Miguel Reale Jr. - Associação Paulista do Ministério Público
Transcrição
Ano II # 15 Miguel Reale Jr. Da indignação à ação Defesa do Consumidor O papel do MP nessa luta Eleições PGJ Rodrigo Pinho, o mais votado, é nomeado Palavra do Presidente Eleições para a PGJ A APMP sempre buscou o melhor para o MP de São Paulo — e muito contribuiu para seu engrandecimento. Em todos os momentos institucionais relevantes, é importante uma profunda reflexão, para que sejam encontrados os melhores caminhos a trilhar. Sempre acreditei na idéia de que o promotor de justiça deve “sair dos gabinetes”, que nossa Instituição deve valorizar o corpo técnico de funcionários e que os membros do MP devem atuar para fazer valer plenamente os direitos, deveres, prerrogativas e atribuições insertas na Carta Magna. Lembro que coube à APMP um dos primeiros reconhecimentos públicos aos brilhantes trabalhos dos promotores de Santana e Santo Amaro na aproximação com a comunidade, objeto de divulgação nesta revista (edição n. 10) e em nosso programa de TV. Agora essas destacadas iniciativas são também elogiadas pelos órgãos da Administração Superior, como registrado na reunião do Conselho Superior de 21/03/06. Bem por isso, nossas críticas, que sempre buscaram o que imaginávamos o melhor para a Instituição, centravam-se no campo das idéias e nunca em face de pessoas. Vemos que o projeto para o próximo biênio mostrado à Classe pelo Procurador-Geral de Justiça foi aprovado por folgada maioria. Como democrata, não há outra atitude exceto a de aceitar a decisão das urnas. Seja ela a que desejamos ou não. Esta é a essência do processo democrático. Deste modo, tão logo apurado o último voto, iniciamos o trabalho junto ao Governador do Estado para que o mais votado fosse nomeado, conforme o ofício APMP nº 26/06 (veja matéria nesta edição). Trata-se de questão de princípios, maior patrimônio da APMP e do MP de São Paulo. Nunca aceitamos Revista APMP EM REFLEXÃO Veículo mensal de comunicação da Associação Paulista do Ministério Público. Ano II, Número 15 (2006). Tiragem: 4.000 exemplares. - e jamais o faremos – ingerência externa no processo eleitoral interno. Acredito que o caminho escolhido pela maioria deva ser o trilhado pela Instituição e, nesse sentido, os projetos do PGJ reeleito se revestem de indefectível legitimidade. Porque a democracia tem de ser assim. Discutem-se idéias, debatem-se propostas, apresentam-se os candidatos, que se submetem à escolha de todos. Depois, apurados os votos, o projeto escolhido deve ser implementado pelo eleito. Gostaria, em nome de toda a Diretoria da APMP e de todos os associados, saudar a vitória de Rodrigo César Rebello Pinho como Procurador-Geral de Justiça legitimamente eleito pelos promotores e procuradores de justiça de São Paulo. Mais ainda. Como sempre estiveram desde o início de nossa gestão, permanecem abertas as portas de nossa entidade para que o recém eleito PGJ dela possa se valer para o engrandecimento da Instituição, aliás, missão primeira de nossa APMP. Parabéns aos promotores e procuradores de São Paulo pelo espírito de civilidade demonstrado ao longo do processo eleitoral, prova da maturidade da Instituição. Elogios ao governador Geraldo Alckmin pelo acatamento à vontade dos membros do MP de São Paulo. Nesta edição trazemos entrevista exclusiva com o jurista Miguel Reale Júnior, artigo do associado Gilberto Nonaka sobre o exercício abusivo do dever nas relações de consumo e as seções a que já se acostumaram nossos fiéis leitores. Boa leitura. Conselho Editorial João Antonio Garreta Prats Cláudia Jeck Garcia de Souza Paulo Roberto Dias Júnior Sérgio de Araújo Prado Júnior Coordenação Geral Luciano Ayres João Antonio Garreta Prats Presidente Jornalista Responsável Adriana Brunelli – MTB 33.183 Redação Ayres.PP – Comunicação e MKT Estratégico (19) 3242-1180 Assessoria de Imprensa ReDe Comunicação (11) 3061-3353 Fotos Ayres.PP – Comunicação e MKT Estratégico Leandro Irmão Contraponto | Miguel Reale Jr. 06 Em defesa da Sociedade | Da indignação à ação Maxima Venia | O exercício abusivo do dever no Código de Defesa do Consumidor MP em foco | Futuro do MP X MP do Futuro Eleições | Rodrigo Pinho é de novo Procurador-Geral de Justiça Cultura e Lazer | 18 28 32 Portinari 36 Um novo velho mundo 40 Arte pincelada com maestria APMP Destinos| 14 Gastronomia | Sabor e Harmonia no país do Sol Nascente 44 Contraponto Muito se fala sobre o antagonismo que separa, no mais das vezes, advogados e promotores de justiça. Se isso é verdadeiro quando pensamos nas posições ocupadas nos feitos judiciais, o conflito desaparece quando o interesse é a ética na política e o combate à corrupção estatal. Quando a APMP aderiu ao movimento “Da indignação à ação”, encontrou companheiros dos mais variados matizes. Dentre esses parceiros de luta estão a APAMAGIS e a OAB-SP. O entrevistado deste mês, que participa ativamente do movimento, tem mais de uma faceta. Representa a advocacia, da qual é um expoente, a Academia, pelo respeitável currículo como professor universitário e autor de obras jurídicas, e o ativismo político, cuja dignidade se pretende resgatar. Ser filho de um dos maiores juristas vivos não foi decisivo na escolha da carreira de operador do Direito. Segundo Miguel Reale Júnior, “havia no meu âmago, no meu modo de ser, uma tendência para trabalhar no âmbito da justiça e em busca dela”. A APMP em Reflexão tem a honra de oferecer a seus leitores entrevista exclusiva com o advogado e jurista Miguel Reale Júnior. www.apmp.com.br Miguel Reale Júnior APMP em Reflexão: Até que ponto a influência paterna moldou seu caminho em direção ao Direito? Miguel Reale Júnior: Na verdade foi uma escolha minha, independente de qualquer influência. Tanto que fiz concomitantemente a Faculdade de Direito e a de Filosofia. Permaneci no curso de filosofia pura durante 2 anos. Depois descobri o interesse pela advocacia criminal e fui trilhar o meu próprio caminho. Evidentemente que sofri influências da figura paterna no cotidiano. Muitos valores me foram transferidos. Mas creio que havia realmente no meu âmago, no meu modo de ser, uma tendência para trabalhar no âmbito da justiça e em busca dela. APMP: A APMP participa do movimento “Da indignação à ação”. Qual o objetivo desse movimento? MRJ: Estamos num momento em que há uma degenerescência das instituições. Sentimos por isso uma responsabilidade de contribuir para que o presente melhore e que no futuro se garantam condições para o livre exercício da democracia no país. Isso porque jamais houve na vida política brasileira tamanho comprometimento ético e moral das instituições. Se a política sempre trouxe a busca de vantagens ou a troca de favores, o que ocorre agora é extremamente grave, porque a política virou negócio, com decisões tomadas não em função de interesses de políticas estabelecidas ou de compartilhamento de poder, mas por intermédio do negócio puro e simples. E isso compromete integralmente a democracia. Como os formadores de opinião enxergam o MP Estamos num momento em que há uma degenerescência das instituições. Sentimos por isso uma responsabilidade de contribuir para que o presente melhore e que no futuro se garantam condições melhores de exercício da democracia no país. www.apmp.com.br Contraponto Se a política sempre trouxe a busca de vantagens ou a troca de favores, o que ocorre agora é extremamente grave, porque a política virou negócio, com decisões tomadas não em função de interesses de políticas estabelecidas ou de compartilhamento de poder, mas por intermédio do negócio puro e simples. E isso compromete integralmente a democracia. APMP: Quais frutos já foram colhidos? MRJ: Houve reunião de inúmeras entidades, do âmbito jurídico, empresariais, de bairro etc., que produziram um manifesto em sessão emocionante no Centro Acadêmico XI de Agosto. Os temas eram, e são ainda hoje, a exigência das apurações e das respectivas punições daqueles que estão envolvidos no “mensalão” e na corrupção de órgãos públicos. Ao mesmo tempo, pregava-se a promoção de ações em favor de uma reforma política para garantir a transparência e a dignidade das eleições de 2006. APMP: O aparente “perdão” da opinião pública ao presidente Lula, como pesquisas eleitorais recentes poderiam sugerir, arrefece de algum modo esse movimento? MRJ: Primeiro, eu não acho que tenha havido perdão. O que houve foi um esquecimento dos fatos que estavam sendo veiculados pelo rádio e pela televisão todos os dias, mas do final do ano até o mês de março não foram noticiados com a mesma intensidade. E grande parte da população, especialmente das classes D e E, estão muito envolvidas com sua sobrevivência e, portanto, esses fatos saem da memória. Mas quando voltarem... Ou seja, a questão ética não está superada. APMP: Mas os índices econômicos aparentemente favoráveis não podem obscurecer o debate? MRJ: Imaginar que a eleição vai se disputar exclusivamente no campo da economia é tolice de alguns “marqueteiros”. www.apmp.com.br A questão ética preocupa, e muito, a população em geral, especialmente o povo sofrido, que leva uma vida digna e que se revolta quando vê a desonestidade imperar na vida política brasileira. Basta constatar que no mês de março os fatos voltaram à tona de forma bastante grave e a recente pesquisa do Datafolha (N.R: pesquisa publicada na edição de 19.3.06 do jornal Folha de S.Paulo) mostra uma queda muito acentuada do prestígio do presidente Lula. APMP: Depois de mais uma crise assolando o regime presidencialista, ainda tem esperanças de implantação do parlamentarismo no Brasil? MRJ: É difícil ter uma posição de expectativa, dizendo que ainda tenho esperança. Eu lutaria por um regime parlamentarista e respondo aos que condicionam o parlamentarismo à existência de partidos fortes, que jamais teremos partidos fortes sem o parlamentarismo. Esse regime vai condicionar a formação de maioria e minoria em torno de projetos de ação governamental. Mas é fundamental que no parlamentarismo se estabeleça uma reforma do sistema eleitoral. APMP: Como assim? MRJ: O sistema eleitoral, tal como adotado no Brasil há muitas décadas, esfacela os partidos políticos. Então, mais importante que o parlamentarismo para fortalecer os partidos políticos é uma mudança no sistema eleitoral. Mas não é possível pensarmos em parlamentarismo com um sistema proporcional como o que adotamos. É necessário um sistema proporcional, mas com voto distrital misto ou com o sistema de listas partidárias. APMP: A segurança pública ocupa cada vez mais o debate eleitoral, inclusive no plano federal. Quais, de fato, são as principais contribuições e funções da União na Segurança Pública? MRJ: A União, que foi absolutamente omissa nesse campo durante o governo Lula, tem a obrigatoriedade de fixar uma política nacional de Segu- A questão ética preocupa, e muito, a população em geral, especialmente o povo sofrido, que leva uma vida digna e que se revolta quando vê a desonestidade imperar na vida política brasileira. Quem é Miguel Reale Júnior Advogado, é professor titular de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Foi Secretário Estadual da Administração (governo Covas), Secretário Estadual da Segurança Pública (governo Montoro) e Ministro da Justiça de 3 de abril a 10 de julho de 2002 (2º governo de FHC). Autor de diversas obras jurídicas, aventurou-se com sucesso na ficção, com “Dez Mulheres” e “Avessos”, ambos pela Editora Manole. O terceiro livro, segundo nosso entrevistado, está “no forno”. www.apmp.com.br Contraponto Miguel Reale: Um espelho para o jurista rança Pública. Não se ouviu, em momento nenhum, o Ministério da Justiça falar sobre isso ou sobre a fixação de projetos de cunho social no campo da segurança pública. Nem mesmo as verbas dos convênios decorrentes da lei que criou o fundo nacional de segurança pública estão sendo distribuídas. A distribuição não chegou a 10% das verbas previstas no orçamento. APMP: Em relação à Polícia Federal, como tem visto a nova política de atuação? MRJ: A Polícia Federal teve um pequeno aumento de efetivo, muito aquém do necessário. Nós tínhamos proposto a criação de uma Guarda Nacional, com exigência de curso médio, e não universitário, para realizar tarefas que permitissem retirar os policiais 10 www.apmp.com.br federais de funções como controle de aeroportos e de passaportes, mas houve uma oposição até do PT na aprovação dessa medida provisória. APMP: Mas as mega-operações da Polícia Federal dão a impressão de que tem havido grandes investimentos... MRJ: A Polícia Federal concentra suas atividades em Brasília, com aproximadamente 200 policiais federais que fazem grandes operações de repercussão na mídia, cujos gastos são muito elevados. Esse aparato de deslocamento para grandes apreensões é absolutamente desnecessário. Enquanto isso, as superintendências estaduais estão à míngua, sem recursos para pagar contas de luz e nem agentes para fazer intimações. Então, a Polícia Federal tem sido apenas vitrine para expor através da mídia eficiência com relação a fatos que teriam repercussão. Filho de um dos mais renomados juristas do país, Miguel Reale Júnior teve uma fonte de inspiração em sua própria família. Seu pai, Miguel Reale, cujos atributos e qualificações podem listar inúmeras páginas, apresenta um vasto currículo de vida acadêmica, empresarial, jurídica e também méritos e condecorações muito merecidas. Miguel Reale, advogado, jurista, professor, filósofo e poeta, nasceu em São Bento da Sapucaí - SP, em 6 de novembro de 1910. Formou-se em Direito pela Universidade de São Paulo em 1934. Dedicou-se desde cedo a intensa atividade no jornalismo, na política e no ensino. Iniciou sua carreira no magistério quando ainda estudante, lecionando Latim e Psicologia em um curso préjurídico de 1933 a 1935. A bibliografia fundamental de Miguel Reale compreende obras de Filosofia, Filosofia Jurídica, Teoria Geral do Direito, Teoria Geral do Estado, além de monografias e estudos em quase todos os ramos do Direito Público e Privado. Conquistou, por concurso, a cátedra de Filosofia do Direito na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em 1941, apresentando a tese “Os fundamentos do Direito”, com a qual tem início nova fase na doutrina jurídica nacional. Seu livro “Teoria do Direito e do Estado” (1940) é considerado uma referência nesse campo do conhecimento jurídico-político. Fez parte do Conselho Administrativo do Estado de São Paulo, de 1942 a 1945, tendo sido autor de várias refor- mas fundamentais na legislação paulista, principalmente no plano da educação e da cultura. Em 1947 foi Secretário da Justiça do Estado de São Paulo, instituindo o Departamento Jurídico do Estado e criando a primeira “Assessoria Técnico-Legislativa” do País, que serviu de modelo para outros Estados e ao próprio Governo Federal. Em 1962, após intensa atividade no Partido Social Progressista, do qual foi Vice-Presidente, foi novamente Secretário da Justiça de São Paulo em 1964, notabilizando-se pela corajosa defesa da autonomia do Estado contra ilícitas interferências do Governo Federal, além de criação de importantes órgãos na área da Justiça, como as primeiras Varas Distritais da Capital, e de plano de reforma agrária mediante a utilização das terras devolutas estaduais. Miguel Reale fundou as revistas Panorama, em 1936, e a Revista Brasileira de Filosofia, em 1951 - a mais antiga revista filosófica da América Latina, já com quase meio século de contínua publicação trimestral. É presidente do Instituto Brasileiro de Filosofia, tendo presidido por duas vezes a Sociedade Interamericana de Filosofia. Com cerca de 60 livros e centenas de artigos em jornais e revistas do País e do estrangeiro, nos últimos anos firmou seu nome também como poeta e memorialista, sendo membro efetivo das Academias Brasileira e Paulista de Letras, bem como da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e de várias entidades culturais internacionais. Possui diversos títulos honoríficos. Em 1980, recebeu o título de Professor Emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Foi membro do Conselho Federal de Cultura, de 1974 a 1989. Costuma-se dizer que Miguel Reale, em toda a sua vida, soube manter-se fiel ao lema escrito no primeiro livro de sua juventude: teorizar a vida e viver a teoria na unidade indissolúvel do pensamento e da ação. APMP: Como advogado, qual sua opinião sobre as operações da Polícia Federal que atingiram diversos escritórios de advocacia? MRJ: A responsabilidade, nesses casos, não é totalmente da Polícia Federal, mas também de alguns juízes federais que passaram a determinar, de forma indiscriminada, a busca e apreensão de papéis que eventualmente pudessem ser importantes. Muitas vezes o advogado é co-réu e deve ser investigado, mas querer acessar documentos que o advogado recebe em confiança do cliente para análise, isto, com certeza, fere o direito de defesa. Miguel Reale, em toda a sua vida, soube manter-se fiel ao lema escrito no primeiro livro de sua juventude: teorizar a vida e viver a teoria na unidade indissolúvel do pensamento e da ação. Eu lutaria por um regime parlamentarista e respondo aos que condicionam o parlamentarismo à existência de partidos fortes, que jamais teremos partidos fortes sem o parlamentarismo. APMP: E a participação do Exército na Segurança Pública, tal como ocorreu na recente ocupação de morros no Rio de Janeiro em busca de armamento roubado? MRJ: No caso do Rio de Janeiro é a terceira vez que o Exército atua. A primeira foi em 1994, depois em 2003. Já é a segunda vez no governo Lula, com resultados extremamente danosos de confronto com a população e de tiros perdidos. Os recrutas, evidentemente, não estão pre- www.apmp.com.br 11 Contraponto parados para a tarefa de policiamento urbano e sim para atacar o inimigo. Porém, fazer o policiamento de rua não é se confrontar com o inimigo. O Exército é importante em operações de forças-tarefas, quando se estabelece uma cooperação, e especialmente para trabalhar no campo da inteligência, do planejamento em conjunto com as forças policiais. Por exemplo, fazer o policiamento de fronteira no Rio de Janeiro, em operações conjuntas com a Marinha no controle da Baía de Guanabara. APMP: O problema da Segurança Pública é mais de polícia, de legislação ou de políticas públicas? MRJ: Há um problema de omissão do Estado na atenção aos bairros mais desprotegidos das grandes cidades. Nós, evidentemente, não somos uma China, mas temos um número elevadíssimo de grandes cidades e quando um conglomerado humano passa de 500 mil habitantes os problemas da criminalidade surgem. É necessário que o Estado esteja presente por via da Justiça, do Ministério Público, da Procuradoria, da Defensoria Pública. Isso é fundamental e, para que ocorra, é preciso possibilitar o acesso à Justiça através dos Centros Integrados de Cidadania, dos Plantões Sociais, das Ouvidorias Populares. São vários projetos de viabilização do acesso à Justiça pela população mais pobre que iniciamos no Ministério da Justiça e que, infelizmente, foram paralisados. APMP: Qual sua opinião sobre a proposta da Secretaria de Administração Penitenciária de que o próprio Estado possa autorizar a progressão de regime se o Judiciário não o fizer em até 30 dias? MRJ: A proposta parte de secretários com uma visão pragmática e sem nenhum fundamento jurídico e teórico. E a Constituição, onde fica nesse processo esdrúxulo? O juiz não decidiu, então passa para a administração?! É possível apresentar um projeto dessa natureza? É só analisar um pouco e tentar imaginar o processo com um juiz parcial. É ridículo. APMP: Sobre a atuação do Ministério Público, sobretudo no combate à corrupção estatal, qual a sua avaliação? MRJ: Acho muito importante a atuação do Ministério Público, especialmente na condução de ações de improbidade administrativa e ações civis públicas. Também acho importante que ele se dedique efetivamente a fazer apurações, junto com a polícia, de atos lesivos ao patrimônio público. Mas, infelizmente, o Ministério Público Federal tem sido absolutamente omisso. A recente exibição do extrato da conta bancária do 12 www.apmp.com.br Acho muito importante a atuação do Ministério Público, especialmente na condução de ações de improbidade administrativa e ações civis públicas. Também acho importante que ele se dedique efetivamente a fazer apurações, junto com a polícia, de atos lesivos ao patrimônio público. Mas, infelizmente, o Ministério Público Federal tem sido absolutamente omisso. caseiro Francenildo é, a meu ver, crime de responsabilidade do Ministro da Fazenda. Porque, evidentemente, ele é o responsável pelo fato de uma instituição financeira, que está sob seu comando, violar o sigilo bancário de um depoente que traz a público fatos que lhe são desairosos. E onde está o Ministério Público Federal? (NR. Quando da concessão dessa entrevista, o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci ainda não havia sido indiciado pela Polícia Federal). APMP: O maior problema do Poder Judiciário é a falta de recursos ou a forma de gestão desses recursos? MRJ: As duas coisas. Acho que falta gestão pela ausência de pessoas especializadas na administração pública. E esta é uma das grandes lutas e inovações do Ministro Jobim, que realizou um trabalho importante de levantamento da situação da Justiça no Brasil. Ao mesmo tempo, ele propôs a adoção de medidas de ordem administrativa e que pessoas formadas em Administração Pública gerenciem essa grande empresa de prestação de serviços que é a Justiça. E faltam verbas também. APMP: A função primordial dos Conselhos Nacionais não seria justamente avaliar a gestão dessas “empresas” chamadas Poder Judiciário e Ministério Público? MRJ: Acho que o Ministro Jobim já iniciou essa tarefa e é necessário dar continuidade a isso para que não haja apenas mudanças na legislação. Mas não acredi- to em alterações no campo efetivo da administração e que o Judiciário abra mão do poder de se autogerir. APMP: Em quais juristas se espelhou? MRJ: Na vida brasileira, unindo política e direito, sem dúvida alguma Rui Barbosa. Especialmente nos discursos em sua segunda campanha presidencial, quando ele levanta os problemas sociais do país. Eu diria que, no campo do direito penal, o professor que me marcou pelo seu rigor teórico e pela atenção que dava à história do direito brasileiro foi Basileu Garcia. APMP: Depois de se consagrar como autor de obras jurídicas, o que o levou à ficção? MRJ: Tenho dois livros de contos. O primeiro foi “Dez Mulheres” e o segundo “Avessos”. Neste segundo livro são cinco pares de contos e “contracontos”. São situações existenciais similares que os personagens enfrentam de maneira diferente, mostrando que as decisões sempre residem em nós mesmos. É o sentido da responsabilidade do homem pelo seu próprio destino e, muitas vezes, a constatação de que qualquer que seja a nossa decisão, ela sempre será insatisfatória. Acho que falta gestão pela ausência de pessoas especializadas na administração pública. E esta é uma das grandes lutas e inovações do Ministro Jobim, que realizou um trabalho importante de levantamento da situação da Justiça no Brasil. Ao mesmo tempo, ele propôs a adoção de medidas de ordem administrativa e que pessoas formadas em Administração Pública gerenciem essa grande empresa de prestação de serviços que é a Justiça. www.apmp.com.br 13 D Em defesa da Sociedade a Indignação à Ação Indignado com a grave crise política no país, um grupo formado por advogados, promotores e procuradores de justiça, militantes de defesa dos direitos humanos, empresários e cidadãos inconformados com a situação decidiu não ficar de braços cruzados. Assim surgiu o movimento “Da Indignação à Ação”, sendo um de seus idealizadores o jurista e ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior. O movimento, que ganhou força nacional, atua em diversos setores do vida política brasileira. O apoio ao trabalho das CPIs, a defesa do fortalecimento da Justiça Eleitoral e a cobrança da apuração das denúncias de corrupção, bem como a punição dos responsáveis, são algumas das bandeiras defendidas pelo movimento. E é desta filosofia que a APMP, juntamente com a sociedade, compartilha. Veja a repercussão dos fatos... OAB-SP oferece tribuna ao caseiro Francenildo O caseiro Francenildo Santos Costa, que teve o seu sigilo bancário quebrado de forma ilegal após revelar que o ex-ministro da Fazenda, Antonio Palocci, freqüentava uma casa alugada em Brasília por Vladimir Poleto (ex-assessor de Palocci em Ribeirão Preto), foi convidado pela Ordem dos Advogados do Brasil, seção São Paulo, para uma homenagem simbólica. Costa terá a tribuna da casa para expor mais uma vez a sua versão dos fatos. O convite partiu do ex-ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior, e do deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ). A OAB é uma das idealizadoras do movimento “Da indignação à ação”, enquanto o deputado é um dos líderes do Grupo Pró-Congresso. Notícia publicada pelo site Terra em 27/03/2006 14 www.apmp.com.br Movimento Pró-Congresso pedirá impeachment de Lula ael Guerra SÃO PAULO - O deputado federal Raf eira, na OAB-SP, (PSDB-MG) anunciou nesta quinta-f qual é um dos que o Movimento Pró-Congresso, do semana com um integrantes, deve entrar na próxima eachment conpedido de abertura de processo de imp Silva, por crime tra o presidente Luiz Inácio Lula da violação do sigilo de responsabilidade no episódio de tos Costa. bancário do caseiro Francenildo San público em hoO anúncio foi feito durante o ato OAB-SP, com a menagem ao caseiro promovido pela stas. Para Guerra, o presença de parlamentares e juri da operação que presidente teria tido conhecimento eiro. resultou na quebra de sigilo do cas , Miguel Reale Jútiça Jus O jurista e ex-ministro da à Ação, disse que se nior, do Movimento da Indignação vio da iniciativa da o presidente teve conhecimento pré de impeachment é cabíCaixa Econômica Federal, o pedido ar o grau de um possível vel, mas antes é necessário investig o. envolvimento do Chefe do Govern O Estado de S. Paulo em pelo Trecho de matéria publicada 30/03/2006 Gabeira particip a de ato em Sã O Movimento da o Paulo Indign ação à Ação, a O hoje, na Faculdad AB-SP e o Grupo e de Direito da Pró-Congresso re USP, no Largo Sã alizam Paulo), ato públic o Francisco (cen o em apoio às CP tr o de Is São dos Correios e do fortalecimento da s Bingos e pelo Justiça Eleitoral. Além do presiden da CPI dos Corr te e do relator eios, senador Del cidio Amaral (PTOsmar Serraglio MS) e deputado (PMDB-PR), resp ectivamente, co na manifestação nfirmaram presen o coordenador ça do Grupo Pró-Co Rafael Guerra (P ngresso, deputa SDB-MG), e o de do putado Fernando Os participantes Gabeira (PV-RJ). do ato vão defe nder medidas qu zação da lisura e visem à fiscalinas eleições de 2006 e o incent crimes eleitorais iv o ao projeto de lei do , encaminhado ao s Congresso pelo toral (TSE). Tribunal Superio r EleiDe acordo com o advogado e ex-m inistro da Justiça dos articuladores Miguel Reale Jr., do movimento, um “há necessidade CPIs para que as de apoiar o trabalho investigações se ja das m ap do Executivo, e rofundadas, sem indicados todos ob st ác ul os po r parte os responsáveis dos recursos”. pelos atos ilícito s e a origem Trecho da report agem publicada pela Folha Onlin e em 10/12/2005 www.apmp.com.br 15 O Em defesa da Sociedade caseiro que derrubou o Ministro Davi X Golias. Impossível não lembrar desta histórica luta quando lembramos do embate Francenildo X Palocci. Um simples caseiro contra o superministro, braço direito do presidente Lula e último pilar do “núcleo duro” do governo federal, depois da queda de José Dirceu, José Genoino e Luiz Gushiken. A disputa ganhou ares ainda mais épicos, se levarmos em consideração o aparato mobilizado para tentar desmoralizar o humilde nordestino. De um lado, sigilo bancário quebrado e pesadas acusações lançadas por vários senadores e deputados federais. Do outro, a única arma do pacato cidadão: a sua palavra. Francenildo percorreu o caminho do purgatório, inferno e agora, assustado, se vê lançado à categoria de personalidade pública. Uma vez mais Davi venceu Golias. 16 www.apmp.com.br Para entender o caso: Dia 16/03 Dia 16/03 Dia 17/03 Dia 23/03 Dia 30/03 Dia 27/03 Dia 04/04 O caseiro presta as primeiras declarações Sessão da CPI dos Bingos é suspensa por liminar do STF O sigilo bancário do caseiro é quebrado e veiculado na revista Época PF afirma que COAF solicitou investigações contra Francenildo ao argumento de lavagem de dinheiro Ministro Palocci e o presidente da Caixa Federal são acusados de quebra do sigilo bancário do caseiro. Palocci renuncia ao cargo de ministro da Fazenda. Palocci é indiciado pela Polícia Federal pelo crime de violação de sigilo funcional. Maxima Venia O objetivo principal desta tese é demonstrar que não apenas o descumprimento das obrigações impostas pelo CDC ao fornecedor de produtos e serviços deve ser objeto de repressão, mas também o seu cumprimento de forma abusiva, principalmente quando esta conduta não se encontra expressamente prevista na legislação vigente. A previsão do exercício abusivo do dever como prática abusiva servirá para solucionar os casos mais difíceis. Não se confunde com o exercício abusivo do direito, porque o titular do direito possui a faculdade de exercê-lo, opção inexistente em se tratando de dever. O exercício abusivo do dever no Código de Defesa do Consumidor 1. Introdução O legislador constituinte, atento à realidade social, ao tratar “dos direitos e deveres individuais e coletivos”, no inc. XXXII do art. 5° da CF estabeleceu que o Estado deveria promover, na forma da lei, a defesa do consumidor. Além disso, incluiu a defesa do consumidor entre os princípios gerais da atividade econômica (art. 170, inc. V). E se não bastasse, no art. 48 do ADCT determinou ao Congresso Nacional que, no prazo de cento e vinte dias, elaborasse o Código de Defesa do Consumidor (CDC). E em cumprimento à norma constitucional transitória, em 11 de setembro de 1990 foi publicada a Lei n° 8.078. 18 www.apmp.com.br Também não se compara com o exercício abusivo do poder, porque partimos do pressuposto de que o CDC trouxe a igualdade entre fornecedor e consumidor, determinando um tratamento desigual entre desiguais. Além disso, o exercício abusivo do dever poderia ocorrer não apenas em atividades públicas, onde há o poder estatal, ainda que exercido por empresas privadas, mas também em atividades tipicamente privadas. Enfim, o reconhecimento do exercício abusivo do dever como prática abusiva seria mais um instrumental posto à disposição para a proteção do vulnerável consumidor. Gilberto Nonaka Promotor de Justiça em São Paulo Mestre em Direito das Relações Sociais Assim, restou criado o microssistema de proteção do consumidor, autônomo, que é lei de natureza principiológica e que, em matéria de relação de consumo, como regra geral, prevalece sobre qualquer outra legislação (Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, “Código Civil anotado”, RT, 2a. ed., 2003, p. 906). E o CDC assegurou ao consumidor final inúmeros direitos, impondo, por conseqüência, deveres para serem exercidos pelos fornecedores de produtos e serviços. Segundo Paulo Dourado de Gusmão, o direito subjetivo é um reflexo da bilateralidade da norma iuris, a qual confere a uma pessoa um direito e a outra um dever. Desta forma, o conceito de direito subjetivo está intimamente ligado ao de dever jurídico (“O abuso do direito”, Contribuição de nossos associados para a Sociedade A Revista APMP em Reflexão abre espaço para os seus associados divulgarem artigos de interesse da comunidade e com isso aproximar nossa Instituição do destinatário final de nossas ações: o cidadão. As condições para a publicação estão disponíveis na página: www.apmp.com.br/ apmpemreflexao/maximavenia. Colabore e escreva para: [email protected], com sugestões de matérias ou artigos. Os artigos da seção Maxima Venia são assinados, não refletindo necessariamente a opinião do Conselho Editorial da Revista APMP em Reflexão Rev. Forense, vol. CXVIII, fascículo 541, 1948, p. 361). É certo, porém, que mesmo com a existência do aludido microssistema de proteção do consumidor, não podemos deixar de manter o controle da atividade comercial porque, segundo Mario Bessone, controlar a empresa significa colocar-lhe limite: na medida em que o controle é mais acentuado, nesta mesma medida se presume que maior será a tutela dos prejudicados (“Profili della responsabilità del produttore nell´esperienza italiana”). Assim, os interesses protegidos pela lei fundamental e em leis extravagantes devem ser aperfeiçoados continuamente, de modo a não deixá-los enrijecer-se em fórmulas solenes e vazias, mas visando mantê-los vivos e fazendo-os crescer. Pois não é suficiente a sua promoção ou controle, sendo necessária a efetiva garantia destes direitos. Não basta o Código do Consumidor para impedir as violações nas relações de consumo: o direito é fruto da cultura humana, não é apenas um dado da natureza, mas um construído pela ação humana em sua incessante comunicação social, de forma que somente com a efetiva e quotidiana participação do jurista em atividades de apoio social, conciliatórias e de fiscalização das atividades públicas, em conjunto com uma interpretação jurídica do caso concreto que leve em consideração as condições sociais, econômicas, políticas e culturais do país, estaremos construindo a história dos direitos do www.apmp.com.br 19 Maxima Venia homem enquanto consumidor (cf. Heron José Santana, em “Responsabilidade civil por dano moral ao consumidor”, Ed. Nova Alvorada, 1997, p. 103). Ocorre que, ao impor inúmeros deveres aos fornecedores no CDC, o legislador, na maioria dos casos, não preestabeleceu quaisquer limitações ao seu exercício, ensejando o surgimento do abuso. Não se tratam dos abusos expressamente mencionados pelo CDC e descritos como práticas abusivas, cláusulas abusivas, ofertas enganosas, publicidades abusivas, etc. O abuso a que nos referimos é aquele encontrado no exercício do dever imposto pelo CDC ao fornecedor, mas de forma anormal, irregular, com o objetivo de obter alguma vantagem adicional, causar prejuízo desnecessário ao consumidor ou praticar ato anti-social. Como se vê, há estreita relação entre os exercícios abusivos do dever e do direito. A diferença básica está no fato de que, no caso do direito, este pode ou não ser exercido pelo fornecedor, ao passo que o dever imposto pelo CDC deve sempre ser cumprido por ele. É o caso da oferta de produtos ou serviços por meio de publicidades, que é um direito do fornecedor. Mas, uma vez optado por veicular a publicidade, o fornecedor passa a ter o dever, v.g., de levar ao consumidor a informação verdadeira sobre o produto ou serviço oferecido (CDC, art. 37, § 1°). Segundo Luiz da Cunha Gonçalves, o exercício do direito não é obrigatório; o seu titular ou sujeito pode realizá-lo, ou não, ou exercê-lo só em parte ou do modo que lhe aprouver. Excetuam-se os direitos que são também deveres, como o pátrio poder, a tutela etc (“Tratado de direito civil: em comentário do código civil português”, Ed. Max Limonad, vol. I, tomo I, 2a. ed. portuguesa e 1a. ed. brasileira, p. 475). Já os deveres impostos pelo CDC aos fornecedores são também direitos, mas dos consumidores. Assim, nota-se existir liberdade de escolha no exercício do direito, ao passo que o dever imposto pelo CDC é um ônus, uma obrigação, que não tolera a opção do fornecedor de produtos e serviços em cumpri-lo ou não. Paulo Dourado de Gusmão ensina que ao direito subjetivo contrapõe-se ao dever jurídico, diferenciando-se daquele por não ser renunciável, constituindo uma subordinação, uma restrição à liberdade ou ao patrimônio do homem. Daí a necessidade de ter o dever jurídico também um conteúdo social, de se conformar aos limites impostos pela moral e pelo direito, não podendo ser assim um meio de restrição dos direitos fundamentais do homem. O dever jurídico pode constituir obrigação positiva ou negativa de dar ou de fazer, podendo tanto ter um sujeito determinado como ser dirigida erga omnes, como o dever de não impedir o exercício regular do direito pelo titular (ob. cit., p. 362). Desta forma, sob o argumento de que está cumprindo o dever imposto pelo CDC, o fornecedor não pode prejudicar o consumidor, ou um terceiro, ou mesmo infringir a lei. É o caso, e.g., da tolerância de erro permitida para determinados produtos, em que o fornecedor, conscientemente, se utiliza dela em prejuízo do consumidor. Imaginemos que para um determinado produto, comer- Assinala Norberto Bobbio que enquanto os direitos de liberdade nascem contra o superpoder do Estado – e, portanto, com o objetivo de limitar o poder -, os direitos sociais exigem, para sua realização prática, ou seja, para a passagem da declaração puramente verbal à sua proteção efetiva, precisamente o contrário, isto é, a ampliação dos poderes do Estado. 20 www.apmp.com.br cializado em pacotes de 5 kg, a norma técnica oficial respectiva permita uma tolerância de erro, em prejuízo do consumidor, de até 100g. Então o fornecedor, propositadamente, comercializa os pacotes com 4,9 kg. Não haveria, in casu, descumprimento do CDC, haja vista que este considera como prática abusiva à colocação, no mercado de consumo, de qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes (inc. VIII do art. 39). E nem se poderia falar em exercício abusivo do direito, porque a aludida tolerância de erro em prejuízo do consumidor, admitida pela norma técnica, não se apresenta como um direito do fornecedor, haja vista que a informação do peso do produto é um dever imposto (CDC, art. 31). Embora sustentável que no caso mencionado o fornecedor tenha abusado de seu poder econômico, preferimos entender que o microssistema de proteção do consumidor trouxe uma igualdade entre os desiguais, fornecedor e consumidor, em razão de tratá-los desigualmente. 2. Da igualdade consagrada pelo CDC Segundo Konrad Hesse, o princípio da igualdade geral “proíbe tratar o essencialmente igual desigualmente (e o essencialmente desigual igualmente). Ele põe, como elemento fundamental do estado de direito social, aos poderes estatais, nomeadamente ao legislador, a tarefa de tomar por base para uma equiparação ou diferenciação, cada vez, critérios justos para, assim, no sentido do princípio da justiça clássico, conceder a cada um o seu” (“Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha”, Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998, p. 335). Não há dúvida de que o poder econômico, o conhecimento das técnicas de fabricação, produção, construção, importação e comercialização de produtos e serviços etc. colocam o fornecedor em condição de superioridade em relação ao consumidor. Mas será que o Estado (Poder Público) poderia intervir na relação privada de consumo, visando equilibrar a desigualdade existente? Assinala Norberto Bobbio que enquanto os direitos de liberdade nascem contra o superpoder do Estado – e, portanto, com o objetivo de limitar o poder -, os direitos sociais exigem, para sua realização prática, ou seja, para a passagem da declaração puramente verbal à sua proteção efetiva, precisamente o contrário, isto é, a ampliação dos poderes do Estado. Também “poder” – como, de resto, qualquer outro termo da linguagem política, a começar por “liberdade” – tem, conforme o contexto, uma conotação positiva e outra negativa. O exercício do poder pode ser considerado benéfico ou maléfico segundo os contextos históricos e segundo os diversos pontos de vista a partir dos quais esses contextos são considerados. Não é verdade que o aumento da liberdade seja sempre um bem ou o aumento do poder seja sempre um mal (“A era dos direitos”, Ed. Campus Ltda., 1996, p. 72). In casu, houve legítima interferência na iniciativa privada, vindo o CDC a considerar o consumidor final como o mais vulnerável no mercado de consumo (art. 4°, inc. I). É com os olhos postos nesta vulnerabilidade do consumidor que se funda o CDC, sendo certo que sua fragilidade é multifária, decorrendo ora da atuação dos monopólios e oligopólios, ora da carência de informação sobre qualidade, preço, crédito e outras características dos produtos e serviços. Não bastasse, o consumidor ainda é cercado por uma publicidade crescente, não estando, ademais, tão organizado quanto os fornecedores (Ada Pellegrini Grinover e Antônio Herman de Vasconcellos Benjamin, “Código brasileiro de defesa do consumidor, comentado pelos autores do anteprojeto”, Forense Universitária, 6a. ed., p. 7). Toda e qualquer legislação de proteção ao consumidor tem, portanto, a mesma ratio, vale dizer, reequilibrar a relação de consumo, seja reforçando, quando possível, a posição do consumidor, seja proibindo ou limitando certas práticas de mercado (Ada P. Grinover e Antonio H. de V. Benjamin, ob. cit., p. 7). Assim sendo, o CDC trouxe para a relação de con- www.apmp.com.br 21 Maxima Venia sumo a igualdade entre fornecedor e consumidor, considerando este como o mais vulnerável (art. 4°, inc. I); obrigando aquele a observar princípios como o da transparência, da boa-fé, da eqüidade (art. 4°, caput e inc. IIII) etc. E é com base nesta igualdade que podemos afirmar que determinados deveres, impostos pelo CDC ao fornecedor, podem ser cumpridos de forma abusiva. 3. Da boa-fé objetiva A idéia de boa-fé objetiva é uma regra ética de conduta. Tem um caráter normativo e se relaciona com o dever de guardar fidelidade à palavra dada. É a boa-fé lealdade (Treu und Glauben). É a idéia de não defraudar a confiança ou abusar da confiança alheia (José Fernando Simão, no artigo “A boa-fé e o novo código civil”). No sistema brasileiro das relações de consumo houve opção explícita do legislador pelo primado da boa-fé. Com a menção expressa do art. 4°, inc. III, do CDC à “boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores”, como princípios básicos das relações de consumo – além da proibição das cláusulas que sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade (art. 51, inc. IV) -, o microssistema do Direito das Relações de Consumo está informado pelo princípio geral da boa-fé, que deve reger toda e qualquer espécie de relação de consumo, seja pela forma de ato de consumo, de negócio jurídico de consumo, de contrato de consumo etc (Nelson Nery Júnior, “Código brasileiro de defesa do consumidor, comentando pelos autores do anteprojeto”, p. 438). Também o novo CC de 2002, v.g., ao tratar “do negócio jurídico”, no art. 113, e “dos contratos em geral”, em seu art. 422, passou a exigir a observância da boa-fé objetiva. Os princípios gerais de direito são regras que norteiam o juiz na interpretação da relação jurídica discutida em juízo. Os conceitos legais indeterminados e as cláusulas gerais são enunciações abstratas feitas pela lei, que exigem valoração para que o juiz possa preencher o seu conteúdo. Preenchido o conteúdo valorativo por obra do juiz, este decidirá de acordo com a conseqüência previamente estabelecida pela lei (conceito legal indeterminado) ou construirá solução que lhe parecer a mais adequada para o caso concreto (cláusula geral). Portanto, a mesma expressão abstrata, dependendo da funcionalidade de que ela se reveste dentro do sistema jurídico, pode ser tomada como princípio geral de direito (v.g. princípio da boa-fé, não positivado), conceito legal indeterminado (v.g. boa-fé para aquisição da propriedade pela usucapião extraordinária – CC, arts. 1238 e 1260) ou cláusula geral (boa-fé 22 www.apmp.com.br objetiva nos contratos – CC, art. 420). Nota-se, assim, a necessidade de valoração da conduta, pelo juiz, para saber se o fornecedor observou o princípio geral, o conceito geral ou a cláusula geral da boa-fé objetiva. É bem verdade que, diante do exercício abusivo do dever, haveria inobservância de tal cláusula ou princípio. Mas na prática, por ser a boa-fé objetiva uma enunciação abstrata, nem sempre ela é interpretada corretamente para se avaliar a conduta do fornecedor. Ao analisar, em 24/09/2004, a ação civil pública proposta em face da Adria Alimentos do Brasil Ltda., o Juízo da 31ª Vara Cível Central da Capital, depois de afirmar que não havia “quem pudesse deixar de ver uma violência disfarçada nas práticas mercadológicas, consistente em reduzir a quantidade e os ingredientes dos produtos, sem a respectiva redução do preço de venda ao consumidor, que é mantido para aqueles produtos com menor quantidade volumétrica nas embalagens e com menos ingredientes em sua composição” e que “a prática é velha conhecida em países do chamado terceiro mundo”, julgou a demanda improcedente, por entender que “o arcabouço legislativo ainda se mostra incompleto, deixando de exigir que as empresas que modificam as embalagens, a quantidade delas e a composição de seus produtos informem durante tempo razoável essas modificações, de modo a manter o consumidor informado a respeito dessas modificações”. Assim, embora reconhecendo o abuso, consistente na maquiagem dos produtos, com redução de peso e ingredientes, para majorar, disfarçadamente, o preço deles, o magistrado acabou entendendo que não havia afronta ao princípio geral ou à cláusula geral da boa-fé objetiva. Daí a necessidade de se considerar o exercício abusivo do dever como prática abusiva. Com isso, a sentença mencionada jamais poderia ser julgada improcedente, exatamente porque o juiz reconheceu, implicitamente, que o dever de informar o peso e os ingredientes na embalagem foi cumprido pelo fornecedor, mas de forma abusiva. 4. Da abusividade A noção de abuso, em princípio, está intimamente ligada ao conceito de direito, pois abusar significa exercer de maneira desproporcional e contrária aos critérios de igualdade determinada conduta reconhecida, em princípio, como lícita (Cláudio Bonatto e Paulo Valério Dal Pai, “Questões controvertidas no código de defesa do consumidor”, Livraria do Advogado, 4a. ed., p. 47). O abuso do direito, na medida em que ele sanciona o comportamento de uma pessoa que escolhe, sem uti- lidade para ela, o modo de exercício de seus direitos o mais prejudicial a outrem, ou que causa um prejuízo desproporcionado com a vantagem obtida com o exercício de seu direito, poderá igualmente servir de fundamento a uma ação do consumidor que, no âmbito de um contrato de adesão, sofreu um prejuízo desproporcionado resultante, diretamente, de um desequilíbrio flagrante entre os direitos e os deveres recíprocos dos parceiros da relação (“As tendências atuais do direito contratual no domínio da regulamentação das cláusulas abusivas”, Rev. de Dir. do Consumidor, n. 12, RT, p. 18). Isto significa que o abuso pode se dar no exercício do direito, no exercício do poder e, até mesmo, no exercício do dever. A problemática do abuso reflete, pois, o profundo sentido unitário do real e da norma, do direito e da vida. E, ao mesmo tempo, permite compreender como opções que à primeira vista se diriam extremamente teóricas ou, quando muito, respeitantes ao mero enquadramento jurídico-formal do problema, poderão levar afinal a resultados práticos por vezes bem diferenciados, mormente no que diz respeito à exata reação da ordem jurídica contra os atos abusivos (Fernando Augusto Cunha de Sá, “Abuso do Direito”, Livraria Almedina, 1997, p. 21). A esse respeito, San Tiago Dantas esclarece que aqueles que preferem a teoria do equilíbrio afirmam que a idéia do abuso do direito se coloca, principalmente, quando alguém, para exercer o seu direito, é obrigado a prejudicar o direito de outrem. Tem-se, então, um conflito entre os dois direitos, e esse conflito, que tem de ser resolvido juridicamente, precisa de um critério, critério esse que deve ser o de um equilíbrio (Programas de direito ci- vil, vol. 1, Ed. Rio, fev. de 1979, p. 371). E onde está o equilíbrio? Para que haja conflito é necessário que o direito da outra pessoa corresponda a um dever jurídico e se infrinja este dever jurídico, porque se está exercendo um direito que se tinha. A título de exemplo, verificamos que entre vizinhos se tem o dever de respeitar a propriedade alheia, mas se tem também, o de gozar da propriedade. O que acontece é que, muitas vezes, para esse gozo da propriedade, praticam-se certos atos que redundam em infringir o dever de respeitar a propriedade alheia como, v.g., se resolve aprender canto e, pelo exercício do direito, desrespeita o dever de não perturbar o sossego do vizinho. O abuso do direito se configura, então, quando, para exercer um direito, se viola um dever jurídico de muito maior importância (San Tiago Dantas, ob. cit., pp. 371/372). No caso em análise, o abuso se dá quando o forneced o r, O exercício do poder pode ser considerado benéfico ou maléfico segundo os contextos históricos e segundo os diversos pontos de vista a partir dos quais esses contextos são considerados. Não é verdade que o aumento da liberdade seja sempre um bem ou o aumento do poder seja sempre um mal. www.apmp.com.br 23 Maxima Venia para exercer o seu dever imposto pelo CDC, viola direito(s) assegurado(s) aos consumidores ou a terceiros, ou mesmo infringe a lei. Mas não se confundem os exercícios abusivos do dever e do poder, porque o fornecedor não possui poder ou autoridade sobre o consumidor, tendo em vista que, como já explicitado, o CDC visou assegurar a igualdade real entre os atores que participam da relação de consumo. Nem o fornecedor possui ascensão sobre o consumidor e nem este sobre aquele, exatamente porque a intenção é a de manter o equilíbrio entre eles. Daí porque o exercício abusivo do dever não poderia ser substituído pelo abuso ou desvio do poder, ou mesmo pelo abuso de autoridade. Segundo François Houtart, “o fenômeno da globalização é processo econômico atual que provoca o deslocamento do foco de Poder, do Estado para a empresa, em virtude da diminuição da parte do Estado como redistribuidor de riquezas e árbitro social, o que se fez pelas ondas de privatização, não somente dos setores econômicos, mas também dos serviços públicos, estratégia que pode levar à destruição política da sociedade em virtude da limitação do poder que emana da organização política parlamentar”. Entendemos, com a devida vênia, que tal posicionamento não se aplica no caso vertente, porque o Estado (Poder Público), em matéria de relação de consumo, acabou intervindo na economia privada com a edição do CDC, visando assegurar tratamento desigual entre fornecedor e consumidor, que são desiguais, considerando este o mais vulnerável, como já anteriormente explicitado. Ao criticar a teoria da absolutividade do direito subjetivo, Fernando Augusto Cunha de Sá afirma que a absoluta identidade que Planiol estabelece entre ato ilícito e ato abusivo (este apenas uma das espécies daquele, sem qualquer sinal distintivo) prescinde da diferença de sentidos que a expressão “contraditoriedade ao direito” assume quando referida ao ato ilícito e ao ato abusivo (ob. cit., pp. 331/332). É evidente, por claramente lógico, que um mesmo ato não pode ser simultaneamente lícito e ilícito e que 24 www.apmp.com.br o ato abusivo não é um ato lícito. Mas sendo um ato não-lícito, o problema que se coloca não é o de concluir, apressadamente, dando um salto de raciocínio, que é um ato ilícito, mas sim o de saber se a sua nãolicitude é tecnicamente configurável como ilicitude. Quer dizer: a contraditoriedade ao direito de tais casos não permite logicamente a qualificação do respectivo comportamento como lícito (ou seja, como conforme ao direito, para utilizar a expressão de Planiol) – e nisto tem este autor absoluta razão e, até aqui, é sério o seu argumento; mas onde ele falha, tornando-se então um verdadeiro puzzle (quebra-cabeça) dialético, é por esconder o salto de raciocínio apontado, é por fazer esquecer que não pode admitir-se sem mais que a não conformidade ao direito (ou seja, que a não-licitude do comportamento) seja forçosamente e sempre ilicitude. Pelo contrário, é o próprio abuso do direito que nos vem mostrar que entre licitude e ilicitude tertium datur : que entre a conformidade ao direito ou licitude e aquela específica desconformidade ou contraditoriedade a que se usa dar o nome de ilicitude, tem lugar uma outra espécie de contraditoriedade que é tecnicamente qualificada como abuso de direito. O ato abusivo não é, pois, tecnicamente nem um ato lícito, nem um ato ilícito, mas sim, pura e simplesmente ... um ato abusivo. Assim sendo, poderíamos agir em conformidade com o direito (licitude); em desconformidade com o direito (ilicitude); ou, ainda, de forma abusiva, o que viria a configurar o abuso do direito. O mesmo raciocínio poderia ser utilizado no caso do dever. O fornecedor poderia cumpri-lo em conformidade e dentro dos limites impostos pelo CDC (cumprimento); não atender à obrigação imposta a ele pelo referido CDC (descumprimento); ou, ainda, cumprir a obrigação de forma abusiva, o que tipificaria o exercício abusivo do dever. Destarte, o exercício imoderado, anormal ou irregular do dever pelo fornecedor de produtos e serviços, causando ato anti-social ou prejuízo ao consumidor implicaria o reconhecimento do exercício abusivo do dever como prática abusiva. Importante observar que o exercício abusivo do dever pelo fornecedor pode se dar por ação ou omissão, ensejando o desenvolvimento de conduta que extrapola a execução normal imposta pela lei, acarretando desnecessária violação de direitos do consumidor, de outro fornecedor ou mesmo de terceiros, ou, ainda, infringindo a própria lei. Mas o reconhecimento do exercício abusivo do dever somente se mostra viável quando a norma não prevê, de forma expressa, os limites para o seu exercício. Se houver a previsão, o que poderá ocorrer é a violação de tais limites, pois como enfatiza Paulo Dourado de Gusmão (ob. cit., p. 367), o abuso do direito constitui transgressão de limites, porém não se trata de limites estabelecidos expressamente pelo direito, pois se o fosse não haveria direito do qual se abusava, mas sim de limites existentes no espírito, nos princípios gerais do direito, sentidos pela consciência nacional historicamente. Assim, a abusividade do dever se apresenta como um desrespeito aos limites existentes para o seu exercício, que não se encontram delineados, expressamente, pelo ordenamento jurídico. O dever, que ensejaria o exercício abusivo por parte do fornecedor, poderia ser dividido em: dever de proteção; dever de informação; dever de reparar os danos; dever de manutenção; dever de prova; e dever de respeito. Mas a aludida divisão seria feita apenas para fins didáticos, porque a mesma conduta pode representar o exercício abusivo do dever de proteção e do dever de informação. 4.1. Dever de Proteção A civilização industrial, se por um lado deu ao homem instrumentos decisivos de domínio sobre as forças naturais, por outro suscitou um sem-número de riscos insuspeitados de dano à saúde ou à incolumidade públicas (Fábio Konder Comparato, “Proteção do consumidor: importante capítulo do direito econômico”, RDP n. 80, out. a dez. de 1986, p. 191). E a sociedade de consumo se cruza com a sociedade de risco, uma vez que a primeira é organizada para a satisfação das necessidades da oferta e da procura por produtos, ao passo que a segunda representa um estágio avançado da sociedade industrial decorrente do processo de modernização e se conscientiza de seus efeitos catastróficos secundários a longo prazo (Fabiana Maria Martins Gomes de Castro, “Sociedade de risco e o futuro do consumidor”, Rev. Dir. Cons. n. 44, RT, pp. 123/124). Nesta categoria de dever estariam incluídas todas as estipulações de proteção à vida, à segurança, à integridade física e à saúde que o produto ou serviço, ou mesmo a atividade comercial desenvolvida, pudessem expor a perigo. Assim, v.g., seria dever do fornecedor garantir a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos, a teor do disposto no inc. I do art. 6º do CDC. E tal a importância deste dever que “deixar de comunicar à autoridade competente e aos consumidores a nocividade ou periculosidade de produtos cujo conhecimento seja posterior à sua colocação no mercado” configura ilícito penal (CDC, art. 64). Seria exemplo de exercício abusivo do dever de proteção o recall desnecessário, onde o dever estaria sendo exercido pelo fornecedor, mas de forma abusiva, pois a sua intenção aparente seria a de garantir a segurança do consumidor, como determina a legislação, ao passo que a real seria a de levar o referido consumidor até o showroom de seus concessionários, visando oferecer-lhe a troca de seu automóvel usado por um novo. 4.2. Dever de Informação A informação e o dever de informar tornam realizável o direito de escolha e autonomia do consumidor, fortemente reduzida pelos modos contemporâneos de atividade econômica massificada, despersonalizada e mundializada. Nessa direção, recupera parte da humanização dissolvida no mercado e reencontra a trajetória da modernidade, que prossegue o sonho mais alto do iluminismo, a capacidade de pensar e agir livremente, sem submissão a vontades alheias, cada vez mais difícil na economia globalizada de Estados e direitos nacionais enfraquecidos, em que as principais decisões econômicas são tomadas por conselhos de administração de O exercício imoderado, anormal ou irregular do dever pelo fornecedor de produtos e serviços, causando ato antisocial ou prejuízo ao consumidor implicaria o reconhecimento do exercício abusivo do dever como prática abusiva. www.apmp.com.br 25 Maxima Venia empresas transnacionais (Paulo Luiz Lôbo Netto, “A informação como direito fundamental do consumidor”, Rev. do Dir. do Cons. n. 37, RT, p. 76). O exercício abusivo do dever de informação poderia ocorrer, v.g., na hipótese já mencionada, envolvendo a denominada maquiagem de produtos. É o caso em que o fornecedor informa na embalagem, de forma singela, a quantidade, a metragem ou o peso dos produtos comercializados, mas sem esclarecer ao consumidor final a redução proporcionada, que acarretou o aumento disfarçado do preço. In casu, o dever de informar foi exercido, mas de forma abusiva. 4.3. Dever de Reparar o Dano O CDC impõe ao fornecedor o dever de reparar os danos patrimoniais e morais que vier a causar (CDC, art. 6°, inc. VI), que pode ser exercido de forma abusiva. Imaginemos o caso de determinada empresa de seguro, pertencente a uma holding company envolvendo bancos e operadoras de cartões de crédito, que simplesmente passa a impor obstáculos para o pagamento das indenizações, alegando supostas ocorrências de fraudes e obrigando a que o segurado procure pelo Poder Judiciário. Enquanto a controvérsia é resolvida definitivamente, o que exige o transcurso de vários anos, tal empresa passa a empregar o valor das aludidas indenizações no financiamento de cartões de crédito e cheque especial, auferindo exorbitante rendimento. Ao final da contenda, caso venha a ser condenada, o valor das indenizações devidas será atuali- zado pelos índices da caderneta de poupança, que é extremamente inferior ao que é cobrado para os débitos de cartões de crédito e cheque especial. Destarte, no caso mencionado, se houver simples recusa de pagamento da indenização do dano suportado pelo consumidor, isto representaria descumprimento do contrato e, por conseguinte, do dever de reparar o dano. Mas se a recusa estiver motivada em fraude que não existiu, ou em descumprimento de cláusula contratual que não ocorreu, então estaríamos diante do exercício abusivo do dever de reparar o dano. 4.4. Dever de Manutenção Com este dever, o CDC visou garantir a funcionalidade dos produtos e serviços colocados no mercado de consumo, ainda que deixassem de ser produzidos, evitando que o consumidor viesse a suportar prejuízo. Assim, e.g., o art. 32 do referido CDC estabelece que “os fabricantes e importadores deverão assegurar a oferta de componentes e peças de reposição enquanto não cessar a fabricação ou importação do produto”, ao passo que seu parágrafo único previu que “cessadas a produção ou importação, a oferta deverá ser mantida por período razoável de tempo, na forma da lei”. Mas o exercício dessa obrigação pode se dar de forma abusiva, v.g., com a demora na obtenção da peça de reposição, a tal ponto que o consumidor desista e acabe adquirindo um produto novo. Aliás, isto é muito comum de ocorrer, principalmente em se tratando de produto de pequeno valor aquisitivo, como as lâminas do aparelho de barbear elétrico. O exercício abusivo do dever de informação poderia ocorrer na (...) denominada maquiagem de produtos (...), em que o fornecedor informa na embalagem, de forma singela, a quantidade, a metragem ou o peso dos produtos comercializados, mas sem esclarecer ao consumidor final a redução proporcionada, que acarretou o aumento disfarçado do preço. 26 www.apmp.com.br 4.5. Dever de Prova Este dever obriga a que o fornecedor mantenha em seu poder os dados fáticos, técnicos e científicos das promessas feitas, ainda que implicitamente, com relação ao produto exposto à venda. O parágrafo único do art. 36 do CDC estabelece que “o fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que d ã o sustentação à mensagem”. E se o fornecedor não possuir em seu poder os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação, não à mensagem publicitária, mas sim, v.g., à afirmação inserida na bula, no rótulo ou no manual de instrução de determinado produto? Os dispositivos legais que tratam da mensagem publicitária não seriam suficientes para responsabilizá-lo, sendo certo que o dever de informação correta estaria sendo violado. Não se trata, a nosso ver, de descumprimento do dever, mas sim, de abuso do dever. Isto porque, o dever de prova estaria sendo cumprido, mas de forma abusiva. É que o fornecedor, sabedor de que, para veicular publicidade sobre seu produto ou serviço, deve manter em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem, insere tal afirmação, que não possui prova de sua veracidade, não na publicidade, mas na bula, no manual de instrução ou no rótulo. Assim agindo, ele cumpre com o dever de prova, mas de forma abusiva, pois sabe que o consumidor, ao ler aquela afirmação, automaticamente vai imaginar que o fornecedor possui prova de sua veracidade. 4.6. Dever de Respeito O dever de respeito ao consumidor é residual e mais amplo, envolvendo todos os casos que não possam ser contemplados, de forma explícita ou implícita, pelos deveres anteriormente mencionados. Exemplo de seu exercício abusivo seria o caso do posto de combustível que, possuindo vinte bombas, mandasse regular todas elas no percentual máximo de tolerância de erro, em prejuízo do consumidor, que é permitido pela norma técnica do IPEM, ou seja, 100 ml em cada 20 litros. Jamais haveria autuação por isso e, com base na legislação vigente, dificilmente se conseguiria taxar de abusiva a conduta do fornecedor, mas que representa, sem sombra de dúvida, o exercício abusivo do dever de respeito. 5. Conclusão O reconhecimento do exercício abusivo do dever como prática abusiva acabará por auxiliar na proteção do vulnerável consumidor, nos casos mais difíceis de serem solucionados. Com base na teoria do equilíbrio, utilizada para explicar o exercício abusivo do direito, é possível constatar se o dever foi cumprido de maneira abusiva, pois da mesma forma que ocorre com os direitos, também para os deveres, na generalidade dos casos, o legislador não preestabelece quaisquer limitações ao seu exercício, ensejando o surgimento do aludido abuso. E como no abuso do direito, também o dever imposto pelo CDC pode ser exercido de forma anormal ou irregular pelo fornecedor, que acaba obtendo alguma vantagem adicional ou causando prejuízo desnecessário ao consumidor. Ressalte-se que a diferença básica está no fato de que, no caso do direito, este pode ou não ser exercido pelo fornecedor, tratando-se, pois, de uma faculdade, ao passo que o dever imposto pelo CDC é uma obrigação que precisa ser cumprida por este. O não cumprimento, total ou parcial, de um dever implicaria, via de regra, o seu descumprimento. Então, a princípio, não poderia haver abuso do dever. Mas existem situações em que o fornecedor de produtos ou serviços, mesmo se locupletando, e.g., em prejuízo do consumidor, estaria cumprindo com o seu dever, diante da legislação vigente, como no caso citado, da utilização irregular, pelo fornecedor, da tolerância de erro permitida para determinados produtos. O mesmo raciocínio utilizado para diferenciar o ato ilícito do ato abusivo serviria para demonstrar que o dever poderia ser cumprido pelo fornecedor em conformidade e dentro dos limites impostos pelo CDC (cumprimento); não atender à obrigação imposta a ele pelo referido CDC (descumprimento); ou, ainda, cumprir a obrigação, mas de forma abusiva, o que tipificaria o exercício abusivo do dever. Assim sendo, o exercício imoderado, anormal ou irregular do dever imposto pelo CDC ao fornecedor de produtos e serviços, causando ato anti-social ou prejuízo ao consumidor implicaria no reconhecimento do exercício abusivo do dever como prática abusiva. www.apmp.com.br 27 MP em Foco X Futuro do MP 28 www.apmp.com.br MP do Futuro Discussão sobre fatos que repercutirão nos rumos de nossa Instituição. Invertendo a ordem ilógica Chegamos ao final da proposta inicial desta seção, ou seja, demonstrar as diversas conseqüências positivas para o Ministério Público de São Paulo com a adoção de um novo modelo de gestão institucional. O último tema arrolado em nossa primeira edição (pág. 37) se refere à modernização da estrutura de apoio ao trabalho dos promotores e procuradores de justiça. Falar em distribuição de estrutura de apoio a um agente político significa comentar uma lógica equivocada, comum à maioria das instituições e organismos públicos, mas que se torna mais aguda quando afeta o Ministério Público. A maior parte dos órgãos públicos, quando investe em prédios próprios, equipamentos e funcionários, privilegia os centros mais desenvolvidos e, dentro das maiores cidades, as regiões mais nobres. Quando deveria acontecer justamente o contrário. Se um administrador público constata que determinadas cidades ou regiões têm carências e problemas sociais graves, seria natural grande concentração de recursos e investimentos naqueles locais. Esse paradoxo tem razões antigas e, para reverter essa lógica, é preciso entendê-las. As regiões mais pobres, em regra, são carentes tam- A moderna gestão das empresas públicas exige que se prevejam vantagens reais e compensadoras aos que se propõem a trabalhar em locais menos “atraentes” A maior parte dos órgãos públicos, quando investe em prédios próprios, equipamentos e funcionários, privilegia os centros mais desenvolvidos e, dentro das maiores cidades, as regiões mais nobres bém em infra-estrutura de educação, saúde, habitação e lazer. Assim, é normal, por ser humano, que os agentes públicos, de todos os níveis, prefiram as cidades e regiões que ofereçam a si e às respectivas famílias melhores condições de vida. Basta ver a dificuldade de preenchimento de vagas de estagiários do Ministério Público em cidades menores do Interior. Óbvio que os candidatos ao estágio preferem a metrópole regional, onde em geral vivem, estudam e têm laços familiares. Um novo modelo de gestão pressupõe a existência de mecanismos para atenuar essas dificuldades de alocação de recursos humanos. Muitos anos atrás a legislação estadual previu, para juízes e promotores, a gratificação por exercício em Comarca de difícil provimento. Mas igualou, nesse particular, regiões díspares como o paupérrimo Vale do Ribeira e o pujante Grande ABC. A moderna gestão das empresas públicas exige que se prevejam vantagens reais e compensadoras aos que se propõem a trabalhar em locais menos “atraentes”. Do contrário, as disparidades sociais desses lugares só tendem a se aprofundar. E isso só depende de vontade política do administrador. www.apmp.com.br 29 MP em Foco Uma comparação útil Quando se observa a evolução do Ministério Público Federal, que até 1988 era um arremedo de instituição, muitas lições importantes podem ser extraídas. Esqueçamos a rivalidade que começa a se formar, principalmente por conta do avanço do MPF sobre atribuições nobres dos Ministérios Públicos Estaduais. Concentremo-nos nas razões que levaram o Ministério Público Federal, inegavelmente, a se tornar uma instituição forte, sem se burocratizar ou agigantar de modo perigoso seus quadros de procuradores da república. Além de exercer de modo mais firme certa discricionariedade na eleição dos casos em que atuará, uma explicação para o “sucesso” do MPF foi a opção, corre- Quanto tempo um promotor espera por um laudo pericial importante para concluir um inquérito civil? Dependendo da complexidade da matéria, terá o promotor à sua disposição um profissional de capacidade técnica semelhante à dos peritos contratados pela parte adversária na fase judicial? (vide edição nº. 3, pág. 33) Não é rara a situação em que um promotor de justiça – agente político, em tese – é obrigado a redigir, ele próprio, ofícios e cotas de ínfima complexidade ta a nosso juízo, de investir pesadamente em estrutura de apoio aos procuradores da república. Chamamos o testemunho dos promotores de justiça que trabalham na área de interesses difusos e coletivos. Chega a ser humilhante a comparação entre o nosso reduzido corpo de peritos, que atende a centenas de promotores espalhados por todo o Estado, e a equipe técnica à disposição de um único procurador da república. Nos casos mais complexos envolvendo interesses difusos e coletivos, sabe-se que qualquer medida judicial ou extrajudicial depende de um consistente laudo técnico. Se uma instituição não é capaz de produzi-lo com certa brevidade, sua eficiência estará irremediavelmente comprometida. Cabe aqui repetir duas indagações feitas há mais de um ano, neste mesmo espaço: 30 www.apmp.com.br Se pensarmos nas Promotorias instaladas nas menores Comarcas do Estado, cujos integrantes têm atuação cumulativa, a situação é dramática. Em geral, nem estagiários e oficiais de Promotoria qualificados possuem. Não é rara a situação em que um promotor de justiça – agente político, em tese – é obrigado a redigir, ele próprio, ofícios e cotas de ínfima complexidade. Nas apresentações que o Departamento de Estudos Institucionais da APMP fez por todo o Brasil apresentando o projeto de um novo modelo de gestão, dois mapas sempre chamaram a atenção. Os que comparam o nível de desenvolvimento das cidades paulistas (por meio do IDH) e o investimento em pessoal correspondente à alocação, pelo MP, de oficiais e auxiliares de Promotoria. A quase ausência de oficiais de Promotoria nas macro-regiões comprovadamente mais pobres do Estado (Vale do Ribeira e a que engloba, por exemplo, Itapeva, Apiaí, Itararé e Capão Bonito) é elucidativa quanto à falta de lógica nos investimentos, principalmente na instituição que, por definição constitucional, é a encarregada de defender o regime democrático. Isso significa a implantação de uma democracia real, e não apenas formal, com a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III, da Constituição Federal). Aqui a receita é relativamente simples: emprego de critérios técnicos e objetivos, exata compreensão da missão constitucional do MP e vontade política de inverter essa lógica desigual, que aprofunda o fosso social em nosso país. Comissão Mista começa os trabalhos Nos dias 14 e 21 de março últimos foram realizadas as duas primeiras reuniões da comissão de estudos constituída pelo Ato Normativo nº. 402PGJ/CPJ/CSMP/CGMP, de 27 de julho de 2005, para implantar o banco de dados institucional do MP, cujos integrantes foram nominados na edição anterior (pág. 37). Louve-se a iniciativa do Procurador-Geral de Jus- tiça interino, Fernando José Marques, de convocar a reunião inaugural dos trabalhos da comissão. Por acreditar no potencial do trabalho a ser desenvolvido por essa comissão, que pode, inclusive, ser o embrião do órgão de planejamento e análise inerente ao novo modelo de gestão, a APMP em Reflexão noticiará o quanto possível o desenrolar das reuniões e os resultados delas gerados. A APMP agradece a colaboração de todos os associados com críticas e sugestões. Aproveite, também, para sanar eventuais dúvidas sobre o novo modelo de gestão: [email protected] www.apmp.com.br 31 Eleições PGJ-SP R od 32 www.apmp.com.br rigo Pinho, mais votado, é nomeado Procurador-Geral de Justiça Pela segunda vez Rodrigo César Rebello Pinho comandará o Ministério Público de São Paulo. Pinho foi nomeado para o cargo de Procurador-Geral de Justiçapelo então governador do Estado, Geraldo Alckmin. A eleição, ocorrida no dia 25 de março último, contou com um total de 1.615 promotores e procuradores de justiça. Rodrigo Pinho obteve a maioria dos votos, 998 ao todo, correspondendo a 61,8% do total. O segundo lugar ficou com Luís Daniel Pereira Cintra, com 600 votos (37,2%). Em terceiro, Carlos Henrique Mund, com 413 votos (25,6%). Em último lugar, e portanto fora da lista tríplice encaminhada ao Palácio dos Bandeirantes, ficou o candidato René Pereira de Carvalho, com 255 (15,8%). O número de votos que Pinho recebeu representou a maior votação para o cargo de ProcuradorGeral de Justiça de São Paulo desde 1988. Pinho atribuiu sua nova vitória às realizações do primeiro mandato e às “profundas modificações positivas na carreira de Promotor, que melhoraram as condições de trabalho da classe”. Suas principais propostas de campanha foram a modernização do MP paulista, a defesa das prerrogativas da instituição, o combate às organizações criminosas e aos atos de improbidade administrativa, o planejamento estratégico como instrumento para atuação de promotores e procuradores e a eleição direta para escolha de todos os membros do Conselho Superior. Afirma que, para o próximo biênio, as principais metas são a busca pela aproximação do MP com a sociedade, a minimização das divergências políticas internas e a melhoria na estrutura de trabalho dos promotores. Em determinados aspectos, todos os candidatos apresentaram propostas semelhantes. Entre os pontos comuns destacaram-se a posição contrária à possibilidade de progressão de regime para condenados por crimes hediondos e a defesa do poder investigatório do MP. Entretanto, as diferenças apareceram quando se tratou de analisar questões administrativas referentes ao Ministério Publico, como orçamento, disponibilidade de recursos humanos, salário dos servidores, entre outros assuntos . www.apmp.com.br 33 Eleições PGJ-SP Com experiência de dois anos à frente da Instituição, o atual PGJ Rodrigo Pinho foi quem menos reclamou do orçamento. Para ele, a verba é suficiente para as demandas da casa. “De 2005 para 2006, a verba para o MP teve um aumento de 18,70%”, comemora. “Os recursos que temos são compatíveis com as necessidades da instituição.” Quanto à informatização, ele concorda que ainda não é a adequada. Para ele, a rede de informática tem de ser estendida para todo o estado. Um dos principais pontos da campanha de Rodrigo Pinho foi a democratização interna do MP. Sua proposta é permitir que todos os nove membros eleitos do Conselho Superior do Ministério Público o sejam por todos os promotores e procuradores. Pelas regras em vigor, apenas seis são eleitos pela classe, enquanto três são escolhidos pelos integrantes do Órgão Especial. Pretende, ainda, que qualquer membro do MP, promotor ou procurador, com mais de 35 anos de idade e pelo menos 10 de carreira, possa concorrer ao cargo de Procurador-Geral de Justiça. Hoje, apenas os procuradores podem se candidatar. O governador Geraldo Alckmin anunciou a decisão de nomear Rodrigo Pinho no dia 27 de março. Em suas palavras, “vou 34 www.apmp.com.br nomear o Procurador-Geral do Ministério Público, Rodrigo Pinho, primeiro pela sua qualidade, pela qualidade do seu trabalho no Ministério Público. Pela seriedade desse trabalho. Segundo, em respeito à própria escolha da instituição. A lei é muito clara, estabelecendo uma regra de peso e Quem é Rodrigo César Rebello Pinho Rodrigo César Rebello Pinho, 49 anos, casado há 26 com a advogada Maria Cecília Rebello Pinho, entrou para o Ministério Público em setembro de 1980. Atuou como secretário da 5ª Promotoria de Justiça Criminal da Capital e, em abril de 1992, foi promovido a Procurador de Justiça. Foi eleito em 1993 para compor o Órgão Especial do Colégio de Procuradores e, nos biênios 1994/1995 e 1998/1999 integrou o Conselho Superior do Ministério Público. Foi diretor da Escola Superior do MP, ocupou a chefia de gabinete do ProcuradorGeral de Justiça (2002 e 2003) e é Professor de Direito Constitucional. Desde abril de 2004, é Procurador-Geral de Justiça do estado de São Paulo, cargo para o qual foi renomeado também para o biênio 2006/2008. contra-peso. A instituição escolhe. Ela elege três. Quem nomeia é o governador do Estado. Então, o governador não é obrigado a nomear o primeiro. Pode nomear o segundo, pode nomear o terceiro. (...) Mas em razão do trabalho que o doutor Rodrigo Pinho já fez e em respeito também ao resultado da escolha por parte dos membros da instituição, ainda hoje eu vou nomear o doutor Rodrigo Pinho e amanhã estará publicado no Diário Oficial”, finalizou Alckmin. A APMP em Reflexão parabeniza o novo Procurador-Geral de Justiça de São Paulo, Rodrigo César Rebello Pinho. Boa sorte nesta nova jornada em prol do MP paulista! APMP luta pela democracia. Sempre! O presidente da APMP, João Antonio Garreta Prats, enviou ofício ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, solicitando a nomeação do candidato mais votado pela Classe. Compromisso inabalável da APMP com a democracia interna. Veja o ofício: www.apmp.com.br 35 P Cultura & Lazer ortinari Arte pincelada com maestria “A arte é o espelho da pátria. O país que não preserva os seus valores culturais jamais verá a imagem de sua própria alma.” Chopin Das proféticas palavras do músico Frederick Chopin podemos extrair o verdadeiro significado do que a arte deve representar para um povo. E, no Brasil, ninguém melhor que Candido Portinari para captar a essência de tão vasto patrimônio cultural. Ele e suas telas magníficas e pinturas peculiares. Considerado o maior expoente da pintura modernista brasileira, aos 9 anos já fazia sucesso com seus desenhos. Este artista nato deixou para admiradores de sua obra um dos legados mais incríveis da história da arte brasileira. São quase cinco mil telas, de pequenos a gigantescos murais, que revelam uma ampla síntese crítica de todos os aspectos da vida brasileira. Sua obra já foi celebrada pelos mais notáveis nomes de sua geração, no Brasil e no exterior. E não é à toa que se tira o chapéu para este artista. Portinari foi o pintor brasileiro a alcançar maior projeção internacional, quando em 1935 recebeu o prêmio Carnegie, nos EUA. A partir de então, seguiram-se os três grandes painéis para a Feira Mundial de Nova York (1939), os quatro painéis para a Biblioteca do Congresso (1942), em Washington, a publicação, pela Universidade de Chicago, do primeiro livro sobre sua obra (1941), o impacto da exposição na Galerie Charpentier, em Paris (1946), a exposição itinerante em Israel e, finalmente, os monumentais painéis Guerra e Paz para a sede da ONU, em Nova York (1956). 36 www.apmp.com.br Candido Portinari foi um dos poucos brasileiros que conseguiram viver de arte. “Arte verdadeira”, fazia questão de ressaltar. Sua trajetória de sucesso começou em 1929 e depois ganhou o mundo. Portinari viaja pela Itália, Inglaterra, Espanha e se fixa em Paris. Lá, conhece Maria Martinelli, com quem mais tarde se casa, regressando ao Rio de Janeiro em 1931, quando passa a trabalhar num ritmo intenso, além de participar da comissão destinada a promover a reforma do Salão Nacional de Belas-Artes. A pedido de Assis Chateaubriand, em 1943 Portinari pinta uma série de murais para a Rádio Tupi do Rio de Janeiro, inspirados na música popular brasileira. No mesmo ano, ilustra Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. Além de pintor, Portinari também tinha grande afinidade com a política. Em 1944 filia-se ao Partido Comunista e se candidata a deputado federal por São Paulo. Portinari nunca se desligou do “Partidão”, embora tenha se afastado da política em seus últimos anos de vida. Em reconhecimento ao seu trabalho, em 1955 o International Fine Art Council, de Nova York, confere-lhe uma medalha como o melhor pintor do ano. Defendia sua liberdade de criação com unhas e dentes, mas sem jamais abandonar o compromisso com a seriedade no pintar. Tamanha era sua auto-exigência, que alguns quadros nunca eram dados como terminados. Portinari era quase um compulsivo pela pintura, a ponto de obrigar a esposa a tirar algumas telas da frente do pintor, conforme relato de seu filho João Candido Portinari. Cuidadoso e excêntrico Entre 29 de dezembro de 1903 e 6 de fevereiro de 1962 viveu o mais reconhecido de nossos artistas plásticos. Filho de italianos, nascido em Brodowski, interior de São Paulo, Candido Portinari foi um dos poucos brasileiros que conseguiram viver de arte. “Arte verdadeira”, fazia questão de ressaltar. As premissas éticas vão pautar o rico caminho de intensa e incansável busca pictórica de Portinari. E o que encontra no final da jornada? Uma obra que o faz “a nossa expressão mais universal”, como escreveu Carlos Drummond de Andrade em carta ao pintor por ocasião de sua exposição em Paris, em 1946. Candido Portinari era realmente singular. Ou como definir alguém que, em certas oportunidades, vestia smoking www.apmp.com.br 37 Cultura & Lazer enquanto trabalhava. Sua justificativa: se tinha uma festa à noite, para que perder tempo vestindo-se duas vezes. Mais curioso é o fato de nunca ter manchado uma roupa com tinta. Nem mesmo o chão do ateliê! Para entender melhor a trajetória de Portinari, vale recorrer ao livro de Antonio Callado, “Retrato de Portinari”. Apenas um grande escritor poderia descrever com precisão a profundidade e coerência da obra do nosso maior pintor. Vida e obra de um mestre modernista Para muitos o nome mais popular da arte plástica brasileira, em 40 anos de trabalho Portinari produziu aproximadamente 4 500 obras, o que por si só já seria capaz de impor algum respeito. Quando essas obras são em sua maioria absolutamente magníficas, você está diante de um verdadeiro gênio. E o talento foi precoce. Aos nove anos pintou o teto da igreja de sua cidade natal. 38 www.apmp.com.br À época, a pequena Brodowski era pouco mais do que uma parada para o trem carregar o café. Ninguém melhor do que seu filho mais ilustre para descrevê-la: “…pequenininha, duzentas casas brancas de um andar, no alto de um morro espiando para todos os lugares… lugar arenoso no meio da terra roxa cafeeira. Imenso céu azul circula o areal. Milhares de brancas nuvens viajam”. Segundo de doze irmãos, Portinari era filho de Dominga e Baptista, italianos que, crianças ainda, emigraram com suas famílias para trabalhar nas lavouras cafeeiras do Brasil. História comum a tantos outros imigrantes, exceto pelo fato de conceberem o maior pintor brasileiro. Para Candinho, apelido carinhoso dado pela mãe, a profissão chegou quase como brincadeira. O que mais gostava era de misturar as tintas. Às vésperas de partir para o Rio de Janeiro, Portinari já se decidira pela pintura. Detalhe: tinha pouco mais de 15 anos. A arte foi se esmerando, as pinceladas construindo toda a genialidade de sua essência. Passa pela Escola de Belas Artes, recebe o prêmio do Salão Nacional de Belas Artes. E, a partir daí, começa a retratar a fisionomia de sua terra e de seu povo. Além de temas líricos, a obra de Portinari captou a realidade social do país. Essa a razão de ser considerado um dos maiores retratistas da situação do trabalhador brasileiro. Como um diário, seus desenhos são marcos presentes durante toda a sua vida e servem como registro histórico de sua evolução como artista, mesmo no longo período em que esteve impedido de fazer uso das tintas, por questões de saúde. Mais de 95% da obra do maior pintor brasileiro contemporâneo está hoje inacessível ao público, guardada em coleções particulares. E o epílogo de sua vida como ser humano só poderia vir de forma tragicamente poética: em 6 de fevereiro de 1962, morre Portinari, intoxicado pelas tintas. A partir daí, sobreviveria pela eternidade o mito, o gênio. O Centenário Em comemoração ao Centenário de Portinari (19032003), o Museu Nacional de Belas Artes exibiu algumas das obras mais importantes do artista na exposição “Presença de Portinari”. A tela “O café”, por exemplo, foi o primeiro trabalho de Portinari premiado internacionalmente, recebendo a segunda Menção Honrosa do Instituto Carnegie de Pittsburgh, nos Estados Unidos. A obra, de 1935, retrata uma colheita de café, cena presenciada inúmeras vezes em sua infância. O trabalho na lavoura e a vastidão das terras cultivadas, que marcaram a memória do menino, também são parte da história do País, expostos em todo seu vigor e beleza na tela do artista. A inclinação muralista de Portinari também esteve presente na exposição, nos painéis realizados para decorar o salão principal do Monumento Rodoviário, na Via Presidente Dutra, em 1936. Esses trabalhos, assim como os afrescos produzidos entre 1936 e 1944 para o edifício do antigo Ministério da Educação e Saúde, hoje o Palácio Gustavo Capanema, no Rio de Janeiro, representam um marco na evolução da arte de Portinari e afirmam a opção pela temática social, que será o fio condutor de toda a sua obra a partir de então. Os quatro painéis que integram a obra “Construção de Rodovia” são telas de grandes proporções e beleza impressionante. Celebração do progresso, do trabalho e da interação do homem com a máquina, a obra permaneceu no Monumento Rodoviário mesmo depois de sua desativação, em 1978. Esquecida e abandonada por mais de 20 anos, a pintura foi trazida para o Museu Nacional de Belas Artes pela Fundação Projeto Portinari. As obras que se encontravam na Capela Mayrink, na Floresta da Tijuca, também pertencem agora ao MNBA e integraram a exposição. Composto pelas telas “São Simão”, “São Jorge”, “Nossa Senhora do Carmo da Cruz” e “Purgatório”, o conjunto de pinturas havia sido roubado. Ao invés de serem devolvidas à capela, as obras foram para o museu por iniciativa do filho do pintor, João Portinari. Réplicas foram produzidas para ocupar o lugar das originais. Candido Portinari nos engrandeceu com sua obra de pintor. Foi um dos homens mais importantes do nosso tempo, pois de suas mãos nasceram a cor e a poesia, o drama e a esperança de nossa gente. Com seus pincéis, ele tocou fundo em nossa realidade. A terra e o povo brasileiros - camponeses, retirantes, crianças, santos e artistas de circo, os animais e a paisagem - são a matéria com que trabalhou e construiu sua obra imorredoura. Jorge Amado www.apmp.com.br 39 APMP Destinos O Velho Mundo foi o termo utilizado para designar os continentes conhecidos até o século XV - Ásia, África e, especialmente, Europa. Com a descoberta das Américas, passamos a ter como oposição a expressão Novo Mundo, que trezentos anos mais tarde ganhou a companhia da Oceania. E Europa sempre significou sedução e beleza. Segundo a mitologia grega, Europa foi uma formosa mulher que despertou os amores de Zeus, o grande deus do Olimpo. Se realmente é esta a origem do nome do velho continente, ninguém sabe. Entretanto, inegavelmente se trata de palco dos maiores romances e U m novo Um continente paixões da civilização ocidental. Exemplos? Que tal a esplendorosa Itália? Ou a “Cidade Luz”, Paris? Quiçá a magnífica Londres ou ainda a calorosa Madrid? Durante muito tempo, a Europa comandou as atividades econômicas do mundo. Como lugar em que nasceu a ciência moderna e a Revolução Industrial, adquiriu também uma superioridade tecnológica sobre o resto do planeta, o que lhe proporcionou um incontestável domínio até o século XIX. Continente em constante transformação pelos conflitos políticos e bélicos que sempre a assolaram (basta lembrar das duas Grandes Guerras Mundiais), a Europa teve suas fronteiras internas várias vezes redesenhadas, mantendo-se, porém, 40 www.apmp.com.br como berço da civilização ocidental. Considerações históricas à parte, a verdade é que viajar pela Europa é uma das maiores experiências da vida. Aliado à vasta cultura, diversidade de costumes e monumentos esplendorosos, encontramos importantes pólos difusores de tecnologia, uma simbiose perfeita que revela o modo de vida europeu: tradição e modernidade. Para se conhecer a Europa de uma maneira mais confortável e cômoda, não saia dos trilhos. O trem é, de longe, a melhor opção. Salvo se você estiver em um grupo com quatro ou mais pessoas. Ai vale a pena alugar um automóvel. Além de redução de custo, você tem como vantagens a mobilidade, economia de tempo e a possibildade de apreciar de perto a cultura de cada país. Velho Mundo em constante evolução Esplendor da arte e da história Por suas características naturais e pela riqueza do patrimônio histórico, artístico e cultural, a Itália representa uma das mecas do turismo internacional. Roma, Florença, Veneza e tantas outras são cidades que constituem etapas obrigatórias de todo roteiro turístico pelo país. Célebre por seus restaurantes, cafés e mais de 300 fontes iluminadas, Roma conserva sua grandiosidade e reputação como um dos maiores centros culturais do mundo. Outra maravilha é Florença, a cidade das flores, como foi denominada originalmente no século I a.C. Não deixe de visitar a Ponte Vecchio, mais antiga ponte remanescente do século 14, e o Uffizi, maior museu de arte da Itália, que abriga obras famosas de Botticelli, Michelangelo, Rafael e da Vinci. Com a segunda maior população do país, Milão é um dos principais centros industriais, financeiros e comerciais do norte da Itália. Cidade que hospeda a maior bolsa de valores, é também centro da efervescência intelectual e artística do país. Famosa no mundo da moda e da alta costura, Milão encanta o mundo com museus, catedrais e, claro, belíssimas (e “carésimas”) lojas. www.apmp.com.br 41 APMP Destinos A grandiosidade da Basílica de São Pedro, no Vaticano - menor país do mundo -, deixará emocionados até os mais fervorosos ateus. A maior e mais importante Igreja Católica do mundo é, para muitos, a mais linda de todas também. possuíam bandeiras negras, como as dos antigos corsários e, por isso, ganharam o nome “rádio pirata”. A idéia era burlar a lei e fugir dos impostos do governo. As mais belas capitais imperiais Praga permanece praticamente intocada em sua atmosfera melancólica, tão característica dos antigos países comunistas e talvez por isso mesmo seja uma das cidades mais fascinantes do continente. Ela sobreviveu às duas grandes guerras do século passado. E, ainda hoje, quase duas décadas após a queda do comunismo, celebra-se uma espécie de renascimento cultural. Por toda parte, artistas de rua dividem a atenção com a beleza da cidade, representada pela arquitetura das catedrais góticas, palácios barrocos e edifícios art nouveau. Imponente, a basílica é extremamente rica, com muitos detalhes folheados a ouro. Outra curiosidade: os restos mortais de vários papas, inclusive do primeiro deles, São Pedro, estão ali abrigados. No estilo inglês A Inglaterra é cheia de contrastes. Com seus 49 milhões de habitantes é a nação com a maior e mais diversificada população do Reino Unido, que ainda inclui Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales. Para qualquer direção que se viaje, haverá larga gama de paisagens e culturas a explorar. Os ingleses são amáveis, francos, tradicionais e extremamente pontuais, daí a expressão “pontualidade britânica”. A poesia e a canção fazem parte da sua vida. A história e o folclore espreitam em cada canto. Em Londres há muito o que fazer. Museus, teatros, parques, pubs, restaurantes, shoppings e, porque não, a interessante vida noturna. Uma das maneiras de se familiarizar com esta cidade é comprar um bilhete do famoso ônibus vermelho de dois andares e descer nos principais pontos turísticos. Piratas à vista! Você sabia que as rádios piratas surgiram na Inglaterra em 1958? As emissoras eram montadas em barcos, fora das águas territoriais do Reino Unido. Detalhe: as embarcações 42 www.apmp.com.br Na virada do século, Praga foi escolhida a Cidade Européia de Cultura do Ano. E a capital da República Tcheca não deixou por menos. Organizou 400 eventos sob o título Praga-2000. Com isso cresceu o fluxo de turistas que rumam, todos os anos, para esse recanto, que mantém um charme todo próprio, fruto de sua atmosfera medieval. Outro grande orgulho europeu é Budapeste. Há mil e uma maneiras de se conhecer a cidade, que, por conta da planificação organizada, parece convergir sempre para o Danúbio, o rio que separa Buda de Peste e que de azul só tem o título da famosa valsa de Strauss. O Parlamento de Budapeste, inspirado no de Londres, é o edifício público mais belo da cidade. Por mais obrigatórias que sejam as visitas à Basílica de Santo Estevão ou ao Teatro Nacional de Budapeste, um edifício moderno cuja construção no distante bairro de Ferencváros dividiu a opinião pública, o olhar acaba invariavelmente as estações do ano. Fartamente servida pelo metrô e com táxis e ônibus em profusão, a capital francesa convida a uma jornada histórica. Palco de importantes acontecimentos mundiais, como a Guerra dos Cem Anos, a Revolução Francesa e o clímax da II Guerra Mundial, a França já tem lugar cativo na história da humanidade. O melhor é conhecer a cidade a pé. Há grandes galerias, como a Laffayette; catedrais, como Notre Dame e Amien; museus, como o Louvre; lojas de grife a bom preço (Boulevard de Poissonière); e, claro, seu mais conhecido símbolo, a Torre Eiffel. Sobre Paris, leia mais na APMP em Reflexão nº 12. redirecionado para o Parlamento. Além de espantoso por fora, a beleza interior do edifício é igualmente impressionante. Viena é outra cidade encantadora. Cidade mais musical da Europa e talvez do mundo, sua atmosfera remonta ao tempo em que era a capital de um império gigantesco, o austro-húngaro, cujo hino era cantado em treze diferentes línguas. As atrações da capital da Áustria ficam próximas umas das outras. Assim, vale a pena gastar a sola dos sapatos para conhecer seu impressionante acervo de monumentos, palácios e museus que abrigam importantes coleções de objetos de arte de todo o mundo e de diversas épocas da História. Para quem gosta de arquitetura, Viena é um museu a céu aberto, que inclui de obras clássicas a modernas, como o Hundertwasser Haus, um prédio onde cada apartamento tem uma fachada diferente, com janelas irregulares, jardim no teto e tintas coloridas nas paredes. No entanto, mesmo obras que são patrimônios da humanidade, como a Figaro Haus, onde Mozart morava, e a Sala Terrena, onde o compositor tocava para os amigos, não são mantidas em uma redoma. A casa está habitada e normalmente há concertos na Sala Terrena. A Europa te espera! Parceria APMP e Nascimento Turismo traz vantagens para você neste mês! Viena, Budapeste e Praga Passagem aérea saindo de São Paulo, 02 noites em Viena, 02 noites em Budapeste, 03 noites em Praga, transporte em ônibus com ar condicionado, seguro viagem e guia acompanhante desde o Brasil. Saída: 12/07 A partir de US$ 2.742 por pessoa em apto DBL. Itália e França Vôo Air France em classe econômica com conexão em Paris na ida. São 10 noites de hospedagem com café da manhã passando por Roma, Florença, Veneza e Paris, passeios, transporte em ônibus de luxo com ar condicionado e seguro Euro Union Plus. A partir de US$ 3.465 com saída no dia 07/Julho e US$ 4.007 com saída no dia 01/Setembro* (11)3188-6464 com Rosângela, Karina e Regiane. Válido para compras finalizadas até 30/04/06. * Preços Apto duplo por pessoa saindo de São Paulo sujeitos a alteração e disponibilidade sem prévio aviso. Não incluem taxas aeroportuárias. A inspiração dos apaixonados Famosa por embalar grandes amores, pela culinária, pela moda, pelos perfumes e conhecida como importante centro irradiador de cultura, a França é um dos países mais visitados do mundo. A inebriante Paris atrai milhões de turistas em todas www.apmp.com.br 43 Gastronomia Aji e Heiwa... Sabor e Harmonia... no País do Sol Nascente! País-arquipélago de costumes exóticos e cultura milenar, pátria mãe dos guerreiros samurais, o Japão é uma das poucas nações que encantam o mundo com sua arte e harmonia, não somente na cultura de seu povo, mas incrivelmente difundida na culinária. Detalhistas ao extremo, os japoneses primam pelas inflexíveis regras também no preparo dos alimentos. Criadas pelos samurais por volta do século XVI, as normas de conduta se popularizaram entre os japoneses e um dos clássicos exemplos está na maneira de servir as pessoas: a mão di- 44 www.apmp.com.br reita significa que se trata de um aliado, a esquerda um inimigo. Entretanto, os rituais e costumes não param por aí. Desde a entrada nas residências, os japoneses preservam um culto à tradição. Inicia-se pela retirada dos calçados antes de entrar, guardando-os no Genkan, um local reservado para eles. O motivo? Não levar as impurezas para dentro do lar. É costume também dos japoneses agradecer ao término das refeições com a expressão “Gochisou sama deshita”, uma forma de dizer que estava saborosa. De fato, a cozinha japonesa é especialmente cativante por seu preparo, seus sabores e sua apresentação. Cercado de mar e cortado por rios, o Japão tem em seus pratos forte presença de pescados. O elemento básico da alimentação é o arroz, tão importante que na Idade Média era utilizado como moeda de pagamento de impostos. O molho (shoyu) e a pasta de soja (missô) dão um sabor especial à cozinha de todo o país. Outra característica marcante do povo japonês é a cerimônia do chá - o chanoyu. Trata-se de um ritual existente há sete séculos, no qual os convidados usam vestes especiais e cumprem vários procedimentos que sugerem paz e despojamento. Essa cerimônia simboliza tudo o que, na cozinha japonesa, se opõe ao modo fast food: apressado e desatento. Os pratos e ingredientes japoneses são plenos de simbolismos. Para os nipônicos, a comida não é somente uma forma de sustentar o corpo, mas, principalmente, de alimentar o espírito. Curiosidades da gastronomia oriental Pelo sim, pelo não, muitos ocidentais não se arriscariam em ir a um restaurante fugu, ainda que nos últimos 40 anos nenhum cliente tenha morrido envenenado. Para quem não sabe, o fugu é um peixe utilizado na culinária japonesa e que possui veneno letal, se consumido sem o preparo adequado. Outro fato bastante curioso diz respeito ao número de unidades servidas dos nigiri-sushi. Tais peixes nunca são servidos por unidade, sempre aos pares. Qualquer cozinheiro evitará levar à mesa um prato com uma ou três fatias de peixe. A razão: a pala- O fugu é um peixe utilizado na culinária japonesa e que possui veneno letal, se consumido sem o preparo adequado vra japonesa para “uma fatia” (hito kire) é um trocadilho para “matar alguém”, e “três fatias” (mi kire) também pode significar “matar-se”. Outro ritual peculiar é dedicado ao saquê. Inicia-se levantando o copo para receber a bebida servida sempre pelo companheiro ao lado, apoiando-o com a mão esquerda e segurando-o com a direita. É imprescindível que você o sirva ao seu vizinho de mesa, pois se considera falta de respeito servir-se primeiro. Um dos itens mais importantes na etiqueta japonesa à mesa é a utilização correta do hashi (palitinhos). No Japão é comum cada membro da família possuir seu próprio hashi e nas refeições fora de casa são utilizados os waribashi (palitinhos descartáveis). Importante: jamais, nunca, em hipótese alguma, você deve cravar um hashi em um alimento, pouco importa se num restaurante ou em casa, atitude só permitida nos oratórios, templos budistas ou shintoístas, em respeito aos mortos. www.apmp.com.br 45 Gastronomia Pratos Típicos Tempura Assim como o sushi, o tempura também é outro símbolo da cozinha japonesa. Influência dos portugueses, um dos raros povos estrangeiros aceitos no Japão do século XVI, é feito à base de peixes, moluscos e vegetais. Trata-se de um dos pratos mais consumidos fora do Japão. Sashimi Preparados e servidos com extrema sensibilidade, os pratos da cozinha japonesa encantam até os mais desatentos. Cores e formas são combinadas de maneira a expressar a harmonia contida em cada um de seus elementos, dos utensílios aos ingredientes. Segundo a tradição nipônica, a comida deve ser degustada com os olhos, a boca e, especialmente, com o coração. Os peixes, as algas e os frutos do mar estão presentes em praticamente todos os pratos, que preservaram os nomes das receitas mais tradicionais: sushi, sashimi, missoshiro, tempura e outras tantas iguarias. Confira algumas: Sushi Originário da China, é a combinação do arroz com os pescados crus. Antigamente os peixes transportados para outros lugares eram conservados no arroz cozido, criando-se assim o sushi prensado. No século XVIII um cozinheiro chamado Yohei parou de utilizar o peixe fermentado e passou a oferecer algo parecido com o que conhecemos por sushi. Segundo a tradição nipônica, a comida deve ser degustada com os olhos, a boca e, principalmente, com o coração. 46 www.apmp.com.br Preparado com pedaços de alimentos crus e servido com guarnições, o sashimi é considerado pelos ocidentais um alimento saudável e com poucas calorias. Os peixes mais utilizados para seu preparo são o atum e o salmão. O mais raro - e por isso mais caro - é o sashimi de baiacu, que só deve ser preparado por profissional com certificação. Explica-se: o baiacu é o nosso conhecido fugu, aquele mesmo capaz de matar uma pessoa, se preparado de forma inadequada. Basta dizer que uma só gota de seu veneno é fatal. Ou seja, se a glândula venenosa do baiacu não for removida por sushimen especialistas, a refeição pode se tornar bastante indigesta. Missoshiro Um caldinho quente, revigorante, que prepara o estômago para receber a comida. Assim é o missoshiro, uma sopa feita de pasta de soja (missô) e caldo de peixe. Na tradição japonesa, o missoshiro é sinônimo de saúde e longevidade. Reza a lenda que uma tigela equivale a um dia a mais de vida. Cultura nipônica na paisagem paulistana São Paulo é o exemplo mais eloqüente do peso da cultura japonesa que cativa os brasileiros, inclusive pelo estômago. Prova disso é a Liberdade, importante bairro japonês na cidade A região não é freqüentada apenas por japoneses e seus descendentes. Não são poucos os brasileiros dispostos a apreciar os segredos desses sutis sabores trazidos de tão longe. A culinária japonesa ocupa lugar nobre no cenário da gastronomia nacional. A cidade de São Paulo concentra o maior número de restaurantes japoneses. Cerca de 250 endereços disponíveis, que oferecem mais de 40 pratos diferentes. Sinônimos de bom gosto e qualidade de vida, os restaurantes japoneses tornaram-se o endereço perfeito para quem busca refeições saudáveis em lugares sofisticados. No lobby do premiado Gran Meliá WTC está um dos melhores restaurantes japoneses da cidade, o Sumirê, que se destaca por sua modernidade. Um dos pratos mais apreciados é o conhecido combinado de sushi e sashimi. Outro destaque no cenário paulistano é o Jun Sakamoto, no bairro de Pinheiros. Conhecido por seu preciosismo, é referência por suas especialidades culinárias, sobretudo os notáveis sushis. Famoso por sua moderna arquitetura, com a entrada por um túnel com cristais, o Akassaka Sushi, também localizado em Pinheiros, é uma excelente opção para quem pretende desfrutar de um ambiente agradável. Nossa dica é uma iguaria rara e um tanto exótica: sushi de camarão e peixes feitos por uma dupla de habilidosos sushimen. Primeiro a se estabelecer fora da Liberdade, o Komazushi também decretou outro modismo: o de apenas preparar sushi. A fama se estendeu a ponto de se tornar referência. Atualmente, o restaurante serve também refeições completas. O dogma, porém, persiste no jantar: sushi e mais sushi. Há, em cada esquina da Liberdade, um ponto capaz de transportá-lo para o exótico mundo do Sol Nascente. Não perca! www.apmp.com.br 47
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