Turismo, Territorialidade e Sustentabilidade na - PPG
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Turismo, Territorialidade e Sustentabilidade na - PPG
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS PPGCASA PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE NA AMAZÔNIA – PPGCASA (ECO)TURISMO E TERRITORIALIDADE: A (IN)SUSTENTABILIDADE NA BOCA DA VALÉRIA / PARINTINS –AM ANTONIO PICANÇO FOSECA MANAUS 2010 UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS PPGCASA PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE NA AMAZÔNIA – PPGCASA ANTONIO PICANÇO FONSECA (ECO)TURISMO E TERRITORIALIDADE: A (IN)SUSTENTABILIDADE NA BOCA DA VALÉRIA / PARINTINS –AM Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia – Nível: Mestrado Acadêmico, para obtenção do Título de Mestre em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia, sob orientação da Profª. Drª. Ivani Ferreira de Faria. MANAUS 2010 Ficha Catalográfica (Catalogação realizada pela Biblioteca Central da UFAM) Fonseca, Antonio Picanço F676e (Eco) turismo e territorialidade: a (in) sustentabilidade na Boca da Valéria / Parintins – AM / Antonio Picanço Fonseca. Manaus: UFAM, 2010 193 f.: il. color ; 30 cm Dissertação (Mestrado em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia) –– Universidade Federal do Amazonas, 2010 Orientadora: Profª. Drª. Ivani Ferreira de Faria 1. Turismo – Parintins (AM) 2. Ecoturismo – Parintins (AM) 3. Territorialidade humana 4. Parintins (AM) – População I. Faria, Ivani Ferreira de (Orient.) II.Universidade Federal do Amazonas III. Título CDU(1997): 379.85(811.3)(043.3) ANTONIO PICANÇO FONSECA (ECO)TURISMO E TERRITORIALIDADE: A (IN)SUSTENTABILIDADE NA BOCA DA VALÉRIA / PARINTINS –AM Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia – Nível: Mestrado Acadêmico, para obtenção do Título de Mestre em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia, sob orientação da Profª. Drª. Ivani Ferreira de Faria. BANCA EXAMINADORA Profª. Drª. Ivani Ferreira de Faria Universidade Federal do Amazonas – UFAM Profª. Drª. Maria Olívia de Albuquerque Ribeiro Simão Universidade Federal do Amazonas – UFAM Profª. Drª.Marta de Azevedo Irving Universidade Federal do Rio de Janeiro – UERJ À Mayanna Picanço, filha amada que tornou minha vida mais feliz. AGRADECIMENTOS Aos moradores da Serra da Valéria, em especial aos das comunidades de São Paulo, Santa Rita de Cássia e Bete Semes, pela acolhida e informações prestadas. Aos amigos e informantes da comunidade Bete Semes Davi Marialva, Joel, Raimundo, ao pastor Elionai e família por me acolher em suas casas e por estarem sempre dispostos a ajudar-me a colher e registrar as informações fundamentais na pesquisa de campo. À dona Fátima moradora da comunidade de Santa Rita de Cássia. Aos presidentes das comunidades. Aos alunos dos cursos da UEA em que ministrei aulas de Antropologia da Educação, Antropologia Social, Introdução à Sociologia, Filosofia da Ciência e Introdução a Filosofia pelo esforço que fizeram para realizar as pesquisas de campo e os trabalhos nas diversas comunidades de Parintins, principalmente na Serra da Valéria. Aos amigos de Mestrado: Heloisa, Rita Mileni, Jander e Emiline pelas discussões e angustias teóricas e os momentos de descontração proporcionados nos bares da vida ao longo do curso. Em especial a Elitânia, amiga de todas as horas n que não mediu esforços para ajudar a todos que precisaram de apoio na reta final do mestrado. Ao amigo e irmão, Amecy Souza por colocar a disposição sua biblioteca e por contribuições filosóficas dadas a esta pesquisa, principalmente na fase final. À Lukas e Raisa Souza, pela colaboração nas pesquisas feitas na internet. Ao meu irmão Charlly pelas aventuras e quedas na estrada do P.A. Vila Amazônia nas viagens de pesquisa de campo. A minha irmã Márcia e os meus sobrinhos Alexandre e Felipe pelo amor e apoio. E, em especial, a minha mãe Maria das Graças Picanço por ter me ensinado os princípios de justiça e de honradez que norteiam os meus dias. E as pessoas que de uma forma ou de outra contribuíram para a realização desta pesquisa. A todos meus sinceros agradecimentos. RESUMO O turismo como fenômeno social surgiu a partir das transformações tecnológicas e sociais ocorridas na Europa do século XIX. No século XX ocorreu a expansão do turismo para todas as partes do mundo e a formação da rede-turística responsável, por exemplo, pela padronização dos serviços, do surgimento das redes de hotelarias, das agências de turismo e da utilização das tecnologias de informação para divulgar e “vender” os produtos turísticos e a ampliação da oferta de produtos. A crise do turismo de massa nos anos 60 e 70 a partir da saturação do turismo de sol e praia favoreceu dos roteiros que favorecem o contato com a wild life. Foi neste contexto que regiões como a Amazônia e o Pantanal foram inseridas no roteiro do turismo internacional. Este estudo tem como objetivo analisar a inserção das comunidades tradicionais caboclo-ribeirinhas da Amazônia no roteiro internacional do turismo e as novas territorialidades decorrentes dessa atividade. O lócus escolhido para a realização da pesquisa foi a localidade conhecida como Boca da Valéria / Serra da Valéria/ Parintins/AM, a partir de três comunidades: São Paulo, Santa Rita e Bete Semes. Para a efetivação da pesquisa foram utilizados os aportes teóricos e metodológicos da Geografia e da Antropologia, com ênfase nas análises sistêmica e dialética do fenômeno turístico e da realidade socioeconômica do lugar. O turismo praticado no lugar é o de natureza, onde os visitantes procuram conhecer os principais atrativos naturais do lugar: o lago e a floresta. Essa a modalidade de turismo criou novas territorialidades para o consumo dos turistas como o lago, a floresta e as próprias comunidades. A concentração dos turistas ocorre na comunidade de São Paulo onde os visitantes compram artesanato, tiram fotos, fazem caminhadas pela floresta e os passeios pelo lago. Apesar da importância na geração de renda a atividade turística no lugar não é sustentável, já que além de causar danos ao meio ambiente, ainda está longe de satisfazer as reais necessidades da população local. Outra conseqüência dessa atividade no lugar foi o aparecimento de uma nova categoria social, o caboclo-artesão, que transformou-se em profissão de praticamente todos os moradores do lugar e vem sendo sedimentada na memória coletiva local ao longo de mais de três décadas. Alem disto, a falta de infra-estrutura adequada nas comunidades para a locomoção dos turistas, o não conhecimento da língua inglesa, a ausência de trilhas ecológicas na floresta e o não aproveitamento da serra e dos sítios arqueológicos como atrativos turísticos fazem com que os moradores do lugar aproveitem pouco as oportunidades propiciadas pelo turismo do lugar. Palavras-Chave: Turismo, Território, Territorialidade, Populações Tradicionais. ABSTRACT Tourism as a social phenomenon grew out of technological and social changes in nineteenthcentury Europe. In the twentieth century was the expansion of tourism to all parts of the world and training network, responsible tourism, for example, the standardization of services, the rise of hotel chains, travel agencies and use of information technology to disseminate and "sell" the tourist products and expanded product offerings. The crisis of mass tourism in the 60 and 70 from the saturation of the sun and beach tourism favored the roadmaps that favor contact with the wild life. In this context, regions like the Amazon and the Pantanal were inserted into the script of international tourism. This study aims to analyze the inclusion of traditional communities of the Amazon Caboclo-river in the script's international tourism and the new territoriality from this activity. The locus chosen for the research was the area known as Boca da Valeria / Serra da Valeria / Parintins / AM, from three communities: São Paulo, Santa Rita and Beth Shemesh. To carry out the survey we used the theoretical and methodological contributions of geography and anthropology, with emphasis on systemic and dialectical analysis of the tourism phenomenon and the socioeconomic reality of the place. Tourism is practiced in place of nature, where visitors seek to know the major natural attractions of the place: The lake and forest. This kind of tourism has created a new territoriality for consumption by tourists is the lake, the forest and the communities themselves. The concentration of tourists occur in the community of São Paulo where visitors buy crafts, take pictures, make forest walks and tours around the lake. Despite the importance of income generating tourism activity in place is not sustainable, as well as causing damage to the environment, is still far from meeting the real needs of local people. Another consequence of this activity in place was the emergence of a new social category, the Indian craftsman, who became the occupation of almost all the locals and has been rooted in the collective memory location for over three decades. Further, the lack of adequate infrastructure in communities for transportation of tourists, no English language skills, lack of trails in the woods and not taking advantage of the mountains and archaeological sites as tourist attractions make the residents of little place to enjoy the opportunities offered by tourism of the Keywords: Tourism, Territory, Territoriality, Traditional Populations. place. LISTA DE FIGURAS Figura 01 - Pólos Turísticos do Estado Amazonas. .................................................................. 61 Figura 02: Rota de turística dos cruzeiros na América do sul, com destaque para o roteiro do rio Amazonas. ........................................................................................................................... 98 Figura 03: Localização do Município de Parintins no Estado do Amazonas. ........................ 105 Figura 04: Localização da Boca da Valéria no P.A. Vila Amazônia. .................................... 109 Figura 05: Artefatos arqueológicos encontrados na Comunidade de São Paulo. .................. 111 Figuras 06 e 07: Artefatos encontrados na Com. De Sta. Rita .............................................. 112 Figura 08: Comunidade de São Paulo no período da cheia. .................................................. 113 Figura 09: Comunidade de São Paulo no período da cheia e da vazante ............................... 114 Figura 10: Comunidade de Bete Semes no período da cheia. ................................................ 115 Figura 11: Comunidade de Bete Semes no período da seca. .................................................. 116 Figura 12: Comunidade Santa Rita de Cássia. ....................................................................... 118 Figura 13: Unidade de produção e, ou/ roçado sendo preparado para o cultivo de mandioca na Colônia de Samaria................................................................................................................. 129 Figura 14: Plantio da mandioca em roçado feito na capoeira na Colônia de Samaria. .......... 130 Figura 15: Preparação da massa de mandioca na gamela. ...................................................... 131 Figura 16: Fabricação de farinha na colônia de Samaria........................................................ 131 Figura 17: Membros de UD’s do P.A. Vila Amazônia descascando mandioca. .................... 132 Figura 18: Entrada do lago da Boca da Valéria no período da cheia. ................................... 136 Figura 19: Turistas descendo de um dos cruzeiros que visitaram o lugar em 2008. .............. 137 Figura 20: A Boca da Valéria no roteiro internacional dos cruzeiros. ................................... 139 Figura 21: Artesã de São Paulo e suas bonecas de pano. ...................................................... 142 Figura 22: Participação femenina no acabamento de um quadro na cominidade de Bete Semes ...................................................................................................................................... 142 Figura 23: Toras de Molongó compradas em Parintins.......................................................... 144 Figura 24: Toras de Molongó para ser beneficiada ................................................................ 144 Figura 25: Replicas de araras no feitas de Molongó ........................................................... 144 Figura 26: Vendas de artesanato de Molongó no interior do Cruzeiro Seven Seas Mariner 144 Figura 27: Árvore de Ucuúba Vermelha .............................................................................. 145 Figura 28: Tronco de Ucuúba Vermelha ............................................................................... 145 Figura 29: Árvore de Ucuúba-Branca .................................................................................. 146 Figura 30: Tronco de Ucuúba-Branca .................................................................................... 146 Figura 31: Remos e Quadros Ucuuba-Vermelha produzidos na comunidade de Bete Semes ................................................................................................................................................ 147 Figura 32: Remos e Quadros de Ucuúba-Vermelha produzidos na comunidade de S. Paulo. ................................................................................................................................................ 147 Figura 33: Tronco de Ucuúba-Vermelha ................................................................................ 148 Figura 34: Corte das “toras” para a fabricação das tábuas. .................................................... 148 Figura 35: Tábuas Cortadas na Mata. ..................................................................................... 149 Figura 36: Transporte para as “oficinas” ................................................................................ 149 Figura 37: Caboclo-artesão da Comunidade de Bete Semes fazendo o acabamento final de um remo.. ...................................................................................................................................... 150 Figura 38: Artesanatos de produzido por artesã da comunidade de São Paulo ...................... 156 Figura 39: Colares produzidos por artesã da comunidade de Santa Rita de Cássia ............... 156 Figura 40: Prática do touree por crianças ............................................................................... 156 Figura 41: Touree sendo praticado por meninas. ................................................................... 156 Figura 42: Passeio de rabeta pelo lago na cheia. .................................................................... 159 Figura 43: Passeio de rabeta pelo lago na Vazante. ............................................................... 159 Figura 44: Artefatos guardados na Escola de Sta. Rita. ......................................................... 161 Figura 45: Coleção de um morador de Santa Rita. ................................................................. 161 Figura 46: Chegada dos turistas no porto Boca da Valeria .................................................... 163 Figura 47: Barracas padronizadas para a venda de artesanato na Boca da Valéria ................ 163 Figura 48: Exposição de artesanato dentro do cruzeiro......................................................... 164 Figura 49: Comercializando artesanato no cruzeiro Seven Seas Mariner. ............................. 164 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 01: Quantidade Anual de Turistas que Participaram das Temporadas de Cruzeiros Marítimos pelo rio Amazonas. ................................................................................................. 63 Gráfico 02: Quantidade anual de turistas que participaram das temporadas de pesca esportiva .................................................................................................................................................. 66 Gráfico 03: Mudanças nas Motivações dos Turistas Internacionais ........................................ 91 Gráfico 04: Renda das Unidades Domésticas da Serra da Valéria ........................................ 124 Grafico 05: Número de pessoas habitanto a mesma casa. ...................................................... 125 Grafico 06: Horas Semanais dedicadas à Produção de Artesanato. ....................................... 141 Gráfico 07: Critérios Utilizados para determinar o preço do artesanato. ............................... 152 Gráfico 08: Atividades dos Turistas na Boca da Valeria........................................................ 158 LISTAS DE TABELAS Tabela 01: Atividades produtivas e potenciais desenvolvidas no Assentamento de Vila Amazônia ................................................................................................................................ 106 Tabela 02: Gastos da primeira etapa da produção do artesanato de Ucuúba-Vermelha. ....... 149 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO Introdução ................................................................................................................................. 19 Capitulo I – A Ocupação da Amazônia, Políticas Públicas do Turismo e a (In)sustentabilidade para a Região. ........................................................................................................................... 36 1.1 A Sustentabilidade Econômica: a criação de novos paradigmas de desenvolvimento e sustentabilidade. ....................................................................................................................... 37 1.2 (Eco)Turismo na Amazônia: um novo modelo de desenvolvimento regional? ................. 45 1.3 – O (Eco)turismo no Amazonas: uma discussão necessária............................................... 59 Capitulo II – A Crise do Turismo de Massa e a Inserção das Populações Tradicionais Amazônicas no Roteiro Internacional do Turismo. .................................................................. 70 2.1 Tradição e Populações Tradicionais na Amazônia ............................................................. 71 2.1.1. As Origens do Caboclo Amazônico ............................................................................... 82 2.2. O Valor da Natureza para o Turismo................................................................................. 89 2.3 As Comunidades Tradicionais Ribeirinhas como Atrativos Turísticos para o Turismo Internacional ............................................................................................................................. 94 Capítulo III – (Eco)Turismo e Sustentabilidade na Boca da Valéria ..................................... 104 3.1 O Modus Vivendis e Organização Socioespecial das Comunidades da Serra da Valéria 110 3.1.1 A Comunidade de São Paulo ......................................................................................... 112 3.1.2 A Comunidade de Bete Semes ...................................................................................... 115 3.1.3 A Comunidade Santa Rita de Cássia ............................................................................. 117 3.2 As Relações de Poder e a Religiosidade nas Comunidades ............................................. 120 3.3 Aspectos Econômicos da Serra da Valéria ....................................................................... 123 3.3.1 Terras para Cultivo e Terras para Coleta ....................................................................... 127 4 A Boca da Valéria no Roteiro Internacional do Turismo .................................................... 134 4.1. A Produção de Artesanato e a Turistificação da Boca da Valéria .................................. 140 4.1.1 As Matérias-Primas e o Modus Operandis da Produção de Artesanato ........................ 142 4.1.2 O Artesanato de Molongó ............................................................................................. 143 4.1.3 O Artesanato de Ucuúba-Vermelha ............................................................................... 145 4.1.4 Os Outros Tipos de Artesanatos e a Prática o Touree no Lugar. .................................. 154 4.2 Os Atrativos Turísticos Naturais da Serra da Valéria: o lago e a floresta ....................... 157 4.3 A Serra e os Sítios Arqueológicos: atrativos em potencial. ............................................. 159 Comercializar é Preciso: a rede de negócios criada pelo turismo no lugar ............................ 162 4.5 A Troca Arbitrária da Moeda em Parintins ...................................................................... 167 5. Para não Concluir: considerações sobre a prática do turismo na Boca da Valéria ............. 169 Considerações Finais .............................................................................................................. 174 Referências Bibliográficas:..................................................................................................... 179 APRESENTAÇÃO Na Amazônia o termo “boca” é comumente utilizado para indicar a localização de um lugar, de uma comunidade, de uma ilha ou mesmo uma residência que se encontra entrada de um rio, lago ou cabeceira. Sendo assim, “A Boca da Valéria” é a denominação utilizada pelos moradores autóctones para indicar a localização da entrada para o lago da Valéria e da comunidade de São Paulo. Essa denominação também é utilizada pelas agências de turismo e turistas para indicar o local onde cruzeiros que fazem rota pelo rio Amazonas aportam e onde os “serviços” e “produtos” turísticos são comercializados pelos moradores nativos. A Serra da Valéria é o espaço geográfico que faz parte do Projeto de Assentamento Vila Amazônia (P.A. Vila Amazônia), formado pelas comunidades de São Paulo, Bete Semes e Santa Rita de Cássia, além das colônias de Fé em Deus, Samaria e Boa Fé apresenta de relevo planície várzea e de terra firme com muita sinuosidade. Estes dois domínios naturais regem a vida dos caboclos habitantes do lugar. Localiza-se há quatro horas via fluvial e a 60 quilômetros estrada de chão batido da sede do município de Parintins. O entendimento dessa diferenciação é importante para termos uma noção da espacialidade e especificidade do lócus de pesquisa. Nosso interesse pela atividade turística na “Boca da Valéria” como objeto de pesquisa iniciou em 2001, quando ministramos aulas de Antropologia Social e Antropologia da Educação no Centro de Estudos Superiores de Parintins / da Universidade do Estado do Amazonas – UEA. Naquele ano, foi realizada uma pesquisa de campo com discentes dos cursos de História e Geografia para conhecermos o sítio arqueológico da comunidade de Santa Rita de Cássia. Naquela ocasião ouvimos os primeiros relatos sobre a visita de turistas anualmente ao lugar para conhecer as belezas naturais e comprar artesanatos. Em 2003 criamos o projeto de extensão “Universidade na Comunidade: uma ação pela cidadania” que tinha como objetivo estimular a relação teórica e com investigação científica pelos discentes e de integrar a Universidade a comunidade através do ensino, da pesquisa e extensão utilizando como ferramentas o conhecimento adquirido em sala de aula, a arte, o cinema e jogos lúdicos através de atividades acadêmicas realizadas nas comunidades visitadas. Então, entre 2003 a 2009, todos semestres realizamos pesquisa de campo em diversas comunidades do município de Parintins e, por último em 2009 até Barreirinha, em pesquisa dos alunos de História Oral em três comunidades de remanescentes de quilombolas do lugar. Em 2007 acompanhamos a pesquisa realizada por arqueólogos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN que objetivava fazer o levantamento do potencial arqueológico de comunidade de Santa Rita de Cássia. Naquela ocasião foi idealizada uma “Oficina de Arqueologia do Lugar” da qual participara alunos dos cursos de Geografia e História de diversos níveis. Os constantes trabalhos acadêmicos realizados na Serra da Valéria nos ajudou a formar um pequeno acervo de conhecimento teórico e de imagens sobre o lugar e também nos afetou com o modus vivendis dos nativos, pois apesar da atividade turística existir a mais de 30 anos é invisível para as autoridades municipais e estaduais. Também nos fez refletir sobre a necessidade de estudar não só a produção e venda de artesanato mais de toda a cadeia socioambiental imbricada na atividade turística do lugar, pois ao contrário do que se pensava não termina com a venda de artesanato, mas se entende até o comércio de Parintins. Em princípio, como já foi dito, nossos estudos limitaram-se aos trabalhos realizados por acadêmicos de diversos cursos de graduação da Universidade do Estado do Amazonas – UEA que sem nenhuma ajuda institucional, não mediram esforços para ter aulas praticas e conhecer a realidade das comunidades rurais de Parintins. Além disso, entre 2007 a 2009, elaboramos e coorientamos dois projetos de Iniciação Cientifica na região: “Sítios Arqueológicos e Patrimônios Culturais: um estudo etno-histórico da identidade local” (2007 a 2009) e “Globalização: estudo de caso da origem de novos papéis sociais e a questão ambiental na região da Serra da Valéria” (2007 a 2008). Apesar de importantes ainda eram estudos limitados teoricamente sobre a realidade do lugar. Quando ingressamos no Mestrado Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia – PPGCASA da Universidade Federal do Amazonas no ano de 2008, procuramos fazer uma descrição densa de todas as etapas da produção de artesanato, do modus vivendis, do aparecimento de novas territorialidades e da rede de negociações simbólicas e monetárias inseridas na Serra da Valéria a partir da inserção do lugar no roteiro internacional de turismo. Apesar de pretensiosa e extensa em informações, a pesquisa intitulada “(Eco)Turismo e Territorialidade: a (in)sustentabilidade na Boca da Valéria/Parintins/Am”, tem como objetivo geral, analisar a inserção das comunidades tradicionais caboclo-ribeirinhas no roteiro do turismo internacional. Este fato ocorreu principalmente após a década de 80 quando os movimentos ecológicos e o próprio sistema capitalista passa a adotar “medidas” conservacionistas ao ambiente, tornando a Amazônia em símbolo da luta contra a destruição do planeta. Esses fatores também influenciaram o turismo que se apropriou de áreas verdes para ampliar seus lucros, sobretudo com a crise do turismo de massa nas três décadas anteriores as agencias de viagens da Europa, da Ásia e da América do Norte deram ênfase para regiões remotas da África, Patagônia, Amazônia e do Pantanal. Nos objetivos específicos procuramos analisar os aspectos socioeconômicos das comunidades de São Paulo, Santa Rita de Cássia e Bete Semes; identificar os atrativos e o tipo de turismo praticado no lugar; e, verificar as transformações causadas pela produção de artesanato e pela prática do turismo nas comunidades pesquisada, entendidas como novas territorialidades. Deste modo, para atingir os objetivos propostos estruturamos essa dissertação foi estruturada em três tópicos específicos. No “Capítulo I – A Ocupação da Amazônia, Políticas públicas do Turismo e a (In)sustentabilidade para a Região”, analisaremos e discutiremos os conceitos de espaço e território utilizando os aportes teóricos miltoniano que percebe o espaço a partir da corrente histórico-dialética em que o homem é seu principal formador e transformador. Haesbaert nos auxilia na discussão de territoriedade e reterritorialização, importantes categorias, visto que, o turismo é responsável para o aparecimento de novas territorialidades em diversas partes do mundo quando se apropria desses lugares e os turistifica. Na Amazônia, essa atividade estruturou-se na segunda metade da década de 80 a partir das pressões conservacionistas internacionais que contribuíram para a elaboração do planejamento econômico governamental que elegeu “ecoturismo” como discurso inovador para a conservação do ambiente natural e na geração de emprego e renda na região. Deste modo é necessário contextualizar o processo histórico de ocupação da Amazônia dando ênfase à relação homem-natureza salientando que o modus vivendis e o modus operandis das populações autóctones e da economia da região sempre foram dependentes dos recursos naturais desde os primórdios da ocupação humana até os dias atuais. Além disso, neste mesmo viés será feita uma breve discussão sobre o conceito de sustentabilidade econômica a partir da corrente de Sachs (2008), e também de outras correntes teóricas como a do “desenvolvimento viável” defendidas por Aubin (1991); Weber e Bailly (1993) e Walters (1993). A corrente do ecodesenvolvimento, originada na década de 70, defendida principalmente pelos ecologistas propôs um “projeto de civilização” baseado na responsabilidade entre os povos da terra, no principio de equidade entre as sociedades humanas e o meio ambiente. Destarte, a principal conseqüência dessa “nova” política conservacionista foi a criação de parques nacionais e unidades de conservação em todas as regiões brasileiras, principalmente na Amazônia. O “Capitulo II: A crise do turismo de massa e a inserção das Populações Tradicionais Amazônicas no roteiro internacional do turismo” é dedicado as considerações sobre o conceito de populações tradicionais e a inserção dessa categoria no roteiro do turismo internacional. Além de caracterizar o modus vivendis e o modus operandis dessas populações, mostramos como a aglomeração de diversos grupos sociais (índios, caboclos, caiçaras, quilombolas, etc.) distintos em uma categoria guarda-chuva (populações tradicionais) torna o conceito vago e simplista na medida em não leva em consideração a diversidade e as características culturais de cada grupo social que compõem essa categoria possui. E, no capítulo intitulado “Turismo e sustentabilidade na Boca da Valéria” dedicadou-se a descrição do lócus de pesquisa. No primeiro fizemos a descrição etnográfica dos aspectos socioeconômicos e infraestruturais das comunidades. Também analisamos o processo de inclusão da Boca da Valéria no roteiro internacional do turismo e a importância da produção de artesanato, bem como, as matérias-primas utilizadas e o seu modo de produção e aos atrativos turísticos do lugar e como os comunitários oferecem os “serviços turísticos” locais. Por fim, foram feitas as considerações finais e a conclusão da pesquisa. 19 Introdução O turismo é um fenômeno social da modernidade que Oscar de La Torre definiu da seguinte forma: O turismo é um fenômeno social que consiste no deslocamento voluntário e temporário de indivíduos ou grupos de pessoas que, fundamentalmente por motivo de recreação, descanso, cultura ou saúde, saem de seu local de residência habitual para outro, no qual não exercem nenhuma atividade lucrativa nem remunerada, gerando múltiplas inter-relações de importância social, econômica e cultural (IGNARRA,1998, p.24 apud MARTINS, s/d:5). Ao se propagar pelo mundo tornou-se responsável pelo surgimento de novas territorialidades para o consumo de suas paisagens e das culturas que nelas estão presentes. Destarte, que para estudar esse fenômeno complexo recorremos aos aportes metodológicos de diversas áreas do conhecimento, pois como alerta, Molina (2002) o turismo não nasceu de uma teoria, sim das transformações da modernidade como o progresso da navegação e da invenção da ferrovia, do automóvel e do avião, não desenvolveu metodologia e muito menos técnicas próprias para a realização de pesquisa nessa área de conhecimento. Da pesquisa turística só podemos dizer que é escassa e que está centrada na descrição, sistematização e previsão ao custo da teorização. Outro autor que também chama atenção para os cuidados que se deve tomar ao fazer pesquisa no campo do turismo é Cruz (2007) ao salientar que ...que a maior de todas as dificuldades metodológicas daqueles que pretendem fazê-lo [...] [é] apreender o imenso jogo de relações no qual o turismo está inserido para, então, compreender o turismo na sua complexidade (CRUZ, 2007:177). Essa constatação nos levou a utilizar procedimentos metodológicos de outros campos do saber científico que nos permitisse todos os elementos socioeconômicos interligados a atividade turística. Portanto, para que os objetivos propostos, a saber: a. Analisar a inserção das comunidades tradicionais caboclo-ribeirinhas no roteiro internacional do turismo; b. Levantar os aspectos sócio-econômicos das comunidades de São Paulo, Santa Rita de Cássia da Valéria e Bete Semes; e, c. Identificar os atrativos turísticos e o tipo de turismo praticado nestas comunidades foram utilizados os aportes teóricos da Geografia, Antropologia, Ecologia, Sociologia entre outros campos do saber. As categorias de análise 20 desta pesquisa são: Turismo, Território, Territorialidade, Sustentabilidade, Populações Tradicionais, Cultura e Caboclo que serão explicadas no decorrer deste trabalho. Com relação à utilização da análise sistêmica nas pesquisas que envolvem o estudo do turismo Netto, (2005 p. 44-45) afirma que ao considera-se que o Sistema de Turismo é um paradigma nos estudos turísticos porque a visão sistêmica tem grande difusão, abrangência e utilização nos estudos dessa área e, sem dúvida, até o presente momento, é a teoria que melhor explica a dinâmica do turismo, apesar de ainda conter elementos que dificultam a compreensão (apud SILVA, 2006, p. 52). Deste modo, não seria possível entender as imbricações da atividade turística no lugar apenas sob as perspectivas socioeconômicas e sem levar em conta os fatores históricos, ambientais e culturais presentes neste fenômeno. Daí a importância do método sistêmico para o entendimento da rede de relações criada pelo turismo na Serra da Valéria. No entanto, Morin (2002) chama atenção para a complexidade da análise sistêmica, assim, A primeira e fundamental complexidade do sistema é associar em si a idéia de unidade, por um lado, e a de diversidade ou multiplicidade do outro, que, em princípio, se repelem e se excluem. O que é preciso compreender são as características da unidade complexa: um sistema é uma unidade global, não elementar, já que ele é formado por partes diversas e inter-relacionadas. É uma unidade original, não original: ele dispõe de qualidades próprias e irredutíveis, mas ele deve ser produzido, construído, organizado. É uma unidade individual, não indivisível: pode-se decompô-lo em elementos separados, mas então sua existência se decompõe. É uma unidade hegemônica, não homogênea: é constituído de elementos diversos, dotados de características próprias que ele tem em seu poder [...] (Ibidem, p. 48) A análise sistêmica nos permitiu compreender a rede de interconexões da atividade turística que primeiramente ligou o local (a Boca da Valéria) ao global (ao restante do mundo) e também promoveu a interligação com o ambiente, a economia e as relações sociais entre as comunidades para a promoção e a exploração do turismo no lugar. Apesar de nos ajudar a entender a abrangência do turismo no local o método sistêmico não nos permitiria analisar as contradições socioeconômicas e ambientais geradas por esta atividade. Então, partindo da premissa marxiana que o bom método é começar pelo real concreto, ou seja, a verdadeira pressuposição; portanto, na economia, pela população que é à base do sujeito do ato social da produção como um todo. A análise dialética foi utilizada como método para entendermos o processo histórico de apropriação do espaço natural, das 21 comunidades e as transformações causadas pelo turismo no local de pesquisa. Definida por Aron (2005, p. 479) como uma concepção materialista das relações entre a realidade que é dada e o pensamento que elaboramos a partir da realidade, sendo esse pensamento cópia ou reflexo da realidade. A dialética não se define de maneira prioritária pela intervenção do homem, do pensamento ou da força negativa do espírito; ela se define como uma característica da própria realidade natural. A realidade natural é dialética porque está em movimento, porque as coisas se tornam, porque as coisas nascem e acabam. A visão dialética nos possibilitou a compreensão das articulações existentes entre a esfera social e as categorias econômicas, políticas e ambientais originadas nas comunidades pela prática do turismo dentro do plano das práticas e das idéias produzidas na estrutura histórica e social local e global. Como o turismo, sobretudo o ecológico, transforma as paisagens naturais e o espaço físico para se desenvolver foi necessário recorremos aos aportes teóricos encontrados na Geografia. Deste vasto universo de conhecimento três categorias foram de suma importância para o desenvolvimento desta pesquisa: espaço, território e territorialidade. Nas das ciências sociais, mais propriamente na Geografia, espaço e territorialidade são analisados a partir diversos enfoques teóricos. Na análise miltoniana, o espaço é produto e produtor da ação humana, deste modo, para o autor a noção de espaço é entendida como um conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações, no qual podemos reconhecer suas categorias analíticas internas: a paisagem, a configuração territorial, a divisão do trabalho, o espaço produzido e as formas de conteúdo (SANTOS, 2008, p.23). Na definição de espaço recorremos ao conceito encontrado na obra de Steinberger (2006), segundo o qual O espaço (social) não é uma coisa entre as coisas, um produto qualquer entre os produtos; ele compreende suas relações [...] é o resultado de um conjunto de operações [...]. Efeito de ações passadas, ele permite ações, as surge, as proíbe. [Na concepção miltoniana] o espaço é um conjunto de formas representativas de uma estrutura de relações sociais que se manifestam através de processos e funções e são o testemunho de uma história escrito a no passado e no presente (STEINBERGER, 2006, p.51). Para compreendermos a inserção das comunidades tradicionais cabocloribeirinhas no roteiro internacional do turismo, é necessário verificar como o lócus da 22 pesquisa foi apropriado por essa atividade e como construíram a rede de relações socioeconômicas entre elas, os turistas e o comércio de Parintins. Sobre a escolha das técnicas para a coleta e a sistematização dos dados em uma pesquisa Bourdieu et. all., (2007) chamam atenção para a necessidade de Estabelecer um dispositivo tendo em vista uma mediação é formular uma questão à natureza. A medida e os instrumentos de mediação, e, de forma geral, todas as operações de prática sociológica, desde a elaboração dos questionários e a codificação até a análise estatística, constituem em ato, enquanto procedimentos de construção, conscientes ou inconscientes, dos fatos e das relações entre os mesmos. Quanto menos conscientes for a teoria implícita em determinada prática – teoria do conhecimento do objeto e teoria do objeto mal ajustada ao objeto em sua especificidade (BOURDIEU, et. all., 2007, p. 53). Para evitarmos tais erros na construção dessa pesquisa a amostragem populacional foi feita da seguinte forma: de cada comunidade foram entrevistados representantes de 15 unidades domésticas (UD’s) adultos com idade e sexualidade variadas, desde que, seja um dos responsáveis pela manutenção e sobrevivência do grupo. A escolha do universo de pesquisa foi delimitada em função do numero médio de residências de cada comunidade. Em Santa Rita Cássia existe entorno 60 unidades domésticas, em São Paulo e Bete Semes menos de 40 UD’s, além disso, nesses então concentrados a maioria dos artesãos e artesãs do lugar. Entendemos que na fase adulta os atores sociais já são aptos para compreender o conteúdo das perguntas e têm noção, mesmo que preliminar, da realidade concreta da sua vida cotidiana e dos problemas relacionados ao turismo no lugar. Também foram identificados e descritos os atrativos turísticos como as trilhas, o lago, a serra, o sitio arqueológico e os ecossistemas da Serra da Valéria. Destarte, este estudo foi desenvolvido em três etapas distintas. Na primeira ocorreu a estruturação como o levantamento bibliográfico, a leitura e análise dos textos selecionados, elaboração do projeto, com seus objetivos e a formulação do questionário. Com relação à utilização do questionário como técnica de coleta de dados Bourdieu (2007) faz a seguinte observação Toda operação, por mais parcial que seja, implica sempre a dialética entre teoria e verificação. (...) no momento da elaboração de um código, as hipóteses implicadas pelo questionário devem ser retomadas, especificadas e modificadas em contato com os fatos que se pretende analisar, para serem submetidas à prova experimental da 23 codificação e da análise estatística: a fórmula tecnológica segundo a qual o código deve ser “fixado” ao mesmo tempo ao que o questionário (correndo o risco de reduzir o que é digno de ser codificado ao que é codificável, isto é, muitas vezes, pré-codificável), contém uma implicitamente uma epistemologia fixista já que leva a fazer desaparecer um das ocasiões de ajustar aos dados as categorias de apreensão dos mesmos (Ibidem, p. 79) O longo questionário aplicado coletou dados pessoais relacionados à origem do entrevistado, sexo, idade, profissão e das atividades socioeconômicas praticadas antes e depois do advento do turismo no lugar. Para complementar a coleta de dados utilizamos as técnicas de observação direta que segundo Marconi e Pressotto (2000:25) os fatos são observados pessoalmente no local da investigação. Como o campo de pesquisa se apresenta não apenas como lócus de coleta de dados ou um espaço geográfico pré-determinado na delimitação do projeto, mas como o lugar onde o pesquisador e o informante interagem com seus conhecimentos e experiências cotidianas, deste modo, O conceito de “campo” não remete somente à oralidade, mas se constitui como um lugar prenhe de documentos e de escrituras. Tampouco se apresenta como uma entidade natural, dada. Em sua valência polissêmica, designando ora um espaço geográfico, ora o objeto de pesquisa, não denota um continente objetivo e neutro, uma realidade que exista à parte das relações entre o antropólogo e nativo. Antes, deve considerar-se um terreno comum definido por negociações sempre pré-orientadas pelo projeto de escritura, por práticas textuais e de leitura. (MALIGHETT, 2004:111-121) Ainda sobre o campo e das observações que podem ser feitas in loco, Roberto Cardoso de Oliveira (2000) chama atenção para a necessidade do pesquisador “domesticar” o olhar, o ouvir e o escrever, assim, além das perguntas estruturadas procuramos investigar detalhes que somente com a aplicação do questionário nos escapariam. Deste modo, ampliamos a gama de informações a respeito do cotidiano dos moradores e das atividades relacionadas ao turismo no lugar. Sobre a importância do olhar, o ouvir e o escrever, Oliveira (2000) salienta que, ...tanto o ouvir como o olhar não podem ser tomados como faculdades totalmente independentes no exercício da investigação. Ambas complementam-se e servem para o pesquisador como duas muletas [...] que lhe permitem caminhar, ainda que tropegamente, na estrada do conhecimento. É nesse ímpeto de conhecer que o ouvir, 24 complementado o olhar, participa das mesmas precondições desse último, na medida em que está preparado para eliminar todos ruídos que lhe pareçam insignificantes, isto é, que não façam nenhum sentido no corpus teórico de uma disciplina ou paradigma no interior do qual o pesquisador foi treinado. [...] o escrever passa a ser parte quase indissociável do nosso pensamento, uma vez que o ato de escrever é simultâneo ao ato de pensar. [...] é no processo de redação de um texto que nosso pensamento caminha, encontrando soluções que dificilmente aparecerão antes da textualização dos dados proveniente da observação sistemática (OLIVEIRA, 2000:21-24). A citação acima é importante porque como já foi dito, as entrevistas estruturadas em forma questionário, são limitadas, assim, nas coletas de campo realizadas nessa pesquisa foram feitos registros com gravadores, fotografias e anotações de praticamente todas as atividades relacionadas ao objeto de pesquisa como: do processo de coleta de matéria-prima (madeiras e sementes) até a produção do artesanato nas casas dos ribeirinhos; da chegada de turistas no lugar e o comercio dos “produtos” turísticos e, dos aspectos socioeconômicos da vida cotidiana dos nativos do lugar. Assim a coleta de dados realizados na segunda fase da pesquisa foi sistematizada em diversas etapas. A primeira ocorreu no mês novembro de 2008, onde foi feito o reconhecimento sobre a atividade turística e a estrutura socioeconômica das comunidades investigadas. Como a época dos cruzeiros tem inicio nesse mês, nesta ocasião tivemos a oportunidade de observar a chegada de turistas na Boca da Valéria para comprar artesanato e visitar os atrativos naturais do lugar. Também observamos um grupo de caboclos-ribeirinhos comercializando seus artesanatos no interior de um cruzeiro. A autorização para a venda de produtos nos cruzeiros ocorre para a comodidade dos turistas que não querem se aventurar na visita das comunidades. Em julho de 2009, ocorreu à segunda pesquisa de campo, nessa viagem foram aplicados os questionários nas comunidades de Santa Rita de Cássia e de Bete Semes, também foi feita a observação do cotidiano comunitário, da fabricação do artesanato, o acompanhamento da coleta da matéria-prima para a confecção dos colares e das peças artesanais feitos de Ucuúba. Nesta ocasião também procuramos identificar as transformações socioespacias causadas pelo turismo no lugar e identificar os principais atrativos turísticos do lugar. A terceira pesquisa de campo realizada em dezembro de 2009 com o objetivo de coletar dados na comunidade de São Paulo. Infelizmente a grande enchente daquele ano acabou dificultando nosso planejamento metodológico, assim, em vez de quinze 25 representantes de UD’s apenas dez foram entrevistados. Entre os meses de setembro e novembro desse mesmo ano, realizamos mais quatro idas a campo que tiveram como objetivo registrar as atividades agropastoris nas unidades de produção das famílias que estão localizados nos ramais do assentamento do P.A Vila Amazônia, também foram colhidas informações sobre as relações de poder nas comunidades. O espaço é o conceito central que nos permitirá entender como o mesmo foi transformado em mercadoria e, sobretudo como foram criados novos territórios e territorialidades na Serra da Valéria a partir do início da atividade turística no lugar. Logo, para entendermos as modificações no espaço é necessário levar em consideração a dimensão temporal, pois o espaço é transformado pelas ações antrópicas. O progresso tecnológico permitiu ao homem a possibilidade de transformar e ordenar a natureza do espaço a partir das suas necessidades econômicas e sociais. A esse respeito diversos autores, sobretudo, Gourou (1973); Sorre 1948 (primeiro geógrafo a propor a análise da técnica como sistema) e Roca (1989), demonstraram a importância do desenvolvimento da técnica na transformação do espaço. Ainda a esse respeito, Creewel, definiu a técnica como [...] toda uma série de ações que compreendem um agente, uma matéria e um instrumento de trabalho ou meio de ação sobre matéria, e cuja interação permite a fabricação de um objeto ou de um produto. (apud SANTOS 2008, p. 36) Através das técnicas o homem passou a modificar o espaço criando novas paisagens ao longo da história, a esse respeito Gourou (1973) afirma que [...] a civilização moderna tem um enorme poder de ação paisagista, ela dispõe de técnicas de exploração muito eficazes (limitadas, contudo pelas exigências dos homens e pelas condições de funcionamento das máquinas) e de técnicas de enquadramento irreversíveis (transporte, telefone, rádio, televisão, publicidade comercial e propaganda política) que podem controlar vastos espaços, numerosas populações, cidades enormes (apud SANTOS, 2008:34) A partir da afirmação acima, fica claro que não há como estudar as modificações causadas pelo turismo na Serra da Valéria sem conectá-las com os conceitos de territorialidade e ambiente, pois as populações que habitam o lugar fazem parte do ambiente e criando novas espacialidades para o “consumo” dos visitantes. 26 No entendimento de Santos (1996) apud Steinberger (Ibidem, p. 39) se o espaço é sinônimo de natureza e o território é natureza natural e artificial, então o meio ambiente é construído. Neste sentido podemos diferenciar as noções de território, territoriedade e ambiente nos mais variados campos do saber. Para a Geografia, o território pode apresentar várias correntes. Segundo Haesbaert (2007), é possível agrupar essas diversas concepções em dois referenciais teóricos: a) o binômio materialismo e idealismo, desdobrado depois em duas outras perspectivas, a visão mais totalizante e a visão mais parcial de território em relação a: i) vinculo sociedade-natureza; ii) as dimensões sociais privilegiadas (econômica, política e/ou cultural. b) a historicidade do conceito, em dois sentidos: i) sua abrangência histórica – se é um componente ou condição geral de qualquer sociedade ou se está historicamente circunscrito a determinado(s) período(s) ou grupo(s) socais; ii) seu caráter mais absoluto ou referencial: físico-concreto (como “coisa”, objeto) a priori (no sentido de espaço kantiano) ou social-histórico (como relação) (apud SANTOS et. al., 2007, p. 45). Foi Claude Raffestin (1993) um dos primeiros autores a abordar o território levando em conta a dimensão política e administrativa desta categoria. Segundo este autor É essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território. O território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente [...] o ator “territorializa” o espaço (apud BORDO et. al. 2004, p.2). Deste modo, na construção do território existe uma relação de poder entre os grupos sociais que o habitam. Neste sentindo, não há como entendermos a construção territorial sem levarmos em conta esta categoria. A partir desta premissa, vários autores definiram território. Na análise miltoniana por território entende-se a extensão apropriada e usada. O sentido de territoriedade como sinônimo de pertencer àquilo que nos pertencer àquilo que nos pertence [...] essa idéia se estende aos animais, como sinônimo de vivência e de reprodução. Mas a territoriedade humana pressupõe também a preocupação com o destino, a construção do futuro, o que, entre os seres vivos, é privilégio dos seres humanos (SANTOS e SILVEIRA, 2008, p.19). 27 A discussão sobre a conceituação de território a partir dos autores citados nos levou a formular a seguinte indagação sobre o tema, como se formam os territórios e qual a importância deles para entendermos a questão as conseqüências da atividade turística no local de pesquisa? Assim, entendemos o território como parte de um sistema de composto de objetos, entre eles, estão a paisagem, a configuração territorial, o espaço produzido ou produtivo, as rugosidades e as formas de conteúdo, como propõe Milton Santos na obra Natureza do Espaço. Segundo a sistematização elaborada por Haesbaert (2004) na atualidade existem sete concepções teóricas sobre a conceituação e a importância do território a saber: i) a materialista histórica; ii) as concepções dos naturalistas; iii) as concepções de base econômica; iv) a tradição jurídico-política de território; v) a perspectiva idealista de território; vi) território numa perspectiva integradora; e, o território na visão relacional de Sack e Rasffestin. Na perspectiva materialista, dá-se privilégio a dimensão material e econômica definida a partir das relações sociais. Só podemos compreender a vida social na medida em que a considerarmos a lógica territorial na qual está organizada. Seguindo esta linha teórica, Maurice Godelier e Haesbaert (Ibidem, p. 47), conceituaram território como [...] uma porção da natureza e, portanto, do espaço sobre o qual uma determinada sociedade reivindica e garante a todos ou parte de seus membros direitos estáveis de acesso e de uso com respeito a totalidade ou parte dos recursos que ai se encontram e que ela deseja e é capaz de compartilhar. Como podemos observar existe uma relação dialética na ocupação e na construção social do território que está diretamente ligada à natureza. Diversos autores compartilham dessa linha teórica, para Sarck a territorialidade está intimamente ligada ao modo de utilização e do significado da terra. Na concepção econômica o território recebe uma conotação de fonte de recursos e de apropriação através da relação sociedade-natureza, como observa Maurice Godelier: Designa-se por território uma porção da natureza e, portanto, do espaço sobre qual uma determinada sociedade reivindica e garante a todos ou a parte de seus membros direitos estáveis de acesso, de controle e de uso com respeito à totalidade ou parte dos recursos que ai se encontram e que ela deseja e é capaz de explorar (GODELIER, 1984 apud HAESBAERT, op. cit., p.56) 28 A perspectiva econômica se diferencia da materialista na medida em que os trabalhos realizados pela primeira fazem uso mais da categoria espaço e quando que os materialistas dão ênfase a divisão social do trabalho no sentido de uma divisão espacial do trabalho. Portanto, para o materialismo, [...] o território é definido de diversas maneiras. Ele pode ser “imposto” pelas condições do meio ambiente ou da estrutura do povoamento (microbacia, faixa litorânea, povoado, etc.) Também pode ser definido de maneira administrativa: unidade territorial ou território ocupado pelo público de uma política pública. (CAZELLA et al., op. cit., p. 54) Na tradição jurídico-política de território, a base conceitual é retirada da ótica ratzeliana, sobre a soberania dos Estados. Nesta perspectiva segundo Moraes (2001: 19), o território é um espaço qualificado pelo domínio de um grupo humano, sendo definido pelo controle político de um dado âmbito espacial. Esta concepção se aproxima da dimensão econômica, pois vê o território como uma fonte de recursos a serem usufruídas pelos homens. (apud HAESBAERT, 2004) Esta concepção se aproxima da dimensão econômica, pois vê o território como uma fonte de recursos a serem usufruídas pelos homens. Na corrente idealista (culturalista) o território é considerado um local onde seus habitantes exploram seus recursos para sua sobrevivência, mas também implica uma relação simbólica, ou seja, o território é um valor, assim, [...] na lógica culturalista [...] o pertencimento ao território implica a representação da identidade cultural. [...] Ela supõe redes múltiplas, refere-se nos lugares a geossímbolos mais que as fronteiras, inscrevese nos lugares e caminhos que ultrapassam os blocos do espaço homogêneo e continuo da “ideologia geográfica” (termo de Gilles Sautter para definir a visão de espaço cartesiana moderna). (BONNEMAISON e CAMBÈZY apud HAESBAERT, 2004 p. 50). Na Serra Valéria a ligação dos nativos com o território além de físico-espacial é também determinada pelo sentimento de pertencimento à comunidade em que residem e das relações simbólicas do lugar, ou seja, o pertencer à comunidade tem muito mais haver como os valores e regras sociais estabelecidas através dos símbolos comuns aos membros de cada grupo comunitário. Neste sentido o território é um construtor de identidade. 29 A perspectiva integradora foi uma tentativa de incorporar as diversas correntes de analise do território. A principal a dificuldade desta corrente teórica é a impossibilidade de em muitos casos de fazer generalizações a respeito do que a mesma propõe. No entanto, Haesbaert, faz a seguinte afirmação “[para que a integração ocorra] é imprescindível, portanto, que contextualizemos historicamente o “território” com o qual estamos trabalhando. Se nossa leitura for uma leitura integradora, o território respondendo pelo conjunto de nossas experiências ou, em outras palavras, relações de domínio e apropriação, no/com/através[sic] do espaço, os elementos diferem consideravelmente ao longo do tempo. (p.78). Haesbaert salienta, no entanto, que hoje é possível de haver a “experiência integradora” do espaço na antiga conjugação econômica, político e cultural na medida em que pensemos o território através de redes que se estendem do local para o global. Tanto o conceito de território como o de territorialidade estão ligados as relações de poder que envolvem a os grupos sociais que se relacionam no interior dessas categorias, neste sentido Haesbaert afirma que “território, assim, em qualquer acepção, tem a ver com poder, mas não apenas ao tradicional “poder político”. Ele diz respeito tanto ao poder no sentido mais concreto, de dominação, quanto ao poder no sentido mais simbólico, de apropriação” (HAESBAERT, 2005). Para Sack (1986) a territorialidade, como um componente do poder, não é apenas um meio para criar e manter a ordem, mas é uma estratégia para criar e manter grande parte do contexto geográfico através do qual nós experimentamos o mundo e o dotamos de significado. (ibidem 2005, p. 6776) A territorialidade é entendida desse modo porque incorpora além da dimensão política, a econômica e cultural, pois está ligada a maneira como os grupos sociais organizam o espaço e dão significado ao lugar. Para Haesbaert isso ocorre por que segundo este autor, [...] todo território é, ao mesmo tempo e obrigatoriamente, em diferentes combinações, funcional e simbólico, pois exercemos domínio sobre o espaço tanto para realizar “funções” quanto para produzir “significados”. O território é funcional a começar pelo território como recurso, seja como proteção ou abrigo (“lar” para o nosso repouso), seja como fonte de “recursos naturais” – “matériasprimas” que variam em importância de acordo com o(s) modelo(s) de sociedade(s) vigente(s) (como é o caso do petróleo no atual modelo energético capitalista). (Ibidem, p. 6776) Neste sentido o território é um continuum que das relações político-econômicas até a cultural-simbólica da apropriação dos seus recursos e também da maneira como os 30 indivíduos utilizam a terra e como constroem seu universo simbólico. Neste sentido para Haesbaert, (2004:88) a territorialidade: - Envolve uma forma de classificação por área. - Deve conter uma forma de comunicação. - Deve envolver uma tentativa de manter o controle sobre o acesso a uma área e às coisas dentro dela, ou as coisas que estão fora da repressão àquelas que estão em seu interior. Não é possível entender os impactos da prática do turismo deixando de lado o conceito de territorialidade e desterritorialização já que estas atividade é uma das grandes causadores das mudanças territoriais em diversas partes do mundo. No lugar pesquisado o turismo além de causar modificações socioeconômicas também está criando novas territorialidades para o uso turístico como será mostrado mais adiante. Assim, só poderemos entender as mudanças na medida em que percebermos que o território e a territorialização num continuum, pois sua manifestação ocorre numa grande multiplicidade. O Estado é o grande territorializador, desterritorializador e reterritorializador dos espaços geográficos na atualidade. Para Chelotti & Pessoa (2009, p.3) Estamos diante do que se denominou processos geográficos de Territorialização-Desterritorialização-Reterritorialização (TDR), pois a criação de territórios seria representada pela territorialização, a sua destruição (por mais que seja temporária) pela desterritorialização, e pela sua recriação a partir de processos de reterritorialização. Haesbaert (2004) nos lembra que “devemos pensar a territorialização e a desterritorialização processos concomitantes, ou seja, fundamentais para compreendermos as práticas humanas”. Na conjuntura atual a globalização aparece como a grande responsável pelo processo de territorialização e desterritorialização que ocorreu em todas as partes do mundo. Ao contrário do que muitos teóricos afirmavam a globalização não acabou com os territórios e muito menos tornou o mundo um espaço sem fronteiras, como afirma Ciccolella (2007), 31 [...] muitos geógrafos e cientistas sociais se colocaram na defesa de que esse processo justificaria o fim do território devido ao nascimento de um mundo dominado não mais pelas relações interestatais e sim pela mobilidade e fluidez do capital. Sem dúvida, se cria um espaço dos fluxos, materializado na hegemonia dos grupos transnacionais, porém “o capitalismo avançado e as mudanças produtivas [...] não aboliram nem anularam o espaço, mas pelo contrário, lhe deram novo significado, nova dimensão e nova estrutura (CICCOLELLA, 1996, p. 297 apud CARVALHO, 2007, p.33) A globalização impõe não só a movimentação de mercadorias, do capital e de pessoas para todas as regiões do mundo, mas reorienta o território do trabalho produtivo conforme as regras e as necessidades do mercado global. Sobre esta nova realidade Haesbaert (2004) afirma se tratar de um processo dialético entre o global e local, ou seja, as situações locais não podem mais ser reconhecidas nem como locais e nem como globais, mas pela combinação dos dois processos. Como o processo de territorialização e reterritorialização está sempre ocorrendo o autor denominou estas modificações de multiterritorialidade. Destarte, é possível identificar os “múltiplos territórios” através das seguintes modalidades: a) Territorializações mais fechadas, quase “uniterritoriais” no sentido de imporem a correspondência entre poder político e identidade cultural (...); b) Territorializações político-funcionais mais tradicionais, como a do Estado-Nação que, mesmo admitindo certa pluralidade cultural (...) não admite a pluralidade de poderes; c) Territorializações mais flexíveis, que admitem a sobreposição territorial, seja sucessiva (como nos territórios periódicos ou espaços multifuncionais na área central das grandes cidades) ou concomitantemente (como na sobreposição “encaixada” de territorialidades político-administrativas); d)Territorializações efetivamente múltiplas – uma “multiterritorialidade” em sentido estrito, construídas por grupos ou indivíduos que constroem seus territórios na conexão flexível de territórios multifuncionais e multiidentitários ( HAESBAERT, 2005, p. 6781). No caso da multiterritorialidade aqui entendida como a existência de vários territórios co-existindo ao mesmo tempo num só território, portanto, na concepção a multiterritorialidade seria então [...] a existência de vários territórios ao mesmo tempo e de (se o processo de territorialização parte do nível individual ou de pequenos grupos, toda relação social implica uma interação territorial) um entrecruzamento de diferentes territórios. Em certo sentido, teríamos vivido sempre uma “multiterritorialidade. (HAESBAERT, 2004, p.344) 32 No caso da multiterritorialidade aqui entendida como a existência de vários territórios co-existindo ao mesmo tempo em um só território. Destarte, a multiterritorialidade seria então a existência [...] de vários territórios ao mesmo tempo (multiterritorialidade parte do nível individual ou de pequenos grupos, toda relação social implica uma interação territorial) e de um encruzamento de diferentes territórios. Em certo sentido, teríamos vivendo sempre uma “multiterritorialidade”. (HAESBAERT, 2004, p.344) A partir do que foi discutido acima nos percebemos que as categorias território e multiterritorialidade são importantes para compreendermos como turismo se apropriou do espaço natural e produziu novas territorialidades e ao mesmo tempo fez surgir a multiterritorialidade em todos os cantos do globo. Esse fato ocorreu com a massificação do dessa atividade e, sobretudo por que o turismo vincula-se aos sistemas produtivos globais, como veremos no decorrer deste trabalho. Como a região da Serra da Valéria é ocupada por populações caboclas tradicionais que desenvolveram ao longo da história uma forma singular de vida a apropriação desse lugar no roteiro internacional do turismo afetou o modus vivendis e o modus operandis do lugar, visto que foi responsável pelo aparecimento da uma nova categoria social o cabaclo-artesão e de uma nova organização espacial para o favorecimento da atividade no local, a esse respeito Roullet-Caire e Caire (2003) afirmam [...] que o turismo, seja qual for sua forma, modifica profundamente o futuro de uma população, mais do que todas as outras atividades econômicas. Segundo os autores, o desenvolvimento do turismo internacional (já que ele opera entre o Norte e o Sul) é, sem dúvida, um fator majoritário de mudanças na sociedade (apud IRVING, 2006, p.118) Assim, recorremos a Antropologia do Turismo para entender como o contato entre grupos de culturas distintas cria novos padrões sociais e causa modificações nas relações entre as comunidades nativas. Conforme Grünewald (2003, p. 15) [...] é “um rótulo que indica estudos em antropologia dirigidos pela análise de processos sociais (ou culturais) gerados no âmbito da atividade turística em todas as suas manifestações, institucionalizadas ou não”. Seu olhar leva em conta aspectos como a relação entre 33 visitantes e visitados; a cultura como um bem turístico; o turismo em comunidades tradicionais e grupos étnicos; os estabelecimentos de acolhimento; as motivações, comportamentos e o consumo nos deslocamentos turísticos. Além dos [...] estudos em turismo religioso, turismo e mudança social, turismo e mercantilização cultural, turismo e globalização, veraneio, turismo e lazer, ecoturismo, mediadores culturais na empresa turística, impactos sociais do turismo, turismo e produção de artesanato, turismo e etnicidade, entre outras rubricas. Deste modo, Antropologia nos forneceu bases teóricas comparativas que nos permitiu analisar os fatores sociais, simbólicos, culturais e econômicos causados pelo turismo no local de pesquisa. Também possibilitou verificar a inserção da cultura tradicional cabocla no contexto global do turismo a partir das transformações causadas por esta atividade no cotidiano dos moradores locais. A partir da definição de Sahlins (1997) para quem a tradição não aparece emparedada e fixa, podendo ser constantemente revisada, inventada, reinscrita e transformada pelos grupos, de acordo com suas experiências e prioridades. A tradição consiste aqui nos modos distintos como se dá a transformação: a transformação é necessariamente adaptada ao esquema cultural existente (SAHLINS, 1997, p. 62 apud LEAL, op.cit. p. 243-4). Neste sentido, o turismo aparece como um grande modificador das tradições de populações rurais e urbanas, pois facilita o contato de culturas diversas em todas as partes do mundo. Na Amazônia, o apelo conservacionista tem favorecido a pratica do turismo ecológico em áreas indígenas e entre as populações caboclas de várzea de forma predatória, já que na visão dos órgãos governamentais, essa atividade favorece a geração de renda e emprego sem agredir o ambiente, neste sentido para o governo O Ecoturismo quando passa a permitir o crescimento rápido das empresas, gerando o aumento da oferta de trabalho direto e indireto, bem como, um efeito multiplicador na economia, passa a exigir uma gama de investimentos em infra-estrutura (setor público) e, em decorrência disso, se não definido e planejado com certa argüição e tendo políticas públicas frágeis, será alvo de uma fuga de rendimentos locais e uma massificação que terá efeitos negativos, irreversíveis, sobre a preservação do ambiente e sobre o patrimônio histórico e cultural (DINIZ, 2005 apud MUNHOZ et. all. 2008:8). A falta de planejamento participante e de políticas públicas para o desenvolvimento do turismo de base comunitária é a principal crítica aos órgãos responsáveis pela promoção do turismo na região. Para Maldonado (2006) 34 [...] toda forma de organização empresarial sustentada na propriedade e na autogestão sustentável dos recursos patrimoniais comunitários, de acordo com as práticas de cooperação e equidade no trabalho e na distribuição dos benefícios gerados pela prestação dos serviços turísticos. A característica distinta do turismo comunitário é sua dimensão humana e cultural, vale dizer antropológica, com objetivo de incentivar o diálogo entre iguais e encontros interculturais de qualidade com nossos visitantes, na perspectiva de conhecer e aprender com seus respectivos modos de vida (MALDONADO, 2006, p.31) O turismo de base comunitário permite que as populações tradicionais indígenas ou não promovam o turismo em suas terras levando-se em consideração as características socioambientais desses lugares. Assim Faria (2009), vem diferencia as categorias participativo de participante em relação à metodologia e do planejamento. Deste modo segundo a autora, é possível distinguir três segmentos de turismo a partir dos conceitos de patrimônio natural e cultural e de paisagem natural e cultural cujo sentido, após uma análise associativa, se aproximam um do outro, orientam as definições de turismo de natureza, cultural e ecoturismo. Deste modo, é possível identificarmos o tipo de turismo em um lugar a partir das seguintes definições : - Patrimônio natural + paisagem natural = turismo de ou na natureza. - Patrimônio cultural + paisagem cultural = turismo cultural. - Patrimônio natural + paisagem natural + Patrimônio cultural + paisagem cultural = ecoturismo (FARIA, 2007). Ainda de acordo com a autora, O Turismo de ou na Natureza, [é] o tipo de turismo que utiliza o patrimônio natural como rios, fauna, flora, montanhas, vales etc., como atrativo principal e nem sempre de forma sustentável. O principal interesse ou atrativo do turista é a paisagem natural ou o patrimônio natural. Pode ser ecológico, quando utiliza o patrimônio natural e/ou a paisagem natural de forma racional, para ser admirado com vistas à educação ambiental, sem priorizar o envolvimento da comunidade local. Até o momento, o turismo de ou na natureza vem sendo freqüentemente, de forma equivocada, denominado como ecoturismo. (Ibidem) No próximo capítulo faremos a distinção entre os dois tipos de turismo de forma mais contundente. Com o crescimento da demanda de turistas para a Amazônia em busca da prática do turismo de natureza, os Estados do Amazonas e do Pará tornaram-se roteiros 35 obrigatórios para a prática dessa modalidade de turismo. Na região amazônica existem basicamente dois tipos de atrativos turísticos aos visitantes: os naturais como os rios, as florestas e a rica fauna tanto de terra firme quanto das áreas de várzea, e, os atrativos culturais, como o artesanato, a culinária, as festas folclóricas e outras manifestações populares. Apesar disso, a demanda de turistas vem aumentando anualmente sem que tenham sido realizados estudos que procurem identificar os impactos dessa atividade nas populações locais. 36 Capitulo I – A Ocupação da Amazônia, Políticas Públicas do Turismo e a (In)sustentabilidade para a Região. A Amazônia foi integrada ao processo de internacionalização econômica no primeiramente no período da Borracha e depois com a instalação das indústrias na Zona Franca de Manaus, dos Grandes Projetos e nos dias atuais com a prática do turismo. Com o aumento paulatino da atividade turística nas últimas três décadas do século XX, fez com que a SUDAM – Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia defendesse o turismo ecológico como atividade econômica de desenvolvimento regional sem a necessidade de promover desmatamentos. Para a implantação dessa atividade na região dois argumentos são levados em conta. [No primeiro] o desenvolvimento sustentável aparece no argumento que o turismo ecológico pode justificar economicamente a conservação de áreas naturais como o mínimo de modificação. Outra argumentação poderosa para a implantação do turismo ecológico é a projeção [feita pela SUDAM] de turistas para a Amazônia, com um crescimento de 8,5 % ao ano. (Figueiredo, 1999). O turismo sustentável tem como objetivo atender as necessidades de lazer dos turistas e proporcionar desenvolvimento dos núcleos receptores, preservando o meio ambiente. Esses serão os parâmetros que utilizaremos para analisarmos a sustentabilidade da atividade turística na região da Serra da Valéria. A crise ambiental dos anos 70, conseqüência do modelo transformou a Amazônia num palco de tensões entre ambientalistas e governistas, em virtude dos interesses econômicos e ambientais de cada grupo em relação ao desenvolvimento para a região. Destarte, as crescentes críticas do movimento ambientalista e as pressões do capital internacional obrigaram o governo federal brasileiro a buscar “implantar” na região atividades econômicas que promovesse o desenvolvimento sem agredir a natureza, a solução encontrada para atingir essa meta foi o ecoturismo. Sobre o novo valor da Amazônia no contexto internacional, a partir das décadas de 80 e 90 Becker & Stenner (op. cit., p.36) afirmam que, [...] a Amazônia tornou-se o símbolo da questão ecológica em sua dupla face, e da disputa geopolítica. Explica-se, assim, a pressão ambientalista internacional e nacional na década de 1980, que, aliando interesses econômicos e geopolíticos de um lado, e ambientalistas de outro, além de encontrar terreno fértil decorrente da crise do Estado brasileiro e de resistências de grupos sociais locais, resultou numa política preservacionista dominante na década de 90. 37 A partir dessa década, os projetos voltados para promover o desenvolvimento da Amazônia passaram a adotar a sustentabilidade ambiental como meta. No ramo do turismo, o modelo adotado foi o turismo ecológico que segundo seus defensores ambientalistas, e a própria SUDAM, não causariam impactos sobre os recursos naturais. Entrava em cena a busca pela “sustentabilidade econômica". A pesar de toda euforia em relação ao turismo ecológico as políticas públicas para a implementação dessa atividade na região ainda exclui o planejamento de base comunitária, a possibilidade de empoderamento das comunidades. Assim o planejamento é feito de cima para baixo sem ouvir os principais interessados no desenvolvimento da atividade: os moradores nativos. 1.1 A Sustentabilidade Econômica: a criação de novos paradigmas de desenvolvimento e sustentabilidade. Não é possível pensar em sustentabilidade sem relacioná-la ao ambiente, a economia e a sociedade. Segundo a concepção sistêmica em uma pesquisa interdisciplinar sobre o ambiente, deve favorecer a delimitação e o programação do tema, nesse sentido Jollvet & Pavet (1992: 29) definem o ambiente como, O conjunto dos meios naturais ou artificializados da ecoesfera, onde o homem se instalou e que ele explora e administra, bem com o conjunto dos meios não submetidos à ação antrópica, e que são considerados necessários à sua sobrevivência. Esses meios podem ser caracterizados de três maneiras: i. por sua geometria, seus componentes físicos, químicos, biológicos e humanos, e pela distribuição espacial desses componentes; ii. pelos processos de transformação de ação ou interação envolvendo esses componentes e condicionando sua mudança no espaço e no tempo; iii. por suas múltiplas dependências relativamente às ações humanas. (apud VIEIRA e WEBER, op. cit., p. 24) Assim, o ambiente é entendido como uma totalidade complexa, capaz de influenciar a sobrevivência da humanidade. Neste sentido também levaremos em consideração que não só a ação antrópica é a causadora do desequilíbrio da biosfera. Pois os ecossistemas evoluem e se transformam mediante aos mais variados ritmos do próprio sistema. Definido meio ambiente, devemos então discutir de que forma os recursos naturais são apropriados pelos homens. A história mostra que a sobrevivência do ser humano sempre 38 foi dependente da natureza e a medida em as sociedades tornaram-se mais complexas os usos dos recursos dos recursos, as modalidades de acesso e de controle desses acessos transformaram-se em relação de poder e de exploração dos homens. No livro O Capital, Karl Marx, afirma que À parte as diferenças nas energias naturais e na destreza adquirida para o trabalho entre os povos, as forças produtivas do trabalho dependerão principalmente: 1 – Das condições naturais de trabalho: fertilidade do solo, riqueza das jazidas minerais, etc.; 2 – Do aperfeiçoamento progressivo das forças sociais de trabalho por efeito da produção em grande escala, da concentração de capital, da combinação do trabalho, da divisão do trabalho, maquinaria, comunicação e de transporte, e todos os demais inventos pelos os quais a ciência obriga as forças naturais a servir ao trabalho, e pelos quais desenvolve o caráter social ou cooperativo do trabalho. (Marx, 1978, p. 77) É certo que Marx nunca escreveu nada sobre o conceito “meio ambiente”, mas seu tratado sobre o trabalho e a produção de bens ele nos mostra que a relação de exploração com a natureza tornou-se mais predatória na medida em que o homem acumulava certa quantidade de conhecimento e foi paulatinamente deixando de ser coletor. Para Marx, através do trabalho, o homem domina a natureza para satisfazer as suas necessidades materiais. Ao modificar a natureza o homem modifica a si mesmo. Passados mais de dois séculos da publicação de “O Capital”, a “humanidade” fala em uma nova forma de desenvolvimento, neste caso o sustentável, no entanto esse “novo” paradigma ainda não está tão claro e muito menos mostra alternativas, além daquelas que fazem da responsabilidade individual e do engajamento nos movimentos ecológicos como a “real” possibilidade de alcançá-lo. A palavra desenvolvimento tem sentido amplo, pois pode ser relacionada a diversos campos do conhecimento. Em nosso estudo nos interessa as relações socioeconômicas do homem com o ambiente. Para a teoria econômica clássica, o desenvolvimento baseava-se em três fatores de produção – terra, trabalho e capital – que se juntavam para gerar a riqueza de um país. A responsabilidade de poupar e gerar riquezas era tarefa dos capitalistas. A natureza era vista como um valor. Para Marx, o desenvolvimento econômico, portanto, está relacionado às forças de produção e na divisão do trabalho, sendo que o acumulo de riqueza está diretamente ligada à exploração da classe pela trabalhadora pela burguesia e na transformação da natureza. Do início século XX até a década de 40 predominou a idéia de que desenvolvimento poderia ser conseguido com o progresso e 39 ilimitado. Após a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria fizeram as grandes potências mundiais disputarem os mercados dos “países subdesenvolvidos” da América Latina, Ásia e África, na tentativa de consolidar sua ideologia. Segundo Scotto et all., (2007, p.20) [neste período] o desenvolvimento foi identificado como crescimento econômico, tecnológico, urbano e a internalização da lógica da acumulação e da produção capitalista em todas as esferas da vida social. [...] o paradigma de desenvolvimento a ser alcançado era a sociedade de consumo norte-americana. Quando o New Deal entrou em crise e o “Estado do Bem Estar Social”, tornou-se oneroso de mais a política econômica mundial entrou na fase neoliberal e o Estado foi aos poucos se tornando mínimo. No início da década de 70, as crises econômicas e ambientais fez emergir o movimento ambientalista contrapondo-se ao modelo de crescimento desenfreado e propondo uma “nova” maneira de relacionamento homem com a natureza. Neste período o mundo viu-se diante de duas correntes relacionadas ao crescimento: [a primeira] era defendida por aqueles que “somente uma taxa de crescimento elevada permitiria o financiamento de uma política de uma política ambiental vigorosa, voltada para a difusão rápida da inovação, para a consideração dos custos de manutenção ou de restauração de ambientes e para a reciclagem de materiais e eliminação de dejetos; [a segunda] defendia que a harmonização entre os objetivos do desenvolvimento e a preservação ambiental seria um principio possível, mas demandaria a concepção de novos modelos de desenvolvimento, implicando mudanças substanciais nos modos de vida, os modos de produção e nas opções técnicas, bem como nas formas sociais de organização e nas relações internacionais (GEORGESCU-ROEGEN, 1979 apud GOLDARD, 2002, p. 204). Foi a partir desses dois postulados que emergiram conceitos como desenvolvimento viável, ecodesenvolvimento e desenvolvimento sustentável. Os defensores da corrente do desenvolvimento viável tendem a mostrar que não existe equilíbrio que não seja momentâneo, tanto no domínio da natureza quanto na esfera da regulação econômica. Logo, é necessário pensar um desenvolvimento viável em longo prazo implica visualizar, com base em objetivos estrategicamente colocados, as melhores modalidades possíveis de gestão das interações entre diferentes fontes de variabilidade (natural e social). Segundo Weber (2002:120), os princípios dessa corrente foram sintetizados em quatro características que indissociavelmente norteariam o desenvolvimento viável: 40 1. a definição de objetivos de longo prazo, de natureza ética e política (no sentido forte do termo), num horizonte temporal muito longo, constitui um pré-requisito ã elaboração de toda e qualquer estratégia de gestão; 2. tratando-se de comunidades humanas, a sociodiversidade constitui uma dimensão pelo menos quanto a biodiversidade; 3. a viabilidade dessas comunidades e também dos ecossistemas (próximos ou longínquos) dos quais elas extraem seus meios de subsistência são mutuamente, mas não exclusivamente determinantes. As decisões econômicas e sociais deveriam ser tomadas sob coações impostas pela busca de manutenção da viabilidade dos ecossistemas, da mesma forma que as decisões relativas à gestão dos meios naturais deveriam estar ligadas através da busca de manutenção da viabilidade dos modos de vida correspondentes; e 4. ao invés de se continuar agredindo os ecossistemas, privilegia-se o estabelecimento de uma relação de conivência com os mesmos, que consiste em “jogar” com as variabilidades naturais, e não negá-las (HENRY, 1987). Ao invés da busca de soluções “ótimas”, a preferência recai na elaboração de estratégias adaptativas, tanto em relação às variabilidades naturais, quanto às variabilidades econômicas. Para os seguidores da corrente da viabilidade não é necessário proibir os seres humanos de fabricar novos ecossistemas (por exemplo, os agropastoris), o que se busca é apenas reduzir um ecossistema – incluindo nele os seres humanos – a apenas um de seus múltiplos componentes. Ou seja, não há necessidade de enveredarmos no campo do finalismo para entendemos que a relação homem natureza necessidade de cuidados, e que somente ações políticas em longo prazo, que devem preceder o trabalho cientifico, podem atingir a manutenção dos ecossistemas. Em 1973, Maurice Strong, diretor executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), apresentou pela primeira vez o termo ecodesenvolvimento que significa o desenvolvimento de um país ou região, (...) baseado em suas próprias potencialidades, portanto endógeno, sem criar dependência externa, tendo por finalidade “responder à problemática da harmonização dos objetivos sociais com uma gestão ecologicamente prudente dos recursos e do meio” (SACHS apud RAYNAUT e ZANONI, 1993:7) Partindo da premissa que é necessário “pensar globalmente e atuar localmente”, o ecodesenvolvimento acredita nas transformações a partir das consciências individuais e no 41 planejamento dos governos. Segundo Leff (2000), as estratégias do ecodesenvolvimento para solucionar os problemas sociais do desenvolvimento são: a. Satisfazer as necessidades básicas da população; b. Gerar empregos e melhorar a qualidade das relações humanas; c. Combater a marginalização e a distribuição desigual dos recursos e da riqueza; d. Respeitar a diversidade cultural e propiciar a autoconfiança e a capacidade de autogestão das comunidades. (LEFF, 2000, p.269) O ecodesenvolvimento propôs um “projeto de civilização”, baseado no principio da responsabilidade entre os povos da terra. No entanto, segundo esta autor, para que esse novo projeto de desenvolvimento para a humanidade desse certo, duas modificações deveriam ocorrer na sociedade global: a primeira na esfera social, seria a construção de uma “solidariedade sincrônica” para que haja o deslocamento da lógica da produção para o “campo” das necessidades fundamentais da população e, na segunda na esfera econômica. uma “solidariedade diacrônica”, onde os recursos naturais seriam utilizados de maneira “conscientes” somente para garantir a qualidade de vida das geração futuras. Como os defensores do ecodesenvolvimento não criaram uma teoria capaz de sustentar seus objetivos e de definir o campo de uma práxis para a sua realização as proposta do ecodesenvolvimento foram perdendo o seu sentido específico para mobilizar os diferentes atores sociais na consecução de seus objetivos. (Ibidem) Além disso, os críticos desse movimento diziam que não estava claro como a humanidade construiria a sua relação “harmoniosa” com a natureza. Sem demonstrar de forma cientifica como iria atingir seus objetivos e, sobretudo, não demonstrava como ocorreria a harmônica entre a produção de bens e o meio ambiente. Desse modo, o ecodesenvolvimento foi perdendo sua força e caindo em desuso pelos ambientalistas. Embora alguns autores (MOTIBELLER-FILHO, 2001; SCOTTO et. all., 2002), não vejam diferenças entre o ecodesenvolvimento e o desenvolvimento sustentável, pois elas são mínimas, nesta pesquisa seguiremos a noção de Henrique Leff e Jacques Weber que nos mostram que as diferenças estão latentes no modo como cada uma das correntes vêem o meio ambiente e principalmente na teorização dos seus princípios. Em 1974, em plena Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento realizada na cidade de Cocoyoc no México, foi criada a noção de sustentabilidade ou durabilidade. Fortemente influenciado pelos modelos biológicos que procurava demonstrar a evolução de um equilíbrio linear na exploração dos recursos naturais 42 pelos homens. Segundo o Relatório Brundtland seria sustentável, “um desenvolvimento capaz de satisfazer as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das gerações futuras satisfazer as suas”. Weber (op. cit., p.122). Neste sentido, o desenvolvimento sustentável não significa harmonia, sim um processo de mudança, onde a exploração dos recursos naturais, os investimentos econômicos, as inovações tecnológicas e as políticas institucionais (voltadas para a preservação e exploração do meio ambiente) são feitas conforme as necessidades das gerações atuais e das gerações futuras. Um dos principais teóricos sobre o desenvolvimento sustentável é o economista polonês, naturalizado francês Ignacy Sachs, este autor idealizou os cinco pilares principais: Sustentabilidade Social: isto é, o estabelecimento de um processo de desenvolvimento que conduza a um padrão estável de crescimento, com uma distribuição mais eqüitativa da renda e dos ativos às grandes massas populacionais e uma redução das atuais diferenças sociais. Sustentabilidade econômica: tornada possível graças ao fluxo constante de inversões públicas e privadas, além da alocação e do manejo eficientes dos recursos naturais; Sustentabilidade ecológica: compreende o uso dos potenciais inerentes aos variados ecossistemas compatível com sua mínima deterioração. Deve permitir que a natureza encontre novos equilíbrios através de processos de utilização que obedeçam a seu ciclo temporal; Sustentabilidade geográfica: atingida a partir do estabelecimento de uma configuração rural-urbana mais equilibrada e de se estabelecer uma rede de reservas da biosfera para proteger a diversidade biológica, e, ao mesmo tempo, ajudar a população local a viver melhor; e, Sustentabilidade cultural: é necessário traduzir o conceito normativo de desenvolvimento sustentável numa pluralidade de soluções locais, adaptadas a cada ecossistema, a cada cultura e, inclusive a soluções sistêmicas de âmbito local (SACHS, 2008, p. 72) Esse serão os critérios que levaremos em conta para avaliarmos a sustentabilidade do turismo na Serra da Valéria. Também é relevante percebermos a abrangência socioeconômica da proposta de Sachs e sua complexidade em relação à sustentabilidade. Para atingir seus propostos os defensores do desenvolvimento sustentável apostam na gestão dos recursos naturais baseado na ética e na solidariedade com as gerações futuras. A transição começa com o gerenciamento de crises, que requer uma mudança imediata de paradigma, passando-se do crescimento financiado pelo influxo de recursos externos de recursos externos e pela acumulação de dívida externa para o do crescimento baseado na mobilização de recursos internos, pondo as pessoas para trabalhar em atividade com baixo conteúdo de importações e para aprender a “vivir com lo nuestro” (SACHS 2008, p. 17). 43 A economia ambiental é o ramo das Ciências Econômicas que se dedica ao estudo da inter-relação entre desenvolvimento social e meio ambiente possui três pressupostos que procuram explicar a questão ambiental no sistema capitalista. Para a primeira, os problemas sociais e ambientais são derivados de falhas do mercado, essas falhas constituem-se em resultados indesejáveis que tendem a ser resolvidos pelo próprio funcionamento do sistema, de forma espontânea e reduzida. A segunda, afirma que o mercado só absorve parcialmente os custos sociais ou ambientais, e desde que pressionado pela sociedade, através dos movimentos sociais exercendo pressão política, portanto externa, sobre a economia. Nesta perspectiva, a sustentabilidade seria atingida pela racionalidade ambiental. A terceira corrente é defensora da idéia que os custos sociais e ambientais são inerentes ao funcionamento do moderno sistema de produção capitalista. Portanto, este não poderá deixar de gerá-los, sob pena de aprofundar a tendência da taxa de lucro à queda, como consequências negativas para a acumulação do capital. Segundo Montibeller-Filho (2008) Para a economia ecológica, os preços de mercado devem, também, ser considerados nas análises – do exame dos fluxos de energia e materiais –, sendo, porém submetidos à observação de que eles podem estar camuflando trocas ecologicamente desiguais. [...] Apesar da crítica ao sistema de preços, os economistas ecológicos propõem que se deva ser pressionado “desde fora”, politicamente, portanto, pelo movimento, pelo movimento ambientalista, em suas diversas formas, como criação de regulamentos, leis; ações voluntaristas e coletivizadas, para que assuma os custos ambientais (op.cit., p.145) Apesar de estar relacionado diretamente com o nosso estudo não iremos nos ater mais detalhadamente a essas visões, no entanto, nosso propósito é mostrar como o conceito de desenvolvimento sustentável foi construído e como seus defensores construíram teorizações em sua defesa. As maiores críticas ao desenvolvimento sustentável dizem respeito às maneiras como este resolverá as contradições do capitalismo, sobre essa questão Joan Martinez-Alier, (1991), um dos maiores defensores da economia ecológica afirma que, Primeiramente a sustentabilidade de um espaço ambiental, há que se levar em conta que a sustentabilidade de um espaço ambiental a partir das considerações atuais, as quais refletem o relacionamento histórico entre as sociedades, não é, evidentemente, algo atingível de modo instantâneo. O desenvolvimento é um processo que pressupõe mudanças estruturais, as quais, via de regra, só se verificam em prazos dilatados. Em segundo lugar, deve ser considerado que o mercado por si só não é apto a absorver custos ambientais [...]; ele só o faz mediante ação social (em forma de criação de leis, regulamentos e correlatos) (apud MOTIBELLER-FILHO, op. cit., p. 171). 44 Outro autor que procurou responder a esse questionamento foi James O’Connor que na obra intitulada Capitalism, nature, socialism (1988), lançou a tese da segunda contradição do capitalismo. Como na economia ecológica a externalidade pressupõe o traslado de custos sociais incertos para outros grupos sociais (sejam estrangeiros ou não às gerações futuras. Segundo, este autor, a primeira contradição do capitalismo encontra-se nas relações entre valor e mais-valia, entre capital constante e capital variável, levando a crises pela impossibilidade mercadológica que decorre da queda relativa do poder de compra do conjunto do sistema, devido à tendência de se privilegiar o uso do capital constante em detrimento do capital variável. A segunda contradição é provocada na relação entre o funcionamento da economia e suas condições externas de produção. O’Connor, (1988) apud Montibeller-Filho (op. cit., p. 189-190). Mesmo pregando que essas contradições do capitalismo serão eliminadas a partir da gestão ecológica que para uns é entendida como a exploração do meio que considera o conjunto de interdependências características do ecossistema (ou dos ecossistemas) no qual se situa a ação do homem. Numa “gestão ecológica”, as conseqüências ecológicas (sobre o ecossistema) de uma modificação pontual do meio induzida pela ação do homem e, inversamente, os sistemas de coações que o ecossistema impõe as atividades humanas constituem parâmetros da decisão (JOVOLIET, 1986 apud VIEIRA e WEBER, op.cit, p. 214) Para outros teóricos (LEFEUVRE, RAFIFN e BEAUFORT, 1981 apud VIEIRA e WEBER, op. cit.) afirmam que a gestão ecológica tratar-se do “conjunto de medidas que favorecem a manutenção de uma diversidade de comunidades de seres vivos e garantiriam uma produtividade biológica global elevada, obtida através do melhor custo energético, satisfazendo com o mínimo custo econômico as necessidades sociais, culturais e estéticas diversificadas da sociedade. O desafio dos defensores da economia da sustentabilidade é fazer que essas propostas se tornem práticas coletivas nas políticas dos governos mundiais, pois pra que haja regulação da gestão dos recursos a parti de leis a existência de duas condições básicas: i) a primeira é a existência de direitos de propriedade sobre os bens individuais e, em particular, sobre os recursos naturais. Esta condição exige que os bens considerados sejam efetivamente apropriados individualmente; isso significa que o titular do direito de propriedade, seja pessoa física ou moral, privada ou publica, deve poder excluir os outros consumidores ou usuários potenciais dos benefícios desse gozo; e, ii) a segunda: a organização de um mercado para os bens e recursos em questão. Para tanto, torna-se 45 necessário que os custos sociais de organização de um mercado desse tipo (noção de custos de transição) sejam inferiores aos benefícios que dele possam retirar os agentes econômicos. (VIEIRA e WEBER, op.cit. p. 216). O grande desafio da economia sustentável é torna-se global, no sentido de que políticas e as ações em favor regulamentação da exploração dos recursos ambientais sejam feitas em todas as partes do mundo. Embora já existam no mercado diversas mercadorias e alimentos produzidos por “ecoempresários” , essas ações ainda são muito pequenas diante dos problemas enfrentados pelo meio ambiente na contemporaneidade. O consumo desses produtos está mais na força do “ecomarketing” que está fazendo surgir um modismo e na nova disputa das grandes potências pelos novos “el dorados” ambientais da atualidade como afirma Becker (2008) que pela formação de um pensamento e atitude comprometidos com o futuro do planeta. O que esta acontecendo é a apropriação da ecologia pelo mercado capitalista aproveitando todas os apelos midiáticos feitos pelos meios de comunicação em prol do meio ambiente. 1.2 (Eco)Turismo na Amazônia: um novo modelo de desenvolvimento regional? Os anos 80 foram marcados pela nova valorização da natureza, essa mudança no modo de apropriação e exploração dos recursos naturais foi conseqüência da crise do Estado, a resistência social, a pressão mundial e nacional dos movimentos preservacionistas e dos grandes investidores internacionais que passaram a exigir que os projetos de desenvolvimento regionais tivessem a preservação ambiental como uma de suas preocupações. Esta também foi uma exigência da política neoliberal que cobrou dos estados nacionais a reconfiguração de seus territórios para o “novo” modelo de desenvolvimentismo mundial. Com relação fragilidade do Estado brasileiro diante da imposição dos interesses neoliberais STEINBERGER (2006, p. 30) faz a seguinte observação, essa “fragilidade federal” pós-ditadura fez com que se permitisse a invasão de qualquer tipo de novidade, fazendo com que o território brasileiro seja usado como um laboratório de experiências pontualmente localizadas, entre as quais os planos e projetos estratégicos feitos por atores hegemônicos, consultorias capitalistas e instituições, deixando de se pensar num projeto de Brasil devido a justificativa da descentralização. Nesse contexto, vemos a questão do ordenamento territorial do país sendo comumente confundida e 46 aplicada por intermédio de políticas territoriais – regionais, ambientais, urbanas, agrárias e de infraestrutura e agora no turismo. (apud FERREIRA, s/d: 09) Deste modo, criou-se uma “nova” dinâmica regional e econômica na Amazônia, o chamado vetor tecno-ecológico caracterizado pelo desenvolvimento endógeno e exógeno da região. A principal característica desse vetor é inovação e a possibilidade da transformação da produção baseada na informação e no conhecimento. Para Berta Becker (2007, p. 28) esse vetor pode ser entendido da seguinte maneira: 1. Em nível global a questão ambiental foi politizada entre os atores interessados na preservação da natureza, tais como o G7, União Européia a e o Banco Mundial. Inicialmente com a implantação do Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais Brasileiras (PP-G7), depois com a criação Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, a política regional voltou-se para um novo padrão de desenvolvimento, sustentável. 2. Em nível nacional o Estado lançou conjunto de ações para a implantação da política ambiental na região. Ao tornar-se símbolo mundial da “salvação” da vida no planeta a Amazônia tornou-se palco mundial das disputas de interesses dos mais diversos grupos socioeconômicos, pois de um lado passou a percebida como espaço a ser preservado para a sobrevivência do planeta de outro tornou-se a região estratégica para que os governos federal e os estaduais buscarem liderar as discussões e também viabilizar recursos de capital que viabilizem a preservação do ecossistema amazônico e conseqüentemente da vida na terra. Destarte, enquanto a natureza foi feitichizada pelo capital internacional a partir do discurso conservacionista. Em relação a feitichização da natureza e ao consumismo atual, Mészáros (2006, p.18) afirma que o capitalismo contemporâneo operou, portanto, o aprofundamento da separação entre, de um lado, a produção voltada genuinamente para atender as necessidades e, de outro, sãs necessidades de sua autoreprodução. E, quanto mais aumentam a competitividade e a concorrência, mais nefastas são as conseqüências, das quais duas são particularmente graves: a destruição e/ou a precarização, sem paralelos em toda a era moderna, da força humana que trabalha e a degradação crescente do ambiente, relação simbólica entre homem, tecnologia e natureza, conduzida pela lógica societal subordinada aos parâmetros do capital e do sistema produtor de mercadorias. Deste modo o autor conclui que 47 Sob as condições de uma crise estrutural do capital, seus conteúdos destrutivos aparecem em cena trazendo uma vingança, ativando o espectro de uma incontrolabilidade total, em uma forma que prefigura a autodestruição tanto do sistema reprodutivo social como da humanidade em geral. (MÉSZÁROS, 2006, p.18) Por outro lado, a Amazônia passou a ser vendida pelas agências de turismo como um dos últimos grandes edens tropicais a ser preservado e conhecido do planeta. O fortalecimento do discurso ambientalista e do “novo” direcionamento econômico mundial a partir dos anos 80 era necessário promover o “desenvolvimento” que favorecesse a sustentabilidade na Amazônia, apesar, de todos esses discursos e apelos foi somente a partir da década de 90, que o governo brasileiro passou a criar políticas públicas para promover o desenvolvimento sustentável na a região amazônica. Deste modo, o discurso do desenvolvimento sustentável, desde o final dos anos 1980 e início dos anos 1990, entrou no cotidiano das instituições responsáveis pelas formulações das políticas públicas na Amazônia. A implantação desse novo modelo de desenvolvimento exigiu que o Estado Brasileiro criasse leis e decretos para a efetivação das ações que nortearam o desenvolvimento regional, neste meio está inserida o turismo ecológico ou ecoturismo. Definido pela EMBRATUR como A atividade turística de forma sustentável, o patrimônio natural e cultural, incentiva a sua conservação e busca a formação de uma consciência ambientalista por meio da interpretação do ambiente promovendo o bem estar das populações envolvidas (apud COSTA, 2002) Segundo SILVA (2006: 81-82), nesse discurso da EMBRATUR estão subentendidos os condicionantes fundamentais para sua efetivação: - O interesse por patrimônios socioculturais e naturais e implementação de ações que contribuam para sua preservação e conservação; - O desenvolvimento de produtos turísticos que valorizem os patrimônios naturais e culturais das comunidades receptoras; - A geração de benefícios à população local a longo prazo; - A possibilidade de educação e estudo por meio da interpretação e inter-relacão com os ambientes explorados; - A ocorrência de pouquíssimo impacto ambiental, envolvendo, assim, em sua prática, ética e responsabilidade de todos os envolvidos no processo; 48 - A necessidade da criação de um sistema de monitoramento contínuo e gestão participativa; - Ser praticado por pequenos grupos de pessoas, ou seja, envolver baixo fluxo turístico. Ainda de acordo com este autor para ser chamada de ecoturismo a atividade deve respeitar três fatores básicos: a conservação do ambiente visitado seja ele natural ou cultural; a conscientização ambiental, tanto do turista como da comunidade receptora e o desenvolvimento local e regional integrados. Como o planejamento da atividade turística na Amazônia dever ser feito em longo prazo e favorecer, sobretudo a qualidade de vida das populações tradicionais, esse seguimento econômico passou a ser visto pelas autoridades brasileiras como importante para a preservação do ecossistema e para a geração de renda e empregos nas populações tradicionais (indígenas ou não) que habitam a Amazônia, visto que a pratica do ecoturismo pressupõe, [...] o uso sustentável dos atrativos turísticos. Em uma abordagem mais ampla, visa promover a harmonia dos seres humanos entre si e com a natureza. Utilizar o patrimônio natural e cultural de forma sustentável representa a promoção de um turismo “ecologicamente suportável em longo prazo, economicamente viável, assim como ética e socialmente eqüitativo para as comunidades locais. Exige integração ao meio ambiente natural, cultural e humano, respeitando a fragilidade que caracteriza muitas destinações turísticas. (OMT, 1995 apud EMBRATUR, s/d) Seguindo, este viés, o ecoturismo é sustentável porque além de satisfazer as necessidades do turista, conserva a natureza, gera renda nos lugares visitados e a preserva para as gerações futuras. A atividade ecoturística possui as seguintes características: envolve viagens a destinos naturais; minimiza impactos ao meio ambiente; constrói uma consciência ambientalista; promove benefícios econômicos diretos para a conservação dos ambientes naturais; fornece benefícios financeiros e poder de decisão para os moradores locais; respeita a cultura local; apóia os direitos humanos e o processo democrático. (HONEY, 1999 apud NELSON e PEREIRA, 2004, p.47). Esta maneira de caracterizar o ecoturismo seria é uma espécie de tipo ideal dessa modalidade de turismo e de turista, só que, não devemos nos esquecer que nem sempre os 49 ecoturistas estão realmente preocupados com a conservação da natureza e com o desenvolvimento das comunidades visitadas, na verdade estes compram um “pacote” turístico onde a natureza e as comunidades estão inseridas como observou Wheeller (1993) ao afirmar que o Ecoturismo é sinônimo de egoturismo. [O Ecoturismo nos leva a] pensar que os turistas preocupados com ele se comportam da mesma maneira que ele consciente e clara que antes – o problema ainda reside, essencialmente, no turista de massa. [...] O ecoturista tão preocupado em se comportar de maneira ostensivamente sensível no meio ambiente vulnerável da destinação, não costuma se preocupar com o dano que ele causa no meio ambiente pelo simples fato de chegar à destinação. Aqui, a conveniência adquire precedência sobre a consciência – um para o aeroporto e um jumbo a jato dificilmente serão paradigmas de virtude para os padrões ambientais. São diversas as viagens que[...] supostamente não-prejudiciais ao meio ambiente. Como uma semana no meio do mato, supostamente não-prejudicial ao meio ambiente, seguida por uma semana recuperando-se num hotel de luxo nababesco à beira mar – uma espécie de “vamos mimá-lo no seio da África imutável”. Sem duvida que ... o pacote como todo seria considerado não-prejudicial ao meio ambiente e categorizado esteticamente como turismo da natureza (WHEELLER, 1993, 1994, 1996 apud SWARBROOKE, 2002, p.59) Nessa citação são inferidas diversas dúvidas em relação aos interesses que realmente fazem parte da sustentabilidade do ecoturismo. As agências de viagens, em busca de lucro, transformam a paisagem em objeto de consumo, neste sentido no turismo o jargão “vá e veja por si mesmo” torna-se essencial para estimular os turistas a visitar “novos” lugares, sobretudo os ligados a wild life. Nesses pacotes turísticos quase sempre incluem-se comunidades tradicionais sem que haja planejamento e a preparação dos moradores autóctones para a invasão dos estrangeiros em seu cotidiano. Deste modo, os lugares são inseridos na atividade turística principalmente em função da paisagem natural, muitas vezes como senão houvessem pessoas neles, quando isso ocorre os turistas são estimulados a se interessar mais pela paisagem e pela vida selvagem do que a interagir com os nativos. Na região da Valéria apesar de existir um sítio arqueológico que pode ser utilizado como atrativo e diversas manifestações culturais, a interação social entre os turistas e os moradores ocorre através da comercialização do artesanato, nas “visitas” as casas, nas “doações” (roupas, calçados, matérias escolares, canetas e balas para as crianças), nas caminhadas pela floresta e nos passeios pelos rios. E, apesar de alguns turistas consumirem bebidas no bar da comunidade de São Paulo, não há interação cultural entre os 50 visitantes e os nativos do lugar, do mesmo modo que não esta ocorrendo à assimilação de uma consciência ecológica em ambas as partes como sugerem os órgãos oficiais. Portanto, o turismo praticado no lócus de pesquisa é o de natureza onde a principal preocupação dos praticantes é o consumo dos atrativos naturais. Neste sentido, Silva (2006) afirma que Considera-se, assim, turismo de natureza um segmento do mercado turístico que agrega tipologias turísticas, cujos produtos advêm prioritariamente, de ambientes naturais conservados ou estão correlacionados diretamente com eles, os quais mantém certo equilíbrio dinâmico devido à pouca presença de impactos ambientais . Corresponde a um segmento de mercado que supervaloriza o contato e a inter-relação com a natureza, em contraponto com o urbano, por meio da percepção e realização de experiências pouco convencionais em áreas urbanas. Independentemente da intensidade do fluxo turístico, causa impacto ambiental durante sua prática, o que muitas vezes compromete, ao longo do tempo, a qualidade do produto turístico oferecido. (SILVA, op. cit.: 87) A concepção de turismo de natureza a cima foi adotada para o estudo de caso na Serra da Valéria porque é o que melhor esclarece o tipo de turismo praticado no lugar. Para amenizar os impactos causados pelo turismo de natureza deve-se elaborar um planejamento estratégico no local receptor. Segundo Beni (2006:94) o planejamento estratégico deve apoiar-se na participação social, bem como na equidade, intersetorialidade e sustentabilidade. Além disso, o planejamento e, sobretudo a implantação da atividade turística na Amazônia devem estar comprometidos com as características culturais e econômicas de cada lugar evitando que em vez de desenvolvimento sustentável haja exploração das comunidades e gere pouca renda para a economia local. A implantação do turismo na região Amazônica ficou sob a responsabilidade da SUDAM que com o PDA de 1994/1997, deu ao “turismo um caráter de prioridade”, como um dos segmentos econômicos mais representativos para a construção de uma nova estrutura produtiva na Amazônia, em maior sintonia com seus ecossistemas. Ainda segundo este documento, o modelo de desenvolvimento sustentável, preconizado na estratégia do desenvolvimento regional, confere ao turismo uma posição de destaque, por se tratar de uma atividade compatível com a preservação do ambiente natural, além de apresentar um potencial multiplicador significativo e elevar a capacidade de geração de emprego. A relevância dessa atividade pela SUDAM ocorre porque segundo Marcus Colchester apud Diegues (2000, p. 245), o ecoturismo transformou-se hoje num grande negócio e a distribuição da renda gerada 51 com as comunidades locais tem sido um meio popular pelo qual os conservacionistas esperam reconciliar os povos nativos com as áreas protegidas. Em 1998 foi lançado o Programa de Ecoturismo da Amazônia Legal – PROECOTUR que além de criar estrutura para a adequação da atividade turística nos nove estados da Amazônia Brasileira (Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins). Segundo o Ministério do Meio Ambiente, esse programa também tem como objetivos específicos: proteger os atrativos ecoturísticos; implementar infraestrutura básica de serviços; criar ambiente de estabilidade; avaliar o mercado nacional e internacional; propor base normativa; capacitar recursos humanos; estimular a utilização de tecnologias apropriadas; valorizar as culturas locais e contribuir para a conservação da biodiversidade (MMA, 1998). Na região norte os Estados do Amazonas e do Pará se destacam nessa atividade econômica. Na opinião de Figueiredo (op.cit.) o Amazonas possui uma melhor estrutura para o desenvolvimento do turismo de natureza e do ecoturismo com hotéis de ecológicos e hotéis de selva (lodges), barcos ecológicos, roteiros pelas matas, etc., além de uma propaganda maciça e segmentada nos principais países emissores. Tendo os recursos naturais como principais atrativos turísticos as principais modalidades praticadas por este setor são: o turismo de natureza e a pesca esportiva. Os turistas estrangeiros, com destaque para americanos, ingleses, alemães e franceses, são quem mais visitam o Estado, embora o número de turistas nacionais tenha aumentado, com base em dados obtidos na EMBRATUR (1997), o sudeste é a região de origem dos turistas brasileiros que mais visitam a Amazônia. Para o Trade Turístico e órgãos governamentais, o ecoturismo é entendido como qualquer atividade turística que utiliza os recursos naturais como atrativos. Os ecoturistas, especialmente os estrangeiros, requerem roteiros onde exista uma infraestrutura adequada, áreas preservadas e de alto valor natural e cultural, e disponibilidade de recursos humanos capacitados, com guias bem treinados. Com exceção das empresas que levam seus guias, na maioria das comunidades caboclas-ribeirinhas do Estado do Amazonas não existem guias treinados e a infraestrutura local é quase inexistente o que faz com que o tempo de estada dos turistas seja de no máximo 4 horas. Neste sentido, foram criados pólos ecoturísticos em todos os estados da Amazônia Legal. A indicação dos pólos permitiu definir as prioridades de cada Estado para fomentar o desenvolvimento do ecoturismo nos lugares que tem potencial para desenvolver essa atividade. Os principais empreendimentos relacionados ao ecoturismo sãos os hotéis de selva 52 (lodges) próximos de comunidades ribeirinhas, em unidades de conservação e em reservas indígenas. Esses lugares são escolhidos principalmente pelo fato de possuírem atrativos naturais e são poucos explorados pelo homem. Além dos problemas de infraestrutura e as grandes distancias de muitos lugares das capitais, a falta de planejamento participativo e participante, comprometem os propósitos do turismo ecológico e do ecoturismo que é favorecer o desenvolvimento local sustentável com a preservação da natureza, além, de promover a educação ambiental, tanto no visitante quanto nos autóctones como observa Oliveira (2009, p.49), a atividade ecoturística deve se desenvolver respeitando critérios socioambientais que irão dar sustentabilidade a atividade, porém o que se observa na prática, em algumas localidades de potencial turístico é uma distorção deste conceito ou a apropriação de roteiros ecoturísticos. Não há dúvida que essa atividade pode ajudar na conservação dos ecossistemas, mas para que isso seja efetivado será necessário planejamento, estudo dos impactos ambientais, controlar o número de visitantes e, sobretudo efetivar a educação ambiental entre os turistas e os nativos, como enfatiza Molina (op. cit.) “...é impossível definir o setor (turístico) ou entendê-lo como atividade estratégica, se não considerar seu impacto sobre os recursos naturais e a qualidade dos recursos naturais que utiliza”. Uma das maneiras apontadas para evitar que a atividade turística seja maléfica as comunidades é estimular o desenvolvimento endógeno, a mobilização social e a participação no planejamento e na gestão do turismo o desenvolvimento endógeno segundo Beni (2006) Visa atender às necessidades e demandas da população local por meio da participação ativa por meio da participação ativa da comunidade envolvida. Mas do que obter ganhos em relação à posição do sistema produtivo local na divisão nacional do trabalho, o objetivo é buscar o bem estar econômico, social e cultural da comunidade local, o que leva a diferentes caminhos de desenvolvimento, conforme as características e a capacidade de cada economia e sociedade locais. (BENI, 2006, p.36) Na apropriação do espaço da amazônica pelo ecoturismo está ocorrendo o contrário, pois, as políticas públicas e os empreendimentos são realizados sem nenhuma consulta aos comunitários que, além disso, são explorados pelos donos dos hotéis e das próprias agências de viagens sendo excluídas do processo de planejamento do turismo. No 53 Brasil tem-se a idéia que cabe ao Estado planejar o turismo nas regiões que possuem potencial turístico para Ruschmann (2008, p.87) [...] o planejamento turístico tem por finalidade desenvolver os espaços e as atividades que atendam as necessidades dos [moradores] locais e dos turistas, alem de proteger e evitar a descaracterização dos locais privilegiados pela natureza e do patrimônio cultural das comunidades. O planejamento turístico também deve abranger o entorno da(s) comunidade(s) em que a atividade turística for implantada, em muitos casos o planejamento turístico só leva em conta as propostas baseadas em limites políticos e administrativos. Esse ainda é o tipo de planejamento e gestão do turismo vigente na Amazônia. Como os patrimônios naturais e culturais do estado sãos os principais atrativos para desenvolvimento do turismo local, é preciso considerar sua utilização para o desenvolvimento sustentável dos lugares turísticos, ou seja, que haja um planejamento voltado não apenas para a conquista do lucro pelos grupos e agências que detém a hegemonia da atividade, mas, sobretudo, que se reverta em turismo sustentável para as comunidades que são as verdadeiras donas desse patrimônio. Para a OMT o desenvolvimento sustentável do turismo [...] é um processo contínuo que requer monitoramento constante dos impactos que a atividade pode causar, de modo que, com ações de manejo, seja possível minimizar os impactos negativos e maximizar os benefícios potenciais, introduzindo medidas preventivas ou de correção de rumos. [...] Esse processo requer a participação e o comprometimento de todos os atores envolvidos com o turismo, principalmente o poder público, que deve incentivar e apoiar o processo, estimulando a participação da sociedade por meio da construção de consensos. Portanto, os produtos turísticos sustentáveis são desenvolvidos em harmonia com o meio ambiente e culturas locais, de forma que estes se convertam em permanentes beneficiários, e não meros espectadores de todo o processo. (OMT, 2004 apud Ministério do Turismo, 2007, p.18) No entendimento de Ruschmann (op. cit.) os objetivos do planejamento em longo prazo são: a) “Explorar” as potencialidades da destinação que irão configurá-la que irá configurá-la no mercado; b) Criar produtos da oferta original; 54 c) Avaliar as chances da destinação em novos segmentos do mercado; d) Planejar novos produtos com base nas novas tendências do mercado. Segundo nosso entendimento uma das maneiras do turismo natureza atingir esses objetivos na Serra da Valéria é utilizar os atrativos naturais e culturais de forma racional e promover a diversificação os serviço turístico do lugar, hoje limitado a venda de artesanato, aos passeios no lago e nas comunidades e as caminhadas na floresta. Como já foi citado anteriormente além destes “produtos” turísticos no lugar existem outros atrativos como a serra, os sítios arqueológicos, a grande das manifestações culturais e além da grande diversidade da fauna e da flora do lugar que ainda são pouco utilizadas pelos moradores locais. Deste modo, os benefícios que a atividade praticada no lugar ampliar-se-iam e favoreceriam um número maior de moradores. No entanto para que isso ocorra é necessário que os órgãos municipais e governamentais promovam treinamentos para que os comunitários possam atuar como guias turísticos no lugar. Além disso, deve-se procurar estimular a prática do turismo de base comunitária, pois como já foi dito, agrega muitos benefícios para as comunidades e para os turistas. Deve-se realizar a análise de custo-benefício do turismo de natureza no lugar para que os moradores e os órgãos governamentais tenham a noção dos ganhos socioeconômicos nas comunidades onde é praticada essa modalidade turística. Neste sentido, Ruschmann (1997, p. 62-3) aponta os seguintes impactos dessa modalidade de turismo: Impactos positivos – Ambientes naturais e socioculturais: a. Nos ambientais naturais: Criação de áreas, programas e entidades governamentais) de proteção da fauna e da flora. (governamentais e não- b. Nos ambientes socioculturais: Campanhas e programas de educação ambiental para as crianças, adultos, turistas e moradores das localidades turísticas; Desenvolvimento do “orgulho ético”. As comunidade receptoras passam a sentir orgulho da originalidade dos recursos naturais da sua localidade de suas características culturais, engajam-se nas campanhas preservacionistas e fiscalizam as ações destruidoras dos visitantes, atuando como guias dos passeios pelas matas. 55 Ambientalistas se engajam nos programas de ecoturismo e atuam como guias e instrutores na orientação e educação ambiental das comunidades locais e dos turistas e, “muitas vezes tornam-se proprietários e administradores de seus lodges”. Na Amazônia isso nunca irá ocorrer enquanto o planejamento turístico for feito para os grandes empresários*. [grifos nossos] Impactos negativos – Ambientes naturais e socioculturais a. Nos ambientes naturais Acúmulo de lixo nas margens dos caminhos e das trilhas, nas praias, nas montanhas, nos rios e lagos; Uso dos sabonetes e de detergentes pelos turistas, contaminando a água dos rios e lagos, comprometendo sua pureza e a vida dos peixes e da vegetação aquática; Contaminação das fontes e dos mananciais da água doce e do mar perto dos alojamentos, provocada pelo lançamento de esgoto e lixo in natura nos rios e no oceano; Poluição sonora e ambiental provocada pelos motores dos barcos e pelos geradores que provém energia elétrica para os lodges; Coleta e quebra de corais no mar e de estalactites e estalagmatites das grutas e cavernas, [na Amazônia o mais comum neste caso é a captura de animais silvestres: papagaios, araras, repteis, macacos, peixes, aranhas, além da coleta de sementes e a retirada de madeira para a produção de artesanato*] para serem utilizados como souvenirs; Alteração das temperaturas das cavernas e grutas e aparecimento de fungos nas rochas, causados pelos sistemas de iluminação; Pinturas e rasuras nas rochas ao ar livre, dentro das cavernas e grutas, onde os turistas querem registrar sua passagem; Coleta e destruição da vegetação às margens das trilhas dos caminhos da floresta; Erosão de encostas devido o mau traçado e a falta de drenagens das trilhas; Ruídos que assustam animais e provocam sua fuga de ninhos e refúgios; Desmatamento para a construção dos lodges e de equipamentos de apoio; Caça e pesca em locais e épocas proibidas; 56 Descaracterização da paisagem pela construção de equipamentos cuja arquitetura, cujos materiais e o estilo contrastam com o meio natural. b. Nos ambientes socioculturais Descaracterização das tradições e dos costumes das comunidades receptoras, cujos ritos e mitos muitas vezes são transformados em shows para os turistas; Aumento dos preços das mercadorias e dos terrenos; Migração de pessoas originárias de regiões economicamente debilitadas para novos pólos turísticos, em busca de empregos, provocando excedente na oferta de mão-de-obra e escassez de moradias. Exploração dos comunitários pelas agências de turismo e pelos empresários na compra de artesanato e na troca da moeda estrangeira abaixo do valor do mercado*. [*grifos nossos] Ao contrário do discurso das autoridades que vêem no turismo, sobretudo, no ecoturismo a possibilidade de desenvolvimento econômico com a geração de empregos e a conservação da natureza de forma sustentável, Ruschmann (op. cit.) verifica que esta atividade traz mais danos ao ambiente natural e social nas comunidades onde foi implantado que desenvolvimento socioeconômico como postulam os órgãos oficiais. Essa constatação é importante, visto que esse fato não deve ser ignorado pelos órgãos governamentais e empresários do setor no planejamento e na implantação de roteiros e do trade turístico, pois alguns danos ambientais e culturais são irreversíveis e comprometem a característica do espaço turístico. Para que os danos ambientais e culturais sejam mimizados onde o turismo de natureza é praticado, deve-se desenvolver o planejamento estratégico, pois a oferta turística é concebida como um conjunto dos recursos naturais e culturais que são a essência da atividade turística que a eles as instalações e os serviços serão agregados. Segundo Beni (2006:92) as vantagens desse tipo planejamento são: Dinâmica do meio ambiente: espaço onde as empresas e organizações se localizam e que sofre mudanças contínuas. O planejamento estratégico observa e acompanha essas mudanças e monitora seu desenvolvimento. 57 Geração e flexibilidade: a empresa ou organização assimila mais rapidamente as mudanças porque gera flexibilidade em função do treinamento e da incorporação de estruturas adequadas. Intervenção dinâmica: preocupa-se com os cenários de sustentabilidade, tendo sempre em mira a visão de futuro e ações a longo prazo. Integração interna da empresa: o planejamento estratégico deve ser um processo contínuo de busca de informação e permanente reflexão sobre os fatos. Com isso, alguns setores deixam de atuar como sistemas fechados, ganhando uma visão de totalidade de si mesmos, e a empresa passa a atuar de maneira unitária e estratégica. Revitalização do espírito organizacional: reforça o espírito de grupo dos atores que integram a empresa, com uma clara definição dos objetivos e a busca constante de informações, tendências a correr risco e determinações para atingir metas. Ainda segundo Beni, todo projeto de desenvolvimento local /regional desencadeia um processo de reconstrução / repropriação de um território, implicando uma nova ordenação territorial, que se propõe que seja sustentável e alavancada a partir dos interesses coletivos da região. Neste sentido, a sustentabilidade do turismo deve ser planejada e construída a partir das características regionais, onde a preservação da natureza está ligada a manutenção da qualidade de vida das comunidades autóctones. Apesar de ser “vendida” pelos órgãos públicos como atividade que favorece o desenvolvimento econômico e a preservação da natureza o ecoturismo está longe de se tornar um “modelo” de desenvolvimento para a Amazônia. Na realidade o que percebemos é o surgimento de uma nova forma de explorar os recursos naturais da região a partir da utilização da paisagem natural, dos ecossistemas e do próprio sistema cultural amazônico. Estimulado pelo “novo” valor que a natureza adquiriu no início do século XXI, alguns lugares da região amazônica estão sendo turistificados e “preservados” sem o mínimo planejamento e sobretudo sem que seus atores, as comunidades tradicionais e as ribeirinhas, sejam consultadas. Por traz disso estão os interesses das grandes potencias mundiais em conservar uma região estratégica como a Amazônia para interesses futuros. Para Becker (op.cit., p.3) 58 O novo significado da natureza está gerando um novo mercado turístico, o chamado ecoturismo, com indivíduos submetidos ao desejo de "retornar à natureza", nela inserindo-se sem deformá-la, desfigurála ou depredá-la. A experiência desse "retorno" se dá de forma turisticamente organizada em pontos seletivos no espaço. Assim temos, desde uma perspectiva geográfica uma valorização seletiva dos territórios. Os territórios são valorizados em função da sua acessibilidade, às vezes para o marketing do turismo de massas, às vezes do ecoturismo. E essa valorização incide de modo importante sobre as zonas costeiras e os países periféricos, tropicais e mediterrâneos. É óbvio que aquelas praias ensolaradas são produtos de venda fácil, mercadorias valorizadas para as populações dos países temperados e frios. Esta questão, na verdade, cria um potencial de desenvolvimento, que pode ser um fato portador de uma multiplicação de serviços, de empregos diretos e indiretos e de circulação de mercadorias. Mas que também inclui um potencial de impactos perversos, tanto ambientais como sociais. Na Amazônia a valorização do ecoturismo e do turismo de natureza, segundo os órgãos oficiais, tem como objetivos: evitar o desmatamento, gerar empregos e renda nos municípios e comunidades mais afastados das capitais estaduais. Na realidade as vantagens dessas duas modalidades de turismo como propagadoras de desenvolvimento socioeconômico e proteção ambiental é um mito. Visto que, da maneira como esta atividade está sendo implantada na região, os benefícios para as comunidades estão muito a quem do que os propagados pelas agências de turismo e órgãos oficiais. Para que não criarmos situações que beiram o mito, como por exemplo, que o ecoturismo está ligado à educação ambiental, ou seja, seus praticantes aprendem o valor da preservação da natureza juntamente como os moradores autóctones, é um mito porque na pratica tanto as agências de turismo e os donos dos hotéis de selva exploram os atrativos naturais visando o lucro, quanto aos turistas a visita as comunidades e a natureza faz parte do pacote comprado, sobretudo nos Estados Unidos e na Europa, estão mais preocupados em entrar em contato com exótico do que com a preservação educação ambiental, quanto aos moradores locais estes estão muito mais preocupados em vender seus artesanatos e outros serviços para garantir seu sustento. Outro dado que se aproxima do mito é que esta atividade pode desenvolver economicamente os lugares receptores. Na realidade o turismo por ser uma atividade sazonal, os empregos oferecidos para os moradores locais nos lodges além de raros são os que não exigem especialização dos trabalhadores ou com a comercialização de artesanato. Como o numero de visitantes nas comunidades varia a cada estação os ganhos são quase sempre insipientes para a manutenção das famílias ao longo do ano. 59 1.3 – O (Eco)turismo no Amazonas: uma discussão necessária Nas três últimas décadas o “ecoturismo” tem se apresentado como uma nova fonte de renda para a economia estadual, isso se deve em parte pelo fato da Zona Franca de Manaus concentrar os lucros e Manaus, já que é responsável por 90% de toda a riqueza estadual e pela grande concentração populacional na capital. Logo existe a necessidades de criar oportunidades de desenvolvimento para os municípios do interior do estado. Por outro lado, novo valor dado pelo capitalismo a “natureza” que deslocou os investimentos para projetos de preservação e conservação ambiental. A esse respeito Berta Becker faz a seguinte observação, A expansão globalizada do capitalismo contemporâneo, atribuindo novos significados e valor à natureza (Becker, 2001) e ampliando em múltiplas possibilidades a sua utilização, pode ser alvissareira para o desenvolvimento da Amazônia, destacando-se os serviços ambientais. (...) Não se trata, contudo, de um processo trivial. Não só pela dificuldade de atribuir valor à elementos da natureza mas, sobretudo, de decidir como valorá-los e valorizá-los. Como capital natural em que se transformou, a natureza pode ser apropriada e trabalhada de várias formas. A Amazônia foi sempre fronteira das grandes inovações da economia-mundo, e é uma região acostumada à modernidade, como afirma Marcio de Souza. Mas não como centro e beneficiária das inovações (BECKER, 2008, p.3) O Amazonas é o estado brasileiro menos desmatado da Federação e conforme dados oficiais “preserva 98% de suas florestas; possui 41 unidades de conservação (UCs); guarda 30% do carbono florestal da terra; abriga 60% da biodiversidade do planeta, abrangendo mais de 2.500 espécies de peixes, 950 espécies de pássaros, 300 espécies de mamíferos e 100 de anfíbios” (SEPLAN, 2009). O meio ambiente é o principal atrativo “ecoturístico” do Estado e a partir dele as políticas públicas voltadas para o desenvolvimento dessa modalidade estão sendo desenvolvidas. É importante ressaltar que tanto as secretarias estaduais e municipais de turismo do Amazonas confundem ecoturismo com turismo de natureza o que implica em graves erros na planificação para o setor. A importância dada ao turismo no Estado também ocorre porque esta atividade cresce em media 8% ao ano. Segundo a Organização Mundial de Turismo – OMT em 1999 10% das pessoas que viajam pelo mundo são ecoturistas e no Brasil esse número gira em torno de um milhão de turistas anualmente. Esse número faz com que o faturamento anual do turismo ecológico seja estimado a nível em US$ 260 bilhões e a nível nacional em cerca de US$ 70 milhões. A Amazônia e o Pantanal são os lugares mais procurados para a prática do 60 ecoturismo. O Estado do Amazonas foi um dos primeiros da Região Norte a ser reconhecido pela EMBRATUR com potencial para desenvolvimento do ecoturismo. Segundo o Plano de Desenvolvimento Preliminar – APL de 2008, [...] o mercado do ecoturismo no Estado do Amazonas vem crescendo a taxa de 6% ao ano, em resposta ao fortalecimento de alguns setores, como infra-estrutura e de serviços, que aliados ao pioneirismo do Estado na prática dessa modalidade turística, levou o Amazonas a ser eleito pelo Governo Federal como o Estado Referência para o Ecoturismo no Brasil. Em 1997, o Estado recebeu cerca de 283.000 turistas, que para aqui vieram impulsionados pela natureza, negócios e convenções. (AMAZONASTUR, 2008) Com o intuito de melhorar a oferta turística do Estado em 1997 a EMANTUR criou o primeiro pólo turístico formado pelos municípios de Manaus, Presidente Figueiredo, Iranduba, Silves, Rio Preto da Eva, Itacoatiara, Manacapuru, Careiro, Careiro da Várzea, Autazes, Novo Airão e Barcelos. A justificativa para a escolha desses municípios foi a proximidade com a capital; ter potencial ecoturístico; o fato de possuírem Reservas Ambientais e áreas indígenas; que possuam infraestrutura mínima de acesso fluvial ou aeroportos. Entre 2003 e 2006 a Empresa Estadual de Turismo – AMAZONASTUR elaborou a Proposta para Turismo no Amazonas, onde apresentou um mapa indicando os pólos turísticos com potencial para desenvolvimento do turismo. Dos sete pólos (figura 1) turísticos mapeados pelo Estado apenas três são reconhecidos: o pólo do Amazonas, o Saterê e o do Alto Solimões. Também foram definidos como prioritários os municípios de Iranduba, Manacapuru, Novo Airão, Presidente Figueiredo, Rio Preto da Eva, Silves (Aldeia dos Lagos), Tefé, Parintins, Maués, Barcelos, São Sebastião Uatumã, Careiro e Manaus. As principais ações que a AMAZONASTUR pretende realizar nesses municípios são: i) Capacitação Profissional; ii) Ampliação da oferta turística; iii) Ações de fomento; iv) Promoção de novos nichos de mercado; v) Melhoria na infraestrutura turística. Esta preocupação é relevante, pois nos últimos anos fluxo de turistas no Estado tem aumentado substancialmente. 61 Figura 01 - Pólos Turísticos do Estado Amazonas. Fonte: AMAZONASTUR, 2008. 62 Deve-se salientar que apesar da importância da delimitação dos pólos o Plano de Desenvolvimento do Turismo no Estado do Amazonas foi elaborado por equipes técnicas, sem haver iniciativa para incluir representantes das comunidades e também o fato que muitos pólos não foram efetivados. Essas são algumas das causas do fracasso da política de desenvolvimento da atividade nas comunidades ribeirinhas locais. O modus operandi do planejamento das Secretarias Estadual e Municipal de Turismo no Estado do Amazonas contraria a determinação do Plano Nacional de Turismo que segundo CABRAL (2006, p.3) (...) Seguindo a linha de uma gestão descentralizada, procura centrarse nos municípios onde a atividade de fato acontece, buscando a desconcentração de renda por meio da regionalização, interiorização e segmentação da atividade turística. Nessa nova gestão descentralizada, existem os Conselhos Municipais de Turismo, criados pelos Municípios, que se organizam para formar os Roteiros Integrados (...) o modelo de gestão descentralizada e participativa, tendo como base uma política regional para o turismo, (...) Busca o desenvolvimento regional através de uma gestão compartilhada levando-se em conta as especificidades locais e situando os diversos atores sociais como sujeitos do planejamento turístico. (CABRAL, 2006:3) Portanto, um dos entraves do desenvolvimento do ecoturismo no Estado é a falta de políticas públicas de inclusão e empoderamento das populações ribeirinhas no plano de roteirização dos atrativos turísticos e da implantação do turismo de base comunitária que beneficiaria as populações nativas e atingiria os objetivos dos órgãos oficias, ou seja, gerar emprego e renda no interior além de contribuir para o fortalecimento da atividade no Estado. Com relação ao fluxo de turistas no Estado às estatísticas mostram o crescimento paulatino a partir de 1995. Os principais atrativos no Amazonas são os recursos naturais para a prática do turismo de natureza. Um dos fatores favoráveis ao crescimento da atividade foi a inclusão do rio Amazonas na rota dos cruzeiros internacionais. Por ser navegável o ano todo o rio Amazonas favorece duas modalidades de turismo: o turismo de natureza e o turismo de pesca esportiva. Apesar de todas essas potencialidades somente a partir da segunda metade da década de 90 foi que o Estado entrou na rota dos grandes cruzeiros segundo a Associação Brasileira de Representantes de Empresas Marítimas – ABREMAR, A inclusão do Amazonas nos cruzeiros marítimos é a última novidade e tem causado tanto interesse que, além da temporada, pode ser feito o ano inteiro. Com saída do porto de Manaus, o Iberostar Grand Amazon, da empresa Iberostar, oferece essencialmente dois tipos de itinerário: um cruzeiro de três dias pelos rios Solimões e Amazonas e outro, de quatro dias, pelo Rio Negro. (ABREMAR, 2008) 63 No roteiro que parte da Flórida, passando pelo Caribe até a Amazônia a capacidade dos transatlânticos é superior as 600 pessoas. A partir de 2001 seis empresas de passaram atuar regularmente na Amazônia: Cunard Line, Orient Lines, Princess Cruises, Radisson Seven Seas Cruises e Seabourn Cruises Line que combinam outros destinos com Amazônia em roteiro que duram de 7 a 22 dias. Naquele ano (2001) 24 transatlânticos com 14.000 passageiros passaram pelo rio Amazonas. A partir de 2008 a empresa Royal Princess Rio Amazonas 2008, passou a vender pacotes turísticos de 14 noites com várias saídas de janeiro a abril pelo Rio Amazonas. Outro roteiro internacional parte de Fort Lauderdale, Flórida (EUA) e no Brasil inclui Santarém, Parintins e Manaus. Segundo a AMAZONASTUR entre os anos de 2003 a 2008, o número de turistas que visitaram o estado via cruzeiros marítimos foi de 100.201. (gráfico 1) Gráfico 01: Quantidade Anual de Turistas que Participaram das Temporadas de Cruzeiros Marítimos pelo rio Amazonas. Fonte: AMAZONASTUR, 2009 Os dados acima a variação no fluxo de turistas anualmente, no entanto o Estado recebe em média 23 transatlânticos por temporada. Além dos Estados Unidos os países que mais emitiram turistas para o Amazonas neste período foram a Itália, Portugal, França, 64 Alemanha, Espanha, Inglaterra, Japão e Canadá. O fluxo interno de turistas brasileiros no Estado também tem aumentado anualmente e os Estados que mais emitem turistas para o Amazonas são: São Paulo, Rio de Janeiro, Pará e Roraima. O crescimento do turismo no Estado fez com que a Empresa Estadual de Turismo definisse como um de seus objetivos (...) consolidar o Amazonas como o grande portal do turismo no Brasil, os segmentos do ecoturismo, do etnoturismo, da pesca esportiva, da cultura, da vida rural, o plano de Turismo do Estado do Amazonas insere em suas formulações a necessidade de o turismo ter critérios de responsabilidade social, porque o Governo do estado deve ter como medida essencial a relação homem / natureza numa sociedade globalizada. (AMAZONASTUR, op. cit., p. 2). Esses objetivos, no entanto, são contraditórios, pois a realidade encontrada nas comunidades ribeirinhas com potencialidade para desenvolver a atividade turística é a que simplesmente as agências se apropriam dos atrativos naturais e das culturas autóctones, na maioria das vezes sem que as mesmas sejam consultadas para discutir e planejar a modalidade de turismo a ser praticado nesses locais. Deste modo, a responsabilidade social propagada pelo Estado em relação ao planejamento fica sob a tutela das agências e dos turistas. Outro fator que deve ser levado em conta é que nem todas as populações tradicionais (indígenas ou não) estão pré-dispostas a desenvolver esta atividade em suas terras. Visto que, o etnoturismo que também é propagado como alternativa para o desenvolvimento econômico das populações indígenas causa grandes impactos no modus vivendi local. O processo de mudança causado pelo turismo em alguns casos são irreversíveis para as etnias que adotam esta atividade econômica como gerador de renda para a sua população. Em relação ao turismo de pesca esportiva no Brasil foi somente a partir de 1998 que este passou a ser tratado como segmento turístico. Naquele ano foi criado do Programa Nacional de Desenvolvimento da Pesca Amadora – PNDPA (executado pelo Ministério do Meio Ambiente/Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e pelo Ministério do Esporte e Turismo/Instituto Brasileiro de Turismo – EMBRATUR). Em 2003 o Ministério do Turismo procurou estruturar essa modalidade de turismo com o auxilio da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República – SEAP/PR, juntamente com o PNDPA/ IBAMA e outros colaboradores. Como resultado, definiu-se a delimitação conceitual, as características e a abrangência do segmento de Turismo de Pesca. Segundo o MINTUR, 65 O turismo de pesca, principalmente para o mercado internacional, trata-se da pesca amadora caracterizada pela prática de devolver à água os peixes menores (protegidos por lei) e também os maiores (principais reprodutores e atrativos turísticos). O abate, quando ocorre, limita-se aos de tamanho intermediário, para o consumo durante a pescaria. É também conhecida como pesca desportiva. Já o pesque-esolte consiste no ato de devolver à água todos os peixes capturados “em condições de sobrevivência”. (MINTUR, 2008) Apesar grande potencial para o desenvolvimento o turismo de pesca esportiva é pouco explorado no Brasil, ainda assim esta atividade movimenta de R$ 2 a R$ 3 bilhões por ano segundo o IBAMA. Para a AMAZONASTUR nesse segmento turístico o principal emissor são os EUA com 40% dos turistas estrangeiros que visitam o Amazonas anualmente. O volume de negócios do turismo de pesca no estado gira em torno de US$ 10 milhões ao ano. Os valores poderiam ser maiores, levando-se em conta os mais de 5 milhões de quilômetros quadrados de beleza natural e a grande concentração de tucunaré, um dos peixes mais disputados pelos praticantes dessa modalidade turística. Entre 2003 a 2008 houve um crescimento médio de 10% do número de turistas que procuraram o Estado para a prática da pesca esportiva totalizando 28.155 turistas. Esses números não condizem com o verdadeiro volume de turistas, pois muitas agências não informam o fluxo de turistas praticantes dessa modalidade. O gráfico 2 mostra a quantidade oficial de turistas por ano que participam do seguimento de pesca esportiva no Estado. 66 Gráfico 02: Quantidade anual de turistas que participaram das temporadas de pesca esportiva. Fonte: AMAZONASTUR, 2009 No Amazonas a pesca esportiva pode ser praticada o ano todo em virtude do grande número de rios e lagos com potencial pesqueiro para essa atividade, porém, a melhor época é no período da vazante que ocorre entre os meses de setembro é março. Como o tucunaré (Cichla spp ) é a principal espécie procurada pelos turistas os municípios de Barcelos e a região do Rio Negro são os locais mais procurados, também tem destaque para os municípios de Maués, de Manicoré, Silves, Parintins, Maués, Autazes, Careiro Castanho, São Sebastião do Uatumã e Presidente Figueiredo. Além do tucunaré as espécies mais abundantes são o Aruanã (Osteoglossum bicirrhosum), o Dourado (Salminus maxillosus), a Matrixã (Brycon hilarii), Tambaqui (Colossoma macropomum), a Cachorra (Hydrolycus Scomberoides), o Dourado (Salminus maxillosus), o Pintado (Pseudoplatystoma corruscans), a Piraíba (Brachyplatystoma filamentosum), a Pirarara (Phractocephalus hemioliopterus) e o Jaú (Paulicea luetkeni). Essas espécies são usadas como atrativos turísticos, já que podem ser encontradas o ano todo, no entanto, as mais procuras sãos as chamadas espécies “esportivas” neste caso destaca-se o tucunaré, a cachorra e peixes lisos como o dourado, a piraíba e a pirara. 67 Esse seguimento turístico é voltado, sobretudo para os estrangeiros por isso não é massificado apesar disso, exige grande oferta de peixes nos rios. Como a demanda de turistas é grande a “proteção” dos rios e lagos para a pesca esportiva acaba gerando conflitos em função dos interesses distintos entre as agências, os pescadores comerciais e dos moradores locais. Os conflitos ocorrem sobretudo na região do médio rio Negro e seus afluentes, com destaque para os rios Jurubaxi, Aracá, Demeni, Cuiuni, Caurés, Paduairi e Unini. A esse respeito Freitas e Rivas (2006:31) afirmam que É uma atividade com grande potencial de crescimento e os pacotes vendidos no exterior para um período de sete dias oscilam em torno de US$ 3 mil durante a temporada, que se estende, em geral, de outubro a março, coincidindo com o nível baixo das águas. A modalidade predominante é a pesca-e-solta. Novos conflitos pelo uso dos recursos pesqueiros surgiram com o crescimento dessa modalidade de pesca. Em rios de águas pretas, como o Negro, operadores de pesca esportiva estabeleceram uma situação de conflito com pescadores de subsistência, pescadores de espécies ornamentais e, principalmente, pescadores comerciais. O conflito entre os pescadores de subsistência e os de peixes ornamentais, nativos da região, é de menor intensidade e decorre, na maioria das vezes, da sobreposição espacial das atividades. Vem sendo minimizado pelo envolvimento dos pescadores nativos em atividades de pesca esportiva, na forma de guias e pilotos de botes. O conflito com os pescadores comerciais é causado pela forma diferenciada que os dois grupos de pescadores compreendem a espécie-alvo, o tucunaré Cichla sp. Os pescadores esportivos vêem um tucunaré de dez quilos como um troféu a ser fotografado e devolvido ao rio, pelo qual estão dispostos a pagar até US$ 3, mil por um pacote de uma semana. Por outro lado, os pescadores comerciais consideram o mesmo peixe apenas pelo seu valor de venda no mercado consumidor mais próximo, a um preço variável entre R$ 1,50 e R$ 2,50 o quilo. Na tentativa de regulamentar e preservar os “recursos pesqueiros” para o turismo de pesca o governo do Amazonas criou o decreto n° 22.304, de 20 de novembro de 2001, que proibia a pesca comercial do tucunaré nos municípios da região que inclui os municípios de Barcelos, Santa Izabel e São Gabriel da Cachoeira por um prazo de cinco anos. Esse decreto foi criado porque já naquele ano o governo entendia que a pesca esportiva é o principal produto turístico do Amazonas. O decreto é um passo para a regulamentação da atividade que é ao mesmo tempo turística e ambiental, com o apoio de institutos de pesquisas e universidades. Na realidade o que ocorreu foi à intensificação dos conflitos nesses municípios, pois beneficiava principalmente as agências de turismo que se apropriam dos locais de pesca e 68 do meio ambiente para suas atividades. Mesmo reconhecendo que o turismo de pesca gera emprego e renda aos moradores locais, ainda assim há reclamações, pois as comunidades são as menos favorecidas e ficam alienadas do processo de planejamento e das imposições legais, como se os mesmos não tivessem direto e aos recursos pesqueiros locais. Por possui uma bacia hidrográfica privilegiada o Estado do Amazonas apresenta grandes possibilidades para o desenvolvimento do turismo de pesca. Como os praticantes desse seguimento não fazem muita exigência quanto ao conforto, sim com a oferta de pescado, as comunidades ribeirinhas podem beneficiar-se dessa atividade, desde que participem da elaboração do planejamento e da identificação dos melhores locais para a sua prática. Deste modo, o MINTUR, afirma “para que a comunidade seja atuante e participativa, deve estar organizada e consciente de seu papel, envolvida nas atividades de guia de turismo, piloteiro, hotelaria, restaurantes, barcoshotéis e outras atividades” (MINTUR, 2008). Novamente exige-se que os órgãos estaduais chamem as comunidades para participar da gestão e planejamento do turismo no Estado fato longe da realidade atual. Quanto ao desenvolvimento do turismo cultural, os principais atrativos no Estado são: Em Manaus: o Carnaboi (carnaval com ritmo de toadas); Boi Manaus (festa dos bois bumbás); o Festival de Opera; Amazonas Film Festival (festival de cinema) e a Feira Internacional da Amazônia (FIAM). Nos Municípios: O Festival do Peixe Ornamental de Barcelos; a Festa do Cupuaçu e Feira da Agroindústria e de Negócios de Presidente Figueiredo; Festa de Santo Antônio de Borba, Festival Folclórico de Parintins; Festa da Padroeira de Parintins; Festival de Ciranda de Manacapuru; Festival da Canção de Itacoatiara (FECANI); o Festival de Verão de Maués; Torneio de Pesca do Tucunaré de Presidente Figueiredo; Festa do Guaraná de Maués e a Festa do Gás Natural de Coari. (SEPLAN, 2009, p. 48-49) O Estado do Amazonas possui grande potencial turístico, mas a forma exógena, que exclui as populações tradicionais do planejamento e, sobretudo da organização do modus operandi dessa atividade nos municípios e/ou nas comunidades ribeirinhas é um grande entrave para o desenvolvimento e as sustentabilidade da atividade. Além disso, a falta de infraestrutura, sobretudo do planejamento participante também contribuem para a derrocada da atividade no estado. Como a gestão participante do turismo requer tempo, dinheiro e habilidades para ser organizada, aliado a isso também existe a falta de interesse do governo e das empresas de turismo que buscam a qualquer custo limitar a participação das comunidades, não há nenhum 69 interesse por parte das instituições encarregadas do planejamento turístico em incluir as camadas populares nas discussões relacionadas ao turismo no Estado. Na verdade essas políticas públicas são impostas e as conseqüências são quase sempre desastrosas ao meio ambiente e a organização sociais das comunidades envolvidas, pois quem melhor conhece os atrativos turísticos locais são seus moradores que não têm vez e voz na planificação da atividade em suas terras. Em suma, do turismo praticado nas comunidades caboclo-ribeirinhas do Estado do Amazonas é o de natureza, pois os turistas estão preocupados principalmente em admirar as paisagens naturais sem a procurar culturalmente com as populações locais. 70 Capitulo II – A Crise do Turismo de Massa e a Inserção das Populações Tradicionais Amazônicas no Roteiro Internacional do Turismo. Como já foi dito ao longo das três últimas décadas o capitalismo internacional passou por mudanças na apropriação e valorização da cultura e da natureza para o turismo. Se nas décadas de 60 e 70 o desenvolvimentismo para a Amazônia e em outras partes do mundo esteve baseado na exploração dos recursos naturais incentivando grandes projetos como os de Carajás, de Jarí, da abertura de estradas e dos projetos agropastoris. O crescimento do movimento ecológico e, sobretudo os apelos para a preservação das florestas tropicais e dos outros ecossistemas mundiais favoreceram o crescimento do ecoturismo, classificado por muitos, sobretudo pelos órgãos oficiais, como uma forma sustentável de uso e preservação dos recursos naturais da região. Neste capítulo foram discutidas duas questões importantes para desenvolvimento de nossa pesquisa. Primeira é uma reflexão trata sobre os percursos utilizados por alguns teóricos a respeito dos conceitos de tradição e populações tradicionais. Neste sentido, foram analisados os postulados de Diegues (1997; 2002; 2005); Lima & Pozzonbon (2004); BarretoFilho (2006) e Almeida (2008), além dos apostes teóricos de Max Weber, Karl Marx, Anthony Giddens (2001), entre outros, que serviram de base para desenvolvimento desta questão. A relevância desta discussão está no fato da categoria população tradicional ser um conceito guarda-chuva o que leva invariavelmente aos autores, sobretudo, Diegues (1997) e Almeida (2008) a entendê-la como se fosse um continum no qual é possível juntar todos os grupos sociais identificados como tradicionais em uma mesma categoria. Deste modo, é necessário entendemos as características culturais de cada grupo e, sobretudo perceber como a tradição moldou de forma singular a cultura de cada grupo. A segunda questão é um breve relato sobre a origem do caboclo amazônico e da visão conservacionista que transformou o modus vivendi das populações tradicionais em um modo de “vida harmoniosa” com o ambiente, dando-lhes a conotação de sustentável ao estilo de vida dessa categoria. Assim o caboclo tornou-se um sujeito (mesmo sem ter consciência disso) “global” no que diz respeito à preservação do ecossistema amazônico e da vida na terra. Estimulado pela ideologia conservacionista e pela crise no turismo de massa as comunidades caboclas-ribeirinhas da Amazônia foram inseridas no contexto do turismo internacional. Assim, a atividade apropriou-se dos recursos naturais locais e da cultura local, turistificando também o modus vivendi e o modus operandi das sociedades caboclas. 71 2.1 Tradição e Populações Tradicionais na Amazônia Atualmente o termo populações tradicionais/comunidades tradicionais tem sido utilizada academicamente de forma ampla e complexa visto que engloba vários grupos sociais distintos. Aqui aparecem as primeiras dificuldades teóricas desse capítulo: definir e caracterizar as particularidades culturais dos grupos sociais que fazem parte dessa categoria, pois da forma como nos são apresentados pelos diversos enfoques teóricos não permite que “visualizemos” as particularidades culturais de cada grupo que compõe essa categoria, já que são todas juntadas na categoria guarda-chuva. Os movimentos sociais das décadas de 60 e 70 contribuíram para que esses “novos” agentes sociais ganhassem visibilidade no contexto nacional. Lutando contra as conseqüências da política desenvolvimentista implantada pelo governo militar, os povos e comunidades tradicionais passaram a lutar pela manutenção de sua sobrevivência e ampliar sua participação política no cenário nacional. Reprimidos pelo governo ditatorial esses movimentos ganharam força novamente nas décadas de 80 e 90 estimulados pela redemocratização política e pelos movimentos ambientalistas nasceu o “ambientalismo camponês” que lutava pelo acesso aos recursos naturais, pela valorização do extrativismo e dos sistemas agrícolas baseados em tecnologias alternativas. Fizeram parte deste movimento o Conselho Nacional de Seringueiros, o Movimento dos Atingidos por Barragens, O Movimento dos Pescadores artesanais e os Movimentos Indígenas entre outros. Na análise de Diegues (1997; 2002; 2005) existem duas categorias de populações tradicionais no Brasil: os Povos Indígenas e as Populações Tradicionais não Indígenas. À primeira categoria, seguindo o raciocínio de Lima & Pozzobon (Ibdem) a população tradicional da Amazônia é formada pelos seguintes grupos: os povos indígenas de comércio esporádico, os povos indígenas de comércio recorrente e os povos indígenas dependentes da produção mercantil. Na segunda categoria (modelo de Diegues) estão agrupados: os caiçaras, os jangadeiros, os açorianos, os varjeiros/varzeiros (ribeirinhos não amazônicos), os quilombolas, os praieiros, moradores da faixa litorânea da região amazônica entre o Amapá e o Piauí; os pantaneiros e os caboclos-ribeirinhos amazônicos. Tentando de incluir esses grupos sociais de maneira mais ampla na política de desenvolvimento nacional e de procurar tornar as políticas publicas mais abrangentes e para reconhecer oficialmente a pluralidade cultural do país em 2007 através com o Decreto Presidencial nº 6040 de 070/02/07, instituiu-se a Política Nacional de Desenvolvimento 72 Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais que tinha como objetivo: “realizar um levantamento nacional sócio-demográfico e econômico sobre povos e comunidades tradicionais, predominantemente em áreas rurais, através de pesquisa de campo, a fim de subsidiar a proposição, elaboração, implementação, monitoramento e avaliação das políticas públicas, universais e específicas, voltadas para a garantia de direitos individuais e coletivos dos Povos e Comunidades Tradicionais”. Neste documento também foram definidos como povos e comunidades tradicionais os “grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais; que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição”. (IBGE/MDS/MMA/CNPCT, 2008) É interessante observamos a mudança no discurso oficial na substituição do termo “populações tradicionais” por “povos tradicionais”, porém o fato de o governo ter feito essa troca não pressupõe que o mesmo reconheceu as reivindicações desses grupos sociais. Para Almeida (2008), O “tradicional” como operativo foi aparentemente deslocado no discurso oficial, afastando-se do passado e tornando-se cada vez mais próximo de demandas do presente. Em verdade o termo “populações”, denotando certo agastamento, foi substituído por “comunidades”, que aparece revestido de uma conotação política inspirada nas ações partidárias e de entidades confessionais, referidas à noção de “base”, e de uma dinâmica de mobilização, aproximando-se por este viés da categoria “povos” [...] tem-se uma luta teórica contra a força dos esquemas interpretativos dos “positivistas no direito”, que sempre querem confundir etnias, minorias e/ou povos tradicionais dentro de uma noção genérica de “povo”, elidindo a diversidade cultural, e contra a ação sem sujeito de esquemas inspirados nos “estruturalismos”, que privilegiam e se circunscrevem às oposições simétricas entre “comum” e “individual”, entre “coletivo” e “privado”, entre “propriedade” e “uso”, entre recursos “abertos” e “fechados”, entre “tradicional” e “moderno”, menosprezando a dinâmica das situações concretas produzidas pelos povos e grupos tradicionais nas suas relações sociais com seus antagonistas históricos (ALMEIDA, 2008:25). Utilizamos essa longa citação para mostrar que apesar do avanço na concepção oficial dos povos e comunidades tradicionais o referido decreto não faz menção as diferenças culturais entre os grupos sociais que compõem esta categoria. Deve-se ressaltar também que 73 essa maneira de analisar as comunidades tradicionais ainda está muito presente em muitos estudos que as têm como objeto de pesquisa como veremos ao longo deste capítulo. Se do ponto de vista jurídico a definição de Almeida (2008) dá um salto, na medida em tornou as populações tradicionais “portadoras” do direto a terras e a diversos beneficio em relação ao poder público, ao nosso esta definição trata todas as categorias sociais que dela fazem parte como um continum cultural. Deste modo, embora seja uma definição abrangente/globalizante, o “reconhecimento” das comunidades tradicionais possibilita primeiramente ao Governo Federal a “responsabilidade” de criar políticas públicas que permitissem a sobrevivência desses grupos, deu-lhes visibilidade aos seus problemas e as necessidades sociais. Esse “reconhecimento” acabou por garantir alguns direitos entre eles à demarcação das terras indígenas, o reconhecimento das terras dos remanescentes de quilombos, implantação de áreas de proteção integral (parques nacionais, estações ecológicas, etc.), embora ainda que sejam mínimas essas “conquistas” tem possibilitado a sobrevivência desses grupos que segundo Diegues (1996) apresentam como características mais marcantes: i) a dependência e até simbiose com a natureza, os ciclos naturais e os recursos naturais renováveis a partir do qual se constroem um "modo de vida"; ii) conhecimento aprofundado da natureza e de seus ciclos que se reflete na elaboração de estratégias de uso e de manejo dos recursos naturais; iii) noção de "território" ou espaço onde o grupo social se reproduz econômica e socialmente; iv) moradia e ocupação desse "território" por várias gerações, ainda que alguns membros individuais possam ter se deslocado para os centros urbanos das atividades de subsistência, ainda que a produção de "mercadorias" possa estar mais ou menos desenvolvida, o que implica numa relação com o mercado; vi) reduzida acumulação de capital; vii) importância dada à unidade familiar, doméstica ou comunal e às relações de parentesco ou compadrio para o exercício das atividades econômicas, sociais e culturais; viii) importância das simbologias, mitos e rituais associados à caça, à pesca e atividades extrativistas; ix) a tecnologia utilizada é relativamente simples, de impacto limitado sobre meio ambiente. Há uma reduzida divisão técnica e social do trabalho, sobressaindo o artesanal, cujo produtor (e sua família) domina o processo de trabalho até o produto final; x) fraco poder político; e xi) auto-identificação ou identificação pelos outros de se pertencer a uma cultura distinta das outras. (DIEGUES, 1996, p.78) As características apontadas por Diegues mostram a dependência das populações tradicionais dos recursos naturais não apenas para garantir sua sobrevivência e também para a construção social de sua realidade através da relação com o meio natural físico e mitológico. Diegues, no entanto, não faz distinção entre as comunidades tradicionais o que pode nos levar 74 ao entendimento que todas elas fazem parte de um consensus gentium, ou seja, a noção de um mesmo padrão cultura universal em todos os grupos que compõe essa categoria. Destarte, essa situação é bastante parecida como a apontada por Almeida (2007). Para evitarmos tal erro discorreremos sobre as distinções entre povos/comunidade tradicionais. Um dos primeiros enfoques teóricos para definir essa categoria utilizados foi elaborado pelo antropólogo norte-americano, Robert Redfield, seguindo às chamadas teorias de contraste, afirmava que as sociedades camponesas do tipo folk possuem as seguintes características: [...] são pequenas, isoladas, analfabetas e homogêneas, com forte sentimento de solidariedade grupal. O comportamento é tradicional, espontâneo, acrítico e pessoal; não existe legislação ou hábito de experimento e reflexão com fins intelectuais. O parentesco, seus relacionamentos e instituições, são categorias típicas da experiência e o grupo familiar é a unidade de ação. O sagrado prevalece sobre o secular; a economia é mais de status que de mercado. [...] [comparada com as outras sociedades tradicionais, afirmava que] a vila camponesa quando comparada com a vila tribal, a cidade pequena quando comparada com a vila camponesa, ou a cidade pequena é menos isolada; é mais heterogênea; é caracterizada por uma divisão de trabalho mais complexa; tem uma economia monetária mais completamente desenvolvida [...] são menos eficazes no controle social e menos dependentes de intuições de ação impessoal e menos religiosa; permite uma maior liberdade de ação e escolha ao individuo [...] (REDFIELD, 1943 apud OLIVEN, 1996, p.14) [Grifos nossos] Para os defensores desta linha teórica, o modelo redfieldiano poderia ser aplicado em outras populações que tivessem características semelhantes mesmo tendo sido elaborado a partir de estudos realizados em quatro comunidades mexicanas de Yucatan, Este enfoque equivocou-se em diversos pontos de analise, aqui apresentaremos apenas três. O primeiro é que na comparação entre as sociedades do tipo folk, vê o “progresso” em um processo continuum e simplista. O segundo é que ao defende cidade é a causa da fragmentação cultural ao invés de vê-la com conseqüência deles, e, terceiro é o fato de não deixar claro qual é a definição da sociedade urbana e da sociedade rural. Apesar de ultrapassado e muito criticado, sobretudo pelos antropólogos culturalistas, este enfoque ainda é bastante influente em pesquisas sociais da atualidade principalmente aquelas da corrente ecológica. Na perspectiva marxiana as sociedades tradicionais são concebidas a partir da idéia de associação com a natureza e da dependência dos seus ciclos sendo assim, essas culturas distinguem-se daquelas associadas ao modo de produção capitalista em que não só a 75 força de trabalho, como a própria natureza, se transforma em objeto de compra e venda (mercadoria). Nesse sentido, a concepção, a representação do mundo natural e seus recursos são essencialmente diferentes. (DIEGUES, 1993) Para GODELIER (1984) a maneira de diferenciar as culturas tradicionais é através do uso dos territórios, Um elemento importante na relação entre populações tradicionais e a natureza é a noção de "território" que pode ser definido como uma porção da natureza e espaço sobre o qual uma sociedade determinada reivindica e garante a todos, ou a uma parte de seus membros, direitos estáveis de acesso, controle ou uso sobre a totalidade ou parte dos recursos naturais aí existentes que ela deseja ou é capaz de "utilizar" [...] (apud DIEGIUES, 1986, p.73) Outra característica marcante das comunidades tradicionais não indígenas diz respeito ao uso de território. Nessas sociedades geralmente os limites geográficos são determinados por “fronteiras” naturais como: um rio, um igarapé, uma cabeceira, ou mesmo mapas, no entanto o que comumente predomina é o conhecimento do lugar. Para os nativos a natureza representa o lugar onde os meios para sua sobrevivência são encontrados através da caça, coleta, pesca e da agricultura. Os recursos naturais são geralmente de uso coletivo, ou seja, todos os moradores podem usar a floresta ou os rios para o seu sustento. A inserção à economia mercantil também é um fato marcante nas comunidades tradicionais não indígenas, além de servir de mercado consumidor para produtos agrícolas, artesanato e da pesca, as cidade é o lócus em que compram produtos manufaturados (roupas, tecidos, produtos alimentícios, combustível, etc.) e também onde procuram tratamento hospitalar e outros serviços que não existem em seu local de moradia. Sob essa perspectiva, o território deve ser interpretado como o lugar físico necessário a sua reprodução e também onde ocorrem as representações simbólicas das populações que nele habitam. Deste modo, evidencia-se que cada cultura determinou o significado e forma de uso dos recursos naturais a sua maneira. Por isso quando “juntadas” numa mesma categoria a impressão que temos é que todas as populações tradicionais são iguais, o que é um erro, visto que, indígenas e caboclo-ribeirinhos não possuem a mesma cultura e o fato de viverem em contato com a natureza tirando dela seu sustento, de falarem com seus espíritos e as outras entidades que regem seus universos simbólicos, não lhes confere a mesma identidade cultural ou os tornam membros da mesma categoria social. 76 Deste modo, é necessário que esses grupos sejam entendidos de maneira mais ampla para não cairmos no discurso simplista que coloca índios, caiçaras, caboclos, quilombolas, etc., em uma mesma categoria sem levar em conta suas diferenças culturais das populações tradicionais indígenas ou não. Ao discutir a relação sociedade e cultura DAMATTA (2000, p. 56-57) afirma que [...] na discussão da realidade humana, o conceito de sociedade deve ser sempre complementado pela sua outra face, a noção de cultura que remete ao texto e aos sistemas de valores que dão sentido ao sistema concreto de ações sociais visíveis e percebidos pelo pesquisador. A noção de cultura permite descobrir uma série de dimensões internas ligadas ao modo como cada papel é vivenciado, além de identificar as <<escolhas>> que revelam como este grupo difere daquele na sua atualização como uma coletividade viva. [...] não basta só dizer que toda sociedade tem uma infraestrutura que diz respeito às relações dos homens com a natureza e instrumentos destinados a explorá-la e modificar (os meios de produção); e uma superestrutura que engloba as relações dos homens com as idéias, espíritos e deuses. [...] [é necessário] explicar o conteúdo destes papéis que variam enormemente de grupo para grupo, de sociedade para sociedade. Por meio da tradição os padrões culturais são construídos e sedimentados no seio das populações ao longo de um processo histórico que lhes permite tomar consciência do mundo em um ritmo dialético com a natureza e ao “mesmo tempo” cria modos singulares de relacionar-se com os membros do grupo. Deste modo, por mais relevante juridicamente para garantir a sobrevivência e o direito a terra, juntar grupos sociais distintos na categoria de “populações tradicionais”, não podemos admitir que todo possuam a mesma categoria a tradição cultural. Portanto, o que difere um grupo uma comunidade tradicional de outra é a sua forma como cada um deles moldou a sua identidade, formou a sua memória coletiva e deu singularidade as características histórico-culturais na ocupação do espaço que habitam de acordo com sua cultura. A partir do que foi dito acima faremos uma breve discussão a respeito da tradição e da cultura como ‘ferramentas’ responsáveis pela formação dos hábitos e costumes nas comunidades tradicionais. Tradição é o termo empregado para designar a transmissão dos conhecimentos, costumes e regras sociais de uma geração para outra. Para Weber apud Mauss (2001, p.112) é aquilo que se transmite, é a esfera em que age a força espiritual, emotiva e física da necessidade social. Impõe ritmo e uniformidade no interior de subgrupos, ritmo e unidade de movimentos e de espírito entre todos os subgrupos. 77 Max Weber afirma ainda que a tradição está relacionada à ação social por isso é importante na formação da uniformidade do agir dos indivíduos dentro das classes sociais e das sociedades da qual fazem parte. No caso das comunidades tradicionais, a memória coletiva está ligada a um grupo relativamente restrito e portador de uma tradição, sua relação com a natureza é aproximada pelos mitos que são manifestados em ritualizações e representações simbólicas tradicionais. Na análise de Giddens (2001) [...] a tradição está ligada ao ritual e tem suas conexões com a solidariedade social, mas não é continuamente mecânica de preceitos que é aceita de modo inquestionável. [...] a tradição é uma orientação do passado, de tal forma que o passado tem uma pesada influencia ou, mais precisamente, é constituído para ter pesada influencia sobre o presente [...] a tradição também diz respeito ao futuro. (GIDDENS, 2001, p.30-31) Para este autor a tradição é normativa contribui para a coesão social, além de manter vivas as regras de conduta e, sobretudo de fazer com que os indivíduos saibam a que coletividade pertencem e como seu mundo social é organizado e quais os símbolos que regem suas vidas, pois ela é legitimadora e da ao grupo a coesão social. Em Geertz (1989) o homem precisa de tanto dessas fontes simbólicas para encontrar seu apoio no mundo. O processo de cristalização das tradições ocorre de maneira gradual, mas, quando sedimentado contribui para que as mudanças culturais pouco acorram dentro do grupo. Ainda com relação à importância da tradição Damatta (Ibidem) afirma que [...] a tradição permite individualizar ou tornar singular e única uma dada comunidade relativamente às outras (constituídas de pessoas da mesma espécie). [...] A tradição, torna as regras passíveis de serem vivenciadas, abrigadas e possuídas pelo grupo que as inventou e adotou, de tal modo que, numa sociedade humana, seus membros acabam por perceber sua tradição como algo inventado especialmente para eles, como algo que lhes pertence. (DAMATTA, op. cit. , p. 5051). As tradições são reinventadas historicamente formando ao longo da história a memória coletiva imposta a coletividade através da repetição. Assim, caso das populações tradicionais caboclo-ribeirinhas da Amazônia a tradição vai sendo moldada conforme suas relações históricas e econômicas com o mercado externo. Portanto, com o desenvolvimento da atividade turística na Boca da Valéria, os habitantes locais incorporaram novos papéis 78 sociais, como por exemplo, o de artesão e o de “guia turístico”, para lucrar com os serviços turísticos. Segundo Berger e Luckmann (1997) a objetivação, a sedimentação e acumulação do conhecimento são as responsáveis pela formação da tradição e pela cristalização dos universos simbólicos. Destarte, segundo esses autores, [...] os universos simbólicos são corpos de tradição teórica que legitimam as totalidades simbólicas, nele todos os setores da ordem institucional são integrados, porque toda a experiência humana pode agora se concebida como se efetuando no interior dele. [...] são processos de significação que se referem a realidades diferentes das pertencentes à experiência da vida cotidiana. [...] (BERGER e LUCKMANN, 1997, p. 131) A afirmação é importante para entendermos o papel da tradição na formação do modus vivendi das sociedades tradicionais em duas situações distintas: primeiro na formação do individuo enquanto ser coletivo cumpridor de regras sociais, pois as tradições tem sentido normativo ou ritualístico; e, em segundo lugar a tradição ajuda na manutenção do universo simbólico de uma sociedade e no sentido identitário do individuo em relação a sua cultural. Deste modo, a importância da identidade na formação da tradição ocorre porque favorece o encontro de nosso passado com as relações culturais do presente. Nas populações tradicionais as mudanças no habitus e nos padrões sociais ocorrem com menos freqüência que nas sociedades complexas. No entanto devemos nos afastar da idéia que as mesmas são estáticas, pois, as mudanças estão sempre presentes na vida cotidiana dessas coletividades. Para os fins dessa pesquisa utilizaremos o conceito de cultura de Geertz (2002) que entende a cultura como [...] um sistema de significados e símbolos...cujos termos os indivíduos definem seu mundo, revelam seus achados e fazem seus julgamentos; uma padrão de significados, transmitidos historicamente, incorporados em formas simbólicas por meio dos quais os homens comunicam-se, perpetuam-se, desenvolvem seu conhecimento sobre a vida e definem sua atitude em relação a ela; um conjunto de dispositivos e comportamento, fontes extra-somáticas de informações. (GEERTZ apud KUPER, 2002, p.131-32) Na visão de Geertz a cultura é um sistema simbólico que precisa ser interpretado para que possamos entender como ocorreram os processos culturais inerentes a cada povo, 79 pois na acredita que o homem é um animal suspenso por teias de significados que ele mesmo teceu. A cultura entendida como uma totalidade confere identidade a um grupo social. Mas isso não pressupõe transformar a cultura igual em todas as partes do mundo. Ou seja, cada grupo social constrói o seu modo de se relacionar com o meio físico e social que vive. Destarte, Sahlins apud, Kuper, (op. cit.) afirma que as diferenças no modelo institucional correspondem a modos distintos de produção simbólica, que contrastam tanto no meio objetivo como na capacidade dinâmica. Com relação às diferenças entre sociedades modernas e tradicionais Sahlins afirma que na sociedade burguesa, o lócus dominante da produção simbólica é a produção material, enquanto na sociedade primitiva é o conjunto de relações sociais. Essas diferenças geraram sociedades bastante diferentes nos continentes terrestres. Dito isso, podemos então concluir que na categoria povos/comunidades tradicionais o que determinou a diferença entre as sociedades que dela fazem parte foi a trajetória histórico-cultural que cada grupo social tomou no decorrer de sua formação cultural. Portanto, não estamos consideramos as diferenças desses grupos sob a óptica de “progresso cultural”, nossa leitura é a que defende que a cultura moldou cada grupo para sobreviver no ambiente que escolheu a partir da construção social da realidade tornando-os singular culturalmente em relação às outras populações tradicionais que foram juntadas em uma mesma categoria. No caso dos povos indígenas a diferença em relação às comunidades tradicionais não indígenas deve ser entendida sob a égide da etnicidade, pois como assinala Oliveira (2006), denota diferenças culturais entre sociedades isoladas, regiões autônomas, ou stoks independentes de populações tais como nações em suas próprias fronteiras. Etnicidade é essencialmente a forma de interação entre grupos culturais operando dentro de contextos sociais comuns. Anteriores a chegada dos colonizadores, os povos indígenas são diferentes culturalmente da sociedade envolvente porque apresentam língua, tradições e o modus vivendi completamente diferentes dos demais grupos sócias que habitam o Brasil. Com base nos dados da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, No Brasil, vivem cerca de 460 mil índios, distribuídos entre 225 sociedades indígenas. São 215 sociedades indígenas, mais cerca de 55 grupos de índios isolados, sobre os quais ainda não há informações objetivas. As línguas são agrupadas em famílias, classificadas como pertencentes aos troncos Tupi, Macro-Jê e Aruak. Há Famílias, entretanto, que não puderam ser identificadas como relacionadas a 80 nenhum destes troncos. São elas: Karib, Pano, Maku, Yanoama, Mura, Tukano, Katukina, Txapakura, Nambikwara e Guaikuru. Pelo menos, 180 línguas são faladas pelos membros destas sociedades, as quais pertencem a mais de 30 famílias lingüísticas diferentes. (FUNAI, s/d) Essas populações construíram sua autoconsciência étnica e cultural baseada na manutenção de mitos, rituais e instituições tradicionais como parte integrante de suas vidas o que contribuiu para a resistência política diante do processo de aculturação e da perda de suas terras. Como seu modus vivendi dessas populações sempre teve como objetivo a subsistência e com a utilização de técnicas de produção que pouco afetaram a natureza, muitos conservacionistas passam a denominar sistema produção indígena de “sustentável”, não há dúvidas que a maneira conseguir seu sustento através da caça, pesca, coleta e da agricultura, causa pouco impacto sobre os recursos naturais, no entanto como observa Balée (1993) esse é um processo histórico que remonta a tradição dos seus antepassados pré-colombianos. Deste modo, segundo este autor, As atividades das sociedades indígenas horticultoras ignoraram (mais protegeram deliberadamente) muitas florestas primárias, e assim permitiram a sobrevivência destas florestas em áreas indígenas até hoje. [...] As culturas indígenas de hoje, em outras palavras, descendentes em larga medida de remotos ancestrais pré-colombianos, apesar das recentes influencias ocidentais que muitas delas têm sofrido. A maioria das espécies cultivadas, ou aquelas que os índios atuais exploram na floresta primária e na capoeira, são também neotropicais, o que mostra uma outra conexão com o passado précolombiano. Muitos índios amazônicos atuais certamente continuam parecidos com seus antepassados –eles ainda são índios – no que se refere aos seus recursos vegetais e às formas de uso destes recursos. (apud CASTOR e CUNHA, 1993, p. 390-391) A nosso ver alguns problemas nesta análise devem ser observados: o primeiro é que as sociedades indígenas, sobretudo as que tiveram pouco contato com os brancos, não possuem uma política de conservação e muito menos uma tradição voltada para a preservação da biodiversidade nos moldes defendidos pelos conservacionistas dos ecológos; segundo, para uma mata de capoeira atingir seu tamanho “natural” demora em média 40 anos, logo a o período regeneração de uma floresta é o equivalente a uma geração, assim este repouso é determinado pela natureza não pelo ‘espírito’ conservacionista nativo; e, em terceiro lugar muitos povos indígenas recentes usam e manejam a floresta de maneiras diferentes de seus antepassados o que acarretou na necessidade de explorar a natureza com outras técnicas. 81 Portanto, se há uma relação “sustentável” dos povos tradicionais indígenas com a natureza na verdade está ligada ao histórico cultural que eles teceram e estão tecendo em longo e lento processo histórico-cultural. Além disso, essas formas tradicionais de garantir sua sobrevivência utilizando os recursos naturais, principalmente para a produção de alimentos têm restrito à introdução de novas técnicas de implantadas pelo contato com a sociedade envolvente o que contribuiu para a manutenção de sua identidade cultural. A esse respeito observa Oliveira (2007) uma etnia pode manter sua identidade mesmo quando o processo de aculturação em que está inserida tenha alcançado graus altíssimos de mudança cultural. Resultado da miscigenação entre português, índios e negros, as sociedades caboclas da Amazônia também passaram por um processo de sedimentação e transformação do seu modus vivendis que lhes permitiu antropisar a natureza e formar uma cultura nova, a cabocla. As características marcantes dessas população é a pequena produção voltada para a subsistência e com o excedente sendo vendido nas cidades próximas; vivem mais ou menos isoladas, sua cultura foi formada pela assimilação dos traços culturais indígenas, portugueses e negros. Portanto, conclui-se que a complexidade para definir povos/comunidades tradicionais está imbricada na maneira como os modelos explicativos as conceberam numa categoria guarda-chuva. No entanto, devemos entendê-las como grupos diferentes em uma mesma totalidade, na qual cada grupo social estabeleceu por um longo processo histórico e cultural maneiras distintas de se explorar os recursos naturais e universos simbólicos. de formularem seus 82 2.1.1. As Origens do Caboclo Amazônico No capitalismo globalizado, as mudanças socioeconômicas são constantes e suas teias se apropriam de tudo que pode dar lucro. No caso da Amazônia, como já foi dito, primeiramente o espaço foi apropriado pelo capital como fornecedor de matérias-primas para o mercado externo. No segundo momento a região era vista como um vazio populacional, sendo “povoada” e “desenvolvida” através dos grandes projetos, da abertura de estradas e do estimulo as migrações, nessa fase do capitalismo desenvolvimentista tanto as populações indígenas quanto as sociedades caboclas eram invisíveis diante dos planejadores governamentais. Essa realidade passou a mudar nas duas últimas décadas do século XX e no início do século XXI quando a Amazônia transformou-se em símbolo de salvação do planeta e a preservação de seu bioma e das populações que nelas vivem passaram a ser vistos como sentido de sustentabilidade. Estimulado pelo discurso conservacionista e pela fase tecno-científica do capitalista do início do século XXI que impôs um novo valor a natureza para as grandes potências econômicas o ambiente e as populações tradicionais amazônicas passaram a ser apropriadas pelo capitalismo globalizado. Segundo Ianni (1997, p.71) isso ocorre porque “a cultura do capitalismo seculariza tudo o que encontra pela frente e pode transformar muita coisa em mercadoria, inclusive signos, símbolos, emblemas, fetiches. Tudo se seculariza, instrumentaliza, desencanta”. A emergência da questão ambiental transformou o modo de produção das populações tradicionais em sinônimo de sustentabilidade e preservação natural, pois o modo de vida dessas populações não causa “grandes agressões” ao ambiente como as indústrias e ainda podem ser utilizadas como atrativos turísticos. Assim segundo Arruda (2000, p. 177), Os conhecimentos das comunidades tradicionais, ainda que produzidos localmente, são objetos de discussão global, como, afinal de contas, também seu próprio destino. As reuniões internacionais, realizadas em qualquer cidade do planeta, para discutir problemas que têm amplitude biosférica são cada vez mais comuns. Os programas de ação apresentam tal conformação, como o Plano Global de para a Conservação e Uso Sustentável dos Recursos Fito-Genéricos para a Alimentação e a Agricultura, entre outros. 83 Assim, faz-se necessário entendermos a compatibilização dos interesses do capital externo e os interesses das populações tradicionais conhecedoras detentoras do saber local e da fauna e flora, além de ser potenciais guias para os turistas. Temos então a seguinte questão como a ser discutida e resolvida pelo capitalismo atual na Amazônia, Neste contexto de um mundo globalizado, o uso econômico sustentável da incalculável riqueza da biodiversidade da Amazônia se constitui num dos grandes desafios dessa imensa região, tanto no processo de aproveitamento da vocação regional com base na exploração sustentável dos recursos naturais por meio da tecnologia, como na agregação de valor aos produtos. A questão que aflora é a seguinte: como fazer valer a riqueza da biodiversidade não só para a indústria da biotecnologia [e do setor turístico], mas também para as populações tradicionais que a conservam, utilizam e cultivam? (ABRANTES, 2002, p. 15, apud LINHARES, 2009) A gestação das sociedades caboclas na Amazônia correu ao longo da implantação do “processo civilizatório” na região foi marcada pela exploração da mão de obra, exclusão e estigmatização social essa situação deu uma conotação de invisibilidade aos sujeitos gestados nessa situação. Para Ribeiro (1999) as origens da população neobrasileira na região amazônica foram duas: [Primeira] a tupinização das populações aborígenes, em sua maioria pertencentes a outros troncos lingüísticos, mas que passaram a falar a língua geral na medida em que eram catequizados e aldeados (ou mesmo escravizados) por missionários e colonos; [Segundo] a mestiçagem de brancos com índias, através do processo secular em que cada homem nascido na terra ou nela introduzido cruzava-se com índias e mestiças, gerando um tipo racial mais indígena que branco. (RIBEIRO, 1999, p. 316) Essa nova categoria social foi gestada no decorrer de cinco séculos em um processo paulatino de distribalização, miscigenação, deculturação e transfiguração étnica das populações “pré-colombianas” da Amazônia. Com relação a essa nova realidade na Amazônia no livro “O Povo das Águas”, Antonio Porro (1996) assinala que o desaparecimento no sentido étnico devem ser observados dois aspectos: a) o desaparecimento dos padrões adaptativos (demográficos, organizacionais e ergológicos) da população original, que não chegam a reconstituir, a não ser parcialmente, quando do repovoamento induzido pelo colonizador; neste segundo momento ocorre; b) a formação que chamaremos de neo-indígena, inserido na sociedade colonial e marcado pelo desenraizamento e pela aculturação intertribal e 84 interétnica. Foi entre os séculos XVII ao XIX que ocorreu a gênese do estrato neo-indígena da população Amazônica: o caboclo. A definição e a classificação do caboclo é complexa por que essa nova “categoria social” não é exclusividade da Amazônia brasileira como observa Oliveira (2007) por caboclo entendemos não apenas os descendentes de cruzamentos entre índios e alienígenas, mas também os remanescentes e mestiços de portugueses, espanhóis, colombianos, venezuelanos e brasileiros de outra procedência notadamente maranhenses que aí se fixaram motivados pela exploração econômica dos recursos naturais e que absorveram e adotaram algo do modo de viver indígena, sobretudo a tecnologia primária. Entretanto, seus padrões sociais se orientam pelo modelo urbano e rural brasileiro. (OLIVEIRA, 1973:28, apud SILVA, 2007, p. 148) O conceito de caboclo nos estudos de Eduardo Galvão foi elaborado a partir da idéia abrangente sobre essa categoria, classificando-a como o conjunto dos atores rurais, trabalhadores nas matas e nos rios, biologicamente mestiços (de índio com não-índio ou não) que agem, pensam, sentem-se, consciente ou inconscientemente (subjetividade), como seres portadores de uma cultura complexa, em parte condicionada pelas características do meio ambiente, e que contém contributos culturais indígenas e não indígenas. Ainda segundo Galvão o caboclo foi formado por fatores étnicos e por condicionamentos econômicos da sociedade nacional podendo se entendido da seguinte maneira, a) é produto da miscigenação do índio – enquanto ser genérico – com o branco de origem européia; neste caso o caboclo é uma expressão particular de mestiçagem, é o mameluco, um ser biologicamente hibrido; b) é um ser forjado pelas influencias sociais e culturais, que se exercem sobre o homem do continuum cidade-aldeia. [...] O caboclo é constituído pelas contribuições da cultura urbana e de elementos culturais ameríndios; c) é o homem que pertence às camadas ou classes sociais mais baixas da população rural da Amazônia, os trabalhadores rurais. [assim] [...] temos a seguinte estratificação social: as camadas superiores formada pelos os patrões “brancos” [independente de sua cor] todas detentores do capital e as subordinado formado pelo caboclo (também, qualquer que seja a cor de sua pele), essa categoria social é constituída por mestiços amazônicos, índios em processo de aculturação, sertanejos nordestinos emigrados, seringueiros, pequenos agricultores, e pescadores. (GALVÃO, 1973 apud SILVA, op. cit., p. 287-8) 85 Deste modo, é possível verificarmos sob quais contradições sociais a figura do caboclo foi forjada no seio de uma sociedade. Seu “lugar” social era designado pelo poder econômico e pela descendência biológica, também era visto um “outro falso” porque é um “produto” de amalgamação das diferentes contribuições étnicas fundadoras. Baseado em estudo realizado sobre o contato interético entre índios e brancos no alto rio Negro, Roberto Cardoso de Oliveira (1972, 2006) na obra ‘O Índio e o Mundo dos Brancos’, afirma que o caboclo é o Tükuna transfigurado pelo contato com branco. Diferente dos outros grupos tribais do Javari, porquanto se constitui para o branco numa população indígena pacífica, “desmoralizada”, atada às formas de trabalho impostas pela civilização, e extremamente dependente do comércio regional. Os estudos antropológicos de Galvão (1955) e de Oliveira (1981), mostram que a categoria “caboclo” foi construída e percebido historicamente pelas classes dominantes sob o estigma de ser intruso, traiçoeiro e indolente, cuja função na economia mercantil era trabalhar para o branco, ver-se assim, a manifestação da invisibilidade dessa categoria em relação as outras. Apesar de pertinente esse tema para os fins dessa pesquisa, não faremos uma discussão prolongada e nem confrontaremos as diversas as teorias que procuraram conceituar e caracterizar o caboclo e sua cultura. Nosso interesse é encontrar linhas teóricas que nos permita atingir os objetivos propostos em nossos estudos. Destarte, utilizaremos o conceito de Parker (1985) que afirma que o [...] caboclo é uma criação da colonização da Amazônia pelos invasores portugueses. É uma de indivíduos que partilha padrões culturais semelhantes, como a maneira de explorar os recursos ambientais e suas crenças no ambiente encantado. O caboclo viver, ou vivia, predominantemente em comunidade de parentesco. Sua cultura e sociedade emergiram algum tempo antes da Cabanagem, num processo chamado de caboclização (apud HARRIS, 2006, p. 82) O postulado dessa linha teórica foi o fato de ter sido capaz de contextualizar historicamente a trajetória da formação do caboclo e sua, porém peca ao considerar nocivo o contato do caboclo com os migrantes do período militar, considerando que houve um processo de “descaboclização” da população rural amazônica fato que levaria a seu fim. Contrariando a visão positivista e linear da história do caboclo e seguindo a análise da relação dialética do capital mercantil com as populações caboclas, pode-se concluir que ao mesmo tempo em que o capital foi maléfico ao desenvolvimento regional, na medida em que só se 86 aproveita dos recursos e explora a mão de obra barata do caboclo, este também favorece o aparecimento de campesinatos baseado em parentesco. As populações ribeirinhas parecem estar fazendo mais do que apenas se acomodando às demandas prevalecentes. Essas pessoas são capazes não apenas de se acomodar aos mercados flutuantes, mas também de se organizar e se reproduzir nas novas condições encontradas a cada vez. Assim, desenvolveram uma capacidade de abraçar a mudança a cada nova fase, sem que isso resulte no fim do seu modo de vida corrente. Ao contrário sua abertura (isto é, sua capacidade de lidar com mudanças rápidas) satisfaz seu potencial reprodutivo muitíssimo bem, uma vez que essa economia agrária é suficientemente resiliente para se expandir para se expandir nas épocas de relativa estagnação do mercado. A chave desse sucesso é a organização e o controle da mãode-obra através das relações de parentesco. (LIMA, 1992 apud HARRIS op. cit., p. 89) Apesar do lócus de moradia das populações caboclas amazônicas localizarem-se distantes dos centros político-econômicos da região elas sempre mantiveram-se integradas aos sistemas políticos e econômicos, sem isolar-se completamente e estabelecendo com eles relação com certo grau de dependência, este fato segundo Murieta (1994) Contradiz a idéia de uma sociedade tradicional, isolada, dependente de atividades de subsistência, auto-suficiente e primitiva, deve ter sido inspirada por um dos momentos históricos de menor integração com o mercado, ou pelo ponto de vista colonial e discriminatório disseminado pelas elites locais e nacionais. (MURIETA, 1994 apud ADAMS, 2000:7) Ao teorizar sobre as características do modus vivendi do caboclo, Lima-Ayres salienta que geralmente este é “o pequeno produtor familiar que vive na região amazônica da exploração dos recursos das florestas. Seu conhecimento sobre a floresta, seus hábitos alimentares e seus padrões de moradia distinguem os caboclos dos produtores que migraram mais recentemente.” (LIMA-AYRES, 1992 apud QUEIROZ, 2005) Para Lima (1999) nessa cultura existem características de uma arquitetura distinta, os meios de transporte que utiliza, seus instrumentos de trabalho, seu conhecimento e modo de manejar os recursos da floresta, seus hábitos alimentares, sua religiosidade, mitologia, sistema de parentesco e diversos maneirismos sociais expressam a existência de uma cultura cabocla que é básica para o conceito desse típico homem amazônida. (LIMA, 1999, apud BRAGA, 2006:58) 87 Essas afirmações mostram que apesar de receber influencia cultura dos povos indígenas, dos colonizados, dos negros e mais tarde dos nordestinos, o caboclo desenvolveu um sistema cultural único que a diferencia das demais culturas que teve início no processo de colonização e foi sedimentado ao longo do século XIX. Tendo como base o extrativismo e a agricultura de subsistência, a economia cabocla sempre esteve ligada ao sistema mercantil o que lhe permitiu adaptar-se as necessidades de produção que o mercado exige, seu etnoconhecimento propicia-lhe retirar da natureza quase tudo (exceto os produtos manufaturados) que necessita para sobreviver. Apesar disso, devemos salientar que até a década de 70, a cultura e a “economia cabocla” não eram tidas nem como modelo de preservação ambiental e muito menos como autêntica, na literatura acadêmica e na visão dos governantes do país, essa situação só passou a ser modificado a partir da década de 80 como veremos adiante. É na área de várzea que está concentrada a maioria da é a área do complexo Solimões-Amazonas que ocorre parcial ou totalmente inundações periódicas, sua extensão corresponde a aproximadamente 1,5 a 2% do território da bacia amazônica brasileira. Para Lima, (2005:339), são qualidades da várzea: a alta fertilidade dos solos aluvionais, o potencial pesqueiro e madeireiro de suas águas e matas, além da existência de pastos naturais, propícios à pecuária. Apesar da vida na várzea ser regida pelo ciclo das águas: enchentes, cheias vazante e seca, estudos apontam que historicamente ao longo de milhares de anos essas terras, principalmente dos rios Solimões e Amazonas, foram bastante povoadas. Com relação a demografia histórica da América indígena pesquisas arqueológicas admitem que no século XVI as população autóctones que habitavam esse ecossistema era muito superior aquela que vivia em terras firme. (DENEVAN, 1977; LATHRAP, 1975; MEGGES e EVANS, 1955 apud PORRO, 1992, p.14) Os principais fatores que contribuíram para a grande concentração de populações indígenas pré-colombianas e mais tarde das populações não indígenas na várzea sempre foram aqueles relacionados a grande produtividade da agricultura, a variedade da fauna aquática que permite a pratica da caça e da pesca que possibilita até os dias atuais a sobrevivência das populações haliêuticas que habitam essas terras. Oposto das comunidades de terra firme, onde a produção agrícola depende da estação chuvosa e do período da seca apara a produção agrícola, caça e coleta extrativista, a vida ribeirinha é literalmente regida pelo ciclo das águas como observa Junk (1984), o ritmo da vida na várzea segue a variação do nível da água e os 88 moradores estão sujeitos às inundações anuais que podem cobrir suas plantações e até suas casas. As enchentes alcançam valores máximos de até 15 metros em algumas regiões da calha do rio Amazonas conforme a mudança sazonal no regime das chuvas. No período da cheia também há variações nos padrões de renda, na disponibilidade de recursos naturais, nas condições de saúde e de alimentação dos moradores. Já nas áreas de terra firme, o calendário de atividades é marcado pela variação das chuvas e a população tem um regime de trabalho e produção relativamente mais estável. (JUNK, 1984 apud LIMA, op. cit., p. 12) Apesar de ainda ser muito usual a distinção das comunidades tradicionais em função do seu modus vivend e por sua concepção identitária com a várzea, existem lugares na Amazônia em que seus habitantes utilizam tanto o ambiente de várzea quanto o de terra firme combinados para garantir sua sobrevivência. Neste caso os ribeirinhos geralmente são pescadores e lavradores, a pesca praticada é a de subsistência e a agricultura de terra firme tem no cultivo de mandioca e da macaxeira e seus derivados, juntamente com o peixe, da carne de caça e dos frutos coletados na floresta as principais fontes de proteínas dessas populações. Portanto as “comunidades ribeirinhas da Amazônia são compostas em sua grande maioria por moradores que dividem o tempo entre a agricultura e a pesca artesanal. Eventualmente o excedente da produção do pescado é comercializado principalmente no período de seca. Esses pescadores são usualmente classificados como pescador-lavrador, varjeiro ou polivalente” (PETRERE, 1992; FURTADO, 1993) Os moradores das comunidades de São Paulo, Bete Semes e Santa Rita de Cássia dividem seu tempo de trabalho com a agricultura e a pesca de subsistência, da caça e da coleta de frutos na floresta de uso comum. Com advento do turismo no lugar a produção de artesanato também ocupa boa parte do tempo dos moradores locais. Mais adiante descreveremos detalhadamente o modus operandi dessas atividades. A partir do que foi exposto acima utilizaremos a definição de Diegues (1996) que denomina as populações tradicionais da seguinte forma Os caboclos/ribeirinhos, seringueiros e castanheiros estão agrupados como populações tradicionais extrativistas. Os caboclos/ribeirinhos vivem, em sua maioria, à beira de igarapés, igapós, lagos e várzeas. Quando as chuvas enchem os rios e riachos, esses inundam lagos e pântanos, marcando o período das cheias que, por sua vez, regula a vida dos caboclos. Esse ciclo sazonal rege as atividades de extrativismo vegetal, agricultura e pesca dos habitantes da região 89 [Maybury-Lewis, 1997] (sic.). [...] Esses caboclos são extrativistas e agricultores que produzem em regime familiar, vendendo o excedente e, freqüentemente, em períodos de maior demanda por força de trabalho, usam o sistema de troca de dias de trabalho entre vizinhos. Como os sítios ocupam beiras dos rios, os ribeirinhos podem tirar proveito das várzeas, colhendo produtos alimentícios, em particular, a mandioca, mas também frutas e ervas medicinais. Nas florestas extraem o látex para a venda e também a castanha-do-pará, além de criarem pequenos animais domésticos e possuírem algumas cabeças de gado. Moram em casas de madeira construídas em palafita, mais adequadas ao sistema das cheias. (apud DIEGUES, 2001, p. 69) Os ribeirinhos passaram a ser identificados como um tipo de população tradicional por dois motivos. Primeiro porque possuem grande conhecimento sobre a várzea, dos rios e das matas que rodeiam sua residencia; e, segundo por que a manifestação contra os pescadores comerciais nos lagos e rios das comunidades transformaram-se e uma forma de resistência da manutenção do modelo tradicional de pesca e de viver dessas populações. 2.2. O Valor da Natureza para o Turismo Conseqüência do processo de industrialização iniciado no século XVIII com a Revolução Industrial, a questão ecológica foi abordada por Marx e Engels em “A Ideologia Alemã” (1845-1846), quando este criticou a visão idealista de Feuerbach sobre a relação homem e natureza, segundo Mészáros (2006), [...] Marx abordou a questão [ambiental] no inicio dos anos 40 do século XIX. [Ele] rejeitava categoricamente a alegação de que tais formas de desenvolvimento eram inerentes à “essência humana” e que conseqüentemente, o problema consistia em saber como poderíamos nos adaptar. Marx compreendeu perfeitamente, já aquela altura, que uma reestruturação radical do modo prevalecente de intercâmbio e controle humano é o pré-requisito necessário para um controle efetivo das forças da natureza, que são postas em movimento de forma cega e faltamente autodestrutiva precisamente em virtude do modo prevalecente, alienado e reificado de intercambio e controle humano. (MÉSZÁROS, op. cit., p. 988) Apesar de Marx e Engels terem sido os precursores ao chamar atenção para os danos ao ambiente pela industrialização na Inglaterra, Engels, por exemplo, denunciou a poluição causada das indústrias nos arredores de Londres, foi somente a partir da segunda metade do século XX que a humanidade assistiu fervilhar diversos movimentos e discussões 90 em torno dos graves problemas ambientais conseqüente do crescimento industrial em larga escala no planeta. Desse modo, surgiu uma verdadeira sacralização da natureza que deve ser preservada a todo custo para a manutenção da sobrevivência da humanidade e o aparecimento de um novo paradigma, o da sustentabilidade ecológica. Neste contexto a natureza assumiu a dimensão simbólica e material imprescindível para a vida na terra, assim: criaram-se hábitos e posturas ecologicamente corretos para os usuários dos recursos naturais pautados em fatores antropocêntricos, éticos, comportamentais e atitudinais. (MOTTA, 2006). O apelo midiático do movimento ambientalista tornou-se uma questão sine qua non para que sua mensagem em prol da preservação ambiental fosse transmitida para todo o mundo e conseqüentemente legitimando sua causa e criando uma “nova” consciência em relação a natureza, neste sentido Castells (2008, p.164) faz a seguinte observação Lançando mão de todas essas táticas o ambientalismo vem se tornando uma das mais importantes forças da opinião pública, exigindo reconhecimento pelos partidos e candidatos de diversos países. (...) [E apesar de haver muita especulação por parte de alguns grupos comerciais] Empresas de todo o mundo têm sido influenciadas pelo ambientalismo, buscando adaptar seus produtos e processo as novas leis e valores, obviamente buscando o lucro a partir dessas ações. O setor turístico também foi afetado por essa “nova” maneira de valorar a natureza, principalmente após as constantes crises do turismo de massa causadas pela saturação dos roteiros internacionais na Europa e Caribe, sobretudo o que da ênfase ao turismo dos 3 S: sea, sex and sun. A esse respeito Molina (2003:29-30) observa que na década de 1950 o turismo triplicou em relação a década anterior; nos anos 60 as correntes turísticas duplicaram em relação a década passada; nos anos 70 o número de turistas internacionais não chegou a ser duplicado. Nas décadas seguintes a taxa de crescimento foi caindo de maneira consistente [...] na década de 90 o turismo registrou uma taxa média de 4% o que resulta no indicador muito inferior aos anos cinqüenta. Para este autor uma das principais causas dessa crise foi o desenvolvimento tecnológico e suas múltiplas aplicações, não somente no turismo, mas também no conjunto da vida social. Apesar de ainda existir em grande escala esse tipo de turismo vem sendo aos poucos sendo “substituído” pelo turismo de natureza que busca de novos roteiros pela “indústria do turismo”, sobretudo aqueles que estão ligados ao que convencionalmente são 91 denominados de turismo verde e turismo de proximidade em oposição ao turismo de massa que na análise de Bursztyn et all.(2008:85), o turismo massificado reproduz em diversos destinos o estresse de que os turistas buscam escapar durante as férias: viagens para lugares cada vez mais superlotados onde todos cumprem cronogramas pré-fixados para consumir os mesmos eventos indicados nos folhetos publicitários. Diante disso as agências de turismo voltaram-se para as áreas naturais com o intuito de desenvolver essa atividade nas mais remotas regiões do mundo. Outro fator que também motivou o surgimento do turismo de natureza foi o fortalecimento da ideologia conservacionista que forneceu “produtos turísticos” que tinham como “selo de garantia” a preservação dos ambientes naturais e das culturas que neles vivem, por tanto, o “novo turista” contemporâneo tem duas motivações básicas para viajar: a qualidade cultural e ambiental dos destinos escolhidos. Essa nova mentalidade contribuiu para o surgimento de uma nova geração de turistas, agora interessados em visitar lugares onde a natureza ainda é preservada, como os parques nacionais e as reservas florestais. Uma pesquisa comparativa feita para entender a mudança na motivação e no perfil dos turistas internacionais das décadas de 80 e 90 apontou as seguintes diferenças demonstradas no gráfico (03). Gráfico 03: Mudanças nas Motivações dos Turistas Internacionais Fonte: Organização Mundial do Turismo (OMT) compilado a partir da apresentação o vice-ministro da Bolívia, realizado no II Seminário Internacional de Turismo Sustentável (Fortaleza, Ceará). (apud SANSOLO e BURSZTYN, 2008, p. 149) 92 Os dados acima mostram a mudança na motivação de viajar, percebe-se que há uma fuga dos roteiros massificados em favor do contato cultural, da busca pelo conhecimento de culturas e lugares naturais exóticos, como se houvesse por parte desse tipo de turista a busca pelo “Eterno Retorno” parafraseando Nietzsche, onde seria possível reafirmar a vida em um mundo onde os valores foram deturpados pelo turismo de massa. Deste modo, na hora de escolher o roteiro turístico para viajar os turistas de natureza, sobretudo os norteamericanos e os alemães, que em sua grande maioria se identificam como “ambientalistas” levam em consideração as seguintes variáveis: i. Praias limpas; ii. Baixo; iii. Visitas a ecossistemas seguros, de baixo risco ou de risco controlado; iv. Higiene; v. Baixo índice de ocupação do espaço; vi. Bosques, selvas ou mar que ocupem um lugar predominante para visita ou perspectivas, ou seja, que os temas da natureza possam expressar-se em seu esplendor; vi. Soluções urbanas e em harmonia com o meio ambiente; vii. Uso de materiais e artigos recicláveis nos guias de viagem; e, viii. Alternativas de informações que apresentem os recursos e atrativos com os quais se pôr em contato: guias, interpretes, folhetos, livros, sinalizações e cartazes. Ou seja, informações turísticas suficientes (MOLINA, 2001, p.76) O turismo de natureza é voltado para grupos pequenos de praticantes que procuram lugares onde possam entrar em contato com a natureza e que tenham significados simbólicos e identitários nas paisagens, nos objetos, nas expressões intangíveis do patrimônio cultural. Deste modo, esta modalidade de turismo encontrou na natureza uma “marca de destinação” em que regiões, como a Amazônica, que é simbolicamente reconhecida pela humanidade como ícone essencial para a manutenção da vida na terra, tornaram-se grandes atrativos turísticos. Destarte, [...] o turismo, como atividade econômica, encontrou nos territórios protegidos, em especial os parques nacionais, uma oportunidade de crescimento, seja pela pressão da demanda, ou pelo entendimento por parte do movimento ambientalista de que o turismo pode ser uma atividade alternativa, diferenciada, de baixo impacto ambiental, e assim sendo, uma possível alternativa de geração de renda associada à proteção da natureza”. (WWF apud SANSOLO, 2008: 122-123) Portanto, verifica-se que nas três últimas décadas que o trade turístico mercantilizou os ambientes naturais preservados e as culturas dos mais diversas regiões do planeta oferecendo pacotes para a Amazônia, Pantanal, Camboja, Ruanda, entre outros 93 lugares que aos poucos são turistificados e “vendidos” para atender o desejo consumista dos turistas de natureza. Esta “nova” maneira de apropriação dos espaços naturais pelo turismo criaram diversas contradições nesses lugares entre elas: - A preservação da natureza através da criação de “santuários ecológicos” nem sempre atende os interesses das populações autóctones já que em muitos casos elas não são consultadas sobre o cercamento de suas terras; - Quase sempre quando esses “santuários” ecológicos são apropriados pela atividade turística as populações que neles habitam vêem seu estilo de vida e os espaços comunitários serem modificados e invadidos por turistas ávidos pelo contato com o “exótico” munidos de câmaras fotográficas de ultima geração tirarem fotos de suas casas como parte do pacote turístico comprado nas agencias; - A preservação do ambiente natural em regiões como a Amazônia favorece a prática das modalidades de turismo ligadas ao contato com paisagens naturais, no entanto, há que se planejar a implantação dessa atividade para minimizar os danos ecológicos e sociais causados pelo turismo. Destarte, a relação homem-natureza dessa etapa do capitalismo, ou seja, em que as áreas naturais preservadas e são apropriadas pelo turismo de natureza, deve ser entendida a partir das mudanças na lógica do mercado turístico, sobretudo com a partir da propagação da ideologia conservacionista defensora da incorporação de padrões de comportamentos e da produção “ambientalmente correta” e/ou “sustentáveis”, para a manutenção da vida na terra. Essa visão da natureza padece de senso crítico e esquece que mesmo com a criação de parques e reservas para a manutenção da vida a relação homem-natureza historicamente foi dialética, ou seja, a exploração dos recursos naturais sempre causou impactos ao ambiente e o turismo, mesmo em menor escala, também é causador das modificações nos ecossistemas e nos padrões culturais de diversos povos do planeta. 94 2.3 As Comunidades Tradicionais Ribeirinhas como Atrativos Turísticos para o Turismo Internacional As primeiras tentativas de implantação do turismo em comunidades tradicionais da América do Sul ocorreram nos anos 80, segundo Maldonado (2008) para entendermos esse contexto deve-se levar em conta os seguintes fatores: O primeiro fator refere-se às pressões mundiais do mercado turístico, cujas correntes mais dinâmicas são o turismo cultural e o turismo de natureza. Como resultado destas falsas tendências nas últimas três décadas, as comunidades rurais e indígenas vêm enfrentando crescentes pressões do mercado sobre seus patrimônios naturais e culturais. Muitas ONGs ambientais encorajaram diversas comunidades a receber turistas em seus territórios por considerarem uma opção viável para a preservação de seus recursos naturais, do meio ambiente e da biodiversidade local. Algumas autoridades públicas e empresas privadas, incentivadas por bancos multilaterais (como o BID e a CAF), juntaram-se a este esforço, convencidos de que as operações turísticas comunitárias contribuem para a diversificação da oferta nacional e são consistentes com as novas correntes da demanda mundial. (MALDONADO, 2008, p.26) Para alguns países a atividade turística aparece como a possibilidade de gerar emprego e renda nas regiões que possuem atrativos naturais e culturais, acarretando melhoria na qualidade de vida dessas populações, sobretudo nas regiões onde o poder público não consegue desenvolvê-las economicamente. Nas comunidades tradicionais indígenas ou não indígenas o turismo é visto como possibilidade de utilização dos recursos naturais com desenvolvimento socioeconômico. Na Declaração de São José para o Desenvolvimento do Turismo realizada na Costa Rica em 2007, um dos participantes relatou sua expectativa em relação a implantação da atividade turística nas populações locais, Nós esperamos que nossas comunidades possam prosperar e viver com dignidade, melhorando as condições de vida e de trabalho de seus membros. O turismo pode contribuir na concretização desta aspiração na medida em que fizermos dele uma atividade socialmente solidária, ambientalmente responsável, culturalmente enriquecedora e economicamente viável. Com esta finalidade, exigimos uma distribuição justa dos benefícios que gera o turismo entre todos os atores que participam de seu desenvolvimento. Declaração de San José sobre o Turismo Rural Comunitário, Arts. 1 e 2. apud (Ibidem) A exclusão social e a desigualdade social impostas as comunidades tradicionais latino-americanas ao longo da história é o principal motivo para estas busquem superar a 95 qualquer custo esta realidade. Assim o turismo aparece como alternativa de desenvolvimento local. No entanto deve-se ter consciência de que o turismo não dever se sobrepor as atividades econômicas tradicionais que ao longo de séculos contribui para o sustento dessas comunidades, ao contrário deve ser uma atividade complementar da renda familiar, o grande problema é que em muitas regiões sul-americanas as perspectivas de desenvolvimento social inexistem, gerando nas comunidades tradicionais e na população em geral, uma certa utopia em torno dos benefícios econômico e de sustentabilidade que podem ser gerados pelo turismo nos locais onde esta atividade é implantada. A esse respeito Rodrigues (2000) chama atenção para o fato de a atividade turística é, em sua própria essência, incompatível com uma idéia de desenvolvimento sustentável. [...] Não é compatível sequer com a noção de desenvolvimento autosustentando, por que dirige o consumo aos lugares “exóticos” transformando-os para serem comercializados nos padrões de conforto e de vida do mundo moderno (apud BARRETO e REJOWSKI, 2001, p. 20) Outros autores como (CORIOLANO, 2003; MALDONADO, 2008; BARTHOLO; 2006) chamam atenção para os impactos que o turismo pode causar nas comunidades tradicionais. Enfatizam a necessidade do planejamento voltado para as características socioculturais de cada lugar e da implantação do turismo de base comunitária visando o bem estar das populações tradicionais e evitando ao máximo possível causar impactos culturais em se modus vivendis. Neste sentido, Maldonado (2008) afirma que [...] o desafio das comunidades rurais da América Latina consiste na criação de estruturas e meios de pressão política que lhes permita incidir a seu favor as decisões econômicas e institucionais que afetam suas condições de vida e o bem-estar. Somente aumentando o seu poder de barganha as organizações poderão, por um lado, promover políticas públicas que incentivem seus projetos de produção e, por outro lado, subscrever acordos de comércio justo com operadoras de turismo nacionais ou transnacionais. (Ibidem) Portanto, se por um lado para as comunidades tradicionais sul-americanas o turismo representa a “possibilidade” de desenvolvimento socioeconômico com geração de renda e emprego para as agências de turismo representa a criação de novas oportunidades de lucros e a superação da crise que o setor vem enfrentado nos últimos anos. 96 Na Amazônia a inserção das comunidades tradicionais no roteiro internacional do turismo têm-se dado principalmente com intensificação do turismo de natureza, ou seja, os tipos de turismos voltados para o contato com a natureza: o ecoturismo, o turismo de pesca e o turismo de aventura. Em menor escala o turismo interétnico vem sendo estimulado ao longo dos anos na região. Essas modalidades de turismo praticado na Amazônia são voltadas para turistas estrangeiros, sobretudo, norte-americanos e europeus. Além disso, também podemos destacar nas décadas de 80 e 90 o aparecimento no Brasil do “ambientalismo camponês” que lutava pela participação das comunidades tradicionais no planejamento e na gestão das atividades de conservação. Na Amazônia os movimentos dos seringueiros, indígenas e dos ribeirinhos ganharam destaque na luta por suas terras e pela manutenção do seu modo de vida. Dos diversos fatores da inserção das comunidades tradicionais ribeirinhas ou não do Amazonas no roteiro do turismo internacional, sobretudo do turismo de natureza, entendemos que três fatores foram determinantes para sua efetivação. Em primeiro lugar destacamos a saturação de alguns destinos tradicionais no Caribe o que obrigou que as empresas ligadas ao setor a buscar novos roteiros que lhes permitisse manter-se no mercado de cruzeiros, além oferecer novas opções de viagens aos seus clientes. Para Barreto (1999), as organizações do setor [de turismo] devem identificar segmentos para concentrar seus esforços e melhorar seus desempenhos, atendendo necessidades de clientes para manter uma relação de troca (...), confirmando o conceito básico do pensamento mercadológico (apud GAMBA et al., 2002, p.3). A favor do Brasil como país de destaque nesta modalidade de turismo estão os mais de sete mil de quilômetros de litoral banhados pelo Oceano Atlântico e a navegabilidade de grandes rios como o Amazonas. A navegabilidade durante o ano inteiro do maior rio do mundo tem favoreceu a expansão do número de cruzeiros com destino até Manaus. Aliado a isso está o significado simbólico que a Amazônia representa para o mundo com às belezas naturais e a diversidade cultural nas comunidades ribeirinhas localizadas as margens do maior rio do mundo. Nos cruzeiros marítimos a proporção de gastos diários por passageiros nas cidades e comunidades das escalas ao longo do roteiro variam entre U$ 80 a U$ 100 por dia nos navios de cabotagem e nos de longo curso estes gastos são na faixa de U$ 200/250 97 dia/passageiro/escala. A esse respeito uma a ex-funcionária da Carnival Cruises fez o seguinte relato: [...] o que mais gera esse impacto, são os gastos com lembranças e souvenirs típicos dos locais onde são feitas as escalas. Quando os passageiros descem do navio, numa grande maioria voltam cheios de lembrancinhas, inclusive me deparei com famílias que após passarem pela Jamaica e Caribe, por exemplo, passavam a se vestir com roupas tipicamente locais. Um fato interessante que ocorre nas viagens de Cruzeiros, é que antes de chegar aos destinos já são divulgados produtos locais, como cervejas fabricadas no destino. Os passeios realizados nos destinos também determinam esse impacto econômico (LUGARO e FREITAS apud ARRANTES, 2009: 91-92). A transferência de renda nesses lugares ocorre principalmente com a compra de souvenires quanto mais organizados e quanto mais serviços forem oferecidos maiores serão os gastos dos turistas nas comunidades. Os maiores problemas enfrentados nas comunidades dizem respeito a infraestrutura, a dificuldade de comunicação entre turistas e nativos, a falta de guias, de orientação paras as trilhas e os passeios nos rios e lagos dos lugares visitados. Na rota dos cruzeiros marítimos pelo rio Amazonas as principais escalas são Belém, Santarém, Alter do Chão, a Boca da Valéria, Parintins, Manaus, podendo chegar até Anavilhanas (figura (02) 98 Figura 02: Rota de turística dos cruzeiros na América do sul, com destaque para o roteiro do rio Amazonas. Fonte: www.vacationstogo.com. 99 Em segundo lugar destaca-se a mudança da lógica capitalista em relação a preservação da natureza através do discurso conservacionista e valorização do turismo de natureza como gerador de renda em empregos para as comunidades tradicionais. Na primeira década do século XXI, o Estado do Amazonas procurou desenvolver programas para o crescimento do turismo, principalmente o turismo cultural e o turismo de natureza, para isso elaborou um programa de política “preservacionista” e sob o “rotulo” da sustentabilidade vem buscando inserir as comunidades indígenas e ribeirinhas no roteiro do turismo internacional, muito embora o planejamento da atividade exclua a participação de representantes dessas categorias sociais. Apesar disso, na região norte o Amazonas possui a melhor infraestrutura hoteleira com um total de 8.307 UHs (unidades habitacionais hoteleiras) e 18.116 leitos. Sendo que em Manaus são 4.388 UHs e 8.387 leitos. Para o turismo de natureza existem 45 hotéis de selva. O principal objetivo do Estado é gerar renda e emprego nos lugares que possuem atrativos turísticos. Também deve-se destacar que o movimento ambientalista “elegeu” o modo de vida das populações tradicionais como favorável ao preservação ao ambiente como observa Henyo Barreto Filho (2004, p.111-12) [...] o reconhecimento da existência de “estilos de vida tradicionais”, no âmbito do conservadocionismo internacional deu-se na conjuntura da incorporação oficial do principio do zoneamento à definição das áreas protegidas e do surgimento das preocupações em relacionar conservação da biodiversidade in situ com o desenvolvimento sócioeconômico à escala local na gestão dessas áreas. Se antes da década de 80, tanto para o Estado quanto para os ambientalistas, o modus vivendi dos caboclos ribeirinhos era visto como “rústico e arcaico”, nesse novo contexto do capitalismo passou a ser visto como uma forma de preservar os ecossistemas da Amazônia. Sua diversidade cultural também ganhou status de luta e de relação “simbiótica” com a natureza numa clara biologização da cultura tradicional realizada pelo discurso ecológico e ambientalista. A defesa do discurso oficial a favor do desenvolvimento do “turismo verde” nas comunidades tradicionais esconde a ausência de políticas publicas nessas localidades o que as faz buscar outras oportunidades para sobreviver, desse modo, o turismo passou a ser visto como a tábua de salvação para elas. Em artigo intitulado “Mosaico Terra-Água a Vulnerabilidade Social Ribeirinha na Amazônia-Brasil”, Sherer (2004) chama atenção para o 100 fato que nos últimos 35 anos essas populações foram abandonadas pelas políticas públicas e que ignoraram a diversidade dos seus ecossistemas e dos grupos humanos que habitam a região acarretando na invisibilidade dessa categoria. Se a fome não afeta diretamente os ribeirinhos, a ausência de serviços básicos para sua sobrevivência como de saúde, educação e emprego faz parte da realidade de praticamente todas as comunidades ribeirinhas da Amazônia. Para as agências de turismo a inclusão dessas comunidades no roteiro de turismo é importante porque oferecem novos atrativos turísticos e conseqüentemente criam outras possibilidades de lucro para o setor, além de levar seus clientes para “consumir” artesanatos, as atrações culturais, os passeios pela natureza a preços módicos nesses lugares. A esse respeito Krippendorf (2009) chama atenção para o fato que esta é uma relação de mercado e que a “divisão de trabalho” entre campo e cidade é desigual e injusta, ou seja, para obter vantagens na fortuna que proporciona o turismo, os autóctones vedem o trabalho e o solo a preços baixos. Na maioria das vezes as comunidades tradicionais são incluídas nos roteiros turísticos como se as empresas turísticas estivessem fazendo um grande favor a elas, no entanto são exploradas como mão de obra barata na relação de troca mercantil que é o turismo. Nos hotéis de selva, em sua grande maioria são controlados por grandes empresários, poucos empregos são ofertados aos comunitários e os “felizardos” geralmente ocupam cargos subalternos. Nos cruzeiros marítimos a maioria dos turistas não compram artesanato o que torna a atividade uma espécie de “roleta da sorte”, pois somente alguns comunitários acabam ganhando algum dinheiro com a venda de souvenirs. E em terceiro lugar destacamos o fato de que nas comunidades a renda das famílias é baixa deste modo a visita dos turistas é vista com bons olhos pelos nativos já que representa de geração de renda nesses locais. Este fator faz com que as comunidades tradicionais não criem oposição quanto a inserção das mesmas no roteiro turístico, sobretudo, nas mais distantes dos centros urbanos onde a renda familiar é oriunda da agricultura, da pesca e do extrativismo. O dinheiro obtido com turismo é importante para a aquisição de produtos básicos para os núcleos familiares do lugar. Mesmo ser ter consciência que estão sendo explorados os moradores das comunidades tradicionais sabem que no turismo as trocas mercantis estão presentes em todas as atividades promovidas para os turistas, assim procuram ganhar o máximo de dinheiro dos estrangeiros. Desse modo a relação entre visitantes e visitados é completamente diferente daquela pregada pelo turismo ecológico em que há 101 formação da consciência ecológica e da interação cultural entre os atores nativos e estrangeiros. Na maioria das comunidades o artesanato é o principal produto comercializado com os turistas. Na produção de colares, replicas de animais, remos, quadro ou nas caminhadas pelas florestas os caboclos utilizam seus saberes tradicionais do meio ambiente para se apropriar dos recursos naturais como enfatiza Hiraoka (1997) Os caboclos/ribeirinhos[sic] possuem vasto conhecimento da várzea, do rio e da mata, coletando alimentos, fibras, tinturas, resinas, ervas medicinais, bem como materiais de construção. [...] utilizam produtos vegetais, que podem ser agrupados em manejados e não-manejados. Entre os primeiros estão as espécies vegetais que crescem em roças abandonadas, incluindo palmeiras e árvores, como bananeiras, cacau e goiaba, que são podadas e protegidas contra insetos e outras espécies competidoras. Entre as espécies não-manejadas estão a castanheira, árvores de cipó e palmeiras. Os caboclos possuem também conhecimento da qualidade do solo, por meio da vegetação nele existente, e a decisão de plantar num determinado terreno baseia-se nesse conhecimento. (apud FURTADO, 2007, p. 73) Esses saberes também estão sendo apropriados pelo turismo. O conhecimento do modus operandis da natureza e seu modus vivendi também incluíram os estilos de vida tradicionais esta categoria no rol da “sustentabilidade ecológica” tornando o caboclo em um “bom selvagem” na visão dos órgãos governamentais e dos conservacionistas que desenvolveu uma cultura adaptada aos ecossistemas e que explora de forma “sustentável” os recursos naturais da região. Esta visão simplista determinou que o “melhor” tipo de turismo a ser implantado nestes lugares é o de natureza, pois, “espera-se que essas populações levem doravante um modo de vida coerente com a conservação da diversidade biológica (CUNHA e ALMEIDA, apud BARRETO FILHO, ibidem). Por trás desse discurso político e ideológico do ambientalismo está o fato de o ribeirinho não ser consultado quanto a sua “responsabilidade” diante dos problemas ambientais globais, do modelo de desenvolvimento e turístico a ser implantado em suas comunidades. Na realidade as reais motivações dos ribeirinhos para lutar pela preservação dos lagos e da natureza estão mais relacionadas ao interesse de garantir a manutenção dos recursos necessários a sua sobrevivência que preservação da vida no planeta. Neste sentido os estudos teóricos de Lima (2004); Neves (2004); Esterci (2002) chamam atenção para os seguintes fatores a serem considerados a respeito das motivações preservacionistas do ribeirinho, 102 i) [...] a motivação ecológica encontrada nos ribeirinhos não é obviamente a mesma dos ambientalistas, defensores do ambiente em si, mas é orientada por valores sociais que regem um modelo de compartilhamento comunitário horizontal dos recursos naturais; ii) entre os próprios moradores de várzea há dissenso em relação a esse modelo comunitário conhecido como de “preservação”, ao qual a categoria política “ribeirinho” tem sido associada [visto que] no sentido genérico, o termo ribeirinho designa qualquer população que vive as margens dos rios; e, iii) no estado do Amazonas, a construção política mais recente da categoria “ribeirinho” está associada à veiculação de uma representação negativa da categoria “pescador”. A oposição focaliza o pescador comercial, urbano, “de fora” e itinerante, que é moralmente categorizado como “invasor” e “predador”. (apud LIMA op. cit. :347) Essas questões que foram levantadas para evidenciarmos que: • Apesar de estarem do forte apelo ecológico que se estabeleceu em torno do turismo ecológico, a principal motivação para a participação das comunidades tradicionais ribeirinhas nesta atividade é a possibilidade de ganhar dinheiro para a manutenção do bem estar de seus familiares; • O forte apelo midiático dos movimentos ambientalistas, das analises românticas e simplistas em algumas produções “científicas” e, sobretudo dos órgãos oficiais sobre o ‘modus vivendi harmonioso’ dos ribeirinhos com a natureza. Além da divulgação sobre as vantagens econômicas e ambientais da implantação do turismo ecológico nas comunidades, escondem o fato de as mesmas viverem no abandono com deficiência no atendimento médico, no sistema de educação e de outros serviços básicos, o que a “torna” essa atividade a “melhor” solução para os problemas de renda e emprego nestes locais; • A escolha das comunidades pelas Agências de Viagens e pelos cruzeiros marítimos ocorre a partir dos atrativos naturais e culturais que as mesmas possuem. Na maioria das vezes os comunitários não são avisados disso e passam a fazer parte do atrativo turístico como vendedores de artesanato e guias. Portanto, a inserção das comunidades ribeirinhas amazônicas no roteiro internacional do turismo ocorreu pela necessidade das agências de viagens em ampliar a 103 oferta de atrativos turísticos, sobretudo aqueles turistas que procuram o contato com a natureza e com culturas “exóticas. Como no interior da Amazônia os planos de “desenvolvimento” elaborado pelo poder público não tem conseguido suprir as necessidades básicas das populações que ali vivem, o turismo apareceu como alternativa econômica para as populações abandonadas pelo poder público para a geração de renda nesses locais. Destarte, a transferência de recursos às comunidades tanto pelos turistas dos cruzeiros marítimos, quanto pelos hospedes dos hotéis de selva ou mesmo por aqueles que têm principio o turismo de base comunitária como o praticado na Reserva Ecológica de em Mamirauá, ainda é insipiente não sendo suficiente para a manutenção da sobrevivência das unidades domésticas locais. A inserção das comunidades tradicionais no roteiro do turismo internacional está ocorrendo de maneira aleatória sem planejamento participativo e participante, pois, basta haver algum interesse das agências ou empresários que atuam no setor de turismo de natureza ou de pesca esportiva para que tenha início o processo de apropriação e turistificação da natureza. O planejamento dos órgãos oficias quase sempre são voltados para as sedes dos municípios que possuem alguns atrativos turísticos conhecidos, mesmo assim deixam a desejar em relação a infraestrutura, aos meios de transporte e participação coletiva. 104 Capítulo III – (Eco)Turismo e Sustentabilidade na Boca da Valéria O município de Parintins está localizado na 9ª sub-região do baixo Amazonas nas seguintes coordenadas geográficas: latitude - 2o 36, 48, Sul e longitude - 56o 44, Oeste de Greenwich, a 50 m acima do nível do mar. A sede municipal dista a 369 km em linha reta de Manaus e 420 km por via fluvial, a população total é de 109.150 vive numa área de 7.953 km². (IBGE, 2007). Apresenta precipitação pluviométrica anual de 2.275,4, mm e temperaturas que oscilam entre 36,4ºC, máxima, e 21,3ºC, mínima. (Braga, 2002:17). O relevo é basicamente plano e com vegetação predominante de floresta de várzea e de terra firme, o ponto mais alto é a Serra de Parintins, mais conhecida como Serra da Valéria com 152 metros de altitude. Limita-se ao norte com Nhamundá, ao sul com Barreirinha, a leste com Estado do Pará e a oeste com Urucurituba. As atividades econômicas que se destacam neste município são a agricultura e a pecuária sendo a ultima de maior peso no setor primário. Compreende principalmente a criação de bovinos, vindo a seguir a criação de suínos; a pesca faz com que Parintins seja um dos principais entrepostos no Estado, tanto para o consumo local como exportação. O extrativismo vegetal é pouco representativo na formação do setor primário, mas destaca-se na exploração de borracha, cumaru, gomas não elásticas, madeira e óleo de copaíba. Além dessas atividades destacam-se o comercio e o turismo cultural que este tem no Festival Folclórico do Boi-Bumbá, o maior atrativo turístico. Essa festa atraí milhares de turistas de diversas partes do Brasil e do mundo anualmente no mês de junho. 105 Figura 03: Localização do Município de Parintins no Estado do Amazonas. Fonte: http://pt.wikipedia.org 106 A localidade conhecida como Boca da Valéria e/ou Região Serra da Valéria faz parte do Projeto de Assentamento Vila Amazônia localizado na margem direita do Rio Amazonas e distante a cinco quilômetros via fluvial da sede do Município de Parintins. (figura 03). Segundo Couto (2005) este assentamento foi criado através da Portaria MIRAD nº 1404 de 26 de outubro de 1988, o P. A Vila Amazônia possui área de 78.270 hectares e com as seguintes características Está localizado à margem direita do rio Amazonas, margem direita do rio Mamuru e Paraná do Ramos, com distância de 5 Km entre o Núcleo Urbano e a cidade de Parintins, sendo o acesso feito por via fluvial. No P.A. Vila Amazônia existem atualmente 1.772 parcelas rurais demarcadas e ocupadas por parceleiros assentados pelo INCRA, de uma capacidade de 2.400, restando 628 parcelas vagas. Foram regularizadas, através de títulos de domínio, 623 parcelas, com documentos expedidos de 2000/2003. Os núcleos urbanos existentes possuem 469 lotes medidos e demarcados, onde residem mais de 320 famílias, sendo a maioria de parceleiros do projeto, além de 42 lotes destinados a núcleos urbanos, que servem às Comunidades, Associações, Núcleos e Colônias (COUTO, 2005:25) A produção agropastoril é a principal fonte de sustento das unidades familiares que vivem no lugar, segundo o INCRA, destacam-se a cultura da mandioca, banana, cupuaçu, açaí, abacaxi, entre outras, além da criação de bovinos de corte e leite. Como grande potencial de expansão desde que apoiadas, destacam-se o artesanato, o ecoturismo, plantas medicinais e silvícolas, piscicultura em tanque-rede, avicultura e suinocultura. (INCRA, 2009). Ainda de acordo com está órgão o assentamento apresenta as seguintes atividades e potenciais produtivos a ser desenvolvidos: Principais Atividades Nº. de Famílias Envolvidas Atividades Potenciais Mandioca Banana Macaxeira Pecuária Cupuaçú Pimenta 1.300 500 800 500 500 200 Artesanato Extrativismo Avicultura Suinocultura Piscicultura Ecoturismo Manejo Florestal Plantas Medicinais Planta Silvícolas Nº. de Famílias a serem Envolvidas 100 500 120 50 10 50 500 200 50 Tabela 01: Atividades produtivas e potenciais desenvolvidos no Assentamento de Vila Amazônia Fonte: INCRA, 2008 107 Ligadas por ramais de chão batido, rios e lagos as comunidades do assentamento, principalmente aquelas mais distantes da sede da Vila Amazônia, têm como principal problema o meio transporte da produção e das famílias para chegar às unidades de produção e o principal mercado consumidor é a sede do município de Parintins. As comunidades que estão localizadas as margens de rios e lagos, os barcos e canoas movidas por motor do tipo rabeta são os meios de transporte mais utilizados para escoar a produção e os moradores. Já aquelas que localizam-se no interior do assentamento os únicos meios de transporte são os caminhões do tipo “pau-de-arara” que transportam tudo: a produção agrícola, animais e as famílias residentes nas comunidades. Para chegar a unidades de produção os agricultores utilizam caminhões que os transportam até os ramais ou as comunidades. Sobre o transporte em caminhões e a comercialização dos produtos agrícolas o INCRA faz a seguinte observação: Tais caminhões atendem, de forma precária, a demanda, mas não servem todos os ramais, sendo necessário efetuar um estudo da demanda por transporte, bem como rotas e horários alternativos dos caminhões já existentes, além da aquisição e distribuição de mais caminhões para atender a demanda; Após o transporte pelos ramais, há necessidade de transportar a produção através de balsa ou barcos até a cidade; Já quanto à comercialização, constatou-se que os assentados são, na sua maioria, dependentes de atravessadores, necessitando, portanto, de capacitação e incentivo à comercialização direta, instalação de feiras, etc. (INCRA, 2008:4) As dificuldades de transporte aliadas ao apoio técnico precário aos agricultores, ao limitado acesso a educação e aos serviços básicos de saúde fazem com que a renda e a produção dos agricultores sejam baixas motivando muitas famílias a abandonarem suas unidades produtivas a migrar para a sede do município ou para a capital do Estado. A Serra da Valéria está localizada há quatro horas via fluvial e a 60 quilômetros por terrestre da Vila Amazônia e conseqüentemente da sede do município. Com exceção da comunidade de São Paulo que está localizada na base da serra as comunidades de Santa Rita e Bete Semes estão localizadas em terra firme, não sendo afetadas pelas enchentes. Os meios de transportes mais utilizados pelos moradores dessa localidade são os barcos do tipo recreio com capacidade média para até 30 passageiros que fazem linha semanalmente para a sede do município. 108 Além de passageiros os barcos também transportam todo tipo cargas necessárias à manutenção das famílias locais. Outro meio de transporte muito utilizado pelos ribeirinhos do lugar é a Bajara, embarcação que mede entre 8 a 9 metros de cumprimento e 2/5 de largura com capacidade para até 10 pessoas. O transporte terrestre é o menos utilizado pelos moradores locais porque os caminhões não chegam até as comunidades de São Paulo e Bete Semes e por ser mais demorado visto que, também transportam os agricultores de outros ramais do P.A Vila Amazônia. 109 Figura 04: Localização da Boca da Valéria no P.A. Vila Amazônia. Fonte: Secretaria de Turismo de Parintins – SECTUR, 2009. 110 3.1 O Modus Vivend e a Organização Socioespecial das Comunidades da Serra da Valéria O cotidiano dos moradores da Serra da Valéria é regido por três tipos de territorialidades: as de moradia, as agroflorestais e as territorialidades aquáticas. O espaço geográfico construído para a moradia é onde se localizam as comunidades. As residências geralmente são construídas uma ao lado das outras nas terras de várzea ou em terras mais altas. Na comunidade de Santa Rita de Cássia as unidades domésticas foram construídas em cima de um pequeno morro que no passado foi habitado por populações indígenas. O solo predominante é o chamado “terra preta de índio” característico de locais ocupados por populações pré-históricas. Estudos realizados pelo Museu Emilio Goeld de Belém do Pará afirmam que nas áreas onde predomina a terra preta índio [...] há grande quantidade de material [...] como fragmentos cerâmicos, carvão e artefatos líticos (de pedra). Normalmente, o material arqueológico é bem diversificado, o que leva a crer que grupos culturais distintos habitaram um mesmo local. As áreas com Terra Preta Arqueológica são encontradas sobre os mais diversos tipos de solos e normalmente se localizam em terra firme, próximas às margens de rios, em locais bem drenados. A TPA pode ser identificada por sua cor escura, resultado da concentração de substâncias orgânicas depositadas no solo que apresentam altos teores de cálcio, carbono, magnésio, manganês, fósforo e zinco, elementos que tornam a terra fértil. As áreas de terra preta são consideradas pequenas, medem de 2 a 3 hectares, mas há exceções, [...]. A camada de TPA possui em média 40 a 60 cm, mas pode atingir até 2 m de profundidade. [...] não se tem um mapeamento de todas as ocorrências de TPA na Amazônia. A estimativa é que ocorram centenas de sítios espalhados pela região (SOMBROEK, 1966; KER e KAEMPF, 1989; KER, 1996, apud KAEMPF, s/d.). Na Serra da Valéria existem dois locais em que ocorrem a TPA: no topo da serra e na área da comunidade de Santa Rita de Cássia. No segundo lugar é possível encontrar grande quantidade sedimentos e artefatos cerâmicos pré-coloniais sem muito esforço indicando que as populações que ali viveram permaneceram por muito tempo no lugar. Três fatores podem ter motivado a permanecia prolongada destas populações no lugar: a primeira é sua localização estratégica, pois tanto de cima da serra quanto da comunidade de Santa Rita é possível visualizar o rio Amazonas e a entrada para o lago permitindo um certo controle sobre essas vias; segundo a dificuldade de acesso as aldeias para quem chega já que localizam-se 111 em partes íngremes do lugar; e, terceiro a grande diversidade da fauna e flora encontrados nos ecossistemas de várzea e de terra firme do lugar. Como ao longo desta pesquisa não encontramos nenhum registro histórico nas comunidades e em Parintins sobre a ocupação précolonial da Serra da Valéria a indicação desses fatores e da etnia que viveu no lugar são hipóteses deduzidas a partir dos dados coletados em campo. O sítio arqueológico menos explorado é o de São Paulo, pois ainda não foi realizado nenhum estudo no local, isso implica que não podemos determinar a sua extensão e muito menos saber o potencial de artefatos arqueológicos (figura 05) do lugar. Figura 05: Artefatos arqueológicos encontrados na Comunidade de São Paulo. Fonte: Picanço, Antonio. 2009 O sítio arqueológico da comunidade de Santa Rita além de maior apresenta grande quantidade de artefatos. Em 2007 um grupo de arqueólogos e de pesquisadores do Instituto do Patrimônio Histórico Nacional – IPHAN realizaram várias escavações para caracterizar e datar os artefatos do local. Esta ainda esta em fase inicial, desde modo não possível indicar a localização do cemitério ou do local onde essas populações realizavam as atividades domésticas em seu cotidiano. Os artefatos encontrados no lugar, a exceção daqueles sob a posse dos comunitários, encontram-se guardados em uma sala da escola da comunidade, pois não há um museu adequado na comunidade para expor aos visitantes e nas residências dos moradores do lugar como será mostrado mais adiante. A existência de grande quantidade e variedade de artefatos arqueológicos em Santa Rita de Cássia possibilita a implantação do turismo arqueológico no lugar. Apesar 112 disso, os governos Estadual e principalmente o Municipal fazem vista grossa em relação a importância daquele patrimônio arqueológico e até o presente momento não fizeram nenhum esforço para construir um museu e implantar o turismo voltado para a exploração dessa potencialidade no lugar. A preservação dos artefatos e dos sítios arqueológicos está realizado pelos nativos de São Paulo e de Santa Rita. Na primeira comunidade foi criado um “Centro Cultural” onde são guardados os artefatos e na segunda os moradores reservaram uma sala da escola que serve de “mini-museu” para expor os artefatos. (Figuras 06 e 07.) Figura 06: Artefatos encontrados na Com. De Sta. Rita Figura 07 - Artefatos encontrados na Com. De Sta. Rita Fonte: Picanço, Antonio., 2009 Fonte: Picanço, Antonio., 2008 A organização espacial das comunidades é feita a partir das características geológicas locais e do rio Amazonas ou do lago. As comunidades de São Paulo e Bete Semes são comunidades de margem, pois localizam-se entre a várzea e a terra firme e podem usar os dois ecossistemas construir as residências, enquanto a comunidade de Santa Rita de Cássia esta localizada em uma área alta próxima da margem do logo. 3.1.1 A Comunidade de São Paulo O espaço geográfico onde está localizada a comunidade de São Paulo também é conhecido pelos moradores como a “Boca da Valéria”, ou seja, entrada do furo que liga o lago da Valéria ao rio Amazonas. A maioria das mais de 30 famílias que vivem atualmente no local construíram suas residências entre a base da serra e a margens do furo que liga o lago ao rio Amazonas, as casas desta comunidade são em sua maioria de madeira do tipo palafitas com assoalhos altos para evitar as enchentes anuais. Em 2009 praticamente todas as casas 113 foram inundadas pela grande cheia que atingiu o Estado, este fato obrigou as famílias a migrar para a sede do município e/ou para as casas dos sítios localizadas na colônia de Samaria. Esse fato acabou por prejudicar a coleta de dados, pois só foi possível entrevistarmos 10 representantes das UD’s do lugar. A infraestrutura local é composta de Escola de alvenaria com uma sala para alunos que estudam da 1ª a 4ª séries no sistema de multisseriado de ensino, uma igreja católica construída em alvenaria que tem como padroeiro o santo que dá nome a comunidade, aliás esse é um fenômeno peculiar a praticamente todas as comunidades católicas da Amazônia, a energia elétrica é oriunda de motor a diesel. No ano de 2009, após anos de reivindicação dos moradores locais foi inaugurado um poço artesiano para fornecer água potável para as residências. A comunidade possui ainda sede social e um centro de referência cultural (museu) onde são guardados os artefatos arqueológicos encontrados em cima da serra. A agricultura e a pesca de subsistência são as principais fontes de alimentos da UD’s do lugar. A localização na “Boca da Valéria” faz com que esta comunidade seja o local de recepção dos turistas e onde os moradores das demais localidades se reúnem para vender artesanatos e oferecer serviços aos visitantes como os passeios no lago e na mata. F Figura 08: Comunidade de São Paulo no período da cheia. Fonte: Picanço, Antonio. , 2006 114 A figura de número oito foi registrada no ano de 2008 no período da cheia e mostra além da organização espacial que a coloração da água fica mais escura e o furo que liga as comunidades ao rio amazonas some tornado-se um grande lago. Figura 09: Comunidade de São Paulo no período da cheia e da vazante Fonte: Picanço, Antonio., 2009 A imagem acima registrada em 2009 no período da seca mostra que água fica barrenta e ao fundo a nova igreja que inaugurada recentemente, segundo alguns informantes a construção foi feita a partir de parte da renda oriunda da atividade turística no local. 115 3.1.2 A Comunidade de Bete Semes Localizada à margem esquerda de uma bifurcação que dá acesso ao lago da Valéria a comunidade denominada Bete Semes (figuras 10 e 11.) cujo nome significa “a arca que contém a presença de Deus”, foi fundada no dia 27 de abril de 1987. Apesar da maioria das casas terem sido construídas de madeira, algumas delas possuem piso de cimento. A comunidade surgiu a partir de divergências religiosas com os seguidores da igreja Pentecostal Unidos do Brasil da comunidade de Betel, no final da década de 80 se instalou igreja na comunidade, a Assembléia de Deus que permanece até aos dias atuais como igreja predominante. A igreja foi construída, e aos poucos as famílias foram deslocando-se da comunidade de Betel para junto da Igreja, dando origem a uma nova comunidade, tendo como primeiro presidente Valdemir Xavier o e primeiro pastor Isolino Alfaia foi quem escolheu o nome da comunidade. Hoje residem em Bete Semes aproximadamente 35 famílias, tendo como religião predominante o cristianismo, representado pela igreja Assembléia de Deus. Figuras 10: Comunidade de Bete Semes no período da cheia. Fonte: Picanço, Antonio., 2009. 116 Sua infraestrutura é composta por templo evangélico, Escola de 1ª a 4ª série Mary Fran Azevedo Dray ambos construídos em alvenaria, campo de futebol e centro social construído em madeira, um poço artesiano que abastece água encanada para toda as residências. Para a manutenção da bomba é cobrada um pequena taxa, a água é fornecida somente pela parte da manha, isto obriga as donas de casa a estocar a água em camburões e outros vasilhames As roupas são lavadas no igarapé. Um gerador a diesel é fornecedor de luz elétrica para a comunidade. Durante a semana o fornecimento de luz ocorre somente a noite, em dias “normais” entre as 18 e às 22 horas, isso quando os moradores colaboram para comprar o diesel (cerca de 3 litros). Nos dias de culto a luz é fornecida das 18 às 23 horas. Além desses dias, ocorre o fornecimento de luz nas “festas” de formatura dos alunos e nas cerimônias religiosas promovidas pelos membros da igreja. Aos domingos os moradores colaboram para comprar diesel em dias de jogo de futebol. A pesca, agricultura, a caça, a fabricação de artesanato, e o extrativismo vegetal e animal são da economia do lugar. Nas unidades de produção localizadas principalmente nas colônias de Samaria e Fé em Deus, distantes em média a cinco quilômetros de distancia da sede da comunidade, são cultivadas as plantações de mandioca, abacaxi, e onde as árvores de Ucuuba utilizadas na de fabricação artesanato são encontradas. Figura11: Comunidade de Bete Semes no período da seca. Fonte: Picanço, Antonio., 2009. 117 Duas peculiaridades observadas nesta comunidade. A primeira é a grande influencia religiosa no modus vivend dos moradores local. Todos eles são seguidores da Igreja Assembléia de Deus, que através desse ascetismo e mantém fortalecidos os laços solidários e a moral religiosa entre os comunitários. Através das relações religiosas os comunitários reúnem-se geralmente aos fins de semana em “ajuris comunais” para limpar o igarapé na época da seca, fazer reparos na ponte que liga a igreja ao restante da comunidade e mais recentemente para a construção de uma nova igreja. O pastor local, além de líder e o seu principal incentivador das obras comunais apoiado pela na dominação religiosa e carismática como formas de para agregadoras para realizar as obras na comunidade. Outra peculiaridade deste lócus é o fato de que todas as unidades domésticas produzirem e participam da venda de artesanatos o que torna essa atividade bastante importante para o complemento renda familiar local. 3.1.3 A Comunidade Santa Rita de Cássia Localizada em cima de um pequeno morro à direita do lago da Valéria a comunidade de Santa Rita de Cássia da Valéria (figura) é considerada a comunidade pólo porque é a única do lugar que possui um escola municipal Marcelino Henrique, que oferece aulas das séries iniciais ao 1ª a 3ª ano. A escola possui quatro salas de aulas, laboratório de informática, refeitório, sala de leitura, banheiros que atendem entorno de 300 alunos de todas as localidades do lugar nos três turnos de aula. O turno da noite é reservado aos alunos do ensino médio. As residências das 64 famílias que habitam a comunidade possuem abastecimento de água encanada e luz elétrica fornecida por gerador a diesel que funciona todas as noites a partir das 18 horas até o fim das aulas, posto de saúde, um telefone público, um centro social, uma igreja católica construída em alvenaria, campo de futebol, um cemitério e um ramal que liga à estrada principal que vai até sede da Vila Amazônia. 118 Figura12: Comunidade Santa Rita de Cássia. Fonte: Picanço, Antonio., 2009 A economia local tem como base a agricultura, a pesca e a pecuária para a subsistência, a maioria dos moradores participam das atividades oriundas do turismo na região. A maioria das casas é de madeira existindo algumas feitas de alvenaria. Construídas em duas “filas” separadas pelo campo de futebol, pela escola e pela igreja. A sede de eventos também fica na divisão das casas. Com relação à origem do lugar não há nenhuma documentação histórica a respeito da origem dos primeiros habitantes do lugar. Os moradores mais antigos afirmam que a primeira família a habitar a comunidade foi a do casal Pedro Antônio Xavier e Raquel Sena Xavier, que se deslocaram para lá com o intuito nos idos da década de 40. Outro fato que contribuiu para a formação da comunidade foi à enchente de 1966 que colaborou para a chega de muitas famílias que habitavam as áreas de várzea das localidades próximas de Santa Rita a partir desse fato formou-se o núcleo que hoje é a comunidade. 119 Toda área da comunidade é um grande sítio arqueológico com a predominância da “terra preta de índio”. Apesar da existência daquele sitio arqueológico já ser conhecido pelos órgãos oficiais só recentemente o Instituto do Patrimônio Histórico e Arquitetônico Nacional– IPHAN, tem feito estudos para fazer a datação das peças encontradas na comunidade e já ser conhecido a muito apesar de nome comum dos sedimentos deixados por tribos indígenas que viveram na Amazônia. Com relação às cerâmicas Neves (2006:16-17) afirma que, [...] há no baixo Amazonas um trecho que vai do rio Tocantins e Amapá a leste, até a região das cidades de Nhamundá, Parintins e Maués no Amazonas, a oeste, onde se encontram sítios com cerâmicas pertencentes à chamada Tradição Incisa e Ponteada, datados do ano 1000 a.c a 1500 d.C, ou seja, até o início da colonização européia. Neves (2006) também salienta que talvez as cerâmicas mais conhecidas dessa tradição sejam as cerâmicas tapajônicas ou de Santarém. Outras cerâmicas que pertencem à tradição incisa e ponteada foram identificadas próximas a Santarém, na região dos rios Nhamundá e Trombetas, assim como na região de Parintins, e são conhecidas como konduri, datadas do século do X ao XVI d.C. As cerâmicas existentes no sitio arqueológico da comunidade de Santa Rita são do tipo konduri, alem das cerâmicas é possível encontrar machados de pedra e outros tipos de artefatos. Mesmo com a ida de alguns arqueólogos do IPHAN ao local ainda não se sabe a data das cerâmicas e quem em habitou o lugar. Os moradores locais mesmo sem o apoio dos governos municipal e estadual têm feito esforço para preservar o sitio arqueológico evitando vender os artefatos já que o consideram patrimônio cultural da comunidade. As figuras abaixo mostram uma parte da organização espacial do lugar. 120 3.2 As Relações de Poder e a Religiosidade nas Comunidades Nas três comunidades a relação de poder entre os moradores é dividida entre a autoridade “jurídica”, ou seja, o presidente da comunidade e pela autoridade religiosa. O primeiro juntamente como uma “diretoria” é eleito por voto direto para cumprir um “mandato” de dois anos podendo concorrer à reeleição por mais dois anos. Cabe ao presidente administrar e representar a comunidade perante o poder público. O presidente também procura obter recursos e brindes para ajudar as festas religiosas, as formaturas e outros eventos festivos que ocorrem na comunidade. As lideranças religiosas podem ser católicas ou evangélicas. As comunidades de São Paulo e Santa Rita que têm a religião católica como principal credo a ausência do padre é ocupado pelo “ministro da palavra” e pelo “ministro da eucaristia” os dois são responsáveis pela realização das missas aos domingos e de todas as atividades relacionadas ao calendário religioso da comunidade. Na comunidade de Bete Semes o líder religioso é o pastor evangélico. Sua função é realizar os cultos que ocorrem semanalmente, além disso, o pastor também exerce influencia nas decisões políticas locais, assim a liderança espiritual exerce possui mais poder que o próprio presidente da comunidade. O poder das “autoridades” religiosas nas comunidades ribeirinhas é fundamentado nos sistemas simbólicos que segundo Bourdieu (2007) sua eficácia reside na possibilidade de ordenar o mundo natural e social através de discursos, mensagens e representações, que não passam de alegorias que simulam a estrutura real de relações sociais – a uma percepção de sua função ideológica e política e legitimar uma ordem arbitrária em que se funda o sistema de dominação vigente. O credo religioso na serra da Valéria também serve para demarcar as territoriedades e pertencimento do lugar. Nas comunidades de Bete Semes e Betel a crença predominante é a evangélica a primeira da Assembléia de Deus e na segunda comunidade Pentecostal Unidos do Brasil. Já as comunidades de São Paulo e Santa Rita o catolicismo é predominante. E porque afirmamos a crença religiosa também demarca uma territoriedades no lugar, porque apesar de evangélicos e católicos utilizarem comumente os territórios de pesca (o lago), o espaço da escolar, os recursos florestais e também participarem das atividades turísticas, um dos fatores identitários determinantes é o fato de ser morador de determinada comunidade, ou seja, no lugar morar na comunidade Bete Semes indica também o pertencimento ao credo evangélico que carrega uma série de significados simbólicos, além de determinar os princípios morais daqueles moradores. Isso ocorre também nas comunidades 121 onde predomina o catolicismo, ou seja, os santos padroeiros das comunidades identificam o lugar de moradia e, sobretudo que é o santo protetor daquele lugar. Sobre à religiosidade nas comunidade caboclas, principalmente sobre o catolicismo, Galvão (1976) afirma que O catolicismo é na, sociedade rural da Amazônia, uma superestrutura, uma ideologia, que se sobrepõe a crenças, porém por si só incapaz de responder a todas as exigências do meio (...) no fervor de suas convicções religiosas e na expressão permanente da expectativa da salvação de suas almas – uma necessidade que se evidencia a cada momento –, em face das agruras da vida no rio e na floresta, à pobreza e, à falta de assistência médica regular e permanente, e, afinal, ante a eventos letais do dia a dia. (apud SILVA, 2007, p. 370) Neste sentido, a religiosidade é importante para o ribeirinho como mecanismo de identidade social, para protegê-lo dos fenômenos misteriosos locais, das doenças e também influencia na organização espacial, a igreja é sempre construída em um local de destaque nas comunidades. Em São Paulo, Bete Semes e em Betel as igrejas foram construídas nas partes altas desses lugares com sua frente para o rio ou o lago, com exceção da igreja de Santa Rita que não fica as margens do lago, mais ainda assim ocupa um lugar de destaque, as demais igrejas localizam-se na “porta” de entrada das comunidades. Sobre a influência no habitus social, nas comunidades evangélicas é proibido o consumo de bebidas alcoólicas, de fumar e da pratica de qualquer “coisa” que vá de encontro aos valores morais da sua igreja, os pastores orientam os pequenos comerciantes a não venderem bebidas alcoólicas. Sobre a conseqüência da conversão ao protestantismo nas comunidades caboclas amazônicas de Mark Harris (2006) faz a seguinte análise, [...] o desafio do protestantismo à visão de mundo católica é ameaçador Assim como grandes criadores de gado que ocupam terras valiosas da várzea, ou grandes barcos de pesca que tiram seus meios de subsistência, o protestantismo ameaça toda a existência e o movimento histórico do meio rural. A convenção exige uma ruptura radical em relação ao presente. Especifica uma série de mudanças na vida pessoal e no comportamento corporal, tais como alimentos podem ser consumidos, que roupas podem ser usadas, a proibição em relação a bebidas, ao cigarro, ao adultério, a brigas e festas católicas. A participação na maior parte dessas atividades é essencial para a vida cotidiana, conforme percebido pelos católicos. A conversão é o conjunto de crenças associadas ao ambiente encantado. Os protestantes consideram as histórias sobre boto, a cobra grande, o poder do pajé, a panema e assim por diante, como superstições que 122 dever ser descartadas na busca do conhecimento verdadeiro. Todos esses elementos integram a visão de mundo católica (apud ADAMS, MURIETA e NEVES, 2006, p. 97) Não é nosso interesse discutir o mérito da afirmação de Harris e muito menos fazer uma análise contextual sobre a religiosidade das sociedades amazônicas, no entanto, não podemos deixar fazer algumas observações a respeito da “ameaça” do protestantismo ao modus vivend dos caboclos ribeirinhos, apesar do cunho ideológico mais “radicalizador” em relação às crendices. Primeiramente do ponto de vista cultural a religiosidade européia implantada na América por missionários católicos e protestantes foi maléfica a todas as culturas indígenas locais. As populações que se “deixaram” dominar pelo crivo do cristianismo católico ou protestante passaram por um processo civilizatório sem precedentes estendendo-se aos caboclos atuais. Tanto sob domínio da igreja católica quanto das evangélicas existe o controle imposto pela difusão da ideologia salvacionista aos seus seguidores que entre outras coisas condenam as atitudes e crenças em mitos e lendas que vão de encontro aos valores morais católicos ou não, neste sentido a leitura de Harris é simplista na medida em que deixa de lado, a meu ver, o significado ideológico que permeia a dominação através religiosidade e não leva em conta sua significância simbólica para seus seguidores. Também é importante frisar que como o Estado é ausente em muitas comunidades é através da organização religiosa que em muitos casos seu habitantes tem acesso a serviços básicos para sua sobrevivência. Neste sentido, concordamos com a análise weberiana ao afirmar que A religião serve a interesses extra-religiosos na medida em que instaura um sistema de símbolos ordenados em torno de uma ética. Na verdade, não passa de um sistema de regras e normas, de um habitus que orienta as condutas e os pensamentos dos leigos, de acordo com uma doutrina que justifica a ordem prevalecente em uma determinada sociedade. A eficácia acerca da ordem do mundo reside no fato de que se retira do plano das relações sociais objetivas o arbítrio e o controle desta ordem, que passa a ser entendida como produto de uma vontade divina e inacessível (WEBER apud BOURDIEU, 2007, p. LVIII) A partir da citação acima nossa segunda observação diz respeito ao modus vivend do caboclo e a construção de sua memória coletiva que vem ocorrendo a partir da apropriação Amazônia pelo mercantilismo europeu a partir do século XVII, ou seja, a memória coletiva cabocla foi constituída pela herança cultura ibérica europeia e da cultura dos povos da floresta 123 tropical. Desde os primórdios dos primeiros contatos interétnicos entre europeu e indígenas a cultura cabocla nascente sempre esteve ligada a dependência da material e imaterial dos rios, lagos e florestas amazônicas. Assim, mesmo que no primeiro momento a igreja católica tenha tentado de todos os modos combater “a heresia dos índios” e posteriormente ter procurado banir a pajelança, a religiosidade cabocla ribeirinha recebeu grande influencia do universo mítico ligado a natureza que não se perde quando este se converte a uma igreja evangélica. Em 1953 Eduardo Galvão publicou um artigo intitulado “Vida religiosa do caboclo da Amazônia” não se referindo apenas ao catolicismo fez a seguinte observação “O caboclo amazônico é católico”, mas, também [ligado] ao complexo de crenças nos seres sobrenaturais ligados à natureza, tais como os encantados (os “companheiros do fundo”) e os bichos visagentos: o “curupira”, a Matinta-Perera, os anhangas, assim como, a mãe d’água, o boto (e o erotismo de sua lenda) e a cobra grande. Os bichos visagentos pertencem à categoria de entidades protetoras da natureza. (GALVÃO, 1953 apud SILVA, op. cit. p. 360) Como foi abordado anteriormente, apesar de não ser objeto de nossa pesquisa, verificamos que mesmo não declarando publicamente alguns evangélicos da comunidade Bete Semes, entre eles um dos lideres religiosos do lugar afirmaram que acreditam na existência de visagens como o juma e o curupira, além daquelas que existem no fundo dos rios e lagos. Essas crenças também são comuns entre os moradores “católicos” das comunidades de São Paulo e Santa Rita de Cássia. Os evangélicos de Bete Semes e de Betel fazem parte do mesmo universo simbólico que os católicos ainda que mais cometidos compartilham as mesmas crenças nas visagens do lugar, assim como afirmam Berger & Luckmann (op.cit., p. 52) “[...] a realidade cotidiana é, portanto apreendida num continuo de tipificações, que vão se tornando progressivamente anônimas à medida que se distanciam do “aqui e agora” da situação face a face. 3.3 – Aspectos Econômicos da Serra da Valéria A renda dos moradores das unidades domésticas (UD,s) da localidade é baixa, com a maioria das famílias “sobrevivendo” com menos de um salário mínimo, esta renda é originada de programas governamentais com o Balsa Família em algumas residências existem aposentados e funcionários das escolas. Nas UD’s que não possuem nenhum do benefício governamental a fonte de renda principal advêm da venda da farinha e seus derivados e do 124 artesanato para os turistas. Quando questionados sobre sua renda familiar obtivemos as seguintes respostas obtidas foram as seguuntes: Gráfico 04: Renda das Unidades Domésticas da Serra da Valéria Fonte: Picanço, Antonio., 2009. A renda familiar na região da valeria é baixa, e, esse é um dos principais fatores que tornaram a importância da atividade turística como geradora de renda no lugar. Os tipos de UD’s predominante na Serra da Valéria são a nuclear formada pelo pai e mãe e seus filhos e a extensa que é formada por uma “rede” familiar formada uma rede familiar ligando consangüíneos, aliados e descendentes ao longo de pelo menos três gerações. Em geral, a família extensa consiste numa unidade doméstica: a propriedade da terra e das habitações, a direção econômica e a autoridade são detidas por um chefe, em geral o mais respeitado ascendente vivo, ou uma comunidade de irmãos. No Alto, Médio e Baixo rio Amazonas existem variantes quanto à predominância dos tipos de famílias extensas como observou Witkoski (2007) ao assinalar que Há famílias extensas que se configuram de um homem com muitas mulheres e seus respectivos filhos. Neste caso, diferentes famílias nucleares possuem a mesma “cabeça” (macho) na família. Outro caso de família extensa pode fundar-se em famílias nucleares que fazem parte de gerações diferentes – tal quando a unidade de produção considera o camponês e sua família e seus parentes mais velhos que pertenciam a um outro grupo familiar. Outra forma de família extensa é aquela que leva em conta um conjunto de famílias nucleares, todas oriundas da mesma geração, quando o irmão mais velho, casado, mantém através do trabalho, a constituição da própria família. (WITKOSKI, 2007, p. 166) 125 Para definirmos família rural utilizaremos o conceito de Cazella, Bonnal e Maluf (2009) que incorporaram a noção de multifuncionalidade da agricultura em sua análise o que permite considerar a interação entre famílias rurais e territórios sob o ponto de vista da dinamicidade econômica de reprodução social e não apenas seus componentes econômicos. Assim, para estes autores a família rural é a unidade que se reproduz em regime de economia familiar e que desenvolve qualquer processo biológico sobre um pedaço de terra, “situada” com num território com determinadas características socioeconômicas, culturais e ambientais. Sob este viés a família rural, e no caso especifico de nossa pesquisa, a família rural ribeirinha, passa a ser vista não apenas como uma unidade de produção onde todos os membros da família têm como principal função assegurar a sobrevivência do grupo através do trabalho e da exploração dos recursos naturais da várzea e de terra-firme. No local de pesquisa, a autoridade familiar é centralizada na figura do pai e da mãe, quando estes estão ausentes o irmão ou a irmã mais velha assumem o papel de autoridade familiar. O número de pessoas (gráfico vivendo sob a mesma casa é relativamente grande. Quando perguntamos sobre a quantidade de pessoas que vivem moram na mesma casa sua obtivemos verificamos que o na maioria das famílias o numero de pessoas varia de 4 a 10 pessoas. O gráfico abaixo mostra o número médio de pessoas que vivem na mesma casa. Grafico 05: Número de pessoas habitanto a mesma casa. Fonte: Picanço, Antonio. , 2009. 126 Apesar de suas existirem as famílias nucleares com até três pessoas e as extensas com mais de 10 pessoas são minoria, pelo que foi colhido em nossa pesquisa de campo. O tipo de família predominante é a extensa tendo o pai como chefe com os filhos casados morando sob o mesmo teto. Também percebemos que o numero de crianças e jovens de ambos os sexos é predominante. A divisão do trabalho é feito com base na sexualidade, cabendo as mulheres exercerem os trabalhos domésticos como limpar o “quintal”, lavar roupas, fazer comida, limpar a casa, esses são os serviços de mulher. O trabalho dos homens é geralmente definido como mais “pesados” fazer o roçado, plantar mandioca, na falta de lenha para o fogão é o homem que corta e carrega a mesma, a pesca também é trabalho para os homens. No entanto, isso não impede que as mulheres participem, por exemplo, do processo de fabricação da farinha e da também na plantação da mandioca. Estas e outras tarefas são aprendidas desde a infância a partir do processo de endoculturação. A alimentação das famílias tem como base a farinha é o consumo de peixes, principalmente os de escama. O lago é o território comum onde os comunitários praticam a pesca de subsistência a partir da apropriação dos recursos aquáticos comuns, para explicar como isso ocorre Cormier-Salem (1985) desenvolveu o conceito de terroir aquático ao se referir à porção de água apropriada pelos camponeses-ribeirinhos na Amazônia, segundo este autor Essa apropriação se dá de duas formas: uso comum para a pesca executada no baixo rio Solimões e nos lagos de várzea; a apropriação e uso individual/familiar para a pesca efetuada nos rios e lagos de terra firme. O segundo diz respeito a um território não apropriado, de acesso livre e fundado na mobilidade dos barcos de pesca em conquistar novos espaços aquáticos. Assim, o terroir aquático dos camponeses-riberinhos apresenta como característica básica os seguintes pontos: o território tende a ser contínuo, contíguo, tendo tamanho limitado e fronteiras fixas, determinadas. Os limites tendem a ser impermeáveis. Apresenta recursos concentrados, sedentários, previsíveis, valor forte por unidade de superfície. A apropriação ocorre por meio da parcelarização, gradação da apropriação privada até a apropriação comum. A estratégia é intensiva, com conservação. (apud MASULO, 2005, p. 2-3) 127 Na vertente analítica elaborada por Castro (2006) o grau de acesso das famílias ribeirinhas aos ecossistemas de várzea varia de acordo com sua localização geográfica, podendo ser divididas em três categorias – as comunidades insulares, comunidades de margem, e comunidades de terra-firme. Todos os moradores das comunidades e das colônias da serra da Valéria têm acesso ao irrestrito ao lago e podem pescar a vontade. No entanto a distancia que separa os moradores das colônias do lago faz com que estes o utilizem menos que os moradores das comunidades. Nas colônias é comum a prática da salga e secagem dos peixes ao sol para não estragar e possa ser consumido posteriormente. As espécies mais comuns são o tucunaré, a pescada, a branquinha, piranha, aracu, acarás diversos, entre outros. Os apetrechos mais utilizados são a tarrafa, a malhadeira e o caniço. A prática de pesca naquela localidade é uma atividade basicamente masculina. O consumo de carne e frango também é recorrente entre os comunitários, sobretudo quando eles se deslocam até sede de Parintins, ou mesmo encomendam, para comprar gelo e armazenam em grandes caixas de isopor para conservar a carne, frango e o próprio peixe. Esses produtos também podem ser encontrados, em menor quantidade, entre os pequenos comerciantes instalados nas comunidades. A carne de caça também é uma importante fonte de proteínas para os moradores locais, principalmente no período das chuvas quando os frutos das arvores costumam cair, facilitando encontro das caças, as mais comuns são a paca, a cutia, o porco do mato, o veado e o tatu. A caça é praticada em outro território comum a mata de terra firme. 3.3.1 Terras para Cultivo e Terras para Coleta As unidades de produção (UD’s) das comunidades de Bete Semes e Santa Rita Cássia, estão localizadas nas colônias de Samaria e Fé em Deus. Algumas famílias vivem no próprio roçado e só saem de lá para vender seus produtos, comprar utensílios e alimentos de uso doméstico ou quando necessitam se deslocar a sede do município par resolver algum problema de ordem pessoal. Existe uma estrada de chão batido que leva até os roçados, alguns deles estão localizadas as margens da estrada e outros estão mais dentro da mata sendo possível chegar até lá utilizando caminhos estreitos. A maioria das unidades de produção dos moradores da comunidade de São Paulo fica por trás da serra, mais exatamente na colônia de Samaria, como não há estradas de acesso são utilizados caminhos por dentro da mata para 128 chegar a esses locais. O tamanho médio de cada lote é de cinco hectares na localidade da Serra da Valéria, pois, segundo informações obtidas no INCRA no assentamento P.A. Vila Amazônia o tamanho dos lotes varia de dois a oitenta hectares. Localizados em solos pobres e em muitos casos com a falta de acesso a água, os caboclos da serra da Valéria usam as terras-firmes para a prática da agricultura, para retirar madeira tanto para fabricação da casas quanto para a produção de artesanato, para a prática do extrativismo e para a caça. A unidade de produção (UP) ou roçado é o lócus onde são cultivadas as plantas de culturas sazonais e perenes para consumo familiar e para a venda. A preparação do roçado é feita de maneira tradicional com derrubada da mata e a prática da queimada tanto em áreas de capoeira quanto em áreas de florestas virgens. O período do verão é a época que os moradores fazem o roçado e o plantio da roça. Em área de floresta virgem a preparação do roçado é feita nas seguintes em três etapas: Na primeira ocorre “broca” que consiste no corte das árvores menores e mais finas e na limpeza ao redor de árvores que possam servir para alimentos como a castanheira a ferramenta utilizada é o terçado na segunda etapa ocorre à “derrubada” das árvores maiores com o uso de machados e motor serra (quando o caboclo pode pagar uma diária que custa em média 80 reais). A terceira etapa é a queima das árvores secas e o “encoivaramento” que consiste em amontoar os galhos e troncos os mais finos que não queimaram bem para fazer uma nova queima para se obter mais espaço para a plantação de mandioca. Segundo um de nossos informantes, nessa pesquisa, na Valéria não se utiliza o sistema de encoivaramento, assim após a queima logo é feita a plantação da roça. Como o preparo de um hectare terra é um trabalho pesado, demorando em média 30 dias entre o corte até a queima das árvores, exige o uso de muitos braços, além da força de trabalho familiar os caboclos locais recorrem ao trabalho coletivo como a troca de dia, o puxirum ou o ajuri para o cumprimento dessa tarefa. 129 Figura 13 – Unidade de produção e, ou/ roçado sendo preparado para o cultivo de mandioca na Colônia de Samaria Fonte: Picanço, Antonio., 2009. A plantação de mandioca (manhiot esculenta crantz) utilizada principalmente para a fabricação de farinha que juntamente com seus derivados é a principal fonte de renda das famílias do lugar, ocupa a maior parte da UP as outras plantas cultivadas em pequena escala são o abacate, a pupunha, o abacaxi, a laranja e o cupuaçu. O cultivo dessas espécies é voltado peincipalmente para o consumo doméstico. Como o plantio da mandioca exige menos braços à mão de obra utilizada é a familiar. 130 Figura 14 - Plantio da mandioca em roçado feito na capoeira na Colônia de Samaria. Fonte: Picanço, Antonio., 2009. A casa de farinha é o local onde a mandioca é beneficiada para a fabricação da farinha e seus derivados como o tucupi, a goma (fécula) de tapioca, a crueira e os diversos tipos de bejus. Com o tamanho médio de seis metros de largura por 10 metros de comprimento é um barraco coberto com palha ou telhas de zinco (esses são os mais comuns nas colônias) sem paredes, com piso chão batido. Algumas casas de farinha são feitas em alvenaria (figuras) ao lado da residência dos colonos. A casa de farinha é formada por um motor movido a gasolina utilizado para transformar a mandioca em massa, uma prensa para espremer e secar a massa de mandioca e também para retirar o liquido (o tucupi) da massa e a goma, uma ou duas gamelas (uma espécie de “deposito”) medindo em torno de três metros de comprimento por cerca de um metro de largura construído de madeira para armazenar a massa prensada) e onde a massa de mandioca é peneirada antes de ser cozida e um forno de ferro utilizado para torrar a farinha. 131 Outra “ferramenta” ainda muito utilizada no lugar para retirar do tucupi é o tipiti, uma que é uma herança cultural indígena. Figura 15: Preparação da massa de mandioca na gamela. Figura 16: Fabricação de farinha na colônia de Samaria. Fonte: Picanço, Antonio. Colônia Samaria, 2009. Fonte: Picanço, Antonio. Colônia Samaria, 2009. A produção de farinha envolve praticamente todos os membros das UD’s principalmente aquelas que vivem na comunidade de Santa Rita de Cássia. Quando isso ocorre é comum a “mudança” temporária das famílias para as colônias. Assim geralmente os moradores da Serra da Valéria possuem duas residências: as UD’s localizadas nas sedes das comunidades e aquelas construídas UP’s e/ou nos roçados das colônias de Samaria, de Fé em Deus e de Boa Fé. As primeiras são mais confortáveis já que servem de moradia fixa para famílias do lugar, enquanto a segunda é o lócus de trabalho, assim os agricultores só levam o essencial para se alimentar, pois as ferramentas de trabalhos ficam guardadas nas casas de farinha. Deste modo, somente as crianças que estão estudando ficam na sede da comunidade, cabendo a irmã ou o irmão mais velho cuidar dos menores e dos trabalhos domésticos. Quando as crianças são muito pequenas elas acompanham seus pais ao ponto de perderem vários dias de aulas, pois não tem com quem ficar na residência principal das UD’S locais. Apesar de envolver todos os componentes das famílias a divisão do trabalho na produção de farinha é feita geralmente por gênero e idade, assim, os homens são os responsáveis pela colheita e o transporte da mandioca para o barracão, geralmente em paneiros que suportam em media de trinta a quarenta quilos. Cabe aos homens cortar e transportar a madeira que será utilizada para torrar a farinha. Também é função dos homens descascar a mandioca, prepara a massa no motor, prensar, torrar a farinha no forno e 132 transportar os sacos e/ou paneiros para as residências. Quando a produção de farinha é voltada para a comercialização os homens também ficam encarregados de negociar com os compradores. As mulheres além dos serviços domésticos participam do processo de descascar a mandioca (figura 17), de peneirar a massa de mandioca e na produção de seus derivados como os bejus e da farinha de tapioca geralmente para o consumo familiar. As crianças não são obrigadas a trabalhar, mais também por ajudam participando de trabalhos menos “pesados” como descascar mandioca e prover água para os mais velhos. Figura 17: Membros de UD’s do P.A. Vila Amazônia descascando mandioca. Fonte: Picanço, Antonio. 2008. Em relação o nascimento e a participação de crianças no trabalho coletivo familiar caboclo Siqueira (2006) observa que Crianças de ambos os sexos são desejadas e consideradas para a manutenção das unidades domésticas e começam a ajudar seus pais quando novos, sendo que as meninas mais cedo que os meninos que os meninos. Aos seis anos elas já estão cuidando dos seus irmãos menores e ajudando a mãe nos afazeres domésticos, enquanto os 133 meninos nessa idade passam a maior parte do tempo brincando, com pouca ou nenhuma responsabilidade quanto à manutenção da casa. Por volta dos oito anos, porém, meninos e meninas já podem ser observados trabalhando com seus pais nas roças (plantio, capina, colheita), nos açaizais (plantio e colheita) nas casas de farinha (...) (apud Adams, 2006, p. 265) Algumas famílias da Serra da Valéria foram beneficiadas pelo INCRA com o Crédito de Implantação que tem a finalidade assegurar ao assentado condições mínimas para que o mesmo permaneça em seu lote. Existem três modalidades deste tipo de crédito, 1 – Crédito Alimentação que se destina à aquisição de gêneros alimentícios necessários à subsistência dos assentados e suas famílias, enquanto aguardam os primeiros resultados da produção; 2 – Crédito Fomento que se destina à aquisição de ferramentas, equipamentos, insumos agrícolas, tratores, plantel de animais e outros itens indispensáveis ao início da fase produtiva do assentamento ao desenvolvimento ou implantação das atividades produtivas no Assentamento; 3 – Crédito Habitação destinados à construção da moradia das famílias assentadas, em regime comunitário (INCRA, s/d) Em nossas pesquisas de campo observamos que os créditos mais solicitados pelos moradores locais são o para fomento e para habitação. No entanto, em função das dificuldades de produção e a falta de programas que gerem renda mensal, os moradores procuram evitar esse tipo de endividamento. Essas são as terras para a coleta são aquelas de uso comum de onde os agricultores retiram madeira para a fabricação das suas residências, de canoas e do artesanato. Também o lugar onde se a prática da caça e da coleta de castanha e outros frutos comestíveis e das sementes para a produção de colares para serem comercializados com os turistas. 134 4. A Boca da Valéria no Roteiro Internacional do Turismo O turismo enquanto atividade dinâmica do capitalismo está sempre incorporando novos lugares em sua rede, pois não reconhece fronteiras ou limites territoriais, neste sentido segundo Souza (1995, apud FRATUCCI, 2000) o lugar turístico reúne o espaço e o território. Enquanto prática socio-espacial, o turismo vai se apropriando de determinados espaços, transformando-os e, a partir disso, produzindo territórios e territorialidades flexíveis e descontínuas num processo de turistificação dos lugares. Destarte o lugar (espaço) turístico é o principal objeto de consumo do turismo. Neste sentido o “turismo” está sempre procurando novas oportunidades de negócios e incorporando novos territórios e lugares que possam servir de atrativos para este mercado. Devemos salientar que a simples existência de um lugar não o qualifica como turístico é necessário que o mesmo possua certos atrativos com significados comunicativos e simbólicos para que seja “consumido” pelos turistas neste sentido, [...] a ação comunicativa já é necessária no processo de conscientização de uma cultura turística, que, aliás, é o primeiro passo para a formação do Espaço Turístico. Esta conscientização se faz através de ações comunicativas com continuidade. [...] os meios midiáticos procuram agendar uma cultura turística de consumo para certos Lugares. Em outras palavras, tem havido a manipulação do espaço geográfico, através de um discurso, que encaminha para a necessidade de consumo de um Lugar, portanto é latente a discussão do que deve ser entendido por cultura turística. Para nós, parece ser, um conjunto de crenças, valores e técnicas para lidar/construir/usufruir o Espaço Turístico. Este conjunto deve ser compartilhado entre os contemporâneos e transmitidos, através de (re)cosntruções, de geração em geração. Aqui também estão as especificidades, as singularidades dos lugares, ou seja, as diferenças do Espaço Geográfico, que são as possibilidades na oferta turística. (BENI, 1998, p.84 apud CASTROGIOVANNI, 2008) Deste modo, o sentido simbólico ocorre a partir do ‘valor’ (ecológico, econômico, material, cultural, etc.) que o lugar visitado representa. Assim a Amazônia nos últimos anos vem sendo simbolizada como um dos últimos paraísos naturais a ser conhecidos com sua diversidade biológica e cultural, além de sua importância para a manutenção da vida na terra. O próprio Governo Federal tem consciência da relevância da Amazônia nesta “nova” fase do sistema capitalista e está desenvolvendo políticas públicas voltadas para o desenvolvimento e a preservação da biodiversidade da região, neste sentido no Plano de Desenvolvimento da 135 Amazônia – PDA de 1994/1977, o turismo ganha caráter prioritário para atingir esse objetivo como salienta a afirmação abaixo O modelo de desenvolvimento sustentável, preconizado na estratégia do desenvolvimento regional, confere ao turismo uma posição de destaque, por se tratar de uma atividade compatível com a preservação do ambiente natural, além de apresentar um potencial multiplicador significativo e elevar a capacidade de geração de emprego. (PDA 1994/1977 apud ADA, 2006, p. 7-8) Foi neste contexto, que a Amazônia inseriu-se na rota do turismo internacional tornando-se “produto” altamente valorizado no mercado turístico e em outros setores da economia mundial. Em relação ao turismo na localidade da Serra da Valéria, como não existem informações oficiais sobre o inicio da “apropriação” do lugar pela “indústria do turismo”, os dados que temos foram colhidos de moradores do local. Segundo eles os navios “visitam” o local a mais ou menos 35 anos. Foi somente a partir da segunda metade da década de 80 que o lugar tornou-se ponto de parada obrigatório dos cruzeiros transatlânticos que fazem rota pelo rio Amazonas. Hoje basta digitar o nome Boca da Valéria (figura 18) no maior site de busca da internet que apareceram aproximadamente 285.000 referências relacionadas. As centenas de páginas eletrônicas foram criadas por turistas e agências de cruzeiros que partem da América do Norte e da Europa para a Amazônia. No site da empresa de cruzeiro Princess Cruises Ltd o lugar é descrito como Boca da Valeria é uma aldeia remota na confluência do Rio da Valeria e da Amazônia. Aproximadamente 75 pessoas vivem na aldeia, rodeado pela floresta da grande da bacia amazônica. A vida aqui é um contraste surpreendente para a vida moderna do Brasil em cidades amazônicas de Santarém e Manaus. Nesta pequena aldeia piscatória, [pode-se] ver em primeira mão os povos da Amazônia ao vivo. Experiência sua cultura como visitar a sua aldeia. Os moradores de Boca da Valéria, juntamente com as famílias que visitam a partir de aldeias vizinhas, fabricam ofícios artesanais e oferecerem para a venda. É uma oportunidade de pegar keepsakes verdadeiramente memorável. Apesar de [aceitarem] dólares (...), é comum oferecer pequenos itens, como lápis, canetas, maquiagem, talvez, um boné de beisebol ou camisas de lembrança, como um presente para os moradores em troca de um passeio de suas casas e outras pequenas cortesias. (Princess Cruises Ltd, 2010) 136 Nas diversas páginas pessoais dos turistas que existentes na rede encontramos relatos sobre o lugar encontramos como o que segue, BOCA DE VALERIA: uma pequena aldeia às margens do rio Amazonas: Embora ainda haja muito mais do nosso cruzeiro para vir, eu acho que a nossa visita de duas horas para a pequena aldeia de Boca de Valeria será a parada que nos lembramos mais sobre este cruzeiro. A aldeia abriga talvez uma dúzia de famílias[...] pelo menos é isso todas as casas que estão na aldeia . [outras] aldeias semelhantes a esta estão espalhadas por toda a floresta não muito longe uma da outra ... Assim, quando os navios de cruzeiro chegaram, todos os moradores da área vêm nos saudar (Relato de um turista canadense) Fonte: www.braziltravelblog.mht. Esses dois relatos nos mostram duas situações relacionadas ao turismo no lugar. A primeira é que o local causa uma boa impressão nos seus visitantes e muitos procuram aproveitar para fazer o máximo de passeios possíveis. A segunda é que o lugar já faz parte do roteiro internacional do turismo e recebe em média a visita de dez cruzeiros por anualmente no período de novembro a abril. Figura 18: Entrada do lago da Boca da Valéria no período da cheia. Fonte: Picanço, Antonio., 2008 137 Na época da cheia as águas do lago ganham um tom mais escuro e quando encontra com as águas barrentas do rio Amazonas forma um belo encontro das águas. Essa é também uma das primeiras paisagens que os turistas contemplam no lugar quando os cruzeiros chegam. A figura (19) mostra os turistas sendo transportados para visitar a comunidades de São Paulo e fazer outras atividades. Figura 19: Turistas descendo de um dos cruzeiros que visitaram o lugar em 2008. Fonte: Picanço, Antonio. Pesquisa de campo, 2008 Apesar de já fazer parte do roteiro internacional de cruzeiros do rio Amazonas, o fenômeno turístico esse ainda é invisível para o INCRA que criou o assentamento e que tem a função de [...] viabilizar o acesso das famílias à terra após a imissão de posse nas áreas desapropriadas pelo Governo Federal. E assim, orientar as ações para a criação, implantação, desenvolvimento, consolidação, propiciando ou favorecendo a organização sócio-econômica dos beneficiários e o atendimento aos serviços básicos de assistência técnica, crédito rural e de infra-estrutura econômica e social vinculados ao Programa Nacional de Reforma Agrária (INCRA, s/d) 138 Esse órgão federal ainda não realizou nenhuma atividade efetiva em relação ao fenômeno turístico no lugar que faz parte do P.A Vila Amazônia, o mesmo pode-se dizer da Secretaria de Turismo de Parintins, que só tem dados sobre o turismo na sede do município, mostrando pouco ou nenhum interesse quanto ao fenômeno turístico do lugar, numa clara demonstração que a “política de turismo” municipal está focada somente para a “cultura do boi” que é um turismo de massa extremamente dependente dos recursos públicos e privados que dão ao festival sobrevida até o ano posterior. O oposto disso é que na internet existe uma grande divulgação do local através de fotos e vários comentários retratando os seus moradores e seu “cotidiano”, vistos como uma cultura “exótica” e da natureza. O fato é que a Serra da Valéria se constituiu na atualidade em parada obrigatória dos cruzeiros turísticos navegam pelo rio Amazonas. O turismo praticado no lugar é o de natureza e não o ecoturismo como afirmam as agências turísticas e a AMAZONASTUR. Com relação ao perfil dos turistas dos cruzeiros que visitam o lugar Rabahy e Kadota (2006) afirmam que [...] o público entre 41 e 50 anos caracteriza de forma marcante a atividade, porém o público de 31 a 40 anos e 51 a 65 anos apresentam pouca diferença entre o público prevalecente. Com isso, é possível identificar um público potencial entre 31 e 65 anos. Grau de instrução, o público com nível superior completo prevalece em comparação aos outros, e o público com colegial completo e pós-graduação completa apresentam um relativo equilíbrio. [Esse publico tem] renda entre R$ 5.000,00 a R$ 10.000,00. Esse dado caracteriza o alto poder aquisitivo dos cruzeiristas, porém, com 20,5% dos entrevistados apresentando renda de até R$ 5.000,00, é possível verificar que a classe média está se inserindo nesse mercado. Além desses dados, 68,2% dos passageiros entrevistados, segundo os autores, faziam a viagem de Cruzeiro pela primeira vez, e 94,8% tinham a pretensão de realizar outro Cruzeiro. A maioria dos pesquisados eram casais, com ou sem filhos. 61,8% foram motivados pela experiência de viajar em navio, sendo que a maior parte deles possuía o hábito de viajar para o exterior, e grande parte não trocaria uma viagem de cruzeiros por uma ao exterior e nem ao Brasil, de outra forma. Vale ressaltar que 49,6% dos entrevistados obtiveram informação pela divulgação de amigos ou parentes. (apud ARANTES, 2009, p.69-71) A figura (20) mostra o roteiro que os cruzeiros fazem pelo rio Amazonas e destaca a Boca da Valéria no roteiro do turismo internacional de turismo e como uma das paradas obrigatórias do trajeto que geralmente vaia até Manaus. 139 Figura 20: A Boca da Valéria no roteiro internacional dos cruzeiros. Fonte: www.vacationstogo.com 140 Esse perfil mostra que para este público não basta apenas descer dos navios e comprar artesanatos, ele busca a interagir com a cultura local e aproveitar as poucas horas com o contato com a natureza e com os atrativos locais. Também fica claro que o lugar deve ser “preparado” para um público de meia idade e que poderia gastar muito mais se houvessem condições mínimas para eles no lugar. A inserção da Boca da Valéria no roteiro internacional de turismo, além de torna o lugar conhecido mundialmente, significa a possibilidade dos moradores locais ganharem renda extra em um lugar onde o poder público e a geração de empregos são ausentes. Também possibilita a aquisição de alguns bens e melhoria de vida com a venda de artesanato e com as outras atividades relacionadas ao turismo, mesmo que essa melhoria seja apenas momentânea é um alento para uma população que continua sendo invisível aos olhos dos poderes públicos municipais e estaduais. 4.1. A Produção de Artesanato e a Turistificação da Boca da Valéria Na medida em que a temporada de cruzeiros tornou-se constante e quando os turistas passaram a comprar souvenirs ocorreu o processo de turistificação do lugar. A Boca da Valéria e paulatinamente todas as outras comunidades que tradicionalmente sempre tiveram a pesca, a caça e a agricultura a base para seu sustento, passaram a ter na produção de artesanato e em outras atividades ligadas ao turismo de natureza, um importante complemento econômico para a renda familiar. Destarte, que um dos primeiros impactos do turismo fazer surgir uma nova categoria social no lugar, o caboclo-artesão. Forjada pela transformação do lugar em território turístico e pela demanda de turistas que insistiam em levar alguma lembrança do lugar, a produção de artesanato expandiu-se para praticamente todas as famílias do lugar. Hoje os caboclos dividem o tempo de trabalho entre as atividades de agroflorestais e a produção de artesanato ao longo do ano. Quanto maior a demanda pelo artesanato mais tempo é dedicado a produção das peças. Segundo relatos dos moradores nos primeiros anos da atividade turística no lugar,a demanda por artesanato era grande, com isso, os membros das UD’s passaram a se dedicar ao aprendizado da fabricação das peças, sem treinamento específico foi feito de maneira lenta, em um eterno repetir de novo as mesmas tarefas. Assim aprimoraram seu ofício como ao longo dos anos. Deste modo, a produção de artesanato tornou um habitus entre os caboclos locais e está sendo ensinado para os mais novos em claro processo de 141 formação de uma memória coletiva do lugar da profissão e responsável pelo aparecimento de uma nova categoria social o caboclo-artesão. A produção de artesanato é variada, além de réplicas de animais, existe grande variedades de produtos artesanais: colares, quadros, remos, replicas de aves, bonecas de pano, entre outras coisas que se pode consumir no local. Quando questionados sobre a quantidade de horas semanais os caboclos-artesãos se dedicam a produção de artesanato, gráfico (06) as respostas obtidas foram às seguintes: Grafico 06: Horas Semanais dedicadas à Produção de Artesanato. Fonte: Picanço, Antonio., 2009. Esses dados nos mostram como a produção de artesanato ocupa grande parte do tempo de trabalho dos moradores lugar. Os homens são os que mais se dedicam ao ofício da fabricação de artesanato, mesmo tendo que cuidar da roça e prover alimentos para casa, são eles que produzem mais peças e dedicam mais tempo a peodução. A partir dos dados obtidos verificamos que a quantidade de horas dedicadas a produção de atesanato ultrapassa as 4 horas diariamente. Como as mulheres que têm uma ocupação dividida entre as serviços domésticos, cuidar dos filhos e outros afazes, somente quando “sobra tempo” é que se dedicam a fabricação de pulseiras, colares, brincos, bonecas de pano e cordões. Nas pesquisas de campo percebemos que a divisão do trabalho nesta 142 categoria, se dá pelo tipo de artesanato, assim, os homens produzem principamete remos, quadros e réplicas de animais e as mulheres fazem brincos, pulseiras, colares, quadros de pano e bonecas de pano figura (24). No entanto, algumas delas participam do processo de acabamento das peças produzidas pelos homens como demonstra a figura (25). Figura: 21: Artesã de São Paulo e suas bonecas de pano. Figura: 22: Participação feminina no acabamento de um quadro na comunidade de Bete Semes Fonte: Picanço, Antonio., 2009. Fonte: Picanço, Antonio., 2009. 4.1.1 As Matérias-Primas e o Modus Operandi da Produção de Artesanato Segundo relatos dos informantes do lugar, os primeiros turistas “exigiam” que os artesanatos fossem feitos a partir de matéria-prima natural sem pinturas de tinta esmalte. A partir daí, passou-se a usar a Ucuúba-Vermelha na produção de remos e quadros e o Molongó para as réplicas de animais e de barcos. Esse fato padronizou entre os artesãos do lugar o tipo e a forma de produzir artesanato no lugar. Atualmente com a produção diversificada os turistas aceitam comprar peças pintadas com tinta esmalte. 143 4.1.2 O Artesanato de Molongó O molongó é uma árvore de porte médio da família Malouetia duckei, comum nas áreas de várzea e igapós da Amazônia desenvolve-se rapidamente atingindo a fase adulta em aproximadamente um ano após sua germinação. Pode a atingir até 15m de altura e sua madeira é branca, macia e leve por isso é muito utilizada na fabricação de replicas aves e animais pelos caboclos-artesãos da Serra da Valéria. Como as árvores de molongó encontradas no lugar não possuem o tamanho ideal para a produção do artesanato, os artesãos locais compram a madeira oriunda dos igapós da região dos lagos do Zé Açu e do Aicurapá. Com relação à utilização dessa madeira na fabricação artesanal um caboclo-artesão da comunidade de Santa Rita fez o seguinte relato, Eu trabalho muito com a madeira branca, o molongó, o ano passado [2008] eu produzir umas duzentas peças (...). O molongó vem do Aicurapá e ai do Zé Açu, aqui ainda tem mais é muito fino, uma parte do molongó acabou porque o pessoal daqui destruiu pra fazer campo e depois com o artesanato foi acabando mais, os finos não servem para artesanato. É uma arvore de igapó cinco metros é o seu tamanho máximo. Comprei umas 150 toras que mede entre 1/70 m e 1/20 m, pelo preço de R$ 1,00 [um real] as mais grossas e as toras mais finas para fazer o arremate por R$ 0,50 [cinqüenta centavos]. Das mais grossas agente faz barco, onça, coruja, jacaré bonito, arara, tucano, tracajá agente faz também uns bonitos, capivara, paca, tudo isso pensando no local que agente vive. (R. P. artesão da comunidade de Santa Rita, 2009) Para criar as peças os nativos recorrem ao saber tradicional do lugar, assim reproduzem figuras da fauna e da flora que desde cedo fazem parte de sua realidade social e do contato com o ambiente local. O preço do artesanato de molongó varia conforme o seu tamanho, deste modo, as peças maiores são vendidas entre dez a vinte dólares e as pequenas por cinco dólares. As peças são coloridas com tinta esmalte de cores variadas as mais usadas são a amarela, a branca e a vermelha. As figuras (23 e 24) mostram o tamanho médio das “toras” (troncos cortados) de molongó. 144 Figura 23: Toras de Molongó compradas em Parintins Figura 24 – Toras de Molongó para ser beneficiada Fonte: Picanço, Antonio, 2009 Fonte: Picanço, Antonio, 2009 O fato de ser uma madeira mole e fácil de trabalhar faz com esta madeira seja muito utilizada por praticamente todos os artesãos da Boca da Valéria, o que implica em uma grande demanda das toras e também da produção centenas de peças das mais variadas formas. As figuras (25 e 26) mostram a variedade de produtos fabricados do molongó e a comercialização das peças para os turistas no interior de um cruzeiro em 2008. Figura 25: Replicas de araras no feitas de Molongó. Figura 26: Venda de artesanato de Molongó no interior do Cruzeiro Seven Seas Mariner. Fonte: Picanço, Antonio, 2009 Fonte: Picanço, Antonio, 2008 145 4.1.3 O Artesanato de Ucuúba-Vermelha A árvore do gênero da Virola predominante nas matas de terra firme da Serra da Valéria podem ser encontradas três tipos dessa arvore: a Ucuúba, a Ucuúba Vermelha (virola sabifera aubi), (figuras 27 e 28) e a Ucuúba Branca (virola surinamensis) (figuras 29 e 30) e a Ucuúba Amarela (vilora surinamensis). Pertencente a família das oleaginosas possui as seguintes características descritas por Pesce (2009) no clássico livro “Oleaginosas da Amazônia” da seguinte forma [as três espécies são] idênticas a Ucuuba-vermelha (virola sabifera aubi), a Ucuuba-branca (virola surinamensis), seja na forma da árvore, seja na forma do frutos que produzem, a diferença só é conhecida através da seiva que produzem. É uma árvore com modestas dimensões [pode alcançar 25-35m de altura e 60-100cm de DAP, apresentando sapopemas basais], ramificação regular, verticilada e que lembra o pinho europeu. As flores são pequenas, em marços, aparecem em agosto até o fim de setembro e os frutos começam a cair quando maduros, depois de janeiro. (PESCE, 2009, p. 175-1766) [grifos nossos] Figura 27: Árvore de Ucuúba Vermelha Fonte: Picanço, Antonio, 2009. Figura 28: -Tronco de Ucuúba Vermelha Fonte: Picanço, Antonio, 2009. A respeito das características da Ucuúba-Branca (figuras 29 e 30) CESARINO (2006:1), descreve a madeira e sua utilidade da seguinte maneira, 146 A madeira leve possui textura média, grã regular, superfície áspera e grosseira, alburno de coloração cremeclaro e cerne mais escuro, levemente rosado até castanhovermelho intenso. É empregada em construção de interiores, carpintaria, marcenaria e na fabricação de caixas, palitos de fósforo, laminados, compensados, celulose e papel. O óleo extraído das sementes (sebo de ucuúba), rico em trimiristina e de odor agradável, pode ser usado na fabricação de velas, sabões, cosméticos e perfumes. O elevado conteúdo de óleo das sementes (60 a 73%) deu origem ao nome “ucuúba”, que significa árvore que produz substância gordurosa. O sebo e a seiva têm diversas aplicações na medicina caseira, principalmente no tratamento de reumatismo, artrite, cólicas, aftas e hemorróidas. Estudos científicos estão sendo conduzidos visando a utilização do sebo no tratamento da malária e da doença-de-chagas. A árvore fornece abundante quantidade de frutos para aves e outros animais silvestres, portanto útil na recomposição de áreas degradadas e de preservação. Apesar dos moradores da Serra da Valéria a afirmarem que no lugar ainda existe grande quantidade da espécie utilizada na produção de artesanato, em nossas pesquisas de campo constatamos o contrario, pois segundo relatos dos nossos informantes está ficando difícil encontrar árvores de grande porte no lugar. Figura 29: Árvore de Ucuúba-Branca Fonte: Picanço, Antonio., 2009. Figura 30: Tronco de Ucuúba-Branca Fonte: Picanço, Antonio., 2009 Embora localize-se em terras de uso comum, ou seja, a floresta de terra firme, existe um “código simbólico” de conduta entre os caboclos do lugar que os obriga a procurar saber se a árvore de Ucuúba Vermelha está localizada na área do roçado de algum morador. 147 Quando isso ocorre o “dono” das terras é avisado, pois cortar a árvore sem o consentimento do proprietário é considerado uma falta grave entre os moradores do lugar. Destarte, o interessado pela madeira tem duas alternativas: a. Pode comprá-la por 100 reais, preço cobrado pelos donos da árvore, no entanto como os custos para o corte e a produção das tábuas é relativamente alto para apenas um artesão esse procedimento acaba sendo inviabilizado, ou; b. Faz parceria do dono da árvore e com outros artesãos para a derrubada da árvore e retirar as tabuas que servirão para a fabricação de artesanato. A parceria é a forma mais usual que os caboclos-artesãos da Serra da Valéria utilizam para o corte e o beneficiamento da madeira que será utilizada na produção do artesanato. Neste tipo contrato entre cavalheiros os gastos do “beneficiamento” da madeira são divididos igualmente entre as pessoas envolvidas. Como de uma árvore de 30 metros é possível produzir em média cem tábuas a parceria é vantajosa porque permite que os “sócios” retirem matéria-prima para trabalhar o ano inteiro. As tábuas são utilizadas principalmente para a fabricação de remos e quadros (figuras 31 e 32). Figura 31: Remos e Quadros Ucuuba-Vermelha produzidos na comunidade de Bete Semes. Fonte: Picanço, Antonio., 2009 Figura 32: Remos e Quadros de Ucuuba-Vermelha produzidos na comunidade de S. Paulo. Fonte: Picanço, Antonio. Pesquisa de campo, 2009 A produção dos remos e dos quadros é realizada em três etapas. A parceria entre os caboclos-artesãos ocorre somente na primeira etapa, pois consiste na localização da árvore e no beneficiamento em mata de terra-firme, geralmente nos limites do roçado de algum assentado. Três dias são necessários para o beneficiamento da madeira. No primeiro dia 148 ocorre derrubada da árvore e o corte das toras que serão transformadas em tábuas (figuras 33 e 34). Quando realizamos o registro dos dados e das imagens o corte e o beneficiamento da madeira estavam sendo realizados pelo dono de um roçado na Colônia de Samaria e mais dois moradores da comunidade Bete Semes. A árvore tinha as seguintes medidas: 25 metros de cumprimento, essa medida foi feita somente do tronco utilizado para a retirada das tábuas e 2/28 metros de grossura. Figura 33: Tronco de Ucuúba-Vermelha Fonte: Picanço, Antonio., 2009 Figura: 34 Corte das “toras” para a fabricação das tábuas. Fonte: Picanço Antonio., 2009 No segundo dia ocorre a fabricação das tábuas para a fabricação de remos e quadros. As figuras (39 e 40) mostram como as tábuas são guardadas na mata e transportadas paras as “oficinas” nas comunidades. Como a distância entre o local da retirada madeira fica nas colônias, distantes em média de 5 km das comunidades muitas vezes os donos das tábuas pagam diaristas ajudar nos transporte das tábuas. Um dos motivos que fazem os caboclosartesãos preferirem fabricar artesanato de Ucuuba Vermelha é sua coloração, embora quando fresca é marrom na medida em que vai secando adquire tons vermelhos. Também é importante salientar que o corte da madeira pode ocorrer paulatinamente no durante ano todo. É a demanda dos turistas por artesanato que determina a quantidade que os mesmos são produzidos. Como nem sempre a venda das peças de artesanatos não ocorre em sua totalidade a produção voltada para a estação dos cruzeiros do ano seguinte é reduzida já que no “estoque” há excedente de peças. 149 Esses fatores são determinantes no corte de novas árvores e na produção de artesanatos. Como os principais compradores são os turistas dos cruzeiros é comum o caboclo-artesão aguardar a chegada dos primeiros navios para retomar sua produção. Figura: 35 – Tábuas Cortadas na Mata. Fonte: Picanço, Antonio., 2009 Figura 36 – Transporte para as “oficinas” Fonte: Picanço, Antonio., 2009 A partir do relato dos informantes de Bete Semes que estavam trabalhando em parceria, elaboramos uma tabela (03) indicando os gastos médio dos três dias do beneficiamento da madeira utilizada na produção de artesanato. Como já foi dito anteriormente, este processo pode ocorrer ao longo do ano, ou seja, conforme a necessidade de produção de artesanato, ou seja, quando os turistas compram muito artesanato a produção aumenta e conseqüentemente a busca por matéria-prima se a venda de artesanato for pequena o tronco da madeira pode ser cortada ao longo do ano. A partir dos relatos dos moradores elaboramos uma tabela (03) dos gastos com o corte da Ucuuba e com o corte das tábuas. Cotas A diária do motor serra Gasolina 6 litros por dia Óleo Queimado TABELA Valor Unitário R$ 70,00 R$ 2,80 R$ 2,00 Quantidade 03 dias 18 litros 04 litros Sub-Total R$ 280,00 R$ 50,00 R$ 8,00 Óleo 2.T, para a mistura da gasolina Alimentação R$ 14,00 R$ 30,00 01 litro 03 dias R$ 14,00 R$ 90,00 R$ 442,00 Total Tabela 02: Gastos da primeira etapa da produção do artesanato de Ucuúba-Vermelha. Fonte: Picanço, Antonio., 2010. 150 Na segunda etapa ocorre a produção dos quadros e dos remos. Apesar de alguns moradores possuírem pequenas “oficinas artesanais” (figuras 37 e 38), não existe um local fixo para a produção das peças. Assim a sala, a cozinhas e até mesmo os quintais das UD’s são espaços utilizados na produção de artesanato. A primeira tarefa desta fase é a retirada dos defeitos da madeira bruta com a utilização de lixa grossa, número 60, cada metro da lixa custa doze reais. Segundo um caboclo-artesão da comunidade de Bete Semes com cinqüenta centímetros desse material é possível tirar o defeito de 10 peças. Figura 37: Caboclo-artesão da Comunidade de Bete Semes fazendo o acabamento final de um remo. . Fonte: Picanço, Antonio, 2008. Após a retirada dos defeitos da madeira, com a utilização de lápis grosso desenhase a imagem que vai ser esculpida na peça. Neste momento o caboclo-artesão recorre ao seu universo simbólico repleto de lendas e mitos que regem seu cotidiano e a sua percepção da fauna e da flora do lugar para projetar as figuras nos quadros e os remos que irá produzir. Deste modo, esculpindo aves, peixes e animais ou lendas como a da mãe d’água o cabocloartesão projeta no artesanato a identidade e o seu sentimento de pertencimento ao lugar em que vive. Destarte, 151 O artesanato é a esfera da cultura materializada em objetos, matériaprima para a reconstituição de culturas. O estudo do acervo artefatual, do “sistema de objetos” de qualquer sociedade contribui para o conhecimento da adaptação ecológica, da vida econômica da visão de mundo e, em última análise, do estilo de vida de agrupamento humano (RIBEIRO,1995 apud PDSA 2005-2008:15). A terceira e última etapa da produção consiste no polimento e no acabamento final da peça. O segundo polimento é feito com a utilização de lixa 80, esse procedimento é realizado tanto nas peças feitas de Ucuúba quanto para as de Molongó. O preço de cada folha deste tipo de lixa é oitenta centavos. Antes do acabamento final ocorre um terceiro polimento com um tipo de lixa mais fina (número 120) esse procedimento deixa a peça sem defeitos. Segundo nosso informante, esse é o material que gasta-se mais no polimento, em média 5 folhas por dia. Nas lojas de Parintins o preço da folha custa oitenta centavos. Após o terceiro polimento realiza-se o acabamento final do artesanato para dá brilho a peça. Para isso utilizase verniz, selador e graxa de sapato (preta ou marrom). A divisão do trabalho na produção de quadros e remos é caracterizada pela participação dos homens em todas as etapas da produção das peças, somente no período em que os turistas visitam o lugar algumas mulheres participam do acabamento final das peças. Apesar de todo o esforço para a fabricação do artesanato Os caboclos-artesãos utilizam como principais critérios para determinar o preço das peças o tempos gasto na produção, o acabamento e a beleza do artesanato. (gráfico 06). Marx (apud BOOTMORE, 1988:387) afirma que na “magnitude do valor” de uma mercadoria o tempo de trabalho deve ser incorporado. 152 Gráfico 07: Critérios Utilizados para determinar o preço do artesanato. Fonte: Picanço, Antonio., 2009. Nas respostas dos entrevistados percebemos que os dois critérios mais determinantes para dar valor do artesanato (a dificuldade e a beleza da peça) estão carregados de subjetividade e não são suficientes para determinar o real valor do trabalho. Neste sentido, só é possível calcular o valor do trabalho quando é levado em conta o tempo gasto na produção. Essa categoria até aparece nas respostas dos entrevistados mais não é considerada como principal, assim fica claro que os caboclos-artesãos da Serra da Valéria não têm consciência do tempo socialmente necessário na produção de artesanato. Sobre o trabalho socialmente necessário na relação quantitativa do valor, Marx, escreveu em O Capital: O tempo de trabalho socialmente necessário é o tempo de trabalho de qualquer valor de uso sob as condições de produção normais em uma determinada sociedade (...) O que determina exclusivamente a magnitude do valor de qualquer produto é, por tanto, a quantidade de trabalho socialmente necessário à sua produção. (apud BOTTOMORE, 1993: 387) Para melhor entendermos essa questão é necessário definirmos mercadoria, Die Ware em alemão. Portanto, uma mercadoria pode ser entendida como a forma que os produtos tomam quando a produção é organizada por meio da troca. Esta possui duas características básicas: pode satisfazer alguma necessidade humana (valor de uso), ou seja, toda mercadoria 153 para ser mercadoria, deve apresentar uma utilidade para seu possuidor e; pode obter outras mercadorias em troca, pode ter permutabilidade (valor). Deste modo, segundo ARON (2005) A noção de trabalho socialmente necessário encampa a idéia de que, em cada época, em dada sociedade capitalista, em vista dos acontecimentos dispensáveis e da técnica possível, certa quantidade de trabalho é necessária para a produção da mercadoria. O valor será proporcional a essa quantidade de trabalho socialmente necessário ARON (2005:295) Assim, a falta de consciência dos moradores da Serra da Valéria em relação aos verdadeiros parâmetros que deveriam ser levados em conta para determinar o valor do artesanato produzido pode ser explicada a partir de três situações:. A primeira diz respeito à consciência em relação ao seu próprio trabalho, como este é realizado paulatinamente durante o ano, sem obrigação de cumprir horários fixos diariamente, não é considerado uma obrigação como aquelas relacionadas, por exemplo, ao roçado e a produção de farinha. Outro fator está na comercialização com os turistas, mesmo sendo os artesãos que determinam o valor da peça é o comprador que acaba determinado o valor da mercadoria, deste modo, um quadro ou uma escultura de animal calculado em $20, 00 (vinte dólares) pode ser vendido por $15,00 ou $10,00 (quinze ou dez dólares), a mesma lógica serve para as peças de menor valor, como o caboclo-artesão sabe que precisa vender o maior número de artesanatos possível para ajudar nas despesas das UD’s, assim, este acaba se sujeitando as imposições dos compradores. E por fim, podemos citar a relação artesão e compradores de dólares na cidade de Parintins, o valor pago pela moeda estrangeira é determinado pelo comprador como veremos mais adiante, deste modo, os dólares adquiridos na comercialização com os turistas é trocado por valores muitos menores que os determinados pela cotação de mercado. Estes fatores contribuem na alienação dos caboclos-artesãos da Serra da Valéria em relação ao valor do trabalho empregado na produção de artesanato. Também mostra como a dependência da venda de artesanato os transformou em vítimas da exploração das agências, dos turistas e dos compradores de dólares sem que nenhuma política pública seja realizada para reverter essa realidade. Destarte, apesar do turismo no local gerar um complemento de renda para as UD’s do lugar, os problemas apontados acima o trabalho dos caboclos-artesãos 154 locais ainda é invisível para os órgãos responsáveis pelo planejamento do turismo do município de Parintins e no Estado do Amazonas. 4.1.4 Os Outros Tipos de Artesanatos e a Prática do Touree no Lugar A produção de artesanato envolve praticamente todos os residentes das UD’s da Serra da Valéria, principalmente dos moradores das comunidades de Bete Semes e de Santa Rita. No ofício de fabricar as peças a divisão social do trabalho é marcante entre gêneros masculino e feminino. Assim enquanto os homens fabricam principalmente quadros, remos e replicas de animais. Muito embora alguns maridos ajudem esporadicamente quando há grande demanda a produção de brincos, colares, pulseiras e peças de barro é tarefa das mulheres. Deste modo, ocorreram a tipificação e a idealização dos papéis sócias implícitos na esfera da produção artesanal entre os moradores do lugar, pois como já foi dito, embora alguns entrevistados do sexo masculino admitam ajudar as suas esposas na coleta de sementes (quando precisa subir nas árvores) ou na própria fabricação das peças, sempre fizem questão de enfatizar que aquele é um trabalho de mulher em frases do tipo: “mais isso é a mulher quem faz” ou “colar quem fabrica é a mulher”. Deste modo, ocorreu a tipificação não só das formas do fazer artesanato, mas também determinou a divisão do trabalho desempenhado por homens e mulheres do lugar. Para Berger e Luckmann, A tipificação das formas de ação requer haver um sentido objetivo, que por sua vez exige uma objetivação lingüística. Isto é, haverá um vocabulário lingüístico que se refere a estas formas de ação. O indivíduo e outro podem ser compreendidos como executantes de aços objetivas, geralmente conhecidas, que são concorrentes e repetíveis por qualquer outro ator do tipo adequado (BERGER e LUCKMANN, op. cit., p. 101) Os homens dedicam mais tempo à fabricação das peças enquanto as mulheres dividem o tempo entre a produção de artesanato com as tarefas domésticas e, como no caso da artesã entrevistada que só após cumprir seu horário de Henrique produz artesanato, trabalho na Escola Marcelino 155 Eu já venho fazendo artesanato há algum tempo a uns três, quatro anos que eu me dediquei mesmo a fazer, isso tem melhorado muito a nossa renda, por exemplo essa casa aqui [mostrando a sua casa construída em alvenaria] foi construída não só com o meu salário mas com renda do artesanato vendido. Eu optei pelo brinco porque se você for desfazer um colar para fazer brinco, eu faço uns cinco a oito pares de brincos com as sementes de um colar. O colar é vendido lá a um dólar e o par de brincos eu vendo a dois três dólares. Ai eu acho que pra mim é mais negócio fazer brinco do que colar por que eu acho que um dólar não paga o material que agente tem e nem o trabalho, que dá muito mais trabalho do que o brinco. A semente do açaí é comprada por um real a sacola pequena, uma sacola dá pra fazer de 30 a 50 pares de brincos. O morototó é encontrado facilmente na comunidade também o tento e a lágrima de santa maria. A quantidade usada em brinco um varia conforme e modelo. Em media usam-se duas a três sementes por peça. Em um ano usa-se em média de duas a três sacolas. Para conservar as sementes são colocadas no querosene isso também facilita pra furar. As sementes são combinadas na peça, eu aprendi fazer mesmo por curiosidade e a cada ano que passa eu criou outros modelos. O engate é de ferro com 10 reais compra-se vinte pares. (M.S., artesã da comunidade Santa Rita, 2009). A exceção dos engates de ferro usados nos colares, brincos e nas pulseiras adquiridos no comércio de Parintins, a grande maioria da matéria-prima utilizada na produção desses tipos de artesanatos é encontrada na floresta próxima das comunidades. A sementes mais usadas na fabricação das peças são as de tento, os olhos de santa maria, o morototó e o caroço de açaí. Além destas as artesãs variam sua produção utilizando outros produtos naturais do lugar. Somente quando não há tempo para fazer à coleta na floresta as artesãs compram as sementes na sede do município. Os colares e os brincos também são produzidos com escamas de peixes como as do pirarucu (Arapaima gigas) e da aruanã (Osteoglossum bicirrhosum), além da produção de bonecas de pano e bolsas de crochê (figura...) também é realizada pelas mulheres e são vendidas por preços que variam entre dois a cinco dólares respectivamente. É a criatividade de cada artesã que determina a variedade e a o material utilizado na confecção das peças. 156 Figura 38: Artesanatos de produzido por artesã da comunidade de São Paulo Fonte: Picanço, Antonio., 2009. Figura 39: Colares produzidos por artesã da comunidade de Santa Rita de Cássia Fonte: Picanço, Antonio., 2009. A prática do touree (figuras 40/41) outro serviço turístico oferecidos pelos nativos aos visitantes estrangeiros. Essa atividade é realizada principalmente por adultos e principalmente crianças de ambos os sexos. Vestidas com trajes “indígenas” confeccionados de penas e outros acessórios encontrados no lugar, elas ficam “expostas” próximas as barracas monitoradas pelos seus pais serem fotografadas pelos turistas ao preço de um dólar cada foto, em alguns casos o pagamento é feito com a doação presentes como balas, roupas e cadernos e lapiseiras. Figura 40: Prática do touree por crianças Figura 41: Touree sendo praticado por meninas. Fonte: Picanço, Antonio., 2008. Fonte: Picanço, Antonio., 2008. Se pela lógica de sobrevivência das UD’s nativas que visa lucrar com a visita dos turistas a pratica do touree é vantajosa já que ela também contribui com a manutenção das famílias. No entanto, essa representação da “cultura indígena” mostra aos visitantes “um outro falsificado” pois não é endógena do lugar, fazendo com o que o visitante registre através de 157 fotografias e filmagens compre um traço cultural que não condiz com a realidade do lugar. Com relação a pratica do touree VAN DEN BERGHE e KEYES (1984), salientam que O turista não quer ver o que eles chamam de tourees, isto é, um ator que modifica seu comportamento para lucrar de acordo com essa percepção de que é atrativo para o turista. O turista quer ver "nativos intactos", mas sua própria presença mudaria os nativos ao torná-los menos exóticos e "tradicionais" (mais parecidos com o próprio turista) e ao incentivar que eles transformem-se em tourees. Estes, na medida em que respondem ao turista, fazem dele seu negócio ao preservar uma ilusão acreditável de autenticidade. O touree "falsifica sua arte, sua roupa, sua música, sua dança, sua religião, e assim por diante, para satisfazer a sede do turista étnico por autenticidade ao mesmo tempo em que a invasão turística assalta sua cultura e sujeita-a ao processo homogeneizante conhecido como modernização" (apud GRUNEWALD, 2003:8) Os autores chamam atenção para as conseqüências causadas pela prática touree além na cultura local também e para o fato de poder destruir a vontade do turista de ver o verdadeiro nativo do lugar, já que, ele espera conhecer a verdadeira cultura do local visitado e não imitações. É importante salientarmos que em se tratando de atrativos culturais as comunidades da Serra da Valéria deveriam explorar as danças folclóricas existentes no lugar como a dança das pastorinhas, do boi bumba, das quadrilhas, das festas religiosas entre outros atrativos culturais existentes no lugar. 4.2 Os Atrativos Turísticos Naturais da Serra da Valéria: o lago e a floresta Os principais atrativos do lugar são o lago, a floresta, a serra e os sítio arqueológico da comunidade de Santa Rita. No entanto somente os dois primeiros são mais procurados pelos visitantes, isso pode ser explicado por dois motivos: primeiro a falta de uma trilha adequada à faixa etária dos turistas (a maioria deles possui mais de 45 anos) para chegar ao topo da serra; e, em segundo lugar a falta de guias treinados para informar aos visitantes sobre as características e o valor histórico-cultural do sítio arqueológico da comunidade de Santa Rita. Quando os nativos entrevistados foram questionados sobre o que mais os turistas gostam de fazer quando chegam à Boca da Valéria (gráfico 08) as respostas obtidas foram: 158 Gráfico 08 – Atividades dos Turistas na Boca da Valeria Fonte: Picanço, Antonio. Pesquisa de Campo, 2009. Nessa questão os entrevistados tiveram a liberdade de indicar varias opções e as respostas que prevaleceram já vem sendo praticadas desde o início da atividade turística no lugar. Com duração média de uma hora o passeio no lago (figuras 42 e 43) é realizado em canoas de madeira ou em botes de alumínio movidos por motor rabeta com capacidade para até cinco pessoas. O trajeto definido pelos moradores parte do “porto” da comunidade de São Paulo seguindo até os portos de Santa Rita e depois segue até a comunidade de Bate Semes, no entanto, é o “guia” que determina o percurso. As visitas as comunidades acontecem quando os turistas pedem descer ou quando são estimuladas pelos guias, geralmente este indica a comunidade a qual pertence. O preço cobrado por esse “serviço turístico” é de cinco dólares por cabeça (turista) como os nativos dizem. 159 Figura 42: Passeio de rabeta pelo lago na cheia. Fonte: Picanço, Antonio., 2008. Figura 43: Passeio de rabeta pelo lago na Vazante. Fonte: Picanço, Antonio., 2008. No caso das caminhadas pela floresta a ausência de trilhas pré-estabelecidas e sem sinalização não permitem que um dos principais atrativos naturais do lugar, a floresta de terrafirme, gere renda para aos nativos do lugar. Os turistas procuram fazer caminhadas seguem os caminhos utilizados pelos moradores de São Paulo para chegar até as colônias. A precariedade de sua conservação impede os visitantes de realizar a observação da fauna local e da exuberante vegetação do lugar, além disso, a falta de guias treinados também colabora para o pouco aproveitamento desse atrativo. Com todas essas limitações as caminhadas são feitas nas proximidades das residências da comunidade de São Paulo. Nessa atividade turística o “roteiro”, o tempo de duração e o preço são determinados pelos turistas. 4.3 A Serra e os Sítios Arqueológicos: atrativos em potencial. De todos os atrativos do lugar os menos aproveitados pela atividade turística são a serra e os sítios arqueológicos. Localizada na comunidade de São Paulo do alto dos seus 152 metros de altitude da Serra da Valéria podem-se vislumbrar magníficas paisagens da natureza do lugar. O solo tem característica de terra preta de índio, apesar de nenhum estudo ter silo feito, os artefatos arqueológicos guardados no “centro cultural” da comunidade foram encontrados neste lugar. Existem duas maneiras de chegar ao topo da serra, a primeira é subindo a parte mais íngreme por um caminho utilizado pelos moradores para descer a criação de gado em certas ocasiões do ano. O problema dessa “trilha” é a falta de segurança por ser íngreme e 160 porque quando chove o chão batido fica muito liso. A falta de corrimão também contribui para a não utilização dessa “trilha”. A outra forma de chegar a Serra é dando a volta pelo caminho leva até a colônia de Samaria. Como o caminho fica no meio do mato é possível fazer observação de pequenos igarapés, da fauna, da flora, e, do modos vivendis dos caboclos, já que atravessa alguns roçados e campos de criação de gado. Apesar de não ser tão íngreme como a primeira esta trilha também é acidentada com pequenas subidas e descidas, além do fato de ter que passar por cima de troncos de árvores e ter que atravessar pequenos córregos, sobretudo no período das chuvas. Apesar de mais longo e mais demorado (caminha-se por cerca de 1 hora) esta é a melhor forma de chegar até alto da Serra. No entanto, esta trilha é muito pouco utilizada pelos turistas. Um informante que já acompanhou muitos visitantes até aquele local relatou-nos que Em cima da serra eles [os turistas] ficam encantados com a beleza, se agente fizesse uma escada de pau a pique... porque as vezes eles sobem com agente segurando na mão deles, se agente fizesse mesmo um corrimão pra eles subirem lá em cima e um tablado de pelo menos três metros de altura...pra eles avistarem melhor por cima das árvores ai seria um opção boa, limpar só por baixo das árvores...só pra ficar melhor, agente já colocou isso numa reunião...mais agente não foi entendido. (J.P., morador de Bete Semes, 2009) Em todas as entrevistas, o único atrativo que não recebeu nenhuma indicação foram os sítios arqueológicos, deixando claro que é necessário criar alternativas para que estes sejam utilizados como gerador de renda no turismo local. Sobre a importância do turismo arqueológico SCATAMACCHIA (2005:15) afirma que este tem a faculdade de revelar a identidade do território e das qualidades de uma cultura local, fixando imagens e vestígios que testemunham o modo de viver e de trabalhar da comunidade no passado. A valorização do patrimônio arqueológico pelo turismo além de gerar renda aos moradores também contribui para sua preservação. Para esta modalidade de turismo a comunidade de Santa Rita de Cássia tem grande potencial, pois é onde está localizado o maior sítio arqueológico do lugar, além de possuir grande quantidade e variedade de artefatos que estão em processo de datação por arqueólogos do Instituo do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. Como não existe museu, os artefatos encontrados são guardados na escola e nas residências de moradores (figuras 44 e 45) que possuem “coleção” particular. Os habitantes mais antigos do lugar relataram-nos nos primeiros anos de visitas dos turistas era comum a venda das 161 “caretas” (pedaços de cerâmicas ricos em detalhes), vasos de barro e machados de pedra como relíquias, na atualidade isso não ocorre mais. A maioria dos turistas não sabe da existência desse atrativo e muito menos visitam a comunidade de Santa Rita por causa da dificuldade de chegar até o local. Figura 44: Artefatos guardados na Escola de Sta. Rita. Fonte: Picanço, Antonio., 2008 Figura 45: Coleção de um morador de Santa Rita. Fonte: Picanço, Antonio., 2008 Os empecilhos para o desenvolvimento do turismo ecológico na Serra da Valéria são: - A dificuldade de acesso a comunidade que esta localizada em pequeno um morro; - A falta de um museu para a exposição dos artefatos; - O aproveitamento dos jovens que já foram treinados pelos arqueólogos do IPHAN como guias; e, - A divulgação da existência desse patrimônio junto aos turistas. Tanto a serra quanto os sítios arqueológicos que possuem grande potencial de atração turística que sejam realizadas adequações estruturais e treinar os moradores nativos para sua exploração. No caso da serra deve-se é necessário elaborar uma trilha que permita os turistas mais idosos chegar até o seu topo. Na comunidade de Santa Rita deve-se construir um museu para a exposição do acervo, uma escada para a facilitação do acesso dos visitantes e o treinamento de moradores para exercer a função de guias culturais. 162 Comercializar é Preciso: a rede de negócios criada pelo turismo no lugar Segundo Beni (2003) na compra de um produto, o consumidor espera uma satisfação tangível ou intangível; na compra de um serviço turístico, a satisfação é mais difícil medição de se medir; o turismo está comprando uma ilusão, uma expectativa, adquire uma experiência desde que sai de casa até regressar a ela. Deste modo, para satisfazer os anseios dos turistas é necessário que os prestadores de serviços ofereçam “produtos” variados e de qualidade aos consumidores. Daí a necessidade de turistificar os territórios e os lugares receptores. Na Serra da Valéria, a concentração dos turistas acontece no espaço da comunidade de São Paulo. É neste local que acorre a venda de artesanato, onde fotos de touree são registras e os barqueiros ficam a espera de clientes turistas. Para receber os visitantes o território comunitário é turistificado (figuras 46 e 47) para a melhor comodidade dos visitantes “porto” de desembarque é ornamentado com folhas de palmeiras, barracas padronizadas foram construídas de madeira e cobertas com palha para a exposição e venda dos artesanatos, na sede social da comunidade mesas e cadeiras são arrumadas para o comércio de bebidas em prol do santo que dá nome ao lugar. Além disso, alguns residentes da Boca da Valéria, “arrendam” seus quintais para os moradores das outras comunidades comercializarem seus artesanatos em barracas improvisadas. Também é comum os donos das casas “reproduzirem” o ecossistema aquático do lugar com folhas e flores de vitória-amazônica em pequenos cercados as margens do lago para serem fotografados pelos turistas. Portanto, o turismo proporcionou a criação de novas territorialidades em “todo” o espaço da comunidade para receber, agradar e principalmente comercializar com os turistas. 163 Figura 46: Chegada dos turistas no porto Boca da Valeria Fonte: Picanço, Antonio, 2008. Figura 47: Barracas padronizadas para a venda de artesanato na Boca da Valéria Fonte: Picanço, Antonio, 2008 Deve-se observar que esta é tarefa exclusiva dos residentes da Boca da Valéria, os moradores de “fora” participam apenas da comercialização de artesanato e dos serviços com os turistas. Estes também submetem-se ao controle espacial determinado pelos morados da “Boca” em uma clara demonstração simbólica de pertencimento e de poder em relação aos moradores de “fora”, neste sentido Sack (1986) afirma que As razões do controle social pelo espaço variam conforme a sociedade ou cultura, o grupo e, muitas vezes, com o próprio indivíduo. Controla-se uma “área geográfica”, ou seja, o “território”, visando “atingir/afetar, influenciar ou controlar pessoas, fenômenos e relacionamentos”. A territorialidade, além de incorporar uma dimensão estritamente política, diz respeito também às relações econômicas e culturais, pois está “intimamente ligada ao modo como as pessoas utilizam a terra, como elas próprias se organizam no espaço e como elas dão significado ao lugar”. Sack afirma também: A territorialidade, como um componente do poder, não é apenas um meio para criar e manter a ordem, mas é uma estratégia para criar e manter grande parte do contexto geográfico através do qual nós experimentamos o mundo e o dotamos de significado. (apud HASBAERT, 2005, p. 6776) Os residentes da Serra da Valéria tomam conhecimento das datas da escala anual dos cruzeiros no lugar a partir das listas distribuídas nas agências ou na Secretaria de Turismo de Parintins. Basta que um deles seja avistado para que famílias inteiras transportadas em canoas movidas a motor rabeta se desloquem até a Boca da Valéria com seus “produtos” para comercializar com os turistas. Como a maioria dos turistas não desce dos transatlânticos alguns caboclos-artesãos são convidados a venda seus produtos no interior dos cruzeiros. 164 Em 2008 um grupo de caboclos-artesãos foi autorizado a subir a bordo do Seven Seas Mariner (figuras 48/49), navio de bandeira das Bahamas que tem a capacidade para transportar 700 (setecentos) passageiros. Naquela ocasião, um morador da comunidade de São Paulo vestido com trajes de marinheiro ficou o encarregado de escolher e transportar os artesãos o navio. Após receberem um crachá de identificação, os nativos foram dirigidos até um deck onde varias estavam enfileiradas para a exposição e comercialização dos artesanatos. Os turistas são avisados pelo comandante sobre a exposição de produtos e chegavam em pequenos grupos, uns somente para fazer registro fotográficos ou produtos outros para comprá-los. O tempo a “visita” dos nativos no interior do cruzeiro estendeu-se até momentos antes da partida do transatlântico. Figura 48: Exposição de artesanato dentro do cruzeiro Seven Seas Mariner. Fonte: Picanço, Antonio, 2008. Figura 49: Comercializando artesanato no cruzeiro Seven Seas Mariner Fonte: Picanço, Antonio, 2008. Em todas as negociações entre os nativos e os turistas a comunicação ocorre através de gesticulações ou com a indicação do preço das peças em folhas de papel. Por mais que os visitados se esforcem para se fazer entendidos em muitos casos o esforço é em vão. Nas caminhadas pela floresta, por exemplo, ou nas visitas as comunidades, os “guias” simplesmente acompanham o turista, sem que haja a indicação dos atrativos ou no caso de 165 visitas ao sitio arqueológico da comunidade de Santa Rita a explicação da história e do significado dos artefatos. Deste modo, a interação ente turistas e moradores locais ocorre apenas quando o guia é solicitado para fazer o registro de imagens do visitante nos locais por ele escolhido. A atividade turística também originou uma pequena mais pujante rede de comércio entre os entre os moradores da ‘Boca da Valéria’ e os moradores das outras comunidades. O aluguel das barracas padronizadas, a venda de refeições, de lanches e bebidas é realizado em todos os dias em há visita dos turistas. Como o número de barracas padronizadas não é suficiente para atender todos os artesãos alguns moradores da ‘Boca’ permitem que os de fora comercializem seu produtos frente de suas residências mediante pagamento diário. O bar da comunidade também se aproveita da ocasião para vender bebidas para ajudar na manutenção da paróquia do lugar. Tanto para os moradores locais, quanto para os estrangeiros negociações a moeda de troca utilizada é o dólar, como já dito, para os estrangeiros os preços são indicados por gestos ou são escritos em placas. Em relação ao comércio realizado entre os nativos um morador da comunidade de Bete Semes nos relatou o seguinte: Agente paga lá pra expor os artesanatos, varia de dois a três dólares por viagem, cada barco que vem agente tem que pagar. Agente paga pro senhor lá [...] aquelas barraquinhas que a gente fica vendendo lá são feitas por eles ai agente tem que pagar pra eles (D. M. morador da comunidade de Bete Semes, 2009). Ainda a esse respeito uma moradora da comunidade de Santa Rita nos fez o seguinte relato a esse respeito: A alimentação agente leva merenda de casa mesmo, quando não, tem gente que vende lá almoço, merenda, todo tipo de comida. Tem um rapaz ali que leva bolacha, bombons, lá já tem agora todas essas coisas pra vender lá. O pagamento é feito em dólar, um prato de comida é dois dólar, mais ela faz de um dólar, um copo de mingau de milho é um dólar. Um pedaço grande de bolo um dólar. Tudo é vendido no dólar. (F. S, moradora da comunidade de Santa Rita. Além de movimentar o pequeno comércio do lugar o turismo é responsável pela introdução de novos hábitos e padrões de comportamento no lugar. Visto apenas pelos aspectos econômicos, como estão fazendo os órgão oficiais do governo e os próprios moradores do lugar, esta atividade é vantajosa já que oferece aos nativos oportunidades únicas 166 para obterem lucros com a venda de artesanatos e serviços relacionados a rede turística local. No entanto, esta atividade deve também ser analisada a partir dos impactos que está causando no universo simbólico das comunidades locais com a introdução de novos valores e comportamentos no lugar e na maneira como esta atividade é vista pelas comunidades do lugar, ou seja, como uma mera atividade que geradora de renda no lugar. Segundo Pires (2004) (...) quando, especialmente o Turismo Internacional; tem importância econômica para um país ou região, esse se torna um poderoso elemento modificador da estrutura social da comunidade receptora. O que nem sempre é bem visto por essa comunidade. Tal fato se relaciona, especialmente, ao contato entre autóctone e visitante em condições opositoras, impostas pela globalização da economia que cada vez mais pontua o universo do desenvolvido e do subdesenvolvido, do central e do periférico. Afirmando a cultura da globalização ou globalizada (do visitante) que se dá pela não aceitação da cultura local (do visitado). Acentuando-se, assim, as desigualdades não só econômicas, mas sócio-culturais existentes entre regiões distintas do planeta, representadas pela relação turistas e comunidade receptora. (PIRES, 2004: p.14-15) No caso das comunidades da Valéria o turismo é uma das principais causas pelo acirramento das relações conflituosas entre os nativos da comunidade de São Paulo com os moradores de “fora” pela disputa dos turistas. Para os primeiros a “Boca da Valéria’, ou seja, do lócus em que vivem é o principal atrativo dos turistas, sob esta percepção da atividade faz com este acreditem que os visitantes devem ficar concentrados na sua comunidade. Também a reclamação da sujeira deixada pelos moradores de fora e pela desorganização que causam em seu lócus de residência. Os habitantes das comunidades da Bete Semes e Santa Rita reclamam principalmente do não recebimento das doações de material escolar, roupas e sapatos doados pelos turistas. Também existe insatisfação em relação a ausência dos moradores de ‘fora’ organização do lugar para receber os visitantes e das ‘taxas’ cobradas pelo moradores da Boca da Valéria para a venda dos seus produtos. Para amenizar estes conflitos no lugar deve-se estimular a implantação do turismo de base comunitária de base que visa à promoção de forma equitativa entre as comunidades envolvidas e contribui para o fortalecimento das relações sociais dos moradores do lugar. 167 4.5 A Troca Arbitrária da Moeda em Parintins Karl Marx definiu dinheiro da seguinte maneira [...] é uma forma equivalente geral do valor, na qual o valor das mercadorias aparece como puro valor de troca. A forma dinheiro do valor é inerente à forma produção de mercadorias organizada pela troca. [...] o dinheiro é um equivalente geral socialmente aceito, uma mercadoria específica surge na realidade social para desempenhar o papel de equivalente e exclui esse papel todas as outras mercadorias. [...] Como a mercadoria-dinheiro é uma mercadoria produzida, seu valor é determinado pelas mesmas leis que determinam o valor das outras mercadorias. (BOTTMORE, op. cit. 106-7) Na época em que Marx escreveu “O Capital”, século XIX, o valor do dinheiro era calculado pelo “lastro do ouro”, ou seja, qualquer pessoa podia trocar o valor do seu dinheiro por ouro. Quando a moeda tinha lastro os investidores sentiam-se mais seguros, no entanto, com as especulações financeiras e suas conseqüências desastrosas nas economias dos países esse sistema foi substituído no final da primeira Guerra Mundial. Atualmente existem duas maneiras de trocar moedas estrangeiras: a troca feita pela taxa de câmbio e a troca arbitrária pura. A primeira pode ser entendida da seguinte forma, A taxa de câmbio refere o valor do dólar americano De encontro aos valores das moedas de outros países. Tal taxa ajuda a determinar quanto pagamos pelos produtos e serviços importado e quanto recebemos para o que exportamos, entre outras coisas. Quando o valor do dólar americano deixa cair, as importações tornam-se mais caras, e tendem ser reduzir o volume de nossas importações. Simultaneamente, outros países pagarão MENOS por alguns de nossos produtos e aquele tenderá a impulsionar vendas de exportação. Se as importações e as exportações são uma parte substancial da economia de um país, como é o caso com Canadá, a taxa de câmbio joga um papel particular importante em nossa economia. A taxa de câmbio entre duas moedas dos países é particular importante se os dois países são envolvidos pesadamente no comércio. (VAKNIN, 2006) Como não existem casas de câmbio e as agências bancárias (Banco do Brasil, Bradesco e BASA) existentes na cidade de Parintins não fazem a troca de moedas estrangeiras, aliás, em todo o Estado do Amazonas só existem três Agências de Turismo e Meios de Hospedagem autorizadas a fazer o câmbio de moedas, duas em Manaus e uma em 168 Tabatinga, os caboclos-artesãos da Valéria ficam a mercê dos compradores de dólar da sede do município, sobretudo dos comerciantes. Estes fazem a troca arbitrária pura da moeda estrangeira. Nesta modalidade de troca, o vendedor da moeda confiará unicamente no julgamento dos comerciantes. Por exemplo um comerciante arbitrário pode manchar um teste padrão particular que torna-se em uma carta e decidi-lo incorporar um comércio nessa base” (Ibidem). Em Parintins os compradores de dólar criaram um padrão de troca no qual o Real tem muito mais valor que as notas de um dólar e de euro. Também inventaram uma lógica em que o valor das notas de um dólar é equivalente ao valor das notas de cinco, dez e vinte dólares. Deste modo, quando a oferta de notas de um dólar é grande o comerciantes trocam todas por um mesmo valor, por exemplo, no mês de novembro de 2009, as notas de todos os valores eram sendo trocadas por um real e cinqüenta centavos pelo principal comprador do município, segundo uma informante de Santa Rita. Quando foram questionados sobre quanto ganharam e onde trocam seus dólares obtivemos as seguintes respostas dos informantes, Esse ano [2009] só com artesanato eu ganhei uns 200 dólares, de passeio eu peguei já no final uns 90 dólares. Pra tocar agente vai com um pessoal do navio ou agente vai lá no Baranda [um dos maiores comerciantes de Parintins], esse ano foi o valor traçado R$1.80 para as notas de um dólar e a 2 reais pelas notas de cinco, dez e vinte dólares. (R.F., morador da comunidade de Santa Pesquisa, 2009). Esse ano vou colocar assim por cima, eu acho que uns 300 dólares, porque nos primeiros anos, os navios que vieram antes, eu falo assim que nunca agente vinha de lá do São Paulo com menos de 100 dólares e esse ano agente chega a fazer até 45 dólares [por navio](...) Olha esses dólares ai, geralmente agente ano passado agente vendia ai mais no Baranda e esse ano aqui já veio gente de lá Parintins, um rapaz que já veio trocar aqui era R$1.50, R$1.80 até 2 reais, porque as cédulas de, por exemplo de 5, 10 e 20 dólares eles davam dois reais a de um dólar era R$ 1.80. A nota de um dólar, por exemplo, eles não pagam assim como passa o valor na televisão. (M.R, moradora de Santa Rita, 2009) A troca é lá no Baranda. Se a pessoa quiser a troca o dólar pelo rancho ele troca e se a pessoa quiser o dinheiro ele troca também é bom por isso! Nana troca pelo rancho agente faz o rancho e ai agente paga pelo dólar, ele troca as notas de 5, 10 e 20 por dois reais e a nota de um real eles dão 1.70 quando tá baixo e 1.80 quando tá bom. Esse ano eu levei 150 dólares porque não era todo mundo que comprava quadro e remo. (M.F.P, moradora da comunidade de Santa Rita, 2009) 169 Se estendermos esses três relatos para as UD’s que participam da atividade turística no lócus de pesquisa teremos uma idéia ampla de quantas pessoas são exploradas por esta forma imoral de comércio. Diante da invisibilidade deste problema para as autoridades municipais não existem perspectivas em curto prazo para sanar esta pratica no município de Parintins. Aos caboclos-artesãos da Serra da Valéria resta apenas o sentimento de desesperança e resignação diante deste fato, como o demonstrado na fala de uma moradora do lugar ao ser questionada porque continuava a trocando seus dólares mesmo sabendo que não é o valor correto: agente troca porque agente tem que trocar mesmo. Todo mundo faz esse mesmo processo, porque o banco de Parintins não troca. (M.R., moradora da comunidade de Santa Pesquisa, 2009) 5. Para não Concluir: considerações sobre a prática do turismo na Boca da Valéria Ao longo de mais de três décadas, o turismo de cruzeiros vem criando novas territorialidades na localidade conhecida internacionalmente como Boca da Valéria. Os territórios das comunidades, da mata de terra firme e o lago, antes utilizados para a moradia e o sustento das UD’s locais tornaram-se territorialidades voltadas para atender a demanda dos turistas que visitam o lugar entre os meses de novembro a abril todos os anos. Imbricada na rede de relações socioeconômicas que só é possível perceber utilizando a análise sistêmica, visto que, a atividade turística esta criou inter-relações e interdependências entre os países emissores e a localidade receptora do fluxo de turistas. Além disso, possibilitou-nos compreender que além dessa “rede-macro” do turismo internacional, existe um comércio interno de venda de sementes, de refeições, de madeiras e outros materiais utilizados na fabricação do artesanato que extrapolou as fronteiras das comunidades de São Paulo, Bete Semes e Santa Rita de Cássia, constituindo-se um grande sistema de negócios gerados pelo o turismo no lugar. O turismo também fez surgir neste lócus uma nova categoria social, o cabocloartesão. Onde lugar onde tradicionalmente o modus vivendis sempre esteve baseado em atividades tradicionais como a agricultura, a pesca e a coleta de subsistência, a produção de artesanato tornou-se um habitus, ou seja, um saber adquirido no cotidiano dos moradores da Serra da Valéria, envolvendo praticamente todos os membros das unidades domésticas no processo de produção e comercialização. Na sedimentação do capital cultural desta categoria 170 no lócus de pesquisa está o processo de transmissão da tradição do fazer artesanato às novas gerações através da aprendizagem do modus operandi e da padronização singular das formas de produção de artesanato do lugar. A defesa do surgimento da categoria caboclo-artesão na Serra da Valéria segue a mesma premissa de Hobsbawn (2000, p. 279-80) que ao se reportar sobre a formação da classe operária faz a seguinte afirmação As classes nunca estão prontas no sentido de acabadas, ou de terem adquirido sua feição definitiva. Elas continuam a mudar. [...] o proletariado britânico tornou-se identificável não só pelo que usava na cabeça, mas também pelo ambiente físico no qual vivia, por um estilo de vida e de lazer, por uma certa consciência de classe cada vez mais expressa numa tendência secular de filiar-se a sindicatos e de filiar-se a partidos. A formação da categoria caboclo-artesão da Valéria também ocorreu a partir das exigências históricas do capitalismo, neste caso, em função do turismo. Assim, a partir do momento em que Destarte, ao apropriar-se dos atrativos naturais esta atividade estimulou também a produção de artesanato e uma paulatina formação da consciência de classe, visto que, em todas as comunidades estão sendo fundadas associações de artesãos, além disso: - Ao produzir artesanato os caboclos-artesãos de cada comunidade atribui-lhes um sentido identitário de pertencimento ao lugar em que vivem, ou seja, a peça produzida funciona como um espelho do papel social que este desempenha; - Apesar de a atividade turística acontecer somente no período de novembro a abril, a produção de artesanato ocorre o ano inteiro tornando este ofício em um continum aprender e a fazer-se artesão anualmente; - Mesmo que as atividades agropastoris ainda constituírem-se como as principais fontes geradoras de renda das UD’s locais, as horas dedicadas à produção do artesanato estão aumentado paulatinamente e tornam-se praticamente exclusiva ocupação laboral dos caboclos durante a temporada de cruzeiros; e, - Esta nova categoria social vem sendo sedimentada ao longo dos anos em um processo lento deixado de herança para os membros mais novos das UD’s locais. Assim, a produção de artesanato sai do mero campo da produção para 171 uma importante fonte de renda para manutenção das famílias e estendendo-se ao processo de endoculturação identitária local. O turismo praticado no lugar o de natureza e não o ecoturismo. Esta modalidade de turística exclui o convívio direto com ambientes urbanos, os quais, muitas vezes, irão servir somente de aporte por meio do oferecimento de serviços de hospedagem, alimentação ou agenciamento, necessários para o seu desenvolvimento. A oferta turística original, bem como, a potencialidade turística, resultam diretamente do ambiente natural (SILVA, 2006:75). Os turistas que visitam a Serra da Valéria buscam principalmente o contato com os atrativos naturais e também procuram conhecer o modus vivendis e as características culturais dos nativos do lugar. Mesmo como foi salientado anteriormente não havendo trilhas determinadas o contato com a natureza é realizado através das caminhadas na mata e dos passeios no lago. Em relação ao modus vivend os turistas acabam vendo apenas , ou o que pensam ser, já que na maioria das vezes só vêem o touree, pois não existe um roteiro prévio para as comunidades. Destarte, que para os atrativos naturais e culturais do lugar sejam melhor explorados e gerem mais benefícios aos moradores da Serra da Valéria é necessário realizada a roteirização turística nos moldes definidos pelo MINITUR, como, um itinerário caracterizado por um ou mais elementos que lhe conferem identidade, definido e estruturado para fins de planejamento, gestão, promoção e comercialização turística das localidades que formam o roteiro. (...) a roteirização turística é o processo que visa propor, aos diversos atores envolvidos com o turismo, orientações para a constituição dos roteiros turísticos. Essas orientações vão auxiliar na integração e organização de atrativos, equipamentos, serviços turísticos e infra-estrutura de apoio do turismo, resultando na consolidação dos produtos de uma determinada região. (Ministério do Turismo, 2007: 15) O turismo praticado na Serra da Valéria valoriza o contato direto com os ambientes naturais locais, no entanto, a oferta desses atrativos limita-se a caminhadas pelos arredores da comunidade de São Paulo e pelos passeios no lago. Deste modo, torna-se é necessário ampliar a oferta de produtos e criar mais roteiros para os turistas deslocarem-se até eles com segurança, pois, o único atrativo que possui itinerário bem estabelecido é o passeio no lago. Então propomos que: 172 - Seja dada ênfase no turismo de base comunitária, ou seja, aquele em que a organização do espaço turístico e dos recursos patrimoniais comunitários visam a cooperação e a igualdade na distribuição nos serviços turísticos. No lugar pesquisado a maneira como os comunitários estão organizados beneficia a todas as UD’s do lugar, no entanto, na medida em que a cooperação entre as comunidades se fortaleça os ganhos com a atividade turística ampliará; - Evitar que o turismo no local seja massificado, devendo manter o controle da demanda de turistas e da pressão ambiental que os atrativos possam suportar. Deste modo, a preocupação com a preservação das áreas verdes, do lago e do padrão de vida tradicional das populações autóctones do lugar deve ser enfatizada através da Educação Ambiental; - Com relação à infraestrutura devem-se fazer algumas melhorias nos porto comunidades de São Paulo e de Santa Rita de Cássia, como grande dos turistas possui faixa etária acima dos 40 anos é necessário facilitar acesso aos atrativos do lugar, principalmente aos atrativos em potencial como a serra e o sítio arqueológico de Santa Rita; - O turista de natureza é aquele que busca o contato direto com a “rusticidade” das culturas e com a natureza preservada, portanto, deve-se evitar que criação de novas territorialidades através da turistificação modifique os padrões culturais da população autóctone e a paisagem natural local; - Entre as comunidades de São Paulo e a colônia de Samaria existem diversos atrativos que podem ampliar a oferta turística do lugar como: córregos de águas limpas e a possibilidade de observação da fauna e flora e do modus vivendi dos moradores das colônias; - O turismo arqueológico na comunidade de Santa Rita de Cássia deve ser estimulado com turistificação do sítio arqueológico, construção de um museu e que os comunitários sejam previamente “treinados” para exercer as funções de guias culturais; e, por fim - Deve haver envolvimento dos órgãos de turismos municipal e estadual, do INCRA e do IBAMA no sentido de auxiliar no desenvolvimento de uma prática do turismo sustentável permitindo a preservação dos recursos naturais e a melhoria da qualidade de vida dos moradores locais. O papel dessas instituições 173 deve ser o de auxiliar no planejamento não de determinar o que deve ser feito, levando-se em conta as características sócio-culturais do lugar. 174 Considerações Finais A ausência de políticas públicas geradoras de renda, o difícil acesso a saúde e educação são fatores constantes na vida das populações ribeirinhas do Estado do Amazonas. Como as políticas desenvolvimentistas planejadas pelo Estado sempre relegaram ao caboclo um lugar secundário no seu planejamento e na própria construção de sua história. No entanto, com o novo enfoque dado à natureza, a Amazônia passou a ser vista como um paraíso a ser “preservado” para garantir a manutenção da vida na terra. Sob a ideologia conservacionista os governos federais e estaduais elegeram o ecoturismo de natureza como o tipo “ideal” para a preservação do ecossistema Amazônico. Desse modo, as agências internacionais de turismo de cruzeiros foram estimuladas a transformassem a rota do rio Amazonas em um “novo eldorado” turístico. Para um Estado que é incapaz de criar políticas públicas eficientes de acesso a saúde, a educação e a geração de renda para as comunidades caboclas do interior, o ecoturismo passou a ser visto pelas instituições governamentais como uma grande alternativa para a superação desses problemas sociais. No entanto, não basta simplesmente que o turismo se aproprie de um lugar e passe a usá-lo sazonalmente para haja desenvolvimento social e econômico. É necessário que o Estado em conjunto com as comunidades autóctones planejem o tipo e como está atividade será desenvolvida no lugar, uma vez que é causadora de danos socioambientais as vezes inseparáveis. O Planejamento Participante de Base Comunitária é o que mais se aproxima dos interesses das comunidades tradicionais amazônicas na medida em que dá a elas o poder de decidir o tipo de turismo a ser implantado na área em que vivem e também porque permite o empoderamento dos comunitários para planejar e decidir seu futuro. Infelizmente o que ocorre é o contrário, os técnicos dos órgãos oficiais do Estado que quase sempre desconhecem as características históricas, econômicas e sociais chegam com programas turísticos de receituário livresco e passam induzir que tais receitas sejam aplicadas no lugar. Assim, fica claro que para o Estado que o turismo é apenas uma atividade econômica e não um fenômeno social que faz parte da esfera cultural. Destarte, que a inserção das comunidades tradicionais caboclo-ribeirinhas no roteiro do turismo internacional foi motivada primeiramente pela crise em algumas rotas tradicionais dos cruzeiros e o forte apelo midiático e ideológico da questão ecológica no mundo contemporâneo. Assim, a inclusão dessas comunidades no roteiro internacional de 175 turismo foi mais conseqüência da crise econômica e do apelo ideológico do movimento ecológico que a necessidade de preservar os recursos naturais. O turista continua olhando para os povos e populações tradicionais como exóticos e mantém ainda uma relação comercial como já foi citado. Poucos são aqueles que procuram interagir de fato com as culturas visitadas. Desde o seu início a atividade turística, praticada na Boca da Valéria, passou a ser vista pelos moradores locais como alternativa de geração de renda e melhoria na qualidade de vida. A demanda por artesanato foi o principal fator que estimulou o aparecimento do caboclo-artesão como nova categoria social no lugar. Após três décadas de sedimentação deste ofício muitos moradores já se identificam como agricultores e artesãos. Deste modo, durante todo o ano, o tempo de trabalho dos moradores das comunidades de São Paulo, Santa Rita e Bete Semes é dividido entre as tarefas agroflorestais (homens) / domésticas (mulheres) e a produção de artesanato. Esta pratica cotidiana transformou-se em habitus, constituindo-se assim uma categoria social reconhecida e aceita pelos membros das comunidades do lugar. As outras mudanças ocorridas no lugar foram à criação de territorialidades para a prática do turismo, assim, o território da comunidade de São Paulo foi modificado para receber os turistas com a construção de barracas padronizadas para a venda de artesanato. Além disso, o lago também foi transformado em território turístico para a prática de passeios de canoas. A floresta antes somente utilizada para a prática da agricultura e da coleta agora é o território utilizado pelos turistas para caminhas. Deste modo, o território natural da Serra Valéria, como em outras regiões do mundo, foi apropriado pelas agências de turismo para a oferta de serviços a seus clientes. Apesar de constitui-se uma importante fonte de renda para as famílias do lugar, o turismo pode ser mais lucrativo para os nativos, se duas medidas básicas mais importantes fossem tomadas. A primeira é a roteirização dos atrativos do lugar que aumentará oferta e da demanda turística efetiva do lugar. É importante salientarmos que o Ministério do Turismo recomenda seja a “Instância de Governança Regional” que realize a roteirização, no caso da Valéria, a responsabilidade da realização desta tarefa é de responsabilidade da Secretária de Turismo do município Parintins, em conjunto com INCRA que é o responsável pelo assentamento e o IPHAN responsável pelo patrimônio arqueológico da comunidade de Santa Rita de Cássia. Destarte, apesar da relevância dos técnicos e pesquisadores desses órgãos, não há como fazê-lo sem o auxílio do saber dos caboclos locais, afinal são eles conhecem as potencialidades turísticas do lugar. 176 A segunda medida é criar oportunidades para o aperfeiçoamento e ampliação da “prestação de serviços” aos turistas, ou seja, oferecer de aperfeiçoamento do artesanato aos moradores, além oficinas aos artesãos para que lhes aprendam fazer outros tipos de artesanato e para aqueles que não fazem artesanato, um curso com noções básicas de guias turísticos. Associado a isso, o município deveria procurar criar um mecanismo de troca justa da moeda estrangeira dos comunitários, evitando que os mesmos sejam lesados na troca arbitrária da moeda com os comerciantes. As implantações dessas políticas públicas básicas terão três conseqüências. A primeira é melhoraria o fluxo de turistas, pois, aumentará a oferta de serviços e facilitarão o acesso dos turistas as atrativos do lugar; a segunda é que dará visibilidade aos moradores da Serra da Valéria o possibilitará a participação dos comunitários no planejamento do tipo de turismo que desejam para o local; e, mesmo tempo em que quebraria um “paradigma” do planejamento turístico do município míope, ou seja, que não quer perceber a existência de outros atrativos turísticos além das fronteiras da cidade de Parintins. A Boca da Valéria, como é conhecida internacionalmente, já faz parte da rota de cruzeiros que seguem pelo rio Amazonas, este fato tornou a atividade turística em um fato social total na localidade, pois, de uma maneira ou de outra, envolve praticamente todas as UD’s do lugar. E também é importante para a reafirmação do sentimento identitário dos caboclos, pois, acreditam que o turismo valoriza as belezas naturais e o estilo de vida tradicional do lugar. Destarte, o turista, muito embora nem todos tenham essa consciência, é visto como aquele que vem de longe não apenas para comprar artesanato, mas para admirar as belezas do lócus em que vivem. Apesar das potencialidades turísticas existentes na Serra da Valéria, está longe de ser considerado como sendo turismo sustentável, pois não supre e jamais suprirá as necessidades básicas da população local, pois o turismo é uma atividade complementar na economia de qualquer lugar em que atua e, não está promovendo a preservar o ambiente natural, pois os impactos causados por esta atividade ainda sejam insipientes. Na realidade o chamado turismo sustentável é um discurso ideológico que a praticidade do planejamento preocupado como o desenvolvimento econômico das comunidades tradicionais da Serra da Valéria e de outros lugares do Estado, evidenciando a incapacidade e a falta de interesse das secretarias municipal e estadual para a elaboração e no desenvolvimento políticas públicas 177 que promovam não apenas o desenvolvimento do turismo, mas que possibilite o bem estar social através da oferta serviços de educação, de geração de renda e da saúde. Deste modo, é evidente que as políticas públicas voltadas para o desenvolvimento do turismo no Estado estão longe de promover o desenvolvimento local, pois na elaboração dos planos de desenvolvimento para esta atividade não leva em conta a importância do poder endógeno das populações nativas, ou seja, a valorização da autogestão das comunidades tradicionais para promover o desenvolvimento do turismo em seu território, preservando o seu patrimônio ambiental e superando as suas limitações para melhorar a qualidade de vida dos seus moradores. Para o ordenamento e o planejamento da atividade turística na Serra da Valéria é necessário que o poder público em conjunto com os representantes de todas as comunidades planejem ações. As principais são a estruturais como a melhoria nos portos das comunidades, principalmente o de São Paulo e o de Santa Rita de Cássia e a roteirização do lugar com trilhas indicando os atrativos e a ampliação da oferta turística com a inclusão do turismo arqueológico e de outros atrativos existentes no lugar que ainda não são explorados. No tipo de turismo praticado no lugar, de natureza, não há necessidade de grandes transformações estruturais, pois os turistas que visitam o lugar procuram contato com a paisagem natural com ausência de urbanização e de artificializações nocivas ao ambiente e paisagem natural. Somado isso, é necessário que seja incentivando o turismo de base comunitária e que seja criado um meio de troca justa da moeda estrangeira que os moradores do lugar arrecadam com a atividade turística do lugar. Apesar de importante para a geração de renda das UD’s do lugar o turismo praticado no lugar não é sustentável, pois: - Apesar de contribuir para a aquisição de bens materiais o tuirssmo não supre as necessidades econômicas dos moradores locais, ao contrário, estão tornando-se dependentes dessa atividade; - Mesmo contribuindo para reafirmar o sentimento identitário da população nativa a pratica do turismo no lugar é uma das causas do acirramento dos conflitos entre as comunidades pela organização do espaço e pela divisão das doações que os turistas deixam na comunidade de São Paulo. - Apesar de ainda serem incipientes os impactos ambientais já são percebidos principalmente pela dificuldade em encontrar a Ucuuba Vermelha para a confecção de artesanato juntamente com o fato da exposição de animais como 178 macacos e papagaios para serem fotografados pelos turistas. O acumulo de lixo, esmo em pequena escala é também fruto da atividade no local; - A distribuição de pequenos brindes estimula as crianças a tornarem-se pedintes e deste modo passam a ver no turista alguém apenas que se possa tirar proveito; - A falta um planejamento e de melhorias na infraestrutura do lugar pelos órgãos oficiais é um dos entraves que diminui o tempo de permanência no lugar, contribuindo para que os ganhos com a atividade sejam reduzidos. Portanto, Serra da Valéria é ponto de parada obrigatório no roteiro dos cruzeiros do rio Amazonas. Ao longo de trinta anos esta atividade tornou-se importante no complemento de renda para as famílias nativas, o que precisa ser feito é um planejamento que contemple as características culturais e ambientais do lugar. Para se tornar sustentável essa atividade deve se transformar de fato em ecoturismo e não em turismo de massa. A massificação do turismo causará sérios problemas culturais e ambientais às comunidades. Neste sentido, faz necessária a implantação do turismo de base comunitária no lugar. 179 REFERÊNCIAS BIBIOGRÁFICAS: AB’SÁBER, Aziz. Os Domínios de Natureza no Brasil: potencialidades Paisagísticas. 4ª. Ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003. ADAMS, Cristina. et al. (Orgs.) Sociedades Caboclas Amazônicas: Modernidade e Insensibilidade. SP: Annablume, 2006. ______________. As populações caiçaras e o mito do bom selvagem: a necessidade de uma nova abordagem interdisciplinar. São Paulo: Revista de Antropologia. v.43 n.1, 2000. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-77012000000100005&script=sci_arttext Acesso: 19/04/2010 ABREMAR - Associação Brasileira de Representantes de Empresas Marítimas. Amazonas na rota dos cruzeiros marítimos. http://www.visitearacaju.com.br/interna.php?obj=turismo&var=5409 Disponível em: Acesso em: 05/02/ 2010. AGÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO DA AMAZONIA-ADA. 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