Turismo, Territorialidade e Sustentabilidade na - PPG

Transcrição

Turismo, Territorialidade e Sustentabilidade na - PPG
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
PPGCASA
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE
PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DO AMBIENTE E
SUSTENTABILIDADE NA AMAZÔNIA – PPGCASA
(ECO)TURISMO E TERRITORIALIDADE: A
(IN)SUSTENTABILIDADE NA BOCA DA VALÉRIA / PARINTINS –AM
ANTONIO PICANÇO FOSECA
MANAUS
2010
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
PPGCASA
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE
PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DO AMBIENTE E
SUSTENTABILIDADE NA AMAZÔNIA – PPGCASA
ANTONIO PICANÇO FONSECA
(ECO)TURISMO E TERRITORIALIDADE: A
(IN)SUSTENTABILIDADE NA BOCA DA VALÉRIA /
PARINTINS –AM
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Ciências do Ambiente e
Sustentabilidade na Amazônia – Nível: Mestrado
Acadêmico, para obtenção do Título de Mestre
em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na
Amazônia, sob orientação da Profª. Drª. Ivani
Ferreira de Faria.
MANAUS
2010
Ficha Catalográfica
(Catalogação realizada pela Biblioteca Central da UFAM)
Fonseca, Antonio Picanço
F676e
(Eco) turismo e territorialidade: a (in) sustentabilidade na
Boca da Valéria / Parintins – AM / Antonio Picanço Fonseca. Manaus: UFAM, 2010
193 f.: il. color ; 30 cm
Dissertação (Mestrado em Ciências do Ambiente e
Sustentabilidade na Amazônia) –– Universidade Federal do
Amazonas, 2010
Orientadora: Profª. Drª. Ivani Ferreira de Faria
1. Turismo – Parintins (AM) 2. Ecoturismo – Parintins (AM) 3.
Territorialidade humana 4. Parintins (AM) – População I. Faria, Ivani
Ferreira de (Orient.) II.Universidade Federal do Amazonas III. Título
CDU(1997): 379.85(811.3)(043.3)
ANTONIO PICANÇO FONSECA
(ECO)TURISMO E TERRITORIALIDADE: A
(IN)SUSTENTABILIDADE NA BOCA DA VALÉRIA / PARINTINS –AM
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Ciências do Ambiente e
Sustentabilidade na Amazônia – Nível: Mestrado
Acadêmico, para obtenção do Título de Mestre em
Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na
Amazônia, sob orientação da Profª. Drª. Ivani Ferreira
de Faria.
BANCA EXAMINADORA
Profª. Drª. Ivani Ferreira de Faria
Universidade Federal do Amazonas – UFAM
Profª. Drª. Maria Olívia de Albuquerque Ribeiro Simão
Universidade Federal do Amazonas – UFAM
Profª. Drª.Marta de Azevedo Irving
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UERJ
À Mayanna Picanço,
filha amada que tornou minha vida
mais feliz.
AGRADECIMENTOS
Aos moradores da Serra da Valéria, em especial aos das comunidades de São
Paulo, Santa Rita de Cássia e Bete Semes, pela acolhida e informações prestadas.
Aos amigos e informantes da comunidade Bete Semes Davi Marialva, Joel,
Raimundo, ao pastor Elionai e família por me acolher em suas casas e por estarem sempre
dispostos a ajudar-me a colher e registrar as informações fundamentais na pesquisa de campo.
À dona Fátima moradora da comunidade de Santa Rita de Cássia.
Aos presidentes das comunidades.
Aos alunos dos cursos da UEA em que ministrei aulas de Antropologia da
Educação, Antropologia Social, Introdução à Sociologia, Filosofia da Ciência e Introdução a
Filosofia pelo esforço que fizeram para realizar as pesquisas de campo e os trabalhos nas
diversas comunidades de Parintins, principalmente na Serra da Valéria.
Aos amigos de Mestrado: Heloisa, Rita Mileni, Jander e Emiline pelas discussões
e angustias teóricas e os momentos de descontração proporcionados nos bares da vida ao
longo do curso. Em especial a Elitânia, amiga de todas as horas n que não mediu esforços
para ajudar a todos que precisaram de apoio na reta final do mestrado.
Ao amigo e irmão, Amecy Souza por colocar a disposição sua biblioteca e por
contribuições filosóficas dadas a esta pesquisa, principalmente na fase final.
À Lukas e Raisa Souza, pela colaboração nas pesquisas feitas na internet.
Ao meu irmão Charlly pelas aventuras e quedas na estrada do P.A. Vila Amazônia
nas viagens de pesquisa de campo.
A minha irmã Márcia e os meus sobrinhos Alexandre e Felipe pelo amor e apoio.
E, em especial, a minha mãe Maria das Graças Picanço por ter me ensinado os
princípios de justiça e de honradez que norteiam os meus dias.
E as pessoas que de uma forma ou de outra contribuíram para a realização desta
pesquisa.
A todos meus sinceros agradecimentos.
RESUMO
O turismo como fenômeno social surgiu a partir das transformações tecnológicas e sociais
ocorridas na Europa do século XIX. No século XX ocorreu a expansão do turismo para todas
as partes do mundo e a formação da rede-turística responsável, por exemplo, pela
padronização dos serviços, do surgimento das redes de hotelarias, das agências de turismo e
da utilização das tecnologias de informação para divulgar e “vender” os produtos turísticos e a
ampliação da oferta de produtos. A crise do turismo de massa nos anos 60 e 70 a partir da
saturação do turismo de sol e praia favoreceu dos roteiros que favorecem o contato com a wild
life. Foi neste contexto que regiões como a Amazônia e o Pantanal foram inseridas no roteiro
do turismo internacional. Este estudo tem como objetivo analisar a inserção das comunidades
tradicionais caboclo-ribeirinhas da Amazônia no roteiro internacional do turismo e as novas
territorialidades decorrentes dessa atividade. O lócus escolhido para a realização da pesquisa
foi a localidade conhecida como Boca da Valéria / Serra da Valéria/ Parintins/AM, a partir de
três comunidades: São Paulo, Santa Rita e Bete Semes. Para a efetivação da pesquisa foram
utilizados os aportes teóricos e metodológicos da Geografia e da Antropologia, com ênfase
nas análises sistêmica e dialética do fenômeno turístico e da realidade socioeconômica do
lugar. O turismo praticado no lugar é o de natureza, onde os visitantes procuram conhecer os
principais atrativos naturais do lugar: o lago e a floresta. Essa a modalidade de turismo criou
novas territorialidades para o consumo dos turistas como o lago, a floresta e as próprias
comunidades. A concentração dos turistas ocorre na comunidade de São Paulo onde os
visitantes compram artesanato, tiram fotos, fazem caminhadas pela floresta e os passeios pelo
lago. Apesar da importância na geração de renda a atividade turística no lugar não é
sustentável, já que além de causar danos ao meio ambiente, ainda está longe de satisfazer as
reais necessidades da população local. Outra conseqüência dessa atividade no lugar foi o
aparecimento de uma nova categoria social, o caboclo-artesão, que transformou-se em
profissão de praticamente todos os moradores do lugar e vem sendo sedimentada na memória
coletiva local ao longo de mais de três décadas. Alem disto, a falta de infra-estrutura adequada
nas comunidades para a locomoção dos turistas, o não conhecimento da língua inglesa, a
ausência de trilhas ecológicas na floresta e o não aproveitamento da serra e dos sítios
arqueológicos como atrativos turísticos fazem com que os moradores do lugar aproveitem
pouco as oportunidades propiciadas pelo turismo do lugar.
Palavras-Chave: Turismo, Território, Territorialidade, Populações Tradicionais.
ABSTRACT
Tourism as a social phenomenon grew out of technological and social changes in nineteenthcentury Europe. In the twentieth century was the expansion of tourism to all parts of the world
and training network, responsible tourism, for example, the standardization of services, the
rise of hotel chains, travel agencies and use of information technology to disseminate and
"sell" the tourist products and expanded product offerings. The crisis of mass tourism in the
60 and 70 from the saturation of the sun and beach tourism favored the roadmaps that favor
contact with the wild life. In this context, regions like the Amazon and the Pantanal were
inserted into the script of international tourism. This study aims to analyze the inclusion of
traditional communities of the Amazon Caboclo-river in the script's international tourism and
the new territoriality from this activity. The locus chosen for the research was the area known
as Boca da Valeria / Serra da Valeria / Parintins / AM, from three communities: São Paulo,
Santa Rita and Beth Shemesh. To carry out the survey we used the theoretical and
methodological contributions of geography and anthropology, with emphasis on systemic and
dialectical analysis of the tourism phenomenon and the socioeconomic reality of the place.
Tourism is practiced in place of nature, where visitors seek to know the major natural
attractions of the place: The lake and forest. This kind of tourism has created a new
territoriality for consumption by tourists is the lake, the forest and the communities
themselves. The concentration of tourists occur in the community of São Paulo where visitors
buy crafts, take pictures, make forest walks and tours around the lake. Despite the importance
of income generating tourism activity in place is not sustainable, as well as causing damage to
the environment, is still far from meeting the real needs of local people. Another consequence
of this activity in place was the emergence of a new social category, the Indian craftsman,
who became the occupation of almost all the locals and has been rooted in the collective
memory location for over three decades. Further, the lack of adequate infrastructure in
communities for transportation of tourists, no English language skills, lack of trails in the
woods and not taking advantage of the mountains and archaeological sites as tourist
attractions make the residents of little place to enjoy the opportunities offered by tourism of
the
Keywords: Tourism, Territory, Territoriality, Traditional Populations.
place.
LISTA DE FIGURAS
Figura 01 - Pólos Turísticos do Estado Amazonas. .................................................................. 61
Figura 02: Rota de turística dos cruzeiros na América do sul, com destaque para o roteiro do
rio Amazonas. ........................................................................................................................... 98
Figura 03: Localização do Município de Parintins no Estado do Amazonas. ........................ 105
Figura 04: Localização da Boca da Valéria no P.A. Vila Amazônia. .................................... 109
Figura 05: Artefatos arqueológicos encontrados na Comunidade de São Paulo. .................. 111
Figuras 06 e 07: Artefatos encontrados na Com. De Sta. Rita .............................................. 112
Figura 08: Comunidade de São Paulo no período da cheia. .................................................. 113
Figura 09: Comunidade de São Paulo no período da cheia e da vazante ............................... 114
Figura 10: Comunidade de Bete Semes no período da cheia. ................................................ 115
Figura 11: Comunidade de Bete Semes no período da seca. .................................................. 116
Figura 12: Comunidade Santa Rita de Cássia. ....................................................................... 118
Figura 13: Unidade de produção e, ou/ roçado sendo preparado para o cultivo de mandioca na
Colônia de Samaria................................................................................................................. 129
Figura 14: Plantio da mandioca em roçado feito na capoeira na Colônia de Samaria. .......... 130
Figura 15: Preparação da massa de mandioca na gamela. ...................................................... 131
Figura 16: Fabricação de farinha na colônia de Samaria........................................................ 131
Figura 17: Membros de UD’s do P.A. Vila Amazônia descascando mandioca. .................... 132
Figura 18: Entrada do lago da Boca da Valéria no período da cheia. ................................... 136
Figura 19: Turistas descendo de um dos cruzeiros que visitaram o lugar em 2008. .............. 137
Figura 20: A Boca da Valéria no roteiro internacional dos cruzeiros. ................................... 139
Figura 21: Artesã de São Paulo e suas bonecas de pano. ...................................................... 142
Figura 22: Participação femenina no acabamento de um quadro na cominidade de Bete
Semes ...................................................................................................................................... 142
Figura 23: Toras de Molongó compradas em Parintins.......................................................... 144
Figura 24: Toras de Molongó para ser beneficiada ................................................................ 144
Figura 25: Replicas de araras no feitas de Molongó ........................................................... 144
Figura 26: Vendas de artesanato de Molongó no interior do Cruzeiro Seven Seas Mariner 144
Figura 27: Árvore de Ucuúba Vermelha .............................................................................. 145
Figura 28: Tronco de Ucuúba Vermelha ............................................................................... 145
Figura 29: Árvore de Ucuúba-Branca .................................................................................. 146
Figura 30: Tronco de Ucuúba-Branca .................................................................................... 146
Figura 31: Remos e Quadros Ucuuba-Vermelha produzidos na comunidade de Bete Semes
................................................................................................................................................ 147
Figura 32: Remos e Quadros de Ucuúba-Vermelha produzidos na comunidade de S. Paulo.
................................................................................................................................................ 147
Figura 33: Tronco de Ucuúba-Vermelha ................................................................................ 148
Figura 34: Corte das “toras” para a fabricação das tábuas. .................................................... 148
Figura 35: Tábuas Cortadas na Mata. ..................................................................................... 149
Figura 36: Transporte para as “oficinas” ................................................................................ 149
Figura 37: Caboclo-artesão da Comunidade de Bete Semes fazendo o acabamento final de um
remo.. ...................................................................................................................................... 150
Figura 38: Artesanatos de produzido por artesã da comunidade de São Paulo ...................... 156
Figura 39: Colares produzidos por artesã da comunidade de Santa Rita de Cássia ............... 156
Figura 40: Prática do touree por crianças ............................................................................... 156
Figura 41: Touree sendo praticado por meninas. ................................................................... 156
Figura 42: Passeio de rabeta pelo lago na cheia. .................................................................... 159
Figura 43: Passeio de rabeta pelo lago na Vazante. ............................................................... 159
Figura 44: Artefatos guardados na Escola de Sta. Rita. ......................................................... 161
Figura 45: Coleção de um morador de Santa Rita. ................................................................. 161
Figura 46: Chegada dos turistas no porto Boca da Valeria .................................................... 163
Figura 47: Barracas padronizadas para a venda de artesanato na Boca da Valéria ................ 163
Figura 48: Exposição de artesanato dentro do cruzeiro......................................................... 164
Figura 49: Comercializando artesanato no cruzeiro Seven Seas Mariner. ............................. 164
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 01: Quantidade Anual de Turistas que Participaram das Temporadas de Cruzeiros
Marítimos pelo rio Amazonas. ................................................................................................. 63
Gráfico 02: Quantidade anual de turistas que participaram das temporadas de pesca esportiva
.................................................................................................................................................. 66
Gráfico 03: Mudanças nas Motivações dos Turistas Internacionais ........................................ 91
Gráfico 04: Renda das Unidades Domésticas da Serra da Valéria ........................................ 124
Grafico 05: Número de pessoas habitanto a mesma casa. ...................................................... 125
Grafico 06: Horas Semanais dedicadas à Produção de Artesanato. ....................................... 141
Gráfico 07: Critérios Utilizados para determinar o preço do artesanato. ............................... 152
Gráfico 08: Atividades dos Turistas na Boca da Valeria........................................................ 158
LISTAS DE TABELAS
Tabela 01: Atividades produtivas e potenciais desenvolvidas no Assentamento de Vila
Amazônia ................................................................................................................................ 106
Tabela 02: Gastos da primeira etapa da produção do artesanato de Ucuúba-Vermelha. ....... 149
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
Introdução ................................................................................................................................. 19
Capitulo I – A Ocupação da Amazônia, Políticas Públicas do Turismo e a (In)sustentabilidade
para a Região. ........................................................................................................................... 36
1.1 A Sustentabilidade Econômica: a criação de novos paradigmas de desenvolvimento e
sustentabilidade. ....................................................................................................................... 37
1.2 (Eco)Turismo na Amazônia: um novo modelo de desenvolvimento regional? ................. 45
1.3 – O (Eco)turismo no Amazonas: uma discussão necessária............................................... 59
Capitulo II – A Crise do Turismo de Massa e a Inserção das Populações Tradicionais
Amazônicas no Roteiro Internacional do Turismo. .................................................................. 70
2.1 Tradição e Populações Tradicionais na Amazônia ............................................................. 71
2.1.1. As Origens do Caboclo Amazônico ............................................................................... 82
2.2. O Valor da Natureza para o Turismo................................................................................. 89
2.3 As Comunidades Tradicionais Ribeirinhas como Atrativos Turísticos para o Turismo
Internacional ............................................................................................................................. 94
Capítulo III – (Eco)Turismo e Sustentabilidade na Boca da Valéria ..................................... 104
3.1 O Modus Vivendis e Organização Socioespecial das Comunidades da Serra da Valéria 110
3.1.1 A Comunidade de São Paulo ......................................................................................... 112
3.1.2 A Comunidade de Bete Semes ...................................................................................... 115
3.1.3 A Comunidade Santa Rita de Cássia ............................................................................. 117
3.2 As Relações de Poder e a Religiosidade nas Comunidades ............................................. 120
3.3 Aspectos Econômicos da Serra da Valéria ....................................................................... 123
3.3.1 Terras para Cultivo e Terras para Coleta ....................................................................... 127
4 A Boca da Valéria no Roteiro Internacional do Turismo .................................................... 134
4.1. A Produção de Artesanato e a Turistificação da Boca da Valéria .................................. 140
4.1.1 As Matérias-Primas e o Modus Operandis da Produção de Artesanato ........................ 142
4.1.2 O Artesanato de Molongó ............................................................................................. 143
4.1.3 O Artesanato de Ucuúba-Vermelha ............................................................................... 145
4.1.4 Os Outros Tipos de Artesanatos e a Prática o Touree no Lugar. .................................. 154
4.2 Os Atrativos Turísticos Naturais da Serra da Valéria: o lago e a floresta ....................... 157
4.3 A Serra e os Sítios Arqueológicos: atrativos em potencial. ............................................. 159
Comercializar é Preciso: a rede de negócios criada pelo turismo no lugar ............................ 162
4.5 A Troca Arbitrária da Moeda em Parintins ...................................................................... 167
5. Para não Concluir: considerações sobre a prática do turismo na Boca da Valéria ............. 169
Considerações Finais .............................................................................................................. 174
Referências Bibliográficas:..................................................................................................... 179
APRESENTAÇÃO
Na Amazônia o termo “boca” é comumente utilizado para indicar a localização de
um lugar, de uma comunidade, de uma ilha ou mesmo uma residência que se encontra entrada
de um rio, lago ou cabeceira. Sendo assim, “A Boca da Valéria” é a denominação utilizada
pelos moradores autóctones para indicar a localização da entrada para o lago da Valéria e da
comunidade de São Paulo. Essa denominação também é utilizada pelas agências de turismo e
turistas para indicar o local onde cruzeiros que fazem rota pelo rio Amazonas aportam e onde
os “serviços” e “produtos” turísticos são comercializados pelos moradores nativos. A Serra da
Valéria é o espaço geográfico que faz parte do Projeto de Assentamento Vila Amazônia (P.A.
Vila Amazônia), formado pelas comunidades de São Paulo, Bete Semes e Santa Rita de
Cássia, além das colônias de Fé em Deus, Samaria e Boa Fé apresenta de relevo planície
várzea e de terra firme com muita sinuosidade. Estes dois domínios naturais regem a vida dos
caboclos habitantes do lugar. Localiza-se há quatro horas via fluvial e a 60 quilômetros
estrada de chão batido da sede do município de Parintins. O entendimento dessa diferenciação
é importante para termos uma noção da espacialidade e especificidade do lócus de pesquisa.
Nosso interesse pela atividade turística na “Boca da Valéria” como objeto de
pesquisa iniciou em 2001, quando ministramos aulas de Antropologia Social e Antropologia
da Educação no Centro de Estudos Superiores de Parintins / da Universidade do Estado do
Amazonas – UEA. Naquele ano, foi realizada uma pesquisa de campo com discentes dos
cursos de História e Geografia para conhecermos o sítio arqueológico da comunidade de
Santa Rita de Cássia. Naquela ocasião ouvimos os primeiros relatos sobre a visita de turistas
anualmente ao lugar para conhecer as belezas naturais e comprar artesanatos.
Em 2003 criamos o projeto de extensão “Universidade na Comunidade: uma ação
pela cidadania” que tinha como objetivo estimular a relação teórica e com investigação
científica pelos discentes e de integrar a Universidade a comunidade através do ensino, da
pesquisa e extensão utilizando como ferramentas o conhecimento adquirido em sala de aula, a
arte, o cinema e jogos lúdicos através de atividades acadêmicas realizadas nas comunidades
visitadas. Então, entre 2003 a 2009, todos semestres realizamos pesquisa de campo em
diversas comunidades do município de Parintins e, por último em 2009 até Barreirinha, em
pesquisa dos alunos de História Oral em três comunidades de remanescentes de quilombolas
do lugar. Em 2007 acompanhamos a pesquisa realizada por arqueólogos do Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN que objetivava fazer o levantamento do
potencial arqueológico de comunidade de Santa Rita de Cássia. Naquela ocasião foi
idealizada uma “Oficina de Arqueologia do Lugar” da qual participara alunos dos cursos de
Geografia e História de diversos níveis.
Os constantes trabalhos acadêmicos realizados na Serra da Valéria nos ajudou a
formar um pequeno acervo de conhecimento teórico e de imagens sobre o lugar e também nos
afetou com o modus vivendis dos nativos, pois apesar da atividade turística existir a mais de
30 anos é invisível para as autoridades municipais e estaduais. Também nos fez refletir sobre
a necessidade de estudar não só a produção e venda de artesanato mais de toda a cadeia
socioambiental imbricada na atividade turística do lugar, pois ao contrário do que se pensava
não termina com a venda de artesanato, mas se entende até o comércio de Parintins. Em
princípio, como já foi dito, nossos estudos limitaram-se aos trabalhos realizados por
acadêmicos de diversos cursos de graduação da Universidade do Estado do Amazonas – UEA
que sem nenhuma ajuda institucional, não mediram esforços para ter aulas praticas e conhecer
a realidade das comunidades rurais de Parintins. Além disso, entre 2007 a 2009, elaboramos e
coorientamos dois projetos de Iniciação Cientifica na região: “Sítios Arqueológicos e
Patrimônios Culturais: um estudo etno-histórico da identidade local” (2007 a 2009) e
“Globalização: estudo de caso da origem de novos papéis sociais e a questão ambiental
na região da Serra da Valéria” (2007 a 2008). Apesar de importantes ainda eram estudos
limitados teoricamente sobre a realidade do lugar.
Quando ingressamos no Mestrado Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em
Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia – PPGCASA da Universidade Federal
do Amazonas no ano de 2008, procuramos fazer uma descrição densa de todas as etapas da
produção de artesanato, do modus vivendis, do aparecimento de novas territorialidades e da
rede de negociações simbólicas e monetárias inseridas na Serra da Valéria a partir da inserção
do lugar no roteiro internacional de turismo.
Apesar de pretensiosa e extensa em informações, a pesquisa intitulada
“(Eco)Turismo
e
Territorialidade:
a
(in)sustentabilidade
na
Boca
da
Valéria/Parintins/Am”, tem como objetivo geral, analisar a inserção das comunidades
tradicionais caboclo-ribeirinhas no roteiro do turismo internacional.
Este fato ocorreu principalmente após a década de 80 quando os movimentos
ecológicos e o próprio sistema capitalista passa a adotar “medidas” conservacionistas ao
ambiente, tornando a Amazônia em símbolo da luta contra a destruição do planeta. Esses
fatores também influenciaram o turismo que se apropriou de áreas verdes para ampliar seus
lucros, sobretudo com a crise do turismo de massa nas três décadas anteriores as agencias de
viagens da Europa, da Ásia e da América do Norte deram ênfase para regiões remotas da
África, Patagônia, Amazônia e do Pantanal. Nos objetivos específicos procuramos analisar os
aspectos socioeconômicos das comunidades de São Paulo, Santa Rita de Cássia e Bete Semes;
identificar os atrativos e o tipo de turismo praticado no lugar; e, verificar as transformações
causadas pela produção de artesanato e pela prática do turismo nas comunidades pesquisada,
entendidas como novas territorialidades.
Deste modo, para atingir os objetivos propostos estruturamos essa dissertação foi
estruturada em três tópicos específicos. No “Capítulo I – A Ocupação da Amazônia,
Políticas públicas do Turismo e a (In)sustentabilidade para a Região”, analisaremos e
discutiremos os conceitos de espaço e território utilizando os aportes teóricos miltoniano que
percebe o espaço a partir da corrente histórico-dialética em que o homem é seu principal
formador e transformador. Haesbaert nos auxilia na discussão de territoriedade e
reterritorialização, importantes categorias, visto que, o turismo é responsável para o
aparecimento de novas territorialidades em diversas partes do mundo quando se apropria
desses lugares e os turistifica. Na Amazônia, essa atividade estruturou-se na segunda metade
da década de 80 a partir das pressões conservacionistas internacionais que contribuíram para a
elaboração do planejamento econômico governamental que elegeu “ecoturismo” como
discurso inovador para a conservação do ambiente natural e na geração de emprego e renda na
região. Deste modo é necessário contextualizar o processo histórico de ocupação da
Amazônia dando ênfase à relação homem-natureza salientando que o modus vivendis e o
modus operandis das populações autóctones e da
economia da região sempre foram
dependentes dos recursos naturais desde os primórdios da ocupação humana até os dias atuais.
Além disso, neste mesmo viés será feita uma breve discussão sobre o conceito de
sustentabilidade econômica a partir da corrente de Sachs (2008), e também de outras
correntes teóricas como a do “desenvolvimento viável” defendidas por Aubin (1991); Weber
e Bailly (1993) e Walters (1993). A corrente do ecodesenvolvimento, originada na década de
70, defendida principalmente pelos ecologistas propôs um “projeto de civilização” baseado na
responsabilidade entre os povos da terra, no principio de equidade entre as sociedades
humanas e o meio ambiente. Destarte, a principal conseqüência dessa “nova” política
conservacionista foi a criação de parques nacionais e unidades de conservação em todas as
regiões brasileiras, principalmente na Amazônia.
O “Capitulo II: A crise do turismo de massa e a inserção das Populações
Tradicionais Amazônicas no roteiro internacional do turismo” é dedicado as
considerações sobre o conceito de populações tradicionais e a inserção dessa categoria no
roteiro do turismo internacional. Além de caracterizar o modus vivendis e o modus operandis
dessas populações, mostramos como a aglomeração de diversos grupos sociais (índios,
caboclos, caiçaras, quilombolas, etc.) distintos em uma categoria guarda-chuva (populações
tradicionais) torna o conceito vago e simplista na medida em não leva em consideração a
diversidade e as características culturais de cada grupo social que compõem essa categoria
possui.
E, no capítulo intitulado “Turismo e sustentabilidade na Boca da Valéria”
dedicadou-se a descrição do lócus de pesquisa. No primeiro fizemos a descrição etnográfica
dos aspectos socioeconômicos e infraestruturais das comunidades. Também analisamos o
processo de inclusão da Boca da Valéria no roteiro internacional do turismo e a importância
da produção de artesanato, bem como, as matérias-primas utilizadas e o seu modo de
produção e aos atrativos turísticos do lugar e como os comunitários oferecem os “serviços
turísticos” locais. Por fim, foram feitas as considerações finais e a conclusão da pesquisa.
19
Introdução
O turismo é um fenômeno social da modernidade que Oscar de La Torre definiu
da seguinte forma:
O turismo é um fenômeno social que consiste no deslocamento
voluntário e temporário de indivíduos ou grupos de pessoas que,
fundamentalmente por motivo de recreação, descanso, cultura ou
saúde, saem de seu local de residência habitual para outro, no qual não
exercem nenhuma atividade lucrativa nem remunerada, gerando
múltiplas inter-relações de importância social, econômica e cultural
(IGNARRA,1998, p.24 apud MARTINS, s/d:5).
Ao se propagar pelo mundo tornou-se responsável pelo surgimento de novas
territorialidades para o consumo de suas paisagens e das culturas que nelas estão presentes.
Destarte, que para estudar esse fenômeno complexo recorremos aos aportes metodológicos de
diversas áreas do conhecimento, pois como alerta, Molina (2002) o turismo não nasceu de
uma teoria, sim das transformações da modernidade como o progresso da navegação e da
invenção da ferrovia, do automóvel e do avião, não desenvolveu metodologia e muito menos
técnicas próprias para a realização de pesquisa nessa área de conhecimento. Da pesquisa
turística só podemos dizer que é escassa e que está centrada na descrição, sistematização e
previsão ao custo da teorização. Outro autor que também chama atenção para os cuidados que
se deve tomar ao fazer pesquisa no campo do turismo é Cruz (2007) ao salientar que
...que a maior de todas as dificuldades metodológicas daqueles que
pretendem fazê-lo [...] [é] apreender o imenso jogo de relações no qual
o turismo está inserido para, então, compreender o turismo na sua
complexidade (CRUZ, 2007:177).
Essa constatação nos levou a utilizar procedimentos metodológicos de outros
campos do saber científico que nos permitisse todos os elementos socioeconômicos
interligados a atividade turística. Portanto, para que os objetivos propostos, a saber: a.
Analisar a inserção das comunidades tradicionais caboclo-ribeirinhas no roteiro internacional
do turismo; b. Levantar os aspectos sócio-econômicos das comunidades de São Paulo, Santa
Rita de Cássia da Valéria e Bete Semes; e, c. Identificar os atrativos turísticos e o tipo de
turismo praticado nestas comunidades foram utilizados os aportes teóricos da Geografia,
Antropologia, Ecologia, Sociologia entre outros campos do saber. As categorias de análise
20
desta pesquisa são: Turismo, Território, Territorialidade, Sustentabilidade, Populações
Tradicionais, Cultura e Caboclo que serão explicadas no decorrer deste trabalho.
Com relação à utilização da análise sistêmica nas pesquisas que envolvem o
estudo do turismo Netto, (2005 p. 44-45) afirma que ao
considera-se que o Sistema de Turismo é um paradigma nos estudos
turísticos porque a visão sistêmica tem grande difusão, abrangência e
utilização nos estudos dessa área e, sem dúvida, até o presente
momento, é a teoria que melhor explica a dinâmica do turismo, apesar
de ainda conter elementos que dificultam a compreensão (apud
SILVA, 2006, p. 52).
Deste modo, não seria possível entender as imbricações da atividade turística no
lugar apenas sob as perspectivas socioeconômicas e sem levar em conta os fatores históricos,
ambientais e culturais presentes neste fenômeno. Daí a importância do método sistêmico para
o entendimento da rede de relações criada pelo turismo na Serra da Valéria. No entanto,
Morin (2002) chama atenção para a complexidade da análise sistêmica, assim,
A primeira e fundamental complexidade do sistema é associar em si a
idéia de unidade, por um lado, e a de diversidade ou multiplicidade do
outro, que, em princípio, se repelem e se excluem. O que é preciso
compreender são as características da unidade complexa: um sistema é
uma unidade global, não elementar, já que ele é formado por partes
diversas e inter-relacionadas. É uma unidade original, não original: ele
dispõe de qualidades próprias e irredutíveis, mas ele deve ser
produzido, construído, organizado. É uma unidade individual, não
indivisível: pode-se decompô-lo em elementos separados, mas então
sua existência se decompõe. É uma unidade hegemônica, não
homogênea: é constituído de elementos diversos, dotados de
características próprias que ele tem em seu poder [...] (Ibidem, p. 48)
A análise sistêmica nos permitiu compreender a rede de interconexões da
atividade turística que primeiramente ligou o local (a Boca da Valéria) ao global (ao restante
do mundo) e também promoveu a interligação com o ambiente, a economia e as relações
sociais entre as comunidades para a promoção e a exploração do turismo no lugar. Apesar de
nos ajudar a entender a abrangência do turismo no local o método sistêmico não nos
permitiria analisar as contradições socioeconômicas e ambientais geradas por esta atividade.
Então, partindo da premissa marxiana que o bom método é começar pelo real
concreto, ou seja, a verdadeira pressuposição; portanto, na economia, pela população que é à
base do sujeito do ato social da produção como um todo. A análise dialética foi utilizada
como método para entendermos o processo histórico de apropriação do espaço natural, das
21
comunidades e as transformações causadas pelo turismo no local de pesquisa. Definida por
Aron (2005, p. 479) como
uma concepção materialista das relações entre a realidade que é dada e
o pensamento que elaboramos a partir da realidade, sendo esse
pensamento cópia ou reflexo da realidade. A dialética não se define de
maneira prioritária pela intervenção do homem, do pensamento ou da
força negativa do espírito; ela se define como uma característica da
própria realidade natural. A realidade natural é dialética porque está
em movimento, porque as coisas se tornam, porque as coisas nascem e
acabam.
A visão dialética nos possibilitou a compreensão das articulações existentes entre
a esfera social e as categorias econômicas, políticas e ambientais originadas nas comunidades
pela prática do turismo dentro do plano das práticas e das idéias produzidas na estrutura
histórica e social local e global.
Como o turismo, sobretudo o ecológico, transforma as paisagens naturais e o
espaço físico para se desenvolver foi necessário recorremos aos aportes teóricos encontrados
na Geografia. Deste vasto universo de conhecimento três categorias foram de suma
importância para o desenvolvimento desta pesquisa: espaço, território e territorialidade.
Nas das ciências sociais, mais propriamente na Geografia, espaço e
territorialidade são analisados a partir diversos enfoques teóricos. Na análise miltoniana, o
espaço é produto e produtor da ação humana, deste modo, para o autor a noção de espaço é
entendida como um conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações, no qual
podemos reconhecer suas categorias analíticas internas: a paisagem, a configuração territorial,
a divisão do trabalho, o espaço produzido e as formas de conteúdo (SANTOS, 2008, p.23). Na
definição de espaço recorremos ao conceito encontrado na obra de Steinberger (2006),
segundo o qual
O espaço (social) não é uma coisa entre as coisas, um produto
qualquer entre os produtos; ele compreende suas relações [...] é o
resultado de um conjunto de operações [...]. Efeito de ações passadas,
ele permite ações, as surge, as proíbe. [Na concepção miltoniana] o
espaço é um conjunto de formas representativas de uma estrutura de
relações sociais que se manifestam através de processos e funções e
são o testemunho de uma história escrito a no passado e no presente
(STEINBERGER, 2006, p.51).
Para compreendermos a inserção das comunidades tradicionais cabocloribeirinhas no roteiro internacional do turismo, é necessário verificar como o
lócus da
22
pesquisa foi apropriado por essa atividade e como construíram a rede de relações
socioeconômicas entre elas, os turistas e o comércio de Parintins.
Sobre a escolha das técnicas para a coleta e a sistematização dos dados em uma
pesquisa Bourdieu et. all., (2007) chamam atenção para a necessidade de
Estabelecer um dispositivo tendo em vista uma mediação é formular
uma questão à natureza. A medida e os instrumentos de mediação, e,
de forma geral, todas as operações de prática sociológica, desde a
elaboração dos questionários e a codificação até a análise estatística,
constituem em ato, enquanto procedimentos de construção,
conscientes ou inconscientes, dos fatos e das relações entre os
mesmos. Quanto menos conscientes for a teoria implícita em
determinada prática – teoria do conhecimento do objeto e teoria do
objeto mal ajustada ao objeto em sua especificidade (BOURDIEU, et.
all., 2007, p. 53).
Para evitarmos tais erros na construção dessa pesquisa a amostragem populacional
foi feita da seguinte forma: de cada comunidade foram entrevistados representantes de 15
unidades domésticas (UD’s) adultos com idade e sexualidade variadas, desde que, seja um dos
responsáveis pela manutenção e sobrevivência do grupo. A escolha do universo de pesquisa
foi delimitada em função do numero médio de residências de cada comunidade. Em Santa
Rita Cássia existe entorno 60 unidades domésticas, em São Paulo e Bete Semes menos de 40
UD’s, além disso, nesses então concentrados a maioria dos artesãos e artesãs do lugar.
Entendemos que na fase adulta os atores sociais já são aptos para compreender o
conteúdo das perguntas e têm noção, mesmo que preliminar, da realidade concreta da sua vida
cotidiana e dos problemas relacionados ao turismo no lugar. Também foram identificados e
descritos os atrativos turísticos como as trilhas, o lago, a serra, o sitio arqueológico e os
ecossistemas da Serra da Valéria.
Destarte, este estudo foi desenvolvido em três etapas distintas. Na primeira
ocorreu a estruturação como o levantamento bibliográfico, a leitura e análise dos textos
selecionados, elaboração do projeto, com seus objetivos e a formulação do questionário. Com
relação à utilização do questionário como técnica de coleta de dados Bourdieu (2007) faz a
seguinte observação
Toda operação, por mais parcial que seja, implica sempre a dialética
entre teoria e verificação. (...) no momento da elaboração de um
código, as hipóteses implicadas pelo questionário devem ser
retomadas, especificadas e modificadas em contato com os fatos que
se pretende analisar, para serem submetidas à prova experimental da
23
codificação e da análise estatística: a fórmula tecnológica segundo a
qual o código deve ser “fixado” ao mesmo tempo ao que o
questionário (correndo o risco de reduzir o que é digno de ser
codificado ao que é codificável, isto é, muitas vezes, pré-codificável),
contém uma implicitamente uma epistemologia fixista já que leva a
fazer desaparecer um das ocasiões de ajustar aos dados as categorias
de apreensão dos mesmos (Ibidem, p. 79)
O longo questionário aplicado coletou dados pessoais relacionados à origem do
entrevistado, sexo, idade, profissão e das atividades socioeconômicas praticadas antes e
depois do advento do turismo no lugar. Para complementar a coleta de dados utilizamos as
técnicas de observação direta que segundo Marconi e Pressotto (2000:25) os fatos são
observados pessoalmente no local da investigação.
Como o campo de pesquisa se apresenta não apenas como lócus de coleta de
dados ou um espaço geográfico pré-determinado na delimitação do projeto, mas como o lugar
onde o pesquisador e o informante interagem com seus conhecimentos e experiências
cotidianas, deste modo,
O conceito de “campo” não remete somente à oralidade, mas se
constitui como um lugar prenhe de documentos e de escrituras.
Tampouco se apresenta como uma entidade natural, dada. Em sua
valência polissêmica, designando ora um espaço geográfico, ora o
objeto de pesquisa, não denota um continente objetivo e neutro, uma
realidade que exista à parte das relações entre o antropólogo e nativo.
Antes, deve considerar-se um terreno comum definido por
negociações sempre pré-orientadas pelo projeto de escritura, por
práticas textuais e de leitura. (MALIGHETT, 2004:111-121)
Ainda sobre o campo e das observações que podem ser feitas in loco, Roberto
Cardoso de Oliveira (2000) chama atenção para a necessidade do pesquisador “domesticar” o
olhar, o ouvir e o escrever, assim, além das perguntas estruturadas procuramos investigar
detalhes que somente com a aplicação do questionário nos escapariam. Deste modo,
ampliamos a gama de informações a respeito do cotidiano dos moradores e das atividades
relacionadas ao turismo no lugar. Sobre a importância do olhar, o ouvir e o escrever, Oliveira
(2000) salienta que,
...tanto o ouvir como o olhar não podem ser tomados como faculdades
totalmente independentes no exercício da investigação. Ambas
complementam-se e servem para o pesquisador como duas muletas
[...] que lhe permitem caminhar, ainda que tropegamente, na estrada
do conhecimento. É nesse ímpeto de conhecer que o ouvir,
24
complementado o olhar, participa das mesmas precondições desse
último, na medida em que está preparado para eliminar todos ruídos
que lhe pareçam insignificantes, isto é, que não façam nenhum sentido
no corpus teórico de uma disciplina ou paradigma no interior do qual
o pesquisador foi treinado. [...] o escrever passa a ser parte quase
indissociável do nosso pensamento, uma vez que o ato de escrever é
simultâneo ao ato de pensar. [...] é no processo de redação de um texto
que nosso pensamento caminha, encontrando soluções que
dificilmente aparecerão antes da textualização dos dados proveniente
da observação sistemática (OLIVEIRA, 2000:21-24).
A citação acima é importante porque como já foi dito, as entrevistas estruturadas
em forma questionário, são limitadas, assim, nas coletas de campo realizadas nessa pesquisa
foram feitos registros com gravadores, fotografias e anotações de praticamente todas as
atividades relacionadas ao objeto de pesquisa como: do processo de coleta de matéria-prima
(madeiras e sementes) até a produção do artesanato nas casas dos ribeirinhos; da chegada de
turistas no lugar e o comercio dos “produtos” turísticos e, dos aspectos socioeconômicos da
vida cotidiana dos nativos do lugar.
Assim a coleta de dados realizados na segunda fase da pesquisa foi sistematizada
em diversas etapas. A primeira ocorreu no mês novembro de 2008, onde foi feito o
reconhecimento sobre a atividade turística e a estrutura socioeconômica das comunidades
investigadas. Como a época dos cruzeiros tem inicio nesse mês, nesta ocasião tivemos a
oportunidade de observar a chegada de turistas na Boca da Valéria para comprar artesanato e
visitar os atrativos naturais do lugar. Também observamos um grupo de caboclos-ribeirinhos
comercializando seus artesanatos no interior de um cruzeiro. A autorização para a venda de
produtos nos cruzeiros ocorre para a comodidade dos turistas que não querem se aventurar na
visita das comunidades.
Em julho de 2009, ocorreu à segunda pesquisa de campo, nessa viagem foram
aplicados os questionários nas comunidades de Santa Rita de Cássia e de Bete Semes,
também foi feita a observação do cotidiano comunitário, da fabricação do artesanato, o
acompanhamento da coleta da matéria-prima para a confecção dos colares e das peças
artesanais feitos de Ucuúba. Nesta ocasião também procuramos identificar as transformações
socioespacias causadas pelo turismo no lugar e identificar os principais atrativos turísticos do
lugar.
A terceira pesquisa de campo realizada em dezembro de 2009 com o objetivo de
coletar dados na comunidade de São Paulo. Infelizmente a grande enchente daquele ano
acabou dificultando nosso planejamento metodológico, assim, em vez de quinze
25
representantes de UD’s apenas dez foram entrevistados. Entre os meses de setembro e
novembro desse mesmo ano, realizamos mais quatro idas a campo que tiveram como objetivo
registrar as atividades agropastoris nas unidades de produção das famílias que estão
localizados nos ramais do assentamento do P.A Vila Amazônia, também foram colhidas
informações sobre as relações de poder nas comunidades.
O espaço é o conceito central que nos permitirá entender como o mesmo foi
transformado em mercadoria e, sobretudo como foram criados novos territórios e
territorialidades na Serra da Valéria a partir do início da atividade turística no lugar. Logo,
para entendermos as modificações no espaço é necessário levar em consideração a dimensão
temporal, pois o espaço é transformado pelas ações antrópicas. O progresso tecnológico
permitiu ao homem a possibilidade de transformar e ordenar a natureza do espaço a partir das
suas necessidades econômicas e sociais.
A esse respeito diversos autores, sobretudo, Gourou (1973); Sorre 1948 (primeiro
geógrafo a propor a análise da técnica como sistema) e Roca (1989), demonstraram a
importância do desenvolvimento da técnica na transformação do espaço. Ainda a esse
respeito, Creewel, definiu a técnica como
[...] toda uma série de ações que compreendem um agente, uma
matéria e um instrumento de trabalho ou meio de ação sobre matéria,
e cuja interação permite a fabricação de um objeto ou de um produto.
(apud SANTOS 2008, p. 36)
Através das técnicas o homem passou a modificar o espaço criando novas
paisagens ao longo da história, a esse respeito Gourou (1973) afirma que
[...] a civilização moderna tem um enorme poder de ação paisagista,
ela dispõe de técnicas de exploração muito eficazes (limitadas,
contudo pelas exigências dos homens e pelas condições de
funcionamento das máquinas) e de técnicas de enquadramento
irreversíveis (transporte, telefone, rádio, televisão, publicidade
comercial e propaganda política) que podem controlar vastos espaços,
numerosas populações, cidades enormes (apud SANTOS, 2008:34)
A partir da afirmação acima, fica claro que não há como estudar as modificações
causadas pelo turismo na Serra da Valéria sem conectá-las com os conceitos de
territorialidade e ambiente, pois as populações que habitam o lugar fazem parte do ambiente e
criando novas espacialidades para o “consumo” dos visitantes.
26
No entendimento de Santos (1996) apud Steinberger (Ibidem, p. 39) se o espaço é
sinônimo de natureza e o território é natureza natural e artificial, então o meio ambiente é
construído. Neste sentido podemos diferenciar as noções de território, territoriedade e
ambiente nos mais variados campos do saber.
Para a Geografia, o território pode apresentar várias correntes. Segundo Haesbaert
(2007), é possível agrupar essas diversas concepções em dois referenciais teóricos:
a) o binômio materialismo e idealismo, desdobrado depois em duas
outras perspectivas, a visão mais totalizante e a visão mais parcial de
território em relação a: i) vinculo sociedade-natureza; ii) as
dimensões sociais privilegiadas (econômica, política e/ou cultural. b) a
historicidade do conceito, em dois sentidos: i) sua abrangência
histórica – se é um componente ou condição geral de qualquer
sociedade ou se está historicamente circunscrito a determinado(s)
período(s) ou grupo(s) socais; ii) seu caráter mais absoluto ou
referencial: físico-concreto (como “coisa”, objeto) a priori (no sentido
de espaço kantiano) ou social-histórico (como relação) (apud
SANTOS et. al., 2007, p. 45).
Foi Claude Raffestin (1993) um dos primeiros autores a abordar o território
levando em conta a dimensão política e administrativa desta categoria. Segundo este autor
É essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território. O
território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação
conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa)
em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou
abstratamente [...] o ator “territorializa” o espaço (apud BORDO et. al.
2004, p.2).
Deste modo, na construção do território existe uma relação de poder entre os
grupos sociais que o habitam. Neste sentindo, não há como entendermos a construção
territorial sem levarmos em conta esta categoria. A partir desta premissa, vários autores
definiram território. Na análise miltoniana
por território entende-se a extensão apropriada e usada. O sentido de
territoriedade como sinônimo de pertencer àquilo que nos pertencer
àquilo que nos pertence [...] essa idéia se estende aos animais, como
sinônimo de vivência e de reprodução. Mas a territoriedade humana
pressupõe também a preocupação com o destino, a construção do
futuro, o que, entre os seres vivos, é privilégio dos seres humanos
(SANTOS e SILVEIRA, 2008, p.19).
27
A discussão sobre a conceituação de território a partir dos autores citados nos
levou a formular a seguinte indagação sobre o tema, como se formam os territórios e qual a
importância deles para entendermos a questão as conseqüências da atividade turística no local
de pesquisa?
Assim, entendemos o território como parte de um sistema de composto de objetos,
entre eles, estão a paisagem, a configuração territorial, o espaço produzido ou produtivo, as
rugosidades e as formas de conteúdo, como propõe Milton Santos na obra Natureza do
Espaço.
Segundo a sistematização elaborada por Haesbaert (2004) na atualidade existem
sete concepções teóricas sobre a conceituação e a importância do território a saber: i) a
materialista histórica; ii) as concepções dos naturalistas; iii) as concepções de base
econômica; iv) a tradição jurídico-política de território; v) a perspectiva idealista de território;
vi) território numa perspectiva integradora; e, o território na visão relacional de Sack e
Rasffestin. Na perspectiva materialista, dá-se privilégio a dimensão material e econômica
definida a partir das relações sociais. Só podemos compreender a vida social na medida em
que a considerarmos a lógica territorial na qual está organizada. Seguindo esta linha teórica,
Maurice Godelier e Haesbaert (Ibidem, p. 47), conceituaram território como
[...] uma porção da natureza e, portanto, do espaço sobre o qual uma
determinada sociedade reivindica e garante a todos ou parte de seus
membros direitos estáveis de acesso e de uso com respeito a totalidade
ou parte dos recursos que ai se encontram e que ela deseja e é capaz
de compartilhar.
Como podemos observar existe uma relação dialética na ocupação e na construção
social do território que está diretamente ligada à natureza. Diversos autores compartilham
dessa linha teórica, para Sarck a territorialidade está intimamente ligada ao modo de
utilização e do significado da terra.
Na concepção econômica o território recebe uma conotação de fonte de recursos e
de apropriação através da relação sociedade-natureza, como observa Maurice Godelier:
Designa-se por território uma porção da natureza e, portanto, do
espaço sobre qual uma determinada sociedade reivindica e garante a
todos ou a parte de seus membros direitos estáveis de acesso, de
controle e de uso com respeito à totalidade ou parte dos recursos que
ai se encontram e que ela deseja e é capaz de explorar (GODELIER,
1984 apud HAESBAERT, op. cit., p.56)
28
A perspectiva econômica se diferencia da materialista na medida em que os
trabalhos realizados pela primeira fazem uso mais da categoria espaço e quando que os
materialistas dão ênfase a divisão social do trabalho no sentido de uma divisão espacial do
trabalho. Portanto, para o materialismo,
[...] o território é definido de diversas maneiras. Ele pode ser
“imposto” pelas condições do meio ambiente ou da estrutura do
povoamento (microbacia, faixa litorânea, povoado, etc.) Também
pode ser definido de maneira administrativa: unidade territorial ou
território ocupado pelo público de uma política pública. (CAZELLA
et al., op. cit., p. 54)
Na tradição jurídico-política de território, a base conceitual é retirada da ótica
ratzeliana, sobre a soberania dos Estados. Nesta perspectiva segundo Moraes (2001: 19), o
território é um espaço qualificado pelo domínio de um grupo humano, sendo definido pelo
controle político de um dado âmbito espacial. Esta concepção se aproxima da dimensão
econômica, pois vê o território como uma fonte de recursos a serem usufruídas pelos homens.
(apud HAESBAERT, 2004) Esta concepção se aproxima da dimensão econômica, pois vê o
território como uma fonte de recursos a serem usufruídas pelos homens.
Na corrente idealista (culturalista) o território é considerado um local onde seus
habitantes exploram seus recursos para sua sobrevivência, mas também implica uma relação
simbólica, ou seja, o território é um valor, assim,
[...] na lógica culturalista [...] o pertencimento ao território implica a
representação da identidade cultural. [...] Ela supõe redes múltiplas,
refere-se nos lugares a geossímbolos mais que as fronteiras, inscrevese nos lugares e caminhos que ultrapassam os blocos do espaço
homogêneo e continuo da “ideologia geográfica” (termo de Gilles
Sautter para definir a visão de espaço cartesiana moderna).
(BONNEMAISON e CAMBÈZY apud HAESBAERT, 2004 p. 50).
Na Serra Valéria a ligação dos nativos com o território além de físico-espacial é
também determinada pelo sentimento de pertencimento à comunidade em que residem e das
relações simbólicas do lugar, ou seja, o pertencer à comunidade tem muito mais haver como
os valores e regras sociais estabelecidas através dos símbolos comuns aos membros de cada
grupo comunitário. Neste sentido o território é um construtor de identidade.
29
A perspectiva integradora foi uma tentativa de incorporar as diversas correntes de
analise do território. A principal a dificuldade desta corrente teórica é a impossibilidade de em
muitos casos de fazer generalizações a respeito do que a mesma propõe. No entanto,
Haesbaert, faz a seguinte afirmação “[para que a integração ocorra] é imprescindível,
portanto, que contextualizemos historicamente o “território” com o qual estamos trabalhando.
Se nossa leitura for uma leitura integradora, o território respondendo pelo conjunto de nossas
experiências ou, em outras palavras, relações de domínio e apropriação, no/com/através[sic]
do espaço, os elementos diferem consideravelmente ao longo do tempo. (p.78). Haesbaert
salienta, no entanto, que hoje é possível de haver a “experiência integradora” do espaço na
antiga conjugação econômica, político e cultural na medida em que pensemos o território
através de redes que se estendem do local para o global.
Tanto o conceito de território como o de territorialidade estão ligados as relações
de poder que envolvem a os grupos sociais que se relacionam no interior dessas categorias,
neste sentido Haesbaert afirma que “território, assim, em qualquer acepção, tem a ver com
poder, mas não apenas ao tradicional “poder político”. Ele diz respeito tanto ao poder no
sentido mais concreto, de dominação, quanto ao poder no sentido mais simbólico, de
apropriação” (HAESBAERT, 2005). Para Sack (1986) a territorialidade, como um
componente do poder, não é apenas um meio para criar e manter a ordem, mas é uma
estratégia para criar e manter grande parte do contexto geográfico através do qual nós
experimentamos o mundo e o dotamos de significado. (ibidem 2005, p. 6776)
A territorialidade é entendida desse modo porque incorpora além da dimensão
política, a econômica e cultural, pois está ligada a maneira como os grupos sociais organizam
o espaço e dão significado ao lugar. Para Haesbaert isso ocorre por que segundo este autor,
[...] todo território é, ao mesmo tempo e obrigatoriamente, em
diferentes combinações, funcional e simbólico, pois exercemos
domínio sobre o espaço tanto para realizar “funções” quanto para
produzir “significados”. O território é funcional a começar pelo
território como recurso, seja como proteção ou abrigo (“lar” para o
nosso repouso), seja como fonte de “recursos naturais” – “matériasprimas” que variam em importância de acordo com o(s) modelo(s) de
sociedade(s) vigente(s) (como é o caso do petróleo no atual modelo
energético capitalista). (Ibidem, p. 6776)
Neste sentido o território é um continuum que das relações político-econômicas
até a cultural-simbólica da apropriação dos seus recursos e também da maneira como os
30
indivíduos utilizam a terra e como constroem seu universo simbólico. Neste sentido para
Haesbaert, (2004:88) a territorialidade:
- Envolve uma forma de classificação por área.
- Deve conter uma forma de comunicação.
- Deve envolver uma tentativa de manter o controle sobre o acesso a uma área e
às coisas dentro dela, ou as coisas que estão fora da repressão àquelas que estão
em seu interior.
Não é possível entender os impactos da prática do turismo deixando de lado o
conceito de territorialidade e desterritorialização já que estas atividade é uma das grandes
causadores das mudanças territoriais em diversas partes do mundo. No lugar pesquisado o
turismo além de causar modificações socioeconômicas também está criando novas
territorialidades para o uso turístico como será mostrado mais adiante. Assim, só poderemos
entender as mudanças na medida em que percebermos que o território e a territorialização
num continuum, pois sua manifestação ocorre numa grande multiplicidade. O Estado é o
grande territorializador, desterritorializador e reterritorializador dos espaços geográficos na
atualidade. Para Chelotti & Pessoa (2009, p.3)
Estamos diante do que se denominou processos geográficos de
Territorialização-Desterritorialização-Reterritorialização (TDR), pois
a criação de territórios seria representada pela territorialização, a sua
destruição (por mais que seja temporária) pela desterritorialização, e
pela sua recriação a partir de processos de reterritorialização.
Haesbaert (2004) nos lembra que “devemos pensar a territorialização e a
desterritorialização processos concomitantes, ou seja, fundamentais para compreendermos as
práticas humanas”. Na conjuntura atual a globalização aparece como a grande responsável
pelo processo de territorialização e desterritorialização que ocorreu em todas as partes do
mundo. Ao contrário do que muitos teóricos afirmavam a globalização não acabou com os
territórios e muito menos tornou o mundo um espaço sem fronteiras, como afirma Ciccolella
(2007),
31
[...] muitos geógrafos e cientistas sociais se colocaram na defesa de
que esse processo justificaria o fim do território devido ao nascimento
de um mundo dominado não mais pelas relações interestatais e sim
pela mobilidade e fluidez do capital. Sem dúvida, se cria um espaço
dos fluxos, materializado na hegemonia dos grupos transnacionais,
porém “o capitalismo avançado e as mudanças produtivas [...] não
aboliram nem anularam o espaço, mas pelo contrário, lhe deram novo
significado, nova dimensão e nova estrutura (CICCOLELLA, 1996, p.
297 apud CARVALHO, 2007, p.33)
A globalização impõe não só a movimentação de mercadorias, do capital e de
pessoas para todas as regiões do mundo, mas reorienta o território do trabalho produtivo
conforme as regras e as necessidades do mercado global. Sobre esta nova realidade Haesbaert
(2004) afirma se tratar de um processo dialético entre o global e local, ou seja, as situações
locais não podem mais ser reconhecidas nem como locais e nem como globais, mas pela
combinação dos dois processos. Como o processo de territorialização e reterritorialização está
sempre ocorrendo o autor denominou estas modificações de multiterritorialidade. Destarte, é
possível identificar os “múltiplos territórios” através das seguintes modalidades:
a) Territorializações mais fechadas, quase “uniterritoriais” no sentido
de imporem a correspondência entre poder político e identidade
cultural (...); b) Territorializações político-funcionais mais
tradicionais, como a do Estado-Nação que, mesmo admitindo certa
pluralidade cultural (...) não admite a pluralidade de poderes; c)
Territorializações mais flexíveis, que admitem a sobreposição
territorial, seja sucessiva (como nos territórios periódicos ou espaços
multifuncionais na área central das grandes cidades) ou
concomitantemente (como na sobreposição “encaixada” de
territorialidades
político-administrativas);
d)Territorializações
efetivamente múltiplas – uma “multiterritorialidade” em sentido
estrito, construídas por grupos ou indivíduos que constroem seus
territórios na conexão flexível de territórios multifuncionais e multiidentitários ( HAESBAERT, 2005, p. 6781).
No caso da multiterritorialidade aqui entendida como a existência de vários
territórios co-existindo ao mesmo tempo num só território, portanto, na concepção a
multiterritorialidade seria então
[...] a existência de vários territórios ao mesmo tempo e de (se o
processo de territorialização parte do nível individual ou de pequenos
grupos, toda relação social implica uma interação territorial) um
entrecruzamento de diferentes territórios. Em certo sentido, teríamos
vivido sempre uma “multiterritorialidade. (HAESBAERT, 2004,
p.344)
32
No caso da multiterritorialidade aqui entendida como a existência de vários
territórios co-existindo ao mesmo tempo em um só território. Destarte, a multiterritorialidade
seria então
a existência [...] de vários territórios ao mesmo tempo
(multiterritorialidade parte do nível individual ou de pequenos grupos,
toda relação social implica uma interação territorial) e de um
encruzamento de diferentes territórios. Em certo sentido, teríamos
vivendo sempre uma “multiterritorialidade”. (HAESBAERT, 2004,
p.344)
A partir do que foi discutido acima nos percebemos que as categorias território e
multiterritorialidade são importantes para compreendermos como turismo se apropriou do
espaço natural e produziu novas territorialidades e ao mesmo tempo fez surgir a
multiterritorialidade em todos os cantos do globo. Esse fato ocorreu com a massificação do
dessa atividade e, sobretudo por que o turismo vincula-se aos sistemas produtivos globais,
como veremos no decorrer deste trabalho.
Como a região da Serra da Valéria é ocupada por populações caboclas tradicionais
que desenvolveram ao longo da história uma forma singular de vida a apropriação desse lugar
no roteiro internacional do turismo afetou o modus vivendis e o modus operandis do lugar,
visto que foi responsável pelo aparecimento da uma nova categoria social o cabaclo-artesão e
de uma nova organização espacial para o favorecimento da atividade no local, a esse respeito
Roullet-Caire e Caire (2003) afirmam
[...] que o turismo, seja qual for sua forma, modifica profundamente o
futuro de uma população, mais do que todas as outras atividades
econômicas. Segundo os autores, o desenvolvimento do turismo
internacional (já que ele opera entre o Norte e o Sul) é, sem dúvida,
um fator majoritário de mudanças na sociedade (apud IRVING, 2006,
p.118)
Assim, recorremos a Antropologia do Turismo para entender como o contato entre
grupos de culturas distintas cria novos padrões sociais e causa modificações nas relações entre
as comunidades nativas. Conforme Grünewald (2003, p. 15)
[...] é “um rótulo que indica estudos em antropologia dirigidos pela
análise de processos sociais (ou culturais) gerados no âmbito da
atividade turística em todas as suas manifestações, institucionalizadas
ou não”. Seu olhar leva em conta aspectos como a relação entre
33
visitantes e visitados; a cultura como um bem turístico; o turismo em
comunidades tradicionais e grupos étnicos; os estabelecimentos de
acolhimento; as motivações, comportamentos e o consumo nos
deslocamentos turísticos. Além dos [...] estudos em turismo religioso,
turismo e mudança social, turismo e mercantilização cultural, turismo
e globalização, veraneio, turismo e lazer, ecoturismo, mediadores
culturais na empresa turística, impactos sociais do turismo, turismo e
produção de artesanato, turismo e etnicidade, entre outras rubricas.
Deste modo, Antropologia nos forneceu bases teóricas comparativas que nos
permitiu analisar os fatores sociais, simbólicos, culturais e econômicos causados pelo turismo
no local de pesquisa. Também possibilitou verificar a inserção da cultura tradicional cabocla
no contexto global do turismo a partir das transformações causadas por esta atividade no
cotidiano dos moradores locais. A partir da definição de Sahlins (1997) para quem a tradição
não aparece emparedada e fixa, podendo ser constantemente revisada, inventada, reinscrita e
transformada pelos grupos, de acordo com suas experiências e prioridades. A tradição
consiste aqui nos modos distintos como se dá a transformação: a transformação é
necessariamente adaptada ao esquema cultural existente (SAHLINS, 1997, p. 62 apud LEAL,
op.cit. p. 243-4). Neste sentido, o turismo aparece como um grande modificador das tradições
de populações rurais e urbanas, pois facilita o contato de culturas diversas em todas as partes
do mundo.
Na Amazônia, o apelo conservacionista tem favorecido a pratica do turismo
ecológico em áreas indígenas e entre as populações caboclas de várzea de forma predatória, já
que na visão dos órgãos governamentais, essa atividade favorece a geração de renda e
emprego sem agredir o ambiente, neste sentido para o governo
O Ecoturismo quando passa a permitir o crescimento rápido das
empresas, gerando o aumento da oferta de trabalho direto e indireto,
bem como, um efeito multiplicador na economia, passa a exigir uma
gama de investimentos em infra-estrutura (setor público) e, em
decorrência disso, se não definido e planejado com certa argüição e
tendo políticas públicas frágeis, será alvo de uma fuga de rendimentos
locais e uma massificação que terá efeitos negativos, irreversíveis,
sobre a preservação do ambiente e sobre o patrimônio histórico e
cultural (DINIZ, 2005 apud MUNHOZ et. all. 2008:8).
A falta de planejamento participante e de políticas públicas para o
desenvolvimento do turismo de base comunitária é a principal crítica aos órgãos responsáveis
pela promoção do turismo na região. Para Maldonado (2006)
34
[...] toda forma de organização empresarial sustentada na propriedade
e na autogestão sustentável dos recursos patrimoniais comunitários, de
acordo com as práticas de cooperação e equidade no trabalho e na
distribuição dos benefícios gerados pela prestação dos serviços
turísticos. A característica distinta do turismo comunitário é sua
dimensão humana e cultural, vale dizer antropológica, com objetivo
de incentivar o diálogo entre iguais e encontros interculturais de
qualidade com nossos visitantes, na perspectiva de conhecer e
aprender com seus respectivos modos de vida (MALDONADO, 2006,
p.31)
O turismo de base comunitário permite que as populações tradicionais indígenas
ou não promovam o turismo em suas terras levando-se em consideração as características
socioambientais desses lugares. Assim Faria (2009), vem diferencia as categorias
participativo de participante em relação à metodologia e do planejamento. Deste modo
segundo a autora, é possível distinguir três segmentos de turismo a partir dos conceitos de
patrimônio natural e cultural e de paisagem natural e cultural cujo sentido, após uma análise
associativa, se aproximam um do outro, orientam as definições de turismo de natureza,
cultural e ecoturismo. Deste modo, é possível identificarmos o tipo de turismo em um lugar a
partir das seguintes definições :
- Patrimônio natural + paisagem natural = turismo de ou na natureza.
- Patrimônio cultural + paisagem cultural = turismo cultural.
- Patrimônio natural + paisagem natural + Patrimônio cultural + paisagem cultural
= ecoturismo (FARIA, 2007).
Ainda de acordo com a autora,
O Turismo de ou na Natureza, [é] o tipo de turismo que utiliza o
patrimônio natural como rios, fauna, flora, montanhas, vales etc.,
como atrativo principal e nem sempre de forma sustentável. O
principal interesse ou atrativo do turista é a paisagem natural ou o
patrimônio natural. Pode ser ecológico, quando utiliza o patrimônio
natural e/ou a paisagem natural de forma racional, para ser admirado
com vistas à educação ambiental, sem priorizar o envolvimento da
comunidade local. Até o momento, o turismo de ou na natureza vem
sendo freqüentemente, de forma equivocada, denominado como
ecoturismo. (Ibidem)
No próximo capítulo faremos a distinção entre os dois tipos de turismo de forma
mais contundente. Com o crescimento da demanda de turistas para a Amazônia em busca da
prática do turismo de natureza, os Estados do Amazonas e do Pará tornaram-se roteiros
35
obrigatórios para a prática dessa modalidade de turismo. Na região amazônica existem
basicamente dois tipos de atrativos turísticos aos visitantes: os naturais como os rios, as
florestas e a rica fauna tanto de terra firme quanto das áreas de várzea, e, os atrativos
culturais, como o artesanato, a culinária, as festas folclóricas e outras manifestações
populares. Apesar disso, a demanda de turistas vem aumentando anualmente sem que tenham
sido realizados estudos que procurem identificar os impactos dessa atividade nas populações
locais.
36
Capitulo I – A Ocupação da Amazônia, Políticas Públicas do Turismo e a
(In)sustentabilidade para a Região.
A Amazônia foi integrada ao processo de internacionalização econômica no
primeiramente no período da Borracha e depois com a instalação das indústrias na Zona
Franca de Manaus, dos Grandes Projetos e nos dias atuais com a prática do turismo. Com o
aumento paulatino da atividade turística nas últimas três décadas do século XX, fez com que a
SUDAM – Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia defendesse o turismo
ecológico como atividade econômica de desenvolvimento regional sem a necessidade de
promover desmatamentos. Para a implantação dessa atividade na região dois argumentos são
levados em conta. [No primeiro] o desenvolvimento sustentável aparece no argumento que o
turismo ecológico pode justificar economicamente a conservação de áreas naturais como o
mínimo de modificação. Outra argumentação poderosa para a implantação do turismo
ecológico é a projeção [feita pela SUDAM] de turistas para a Amazônia, com um crescimento
de 8,5 % ao ano. (Figueiredo, 1999). O turismo sustentável tem como objetivo atender as
necessidades de lazer dos turistas e proporcionar desenvolvimento dos núcleos receptores,
preservando o meio ambiente. Esses serão os parâmetros que utilizaremos para analisarmos a
sustentabilidade da atividade turística na região da Serra da Valéria.
A crise ambiental dos anos 70, conseqüência do modelo transformou a Amazônia
num palco de tensões entre ambientalistas e governistas, em virtude dos interesses
econômicos e ambientais de cada grupo em relação ao desenvolvimento para a região.
Destarte, as crescentes críticas do movimento ambientalista e as pressões do capital
internacional obrigaram o governo federal brasileiro a buscar “implantar” na região atividades
econômicas que promovesse o desenvolvimento sem agredir a natureza, a solução encontrada
para atingir essa meta foi o ecoturismo. Sobre o novo valor da Amazônia no contexto
internacional, a partir das décadas de 80 e 90 Becker & Stenner (op. cit., p.36) afirmam que,
[...] a Amazônia tornou-se o símbolo da questão ecológica em sua
dupla face, e da disputa geopolítica. Explica-se, assim, a pressão
ambientalista internacional e nacional na década de 1980, que, aliando
interesses econômicos e geopolíticos de um lado, e ambientalistas de
outro, além de encontrar terreno fértil decorrente da crise do Estado
brasileiro e de resistências de grupos sociais locais, resultou numa
política preservacionista dominante na década de 90.
37
A partir dessa década, os projetos voltados para promover o desenvolvimento da
Amazônia passaram a adotar a sustentabilidade ambiental como meta. No ramo do turismo, o
modelo adotado foi o turismo ecológico que segundo seus defensores ambientalistas, e a
própria SUDAM, não causariam impactos sobre os recursos naturais. Entrava em cena a busca
pela “sustentabilidade econômica".
A pesar de toda euforia em relação ao turismo ecológico as políticas públicas para
a implementação dessa atividade na região ainda exclui o planejamento de base comunitária, a
possibilidade de empoderamento das comunidades. Assim o planejamento é feito de cima
para baixo sem ouvir os principais interessados no desenvolvimento da atividade: os
moradores nativos.
1.1 A Sustentabilidade Econômica: a criação de novos paradigmas de
desenvolvimento e sustentabilidade.
Não é possível pensar em sustentabilidade sem relacioná-la ao ambiente, a
economia e a sociedade. Segundo a concepção sistêmica em uma pesquisa interdisciplinar
sobre o ambiente, deve favorecer a delimitação e o programação do tema, nesse sentido
Jollvet & Pavet (1992: 29) definem o ambiente como,
O conjunto dos meios naturais ou artificializados da ecoesfera, onde o
homem se instalou e que ele explora e administra, bem com o
conjunto dos meios não submetidos à ação antrópica, e que são
considerados necessários à sua sobrevivência. Esses meios podem ser
caracterizados de três maneiras: i. por sua geometria, seus
componentes físicos, químicos, biológicos e humanos, e pela
distribuição espacial desses componentes; ii. pelos processos de
transformação de ação ou interação envolvendo esses componentes e
condicionando sua mudança no espaço e no tempo; iii. por suas
múltiplas dependências relativamente às ações humanas. (apud
VIEIRA e WEBER, op. cit., p. 24)
Assim, o ambiente é entendido como uma totalidade complexa, capaz de
influenciar a sobrevivência da humanidade. Neste sentido também levaremos em
consideração que não só a ação antrópica é a causadora do desequilíbrio da biosfera. Pois os
ecossistemas evoluem e se transformam mediante aos mais variados ritmos do próprio
sistema. Definido meio ambiente, devemos então discutir de que forma os recursos naturais
são apropriados pelos homens. A história mostra que a sobrevivência do ser humano sempre
38
foi dependente da natureza e a medida em as sociedades tornaram-se mais complexas os usos
dos recursos dos recursos, as modalidades de acesso e de controle desses acessos
transformaram-se em relação de poder e de exploração dos homens. No livro O Capital, Karl
Marx, afirma que
À parte as diferenças nas energias naturais e na destreza adquirida
para o trabalho entre os povos, as forças produtivas do trabalho
dependerão principalmente: 1 – Das condições naturais de trabalho:
fertilidade do solo, riqueza das jazidas minerais, etc.; 2 – Do
aperfeiçoamento progressivo das forças sociais de trabalho por efeito
da produção em grande escala, da concentração de capital, da
combinação do trabalho, da divisão do trabalho, maquinaria,
comunicação e de transporte, e todos os demais inventos pelos os
quais a ciência obriga as forças naturais a servir ao trabalho, e pelos
quais desenvolve o caráter social ou cooperativo do trabalho. (Marx,
1978, p. 77)
É certo que Marx nunca escreveu nada sobre o conceito “meio ambiente”, mas seu
tratado sobre o trabalho e a produção de bens ele nos mostra que a relação de exploração com
a natureza tornou-se mais predatória na medida em que o homem acumulava certa quantidade
de conhecimento e foi paulatinamente deixando de ser coletor. Para Marx, através do
trabalho, o homem domina a natureza para satisfazer as suas necessidades materiais. Ao
modificar a natureza o homem modifica a si mesmo. Passados mais de dois séculos da
publicação de “O Capital”, a “humanidade” fala em uma nova forma de desenvolvimento,
neste caso o sustentável, no entanto esse “novo” paradigma ainda não está tão claro e muito
menos mostra alternativas, além daquelas que fazem da responsabilidade individual e do
engajamento nos movimentos ecológicos como a “real” possibilidade de alcançá-lo.
A palavra desenvolvimento tem sentido amplo, pois pode ser relacionada a
diversos campos do conhecimento. Em nosso estudo nos interessa as relações
socioeconômicas do homem com o ambiente. Para a teoria econômica clássica, o
desenvolvimento baseava-se em três fatores de produção – terra, trabalho e capital – que se
juntavam para gerar a riqueza de um país. A responsabilidade de poupar e gerar riquezas era
tarefa dos capitalistas. A natureza era vista como um valor. Para Marx, o desenvolvimento
econômico, portanto, está relacionado às forças de produção e na divisão do trabalho, sendo
que o acumulo de riqueza está diretamente ligada à exploração da classe pela trabalhadora
pela burguesia e na transformação da natureza. Do início século XX até a década de 40
predominou a idéia de que desenvolvimento poderia ser conseguido com o progresso e
39
ilimitado. Após a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria fizeram as grandes potências
mundiais disputarem os mercados dos “países subdesenvolvidos” da América Latina, Ásia e
África, na tentativa de consolidar sua ideologia. Segundo Scotto et all., (2007, p.20)
[neste período] o desenvolvimento foi identificado como crescimento
econômico, tecnológico, urbano e a internalização da lógica da
acumulação e da produção capitalista em todas as esferas da vida
social. [...] o paradigma de desenvolvimento a ser alcançado era a
sociedade de consumo norte-americana.
Quando o New Deal entrou em crise e o “Estado do Bem Estar Social”, tornou-se
oneroso de mais a política econômica mundial entrou na fase neoliberal e o Estado foi aos
poucos se tornando mínimo. No início da década de 70, as crises econômicas e ambientais fez
emergir o movimento ambientalista contrapondo-se ao modelo de crescimento desenfreado e
propondo uma “nova” maneira de relacionamento homem com a natureza. Neste período o
mundo viu-se diante de duas correntes relacionadas ao crescimento: [a primeira] era
defendida por aqueles que “somente uma taxa de crescimento elevada permitiria o
financiamento de uma política de uma política ambiental vigorosa, voltada para a difusão
rápida da inovação, para a consideração dos custos de manutenção ou de restauração de
ambientes e para a reciclagem de materiais e eliminação de dejetos; [a segunda] defendia que
a harmonização entre os objetivos do desenvolvimento e a preservação ambiental seria um
principio possível, mas demandaria a concepção de novos modelos de desenvolvimento,
implicando mudanças substanciais nos modos de vida, os modos de produção e nas opções
técnicas, bem como nas formas sociais de organização e nas relações internacionais
(GEORGESCU-ROEGEN, 1979 apud GOLDARD, 2002, p. 204). Foi a partir desses dois
postulados que emergiram conceitos como desenvolvimento viável, ecodesenvolvimento e
desenvolvimento sustentável.
Os defensores da corrente do desenvolvimento viável tendem a mostrar que não
existe equilíbrio que não seja momentâneo, tanto no domínio da natureza quanto na esfera da
regulação econômica. Logo, é necessário pensar um desenvolvimento viável em longo prazo
implica visualizar, com base em objetivos estrategicamente colocados, as melhores
modalidades possíveis de gestão das interações entre diferentes fontes de variabilidade
(natural e social). Segundo Weber (2002:120), os princípios dessa corrente foram sintetizados
em quatro características que indissociavelmente norteariam o desenvolvimento viável:
40
1. a definição de objetivos de longo prazo, de natureza ética e política (no sentido
forte do termo), num horizonte temporal muito longo, constitui um pré-requisito ã elaboração
de toda e qualquer estratégia de gestão;
2. tratando-se de comunidades humanas, a sociodiversidade constitui uma
dimensão pelo menos quanto a biodiversidade;
3. a viabilidade dessas comunidades e também dos ecossistemas (próximos ou
longínquos) dos quais elas extraem seus meios de subsistência são mutuamente, mas não
exclusivamente determinantes. As decisões econômicas e sociais deveriam ser tomadas sob
coações impostas pela busca de manutenção da viabilidade dos ecossistemas, da mesma forma
que as decisões relativas à gestão dos meios naturais deveriam estar ligadas através da busca
de manutenção da viabilidade dos modos de vida correspondentes; e
4. ao invés de se continuar agredindo os ecossistemas, privilegia-se o
estabelecimento de uma relação de conivência com os mesmos, que consiste em “jogar” com
as variabilidades naturais, e não negá-las (HENRY, 1987). Ao invés da busca de soluções
“ótimas”, a preferência recai na elaboração de estratégias adaptativas, tanto em relação às
variabilidades naturais, quanto às variabilidades econômicas.
Para os seguidores da corrente da viabilidade não é necessário proibir os seres
humanos de fabricar novos ecossistemas (por exemplo, os agropastoris), o que se busca é
apenas reduzir um ecossistema – incluindo nele os seres humanos – a apenas um de seus
múltiplos componentes. Ou seja, não há necessidade de enveredarmos no campo do finalismo
para entendemos que a relação homem natureza necessidade de cuidados, e que somente
ações políticas em longo prazo, que devem preceder o trabalho cientifico, podem atingir a
manutenção dos ecossistemas.
Em 1973, Maurice Strong, diretor executivo do Programa das Nações Unidas para
o Meio Ambiente (PNUMA), apresentou pela primeira vez o termo ecodesenvolvimento que
significa o desenvolvimento de um país ou região,
(...) baseado em suas próprias potencialidades, portanto endógeno,
sem criar dependência externa, tendo por finalidade “responder à
problemática da harmonização dos objetivos sociais com uma gestão
ecologicamente prudente dos recursos e do meio” (SACHS apud
RAYNAUT e ZANONI, 1993:7)
Partindo da premissa que é necessário “pensar globalmente e atuar localmente”, o
ecodesenvolvimento acredita nas transformações a partir das consciências individuais e no
41
planejamento dos governos. Segundo Leff (2000), as estratégias do ecodesenvolvimento para
solucionar os problemas sociais do desenvolvimento são:
a. Satisfazer as necessidades básicas da população;
b. Gerar empregos e melhorar a qualidade das relações humanas;
c. Combater a marginalização e a distribuição desigual dos recursos e da riqueza;
d. Respeitar a diversidade cultural e propiciar a autoconfiança e a capacidade de
autogestão das comunidades. (LEFF, 2000, p.269)
O ecodesenvolvimento propôs um “projeto de civilização”, baseado no principio
da responsabilidade entre os povos da terra. No entanto, segundo esta autor, para que esse
novo projeto de desenvolvimento para a humanidade desse certo, duas modificações deveriam
ocorrer na sociedade global: a primeira na esfera social, seria a construção de uma
“solidariedade sincrônica” para que haja o deslocamento da lógica da produção para o
“campo” das necessidades fundamentais da população e, na segunda na esfera econômica.
uma “solidariedade diacrônica”, onde os recursos naturais seriam utilizados de maneira
“conscientes” somente para garantir a qualidade de vida das geração futuras. Como os
defensores do ecodesenvolvimento não criaram uma teoria capaz de sustentar seus objetivos e
de definir o campo de uma práxis para a sua realização as proposta do ecodesenvolvimento
foram perdendo o seu sentido específico para mobilizar os diferentes atores sociais na
consecução de seus objetivos. (Ibidem)
Além disso, os críticos desse movimento diziam que não estava claro como a
humanidade construiria a sua relação “harmoniosa” com a natureza. Sem demonstrar de forma
cientifica como iria atingir seus objetivos e, sobretudo, não demonstrava como ocorreria a
harmônica entre a produção de bens e o meio ambiente. Desse modo, o ecodesenvolvimento
foi perdendo sua força e caindo em desuso pelos ambientalistas. Embora alguns autores
(MOTIBELLER-FILHO, 2001; SCOTTO et. all., 2002), não vejam diferenças entre o
ecodesenvolvimento e o desenvolvimento sustentável, pois elas são mínimas, nesta pesquisa
seguiremos a noção de Henrique Leff e Jacques Weber que nos mostram que as diferenças
estão latentes no modo como cada uma das correntes vêem o meio ambiente e principalmente
na teorização dos seus princípios.
Em 1974, em plena Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e
Desenvolvimento realizada na cidade de Cocoyoc no México, foi criada a noção de
sustentabilidade ou durabilidade. Fortemente influenciado pelos modelos biológicos que
procurava demonstrar a evolução de um equilíbrio linear na exploração dos recursos naturais
42
pelos homens. Segundo o Relatório Brundtland seria sustentável, “um desenvolvimento capaz
de satisfazer as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das gerações
futuras satisfazer as suas”. Weber (op. cit., p.122). Neste sentido, o desenvolvimento
sustentável não significa harmonia, sim um processo de mudança, onde a exploração dos
recursos naturais, os investimentos econômicos, as inovações tecnológicas e as políticas
institucionais (voltadas para a preservação e exploração do meio ambiente) são feitas
conforme as necessidades das gerações atuais e das gerações futuras. Um dos principais
teóricos sobre o desenvolvimento sustentável é o economista polonês, naturalizado francês
Ignacy Sachs, este autor idealizou os cinco pilares principais:
Sustentabilidade Social: isto é, o estabelecimento de um processo de
desenvolvimento que conduza a um padrão estável de crescimento,
com uma distribuição mais eqüitativa da renda e dos ativos às grandes
massas populacionais e uma redução das atuais diferenças sociais.
Sustentabilidade econômica: tornada possível graças ao fluxo
constante de inversões públicas e privadas, além da alocação e do
manejo eficientes dos recursos naturais; Sustentabilidade ecológica:
compreende o uso dos potenciais inerentes aos variados ecossistemas
compatível com sua mínima deterioração. Deve permitir que a
natureza encontre novos equilíbrios através de processos de utilização
que obedeçam a seu ciclo temporal; Sustentabilidade geográfica:
atingida a partir do estabelecimento de uma configuração rural-urbana
mais equilibrada e de se estabelecer uma rede de reservas da biosfera
para proteger a diversidade biológica, e, ao mesmo tempo, ajudar a
população local a viver melhor; e, Sustentabilidade cultural: é
necessário traduzir o conceito normativo de desenvolvimento
sustentável numa pluralidade de soluções locais, adaptadas a cada
ecossistema, a cada cultura e, inclusive a soluções sistêmicas de
âmbito local (SACHS, 2008, p. 72)
Esse serão os critérios que levaremos em conta para avaliarmos a sustentabilidade
do turismo na Serra da Valéria. Também é relevante percebermos a abrangência
socioeconômica da proposta de Sachs e sua complexidade em relação à sustentabilidade. Para
atingir seus propostos os defensores do desenvolvimento sustentável apostam na gestão dos
recursos naturais baseado na ética e na solidariedade com as gerações futuras. A transição
começa com o gerenciamento de crises, que requer uma mudança imediata de paradigma,
passando-se do crescimento financiado pelo influxo de recursos externos de recursos externos
e pela acumulação de dívida externa para o do crescimento baseado na mobilização de
recursos internos, pondo as pessoas para trabalhar em atividade com baixo conteúdo de
importações e para aprender a “vivir com lo nuestro” (SACHS 2008, p. 17).
43
A economia ambiental é o ramo das Ciências Econômicas que se dedica ao estudo
da inter-relação entre desenvolvimento social e meio ambiente possui três pressupostos que
procuram explicar a questão ambiental no sistema capitalista. Para a primeira, os problemas
sociais e ambientais são derivados de falhas do mercado, essas falhas constituem-se em
resultados indesejáveis que tendem a ser resolvidos pelo próprio funcionamento do sistema,
de forma espontânea e reduzida. A segunda, afirma que o mercado só absorve parcialmente os
custos sociais ou ambientais, e desde que pressionado pela sociedade, através dos movimentos
sociais exercendo pressão política, portanto externa, sobre a economia. Nesta perspectiva, a
sustentabilidade seria atingida pela racionalidade ambiental. A terceira corrente é defensora
da idéia que os custos sociais e ambientais são inerentes ao funcionamento do moderno
sistema de produção capitalista. Portanto, este não poderá deixar de gerá-los, sob pena de
aprofundar a tendência da taxa de lucro à queda, como consequências negativas para a
acumulação do capital. Segundo Montibeller-Filho (2008)
Para a economia ecológica, os preços de mercado devem, também, ser
considerados nas análises – do exame dos fluxos de energia e
materiais –, sendo, porém submetidos à observação de que eles podem
estar camuflando trocas ecologicamente desiguais. [...] Apesar da
crítica ao sistema de preços, os economistas ecológicos propõem que
se deva ser pressionado “desde fora”, politicamente, portanto, pelo
movimento, pelo movimento ambientalista, em suas diversas formas,
como criação de regulamentos, leis; ações voluntaristas e
coletivizadas, para que assuma os custos ambientais (op.cit., p.145)
Apesar de estar relacionado diretamente com o nosso estudo não iremos nos ater
mais detalhadamente a essas visões, no entanto, nosso propósito é mostrar como o conceito de
desenvolvimento sustentável foi construído e como seus defensores construíram teorizações
em sua defesa. As maiores críticas ao desenvolvimento sustentável dizem respeito às maneiras
como este resolverá as contradições do capitalismo, sobre essa questão Joan Martinez-Alier,
(1991), um dos maiores defensores da economia ecológica afirma que,
Primeiramente a sustentabilidade de um espaço ambiental, há que se
levar em conta que a sustentabilidade de um espaço ambiental a partir
das considerações atuais, as quais refletem o relacionamento histórico
entre as sociedades, não é, evidentemente, algo atingível de modo
instantâneo. O desenvolvimento é um processo que pressupõe
mudanças estruturais, as quais, via de regra, só se verificam em prazos
dilatados. Em segundo lugar, deve ser considerado que o mercado por
si só não é apto a absorver custos ambientais [...]; ele só o faz
mediante ação social (em forma de criação de leis, regulamentos e
correlatos) (apud MOTIBELLER-FILHO, op. cit., p. 171).
44
Outro autor que procurou responder a esse questionamento foi James O’Connor
que na obra intitulada Capitalism, nature, socialism (1988), lançou a tese da segunda
contradição do capitalismo. Como na economia ecológica a externalidade pressupõe o
traslado de custos sociais incertos para outros grupos sociais (sejam estrangeiros ou não às
gerações futuras. Segundo, este autor, a primeira contradição do capitalismo encontra-se nas
relações entre valor e mais-valia, entre capital constante e capital variável, levando a crises
pela impossibilidade mercadológica que decorre da queda relativa do poder de compra do
conjunto do sistema, devido à tendência de se privilegiar o uso do capital constante em
detrimento do capital variável. A segunda contradição é provocada na relação entre o
funcionamento da economia e suas condições externas de produção. O’Connor, (1988) apud
Montibeller-Filho (op. cit., p. 189-190). Mesmo pregando que essas contradições do
capitalismo serão eliminadas a partir da gestão ecológica que para uns é entendida como
a exploração do meio que considera o conjunto de interdependências
características do ecossistema (ou dos ecossistemas) no qual se situa a
ação do homem. Numa “gestão ecológica”, as conseqüências
ecológicas (sobre o ecossistema) de uma modificação pontual do meio
induzida pela ação do homem e, inversamente, os sistemas de coações
que o ecossistema impõe as atividades humanas constituem
parâmetros da decisão (JOVOLIET, 1986 apud VIEIRA e WEBER,
op.cit, p. 214)
Para outros teóricos (LEFEUVRE, RAFIFN e BEAUFORT, 1981 apud VIEIRA e
WEBER, op. cit.) afirmam que a gestão ecológica tratar-se do “conjunto de medidas que
favorecem a manutenção de uma diversidade de comunidades de seres vivos e garantiriam
uma produtividade biológica global elevada, obtida através do melhor custo energético,
satisfazendo com o mínimo custo econômico as necessidades sociais, culturais e estéticas
diversificadas da sociedade. O desafio dos defensores da economia da sustentabilidade é fazer
que essas propostas se tornem práticas coletivas nas políticas dos governos mundiais, pois pra
que haja regulação da gestão dos recursos a parti de leis a existência de duas condições
básicas: i) a primeira é a existência de direitos de propriedade sobre os bens individuais e, em
particular, sobre os recursos naturais. Esta condição exige que os bens considerados sejam
efetivamente apropriados individualmente; isso significa que o titular do direito de
propriedade, seja pessoa física ou moral, privada ou publica, deve poder excluir os outros
consumidores ou usuários potenciais dos benefícios desse gozo; e, ii) a segunda: a
organização de um mercado para os bens e recursos em questão. Para tanto, torna-se
45
necessário que os custos sociais de organização de um mercado desse tipo (noção de custos de
transição) sejam inferiores aos benefícios que dele possam retirar os agentes econômicos.
(VIEIRA e WEBER, op.cit. p. 216).
O grande desafio da economia sustentável é torna-se global, no sentido de que
políticas e as ações em favor regulamentação da exploração dos recursos ambientais sejam
feitas em todas as partes do mundo. Embora já existam no mercado diversas mercadorias e
alimentos produzidos por “ecoempresários” , essas ações ainda são muito pequenas diante dos
problemas enfrentados pelo meio ambiente na contemporaneidade. O consumo desses
produtos está mais na força do “ecomarketing” que está fazendo surgir um modismo e na
nova disputa das grandes potências pelos novos “el dorados” ambientais da atualidade como
afirma Becker (2008) que pela formação de um pensamento e atitude comprometidos com o
futuro do planeta. O que esta acontecendo é a apropriação da ecologia pelo mercado
capitalista aproveitando todas os apelos midiáticos feitos pelos meios de comunicação em prol
do meio ambiente.
1.2 (Eco)Turismo na Amazônia: um novo modelo de desenvolvimento
regional?
Os anos 80 foram marcados pela nova valorização da natureza, essa mudança no
modo de apropriação e exploração dos recursos naturais foi conseqüência da crise do Estado,
a resistência social, a pressão mundial e nacional dos movimentos preservacionistas e dos
grandes investidores internacionais que passaram a exigir que os projetos de desenvolvimento
regionais tivessem a preservação ambiental como uma de suas preocupações. Esta também foi
uma exigência da política neoliberal que cobrou dos estados nacionais a reconfiguração de
seus territórios para o “novo” modelo de desenvolvimentismo mundial. Com relação
fragilidade do Estado brasileiro diante da imposição dos interesses neoliberais
STEINBERGER (2006, p. 30) faz a seguinte observação,
essa “fragilidade federal” pós-ditadura fez com que se permitisse a
invasão de qualquer tipo de novidade, fazendo com que o território
brasileiro seja usado como um laboratório de experiências
pontualmente localizadas, entre as quais os planos e projetos
estratégicos feitos por atores hegemônicos, consultorias capitalistas e
instituições, deixando de se pensar num projeto de Brasil devido a
justificativa da descentralização. Nesse contexto, vemos a questão do
ordenamento territorial do país sendo comumente confundida e
46
aplicada por intermédio de políticas territoriais – regionais,
ambientais, urbanas, agrárias e de infraestrutura e agora no turismo.
(apud FERREIRA, s/d: 09)
Deste modo, criou-se uma “nova” dinâmica regional e econômica na Amazônia, o
chamado vetor tecno-ecológico caracterizado pelo desenvolvimento endógeno e exógeno da
região. A principal característica desse vetor é inovação e a possibilidade da transformação da
produção baseada na informação e no conhecimento. Para Berta Becker (2007, p. 28) esse
vetor pode ser entendido da seguinte maneira:
1. Em nível global a questão ambiental foi politizada entre os atores
interessados na preservação da natureza, tais como o G7, União
Européia a e o Banco Mundial. Inicialmente com a implantação do
Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais Brasileiras
(PP-G7), depois com a criação Ministério do Meio Ambiente, dos
Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, a política regional voltou-se
para um novo padrão de desenvolvimento, sustentável. 2. Em nível
nacional o Estado lançou conjunto de ações para a implantação da
política ambiental na região.
Ao tornar-se símbolo mundial da “salvação” da vida no planeta a Amazônia
tornou-se palco mundial das disputas de interesses dos mais diversos grupos
socioeconômicos, pois de um lado passou a percebida como espaço a ser preservado para a
sobrevivência do planeta de outro tornou-se a região estratégica para que os governos federal
e os estaduais buscarem liderar as discussões e também viabilizar recursos de capital que
viabilizem a preservação do ecossistema amazônico e conseqüentemente da vida na terra.
Destarte, enquanto a natureza foi feitichizada pelo capital internacional a partir do discurso
conservacionista.
Em relação a feitichização da natureza e ao consumismo atual, Mészáros (2006,
p.18) afirma que o capitalismo contemporâneo operou, portanto, o aprofundamento da
separação entre, de um lado, a produção voltada genuinamente para atender as necessidades e,
de outro, sãs necessidades de sua autoreprodução. E, quanto mais aumentam a
competitividade e a concorrência, mais nefastas são as conseqüências, das quais duas são
particularmente
graves: a destruição e/ou a precarização, sem paralelos em toda a era
moderna, da força humana que trabalha e a degradação crescente do ambiente, relação
simbólica entre homem, tecnologia e natureza, conduzida pela lógica societal subordinada aos
parâmetros do capital e do sistema produtor de mercadorias. Deste modo o autor conclui que
47
Sob as condições de uma crise estrutural do capital, seus conteúdos
destrutivos aparecem em cena trazendo uma vingança, ativando o
espectro de uma incontrolabilidade total, em uma forma que prefigura
a autodestruição tanto do sistema reprodutivo social como da
humanidade em geral. (MÉSZÁROS, 2006, p.18)
Por outro lado, a Amazônia passou a ser vendida pelas agências de turismo como
um dos últimos grandes edens tropicais a ser preservado e conhecido do planeta. O
fortalecimento do discurso ambientalista e do “novo” direcionamento econômico mundial a
partir dos anos 80 era necessário promover o “desenvolvimento” que favorecesse a
sustentabilidade na Amazônia, apesar, de todos esses discursos e apelos foi somente a partir
da década de 90, que o governo brasileiro passou a criar políticas públicas para promover o
desenvolvimento sustentável na a região amazônica. Deste modo, o discurso do
desenvolvimento sustentável, desde o final dos anos 1980 e início dos anos 1990, entrou no
cotidiano das instituições responsáveis pelas formulações das políticas públicas na Amazônia.
A implantação desse novo modelo de desenvolvimento exigiu que o Estado Brasileiro criasse
leis e decretos para a efetivação das ações que nortearam o desenvolvimento regional, neste
meio está inserida o turismo ecológico ou ecoturismo. Definido pela EMBRATUR como
A atividade turística de forma sustentável, o patrimônio natural e
cultural, incentiva a sua conservação e busca a formação de uma
consciência ambientalista por meio da interpretação do ambiente
promovendo o bem estar das populações envolvidas (apud COSTA,
2002)
Segundo SILVA (2006: 81-82), nesse discurso da EMBRATUR estão
subentendidos os condicionantes fundamentais para sua efetivação:
- O interesse por patrimônios socioculturais e naturais e implementação de ações
que contribuam para sua preservação e conservação;
- O desenvolvimento de produtos turísticos que valorizem os patrimônios
naturais e culturais das comunidades receptoras;
- A geração de benefícios à população local a longo prazo;
- A possibilidade de educação e estudo por meio da interpretação e inter-relacão
com os ambientes explorados;
- A ocorrência de pouquíssimo impacto ambiental, envolvendo, assim, em sua
prática, ética e responsabilidade de todos os envolvidos no processo;
48
- A necessidade da criação de um sistema de monitoramento contínuo e gestão
participativa;
- Ser praticado por pequenos grupos de pessoas, ou seja, envolver baixo fluxo
turístico.
Ainda de acordo com este autor para ser chamada de ecoturismo a atividade deve
respeitar três fatores básicos: a conservação do ambiente visitado seja ele natural ou cultural;
a conscientização ambiental, tanto do turista como da comunidade receptora e o
desenvolvimento local e regional integrados.
Como o planejamento da atividade turística na Amazônia dever ser feito em longo
prazo e favorecer, sobretudo a qualidade de vida das populações tradicionais, esse seguimento
econômico passou a ser visto pelas autoridades brasileiras como importante para a
preservação do ecossistema e para a geração de renda e empregos nas populações tradicionais
(indígenas ou não) que habitam a Amazônia, visto que a pratica do ecoturismo pressupõe,
[...] o uso sustentável dos atrativos turísticos. Em uma abordagem
mais ampla, visa promover a harmonia dos seres humanos entre si e
com a natureza. Utilizar o patrimônio natural e cultural de forma
sustentável representa a promoção de um turismo “ecologicamente
suportável em longo prazo, economicamente viável, assim como ética
e socialmente eqüitativo para as comunidades locais. Exige integração
ao meio ambiente natural, cultural e humano, respeitando a fragilidade
que caracteriza muitas destinações turísticas. (OMT, 1995 apud
EMBRATUR, s/d)
Seguindo, este viés, o ecoturismo é sustentável porque além de satisfazer as
necessidades do turista, conserva a natureza, gera renda nos lugares visitados e a preserva
para as gerações futuras.
A atividade ecoturística possui as seguintes características: envolve viagens a
destinos naturais; minimiza impactos ao meio ambiente; constrói uma consciência
ambientalista; promove benefícios econômicos diretos para a conservação dos ambientes
naturais; fornece benefícios financeiros e poder de decisão para os moradores locais; respeita
a cultura local; apóia os direitos humanos e o processo democrático. (HONEY, 1999 apud
NELSON e PEREIRA, 2004, p.47).
Esta maneira de caracterizar o ecoturismo seria é uma espécie de tipo ideal dessa
modalidade de turismo e de turista, só que, não devemos nos esquecer que nem sempre os
49
ecoturistas estão realmente preocupados com a conservação da natureza e com o
desenvolvimento das comunidades visitadas, na verdade estes compram um “pacote” turístico
onde a natureza e as comunidades estão inseridas como observou Wheeller (1993) ao afirmar
que o
Ecoturismo é sinônimo de egoturismo. [O Ecoturismo nos leva a]
pensar que os turistas preocupados com ele se comportam da mesma
maneira que ele consciente e clara que antes – o problema ainda
reside, essencialmente, no turista de massa. [...] O ecoturista tão
preocupado em se comportar de maneira ostensivamente sensível no
meio ambiente vulnerável da destinação, não costuma se preocupar
com o dano que ele causa no meio ambiente pelo simples fato de
chegar à destinação. Aqui, a conveniência adquire precedência sobre a
consciência – um para o aeroporto e um jumbo a jato dificilmente
serão paradigmas de virtude para os padrões ambientais. São diversas
as viagens que[...] supostamente não-prejudiciais ao meio ambiente.
Como uma semana no meio do mato, supostamente não-prejudicial ao
meio ambiente, seguida por uma semana recuperando-se num hotel de
luxo nababesco à beira mar – uma espécie de “vamos mimá-lo no seio
da África imutável”. Sem duvida que ... o pacote como todo seria
considerado não-prejudicial ao meio ambiente e categorizado
esteticamente como turismo da natureza (WHEELLER, 1993, 1994,
1996 apud SWARBROOKE, 2002, p.59)
Nessa citação são inferidas diversas dúvidas em relação aos interesses que
realmente fazem parte da sustentabilidade do ecoturismo. As agências de viagens, em busca
de lucro, transformam a paisagem em objeto de consumo, neste sentido no turismo o jargão
“vá e veja por si mesmo” torna-se essencial para estimular os turistas a visitar “novos”
lugares, sobretudo os ligados a wild life. Nesses pacotes turísticos quase sempre incluem-se
comunidades tradicionais sem que haja planejamento e a preparação dos moradores
autóctones para a invasão dos estrangeiros em seu cotidiano.
Deste modo, os lugares são inseridos na atividade turística principalmente em
função da paisagem natural, muitas vezes como senão houvessem pessoas neles, quando isso
ocorre os turistas são estimulados a se interessar mais pela paisagem e pela vida selvagem do
que a interagir com os nativos. Na região da Valéria apesar de existir um sítio arqueológico
que pode ser utilizado como atrativo e diversas manifestações culturais, a interação social
entre os turistas e os moradores ocorre através da comercialização do artesanato, nas “visitas”
as casas, nas “doações” (roupas, calçados, matérias escolares, canetas e balas para as
crianças), nas caminhadas pela floresta e nos passeios pelos rios. E, apesar de alguns turistas
consumirem bebidas no bar da comunidade de São Paulo, não há interação cultural entre os
50
visitantes e os nativos do lugar, do mesmo modo que não esta ocorrendo à assimilação de uma
consciência ecológica em ambas as partes como sugerem os órgãos oficiais. Portanto, o
turismo praticado no lócus de pesquisa é o de natureza onde a principal preocupação dos
praticantes é o consumo dos atrativos naturais. Neste sentido, Silva (2006) afirma que
Considera-se, assim, turismo de natureza um segmento do mercado
turístico que agrega tipologias turísticas, cujos produtos advêm
prioritariamente, de ambientes naturais conservados ou estão
correlacionados diretamente com eles, os quais mantém certo
equilíbrio dinâmico devido à pouca presença de impactos ambientais .
Corresponde a um segmento de mercado que supervaloriza o contato e
a inter-relação com a natureza, em contraponto com o urbano, por
meio da percepção e realização de experiências pouco convencionais
em áreas urbanas. Independentemente da intensidade do fluxo
turístico, causa impacto ambiental durante sua prática, o que muitas
vezes compromete, ao longo do tempo, a qualidade do produto
turístico oferecido. (SILVA, op. cit.: 87)
A concepção de turismo de natureza a cima foi adotada para o estudo de caso na
Serra da Valéria porque é o que melhor esclarece o tipo de turismo praticado no lugar. Para
amenizar os impactos causados pelo turismo de natureza deve-se elaborar um planejamento
estratégico no local receptor. Segundo Beni (2006:94) o planejamento estratégico deve
apoiar-se na participação social, bem como na equidade, intersetorialidade e sustentabilidade.
Além disso, o planejamento e, sobretudo a implantação da atividade turística na Amazônia
devem estar comprometidos com as características culturais e econômicas de cada lugar
evitando que em vez de desenvolvimento sustentável haja exploração das comunidades e gere
pouca renda para a economia local.
A implantação do turismo na região Amazônica ficou sob a responsabilidade da
SUDAM que com o PDA de 1994/1997, deu ao “turismo um caráter de prioridade”, como um
dos segmentos econômicos mais representativos para a construção de uma nova estrutura
produtiva na Amazônia, em maior sintonia com seus ecossistemas. Ainda segundo este
documento, o modelo de desenvolvimento sustentável, preconizado na estratégia do
desenvolvimento regional, confere ao turismo uma posição de destaque, por se tratar de uma
atividade compatível com a preservação do ambiente natural, além de apresentar um potencial
multiplicador significativo e elevar a capacidade de geração de emprego. A relevância dessa
atividade pela SUDAM ocorre porque segundo Marcus Colchester apud Diegues (2000, p.
245), o ecoturismo transformou-se hoje num grande negócio e a distribuição da renda gerada
51
com as comunidades locais tem sido um meio popular pelo qual os conservacionistas esperam
reconciliar os povos nativos com as áreas protegidas.
Em 1998 foi lançado o Programa de Ecoturismo da Amazônia Legal –
PROECOTUR que além de criar estrutura para a adequação da atividade turística nos nove
estados da Amazônia Brasileira (Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará,
Rondônia, Roraima e Tocantins). Segundo o Ministério do Meio Ambiente, esse programa
também tem como objetivos específicos: proteger os atrativos ecoturísticos; implementar
infraestrutura básica de serviços; criar ambiente de estabilidade; avaliar o mercado nacional e
internacional; propor base normativa; capacitar recursos humanos; estimular a utilização de
tecnologias apropriadas; valorizar as culturas locais e contribuir para a conservação da
biodiversidade (MMA, 1998).
Na região norte os Estados do Amazonas e do Pará se destacam nessa atividade
econômica. Na opinião de Figueiredo (op.cit.) o Amazonas possui uma melhor estrutura para
o desenvolvimento do turismo de natureza e do ecoturismo com hotéis de ecológicos e hotéis
de selva (lodges), barcos ecológicos, roteiros pelas matas, etc., além de uma propaganda
maciça e segmentada nos principais países emissores. Tendo os recursos naturais como
principais atrativos turísticos as principais modalidades praticadas por este setor são: o
turismo de natureza e a pesca esportiva. Os turistas estrangeiros, com destaque para
americanos, ingleses, alemães e franceses, são quem mais visitam o Estado, embora o número
de turistas nacionais tenha aumentado, com base em dados obtidos na EMBRATUR (1997), o
sudeste é a região de origem dos turistas brasileiros que mais visitam a Amazônia.
Para o Trade Turístico e órgãos governamentais, o ecoturismo é entendido como
qualquer atividade turística que utiliza os recursos naturais como atrativos. Os ecoturistas,
especialmente os estrangeiros, requerem roteiros onde exista uma infraestrutura adequada,
áreas preservadas e de alto valor natural e cultural, e disponibilidade de recursos humanos
capacitados, com guias bem treinados. Com exceção das empresas que levam seus guias, na
maioria das comunidades caboclas-ribeirinhas do Estado do Amazonas não existem guias
treinados e a infraestrutura local é quase inexistente o que faz com que o tempo de estada dos
turistas seja de no máximo 4 horas.
Neste sentido, foram criados pólos ecoturísticos em todos os estados da Amazônia
Legal. A indicação dos pólos permitiu definir as prioridades de cada Estado para fomentar o
desenvolvimento do ecoturismo nos lugares que tem potencial para desenvolver essa
atividade. Os principais empreendimentos relacionados ao ecoturismo sãos os hotéis de selva
52
(lodges) próximos de comunidades ribeirinhas, em unidades de conservação e em reservas
indígenas. Esses lugares são escolhidos principalmente pelo fato de possuírem atrativos
naturais e são poucos explorados pelo homem.
Além dos problemas de infraestrutura e as grandes distancias de muitos lugares
das capitais, a falta de planejamento participativo e participante, comprometem os propósitos
do turismo ecológico e do ecoturismo que é favorecer o desenvolvimento local sustentável
com a preservação da natureza, além, de promover a educação ambiental, tanto no visitante
quanto nos autóctones como observa Oliveira (2009, p.49),
a atividade ecoturística deve se desenvolver respeitando critérios
socioambientais que irão dar sustentabilidade a atividade, porém o que
se observa na prática, em algumas localidades de potencial turístico é
uma distorção deste conceito ou a apropriação de roteiros
ecoturísticos.
Não há dúvida que essa atividade pode ajudar na conservação dos ecossistemas,
mas para que isso seja efetivado será necessário planejamento, estudo dos impactos
ambientais, controlar o número de visitantes e, sobretudo efetivar a educação ambiental entre
os turistas e os nativos, como enfatiza Molina (op. cit.) “...é impossível definir o setor
(turístico) ou entendê-lo como atividade estratégica, se não considerar seu impacto sobre os
recursos naturais e a qualidade dos recursos naturais que utiliza”. Uma das maneiras
apontadas para evitar que a atividade turística seja maléfica as comunidades é estimular o
desenvolvimento endógeno, a mobilização social e a participação no planejamento e na gestão
do turismo o desenvolvimento endógeno segundo Beni (2006)
Visa atender às necessidades e demandas da população local por meio
da participação ativa por meio da participação ativa da comunidade
envolvida. Mas do que obter ganhos em relação à posição do sistema
produtivo local na divisão nacional do trabalho, o objetivo é buscar o
bem estar econômico, social e cultural da comunidade local, o que
leva a diferentes caminhos de desenvolvimento, conforme as
características e a capacidade de cada economia e sociedade locais.
(BENI, 2006, p.36)
Na apropriação do espaço da amazônica pelo ecoturismo está ocorrendo o
contrário, pois, as políticas públicas e os empreendimentos são realizados sem nenhuma
consulta aos comunitários que, além disso, são explorados pelos donos dos hotéis e das
próprias agências de viagens sendo excluídas do processo de planejamento do turismo. No
53
Brasil tem-se a idéia que cabe ao Estado planejar o turismo nas regiões que possuem potencial
turístico para Ruschmann (2008, p.87)
[...] o planejamento turístico tem por finalidade desenvolver os
espaços e as atividades que atendam as necessidades dos [moradores]
locais e dos turistas, alem de proteger e evitar a descaracterização dos
locais privilegiados pela natureza e do patrimônio cultural das
comunidades.
O planejamento turístico também deve abranger o entorno da(s) comunidade(s) em
que a atividade turística for implantada, em muitos casos o planejamento turístico só leva em
conta as propostas baseadas em limites políticos e administrativos. Esse ainda é o tipo de
planejamento e gestão do turismo vigente na Amazônia.
Como os patrimônios naturais e culturais do estado sãos os principais atrativos
para desenvolvimento do turismo local, é preciso considerar sua utilização para o
desenvolvimento sustentável dos lugares turísticos, ou seja, que haja um planejamento
voltado não apenas para a conquista do lucro pelos grupos e agências que detém a hegemonia
da atividade, mas, sobretudo, que se reverta em turismo sustentável para as comunidades que
são as verdadeiras donas desse patrimônio. Para a OMT o desenvolvimento sustentável do
turismo
[...] é um processo contínuo que requer monitoramento constante dos
impactos que a atividade pode causar, de modo que, com ações de
manejo, seja possível minimizar os impactos negativos e maximizar os
benefícios potenciais, introduzindo medidas preventivas ou de
correção de rumos. [...] Esse processo requer a participação e o
comprometimento de todos os atores envolvidos com o turismo,
principalmente o poder público, que deve incentivar e apoiar o
processo, estimulando a participação da sociedade por meio da
construção de consensos. Portanto, os produtos turísticos sustentáveis
são desenvolvidos em harmonia com o meio ambiente e culturas
locais, de forma que estes se convertam em permanentes beneficiários,
e não meros espectadores de todo o processo. (OMT, 2004 apud
Ministério do Turismo, 2007, p.18)
No entendimento de Ruschmann (op. cit.) os objetivos do planejamento em longo
prazo são:
a) “Explorar” as potencialidades da destinação que irão configurá-la que irá
configurá-la no mercado;
b) Criar produtos da oferta original;
54
c) Avaliar as chances da destinação em novos segmentos do mercado;
d) Planejar novos produtos com base nas novas tendências do mercado.
Segundo nosso entendimento uma das maneiras do turismo natureza atingir esses
objetivos na Serra da Valéria é utilizar os atrativos naturais e culturais de forma racional e
promover a diversificação os serviço turístico do lugar, hoje limitado a venda de artesanato,
aos passeios no lago e nas comunidades e as caminhadas na floresta. Como já foi citado
anteriormente além destes “produtos” turísticos no lugar existem outros atrativos como a
serra, os sítios arqueológicos, a grande das manifestações culturais e além da grande
diversidade da fauna e da flora do lugar que ainda são pouco utilizadas pelos moradores
locais. Deste modo, os benefícios que a atividade praticada no lugar ampliar-se-iam e
favoreceriam um número maior de moradores.
No entanto para que isso ocorra é necessário que os órgãos municipais e
governamentais promovam treinamentos para que os comunitários possam atuar como guias
turísticos no lugar. Além disso, deve-se procurar estimular a prática do turismo de base
comunitária, pois como já foi dito, agrega muitos benefícios para as comunidades e para os
turistas. Deve-se realizar a análise de custo-benefício do turismo de natureza no lugar para
que os moradores e os órgãos governamentais tenham a noção dos ganhos socioeconômicos
nas comunidades onde é praticada essa modalidade turística. Neste sentido, Ruschmann
(1997, p. 62-3) aponta os seguintes impactos dessa modalidade de turismo:
Impactos positivos – Ambientes naturais e socioculturais:
a. Nos ambientais naturais:
Criação de áreas, programas e entidades
governamentais) de proteção da fauna e da flora.
(governamentais
e
não-
b. Nos ambientes socioculturais:
Campanhas e programas de educação ambiental para as crianças, adultos,
turistas e moradores das localidades turísticas;
Desenvolvimento do “orgulho ético”. As comunidade receptoras passam a
sentir orgulho da originalidade dos recursos naturais da sua localidade de suas
características culturais, engajam-se nas campanhas preservacionistas e fiscalizam
as ações destruidoras dos visitantes, atuando como guias dos passeios pelas matas.
55
Ambientalistas se engajam nos programas de ecoturismo e atuam como guias e
instrutores na orientação e educação ambiental das comunidades locais e dos
turistas e, “muitas vezes tornam-se proprietários e administradores de seus
lodges”. Na Amazônia isso nunca irá ocorrer enquanto o planejamento turístico
for feito para os grandes empresários*. [grifos nossos]
Impactos negativos – Ambientes naturais e socioculturais
a. Nos ambientes naturais
Acúmulo de lixo nas margens dos caminhos e das trilhas, nas praias, nas
montanhas, nos rios e lagos;
Uso dos sabonetes e de detergentes pelos turistas, contaminando a água dos
rios e lagos, comprometendo sua pureza e a vida dos peixes e da vegetação
aquática;
Contaminação das fontes e dos mananciais da água doce e do mar perto dos
alojamentos, provocada pelo lançamento de esgoto e lixo in natura nos rios e no
oceano;
Poluição sonora e ambiental provocada pelos motores dos barcos e pelos
geradores que provém energia elétrica para os lodges;
Coleta e quebra de corais no mar e de estalactites e estalagmatites das grutas e
cavernas, [na Amazônia o mais comum neste caso é a captura de animais
silvestres: papagaios, araras, repteis, macacos, peixes, aranhas, além da coleta de
sementes e a retirada de madeira para a produção de artesanato*] para serem
utilizados como souvenirs;
Alteração das temperaturas das cavernas e grutas e aparecimento de fungos nas
rochas, causados pelos sistemas de iluminação;
Pinturas e rasuras nas rochas ao ar livre, dentro das cavernas e grutas, onde os
turistas querem registrar sua passagem;
Coleta e destruição da vegetação às margens das trilhas dos caminhos da
floresta;
Erosão de encostas devido o mau traçado e a falta de drenagens das trilhas;
Ruídos que assustam animais e provocam sua fuga de ninhos e refúgios;
Desmatamento para a construção dos lodges e de equipamentos de apoio;
Caça e pesca em locais e épocas proibidas;
56
Descaracterização da paisagem pela construção de equipamentos cuja
arquitetura, cujos materiais e o estilo contrastam com o meio natural.
b. Nos ambientes socioculturais
Descaracterização das tradições e dos costumes das comunidades receptoras,
cujos ritos e mitos muitas vezes são transformados em shows para os turistas;
Aumento dos preços das mercadorias e dos terrenos;
Migração de pessoas originárias de regiões economicamente debilitadas para
novos pólos turísticos, em busca de empregos, provocando excedente na oferta de
mão-de-obra e escassez de moradias.
Exploração dos comunitários pelas agências de turismo e pelos empresários na
compra de artesanato e na troca da moeda estrangeira abaixo do valor do
mercado*. [*grifos nossos]
Ao contrário do discurso das autoridades que vêem no turismo, sobretudo, no
ecoturismo a possibilidade de desenvolvimento econômico com a geração de empregos e a
conservação da natureza de forma sustentável, Ruschmann (op. cit.) verifica que esta
atividade traz mais danos ao ambiente natural e social nas comunidades onde foi implantado
que desenvolvimento socioeconômico como postulam os órgãos oficiais. Essa constatação é
importante, visto que esse fato não deve ser ignorado pelos órgãos governamentais e
empresários do setor no planejamento e na implantação de roteiros e do trade turístico, pois
alguns danos ambientais e culturais são irreversíveis e comprometem a característica do
espaço turístico.
Para que os danos ambientais e culturais sejam mimizados onde o turismo de
natureza é praticado, deve-se desenvolver o planejamento estratégico, pois a oferta turística é
concebida como um conjunto dos recursos naturais e culturais que são a essência da atividade
turística que a eles as instalações e os serviços serão agregados.
Segundo Beni (2006:92) as vantagens desse tipo planejamento são:
Dinâmica do meio ambiente: espaço onde as empresas e organizações se
localizam e que sofre mudanças contínuas. O planejamento estratégico observa e
acompanha essas mudanças e monitora seu desenvolvimento.
57
Geração e flexibilidade: a empresa ou organização assimila mais rapidamente
as mudanças porque gera flexibilidade em função do treinamento e da
incorporação de estruturas adequadas.
Intervenção dinâmica: preocupa-se com os cenários de sustentabilidade, tendo
sempre em mira a visão de futuro e ações a longo prazo.
Integração interna da empresa: o planejamento estratégico deve ser um
processo contínuo de busca de informação e permanente reflexão sobre os fatos.
Com isso, alguns setores deixam de atuar como sistemas fechados, ganhando uma
visão de totalidade de si mesmos, e a empresa passa a atuar de maneira unitária e
estratégica.
Revitalização do espírito organizacional: reforça o espírito de grupo dos atores
que integram a empresa, com uma clara definição dos objetivos e a busca
constante de informações, tendências a correr risco e determinações para atingir
metas.
Ainda segundo Beni, todo projeto de desenvolvimento local /regional desencadeia
um processo de reconstrução / repropriação de um território, implicando uma nova ordenação
territorial, que se propõe que seja sustentável e alavancada a partir dos interesses coletivos da
região. Neste sentido, a sustentabilidade do turismo deve ser planejada e construída a partir
das características regionais, onde a preservação da natureza está ligada a manutenção da
qualidade de vida das comunidades autóctones.
Apesar de ser “vendida” pelos órgãos públicos como atividade que favorece o
desenvolvimento econômico e a preservação da natureza o ecoturismo está longe de se tornar
um “modelo” de desenvolvimento para a Amazônia. Na realidade o que percebemos é o
surgimento de uma nova forma de explorar os recursos naturais da região a partir da utilização
da paisagem natural, dos ecossistemas e do próprio sistema cultural amazônico.
Estimulado pelo “novo” valor que a natureza adquiriu no início do século XXI,
alguns lugares da região amazônica estão sendo turistificados e “preservados” sem o mínimo
planejamento e sobretudo sem que seus atores, as comunidades tradicionais e as ribeirinhas,
sejam consultadas. Por traz disso estão os interesses das grandes potencias mundiais em
conservar uma região estratégica como a Amazônia para interesses futuros. Para Becker
(op.cit., p.3)
58
O novo significado da natureza está gerando um novo mercado
turístico, o chamado ecoturismo, com indivíduos submetidos ao desejo
de "retornar à natureza", nela inserindo-se sem deformá-la, desfigurála ou depredá-la. A experiência desse "retorno" se dá de forma
turisticamente organizada em pontos seletivos no espaço. Assim
temos, desde uma perspectiva geográfica uma valorização seletiva dos
territórios. Os territórios são valorizados em função da sua
acessibilidade, às vezes para o marketing do turismo de massas, às
vezes do ecoturismo. E essa valorização incide de modo importante
sobre as zonas costeiras e os países periféricos, tropicais e
mediterrâneos. É óbvio que aquelas praias ensolaradas são produtos de
venda fácil, mercadorias valorizadas para as populações dos países
temperados e frios. Esta questão, na verdade, cria um potencial de
desenvolvimento, que pode ser um fato portador de uma multiplicação
de serviços, de empregos diretos e indiretos e de circulação de
mercadorias. Mas que também inclui um potencial de impactos
perversos, tanto ambientais como sociais.
Na Amazônia a valorização do ecoturismo e do turismo de natureza, segundo os
órgãos oficiais, tem como objetivos: evitar o desmatamento, gerar empregos e renda nos
municípios e comunidades mais afastados das capitais estaduais. Na realidade as vantagens
dessas duas modalidades de turismo como propagadoras de desenvolvimento socioeconômico
e proteção ambiental é um mito. Visto que, da maneira como esta atividade está sendo
implantada na região, os benefícios para as comunidades estão muito a quem do que os
propagados pelas agências de turismo e órgãos oficiais.
Para que não criarmos situações que beiram o mito, como por exemplo, que o
ecoturismo está ligado à educação ambiental, ou seja, seus praticantes aprendem o valor da
preservação da natureza juntamente como os moradores autóctones, é um mito porque na
pratica tanto as agências de turismo e os donos dos hotéis de selva exploram os atrativos
naturais visando o lucro, quanto aos turistas a visita as comunidades e a natureza faz parte do
pacote comprado, sobretudo nos Estados Unidos e na Europa, estão mais preocupados em
entrar em contato com exótico do que com a preservação educação ambiental, quanto aos
moradores locais estes estão muito mais preocupados em vender seus artesanatos e outros
serviços para garantir seu sustento. Outro dado que se aproxima do mito é que esta atividade
pode desenvolver economicamente os lugares receptores. Na realidade o turismo por ser uma
atividade sazonal, os empregos oferecidos para os moradores locais nos lodges além de raros
são os que não exigem especialização dos trabalhadores ou com a comercialização de
artesanato. Como o numero de visitantes nas comunidades varia a cada estação os ganhos são
quase sempre insipientes para a manutenção das famílias ao longo do ano.
59
1.3 – O (Eco)turismo no Amazonas: uma discussão necessária
Nas três últimas décadas o “ecoturismo” tem se apresentado como uma nova fonte
de renda para a economia estadual, isso se deve em parte pelo fato da Zona Franca de Manaus
concentrar os lucros e Manaus, já que é responsável por 90% de toda a riqueza estadual e pela
grande concentração populacional na capital. Logo existe a necessidades de criar
oportunidades de desenvolvimento para os municípios do interior do estado. Por outro lado,
novo valor dado pelo capitalismo a “natureza” que deslocou os investimentos para projetos de
preservação e conservação ambiental. A esse respeito Berta Becker faz a seguinte observação,
A expansão globalizada do capitalismo contemporâneo, atribuindo
novos significados e valor à natureza (Becker, 2001) e ampliando em
múltiplas possibilidades a sua utilização, pode ser alvissareira para o
desenvolvimento da Amazônia, destacando-se os serviços ambientais.
(...) Não se trata, contudo, de um processo trivial. Não só pela
dificuldade de atribuir valor à elementos da natureza mas, sobretudo,
de decidir como valorá-los e valorizá-los. Como capital natural em
que se transformou, a natureza pode ser apropriada e trabalhada de
várias formas. A Amazônia foi sempre fronteira das grandes
inovações da economia-mundo, e é uma região acostumada à
modernidade, como afirma Marcio de Souza. Mas não como centro e
beneficiária das inovações (BECKER, 2008, p.3)
O Amazonas é o estado brasileiro menos desmatado da Federação e conforme
dados oficiais “preserva 98% de suas florestas; possui 41 unidades de conservação (UCs);
guarda 30% do carbono florestal da terra; abriga 60% da biodiversidade do planeta,
abrangendo mais de 2.500 espécies de peixes, 950 espécies de pássaros, 300 espécies de
mamíferos e 100 de anfíbios” (SEPLAN, 2009). O meio ambiente é o principal atrativo
“ecoturístico” do Estado e a partir dele as políticas públicas voltadas para o desenvolvimento
dessa modalidade estão sendo desenvolvidas. É importante ressaltar que tanto as secretarias
estaduais e municipais de turismo do Amazonas confundem ecoturismo com turismo de
natureza o que implica em graves erros na planificação para o setor.
A importância dada ao turismo no Estado também ocorre porque esta atividade
cresce em media 8% ao ano. Segundo a Organização Mundial de Turismo – OMT em 1999
10% das pessoas que viajam pelo mundo são ecoturistas e no Brasil esse número gira em
torno de um milhão de turistas anualmente. Esse número faz com que o faturamento anual do
turismo ecológico seja estimado a nível em US$ 260 bilhões e a nível nacional em cerca de
US$ 70 milhões. A Amazônia e o Pantanal são os lugares mais procurados para a prática do
60
ecoturismo. O Estado do Amazonas foi um dos primeiros da Região Norte a ser reconhecido
pela EMBRATUR com potencial para desenvolvimento do ecoturismo. Segundo o Plano de
Desenvolvimento Preliminar – APL de 2008,
[...] o mercado do ecoturismo no Estado do Amazonas vem crescendo
a taxa de 6% ao ano, em resposta ao fortalecimento de alguns setores,
como infra-estrutura e de serviços, que aliados ao pioneirismo do
Estado na prática dessa modalidade turística, levou o Amazonas a ser
eleito pelo Governo Federal como o Estado Referência para o
Ecoturismo no Brasil. Em 1997, o Estado recebeu cerca de 283.000
turistas, que para aqui vieram impulsionados pela natureza, negócios e
convenções. (AMAZONASTUR, 2008)
Com o intuito de melhorar a oferta turística do Estado em 1997 a EMANTUR
criou o primeiro pólo turístico formado pelos municípios de Manaus, Presidente Figueiredo,
Iranduba, Silves, Rio Preto da Eva, Itacoatiara, Manacapuru, Careiro, Careiro da Várzea,
Autazes, Novo Airão e Barcelos. A justificativa para a escolha desses municípios foi a
proximidade com a capital;
ter potencial ecoturístico; o fato de possuírem Reservas
Ambientais e áreas indígenas; que possuam
infraestrutura mínima de acesso fluvial ou
aeroportos. Entre 2003 e 2006 a Empresa Estadual de Turismo – AMAZONASTUR elaborou
a Proposta para Turismo no Amazonas, onde apresentou um mapa indicando os pólos
turísticos com potencial para desenvolvimento do turismo.
Dos sete pólos (figura 1) turísticos mapeados pelo Estado apenas três são
reconhecidos: o pólo do Amazonas, o Saterê e o do Alto Solimões. Também foram definidos
como prioritários os municípios de Iranduba, Manacapuru, Novo Airão, Presidente
Figueiredo, Rio Preto da Eva, Silves (Aldeia dos Lagos), Tefé, Parintins, Maués, Barcelos,
São Sebastião Uatumã, Careiro e Manaus. As principais ações que a AMAZONASTUR
pretende realizar nesses municípios são: i) Capacitação Profissional; ii) Ampliação da oferta
turística; iii) Ações de fomento; iv) Promoção de novos nichos de mercado; v) Melhoria na
infraestrutura turística. Esta preocupação é relevante, pois nos últimos anos fluxo de turistas
no Estado tem aumentado substancialmente.
61
Figura 01 - Pólos Turísticos do Estado Amazonas.
Fonte: AMAZONASTUR, 2008.
62
Deve-se salientar que apesar da importância da delimitação dos pólos o Plano de
Desenvolvimento do Turismo no Estado do Amazonas foi elaborado por equipes técnicas,
sem haver iniciativa para incluir representantes das comunidades e também o fato que muitos
pólos não foram efetivados. Essas são algumas das causas do fracasso da política de
desenvolvimento da atividade nas comunidades ribeirinhas locais. O modus operandi do
planejamento das Secretarias Estadual e Municipal de Turismo no Estado do Amazonas
contraria a determinação do Plano Nacional de Turismo que segundo CABRAL (2006, p.3)
(...) Seguindo a linha de uma gestão descentralizada, procura centrarse nos municípios onde a atividade de fato acontece, buscando a
desconcentração de renda por meio da regionalização, interiorização e
segmentação da atividade turística. Nessa nova gestão descentralizada,
existem os Conselhos Municipais de Turismo, criados pelos
Municípios, que se organizam para formar os Roteiros Integrados (...)
o modelo de gestão descentralizada e participativa, tendo como base
uma política regional para o turismo, (...) Busca o desenvolvimento
regional através de uma gestão compartilhada levando-se em conta as
especificidades locais e situando os diversos atores sociais como
sujeitos do planejamento turístico. (CABRAL, 2006:3)
Portanto, um dos entraves do desenvolvimento do ecoturismo no Estado é a falta
de políticas públicas de inclusão e empoderamento das populações ribeirinhas no plano de
roteirização dos atrativos turísticos e da implantação do turismo de base comunitária que
beneficiaria as populações nativas e atingiria os objetivos dos órgãos oficias, ou seja, gerar
emprego e renda no interior além de contribuir para o fortalecimento da atividade no Estado.
Com relação ao fluxo de turistas no Estado às estatísticas mostram o crescimento
paulatino a partir de 1995. Os principais atrativos no Amazonas são os recursos naturais para
a prática do turismo de natureza. Um dos fatores favoráveis ao crescimento da atividade foi a
inclusão do rio Amazonas na rota dos cruzeiros internacionais. Por ser navegável o ano todo o
rio Amazonas favorece duas modalidades de turismo: o turismo de natureza e o turismo de
pesca esportiva. Apesar de todas essas potencialidades somente a partir da segunda metade da
década de 90 foi que o Estado entrou na rota dos grandes cruzeiros segundo a Associação
Brasileira de Representantes de Empresas Marítimas – ABREMAR,
A inclusão do Amazonas nos cruzeiros marítimos é a última novidade
e tem causado tanto interesse que, além da temporada, pode ser feito o
ano inteiro. Com saída do porto de Manaus, o Iberostar Grand
Amazon, da empresa Iberostar, oferece essencialmente dois tipos de
itinerário: um cruzeiro de três dias pelos rios Solimões e Amazonas e
outro, de quatro dias, pelo Rio Negro. (ABREMAR, 2008)
63
No roteiro que parte da Flórida, passando pelo Caribe até a Amazônia a
capacidade dos transatlânticos é superior as 600 pessoas. A partir de 2001 seis empresas de
passaram atuar regularmente na Amazônia: Cunard Line, Orient Lines, Princess Cruises,
Radisson Seven Seas Cruises e Seabourn Cruises Line que combinam outros destinos com
Amazônia em roteiro que duram de 7 a 22 dias. Naquele ano (2001) 24 transatlânticos com
14.000 passageiros passaram pelo rio Amazonas. A partir de 2008 a empresa Royal Princess Rio Amazonas 2008, passou a vender pacotes turísticos de 14 noites com várias saídas de
janeiro a abril pelo Rio Amazonas.
Outro roteiro internacional parte de Fort Lauderdale, Flórida (EUA) e no Brasil
inclui Santarém, Parintins e Manaus. Segundo a AMAZONASTUR entre os anos de 2003 a
2008, o número de turistas que visitaram o estado via cruzeiros marítimos foi de 100.201.
(gráfico 1)
Gráfico 01: Quantidade Anual de Turistas que Participaram das Temporadas de Cruzeiros Marítimos pelo
rio Amazonas.
Fonte: AMAZONASTUR, 2009
Os dados acima a variação no fluxo de turistas anualmente, no entanto o Estado
recebe em média 23 transatlânticos por temporada. Além dos Estados Unidos os países que
mais emitiram turistas para o Amazonas neste período foram a Itália, Portugal, França,
64
Alemanha, Espanha, Inglaterra, Japão e Canadá. O fluxo interno de turistas brasileiros no
Estado também tem aumentado anualmente e os Estados que mais emitem turistas para o
Amazonas são: São Paulo, Rio de Janeiro, Pará e Roraima.
O crescimento do turismo no Estado fez com que a Empresa Estadual de Turismo
definisse como um de seus objetivos
(...) consolidar o Amazonas como o grande portal do turismo no
Brasil, os segmentos do ecoturismo, do etnoturismo, da pesca
esportiva, da cultura, da vida rural, o plano de Turismo do Estado do
Amazonas insere em suas formulações a necessidade de o turismo ter
critérios de responsabilidade social, porque o Governo do estado deve
ter como medida essencial a relação homem / natureza numa
sociedade globalizada. (AMAZONASTUR, op. cit., p. 2).
Esses objetivos, no entanto, são contraditórios, pois a realidade encontrada nas
comunidades ribeirinhas com potencialidade para desenvolver a atividade turística é a que
simplesmente as agências se apropriam dos atrativos naturais e das culturas autóctones, na
maioria das
vezes sem que as mesmas sejam consultadas para discutir e planejar a
modalidade de turismo a ser praticado nesses locais. Deste modo, a responsabilidade social
propagada pelo Estado em relação ao planejamento fica sob a tutela das agências e dos
turistas. Outro fator que deve ser levado em conta é que nem todas as populações tradicionais
(indígenas ou não) estão pré-dispostas a desenvolver esta atividade em suas terras. Visto que,
o etnoturismo que também é propagado como alternativa para o desenvolvimento econômico
das populações indígenas causa grandes impactos no modus vivendi local. O processo de
mudança causado pelo turismo em alguns casos são irreversíveis para as etnias que adotam
esta atividade econômica como gerador de renda para a sua população.
Em relação ao turismo de pesca esportiva no Brasil foi somente a partir de 1998
que este passou a ser tratado como segmento turístico. Naquele ano foi criado do Programa
Nacional de Desenvolvimento da Pesca Amadora – PNDPA (executado pelo Ministério do
Meio Ambiente/Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis –
IBAMA e pelo Ministério do Esporte e Turismo/Instituto Brasileiro de Turismo –
EMBRATUR). Em 2003 o Ministério do Turismo procurou estruturar essa modalidade de
turismo com o auxilio da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da
República – SEAP/PR, juntamente com o PNDPA/ IBAMA e outros colaboradores. Como
resultado, definiu-se a delimitação conceitual, as características e a abrangência do segmento
de Turismo de Pesca. Segundo o MINTUR,
65
O turismo de pesca, principalmente para o mercado internacional,
trata-se da pesca amadora caracterizada pela prática de devolver à
água os peixes menores (protegidos por lei) e também os maiores
(principais reprodutores e atrativos turísticos). O abate, quando ocorre,
limita-se aos de tamanho intermediário, para o consumo durante a
pescaria. É também conhecida como pesca desportiva. Já o pesque-esolte consiste no ato de devolver à água todos os peixes capturados
“em condições de sobrevivência”. (MINTUR, 2008)
Apesar grande potencial para o desenvolvimento o turismo de pesca esportiva é
pouco explorado no Brasil, ainda assim esta atividade movimenta de R$ 2 a R$ 3 bilhões por
ano segundo o IBAMA. Para a AMAZONASTUR nesse segmento turístico o principal
emissor são os EUA com 40% dos turistas estrangeiros que visitam o Amazonas anualmente.
O volume de negócios do turismo de pesca no estado gira em torno de US$ 10 milhões ao
ano. Os valores poderiam ser maiores, levando-se em conta os mais de 5 milhões de
quilômetros quadrados de beleza natural e a grande concentração de tucunaré, um dos peixes
mais disputados pelos praticantes dessa modalidade turística. Entre 2003 a 2008 houve um
crescimento médio de 10% do número de turistas que procuraram o Estado para a prática da
pesca esportiva totalizando 28.155 turistas. Esses números não condizem com o verdadeiro
volume de turistas, pois muitas agências não informam o fluxo de turistas praticantes dessa
modalidade. O gráfico 2 mostra a quantidade oficial de turistas por ano que participam do
seguimento de pesca esportiva no Estado.
66
Gráfico 02: Quantidade anual de turistas que participaram das temporadas de pesca esportiva.
Fonte: AMAZONASTUR, 2009
No Amazonas a pesca esportiva pode ser praticada o ano todo em virtude do
grande número de rios e lagos com potencial pesqueiro para essa atividade, porém, a melhor
época é no período da vazante que ocorre entre os meses de setembro é março. Como o
tucunaré (Cichla spp ) é a principal espécie procurada pelos turistas os municípios de
Barcelos e a região do Rio Negro são os locais mais procurados, também tem destaque para os
municípios de Maués, de Manicoré, Silves, Parintins, Maués, Autazes, Careiro Castanho,
São Sebastião do Uatumã e Presidente Figueiredo. Além do tucunaré as espécies mais
abundantes são o Aruanã (Osteoglossum bicirrhosum), o Dourado (Salminus maxillosus), a
Matrixã (Brycon hilarii), Tambaqui (Colossoma macropomum), a Cachorra (Hydrolycus
Scomberoides), o Dourado (Salminus maxillosus), o Pintado (Pseudoplatystoma corruscans),
a Piraíba (Brachyplatystoma filamentosum), a Pirarara (Phractocephalus hemioliopterus) e o
Jaú (Paulicea luetkeni). Essas espécies são usadas como atrativos turísticos, já que podem ser
encontradas o ano todo, no entanto, as mais procuras sãos as chamadas espécies “esportivas”
neste caso destaca-se o tucunaré, a cachorra e peixes lisos como o dourado, a piraíba e a
pirara.
67
Esse seguimento turístico é voltado, sobretudo para os estrangeiros por isso não é
massificado apesar disso, exige grande oferta de peixes nos rios. Como a demanda de turistas
é grande a “proteção” dos rios e lagos para a pesca esportiva acaba gerando conflitos em
função dos interesses distintos entre as agências, os pescadores comerciais e dos moradores
locais. Os conflitos ocorrem sobretudo na região do médio rio Negro e seus afluentes, com
destaque para os rios Jurubaxi, Aracá, Demeni, Cuiuni, Caurés, Paduairi e Unini. A esse
respeito Freitas e Rivas (2006:31) afirmam que
É uma atividade com grande potencial de crescimento e os pacotes
vendidos no exterior para um período de sete dias oscilam em torno de
US$ 3 mil durante a temporada, que se estende, em geral, de outubro a
março, coincidindo com o nível baixo das águas. A modalidade
predominante é a pesca-e-solta. Novos conflitos pelo uso dos recursos
pesqueiros surgiram com o crescimento dessa modalidade de pesca.
Em rios de águas pretas, como o Negro, operadores de pesca esportiva
estabeleceram uma situação de conflito com pescadores de
subsistência, pescadores de espécies ornamentais e, principalmente,
pescadores comerciais. O conflito entre os pescadores de subsistência
e os de peixes ornamentais, nativos da região, é de menor intensidade
e decorre, na maioria das vezes, da sobreposição espacial das
atividades. Vem sendo minimizado pelo envolvimento dos pescadores
nativos em atividades de pesca esportiva, na forma de guias e pilotos
de botes. O conflito com os pescadores comerciais é causado pela
forma diferenciada que os dois grupos de pescadores compreendem a
espécie-alvo, o tucunaré Cichla sp. Os pescadores esportivos vêem um
tucunaré de dez quilos como um troféu a ser fotografado e devolvido
ao rio, pelo qual estão dispostos a pagar até US$ 3, mil por um pacote
de uma semana. Por outro lado, os pescadores comerciais consideram
o mesmo peixe apenas pelo seu valor de venda no mercado
consumidor mais próximo, a um preço variável entre R$ 1,50 e R$
2,50 o quilo.
Na tentativa de regulamentar e preservar os “recursos pesqueiros” para o turismo
de pesca o governo do Amazonas criou o decreto n° 22.304, de 20 de novembro de 2001, que
proibia a pesca comercial do tucunaré nos municípios da região que inclui os municípios de
Barcelos, Santa Izabel e São Gabriel da Cachoeira por um prazo de cinco anos. Esse decreto
foi criado porque já naquele ano o governo entendia que a pesca esportiva é o principal
produto turístico do Amazonas. O decreto é um passo para a regulamentação da atividade que
é ao mesmo tempo turística e ambiental, com o apoio de institutos de pesquisas e
universidades.
Na realidade o que ocorreu foi à intensificação dos conflitos nesses municípios,
pois beneficiava principalmente as agências de turismo que se apropriam dos locais de pesca e
68
do meio ambiente para suas atividades. Mesmo reconhecendo que o turismo de pesca gera
emprego e renda aos moradores locais, ainda assim há reclamações, pois as comunidades são
as menos favorecidas e ficam alienadas do processo de planejamento e das imposições legais,
como se os mesmos não tivessem direto e aos recursos pesqueiros locais. Por possui uma
bacia hidrográfica privilegiada o Estado do Amazonas apresenta grandes possibilidades para o
desenvolvimento do turismo de pesca. Como os praticantes desse seguimento não fazem
muita exigência quanto ao conforto, sim com a oferta de pescado, as comunidades ribeirinhas
podem beneficiar-se dessa atividade, desde que participem da elaboração do planejamento e
da identificação dos melhores locais para a sua prática. Deste modo, o MINTUR, afirma “para
que a comunidade seja atuante e participativa, deve estar organizada e consciente de seu
papel, envolvida nas atividades de guia de turismo, piloteiro, hotelaria, restaurantes, barcoshotéis e outras atividades” (MINTUR, 2008). Novamente exige-se que os órgãos estaduais
chamem as comunidades para participar da gestão e planejamento do turismo no Estado fato
longe da realidade atual.
Quanto ao desenvolvimento do turismo cultural, os principais atrativos no Estado
são: Em Manaus: o Carnaboi (carnaval com ritmo de toadas); Boi Manaus (festa dos bois
bumbás); o Festival de Opera; Amazonas Film Festival (festival de cinema) e a Feira
Internacional da Amazônia (FIAM). Nos Municípios: O Festival do Peixe Ornamental de
Barcelos; a Festa do Cupuaçu e Feira da Agroindústria e de Negócios de Presidente
Figueiredo; Festa de Santo Antônio de Borba, Festival Folclórico de Parintins; Festa da
Padroeira de Parintins; Festival de Ciranda de Manacapuru; Festival da Canção de Itacoatiara
(FECANI); o Festival de Verão de Maués; Torneio de Pesca do Tucunaré de Presidente
Figueiredo; Festa do Guaraná de Maués e a Festa do Gás Natural de Coari. (SEPLAN, 2009,
p. 48-49)
O Estado do Amazonas possui grande potencial turístico, mas a forma exógena,
que exclui as populações tradicionais do planejamento e, sobretudo da organização do modus
operandi dessa atividade nos municípios e/ou nas comunidades ribeirinhas é um grande
entrave para o desenvolvimento e as sustentabilidade da atividade. Além disso, a falta de
infraestrutura, sobretudo do planejamento participante também contribuem para a derrocada
da atividade no estado.
Como a gestão participante do turismo requer tempo, dinheiro e habilidades para
ser organizada, aliado a isso também existe a falta de interesse do governo e das empresas de
turismo que buscam a qualquer custo limitar a participação das comunidades, não há nenhum
69
interesse por parte das instituições encarregadas do planejamento turístico em incluir as
camadas populares nas discussões relacionadas ao turismo no Estado. Na verdade essas
políticas públicas são impostas e as conseqüências são quase sempre desastrosas ao meio
ambiente e a organização sociais das comunidades envolvidas, pois quem melhor conhece os
atrativos turísticos locais são seus moradores que não têm vez e voz na planificação da
atividade em suas terras.
Em suma, do turismo praticado nas comunidades caboclo-ribeirinhas do Estado
do Amazonas é o de natureza, pois os turistas estão preocupados principalmente em admirar
as paisagens naturais sem a procurar culturalmente com as populações locais.
70
Capitulo II – A Crise do Turismo de Massa e a Inserção das Populações
Tradicionais Amazônicas no Roteiro Internacional do Turismo.
Como já foi dito ao longo das três últimas décadas o capitalismo internacional
passou por mudanças na apropriação e valorização da cultura e da natureza para o turismo. Se
nas décadas de 60 e 70 o desenvolvimentismo para a Amazônia e em outras partes do mundo
esteve baseado na exploração dos recursos naturais incentivando grandes projetos como os de
Carajás, de Jarí, da abertura de estradas e dos projetos agropastoris. O crescimento do
movimento ecológico e, sobretudo os apelos para a preservação das florestas tropicais e dos
outros ecossistemas mundiais favoreceram o crescimento do ecoturismo, classificado por
muitos, sobretudo pelos órgãos oficiais, como uma forma sustentável de uso e preservação
dos recursos naturais da região.
Neste capítulo foram discutidas duas questões importantes para desenvolvimento
de nossa pesquisa. Primeira é uma reflexão trata sobre os percursos utilizados por alguns
teóricos a respeito dos conceitos de tradição e populações tradicionais. Neste sentido, foram
analisados os postulados de Diegues (1997; 2002; 2005); Lima & Pozzonbon (2004); BarretoFilho (2006) e Almeida (2008), além dos apostes teóricos de Max Weber, Karl Marx,
Anthony Giddens (2001), entre outros, que serviram de base para desenvolvimento desta
questão. A relevância desta discussão está no fato da categoria população tradicional ser um
conceito guarda-chuva o que leva invariavelmente aos autores, sobretudo, Diegues (1997) e
Almeida (2008) a entendê-la como se fosse um continum no qual é possível juntar todos os
grupos sociais identificados como tradicionais em uma mesma categoria. Deste modo, é
necessário entendemos as características culturais de cada grupo e, sobretudo perceber como a
tradição moldou de forma singular a cultura de cada grupo.
A segunda questão é um breve relato sobre a origem do caboclo amazônico e da
visão conservacionista que transformou o modus vivendi das populações tradicionais em um
modo de “vida harmoniosa” com o ambiente, dando-lhes a conotação de sustentável ao estilo
de vida dessa categoria. Assim o caboclo tornou-se um sujeito (mesmo sem ter consciência
disso) “global” no que diz respeito à preservação do ecossistema amazônico e da vida na
terra. Estimulado pela ideologia conservacionista e pela crise no turismo de massa as
comunidades caboclas-ribeirinhas da Amazônia foram inseridas no contexto do turismo
internacional. Assim, a atividade apropriou-se dos recursos naturais locais e da cultura local,
turistificando também o modus vivendi e o modus operandi das sociedades caboclas.
71
2.1 Tradição e Populações Tradicionais na Amazônia
Atualmente o termo populações tradicionais/comunidades tradicionais tem sido
utilizada academicamente de forma ampla e complexa visto que engloba vários grupos sociais
distintos. Aqui aparecem as primeiras dificuldades teóricas desse capítulo: definir e
caracterizar as particularidades culturais dos grupos sociais que fazem parte dessa categoria,
pois da forma como nos são apresentados pelos diversos enfoques teóricos não permite que
“visualizemos” as particularidades culturais de cada grupo que compõe essa categoria, já que
são todas juntadas na categoria guarda-chuva.
Os movimentos sociais das décadas de 60 e 70 contribuíram para que esses
“novos” agentes sociais ganhassem visibilidade no contexto nacional. Lutando contra as
conseqüências da política desenvolvimentista implantada pelo governo militar, os povos e
comunidades tradicionais passaram a lutar pela manutenção de sua sobrevivência e ampliar
sua participação política no cenário nacional. Reprimidos pelo governo ditatorial esses
movimentos ganharam força novamente nas décadas de 80 e 90 estimulados pela
redemocratização política e pelos movimentos ambientalistas nasceu o “ambientalismo
camponês” que lutava pelo acesso aos recursos naturais, pela valorização do extrativismo e
dos sistemas agrícolas baseados em tecnologias alternativas. Fizeram parte deste movimento o
Conselho Nacional de Seringueiros, o Movimento dos Atingidos por Barragens, O
Movimento dos Pescadores artesanais e os Movimentos Indígenas entre outros.
Na análise de Diegues (1997; 2002; 2005) existem duas categorias de populações
tradicionais no Brasil: os Povos Indígenas e as Populações Tradicionais não Indígenas. À
primeira categoria, seguindo o raciocínio de Lima & Pozzobon (Ibdem) a população
tradicional da Amazônia é formada pelos seguintes grupos: os povos indígenas de comércio
esporádico, os povos indígenas de comércio recorrente e os povos indígenas dependentes da
produção mercantil. Na segunda categoria (modelo de Diegues) estão agrupados: os caiçaras,
os jangadeiros, os açorianos, os varjeiros/varzeiros (ribeirinhos não amazônicos), os
quilombolas, os praieiros, moradores da faixa litorânea da região amazônica entre o Amapá e
o Piauí; os pantaneiros e os caboclos-ribeirinhos amazônicos.
Tentando de incluir esses grupos sociais de maneira mais ampla na política de
desenvolvimento nacional e de procurar tornar as políticas publicas mais abrangentes e para
reconhecer oficialmente a pluralidade cultural do país em 2007 através com o Decreto
Presidencial nº 6040 de 070/02/07, instituiu-se a Política Nacional de Desenvolvimento
72
Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais que tinha como objetivo: “realizar um
levantamento nacional sócio-demográfico e econômico sobre povos e comunidades
tradicionais, predominantemente em áreas rurais, através de pesquisa de campo, a fim de
subsidiar a proposição, elaboração, implementação, monitoramento e avaliação das políticas
públicas, universais e específicas, voltadas para a garantia de direitos individuais e coletivos
dos Povos e Comunidades Tradicionais”. Neste documento também foram definidos como
povos e comunidades tradicionais os “grupos culturalmente diferenciados e que se
reconhecem como tais; que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e
usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social,
religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e
transmitidos pela tradição”. (IBGE/MDS/MMA/CNPCT, 2008) É interessante observamos a
mudança no discurso oficial na substituição do termo “populações tradicionais” por “povos
tradicionais”, porém o fato de o governo ter feito essa troca não pressupõe que o mesmo
reconheceu as reivindicações desses grupos sociais.
Para Almeida (2008),
O “tradicional” como operativo foi aparentemente deslocado no
discurso oficial, afastando-se do passado e tornando-se cada vez mais
próximo de demandas do presente. Em verdade o termo “populações”,
denotando certo agastamento, foi substituído por “comunidades”, que
aparece revestido de uma conotação política inspirada nas ações
partidárias e de entidades confessionais, referidas à noção de “base”, e
de uma dinâmica de mobilização, aproximando-se por este viés da
categoria “povos” [...] tem-se uma luta teórica contra a força dos
esquemas interpretativos dos “positivistas no direito”, que sempre
querem confundir etnias, minorias e/ou povos tradicionais dentro de
uma noção genérica de “povo”, elidindo a diversidade cultural, e
contra a ação sem sujeito de esquemas inspirados nos
“estruturalismos”, que privilegiam e se circunscrevem às oposições
simétricas entre “comum” e “individual”, entre “coletivo” e “privado”,
entre “propriedade” e “uso”, entre recursos “abertos” e “fechados”,
entre “tradicional” e “moderno”, menosprezando a dinâmica das
situações concretas produzidas pelos povos e grupos tradicionais nas
suas relações sociais com seus antagonistas históricos (ALMEIDA,
2008:25).
Utilizamos essa longa citação para mostrar que apesar do avanço na concepção
oficial dos povos e comunidades tradicionais o referido decreto não faz menção as diferenças
culturais entre os grupos sociais que compõem esta categoria. Deve-se ressaltar também que
73
essa maneira de analisar as comunidades tradicionais ainda está muito presente em muitos
estudos que as têm como objeto de pesquisa como veremos ao longo deste capítulo.
Se do ponto de vista jurídico a definição de Almeida (2008) dá um salto, na
medida em tornou as populações tradicionais “portadoras” do direto a terras e a diversos
beneficio em relação ao poder público, ao nosso esta definição trata todas as categorias sociais
que dela fazem parte como um continum cultural. Deste modo, embora seja uma definição
abrangente/globalizante, o “reconhecimento” das comunidades tradicionais possibilita
primeiramente ao Governo Federal a “responsabilidade” de criar políticas públicas que
permitissem a sobrevivência desses grupos, deu-lhes visibilidade aos seus problemas e as
necessidades sociais. Esse “reconhecimento” acabou por garantir alguns direitos entre eles à
demarcação das terras indígenas, o reconhecimento das terras dos remanescentes de
quilombos, implantação de áreas de proteção integral (parques nacionais, estações ecológicas,
etc.), embora ainda que sejam mínimas essas “conquistas” tem possibilitado a sobrevivência
desses grupos que segundo Diegues (1996) apresentam como características mais marcantes:
i) a dependência e até simbiose com a natureza, os ciclos naturais e os
recursos naturais renováveis a partir do qual se constroem um "modo
de vida"; ii) conhecimento aprofundado da natureza e de seus ciclos
que se reflete na elaboração de estratégias de uso e de manejo dos
recursos naturais; iii) noção de "território" ou espaço onde o grupo
social se reproduz econômica e socialmente; iv) moradia e ocupação
desse "território" por várias gerações, ainda que alguns membros
individuais possam ter se deslocado para os centros urbanos das
atividades de subsistência, ainda que a produção de "mercadorias"
possa estar mais ou menos desenvolvida, o que implica numa relação
com o mercado; vi) reduzida acumulação de capital; vii) importância
dada à unidade familiar, doméstica ou comunal e às relações de
parentesco ou compadrio para o exercício das atividades econômicas,
sociais e culturais; viii) importância das simbologias, mitos e rituais
associados à caça, à pesca e atividades extrativistas; ix) a tecnologia
utilizada é relativamente simples, de impacto limitado sobre meio
ambiente. Há uma reduzida divisão técnica e social do trabalho,
sobressaindo o artesanal, cujo produtor (e sua família) domina o
processo de trabalho até o produto final; x) fraco poder político; e xi)
auto-identificação ou identificação pelos outros de se pertencer a uma
cultura distinta das outras. (DIEGUES, 1996, p.78)
As características apontadas por Diegues mostram a dependência das populações
tradicionais dos recursos naturais não apenas para garantir sua sobrevivência e também para a
construção social de sua realidade através da relação com o meio natural físico e mitológico.
Diegues, no entanto, não faz distinção entre as comunidades tradicionais o que pode nos levar
74
ao entendimento que todas elas fazem parte de um consensus gentium, ou seja, a noção de um
mesmo padrão cultura universal em todos os grupos que compõe essa categoria. Destarte, essa
situação é bastante parecida como a apontada por Almeida (2007).
Para evitarmos tal erro discorreremos sobre as distinções entre povos/comunidade
tradicionais. Um dos primeiros enfoques teóricos para definir essa categoria utilizados foi
elaborado pelo antropólogo norte-americano, Robert Redfield, seguindo às chamadas teorias
de contraste, afirmava que as sociedades camponesas do tipo folk possuem as seguintes
características:
[...] são pequenas, isoladas, analfabetas e homogêneas, com forte
sentimento de solidariedade grupal. O comportamento é tradicional,
espontâneo, acrítico e pessoal; não existe legislação ou hábito de
experimento e reflexão com fins intelectuais. O parentesco, seus
relacionamentos e instituições, são categorias típicas da experiência e
o grupo familiar é a unidade de ação. O sagrado prevalece sobre o
secular; a economia é mais de status que de mercado. [...] [comparada
com as outras sociedades tradicionais, afirmava que] a vila camponesa
quando comparada com a vila tribal, a cidade pequena quando
comparada com a vila camponesa, ou a cidade pequena é menos
isolada; é mais heterogênea; é caracterizada por uma divisão de
trabalho mais complexa; tem uma economia monetária mais
completamente desenvolvida [...] são menos eficazes no controle
social e menos dependentes de intuições de ação impessoal e menos
religiosa; permite uma maior liberdade de ação e escolha ao individuo
[...] (REDFIELD, 1943 apud OLIVEN, 1996, p.14) [Grifos nossos]
Para os defensores desta linha teórica, o modelo redfieldiano poderia ser aplicado
em outras populações que tivessem características semelhantes mesmo tendo sido elaborado a
partir de estudos realizados em quatro comunidades mexicanas de Yucatan, Este enfoque
equivocou-se em diversos pontos de analise, aqui apresentaremos apenas três. O primeiro é
que na comparação entre as sociedades do tipo folk, vê o “progresso” em um processo
continuum e simplista. O segundo é que ao defende cidade é a causa da fragmentação cultural
ao invés de vê-la com conseqüência deles, e, terceiro é o fato de não deixar claro qual é a
definição da sociedade urbana e da sociedade rural. Apesar de ultrapassado e muito criticado,
sobretudo pelos antropólogos culturalistas, este enfoque ainda é bastante influente em
pesquisas sociais da atualidade principalmente aquelas da corrente ecológica.
Na perspectiva marxiana as sociedades tradicionais são concebidas a partir da
idéia de associação com a natureza e da dependência dos seus ciclos sendo assim, essas
culturas distinguem-se daquelas associadas ao modo de produção capitalista em que não só a
75
força de trabalho, como a própria natureza, se transforma em objeto de compra e venda
(mercadoria). Nesse sentido, a concepção, a representação do mundo natural e seus recursos
são essencialmente diferentes. (DIEGUES, 1993)
Para GODELIER (1984) a maneira de diferenciar as culturas tradicionais é através
do uso dos territórios,
Um elemento importante na relação entre populações tradicionais e a
natureza é a noção de "território" que pode ser definido como uma
porção da natureza e espaço sobre o qual uma sociedade determinada
reivindica e garante a todos, ou a uma parte de seus membros, direitos
estáveis de acesso, controle ou uso sobre a totalidade ou parte dos
recursos naturais aí existentes que ela deseja ou é capaz de "utilizar"
[...] (apud DIEGIUES, 1986, p.73)
Outra característica marcante das comunidades tradicionais não indígenas diz
respeito ao uso de território. Nessas sociedades geralmente os limites geográficos são
determinados por “fronteiras” naturais como: um rio, um igarapé, uma cabeceira, ou mesmo
mapas, no entanto o que comumente predomina é o conhecimento do lugar. Para os nativos a
natureza representa o lugar onde os meios para sua sobrevivência são encontrados através da
caça, coleta, pesca e da agricultura. Os recursos naturais são geralmente de uso coletivo, ou
seja, todos os moradores podem usar a floresta ou os rios para o seu sustento.
A inserção à economia mercantil também é um fato marcante nas comunidades
tradicionais não indígenas, além de servir de mercado consumidor para produtos agrícolas,
artesanato e da pesca, as cidade é o lócus em que compram produtos manufaturados (roupas,
tecidos, produtos alimentícios, combustível, etc.) e também onde procuram tratamento
hospitalar e outros serviços que não existem em seu local de moradia.
Sob essa perspectiva, o território deve ser interpretado como o lugar físico
necessário a sua reprodução e também onde ocorrem as representações simbólicas das
populações que nele habitam. Deste modo, evidencia-se que cada cultura determinou o
significado e forma de uso dos recursos naturais a sua maneira. Por isso quando “juntadas”
numa mesma categoria a impressão que temos é que todas as populações tradicionais são
iguais, o que é um erro, visto que, indígenas e caboclo-ribeirinhos não possuem a mesma
cultura e o fato de viverem em contato com a natureza tirando dela seu sustento, de falarem
com seus espíritos e as outras entidades que regem seus universos simbólicos, não lhes
confere a mesma identidade cultural ou os tornam membros da mesma categoria social.
76
Deste modo, é necessário que esses grupos sejam entendidos de maneira mais
ampla para não cairmos no discurso simplista que coloca índios, caiçaras, caboclos,
quilombolas, etc., em uma mesma categoria sem levar em conta suas diferenças culturais das
populações tradicionais indígenas ou não. Ao discutir a relação sociedade e cultura
DAMATTA (2000, p. 56-57) afirma que
[...] na discussão da realidade humana, o conceito de sociedade deve
ser sempre complementado pela sua outra face, a noção de cultura que
remete ao texto e aos sistemas de valores que dão sentido ao sistema
concreto de ações sociais visíveis e percebidos pelo pesquisador. A
noção de cultura permite descobrir uma série de dimensões internas
ligadas ao modo como cada papel é vivenciado, além de identificar as
<<escolhas>> que revelam como este grupo difere daquele na sua
atualização como uma coletividade viva. [...] não basta só dizer que
toda sociedade tem uma infraestrutura que diz respeito às relações dos
homens com a natureza e instrumentos destinados a explorá-la e
modificar (os meios de produção); e uma superestrutura que engloba
as relações dos homens com as idéias, espíritos e deuses. [...] [é
necessário] explicar o conteúdo destes papéis que variam
enormemente de grupo para grupo, de sociedade para sociedade.
Por meio da tradição os padrões culturais são construídos e sedimentados no seio
das populações ao longo de um processo histórico que lhes permite tomar consciência do
mundo em um ritmo dialético com a natureza e ao “mesmo tempo” cria modos singulares de
relacionar-se com os membros do grupo. Deste modo, por mais relevante juridicamente para
garantir a sobrevivência e o direito a terra, juntar grupos sociais distintos na categoria de
“populações tradicionais”, não podemos admitir que todo possuam a mesma categoria a
tradição cultural. Portanto, o que difere um grupo uma comunidade tradicional de outra é a
sua forma como cada um deles moldou a sua identidade, formou a sua memória coletiva e deu
singularidade as características histórico-culturais na ocupação do espaço que habitam de
acordo com sua cultura.
A partir do que foi dito acima faremos uma breve discussão a respeito da tradição
e da cultura como ‘ferramentas’ responsáveis pela formação dos hábitos e costumes nas
comunidades tradicionais.
Tradição é o termo empregado para designar a transmissão dos conhecimentos,
costumes e regras sociais de uma geração para outra. Para Weber apud Mauss (2001, p.112) é
aquilo que se transmite, é a esfera em que age a força espiritual, emotiva e física da
necessidade social. Impõe ritmo e uniformidade no interior de subgrupos, ritmo e unidade de
movimentos e de espírito entre todos os subgrupos.
77
Max Weber afirma ainda que a tradição está relacionada à ação social por isso é
importante na formação da uniformidade do agir dos indivíduos dentro das classes sociais e
das sociedades da qual fazem parte. No caso das comunidades tradicionais, a memória
coletiva está ligada a um grupo relativamente restrito e portador de uma tradição, sua relação
com a natureza é aproximada pelos mitos que são manifestados em ritualizações e
representações simbólicas tradicionais. Na análise de Giddens (2001)
[...] a tradição está ligada ao ritual e tem suas conexões com a
solidariedade social, mas não é continuamente mecânica de preceitos
que é aceita de modo inquestionável. [...] a tradição é uma orientação
do passado, de tal forma que o passado tem uma pesada influencia ou,
mais precisamente, é constituído para ter pesada influencia sobre o
presente [...] a tradição também diz respeito ao futuro. (GIDDENS,
2001, p.30-31)
Para este autor a tradição é normativa contribui para a coesão social, além de
manter vivas as regras de conduta e, sobretudo de fazer com que os indivíduos saibam a que
coletividade pertencem e como seu mundo social é organizado e quais os símbolos que regem
suas vidas, pois ela é legitimadora e da ao grupo a coesão social. Em Geertz (1989) o homem
precisa de tanto dessas fontes simbólicas para encontrar seu apoio no mundo. O processo de
cristalização das tradições ocorre de maneira gradual, mas, quando sedimentado contribui
para que as mudanças culturais pouco acorram dentro do grupo. Ainda com relação à
importância da tradição Damatta (Ibidem) afirma que
[...] a tradição permite individualizar ou tornar singular e única uma
dada comunidade relativamente às outras (constituídas de pessoas da
mesma espécie). [...] A tradição, torna as regras passíveis de serem
vivenciadas, abrigadas e possuídas pelo grupo que as inventou e
adotou, de tal modo que, numa sociedade humana, seus membros
acabam por perceber sua tradição como algo inventado especialmente
para eles, como algo que lhes pertence. (DAMATTA, op. cit. , p. 5051).
As tradições são reinventadas historicamente formando ao longo da história a
memória coletiva imposta a coletividade através da repetição. Assim, caso das populações
tradicionais caboclo-ribeirinhas da Amazônia a tradição vai sendo moldada conforme suas
relações históricas e econômicas com o mercado externo. Portanto, com o desenvolvimento
da atividade turística na Boca da Valéria, os habitantes locais incorporaram novos papéis
78
sociais, como por exemplo, o de artesão e o de “guia turístico”, para lucrar com os serviços
turísticos.
Segundo Berger e Luckmann (1997) a objetivação, a sedimentação e acumulação
do conhecimento são as responsáveis pela formação da tradição e pela cristalização dos
universos simbólicos. Destarte, segundo esses autores,
[...] os universos simbólicos são corpos de tradição teórica que
legitimam as totalidades simbólicas, nele todos os setores da ordem
institucional são integrados, porque toda a experiência humana pode
agora se concebida como se efetuando no interior dele. [...] são
processos de significação que se referem a realidades diferentes das
pertencentes à experiência da vida cotidiana. [...] (BERGER e
LUCKMANN, 1997, p. 131)
A afirmação é importante para entendermos o papel da tradição na formação do
modus vivendi das sociedades tradicionais em duas situações distintas: primeiro na formação
do individuo enquanto ser coletivo cumpridor de regras sociais, pois as tradições tem sentido
normativo ou ritualístico; e, em segundo lugar a tradição ajuda na manutenção do universo
simbólico de uma sociedade e no sentido identitário do individuo em relação a sua cultural.
Deste modo, a importância da identidade na formação da tradição ocorre porque favorece o
encontro de nosso passado com as relações culturais do presente.
Nas populações tradicionais as mudanças no habitus e nos padrões sociais ocorrem
com menos freqüência que nas sociedades complexas. No entanto devemos nos afastar da
idéia que as mesmas são estáticas, pois, as mudanças estão sempre presentes na vida cotidiana
dessas coletividades. Para os fins dessa pesquisa utilizaremos o conceito de cultura de Geertz
(2002) que entende a cultura como
[...] um sistema de significados e símbolos...cujos termos os
indivíduos definem seu mundo, revelam seus achados e fazem seus
julgamentos; uma padrão de significados, transmitidos historicamente,
incorporados em formas simbólicas por meio dos quais os homens
comunicam-se, perpetuam-se, desenvolvem seu conhecimento sobre a
vida e definem sua atitude em relação a ela; um conjunto de
dispositivos e comportamento, fontes extra-somáticas de informações.
(GEERTZ apud KUPER, 2002, p.131-32)
Na visão de Geertz a cultura é um sistema simbólico que precisa ser interpretado
para que possamos entender como ocorreram os processos culturais inerentes a cada povo,
79
pois na acredita que o homem é um animal suspenso por teias de significados que ele mesmo
teceu.
A cultura entendida como uma totalidade confere identidade a um grupo social.
Mas isso não pressupõe transformar a cultura igual em todas as partes do mundo. Ou seja,
cada grupo social constrói o seu modo de se relacionar com o meio físico e social que vive.
Destarte, Sahlins apud, Kuper, (op. cit.) afirma que as diferenças no modelo institucional
correspondem a modos distintos de produção simbólica, que contrastam tanto no meio
objetivo como na capacidade dinâmica. Com relação às diferenças entre sociedades modernas
e tradicionais Sahlins afirma que na sociedade burguesa, o lócus dominante da produção
simbólica é a produção material, enquanto na sociedade primitiva é o conjunto de relações
sociais. Essas diferenças geraram sociedades bastante diferentes nos continentes terrestres.
Dito isso, podemos então concluir que na categoria povos/comunidades
tradicionais o que determinou a diferença entre as sociedades que dela fazem parte foi a
trajetória histórico-cultural que cada grupo social tomou no decorrer de sua formação cultural.
Portanto, não estamos consideramos as diferenças desses grupos sob a óptica de “progresso
cultural”, nossa leitura é a que defende que a cultura moldou cada grupo para sobreviver no
ambiente que escolheu a partir da construção social da realidade tornando-os singular
culturalmente em relação às outras populações tradicionais que foram juntadas em uma
mesma categoria. No caso dos povos indígenas a diferença em relação às comunidades
tradicionais não indígenas deve ser entendida sob a égide da etnicidade, pois como assinala
Oliveira (2006), denota diferenças culturais entre sociedades isoladas, regiões autônomas, ou
stoks independentes de populações tais como nações em suas próprias fronteiras. Etnicidade é
essencialmente a forma de interação entre grupos culturais operando dentro de contextos
sociais comuns.
Anteriores a chegada dos colonizadores, os povos indígenas são diferentes
culturalmente da sociedade envolvente porque apresentam língua, tradições e o modus vivendi
completamente diferentes dos demais grupos sócias que habitam o Brasil. Com base nos
dados da Fundação Nacional do Índio – FUNAI,
No Brasil, vivem cerca de 460 mil índios, distribuídos entre 225
sociedades indígenas. São 215 sociedades indígenas, mais cerca de 55
grupos de índios isolados, sobre os quais ainda não há informações
objetivas. As línguas são agrupadas em famílias, classificadas como
pertencentes aos troncos Tupi, Macro-Jê e Aruak. Há Famílias,
entretanto, que não puderam ser identificadas como relacionadas a
80
nenhum destes troncos. São elas: Karib, Pano, Maku, Yanoama, Mura,
Tukano, Katukina, Txapakura, Nambikwara e Guaikuru. Pelo menos,
180 línguas são faladas pelos membros destas sociedades, as quais
pertencem a mais de 30 famílias lingüísticas diferentes. (FUNAI, s/d)
Essas populações construíram sua autoconsciência étnica e cultural baseada na
manutenção de mitos, rituais e instituições tradicionais como parte integrante de suas vidas o
que contribuiu para a resistência política diante do processo de aculturação e da perda de suas
terras. Como seu modus vivendi dessas populações sempre teve como objetivo a subsistência
e com a utilização de técnicas de produção que pouco afetaram a natureza, muitos
conservacionistas passam a denominar sistema produção indígena de “sustentável”, não há
dúvidas que a maneira conseguir seu sustento através da caça, pesca, coleta e da agricultura,
causa pouco impacto sobre os recursos naturais, no entanto como observa Balée (1993) esse é
um processo histórico que remonta a tradição dos seus antepassados pré-colombianos. Deste
modo, segundo este autor,
As atividades das sociedades indígenas horticultoras ignoraram (mais
protegeram deliberadamente) muitas florestas primárias, e assim
permitiram a sobrevivência destas florestas em áreas indígenas até
hoje. [...] As culturas indígenas de hoje, em outras palavras,
descendentes em larga medida de remotos ancestrais pré-colombianos,
apesar das recentes influencias ocidentais que muitas delas têm
sofrido. A maioria das espécies cultivadas, ou aquelas que os índios
atuais exploram na floresta primária e na capoeira, são também
neotropicais, o que mostra uma outra conexão com o passado précolombiano. Muitos índios amazônicos atuais certamente continuam
parecidos com seus antepassados –eles ainda são índios – no que se
refere aos seus recursos vegetais e às formas de uso destes recursos.
(apud CASTOR e CUNHA, 1993, p. 390-391)
A nosso ver alguns problemas nesta análise devem ser observados: o primeiro é
que as sociedades indígenas, sobretudo as que tiveram pouco contato com os brancos, não
possuem uma política de conservação e muito menos uma tradição voltada para a preservação
da biodiversidade nos moldes defendidos pelos conservacionistas dos ecológos; segundo, para
uma mata de capoeira atingir seu tamanho “natural” demora em média 40 anos, logo a o
período regeneração de uma floresta é o equivalente a uma geração, assim este repouso é
determinado pela natureza não pelo ‘espírito’ conservacionista nativo; e, em terceiro lugar
muitos povos indígenas recentes usam e manejam a floresta de maneiras diferentes de seus
antepassados o que acarretou na necessidade de explorar a natureza com outras técnicas.
81
Portanto, se há uma relação “sustentável” dos povos tradicionais indígenas com a natureza na
verdade está ligada ao histórico cultural que eles teceram e estão tecendo em longo e lento
processo histórico-cultural. Além disso, essas formas tradicionais de garantir sua
sobrevivência utilizando os recursos naturais, principalmente para a produção de alimentos
têm restrito à introdução de novas técnicas de implantadas pelo contato com a sociedade
envolvente o que contribuiu para a manutenção de sua identidade cultural. A esse respeito
observa Oliveira (2007) uma etnia pode manter sua identidade mesmo quando o processo de
aculturação em que está inserida tenha alcançado graus altíssimos de mudança cultural.
Resultado da miscigenação entre português, índios e negros, as sociedades
caboclas da Amazônia também passaram por um processo de sedimentação e transformação
do seu modus vivendis que lhes permitiu antropisar a natureza e formar uma cultura nova, a
cabocla. As características marcantes dessas população é a pequena produção voltada para a
subsistência e com o excedente sendo vendido nas cidades próximas; vivem mais ou menos
isoladas, sua cultura foi formada pela assimilação dos traços culturais indígenas, portugueses
e negros.
Portanto, conclui-se que a complexidade para definir povos/comunidades
tradicionais está imbricada na maneira como os modelos explicativos as conceberam numa
categoria guarda-chuva. No entanto, devemos entendê-las como grupos diferentes em uma
mesma totalidade, na qual cada grupo social estabeleceu por um longo processo histórico e
cultural maneiras distintas de se explorar os recursos naturais e
universos simbólicos.
de formularem seus
82
2.1.1. As Origens do Caboclo Amazônico
No capitalismo globalizado, as mudanças socioeconômicas são constantes e suas
teias se apropriam de tudo que pode dar lucro. No caso da Amazônia, como já foi dito,
primeiramente o espaço foi apropriado pelo capital como fornecedor de matérias-primas para
o mercado externo. No segundo momento a região era vista como um vazio populacional,
sendo “povoada” e “desenvolvida” através dos grandes projetos, da abertura de estradas e do
estimulo as migrações, nessa fase do capitalismo desenvolvimentista tanto as populações
indígenas quanto as sociedades caboclas eram invisíveis diante dos planejadores
governamentais. Essa realidade passou a mudar nas duas últimas décadas do século XX e no
início do século XXI quando a Amazônia transformou-se em símbolo de salvação do planeta
e a preservação de seu bioma e das populações que nelas vivem passaram a ser vistos como
sentido de sustentabilidade.
Estimulado pelo discurso conservacionista e pela fase tecno-científica do capitalista
do início do século XXI que impôs um novo valor a natureza para as grandes potências
econômicas o ambiente e as populações tradicionais amazônicas passaram a ser apropriadas
pelo capitalismo globalizado. Segundo Ianni (1997, p.71) isso ocorre porque “a cultura do
capitalismo seculariza tudo o que encontra pela frente e pode transformar muita coisa em
mercadoria, inclusive signos, símbolos, emblemas, fetiches. Tudo se seculariza,
instrumentaliza, desencanta”. A emergência da questão ambiental transformou o modo de
produção das populações tradicionais em sinônimo de sustentabilidade e preservação natural,
pois o modo de vida dessas populações não causa “grandes agressões” ao ambiente como as
indústrias e ainda podem ser utilizadas como atrativos turísticos. Assim segundo Arruda
(2000, p. 177),
Os conhecimentos das comunidades tradicionais, ainda que
produzidos localmente, são objetos de discussão global, como, afinal
de contas, também seu próprio destino. As reuniões internacionais,
realizadas em qualquer cidade do planeta, para discutir problemas que
têm amplitude biosférica são cada vez mais comuns. Os programas de
ação apresentam tal conformação, como o Plano Global de para a
Conservação e Uso Sustentável dos Recursos Fito-Genéricos para a
Alimentação e a Agricultura, entre outros.
83
Assim, faz-se necessário entendermos a compatibilização dos interesses do capital
externo e os interesses das populações tradicionais conhecedoras detentoras do saber local e
da fauna e flora, além de ser potenciais guias para os turistas. Temos então a seguinte questão
como a ser discutida e resolvida pelo capitalismo atual na Amazônia,
Neste contexto de um mundo globalizado, o uso econômico
sustentável da incalculável riqueza da biodiversidade da Amazônia se
constitui num dos grandes desafios dessa imensa região, tanto no
processo de aproveitamento da vocação regional com base na
exploração sustentável dos recursos naturais por meio da tecnologia,
como na agregação de valor aos produtos. A questão que aflora é a
seguinte: como fazer valer a riqueza da biodiversidade não só para a
indústria da biotecnologia [e do setor turístico], mas também para as
populações tradicionais que a conservam, utilizam e cultivam?
(ABRANTES, 2002, p. 15, apud LINHARES, 2009)
A gestação das sociedades caboclas na Amazônia correu ao longo da implantação
do “processo civilizatório” na região foi marcada pela exploração da mão de obra, exclusão e
estigmatização social essa situação deu uma conotação de invisibilidade aos sujeitos gestados
nessa situação. Para Ribeiro (1999) as origens da população neobrasileira na região
amazônica foram duas:
[Primeira] a tupinização das populações aborígenes, em sua maioria
pertencentes a outros troncos lingüísticos, mas que passaram a falar a
língua geral na medida em que eram catequizados e aldeados (ou
mesmo escravizados) por missionários e colonos; [Segundo] a
mestiçagem de brancos com índias, através do processo secular em
que cada homem nascido na terra ou nela introduzido cruzava-se com
índias e mestiças, gerando um tipo racial mais indígena que branco.
(RIBEIRO, 1999, p. 316)
Essa nova categoria social foi gestada no decorrer de cinco séculos em um
processo paulatino de distribalização, miscigenação, deculturação e transfiguração étnica das
populações “pré-colombianas” da Amazônia. Com relação a essa nova realidade na Amazônia
no livro “O Povo das Águas”, Antonio Porro (1996) assinala que o desaparecimento no
sentido étnico devem ser observados dois aspectos: a) o desaparecimento dos padrões
adaptativos (demográficos, organizacionais e ergológicos) da população original, que não
chegam a reconstituir, a não ser parcialmente, quando do repovoamento induzido pelo
colonizador; neste segundo momento ocorre; b) a formação que chamaremos de neo-indígena,
inserido na sociedade colonial e marcado pelo desenraizamento e pela aculturação intertribal e
84
interétnica. Foi entre os séculos XVII ao XIX que ocorreu a gênese do estrato neo-indígena
da população Amazônica: o caboclo. A definição e a classificação do caboclo é complexa por
que essa nova “categoria social” não é exclusividade da Amazônia brasileira como observa
Oliveira (2007)
por caboclo entendemos não apenas os descendentes de cruzamentos
entre índios e alienígenas, mas também os remanescentes e mestiços
de portugueses, espanhóis, colombianos, venezuelanos e brasileiros de
outra procedência notadamente maranhenses que aí se fixaram
motivados pela exploração econômica dos recursos naturais e que
absorveram e adotaram algo do modo de viver indígena, sobretudo a
tecnologia primária. Entretanto, seus padrões sociais se orientam pelo
modelo urbano e rural brasileiro. (OLIVEIRA, 1973:28, apud SILVA,
2007, p. 148)
O conceito de caboclo nos estudos de Eduardo Galvão foi elaborado a partir da
idéia abrangente sobre essa categoria, classificando-a como o conjunto dos atores rurais,
trabalhadores nas matas e nos rios, biologicamente mestiços (de índio com não-índio ou não)
que agem, pensam, sentem-se, consciente ou inconscientemente (subjetividade), como seres
portadores de uma cultura complexa, em parte condicionada pelas características do meio
ambiente, e que contém contributos culturais indígenas e não indígenas. Ainda segundo
Galvão o caboclo foi formado por fatores étnicos e por condicionamentos econômicos da
sociedade nacional podendo se entendido da seguinte maneira,
a) é produto da miscigenação do índio – enquanto ser genérico – com
o branco de origem européia; neste caso o caboclo é uma expressão
particular de mestiçagem, é o mameluco, um ser biologicamente
hibrido; b) é um ser forjado pelas influencias sociais e culturais, que
se exercem sobre o homem do continuum cidade-aldeia. [...] O
caboclo é constituído pelas contribuições da cultura urbana e de
elementos culturais ameríndios; c) é o homem que pertence às
camadas ou classes sociais mais baixas da população rural da
Amazônia, os trabalhadores rurais. [assim] [...] temos a seguinte
estratificação social: as camadas superiores formada pelos os patrões
“brancos” [independente de sua cor] todas detentores do capital e as
subordinado formado pelo caboclo (também, qualquer que seja a cor
de sua pele), essa categoria social é constituída por mestiços
amazônicos, índios em processo de aculturação, sertanejos nordestinos
emigrados, seringueiros, pequenos agricultores, e pescadores.
(GALVÃO, 1973 apud SILVA, op. cit., p. 287-8)
85
Deste modo, é possível verificarmos sob quais contradições sociais a figura do
caboclo foi forjada no seio de uma sociedade. Seu “lugar” social era designado pelo poder
econômico e pela descendência biológica, também era visto um “outro falso” porque é um
“produto” de amalgamação das diferentes contribuições étnicas fundadoras. Baseado em
estudo realizado sobre o contato interético entre índios e brancos no alto rio Negro, Roberto
Cardoso de Oliveira (1972, 2006) na obra ‘O Índio e o Mundo dos Brancos’, afirma que o
caboclo é o Tükuna transfigurado pelo contato com branco. Diferente dos outros grupos
tribais do Javari, porquanto se constitui para o branco numa população indígena pacífica,
“desmoralizada”, atada às formas de trabalho impostas pela civilização, e extremamente
dependente do comércio regional. Os estudos antropológicos de Galvão (1955) e de Oliveira
(1981), mostram que a categoria “caboclo” foi construída e percebido historicamente pelas
classes dominantes sob o estigma de ser intruso, traiçoeiro e indolente, cuja função na
economia mercantil
era trabalhar para o branco, ver-se assim, a manifestação da
invisibilidade dessa categoria em relação as outras.
Apesar de pertinente esse tema para os fins dessa pesquisa, não faremos uma
discussão prolongada e nem confrontaremos as diversas as teorias que procuraram conceituar
e caracterizar o caboclo e sua cultura. Nosso interesse é encontrar linhas teóricas que nos
permita atingir os objetivos propostos em nossos estudos. Destarte, utilizaremos o conceito de
Parker (1985) que afirma que o
[...] caboclo é uma criação da colonização da Amazônia pelos
invasores portugueses. É uma de indivíduos que partilha padrões
culturais semelhantes, como a maneira de explorar os recursos
ambientais e suas crenças no ambiente encantado. O caboclo viver, ou
vivia, predominantemente em comunidade de parentesco. Sua cultura
e sociedade emergiram algum tempo antes da Cabanagem, num
processo chamado de caboclização (apud HARRIS, 2006, p. 82)
O postulado dessa linha teórica foi o fato de ter sido capaz de contextualizar
historicamente a trajetória da formação do caboclo e sua, porém peca ao considerar nocivo o
contato do caboclo com os migrantes do período militar, considerando que houve um
processo de “descaboclização” da população rural amazônica fato que levaria a seu fim.
Contrariando a visão positivista e linear da história do caboclo e seguindo a análise da relação
dialética do capital mercantil com as populações caboclas, pode-se concluir que ao mesmo
tempo em que o capital foi maléfico ao desenvolvimento regional, na medida em que só se
86
aproveita dos recursos e explora a mão de obra barata do caboclo, este também favorece o
aparecimento de campesinatos baseado em parentesco.
As populações ribeirinhas parecem estar fazendo mais do que apenas
se acomodando às demandas prevalecentes. Essas pessoas são capazes
não apenas de se acomodar aos mercados flutuantes, mas também de
se organizar e se reproduzir nas novas condições encontradas a cada
vez. Assim, desenvolveram uma capacidade de abraçar a mudança a
cada nova fase, sem que isso resulte no fim do seu modo de vida
corrente. Ao contrário sua abertura (isto é, sua capacidade de lidar
com mudanças rápidas) satisfaz seu potencial reprodutivo muitíssimo
bem, uma vez que essa economia agrária é suficientemente resiliente
para se expandir para se expandir nas épocas de relativa estagnação do
mercado. A chave desse sucesso é a organização e o controle da mãode-obra através das relações de parentesco. (LIMA, 1992 apud
HARRIS op. cit., p. 89)
Apesar do lócus de moradia das populações caboclas amazônicas localizarem-se
distantes dos centros político-econômicos da região elas sempre mantiveram-se integradas aos
sistemas políticos e econômicos, sem isolar-se completamente e estabelecendo com eles
relação com certo grau de dependência, este fato segundo Murieta (1994)
Contradiz a idéia de uma sociedade tradicional, isolada, dependente de
atividades de subsistência, auto-suficiente e primitiva, deve ter sido
inspirada por um dos momentos históricos de menor integração com o
mercado, ou pelo ponto de vista colonial e discriminatório
disseminado pelas elites locais e nacionais. (MURIETA, 1994 apud
ADAMS, 2000:7)
Ao teorizar sobre as características do modus vivendi do caboclo, Lima-Ayres
salienta que geralmente este é “o pequeno produtor familiar que vive na região amazônica da
exploração dos recursos das florestas. Seu conhecimento sobre a floresta, seus hábitos
alimentares e seus padrões de moradia distinguem os caboclos dos produtores que migraram
mais recentemente.” (LIMA-AYRES, 1992 apud QUEIROZ, 2005)
Para Lima (1999) nessa cultura existem características de uma arquitetura distinta,
os meios de transporte que utiliza, seus instrumentos de trabalho, seu conhecimento e modo
de manejar os recursos da floresta, seus hábitos alimentares, sua religiosidade, mitologia,
sistema de parentesco e diversos maneirismos sociais expressam a existência de uma cultura
cabocla que é básica para o conceito desse típico homem amazônida. (LIMA, 1999, apud
BRAGA, 2006:58)
87
Essas afirmações mostram que apesar de receber influencia cultura dos povos
indígenas, dos colonizados, dos negros e mais tarde dos nordestinos, o caboclo desenvolveu
um sistema cultural único que a diferencia das demais culturas que teve início no processo de
colonização e foi sedimentado ao longo do século XIX. Tendo como base o extrativismo e a
agricultura de subsistência, a economia cabocla sempre esteve ligada ao sistema mercantil o
que lhe permitiu adaptar-se as necessidades de produção que o mercado exige, seu
etnoconhecimento propicia-lhe retirar da natureza quase tudo (exceto os produtos
manufaturados) que necessita para sobreviver. Apesar disso, devemos salientar que até a
década de 70, a cultura e a “economia cabocla” não eram tidas nem como modelo de
preservação ambiental e muito menos como autêntica, na literatura acadêmica e na visão dos
governantes do país, essa situação só passou a ser modificado a partir da década de 80 como
veremos adiante.
É na área de várzea que está concentrada a maioria da é a área do complexo
Solimões-Amazonas que ocorre parcial ou totalmente inundações periódicas, sua extensão
corresponde a aproximadamente 1,5 a 2% do território da bacia amazônica brasileira. Para
Lima, (2005:339), são qualidades da várzea: a alta fertilidade dos solos aluvionais, o potencial
pesqueiro e madeireiro de suas águas e matas, além da existência de pastos naturais, propícios
à pecuária. Apesar da vida na várzea ser regida pelo ciclo das águas: enchentes, cheias
vazante e seca, estudos apontam que historicamente ao longo de milhares de anos essas terras,
principalmente dos rios Solimões e Amazonas, foram bastante povoadas.
Com relação a demografia histórica da América indígena pesquisas arqueológicas
admitem que no século XVI as população autóctones que habitavam esse ecossistema era
muito superior aquela que vivia em terras firme. (DENEVAN, 1977; LATHRAP, 1975;
MEGGES e EVANS, 1955 apud PORRO, 1992, p.14)
Os principais fatores que contribuíram para a grande concentração de populações
indígenas pré-colombianas e mais tarde das populações não indígenas na várzea sempre foram
aqueles relacionados a grande produtividade da agricultura, a variedade da fauna aquática que
permite a pratica da caça e da pesca que possibilita até os dias atuais a sobrevivência das
populações haliêuticas que habitam essas terras. Oposto das comunidades de terra firme, onde
a produção agrícola depende da estação chuvosa e do período da seca apara a produção
agrícola, caça e coleta extrativista, a vida ribeirinha é literalmente regida pelo ciclo das águas
como observa Junk (1984), o ritmo da vida na várzea segue a variação do nível da água e os
88
moradores estão sujeitos às inundações anuais que podem cobrir suas plantações e até suas
casas.
As enchentes alcançam valores máximos de até 15 metros em algumas regiões da
calha do rio Amazonas conforme a mudança sazonal no regime das chuvas. No período da
cheia também há variações nos padrões de renda, na disponibilidade de recursos naturais, nas
condições de saúde e de alimentação dos moradores. Já nas áreas de terra firme, o calendário
de atividades é marcado pela variação das chuvas e a população tem um regime de trabalho e
produção relativamente mais estável. (JUNK, 1984 apud LIMA, op. cit., p. 12)
Apesar de ainda ser muito usual a distinção das comunidades tradicionais em
função do seu modus vivend e por sua concepção identitária com a várzea, existem lugares na
Amazônia em que seus habitantes utilizam tanto o ambiente de várzea quanto o de terra firme
combinados para garantir sua sobrevivência.
Neste caso os ribeirinhos geralmente são pescadores e lavradores, a pesca
praticada é a de subsistência e a agricultura de terra firme tem no cultivo de mandioca e da
macaxeira e seus derivados, juntamente com o peixe, da carne de caça e dos frutos coletados
na floresta as principais fontes de proteínas dessas populações. Portanto as “comunidades
ribeirinhas da Amazônia são compostas em sua grande maioria por moradores que dividem o
tempo entre a agricultura e a pesca artesanal. Eventualmente o excedente da produção do
pescado é comercializado principalmente no período de seca. Esses pescadores são
usualmente classificados como pescador-lavrador, varjeiro ou polivalente” (PETRERE, 1992;
FURTADO, 1993)
Os moradores das comunidades de São Paulo, Bete Semes e Santa Rita de Cássia
dividem seu tempo de trabalho com a agricultura e a pesca de subsistência, da caça e da coleta
de frutos na floresta de uso comum. Com advento do turismo no lugar a produção de
artesanato também ocupa boa parte do tempo dos moradores locais. Mais adiante
descreveremos detalhadamente o modus operandi dessas atividades.
A partir do que foi exposto acima utilizaremos a definição de Diegues (1996) que
denomina as populações tradicionais da seguinte forma
Os caboclos/ribeirinhos, seringueiros e castanheiros estão agrupados
como populações tradicionais extrativistas. Os caboclos/ribeirinhos
vivem, em sua maioria, à beira de igarapés, igapós, lagos e várzeas.
Quando as chuvas enchem os rios e riachos, esses inundam lagos e
pântanos, marcando o período das cheias que, por sua vez, regula a
vida dos caboclos. Esse ciclo sazonal rege as atividades de
extrativismo vegetal, agricultura e pesca dos habitantes da região
89
[Maybury-Lewis, 1997] (sic.). [...] Esses caboclos são extrativistas e
agricultores que produzem em regime familiar, vendendo o excedente
e, freqüentemente, em períodos de maior demanda por força de
trabalho, usam o sistema de troca de dias de trabalho entre vizinhos.
Como os sítios ocupam beiras dos rios, os ribeirinhos podem tirar
proveito das várzeas, colhendo produtos alimentícios, em particular, a
mandioca, mas também frutas e ervas medicinais. Nas florestas
extraem o látex para a venda e também a castanha-do-pará, além de
criarem pequenos animais domésticos e possuírem algumas cabeças
de gado. Moram em casas de madeira construídas em palafita, mais
adequadas ao sistema das cheias. (apud DIEGUES, 2001, p. 69)
Os ribeirinhos passaram a ser identificados como um tipo de população
tradicional por dois motivos. Primeiro porque possuem grande conhecimento sobre a várzea,
dos rios e das matas que rodeiam sua residencia; e, segundo por que a manifestação contra os
pescadores comerciais nos lagos e rios das comunidades transformaram-se e uma forma de
resistência da manutenção do modelo tradicional de pesca e de viver dessas populações.
2.2. O Valor da Natureza para o Turismo
Conseqüência do processo de industrialização iniciado no século XVIII com a
Revolução Industrial, a questão ecológica foi abordada por Marx e Engels em “A Ideologia
Alemã” (1845-1846), quando este criticou a visão idealista de Feuerbach sobre a relação
homem e natureza, segundo Mészáros (2006),
[...] Marx abordou a questão [ambiental] no inicio dos anos 40 do
século XIX. [Ele] rejeitava categoricamente a alegação de que tais
formas de desenvolvimento eram inerentes à “essência humana” e que
conseqüentemente, o problema consistia em saber como poderíamos
nos adaptar. Marx compreendeu perfeitamente, já aquela altura, que
uma reestruturação radical do modo prevalecente de intercâmbio e
controle humano é o pré-requisito necessário para um controle efetivo
das forças da natureza, que são postas em movimento de forma cega e
faltamente autodestrutiva precisamente em virtude do modo
prevalecente, alienado e reificado de intercambio e controle humano.
(MÉSZÁROS, op. cit., p. 988)
Apesar de Marx e Engels terem sido os precursores ao chamar atenção para os
danos ao ambiente pela industrialização na Inglaterra, Engels, por exemplo, denunciou a
poluição causada das indústrias nos arredores de Londres, foi somente a partir da segunda
metade do século XX que a humanidade assistiu fervilhar diversos movimentos e discussões
90
em torno dos graves problemas ambientais conseqüente do crescimento industrial em larga
escala no planeta. Desse modo, surgiu uma verdadeira sacralização da natureza que deve ser
preservada a todo custo para a manutenção da sobrevivência da humanidade e o aparecimento
de um novo paradigma, o da sustentabilidade ecológica.
Neste contexto a natureza assumiu a dimensão simbólica e material
imprescindível para a vida na terra, assim: criaram-se hábitos e posturas ecologicamente
corretos para os usuários dos recursos naturais pautados em fatores antropocêntricos, éticos,
comportamentais e atitudinais. (MOTTA, 2006). O apelo midiático do movimento
ambientalista tornou-se uma questão sine qua non para que sua mensagem em prol da
preservação ambiental fosse transmitida para todo o mundo e conseqüentemente legitimando
sua causa e criando uma “nova” consciência em relação a natureza, neste sentido Castells
(2008, p.164) faz a seguinte observação
Lançando mão de todas essas táticas o ambientalismo vem se tornando
uma das mais importantes forças da opinião pública, exigindo
reconhecimento pelos partidos e candidatos de diversos países. (...) [E
apesar de haver muita especulação por parte de alguns grupos
comerciais] Empresas de todo o mundo têm sido influenciadas pelo
ambientalismo, buscando adaptar seus produtos e processo as novas
leis e valores, obviamente buscando o lucro a partir dessas ações.
O setor turístico também foi afetado por essa “nova” maneira de valorar a
natureza, principalmente após as constantes crises do turismo de massa causadas pela
saturação dos roteiros internacionais na Europa e Caribe, sobretudo o que da ênfase ao
turismo dos 3 S: sea, sex and sun. A esse respeito Molina (2003:29-30) observa que na década
de 1950 o turismo triplicou em relação a década anterior; nos anos 60 as correntes turísticas
duplicaram em relação a década passada; nos anos 70 o número de turistas internacionais não
chegou a ser duplicado. Nas décadas seguintes a taxa de crescimento foi caindo de maneira
consistente [...] na década de 90 o turismo registrou uma taxa média de 4% o que resulta no
indicador muito inferior aos anos cinqüenta. Para este autor uma das principais causas dessa
crise foi o desenvolvimento tecnológico e suas múltiplas aplicações, não somente no turismo,
mas também no conjunto da vida social.
Apesar de ainda existir em grande escala esse tipo de turismo vem sendo aos
poucos sendo “substituído” pelo turismo de natureza que busca de novos roteiros pela
“indústria do turismo”, sobretudo aqueles que estão ligados ao que convencionalmente são
91
denominados de turismo verde e turismo de proximidade em oposição ao turismo de massa
que na análise de Bursztyn et all.(2008:85),
o turismo massificado reproduz em diversos destinos o estresse de que
os turistas buscam escapar durante as férias: viagens para lugares cada
vez mais superlotados onde todos cumprem cronogramas pré-fixados
para consumir os mesmos eventos indicados nos folhetos
publicitários.
Diante disso as agências de turismo voltaram-se para as áreas naturais com o
intuito de desenvolver essa atividade nas mais remotas regiões do mundo. Outro fator que
também motivou o surgimento do turismo de natureza foi o fortalecimento da ideologia
conservacionista que forneceu “produtos turísticos” que tinham como “selo de garantia” a
preservação dos ambientes naturais e das culturas que neles vivem, por tanto, o “novo turista”
contemporâneo tem duas motivações básicas para viajar: a qualidade cultural e ambiental dos
destinos escolhidos. Essa nova mentalidade contribuiu para o surgimento de uma nova
geração de turistas, agora interessados em visitar lugares onde a natureza ainda é preservada,
como os parques nacionais e as reservas florestais.
Uma pesquisa comparativa feita para entender a mudança na motivação e no perfil
dos turistas internacionais das décadas de 80 e 90 apontou as seguintes diferenças
demonstradas no gráfico (03).
Gráfico 03: Mudanças nas Motivações dos Turistas Internacionais
Fonte: Organização Mundial do Turismo (OMT) compilado a partir da apresentação o vice-ministro da
Bolívia, realizado no II Seminário Internacional de Turismo Sustentável (Fortaleza, Ceará). (apud
SANSOLO e BURSZTYN, 2008, p. 149)
92
Os dados acima mostram a mudança na motivação de viajar, percebe-se que há
uma fuga dos roteiros massificados em favor do contato cultural, da busca pelo conhecimento
de culturas e lugares naturais exóticos, como se houvesse por parte desse tipo de turista a
busca pelo “Eterno Retorno” parafraseando Nietzsche, onde seria possível reafirmar a vida
em um mundo onde os valores foram deturpados pelo turismo de massa. Deste modo, na hora
de escolher o roteiro turístico para viajar os turistas de natureza, sobretudo os norteamericanos e os alemães, que em sua grande maioria se identificam como “ambientalistas”
levam em consideração as seguintes variáveis:
i. Praias limpas; ii. Baixo; iii. Visitas a ecossistemas seguros, de
baixo risco ou de risco controlado; iv. Higiene; v. Baixo índice de
ocupação do espaço; vi. Bosques, selvas ou mar que ocupem um lugar
predominante para visita ou perspectivas, ou seja, que os temas da
natureza possam expressar-se em seu esplendor; vi. Soluções urbanas
e em harmonia com o meio ambiente; vii. Uso de materiais e artigos
recicláveis nos guias de viagem; e, viii. Alternativas de informações
que apresentem os recursos e atrativos com os quais se pôr em
contato: guias, interpretes, folhetos, livros, sinalizações e cartazes. Ou
seja, informações turísticas suficientes (MOLINA, 2001, p.76)
O turismo de natureza é voltado para grupos pequenos de praticantes que
procuram lugares onde possam entrar em contato com a natureza e que tenham significados
simbólicos e identitários nas paisagens, nos objetos, nas expressões intangíveis do patrimônio
cultural. Deste modo, esta modalidade de turismo encontrou na natureza uma “marca de
destinação” em que regiões, como a Amazônica, que é simbolicamente reconhecida pela
humanidade como ícone essencial para a manutenção da vida na terra, tornaram-se grandes
atrativos turísticos. Destarte,
[...] o turismo, como atividade econômica, encontrou nos territórios
protegidos, em especial os parques nacionais, uma oportunidade de
crescimento, seja pela pressão da demanda, ou pelo entendimento por
parte do movimento ambientalista de que o turismo pode ser uma
atividade alternativa, diferenciada, de baixo impacto ambiental, e
assim sendo, uma possível alternativa de geração de renda associada à
proteção da natureza”. (WWF apud SANSOLO, 2008: 122-123)
Portanto, verifica-se que nas três últimas décadas que o trade turístico
mercantilizou os ambientes naturais preservados e as culturas dos mais diversas regiões do
planeta oferecendo pacotes para a Amazônia, Pantanal, Camboja, Ruanda, entre outros
93
lugares que aos poucos são turistificados e “vendidos” para atender o desejo consumista dos
turistas de natureza.
Esta “nova” maneira de apropriação dos espaços naturais pelo turismo criaram
diversas contradições nesses lugares entre elas:
- A preservação da natureza através da criação de “santuários ecológicos” nem
sempre atende os interesses das populações autóctones já que em muitos casos
elas não são consultadas sobre o cercamento de suas terras;
- Quase sempre quando esses “santuários” ecológicos são apropriados pela
atividade turística as populações que neles habitam vêem seu estilo de vida e
os espaços comunitários serem modificados e invadidos por turistas ávidos
pelo contato com o “exótico” munidos de câmaras fotográficas de ultima
geração tirarem fotos de suas casas como parte do pacote turístico comprado
nas agencias;
- A preservação do ambiente natural em regiões como a Amazônia favorece a
prática das modalidades de turismo ligadas ao contato com paisagens naturais,
no entanto, há que se planejar a implantação dessa atividade para minimizar os
danos ecológicos e sociais causados pelo turismo.
Destarte, a relação homem-natureza dessa etapa do capitalismo, ou seja, em que as
áreas naturais preservadas e são apropriadas pelo turismo de natureza, deve ser entendida a
partir das mudanças na lógica do mercado turístico, sobretudo com a partir da propagação da
ideologia conservacionista defensora da incorporação de padrões de comportamentos e da
produção “ambientalmente correta” e/ou “sustentáveis”, para a manutenção da vida na terra.
Essa visão da natureza padece de senso crítico e esquece que mesmo com a criação de
parques e reservas para a manutenção da vida a relação homem-natureza historicamente foi
dialética, ou seja, a exploração dos recursos naturais sempre causou impactos ao ambiente e o
turismo, mesmo em menor escala, também é causador das modificações nos ecossistemas e
nos padrões culturais de diversos povos do planeta.
94
2.3 As Comunidades Tradicionais Ribeirinhas como Atrativos Turísticos
para o Turismo Internacional
As primeiras tentativas de implantação do turismo em comunidades tradicionais
da América do Sul ocorreram nos anos 80, segundo Maldonado (2008) para entendermos esse
contexto deve-se levar em conta os seguintes fatores:
O primeiro fator refere-se às pressões mundiais do mercado turístico,
cujas correntes mais dinâmicas são o turismo cultural e o turismo de
natureza. Como resultado destas falsas tendências nas últimas três
décadas, as comunidades rurais e indígenas vêm enfrentando
crescentes pressões do mercado sobre seus patrimônios naturais e
culturais. Muitas ONGs ambientais encorajaram diversas
comunidades a receber turistas em seus territórios por considerarem
uma opção viável para a preservação de seus recursos naturais, do
meio ambiente e da biodiversidade local. Algumas autoridades
públicas e empresas privadas, incentivadas por bancos multilaterais
(como o BID e a CAF), juntaram-se a este esforço, convencidos de
que as operações turísticas comunitárias contribuem para a
diversificação da oferta nacional e são consistentes com as novas
correntes da demanda mundial. (MALDONADO, 2008, p.26)
Para alguns países a atividade turística aparece como a possibilidade de gerar
emprego e renda nas regiões que possuem atrativos naturais e culturais, acarretando melhoria
na qualidade de vida dessas populações, sobretudo nas regiões onde o poder público não
consegue desenvolvê-las economicamente. Nas comunidades tradicionais indígenas ou não
indígenas o turismo é visto como possibilidade de utilização dos recursos naturais com
desenvolvimento socioeconômico. Na Declaração de São José para o Desenvolvimento do
Turismo realizada na Costa Rica em 2007, um dos participantes relatou sua expectativa em
relação a implantação da atividade turística nas populações locais,
Nós esperamos que nossas comunidades possam prosperar e viver
com dignidade, melhorando as condições de vida e de trabalho de seus
membros. O turismo pode contribuir na concretização desta aspiração
na medida em que fizermos dele uma atividade socialmente solidária,
ambientalmente responsável, culturalmente enriquecedora e
economicamente viável. Com esta finalidade, exigimos uma
distribuição justa dos benefícios que gera o turismo entre todos os
atores que participam de seu desenvolvimento. Declaração de San
José sobre o Turismo Rural Comunitário, Arts. 1 e 2. apud (Ibidem)
A exclusão social e a desigualdade social impostas as comunidades tradicionais
latino-americanas ao longo da história é o principal motivo para estas busquem superar a
95
qualquer custo esta realidade. Assim o turismo aparece como alternativa de desenvolvimento
local. No entanto deve-se ter consciência de que o turismo não dever se sobrepor as atividades
econômicas tradicionais que ao longo de séculos contribui para o sustento dessas
comunidades, ao contrário deve ser uma atividade complementar da renda familiar, o grande
problema é que em muitas regiões sul-americanas as perspectivas de desenvolvimento social
inexistem, gerando nas comunidades tradicionais e na população em geral, uma certa utopia
em torno dos benefícios econômico e de sustentabilidade que podem ser gerados pelo turismo
nos locais onde esta atividade é implantada. A esse respeito Rodrigues (2000) chama atenção
para o fato de
a atividade turística é, em sua própria essência, incompatível com uma
idéia de desenvolvimento sustentável. [...] Não é compatível sequer
com a noção de desenvolvimento autosustentando, por que dirige o
consumo aos lugares “exóticos” transformando-os para serem
comercializados nos padrões de conforto e de vida do mundo moderno
(apud BARRETO e REJOWSKI, 2001, p. 20)
Outros
autores
como
(CORIOLANO,
2003;
MALDONADO,
2008;
BARTHOLO; 2006) chamam atenção para os impactos que o turismo pode causar nas
comunidades tradicionais. Enfatizam a necessidade do planejamento voltado para as
características socioculturais de cada lugar e da implantação do turismo de base comunitária
visando o bem estar das populações tradicionais e evitando ao máximo possível causar
impactos culturais em se modus vivendis. Neste sentido, Maldonado (2008) afirma que
[...] o desafio das comunidades rurais da América Latina consiste na
criação de estruturas e meios de pressão política que lhes permita
incidir a seu favor as decisões econômicas e institucionais que afetam
suas condições de vida e o bem-estar. Somente aumentando o seu
poder de barganha as organizações poderão, por um lado, promover
políticas públicas que incentivem seus projetos de produção e, por
outro lado, subscrever acordos de comércio justo com operadoras de
turismo nacionais ou transnacionais. (Ibidem)
Portanto, se por um lado para as comunidades tradicionais sul-americanas o
turismo representa a “possibilidade” de desenvolvimento socioeconômico com geração de
renda e emprego para as agências de turismo representa a criação de novas oportunidades de
lucros e a superação da crise que o setor vem enfrentado nos últimos anos.
96
Na Amazônia a inserção das comunidades tradicionais no roteiro internacional do
turismo têm-se dado principalmente com intensificação do turismo de natureza, ou seja, os
tipos de turismos voltados para o contato com a natureza: o ecoturismo, o turismo de pesca e
o turismo de aventura. Em menor escala o turismo interétnico vem sendo estimulado ao longo
dos anos na região. Essas modalidades de turismo praticado na Amazônia são voltadas para
turistas estrangeiros, sobretudo, norte-americanos e europeus.
Além disso, também podemos destacar nas décadas de 80 e 90 o aparecimento no
Brasil do “ambientalismo camponês” que lutava pela participação das comunidades
tradicionais no planejamento e na gestão das atividades de conservação. Na Amazônia os
movimentos dos seringueiros, indígenas e dos ribeirinhos ganharam destaque na luta por suas
terras e pela manutenção do seu modo de vida. Dos diversos fatores da inserção das
comunidades tradicionais ribeirinhas ou não do Amazonas no roteiro do turismo
internacional, sobretudo do turismo de natureza, entendemos que três fatores foram
determinantes para sua efetivação.
Em primeiro lugar destacamos a saturação de alguns destinos tradicionais no
Caribe o que obrigou que as empresas ligadas ao setor a buscar novos roteiros que lhes
permitisse manter-se no mercado de cruzeiros, além oferecer novas opções de viagens aos
seus clientes. Para Barreto (1999),
as organizações do setor [de turismo] devem identificar segmentos
para concentrar seus esforços e melhorar seus desempenhos,
atendendo necessidades de clientes para manter uma relação de troca
(...), confirmando o conceito básico do pensamento mercadológico
(apud GAMBA et al., 2002, p.3).
A favor do Brasil como país de destaque nesta modalidade de turismo estão os
mais de sete mil de quilômetros de litoral banhados pelo Oceano Atlântico e a navegabilidade
de grandes rios como o Amazonas. A navegabilidade durante o ano inteiro do maior rio do
mundo tem favoreceu a expansão do número de cruzeiros com destino até Manaus. Aliado a
isso está o significado simbólico que a Amazônia representa para o mundo com às belezas
naturais e a diversidade cultural nas comunidades ribeirinhas localizadas as margens do maior
rio do mundo.
Nos cruzeiros marítimos a proporção de gastos diários por passageiros nas cidades
e comunidades das escalas ao longo do roteiro variam entre U$ 80 a U$ 100 por dia nos
navios de cabotagem e nos de longo curso estes gastos são na faixa de U$ 200/250
97
dia/passageiro/escala. A esse respeito uma a ex-funcionária da Carnival Cruises fez o seguinte
relato:
[...] o que mais gera esse impacto, são os gastos com lembranças e
souvenirs típicos dos locais onde são feitas as escalas. Quando os
passageiros descem do navio, numa grande maioria voltam cheios de
lembrancinhas, inclusive me deparei com famílias que após passarem
pela Jamaica e Caribe, por exemplo, passavam a se vestir com roupas
tipicamente locais. Um fato interessante que ocorre nas viagens de
Cruzeiros, é que antes de chegar aos destinos já são divulgados
produtos locais, como cervejas fabricadas no destino. Os passeios
realizados nos destinos também determinam esse impacto econômico
(LUGARO e FREITAS apud ARRANTES, 2009: 91-92).
A transferência de renda nesses lugares ocorre principalmente com a compra de
souvenires quanto mais organizados e quanto mais serviços forem oferecidos maiores serão os
gastos dos turistas nas comunidades. Os maiores problemas enfrentados nas comunidades
dizem respeito a infraestrutura, a dificuldade de comunicação entre turistas e nativos, a falta
de guias, de orientação paras as trilhas e os passeios nos rios e lagos dos lugares visitados. Na
rota dos cruzeiros marítimos pelo rio Amazonas as principais escalas são Belém, Santarém,
Alter do Chão, a Boca da Valéria, Parintins, Manaus, podendo chegar até Anavilhanas (figura
(02)
98
Figura 02: Rota de turística dos cruzeiros na América do sul, com destaque para o roteiro do rio Amazonas.
Fonte: www.vacationstogo.com.
99
Em segundo lugar destaca-se a mudança da lógica capitalista em relação a
preservação da natureza através do discurso conservacionista e valorização do turismo de
natureza como gerador de renda em empregos para as comunidades tradicionais. Na primeira
década do século XXI, o Estado do Amazonas procurou desenvolver programas para o
crescimento do turismo, principalmente o turismo cultural e o turismo de natureza, para isso
elaborou um programa de política “preservacionista” e sob o “rotulo” da sustentabilidade vem
buscando inserir as comunidades indígenas e ribeirinhas no roteiro do turismo internacional,
muito embora o planejamento da atividade exclua a participação de representantes dessas
categorias sociais. Apesar disso, na região norte o Amazonas possui a melhor infraestrutura
hoteleira com um total de 8.307 UHs (unidades habitacionais hoteleiras) e 18.116 leitos.
Sendo que em Manaus são 4.388 UHs e 8.387 leitos. Para o turismo de natureza existem 45
hotéis de selva.
O principal objetivo do Estado é gerar renda e emprego nos lugares que possuem
atrativos turísticos. Também deve-se destacar que o movimento ambientalista “elegeu” o
modo de vida das populações tradicionais como favorável ao preservação ao ambiente como
observa Henyo Barreto Filho (2004, p.111-12)
[...] o reconhecimento da existência de “estilos de vida tradicionais”,
no âmbito do conservadocionismo internacional deu-se na conjuntura
da incorporação oficial do principio do zoneamento à definição das
áreas protegidas e do surgimento das preocupações em relacionar
conservação da biodiversidade in situ com o desenvolvimento sócioeconômico à escala local na gestão dessas áreas.
Se antes da década de 80, tanto para o Estado quanto para os ambientalistas, o
modus vivendi dos caboclos ribeirinhos era visto como “rústico e arcaico”, nesse novo
contexto do capitalismo passou a ser visto como uma forma de preservar os ecossistemas da
Amazônia. Sua diversidade cultural também ganhou status de luta e de relação “simbiótica”
com a natureza numa clara biologização da cultura tradicional realizada pelo discurso
ecológico e ambientalista.
A defesa do discurso oficial a favor do desenvolvimento do “turismo verde” nas
comunidades tradicionais esconde a ausência de políticas publicas nessas localidades o que as
faz buscar outras oportunidades para sobreviver, desse modo, o turismo passou a ser visto
como a tábua de salvação para elas. Em artigo intitulado “Mosaico Terra-Água a
Vulnerabilidade Social Ribeirinha na Amazônia-Brasil”, Sherer (2004) chama atenção para o
100
fato que nos últimos 35 anos essas populações foram abandonadas pelas políticas públicas e
que ignoraram a diversidade dos seus ecossistemas e dos grupos humanos que habitam a
região acarretando na invisibilidade dessa categoria. Se a fome não afeta diretamente os
ribeirinhos, a ausência de serviços básicos para sua sobrevivência como de saúde, educação e
emprego faz parte da realidade de praticamente todas as comunidades ribeirinhas da
Amazônia.
Para as agências de turismo a inclusão dessas comunidades no roteiro de turismo é
importante porque oferecem novos atrativos turísticos e conseqüentemente criam outras
possibilidades de lucro para o setor, além de levar seus clientes para “consumir” artesanatos,
as atrações culturais, os passeios pela natureza a preços módicos nesses lugares. A esse
respeito Krippendorf (2009) chama atenção para o fato que esta é uma relação de mercado e
que a “divisão de trabalho” entre campo e cidade é desigual e injusta, ou seja, para obter
vantagens na fortuna que proporciona o turismo, os autóctones vedem o trabalho e o solo a
preços baixos.
Na maioria das vezes as comunidades tradicionais são incluídas nos roteiros
turísticos como se as empresas turísticas estivessem fazendo um grande favor a elas, no
entanto são exploradas como mão de obra barata na relação de troca mercantil que é o
turismo. Nos hotéis de selva, em sua grande maioria são controlados por grandes empresários,
poucos empregos são ofertados aos comunitários e os “felizardos” geralmente ocupam cargos
subalternos. Nos cruzeiros marítimos a maioria dos turistas não compram artesanato o que
torna a atividade uma espécie de “roleta da sorte”, pois somente alguns comunitários acabam
ganhando algum dinheiro com a venda de souvenirs.
E em terceiro lugar destacamos o fato de que nas comunidades a renda das
famílias é baixa deste modo a visita dos turistas é vista com bons olhos pelos nativos já que
representa de geração de renda nesses locais. Este fator faz com que as comunidades
tradicionais não criem oposição quanto a inserção das mesmas no roteiro turístico, sobretudo,
nas mais distantes dos centros urbanos onde a renda familiar é oriunda da agricultura, da
pesca e do extrativismo. O dinheiro obtido com turismo é importante para a aquisição de
produtos básicos para os núcleos familiares do lugar. Mesmo ser ter consciência que estão
sendo explorados os moradores das comunidades tradicionais sabem que no turismo as trocas
mercantis estão presentes em todas as atividades promovidas para os turistas, assim procuram
ganhar o máximo de dinheiro dos estrangeiros. Desse modo a relação entre visitantes e
visitados é completamente diferente daquela pregada pelo turismo ecológico em que há
101
formação da consciência ecológica e da interação cultural entre os atores nativos e
estrangeiros.
Na maioria das comunidades o artesanato é o principal produto comercializado
com os turistas. Na produção de colares, replicas de animais, remos, quadro ou nas
caminhadas pelas florestas os caboclos utilizam seus saberes tradicionais do meio ambiente
para se apropriar dos recursos naturais como enfatiza Hiraoka (1997)
Os caboclos/ribeirinhos[sic] possuem vasto conhecimento da várzea,
do rio e da mata, coletando alimentos, fibras, tinturas, resinas, ervas
medicinais, bem como materiais de construção. [...] utilizam produtos
vegetais, que podem ser agrupados em manejados e não-manejados.
Entre os primeiros estão as espécies vegetais que crescem em roças
abandonadas, incluindo palmeiras e árvores, como bananeiras, cacau e
goiaba, que são podadas e protegidas contra insetos e outras espécies
competidoras. Entre as espécies não-manejadas estão a castanheira,
árvores de cipó e palmeiras. Os caboclos possuem também
conhecimento da qualidade do solo, por meio da vegetação nele
existente, e a decisão de plantar num determinado terreno baseia-se
nesse conhecimento. (apud FURTADO, 2007, p. 73)
Esses saberes também estão sendo apropriados pelo turismo. O conhecimento do
modus operandis da natureza e seu modus vivendi também incluíram os estilos de vida
tradicionais esta categoria no rol da “sustentabilidade ecológica” tornando o caboclo em um
“bom selvagem” na visão dos órgãos governamentais e dos conservacionistas que
desenvolveu uma cultura adaptada aos ecossistemas e que explora de forma “sustentável” os
recursos naturais da região. Esta visão simplista determinou que o “melhor” tipo de turismo a
ser implantado nestes lugares é o de natureza, pois, “espera-se que essas populações levem
doravante um modo de vida coerente com a conservação da diversidade biológica (CUNHA e
ALMEIDA, apud BARRETO FILHO, ibidem).
Por trás desse discurso político e ideológico do ambientalismo está o fato de o
ribeirinho não ser consultado quanto a sua “responsabilidade” diante dos problemas
ambientais globais, do modelo de desenvolvimento e turístico a ser implantado em suas
comunidades. Na realidade as reais motivações dos ribeirinhos para lutar pela preservação dos
lagos e da natureza estão mais relacionadas ao interesse de garantir a manutenção dos
recursos necessários a sua sobrevivência que preservação da vida no planeta. Neste sentido os
estudos teóricos de Lima (2004); Neves (2004); Esterci (2002) chamam atenção para os
seguintes fatores a serem considerados a respeito das motivações preservacionistas do
ribeirinho,
102
i) [...] a motivação ecológica encontrada nos ribeirinhos não é
obviamente a mesma dos ambientalistas, defensores do ambiente em
si, mas é orientada por valores sociais que regem um modelo de
compartilhamento comunitário horizontal dos recursos naturais; ii)
entre os próprios moradores de várzea há dissenso em relação a esse
modelo comunitário conhecido como de “preservação”, ao qual a
categoria política “ribeirinho” tem sido associada [visto que] no
sentido genérico, o termo ribeirinho designa qualquer população que
vive as margens dos rios; e, iii) no estado do Amazonas, a construção
política mais recente da categoria “ribeirinho” está associada à
veiculação de uma representação negativa da categoria “pescador”. A
oposição focaliza o pescador comercial, urbano, “de fora” e itinerante,
que é moralmente categorizado como “invasor” e “predador”. (apud
LIMA op. cit. :347)
Essas questões que foram levantadas para evidenciarmos que:
• Apesar de estarem do forte apelo ecológico que se estabeleceu em torno do
turismo ecológico, a principal motivação para a participação das comunidades
tradicionais ribeirinhas nesta atividade é a possibilidade de ganhar dinheiro
para a manutenção do bem estar de seus familiares;
• O forte apelo midiático dos movimentos ambientalistas, das analises
românticas e simplistas em algumas produções “científicas” e, sobretudo dos
órgãos oficiais sobre o ‘modus vivendi harmonioso’ dos ribeirinhos com a
natureza. Além da divulgação sobre as vantagens econômicas e ambientais da
implantação do turismo ecológico nas comunidades, escondem o fato de as
mesmas viverem no abandono com deficiência no atendimento médico, no
sistema de educação e de outros serviços básicos, o que a “torna” essa
atividade a “melhor” solução para os problemas de renda e emprego nestes
locais;
• A escolha das comunidades pelas Agências de Viagens e pelos cruzeiros
marítimos ocorre a partir dos atrativos naturais e culturais que as mesmas
possuem. Na maioria das vezes os comunitários não são avisados disso e
passam a fazer parte do atrativo turístico como vendedores de artesanato e
guias.
Portanto, a inserção das comunidades ribeirinhas amazônicas no roteiro
internacional do turismo ocorreu pela necessidade das agências de viagens em ampliar a
103
oferta de atrativos turísticos, sobretudo aqueles turistas que procuram o contato com a
natureza e com culturas “exóticas. Como no interior da Amazônia os planos de
“desenvolvimento” elaborado pelo poder público não tem conseguido suprir as necessidades
básicas das populações que ali vivem, o turismo apareceu como alternativa econômica para as
populações abandonadas pelo poder público para a geração de renda nesses locais. Destarte, a
transferência de recursos às comunidades tanto pelos turistas dos cruzeiros marítimos, quanto
pelos hospedes dos hotéis de selva ou mesmo por aqueles que têm principio o turismo de base
comunitária como o praticado na Reserva Ecológica de em Mamirauá, ainda é insipiente não
sendo suficiente para a manutenção da sobrevivência das unidades domésticas locais.
A inserção das comunidades tradicionais no roteiro do turismo internacional está
ocorrendo de maneira aleatória sem planejamento participativo e participante, pois, basta
haver algum interesse das agências ou empresários que atuam no setor de turismo de natureza
ou de pesca esportiva para que tenha início o processo de apropriação e turistificação da
natureza. O planejamento dos órgãos oficias quase sempre são voltados para as sedes dos
municípios que possuem alguns atrativos turísticos conhecidos, mesmo assim deixam a
desejar em relação a infraestrutura, aos meios de transporte e participação coletiva.
104
Capítulo III – (Eco)Turismo e Sustentabilidade na Boca da Valéria
O município de Parintins está localizado na 9ª sub-região do baixo Amazonas nas
seguintes coordenadas geográficas: latitude - 2o 36, 48, Sul e longitude - 56o 44, Oeste de
Greenwich, a 50 m acima do nível do mar. A sede municipal dista a 369 km em linha reta de
Manaus e 420 km por via fluvial, a população total é de 109.150 vive numa área de 7.953
km². (IBGE, 2007). Apresenta precipitação pluviométrica anual de 2.275,4, mm e
temperaturas que oscilam entre 36,4ºC, máxima, e 21,3ºC, mínima. (Braga, 2002:17). O
relevo é basicamente plano e com vegetação predominante de floresta de várzea e de terra
firme, o ponto mais alto é a Serra de Parintins, mais conhecida como Serra da Valéria com
152 metros de altitude. Limita-se ao norte com Nhamundá, ao sul com Barreirinha, a leste
com Estado do Pará e a oeste com Urucurituba.
As atividades econômicas que se destacam neste município são a agricultura e a
pecuária sendo a ultima de maior peso no setor primário. Compreende principalmente a
criação de bovinos, vindo a seguir a criação de suínos; a pesca faz com que Parintins seja um
dos principais entrepostos no Estado, tanto para o consumo local como exportação. O
extrativismo vegetal é pouco representativo na formação do setor primário, mas destaca-se na
exploração de borracha, cumaru, gomas não elásticas, madeira e óleo de copaíba. Além
dessas atividades destacam-se o comercio e o turismo cultural que este tem no Festival
Folclórico do Boi-Bumbá, o maior atrativo turístico. Essa festa atraí milhares de turistas de
diversas partes do Brasil e do mundo anualmente no mês de junho.
105
Figura 03: Localização do Município de Parintins no Estado do Amazonas.
Fonte: http://pt.wikipedia.org
106
A localidade conhecida como Boca da Valéria e/ou Região Serra da Valéria faz
parte do Projeto de Assentamento Vila Amazônia localizado na margem direita do Rio
Amazonas e distante a cinco quilômetros via fluvial da sede do Município de Parintins.
(figura 03). Segundo Couto (2005) este assentamento foi criado através da Portaria MIRAD
nº 1404 de 26 de outubro de 1988, o P. A Vila Amazônia possui área de 78.270 hectares e
com as seguintes características
Está localizado à margem direita do rio Amazonas, margem direita do
rio Mamuru e Paraná do Ramos, com distância de 5 Km entre o
Núcleo Urbano e a cidade de Parintins, sendo o acesso feito por via
fluvial. No P.A. Vila Amazônia existem atualmente 1.772 parcelas
rurais demarcadas e ocupadas por parceleiros assentados pelo INCRA,
de uma capacidade de 2.400, restando 628 parcelas vagas. Foram
regularizadas, através de títulos de domínio, 623 parcelas, com
documentos expedidos de 2000/2003. Os núcleos urbanos existentes
possuem 469 lotes medidos e demarcados, onde residem mais de 320
famílias, sendo a maioria de parceleiros do projeto, além de 42 lotes
destinados a núcleos urbanos, que servem às Comunidades,
Associações, Núcleos e Colônias (COUTO, 2005:25)
A produção agropastoril é a principal fonte de sustento das unidades familiares
que vivem no lugar, segundo o INCRA, destacam-se a cultura da mandioca, banana, cupuaçu,
açaí, abacaxi, entre outras, além da criação de bovinos de corte e leite. Como grande potencial
de expansão desde que apoiadas, destacam-se o artesanato, o ecoturismo, plantas medicinais e
silvícolas, piscicultura em tanque-rede, avicultura e suinocultura. (INCRA, 2009). Ainda de
acordo com está órgão o assentamento apresenta as seguintes atividades e potenciais
produtivos a ser desenvolvidos:
Principais Atividades
Nº. de Famílias Envolvidas
Atividades Potenciais
Mandioca
Banana
Macaxeira
Pecuária
Cupuaçú
Pimenta
1.300
500
800
500
500
200
Artesanato
Extrativismo
Avicultura
Suinocultura
Piscicultura
Ecoturismo
Manejo Florestal
Plantas Medicinais
Planta Silvícolas
Nº. de Famílias a serem
Envolvidas
100
500
120
50
10
50
500
200
50
Tabela 01: Atividades produtivas e potenciais desenvolvidos no Assentamento de Vila Amazônia
Fonte: INCRA, 2008
107
Ligadas por ramais de chão batido, rios e lagos as comunidades do assentamento,
principalmente aquelas mais distantes da sede da Vila Amazônia, têm como principal
problema o meio transporte da produção e das famílias para chegar às unidades de produção e
o principal mercado consumidor é a sede do município de Parintins. As comunidades que
estão localizadas as margens de rios e lagos, os barcos e canoas movidas por motor do tipo
rabeta são os meios de transporte mais utilizados para escoar a produção e os moradores. Já
aquelas que localizam-se no interior do assentamento os únicos meios de transporte são os
caminhões do tipo “pau-de-arara” que transportam tudo: a produção agrícola, animais e as
famílias residentes nas comunidades. Para chegar a unidades de produção os agricultores
utilizam caminhões que os transportam até os ramais ou as comunidades. Sobre o transporte
em caminhões e a comercialização dos produtos agrícolas o INCRA faz a seguinte
observação:
Tais caminhões atendem, de forma precária, a demanda, mas não
servem todos os ramais, sendo necessário efetuar um estudo da
demanda por transporte, bem como rotas e horários alternativos dos
caminhões já existentes, além da aquisição e distribuição de mais
caminhões para atender a demanda; Após o transporte pelos ramais,
há necessidade de transportar a produção através de balsa ou barcos
até a cidade; Já quanto à comercialização, constatou-se que os
assentados são, na sua maioria, dependentes de atravessadores,
necessitando, portanto, de capacitação e incentivo à comercialização
direta, instalação de feiras, etc. (INCRA, 2008:4)
As dificuldades de transporte aliadas ao apoio técnico precário aos agricultores, ao
limitado acesso a educação e aos serviços básicos de saúde fazem com que a renda e a
produção dos agricultores sejam baixas motivando muitas famílias a abandonarem suas
unidades produtivas a migrar para a sede do município ou para a capital do Estado.
A Serra da Valéria está localizada há quatro horas via fluvial e a 60 quilômetros
por terrestre da Vila Amazônia e conseqüentemente da sede do município. Com exceção da
comunidade de São Paulo que está localizada na base da serra as comunidades de Santa Rita e
Bete Semes estão localizadas em terra firme, não sendo afetadas pelas enchentes. Os meios
de transportes mais utilizados pelos moradores dessa localidade são os barcos do tipo recreio
com capacidade média para até 30 passageiros que fazem linha semanalmente para a sede do
município.
108
Além de passageiros os barcos também transportam todo tipo cargas necessárias à
manutenção das famílias locais. Outro meio de transporte muito utilizado pelos ribeirinhos do
lugar é a Bajara, embarcação que mede entre 8 a 9 metros de cumprimento e 2/5 de largura
com capacidade para até 10 pessoas. O transporte terrestre é o menos utilizado pelos
moradores locais porque os caminhões não chegam até as comunidades de São Paulo e Bete
Semes e por ser mais demorado visto que, também transportam os agricultores de outros
ramais do P.A Vila Amazônia.
109
Figura 04: Localização da Boca da Valéria no P.A. Vila Amazônia.
Fonte: Secretaria de Turismo de Parintins – SECTUR, 2009.
110
3.1 O Modus Vivend e a Organização Socioespecial das Comunidades da
Serra da Valéria
O cotidiano dos moradores da Serra da Valéria é regido por três tipos de
territorialidades: as de moradia, as agroflorestais e as territorialidades aquáticas. O espaço
geográfico construído para a moradia é onde se localizam as comunidades. As residências
geralmente são construídas uma ao lado das outras nas terras de várzea ou em terras mais
altas. Na comunidade de Santa Rita de Cássia as unidades domésticas foram construídas em
cima de um pequeno morro que no passado foi habitado por populações indígenas. O solo
predominante é o chamado “terra preta de índio” característico de locais ocupados por
populações pré-históricas. Estudos realizados pelo Museu Emilio Goeld de Belém do Pará
afirmam que nas áreas onde predomina a terra preta índio
[...] há grande quantidade de material [...] como fragmentos
cerâmicos, carvão e artefatos líticos (de pedra). Normalmente, o
material arqueológico é bem diversificado, o que leva a crer que
grupos culturais distintos habitaram um mesmo local. As áreas com
Terra Preta Arqueológica são encontradas sobre os mais diversos tipos
de solos e normalmente se localizam em terra firme, próximas às
margens de rios, em locais bem drenados. A TPA pode ser
identificada por sua cor escura, resultado da concentração de
substâncias orgânicas depositadas no solo que apresentam altos teores
de cálcio, carbono, magnésio, manganês, fósforo e zinco, elementos
que tornam a terra fértil. As áreas de terra preta são consideradas
pequenas, medem de 2 a 3 hectares, mas há exceções, [...]. A camada
de TPA possui em média 40 a 60 cm, mas pode atingir até 2 m de
profundidade. [...] não se tem um mapeamento de todas as ocorrências
de TPA na Amazônia. A estimativa é que ocorram centenas de sítios
espalhados pela região (SOMBROEK, 1966; KER e KAEMPF, 1989;
KER, 1996, apud KAEMPF, s/d.).
Na Serra da Valéria existem dois locais em que ocorrem a TPA: no topo da serra e
na área da comunidade de Santa Rita de Cássia. No segundo lugar é possível encontrar grande
quantidade sedimentos e artefatos cerâmicos pré-coloniais sem muito esforço indicando que
as populações que ali viveram permaneceram por muito tempo no lugar. Três fatores podem
ter motivado a permanecia prolongada destas populações no lugar: a primeira é sua
localização estratégica, pois tanto de cima da serra quanto da comunidade de Santa Rita é
possível visualizar o rio Amazonas e a entrada para o lago permitindo um certo controle sobre
essas vias; segundo a dificuldade de acesso as aldeias para quem chega já que localizam-se
111
em partes íngremes do lugar; e, terceiro a grande diversidade da fauna e flora encontrados
nos ecossistemas de várzea e de terra firme do lugar. Como ao longo desta pesquisa não
encontramos nenhum registro histórico nas comunidades e em Parintins sobre a ocupação précolonial da Serra da Valéria a indicação desses fatores e da etnia que viveu no lugar são
hipóteses deduzidas a partir dos dados coletados em campo.
O sítio arqueológico menos explorado é o de São Paulo, pois ainda não foi
realizado nenhum estudo no local, isso implica que não podemos determinar a sua extensão e
muito menos saber o potencial de artefatos arqueológicos (figura 05) do lugar.
Figura 05: Artefatos arqueológicos encontrados na Comunidade de São Paulo.
Fonte: Picanço, Antonio. 2009
O sítio arqueológico da comunidade de Santa Rita além de maior apresenta grande
quantidade de artefatos. Em 2007 um grupo de arqueólogos e de pesquisadores do Instituto do
Patrimônio Histórico Nacional – IPHAN realizaram várias escavações para caracterizar e
datar os artefatos do local. Esta ainda esta em fase inicial, desde modo não possível indicar a
localização do cemitério ou do local onde essas populações realizavam as atividades
domésticas em seu cotidiano. Os artefatos encontrados no lugar, a exceção daqueles sob a
posse dos comunitários, encontram-se guardados em uma sala da escola da comunidade, pois
não há um museu adequado na comunidade para expor aos visitantes e nas residências dos
moradores do lugar como será mostrado mais adiante.
A existência de grande quantidade e variedade de artefatos arqueológicos em
Santa Rita de Cássia possibilita a implantação do turismo arqueológico no lugar. Apesar
112
disso, os governos Estadual e principalmente o Municipal fazem vista grossa em relação a
importância daquele patrimônio arqueológico e até o presente momento não fizeram nenhum
esforço para construir um museu e implantar o turismo voltado para a exploração dessa
potencialidade no lugar. A preservação dos artefatos e dos sítios arqueológicos está realizado
pelos nativos de São Paulo e de Santa Rita. Na primeira comunidade foi criado um “Centro
Cultural” onde são guardados os artefatos e na segunda os moradores reservaram uma sala da
escola que serve de “mini-museu” para expor os artefatos. (Figuras 06 e 07.)
Figura 06: Artefatos encontrados na Com. De Sta. Rita
Figura 07 - Artefatos encontrados na Com. De Sta. Rita
Fonte: Picanço, Antonio., 2009
Fonte: Picanço, Antonio., 2008
A organização espacial das comunidades é feita a partir das características
geológicas locais e do rio Amazonas ou do lago. As comunidades de São Paulo e Bete Semes
são comunidades de margem, pois localizam-se entre a várzea e a terra firme e podem usar os
dois ecossistemas construir as residências, enquanto a comunidade de Santa Rita de Cássia
esta localizada em uma área alta próxima da margem do logo.
3.1.1 A Comunidade de São Paulo
O espaço geográfico onde está localizada a comunidade de São Paulo também é
conhecido pelos moradores como a “Boca da Valéria”, ou seja, entrada do furo que liga o lago
da Valéria ao rio Amazonas. A maioria das mais de 30 famílias que vivem atualmente no
local construíram suas residências entre a base da serra e a margens do furo que liga o lago ao
rio Amazonas, as casas desta comunidade são em sua maioria de madeira do tipo palafitas
com assoalhos altos para evitar as enchentes anuais. Em 2009 praticamente todas as casas
113
foram inundadas pela grande cheia que atingiu o Estado, este fato obrigou as famílias a migrar
para a sede do município e/ou para as casas dos sítios localizadas na colônia de Samaria. Esse
fato acabou por prejudicar a coleta de dados, pois só foi possível entrevistarmos 10
representantes das UD’s do lugar.
A infraestrutura local é composta de Escola de alvenaria com uma sala para
alunos que estudam da 1ª a 4ª séries no sistema de multisseriado de ensino, uma igreja
católica construída em alvenaria que tem como padroeiro o santo que dá nome a comunidade,
aliás esse é um fenômeno peculiar a praticamente todas as comunidades católicas da
Amazônia, a energia elétrica é oriunda de motor a diesel. No ano de 2009, após anos de
reivindicação dos moradores locais foi inaugurado um poço artesiano para fornecer água
potável para as residências. A comunidade possui ainda sede social e um centro de referência
cultural (museu) onde são guardados os artefatos arqueológicos encontrados em cima da serra.
A agricultura e a pesca de subsistência são as principais fontes de alimentos da UD’s do lugar.
A localização na “Boca da Valéria” faz com que esta comunidade seja o local de recepção dos
turistas e onde os moradores das demais localidades se reúnem para vender artesanatos e
oferecer serviços aos visitantes como os passeios no lago e na mata.
F
Figura 08: Comunidade de São Paulo no período da cheia.
Fonte: Picanço, Antonio. , 2006
114
A figura de número oito foi registrada no ano de 2008 no período da cheia e
mostra além da organização espacial que a coloração da água fica mais escura e o furo que
liga as comunidades ao rio amazonas some tornado-se um grande lago.
Figura 09: Comunidade de São Paulo no período da cheia e da vazante
Fonte: Picanço, Antonio., 2009
A imagem acima registrada em 2009 no período da seca mostra que água fica
barrenta e ao fundo a nova igreja que inaugurada recentemente, segundo alguns informantes a
construção foi feita a partir de parte da renda oriunda da atividade turística no local.
115
3.1.2 A Comunidade de Bete Semes
Localizada à margem esquerda de uma bifurcação que dá acesso ao lago da
Valéria a comunidade denominada Bete Semes (figuras 10 e 11.) cujo nome significa “a arca
que contém a presença de Deus”, foi fundada no dia 27 de abril de 1987. Apesar da maioria
das casas terem sido construídas de madeira, algumas delas possuem piso de cimento. A
comunidade surgiu a partir de divergências religiosas com os seguidores da igreja Pentecostal
Unidos do Brasil da comunidade de Betel, no final da década de 80 se instalou igreja na
comunidade, a Assembléia de Deus que permanece até aos dias atuais como igreja
predominante. A igreja foi construída, e aos poucos as famílias foram deslocando-se da
comunidade de Betel para junto da Igreja, dando origem a uma nova comunidade, tendo como
primeiro presidente Valdemir Xavier o e primeiro pastor Isolino Alfaia foi quem escolheu o
nome da comunidade. Hoje residem em Bete Semes aproximadamente 35 famílias, tendo
como religião predominante o cristianismo, representado pela igreja Assembléia de Deus.
Figuras 10: Comunidade de Bete Semes no período da cheia.
Fonte: Picanço, Antonio., 2009.
116
Sua infraestrutura é composta por templo evangélico, Escola de 1ª a 4ª série Mary
Fran Azevedo Dray ambos construídos em alvenaria, campo de futebol e centro social
construído em madeira, um poço artesiano que abastece água encanada para toda as
residências. Para a manutenção da bomba é cobrada um pequena taxa, a água é fornecida
somente pela parte da manha, isto obriga as donas de casa a estocar a água em camburões e
outros vasilhames As roupas são lavadas no igarapé. Um gerador a diesel é fornecedor de luz
elétrica para a comunidade. Durante a semana o fornecimento de luz ocorre somente a noite,
em dias “normais” entre as 18 e às 22 horas, isso quando os moradores colaboram para
comprar o diesel (cerca de 3 litros). Nos dias de culto a luz é fornecida das 18 às 23 horas.
Além desses dias, ocorre o fornecimento de luz nas “festas” de formatura dos alunos e nas
cerimônias religiosas promovidas pelos membros da igreja. Aos domingos os moradores
colaboram para comprar diesel em dias de jogo de futebol.
A pesca, agricultura, a caça, a fabricação de artesanato, e o extrativismo vegetal e
animal são da economia do lugar. Nas unidades de produção localizadas principalmente nas
colônias de Samaria e Fé em Deus, distantes em média a cinco quilômetros de distancia da
sede da comunidade, são cultivadas as plantações de mandioca, abacaxi, e onde as árvores de
Ucuuba utilizadas na de fabricação artesanato são encontradas.
Figura11: Comunidade de Bete Semes no período da seca.
Fonte: Picanço, Antonio., 2009.
117
Duas peculiaridades observadas nesta comunidade. A primeira é a grande
influencia religiosa no modus vivend dos moradores local. Todos eles são seguidores da Igreja
Assembléia de Deus, que através desse ascetismo e mantém fortalecidos os laços solidários e
a moral religiosa entre os comunitários. Através das relações religiosas os comunitários
reúnem-se geralmente aos fins de semana em “ajuris comunais” para limpar o igarapé na
época da seca, fazer reparos na ponte que liga a igreja ao restante da comunidade e mais
recentemente para a construção de uma nova igreja. O pastor local, além de líder e o seu
principal incentivador das obras comunais apoiado pela na dominação religiosa e carismática
como formas de para agregadoras para realizar as obras na comunidade. Outra peculiaridade
deste lócus é o fato de que todas as unidades domésticas produzirem e participam da venda de
artesanatos o que torna essa atividade bastante importante para o complemento renda familiar
local.
3.1.3 A Comunidade Santa Rita de Cássia
Localizada em cima de um pequeno morro à direita do lago da Valéria a
comunidade de Santa Rita de Cássia da Valéria (figura) é considerada a comunidade pólo
porque é a única do lugar que possui um escola municipal Marcelino Henrique, que oferece
aulas das séries iniciais ao 1ª a 3ª ano. A escola possui quatro salas de aulas, laboratório de
informática, refeitório, sala de leitura, banheiros que atendem entorno de 300 alunos de todas
as localidades do lugar nos três turnos de aula. O turno da noite é reservado aos alunos do
ensino médio.
As residências das 64 famílias que habitam a comunidade possuem abastecimento
de água encanada e luz elétrica fornecida por gerador a diesel que funciona todas as noites a
partir das 18 horas até o fim das aulas, posto de saúde, um telefone público, um centro social,
uma igreja católica construída em alvenaria, campo de futebol, um cemitério e um ramal que
liga à estrada principal que vai até sede da Vila Amazônia.
118
Figura12: Comunidade Santa Rita de Cássia.
Fonte: Picanço, Antonio., 2009
A economia local tem como base a agricultura, a pesca e a pecuária para a
subsistência, a maioria dos moradores participam das atividades oriundas do turismo na
região. A maioria das casas é de madeira existindo algumas feitas de alvenaria. Construídas
em duas “filas” separadas pelo campo de futebol, pela escola e pela igreja. A sede de eventos
também fica na divisão das casas.
Com relação à origem do lugar não há nenhuma documentação histórica a respeito
da origem dos primeiros habitantes do lugar. Os moradores mais antigos afirmam que a
primeira família a habitar a comunidade foi a do casal Pedro Antônio Xavier e Raquel Sena
Xavier, que se deslocaram para lá com o intuito nos idos da década de 40. Outro fato que
contribuiu para a formação da comunidade foi à enchente de 1966 que colaborou para a chega
de muitas famílias que habitavam as áreas de várzea das localidades próximas de Santa Rita a
partir desse fato formou-se o núcleo que hoje é a comunidade.
119
Toda área da comunidade é um grande sítio arqueológico com a predominância da
“terra preta de índio”. Apesar da existência daquele sitio arqueológico já ser conhecido pelos
órgãos oficiais só recentemente o Instituto do Patrimônio Histórico e Arquitetônico Nacional–
IPHAN, tem feito estudos para fazer a datação das peças encontradas na comunidade e já ser
conhecido a muito apesar de nome comum dos sedimentos deixados por tribos indígenas que
viveram na Amazônia. Com relação às cerâmicas Neves (2006:16-17) afirma que,
[...] há no baixo Amazonas um trecho que vai do rio Tocantins e
Amapá a leste, até a região das cidades de Nhamundá, Parintins e
Maués no Amazonas, a oeste, onde se encontram sítios com cerâmicas
pertencentes à chamada Tradição Incisa e Ponteada, datados do ano
1000 a.c a 1500 d.C, ou seja, até o início da colonização européia.
Neves (2006) também salienta que talvez as cerâmicas mais
conhecidas dessa tradição sejam as cerâmicas tapajônicas ou de
Santarém. Outras cerâmicas que pertencem à tradição incisa e
ponteada foram identificadas próximas a Santarém, na região dos rios
Nhamundá e Trombetas, assim como na região de Parintins, e são
conhecidas como konduri, datadas do século do X ao XVI d.C.
As cerâmicas existentes no sitio arqueológico da comunidade de Santa Rita são do
tipo konduri, alem das cerâmicas é possível encontrar machados de pedra e outros tipos de
artefatos. Mesmo com a ida de alguns arqueólogos do IPHAN ao local ainda não se sabe a
data das cerâmicas e quem em habitou o lugar. Os moradores locais mesmo sem o apoio dos
governos municipal e estadual têm feito esforço para preservar o sitio arqueológico evitando
vender os artefatos já que o consideram patrimônio cultural da comunidade. As figuras abaixo
mostram uma parte da organização espacial do lugar.
120
3.2 As Relações de Poder e a Religiosidade nas Comunidades
Nas três comunidades a relação de poder entre os moradores é dividida entre a
autoridade “jurídica”, ou seja, o presidente da comunidade e pela autoridade religiosa. O
primeiro juntamente como uma “diretoria” é eleito por voto direto para cumprir um
“mandato” de dois anos podendo concorrer à reeleição por mais dois anos. Cabe ao presidente
administrar e representar a comunidade perante o poder público. O presidente também
procura obter recursos e brindes para ajudar as festas religiosas, as formaturas e outros
eventos festivos que ocorrem na comunidade. As lideranças religiosas podem ser católicas ou
evangélicas. As comunidades de São Paulo e Santa Rita que têm a religião católica como
principal credo a ausência do padre é ocupado pelo “ministro da palavra” e pelo “ministro da
eucaristia” os dois são responsáveis pela realização das missas aos domingos e de todas as
atividades relacionadas ao calendário religioso da comunidade. Na comunidade de Bete
Semes o líder religioso é o pastor evangélico. Sua função é realizar os cultos que ocorrem
semanalmente, além disso, o pastor também exerce influencia nas decisões políticas locais,
assim a liderança espiritual exerce possui mais poder que o próprio presidente da comunidade.
O poder das “autoridades” religiosas nas comunidades ribeirinhas é fundamentado nos
sistemas simbólicos que segundo Bourdieu (2007) sua eficácia reside na possibilidade de
ordenar o mundo natural e social através de discursos, mensagens e representações, que não
passam de alegorias que simulam a estrutura real de relações sociais – a uma percepção de sua
função ideológica e política e legitimar uma ordem arbitrária em que se funda o sistema de
dominação vigente.
O credo religioso na serra da Valéria também serve para demarcar as
territoriedades e pertencimento do lugar. Nas comunidades de Bete Semes e Betel a crença
predominante é a evangélica a primeira da Assembléia de Deus e na segunda comunidade
Pentecostal Unidos do Brasil. Já as comunidades de São Paulo e Santa Rita o catolicismo é
predominante. E porque afirmamos a crença religiosa também demarca uma territoriedades no
lugar, porque apesar de evangélicos e católicos utilizarem comumente os territórios de pesca
(o lago), o espaço da escolar, os recursos florestais e também participarem das atividades
turísticas, um dos fatores identitários determinantes é o fato de ser morador de determinada
comunidade, ou seja, no lugar morar na comunidade Bete Semes indica também o
pertencimento ao credo evangélico que carrega uma série de significados simbólicos, além de
determinar os princípios morais daqueles moradores. Isso ocorre também nas comunidades
121
onde predomina o catolicismo, ou seja, os santos padroeiros das comunidades identificam o
lugar de moradia e, sobretudo que é o santo protetor daquele lugar. Sobre à religiosidade nas
comunidade caboclas, principalmente sobre o catolicismo, Galvão (1976) afirma que
O catolicismo é na, sociedade rural da Amazônia, uma superestrutura,
uma ideologia, que se sobrepõe a crenças, porém por si só incapaz de
responder a todas as exigências do meio (...) no fervor de suas
convicções religiosas e na expressão permanente da expectativa da
salvação de suas almas – uma necessidade que se evidencia a cada
momento –, em face das agruras da vida no rio e na floresta, à pobreza
e, à falta de assistência médica regular e permanente, e, afinal, ante a
eventos letais do dia a dia. (apud SILVA, 2007, p. 370)
Neste sentido, a religiosidade é importante para o ribeirinho como mecanismo de
identidade social, para protegê-lo dos fenômenos misteriosos locais, das doenças e também
influencia na organização espacial, a igreja é sempre construída em um local de destaque nas
comunidades. Em São Paulo, Bete Semes e em Betel as igrejas foram construídas nas partes
altas desses lugares com sua frente para o rio ou o lago, com exceção da igreja de Santa Rita
que não fica as margens do lago, mais ainda assim ocupa um lugar de destaque, as demais
igrejas localizam-se na “porta” de entrada das comunidades. Sobre a influência no habitus
social, nas comunidades evangélicas é proibido o consumo de bebidas alcoólicas, de fumar e
da pratica de qualquer “coisa” que vá de encontro aos valores morais da sua igreja, os pastores
orientam os pequenos comerciantes a não venderem bebidas alcoólicas. Sobre a conseqüência
da conversão ao protestantismo nas comunidades caboclas amazônicas de Mark Harris (2006)
faz a seguinte análise,
[...] o desafio do protestantismo à visão de mundo católica é
ameaçador Assim como grandes criadores de gado que ocupam terras
valiosas da várzea, ou grandes barcos de pesca que tiram seus meios
de subsistência, o protestantismo ameaça toda a existência e o
movimento histórico do meio rural. A convenção exige uma ruptura
radical em relação ao presente. Especifica uma série de mudanças na
vida pessoal e no comportamento corporal, tais como alimentos
podem ser consumidos, que roupas podem ser usadas, a proibição em
relação a bebidas, ao cigarro, ao adultério, a brigas e festas católicas.
A participação na maior parte dessas atividades é essencial para a vida
cotidiana, conforme percebido pelos católicos. A conversão é o
conjunto de crenças associadas ao ambiente encantado. Os
protestantes consideram as histórias sobre boto, a cobra grande, o
poder do pajé, a panema e assim por diante, como superstições que
122
dever ser descartadas na busca do conhecimento verdadeiro. Todos
esses elementos integram a visão de mundo católica (apud ADAMS,
MURIETA e NEVES, 2006, p. 97)
Não é nosso interesse discutir o mérito da afirmação de Harris e muito menos
fazer uma análise contextual sobre a religiosidade das sociedades amazônicas, no entanto, não
podemos deixar fazer algumas observações a respeito da “ameaça” do protestantismo ao
modus vivend dos caboclos ribeirinhos, apesar do cunho ideológico mais “radicalizador” em
relação às crendices. Primeiramente do ponto de vista cultural a religiosidade européia
implantada na América por missionários católicos e protestantes foi maléfica a todas as
culturas indígenas locais. As populações que se “deixaram” dominar pelo crivo do
cristianismo católico ou protestante passaram por um processo civilizatório sem precedentes
estendendo-se aos caboclos atuais. Tanto sob domínio da igreja católica quanto das
evangélicas existe o controle imposto pela difusão da ideologia salvacionista aos seus
seguidores que entre outras coisas condenam as atitudes e crenças em mitos e lendas que vão
de encontro aos valores morais católicos ou não, neste sentido a leitura de Harris é simplista
na medida em que deixa de lado, a meu ver, o significado ideológico que permeia a
dominação através religiosidade e não leva em conta sua significância simbólica para seus
seguidores. Também é importante frisar que como o Estado é ausente em muitas comunidades
é através da organização religiosa que em muitos casos seu habitantes tem acesso a serviços
básicos para sua sobrevivência. Neste sentido, concordamos com a análise weberiana ao
afirmar que
A religião serve a interesses extra-religiosos na medida em que
instaura um sistema de símbolos ordenados em torno de uma ética. Na
verdade, não passa de um sistema de regras e normas, de um habitus
que orienta as condutas e os pensamentos dos leigos, de acordo com
uma doutrina que justifica a ordem prevalecente em uma determinada
sociedade. A eficácia acerca da ordem do mundo reside no fato de que
se retira do plano das relações sociais objetivas o arbítrio e o controle
desta ordem, que passa a ser entendida como produto de uma vontade
divina e inacessível (WEBER apud BOURDIEU, 2007, p. LVIII)
A partir da citação acima nossa segunda observação diz respeito ao modus vivend
do caboclo e a construção de sua memória coletiva que vem ocorrendo a partir da apropriação
Amazônia pelo mercantilismo europeu a partir do século XVII, ou seja, a memória coletiva
cabocla foi constituída pela herança cultura ibérica europeia e da cultura dos povos da floresta
123
tropical. Desde os primórdios dos primeiros contatos interétnicos entre europeu e indígenas a
cultura cabocla nascente sempre esteve ligada a dependência da material e imaterial dos rios,
lagos e florestas amazônicas. Assim, mesmo que no primeiro momento a igreja católica tenha
tentado de todos os modos combater “a heresia dos índios” e posteriormente ter procurado
banir a pajelança, a religiosidade cabocla ribeirinha recebeu grande influencia do universo
mítico ligado a natureza que não se perde quando este se converte a uma igreja evangélica.
Em 1953 Eduardo Galvão publicou um artigo intitulado “Vida religiosa do caboclo da
Amazônia” não se referindo apenas ao catolicismo fez a seguinte observação
“O caboclo amazônico é católico”, mas, também [ligado] ao complexo
de crenças nos seres sobrenaturais ligados à natureza, tais como os
encantados (os “companheiros do fundo”) e os bichos visagentos: o
“curupira”, a Matinta-Perera, os anhangas, assim como, a mãe d’água,
o boto (e o erotismo de sua lenda) e a cobra grande. Os bichos
visagentos pertencem à categoria de entidades protetoras da natureza.
(GALVÃO, 1953 apud SILVA, op. cit. p. 360)
Como foi abordado anteriormente, apesar de não ser objeto de nossa pesquisa,
verificamos que mesmo não declarando publicamente alguns evangélicos da comunidade Bete
Semes, entre eles um dos lideres religiosos do lugar afirmaram que acreditam na existência de
visagens como o juma e o curupira, além daquelas que existem no fundo dos rios e lagos.
Essas crenças também são comuns entre os moradores “católicos” das comunidades de São
Paulo e Santa Rita de Cássia. Os evangélicos de Bete Semes e de Betel fazem parte do mesmo
universo simbólico que os católicos ainda que mais cometidos compartilham as mesmas
crenças nas visagens do lugar, assim como afirmam Berger & Luckmann (op.cit., p. 52) “[...]
a realidade cotidiana é, portanto apreendida num continuo de tipificações, que vão se tornando
progressivamente anônimas à medida que se distanciam do “aqui e agora” da situação face a
face.
3.3 – Aspectos Econômicos da Serra da Valéria
A renda dos moradores das unidades domésticas (UD,s) da localidade é baixa,
com a maioria das famílias “sobrevivendo” com menos de um salário mínimo, esta renda é
originada de programas governamentais com o Balsa Família em algumas residências existem
aposentados e funcionários das escolas. Nas UD’s que não possuem nenhum do benefício
governamental a fonte de renda principal advêm da venda da farinha e seus derivados e do
124
artesanato para os turistas. Quando questionados sobre sua renda familiar obtivemos as
seguintes respostas obtidas foram as seguuntes:
Gráfico 04: Renda das Unidades Domésticas da Serra da Valéria
Fonte: Picanço, Antonio., 2009.
A renda familiar na região da valeria é baixa, e, esse é um dos principais fatores
que tornaram a importância da atividade turística como geradora de renda no lugar. Os tipos
de UD’s predominante na Serra da Valéria são a nuclear formada pelo pai e mãe e seus filhos
e a extensa que é formada por uma “rede” familiar formada uma rede familiar ligando
consangüíneos, aliados e descendentes ao longo de pelo menos três gerações. Em geral, a
família extensa consiste numa unidade doméstica: a propriedade da terra e das habitações, a
direção econômica e a autoridade são detidas por um chefe, em geral o mais respeitado
ascendente vivo, ou uma comunidade de irmãos. No Alto, Médio e Baixo rio Amazonas
existem variantes quanto à predominância dos tipos de famílias extensas como observou
Witkoski (2007) ao assinalar que
Há famílias extensas que se configuram de um homem com muitas
mulheres e seus respectivos filhos. Neste caso, diferentes famílias
nucleares possuem a mesma “cabeça” (macho) na família. Outro caso
de família extensa pode fundar-se em famílias nucleares que fazem
parte de gerações diferentes – tal quando a unidade de produção
considera o camponês e sua família e seus parentes mais velhos que
pertenciam a um outro grupo familiar. Outra forma de família extensa
é aquela que leva em conta um conjunto de famílias nucleares, todas
oriundas da mesma geração, quando o irmão mais velho, casado,
mantém através do trabalho, a constituição da própria família.
(WITKOSKI, 2007, p. 166)
125
Para definirmos família rural utilizaremos o conceito de Cazella, Bonnal e Maluf
(2009) que incorporaram a noção de multifuncionalidade da agricultura em sua análise o que
permite considerar a interação entre famílias rurais e territórios sob o ponto de vista da
dinamicidade econômica de reprodução social e não apenas seus componentes econômicos.
Assim, para estes autores a família rural é a unidade que se reproduz em regime de economia
familiar e que desenvolve qualquer processo biológico sobre um pedaço de terra, “situada”
com num território com determinadas características socioeconômicas, culturais e ambientais.
Sob este viés a família rural, e no caso especifico de nossa pesquisa, a família rural ribeirinha,
passa a ser vista não apenas como uma unidade de produção onde todos os membros da
família têm como principal função assegurar a sobrevivência do grupo através do trabalho e
da exploração dos recursos naturais da várzea e de terra-firme.
No local de pesquisa, a autoridade familiar é centralizada na figura do pai e da
mãe, quando estes estão ausentes o irmão ou a irmã mais velha assumem o papel de
autoridade familiar. O número de pessoas (gráfico vivendo sob a mesma casa é relativamente
grande. Quando perguntamos sobre a quantidade de pessoas que vivem moram na mesma
casa sua obtivemos verificamos que o na maioria das famílias o numero de pessoas varia de 4
a 10 pessoas. O gráfico abaixo mostra o número médio de pessoas que vivem na mesma casa.
Grafico 05: Número de pessoas habitanto a mesma casa.
Fonte: Picanço, Antonio. , 2009.
126
Apesar de suas existirem as famílias nucleares com até três pessoas e as extensas
com mais de 10 pessoas são minoria, pelo que foi colhido em nossa pesquisa de campo. O
tipo de família predominante é a extensa tendo o pai como chefe com os filhos casados
morando sob o mesmo teto. Também percebemos que o numero de crianças e jovens de
ambos os sexos é predominante.
A divisão do trabalho é feito com base na sexualidade, cabendo as mulheres
exercerem os trabalhos domésticos como limpar o “quintal”, lavar roupas, fazer comida,
limpar a casa, esses são os serviços de mulher. O trabalho dos homens é geralmente definido
como mais “pesados” fazer o roçado, plantar mandioca, na falta de lenha para o fogão é o
homem que corta e carrega a mesma, a pesca também é trabalho para os homens. No entanto,
isso não impede que as mulheres participem, por exemplo, do processo de fabricação da
farinha e da também na plantação da mandioca. Estas e outras tarefas são aprendidas desde a
infância a partir do processo de endoculturação.
A alimentação das famílias tem como base a farinha é o consumo de peixes,
principalmente os de escama. O lago é o território comum onde os comunitários praticam a
pesca de subsistência a partir da apropriação dos recursos aquáticos comuns, para explicar
como isso ocorre Cormier-Salem (1985) desenvolveu o conceito de terroir aquático ao se
referir à porção de água apropriada pelos camponeses-ribeirinhos na Amazônia, segundo este
autor
Essa apropriação se dá de duas formas: uso comum para a pesca
executada no baixo rio Solimões e nos lagos de várzea; a apropriação
e uso individual/familiar para a pesca efetuada nos rios e lagos de terra
firme. O segundo diz respeito a um território não apropriado, de
acesso livre e fundado na mobilidade dos barcos de pesca em
conquistar novos espaços aquáticos. Assim, o terroir aquático dos
camponeses-riberinhos apresenta como característica básica os
seguintes pontos: o território tende a ser contínuo, contíguo, tendo
tamanho limitado e fronteiras fixas, determinadas. Os limites tendem a
ser impermeáveis. Apresenta recursos concentrados, sedentários,
previsíveis, valor forte por unidade de superfície. A apropriação
ocorre por meio da parcelarização, gradação da apropriação privada
até a apropriação comum. A estratégia é intensiva, com conservação.
(apud MASULO, 2005, p. 2-3)
127
Na vertente analítica elaborada por Castro (2006) o grau de acesso das famílias
ribeirinhas aos ecossistemas de várzea varia de acordo com sua localização geográfica,
podendo ser divididas em três categorias – as comunidades insulares, comunidades de
margem, e comunidades de terra-firme. Todos os moradores das comunidades e das colônias
da serra da Valéria têm acesso ao irrestrito ao lago e podem pescar a vontade. No entanto a
distancia que separa os moradores das colônias do lago faz com que estes o utilizem menos
que os moradores das comunidades. Nas colônias é comum a prática da salga e secagem dos
peixes ao sol para não estragar e possa ser consumido posteriormente. As espécies mais
comuns são o tucunaré, a pescada, a branquinha, piranha, aracu, acarás diversos, entre outros.
Os apetrechos mais utilizados são a tarrafa, a malhadeira e o caniço. A prática de pesca
naquela localidade é uma atividade basicamente masculina.
O consumo de carne e frango também é recorrente entre os comunitários,
sobretudo quando eles se deslocam até sede de Parintins, ou mesmo encomendam, para
comprar gelo e armazenam em grandes caixas de isopor para conservar a carne, frango e o
próprio peixe. Esses produtos também podem ser encontrados, em menor quantidade, entre os
pequenos comerciantes instalados nas comunidades. A carne de caça também é uma
importante fonte de proteínas para os moradores locais, principalmente no período das chuvas
quando os frutos das arvores costumam cair, facilitando encontro das caças, as mais comuns
são a paca, a cutia, o porco do mato, o veado e o tatu. A caça é praticada em outro território
comum a mata de terra firme.
3.3.1 Terras para Cultivo e Terras para Coleta
As unidades de produção (UD’s) das comunidades de Bete Semes e Santa Rita
Cássia, estão localizadas nas colônias de Samaria e Fé em Deus. Algumas famílias vivem no
próprio roçado e só saem de lá para vender seus produtos, comprar utensílios e alimentos de
uso doméstico ou quando necessitam se deslocar a sede do município par resolver algum
problema de ordem pessoal. Existe uma estrada de chão batido que leva até os roçados, alguns
deles estão localizadas as margens da estrada e outros estão mais dentro da mata sendo
possível chegar até lá utilizando caminhos estreitos. A maioria das unidades de produção dos
moradores da comunidade de São Paulo fica por trás da serra, mais exatamente na colônia de
Samaria, como não há estradas de acesso são utilizados caminhos por dentro da mata para
128
chegar a esses locais. O tamanho médio de cada lote é de cinco hectares na localidade da
Serra da Valéria, pois, segundo informações obtidas no INCRA no assentamento P.A. Vila
Amazônia o tamanho dos lotes varia de dois a oitenta hectares.
Localizados em solos pobres e em muitos casos com a falta de acesso a água, os
caboclos da serra da Valéria usam as terras-firmes para a prática da agricultura, para retirar
madeira tanto para fabricação da casas quanto para a produção de artesanato, para a prática do
extrativismo e para a caça. A unidade de produção (UP) ou roçado é o lócus onde são
cultivadas as plantas de culturas sazonais e perenes para consumo familiar e para a venda. A
preparação do roçado é feita de maneira tradicional com derrubada da mata e a prática da
queimada tanto em áreas de capoeira quanto em áreas de florestas virgens. O período do verão
é a época que os moradores fazem o roçado e o plantio da roça.
Em área de floresta virgem a preparação do roçado é feita nas seguintes em três
etapas: Na primeira ocorre “broca” que consiste no corte das árvores menores e mais finas e
na limpeza ao redor de árvores que possam servir para alimentos como a castanheira a
ferramenta utilizada é o terçado na segunda etapa ocorre à “derrubada” das árvores maiores
com o uso de machados e motor serra (quando o caboclo pode pagar uma diária que custa em
média 80 reais). A terceira etapa é a queima das árvores secas e o “encoivaramento” que
consiste em amontoar os galhos e troncos os mais finos que não queimaram bem para fazer
uma nova queima para se obter mais espaço para a plantação de mandioca. Segundo um de
nossos informantes, nessa pesquisa, na Valéria não se utiliza o sistema de encoivaramento,
assim após a queima logo é feita a plantação da roça. Como o preparo de um hectare terra é
um trabalho pesado, demorando em média 30 dias entre o corte até a queima das árvores,
exige o uso de muitos braços, além da força de trabalho familiar os caboclos locais recorrem
ao trabalho coletivo como a troca de dia, o puxirum ou o ajuri para o cumprimento dessa
tarefa.
129
Figura 13 – Unidade de produção e, ou/ roçado sendo preparado para o cultivo de mandioca na Colônia de
Samaria
Fonte: Picanço, Antonio., 2009.
A plantação de mandioca (manhiot esculenta crantz) utilizada principalmente para
a fabricação de farinha que juntamente com seus derivados é a principal fonte de renda das
famílias do lugar, ocupa a maior parte da UP as outras plantas cultivadas em pequena escala
são o abacate, a pupunha, o abacaxi, a laranja e o cupuaçu. O cultivo dessas espécies é voltado
peincipalmente para o consumo doméstico. Como o plantio da mandioca exige menos braços
à mão de obra utilizada é a familiar.
130
Figura 14 - Plantio da mandioca em roçado feito na capoeira na Colônia de Samaria.
Fonte: Picanço, Antonio., 2009.
A casa de farinha é o local onde a mandioca é beneficiada para a fabricação da
farinha e seus derivados como o tucupi, a goma (fécula) de tapioca, a crueira e os diversos
tipos de bejus. Com o tamanho médio de seis metros de largura por 10 metros de
comprimento é um barraco coberto com palha ou telhas de zinco (esses são os mais comuns
nas colônias) sem paredes, com piso chão batido. Algumas casas de farinha são feitas em
alvenaria (figuras) ao lado da residência dos colonos.
A casa de farinha é formada por um motor movido a gasolina utilizado para
transformar a mandioca em massa, uma prensa para espremer e secar a massa de mandioca e
também para retirar o liquido (o tucupi) da massa e a goma, uma ou duas gamelas (uma
espécie de “deposito”) medindo em torno de três metros de comprimento por cerca de um
metro de largura construído de madeira para armazenar a massa prensada) e onde a massa de
mandioca é peneirada antes de ser cozida e um forno de ferro utilizado para torrar a farinha.
131
Outra “ferramenta” ainda muito utilizada no lugar para retirar do tucupi é o tipiti, uma que é
uma herança cultural indígena.
Figura 15: Preparação da massa de mandioca na gamela. Figura 16: Fabricação de farinha na colônia de Samaria.
Fonte: Picanço, Antonio. Colônia Samaria, 2009.
Fonte: Picanço, Antonio. Colônia Samaria, 2009.
A produção de farinha envolve praticamente todos os membros das UD’s
principalmente aquelas que vivem na comunidade de Santa Rita de Cássia. Quando isso
ocorre é comum a “mudança” temporária das famílias para as colônias. Assim geralmente os
moradores da Serra da Valéria possuem duas residências: as UD’s localizadas nas sedes das
comunidades e aquelas construídas UP’s e/ou nos roçados das colônias de Samaria, de Fé em
Deus e de Boa Fé. As primeiras são mais confortáveis já que servem de moradia fixa para
famílias do lugar, enquanto a segunda é o lócus de trabalho, assim os agricultores só levam o
essencial para se alimentar, pois as ferramentas de trabalhos ficam guardadas nas casas de
farinha.
Deste modo, somente as crianças que estão estudando ficam na sede da
comunidade, cabendo a irmã ou o irmão mais velho cuidar dos menores e dos trabalhos
domésticos. Quando as crianças são muito pequenas elas acompanham seus pais ao ponto de
perderem vários dias de aulas, pois não tem com quem ficar na residência principal das UD’S
locais. Apesar de envolver todos os componentes das famílias a divisão do trabalho na
produção de farinha é feita geralmente por gênero e idade, assim, os homens são os
responsáveis pela colheita e o transporte da mandioca para o barracão, geralmente em
paneiros que suportam em media de trinta a quarenta quilos. Cabe aos homens cortar e
transportar a madeira que será utilizada para torrar a farinha. Também é função dos homens
descascar a mandioca, prepara a massa no motor, prensar, torrar a farinha no forno e
132
transportar os sacos e/ou paneiros para as residências. Quando a produção de farinha é voltada
para a comercialização os homens também ficam encarregados de negociar com os
compradores.
As mulheres além dos serviços domésticos participam do processo de descascar a
mandioca (figura 17), de peneirar a massa de mandioca e na produção de seus derivados como
os bejus e da farinha de tapioca geralmente para o consumo familiar. As crianças não são
obrigadas a trabalhar, mais também por ajudam participando de trabalhos menos “pesados”
como descascar mandioca e prover água para os mais velhos.
Figura 17: Membros de UD’s do P.A. Vila Amazônia descascando mandioca.
Fonte: Picanço, Antonio. 2008.
Em relação o nascimento e a participação de crianças
no trabalho coletivo
familiar caboclo Siqueira (2006) observa que
Crianças de ambos os sexos são desejadas e consideradas para a
manutenção das unidades domésticas e começam a ajudar seus pais
quando novos, sendo que as meninas mais cedo que os meninos que
os meninos. Aos seis anos elas já estão cuidando dos seus irmãos
menores e ajudando a mãe nos afazeres domésticos, enquanto os
133
meninos nessa idade passam a maior parte do tempo brincando, com
pouca ou nenhuma responsabilidade quanto à manutenção da casa. Por
volta dos oito anos, porém, meninos e meninas já podem ser
observados trabalhando com seus pais nas roças (plantio, capina,
colheita), nos açaizais (plantio e colheita) nas casas de farinha (...)
(apud Adams, 2006, p. 265)
Algumas famílias da Serra da Valéria foram beneficiadas pelo INCRA com o
Crédito de Implantação que tem a finalidade assegurar ao assentado condições mínimas para
que o mesmo permaneça em seu lote. Existem três modalidades deste tipo de crédito,
1 – Crédito Alimentação que se destina à aquisição de gêneros
alimentícios necessários à subsistência dos assentados e suas famílias,
enquanto aguardam os primeiros resultados da produção; 2 – Crédito
Fomento que se destina à aquisição de ferramentas, equipamentos,
insumos agrícolas, tratores, plantel de animais e outros itens
indispensáveis ao início da fase produtiva do assentamento ao
desenvolvimento ou implantação das atividades produtivas no
Assentamento; 3 – Crédito Habitação destinados à construção da
moradia das famílias assentadas, em regime comunitário (INCRA, s/d)
Em nossas pesquisas de campo observamos que os créditos mais solicitados pelos
moradores locais são o para fomento e para habitação. No entanto, em função das dificuldades
de produção e a falta de programas que gerem renda mensal, os moradores procuram evitar
esse tipo de endividamento.
Essas são as terras para a coleta são aquelas de uso comum de onde os
agricultores retiram madeira para a fabricação das suas residências, de canoas e do artesanato.
Também o lugar onde se a prática da caça e da coleta de castanha e outros frutos comestíveis
e das sementes para a produção de colares para serem comercializados com os turistas.
134
4. A Boca da Valéria no Roteiro Internacional do Turismo
O turismo enquanto atividade dinâmica do capitalismo está sempre incorporando
novos lugares em sua rede, pois não reconhece fronteiras ou limites territoriais, neste sentido
segundo Souza (1995, apud FRATUCCI, 2000) o lugar turístico reúne o espaço e o território.
Enquanto prática socio-espacial, o turismo vai se apropriando de determinados espaços,
transformando-os e, a partir disso, produzindo territórios e territorialidades flexíveis e
descontínuas num processo de turistificação dos lugares. Destarte o lugar (espaço) turístico é
o principal objeto de consumo do turismo. Neste sentido o “turismo” está sempre procurando
novas oportunidades de negócios e incorporando novos territórios e lugares que possam servir
de atrativos para este mercado.
Devemos salientar que a simples existência de um lugar não o qualifica como
turístico é necessário que o mesmo possua certos atrativos com significados comunicativos e
simbólicos para que seja “consumido” pelos turistas neste sentido,
[...] a ação comunicativa já é necessária no processo de
conscientização de uma cultura turística, que, aliás, é o primeiro passo
para a formação do Espaço Turístico. Esta conscientização se faz
através de ações comunicativas com continuidade. [...] os meios
midiáticos procuram agendar uma cultura turística de consumo para
certos Lugares. Em outras palavras, tem havido a manipulação do
espaço geográfico, através de um discurso, que encaminha para a
necessidade de consumo de um Lugar, portanto é latente a discussão
do que deve ser entendido por cultura turística. Para nós, parece ser,
um
conjunto
de
crenças,
valores
e
técnicas
para
lidar/construir/usufruir o Espaço Turístico. Este conjunto deve ser
compartilhado entre os contemporâneos e transmitidos, através de
(re)cosntruções, de geração em geração. Aqui também estão as
especificidades, as singularidades dos lugares, ou seja, as diferenças
do Espaço Geográfico, que são as possibilidades na oferta turística.
(BENI, 1998, p.84 apud CASTROGIOVANNI, 2008)
Deste modo, o sentido simbólico ocorre a partir do ‘valor’ (ecológico, econômico,
material, cultural, etc.) que o lugar visitado representa. Assim a Amazônia nos últimos anos
vem sendo simbolizada como um dos últimos paraísos naturais a ser conhecidos com sua
diversidade biológica e cultural, além de sua importância para a manutenção da vida na terra.
O próprio Governo Federal tem consciência da relevância da Amazônia nesta “nova” fase do
sistema capitalista e está desenvolvendo políticas públicas voltadas para o desenvolvimento e
a preservação da biodiversidade da região, neste sentido no Plano de Desenvolvimento da
135
Amazônia – PDA de 1994/1977, o turismo ganha caráter prioritário para atingir esse objetivo
como salienta a afirmação abaixo
O modelo de desenvolvimento sustentável, preconizado na estratégia
do desenvolvimento regional, confere ao turismo uma posição de
destaque, por se tratar de uma atividade compatível com a preservação
do ambiente natural, além de apresentar um potencial multiplicador
significativo e elevar a capacidade de geração de emprego. (PDA
1994/1977 apud ADA, 2006, p. 7-8)
Foi neste contexto, que a Amazônia inseriu-se na rota do turismo internacional
tornando-se “produto” altamente valorizado no mercado turístico e em outros setores da
economia mundial. Em relação ao turismo na localidade da Serra da Valéria, como não
existem informações oficiais sobre o inicio da “apropriação” do lugar pela “indústria do
turismo”, os dados que temos foram colhidos de moradores do local. Segundo eles os navios
“visitam” o local a mais ou menos 35 anos. Foi somente a partir da segunda metade da década
de 80 que o lugar tornou-se ponto de parada obrigatório dos cruzeiros transatlânticos que
fazem rota pelo rio Amazonas.
Hoje basta digitar o nome Boca da Valéria (figura 18) no maior site de busca da
internet que apareceram aproximadamente 285.000 referências relacionadas. As centenas de
páginas eletrônicas foram criadas por turistas e agências de cruzeiros que partem da América
do Norte e da Europa para a Amazônia. No site da empresa de cruzeiro Princess Cruises Ltd o
lugar é descrito como
Boca da Valeria é uma aldeia remota na confluência do Rio da Valeria
e da Amazônia. Aproximadamente 75 pessoas vivem na aldeia,
rodeado pela floresta da grande da bacia amazônica. A vida aqui é um
contraste surpreendente para a vida moderna do Brasil em cidades
amazônicas de Santarém e Manaus. Nesta pequena aldeia piscatória,
[pode-se] ver em primeira mão os povos da Amazônia ao vivo.
Experiência sua cultura como visitar a sua aldeia. Os moradores de
Boca da Valéria, juntamente com as famílias que visitam a partir de
aldeias vizinhas, fabricam ofícios artesanais e oferecerem para a
venda. É uma oportunidade de pegar keepsakes verdadeiramente
memorável. Apesar de [aceitarem] dólares (...), é comum oferecer
pequenos itens, como lápis, canetas, maquiagem, talvez, um boné de
beisebol ou camisas de lembrança, como um presente para os
moradores em troca de um passeio de suas casas e outras pequenas
cortesias. (Princess Cruises Ltd, 2010)
136
Nas diversas páginas pessoais dos turistas que existentes na rede encontramos
relatos sobre o lugar encontramos como o que segue,
BOCA DE VALERIA: uma pequena aldeia às margens do rio
Amazonas: Embora ainda haja muito mais do nosso cruzeiro para vir,
eu acho que a nossa visita de duas horas para a pequena aldeia de
Boca de Valeria será a parada que nos lembramos mais sobre este
cruzeiro. A aldeia abriga talvez uma dúzia de famílias[...] pelo menos
é isso todas as casas que estão na aldeia . [outras] aldeias semelhantes
a esta estão espalhadas por toda a floresta não muito longe uma da
outra ... Assim, quando os navios de cruzeiro chegaram, todos os
moradores da área vêm nos saudar (Relato de um turista canadense)
Fonte: www.braziltravelblog.mht.
Esses dois relatos nos mostram duas situações relacionadas ao turismo no lugar. A
primeira é que o local causa uma boa impressão nos seus visitantes e muitos procuram
aproveitar para fazer o máximo de passeios possíveis. A segunda é que o lugar já faz parte do
roteiro internacional do turismo e recebe em média a visita de dez cruzeiros por anualmente
no período de novembro a abril.
Figura 18: Entrada do lago da Boca da Valéria no período da cheia.
Fonte: Picanço, Antonio., 2008
137
Na época da cheia as águas do lago ganham um tom mais escuro e quando
encontra com as águas barrentas do rio Amazonas forma um belo encontro das águas. Essa é
também uma das primeiras paisagens que os turistas contemplam no lugar quando os
cruzeiros chegam. A figura (19) mostra os turistas sendo transportados para visitar a
comunidades de São Paulo e fazer outras atividades.
Figura 19: Turistas descendo de um dos cruzeiros que visitaram o lugar em 2008.
Fonte: Picanço, Antonio. Pesquisa de campo, 2008
Apesar de já fazer parte do roteiro internacional de cruzeiros do rio Amazonas, o
fenômeno turístico esse ainda é invisível para o INCRA que criou o assentamento e que tem a
função de
[...] viabilizar o acesso das famílias à terra após a imissão de posse nas
áreas desapropriadas pelo Governo Federal. E assim, orientar as ações
para a criação, implantação, desenvolvimento, consolidação,
propiciando ou favorecendo a organização sócio-econômica dos
beneficiários e o atendimento aos serviços básicos de assistência
técnica, crédito rural e de infra-estrutura econômica e social
vinculados ao Programa Nacional de Reforma Agrária (INCRA, s/d)
138
Esse órgão federal ainda não realizou nenhuma atividade efetiva em relação ao
fenômeno turístico no lugar que faz parte do P.A Vila Amazônia, o mesmo pode-se dizer da
Secretaria de Turismo de Parintins, que só tem dados sobre o turismo na sede do município,
mostrando pouco ou nenhum interesse quanto ao fenômeno turístico do lugar, numa clara
demonstração que a “política de turismo” municipal está focada somente para a “cultura do
boi” que é um turismo de massa extremamente dependente dos recursos públicos e privados
que dão ao festival sobrevida até o ano posterior. O oposto disso é que na internet existe uma
grande divulgação do local através de fotos e vários comentários retratando os seus moradores
e seu “cotidiano”, vistos como uma cultura “exótica” e da natureza. O fato é que a Serra da
Valéria se constituiu na atualidade em parada obrigatória dos cruzeiros turísticos navegam
pelo rio Amazonas.
O turismo praticado no lugar é o de natureza e não o ecoturismo como afirmam as
agências turísticas e a AMAZONASTUR. Com relação ao perfil dos turistas dos cruzeiros
que visitam o lugar Rabahy e Kadota (2006) afirmam que
[...] o público entre 41 e 50 anos caracteriza de forma marcante a
atividade, porém o público de 31 a 40 anos e 51 a 65 anos apresentam
pouca diferença entre o público prevalecente. Com isso, é possível
identificar um público potencial entre 31 e 65 anos. Grau de instrução,
o público com nível superior completo prevalece em comparação aos
outros, e o público com colegial completo e pós-graduação completa
apresentam um relativo equilíbrio. [Esse publico tem] renda entre R$
5.000,00 a R$ 10.000,00. Esse dado caracteriza o alto poder aquisitivo
dos cruzeiristas, porém, com 20,5% dos entrevistados apresentando
renda de até R$ 5.000,00, é possível verificar que a classe média está
se inserindo nesse mercado. Além desses dados, 68,2% dos
passageiros entrevistados, segundo os autores, faziam a viagem de
Cruzeiro pela primeira vez, e 94,8% tinham a pretensão de realizar
outro Cruzeiro. A maioria dos pesquisados eram casais, com ou sem
filhos. 61,8% foram motivados pela experiência de viajar em navio,
sendo que a maior parte deles possuía o hábito de viajar para o
exterior, e grande parte não trocaria uma viagem de cruzeiros por uma
ao exterior e nem ao Brasil, de outra forma. Vale ressaltar que 49,6%
dos entrevistados obtiveram informação pela divulgação de amigos ou
parentes. (apud ARANTES, 2009, p.69-71)
A figura (20) mostra o roteiro que os cruzeiros fazem pelo rio Amazonas e destaca
a Boca da Valéria no roteiro do turismo internacional de turismo e como uma das paradas
obrigatórias do trajeto que geralmente vaia até Manaus.
139
Figura 20: A Boca da Valéria no roteiro internacional dos cruzeiros.
Fonte: www.vacationstogo.com
140
Esse perfil mostra que para este público não basta apenas descer dos navios e
comprar artesanatos, ele busca a interagir com a cultura local e aproveitar as poucas horas
com o contato com a natureza e com os atrativos locais. Também fica claro que o lugar deve
ser “preparado” para um público de meia idade e que poderia gastar muito mais se houvessem
condições mínimas para eles no lugar. A inserção da Boca da Valéria no roteiro internacional
de turismo, além de torna o lugar conhecido mundialmente, significa a possibilidade dos
moradores locais ganharem renda extra em um lugar onde o poder público e a geração de
empregos são ausentes. Também possibilita a aquisição de alguns bens e melhoria de vida
com a venda de artesanato e com as outras atividades relacionadas ao turismo, mesmo que
essa melhoria seja apenas momentânea é um alento para uma população que continua sendo
invisível aos olhos dos poderes públicos municipais e estaduais.
4.1. A Produção de Artesanato e a Turistificação da Boca da Valéria
Na medida em que a temporada de cruzeiros tornou-se constante e quando os
turistas passaram a comprar souvenirs ocorreu o processo de turistificação do lugar. A Boca
da Valéria e paulatinamente todas as outras comunidades que tradicionalmente sempre
tiveram a pesca, a caça e a agricultura a base para seu sustento, passaram a ter na produção de
artesanato e em outras atividades ligadas ao turismo de natureza, um importante complemento
econômico para a renda familiar. Destarte, que um dos primeiros impactos do turismo fazer
surgir uma nova categoria social no lugar, o caboclo-artesão.
Forjada pela transformação do lugar em território turístico e pela demanda de
turistas que insistiam em levar alguma lembrança do lugar, a produção de artesanato
expandiu-se para praticamente todas as famílias do lugar. Hoje os caboclos dividem o tempo
de trabalho entre as atividades de agroflorestais e a produção de artesanato ao longo do ano.
Quanto maior a demanda pelo artesanato mais tempo é dedicado a produção das peças.
Segundo relatos dos moradores nos primeiros anos da atividade turística no
lugar,a demanda por artesanato era grande, com isso, os membros das UD’s passaram a se
dedicar ao aprendizado da fabricação das peças, sem treinamento específico foi feito de
maneira lenta, em um eterno repetir de novo as mesmas tarefas. Assim aprimoraram seu
ofício como ao longo dos anos. Deste modo, a produção de artesanato tornou um habitus
entre os caboclos locais e está sendo ensinado para os mais novos em claro processo de
141
formação de uma memória coletiva do lugar da profissão e responsável pelo aparecimento de
uma nova categoria social o caboclo-artesão.
A produção de artesanato é variada, além de réplicas de animais, existe grande
variedades de produtos artesanais: colares, quadros, remos, replicas de aves, bonecas de pano,
entre outras coisas que se pode consumir no local. Quando questionados sobre a quantidade
de horas semanais os caboclos-artesãos se dedicam a produção de artesanato, gráfico (06) as
respostas obtidas foram às seguintes:
Grafico 06: Horas Semanais dedicadas à Produção de Artesanato.
Fonte: Picanço, Antonio., 2009.
Esses dados nos mostram como a produção de artesanato ocupa grande parte do
tempo de trabalho dos moradores lugar. Os homens são os que mais se dedicam ao ofício da
fabricação de artesanato, mesmo tendo que cuidar da roça e prover alimentos para casa, são
eles que produzem mais peças e dedicam mais tempo a peodução.
A partir dos dados obtidos verificamos que a quantidade de horas dedicadas a
produção de atesanato ultrapassa as 4 horas diariamente. Como as mulheres que têm uma
ocupação dividida entre as serviços domésticos, cuidar dos filhos e outros afazes, somente
quando “sobra tempo” é que se dedicam a fabricação de pulseiras, colares, brincos, bonecas
de pano e cordões. Nas pesquisas de campo percebemos que a divisão do trabalho nesta
142
categoria, se dá pelo tipo de artesanato, assim, os homens produzem principamete remos,
quadros e réplicas de animais e as mulheres fazem brincos, pulseiras, colares, quadros de
pano e bonecas de pano figura (24). No entanto, algumas delas participam do processo de
acabamento das peças produzidas pelos homens como demonstra a figura (25).
Figura: 21: Artesã de São Paulo e suas bonecas de pano.
Figura: 22: Participação feminina no acabamento
de um quadro na comunidade de Bete Semes
Fonte: Picanço, Antonio., 2009.
Fonte: Picanço, Antonio., 2009.
4.1.1 As Matérias-Primas e o Modus Operandi da Produção de Artesanato
Segundo relatos dos informantes do lugar, os primeiros turistas “exigiam” que os
artesanatos fossem feitos a partir de matéria-prima natural sem pinturas de tinta esmalte. A
partir daí, passou-se a usar a Ucuúba-Vermelha na produção de remos e quadros e o Molongó
para as réplicas de animais e de barcos. Esse fato padronizou entre os artesãos do lugar o tipo
e a forma de produzir artesanato no lugar. Atualmente com a produção diversificada os
turistas aceitam comprar peças pintadas com tinta esmalte.
143
4.1.2 O Artesanato de Molongó
O molongó é uma árvore de porte médio da família Malouetia duckei, comum nas
áreas de várzea e igapós da Amazônia desenvolve-se rapidamente atingindo a fase adulta em
aproximadamente um ano após sua germinação. Pode a atingir até 15m de altura e sua
madeira é branca, macia e leve por isso é muito utilizada na fabricação de replicas aves e
animais pelos caboclos-artesãos da Serra da Valéria. Como as árvores de molongó
encontradas no lugar não possuem o tamanho ideal para a produção do artesanato, os artesãos
locais compram a madeira oriunda dos igapós da região dos lagos do Zé Açu e do Aicurapá.
Com relação à utilização dessa madeira na fabricação artesanal um caboclo-artesão da
comunidade de Santa Rita fez o seguinte relato,
Eu trabalho muito com a madeira branca, o molongó, o ano passado
[2008] eu produzir umas duzentas peças (...). O molongó vem do
Aicurapá e ai do Zé Açu, aqui ainda tem mais é muito fino, uma parte
do molongó acabou porque o pessoal daqui destruiu pra fazer campo e
depois com o artesanato foi acabando mais, os finos não servem para
artesanato. É uma arvore de igapó cinco metros é o seu tamanho
máximo. Comprei umas 150 toras que mede entre 1/70 m e 1/20 m,
pelo preço de R$ 1,00 [um real] as mais grossas e as toras mais finas
para fazer o arremate por R$ 0,50 [cinqüenta centavos]. Das mais
grossas agente faz barco, onça, coruja, jacaré bonito, arara, tucano,
tracajá agente faz também uns bonitos, capivara, paca, tudo isso
pensando no local que agente vive. (R. P. artesão da comunidade de
Santa Rita, 2009)
Para criar as peças os nativos recorrem ao saber tradicional do lugar, assim
reproduzem figuras da fauna e da flora que desde cedo fazem parte de sua realidade social e
do contato com o ambiente local. O preço do artesanato de molongó varia conforme o seu
tamanho, deste modo, as peças maiores são vendidas entre dez a vinte dólares e as pequenas
por cinco dólares. As peças são coloridas com tinta esmalte de cores variadas as mais usadas
são a amarela, a branca e a vermelha. As figuras (23 e 24) mostram o tamanho médio das
“toras” (troncos cortados) de molongó.
144
Figura 23: Toras de Molongó compradas em Parintins
Figura 24 – Toras de Molongó para ser beneficiada
Fonte: Picanço, Antonio, 2009
Fonte: Picanço, Antonio, 2009
O fato de ser uma madeira mole e fácil de trabalhar faz com esta madeira seja
muito utilizada por praticamente todos os artesãos da Boca da Valéria, o que implica em uma
grande demanda das toras e também da produção centenas de peças das mais variadas formas.
As figuras (25 e 26) mostram a variedade de produtos fabricados do molongó e a
comercialização das peças para os turistas no interior de um cruzeiro em 2008.
Figura 25: Replicas de araras no feitas de Molongó.
Figura 26: Venda de artesanato de Molongó no interior
do Cruzeiro Seven Seas Mariner.
Fonte: Picanço, Antonio, 2009
Fonte: Picanço, Antonio, 2008
145
4.1.3 O Artesanato de Ucuúba-Vermelha
A árvore do gênero da Virola predominante nas matas de terra firme da Serra da
Valéria podem ser encontradas três tipos dessa arvore: a Ucuúba, a Ucuúba Vermelha (virola
sabifera aubi), (figuras 27 e 28) e a Ucuúba Branca (virola surinamensis) (figuras 29 e 30) e a
Ucuúba Amarela (vilora surinamensis). Pertencente a família das oleaginosas possui as
seguintes características descritas por Pesce (2009) no clássico livro “Oleaginosas da
Amazônia” da seguinte forma
[as três espécies são] idênticas a Ucuuba-vermelha (virola sabifera
aubi), a Ucuuba-branca (virola surinamensis), seja na forma da
árvore, seja na forma do frutos que produzem, a diferença só é
conhecida através da seiva que produzem. É uma árvore com
modestas dimensões [pode alcançar 25-35m de altura e 60-100cm de
DAP, apresentando sapopemas basais], ramificação regular,
verticilada e que lembra o pinho europeu. As flores são pequenas, em
marços, aparecem em agosto até o fim de setembro e os frutos
começam a cair quando maduros, depois de janeiro. (PESCE, 2009, p.
175-1766) [grifos nossos]
Figura 27: Árvore de Ucuúba Vermelha
Fonte: Picanço, Antonio, 2009.
Figura 28: -Tronco de Ucuúba Vermelha
Fonte: Picanço, Antonio, 2009.
A respeito das características da Ucuúba-Branca (figuras 29 e 30) CESARINO
(2006:1), descreve a madeira e sua utilidade da seguinte maneira,
146
A madeira leve possui textura média, grã regular, superfície áspera e
grosseira, alburno de coloração cremeclaro e cerne mais escuro,
levemente rosado até castanhovermelho intenso. É empregada em
construção de interiores, carpintaria, marcenaria e na fabricação de
caixas, palitos de fósforo, laminados, compensados, celulose e papel.
O óleo extraído das sementes (sebo de ucuúba), rico em trimiristina e
de odor agradável, pode ser usado na fabricação de velas, sabões,
cosméticos e perfumes. O elevado conteúdo de óleo das sementes (60
a 73%) deu origem ao nome “ucuúba”, que significa árvore que
produz substância gordurosa. O sebo e a seiva têm diversas aplicações
na medicina caseira, principalmente no tratamento de reumatismo,
artrite, cólicas, aftas e hemorróidas. Estudos científicos estão sendo
conduzidos visando a utilização do sebo no tratamento da malária e da
doença-de-chagas. A árvore fornece abundante quantidade de frutos
para aves e outros animais silvestres, portanto útil na recomposição de
áreas degradadas e de preservação.
Apesar dos moradores da Serra da Valéria a afirmarem que no lugar ainda existe
grande quantidade da espécie utilizada na produção de artesanato, em nossas pesquisas de
campo constatamos o contrario, pois segundo relatos dos nossos informantes está ficando
difícil encontrar árvores de grande porte no lugar.
Figura 29: Árvore de Ucuúba-Branca
Fonte: Picanço, Antonio., 2009.
Figura 30: Tronco de Ucuúba-Branca
Fonte: Picanço, Antonio., 2009
Embora localize-se em terras de uso comum, ou seja, a floresta de terra firme,
existe um “código simbólico” de conduta entre os caboclos do lugar que os obriga a procurar
saber se a árvore de Ucuúba Vermelha está localizada na área do roçado de algum morador.
147
Quando isso ocorre o “dono” das terras é avisado, pois cortar a árvore sem o consentimento
do proprietário é considerado uma falta grave entre os moradores do lugar. Destarte, o
interessado pela madeira tem duas alternativas:
a. Pode comprá-la por 100 reais, preço cobrado pelos donos da árvore, no entanto
como os custos para o corte e a produção das tábuas é relativamente alto para
apenas um artesão esse procedimento acaba sendo inviabilizado, ou;
b. Faz parceria do dono da árvore e com outros artesãos para a derrubada da
árvore e retirar as tabuas que servirão para a fabricação de artesanato.
A parceria é a forma mais usual que os caboclos-artesãos da Serra da Valéria
utilizam para o corte e o beneficiamento da madeira que será utilizada na produção do
artesanato. Neste tipo contrato entre cavalheiros os gastos do “beneficiamento” da madeira
são divididos igualmente entre as pessoas envolvidas. Como de uma árvore de 30 metros é
possível produzir em média cem tábuas a parceria é vantajosa porque permite que os “sócios”
retirem matéria-prima para trabalhar o ano inteiro. As tábuas são utilizadas principalmente
para a fabricação de remos e quadros (figuras 31 e 32).
Figura 31: Remos e Quadros Ucuuba-Vermelha
produzidos na comunidade de Bete Semes.
Fonte: Picanço, Antonio., 2009
Figura 32: Remos e Quadros de Ucuuba-Vermelha
produzidos na comunidade de S. Paulo.
Fonte: Picanço, Antonio. Pesquisa de campo, 2009
A produção dos remos e dos quadros é realizada em três etapas. A parceria entre
os caboclos-artesãos ocorre somente na primeira etapa, pois consiste na localização da árvore
e no beneficiamento em mata de terra-firme, geralmente nos limites do roçado de algum
assentado. Três dias são necessários para o beneficiamento da madeira. No primeiro dia
148
ocorre derrubada da árvore e o corte das toras que serão transformadas em tábuas (figuras 33
e 34).
Quando realizamos o registro dos dados e das imagens o corte e o beneficiamento
da madeira estavam sendo realizados pelo dono de um roçado na Colônia de Samaria e mais
dois moradores da comunidade Bete Semes. A árvore tinha as seguintes medidas: 25 metros
de cumprimento, essa medida foi feita somente do tronco utilizado para a retirada das tábuas e
2/28 metros de grossura.
Figura 33: Tronco de Ucuúba-Vermelha
Fonte: Picanço, Antonio., 2009
Figura: 34 Corte das “toras” para a fabricação das tábuas.
Fonte: Picanço Antonio., 2009
No segundo dia ocorre a fabricação das tábuas para a fabricação de remos e
quadros. As figuras (39 e 40) mostram como as tábuas são guardadas na mata e transportadas
paras as “oficinas” nas comunidades. Como a distância entre o local da retirada madeira fica
nas colônias, distantes em média de 5 km das comunidades muitas vezes os donos das tábuas
pagam diaristas ajudar nos transporte das tábuas. Um dos motivos que fazem os caboclosartesãos preferirem fabricar artesanato de Ucuuba Vermelha é sua coloração, embora quando
fresca é marrom na medida em que vai secando adquire tons vermelhos.
Também é importante salientar que o corte da madeira pode ocorrer
paulatinamente no durante ano todo. É a demanda dos turistas por artesanato que determina a
quantidade que os mesmos são produzidos. Como nem sempre a venda das peças de
artesanatos não ocorre em sua totalidade a produção voltada para a estação dos cruzeiros do
ano seguinte é reduzida já que no “estoque” há excedente de peças.
149
Esses fatores são determinantes no corte de novas árvores e na produção de
artesanatos. Como os principais compradores são os turistas dos cruzeiros é comum o
caboclo-artesão aguardar a chegada dos primeiros navios para retomar sua produção.
Figura: 35 – Tábuas Cortadas na Mata.
Fonte: Picanço, Antonio., 2009
Figura 36 – Transporte para as “oficinas”
Fonte: Picanço, Antonio., 2009
A partir do relato dos informantes de Bete Semes que estavam trabalhando em
parceria, elaboramos uma tabela (03) indicando os gastos médio dos três dias
do
beneficiamento da madeira utilizada na produção de artesanato. Como já foi dito
anteriormente, este processo pode ocorrer ao longo do ano, ou seja, conforme a necessidade
de produção de artesanato, ou seja, quando os turistas compram muito artesanato a produção
aumenta e conseqüentemente a busca por matéria-prima se a venda de artesanato for pequena
o tronco da madeira pode ser cortada ao longo do ano. A partir dos relatos dos moradores
elaboramos uma tabela (03) dos gastos com o corte da Ucuuba e com o corte das tábuas.
Cotas
A diária do motor serra
Gasolina 6 litros por dia
Óleo Queimado
TABELA
Valor Unitário
R$ 70,00
R$ 2,80
R$ 2,00
Quantidade
03 dias
18 litros
04 litros
Sub-Total
R$ 280,00
R$ 50,00
R$ 8,00
Óleo 2.T, para a mistura da gasolina
Alimentação
R$ 14,00
R$ 30,00
01 litro
03 dias
R$ 14,00
R$ 90,00
R$ 442,00
Total
Tabela 02: Gastos da primeira etapa da produção do artesanato de Ucuúba-Vermelha.
Fonte: Picanço, Antonio., 2010.
150
Na segunda etapa ocorre a produção dos quadros e dos remos. Apesar de alguns
moradores possuírem pequenas “oficinas artesanais” (figuras 37 e 38), não existe um local
fixo para a produção das peças. Assim a sala, a cozinhas e até mesmo os quintais das UD’s
são espaços utilizados na produção de artesanato. A primeira tarefa desta fase é a retirada dos
defeitos da madeira bruta com a utilização de lixa grossa, número 60, cada metro da lixa custa
doze reais. Segundo um caboclo-artesão da comunidade de Bete Semes com cinqüenta
centímetros desse material é possível tirar o defeito de 10 peças.
Figura 37: Caboclo-artesão da Comunidade de Bete Semes fazendo o
acabamento final de um remo.
.
Fonte: Picanço, Antonio, 2008.
Após a retirada dos defeitos da madeira, com a utilização de lápis grosso desenhase a imagem que vai ser esculpida na peça. Neste momento o caboclo-artesão recorre ao seu
universo simbólico repleto de lendas e mitos que regem seu cotidiano e a sua percepção da
fauna e da flora do lugar para projetar as figuras nos quadros e os remos que irá produzir.
Deste modo, esculpindo aves, peixes e animais ou lendas como a da mãe d’água o cabocloartesão projeta no artesanato a identidade e o seu sentimento de pertencimento ao lugar em
que vive. Destarte,
151
O artesanato é a esfera da cultura materializada em objetos, matériaprima para a reconstituição de culturas. O estudo do acervo artefatual,
do “sistema de objetos” de qualquer sociedade contribui para o
conhecimento da adaptação ecológica, da vida econômica da visão de
mundo e, em última análise, do estilo de vida de agrupamento humano
(RIBEIRO,1995 apud PDSA 2005-2008:15).
A terceira e última etapa da produção consiste no polimento e no acabamento final
da peça. O segundo polimento é feito com a utilização de lixa 80, esse procedimento é
realizado tanto nas peças feitas de Ucuúba quanto para as de Molongó. O preço de cada folha
deste tipo de lixa é oitenta centavos. Antes do acabamento final ocorre um terceiro polimento
com um tipo de lixa mais fina (número 120) esse procedimento deixa a peça sem defeitos.
Segundo nosso informante, esse é o material que gasta-se mais no polimento, em média 5
folhas por dia. Nas lojas de Parintins o preço da folha custa oitenta centavos. Após o terceiro
polimento realiza-se o acabamento final do artesanato para dá brilho a peça. Para isso utilizase verniz, selador e graxa de sapato (preta ou marrom).
A divisão do trabalho na produção de quadros e remos é caracterizada pela
participação dos homens em todas as etapas da produção das peças, somente no período em
que os turistas visitam o lugar algumas mulheres participam do acabamento final das peças.
Apesar de todo o esforço para a fabricação do artesanato Os caboclos-artesãos utilizam como
principais critérios para determinar o preço das peças o tempos gasto na produção, o
acabamento e a beleza do artesanato. (gráfico 06).
Marx (apud BOOTMORE, 1988:387) afirma que na “magnitude do valor” de uma
mercadoria o tempo de trabalho deve ser incorporado.
152
Gráfico 07: Critérios Utilizados para determinar o preço do artesanato.
Fonte: Picanço, Antonio., 2009.
Nas respostas dos entrevistados percebemos que os dois critérios mais
determinantes para dar valor do artesanato (a dificuldade e a beleza da peça) estão carregados
de subjetividade e não são suficientes para determinar o real valor do trabalho. Neste sentido,
só é possível calcular o valor do trabalho quando é levado em conta o tempo gasto na
produção. Essa categoria até aparece nas respostas dos entrevistados mais não é considerada
como principal, assim fica claro que os caboclos-artesãos da Serra da Valéria não têm
consciência do tempo socialmente necessário na produção de artesanato. Sobre o trabalho
socialmente necessário na relação quantitativa do valor, Marx, escreveu em O Capital:
O tempo de trabalho socialmente necessário é o tempo de trabalho de
qualquer valor de uso sob as condições de produção normais em uma
determinada sociedade (...) O que determina exclusivamente a
magnitude do valor de qualquer produto é, por tanto, a quantidade de
trabalho socialmente necessário à sua produção. (apud
BOTTOMORE, 1993: 387)
Para melhor entendermos essa questão é necessário definirmos mercadoria, Die
Ware em alemão. Portanto, uma mercadoria pode ser entendida como a forma que os produtos
tomam quando a produção é organizada por meio da troca. Esta possui duas características
básicas: pode satisfazer alguma necessidade humana (valor de uso), ou seja, toda mercadoria
153
para ser mercadoria, deve apresentar uma utilidade para seu possuidor e; pode obter outras
mercadorias em troca, pode ter permutabilidade (valor).
Deste modo, segundo ARON (2005)
A noção de trabalho socialmente necessário encampa a idéia de que,
em cada época, em dada sociedade capitalista, em vista dos
acontecimentos dispensáveis e da técnica possível, certa quantidade de
trabalho é necessária para a produção da mercadoria. O valor será
proporcional a essa quantidade de trabalho socialmente necessário
ARON (2005:295)
Assim, a falta de consciência dos moradores da Serra da Valéria em relação aos
verdadeiros parâmetros que deveriam ser levados em conta para determinar o valor do
artesanato produzido pode ser explicada a partir de três situações:.
A primeira diz respeito à consciência em relação ao seu próprio trabalho, como
este é realizado paulatinamente durante o ano, sem obrigação de cumprir horários fixos
diariamente, não é considerado uma obrigação como aquelas relacionadas, por exemplo, ao
roçado e a produção de farinha. Outro fator está na comercialização com os turistas, mesmo
sendo os artesãos que determinam o valor da peça é o comprador que acaba determinado o
valor da mercadoria, deste modo, um quadro ou uma escultura de animal calculado em $20,
00 (vinte dólares) pode ser vendido por $15,00 ou $10,00 (quinze ou dez dólares), a mesma
lógica serve para as peças de menor valor, como o caboclo-artesão sabe que precisa vender o
maior número de artesanatos possível para ajudar nas despesas das UD’s, assim, este acaba se
sujeitando as imposições dos compradores. E por fim, podemos citar a relação artesão e
compradores de dólares na cidade de Parintins, o valor pago pela moeda estrangeira é
determinado pelo comprador como veremos mais adiante, deste modo, os dólares adquiridos
na comercialização com os turistas é trocado por valores muitos menores que os determinados
pela cotação de mercado.
Estes fatores contribuem na alienação dos caboclos-artesãos da Serra da Valéria
em relação ao valor do trabalho empregado na produção de artesanato. Também mostra como
a dependência da venda de artesanato os transformou em vítimas da exploração das agências,
dos turistas e dos compradores de dólares sem que nenhuma política pública seja realizada
para reverter essa realidade. Destarte, apesar do turismo no local gerar um complemento de
renda para as UD’s do lugar, os problemas apontados acima o trabalho dos caboclos-artesãos
154
locais ainda é invisível para os órgãos responsáveis pelo planejamento do turismo do
município de Parintins e no Estado do Amazonas.
4.1.4 Os Outros Tipos de Artesanatos e a Prática do Touree no Lugar
A produção de artesanato envolve praticamente todos os residentes das UD’s da
Serra da Valéria, principalmente dos moradores das comunidades de Bete Semes e de Santa
Rita. No ofício de fabricar as peças a divisão social do trabalho é marcante entre gêneros
masculino e feminino. Assim enquanto os homens fabricam principalmente quadros, remos e
replicas de animais. Muito embora alguns maridos ajudem esporadicamente quando há grande
demanda a produção de brincos, colares, pulseiras e peças de barro é tarefa das mulheres.
Deste modo, ocorreram a tipificação e a idealização dos papéis sócias implícitos
na esfera da produção artesanal entre os moradores do lugar, pois como já foi dito, embora
alguns entrevistados do sexo masculino admitam ajudar as suas esposas na coleta de sementes
(quando precisa subir nas árvores) ou na própria fabricação das peças, sempre fizem questão
de enfatizar que aquele é um trabalho de mulher em frases do tipo: “mais isso é a mulher
quem faz” ou “colar quem fabrica é a mulher”.
Deste modo, ocorreu a tipificação não só das formas do fazer artesanato, mas
também determinou a divisão do trabalho desempenhado por homens e mulheres do lugar.
Para Berger e Luckmann,
A tipificação das formas de ação requer haver um sentido objetivo,
que por sua vez exige uma objetivação lingüística. Isto é, haverá um
vocabulário lingüístico que se refere a estas formas de ação. O
indivíduo e outro podem ser compreendidos como executantes de aços
objetivas, geralmente conhecidas, que são concorrentes e repetíveis
por qualquer outro ator do tipo adequado (BERGER e LUCKMANN,
op. cit., p. 101)
Os homens dedicam mais tempo à fabricação das peças enquanto as mulheres
dividem o tempo entre a produção de artesanato com as tarefas domésticas e, como no caso da
artesã entrevistada que só após cumprir seu horário de
Henrique produz artesanato,
trabalho na Escola Marcelino
155
Eu já venho fazendo artesanato há algum tempo a uns três, quatro
anos que eu me dediquei mesmo a fazer, isso tem melhorado muito a
nossa renda, por exemplo essa casa aqui [mostrando a sua casa
construída em alvenaria] foi construída não só com o meu salário mas
com renda do artesanato vendido. Eu optei pelo brinco porque se você
for desfazer um colar para fazer brinco, eu faço uns cinco a oito pares
de brincos com as sementes de um colar. O colar é vendido lá a um
dólar e o par de brincos eu vendo a dois três dólares. Ai eu acho que
pra mim é mais negócio fazer brinco do que colar por que eu acho que
um dólar não paga o material que agente tem e nem o trabalho, que dá
muito mais trabalho do que o brinco. A semente do açaí é comprada
por um real a sacola pequena, uma sacola dá pra fazer de 30 a 50 pares
de brincos. O morototó é encontrado facilmente na comunidade
também o tento e a lágrima de santa maria. A quantidade usada em
brinco um varia conforme e modelo. Em media usam-se duas a três
sementes por peça. Em um ano usa-se em média de duas a três
sacolas. Para conservar as sementes são colocadas no querosene isso
também facilita pra furar. As sementes são combinadas na peça, eu
aprendi fazer mesmo por curiosidade e a cada ano que passa eu criou
outros modelos. O engate é de ferro com 10 reais compra-se vinte
pares. (M.S., artesã da comunidade Santa Rita, 2009).
A exceção dos engates de ferro usados nos colares, brincos e nas pulseiras
adquiridos no comércio de Parintins, a grande maioria da matéria-prima utilizada na produção
desses tipos de artesanatos é encontrada na floresta próxima das comunidades. A sementes
mais usadas na fabricação das peças são as de tento, os olhos de santa maria, o morototó e o
caroço de açaí. Além destas as artesãs variam sua produção utilizando outros produtos
naturais do lugar.
Somente quando não há tempo para fazer à coleta na floresta as artesãs compram
as sementes na sede do município. Os colares e os brincos também são produzidos com
escamas de peixes como as do pirarucu (Arapaima gigas) e da aruanã (Osteoglossum
bicirrhosum), além da produção de bonecas de pano e bolsas de crochê (figura...) também é
realizada pelas mulheres e são vendidas por preços que variam entre dois a cinco dólares
respectivamente. É a criatividade de cada artesã que determina a variedade e a o material
utilizado na confecção das peças.
156
Figura 38: Artesanatos de produzido por artesã
da comunidade de São Paulo
Fonte: Picanço, Antonio., 2009.
Figura 39: Colares produzidos por artesã da comunidade
de Santa Rita de Cássia
Fonte: Picanço, Antonio., 2009.
A prática do touree (figuras 40/41) outro serviço turístico oferecidos pelos nativos
aos visitantes estrangeiros. Essa atividade é realizada principalmente por adultos e
principalmente crianças de ambos os sexos. Vestidas com trajes “indígenas” confeccionados
de penas e outros acessórios encontrados no lugar, elas ficam “expostas” próximas as barracas
monitoradas pelos seus pais serem fotografadas pelos turistas ao preço de um dólar cada foto,
em alguns casos o pagamento é feito com a doação presentes como balas, roupas e cadernos e
lapiseiras.
Figura 40: Prática do touree por crianças
Figura 41: Touree sendo praticado por meninas.
Fonte: Picanço, Antonio., 2008.
Fonte: Picanço, Antonio., 2008.
Se pela lógica de sobrevivência das UD’s nativas que visa lucrar com a visita dos
turistas a pratica do touree é vantajosa já que ela também contribui com a manutenção das
famílias. No entanto, essa representação da “cultura indígena” mostra aos visitantes “um outro
falsificado” pois não é endógena do lugar, fazendo com o que o visitante registre através de
157
fotografias e filmagens compre um traço cultural que não condiz com a realidade do lugar.
Com relação a pratica do touree VAN DEN BERGHE e KEYES (1984), salientam que
O turista não quer ver o que eles chamam de tourees, isto é, um ator
que modifica seu comportamento para lucrar de acordo com essa
percepção de que é atrativo para o turista. O turista quer ver "nativos
intactos", mas sua própria presença mudaria os nativos ao torná-los
menos exóticos e "tradicionais" (mais parecidos com o próprio turista)
e ao incentivar que eles transformem-se em tourees. Estes, na medida
em que respondem ao turista, fazem dele seu negócio ao preservar
uma ilusão acreditável de autenticidade. O touree "falsifica sua arte,
sua roupa, sua música, sua dança, sua religião, e assim por diante, para
satisfazer a sede do turista étnico por autenticidade ao mesmo tempo
em que a invasão turística assalta sua cultura e sujeita-a ao processo
homogeneizante
conhecido
como
modernização"
(apud
GRUNEWALD, 2003:8)
Os autores chamam atenção para as conseqüências causadas pela prática touree
além na cultura local também e para o fato de poder destruir a vontade do turista de ver o
verdadeiro nativo do lugar, já que, ele espera conhecer a verdadeira cultura do local visitado e
não imitações. É importante salientarmos que em se tratando de atrativos culturais as
comunidades da Serra da Valéria deveriam explorar as danças folclóricas existentes no lugar
como a dança das pastorinhas, do boi bumba, das quadrilhas, das festas religiosas entre outros
atrativos culturais existentes no lugar.
4.2 Os Atrativos Turísticos Naturais da Serra da Valéria: o lago e a floresta
Os principais atrativos do lugar são o lago, a floresta, a serra e os sítio
arqueológico da comunidade de Santa Rita. No entanto somente os dois primeiros são mais
procurados pelos visitantes, isso pode ser explicado por dois motivos: primeiro a falta de uma
trilha adequada à faixa etária dos turistas (a maioria deles possui mais de 45 anos) para chegar
ao topo da serra; e, em segundo lugar a falta de guias treinados para informar aos visitantes
sobre as características e o valor histórico-cultural do sítio arqueológico da comunidade de
Santa Rita.
Quando os nativos entrevistados foram questionados sobre o que mais os turistas
gostam de fazer quando chegam à Boca da Valéria (gráfico 08) as respostas obtidas foram:
158
Gráfico 08 – Atividades dos Turistas na Boca da Valeria
Fonte: Picanço, Antonio. Pesquisa de Campo, 2009.
Nessa questão os entrevistados tiveram a liberdade de indicar varias opções e as
respostas que prevaleceram já vem sendo praticadas desde o início da atividade turística no
lugar.
Com duração média de uma hora o passeio no lago (figuras 42 e 43) é realizado
em canoas de madeira ou em botes de alumínio movidos por motor rabeta com capacidade
para até cinco pessoas. O trajeto definido pelos moradores parte do “porto” da comunidade de
São Paulo seguindo até os portos de Santa Rita e depois segue até a comunidade de Bate
Semes, no entanto, é o “guia” que determina o percurso. As visitas as comunidades acontecem
quando os turistas pedem descer ou quando são estimuladas pelos guias, geralmente este
indica a comunidade a qual pertence. O preço cobrado por esse “serviço turístico” é de cinco
dólares por cabeça (turista) como os nativos dizem.
159
Figura 42: Passeio de rabeta pelo lago na cheia.
Fonte: Picanço, Antonio., 2008.
Figura 43: Passeio de rabeta pelo lago na Vazante.
Fonte: Picanço, Antonio., 2008.
No caso das caminhadas pela floresta a ausência de trilhas pré-estabelecidas e sem
sinalização não permitem que um dos principais atrativos naturais do lugar, a floresta de terrafirme, gere renda para aos nativos do lugar. Os turistas procuram fazer caminhadas seguem os
caminhos utilizados pelos moradores de São Paulo para chegar até as colônias. A
precariedade de sua conservação impede os visitantes de realizar a observação da fauna local
e da exuberante vegetação do lugar, além disso, a falta de guias treinados também colabora
para o pouco aproveitamento desse atrativo.
Com todas essas limitações as caminhadas são feitas nas proximidades das
residências da comunidade de São Paulo. Nessa atividade turística o “roteiro”, o tempo de
duração e o preço são determinados pelos turistas.
4.3 A Serra e os Sítios Arqueológicos: atrativos em potencial.
De todos os atrativos do lugar os menos aproveitados pela atividade turística são a
serra e os sítios arqueológicos. Localizada na comunidade de São Paulo do alto dos seus 152
metros de altitude da Serra da Valéria podem-se vislumbrar magníficas paisagens da natureza
do lugar. O solo tem característica de terra preta de índio, apesar de nenhum estudo ter silo
feito, os artefatos arqueológicos guardados no “centro cultural” da comunidade foram
encontrados neste lugar.
Existem duas maneiras de chegar ao topo da serra, a primeira é subindo a parte
mais íngreme por um caminho utilizado pelos moradores para descer a criação de gado em
certas ocasiões do ano. O problema dessa “trilha” é a falta de segurança por ser íngreme e
160
porque quando chove o chão batido fica muito liso. A falta de corrimão também contribui
para a não utilização dessa “trilha”.
A outra forma de chegar a Serra é dando a volta pelo caminho leva até a colônia
de Samaria. Como o caminho fica no meio do mato é possível fazer observação de pequenos
igarapés, da fauna, da flora, e, do modos vivendis dos caboclos, já que atravessa alguns
roçados e campos de criação de gado. Apesar de não ser tão íngreme como a primeira esta
trilha também é acidentada com pequenas subidas e descidas, além do fato de ter que passar
por cima de troncos de árvores e ter que atravessar pequenos córregos, sobretudo no período
das chuvas. Apesar de mais longo e mais demorado (caminha-se por cerca de 1 hora) esta é a
melhor forma de chegar até alto da Serra. No entanto, esta trilha é muito pouco utilizada pelos
turistas. Um informante que já acompanhou muitos visitantes até aquele local relatou-nos que
Em cima da serra eles [os turistas] ficam encantados com a beleza, se
agente fizesse uma escada de pau a pique... porque as vezes eles
sobem com agente segurando na mão deles, se agente fizesse mesmo
um corrimão pra eles subirem lá em cima e um tablado de pelo menos
três metros de altura...pra eles avistarem melhor por cima das árvores
ai seria um opção boa, limpar só por baixo das árvores...só pra ficar
melhor, agente já colocou isso numa reunião...mais agente não foi
entendido. (J.P., morador de Bete Semes, 2009)
Em todas as entrevistas, o único atrativo que não recebeu nenhuma indicação
foram os sítios arqueológicos, deixando claro que é necessário criar alternativas para que estes
sejam utilizados como gerador de renda no turismo local. Sobre a importância do turismo
arqueológico SCATAMACCHIA (2005:15) afirma que este tem a faculdade de revelar a
identidade do território e das qualidades de uma cultura local, fixando imagens e vestígios que
testemunham o modo de viver e de trabalhar da comunidade no passado. A valorização do
patrimônio arqueológico pelo turismo além de gerar renda aos moradores também contribui
para sua preservação.
Para esta modalidade de turismo a comunidade de Santa Rita de Cássia tem
grande potencial, pois é onde está localizado o maior sítio arqueológico do lugar, além de
possuir grande quantidade e variedade de artefatos que estão em processo de datação por
arqueólogos do Instituo do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. Como não
existe museu, os artefatos encontrados são guardados na escola e nas residências de
moradores (figuras 44 e 45) que possuem “coleção” particular. Os habitantes mais antigos do
lugar relataram-nos nos primeiros anos de visitas dos turistas era comum a venda das
161
“caretas” (pedaços de cerâmicas ricos em detalhes), vasos de barro e machados de pedra como
relíquias, na atualidade isso não ocorre mais. A maioria dos turistas não sabe da existência
desse atrativo e muito menos visitam a comunidade de Santa Rita por causa da dificuldade de
chegar até o local.
Figura 44: Artefatos guardados na Escola de Sta. Rita.
Fonte: Picanço, Antonio., 2008
Figura 45: Coleção de um morador de Santa Rita.
Fonte: Picanço, Antonio., 2008
Os empecilhos para o desenvolvimento do turismo ecológico na Serra da Valéria
são:
- A dificuldade de acesso a comunidade que esta localizada em pequeno um
morro;
- A falta de um museu para a exposição dos artefatos;
- O aproveitamento dos jovens que já foram treinados pelos arqueólogos do
IPHAN como guias; e,
- A divulgação da existência desse patrimônio junto aos turistas.
Tanto a serra quanto os sítios arqueológicos que possuem grande potencial de
atração turística que sejam realizadas adequações estruturais e treinar os moradores nativos
para sua exploração. No caso da serra deve-se é necessário elaborar uma trilha que permita os
turistas mais idosos chegar até o seu topo. Na comunidade de Santa Rita deve-se construir um
museu para a exposição do acervo, uma escada para a facilitação do acesso dos visitantes e o
treinamento de moradores para exercer a função de guias culturais.
162
Comercializar é Preciso: a rede de negócios criada pelo turismo no lugar
Segundo Beni (2003) na compra de um produto, o consumidor espera uma
satisfação tangível ou intangível; na compra de um serviço turístico, a satisfação é mais difícil
medição de se medir; o turismo está comprando uma ilusão, uma expectativa, adquire uma
experiência desde que sai de casa até regressar a ela. Deste modo, para satisfazer os anseios
dos turistas é necessário que os prestadores de serviços ofereçam “produtos” variados e de
qualidade aos consumidores. Daí a necessidade de turistificar os territórios e os lugares
receptores.
Na Serra da Valéria, a concentração dos turistas acontece no espaço da
comunidade de São Paulo. É neste local que acorre a venda de artesanato, onde fotos de
touree são registras e os barqueiros ficam a espera de clientes turistas.
Para receber os visitantes o território comunitário é turistificado (figuras 46 e 47)
para a melhor comodidade dos visitantes “porto” de desembarque é ornamentado com folhas
de palmeiras, barracas padronizadas foram construídas de madeira e cobertas com palha para
a exposição e venda dos artesanatos, na sede social da comunidade mesas e cadeiras são
arrumadas para o comércio de bebidas em prol do santo que dá nome ao lugar. Além disso,
alguns residentes da Boca da Valéria, “arrendam” seus quintais para os moradores das outras
comunidades comercializarem seus artesanatos em barracas improvisadas. Também é comum
os donos das casas “reproduzirem” o ecossistema aquático do lugar com folhas e flores de
vitória-amazônica em pequenos cercados as margens do lago para serem fotografados pelos
turistas. Portanto, o turismo proporcionou a criação de novas territorialidades em “todo” o
espaço da comunidade para receber, agradar e principalmente comercializar com os turistas.
163
Figura 46: Chegada dos turistas no porto Boca da Valeria
Fonte: Picanço, Antonio, 2008.
Figura 47: Barracas padronizadas para a venda
de artesanato na Boca da Valéria
Fonte: Picanço, Antonio, 2008
Deve-se observar que esta é tarefa exclusiva dos residentes da Boca da Valéria, os
moradores de “fora” participam apenas da comercialização de artesanato e dos serviços com
os turistas. Estes também submetem-se ao controle espacial determinado pelos morados da
“Boca” em uma clara demonstração simbólica de pertencimento e de poder em relação aos
moradores de “fora”, neste sentido Sack (1986) afirma que
As razões do controle social pelo espaço variam conforme a sociedade
ou cultura, o grupo e, muitas vezes, com o próprio indivíduo.
Controla-se uma “área geográfica”, ou seja, o “território”, visando
“atingir/afetar, influenciar ou controlar pessoas, fenômenos e
relacionamentos”. A territorialidade, além de incorporar uma
dimensão estritamente política, diz respeito também às relações
econômicas e culturais, pois está “intimamente ligada ao modo como
as pessoas utilizam a terra, como elas próprias se organizam no espaço
e como elas dão significado ao lugar”. Sack afirma também: A
territorialidade, como um componente do poder, não é apenas um
meio para criar e manter a ordem, mas é uma estratégia para criar e
manter grande parte do contexto geográfico através do qual nós
experimentamos o mundo e o dotamos de significado. (apud
HASBAERT, 2005, p. 6776)
Os residentes da Serra da Valéria tomam conhecimento das datas da escala anual
dos cruzeiros no lugar a partir das listas distribuídas nas agências ou na Secretaria de Turismo
de Parintins. Basta que um deles seja avistado para que famílias inteiras transportadas em
canoas movidas a motor rabeta se desloquem até a Boca da Valéria com seus “produtos” para
comercializar com os turistas. Como a maioria dos turistas não desce dos transatlânticos
alguns caboclos-artesãos são convidados a venda seus produtos no interior dos cruzeiros.
164
Em 2008 um grupo de caboclos-artesãos foi autorizado a subir a bordo do Seven
Seas Mariner (figuras 48/49), navio de bandeira das Bahamas que tem a capacidade para
transportar 700 (setecentos) passageiros. Naquela ocasião, um morador da comunidade de São
Paulo vestido com trajes de marinheiro ficou o encarregado de escolher e transportar os
artesãos o navio. Após receberem um crachá de identificação, os nativos foram dirigidos até
um deck onde varias estavam enfileiradas para a exposição e comercialização dos artesanatos.
Os turistas são avisados pelo comandante sobre a exposição de produtos e chegavam em
pequenos grupos, uns somente para fazer registro fotográficos ou produtos outros para
comprá-los. O tempo a “visita” dos nativos no interior do cruzeiro estendeu-se até momentos
antes da partida do transatlântico.
Figura 48: Exposição de artesanato dentro do
cruzeiro Seven Seas Mariner.
Fonte: Picanço, Antonio, 2008.
Figura 49: Comercializando artesanato no cruzeiro
Seven Seas Mariner
Fonte: Picanço, Antonio, 2008.
Em todas as negociações entre os nativos e os turistas a comunicação ocorre
através de gesticulações ou com a indicação do preço das peças em folhas de papel. Por mais
que os visitados se esforcem para se fazer entendidos em muitos casos o esforço é em vão.
Nas caminhadas pela floresta, por exemplo, ou nas visitas as comunidades, os “guias”
simplesmente acompanham o turista, sem que haja a indicação dos atrativos ou no caso de
165
visitas ao sitio arqueológico da comunidade de Santa Rita a explicação da história e do
significado dos artefatos. Deste modo, a interação ente turistas e moradores locais ocorre
apenas quando o guia é solicitado para fazer o registro de imagens do visitante nos locais por
ele escolhido.
A atividade turística também originou uma pequena mais pujante rede de
comércio entre os entre os moradores da ‘Boca da Valéria’ e os moradores das outras
comunidades. O aluguel das barracas padronizadas, a venda de refeições, de lanches e bebidas
é realizado em todos os dias em há visita dos turistas. Como o número de barracas
padronizadas não é suficiente para atender todos os artesãos alguns moradores da ‘Boca’
permitem que os de fora comercializem seu produtos frente de suas residências mediante
pagamento diário. O bar da comunidade também se aproveita da ocasião para vender bebidas
para ajudar na manutenção da paróquia do lugar.
Tanto para os moradores locais, quanto para os estrangeiros negociações a moeda
de troca utilizada é o dólar, como já dito, para os estrangeiros os preços são indicados por
gestos ou são escritos em placas. Em relação ao comércio realizado entre os nativos um
morador da comunidade de Bete Semes nos relatou o seguinte:
Agente paga lá pra expor os artesanatos, varia de dois a três dólares
por viagem, cada barco que vem agente tem que pagar. Agente paga
pro senhor lá [...] aquelas barraquinhas que a gente fica vendendo lá
são feitas por eles ai agente tem que pagar pra eles (D. M. morador da
comunidade de Bete Semes, 2009).
Ainda a esse respeito uma moradora da comunidade de Santa Rita nos fez o
seguinte relato a esse respeito:
A alimentação agente leva merenda de casa mesmo, quando não, tem
gente que vende lá almoço, merenda, todo tipo de comida. Tem um
rapaz ali que leva bolacha, bombons, lá já tem agora todas essas coisas
pra vender lá. O pagamento é feito em dólar, um prato de comida é
dois dólar, mais ela faz de um dólar, um copo de mingau de milho é
um dólar. Um pedaço grande de bolo um dólar. Tudo é vendido no
dólar. (F. S, moradora da comunidade de Santa Rita.
Além de movimentar o pequeno comércio do lugar o turismo é responsável pela
introdução de novos hábitos e padrões de comportamento no lugar. Visto apenas pelos
aspectos econômicos, como estão fazendo os órgão oficiais do governo e os próprios
moradores do lugar, esta atividade é vantajosa já que oferece aos nativos oportunidades únicas
166
para obterem lucros com a venda de artesanatos e serviços relacionados a rede turística local.
No entanto, esta atividade deve também ser analisada a partir dos impactos que está causando
no universo simbólico das comunidades locais com a introdução de novos valores e
comportamentos no lugar e na maneira como esta atividade é vista pelas comunidades do
lugar, ou seja, como uma mera atividade que geradora de renda no lugar. Segundo Pires
(2004)
(...) quando, especialmente o Turismo Internacional; tem importância
econômica para um país ou região, esse se torna um poderoso
elemento modificador da estrutura social da comunidade receptora. O
que nem sempre é bem visto por essa comunidade. Tal fato se
relaciona, especialmente, ao contato entre autóctone e visitante em
condições opositoras, impostas pela globalização da economia que
cada vez mais pontua o universo do desenvolvido e do
subdesenvolvido, do central e do periférico. Afirmando a cultura da
globalização ou globalizada (do visitante) que se dá pela não aceitação
da cultura local (do visitado). Acentuando-se, assim, as desigualdades
não só econômicas, mas sócio-culturais existentes entre regiões
distintas do planeta, representadas pela relação turistas e comunidade
receptora. (PIRES, 2004: p.14-15)
No caso das comunidades da Valéria o turismo é uma das principais causas pelo
acirramento das relações conflituosas entre os nativos da comunidade de São Paulo com os
moradores de “fora” pela disputa dos turistas. Para os primeiros a “Boca da Valéria’, ou seja,
do lócus em que vivem é o principal atrativo dos turistas, sob esta percepção da atividade faz
com este acreditem que os visitantes devem ficar concentrados na sua comunidade. Também a
reclamação da sujeira deixada pelos moradores de fora e pela desorganização que causam em
seu lócus de residência.
Os habitantes das comunidades da Bete Semes e Santa Rita reclamam
principalmente do não recebimento das doações de material escolar, roupas e sapatos doados
pelos turistas. Também existe insatisfação em relação a ausência dos moradores de ‘fora’
organização do lugar para receber os visitantes
e das ‘taxas’ cobradas pelo moradores da
Boca da Valéria para a venda dos seus produtos.
Para amenizar estes conflitos no lugar deve-se estimular a implantação do
turismo de base comunitária de base que visa à promoção de forma equitativa entre as
comunidades envolvidas e contribui para o fortalecimento das relações sociais dos moradores
do lugar.
167
4.5 A Troca Arbitrária da Moeda em Parintins
Karl Marx definiu dinheiro da seguinte maneira
[...] é uma forma equivalente geral do valor, na qual o valor das
mercadorias aparece como puro valor de troca. A forma dinheiro do
valor é inerente à forma produção de mercadorias organizada pela
troca. [...] o dinheiro é um equivalente geral socialmente aceito, uma
mercadoria específica surge na realidade social para desempenhar o
papel de equivalente e exclui esse papel todas as outras mercadorias.
[...] Como a mercadoria-dinheiro é uma mercadoria produzida, seu
valor é determinado pelas mesmas leis que determinam o valor das
outras mercadorias. (BOTTMORE, op. cit. 106-7)
Na época em que Marx escreveu “O Capital”, século XIX, o valor do dinheiro era
calculado pelo “lastro do ouro”, ou seja, qualquer pessoa podia trocar o valor do seu dinheiro
por ouro. Quando a moeda tinha lastro os investidores sentiam-se mais seguros, no entanto,
com as especulações financeiras e suas conseqüências desastrosas nas economias dos países
esse sistema foi substituído no final da primeira Guerra Mundial. Atualmente existem duas
maneiras de trocar moedas estrangeiras: a troca feita pela taxa de câmbio e a troca arbitrária
pura. A primeira pode ser entendida da seguinte forma,
A taxa de câmbio refere o valor do dólar americano De encontro aos
valores das moedas de outros países. Tal taxa ajuda a determinar
quanto pagamos pelos produtos e serviços importado e quanto
recebemos para o que exportamos, entre outras coisas. Quando o valor
do dólar americano deixa cair, as importações tornam-se mais caras, e
tendem ser reduzir o volume de nossas importações. Simultaneamente,
outros países pagarão MENOS por alguns de nossos produtos e aquele
tenderá a impulsionar vendas de exportação. Se as importações e as
exportações são uma parte substancial da economia de um país, como
é o caso com Canadá, a taxa de câmbio joga um papel particular
importante em nossa economia. A taxa de câmbio entre duas moedas
dos países é particular importante se os dois países são envolvidos
pesadamente no comércio. (VAKNIN, 2006)
Como não existem casas de câmbio e as agências bancárias (Banco do Brasil,
Bradesco e BASA) existentes na cidade de Parintins não fazem a troca de moedas
estrangeiras, aliás, em todo o Estado do Amazonas só existem três Agências de Turismo e
Meios de Hospedagem autorizadas a fazer o câmbio de moedas, duas em Manaus e uma em
168
Tabatinga, os caboclos-artesãos da Valéria ficam a mercê dos compradores de dólar da sede
do município, sobretudo dos comerciantes. Estes fazem a troca arbitrária pura da moeda
estrangeira. Nesta modalidade de troca, o vendedor da moeda confiará unicamente no
julgamento dos comerciantes. Por exemplo um comerciante arbitrário pode manchar um teste
padrão particular que torna-se em uma carta e decidi-lo incorporar um comércio nessa base”
(Ibidem).
Em Parintins os compradores de dólar criaram um padrão de troca no qual o Real
tem muito mais valor que as notas de um dólar e de euro. Também inventaram uma lógica em
que o valor das notas de um dólar é equivalente ao valor das notas de cinco, dez e vinte
dólares. Deste modo, quando a oferta de notas de um dólar é grande o comerciantes trocam
todas por um mesmo valor, por exemplo, no mês de novembro de 2009, as notas de todos os
valores eram sendo trocadas por um real e cinqüenta centavos pelo principal comprador do
município, segundo uma informante de Santa Rita. Quando foram questionados sobre quanto
ganharam e onde trocam seus dólares obtivemos as seguintes respostas dos informantes,
Esse ano [2009] só com artesanato eu ganhei uns 200 dólares, de
passeio eu peguei já no final uns 90 dólares. Pra tocar agente vai com
um pessoal do navio ou agente vai lá no Baranda [um dos maiores
comerciantes de Parintins], esse ano foi o valor traçado R$1.80 para as
notas de um dólar e a 2 reais pelas notas de cinco, dez e vinte dólares.
(R.F., morador da comunidade de Santa Pesquisa, 2009).
Esse ano vou colocar assim por cima, eu acho que uns 300 dólares,
porque nos primeiros anos, os navios que vieram antes, eu falo assim
que nunca agente vinha de lá do São Paulo com menos de 100 dólares
e esse ano agente chega a fazer até 45 dólares [por navio](...) Olha
esses dólares ai, geralmente agente ano passado agente vendia ai mais
no Baranda e esse ano aqui já veio gente de lá Parintins, um rapaz que
já veio trocar aqui era R$1.50, R$1.80 até 2 reais, porque as cédulas
de, por exemplo de 5, 10 e 20 dólares eles davam dois reais a de um
dólar era R$ 1.80. A nota de um dólar, por exemplo, eles não pagam
assim como passa o valor na televisão. (M.R, moradora de Santa Rita,
2009)
A troca é lá no Baranda. Se a pessoa quiser a troca o dólar pelo rancho
ele troca e se a pessoa quiser o dinheiro ele troca também é bom por
isso! Nana troca pelo rancho agente faz o rancho e ai agente paga pelo
dólar, ele troca as notas de 5, 10 e 20 por dois reais e a nota de um
real eles dão 1.70 quando tá baixo e 1.80 quando tá bom. Esse ano eu
levei 150 dólares porque não era todo mundo que comprava quadro e
remo. (M.F.P, moradora da comunidade de Santa Rita, 2009)
169
Se estendermos esses três relatos para as UD’s que participam da atividade
turística no lócus de pesquisa teremos uma idéia ampla de quantas pessoas são exploradas por
esta forma imoral de comércio. Diante da invisibilidade deste problema para as autoridades
municipais não existem perspectivas em curto prazo para sanar esta pratica no município de
Parintins. Aos caboclos-artesãos da Serra da Valéria resta apenas o sentimento de
desesperança e resignação diante deste fato, como o demonstrado na fala de uma moradora do
lugar ao ser questionada porque continuava a trocando seus dólares mesmo sabendo que não é
o valor correto: agente troca porque agente tem que trocar mesmo. Todo mundo faz esse
mesmo processo, porque o banco de Parintins não troca. (M.R., moradora da comunidade de
Santa Pesquisa, 2009)
5. Para não Concluir: considerações sobre a prática do turismo na Boca da
Valéria
Ao longo de mais de três décadas, o turismo de cruzeiros vem criando novas
territorialidades na localidade conhecida internacionalmente como Boca da Valéria. Os
territórios das comunidades, da mata de terra firme e o lago, antes utilizados para a moradia e
o sustento das UD’s locais tornaram-se territorialidades voltadas para atender a demanda dos
turistas que visitam o lugar entre os meses de novembro a abril todos os anos.
Imbricada na rede de relações socioeconômicas que só é possível perceber
utilizando a análise sistêmica, visto que, a atividade turística esta criou inter-relações e
interdependências entre os países emissores e a localidade receptora do fluxo de turistas.
Além disso, possibilitou-nos compreender que além dessa “rede-macro” do turismo
internacional, existe um comércio interno de venda de sementes, de refeições, de madeiras e
outros materiais utilizados na fabricação do artesanato que extrapolou as fronteiras das
comunidades de São Paulo, Bete Semes e Santa Rita de Cássia, constituindo-se um grande
sistema de negócios gerados pelo o turismo no lugar.
O turismo também fez surgir neste lócus uma nova categoria social, o cabocloartesão. Onde lugar onde tradicionalmente o modus vivendis sempre esteve baseado em
atividades tradicionais como a agricultura, a pesca e a coleta de subsistência, a produção de
artesanato tornou-se um habitus, ou seja, um saber adquirido no cotidiano dos moradores da
Serra da Valéria, envolvendo praticamente todos os membros das unidades domésticas no
processo de produção e comercialização. Na sedimentação do capital cultural desta categoria
170
no lócus de pesquisa está o processo de transmissão da tradição do fazer artesanato às novas
gerações através da aprendizagem do modus operandi e da padronização singular das formas
de produção de artesanato do lugar.
A defesa do surgimento da categoria caboclo-artesão na Serra da Valéria segue a
mesma premissa de Hobsbawn (2000, p. 279-80) que ao se reportar sobre a formação da
classe operária faz a seguinte afirmação
As classes nunca estão prontas no sentido de acabadas, ou de terem
adquirido sua feição definitiva. Elas continuam a mudar. [...] o
proletariado britânico tornou-se identificável não só pelo que usava na
cabeça, mas também pelo ambiente físico no qual vivia, por um estilo
de vida e de lazer, por uma certa consciência de classe cada vez mais
expressa numa tendência secular de filiar-se a sindicatos e de filiar-se
a partidos.
A formação da categoria caboclo-artesão da Valéria também ocorreu a partir das
exigências históricas do capitalismo, neste caso, em função do turismo. Assim, a partir do
momento em que Destarte, ao apropriar-se dos atrativos naturais esta atividade estimulou
também a produção de artesanato e uma paulatina formação da consciência de classe, visto
que, em todas as comunidades estão sendo fundadas associações de artesãos, além disso:
- Ao produzir artesanato os caboclos-artesãos de cada comunidade atribui-lhes
um sentido identitário de pertencimento ao lugar em que vivem, ou seja,
a
peça produzida funciona como um espelho do papel social que este
desempenha;
-
Apesar de a atividade turística acontecer somente no período de novembro a
abril, a produção de artesanato ocorre o ano inteiro tornando este ofício em um
continum aprender e a fazer-se artesão anualmente;
- Mesmo que as atividades agropastoris ainda constituírem-se como as principais
fontes geradoras de renda das UD’s locais, as horas dedicadas à produção do
artesanato estão aumentado paulatinamente e tornam-se praticamente exclusiva
ocupação laboral dos caboclos durante a temporada de cruzeiros; e,
- Esta nova categoria social vem sendo sedimentada ao longo dos anos em um
processo lento deixado de herança para os membros mais novos das UD’s
locais. Assim, a produção de artesanato sai do mero campo da produção para
171
uma importante fonte de renda para manutenção das famílias e estendendo-se
ao processo de endoculturação identitária local.
O turismo praticado no lugar o de natureza e não o ecoturismo. Esta modalidade
de turística exclui o convívio direto com ambientes urbanos, os quais, muitas vezes, irão
servir somente de aporte por meio do oferecimento de serviços de hospedagem, alimentação
ou agenciamento, necessários para o seu desenvolvimento. A oferta turística original, bem
como, a potencialidade turística, resultam diretamente do ambiente natural (SILVA, 2006:75).
Os turistas que visitam a Serra da Valéria buscam principalmente o contato com
os atrativos naturais e também procuram conhecer o modus vivendis e as características
culturais dos nativos do lugar. Mesmo como foi salientado anteriormente não havendo trilhas
determinadas o contato com a natureza é realizado através das caminhadas na mata e dos
passeios no lago. Em relação ao modus vivend os turistas acabam vendo apenas
, ou o que
pensam ser, já que na maioria das vezes só vêem o touree, pois não existe um roteiro prévio
para as comunidades.
Destarte, que para os atrativos naturais e culturais do lugar sejam melhor
explorados e gerem mais benefícios aos moradores da Serra da Valéria é necessário realizada
a roteirização turística nos moldes definidos pelo MINITUR, como,
um itinerário caracterizado por um ou mais elementos que lhe
conferem identidade, definido e estruturado para fins de planejamento,
gestão, promoção e comercialização turística das localidades que
formam o roteiro. (...) a roteirização turística é o processo que visa
propor, aos diversos atores envolvidos com o turismo, orientações
para a constituição dos roteiros turísticos. Essas orientações vão
auxiliar na integração e organização de atrativos, equipamentos,
serviços turísticos e infra-estrutura de apoio do turismo, resultando na
consolidação dos produtos de uma determinada região. (Ministério do
Turismo, 2007: 15)
O turismo praticado na Serra da Valéria valoriza o contato direto com os
ambientes naturais locais, no entanto, a oferta desses atrativos limita-se a caminhadas pelos
arredores da comunidade de São Paulo e pelos passeios no lago. Deste modo, torna-se é
necessário ampliar a oferta de produtos e criar mais roteiros para os turistas deslocarem-se até
eles com segurança, pois, o único atrativo que possui itinerário bem estabelecido é o passeio
no lago. Então propomos que:
172
- Seja dada ênfase no turismo de base comunitária, ou seja, aquele em que a
organização do espaço turístico e dos recursos patrimoniais comunitários visam
a cooperação e a igualdade na distribuição nos serviços turísticos. No lugar
pesquisado a maneira como os comunitários estão organizados beneficia a todas
as UD’s do lugar, no entanto, na medida em que a cooperação entre as
comunidades se fortaleça os ganhos com a atividade turística ampliará;
- Evitar que o turismo no local seja massificado, devendo manter o controle da
demanda de turistas e da pressão ambiental que os atrativos possam suportar.
Deste modo, a preocupação com a preservação das áreas verdes, do lago e do
padrão de vida tradicional das populações autóctones do lugar deve ser
enfatizada através da Educação Ambiental;
- Com relação à infraestrutura devem-se fazer algumas melhorias nos porto
comunidades de São Paulo e de Santa Rita de Cássia, como grande dos turistas
possui faixa etária acima dos 40 anos é necessário facilitar acesso aos atrativos
do lugar, principalmente aos atrativos em potencial como a serra e o sítio
arqueológico de Santa Rita;
- O turista de natureza é aquele que busca o contato direto com a “rusticidade” das
culturas e com a natureza preservada, portanto, deve-se evitar que criação de
novas territorialidades através da turistificação modifique os padrões culturais da
população autóctone e a paisagem natural local;
- Entre as comunidades de São Paulo e a colônia de Samaria existem diversos
atrativos que podem ampliar a oferta turística do lugar como: córregos de águas
limpas e a possibilidade de observação da fauna e flora e do modus vivendi dos
moradores das colônias;
- O turismo arqueológico na comunidade de Santa Rita de Cássia deve ser
estimulado com turistificação do sítio arqueológico, construção de um museu e
que os comunitários sejam previamente “treinados” para exercer as funções de
guias culturais; e, por fim
- Deve haver envolvimento dos órgãos de turismos municipal e estadual, do
INCRA e do IBAMA no sentido de auxiliar no desenvolvimento de uma prática
do turismo sustentável permitindo a preservação dos recursos naturais e a
melhoria da qualidade de vida dos moradores locais. O papel dessas instituições
173
deve ser o de auxiliar no planejamento não de determinar o que deve ser feito,
levando-se em conta as características sócio-culturais do lugar.
174
Considerações Finais
A ausência de políticas públicas geradoras de renda, o difícil acesso a saúde e
educação são fatores constantes na vida das populações ribeirinhas do Estado do Amazonas.
Como as políticas desenvolvimentistas planejadas pelo Estado sempre relegaram ao caboclo
um lugar secundário no seu planejamento e na própria construção de sua história. No entanto,
com o novo enfoque dado à natureza, a Amazônia passou a ser vista como um paraíso a ser
“preservado” para garantir a manutenção da vida na terra.
Sob a ideologia conservacionista os governos federais e estaduais elegeram o
ecoturismo de natureza como o tipo “ideal” para a preservação do ecossistema Amazônico.
Desse modo, as agências internacionais de turismo de cruzeiros foram estimuladas a
transformassem a rota do rio Amazonas em um “novo eldorado” turístico.
Para um Estado que é incapaz de criar políticas públicas eficientes de acesso a
saúde, a educação e a geração de renda para as comunidades caboclas do interior, o
ecoturismo passou a ser visto pelas instituições governamentais como uma grande alternativa
para a superação desses problemas sociais. No entanto, não basta simplesmente que o turismo
se aproprie de um lugar e passe a usá-lo sazonalmente para haja desenvolvimento social e
econômico. É necessário que o Estado em conjunto com as comunidades autóctones planejem
o tipo e como está atividade será desenvolvida no lugar, uma vez que é causadora de danos
socioambientais as vezes inseparáveis.
O Planejamento Participante de Base Comunitária é o que mais se aproxima dos
interesses das comunidades tradicionais amazônicas na medida em que dá a elas o poder de
decidir o tipo de turismo a ser implantado na área em que vivem e também porque permite o
empoderamento dos comunitários para planejar e decidir seu futuro. Infelizmente o que ocorre
é o contrário, os técnicos dos órgãos oficiais do Estado que quase sempre desconhecem as
características históricas, econômicas e sociais chegam com programas turísticos de
receituário livresco e passam induzir que tais receitas sejam aplicadas no lugar. Assim, fica
claro que para o Estado que o turismo é apenas uma atividade econômica e não um fenômeno
social que faz parte da esfera cultural.
Destarte, que a inserção das comunidades tradicionais caboclo-ribeirinhas no
roteiro do turismo internacional foi motivada primeiramente pela crise em algumas rotas
tradicionais dos cruzeiros e o forte apelo midiático e ideológico da questão ecológica no
mundo contemporâneo. Assim, a inclusão dessas comunidades no roteiro internacional de
175
turismo foi mais conseqüência da crise econômica e do apelo ideológico do movimento
ecológico que a necessidade de preservar os recursos naturais. O turista continua olhando para
os povos e populações tradicionais como exóticos e mantém ainda uma relação comercial
como já foi citado. Poucos são aqueles que procuram interagir de fato com as culturas
visitadas.
Desde o seu início a atividade turística, praticada na Boca da Valéria, passou a ser
vista pelos moradores locais como alternativa de geração de renda e melhoria na qualidade de
vida. A demanda por artesanato foi o principal fator que estimulou o aparecimento do
caboclo-artesão como nova categoria social no lugar. Após três décadas de sedimentação
deste ofício muitos moradores já se identificam como agricultores e artesãos. Deste modo,
durante todo o ano, o tempo de trabalho dos moradores das comunidades de São Paulo, Santa
Rita e Bete Semes é dividido entre as tarefas agroflorestais (homens) / domésticas (mulheres)
e a produção de artesanato. Esta pratica cotidiana transformou-se em habitus, constituindo-se
assim uma categoria social reconhecida e aceita pelos membros das comunidades do lugar.
As outras mudanças ocorridas no lugar foram à criação de territorialidades para a
prática do turismo, assim, o território da comunidade de São Paulo foi modificado para
receber os turistas com a construção de barracas padronizadas para a venda de artesanato.
Além disso, o lago também foi transformado em território turístico para a prática de passeios
de canoas. A floresta antes somente utilizada para a prática da agricultura e da coleta agora é
o território utilizado pelos turistas para caminhas. Deste modo, o território natural da Serra
Valéria, como em outras regiões do mundo, foi apropriado pelas agências de turismo para a
oferta de serviços a seus clientes.
Apesar de constitui-se uma importante fonte de renda para as famílias do lugar, o
turismo pode ser mais lucrativo para os nativos, se duas medidas básicas mais importantes
fossem tomadas. A primeira é a roteirização dos atrativos do lugar que aumentará oferta e da
demanda turística efetiva do lugar. É importante salientarmos que o Ministério do Turismo
recomenda seja a “Instância de Governança Regional” que realize a roteirização, no caso da
Valéria, a responsabilidade da realização desta tarefa é de responsabilidade da Secretária de
Turismo do município Parintins, em conjunto com INCRA que é o responsável pelo
assentamento e o IPHAN responsável pelo patrimônio arqueológico da comunidade de Santa
Rita de Cássia. Destarte, apesar da relevância dos técnicos e pesquisadores desses órgãos, não
há como fazê-lo sem o auxílio do saber dos caboclos locais, afinal são eles conhecem as
potencialidades turísticas do lugar.
176
A segunda medida é criar oportunidades para o aperfeiçoamento e ampliação da
“prestação de serviços” aos turistas, ou seja, oferecer de aperfeiçoamento do artesanato aos
moradores, além oficinas aos artesãos para que lhes aprendam fazer outros tipos de artesanato
e para aqueles que não fazem artesanato, um curso com noções básicas de guias turísticos.
Associado a isso, o município deveria procurar criar um mecanismo de troca justa da moeda
estrangeira dos comunitários, evitando que os mesmos sejam lesados na troca arbitrária da
moeda com os comerciantes. As implantações dessas políticas públicas básicas terão três
conseqüências. A primeira é melhoraria o fluxo de turistas, pois, aumentará a oferta de
serviços e facilitarão o acesso dos turistas as atrativos do lugar; a segunda é que dará
visibilidade aos moradores da Serra da Valéria o possibilitará a participação dos comunitários
no planejamento do tipo de turismo que desejam para o local; e, mesmo tempo em que
quebraria um “paradigma” do planejamento turístico do município míope, ou seja, que não
quer perceber a existência de outros atrativos turísticos além das fronteiras da cidade de
Parintins.
A Boca da Valéria, como é conhecida internacionalmente, já faz parte da rota de
cruzeiros que seguem pelo rio Amazonas, este fato tornou a atividade turística em um fato
social total na localidade, pois, de uma maneira ou de outra, envolve praticamente todas as
UD’s do lugar. E também é importante para a reafirmação do sentimento identitário dos
caboclos, pois, acreditam que o turismo valoriza as belezas naturais e o estilo de vida
tradicional do lugar. Destarte, o turista, muito embora nem todos tenham essa consciência, é
visto como aquele que vem de longe não apenas para comprar artesanato, mas para admirar as
belezas do lócus em que vivem.
Apesar das potencialidades turísticas existentes na Serra da Valéria, está longe
de ser considerado como sendo turismo sustentável, pois não supre e jamais suprirá as
necessidades básicas da população local, pois o turismo é uma atividade complementar na
economia de qualquer lugar em que atua e, não está promovendo a preservar o ambiente
natural, pois os impactos causados por esta atividade ainda sejam insipientes. Na realidade o
chamado turismo sustentável é um discurso ideológico que a praticidade do planejamento
preocupado como o desenvolvimento econômico das comunidades tradicionais da Serra da
Valéria e de outros lugares do Estado, evidenciando a incapacidade e a falta de interesse das
secretarias municipal e estadual para a elaboração e no desenvolvimento políticas públicas
177
que promovam não apenas o desenvolvimento do turismo, mas que possibilite o bem estar
social através da oferta serviços de educação, de geração de renda e da saúde.
Deste modo, é evidente que as políticas públicas voltadas para o desenvolvimento
do turismo no Estado estão longe de promover o desenvolvimento local, pois na elaboração
dos planos de desenvolvimento para esta atividade não leva em conta a importância do poder
endógeno das populações nativas, ou seja, a valorização da autogestão das comunidades
tradicionais para promover o desenvolvimento do turismo em seu território, preservando o seu
patrimônio ambiental e superando as suas limitações para melhorar a qualidade de vida dos
seus moradores.
Para o ordenamento e o planejamento da atividade turística na Serra da Valéria é
necessário que o poder público em conjunto com os representantes de todas as comunidades
planejem ações. As principais são a estruturais como a melhoria nos portos das comunidades,
principalmente o de São Paulo e o de Santa Rita de Cássia e a roteirização do lugar com
trilhas indicando os atrativos e a ampliação da oferta turística com a inclusão do turismo
arqueológico e de outros atrativos existentes no lugar que ainda não são explorados. No tipo
de turismo praticado no lugar, de natureza, não há necessidade de grandes transformações
estruturais, pois os turistas que visitam o lugar procuram contato com a paisagem natural com
ausência de urbanização e de artificializações nocivas ao ambiente e paisagem natural.
Somado isso, é necessário que seja incentivando o turismo de base comunitária e que seja
criado um meio de troca justa da moeda estrangeira que os moradores do lugar arrecadam
com a atividade turística do lugar.
Apesar de importante para a geração de renda das UD’s do lugar o turismo
praticado no lugar não é sustentável, pois:
- Apesar de contribuir para a aquisição de bens materiais o tuirssmo não supre as
necessidades econômicas dos moradores locais, ao contrário, estão tornando-se
dependentes dessa atividade;
- Mesmo contribuindo para reafirmar o sentimento identitário da população
nativa a pratica do turismo no lugar é uma das causas do acirramento dos conflitos
entre as comunidades pela organização do espaço e pela divisão das doações que
os turistas deixam na comunidade de São Paulo.
- Apesar de ainda serem incipientes os impactos ambientais já são percebidos
principalmente pela dificuldade em encontrar a Ucuuba Vermelha para a
confecção de artesanato juntamente com o fato da exposição de animais como
178
macacos e papagaios para serem fotografados pelos turistas. O acumulo de lixo,
esmo em pequena escala é também fruto da atividade no local;
- A distribuição de pequenos brindes estimula as crianças a tornarem-se pedintes
e deste modo passam a ver no turista alguém apenas que se possa tirar proveito;
- A falta um planejamento e de melhorias na infraestrutura do lugar pelos órgãos
oficiais é um dos entraves que diminui o tempo de permanência no lugar,
contribuindo para que os ganhos com a atividade sejam reduzidos.
Portanto, Serra da Valéria é ponto de parada obrigatório no roteiro dos cruzeiros
do rio Amazonas. Ao longo de trinta anos esta atividade tornou-se importante no
complemento de renda para as famílias nativas, o que precisa ser feito é um planejamento que
contemple as características culturais e ambientais do lugar. Para se tornar sustentável essa
atividade deve se transformar de fato em ecoturismo e não em turismo de massa. A
massificação do turismo causará sérios problemas culturais e ambientais às comunidades.
Neste sentido, faz necessária a implantação do turismo de base comunitária no lugar.
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