumento dos aluguéis, e daria nova
vida ao Partido, com a luta dos inquilinos, a principal atividade do PCM no ano de
1922172.
Estou de greve, não pago aluguel!
O movimento dos inquilinos teve início após um protesto de prostitutas na
cidade de Veracruz contra o aumento dos aluguéis, em janeiro de 1922. O estopim foi a
aprovação de um imposto adicional pela prefeitura, que foi repassado aos inquilinos,
dando origem a uma crescente insatisfação popular. A prefeitura de Veracruz, dirigida
pelo cromista Rafael Garcia, apoiou uma reunião na Biblioteca do Povo, pretendendo
dar explicações à população. A assembleia foi dirigida pela prefeitura, mas a presença
de Herón Proal, que vendia o jornal El Obrero Comunista, transformaria o sentido da
reunião. (TAIBO II, 2008, p. 272).
Impedido de intervir, Proal falou na rua contra a tentativa de manipulação pela
prefeitura das demandas dos inquilinos, convocando um ato para o Parque Juárez, na
noite seguinte. O ato reuniu mais de 3 mil inquilinos pobres de Veracruz, e ficou
171
Taibo II cita nas notas da p. 258 que essa posição da Frente Única pela base antecipava o pleno do
CEIC e o IV Congresso da IC em 1922. E não explica como.
172
“A resolução mais importante do Congresso, por sua oportunidade e suas consequências sociais e
políticas, consistiu em empreender uma campanha nacional contra os altos aluguéis.” (VERDUGO, 1985,
p. 54).
119
decidido que se fundaria um sindicato de inquilinos (que se chamaria Sindicato
Revolucionário Inquilinário – SRI). Como principal bandeira, aparecia a volta dos
valores dos aluguéis praticados antes de 1910.
Os meses seguintes foram de inúmeros atos organizados pelos comunistas
aliados aos anarquistas espanhóis que viviam na cidade portuária. Com a palavra de
ordem “Estou de Greve, não pago aluguel!”, o movimento se espalhou, dirigido pelo
SRI, com Proal à frente. Como método: a simples negação do pagamento do aluguel e a
bandeira vermelha na porta dos cortiços173.
Ampliaram-se as táticas, e além de manifestações pelas ruas da cidade de
Veracruz, o movimento dos inquilinos organizou a solidariedade contra o despejo pela
polícia. O movimento ganhou força, o prefeito ordenou a prisão de Proal e vários
inquilinos cercaram o local onde ele se encontrava preso, ameaçando libertá-lo à força.
Proal saiu na varanda e disse que, se não o encontrassem no sindicato em 20
minutos, poderiam fazer o que quisessem. Após um tempo, a multidão o resgatou e os
militares não intervieram. O movimento saiu vitorioso e a luta prosseguiria.
Em junho, uma parte dos proprietários começou a ceder, e o sindicato já contava
com o jornal El Frente Único. A Local174 do PCM cresceu, e os comunistas contam,
pela primeira vez, com a direção de um importante movimento de massas. Proal não era
do PCM, mas efetivamente o PCM teve influência decisiva nos rumos do movimento.
No Distrito Federal, o isolamento dos comunistas nas centrais operárias
empurrou o PCM da capital na direção de seguir o exemplo da Local de Veracruz e
fundar o sindicato para a organização dos inquilinos da Cidade do México.
O primeiro ato marcado pelos comunistas foi reprimido pela polícia e acabou em
tiroteio. No DF, o PCM contava com o apoio dos ferroviários e com sindicatos ligados à
CGT, que davam visibilidade as prisões ocorridas no ato e ajudavam a repercutir a causa
inquilinária. Haviam sido presos Carrillo, Valadés, Vargas e outros comunistas, sendo
notícia em vários jornais capitalinos. O movimento consegue o seu primeiro impulso e
o sindicato ganha seus primeiros adeptos. Foi eleito um Comitê Central de organizações
das vencidades, com Diaz Ramirez175 como secretário geral. Todos os cargos de direção
173
No México, as habitações urbanas populares do início do século recebiam o nome de vencidad, que
poderia ser traduzido como vizinhança. Mas o termo que melhor expressa esse tipo de habitação no
português do Brasil seria cortiço.
174
O PCM utilizou o termo Local para se referir à organização regional do Partido. No Brasil, o PCB
costumou usar Comitê Regional.
175
Manuel Diaz Ramirez foi secretário geral do PCM nos primeiros anos da década de 1920.
120
do sindicato foram ocupados por comunistas, e pela primeira vez o PCM conseguia
hegemonia em um importante movimento de massas na capital do país.
Segundo cálculos de Taibo II (2008, p. 289), 35 mil inquilinos entraram em
greve. O movimento se expandiu para outras cidades, como Guadalajara, San Luis de
Potosi, Ciudad Juárez, Puebla, Tampico, Aguascalientes e Monterrey. (VERDUGO,
1985, p. 55).
As imagens de um pequeno grupo de militantes intervindo
incansavelmente em atos de bairros, nas esquinas, nos sindicatos, nos
mercados, nas praças públicas, entrando em vencidades [cortiços] e
lançando sua mensagem organizativa a milhares de trabalhadores,
saltam à vista. (TAIBO II, 2008, p.295).
No início de junho, os donos dos cortiços começam a exigir de maneira mais
contundente a repressão policial para os despejos, e os sindicatos de inquilinos
reclamam a prisão de vários de seus membros.
O prefeito cromista desencadeia uma repressão limitada, enquanto os
sindicalistas da CROM organizam um sindicato inqulinário amarelo, para a aceitação de
negociações conforme a vontade do governo e o isolamento do sindicato dirigido pelo
PCM. (TAIBO II, 2008, p. 297).
Figura 11 - "Pleito de Vencidad", José Guadalupe Posada
Fonte: POSADA, 2012, p. 104
121
Paco Taibo II, que foi o autor que mais se dedicou ao tema, acredita que a
centralização do sindicato o tornou mais frágil para conseguir seguir a luta dos
inquilinos, já que não permitiu a estruturação de um setor militante médio que
possibilitasse seguir expandindo a greve. Por outro lado, a oposição da CROM e da
CGT aos comunistas condenaram o movimento a um certo isolamento.
Por ordens de Obregón, o governo passou a defender os proprietários. Em
Veracruz, um numeroso contingente do exército avançou contra uma manifestação, com
coronhadas, até que fosse disparado o primeiro tiro. Os manifestantes sacaram facas e
um tenente saiu ferido gravemente. A manifestação foi dissolvida por Proal, mas o
exército seguiu para prendê-lo. Um tenente atingido por um golpe de faca morreu e os
soldados passaram a disparar contra os manifestantes. Proal, Sosa, Mercado, Luna e
outros líderes do movimento foram presos. No dia seguinte, Veracruz amanheceu com
dezenas de mortos, muitas mulheres, e vários feridos com baionetas e com tiros.
(TAIBO II, 2008, p. 301-302).
No DF aconteceu uma dura repressão, mas, através de despejos simultâneos, a
luta inquilinária passou para a defensiva. Com acordos entre inquilinos e proprietários,
forçados pela ameaça de despejo e a ameaça de repressão policial, a greve se
enfraqueceu e o movimento teve um refluxo na capital, embora tenha continuado em
Veracruz. Na cidade portuária, os inquilinos conquistariam uma lei em benefício dos
que pagavam aluguel.
A CGT ratificou a cisão entre comunistas e anarquistas ao se posicionar contra a
“perseguição de anarquistas” na Rússia, e não aderir à ISV. Junto com a ruptura
definitiva na CGT, saem do PCM alguns militantes que sustentavam práticas
anarquistas, como Valadés, Enrique Arana, Antônio Calderón, o grupo de Melchor
Ocampo e Felipe Cervantes, fundando a Juventude Comunista Anárquica. (TAIBO II,
2008, p. 322).
O nascimento da Ligas Camponesas e do Agrarismo Rojo
No início de 1923, no mesmo lugar onde havia surgido a luta dos inquilinos,
surgiria a primeira organização camponesa que os comunistas conseguiriam influenciar
diretamente, a Liga de Comunidades Agrárias do Estado de Veracruz (LCAEV).
As rebeliões rurais no México tiveram um papel fundamental para a Revolução
122
Mexicana, com o surgimento do zapatismo, e alcançou um papel central na luta
revolucionária, como descrevemos nas páginas anteriores, particularmente pelo papel
programático que o movimento cumpriu.
Figura 12 - Desenho de Emiliano Zapata na Revista Amauta, por Diego Rivera
Fonte: Amauta,, nº9, Lima: maio 1927, p.35
Diversos historiadores procuraram definir as características das facções que
lutaram na Revolução Mexicana pela composição social que constituía os grupos
armados176. Por esse método, encontramos um exército quase todo de origem rural,
dirigido por antigos oficiais porfiristas, e por homens de origem nas camadas médias da
população, excetuando figuras como Zapata e Villa, de clara origem camponesa. Esse é
um critério que trata apenas da aparência da composição social. O que melhor pode
exprimir o sentido de classe de um movimento não é apenas a origem social de seus
líderes, ou mesmo membros, mas o programa que os grupos ou as lideranças
reivindicam e realizam.
176
FLORESCANO (2009) cita os diversos autores que procuraram identificar a composição social das
facções armadas, entre eles cita: Katz, I. Jacobs, Aguilar Carmin, Barry Carr, Jean Meyer, Womack, e
vários outros. Ver: FLORESCANO, Enrique. El Nuevo Pasado Mexicano. México: Cal y Arena, 2009.
123
No caso do zapatismo, o programa camponês se expressava no plano de Ayala, e
suas reivindicações estavam centradas na distribuição e restituição das terras aos
camponeses. O zapatismo e a própria liderança de Zapata se apegaram à aplicação desse
programa como condição de composição política e negociação com outros grupos
revolucionários.
Carranza, a fim de atrair os camponeses, criou uma comissão agrária em 1914 e
em 1915 decretou uma lei agrária que pareceu bastante radical, já que prometia a
distribuição de terras. Na própria constituição de 1917, o artigo 27 tratou do uso social
do solo, indicando a possibilidade de distribuição de terras. Mas, na prática, o governo
carrancista restituiu diversos latifúndios que haviam sido expropriados pelas forças
revolucionárias e passou a uma crescente repressão, particularmente contra as forças
zapatistas, massacradas nas campanhas do general Pablo González177 em Morelos.
Os novos caudilhos se dividiram em duas tendências principais: uma
partidária de um poder que fizesse concessões limitadas, formulasse
acordos efêmeros sem merma do princípio de autoridade, e estiveram
relacionados à manipulação oligárquica tradicional; e outra, partidária
de concessões e acordos que precederam e seguiram à tomada do
poder, e permitiram conservá-lo, aumentando-o. Ambas tendências
eram partidárias do emprego da força, mas uma se inclinava à
concessão e o acordo – nacionalista – com antigas burguesias
mexicanas e estrangeiras, embora registrasse a necessidade de
conceder alguns benefícios às massas, e a outra à concessão e o
acordo prévio com as organizações populares, devidamente
comprometidas e mediadas. (GONZÁLEZ CASANOVA, 1980, p. 17).
Conforme nos explica Casanova, essas facções estavam polarizadas na figura de
Carranza, por um lado, e Obregón, por outro. Em 1920, quando Obregón chegou à
presidência, já se acumulavam 10 anos de luta dos camponeses por suas demandas, e a
política antiagrarista de Carranza nos últimos anos do seu governo já dava esperanças
para os fazendeiros de que poderiam restituir todas as suas terras em Morelos, onde os
camponeses haviam ocupado. (MONTALVO ORTEGA, 1976, p. 9).
Obregón estabelece uma série de pactos com as lideranças camponesas, “em
muitos casos mediante a corrupção. Seus maiores êxitos obteve com os zapatistas e com
os yakis, embora também soube vincular-se com uma série de líderes menores em todo
177
A repressão ao movimento zapatista esteve dirigida diretamente por Pablo González Garça, o
sanguinário general que organizou massacres contra a população de Morelos, e inclusive foi responsável
pela cilada que assassinou Zapata em 1919. Pablo González era uma figura odiada pelos agraristas, e a
sua presença inviabilizava qualquer possibilidade de negociação entre o governo central e os líderes
camponeses de Morelos.
124
o país”. (MONTALVO ORTEGA, 1976, p. 10). Além do apoio de Morones e da
CROM, Obregón também havia conseguido o apoio do Partido Nacional Agrarista
(PNA), que se converteria no agrarismo oficial do governo Obregón, e estava presidido
por Diaz Soto y Gama, o antigo magonista que havia trabalhado estreitamente com
Zapata. (DULLES, 2003, p. 90).
Soto y Gama passou a compor a base do novo governo obregonista, e, com a
CROM, ficou dentro dos limites institucionais, sempre tentando alcançar alguma
conquista para a base do PNA.
Obregón indicou que, ainda quando aceitava os princípios agrários,
insistia na necessidade de atuar com grandes preocupações para não
colocar em perigo o bem-estar econômico da nação. Os legisladores,
disse, não deveriam começar destruindo os latifúndios com a ideia de
criar depois numerosas pequenas propriedades. Antes, deveriam seguir
um procedimento mais gradual e menos destruidor. Se fosse aprovada
a lei, proibindo que uma pessoa possuísse mais de 50 hectares, a
propriedade e o crédito agrícola seriam imediatamente destruídos, o
governo perderia bastantes ingressos por impostos e poderia iniciar-se
um período de muita fome. (DULLES, 2009, p. 93).
Obregón não pretendia transformar o regime de propriedade no campo, mas
sabia que a manutenção da estrutura latifundiária do período porfirista nutria a tensão no
campo. A solução dos caudilhos sonorenses (De La Huerta, Obregón e Calles) passava
pela “modernização” das técnicas178, enquanto mantinha o movimento camponês sob
controle.
Com bases em tais alianças, Obregón inaugurou uma forma de
manipulação e controle que seria desenvolvida e refinada em todo o
país pelos governos que o sucederam. Em torno de sua figura conseguiu
também a unificação da maioria dos agraristas, a quem convenceu de
que sua intenção era a de significativas reformas no campo. [...] A
estratégia que iniciou Obregón, depois seguida por Calles, constituiu-se
em permitir, quando não havia outra possibilidade, uma certa autonomia
aos movimentos locais. (MONTALVO ORTEGA, 1976, p. 9).
Logo que assumiu a presidência, Obregón decretou uma lei agrária, a ley de
ejidos de 1921, que não alcançou uma aplicação prática devido à burocracia, mas
potencializou a criação de organizações agrárias que pudessem representar os
178
Montalvo Ortega fez uma boa apresentação de como Obregón imaginava superar o conflito no campo
através da mecanização. Cf.: MONTALVO ORTEGA, 1976, p. 7.
125
camponeses179. (DULLES, 2009, p. 96).
No início de 1923, o PNA já contava com a expressiva força, e seus militantes
eram parte importante do regime obregonista. (RIVERA DE CASTRO, 1976, p. 53).
Entre os dias 1º e 5 de maio, realizou-se o primeiro Congresso Nacional Agrarista, na
Cidade do México, do qual participariam também os comunistas.
Úrsulo Galván, o líder camponês comunista
O militante comunista mais conhecido pela sua atuação no movimento
camponês da década de 1920 foi Úrsulo Galván. Conforme a biografia apresentada por
Reynoso (2009)180, o início da atividade de Galván entre os camponeses se iniciou com
a relação entre Manuel Almanza, antigo militante libertário, que trabalhava como
carpinteiro no porto de Veracruz e havia ensinado o ofício ao jovem Galván.
Ao longo das batalhas da Revolução, Galván lutou ao lado das tropas
carrancistas, mas, ao final da segunda década do século, decepcionou-se com a política
agrária de carranza, e em 1919 retornou ao porto de Veracruz, juntando-se a Almanza
para organizar os petroleiros da região Huasteca.
Animado pela perspectiva aberta com a Revolução Russa, Almanza e Galván
formam, juntos com outros, a local do PCM em Xalapa, que depois animou a luta dos
inquilinos na cidade portenha de Veracruz.
Ao final de 1922 e início de 1923, Galván e Almanza conseguem apoio
financeiro do Sindicato dos Inquilinos e seguem para várias localidades do interior do
Estado de Veracruz, com o intuito de organizar os camponeses pobres181.
179
A lei agrária de 1921 foi questionada pelo próprio Obregón, e o ministro da agricultura, o general
Villareal (antigo membro do PLM pré-revolucionário), foi substituído por Ramon P. Negri, o qual
substituiu a Ley de Ejidos, pela Lei de Regularização Agrária, de 1922, que alcançou efeitos mais
concretos na restituição e dotação de terras para as comunidades. Um dos latifundiários que seriam
expropriados no período Obregón seria o imenso latifúndio dos Terrazas, em Chihuahua, inimigos de
Francisco Villa, que haviam recuperado suas terras com Carranza. Para maiores detalhes: RIVERA DE
CASTRO, p. 37. In: SEMO, Enrique (coordenador). História de la Cuestión Agraria Mexicana.
Modernización, Lucha y Poder Político (1920-1930). México, Siglo XXI, 1988; DULLES, 2003, p. 9597.
180
REYNOSO, Irving. El agrarismo radical em México en la década de 1920 – Úrsulo Galván, Primo
Tapia y José Guadalupe Rodríguez (una biografía política). México: INHRM, 2009.
181
O plano de Galván seguia os seguintes objetivos: “1 – Estabelecer relações de solidariedade entre os
Comitês Agrários; 2 – Fundar novos Comitês nos centros de população agrícola onde existira organização
camponesa; 3 – celebrar reuniões públicas nos lugares de maior congregação camponesa; 4 – Fortalecer a
comissão inquilinária com o maior número de camponeses”. In: LEAFTER AGETRO, p. 114 apud
RIVERA CASTRO, op. cit, p. 89.
126
Como havia ocorrido com os inquilinos, Galván e Almanza acabam
direcionando os anseios dos camponeses e começaram a agrupá-los. Em meio às
possibilidades de reparto de terras, os camponeses se sentiram imediatamente atraídos.
A atividade dos comunistas em meio aos camponeses não passou despercebida. Forças
federais do 11º batalhão (Federico Zink), a serviço dos latifundiários do Estado,
prenderiam todos os membros da comissão agrarista. (REYNOSO, 2009, p. 18).
O Governador interviu e deu ordem de soltura para os camponeses, abrindo-se
um período de aliança entre o Governador Adalberto Tejeda e os agraristas,
potencializando o trabalho de organização dos camponeses em Veracruz. Tejeda, em
função da sua disputa com o Partido Cooperativista, apoiou a criação da Liga de
Comunidades Agrárias do Estado de Veracruz, que seria fundada em 23 de março de
1923, no Congresso Agrário ocorrido nessa data. (REYNOSO, 2009, p. 20).
Com a fundação da LCAEV, Úrsulo Galván foi nomeado presidente e José
Cardel e Arturo Carlón, primeiro e segundo secretários, além de Isauro Acosta como
tesoureiro. O Congresso decidiu que a Liga deveria lutar pelo melhoramento e a defesa
mútua das populações, conquistando os benefícios de todas as leis agrárias até então
existentes para o trabalhador. (RIVERA DE CASTRO, 1988, p. 90). Também definiram
quais comunidades fariam parte da organização: “sobre a denominação de núcleos de
população ou comunidades agrárias, ficam compreendidas todas os pueblos, rancheiras,
congregaciones e grupos de população que aspirem emancipar-se da servidão a que tem
estado sujeitos”. (ACTA Constitutiva da Liga de Comunidades Agrarias e Sindicatos
Campesinos del Estado de Veracruz apud RIVERA CASTRO, 1988, p. 90).
Com essa orientação, cresceram os comitês agrários e o número de petições por
terra, fermentando um tensionamento que levaria os latifundiários a se organizarem em
várias associações opostas a LCAEV.
Os comunistas combatem a rebelião delahuertista de armas na mão
O rápido crescimento das Ligas que se desenvolviam influenciadas pelos
comunistas em outros Estados, como Michoacán, Tamalipas e Durango, impulsionava
também a compreensão dos comunistas em termos políticos, ampliando e aperfeiçoando
o programa que os camponeses defendiam.
No final de 1923, Úrsulo Galván viajou para Moscou como representante da
127
LCAEV no Congresso Camponês, que fundaria a Internacional Camponesa
(Krestintern)182. E, a partir dessa viagem de Galván a Rússia, podemos dizer que o PCM
se alinhava à orientação geral da IC para a Questão Agrária.
A bibliografia mexicana183 que consultamos sobre as Ligas Camponesas dos
anos de 1920 parece ter dificuldades em definir qual era a posição da IC em relação à
questão camponesa. Taibo II, por exemplo, chega a afirmar que a IC defendia a
coletivização das terras, e identifica ao menos 3 linhas no movimento agrarista que
surgiram próximas ou sob a direção do PCM. (TAIBO II, 2008, p. 360).
A política agrária que Galván encontrou na sua viagem pela URSS nos últimos
meses de 1923 não estava definida com muito rigor em relação à distribuição das terras
aos camponeses em oposição à coletivização. O programa agrário da Internacional, que
tratou pela primeira vez as táticas dos comunistas para a questão camponesa, foi
definido no II Congresso da IC em 1920, e expressou o entendimento que os
bolcheviques produziram ao longo do processo revolucionário russo.
A tradição socialista, muito amparada na obra de Kautsky sobre a Questão
Agrária184, via o camponês (o pequeno produtor rural) como uma classe em extinção,
que, com o avanço do capitalismo, seria superada pela industrialização do campo. Aos
camponeses, mais pobres particularmente, cabia apenas aliarem-se ao proletariado em
direção ao socialismo e à coletivização dos meios de produção, e assim perecer
enquanto classe, proletarizando-se, em um sistema mais justo. Os camponeses eram um
vestígio do passado, que, como nos países europeus mais industrializados, estavam
condenados à proletarização, mesmo sob o regime capitalista.
A visão de Lenin, que combatia a perspectiva de Kautsky em relação à expansão
imperialista185, passava a explicar a expansão do capitalismo europeu a partir da divisão
entre países imperialistas e países coloniais e semicoloniais (dominados), o que
significava também afirmar que a expansão imperialista não levava o capitalismo
enquanto força de transformação revolucionária do sistema produtivo.
182
A Internacional Camponesa, ou Krestintern no acrônimo russo, foi uma organização frentista criada
pelos comunistas para aglutinar as forças camponesas relacionadas aos comunistas. Os mexicanos tiveram
uma importância destacada e representaram, inclusive simbolicamente, com seus sombreiros e
cartucheiras.
183
TAIBO II, 1986, p. 42; VERDUGO, 1985 e PELAEZ RAMOS, La Liga Nacional Campesina.
Disponível em: <www.ihblog.nuevaradio.org/b2-img/pelaez-lnc.pdf>. Acesso em: 3 mar. 2014.
184
KAUTSKY, Karl. A Questão Agrária. São Paulo: Nova Cultural, 1986.
185
Ver:
LENIN.
Imperislimo
fase
superior
do
capitalismo.
Disponível
em:
<http://www.marxists.org/espanol/lenin/obras/oe3/lenin-obras-2-3.pdf>. Acesso em 10 mar. 2014. A
posição leninista acerca do imperialismo foi tratada no primeiro capítulo deste trabalho.
128
Figura 13 - Ilustração do livreto publicado para a Convenção Agrarista de Tamaulipas (1927)
Diego Rivera fez a ilustração de diversos materiais de divulgação das Ligas Agraristas ligadas ao PCM.
Fonte: TIBOL, Raquel. Diego Rivera. Gran Ilustrador, México: RM/Galera, 2008, p. 131
129
Figura 14 - Ilustração interna da brochura para as ligas agraristas.
Como havia muito analfabetismo entre os camponeses, o material de divulgação das Ligas Agraristas que
estavam sob influência comunista possuíam muitas ilustrações e pouco texto. Fonte: Rivera fez a
ilustração de diversos materiais de divulgação das Ligas Agraristas ligadas ao PCM. Fonte: TIBOL,
Raquel. Diego Rivera. Gran Ilustrador, México: RM/Galera, 2008, p.181
Lenin chocava-se com Kautsky na contraposição da tese do imperialismo como
força “civilizadora”, afirmando o caráter reacionário do imperialismo, por seu caráter
monopolista. Os camponeses pobres dos países periféricos, dessa forma, não eram
iguais aos dos países europeus industrializados. Se na Europa industrializada a IC
tentava neutralizar os camponeses que poderiam apoiar a burguesia, e identificavam os
proprietários rurais da Inglaterra como burgueses e inimigos, o mesmo não poderia ser
aplicado quando se tratava dos camponeses dos países coloniais e semicoloniais, que
enfrentavam o feudalismo e a miséria.
No II Congresso da IC, a relação entre opressão nacional e questão camponesa
era direta, e por isso a resolução sobre a questão nacional e colonial precede a questão
agrária.
130
A resolução da questão agrária nesse congresso explica da seguinte forma o
problema camponês:
Nos países capitalistas avançados, a Internacional Comunista estima
que será bom e prático manter intactas as grandes propriedades
agrícolas e explorá-las da mesma forma que as “propriedades
sovietistas” russas. Será bom favorecer a criação de domínios
administrados pelas coletividades (Comunas).
Quanto ao cultivo das terras conquistadas pelo proletariado vitorioso
aos grandes proprietários rurais, na Rússia elas estavam até o presente
divididas entre os camponeses, isso porque o país é muito atrasado do
ponto de vista econômico. Em alguns raros casos, o governo proletário
russo manteve em seu poder as propriedades rurais ditas “sovietistas”
que o Estado proletário explora, transformando os antigos operários
assalariados em “delegados de trabalho” ou em membros de sovietes.
(Resolução sobre a Questão agrária, II Congresso da IC, 1920).
Ou seja, para os países capitalistas avançados, se procederia igualmente a forma
com que se tratou a grande propriedade industrial e rural na Rússia. Imediato controle
das fábricas pelo Estado. Coletivização dos meios de produção. Mas onde o regime de
produção não é capitalista e existem relações de trabalho servis, a terra deveria ser
distribuída aos camponeses pobres ou sem-terra.
Onde ainda subsistem vestígios do sistema feudal, onde os privilégios
dos proprietários rurais engendram formas especiais de exploração,
onde se vê ainda a “servidão” e a “parceria”, é necessário entregar aos
camponeses uma parte do solo dos grandes domínios.
Nos países onde os grandes domínios são em número insignificante,
onde um grande número de pequenos prepostos manda nas terras, a
distribuição dos grandes domínios em lotes pode ser um meio para
ganhar os camponeses para a revolução, quando a conservação de
alguns grandes domínios não for de nenhum interesse para as cidades,
do ponto de vista do abastecimento. (Resolução sobre a Questão
agrária, II Congresso da IC, 1920).
Como fica claro, a IC recomendava a coletivização onde o capitalismo já havia
expropriado os camponeses e construído grandes domínios capitalistas. Mas, por outro
lado, em países onde havia feudalismo, ou mesmo um numeroso contingente de
pequenos camponeses, a IC se preocupava com o problema das alianças, e, nessa
perspectiva, o sentido prático de Lenin durante a Revolução assumiu o programa de
distribuição de terras dos populistas russos186, a fim de garantir o seu apoio ao poder
186
Os populistas russos, também conhecidos como narodinikis, foram um movimento político importante
que atuou em meio aos camponeses russos no final do século XIX. Defendiam um programa de luta
131
bolchevique e consolidar a aliança operária e camponesa.
A experiência da Revolução Bolchevique estava expressa no trecho da resolução
citada acima, e não definia uma posição pela coletivização ou não das propriedades.
Quando Galván chega à URSS, os debates acerca da questão agrária haviam se
desenvolvido mais, e no último congresso da IC antes de 1923, o IV Congresso,
aprofundava ainda mais a importância da mobilização dos camponeses nos “países
atrasados do oriente”, região que servia como referência para se entender a América
Latina.
O imperialismo, cujo ponto vital está em receber maiores benefícios
ao menor custo, nos países atrasados, se apoia em maior grau nas
formas feudais e usurárias de exploração da mão de obra. Em alguns
países, como por exemplo, a Índia, se atribui ao monopólio,
pertencente ao Estado feudal nativo, o desfrute das terras e transforma
o imposto da terra em tributo que deve ser adicionado ao capital
metropolitano e a seus funcionários, os zemindari e talukdars. Nos
outros países, o imperialista se apropria da renda do solo servindo-se
da organização autóctone da grande propriedade da terra (Pérsia,
Marrocos, Egito, etc.). Vai daí que a luta pela supressão das barreiras e
dos tributos feudais ainda existentes revestem o caráter de luta de
emancipação nacional contra o imperialismo e a grande propriedade
fundiária feudal. Pode-se tomar como exemplo a revolta dos moplas
contra os proprietários funcionários e os ingleses, no outono de 1921,
na Índia, e a revolta dos sikhs, em 1922. Só uma revolução agrária
cujo objetivo seja a expropriação da grande propriedade feudal é
capaz de sublevar a multidões camponesas e ter uma influência
decisiva na luta contra o imperialismo. Os nacionalistas burgueses
temem as bandeiras agrárias e as reprimem na medida de suas
possibilidades (Índia, Pérsia, Egito), o que prova o estreito vínculo
que existe entre a burguesia nativa e a grande propriedade fundiária
feudal e feudo-burguesa.
[...] O movimento revolucionário nos países atrasados do Oriente só
pode ser coroado de êxito se basear-se na ação das multidões
camponesas. Por isso os partidos revolucionários de todos países do
Oriente devem traçar claramente seu programa agrário e exigir a
supressão total do feudalismo e de seus abusos que acham sua
expressão na grande propriedade fundiária e na coleta do imposto
fundiário. [para] os fins de uma ativa participação das massas
camponesas na luta pela libertação nacional, é indispensável anunciar
uma modificação radical do sistema de usufruto do solo. Também é
indispensável forçar os partidos burgueses nacionalistas a adotar a
maior parte possível desse programa agrário revolucionário. (“Questão
Agrária”. In: Resoluções do IV Congresso da IC, 1922)
contra o latifúndio e o Tzarismo, em defesa da distribuição das terras, mas também valorizando a
propriedade comunal tradicional, mir. A tradição dos populistas influenciaria os movimentos do início do
século na Rússia, em particular em relação aos temas agrários.
132
Um aspecto do programa agrário da IC era particularmente importante para os
mexicanos, o ponto 9:
As classes dominantes tratam de sufocar o caráter revolucionário do
movimento dos camponeses mediante reformas agrárias burguesas e
repartições de terras entre os elementos dirigentes da classe
camponesa. Desse modo tem conseguido provocar um refluxo
temporário do movimento revolucionário do campo. Mas toda reforma
agrária burguesa esbarra nas limitações do capitalismo. A terra é dada
somente em forma de subsídio e a pessoas que já estão de posse dos
meios de produção. Uma reforma agrária burguesa não tem nada a
oferecer aos proletários ou semiproletários. As condições
extremamente severas impostas aos camponeses que recebem terras
por meio da reforma agrária burguesa e que em consequência não tem
como resultado uma melhoria de sua situação mas, pelo contrário, os
condena a escravidão do endividamento, leva apenas a um
recrudescimento do movimento revolucionário e a um
aprofundamento do antagonismo existente entre pequenos e médios
sitiantes, assim como entre os trabalhadores agrícolas que não
recebem terras e perdem a oportunidade de trabalhar no cerne da
divisão das grandes propriedades. (PROGRAMA DE AÇÃO
AGRÁRIA: Sugestões para a aplicação das teses do Segundo
Congresso sobre a Questão Agrária. In: Resoluções do IV Congresso
da IC, 1922).
E, reafirmando as teses do II Congresso da IC, a tese relaciona a necessidade da
revolução proletária como a única solução para os camponeses pobres.
Só uma revolução proletária poderá produzir a libertação definitiva das
classes trabalhadoras do campo. A revolução confiscará sem
indenização a terra dos grandes latifundiários bem como todas as suas
instalações, mas deixará intacta as terras cultivadas pelos camponeses,
libertará estes de todos os tributos, arrendamentos, hipotecas, restrições
feudais que pesam sobre eles e apoiará por todos os meios as camadas
inferiores da classe camponesa. (Ibidem, s.p.).
Enfim, para a Internacional, os camponeses mais pobres eram aliados naturais do
proletariado, e precisavam de organização comunista, que os ajudaria a formar
sindicatos e cooperativas, para o caso de proletários e semiproletários rurais. No caso
dos camponeses que nos países agrários lutavam contra o domínio do latifúndio e
almejavam terras, os comunistas deveriam apoiar a luta contra o latifúndio e a
distribuição de terras, se esse fosse o desejo dos camponeses.
Os camponeses que cultivam a terra decidirão por si mesmos a forma de
exploração das terras confiscadas dos latifundiários. As teses do 2º
Congresso declaram o seguinte:
133
Nos países capitalistas mais desenvolvidos, a Internacional Comunista
considera que é melhor manter o máximo possível as grandes
explorações agrárias e formá-las de acordo com o modelo dos
sovietistas na Rússia.
Também deverá apoiar a gestão da exploração coletiva (cooperativas
agrárias, comunidades agrícolas). A manutenção das grandes plantações
protege os interesses dos setores revolucionários da população
camponesa, dos trabalhadores rurais e dos pequenos proprietários
semiproletários que veem-se obrigados a ganhar a vida trabalhado uma
parte de seu tempo nas grandes plantações. Além do mais, a
nacionalização das grandes plantações converte para a população
urbana, mesmo que parcialmente no problema do abastecimento,
independentemente dos camponeses.
Onde ainda existam resquícios de feudalismo, servidão ou o sistema de
parceria, pode ser necessário, em determinadas circunstâncias,
devolver aos camponeses parte da terra das grandes propriedades.
Nos países em que as grandes plantações só desempenham um papel
relativamente pequeno e onde, pelo contrário, existe uma grande
quantidade de pequenos proprietários camponeses que desejam
conservar a terra, a distribuição da terra das grandes propriedades é
o melhor meio de conquistar os camponeses para a revolução,
enquanto que a manutenção das grandes plantações não tem uma
importância primordial para o abastecimento das cidades.
(PROGRAMA DE AÇÃO AGRÁRIA: Sugestões para a aplicação das
teses do Segundo Congresso sobre a Questão Agrária. In:
RESOLUÇÕES do IV Congresso da IC, 1922, grifos nossos).
Galván retorna da URSS com a palavra de ordem “Camponeses de todo o
mundo, uní-vos!”, animado pela construção da Internacional Camponesa.
A posição de Galván e da LCAEV não era a mais radical, já que contava com o
apoio do governador Tejeda, e fazia um esforço por garantir as terras a partir de disputas
legais.
134
Figura 15 - Aliança operária e camponesa, desenho de Rivera (1924)
Fonte: TIBOL, Raquel. Diego Rivera. Gran Ilustrador, México: RM/Galera, 2008, p. 63
É importante compreender que, nesse período, o governo Obregón não se
colocava contra a distribuição de terras, nem contra a restituição, mas, ao contrário,
defendia inclusive a existência de terras comunais. (DULLES, 2008, p.96-97)187, 188.
Além de não haver um programa divergente entre comunistas e o obregonismo,
ao menos em relação aos discursos, sobre Ejido e parcelamento, o IV Congresso da IC
colocou ênfase na busca por uma frente única contra o crescimento da reação. Em 1922,
Mussolini já havia “Marchado sobre Roma”, e os comunistas perdiam a iniciativa em
diversos países. O IV Congresso da IC avaliava que os comunistas já haviam se
diferenciado do reformismo o suficiente para que pudessem atuar em uma frente com a
social-democracia sem diluir a posição comunista em seu meio. E essa política de frente
única se estendia a possibilidades de colaboração com governos burgueses reformistas,
como seria o caso do Governo Tejeda em Veracruz, e o de Obregón, em parte.
O PCM, ao longo da década de 1920, não havia mantido ilusões sobre o caráter
burguês do Governo Obregón, ou o de Calles. Até 1923, prevaleceu a posição que
avaliava as contradições entre caudilhos como disputas entre facções burguesas que não
187
Dulles (2008) cita discursos de Obregón que reconhecem os Ejidos como estrutura fundamental da
produção camponesa mexicana.
188
Spencer (2004) cita diversos trechos em que membros do governo mexicano se diziam bolcheviques,
como Calles, por exemplo. Na tradição política pós-revolucionária mexicana, diferente do Brasil, foi
comum ouvir de lideranças governamentais que praticavam uma política capitalista e conservadora se
afirmarem como “de esquerda”, socialistas etc.
135
interessavam ao proletariado.
As revoluções que transtornam periodicamente o Méxio, a Venezuela e
outros países não dizem respeito diretamente às massas. Mas devem ser
aproveitadas para desenvolver eficazmente o movimento das massas
revolucionárias, que exprime os interesses do proletariado e do
campesinato pobre. Só um movimento revolucionário deste tipo pode
libertar os povos da América do Sul da opressão dos exploradores
nacionais e do imperialismo americano.
O socialismo [nessa época o termo era utilizado como sinônimo de
social-democracia] não fez nada para desenvolver este movimento
revolucionário das massas. Na América do Sul, o socialismo traiu
escandalosamente os interesses das massas, não passa de uma miserável
combinação ou – como no México – de um esporte semimilitar,
semirrevolucionário, ao qual se dedicam alguns aventureiros (por acaso
Obregón e seus sequazes também não são “socialistas”?). Desacreditar
esse socialismo, aniquilar sua influência, fortalecer os elementos
socialistas revolucionários com o comunismo: esta é a tarefa
revolucionária urgente e essencial189.
A partir do IV Congresso, a IC passou a orientar a formação de alianças. Com a
Rebelião de De La Huerta, apareceu para o PCM a oportunidade de consolidação da
aliança com o obregonismo em uma posição mais vantajosa para os comunistas, já que o
governo se encontrava ameaçado.
O general De La Huerta, que havia assumido interinamente a presidência após o
Plano de Agua Prieta (1920), almejava suceder Obregón. Calles foi indicado como
sucessor pelo próprio mandatário, e assim impedia o acesso de De La Huerta à
presidência. O general liderou um levante contra o presidente. Em torno dele, foi se
agrupando descontentes com Obregón, sem que necessariamente se pudesse definir uma
clara posição ideológica que diferenciasse obregonistas e delahuertistas, embora fosse
possível encontrar forças mais ligadas ao latifúndio e às classes conservadoras entre os
que apoiavam a rebelião.
Em Veracruz, Guadalupe Sanchez, chefe de operações militares do Estado e
principal aliado dos fazendeiros, se colocou ao lado de De La Huerta. Adalberto Tejeda
ficou ao lado de Obregón e o PCM se declarou a favor do governo. (REYNOSO, 2009,
p. 24).
Os delahuertistas tomaram as principais cidades de Veracruz, enquanto os
guardas brancos dos fazendeiros investiram contra os camponeses das Ligas. As
“Sobre la revolución en América latina. Llamamento a la clase obrera de las dos Americas” In:.
L’Internacionale Communiste, n. 15, Moscou: jan. 1921, p. 3.311-14, 3321-24 apud LÖWY, 2006, p. 78.
189
136
lideranças ligadas ao PCM, Cardel, Caracas, Rodriguez Clara e o dirigente da CGT,
José Fernandez Oca, foram assassinados. (Ibidem, p. 24).
Quando ainda estava em Havana, em uma parada anterior ao Porto de Veracruz,
Galván ficou sabendo da rebelião delahuertista, conseguiu armas e retornou por um
barco alemão ao Porto. Chegando a Veracruz, nomeou-se Comandante-em-chefe, criou
esquadrões guerrilheiros e organizou os camponeses armados em vários pontos do
Estado de Veracruz. Ao final de janeiro, após alguns combates entre membros das Ligas
e as forças delahuertistas, os rebeldes foram derrotados nacionalmente, e se organizou
um batalhão a partir das forças camponesas, o Batalhão 86. Galván recebeu o posto de
tenente-coronel e Antonio Carlón, o de capitão. (Ibidem, p.25).
Irving Reynoso, em seu estudo sobre os Agraristas Rojos, cita diversos relatos
acerca da força real das guerrilhas camponesas, desde 50 mil a 18 mil homens, até o
número de 200 combatentes em armas. (Ibidem, p.25) Por se tratar de forças irregulares,
pode-se considerar que o significado defensivo do armamento camponês é difícil de
mensurar pela simples contagem do número de combatentes. A presença de camponeses
armados em vários locais, mesmo que não houvesse travado batalha, possuía significado
militar defensivo.
Para os comunistas, a atividade das Ligas, dirigidas por Galván (membro da
direção do PCM), ampliava o prestígio do Partido, consolidava a sua direção, e
principalmente consolidava a aliança com o obregonismo, em uma espécie de dívida, já
que o PCM havia lutado contra a ameaça delahuertista de armas na mão.
Além da efetiva participação das guerrilhas agraristas de Galván na
derrota da Rebelião, o certo é que as consequências deste feito tiveram
repercussões muito importantes para o desenvolvimento posterior da
Liga de Comunidades Agrarias de Veracruz. De fato, logo após a derrota
do delahuertismo, os membros da Liga souberam explorar seu capital
político para a construção de uma organização militante e coesa. A
LCAEV havia se convertido em uma força militar, e a consequência
direta deste fato foi a radicalização de sua ideologia, como ficou
expresso no seu segundo Congresso. (REYNOSO, 2009, p. 26).
Nesse Segundo Congresso Agrarista de Veracruz, do qual nos fala Reynoso,
acordaram-se as principais posições que norteariam a linha agrária do PCM e garantiria
a característica autonomia política que marcou a política agrária dos zapatistas até a
morte de Emiliano, em 1919. Os Agraristas Rojos, como seriam conhecidos os líderes
comunistas das Ligas camponesas, seriam continuadores da luta pela aplicação do
137
programa agrário, frente ao agrarismo oficial, representado pelo PNA, e o agrarismo
tradicionalista, conhecido também como movimento cristero, que se opôs aos
caudilhos sonorenses190.
Plutarco Elias Calles (1924-1928), diferente de Obregón, via na indústria a
solução de modernização para o México. O parcelamento da terra, em meio a um
movimento camponês armado e organizado, foi a forma com que o presidente pretendeu
cooptar e dividir os camponeses, já que oferecia terras. Assim enfraquecia a unidade das
ligas, ao mesmo tempo que mantinha possibilidades, através de indenizações aos
latifundiários, de não romper as alianças com os caudilhos regionais, que em muitos
casos possuíam terras.
A distribuição de terras foi feita, nesse contexto, onde a luta pela terra havia sido
mais intensa. Rivera Castro (1988, p. 95) cita, por exemplo, o caso de Morelos, onde se
entregariam mais de 120 mil hectares; e ao menos 80% das famílias tinham terra
própria, “do total de 75% das terras lavráveis”. (RIVERA CASTRO, 1976, p. 97).
O PCM havia percebido que a distribuição de terras individuais servia para
enfraquecer as organizações camponesas, e passou a defender a propriedade coletiva da
terra. Junto à defesa da propriedade coletiva, o PCM passou a incorporar a reivindicação
de infraestrutura e investimento, além da manutenção das armas nas mãos dos
camponeses, que haviam permanecidos armados desde a rebelião delahuertista.
Podemos resumir que o programa agrário do PCM, entre os anos de 1924 e 1928,
resumia-se em defender a propriedade coletiva da terra e combater o simples
parcelamento com indenização para o latifundiário. Além de exigir recursos do Estado
para investimentos de infraestrutura, crédito rural e a manutenção do armamento
camponês, para que assim pudessem resistir às investidas das guardas brancas dos
latifundiários.
Durante o V Congresso da IC, em 1924, o delegado mexicano, Bertran Wolfe,
havia apresentado um discurso que seria publicado no jornal do PCM, El Machete, de 4
de setembro, com o título “Nosso problema Agrário”, em que apresentava uma
cronologia da questão agrária no México, e resumia ao final:
190
O Movimento cristero se opôs de armas na mão ao governo Calles, entre os anos de 1926-1928, e foi
tratado como um movimento reacionário e fanático. Rivera Castro chama a atenção para a existência de
demandas de terra que não estavam sendo solucionadas pelos governos Obregón e Calles, que ajudariam
a marcar os cristeros com o selo do atraso religioso para encobrir a insolvência de suas políticas agrárias.
(RIVERA CASTRO, 1988). Reynoso (2009) afirma que os governos manipularam as diferenças entre
cristeros e comunistas, estimulando uma oposição.
138
Frente ao problema de um governo que reparte terras em pequenas
parcelas, sem proporcionar implementos necessários, sem água e
créditos suficientes, estamos desenvolvendo um programa baseado em
um estudo das coisas concretas que os camponeses necessitam, e as
quais ainda não estejam satisfeitos e baseado também no método de
oposição desde baixo: Tomar as terras ao invés de recebê-las; tomar em
maior extensão e em melhor qualidade; e que todos os camponeses
mantenham suas armas. (EL MACHETE, nº 12, 13/03/1924).
Faltava ainda a organização de uma Liga em escala nacional, de forma que se
pudesse organizar os camponeses em todo o país, e influenciar outras ligas que não
contavam com a direção comunista.
Outras duas Ligas estaduais seriam importantes no campo do agrarismo
autônomo191: a de Durango e a de Michoacán, que teriam como líderes José Guadalupe
Rodriguez Favela, e Primo Tapia, respectivamente.
***
Primo Tapia, como vários mexicanos michoacanos, foi buscar emprego nos
EUA, trabalhando em plantações de açúcar, na mineração, ferrovias, entre outras
atividades. Em meio aos trabalhadores, e em contato com a comunidade mexicana na
Califórnia, conheceu Ricardo Flores Magón e o anarquismo. (REYNOSO, 2009, p. 80;
RIVERA CASTRO, 1988, p. 79).
Em Nebraska, EUA, após vários anos no país, Tapia ajudaria a fundar um
sindicato que convocou um movimento grevista em 1920. A greve não alcançou os
objetivos esperados e o jovem mexicano voltou para a sua cidade natal, Naranja.
Nesta cidade, cheio de experiências na luta sindical ao lado dos operários
anarquistas e sindicalistas dos EUA, Primo Tapia e Isaac Arriaga, um professor
primário, começam a contatar os círculos radicais de Michoacán. Em 1921, ambos se
filiaram ao PCM, e, com a ajuda da local do PCM, impulsionaram a luta agrarista no
Estado. Como a LCAEV havia contado com o apoio do governador Tejeda, os agraristas
michoacanos contaram com o apoio de Francisco Mujica na solução das demandas
camponesas. O próprio Partido Socialista Michoacano, do qual o governador fazia parte,
191
Reynoso defende que o agrarismo influenciado pelos comunistas teve como característica a defesa da
autonomia política frente aos governos, e por isso seria a corrente que melhor teria seguido em frente com
as propostas e programas agrários do zapatismo. (REYNOSO, 2009).
139
tinha em seu programa a dotação dos Ejidos, o fracionamento da grande propriedade,
por expropriação e a reorganização da comissão local agrária com o objetivo de torná-la
mais eficiente na tramitação da terra para o povo; o trâmite gratuito para as petições
indígenas e a criação de escolas agrícolas. (RIVERA CASTRO, 1988, p. 78).
Devido a uma série de intrigas e da pressão dos fazendeiros locais, Mujica foi
substituído por Sidronio Sanchez Piñeda, que não proporcionou o mesmo apoio aos
agraristas.
Tapia, por meio da federação de sindicatos operários e camponeses, convocou
um congresso dos comitês agrários, formando a Liga de Comunidades e Sindicatos
Agraristas do Estado de Michoacán, que se mantinha independente da estrutura estatal
após o afastamento de Mujica. Essa forma de organização agrarista dirigida por Primo
Tapia, independente dos comitês agrários oficiais, serviu como um modelo de
organização utilizado por Galván ao formar a LCAEV. (REYNOSO, 2009, p. 84).
Após a conquista de vários hectares de terras para os camponeses e o
estabelecimento de relações com Galván, o movimento camponês michoacano se
fortaleceu, apontando para a criação de uma Liga que unificasse nacionalmente o
movimento camponês.
No final de 1925, Tapia aumentou sua oposição com o governo Calles,
acusando-o pelas agressões aos camponeses da Liga de Michoacán. Isso fez do líder
agrarista um inimigo do governo callista. Em abril de 1926, Tapia seria detido em
Naranja192, e, por ordens diretas de Calles, seria assassinado por soldados, que o
torturaram e o mutilaram com baionetas.
O jornal do PCM denunciou a morte de Primo Tapia e publicou um telegrama de
Calles decidindo a sorte do agrarista michoacano193. Pouco mais de um mês depois do
assassinato, em julho de 1926, era organizada a Primeira Conferência Nacional
Camponesa, que se posicionou pela defesa do ejido, contra a propriedade privada
(REYNOSO, 2009, p.31), e marcou a convocatória para o Congresso de Unificação
camponesa, que seria realizado entre os dias 15 e 20 de novembro de 1926, com a
participação de 158 delegados, representando mais de 310 mil camponeses. (TAIBO II,
2008, p. 502).
192
193
Hoje a cidade chama-se Naranja de Tapia em homenagem ao líder agrarista.
“Asasinato de Primo Tapia” e “Quién dió la Orden?”. El Machete, México: 3 jun. 1926, p. 2.
140
Figura 16: Primo Tapia e Úrsulo Galván em 1924
Fonte: CASTELLANOS GUERRERO e LÓPEZ RIVAS, 1991 apud REYNOSO, 2009, p.87
Com o congresso foi fundada a Liga Nacional Camponesa (LNC), que teve
como presidente Úrsulo Galván; Manuel P. Montes, como secretário; e José Guadalupe
Rofriguez Favela, como tesoureiro. Esse último seria assassinado por ordens do
Governo Emilio Portes Gil, e se tornaria um dos mais importantes mártires camponeses
comunistas mexicanos, recebendo protestos em vários países, inclusive no Brasil, onde
foi organizado um ato em frente ao consulado mexicano, acusando o governo Portes Gil
de fascista. Em A Classe Operária de 20 de julho de 1929194, apareceu a foto de Calles,
com a legenda “O traidor Calles, assassino de Guadalupe Rodríguez”, e 15 dias antes,
no número 63, apareceu na 1º página uma notícia com o título “Também no México
aumenta a reação. O Partido Comunista foi declarado ilegal, tendo sido fuzilado e
deportado seus leaders” e “El Machete foi fechado pelo governo ‘trabalhista’”. Ilustrava
o jornal dos comunistas brasileiros um desenho de Guadalupe Rodríguez feito por
Diego Rivera195.
194
195
A Classe Operária, n. 65, Rio de Janeiro: 20 jul. 1929.
A Classe Operária, n. 63, Rio de Janeiro: 7 jul. 1929.
141
Figura 17: Desenho de José Guadaalupez Rodriguez, feito por Diego Rivera, publicado
na Classe Operária
Fonte: A Classe Operária, n. 65, Rio de Janeiro: 20 jul. 1929.
A LNC seguiu a linha da LCAEV. Entre 1926 e 1928, Úrsulo Galván, como
presidente, esteve trabalhando pela sua construção. A Liga esteve, até que os comunistas
rompessem com Tejeda, sob a direção do PCM, e foi, como afirmou Irving Reynoso
(2009), a principal expressão do agrarismo autônomo da década de 1920.
Sua capacidade de diálogo residiu em que compartia com o agrarismo
oficial certas reivindicações (como a liquidação do latifúndio e o
reparto da terra), contudo se diferenciava fundamentalmente deste
porque não aceitava a subordinação ao Estado, pretendeu seguir com
142
um critério autônomo e, sobretudo, realizou importantes contribuições
socialistas. (REYNOSO, 2009, p. 6).
As Ligas Camponesas deram ao PCM a primeira importante experiência com o
movimento de massas demograficamente mais importante do México, possibilitando o
tratamento, sob uma perspectiva marxista, da análise da realidade social em que os
comunistas começavam a atuar. Com as Ligas, os comunistas mexicanos
experimentaram uma série de particularidades que marcariam a tática agrária do PCM,
como a defesa do ejido em detrimento da distribuição simples da terra e a manutenção
do armamento camponês como condição de autonomia política das Ligas Camponesas.
A relação com os caudilhos que começavam a compor o Estado pós-revolucionário
também ensinaria aos comunistas a dificuldade em se realizar alianças com a burguesia
nativa, ensinamento que ficaria marcado pela clandestinidade do PCM entre os anos de
1929-1935.
A partir de 1924, a política de massas entre os camponeses deu um resultado
espetacular para a construção do PCM, e a atuação em outro grupo, os artistas
modernistas, marcaria com símbolos do Movimento Comunista uma reinterpretação da
autoimagem e da identidade nacional mexicana.
143
Figura 18 - Agraristas enforcados. Detalhe do Mural do Palácio do Governo, de Diego Rivera
(1929-1930)
Fonte: Fotografia do autor.
144
Figura 19 - Livro Fermín, divulgação agrarista ilustrada pelos muralistas.
Fonte: TIBOL, Raquel. Diego Rivera. Gran Ilustrador, México: RM/Galera, 2008, p. 145-162
Figura 20 - Ilustrações do livro Fermin, por Diego Rivera.
Fonte: TIBOL, Raquel. Diego Rivera. Gran Ilustrador, México: RM/Galera, 2008, p. 145-162
145
Figura 21 – Ilustrações do livro Fermin, por Diego Rivera
Fonte: TIBOL, Raquel. Diego Rivera. Gran Ilustrador, México: RM/Galera, 2008, p. 145-162
Figura 22 – Ilustrações do livro Fermin, por Diego Rivera.
Fonte: TIBOL, Raquel. Diego Rivera. Gran Ilustrador, México: RM/Galera, 2008, p. 145-162
146
O PCM encontra os artistas, que descobrem um motivo: A Revolução Social
Para os comunistas mexicanos que formaram o PCM, os artistas que começaram
a se aproximar do PCM, e particularmente Diego Rivera, eram pequeno-burgueses, e
não faziam parte do proletariado. Por outro lado, esses pintores, que aderiram ao Partido
se viam como proletários. Todos os aspectos em torno das definições de classe teriam
um papel central no debate artístico que permeou o movimento muralista na década de
1920. A luta de classes como instrumento de interpretação da realidade é o primeiro
instrumento teórico marxista que os artistas reconheceram no Movimento Comunista.
Inicialmente, o movimento buscou no que eles entendiam por “proletário” e
revolucionário uma inspiração para criar a renovação artística mexicana, depois os
debates se desenvolveriam para criar uma interpretação modernista nova e, ao longo da
década de 1930 e 1940, cada artista somaria outras tantas características estéticas e
ampliaria o sentido do muralismo.
As obras do movimento muralista mexicano atualmente representam os mais
importantes ícones da identidade nacional mexicana, e partes dos murais estão
estampados nos mais variados materiais, desde capas de livros, passando por
reproduções para o consumo turístico, até materiais oficiais do Estado mexicano. As
imagens dos murais são quase unanimidade em relação à autoimagem do México e sua
história. Pelas imagens reproduzidas dos murais, lê-se a Revolução Mexicana, as classes
que compõem o povo mexicano, as classes dominantes, a ditadura porfirista, o
maximato, a Greve de Cananeia, a história do movimento operário mexicano, suas
influências ideológicas, a Conquista Espanhola, a Resistência Asteca, enfim, a
identidade histórica nacional, que a cada momento alcançam um tom específico nas
disputas pela sua memória e pelos significados políticos.
147
Figura 23: A imagem da comunista Frida Kahlo em um rótulo de cerveja mexicana196.
Fonte: fotografia do autor
Diferente de qualquer outro país latino-americano, com as exceções de Cuba e
Nicarágua, o México tem como ícone de suas artes plásticas nacionais um movimento
artístico com uma evidente e intensa crítica social. Nos últimos anos, vários autores de
influência liberal trataram essa característica do muralismo como algo secundário, um
aspecto menor, ou até uma excentricidade dos artistas da época. Esse revisionismo
liberal da historiografia da arte tendeu a valorizar outros aspectos, como o indigenismo
de Rivera, a busca pela inovação técnica de Siqueiros e a predileção de Orozco pelos
bordéis e pelas prostitutas.
O anacronismo e a interpretação alienada197 da obra dos muralistas mexicanos
196
Fonte: Fotografia do próprio autor. Cidade do México, 2010.
O termo alienação tem sido utilizado na prática política dos movimentos de esquerda como uma forma
de definir as pessoas que não compreendem a exploração e a opressão a que estão submetidas. Como uma
dificuldade em perceber o seu lugar (de explorado e oprimido) no modo de produção capitalista. Segundo
o dicionário de Bottomore, alienação é: “No sentido que lhe é dado por Marx, ação pela qual (ou estado
no qual) um indivíduo, um grupo, uma instituição ou uma sociedade se tornam (ou permanecem) alheios,
estranhos, enfim alienados aos resultados ou produtos de sua própria atividade (e à atividade ela mesma),
e/ou à natureza na qual vivem, e /ou outros seres humanos, e – além de e através de também a si mesmos
(às suas possibilidades humanas), através dele próprio (pela sua própria atividade). E a alienação de si
mesmo não é apenas uma entre outras formas de alienação, mas a sua própria essência e estrutura básica.
[...] Marx concordava com a crítica de Feuerbach à alienação religiosa, mas ressaltava que esta é apenas
uma entre as várias formas de alienação humana. O homem não só aliena parte de si mesmo na forma de
Deus, como também aliena outros produtos de sua atividade espiritual na forma de filosofia, senso
197
148
são perceptíveis na forma com que hoje se trata não uma muralista exatamente, mas a
companheira de Diego Rivera, Frida Kahlo198. Embora Frida não seja conhecida por
pintar murais, esteve, junto com a fotógrafa e militante comunista Tina Modotti,
estreitamente ligada ao movimento muralista, e com as organizações que o PCM dirigia,
como os sindicatos, as Ligas camponesas, o Jornal do Partido El Machete e a Liga Antiimperialista da Américas.
Os muralistas mexicanos não estiveram nem artisticamente, nem
intelectualmente isolados da sociedade mexicana. Depois do
movimento revolucionário de 1910-1920, desempenharam um papel
central na vida cultural e social do país. Mais que uma revelação do eu
individual, os murais expressam desde o princípio o caráter comunal
da experiência nacional. (ROCHFORT, p. 7).
Figura 24 – Autortrato com Stalin, 1954, Frida Kahlo
Fonte: Museo Frida Kahlo.
comum, arte, moral; aliena os produtos de sua atividade econômica na forma de mercadoria, do dinheiro,
do capital; e aliena produtos de sua atividade social na forma do Estado, do direito, das instituições
sociais”. In: BOTTOMORE, Tom (Ed.). Dicionário do Pensamento Marxista (edição eletrônica para
Kindle). Rio de Janeiro: Zahar, 2013, s.p.
198
Frida Kahlo se transformou em um ícone de algo tão avesso ao que realmente fez e pintou que há
pouco tempo nada menos que a “rainha do pop”, Madonna, afirmou que sua maior inspiração provinha de
Frida Kahlo. Essa transformação pop da obra de Frida Kahlo está expressa no filme norte-americano que
tratou a vida da pintora mexicana. Com uma centralidade em sua relação com Diego Rivera, o filme se
desenrola sob uma perspectiva que pouco destaca a militância comunista de ambos, ressaltando casos
amorosos extraconjugais e uma vida boêmia entre um grupo de intelectuais. A fotógrafa e militante
comunista Tina Modotti, por exemplo, é apresentada em uma cena de tango sensual. Essa imagem, que
tem o intuito de agradar o público norte-americano, explica a reivindicação de Frida Kahlo como a maior
inspiração da vida de Madonna, bem como sua imagem em garrafas de cerveja, e outros produtos de
consumo; ao mesmo tempo que também explica a estranheza de muitos ao terem notícia da profunda e
assumida militância comunista de Frida.
149
Figura 25 - Pesadilla de Guerra y sueño de paz, Diego Rivera (1952)199
Fonte: RIVERA, 2007, p. 323.
199
Rivera se posicionou a favor de Trotsky e suas ideias, mas depois da Segunda Guerra retornaria ao
PCM e faria uma autocrítica sobre o seu posicionamento em relação ao trotskismo. Esse mural demonstra
o quanto foi importante para as obras de Rivera o seu posicionamento político. Neste mural vemos o
retrato de Mao Tsetung e Stalin no canto superior esquerdo.
150
Figura 26 - Inovações técnicas de Siqueiros, o movimento no mural.200
Fonte: HERNER, Irene. Siqueiros: del paraiso a la Utopia, México: SCDF, 2010, p. 265.
***
Nossa investigação sobre o muralismo mexicano teve dois objetivos: buscar a
relação da formação do Estado pós-revolucionário com o muralismo e, nesse contexto, o
papel do movimento comunista para a obra pictórica mexicana ao longo dos anos 1920.
Para entendermos como se deu a inserção das particularidades da América Latina para o
movimento comunista latino-americano, o muralismo, tanto os debates que produziu em
artigos como a própria obra artística revelam-nos fontes importantes. A linha de nossa
pesquisa encontra similaridade com a interpretação que Héctor Jaime (2012)201 tem
produzido acerca do muralismo. Segundo esse autor, a transcendência do muralismo
reside exatamente no papel que o marxismo representou para esses artistas.
O muralismo mexicano é um dos movimentos artísticos de maior
transcendência na América Latina. Sua transcendência radica não
apenas no grande legado de suas obras, os quais podem se considerar
frutos diretos da Revolução Mexicana e agora patrimônios da
humanidade, senão também na criação de uma arte pública,
monumental e política sem precedentes na História da Arte. [...]
Contudo, a temática do muralismo mexicano vem sendo
abordadageralmente desde a perspectiva da crítica e história da arte, e,
em outros casos, desde a perspectiva do cronista. Neste sentido, são
escassos os estudos que se aproximam ao tema do muralismo desde o
ponto de vista das ideias, ou seja, teórica ou filosoficamente. Por outro
lado, recordemos que, ao se assumir posturas marxistas no começo do
200
Siqueiros foi o mais inventivo e inovador muralista. Experimentou muitos materiais e superfícies
diferentes. Uma das técnicas que inventou foi a de dar a sensação de movimento ao espactador, inspirado
pelo cinema. Na sequencia acima podemos ver um cavalo sob diversos ângulos, e na medida que o
espectador avança, o cavalo caminha. Fonte: HERNER, Irene. Siqueiros: del paraiso a la Utopia,
México: SCDF, 2010, p. 265.
201
Jaime (2012) ressalta dois fatores que constituem os aspectos mais importantes do contexto que
produziu o movimento muralista: a Revolução Mexicana e a influência ideológica e política da Revolução
Russa.
151
movimento muralista, este rompeu ideologicamente com a Revolução
mexicana e tratou de criar uma nova revolução, mas no âmbito
estético. Desta maneira, o marxismo não é um aspecto menor ou
superficial do muralismo mexicano, senão parte de sua essência
política e filosófica. (JAIME, 2012, p. 15).
O nacionalismo nas artes mexicanas não surgiu com a Revolução Mexicana,
como poderia parecer para alguns, mas se transformou após a formação do Estado pósrevolucionário.
É comum pensar que o espírito nacionalista que caracterizou o
muralismo mexicano dos anos 20 provenha do descobrimento pelos
muralistas da arte pré-colombiana e da arte popular; como
consequência da revolução armada da década anterior, isto não é
assim em primeira estância: resulta de um complexo processo que
inclui o México dentro de uma visão e uma identidade cultural
eurocêntrica da América tropical, que esboço nos próximos capítulos
como uma collage de diversidades curiosamente conectados.
(HERNER, 2004, p. 39).
O texto de Herner faz, como ela mesma indica acima, um esboço dos diversos
determinantes do nacionalismo mexicano antes de chegar ao Muralismo. Não vamos
repeti-lo aqui, mas cabe uma breve revisão, a fim de demonstrar a transformação que o
nacionalismo, particularmente aplicado às artes, sofreu durante a década de 1920 e
assim apresentar a transformação qualitativa que representa o movimento muralista.
Em um pequeno livro clássico que tratou Los Orígenes del Nacionalismo
Mexicano, David Brading (2004)202 descreve, desde referências coloniais até posteriores
à independência, os elementos que constituíram a identidade nacional mexicana,
reivindicada claramente desde o século XIX.
O precoce nacionalismo mexicano herdou grande parte do vocabulário
ideológico do patriotismo criollo. Os principais temas – a exaltação
do passado asteca, a difamação da Conquista, o ressentimento
xenofóbico contra os guachupines e a devoção pela Guadalupana –
surgiram a partir desta lenta, sutil e com frequência contraditória
transformação, baseada em grande parte no repúdio às suas origens
espanholas, e alimentada pela identificação com o passado indígena.
[...] O poderoso atrativo político destes temas e suas repercussões
populares foi o que distinguiu a ideologia insurgente mexicana do
corpo mais convencional de ideias que utilizaram os movimentos
libertários da América do Sul. Mais ainda, a reivindicação do
indigenismo durante a revolução do presente século confirma seu
perene atrativo sobre intelecto mexicano. (BRADING, 1988, p. 15).
202
BRADING, David. Los Orígenes del Nacionalismo Mexicano. México: ERA, 2004.
152
De forma bastante sintética, Brading aponta para essa particularidade do
nacionalismo mexicano em relação ao resto da América hispânica, em que o regime
pós-colonial e oligárquico acostumou-se em afirmar a identidade do Estado republicano
em símbolos distantes, no passado indígena. O próprio símbolo da bandeira do México
independente, a águia sobre uma palma (Opuntia ficus) e uma cobra em seu bico é uma
direta referência ao mito originário dos mexicas.
Diferentemente das outras repúblicas latino-americanas, por oposição à
dominação espanhola, a invasão francesa (1862-1867) e até a guerra contra os EUA
(1846-1848), o Estado pós-colonial no México teve a necessidade de construir uma
identidade nacional, e assim incorporar o elemento indígena. Os próprios líderes
liberais, como Juárez, possuíam claras feições indígenas, e se em outros países, como o
Peru e Bolívia, o Estado oligárquico pôde prescindir da imagem do índio para construir
sua identidade nacional, no México isso não foi possível.
A Revolução Mexicana e os governos que seguiram depois de 1920 são
comumente apresentados como uma antítese do que foi o porfirismo. Assim, nada mais
natural que pensarmos que o porfirismo fosse avesso a um nacionalismo que se
desenvolveu a partir da década de 1920, e assim imaginar que o nacionalismo,
particularmente em relação à herança indígena, surgisse após a caída do governo de
Porfírio Diaz.
No ano de 1877, publicou-se os Anales del Museo Nacional, em que figuravam,
entre outros temas, os estudos pré-hispânicos. Esse mesmo museu lançou um edital para
se construir um monumento a Cuauhtémoc203 e criou a Inspeção Geral de Monumentos
Arqueológicos da República. Durante o governo porfirista, formulou-se a lei de
Monumentos Arqueológicos, impulsionando trabalhos de arqueologia e proteção dos
sítios arqueológicos, além de ampliar as verbas para o Museu Nacional de Arqueologia,
Etnografia e História. (HERNER, 2004, p. 49). Foi durante o último governo de Diaz
que se inaugurou a restauração do complexo de Pirâmides de Teotihuacan, dando grande
impulso à retomada da herança indígena nas novas interpretações que surgiriam da
203
Cuauhtémoc foi o último tlatoani mexica, que dirigiu a última importante resistência contra os
espanhóis. Sua resistência tem um simbolismo especial para a memória identitária mexicana, já que
significou uma derrota após um combate aguerrido. Na praça de Tlatelolco, local onde se deu essa batalha
decisiva que selou a derrota dos nahuas frente os invasores, está escrito: “Em 13 de agosto de 1521,
heroicamente defendida por Cuautemoc, caiu Tlatelolco em poder de Hernán Cortes.Não foi triunfo, nem
derrota. Foi o doloroso nascimento de um povo mestiço que é o México de hoje”.
153
identidade nacional mexicana, e inspirando, na década seguinte, diversas reflexões
sobre o componente indígena na formação do México.
Junto ao discurso nacionalista que recomendava educar o povo sem
fazê-lo, o que mais desejavam os administradores do porfiriato era
captar o gosto e o reconhecimento do estrangeiro pelos tesouros
nacionais. México “não era o povo ignorante, incapaz de se interessar
pelo seu passado”; pelo contrário, o grupo dirigente havia assumido
cabalmente a convicção de que a arqueologia “dá personalidade ao
México no mundo científico”. O México era “depositário de tesouros
arqueológicos que formam parte da história da humanidade”. Com o
interesse pelo pré-colombiano se fomentaram e exploraram atrativos
turísticos como Teotihuacan, Mitla e a Zona Maia. Durante o Governo
de Diaz, o México foi duas vezes a sede do Congresso de
Americanistas. O pavilhão da Exposição Internacional de Paris, em
1889, teve ornamentos inspirados em decorações astecas provenientes
da “genuína civilização nacional”. (HERNER, 2004, p. 49).
Seguindo o que nos apresenta Herner, podemos então concluir que a exaltação
da nacionalidade mexicana foi também para o porfirismo uma necessidade do Estado, e
não se contrapôs ao Estado oligárquico, e muito menos ao positivismo reinante entre os
intelectuais do regime, conhecidos como científicos. Sem outro passado que o indígena
e o colonial, ao porfirismo sobrava apenas o indígena, já que o colonial era contrário ao
próprio Estado pós-independência, e o indígena, sua antítese natural. É desse Estado
porfirista que surgirá o primeiro projeto de obras murais.
Como acontecia com todos os artistas que pretendiam ingressar na carreira das
artes plásticas, e serem reconhecidos em seu meio, Gerardo Murillo (1875-1964), um
jovem pintor mexicano, teve a possibilidade de estudar na Europa, e particularmente em
Paris. Nessa época, Paris era considerada o centro absoluto das artes mundiais, uma das
capitais da “civilização”204, e o artista que quisesse aprender as técnicas e estilos da
vanguarda artística mundial precisaria fazer constar em seu currículo ao menos algum
tempo de estudo nas Academias de Artes Plásticas dessa cidade, bem como respirar por
um tempo os debates nos cafés, conhecer as novidades em vernissages e passear pelas
galerias que expunham as obras das mais novas correntes das artes mundiais. Não
existia arte na periferia.
Na virada do século surgiram diversas correntes do que ficou de forma
Vasconcelos afirma em suas memórias: “E era costume da época que toda pessoa de qualidade, ao se
aproximar da ‘metrópole espiritual do mundo’, se colocasse em atitude beatífica e exclamasse: ‘Paris,
Paris, ao fim, Paris’”. (VASCONCELOS, José. La Tormenta, México: Trillas, 1998, p. 37).
204
154
generalizante conhecido como modernismo205, e em algumas dessas correntes começou
uma valorização das artes populares, periféricas e de novos temas, como a indústria e os
trabalhadores.
Gerardo Murillo retorna da Europa em 1906, influenciado por ideias
nacionalistas que havia encontrado na Itália, e funda um centro artístico com o objetivo
de pintar paredes de prédios públicos. (HERNER, 2004, p. 50). Seu nacionalismo se
estende aos motivos de sua pintura, passa a especializar-se em temas da geografia
mexicana, particularmente os vulcões, e cria um nome artístico para si, Dr. Atl, que
inclusive será o nome que ficará conhecido no meio artístico. Atl é o nome nahuatl para
água.
Dr. Atl conseguiu o patrocínio do governo porfirista, mas o início dos primeiros
combates da Revolução impediriam que o primeiro intento de produzir o renascimento
das artes mexicanas em uma superfície mural tivesse continuidade.
Figura 27 – Barda Mural em homenagem ao Cinquentenário do Movimento Muralista
Mexicano206
Fonte: POLYFORUM Siqueiros, El Legado de dos visionarios, México: Quarta Pared, 2012.
O projeto do Dr. Atl precisava do patrocínio do Estado para se realizar, e foi a natureza
Segundo Capelato (2005, p. 256): “Os movimentos modernistas latino-americanos dessa época foram
tributários das experiências artísticas europeias que, a partir da primeira Guerra, introduziram elementos
novos no campo das artes. O conflito mundial provocou uma crise de consciência entre intelectuais e
artistas europeus que sentiram a necessidade de expressar suas ideias e sentimentos. Os movimentos
denominados vanguarda se ampliaram e se fizeram acompanhar de uma profusão de escritos sobre a
natureza da arte, sua finalidade e função social do artista”.
206
Esse mural faz parte do conjunto arquitetônico projetado por Siqueiros, com o nome Polyforum
Siqueiros, na Cidade do México. A Barda Mural tem sessenta metros de comprimento por sei metros de
altura, forma uma espécie de muro entre o edifício do Polyforum e a Avenida Insurgentes e a rua
Filadelfia. A partir da ordem, da esquerda para a direita, estão as 5 figuras fundantes do muralismo
mexicano, além do próprio Siqueiros, autor da obra, que não aparece: Diego Rivera, José Clemente
orozco, josé Guadalupe Posada, Leopoldo Méndez e Gerardo Murillo, o Dr. Atl. Fonte: Fotografia do
próprio autor, Cidade do México, 2013. Para maiores dados da obra, ver: POLYFORUM Siqueiros, El
Legado de dos visionarios, México: Quarta Pared, 2012.
205
155
do Estado um de seus determinantes, em termos estilísticos. Embora nacionalista,
reivindicando a tradição dos murais pré-hispânicos, os temas pintados relegaram aos
primeiros murais indígenas uma importância menor207. Como veremos, o que daria ao
muralismo sua identidade como corrente artística não estava limitado ao ato de pintar
em muros.
A composição das forças revolucionárias era extremamente heterogênea, sem
um plano unificado, mas, para destruir a estrutura do Estado porfirista e combater as
tropas federais, os revolucionários precisaram contar e conviver com tropas populares
que, a partir de uma forte prédica anarquista e liberal, introduziram importantes
demandas para o Estado que se institucionalizava a partir de 1917.
Os camponeses armados, os operários organizados e as próprias classes médias
que comandavam tropas revolucionárias não aceitariam depor as armas sem que muitas
de suas reivindicações fossem atendidas. Monsivais (2011, p. 57) afirma: “Com a
Revolução, e por força, a irrupção das massas amplia a órbita do simbólico (e por isso
os muralistas exaltam as origens violentas do Estado)”.
Assim, sob um clima de participação popular e da necessidade da elite que se
conformava no Estado em negociar, aprovou-se a Constituição de 1917, em que se
destacam importantes e inéditas conquistas sociais na América Latina, como os artigos
27 e 123208.
Como uma reação liberal ao porfirismo, diversas reivindicações de cunho
político foram acompanhadas por intentos democráticos no campo da cultura e da
educação, e nesse início destacou-se o advogado maderista José Vasconcelos.
Vasconcelos era um sincero liberal. Ele acreditava que através da educação se
poderia transformar o México, aproximando seu país das nações “ilustradas” europeias.
Vasconcelos, como muitos de sua geração, possuía uma visão liberal europeista e
bastante elitista do povo mexicano. Fez parte de uma geração que possuía críticas ao
imperialismo norte-americano, que nessa época já havia feito várias agressões e
invasões sobre o território latino-americano. Negava o pan-americanismo para
reivindicar as tradições espanholas, e, no caso de Vasconcelos, vangloriar o mestiço, la
raza. Essa corrente era chamada de arielistas, em referência a obra Ariel, de Rodó209, e
no México se reuniam no Ateneo da Juventude.
207
Há uma série de murais indígenas nas ruínas de Teotihuacán, além de outras ruínas. A pintura em
paredes já era praticada no México muito antes da conquista, mas os primeiros murais produzidos pelos
artistas vinculados ao Movimento Muralista tiveram pouca influência dessa tradição indígena.
208
Já tratamos a constituição mexicana, e esses artigos, no primeiro capítulo, p. 156
209
Ver: RODÓ, José Enrique. Ariel. Buenos Aires: Nuevo Mundo, 1967.
156
Figura 28 - Vasconcelos na Revista Amauta
Fonte: Amauta, nº4, Lima: dez. 1926, p.13
Com a vitória do Plano de Agua Prieta (1920) e o governo interino de De La
Huerta, Vasconcelos é convidado para ser o reitor da Universidade Nacional do México,
Depois seria nomeado secretário da recém-fundada Secretaria de Educação Pública,
onde começaria a realizar um entusiasmado plano educacional.
O novo secretário da educação havia sido membro do Ateneo da Juventude,
círculo de jovens intelectuais liberais que preconizavam uma renovação no trabalho
científico e cultural mexicano e “expressavam uma modernidade entendida como
registro da ciência, a abertura de vias espirituais, a insistência no conhecimento de
outras culturas” (MONSIVAIS, 2011, p.32); e citando Lomabardo Toledano:
A geração de 1910 refutou publicamente a base ideológica da
ditadura, contra o darwinismo social e opôs o conceito do livrearbítrio, a força do sentimento de responsabilidade humana que deve
presidir a conduta individual e social; contra o fetichismo da Ciência,
a investigação dos “primeiros princípios”, contra a conformidade
burguesa da sobrevivência dos mais adaptados, a jubilosa
inconformidade cristã da vida integrada pelos miseráveis, por cultos e
incultos e por soberbos e rebeldes. (TOLEDANO apud MONSIVAIS,
2011, p. 32).
157
Após a queda de Carranza, o governo interino de De la Huerta procurou ampliar
a base do governo, dirimir diferenças e tratar as feridas da guerra.
O general Obregón foi eleito e tomou posse em dezembro de 1920. Fez um
acordo com Francisco Villa, incorporou a central sindical operária, Confederación
Regional Obrera Mexicana (CROM), à estrutura estatal e buscou aliança com diversos
setores da população a fim de angariar o máximo de legitimidade para o seu governo.
Foi nesse contexto, da necessidade de composição e cooptação com os mais
diversos setores da população, que Vasconcelos buscou estimular a atividade artística do
novo México que se pretendia construir.
A orientação cultural do Novo Estado se nutre, a princípio, das
propostas de intelectuais e artistas que, em choque com as formas
culturais características do porfirismo, buscavam uma aproximação
com setores populares para que confluíssem as manifestações destes
com os valores culturais humanistas [...] nos primeiros murais
patrocinados pelo Estado se manifesta esta atitude humanista e
populista através de José Vasconcelos. (MARICELA, 1996, p. 83-84).
Conforme nos mostra Maricela, a formação do muralismo está vinculada ao
contexto de institucionalização da Revolução, e às características do Estado mexicano
pós-revolucionário. A utilização do termo populista, que preferimos evitar devido à sua
deficiência conceitual, nos mostra o quão complexo e difícil tem sido a definição dos
Estados latino-americanos a partir da década de 1920 na América Latina. E é nesse
Estado complexo, inicialmente frágil institucionalmente, que precisa do caudilho para se
legitimar, utilizando-se de símbolos nacionalistas e até anti-imperilistas para cooptar e
conjurar as sucessivas rebeliões, que nasce o movimento muralista.
Como parte do projeto de construção deste Estado pós-revolucionário, muito
vinculado aos ideais positivistas, nacionalista, mas com dificuldades de negar
completamente a mentalidade colonial e europeísta, e com aspirações liberais e
democráticas, nascia o projeto educacional de José Vasconcelos.
A primeira relação do muralismo com o Estado é seu necessário financiamento,
já que pelo tamanho das obras eram necessários materiais em maiores quantidades, além
de valores significativamente maiores, pois a feitura do conjunto da obra demorava
meses e até anos, e, diferente de um pequeno quadro, financiado por indivíduos
apreciadores da arte, a “compra de um mural” era economicamente mais difícil para um
158
indivíduo. Depois que os muralistas alcançaram fama mundial, apareceu com mais
frequência a figura do “mecenas”, alguém que desejava investir dinheiro significativo
em uma obra de arte mural.
Seria muito difícil para os artistas sem grande fama e dinheiro conseguirem
financiamento ao longo de vários anos para a realização de obras que requeriam grande
gastos de material, andaimes, ajudantes, sem falar na autorização para se pintar em
paredes públicas. O Estado, através de Vasconcelos, foi o primeiro e fundamental
impulso para a inovação que esse grupo de artistas iria produzir, em uma relação sempre
conflituosa, de alianças e unidades pouco estáveis e duradoras. A relação entre o Estado
mexicano e os muralistas é peça-chave para se entender as forças que de uma forma ou
de outra marcaram as obras murais210.
Diego Rivera, o muralista
Vasconcelos, devido ao seu trabalho à frente da Secretaria de Educação Pública,
notabilizar-se-ia como o “Maestro de la Juventud”, e seu esforço em democratizar a
educação no novo México seria reconhecido internacionalmente. O Ateneo havia
nascido como uma tentativa da juventude intelectual liberal de tomar fôlego frente ao
positivismo dos científicos que dominavam o seleto grupo de acadêmicos da República
porfirista. Essa elite intelectual chegava ao início do século XX envelhecida e enrijecida
com Porfírio Diaz. Mas, embora estivessem imbuídos de críticas liberais e
antipositivistas, isso não afastava essa juventude de um profundo elitismo eurocêntrico
frente ao povo mexicano. Vasconcelos vislumbrava “educar” o povo e assim emancipálo de seu próprio “barbarismo” e “atraso”. Além do financiamento dos murais, a
Secretaria de Educação Pública tinha como objetivo levar escolas públicas para as
diversas cidades mexicanas, e junto publicar os clássicos da literatura universal.
Vasconcelos estabeleceu escolas, abriu bibliotecas públicas no DF e comprou
impressoras nos EUA, usando-as para colocar em prática o seu antigo sonho: distribuir
por toda a nação obras de Homero, Eurípedes, Platão, Dante, Goethe etc. Além disso,
Siqueiros cita em suas memórias diversos conflitos entre os muralistas e o Estado. “Ao chegar Puig
Casauranc à secretaria de Educação, em substituição a Vasconcelos, considerou pertinente colocar-nos, os
pintores muralistas, a uma disjuntiva: ‘Se continuarem publicando se periódico El Machete, com uma
linha política de ataque sistemático ao governo, que é o governo da Revolução, terei que suspender seus
contratos’.” (SIQUEIROS, 1977, p. 222). Ou seja, a permissão do Estado foi algo fundamental para o
muralismo nascer, e sob esta relação (Estado x artista) se desenvolveria.
210
159
comprou das editoras espanholas cópias de Dom Quixote e dicionários de espanhol para
todas as escolas. (DULLES, 2003, passim).
Vasconcelos não pretendia desenvolver a nacionalidade mexicana a partir da
tradição popular e possuía fortes críticas ao indigenismo211. Dentre os livros que
publicou e comprou pela SEP, todos tinham origem europeia, e nenhum havia sido
escrito no México. E foi também nesse mesmo sentido que, ao patrocinar a renovação
artística mexicana, buscou artistas que haviam estudado na Europa.
Figura 29 - Almoço em que aparecem Rivera e Vasconcelos em Chapultepec (1923)
Fonte: ROCHFORT, Desmond. Mexican Muralist: Orozco, Rivera, Siqueiros, São Francisco: Chronicle
Book, 1998, p. 20.
Um dos artistas convidados para pintar os muros com a história do México era
Diego Rivera, que vez por outra aparecia como a notícia de “um artista mexicano em
Paris” nos jornais da Cidade do México.
Pintar paredes em espaços públicos não era uma ideia original de Vasconcelos e
211
Nas memórias de Vasconcelos, fica clara a relação que o antigo secretário de educação estabelecia
entre violência, barbarismo e herança indígena ou azteca. “[...] o aztequismo que periodicamente renasce
é o elemento de crueldade que os quatro séculos de predicação cristã-hispânica não têm conseguido
destruir. O teocalli dos sacrifícios humanos é a única instituição azteca que sobrevive. Os zapatistas as
traziam com o uso da metralhadora e da pistola automática. Sugerido pela maneira como o armamento
moderno destroça corpos, os zapatistas haviam criado um termo símbolo de suas execuções e vinganças:
‘quebrar’ o inimigo... ‘quebra’ fulano... ‘já quebrei a Cicrano!’ Matar a tiros era quebrar, e nenhuma outra
palavra teve entre o zapatismo um uso mais extenso...”. (VASCONCELOS, op. cit., p. 147).
160
muito menos de Rivera. A pintura mural já existia há muito mais tempo no próprio
México. Um dos lugares que o nacionalismo emergente poderia encontrar inspiração era
nos muros dos templos pré-colombianos, cheios de decoração mural, e particularmente
nos murais de Teotihuacan, o complexo de pirâmides reformadas para as comemorações
do centenário (1910) da independência do México, que se mantinha em efetiva
evidência e interesse. Por outro lado, existiam os murais de Roma, e particularmente os
murais renascentistas, muito apreciados por Rivera em sua viagem pela Itália.
É a partir da contratação de Rivera e outros artistas para pintar o antigo Colégio
San Ildefonso (Escola Nacional Preparatória na época) que de fato nascerá o movimento
muralista mexicano. E é nesse edifício que conviverão juntos os principais expoentes do
movimento muralista: os “Três grandes”, como são conhecidos José Clemente Orozo,
Diego Rivera e David Alfaro Siqueiros.
O três escreveram e publicaram suas autobiografias. Rivera escreveu sob o título
de Mi arte, Mi Vida, com a colaboração de Gladys March212, Siqueiros escreveu Me
Llamavan el Coronelazo213, e Orozco, Autobiografia214. Naturalmente, os autores
tenderam a utilizar-se do conhecimento que tinham no momento em que escreveram
suas biografias para dar significado e importância aos fatos que estavam narrando. Toda
história é parcial, e representa muito do presente de quem está escrevendo. Assim,
quando buscamos as influências que determinaram a obra desses muralistas em suas
autobiografias e escritos, precisamos levar em consideração o período em que estão
escrevendo, e suas motivações no momento, já que toda memória é seletiva, e os autores
acabaram selecionando os fatos que deram maior coerência às suas trajetórias no
momento em que as escreviam.
Diego Rivera, o mais famoso entre os três, vincula-se a diversas influências
determinantes de sua obra. Recorda-se da mulher indígena que cuidou dele, fala dos
primeiros murais que rabiscou pelas paredes da casa enquanto ainda era criança, até que
teve a oportunidade de estudar em San Carlos215, ainda na época porfirista, quando a
arte era dominada pelo classicismo, pelo academicismo elitista e europeísta.
Contudo, eu não era feliz no que fazia de arte. Quanto mais eu
212
RIVERA, Diego. Mi Arte, Mi Vida. México: Herrero, 1960.
SIQUEIROS, David Alfaro. Me llamaban El Coronelazo (memórias). México: Grijalbo, 1977.
214
OROZCO, José Clemente. Autobiografia, México: SEP 1971.
215
Academia de San Carlos era a escola de artes mexicana tradicional, hoje faz parte da UNAM.
Disponível em: <http://www.artesvisuales.unam.mx>. Acesso em: 27 mar 2014.
213
161
progredia nas formas acadêmicas europeias, menos eu gostava e me
sentia inclinado à velha arte mexicana. Detestava em particular ter que
copiar réplicas gravadas em moldes de gesso. (RIVERA, 1960, p. 34).
Embora o ambiente fosse pouco propício à inovação, Rivera se recorda de
alguns professores que já nessa época começavam a colocar elementos nacionais em
seus trabalhos, como Felix Parra, com Episódios da Conquista (1877); e Jose Maria
Velasco, que seguiu pintando índios, bosques etc.
Figura 30: "Episódios da Conquista", Felix Parra, 68 x 109 cm (1877)
Fonte: Museu Nacional de Artes, Cidade do México
Esse primeiro estágio é apenas uma antessala para a sua viagem pela Europa,
entre os anos de 1906 e 1921, onde buscou conhecer a vanguarda216 artística mundial e
os mais novos experimentos. Ficou 14 anos na Europa, conheceu Picasso pessoalmente,
admirou Cézanne, passou pelas obras renascentistas italianas e viveu a atmosfera
artística de Paris com seus intelectuais e exilados.
Rivera viu a Europa “civilizada” se autodestruir na carnificina da Primeira
Citando Jorge Schwartz, Capelato afirma: “[...] a crescente politização da cultura latino-americana no
final dos anos 1920, reintroduziu a discussão sobre o uso da palavra “vanguarda”, através da clássica
oposição entre ‘arte pela arte’ e ‘arte engajada’, relacionando a uma controvérsia em torno do próprio
estatuto da arte. Como mostra o autor, inicialmente restrito ao vocabulário militar do século XIX, o termo
‘vanguarda’ acabou adquirindo na França um sentido figurado na área política.” (CAPELATO, 2005, p.
256).
216
162
Guerra Mundial com espanto, e, como muitos outros intelectuais e artistas, voltaria para
a América Latina entusiasmado com a sua própria terra, antes sinônimo de barbarismo
frente à civilizadora e progressista Europa. Após a Guerra, os países da América Latina
apareciam com todas as suas cores e possibilidades, vibrantes. Mas se tudo se
transformava na Europa pós-guerra, particularmente a crença na Europa como modelo
civilizacional, no México as transformações não eram menores e, inclusive, traziam o
tema que ocuparia todos os debates no período entre guerras, a denominada, na época,
Questão Social.
Retomando a ideia do projeto de muralismo do Dr. Atl, somado ao
projeto educativo de Vasconcelos, os primeiros murais seriam
concebidos com a finalidade de ensinar a história do México que
nascia da Revolução, interpretar a história nacional e aplicar as novas
tendências que influenciavam os novos artistas europeus. “escrever em
enormes murais públicos a história da gente iletrada que não pode lêla em livros”. (RIVERA apud MONSIVAIS, 2011, p. 96).
Esse é o ponto de partida do movimento muralista, e seus primeiros intuitos
podemos perceber em parte através dos primeiros murais de Orozco, Siqueiros e
particularmente de Rivera, La Creación, pintado no anfiteatro Bolívar, entre princípios
de 1922 e janeiro de 1923.
Além de Rivera, outros pintores já estavam incumbidos pela recém-criada
Secretaria de Educação Pública. Desse grupo, ainda faltava David Alfaro Siqueiros, o
mais jovem entre os três grandes, que retornaria em 1922 da Europa após uma bolsa de
estudos para conhecer e se aproximar da vanguarda da arte mundial, que nessa época
ainda era europeia.
Siqueiros, o “teórico” do muralismo
Siqueiros viveu o início dos novos ares e, principalmente, o deslocamento da
Europa como único referente para o mundo. Este artista tinha uma trajetória diferente de
Rivera. Ao contrário dele, que havia permanecido mais de uma década na Europa,
Siqueiros apenas estava de passagem, em uma Europa destruída física e moralmente
pela Guerra, e antes ele mesmo havia se incorporado às tropas constitucionalistas, sob o
comando do general Dieguez, combatendo em algumas importantes batalhas da
Revolução Mexicana.
163
Figura 31 – Siqueiros durante o período que serviu nas forças constitucionalistas,
durante a Revolução Mexicana.
David Alfaro Siqueiros é o quinto, da esquerda para a direita. Fonte: ROCHFORT, Desmond. Mexican
Muralist: Orozco, Rivera, Siqueiros, São Francisco: Chronicle Book, 1998, p.22.
Logo após a caída de Porfírio Diaz e a vitória de Francisco Madero os alunos e
professores da Academia de San Carlos, a principal escola de Belas Artes da época,
entraram em greve. A Acadêmia ficou fechada por alguns anos e diversos jovens
estudantes de arte passaram a pintar na escola de Santa Anita, onde experimentaram a
pintura ao ar livre. Siqueiros se lembraria dessa experiência como a possibilidade que
tiveram de romper com o academicismo ainda reinante no ensino das artes pláticas, e
experimentar temas mexicanos, cores e uma outra atmosfera. Com a o Golpe de Huerta
(1913), a Academia de San Carlos foi reaberta e os professores críticos ao
academicismo, como o Dr. Atl, teriam um protagonismo maior.
A experiência de Siqueiros como artista-soldado marcaria sua percepção
política, da história mexicana e de sua atuação como militante comunista. Na Europa,
enquanto aguardava o dinheiro para comprar a passagem de retorno, Siqueiros redigiu
um manifesto aos artistas plásticos da América Latina, publicado em maio de 1921, em
uma revista fundada por ele mesmo com o nome de Vida Americana217, administrada
SIQUEIROS, David Alfaro. “3 llamamientos de orientación actual a los pintores y escultores de la
nueva generación americana”. In: Vida Americana, revista norte centro y sudamericana de vanguardia,
Barcelona, n. 1, maio 1921, p. 2-3. Disponível em:
<http://icaadocs.mfah.org/icaadocs/ELARCHIVO/RegistroCompleto/tabid/99/doc/801659/language/es217
164
por Ignácio L. Batiga com fundos do consulado mexicano. (HERNER, 2010, p. 81).
Além de alguns artigos, Siqueiros fazia uma convocação aos jovens artistas
americanos para unirem-se em busca de uma arte própria do continente americano,
desenvolvendo a identidade cultural latino-americana218.
Figura 32:"La Creación" de Diego Rivera, Auditório Simon Bolívar do Antíguo Colegio
San Ildefonso (1923)
Fonte: ROCHFORT, Desmond. Mexican Muralist: Orozco, Rivera, Siqueiros, São Francisco: Chronicle
Book, 1998.
Em suas memórias, Siqueiros relembra a expectativa com que voltou da Europa,
e a decepção que teve ao encontrar os primeiros murais, particularmente La
Creación219,220 de Diego Rivera, no Antigo Colégio San Ildefonso, que na época
MX/Default.aspx>. Acesso em 27 mar. 2014.
218
Em 1925, Vasconcelos publicou um livro denominado La Raza Cosmica, em que teorizava uma
eugenia às avessas, em que o mestiço latino-americano seria a “raça” ideal e do futuro, já que combinava
características de varias raças através da mestiçagem. Ver: VASCONCELOS, José. La Raza Cósmica –
Misión de la Raza Iberoamericana. Madrid: Agencia Mundial de Libreria, 1925. Disponível em:
<http://www.filosofia.org/aut/001/razacos.htm>. Acesso em: 27 mar. 2014.
219
Em La Creación, é possível ver no centro da obra elementos da geografia mexicana, e um leão, que ao
menos simbolizava algo tropical. O centro da obra foi pintado depois que Rivera fez uma viagem com
Vasconcelos pela Península de Yucatán e pelo Istmo de Tehuantepec. Nessa viagem, Rivera teria contato
com os prédios públicos do Governo de Felipe Carrillo Puerto pintados de vermelho, trabalhadores
sublevados contra os latifundiários da região e um governo popular que valorizava os camponeses e
165
abrigava a Escola Nacional Preparatória.
Faltava-me conhecer a grande prova [...] tal era a minha impaciência,
desde o momento que eu desembarquei do trem de Veracruz em que
ainda mantinha uma visão comocionada pelo descobrimento plástico
do México. O que havia feito Diego Rivera? O que ele havia
produzido tinha que ser a materialização de nossas ideias comuns
amplamente remoídas e novamente remoídas em nossas intermináveis
e alucinadas conversas em Paris. [...] uma pequena caminhada que me
conduziria a entrar por trás do anfiteatro e depois, a grande sala, então
me pareceu enorme, com sua ornamentação colonialista talhada em
pedra. Em seguida, volto a cabeça para trás e encontro o primeiro
traçado do muralismo no México, meu também, mas executado com a
cabeça e a pulso de Rivera. Primeira e tremenda desilusão, tal que
desmantelou a minha cara. E Diego, ao notar, lançou certamente a
primeira frase agressiva no que seria depois um ininterrupto debate
até, inclusive, o momento de sua morte. A primeira impressão que
recebi desta obra sua foi a de uma versão artificiosa,
inquestionavelmente produzida por um pintor alemão bizantinista no
estilo, mas com pontadas de art noveau. [...] e sobre o Mural de
Orozco, disse: o que havia acontecido? Orozco havia começado a
traçar uma virgem boticceliana, rodeada de anjos, todos muito loiros e,
como figura central emocional um Menino Jesus certamente destinado
a retratar o filhinho menor de algum alemão nórdico ou escandinavo
quase lapão. (SIQUEIROS, 1977, p. 180 e 182).
Esse espanto de Siqueiros, ao ver os primeiros murais em 1921, não o mobilizou
para realizar algo muito diferente. O primeiro mural que pintou possuía um esforço
maior por expressar a renovação artística mexicana, introduzindo temas mais indígenas
e mestiços, mas não foi também expressão da revolução artística que os precursores do
muralismo aspiravam criar.
índios. O Partido Socialista del Sureste, do qual fazia parte Felipe Carrillo Puerto, chegou a receber um
representante da IC em um de seus congressos, e era simpático aos bolcheviques. Vasconcelos registraria
em suas memória o seu horror frente à postura ideológica do governo do PSS, mas Rivera retornaria
decidido a marcar sua obra com as cores, a fauna, a flora e depois com os trabalhadores do México.
220
Os animais representam o tetramorfo, em que cada animal simboliza um evangelista: o leão, Marcos; o
anjo, Mateus; a águia, João; o touro, Lucas.
166
Figura 33 - Alegoria de la Virgen de Guadalupe, Fermn Revueltas (1923)
Primeiro mural de Fermín Revueltas, antes que se incorporasse ao Sindicato de Pintores. Muito similar
em relação à temática, a técnica da encáustica utilizada por Rivera em La Creación, também de 1923.
Fonte: ZURIÁN, Carla. Fermín Revueltas:Constructor de Espacios, México: RM e INBA, 2002, p. 82.
Figura 34 - Los Elementos Siqueiros (1922-23)
Los Elementos foi o primeiro mural de Siqueiros, no centro Siqueiros quis representar o “anjo da
Revolução. Fonte: HERNER, Irene. Siqueiros: del paraiso a la Utopia, México: SCDF, 2010, p. 99
167
Vários autores atribuem aos murais da Secretaria de Educação Pública (SEP), o
segundo projeto de Rivera, a partir de 1923, a inauguração do estilo, da temática e da
forma do movimento muralista mexicano.
O que fica evidente ao analisar o novo trabalho de Rivera na SEP é a introdução
do elemento que tornaria o movimento muralista mexicano diferente dos outros
movimentos artísticos modernistas que surgiram na América Latina nesse período. Esse
elemento era o impacto político ideológico da Revolução Russa.
Por um tempo Diego se identificou com a Revolução Russa de uma
forma mais completa que nenhum outro pintor de seu tempo, e a
expressou de um modo mais direto que David a Revolução Francesa.
Pode-se afirmar que, de certa maneira, a Revolução Russa se
converteu em seu pincel, traçando o que ele interpretou como seu
significado, nos muros de duas terras muito apartadas do país onde
teve sua origem. Não é o que ele tenha dado a ela, senão o que ela deu
a ele, o que importa. Foi a chama que fundiu os fragmentos isolados
de sua experiência e aspirações: o liberalismo de seu pai, o populismo
de Posada, a rebelião estudantil na Escola de Arte, a rebelião dos
boêmios em Montparnasse, a lembrança da Matança de Rio Blanco e a
sangrenta semana de Barcelona, a excitação do anarquismo espanhol,
o impacto do nascimento da Guerra total, no útero da civilização, a
esperança de que uma revolução desse fim ao pesadelo, a ânsia de
uma arte que reconquistara o direito de falar para a gente e a elevar o
gosto popular até o ponto de que pudesse chegar a ser, uma vez mais,
a frutífera matriz em que se incubara a grande arte. (WOLFE, 1972, p.
179).
Essa influência da Revolução Russa nas artes mexicanas é tão profunda que
marcou a temática e o estilo do muralismo, a ponto de sua ausência levantar a questão
da impossibilidade em se classificar como muralismo mexicano uma pintura que não
possua uma crítica social. O muralismo, entre outras características, deve expressar essa
crítica social explícita, e esse elemento está permeado em diversos elementos que
definem o movimento e suas singularidades.
O movimento muralista se nutriu diretamente de duas fontes de caráter
revolucionário. Por um lado se inspira no espírito da transformação
político-social da Revolução Mexicana, [...] por outro lado adquiriu
em seus inícios aspectos ideológicos provenientes do marxismo [...]
desde a perspectiva de uma ideologia marxista, cuja a essência
revolucionária consiste na eliminação das classes sociais, supressão da
propriedade privada dos meios de produção, e superação da
exploração e o trabalho alienado, a Revolução mexicana poderia verse como uma revolução incompleta. Daí que os muralistas tentaram
radicalizar a revolução através dos murais, os quais mostrariam os
168
conflitos sociais da sociedade mexicana para gerar assim uma matriz
crítica. (JAIMES, 2012, p. 23).
O primeiro aspecto constitutivo do movimento muralista é, portanto, um reflexo
da Revolução Mexicana e das vicissitudes da construção do Estado pós-porfirista,
expressos objetivamente no esforço por se construir uma arte nacional que superasse o
classicismo do século XIX e fornecesse ao novo Estado um ar de modernidade em
consonância com as vanguardas europeias. Esse nacionalismo mexicano tomava grande
impulso e naturalmente se dirigia para a estética modernista. Encontrar um espaço entre
as diversas correntes modernistas que surgiam no início do século XX foi um debate
frequente entre Rivera e Siqueiros nesses anos. Siqueiros argumenta claramente os
limites que a simples transposição de temas mexicanos para as artes nacionais poderia
fazer.
Os pintores jovens Saturnino Herrán e Francisco de La Torre, por uma
parte, e Tellez por outra parte, começaram a exercer uma poderosa
influência de inclinação nacionalista em nós. [...] começaram a
empregar temas exclusivamente locais, embora o faziam com um
estilo particularmente germânico da época, um estilo art nouveu
alemão, proveniente sobretudo da escola de Munique, e o qual
podemos considerar agora como extremamente estilizado e em
excesso amaneirado ou maneirista, como dizem os franceses. Uma
certa sensualidade na pintura, melhor desenhada que pintada, e com
uma maneira igual de reproduzir uma nuvem, uma cara ou um fruto.
Pintura desprovida do sentido da matéria, que é tão fundamental na
arte da pintura. E da variedade textual, que é tão fundamental na arte
da pintura. (SIQUEIROS, 1977, p. 85).
Figura 35 - La Catrina, as caveiras popularizadas pelo gravador José Guadalupe Posada
Fonte: POSADA, 2012, p.160.
169
Figura 36 - Dia dos Mortos, Diego Rivera, Pintado na SEP (1923-4)
Fonte: ROCHFORT, Desmond. Mexican Muralist: Orozco, Rivera, Siqueiros, São Francisco: Chronicle
Book, 1998, p.22.
De fato, o problema de se criar uma arte nacional incorria para eles na superação
do classicismo, do estilo barroco ou do naturalismo do século XIX. Era necessário
pintar o povo, suas cores e sua história. Existiam diversas formas de se incorporar a
herança indígena às artes, e alguns artistas já haviam feito, mas sem que significasse
uma renovação estética, uma arte nacional, limitando-se apenas em reproduzir cenas da
história indígena, da herança asteca.
[...] O índio, tema original da arte mexicana, se encontrava arraigado a
uma epopeia do passado. Era “fonte de evocações anedóticas,
puramente exteriores”. Não tinha relação com as comunidades
indígenas de sobreviventes oprimidos e explorados. E mais, a
mentalidade dos intelectuais das primeiras décadas do século era
considerar que o defeito de ser índio desaparecia graças à magia da
educação que o convertia em mestiço. A reinvindicação de uma
mitologia mestiça se reconhecia em um clássico indígena, não na
recuperação social, nem cultural dos indígenas de carne e osso e sua
diversidade cultural. (HERNER, 2004, p. 49).
Após La Creación, e mesmo no dia de sua inauguração, Rivera não estava ainda
satisfeito com o seu primeiro mural. A partir dos murais da SEP, iria incorporar
170
seguidamente, até 1930, os elementos que formariam a identidade do muralismo
mexicano. Para tornar inteligíveis esses elementos, destacamos aspectos relacionados à
estética, à execução da obra e à motivação política.
Em relação à estética, sobressaem: as figuras modernistas (as figuras gorduchas
opostas às formas helenizadas do século XIX), os motivos populares e as cores; na
execução das obras: o uso do macacão dos operários (no início do movimento muralista,
o macacão era um adereço de afirmação ideológica, tornava os artistas mais proletários),
a criação da obra artística a partir de um trabalho coletivo, a monumentalidade do
mural, o pagamento por metro quadrado, a organização e o ambiente coletivo dos
pintores e o papel do Estado; em relação à motivação política, destacam-se o
nacionalismo anti-oligárquico, a história da Revolução mexicana a partir do
protagonismo popular, a dialética alegórica, a inclusão dos elementos indígenas
relacionados ao índio vivo, a crítica social, a questão agrária e a revolução popular ou
socialista.
Figura 37 – Orozco de macação, em cima de uma escada, uma imagem típica dos
"pintores proletários" muralistas.
Fonte: ROCHFORT, Desmond. Mexican Muralist: Orozco, Rivera, Siqueiros, São Francisco: Chronicle
Book, 1998.
171
Todos esses elementos têm um profundo vínculo com a ideologia revolucionária
que os comunistas defendiam, e era a necessidade de se fazer propaganda revolucionária
entre o povo que fez dos murais “as artes para as massas populares”.
A maioria dos muralistas, como havia acontecido com outros intelectuais
marginalizados pelo Estado oligárquico latino-americano, havia vivido sem o
reconhecimento dos limitados círculos que povoavam as academias, universidades e
círculos artísticos. Para muitos, essa marginalização os aproximou da crítica liberal, e os
mais destemidos encontraram a classe operária e o movimento radical.
Esse foi o caminho de Ricardo Flores Magón, González Prada, Lima Barreto e
até Euclides da Cunha. Após a Revolução Russa, a referência revolucionária migrava do
anarquismo para a Revolução Russa e sua expressão política, o Partido Comunista e
suas seções nacionais da Internacional Comunista.
172
Figura 38- Ilustração de Rivera na capa da revista soviética Krasnaya Niva (1928)221
Fonte: TIBOL, Raquel. Diego Rivera. Gran Ilustrador, México: RM/Galera, 2008,p. 183.
221
Rivera esteve em 1927 na URSS e foi recebido como um grande artista mundial pelo governo
bolchevique. Junto com Siqueiros e Maiakovski esteve em uma reunião com Stalin, que Siqueiros
relembra em suas memórias. “No nos fue difícil hablar con Stalin. (...) Maiakovski, naturalmente, sirvió
de intérprete, hablando com nosotros en perfecto francês (...) ‘Camarada Stalin: Estos compañeros
mexicanos, cabezas del gran movimiento muralista mexicano, que en mi concepto constitui la mejor
manifestación internacional de lo que debe ser un arte expresión del proletariado revolucionario,
consideran, como yo, que el Estado soviético, la más revolucionaria manifestación del mundo, a través
de su historia, en lo que se refiere al Estado, no puede seguir considerando en la práctica como su arte
oficial el academismo de las escuelas gubernamentales de Bellas Artes (...) Estos camaradas pintores
creen, como yo, que a la transformación revolucionaria del país en el orden de la política y de la
economía, debe corresponder una revolución igualmente trascendente en el orden de la estética, pero
que esta revolución no parece surgir aún em ninguna parte y en la menor proporción’ Stalin, que desde
el primer momento me dio la impresión, por su físico, de un general mexicano, con sus bigotes entonces
estrictamente negros, su cráneo aplastado de adelante y un poco sobresaliente de la parte de atrás, su
frente más bien reducida, su actitud silenciosa, sus modales reposados, se levantó lentamente del sillón
adonde se sentó inmediatamente después de nuestra entrada, encendió con lentitud su pipa, mientras se
veía claramente que estaba meditando su respuesta, para después decirnos lo siguiente: ‘Es indudable
que a la Revolución política del pueblo soviético deberá corresponder una equivalente revolución en el
campo de la cultural., en general, y del arte, en particular. Pero, desgraciadamente, las revoluciones
culturales o artísticas no se producen paralelamente a las revoluciones po!iticas. Y esto los ideólogos del
marxismo, nuestra doctrina fundamental, nos lo explican hablando de la superestructura de toda
sociedad. Si observamos bien lo acontecido al respecto en el mundo entero, veremos que durante un
cierto tiempo, a veces durante muchos siglos, las nuevas civilizaciones continuan bebendo en orden del
arte de las fuentes que han debido destruir. Tal es el caso del cristianismo.’” (SIQUEIROS, 1977, p.235)
173
A carteirinha de militante do PCM de Rivera tem o número 992, ingresso nos
últimos meses de 1922 (WOLFE, 1989, p. 132), e pressupõe que 991 militantes
ingressaram no PCM antes que Rivera. Esse dado não corresponde ao número de
militantes do PCM na época, já que muitos haviam se desfiliado, ou mesmo podemos
duvidar se o PCM utilizava a mesma contagem para cada local do partido, ou ainda,
podiam utilizar uma contagem errada propositalmente, a fim de contrainformar uma
possível repressão, coisa comum no movimento comunista. O fato é que 3 anos após a
fundação do Partido Comunista, os artistas que ambicionavam revolucionar as artes no
México entravam em bloco no Partido e logo fundariam um sindicato para organizar a
sua “classe”.
Desde que desembarcou de volta ao México, Rivera já havia comparecido às
comemorações do 1º de Maio que os comunistas organizavam, e também nos cafés em
Paris, onde havia convivido com exilados russos, já se mostrando simpático à
Revolução Russa. Em 1922, a partir do contato com Rosendo Gómez, Rivera entrou
para o PCM e junto com ele também Siqueiros e Xavier Guerreiro. Rosendo era um
espanhol nascido nas Ilhas Canárias, que com menos de 20 anos já havia entrado para o
PCM através da Juventude Comunista. Notabilizou-se na liderança da luta inquilinária
na Cidade do México, sendo depois eleito para o Comitê Central do Sindicato
Inquilinário. Em 1923, seria Secretário Nacional do PCM. O partido, nos primeiros anos
da década de 1920, era praticamente dirigido pela Juventude Comunista.
A entrada dos artistas no Partido modificou profundamente seu funcionamento,
trouxe prestígio e representatividade nacional. A partir desse momento, o Partido não
apenas atuava em meio aos trabalhadores proletários urbanos e jovens, mas começava a
influenciar o meio intelectual mais vibrante e inovador que despontava no México.
Como já expomos, podemos dizer que o primeiro documento que inaugura o
muralismo é o Manifesto que Siqueiros escreve ainda na Espanha, o qual poderia ser um
documento inaugural do modernismo no México, como uma proposta inovadora de
mexicanidade, que pretendia ser universal e cosmopolita, exaltando Cézanne e
criticando o academicismo, além de reivindicar uma maior aproximação das artes
antigas americanas (maias, incas e astecas), e assim construir para uma arte
genuinamente mexicana.
Esse manifesto está de acordo com todo o movimento nacionalista e modernista
174
que começava a pulular pela América Latina. O segundo passo, segundo Siqueiros, foi a
retomada do muralismo, abertamente relacionado com essa valorização das artes préhispânicas, já que eram bastante conhecidos os murais que haviam sido encontrados nas
ruínas, e particularmente das ruínas de Teotihuacán. O salto fundamental para a criação
do movimento foi a criação do Sindicato de Operários, Técnicos, Pintores e Escultores
(SOTPE).
O Sindicato de Operários, Técnicos, Pintores e Escultores
Pois bem, para conseguirem muros, é necessário que se organizem.
Por que não começam desde logo a formar uma organização?
(SIQUEIROS, s.d. in JAIME, 2012, p. 17).
A criação do sindicato fez parte desse entusiasmo pelo movimento operário que
o contato com o PCM propiciou. Exceto Rivera e Orozco, todos os outros pintores eram
bastante jovens, e logo suas aspirações por inovar tomaram a forma de um grupo, que
em seus debates sairiam as principais características que marcariam o movimento
muralista de 1923 em diante. Quase que instintivamente reproduziram a forma de
organização mais tradicional do proletariado, o sindicato. Essa organização tinha o
papel de defender os interesses dos pintores de uma forma coletiva, o que era de se
esperar para uma organização sindical, mas, acima de tudo, servia para demonstrar a
adesão daqueles artistas ao movimento proletário, sua filiação ideológica e suas
intenções políticas.
A pintura mural foi iniciada sob muito bons auspícios. Até os erros
que cometeu foram úteis. Rompeu a rotina em que havia caído a
pintura. Acabou com muitos preconceitos e serviu para ver os
problemas sociais desde novos pontos de vista. Liquidou toda uma
época de boêmia embrutecedora, de mistificação que viviam uma vida
de zangões em sua “torre de marfim”, infecto tugúrio, alcoolizados,
com um violão nos braços e fingindo um idealismo absurdo, mendigos
de uma sociedade já muito podre e próxima de desaparecer. Os
pintores e os escultores de agora seriam agora homens de ação, fortes,
sãos e instruídos; dispostos a trabalhar como um bom operário, oito ou
dez horas diárias. Meteram-se nas oficinas, nas universidades, nos
quartéis, nas escolas, ávidos por saber e entender tudo e de ocupar o
quanto antes o seu posto na criação de um mundo novo. Vestiram
macacão e subiram nos andaimes. (OROZCO, 1971, p. 61).
O sindicato se formou, e logo lançou um manifesto, em que expunha os
175
objetivos da organização. O Manifesto do SOTPE222 foi publicado em dezembro de
1923 e se dirigia à “raça indígena humilhada durante séculos, aos soldados convertidos
em verdugo pelos pretorianos, aos operários e camponeses açoitados pela avareza dos
ricos; aos intelectuais que não estejam envelhecidos pela burguesia” (SIQUEIROS et
al., 1923, s.p.). Além disso, de forma entusiástica, declarava que os levantes militares de
Enrique Estrada e Guadalupe Sánchez deixavam clara a situação política e social do
país: “de um lado a Revolução Social mais ideologicamente organizada que nunca, e do
outro lado a burguesia armada”. (Ibidem).
Essa análise “clara” da situação política e social mexicana demonstra, por um
lado, que os pintores dominavam pouco as teorias sociais de análise da realidade
política, e, por outro, que a leitura que faziam do leninismo era ainda muito simplista e
sob o prisma do sindicalismo revolucionário e do anarquismo, que mantinha, como
demonstramos até aqui, a simples análise binária e dualista das sociedades periféricas: a
divisão entre burgueses e proletários, sem compreender o papel das classes não
proletárias no processo revolucionário. Nesse sentido, podemos também perceber que
os termos utilizados no manifesto fazem parte mais da prédica liberal antioligárquica
e/ou dos anarquistas que os conceitos utilizados pelo leninismo. Como veremos através
da obra de Diego Rivera ao longo da década de 1920, a influência do leninismo na
interpretação da história e da identidade estética mexicana se desenvolve de maneira
crescente.
Figura 39 - A aristocracia, de José Clemente Orozco.
Fonte: ANTIGUO Colegio San Ildefonso. Conaculta, 2000 .
222
SIQUEIROS, David Alfaro et al. Manifiesto del Sindicato de Obreros Técnicos Pintores y Escultores,
Cidade do México, 1923. Disponível em:
<http://icaadocs.mfah.org/icaadocs/ELARCHIVO/RegistroCompleto/tabid/99/doc/751080/language/esMX/Default.aspx>. Acesso em: 27 mar. 1922.
176
O manifesto prossegue, após denunciar a movimentação militar, falando sobre a
desaparição da velha ordem e o surgimento de uma nova, erguida pelos operários,
soldados indígenas “de nossa raça como força étnica, brota [...] sua faculdade admirável
e extraordinária particular de fazer beleza: a arte do povo mexicano é a manifestação
espiritual maior e melhor que há no mundo. E sua tradição indígena é a melhor de
todas” (Ibidem, s.p.). Depois de exaltar a raça indígena, e de onde, portanto, brota a
beleza do México, explica: “e é grande porque sendo popular, é coletiva e é por isso que
vosso objetivo estético fundamental radica em socializar as manifestações artísticas
tendendo à desaparição absoluta do individualismo, por burguês”.
Sem muita coerência teórica, o manifesto já apontava temas que seguirão sempre
o movimento: a necessidade de se popularizar as artes, a inspiração nas artes populares
mexicanas, relacionando a herança dos povos que viveram no território mexicano com
os camponeses, índios e trabalhadores contemporâneos, e o combate ao individualismo
burguês nas artes. Assim elegia o que lhes parecia o oposto ao muralismo “proletário”
que pretendiam criar: a pintura “de cavalete”. Em alguns debates, a pintura de quadros
pequenos “de cavelete” foi vista como uma traição ao movimento, depois esse aspecto
mais relacionado à forma de se fazer a arte se esvaziou para dar lugar ao debate com
mais conteúdo.
Lutaremos por evitar [o governo burguês], porque sabemos que o
triunfo das classes populares trará consigo um florescimento, não
apenas na ordem social, senão um florescimento unânime na arte
étnica, cosmogônica e historicamente transcendental na vida de nossa
raça, comparável às nossas admiráveis civilizações autóctones.
(MANIFESTO dos Pintores..., 1923, s/p.).
Claramente os pintores estabelecem um vínculo entre estética e política, entre
ideologia revolucionária e o movimento artístico que começavam a construir.
O triunfo de De la Huerta, de Estrada ou de Filtres estética como
socialmente seria o triunfo do gosto da mecanógrafias: A aceitação
crioula e burguesa (que tudo corrompe) da música, da pintura e da
literatura popular, o reino do “pitoresco”, do “kewpie” norteamericano e da implantação oficial do “l’amore e como zuchero”. O
amor é como açúcar. (Ibidem, s.p.).
Embora o documento expresse uma reivindicação pelo florescimento das artes a
partir da tradição indígena popular, o manifesto é claro em seu posicionamento
177
ideológico, e em uma perspectiva que associa a ideologia e as interpretações da situação
política com as artes, sua execução, apresentação e conteúdo.
Não queremos tornar absolutas as relações entre a análise política do PCM e o
muralismo, mas a obra de Diego Rivera na SEP é a melhor expressão das primeiras
tentativas de se interpretar a realidade mexicana, e latino-americana, a partir da
influência do marxismo-leninismo e da Revolução Russa. Do mesmo modo, os murais
pintados na Universidade de Chapingopor Rivera seriam uma tentativa de expressar o
programa agrário do PCM. Sabemos que as obras de arte fazem parte de uma linguagem
diferente de um programa partidário, e os autores são por demais individualistas para
conseguirem expressar o posicionamento partidário. Mas Rivera e outras obras murais,
pela relação dos autores com o Partido, apresentam-nos aspectos do esforço
interpretativo que os primeiros comunistas latino-americanos, à luz do marxismoleninismo, tentaram elaborar.
Na assinatura do manifesto consta Siqueiros como Secretário Geral do Sindicato,
Rivera como 1º Porta voz, e Xavier Guerrero como 2º porta-voz. Assinam também:
Fermin Revueltas, José Clemente Orozco, Ramon Alva Guadarrama, German Cueto e
Carlos Merida.
Figura 40 - La Siembra, de Fermín Revueltas (1932)
Fonte: ZURIÁN, Carla. Fermín Revueltas:Constructor de Espacios, México: RM e INBA, 2002, p. 74.
178
Siqueiros ao longo de toda a sua vida seria o “teórico” do muralismo, e, dentre
os Três Grandes, o que mais produziu em termos de debate teórico acerca das artes, do
papel da ideologia e da política. Na década de 1920, seria mais atuante como dirigente
sindical no PCM do que como pintor de murais. Enquanto isso, Rivera será o mais
importante pintor do muralismo nessa fase, sendo a sua obra na SEP reconhecida no
mundo inteiro. (WOLFE, 1989, p.146)
Figura 41 – Desenho de Fermín Revueltas (1934)
Fermín Revuletas (1902-1935) foi um dos precursores do muralismo mexicano, teve importantes trabalho
de gravura publicados em periódicos. Morreu com apenas 34 anos de idade. Fonte: ZURIÁN, Carla.
Fermín Revueltas:Constructor de Espacios, México: RM e INBA, 2002, p.115
179
As primeiras interpretações visuais marxistas da história do México: os Murais da
SEP e de Chapingo
Após pintar La Creación em 1922, Rivera consegue de Vasconcelos um contrato
para pintar as paredes da Secretaria de Educação Pública, na Cidade do México. Nessa
obra, Rivera rompeu definitivamente com as temáticas bizantinas e a concepção que
dirigiu a concepção de La Creación para definitivamente assumir unicamente a estética
e os motivos mexicanos.
Entre o ano de 1923 e 1930, período que recortamos nesta pesquisa, Rivera
elaborou 3 importantes conjuntos murais, e inicia outro, além de colaborar com diversos
desenhos e gravuras. Poucos desses trabalhos estiveram alheios à problemática social.
Aliená-lo da prática política de Rivera significaria não compreender o significado e as
motivações de sua obra.
Figura 42 - Quetzalcóatl antimperialista
A serpente emplumada (ou Quetzalcóatl) é uma importante divindade mesoamericana. Na ilustração de
Rivera há uma tentativa de se aplicar diversos recursos simbólicos para um sentido político. Dois
camponeses mexicanos armados com uma serpente emplumada retomam a mala de dinheiro do Tio Sam.
Há também nesse desenho o recurso da oposição dialética das classes sociais (de um lado o imperialismo
e de outro os camponeses e revolucionários mexicanos), recurso que depois Rivera irá desenvolver mais.
Fonte: TIBOL, Raquel. Diego Rivera. Gran Ilustrador, México: RM/Galera, 2008, p. 94-95.
A partir de março de 1923, Diego Rivera começou o primeiro dos seus murais na
Secretaria de Educação Pública, uma série de 124 afrescos, nas paredes de três andares
desse prédio, que cobrem 1.548 metros quadrados, e terminou essa obra monumental
em 1929. Ao longo desses anos, o Partido Comunista Mexicano, do qual Rivera fez
parte do Comitê Central, passou por diversas transformações em sua linha política, e o
próprio Rivera se notabilizaria no mundo a partir dessas obras.
Esses murais seriam a inauguração tão celebrada do muralismo mexicano. O
180
estilo que Rivera imprimiria a esses afrescos influenciou uma geração de muralistas, e
ao longo desse trabalho Rivera aprimorou sua interpretação marxista da história e a
composição de classes do México. A datação de cada mural não é simples, já que na
maior parte não existe um registro na assinatura com a data. Por outro lado, mesmo nos
que têm um registro de data, cada mural era composto como parte de uma obra toda, e
por vezes Rivera pintava uma parte de um e logo passava para outro sem terminar o que
havia começado, e logo retornava para outro que estava pintando antes. Os murais
também são feitos de maneira demorada, sendo que a dinâmica da vida de Rivera
também interrompia os trabalhos murais, e a própria militância impedia uma
continuidade que nos possibilitasse uma datação precisa. Para estabelecer alguma lógica
no desenvolvimento desta obra de Rivera, começamos datando os rascunhos dos murais.
Rivera sempre fazia rascunhos (bocejos), antes de produzir os murais com grande
precisão e cálculo. Os que pudemos ver não tiveram mudanças em relação aos murais,
de maneira que utilizamos a data dos rascunhos como referência para organizarmos o
desenvolvimento da interpretação marxista da realidade mexicana que Rivera pretendeu
imprimir através de seus murais.
Figura 43 - Planta do 3º andar da SEP, com a numeração dos murais.
Cada número representa um mural. a superfície pintada por Rivera é impressionante: 1585,14 m².
Fonte: SECRETARIA de Educación Pública. Diego Rivera: Catálogo Geral de Obra MURAL y
Fotografía Personal, México: SEP e INBA, 1988.
181
Figura 44 - Rascunho para “La Cooperativa”, Diego Rivera, (1928)
Fonte: RIVERA, 2007, p. 121
Figura 45 – “La Cooperativa”, Diego Rivera (1928)
Fonte: RIVERA, 2007, p. 121
182
Figura 46 – “El Trabajo”, Diego Rivera, 2º andar da SEP (1924)
Fonte: Fotografia do autor.
Figura 47 - Mural simbolizando a aliança operária e camponesa, Diego Rivera (SEP)
Fonte: fotografia do autor.
183
Nas próximas páginas, propomos alguns sentidos políticos-ideológicos para a
obra de Rivera e uma correspondência com o contexto político em que Rivera atuou
durante a década de 1920, basicamente em meio ao PCM. Esses murais são parte das
primeiras interpretações marxistas da história latino-americana, mesmo que não
exatamente como um texto, mas em murais e pinturas.
Os murais da SEP e de Chapingo, por terem sido pintados ao longo dos anos em
que Rivera foi formando a sua percepção marxista da história mexicana, a partir da
sequência em que foi sendo produzido, podemos perceber o desenvolvimento de sua
consciência política.
Figura 48 – “Simbolos da Nova Ordem”, Diego Rivera, Chapingo
Fonte: fotografia do autor.
184
Figura 49 – Coatlicue, deusa mexica
Coatlicue é a deusa mexica da fertilidade, da vida e da morte. O monólito da gravura acima foi
encontrado no século XVIII, e era uma figura conhecida na década de 1920. Provavelmente as mãos
representadas por Rivera em diversos murais, em que mescla símbolos do movimento comunista com a
mão espalmada fazem parte de uma tentativa de encontrar um símbolo do comunismo mexicano. A
gravura está em: LEÓN Y GAMA, Antonio de. Descripción histórica y cronológica de las dos piedras:
que con ocasión del empedrado que se está formando en la plaza Principal de México, se hallaron en ella
el año de 1790. Impr. de F. de Zúñiga y Ontiveros, 1792
Figura 50 – Foto de Tina Modotti, representação do comunismo mexicano.
Tina Modotti fazia parte do grupo de artistas do PCM, e produziu diversas fotografias que ilustraram o
jornal El Machete. Essa famosa fotografia faz parte de uma tentiva de representação do comunismo
mexicano a partir de uma referência tipicamente nacional, o sombreiro. Fonte: CEMOS
185
Não existem indicações exatas das datas, e, embora Rivera avançasse parede a
parede, ia também retocando, e porventura modificando alguma parte já pintada. Não há
registros desse tipo de intervenção. Em algumas assinaturas, Rivera colocou, além do
nome seguido de uma foice e martelo, a data em que concluiu o mural. Mas por essa
data não sabemos quando o painel foi pensado, indicando o momento de suas
“inspirações” político-ideológicas.
Uma forma de descobrir quando foi pensado e projetado cada mural seria através
da datação dos rascunhos que Rivera fazia antes de cada mural, e em grande parte
daqueles a que tivemos acesso, o pintor seguiu, ao menos na composição, o planejado
no rascunho (bocejo) em papel. Não são todos que estão acessíveis ou que conseguimos
encontrar, mas com os que existem publicado podemos traçar um sentido cronológico
geral da obra de Rivera na SEP, entre 1923-1928 e extrair diversas conclusões.
O prédio fica no centro da Cidade do México, em um edifício que ocupa duas
quadras e tem 3 andares, divididos em 3 partes desiguais. Cada andar Rivera dividiu em
duas partes, as quais denominou como “Pátio das Festas” e “Pátio do Trabalho”.
Em cada parte, vê-se um estilo geral diferente, além da mudança temática.
Rivera pintou do primeiro nível até o 3º. Nesse último nível, encontramos uma
expressão mais acabada de sua interpretação da realidade mexicana, além de alguns
avanços técnicos e definições estilísticas que marcariam a identidade dos seus trabalhos.
Começando pelo Pátio do Trabalho no 1º nível, percebem-se as diversas classes
que formam a sociedade mexicana, como o mineiro entrando na Mina, sendo revistado
após sair, camponeses em outro mural, o capataz controlando e subjugando os
trabalhadores, um trabalhador com roupa de operário, uma professora primária rural,
tecelões e índias tehuanas.
Na parte Pátio de Festas do 1º piso, Rivera pinta a queima de judas, o dia dos
mortos, a dança do veado, além de uma cena com os camponeses colhendo milho e
depois festejando.
Além dos motivos pintados por Rivera já serem modernistas, pois procuravam
retratar as tradições populares e as classes trabalhadoras, podemos ver nesses primeiros
murais da SEP as influências político-ideológicas que se debatiam no PCM, como o
assassinato de agraristas, em “la liberación del peón”, algumas foices e martelos
decorando espações, e um painel denominado “Reparto de la tierra o la dotación de
186
Ejidos”, em que Rivera tenta expressar o debate que o PCM estava organizando em
defesa da dotação de Ejidos, contra a partilha individual da terra, que era estimulada
pelo governo Calles.
O 2º nível foi todo pintado antes de 1925, e, embora existam claras referências
ao movimento comunista como a foice e o martelo em algumas alegorias simbólicas
representando “o trabalho” e o “produto do trabalho”, Rivera pretendeu representar
iconograficamente o “trabalho intelectual”, pintando profissões como a medicina, a
agrimensura, a geologia etc. No outro pátio do 2º andar, foram pintados os escudos dos
Estados da federação mexicana.
No 3º nível, que foi concluído em 1928, podemos encontrar uma interpretação
mais elaborada das contradições da sociedade mexicana, além da simples presença
alegórica do marxismo como em foice e martelos, para a representação narrativa da luta
de classes no contexto histórico mexicano, apontando desde as classes sociais e suas
características diretamente relacionadas ao papel de cada classe na produção até a
atuação política e as perspectivas revolucionárias.
Em 1928, Rivera já acumulava 5 anos de atividade política no PCM, inclusive
no CC, havia estado diretamente em contato com as Ligas de Comunidades Agrárias e
participava da Liga anti-imperialista da Américas, com Mella, Tina Modotti, Siqueiros,
Xavier Guerrero e Galván. Em 1927, havia visitado a URSS e assistido as
comemorações dos 10 anos da Revolução Russa. Esse ambiente produziu uma de suas
obras mais famosas, muito popular pelo sentido que assumiu para o movimento
comunista.
187
Figura 51 – “El Arsenal”, Diego Rivera, terceiro andar da SEP (1928)
Neste famoso mural, Frida Kahlo distribui armas para a revolução. Atrás aparecem camponeses com uma
bandeira da LNC, um operário segura a bandeira do Partido Comunista, no canto esquerdo aparece
Siqueiros com um chapeu, e no canto direito, Vitorio Vidali com Tina Modotti, que distribui munições. A
criança é o próprio Diego. Fonte: fotografía do autor.
188
Chapingo, os murais do problema agrário mexicano
A segunda obra importante iniciada em meados da década de 1920 foi a série de
afrescos e entalhes em madeira que atualmente fazem parte da Universidade Autônoma
de Chapingo, onde era a antiga Escola Nacional de Agricultura. O contrato entre Rivera
e a Secretaria de Agricultura do Governo Obregón foi assinado em meados de 1923, e
durou até 1928, quando Rivera entregou o saguão e a escadaria do edificio principal,
além da decoração da Capela, que depois seria chamada de “Capela Riveriana”. Os
temas desse conjunto de murais foi a agricultura, a terra e o homem do campo. Do
mesmo modo que a SEP, não houve uma sequência simples na execução da obra e por
isso não é fácil estabelecer uma ordem nas pinturas. Mas podemos estabelecer alguma
lógica e sentido.
Figura 52 – “Reparto de tierras”, Diego Rivera, Chapingo (1924)
Fonte: RIVERA, 2007, p. 144
189
No saguão do prédio principal e na escadaria, Rivera reproduziu muitos temas
que também pintou na SEP. Mas se dedicou particularmente ao movimiento agrarista, a
luta pela terra, aos pistoleiros, ao assassinato de agraristas e a unidade operária e
camponesa, simbolizada pelo camponês e pelo operário dando as mãos e um lema
escrito acima, que diz “Aquí se ensina a explorar a terra, não aos homens”. Em “El
Buen Gobierno”, pintado na escadaria, aparece um camponês armado, com suas
ferramentas de trabalho, junto de um militar revolucionário e um operário, de macacão e
um martelo na mão.
No pátio da reitoria, aparece uma cena de corte da terra entre os camponeses, em
outra, um topógrafo. E, por último, a antiga capela, que tem uma série de pinturas nas
abóbodas e demais estruturas que compõem aquela arquitetura. No centro, há a
representação da mãe terra, pintura baseada em Lupe Marín (1897-1981) grávida, sua
esposa na época, e a representação da fertilidade, os elementos como o fogo, a terra e a
água, além dos frutos da terra, o vento e outras representações da natureza e dos frutos
do trabalho do homem, como a eletricidade.
No centro da capela, há oito painéis que representam a transformação social
comparadas com as da evolução natural. O primeiro, “la formación del liderazco
revolucionário”, trata o desenvolvimento da opressão contra os camponeses e operários
pelo latifúndio e os capitalistas, e seus instrumentos de violência, como o capataz. O
segundo grupo chamou-se “tierra oprimida”, em que aparecem os opressores do
México, representado pelo “corpo-geográfico” de uma mulher (Lupe Marín) e com um
militar com uma máquina de gás e espada e pistola na mão, representando a violência.
Um gordo loiro, no canto esquerdo, representa o imperialista norte-americano. Em
“trilogía de la revolución”, aparecem os camponeses em três painéis. O primeiro se
organizando para a luta pela terra, no segundo chorando os mártires, e no terceiro o
“triunfo da revolução”, com os camponeses com comidas fartas, o apoio do operário,
em meio a crianças e mulheres.
Na parede esquerda da Capela, aparece um homem de vermelho, apontando para
uma direção, de macacão, camisa vermelha e sombreiro típicamente mexicano. Uma
alusão à classe operária mexicana apontando a direção para os outros, que cruzam a
foice e martelo mais abaixo, em representação da aliança operário e camponesa. Esse
painel chama-se “El agitador”.
Rivera depois aperfeiçoaria as suas alegorias, trabalharia de forma mais
190
complexa as composições sociais de suas obras, utilizando do artifício de caricaturas de
pessoas conhecidas da história, batalhas, gestos e outros símbolos de expressão, que
tornariam os murais uma espécie de história em quadrinhos, cheia de detalhes, de
mensagens e intenções.
Uma das primeiras formas de expresar o movimiento comunista com
características mexicanas esteve em uma figura repetida em várias obras. Uma foice e
um martelo com uma ou duas mãos espalmadas, em alusão à simbologia asteca, que
utilizava essa mão aberta em vários monolitos, e particularmente na representação da
deusa nahua da vida e da norte, Coatilicue. (figura 49) Depois Rivera abandonaria esse
tipo de composição, para dar lugar às representações da história mexicana, como a
pintura do Palácio Nacional. Tina Modoti fotografou uma representação do movimento
comunista mexicano com uma intenção parecida à de Rivera, mas, ao invés da mão
nahua, preferiu utilizar a foice e o martelo por cima de um sombrero, que representava
os agraristas mexicanos. (Figura 50)
Figura 53 - Porta da Capilla Riveriana, desenho de Diego Rivera, Chapingo (1929)
Essa porta foi desenhada por Diego Rivera e talhada por Abraham J. Lopez y Hermanoen Fonte:
fotografía do autor
191
Figura 54 - Porta da Capilla Riveriana, desenho de Diego Rivera, Chapingo (1929)
Neste trabalho Rivera utiliza o recurso da oposição dialética: de um lado a foice e o martelo, e de outro o
capitalismo e o latifundio. Fonte: fotografía do autor.
Figura 55 - Mural de Rivera em que os trabalhadores decidem o seu destino.
Fonte: fotografía do autor.
192
Figura 56 - Detalhe do Mural de Chapindo, em que o capataz dos fazendeiros seguram
um papel dizendo: "eu defendo meus amos contra meus próprios irmãos"
Fonte: fotografia do autor
Figura 57 - Detalhe do teto da Capilla Riveriana, em Chapingo.
Um dos muitos murais em que Diego Rivera procurou colocar entre as figuras o simbolo do comunismo.
Fonte: fotografia do autor.
193
Figura 58 – Aliança operário e camponesa, Chapingo.
Fonte: fotografia do autor.
194
A crise do Estado Brasileiro e o tenentismo
O Estado oligárquico no Brasil se consolidou a partir da conhecida Política do
Café com Leite, com a fórmula de alternância ente candidatos paulistas e mineiros na
Presidência da República. Atualmente se questiona se essa alternância foi seguida à
risca, mas o que está claro é que o Estado brasileiro estava sob hegemonia dos interesses
dos fazendeiros do café, principalmente de São Paulo, que mantinham o domínio
político e o controle sobre outras oligarquias regionais.
(...) a oposição regional não se traduz, ao longo da Primeira
República, em um conflito aberto. Pelo contrário, a fermentação em
torno das candidaturas adversárias do eixo São Paulo – Minas morre
com o fim dos pleitos e as oligarquias menores tratam de mostrar sua
solidariedade ao novo governo.
A antecipação revolucionária dos "tenentes" - sintoma gravíssimo de
uma crise que se instala no aparelho do Estado - liga-se a uma dupla
frustração. De um lado, a burguesia cafeeira confere ao Exército um
papel subordinado; de outro, a cúpula militar aceita este papel e entra
em acordo com as oligarquias. O movimento tenentista não se volta
apenas contra os quadros dirigentes civis da República Velha:
(FAUSTO, 1972, p.92)
Com o início dos anos de 1920 começaram a aparecer as primeiras fraturas no
pleito sucessório, em que São Paulo e Minas Gerais apoiaram Artur Bernardes e os
Estados do Rio de Janeiro, Bahia e Rio Grande do Sul escolheram Nilo Peçanha. Artur
Bernardes é eleito, mas com um Governo enfraquecido, abre-se espaço para que
diversas insatisfações que fermentavam na classe operária e, principalmente, entre as
camadas médias urbanas, emergissem. (CARONE, 1989, p.58)
A faísca que acendeu a pólvora foi a Rebelião Militar de 5 de Julho de 1922, no
Rio de Janeiro. Levantaram-se contra o Governo, tropas do Forte de Copacabana e da
Escola Militar, que faziam parte de uma conspiração maior. Por estarem liderados por
muitos tenentes, a rebelião ficaria conhecida como movimento tenentista ou tenentismo.
Os tenentes marcharam do Realengo à Praia de Copacabana. Cercados, a
guarnição decidiu-se pelo sacrifício e o episódio ficou conhecido como “Os 18 do
Forte”, sem chance de vitória militar sob as forças legalistas. Houve processos, prisões e
mais conspirações, até que no mesmo dia 5 de julho de 1924, há exatos dois anos da
Rebelião, surgiu a rebelião militar comandada pelo General Isidoro Dias Lopes.
A gravidade da situação era bem maior que o ocorrido dois anos antes. Os
195
combates na cidade de São Paulo duraram até 28 de julho, com a vitória das forças
governistas e a retirada dos rebeldes, cerca de 3000 homens, para o Paraná. No final do
ano de 1924 e início de 1925 ainda havia combates entre as forças rebeldes e
governistas, até que parte dos “tenentes” capitulou em Catanduvas. (SODRÉ, s/d,
s/p.)223
No final de 1924, após a rebelião da guarnição da região de Santo Angelo,
comandada por Luís Carlos Prestes, foi possível agrupar cerca de 1500 homens e
marchar ao encontro da Coluna Paulista. Em 14 de abril de 1925, os gaúchos
conseguem encontrar os paulistas, comandados por Miguel Costa.
A Coluna foi reorganizada e Prestes assumiu o comando como chefe do EstadoMaior. Prestes defendeu a posição de manter a luta em território brasileiro. Com a
vitória de sua direção, supera-se as posições de alguns líderes do movimento que
pretendiam buscar exílio nos países vizinhos.
Figura 59 - Comando da Coluna Prestes (1925)224
Fonte: CPDOC/FGV, retirado de: FIGUEIREDO, Lucas. Ministério do silêncio. São Paulo: Record, 1925.
Os revolucionários romperam o cerco das forças governistas, marchando em
direção ao Mato Grosso e se estabelecendo em 11 de maio em Ponta-Porã. A Coluna
223
Utilizamos uma versão eletrônica de Sodré: SODRÉ, Nelson Werneck. A Coluna Prestes - Análise e
Depoimentos. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/67132855/A-Coluna-Prestes.> Acesso em: 27
mar 2014.
224
Luis Carlos Prestes está de pernas cruzadas, o terceiro sentado da esquerda para a direita.
196
Prestes passou por Goiás, Pará, Minas Gerais, Bahia, Maranhão, Piauí, Pernambuco,
Ceará, Rio Grande do Norte ao longo de pouco mais de 2 anos, cobrindo mais de 25 mil
quilômetros.
Em uma carta de Prestes dirigida ao General Isidoro, dizia: “A guerra no Brasil,
qualquer que seja o terreno, é a guerra de movimento. Para nós revolucionários o
movimento é a vitória. A guerra de reserva é a que mais convém ao governo que tem
fábricas de munição, fábricas de dinheiro e bastantes analfabetos para jogar contra as
nossas metralhadoras” (PRESTES, 1925 apud PRESTES, 1990, p.149)
Anita Prestes (1990, p. 82) explica:
Quando Luiz Carlos Prestes, à frente da Coluna que mais tarde tomou
seu nome, inaugurou uma nova tática – a "guerra de movimento"–
até então desconhecida dos militares brasileiros, os generais a serviço
do governo ficaram perplexos, desnorteados e sem saber como agir.
Seus conhecimentos de arte militar não lhes permitiam defrontar com
êxito as novas formas das investidas rebeldes, de suas manobras e
emboscadas. Apesar da sua superioridade em armamento, efetivos
militares e apoio logístico, as forças da "legalidade" não conseguiriam
derrotar a Coluna Prestes, que partiria invicta para o exílio.
A ideologia que guiava os revolucionários era uma combinação de diversos
inconformismos com a ordem política, sem um programa claro225, e após diversos
combates e a extensa marcha pelo interior do Brasil, a Coluna decide-se por sair do país.
Com cerca de 600 homens, 90 fuzis, 4 metralhadoras e desmunidos, a Coluna
Prestes, no dia 3 de fevereiro de 1927, entrou em território boliviano, dissolvendo-se no
exílio.
Militarmente a Coluna sairia invicta, como diriam nos anos posteriores, mas o
feito dos tenentes alimentou a insatisfação contra o governo, que respondeu com
intermináveis Estados de Sítio, que duraram até 1927.
Esse período correspondeu ao início da construção do PCB, com o retorno de
Astrojildo Pereira da URSS em 1924 – com o reconhecimento do PCB pela IC – e o
início da primeira tentativa de interpretação marxista da realidade brasileira.
Astrojildo retornaria da URSS no ano de 1924, quando a IC aplicaria a palavra
de ordem do V Congresso da IC (1924), que centrou-se na formação de frentes únicas
Não iremos nos aprofundar na “ideologia” que guiava a Coluna, já que não há um impacto dessas
concepções políticas no movimento comunista aqui estudado. Brandão e Astrojildo qualificavam os
tenentes “pequenos-burgueses” como confusos. Para conhecer os manifestos e programas gerados pela
Coluna ao longo de sua marcha, ver: PRESTES, Anita Leocádia. A Coluna Prestes. São Paulo:
Brasiliense, 1990. O clássico sobre a Coluna, além do livro de Anita Prestes: MOREIRA LIMA,
Lourenço. A Coluna Prestes – marchas e combates. São Paulo: Alfa-Omega, 1979.
225
197
(embora não apenas eleitorais) e na bolchevização dos Partidos Comunistas. Para o
PCB, significaria a necessidade de organizar o Partido e estabelecer uma análise da
sociedade brasileira que possibilitasse um programa que direcionasse as alianças
possíveis para o PCB.
As prisões e o Estado de Sítio dificultaram muito a atividade política do Partido,
mas em 1925, os comunistas conseguiram traduzir pela primeira vez no Brasil o
Manifesto Comunista, publicar uma série de livros clássicos do Movimento
Comunista226 e fundar um jornal do Partido, o “Classe Operária”227, que correspondia à
orientação do V Congresso da IC.
Em 1925, entre os dias 16, 17 e 18 de maio, Astrojildo e Octávio Brandão, os
dois principais dirigentes do PCB, começaram a elaborar a 1ª análise da realidade
nacional, que seria depois, em 1926, publicada em um livro com o nome “Agrarismo e
Industrialismo” por Octávio Brandão, mas que apareceu publicado sob o pseudônimo de
Fritz Mayer228, com “edição” em Buenos Aires para despistar a polícia229.
Agrarismo e industrialismo
Octávio Brandão não esteve entre os fundadores que se reuniram entre os dias 25
e 26 de março de 1922 para constituir o PCB. Brandão era um jovem farmacêutico
alagoano que havia entrado em contato com os grupos anarquistas após uma decisão da
COB em expandir o movimento para outros Estados. Everardo Dias foi viver em
Pernambuco e assim pudesse organizar o proletariado no nordeste.
Dessa ida, surgiram alguns contatos, particularmente Octávio Brandão e
Canellas, que depois passaram a publicar jornais para a propaganda anarquista e a
organização do proletariado.
“Assim, na pequena farmácia da rua General Câmara 307, a partir dos meados de 1922, pela primeira
vez na vida, li em traduções francesas os livros de Marx, Engels e Lênin – os três maiores Mestres de toda
a Humanidade. Comecei lendo O Estado e a Revolução, A Moléstia Infantil do ‘Esquerdismo’ no
Comunismo de Lênin e o Manifesto Comunista de Marx e Engels. (BRANDÃO, 1978, p. 231)
227
“A IC escreveu ao PCB, a 10 de julho de 1923, recomendando-lhe que transformasse a revista
Movimento Comunista num jornal operário de massas. Esta recomendação tornou-se uma realidade em
1925, com a fundação do jornal A Classe Operária.” (BRANDÃO, 1978, p.222)
228
Octávio Brandão utilizaria esse nome Fritz Mayer para publicar em outros órgãos da imprensa
comunista, como Correspondencia Sudamericana.
229
“No meio de grandes perigos, com precauções ainda maiores, à noite, o trabalho de composição e
impressão recomeçou na mesma tipografia. Finalmente, no Rio de Janeiro, em abril de 1926, sob o estado
de sítio, Agrarismo e Industrialismo apareceu com o pseudônimo de Fritz Mayer e a menção de ter sido
editado em Buenos Aires, a fim de desorientar a polícia.” (BRANDÃO, 1978, p.286)
226
198
Antes que viessem ao Rio de Janeiro integrar a direção comunista, Brandão
chegou a escrever um livro em que, com linguagem poética procurava descrever a
geologia de sua terra natal.230. Seu esforço por contribuir com as ciências nacionais e a
militância revolucionária o levaram ao Rio de Janeiro, e nesta cidade procurou
contribuir não apenas com a organização do PCB, mas também com a elaboração
teórica e com a propaganda do Partido.
Entre os anos de 1920, além dos artigos de Astrojildo, foi através da pena de
Brandão que o PCB procurarou incorporar o marxismo como método de análise da
realidade nacional. O estilo ousado, afirmativo e cheio de frases de efeito é uma
característica do comunista alagoano, e essas peculiaridades de sua personalidade, são
marcantes em “Agrarismo e Industrialismo”.
O livro começou a ser escrito logo após a segunda revolta de 5 de julho, em
1924231, concluindo um mês depois a “parte fundamental”, com a qual pode debater
com outros companheiros. Brandão escreveu em 1925 e 1926 as duas últimas partes.
O livro está centrado na identificação das causas da revolta militar e em quais
forças sociais estão em conflito. Brandão encontrou uma contradição entre “a vontade
de dominação dos grandes industriais, cujos interesses muitas vezes são desprezados
pelos grandes fazendeiros de café.” (BRANDÃO, 2004, p.27) Ou seja, o Brasil estava
dominado pelo “agrarismo”232, que significava o atraso feudal da economia rural,
marcada pelo domínio dos coronéis, particularmente pela elite cafeeira que impunha
suas demandas ao país.
Para acentuarmos ainda mais a Medievalite Nacional, vamos citar
outras manifestações. Ficará assim fora de dúvida que o Brasil ainda
é, no conjunto, um país medieval, atrasado, sob este ponto de vista,
cinco séculos no mínimo.
Manifestações econômicas: A miséria do povo. A igreja católica livre
de imposto
Manifestações políticas: O autoritarismo paterno sobre a família. Os
padres, livres do serviço militar. Os bispos como intermediários nas
lutas políticas - ver as atitudes do cardeal Sebastião Leme na
presidência Epitácio e do arcebispo de São Paulo durante a revolta. A
tendência, em Afonso Celso, para a monarquia aliada à Igreja. A
tendência, em Jackson de Figueiredo, filho espiritual dos absolutistas
230
O raríssimo livro de Brandão, Canais e Lagoas, mistura poesia com naturalismo e geologia.
BRANDÃO, 1978, p.284
232
A palavra agrarismo para Brandão identifica o meio rural, a atividade agrícola, em oposição a
industrial. No México, agrarista é o movimento camponês que lutava por terra, do qual Emiliano Zapata é
o mais importante ícone.
231
199
como José de Maistre, na França, e Pobiedonostsev, na Rússia, para a
autoridade de direito divino e para a teocracia.
(...) Manifestações psicológicas: A moralina. A veia poética para o
amor e o misticismo - ver os minnsingers, cantores místicos do amor.
A vida contemplativa, sedentária, de milhares de brasileiros. A
tendência para a rotina. O gosto pelas cores berrantes, predileção
característica de povo bárbaro.. (...)Manifestações sociais: O artesão, o
tamanqueiro. O caudilho, forma moderna do barão de presa ou rapina.
O cangaceiro, revoltado, ao mesmo tempo, degenerescência do
cavaleiro mercenário. O trabalhador rural negro, proveniente do
escravo, exatamente como o vilão-servo da Idade Média.
(BRANDÃO, 2004, p.49-50)
Definida a contradição entre as forças retrógradas agrárias e as progressistas
industriais, Brandão vai agrupando outros elementos em cada polo. A disputa entre
imperialismo norte-americano e imperialismo inglês na América Latina, já presente nas
teses da IC233, esteve relacionada ao esquema agrarismo x industrialismo do PCB,
sendo o imperialismo norte-americano, aliado dos industriais, enquanto os ingleses
eram aliados dos fazendeiros do café. (BRANDÃO, 2004, p.52)
Desenha-se, pois, uma luta mortal, com fluxos e refluxos, entre os
dois grandes imperialismos: 1822-1914 supremacia da Inglaterra,
1914-1922 supremacia dos Estados Unidos, 1923-1924 rivalidade
imperialista anglo-americana, pendendo a balança para o lado da
Inglaterra.
Podemos provar isto com algarismos. Em 1910-1914, a Inglaterra
vendeu ao Brasil, em números redondos, 67 milhões de libras; os
Estados Unidos 39. Em 1915-1919, o primeiro país vendeu-nos 46
milhões, o segundo 102. Em 1920-1921, o primeiro vendeu-nos 391, o
segundo 71. Já em 1923, a Inglaterra vendeu- nos 600 mil contos, e os
Estados Unidos 505 mil contos. (Ibidem, p.84)
O texto de Brandão faz diversas conjecturas, cita a Índia, trechos sobre os
imperialistas norte-americanos e uma infinidade de dados e fatos, que por vezes se
perdem em denúncias, não ajudando em uma ordenação lógica. O texto de Brandão
ainda carrega o estilo das denuncias dos jornais anarquistas do início do século, com
uma forma que mais parece um discurso de agitação, que uma análise teórica. Brandão
faz um grande esforço por ordenar, compartimentar e estabelecer critérios conceituais,
233
A identificação da disputa interimperialista entre Inglaterra e os EUA pelo domínio da América Latina
foi afirmada no V Congresso da IC (1924), como veremos mais a frente.
200
mas claramente se perde, dificultando a apreensão do sentido que guia a exposição do
texto como um todo.
Quase ao final da exposição, Brandão apresenta um modelo resumido de seu
raciocínio a partir do que ele entende por dialética marxista:
XVI - TESE, ANTíTESE E SíNTESE
Os que acreditam no Ser, no Absoluto, só vêem na revolta de 1924 um
motim secundário, localizado, mumificado, uma espécie de quisto
social, sem relações com o ambiente, sem significação de espécie
alguma. Nós, porém, que só admitimos o Devenir, a transformação
continua, vemos nessa revolta um processo, a elaboração de alguma
coisa nova que quer surgir sem poder ainda: a vitória do
industrialismo sobre o agrarismo; a vitória da burguesia industrial
sobre os agrários; a vitória da burguesia progressista sobre os
elementos rotineiros.
Aplicando a dialética marxista à revolta de 1924, veremos o seguinte:
Afirmação: Artur Bernardes, o grande agrário", a grande propriedade
rural.
Negação: Isidoro Dias Lopes, o pequeno-burguês, atrás do qual
manobra o grande burguês industrial.
Negação da negação: a revolução proletária, que negará Bernardes e
negará Isidoro, e que, por isso, fundirá os contrários, produzindo o
que, há milênios, o grego Heráclito chamava: uma harmonia.
Tese, antítese e síntese. Afirmação, negação e negação da negação. A
revolução proletária afirmará Bernardes porque afirmará o agrarismo,
mas numa etapa superior – o agrarismo industrial, proletário. Afirmará
Isidoro porque afirmará o industrialismo, mas numa etapa superior –
o industrialismo proletário. Negará Bernardes porque negará o
agrarismo feudal. Negará Isidoro porque negará o industrialismo
burguês. E fundirá o industrialismo com o agrarismo, como também o
operário com o camponês, a oficina com a seara, a cidade com o
campo, o martelo com a foice. Dentro da Harmonia Proletária,
desaparecerão as classes e, por conseguinte, a guerra de classes.
(BRANDÃO, 2004, p. 138-139)
A síntese seria “a liquidação dos dois contendores: os agrários e os
industriais”. (BRANDÃO, 2004, p.139) e a vitória proletária, que viria da “vitória dos
pequenos burgueses (aliados dos grandes burgueses industriais).”. “Portanto, a negação
da negação não pode ser realizada por Bernardes nem por Isidoro. Por isso, a própria
marcha do processo a que assistimos trará a liquidação dos dois contendores: os
agrários e os industriais". Daí vem a nossa certeza de que, após a vitória dos pequenoburgueses (aliados dos grandes burgueses industriais), virá a Vitória Proletária.”
(BRANDÃO, 2004, p.139, grifo nosso.)
Fica claro que Brandão tinha um domínio muito esquemático da dialética, ainda
muito ligada aos termos da dialética hegueliana e sem um conhecimento mais profundo
201
das análises produzidas pelos comunistas até aquele momento.
Verificar inconsistências teóricas na década de 1920, quase há cem anos atrás, é
a parte mais fácil. Importa-nos estabelecer quais foram as consequências mais
importantes dessas primeiras interpretações “marxistas-leninistas” na prática política do
PCB.
Em primeiro lugar, Brandão conseguiu perceber uma disputa entre duas forças
imperialistas, entre ingleses e norte-americanos, e identificar que o capital norteamericano estava em franca expansão, enquanto o inglês declinava. Esse movimento foi
verificado com clareza pelos dados econômicos já estudados pela bibliografia234.
Mas Brandão relacionava os “agrários” ao imperialismo inglês, enquanto que os
“industriais” estariam ao lado do capital norte-americano. Essa divisão não correspondia
a realidade, embora a argumentação de Octávio apresentasse vários dados. Esses
“industriais” estariam também por trás de Isidoro Dias Lopes, “o pequeno burguês”,
através do qual manobra o grande burguês industrial.” (BRANDÃO, 2004, p.138)
Sem exatamente explicar como, e apenas se apoiando em seu “domínio” da
dialética, Brandão acredita que a “Revolta pequeno-burguesa” levaria a Revolução
Proletária. “Progride a proletarização da pequena burguesia. Cresce sua experiência
revolucionária. Esfarelam-se muitas de suas ilusões. Avoluma-se a concentração
capitalista. Acirra-se a rivalidade entre o grande burguês industrial e o fazendeiro de
café. Brigam entre si os politiqueiros paulistas e mineiros. Aumenta a ascendência do
proletariado...” (BRANDÃO, 2004, p.139)
Os esquemas de Brandão para projetar essa vitória do proletariado não se
confirmaram e não passavam de uma projeção extremamente otimista. Em uma
comparação com o contexto russo, Brandão “comprovava” as perspectivas
revolucionárias no Brasil.
Muitos elementos da pequena-burguesia, influenciados pela
vanguarda proletária, já começam a entrever que, depois da vitória do
Isidoro atual ou do Isidoro futuro, haverá alguma coisa. Lembram-se
de que o czar Nicolau era agrário, feudal, como Bernardes. Lembramse de Kerensky, "democrata", pequeno-burguês, como o Isidoro atual
ou o futuro Isidoro. Lembram-se de que o pequeno-burguês Kerensky
substituiu Nicolau, o feudalista, para depois ser derrubado pela
revolução proletária... (BRANDÃO, 2004, p.144, grifo nosso.)
234
Há diversos dados dessa substituição de influência econômica na América Latina em: BETHELL,
Leslie. Historia de America Latina – economia y sociedade desde 1930, v.11, Barcelona: Crítica, 1994.
202
Diferente do que se pode crer apenas pelas aparências, a lógica de Brandão não
via nos “industriais” a força da revolução, mas na pequena burguesia revoltosa. “Não
nos iludamos, porém, com a burguesia industrial do Brasil. Após a retirada dos
revoltosos, em vez de calar-se, ela declarou apoiar a legalidade.” (BRANDÃO, 2004,
p.145)
O motivo desta posição dos “industriais” e da burguesia comercial era, portanto,
a sua origem no “agrário” e curiosamente, entre outros, cita Monteiro Lobato como
exemplo de insdustrial. “Por exemplo, Monteiro... até Juiz de Fora. (p.146)
Assim, para Brandão a contradição entre agrários e industriais é uma contradição
interburguesa, que divide os imperialistas e com essa disputa se abre uma crise que pode
ser aproveitada. “Por exemplo, Monteiro Lobato, atualmente industrial, já foi fazendeiro
de café. Teodorico de Assis, agrário mineiro, está montando uma fábrica de tecidos
dentro de sua própria fazenda de café, na estação de Retiro, perto de Juiz de Fora.”
(BRANDÃO, 2004, p.149)
De certa forma, Brandão vê os industriais como a parte progressista da
burguesia, mas incapaz de transformar a ordem política, dando prosseguimento a uma
revolução, e tendendo a conciliar com os “agrários”. O papel da pequena burguesia está
em manter a revolução e radicalizá-la. O proletariado poderia alcançar a direção do
processo e fazer a revolução proletária.
Brandão acreditava, como comunista, na industrialização, mas que não
seria levada à frente pelos industriais, mas pelo proletariado revolucionário.
Para nós, o futuro do Brasil não está no café, na lavoura feudal. Está
no petróleo do Norte, no carvão do Sul, no ferro de Minas, no
manganês de Mato Grosso, na lavoura industrializada, na maquinaria
que transformará a borracha e o algodão, nos trinta milhões de
cavalos-vapor das cachoeiras. Especialmente no ferro e no carvão. O
futuro do Brasil está na grande indústria centralizada - base objetiva
da sociedade comunista. (BRANDÃO, 2004, p.160)
E defendia:
Pelo industrialismo! Pela revolta! Pelos militares e pequeno-burgueses
revoltosos! Pelos operários, camponeses, soldados e marinheiros
coligados! Pelo funcionamento das associações! Pela reabertura dos
jornais suspensos! Pela legalidade do Partido Comunista do Brasil!
Pela restituição dos milhares de livros e folhetos confiscados ao
Partido Comunista! Pela organização e reorganização das vastas
massas operárias e camponesas!
203
Contra a reação! Contra o agrarismo! Contra a grande propriedade
rural feudal! Contra a política dos fazendeiros! Contra os estados de
sítio!
(...) Contra o imperialismo anglo-americano! Contra Rothschild,
protetor de Bernardes! Contra MacOonald, que apoiou Bernardes!
Contra a 2ª Internacional "socialista" - responsável
pelas perseguições bernardistas aos trabalhadores do Brasil!
(...) Abaixo os que hesitam entre o proletariado e a burguesia! Contra
a reação agrária, pela revolta pequeno-burguesa! Mas contra a
pequena burguesia, pela revolução proletária! (BRANDÃO, 2004,
p.160-1)
As fórmulas que Octávio Brandão utilizou no texto são uma combinação de
diversas influências, manejadas por um jovem militante que ainda possuía uma
compreensão muito limitada dos debates no interior do Movimento Comunista.
Primeiro abraçou a ideia de que os países periféricos, como o Brasil, possuíam
entraves no modo de produção para que se desenvolvesse industrialmente, opondo uma
classe rural a outra industrial. Essa segunda seria a mais progressista. Nessa oposição,
estaria também a oposição entre dois imperialismos, o inglês e o norte-americano.
Ao longo do texto, após a reafirmação deste modelo, surge a necessidade do
proletariado, ou seja, o PCB, que aparece como um suporte quase “espiritual” à pequena
burguesia, que estava levando politicamente a frente a revolta contra os agraristas.
Com essa interpretação, Brandão colocava a burguesia industrial como força
progressista, embora admitisse que politicamente essa burguesia não era capaz de levar
a frente as transformações, e criava assim a tese de uma revolução pequeno-burguesa
como etapa anterior à Revolução Socialista.
204
Figura 60 - Trecho do Jornal A Nação em que aparecem analises da direção do PCB
derivadas da tese Agrarismo x Industralismo.
Fonte: A Nação, nº457, Rio de Janeiro: 11 ago 1927
Com essa ideia, o PCB, portador da teoria e da capacidade política superior aos
“confusos” tenentes, ajudariam a pequena burguesia a transformar uma provável 3ª
revolta em uma revolução pequeno-burguesa, etapa para o socialismo.
Dizer que essa tese de Brandão é etapista ou que comete o mesmo erro teórico
dos mencheviques, seria “chover no molhado”. O que importa nesta “primeira tentativa”
dos comunistas brasileiros em elaborar um “ensaio marxista-leninista sobre a Revolta
de São Paulo e a Guerra de classes no Brasil – 1924” são as suas consequências
políticas, já que esse texto não era apenas um tipo de monografia de final de curso de
Brandão, mas uma síntese de posições e interpretações políticas que eram debatidas no
interior do jovem PCB.
Ao final de 1926, com o fim do estado de sítio, foi possível aos militantes do
205
PCB, um pequeno interregno de legalidade e ampliação das possibilidades de
propaganda e organização política mais ampla, que se concretizariam na formação do
Bloco Operário e Camponês, que elegeu Octávio Brandão para vereador, conseguiu
fazer propaganda através de um jornal diário, A Nação, e a partir de 1927, daria início a
uma aproximação com Prestes e os tenentistas. Primeiro em 1927, em que Astrojildo foi
a Bolívia encontrar com Prestes. Nessa oportunidade o secretário geral do PCB deixou
vários livros de marxismo-leninismo com Prestes, e depois, através de Basbaum, o
PCB formaria um programa comum entre Prestes e o PCB, que não seria levado à
frente, e o próprio Prestes romperia com os tenentes para aderir ao movimento
comunista.
Figura 61 – Manchete do Jornal A Classe Operária defendendo a candidatura do BOC
no pleito eleitoral235
A Classe Operária, nº85, Rio de Janeiro: 15 fev 1930.
235
206
Figura 62 – "Los Sabios", Diego Rivera, SEP, México. Representa a elite intelectual
burguesa.
Fonte: Fotografia do autor.
Figura 63 – Detalhe da imagem ao lado, com uma lista de autores liberais e positivistas
preferidos pela antiga elite intelectual porfirista
Fonte: fotografia do autor
207
Figura 64 – “El que quiera comer que trabaje”, Diego Rivera, SEP (1928)
Uma mulher trabalhadora, auxiliada por uma revolucionária comunista (de vermelho) varre um
“intelectual burguês” de cabelos loiros, enquanto um jovem revolucionário o empurra com os pés. O
intelectual e artista está representado pelos seus instrumentos (a pena, um instrumento musical e uma
prancheta de pintura). A figura está curvada com uma orelha de burro. Fonte: fotografia do autor.
208
José Carlos Mariátegui e os bolcheviques
A chegada do marxismo-leninismo no Peru esteve intimamente relacionado com
a trajetória de José Carlos Mariátegui. Embora tenha havido muitos ecos da Revolução
Russa no país – e um relativo interesse no movimento operário e entre os estudantes
vinculados à Reforma Universitária –, foi apenas com o retorno de Mariátegui da
Europa, em 1923, que o legado da Revolução Russa seria apropriado e transformado no
que podemos definir como os primeiros passos do movimento comunista no Peru.
José Carlos Mariátegui possuía uma trajetória de vida muito similar aos de
outros pioneiros do movimento comunista latino-americano. Havia nascido em uma
cidade do interior, Monquegua, próxima ao principal centro urbano, Lima. Devido à sua
condição social de pobreza, combinada com a pouco flexível estrutura oligárquica dos
países latino-americanos, Mariátegui esteve, como tantos, marginalizado dos meios
influentes que monopolizavam o acesso à universidade e às carreiras liberais.
Positivistas no Brasil, científicos no México e civilistas no Peru, a minúscula
intelectualidade dos regimes oligárquicos não estava aberta aos jovens de origem
popular, e nem mesmo à boa parte da juventude que provinha das classes médias que
emergiram com o crescimento econômico dos primeiros anos do século XX.
Muitos desses jovens intelectuais encontrariam na imprensa liberal, anarquista ou
socialista seu espaço de expressão e de aprendizado político. Uma geração de
intelectuais que alcançou importância a partir dos anos 20 e principalmente depois dos
anos 1930 foi formada, praticamente “alfabetizada” politicamente, no meio das gráficas
dos jornais que circulavam nos centros urbanos.
No Brasil, Astrojildo Pereira, nascido na cidade de Rio Bonito, muito próxima à
capital do país, filho de um pequeno agricultor, chegou ao Rio de Janeiro e aprendeu o
ofício de jornalista, conheceu o movimento anarquista, passou algum tempo na Europa,
vinculou-se aos protestos operários, sempre publicando em jornais antigovernistas.
Com outros, o jovem anarquista brasileiro organizou o Congresso de fundação do
Partido Comunista do Brasil em 1922.
Na virada do século, o jornal se transformaria em uma ferramenta muito
importante de difusão e propaganda revolucionária. A composição e manufatura dos
periódicos organizaram os mais combativos grupos de operários radicais, de forma que
209
podemos identificar os grupos a partir do título do jornal236.
Do mesmo modo, o movimento anarquista peruano esteve nucleado em torno do
jornal La Protesta, no qual González Prada, entre outros, escrevia. Entre os movimentos
revolucionários que mais agitaram a luta contra a ditadura de Porfírio Diaz, o jornal
dirigido pelos irmãos Flores Magón, Regeneración, têm quase a mesma importância
orgânica que os Partidos antioligárquicos, como o Partido Liberal Mexicano. Na reunião
de liberais mexicanos que daria origem ao PLM, Ricardo Flores Magón compareceu
como representante do Jornal Regeneración.
Os jornais tinham o papel de divulgar a doutrina revolucionária, promover o
debate sobre o movimento operário, informar acontecimentos que interessavam aos
revolucionários, fatos que a imprensa governista calava ou deturpava, mas, acima de
tudo, eram importantes núcleos de organização política.
José Carlos Mariátegui se formou como muitos jornalistas de seu tempo, à
margem da universidade, variando entre o desprezo pelas instituições acadêmicas e o
interesse distante pela ciência. O início da carreira jornalística de Mariátegui é no nível
mais elementar do processo de composição dos jornais, como alcanzarejones (corretor
de provas) no jornal diário La Prensa. Um ano depois, ascende a ajudante de linotipista
e corretor de provas. Outro ano mais, aos 16 anos, escreve seu primeiro artigo, passando
a ajudar na classificação dos telegramas que chegavam do interior. Passou a escrever as
notas policiais e sobre a loteria, até tornar-se jornalista, redator e colaborar com artigos
em outras revistas. Aos 23 anos, conseguiu alguns prêmios pelos seus artigos.
A trajetória de Mariátegui, além da precocidade com que ascendeu na carreira,
formou-o como um jornalista completo, conhecedor de todo o processo de produção de
um jornal, desde a redação, da busca pelas notícias ordinárias, até artigos mais
analíticos, ou mais apropriados para as colunas. Aprendeu a lidar com os anunciantes,
com a impressão, a composição gráfica e o processo de distribuição. Como Astrojildo
Pereira, Ricardo Flores Magón ou Antônio Canellas, José Carlos Mariátegui dominava o
principal veículo de propaganda ideológica e de agitação política da década de 1920: o
jornal.
Os gráficos formaram uma das partes mais conscientes e organizadas entre os
236
Um bom exemplo do papel organizador do jornal foi o ato de Primeiro de Maio de 1918, no Rio de
Janeiro. Um grupo de operários e revolucionários comemorou a vitória da Revolução Russa, e no comício
falaram vários representantes dos movimentos organizadores do ato, cada um falava em nome de um
jornal.
210
trabalhadores urbanos latino-americanos desde que começaram a aparecer os sindicatos.
Muitos dirigentes do movimento operário saíram desse setor da classe operária. Uma
das primeiras organizações operárias brasileiras foi a UTG (União dos Trabalhadores
Gráficos). No Peru aconteceu o mesmo. Em 1883, uma das primeiras greves que se tem
notícia foi organizada pelos tipógrafos em Lima. (DELHOM, 2001, s.p.).
O jornal diário onde Mariátegui aprendeu seu ofício, La Prensa, possuía uma
orientação liberal, de oposição ao civilismo. Até o ano de 1918, Mariátegui escreveu
sobre tudo, mas foi se destacando na cobertura das notícias sobre o parlamento. A linha
da direção do jornal permitiu ao jovem jornalista Mariátegui desenvolver sua crítica
contra o civilismo decadente, e possibilitou que cada vez mais encontrasse novos ares e
novidades na política, particularmente nas notícias internacionais.
Por volta da metade do ano de 1916, saiu da redação de La Prensa e começou a
trabalhar em El Tiempo, devido a uma mudança de direção em La Prensa. Junto com
ele, foi seu companheiro de redação, Cesar Falcón, que passou a ser colunista de uma
seção diária chamada “Voces”, que analisava diversos temas237.
E seria em 30 de dezembro de 1917, pouco mais de um mês depois da tomada do
poder pelos bolcheviques na Rússia, que o jovem Mariátegui, com apenas 23 anos,
escreveria um artigo em que se assumia como bolchevique, respondendo a uma
acusação de Luis Miró-Quesada, diretor do jornal El Comercio:
E se aponta a nossa casa do General La Fuente para exclamar em
seguida em conjunto como o minúsculo senhor Miró-Quesada.
– Ali estão os Bolcheviques!
Só que nós voltamos a responder: – Ótimo! Muito bolcheviques e
muito peruanos. Mas mais peruanos que bolcheviques!
(MARIÁTEGUI, 1977, p. 43).
Com ironia, Mariátegui estava respondendo a uma acusação tipicamente
policialesca238 do diretor do jornal governista El Comercio, que havia acusado os
jornalistas do jornal de serem bolcheviques. Nessa época, tanto Mariátegui quanto Cesar
Falcón já haviam se interessado pelo socialismo e conheciam a agitação e a propaganda
anarquista, embora soubessem pouco acerca do que realmente acontecia na Rússia.
“[...] começa a ter uma superior visão do mundo que o rodeia; descobre temas mais transcendentais e
os analisa, expõe com melhor critério moderno um critério mais moderno, sólido, ‘progressista’ agora;
seu estilo ágil, vivo, jornalístico, em suma, no bom sentido da palavra e do ofício. A crítica seguia sendo
seu forte. A política é agora sua paixão.” (CARNERO CHECA, 1980, p. 115).
238
Policialesca refere-se à polícia. Nesse caso, o jornal El Comercio colaborava com a identificação e a
delação de presuntos “bolcheviques”, com o intuito de colaborar com a repressão policial.
237
211
Chang-Rodrígues considera que o trabalho de Mariátegui em El Tiempo já estava
preocupado com a divulgação do socialismo. A transição, ou o amadurecimento das
posições políticas de Mariátegui em direção ao socialismo, como denomina Cesar
Lavano (1980, p. 28), esteve diretamente relacionado ao seu crescente contato com o
movimento operário. Mais uma vez, a comparação com o outro jornalista revolucionário
é inevitável. Ricardo Flores Magón, no México porfirista, fundou o seu jornal com
propostas liberais e democráticas em 1900, depois de entrar em contato com o
movimento operário, fator que aprofundou suas posições ideológicas e políticas,
conhecendo o anarquismo e transformando o seu jornal, Regeneración, em uma tribuna
de agitação radical e fermento para a luta proletária.
Mariátegui encontrou o movimento operário em outra época, exatamente quando
a Revolução Russa animava os mais ativos operários, e assustava as classes que
dominavam o Estado peruano. Todo movimento operário combativo era acusado de
“bolchevismo”, “maximalismo” ou “sovietista” pela imprensa ligada ao governo. Entre
1917 e 1919, devido à crise que assolou os países vinculados ao mercado mundial
controlado pelos europeus, várias greves ajudaram a remexer a ordem civilista, e em
maio de 1919 ocorreu a maior greve até então vista no Peru. A Revista Variedades
noticiava da seguinte maneira:
Nesta manhã de terça-feira, de surpresa, a cidade encontrou-se com
sua vida normal interrompida, porque os senhores bolcheviques,
maximalistas, sindicalistas, sovietistas e demais reformadores criollos,
a título da carestia da vida, haviam decidido fazê-la barata, roubando
aos donos de mercado os comestíveis dinheiro e ... a vida.
(VARIEDADES apud LEVANO, 1977, p. 23)239.
Mariátegui e Falcón, em 22 de junho de 1918, lançaram a revista Nuestra Época,
“destinada às multidões”, em que tratava dos temas mais atuais: “não traz um programa
socialista; mas aparece como um esforço ideológico e propagandístico nesse sentido”.
(MARIÁTEGUI, “Antecedentes e desarrollo de la Accion Clasista em el Peru” apud
CARNERO CHECA, p. 136). O esforço dos jovens jornalistas por dirigirem sua própria
publicação e tratarem sob outra perspectiva os temas sociais os levaram a um ambicioso
desafio de produzir La Razón, um jornal diário. Com a Revista Nuestra Época, que teve
239
Em 17 de janeiro, pelo apoio que deu a greve dos operários em Lima, El Tiempo foi fechado até que se
terminasse o movimento paredista. O motivo: “era o temor de que El Tiempo estimulasse e solevantasse
as classes trabalhadoras e fez piada sobre as ‘tendências bolcheviques’ do periódico”. (LEVANO, 1977, p.
28).
212
curtíssima duração, Mariátegui publicou apenas 2 números240.
O jovem jornalista peruano estava em franca transformação. Renunciou às suas
preocupações anteriores, inclusive a um pseudônimo que utilizava em artigos, Juan
Croniqueur, que o havia tornado conhecido, e passou a assumir uma posição
abertamente em favor do socialismo.
O diário La Razón foi lançado em 14/05/1919, e logo abriu as páginas para os
movimentos que emergiram nesse ano: o movimento operário e os estudantes que
agitaram a Reforma Universitária. Ao longo desse ano, como eco da Revolta Estudantil
de Córdova, um movimento estudantil crítico às estruturas oligárquicas na universidade
começou uma agitação vigorosa no Peru. Foi um grito liberal, renovador, crítico à
política mesquinha que privilegiava as relações pessoais e a burocracia em detrimento
da ciência. Pela época e pela efervescência política que a Revolução Russa produziu,
esse movimento reformador entre os estudantes se encontrou com outras iniciativas de
intelectuais, que buscaram de alguma maneira se ligar à experiência da Revolução
Russa e à onda revolucionária do pós-guerra que varreu o mundo.
A referência imediata foi o grupo criado em torno de Henri Barbusse e a revista
editada em Paris, Clarté, que inspiraria a criação de uma revista similar no Peru241, e em
diversos países da América Latina. Tal como a Internacional Comunista, foi fundada em
Moscou para organizar a Revolução Proletária Mundial. Henri Barbusse (1873-1931)
falava em uma Internacional do Conhecimento, do saber, que estava representada pelos
grupos Clarté, fundados em diversos países.
240
A revista Nuestra Época era produzida nas máquinas de El Tiempo, onde trabalhavam Falcón e
Mariátegui. Devido a um artigo escrito por Mariátegui nesta revista, “Más tendências. O dever do
exército e o dever do Estado”, em que questionava a finalidade do Exército, o jovem jornalista foi
agredido por militares, após insultos, com pontapés e socos. Esse fato fez com que El Tiempo não
permitisse que Nuestra Época fosse impressa em suas oficinas, terminando a publicação de Nuestra
Época em seu segundo número. Mariátegui respondeu o ataque dos oficiais com um artigo nas páginas de
El Tiempo, e depois se retirouu da redação do diário e junto com Casar Falcón se lançou à empreitada de
construir um jornal diário independente, e de filiação socialista. “Diário que durante pouco mais de três
meses dirigimos e sustentamos em 1919, Cesar Falcón e eu e que iniciada já nossa Orientação até o
socialismo, combateu no flanco do proletariado com ânimo de simpatizante, nessa vigorosa mobilização
de massas”. Lembraria 10 anos depois ao escrever o prólogo do livro de Ricardo Martínez de La Torre.
Ver: MARTÍNEZ DE LA TORRE, Ricardo. El movimiento obrero peruano 1918-1919, Lima: CRONOS,
s/d. e _____. Apuntes para una Interpretación de la História Social del Peru, Lima: Editora Peruana,
1947.
241
Referimo-nos aqui à Revista Claridad.
213
Figura 65 – Retrato de Barbusse em Amauta
Fonte Amauta, nº16, Lima: jul. 1928, p.16.
La Razón, mais que apoiar a Reforma Universitária, apoiou o movimento
operário de 1919. A greve começou em 27 de maio, pela diminuição dos preços dos
gêneros alimentícios de primeira necessidade, além do aluguel, somando a luta pela
liberdade dos líderes operários presos. A população aderiu ao movimento, levando o
governo a declarar Estado de Sítio, e a formar “guardas urbanas” para proteger-se da
ação do movimento popular. O diário de Cesar Falcón e Mariátegui foi vendido por 5
centavos e se transformou imediatamente em um jornal popular de defesa das
reivindicações do movimento. (CARNERO CHECA, 1980, p. 148).
Em julho, quando os líderes operários foram colocados em liberdade (Barba,
Gutarra e Folken), uma manifestação de mais de 4 mil operários passou em frente à
varanda do prédio onde se produzia La Razón e pediram para que Mariátegui se
pronunciasse.
Cesar Lévano (1977, p.7-41) cita esse fato como um dos importantes contatos
“físicos” de Mariátegui com o movimento operário, já que parte dos biógrafos do
Amauta, particularmente os apristas242, reforçam a imagem de Mariátegui como um
intelectual distante das massas. “Agora era um escritor do povo, e iniciava um
242
Referimo-nos aos militantes do Partido Aprista Peruano, fundado por Haya de La Torre.
214
jornalismo de novo tipo, em um conteúdo e meta. Juan Croniqueur – quem iria dizer –
havia deixado sua tertúlia literária e seu copo de ‘suisse’ para subir em uma tribuna de
agitador”. (Ibidem, p. 18).
La Razón deixaria de ser publicado por ordem do arcebispado de Lima, que
controlava a empresa tipográfica La Tradición, local onde se imprimia o jornal.
Esses foram os últimos acontecimentos da biografia de Mariátegui antes de uma
definição ideológica decidida, antes da viagem pela Europa, em 8 de outubro de 1919.
Mariátegui e seu aprendizado europeu
Augusto Lenguía derrotou o governo civilista de José Pardo y Barreda e se
instalou como presidente em 4 de julho de 1919. Esse movimento de aparente transição
no Estado peruano pode ser comparado às crises, disputas e reestruturações que se
deram nos Estados latino-americanos, e, embora nenhum caso represente uma revolução
no sentido do termo (ruptura estrutural da ordem social), significou as várias etapas da
reestruturação que viveram os Estados latino-americanos entre as décadas de 1920 até
1940. Em primeiro lugar, como parte da periferia do mercado internacional, os países
latino-americanos viram suas exportações declinarem com a guerra, o custo de vida nas
cidades aumentar, o desemprego assumir maiores proporções e as greves operárias
explodirem. No Brasil, as greves aconteceram entre 1917 e 1918. No Peru, começaram
no mesmo período, embora com o ápice em 1919, o que ajudou o enfraquecimento do
Governo Pardo e a ascensão de Lenguía, que tomou o poder prometendo reformas
liberais por trás de um discurso pseudonacionalista e popular. Augusto Lenguía tentou
se aproximar de algumas organizações populares como a Associação Pro-indígena e os
sindicatos, mas logo utilizaria diversos métodos de repressão, marcando seus 11 anos de
governo, conhecidos como oncenio pela historiografia. No Brasil, as greves de 1917 não
ajudaram a modificar o governo, mas o clima de insatisfação política e os anseios
antioligárquicos ficaram claros com os movimentos de 1922, 1924 e finalmente com o
fim da República Velha, em 1930, e uma reestruturação do Estado muito parecida à
promovida por Lenguía, com o Governo Vargas.
Essa tentativa de cooptação dos movimentos populares, promovida por Lenguía,
chegou aos dois jovens jornalistas que dirigiam La Razón, Cesar Falcón e José Carlos
Mariátegui. Como uma forma sutil de afastá-los do movimento popular, o mandatário
215
ofereceu para cada um deles uma bolsa de estudos, para que servissem de adidos da
cultura peruana no velho continente a soldo do Governo, Mariátegui na Itália, e Cesar
Falcón na Espanha. Ambos aceitaram. Mariátegui chegaria em novembro de 1919 na
Europa243.
Para muitos autores, como Paris (1981) e Löwy (1999), essa “etapa europeia”
seria o aprendizado marxista de Mariátegui, o que explicaria inclusive sua originalidade,
já que nessa experiência italiana pôde ter contato com um marxismo menos “ortodoxo”,
que inclusive explica a mesma originalidade também em Gramsci. Dentre os autores
que teriam alimentado a experiência “heterodoxa” de Mariátegui, estariam Sorel,
Gobetti, Laborde, Croce e até Gramsci.
Estamos de acordo que Mariátegui buscou em diversos autores referências que o
ajudasse a explicar a realidade, a aprofundar seu conhecimento do socialismo, mas é
necessário, para termos uma real dimensão dessas influências, avaliar o que é estrutural
na concepção de Mariátegui, e o que é acessório teórico. Ao nosso ver, há um esforço
interessado por valorizar o particular como essencial, e é nessa perspectiva que se tem
transformado
Mariátegui
em
“gramsciniano”,
“gramiscianista”,
“soreliano”,
“marxiano”, “aprista” e até um tipo socialdemocrata acadêmico. Para nós, os elementos
estruturantes do aprendizado marxista de Mariátegui avançaram claramente em direção
ao leninismo, conforme demonstraremos analisando os documentos mais acessíveis
produzidos por Mariátegui ao longo de sua viagem de 3 anos pela Europa e
imediatamente após seu retorno: os artigos que o Amauta244 escreveu na Europa e as
conferências sobre situação internacional ministradas nas Universidades Populares
González Prada245.
243
Esse episódio é muito controvertido na historiografia peruana. Por muitos é tratado como uma
capitulação de Mariátegui frente ao lenguismo, e inclusive é comparado por autores apristas a um
episódio análogo em que Haya dela Torre nega um convite similar. A comparação é anacrônica, já que o
significado do governo de Lenguia em 1919, alguns meses após o seu início, é diferente de quando Haya
negou o convite, em 1923.
244
Amauta, além do título da Revista dirigida por Mariátegui, é uma palavra quéchua que quer dizer
sábio. Esse termo foi utilizado para se referir a José Carlos Mariátegui.
245
Encontramos, dentre os inúmeros autores que trataram da obra de Mariátegui, um debate acirrado
sobre suas influências e fontes, passando por tão variados adjetivos e autores que tornam o autor de Sete
ensaios um tipo tão eclético que em parte explica o uso de sua obra por um número tão variado de
correntes políticas, desde os comunistas, trotskistas, seguidores de Gramsci, social-democratas, apristas,
bolivarianos e até a Teologia da Libertação.
Ao longo desta tese, é possível encontrar diversas referências às correntes políticas estranhas ao
movimento comunistas, ou até anticomunistas, que de uma forma ou de outra reivindicam o pensamento
de José Carlos Mariátegui. Um exemplo curioso está no artigo, que encontra influências de Mariátegui no
grupo católico Teologia da Libertação. Disponível em:
<http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Papa-discretamente-recebe-o-lider-da-Teologia-da-
216
A primeira questão medular que estrutura a obra de José Carlos Mariátegui é o
tempo em que viveu o seu amadurecimento político cultural. Como temos demonstrado
até agora, a Primeira Guerra Mundial significou uma ruptura profunda com o velho
mundo herdado do século XIX. Mariátegui fazia parte do movimento crítico a todos os
elementos que compunham esse velho mundo. Em primeiro lugar, rechaçava a base
ideológica positivista, cientificista e mecanicista que caracterizou a expansão
imperialista entre a década de 1870 e o início da Primeira Guerra Mundial (1914). Sua
crítica, seu inconformismo, sua busca por renovação esteve relacionada a tudo que se
opusesse à ideologia positivista a qual legitimava a ideologia civilista que sustentava o
Estado oligárquico no Peru. Sua experiência como jornalista acompanhando a atividade
parlamentar peruana lhe inspirava desprezo, como ele afirmou seguidamente em
diversos artigos246. Quando em 1919 ocorreu o movimento dos estudantes reformistas
na Universidade de San Marcos, a identificação de Mariátegui com a juventude que
pedia renovação foi automática, e, não por outro motivo, reivindicava paixão247.
Nuestros catedráticos no se preocupan ostensiblemente sino de la
literatura de su curso. Su vuelo mental, generalmente, no va más allá,
de los ámbitos rutinarios de su cátedra. Son hombres tubulares, como
diría Víctor Maúrtua; no son hombres panorámicos. No existe, entre
ellos, ningún revolucionario, ningún renovador. Todos son
conservadores definidos o conservadores potenciales, reaccionarios
activos o reaccionarios latentes, que, en política doméstica, suspiran
impotente y nostálgicamente por el viejo orden de cosas. Mediocres
mentalidades de abogados, acuñadas en los alvéolos ideológicos del
civilismo; temperamentos burocráticos, sin alas y sin vértebras,
orgánicamente apocados, acomodaticios y poltrones; espíritus de clase
media, ramplones, huachafos, limitados y desiertos, sin grandes
ambiciones ni grandes ideales, forjados para el horizonte burgués de
una vocalía en la Corte Suprema, de una plenipotencia o de un alto
Libertacao-/4/29176>. Acesso em: 23 mar 2014.
246
Sobre o desprezo de Mariátegui frente ao Civilismo e ao Estado oligáriquico peruano, ver:
MARIÁTEGUI, José Carlos. Obras Populares, t. 14: Lima, Amauta, 1986. Neste tomo 14, Mariátegui
trata da estrutura decadente do estado peruano ao analisar a educação no Peru.
247
“Y la juventud tiene de nuevo la sensación de frecuentar una Universidad enferma, una Universidad
petrificada, una Universidad sombría, sin luz, sin salud y sin oxígeno. La juventud – al menos sus núcleos
más sanos y dinámicos – siente que la Universidad de San Marcos es, en esta época de renovación
mundial y de mundial inquietud ideológica, una gélida, arcaica y anémica academia, insensible a las
grandes emociones actuales de la humanidad, desconectada de las ideas que agitan presentemente al
mundo [...] Nuestros catedráticos parecen sin contacto, sin comunicación con la actualidad europea y
americana. Parecen vivir al margen de los tiempos nuevos. Parecen ignorar a sus teóricos, a sus
pensadores y a sus críticos. Tal vez algunos se hallan más o menos bien enterados, mas o menos bien
informados. Pero, en este caso, la investigación no suscita en ellos inquietud. En este caso, la actualidad
mundial los deja indiferentes. En este caso, la juventud tiene siempre el derecho de acusarlos de
insensibilidad y de impermeabilidad.” MARIÁTEGUI, J.C. “Crisis de maestros y crisis de ideias” in
Claridad, Año I, Nº 2, Lima: maio 1923, p. 3 y 4
217
cargo consultivo en una pingüe empresa capitalista. Estos intelectuales
sin alta filiación ideológica, enamorados de tendencias aristocráticas y
de doctrinas de élite, encariñados con reformas minúsculas y con
diminutos ideales burocráticos, estos abogados, clientes, y comensales
del civilismo y la plutocracia, tienen un estigma peor que el del
analfabetismo; tienen el estigma de la mediocridad. (MARIÁTEGUI,
1986, p. 196-7).
Essa citação de Mariátegui fora do contexto histórico pode ser facilmente
confundida com idealismo, romantismo ou uma tendência para a rejeição à ciência e ao
marxismo, como algumas interpretações buscaram explicar, mas o fato é que a postura
de Mariátegui estava exatamente acorde com a crítica revolucionária que se espalhou
pelo mundo após a Primeira Guerra, e particularmente após a Revolução Russa. O que
se estava negando era a ideologia legitimadora da expansão imperialista, um conjunto
de ideias positivistas, com forte linguajar cientificista, estreito, insípido, com pretensão
à objetividade, ao clássico, à “beleza” e às “verdades” neutras, relativista e
principalmente: humanamente estéril.
O movimento modernista que marcou as artes do século XX foi uma
contundente crítica ao classicismo, à métrica, à “objetividade” positivista. Foi um apelo
à cor, à revolução, ao humano e ao novo. Mariátegui saiu do Peru em 1919 com esse
sentimento que caracterizou a crítica ao século XIX; saiu em busca do novo, e com
fortes simpatias pelo socialismo e pela experiência dos sovietes na Rússia.
***
Ao analisar as Cartas de Itália248 – uma série de artigos que Mariátegui escreveu
para a imprensa de Lima, tratando da situação política mundial –, fica evidente quais
eram os fatos que mais importavam para Mariátegui, e em que sentido ele procurava
orientar sua “estadia europeia”.
A primeira carta é sintomática: denomina-se “A entente e os sovietes”, publicada
em 12 de fevereiro de 1920, e demonstra como Mariátegui estava vendo a Revolução
Russa. “Tem-se pensado que a Rússia de Trotsky e Lenin era uma ressurreição da
França napoleônica.” E sobre a paz entre Inglaterra e Rússia: “Será a paz entre o Estado
Maior do capitalismo e o Estado Maior da Revolução Social”. (MARIÁTEGUI, op. cit.,
1975, p. 7, t. 15).
248
MARIÁTEGUI, José Carlos. Obras Completas (Populares). Lima: Minerva, 1975. t. 15.
218
Pelas palavras de Mariátegui, percebe-se que a sua visão do imediato pós-guerra
era organizada pela oposição entre capitalismo e revolução social, indicando um
direcionamento que não era compartilhado pela maioria dos jornalistas, e
particularmente pelos que tinham relação com os governos.
A chegada de Mariátegui coincide com uma ascensão do movimento operário
italiano, e direcionou seu olhar para o fenômeno novo da Revolução Social.
José Carlos, por aqueles dias, era um fervoroso simpatizante da
Revolução Russa, do internacionalismo proletário e da III
Internacional. [...] [há] um enorme influxo sobre ele da prédica
internacionalista e europeizante de José Ingenieros, os contatos
iniciais com os dirigentes do Partido Socialista Internacionalista
Argentino (Rodolfo Ghioldi e Vittorio Codovilla), a impressão que o
causara o assassinato de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht,
principais dirigentes do grupo revolucionário alemão chamado
“Spartacus” e a imagem negativa que produz nele a visita que fizera
ao sindicalista norte-americano Samuel Gompers, representante da 2ª
Internacional, durante sua estância em Nova Iorque. (ROILLON,
1984, s/p).
Conforme as palavras de Roillon, que são confirmadas pelos artigos de
Mariátegui na Europa, seu interesse estava dirigido ao socialismo como antítese do
capitalismo em crise. Foi no primeiro semestre de 1920 que Mariátegui estudou de
forma concentrada as principais obras disponíveis do marxismo, parte adquirida na
estadia de alguns meses em Paris, local onde pôde visitar Barbusse, a redação de
L’Humanité e adquirir livros sobre socialismo e marxismo.
Na Itália, Mariátegui presenciou e narrou em seus artigos a ruptura entre
comunistas e socialistas, e, avançando na sua compreensão dos dilemas que
mobilizavam os debates no movimento operário italiano, dividiu os que, no movimento
socialista, defendiam posições reformistas da 2ª Internacional e os que pretendiam
seguir o caminho dos conselhos (sovietes), como substitutos dos instrumentos estatais
de dominação burguesa, e defendiam a ditadura do proletariado, conforme apontava a
Revolução Russa.
Em março de 1921, Mariátegui publicou um artigo, “O cisma do socialismo”
(Ibidem, 1975, p. 95), no qual descreveu as tendências que disputavam a direção do
Partido Socialista Italiano. Na Itália – diferente do que ocorria nos outros partidos
socialistas europeus, em que haviam apenas duas correntes, comunistas e socialdemocratas – haviam três, e todas elas com simpatias pela Revolução Russa e pela IC.
219
No clima de crise e pequena tradição do reformismo, se comparado à socialdemocracia alemã, era razoável que em meio às ocupações de fábricas que se
espalharam pela Itália fossem as posições radicais que assumissem mais importância na
condução do movimento operário. O grupo mais alinhado às posições comunistas, que
defendia sem reservas a adoção das 21 condições para a filiação da IC, aprovada desde
o II Congresso da IC, em 1920, era a corrente de Antônio Gramsci, e do L’Ordinere
Nuovo, o jornal que nucleava a fração comunista do PSI.
Junto com Cesar Falcón, entre 1920 e início de 1921, Mariátegui foi ao norte da
Itália, no centro da insurreição operária italiana, onde ficavam as três cidades industriais
da península, e onde o movimento operário vivia os debates político-ideológicos mais
intensamente.
Como correspondente do Jornal El Tiempo, os jovens peruanos participaram do
Congresso de Livorno, o qual marcaria a saída da Fração Comunista, que fundaria o
Partido Comunista Italiano, com Bordiga, Gramsci, Terracini, Bombacci, Reposssi,
entre outros, no dia 27 de janeiro de 1921.
Figura 66 – Credencial de Mariátegui no Congresso de Livorno249
Fonte: Archivo José Carlos Mariátegui
249
Fonte:
Archivo
José
Carlos
Mariátegui,
Lima,
Peru.
Disponível
em:
<https://www.flickr.com/photos/mariategui/4434202912/in/set-72157623616144020>. Acesso em: 27
mar. 2014.
220
Roillon marca, um pouco antes do Congresso, o momento em que Mariátegui
define-se como marxista-leninista.
E se pode asseverar, sem eufemismo, nem precipitação alguma que,
pouco antes do Congresso de Livorno, no seio do círculo de operários
romanos no qual era ele um dos mais entusiastas e diligentes ativistas,
abraçou as ideias marxistas. (ROILLON, 1982, s/p).
Segundo Roillon, a participação de Mariátegui no Congresso de Livorno seguia
uma trajetória de definição e atuação política. Em 1920, Mariátegui participava de um
círculo de PSI em Roma, e posteriormente, com Falcón, Machiavello e outro jovem
médico, Carlos Poe, fundariam a primeira célula comunista peruana, ainda que na Itália.
(ROIULLON, 1982, s.p.)250.
Segundo Roillon, é a partir dessa célula que Mariátegui começa a pensar em
“colaborar com a criação do socialismo peruano”. Em março de 1921, escreveria:
O Partido Comunista trabalha exclusivamente pela Revolução e para a
Revolução. Esta preparação para a revolução não é como se
compreende, uma preparação material. É uma preparação espiritual.
(MARIÁTEGUI, 1975, s.p., t. 15)
Como citamos acima, muitos autores, particularmente Paris (1981) e Carnero
Checa (1980), têm desenvolvido uma tese na qual identificam inúmeras influências de
Mariátegui, e seria a partir dessas tantas influências que se explicaria a “heterodoxia” do
marxismo de Mariátegui. De fato, Mariátegui cita e analisa diversos autores que não
faziam parte da tradição marxista, como Benedito Croce. Vanden (1975) escreveu um
livro após analisar a biblioteca de Mariátegui, e no 2º capítulo, “Experiências na
Europa”, dedica-se especialmente à refutação da importância das influências de
Mariátegui, com Gobetti, Croce, Labriolla e até Gramsci. (VANDEN, 1975, passim)
Para Vanden, Labriola e Croce são tratados em alguns poucos artigos, mas como
“Por entonces Mariátegui, Falcón, Machiavello y un joven médico, Carlos Roe – quien recientemente
se había unido al grupo – poseían una convicción socialista y tenían un claro enfoque de clase sobre los
fenómenos de la vida social. Convertida Europa en lugar de paso para ellos, «se concertaron para la
acción socialista» en el Perú fundando una célula para tal propósito. Así empezó a cruzarse por la mente
de José Carlos la idea de concurrir a la creación del socialismo peruano.
‘Mariátegui y Falcón – relata Armando Bazán – solían reunirse a menudo con un cónsul peruano
(Machiavello) y con un médico chalaco (Roe). Al poco tiempo, funcionario y galeno resultaron "rojos’.
Las cosas llegaron a tanto que una noche de esas resolvieron formar los cuatro ¡la primera célula
comunista peruana!. Muy fugaz y muy exigua fue la actuación de la célula peruana, involucrada en ese
conjunto social donde los fascios adquirían cada vez más virulencia y predominio...” (ROIULLON, 1982,
s.p.).
250
221
jornalista o fato de Mariátegui citar um autor não significava que ele estivesse sendo
“influenciado” por ele. Por outro lado, em 1920-21,
era uma etapa inicial no desenvolvimento do movimento comunista
europeu que se ajustava à estratégia trançada então pela Terceira
Internacional. Contudo eram formuladas algumas interpretações
discrepantes. Mariátegui as examinou atentamente para elucidar a sua
origem e suas projeções, como se pode apreciar através de sua
‘defensa del marxismo’. (VANDEN, 1975, p. 47).
Definidos os dois campos que dividiam o mundo, Capitalismo x Revolução
Social, Mariátegui faz a sua opção política por compreender e colaborar com a
Revolução Social.
No campo da Revolução, Mariátegui identifica a divisão entre socialismo e
anarquismo, para depois da Guerra verificar que havia uma divisão no seio do
movimento socialista. Essa divisão entre reformistas e revisionistas por um lado, e
revolucionários por outro, inspiraria uma série de reflexões no jovem Mariátegui.
O Amauta percebeu que um dos componentes ideológicos (espirituais, como
chegou a dizer) mais importantes do capitalismo foram uma série de crenças liberais
que ele encontraria também no marxismo da 2ª Internacional. Ele dedicou muitos
artigos ao combate a ideia do progresso, conforme o positivismo do século XIX. Esse é
o sentido da inspiração “soreliana” de Mariátegui, mais um aporte ao rechaço do
positivismo liberal que dominava as ciências sociais do período anterior à guerra que
uma adesão a uma concepção estruturante de filiação soreliana.
Há uma citação conhecida e muito citada de Lenin criticando Sorel. Mas o
contrário não é verdadeiro. O sindicalista francês escreveu um epílogo do seu mais
importante livro, Reflexões sobre a Violência, com o título: “Ode a Lenin”251.
251
Cf.: SOREL, 1992.
222
Figura 67 - Lenin na Revista Amauta
Fonte: Amauta, nº 5, jan. 1927, p. 18
A crítica soreliana teve uma relativa importância no período anterior à guerra, já
que era uma contraposição à social-democracia reformista, embora não fosse
exatamente um anarquista. Sorel foi um crítico da ideia do progresso que embalava a
mentalidade imperialista da época. Em seus textos, Sorel enfatiza a ruptura e o conflito
revolucionário como fatores de transformação, e se opôs ao evolucionismo, à
racionalidade e ao conformismo. A obra leninista, embora tivesse um sentido diferente,
possui inúmeros pontos de contato em relação à crítica ao reformismo da 2ª
Internacional, na defesa da vontade revolucionária, e em contraposição ao
desenvolvimento “natural” das forças produtivas até a sociedade sem classes.
Mariátegui identificou que entre as características que diferenciam reformistas e
revolucionários havia algo de “espiritual”, algo que parecia “idealista” e voluntarioso,
que movimentava as mulheres e os homens em direção à luta revolucionária. O conceito
de mito desenvolvido por Sorel foi o aporte soreliano que mais o inspirou. A ideia do
mito instrumentalizou a crítica ao conformismo reformista, mas possibilitou uma
explicação para um certo idealismo que sempre agitava o movimento revolucionário.
Concedo-lhe que as tendências mais naturais das classes operárias
levam-nas para o que vulgarmente se chama de reformismo; se não
223
fosse assim, como se poderia compreender os êxitos que a democracia
teve na história da Antiguidade? Mas não preciso dizer-lhe que as
tendências mais naturais não são as que contribuem para a moral. Por
isso celebro o heroísmo dos grupos proletários... (SOREL, 1992, p.
346).
Para explicar o espírito voluntarioso dos sindicalistas, Sorel apresentou a ideia
do mito. O mito nada mais é que um conjunto de imagens, fundamentalmente
simbólico, que coloca as pessoas em ação, que impulsiona o movimento coletivo. Em
suas próprias palavras:
Devemos julgar os mitos como meios de agir sobre o presente. Toda
discussão sobre a maneira de aplicá-la materialmente no curso da
história é desprovida de sentido. É apenas o conjunto do mito que
importa; suas partes não oferecem interesse senão pelo relevo que dão
a ideia contida na construção. Portanto não convém pensar nos
incidentes que podem se produzir ao longo da guerra social e dos
conflitos decisivos capazes de dar a vitória ao proletariado. Ainda que
os revolucionários se enganem completamente, pintando um quadro
fantasiado da greve geral, esse quadro pode ser, ao longo da
preparação para a revolução, um elemento de força de primeira ordem,
se admitir, de maneira perfeita, todas as aspirações do socialismo e se
der ao conjunto dos pensamentos revolucionários uma precisão de
pensar que não poderia lhes ter fornecido. (SOREL, 1992, p. 145).
Assim, Sorel apresentava os objetivos do mito e uma crítica aos que pretendiam
fazer uma revolução apenas com a “ciência”. Para Sorel, científico ou não, o importante
era o mito, que com algo de fé movimenta os homens e pode transformar o mundo em
direção ao socialismo.
Portanto, para apreciar o alcance da ideia de greve geral, devemos
abandonar todos os procedimentos de discussão corriqueiros entre
políticos, sociólogos ou pessoas com pretensões à ciência prática. [...]
Importa pouco que a greve geral seja uma realidade parcial, ou um
mero produto da imaginação popular. Toda a questão está em saber se
a greve geral contém exatamente tudo o que se espera a doutrina
socialista do proletariado revolucionário.
[...] Por intermédio deles [os revolucionários proletários], sabemos
que a greve geral é exatamente o que afirmei: o mito no qual o
socialismo está contido por inteiro, ou seja, um organização de
imagens capazes de evocar instintivamente todos os sentimentos que
correspondem às diversas manifestações da guerra travada pelo
socialismo contra a sociedade moderna. (SOREL, 1992, p. 145-6).
Partindo de uma análise racionalista que se pressupunha em sua época também
materialista e objetiva, Sorel introduz esse elemento com forte conotação idealista. Mas
224
sua compreensão do mito não o coloca na esfera do idealismo, nem por um desprezo ao
materialismo, mas elevava o mito a uma análise racionalista e objetiva. Essa é talvez a
grande inovação de Sorel: construir a ideia de mito como necessidade objetiva,
racionalizável na estratégia política, material em suas constituições, mas como
necessidade idealista das massas.
Como seus contemporâneos, em 1906, Sorel estava preocupado com a
concretização das transformações socialistas, que, nessa época, jamais havia chegado a
termo. Como os revolucionários derrubariam a sociedade burguesa? Sorel opunha-se ao
evolucionismo.
Georges Sorel, em estudos que separam e distinguem o que é essencial
e substantivo do que é formal e contingente em Marx, representou,
nos primeiros decênios deste século [XX], contra a degeneração
evolucionista e parlamentar do socialismo, talvez mais que a reação
do sentimento classista dos sindicatos; representou o retorno à
concepção dinâmica e revolucionária de Marx e sua inserção na nova
realidade intelectual [...]. Através de Sorel, o marxismo assimila os
elementos e as aquisições substanciais das correntes filosóficas
posteriores a Marx. Superando as bases racionalistas e positivistas do
socialismo de sua época. (MARIÁTEGUI, 1994)252.
***
Pelos artigos que Mariátegui escreveu enquanto esteve na Europa, os livros que
comprou253 e depois levou em sua bagagem, fica claro que o peruano retornou ao seu
país já definido pelo socialismo revolucionário. Não podemos falar em marxismoleninismo antes de 1924, pois seria apenas com a morte de Lenin que os aportes teóricos
do revolucionário russo seriam sistematizados e denominados como marxismoleninismo254.
Logo que retorna ao Peru, Mariátegui se coloca em contato com os jovens
estudantes que animavam a Reforma Universitária, e desde 1921 haviam construído as
chamadas Universidades Populares, em que ministravam cursos para os operários,
252
MARIÁTEGUI, José Carlos. Mariátegui Total. Lima: Amauta, 1994.
Para conhecer a melhor lista que se dispõe da biblioteca de Mariátegui, ver: VANDEN, 1975.
254
Posteriormente, como veremos, Mariátegui já assume o marxismo com o leninismo, conforme o
próprio programa do PSP, redigido por ele. “La praxis del socialismo marxista en este período es la del
marxismo-leninismo. El marxismo-leninismo es el método revolucionario de la etapa del imperialismó, y
de los monopoilos. El Partido socialista del Perú lo adopta como método de lucha.” (PROGRAMA do
partido Socialista Peruano. Redigido por Mariátegui em outubro de 1928. Disponível em:
<https://www.marxists.org/espanol/mariateg/1928/oct/07a.htm>. Acesso em: 27 mar. 2014.
253
225
principalmente entre os operários mais ativos politicamente.
As Universidades Populares González Prada (UPGP), que funcionaram em
Vitarte, o bairro operário limenho, mais que servir como escola, foram um importante
espaço de organização e concentração do movimento popular, unindo o movimento dos
estudantes com o dos operários.
Dessa experiência sairia a APRA, a Aliança Popular Revolucionária Americana,
fundada no exílio de Haya de La Torre e formada principalmente por ex-professores das
UPGP255.
Quando Mariátegui retorna ao Peru, chegando em 17 de março de 1923 ao Porto
de Callao, entrou em contato com Haya de La Torre, então reitor das UPGP. Mariátegui
é convidado a ministrar uma série de conferências na UPGP, sendo apresentada no dia
15 de junho de 1923 a primeira conferência.
Figura 68 - APRA na Revista Amauta
Propaganda da APRA em um dos primeiros números da Revista Amauta. O símbolo que depois será
usado pelo Partido Aprista Peruano na década de 1930 aparece no canto esquerdo da figura. Fonte:
Amauta, nº9, Lima: maio de 1927, p. 15.
255
Trataremos dessa experiência política mais à frente.
226
Ao todo, Mariátegui apresentou 18 conferências, que depois seriam
organizadas256 e publicadas no tomo 8 de suas obras completas populares.
Essas conferências nos dão uma excelente dimensão de como Mariátegui
retornou da Europa. O título do “curso” era História da Crise Mundial, e foi organizado
para seguir um programa publicado na Revista Claridad, o órgão das UPGP, em seu
número 2
257
, com o seguinte conteúdo: a guerra europeia, a Revolução Russa, A
Revolução Alemã, a Revolução Húngara, a paz de Versalhes, a agitação proletária na
Europa, na Itália e o fascismo, o problema das reparações, a crise da democracia e o
fascismo, a paz de Sévres, a Crise filosófica (decadência do historicismo, do
racionalismo, do positivismo, Einstein e Splengler), a Revolução Mexicana, a situação
argentina, chilena e peruana, a função do fascismo e a NEP soviética.
Figura 69 - Dzerchinsky no primeiro número de Amauta
Retrato de Felix Edmundovich Dzerjinsky, o comunista polaco que se filiou ao Partido Bolchevique e
dirigiu a Tcheka, uma organização de repressão do Estado Soviético. A sigla significa: Tropas para a
Defesa Interna da República. Esse retrato é curioso porque na época a Tcheka já era considerada como
uma das instituições da “barbárie” bolchevique pela propaganda anticomunista ocidental. Mariátegui
tinha conhecimento do que significava uma imagem de Dzerjinsky em sua revista e que tipo de
posicionamento estava assumindo. Fonte: Amauta, nº 1, Lima: set. 1926.
256
MARIÁTEGUI, José Carlos. História de la Crisis Mundial. Lima: Amauta, 1986. t. 8.
CLARIDAD. Organo de la Federación Obrera y de la Juventud libre del Peru (edición fac-símile).
Lima:Amauta, 1994.
257
227
Os temas que Mariátegui pretendia tratar eram de interesse geral do movimento
popular, e as conferências, realizadas onde atualmente funciona o Parque de Exposições
(antes local da sede da Federação de Estudantes Peruanos), foram bastante concorridas.
O sentido dos temas é explicitamente uma leitura marxista revolucionária da
crise do pós-guerra, e estava centrado nas perspectivas revolucionárias abertas após a
Revolução Russa. A perspectiva de José Carlos fica clara na 1ª Conferência.
A única cátedra de educação popular, com espírito revolcuionário, é
está cátedra em formação da Universidade Popular. A ela cabe, por
tanto, superando o modesto plano de trabalho inicial, apresentar ao
povo a realidade contemporânea, explicar ao povo qie está vivendo
uma das horas mais transcendentais e grandiosos da história, contagiar
o ao povo da fecunda inquietude que agita atualmente aos demais
povos civilizados do mundo.
Nesta grande crise contemporânea, o proletariado não é um
espectador; é um ator. Se vai resolver nela a sorte do propletariado
mundial. Dela vai surgr, segundo todas a probabilidades e segundo
todas as previsões, a civilização proletária, a civilização socialista,
destinada a suceder a declinante, a decadente,a moribunda civilização
capitalista, individualista e burguesa. (MARIÁTEGUI, 1986, p. 15).
Nesse período, o movimento anarquista já se encontrava hostil à URSS e por
diversas vezes houve, em meio à Conferência, “protestos” ou ruídos entre os que
assistiam.
Portocarrero258, muitos anos depois, recordaria-se dessa resistência que as
conferências de Mariátegui produziram entre os elementos anarquistas, mas também
significaram o debate mais profundo acerca do marxismo, e do que era a experiência
soviética e a ditadura do proletariado.
A partir da décima terceira conferência, Mariátegui começou a tratar a realidade
extraeuropeia, principalmente oriental. Até 1925, com a “primeira” revolução chinesa, o
oriente ainda aparecia como parte auxiliar da Revolução Mundial. Mariátegui percebeu
que a luta anticolonial, no pós-guerra, tendia a crescer, mas não a tratou ainda com a
profundidade com que trataria nos últimos anos da década de 1920.
A Ásia e a África querem se emancipar da tutela da Europa [...] existe,
inclusive, outro motivo psicológico para a insurreição do Oriente. Até
antes da guerra, as populações orientais tinham um respeito
supersticioso pelas sociedades europeias, pela civilização ocidental,
criadoras de tantas maravilhas e depositárias de tanta cultura. A guerra
e suas consequências tem diminuído, tem debilitado muito esse
258
PORTOCARRERO, 1987, p. 119, 120 e 131.
228
respeito supersticioso [...] perderam
(MARIÁTEGUI, 1975, p. 141, v. 8).
sua
autoridade
moral.
A décima sexta conferência tratou da Revolução Mexicana, a Revolução Social
da América, que, nessa época, estava vivendo os conflitos entre Obregón e De La
Huerta. José Vasconcelos estava em seu período áureo entre estudantes reformistas,
devido ao seu trabalho na Secretaria de Educação e foi muito citado também.
A notícia da Conferência, publicada em La Cronica, de 25 de dezembro,
informava que, ao se mencionar Vasconcelos, se havia proposto a elaboração de uma
saudação ao “Mestre da juventude”259, que seria entregue por Haya de La Torre (já no
exílio na Cidade do México) a Vasconcelos.
A última conferência de Mariátegui, pronunciada pouco antes de ter a perna
amputada e ficar impossibilitado de se locomover sem uma cadeira de rodas, teve o
título de “Elogio a Lenin”, pronunciada poucos dias após a morte do líder dos
comunistas. A opção de Mariátegui e o próprio conteúdo da última conferência de
Mariátegui não deixam dúvidas sobre sua inclinação, mas a percepção de Mariátegui,
sobre o seu papel, é interessante. “Baseou a sua ideologia na realidade proletária,
combateu o confucionismo operário, gerado pela situação política russa, lutou por
diferenciar os marxistas dos que não eram.” (MARIÁTEGUI, 1986, p. 169).
E cita os livros de Lenin, entre eles O Estado e a Revolução e a Ditadura do
Proletariado e o renegado Kautsky, textos clássicos de Lenin que parecem ter
influenciado de forma basilar a concepção de Mariátegui acerca do Estado e do combate
ao revisionismo.
Pelas conferências, podemos ter uma ideia de quais ferramentas teóricas
Mariátegui dominava para analisar a realidade peruana. Em uma carta a Samuel
Glusberg (MARIÁTEGUI, 1984, p. 330-332), por solicitação de que enviasse uma
breve biografia, o próprio Mariátegui afirmava que havia iniciado o seu trabalho de
investigação da realidade nacional.
De fins de 1919 a meados de 1923 viajei pela Europa. Residi
mais de dois anos na Itália, onde desposei uma mulher e
algumas ideias. Andei pla frança, Alemanha, Austria e outros
países. Minha mulher e um filho me impediram de chegar a
Rússia. Desde a Europa me juntei com alguns peruanos para a
259
José Vasconcelos ficou muito popular entre os estudantes reformistas latino-americanos, e em muitas
ocasiões se referiram a ele como “El maestro de la juventud”. Essa reverência durou pouco, apenas até
meados da década de 1920.
229
ação socialista. Meus artigos dessa época marcam as estações de
minha orientação socialista. A minha volta , 1923, em reportagens,
conferências na Federação de Estudantes e a Universidade Popular,
artigos expliquei a situação europeia e iniciei meu trabalho de
investigação da realidade nacional, conforme o método marxista. Em
1924 estive, como já o tenho contado, a ponto de perder a vida Perdi
uma perna e fiquei muito frágil. Teria certamente me curado de tudo
com uma existência em repouso. Mas nem minha pobreza, nem minha
inquietude intelectual consentiram. Faz seis meses que melhoro
pouco a pouco. Não publiquei mais livros que os que você conhece.
Tenho pronto dois e outros em projeto. Aqui está minha vida em
poucas palavras. Não creio que valha a pena fazê-la notória. Mas não
posso recusar de lhe enviar os dados que pede Esquecia-me: Sou um
autodidata. Matriculei-me uma vez em Letras em Lima, mas com o
único interesse de seguir o curso de latim de um augustino erudito. E
na Europa frequentei alguns cursos livremente, mas sem nunca decidir
por perder meu caráter extra-universitário. (MARIÁTEGUI, 1984, p.
331).
Nada mais natural que Mariátegui passasse à aplicação do marxismo na análise
da especificidade peruana, e foi no sentido dessa aplicação que Mariátegui procurou
escrever a sua obra-prima, e através dela que buscaremos um “modelo por trás dos sete
ensaios”.
O modelo por trás dos Sete Ensaios
Dentre os casos anteriores, no México e Brasil, de tentativa de aplicação do
marxismo, já sob profunda influência da refundação leninista na América Latina, a
obra-prima de Mariátegui, Los Siete Ensayos de Interpretação da Realidade Peruana260,
foi sem dúvida a melhor análise marxista até então elaborada de uma realidade nacional
na América Latina. O reconhecimento da singularidade dessa obra e a sua importância
entre os clássicos das ciências humanas no continente é há tempos reconhecida.
Questionáveis se tornaram as influências que esta obra sofreu, e seu legado político.
260
Para a análise da obra-prima de Mariátegui, utilizamos três versões, que, embora não sejam muito
diferentes, não são idênticas. A primeira versão é uma edição fac-símile da obra de Mariátegui, publicada
pelo Ministério da Cultura do Peru, em que se respeita a paginação original, bem como toda a composição
da primeira edição dos Sete Ensaios. MARIÁTEGUI, José Carlos. 7 Ensayos de Interpretación de la
Realidad Peruana. Lima: Ministério de Cultura, 2011. A segunda versão é uma edição venezuelana de
1995, reimpressa em 2007 pelo Ministério pelo Poder Popular da Cultura, em que há todos os acréscimos
e correções que foram incorporadas após a morte de Mariátegui pelos editores. MARIÁTEGUI, José
Carlos. 7 Ensayos de Interpretación de la Realidad Peruana. Caracas: Fundación Biblioteca Ayacucho,
2007. A terceira versão é a segunda tradução editada no Brasil e publicada pela Editora Expressão Popular
em 2008. Essa tradução de Felipe José Lindoso não foi baseada no original, e incorporou todos os
acréscimos posteriores a 1930 das ultimas edições publicadas no Peru. MARIÁTEGUI, José Carlos. Sete
Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana. São Paulo: Expressão Popular, 2008.
230
Sete Ensaios é o livro de um autor peruano que tem o maior número de
traduções, mais vendido e de importância incomparável com qualquer outro autor no
seu país. (NETTO, 2009, p.45 e 46). O número de trabalhos acadêmicos dedicados ao
pensamento de Mariátegui e sua obra-prima é incontável e impossível de ser revisado na
totalidade. Sete Ensaios foi republicado pelo governo de Hugo Chavez na Venezuela, é
leitura obrigatória dos movimentos indigenistas latino-americanos e chegou, inclusive, a
aparecer nas mãos de Che Guevara no filme Diários de Motocicleta (2004)261, que
retratou a viagem juvenil do revolucionário argentino pela América do Sul. Essa viagem
seria um dos momentos importantes de formação de sua consciência latinoamericanista. O livro de Mariátegui aparece compondo o quadro dessa formação
marxista latino-americana de Che Guevara.
Os Sete Ensaios de Mariátegui foram para todos sinônimo de marxismo latinoamericano, do encontro entre indigenismo e marxismo. Mas, como já vimos ao tratar o
debate sobre as influências na formação de Mariátegui, Sete Ensaios precisa também ser
visto a partir do contexto histórico em que foi escrito, além da necessária análise do
debate historiográfico, profundamente marcado pela luta política, primeiramente entre
comunistas e apristas, depois entre acadêmicos, indigenistas e socialistas por um lado, e
comunistas por outro.
A obra de Mariátegui após a sua morte foi “esquecida” pelo PCP até a década de
1940, quando Jorge Del Prado262 e os filhos de Mariátegui voltaram a divulgar a obra.
Desde a década de 1950, diversas correntes políticas peruanas passaram a disputar o
legado de Mariátegui, e, a cada volume publicado da Coleção de Obras Populares
editada pela Editora Minerva, Mariátegui era mais estudado e surgiam novos
“Mariáteguis”, de acordo com a filiação do interprete, ou da moda intelectual da época.
Esses trabalhos de interpretação da obra de Mariátegui levaram a um acalourado debate.
Para este trabalho, interessa-nos apenas o debate do final dos anos 1970 e início dos
anos 1980, pois é a partir desses autores que se construiu a oposição entre Mariátegui e
a Internacional Comunista, ou, ainda mais, entre Mariátegui e o marxismo-leninismo.
261
DIÁRIOS de Motocicleta, Direção: Walter Salles: 2004, 1 Filme (125m 49s).
Os autores (ESCORSIN, GALINDO, ARICÓ; 2006, 1980, 1978) que narram o processo de
recuperação da obra de Mariátegui citam o artigo de Jorge Del Prado, “Mariátegui, marxista-leninista
fundador del Partido Comunista Peruano”, publicado em 16 de abril de 1943, como o início da
recuperação da obra de Mariátegui. Aricó organizou um livro em que aparecem todos os textos
importantes, até 1978, sobre o significado da obra de Mariátegui. Inclusive aparece o texto de Jorge Del
Prado na íntegra. Ver ARICÓ, José (Seleção). Mariátegui y los origenes del marxismo Latinoamericano.
México: pyp, 1978.
262
231
O primeiro e mais citado autor que separou Mariátegui dos comunistas foi
Robert Paris (1981), já tratado anteriormente. Depois temos Alberto Flores Galindo
(1980), com um livro dedicado em apontar essa contradição entre Mariátegui e a
Internacional Comunista, e outros, como Antônio Melis (2011) ou Chang-Rodríguez
(2007), esse último um aprista acadêmico.
Outros autores se dedicaram a apontar, por outro lado, a filiação comunista de
Mariátegui, como Jorge Falcón (1977,1978, 1979, 1980), Rouillon (1993) e Luna Vegas
(1988). Além do debate político-ideológico que permeia essa disputa pelo legado de
Mariátegui, é importante acrescentar mais um detalhe: o que era comunismo e
marxismo-leninismo quando se iniciou o debate sobre a obra de Mariátegui, entre os
últimos anos da década de 1970, e os primeiros anos da década de 1980.
O centro do debate esteve em aumentar ou diminuir a influência do marxismoleninismo de Mariátegui. Acadêmicos liberais e socialistas diminuem, enquanto
militantes comunistas destacavam a influência do marxismo-leninismo. Mas, embora
esse seja um importante ponto para se começar a identificar a filiação de Mariátegui,
existe um problema anterior, que é a própria definição de marxismo-leninismo, ou de
comunismo que Paris, Galindo e Melis utilizam para opor, ou analisar a obra de
Mariátegui. A ótica com que perceberam o marxismo-leninismo foi a de intelectuais
ocidentais sufocados pelos manuais soviéticos, em uma época, após a década de 1950,
em que o marxismo deixou de servir como “método de ação”, para ser canonizado em
centros de Estudos do Estado Soviético, uma disciplina obrigatória a mais, uma típica
doutrina de Estado, rígida, estática; um método sociológico estéril e oficial de um
Estado que se desmoronaria uma década depois.
Esse “marxismo-leninismo” dos manuais soviéticos é oposto ao que Mariátegui
entendeu por marxismo-leninismo, e possui semelhanças com o “marxismo” da 2ª
Internacional: positivista, reescrito a partir de um economicismo eurocêntrico, como um
método de sociologia vulgar, sem relação com a prática revolucionária263.
263
Um dos autores famosos desses manuais soviéticos foi Afanassiev (Fundamentos da Filosofia,
Moscou: Progresso, 1978) e a sua explicação da dialética, por exemplo, é esquemática, dentro dos limites
hegelianos da fórmula tese, antítese e síntese, além de possuir uma série de preceitos metafísicos. Esse
tipo de manual, publicado pela famosa Editora Progresso, na década de 1980, foi questionado por Che
Guevara, bem como, a partir da década de 1960, pelos comunistas chineses. Uma interessante referência
para se conhecer o debate entre soviéticos e chineses a partir da década de 1960 pode ser encontrada nas
denominadas “Cartas Chinesas”, documentos trocados entre URSS e a República Popular da China, em
que tratam as divergências político ideológicas. Segundo Löwy, citando as palavras de Che: “Esses
manuais – que ele chama de ‘paralelepípedos soviéticos’ – têm o inconveniente de não deixarem pensar: o
232
O marxismo-leninismo da Internacional Comunista não é a mesma coisa que o
dogma do Estado Soviético na década de 1980. O marxismo-leninismo da Internacional
Comunista era dinâmico, buscou interpretar a realidade política, em meio a acalourados
debates e lutas políticas.
Essa é a mesma perspectiva de Mariátegui, e diferente de como tratou Paris, por
exemplo, o marxismo-leninismo não se constituiu em um modelo de normas e conceitos
abstratos, ou teológicos, como chegou a afirmar: “Para quem se proponha a uma leitura
‘laica’ de Mariátegui, não se trata de recolocar a teologia ‘leninista’ por um fio condutor
estritamente soreliano”. (PARIS, 1978, p. 155). Não entraremos no debate acerca do
método marxista em geral, ou mesmo a diferença entre ideologia, ciência ou modelo
leninista. Aqui nos importa demonstrar que Paris, em polêmica contra Cesar Levano no
texto acima, tem uma interpretação particular do que é marxismo-leninismo, em que vê
semelhanças com uma espécie de teologia, aqui com um sentido depreciativo, em
oposição à ciência. Foi nesse mesmo sentido caricato que Paris entendeu o marxismoleninismo e que Löwy também tratou qualquer marxista ligado da Internacional
Comunista após 1924, no que denominou como “ortodoxia”, e algumas vezes como
“stalinismo”.
A caricatura do marxismo-leninismo que guiou a IC limita os autores que se
propuseram a compreender as vicissitudes que movimentaram os comunistas das
décadas anteriores à Segunda Guerra Mundial, favoreceu algumas interpretações que
vislumbraram disputas pessoais como determinantes nas lutas político-ideológicas e
dificultou a apreensão das ferramentas teóricas que Mariátegui manejou em sua
interpretação marxista do Peru.
Logo após o agravamento da saúde de José Carlos, e a consecutiva amputação
de sua perna direita, a sua intervenção política sofreu uma mudança significativa na
forma, já que estava limitado por uma cadeira de rodas.
Segundo Maria Wiesse (1945)264, que conviveu com Mariátegui, os momentos
posteriores à amputação, tão logo Mariátegui soube de sua nova condição física, foram
de profunda dor e desespero. Mariátegui encontrava-se no esplendor de sua vida, recémPartido já fez isso por você, e você tem de engolir”. (LÖWY, Michel. Che Guevara contra o modelo
soviético. Le Monde Diplomatique (edição eletrônica), Brasil: set. 2011. Disponível em:
<https://www.diplomatique.org.br/edicoes_especiais_artigo.php?id=61>. Acesso em: 27 mar. 2014).
Sobre as Cartas Chinesas, ver: NÚCLEO de Estudos do Marxismo-Leninismo-Maoismo. A Carta
Chinesa: a grande batalha ideológica que o Brasil não viu. Belo Horizonte: Terra, 2003.
264
WIESSE, Maria. José Carlos Mariátegui: (etapas de su vida). Lima: Hora del Hombre, 1945.
233
chegado da Europa, em meio à ascensão do movimento popular, com um crescente
reconhecimento das boas novas revolucionárias que trazia, conhecendo de perto o
movimento operário de Lima, participando e acompanhando os Congressos Indígenas,
além de ter assumido responsabilidades centrais no movimento da juventude que
animava a Universidade Popular González Prada, como diretor da Revista Claridad na
ausência de Victor Raul Haya de La Torre265.
Do leito do hospital, enquanto aguardava uma recuperação, já começou a
estruturar uma nova logística de intervenção política, que contaria com reuniões em sua
casa, inicialmente no próprio hospital, uma rede de correspondência, a fundação de uma
editora, uma Revista de divulgação cultural e, posteriormente, o Partido Socialista
Peruano e a Central Geral dos Trabalhadores. Seria ingênuo acreditar que essa logística
organizada por Mariátegui para garantir sua intervenção política e ideológica tenha sido
casual. A nosso ver, tratou-se de um plano elaborado desde que conseguiu superar o
primeiro choque após a amputação da perna, para assim dar continuidade ao seu plano
mais ambicioso: desenvolver o movimento comunista, ou o socialismo revolucionário
(como preferem alguns) no Peru. Com determinação, Mariátegui constrói os
instrumentos que lhe garantiriam abrir a luta ideológica entre a “vanguarda” do
movimento popular.
Sob uma cadeira de rodas, a primeira coisa que Mariátegui precisava evitar era a
repressão, que já o havia mantido preso. A polícia política de Leguia estava atenta a
qualquer atividade comunista, bolchevique ou que inspirasse o movimento operário em
direção ao exemplo soviético. O amauta utilizou artifícios típicos de um revolucionário
que atua legalmente com propaganda subversiva, tratando questões de fundo do debate
ideológico sem utilizar termos que chamassem a atenção da repressão. Mariátegui
defendeu o legado da Revolução Russa, seu caráter universal como perspectiva para os
povos do mundo. Isso foi dito abertamente nas conferências de 1923, e sua filiação
apareceu escancarada, mas, após a prisão, suas posições políticas aparecem em análises
mais contextualizadas, utilizando vários termos e evitando bolcheviques, comunistas e
preferindo o termo socialismo. O artigo jornalístico se presta muito bem a essa
necessidade de camuflar uma defesa de posição com uma aparente narrativa de uma
situação ou um fato da atualidade. Quando Mariátegui foi acusado de complot
265
Haya de La Torre, como outros, se encontrava no exílio desde que o Governo Lenguía passou da
tentativa de cooptação à repressão aberta contra os movimentos populares, a partir de meados de 1923.
234
comunista, em 1927, sua filiação comunista ficou evidente, pois negou em carta aberta
qualquer participação em um complot, mas, embora não afirme literalmente ser
comunista, o que o levaria diretamente de volta para a prisão266, tampouco negou. Na
resposta sobre a acusação de complot comunista, afirmou ser “marxista convicto e
confesso”. Se tivesse alguma contradição fundamental com a IC, a acusação de complot
seria uma excelente oportunidade para negar a sua filiação comunista, como tantas
vezes fez Haya de La Torre, por exemplo.
Como foi possível perceber até aqui, ser militante comunista significava colocar
a vida a serviço da Revolução, seja o esforço de jornalista e organizador do Partido,
como Astrojildo Pereira, de tradutor do manifesto comunista, como fez Otávio Brandão
em 1924, como artista, fazendo propaganda comunista nas paredes como fizeram os
muralistas mexicanos ou fotografando, como Tina Modotti. A atividade comunista era
uma atividade de toda a vida, um engajamento integral para os militantes comunistas, e
é de se supor que seria igualmente para Mariátegui também.
Logo que pôde superar o impacto de perder sua mobilidade, aos 30 anos,
Mariátegui passou a desenvolver uma logística de atuação política, e um plano de
investigação da realidade que culminaria na elaboração dos Sete Ensaios e na formação
do PSP com um núcleo clandestino comunista267.
Sete Ensaios, como o próprio título escolhido pelo autor sugere, está formado
por 7 partes (ensaios) precedidos por uma citação de Nietzsche e uma “advertência”.
Em ambos preâmbulos à obra, Mariátegui chama a atenção para o processo de produção
desse livro, e para muitos de seus intérpretes, como Antônio Melis (2011), constituiu a
primeira evidência do caráter espontâneo, “antidogmático” e heterodoxo da obra. A
citação de Nietzsche aparece em alemão mesmo, do livro Humano, demasiado Humano
(NIETZSCHE, 1986)268, em que se nega a ler um livro que tenha sido composto para
ser um livro, mas, ao contrário, prefere “apenas aqueles cujos os pensamentos
inadvertidamente se tornaram um livro”.
Em nosso contexto atual, essa citação ilustraria uma decidida opção pelo caráter
266
A melhor maneira de identificar as intenções e a filiação ideológica que movia Mariátegui, quando não
se podia afirmar com nomes próprios, é verificando se ele em algum momento chegou a criticar os
comunistas, o marxismo-leninismo ou o bolchevismo. Acompanhando toda a sua obra, vemos apenas a
busca por apreender a experiência soviética, ou defendê-la de seus detratores.
267
O núcleo dirigente clandestino comunista do PSP foi uma forma que Mariátegui encontrou para
organizar o Partido leninista em meio a um circulo mais amplo. Essa posição será criticada pela IC, e
trataremos no final do capítulo 3 deste trabalho.
268
NIETZSCHE, Frederich. Humano, demasiado Humano. México: Editores Mexicanos Unidos, 1986.
235
espontâneo e antiesquemático dos livros. Combinaria perfeitamente com a crítica aos
“modelões” teóricos, particularmente aos advindos do marxismo, conforme uma certa
crítica “culturalista” e “pós-moderna” que se tornou comum ao longo das década de
1990 e 2000. Mas uma simples análise contextualizada na obra de Mariátegui
demonstra a real intenção crítica dessa citação. O autor de Sete Ensaios está se opondo
ao academicismo escolástico que prevalecia nos estudos universitários da América
Latina. Essa cultura acadêmica favorecia os estudos desligados da prática social e do
estudo empírico dos casos, limitados à pomposidade, ao linguajar pedante e ao estilo
aristocrático269.
Na “advertência”, afirma que o livro é orgânico, e cita novamente Nietzsche:
Meu trabalho se desenvolve segundo a observação de Nietzsche, que
não aprecia o autor envolvido à produção intencional e deliberada de
um livro, e sim aquele cujo pensamentos formavam um livro
espontaneamente e inadvertidamente. (MARIÁTEGUI, 2008, p. 31).
O sentido dessas palavras aparece claro com o final do parágrafo: “Meu
pensamento e minha vida constituem uma só coisa, um único processo. E se algum
mérito espero e reclamo, é que me seja reconhecido o de – também conforme um
princípio de Nietzsche – meter todo o meu sangue em minhas ideias”. (Ibidem, p.31).
E ao final apresenta:
Outra vez repito que não sou um crítico imparcial e objetivo. Meus
juízos se nutrem de minhas ideias, de meus sentimentos, de minhas
paixões. Tenho uma declarada e enérgica ambição: a de concorrer à
criação do socialismo peruano. Estou o mais distante possível da
técnica professoral e do espírito universitário” (MARIÁTEGUI, 1928,
p.32.).
Mariátegui, com essa advertência, está ligando-se diretamente à tradição
bolchevique que fundou a IC, à ótica que não limita os estudos da sociedade pela
racionalidade abstrata de um modelo teórico, mas condicionado pela interpretação da
realidade que a luta revolucionária exigia, impulsionada pela polêmica e pela luta
Mariátegui reúne, no ensaio “O processo da educação pública”, uma dura crítica ao modo estéril e
pedante dos estudos na universidade peruana. O belíssimo texto “Crise de Mestres, Crise de ideias” é
particularmente claro em demonstrar como Mariátegui enxergava a atividade acadêmica fechada em si,
desligada da prática social. O revolucionário peruano era o contrário de um intelectual boêmio e afeito ao
ensaio espontâneo. Aquilo a que Mariátegui está se opondo é ao livro planejado em um gabinete, a partir
de reflexões limitadas ao conhecimento livresco, sem consequências práticas, voltados para a
especialidade e a pura erudição. Ver: MARIÁTEGUI, José Carlos. Temas de Educación (Obras
Populares). Lima: Amauta, 1986. v. 14.
269
236
política.
Lenin produziu uma obra monumental, toda feita a partir da luta política entre os
revolucionários russos e o movimento revolucionário mundial no sentido de interpretar
a realidade objetiva e categoricamente para dirigir o esforço consciente do Partido e se
alcançar a Revolução.
Os Ensaios foram compostos de vários artigos publicados na Revista Amauta e
na Revista Mundial, com significativas alterações e acréscimos, de modo que podemos
considerar que o conjunto da obra não é uma compilação de artigos, mas a seleção em
uma lógica única, fruto de um amadurecimento de sua investigação.
O primeiro Ensaio já apresenta a base que Mariátegui pretende estruturar a obra,
e é a chave para compreendermos os outros ensaios, com o sugestivo título “Esquema
da Evolução Econômica”270. O que fica claro no procedimento é a inovação que
Mariátegui estava promovendo.
As palavras mudam de sentido com o tempo, de acordo com as contendas de
cada época. Todo estudante de história do primeiro período aprendeu que, por volta dos
anos de 1930, surgiu um movimento renovador nos estudos históricos que questionou a
historiografia tradicional, dos grandes feitos do Estado, dos grandes homens, relegando
o povo ao esquecimento. Influenciados pelo marxismo, mas não apenas por ele, esses
historiadores propuseram, contra a “História Política”, uma história social, e também a
estrutura, e a importância do fator econômico no processo histórico. Esse movimento,
na França, inaugura uma nova corrente historiográfica, uma nova história, econômica e
social, desenvolvida em torno da famosa Revista dos Annales271. Estudar a História do
Peru a partir da economia fez parte de uma inovação teórica que não possuía
precedentes, apenas comparável ao esforço do companheiro de Mariátegui, Martínez de
La Torre, que a partir de 1928 publicou uma série de estudos sobre o movimento
operário de 1918 e 1919272.
Mariátegui parte de uma sistematização que encontramos nas análises do VI
270
Melis tenta refutar uma interpretação lógica deste início da obra de Mariátegui, que poderia colocá-lo
próximo ao economicismo vulgar de um tipo de marxismo que alguns autores insistem em identificar com
a IC, ou com Stalin (MELIS, 2011, p. IX – XIII), conforme já demonstramos anteriormente.
271
O título original da Revista, em francês, foi Annales d’histoire économique et sociale, criada em 1929
por Lucien Febvre e Marc Bloch.
272
Ver: MARTÍNEZ DE LA TORRE, Ricardo. El movimiento obrero peruano 1918-1919. Lima:
CRONOS, s.d. e MARTÍNEZ DE LA TORRE, Ricardo. Apuntes para una Interpretación de la História
Social del Peru. Lima: Editora Peruana, 1947.
237
Congresso da IC, de 1928273, em que a Conquista e o posterior regime colonial
estrangeiro representou a ruptura com uma economia nativa. “Até a conquista se
desenvolveu no Peru uma economia que brotava espontaneamente e livremente do solo
e da gente peruana.” (MARIÁTEGUI, 2008, p. 3).
Dessa constatação, que a IC denominou como “economia deformada” pela
penetração colonialista, Mariátegui opôs, do mesmo modo, a economia nativa
autossuficiente e que se desenvolvia garantindo uma produtividade e um bem-estar para
os que viviam sob o Império Inca.
Todos os testemunhos históricos coincidem na asserção de que o povo
incaico – laborioso, disciplinado, panteísta e detalhista – vivia com
bem-estar material. As subsistências abundavam; a população crescia.
[...] Os conquistadores espanhóis destruíram, sem poder naturalmente
substituí-la, esta formidável maquina de produção. (MARIÁTEGUI,
1928, p. 8).
Além de apontar para a Invasão Espanhola como a ruptura com o
desenvolvimento orgânico nativo, Mariátegui identificou a base coletivista dos
quéchuas, salientando o aspecto comunal da base camponesa em que se assentava o
Império Inca.
Mariátegui não está alimentando uma visão romântica de um retorno ao ayllu
incaico, como entenderam alguns, mas buscando explicar historicamente a
sobrevivência, 400 anos depois, do coletivismo do campesinato indígena. Não são os
incas os coletivos e socialistas, mas os camponeses que viviam sob o Império que
organizavam o trabalho produtivo coletivamente.
O comunalismo como forma de organização do trabalho camponês não foi para
Mariátegui uma especificidade andina, e muito menos uma constatação inovadora de
Mariátegui. O que ele fez foi explicar historicamente o desenvolvimento dessa
economia comunal no Peru para marcar as condições de sua sobrevivência no Peru
republicano, inclusive buscando no mir274 semelhanças que ajudassem a explicar o ayllu
andino.
A organização coletivista, regida pelos incas, tinha tido o impulso
individualista nos índios; mas havia desenvolvido extraordinariamente
neles, em proveito desse regime econômico, o hábito de uma humilde
273
Como poderemos ver mais detalhadamente no próximo capítulo, as resoluções do VI Congresso da IC
utilizam o mesmo modelo teórico estrutural que Mariátegui.
274
Mariátegui trata do mir russo em: MARIÁTEGUI, 2008, p. 80.
238
e religiosa obediência ao seu dever social. Os incas tiravam toda a
utilidade social possível desta virtude de seu povo, valorizavam o
vasto território do império construindo caminhos (estradas), canais,
etc. O extendiam submetendo a sua autoridade as tribos vizinhas. O
trabalho coletivo e o esforço comum eram frutiferamente empregados
nos fins sociais. (MARIÁTEGUI, 2008, p. 34).
A economia nativa seria destruída pela conquista.
Rompidos os vínculos de sua unidade, a nação se dissolveu em
comunidades dispersas. O trabalho indígena deixou de funcionar de
forma solidária e orgânica. [...] O vice-reinado assinala o começo do
difícil e complexo processo de formação de uma nova economia. [...]
Por cima das ruínas e resíduos de uma economia socialista, lançaram
as bases de uma economia feudal. (MARIÁTEGUI, 2008, p. 34).
Seguindo uma lógica inversa ao eurocentrismo, o feudalismo europeu aparece
como um fator desorganizador. Mariátegui estava de acordo com a lógica leninista que
analisava o processo colonial dentro do processo de globalização, que, embora
integrasse os territórios coloniais a uma economia mercantil (e, no século XIX,
capitalista-imperialista), não as integrava de forma igual, senão como parte de um
sistema, em que ainda prevaleciam as formas de organização feudais de trabalho,
exportadas pelos conquistadores espanhóis para se efetivar a colonização do território e
a exploração das minas.
Essa economia criada pelos “pioneers espanhóis” tinha como objetivo a
exploração do solo e das minas, sem que isso significasse um esforço de colonização
que criasse uma “economia sólida e orgânica”. (Ibidem, p. 34). Faltava gente e a
conquista parecia mais interessada em despovoar que colonizar. Recorreu-se ao escravo
negro para as fazendas.
Os espanhóis e os mestiços eram muito poucos para explorar, em
vasta escala, as riquezas do território. E, como para o trabalho nas
fazendas da costa se recorreu à importação de escravos negros, foram
misturados, aos elementos característicos de uma sociedade feudal,
elementos e características de uma sociedade escravista. (Ibidem, p.
35).
Mariátegui colocava a história peruana a partir de uma perspectiva universal,
questionando postulados positivistas da sociologia europeísta do século XIX, sem abrir
mão de um modelo universal, ou perdendo-se em explicações fragmentárias ou
tributárias a algum relativismo particularista para explicar a realidade peruana.
239
Prosseguindo na análise do processo de formação republicana, ou o processo de
independência “como a primeira, a segunda etapa desta economia se inicia de um fato
político e militar. A primeira etapa nasce da Conquista, a segunda se inicia com a
independência”. (MARIÁTEGUI, 1928, p. 10). O autor peruano marca a continuidade
da econômica colonial, mesmo sob bases políticas da República. “Mas, enquanto a
conquista engendra totalmente o processo de formação de nossa economia colonial, a
independência aparece determinada e dominada pelo processo.” (Ibidem, p. 10).
A explicação para esse processo se desenvolve através da análise da tese
historiográfica vigente e oficial na época, típica da história política tradicional, em que o
processo nacional de independência é valorizado sem que signifique uma mudança
econômica, e, portanto, “social”. Mariátegui, mais uma vez, reforça a sua tese de que o
Peru fazia parte do “sistema ocidental”, e o processo de independência havia sido um
eco na embrionária burguesia peruana, “que por causa de suas necessidades e interesses
econômicos, podia e devia contagiar-se de humor revolucionário da burguesia
europeia”. (Ibidem, p. 10) Após afirmar o papel da “geração heroica”, “[...] com
capacidade e vontade de atuar nestes povos uma verdadeira revolução”, reafirma o
papel da continuidade econômica, “mas isso não contradiz a tese da trama econômica da
revolução emancipadora” (Ibidem, p. 10).
A Espanha tornava-se um obstáculo para o desenvolvimento econômico
capitalista. O novo colonialismo se formava sob a liderança da Inglaterra.
O ritmo do fenômeno capitalista teve na elaboração da independência
uma função menos aparente e ostensiva, mas, sem dúvida, muito mais
decisiva e profunda que o eco da filosofia e a literatura dos
enciclopedistas
[...] O Império Britânico destinado a representar tão genuinamente e
transcendentalmente os interesses da civilização capitalista, estava
então em formação. Na Inglaterra, sede do liberalismo e do
protestantismo, a indústria e a máquina preparavam o porvir do
capitalismo, isto é, do fenômeno material do qual aqueles dois
fenômenos, político um, religioso o outro, aparecem na história como
a levedura espiritual e filosófica. (Idem, p. 11).
A base da análise histórica de Mariátegui está estruturada na emergência das
forças burguesas mais avançadas (Inglaterra, França e EUA) que suplantam o domínio
espanhol, gradativamente, animando o rompimento das colônias espanholas que mais
tarde irão compor as semicolônias da Inglaterra.
A partir de então, a entrada de capitais europeus no Peru e na América Latina se
240
deu de maneira desigual, bem como a relação destes países com a Europa e a Ásia.
Dessa forma, Mariátegui reafirma o caráter colonial que após a independência a
economia peruana assumia.
Mas esse rápido esquema de interpretação não se propõe a ilustrar
nem a enfocar esses fenômenos, mas sim definir alguns traços
substantivos da formação da nossa economia para melhor perceber seu
caráter de economia colonial. Consideremos somente o fato
econômico. (MARIÁTEGUI, 1928, p. 13).
E é nesse sentido que se encontra o ciclo do Guano e do Salitre para a História
peruana, “substâncias humildes e grosseiras”, que fizeram parte do centro econômico do
país “ocuparam um posto desmensurado na economia peruana [...] hipotecando seu
porvenir à finança inglesa” (Ibidem, p.13). Esse ciclo econômico, baseado na simples
extração de matéria-prima, gerou algum crescimento para uma pequena elite do Peru, e
estava definido pelas novas necessidades da metrópole capitalista, e, como veremos
mais adiante, definiu a fraqueza da burguesia peruana e o desenvolvimento do
capitalismo que se apoiou sob as bases feudais de produção.
Os lucros do guano e do salitre criaram no Peru, onde a propriedade
havia conservado até então um caráter aristocrático e feudal, os
primeiros elementos sólidos de capital comercial e bancário.
Os profiteurs diretos e indiretos das riquezas do litoral começaram a
constituir uma classe capitalista. Formou-se no Peru uma burguesia,
confundida e enraizada em sua origem e estrutura com a aristocracia,
formada principalmente pelos sucessores dos encomenderos e
latifundiários da colônia, mas obrigados por sua função a adotar os
princípios fundamentais da economia e da política liberais.
(MARIÁTEGUI, 2008, p.41)
E afirma, como definição e síntese, da economia atual (de 1928):
A guerra do Pacífico, consequência do guano e do salitre, não
eliminou outras consequências do descobrimento e a exploração
desses recursos nos revelou, tragicamente, o perigo de uma
prosperidade econômica apoiada ou cimentada quase exclusivamente
sobre a posse de uma riqueza natural, exposta à ambição e ao assalto
de um imperialismo estrangeiro, ou à decadência de suas aplicações
como resultado das contínuas mutações produzidas no campo
industrial pelas invenções da ciência. Caillaux nos fala, com evidente
atualidade capitalista, da instabilidade econômica e industrial
engendrada pelo progresso científico. No período dominado e
caracterizado pelo comércio do guano e do salitre, o processo de
transformação da nossa economia, de feudal em burguesa, recebeu seu
primeiro impulso enérgico. É, a meu juízo, indiscutível que, se em vez
241
da metamorfose ridícula da antiga classe dominante, houvesse
operado o advento de uma classe de seiva e élan novos, esse processo
teria avançado de forma mais orgânica e segura. A história do nosso
pós-guerra demonstra isso. A derrota – que provocou, com a perda dos
territórios do salitre, um longo colapso das forças produtivas – não
deixou como compensação, nem mesmo nessa ordem de coisas, uma
liquidação do passado. (MARIÁTEGUI, 2008, p. 42).
Com o título “caráter de nossa economia atual”, Mariátegui passa a
caracterização do ultimo trecho da “evolução” da economia peruana.
Após a derrota na Guerra do Pacífico e a bancarrota do ciclo do Guano e do
Salitre, houve uma pequena retomada do caudilhismo275. Depois, a classe de capitalistas
nascidos do guano e do salitre retomariam seu papel preponderante na condução do
Estado peruano, abrindo as portas para o capital inglês novamente se reestabelecer no
Peru, assumindo sua condição semicolonial. Mariátegui termina a análise do período
preparatório para a estrutura econômica que será dominante na década de 1920, com a
seguinte afirmação: “Seu método tributário [do presidente Pierola] e seu sistema fiscal
dissipam todos os equívocos que possam criar seu discurso e sua metafísica. O que
configura o princípio de que no plano econômico se percebe sempre com mais clareza
que no político o sentido e o contorno da política, de seus homens e de seus fatos”.
(Ibidem, p. 42).
E, a partir desse ambiente criado pelo civilismo, Mariátegui identifica os
elementos estruturantes da economia atual [de 1928]: 1º Indústria moderna com
proletariado; 2º Surgimento do capital financeiro (consolidação da relação latifúndio e
capital estrangeiro); 3º Diminuição da distância entre o Peru e a Europa/EUA (Canal do
Panamá – incorporação do país à civilização ocidental); 4º Substituição do imperialismo
britânico pelo dos EUA; 5º Desenvolvimento de uma classe capitalista, deixando de
prevalecer a antiga aristocracia; 6º Inclusão da borracha; 7º Reforço da hegemonia da
Costa na economia, superlucro europeu; 8º política de empréstimos onde os EUA
substituíam a Inglaterra. E arremata afirmando:
275
Mariátegui utiliza o termo caudilhismo de forma depreciativa, como um tipo de déspota militar que, na
ausência de uma classe com forças suficientes para dirigir o Estado na América Latina, assume a direção
do Estado. O termo alcança uma conotação positiva em alguns contextos políticos específicos, como no
México pós-revolucionário, em que o caudilho aparecia como um libertador da comunidade, um líder que
lutava contra a opressão de um Estado que se voltava contra a população. Mas o termo sempre se refere a
um líder, geralmente militar, que assume as funções de comando para além dos limites da
institucionalidade, acima dos limites impostos pelas leis constitucionais. O caudilho comumente é a
própria personificação do Estado, tanto localmente como muitas vezes de âmbito nacional.
242
No Peru atual coexistem elementos de três economias diferentes. Sob
o regime de economia feudal nascido da Conquista subsistem na Serra
alguns resíduos ainda vivos da economia comunista indígena. Na
Costa, sobre o solo feudal, cresce uma economia burguesa que pelo
menos em seu desenvolvimento mental, dá a impressão de ser uma
economia retardada. (MARIÁTEGUI, 2008, p. 46).
O último subcapítulo versa sobre o caráter semifeudal ou feudal da economia
peruana. Nesse ponto, embora Mariátegui sustente a caracterização feudal para definir a
base econômica rural, particularmente na Serra, o autor peruano não fez nenhum tipo de
concessões a explicações evolucionistas das quais são acusados os marxistas que se
utilizam do conceito de feudalismo para definir a economia, ou parte dela, em alguns
países dominados pelo imperialismo. É nesse ponto que Mariátegui esbanja coerência, e
onde muitos veem incoerência, ou algum limite em seu pensamento, “falha” que
justificam pelo contexto intelectual em que viveu276.
Fazendo uma síntese do primeiro ensaio de Mariátegui, que trata de economia, o
feudalismo deixa de se explicar como resquício e se apresenta como forma de
organização da economia agrária sob a qual se apoia a economia imperialista. É
retrógrada do ponto de vista da evolução humana em geral, mas compõe o sistema
imperialista, demonstrando, contra qualquer perspectiva que enxergue o imperialismo
como força progressista, apresentando os limites “civilizatórios” do imperialismo, que
desenvolve, ao invés de novas relações de produção contemporâneas, ao contrário,
apoia-se sob relações atrasadas que subsistem desde o período colonial. Segundo o
modelo que Mariátegui utiliza para estruturar seus ensaios, antes da Conquista havia um
império que se apoiava sob formas comunais de produção, que garantia uma integração
do próprio império inca, através de uma autossuficiência material. “O império ignorou
radicalmente o problema de Malthus.” (MARIÁTEGUI, 2008, p. 33). Esse
desenvolvimento espontâneo e livre da economia dos incas foi rompido pela conquista.
“Os espanhóis destruíram naturalmente, sem poder substituir, essa formidável máquina
de produção.” (Ibidem, p. 34).
A conquista, além de destruir o desenvolvimento autônomo, impôs as demandas
da metrópole, sem que isso significasse o bem-estar da população indígena. Depois,
com a independência houve um clima, um estado de espírito liberal influenciado pela
276
Melis, na introdução da edição fac-símile de Sete Ensaios, não encontra muita coerência, ou sentido
para o uso do conceito de feudalismo por Mariátegui. Como demosntramos, esse conceito não é acessório,
é fundamental para a interpretação histórica produzida nos Sete Ensaios.
243
independência dos EUA e com a Revolução Francesa, que se combinou com alguns
interesses de emancipação econômica da elite criolla, sufocada pela coroa espanhola.
Mas essa independência não significou uma mudança estrutural da sociedade; mantevese uma ordem social que não emancipava a população indígena.
Após um período de lutas entre facções militares e caudilhos políticos, um ciclo
econômico baseado na exploração do guano e do salitre criou uma burguesia que
enriqueceu com a extração desta matéria-prima enviada à Inglaterra.
Com a Guerra do Pacífico, e a consecutiva perda das áreas de exploração desse
produto, abateu-se uma terrível crise na elite que nasceu no entorno do ciclo econômico.
Com a crise, veio o aprofundamento da condição colonial peruana frente ao
imperialismo inglês, com o Contrato Gracie277 e o estabelecimento do que ficaria
conhecido como República oligarquica.
Esse tipo de regime republicano, embora estivesse ligado ao capitalismo, à
civilização ocidental ou ao imperialismo (Mariátegui utiliza esses dois termos em um
sentido parecido), incorporou-se a partir de uma condição colonial, na qual se apoiava
em relações e em um modo de produção feudal subjacente às relações capitalistas. A
oligarquia rural perde espaço para a oligarquia que nasce atrelada à exploração
capitalista. As forças capitalistas que entram no Peru não revolucionam o país, não
modificam a estrutura econômica que existiu desde a colônia, mas se apoiam sobre elas
para desenvolver uma economia voltada aos interesses estrangeiros e imperialistas.
E é com esse sentido que Mariátegui passa para o seu segundo ensaio, sobre a
questão indígena. Primeiro o autor demarca o seu posicionamento contra o indigenismo
oficial ou a filantropia, termo utilizado para denominar aqueles que tratam o problema
indígena como uma questão educacional, jurídica, moral ou eclesiástica. Para
Mariátegui, o problema indígena é econômico-social.
Todas as teses sobre o problema indígena, que ignoram ou aludem a
este como problema econômico-social, são outros tantos exercícios
teóricos – e às vezes apenas verbais – condenados a um descrédito
absoluto. Nem a boa fé de algumas as salvam. [...] A crítica socialista
o descobre e esclarece, porque busca suas causas na economia do país
e não no seu mecanismo administrativo, jurídico ou eclesiástico, nem
em sua dualidade ou pluralidade de raças, nem em suas condições
culturais ou morais.
Contrato Gracie – foi um acordo assinado entre credores ingleses e o Governo peruano, em que esse
último cedia aos ingleses o direito de explorar as ferrovias no Peru, em troca da suspensão das dívidas
públicas.
277
244
A questão indígena nasce de nossa economia. Tem suas raízes no
regime de propriedade da terra. (MARIÁTEGUI, 2008, p. 53).
Mariátegui é categórico em afirmar que o problema indígena é uma questão com
causas econômicas, e portanto relaciona-se à questão da terra, à questão camponesa e ao
feudalismo.
Qualquer tentativa de resolvê-la com medidas de administração ou
polícia, com métodos de ensino ou obras de estradas, constitui um
trabalho superficial ou adjetivo, enquanto subsistir o feudalismo dos
gamonales. (Idem, p. 53).
Para Mariátegui, o problema indígena está relacionado à questão da terra, e
subsiste porque não houve uma revolução burguesa para que se pudessem distribuir
terras aos camponeses. Mas para que houvesse uma distribuição de terras, uma
Revolução Agrária, seria necessário destruir o gamonalismo, as bases feudais em que se
assentavam as relações de propriedade e trabalho do campo peruano. Era necessário
expropriar a terra do latifúndio, tarefa típica das revoluções burguesas na história
europeia.
A concentração capitalista foi precedida por uma etapa de livre
concorrência. A grande propriedade moderna não surge, por
conseguinte, da grande propriedade feudal, como provavelmente
imaginam os latifundiários criollos. Muito ao contrário, para que
surgisse a grande propriedade moderna, foi necessário o
fracionamento, a dissolução da grande propriedade feudal. O
capitalismo é um fenômeno urbano: tem o espírito do burgo industrial,
manufatureiro, mercantil. Por isso, um de seus primeiros atos foi a
liberação da terra, a destruição do feudo. O desenvolvimento da
cidade precisa se nutrir da atividade livre do camponês.
No Peru, contra o sentido da emancipação republicana, se encarregou
ao espírito do feudo – antítese e negação do espírito do burgo – a
criação de uma economia capitalista. (MARIÁTEGUI, 2008, p. 51).
Por se tratar de uma questão estrutural da economia peruana, não poderia haver
mudanças significativas sem que se transformasse a economia. Com essa lógica,
Mariátegui está contrapondo as teses liberais do século XIX que transpunham teorias da
biologia para a análise social. Geralmente, essas teses liberais reafirmaram pressupostos
racistas ao tratar a questão indígena.
A suposição de que o problema indígena é um problema étnico se
nutre do repertório mais envelhecido das ideias imperialistas. O
245
conceito de raças inferiores serviu ao Ocidente branco para a sua obra
de expansão e conquista. Esperar a emancipação indígena de um
cruzamento ativo da raça aborígine com imigrantes brancos é de uma
ingenuidade antissociológica, concebível apenas na mente rudimentar
de um importador de carneiros merinos. Os povos asiáticos, aos quais
o povo índio não é inferior em nenhum ponto, assimilaram
admiravelmente a cultura ocidental, no que esta tem mal dinâmico e
criador, sem transfusões de sangue europeu.
A degeneração do índio peruano é uma invenção vagabunda do
leguleios feudalistas.
A tendência em considerar o problema indígena como um problema
moral encarna uma concepção liberal, humanitária, oitocentista,
lluminista, que na ordenação política do Ocidente anima e motiva as
“Ligas dos Direitos do Homem”. (Ibidem, p. 57).
Originalmente, o ensaio sobre a questão indígena terminaria após tratar a
contribuição de González Prada e avaliar o Papel da Associação Pró-Indígena (19091917), reafirmando os limites em se tratar o problema indígena desligado do problema
da terra, como um problema moral, administrativo ou pedagógico278. Depois seria
incluída uma Revisão sumária. Era uma síntese do ensaio anterior, mais preciso e
afirmativo. O interessante é que Mariátegui avançou em um ponto importante de sua
tese, que é o papel do liberalismo em se apropriar das terras indígenas com um discurso
aparentemente em defesa de uma reforma agrária. Ao defender o parcelamento das
terras, os liberais conseguem simpatia dos camponeses-indígenas, já que parecem voltar
seu discurso contra o latifúndio. Depois de parceladas as terras da comunidade indígena,
gradativamente o cerco da grande propriedade arruína a pequena propriedade e acaba
favorecendo o latifúndio. Assim, para o autor peruano, os liberais pós-independência,
por não se proporem em destruir o latifúndio, aliando-se a ele, acabaram servindo
apenas para retirar as terras comunais dos indígenas para favorecer a concentração de
terras e alimentar o gamonalismo. Como já vimos, esse foi um debate muito próximo ao
do PCM, já apresentado anteriormente.
A república significou para os índios ascensão da nova classe
dominante que se apropriou sistematicamente de suas terras. Em uma
raça com costume e alma agrárias, como a raça indígena, esse despojo
foi a causa de uma dissolução material e moral. A terra sempre foi
278
O autor fez questão de marcar o papel de Dora Meyer e Pedro Zulen na manutenção da Associação
Pró-indigena. Tanto Dora como Pedro tiveram seus artigos sobre a questão publicados na Revista Amauta.
Pedro Zulen morreria precocemente, em 1925, com menos de 36 anos. As edições posteriores a morte de
Mariátegui incluíram um artigo intitulado “Revisão Histórica Sumária”, que Mariátegui escreveu para
The Nation, em seu número 128, depois publicado em Labour, em novembro de 1928. Esse artigo de
Mariátegui foi incluído devido a uma nota do próprio autor indicando a inclusão em Sete Ensaios.
246
toda a alegria do índio. (Ibidem, p. 57).
Relacionando a opressão indígena com a questão da terra, Mariátegui destaca
ideias socialistas como a esperança para a questão indígena, já que, diferente das
revoluções burguesas europeias, após a expansão imperialista do século XIX, o
liberalismo já não promove transformações sociais e econômicas nos países periféricos,
ficando para o movimento revolucionário socialista a tarefa de destruir as bases
econômicas do gamonalismo com Revolução Agrária.
A propagação no Peru das ideias socialistas teve como consequência
um forte movimento de reivindicação indígena. A nova geração
peruana sente e sabe que o progresso do Peru será fictício, ou pelo
menos não será peruano, enquanto não seja a obra e não signifique o
bem-estar da massa peruana, 4/5 das quais é indígena e camponesa.
Esse mesmo movimento se manifesta na arte e na literatura nacionais,
nas quais se nota uma crescente revalorização das formas e assuntos
autóctones, antes desprezados pelo domínio de um espírito e de uma
mentalidade coloniais espanholas. A literatura indigenista parece
destinada a cumprir a mesma função que a literatura "mujikista" do
período pré-revolucionário russo. (MARIÁTEGUI, 2008, p. 64).
E, quase parafraseando Marx e Engels no Manifesto Comunista, Mariátegui
afirma: “A solução do problema do índio tem que ser uma solução social. Seus
realizadores devem ser os próprios índios”. (Ibidem, p.65).
O programa revolucionário embutido nessa análise histórica de Mariátegui é o
de uma Revolução Agrária e Antifeudal, que liberasse os camponeses indígenas do
regime gamonal estreitamente vinculado à dominação do imperialismo, particularmente
presente nas minas e nas fazendas açucareiras da Costa.
Mariátegui percebeu claramente que a falta da nacionalidade peruana está
relacionada à manutenção da ordem colonial (ou de dependência econômica ao
imperislismo) que se apoiava no gamonalismo e em uma burguesia fraca, incapaz de
impor a sua hegemonia.
Mariátegui conhece o debate entre mencheviques e bolcheviques sobre a
revolução burguesa em países coloniais. Lenin defendeu que na Rússia a Revolução
Burguesa, ou seja, a democratização do acesso à terra e a consecutiva destruição do
latifúndio, seria levada adiante pelas forças socialistas, e não pela burguesia. Esse é o
modelo pelo qual o autor de Sete Ensaios interpreta a história peruana, em toda a sua
247
amplitude, e como nos ensaios anteriores, primeiro pelo problema econômico. O
terceiro ensaio é a questão da terra.
O problema agrário se apresenta, antes de qualquer coisa, como o
problema da liquidação do feudalismo no Peru. Essa liquidação já
deveria ter sido feita pelo regime democrático-burguês [...] A antiga
classe feudal – camuflada ou disfarçada de burguesia republicana –
conservou suas posições. (MARIÁTEGUI, 2008, p. 68).
E continuando mais adiante:
Os países que, depois da independência conseguiram livrar-se desse
peso (o feudalismo) são os que progrediram; os que ainda não
conseguiram isso são os retardatários. Já vimos como o peso do
feudalismo se juntou ao peso do escravagismo. (Ibidem, p. 76).
Enfim, ao longo de uma brilhante exposição da história peruana, Mariátegui
apresenta o modelo antievolucionista de Lenin para os países coloniais: A Revolução
Burguesa não seria obra da burguesia. A liquidação do feudalismo no Peru será+++++
obra dos indígenas-camponeses sob a influência dos ideais socialistas e do
marxismo-leninismo. Não é por outro motivo que o revolucionário peruano reafirmou a
frase de Valcárcel, do livro Tempestad em los Andes: “A Rebelião Indígena espera seu
Lenin!”. (VALCÁRCEL, 1926)279.
A comunidade indígena e a força subjetiva que movimenta a Revolução
Mariátegui procurou ver o processo revolucionário em sua totalidade, não
deixando de reafirmar o papel da economia como base material importante para a
análise histórica.
A revolução agrária antifeudal possuía uma enorme força subjetiva nas
características particulares do campesinato peruano: o indígena da Serra. As forças
socialistas deveriam se apoiar na comunidade que persistia na Serra, antítese do próprio
279
Cf: VALCÁRCEL, Luis. Tempestad en los Andes, Lima: Amauta, 1926.
248
gamonalismo, o Ayllu, expressão tanto do campesinato indígena e sua forma de
organização coletiva como também expressão da nacionalidade incompleta que o
movimento socialista poderia inspirar.
Mariátegui encontrou na comunidade indígena a antítese tanto para o feudalismo
quanto para o imperialismo. O Ayllu seria a própria Revolução Agrária, e também o
germe, o guardião da nacionalidade peruana. As duas tarefas da revolução burguesa
(agrária e antifeudal) que não haviam sido cumpridas pela fraca burguesia peruana se
manifestavam no problema indígena peruano.
A comunidade indígena, o Ayllu, ou a propriedade camponesa comunal, para
Mariátegui, teve origem no Império Inca, que, embora autocrático, apoiou-se sob a
exploração coletiva da terra. “[...] ao comunismo incaico – que não pode ser negado
nem diminuído por ter se desenvolvido sob Regime autocrático dos Incas – designa-se
por isso mesmo como comunismo agrário.” (MARIÁTEGUI, 2008, p.71) e cita Cesar
Ugarte para definir a comunidade:
Propriedade coletiva da terra cultivável pelo Ayllu ou conjunto de
famílias aparentadas, ainda que dividida em lotes individuais
intransferíveis; propriedade coletiva das águas, terras de pasto e
bosques pela marca ou tribo, ou seja, uma federação de ayUus
estabelecidos ao redor de uma mesma aldeia; cooperação em comum
no trabalho; apropriação individual das colheitas e frutos. (UGARTE
apud MARIÁTEGUI, 2008, p. 71).
Essa economia “natural e orgânica” (Ibidem, 2008, p.72) foi desorganizada pela
conquista, mas sobreveio da incapacidade do feudalismo espanhol em suplantar o ayllu.
Mariátegui demonstra que, ao contrário do que possa parecer, a comunidade camponesa
foi comum em outros períodos, não sendo assim um fenômeno andino.
O feudalismo deixou, analogamente, que subsistissem as comunas
rurais na Rússia, país com o qual é sempre interessante o paralelo
porque seu processo histórico se aproxima muito mais desses países
agrícolas e semifeudais que os dos países capitalistas do Ocidente.
(MARIÁTEGUI, 2008, p. 80).
E também: “O comunismo agrário do ayllu, uma vez destruído o Estado inca,
não era incompatível nem com um, nem com o outro”. (Ibidem, 2008, p. 78).
O regime medieval, teórica e praticamente, conciliava a propriedade
feudal com a propriedade comunitária. [...] As disposições das leis
coloniais sobre a comunidade, que se mantinham sem inconveniente
249
ao seu mecanismo econômico, reformavam, em troca, e logicamente,
os costumes contrários à doutrina católica (a prova matrimonial etc.) e
tendiam a converter a comunidade numa roda da sua máquina
administrativa e fiscal. A comunidade podia e devia subsistir, para
maior glória e proveito do rei e da Igreja. (Ibidem, 2008, p.79).
A república, com sua jurisdição aparentemente liberal, não foi capaz de destruir
o latifúndio, o feudalismo da agricultura, mas foi eficiente para atacar a comunidade. A
república opôs a propriedade individual contra a comunidade, e acabou favorecendo a
concentração da terra. Onde de fato há economia capitalista e distribuição de terra,
conforme o programa demo-liberal, a comunidade desapareceu. O feudalismo convive
com a comunidade, enquanto que o capitalismo não. Mariátegui não vê a comunidade
como uma tradição cultural, ou uma peculiaridade antropológica. Ele identifica a
comunidade como uma relação de subsistência, única possível dos camponeses frente à
organização feudal agrária. É na impossibilidade do feudalismo espanhol colonizador
em prover subsistência do campesinato que reside a vitalidade do ayllu.
Para apoiar sua tese, Mariátegui utiliza o exemplo do mir Russo:
O mir não garantia aos camponeses a terra necessária para seu
sustento; em troca, garantia aos proprietários a provisão indispensável
de braços para o trabalho de seus latifúndios.
Quando em 1861 a servidão foi abolida, os proprietários encontraram
um meio de substituí-la, reduzindo os lotes concedidos a seus
camponeses a uma extensão que não lhes permitia subsistir de seus
próprios produtos. A agricultura russa conservou, desse modo, seu
caráter feudal. O latifundiário usou a reforma em seu proveito. Havia
percebido que era de seu interesse outorgar uma parcela aos
camponeses, desde que esta não bastasse para sua subsistência e a de
sua família. Não havia meio mais seguro para vincular o camponês à
terra, limitando assim, ao mesmo tempo, ao mínimo, sua emigração. O
camponês se via forçado a prestar seus serviços ao proprietário, o qual
contava para obrigá-lo a trabalhar em seu latifúndio – se não bastasse
a miséria a que a ínfima parcela o condenava – com o domínio de
prados, bosques, moinhos, águas etc. (MARIÁTEGUI, 2008, p. 80).
No ensaio “O Fator Religioso”, Mariátegui desenvolve uma profunda e
inovadora análise do processo de formação da religiosidade peruana a partir de um
critério materialista histórico. Para uma análise marxista da religião, segundo
Mariátegui, não bastava a crítica ateia, antirreligiosa. Era ainda mais importante
compreender o significado que o pensamento religioso adquire na prática econômica e
política dos homens e mulheres e de que modo os fatores econômicos determinavam as
concepções religiosas.
250
A primeira demarcação importante que Mariátegui estabelece em seu texto é
com a crítica antirreligiosa do liberalismo e também do anarquismo.
Já foram definitivamente ultrapassados os tempos do apriorismo
anticlerical, no qual a crítica “livre pensadora” se contentava com uma
execução sumária e estéril de todos os dogmas e igrejas, a favor do
dogma e da igreja de um “livre pensamento” ortodoxamente ateu,
leigo e racionalista. O conceito de religião cresceu em extensão e
profundidade. Já não se reduz a religião a uma igreja e a um ritual. E
reconhece nas instituições e sentimentos religiosos um significado
muito diferente do que ingenuamente lhe atribuíam, com um
incandescente radicalismo, pessoas que identificavam religiosidade
com obscurantismo. (MARIÁTEGUI, 2008, p. 163).
A crítica ao antireligiosismo, que não procurava ver a religião como um traço da
estrutura social, está dirigida à crítica gonzalezpradista, que ao longo de toda década de
1920 influenciou ideologicamente parte do movimento operário com que Mariátegui
mantém uma luta político-ideológica para superar alguns preceitos anarquistas em nome
da análise marxista.
O movimento radical – que teve o encargo de denunciar e condenar
simultaneamente os três elementos da política peruana nos últimos
lustros do século 20: civilismo, pierolismo e militarismo – constituiu
de fato a primeira e efetiva agitação anticlerical. [...] nessa batalha
que, se produziu, principalmente nas províncias, certo aumento da
indiferença religiosa – o que não era um ganho –, não ameaçou em
nada a estrutura econômico-social na qual estava profundamente
enraizada toda a ordem que rejeitava. O protesto radical ou
“gonzálezpradista” não foi eficaz por não ter apresentado um
programa econômico e social. Seus dois lemas principais –
anticentralismo e anticlericalismo – eram por si sós insuficientes para
ameaçar os privilégios feudais. (MARIÁTEGUI, 2008, p. 164).
A superação da simples crítica antirreligiosa não significava qualquer adesão de
Mariátegui a uma perspectiva idealista ou metafísica, mas a busca por desvelar alguns
“enigmas” importantes da história que se relacionam com o desenvolvimento da
subjetividade humana, que passaram por diversos sistemas de pensamento, muitos deles
como sistemas religiosos. No Peru, o primeiro sistema, foi o do Tahuantinsuyo, em que:
O povo incaico ignorou toda separação entre a religião e a política,
toda diferença entre o Estado e a Igreja. Todas as suas instituições,
como todas as suas crenças, coincidiam estritamente com sua
economia de povo agrícola e com seu espírito de povo sedentário. A
teocracia repousava sobre o comum e o empírico. (Ibidem, p. 169).
251
Mariátegui, como marxista e materialista, acreditava que o obscurantismo
religioso é nocivo ao desenvolvimento social, e em momentos de desenvolvimento
revolucionário das forças produtivas a religião é mais “pragmática”, “empírica”, menos
“litúrgica”, menos afeita ao ritual ecumênico, mais relacionada à disciplina e à
organização “espiritual” da produção. E nessa lógica, o feudalismo espanhol carregou,
após a conquista – Mariátegui diferencia conquistadores e colonizadores espanhóis –,
todo o germe do atraso econômico espanhol na religião católica.
O catolicismo de “O vice-reinado, moleza e ócio sensual, iria trazer mais tarde
ao Peru nobres letrados e doutores escolásticos, gente já totalmente de outra Espanha, a
da inquisição e da decadência”. (Ibidem, p. 171).
Essa igreja, com sua “liturgia suntuosa”, soube adaptar a religiosidade
pragmática indígena. “O trabalho, iniciado há muitos séculos no Ocidente, de absorção
dos antigos mitos e de apropriação das datas pagãs, continuou no Peru.” (Ibidem, p.
172).
Mas, se a religião nativa era orgânica como a economia do império, e a religião
do invasor espanhol era artificial, pomposa, com ares de decadência e escolástica, a
colonização protestante dos EUA era o contrário. A religião dominante nos EUA era a
prova-real de que o catolicismo estava ligado ao atraso econômico, e de certa forma,
que o protestantismo se relacionava à pungência da economia capitalista. Sem
simplismos economicistas, Mariátegui cita Engels: “A primeira etapa da emancipação
da burguesia é, segundo Engels, a reforma protestante”. (Ibidem, p. 77).
O processo da independência peruana foi uma continuidade da estrutura
religiosa da colônia. “A revolução da independência, do mesmo modo que não tocou
nos privilégios feudais, tampouco tocou nos privilégios eclesiásticos”. (MARIÁTEGUI,
2008, p. 183).
Citando Sorel, Mariátegui garantia, certamente reafirmando o papel do mito
revolucionário “[...] a experiência histórica dos últimos lustros comprovou que os atuais
mitos revolucionários ou sociais podem ocupar a consciência dos homens com a mesma
plenitude que os antigos mitos religiosos”. (Ibidem, p. 189).
A partir do 4º ensaio, as partes “O Processo da Educação Pública”, “O Fator
Religioso”, o “Regionalismo e centralismo” e o último ensaio, “O Processo da
Literatura”, ultrapassam a economia-política tratada nos três primeiros ensaios,
252
apontando para temas que faziam parte da luta política da época, e expressavam mais a
superestrutura, que, como veremos, se relaciona à formação da nacionalidade peruana.
Mariátegui, como os revolucionários comunistas da época, não levantavam
barreiras rígidas entre economia (estrutura ou infraestrutura) e a superestrutura, ou,
ainda, entre os aspectos mais subjetivos e não estritamente econômicos do modo de
produção, e seus aspectos claramente econômicos. Mariátegui é a melhor expressão de
como o marxismo que é semeado pela Revolução Russa está em oposição ao
positivismo liberal, e rejeitam influências positivistas no marxismo, como havia
ocorrido entre os socialistas da 2ª Internacional280.
A nacionalidade em formação e o processo da literatura
No último capítulo de Sete ensaios, “Processo da literatura peruana”, Mariátegui
desenvolve sua análise para um desdobramento original, já que, sem abrir mão do
conceito de modo de produção, não simplifica o materialismo histórico a uma
interpretação economicista.
Paris (1982), como também Melis (2011, p. IX-XVIII)281, explora a crítica que
Mariátegui fez ao esquematismo e o “estilo do crítico literário” para colocar Mariátegui
em um polo oposto ao que esses autores entenderam por marxismo-leninismo, ou ao
estilo de análise elaborada pelos comunistas “ortodoxos”, como afirma também
Löwy282. Mas, ao analisarmos os ensaios que Mariátegui organiza como o livro283 e
particularmente este último capítulo, em busca de um modelo, mesmo que oculto, salta
à vista uma estrutura coerente, marxista e até bastante “ortodoxa”, dependendo de qual
sentido se queira dar a esse termo.
Mariátegui, como os dirigentes comunistas que se formaram na esteira da
Revolução Bolchevique, tiveram como tarefa partidária a interpretação da realidade
social na qual atuavam, não por capricho, mas por uma necessidade da própria atividade
revolucionária. Precisavam elaborar planos e táticas eficientes para conduzirem o
280
Conforme já demonstrado no primeiro capítulo, os últimos congressos da 2ª Internacional, antes da
guerra, estiveram muito influenciados por preconceitos tipicamente colonialistas, além da defesa rígida
das etapas do processo histórico que na Europa levaram ao capitalismo industrializado. Ver páginas 62-75
deste trabalho.
281
MELIS, Antonio. Hacia la construcción de la nacionalidade. In: MARIÁTEGUI, 7 Ensayos de
Interpretación de La Realidad Peruana, Lima: Ministério de Cultura, 2011.
282
LÖWY, 2006, passim.
283
Nos referimos aos Sete Ensaios
253
processo revolucionário. Como já foi demonstrado, foi da necessidade da prática
revolucionária que nasceram as primeiras interpretações marxistas da realidade latinoamericana, e Mariátegui, sem dúvida, será o mais significativo esforço de aplicação do
marxismo na análise de um país latino-americano na década de 1920.
O seu trabalho chegou a um ponto em que poucos conseguiram até a década de
1930. Mariátegui não apenas procurou interpretar em um sentido marxista, ou seja, a
partir do materialismo histórico e dialético, o desenvolvimento econômico da sociedade
peruana, com o fim de precisar o sentido tático da revolução no Peru, mas procurou
tratar aspectos que ele próprio denomina como superestrutura284, como a literatura.
Mariátegui, como os comunistas de seu tempo viam o modo de produção como um
conceito de totalidade. A pouca análise do desenvolvimento superestrutural das
sociedades latino-americanas pelos comunistas estava relacionada às limitações dos
próprios militantes de origem operária, perseguidos por regimes oligárquicos e com
dificuldades em estabelecer contato com os núcleos mais desenvolvidos do movimento
operário internacional. As limitações estavam mais relacionadas a esses fatores que a
aplicação de um método determinista ou economicista rígido de análise da realidade de
seus países. Tanto Brandão como Astrojildo tentaram elaborar uma análise da literatura
brasileira. Astrojildo somente conseguiu organizar alguma reflexão mais elaborada
sobre a obra de Machado de Assis285 após o seu afastamento do PCB, o que, ao
contrário de demonstrar uma contrariedade dos PCs com esses temas, demonstra que,
em meio às tarefas partidárias, foi difícil a elaboração de uma análise de temas que
demandavam tempo e não possuíam um sentido imediatamente objetivo e um caráter
estruturante para a definição das táticas necessárias para a Revolução.
Por ser tão profunda, a análise de Mariátegui e o seu modelo têm um papel
significativo na história do pensamento social latino-americano. Primeiramente, é
importante salientar que Mariátegui declara repetidas vezes sua parcialidade, sua
filiação a um pensamento e até uma rejeição à crítica literária descomprometida,
academicista e que tratava a literatura como algo descolado da realidade social.
Mariátegui utiliza o conceito de superestrutura em diversas passagens. “Não é possível democratizar o
ensino de um país sem democratizar sua economia e sem democratizar, finalmente, sua superestrutura
política.”
285
Uma coletânea dos textos de Astrojildo Pereira sobre Machado de Assis foi publicada em PEREIRA,
Astrijildo. Machado de Assis, ensaios e apontamentos avulsos, Brasilia: Fundação Astrojildo Pereira,
2008
284
254
Mas isso não quer dizer que considero o fenômeno literário ou
artístico de pontos de vista extraestéticos, mas sim que minha
concepção estética é unânime, na intimidade da minha consciência,
com minhas concepções morais, políticas e religiosas e que, sem
deixar de ser concepção estritamente estética, não pode operar
independente ou diversamente. (MARIÁTEGUI, 2008, p. 223).
A sua bússola seria o desenvolvimento dos modos de produção que
caracterizaram a história do Peru. Mariátegui introduziu uma ideia que muitas
interpretações de sua obra286 parecem não perceber. Para Mariátegui, como para todos
os marxistas-leninistas de sua geração, Estado nacional, nacionalismo e suas expressões
simbólicas, artísticas etc. são obras “espirituais” (para citar um termo utilizado por
Mariátegui) da burguesia.
O feudalismo europeu não produziu uma literatura nacional, uma arte nacional.
A atividade literária na época medieval foi religiosa e seus mitos foram outros.
O florescimento das literaturas nacionais coincide, na história do
Ocidente, com a afirmação política da ideia nacional. Faz parte do
movimento que, por meio da reforma e do Renascimento, criou os
fatores ideológicos e espirituais da revolução liberal e da ordem
capitalista. (MARIÁTEGUI, 2008, p. 225).
No Peru não houve uma revolução liberal burguesa, ocorrendo apenas uma
invasão estrangeira que, após subjugar o índio transplantou, como uma extensão da
metrólope, a própria Espanha. “A literatura nacional é, no Peru, como a própria
nacionalidade, de inegável filiação espanhola.” (Ibidem, p. 226).
Definidas as características dessa literatura espanhola na literatura peruana,
Mariátegui segue o sentido da história peruana que deu aos outros ensaios, ou seja,
reafirmar que não houve ruptura com o surgimento da república, embora o Peru se
tornasse formalmente independente,
Nossa literatura não deixa de ser espanhola na data de fundação da
república. Continua sendo ainda por muitos anos, seja em um ou outro
eco tresnoitado do classicismo ou do romantismo da metrópole. De
qualquer maneira, se não quisermos chamá-la de espanhola, há que
chamá-la por longos anos de literatura colonial. (Ibidem, p. 229)
MELIS, Antonio. “Hacia la construcción de la nacionalidad” in MARIÁTEGUI, José Carlos. 7
Ensayos de Interpretacion de la Realidad Peruana (Edición facsimilar), Lima: Ministério da Cultura,
2011.
286
255
Seguindo, Mariátegui explica a relação da literatura (e podemos entender a arte
também) em países periféricos no sistema de dominação imperialista:
E não tentarei sistematizar este estudo segundo a classificação
marxista em literatura feudal ou aristocrática, burguesa e proletária.
Para não agravar a impressão de que meu arrazoado está organizado a
partir de um esquema político ou classista, e em vez disso adequá-lo a
um sistema de crítica e história artística, posso construí-lo com outros
andaimes, sem que isso implique em nada mais que um método de
explicação e ordenamento, e por nenhum motivo uma teoria que
prejulgue e inspire a interpretação de obras e autores. (Ibidem, p. 30).
Com esse trecho, somos induzidos a imaginar que Mariátegui estaria
descartando o conceito de modo de produção para compreender a literatura, mas logo
em outro parágrafo explica:
Uma teoria moderna – literária, não sociológica – sobre o processo
normal da literatura de um povo distingue nela três períodos: um
período colonial, um período cosmopolita, um período nacional.
Durante o primeiro período um povo, literariamente, não passa de uma
colônia. Durante o segundo período assimila simultaneamente
elementos de diversas literaturas estrangeiras.
No terceiro, alcança uma expressão bem modulada de sua própria
personalidade e seu próprio sentimento. Essa teoria não prevê mais
nada. Mas não nos faz falta, por enquanto, um sistema mais amplo.
(MARIÁTEGUI, 2008, p. 230).
Com isso, a classificação analítica de Mariátegui utilizava uma divisão do
processo da literatura em três estágios: primeiro o colonial, depois um período
cosmopolita e um terceiro, nacional. Para Mariátegui, o período nacional da literatura é
também o último de uma literatura genuinamente peruana, genuinamente nacional, e
não uma literatura proletária e socialista. Essa é uma diferença importante, pois é
facilmente confundida em interpretações da obra de Mariátegui que não conhecem bem
o universo conceitual marxista-leninista em que ele estava inserido. Por não
compreenderem a lógica analítica que Mariátegui estava manejando, acreditam que
Mariátegui não tem um modelo e por isso flutua sobre influências das mais ecléticas.
Nacional para Mariátegui é sempre demo-liberal. O socialismo é proletário e
internacional. A confusão está mais nos leitores, que no autor de 7 Ensaios.
Como oposto à literatura nacional está a literatura colonial, decadente, que, se já
era retrógrada no período colonial, no período republicano aprofundou sua condição.
256
A debilidade, a anemia, a flacidez de nossa literatura colonial e
colonialista provêm de sua falta de raízes. A vida, como afirmava
Wilson, vem da terra. A arte tem necessidade de se alimentar da seiva
de uma tradição, de uma história, de um povo. E no Peru a literatura
não brotou da tradição, da história, do povo indígena.
Nasceu de uma importação da literatura espanhola; depois se nutriu da
imitação da mesma literatura. Um cordão umbilical doentio a manteve
ligada à metrópole.
Por isso, pouco tivemos além do barroquismo e do culteranismo de
clérigos e ouvidores, durante o período colonial; romantismo e
trovadorismo mal digeridos dos bisnetos dos mesmos ouvidores e
clérigos, durante a república. (Ibidem, p. 231).
No Peru, o Terceiro Estado287, popular e também burguês, não existiu, e a
nacionalidade não pôde nascer de uma burguesia fraca, surgida da aristocracia colonial
em uma época em que a burguesia já abandonava seu conteúdo revolucionário para se
tornar reacionária à época do imperialismo.
A burguesia peruana foi incapaz de produzir nacionalidade, mas, em oposição ao
colonialismo que repousava no feudalismo gamonal, apenas o camponês-indígena
poderia inspirar nacionalidade. Assim, em oposição ao colonialismo, o nacional seria a
civilização indígena que sobreviveu à conquista. Se na colônia a influência espanhola
apenas gerava decadência, esterilidade, cópia e anemia na literatura, todo instante de
vitalidade artística era devido ao índio, ao povo, que, como um guardião da
nacionalidade peruana, esperava as transformações sociais para poder expressar com
toda sua pungência o espírito nacional peruano.
Os poucos literatos vitais, nessa pantanosa e anêmica procissão de
cansados e amarrotados escribas, são os que, de alguma maneira,
traduziram o povo. A literatura peruana é uma rapsódia pesada e
indigesta da literatura espanhola, em todas as obras nas quais ignora o
Peru vivo e verdadeiro. O gemido indígena, a pirueta mulata, são as
notas mais animadas e verazes dessa literatura sem asas e vértebras.
(Ibidem, p. 234).
Acompanhando o próprio processo da literatura do qual fez parte, Mariátegui
introduz a etapa cosmopolita da literatura, um momento intermediário do processo de
formação nacional, em que a partir da influência das transformações revolucionárias do
mundo se produz uma crítica aberta à literatura colonial e se prepara a verdadeira
literatura nacional. Como expressões dessa literatura cosmopolita, encontram-se
287
Aqui fazemos uma referência ao Terceiro Estado da Revolução Francesa, uma referência clássica da
revolução burguesa, utilizada no debate dos revolucionários da década de 1920.
257
González Prada e Ricardo Palma288:
O autor de páginas libres aparece como um escritor de espírito
ocidental e de cultura europeia. Mas, dentro de uma peruanidade ainda
por se definir, ainda por se precisar, por que considerá-lo como o
menos peruano dos homens de letras que traduzem essa peruanidade?
Por ser o menos espanhol? Por não ser colonial? A razão termina por
ser paradoxal. Por ser a menos espanhola, por não ser colonial, sua
literatura anuncia precisamente a possibilidade de uma literatura
peruana. É a libertação da metrópole. É, finalmente, a ruptura com o
vice-reinado. (Ibidem, p. 242-3).
E marca os limites do cosmopolitismo.
González Prada não interpretou esse povo, não esclareceu seus
problemas, não chegou a um programa para a geração que deveria vir
depois dele. Mas representa, de qualquer maneira, um instante – o
primeiro momento lúcido – da consciência do Peru.
Federico More diz que ele é um precursor do Peru novo, do Peru
integral. Mas Prada, a esse respeito, foi mais que um precursor. Na
prosa de Páginas libres, entre sentenças alambicadas e retóricas,
encontra-se o germe do novo espírito nacional. (MARIÁTEGUI,
2008, p. 243).
Mas se o cosmopolitismo era esse momento de crítica e ruptura com a
metrópole, com o espírito colonial, não era ainda, tampouco, a literatura peruana.
Para Mariátegui, a literatura nacional não era produto de um gênio, de um
intérprete com qualidades maiores, mas uma síntese de toda uma luta pela formação da
nacionalidade, e esse processo ainda não havia culminado em uma obra-prima.
Também não cabe duvidar de sua vitalidade pelo fato de que até agora
não produziu uma obra-prima. Obra-prima não floresce a não ser em
um terreno já muito adubado por uma multidão anônima e obscura de
obras medíocres. O artista genial não é geralmente um princípio, e sim
uma conclusão. Aparece, normalmente, como o resultado de uma
vasta experiência. (Ibidem, p. 312).
Mas, se a literatura peruana ainda não havia se formado, já dava seus primeiros
passos, com César Vallejo, Magda Portal e o indigenismo.
288
Manuel Ricardo Palma Carrillo (1833-1919) foi um escritor peruano que ficou famoso por escrever
Tradiciones peruanas, uma série de contos de ficção histórica que valorizava a história popular, a
linguagem popular, uma certa informalidade, entre outros atributos renovadores na literatura peruana.
258
3º Capítulo – Tensões com os nacionalistas “pequeno-burgueses” e a
ruptura da frente única.
Otra actitud frecuente de los intelectuales que se entretienen en roer la
bibliografía marxista, es la de exagerar interesadamente el
determinismo de Marx y su escuela con el objeto de declararlos,
también desde este punto de vista, un producto de la mentalidad
mecanicista del siglo XIX, incompatible con la concepción heroica,
voluntarista de la vida, a que se inclina el mundo moderno, después de
la Guerra.
[…] En sustancia, el neo-revisionismo adopta, aunque con discretas
enmiendas, la crítica idealista que reivindica la acción de la voluntad y
del espíritu. Pero esta crítica concierne sólo a la ortodoxia socialdemocrática que como ya está establecido, no es ni ha sido marxista
sino lasalliana, hecho probado hasta por el vigor con que se difunde
hoy en la social-democracia tudesca esta palabra de orden: "el retorno
a Lasalle". Para que esta crítica fuera válida habría que empezar por
probar que el marxismo es la social-democracia, trabajo que Henri de
Man se guarda de intentar. Reconoce por el contrario en la III
Internacional la heredera de la Asociación Internacional de
Trabajadores, en cuyas asambleas alentaba un misticismo muy
próximo al de la cristiandad de las catacumbas,
[…] El marxismo, donde se ha mostrado revolucionario -vale decir
donde ha sido marxismo- no ha obedecido nunca a un determinismo
pasivo y rígido. Los reformistas resistieron a la Revolución, durante la
agitación revolucionaria post-bélica, con razones del más rudimentario
determinismo económico. Razones que, en el fondo, se identificaban
con las de la burguesía conservadora, y que denunciaban el carácter
absolutamente burgués, y no socialista, de ese determinismo. A la
mayoría de sus críticos, la Revolución rusa aparece, en cambio como
una tentativa racionalista, romántica, antihistórica, de utopistas
fanáticos. Los reformistas de todo calibre, en primer término,
reprueban en los revolucionarios su tendencia a forzar la historia,
tachando de "blanquista" y "putschista" la táctica de los partidos de la
III Internacional. (MARIÁTEGUI, 1976, p.72-3)289
MARIÁTEGUI, José Carlos. Defensa del Marxismo – Polemica Revolucionaria, Lima: Amauta,
1976, p.72-3
289
259
O V Congresso da Internacional Comunista, bolchevização dos partidos
comunistas e construção de frentes únicas para ganhar as amplas massas
A Internacional Comunista havia nascido na esteira da Revolução Russa de
Outubro, como fórum dos Partidos revolucionários que organizariam a Revolução
Proletária Mundial, rompendo com as posições conciliadoras dos Partidos Socialistas
durante a Primeira Guerra Mundial. Com a vitória do Partido Bolchevique na conquista
do poder, a IC pôde sustentar uma posição revolucionária no mundo, modificando,
inclusive, o nome dos partidos para se diferenciarem do antigo movimento socialdemocrata europeu. A Internacional era Comunista e reunia partidos comunistas para
conquistar o poder e fazer a Revolução que levaria o mundo ao comunismo.
Ao longo dos dois primeiros congressos, a IC teve como centro de suas
preocupações a reafirmação do caminho revolucionário contra o caminho reformista,
que via no Estado demo-liberal um espaço para a transição do capitalismo ao
socialismo. Essa foi a tese defendida no “Estado e a Revolução”290 de Lenin e nas 21
condições291 para a admissão de Partidos na IC. Esses dois congressos trataram de
definir a posição marxista revolucionária, contra a social-democracia, mas também em
combater a posição anarquista que se opunha à ditadura do proletariado. Os dois
primeiros congressos foram de definição de campo entre comunistas e socialdemocratas. A partir de 1921 também se definiria comunistas e o anarquismo. A
Internacional Comunista, reunida no III Congresso (1921), assumiu que existia uma
recuperação relativa do capitalismo, e chegava ao fim a Guerra Civil na Rússia dando
início à NEP (Nova Política Econômica), a política econômica proposta por Lenin que
permitia elementos da economia capitalista a fim de favorecer um crescimento da
economia russa destruída pela Guerra Civil.
Esse foi um momento de combate às posições “esquerdistas” no movimento
comunista, e o reconhecimento, pela primeira vez, de que a Revolução Proletária não
seria um processo rápido e contínuo. A burguesia imperialista tinha capacidade de
retomar a iniciativa econômica e alcançar uma estabilidade, mesmo que momentânea.
Trotsky e Varga redigiram as resoluções aprovadas no III Congresso da IC, anunciando
a nova situação mundial:
290
Ver o capítulo 1 deste trabalho.
As “21 condições de admissão na Internacional Comunista” foi um documento aprovado do II
Congresso da IC (1920), que estabelecia condições para que os partidos aderissem à organização.
291
260
Foi precisamente este desenvolvimento econômico de 1919-1920, que
ao suavizar o período mais agudo de finalização da guerra, assegurou
um extraordinário recrudescimento da segurança burguesa e suscitou a
questão do advento de uma nova época orgânica de desenvolvimento
capitalista. (INTERNACIONAL..., 2008, p. 226)292.
Essa definição abria a possibilidade de haver um crescimento das posições mais
à direita, já que, para se impor, era necessário combater os mais esquerdistas. O III
Congresso da IC fez uma avaliação de que pela primeira vez o impulso revolucionário
estava contido, mas, até por ser o próprio Trotsky um dos futuros representantes da
tendência “esquerdista” na IC, o tom principal da resolução redigida por ele e Varga não
foi claro na verificação da estabilização da burguesia e na redução do ritmo da marcha
da Revolução Proletária Mundial. A identificação de um recuo na onda revolucionária
inaugurada em 1917 levava à necessidade de se buscar novas forças para se continuar
avançando na Revolução Mundial. A solução era uma política de frente única que
fortalecesse as organizações proletárias dos ataques da reação burguesa. Procurou-se
uma aliança com a 2ª Internacional e a União de Partidos Socialistas para a Ação
Internacional, também conhecida como a Internacional 2 e 1/2, que, depois de
dezembro de 1923, se fundiria com a 2ª Internacional293, mantendo críticas ao governo
soviético e à ditadura do proletariado.
Os anarquistas, a partir de 1921, já não defendiam mais a Revolução Russa, e
tinham críticas sérias contra o governo soviético. Esses debates e cisões no movimento
operário internacional não ocorriam de forma abstrata. Desenrolavam-se na própria
experiência revolucionária, que entre 1917 e 1924 ocorria com grande velocidade,
marcando com episódios clássicos a luta política em torno do caminho que o
movimento revolucionário deveria tomar, como Kronstadt e o exército de Makno, a
292
INTERNACIONAL COMUNISTA. Los Cuatro Primeros Congresos de la Internacional Comunista,
Izquierda Revolucionária (edição digital), 2008.
293
Em 1920, a 2ª Internacional (fundada em 1889) foi reorganizada pelos partidos social-democratas que
não estavam de acordo com a Internacional Comunista. Em 1921, alguns partidos que não estavam de
acordo com os social-democratas, mas tinham reservas com a Internacional Comunista, fundaram a União
de Partidos Socialistas para a Ação Internacional (UPSAI) em Viena. Entre 2 e 5 de abril de 1922, os
Comitês Executivos das três Internacionais se reuniram em Berlim, mas não entram em nenhum acordo
para o restabelecimento da unidade do movimento operário. Entre os dias 21 e 25 de maio de 1923, foi
fundada a Internacional Operária e Socialista em Hamburgo, que reuniria os Partidos da 2ª Internacional e
a Internacional de Viena. Dessa Internacional, deriva-se a atual Internacional Socialista, da qual faz parte
o Partido Aprista Peruano, o PDT no Brasil, SPD na Alemanha, o Fatah palestino, o PRD e o PRI no
México, a Frelimo, o CNA sul-africano, o MPLA, sociais-democratas dos países nórdicos e outras
organizações que compõem diversos governos atualmente no mundo.
261
Revolução Húngara, a questão polonesa, a Revolução na Alemanha (1919 e 1923), as
tomadas de fábrica na Itália etc.
A partir das experiências concretas e das lutas políticas em torno dos erros e
novos caminhos para a revolução, definiam-se as resoluções e as posições dos
revolucionários, ajustando planos e consignas. Nesse processo, definia-se também o
papel de cada dirigente no processo revolucionário que a IC pretendia dirigir.
O IV Congresso da IC em 1922 intensificou a posição de que a Revolução
Mundial demoraria mais do que inicialmente se havia imaginado, e a URSS teria de
conviver com os países capitalistas por um tempo. (CARR, 1975, p. 5).
A avaliação de um recuo da Revolução Proletária Mundial, uma reestruturação
da reação burguesa, colocava como necessidade a adoção de uma ampla política de
frente única para manter a influência comunista e se preparar para novas ondas
revolucionárias. A situação de recuo da Revolução aparecia politicamente para a IC em
um aumento da reação burguesa. Em novembro de 1922, essa reação havia demonstrado
que poderia assumir um nível de violência e importância política maior com a Marcha
de Mussolini sobre Roma.
O V Congresso da IC (1924) aprofundaria a avaliação de que havia uma
reestruturação do capitalismo, e que o passo da revolução seria mais lento, obrigando os
comunistas a se prepararem para um período de indefinição entre as forças burguesas e
proletárias. Na abertura do Congresso, as palavras de Zinoviev são claras ao admitir o
recuo da onda revolucionária: “Todos estamos descontentes em comprovar que a vitória
não chegou ainda e não parece ter pressa em chegar. Aguardávamos a Revolução
Alemã, e não chegou: Tudo anda com demasiada lentidão”. (V CONGRESSO..., 1975,
p. 58). Como fruto do aprofundamento dessa avaliação, o debate mais significativo do
encontro dizia respeito a como os comunistas deveriam se organizar e mobilizar as
massas – herdariam o debate acerca da frente única do IV Congresso – e aprofundariam
o entendimento de como precisariam organizar os partidos comunistas.
Lenin havia morrido em 21 de janeiro de 1924. Havia se tornado o líder
incontestável do processo revolucionário russo, figura central da Internacional
Comunista, e seu prestígio havia ajudado a unificar os comunistas ao longo das lutas
políticas que a IC viveu desde a fundação. Com a morte de Lenin, as lutas tendiam a
abrir fraturas maiores, e as posições em disputa, a assumirem contornos mais
personificados em outros líderes do movimento comunista internacional, e
262
principalmente do PC russo.
O V Congresso abria sua sessão inaugural em 17 de julho de 1924, lembrando a
perda de Lenin: “Nossa primeira recordação devemos consagrar ao grande chefe da
Revolução Mundial: Lenin”. Após reafirmar o compromisso com o caminho de Lenin,
foi tratado o problema que guiaria o debate do congresso: a derrota da “Revolução
Alemã” em outubro de 1923. Seria a partir desse debate que se aprofundariam as
diferenças entre a maioria do CC do PC da Rússia e Trotsky, e se desenvolveria a luta
política ao longo do final da década de 1920.
O diagnóstico para essa derrota foi dado pela maioria da direção do próprio PC
da Alemanha, que afirmava ser fruto de um desvio direitista “brandleriano”294 e foi
apoiado por Zinoviev e a CEIC. (CARR, 1975, p. 6).
A Alemanha era a grande referência do movimento operário mundial desde a
ruptura com a 2ª Internacional. Era o país de Rosa Luxemburgo e Karl Liebckneck,
assassinados em 1918, de uma gigantesca classe operária de um país altamente
industrializado. Os russos haviam alcançado o poder, mas ainda dirigiam um país
atrasado, em uma sociedade majoritariamente camponesa. O centro da Revolução
Mundial era por definição a Alemanha, onde o proletariado havia alcançado o maior
grau de organização, era o país do marxismo por excelência, e era natural que a quebra
de um elo fraco, a atrasada Rússia, significasse apenas uma indicação da crise do
imperialismo mundial, não o centro da Revolução Mundial. A derrota dos comunistas na
Alemanha forçava uma discussão mais profunda sobre os rumos da Revolução Mundial.
O presentes no Congresso concluíam que os alemães não haviam conquistado o
poder, com a tática de frente única que estabeleceram na Saxônia e na Turingia, porque
haviam sido traídos pelos social-democratas que impuseram a ilegalidade ao Partido
Comunista Alemão. Era a avaliação de que a aliança com os social-democratas não
daria o fruto imaginado.
Somado a essa derrota política sofrida no país em que se imaginava a próxima
revolução comunista estava o informe sobre a situação econômica por Varga, o
especialista no assunto. Ele afirmava que o capitalismo gestava uma crise,
particularmente uma crise na agricultura, e nos EUA: “Nos encontramos no começo de
uma das mais graves crises dos Estados Unidos [...] acreditamos que vamos a uma crise
mundial geral. A social-democracia rebate com toda a sua energia nossa opinião”.
294
O termo se refere a Heinrich Brandler (1881-1967), dirigente comunista alemão.
263
(VARGA. In: V CONGRESSO..., 1975, p. 97).
A análise de dados, por demais extensa para expormos aqui, apresenta uma série
de dados e estatísticas da economia mundial que apontavam para uma recuperação
econômica relativa, mas ainda com uma perspectiva de crise breve. Nesse ensejo, a
burguesia não conseguia manter seu poder como antes da guerra, não podia organizar o
Estado a partir das formas que utilizava antes, e passava a utilizar outras formas de
dominação como meio de manter-se no poder.
A aristocracia operária e a pequena burguesia têm-se convertido em
social-democratas, em parte integrante indispensável dos governos
burgueses. É um progresso também. Certamente são
contrarrevolucionários e traidores. Mas desde o ponto de vista
objetivo, se trata de um passo adiante, pois é um sintoma da
desagregação da burguesia. (ZINOVIEV. In: V CONGRESSO, 1975,
p. 58).
O raciocínio de Zinoviev relacionava diretamente a entrega de governos dos
Estados capitalistas à social-democracia como última medida para que a burguesia não
perdesse o poder para a Revolução, como havia ocorrido na Rússia. E por isso os socialdemocratas cumpriam um papel contrarrevolucionário, já que colaboravam na
manutenção da ordem capitalista, ao mesmo tempo que abrandavam o ímpeto
revolucionário da classe operária. Mas, se por um lado a tendência revolucionária ainda
estava na ordem do dia, estava claro que havia um recuo político, e seria necessário,
como foi definido no IV Congresso da IC, manter uma política de frente única com a
social-democracia, já que se estavam formando diversos governos de coalizão que
indicavam uma tentativa de estabilização política por parte da burguesia. Algumas
mudanças em alguns governos demonstravam essa tendência de formação de governos
de coalizão.
A burguesia já não pode governar como antes, um poder francamente,
puramente ou, melhor dizendo, sujamente burguês já não é mais
possível. A burguesia está obrigada a recorrer a truques: daí o governo
“operário” da Inglaterra e o bloco das esquerdas com os socialistas na
França. (Ibidem, p. 63).
A vitória inédita dos trabalhistas ingleses, com a eleição de Ramsay MacDonald
(1866-1937) ao cargo de Primeiro Ministro em 1923 (que duraria menos de 1 ano), e o
estabelecimento de relações diplomáticas entre a URSS e a Inglaterra levaram as
atenções da IC para a unidade com a social-democracia nas TUC. Como a derrota na
264
Alemanha foi avaliada como se tratando de um desvio de direita no manejo da frente
única, ou seja, na colocação de demasiada importância na formação do “governo
operário”, que significava a construção da frente única a partir da formação de coalizões
eleitorais, o debate sobre o tratamento da frente com os trabalhistas ingleses passou a
estar delimitado por uma fórmula que ficará popular no debate do movimento
comunista da época: “frentes únicas por baixo e por cima”.
Com essa consigna, o V Congresso ia reafirmando a necessidade de manter a
política de frente única, mas, devido aos erros de condução da Revolução Alemã em
1923, que colocaram muita importância na aliança “por cima”, ou seja, com os líderes
da social-democracia, que depois os trairiam, a “frente única por baixo” indicava a
necessidade de se construir uma frente a partir das bases e assim impor melhores
condições nesta aliança.
A tática de frente única. Não temos que debatê-la como um “objeto
em si”. A tática de frente única segue sendo justa, mas é necessário
examiná-la corretamente em cada país. [...] em 1921-22 começamos a
compreender que não temos a maioria da classe operária; em seguida,
que a social-democracia ainda era forte; em terceiro lugar que nos
encontrávamos na ofensiva enquanto o inimigo ataca (por exemplo, as
greves do ano passado, como as da Inglaterra, têm sido em sua
maioria defensivas); e em quarto lugar, que os combates decisivos não
estão na ordem do dia. Depois dos primeiros combates ficou clara a
relação real de forças e tivemos consciência de não sermos mais que
uma minoria. Tem-se aí uma base da tática de frente única
(ZINOVIEV In: V CONGRESSO, 1975, p. 70).
O ajuste da frente única foi um dos principais temas que conduziram a luta
política e as intervenções do V Congresso. Por um lado, debatia-se a necessidade de se
manter uma politica de frente única, e não simplesmente abandoná-la, como queria uma
parte dos contendores no Congresso. No final de 1923, a tentativa de unidade entre as
três internacionais havia falhado em Berlim, e a Internacional que agrupava alguns
partidos chamados de “esquerda da social-democracia”, que compunham a chamada
Internacional 2 e meia, havia se fundido com a 2ª Internacional. No IV Congresso da
Internacional (1922), os comunistas precisavam lidar com uma social-democracia
dividida. Já no V Congresso (1924), a social-democracia se organizava em uma mesma
internacional, e mantinha as críticas à URSS. A política de alianças se tornava mais
complexa e estreita. O debate centrava-se em recolher ensinamentos acerca de como se
deveria constituir a Frente Única.
265
Bertran Wolfe, representante do Partido Comunista do México no V Congresso
da IC, preparou um informe para o III Congresso do PCM em 1925, em que narrava as
novas posições resolvidas no Congresso295. No seu informe, Wolfe faz uma
retrospectiva dos quatro Congressos anteriores ao quinto, em que aponta o avanço da
consigna acerca do problema da frente única, a qual desde o III Congresso 296 está
marcada pela ideia de que a Frente Única é uma tática para “Ir às Massas!”. Quando
comparamos o informe de Wolfe com o informe inicial de Zinoviev, percebemos que o
delegado do PCM havia estudado as linhas gerais do CEIC, e estava tentando pensar a
situação mexicana à luz do Congresso da IC. Até a ordem de colocação das questões
segue uma ordem muito parecida.
Sobre a Frente Única, disse:
O terrível fracasso da revolução alemã, que estava muito próxima do
êxito, se deve em parte ao mal entendimento da tática de frente única e
o Quinto Congresso teve que analisar a dita tática e explicar o que é o
que. [...] Existem três maneiras de estabelecer a Frente Única: com os
líderes, ou desde cima, com as massas ou desde abaixo, e a partir de
cima e com as massas ao mesmo tempo. Quando nosso comitê
executivo anterior foi convidar Morones e companhia para participar
do Sindicato de Inquilinos e entra na Casa do Povo, essa foi a Frente
Única com os líderes e o resultado foi a perda da Casa do Povo.
Quando foi Diego Rivera, o secretário político do executivo anterior,
ver Calles e oferecer nosso programa como condição de apoio,
também foi Frente Única com os líderes. O quinto Congresso proíbe, e
com toda razão, a que todos os Partidos Comunistas entrem em
negociações desta espécie. (WOLFE In; III Congresso do PCM, 1925,
s.p.).
Se por um lado era importante organizar a frente única, dando sustentação pelas
massas, e não através de negociações com os líderes, que porventura pudessem trair a
unidade com os comunistas, a outra ponta da orientação política, surgida no V
Congresso, dizia respeito ao que ficaria conhecido como bolchevização dos partidos
comunistas.
295
Wolfe narrou também as peripécias que precisou enfrentar para chegar a Moscou. Com dinheiro
emprestado por Diego Rivera e outros simpatizantes, além de um empréstimo do Sindicato de Pintores
(225 pesos), chegou a Nova Iorque, onde conseguiu dinheiro emprestado, e que somado a um dinheiro
que ganhou trabalhando no barco conseguiu chegar com a sua esposa em Copenhague, e por fim a
Moscou. Conseguiu inserir o “problema da América Latina” na Ordem do dia, em meio ao tema sobre
colônias e semicolônias, e, ao que tudo indica, deu importantes colaborações para o debate sobre os países
periféricos. Ver: TERCEIRO Congresso Nacional do partido Comunista de México. Orden del Dia, 13
dez. 1924. CEMOS: Caixa 2, Pasta 8.
296
TERCEIRO Congresso Nacional do partido Comunista de México. Orden del Dia, 13 dez. 1924.
CEMOS: Caixa 2, Pasta 8.
266
Embora Lenin possuísse um enorme prestígio na Internacional Comunista, o
Partido Comunista Russo, a organização bolchevique liderada por Lenin, não era a
única referência entre os Partidos que compunham a Internacional. O Partido Comunista
da Alemanha até 1923 possuía um papel importante, herdeiro da tradição de Rosa
Luxemburgo e Karl Liebknecht, e até então o futuro líder da próxima revolução
proletária. A derrota do PCA direcionou o debate para o reconhecimento cada vez maior
de que o modelo de Partido que foi vitorioso na Rússia era um dos elementos que
conduziriam a vitória comunista em outros países. No V Congresso, surgiu a consigna
da bolchevização de todos os partidos comunistas, ou seja, a partir daquela data,
começava a ficar claro que o tipo de organização que havia conquistado o poder na
Rússia, o Partido Bolchevique, era o modelo que os comunistas deveriam seguir em
todos os países para alcançar a vitória da Revolução.
Desde o II Congresso da IC, com a aprovação das 21 Condições para o Ingresso
dos Partidos na IC, foram estipuladas algumas características obrigatórias para que os
Partidos pudessem se filiar à IC. O objetivo era claramente diferenciar a IC da 2ª
Internacional, colocando exigências que ajudassem a separar o recém-organizado
movimento comunista da herança social-democrata.
Se por um lado se reafirmava a importância de manter uma política de frente
única ampla, “por baixo e por cima”, por outro lado, a IC debatia a organização dos
comunistas, o Partido. Definir como deveria ser o PC era fundamental para a aplicação
da tática de frente única, já que se por um lado os comunistas pretendiam utilizar a
frente para influenciar uma parte do proletariado, que não estava sob direção marxistaleninista, por outro lado existia uma tendência de os comunistas perderem as suas
características e se diluírem na Frente. Particularmente em momentos de paz e de
estabilização, os partidos comunistas corriam o risco de incorporarem as práticas e
perspectivas dos aliados, perdendo a perspectiva revolucionária e comunista.
Discípulos de Marx e Lenin, aos melhores cérebros, aos melhores
organizadores. Mas uma vez constituído o órgão reitor, composto
pelos melhores comunistas de todo o mundo, não devemos estabelecer
uma disciplina formal: deve reinar uma verdadeira disciplina
comunista e proletária. [...] Necessitamos de um órgão reitor de ferro,
porque devemos juntá-lo as grandes lutas. Quem de nós havia pensado
que no IV Congresso que em outubro de 1923 teríamos que examinar
seriamente o problema da Revolução Alemã. E, contudo, os
acontecimentos estavam próximos. Os acontecimentos amadurecem
com maior rapidez que suponhamos [...] Está claro que entre o V e o
267
VI congresso teremos que afrontar combates decisivos em muitos
pontos do globo. Devemos estar preparados para nos converter, não só
de palavra, senão em realidade, em um verdadeiro Partido Comunista
mundial e invencível. (V CONGRESSO..., 1975, p. 88).
E, nas resoluções, definiam o que era bolchevização e também o que significava
o legado de Lenin, que ficaria conhecido como marxismo-leninismo.
A bolchevização das seções da Internacional Comunista consiste em
estudar e aplicar na ação as experiências adquiridas pelo Partido
Comunista Russo no curso das três revoluções e, também,
corretamente entendidas as experiências de todas as outras seções que
tenham tido lutas sérias. À luz destas experiências as seções da
Internacional devem compreender as tarefas que os incumbe e
generalizar as suas próprias experiências. Mas seria um erro imenso
pretender transportar mecanicamente a experiência russa a outros
países, um erro contra o qual Lenin mesmo nos colocou em guarda.
Há na Revolução Russa muitas experiências que têm um caráter
mundial.
[...] o leninismo enriqueceu o marxismo antes de mais nada pelas
teorias sobre: 1. O imperialismo e a Revolução Proletária; 2. As
condições e a forma de realização da Ditadura do proletariado; 3. As
relações entre o proletariado e o campesinato; 4. A importância da
questão nacional em geral; 5. A importância dos movimentos
nacionais, especialmente nos países coloniais e semicoloniais, para a
revolução proletária mundial; 6. O rol do Partido; 7. A tática do
proletariado na época das guerras imperialistas. 8. O papel do Estado
Proletário no período de transição; 9. O regime soviético, modelo
concreto de Estado para este período; 10. A divisão do proletariado em
camadas sociais, fonte da cisão do movimento operário em tendências
oportunistas e revolucionárias, e etc.; 11. Meios para derrotar as
tendências de direita socialdemocrata e as desviações de esquerda no
movimento comunista. (V CONGRESSO...1975, p. 188).
A bolchevização na América Latina
Os debates e lutas políticas que se desenvolviam no centro da Internacional
Comunista e em suas seções europeias iam ganhando ressonância nos países periféricos
de maneira desigual e inicialmente sem muita profundidade. O V Congresso, por suas
resoluções acerca da ampliação da propaganda e da tática de frente única, impulsionou a
preparação efetiva das seções nacionais da IC.
Para a América Latina, decidiu-se criar uma Secretaria Sul-americana297, que
funcionaria a partir de 1925 com sede em Buenos Aires. Seria dirigida pelos comunistas
297
O Secretariado Sul-americano (Birô Sul-americano) da Internacional Comunista (1925-1935) foi
fundado em fevereiro de 1925 por decisão do presidium do CEIC para ter sede em Buenos Aires (19251930) e depois funcionaria em Montevidéu (1930-1935). (JEIFETS et al., 2004, p. 27).
268
do PC da Argentina, a seção mais antiga da IC no subcontinente. Além da estruturação
orgânica dos diversos grupos que existiam, a secretaria tinha como tarefa desenvolver o
trabalho de propaganda comunista na região, traduzindo, editando e publicando a
literatura comunista, estimulando a atividade de propaganda nas seções nacionais e
publicando uma revista do Secretariado Sul-americano da IC, que, similar ao órgão
central editado pelo CEIC, Correspondência Internacional, denominaria-se, na América
Latina, Correspondencia Sudamericana. O México e o Caribe, partes fundamentais da
América Latina, estiveram incluídos nas preocupações do Secretariado Sul-americano,
mas possuíam uma dinâmica própria, centralizados na direção do PCM.
A Correspondencia Sudamericana se encontra atualmente acessível nos arquivos
do ASMOB298 e é uma importante fonte para estudarmos a atividade de propaganda da
IC na América Latina. Comparativamente ao conteúdo dos jornais dos PCs da região,
podemos dimensionar o processo assimilação da propaganda comunista nas seções
nacionais, e a influência que essa propaganda alcançou em grupos próximos ou
simpáticos ao marxismo-leninismo, como a Revista Amauta no Peru e José Carlos
Mariátegui.
Para a direção do PCB, a importância do secretariado da IC era grande, e
nitidamente se desenvolvia em torno de uma relação orgânica e constante. O PCB se
dirigia ao secretariado como a um órgão de direção, prestando informes regulares, quase
como um relatório das atividades do partido299.
O primeiro número da Correspondencia Suadamericana, além da reprodução de
parte do texto “As três fontes constitutivas do marxismo”300, uma sistematização do
legado marxista escrito por Lenin, trazia também um artigo de Octavio Brandão, em que
buscava sintetizar a construção do PCB até então.
Durante anos o movimento revolucionário proletário do Brasil foi
guiado pelos anarquistas ao estilo de Kropotkin. Em 1917, com a
Revolução Russa, começou a surgir uma certa diferenciação no seio
dos anarquistas. Acentuando-se cada vez mais essa separação
ideológica terminou com a formação, de um lado de anarquistas
quimicamente puros, e de outro lado de anarco-bolchevistas, em
contato com as massas combatendo ao lado delas.
(CORRESPONDÊNCIA..., 1926, p. 21).
298
Ver a lista de arquivos do movimento operário no final deste trabalho.
Há diversos relatórios da atividade do PCB publicados na Correspondencia Sudamericana.
300
Correspondencia Sudamericana, Buenos Aires, ano 1, n. 1, 15 abr. 1926.
299
269
Após definir o governo Epitácio como agente do imperialismo ianque, afirma
que doze companheiros fundaram o grupo do Rio em 7 de novembro de 1921, que
depois se transformaria em Partido Comunista, no Primeiro Congresso em 25 de março
de 1922 (Ibidem, p. 22)301. Por se tratar do primeiro número após o mês de março, em
que se comemora o mês da mulher trabalhadora, a revista estava dedicada à participação
da mulher na luta revolucionária, e entre os temas aparecem a aplicação da política de
frente única e a busca, ao menos em termos de propaganda, da efetivação da aliança
com os camponeses, ratificada no V Congresso da IC.
Figura 70 - Artigo de Martínez de La Torre em Amauta, sobre a estabilização capitalista.
O primeiro texto apresenta as motivações da revista Correspondencia
Sudamericana, abrindo com uma citação de Lenin em defesa da importância da teoria
revolucionária para o movimento e justificando, assim, o conteúdo da publicação.
Desde o V Congresso e a reafirmação da necessidade da política de Frente
301
BRANDÃO, Octavio. O Partido Comunista del Brasil. Correspondencia Sudamericana, Buenos Aires,
ano 1, n. 1, 15 abr. 1926.
270
Única, colocou-se para a IC a importância de não apenas estimular a atividade sindical,
animar as lutas dos trabalhadores, mas também em se aprofundar na compreensão da
arte de se fazer política. As sucessivas derrotas que a IC sofreu após a Revolução Russa
(Hungria, Alemanha, Polônia, Itália etc.) impunham uma reflexão sobre os instrumentos
políticos (Partido Comunista, Frente Única), que os comunistas necessitariam manejar
para romper a estabilização capitalista e a reação fascista para retomar a iniciativa e
alcançar o poder.
Além da bolchevização dos Partidos e a formação das frentes únicas para ligar
os comunistas às amplas massas, os debates avançaram para a percepção de que se
formassem melhor os quadros e dirigentes dos partidos comunistas, de maneira que
melhor manejassem o marxismo-leninismo, e pudessem analisar a realidade social de
seus países. Podemos afirmar que o ano de 1924 é um importante marco para o início de
um debate acerca da realidade nacional de cada país a que temos nos dedicado a estudar,
impulsionado pela necessidade dos comunistas em se formar frentes únicas com as
outras classes não-proletárias nos países periféricos (coloniais, semicoloniais e
dependentes302) e em romper com o isolamento urbano do qual a tradição sindicalista
centrada no proletariado impunha.
No capítulo anterior, apresentamos as primeiras e mais importantes tentativas de
análise marxista produzidas por militantes revolucionários comunistas do México,
Brasil e Peru. Em todos esses casos, a análise respondia à necessidade de se aliar às
classes não proletárias, que possuíam contradição com o regime latifundiário latinoamericano e com o imperialismo norte-americano, além das lutas urbanas dirigidas pelo
proletariado.
A partir de 1925 e 1926, a intervenção política e ideológica da IC será cada vez
mais efetiva e a Correspondencia Sudamericana demonstrará tanto o esforço por
propagandear a literatura teórica comunista como em analisar a realidade de cada país.
Inaugura-se de maneira mais sistemática as tentativas de interpretação e sistematização
da realidade nacional a partir do marxismo-leninismo, e que, como veremos adiante,
influencia diretamente as interpretações mais originais produzidas pelos comunistas do
Brasil, Peru e México, bem como as perspectivas formuladas pelos militantes desses
países influem na visão da IC acerca da América Latina, particularmente no VI
302
Como veremos mais à frente, até um certo momento se definiam alguns países como dependentes.
Depois, esse termo desapareceria, ficando apenas países coloniais e semicoloniais.
271
Congresso da IC, em 1928.
A análise desses materiais é bastante clara em demonstrar que ao invés de uma
simples transposição mecânica, imposta, de categorias importadas da URSS, houve um
esforço frutífero por compreender a realidade em que os comunistas atuavam para
organizar a revolução como parte da revolução proletária mundial, objetivo último da
IC.
No 3º número da Correspondencia Sudamericana, um artigo assinado por B.D.
(do Rio de Janeiro) tentava se debruçar na análise da realidade política após a vitória de
Washington Luís para a Presidência. O autor identifica entre as classes a oligarquia
cafeeira e os “pobres escravos” que viviam no campo, denunciando o sistema eleitoral
que garantia a sucessão dos latifundiários. O artigo se volta ao movimento operário de
São Paulo e Rio Janeiro, tratando as disputas ideológicas com o sindicalismo-anarquista
e as esperanças em se conquistar da classe operária para se derrubar a burguesia303.
O que se verifica gradualmente é o tratamento de duas questões essenciais na
periferia do capitalismo: a questão agrária ou camponesa e a luta contra o imperialismo.
Gradativamente, o secretariado tentava tratar essas duas questões que fugiam do
problema apenas proletário e podiam explicar aspectos nacionais mais amplos,
particularmente em países onde a classe operária era proporcionalmente muito pequena,
como na América Latina, e o próprio capitalismo havia seguido um desenvolvimento
distinto dos países europeus de economia mais avançada.
No nº 4, aparece um artigo assinado por Pedro Romo, “O problema camponês na
Argentina”, em que tratava o problema camponês a partir de algumas particularidades
argentinas: o cultivo extensivo e o trabalho assalariado304, que “tiram todo caráter de
indústria familiar, para rodear de muitos dos aspectos próprios da grande produção
industrial”. Mas existem diversos “tipos de produtor agrícola: proprietários de terra que
exploram a si mesmos com o auxílio do trabalho assalariado; arrendatários e ‘meeiros’,
que também apelam ao trabalho assalariado para a exploração agrícola”.
O que Romo considerava mais importante na Argentina era o arrendatário, “o
agricultor típico da Argentina”, um “pequeno capitalista”. Citando Kautsky, conclui que
essa classe estaria condenada a desaparecer devido à lógica de concentração do
capitalismo, que engole a pequena propriedade em favor da grande.
303
Carta del Brasil. Correspondencia Sudamericana, Buenos Aires, ano 1, n. 3, 15 maio 1926, p. 11 e 12.
ROMO, Pedro. O problema campesino em la Argentina. Correspondencia, n. 4, p. 23, 30 maio 1926,
p. 23.
304
272
A leitura de Kautsky305 é superficial, mas é um importante avanço para orientar a
preocupação que aparece logo depois:
Desde o ponto de vista comunista, é lógico que interessa, em primeiro
lugar, o assalariado, pela sua condição de mais explorado, de
proletário genuíno e porque constitui uma maioria. A posição do peão
agrícola frente ao agricultor é exatamente a mesma que a de qualquer
outro explorado frente a seu patrão. Quer dizer que deve totalmente a
situação do agricultor? [...]. Por esta causa e porque é um elemento
útil para a revolução – já que pode ser um valioso aliado ou um
poderoso inimigo – como tem demonstrado a experiência russa e
como é fácil deduzir a respeito de nosso próprio país. [...] Os
agricultores podem representar em prol ou contra qualquer causa, é
que não podemos prescindir de sua situação presente, sobretudo, de
sua conquista para a causa posterior do proletariado. (Ibidem, p. 24).
A questão camponesa cada vez mais apareceria dentro das interpretações das
realidades nacionais de cada país latino-americano, e a exemplo do texto de Romo,
citado acima, o tratamento da questão agrária fazia parte de um importante processo de
superação da tradição anarquista ou sindicalista entre os militantes dos PCs latinoamericanos. Já apontamos essa diferença anteriormente, mas quando, a partir de 1924,
se inicia a construção dos PCs latino-americanos diretamente ligados à IC, as rupturas
com o sindicalismo se acentuam, e surge todo um outro universo teórico para se
compreender a realidade de cada país.
Para a prédica anarquista e sindicalista, a humanidade se dividia entre os
oprimidos e opressores, e os camponeses entravam, de acordo com o seu grau de
miséria material, dentro de um ou outro. A revolução social não continha etapas, fases
ou sentido histórico, conforme ocorria com tradição marxista. Coube ao leninismo
aprofundar a questão camponesa sob uma perspectiva revolucionária, mas também
dentro da perspectiva histórica desenvolvida pelo marxismo.
Para o leninismo, a questão camponesa aparecia relacionada à revolução
burguesa, que também se ligava diretamente à construção do Estado nacional, e, de
maneira direta, a todos elementos que possamos considerar como relativos a construção
da nacionalidade.
O fator complicador para esse modelo de marxismo utilizado pelos socialdemocratas alemães e mencheviques aos quais Lenin se opôs estava centrado no papel
305
Ver no início do segundo capítulo, em que explicamos de forma sintética a tese de Kautsky sobre a
questão agrária.
273
do imperialismo e em como a expansão imperialista do capitalismo alterava as etapas
históricas que haviam marcado os processos de desenvolvimento do capitalismo na
Europa Ocidental industrializada.
A expansão do capitalismo, em sua fase imperialista, não proporcionava o
desenvolvimento de uma burguesia nativa que dirigisse o processo de construção da
nacionalidade; ao contrário, limitava o desenvolvimento nacional e, assim, também uma
parte fundamental do processo que coroou a formação dos países capitalistas europeus,
a destruição da ordem nobiliárquica e a distribuição de terras aos camponeses, programa
tradicionalmente defendido pelos liberais contra os conservadores na América Latina.
Esse modelo apontava para uma substituição da burguesia, como força
revolucionária para a construção de nacionalidade na América Latina, já que essa classe
já não era, nos países dominados, capaz de enfrentar o imperialismo. Cabia à Revolução
Proletária Mundial ajudar e impulsionar a luta anti-imperialista nos países dominados.
A luta dos comunistas assumia nos países oprimidos pelo imperialismo não apenas a
luta do proletariado contra a burguesia, mas também uma luta de libertação antiimperialista que tinha a tarefa de construção nacional e democratização da terra.
Dentre os três núcleos comunistas estudados neste trabalho, foi no Peru em que
esse debate teórico e a sua aplicação na interpretação da realidade se tornou mais
profundo. No México, foram os exilados e estrangeiros que dentro no PCM deram as
maiores contribuições, talvez exatamente por carregarem uma condição naturalmente
mais internacional. No Brasil, o PCB teria muita dificuldade em se desprender da
análise sindical, centrada no movimento operário, para se debruçar na realidade
nacional. A dificuldade em se compreender o tenentismo e a resistência posterior em se
incorporar Luís Carlos Prestes no PCB nos anos 1930 são algumas indicações de como
a discussão do programa revolucionário para a realidade brasileira possuía
insuficiências fundamentais em relação às discussões teóricas que já se faziam para
outras realidades da América Latina. No Brasil, a incorporação dos camponeses no
programa revolucionário comunista foi, até a década de 1930, pelo menos, formal306 e
apenas apareceu por insistência da IC.
Já a partir dos primeiros dias de 1927, o tema da luta anti-imperialista começou a
assumir um crescente protagonismo nas preocupações do secretariado sul-americano da
306
Praticamente não existiu nenhuma relação entre o PCB e os camponeses até a década de 1930. Mas o
nome Bloco Operário, criado como uma frente pelo PCB, foi alterado para Bloco Operário e Camponês,
por sugestão da IC.
274
IC em Buenos Aires, abrindo um debate que marcaria os anos seguintes, conforme
podemos acompanhar pelas páginas da Correspondencia Sudamericana, e também na
Revista Amauta, bem como no órgão informativo da Liga Anti-imperialista das
Américas, com sede na Cidade do México, El Libertador.
A frente anti-imperialista e os partidos comunistas da América Latina
O anti-imperialismo na América Latina não havia sido criado pelos comunistas.
Já existia desde antes de José Marti, e se relacionava diretamente a resistência à
expansão imperialista norte-americana sobre a América Latina, ainda no século XIX.
Desde o finado século, já era motivo para a formação de organizações, protestos e atos,
principalmente no México e em Cuba.
A primeira dessas organizações a entrar na órbita da Internacional Comunista foi
a Aliança Popular Revolucionária Americana, animada pela figura de seu líder, Victor
Raul Haya de La Torre, e promovida por diversos intelectuais peruanos exilados pelo
governo Lenguia, desde 1923. Haya de La Torre, estudante da Universidade de San
Marcos, havia participado do movimento Reformista Universitário de 1918-19, e havia
se ligado diretamente ao movimento operário, que naquela época conduzia a luta pelas 8
horas de trabalho. Influenciados pelos ventos renovadores do pós-guerra, os estudantes
propuseram a formação de universidades populares que consolidassem a unidade entre
trabalhadores manuais e intelectuais. Essa juventude, animada pelo radicalismo do
movimento operário, organizou uma manifestação contra a consagração do Peru ao
Coração de Jesus, uma cerimônia que aprofundava os vínculos da Igreja com o Estado
Lenguista. Após o protesto, o mandatário abriu um período de crescente perseguição aos
elementos que se opunham ao Governo.
Haya de La Torre era o reitor das universidades populares criadas pelos
estudantes, dirigia a Revista Claridad e em 1923 disputou contra Manuel Seoane a
presidência da Federação de Estudantes do Peru. Enquanto ainda se realizavam as
eleições, os estudantes receberam a notícia da prisão de Haya de La Torre, elegendo-o
como Presidente da FEP, e Seoane como vice-presidente. Haya iniciou uma greve de
fome na prisão e conseguiu ser desterrado para o Panamá no dia 9 de outubro de 1923.
A partir desse exílio, teve início uma peregrinação que torna o nome de Haya de
La Torre conhecido entre os movimentos juvenis e anti-imperialistas do mundo. A
275
primeira escala de Haya, após o Panamá, é em Havana, onde conheceria o presidente da
Federação de Estudantes de Cuba, Julio Mella. Logo depois, Haya partiria para o
México, onde passaria a trabalhar com José Vasconcelos, então Secretário de Educação,
de tendências liberais, e discurso latino-americanista. Nesse período em que Haya
trabalhou na Secretaria de Educação, Vasconcelos estava envolto nas suas teses sobre a
raça cósmica e o latinoamericanismo. Como veremos mais adiante, as ideias de
Vasconcelos influenciaram Haya de La Torre, que em maio de 1924 organizou com
outros estudantes mexicanos uma cerimônia de “entrega da bandeira da nova geração
hispano-americana”. Essa cerimônia não propôs a organização clara da APRA, mas é
considerada pelos apristas como o evento fundador de seu movimento. Juntando à ideia
de uma “nova geração”, muito proclamada pelos estudantes reformistas com o hispanoamericanismo muito elistista307 de Vasconcelos, Haya diria:
O afã de unidade dos povos de nossa raça foi em Bolivar um sonho
[...] mais tarde, tema de discursos diplomáticos, e agora fé, credo,
sonho de luta de nossa geração. Com orgulho podemos afirmar que
nada tem sido mais eficaz ao propósito generoso de fundir em um só
os 21 povos indo-americanos – dispersos pelo nacionalismo estreito
das velhas políticas. (HAYA DE LA TORRE, 1984, p. 7).
E após descrever a bandeira, que depois seria o símbolo do Partido Aprista
Peruano, disse: “Entrego-lhes, camaradas estudantes do México, porque vós sois os que
desde esta terra heroica, que hoje observa atenta e devota nossa América, tens o direito
de levá-la. Porque sois os filhos do povo que mais galhardamente defende a liberdade
da raça”. (Ibidem, p. 8).
Após a pomposa cerimônia, Haya seguiria para Moscou e participaria como
expectador visitante ao V Congresso da Internacional Comunista (1924), fato que
marcaria profundamente sua perspectiva e o conteúdo que posteriormente assumirá a
APRA.
Um livro de Haya, publicado posteriormente, nos mostra as impressões que o
futuro líder aprista teria da URSS e do próprio V Congresso da IC. Como demonstrado
em páginas anteriores, esse congresso marcou grandes esperanças na aplicação da tática
de frente única, e estimulou a participação dos comunistas em duas frentes, que
pareciam abertas e importantes para que os comunistas expandissem sua influência no
movimento popular: o movimento trabalhista inglês e o movimento nacionalista da
307
Tratamos o pensamento de Vasconcelos com mais detalhes no capítulo 2.
276
China. A TUC foi entendida como uma dessas frentes, e Haya de La Torre escreve
elogiosas palavras sobre o papel da classe operária inglesa e sua capacidade de
organização:
A primeira e mais importante de todas é a lição de solidariedade
operária que 4 milhões de proletários ofereceram ao mundo,
apresentando-se sólidos como um homem – palavras de ordem
daqueles dias memoráveis – ao comando único do Congresso das
Trade-Unions (TUC), sua autoridade suprema. A disciplina, a
organização, a consciência de classe da gente operária inglesa se
manifesta nesta unidade. O proletário inglês tem compreendido que
dividir-se é desbaratar seu movimento. Por isso na hora da luta, todas
as diferenças ficaram suspensas e cada proletário ocupou seu rosto
como um soldado. Deter uma máquina tão complicada, tão enorme
como a da indústria inglesa; paralisar as comunicações e ameaçar a
ordem política de uma nação de quarenta milhões de habitantes, pela
resolução de 4 milhões deles sem uma ideia clara do poder operário,
quando, consciente e leal à causa de sua classe, atua
disciplinadamente. (HAYA DE LA TORRE, 1984, p. 381, v. 2).
Com esse espírito, o estudante peruano havia chegado à URSS e descrito o V
Congresso anos antes:
Não me esquecerei daquela manhã em que cruzamos os últimos
campos da Lapônia, passamos antes o último posto militar da pequena
república e logo após paramos na zona neutra, entramos nas terras da
republica de operários e camponeses. Um grito alegre ressoou por
vários compartimentos do trem. Estamos nas portas da Rússia. Um
grande arco de madeira levantado sobre a via suporta uma grande
bandeira vermelha. No arco há inscrições em vários idiomas que
dizem estas palavras. “Bem-vindo a todos os trabalhadores do
mundo!”, “Trabalhadores do mundo: uni-vos!” (Ibidem, p. 423).
Após descrições detalhadas da arquitetura russa, Haya passou à descrição do
Congresso, que parece ter lhe impressionado muito.
Desde as dez da manhã a animação é incessante. Os delegados
ocupam cadeiras correntes de mesas paralelas ao largo do imenso
salão. Na frente de cada delegação está o nome do país a que
corresponde, escrito em francês. Quase todos os países do mundo
estão ali. (Ibidem, p. 425).
Ao que parece, Haya buscava com esse texto informar aos revolucionários
peruanos sobre sua experiência.
Durante o Congresso, os pontos mais interessantes se referem ao
277
tratamento sobre o movimento comunista de Hamburgo e sobre a nova
organização do partido ou sua bolchevização como a chama Zinoviev
[...] No debate sobre o movimento de Hamburgo sobre a crítica das
atividades do partido nos últimos anos, Zinoviev foi implacável. Os
assomos do direitismo trotskista que seis meses depois do Congresso
produziram novas polêmicas são atacadas por Zinoviev com rudeza.
[...] Pela tribuna dos oradores têm passado figuras muito interessantes:
Clara Zetkin, a avó da revolução, [...] Radek, chispeante e satírico, se
defendeu das críticas certeiras de Zinoviev; Bukharim, risonho,
tranquilo, mais professor que agitador, desenvolveu sua tese do
Marxismo teórico; Manuelisky fez ironia com um fino francês, sem
deixar de acariciar a barbicha; Larkin estremeceu a fala imperial
falando do nacionalismo revolucionário irlandês [...] Ruth Ficher fez
críticas severas da ação revolucionária de Hamburgo. (Ibidem, p.4278).
Todos que iam para o país dos sovietes narravam o que viam e eram lidos com
muito interesse pelo movimento operário. Astrojildo Pereira escreveu diversos relatos
de sua viagem em 1924, e depois, em 1929 em Moscou.
Nessas crônicas, fica evidente o quanto de simpatia o jovem peruano tinha pela
URSS, o que nos oferece um excelente ponto de partida para compreendermos a
posterior ruptura entre apristas e comunistas, bem como os termos do debate.
Em seu cenário dourado [a sala San Andrés do Kremlin], discorre
agora uma multidão de homens simples, ressoa a voz dos oradores
engradecida pelos aurífonos, debatem grupos de gentes de todas as
raças em torno das mesas de trabalho, estalando mil máquinas de
escrever, e ao fim da cada sessão ressoam os aplausos ao último
orador do dia. Enquanto delegados e participantes abandonam o
palácio, ficam neles os ecos triunfais da A Internacional. (Ibidem, p.
428).
E sobre a juventude russa, afirmaria:
Vendo aquele espetáculo, um correspondente francês me dizia que,
indubitavelmente, a Revolução Russa está dando ao mundo uma nova
juventude: coincidimos. [...] As impressões que eu tenho recolhido e
ordenado para um livro, me detenho em este ponto, que é para mim o
de mais interessante e significativo que tenho podido observar na
Rússia: no novo tipo de juventude que tem dado a Revolução. [...] na
Rússia, a simples transformação das condições econômicas, a simples
educação do trabalho sem o ideal do peso e do dólar tem criado uma
moralidade revolucionária admirável. (Ibidem, 429,430).
Esses comentários de Haya de La Torre, considerando tratar-se de um posterior
anticomunista, demonstram-nos as simpatias nutridas pelo fundador da APRA frente à
278
URSS, e podemos considerar que Haya foi um simpatizante do comunismo nos pouco
mais de dois anos que se seguiram ao V Congresso da IC.
As referências chinesas para a realidade latino-americana
Ao longo de 1925 e já no final de 1926, as lutas anti-imperialistas e anticoloniais
começaram a tomar um protagonismo crescente e a China de Sun Yat Sen assumiria um
importante papel para a IC. Na América Latina, o exemplo chinês trazia esperanças de
que não apenas no continente europeu poderia se desenvolver uma revolução, mas
também na periferia.
Na edição de número 3, de meados de maio de 1926, a Correspondencia
Sudamericana reproduzia o discurso de Zinoviev realizado na seção do Comitê
Executivo ampliado de 17 de fevereiro de 1926. Além da ordem do dia que guiou os
debates, coube destaque à saudação de um delegado chinês presente, aplaudido após
informar que o PC chinês contava com 10 mil membros e que o Kuomitang se somava à
Revolução Mundial da Internacional Comunista:
Não há mais que uma Revolução Internacional, da qual a Revolução
Chinesa é uma parte. A consigna de nosso grande chefe Sun Yat Sen
está de acordo com a consigna do marxismo e do leninismo. Já não se
acredita na II Internacional. A influência da III Internacional tem
crescido consideravelmente na China nestes últimos tempos. O
movimento compreende tanto aos intelectuais como às grandes massas
de operários e camponeses.
A consigna do Kuomintang [Guomindan no original] é: pelas massas
populares, ou seja, com os operários e camponeses, pela tomada do
poder político.
Todas essas consignas concordam com a política da III Internacional.
Esta é o estado maior da Revolução.
O Kuomintang, na pessoa de um de seus líderes, está aqui pela
primeira vez junto aos chefes da revolução e nesta qualidade, saúdo a
Internacional Comunista. (Grandes aplausos acolheram seu discurso).
(Correspondencia Sudamericana, n. 3, p. 11, 15 jun. 1926).
Essa intervenção do delegado do Kuomintang, Hun-Hang-Ming, indicava,
inclusive para os comunistas latino-americanos, excelentes possibilidades políticas para
os países dominados, através da formação de frentes únicas que unissem
revolucionários nacionalistas com os comunistas, em luta contra o imperialismo, em
direção à Revolução Proletária Mundial. E a partir de 1926 o material de propaganda
comunista na América Latina se encheria de interesse e esperança pelo desenvolvimento
279
da luta na China, e pelas perspectivas de uma aliança com nacionalistas em países
dominados.
Ao longo do ano de 1925 e 1926, a Internacional havia trabalhado pela
consolidação das frentes únicas onde havia sido possível. As Trade-Unions haviam se
transformado em modelo de análise do problema das frentes no movimento operário dos
países industrializados e o Kuomintang cada vez mais aparecia como um modelo de
unidade e frente única nos países coloniais e semicoloniais. Se por um lado a IC
encontrava reveses no front europeu da Revolução Mundial, nos países coloniais a luta
anti-imperialista aproximava nacionalistas e comunistas, chamando a atenção de todos
para os acontecimentos do “Oriente”.
Contudo, na periferia colonial e neocolonial do Ocidente, a transição
política ficava fora da agenda. China, Turquia, Índia, Egito, Marrocos,
México e Nicarágua configuravam um cenário complexo e
tempestuoso, proclive aos desbordos anti-imperialistas e
revolucionários. Durante esse processo, os cominterinistas haviam
voltado seus olhares e esforços sobre o que então abarcava o
“Oriente”, ou seja, Ásia, África e América Latina.” (MELGAR BAO,
2000, p. 125)308
Tendo como referência uma liga anti-imperialista fundada em julho de 1924 na
China, a IC decide impulsionar a criação de organizações frentistas anti-imperialistas e
de solidariedade aos perseguidos políticos. O Socorro Internacional Operário, depois
Socorro Vermelho Internacional, que mais tarde será responsável pelas campanhas de
libertação de diversos revolucionários presos pelos fascistas, foi criado nessa época.
308
MELGAR BAO, Ricardo. El Universo Simbólico de una Revista Cominternista: Diego Rivera y El
Libertador,
Convergencia,
México,
n.
21,
jan./abr.
2000.
Disponível
em:
<http://ru.ffyl.unam.mx:8080/jspui/bitstream/10391/914/9/melgar_el_libertador_introduccion%20.pdf>.
Acesso em: 27 mar. 2014.
280
Figura 71 - Desenho de Rivera para o Congresso de Bruxelas (1927)309
Fonte: El Libertador, nº12, México: jun. 1927, capa.
Willi Müenzenberg310 se tornaria o organizador de frente de solidariedade
internacional por excelência, e daria os primeiros impulsos às ligas anti-imperialistas
que se reuniram em um congresso, em Bruxelas, no início de 1927. O estímulo frentista
da IC teve um momento de importante expansão, que na América Latina teria como
309
Diego Rivera ilustra o número 12 de El Libertador, que iria publicar parte das resoluções do
Congresso de Bruxelas. Fonte: TIBOL, Raquel. Diego Rivera. Gran Ilustrador, México: RM/Galera,
2008, p. 110.
310
Willi Müenzenberg (1889-1940) foi um comunista alemão conhecido pela sua capacidade em
organizar o aparato de propaganda comunista. Foi responsável pela criação de muitas iniciativas editoriais
importantes, membro do CC do PC da Alemanha e importante dirigente do movimento comunista. Em
1940 foi morto por nazistas.
281
expressão orgânica a fundação das Ligas Anti-Imperialistas Pan-Americanas (depois
mudaria de nome) em meados de 1925 na Cidade do México, organizadas diretamente
por militantes do PCM. Entre os organizadores da Liga Anti-Imperialista, estiveram
Diego Riviera, Ursulo Galván, Bertrand e Ella Wolfe, além de Siqueiros, Enrique Flores
Magón311 e comunistas estrangeiros, que viviam na Capital Mexicana, como Julio Mella
e Tina Modotti.
O primeiro número do órgão de propaganda da Liga Anti-imperialista
Americana apareceu em agosto de 1925 e denunciava a ameaça que vinha do governo
dos EUA em seu editorial:
Um perigo ameaça a América Latina – o perigo da morte – Cuba,
Panamá, Haiti, Santo Domingo, Nicarágua, Veracruz. [...] passos
sucessivos na agonia de um continente. A Doutrina Monroe e o
Tratado Lamont-De La Huerta nos privam de nossa soberania. [...] A
marinha norte-americana ocupa o Caribe e seus soldados pisoteiam os
direitos da América Central e o resto da América Latina dorme
embalado pelo absurdo “patriótico” de minúsculos caudilhos. (El
Libertador, n. 1,mar. 1925).
A situação chinesa e a frente única expressa no Kuomitang foram se
transformando em uma espécie de situação política e organização frentista modelo para
os países não europeus. Em 1925, a Liga Anti-imperialista da Américas LADLA
explicava que:
[...] o imperialismo tem levado a rebelião à China. Desde a invasão de
diversas potências em 1900, a China está subjugada pela finança
internacional. O imperialismo japonês a obrigou a entregar a
exploração de suas ferrovias, os ingleses os envenenaram com ópio, os
alemães arrebataram Khiau Chaw, os franceses a Indochina. Um saque
diabólico se exerceu sobre o indefeso país, corroído interiormente pelo
câncer da dominação imperial.
O despertar da China é um aspecto pavoroso para os imperialistas e
para o inglês sobretudo. [...] Mas o despertar da China trará consigo o
despertar de centenas de milhões de homens, sua incorporação à luta
contra o imperialismo escravista, e sua solidariedade com os demais
povos dominados pelo imperialismo. Unidas as enormes massas do
extremo oriente à Rússia libertada, afugentaria definitivamente da
metade da terra a exploração espantosa que atualmente sofrem esses
desgraçados povos. (El Libertador, n. 4, jul. 1925, p. 1).
Em uma seção do CE ampliado da IC, Zinoviev falou a seguinte análise do
problema da Revolução no Oriente:
311
Embora possua o mesmo nome, não se trata do irmão de Ricardo Flores Magón.
282
Nossos êxitos são enormes. A Primeira Internacional, a de Marx, não
tinha ousado pensar em uma relação desta com o Oriente. Se o partido
do Kuomintang, que se eleva a 400.000 membros, se esse partido que
a história levará amanhã ao poder em toda a China, está
ideologicamente solidário conosco, é já um grande êxito. [...] Se
podemos falar de novos fatores mundiais e históricos, é da união em
nossa época do movimento nacional revolucionário com o movimento
proletário. Esta fusão de duas correntes revolucionárias nos assegura a
vitória. (Correspondência Sudamericana, n. 6, 30 jun. 1926, p. 31).
E conclui, sobre o Oriente: “Se conseguimos conquistar as colônias ao
socialismo, e arrastá-las atrás de nós antes que amadureça e se reforce a sua burguesia,
entraremos então na etapa capitalista nas colônias”. (Ibidem, p. 32).
O Kuomintang tornou-se uma referência, e a organização das frentes nacionais
compostas por simpatizantes dos comunistas e nacionalistas animaram o movimento
anti-imperialista na América Latina, especialmente dando possibilidade de organização
à Aliança Popular Revolucionária Americana, a qual Haya de La Torre havia tentado dar
vida desde 1924, quando no México havia organizado a cerimônia de entrega da
bandeira.
Após o tempo em que esteve na URSS, Haya de La Torre peregrinou pela Suíça,
devido a problemas de saúde, passando pela Itália, pela França e convivendo com
Ingenieros, Vasconcelos, Ugarte, Ortega y Gasset e outros. Em uma dessas
oportunidades, participou de uma assembleia anti-imperialista, em que falava em nome
do que ele denominava como a frente única de trabalhadores manuais e intelectuais da
América, que seria a APRA.
Em nome da nova geração revolucionária e anti-imperialista da
América Latina, saúdo neste instante memorável o valoroso povo
mexicano, as suas organizações de camponeses e operários, cuja obra
não havia terminado ainda, mas que aponta o mais avançado e o mais
apreciável exemplo para todos os oprimidos de nossa América.
(HAYA DE LA TORRE, 1984, p. 79, v. 1).
Em novembro de 1926, ao saber da criação da Revista Amauta por Mariátegui no
Peru, enviou uma carta, desde Londres, que seria publicada na própria revista, e na qual
Haya demonstra que compreende que a Revista Amauta fazia parte desta frente, tal
como o próprio Haya foi definindo a APRA.
Ao voltar esta noite de Paris, onde está fundado e em pleno trabalho o
283
grupo de jovens peruanos que vão dirigir as atividades do APRA na
Europa, me deparei com o primeiro número de Amauta que é a melhor
mensagem que eu podia ter desejado por parte da seção dos
trabalhadores intelectuais do Peru, militantes na nossa grande frente
de ação, que, com os trabalhadores manuais, vai conquistar para o país
os caminhos da justiça. (HAYA DE LA TORRE, 1984, p. 115, v. 1).
E, em dezembro de 1926, certamente acreditando ser capaz de dar forma para a
sua organização, Haya de La Torre, em nome da APRA, publica em inglês o primeiro
documento programático com o título em português: “O que é a APRA?”, publicado na
The Labour Monthly, em Londres.
A organização da luta anti-imperialista na América Latina, por meio de
uma frente única internacional de trabalhadores manuais e intelectuais
(operários, estudantes, camponeses, intelectuais, etc.) com um programa
comum de ação política, isso é o APRA. (ALIANÇA Popular
Revolucionária, 1926, s.p.).
E logo definia o Programa Internacional da APRA: “1ª ação contra o
imperialismo yanque; 2ª pela unidade política da América Latina; 3ª pela nacionalização
de terras e indústrias; 4ª pela internacionalização do Canal do Panamá; 5ª pela
solidariedade com os povos e classes oprimidas do mundo” (Ibidem, s.p.).
E descreve a APRA como um partido revolucionário anti-imperialista latinoamericano, que já contava com uma vasta secção no Peru, células no México, na
Argentina e América Central, com subseções na Alemanha, Espanha e Inglaterra.
(HAYA DE LA TORRE, 1984, p. 130).
Após a divulgação desse programa da APRA, Haya organiza o que seria a seção
da Apra em Paris, com grande parte dos estudantes e intelectuais que estavam exilados
pelo Governo Lenguia, entre eles: Felipe Cossio del Pomar (1888-1981), Cesar Vallejo
(1892-1938), Rafael e Alfredo Gonzalez Willis, Gonzalo Gamarra, José Toribio Ochoa,
Edgardo e Wilfredo Pozas. (CHANG RODRIGUEZ, 2007, p. 335).
A referência seria o Kuomintang chinês e Haya de La Torre se utilizaria da
reputação da organização nacionalista fundada por Sun Yat Sen para dar legitimidade à
APRA e ganhar adeptos.
Para nós, povos latino-americanos, a China jovem é um exemplo
extraordinário. A China renasce por si mesma e a liberdade do povo
chinês é obra dos próprios chineses. As figuras da juventude
revolucionária chinesa dirigem a ação, que lutam em batalhas, que
governam as seções do país conquistadas pela revolução, são os
284
homens que encarnam profundamente a consciência em rebelião de
seu povo e que, tomando a inspiração estrangeira, se aproveitam dela
sem deixar-se aproveitar por ela. Até hoje, a China havia sido
aproveitada pelos estrangeiros. O movimento do Kuomintang (Kuo =
nacional, min = popular, tang = partido) representa justamente um
movimento de independência de toda sujeição, visando para esse fim
de todos os meios e de todas as forças. (HAYA DE LA TORRE, 1984,
p. 140, v. 2).
Entre finais de 1926 e a primeira metade de 1927, a Revolução Chinesa tomaria
destaque em todos os círculos revolucionários latino-americanos, era a esperança da
Revolução do Oriente. No Brasil, debatia-se no PCB a frente única com referências no
Kuomintang. Do mesmo modo ocorria no México, e especialmente entre os peruanos,
na maioria exilados, que identificavam a APRA com o Kuomintang.
O entendimento que se tinha do que ocorria na China e o interesse pelo tema
entre os revolucionários latino-americanos pode ser compreendido quando lemos um
artigo de José Carlos Mariátegui publicado em fevereiro de 1927, com o título de “O
problema da China”. (MARIÁTEGUI, 1982, p. 186). O jovem jornalista peruano
esperava o ataque das forças nacionalistas que se encontravam concentradas em Cantão,
reunindo forças para atacar Shangai no centro da China, onde ficava o centro do
Imperialismo na China.
A Grã-Bretanha prepara-se para o combate, organizando um
desembarque militar em Shangai com o objetivo, segundo sua
linguagem oficial, de defender a vida e a propriedade dos súditos
britânicos. E, considerando o perigo de uma vitória dos nacionalistas,
denunciados como bolcheviques, esforça-se por mobilizar contra a
China revolucionária e nacionalista todas as grandes potências.
(MARIÁTEGUI, 1984, p. 186).
E explicava mais adiante:
Mas é tão forte o movimento revolucionário, que nenhuma
organização capitalista ou militar, estrangeira ou nacional, pode detêlo ou paralisá-lo. O governo de Cantão repousa sobre sólidas
fundações populares. [...] Com a China revolucionária e renascida
estão todas as forças progressistas e renovadoras, de cujo sucesso final
espera o mundo novo a realização de seus ideais presentes.
(MARIÁTEGUI, 1982, p. 188).
O número 8 da Revista Amauta também trouxe um artigo detalhado sobre a
285
situação política chinesa, assinando por Marcel Fourrier (1895-1966)312, com o título
“Panorama de la Revolución Mexicana”, e o subtítulo: “A liberação da China marcará a
decadência do imperialismo e abrirá a era das revoluções”, em que dizia: “simplificando
extremamente, se pode dizer que as contradições imperialistas no mundo se relacionam
com as que opõem aos EUA, a Grã-Bretanha e o Japão”313. E o artigo termina: “Será a
revolução chinesa que colocará fogo na pólvora?” (Ibidem, p. 40).
A Revolução Chinesa mereceu até uma poesia de Armando Bazán, estudante
membro do grupo de Lima que se agrupou em torno de Mariátegui para dar origem ao
Partido Comunista do Peru:
Na Ásia
as mãos amarelas
levantam bandeiras vermelhas
[...] sobre o cansaço letal de Buda
estalam como duas chicotadas
as proclamas de Lenin e Sun Yat Sem.
Explode outra vez A DINAMITE
que abre caminhos virgens:
– incêndio de novos horizontes
– A REVOLUÇÃO
E desde Cantão até Marrocos
tremem as bases do mundo
Na torre mais alta
da inquietação
se ergue a atenção do mundo
E há milhões de gritos que sacodem
as Muralhas de Pequim. (BAZAN in AMAUTA, 1927, p. 7).
A aplicação tática da frente única parecia estar dando resultados aos que
acompanhavam o desenrolar do Kuomitang. A frente anti-imperialista mundial,
animada pela Internacional Comunista, tinha um novo impulso com a organização de
um Congresso Mundial organizado em Bruxelas, que contaria com diversas
personalidades da luta anticolonial e anti-imperialista.
No nº 9/10 de El Libertador, em setembro/outubro de 1926, anunciava o
Congresso:
A Liga Internacional Ant-imperialista, que é dirigida por Barbusse, o
eminente escritor e revolucionário francês; Einstein, o grande gênio
científico da época; Kuo Meng, reitor de uma célebre universidade
chinesa; Leibeur, líder do Partido Socialista Independente da
Alemanha; Skalavala, delegado pela Índia ao Parlamento Britânico e
outros célebres revolucionários e intelectuais tem decidido organizar
312
313
Marcel Fourrier foi membro do PCF e editor do jornal L’Humanité.
FOURRIER. Panorama de la Revolución Mexicana. Amauta, Lima, n. 8, abr. 1927, p. 5.
286
uma conferência mundial que compreenda as representações de todos
países coloniais, semicoloniais e as de todas aquelas forças
revolucionárias que sintam a necessidade de lutar contra o
imperialismo mundial das grandes oligarquias financeiras. (EL
LIBERTADOR, n. 9 e 10, out. 1926, p. 10).
Figura 72 - Artigo da Revista Amauta acompanhando os acontecimentos na China. (1928)
Fonte: Amauta, n. 17, Lima: set 1928, p. 21.
E ao citar as organizações que estarão presentes, a primeira a ser citada, o
Kuomintang, “o poderoso partido que realizou a Revolução Nacional Chinesa contra o
imperialismo, que é o governo de Cantão e conta com meio milhão de afiliados”.
(Ibidem, p. 10).
Após reafirmar a importância dessa Conferência para os anti-imperialistas da
América Latina, lista-se uma série de organizações do continente que fariam parte do
Congresso, ressaltando uma mensagem de saudação do governo Calles. Os pontos do
Congresso eram:
Investigação do trabalho em países submetidos ao imperialismo.
a) Movimento internacional – sua organização – contra a opressão
nas colônias e contra todos os atropelos dos imperialistas.
b) Organização de forças para prestar apoio moral e material aos
povos ameaçados pelo imperialismo e às organizações que lutem
contra o imperialismo internacional.
287
c) Estabelecimento de relações permanentes entre todas as forças que
lutam contra o imperialismo. (Ibidem, p. 10).
O Congresso seria realizado em Bruxelas, no Palácio de Egmont, em 10 de
fevereiro de 1927. Estiveram presentes diversos líderes que teriam importância na luta
anticolonial, como Nehru, Ho Chi Minh, além de importantes intelectuais e
personalidades políticas, como: Henri Barbousse, Romain Rolland, George Lansbury,
Máximo Gorki, Alfons Goldschimidt, Vasconcelos, a esposa de Sun Yat Sen, Carlos
Quijano e Roger Baldwin. Todos os presentes destacariam que os debates haviam sido
marcados por 3 questões: a Revolução Chinesa e as grandes perspectivas que se tinha
em relação ao Kuomintang, as invasões norte-americanas na América Latina e a questão
Negra.
Esse congresso anti-imperialista pode ser considerado o ponto mais alto
alcançado pela política de frente única, em termos internacionais alcançados pela IC, até
então. No manifesto, o problema da frente única é central: “O imperialismo, a forma
mais brutal parasitária do capitalismo, tem conseguido a fim de provocar, pelos seus
crimes e despojos, a FRENTE ÚNICA de todas suas vítimas”. (EL LIBERTADOR, n.
12, 1 jun. 1927).
No congresso anti-imperialista de Bruxelas, congregaram-se representações de
todas as raças oprimidas, dos povos conquistados, dos trabalhadores explorados, de toda
a humanidade laboriosa, forte e sofrida, dessa humanidade rebelde, que começa a
despertar, amedronta os seus opressores e de cujo trabalho vive em vergonhoso ócio o
pequeno grupo de magnatas que governa o mundo. (Ibidem, p. 3).
Quando as resoluções começam a ser publicadas no órgão da Liga Antiimperialista das Américas, El Libertador, a partir do nº 12, já havia ocorrido o golpe de
Chang Kai Shek na direção do Kuomintang e os comunistas estavam sendo perseguidos,
desde 12 de abril, após a entrada das tropas nacionalistas em Shangai.
A perseguição implacável contra os comunistas traz um elemento fundamental
para a concepção de frente única pensada pela IC. Do mesmo modo que havia ocorrido
com os sociais-democratas em outros episódios na Europa, a unidade podia ser rompida
unilateralmente pelos nacionalistas quando estes alcançassem o poder. Chang Kai Shek
seria considerado o símbolo da traição da unidade nacional, e os comunistas sempre o
288
tratariam como o oposto a Sun Yat Sen314, um honrado nacionalista com o qual se
poderia ter mantido uma frente anti-imperialista e antifeudal.
Jamais a tática de frente única anti-imperialista será negada pelos comunistas
chineses, mas o significado dessa ruptura traria consequências para a compreensão que
se tinha da frente com os nacionalistas em países dominados. O aprendizado com a
derrota na China não seria incorporada imediatamente, e El Libertador, em julho, ainda
publicaria nas páginas do nº 12 elogiosas palavras ao Kuomintang: “Temos hoje no
Partido Nacionalista Chinês (Kuo Min Tang) o mais alto grau de desenvolvimento de
um movimento nacionalista revolucionário, empenhado em sua luta final”. (El
Libertador, n. 12, jun. 1927). E, embora ressalve que “o exemplo da China nos revela
também, que os países oprimidos pelo imperialismo, se encontram classes dispostas a
aliar-se à opressão imperialista, traindo a causa da libertação nacional”. (Ibidem).
No entanto, a resolução ainda afirma:
O movimento nacional revolucionário chinês serve de protótipo aos
outros povos oprimidos pelo fato de que tem conseguido formar um
forte exército nacional que permita combater com êxito contra as
forças contrarrevolucionárias. Esse exército se compõe de operários e
camponeses unidos por um mesmo espírito revolucionário. A aparição
do exército de Cantão serve para apoiar a organização livre dos
camponeses, operários, comerciantes e outras camadas sociais
oprimidas economicamente e politicamente. É dever de todos que
intentam seriamente a libertação de seu país, de formar associações de
combate parecidas e fazer com que compreendam os seus
compatriotas, obrigados a servir nas organizações armadas do
imperialismo,
seus
deveres
nacional-revolucionários.
(EL
LIBERTADOR, n. 12, jun. 1927, p. 3).
A cisão entre comunistas e nacionalistas após o massacre de Shangai em abril de
1927 começou a ter seus reflexos na concepção de frente única nos países periféricos,
mas seria após agosto, com a derrota definitiva do PC da China pelas tropas do
Kuomintang, que os comunistas em todo mundo começariam a tirar lições.
Em agosto mesmo, na El Libertador nº 13, já se publicava um artigo assinado
por Michael315.
A Revolução Chinesa entrou em uma nova fase. A revolução nacional
contra os privilégios ilimitados do imperialismo despertaram em sua
314
Sun Yat Sen foi o grande líder e fundador do Kuomitang. Foi a partir de sua liderança que os
nacionalistas chineses se aliaram com o governo soviético.
315
Possivelmente esse nome se refira à mexicana Concepción Michel. (JEIFETS, 2004, p. 212).
289
marcha vitoriosa a todo o país, arrastando para um movimento
gigantesco de emancipação não só a burguesia nacional, como
também todas as massas operárias e camponesas.
Fez-se a frente única anti-imperialista, organizando-se sob a direção
do governo de Cantão a luta contra os generais reacionários e contra o
governo de Pequim, sustentadas pelas forças unidas das potências
imperialistas.
Contudo essa frente única, conjunta de classes e camadas sociais
diferentes, alojava já em seu seio às forças motrizes essencialmente
contraditórias e opostas umas as outras. A primeira, representando os
interesses da burguesia nacional. Lutava pela destruição das
prerrogativas de que gozavam a indústria e o comércio estrangeiro, em
prejuízo do capital nacional. A segunda, operária e camponesa, luta
pela terra e a liberdade, contra uma situação de fome, de miséria e de
exploração espantosa. Marchando junto com as massas proletárias até
o norte, a burguesia nacional desempenhou um papel revolucionário,
infringindo derrotas contínuas aos exércitos de Chang Tso-Lin. Mas o
desenvolvimento da revolução empurrou as massas operárias e
camponesas até a conquista dos seus interesses, interesses próprios da
classe proletária. A revolução, em princípio essencialmente
nacionalista, se transformou em revolução social, pedindo não só a
anulação das prerrogativas estrangeiras e o estabelecimento de um
governo protetor dos interesses nacionais, senão a destruição do
sistema feudal, a repartição da terra, a supressão dos impostos
asfixiantes, a jornada de oito horas, salários justos e direitos políticos
que até agora tem sido privilégio das classes endinheiradas. A
massa proletária, cada dia mais potente e organizada, sob a direção
dos elementos avançados em poderosos sindicatos e ligas camponesas,
chegou a pôr em perigo não só os interesses do imperialismo, senão
também o capital nacional. Foi então quando Chang Kai Shek trai,
iniciando a luta contra a esquerda do Kuomintang e buscando o
entendimento com o governo de Pequim e as potências estrangeiras.
(EL LIBERTADOR, n. 13, ago. 1927, p. 14).
A longa transcrição desse texto se justifica porque sintetiza a primeira forma
com que serão compreendidos os acontecimentos na China.
Paralelamente, e acompanhando os embates internacionais, estavam os
comunistas latino-americanos, que na maior parte dos países já organizavam frentes
anti-imperialistas com elementos não comunistas. Otávio Brandão, por exemplo, cita
com entusiasmo em um artigo publicado na Revista Correspondencia Sudamericana, de
julho de 1927:
Aproveitando esta conjuntura de poder atuar legalmente, o partido
desenvolveu grandes atividades, levou sua propaganda e agitação a
todos os terrenos e começou a tarefa de organização [...] existência de
um PC homogêneo, existência de um forte bloco operário [...] apoia a
frente única proletária, a unidade sindical, o PC e o trabalho
290
incompatível do diário La Nación316.
Embora o PCB ainda se mantivesse limitado à atividade sindical, com apenas
influências pequenas em outros setores sociais, como entre os donos do jornal A Nação,
no Peru e no México o debate acerca da frente única e luta anti-imperialista alcançava
outros patamares.
Em meados de 1927, como fruto do impulso que a luta anti-imperialista havia
alcançado com o Congresso de Bruxelas, Mariátegui dedicou o nº 9 da Revista Amauta
para tratar do imperialismo norte-americano. Essa publicação lhe rendeu uma prisão e o
fechamento de Amauta por alguns meses, determinado por Lenguia e sob influência da
embaixada dos EUA no Peru317.
Na América Latina, os debates acerca das táticas que os comunistas deviam
utilizar haviam se encontrado pela primeira vez no Congresso Anti-imperialista de
Bruxelas, e se definiram as táticas da luta anti-imperialista no subcontinente. Estavam
presentes: Victorio Codovilla pelo Socorro Operário Internacional; pelo Peru, Eudócio
Ravines e Haya de La Torre; pelo Panamá, pela Liga Anti-imperialista do México e pela
Liga Nacional Camponesa, Júlio Mella; por Porto Rico, Vasconcelos; Alfonso
Goldschimid e Carlos Quijano representaram a Venezuela, entre outros.
Esse congresso marcou o início das definições ideológicas mais efetivas para os
setores que gravitavam de alguma maneira no entorno da política de frente única
animada pela IC. Na América Latina, desde a fundação das ligas anti-imperialistas, os
comunistas haviam conseguido garantir a simpatia de inúmeros intelectuais latinoamericanos, em parte transferindo para a frente anti-imperialista a energia que havia
agrupada antes em torno dos grupos Clarté e revistas como Claridad.
À medida que os partidos comunistas latino-americanos se construíam e o
próprio processo de definição ideológica avançava nos grupos que haviam se
organizado com simpatias à Revolução Russa, a hegemonia que os comunistas
alcançavam na frente passava a ser questionada, e foi a partir dessa Conferência em
Bruxelas, no início de 1927, que teria início uma separação entre comunistas e os
movimentos nacionalistas latino-americanos. A polêmica teria início com a APRA e
Haya de La Torre.
BRANDÃO, Octávio. “Progressos do Movimento Comunista Brasileiro” In: Correspondencia
Sudamericana, n. 25, Buenos Aires: jun 1927, p. 26.
317
Cf. ROIULLON, 1982, passim.
316
291
Ao longo do congresso, Haya apresentou uma série de posições contrárias às
teses defendidas pelos comunistas, abrindo uma polêmica particular com Júlio Antônio
Mella, o cubano exilado no México que era muito atuante nos temas relacionados à luta
anti-imperialista.
Uma parte das teses de Haya de La Torre foi aprovada318, mas ao longo do ano
de 1927 e início de 1928 se desenvolveu a ruptura definitiva entre os seguidores de
Haya de La Torre (futuros apristas) e os comunistas. Conceitualmente, os debates
seguiram em paralelo com o amadurecimento das polêmicas em torno do que ocorria na
China. A perseguição em abril de 1927 havia deixado os comunistas latino-americanos
atentos para uma possível traição da pequena burguesia nacionalista, que Haya parecia
representar. A crítica do líder da APRA questionava a hegemonia dos comunistas na
Liga Anti-imperialista, defendendo uma “autonomia” política dos não comunistas na
frente. O debate girava em torno do que seria uma frente e o que seria um partido, ao
mesmo tempo que se discutiam etapas da revolução, a diferença entre América Latina e
Europa, entre outros temas.
A ruptura entre Haya de La Torre e os comunistas
Quando acompanhamos essa luta política, inicialmente entre Haya de La Torre e
Júlio Mella e o Secretariado Sul-americano da IC, percebe-se que a profundidade das
análises de Mariátegui tem relação direta com os termos dessa contradição, e a
conceitualização está marcada pelos modelos marxistas-leninistas que organizavam a
conceitualização da luta política na IC. O próprio Haya de La Torre, no livro “resposta”
aos comunistas, anos depois, narra:
Propagando pela frente única livre de inexorável controlador de
Moscou e por uma ação realista, nós apristas iniciamos tenacíssima
campanha pela imprensa e pela tribuna.
Foi então que Julio Mella, estudante desterrado de Cuba e militante
comunista, publicou um violento folheto contra a APRA [...] mas os
debates de Bruxelas, em que refutei e consegui o rechaço de seu
projeto de resolução sobre as condições econômicas e políticas da
Indoamérica, nos distanciaram definitivamente. [...] Mella, recémchegado de sua visita a Rússia, se encontrava possuído de um juvenil
fanatismo bolchevique, intransigente e ardido. (HAYA DE LA
TORRE, 1984, p. 13, v. 4).
318
Ver: Correspondencia Sudamericana, n. 20, Buenos Aires: 15 mar. 1927.
292
Haya de La Torre apresenta a contenda de uma forma pessoal que desqualifica a
polêmica pelo temperamento de Julio Mella. Como o cubano havia ganhado um imenso
prestígio, devido ao seu assassinato covarde no México, Haya mantém um tom
amistoso, que não seria o mesmo quando se referia aos comunistas que o atacaram
através dos periódicos do México e de Buenos Aires, “Os órgãos da imprensa estalinista
de Buenos Aires e México”. (Ibidem, p. 12). Esses órgãos eram La Correspondencia
Sudamerica e El Libertador.
Um primeiro sinal da ruptura entre aprista e comunistas veio em um artigo de
julho de 1927, que abriu a capa de Correspondencia Sudamericana com o título “La
lucha antimperialista”, em que reforçava a necessidade de se reforçar as ligas como
“organizações de massas”. Sem citar a APRA, falava que:
Ultimamente surgiram diversos organismos com distintas apelações,
que reclamando-se do pensamento anti-imperialista, contribuem para
achicar e dividir; na prática as forças anti-imperialistas. Como é
natural, esses organismos não podem assumir a responsabilidade da
sua criação sem atentar contra o prestígio e a vida das ligas antiimperialistas. É o que, em forma mais ou menos clandestina, vem se
fazendo. [...] A liga anti-imperialista não é um partido político, é uma
frente única orgânica, permanentemente, que agrupa em suas fileiras a
todos os militantes anti-imperialistas que adotam a sua plataforma de
ação, qualquer que seja sua procedência social ou sua filiação
ideológica.
Para ingressar na liga anti-imperialista não se pergunta se participa de
tal ou qual concepção política, se padece ou comparte esta ou aquela
religião, esta ou aquela religião, esta ou aquela filosofia. A única
condição que se exige ao que deseje intervir na liga como aderente é
que comparta sua plataforma, ou seja, que deseje lutar contra o
imperialismo. [...] Fica dito, igualmente, que a liga anti-imperialista
deve ser o oposto do sectarismo. (La Correspondencia Sudamericana,
n. 28, 31 jul. 1927).
E no nº 29, 15 dias depois, o texto da capa já tratava de forma aberta a polêmica
com a APRA.
Chegou o momento de pontuar claramente os diversos aspectos do
problema que coloca as modalidades, estrutura e fins dessa nova
organização para advertir qual é sua posição frente ao problema
revolucionário e por fim, ao Partido Comunista, a terapia
internacional319.
319
Contra el Partido Comunista?, Correspondencia Sudamericana, n. 29, Buenos Aires: 31 jul. 1927.
293
O ponto que importava no debate para o Secretariado Sudamericano era a
posição de Haya de La Torre sobre as forças motrizes da revolução e o papel das classes
médias nas revoluções latino-americanas. “[...] o resultado era que os estudantes
constituiriam a vanguarda do movimento revolucionário anti-imperialista.” (Ibidem, p.
1).
Para os que pudessem imaginar que se tratava de uma questão secundária, o
artigo citava o livro “Por la emancipação de America Latina”320, em que o autor
publicava vários artigos em que defendia a necessidade de uma frente única para
agrupar várias classes que vivem a opressão da dominação imperialista, mas deixava
pouco claro qual o papel de cada classe, e sobre essa questão nascia a primeira
importante divergência que oporia comunistas e o aprismo.
Haya dava muita importância à “nova geração”, que era claramente uma
referência aos estudantes da reforma universitária. “Haya de La Torre superestima
indevidamente as forças universitárias no movimento anti-imperialista.” (Ibidem, p. 2).
E questionava: “se a APRA é uma frente anti-imperialista, por que se constitui separada
da liga anti-imperialista que realiza precisamente essa frente? Por que tem tido a
necessidade de uma organização especial?”. (Ibidem, p. 2). E logo passava para a
questão que marcaria a ruptura entre apristas e comunistas no Peru, e entre os exilados
peruanos que estavam no exterior: A diferença entre um partido revolucionário e uma
frente.
Desde o texto de 1926, “O que é a APRA?”, o estudante peruano já escrevia a
palavra Frente junto com Partido Revolucionário, aparentando uma confusão em
relação aos termos que para os comunistas representavam formas de organização muito
diferentes321.
Além disso, Haya falava de frente única e partido, fazendo inclusive paralelo
com o Kuomintang chinês: “O movimento do Kuomintang (Kuo: nacional, ming:
popular, tang: partido) representa justamente um movimento de independência de toda
sujeição usando para esse fim de todos os meios e de todas as ajudas”. (HAYA DE LA
TORRE, 1984, p. 140, v. 1).
A lógica que Haya estava começando a incorporar para justificar suas posições
320
Ver: HAYA DE LA TORRE, 1984, v. 1.
“A organização de luta anti-imperialista na América Latina, por meio de uma frente única internacional
de trabalhadores manuais e intelectuais (operários, estudantes, camponeses, intelectuais, etc.) com um
programa comum de ação política, isso é o APRA. [...] O APRA – que vem a ser o Partido Revolucionário
Anti-imperialista Latino-Americano.” (HAYA DE LA TORRE, 1984, p. 130, v. 1).
321
294
frente aos comunistas havia sido escrita em fevereiro de 1927, em tempos de
entusiasmo dos comunistas pelo Kuomintang. “A realidade da América Latina não é a
realidade da Europa” (Ibidem, p. 136-141), em que afirmava que “nossos
revolucionários não têm até hoje senão tratado de inventar um ambiente europeu em
uma realidade americana que jamais descobriram. [...] formam as “burocracias
revolucionárias” da América Latina.” (Ibidem, p. 137)
Afirmando a necessidade de uma teoria latino-americana revolucionária, e
também de um partido revolucionário latino-americano, o estudante peruano justificava
a sua separação da órbita da Internacional Comunista, que nesses termos passava a ser
tratado como um órgão europeu e suas soluções revolucionárias não serviriam para o
continente latino-americano.
Após a perseguição aos comunistas em abril, o modelo de frente com os
nacionalistas passaram a ser vistos com mais atenção, e certamente a traição de Chang
Kai Shek motivaria uma revisão da relação dos comunistas com a APRA, que
denominava a si como o “Kuomintang latino-americano”.
Com os acontecimentos se Shangai, houve uma tendência crescente em se
debater a composição de classe da frente única nos países coloniais e semicoloniais. O
papel do partido comunista na frente e que parte da burguesia nacional poderia se aliar
ao proletariado, ou seja, ao partido comunista, na luta anti-imperialista.
No artigo da Correspondencia Sudamericana citado, explicava que diferença
entre frente e partido é que
[...] o Partido tem uma base social precisa, homogênea, uma ideologia
única, uma concepção homogênea de todas as questões. No partido,
qualquer que seja sua procedência social, está a elite de sua classe, sua
parte mais resoluta e avançada, sua fração mais consciente.
No bloco de frente única, integrado por forças sociais distintas (nesse
caso, operários, camponeses das diversas camadas, estudantes,
profissionais, pequenos comerciantes e industriais, médios-burgueses,
grande burguesia em determinadas condições, etc.), o característico
não é a homogeneidade e função de partido, senão a concentração de
um momento de massas. (CORRESPONDENCIA..., n. 29, 15 ago.
1927).
A partir dessa definição, a pergunta que se fazia à APRA era que papel pretendia
cumprir, já que, com os mesmos objetivos, para o partido revolucionário havia o
Partido Comunista e para a frente as Ligas Anti-imperialistas. “Haya de La Torre não
pode deixar de compreender que o é indispensável esclarecer é qual a posição do APRA
295
frente ao Partido Comunista, já que, como frente única ou como partido da nova
geração, se substitui de fato, o Partido Comunista.” (Ibidem, p. 5).
E mais adiante completa com uma citação de Stalin:
É impossível acelerar a revolução e conquistar a independência
completa das colônias e dos países vassalos adiantados sem isolar a
burguesia nacional conciliadora, sem submeter as massas
revolucionárias burguesas da influência desta burguesia, sem realizar a
hegemonia do proletariado, sem organizar os elementos avançados da
classe operária em um Partido Comunista independente. (Ibidem, p.
5).
Figura 73 – A Revista Amautta aderiu a campanha internacional em defesa da vida dos
anarquistas Sacco e Vanzetti (1927)
296
O que é o ARPA?
Após essa abertura da crítica pública aos posicionamentos de Haya de La Torre,
um artigo escrito por Julio Antônio Mella, com o título irônico de “O que é o ARPA?”,
selava a ruptura que, inclusive, agudizou-se na medida em que a traição de Chang Kai
Shek322 na direção do Kuomintang significou a perseguição e a morte dos comunistas
chineses.
O artigo de Mella, publicado em abril de 1928, na Cidade do México, afirmava:
Se somente fossemos responder ao ARPA, não haveríamos escrito este
trabalho. Mas o importante é que o ARPA representa as intenções de
organização do “Oportunismo” e do “Reformismo” latino-americano.
Responder ao ARPA é um meio de responder a todos os oportunistas e
reformistas traidores que sustentam iguais ou similares ideologias,
ainda que neguem ter vínculos.
Declarada essa intenção, Julio Mella redigiu o longo artigo em que demarca os
pontos que nortearam a ruptura entre Haya e os comunistas. Mas, antes de passarmos
para o conteúdo do próprio texto, que doutrinariamente é o que nos importa mais, cabe
apresentar uma manobra política de Haya que ajudou os comunistas, através do artigo
de Mella, a romper definitivamente com a APRA.
Ao que tudo indica, o esforço pela unidade com Haya havia sido buscado pelos
comunistas desde que ele havia colocado reservas para assinar a resolução do Congresso
de Bruxelas, no início de 1927323. Em tom irônico, Mella justifica:
Verdadeiramente foi um crime imperdoável dos organizadores do
Congresso (lutadores proletários e socialistas da Europa, unidos a
revolucionários nacionalistas da China e da Índia) não terem ouvido
falar antes do ARPA e seu líder máximo [...] Quando chegaram os
delegados latino-americanos a Bruxelas, pediram por “cortesia”
revolucionária que se convidasse o “desgostoso” “líder” do ARPA [...]
O fato real foi que o ARPA, ou seus membros ali presentes, foram
realizar um trabalho divisionista [...] depois de assistir a uma só sessão
se retiraram e disseram que firmavam com reservas e que explicariam.
¿QUÉ ES EL ARPA?. In: MELLA, Julio. Julio Antonio Mella – Selección de textos. Panamá: Ruth
Libros, s.d., p. 80-118.
323
Mella narra em episódio em que Haya havia se incomodado por não terem o convidado de maneira
especial: “Seu representante máximo não quis assistir ao Congresso de Bruxelas porque haviam
esquecido de fazer um convite especial, pessoal”. (MELLA, s.d., p. 106). Mas que depois seria superado
com algumas diligências que garantissem a presença de Haya. Mella cita isso para marcar um traço
vaidoso da personalidade do chefe da APRA, que segundo o revolucionário cubano estaria por trás da
posição dele contra os comunistas.
322
297
Estas reservas nunca foram explicadas. (MELLA, s.d., p. 107).
Com essas “reservas”, os comunistas lançaram-se na busca por sanar e debater
as divergências, até que, em janeiro de 1928, apareceu um manifesto, conhecido como
Plano do México, em que Haya e outros membros da célula da APRA da capital
mexicana lançavam um Partido Nacional Revolucionário que aplicaria no Peru o
programa da APRA, colocando Haya de La Torre como chefe supremo do organismo
político militar.
Fica estabelecido que o órgão único (que terá que realizar a revolução
libertadora do Peru) será o Partido Nacionalista Libertador do Peru,
organismo político militar revolucionário, que reconhece como
fundador e chefe supremo, em ambos, ordens de Victor Raúl Haya de
La Torre e que estará dirigido por um Comitê Central com sede
temporária no México. (PLAN de México apud Martinez de La Torre,
1974, p. 290).
Mella, que vivia na Cidade do México, de onde partia o plano aprista,
questionou alguns elementos do programa aprista, como o combate ao imperialismo
norte-americano, sem fazer menção ao imperialismo inglês, ainda muito presente na
América Latina. Ao final do artigo, Mella vai sugerir que Haya, que viveu um longo
período na Inglaterra, acabava favorecendo o imperialismo inglês. A defesa da
internacionalização do Canal do Panamá era outra questão que apontava para esse antiimperialismo exclusivo aos Estados Unidos, já que a internacionalização seria muito
bem recebida pelos ingleses, prejudicando apenas os Estados Unidos. (MELLA, s.d., p.
82).
Mas se eram anti-imperialistas e “a favor de todos os povos oprimidos do
mundo”, como aparecia no programa da APRA, por que não eram a favor dos povos da
URSS?
Mella questionava um “simpatizante” do movimento comunista, já que, até
então, como o Kuomintang até 1927, Haya de La Torre havia participado do V
Congresso da Internacional Comunista em 1924, utilizava a linguagem e a metodologia
de análise marxista-leninista, circulava entre as organizações de frente única que
orbitavam sob a influência comunista. Os artigos que Haya havia publicado até então
não indicavam contradições com os comunistas, ao contrário, que se pese o estilo, Haya
parecia um sincero simpatizante da Revolução Russa e da perspectiva revolucionária
comunista. O vínculo entre os fundadores da APRA e o movimento comunista era tão
298
grande que, como aconteceu o Kuomintang, a linguagem política destas duas
organizações, mesmo depois da ruptura com os comunistas, permaneceu sendo uma
terminologia marxista-leninista.
Assim, as questões que Mella se propunha a tratar no artigo estão direcionadas
aos apristas e comunistas, que debatiam naqueles termos: “Marx e Engels como
lutadores do proletariado não necessitam enganar ninguém para galgar o poder. Eles
sempre permaneceram na idade viril em que, segundo o renegado italiano Papini, se
agarra o touro pelos chifres e se chama as coisas pelo seu nome”. (MELLA, s.d., p. 85).
Chamando as coisas pelo nome, Mella defendia uma definição mais clara do que era
uma frente e um partido, e, como o artigo já citado de Correspondencia Sudamericana
nº 29, questionava o motivo em não se organizar no partido, que já existe, o Partido
Comunista e na Frente anti-imperialista, que já existia, a Liga anti-imperialista: “O que
é a frente única? São as alianças e fusões do proletariado com as demais classes. Como
vamos ver, o conceito marxista e leninista de frente única não tem nada a ver com a
fanfarronice arpista sobre esta matéria”. (Ibidem, p.87).
A frente única deveria ter a hegemonia de uma classe, que deveria ser o
proletariado324.
Segundo uma teoria que já vinha defendendo há um tempo, inclusive com a
publicação sugestiva de um artigo sob o título de “Sobre o papel das classes médias na
luta pela independência econômica na América latina”, em maio de 1927 na Revista
Amauta de Mariátegui, Haya de La Torre ia gradativamente sugerindo que as classes
médias, ou a “nova geração”, ou seja, os estudantes e intelectuais teriam o papel de
vanguarda na luta anti-imperialista, relegando menor importância ao proletariado.
Com essa manobra teórica, o chefe aprista ia construindo uma perspectiva
teórica cada vez mais inconciliável com os comunistas, e que justificaria o seu papel
central como líder do movimento anti-imperialista.
A justificativa para a predominância das classes médias, ao invés do
proletariado, relacionaria-se à formação particular da América Latina, que seria
diferente da Europa e respondia a táticas também diferentes. Mella responderia
afirmando que o imperialismo é um fenômeno mundial.
“Em nenhuma parte aparece o princípio fundamental na luta social: A hegemonia do proletariado e a
aplicação da ditadura para a realização do socialismo. Isto é aceito, ainda que teoricamente, até pelos
partidos da Segunda Internacional, se considera demasiado revolucionário, demasiado “comunista” e um
tanto inoportuno pelos seus novos ideólogos na América Latina.” (Ibidem, p. 88).
324
299
O imperialismo é um fenômeno internacional e suas características
fundamentais (o imperialismo, fase superior do capitalismo, N. Lenin)
são iguais na América e na Ásia. Os povos coloniais também
apresentam traços semelhantes na Ásia e na América. Os restos das
sociedades bárbaras e feudais nos países coloniais são modificados de
maneira muito semelhante pela penetração do capitalismo
imperialista, ora seja inglês, ora ianque ou o francês. Logo a aplicação
da tática irá diferir nos detalhes e na oportunidade histórica. Mas as
generalidades (papel de classes, base da frente única, desenvolvimento
do imperialismo e do proletariado, etc.) são invariáveis à luz do
marxismo e de sua adaptação à época moderna do imperialismo: o
leninismo. [...] Mas a América não é um continente de Júpiter, senão
da terra. E é uma coisa elementar para todos os que se dizem
marxistas – como os do “Partido Revolucionário Continental Antiimperialista” – que a aplicação de seus princípios é universal, já que a
sociedade imperialista é também universal. (MELLA, s.d. p. 89).
Mella cita a traição das burguesias nacionais325 como consequência da
necessidade que esta tem em defender a propriedade privada, e que acaba por lançá-las
em solidariedade com as burguesias imperialistas contra o proletariado. Nas
formulações mais comuns do período, a pequena burguesia aparece como aliada do
proletariado, mas Mella, provavelmente imbuído daa necessidade de combater um
oportunismo com origens pequeno-burguesas, define essa classe como reacionária,
apenas com alguns indivíduos revolucionários. Essa era uma posição restritiva na frente
única, mas que seria comum após o VI Congresso da Internacional Comunista,
particularmente na América Latina. Depois, seria ajustada próximo ao VII Congresso da
IC, em 1935, que faria críticas à política de alianças esquerdistas no início da década de
1930.
Em que se pese a tendência, pós-perseguição do Kuomintang em Shangai, em se
desconfiar das alianças não proletárias, Mella questiona:
Afirmar que os “trabalhadores intelectuais” são, em conjunto, uma
base para a revolução, é entregar o movimento nas mãos dos
charlatões e políticos profissionais, Maquiavéis da traição
revolucionária. Contudo, os comunistas não estão contra os
325
Autores como Löwy (2006) acreditam que essa posição de Mella em relação à burguesia nacional
explicava uma possível adesão dele ao trotskismo. Apenas olhando as resoluções do VI Congresso
(1928), já sem a participação de Trotski, percebe-se que a IC não estava formulando alianças com a
burguesia nacional. Foram exatamente as dificuldades com o Kuomitang que tornariam a aliança com a
burguesia nacional em países periféricos algo complexo, que variou em relação as formulação ao longo
do tempo, da situação política e diversos outros fatores. De modo que tratar a defesa da aliança com a
burguesia nacional como algo característico do “stalinismo”, e a negação dessa aliança, o “trotskismo”, é
uma simplificação grosseira.
300
verdadeiros trabalhadores intelectuais, a quem consideram, em sua
imensa maioria, uns explorados. Mas a história dos partidos socialistas
e comunistas, assim como a da Revolução Russa, indica que aos
“trabalhadores intelectuais” lhes gosta mais uma esmola da burguesia
capitalista que ir às filas dos revolucionários”. (MELLA, s/d., p.9394).
E mais adiante afirma: “seu gosto por ser eternos estudantes e andar pelos
ateneus e escolas e não pelos sindicatos e oficinas, demonstra que para eles o ser
intelectual (e isto o que é?) constitui o ideal máximo da vida?” (Ibidem, p. 105)
Ao fim, Mella apresenta uma série de fatos que demonstram o oportunismo de
Haya e do ARPA, entre eles o bleff do plano do México e algumas declarações de apoio
a uma organização mexicana que defendia a deportação de chineses, que alimentava o
ódio racial em nome da defesa dos nacionais.
Mella conclui: “depois de ter terminado esta polêmica, necessária somente para
precaver aos incautos...”. Dessa forma, ficaria sem retorno a ruptura entre a APRA e a
Liga Anti-imperialista do México e o Secretariado Sulamericano da IC em Buenos
Aires. O artigo de Mella seria sucedido por uma série de artigos publicados na imprensa
sob influência comunista na América Latina, aprofundando diversos aspectos da tática
de frente única e do papel do Partido Comunista, mas seria no Peru, entre os
colaboradores da Revista Amauta que a ruptura definiria posições que depois gerariam
as duas principais correntes do movimento popular peruano, o aprismo e o comunismo.
Julio Mella havia sido torturado pelo governo Machado antes de sair exilado
para o México. Seria um dos principais organizadores das Ligas anti-imperialistas,
chegando a ser secretário-geral interino do PCM no final da década de 1920. O círculo
de revolucionários comunistas que colaboraram no final da década no México agrupava
personalidades que ficaram famosas no mundo. Entre esses militantes, estavam Xavier
Guerreiro, Diego Rivera, Frida Kahlo, Victório Vidali, David Alfaro Siqueiros, Tina
Modotti, Bertran Wolfe, Rafael Carrillo e outros comunistas que se destacariam em
diversas áreas das artes.
Julio Mella e Tina Modotti se apaixonariam, viveriam um romance em meio às
atividades partidárias, que seria interrompido pelo assassinato dele enquanto caminhava
com Tina Modotti na Avenida Abrahan Gonzalez, próximo ao centro da Cidade do
México. O crime foi executado por agentes de Machado326, mas a imprensa
326
Por mais incrível que possa parecer, alguns autores sustentam que a morte de Julio Mella foi obra de
301
anticomunista tentou relacionar o crime a Tina Modotti, que seria injuriada em uma das
campanhas de difamação mais terríveis ocorridas no México, associando a sua figura à
promiscuidade e como pivô de um crime passional.
Tina Modotti seria expulsa do México e colaboraria de forma decisiva em várias
seções do Socorro Vermelho Internacional, tendo um papel destacado na assistência às
vítimas do fascismo franquista durante a Guerra Civil Espanhola. Ficaria lembrada
pelos sobreviventes como a camarada Maria.
A Revista Amauta
A Revista Amauta surgiu a partir da Revista Claridad, editada pela Universidade
Popular Gonzalez Prada, e tinha como inspiração o grupo Clarté, de intelectuais
simpáticos à Revolução Russa, que aos poucos assumiam outras formas de organização,
à medida que a IC se transformava, e a própria dinâmica da luta de classes no mundo
assumia novas composições e cenários de batalha.
A Revista Amauta nasceu com uma composição muito parecida ao Movimento
Clarté, abertamente simpática à Revolução Russa, sem ser um órgão de propaganda
comunista. Diversos autores ressaltam a abrangência de temas, e também de autores. No
Peru, a historiografia está muito influenciada pelo aprismo, havendo uma tendência em
se ressaltar as influências nacionalistas, literárias, indigenistas dessa revista. Mas, para o
leitor que nos acompanhou até aqui, fica claro que se tratava de um espaço de
aglutinação de intelectuais, dentre os mais proeminentes da juventude revolucionária
que estivessem solidários à força do novo espírito da época: a crítica ao liberalismo com
fortes simpatias pela novidade bolchevique.
O sentido inicial da Revista Amauta era muito parecido com o da APRA, desde
1924, tanto em relação à tentativa de agrupar a “nova geração” latino-americana.
Mariátegui já havia dirigido a Revista Claridad, que representava a frente dos jovens da
Stalin. (BRUE, 2007, p. 629). O que não tem fundamento em nenhum documento ou evidência. Os
argumentos são apenas circunstanciais e colocam como uma manobra de Vitorio Vadali para eliminar um
elemento “simpático” aos trotskistas russos. Segundo Bruê, isso estaria comprovado nos textos de Mella,
que manifestariam similaridade com as posições de Trotsky. Nossa investigação revela exatamente o
contrário. Mella é um dos grandes defensores das teses que seriam aprovadas no VI Congresso da
Internacional Comunista. No verbete, “Julio Mella”, da Wikipedia em espanhol, a História do assassinato
de Mella assume contornos mais fantasiosos, supondo ter sido realizado por Vidali, e inclusive conclui
que Tina Modotti havia sido também assassinada, em 1942, e não teria morrido de ataque cardíaco.
Disponível em: <http://es.wikipedia.org/wiki/Julio_Antonio_Mella>. Acesso em: 27 mar. 2014.
302
reforma universitária com os operários de Lima, e apenas não prosseguiu com ela
devido à sua amputação da perna e à prisão de diversos ativistas das Universidades
Populares Gonzalez Prada.
A partir de 1926, já anunciava a publicação de Amauta, mas o primeiro número
só saiu em setembro de 1926. A revista abriu suas páginas para José Vasconcelos, Haya
de La Torre, para os muralistas mexicanos, poetas, intelectuais provincianos, socialistas,
figuras como Barbusse, Shaw, Chaplin, Freud, Sorel e autores soviéticos ou comunistas.
Mariátegui claramente tinha interesse em ampliar a extensão da influência da
publicação. Alguns autores interpretaram a variedade de autores da Revista Amauta
como se tratasse da expressão da “heterodoxia” de Mariátegui.
A publicação seguia mais o sentido da frente única pensada pelos comunistas
desde o IV Congresso. Embora tenhamos o depoimento de César Falcón de que
Mariátegui acompanhava a publicação das resoluções dos Congressos da IC para
comprar nos pontos de venda de L’Humanite327 enquanto esteve na França, seria leviano
afirmar que Mariátegui seguiu estritamente as resoluções da Internacional Comunista.
Vanden (1975, passim), em sua lista de livros da biblioteca de Mariátegui328, cita as
resoluções do V Congresso, inclusive com anotações de Mariátegui. Independente de
qual nível de inflexão que as resoluções da Internacional Comunista provocavam em
Mariátegui, é claro que ele se mantinha na órbita de influência da Internacional
Comunista, que desde 1922 havia superado os desvios esquerdistas e estava trabalhando
com as frentes políticas mais amplas, vide a relação com o Kuomintang e com o
trabalhismo inglês.
“Poco después, estando todavía en Turín, los tres amigos habrían de leer las noticias provenientes de
Rusia Soviética sobre el desarrollo y las resoluciones del Segundo Congreso de la III Internacional,
realizado en Moscú (del 19 de julio al 7 de agosto de 1920), publicadas por el semanario «L'Ordine
Nuovo» con fecha 21 de agosto de ese mismo año.” (ROUILLON, 1993, p. 51, v. 3) e também: “Y los dos
amigos inseparables se reunieron esta vez, en París. Ahí, antes de materializar sus audaces sueños uno y
otro compañero, fueron a aprovisionarse de publicaciones marxistas – vertidas al francés – en las
librerías del Partido y, también, en las que se hallaban ubicadas a lo largo de las riberas del Sena. La
curiosidad de ambos jóvenes se volcaba pues, por esos días, sobre toda la documentación que les
ofreciera una versión auténtica acerca del movimiento revolucionario de posguerra, caracterizado –
según las conclusiones del III Congreso del Comintern de 1921 – por la presión espontánea de las masas,
por la deformidad de los métodos y objetivos y por el pánico de las clases gobernantes (que parecía
haber terminado en medida considerable).” (Ibidem, p. 81).
328
Ver: VANDEN, 1975.
327
303
Figura 74 - Capa da Revista Amauta, com uma gravura indigenista de Sabogal.
A Revista Amauta respira esse clima de unidade entre nacionalismo, socialismo e
bolchevismo. As ligas anti-imperialistas eram a realização dessa unidade em nível
mundial, mesmo que a unidade com a Segunda Internacional houvesse fracassado.
E logo após o Congresso de Bruxelas, na medida que os temas anti-imperialistas
tomavam corpo, Mariátegui aumentava o espaço para a publicação da temática antiimperialista na Revista Amauta.
O nº 9 da Revista Amauta publicava uma série de artigos anti-imperialistas, de
autores envolvidos na luta contra o governo de Lenguia, como Haya de La Torre.
Segundo Roillon, e diversos outros autores, esse número havia provocado de maneira
frontal duas importantes questões no Governo de Lenguia. Primeiro confrontava o
aliado do governo, e provocava a embaixada americana329. Em segundo lugar, dava voz
aos exilados do regime, que estavam fazendo barulho e manchando a imagem do
329
Já citamos anteriormente esse fato.
304
governo no exterior.
A Revista Amauta foi fechada, e Mariátegui ficou preso. Esse fato não ficou
imperceptível, e inclusive foi denunciado em vários órgãos democráticos no mundo.
Segundo Portocarrero (1987), o grupo de Mariátegui estabeleceria uma relação
orgânica com a IC após a ida de Miguel Coutreras a Lima, com um convite para que
enviassem delegados peruanos ao Congresso da Internacional Sindical Vermelha.
“Mariátegui me deu o contato para eu encontrar com Contreras, o enviado da Argentina,
e me daria um sinal de como ia aparecer: com a lapela levantada, ou um lenço.”
(PORTOCARRERO, 1987, p. 137).
Após uma conferida com outros companheiros de Portocarrero, sobre a sua
atuação no movimento operário, o jovem peruano embarcaria rumo à Rússia, junto com
Armando Baizán. Ambos faziam parte do pequeno grupo mais próximo de José Carlos
Mariátegui, que depois fundaria o Partido Socialista Peruano, futuro PCP.
No caminho para Moscou, Portocarrero e Bazán encontram em Paris o grupo da
APRA de daquela cidade, e os estudantes exilados, Heysen e Ravines. Com Ravines,
preparam o informe que iriam apresentar no IV Congresso da ISV. As memórias de
Portocarrero são ricas em descrever a Rússia, os teatros, a neve e a sua impressão de
tudo aquilo, mas muito pobres em termos do debate político-ideológico330
.
Após uma viagem pela Rússia, houve a Conferência Sindical dos Latinoamericanos, que reuniu pela primeira vez um contingente expressivo de latinoamericanos em um evento ligado à Internacional Comunista. O trabalho de organização
dos comunistas latino-americanos, iniciado pelos primeiros emissários, nos primeiros
anos da Internacional Comunista, teve um impulso significativo com a organização do
secretariado sul-americano. O primeiro resultado seria a reunião de vários latinoamericanos em uma conferência que deiberou a organização da 1ª Conferência Sindical
Latino-americana, que ocorreria em maio de 1929, em Montevidéu.
330
Os fatos do Congresso que mais foram recordados por Portocarrero dizem respeito a um documento
que pretendiam ler contra André Nin e Tomsky. Portocarrero “não se lembra bem do conteúdo, mas era
para tirá-los” da direção da ISV. Portocarrero estava mais concentrado na forma com que procediam, e,
sem compreender o conteúdo, negou-se a ratificar o documento. Essa negativa chegaria a Losovsky (líder
da ISV), movimentaria outros delegados, e Portocarrero assinaria uma declaração de solidariedade com os
trabalhadores russos, sem intervir na polêmica com André Nin. O balanço do Congresso é muito
amistoso, e diria: “tudo isso me serviu para conhecer coisas que eu não teria oportunidade de ver e
aprender antes. Por isso que ao termino do Congresso recolhi os materiais. Mas com esses materiais não
pude estudar, nem tampouco trazê-los. Sabia como ia ser o meu regresso: não iam permitir que os
materiais entrassem no Peru. Eu não trouxe nenhum documento do Congresso. Esses documentos
chegaram ao conhecimento de Mariátegui certamente através do Comitê que se formou para organizar a
Confederação Sindical Latino-americana”. (PORTOCARRERO, 1987, p. 150).
305
Nessa conferência em Moscou, estavam Rivera, Siqueiros, Orozco, Rafael
Carrillo, o famoso equatoriano331 Paredes, entre vários outros latino-americanos.
E, em uma reunião dessa Conferência, Portocarrero ficou sabendo das diferenças
da IC com Haya de La Torre, após o rompimento com o Kuomintang:
Houve uma repressão muito forte contra eles e os operários, e,
portanto, veio o rompimento do Partido Comunista com Chang Kai
Shek, que estava à frente do Kuomintang e era presidente da China
por essa época. A colocação de Haya de criar um partido como o
Kuomintang certamente que não lhe caía bem. (PORTOCARRERO,
1987, p. 150).
Portocarrero resistiu às críticas que a Internacional Comunista fazia contra Haya.
Para Portocarrero, era importante manter a unidade. Losovski leu uma carta que havia
recebido de Haya, em que o estudante peruano defendia ser mais importante manter
entendimentos com o senador Borah, um republicano dos EUA, que com os
trabalhadores norte-americanos. Como uma maneira de fazer uma composição que não
desagradasse o delegado peruano, Losowsky propõe que o próprio Portocarrero
encontrasse Haya de la Torre em Paris, e o trouxesse de volta a Moscou para que se
mantivesse a unidade, e assim se chegasse a algum entendimento.
Portocarrero retornou a Paris, encontrou Ravines, que enviou mensagens para
Haya, e não obteve resposta. Após um mês, de volta a Lima, Portocarrero encontrou
Martinez de La Torre, e ficou sabendo que Haya de La Torre e Mariátegui haviam
rompido. (PORTOCARRERO, 1987, p. 154-155).
No início de 1928, Haya de La Torre havia lançado o Plano do México,
conforme citado acima, e havia aparecido alguns panfletos com esse manifesto dos
apristas do México. Para Mariátegui e a Internacional Comunista, havia ficado claro que
Haya pretendia lançar uma “convocatória revolucionária” e com isso tentar aproveitar o
resultado. Como foi muito característico de sua personalidade, certamente imaginava
alguma adesão, ou repercussão que lhe possibilitasse entrar na ordem política peruana
ou negociar seu retorno, talvez uma candidatura eleitoral, como depois tentaria. Mas,
como a base social de seu movimento era muito limitada, o movimento foi tratado como
um blefe, a semelhança da jogada que simula boas cartas no pôquer, e a consequência
331
Esse delegado equatoriano questionaria as fórmulas de países coloniais e semicoloniais, além das
táticas de revolução nos países periféricos formulados pela maioria da IC no VI Congresso, e seria muito
citado pela bibliografia como se tratando de um dissidente.
306
imediata foi um questionamento por parte dos outros grupos que compunham a APRA.
O grupo de Lima escreveu uma carta em 16 de abril de 1928, “aos companheiros
da célula México”, após esperar em vão que Haya lhes comunicasse a transformação da
APRA em partido. (LUNA VEGAS,1988, p. 57).
“[...] Eu li um segundo manifesto do Comitê Central do Partido
Nacionalista Peruano residente em Abancay332 e sua leitura me
entristeceu profundamente: primeiro porque como peça política
pertence à mais detestável literatura eleitoreira do velho regime;
segundo porque demonstra uma tendência por cimentar – cuja força
maior era até agora a verdade – em um “bleff” e na mentira. Não há ali
uma só vez a palavra socialismo. Tudo é declamação estrepitosa e oca
de antigo estilo [...] oponho-me a todo erro. Oponho-me a um
movimento ideológico que, por justificação histórica, por sua
inteligência e a abnegação de seus militantes, pela altura e nobreza de
sua doutrina ganhará, se nós mesmos não destruamos, a consciência
da maior parte do país, aborte miseravelmente em uma vulgaríssima
agitação eleitoral.
A carta do grupo de Lima demorou para ser respondida, mas selou a ruptura
entre a APRA e Mariátegui. Nessa carta, em tom de ironia, Haya de La Torre formulou
alguns dos argumentos que utilizaria para justificar a sua ruptura com os comunistas,
que já havia ensaiado em alguns artigos ao longo do ano de 1927. O eixo da linha de
Victor Raul Haya de La Torre é a defesa de que deveria haver uma teoria revolucionária
para uma realidade não europeia, como a América Latina. Segundo seus argumentos, o
marxismo da Internacional Comunista era uma teoria europeia, e necessitava ser
adaptada à América Latina.
A operação teórica que Haya tentava construir era nitidamente uma
argumentação retórica, a qual escondia uma tendência oportunista, que, vendo seu papel
ficando secundário na estrutura dos partidos comunistas e até pela proeminência de
outros dirigentes melhor capacitados, iniciou a construção de uma teoria sui generis.
A partir da “constatação” de que a Internacional está imbuída de um “mal
europeísta”, lançou a APRA como a solução revolucionária para a América Latina.
Como necessitava justificar suas ações para o grupo de “apristas” que gravitavam sob a
sua influência, buscou desde o Congresso de Bruxelas uma explicação que justificasse a
sua separação das ligas anti-imperialistas e da URSS.
Haya de La Torre desenvolveria uma arte de adaptação teórico-política de
332
MARIÁTEGUI, 1928 apud LUNA VEGAS, 1988, p. 58.
307
criatividade inigualável, capaz de justificar com malabarismos teóricos dos mais
variados os mais diversos tipos de aliança e estratégias, de modo que encontrar um
sentido lógico e uma estrutura de pensamento no aprismo é quase impossível.
A carta enviada para Mariátegui contém elementos da argumentação que ajudam
a esclarecer, em alguma medida, alguns pressupostos que guiaram a ruptura entre
comunistas e apristas.
Você está cheio de europeísmo. Que distinto efeito a Europa produziu
em você e em mim! Agora aprecio as diferenças e vejo que tinha razão
quando ri cordialmente da oposição de você ao acreditar que o 23 de
maio333 não era um movimento praticamente aproveitável. [...] Os
próprios diplomatas do soviet, que conhecem suas linhas centrais [da
APRA], admitem que coloca toda uma revolução ideológica. O APRA
é partido, aliança e frente. Impossível? Verás que sim! Não é porque
na Europa não tem nada parecido que não poderá deixar de haver na
América. Na Europa tampouco havia arranha-céus nem há
antropófagos [...] Você clama pela palavra socialismo. ‘Nem uma vez
a menciona’ Words, words and words! Tens aqui a nossa
característica: a palavra. Vocês, segundo vi em ‘Amauta’ não falou em
Vitarte, mas sim lançou três vivas sonoros. Nem um deles foi para a
revolução anti-imperialista. A única possível, a única imediata destes
tempos. [...] Já sei que está contra nós sem mencionar o socialismo,
mas [estaremos] repartindo as terras e lutando contra o imperialismo.
(HAYA DE LA TORRE, 1928 apud LUNA VEGAS, 1988, p. 59).
Haya ainda desenvolveria mais suas teses. Esses argumentos são apenas iniciais,
e, curiosamente, ele estava tão influenciado pelas ferramentas teóricas que se
desenvolviam a partir da experiência soviética que a partir da “negativa” do europeísmo
do movimento comunista Haya vai desenvolver uma teoria própria. Em primeiro lugar,
vai aplicar a crítica antipositivista muito comum após a primeira guerra ao marxismoleninismo. O marxismo-leninismo não seria uma teoria universal que poderia ser
aplicada na análise das realidades não europeias. Na carta para Mariátegui, apenas nega
o “europeísmo” de maneira vaga, mas anos depois, com a publicação de O antiimperialismo e o APRA334, Haya tentaria desenvolver alguns questionamentos teóricos
colocados por Mella, feitos meia década antes. Todas justificativas estavam baseadas na
premissa de que na realidade latino-americana não se podia utilizar o marxismoleninismo da URSS, uma teoria e prática que servia apenas para aquela realidade.
O debate sobre partido e frente única expressa bem a típica forma de
333
Refere-se ao ato organizado pelos estudantes peruanos em 1923, que seria o motivo da prisão de Haya
de la Torre, meses depois.
334
Ver: HAYA DE LA TORRE, 1984, v. 1.
308
argumentação de Haya, e, ao menos enquanto teoria política, nunca foi encarada com
seriedade fora da área de influência política de Haya de La Torre, o próprio Peru335.
Para responder às objeções sobre partido e frente única, Haya escreve:
Um partido anti-imperialista indo-americano com sentido de nossa
realidade social não pode ser um partido exclusivo de classe. Menos
um partido de remendo ou decalque europeu. E menos, ainda, um
partido submetido à direção estrangeira. (HAYA DE LA TORRE,
1984, p. 99, v. 4).
Se não podia ser o capitalismo o exemplo para a APRA, já que estava tentando
convencer os revolucionários com ideias socialistas, tampouco podia ser o comunismo.
Para criar sua teoria, Haya elabora uma tese, que, dizendo-se crítica ao “marxismo
europeísta”, reproduzia a maior manifestação de europeísmo no marxismo, que é a
argumentação sob a lógica de um determinismo típico da argumentação menchevique na
Rússia. O socialismo não era possível na América Latina, porque, diferentemente da
realidade europeia, na indoamérica, como gostava de denominar o subcontinente, ainda
não havíamos passado pela etapa capitalista.
Em resumo, a APRA se tornava o partido-frente de diversas classes, dirigidas
pela classe média, para se realizar uma revolução anti-imperialista, e construir um
capitalismo de Estado, com alguma perspectiva socializante abstrata. A III Internacional
defendia o contrário. Mais tarde, os apristas desenvolveriam outras questões, como uma
“tese do espaço-tempo histórico”, que dava suporte à sua premissa (até então, sem uma
base de argumentação razoável) de que cada lugar geográfico precisava de sua própria
estrutura teórica revolucionária, e qualquer pretensão teórica universal não passava de
uma tentativa de escamotear um “europeísmo”. Para isso, Haya de La Torre mistura
Einsten, com Lenin, Marx, Splenger e outros teóricos que lhe servissem.
Haya de La Torre, depois da 2ª Guerra Mundial, encontrou excelentes “modelos
ideais” de sociedade nos países nórdicos e utilizou-os para poder formar sua
argumentação contra o adversário do momento. O lugar que melhor poderíamos
encaixar Haya de La Torre é como expressão de um tipo de partido, que em alguns
países comporia os Estados latino-americanos, e foi por muitos denominado com o
Conforme podemos perceber ao revisar os textos teóricos de Haya, o termo “ortodoxia” comunista,
muito utilizado pela bibliografia que tratou Mariátegui para se referir à Internacional Comunista, foi
também muito utilizado por Haya, apresentando uma possível origem para o termo, e muitas vezes um
coincidente sentido crítico também. “A Carta de Lozowsky era, pois, bastante vaga e repetia conhecidas
frases feitas da ortodoxia marxista.” (HAYA DE LA TORRE, 1984, p. 84, v. 4).
335
309
termo “populista”.
Haya de La Torre seria um líder que pretendia ocupar esse papel no Peru, foi
exímio “malabarista” teórico, sempre criando soluções teóricas para justificar seus
acordos. Foi uma figura central na política peruana, sempre disputando o movimento de
massas com os comunistas, mas não alcançou a presidência. Seus adversários sempre
utilizaram o seu passado no movimento comunista para dificultarem seu acesso à
direção do Estado e o cargo mais alto que ocupou foi o da presidência da Constituinte,
em 1978, morrendo um ano depois. A APRA elegeria Alan Garcia para presidente,
responsável pelo massacre de prisioneiros comunistas em El Frontón, Lurigancho y
Santa Bárbara, no ano de 1986, talvez o maior massacre de comunistas presos após a
Guerra Mundial.
Para o grupo de Lima, em resposta à carta ofensiva de Haya de La Torre, foi
enviada uma carta coletiva, em que tentavam manter a unidade com a célula do México.
Como referência para que se mantivesse a unidade, o grupo de Lima afirmava:
A experiência do Kuomintang é preciosa no movimento antiimperialista da Indo-América, com a condição de que se a aproveite
integralmente. [...] Estas considerações nos levam a submeter vocês às
seguintes conclusões: 1 – O APRA deve ser oficial e categoricamente
definido como uma aliança ou frente única e não como partido; 2 – Os
elementos da esquerda que no Peru concorrem à sua formação –
organizando formalmente um partido socialista, de filiação ou
orientação definidas que, colaborando dentro do movimento com
elementos liberais ou revolucionários da pequena burguesia e ainda da
burguesia que aceitem os seus pontos de vista, trabalhe por dirigir as
massas até as ideias socialistas.
É evidente que, com estas conclusões, não é possível prestar nossa
cooperação à criação do Partido Nacionalista que chegam pelas
comunicações de alguns companheiros, anunciando como uma
decisão do grupo do México. Esse partido pode fundar-se dentro do
APRA; mas ainda assim nos parece que sua biologia natural exige que
se decida a sua oportunidade e necessidade no Peru e não desde o
México, sua organização foca em todo caso elementos da pequenaburguesia que queiram dar vida a um partido próprio [...] O
procedimento do bleff sistemático levará ao descrédito da nossa causa.
(GRUPO de Lima, 1928 apud LUNA VEGAS, 1988, p. 64).
Portocarrero retorna de Moscou logo após a carta de Haya de La Torre, e
participa do processo que viverá o Grupo de Lima em direção a uma definição
programática e uma estruturação mais orgânica daqueles revolucionários que se
agruparam em torno de Mariátegui.
A carta do Grupo de Lima ajuda a definir posições em outras células apristas,
310
dividindo seguidores de Haya e futuros comunistas. Na célula de Paris, Eudocio
Ravines, Juan Jacinto Paiva e Armando Baizán, que haviam retornado da Rússia junto
com Portocarrero, mas haviam ficado em Paris, assinaram um documento conhecido
como “Informe da Minoria” (LUNA VEGAS, 1988, p. 65).
Neste documento, defenderam a visão do Grupo de Lima, que seguia a lógica da
Internacional Comunista, a separação do Partido e da Frente, e manifestavam uma
inclinação por fundar um partido proletário, ou seja, um partido comunista.
Em setembro de 1928, o nº 17 da Amauta saía com um editorial que oficializava
a ruptura com Haya e avançava em definir-se ideologicamente. Imediatamente depois,
no dia 7 de outubro de 1928, constituía-se um “bureau” do Partido Socialista do Peru.
No programa desse Partido, são aprovados alguns pontos que são importantes serem
destacados:
4.-El capitalismo se encuentra en su estadio imperialista. Es el
capitalismo de los monopolios, del capital financiero, de las guerras
imperialistas por el acaparamiento de los mercados y de las fuentes de
materias brutas. La praxis del socialismo marxista en este período es
la del marxismo-leninismo. El marxismo-leninismo es el método
revolucionario de la etapa del imperialismó, y de los monopoilos. El
Partido socialista del Perú lo adopta como método de lucha.
(PROGRAMA DO PARTIDO SOCIALISTADO PERU apud
MARIÁTEGUI, 1994.s.p.)
Em 29 de dezembro de 1928, Ravines, Bazán e Paiva, membros da célula da
APRA de Paris, aderem ao PSP em Paris. “A ideologia que adotamos é a do marxismo e
a do leninismo militantes revolucionários”, assinam também Cesar Vallejo, Jorge
Seoane e Demetrio Tello. A partir do final de 1928, a célula de Paris, a primeira da
APRA, estava dissolvida e transformada em parte, em uma célula do PSP.
Mariátegui deu uma direção cada vez mais definida ao grupo que se mantinha no
seu entorno e agora compunha o PSP. A separação estava encerrada. Comunistas de um
lado (embora não se definissem abertamente com esse termo) e apristas, ou seguidores
de Haya, do outro lado. Uma carta de Mariátegui para Ravines, então Secretário-Geral
da Célula de Paris do PSP, era clara:
[...] [nós] intelectuais que temos nos entregado ao socialismo, temos a
obrigação de reivindicar o direito da classe operária em organizar-se
em um partido autônomo. Por parte de Haya e os amigos do México
há um desvio evidente. Negar-se a admiti-lo por motivos puramente
sentimentais, seria não só indigno de uma inteligência crítica, senão
311
até de uma elementar honradez. Haya sofre demasiado o demônio do
caudilhismo e do personalismo. (CÉLULA do PSP em Paris apud
LUNA VEGAS, 1988, p. 65).
Estava assinada a ruptura e Mariátegui teria apenas pouco mais de 2 anos para
continuar a sua obra, que teria como fruto a organização do Partido Comunista do Peru,
a partir do PSP, e a organização do núcleo de operários que daria ânimo à fundação da
Central Geral dos Trabalhadores. Mariátegui ajudaria a fundamentar os programas e a
direcionar o embrionário movimento comunista peruano, nascido a partir de suas
conferências, em um sistemático trabalho de organização e elaboração teórica.
O VI Congresso da IC e os comunistas latino-americanos
Os debates e resoluções do VI Congresso da IC foram todos taquigrafados e
amplamente divulgados. Parte dos debates, que trataram da América Latina, foram
publicados em forma de livro na década de 1970 pelos Cuadernos del Pasado y
Presente, mas foram pouco consultados. Por um lado, a historiografia liberal tendeu a
subestimar a importância das formulações doutrinárias para o movimento comunista,
priorizando explicações muitas vezes relacionadas a conspirações, desentendimentos
pessoais e “disputas pelo poder” nos organismos dirigentes dos partidos comunistas
latino-americanos. Embora ser dirigente comunista carregasse na intimidade dos
militantes o sentimento de pertencimento à historia, é difícil explicar o movimento
comunista por essa lógica, já que geralmente o custo pessoal por militar em
organizações comunistas era exatamente a falta de reconhecimento público, a
perseguição, problemas familiares, financeiros, prisão e até a morte. Considerando que
na maioria das vezes os militantes comunistas eram bons oradores, bons escritores e
capazes de organizar pessoas, qualquer outra atividade não relacionada à subversão
comunista renderia mais frutos pessoais que ser um dirigente comunista. Essa forma de
ver a luta política no meio do movimento comunista, ao menos dos partidos que não
haviam conquistado o poder de Estado, é apenas uma reprodução da vida política dos
partidos oficiais nos países capitalistas, que não nos ajuda a explicar e entender nada da
História do Movimento Comunista Internacional, e muito menos dos pequenos partidos
comunistas latino-americanos.
No VI Congresso da IC, realizado entre os dias de 1928, foi declarado por
312
Bukharin que a IC havia “descoberto a América Latina”336.
O motivo para esse entusiasmo foi o significativo número de latino-americanos
presentes no Congresso. Mas embora uma parte significativa da bibliografia marque
nesse congresso, e nas palavras de Bukharin, o início da relação entre IC e os Partidos e
grupos comunistas da América Latina, o número de latino-americanos no Congresso é
fruto de um trabalho sistemático que teve origem orgânica a partir do V Congresso da
IC337.
Figura 75 – “Família Russa”, Diego Rivera (1928)
Propostas de Rivera para se criar uma estética que expressasse a nacionalidade russa. Fonte: RIVERA, 2007, p. 153.
Com o V Congresso, a partir de uma proposta de sessão que tratasse da América
Latina, Bertran Wolfe, representante do PCM, influenciou significativamente a
percepção da IC acerca da importância que o imperialismo norte-americano passou a ter
após a Primeira Guerra Mundial, e a América Latina como território em disputa com o
imperialismo inglês.
Essa percepção de como se desenvolvia o imperialismo norte-americano
influenciou os esforços do CEIC para a criação do Secretariado Sulamericano. O
336
Ver: V CONGRESO DE LA INTERNACIONAL Comunista. Cuaderno 55 e 56. México: PyP, 1975.
O V Congresso impulsiona a formação dos PCs, a formação das Ligas anti-imperialistas, camponesas,
publicação de jornais de propaganda e a formação do Secretariado Sul-americano em Buenos Aires.
337
313
trabalho dos militantes do secretariado, especi338almente os comunistas argentinos,
Codovilla e Contreras, foram juntando as pontas em diversos grupos no sentido de
organizar partidos comunistas e ligá-los a Internacional Comunista.
Por um lado, estimulavam a organização das frentes únicas, e, por outro, a
organização dos partidos comunistas, na forma leninista, com a consigna de
Bolchevização dos Partidos Comunistas”. Não se tratava de um trabalho de organização
apenas conspirativo, mas de definição política e ideológica. Codovilla, dirigente do
PCA, foi quem conduziu o processo de organização política e de transformação dos
“grupos de propaganda”339, em partidos comunistas na forma política e ideológica que
adquiriram ao longo das década de 1930, 40 e 50.
Uma das formas que a CEIC utilizou amplamente para aproximar simpatizantes
da Revolução Russa foi convidando-os para Participar de Congressos e eventos na
URSS. Dessa forma, imersos no debate comunista, dentro da URSS, os jovens
simpatizantes poderiam aprofundar os vínculos com a IC e colaborar de forma efetiva
na construção dos PCs. Como já narramos até aqui, os vínculos foram crescendo, desde
o “Cometa de Manchester”, a viagem de Borodin e outros encontros com emissários
que apareceram na América Latina.
Na América do Sul, o contato entre a IC e os outros partidos e grupos de
simpatizantes se deu através do PCA, enquanto na América Central e no México foi o
PCM que intermediou o contato entre latino-americanos e a IC.
Com a Revista La Correspondencia Sudamericana, a partir de 1926,
desenvolveu-se a propaganda ideológica sistemática da IC, e a organização e
progressiva centralização dos grupos latino-americanos.
Em 1927, diversos líderes do movimento operário foram convidados a participar
do Congresso da Internacional Sindical Vermelha, em Moscou, e das comemorações do
10º aniversário da Revolução Russa em novembro de 1927. Podemos afirmar que o ano
de 1927 foi a concretização do trabalho de organização iniciado em 1925 pelo
Secretariado Sulamericano, e mobilizaria uma grande delegação latino-americana para
338
Diferente do que parece para uma parte da bibliografia que viu no Secretariado Sulamericano uma
espécie de estrutura de “espionagem” ou de “agentes da IC”, a organização dos partidos comunistas
seguia a diretriz do V Congresso.
339
No V Congresso, debateu-se a transformação dos “grupos de propaganda” em “verdadeiros Partidos
comunistas”. Essa era parte da orientação acerca da bolchevização nos Partidos pequenos, como os da
América Latina. Ver: V CONGRESO DE LA INTERNACIONAL Comunista, Informes (segunda parte).
Caderno 55. México: PyP, 1975.
314
o VI Congresso que ocorreu em 1928.
Figura 76 – Ilustração de Rivera no livro Fermín comemorando os 10 anos da
Revolução Russa
Fonte: TIBOL, Raquel. Diego Rivera. Gran Ilustrador, México: RM/Galera, 2008, p.162
Explicar o papel desse congresso no movimento comunista latino-americano não
é uma tarefa simples, e é necessário dividi-la em dois prismas, ao menos para
dimensionarmos o papel desse congresso na América Latina. O primeiro é o significado
do Congresso em relação ao movimento comunista internacional, o segundo, qual a
influência teve nas organizações do subcontinente.
Em relação ao significado que o VI Congresso da IC possui para o movimento
comunista, o tema é altamente controverso na bibliografia. Como tendência geral, a
historiografia produzida na década de 1980340 tendeu a ver esse congresso como uma
coroação do “stalinismo”, ou a antessala do X Pleno da CEIC, que definiria o
“esquerdismo” da “burocracia”, do “autoritarismo” e da “centralização”. Em que pese o
sentido pejorativo desses adjetivos, o VI Congresso tem um papel significativo na
reafirmação da política de bolchevização dos PCs, o que significava a aplicação dos
princípios de centralização e organização de Lenin, expressos no livro O que fazer?.
Para se compreender o significado dessa bolchevização e inclusive compreender
também os motivo que levou os comunistas a aceitarem essa diretriz, é importante
relembrarmos o sentido, o objetivo dos comunistas e dos que se simpatizavam com o
legado da Revolução Russa.
340
Autores que trataram o VI Congresso da IC: ANTUNES; GALINDO; CARONE; LÖWY; CRESPO;
DEL ROIO; 1995, 1994, 1989, 2006, 2007, 1990.
315
A organização da Internacional Comunista e do Partidos tinha como objetivo
organizar a Revolução Mundial. Os bolcheviques foram opostos à constituinte e à
formação de governos liberais. A Revolução Russa, que cada vez mais se tornou a
referência para todo o movimento comunista, não defendeu uma “democracia
participativa”; sequer utilizava esse termo “democracia”.
Mariátegui, por exemplo, utilizava o termo “democracia” para se referir ao
Estado liberal-burguês. A forma política que o capitalismo assumia era a antítese do
socialismo. Dessa maneira, o movimento comunista nasceu como o oposto ao Estado
liberal em crise na Primeira Guerra Mundial. Toda estrutura erguida para expandir a
Revolução Proletária Mundial era uma negação da democracia liberal. Isso também não
significa que defendessem a imposição de politicas a partir do centro comunista. Na
verdade, o problema da representatividade, para os comunistas, não estava relacionado a
um debate típico da democracia como expressão da liberdade política e individual, mas
à capacidade do movimento comunista em alcançar influência e adeptos, e assim
alcançar a ditadura do proletariado, e, futuramente, o comunismo.
A democracia enquanto sistema representativo de Estado não era um fim, como
aparece em teorias liberais clássicas. A democracia era uma necessidade para que
houvesse legitimidade do programa comunista entre massas populares. O objetivo era a
sociedade sem classes, e, a curto prazo, a Revolução. A democracia real seria alcançada
na sociedade sem classes. Até lá, a democracia era apenas uma forma de se fazer
representar simpatizantes ou de organizar possíveis divergências entre os próprios
comunistas.
Com o VI Congresso da IC e depois do X pleno, o Partido Comunista se tornou
a estrutura política que serviria como uma espécie de Estado Maior da Revolução em
cada país, o centro ideológico que coordenaria a atividade comunista no sentido da
derrubada do capitalismo, e, portanto, da democracia burguesa.
O VI Congresso reafirmou a necessidade de se organizar partidos comunistas
bolchevizados, conforme o V Congresso da IC, mas introduziu uma questão como
centro do debate acerca do problema do Partido Comunista, que já havia sido defendido
em outras oportunidades, mas que após os acontecimentos de Shangai haviam se
tornado central: a hegemonia do proletariado na frente única.
316
Figura 77 - Retrato de Stalin em Amauta341
Fonte: Amauta, nº6, Lima: fev. 1927.
341
Retrato de Stalin na Revista Amauta, com o retrato de Lenin no fundo. Diferente do que se tem dito,
Mariátegui se posicionou com simpatias por Stalin enquanto acompanhava a luta política de Stalin e
Trotsky. Acreditava que Stalin seria importante em um momento em que se deveria consolidar o poder
soviético.“Pero, hasta este momento, los hechos no dan la razón al trotskismo desde el punto de vista de
su aptitud para reemplazar a Stalin en el poder, con mayor capacidad objetiva de realización del
programa marxista. La parte esencial de la plataforma de la oposición trotskista es su parte crítica. Pero
en la estimación de los elementos que pueden insidiar la política soviética, ni Stalin ni Bukharin andan
muy lejos de suscribir la mayor parte de los conceptos fundamentales de Trotsky y sus adeptos. Las
proposiciones, las soluciones trotskistas no tienen, en cambio, la misma solidez. En la mayor parte de lo
que concierne a la política agraria e industrial, a la lucha contra el burocratismo y el espíritu Nep, el
trotskismo sabe de un radicalismo teórico que no logra condensarse en fórmulas concretas y precisas. En
este terreno, Stalin y la mayoría, junto con la responsabilidad de la administración, poseen un sentido
más real de las posibilidades. (...)El partido bolchevique, por tanto, no es ni puede ser una apacible y
unánime academia. Lenin le impuso hasta poco antes de su muerte su dirección genial; pero ni aún bajo
la inmensa y única autoridad de este jefe extraordinario, escasearon dentro del partido los debates
violentos. Lenin ganó su autoridad con sus propias fuerzas; la mantuvo, luego, con la superioridad y
clarividencia de su pensamiento. Sus puntos de vista prevalecían siempre por ser los que mejor
correspondían a la realidad.. (...)Pero con Trotsky en el puesto de comando, la oposición en poco tiempo
ha tomado un tono insurreccional y combativo al cual la mayoría y el gobierno no podían ser indiferentes. Trotsky, por otra parte, es un hombre de cosmópolis. Zinoviev lo acusaba en otro tiempo, en un
congreso comunista, de ignorar y negligir demasiado al campesino. Tiene, en todo caso, un sentido
internacional de la revolución socialista. Sus notables escritos sobre la transitoria estabilización del
capitalismo, lo colocan entre los más alertas y sagaces críticos de la época. Pero este mismo sentido
internacional de la revolución, que le otorga tanto prestigio en la escena mundial, le quita fuerza
momentáneamente en la práctica de la política rusa. La revolución rusa está en un período de organización nacional. No se trata, por el momento, de establecer el socialismo en el mundo, sino de realizarlo en
una nación que, aunque es una nación de ciento treinta millones de habitantes que se desbordan sobre
dos continentes, no deja de constituir por eso, geográfica e históricamente, una unidad. Es lógico que en
esta etapa, la revolución rusa esté representada por los hombres que más hondamente siente su carácter
y sus problemas nacionales. Stalin, eslavo puro, es de estos hombres. Pertenece a una falanje de
revolucionarios que se mantuvo siempre arraigada al suelo ruso. Mientras tanto Trotsky, como Radek,
como Rakovsky, pertenece a una falanje que pasó la mayor parte de su vida en el destierro.” Mariátegui,
J.C.”El exílio de Trotsky” in Variedades, Lima: 23 fev. 1929
317
O VI Congresso partia de uma importante derrota na China e de um rompimento
na relação inicialmente amistosa com o trabalhismo inglês, dois fatores que animaram a
política de frente única que havia apontado o V Congresso (1924).
A historiografia em geral ressalta outro aspecto do VI Congresso da IC, além da
intensificação da “bolchevização”, que marcaram os debates: “Contudo, pode-se dizer
que nenhum desses motivos [não os cita quais] pode por si provocar uma mudança tão
séria. Um dos mais importantes foi o fato, já lembrado, de que a política de frente única
não deu os frutos que esperava a Comintern”. (HAYEK, 1975, p.7)
A 2ª Internacional havia se dirigido a uma política de direita. O PPS (Partido
Socialista Polonês) havia colaborado com o governo Pilsudski, o qual havia reprimido
violentamente os comunistas. Em maio de 1927, o governo britânico rompeu relação
com a URSS; na Itália, a ditadura fascista havia dissolvido todos os partidos
antifascistas; em Viena, em junho de 1927, ocorreram várias repressões sangrentas, e a
social-democracia austríaca se retirou da luta. Enfim, a tática de aliança com os líderes
da social-democracia europeia e com os nacionalistas nos países periféricos – mesmo
com a ressalva do V Congresso da IC, com a frente única por baixo e por cima – não
havia produzido bons resultados e precisaria ser reajustada. A social-democracia
europeia, quando não estava em governos que reprimiam comunistas, na oposição não
era capaz de esboçar resistência, de maneira que fazia da aliança com os líderes da
social-democracia, algo cada vez mais dispensável. A avaliação do V Congresso da IC,
em que se afirmava que a social-democracia, era o “braço esquerdo” da burguesia,
enquanto o fascismo seria o braço direito, daria lugar à avaliação de que ambas as forças
estavam do mesmo lado, ou de que a social-democracia atuava como os fascistas, e, a
partir de 1929, surgiria o termo social-fascismo342, para se referir aos partidos socialdemocratas que utilizavam a repressão política como forma de manter a ordem.
O longo informe de Bukharin é claro em relação ao entendimento da socialdemocracia:
342
O termo social-fascismo é tratado por alguns autores, especialmente os que têm uma leitura trotskysta
da história soviética, como uma clara demonstração do sectarismo do período posterior a 1928, e o
motivo da ruptura entre comunistas e socialistas que abriria espaço para a vitória do nazismo,
particularmente na Alemanha. Essa é uma simplificação, já que os comunistas haviam buscado aliança
com os socialistas, até pelo menos 1927. Seria uma série de medidas repressivas contra os comunistas,
dirigidas por governos “socialistas”, que imporia uma série de debates acerca do significado da socialdemocracia e da aliança com governos “socialistas”. É absurdo culpar os comunistas pela ascensão do
nazismo, já que foram os que mais os combateram. O termo teria um uso maior a partir de 1929, até pelo
menos 1935, quando a tática das alianças antifascistas do VII Congresso procura fortalecer as alianças
com todos os setores antifascistas, inclusive parte da social-democracia.
318
Habitualmente colocamos o problema das raízes do oportunismo em
conexão com o problema das colônias, dos superlucros extraídos das
colônias pelos capitalistas, lucros que permitem à burguesia corromper
os setores superiores da classe operária.
Mas a situação em que se encontrava o mundo, de estabilização
relativa, o superlucro derivado de novas técnicas, como o fordismo,
alimentava a base social da social-democracia no movimento operário.
(BUKHARIN in VI CONGRESSO, 1976, p.29)
Mas “as contradições internas da estabilização em cada país capitalista agudiza a
luta de classes. [...] essas contradições internas transformam toda a greve mais ou menos
importante em um acontecimento político de grande importância”. (Idem, p. 30).
[...] Ao longo desses últimos anos a social-democracia realizou uma
profunda evolução. Seria um erro considerá-la como seguiria sendo na
atualidade o que era em 1914. [...] A ideologia atual da socialdemocracia perdeu os restos de suas frases quase-marxistas. [...] Em
agosto de 1914 a social-democracia traiu o marxismo, assumindo a
defesa da pátria capitalista. Em nossa época, a social-democracia é
uma força ativa que constrói conscientemente a sociedade capitalista.
[...] O partido trabalhista [...] nos exclui, nos ataca. Se nestas
condições mantemos nossas consignas precedentes e conservamos
nossas relações anteriores para não estragarmos a frente comum do
proletariado organizado, estamos perdidos. Perderemos a nossa
fisionomia política [...] Por isso nossa mudança de tática está em
relação com a mudança objetiva da situação. [...] A intensificação da
luta contra a social-democracia e a orientação política devem ser
adotadas também pelo VI Congresso. [...] não significa de nenhum
modo uma renúncia à tática de frente única como pensam alguns
camaradas [...] devemos colocar com força o problema da conquista
das massas. [...] Só os idiotas podem pensar que, porque abrimos uma
luta encarniçada contra a social-democracia, é inútil conversar com os
operários social-democratas. (BUKHARIN, 1976, p. 36).
Conforme apresentou o problema, a IC concluía de forma incisiva a política de
frente única, para apenas estabelecer frentes por baixo, ou seja, com as organizações de
massas, e não com partidos, coligações de governos e alianças eleitorais.
A historiografia costuma tratar a posição do VI Congresso em relação à socialdemocracia como um grave erro, que levou a um isolamento da IC no movimento
operário, e inclusive seria uma das explicações para a ascensão do nazifascismo, já que
o movimento operário estaria dividido para combater o nazismo.
Na realidade, a situação era mais complexa, já que a tentativa de alianças, desde
o V Congresso, não havia tido êxito, rompidas pela social-democracia. Houve a
retomada de iniciativa política das forças anticomunistas após o susto de 1917, a
319
propaganda antissoviética estava mais elaborada e os comunistas perdiam espaço.
(HAJEK, 1976).
A negativa total em se estabelecer relações com os líderes da social-democracia
seria um erro que levaria a políticas isoladas em alguns momentos da década de 1930, e
seria elaborada uma crítica ao exagero da tática de frente única apenas pelas bases no
VII Congresso, em 1935.
É importante compreendermos a linha do VI Congresso para as colônias
semicolônias, que atingiam diretamente os Partidos da América Latina. Em primeiro
lugar, é importante ter em mente que não existia social-democracia nas colônias e
semicolônias. O problema das frentes únicas nos países periféricos se manifestava em
relação aos nacionalistas revolucionários e em termos nacionais, e com grupos
“trabalhistas” do reduzido movimento operário.
A morte dos comunistas na China havia demonstrado que os nacionalistas
também não eram confiáveis, e, ao contrário de se submeterem às organizações
frentistas, como o Kuomintang, os comunistas precisavam controlar a sua direção
efetivamente.
Conforme pode ser visto na citação acima, ruptura com qualquer ilusão de
aliança com os líderes da social-democracia significava também uma nova interpretação
de como se manifestava a ideologia do proletariado no movimento operário. A IC
passava a não reconhecer mais um movimento proletário com várias correntes ou
“interpretações”. Desde o VI Congresso, os comunistas entendiam que existia apenas
uma ideologia do proletariado, e os debates se dirigiam no sentido de encontrar essa
posição marxista-leninista correta.
Aparentemente, essa forma de tratar as ideias aparece muito pouco propensa ao
debate e à própria liberdade de ideias necessárias para o próprio avanço do marxismo.
Para os comunistas, a aplicação “correta” do marxismo-leninismo se expressava na
aplicação do programa revolucionário. E em torno dessa aplicação do programa se dava
a luta política, que mantinha o debate intenso, mas superava alguns preceitos típicos do
liberalismo343.
A partir do VI Congresso, o debate e a luta política teriam como centro a
aplicação do programa revolucionário comunista. A aplicação do programa comunista
343
Zizek, em um texto recente, debate a perspectiva que se tem da tolerância associada ao pluralismo.
Ver: ZIZEK, Slavov. En defensa de la intolerancia. Buenos Aires: Sequitur, 2008.
320
nas colônias e semicolônias seguiu um debate significativo, com informes e
intervenções dos delegados latino-americanos.
Marcos Del Roio, em um dos poucos trabalhos de pesquisa em que são
consideradas as formulações teóricas da IC como algo constituído de sentido e como
umafonte significativa para se compreender o movimento comunista, ressalta o avanço
da IC em relação ao entendimento do problema colonial, se comparada à 2ª
Internacional. Mas, na sua avaliação, a IC ainda persistia em um certo “eurocentrismo”.
(DEL ROIO, 1990, p. 87).
Esse “certo eurocentrismo”, embora não esteja explícito, refere-se à centralidade
que a IC dava à Europa. Para os críticos, espelhava de alguma maneira a própria visão
imperialista. Se esse raciocínio serve para percebemos resquícios colonialistas no
marxismo positivista da 2ª Internacional, ele não pode ser estendido para a IC. De fato,
a IC entendia que a Europa estava no centro do mundo e, até que Mao Tsé-Tung
formulasse a estratégia do “campo cerca a cidade” para um espectro maior na estratégia
da Revolução Mundial, os comunistas perceberam a Europa como o centro mundial.
Não se tratava de admitir a superioridade da “civilização europeia”, mas, ao
contrário, de incorporar a tese sobre o “imperialismo, fase superior do capitalismo”,
como fator analítico das realidades periféricas.
Para os comunistas, o processo de expansão do capitalismo no mundo havia
atingido uma fase monopolista, utilizando os Estados nacionais como força beligerante
a serviço da burguesia dos países imperialistas. Até a Primeira Guerra Mundial, todos os
países haviam entrado neste sistema mundial, mas diferente do que imaginavam os
marxistas da 2ª Internacional, o capitalismo monopolista não levava à civilização, mas
apenas impunha aos países periféricos uma relação de submissão aos interesses
econômicos do imperialismo, que na maioria das vezes interrompia ou desorganizava
qualquer desenvolvimento nacional para dar lugar aos interesses específicos da
produção capitalista. Essa invasão imperialista se associava às classes dominantes
locais, ao invés de promover transformações sociais em direção a uma típica relação
capitalista de produção.
Del Roio subestima essa interpretação e denomina as análises das classes nos
países coloniais e semicoloniais como uma visão “dogmática e instrumentalista” (DEL
ROIO, 1990, p. 93). Mas, se nos aprofundarmos no sentido desse “europeísmo”,
percebemos que, ao menos em seu sentido pejorativo, denomina uma forma de
321
interpretar a história que reconhece haver na Europa superioridade. O que os comunistas
reconheciam não era uma superioridade europeia, mas a existência de relações desiguais
entre Estados, em que a Europa industrializada ocupava o centro de um sistema
produtivo global, enquanto que os outros Estados, independente do grau de autonomia
formal, estavam em uma relação de submissão.
Ao contrário de um “europeísmo”, o reconhecimento da questão econômica
como fator central de explicação das relações desiguais entre Estados negava qualquer
possibilidade de explicar o desenvolvimento industrial (e a capacidade técnica) de um
país a partir de preconceitos de raça ou cultura.
Mas, se para os que viviam na periferia do capitalismo era fácil identificar a
agressão imperialista, não era simples o reconhecimento da situação de submissão
política dos Estados periféricos. Uma das grandes controvérsias que existe na
bibliografia que tratou do movimento comunista esteve relacionada a questões derivadas
dessa perspectiva.
Podemos perceber até aqui que os anarquistas desenvolveram pouco acerca da
dominação imperialista e a questão colonial. Para eles, a burguesia era uma mesma
coisa, igualmente opressiva, e, do mesmo modo, o inimigo a ser abatido. Não há
diferenças entre latifundiários ou industriais. Todos são opressores inimigos dos
oprimidos.
Se na Europa industrializada essa formulação oferecia instrumentos de análise
da realidade, na própria Rússia a existência de uma burguesia em contradição com a
autocracia tzarista com aspirações liberais forçava debates mais complexos sobre o
papel dessa burguesia na Revolução, e, como já apontamos, foi tema da luta política que
dividiu bolcheviques e mencheviques no Partido Socialdemocrata Russo.
Ao assumir que existiam relações desiguais entre Estados e uma transformação
no capitalismo, para uma fase imperialista, admitia-se também que as classes em cada
país não se comportavam da mesma maneira, e o imperialismo europeu, depois também
o norte-americano e depois o japonês, tinha um papel fundamental no desenvolvimento
de cada país.
Muito se falou da uniformidade que a formulação da IC acabou impondo às
diversidades nacionais, com um modelo teórico rígido que ajudava na interpretação das
realidades nacionais. Nossa pesquisa tem demonstrado um sentido contrário. No VI
Congresso, definitivamente a IC se voltava aos países periféricos. Antes os comunistas
322
já haviam percebido a existência de setores não-proletários (camponeses pobres e
pequena burguesia, principalmente), que poderiam se tornar aliados do movimento
comunista na luta contra o imperialismo. Seguiram-se as teses do Problema Colonial do
II Congresso da IC, que já abria diversas questões que superavam a dicotomia
“burguesia x proletariado” para as realidades coloniais.
O VI Congresso da IC se debruçou sobre a questão colonial de maneira inédita, e
definiu alguns conceitos que serviriam de modelo analítico. A primeira questão é
reafirmar que o mundo se encontra dominado por Estados imperialistas, e essa
dominação gera dois tipos de relação colonial: as colônias e as semicolônias. Essa
divisão diz respeito tanto à dominação política quanto à econômica. As semicolônias
eram
politicamente
ou
formalmente
independentes,
embora
economicamente
dependentes. O VI Congresso não reconhecia a independência real denenhum país que
não estivesse entre os Estados sede do imperialismo.
Essa era uma premissa compartilhada por Lenin, como também por Mariátegui.
Em sua análise da ocupação do Ruhr, o Amauta peruano falava em situação
semicolonial imposta à Alemanha após a Guerra.
Essa relação imperialismo x periferia impunha um ordenamento das classes
sociais desses países e sobre essa composição de classes passava-se a debater as
políticas de cada PC em cada realidade específica.
A nosso ver, seria a partir desses debates acerca da composição de classes em
cada realidade nacional, e sua relação com o mundo, que se dariam as primeiras
interpretações marxistas das realidades não europeias, e seria nesse esteio que se
produziria uma tradição marxista no pensamento social latino-americano. Ao contrário
de “esquematismos” e abstrações teóricas, o VI Congresso da IC trouxe para os partidos
comunistas latino-americanos instrumentos teóricos preciosos, que superavam conceitos
ainda insuficientes, como “esquerda” e “direita”: Bukharin, em seu informe, questiona o
uso desses conceitos:
Operando com termos de esquerda, direita, etc. Podemos dizer que na
França e na Inglaterra se operou uma mudança à “esquerda” e na
China à direita. Devo contudo formular uma reserva: Não sou muito
afeito a esta terminologia. Convém pouco e não explica nada.
(BUKHARIN, 1976, p. 37).
E nesse sentido os comunistas já estavam substituindo os conceitos vagos de
323
“direita” e “esquerda”, para associar a uma classe, fração de classe e uma determinada
linha política que se expressasse em um programa. Não é por outro motivo que o
primeiro importante texto de Mao Tsé-Tung, Análise das Classes na Sociedade
Chinesa344, publicado em 1926, e, como seria corrente em outros lugares, os comunistas
procurariam identificar as classes em cada país, estabelecer um programa adequado às
forças de classe de cada realidade e identificar quais dessas forças poderiam estar ao
lado do proletariado, elaborando, assim, táticas que possibilitassem alianças efetivas e
programáticas do proletariado com as outras classes que nos países periféricos são a
imensa maioria, e sem as quais não haveria possibilidade de o proletariado (o Partido
Comunista) chegar ao poder. A classe social se define a partir desse referencial, e se
expressa no programa que cada partido defende e trabalha para aplicar na realidade345.
Após o informe de Bukharin sobre a situação internacional, em que expôs os
elementos que norteariam os debates, parte expostos acima, abre-se para que as
delegações pudessem intervir, e, entre os latino-americanos, Lacerda (Brasil), Carrillo
(México) e Sala (Uruguai) intervêm.
As primeiras frases de Lacerda foram discordando de parte do informe de
Bukharin, sobre a afirmativa de que o movimento comunista chegava pela primeira vez
na América Latina. “Camaradas, isso não é muito exato. Não é o movimento comunista
que chegou pela primeira vez na América Latina, é a Internacional Comunista que pela
primeira vez se interessou pelo movimento comunista na América Latina” (VI
CONGRESSO da IC, 1978, p. 82).
O próprio Lacerda, após a crítica, assinala o motivo que trazia importância para
a América Latina. Os EUA passavam a ter um papel central entre os países
imperialistas, e na América Latina seria o hinterland:
da mais poderosa burguesia do mundo. Todos os camaradas
assinalaram que os EUA governam hoje o mundo, mas desfruta dessa
supremacia em boa parte graças à base econômica da América Latina.
[...] O capital dos EUA investido na América Latina representa 46%
do total de capitais colocados no exterior. (Ibidem, p. 82).
344
MAO TSETUNG. Obras Escolhidas de Mao Tsetung, Tomo I, Pequim: 1975, p. 1-18. Disponível em:
<http://www.marxists.org/portugues/mao/1926/03/classes.htm>. Acesso em: 14 mar. 2014.
345
Bukharin, em seu informe, dizia: “Mas isto nos impõe a tarefa essencial de agrupar as massas a fim de
privar progressivamente o inimigo da possibilidade de destruir fisicamente nosso exército proletário [...]
exige do Partido abandonar a posição favorável à realização imediata da insurreição para adotar uma
preparação das massas”. (BUKHARIN, 1976, p. 38).
324
A intervenção do delegado mexicano, entre outras coisas, chamou a atenção para
a questão agrária.
É preciso dizer algo mais. Não podemos desencadear em nossos países
uma luta séria enquanto não tenhamos conseguido mobilizar as massas
camponesas. Temos milhões de camponeses pobres e de camponeses
sem terra para os quais a luta pela terra é o primeiro ponto na ordem do
dia do movimento revolucionário da América Latina.
E acrescenta um aspecto importante da realidade mexicana.
Nossos camponeses vivem em condições tão miseráveis, tem meios de
produção tão primitivos que é impossível considerá-los como uma
classe possuidora, como pequena burguesia; é uma massa numerosa
da qual milhões de indivíduos pertencem ao semiproletariado, que nós
devemos só neutralizar, senão converter em nossos aliados diretos.
Não existe um só país da América Latina, onde os camponeses não
constituem a grande maioria da população. Portanto a posição de
nosso partido a respeito do problema agrário e ao movimento
camponês é decisivo para a sua função na Revolução. (VI
CONGRESSO da IC, 1978, p. 84).
Carrillo ressaltaria também a importância da Liga Antimperialista na América
Latina e critica o Partido Comunista dos EUA por não formar a Liga Anti-imperialista
em seu país. Uma das questões combatidas na intervenção de Carrillo foi o “desvio de
direita”, ou seja, de que só apenas destruído o Imperialismo Norte-americano se poderia
conquistar o poder na América Latina.
Sobre a conjuntura mexicana, Carrillo já sabia do assassinato de Alvaro
Obregón, em julho de 1928. Para os mexicanos, esse assassinato abriria um novo
momento de Guerra Civil no país, e avaliavam que esses distúrbios tinham origem na
importância do México para o imperialismo norte-americano, e apenas “haverá uma
situação normal quando os operários e camponeses tenham tomado o poder” (VI
CONGRESSO da IC, 1978, p. 87).
Essa avaliação de Carrilo era o ponto alto das interpretações da situação política
mexicana elaborada até então pelo PCM. Da análise anarquizante, da simples divisão
entre opressores e oprimidos, o PCM havia passado a dividir a sociedade em outras
classes, com interesses distintos e papéis diferentes. Não apenas o proletariado era a
classe revolucionária, o campesinato adquiria importância central, e principalmente a
burguesia era vista a partir de frações e não apenas como uma só que se dividia em
caudilhos.
325
O que os comunistas mexicanos e de certa forma a própria internacional
comunista ainda não conheciam era a forma institucional que a estabilização política
geraria. Ao contrário do que previa o PCM, a morte de Obregón não simplificaria a
abertura de uma crise revolucionária mais aguda, mas o início da construção das
instituições do Estado pós-revolucionário mexicano, com o maximato, e depois através
do período cardenista, que cristalizará um modelo de Estado, surgido da crise do
sistema oligárquico, estruturado no sentido de conter, reprimir e cooptar os movimentos
populares, e na perspectiva comunista, com um sentido contrarrevolucionário.
A intervenção de Salas comunga do otimismo do informe de Carrillo, ao prever
situações revolucionárias no Brasil, na Venezuela e Colômbia,
às vésperas de uma revolução democrático-burguesa. [...] Se no
transcurso da Revolução, a classe e sua vanguarda, o Partido
Comunista, são capazes de assumir a hegemonia sobre o movimento
revolucionário, será possível transformar esta revolução democráticoburguesa em uma revolução operária e camponesa. (Ibidem, p. 88).
Na intervenção de Bukharin, fechando a sessão, ele reafirmou a importância da
questão camponesa na América do Sul (que, para a IC, muitas vezes era sinônimo de
América Latina):
Devemos dar uma atenção especial à questão camponesa também nos
países sul-americanos. Em quase todos os países da América do Sul há
uma estrutura específica de poder estatal (são os grandes proprietários
[tierrateniente no original], os possuidores dos latifúndios, os que
estão no poder nos países). Em uma parte desses países há latifúndios
que se encontram sob um regime misto de exploração capitalista e de
métodos feudais escravistas. (VI CONGRESSO da IC, 1978, p. 120).
E, após reafirmar a importância de se organizar os camponeses, Bukharin tratou
da polêmica em relação à formação de um Partido camponês para se organizar os
camponeses. Bukharin rebate essa ideia, a qual era fruto de como se via a frente única
desenvolvida a partir do V Congresso, que assinalava que cada classe estivesse
representada por um partido, e o PC era o representante do proletariado.
Estimular um partido camponês para organizar os camponeses era uma maneira
de gerar um organismo concorrente ao Partido Comunista, e por isso faria mais sentido
organizar os camponeses em sindicatos, sendo que esses sim iriam compor a frente
única.
O delegado mexicano Ramirez reafirma que se desenvolve uma guerra entre a
326
Inglaterra e os EUA, que seria repetido por Gonzalez, do Brasil.
Figura 78 - A revista Amauta publicou notícias do Plano Quinquenal soviético.
A Primeira Conferência Comunista Latino-Americana de Buenos Aires
A partir dessa conferência, embora não apenas como resultado dela, grande parte
dos PCs sofreram mudanças bruscas, tanto em suas diretrizes como entre os militantes
que compunham as direções partidárias. A ICCLA aconteceu em meio às mudanças do
“terceiro período” da Internacional Comunista e a chamada política de “classes contra
327
classes” definidas no VI Congresso da Internacional Comunista. Analisando os
documentos relativos à ICCLA e ao VI Congresso da IC (1928), tornou-se possível
constatar qual foi a dinâmica dos debates que orientaram a luta política nos PP CC da
América Latina. Esse “modelo” esteve associado aos conceitos de colônia, semicolônia,
feudalismo, economia nacional “deformada” pelo imperialismo, burguesia nacional,
entre outros. Imaginamos ser esse debate sobre o “problema de tática” a chave para
compreendermos como se expressou, no plano da interpretação teórica, a luta política
no interior das sessões nacionais da IC na América Latina logo após o ICCLA, e
também a dinâmica dos debates ocorridos nesse conclave.
Uma das teses mais conhecidas entre as que foram apresentadas na ICCLA, e
geralmente a única divulgada, foi o informe da delegação peruana escrito por José
Carlos Mariátegui (1994-1930) e Hugo Pesce346 (1900-1969) e intitulado “El Problema
de las Razas en America Latina”347. A ICCLA costuma figurar na historiografia a partir
de abordagens que trataram desse documento e, muitas vezes, esse texto é apresentado
como se tratasse de uma evidência das posições contraditórias entre a delegação
peruana, Mariátegui e as posições dos dirigentes da IC. Nessa perspectiva, a tese
peruana estaria em desacordo com a linha que a IC pretendia impor, ou, além,
apresentava elementos muito originais e “heterodoxos” em relação às teses em voga na
IC. Encontramos no que concerne à estrutura dessa tese peruana uma adesão explícita
às resoluções aprovadas no VI Congresso da IC, conforme demonstraremos adiante.
Utilizamos as transcrições dos debates e resoluções do VI Congresso da IC348,
349
; os números da Revista La Correspondência Sudamericana, publicados em 1929,
pelo Secretariado Sudamericano da Internacional Comunista (SSA da IC), em que
foram publicadas a convocação da ICCLA a “Ordem do Dia”, as teses que seriam
debatidas e, finalmente, as resoluções e atas taquigrafadas da ICCLA. Essas atas foram
346
O Médico Hugo Pesce teve participação importante no Partido Comunista do Peru entre os anos de
1928 e 1939. Em 1952, Pesce encontrou Ernesto “Che” Guevara quando o guerrilheiro argentino fez a sua
viagem juvenil pela selva peruana. (JEIFETS, Lazar; JEIFETS, Victor; HUBER, Peter. La Internacional
Comunista y América Latina, 1919-1943 – Diccionário Biográfico. Moscou/Genebra: Instituto de
Latinoamérica de la Academia de las Ciencias e Institut pour l’histoire du Communism, 2004, p. 259).
347
MARIÁTEGUI, José Carlos. Obras Completas. Lima: Minerva, 1994. Disponível em:
<http://www.patriaroja.org.pe/docs_adic/obras_mariategui/Ideologia%20y%20Politica/index.html>.
Acesso em: 25 abr. 2012.
348
Todos os documentos citados nessa comunicação, exceto a bibliografia e as resoluções e debates do V
e VI Congressos da IC que foram publicados pelas edições Pasado y Presente, estão disponíveis no portal
Memória Vermelha/Roja. Disponível em: <http://www.memoriavermelha.com>. Acesso em: 23 mar
2014.
349
VI CONGRESSO DE LA INTERNACIONAL COMUNISTA. Primera Parte. Cuadernos de Pasado y
Presente. México: Pasado y Presente, 1977. v. 66.
328
publicadas em formato de livro, que depois seria distribuído pelo SSA350 entre as seções
da IC na América Latina para serem estudadas e debatidas.
A América Latina na Revolução Mundial e o “Problema da Tática dos Partidos
Comunistas”
A particularidade da revolução latino-americana no VI Congresso da IC se
inscreve dentro do problema colonial e semicolonial. Ou seja, as revoluções nos países
latino-americanos não seguiam o modelo tradicional da revolução socialista (e
proletária) imaginada, por exemplo, para a Inglaterra ou para a Alemanha. Para os
países coloniais e semicoloniais, faltava um elemento fundamental, o proletariado.
Os revolucionários do Partido Comunista da União Soviética haviam enfrentado
essa questão, já que a Rússia não possuía um desenvolvimento clássico do capitalismo e
abundavam as relações servis e feudais de produção. A facção menchevique 351 do
Partido Social-democrata Russo, como outros marxistas da social-democracia europeia,
acreditavam que nos países periféricos seria necessário esperar o desenvolvimento de
uma revolução democrático-burguesa, que impulsionasse o capitalismo, para que as
condições de uma revolução socialista (e proletária) estivessem maduras. Essa
perspectiva imprimia na atividade do partido uma atitude passiva e reformista, já que
aos que lutavam pelo socialismo restava apenas esperar a burguesia fazer a sua
revolução e implantar um regime demo-liberal. Somente depois começaria a revolução
socialista. Lênin e os futuros fundadores da IC romperam com essa perspectiva
progressivista entre os marxistas.
A primeira revolução triunfaria na atrasada Rússia, mas a Internacional
Comunista continuaria mais atenta ao ocidente capitalista como vanguarda da
350
O Secretariado Sul-americano da Internacional Comunista foi fundado em fevereiro de 1925, com sede
em Buenos Aires, e a partir de 1930 foi transferido para Montevidéu até 1935. (JEIFETS, Lazar;
JEIFETS, Victor; HUBER, Peter. La Internacional Comunista y América Latina, 1919-1943 –
Diccionário Biográfico. Moscou/Genebra: Instituto de Latinoamérica de la Academia de las Ciencias e
Institut pour l’histoire du Communism, 2004, p. 27).
351
“Os mencheviques acreditavam que sua missão consistia em estruturar as ações da classe operária
russa de modo tal que as fizesse aceitáveis para a burguesia, enquanto consideravam esta como o único
fundamento possível de um futuro desenvolvimento do país, ainda subdesenvolvido. Por assim dizer, se
devia obrigar a burguesia a realização de seu próprio programa de classe. Com esta concepção os
mencheviques impediram o pleno desenvolvimento da Revolução de 1905 e naufragaram logo, quando
passada a Revolução de fevereiro, a burguesia se aliou a reação; é por esse motivo que a maioria da classe
operária seguiu a direção bolchevique.” (SCHILESINGLER, Rudolf. La Internacional Comunista y el
Problema Colonial. Cuadernos de Pasado y Presente, México, n. 52, Pasado y Presente, 1977, p. 37).
329
Revolução Proletária Mundial, até que a derrota das insurreições alemã e húngara e o
crescimento do movimento revolucionário na China impusessem o problema colonial de
forma significativa na estratégia da Revolução Mundial.
A América Latina demorou para surgir na pauta dos congressos da IC. Foi
apenas em 1926352 que o subcontinente passou a ser um ponto específico a ser tratado
pela direção da IC e, como outros países periféricos, foi tratado dentro do problema
colonial e semicolonial. A preocupação crescente do CEIC (Comitê Executivo da
Internacional Comunista) com a América Latina foi expressa organicamente com a
iniciativa de criar um Secretariado Sul-americano, que, com sede em um dos países da
região, no caso Buenos Aires, pudesse coordenar a atividade comunista e fortalecer os
laços dos jovens partidos comunistas com a direção da IC.
A partir do V Congresso da IC (1924) e principalmente após o VI Congresso
(1928), a realidade latino-americana foi sistematicamente enquadrada em um “modelo”
de análise da realidade colonial, na qual a interpretação das alianças da frente única (o
problema da tática) cumpre um papel-chave para compreendermos a política comunista
desse período.
Em primeiro lugar, era importante convencer os militantes comunistas latinoamericanos de que viviam em países coloniais ou semicoloniais dependentes (ou
dominados) pelo imperialismo inglês ou do norte-americano. Isso não era uma tarefa
difícil, já que pululavam evidências da influência inglesa ou norte-americana nos países
latino-americanos, e encontrar dados econômicos e políticos que comprovassem essa
situação foi ainda mais fácil. A Revista La Correspondência Sudamericana, órgão do
SSA (Secretariado Sul-americano da Internacional Comunista), apresentou diversos
desses dados. A própria invasão da Nicarágua e a situação de Cuba já eram fatos
imponentes para a comprovação da situação colonial ou semicolonial. A resistência
recaía sobre a situação de alguns casos específicos como o do México, que, pela
participação de elementos pequeno-burgueses com discurso nacionalista no governo
pós-revolucionário, pareciam praticar uma política soberana, embora todos destacassem
352
Carone cita a Reunião Ampliada do CE da IC de fevereiro e março de 1926 como uma das primeiras
manifestações de interesse da IC pela América Latina. (CARONE, Edgar. Classes Sociais e Movimento
Operário, São Paulo: Ática, 1989, p. 243). Na introdução do dicionário elaborado por Jeifets e Huber,
existe uma ressalva a esta datação de Carone, citando Mothes e partindo dos arquivos acessíveis desde
1992 em Moscou. Os autores afirmam que a preocupação da IC com a América Latina foi significativa
desde princípio da década de 1920. (JEIFETS, Lazar; JEIFETS, Victor; HUBER, Peter. La Internacional
Comunista y América Latina, 1919-1943 – Diccionário Biográfico, Moscou/Genebra: Instituto de
Latinoamérica de la Academia de las Ciencias e Institut pour l’histoire du Communism, 2004, p. 11-12).
330
a influência econômica dos EUA.
Antes de qualquer coisa, há uma questão preliminar de grande
importância, que quando nos encontramos com os companheiros
procedentes da América Latina, a primeira discussão que surge,
frequentemente muito viva, diz respeito ao caráter semicolonial da
América Latina. Em geral, em seu primeiro contato conosco, quando
lhes dizemos: a situação dos seus países é a de uma semicolônia, e em
consequência devemos considerar os problemas que lhes concerne
desde o ponto de vista de nossa tática colonial ou semicolonial, nossos
companheiros da América Latina se indignam e afirmam que seus
países são independentes, estão representados na Liga das Nações,
têm diplomatas, seus consulados, etc. Lembro-me das dificuldades
que tivemos com o representante do Partido Comunista de Cuba, isto
é, de uma das mais típicas colônias do imperialismo ianque: se opôs
tenazmente a nosso ponto de vista de que Cuba era uma semicolônia
dos Estados Unidos. (HUMBERT-DROZ, 1928, p. 301).
Definidos os países como coloniais e semicoloniais, a estratégia da Revolução
na América Latina passava também a ser enquadrada no rol das Revoluções
Democrático-Burguesas, e não entre as Revoluções Proletárias. A lógica era simples,
nos países imperialistas de desenvolvimento pleno do capitalismo e com um
proletariado numeroso, como a Inglaterra e a Alemanha, a Revolução seria proletária.
Nos países coloniais com um pequeno ou inexistente proletariado e com uma maioria
camponesa, a revolução seria democrático-burguesa, antifeudal e anti-imperialista.
Simples, mas precisava nortear a interpretação de uma realidade complexa.
A
caracterização
da
revolução
como
democrático-burguesa
foi
mal
compreendida e essa incompreensão dificultou o entendimento da dinâmica dos debates
comunistas por muitos autores que trataram da história dos comunistas nos países
coloniais. Os dirigentes da IC formulavam seus esquemas teóricos como forma de
tornar inteligíveis suas estratégias políticas em busca da Revolução Mundial. A partir
desses esquemas teóricos353, os generais comunistas movimentavam suas tropas, os
militantes buscavam alianças com os setores da sociedade e exaustivamente debatiam
nas inúmeras células a inserção dos militantes nos mais diversos movimentos sociais. O
debate sobre o “caráter da revolução” não se relacionava, portanto, a uma etapa
capitalista do progresso humano, mas à definição de um programa mínimo que pudesse
353
O debate sobre tática e revolução democrático-burguesa era tão importante que, após a conquista do
poder pelo Partido Comunista da China em 1949, a bandeira oficial da República Popular da China
representaria a frente única de classes revolucionárias nas cinco estrelas amarelas. A maior representa o
Partido Comunista da China que dirige a frente única revolucionária, e as outras quatro as classes que
compõem a frente única: os operários, os camponeses, a pequena burguesia e a burguesia nacional.
331
contemplar os interesses de classes não proletárias com as quais os comunistas
(representando o proletariado) pretendiam se aliar.
Humbert-Droz, o dirigente da IC na ICCLA, não opunha o caráter democráticoburguês ao socialista, mas via que na América Latina “a revolução democráticoburguesa não alcançará plenamente seus objetivos (distribuição de terras aos
camponeses, liberação do imperialismo) enquanto não se transforme em revolução
socialista sob a hegemonia do proletariado”.354 (VI CONGRESSO DE LA
INTERNCIONAL COMUNISTA, 1978, p. 315).
Não se tratava de colocar uma etapa capitalista antes da revolução socialista,
mas de construir um programa de frente única capaz de mobilizar as massas que
compunham a maioria da população nos países coloniais e semicoloniais: os
camponeses e parte da pequena burguesia ou da burguesia nacional355 em aliança com o
proletariado. As propostas de tese para a ICCLA foram publicadas para um debate
prévio em La Correspondência Sudamericana, nº 26, em maio de 1929, e definia o
programa democrático-burguês do governo de operários e camponeses com os seguintes
termos:
1) Expropriação sem indenização e nacionalização do subsolo.
Entrega da terra aos que trabalham para a sua exploração coletiva por
comunas agrícolas, onde existe a comunidade agrária e o trabalho
354
Durante esse Congresso, foi apresentada por Travin (Codinome de Serguei Ivanovich Gusev) uma
fórmula alternativa para a classificação do caráter da revolução na América Latina, questionando os
aspectos do sustentado por Droz. “Ao invés de aplicar a estes movimentos fórmulas já existentes, tais
como ‘revolução democrático-burguesa’, ou ‘revolução socialista’, melhor seria considerar esses
movimentos em seu verdadeiro aspecto. Mas qual é atualmente este aspecto? Em minha tese eu descrevo
circunstancialmente estes movimentos baseando-me na experiência da revolução mexicana. [...] esses
movimentos revolucionários começam como movimentos camponeses ‘democrático-burgueses’ para
obter terras, mas por causa das relações de classe existentes no interior desses países, por efeito também
do caráter colonial da América Latina, estes movimentos adquirem desde o início traços que não são
absolutamente democrático-burgueses, senão que os aproximam mais da revolução socialista. [...] me
limito a descrever o movimento tal como se produz. Se querem que lhe dê uma definição, lhes direi que
se trata de um ‘movimento espontâneo dos operários e camponeses, de natureza socialista’ [...] Já indiquei
que na América Latina não existirá propriedade privada. Muito pelo contrário, existem tradições bastante
fortes de comunismo primitivo na economia rural. Os camponeses mexicanos não procuravam repartir as
terras entre eles e transformá-la em propriedade privada: se apoderam da terra para transformá-la em
propriedade coletiva e cultivá-la em comum.” (VI CONGRESSO DE LA INTERNCIONAL
COMUNISTA. Informes y Discusiones. Cuadernos de Pasado y Presente, México, Pasado y Presente,
1978, p. 333. v. 67).
355
Em outros momentos na “frente única de classes revolucionárias” aparece a burguesia nacional. A
pequena burguesia pode fazer parte da burguesia nacional, ou aparecer separada. Isso dependeu de como
os comunistas viram a aliança com uma dessas classes. Se não acreditavam ser possível uma aliança com
a burguesia nacional, como nas resoluções do VI Congresso, a pequena burguesia aparecia como aliada e
a burguesia nacional como inimiga da revolução democrático-burguesa. Quando a burguesia nacional
apareceu como aliada do proletariado, a separação entre pequena burguesia e burguesia nacional não foi
necessária, e por muitas vezes a pequena burguesia apareceu como parte integrante da burguesia nacional.
332
coletivo do solo. Nas grandes plantações, nos latifúndios, entrega da
terra em usufruto aos camponeses, aos colonos, onde o trabalho da
terra se faça sob regime de trabalho individual. 2) Confiscação e
nacionalização das empresas estrangeiras (minas, transporte, empresas
industriais, bancos, etc.). 3) Anulação das dividas de Estado e de toda
forma de controle do país pelo imperialismo. 4) Jornada de 8 horas e
supressão das condições semiescravistas de trabalho, seguro social. 5)
Armamento dos camponeses e transformação do exército em uma
milícia operária e camponesa. 6) Abolição do poder dos grandes
latifundiários e da Igreja e organização do poder dos conselhos de
operários, camponeses e soldados. (LA CORRESPONDENCIA
SUDAMERICANA, 1929, ns. 12,13 e 14, p. 13).
Mesmo antes do VI Congresso da IC356, os comunistas latino-americanos se
esforçaram por construir frentes únicas, desde a experiência do Bloco Operário e
Camponês no Brasil até a participação na APRA (Aliança Popular Revolucionária
Americana) no Peru e no México. O PCM (Partido Comunista do México) participou da
formação da Liga Nacional Camponesa (LNC) e procurava aliar-se aos movimentos
radicais das mais diferentes matizes. A participação dos comunistas nessas organizações
frentistas e não necessariamente comunistas ampliaram o raio de influência política dos
militantes comunistas, comprovando o que parecia ser o acerto da caracterização da
Revolução na América Latina como democrático-burguesa, já que eram exatamente os
temas anti-imperialistas e da revolução agrária os que mais mobilizavam e mais
ampliavam a influencia dos PP CC. Mas a tática de frente única com as classes não
proletárias possuía um problema: o risco dos comunistas perderem o controle do
movimento. O PP CC aceitava demandas do programa antifeudal e anti-imperialista,
que seriam o programa democrático-burguês, conseguiam se aproximar da população
camponesa e de setores da pequena burguesia radicalizada. Por outro lado, precisavam
lutar para manter a hegemonia do proletariado, o que significava que a frente precisava
seguir a direção dos PP CC. Esse foi o problema enfrentado por Humbert-Droz e
Codovilla na ICCLA357: fazer com que os grupos comunistas e jovens PP CC
356
O caráter da revolução, se socialista ou democrático-burguesa, esteve intimamente ligado ao problema
da tática, a necessidade em se formar uma frente única. A frente única nasceu no “refluxo” do movimento
operário europeu, quando as derrotas dos comunistas alemães demonstraram o fim de uma onda
revolucionária aberta desde 1917 e que obrigava os comunistas a fazer alianças para resistir a
contrarrevolução. A frente única estava relacionada à necessidade de “ir às massas” e ampliar o raio de
influencia comunista, conforme as consignas do III Congresso da IC (1921). (LOS QUATRO
PRIMEIROS CONGRESSOS DE LA INTERNACIONAL COMUNISTA, Izquierda Revolucionária,
2008, p. 375 Disponível em: <www.marxismo.org>. Acesso em: 25 abr. 2012).
357
Como veremos mais adiante, Codovilla e Humbert-Droz, esse último um destacado dirigente da IC,
foram os responsáveis por convencer os PP CC latino-americanos das posições do VI Congresso da IC.
333
participassem dos movimentos de massas de seus países (particularmente entre os
camponeses e os pequeno-burgueses anti-imperialistas), ao mesmo tempo em que
garantiam a hegemonia comunista nas organizações populares e até no interior dos
próprios PP CC. Essa hegemonia era constantemente ameaçada pela influência de
elementos que os comunistas identificavam como pequeno-burgueses, como o líder
aprista Victor Raul Haya de La Torre (1895-1979) e o governador Adalberto Tejeda
(1883-1960), por exemplo. Como conclusão dos debates desse período, produziram-se
inúmeras rupturas. Em alguns momentos, essas rupturas se deram em meio a
organizações com influência real, e até armada, no movimento de massas. Foi o caso da
ruptura do PCM com a LNC e Úrsulo Galván. Em outras circunstâncias, o entendimento
da hegemonia do proletariado na frente única e a proletarização dos PP CC significaram
afastar os elementos de origem pequeno-burguesa das direções partidárias, colocando
em seus lugares militantes de origem operária. Esse foi o caso do PCB, onde quase toda
a direção partidária foi substituída358.
O Método de interpretação da realidade colonial e semicolonial para a América
Latina (1929)
A convocação da ICCLA foi feita para junho de 1929 e devia coincidir com a
Conferência Sindical Latino-americana, onde se reuniriam os delegados que
representavam as mais diversas organizações sindicais da América Latina para formar a
Central Sindical Latino-americana. Os comunistas dirigiam diretamente várias dessas
organizações e atuavam como fração comunista359 nessa frente sindical latinoamericana. Essa organização de frente única no continente estava projetada para
funcionar conforme o modelo aprovado pelo VI Congresso da IC, frente única pelas
bases360, agrupando organizações de massas e não partidos organizados. A Conferência
Carone explica a “política obrerista” que marcará o PCB nos anos posteriores a 1930 como
consequência da má interpretação do VI Congresso da IC. Como consequência, toda a direção partidária,
inclusive Astrojildo Pereira, será afastada. (CARONE, op. cit., p. 280).
359
Os comunistas, de forma organizada pelo PP CC, atuavam em bloco dentro dos sindicatos, ligas
camponesas, ligas anti-imperialistas e demais organizações que compunham a frente única. Esse grupo
partidário era denominado pelos comunistas como a fração vermelha ou fração comunista. Era através
desse grupo organizado que os comunistas procuravam a hegemonia na organização de massa.
360
Durante o VI Congresso da IC, foi debatido o tema frente única sob o impacto de derrotas importantes
para a atuação dos comunistas nestas frentes. Um desses fatos esteve ligado à vitória dos trabalhistas na
Inglaterra, mas, para os países coloniais e semicoloniais, o fato mais importante havia sido a perseguição
do Kuomitang ao Partido Comunista da China, sinalizando limites para as alianças com governos
358
334
Sindical Latino-Americana seria realizada em maio de 1929 e a ICCLA seria realizada
logo depois, em junho.
A ICCLA seguiria uma lógica clara, do geral ao particular, como era o costume
das reuniões da IC. Os temas da “Orden del dia” estavam divididos em nove tópicos,
começando pela situação internacional, indicando um informe de Victorio Codovilla. O
segundo ponto tratava da luta anti-imperialista e os problemas de tática dos PPCC da
América Latina. Por tática estava implícito o problema das alianças com outras classes,
a questão da frente única. Mas, para que não houvesse dúvidas, as linhas abaixo do
título do tópico explicavam o tema que seria tratado: “O caráter da Revolução; Bloco
Operário e Camponês; aliados do proletariado”. Dentre todos os tópicos citados, apenas
esse segundo ponto, que tratava dos “problemas de tática” aparecia com uma “nota
explicativa”. O tópico estava planejado para ser apresentado por Rodolfo J. Ghioldi do
Partido Comunista da Argentina, junto com dois coinformantes, um do México e outro
da Colômbia. Durante a ICCLA, o informe seria mudado e o tópico seria apresentado
por Humbert-Droz, sob o codinome de Luis, o mais experimentado dentre os
comunistas presentes. A mudança de informante e a “nota explicativa” demonstram a
importância que essa questão adquiria para os dirigentes da IC. Esses dois primeiros
tópicos, situação internacional e os problemas da tática, estruturaram a forma com que a
IC via a revolução na América Latina. Os outros tópicos estariam subordinados à lógica
apresentada nos dois primeiros e poderiam ser recheados pelas particularidades da
região e as peculiaridades do desenvolvimento político de cada país.
No terceiro tópico, aparecia a questão camponesa. A experiência camponesa
mais rica naquele momento havia sido indiscutivelmente a mexicana e o informe,
portanto, estava sob responsabilidade do PCM, com o Brasil e a Argentina como
coinformantes.
O quarto ponto foi incluído pouco antes, por solicitação de Humbert-Droz, e
trataria do “problema das raças na América Latina”. Como informante, aparecia o Peru;
Brasil e Cuba figuravam como coinformantes. Conforme as memórias de Eudócio
Ravines, que esteve em Moscou durante o ano de 1929, Humbert-Droz e até Zinoviev
pequeno-burgueses e nacionalistas. Desde o V Congresso, havia começado a surgir a tese da frente única
pelas bases, o que significava não fazer alianças com os líderes de outras correntes políticas e somente
permitir “massas” nos sindicatos em que os comunistas atuavam. Assim, as organizações de massas
estavam compostas por “massas” (trabalhadores sem partido) e a fração vermelha, o grupo comunista que
procurava manter a direção das organizações.
335
haviam manifestado muita simpatia por José Carlos Mariátegui361. É difícil afirmar até
que ponto o relato de Ravines foi verdadeiro, mas, pela importância que Humbert-Droz
dedicou a esse tema, é de se supor que apreciasse e tenha lido com interesse alguns
números da Revista Amauta que Mariátegui dirigia, e que tratava com importância
significativa o problema indígena na América Latina. Não é por outro motivo que
Mariátegui seria convidado, conforme carta enviada ao peruano por Codovilla362, para
elaborar um informe sobre a questão de raças na América Latina. Os outros dois
coinformantes, Brasil e Cuba, foram escolhidos por representarem outros dois países
onde a “questão de raças” se apresentava especialmente problemática, nesses dois
últimos casos em relação à questão negra.
Nos outros tópicos, apareciam: o trabalho da liga anti-imperialista, com informe
da delegação mexicana e coinforme da Argentina; depois a questão sindical, o
movimento da juventude comunista, questões de organização e, por último, o tópico IX,
trabalho do SSA com um informe de Victorio Codovilla.
Logo após a fundação da Confederação Sindical Latino-Americana em
Montevidéu, os vários representantes dos grupos e partidos comunistas latinoamericanos cruzaram o Rio da Prata e desembarcaram em Buenos Aires. Entre eles,
estava o conhecido fundador do muralismo mexicano, David Alfaro Siqueiros. Embora
não se conheça a identidade de todos os participantes da Conferência, os que
conhecemos indicam que os enviados para essa ICCLA eram jovens, como as
organizações que representavam. O delegado brasileiro, Leôncio Basbaum, líder da
delegação brasileira e responsável pelo coinforme sobre a “Questão de Raças na
América Latina” tinha apenas 21 anos363. A delegação peruana, com Julio Portocarrero e
o médico Hugo Pesce, possuíam ambos, menos de 30 anos e o próprio Codovilla tinha
35 anos. Embora jovens, muitos dos presentes já haviam organizado importantes
movimentos em seus países e traziam dessa experiência diversos elementos que seriam
debatidos ao longo dos 12 dias que durou a ICCLA.
361
RAVINES, Eudócio. La penetración Del Kremlin en Iberoamerica. México: Diana, 1981, p. 148-52.
Em uma carta de Victório Codovilla enviada a Mariátegui, datada em 29 de março de 1929, o dirigente
da SSA pedia para que Mariátegui participasse da Conferência e apresentasse um documento para o
debate sobre a situação indígena. (BECKER, Marc. “Mariátegui y el problema de las Razas en América
Latina”, Revista Andina, Lima, n. 35, jul. 2002, p. 201).
363
Basbaum, com 21, anos não era apenas o responsável pela delegação do PCB; ele também tinha a
missão de contatar Luis Carlos Prestes durante os dias que permaneceu em Buenos Aires, e assim
estabelecer parâmetros programáticos de unidade entre o PCB e a Coluna Prestes. O encontro entre
Prestes e Basbaum foi narrado em suas memórias. In: BASBAUM, Leôncio, uma vida em seis tempos.
São Paulo: Alfa Omega, 1976, p. 70.
362
336
Abertos os trabalhos da Conferência no dia 1° de junho, cantou-se a
Internacional e foram lembrados os comunistas assassinados, Júlio Mella e José
Guadalupe Rodríguez. Seguindo a linha do VI Congresso da IC e as teses publicadas em
La Correspondencia Sudamericana364, Codovilla apresentou, representando o SSA, uma
longa explicação sobre a situação internacional.
Em síntese, Codovilla explicaria que o capitalismo passava por um momento de
agravamento das contradições interimperialistas, fruto da crise de superprodução que a
“racionalização” (que conhecemos como fordismo) estaria provocando. A disputa
interimperialista por mercados e matéria-prima levava ao acirramento das contradições
que conduziam inevitavelmente à guerra. A importância da América Latina estava
exatamente em estar no centro de um dos cenários de disputa interimperialista, em que
se chocavam o imperialismo inglês e o norte-americano. Hoje nós sabemos que os EUA
e a Inglaterra não entraram em guerra na América Latina, mas também sabemos que a
influência inglesa foi gradativamente sendo substituída pelos capitais norte-americanos
durante a 1ª metade do século XX e, portanto, embora com prognósticos errados, os
dados apresentados nas publicações comunistas sobre a substituição da influência
inglesa pela norte-americana estavam corretos.
Expressões da iminência dessa “guerra inevitável entre os imperialistas norteamericanos e ingleses” se manifestavam no conflito entre Bolívia e Paraguai, na greve
bananeira na Colômbia, no conflito pela possessão do petróleo colombiano, nas ações
armadas no México, Nicarágua e as greves no Brasil, Argentina. (EL MOVIMIENTO...,
1929, p. 7-31)365.
O aprofundamento da disputa interimperialista criaria instabilidades políticas as
quais poderiam servir aos comunistas para organizar as frentes anti-imperialistas, que
transformariam a guerra imperialista em uma guerra civil revolucionária. O informe
insistia na inevitabilidade da guerra interimperialista e na necessidade de os comunistas
oporem-se à guerra, através da fórmula internacionalista utilizada na Primeira Guerra
pelos bolcheviques, em que o internacionalismo proletário sobrepõe-se ao nacionalismo
chauvinista.
Essa era uma tese facilmente aceita pelos presentes, exceto quando se tratava de
364
LA CORRESPONDENCIA SUDAMERICANA. Revista Quincenal editada por el Secretariado
Sudamericano de la Internacional Comunista, Buenos Aires, n. 9, maio 1929.
365
EL MOVIMIENTO REVOLUCIONARIO LATINO AMERICANO. Versiones de la Primera
Conferencia Comunista Latinoamericana. Buenos Aires: Editorial Sudan, 1929.
337
questões políticas objetivas como a questão de Tacna e Arica, em que a crítica aos
comunistas peruanos pela não intervenção junto a um plebiscito abriu um debate acerca
do significado deste fato para as massas peruanas. (Ibidem, p. 52).
Esse avanço do imperialismo norte-americano não gerava um desenvolvimento
ou representava uma força progressista, “senão que tem servido para deformar a vida
econômica destes países; não tem desenvolvido as relações capitalistas, mantendo a
exploração semifeudal e semiescravista das massas trabalhadoras”. (Ibidem, p. 21).
Essa parte é significativa, pois é o elo que liga a penetração imperialista com o
atraso das relações não capitalistas. É a partir dessa conclusão que o informe de
Codovilla irá definir o caráter da revolução como democrático-burguesa.
Revolução democrático-burguesa para mobilizar os camponeses
A frente única que na Europa tratava da aliança com outras organizações,
principalmente com os social-democratas, na América Latina estava relacionada,
objetivamente, ao nacionalismo revolucionário. Era nessa política de alianças que os
dirigentes da IC pretendiam intervir, já que diversas experiências de bloco de classes
haviam chegado a resultados negativos. No Brasil, o bloco havia conduzido a uma
política muito ampla que desviou em “parlamentarismo”, fazendo do Partido Comunista
um apêndice da frente única e não a sua força dirigente366.
No México, Úrsulo Galván, o principal líder dos camponeses e membros da
direção do PCM, era dragado pelo agrarismo e para a aliança com o governo de
Adalberto Tejeda em oposição ao Partido367. No Peru, a atuação dos comunistas na
APRA e a própria formulação de PSP (Partido Socialista Peruano), como organização
ampla e com características de frente de classes, não se adequavam à solução que o VI
Congresso havia encontrado para a frente única e o papel dirigente do Partido
366
Carone reproduz o balanço de Droz sobre os problemas do BOC (CARONE, op. cit. p. 272). Droz, em
seu informe, afirmaria que: “O perigo não é unicamente de uma degenerescência parlamentária da qual
temos tido manifestações evidentes no Brasil, mas, também, de uma transformação do Bloco em um
partido político ligado a esta degenerescência parlamentária e que se produzirá se o Partido Comunista
cessa sua ação própria, se limita a desenvolver-se como uma espécie de facção ilegal do Bloco”. (EL
MOVIMIENTO REVOLUCIONARIO LATINO AMERICANO. Versiones de la Primera Conferencia
Comunista Latinoamericana. Buenos Aires: Editorial Sudan, 1929, p. 101).
367
Enquanto ocorria a ICCLA, Úrsulo Galván rompia relações com o PCM e era oficialmente expulso da
Internacional Camponesa (Krestintern). (REINOSO, Irving. El Agrarismo Radical em México en la
Década de 20 – Ursulo Galván, Primo Tapia y José Guadalupe Rodríguez (Una Biografía Política).
México: Edição digital, 2009, p. 35).
338
Comunista na revolução.
A posição de Siqueiros é interessante, pois revela uma contrariedade pelo debate
teórico nos moldes que a direção da IC pretendia tratar.
Camaradas, considero que está exato o informe do companheiro
Codovilla, mas notam-se algumas falhas de detalhe, especialmente no
que se refere aos meios práticos de luta. Por isso quero colocar ante
todos os companheiros algumas questões para que de aqui deem as
resoluções para seguir lutando [...] necessitamos, companheiros, que
nos deem consignas práticas para combater com êxito contra o
inimigo [...] Devemos, então, tomar posição e elaborar uma tática
para extrair, por meio de planos concretos, todo o êxito possível
destes acontecimentos. (EL MOVIMIENTO..., 1929, p. 56).
A primeira intervenção de Siqueiros valorizou a ação revolucionária. De uma
forma sutil, ele criticou o debate analítico sobre o caráter da Revolução, as alianças de
classe e os esquemas táticos apresentados por Codovilla e Humbert-Droz. Para o
muralista mexicano, a tática que deveria ser aplicada pelo PCM estava relacionada à
ousadia e à objetividade e não a esquemas, que para ele soavam muito abstratos.
Siqueiros havia lutado durante a Revolução Mexicana de 1910 e era um ativo militante
sindical. Em sua avaliação, os motivos que explicavam a perseguição que Kuomitang
fazia contra os comunistas na China estavam relacionados à falta de iniciativa dos
militantes do Partido Comunista da China368. Essa era uma posição isolada e pessoal de
Siqueiros, mas revela que, embora houvesse inúmeras declarações confirmando um
acordo formal com a linha da IC, muitos dos presentes na ICCLA não dominavam
aqueles debates acerca da tática e do caráter da Revolução nos países coloniais e
semicoloniais. São importantes algumas ressalvas quando se trata de definir as
oposições à linha do VI Congresso, já que muitos podiam não compreender os
meandros do debate que a IC propunha e como ela analisava as realidades de cada país.
Siqueiros é um bom exemplo de como se desenvolvia o processo de convencimento e
ajuste dos delegados presentes nessas conferências e congressos em relação às diretrizes
mais gerais da IC. Ao longo dos debates, as intervenções de Siqueiros foram se
tornando mais ajustadas aos parâmetros que os dirigentes da IC tentavam imprimir e
suas intervenções foram mais analíticas e preocupadas em colocar os conceitos da
análise de classes nos fatos e perspectivas históricas.
368
Cf.: EL MOVIMIENTO REVOLUCIONARIO LATINOAMERICANO. Versiones de la Primera
Conferencia Comunista Latinoamericana. Buenos Aires: Editorial Sudan, 1929.
339
Siqueiros iniciaria sua apresentação sobre a “questão camponesa” com um fato
já exposto nas outras intervenções: o problema camponês não estava sendo tratado pelos
PP CC da América Latina. Esse era um problema bastante pertinente, já que PCs como o
do Brasil sequer podiam dizer que possuíam trabalho político entre os camponeses e o
próprio Basbaum em suas memórias, ao tratar da ICCLA, relembra esse problema.
Algumas coisas já sabíamos, não podíamos cogitar de “revolução
proletária”; era indispensável conquistar uma boa base entre os
camponeses e nem todos os que trabalhavam no campo eram
camponeses. No Brasil, por exemplo, tínhamos, sobretudo,
“trabalhadores agrícolas”. A aliança com os camponeses ou
trabalhadores agrícolas era indispensável e, no Brasil, mal tínhamos
olhado para eles, até agora. (BASBAUM, 1976, p. 69).
O Informe detalhava as classes do campo divididas em oito tópicos:
Latifundiários, La gran Hacienda, arrendatário, meeiros, camponeses pobres,
comunidades agrícolas, ejidos e a comunidade agrária mexicana. O latifundiário era o
remanescente do antigo sistema de exploração colonial, predominantemente feudal. O
informe comparava a Idade Média com o atraso que o latifúndio impunha. Mas o que
caracterizava o feudalismo eram as relações servis que teriam sobrevivido à
independência e vinham desde o período colonial espanhol, e não a semelhança com
outra realidade historicamente datada na Idade Média europeia369.
A tática de luta era a aplicação do programa democrático-burguês, ou seja:
A causa geral destes levantamentos em massa é a aspiração por terra e
dão o sangue para chegar a este estado [...] Considero necessário que
todos os Partidos penetrem nessa massa e que se agitem sempre
consignas ou reivindicações imediatas de acordo a cada situação
específica, mas sempre incluindo nelas, como ponto central, a entrega
das terras aos que nela trabalham. Esta é a consigna fundamental. (EL
MOVIMENTO... 1929, p. 234).
La Gran Hacienda é o termo utilizado para definir o tipo de estrutura produtiva
que estava crescendo na América Latina, quase que exclusivamente de capital
estrangeiro e vinculado diretamente ao mercado exterior. O informe chamava a atenção
Löwy defende a ideia de que existiu uma oposição entre uma linha “europeísta” e outra “latinoamericana” entre os primeiros comunistas da América Latina. Os “europeístas” estariam associados ao
“stalinismo” da IC pós-VI Congresso e à tese da revolução democrático-burguesa. O que justificaria o
qualificativo “europeísta” seria exatamente a incorporação de conceitos como feudalismo e
semifeudalismo, que fariam referência a uma realidade medieval europeia. No outro polo, entre os
“latino-americanos”, estariam Mariátegui e Mella. (LÖWY, 2006, p. 18-23).
369
340
para o fato de serem “verdadeiras empresas industrializadas” e citava a United Fruit na
Colômbia como exemplo. A penetração dessas empresas criava uma série de mudanças
e, como havia sido informado por Droz, ao invés de trazer o progresso e o
desenvolvimento para as economias latino-americanas, significava uma deformação das
economias latino-americanas.
Os trabalhadores dessas empresas eram muitas vezes assalariados e, portanto,
“operários agrícolas”, o que exigia que se colocasse na agitação e na propaganda
reivindicações típicas do movimento operário. Mas, por essas empresas recrutarem
trabalhadores entre os camponeses despojados de suas terras, as restituições das antigas
propriedades deveriam figurar nas consignas que pretendiam mobilizar os trabalhadores
deste setor. O informe de Droz via na relação entre o operário agrícola e sua antiga
situação de camponês pobre a consumação da aliança operário-camponesa na América
Latina.
A penetração imperialista, através das empresas, pressionava as relações de
propriedade da terra e estava diretamente ligada aos arrendatários “camponeses que
perderam” suas terras e necessitavam arrendar em “espécie ou em dinheiro (sic)”. (EL
MOVIMENTO..., 1929, p. 235).
O informe seguia analisando a categoria de “parceiros”, que seriam uma espécie
de assalariados agrícolas e geralmente pagavam metade da colheita ao patrão. A
categoria não está muito clara no informe e termina muito próxima da definição de
arrendatário, já que ele define como um tipo de “meeiro”. Parece uma confusão do
próprio Siqueiros, pois no informe de Droz as características dos operários agrícolas
eram principalmente receberem salários. Nas resoluções da ICCLA, as categorias
ficaram mais bem definidas: “há que entender por camponês o pequeno proprietário da
terra ou ao arrendatário, e por operário agrícola o assalariado em suas diversas formas,
não colocando este último na denominação de camponês, como se tem feito até o
presente”. (Ibidem, p. 235). Os camponeses estavam enquadrados não pela relação
salarial, mas em relação às formas de apropriação e arrendamento da terra. Por serem,
ou almejarem se tornar proprietários, os camponeses estavam sob disputa, ora tendiam
ao burguês, ora ao proletariado. Os proprietários mais pobres eram os aliados do
proletariado. Os operários agrícolas eram proletários e, portanto, não eram aliados, mas
a própria classe operária no meio rural. Por último, as comunidades indígenas, para as
quais Siqueiros chama a atenção pela pouca importância dada a essa categoria pelos PP
341
CC. Ele fala sobre a opressão do Governo Diaz contra os Yakes e a luta dos índios que
seguiram desde a conquista em defesa de suas terras. Chama a atenção para o papel
importante que as comunidades indígenas representaram para a Revolução democráticoburguesa no México370 (assim definiu a Revolução Mexicana de 1910).
Depois da intervenção de Siqueiros, seguiu o informe de Romo pelo PCA em
que detalhou as particularidades do campo argentino e uruguaio, com inúmeros dados
da penetração imperialista na indústria frigorífica, o histórico dessa penetração, a
produção de gado e o trabalho de propaganda no campo.
Após os informes, houve um debate em que ainda foram apresentadas algumas
particularidades para outras realidades, como no caso do Equador, com as categorias:
trabalhador arrendatário, semeador e pequeno produtor. Foi lida uma carta sobre a luta
dos camponeses guatemaltecos reprimidos e torturados barbaramente.
O outro delegado do PCM presente era um dos militantes da Liga de
Comunidades Agrárias de Veracruz, a mais importante base do agrarismo que esteve sob
influência comunista, e sua intervenção tratou de forma específica e breve dos
problemas que ele vivia imediatamente. Sua intervenção tratou da aplicação do artigo
23 da constituição mexicana, que dizia respeito à reforma agrária. Siqueiros ainda
interviria novamente para reforçar a importância da luta pela “devolução das terras
roubadas e confiscadas”. Essa era a reivindicação que havia mobilizado os camponeses
mexicanos durante a Revolução de 1910 e era parte importante do Plano de Ayala de
Emiliano Zapata.
A décima quarta seção, em que ocorreram os debates citados acima, terminou
com o problema dos imigrantes. Os trabalhadores chineses, ou mesmo de outros países
latino-americanos, como Haiti e Jamaica, estavam sendo usados como mão de obra
ainda mais barata fora de seus países. O governo mexicano, para “defender” os
trabalhadores nacionais, havia iniciado uma política de restrição aos imigrantes. Era
uma posição que encontrava apoio entre os trabalhadores mexicanos, mas os comunistas
370
Existiu uma posição minoritária sobre a caracterização da Revolução no México, expressa na
intervenção de Travin durante o VI Congresso, mas na ICCLA a caracterização aceita por todos os
participantes era a de que a Revolução Mexicana havia sido uma revolução democrático-burguesa, e
estava sendo dirigida pela pequena burguesia, que alternava entre os interesses nacionais aos interesses do
imperialismo. “O governo pequeno-burguês do México passa do nacional-reformismo ao nacionalfascismo.” (Ibidem, p. 22). A partir do Pleno do CC do PCM em julho de 1929, essa definição irá mudar e
a direção pequeno-burguesa do governo terá avançado para se tornar um governo fascista e servir ao
imperialismo. (Cf.: LA CORRESPONDENCIA SUDAMERICANA. Revista Quincenal editada por el
Secretariado Sudamericano de la Internacional Comunista, Buenos Aires, n. 21, 20 nov. 1929).
342
mantinham uma posição internacionalista e tentavam fazer oposição a tais medidas. Pela
dificuldade em se defender a posição internacionalista entre os trabalhadores
mexicanos, o tema ainda voltaria na próxima sessão sobre a questão de raças.
O problema das raças na América Latina na linha do VI Congresso da
Internacional Comunista
O tópico “O problema de raças na América Latina”, redigido por Hugo Pesce em
conjunto com José Carlos Mariátegui, tem sido o principal tópico explorado pela
historiografia que tratou da ICCAL.
Entre os diversos autores371 que exploraram esse tema, sobressaem-se as
interpretações que opõem o informe apresentado pela delegação peruana (e Mariátegui)
com a linha apresentada pelos representantes da IC, que tentavam aplicar as resoluções
do VI Congresso da IC na América Latina. Essas resoluções foram representadas pelos
informes de Codovilla e Humbert-Droz, embora todos os presentes na ICCLA tenham
recebido cópias das resoluções do VI Congresso e conheçam seu conteúdo.
Nossa análise dos documentos relativos à ICCAL não encontrou nenhuma
evidência dessa oposição. Encontramos evidências – se entendemos a lógica da
revolução democrático-burguesa conforme o VI Congresso da IC e o “problema tático”
– de que todos ali reunidos falavam da mesma coisa e através de uma mesma lógica. As
divergências foram pontuais e estiveram relacionadas à aplicação da linha do VI
Congresso para países coloniais e semicoloniais nas particularidades do continente.
Mariátegui, embora não tenha estado presente, conhecia as resoluções do VI Congresso,
como todos os delegados do conclave, e é de se imaginar que as tenha estudado para
escrever o informe de sua delegação. Esse fato é facilmente demonstrado quando lemos
o informe da delegação peruana em relação às resoluções do VI Congresso da IC.
Primeiro Hugo Pasce relaciona a questão de raças à situação feudal, retirando
qualquer possibilidade, em voga na época, de naturalizar as diferenças raciais em
explicações que não se originassem de uma situação econômica e social. Logo depois,
371
Vários autores opõem Mariátegui a IC. Entre os trabalhos em que se pode encontrar essa interpretação:
LÖWY, Michael (Org.). O Marxismo na América Latina: uma antologia de 1909 aos dias atuais.
Tradução de C. Schilling e Luís C. Borges. São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo, 1999; FLORES
GALINDO, Alberto. La agonia de Mariátegui. In:_______. Obras Completas. Lima: SUR, 1994; MARC
BECKER, Mariátegui y el problema de las razas en América Latina, Revista Andina, Lima, n. 35, jul.
2002, p. 191-22.
343
Pesce relaciona o problema da “inferioridade” de alguns povos com a necessidade dos
colonialistas e imperialistas de justificarem a sua dominação. E completa: “a exploração
dos indígenas na América Latina trata também de justificar-se com o pretexto de que
serve a redenção cultural e moral das raças oprimidas” (MOVIMENTO..., 1929, p.
163).
Como o informe de Siqueiros sobre a questão camponesa e os próprios
debatedores do VI Congresso, os peruanos rejeitaram a ideia do progressivismo e
analisaram a conquista e o domínio imperialista como um retrocesso. Nos Sete
Ensaios372, Mariátegui fala claramente que o feudalismo espanhol havia significado um
retrocesso, uma interrupção do desenvolvimento do Peru nativo. As teses apresentadas
por Codovilla e Humbert-Droz comungavam de uma perspectiva similar, e utilizavam a
palavra “deformação” para qualificar a penetração imperialista. Por “deformação”,
ficava implícita a ideia de que as economias nativas haviam sido interrompidas e
“deformadas” pela intervenção estrangeira, não sendo possível seguir pelo caminho
“clássico” que o capitalismo havia trilhado nos países da Europa Ocidental. A revolução
democrático-burguesa, dirigida pelo proletariado, fazia parte de um programa mínimo,
imediato, que mobilizaria as massas camponesas (e indígenas) em aliança com setores
radicalizados da pequena burguesia, para se alcançar o socialismo. Não eram duas
revoluções, mas uma que começava com reivindicações democrático-burguesas
(liquidação do feudalismo e libertação do imperialismo) e logo passava para as medidas
de transformação socialista373.
Alguns autores que trataram a obra de José Carlos Mariátegui confundiram a
perspectiva progressivista e o tratamento eurocêntrico que alguns membros da II
Internacional desenvolveram em relação ao tema colonial, com a tese da revolução
democrático-burguesa expressa pela Internacional Comunista374. Para esses autores, a
simples existência do termo feudalismo ou servidão automaticamente relaciona a uma
372
MARIÁTEGUI. Siete Ensayos de Interpretación de La Realidad Peruana. In: _______. Mariátegui
Total. Lima: Minerva, 1994.
373
Nas resoluções do VI Congresso da IC, estão publicados alguns fatores necessários para a transição da
fase democrático-burguesa para a socialista na revolução em países coloniais e semicoloniais: “A
transição da revolução à fase socialista requer a existência de um mínimo de pressupostos, como, por
exemplo, certo nível de desenvolvimento industrial do país, de desenvolvimento sindical do proletariado e
um forte PC” (VI CONGRESSO DE LA INTERNCIONAL COMUNISTA, 1977, p. 206).
374
Löwy cita na introdução de seu livro Marxismo na América Latina, que no final dos anos 20 as “teses
stalinistas”, “evolucionistas” e “etapistas” estavam começando a se disseminar na América Latina, e que,
por outro lado, Mariátegui “insistia implicitamente na fusão histórica entre as tarefas socialistas e
democráticas no Peru”. (LÖWY, 2006, p. 19).
344
perspectiva “etapista”, positivista e evolucionista da história, em que os modos de
produção seguem uma lógica simplista, rígida e estática, na sequência: escravismo,
feudalismo e capitalismo375.
Como Mariátegui, a IC chegava ao final da década de 1920 com a ideia de que o
imperialismo representava o atraso, aliava-se às classes mais retrógradas (o feudalismo)
dos países coloniais e semicoloniais, e “deformavam” o desenvolvimento das
sociedades periféricas com empresas (rurais ou urbanas) que, embora se relacionassem
com o mercado capitalista internacional, reproduziam formas de trabalho retrógradas,
servis e ainda mais opressivas que as existentes nas colônias antes da chegada dos
europeus. No informe de Siqueiros, anteriormente tratado neste texto, essas empresas
eram denominadas como a “Gran Hacienda” e foram tratadas sob a mesma lógica que a
delegação peruana.
No informe de Hugo Pesce, o problema indígena se relacionava ao problema
feudal do altiplano andino. “Chamamos problema indígena a exploração feudal dos
nativos na grande propriedade agrária.” (MOVIMENTO..., 1929, p. 267). Por ser a
questão racial e indígena um problema que se relacionava à condição de classe dos
camponeses (ou servos) da grande fazenda (gamonal) feudal, a solução estava pautada
pelo mesmo programa que atendia a questão camponesa, a revolução agrária (ou seja, a
liquidação do feudalismo), parte da revolução democrático-burguesa, nos moldes do IV
Congresso da IC. O papel importante que as comunidades indígenas poderiam cumprir
para avançar mais rapidamente ao socialismo é retirado do VI Congresso, segundo
Pesce.
O VI Congresso da IC tem assinalado uma vez mais a possibilidade,
para os povos de economia rudimentar, de iniciar diretamente uma
organização econômica coletiva, sem sofrer uma larga evolução pela
qual tem passado outros povos. Nós acreditamos que, entre as
populações “atrasadas”, nenhuma como a população indígena incásica
reúne condições tão favoráveis para que o comunismo agrário
primitivo, subsistente em estruturas concretas e em um profundo
espírito coletivista, se transforme, sob a hegemonia da classe
proletária, em uma das bases mais sólidas da sociedade coletivista
preconizada pelo comunismo marxista. (Ibidem, p. 279).
375
Para muitos autores, a equação constando: socialismo peruano revolução democrático-burguesa, Ayllu
andino e feudalismo gamonal foram imprecisões e resquícios de diversas influências, sem uma relação
plena e estrutural no pensamento de José Carlos Mariátegui. Esse tema precisa ser mais bem explorado
pela historiografia, já que existem muitas confusões acerca do que Mariátegui entendia por revolução
democrático-burguesa e revolução socialista.
345
O informe apresentado pela delegação peruana refletia também a luta política
que o grupo do Partido Socialista Peruano (futuro PCP) enfrentava no Peru. Por manter
muitos vínculos com intelectuais, participarem dos congressos indigenistas e terem se
originado em meio a APRA, o debate em torno da questão indígena precisava marcar
seu aspecto classista em oposição às soluções liberais, institucionais (filantrópicas,
como denominava Mariátegui) ou de valorização folclórica da cultura indígena. Esse era
um debate particular dos peruanos com os intelectuais democráticos de seu país.
Mariátegui insistia com a posição de que o problema dos índios, e também da população
negra que vivia na pobreza em outros países, era uma questão de classe, fruto da
opressão feudal e capitalista, sobre as classes trabalhadoras, que em determinadas
condições assumia aparência de raça. O informe seguia descrevendo e diferenciando o
problema de raças em algumas categorias, como índios “incásicos e astecas”,
“silvícolas”, “negros” e concluía afirmando que “os indígenas e negros estão, em sua
grande maioria, incluídos na classe dos operários e camponeses explorados, e formam
quase a totalidade da mesma.” (Ibidem, p. 269).
Não vamos tratar o conjunto dos informes em seus detalhes, que são muito
longos e estenderia demasiadamente este trabalho, mas cabe destacar que o restante do
tratou de uma análise histórica da formação do problema das raças no subcontinente,
detalhando a situação econômica dos indígenas negros e mestiços e o caráter desta luta.
Ao fim, conclui e aponta as tarefas para o movimento comunista latino-americano.
O informe destaca que a questão indígena se relaciona ao problema da terra e
que no caso das comunidades “os índios têm arraigado hábitos de cooperação, mesmo
que da propriedade
comunitária se passe
à propriedade individual”. (EL
MOVIMIENTO, 1929, p. 263). O destaque para o papel socializador das comunidades
indígenas não era uma novidade dos peruanos. A crença de que a prática comunal de
algumas populações camponesas e/ou indígenas podia ajudar e inspirar o socialismo
pode ser encontrada em Marx, Rosa Luxemburgo, Ricardo Flores Magón, mas também
no VI Congresso da IC, em que foi destacada essa possibilidade de se aproveitar as
tradições comunais na passagem da revolução democrático-burguesa ao socialismo376.
As resoluções da ICCLA destacaram a possibilidade de se aproveitar o espírito coletivo
dos camponeses e indígenas para a sociedade socialista.
376
A intervenção da delegação latino-americana e a de Humbert-Droz trataram do comunalismo agrário
dos camponeses e indígenas latino-americanos no VI Congresso. Cf.: VI CONGRESSO DE LA
INTERNCIONAL COMUNISTA, 1978.
346
[...] existe muito arraigado um hábito de trabalho e a repartição em
comum dos produtos. É essa, repetimos, uma condição favorável e
nossa propaganda deve encaminhar-se a estender o sentimento de
exploração coletiva todas às camadas camponesas, já que essa será a
forma que deverá influenciar a exploração agrícola dentro de um
regime proletário. (LA CORRESPONDENCIA SUDAMERICANA,
ago. 1929, p. 21).
O debate sobre o informe da delegação peruana levantou uma polêmica a partir
da intervenção de Peters, que enxergou na intervenção da delegação peruana uma
subestimação do aspecto nacional do problema das raças. Segundo algumas
interpretações, a intervenção de Peters representaria a posição da IC em relação à
questão de raças e estaria oposta uma posição peruana que teria visto o problema de
raças como um problema de classes.
Examinando os meandros do debate em relação às formulações que foram
aprovadas na ICCLA, podemos perceber que, embora a intervenção de Humbert-Droz
ressalte a importância deste debate sobre nacionalidade e classes no debate sobre as
raças, essa foi uma falsa polêmica, e, embora exista a posição de Peters, esta não
representava as resoluções da IC. Humbert-Droz, que representava na ICCLA o CEIC,
faria uma composição, afirmando que:
Camaradas, é a primeira vez que abordamos o problema de raças em
uma conferência da IC. Quando nossos delegados da América Latina
estiveram em Moscou, ao se discutir os problemas de seus respectivos
países, havíamos colocado sempre o problema das raças. Intuíamos,
na América Latina, um complicado problema das raças, e por isso
nosso interesse em nos documentar sobre suas características. Mas
quase todos os companheiros respondiam a nossas demandas com o
argumento sempre repetido, de que na América Latina não havia
conflitos de raça. [...] afirmando que nas repúblicas latino-americanas
não existiam os prejuízos raciais que se manifestavam nos Estados
Unidos e na África do Sul. [...] Os debates do Congresso Sindical de
Montevidéu, e, sobretudo, os desta Conferência, nos demonstraram
claramente, não só que existe na América Latina o problema de raças,
senão que é de uma extrema complexidade: intimamente ligado ao
problema social da terra, ao passado histórico da América Latina,
realizado sob a base de uma conquista violenta, da escravidão e da
servidão, do problema de idiomas e das diversas nacionalidades
indígenas das diferentes regiões, da existência de três raças e de um
número considerável de mestiços e de “criollos”, da pérfida política
do imperialismo que fomenta as debilidades entre as raças, para poder
explorar melhor. Existe então o problema social, o nacional e o racial
propriamente dito. (EL MOVIMIENTO, 1929, p. 311).
347
A posição dos peruanos não foi contra, por princípio, à luta dos indígenas por
sua autodeterminação, desde que estivessem dentro de um desenvolvimento histórico e
em uma real unidade nacional, que para eles não seria o caso dos indígenas da Sierra
peruana. (Ibidem, p. 313).
Por outro lado, não encontramos nas resoluções do VI Congresso da IC nenhuma
tese que aponte, categoricamente, para a questão indígena na América Latina como
questão nacional. Embora, como na questão negra nos EUA e na África do Sul, as
resoluções admitam que se lute por autodeterminação e até pela formação de um Estado
negro independente377.
O Informe de Hugo Pesce contou com adendos do delegado brasileiro (Leôncio
Basbaum), que reproduziu um erro comum entre os movimentos da esquerda brasileira
até a década de 1980: subestimar o racismo contra os negros como se tratasse de uma
questão de classe, apenas378. Humbert-Droz, percebendo as dificuldades em se
estabelecer uma linha clara para o problema de raças, sendo essa questão tratada pela
primeira vez nessa conferência, propôs que não se votasse uma resolução definitiva, e se
publicassem as teses em La Correspondência Sudamericana e assim continuassem o
debate.
A tese da delegação peruana foi publicada em La Correspondencia
Sudamericana379, e nas resoluções da ICLA foi elaborado um texto, assinado por Droz,
em que apresentava a questão de raças sem opor nenhuma das posições debatidas
durante a ICCLA. “Devido à carência de estudo prévio da maioria dos PCs sobre o
problema das raças, não foi possível elaborar uma tese de caráter continental com a
amplitude e precisão que tão fundamental problema requer.” A partir do pressuposto de
que o problema racial se assentava na condição semicolonial e feudal dos países latino377
Cf. VI CONGRESSO DE LA INTERNCIONAL COMUNISTA. Informes y Discusiones, Cuadernos
de Pasado y Presente. México: Pasado y Presente, 1978. v. 67; VI CONGRESSO DE LA
INTERNCIONAL COMUNISTA. Primera Parte. Cuadernos de Pasado y Presente. México: Pasado y
Presente, 1977. v. 66.
378
Essa subestimação sempre esteve fundamentada pela comparação com o racismo ostensivo
estadunidense ou sul-africano, em que existiam leis e medidas oficiais de segregação. De fato, no Brasil
não existiram desde a tardia “abolição” da escravidão, em 1888, leis de segregação. Mas todos nós,
brasileiros, sabemos que até que se popularizassem as leis antirracistas e que as manifestações de racismo
explícito fossem criminalizadas, já no século XXI, zeladores dos prédios das áreas nobres da cidade do
Rio de Janeiro indicavam o elevador de serviço aos negros, bem como foi comum xingarem negros com
palavras como macaco e coisas do gênero. Até hoje, o cabelo crespo dos negros é o “cabelo ruim” e segue
sendo alisado com agressivos produtos químicos baseados em formol.
379
LA CORRESPONDENCIA SUDAMERICANA. Revista Quincenal editada por el Secretariado
Sudamericano de la Internacional Comunista: Buenos Aires. nº 15, Ago 1929. Disponível em:
<www.memoriavermelha.com>. Acesso em: 25 fev. 2012.
348
americanos, seguia colocando o problema dentro da tática para os países coloniais e
semicoloniais:
Ao encarar este problema afirmamos o direito da raça indígena e
negra ao livre desenvolvimento de sua cultura racial própria; mas
afirmamos em primeiro lugar a necessidade de uma luta de
reivindicações econômicas, em particular, agrárias, e o dever que os
PP CC têm de orientá-la no sentido da luta de classes, a fim de que no
curso das revoluções democrático-burguesas massas indígenas ou
negras, camponesas e proletárias, lutem ao lado do proletariado
mestiço ou branco pela abolição da feudalidade, o abatimento total do
imperialismo e preparem o advento ao poder dos operários e
camponeses. (HUMBERT-DROZ, 1929, p. 26)380.
Como fica claro nessa síntese de Humbert-Droz, cumpre um papel-chave, para
compreendermos o debate dos comunistas, a lógica da tática de aliança com as classes
não proletárias para a revolução democrático-burguesa, e como os comunistas
imaginavam passar dessa fase à revolução socialista. Esse modelo é válido do final da
década de 1920, até pelo menos o início do período das frentes populares antifascistas
em meados da década de 1930.
Através dos debates sobre as alianças e as composições de classe que se
desenvolveram as lutas políticas do início da década de 1930, construíram-se as
organizações dirigidas pelos comunistas e se planejou a Revolução na América Latina.
Figura 79 - Capa do Jornal El Machete expondo a ruptura entre comunistas e Sandino.
380
HUMEBERT-DROZ, Jules. Proyecto de Tesis sobre el problema de las razas. LA
CORRESPONDENCIA SUDAMERICANA, Quincenal editada por el Secretariado Sudamericano de la
Internacional Comunista, 2ª época, Buenos Aires, n. 15, ago. 1929, p. 26.
349
Conclusão
Ao nosso ver, estudar o movimento comunista na América Latina, e
particularmente no Brasil, cumpre um sentido mais amplo que simplesmente apresentar
a história das organizações que fizeram parte da história dos países em questão. Estudar
o movimento comunista na década de 1920, a primeira década do marxismo-leninismo
no continente, quiçá, verdadeiramente a primeira década do próprio marxismo na
região, já que os grupos marxistas antes de 1917 foram efêmeros, e não produziram
análises das realidades nacionais importante, significa estudar as primeiras
interpretações marxistas das realidades latino-americanas381.
É inegável que o marxismo é o método de análise da realidade mais significativo
e influente do século XX, que, junto com o liberalismo, dominou todo a atmosfera
intelectual e política de nossa época. É impossível entender o século XX sem
minimamente compreender diversos conceitos e a própria metodologia que os marxistas
empregaram para compreender a realidade em que viveram. Os próprios livros de
história didáticos são tributários, em maior ou menor grau, a uma perspectiva marxista
da história.
Para o terceiro mundo, e particularmente para a América Latina, o marxismo
chegou após a agitação anarquista-sindicalista, e com todos os elementos que
fundamentam a utilização do termo marxismo-leninismo. Ou seja, o marxismo na
América Latina é o marxismo refundado pela experiência da Revolução Russa, é o
marxismo-leninismo.
Nosso trabalho procurou demonstrar como o marxismo-leninismo se construiu
na América Latina, e como os primeiros comunistas se apropriaram do método para
compreender as suas realidades.
Toda nossa pesquisa buscou colocar os homens com os seus nomes no contexto
das lutas políticas em que estavam inseridos, e dessa maneira, partindo dessa realidade,
como esses homens foram produzindo as primeiras interpretações marxistas da
realidade latino-americana.
A primeira tarefa que nosso trabalho de pesquisa buscou enfrentar foi elevar a
capacidade de acesso e controle das fontes, já que desde a primeira década do século
381
Temos pleno conhecimento da produção de Manuel Bonfim, de Juan Justo, ou mesmo de outros
socialistas latino-americanos, mas consideramos que, embora sejam considerados como primeiros
marxistas na América Latina, seus trabalhos não se perduraram ou influenciaram as gerações posteriores
em relação ao conteúdo, propriamente dito.
350
XXI ao menos, contamos com a possibilidade de digitalização e compartilhamento de
muitos materiais antes restritos às grandes empreitadas, financiadas com bolsas quase
inacessíveis para o pesquisador comum, ou bastante restritas. Buscamos dominar todo o
processo de digitalização, entramos em contato com diversos centros de memória
operária em diversos países. Fomos à Holanda, no Instituto de História Social, passamos
pela Rússia, ficamos vários meses no México, estivemos por três vezes no Peru,
particularmente na Casa Museu Mariátegui, e por diversos centros de memória operária
do Brasil, como o AMORJ, o CEDEM e o Arquivo Edgard Leuenroth em Campinas.
Com esse trabalho com as fontes, começamos a organizar as fontes cronologicamente e
por assunto, de forma que, a partir desse material, pudéssemos encontrar algum modelo
explicativo para tornar o contexto de produção das primeiras interpretações da realidade
latino-americana inteligível.
Inicialmente, Löwy, Aricó, Paris, Verdugo, Del Roio e outros autores conhecidos
por tratarem do tema Comunismo na América Latina figuraram como nossas principais
referências para a estruturação de um modelo que explicasse como se construíram as
primeiras interpretações marxistas da América Latina, centradas no Brasil, México e
especialmente no Peru de José Carlos Mariátegui. Obviamente, diversos textos desses
autores nos serviram de base para nos situar nas fontes, na cronologia e assim conseguir
organizar a imensidão de materiais que havíamos recolhido, e, ao longo do processo de
análise das fontes, diversas hipóteses foram se confirmando, outras, caindo por terra,
apontando dúvidas e questionamentos sobre os modelos explicativos utilizados pela
historiografia citada acima.
A primeira questão fundamental que nossa tese precisava resolver era explicar os
antecedentes dessas primeiras interpretações marxistas. Primeiramente, tentamos
encontrar a “originalidade”, particularmente de Mariátegui, em autores indigenistas, em
tradições camponesas, quéchuas, astecas, aimarás etc. O muralismo parecia conter esse
mesmo elemento cultural “original” que elevava a importância da obra de Mariátegui na
bibliografia consultada. Esse elemento “nativo” da América Latina era uma sedutora
explicação para as particularidades latino-americanas entre os primeiros marxistas da
década de 1920. Essa interpretação de Mariátegui, e também do muralismo, estava
muito na moda quando começamos a pesquisa, e nos debruçamos sobre a história
peruana e mexicana para encontrar os laços que uniam marxismo com tradições nativas.
Encontramos muito pouco, e as próprias propostas de análise nesse sentido não eram
351
consistentes em explicar a partir de um elemento cultural ou das tradições a
particularidade do marxismo latino-americano. Embora fosse possível perceber uma
estética indigenista nas ilustrações de Amauta, ou mesmo um conjunto simbólico
surgido com o agrarismo mexicano presente nas fotos de Tina Modotti, ou mesmo nos
murais de Diego Rivera, os elementos culturais não possibilitavam a construção de um
modelo explicativo para aquele conjunto de interpretações marxistas da realidade latinoamericana.
Uma das possibilidades que poderiam demonstrar um forte aspecto particular
latino-americano era um típico e resistente comunalismo latino-americano, o ayllu nos
Andes, e o ejido no México. Parecia estar aí o elemento de singularidade que uniria
essas primeiras interpretações marxistas da América Latina, e ambas as formas
comunais de organização dos camponeses tinham relações de hereditariedade com um
tipo de comunalismo pré-colombiano, que daria toda uma lógica antieurocêntrica para a
“heterodoxia” que Löwy, Paris, Aricó e Galindo tanto identificavam em Mariátegui.
Esse caminho latino-americano do marxismo era muito sedutor, uma possibilidade
muito estimulada pela nova “esquerda”, que na primeira década do século XXI crescia
na América do Sul e, particularmente, no Brasil, após a chegada do PT na presidência.
A tese do comunalismo tradicional já possuía alguns intérpretes que exploravam
o movimento revolucionário liderado por Zapata em Morelos, a partir da defesa da
comunidade, da propriedade ejidal, tradicional e indígena, como motivador da rebelião.
Womack (1999)382, um dos mais importantes autores que trataram do tema Zapata em
Morelos, inicia o seu livro com um trecho que nos indica a defesa do passado como
motivador inicial da rebelião.
Ao ler o conteúdo do livro, vai se percebendo que, embora Womack encontre na
situação política regional de Morelos o estopim da rebelião zapatista, seu texto está
longe de relacionar o zapatismo com os Calpullis ou com os Ejidos. Mas existiram
outros artigos, que embalados pelo que entendiam sobre o fenômeno zapatista em
Chiapas, relacionavam Emiliano Zapata com indigenismo, defesa da propriedade
comunal, o ejido383. Não era absolutamente falsa essa linha de explicação, já que o
próprio agrarismo mexicano oficial foi um grande promotor da ideia do ejido como
382
WOMACK JR., John. Zapata y la Revolución Mexicana. México DF: Siglo Veintiuno, 1999.
Uma informação pouco citada pelos que veem na questão agrária latino-americana um tradicionalismo
indígena e relacionam rebelião camponesa com herança indígena: o ejido é um termo espanhol, e não
mesoamericano, e, mesmo que ressignificado na América, a existência do termo demonstra que o
comunalismo foi comum durante o período medieval-moderno espanhol.
383
352
forma de propriedade camponesa revolucionária. No Peru, o retorno ao Império Inca
também animou muitas das lutas camponesas anteriores ao movimento comunista,
colocando a defesa da terra comunal, os indígenas e o Ayllu como um elemento muito
interessante para se pensar uma possível originalidade para as primeiras interpretações
do marxismo latino-americano, algo bastante “heterodoxo”, e que confrontado com as
teses exportadas da Europa valorizariam nossos primeiros marxistas latino-americanos,
trazendo à tona a origem do estupendo valor de suas teses, particularmente do Amauta
peruano, José Carlos Mariátegui.
Embora parecesse promissor encontrar uma prática “comunista” entre os
indígenas latino-americanos, e logo perceber que os primeiros marxistas do continente
se ligaram a essa tradição comunal como fonte de inspiração para as suas primeiras
interpretações marxistas da realidade latino-americana, as fontes negavam essa
premissa.
Quanto mais líamos e relíamos os textos “ortodoxos” do movimento comunista,
as orientações da Internacional Comunista, as interpretações que gradativamente foram
formuladas nos partidos comunistas, mais similaridades encontrávamos com os mais
“heterodoxos” marxistas latino-americanos, particularmente os agraristas vermelhos da
Liga Nacional Camponesa, os murais de Diego Rivera e Siqueiros, e, principalmente, a
obra de Mariátegui.
Cada vez mais nos parecia que a bibliografia em que estávamos nos baseando
estava mais envolvida em rechaçar o que ela imaginava como sendo a “ortodoxia
stalinista”, mais preocupada em opor Mariátegui, Rivera, Tina Modotti ou Julio Mella
aos “burocratas da Comintern” que em compreender o debate no movimento comunista
e o conteúdo teórico produzido por esses primeiros marxistas latino-americanos.
Enquanto avançávamos na pesquisa, tornava-se mais claro que existiam
pouquíssimos estudos comparativos entre duas ou mais seções da Internacional
Comunista. Cada autor estudava seu país, ou um país a sua escolha, e geralmente estava
envolvido com alguma posição na esquerda, que naturalmente o levava a realçar alguns
aspectos do processo de formação dos partidos comunistas latino-americanos384.
384
Verdugo (1985), por exemplo, foi dirigente durante anos do PCM, e ao final da década de 1970 o PCM
estava promovendo alianças amplas com os partidos que compunham o Estado mexicano. O seu livro,
História do comunismo mexicano, encontrava um aliado estratégico importante para os comunistas, que
ele denominava com o conceito de “democratas-revolucionários”, que agruparia, por exemplo, Adalberto
Tejeda, o governador de Veracruz, um dos motivos de ruptura entre Galván e a direção do PCM que
seguiu a linha da Internacional Comunista. Verdugo, antes de publicar esse livro, era secretário-geral do
353
Desse modo, nossa pesquisa se voltou novamente para o movimento comunista e
o modelo que se utilizava para explicar a sociedade latino-americana. Muitos artigos
simplesmente taxavam a “ortodoxia”, o “sectarismo”, o “positivismo” e o
“eurocentrismo” destas formulações, de modo que, sem se compreender exatamente a
lógica do modelo “stalinista” da Internacional Comunista, já se afastava qualquer
possibilidade de que houvesse uma relação entre teoria e prática comunista, e essa
relação fosse uma importante fonte para se explicar a dinâmica dos partidos comunistas.
Fazendo um caminho distinto da bibliografia mais conhecida e citada,
procuramos as fontes primárias mais básicas do movimento comunista, as teses e os
textos clássicos do marxismo-leninismo, os que eram divulgados na América Latina, as
resoluções, debates, análises e programas dos Congressos da IC e os documentos da IC
dirigidos aos partidos comunistas latino-americanos, entre 1919 e 1930.
Para a nossa surpresa, essas fontes haviam sido muito pouco exploradas com
seriedade. Ao começar a organizar a cronologia do movimento comunista, organizando
as lutas políticas, o significado dos conceitos e os fatos, diversos autores muito citados
erravam grosseiramente. Um bom exemplo é o tradicional conceito de burguesia
nacional, conceito fundamental no movimento comunista para explicar as táticas em
países periféricos. Não se pode citar uma declaração de Prestes em 1946 sobre a aliança
com a burguesia nacional e sua composição social e compará-la com a análise de
burguesia nacional que se fez durante a perseguição de comunistas em Shangai em
1927. Tanto a realidade nacional chinesa é diferente da brasileira como os contextos são
diferentes, e a própria Internacional Comunista fez diversas retificações ao longo do
tempo em relação ao conceito de burguesia nacional. Enfim, os conceitos são
dinâmicos e fazem parte de uma luta política circunscrita a determinadas situações. Se
não tratarmos com seriedade os debates do movimento comunista, corremos o risco de
enormes erros de anacronismo. E o anacronismo foi muito comum, particularmente
pelos autores que procuraram estudar o movimento comunista imbuídos de uma
motivação ideológica típica da época da Guerra Fria, e que tratava a atividade
comunista como espionagem russa. Não é por outro motivo que alguns autores, como
William Waack, denominem os comunistas como “agentes da Comintern”385 e sempre
PCM, e seria o líder do processo de dissolvição do Partido Comunista no Partido da Revolução
Democrática, legenda eleitoral formada pela chamada “ala esquerda” do Partido Revolucionário
Institucional, com outras organizações socialistas e o que havia sobrado do PCM.
385
William Wack escreveu um livro sobre o Levante de 1935, e participou do filme O Velho, que trata da
354
tratem a documentação disponibilizada nos Arquivos Russos como se tratassem de
segredos de um tipo de agência de espionagem, quando, na verdade, a Internacional
Comunista era mais um órgão de orientação ideológica, política e também,
naturalmente, de conspiração revolucionária. Mas, sem entender o debate políticoideológico no interior da IC, tende-se a cair em um jogo de “revelações” dos “arquivos
secretos”, que lembram mais os ufólogos em busca dos segredos dos Ovnis nos
arquivos da Cia que um trabalho histórico de investigação sobre o movimento
comunista.
O conceito de “stalinismo”, “stalinização” e até “staliniano”386 é utilizado sem
que se tenha a mínima preocupação em se definir exatamente ao que esse conceito se
refere, de modo que, com referência à URSS da década de 1980, tentou-se compreender
a “burocracia stalinista” do V Congresso da IC, em 1924. Em meio a tanta injúria, o
movimento comunista se torna algo tão caricaturesco que nem sequer merece uma
análise do debate que reuniu Congressos, plenos, milhares de reuniões e publicações.
Em meio a caricaturas, a lógica doutrinária produzida pela IC vai perdendo sentido para
qualquer pesquisador. Tudo se transforma em um simples “reducionismo-europeístatotalitário-positivista-stalinista”, que se resume em termos como “ortodoxia”. Ao fim, o
historiador desatento acaba sendo levado a supor que todos os debates da Internacional
Comunista, todos os conceitos e definições programáticas não passaram de instrumentos
bastante abstratos com que se dava a disputa pelo poder no Partido Comunista da
URSS. Ao fim, todos os debates serviam apenas para que Stalin e os “stalinistas”
manejassem os expurgos e os assassinatos dos líderes mais democráticos do movimento
comunista, até que a tirania e o totalitarismo dominassem todos os poros do movimento
vida de Luiz Carlos Prestes. Nesse documentário, ele utiliza a expressão “agentes” seguidamente, para se
referir aos comunistas. A Doutrina de Segurança Nacional criada pela Ditadura Militar no Brasil
costumou utilizar esse termo, “agentes” do comunismo, para justificar a repressão política. Waack foi
recentemente apontado em alguns cables publicados pelo Wikileeks como um contato importante do
governo dos EUA no Brasil. Ver: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro: 27 out. 2011. Disponível em:
<http://www.jb.com.br/informe-jb/noticias/2011/10/27/wikileaks-william-waack-da-globo-e-citado-tresvezes-como-informante-dos-eua.> Acesso em: 23 mar. 2014 e também SOUZA, Hugo. “WikiLeaks
mostra mídia brasileira a serviço do USA” In A Nova Democracia, ano X, nº80, Rio de Janeiro: ago 2011.
Disponível em <http://www.anovademocracia.com.br/no-80/3596-wikileaks-mostra-midia-brasileira-aservico-do-usa> Acesso em 27 mar. 2014,
386
Ricardo Antunes, em um artigo, utiliza o termo “staliniano”, junto com “stalinista”, sem apresentar
alguma justificativa para essa diferenciação. Supomos que stalinista se refira ao próprio Stalin, e
staliniano aos seus seguidores. Ver: ANTUNES, Ricardo. “Os comunistas no Brasil: as repercussões do
VI Congresso da Internacional Comunista e a Primeira inflexão stalinista no Partido Comunista do Brasil
(PCB)” In Cadernos do AEL, nº2, Campinas: 1995.
355
comunista. Essa perspectiva é tão forte na historiografia latino-americana que a
investigação sobre a lógica doutrinária do movimento comunista acabou ficando em um
plano secundário para qualquer modelo explicativo.
Nossa pesquisa foi gradativamente se libertando desse pressuposto de que havia
disputas pessoais que determinavam o debate no interior do movimento comunista, e
nos debruçamos cada vez mais sobre os modelos teóricos que os comunistas manejavam
em cada momento, levando a sério seu esforço de compreensão da realidade que
procuravam transformar. E, a cada vez que uma peça do quebra-cabeça ia se
encaixando, percebíamos que embora fosse uma peça grande, disponível entre as outras,
parecia esquecida em um canto pela historiografia que tratou do movimento comunista e
que dominava o tema nas universidades ocidentais desde a década de 1980.
Decidimos trilhar por um caminho que outros já haviam trilhado, mas um
caminho que desde a queda do muro de Berlin e o fim da URSS havia sido abandonado
pela historiografia. Não iríamos repetir qualquer história política limitada pela crítica à
propaganda soviética da década de 1980.
Logo no primeiro capítulo, introduzimos uma premissa um pouco diferente da
historiografia dos partidos comunistas do Brasil, Peru e México, ao negar qualquer
busca de hereditariedade entre o movimento comunista latino-americano e a 2ª
Internacional, ou, genericamente, o socialismo. Comparando os três países, ficou claro
que a hipótese muito repetida na historiografia brasileira, de que a formação do PCB
havia sido diferente da experiência de formação dos PCs em outros países latinoamericanos pela influência do anarquismo e do sindicalismo estava incompleta e não
explicava-se.
Os três países estudados haviam passado por uma experiência muito parecida em
relação à formação inicial do Partido Comunista. No Brasil, era claro que os primeiros
comunistas provinham de um movimento operário muito influenciado pela agitação
sindicalista e anarquista, bastante eclético, é verdade, mas não poderíamos afirmar que
os mais entusiasmados com a Revolução Russa provinham do movimento socialista.
Como afirma em suas memórias Everardo Dias387, diziam-se revolucionários, e, naquele
período, revolucionário era uma amálgama de influências da agitação anarquista, e não
socialista.
No Peru, os grandes animadores das lutas do movimento operário eram
387
DIAS, 1977, p. 34-5
356
anarquistas, muitos influenciados pelas ideias propagadas no jornal anarquista La
Protesta. No México, onde a estrutura inicial havia sido organizada a partir de um
Congresso Socialista, que havia sido convocado pelo Partido Socialista, tinha-se tudo
para apresentar um processo distinto do PCB e do PCP, ou seja, ao menos no México
haviam sido os socialistas que teriam criado o PCM.
Quando nos aprofundamos um pouco mais, percebemos que a dinâmica de
organização, mobilização e a forma com que receberam a Revolução Russa não tinha
nenhuma relação com o socialismo da 2ª Internacional, mas expressava as organizações
com as mesmas perspectivas que animavam os anarquistas fluminenses da COB, ou o
movimento operário de Lima. Foi então que passamos a compreender as diferenças
entre anarquistas (ou revolucionários, como se autodenominavam os ativistas da COB
no Rio de Janeiro) e os socialistas. E Aricó nos fornecia a explicação mais lúcida para
essa proeminência do anarquismo em detrimento do socialismo na América Latina.
Denominamos como “A hipótese de Aricó”, ou seja, a predominância do anarquismo se
explicava
pela
estrutura
oligárquica
dos
Estados
latino-americanos,
que,
impossibilitando qualquer acesso ou participação política das classes populares, acabava
favorecendo os anarquistas em detrimento dos reformistas no movimento operário,
particularmente em momentos de crise e entre os mais ativos trabalhadores. O
socialismo pré-leninista388 se limitou a uma parte da intelectualidade de maneira restrita
a uma atividade sociológica e quase limitada a um tipo acadêmico. Como doutrina
antioligárquica e moderna, prevaleceu desde o principio do século o liberalismo, e,
através dos imigrantes e do movimento operário, chegou-se ao anarquismo de
inspiração em autores como Kropotkin e Bakunin389.
A partir da primeira década do século XX, começam a aparecer importantes
rebeliões na América Latina, que foram tratadas com termos pejorativos pela
historiografia dominante (“milenaristas”, “fanáticos” etc.). Tratavam-se de rebeliões
rurais, geralmente de caráter local e guiadas por um apelo religioso forte. No Brasil,
foram guiadas por líderes religiosos, como Antônio Conselheiro (Canudos) e José Maria
(Contestado). Essas rebeliões rurais latino-americanas foram tratadas pela obra de Rui
388
Aqui nos referimos a realidade latino-americana. Dentro da 2ª Internacional existiam marxistas
revolucionários, como Rosa Luxemburgo e os que fundaram o KPD alemão, e particularmente os
bolcheviques.
389
É importante salientar que muitos anarquistas bakunisnistas e prodhonistas veem Kropotkin como um
anarquista revisionista e não consideram o anarco-sindicalismo como uma corrente genuinamente
anarquista.
357
Facó390 como uma resistência à desorganização social promovida a partir do impacto
econômico, fruto da expansão do imperialismo, ou seja, a exploração de produtos como
a borracha, madeira, café e a construção da infraestrutura necessária para o escoamento
dessas mercadorias. No Peru e no México, ocorreram rebeliões rurais similares, e foram
tratados como antimodernas, arcaicas e medievais pelos contemporâneos urbanos que
faziam oposição aos governos oligárquicos desde uma perspectiva liberal. Os
camponeses pobres latino-americanos não podiam encontrar alento nos críticos liberais,
já que o discurso dessa oposição costumava se relacionar mais à crítica à falta de
liberdades políticas que à transformação econômica da realidade de miséria dos
camponeses. Os liberais que trataram do problema agrário geralmente defendiam a
distribuição e o parcelamento das terras, ou o desenvolvimento técnico da produção
agrícola como solução para o problema agrário, e, no caso mexicano, havia sido a
própria legislação liberal utilizada para parcelar as propriedades tradicionais e favorecer
a concentração de terras391. A modernização da expansão do capitalismo europeu
chegou à América Latina desorganizando antigas formas de produção, legitimando-se a
partir do discurso do “moderno” e do “progresso”, e encubando rebeliões rurais que,
sem aliados entre os grupos marginalizados das cidades, se expressaram através de
símbolos e demandas “tradicionalistas”. No Brasil, Conselheiro defendeu a monarquia e
a Igreja contra a república, no Peru ressurgiu a busca pelo retorno dos Incas, e no
México os investimentos eram maiores e o Estado Oligárquico mais forte. A rebelião
camponesa somou diversas derrotas e repressões, até que explodisse na Revolução
Mexicana, tornando os pequenos camponeses ou sem-terras um elemento central na
situação política nacional, e no Estado pós-revolucionário.
Apoiamo-nos em diversos estudos que relacionam expansão imperialista
europeia e dos EUA com o Estado Oligárquico392 latino-americano, a desorganização do
campo e as rebeliões rurais “milenaristas”.
A partir do início do século XX, com o funcionamento das primeiras indústrias
latino-americanas, começa a formação dos primeiros núcleos da classe operária
390
FACÓ, Rui. Cangaceiros e Fanáticos. Gênese e lutas, Rio de Janeiro: UFRJ, 2009.
No caso do Estado de Morelos, o desenvolvimento da produção açucareira no período porfirista foi
detalhadamente estudado por Horácio Crespo, e nos fornece uma importante análise das transformações
econômicas dessa indústria, que somam-se a outras análises da situação política morelense, como a obra
de Woomack e Katz, que nos ajudam a explicar a rebelião zapatista a partir de 1910. Ver: CRESPO,
Horácio. Modernización y Conflicto Social. La Hacienda Azucarera em el Estaado de Morelos, 18801913. México: INEHRM, 2009.
392
Para a definição de Estado Oligárquico, entre outros, nos utilizamos de Cotler (2006) e Ansaldi (1992).
391
358
industrial nas principais cidades do subcontinente. Com o predomínio de trabalhadores
imigrantes, muitos italianos, espanhóis, portugueses, poloneses e alemães chegam
também, de maneira mais significativa, às ideologias que animavam a luta da classe
operária europeia. O anarquismo ganharia parte da intelectualidade marginalizada nas
repúblicas latino-americanas, potencializando a crítica e a agitação revolucionária em
meio aos diversos setores descontentes destas sociedades.
O proletariado latino-americano e urbano careceu de uma identidade regional,
como todo o movimento operário. Seria do encontro entre anarquismo e o movimento
camponês rebelado que surgiriam reflexões críticas acerca da realidade social no
México e no Peru. Nossa investigação acerca das primeiras reflexões acerca da
realidade mexicana e peruana a partir de uma crítica revolucionária do domínio
oligárquico chegou aos dois primeiros críticos da ordem oligárquica, Ricardo Flores
Magón, e, principalmente, Manuel González Prada, com o texto “Nuestros Indios”393.
Embora imbuídos de um internacionalismo característico da tradição anarquista,
foi a posição crítica radical desses dois anarquistas que possibilitou a primeira análise
moderna do problema indígena no Peru associado ao problema nacional, e o tratamento
do Estado Oligárquico e sua estrutura agrária como essenciais para a compreensão dos
problemas nacionais mexicanos.
No Brasil, os grupos anarquistas não tiveram nenhuma relação com as rebeliões
rurais; no caso do Contestado, que aconteceu já na década de 1910, sequer encontramos
alguma referência nos inúmeros periódicos do movimento operário. Em geral, o
movimento operário radical brasileiro, antes da década de 1930, desprezou o campo e os
camponeses, e sempre enxergou nessa população o atraso. Para um movimento
extremamente anticlerical, nada mais atrasado que o campo brasileiro. Essa visão
demoraria para ser superada.
As ideologias radicais modernas aparecem na cidade, mas logo alcançam a luta
camponesa e animam as rebeliões indígenas no Peru, bem como podem vincular-se, em
termos gerais, à combatividade zapatista, particularmente em relação ao seu
antiestatismo e autonomismo. Desenvolvemos essa ideia em relação à forma com que o
Exército Libertador do Sul se relacionou com as várias esferas do Estado, e com sua
desconfiança constante em relação ao poder, seu caráter corruptor e opressor.
Quando as primeiras notícias da Revolução Russa chegam à América Latina, são
393
No primeiro capítulo, apresentamos todas as referências desse texto e González Prada.
359
recebidas de forma muito parecida. Primeiro com uma desinformação interessada
através das agências de notícias europeias e norte-americanas, que noticiavam a queda
do Tzar como uma revolução de cunho liberal, muito elogiosa à figura de Kerenski, e
logo começaria a surgir o nome de Lenin, como um agente alemão. Por uma tradução
francesa da época, os bolcheviques serão conhecidos nos países de língua latina como
“maximalistas”, e começam a aparecer grupos e uniões de “maximalistas” por todas as
partes. No Brasil, embalados pela ideia da tomada do poder, os revolucionários da COB
que organizaram as greves de 1917, conspiram um “assalto ao poder”, que fracassa, e
muitos são presos.
A partir de 1921, os anarquistas vão se tornando cada vez mais críticos ao
governo bolchevique, forçando definições no movimento operário, separando
simpatizantes da Revolução Russa e críticos da ditadura do proletariado. Formam-se os
primeiros partidos comunistas, a partir das 21 condições definidas no II Congresso da
IC, as primeiras obras marxistas vão aparecendo no movimento operário, e o
movimento operário vai vivendo momentos de descenso, enquanto trava batalhas
ideológicas em torno de temas como “ditadura do proletariado”, participação no
parlamento, formação de partidos comunistas etc. A partir de 1922 e principalmente
1924, há uma abertura política da política da IC em direção à formação de frentes
únicas, que na América Latina iria se expressar não apenas na frente única no
movimento operário, mas também na frente única com setores não proletários,
principalmente os camponeses pobres e sem-terra e os setores médios da população
(intelectuais, profissionais liberais, pequenos comerciantes, funcionários públicos e
militares de baixa patente), que representavam a maioria da população na América
Latina.
Essa perspectiva frentista trazia para o jovem movimento comunista uma série
de questões que ampliavam o universo analítico que se propunham a entender, e
colocavam em uma perspectiva nacional a Revolução Social. Essa revolução não dizia
respeito apenas à luta entre oprimidos contra os opressores, mas precisava compreender
a realidade nacional, a composição das classes em cada realidade, as possibilidades de
aliança, a um programa mínimo (que depois seria denominado como tática394).
Em um primeiro momento, os primeiros comunistas latino-americanos se
394
Ao longo da década de 1920 os termos programa mínimo e programa máximo, se transformarão em
tática e estratégia. Ou seja, o programa mínimo seria a tática e o programa máximo a estratégia na
terminologia dos PCs.
360
preocuparam muito com a forma política das organizações que estavam criando. A
primeira medida de definição do PCB, por exemplo, foi criar um estatuto para
normatizar a vida do Partido. Mais tarde, com a superação do tradição anarquista de
seus militantes, seriam aprovados os primeiros programas, e desses programas surgiriam
as primeiras interpretações da história de cada país à luz do marxismo.
Como é conhecido na historiografia, os textos de Marx apareceram muito tarde
no Brasil, em português. A divulgação seria obra do próprio PCB. O Manifesto
Comunista seria traduzido apenas em 1924. No México, as obras marxistas em espanhol
estavam mais disponíveis, e o próprio Capital apareceria antes mesmo da virada do
século395.
De fato, o marxismo chegaria a partir da Revolução Russa, e seriam os próprios
militantes comunistas os principais divulgadores da literatura marxista na América
Latina e os primeiros a tentar utilizar o marxismo como método de análise da situação
nacional e internacional. Essas interpretações não seguiram a trajetória dos estudos
acadêmicos e foram sendo sistematizadas em meio à luta política que se dava no
movimento operário internacional e às lutas que a própria dinâmica de construção dos
grupos e partidos comunistas impunham. A luta por organizar o movimento comunista e
lidar com os movimentos de massas foi impondo temas, debates, rupturas e expulsões.
Em meio a essa tensa dinâmica política, que se desenvolve em um movimento de
agrupamento e rupturas, produziram-se algumas das primeiras sínteses de interpretação
das “particularidades latino-americanas”, e se analisou pela primeira vez a história
latino-americana sob o prisma do marxismo.
O segundo capítulo deste trabalho tratou destas interpretações da realidade
mexicana nos contextos em que elas foram produzidas, primeiramente as duas
principais experiências para além do proletariado no México, o movimento camponês
influenciado pelos comunistas, denominado como Agrarismo Rojo (Vermelho), e o
Movimento Muralista, a mais importante expressão artística modernista da América
Latina, ao menos no período anterior à Segunda Guerra. Com a atuação nas Ligas
395
A primeira tradução em espanhol do Primeiro volume do Capital de Marx data de 1886, por Pablo
Correa y Zafrilla, na Espanha. Essa tradução é pouco conhecida. Na América Latina, Juan Justo traduziria
o Capital para o espanhol, e essa versão seria mais comum durante muitos anos. Um artigo de Pedro
Ribas, “La primera tradicccion castellana de El Capital (1886-1887)”, esclarece a história do capital em
espanhol.
Disponível em:
<http://www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/24684955335572617422202/210290_0057.pdf>.
Acesso em: 27 fev. 2014.
361
Camponesas, os comunistas precisaram tratar o problema agrário de uma forma mais
detalhada; não seria apenas uma luta contra os opressores em aliança com os operários
da cidade. Os comunistas precisavam formular um programa para a questão camponesa,
e em meio aos primeiros governos pós-revolucionários. No México, a política
comunista para os camponeses era particularmente complexa.
Procuramos analisar os programas, contextualizá-los e explicar a dinâmica dos
comunistas em meio a Liga Nacional Camponesa, e assim apresentar como foram sendo
construídas as primeiras formulações marxistas acerca da realidade mexicana.
Foram produzidos muitos textos que tentaram definir a complexidade da
situação política nacional mexicana, mas não se produziu uma “obra síntese”, como
aconteceria no Peru, com Mariátegui.
Nesse sentido, foi criada a primeira interpretação artística modernista
diretamente influenciada pela interpretação marxista da história, com a obra de Diego
Rivera, na Secretaria de Educação Pública (SEP), entre os anos de 1923-1928, além das
pinturas na Universidade de Chapingo e parte do plano da Obra do Palácio do Governo.
A obra de outros muralistas, particularmente de Siqueiros e das irmãs Greenwood,
poderiam servir como importantes fontes para analisarmos a interpretação marxista da
história mexicana, mas foram produzidas na década de 1930, e por esse motivo nos
limitamos aos murais de Diego Rivera produzidos entre 1922 a 1930, corte temporal
deste trabalho.
No Brasil, os dois principais dirigentes do PCB nos anos 1920, Octávio Brandão
e Astrojildo Pereira, escreveram o programa do PCB para o II Congresso, em 1925, e
grande parte dessas teses foi sistematizada no livro de Octávio Brandão, Agrarismo e
Industrialismo, com diversas limitações em relação ao manejo dos conceitos marxistas,
reproduzindo superadas versões hegelianas da dialética marxista, mas o primeiro
esforço de interpretação marxista da realidade brasileira. Com essa tese do agrarismo e
industrialismo, o PCB começou a estabelecer as bases de sua aliança com os setores não
proletários, mas que lutavam contra o estado oligárquico brasileiro. Os comunistas
procurariam contato com o tenentismo, encontrando com Prestes por duas vezes antes
da chamada “Revolução” de 30, que seria o primeiro passo para a cooptação desse que
seria o principal líder comunista do Brasil, até ao menos a década de 1960.
A comparação do movimento comunista mexicano e peruano com o brasileiro é
interessante para demonstrar como o persistente obreirismo influenciou a direção
362
política do PCB, e como a aplicação de uma política de frente única com as classes não
proletárias havia sido tentada sem que um programa claro para o conjunto do país
pudesse colocar o PCB como uma alternativa para todas as classes marginalizadas pelo
Estado Oligárquico.
No Peru, procuramos compreender a trajetória de formação político-ideológica
de Mariátegui, que trouxe o marxismo-leninismo ao Peru e que nos anos 1920 é
responsável pela mais importante interpretação marxista da história de um país latinoamericano. Procuramos identificar o modelo interpretativo usado por Mariátegui em sua
mais importante obra, Siete Ensayos de interpretación de la realidad peruana,
publicado em 1928, e que pode ser considerada a primeira síntese elaborada pelo autor,
posteriormente desenvolvida em dois textos que foram enviados para a I Conferência
Comunista Latino-Americana, realizada em Buenos Aires, em 1929.
A partir desses três eixos que podem ser considerados as primeiras interpretações
marxistas no Brasil, no Peru e no México, estabelecemos algumas bases para
compreendermos o debate mais complexo, que se deu no final da década de 1920, e
marcou a intervenção mais efetiva da IC nas seções latino-americanas, e as rupturas que
essa intervenção derivou.
Esse processo foi, como já apontamos acima, simplificado com pejorativos
anticomunistas, ou sob a explicação “da burocracia stalinista”, e a lógica doutrinária,
minimizada, como se tratasse de uma simples imposição de esquemas e fórmulas
retiradas de uma realidade europeia (ou russa), aplicada de maneira dogmática e
mecânica, cheia de simplificações e imposições autoritárias.
Procuramos compreender o significado dos V e VI Congressos da IC no que se
refere à interpretação da realidade latino-americana, seu significado político, e desse
entendimento procuramos identificar a natureza das rupturas dos anos 1928-30. A
APRA de Haya de La Torre é o caso mais significativo, porque acabou tratando de
questões de fundo pouco elucidadas pela historiografia, particularmente no Brasil.
Confunde-se a tese de frente única com frente de partidos de “esquerda”, e frente com a
social-democracia (que era uma questão europeia). Por outro lado, mistura-se o
significado político do termo burguesia nacional antes de 1950, e depois, quando esse
termo serviu para justificar alianças com os mais variados governos. Tentamos retomar
as investigações que levavam a sério as polêmicas do movimento comunista, e
particularmente o impacto da traição de Chang Kai Chek, em 1927, para o movimento
363
comunista e a forma com que compreendia suas alianças com os revolucionários
nacionalistas dos países periféricos.
Nossa pesquisa buscou compreender a dinâmica dos debates em torno da
influência da IC, identificando o seu sentido e a forma com que cada seção latinoamericana estudada interpretou as “novidades” que chegavam pelos militantes latinoamericanos que desde 1927 participavam de encontros, congressos e eventos na URSS.
É inegável que houve uma transformação radical nos partidos comunistas de
todos os países a partir de 1929-30, que se consolidaria ao longo da década de 1930.
Como referência, tivemos o próprio projeto do movimento comunista, ou seja,
até que ponto o interferência da IC nos jovens PCs latino-americanos contribuíram com
o desenvolvimento da Revolução Proletária Mundial no continente, e até que ponto
significou uma política isolada, ineficaz e incorreta. Insistimos com essa referência, já
que o teor das análises existentes na bibliografia geralmente julga negativamente esse
período, mas muitas vezes esquece de determinar quais critérios estão sendo utilizados
para julgar a política da IC.
Deve-se colocar como referência a eficácia desses partido, o objetivos desses
comunistas, e não o projeto e a concepção política do autor que escreve a história dos
comunistas.
Pode parecer secundário, mas sem termos claro que os comunistas não
acreditavam na “democracia burguesa”, não tinham como objetivo a “aliança das
esquerdas”, e queriam conquistar o poder para implantar a ditadura do proletariado,
podemos estabelecer avaliações confusas acerca de diversos aspectos da História do
Movimento Comunista.
O que nos pareceu mais significativo em relação às dificuldades que os
comunistas encontraram em seu caminho por conquistar o poder, estabelecer a ditadura
do proletariado e colaborar com a Revolução Proletária Mundial – na seção nacional em
que atuavam os comunistas peruanos, brasileiros e mexicanos – foi não conseguirem
compreender a reestruturação dos Estados latino-americanos ao longo da década de
1920, no México, e ao longo das décadas de 1930, no Brasil e no Peru.
Desde o surgimento dos primeiros Partidos Comunista da região, até 1930, há
uma significativa mudança no Estado latino-americano e nas formas de organização da
dominação política e da representatividade. O Estado mexicano é o primeiro a sofrer
uma reestruturação, incorporando demandas populares, ao mesmo tempo em que os
364
caudilhos administravam o sistema de cooptação, corporativização e repressão,
consolidando o poder e a institucionalização.
Não foi raro, por isso, que os comunistas oscilassem, ora em uma política de
ruptura com o Estado, ora em uma política de participação nas eleições e aliança com
grupos das mais variadas matizes, a fim de ganhar espaço para a aplicação de um
programa socializante.
Toda conclusão de um trabalho, que nesse caso nos tomou quase 5 anos de
reflexões e pesquisas, deve não apenas apresentar uma explicação conclusiva do
assunto, mas também deve apontar para novas perguntas, e trazer novos desafios para
futuras pesquisas. A nosso ver, o que de mais intrigante pode surgir desta tese para
inspirar novas investigações é o problema da reestruturação dos Estados latinoamericanos a partir da década de 1920, e como os comunistas avaliaram a sua
composição de classe, as possibilidades de aliança e disputa da hegemonia, e
principalmente com quais ferramentas teóricas os marxistas contaram para compreender
a nova realidade política que se abria nesse início do século.
A Era Vargas, o Maximato e o Cardenismo, além do oncênio e os governo de
Sanchez Cerro e Benavides traziam novas formas de dominação política, novas
maneiras de lidar e controlar o movimento operário, e compreender essa nova realidade
política seria chave para os comunistas alcançarem êxito.
365
Cronologia396:
1914
Junho – Assassinato do arquiduque da Áustria Francisco Ferdinando, marcando o início da
Primeira Guerra Mundial
16-17/Julho – Fracassa a tentativa de unificação dos social-democratas russos em uma
conferência
1-3/Agosto – Início da Guerra entre Alemanha e Rússia, depois entre França e Alemanha
Outubro – Começo da Guerra nas trincheiras.
2/Dezembro – Liebknecht vota sozinho no Reichtag contra os créditos de guerra.
1915
Janeiro - Entrada de Pancho Villa e Emiliano Zapata na Cidade do México.
Fevereiro – Pacto de Veracruz, a Casa del Obrero Mundial cria os Batallones Rojos para
lutar ao lado dos constitucionalistas contra as tropas zapatistas.
10-13/fevereiro – Deputados Bolcheviques condenados ao exílio na Sibéria.
18/Fevereiro – Rosa Luxemburgo é presa.
28/Maio – Liebknecht distribui o panfleto “O inimigo está dentro de nosso país”
Julho – Marines ocupam o Haiti
5-8/Agosto – Conferência Socialista Internacional em Zimerwald
25-29/Dezembro – Congresso do PS Francês aprova a política de União Sagrada na Guerra
1917
5 de fevereiro – Aprovação da Constituição do México (artigos 3, 27 e 123 são de conteúdo
social inédito na América Latina)
8-12 de março – Choque nas ruas de Petrogrado entre operários e a polícia.
12 de março – Nasce o Soviete de Operários e Camponeses de Petrogrado.
15 de março - Abdicação do Tzar na Rússia.
16 de abril – Lenin retorna a Petrogrado e publica as Teses de Abril.
396
Essa cronologia foi composta a partir de outras cronologias encontradas na bibliografia, além da
pesquisa em fontes primárias. Entre as referências utilizadas, destacam-se: BROUÉ, Pierre. História da
Internacional Comunista (1919-1943), T.I e II, trad. Fernando Ferrone, São Paulo: Sundermann, 2007;
CARONE, Edgard. Movimento Operário no Brasil (1877-1944), São Paulo: Difel,1984; _____. Classes
Sociais e Movimento Operário, São Paulo: Ática, 1989; MARQUEZ FUENTES, Manuel e RODRÍGUEZ
ARAUJO, Octávio, El Partido Comunista (en el periodo de la Internacional Comunista 1919-1943),
México: Cabalito, 1973; MCKENZIE, Kermit E. Comintern and World Revolution, 1928-1943: The
Shaping of Doctrine, Columbia: University Press, 1964; MELGAR BAO, Ricardo. El Movimento Obrero
Latinoamericano – Historia de una Clase Subalterna, México: Alianza, 1988; MONIZ BANDEIRA, Luiz
Alberto. O Ano Vermelho, a Revolução Russa e seus reflexos no Brasil, Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira,1967; RAMA, Carlos. Historia del Movimiento Obrero y Social Latinoamericano
Contemporaneo, Barcelona: Laia, 1976; ROUILLON, Guillermo. La Creación Heroica de José Carlos
Mariátegui, 3 volumes, Lima: A. Picón, 1993; TAIBO II, Paco ignácio. Bolcheviques, una Historia
Narrativa del Origen del Comunismo en México. México: Ediciones B, 2008; VANDEN, Harry E.
Mariátegui, Influencias en su formación ideológica. Lima: Amauta, 1975.
366
6 de maio – EUA entra na Primeira Guerra Mundial.
10 de junho - Começa em São Paulo a grande greve de 1917. Ela nasce numa fábrica na
Mooca, espalha-se pela cidade e pelo Estado de São Paulo, e se estende depois pelos
principais centros industriais brasileiros.
16-17 de julho – Manifestação armada contra o Governo Provisório em Petrogrado, em favor
de “todo poder aos sovietes”
13 de agosto – Manifestações em Turim, Itália em solidariedade aos sovietes.
15-18 de agosto – Greve Geral na Espanha.
7 de setembro – Levante do General Kornilov.
22 de setembro – Os Bolcheviques tem maioria no soviete de Petrogrado.
25 de outubro – O Soviete de Petrogrado cria o seu Comitê Militar Revolucionário
7 de novembro – Insurreição dirigida pelo CMR, apoiado pelo Soviete de Petrogrado.
Revolucionários dirigidos pelos bolcheviques tomam o Palácio de Inverno e o Governo
Provisório foge.
8-16 de novembro – Decreto do governo revolucionário russo sobre a democratização do
acesso à terra.
26 de novembro – Decreto do governo revolucionário russo estabelece a jornada máxima de
8 horas e a criação de uma milícia operária (Guarda Vermelha).
27 de novembro – Aprovado no México a Lei de Juntas, Conciliação e Arbitragem.
28 de novembro – Declaração dos direitos do povos trabalhadores pelo governo
revolucionário russo.
7 de dezembro – Manifestação contra a guerra em Viena.
17 de dezembro – Assinatura dos tratados de armistício de Brest-Litovsk
30 de dezembro - Mariátegui publica um artigo no jornal El Tiempo criticando Luis Miro
Quesada por acusar os jornalistas do jornal de “bolchevismo”.
1918
1 de fevereiro – Alvarado é expulso da península de Yucatán.
14 de fevereiro – Emiliano Zapata escreve a carta sobre sua simpatia com a Revolução
Russa.
16 de março – Ricardo Flores Magón escreve sobre a Revolução Russa.
22 de março – Governador de Coahuila, México, patrocina o Congresso Operário que
posteriormente dará origem a CROM (Central Regional Obrera Mexicana).
12 de maio – Constituição do Partido Socialista de Yucatán, liderado por Felipe Carrillo
Puerto.
12 de maio – Em um Congresso Operário constitui-se a CROM. Adota-se a tática da Ação
Múltipla em oposição à ação direta anarquista. Eleito Luis N. Morones como secretário geral.
22 de Junho – José Carlos Mariátegui, Cesar Falcón e Félix Del Valle iniciam a publicação
da Revista Nuestra Época, de tendência socialista. Por causa de um artigo publicado nesta
revista Mariátegui será agredido por militares. O artigo era denominado: “Más tendências. O
dever do exército e o dever do Estado”.
22 de julho – Morre aos 70 anos Manuel Gonzalez Prada em Lima
367
11 de novembro – Armistício marca o final da Primeira Guerra Mundial.
13/novembro – Confederação Operária em Laredo, Texas, funda-se a COPA (Confederação
Operária Pan-americana), com a participação da CROM.
15 de novembro – Mariátegui ingressa no Comitê de Propaganda Socialista criado em Lima.
1919
15 de janeiro. – Morrem assassinados Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht.
24 de janeiro – Convocação para um Congresso de fundação de uma nova Internacional em
Moscou.
31 de janeiro – 70 mil grevistas em Glasgow pelas 40 horas
são atacados e vários saem feridos.
1º fevereiro – Abre-se a primeira Rabfak em Moscou (Universidade Operária aberta aos
trabalhadores).
02 de março – I Congresso da Internacional Comunista em Moscou.
9 de março – No Rio de Janeiro é criado um Partido Comunista do Brasil, diretamente
influenciado pela Revolução Russa, mas ainda sob uma perspectiva anarquista. Logo se
dissolve.
31 de março – Greve Geral na Região do Ruhr.
10 de abril – Emiliano Zapata é assassinado em Chinameca, Morelos.
10 de abril – Fundação do Partido Comunista da Holanda.
20-23 de abril – Fundação do Partido Comunista Iugoslavo.
1º de maio – Publicado o primeiro número da Revista La Internacional, periódico oficial da
Internacional Comunista.
1º de maio – Greve Geral na França reúne mais de 500 mil em Paris.
1º de maio – É lançado em Turim o jornal L’Ordine Nuovo.
1º de maio – Mariátegui se separa do Comitê de Propaganda Socialista, por seus membros
manifestarem a intenção de fundar um Partido Socialista e o filiarem a 2º Internacional.
4 de maio – Estudantes chineses fazem grandes manifestações contra os tratados e o
imperialismo.
5 de maio – Mariátegui após se retirar do jornal El Tiempo, publica, junto com Falcón, o
diário La Razón. O diário é publicado até 12 de agosto.
12 de maio. – Movimento de greve de professores do DF, México, é reprimido pelo governo
Carranza.
17 de maio. – Greve Geral em Tampico, México. Governo intervém e 4 operários morrem.
Os dirigentes são acusados de bolchevismo.
Junho – Criada a Organização Internacional do Trabalho na Liga das Nações Unidas (Essa
organização será formada por governos, empresários e empregados, sendo um dos pilares
para a forma com que os Estados pós-guerra lidaram com o movimento operário.
10 de junho – Álvaro Obregón declara-se candidato a presidência apoiado pelo Partido
Liberal Constitucionalista.
368
28 de junho – Assinatura do Tratado de Versalhes.
4 de julho – Augusto Lenguia depõe o Presidente José Pardo e inicia o seu governo, que
durará até 1930, período conhecido como Oncenio pela historiografia peruana.
21 de julho – O Partido Socialista Único da Hungria (comunistas e socialistas) conquista o
poder e cria a República Soviética da Hungria. O governo liderado por Bela Kun controla o
poder por 133 dias.
6 de agosto. – Pacto secreto entre Obregón e a CROM, selando o acordo entre sindicalistas e
o governo para as próximas eleições no México.
25 de agosto a 4 de setembro – Primeiro Congresso Nacional Socialista no DF, México.
31 de agosto – Fundação do Partido Comunista dos EUA.
7 de setembro – Linn A. Gale, funda separadamente do PNS o Partido Comunista do
México.
16 de setembro – Funda-se a Federação de Jovens Comunistas, México.
8 de outubro – Mariátegui embarca no porto de El Callao em direção a França, via Nova
Iorque com uma bolsa de estudos e adido cultural do Peru na Itália.
12 de outubro – Iudenitch, com tanques britânicos, chega as portas de Petrogrado para
derrubar o governo soviético. É barrado em 21 de outubro pelo exército vermelho a cerca de
15 km de Petrogrado.
13 de outubro – Denikin conrola Orel. Os comunistas retomam no dia 23 o controle da
região. E o exército de Denikin se retira.
13 de outubro – Fundação do Partido Comunista da Índia, em Tashkent, por N.M.Roy e
outros.
Outubro – Borodin chega ao México.
Novembro – Funda-se clandestinamente em Berlin a Internacional da Juventude Comunista,
e se constitui como secção da IC.
8 de novembro – Comunistas são executados em Budapeste.
14 de Novembro – Comunistas tomam o controle de Omsk
1º de novembro – Fundada em Porto Alegre a União Maximalista, que em 1921 se
transformou no Grupo Comunista de Porto Alegre.
24 de novembro. – A reunião do Partido Nacional Socialista no México resolve mudar o
nome para Partido Comunista Mexicano.
26 de novembro – É fuzilado o militar villista Felipe Ángeles, general revolucionário da
Divisão do Norte, divisão liderada por Pancho Villa durante a Revolução Mexicana. Ángeles
havia se declarado socialista.
8 de dezembro. – Fundado, por iniciativa do PCM, o Birô Latino-americano da IC.
Dezembro – Borodin retorna a Rússia.
20 de dezembro – Mariátegui, após permanecer alguns dias em Paris, onde se encontrou
com Henri Barbusse, seguiu para a Itália.
29 de dezembro – Luis N. Morones cria o Partido Laborista Mexicano e apoia a candidatura
de Obregón.
1920
Janeiro – Início de uma série de greves na Itália.
369
13 de janeiro – Manifestação operária no Reichtag alemão reivindica as leis sobre os
Conselhos Operários. 42 manifestantes são mortos.
Fevereiro – Greve de mineiros na África do Sul se coloca contra a discriminação racial.
Abril – Crise econômica nos EUA. Aumentaram as greves e a repressão.
Abril – Greve em Sonora, México reprimida por Carranza.
Abril – Voitinsky, Yang Mingzhai e Gogonovkin estabelecem contatos com Li Dazhao e
Chen Duxiu.
5-7 de abril – Greve Geral na Irlanda consegue a libertação de cem prisioneiros.
16 de abril – Fundação do Partido Comunista Operário Espanhol, em Madri.
23 de abril – Fundação do Partido Comunista da Indonésia.
23 de abril – Plano de Agua Prieta. Levante contra Carranza, em duas semanas de luta vence
o triunvirato de Sonora. (Obregón-De La Huerta-Calles).
25-30 de abril – Saudação ao proletariado russo e a III Internacional no 3º Congresso da
Confederação Operária Brasileira (COB)
5 de maio – Prisão dos anarquistas Sacco e Vanzetti.
8 de maio – Poloneses entram em Kiev, na Ucrânia. Retiram-se no dia 13 de junho.
20 de maio – Marinheiros britânicos descobrem armas e munição para a Polônia. Estivadores
entram em greve e inicia a campanha: Tirem as mãos da Rússia soviética!
20 de maio – Proclamada a República soviética da Pérsia, em Ghilan.
21 de maio – Carranza é assassinado em Tlaxcalatongo.
1º de junho – De la Huerta presidente interino até novembro. José Vasconcelos é designado
reitor da Universidade de México.
13 de junho. – Criado o Partido Nacional Agrarista, dirigido por Soto y Gama, Rodríguez
Gómez, Felipe Santibañez e Octávio Paz.
6 de junho – Wrangel lança uma ofensiva contra o governo soviético na Criméia, apoiado e
armado pelo exército francês.
22 de junho – Fundação do Partido Comunista iraniano. No dia 30 os iranianos se levantam
contra o domínio colonial inglês.
15 de julho – Fundação da Liga da Juventude Comunista na China.
17 de julho a 7 de agosto. – Segundo Congresso da IC (Petrogrado e Moscou)
28 de julho – Francisco Villa depõe as armas.
20 de agosto – Sun Yat Sen envia uma mensagem a Tchitcherin de apoio a Revolução Russa.
1º a 7 de setembro – Congresso dos Povos do Oriente, em Baku.
10 de setembro – Fundação do Partido Comunista Turco.
19 de setembro – Assembleia constitutiva da FCPM (Federación Comunista del Proletariado
Mexicano)
26 de setembro. – Manifestação na Cidade do México contra a carestia. Foi chamada pelos
jornais de “Manifestação Bolchevique”. Falaram ante o Presidente De La Huerta: Diaz Soto y
Gama, Carrillo Puerto (com palavras contra o governo e o clero) e Morones. Morones
chamou o povo para fazer barricadas na rua. Hastearam uma bandeira vermelha no Palácio
Nacional. A FCPM não participou, fez um ato à parte.
1º-14 de setembro – Ocupações de Fábrica pelos operários em greve na Itália.
Outubro – Mariátegui retorna a Roma após uma viagem pelas cidades italianas de Florença
370
(junho e julho), Gênova (agosto), Veneza (setembro)
12 de outubro – Armistício Russo-Polonês após derrota do Exército Vermelho na Polônia.
Novembro – Membros do Partido Socialista de Yucatán e das Ligas de Resistência tem
choques armados contra membros do PLC. Calles ordena a distribuição de armas às Ligas.
Vencem os socialistas. O PLC representava os latifundiários.
7 de novembro – O PCM comemora pela primeira vez o aniversário da Revolução Russa de
1917, no Teatro Hidalgo.
1º dezembro – Obregón assume a Presidência, e Adalberto Tejeda assume o governo de
Veracruz.
Dezembro – Chen Duxiu cria o Grupo Comunista de Shangai.
14 de dezembro – A derrota dos exércitos de Wrangel na Criméia marca o fim da Guerra
Civil na Rússia.
1921
Janeiro - Acontece na Cidade do México o 3º Congresso da COPA, no DF, México.
Recomendou-se a filiação na seção trabalhista da Liga das Nações.
1º de janeiro – Juan Escudeiro assume o governo de Acapulco, no México.
10 de janeiro – PCM ataca o Congresso da COPA no jornal Boletín Comunista.
15-20 de janeiro – Congresso Nacional do Partido Socialista Italiano em Livorno
21 de janeiro – Criação do Secretariado do Extremo Oriente na Internacional Comunista em
Irkutsk, para onde vai Zhang Tailei.
15 de fevereiro – Congresso Nacional Operário constituí a Confederação Geral dos
Trabalhadores no México
19 de fevereiro – Greve de ferroviários não é reconhecida pela CROM e a Federación de
Trabajadores de Fuerza Motriz abandona a CROM. Greve dirigida pela CGT e o PCM,
Obregón aceita as petições dos trabalhadores.
22 de fevereiro – É fundada a “segunda e meia Internacional” em Viena, com 11 Partidos
socialistas.
2 de março – Levante de Kronstadt. Terminará no dia 17.
05 de março – Obregón e organizações operárias solicitam a liberdade de Ricardo Flores
Magón, no Texas, a solicitação é negada.
8-16 de março – X Congresso do PCUS. Aprova-se a Nova Política Econômica e a proibição
de frações dentro do PCUS.
4 de abril – A CGT solicita ingresso na ISV, antes que ela estivesse organizada.
11 de abril – Katayama, em nome do CE da IC solicita a unificação dos Partidos Comunistas
no México
01 de abril – Um grupo de operários manifestantes içam a bandeira vermelha e preta na
catedral do México.
8 de maio – Fundação do Partido Comunista Romeno.
14-16 de maio - Fundação do Partido Comunista tcheco-eslovaco.
19 de maio – O Governo Obregón começa uma repressão contra as organizações de
esquerda, expulsando José Allen, Linn Gale e Katayama.
371
03 de junho – Se forma em Moscou a Internacional Sindical Vermelha: 380 delegados, 41
países, 17 milhões de operários representados. (para serem aceitos, os sindicatos deveriam
aceitar os seguintes princípios: luta de classes, necessidade da revolução social e da ditadura
do proletariado).
16 de junho – Obregón em reunião com o comitê internacional de banqueiros se compromete
a não aumentar o imposto sobre a exploração petroleira.
18 de junho – É assassinado o dirigente petroleiro, Bernardo Simoneen, em Manatítlan,
Veracruz.
22 de junho – III Congresso da IC, 605 delegados de 103 organizações de 52 países. Pelo
PCM foi Manuel Diaz Ramírez, que participou de uma reunião com Lenin. Não houve outros
delegados latino-americanos.
1º de julho – Fundação do Partido Comunista da China.
20 de julho – Segundo Congresso do Partido Socialista do Sureste, em Izamal, Yucatán.
Junta com o Partido Agrário de Campeche e concordam em pedir ingresso na IC.
1º de agosto – Fascistas na Itália de armas em punho lançam ofensiva contra grevistas e
incendeiam o jornal socialista Avanti.
10 de setembro – Primeiro Congresso da CGT, comunistas e anarquistas se enfrentam e o
Congresso vota pela não filiação na Internacional Sindical Vermelha. Os comunistas se
retiram. A CGT adere a AIT anarquista.
10 de outubro – Vasconcelos é nomeado Secretário de Educação Pública. A Universidade
Nacional do México, da qual era reitor, ficou como parte da SEP.
7 de novembro – Comemoração da Revolução Russa na Cidade do México. Diego Rivera
assiste esse evento.
7 de novembro – Fundação do Grupo Comunista do Rio de Janeiro.
22 de novembro – O congresso da União decretou um regramento sobre o problema agrário,
abandonando as expropriações de terra.
Dezembro – A Local Comunista de Veracruz publica o diário El Frente Único, sob a direção
de Manuel Almanza.
Dezembro – Congresso dos Povos do Oriente com 35 delegados chineses, em Irkutsk.
21- 31 de dezembro – Primeiro Congresso do PCM.
1922
Janeiro - O Grupo Comunista do Rio de Janeiro publica a Revista Movimento Comunista, o
primeiro periódico da imprensa comunista no Brasil.
1º de janeiro – Fundado o Grupo Comunista de Recife.
1º de fevereiro – Chega ao Governo de Yucatán, Felipe Carrillo Puerto.
13-17 de fevereiro – Início da Semana de Arte Moderna de São Paulo, evento que marca o
início da influência do movimento modernista no Brasil.
21 de fevereiro – Seção ampliada do CE da IC, participam mais de 100 pessoas de 36 países:
Palavra de ordem desta reunião: Impulsionar a frente única.
Março – Greve Geral inquinaria na Cidade do México, dirigida pelo PCM. Em Veracruz
Herón Proal teve um papel fundamental.
372
11 de março – O Palácio Municipal de Acapulco é tomado por tropas federais e Juan
Escudeiro é ferido gravemente.
22 de março – Herón Proal é encarcerado, a população de Veracruz o retira da prisão.
25 de março – É constituído no Rio de Janeiro, o Partido Comunista do Brasil (A reunião
que fundou o PCB, se iniciou em 25 de março no Rio de Janeiro, mas a partir do dia 26 e 27
foi realizada, clandestinamente, na cidade de Niterói, capital do antigo Estado da Guanabara.
O Rio de Janeiro era a capital federal). Abílio de Nequete é eleito secretário-geral.
Abril – Em Guadalajara é formada a Confederação Nacional Católica do Trabalho, e publica
o jornal La Paz Social.
3 de abril – Stalin se torna secretário geral do Partido Comunista Russo no XI Congresso do
Partido.
Maio – Herón Proal é preso novamente.
Maio – Mariátegui e Cesar Falcón, juntos a outros peruanos organizam uma célula comunista
em Gênova.
1º de maio - O PCM e a CGT organizam greves e atos. Os grevistas recebem tiros da
Associação Católica de Jovens Mexicanos.
21 de maio – A Segunda Internacional e a 2ª e 1/2 concordam em convocar uma Conferencia
geral sem os comunistas.
Junho – Acordos entre EUA e México, em que o México reconhece uma dívida externa e o
governo dos EUA reconhece o Governo Obregón.
Junho – Mariátegui deixa a Itália e viaja pela França (julho-agosto), Bélgica, Alemanha,
Áustria, Tchecoslováquia e Hungria (agosto até janeiro de 1923). O jornalista peruano
conhece Máximo Gorki em Saarow Ost, junto de Cesar Falcón e outros peruanos.
1º de junho – Congresso Pan-chinês do Trabalho, uma central sindical chinesa que reuniu
300 mil membros.
7 de junho – A CEIC decide, mesmo com o fracasso de acordos com os social-democratas, a
manter a posição de frente única.
5 de julho – Revolta do Forte de Copacabana (18 do Forte). Essa revolta marca o início do
movimento tenentista no Brasil.
6 de julho – Abílio de Nequete, preso em consequência da repressão desencadeada após a
Revolta do Forte de Copacabana, renuncia à secretaria geral do Partido Comunista do Brasil.
Astrojildo Pereira é eleito para substituí-lo como secretário-geral do PCB.
6 de julho – Matança em Veracruz devido à luta inquinaria. 150 mortos, 140 presos.
Agosto – Reunião do CC do PCCh decide pela adesão dos comunistas no Kuomitang.
1º de agosto – Manifestação do PCM em solidariedade com o movimento grevista de
ferroviários norte-americanos.
15 de setembro – Fundada a Universidade Obrera no México, com reitor Brito Foucher, e o
assessor Vicente Lombardo Toledano. Obregón será o “padrinho” da Universidade.
Outubro – Manifestação contra a prisão de vários operários têxteis, Celestino Gasca ,
membro da CROM dispara contra os manifestantes.
20 de outubro – Mussolini chega ao Poder em Roma, após o episódio conhecido como
“Marcha sobre Roma”.
1º de novembro – Mustafá Kemal proclama a República Turca
373
5 de novembro – IV Congresso da IC, 408 delegados, 66 partidos e 58 países, realizado em
Petrogrado e Moscou. Como delegados comparecem pelo México: Edgar Woog e o PCB
envia Antônio Canellas como seu representante. Sua atuação não é aprovada pela direção da
IC, e o PCB adere à IC apenas na condição de Partido simpatizante. Esse Congresso confirma
a orientação de que os comunistas deveriam promover a Frente Única.
8 de novembro – Greves em várias cidades mexicanas em favor da libertação de Ricardo
Flores Magón.
21 de novembro. Morre Ricardo Flores Magón na prisão norte-americana de Leavenworth.
Ele havia sido condenado a 20 anos de prisão em 1918, por sua oposição a Guerra
Imperialistas de 1914-18. O corpo de Magón é enterrado na Cidade do México, após
atravessar o território mexicano e ser homenageado pelos operários.
1923
Janeiro – PCM dirige a greve de motoristas do DF junto com a CGT. A CROM condena a
greve e organizou “esquiroles”. Celestino Gasca, Governador do DF enviou o exército para
reprimir o movimento.
Fevereiro – Úrsulo Galván e outros dirigentes camponeses são presos por forças federais e o
Governador Adalberto Tejeda os coloca em liberdade.
11 de fevereiro – Mariátegui embarca no navio Negada em Amberes em direção ao Peru, a
viagem duraria 34 dias, contando as paradas em portos intermediários. Chega
Março – Mariátegui viaja de regresso ao Peru
9 de março – Constitui-se a Agrupação Comunista de Havana, Cuba.
17 de março – Mariátegui chega ao porto de Callao, no Peru.
23 de março – Nasce a Liga de Comunidade Agrária do Estado de Veracruz, sob a direção de
Manuel Almanza e Úrsulo Galván, membros do PCM.
Abril – Mariátegui estabelece contato com Haya de La Torre e as Universidades Populares
González Prada, por intermédio de Fausto Posadas, antigo redator de assuntos operários do
jornal La Razón.
Abril – 2º Congresso do PCM. Rivera, Manuel Diaz Ramírez, Rosendo Gómez Lorenzo,
Úrsulo Galván e Carlos Palácios são os dirigentes eleitos.
Maio – Conferências de Bucareli, no México, que tiveram como resultado a redação da Lei
do Petróleo em benefício das empresas estrangeiras.
23 de maio – Manifestação em Lima contra a Consagração do Peru ao Coração de Jesus
(Essa consagração simbolizava um ataque do governo lenguista ao Estado laico)
1º de maio – Primeiro Congresso Nacional Agrarista, na Cidade do México. Obregón fez o
discurso final.
2 de maio – Tejeda publica a Lei do Inquilinato, como resultado da greve. Obregón foi
contra, mas a lei permaneceu até 1937. Os presos são soltos e o Sindicato de Inquilinos ganha
um outro local para funcionar.
Maio – É publicado o primeiro número da Revista Claridad no Peru.
16 de maio – Úrsulo Galván solicita armas para os ejidatários de Paso de Ovejas, que
necessitam se defender dos latifundiários e guardas brancas.
374
Junho – Lenin publica: “Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo”.
Junho – Mariátegui inicia suas exposições na Universidade Popular González Prada. Serão
18 Conferências, intituladas “História da Vida Mundial”. Terminarão em janeiro de 1924,
com uma última conferência dedicada a Lenin.
8 de junho – Golpe de Estado na Bulgária.
12 de junho – 3º Pleno ampliado da CEIC.
15 de junho – Mariátegui apresenta a Primeira de suas conferências sobre a “Crise Mundial”
Essas conferências foram organizadas em um tomo de suas obras populares.
Julho – reorganização do Comitê Nacional do PCM.
20 de julho – Francisco Pancho Villa morre crivado de balas em Hidalgo del Parral,
Chihuahua. Muitos atribuem o assassinato a Obregón.
26 de julho – Chang Kaichek vai para Moscou em uma estadia que durou seis meses.
9 de agosto – Se inicia a greve de trabalhadores eletricistas do Porto de Veracruz
30 de agosto – Greve na Escola Nacional Preparatória, onde os pintores faziam os primeiros
murais do movimento muralista.
31 de agosto – Os EUA reconhecem o Governo de Obregón, depois de assinados os tratados
de Bucareli.
Setembro – Mariátegui inicia sua coluna na Revista Variedades, sob o nome de “Figuras e
aspectos da Vida Mundial”
9 de setembro – O PCM declara que apoiará a candidatura que reúna a maioria das
corporações camponesas e operária.
12 de setembro – Polícia prende mais de 2 mil comunistas na Bulgária. Os comunistas
decidem organizar a insurreição e no dia 28 a resistência comunista é derrotada e o Comitê
Revolucionário atravessa a fronteira.
20 de setembro – A CROM, na V Conferência Nacional aprova uma resolução para a
expulsão de comunistas, por se tratarem de “elementos subordinados ao governo russo”.
2 de Outubro – Haya de La Torre é preso, e após uma greve de fome é deportado pelo
Governo Lenguia. Oscar Herrera assume a reitoria da UPGP, e Mariátegui a direção da
Revista Claridad, da órgão das UPGP. Após passar por Cuba, Haya de La Torre alcança a
Cidade do México
Outubro – Constituição da Internacional Camponesa. Úrsulo Galván participa como
delegado das Ligas de Comunidades Agrárias do Estado de Veracruz.
8 de outubro – O PC alemão convoca a população para substituir o poder do Reichtag, pelo
governo soviético alemão. São violentamente reprimidos.
10-16 de Outubro – Congresso de fundação da Internacional Sindical Vermelha (Profintern),
em Moscou.
23-24 de outubro – Insurreição em Hamburgo.
Novembro – Mariátegui e Félix Del Valle anunciam o lançamento de uma revista com o
nome de Vanguarda “Revista Semanal de Renovação Ideológica. Voz dos Novos Tempos”.
9 de novembro – Hitler fracassa no golpe em Munique.
12 de novembro – Diaz Ramírez convoca o PCM a recolher fundos para um periódico
oficial, que depois será El Machete.
Dezembro – Tem início a luta política entre Stalin e Trotsky no seio do PCUS.
375
06 de dezembro –Tem início a insurreição de Adolfo De la Huerta no porto de Veracruz.
Camponeses das Ligas organizam guerrilhas para combater às tropas delahuertistas. Os
delahuertistas assassinam muitos comunistas. Úrsulo Galvan chega de Moscou e lidera os
camponeses, morreram 7 mil homens nos combates.
21 de dezembro – Juan Escudeiro é assassinado por tropas delahuertistas.
1924
03 de janeiro – Morre assassinado Felipe Carrilllo Puerto por tropas delahuertistas.
16-18 de janeiro – XIII Conferência do PCUS condena a oposição de Trotsky.
21 de janeiro – Morre Lenin.
23 de janeiro – É assassinado o senador Field Jurado, e sequestrado os senadores Ildefonso
Vazquez, Francisco J. Trejo e Enrique Del Castillo, que se opunham a aprovação dos
Tratados de Bucarelli.
1 de fevereiro – EUA pressiona o Governo Obregón negando-lhe o fornecimento de armas
para combater os sublevados.
1º de fevereiro – A Grã-Bretanha reconhece a URSS.
20 de fevereiro – Manifesto do PCM: “Em direção ao governo Operário e Camponês”
15 de março – 1º número de El Machete, como órgão do Sindicato de Pintores e Escultores.
25 de abril – Conferencia do PCM, dura 6 dias. Com informes dos delegados da
Internacional Camponesa e da Internacional da Juventude Comunista. Publicado no El
Machete de 11 a 18 de setembro de 1924. nº13.
Maio – Mariátegui amputa a perna direita.
1º de maio – Manifestação de 100 mil em Shangai e 200 mil em Cantão.
1º de maio – Criação da Academia Militar de Whampoa, com instrutores soviéticos. O
diretor é Jiang Jieshi e Chu Enlai.
12 de maio - Úrsulo Galván é preso em Veracruz.
24 de maio – O PCM lança a acta do partido para fins eleitorais.
17 de junho – Início do V Congresso da IC, Moscou. Compareceram 504 delegados, de 49
Partidos Comunistas presentes. Terminou em 8 de julho.
5 de julho – Tem início um novo levante militar no Brasil, no mesmo dia que o primeiro
levante tenentista, em 5 de julho de 1922.
Julho – Pacto de solidariedade entre as Ligas de Michoacán, Veracruz, Morelos, etc.
23 de julho – Levante tenentista em Manaus.
4 de agosto – Obregón estabelece relações diplomáticas com a URSS.
Agosto – O PCM começa a organizar a Liga Antimperialista das Américas.
15 de agosto – Adalberto Tejeda recomenda Galván como o agrarista mais consciente e que
em 1923 havia sido o primeiro a iniciar a luta contra De la Huerta.
21 de agosto – Na ISV, em Moscou, o delegado mexicano reivindica uma publicação em
espanhol.
Setembro – Mariátegui começa a colaborar para a revista Mundial.
20 de outubro – Desembarca no porto de Veracruz o diplomata soviético, Stanslan
Petskovsky.
376
28 de outubro – Levante tenentista no Rio Grande do Sul, origem da Coluna Prestes que
atravessará o Brasil sem nenhuma derrota em batalha contra as forças do exército legalista.
Novembro – Segunda convenção da Liga de Comunidades e sindicatos agraristas de
Michoacán.
7 de novembro – Comemoração do Aniversário na Revolução Russa na ENP. Discursou Luis
Monzón, senador, por San Luis de Potosi, e membro do PCM.
27 de novembro – Publicado o primeiro Programa do PCM.
Dezembro – Congresso da CROM, Morones ataca os comunistas e os exclui do Congresso.
1º de dezembro – Calles assume a presidência até 30 de novembro de 1928.
1925
22 de fevereiro – Conferência do PCB, com delegados do Rio e Niterói. Discute-se a
organização das bases do Partido, particularmente nas fábricas. É aprovado a publicação de
um jornal pelo Partido.
Março – Kemal proíbe a imprensa comunista na Turquia.
Março – Começa a ser publicado o jornal da Liga Antimperialista das Américas El
Libertador.
10 de março – Inicia a atividade do banco de Crédito Ejidal no México.
Abril – Comunistas búlgaros são mortos, Chablin é queimado vivo.
Abril – Greve dos trabalhadores do salitre no Chile.
Abril – Organiza-se a Liga Antimperialista das Américas. Funcionará até 1929.
7 de abril – 3º Congresso Nacional do Partido Comunista Mexicano.
11 de abril – As tropas rebeldes do Rio Grande do Sul e São Paulo se juntam no Paraná,
dando início a Coluna Prestes.
Maio – Cria-se a Liga Católica de Defesa das Liberdades Religiosas.
1º de maio – É Lançado o jornal A Classe Operária, órgão oficial do Partido Comunista do
Brasil. A publicação será interrompida pela repressão em 18 de julho.
30 de maio – Manifestações na China após o assassinato de um operário. Doze estudantes
são mortos em Shangai. Início do “Movimento 30 de maio”
23 de junho – 52 mortos em Cantão. Greve de Boicote Cantão-Hong Kong..
25 de julho – Reunião da célula da APRA em Paris. Com César Vallejo, Felipe Cossío del
Pomar, os irmãos Rozas (Gregorio y Wilfredo) e os irmãos González Willis (Rafael y
Alfredo), entre outros.
29 de junho – Bertran Wolfe, militante do PCM, é expulso do México.
1º de agosto – O dirigente comunista egípcio, Antun Marun, morre em uma greve de fome no
Egito.
16 de agosto – Funda-se o Partido Comunista de Cuba. Havia 7500 comunistas na América
Latina. Julio Mella é detido e torturado pela ditadura cubana.
1º de setembro – Calles decreta uma Lei Agrária que divide os ejidos entre os camponeses,
entregando-lhes a propriedade individual da terra.
10 de setembro – Reza Khan assume o poder no Irã e ataca o movimento operário.
25 de setembro – Julio Mella é expulso da Universidade.
377
18-31 de outubro – XIV Congresso do PCUS.
27 de novembro – Julio Mella é preso em Cuba e inicia uma greve de fome que durará 16
dias, sendo liberado, mas expulso de Cuba em 13 de dezembro.
1926
Janeiro – O PCB lança a Revista Proletária, órgão teórico do Partido.
7 de janeiro – Arcebispo do México, Mora Del Rio, declara que empreenderá uma campanha
contra qualquer intenção de aplicar artigos constitucionais lesivos aos interesses da igreja.
Fevereiro – Chega como exilado político ao México, Julio Antonio Mella, com 23 anos.
7 de fevereiro - VI Pleno Ampliado da IC. Ser afirma a tática de Frente Única.
Abril – Aparece o livro de Octávio Brandão, Agrarismo e industrialismo, sob o pseudônimo
de Fritz Mayer.
27 de Abril – O dirigente Camponês de Michoacán Primo Tápia é assassinado.
4 de maio – Greve geral na Inglaterra. Chegaram a participar do movimento, 4 milhões de
operários.
12 de maio – Golpe de Pilsudski, na Polônia.
21-27 de maio – VI Congresso do PCM.
3 de junho – Camponeses das Ligas de Comunidades Agrárias do Estado de Veracruz são
baleados e mortos em Paso Bobo, Veracruz.
14 de junho – Calles aprova uma Lei Anticlerical.
20 de junho – Julio Mella, Olivia Zaldívar, Susana González, Rosálio Blackwell e Carlos
Becerra são presos em uma manifestação pela Liberdade de Sacco e Vanzetti.
4 de julho – Nova Manifestação em prol da liberdade de Sacco e Vanzetti, na Cidade do
México. Essas manifestações cresceriam em 30 de julho e 10 de agosto.
Setembro – Grupos Católicos levantam-se em armas no México. Ficaram conhecidos como
Cristeros, e mantiveram-se armados até 1929.
15-20 de novembro – I Congresso de Unificação das Organizações Camponesas da
República. 158 delegados presentes, representando 30 mil camponeses. Funda-se a Liga
Nacional Camponesa. (LNC)
25 de outubro – O presidium do CEIC retira Zinoviev da direção e Bukharin passa a atuar na
direção da IC.
Novembro – Marines dos EUA desembarcam na Nicarágua para combater Sandino. O
presidente mexicano, Calles, envia duas expedições a Nicarágua para apoiar os liberais.
Retornam após acordos com os norte-americanos, que tinham Manágua sitiada.
8 de novembro – Antônio Gramsci, dirigente comunista do PCI e da IC é preso na Itália.
Morreria em abril de 1937, pouco antes da data em que seria solto.
10 de novembro – Acontece o III Congresso de Ferroviários do México, que consegue
construir uma Confederação de trabalhadores dos transportes e das comunicações.
22 de novembro – VII Pleno Ampliado da IC: Condenação da oposição trotskista. Destituem
Zinoviev da CEIC.
19 de dezembro – o Senado mexicano aprova a reforma da Constituição para retirar o
princípio de não-reeleição.
378
1927
Janeiro – Chega ao México como embaixadora da URSS, Alessandra Kollontai
1º de janeiro – Fim do Estado de Sítio no Brasil. O PCB torna-se legal por 8 meses.
3 de janeiro – O PCB dirige a publicação do jornal diário A Nação. O jornal circulará até
agosto, quando o PCB retorna a ilegalidade.
7 de janeiro – Desembarque de tropas dos EUA na Nicarágua.
1º de fevereiro – Em uma tentativa de formar uma frente única, é constituído o Bloco
Operário, depois denominado BOC, Bloco Operário e Camponês, que acabará servindo mais
como legenda para o PCB, que como uma frente de classes.
3 de fevereiro – A Coluna Prestes entra na Bolívia, após 25 mil quilômetros por dois anos e
meio, sem nenhuma derrota às tropas legalistas.
10 de fevereiro – Ocorre o I Congresso Mundial contra o Imperialismo e a Opressão
Colonial. Participam: José Vasconcelos, Ismael Martínez (pela CROM), Julio Mella pela
LNC e pela Liga Antimperialista das Américas, e Eddo Fimmeb pela CROM, entre os
representantes do México. Victório Codovilla, Eudócio Ravines participam deste congresso.
24 de fevereiro – Azevedo Lima é eleito para a Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro,
pelo Bloco Operário e Camponês (BOC), Hernán Laborde é preso pela sua atuação na greve
dos ferroviários no México. Começa uma greve de fome.
15 de março – O CEIC envia uma carta ao CC do PCM com críticas ao governo Calles
(governo da pequena-burguesia), orientando o PCM a ter uma posição ativa nas eleições de
1928 e a construir um Partido de massas.
27 de abril – É fundado no Rio de Janeiro a Confederação Geral dos Trabalhadores.
4 de Maio – A Suprema Corte Mexicana se pronuncia a favor das reivindicações das
empresas petroleiras
18 de maio – VIII Pleno do CEIC tratou da Revolução Chinesa e da luta do proletariado
Inglês. Falou da ameaça bélica contra a URSS.
27 de junho – Aprova-se um Programa Agrário da LNC.
Julho – Conferência Nacional do PCM – Confusão sobre Obregón e burguesia nacional. Se
aprovou a atuação na CROM.
Julho – Mariátegui é preso acusado de participar de um “complot” comunista. Em um artigo
negou fazer maquinações golpistas, não se definiu como comunista, mas também não
negaou. A Correspondencia Sudamericana publica a carta de denúncia de Mariátegui.
2 de julho – Cria-se a Frente Única pró Sacco e Vanzetti, dirigida por Luiz Monzón.
Julho – Pleno do CC do PCM decide apoiar a reeleição de Obregón para a Presidência da
República, no México.
1° de agosto – Formação do Exército Vermelho na China. Fundação da Juventude Comunista
do Brasil (JCB).
10 de agosto – Há greves operárias em todo o México em protesto pela defesa de Sacco e
Vanzetti.
12 de agosto – A "Lei Celerada" coloca o Partido Comunista do Brasil na ilegalidade, junto
com o jornal diário A Nação, que deixa de circular.
23 de agosto – São assassinados Sacco e Vanzetti na Cadeira Elétrica, em Denham,
379
Massachussets.
29 de agosto – Forças policiais assassinam o comunista Manuel Montes, em Puebla.
27 de setembro – O presidium da CEIC expulsa Trotsky da IC.
2 de outubro – Os generais Francisco R. Serrano e Arnulfo R. Gomez, candidatos
antireelecionistas a presidência da república iniciam um movimento contra Calles. Ambos
são mortos pouco depois.
7 de novembro – Congresso dos Amigos da URSS. 10 anos da Revolução Bolchevique.
Assistem ao congresso em Moscou, J. Guadalupe Rodríguez, Diego Rivera, Julio Antonio
Mella, David Alfaro Siqueiros, Graciela Amador e vários outros latino-americanos.
Dezembro – A CCE do PCB decide procurar os tenentes da Coluna Prestes. Astrojildo
encontra Prestes na Bolívia e deixa vários livros marxistas com ele.
Insurreição operária em Cantão, brutalmente reprimida.
11 de dezembro – Fundação do Secretariado Sindical da América Latina com representantes
de 8 países, Heitor Ferreira Lima representou o PCB, Portocarrero o PSP.
1928
Janeiro – 23 mil cristeiros armados no México.
Janeiro – Haya de La Torre difunde o “plan de México” para fundar um Partido Nacional
Libertador.
18 de janeiro – Formação do Comitê Mãos fora da Nicarágua, no México.
9 de fevereiro – IX Pleno da CEIC
19 de fevereiro – Fundação do Partido Comunista do Paraguai.
21 de fevereiro – Ato de solidariedade com Sandino na Cidade do México. Julio Mella
intervém neste ato.
2 de abril – V Conferência do PCM. Novo CC e a expulsão dos trotskistas no Partido. Se
derrota a tendência de uma nova central operária e se analisou a greve ferroviária.
6-10 de abril – É criada a Conferência Sindical Latino-Americana, em Montevideo. Por
iniciativa da ISV.
1º de maio – O jornal A Classe Operária, fechado pela polícia em 1925, volta a circular, em
sua segunda fase.
10 de maio – CC do PCM se pronuncia sobre a APRA
16 de junho – Ato do PCM defende o armamento de operários e camponeses ameaçados por
milícias cristeiras.
30 de junho – Pleno do CC do PCM, Júlio Mella é nomeado secretário geral interino do
Partido.
17 de julho – Obregón é assassinado por León Toral, fanático religioso. Morones é acusado
de ligação com o crime.
21 de julho – Morones e membros da CROM renunciam aos seus postos no governo.
17 de julho a 1º de setembro – VI Congresso da IC, em Moscou. Participam pelo PCM:
Carrillo, M.D. Ramírez e Carlos Contreras (Victório Vidalli); pelo PCB: Paulo Lacerda,
Heitor Ferreira Lima e Mario Grazini
Agosto-setembro – Congresso do Partido Comunista da China em Moscou.
380
Setembro – “Grupo de Buenos Aires”, ligado a APRA, escreve uma carta ao “grupo de
Lima” propondo a formação de um Partido Socialista.
Setembro – Thälmann, Presidente do Partido Comunista da Alemanha, é envolvido no caso
de desvio de dinheiro de campanha eleitoral, feito por John Wittorf. O caso Wittorf terá
notoriedade na imprensa e será utilizado na luta política que vivia o movimento comunista.
Depois de afastado, Thälmann será reabilitado por intervenção da IC no PCA. Thälmann
seria preso em 1933, e morreria fuzilado, depois de 11 anos de prisão no Campo de
Concentração de Buchenwald, por ordens diretas de Hitler.
16 de setembro – Reunião em La Herradura para discutir a formação do Partido Socialista
(presentes: Portocarrero, Avelino Navarro, Hinojosa y Borja, Martínez de La Torre e
Bernardo Regman.
14-25 de setembro – CC do PCM, com Mella como secretário geral interino avalia: “A
burguesia mexicana perde a sua fisionomia e adere o imperialismo.”
25 de setembro – O Congresso mexicano designa Portes Gil para a presidência.
29 de setembro – É publicado em El Machete, o projeto de Programa Agrário do PCM.
Outubro – Mariátegui redige o Programa do Partido Socialista Peruano, em que define o
como “marxista-leninista”.
28 de outubro – O Bloco Operário, agora transformado em Bloco Operário e Camponês
(BOC), elege Octávio Brandão e Minervino de Oliveira para a Câmara Municipal do Rio de
Janeiro.
3 de novembro – Fundação da Liga pela Independência da Índia.
11 de novembro – Greve nos bananais da United Fruit na Colômbia. Mais de mil mortos e 3
mil feridos.
Dezembro – O CC do PCM discute o informe do VI Congresso da IC e decide organizar o
Bloco Operário e Camponês (BOC)
Dezembro – Forma-se a célula do PSP de Paris, presidida por Eudócio Ravines
29 de dezembro – III Congresso do PCB, em Niterói
1929
4 de janeiro – É realizado o 1º Congresso da Juventude Comunista Brasileira, em que é
criada a Federação da Juventude Comunista do Brasil (FJCB).
10 de janeiro – Julio Mella é assassinado por agentes do ditador cubano, Machado. O funeral
se transforma em uma grande manifestação. Tina Modotti sofre uma campanha de difamação
e depois é expulsa do México.
22-24 de janeiro – O PCM e a LNC formam o Bloco Operário e Camponês, postulam Tirana
para presidente.
26-30 de fevereiro – Assembleia de Unificação Operária e Camponesa, em que será formada
a Confederação Sindical Unitária Mexicana (CSUM) Mella é eleito como secretário geral
honorário e David Siqueiros, como Secretário Geral. Valentim Campa, Elias Barrios, Macario
Rivas, Rodolfo Fuentes López, entre outros formaram o Comitê Executivo.
Fevereiro – Astrojildo Pereira viaja a Moscou, onde fica até janeiro de 1930; Cristiano
Cordeiro assume interinamente a secretaria geral do Partido.
381
Fevereiro – Cria-se o Bloco Operário e Camponês, no México, que lança Pedro Rodriguez
Triana como candidato à presidência.
18 de fevereiro – Trotsky é expulso da URSS.
23 de fevereiro – Mariátegui publica em Variedades o artigo “O exílio de Trotsky”, em que
reconhece a posição de Stalin como a mais consequente para o futuro da Revolução Russa.
1º de março – Fundação do Partido Nacional Revolucionário no México. É a
institucionalização do primeiro Partido do Estado Pós-revolucionário.
3 de março – Início da Rebelião Escobarista no México, a sublevação atinge quase 30% do
exército mexicano.
5 de março – PCM se opõe a Rebelião Escobarista e convoca os operários e camponeses
para formar destacamentos armados para combater os rebeldes.
Abril – Paulo de Lacerda assume interinamente a secretaria geral do PCB
26 de abril – Manifestação organizada pela CSUM é reprimida com violência pela polícia.
Rafael Carrillo, Secretário Geral do PCM é preso
14 de maio – José Guadalupe Rodriguez é assassinado em Durango, membro do CC do PCM
e da Liga Nacional Camponesa. Foi assassinado logo após retornar da luta contra a Rebelião
Escobarista.
23-29 de Abril – XVI Conferência do PCUS adota o Primeiro Plano Quinquenal. A Revista
Amauta de Mariátegui repercute a adoção do plano quinquenal.
Maio – Greve Geral dos estudantes do DF pela autonomia universitária. Portes Gil outorga a
autonomia.
18 de maio – Congresso Constituinte da Confederação Sindical Latino-americana, em
Montevideo. Siqueiros e Elias Barrios como representantes da CSUM.
5-6 de junho – O Governo Portes Gil fecha a sede do CC do PCM e a redação do El
Machete. O PCM entra no período de ilegalidade, até 1935.
10 de junho – O Partido Nacional Agrarista lança a candidatura de José Vasconcelos a
presidência.
1º - 12 de junho – Primeira Conferencia Comunista da América Latina. 38 de legados de 14
Partidos. Participam pelo PCM: Siqueiros e Rodriguez Cerrillo; PSP: Hugo Pesce e
Portocarrero; pelo PCB: Basbaum e Grazzini.
22 de junho – Acordos entre governo e igreja no México colocam fim ao conflito com os
cristeiros. No conflito foram mortos mais de 80 mil pessoas.
25 de junho – Sandino chega ao México como exilado político.
6 de julho – Pleno do CC do PCM – se reafirma a expulsão de Úrsulo Galván e se expulsa
Diego Rivera, entre outros.
15 de julho – O líder guerrilheiro comunista Hipólito Landero é assassinado em Veracruz.
Agosto – Encontro de Prestes com um emissário da direção do Partido Comunista do Brasil
em Buenos Aires, Basbaum, para tratar de uma aliança entre tenentistas e proletários, ou a
Coluna Prestes e o PCB.
29 de Agosto – A gráfica de El Machete é saqueada pela polícia e por bombeiros.
27 de setembro – O CC do PCM decide expulsar Diego Rivera, Luiz G. Monzón, Enrique
Flores Magón, Federico Bach, e outros por direitismo.
24 de outubro – Início da quebra da Bolsa de Nova York, marcando o início da Grande
382
Depressão.
Novembro – Governo Lenguista invade a casa de Mariátegui e fecham Labor. Acusam-no de
“complot judeu”.
7 de novembro – O BOC lança a candidatura de Minervino de Oliveira para a presidência da
República no Brasil. A campanha sofre repressão e os votos são roubados.
Dezembro – Stalin declara-se favorável ao início da coletivização dos campos..
2 de dezembro – Hernán Laborde é eleito secretário Geral do PCM pelo CC, em substituição
a Carrillo.
18 de dezembro – Comemora-se em Moscou o 50º Aniversário de Stalin.
19-20 de dezembro – Portes Gil lança uma perseguição generalizada contra os comunistas.
1930
17 de fevereiro – Resolução da Internacional Comunista sobre o Brasil condena o BOC e as
conclusões do 3º Congresso do Partido Comunista do Brasil.
1º de março – Eleições gerais; Minervino de Oliveira é candidato à presidência da República
pelo Partido Comunista do Brasil.
16 de abril – Morre José Carlos Mariátegui em Lima.
Abril-Maio – Pleno Ampliado do SSA da IC, em Buenos Aires. Se critica a política de frente
única do PCB.
22 de maio – É publicado na International Press Correspondence, a crítica à política de
frente única do PCB.
29 de maio – Luiz Carlos Prestes divulga manifesto de adesão ao marxismo e repúdio à
Aliança Liberal.
Julho – Bolsa de Nova Iorque tem nova baixa após breve recuperação, e seguiria declinando
até o ano de 1934. O índice Dow Jones apenas marcaria os valores anteriores a outubro de
1929 após a década de 1960.
14 de setembro – Nazistas conseguem expressiva votação na eleições alemães.
3 de outubro –Início da “Revolução” de 30, a partir do Rio Grande do Sul. O Partido
Comunista do Brasil não apoia o movimento revolucionário.
Novembro – Astrojildo Pereira é afastado da secretaria geral, por desvios na condução da
“proletarização”. O CC do PCB interpreta a proletarização dos PCs como a promoção de uma
direção de militantes de origem operária. Luiz Carlos Prestes solicita filiação ao PCB, mas é
recusado.
1931
Janeiro – Heitor Ferreira Lima é eleito Secretário Geral do PCB.
12 de março – Prestes de declara comunista em carta escrita desde o exílio no Uruguai.
Maio – Arthur Ewert encontra Prestes no Uruguai.
Junho – Fernando Lacerda substitui Heitor Ferreira Lima na direção do PCB, que é
transferido para o nordeste.
Junho – Octávio Brandão e sua família são deportados para Alemanha.
1º de outubro – Luis Carlos Prestes viaja para Moscou.
383
Arquivos e bibliotecas consultadas:
Arquivo da Memória Operária do Rio de Janeiro (AMORJ)
Arquivo Geral da Nação (México)
Arquivo Nacional (Rio de Janeiro)
Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro
Biblioteca "Samuel Ramos", Faculdade de Filosofia e Letras da UNAM (México)
Biblioteca Central da Universidade Nacional Autônoma do México.
Biblioteca do Colégio de México (Colmex)
Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro)
Biblioteca Pedro Zulen da Universidade Nacional de San Marcos (Peru)
Casa Estudio Diego Rivera (México)
Casa Museu de Frida Kahlo (México)
Casa Museu José Carlos Mariátegui.
Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP
Centro de Estudos do Movimento Operário e Socialista (CEMOS)
Centro de Estudos Estéticos da UNAM (México)
Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação
Getúlio Vargas (CPDOC/FGV-RJ)
Instituto Internacional de Historia Social (Amsterdam)
Museu Diego Rivera – Anahuac (México)
Fontes
Periódicos consultados
5 de Julho – Jornal dirigido por Antonio Canelas
A Classe Operária – Órgão Central do Partido Comunista do Brasil
A Nação – Jornal de Leônidas de Rezende e Maurício de Lacerda. Órgão de propaganda
do PCB em 1927
A Plebe – Jornal colunista-libertário de São Paulo
Acción – Órgão da CROM
Amauta – Revista Mensal de Doctrina, Literatura, Arte, Polemica
384
Autocrítica. Tribuna de Debates do 3. ° Congresso do PCB.
La Correspondecia Sudamericana – Órgão do Secretariado Sul-americano da
Internacional Comunista
El Comunista – Órgão do PCM (1919-1920)
El Libertador – Órgão da Liga Antimperialista Latino-americana
El Machete – Organo del Partido Comunista de México
El Soviet - Órgão do Grupo Hermanos Rojos (1919)
Gale 's Magazine – Cidade do México. (1918-1921)
La Correspondence Internacionale – Órgão da Internacional Comunista em francês
Movimento Comunista – Mensário de Doutrina e Informação Internacional.
Revista Claridad – Organo de la Juventud Libre del Peru
Revista Nuestra Época – Revista Política e Literária
Spartacus. Semanário anarquista do Rio de Janeiro
Voz Cosmopolita – Órgão dos trabalhadores em hotéis, restaurantes, cafés e
Voz do Povo – Órgão da Confederação Operária Brasileira. Rio de Janeiro.
Conjuntos Murais consultados
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Eletricistas, UNAM;
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408
Anexos
ANEXO A – O Povo Mexicano está apto para o Comunismo397
Ricardo Flores Magón
Os habitantes do Estado de Morelos, assim como os do sul de Puebla, de
Michoacán, Durango, Jalisco, Yucatán e outros estados em que vastas extensões de terra
foram invadidas por multidões proletárias que logo tem se dedicado a cultivá-las,
demonstrando ao mundo inteiro, com fatos, que não se necessita de uma sociedade de
sábios para resolver o Problema da Fome.
Para chegar ao resultado prático da tomada de possessão de terras e dos
instrumentos de trabalho no México não se necessitou de “leaders”, de “amigos” da
classe trabalhadora, nem faltaram “decretos paternais”, “leis sábias”, nem nada disso. A
ação faz e está fazendo tudo. O México marcha até o comunismo mais depressa do que
esperávamos os mais exaltados dos revolucionários, e o governo e a burguesia se
encontram agora sem saber o que fazer na presença de fatos que acreditavam muito
distantes, ainda que já se realizassem.
Não faz ainda três meses que Juan Sarabia398, em uma extensa e fastidiosa carta
aberta dirigida a mim, e que foi publicada por quase toda a imprensa burguesa do
México, dizia que a classe trabalhadora não entendia o que predicamos e que o povo
estava satisfeito com a conquista da revolta de Madero: a cédula eleitoral. Os fatos vão
demonstrando que nós liberais não somos uns iludidos e que lutamos convencidos de
que nossa ação e nossa propaganda respondem as necessidades e ao modo de pensar da
classe pobre do México.
O povo mexicano odeia, por instinto, a Autoridade e a burguesia. Todo aquele
que tenha vivido no México haverá comprovado que não há indivíduo mais
cordialmente odiado que o gendarme399; que a palavra governo, cheia de intranquilidade
às pessoas simples; que o soldado, em todas as partes admirado e aplaudido, é visto com
Traduzido do espanhol por Felipe Deveza de: FLORES MAGÓN, Ricardo, “El Pueblo Mexicano es
apto para el comunismo”, Regeneración, nº 53, Los Angeles: 2 set. 1911.
398
Juan Sarabia foi um dos fundadores do PLM (Partido Liberal Mexicano), conhecido como um dos
“precursores” da Revolução Mexicana, como são denominados os componentes do núcleo inicial do PLM
pela historiografia que trata a Revolução Mexicana. O PLM se dividiria entre os que abraçariam o
anarquismo e radicalizariam a luta, como Ricardo Flores Magón e os que depois se aliariam a Francisco
Madero, e vislumbravam apenas reformas liberais, como Juan Sarabia.
399
Gendarme aqui se refere a polícia, a força de repressão do Estado, mas tem uma conotação política, já
que está em francês, que em 1911 era a principal referência em termos de Revolução, tanto por causa da
Revolução Francesa, como pela Comuna de Paris (1871).
397
409
antipatia e desprezo; que toda pessoa que não ganha o sustento com o trabalho de suas
mãos é odiada.
Isto já é suficiente para uma revolução social de caráter econômico e
antiautoritário, mas existe mais. No México vivem quatro milhões de índios que até
vinte ou vinte cinco anos viviam em comunidades possuindo em comum as terras, as
águas e os bosques. O apoio mútuo era a regra nessas comunidades em que a
Autoridade só era sentida quando o agente da arrecadação de rendas fazia sua aparição
periódica ou quando os rurales400 chegavam em busca de varões para fazê-los ingressar
pela força no Exército. Nessas comunidades não havia juízes, nem alcaides401, nem
carcereiros, nem nenhuma porcaria402 dessa classe. Todos tinham direito à terra, à água
para a irrigação e ao bosque para a lenha e a madeira para construir os jacales403.
Os arados andavam de mão em mão, assim como as juntas de bois. Cada família
lavrava a extensão de terreno que calculava ser suficiente para produzir o necessário, o
trabalho de semeadura e colheitas se fazia em comum, reunindo-se toda a comunidade,
hoje para fazer a colheita de Pedro, amanhã para colher a de João e assim
sucessivamente. Para fabricar um jacal, colocavam mãos à obra todos os membros da
comunidade.
Estes simples costumes duraram até que, forte a Autoridade pela pacificação
completa do país, pôde garantir à burguesia a prosperidade de seus negócios. Os
generais das revoltas políticas receberam grandes extensões de terrenos; os fazendeiros
alargaram os limites dos seus feudos, os mais vis polítiqueiros404 obtinham terrenos
imensos como baldios, e os aventureiros estrangeiros obtiveram concessões de terras,
bosques, águas, de tudo, em fim, ficando nossos irmãos índios sem um palmo de terra,
sem direito a pegar do bosque nem o menor galho de uma árvore, na miséria mais
abjeta, despojados de tudo o que era deles.
Enquanto a população mestiça, que é a que forma a maioria dos habitantes da
400
Rurales é o nome popular da polícia rural durante o Governo de Porfírio Diaz, odiada pelos
camponeses e geralmente à serviço dos latifundiários da região em que atuava.
401
Alcaides é um cargo público comum em toda a América Latina espanhola, similar ao prefeito.
402
O termo original utilizado por Magón foi polilla, no dicionário refere-se a traça, mariposa, traduzimos
para porcaria, que não necessariamente refere-se a envelhecido, como poderia parecer se relacionássemos
a traça.
403
Jacal provém do nahuátl, xahcalli. Refere-se a casa simples, popular. “jacal. m. Vivienda pequeña
generalmente de un solo cuarto, construida con adobe, carrizos u otros materiales semejantes, y con techo
de paja. Xah-calli. De xámitl, adobe, calli, casa.” MONTEMAYOR, Carlos. Diccionario del Náhuatl en
Español del México. México: UNAM, 2009, p.76.
404
Originalmente politicastros em espanhol.
410
República Mexicana, com exceção da que habitava as grandes cidades e os povoados de
alguma importância, contava igualmente com terras comunais, bosques e águas livres da
mesma maneira que a população indígena. O apoio mútuo era igualmente a regra; as
casas se fabricavam em comum; a moeda quase não era necessária, porque havia
intercambio de produtos; mas se fez a paz, a Autoridade se robusteceu e os bandidos da
política e do dinheiro roubaram descaradamente as terras, os bosques, tudo.
Não faz quatro anos ainda podia-se ver nos jornais de oposição que o americano
X ou o alemão Y ou o espanhol Z haviam fechado a população inteira nos limites de
“sua” propriedade com a ajuda da Autoridade.
Vê-se, pois, que o povo mexicano é apto para chegar ao comunismo, porque o
tem praticado, ao menos em parte, desde faz séculos, e isso explica porque até quando
na sua maioria é analfabeta, compreende que melhor que fazer parte em farsas eleitorais
para elevar verdugos, é preferível tomar posse da terra, e a está tomando com grande
escândalo da ladrona burguesia.
Agora, só resta que o operário tome posse da fábrica, da oficina, da mina da
fundição, da estrada de ferro, do barco, de tudo, em uma palavra; que não se
reconheçam amos de nenhuma classe e esse será o final do presente movimento.
Adiante, Camaradas!
Ricardo Flores Magón
ANEXO B - Trechos das Resoluções 2º Congresso da Internacional
Comunista: “Teses e Acréscimos sobre as Questões Nacional e Colonial”
A - Teses
1º) A posição abstrata e formal da questão da igualdade - a igualdade das
nacionalidades inclui-se aí - é própria da democracia burguesa sob a forma da igualdade
das pessoas em geral; a democracia burguesa proclama a igualdade formal ou jurídica
do proletário, do explorador e do explorado, induzindo assim as classes oprimidas ao
mais profundo erro. A ideia da igualdade, que não é outra coisa que o reflexo das
relações criadas pela produção para o comércio, torna-se, nas mãos da burguesia, uma
arma contra a abolição das classes em nome da igualdade absoluta das pessoas
humanas. Quanto à significação verdadeira da reivindicação igualitária, ela reside
apenas na vontade de abolir as classes;
411
2º) Em conformidade com seu objetivo essencial - a luta contra a democracia
burguesa, na qual se trata de desmascarar a hipocrisia - o Partido comunista, intérprete
consciente do proletariado em luta contra o jogo da burguesia, deve considerar como
formando a chave de abóbada da (questão nacional, não os princípios abstratos e
formais, mas: 1º - uma noção clara das circunstâncias históricas e econômicas; 2º - a
dissociação precisa dos interesses das classes oprimidas, dos trabalhadores, dos
explorados, com rejeição à concepção geral dos pretensos interesses nacionais, que
significam, na realidade, os interesses das classes dominantes; 3º - a divisão mais clara e
precisa das nações oprimidas, dependentes, protegidas, e opressoras e exploradoras,
gozando de todos os direitos, contrariamente a hipocrisia burguesa e democrática que
dissimula a submissão (própria da época do capital financeiro e do imperialismo), pelo
poder financeiro e colonialista, da imensa maioria das populações do globo a uma
minoria de ricos países capitalistas.
3º) A guerra imperialista de 1914-1918 colocou em evidência diante de todas as
nações e todas as classes oprimidas do mundo a falsidade dos fraseados democráticos e
burgueses - o tratado de Versalhes, ditado pelas famosas democracias ocidentais,
sancionou, em relação às nações fracas, as violências mais covardes e mais cínicas do
que aquelas dos junkers e do kaiser em Brest-Litowsk. A Liga das Nações e a política da
Entente em seu conjunto apenas confirmam este fato e põem em andamento a ação
revolucionária do proletariado dos países avançados e das massas laboriosas dos países
coloniais ou dominados, levando assim à bancarrota as ilusões nacionais da pequena
burguesia quanto à possibilidade de uma vizinhança pacífica de uma igualdade
verdadeira das nações sob o regime capitalista;
4º) Resulta do que precede que a pedra angular da política da Internacional
Comunista, nas questões colonial e nacional, deve ser a reaproximação dos proletários e
trabalhadores de todas as nações e de todos os países para a luta comum contra os
proprietários e a burguesia. Pois essa reaproximação é a única garantia de nossa vitória
sobre o capitalismo, sem a qual não podem ser abolidas nem a opressão nacional, nem a
desigualdade;
5º) A atual conjuntura política mundial coloca na ordem do dia a ditadura do
proletariado; e todos os eventos da política mundial se concentram inevitavelmente em
torno de um centro de gravidade: a luta da burguesia internacional contra a República
dos Sovietes, que deve agrupar ao redor de si, de uma parte, os movimentos sovietistas
412
dos trabalhadores avançados de todos os países e, de outro lado, todos os movimentos
de emancipação nacional das colônias e das nacionalidades oprimidas que uma dura
experiência convenceu que não é saudável para elas ficarem fora de uma aliança com o
proletariado revolucionário e com o poder sovietista vitorioso sobre o imperialismo
mundial;
6º) Não se pode mais deixar de reconhecer ou proclamar a aproximação dos
trabalhadores de todos os países. Doravante é necessário perseguir a realização da união
mais estreita de todos os movimentos emancipatórios nacionais e coloniais com a
Rússia dos Sovietes, dando a esta união as formas correspondentes ao grau de evolução
do movimento proletário de cada pus, OU do movimento de emancipação democráticoburguês entre os operários e os camponeses dos países atrasados ou das nacionalidades
atrasadas;
7º) O princípio federativo aparece para nós como uma forma transitória em
direção à unidade completa dos trabalhadores de todos os países. O princípio federativo
já mostrou praticamente sua conformidade com o objetivo perseguido, tanto no curso
das relações entre a República Socialista Federativa dos Sovietes russos e as outras
repúblicas dos Sovietes (Hungria, Finlândia, Letônia, no passado; Azerbaidjão e
Ucrânia, atualmente), como no próprio seio da República russa, em relação à
nacionalidade que não tinham antes nem Estado, nem existência autônoma (exemplo: as
repúblicas autônomas dos Bashkirs e dos Tártaros, criadas na Rússia soviética em 1919
e 1920);
8º) A tarefa da Internacional Comunista é estudar e verificar a experiência (e o
desenvolvimento ulterior) dessas novas federações baseadas na forma sovietista e sobre
o movimento sovietista. Considerando a federação como uma forma transitória em
direção à unidade completa, é necessário para nós buscar uma união federativa cada vez
mais estreita, levando em conta: 1º - a impossibilidade de defender, sem a mais estreita
união entre elas, as repúblicas soviéticas cercadas de inimigos imperialistas
infinitamente superiores por seu poderio militar; 2º - a necessidade de uma estreita
união econômica das repúblicas soviéticas, sem a qual a reedificação das forças
produtivas destruídas pelo imperialismo, a segurança e o bem-estar dos trabalhadores
não podem ser assegurados; 3º - a tendência à realização de um plano econômico
universal cuja aplicação regular será controlada pelo proletariado de todos os países,
tendência que se manifestou com evidência sob o regime capitalista e certamente deve
413
continuar seu desenvolvimento e chegar à perfeição no regime socialista;
9º) No domínio das relações sociais no interior dos Estados constituídos, a
Internacional Comunista não pode fazer o reconhecimento formal, puramente oficial e
sem consequências práticas, da igualdade das nações, com o que se contentam os
democratas burgueses que se intitulam socialistas.
Não é suficiente denunciar incansavelmente em toda propaganda a agitação dos
Partidos Comunistas - e do alto da tribuna parlamentar e fora dela -, as violações
constantes do princípio da igualdade das nacionalidades e dos direitos das minorias
nacionais, em todos os Estados capitalistas (a despeito de suas "constituições
democráticas) e necessário também demonstrar incessantemente que o governo dos
Sovietes só pode realizar a igualdade das nacionalidades, primeiro unindo os proletários
depois, o conjunto dos trabalhadores na luta contra a burguesia é necessário também
demonstrar que o regime dos sovietes assegura uma colaboração direta, por intermédio
do Partido Comunista a todos os movimentos revolucionários dos países dependentes ou
lesados em seus direitos (por exemplo, a Irlanda, os negros da América etc...) e as
colônias.
Sem esta condição particularmente importante da luta contra a opressão dos
países escravizados ou colonizados, o reconhecimento oficial de seu direito à autonomia
é apenas uma mentira, como vimos na 2ª Internacional.
10º) É a prática habitual não apenas dos partidos do centro da 2ª Internacional,
mas também dos que abandonaram esta
Internacional para
reconhecer o
internacionalismo em palavras e para substitui-lo, na realidade, na propaganda, na
agitação e na prática, pelo nacionalismo e pelo pacifismo pequeno-burgueses. Isto se
verifica também entre os partidos que hoje se intitulam comunistas. A luta contra este
mal e contra os preconceitos pequeno-burgueses mais profundamente consolidados (que
se manifestam sob formas variadas, tais como a diferença entre as raças, o antagonismo
nacional e o antissemitismo) adquire uma importância cada vez maior no problema da
transformação da ditadura proletária nacional que não existe apenas num país e que, por
consequência, é incapaz de exercer uma influência sobre a política mundial) em
ditadura proletária internacional (aquela que realizarão vários países avançados e que
serão capazes de exercer unia influência decisiva sobre a política mundial) se torna cada
vez mais atual. O nacionalismo pequeno-burguês restringe o internacionalismo ao
reconhecimento do princípio da igualdade das nações e (sem insistir sobre seu caráter
414
puramente verbal conserva intacto o egoísmo nacional, ao passo que o
internacionalismo proletário exige:
1º - A subordinação dos interesses da luta proletária em um pais ao interesse
desta luta no mundo inteiro;
2º - Da parte das nações que venceram a burguesia, o consentimento para os
maiores sacrifícios nacionais em função da derrubada do capital internacional. No país
onde o capitalismo já se desenvolveu completamente, onde existem partidos operários
formando a vanguarda do proletariado, a luta contra as deformações oportunistas e
pacifistas do internacionalismo, pela pequena burguesia, é também um dever imediato
dos mais importantes;
11º) Com relação aos Estados e países mais atrasados onde predominam
instituições feudais ou patriarcais-rurais, convém ter em vista:
1º - A necessidade da colaboração de todos os partidos comunistas com os
movimentos revolucionários de emancipação nesses países, colaboração que deve ser
verdadeiramente ativa e cuja forma deve ser determinada pelo partido comunista do
país, se ele existe no país em questão. A obrigação de sustentar ativamente esse
movimento cabe naturalmente, em primeiro lugar, aos trabalhadores da metrópole ou do
país em cuja dependência financeira se encontra o povo em questão;
2º - A necessidade de combater a influência reacionária e medieval do clero, das
missões Cristãs e outros elementos;
3º - É também necessário combater o pan-islamismo, o pan-asiatismo e outros
movimentos similares que tratam de utilizar a luta de emancipação contra o
imperialismo europeu e americano para tornar mais forte o poder dos imperialistas
turcos e japoneses, da nobreza, dos grandes proprietários de terras, do clero etc.;
4º - E de uma importância toda especial sustentar o movimento camponês nos
países atrasados contra os proprietários rurais, contra os resquícios OU manifestações
do espírito feudal; deve-se, antes de tudo, fazer um esforço para dar ao movimento
camponês um caráter revolucionário, para organizar, em todos os lugares onde seja
possível, os camponeses, e todos os oprimidos, em Sovietes e assim criar uma ligação
bastante estreita do proletariado comunista europeu com o movimento revolucionário
camponês do Oriente, das colônias e dos países atrasados em geral;
5º - É necessário combater energicamente as tentativas feitas pelos movimentos
emancipatórios que não são na realidade comunistas, nem revolucionários, para agitar
415
as bandeiras comunistas a Internacional Comunista deve sustentar os movimentos
revolucionários nas colônias e países atrasados apenas com a condição de que os
elementos mais puros dos partidos comunistas – comunistas de fato – sejam agrupados e
instruídos sobre suas tarefas particulares, isto é, sobre sua missão de combater o
movimento burguês e democrático. A Internacional Comunista deve estabelecer relações
temporárias e formar também uniões com os movimentos revolucionários nas colônias e
países atrasados, Sem todavia fundir-se com eles, e conservando sempre o caráter
independente de movimento proletário ainda que em sua forma embrionária;
6º - É necessário desmascarar-se para as massas laboriosas todos os países, e
sobretudo dos países e nações atrasadas a mentira organizada pelas potências
imperialistas, com a ajuda das classes privilegiadas - nos países oprimidos as quais
sempre apelam para a existência dos Estados politicamente independentes que, na
realidade, são vassalos -, do ponto de vista econômico, financeiro e militar. Como
exemplo gritante das mentiras praticadas com relação a classe trabalhadora nos países
subjugados pelos esforços combinados do imperialismo dos aliados e da burguesia desta
ou daquela nação, podemos citar o caso dos sionistas na Palestina, onde sob pretexto de
criar um Estado judeu, num país onde os judeus são em número insignificante, o
sionismo abandonou a população de trabalhadores árabes à exploração da Inglaterra. Na
conjuntura internacional atual não há saída possível para os povos fracos e subjugados
fora da federação das repúblicas soviéticas.
12º) A oposição secular das pequenas nações e das colônias às potências
imperialistas fez nascer, entre as massas trabalhadoras dos países oprimidos, não
somente um sentimento de rancor para com as nações opressoras cm geral, mas também
um sentimento de desconfiança em relação ao proletariado dos países opressores. A
infame traição dos chefes oficiais da maioria socialista em 1914-1919, quando o
socialismo chauvinista qualificou de "defesa nacional" a defesa dos "direitos" de "sua
burguesia", a submissão das colônias e dos países financeiramente dependentes, só pode
tornar essa desconfiança completamente legítima. Os preconceitos só podem
desaparecer com o desaparecimento do capitalismo e do imperialismo nos países
avançados, e depois da transformação radical da vida econômica dos países atrasados,
sua extinção será muito lenta, de onde o dever do proletariado consciente de todos os
países de se mostrar particularmente circunspecto diante dos resíduos de sentimento
nacional dos países oprimidos durante um longo tempo, e de fazer também algumas
416
concessões úteis a fim de promover o desaparecimento desses preconceitos e dessa
desconfiança. A vitória sobre o capitalismo está condicionada pela boa vontade de
entendimento do proletariado cm primeiro lugar, e depois das massas laboriosas de
todos os países do mundo e de todas as nações.
B - Tese Suplementares
1º) A fixação exata das relações da Internacional Comunista com o movimento
revolucionário nos países que são dominados pelo imperialismo capitalista, em
particular da China, é uma das questões mais importantes para o 2º Congresso da
Internacional Comunista. A revolução mundial entra num período para o qual é
necessário um conhecimento exato dessas relações. A grande guerra europeia e seus
resultados mostraram muito claramente que as massas dos países subjugados fora da
Europa estão ligadas de uma maneira absoluta ao movimento proletário da Europa, e
isto é unia consequência inevitável do capitalismo mundial centralizado;
2º) As colônias constituem uma das principais fontes de força do capitalismo
europeu.
Sem a possessão dos grandes mercados e dos grandes territórios de exploração
nas colônias, as potências capitalistas da Europa não poderão se manter por longo
tempo.
A Inglaterra, fortaleza do imperialismo, sofre de superprodução há mais de um
século. Apenas conquistando territórios coloniais, mercados suplementares para a venda
da superprodução e fontes de matérias-primas para sua indústria crescente, a Inglaterra
consegue manter, apesar dos problemas, seu regime capitalista.
É pela escravidão de centenas de milhões de habitantes da Ásia e da África que o
imperialismo inglês chegou a manter até o presente momento o proletariado britânico
sob a dominação burguesa.
3º) A mais-valia obtida pela exploração das colônias é um dos apoios do
capitalismo moderno. Durante muito tempo essa fonte de benefícios não será suprimida,
e será difícil para a classe operária vencer o capitalismo.
Graças à possibilidade de explorar intensamente a mão-de-obra e as fontes
naturais de matérias-primas das colônias, as nações capitalistas da Europa procuraram,
não sem sucesso, evitar por esses meios sua bancarrota iminente.
O imperialismo europeu conseguiu em seus próprios países fazer concessões
417
sempre maiores a aristocracia operária. Procurando sempre, de um lado, manter as
condições de vida dos operários nos países subjugados a um nível muito baixo, ele não
recua diante de nenhum sacrifício e consente em sacrificar a mais-valia em seu próprio
país; os trabalhadores das colônias podem esperar.
4º) A supressão pela revolução proletária do poderio colonial da Europa
derrotará o capitalismo europeu. A revolução proletária e a revolução das colônias
devem concorrer, em certa medida, para o resultado vitorioso da luta.
A Internacional Comunista deve então estender o círculo de sua atividade. Ela
deve nutrir relações com as forças revolucionárias que lutam pela destruição do
imperialismo nos países econômica e politicamente dominados;
5º) A Internacional Comunista concentra a vontade do proletariado
revolucionário mundial. Sua tarefa é organizar a classe operária do mundo inteiro para a
derrubada da ordem capitalista e o estabelecimento do comunismo.
A Internacional Comunista é um instrumento de luta que tem por tarefa agrupar
todas as forças revolucionárias do mundo.
A 2ª Internacional, dirigida por um grupo de políticos e penetrada de concepções
burguesas, não dá nenhuma importância à questão colonial. O mundo não existe para
além dos limites da Europa. Ela não viu a necessidade de unir o movimento
revolucionário dos outros continentes. Em vez de prestar ajuda material e moral ao
movimento revolucionário das colônias, os membros da 2º Internacional se tornaram
imperialistas.
6º) O imperialismo estrangeiro que pesa sobre os povos orientais impede-os de
se desenvolverem social e economicamente, simultaneamente com as classes da Europa
e da América.
Graças à política imperialista que entravou o desenvolvimento industrial das
colônias, uma classe proletária no sentido próprio da palavra não pôde surgir, ainda que
nos últimos tempos os teares hindus tenham destruído pela concorrência os produtos das
indústrias centralizadas dos países imperialistas.
A consequência disso foi que a grande maioria do povo retornou para o campo e
foi obrigada a se consagrar ao trabalho agrícola e à produção de matérias-primas para
exportação.
Outra consequência foi uma rápida concentração da propriedade agraria nas
mãos de grandes proprietários rurais ou do Estado. Desta maneira, se criou uma massa
418
poderosa de camponeses sem terra. E a grande massa da população se mantém na
ignorância.
O resultado desta política é que, nesses países onde o espírito revolucionário se
manifesta, ele encontra expressão apenas na classe média culta.
A dominação estrangeira impede o livre desenvolvimento das forças
econômicas. Por isso, sua destruição é o primeiro passo da revolução nas colônias e,
portanto, a ajuda prestada à destruição da dominação estrangeira nas colônias não é, na
realidade, uma ajuda prestada ao movimento nacionalista da burguesia hindu, mas a
abertura de caminhos para o proletariado oprimido.
7º) Nos países oprimidos existem dois movimentos que, a cada dia, se separaram
mais: o primeiro é o movimento burguês democrático nacionalista que tem um
programa de independência política e de ordem burguesa; o outro é aquele dos
camponeses e dos operários ignorantes e pobres por sua emancipação de toda espécie de
exploração.
O primeiro tenta dirigir o segundo e nisso tem sucesso em certa medida. Mas a
Internacional Comunista e os partidos que a ela pertencem devem combater esta
tendência e procurar desenvolver o sentimento de classe independente nas massas
operárias das colônias.
Uma das maiores tareias para atingir esse fim é a formação de Partidos
Comunistas que organizem os operários e os camponeses e os conduzam à revolução e
ao estabelecimento da República sovietista.
8º) As forças do movimento de emancipação nas colônias não estão limitadas ao
pequeno círculo do nacionalismo burguês democrático. Na maioria das colônias já
existe um movimento social-revolucionário ou dos partidos comunistas em estreita
relação com as massas operárias. As relações da Internacional Comunista com o
movimento revolucionário das colônias devem servir a esses partidos ou grupos, pois
eles são a vanguarda da classe operária. Se eles são frágeis hoje, eles representam,
contudo, a vontade das massas e as massas os seguirão no caminho revolucionário. Os
partidos comunistas dos diferentes países imperialistas devem trabalhar em contato com
esses partidos proletários das colônias e prestar-lhes ajuda material e moral.
9º) A revolução nas colônias, em seu primeiro estágio, não pode ser uma
revolução comunista, mas se desde o seu início a direção estiver nas mãos de uma
vanguarda comunista, as massas não estarão dispersas e, nos diferentes períodos do
419
movimento, sua experiência revolucionária só fará crescer.
Seria certamente um grande erro desejar aplicar imediatamente nos países
orientais os princípios comunistas à questão agrária. Em seu primeiro estágio, a
revolução nas colônias deve ter um programa que comporte reformas pequenoburguesas, tais como a divisão das terras. Mas não decorre necessariamente que a
direção da revolução deva ser abandonada à democracia burguesa. O partido proletário
deve, ao contrário, desenvolver unia propaganda poderosa e sistemática em favor dos
Sovietes e organizar Sovietes de camponeses e operários. Esses Sovietes deverão
trabalhar em estreita colaboração com as repúblicas sovietistas dos países capitalistas
avançados para chegar à vitória final sobre o capitalismo no mundo inteiro.
Também as massas dos países atrasados, conduzidas pelo proletariado consciente
dos países capitalistas desenvolvidos, chegarão ao comunismo sem passar pelos
diferentes estágios do desenvolvimento capitalista.
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