Revista 05.2016

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Revista 05.2016
REVISTA REDAÇÃO
PROFESSOR: Lucas Rocha
DISCIPLINA: Redação
05
DATA: 14/02/2015
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Crise ambiental (RENATO NUNES BITTENCOURT)
Uma consciência ecológica genuína pressupõe que exploremos parcimoniosamente a biosfera para que esta
mantenha seu equilíbrio, levando em consideração que toda forma de vida, por si só, já ocasiona modificações na
natureza
O DESENVOLVIMENTO da industrialização da sociedade moderna e seus ine rentes avanços tecnológicos
proporcionaram a otimização do tempo e o aumento progressivo do conforto humano na sua luta em vencer as
adversidades naturais. Contudo, para que o homem conquistasse melhor controle sobre o meio ambiente foi imprescindível
que houvesse a exploração irrefreada dos recursos naturais até a exaustão da biosfera, colocando assim, em xeque o
próprio futuro da humanidade e das demais formas de vida.
O progresso material é indissociável da degradação da natureza, e seria hipocrisia talvez abrirmos mão das vantagens
conquistadas mediante tal dominação sobre o meio ambiente em nome de um estado idílico de harmonia vital quiçá
existente em eras remotas. A ideologia do progresso como uma linha ascendente ao melhor é axiologicamente falha, pois
após uma série de avanços técnicos nas diversas áreas de atuação do homem no mundo, a tendência é que ocorra a
estagnação produtiva, pois as forças vitais da natureza, após longo período de exploração, evidenciam a sua exaustão. O
progresso cientí co não foi acompanhado de um progresso ético capaz de transformar a barbárie em ação social promotora
de uma efetiva cidadania que estimule a justiça e o respeito tanto pela dignidade humana como pela dignidade da natureza.
Grosso modo, o homem moderno é apenas um monstro dotado de alto poder de destruição, graças ao uso ruim da técnica.
Segundo Max Horkheimer (1895-1973), “O avanço nas possibilidades técnicas inerentes ao Iluminismo faz-se acompanhar
de um processo de desumanização. Deste modo, o progresso ameaça reduzir a nada o próprio objetivo que
presuntivamente deveria realizar – a ideia de homem”.1
Não há um efetivo projeto de mudança no modo como os recursos naturais são explorados em proveito das pessoas e
dos lucros corporativos. Não obstante todos os apelos ecológicos e fundamentações científicas sobre a urgência para que se
modere a espoliação contra a natureza, a sanha por lucro e por relativas vantagens imediatistas torna o futuro da existência
na Terra incerto, pois é flagrante que as condições vitais estão cada vez mais próximas do colapso. De acordo com Fátima
Portilho, “O sistema econômico, ao atuar em função das necessidades de mercado, produz consequências negativas para a
organização da sociedade (na medida em que acaba com a solidariedade, o comunitarismo e o cooperativismo) e para o
funcionamento desses sistemas ecológicos (na medida em que submete a natureza ao ritmo da exploração capitalista).
Paralelamente, o cidadão é reduzido à esfera do consumo, já que consumir torna-se sinônimo de participador da esfera
pública. Em lugar do cidadão forma-se um consumidor, que aceita ser chamado de cliente e usuário e aceita ser cobrado por
uma espécie de obrigação moral e cívica de consumir”.2
Considero que é impossível otimismo diante de tal situação calamitosa, pois há muito mais intenções de mudança do
que efetivas ações concretas que solucionem problemas ambientais, conforme podemos constatar mediante os fracassos
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das deliberações diplomáticas, sem que haja nenhum consenso razoável entre os mandatários sobre medidas e cazes na
tentativa de se frear a devastação da biosfera. O sucesso econômico das corporações industriais é inversamente
proporcional à destruição impiedosa do meio ambiente, e mesmo quando empresas fazem campanha de publicidade
proclamando que seguem rigorosamente agendas ecológicas, nada mais fazem do que cumprir um dever moral para com a
sociedade e a natureza que, incautamente violada, prejudica em curto prazo a própria manutenção do bem-estar do ser
humano. A mercadologia é tão criativa que é capaz de conseguir agregar valor aos produtos que pretensamente são
elaborados conforme preceitos sustentáveis, o que, em verdade, é uma obrigação de qualquer empresa. Nesse ponto da
argumentação, cabe uma crítica ao conceito indiscriminadamente apregoado de “desenvolvimento sustentável”, ideologia
que pressupõe a possibilidade de se conciliar a produtividade capitalista com disposições ecológicas.
Todo desenvolvimento material pressupõe a violação da natureza, e apesar da arrogância tecnocrática que postula
conseguir estabelecer o equilíbrio entre exploração e preservação da natureza, essa harmonia não se efetiva, tornando-se
antes um fetiche para o engrandecimento das marcas. Segundo Plauto Faraco de Azevedo, “Sendo impossível retirar da
legislação ambiental a expressão desenvolvimento, deve-se, do ponto de vista da hermenêutica jurídica, entendê-la como
utilização sustentável dos recursos ambientais. Na verdade, aquela expressão serve a necessidades ideológicas do
capitalismo predatório, servindo-se de uma concepção presunçosa e onipotente da ciência, que julga poder recriar a
natureza, sempre que agredida”.3
A consciência ecológica consegue estimular em
pessoas e em ações corporativas a paulatina mudança
na gestão dos recursos naturais, contudo é necessário
que se faça ainda mais, em nome da salvação das
formas de vida da Terra. Infelizmente as ações
predatórias sobre o meio são hegemônicas tanto
mediante ações individuais como de corporações, com a
devida anuência dos países que não pretendem de
maneira alguma frear a produção nacional, garantia de
crescimento econômico. Talvez por isso se vislumbre
tanto investigar condições de possibilidade de existência
de formas de vida noutros planetas, pois a lógica
predatória em relação aos recursos da Terra se
perpetua como a tônica das ações exploratórias do
homem sobre a natureza.
Em pertinente argumentação, Jonathan Crary
(1951) aponta que “Há uma ilusão difundida de que,
quanto mais a biosfera terrestre é aniquilada ou Deve haver um equilíbrio entre progresso social, sustentabilidade
ambiental e economia
irreparavelmente dani cada, os seres humanos podem
magicamente se dissociar dela e transferir suas
interdependências à mecanosfera do capitalismo global. Quanto mais nos identi camos com os substitutivos eletrônicos
virtuais do eu físico, mais parecemos simular nossa desobrigação do biocídio em curso por todo o planeta. Ao mesmo
tempo, nos tornamos assustadoramente indiferentes à fragilidade e à transitoriedade das coisas vivas reais”.4
A MERCADOLOGIA AGREGA VALOR AOS PRODUTOS QUE PRETENSAMENTE
SÃO ELABORADOS CONFORME PRECEITOS SUSTENTÁVEIS, O QUE, EM
VERDADE, É UMA OBRIGAÇÃO DE QUALQUER EMPRESA
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A consciência ecológica pressupõe a integração
harmoniosa entre ambas as instâncias, mas creio que na
atual conjuntura de produtividade industrial em vigor tal
disposição beatí ca jamais possa ser aplicada em termos
efetivamente amplos, pois a formação civilizacional da
condição humana é caracterizada, em menor ou maior
intensidade, pela dominação sobre a natureza. Para Sergio
Tavolaro, “O caminhar em direção ao ecocentrismo se
completa no momento em que, atribuindo-se voz ativa à
natureza, passa-se a pensar o mundo como um grande
sistema de relações de seres cuja existência conjunta
garante a continuidade das possibilidades de reprodução da
totalidade desse sistema”.5
Se ao menos o homem desenvolvesse a consciência de
que, ao modi car a natureza, ele simultaneamente modifica a
si mesmo, estabelecendo as bases fundamentais do
metabolismo entre homem e meio ambiente, quiçá haveria
maior responsabilidade humana na sua intervenção contínua
sobre a estrutura material da natureza. Segundo Karel Kosík
(1926-2003), “Pelo simples fato de existir, o homem se
coloca em relação com o mundo e esta sua relação subsiste
antes mesmo que ele passe a considerá-la e dele faça objeto
de investigações, e antes mesmo que a con rme ou a negue
prática ou intelectualmente”.6
O estado do planeta Terra está ameaçado. Já é tempo de
A formação civilizacional que impera pressupõe que
medidas que não sejam apenas paliativas, já é tempo de
tudo é dado ao homem para sua plena exploração, e quando
virar a página de um paradigma obsoleto
a consciência ambiental nalmente manifestou seu clamor
perante a barbárie humana em sua violência irrefreada contra a natureza, estragos irreversíveis já haviam se efetivado,
cabendo apenas estancar os efeitos destrutivos desses males. Conforme argumenta István Mészáros (1930), “O êxito do
capital consiste apenas em postergar o momento em que se tornará uma necessidade inevitável enfrentar os graves
problemas de seu sistema, que até o momento continuam a se acumular”.7
A crise ambiental está diretamente vinculada ao consumismo,
pois para satisfazer as demandas mercadológicas dos sujeitos, a
estrutura industrial disponibiliza diariamente novos produtos,
aplacando momentaneamente a sanha coletiva dos consumidores
pelas aquisições materiais, até o momento em que objetos “mais
avançados tecnologicamente” do que os anteriores são ofertados no
grande mercado. Para Gino Giacomini Filho, “O consumismo, mais
que uma desordem psicossocial, afeta o sistema ambiental na medida
em que se apoia na posse e na exploração incontida de espaços e
recursos finitos. Se fossem alocados todos os recursos para o
atendimento das necessidades humanas, que são infinitas, o colapso
ambiental seria irreversível”.8
A dita obsolescência programada retira do consumidor o senso
de responsabilidade ambiental no usufruto e descarte do produto,
pois este, facilmente reposto em versões cada vez mais
customizadas, é comumente despejado em espaços que não
conseguem absorver tamanha quantidade de lixo. Segundo André
Gorz (1923-2007), “A aceleração da obsolescência, que caminha
junto da diminuição da durabilidade dos produtos e da possibilidade
de repará-los, torna-se o instrumento decisivo para aumentar o
volume das vendas. Ela obriga as rmas a inventar continuamente
necessidades e novos desejos, a conferir às mercadorias um valor
simbólico, social, erótico; a difundir uma cultura do consumo que
enfatiza a individualização, a singularização, a rivalidade, a inveja”. 9
A questão do meio ambiente é mundial e é
necessário criar formas de proteção da natureza que
sejam planetárias
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Para o sujeito consumista, não há dúvida de que é
risível a proposta ecológica de que reaproveite ao
máximo os bens possuídos, evitando o desperdício
inconsequente e seu inerente descarte. As técnicas
de reciclagem exibem seus resultados positivos
tanto conforme os preceitos ecológicos de
reaproveitamento material para que se evite o
dispêndio desnecessário de recursos naturais, como
para
os
segmentos
econômicos
que
inteligentemente giram em torno desse sistema.
Para mentalidades tacanhas, o uso de produtos
reciclados é imputado como vulgar e de qualidade
inferior, de modo que tais pessoas preferem assim
manter um padrão de consumo calcado na pretensa
originalidade dos materiais, quando em verdade os
produtos que elas consomem não são singulares,
tal como acreditam, pois são feitos em escala A industrialização proporcionou o desenvolvimento econômico e
seriada e conforme planejamento extrínseco dos tecnológico das sociedades e também a criação de novos bens de
profissionais do ramo. A reciclagem dos produtos consumo
em novas con gurações não garante a plena
originalidade dos bens materiais que serão posteriormente disponibilizados no mercado, mas garante ao menos que os
prejuízos ambientais sejam razoavelmente atenuados, e qualquer pessoa dotada de consciência ecológica é capaz de viver
convenientemente com essa situação. Para Bernard Perret, “Não haverá consumo realmente cidadão enquanto o sistema
econômico como um todo não for ele próprio ‘cidadão’: a inovação verde em favor de produtos responsáveis só pode provir
de uma aliança entre produtores, contratos detalhados e intervenção reguladora por parte do Estado para encorajar os
comportamentos virtuosos”.10
A ESTRUTURA INDUSTRIAL DISPONIBILIZA DIARIAMENTE NOVOS PRODUTOS,
APLACANDO MOMENTANEAMENTE A SANHA COLETIVA DOS CONSUMIDORES PELAS
AQUISIÇÕES MATERIAIS
O DESENVOLVIMENTO sustentável proporciona um equilíbrio entre o ser humano, a natureza e a economia,
em que a geração atual pode usufruir o meio ambiente sem comprometer futuras gerações
TRANSPORTE, CONSUMO E DEGRADAÇÃO AMBIENTAL
Fontes alternativas de energia não são utilizadas em escala maciça em decorrência de pressões corporativas das
indústrias petrolíferas que dependem da exploração das reservas para que possam sobreviver por mais tempo apesar de
todas as evidências ecológicas de que os resíduos desses combustíveis fósseis são causadores de diversos problemas
ambientais e sanitários. Nesse contexto, cabe tratarmos brevemente da questão do automóvel, mais precisamente o carro,
e de que maneira seu fetiche é mantenedor dos problemas estruturais dos grandes centros urbanos.
A indústria automobilística é uma das principais movimentadoras da economia mundial, e comumente se considera que
ela favorece a empregabilidade de milhões de trabalhadores, justificando assim sua manutenção como instância promotora
do progresso social, não obstante os efeitos prejudiciais ocasionados pelo excesso de veículos automotores nas cidades do
mundo. O carro é a realização do sonho da privatização da vida humana alheia a todo contato desagradável, apesar de que
essa liberdade é afetada todos os dias pelos engarrafamentos, assaltos, acidentes de trânsito e outras tantas situações
inconvenientes.
Segundo André Gorz, “O sistema automobilístico de massa materializa um triunfo absoluto da ideologia burguesa no
nível da prática cotidiana: ele funda e mantém em cada um a crença ilusória de que cada indivíduo pode prevalecer e ter
vantagens à custa de todos. O egoísmo agressivo e cruel do motorista que, a cada minuto, assassina simbolicamente os
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outros identificados por ele apenas como incômodos materiais e obstáculos à velocidade”.1 Nas cidades que sofrem do
problema da mobilidade urbana, se talvez os transportes públicos apresentassem maior qualidade e mais eficiência os
cidadãos optariam por utilizar o carro apenas em situações excepcionais, o que certamente seria benéfico para o meio
ambiente local. Contudo, onde o caos urbano impera e o transporte alternativo não é incentivado convenientemente pelo
poder político, a tendência é que cada pessoa capaz de possuir seu automóvel privado continue nesse procedimento
autocentrado, contribuindo, assim para a perpetuação da degradação ambiental.
Nas cidades que sofrem do problema da mobilidade urbana, se talvez os transportes públicos apresentassem maior
qualidade e mais eficiência os cidadãos optariam por utilizar o carro apenas em situações excepcionais, o que certamente
seria benéfico para o meio ambiente local. Contudo, onde o caos urbano impera e o transporte alternativo não é
incentivado convenientemente pelo poder político, a tendência é que cada pessoa capaz de possuir seu automóvel privado
continue nesse procedimento autocentrado, contribuindo, assim para a perpetuação da degradação ambiental.
1 GORZ, 2010, pág. 46
Se a economia depende da produção contínua para
que se mantenha a estabilidade
nanceira do
mundo, urge que se modi que a gestão econômica
em vigor, e não que toda a ordem da natureza se
submeta ao crivo totalitário do poder econômico.
Cabe então a criação de uma nova forma de gestão
da natureza e de seus recursos, circunstância que
criará, por conseguinte, uma modi cação das
relações sociais do homem e de sua própria
consciência existencial. Essa possibilidade é descrita
por Serge Latouche (1940) como “decrescimento
sereno”, que se fundamenta como um contraponto
ao industrialismo em vigor: “Nossa concepção da
sociedade do decrescimento não é nem um
impossível
retorno
para
trás
nem
um
acomodamento ao capitalismo. É uma superação
(se
possível,
em
boa
ordem)
da
A industrialização proporcionou o desenvolvimento econômico e
tecnológico das sociedades e também a criação de novos bens de
modernidade”.11 Com efeito, não queremos viver
consumo
em uma organização civilizacional avessa a todo
avanço técnico que capacite o aprimoramento da
vida humana em sua interface necessária com o meio ambiente, tampouco a chancela da exploração indiscriminada dos
recursos naturais, ação predatória que só bene cia os interesses corporativos.
O que está em jogo no grande momento da crise ambiental é a
formação de um novo modelo de intervenção na natureza em
vista da satisfação das necessidades humanas fundamentais,
pois obviamente é impossível vivermos plenamente sem nela
realizarmos modi cações conforme nossa conveniência. A
aplicação do decrescimento sereno, além de exigir um vigoroso
projeto de atenuação dos estragos predatórios sobre a
natureza em vista da satisfação do desenvolvimentismo
produtivo-industrial,
considera
que
essa
violência
institucionalizada somente viria a ser suprimida no decorrer das
gerações vindouras não apenas mediante a aplicação de
técnicas exploratórias menos impactantes sobre o meio
ambiente, mas, sim, por meio da quebra do modelo ideológico
vigente na sociedade de consumo, que pressupõe a satisfação
plena dos desejos humanos mediante a oferta desenfreada de
bens materiais.
Organizando-se a fonte desiderativa do sujeito e seus apelos
por posse e gozo contínuo das coisas, a própria organização
A industrialização proporcionou o desenvolvimento
econômica da civilização tecnocrática se modi caria, pois não
econômico e tecnológico das sociedades e também a
haveria mais determinações massivas para a perpetuação do
criação de novos bens de consumo
produtivismo cego. Eis assim a importância da educação
sociopolítica para o consumo, pois todo sujeito é responsável por aquilo que adquire em suas transações mercadológicas,
ajudando, assim, a perpetuar o modo de produção vigente, pautado na compra e no posterior descarte da coisa que não
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serve mais. A questão então não consiste na renúncia ao ato de compra de produtos desenvolvidos em condições
desfavoráveis ao desenvolvimento sustentável, produtos esses que também adquirem caracteres fetichistas nas atuais
relações de produção, mas, sim, a quebra da própria lógica das marcas e sua magia agregadora de desejos e sonhos de
consumo.
1 HORKHEIMER, 2015, pág. 6
2 PORTILHO, 2005, pág. 184
3 AZEVEDO, 2008, pág. 126
4 CRARY, 2014, pág. 110
5 TAVOLARO, 2001, pág. 217
6 KOSÍK, 1976, pág. 216
7 MÉSZÁROS, 2007, pág. 76
8 GIACOMINI FILHO, 2008, pág. 18
9 GORZ, 2010, pág. 22
10 PERRET, 2011, pág. 38
11 LATOUCHE, 2009, pág. 129
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, Plauto Faraco de. Ecocivilização: Ambiente e Direito no limiar da vida. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais,
2008.
CRARY, Jonathan. 24/7 – Capitalismo tardio e os fins do sono. Trad. de Joaquim Toledo Jr. São Paulo: Cosac e Naify, 2014.
GIACOMINI FILHO, Gino. Meio ambiente e consumismo. São Paulo: Ed. SENAC-São Paulo, 2008.
GORZ, André. Ecológica. Trad. de Celso Azzan Jr. São Paulo: Annablume, 2010.
HORKHEIMER, Max. O eclipse da razão. Trad. de João Tiago Proença. Lisboa: Antígona, 2015.
KOSÍK, Karel. Dialética do Concreto. Trad. de Célia Nunes e Alderico Taríbio. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
LATOUCHE, Serge. Pequeno tratado do decrescimento sereno. Trad. de Claudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
MÉSZÁROS, István. O desafio e o fardo do tempo histórico: o socialismo no século XXI. Trad. de Ana Cotrim e Vera Cotrim.
São Paulo: Boitempo, 2007.
PERRET, Bernard. O capitalismo é sustentável? Trad. de Luiz Paulo Rouanet. São Paulo: Loyola, 2011.
PORTILHO, Fátima. Sustentabilidade ambiental, consumo e cidadania. São Paulo: Cortez, 2005.
TAVOLARO, Sergio Barreira de Faria. Movimento ambientalista e modernidade: sociabilidade, risco e moral. São Paulo:
Annablume/FAPESP, 2001.
RENATO NUNES BITTENCOURT é Doutor em Filosofia pela PPGF-UFRJ. Professor na FACC-UFRJ e mantém grupos no Facebook
de discussões e trocas de textos sobre filosofia. Revista FILOSOFIA, Fevereiro de 2016.
Mudar para proteger
(ROSELY SAYÃO)
VOCÊ tem filha, neta, sobrinha, independentemente da idade, caro leitor? Imagine que ela, crescida, jovem ou adulta,
sofra assédio sexual, violência do namorado, marido, ou até mesmo de garotos que ela recusa nas baladas, ou que seja
estuprada por conhecidos da escola, do trabalho ou do bairro. Terrível, não é?
Imagine também, por mais que isso doa, que ela tenha passado no vestibular e que agora, época de trotes, seja
humilhada por colegas veteranos pelo simples fato de ser mulher, principalmente se ela escolheu algum curso que ainda
seja considerado reduto masculino. E que, durante a faculdade, sofra assédio, violência sexual, e até abuso e estupro, e que
fique sem apoio e defesa por parte da instituição que frequenta, mesmo fazendo denúncias do que passou.
No Brasil, a cada 11 minutos uma pessoa é vítima de estupro, a maioria mulheres, segundo dados coletados pelo
Fórum Brasileiro de Segurança Pública relativos a 2014. Ainda assim, parece que esses dados são subestimados, já que não
é toda vítima que faz a denúncia formal do que sofreu. Já tivemos notícias de abusos contra mulheres ocorridos em
universidades, inclusive nas mais reconhecidas, mas não de programas universitários que contemplem essa questão de
modo educativo e formativo com o alunado jovem.
Você tem filho, sobrinho, neto, caro leitor? Imagine que ele possa praticar qualquer um desses crimes acima citados
contra mulheres. Terrível, não é? A maioria dos meninos logo aprende que deve ser valente, mas temos confundido valente
com violento ao criá-los.
Por esses motivos, e para tornar a sociedade mais acolhedora e amigável para todos, precisamos encarar a educação
praticada com meninos e meninas, desde o início da vida deles, tanto em família quanto na escola. Sim: meninas e meninos
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são diferentes e, por isso, precisamos educá-los de modos diferentes. Entretanto, temos cometido muitos equívocos nesse
sentido. Primeiro passo: reconhecer que vivemos, em pleno século 21, numa sociedade tremendamente machista. Isso
significa uma superioridade do homem sobre a mulher. Mulheres recebem salários menores do que homens pelo mesmo
trabalho, poucas alcançam cargos de destaque nas empresas, e não por falta de competência e compromisso. Mulheres e
homens são diferentes, mas devem ter direitos iguais, não é? Chamamos isso de equidade.
Reconhecida a realidade, precisamos de estratégias para mudar essa situação, e é bem mais fácil e sensato começar
isso com as novas gerações, mudando conceitos e preconceitos para educá-los melhor. A escola é cheia de ensinamentos
machistas, sabia? Não é segredo, por exemplo, que muitas delas consideram os meninos mais aptos para o aprendizado de
matemática do que as meninas. Se hoje, de um modo geral, as meninas apresentam um resultado inferior ao dos meninos
nessa disciplina, a raiz é a pouca confiança que elas aprendem a ter ao estudar a matemática.
Ao mesmo tempo, as escolas não têm programas de educação que ensinem aos mais novos que diferença não é
superioridade ou inferioridade em relação a meninas e meninos, e outras questões semelhantes. Para proteger as gerações
mais novas de sofrer ou cometer abusos, precisamos mudar a maneira de educá-los.
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e articulista do programa “Seus Filhos” da Rádio BandNews FM, fala sobre
as principais dificuldades vividas pela família e pela escola no ato de educar e dialoga sobre o dia-a-dia dessa relação. Jornal
FOLHA DE SÃO PAULO, Fevereiro de 2016.
O poder da nova meditação (FABÍOLA PEREZ e CAMILA BRANDALISE)
No momento em que cada vez mais pessoas vivem sob pressão e estresse constantes, ganha força no Brasil o
Mindfulness, técnica criada nas universidades, que pode ser praticada em casa e até no trabalho e auxilia em
tratamentos de saúde
HARMONIA - A meditação pauta a vida da apresentadora Fernanda Lima: ''Minha prioridade
é olhar o céu, o sol, pisar na areia, ficar com meus filhos. Depois vem todo o resto''
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VOCÊ já lavou a louça prestando atenção somente no movimento das mãos? Ou tomou banho experimentando a
sensação do sabonete ao tocar sua pele? Caminhou sentindo os pés pisarem no solo? A grande maioria das pessoas
certamente responderia não a essas questões – e provavelmente as achariam tolas. Em um mundo cada vez mais acelerado,
que exige respostas instantâneas, e onde ninguém tem tempo para nada, práticas cotidianas como as citadas acima são
feitas no “piloto automático”. Em contrapartida, médicos e psicólogos confirmam que nunca houve tanta gente sofrendo de
estresse, ansiedade e depressão. Número que cresce de forma assustadora, à medida que o mundo acelera, as demandas
aumentam e o dia continua com as mesmas e insuficientes 24 horas.
Com isso, estar atento ao momento presente se tornou quase impossível. Em busca de aliviar o estresse opressivo ou
até não entrar em colapso, cada vez mais pessoas têm lançado mão da meditação. Mas de um novo tipo, diferente daquela
associada a denominações religiosas, praticada em ambientes imaculados e tranquilos. Nascido em prestigiosas
universidades dos Estados Unidos e da Europa, o Mindfulness, chamado também de consciência ou atenção plena, está
causando uma revolução no jeito de se meditar. Por meio de exercícios de respiração e concentração, a técnica ajuda a
combater os males da nossa época de uma forma simples e pode ser adotada em todas as ações do cotidiano. Além disso,
pesquisadores confirmam seus efeitos positivos à saúde. Já famoso internacionalmente, o Mindfulness ganhou força no
Brasil e começa a ser estudado e aplicado em universidades, consultórios e também no Sistema Único de Saúde (SUS).
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Ao contrário das meditações que exigem posições específicas, o Mindfulness tem como objetivo estimular o cérebro a
perceber os movimentos do corpo e as sensações em qualquer situação. A apresentadora Fernanda Lima, 38 anos, medita
há 16, desde que começou a praticar ioga. O dia a dia corrido não a impede de meditar. Ela conta que antes de dormir, tira
o travesseiro da cama, fica com o corpo reto e faz os exercícios de respiração. Essa é uma das técnicas mais utilizadas pelo
Mindfulness. Trata-se do “escaneamento corporal”, quando uma pessoa fica na posição horizontal e é estimulada a sentir
todas as partes do corpo por meio da mente e da respiração. Segundo ela, os brasileiros precisam desmistificar a meditação.
“Tento explicar que o objetivo é entrar em contato com os pensamentos, manter a respiração e organizar pensamentos por
prioridades.” Fernanda também adotou o hábito de meditar pela manhã, antes de começar suas atividades. “Comprei um
banquinho e fico respirando por 10 minutos, depois disso me sinto renovada.”
As pesquisas sobre Mindfulness começaram em 1979, na Universidade de Massachussets, nos Estados Unidos. O
médico Jon Kabat-Zinn desenvolveu um programa para reduzir o estresse baseado na prática. O método também foi
estudado na Universidade de Oxford, na Inglaterra. “Foi o avanço científico que permitiu o boom que estamos vendo hoje”,
afirma o psicólogo clínico Marcelo Batista de Oliveira, do Centro Paulista de Mindfulness. Aos poucos, conforme os estudos
avançavam, os especialistas percebiam que esse tipo de meditação, que surgiu no meio acadêmico e era desvinculado de
qualquer religião, conseguia reduzir os níveis de estresse e ansiedade dos pacientes. O segredo era colocar na rotina
práticas diárias para exercitar o “estar presente”. Pioneira nos estudos dos benefícios do Mindfulness no cérebro, a
neurocientista norte-americana Sara Lazar detectou, em 2005, que o córtex pré-frontal – a área do cérebro responsável pela
concentração, memória e tomada de decisões – era mais estimulada no grupo de pessoas que faziam meditação. Em 2011,
um segundo estudo revelou que as práticas meditativas provocam um aumento de volume em regiões da mente
relacionadas à regulação emocional, à empatia e à cognição. Logo, o método avançou para outros países e chegou ao Brasil
em 2006. Um dos primeiros nomes a investigar os efeitos do Mindfulness aplicado à saúde foi a neurocientista Elisa Kozasa,
pesquisadora do Hospital Israelita Albert Einstein. “Hoje existem diferentes estudos para redução de estresse, ansiedade,
dor crônica e prevenção de recaídas para usuários de drogas”, diz ela.
Com isso, a nova meditação
também ganhou força como
técnica
integrativa
aos
tratamentos
de
saúde
convencionais. Desde setembro
de 2015, as práticas de
Mindfulness começaram a ser
oferecidas pelo programa de
extensão da Universidade Federal
de São Paulo, em parceria com o
SUS, no Centro Brasileiro de
Mindfulnes e Promoção da
Saúde. O coordenador do
programa, Marcelo Demarzo
explica que a principal aplicação
da técnica é prevenir recaídas em
casos de ansiedade, dor crônica
e
depressão.
“As
práticas
diminuem em até 50% a chance
de voltar a sentir esses males”,
diz. “A pessoa se coloca como
observador de si mesmo e faz
uma espécie de desintoxicação
do
pensamento.”
Funciona
assim: as Unidades Básicas de
Saúde enviam pacientes para
fazer exercícios da prática. Eles
passam por uma análise inicial,
na qual é avaliado o grau de
ansiedade, o estilo de vida e o
uso de medicamentos. Com isso,
eles podem ou não começar o
curso de oito sessões.
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A psicóloga Malu Favarato, 51 anos, conheceu o Mindfulness no ano passado. Ela trabalha como voluntária na triagem
de pacientes para o curso. “Para quebrar a rotina de estresse e sair do piloto automático faço algumas práticas por 20
minutos”, diz ela. “No começo era mais difícil, hoje me concentro na respiração com mais facilidade, levo a atenção para
onde tenho dores.” A irmã e artista plástica, Milene, de 46 anos, tem transtorno bipolar e crises de depressão. Com a ajuda
de Malu, fez o curso em outubro. “Em 2014, fui diagnosticada com artrose cervical, tomava antidepressivo, estabilizador de
ânimo e ansiolítico”, afirma. Hoje a medicação já foi reduzida pela metade. “Mudou meu estilo de vida”, diz. A pesquisadora
da Unifesp, Isabel Weiss, explica que esse é o objetivo da técnica. “São exercícios de respiração para acalmar. Os pacientes
conhecem suas necessidades por meio do próprio corpo.”
No Brasil, Isabel foi a primeira a estudar os efeitos do Mindfulness para a prevenção de recaídas em usuários de drogas
e fumantes. Nesses casos, foram desenvolvidas práticas específicas como o exercício “surfando na fissura”, no qual o
usuário é conduzido a uma situação de desconforto e aprende a lidar com a onda de emoções do momento até passar.
“Tendemos a reagir negativamente sempre”, diz. Atraída pelas práticas de atenção plena, a dermatologista Carolina Marçon
fez o curso da Unifesp em novembro. “Nossas reações ocorrem baseadas na memória que temos de um fato e não no fato
em si”, afirma. “Essas técnicas nos ancoram no momento presente.” Para ela, a meditação ajudou a tomar decisões sem
uma carga emocional tão elevada, a ter mais discernimento e clareza. Hoje, recomenda o Mindfulness em seu consultório
para ampliar os efeitos do tratamento convencional. “A pele está totalmente ligada às questões emocionais e ao sistema
nervoso”, afirma. Nos EUA, existem casos de pacientes com psoríase que responderam melhor ao tratamento com a
meditação. O Mindfulness também está sendo adotada no universo corporativo. “Para garantir a qualidade de vida, prevenir
o burnout (ponto máximo de estresse) e desenvolver estratégias de liderança, a meditação é muito eficiente”, diz Demarzo,
da Unifesp. Embora ainda precise ser mais difundido, o método praticado nas empresas, e mais disseminado entre
profissionais da saúde, ajuda a desenvolver habilidades cognitivas importantes. Com um dia corrido, que exige ir de uma
academia à outra para dar aulas, a personal trainer e professora de fitness Lara Magnet Dias, 41 anos, conta que a rotina de
trabalho sempre lhe gerou ansiedade. “Me cobrava muito”, diz. Ao conhecer o Mindfulness, a maneira de lidar com a rotina
mudou. “O meu dia é tão agitado quanto antes, mas lido de maneira diferente, com menos cobrança”, afirma. Lara também
conta que dá mais valor aos momentos em que está com a filha, Isabela, de 2 anos.
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Para o relações públicas Mateus Furlanetto, 37 anos, conhecer o método também ajudou no trabalho, mas ele aponta
outro viés. “O que mais senti foi que consegui tirar de mim o sentimento de culpa por não estar fazendo e produzindo mil
coisas”, diz. “Também acredito que hoje consigo dar uma dimensão real aos problemas, sem ampliá-los.” Para a empresária
Fernanda Prando Godoy, 47 anos, meditar é tão essencial que ela tira um tempo no próprio escritório para a prática. “Sou
uma pessoa ansiosa, lido com prazos e com pressão. Tento meditar duas vezes por dia, por 30 minutos.” Mas a experiência,
claro, teve reflexos além da área profissional. “Hoje presto mais atenção na comida, coisa que nunca tinha feito. Noto a cor,
o cheiro.” O bom da técnica é que não são necessários cursos dispendiosos e demorados para aprendê-la. Há uma série de
aplicativos bastante didáticos disponíveis (leia ao lado).
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Por ter nascido em universidades e longe de um contexto religioso, o Mindfulness não impõem condições aos novos
adeptos da prática. Não há contra-indicação e a experiência, dizem os especialistas e praticantes, é única e individual. Os
benefícios surgem quando menos se espera. “Percebi o efeito da prática num dia que tive uma discussão com um cliente
por telefone. Eu desliguei e o problema foi desligado junto. Em outros tempos, ficaria ruminando aquela situação por horas”,
diz a empresária Fernanda Godoy. Ainda que as práticas de meditação sejam inúmeras e existam há milhares de anos,
entender os mecanismos de como elas funcionam, a partir do espectro neurocientífico, é o que tem feito a nova meditação
prosperar. “A ciência do Mindfulness avançou de uma tradição misteriosa para uma prática secular, benéfica e tão simples
quanto escovar os dentes pela manhã”, afirma a neurocientista Claudia Aguirre, do aplicativo Headspace.
FABÍOLA PEREZ e CAMILA BRANDALISE são Jornalistas e escrevem para esta publicação. Foto: Ale de Souza, João
Castellano/Istoé; Airam Abel, Airam Abel; João Castellano/Istoé. Revista ISTO É, Fevereiro de 2016.
Como garantir a nova licença-paternidade (LUDMILLA AMARAL e CAMILA BRANDALISE)
Um grande avanço nas relações familiares, extensão do período para 20 dias precisa do comprometimento dos
empregadores
A PEQUENA Maitê pode nascer a qualquer momento. Fruto do relacionamento do advogado Thomas Ampessan, 27, e
da dentista Karina Sayad, 27, ela virá ao mundo ainda em fevereiro e com a sorte que poucas crianças recém-nascidas têm
no Brasil: ser cuidada pelo pai e pela mãe juntos em tempo integral durante os primeiros 30 dias de vida. O escritório
Souza, Schneider, Pugliese e Sztokfisz Advogados, onde Ampessan trabalha, em Brasília, ampliou a licença-paternidade de
seus funcionários para 30 dias em 2014. Thomas é o primeiro a utilizar o benefício. “Eu estarei inteiramente voltado à Karina
e à Maitê”, diz. A boa notícia é que em breve, assim como essa família brasiliense, muitos brasileiros terão o direito de
exercer a paternidade de forma integral no começo da vida de seus filhos. No início do mês, o Senado aprovou o projeto
que institui o marco legal da primeira infância que, entre as novas regras, determina que as empresas ampliem de 5 para 20
dias a duração da licença-paternidade. Para que passe a valer, a presidente Dilma Rousseff ainda precisa sancionar.
Também será necessário que as empresas respeitem a regra e não pratiquem sanções veladas aos funcionários ‘grávidos’,
tal qual acontece com muitas mulheres gestantes ou em idade para engravidar em diversas organizações do País.
BENEFÍCIO - Thomas Ampessan acaricia sua mulher Karina, grávida de Maitê:
a empresa já lhe dá 30 dias de licença
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A licença-paternidade de 20 dias só valerá para as empresas que aderirem ao Programa Empresa Cidadã. Esse é um
grande avanço para o País, que mesmo tendo sido um dos pioneiros a tornar lei a licença-paternidade em 1943, ainda
oferecia apenas cinco dias para os homens. Um estudo realizado pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, instituição que
promove pesquisas e projetos relacionados à primeira infância, revelou que o benefício promove um maior envolvimento dos
pais no cuidado dos filhos, que se estende para além do período e tem reflexos importantes na vida das crianças. “A ligação
do pai e da mãe nos seis primeiros anos do bebê é fundamental para que a criança cresça com segurança e estrutura”, diz
Eduardo Marino, gerente de Conhecimento Aplicado da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal.
Os avanços no direito de família do País se intensificaram quando a guarda compartilhada se tornou a primeira opção
no caso de separação do casal, o que se tornou regra em 2014. Mas nesse caso o progresso ainda é prejudicado por alguns
juízes, que optam por deixar a criança apenas com a mãe. Por esse risco não passará a licença-paternidade, acredita
Analdino Rodrigues Paulino, presidente da ONG Apase, e um dos maiores críticos de como o judiciário trata a guarda
compartilhada. “A licença-paternidade não depende da interferência do judiciário, que aqui no Brasil acha que também é
legislador”, diz Paulino.
RELAÇÃO - Estar presente no início tem reflexos importantes na vida da criança.
A ligação do pai é fundamental para que ela cresça com segurança
A ampliação do benefício para os pais também é um passo importante para uma possível igualdade de gênero no Brasil, já
que pode diminuir a diferença entre homens e mulheres no mercado de trabalho e mudar o comportamento das famílias
quanto à divisão de tarefas domésticas. “Esse projeto é fruto de uma mudança de mentalidade e cultura, em que o pai é
uma parte fundamental na vida da família e da criança”, afirma a psicóloga Andreia Calçado.
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LUDMILLA AMARAL e CAMILA BRANDALISE são Jornalistas e escrevem para esta publicação. Fotos: BETO BARATA; Ruslan
Dashinsky. Revista ISTO É, Fevereiro de 2016.
Comunista e traidor
(CONTARDO CALLIGARIS)
CRESCI militando na esquerda. E sempre escutava o mesmo bordão: "Por que você não vai para a Rússia ou para a
Bulgária (que era mais pobre ainda) ver o que é bom para a tosse?". Eu sabia que detestaria viver em qualquer país do
outro lado da Cortina de Ferro. Já tinha viajado por aquelas bandas, várias vezes. E juntara um catálogo de experiências
que era suficiente para preferir a Itália –mesmo com a dita Democracia Cristã, a injustiça e a breguice dos emergentes do
"milagre" do pós-guerra.
Melhor aquela Itália do que a Bulgária do começo dos anos 1960, em que uma menina tinha pedido para que eu lhe
mostrasse uma coisa que ela não tinha, sonhava em ter e achava que nunca teria –nenhuma alusão ao órgão sexual: o que
ela queria ver era meu passaporte. No dia seguinte, no saguão do hotel, em Sófia, ela foi embora entre dois agentes que
pareciam desenhados pela Marvel para assustar. De longe, ela me fez um sinal para não me preocupar. Essa história me dói
ainda hoje. Onde está James Bond quando a gente precisa dele?
Em suma, eu queria que a Itália inventasse "seu" socialismo; não tinha a menor vontade de que o país atravessasse a
Cortina de Ferro. E, se fosse mesmo para dividir o mundo em dois blocos, cada um com seus países satélites, preferiria que
fôssemos um satélite dos Estados Unidos. Tanto faz. O que importa é que, naquelas primeiras décadas depois da Segunda
Guerra, falar sobre projetos de sociedade se tornou quase impossível.
Pensei nisso, intensamente, assistindo a "Trumbo: Lista Negra", de Jay Roach. Bryan Cranston (o protagonista de
"Breaking Bad") é Dalton Trumbo, talvez o melhor roteirista de Hollywood no fim dos anos 1940. A história é verdadeira:
Trumbo e mais nove (quase todos roteiristas) foram investigados pelo Congresso dos Estados Unidos por terem sido ou
serem comunistas ou socialistas. Como eles não cooperaram com a comissão do Congresso (uma espécie de CPI), eles
foram presos por um ano.
Durante mais de uma década, a indústria de Hollywood colocou 300 roteiristas, atores, músicos, diretores (Charlie
Chaplin e Orson Welles entre eles) numa lista negra de pessoas impedidas de trabalhar: o filme que os empregasse seria
boicotado por uma associação de figuras sinistras, entre as quais se destacava John Wayne. A perseguição acabou quando
os "Studios" de Hollywood (começando por um grande ator e um grande diretor) decidiram não aceitar mais a chantagem
da denúncia por "antiamericanismo".
Agora, a força dessa chantagem na opinião pública não tinha muito a ver com algum horror que inspirariam as ideias
socialistas (a maioria dos cidadãos as ignorava totalmente). Acontece que a Guerra Fria tinha conseguido impedir qualquer
debate de ideias, porque transformara uma divergência de opinião num crime de traição. Você é comunista? Você é um
agente soviético. Você é liberal? Você é um agente dos EUA. Saí de "Trumbo" pensando três coisas: primeiro, que a
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coragem é sempre admirável – no caso, a coragem de não se desmentir. Segundo, que é incrível que, hoje, Bernie Sanders,
um candidato viável à presidência dos EUA, possa se declarar socialista, apresentar suas ideias e não ser acusado de
traição. O fim da Guerra Fria serviu para alguma coisa.
Terceiro, que talvez Stálin tivesse razão. Essa vou ter que explicar. Depois da morte de Lênin, em 1924, Trótski
pensava que a revolução soviética deveria incentivar outras revoluções socialistas mundo afora (deu, como exemplo, Che
Guevara e Régis Debray na Bolívia etc.), porque o comunismo só seria viável se o mundo inteiro fosse comunista. Stálin, ao
contrário, achava possível construir o socialismo num só país. Trótski foi derrotado, exilado e, mais tarde, em 1940,
assassinado (sobre essa história, leia o lindo livro de Leonardo Padura, "O Homem que Amava os Cachorros", lançado pela
Boitempo).
Mas, em sua grande maioria, a esquerda internacional pensou que Stálin trocava a esperança revolucionária de todos
os povos pela constituição de uma burocracia nacional tacanha. Claro, Stálin era detestável, mas, sem o espantalho do
sonho internacional trotskista, quiçá tivesse sido possível, nas décadas passadas, pelo vasto mundo, ser socialista ou
comunista discutindo ideias, sem ser demonizado como traidor da pátria. Aqui no Brasil, por exemplo, sem ouvir: se você
não gosta do país, "ame-o ou deixe-o".
CONTARDO CALLIGARIS é psicanalista, doutor em psicologia clínica e escritor. Ensinou Estudos Culturais na New School de NY
e foi professor de antropologia médica na Universidade da Califórnia em Berkeley. Reflete sobre cultura, modernidade e as
aventuras do espírito contemporâneo (patológicas e ordinárias). Jornal FOLHA DE SÃO PAULO, Fevereiro de 2016.
Revalidação de diplomas médicos no Brasil
(HENRY DE HOLANDA CAMPOS, ANA
ESTELA HADDAD, CLAUDIA MAFFINI GRIBOSKI)
ESTABELECER um processo isonômico e reconhecido pela academia e pelas entidades médicas foi o que norteou a
criação do Exame Nacional de Revalidação dos Diplomas Médicos expedidos por Instituições de Educação Superior (IES)
estrangeiras (Revalida). A iniciativa tem a colaboração dos Ministérios da Educação, da Saúde, das Relações Exteriores e das
IES públicas brasileiras.
As Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Medicina (DCNM, 2001) foram um marco na
organização curricular no Brasil, seguindo experiências semelhantes de organismos internacionais como General Medical
Council, World Federation of Medical Schools, Association for Medical Education in Europe e Accreditation Council for
Graduate Medical Education (EUA). As novas DCNM e o Programa Mais Médicos enfatizam o estágio obrigatório na atenção
básica no Sistema Único de Saude (SUS) e a avaliação específica do estudante do curso de graduação em medicina, a cada
dois anos, com instrumentos e métodos que verifiquem conhecimentos, habilidades e atitudes. As DCNM foram
determinantes para a revisão do papel das escolas médicas na consolidação do SUS. O inegável avanço na articulação entre
os Ministérios da Educação e da Saúde para regular, avaliar, supervisionar e qualificar a formação dos profissionais de saúde
traduz-se na criação de políticas de Estado (Pró-Saúde, Pet-Saúde e Pró-Residência).
O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior e a Comissão Interministerial de Gestão da Educação na Saúde
denotaram a decisão política de investir na formação dos profissionais de saúde. Vencidos os desafios de despolitizar o tema
e de abandonar concepções deterministas, foi articulada uma rede de IES pública. A contribuição foi a construção da Matriz
de Correspondência Curricular, que detalha o perfil de habilidades e competências do médico recém-formado no Brasil e
estabelece o grau de desempenho, referencial até então inexistente no país. A Matriz constitui um marco na superação da
hiperespecialização e da visão disciplinar "que fragmenta em parcelas a percepção do global, desune e compartimenta os
saberes", impossibilitando a apreensão do "que está tecido junto". Na sexta edição do Revalida, sob coordenação do
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), inscreveram-se 4.309 médicos formados no
exterior. Deste total, 3.988 fizeram a prova na primeira etapa e 2.011 (50,42%) farão a prova de habilidades clínicas. A
porcentagem superior a edições anteriores pode indicar que os participantes têm realizado estudos complementares à sua
formação, preparando-se para o exame. O processo de construção das provas por docentes das IES brasileiras visa valorizar
saberes em cada área do conhecimento. A criação do Banco Nacional de Itens (BNI) busca reunir, de forma classificada e
ordenada, itens com qualidade técnica, pedagógica e psicométrica.
Avessos à deturpação dos fins e à resistência de examinandos e instituições, os educadores e gestores envolvidos
mantiveram o compromisso de dar seguimento, com transparência e responsabilidade, aos objetivos de avaliar a adequação
entre as habilidades mobilizadoras do conhecimento e à prática do exercício profissional médico no cotidiano, em toda a sua
complexidade, pois "ao andar se faz o caminho".
HENRY DE HOLANDA CAMPOS, médico, é professor-titular e vice-reitor da Universidade Federal do Ceará e membro da
Subcomissão de Revalidação de Diplomas Médicos. ANA ESTELA HADDAD, cirurgiã-dentista, é professora associada da
Faculdade de Odontologia da USP e membro da Subcomissão de Revalidação de Diplomas Médicos. CLAUDIA MAFFINI
GRIBOSKI, pedagoga, é professora adjunta da Universidade de Brasília e membro da Subcomissão de Revalidação de
Diplomas Médicos. Jornal FOLHA DE SÃO PAULO, Fevereiro de 2016.
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Uber é concorrência ilegal e predatória (CARLOS ZARATTINI)
O CONFLITO entre taxistas e o Uber ganha novos capítulos a
cada dia. A polêmica parece estar longe de acabar. Essa
disputa atinge diretamente os cidadãos que utilizam o serviço
e milhares de taxistas que nos próximos anos poderão ver sua
categoria extinta.
Para entender todo esse imbróglio, é preciso definir com
clareza as características do Uber. Nada mais é do que uma
empresa que gerencia um aplicativo para dispositivos móveis
para conectar usuários a condutores. Presta um serviço que
utiliza motoristas não credenciados para fazer transporte
público de passageiros.
Com a experiência de ter exercido o cargo de secretário
municipal de Transportes da cidade de São Paulo, destaco
que o Uber busca estabelecer regras diferenciadas para um
sistema que já existe e tem normas definidas pelo Poder
Público. Realiza um serviço de transporte público individual de
passageiro sem cumprir a legislação estabelecida, já que
nesse tipo de sistema as diretrizes (tarifas, regras e
regulamentação)
são
estabelecidas
pelos
governos
municipais.
Por exemplo, os taxistas são obrigados a cumprir
diversos requisitos, e o preço do serviço é regulamentado por
meio de taxímetro. Já os motoristas do Uber não são
submetidos a nenhuma avaliação, os pagamentos são feitos
por meio exclusivo de cartão de crédito e as tarifas são
variáveis conforme a demanda, sem controle específico.
Na prática, o aplicativo criou suas próprias regras e
tarifas sem qualquer tipo de inspeção ou controle dos órgãos
competentes. Ou seja, criou uma forma exclusiva para
regulamentar as atividades de transporte público individual de
passageiro. Sendo assim, o Uber usurpa o papel das
prefeituras. Para alimentar ainda mais essa polêmica, o
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade)
considerou que não há razões para a proibição de serviços
oferecidos por novos prestadores de transporte individual
como, por exemplo, o Uber. O órgão avaliou que o serviço
prestado beneficia a livre concorrência, sem considerar a
consequente falência do sistema de táxi.
O Cade não entende que já existe um sistema
regulamentado que funciona a favor do usuário. A favor
porque garante, se a prefeitura for atuante no papel de fiscalização, a qualidade do sistema e o preço. Sem a garantia do
monopólio estatal (que autoriza os taxistas), esse monopólio será transferido ao Uber. O resultado, em breve, será a
imposição do preço determinado pelos motoristas do aplicativo. O monopólio vai mudar de mãos, com uma grande
desvantagem: o povo elege o prefeito, mas não pode eleger quem comanda o Uber.
São Paulo e as principais cidades brasileiras já experimentaram a "livre concorrência" dos "perueiros". O resultado foi a
degradação do sistema de ônibus e, em seguida, das próprias lotações. Foi o horror nos transportes. Corremos o risco de
assistir novamente a esse filme, com a possibilidade agora dos "perueiros" serem gerenciados pelo Uber.
O fato de o aplicativo ser uma multinacional não alivia em nada a situação. Há suspeitas de sonegação no pagamento
de obrigações fiscais e tributárias nas atividades oferecidas. Tudo precisa ser investigado com rigor pelos órgãos
competentes. Seguiremos no Congresso promovendo uma força-tarefa em defesa dos direitos dos taxistas. Devemos
respeitar a legislação vigente. O Uber é um fenômeno complexo que enfrenta rejeições em muitos países.
CARLOS ZARATTINI, 56, é economista, deputado federal (PT/SP) e vice-líder do PT na Câmara. Jornal FOLHA DE SÃO
PAULO, Fevereiro de 2016.
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Uma década de avanços em biotecnologia
(WALTER COLLI)
AO LONGO de 2015, uma silenciosa revolução biotecnológica aconteceu no Brasil. Neste ano a Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança (CTNBio) analisou e aprovou um número recorde de tecnologias aplicáveis à agricultura,
medicina e produção de energia.
O trabalho criterioso dos membros da CTNBio avaliou como seguros para a saúde humana e animal e para o ambiente
19 novos transgênicos, dentre os quais 13 plantas, três vacinas e três microrganismos ou derivados. A CTNBio, priorizando o
rigor nas análises de biossegurança e atenta às necessidades de produzir alimentos de maneira mais sustentável aprovou,
no ano passado, variedades de soja, milho e algodão tolerantes a herbicidas com diferentes métodos de ação.
Isso permitirá que as sementes desenvolvam todo seu potencial e que os produtores brasileiros tenham mais uma
opção para a rotação de tecnologias no manejo de plantas daninhas. Sem essa ferramenta tecnológica, os agricultores
ficariam reféns das limitações impostas pelas plantas invasoras. As tecnologias de resistência a insetos proporcionam
benefícios semelhantes. Na área da saúde, a revolução diz respeito aos métodos de combate a doenças que são endêmicas
das regiões tropicais. Mais uma vez, mostrando-se parceira da sociedade, a CTNBio avaliou a biossegurança de duas vacinas
recombinantes contra a dengue em regime de urgência e deu parecer favorável a elas.
Soma-se a estes esforços a aprovação do Aedes aegypti transgênico. O mosquito geneticamente modificado aprovado
em 2014 tem se mostrado um aliado no combate ao inseto que, além de ser vetor da dengue, também está associado a
casos de transmissão dos vírus Zika, Chikungunya e da febre amarela. Nos últimos 10 anos, até o momento, o advento da
nova CTNBio pela Lei 11.105 de 2005 - a Lei de Biossegurança - proporcionou a aprovação comercial de 82 Organismos
Geneticamente Modificados (OGM): 52 eventos em plantas; 20 vacinas veterinárias; 7 microrganismos; 1 mosquito Aedes
aegypti; e 2 vacinas para uso humano contra a Dengue. Essas liberações comerciais são a maior prova de 9,5 que o Brasil
lança mão da inovação para encontrar soluções para os desafios da contemporaneidade.
Entretanto, é necessário enfatizar que assuntos não relacionados com Ciência também se colocaram, como em anos
anteriores, no caminho do desenvolvimento da biotecnologia em 2015. Manifestantes anti-ciência invadiram laboratórios e
destruíram sete anos de pesquisas com plantas transgênicas de eucalipto e grupos anti-OGM (organismo geneticamente
modificados) chegaram a interromper reuniões da CTNBio, pondo abaixo portas com ações truculentas.
Diversas inverdades foram publicadas na tentativa de colocar em dúvida a segurança e as contribuições que a
transgenia vem dando para a sociedade. A ação desses grupos preocupa, pois, se sua ideologia for vitoriosa, tanto o
progresso científico quanto o PIB brasileiros ficarão irreversivelmente prejudicados.
Hoje, a nossa Lei de Biossegurança é tida internacionalmente como um modelo de equilíbrio entre o rigor nas análises
técnicas e a previsibilidade institucional necessária para haver o investimento. O reconhecimento global, o diálogo com a
sociedade e a legitimidade dos critérios técnicos mostram que esses 10 anos são apenas o início de uma longa história de
desenvolvimento e inovação no Brasil.
WALTER COLLI é professor do Instituto de Química da USP. Jornal FOLHA DE SÃO PAULO, Fevereiro de 2016.
A resposta ao zika
(CHRIS ELIAS AND TREVOR MUNDEL)
A DISSEMINAÇÃO do vírus zika nas Américas nos mostra que uma crise de saúde em qualquer lugar do mundo pode
rapidamente se tornar um desafio global. Este surto demanda uma resposta urgente, coordenada e colaborativa da
comunidade internacional para combater o vírus e sua disseminação.
A história nos lembra que nossa resposta também deve ser racional e solidária. Os primeiros anos da epidemia de
HIV/Aids demonstraram os perigos de deixar que o medo ditasse políticas públicas. Enquanto a população lida com
incertezas diante dessa nova ameaça, devemos nos guiar por fatos, evidências científicas e também pelas lições de outras
epidemias. O Brasil, que rapidamente detectou o zika e estabeleceu possíveis associações com a microcefalia, é um exemplo
do que sistemas de saúde podem fazer quando são bem equipados para a detecção, monitoramento e registro de doenças
infecciosas. A vigilância ágil garantiu a ação do Brasil e do mundo.
No entanto, como a crise do ebola em 2014-15 demonstrou, nem todos os países têm esses sistemas estabelecidos.
Por isso, é essencial fortalecer o monitoramento e notificação de casos em todos os lugares para que o mundo responda
rapidamente a potenciais pandemias. Outra lição que aprendemos com o ebola é que organizações internacionais precisam
agir de maneira rápida e articulada, como a OMS (Organização Mundial da Saúde), a Opas (Organização Pan-Americana da
Saúde) e o CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA) estão fazendo agora.
Ainda há muita coisa que não sabemos, como, por exemplo, a relação entre o vírus e a microcefalia. Embora o vírus
zika não constitua uma ameaça significativa para a maioria das pessoas, há evidências que indicam sérios riscos a gestantes
e a recém-nascidos, além de danos ao sistema nervoso de uma pequena parcela dos infectados. A OMS classificou o
aumento dos casos de microcefalia nas Américas como uma emergência internacional em saúde pública. Isso demanda um
aumento da vigilância em saúde no mundo todo para detectar os casos de zika e a identificação de microcefalia.
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Em resposta à crise, o Brasil e outros países afetados têm trabalhado para reduzir as populações de mosquitos e
educar as pessoas sobre como se proteger. Isso inclui a adoção de novas ferramentas, como testes rápidos de diagnóstico e
formas mais efetivas de se evitar que o mosquito dissemine o vírus. Também vamos precisar de uma vacina, mas isso pode
levar alguns anos. Nós, da Fundação Bill & Melinda Gates, estamos comprometidos em assegurar que todos tenham a
oportunidade de ter uma vida saudável e produtiva, e portanto, apoiamos o desenvolvimento e o acesso a melhores
soluções de saúde, principalmente para os mais pobres.
Nós temos apoiado pesquisas epidemiológicas para identificar os prováveis padrões de disseminação do vírus zika e as
populações sob maior risco de infecção. Além disso, vários países, como Brasil, Indonésia e Vietnã, estão desenvolvendo
testes de campo com a bactéria Wolbachia, que ocorre naturalmente em mosquitos, para reduzir a transmissão de dengue e
possivelmente zika e outros flavivírus. Nossas discussões com parceiros e governos têm se focado em maneiras
responsáveis de acelerar e ampliar ações para o controle de mosquitos tendo como o alvo o zika.
A experiência com outras doenças transmitidas por mosquitos, como malária, dengue, febre amarela e chikungunya,
mostra que não podemos esperar que uma crise global apareça para fazer investimentos em vigilância em saúde e em
pesquisa e desenvolvimento em doenças emergentes e negligenciadas. O surto de zika nos oferece um importante alerta
sobre a necessidade de nos prepararmos agora para as futuras crises de amanhã.
CHRIS ELIAS e TREVOR MUNDEL são presidentes de desenvolvimento global e saúde global da Fundação Bill & Melinda Gates.
Jornal FOLHA DE SÃO PAULO, Fevereiro de 2016.
Livro de Hitler deve ser proibido no Brasil? Sim (ARY BERGHER, JOÃO BERNARDO
KAPPEN E FLAVIO ZVEITER)
A CONSTITUIÇÃO brasileira estabelece uma série de direitos fundamentais ao Estado democrático de Direito. Nossa
Constituição é tão plural que protege valores por vezes conflitantes entre si. Não há, contudo, direito constitucional que, a
priori, prevaleça sobre outro direito constitucional. Sabemos que, em sociedades complexas como a nossa, direitos
constitucionais que protegem valores diferentes estão sempre em rota de colisão, causando o que se chama "colisão de
direitos".
Então, como deve um juiz decidir quando se vê diante de um caso em que é possível a aplicação de dois direitos
contrapostos, de dois direitos que carregam diferentes valores, ambos aplicáveis ao caso? A interpretação constitucional
moderna ensina que é preciso que se faça uma ponderação de valores, bens, interesses e normas e, só então, aplicar ao
caso concreto a solução que pareça mais adequada do ponto de vista constitucional.
Este foi o caminho adotado pelo Supremo Tribunal Federal em 2003 quando decidiu, a partir de um caso concreto, que
escrever, editar, divulgar e comercializar livros que façam apologia de ideias preconceituosas e discriminatórias contra a
comunidade judaica constitui crime de racismo. O que motivou a intervenção do STF foi justamente um caso em que, de um
lado, estava o direito à liberdade de expressão, representado pela publicação de um livro que fazia apologia ao nazismo, e,
de outro, os direitos humanos, representados pela dignidade da pessoa humana, aviltada pela publicação do livro nazista.
O STF entendeu então que naquele caso devia prevalecer o direito constitucional da dignidade da pessoa humana
sobre o direito constitucional da liberdade de expressão. Essa foi também a solução adotada recentemente pelo juiz da 33ª
Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ao determinar, em caso concreto semelhante ao julgado pelo STF, a
busca, apreensão e proibição da divulgação e comercialização do livro "Minha Luta", escrito por Adolf Hitler. Entendeu-se
que a divulgação e a comercialização do livro constituem crime de racismo, como já havia dito o STF.
O livro do Hitler caiu em domínio público no começo deste ano, não mais pertencendo ao Estado da Baviera, na
Alemanha, seus direitos autorais. Com o domínio público, o mundo está às voltas com a discussão sobre sua publicação. No
Brasil, porém, não por acaso apenas duas editoras resolveram editar e comercializar o livro. Não vamos entrar no debate
ético e moral sobre ganhar dinheiro divulgando as ideias de um genocida. Vamos limitar o debate ao âmbito jurídico.
Não podemos sequer nos socorrer do direito comparado, pois, ao contrário dos Estados Unidos e da própria Alemanha,
no Brasil há uma lei federal que diz ser crime qualquer tipo de publicação que induza ou incite a discriminação ou
preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. A lei estabelece ainda que esse tipo de publicação deve ser
apreendida.
E o STF não só atestou a constitucionalidade dessa lei como, ao interpretá-la, declarou que o antissemitismo é racismo
e que, portanto, a edição, divulgação e comercialização de livros antissemitas configuram crime. Assim, inócuo é o debate
que se limite a tratar da questão da venda do manual nazista apenas sob a ótica da liberdade de expressão, que, em que
pese ser um direito fundamental, não o é absoluto.
ARY BERGHER, 48, JOÃO BERNARDO KAPPEN, 35, e FLAVIO ZVEITER, 33, são advogados. Bergher e Kappen são coautores
da notícia-crime contra a obra "Minha Luta" de Adolf Hitler. Jornal FOLHA DE SÃO PAULO, Fevereiro de 2016.
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Livro de Hitler deve ser proibido no Brasil? Não
Um erro digno de reflexão (RONALDO PORTO MACEDO JUNIOR)
A RECENTE decisão cautelar do juízo da 33ª Vara Criminal do Rio de Janeiro proibindo, cautelarmente, a circulação,
exposição e divulgação do livro "Minha Luta", de Adolf Hitler, é um notável erro e, como tal, digno de reflexão. Ela é um
claro exemplo de censura em razão do conteúdo, o que está em desacordo com o princípio constitucional da liberdade de
expressão.
A decisão carioca baseia-se no artigo 20 da lei nº 7.716/89, que estabelece pena de reclusão de um a três anos para
quem "praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional". O
ponto é que práticas discursivas são uma forma de ação social, mas de um tipo especial. Estão protegidas pela liberdade de
expressão. É proibida a discriminação de pessoas com base em raça, religião ou grupo étnico. Mas seria crime expressar e
defender ideias preconceituosas? Defender ideias que pareçam discriminatórias por alguns não equivale a praticar
diretamente a discriminação. Ações discursivas merecem distinção, embora possam existir situações de difícil diferenciação.
Daí a atenção que se deve prestar ao significado de incitar, induzir ou praticar diretamente a discriminação. É
importante também que se reconheça que não temos o direito de não sermos ofendidos pelas ideias alheias, por mais
ofensivas que possam nos parecer. O princípio constitucional da liberdade garante a livre expressão de ideia e opiniões na
esfera pública. Essa liberdade baseia-se parcialmente em argumentos consequencialistas, como, por exemplo, garantir o
pleno exercício do teste dos argumentos no mercado de ideias, estimular a crítica, reduzir os riscos do pensamento errado e
autoritário etc. Tais consequências são também úteis porque fortalecem o regime democrático e pluralismo.
O livro "Minha Luta", de Hitler, é um documento relevante diretamente relacionado a um dos episódios mais
importantes e nefastos da história do século 20. Impossível imaginar que historiadores sérios possam desconhecê-lo ou
sejam proibidos de conhecê-lo. Afinal, a que tipo de consequência real se presta a proibição da Justiça carioca? Ela não
acabaria por gerar uma limitação do próprio debate das ideais defendidas no livro? Ademais, qual é a real consequência da
proibição de comercialização de um livro que há anos é vendido no Brasil e que pode ser obtido, em inúmeras traduções,
com imensa facilidade na internet?
Será a proibição um bom serviço ao combate à discriminação contra judeus e outros grupos ofendidos pelas ideias de
Hitler? O combate a tais ideias no âmbito da esfera pública, com a publicação de edição crítica da obra, serve melhor a tais
objetivos de questionamento e refutação. Censurar o livro contraria também os argumentos "de princípio" que
fundamentam a liberdade de expressão. Esta justifica-se pela exigência de proteção da autonomia e autenticidade das
convicções pessoais, fundantes da garantia da dignidade humana. Afinal, um indivíduo vê sua autonomia pessoal e
dignidade desrespeitadas quando suas convicções não podem ser colocadas em discussão no debate público.
Para muitos, a própria Bíblia veicula ideias que parecem preconceituosas hoje em dia. Faria sentido, no entanto,
censurar partes do livro sagrado, discursos de líderes religiosos ou o próprio papa com o argumento de que eles "incitam" a
discriminação? Muitos autores também argumentam corretamente que a censura violaria o princípio da democracia por não
permitir que ideias minoritários participem do debate público.
Por fim, a decisão revela ainda um equívoco de matriz institucional: o perigoso otimismo na crença de que "vigilantes
das boas ideias", de toga ou não, serão razoáveis, capazes e competentes para proteger a sociedade de opiniões
preconceituosas. Neste ponto, a ingenuidade otimista, bem-intencionada ou não, une-se ao moralismo paternalista, ao
autoritarismo e, de novo, ao preconceito.
RONALDO PORTO MACEDO JUNIOR, 53, é procurador de Justiça em São Paulo, professor titular de ética e filosofia do direito
da Faculdade de Direito da USP e professor de teoria do direito da ética, teoria e filosofia do direito da FGV - Fundação Getulio
Vargas. Jornal FOLHA DE SÃO PAULO, Fevereiro de 2016.
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Chomsky: Sobre a precarização do trabalho e da educação na universidade
(REDAÇÃO DO SITE CARTA MAIOR - www.cartamaior.com.br)
O crescimento da contratação de temporários nas universidades dos EUA é parte de um modelo de negócios
projetado para reduzir os custos do trabalho.
O QUE se segue é uma transcrição editada de observações feitas por
Noam Chomsky via Skype, no dia 4 de fevereiro de 2014, a membros e
apoiadores da Adjunct Faculty Association [NT] do Sindicato
dos Metalúrgicos, em Pittsburgh. As observações de Chomsky foram
provocadas por perguntas feitas por Robin Clarke, Adam Davis, David
Hoinski, Maria Somma, Robin J. Sowards, Matthew Ussia e Josué
Zelesnick. A transcrição ficou a cargo de Robin J. Sowards e foi editada
pelo próprio Chomsky.
Sobre o modelo de contratação de professores
Isso faz parte do atual modelo de negócios. É o mesmo que
ocorre com a contratação de trabalhadores temporários na
indústria ou com o que eles chamam de "associados" na Wal-Mart,
funcionários que não tem direito a benefícios. É parte de um
modelo de negócios privados projetado para reduzir os custos do
trabalho e aumentar o servilismo no trabalho. A transformação das universidades em corporações, como tem ocorrido
sistematicamente ao longo da última geração, como parte do assalto neoliberal geral sobre a população, veio acompanhada
de um modelo de negócios onde o que importa é o lucro no final do balanço.
Os verdadeiros proprietários são os gerentes (ou legisladores, no caso das universidades estaduais) e eles querem
manter os custos baixos e assegurar que o trabalho seja dócil e obediente. A melhor maneira de fazer isso é,
fundamentalmente, contratar temporários. Assim como a contratação de temporários foi se disseminando na sociedade no
período neoliberal, o mesmo fenômeno ocorreu nas universidades. A ideia é dividir a sociedade em dois grupos. Um grupo é
às vezes chamado de “plutonomia” (plutonomy, um termo usado pelo Citibank para aconselhar seus investidores sobre
onde aplicar seus recursos), o setor top da riqueza, concentrado principalmente nos Estados Unidos. O outro grupo, o
restante da população, é um “precariado”, as pessoas que vivem uma existência precária.
Esta ideia, por vezes, torna-se bastante evidente. Quando Alan Greenspan testemunhou perante o Congresso, em
1997, sobre as maravilhas da economia, ele disse diretamente que uma das bases para o seu sucesso econômico era o que
ele chamou de “maior insegurança dos trabalhadores”. Se os trabalhadores são mais inseguros, isso é muito “saudável” para
socieadade, porque eles não ficar perguntando sobre seus salários, não vão entrar em greve, não vão pedir repartição de
lucros, e vão servir a seus patrões de bom grado e de forma passiva. E isso é ótimo para a saúde econômica das empresas.
Na época, todo mundo achou o comentário de Greenspan muito razoável, a julgar pela falta de reação e pelo grande
sucesso que ele gozava. Vamos transferir isso para as universidades: como garantir “maior insegurança dos trabalhadores”?
Fundamentalmente, não garantindo o emprego, mantendo as pessoas penduradas em um galho que pode ser serrado a
qualquer momento, de modo que elas saibam que é melhor calar a boca, receber pequenos salários, fazer o seu trabalho e
se forem agraciados com a autorização para servir em condições miseráveis por mais um ano, devem se contentar com isso
e não pedir nada a mais. Essa é a receita das corporações para manter uma sociedade eficiente e estável. Como a
suniversidades se moveram na direção desse modelo de negócios, a precariedade é exatamente o que está sendo imposto.
E nós vamos ver mais e mais do mesmo.
Há outros aspectos que também são bastante conhecidos na indústria privada, como um grande aumento dos níveis de
administração e burocracia. Afinal, se você precisa controlar as pessoas, precisa ter uma força administrativa que faça isso.
Assim, nas empresas dos EUA, mais do que em outros lugares, há sucessivos níveis de administração, uma forma de
desperdício econômico, mas útil para o controle e a dominação. O mesmo ocorre em muitas universidades. Nos últimos 30,
40 anos, houve um aumento muito acentuado da proporção de administradores em relação ao número de professores e
alunos. O nível de professores e alunos até aumentou, mas o de administradores subiu mais proporcionalmente.
Há um livro muito bom sobre esse tema, escrito por um conhecido sociólogo, Benjamin Ginsberg, chamado “The Fall
of the Faculty: The Rise of the All-Administrative University and Why It Matters”(Oxford University Press, 2011), que
descreve em detalhes esse estilo de administração com seus diversos níveis de administradores que, é claro, são muito bem
pagos. Isso inclui os administradores profissionais, como os reitores, por exemplo, que costumavam ser membros do corpo
docente que eram deslocados por alguns anos para exercer atividade administrativa e, depois, voltavam para seus afazeres
acadêmicos. Agora, na maioria dos casos, eles são profissionais que contratam sub-reitores e secretários, fazendo proliferar
toda uma estrutura administrativa. Esse é outro aspecto importante do atual modelo de negócios.
Mas o uso de mão-de-obra barata e fragilizada no trabalho é uma prática tão antiga quanto a iniciativa privada e os
sindicatos surgiram em resposta a ela. Nas universidades, trabalho vulnerável e barato significa professores auxiliares e
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estudantes de pós-graduação. Alunos de graduação são ainda mais vulneráveis, por razões óbvias. A ideia é transferir as
atividades universitárias aos trabalhadores precários, o que melhora a disciplina e o controle, e também permite a
transferência de recursos para outras finalidades que não a educação. Os custos, naturalmente, são arcados pelos
estudantes e pelas pessoas que são atraídas para estas ocupações vulneráveis. É uma característica normal dessa sociedade
de gestão de negócios transferir os custos para o povo.
Os economistas cooperam com esse esquema. Suponha que você encontre um erro em sua conta corrente e ligue para
o banco para tentar corrigi-lo. Bem, você sabe o que acontece. Vai telefonar e ouvirá uma mensagem gravada dizendo:
“Nós amamos você, aqui está um menu de opções”. Talvez esse menu tenha o que você está procurando, talvez não. Se
acontecer de você encontrar a opção correta, ouvirá alguma música e, de vez em quando, uma voz dirá: “Aguarde, por
favor, enquanto transferimos a sua ligação”. Finalmente, passado algum tempo, você até poderá ser atendido por um ser
humano a quem poderá fazer uma breve pergunta. Os economistas chamam isso de “eficiência”, um sistema que reduz
custos trabalhistas para o banco. É claro que impõe custos para você e esses custos são multiplicados pelo número de
usuários, que pode ser enorme, mas que não é contado como um custo no cálculo econômico.
Se você olhar o modo como a sociedade funciona, verá esse tipo de prática em todo lugar. Assim, a universidade
impõe custos aos alunos e professores que não são apenas temporários, mas colocados em um modelo que garante que
eles não terão segurança. Tudo isso é perfeitamente normal dentro de modelos de negócios corporativos. É prejudicial para
a educação, mas a educação não é seu objetivo.
Na verdade, se olharmos para mais longe, veremos que as raízes desse modelo são mais profundas ainda. Se
voltarmos para o início dos anos 1970, quando muitas dessas coisas atuais começaram, havia muita preocupação em
praticamente todo o espectro político sobre os temas do ativismo dos anos 1960.
Essa época foi chamada de “era dos problemas”, porque o país estava finando civilizado, e isso é perigoso. As pessoas
estavam se tornando politicamente engajadas e estavam tentando conquistar direitos para grupos com os chamados
“interesses especiais”, como as mulheres, os trabalhadores, os agricultores, os jovens, os idosos, e assim por diante. Isso
levou a uma reação grave, o que foi muito evidente.
No final liberal do espectro político, há um livro chamado The Crisis of Democracy: On the Governability of
Democracies (New York University Press, 1975 - Crise da Democracia: Sobre a Governabilidade das Democracias), um
relatório elaborado por Michel Crozier, Samuel P. Huntington e Joji Watanuki para a Comissão Trilateral, uma organização de
liberais internacionalistas. O governo Carter saiu praticamente todo de suas fileiras. Eles estavam preocupados com o que
chamavam de “crise da democracia”. Para eles, o problema é que havia um “excesso de democracia”. Na década de 1960,
havia pressões partindo de diversos setores da população, esses “interesses especiais” que referi, para tentar obter direitos
na arena política. Para os autores, estava se colocando muita pressão sobre o Estado e isso era errado. Havia um “interesse
especial” que eles deixaram de fora, que era o do setor empresarial. Mas esse interesse, para eles, se confundia com o
“interesse nacional” de que não seria o caso de falar dele.
Os demais “interesses especiais” estavam causando problemas e esses autores disseram: “nós temos que ter mais
moderação na democracia”, o público tem de voltar a ser passivo e apático. Eles estavam particularmente preocupados com
as escolas e as universidades, que não estavam fazendo devidamente seu trabalho de “doutrinar os jovens”. O ativismo
estudantil, sua participação nos movimentos de direitos civis, anti-guerra, feminista, ambiental, entre outros, mostrava que
os jovens não estavam sendo doutrinados corretamente.
Como se doutrina os jovens? Há certo número de modos de fazer isso. Um deles é sobrecarregá-los com uma dívida
irremediavelmente pesada. A dívida é uma armadilha, especialmente a dívida do estudante, que é enorme, muito maior do
que a dívida do cartão de crédito. É uma armadilha para o resto de sua vida, porque as leis são projetadas para que você
não fique de fora. Se uma empresa, por exemplo, fica muito endividada, ela pode declarar falência, mas os indivíduos quase
nunca podem se aliviar de uma dívida por meio da falência. Eles podem até mesmo tirar sua seguridade social se você não
pagar. Essa é uma técnica disciplinar. Eu não digo que foi conscientemente produzida para ter esse efeito, mas certamente
tem esse efeito.
É difícil argumentar que há algum fundamento econômico para ele. Basta dar uma olhada pelo mundo: na maioria dos
casos, o ensino superior é gratuito. Em países com os mais elevados índices de educação, como a Finlândia, o ensino
superior é gratuito. Em um país capitalista rico bem sucedido como a Alemanha, é gratuito. No México, um país pobre, com
padrões de educação bastante decentes considerando as dificuldades econômicas que enfrentam, é gratuito. Agora olhe
para os Estados Unidos: se voltarmos para os anos 1940 e 50, veremos que o ensino superior estava muito perto da
gratuidade. O GI Bill deu educação gratuita para um grande número de pessoas que, sem isso, nunca teria conseguido ir
para a faculdade.
Foi muito bom para eles, para a economia e para a sociedade, sendo uma das razões para a elevada taxa de
crescimento econômico naquele período. Mesmo em faculdades particulares, a educação era muito perto de ser gratuita. Eu
fui para a faculdade, em 1945, em uma universidade da Ivy League, a Universidade da Pensilvânia, onde a taxa de matrícula
foi de US$ 100. Isso talvez desse US$ 800 dólares hoje. E foi muito fácil obter uma bolsa de estudos. Então era possível
morar em casa, trabalhar e ir para a escola sem grandes gastos. Hoje a situação é ultrajante. Tenho netos na faculdade que
têm que pagar sua matrícula e trabalhar, o que é quase impossível. Para os alunos essa é uma técnica disciplinar.
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Outra técnica de doutrinação é cortar o contato entre o aluno e o professor. Isso se faz com turmas grandes,
professores temporários que estão sobrecarregados e mal conseguem sobreviver com seu salário. E uma vez que você não
tem nenhuma estabilidade no emprego não é possível construir uma carreira. Você não pode seguir em frente e planejar
evoluir na carreira. Estas são todas técnicas de disciplina, doutrinação e controle.
É muito parecido com o que você esperaria encontrar em uma fábrica, onde os trabalhadores têm que ser disciplinados
para serem odebientes e não, por exemplo, para desempenhar um papel na organização da produção ou do local de
trabalho. Essas funções são exclusivas dos gerentes. Pois esse modelo foi transportado para as universidades. E creio que
não deve surpreender ninguém, que já teve alguma experiência com a iniciativa privada, a forma como funcionam.
Sobre como o ensino superior deve
ser
Antes de tudo, devemos deixar de
lado qualquer ideia de que houve algo
como uma “idade de ouro”. As coisas
eram diferentes e, em certo sentido,
melhores no passado, mas longe de
setem perfeitas. As universidades
tradicionais
eram
extremamente
hierarquizadas, com muito pouca
participação democrática na tomada de
decisões. Uma parte do ativismo dos
anos 1960 queria justamente tentar
democratizar
as
universidades,
incluindo, por exemplo, representantes
dos estudantes nas comissões do corpo
docente. Esses esforços tiveram algum
grau de sucesso. A maioria das
universidades tem algum grau de participação dos estudantes nas decisões da instituição. Penso que deveríamos nos mover
nesta direção: uma instituição democrática, onde as pessoas envolvidas (professores, alunos e funcionários) participam na
definição das políticas da instituição e de como elas são executadas. E o mesmo deveria valer para uma fábrica.
Estas não são ideias radicais, devo dizer. Elas vêm diretamente da tradição do liberalismo clássico. Se lermos, por
exemplo, John Stuart Mill, uma figura importante dessa tradição, veremos que ele concordava com a ideia de que os locais
de trabalho deveriam ser administrados pelas pessoas que trabalham neles. Isso seria sinônimo de liberdade e democracia
(ver, por exemplo, de John Stuart Mill, Princípios de Economia Política, livro 4, cap.7)
Podemos encontrar essas mesmas ideias nos Estados Unidos. Tomemos o caso dos Cavaleiros do Trabalho (Knights of
Labor, primeira organização trabalhista nacional importante da história dos EUA, fundada em 1869 - NT). Um de seus
objetivos declarados era “estabelecer instituições cooperativas, que tenderão a substituir o sistema de salários com a
introdução de um sistema industrial cooperativado”. Ou ainda em alguém como John Dewey, filósofo “mainstream”do século
20, que defendeu não só uma educação voltada a desenvolver a independência criativa nas escolas, mas também o controle
das indústrias pelos trabalhadores, o que ele chamou de “democracia industrial”.
Para Dewey, enquanto as instituições cruciais da sociedade (como produção, comércio, transporte e mídia) não
estiverem sob o controle democrático, então a “política (será) a sombra projetada sobre a sociedade pelos grandes
negócios” (“A Necessidade de um novo partido”, 1931). Essa ideia quase elementar, que tem raízes profundas na história
dos Estados Unidos e no liberalismo clássico, deveria ser uma espécie de segunda natureza para as pessoas que trabalham
e ser aplicada igualmente para as universidades.
Há algumas decisões em uma universidade onde não é o caso de ter (transparência democrática) porque, por exemplo,
é preciso preservar a privacidade do aluno. Existem vários tipos de questões sensíveis, mas na maioria da atividade normal
da universidade não há razão para a democracia direta não ser considerada legítima e útil. No meu departamento, por
exemplo, por 40 anos tivemos representantes dos estudantes participando de reuniões do departamento.
"Governança compartilhada" e controle dos trabalhadores
A universidade é, provavelmente, a instituição em nossa sociedade que está mais próxima da ideia de um controle
democrático dos trabalhadores. Dentro de um departamento, por exemplo, é normal que um professor possa determinar
uma parte substancial de como será seu trabalho: o que vai ensinar, quando, como deve ser o currículo. A maioria das
decisões sobre o trabalho real do departamento passa pelos professores. Há, é claro, um nível superior de questões que não
fica sob seu controle. Pode-se indicar alguém para lecionar, digamos, e essa recomendação pode ser rejeitada pelos reitores
ou administradores. Isso não acontece com muita frequência, mas pode acontecer. E isso sempre tem a ver com questões
mais estruturais que, embora sempre tenham existido, representavam um problema menor quando os professores
participam da administração.
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Sob sistemas representativos, você tem que ter alguém fazendo o trabalho administrativo, mas esses mandatos devem
ser revogáveis em algum momento. Isso ocorre cada vez menos. Existem cada vez mais administradores profissionais, em
vários níveis, tomando decisões cada vez mais distantes do controle do corpo docente. Eu mencionei antes o livro “The Fall
of the Faculty”, de Benjamin Ginsberg, que entra em muitos detalhes sobre como isso funciona em universidades como
John’s Hopkins, Cornell e algumas outras.
Enquanto isso, o corpo docente se vê cada vez mais reduzido à categoria de trabalhadores temporários que têm a
garantia de uma existência precária, sem perspectiva de evoluir na carreira. Eu tenho conhecidos que são efetivamente
professores permanentes, mas eles não têm esse status na prática, tendo de se aplicar a cada ano de modo a serem
nomeados novamente. Essas coisas não deveriam acontecer. E a situação dos auxiliares foi institucionalizada: eles não
fazem parte do corpo de tomada de decisões e não tem segurança no emprego, o que só amplia o problema. Esse pessoal
também deveria ser integrado ao processo de tomada de decisões, uma vez que fazem parte da universidade.
Portanto, há muito o quê fazer, mas podemos entender facilmente porque essas tendências estão se desenvolvendo.
Isso tem a ver com a imposição de um modelo de negócio em quase todos os aspectos da vida. É a ideologia neoliberal sob
a qual a maior parte do mundo tem vivido há 40 anos. Ela é muito prejudicial para as pessoas e não encontra resistência na
maioria dos casos. Só duas regiões conseguiram escapar dela: a Ásia Oriental, onde ela nunca predominou, e a América do
Sul, nos últimos 15 anos.
Sobre a alegada necessidade de “flexibilidade”
“Flexibilidade” é um termo que é muito familiar para os trabalhadores na indústria. Parte daquilo que costuma ser
chamado de “reforma trabalhista” consiste em fazer o trabalho mais “flexível”, ou seja, fazer com que seja mais fácil
contratar e demitir pessoas. É, mais uma vez, uma forma de garantir a maximização de lucro e de controle. “Flexibilidade”,
supostamente, é uma coisa boa, assim como a “maior insegurança dos trabalhadores”. Deixando de lado a indústria, onde é
exatamente isso o que ocorre mesmo, mas universidades não há justificativa para esse tipo de prática.
Consideremos o caso de um curso com baixo número de matriculados. Isso não é um grande problema. Uma de
minhas filhas ensina em uma universidade e me disse que sua carga horária sofrerá alteração porque um dos cursos que
estava sendo oferecido teve poucos matriculados. Ok, o mundo não acaba por causa disso. O professor ou professora pode
dar um curso com uma metodologia diferente ou buscar outra alternativa. As pessoas não têm que ser jogadas fora ou ficar
inseguras por causa da variação do número de alunos matriculados em um curso. Há várias possibilidades de ajuste para
essa situação. A ideia de que o trabalho deve atender às condições de “flexibilidade” é apenas mais uma técnica padrão de
controle e dominação. Por que não dizer que os administradores devem ser jogados fora se não há nada para se fazer
naquele semestre? A mesma situação se aplica aos altos executivos das indústrias: se o trabalho tem que ser flexível, o que
dizer da gestão? A maioria deles é bastante inútil ou até prejudicial. Então vamos nos livrar deles. E você pode continuar
assim.
Para tomar uma notícia dos últimos dias, que tal Jamie Dimon, CEO do banco JP Morgan Chase? Ele teve um aumento
bastante substancial, quase o dobro de seu salário, por gratidão por ter salvo o banco de acusações criminais que teriam
levado seus executivos para a cadeia. Conseguiram escapar com apenas US$ 20 bilhões em multas por atividades
criminosas. Bem, eu posso imaginar que se livrar de alguém assim pode ser útil para a economia. Mas não é disso que as
pessoas estão falando quando falam sobre a “reforma trabalhista”. São as pessoas que trabalham que devem sofrer. Devem
sofrer por ter um trabalho inseguro, por não ter certeza sobre de onde sairá o pão de amanhã. Por isso, devem ser
disciplinadas e obedientes e não fazer perguntas ou pedir por seus direitos. Essa é a maneira pela qual os sistemas tirânicos
operam. E o mundo dos negócios é um sistema tirânico. Quando essa lógica é imposta às universidades, ela refletirá as
mesmas ideias. Isso não é nenhum segredo.
Sobre a finalidade da educação
Estes debates remontam ao Iluminismo, quando as questões de ensino superior e educação de massa estavam sendo
levantadas, e não mais apenas a educação para o clero e a da aristocracia. Havia basicamente dois modelos discutidos nos
séculos 18 e 19, e foram discutidos com imagens bastante sugestivas. Uma imagem da educação dizia que ela deve ser
vista como um vaso que deve ser preenchido com água. Isso é o que chamamos hoje em dia de “ensinar para testar”: você
derrama água dentro do vaso e, em seguida, ele devolve a água. Mas é um vaso muito permeável, como muitos de nós que
passamos pela experiência da escola podemos constatar, já que podemos memorizar algo para um exame pelo qual não
tínhamos muito interesse e, uma semana depois, não lembrarmos mais do que se tratava. O modelo do vaso nos dias de
hoje é chamado de “nenhuma criança deixada para trás”, “ensinando para testar”, “corrida para o topo” e outras coisas
semelhantes em universidades. Os pensadores iluminisstas eram contrários a esse modelo.
O outro modelo foi descrito pela imagem de uma corda estendida ao longo da qual o aluno progride em seu próprio
caminho, sob sua própria iniciativa, talvez seguindo a corda, talvez decidindo ir para outro lugar, talvez levantando
questões. Seguir a corda significa impor algum grau de estrutura. Assim, um programa de educação, seja ela qual for, um
curso sobre física ou algo assim, não será um vale tudo, terá certa estrutura. Mas o seu objetivo é que o aluno adquira a
capacidade de investigar, de criar, inovar e desafiar – isso é que é a educação. Um físico mundialmente famoso, foi
questionado uma vez por um aluno sobre qual seria o conteúdo do curso no semestre. Sua resposta foi: “não importa o que
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vamos tratar, mas sim o que você vai descobrir”. Você ganha capacidade e autoconfiança para desafiar e criar. Dessa forma
você internaliza o tema do estudo e pode ir em frente. Não é uma questão de acumular uma quantidade fixa de fatos que,
em seguida, você pode descrever em uma prova e amanhã já não lembrar.
Estes são dois modelos bem distintos de educação. O ideal iluminista foi o segundo e eu acho que é isso que devemos
nos esforçar em buscar. Essa é a verdadeira educação, do jardim de infância à pós-graduação. Na verdade, existem
programas desse tipo, muito bons, para o jardim de infância.
Sobre o amor de ensinar
Nós certamente queremos que as pessoas, tanto professores como alunos, se envolvam em atividades que sejam
gratificantes, agradáveis, estimulantes e excitantes. Eu realmente não acho que isso seja difícil. As crianças são criativas,
curiosas, querem saber coisas, querem entender as coisas, e, a menos que sejam submetidas a um processo, essas coisas
ficam com elas o resto de sua vida. Se você tem oportunidade de seguir esse compromisso, é uma das coisas mais
gratificantes da vida. Isso é verdade se você é um físico pesquisador ou se você é um carpinteiro. Você está tentando criar
algo de valor, lidando com um problema difícil e tentando resolvê-lo. Acho que isso é o que faz funcionar o tipo de coisa que
você quer fazer.
Em uma universidade que funciona razoavelmente, você encontra pessoas que trabalham o tempo todo porque elas
adoram o que estão fazendo. É o que elas querem fazer. Elas receberam a oportunidade, têm os recursos e são encorajadas
a serem livres, independentes e criativos. O que poderia ser melhor? É o que elas gostam de fazer. E isso, repito, pode ser
feito em qualquer nível.
Vale a pena pensar sobre alguns dos programas educacionais imaginativos e criativos que estão sendo desenvolvidos
em diferentes níveis. Alguém me descreveu, dias atrás, um programa de ciência que está usando em escolas de ensino
médio, por meio do qual os alunos são provocados por uma pergunta interessante: "Como pode um mosquito voar na
chuva?" Essa é uma pergunta difícil quando você pensa sobre isso. Se algo batesse em um ser humano com a força com
que um pingo de chuva bate em um mosquito ele seria achatado imediatamente. Então como é que o mosquito não é
esmagado instantaneamente? E como pode o mosquito continuar voando? Responder essa pergunta é um trabalho muito
difícil que envolve entrar em questões de matemática, física e biologia, questões suficientemente desafiadoras para alguém
querer encontrar uma resposta para elas.
Isso é o que a educação deve ser em todos os níveis, desde o jardim de infância. Existem programas de jardim de
infância em que, por exemplo, é dada uma coleção de pequenos objetos para cada criança: seixos, conchas, sementes, e
coisas assim. Em seguida, a classe recebe a tarefa de descobrir quais são as sementes. O processo começa com o que
chamam de uma "conferência científica": as crianças conversam entre si e tentam descobrir quais são as sementes. Há
alguma orientação de professores, é claro, mas a ideia é fazer com que as crianças pensem sobre o tema. Depois de um
tempo, são feitas várias experiências para tentar descobrir quais são as sementes. Nesse ponto, cada criança recebe uma
lupa e, com a ajuda do professor, olham para dentro das rachaduras da semente e encontram o embrião que faz a semente
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crescer. Estas crianças aprendem algo, realmente, não apenas sobre sementes e o que faz com que as coisas cresçam, mas
também sobre como descobrir. Eles estão aprendendo a alegria da descoberta e da criação, e é isso o que você carrega de
forma independente, para fora da sala de aula, para além de qualquer curso.
O mesmo vale para toda a educação, até a pós-graduação. Em um seminário de pós-graduação razoável, você não
esperar que os alunos baixem a cabeça para copiar e depois repetir o que você diz. Você espera que eles lhe digam quando
você está errado ou que cheguem a novas ideias, para desafiar, para perseguir algum sentido que não tinha sido pensado
antes. Isso é o que a verdadeira educação é em todos os níveis, e é isso o que deve ser incentivado. Esse deveria ser o
propósito da educação. Não é para despejar informações na cabeça de alguém, que depois vai “vazar” esse conteúdo, mas
para permitir que eles se tornem pessoas criativas, independentes, capazes de encontrar emoção na descoberta e criação e
criatividade em qualquer nível ou em qualquer domínio de seus interesses.
Sobre o uso da retórica corporativa contra as corporações
Isso é como perguntar como você deve justificar, perante o proprietário de escravos, que as pessoas não devem ser
escravos. Você está em um nível de investigação moral onde provavelmente é muito difícil encontrar respostas. Somos seres
humanos com direitos humanos. É bom para o indivíduo, é bom para a sociedade e mesmo para a economia, em sentido
estrito, que as pessoas sejam criativas, independentes e livres. Todos se beneficiam se as pessoas são capazes de
participar, de controlar seu destino, de trabalhar uns com os outros. Isso pode não maximizar o lucro e dominação, mas por
que deveríamos perseguir esses valores?
Conselhos para professor temporário organizar sindicatos
Você sabe melhor do que eu o que tem que ser feito, o tipo de problemas que você enfrenta . Então, vá em frente e
faça o que tem que ser feito. Não se deixe intimidar , não se assuste, e reconheça que o futuro pode estar em nossas mãos,
se estamos dispostos a compreendê-lo.
(*) Noam Chomsky OCCUPY: Class War, Rebellion and Solidarity é publicado pela Zuccotti Park Press .
[NT] A expressão “Adjunct Faculty” utilizada por Chomsky no texto original designa, nos Estados Unidos, os professores
universitários contratados em regime temporário para dar um curso durante um semestre ou um ano, não possuindo qualquer
estabilidade de emprego. Essa categoria não corresponde ao “professor adjunto” das universidades públicas brasileiras, que são
concursados e possuem estabilidade de emprego. Tradução: Louise Antonia León.
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