A revista - Acadepol

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A revista - Acadepol
POLÍCIA CIVIL
ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS
INSTITUTO DE CRIMINOLOGIA – NÚCLEO DE ESTUDOS EM SEGURANÇA PÚBLICA E
PESQUISA – NESPP
CRIMINOLOGIA
Belo Horizonte
2007
2
POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS
Academia de Polícia Civil de Minas Gerais
Instituto de Criminologia
Núcleo de Estudos em Segurança Pública e Pesquisa- NESPP
Chefe de Polícia
Marco Antônio Monteiro de Castro
Diretor-Geral da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais
Cylton Brandão da Matta
Delegado-Geral – Direção Adjunta
Renato Patrício Teixeira
Diretor do Instituto de Criminologia
Simeão Lopes
Comissão Editorial
Simeão Lopes/ Paulo Guilherme Santos Chaves
Patrícia Luíza Costa/ Lola Aniyar de Castro (Venezuela)
José Francisco de Almeida Pacheco (Portugal)/ Serge Desrosier (Canadá)
Suely Félix Andruccioli (São Paulo- Marília) / Alexandre Magno Alves Diniz (PUCMINAS)
Projeto Gráfico
Noeinstein da Trindade Paula
Artigos para publicação podem ser enviados para apreciação da Comissão Editorial, no
seguinte endereço:
Revista Criminologia – Academia de Polícia Civil/ Biblioteca Paulo Pinheiro Chagas
Rua Oscar Negrão de Lima, 200, sala 302
Nova Gameleira – Belo Horizonte – Minas Gerais – CEP 30510-210
Fone: (31) 3379.50.41 fax: (31) 3379.50.02
Ficha catalográfica
Criminologia/ Núcleo de Estudos em Segurança Pública e
Pesquisa- NESPP/ ACADEPOL. Ano 2. N.2 (ago.2007) – Belo
Horizonte, 2007
Anual
ISSN 1676-0584
1.Criminologia. 2.Direitos Humanos. 3.
Educação.
4.Segurança Pública. I. Polícia Civil de Minas Gerais.
CDD 301.304
3
SUMÁRIO
ESTUDO EPISTEMOLÓGICO DO TERMO “SERIAL KILLER”: CONCEITO E
NOVA PROPOSTA DE CLASSIFICAÇÃO.................................................................
5
Autor: CHAVES, Paulo Guilherme Santos et all (Equipe de Pesquisadores
voluntários do Núcleo de Estudos em Criminalidade e Segurança – NESPP/
ACADEPOL)
A INFLUÊNCIA DO CONSUMISMO NO AUMENTO DA CRIMINALIDADE
JUVENIL........................................................................................................................
15
Autor: RIBEIRO, Gláucia Maria e CHAVES, Paulo Guilherme Santos
A
MILITARIZAÇÃO
DOS
APARELHOS
POLICIAIS
BRASILEIROS.............................................................................................................
29
Autor: ZAVATARO, Bruno.
IMPLEMENTAÇÃO DA MALHA CURRICULAR NACIONAL: A FORMAÇÃO
POLICIAL CIVIL EM MINAS GERAIS.........................................................................
45
Autor: ALMEIDA, Silvano e COSTA, Patrícia Luíza.
A GEOGRAFIA DO CRIME E O ESTADO DE MINAS GERAIS: A
Superintendência Geral de Polícia e a distribuição de Policiais Civis – um
estudo de caso..........................................................................................................
63
Autor: SANTOS, Mário José Correia; CHAVES, Paulo Guilherme Santos; BATELLA,
Wagner; COSTA, Patrícia Luíza.
A APLICAÇÃO DO SISTEMA DE INFORMAÇÃO NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL:
O LIVRAMENTO CONDICIONAL................................................................................
85
Autor: COSTA, Andréa Luíza.
SEGURANÇA PÚBLICA, CRIMINOLOGIA, POLÍCIA COMUNITÁRIA E MÍDIA:
Simbiose necessária para o século XXI. .................................................................
101
Autor: PEREIRA, Égina Glauce Santos
O PROGRAMA FICA VIVO EM BELO HORIZONTE VERSUS A NOVA RETÓRICA
POLÍTICA DA ‘TOLERÂNCIA ZERO’.........................................................................
111
Autor: CASTRO, Gustavo Almeida Paolinelli de
ANEXOS........................................................................................................................
123
4
5
ESTUDO EPISTEMOLÓGICO DO TERMO “SERIAL KILLER”: CONCEITO E NOVA
PROPOSTA DE CLASSIFICAÇÃO
Paulo Guilherme Santos Chaves et all1
Ângela Romano
Cristina Coelli
Maria Regina Salles Pimentel
Patrícia Helena Cardoso
Tânia Maria Coutinho
Patrícia Luíza Costa
Rodrigo Piassi
Márcia C. Laperrière de Moura
Miguel Alves Franco
Rossana Mary Neres Silva
Tatiana Falconi
INTRODUÇÃO
Estudar o homicida em série tem sido muito explorado pela criminologia mundial. Influenciado
pela visão da criminologia clínica bastante difundida na década de 70, os conhecimentos
explorados pela psiquiatria permitiram uma vasta abordagem sobre a estrutura psíquica destes
criminosos. De fato, embora hediondo e repulsivo o delito, o medo da população local onde
atuam e a fascinação que este tipo de estudo gera nos criminólogos, incentivaram a produção
científica sobre o tema. Uma delas, a enciclopédia do Serial Killer de Michael Newton (2005),
faz um levantamento de quase todos os casos de matadores em série documentados durante
todos os anos, apresentando assim uma gama enorme de exemplos a serem analisados, como
seu modus operandi, assinaturas que o identificam, troféus que acumulavam das vítimas e o
perfil da vítima escolhida.
Considerava-se o assassino em série todos aqueles assassinos que cometeram mais de dois
crimes com certo intervalo de tempo entre eles (FBI). Sendo assim, o conceito de “Serial Killer”
tornou-se muito vago. Somente para exemplificar, o latrocida que cometeu mais de dois
homicídios teria que ser considerado um Serial Killer o que não é a realidade. Outro que
também estaria incluído neste grupo seria o indivíduo que cometeu um homicídio, causa de
seu envolvimento no tráfico de drogas, e logo teve que repetir outros muitos assassinatos.
1
Paulo Guilherme Santos Chaves é bacharel em Fisioterapia pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais.
Especialista em Geriatria e Gerontologia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Responsável técnico-científico pelo Curso de
Gerontologia aplicada ao Agente Policial Civil realizado pela Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, em parceria com a
Secretaria Nacional de Segurança Pública-SENASP e o Hospital Espírita André Luiz-HEAL. Responsável pelo Projeto de Violência
Doméstica contra o Idoso, realizado na Delegacia Especializada de Proteção ao Idoso-DEPI, de Belo Horizonte, Minas Gerais.
Professor-orientador de monografias do Curso de Pós-graduação "Lato Sensu" - Especialização em Criminologia, da PUCMINASACADEPOL/MG. Este trabalho foi realizado com a Equipe de Pesquisadores, todos voluntários: Policiais Civis – Ângela Romano
(Perito Criminal e Especialista em Criminologia); Cristina Coelli (Delegado de Polícia); Maria Regina Salles Pimentel (Escrivão
de Polícia e Especialista em Criminologia); Patrícia Helena Cardoso (Escrivão de Polícia e Especialista em Criminalidade e
Segurança Pública e Criminologia); Tânia Maria Coutinho Ricas (Agente de Polícia, Especialista em Psicologia e Psicanálise,
Pedagoga); Patrícia Luíza Costa (Agente de Polícia, Bacharel em Química pela UFMG. Especialista em Fonética da Língua
Inglesa pela UEMG. Mestre em Administração pela FGV. Doutora em Química Analítica pela UNICAMP. Pertence ao quadro da
Polícia Civil de Minas Gerais, atuando com Agente de Polícia. Atua na Divisão Psicopedagógica da Academia de Polícia Civil de
Minas Gerais. Policiais Militares: Rodrigo Piassi (Capitão PM de Minas Gerais, Especialista em Criminologia); Márcia C.
Laperrière de Moura (Tenente da PM de Minas Gerais, Odontóloga e Especialista em Criminologia). Os Administrativos: Miguel
Alves Franco (Psicólogo e Especialista em Criminologia); Rossana Mary Neres Silva (Psicóloga) e Tatiana Falconi (Assistente
Social) ambas atuando na Delegacia Especializada de Pessoas Desaparecidas, do Departamento de Investigações da Polícia Civil de
Minas Gerais.
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A priori, o conceito de homicidas em série esbarra em questões etimológicas2. Os maiores
esforços na busca de entender estes homicidas iniciaram pelos estudiosos americanos. Tal
fato, fez com que o termo Serial Killers tornara-se referencia na identificação do tipo de
homicida a que as investigações se referiam. O termo “Serial Killer” foi posteriormente
relacionado ao estado mental patológico destes indivíduos, sendo eles imputáveis ou não.
Assim sendo, etimologicamente, o termo do homicida em série remete a uma busca de
homicidas que são caracterizados por um fator etiológico; isto é, homicida com certo grau de
patologia mental cujo caráter doentio se torna a causa que o impulsiona para tais atos.
O termo sofre então mudanças com o tempo o que indica a necessidade de analisar-se sua
semântica uma vez que inúmeros outros casos foram aparecendo. Casos que variam em sua
causalidade, em seu perfil geral quanto ao criminoso, em relação aos locais em que atuam e
principalmente em sua finalidade; em seu objetivo fim.
Muitas dúvidas giram em torno dos homicidas em série. Uma delas refere-se ao próprio termo
traduzido para as línguas vernáculas. Qual a diferença de Serial Killer para o homicida em
série? Em fim, existe diferença? Se um termo é a tradução do outro como pode haver uma
diferença?
O fato de que o Serial Killer seja considerado o “verdadeiro homicida em série”, encontra-se
por detrás das brumas da semântica. O termo americano, tão explorado na literatura e nos
filmes sensacionalistas, com o tempo, criou um autoconceito e estabeleceu o típico homicida
em série do qual a população teme e muitas vezes altera, inclusive, seus hábitos normais de
vida.
De fato este estudo tem a pretensão de definir o conceito do termo Serial Killer além
estabelecer uma classificação dos homicidas em série explorando o perfil psíquico deste
indivíduo. Assim sendo, faz-se necessário um esforço hermenêutico3 sobre o “termo” no intuito
de definir com exatidão qual o tipo de homicida é considerado um Serial Killer.
Muitos são os questionamentos que serão abordados no estudo de um indivíduo que
aparentemente escarnece da importância da vida humana desrespeitando a lei primeira de
cunho jurídico e também religioso, “não matarás”. Como pode um ser humano desrespeitar por
simples prazer o direito a vida? Se trata de um doente mental? Seria o ambiente e sua história
de vida pregressa os desencadeadores desta patologia ou tal patologia passa a existir em
conseqüência destes? Isto é, os doentes mentais nascem homicidas ou vão se estruturando
homicidas em série de acordo com suas vivências? Tem uma patologia ou apenas um distúrbio
de comportamento? Podemos acreditar que alguns destes homicidas em série podem ser
completamente sãos, ao referir-se a seu estado mental? Todas estas questões parecem
difíceis de serem respondidas, mas não impossíveis.
O dano maior dos crimes dos homicidas seriais é o sentimento de insegurança. Não que outros tipos de
homicídios não incomodem a população geral, mas nem sempre o cidadão “comum” é alvo destes
homicídios. É sabido que o maior percentual de homicídios gira em torno das vítimas jovens de 18 a 24
anos que envolveram-se com o tráfico de drogas (BEATO, 2003).
Entretanto, mesmo o indivíduo que não freqüenta nenhum tipo de ambiente de consumo de drogas e nem
está envolvido em rixas diversas ou qualquer conflito passional seja ele de qualquer natureza, está
exposto, ainda assim, a principalmente três tipos de crimes que pode vitimizá-lo a qualquer momento
fazendo-o perder a sua vida.
2
Etimologia vem do grego antigo sendo parte da gramática que trata da história ou origem das palavras e da explicação de
seu significado através da análise dos elementos que as constituem. Por outras palavras, é o estudo da composição dos vocábulos e
das regras em sua evolução histórica. No caso não se trata de uma palavra senão de um termo composto.
3
O termo "hermenêutica" provém do verbo grego "hermēneuein" e significa declarar, anunciar, interpretar, esclarecer e,
por último, traduzir. Significa que alguma coisa é "tornada compreensível" ou "levada à compreensão".
7
O seqüestro seria o primeiro, o que por princípio geral, coloca sobre ameaça uma pequena
parcela da população, a de classe alta. O segundo, o latrocínio incluindo o seqüestro
relâmpago, caso a vítima tente reagir ao assalto. Este crime pode ameaçar qualquer pessoa,
sendo ela de classe alta, média ou baixa. Porém, este tipo de crime pode ser semicontrolado
pela vítima bem informada caso saiba agir durante a abordagem do assaltante. E por fim, o
homicídio cometido por um homicida em série. Neste, ninguém se encontra protegido.
Qualquer pessoa pode cruzar com um homicida em série e tornar-se vítima destes e não há
muitos recursos de controle da situação. Por tanto, a suspeita de um homicida em série em
uma região causa pânico à população local e altera os hábitos de vida de pessoas comuns.
REVISÃO DA LITERATURA
O termo assassino surgiu na Síria no século XI quando um fundamentalista mulçumano para
estimular os atos de crueldade de seus seguidores, os induzia a consumir “hachís”, uma droga
extraída do cânhamo, uma planta comum da índia. Em árabe, a planta era chamada de
“hassís” . Tais seguidores do chamado “o velho da montanha” eram conhecidos como
“hassasí” que em árabe é “consumidor de haxixe”. A palavra passou a ser usada para designar
os matadores. A palavra “assassino” aparece usada pela primeira vez em português por volta
do Século XII. Este vocábulo, que foi trazido do Oriente pelos Cruzados, chegou também ao
francês e inglês como “assassin”, ao espanhol como “asesino”, ao italiano como “assassino”.
O comportamento dos Serial Killers foi descrito pela primeira vez, em 1840, com base em um
militar francês que, durante o dia, trabalhava e convivia pacificamente com sua família porém,
a noite, invadia cemitérios para violentar cadáveres. (GUIDO PALOMBA, 2004)
Usava-se então a palavra Stranger Killer (Assassino Desconhecido) pois acreditava-se que os
assassinos não conheciam suas vítimas. O agente do FBI Robert K. Ressel observou que em
alguns casos os assassinos tinham algum tipo de contato com as vítimas e cunhou o termo
Serial Killer, a partir 1970.
Alguns estudiosos consideram que o ato de matar duas pessoas já é suficiente para classificar
o assassino como Serial killer, outros consideram que somente com quatro homicídios é que
se deveria aplicar tal classificação. (ILANA CASOY, 2004). Pesquisas feitas por médicos
americanos em 1984 revelaram que na maioria dos casos, os Serial Killers tem uma doença
denominada DPA (Distúrbio da Personalidade Anti-social). (SABBATINI, 1998).
Psicopatia
Uma grande dúvida gira em torno dos matadores em série. São todos psicopatas? A psicopatia
é uma doença ou apenas um transtorno do comportamento? Será que ela é uma disfunção
cerebral? A evolução dos conceitos sobre a personalidade psicopática, em geral, têm
dedicado, há tempo, preocupação com o quadro conhecido por psicopatia ou sociopatia,
transtorno dissocial, transtorno sociopático, transtorno anti-social. É um esforço para colocar as
pessoas que não se encaixam nas doenças mentais já bem definidas e com características
bastante delineadas. Situam-se à margem do considerado normal do psico-emocional ou no
mínimo, comportamental. Psicopatas, são os indivíduos cujo tipo de conduta chama a atenção
e que não se podem qualificar de ‘loucos’ nem de débeis, eles estão em um campo
intermediário. Atuam em termos de comportamento, conduta moral e ética.
Em 1801, Pinel publica o Tratado Médico Filosófico sobre a alienação mental e fala de pessoas
que têm todas as características de mania, mas que carecem de delírio. Chamava de mania os
estados de furor persistente e o comportamento florido, distinto do conceito atual de mania.
Esquirol, J. discípulo de Pinel cunhou o termo monomania, enfocando um determinado aspecto
de comportamento (monomania homicida, monomania incendiária). Defendia a idéia de que a
monomania poderia resultar em atos criminosos, portanto, passíveis de tratamento e, não de
punição.
8
Emil Kraepeliin (1904) psiquiatra alemã, cunhou o termo personalidade psicopática, para
pessoas que se mantém em choque contundente com os parâmetros sociais vigentes. Kurt
Schneider (1923) falou sobre o termo personalidades anormais que sofrem por sua
anormalidade ou, por ela, fazer sofrer a sociedade.
Freud (vol.XIV) em “alguns tipos característicos encontrados no trabalho psicanalítico”,
especificamente, no texto Criminosos em conseqüência de um sentimento de culpa, faz da
culpa um divisor de águas em relação a criminosos analisáveis e não analisáveis, isto porque
ele localiza a culpa num tempo anterior ao ato criminoso, que é cometido com vistas à punição.
Nas décadas de 60 e 70, outros autores foram definindo os traços característicos da psicopatia
com termos tais como, perturbações afetivas, perturbações do instinto, deficiência superegóica,
tendência a viver só o presente, baixa tolerância às frustrações. Alguns classificam esse
transtorno como anomalias do caráter e da personalidade ressaltando sempre a impulsividade
e a propensão para condutas anti-sociais. (Gover, Henry Ey, Kolb, Liberman)
Debray (1982) dizia sobre, como é a conduta anti-social o elemento crucial da descrição o
termo adequado seria a sociopatia e personalidade anti-social. O termo sociopatia é preferido
pelos behavioristas enfatizando o aspecto aprendido, através do meio, por reforçamento e
punição.
Classificação da Organização Mundial da Saúde- OMS, refere-se a distúrbio da personalidade,
com predominância de manifestações sociopáticas ou associais. “Distúrbio da personalidade
caracterizado pela inobservância das obrigações sociais, indiferença para com outrem,
violência impulsiva ou fria insensibilidade”.
O Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders- DSM foi elaborado por psiquiatras em
grupo de trabalho estabelecido pela American Psychiatric Association com o objetivo de criar
um sistema classificatório compreensivo que refletisse o estado atual de conhecimento sobre
‘doença mental’.
Importante notar que o termo transtorno da personalidade dissocial é colocado como sinônimo
de psicopatia e sociopatia. O DSM- IV acaba por reagrupar aquilo que o DSM-I distinguia entre
reação anti-social e reação dissocial. O primeiro termo diria respeito ao psicopata e o segundo
a um grupo de pacientes que ignoram normas sociais, que se criam em ambiente social
anormal, mas que ainda são capazes de mostrar fortes sentimentos de fidelidade na área
pessoal (Kernberg, 1995). O termo reação associal é usado também por COLEMAN (1973)
com o mesmo sentido de reação dissocial.
Henry Ey, em seu “Tratado de Psiquiatria I” inclui as personalidades psicopáticas dentro do
capítulo das doenças mentais crônicas, as quais considera como um desequilíbrio psíquico
resultante das anomalias caracteriológicas das pessoas. Cita as características básicas das
Personalidades Psicopáticas como sendo a Anti-Sociabilidade e impulsividade (1996)
Classicamente, hoje em dia a Personalidade Psicopática tem sido caracterizada,
principalmente, por ausência de sentimentos afetuosos, amoralidade, impulsividade, falta de
adaptação social e incorregibilidade. A maioria das pessoas é incapaz de entender como uma
personalidade antisocial e criminosa, tal como a de um “serial killer” (assassino serial), é
possível, em um ser humano. Os sociopatas são incapazes de aprender com a punição, e de
modificar seus comportamentos. Ao descobrirem que seu comportamento não é tolerado pela
sociedade, reagem escondendo-o, mas nunca o suprimindo, e disfarçando de forma inteligente
as suas características de personalidade. Por isso, os psiquiatras usaram no passado o termo
“insanidade moral”.
De fato, tais indivíduos são incapazes de sentirem emoções “sociais” tais como simpatia,
empatia, gratidão, etc. Isto pode explicar porque os sociopatas são tão desejosos de infringir
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sofrimento e dor em outras pessoas sem sentir qualquer remorso. Para eles, as emoções de
outras pessoas não têm qualquer importância; eles são “incapazes de construir uma similitude
emocional do outro”.
Perfil e características
Serial Killers, em sua maioria, são homens jovens e de raça branca, sendo que seu primeiro
crime ocorrerá entre os 20 e 30 anos. Apenas 5% são considerados doentes mentais. Os
aspectos que contribuem para a formação de Serial Killers são complexos. Atualmente, adotase a abordagem biopsicossocial na tentativa de compreendê-los. (ILANA CASOY, 2004 e
BALLONE, 2002).
Os aspectos biológicos são alterações genéticas, síndromes, tumores, lesões ou mal
funcionamento cerebral e descontroles bioquímicos. Outros aspéctos são a Tríade; enurese em
idade avançada, sadismo com animais ou crianças e destruição de propriedades como casos
de piromania. A mitomania, fobias, possessividade destrutiva, agressividade, baixa autoestima, problemas alimentares, automutilações, traumas de infância e masturbação compulsiva
completam o quadro psicológico.
Normalmente são frios, vaidosos, egoístas e sem
sentimentos de culpa ou piedade. Os aspectos sociais são o isolamento familiar e social,
crianças vítima de abusos sexuais, rebeldia, roubos e envolvimento com drogas, abandono do
lar, família mal estruturada (pais ausentes, agressivos, alcoólatras ou portadores de sofrimento
mental).
As vítimas são partes das fantasias dos Serial Killers. Após se livrarem dos corpos, os
homicídios são revividos ou reencenados por eles através de vários métodos. Alguns gravam,
filmam ou fotografam seus crimes para revê-los. Outros pegam souvenirs tais como: roupas,
sapatos, aparelhos eletrônicos ou partes do corpo de suas vítimas. (ILANA CASOY, 2004 e
GUIDO PALOMBA, 2004).
O Modus Operandi é determinado observando-se no crime: o tipo de vítima selecionada, o
local do crime e a arma utilizada. Na maioria das vezes os Serial Killers utilizam-se de armas
brancas (facas, navalhas, estiletes, etc.) podendo também estrangular ou desferir fortes golpes
na vítima. A utilização de armas de fogo é rara. (ILANA CASOY, 2004 e GUIDO PALOMBA,
2004).
O Serial Killer sempre tem um importante aspecto comportamental em seus crimes: ele
normalmente os “assina”. Esta assinatura é sempre única. São consideradas assinaturas:
atividade sexual em uma ordem específica; tipo específico de amarração; mesmo tipo de
ferimento em todas as vítimas; corpo disposto de certa maneira; torturas, mutilações, rituais.
(ILANA CASOY, 2004)
Embora esses assassinos possam não Ter domínio no controle de seus impulsos, eles
distinguem muito bem o certo do errado, tendo plena consciência de que estão praticando um
crime e que seu comportamento não é aceito pela sociedade. Os Serial Killers param de matar
somente quando presos ou mortos. Eventualmente, param também quando sentem que a
polícia está perto de descobri-los e prendê-los, voltando a agir quando se sentirem mais
seguros.
CONCEITO DE HOMICIDA EM SÉRIE
Segundo considerações acima, o conceito do homicida em série deve levar em consideração
como principal indicador, a finalidade através da qual o homicida é levado a cometer o crime e
não sua causalidade. Isso é, deve adotar como fundamento estruturador para a
conceitualização, a motivação para o crime. Caso seja levado em consideração que indivíduos
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com uma mesma patologia estão propensos a cometerem crimes diversificados dentro do
código penal, a causalidade, então, deixa de ser importante para conceituar e para definir a
classificação dos homicidas em série.
A exemplo, a psicopatia pode ser a causa do indivíduo de cometer assassinatos em série,
como cometer estupros sem homicídio, como também envolver-se apenas em crimes de lesão
corporal como brigas de gangues ou outros crimes como pedofilia, etc... Entretanto, a
finalidade nos permite definir o porque o homicida em série resolveu cometer seus
assassinatos tornando-se dentro do conceito o principal norteador.
Existem vários tipos de homicidas em série segundo o parâmetro motivação. Esta nova
classificação, distribui os homicidas segundo a motivação para o crime. Desta forma, os
homicidas que serão considerados, HOMICIDAS EM SÉRIE se distribuem em duas
classificações gerais:
b) Homicidas seriais atípicos
São chamados assim aqueles homicidas cujo objetivo principal é eliminar suas vítimas por
motivos definidos que não tenha relação com o prazer pessoal e nem com insanidade mental.
Dentro destes homicidas encontram-se distribuídos os matadores de aluguel, os homicidas
ideológicos que exterminam grupos específicos seguindo suas crenças pessoais sem influência
de qualquer organização, os latrocidas que premeditam o homicídio de suas vítimas, e
matadores que pretendem deixar uma mensagem política ou não através da morte de
inocentes.
Alguns destes homicidas podem apresentar outros objetivos relacionados com o prazer em
matar. Se o prazer em matar, torna-se tão importante ou mais importante que a própria morte
de suas vítimas, eles se encaixam na próxima opção descrita abaixo.
b) Homicidas seriais típicos ou “Serial Killer”
São aqueles homicidas que agem por total insanidade ou por Ter como objetivo principal a
satisfação do prazer pessoal.
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Homicidas seriais típicos simples: matam pelo simples prazer em tirar a vida de
suas vítimas. Satisfazem seu prazer através da relação de poder que estabelece entre
ele e o número de vítimas como representação de sua capacidade e poder;
Homicidas seriais típicos sexuais: o objetivo principal destes homicidas é alcançar
durante ou após o homicídio a satisfação de seus impulsos e desejos sexuais;
Assassinos seriais típicos sádicos: o objetivo principal destes homicidas é subjugar
suas vítimas convertendo-as em objeto impotente de sua vontade de onde alcançam
prazer através do sofrimento que imprimem;
Homicidas seriais típicos insanos: o objetivo principal destes homicidas é obedecer
a comandos de ordem transcendente de cunho psiquiátrico e/ou paranormal;
Homicidas seriais típicos mistos: homicidas que tem mais de um objetivo citado
acima, como os relacionados ao sadismo, à sexualidade e podendo apresentar
também traços de insanidade. O conceito do típico homicida em série conhecido como
SERIAL KILLER fica definido assim:
Indivíduos que cometem três ou mais homicídios com
um espaço de tempo entre um e outro, cuja finalidade
venha a satisfazer uma necessidade pessoal que foge
ao âmbito de auto-preservação e das ideologias de
grupos.
Assim sendo, podemos excluir alguns homicidas que comentem vários assassinatos
consecutivos como os matadores ligados a grupos radicais religiosos, políticos e étnicos,
matadores ligados a esquadrões da morte que seguem a ideologia de um grupo e/ou ordem de
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instância superior, matadores ligados a um comando maior como os liderados por traficantes
de drogas, latrocidas que não tem a intenção de matar, não tendo premeditado o homicídio,
matadores que após seu primeiro assassinato são levados a cometer outros homicídios para
esconder o primeiro ou por conseqüência do mesmo, causa da necessidade de autopreservação. Todos estes são classificados dentro dos homicidas seriais atípicos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não é muito comum em nossa realidade a freqüência da atuação de Seriais Killers no Estado
de Minas Gerias. Algumas críticas são feitas pelo fato de dispensar tempo para um estudo que
não exprime grande demanda. Entretanto, segundo relato da responsável pela delegacia de
desaparecidos Dra. Cristina Coelli (2004-2006), muitas das crianças desaparecidas
procuradas, são focos de suspeitas da atuação de homicidas seriais típicos. A dificuldade de
apuração destes crimes, e de recursos para tal leva a um descrédito deste tipo estudo.
Entretanto, está viva no consciente dos investigadores da desaparecidos, a suspeita da
atividade de homicidas em série típicos no Estado de Minas Gerais.
A importância deste estudo está na definição do parâmetro pelo qual se buscará compreender
melhor a conduta de determinados criminosos. Com a nova classificação será possível
vislumbrar futuros estudos que investigarão a real motivação pela qual, indivíduos sociopatas
foram conduzidos a cometer seus crimes.
Na literatura, pouco se sabe sobre a motivação que levou cada conduta criminosa dos Seriais.
Isto nos permitiu detectar um vazio de informações na ciência criminológica que é fundamental
para a prevenção e investigação deste tipo de crime. Futuros estudos permitirão descobrir qual
a maior motivação da maioria dos homicidas seriais típicos citados na literatura nacional e
internacional o que facilitará a atuação na prevenção de novos homicídios relacionados a
prováveis Seriais Killers da atualidade.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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15
A INFLUÊNCIA DO CONSUMISMO NO AUMENTO DA CRIMINALIDADE JUVENIL
Gláucia Ribeiro Moreira Araújo4
Paulo Guilherme Santos Chaves
INTRODUÇÃO
Várias pesquisas e estudos realizados, com a finalidade de explicar o aumento da criminalidade,
especialmente a partir de 1996, demonstraram grande salto nos índices, trazendo em seu bojo
fatores que comprovadamente foram vetores da criminalidade.
Esses estudos foram direcionados para questões específicas da criminalidade juvenil. Diante disso,
surge uma proposta de pesquisa do fator “consumo”, essência do capitalismo, a fim de comprovar
se opera discretamente como pano de fundo para o incremento da criminalidade entre os jovens,
ou seria meramente um dos microelementos que constroem a dinâmica da criminalidade.
Os dados estatísticos apresentados à sociedade pelos órgãos da Defesa Social, revelam um
acentuado aumento da criminalidade verificado a partir de 1996. O que chama a atenção para os
números apresentados, é o destaque dos crimes violentos diretamente ligados aos crimes contra o
patrimônio. Dado conexo e de grande relevância, é o fato da concentração dos números de
agentes e vítimas de tais crimes que se dá na faixa etária jovem; motivo pelo qual, a presente
pesquisa se restringe ao comportamento e à criminalidade dos jovens com idade entre 12 e 18
anos.
A proposta do presente trabalho é investigar se a explosão do consumo influenciou no aumento da
criminalidade juvenil. Se tais processos sociais se desenvolveram dentro de um mesmo contexto,
quais as interferências deste novo modo de vida no aumento da criminalidade que envolve os
jovens no Estado de Minas Gerais.
A pesquisa busca traçar o perfil do adolescente, tecer conexões que possibilitem verificar a
correlação entre o novo modus vivendi da população jovem e a identidade que constroem diante da
cultura do consumo, verificando se há uma relação real entre esses fatos e a crescente onda de
crimes.
REVISÃO DA LITERATURA
Associe-se a estas informações, dados da pesquisa realizada por Pogianelo (2004), que mostra a
acessibilidade que têm os jovens do Estado de Minas Gerais, às armas de fogo. Paralelo a isto,
cresceu o número de ocorrências de crimes violentos e das apreensões de armas de fogo, o que
parece estar estritamente correlacionado.
Vários fatores de ordem política, econômica e sociais, ocorridos ao longo da historia do Brasil são
considerados nesta pesquisa: Chaves (2005) pontua estes fatores, tomando como marco histórico
a década de 60, quando a Criminologia, como ciência que estuda o crime, a pessoa do infrator, a
vitima e o controle social do comportamento delitivo, direciona seu foco para a sociedade. Após o
golpe militar de 64, o Brasil sinalizava mudanças com a abertura política. O povo clamava pela
democracia. O Brasil vivia grande tensão e a criminalidade começava dar indícios de avanço.
4
Bacharel em Direito e especialista em Criminologia. É Policial Civil responsável pela Coordenação Pedagógica do
Curso de Especialização em Criminologia, uma parceria entre a Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, através do
Instituto de Educação Continuada- PUCMINAS-IEC e a Academia de Polícia Civil de Minas Gerais- ACADEPOL/MG.
Pesquisadora voluntária do Núcleo de Estudos em Segurança Pública e Pesquisa- NESPP/ ACADEPOL/MG.
16
Em relação aos aspectos econômicos, no período de 1980 e 1983, a economia estagnada, já
mostrava uma significativa distancia entre ricos e pobres. Ao mesmo tempo em que crescia a
população dos grandes centros urbanos, crescia continuamente a pobreza e a criminalidade
violenta.
Mudanças de governos e estratégias várias. Os planos econômicos adotados nos últimos nove
anos tiveram como resultado uma concentração de renda, da qual se deduz em contrapartida, uma
grande “desigualdade social”.
Mudanças na cultura também revelaram-se como fatores de influência no aumento da
criminalidade, tendo seu foco direcionado para a família. As conquistas e superações da mulher na
sociedade, a ausência no lar, tanto do pai como da mãe, produzindo uma educação informal das
crianças. A maior parte dos jovens envolvidos na criminalidade, sugerem uma ausência real ou de
omissão dos pais, produzindo na personalidade daqueles menores, indiferença, frieza e egoísmo
(CHAVES 2005).
Houve, além de todo esse processo, uma mudança de valores, influenciada pela vida urbana,
estimulada pela industrialização e pelo crescimento econômico.
A omissão dos governos atuais nos programas de investimentos sociais, especialmente na
educação, base para o desenvolvimento das crianças e adolescentes alimentam os números dos
“grupos alvos de exclusão social”.
O neoliberalismo obediente à doutrina cega do capitalismo, afogou a humanidade num ritmo de
produção e consumo. A ordem é consumir. Os recursos de imagem utilizados pela publicidade
imprimem uma abundância de audiovisuais dirigidos às pessoas, restando pouco ou nenhum
espaço para a reflexão e manifestações individuais. E o lugar privilegiado de constituição de
identidades se desloca da família e da escola para a mídia.
A Internet torna-se a influência avassaladora do mercado consumista americano que consolidou-se
em grande parte do mundo mercantil. Os jovens, alvos vulneráveis, e conseqüentemente mais
suscetíveis às influências dos modismos propostos por esse mercado, constroem suas identidades
transitórias e tensas nos objetos de consumo (FISCHER, 2000).
A cultura do consumo, sua origem e seus efeitos
A cultura do consumo é uma expressão que nos remete à era da pós-modernidade e do capitalismo
pós-fordista, ou “desorganizado”, assim descrito na visão do sociólogo Don Slater (2002). Esse
modelo tem sido referenciado como um modo de reprodução cultural desenvolvido pelo Ocidente e
que se estende desde o século XVIII até o presente.
Conceitua-se a “cultura do consumo” destacada do termo consumo. Ela define um sistema em que
o consumo é dominado pelo consumo de mercadorias, e onde a reprodução cultural é geralmente
compreendida como algo a ser realizado por meio do exercício do livre-arbítrio pessoal na esfera
privada da vida cotidiana. A cultura do consumo é o modo dominante que permite estruturar e
subordinar todas as outras formas. Pressupõe dominação, onde o Ocidente se via como “civilizado
e rico por direito” (Slater, 2002).
Uma forma bem clara de situar a origem do consumo é pensar que na visão sociológica, a sua
prática constitui o lúdico, o hedônico. Partindo desta visão, em um raciocínio lógico, tem-se que o
trabalho precede a diversão. De fato, no contexto histórico, em que a produção revela-se como
essência da modernidade, no auge da Revolução Industrial foi que o consumo passou a ser
compreendido de formas caracteristicamente modernas. A cultura do consumo, portanto, seguiu-se
à industrialização, ao “boon” da exploração do trabalho.
17
Esse fato é razoavelmente explicável. Na história econômica a modernização, até o século XX,
estava voltada para o trabalho. Houve neste período, um acúmulo de recursos, investimentos em
energias de produção de meios de produção; uma contenção, de certo modo forçada, dos recursos
produtivos.
O consumo restringia-se às necessidades básicas. A cultura era vista como excedente econômico,
e só então, após atingir certo nível de riqueza, a sociedade se permitia a “opção cultural” pelos bens
desejáveis, caracterizadores da cultura de consumo.
Por óbvio, tudo isso se desenrolou através do processo de circulação de mercadorias, que
passaram a fazer parte do cotidiano das classes sociais; a disseminação da cultura do consumo
(moda – gosto); o desenvolvimento de infra-estruturas, organizações e práticas que suportassem os
novos tipos de mercado, de onde surgem os veículos necessários à propagação do consumo:
shoppings, publicidade e o marketing. Mas o comércio é que se apresentou como propulsor da
transição da sociedade agrária tradicional para a sociedade moderna. O comércio é que forneceu
novas imagens e conceitos por meio dos quais o consumo foi reconhecido, trazendo a marca da
cultura do consumo, com noções de economia, governo, idéia de sociedade civil e da própria
sociedade, imagens da individualidade, de interesse individual, da razão e desejo, de novos
conceitos de status e cultura.
Partiu de uma tradição onde consumir significava esbanjar, desperdiçar. No final do século XVIII
“consumo” tornou-se um termo discutível sem tensões e compreendido segundo Smith (1986)
como a única finalidade e propósito de toda a produção, só importando ao produtor atender os
interesses do consumidor.
O consumidor é o ator principal no contexto de desenvolvimento da cultura consumista pósmoderna. De um ângulo é visto como um escravo irracional dos desejos materialistas, manipulado
por produtores de larga escala. De outro lado, o consumidor é visto como um herói, na medida em
que manifesta sua autonomia e racionalidade, já que, somente as necessidades por ele definidas
podem legitimar as instituições econômicas e sociais.
Adolescentes como atores no contexto neoliberal
A criação do termo “adolescência”, em plena virada do século, veio designar a transição da infância
para a idade adulta. Moujan (1993), um psicanalista argentino, define assim a adolescência:
“A adolescência é estado confusional transitório criado pela amplidão dos
processos de luto e do polimorfismo zonal libidinal e agressivo, que leva a
uma crise de identidade que estabelece uma luta estimuladora do
pensamento lógico formal, das funções discriminadoras e sintéticas do ego
e protetoras do superego, chegando ao estabelecimento de novos
vínculos objetais mais reais pela elaboração das fantasias pré-edipianas e
edipianas”.
A adolescência é uma fase caracterizada por um processo de reorganização interior denominado
por alguns teóricos como “turbilhão”. Nesta fase ocorre nos adolescentes uma ruptura na sua
personalidade, que provoca alterações do humor e do comportamento que se apresenta variável e
imprevisível, confusão de pensamentos e rebeldia, normalmente com os pais. Essa ruptura referese também à separação do jovem de seus pais, momento em que se inicia um processo de
desenvolvimento da própria identidade. Poder-se-ia dizer que é a fase em que o adolescente
encontra-se consigo mesmo. Fase em que o indivíduo desperta para o relacionamento com seus
pares (feminino ou masculino) e busca a construção de uma personalidade estável.
18
Vários autores preferem concordar com a idéia de que a fase adolescente inicia depois da infância,
por volta dos 12 (doze) anos e termina por volta dos 18 (dezoito). Este foi o entendimento adotado
pela legislação brasileira, através do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Atualmente, crianças e adolescentes participam avidamente da vida dos adultos e passam também
a fazer parte da realidade do consumo e dos prazeres. Esse fenômeno tem levado observadores a
uma reflexão no conceito de adolescente e puberdade, aparentemente, termos sinônimos ou ao
menos correlatos.
É comum na sociedade atual, verificar-se crianças precocemente assumindo papel de
adolescentes, e estes, papel de adultos. Analiticamente falando, se estes papéis têm sido exercidos
precocemente, também de forma precoce tem se manifestado a puberdade. As meninas,
principalmente, vêm amadurecendo muito cedo.
Deste modo, o conceito de adolescência não se define mais como o efeito do biológico humano
(puberdade) sobre o papel social do indivíduo, mas ao contrário, a puberdade precoce explica-se
como sendo a interferência do panorama social no biológico humano.
Formação da identidade dos jovens e o sistema capitalista
O psicólogo Erik Erikson (1976) observa que a adolescência é marcada por um aumento dos
conflitos caracterizados por uma flutuação normal e necessária da força do ego. Esta colocação é
bem explicada por Telles (2004), na conceituação do que convencionou chamar de “a crise do
adolescente” e de seu “problema de identidade”. A identidade é uma idéia integradora, totalizadora
da própria pessoa, percebida, negada ou deformada por seu ego. Nesta fase, o ego percebe uma
ruptura de continuidade da unidade, e o adolescente se vê com um corpo estranho, com novos
impulsos e sensações. Na tentativa de preencher o vazio causado pela perda da identidade antiga,
vale qualquer coisa para ter uma nova identidade.
Há uma fragilidade neste estágio de desenvolvimento do indivíduo adolescente, expondo-o a uma
suscetibilidade de influências. O adolescente se identifica temporariamente com as mais variadas
pessoas, aspectos que não são inteiramente assimilados e elaborados em seu ego, são tentativas
provisórias de manter uma identidade. Às vezes apresenta identidades negativas, assumindo tudo
aquilo que é negado ou proibido por seu grupo familiar ou social.
A partir destes conflitos e das lutas que se travam no adolescente, ele precisa ser capaz de
desenvolver um senso de identidade pessoal. Como postula Erikson (1976) “sem um senso
vigoroso de quem são, os adolescentes tornam-se vulneráveis à delinqüência, à pressão dos
companheiros e a distúrbios psicológicos mais graves.”
A “crise de identidade” é, portanto, um fenômeno psicossocial ligado a uma cultura particular,
porque se a sociedade muda, muda também a busca de identidade do adolescente. Quando o
organismo do adolescente se transforma, eles são naturalmente afetados por sua interação com o
grupo de iguais, pelas alterações na estrutura e no funcionamento da família, pelas opções de
participação no mundo adulto, pela cultura da época. Diante desta assertiva Straus (1994) propõe
que antes de ser resolvido o debate entre os pesquisadores sobre o que constitui um
desenvolvimento adolescente normal, deve-se considerar as estruturas familiares em mudança e
outros fatores sócio-econômicos, raciais e étnicos.
Tem-se, pois, um panorama geral do processo psicológico de formação da identidade adolescente
comum no desenvolvimento humano. Como bem expressa Anna Freud (1978) “ser normal durante
o período adolescente é em si anormal”.
19
Hetkowski e Gewehr (1999) em seu artigo atribui ao processo de globalização a propagação do
modo de produção capitalista baseado no consumo. E esclarecem que, segundo Achugar (1994) e
Beyaut (1994), esta tendência mundial interfere na cultura e cria forma de agir e pensar de certa
forma “homogênea”, incutindo seus produtos no âmbito global. Esta homogeneização é fonte de
graves descaracterizações nas culturas nacionais, com repercussões seriíssimas no
desenvolvimento do adolescente, “uma sensação de nau à deriva”.
A globalização, a sociedade, com referência especial aos adolescentes, interage de forma íntima e
muitas vezes velada, e esta inter-relação traz conseqüências na formação da identidade dos
adolescentes contemporâneos.
Freud (1996) explica que o processo de identificação é, primordialmente, uma forma de ligação
emocional com um objeto. Enquanto Mato (1996) entende a identidade com um processo de
construção simbólica, fruto de interações sociais. Há, pois, neste processo de construção da
identidade uma interação social em que o indivíduo se liga emocionalmente ao objeto. Esta ligação
é de grande importância para a formação da identidade adulta.
A instabilidade que vive o adolescente faz com que ele busque modelos que inspirem o adulto que quer
ser, a fim de afirmar com eficiência a sua posição no mundo. Exatamente neste momento que surgem
os problemas mais comuns da atualidade, e que se tornam um desafio para o próprio jovem: a ausência
paterna, a mentalidade consumista do mundo atual, que tem como conseqüência a descaracterização
da cultura local e nacional. Esses fatores transportam o jovem para fora da realidade.
Com a consolidação do capitalismo a sociedade entrou na “era das comunicações de massa”, que
tem por finalidade precípua manter esse estilo de vida e a ordem social, capitalista. O estilo de vida
norte-americano, difundido para todo o mundo, só foi possível, assim como sua manutenção,
através da comunicação de massa. E os países em desenvolvimento são os mais influenciados,
devido ao fato de apoiarem seu desenvolvimento nos modelos estáveis economicamente, como o
norte-americano.
Segundo Hetkowski e Gewehr (1999): o ser humano é vulnerável a influências, e, portanto, vive sob
os entorpecentes efeitos dos meios de comunicação. De modo contraditório, o mesmo meio que
veicula os direitos garantidos pelo regime democrático de direito, “regime da livre escolha”, torna a
sociedade sujeita ao despotismo do capitalismo, escrava do consumo. E os adolescentes são os
alvos prediletos dessa tendência social, o que deveria ser motivo de preocupação.
Os apelos das propagandas exibidas na mídia demonstram a grande pressão exercida sobre as
pessoas. Frases do tipo “Você precisa ter”, repercute na consciência do consumidor, principalmente
do adolescente, como: “você precisa TER para SER”. Tais apelos repetem-se dia e noite,
divulgando produtos, ideologias, corroborando e confirmando cada vez mais os ideais do sistema
capitalista, impregnando a vida diária do sentimento de que tudo e todos são descartáveis. Como
bem expôs Hetkowski e Gewehr (1999), não é a religião “o ópio do povo”, como afirmavam Marx e
Freud, e sim a mídia e seu show de efeitos especiais que escondem o ser humano em BMW’s,
Channel’s, Coca-Colas, Nikes, Mc Donald’s e tantos outros símbolos do consumo e da sociedade
como um todo.
Interessante apontar nesta pesquisa, além do que se observa como efeitos da intensa influência do
consumismo no comportamento dos jovens, a visão que eles próprios fazem de si.
Uma pesquisa realizada pela MTV no início de maio de 20055, a fim de identificar os valores e
comportamentos dos jovens com idade entre 15 e 30 anos, definiu da seguinte forma o perfil do
jovem brasileiro: “vaidade exacerbada, falta de rumo, excesso de hedonismo e individualismo”
(Menes, 2005).
5
Dossiê Universo Jovem 3. Pesquisa realizada pela MTV, coordenada por Ione Maria Menes através da entrevista com
2.359 jovens das classes A, B e C das cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Salvador e Porto Alegre.
20
Segundo a pesquisa realizada, o jovem brasileiro dá muito valor à aparência: 60% (sessenta por
cento) acreditam que pessoas mais bonitas têm mais oportunidades na vida, e 15% (quinze por
cento) dos jovens abririam mão de 25% de inteligência por 25% de beleza. Apresentam certa
insegurança em relação ao futuro, sendo que 82% dos entrevistados preferem morar com os pais a
assumir responsabilidades.
Apesar de serem pessoas com menor poder financeiro, são os jovens o público-alvo que mais é
persuadido pelas campanhas de publicidade. A mídia é responsável por criar novas necessidades.
As crianças e jovens, incapazes de entender o significado da TV e o propósito da propaganda,
passam a desejar tudo o que lhe é apresentado, crescendo assim hipersensíveis ao prazer.
É o que Lorenz (1974) denominou de neofilia, entendida como a afinidade irresistível com tudo o
que aparece como novidade resultante da doutrinação de massas. A neofilia é a patologia da
sociedade contemporânea.
Voltando à referência sobre a pesquisa realizada pela MTV, Menes (2005) apresentou numa
amostra de 2.359 jovens entrevistados, pertencentes a classes sociais variadas, verificando que
houve um crescimento vertiginoso do uso da tecnologia no cotidiano da parcela mais abastada da
população jovem, comparado com a mesma pesquisa realizada no ano de 1999 (TAB 1).
Os recursos utilizados pelos jovens entrevistados em 1999 se tornaram acessíveis a um número
muito maior de usuários. Os celulares despontam como o bem mais cobiçado, aumentando de 19%
para 71% de usuários. Os computadores apresentavam 22% de usuários, aumentando para 46% e
o acesso à Internet evoluiu de 15% para 66% dos jovens entrevistados. Cerca de 79% dos jovens
usam o "torpedo" do celular para falar com os amigos, e a avalanche de blogs e fotoblogs não
passa despercebida pela geração plugada na Web: 79% dos jovens sabem o que é Blog, 77%
sabem o que é Fotoblog, 48% já passaram pelo o Orkut, a principal rede de relacionamentos da
Internet, e 43% usam o Messenger, programa de mensagens instantâneas da Microsoft.
TABELA 1
Comparação do crescimento do uso da tecnologia no cotidiano da parcela mais abastada da
população jovem entre os anos de 1999/2005
Tecnologia de uso
Pesquisa de 1999 (%)
Pesquisa de 2005 (%)
Celular
Computador
Internet
Torpedo
Blog
Fotoblog
Orkut
Messenger
19%
22%
15%
-
71%
46%
66%
79%
79%
77%
48%
43%
Fonte: Pesquisa realizada pela MTV por MENES, Ione Maria. Valores do jovem brasileiro.
Apesar dos registros de furtos e roubos de objetos tais como aparelhos celulares relógios e outros
objetos de uso pessoal, cometidos por menores, sugerirem uma incidência maior, não são dados
seguros para aferir uma correlação desses “atos infracionais” ao desejo de consumo desses
menores, vez que todo objeto de furto ou roubo pode ser convertido em valores para serem gastos
com o que desejarem consumir.
21
CRIMINALIDADE E CONSUMISMO
As ciências criminológicas, até então voltadas para o estudo do crime sob o enfoque da
inadaptação do indivíduo, se deparou com uma mudança radical da sociedade por volta de 1960.
Essa mudança traduziu na coexistência de manifestações criminosas ligadas ao
subdesenvolvimento, com a violência em todas as suas formas, o tráfico de drogas, a criminalidade
econômica como criminalidade transnacional. Através desse posicionamento da Criminologia, já era
possível observar uma relação entre o subdesenvolvimento e a criminalidade.
Embora tido como fato normal, assim proposto pela teoria de Durkheim (1990) para quem “o crime
é normal porque seria inteiramente impossível uma sociedade que se mostrasse isenta dele”, a sua
proliferação na sociedade parece sempre indicar um desajuste social.
De todas as teorias propostas, abrangendo as mais modernas, há um consenso: a pobreza ou
ausência de educação formal não seriam fatores causais suficientemente fortes para justificar o
crime (Quételet in Magalhães, 1996). Não há relação direta entre pobreza e criminalidade. O que se
torna evidente em todos os posicionamentos é a presença de desigualdades sócio-econômicas,
que surge como um indicador para a análise do crime.
A evidente ingerência do Estado, o que os muros não evitam, levam ao confronto a realidade social,
gerando uma crescente onda de violência urbana como fruto da mais injusta distribuição de renda
do mundo.
Para melhor compreender a agudez da desigualdade, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia
Estatística – IBGE, os 20% mais pobres (32,6 milhões) dividem 2,5% (R$22,5 milhões) do PIB
nacional que é de R$900 bilhões, enquanto que os 20% mais ricos abocanham 63,4% do PIB, o
equivalente a R$570,6 bilhões. Certamente, se o Estado educasse e qualificasse os indivíduos da
sociedade de modo igualitário para compreender esses números, eles seriam inadmissíveis pela
população, base da pirâmide, que sustenta os 20% mais ricos. Os fatos demonstram a necessidade
de medidas urgentes que evitem a convulsão social sugerida pela realidade.
Esse desequilíbrio na sociedade provoca uma pressão em seus membros fazendo com que alguns
se engajem em comportamentos não conformistas. É, portanto, necessário dimensionar o grau de
pressão que os impele ao desvio de conduta, ao crime. Para Merton (1958), a anomia se apresenta
quando uma sociedade está em situação de desequilíbrio entre metas estabelecidas e os meios
legítimos para atingi-las.
Da conduta alternativa que emerge sob a tensão entre metas culturais que enfatizam o sucesso
pessoal e a escassez de meios legítimos, a resposta é anômica6. Mas esta resposta não é
generalizada. O que se pretende esclarecer é o fato de situações sociais diversas exercerem
pressões diferentes sobre determinados indivíduos que optam por condutas ilegítimas para
atingirem seus objetivos. Esses desvios de comportamento sugerem uma forma de adaptação.
Quételet (Magalhães, 1996) atribui maior propensão para o comportamento criminoso ao grupo dos
jovens, justificando a força e a paixão como propulsores do comportamento, enquanto a razão
ainda não é capaz de detê-los.
A cultura do consumo como realidade atual, impõe às classes mais baixas demandas
incompatíveis, induzindo seus membros a um comportamento desviante e criminoso, configurando
a inovação como o modo de “adaptação” proposto por Merton7.
6
Magalhães (1996). Anomia de privação.
Na inovação, o indivíduo assimila a meta que é o sucesso e ignora os meios justos, dentro das normas, quando busca
alcançá-lo. Normalmente, as causas que influenciam o comportamento dos indivíduos que cedem facilmente à inovação decorrem
da privação econômica, do baixo nível de escolarização, socialização imperfeita, lar desfeito dentre tantos fatores que colocam o
indivíduo à margem dos meios legítimos.
7
22
O AUMENTO DA CRIMINALIDADE JUVENIL NO ESTADO DE MINAS GERAIS
Desde 1980 verifica-se um aumento dos crimes violentos na sociedade brasileira, especialmente
nas regiões metropolitanas. Não se sabe ao certo se o crime aumenta a insegurança e a tensão
relacionadas à situação político-econômica do país ou esta é que desencadeia o processo de
violência e criminalidade.
Chaves (2005) observou que no ano de 1996, os índices de criminalidade do Estado de Minas
Gerais cresceram sobremaneira, com foco direcionado aos crimes contra o patrimônio, que tiveram
grande destaque.
Tendo em vista o intuito de verificar a correlação existente entre os crimes contra o patrimônio na
categoria de crimes violentos, e o fator social de estímulo ao consumo, esta pesquisa se restringe à
análise do envolvimento dos jovens do Estado de Minas Gerais, no período em que se percebe o
aumento acentuado da criminalidade.
A primeira observação a ser feita é que durante o período de 1986 a 1996 as taxas de crimes
contra o patrimônio e crimes violentos mantiveram-se estáveis, tomando neste último ano, um pico
contínuo e acelerado, despertando a atenção da sociedade e das autoridades. Estes dados se
confirmam através das estatísticas realizadas pela Polícia Militar de Minas Gerais.
Outro fator que não pode ser desprezado encontra-se embasado em pesquisa realizada por
Pogianelo (2004), que retrata a facilidade do alcance dos jovens da cidade de Belo Horizonte em
obter armas de fogo (GRAF 2).
O aumento do número de jovens apreendidos no período de 1997 a 2004, independente de estarem
portando ou não armas de fogo cresceu mais que os registros de crimes violentos. No período de 1997
a 2004, o número de ocorrências de crimes violentos na Região Metropolitana de Belo Horizonte
cresceu 287%, enquanto as apreensões de armas cresceram 220% e a apreensão de jovens aumentou
4.293%.
23
Os GRÁFICOS 3 e 4 mostram o número de menores apreendidos e o número de menores
apreendidos sem armas de fogo.
Número de Menores
Apreendidos
Número de menores apreendidos na RMBH no período de 1997 a 2004
envolvidos com arma de fogo.
1200
1000
800
600
400
200
0
1997.
1998.
1999.
2000.
2001.
2002.
2003.
2004.
GRÁFICO 2: Menores apreendidos na RMBH 1997-2004 envolvidos com armas de fogo.
Fonte: Armazém de Dados/PMMG
Número de apreenssões
Número de menores apreendidos na RMBH no período de 1997 a
2004.
12000
10000
8000
6000
4000
2000
0
1997.
1998.
1999.
2000.
2001.
2002.
2003.
2004.
GRÁFICO 3: Número de menores apreendidos na RMBH 1997-2004.
Fonte: Armazém de Dados/PMMG
6.000
5.415
5.373
5.000
4.000
3.000
2.000
2.438
2.953
3.543
4.006
4.612
3.992
1.000
0
1997
1998
1999
2000
2001
2002
GRÁFICO 4: Menores apreendidos sem arma de fogo entre 1997-2004
Fonte: Armazém de Dados/PMMG
2003
2004
24
Pautando-se pelos índices que traçam os contornos desta realidade, o perfil do principal ator deste
contexto – o agente a quem se deve uma série de medidas paliativas ineficazes e para o qual seria
mais viável a prevenção – é conhecido: são jovens e em sua vasta maioria, do sexo masculino e
que vivem à margem da sociedade. Entretanto, numa análise mais ampla, verifica-se que a
pobreza e as desvantagens a ela associadas, em competição com os valores aprovados para todos
os membros da sociedade, estando articulados com uma ênfase cultural do êxito pecuniário como
objetivo dominante, terá como resultado o aumento de comportamentos criminosos.
A configuração total de pobreza, oportunidades limitadas e vinculação de alvos culturais, como é o
caso da cultura do consumo implantada pela globalização, somam um quadro de informações que
permite explicar uma maior correlação entre a pobreza e o crime na sociedade. O crescimento da
mídia e a globalização da cultura e do mercado, também contribuem para a criação de símbolos,
objetos de desejo e consumo que estão, muitas vezes, fora do alcance econômico da maioria da
população.
A pobreza no mundo contemporâneo ganha, então, novas características. As populações pobres
são forçadas, de forma geral, a uma escolha entre viver fora do crime e distante dos símbolos de
status e bens de consumo oferecidos pela sociedade ou entrar para a criminalidade e ter uma vida
provavelmente curta mas com direito a todos os bens simbólicos e concretos. Os grupos excluídos
passam a criar seus próprios valores e a investir nos jovens para as carreiras criminosas,
recrutando-os principalmente para o mundo do tráfico de drogas, onde são disciplinados como
“teleguiados” (Zaluar, 1994).
DESVIOS DE COMPORTAMENTO DOS JOVENS
As novas tendências consideram como objeto da criminologia o comportamento divergente ou
desviante. O conceito de “desvio” absorve o da criminalidade (CHAVES, 2005). Quetelet chegou a
atribuir maior propensão para os desvios de conduta aos jovens de 21 a 25 anos de idade, devido
aos componentes da força e da paixão, afloradas enquanto não dotados de razão suficiente para
detê-los. Considerando o fato já proposto de que a adolescência tem se iniciado precocemente e se
estendido além da idade esperada, não se pode desconsiderar a proposta de Quételet.
(MAGALHÃES, 1996).
Entretanto, Merton vai mais adiante quando suscita a inovação como modo de adaptação às metas
culturais para as quais a sociedade dá ênfase, sem no entanto, proporcionar meios em iguais
condições para que estas metas sejam alcançadas. Verifica-se aqui, o raciocínio comum a todos os
estudiosos dos aspectos sociais, a evidente desigualdade social que imprime uma forte pressão a
determinados grupos, levando-os ao desvio de comportamento.
Levinsky (2000), em sua obra “Adolescência e violência” traça os contornos sociais que exercem
influência sobre os jovens-adolescentes, que os tem conduzido à criminalidade. Para o autor, os
adolescentes, por suas características biopsicossociais, tendem espontânea e naturalmente a
passar ao ato, com maior tendência a descarregar seus impulsos agressivos e sexuais diretamente,
através do processo primário, ou seja, das vias eferentes. São vias de expressão rápidas e buscam
a satisfação imediata dos desejos, sem passar pelos critérios de avaliação, simbolização e
linguagem que caracterizam o processo secundário. Freqüentemente os adolescentes pensam
depois da ação ter sido realizada, sem considerar anteriormente as conseqüências de seus atos.
Diante da fragilidade egóica e a predominância de mecanismos psíquicos primitivos diminuem suas
possibilidades de postergar, substituir, ponderar ou reprimir eficazmente a satisfação de seus
desejos.
25
Vandalismo, delinqüência, prostituição, perda de respeito pelo privado, pelos bens comuns da
sociedade, a má qualidade das relações humanas, tornam-se modelos de auto-afirmação e
contestação, reflexo da adoção de objetos caóticos de identificação por um lado, e de outro, uma
tentativa inconsciente de recuperar algo que foi perdido ou não adquirido durante o processo
evolutivo, e que necessita, na adolescência, ser resgatado, se não pela família, que seja através da
sociedade. Há uma busca dos pais, que na maioria das vezes, foram maus ou inexistentes, passando
a ser representado por líderes ou governantes que ocupam o espaço do objeto negativo e avalizador
desta identidade.
Freud (1996), estabeleceu uma correlação entre os aspectos narcísicos, o ego e os processos de
identificação. Pode ocorrer dentro de um grupo a perda da identidade individual em detrimento da
identidade grupal. Neste caso, os ideais narcísicos ligados à onipotência, à negação da realidade e
à cisão podem predominar no ego culminando com a perda ou diminuição do senso crítico e da
autonomia individual.
A delinqüência pode muitas vezes significar um movimento criativo, uma forma de resgatar a
capacidade de busca perdida nas falhas existentes nas primeiras relações emocionais. A autoafirmação é um componente necessário no desenvolvimento da identidade do adolescente. O
comportamento rebelde, revoltado, agressivo, por ser típico da idade, é tolerado. Torna-se grave,
no entanto, quando o meio de auto-afirmação é a violência física, a baderna, o vandalismo, a
amoralidade, configurando sintoma da patologia psicossocial. No processo de identificação, a
violência é uma reação conseqüente a um sentimento de ameaça ou de falência da capacidade
psíquica em suportar o conjunto de pressões internas e externas a que está submetida.
Durante a adolescência, o ego apresenta-se instável e vulnerável às pressões pulsionais e às
influências externas, sendo altamente suscetível às influências dos fenômenos sociais, momento
oportuno para a incorporação de valores adequados ou não a uma relação construtiva dentro da
sociedade. No contexto neoliberal os adolescentes são totalmente manipulados. Transformam em
moda, material de consumo em massa, as influências originárias das pressões de mercado e da
mídia. Desta interação somada à presença do comportamento rebelde, podem surgir distorções na
qualidade das relações geradoras de violência.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Somos cúmplices da catástrofe que vive a sociedade. Obviamente, nada justifica a opção pelo
crime como compensação pela desigualdade social. Mas o fenômeno da criminalidade faz parte de
um contexto que transforma continuamente a realidade.
À questão suscitada, eis a resposta: existe, sim, influência da explosão do consumo no aumento da
criminalidade na medida em que se observa o crescimento de ambos proporcionalmente. Contudo,
ela se processa num ciclo onde a desigualdade social e a falta de estrutura familiar mostram-se
mais expressivos. O consumo como causador da criminalidade encontra suporte nestes fatores. Os
jovens observados nesta pesquisa querem fazer parte da cultura que ostenta, querem a imagem e
semelhança dos modelos que a mídia divulga. Se ela torna público determinado modo de ser, é
para que todos o sejam. Para alcançar tais modelos, vale os meios permitidos pela realidade.
Afinal, o mundo se globalizou genericamente e o Estado não se preocupou em proporcionar meios
acessíveis a todos para se inserirem nestes modelos.
Furtar e roubar de quem ostenta nada mais é do que “estar dentro da lei do consumo” e realizar o
que o Estado tem sido negligente em fazer – a distribuição justa dos meios de sobrevivência, de
gozo e prazer aos quais todos fazem jus – pelos menos é o que nos garante a Carta Magna
Brasileira. O produto desta realidade: degradação dos valores morais, degradação da infância e da
juventude, autodestruição, aniquilação do futuro, medo, tensão, violência constante.
26
Talvez nem tudo esteja perdido e certamente, assim como para se chegar ao ponto em que a
violência e a insegurança alcançaram demorou tantos anos, reverter esta situação é tarefa para
muitas gerações. E se algo não for feito com muita urgência, não se pode prever a proporção que a
vida em sociedade pode tomar.
Quem sabe estabelecer limites ao sistema capitalista, como uma forma de frear as compulsões dos
homens levando-os a refletir mais sobre a essência humana e sobre as reais necessidades para a
convivência social não seria um bom começo. O ritmo frenético da busca pelas riquezas não seria
uma produção contínua de desigualdade social? Talvez se os governos buscassem conter esse
ritmo, assumiriam o controle dos fatores que distanciam tanto as realidades sociais, produtoras da
violência, e que vêm comprometendo o próprio futuro da humanidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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28
29
A MILITARIZAÇÃO DOS APARELHOS POLICIAIS BRASILEIROS
Bruno Zavataro*
INTRODUÇÃO
Em 2004 é criado, no interior do Grupo de Estudos da Violência da Universidade Federal do
Paraná8, o Laboratório de Estudos sobre Polícia (LEPOL), tendo por objetivo ser um espaço de
pesquisa e de discussão em torno das questões de segurança pública, história das polícias,
violência urbana, violência policial e direitos humanos. Este grupo é composto basicamente por
policiais das categorias de base das polícias, todos inseridos de alguma forma no campo
acadêmico. Desse modo, foi possível alinhar ao mesmo tempo conhecimento teórico e a
prática profissional, configurando, o grupo como um todo, como um grande laboratório de
experiências na área policial acadêmica.
Entre as discussões que permeavam o grupo, o problema da militarização das polícias estava
cada vez mais presente, embora nem sempre houvesse consenso em torno do seu real
significado e aplicação à realidade policial brasileira9. Percebíamos que a militarização se
tornava um conceito fluido diante da realidade histórica, caracterizada pela existência de mais
de um século de uma força militarizada para a garantia da ordem pública. A questão que
preponderava e ainda prepondera gira em torno da possibilidade de se aceitar a militarização
das polícias como um processo recente de nossa formação histórica. A preocupação maior
dizia e diz respeito às guardas municipais, embora estas instituições ainda não possam ser
constitucionalmente consideradas polícias.
Este artigo nasce, com efeito, da preocupação em se estabelecer uma aproximação mais
aprofundada com relação ao conceito de militarização das polícias, a fim de que possamos
melhor caracterizar a problemática das polícias brasileiras e, em especial, a relação existente
entre polícias militarizadas e Estado democrático. Para este fim, pretendemos estabelecer uma
tipologia da atividade policial em contraposição à atividade militar, contrabalançando-a, a partir
de dados e da literatura especializada, com aspectos da realidade brasileira. O objetivo é mais
problematizar o tema do que trazer conclusões prontas e acabadas em torno de um dos
aspectos da atividade policial.
Apenas uma ressalva: o estudo das instituições policiais se apresenta como uma realidade
recente, datada das últimas décadas, sobretudo nos países anglo-saxões. O trabalho e o
cotidiano policial se apresentavam, embora hoje de maneira um pouco mais atenuada,
praticamente como tabus, protegidos por uma espécie de segredo profissional, razão pela qual
não são poucas as dificuldades para o estudo do tema10. No Brasil, pode-se afirmar que as
instituições policiais ainda não ganharam o status de objeto de pesquisa no âmbito de uma
sociologia da ação ou de uma sociologia da polícia. O que se produz, em regra, é mais fruto do
8
* Bacharel em Direito e Ciências Sociais – UFPR; Especialista em Sociologia Política – UFPR; Membro do Laboratório
de Estudos sobre Polícia – UFPR; Mestrando em Criminologia Université Libre de Bruxelles – ULB/Bélgica; Investigador da
Polícia Civil do Estado do Paraná. E-mail: [email protected].
O Grupo de Estudos da Violência (GEV), coordenado pelo professor Pedro Rodolfo Bodê de Moraes, faz parte hoje do
Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos (CESPDH) e congrega vários cursos e grupos de estudo, entre os
quais os de Ciências Sociais e Direito, da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
9
A militarização tornou-se hoje um daqueles conceitos altamente utilizados por analistas. Assim, fala-se em militarização
das prisões, das relações internacionais, das empresas e suas relações com os trabalhadores, da segurança pública etc. Longe de
desconsiderar a importância destas análises para o entendimento do mundo atual e das relações que ele estabelece , resta somente
sublinhar a natureza nem sempre precisa destas análises.
10
Ver, a título de exemplo, Bayley (2002); Brodeur (1984), Kant de Lima (1995); Loubet Del Bayle (2006); Mingardi
(1992); Muniz (1999); Monjardet (1996); Deluchey (2000) e (2001); Oliveira Júnior (2003) e muitos outros.
30
trabalho, muitas vezes em torno de temas específicos, de policiais que já se encontram
inseridos na atividade policial11.
AS POLÍCIAS NA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL
Primeiramente, é necessário partir do seguinte pressuposto: não houve, durante o processo de
transição ao regime democrático, reformas ou reestruturações nos aparelhos policiais capazes
de coaduná-los ao novo espírito oriundo de um regime aberto e pretensamente garantidor de
direitos fundamentais, de modo que o continuísmo é aqui o elemento central de análise
(ZAVATARO, 2004). Esse continuísmo pode ser visto tanto no âmbito da relação entre
instituições policiais e a população em geral ou sociedade civil, quanto no âmbito vertical das
instituições policiais e as relações entre superiores e inferiores hierárquicos. Com isso, pode-se
afirmar que o autoritarismo das instituições policiais perpassou a transição democrática de
maneira inalterada, muito embora tenha sido o Brasil signatário de importantes tratados e
instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos12. Permanecem, ao mesmo
tempo, uma cultura policial antidemocrática e uma estrutura policial com caráter altamente
militarizado, anacrônicas face ao novo regime democrático instaurado. Não houve, em suma, a
transição de uma polícia de controle para um polícia cidadã (BENGOCHEA et alli, 2004).
Observa-se a permanência da hegemonia da política de lei e da ordem, bem como de uma
política criminal repressiva de criminalização e perseguição dos setores marginalizados da
sociedade ou de movimentos sociais. Ou seja, a ideologia da Doutrina da Segurança Nacional
repressiva e opressiva está mais presente do que nunca.
Como nosso objetivo não é fazer uma análise das polícias na nova ordem constitucional
pormenorizadamente, mas tão-somente introduzir o tema das polícias a fim de que possamos
compreender o fenômeno da sua militarização, ater-nos-emos aqui a um breve inventário das
polícias estaduais e das guardas municipais, além dos problemas atuais que estas instituições
representam para a consolidação de um Estado Democrático, sobretudo porque são estas as
mais tocadas pelo fenômeno em questão.
Mesmo com o advento da Constituição Federal de 1988, poucas transformações dos aparelhos
policiais foram realmente levadas a efeito. O seu artigo 144, por exemplo, manteve no âmbito
dos estados-membros a dualidade das polícias, ou seja, de um lado uma polícia militar
ostensiva e preventiva, e de outro, uma polícia civil de caráter repressivo e investigativo. Não é
preciso dizer que duas corporações policiais num mesmo estado da federação não coexistem
sem problemas. Embora haja projetos de reforma ou de unificação das polícias, pouco se
vislumbra de que a curto ou médio prazo eles sejam concretizados13.
11
BROWN (1996) demonstra que na Inglaterra os estudos realizados por policiais se pautam em sua maioria em torno de
aspectos organizacionais e operacionais da atividade policial, muito pouco sendo dedicado às discussões relativas à accountability.
12
O comprometimento do Brasil na aplicação dos direitos humanos durante as últimas décadas se deu fundamentalmente
no plano formal. Um exemplo bastante recente deste comprometimento foi a aprovação da Emenda Constitucional nº 45, que
inseriu o § 3º ao artigo 5º da Constituição Federal, cuja redação é a seguinte: “Os tratados e convenções internacionais sobre
direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos
respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. A relevância deste dispositivo reside no fato de que, antes
desta emenda, o Tratado Internacional, qualquer que fosse a sua natureza, e quaisquer que fossem os direitos nele contemplados,
somente poderia ser internalizado no Direito Brasileiro na qualidade de lei ordinária, ou seja, infraconstitucional. Atualmente, há
uma maior garantia de proteção dos direitos humanos assim considerados por Tratados Internacionais dos quais o Brasil seja
signatário. Desnecessário dizer, no entanto, que, na prática, o Brasil vem sistematicamente desrespeitando os compromissos aos
quais ele mesmo se vinculou.
13
A própria Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), cônscia da dificuldade de se implementar no momento a
unificação das polícias, abandonou este projeto em prol daquele de integração das polícias. O projeto de unificação das polícias
ganhou destaque nos meios de comunicação após a eclosão de movimentos de greve de policiais em alguns estados da federação,
logo sendo abafado por fatos novos e pelo esquecimento da opinião pública e de especialistas em segurança pública e violência. O
governo federal, através da SENASP, poderia se erigir como órgão centralizador no sentido de implementar e incentivar a
unificação dos aparelhos policiais. Como foi abandonado este projeto, falar em unificação das polícias atualmente é considerado
politicamente incorreto. Entretanto, não queremos nos furtar de defender esta tese pois, do contrário, problemas históricos
persistirão.
31
As polícias militares se mantiveram, mesmo com o advento do novo texto constitucional, sob a
tutela do exército. Desse modo, persiste a dupla função das PMs: de um lado, são incumbidas
do policiamento ostensivo e da garantia da ordem pública nos estados e, de outro, são forças
auxiliares e reserva do exército14. Sendo forças militares, submetem-se às mesmas normas do
exército15, além de a muitos outros instrumentos legais em comum que ainda continuam
vigorando, e a uma Justiça Militar corporativa. O exército manteve, com o regime atual, as
mesmas prerrogativas, inclusive no que tange à ingerência sobre as polícias militares16. Do
mesmo modo, ele vem ocupando postos-chaves nos aparelhos de Estado, principalmente na
esfera da segurança pública (ZAVERUCHA, 2001 e 2005). Como se vê, muito pouco, durante o
processo de transição para o regime democrático, foi objeto de transformação.
As polícias civis, por seu turno, não assistiram a reestruturações profundas e práticas antigas
se mantêm inalteradas, tais como o acentuado grau de corrupção de alguns de seus agentes
ou de investigações policiais falhas na sua origem17 (ZAVERUCHA, 2003).
Ao lado destes problemas, assiste-se também a um crescente processo de militarização das
polícias civis, como se verá abaixo, com a ênfase na criação de grupos especiais fardados e
com forte poder de fogo, desprezando-se, por conseguinte, o policiamento velado e
investigativo (função de polícia judiciária), que hoje passa a ser atribuição gradativa de outros
órgãos. Ao mesmo tempo, verifica-se em muitos estados a polícia civil na função de guarda de
presos, muitos dos quais condenados ou aguardando julgamento por muito tempo em locais
impróprios. Muito embora a polícia civil não tenha o alto grau de hierarquização característico
das polícias militares, veremos que este não é o único requisito que confere a uma instituição
seu caráter militar, mas que há um conjunto de outros fatores, dentre os quais o ethos militar, o
poder de fogo e a responsabilidade pelas ações, entre outros. De uma polícia velada, a polícia
judiciária passa gradativamente a ser uma polícia ostensiva e a importação de grupos como a
SWAT (Special Weapons And Tactics) americana, com forte armamento, começa a ser uma
realidade nacional.
É importante salientar também que estes grupos especiais que se formam no interior das
polícias, exatamente pela importância e natureza que lhes são dados, adquirem no interior
mesmo da instituição o status de prestígio e de modelo de eficiência a ser seguido,
contrariamente ao policial que se encontra nos distritos e delegacias policiais, tido por
despreparado para enfrentar a criminalidade urbana. O que se vê no presente, com relação às
policias civis, é um processo de profunda especialização e os grupos especiais se erigem como
instâncias militarizadas no interior destas instituições.
Por fim, a Constituição Federal18, seguindo a acentuada autonomia concedida aos Municípios
por este texto constitucional, previu a criação de guardas municipais para os fins específicos de
“proteção de seus bens, serviços e instalações”. As guardas municipais estão se configurando,
contudo, como verdadeiras organizações militarizadas. No mais, uma série de propostas de
emendas constitucionais (PECs) visando à ampliação das atribuições das guardas municipais
está em tramitação no Congresso Nacional. Isso tem ocorrido principalmente pela integração
das guardas às polícias militares, tanto no que concerne ao comando quanto, o que é pior, à
formação de novos guardas.
Pesquisa recente, levada a cabo no ano de 2004 pela Secretaria Nacional de Segurança
Pública, demonstra que a grande maioria das atuais Guardas Municipais estão no comando de
oficiais da Polícia Militar ou do Exército. Na pesquisa relativa ao perfil organizacional das
14
15
Artigo 144, § 6º, CF/88.
Exemplo claro é a submissão das PMs ao Regimento Disciplinar do Exército – Decreto n.º 4.346, de 26 de agosto de
2002.
16
Exemplo disso diz respeito ao papel que o exército mantém no ensino e instrução das polícias militares. Neste sentido,
estabelece o artigo 27 do Decreto nº 88.777/83: “O ensino e a instrução serão orientados, coordenados e controlados pelo
Ministério do Exército, por intermédio do Estado-Maior do Exército, mediante a elaboração de diretrizes e outros documentos
normativos”.
17
Ainda não se criaram no Brasil mecanismos de mensuração da eficácia e eficiência das polícias, tendo como uma das
dimensões de análise o desempenho da investigação policial no Brasil.
18
Artigo 144, § 8º.
32
Guardas Municipais, entre as 192 Guardas que responderam ao questionário, 49,5% afirmaram
que seus comandos estavam nas mãos de um oficial, da ativa ou da reserva, da Polícia
Militar19.
Comandante da guarda é policial militar da ativa
sim
não
Total
não respondeu
Total
Frequência
8
182
190
2
192
%
4.2
94.8
99.0
1.0
100.0
Ao mesmo tempo, 11,5% das Guardas Municipais que responderam ao questionário
informaram que seus comandos eram ocupados por militares da reserva das forças armadas.
Com isso, 61% das Guardas que responderam à pesquisa tinham no ano de 2004 seus
comandos ocupados por militares20.
Comandante da guarda é integrante das
forças armadas da reserva
sim
não
Total
não respondeu
Total
Frequência
22
168
190
2
192
%
11.5
87.5
99.0
1.0
100.0
Como se vê, o continuísmo autoritário é a política de segurança pública adotada no Brasil,
independentemente do governo e do conteúdo ideológico para o qual penda. É gritante a
distância entre os instrumentos legais formalmente democráticos e a realidade autoritária das
polícias, como bem assinala Pinheiro (1997, p. 44):
“Esse gap entre a lei e a realidade é a raiz do fracasso das
democracias latino-americanas consolidarem um dos grandes marcos
de um governo democrático: o controle legítimo da violência. É esse
fracasso também que explica a persistência da violência endêmica
em muitos países da região. Por um lado, a violência é usada pelas
elites como forma de manter a ordem social – a tortura e a detenção
arbitrária continuam a caracterizar o comportamento policial em
países como o Brasil.“
Trata-se, com efeito, de um controle social perverso e excludente, voltado contra a população
pobre, tida pelo discurso oficial como a causadora da desordem urbana e da violência,
19
No Estado do Paraná, por exemplo, militares vêm paulatinamente ocupando o comando das Guardas Municipais. Assim,
podemos encontrar oficiais da Polícia Militar no comando do Detran/PR, na Secretaria Municipal de Defesa Social, responsável pela
Guarda Municipal de Curitiba, na Guarda Municipal de Foz do Iguaçu/PR, na para a Guarda Municipal de Araucária/PR, na pasta
de Secretário Municipal de Segurança de São José dos Pinhais/PR, entre outros casos que demonstram claramente a militarização da
burocracia e dos aparelhos de segurança pública.
20
Agradeço ao Coordenador Geral de Pesquisas e Análise da Informação da SENASP, Marcelo Ottoni Durante, pela
autorização para a divulgação destes dados.
33
verdadeira inimiga da nação. Enquanto inimiga da boa ordem burguesa, faz-se necessário,
segundo o discurso dominante, que a polícia se apresente cada vez mais como aparato
repressivo de combate.
As cidades, neste contexto, tornam-se campos de batalha de uma guerra sangrenta contra um
inimigo certo: o morador das favelas e periferias, pobre e geralmente de cor21. As palavras de
ordem passam a ser, neste contexto, a guerra contra a criminalidade urbana e a guerra contra
as drogas. Não se fala, contudo, em guerra contra a exclusão social, contra o desemprego,
contra a desigualdade de renda, contra a criminalidade do colarinho branco ou contra a
lavagem de dinheiro. As cidades são assim espaços de violências urbanas, mas o discurso não
leva em conta as questões relativas à economia liberal e ao modelo hegemônico de cidade que
se implanta, nem tampouco as questões do aumento das desigualdades, da criminalização da
pobreza, da fragmentação espacial e da prioridade que se dá ao domínio da segurança em
detrimento da democracia e de novas formas de participação e de reconhecimento social de
grupos minoritários (CASTEL, 2003; DAVIS, 2000; GANS, 1995; KOWARICK, 1979;
PEDRAZZINI 2005; WACQUANT, 2001). Na análise de Mir (2004, p. 381):
“O terrorismo policial serve-se da rua como centro da negociação
política. A violência na rua e quanto mais indiscriminada constituiu um
acontecimento irremediável. Atualmente é a causadora da maior
perturbação e descrença do sistema que nos governa. O terrorismo
policial ataca preferencialmente na rua, porque é ainda um derivado
de uma concepção espacial da guerra civil. Não porque pretenda
libertar as ruas para a comunidade. Estado e terrorismo policial vão
desenhando o mesmo mapa de um espaço que realmente não lhes
pertence, reforçando mutuamente uma convicção territorial
opressiva.”
Estamos, neste sentido, em face daquilo que Pedrazzini (op. cit., p. 162) muito bem denominou
de “totemização da razão securitária”. Para que isso seja possível, uma série de
transformações deve ser colocada em prática, entre as quais projetos de planificação urbana,
de controle social e de produção do medo como elemento não negligenciável e simbiótico
deste processo (BAIERL, 2004). Controle social perverso, como já foi salientado, posto que
destinado às classes ditas “perigosas”. Através das estatísticas de violência policial22 no
período pós-ditatorial, pode-se perceber claramente que a transição política brasileira, não
obstante almejar um governo civil e democrático, não foi capaz de engendrar o respeito aos
direitos mais elementares, como é o caso do direito à vida. Contudo, fica difícil vislumbrar uma
mudança de atitude das polícias e governos em relação à violência policial num ambiente
discursivo de guerra contra os pobres, contra as drogas, contra a pequena delinqüência, entre
outras. Reiteramos aqui o fracasso do projeto democrático brasileiro exatamente pelo viés das
instituições policiais, posto que a democracia significa, em linhas gerais, e no sentido que
queremos empregar neste trabalho, o regime caracterizado não somente pelo aspecto
procedimental e como resultado do processo de escolhas dos líderes, mas também o regime
caracterizado pela participação política de grupos que antes se encontravam à margem das
instituições políticas (PATEMAN, 1992). Com isso, quer-se dizer que não se pode falar em
democracia em regimes cuja polícia se apresenta ainda como elemento central, no papel de
manter, com armas nas mãos, determinados setores sociais excluídos do processo decisório.
Indo mais longe ainda, pode-se entrever uma “relação inversamente proporcional entre o nível
de legitimidade do sistema político e o recurso à força que representa a polícia” (DEL BAYLE,
1981, p. 522). Destarte, quanto menos legitimidade tem um sistema político, mais autoritária
será a atuação policial, na medida em que a aceitação e a legitimidade das ordens emanadas
das instituições políticas por parte de setores sociais não se efetuará pelo consenso e pela
negociação, mas pela imposição de uns frente a outros.
21
Segundo as palavras de um oficial da polícia militar, as polícias deveriam empreender uma “assepsia nas favelas”,
denotando bem qual é o ethos predominante no interior da polícia.
22
Não queremos aqui nos estender nas estatísticas de violência policial, até porque seria fugir do tema objeto desta
abordagem. Para tanto remetemos o leitor aos seguintes trabalhos: Bordin (2005); Oliveira Júnior (op.cit); Zavataro (op. cit.).
34
A partir de tudo o que foi analisado até o momento, podemos dizer que os governos se furtam
à tarefa de empreender reformas profundas nos aparelhos policiais capazes de, ao mesmo
tempo, assegurar o respeito à dignidade humana e encerrar o longo ciclo autoritário no Brasil.
Ao contrário, para fazer frente à guerra declarada contra a criminalidade urbana, contra as
drogas e a pequena delinqüência, a manutenção do ranço autoritário e de aparelhos cada vez
mais militarizados, atingindo agora outras instituições e forças de ordem, parece ser o caminho
escolhido pelo Brasil e por outros países. Desse modo, podemos afirmar que a militarização é
uma realidade presente23. Necessário se faz, no entanto, entender o que vem a ser a
militarização dos aparelhos policiais.
A literatura dedicada ao estudo da polícia, no Brasil e em outros países, é uníssona em afirmar
que as instituições policiais ainda não definiram qual é a sua missão, sendo, no mais, muito
comum entre os próprios policiais a afirmação segundo a qual a missão da polícia é “lutar
contra o crime”. Entretanto, tal crença não significa outra coisa senão o próprio
desconhecimento dos policiais em torno das suas próprias atividades e da sua missão,
sobretudo em um estado democrático de direito. Por esta razão, pesquisas empíricas sobre a
atividade da polícia em outros países têm demonstrado que, além de prender e perseguir
criminosos, a polícia ainda (BORDUA e REISS, 1966 apud LOUBET DEL BAYLEY, 2006):
“ a) previne um certo número de atos delituosos; b) ajuda os
indivíduos em perigo físico; c) protege as garantias constitucionais; d)
regula a circulação de pessoas e de veículo; e) ajuda aqueles que
não podem mais cuidar de si mesmos; f) resolve os conflitos; g)
identifica os problemas ; h) assegura um sentimento de segurança; i)
promove e preserva a ordem pública; j) assegura os serviços de
urgência.”
Neste sentido, a atividade repressiva é apenas uma porção do conjunto da atividade policial.
Então por que dar tanta ênfase a esta atividade se ela conduz a uma política pública de
segurança que apenas leva ao distanciamento da população, à falta de legitimidade e de
confiança na polícia, ao desrespeito aos direitos humanos e ao fracasso na resposta ao
aumento da criminalidade? A atual política de segurança no Brasil tem se pautado pela compra
de armamentos, viaturas e aumento de efetivo24, como se isso fosse capaz de pôr fim ao
crescimento dos casos de vitimização no Brasil e, tudo isso, num ambiente de grave
desigualdade social.
A MILITARIZAÇÃO DOS APARELHOS POLICIAIS
Como foi salientado linhas atrás, embora o termo militarização tenha se tornado comum nas
análises de diversos autores, seu conceito resta ainda indeterminado, vago e, em certo sentido,
aplicado a tudo o que diz respeito a uma certa hierarquia e controle. No mais, trata-se de um
tema ainda pouco explorado pela literatura nacional, razão pela qual a escassez de trabalhos
nesta seara.
23
Não podemos também homogeneizar instituições tão complexas como são as instituições policiais. Do mesmo modo que
se verifica um processo crescente de militarização dos aparelhos policiais, também se verifica tendências contrapostas, tais como as
tentativas atuais de implantação de polícias comunitárias ou o incipiente processo de fortalecimento da sociedade civil através,
principalmente, da criação de Conselhos Comunitários de Segurança Pública como novos espaços de participação política.
24
Kahn (2002) muito bem demonstra que o aumento do efetivo policial não é sinal de declínio das taxas gerais de
criminalidade e nem a sua solução. Para que isso ocorra é preferível uma polícia mais eficaz, pautada em informações e composta
por policiais motivados. Nesse sentido, mais preferível seria ainda a mudança do modelo de atuação das polícias. Caso contrário,
citando a canção por ele enfatizada, teremos “uma multidão de soldados perdidos de armas nas mãos, defendendo antigas missões”.
35
Tendo em vista estas considerações preliminares, resta sublinhar que o presente trabalho não
tem a ambição de esgotar o assunto, mas muito pelo contrário, seu objetivo é bem modesto
diante da dificuldade de se encontrar uma bibliografia em língua portuguesa relativa à
militarização das polícias e estudos mais aprofundados deste processo nos diversos estadosmembros que compõem a federação brasileira, de modo que pretendemos aqui tão-somente
iniciar o debate em termos outros que não apenas partir da militarização como um dado posto
e conclusivo.
A separação de tarefas e de atribuições entre o exército e a polícia se deu, sobretudo, com o
advento dos Estados-Nação, visando à garantia de direitos e liberdades. Como se trata de
duas instituições opostas quantos aos fins, funções e ideologias, a manutenção no plano
nacional da segurança interna coube às polícias, ao passo que a defesa externa e o fazer
guerra coube às Forças Armadas.
No entanto, esta separação de tarefas nem sempre se deu de forma absoluta e, de uma
maneira ou de outra, a transferência ou troca do savoir-faire sempre se fez presente. Em
algumas épocas isso ocorreu de forma mais incisiva e até mesmo sob o controle direto do
exército, em outras menos25. Os contornos nem sempre foram bem definidos.
Mas se impõe aqui a necessidade de se estabelecer um contraste claro e bem definido entre o
exército e a polícia e as funções que lhes subjazem. Para fins de compreensão,
empreenderemos aqui a análise proposta por Brodeur (2005, pp. 41-56) a partir de cinco
critérios distintivos: i) poder de fogo; ii) contexto de intervenção; iii) o ethos; iv) a regulação; v)
controle externo.
Poder de Fogo
Não há instituições policiais que não sejam armadas. A polícia se apresenta, com efeito, como
a garantia da ordem pública no âmbito dos estados e como tal detém o monopólio do uso
legítimo da força física para cumprir seu mister. No entanto, seu poder de fogo não se compara
ao do exército. Por este motivo, torna-se difícil que ela contenha grupos altamente armados,
mostrando neste caso a fraqueza do Estado Policial em assegurar em sua plenitude a ordem
interna.
No Brasil, a existência do crime organizado coloca em xeque a própria capacidade do Estado
em assegurar a ordem social, motivo pelo qual freqüentemente se propugna pela colocação do
exército nas ruas com seu forte poder de fogo e sua pretensa capacidade de fazer frente ao
desafio do crime organizado, mesclando-se uma vez mais, as atribuições de defesa interna e
externa26. No mesmo sentido, este desafio está presente em diversos países do terceiro
mundo, vítimas de grupos paramilitares, de guerrilhas urbanas e de conflitos sociais marcantes.
25
Ver por exemplo Denys (2005); Holloway (1997); Pedroso (2005); Bretas (1997).
Veja por exemplo a recente ocupação dos morros no Rio de Janeiro pelo exército a fim de recuperar o armamento
subtraído de uma de suas bases, o que demonstra também que a presença do exército pode ser mais parte do problema do que
solução.
No início do mês de maio deste ano, uma série de atentados contra policiais, supostamente praticados por membros da
facção criminosa denominada PCC (Primeiro Comando da Capital) trouxe à tona a proposta do retorno do exército nas ruas da
cidade de São Paulo. Embora rejeitada nesta ocasião, o exército vem paulatinamente ocupando as ruas das cidades em situações
análogas e de conflitos armados. Por outro lado, os estados-membros ainda permanecem recalcitrantes com relação à ingerência do
governo central nas suas políticas de segurança pública, de modo que as polícias militares, pequenos exércitos dos estados, buscam
cada vez mais garantir a exclusividade do policiamento urbano e para tanto, sua capacidade de responder eficazmente aos ataques
do crime organizado tem se pautado em grande medida pela natureza bélica de suas ações.
26
36
Isso se faz cada vez mais presente diante do discurso cotidianamente veiculado pelos meios
de comunicação e dos discursos políticos de guerra contra o crime, contra o crime organizado
e contra o tráfico de drogas. Em suma: pela metáfora da guerra. Como já foi falado, a política
de segurança pública tem sido pautada por respostas imediatas frente ao problema da
crescente criminalidade e entre estas respostas, encontra-se o reequipamento e atualização do
armamento das polícias no combate ao crime a partir, sobretudo, da utilização de um
equipamento digno de um batalhão do exército. Neste sentido, os aparelhos de Estado vêm
adquirindo um forte poder de fogo, colocando à sua disposição um armamento que até bem
recentemente ainda era de uso exclusivo do exército, tais como fuzis AR-15/M-16 com seu
forte poder de perfuração, além do surgimento de veículos blindados como estratégia de
policiamento urbano27.
Exemplo disso pode ser extraído do Relatório de Atividades dos anos de 2003 a 2005 da
Secretaria Nacional de Segurança Pública28, no qual consta a aquisição de fuzis por vários
estados da federação com recursos federais através de convênios de modernização das
polícias. Trata-se, entretanto, da aquisição de armamento através de convênios, sendo que
outras modalidades existem e representam o grosso das aquisições tais como a compra direta
ou as aquisições advindas do orçamento próprios dos Estados-Membros. O que pretendemos
é, tão-somente, demonstrar uma tendência no interior das políticas de segurança pública no
Brasil.
Aquisição de fuzis por unidade da federação
Estado
Quantidade de fuzis
Alagoas
1
Bahia
88
Ceará
13
Espírito Santo
4
Rondônia
18
Rio Grande do Sul
2
Rio de Janeiro
35
Santa Catarina
16
Paraíba
6
Total
183
Por conseqüência, as cidades se transformam em verdadeiros campos de batalha e esta
guerra se faz contra um inimigo certo a aniquilar: os habitantes das favelas. Com isso, uma
nova forma de policiamento se impõe nas cidades e cada vez mais se estabelece o
distanciamento entre as polícias e a comunidade. Assinala Pedroso (op. cit., p. 49):
“Um olhar sobre a história da polícia revela uma faceta da
organização das políticas públicas e do gerenciamento do espaço
público no Brasil. A questão da segurança e o discurso armamentista
que o Estado prega hoje em dia nada mais é que uma artimanha para
o controle das massas. Uma vez que a prevenção ao crime é
secundária, investe-se no confronto “armado” contra os marginais;
mantém-se a população amedrontada, quer por parte da força
policial, quer por parte dos bandidos, também armados.”
27
Brazil. “We have come to take your souls”: caveirão and policing in Rio de Janeiro. Amnesty International, march
2006.
28
BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Segurança Pública. Relatório de atividades: Implantação do
Sistema Único de Segurança Pública 2003-2004-2005. Brasília: Ministério da Justiça, 2006.
37
O fenômeno da militarização dos aparelhos policiais é algo que pode ser considerado recente,
fruto das transformações socioeconômicas das últimas décadas e do crescente declínio do
Estado Providência no período do pós-Guerra Fria. Na Europa e nos EUA, essa tendência se
vê cada vez mais freqüente nos discursos de guerra contra a imigração, contra o terrorismo e
contra as drogas. Aparelhos policiais altamente militarizados, verdadeiros tipos híbridos
incumbidos das seguranças externa e interna, muitas vezes sujeitos tanto ao Ministro do
Interior quanto ao Ministro da Defesa, são fortalecidos em termos orçamentários, de pessoal e
de equipamentos bélicos. Exemplos claros são os casos dos Carabinieri e da Guardia di
Finanza na Itália, da Guardia Civil na Espanha, da Gendarmerie na França, da
Bundesgendarmerie na Áustria, da Bundesgrenzschutz, BGS na Alemanha e do US Border
Patrol nos EUA (LUTTERBECK, 2004).
Ao invés do fortalecimento de serviços de inteligência, no intuito de investigar o crime
organizado e a cadeia de produção e distribuição das drogas, opta-se pelo confronto direto e
armado com grupos criminosos.
Contexto de Intervenção
O segundo critério exposto por Brodeur, no intuito de estabelecer uma distinção entre exército
e polícia, diz respeito ao contexto de intervenção no qual operam essas duas instituições.
Desse modo, o exército opera num contexto de guerra declarada ou não, enquanto que a
polícia se insere num contexto cujo fim é o restabelecimento da ordem ameaçada. Conforme
salienta este autor (op. cit.,p. 54):
“Uma das características da guerra reside na incerteza do seu
desfecho. A guerra, sendo a arte incontrolada do pior, o pior pode
sempre destruir um dos protagonistas do afrontamento, mesmo
quando ele estima gozar da superioridade numérica e bélica sobre o
terreno. No mais, o objetivo das operações militares é de obter a
vitória o mais decisivamente possível sobre a parte adversária,
definida como inimigo que é necessário abater, senão destruir.”
Como se vê, o contexto no qual opera o exército é em regra o de guerra, contra um inimigo
certo e determinado, que é necessário neutralizar o mais rapidamente possível. Assim,
palavras como combate, guerra e inimigo não são destoantes. No caso das polícias, as coisas
se passam de outra forma:
“Ocorre diferentemente no caso da polícia. Primeiramente, é pouco
freqüente que esta constitua um dos protagonistas imediatos de um
conflito. A maior parte do tempo, ela intervém entre duas ou várias
partes cuja oposição precede a intervenção. O fim desta intervenção
não é obter uma vitória definitiva, mas o de restabelecer uma ordem
sempre provisória. Em seguida, se nós excluirmos os excessos
midiáticos, os termos empregados para descrever o quadro de
intervenção policial pertencem ao vocabulário de incidente –
discussão, discórdia, rixa – mais do que aquele de conflito armado.
Enfim, o desfecho de uma intervenção policial não é caracterizado
como incerto.”
Como se pode extrair das palavras acima, exército e polícia trabalham a partir de duas lógicas
distintas e bem delimitadas. Como bem alertou Brodeur, há os excessos midiáticos. Esta é, a
nosso ver, uma dimensão que não pode ser negligenciada do debate acerca do papel das
polícias nas sociedades modernas, tendo em vista que os meios de comunicação, operadores
do direito, policiais e parcela significativa do discurso político, verdadeiros formadores de
opinião, veiculam problemas ligados à criminalidade urbana como se fossem aqueles
38
existentes no contexto de guerra acima analisado29. Com efeito, a polícia se apresenta mais
como instituição de combate e de neutralização que como instituição de mediação e resolução
de conflitos.
Ethos
O terceiro critério é aquele do ethos, como sendo “um conjunto de normas e de condutas
adquiridas, que orientam a ação de um aparelho” (BRODEUR, op. cit., p. 46). Como se
percebe, na categoria de ethos estão ligados dois elementos principais: de um lado, os valores
e crenças que permeiam as instituições e, de outro, práticas e maneiras de agir, orientados por
estes valores e crenças.
O ethos policial, na análise deste autor, significa:
“O princípio do ethos da polícia no seu recurso à violência física
deriva de sua posse do monopólio do uso legítimo da força. A posse,
em direito, de um monopólio do uso da força significa primeiramente
que a polícia goza de uma vantagem desproporcional sobre a maior
parte daqueles contra quem ela exerce sua violência. Por
conseqüência, este desequilíbrio inicial incita a polícia a usar da sua
força com moderação, razão pela ela deve cuidar para preservar sua
legitimidade nas suas intervenções. Estas diversas restrições se
reforçam para produzir um ethos do uso da força mínima”. (p. 46).
Este autor chama em seguida a atenção para distinção entre “fazer justo o necessário” e “fazer
todo o necessário” (p. 46). Diante desta análise, podemos muito bem dizer que os aparelhos
policiais se caracterizam pelo monopólio legítimo da força física, devendo ter como meios de
atuação apenas o justo e o necessário para o cumprimento das suas funções. Entretanto,
desnecessário dizer, diante do que já foi analisado na primeira parte deste artigo, que os
aparelhos policiais brasileiros vêm reincidentemente exorbitando os limites das suas
atribuições.
A doutrina pela qual se pauta o exército, por outro lado, baseia-se na idéia do ethos militar ou
ethos da força máxima:
“A ofensiva militar obedece a uma lógica segundo a qual o objetivo
das operações é de subjugar o adversário, a fim de destruí-lo o mais
completamente possível. No mais, ao imperativo de massacrar o
adversário, uniu-se recentemente aquele de fazê-lo incorrendo no
mínimo possível de perdas.” (BRODEUR, op. cit., p. 47)
A partir do que foi exposto, vê-se que os aparelhos policiais e o exército se distinguem neste
quesito pela lógica subjacente dentro da qual são formados. Em tese, a polícia deveria se
utilizar do monopólio legítimo da violência com moderação, fazendo apenas o estritamente
necessário para dirimir o conflito; já no exército, existe a lógica do aniquilamento do inimigo.
29
“PM admite ‘guerra’ e planeja operação de combate a ataques em SP”. Folha de São Paulo, Caderno Cotidiano, de 15 de
maio de 2006. Na mesma linha, artigo publicado num jornal de grande circulação e veiculado posteriormente no site do PSDB, de
autoria de um político de expressão nacional, assim se expressa: “Nessa guerra, é preciso ter lado. E não esquecer: o inimigo é o
crime. Vamos combatê-lo. Vamos eliminá-lo”. Mais adiante vai dizer: “Às pessoas de bem só cabe uma postura. De maneira clara,
direta, insofismável, sem ambigüidades, é preciso dizer: ‘Somos contra o crime; somos contra os criminosos que nos desafiam, que
desafiam as leis, que desafiam as regras da convivência civilizadas, que desafiam o poder público, síntese da vontade de todos os
cidadãos”. (SERRA, 2006).
39
A militarização dos aparelhos policiais, agora atingindo outras polícias de características civis e
forças de ordem, surge portanto como um paradoxo, significando o fortalecimento do ethos
militar, do uso da força máxima possível, no policiamento urbano. No lugar de se colocar na
tarefa de “administração de conflitos na sociedade”, verdadeiro atributo de um ethos policial, o
ethos militar reforça a função de “combate e extermínio do inimigo ou a inexorável punição dos
transgressores” (KANT DE LIMA, 2003, p. 86).
Regulação
Trata-se de compreender que as polícias estão muito mais submetidas a uma série de
preceitos e instrumentos de regulação e obrigações do que o exército nos conflitos militares.
Como assinala Brodeur:
“Não somente as “leis da guerra” são elas de um laconismo que
aspira ao silêncio, mas a maior parte de seus imperativos mais
elementares – a proteção dos civis, o tratamento humanitário dos
prisioneiros de guerra, a imunidade dos lugares onde os feridos são
tratados – foram sistematicamente vilipendiados e continuam a ser.
Apesar das tentativas de edificar um direito penal internacional, as
acusações empreendidas contra aqueles que são considerados
culpados de crimes contra a humanidade não passam da parte
dissimulada do direito do vencedor”. (op. cit., p. 47).
Com efeito, contrariamente ao exército, as polícias estão submetidas a um conjunto de normas,
impondo formas de atuação, limites e estabelecendo a responsabilidade dos agentes por
abuso de poder. Com o advento do período democrático no Brasil, há a publicação de um
conjunto de leis que, direta ou indiretamente, impõem limites às atuações das forças de ordem,
dentre as quais se destacam: Lei 7.716/89 (define os crimes resultantes de preconceitos de cor
ou de raça); Lei 8.069/90 (Estatuto de Criança e do Adolescente), Decreto 678, de 6 de
novembro de 1992 (promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de São
José da Costa Rica), Lei 9.299/96 (transfere a competência para julgar os crimes contra a vida
de civil, praticados por militares, para a Justiça Comum) e a Lei 9.455/97 (define os crimes de
tortura).
O mesmo pode ser dito com relação ao surgimento de instrumentos internacionais de proteção
aos direitos humanos, muitos dos quais o Brasil é signatário. Assim, podemos citar:
Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de dezembro de 1948;
•
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•
•
•
•
•
Convenção para Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, de 9 de dezembro de
1948;
Convenção Européia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades
Fundamentais, de 4 de novembro de 1950;
Regras Mínimas da ONU para o Tratamento dos Presos, de 30 de agosto de 1955;
Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial,
de 21 de dezembro de 1965;
Declaração Universal dos Direitos dos Povos, de 1976;
Convenção contra a Tortura e outras Penalidades ou Tratamentos Cruéis ou Degradantes,
de 10 de dezembro de 1984;
Convenção relativa aos Direitos da Criança, de 26 de janeiro de 1990.
Reiteramos que, com o advento da Emenda Constitucional n.º 45, estes instrumentos, quando
aprovados pela maioria qualificada, adquirem o status de normas constitucionais30. Fica claro,
assim, que as polícias estão submetidas a um conjunto muito maior de regras de atuação do
30
Ver nota 05.
40
que as Forças Armadas e esta constatação não poderia ser diferente e nem surpreende, já que
são instituições que diferem em natureza e funções.
Contudo, é flagrante a distância entre a prescrição legal e a realidade da atuação dos
aparelhos policiais no Brasil. Até o presente, as instituições policiais vêm reiteradamente
agindo em desconformidade com os limites que lhes são impostos, como comprovam os altos
índices de execuções sumárias, torturas e abuso de poder praticados por policiais no exercício
de suas funções. No mais, não se fortaleceram, até o momento, instituições incumbidas do
controle externo dos aparelhos policiais, sobre o que trataremos no tópico seguinte.
Controle externo
Por fim, o último critério analítico levantado por Brodeur (op. cit., p. 48) diz respeito ao controle
externo, “a obrigação de prestar contas”. Se, de um lado, as polícias estão submetidas ao
controle externo por várias instâncias, por outro, o exército “constitui um universo relativamente
fechado, paralelo à vida civil” (p. 49).
Assim, além do controle interno a cargo das Corregedorias, a polícia se submete também ao
controle externo a cargo do Ministério Público, das Ouvidorias de Polícia, Tribunais Militares
nos estados em que existem e do Poder Judiciário (Justiça Militar e Justiça Comum). Como se
pode ver, a existência da polícia civil e da polícia militar num mesmo estado e a diferença de
natureza histórica entre essas duas instituições faz com que não haja uma uniformidade no
controle das polícias por um único órgão interno de fiscalização e correição. Além disso, há o
que se pode chamar de controle informal realizado pela imprensa e pela sociedade civil
organizada31, no sentido de noticiar abusos cometidos por agentes policiais às instâncias de
controle formal e exigir a sua responsabilização.
No Brasil, poucos estudos destinados ao controle externo podem ser encontrados. Entretanto,
o que já se produziu a respeito mostra muito bem que o controle da atividade policial ainda é
fraco e muito aquém das expectativas e do desafio a enfrentar para a consolidação de um
Estado Democrático de Direito. Um estudo recente analisando a eficácia do controle externo
por parte das Ouvidorias de Polícia em cinco estados brasileiros mostra como ainda é precária
a efetivação dos mecanismos externos de controle das polícias, sendo esta uma das razões da
continuidade de práticas abusivas por parte dos policiais e da história de longa duração de
violências, torturas e corrupção perpetradas por agentes policiais em todo o Brasil
(LEMGRUBER, MUSUMECI e CANO, 2003). Mantém-se, além disso, a impunidade como
elemento de continuidade autoritária.
Embora diversos fatores sejam importantes para se compreender os constrangimentos
institucionais, sociais e culturais para a implementação do controle das atividades policiais, não
podemos deixar de salientar que as polícias, na medida em que exercem atividade de natureza
pública, não podem, tal como foi falado acima no que concerne ao exército, constituir-se num
universo fechado e paralelo à vida civil. Formas de controle devem ser fortalecidas em todas as
instâncias, sob pena da continuidade do ciclo autoritário no Brasil e da manutenção de uma
cidadania incompleta. Como concluem os autores acima citados:
“Ouvidorias lutando solitariamente, como é o caso de algumas
dessas instituições no Brasil, continuarão gerando reduzidos
impactos, no máximo provocando a punição de um ou outro policial,
sem desencadear mudanças estruturais mais profundas. Tais
mudanças dependem da articulação do trabalho das Ouvidorias ao
de outros setores do Estado e da sociedade, num esforço conjunto de
reverter padrões históricos de atuação das polícias, padrões que não
somente impedem o avanço da democracia, como se mostram
31
É o caso, por exemplo, dos recentes Conselhos Comunitários de Segurança.
41
totalmente incapazes de enfrentar o aumento do crime e da violência
em todo o país”. (op. cit., p.264).
No mesmo sentido, Macaulay (2002) levanta sérias críticas aos mecanismos de controle
externo das atividades policiais e aos desafios a superar para a consolidação de estruturas
policiais democráticas. A accountability policial brasileira, baseada na idéia de transparência,
fiscalização e responsabilidade, apresenta problemas institucionais/organizacionais, sociais e
culturais. Esta autora vai então analisar os Tribunais Militares, as Corregedorias de Polícia, as
Ouvidorias de Polícia e o Ministério Público e as fragilidades para o efetivo controle da atuação
dos aparelhos policiais. Assinala a autora (op. cit., p. 10):
“Responsabilidade é, portanto, entendida no âmbito da polícia militar
como um dever moral à instituição em si, não aos membros do
público que a polícia deveria estar protegendo do crime, ou a uma
gama maior de princípios que embasa o trabalho policial. De fato,
enquanto a ética e o ethos dos militares são bem enunciados e
incutidos nos novos recrutas, a polícia em si mesma não tem certeza
da base ética da sua função policial, dividida que atualmente está
entre as práticas antigas e autoritárias do passado, e os novos
discursos de direitos humanos, participação da comunidade e
segurança do cidadão, com os quais ela apenas timidamente tomou
contato.”
Como não nos cabe neste trabalho analisar o controle externo das polícias, mas tão somente
demonstrar a fraqueza e o desafio da consolidação democrática sob a ótica do comportamento
autoritário destas instituições, pensamos que a continuidade autoritária ainda permeia a
atividade policial, de modo que, se no plano formal a polícia difere do exército no que tange aos
instrumentos de controle aos quais está submetida, no plano factual não diferem
demasiadamente, já que mesmo havendo instituições de controle das polícias, estas se
mostram ineficientes e frágeis neste mister, razão pela qual ainda prepondera a arbitrariedade
estrutural de atuação destes aparelhos.
POLÍCIAS MILITARIZADAS: CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das cinco tipologias descritas por Brodeur, podemos agora analisar a militarização dos
aparelhos policiais e perceber que este é um fenômeno recente das sociedades modernas.
Claro que não existem sistemas cuja separação em cada categoria acima descrita seja
absoluta. Por isso este autor prefere falar em tipos ideais na concepção weberiana do termo e
salientar que a tendência atual é a “mestiçagem destes modelos” (op. cit., p. 51). Mas este
arcabouço teórico se torna importante, pois através dele podemos perceber qual é a direção
que se está tomando no que se refere ao futuro das polícias. A polícia militarizada seria, neste
sentido, um “tipo híbrido” que combinaria o ethos militar com poder de fogo policial, ou seja, um
ethos da força máxima com um poder de fogo limitado (op. cit., p. 53), embora, como já
salientamos em outra oportunidade, a polícia esteja cada vez mais adquirindo armamento
próprio da Forças Armadas. Mesmo assim, jamais corresponderá aquele utilizado por estas
instituições.
Contudo, para a compreensão da militarização dos aparelhos policiais, necessário se faz
trabalhar com as cinco tipologias acima descritas, analisando-as conforme o contexto de cada
país ou de cada estado, no caso específico do Brasil. No presente trabalho, limitamos o nosso
estudo ao caso brasileiro e aos estudos a esse respeito.
Pensamos, neste intuito, que o critério do “contexto de intervenção” seja aqui o mais
importante, já que através dele se legitima toda a intervenção militarizada das polícias na
realidade urbana e se firma cada vez mais o ethos militar como o único capaz de pôr fim à
42
guerra instaurada contra o tráfico de drogas e contra a criminalidade que assola o país de norte
a sul.
Através do contexto de guerra alardeado pelo discurso dominante, as polícias não agem como
instâncias de regulação de conflitos intersubjetivos, mas atuam no sentido de destruir o inimigo,
ou seja, aquele que, aos olhos deste mesmo discurso repressivo, é o responsável pela
desordem urbana. As instituições policiais deixam de desempenhar o papel de policiar o
espaço urbano para se constituírem em instituições cuja atribuição é o combate ao inimigo,
mantendo a ordem pela força e não pelo consenso e pela negociação.
Com efeito, diante dos critérios analíticos examinados, podemos dizer que quanto mais as
polícias se afastam do elemento que lhe é próprio em razão das suas funções e natureza, e
quanto mais se aproximam daqueles ligados ao exército, mais a polícia será militarizada.
Como já notamos neste trabalho, não somente as polícias militares são instituições
militarizadas, mas também as polícias civis e agora as guardas municipais começam a se
estruturar como aparelhos militarizados em grau menor, mas já em nítida perspectiva de
concretização. Nas polícias civis, como já dito, a tendência à especialização se revela mais
como uma forma de militarização do que como forma de fortalecimento das funções
investigativas. No que se refere às guardas municipais, embora ainda não sejam polícias no
sentido do termo legal, fortalecem-se cada vez mais sob os auspícios das polícias militares,
seguindo seu modelo e sua ideologia organizacional.
Por fim, embora as polícias estejam adstritas a limites de atuação e a um conjunto de normas
pelas quais devem orientar suas condutas, os instrumentos postos à disposição para o efetivo
controle interno e externo das polícias são frágeis e a impunidade ainda prepondera. O
contexto de guerra faz com que fique difícil, sob esta ótica, pensar na responsabilização dos
agentes policiais por crimes praticados no exercício de suas funções e, com isso, torna-se mais
difícil ainda pensar na consolidação do regime democrático.
A recente democracia brasileira ainda se depara com o desafio da sua consolidação e, para
tanto, urge uma profunda reestruturação dos aparelhos policiais, coadunando-os aos princípios
vigentes e a uma sociedade multicultural e heterogênea. A militarização dos aparelhos
policiais no Brasil – entendida como um fenômeno recente – virá tão-somente a agravar o
atual quadro de violência, revelando-se assim mais como parte do problema do que como sua
solução. O futuro ainda é incerto e está em processo de construção, mas depende, em grande
medida, do esforço conjunto de construção cotidiana e das decisões que são tomadas hoje.
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45
IMPLEMENTAÇÃO DA MALHA CURRICULAR NACIONAL:
A FORMAÇÃO POLICIAL CIVIL EM MINAS GERAIS
Silvano de Almeida32
Patrícia Luíza Costa
INTRODUÇÃO
A Polícia Civil de Minas Gerais- PCMG está regulamentada pela Lei número 5406, de 16/12/69,
com as alterações introduzidas pela Lei Complementar nº 84, de 25/07/05. A ela compete o
exercício das seguintes funções:
a)
b)
c)
d)
proteção à vida e aos bens;
preservação da ordem e da moralidade pública;
preservação das instituições político- jurídicas, e
apuração das infrações penais, exercício da polícia judiciária e cooperação com as
autoridades judiciárias, civis e militares, em assuntos de segurança interna.
O efetivo da PCMG está assim composto:10.200 homens e mulheres, para além de exercer a
sua missão constitucional, o exercício das atividades de polícia judiciária, proceder à
identificação civil e criminal, registrar e licenciar veículos automotores, habilitar condutores, e,
ainda zelar pela guarda, de aproximadamente, cinqüenta por cento dos presos do Estado.
Embora grande parte das apurações das infrações penais seja realizada de maneira empírica,
o trabalho de investigação em si, é um trabalho de pesquisa científica; a pesar do método
empregado ser é idêntico ao acadêmico, o sucesso das investigações dependerá dos méritos
da equipe que a diligenciar. Para melhor compreender o que significa esses “méritos da
equipe”, é preciso fazer uma análise histórica da formação policial civil, em Minas Gerais.
O Ensino Policial Civil em Minas Gerais
A Academia de Polícia Civil de Minas Gerais- ACADEPOL, iniciou sua história em 1926,
quando da edição do Decreto n° 7.287, em 17 de julho, que determinou criação de uma Escola
de Polícia, a funcionar na Seção de Investigação e Capturas do Gabinete de Investigações da
então Secretaria de Segurança e Assistência Social. Ela teve como objetivo inicial o ensino
prático e experimental de Noções de Criminologia, Direito Penal, Noções do processo Criminal,
Organização e Funções de Polícia, Técnica Policial e Investigação criminal.
A ACADEPOL integra o Conselho Superior de Polícia Civil. A ela compete ministrar cursos
técnicos-profissionais, de grau médio e superior aos servidores policiais, obedecida à
legislação específica, bem como promover cursos, concursos, e exames de seleção para o
provimento de cargos de natureza estritamente policial. (MINAS GERAIS. Lei Orgânica da
Polícia Civil. 1969, p.3,6 e7)
A nomeação para cargos de natureza estritamente policial, nos termos da LOPC, em perfeita
sintonia com o que dispõe a Constituição Federal e a do Estado de Minas Gerais, está
condicionada a aprovação em concurso público, realizado em fases de caráter eliminatório e
sucessivas. Dentre essas fases concursais está o Curso de Formação Policial- CFC.
32
Silvano de Almeida é Delegado da Polícia Civil, dentre outras atividades exercidas nas forças policiais foi Diretor
Adjunto da ACADEPOL/MG. É especialista em criminalidade e segurança pública, com vasto conhecimento na área de Munições e
Explosivos. Este artigo é oriundo do trabalho monográfico apresentado à Fundação João Pinheiro, em outubro de 2007, em parceria
com a Polícia Militar de Minas Gerais.
46
A Lei Complementar nº 84, de 25/07/07 modificou a estrutura das carreiras da Polícia Civil e
criou a carreira de agente de polícia extinguindo as carreiras de carcereiro, identificador e
vistoriador de veículo. Sendo assim, a Polícia Civil de Minas Gerais reduziu o seu quadro de
pessoal para seis carreiras, a saber: delegado de polícia, médico legista, perito criminal,
escrivão de polícia, agente de polícia e auxiliar de necropsia, ressalvando que esta última,
também será extinta pela vacância de seus cargos, quando, então a Corporação terá apenas
cinco carreiras.
A lei já citada define carreira como o “conjunto de cargos de provimento efetivo, agrupados
conforme a natureza e complexidade e, estruturados em níveis e graus, escalonados em
função do grau de responsabilidade e das atribuições da carreira”.
A TAB. 1 apresenta o novo quadro das carreiras na Polícia Civil, de modo mais sistêmico e de
fácil compreensão:
TABELA 1
Relação atual de carreiras na Polícia Civil de Minas Gerais.
Carreira
Nível
Área do conhecimento
Idade mínima
escolaridade
Delegado de Polícia
Superior
Direito
21 anos
Médico-Legista
Superior
Medicina
21 anos
Perito Criminal
Superior
Todas
21 anos
Escrivão de Polícia
Médio
18 anos
Agente de Polícia
Médio
18 anos
Auxiliar de Necropsia
Médio
18 anos
Fonte: Lei Complementar 84, de 25 de julho 2005.
O mencionado CFC ministrado pela ACADEPOL é organizado de acordo com as normas da
LOPC e do respectivo edital do concurso, não estando vinculado, obrigatoriamente, às normas
da Lei de Diretrizes e Bases para a Educação.
A LOPC estabelece que a duração mínima do curso de formação policial é de 720 (setecentos
e vinte) horas-aula, com dedicação exclusiva. A realização do curso sofre influências políticas
do momento, início ou término de governo pode indicar um curso mais curto ou mais longo; por
outro lado, cobra-se muito da ACADEPOL a agilização dos cursos em face da carência de
servidores na instituição, o que, de certa forma, prejudica a qualidade do ensino.
O objetivo deste artigo é, em termos gerais, analisar a implementação da Malha Curricular
Nacional na formação da Polícia Civil de Minas Gerais quanto à interdisciplinaridade com a
malha adotada na ACADEPOL, no período entre 2003 e 2007.
Para se ter uma idéia, na Polícia Civil de Minas Gerais, 20% do conteúdo ministrado aos
policiais envolvem as mais variadas formas da ciência do Direito, 74% as práticas policiais
como: perícias diversas, treinamento de ação policial, táticas operacionais, investigação
policial, tiro, ou seja, a operacionalidade do fazer polícia. Os 6% restantes são destinados à
área mais técnica e de pouco valor para os policiais, o que eles chamam de administrativo,
assim distribuídos: 3,91% para administração da delegacia e 2,08% destinados à qualidade de
vida e recursos humanos.
Pode, evidentemente haver uma variação conteudista, de acordo com as carreiras, mas o
percentual reservado à administração e recursos humanos mantém-se no intervalo de 1% a
6%, desde 1976. Aí reside o medo que é repassado aos subordinados, qualquer que seja o
nível de escolaridade. O medo do fracasso, do erro, da pena, da exclusão, do não saber fazer,
e o do não saber liderar.
Administrar é, antes de tudo, saber educar; policiar é antes de tudo professar o cuidado com o
outro.
47
É paradoxal que aqueles a quem compete assegurar condições para
um bom exercício da função de educar sejam os que maiores
dificuldades colocam aos professores e às escolas que querem
desenvolver verdadeiros projectos.
Consegues entender, Marcos? Nem eu! Mas continuarei repetindo o
que venho dizendo, até que os peixes me escutem. Que me chamem
redundante, que eu não me importo. (PACHECO, 2005,p 12 b)
De acordo com o Projeto de Segurança Pública para o Brasil (BRASIL. 2003:28), “os
problemas de violência, de nova criminalidade, de delitos de exclusão social, de crimes
tecnológicos e transnacionais devem ser enfrentados por técnicas novas, lastreadas na
ciência” . O compartilhamento de experiências e informação é fundamental para o processo de
criação de um Projeto de Segurança Pública (BRASIL. 2003:28).
Não basta o conhecimento técnico nem tampouco o fazer profissional. Além do conhecimento
teórico e da práxis profissional, é necessária a ética profissional, que significa a reflexão do
saber, do saber-fazer e do porque fazer. Quem tem essa consciência, certamente conhece o
seu limite e sabe que nem sempre aquilo que é possível é necessário e legítimo.
CONCEITUAÇÃO E EVOLUÇÃO DA MATRIZ CURRICULAR NACIONAL- MCN
O ensino policial diverge de Estado para Estado, cada polícia tem a sua grade curricular com
disciplinas das mais variadas, umas com carga horária excessiva e outras com carga horária
pequena, que não dá para formar adequadamente o policial. É nessa adversidade que o
Governo Federal quer atuar criando um ponto de referência, um norte, para reconstrução das
grades curriculares. Em contrapartida a adoção desse rumo e das demais políticas públicas
voltadas para a segurança pública, possibilita o Estado atrair para si investimentos públicos
federais essa melindrosa área.
A palavra ´matriz` remete às idéias de ´criação` e ´geração` que norteiam uma concepção mais
abrangente e dinâmica de currículo, o que significa propor instrumentos que permitam orientar
práticas formativas e as situações de trabalho em Segurança Pública, proporcionando a
unidade na diversidade, a partir do diálogo entre Eixos Articuladores e Áreas Temáticas.
(MCN,2003,p06.)
A MCN é constituída de princípios, objetivos, eixos articuladores, áreas temáticas, orientações
teórico-metodológicas e ainda uma orientação para o sistema de avaliação e monitoramento
das ações formativas. Destacam-se como principais princípios éticos normativos o respeito aos
direitos humanos e a construção da cidadania na formação policial, sendo objetivos essenciais,
desta:
-
o posicionamento crítico, responsável e construtivo nas diferentes situações sociais;
a percepção dos agentes transformadores da realidade social e histórica do país;
o conhecimento e valorização da diversidade que caracteriza a sociedade brasileira;
o conhecimento e domínio das diversas técnicas ao uso legal da força e da arma de
fogo;
o desenvolvimento do auto-conhecimento dos profissionais da segurança pública, e
a utilização de diferentes linguagens, fontes de informação e recursos tecnológicos que
norteiam a atuação dos profissionais da área de segurança pública.
Todavia, a MCN não tem a pretensão de ser um conjunto de parâmetros hermeticamente
fechado, mesmo porque o conhecimento está em constante evolução. Nessa linha de
raciocínio, as diretrizes para o ensino policial não podem paralisar-se no tempo. Assim a MCN
deverá ajustar-se as fatalidades do cotidiano e estará em constante movimento.
48
Daí surgiu um novo documento, em 2006, intitulado de Matriz Curricular em Movimento, que
consiste num guia didático-metológico que tem por objetivo apresentar idéias e sugestões de
estratégias e ações, com base nos princípios e fundamentos da MCN, subsidiar na reflexão da
prática pedagógica, no planejamento e na execução das ações formativas. Porque se espera
que as idéias e sugestões possam provocar isto mesmo: um movimento, uma mobilização
mental (reflexões); mobilização de pessoas; mobilização estratégica-política, e espera-se
também que todo este movimento chegue as salas de aula, contribuindo para a excelência da
formação do profissional de segurança pública.
Mas, essa evolução conceitual posta em desafio não pára por aí, em face do surgimento de
novas diretrizes pedagógicas, resultado da contribuição de inúmeros profissionais da área de
segurança pública, que se reuniram presencialmente e em ambientes virtuais, vem sendo
utilizada a expressão Malha Curricular em substituição a grade curricular, porque é um termo
mais amplo, no sentido de flexibilidade, ou maleabilidade, possibilitando a articulação ou
conjugação das diversas disciplinas dos cursos policiais.
A partir da elaboração conjunta desse documento, a Secretaria Nacional de Segurança
Pública- SENASP passou a intervir, indiretamente, nas ações educacionais das forças de
segurança pública do país.
Os currículos e programas das atividades formativas devem ser compostos por um núcleo
comum (básico) e uma parte específica. O núcleo comum, recomendado pelo Ministério da
Justiça, por intermédio da Secretaria Nacional de Segurança Pública, de acordo com o
documento da Matriz Curricular Nacional, é composto por disciplinas que congreguem
conteúdos conceituais, procedimentais (habilidades técnicas, administrativas, interpessoais,
políticas e conceituais) e atitudinais, cujo objetivo é a garantia de unidade de pensamento e
ação dos profissionais da área de segurança pública.
As disciplinas que compõem a grade curricular do núcleo comum e suas respectivas cargas
horárias, devem constar das grades curriculares dos currículos dos centros de ensino,
observado o foco que se fizer necessário para atender a atividade formativa a que se destinam.
Serão aceitas disciplinas com nomenclatura e ementa diferentes, porém equivalentes, desde
que justificada a equivalência.
Todos os conteúdos expressos nas ementas das disciplinas do núcleo comum devem compor
os currículos dos cursos de formação de qualquer centro de ensino da área de segurança
pública.
A parte específica deverá ser elaborada pela equipe de supervisão integrada de cada Estado
em conjunto com as instituições envolvidas, observados os perfis profissiográficos e as
competências e habilidades existentes na Classificação Brasileira de Ocupações. A parte
específica deverá ser composta por disciplinas que congreguem conteúdos conceituais,
procedimentais (habilidades técnicas, administrativas, interpessoais, políticas e conceituais) e
atitudinais, relacionados diretamente com a especialidade que irão desempenhar, com as
necessidades e peculiaridades regionais e com a complementaridade do núcleo comum.
Os planos de ensino das disciplinas, anexos aos currículos dos diferentes cursos, devem
conter os objetivos educacionais a serem alcançados, a justificativa, os conteúdos
programáticos, as cargas horárias previstas, a freqüência mínima exigida (75%), as práticas
didáticas a serem adotadas, bem como a descrição do processo e instrumentos de avaliação.
Com o objetivo de favorecer a articulação e a alternância entre teoria e prática, os currículos,
programas e planos desenvolvidos com base na Matriz Curricular Nacional devem:
a) proporcionar a participação ativa dos discentes por meio de atividades que
favoreçam a reflexão sobre a prática, envolvendo mecanismos intencionais que possibilitem a
reflexão antes, durante e após a ação;
49
b) estudos de caso, simulações, resolução de problemas, projetos, vídeoformação, grupos de vivência/observação, prática assistida, entrevistas dentre outros são
atividades que auxiliam o desenvolvimento de uma prática reflexiva;
c) por mecanismos intencionais entende-se um planejamento de ensino que
possa considerar as competências e as habilidades que serão desenvolvidas, bem como os
objetivos a serem alcançados.
Para isto, os professores devem considerar que o profissional da área de segurança pública
trabalha em ambientes e situações de risco, portanto, necessitam administrar o estresse. É
importante que os professores, principalmente os das disciplinas técnicos-operacionais
desenvolvam mecanismos de observação e avaliação das práticas e criem as condições
necessárias para que os alunos possam apreender – aplicar – avaliar – corrigir, mediante um
feedback constante.
Para se alcançar esses objetivos deve as Escolas de Ensino que envolvem as forças policiais
deverão:
a)
favorecer um ambiente de formação aberto, ou seja, que vá além dos muros dos
centros de ensino, contemplando atividades que favoreçam aos alunos o contato e o
intercâmbio com: todos os órgãos de segurança pública, comunidades, Organizações Não
Governamentais- (ONGs), instituições de ensino, bibliotecas;
b)
prever mecanismos para a revisão continuada de seus objetivos, conteúdos e práticas
didáticas, com base nos dados colhidos nas avaliações procedidas;
c)
enfatizar e prever as condições necessárias ao desenvolvimento dos conteúdos
atitudinais, particularmente: patriotismo, responsabilidade, lealdade, disciplina, entusiasmo
profissional, cooperação, iniciativa, criatividade e os preceitos de respeito à dignidade humana
e da responsabilidade social;
d)
incentivar que o aluno desenhe seu percurso de desenvolvimento profissional dentro da
instituição, estimulando o auto-aperfeiçoamento e a predisposição à mudança;
e)
favorecer a ampla utilização das tecnologias de informação e comunicação nas
atividades presenciais ou a distância.
Os temas transversais dos novos parâmetros curriculares incluem ética, meio ambiente, saúde,
pluralidade cultural e orientação sexual. Eles expressam conceitos e valores fundamentais à
democracia e à cidadania e correspondem a questões importantes e urgentes para a
sociedade brasileira de hoje, presentes sob várias formas na vida cotidiana. São amplos o
bastante para traduzir preocupações de todo país, são questões em debate na sociedade
através dos quais, o dissenso, o confronto de opiniões se coloca.
Através da ética, o policial deverá entender o conceito de justiça baseado na equidade e
sensibilizar-se pela necessidade de construção de uma sociedade justa, adotar atitudes de
solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças sociais, discutindo a moral vigente e tentando
compreender os valores presentes na sociedade atual e em que medida eles devem ou podem
ser mudados.
Através do tema meio-ambiente o policial deverá compreender as noções básicas sobre o
tema, perceber relações que condicionam a vida para posicionar-se de forma crítica diante do
mundo, dominar métodos de manejo e conservação ambiental.
A saúde é um direito de todos. Por esse tema o policial compreenderá que saúde é produzida
nas relações com o meio físico e social, identificando fatores de risco aos indivíduos
necessitando adotar hábitos de auto-cuidado.
A Polícia Civil de Minas Gerais e as questões transversais tratadas na MCN
50
Aqui se abre um parêntese para dizer que a atividade policial é uma das profissões a que
normalmente andam associados elevados níveis de estresse, os quais podem originar perda
de eficiência e aumento de problemas de natureza física e emocional.
De acordo com dados estatísticos fornecidos pelo Hospital da Polícia Civil de Minas Gerais, em
2002 foram atendidos 9.557 casos relacionados ao atendimento clínico e psiquiátrico de
policiais civis e 2.835 casos de filhos de policiais, atendidos na pediatria.
Para o atendimento psicossocial do policial, através do Decreto 43.852, de 11/08/03, que
dispõe sobre a nova organização da PCMG, foi criada na estrutura orgânica da
Superintendência de Planejamento, Gestão e Finanças, a Diretoria de Recursos Humanos, que
tem também a atribuição de coordenar o planejamento, a implantação e a avaliação das ações
referentes ao desenvolvimento dos recursos humanos da Polícia Civil.
É preciso que se desvencilhe do modelo repressivo, culturalmente arraigado nas formas de
governos latino-americanos, voltados para os modelos militarizados e autoritários que podem
converter esse paradigma em uma extensão do controle estatal, com seus defeitos de
seletividade, infiltrados na violência nos bairros, que tem aumentado nitidamente, a escassez
de investimentos em recursos humanos, o que favorece a corrupção e a falta de auto-estima e
preparação dos policiais, quer estejam no campo administrativo, quer no campo operacional.
Não se buscam culpados para o problema da baixa auto-estima na polícia. Buscam-se
soluções, que de certa forma impacta na educação do profissional que milita na segurança
pública, e certamente, permitirá fazer com que sinta parte do todo. Avaliados os dados
apresentados nesse estudo, não há que se separar a polícia em grupos operacionais e
administrativos. A polícia é um todo que merece tratamento. O ser humano é quem constitui
essa instituição, portanto, é prioritário.
A questão da violência, e por conseqüente, da criminalidade reside basicamente nas relações
(ADORNO, 2005, p 38 ). A dinâmica das relações entre gêneros, pais e filhos, jovens entre si,
idosos mudou numa velocidade vertiginosa, o que tem gerado explosões de conflitos; as
questões interpessoais são mais volumosas que as questões que os jornais insistem em
registrar.
No dia-a-dia das Unidades Policiais a maior parte dos gerenciamentos de crises reside nas
relações. Daí surge o questionamento: o que fazer? A solução não será outra, senão investir
em políticas sociais com vistas ao fortalecimento da sociedade civil, e em melhor a preparação
dos operadores e encarregados da justiça, considerando-se os valores (dignidade, qualidade
de vida, civilidade, justiça, confiabilidade e respeitabilidade, entre outros), como base para a
execução de um trabalho mais justo e cidadão; além da melhoria do ensino e da capacitação
dos policiais.
A PESQUISA
O estudo em referência se insere na linha de pesquisas sobre a “qualidade do ensino policial
civil”, objetivando analisar a interdisciplinaridade existente na Malha Curricular aplicada como
base dos programas dos cursos de formação na Polícia Civil de Minas Gerais.
Para tanto, a questão básica que direcionou o presente trabalho foi: A Malha Curricular
aplicada como base dos programas dos cursos de formação na Polícia Civil de Minas Gerais
tem contribuído para implementar a interdisciplinaridade exigida pelas diretrizes nacionais.
Dessa forma, tomando como referência o modelo escolhido para o suporte teórico do estudo e
em conformidade com os objetivos estabelecidos, as perguntas que conduziram o presente
trabalho foram divididas em três partes:
1-
Parte I – Envolvem nove questões sobre a individualidade do respondente.
51
23-
Parte II – Elaboradas 35 (trinta e cinco) afirmações sobre si mesmo, com as quais
pode estar mais ou menos de acordo.
Parte III – Subdividida em cinco quesitos que avaliam a atuação dos alunos e dos
professores. Os quesitos são: a) Planejamento e organização; b) conteúdo; c)
metodologia; d) avaliação; e) relacionamento interpessoal.
O estudo da malha curricular vinculou-se, conforme já apresentado, aos alunos ou melhor,
aspirantes às carreiras policiais, que passarem pela Academia de Polícia Civil de Minas Gerais,
e na população que se encontra matriculada na ACADEPOL, em 2007.
A TAB.2 apresenta a distribuição de aspirantes que se encontram matriculados na
ACADEPOL, no ano de 2007, no Curso de Formação Policial que se iniciou em 17 de setembro
de 2007 e findar-se-á em 14 de fevereiro de 2008.
Carreira
Delegado de Polícia
Escrivão de Polícia
TOTAL
TABELA 2
Relação de aspirantes às carreiras Policial Civil
Número de aspirantes matriculados
180
360
540
FONTE: MINAS GERAIS. ACADEPOL, 2007.
Por se tratar de um dos primeiros estudos com esta população para análise da Malha
Curricular, poder-se-ia utilizar a variabilidade populacional máxima (0,25). Com a margem de
erro de estimação de 6%, para mais ou para menos, dentro de um intervalo de confiança de
95%, a mostra selecionada foi de 108. Isso significa que, se fizéssemos 100 levantamentos
simultâneos com a mesma metodologia, em 95, os resultados estariam dentro da margem de
erro prevista de menos ou mais 6 pontos percentuais.
Porém, para a obtenção da amostra optou-se pelo processo aleatório, estratificada e
proporcional à população de Policiais das carreiras em referência, ou seja, Delegado de Polícia
e Escrivão de Polícia, vez que em todos os concursos ocorridos na fase histórica de 2003 a
2007, as duas carreiras estiveram presentes, não de modo seqüencial, porém, de forma
alternada. Ou seja, houve ano em que haviam turmas de Delegado de Polícia e outras
carreiras, exceto de Escrivão e, vice-versa.
Para calcular a amostra, com a população de 540 aspirantes, utilizou-se a amostra de 20% dos
alunos de cada turma, dezoito ao todo
Coleta de dados
A Coleta de dados constituiu-se na utilização dos seguintes instrumentos: questionários,
análise documental e observação direta.
Entretanto, o instrumento básico da coleta de dados foi o questionário, visto a adoção do
método quantitativo como estratégia principal do referido estudo. A justificativa para esta
escolha encontra respaldo na observação de SELLTIZ et al (1967), que percebe o questionário
como um método que pode ser aplicado simultaneamente a um grande número de pessoas, e
gera respostas mais fáceis de serem comparadas do que aquelas obtidas por meio de
entrevistas, e assegura certa uniformidade de uma situação de mensuração para outra.
A análise documental e a observação direta, do tipo não participante, foram utilizadas,
respectivamente, com a intenção de analisar os aspectos legais, nos quais se baseiam a
organização, e os aspectos informais que marcam as relações cotidianas no interior da Escola
(ACADEPOL).
52
O instrumento de pesquisa
O questionário foi elaborado considerando a avaliação criada pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, para avaliar a implantação da Malha Curricular Nacional-MCN, em abril de
2007.
Por se tratar de um questionário muito extenso, 370 (trezentos e setenta) questões, optou-se
por selecionar entre as 370 (trezentos e setenta) questões, 74 (setenta e quatro), ou
seja,dividimos por cinco, selecionando questões afins.
A elaboração desse questionário visou detectar as opiniões dos alunos frente às possíveis
mudanças no currículo do curso e o sentimento diante da aspiração ao cargo.
RESULTADOS
A população, foco do estudo, se encontra distribuída em duas das cinco carreiras da Polícia
Civil de Minas Gerais, Delegado de Polícia e Escrivão de Polícia, conforme já explicado. A
aplicação dos questionários ocorrera no dia 05 de outubro de 2007.
Com base nesses parâmetros, o perfil dos respondentes e as características mais relevantes
de seu contexto de trabalho serão apresentadas e analisadas a seguir.
Em relação ao sexo 8,2% dos respondentes são do sexo feminino e 91,8% são do sexo
masculino. Essa distribuição é considerada normal para os cargos pesquisados, Delegados de
Polícia e Escrivão de Polícia, haja vista que esse percentual se concentre quase que em seu
total, na carreira de Escrivão de Polícia, conforme se pode observar no GRÁF.1.
Caracterização dos respondentes com relação ao sexo
feminino
masculino
GRÁFICO 1
Fonte: MINAS GERAIS. ACADEPOL, 2007.
Quanto à faixa etária dos respondentes, 29,1% têm idade até 25 anos, 60,9% entre 26 e 30
anos, 10,0% entre 31 e 35 anos. Esses dados revelam que como aspirantes existe um
contingente considerável de pessoas com menos de 35 anos de idade, o que propicia uma
oportunidade para a instituição investir no desenvolvimento dessas pessoas, gerando, assim,
novas oportunidades de capacitação física e intelectual de policiais. Acredita-se então, que a
instituição deva investir em treinamentos que proporcionem um desenvolvimento de
habilidades e competências dos policiais, foco da malha curricular. O GRÁF. 2, mostra os
dados, de modo mais ilustrativo.
53
caracterização dos respondentes com relação à faixa etária
entre 31 e 35
anos
até 25 anos
entre 26 e 30
anos
GRÁFICO 2
Fonte:MINAS GERAIS. ACADEPOL, 2007.
Com relação ao estado civil, o GRÁF.3 mostra que 83,6% dos respondentes são solteiros, 7,2
são separados e 9,2% são casados.
caracterização dos respondentes com relação ao estado civil
separados
casados
solteiros
GRÁFICO 3
Fonte: MINAS GERAIS. ACADEPOL, 2007.
Os dados que dizem respeito à escolaridade mostram que 14,3% possuem o nível médio
completo de ensino, 85,7% o nível superior de escolaridade. Esse resultado pode ser
observado no GRÁF.4.
caracterização dos respondentes quanto à escolaridade
superior
médio
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
GRÁFICO 4
Fonte: MINAS GERAIS. ACADEPOL, 2007.
Para se fazer o concurso público à carreira de Escrivão de Polícia, um dos requisitos é em
relação à escolaridade que, necessariamente, é o nível médio de ensino. Considerando,
conforme mostra a TAB.3, o número de turmas existentes em cada carreira e, que o
questionário foi aplicado considerando 20% aleatório em cada turma, é de grande relevância
esse tópico, vez que a preparação de aulas e, fundamentalmente de um Projeto Pedagógico de
uma escola, observa todas essas questões.
54
CARREIRA
Delegado de Polícia
Escrivão de Polícia
TABELA 3
Relação Turmas versus alunos
Nº DE TURMAS
Nº ALUNOS EM CADA TURMA
06
30
12
30
FONTE: MINAS GERAIS. ACADEPOL, 2007.
Quanto à segunda parte do Questionário, no qual concentrou-se em questões que envolvem o
“eu” de cada sujeito, as questões mais significantes apontaram para os seguintes resultados.
Quando se perguntou pelo hábito do estudo, 68,5 dos respondentes, discordaram totalmente
quanto ao fato de acharem ter outra coisa melhor para fazerem que não seja o estudo, 16,7
discordaram parcialmente quanto à questão e, do total, 14,8 acharam que têm coisas mais
importantes por fazerem que não seja o estudo, conforme apresenta o GRÁF.5.
caracterização dos respondentes quanto à questão: não sou dos
que estão continuamente estudando porque acredito que tenho
outras coisas a fazer
concordo
parcialmente
concordo
totalmente
discordo
totalmente
GRÁFICO 5
Fonte: MINAS GERAIS. ACADEPOL, 2007.
Ao questionar sobre a importância de que a dedicação de tempo e esforço de um professor ou
chefe, possa auxiliar no esforço do aprendizado ao que seja comunicado e ensinado, 98,5%
dos respondentes concordaram totalmente, 1,5% parcialmente. Os resultados podem ser vistos
no GRÁF. 6.
Caracte rização dos re s ponde nte s quanto à orie ntação
ade quada, clara e trans pare nte para a e xe cução de um a
tare fa por parte do Profe s s or ou Che fe
totalmente
parcialmente
GRÁFICO 6
Fonte: MINAS GERAIS. ACADEPOL, 2007.
A terceira parte do questionário contém as questões relacionadas diretamente à estrutura do
curso de Formação Policial. No tópico A, observou-se os resultados quanto ao planejamento e
organização do Curso, que possui malha curricular distribuída em 720 (setecentas e vinte)
horas-aula.
55
Do total de 108 respondentes, 75,3% foram categóricos em responderem que às vezes
percebem o encadeamento dos conteúdos desenvolvidos, 18,0% raramente e o restante, ou
seja, 6,7% nunca observaram o encadeamento entre os conteúdos. O GRÁF.7 ilustra bem
esse informe.
perfil dos respondentes quanto à postura diante do
encadeamento de conteúdos desenvolvidos de uma aula para
outra
0
10
20
30
40
às vezes
raramente
50
60
70
80
nunca
GRÁFICO 7
Fonte: MINAS GERAIS. ACADEPOL, 2007.
Outra questão importante envolve a preparação do aluno para a aula seguinte, 91,6% não se
prepara, 2,6% revisam o conteúdo da aula anterior e 5,8% estudando por sua conta. O GRÁF.
8 mostra o resultado desse quesito.
Interesse na aula seguinte
100
80
60
40
20
0
nunca se preparam
revisam a aula anterior
estudam por conta própria
caracterização dos respondentes quanto a se prepararem para a aula seguinte
GRÁFICO 8
Fonte: MINAS GERAIS. ACADEPOL, 2007.
O tópico B relaciona-se ao conteúdo das disciplinas contempladas na malha curricular.
Considerando-se os resultados de modo geral, tem-se que 53,0% acredita que os conteúdos
ministrados na ACADEPOL raramente o auxiliarão na execução da sua atividade-fim, 21,7%
acredita que geralmente os conteúdos refletem a realidade do trabalho policial, 10,5%
responderam que os conteúdos sempre coadunarão ao cotidiano do policial civil, 10,0%
acreditam que às vezes os conteúdos poderão ser utilizados e 4,8% nunca executarão os
conteúdos ministrados pela ACADEPOL, de acordo com o GRÁF. 9.
56
importância dos conteúdos ministrados na ACADEPOL
para o cotidiano do policial civil
60
50
40
30
20
10
0
sempre
geralmente
às vezes
raramente
nunca
GRÁFICO 9
Fonte: MINAS GERAIS. ACADEPOL, 2007.
O tópico C envolve questões ligadas à metodologia. Dos 108 respondentes, 77,0% raramente
receberam orientações dos professores para a realização dos trabalhos propostos, 23,0% às
vezes conseguiram obter informações que os auxiliaram na confecção dos exercícios
propostos, pois 88,7% tiveram dificuldades para compreender o que foi solicitado e 11,3% não
estavam habituados ao tipo de trabalho proposto. O GRÁF. 10 apresenta os resultados.
caracterização dos respondentes quanto à capacidade de
compreensão e execução dos exercícios propostos pelos
professores
dificuldades na compreensão
não estão preparados para os exercícios
GRÁFICO 10
Fonte: MINAS GERAIS. ACADEPOL, 2007.
O tópico D relaciona-se às avaliações aplicadas durante a execução do curso de formação
policial. Do total dos respondentes, 96,5% não sabiam o que os professores consideram na
avaliação e, quanto aos trabalhos em geral, os professores raramente costumam devolvê-los e
comentam os resultados individualmente com quem solicita, num percentual de 98% dos
respondentes.
No último tópico abordado pelo questionário, o relacionamento interpessoal é abordado. Os
seguintes resultados devem ser considerados: 86,5% dos respondentes declaram que
geralmente conseguem expressar pontos de vista contrários aos do professor, 12,8%
responderam que sempre conseguem expor pontos de vista contrários aos do professor e o
restante, ou seja, 0,7% às vezes, expressam-se contrários aos pontos de vista do professor. O
GRÁF. 11 mostra com clareza esses dados.
57
Caracterização dos respondentes quanto à expressarem-se com
pontos de vista contrários ao do professor
geralmente
sempre
às vezes
GRÁFICO 11
Fonte: MINAS GERAIS. ACADEPOL, 2007.
DISCUSSÃO
Antes mesmo de se ter os resultados do levantamento em referência, nota-se que a
ACADEPOL preocupara-se em melhor qualificar a equipe de docência e, já para o curso de
2007, reduzira as disciplinas de 50 (cinqüenta) para 39 (trinta e nove). Estabeleceu-se as
diretrizes para que os Coordenadores de Áreas Temáticas possam embasar-se, conforme se
segue:
As malhas curriculares em que os aspirantes às carreiras de Delegado de Polícia e Escrivão de
Polícia submetidos ao questionário, já sofrera uma alteração quanto à redução da carga horária
e o número de disciplinas.
O Plano de Ensino outrora pouco cobrado, tornara-se obrigatório, embora não exista uma
política de ensino na Polícia Civil que oficialize tal dinâmica de trabalho.
Elaborou-se um cronograma de reuniões de trabalho para manter a ACADEPOL mais próxima
dos Coordenadores, vez que diante do grande número de professores, fica difícil reunir-se
mensalmente, com os mesmos.
Outro aspecto preocupante é a falta de identificação entre Professor e Aluno, diante do grande
número de professores que, por vezes, ministram a mesma disciplina em uma mesma turma.
A TAB.4 apresenta a relação de disciplinas, coordenação e professores, considerando como
base o curso realizado em 2006-I, que tem servido de base para a turma de 2007, que
apresenta uma média de 493 (quatrocentos e noventa e três) professores, incluindo os que
atuam nas aulas práticas. Outro dado relevante e, já mencionado, fora a redução de disciplinas
para 39 (trinta e nove).
TABELA 4
Relação professores curso formação policial – 2006-I
área temática
nº disc.
nº coord.
nº prof.
15
50
29
737
Fonte: MINAS GERAIS. Projeto 39. Curso de Formação Policial. Belo Horizonte: ACADEPOL, 2006.
A média de apostilas utilizadas no curso de formação policial em 2006-I, também é assustador.
Observa-se um número abusivo de apostilas, com conteúdos repetitivos e, por vezes,
desnecessários. Excessivo também foi o número de textos impressos, distribuídos de forma
avulsa, conforme mostra a TAB.5.
58
TABELA 5
Relação de apostilas- Curso de Formação Policial 2006-I
área temática
nº disc.
15
média apost.
50
48
Fonte: MINAS GERAIS.Projeto 39/2006. Belo Horizonte: ACADEPOL.2006
Estabeleceu-se uma rotina de trabalho para a otimização do processo produtivo das atividades
acadêmicas que possibilitou uma melhoria das atividades, já para o ano de 2007, com as
carreiras de Delegado e Escrivão de Polícia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Talvez a tendência mais importante decorrente da gestão do conhecimento seja a acelerada
necessidade de aprendizado durante a vida toda. Afinal, desde o nascimento de nossa espécie
como caçadores num ambiente austero na era glacial há aproximados 50 mil anos, a
humanidade embarcou numa longa viagem de aprendizado e descobertas. Essa viagem tem
sido muito rica. Está claro que estamos indo para algum lugar, mesmo que nos primórdios da
vida moderna os humanos tenham explorado e conquistado virtualmente quase todas as partes
da Terra. Com o fim da era glacial, há mais ou menos 10 mil anos, começamos a nos
estabelecer. Pequenos vilarejos passaram a existir. O foco da existência era a agricultura e o
abastecimento de comida tornou possível o surgimento de pequenas cidades. Então, há
aproximadamente 5 mil anos, cidades-Estado e impérios começaram a se formar no Oriente
Médio, Egito, Índia e China. Nesse tempo, todos os sistemas básicos da civilização foram
desenvolvidos, tais como: escrita, matemática, astronomia, códigos civis e o governo central,
embora a grande maioria das pessoas vivesse como camponeses pobres e analfabetos, sem
grandes perspectivas de progresso material. Então, há 300 anos, a Revolução Industrial
iniciou-se pela Europa e se expandiu por todo o mundo, particularmente na última metade do
século XX.
Então, após a virada do milênio, encontramo-nos numa situação sem precedentes. A
humanidade tornou-se tão poderosa que parecemos estar causando prejuízos irreparáveis à
Terra. Estamos sendo requisitados a desenvolver um novo nível de maturidade e
responsabilidade. Também vemos sinais positivos de um futuro sustentável em numerosos
experimentos ao redor do mundo. Chegamos a um excelente ponto de decisão de nossa
viagem. Embora os humanos tenham enfrentado muitos desafios ao longo da história, nunca
antes nos confrontamos com um desafio conjunto. Nosso tempo é único por um fator crucial: o
círculo se fechou, não há escapatória. Pela primeira vez em nossa história, toda a população
humana é confrontada com o desafio cuja solução requer que trabalhemos em conjunto, numa
única instituição ou empresa, que respeite nossa rica diversidade.
Quando a humanidade iniciou sua viagem há 50 mil anos, tínhamos apenas um senso
indistinto de nós mesmos e um forte sentimento de conexão com a natureza. Agora temos um
forte senso de nós mesmos, mas o custo de atingir esse nível foi a separação da natureza.
Hoje temos a oportunidade de mudar de um caminho de separação e conscientemente nos
reconectamos com a natureza. No final das contas, precisamos retornar ao ponto de partida,
mas com um novo nível de sabedoria, maturidade e criatividade. “E no final de todas as nossas
explorações, “ escreveu T. S. Eliot, “chegaremos ao ponto de partida e conheceremos o lugar
pela primeira vez.” (ELGIN, 2000. P.84)
Nesse contexto, o problema para as instituições, que são altamente tradicionais é que elas
naturalmente já têm elevadas despesas em sua cadeia de valor. Para as instituições, uma
integração para a maximização de valor ao cliente, não podem ocorrer até que elas se
desintegrem.
59
O que se pretende com a Malha Curricular Nacional é sair do paradigma do treinamento para
caminhar, passo a passo, para o paradigma do aprendizado. As variáveis desse último
repousam nos seguintes aspectos:
I visão que se deve ter do processo de aprendizado:
a) trata-se de um processo ativo e laborioso, que envolve todos os sentidos do
corpo;
b) envolve um indissociável processo mental e emocional;
c) resulta da resolução de tensões e liberação de angústias, principalmente
quando envolve avanços importantes;
d) depende de experiências, tentativas e erros de cada indivíduo;
e) é um processo social que depende da interação com outros;
f)
inclui a capacidade de combinar diferentes inputs e perspectivas e
compreender relações complexas por um permanente processo de reformulação dos modelos
mentais e mapas cognitivos;
g) está associado a mudanças de comportamento;
II método que deve ser utilizado pela Instituição:
a) programas formais de treinamento;
b) treinamento individual por meio de diferentes mídias (inclusive computador);
c) aconselhamento;
d) aprendizado em equipe;
a) benchmarking;
e) compartilhamento de idéias e conhecimento por meio de contatos informais;
III conteúdos dos programas formais :
a) especialidades funcionais e técnicas gerenciais;
b) estratégias de trabalho;
IV fontes de aprendizado:
a) todos os funcionários da instituição;
b) várias fontes detentoras de conhecimento internas e externas à instituição;
V responsabilidade:
a) compartilhada entre funcionários e instituição, mas, claramente, dependente
das iniciativas e atitudes dos funcionários;
VI avaliação de resultados:
a) melhorias nos resultados do trabalho.
Nesse paradigma emergente, cabe às instituições fornecer os recursos adequados (tempo e
dinheiro), criar ambientes que estimulem e promovam valores relacionados ao crescimento
pessoal e ao treinamento on the job. Além disso, o compartilhamento de conhecimento, seja
ele interno ou externo, formalizado ou não, nos parece um dos principais desafios
organizacionais. Sendo assim, os resultados dos treinamentos devem ser analisados de uma
maneira muito mais holística, ou seja, avalia-se o desempenho e a contribuição do funcionário
para o sucesso da instituição.
O que se observa então é que, a Malha Curricular Nacional embora para muitos pareça uma
matriz matemática, em que se calculou percentuais de disciplinas, nas entrelinhas, nota-se a
preocupação dessa passagem, que deve ser transformadora do Sujeito, mas que inicialmente,
perpassará por mudanças paradigmáticas da estrutura do ensino.
Diante dos resultados, vê-se que a redução do número de disciplinas favorecerá para um maior
contato entre o real e o cotidiano, um caminhar para a visão mais holística do ensino para esse
profissional, o policial civil, que desenvolve no seu dia-a-dia habilidades tantas, quantos forem
necessárias para que se preste um atendimento de excelência à população, seu cliente
primário.
60
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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63
(Todas as FIGURAS e GRÁFICOS deste Artigo, encontram-se no ANEXO desta Revista de Criminologia)
A GEOGRAFIA DO CRIME E O ESTADO DE MINAS GERAIS:
A Superintendência Geral de Polícia e a distribuição de Policiais Civis – um estudo de
caso.
Mário José Correia Santos 33
Paulo Guilherme Santos Chaves
Wagner Batella
Patrícia Luíza Costa
INTRODUÇÃO
É necessário que, se faça logo de início a distinção dos termos propostos a estudo, tendo em
vista que a Segurança Pública é o gênero e, a atividade policial civil é a espécie. Ambas as
expressões foram consagradas no texto da Constituição Federal de 1988, quando são tratadas
as Instituições Democráticas.
A Segurança Pública é concebida como termo genérico, à medida que a norma a constituiu na
generalidade, em dever do Estado e responsabilidade de todo cidadão, dando o sentido de
princípio de proteção; garantia; estabilidade; e manutenção da ordem pública interna.
Por sua vez esta ordem pública interna corresponde a uma situação de pacífica convivência
social, isenta de ameaça de violência ou sublevação que tenha produzido ou que
supostamente possa produzir, a curto prazo, a prática de crimes (Paulo Barille, Il soggetto
privato nella costituzione italiana, Padova, CEDAM, 1953, p.117).
Nesta, e na acepção da norma Constitucional, o dever do Estado de garantir e preservar a
convivência social é exercido através, do desempenho da atividade policial civil, sob o aspecto
de repressão da ação perturbadora, e de restabelecimento da pacificidade das relações em
sociedade.
Seguindo-se este raciocínio, a ordem pública é restaurada através
circunstâncias da prática violadora e de sua autoria, nos moldes
substantiva e adjetiva, contribuindo ao poder jurisdicional do Estado,
funções da polícia judiciária, e, portanto, uma atividade policial civil,
estadual.
da investigação das
da legislação penal,
sendo esta uma das
na esfera federal ou
Esta é a determinante da atividade policial civil como espécie, de prestação de Segurança
Pública, e que a distingue da função ostensiva e de mantenedora da ordem pública, cujo
exercício o texto constitucional atribui às Polícias Militares.
O desempenho da atividade policial civil é a concretização da Segurança Pública.
As atividades da Polícia Civil constituem:
33
Mário José Correia Santos é Delegado da Polícia Civil de Minas Gerais, com pós-graduação em criminalidade e
segurança pública. Atua na Superintendência-Geral de Polícia, órgão responsável pela distribuição de Policiais Civis do Estado de
Minas Gerais. Trata-se de uma súmula do trabalho de monografia apresentado em outubro de 2007, para obtenção do título de
especialista em Segurança Pública, um convênio entre a Polícia Militar e a Fundação João Pinheiro. Foi auxiliado pela Equipe de
Pesquisadores do Núcleo de Estudos em Segurança Pública e Pesquisa- NESPP/ ACADEPOL/ Polícia Civil de Minas Gerais: Paulo
Guilherme Santos Chaves (Pesquisador e Coordenador do NESPP); Wagner Batella (Pesquisador do NESPP e da PUCMINAS/
Geografia); Patrícia Luíza Costa (Agente de Polícia e pesquisdora do NESPP). Apraz saber que este resultado tem sido aplicado na
Polícia Civil de Minas Gerais e na banca examinadora dos trabalhos, constava a Professora Mônica Galuppo, Titular da Fundação
João Pinheiro e pertencente à Equipe que atua no Projeto do Índice de Desenvolvimento Humano- IDH.
64
- investigar os crimes que não puderam ser prevenidos pela Polícia Administrativa, descobrindo
os autores e reunindo provas ou indícios contra estes no sentido de levá-los ao juízo, e
conseqüentemente, a julgamento;
- prender em flagrante os infratores da Lei Penal; e,
- executar mandados de prisão.
A Polícia Civil de Minas Gerais está singularmente estruturada como um órgão autônomo da
administração direta, desde 2003, quando foi criado o Sistema Integrado de Defesa Social SIDS, que reúne as organizações atuantes no campo da segurança pública e defesa do
cidadão: a Secretaria de Defesa Social, formada pela Subsecretaria de Administração
Penitenciária; a Polícia Militar; Corpo de Bombeiros; Defensoria Pública e a própria Polícia
Civil.
O SIDS tem como finalidade a articulação das instituições de segurança visando o trabalho
integrado, inclusive com outras organizações públicas e representações da sociedade.
O novo modelo de administração da segurança pública foi o marco inicial de um consistente
processo de modernização da Polícia Civil, fundado em planejamento estratégico, gestão
participativa e valorização de pessoas.
Neste contexto, a Polícia Civil se prepara para, em substituição à Lei nº 5.406/69, submeter-se
à nova Lei Orgânica, que nasce do processo de reformulação estrutural, baseada em
investimentos no conhecimento e tecnologia. Com o texto da nova lei complementar já
aprovado pela Assembléia Legislativa, a Polícia Civil trabalha atualmente na consumação dos
decretos de regulamentação da Lei.
A mudança organizacional introduziu também uma nova concepção das atividades da Polícia
Civil, divididas em três níveis fundamentais: administração superior, atividade logística,
entendida como as funções de apoio para execução da atividade policial, e atividade finalística,
referente às funções estratégicas e táticas, conforme organograma na página seguinte:
A Polícia Civil de Minas Gerais é responsável também pelas atividades de medicina legal e
criminalística, bem como de processamento e arquivo de identificação civil e criminal.
Ainda que tenha passado por reformulações estruturais, a Polícia Civil de Minas Gerais é
carente de uma metodologia para a distribuição espacial dos seus cargos nas diversas
unidades subordinadas; sendo a legislação existente, omissa, neste importante aspecto da
gerência policial; e, em assim sendo, tal alocação é efetuada ao arbítrio do Gestor o que, nem
sempre, atende à efetividade requerida da ação repressiva inerente à atividade policial civil.
A densidade de policiais para cada grupo de 100 mil habitantes na Europa entre os anos de
1986 e 1990 se estabelece entre 315 e 238. O Brasil possui uma média de cerca de 278
policiais para cada grupo de 100 mil habitantes; (a menor média a do Maranhão com 19,8
policiais, e a maior a do Distrito Federal, com 714,9).34Esta pesquisa pretende trazer lume a
esta questão que tem trazido preocupações ao Administrador da Superintendência Geral de
Polícia Civil (SGPC), na preocupante tarefa de distribuir os recursos humanos operacionais da
Polícia Civil de Minas Gerais, em sua área de atribuições e subordinação tático-operativa.
Ao final, com fundamentos nas pesquisas e nos estudos realizados, objetiva sugerir métodos
que, fazendo interagir em suas analises os quatro eixos pesquisados: dimensão social,
dimensão demográfica, dimensão espacial, e, dimensão criminal, tracem diretrizes para uma
distribuição de Policiais Civis adequadas às situações de cada área subordinada à SGPC.
Geografia do crime no Estado de Minas Gerais: a Superintendência Geral de Polícia Civil e a
distribuição de Policiais Civis.
34
ROLIM, Marcos. A Síndrome da Rainha Vermelha, Policiamento e Segurança Pública no Século XXI. Jorge Zahar
Editor Ltda, 2006, p. 53
65
A influência dos processos de ocupação espacial a partir de quatro eixos básicos de análise
(dimensões social, demográfica, espacial e criminal) e a distribuição de Policiais Civis, sob a
ótica da Superintendência Geral de Polícia Civil.
Conforme dados do Ministério da Justiça, os estados brasileiros com maior número de policiais
por habitantes no ano de 2000 foram o Distrito Federal e o Amapá. Outro dado importante é
que em âmbito nacional, o número total de policiais militares no Brasil é três vezes maior que o
total de policiais civis. Talvez, possa-se inferir que essa disparidade deva-se ao fato do caráter
ostensivo da atividade de polícia militar, enquanto a polícia civil exerça a função investigativa,
vide FIG.01. (BRASIL. Perfil das Organizações Policiais. Brasília: Ministério da Justiça/
Secretaria Nacional de Segurança Pública- SENASP. 2000)
Na verdade toda essa análise referenda os dados constantes no Plano Mineiro de
Desenvolvimento- PMDI (2007-2023), em que define como metas da Defesa Social em Minas,
“reduzir, de forma sustentável, a violência no Estado, com a integração definitiva das
organizações policiais, enfatizando as ações de inteligência, a ampliação das medidas
preventivas e a modernização do sistema prisional. “ (MINAS GERAIS. PMDI 2007-2023. Belo
Horizonte: 2007)
Já no PMDI, o Governo Mineiro traça uma radiografia do Estado de Minas, observando cinco
eixos estratégicos:
a) Educação – Melhorar os programas de saúde , educação e cultura, como fonte de
ampliação do capital humano.
b) Juventude – Construção de uma aliança social estratégica, ampliando a oferta de
emprego, o empreendedorismo e a inclusão social. Resgate do papel social do Estado
diante da juventude.
c) Crescimento econômico – Elevação da taxa de investimento e da competitividade na
economia do Estado de Minas Gerais.
d) Eqüidade entre regiões e pessoas – Maior investimento nas regiões com menor IDH.
e) Segurança nas cidades – Insere-se neste eixo, a questão da segurança pública, o meio
ambiente, habitação e saneamento. Melhorar a qualidade de vida nas cidades
mineiras.
Coube às Polícias Civil e Militar a tarefa de, conforme acordo de resultados celebrado entre o
Governador do Estado e a Secretaria da Defesa Social, Corpo de Bombeiro Militar, Polícias
Civil e Militar , Defensoria Pública, com a interveniência das Secretarias de Planejamento e
Gestão e da Fazenda, fundamentalmente, REDUZIR os seguintes indicadores:
a) Reduzir a taxa de homicídios por 100 mil habitantes.
b) Reduzir a taxa de homicídios entre jovens de 15 a 24 anos ( por 100 mil jovens).
c) Reduzir a taxa de crimes violentos contra o patrimônio por 100 mil habitantes.
A TAB. 1 apresenta os valores de referência para o cumprimento das metas estabelecidas pelo
Acordo de Resultados.
Indicador
a) *
TABELA 1
Indicadores e ações do objeto pactuado – Polícias Civil e Militar
Descrição
Unidade de medida
A taxa de homicídios por 100 mil habitantes revela o Número/ 100 mil
número de homicídios ocorridos em uma determinada
localidade para cada grupo de cem mil habitantes da
mesma localidade, em média. Sua dinâmica desejada é
descendente.
66
b)**
c) ***
A taxa de homicídios entre jovens de 15 a 24 anos, por 100 Número/ 100 mil
mil habitantes, revela o número de homicídios de jovens na
referida faixa etária ocorridos em uma determinada
localidade para cada grupo de cem mil jovens da mesma
faixa etária, da mesma localidade, em média. Sua dinâmica
desejada é também, descendente.
Mostra o número de crimes violentos contra o patrimônio
ocorridos em uma determinada localidade para cada grupo
de cem mil habitantes da mesma localidade, em média. Sua
dinâmica desejada é descendente.
FONTE:MINAS GERAIS. Ofício nº GAB.SUGES nº 123/2007, de 11 de julho de 2007. Assinado pelo Subsecretário de
Gestão, Dr. Frederico César Silva Melo.
NOTA: * e *** Fundação João Pinheiro, dados.
** CRISP
Sendo assim, falar do perfil da Polícia Civil mineira, implica, necessariamente, em abordar as
características da população que constitui o Estado de Minas Gerais, na tentativa de se
projetar indicadores que alicercem a temática da distribuição do profissional de segurança
pública, o policial civil, no Estado.
As questões demográficas de Minas Gerais como base para a atuação do Policial Civil
De acordo com FERREIRA (2007)35 , em Minas Gerais há um declínio continuamente e, atingiu
no ano de 2004, uma taxa inferior à taxa de reposição. Porém, essa taxa não é homogênea,
pois varia de acordo com a idade, a escolaridade e a renda das famílias. Essa diversidade
também poderá ser observada no espaço regional: a situação de alta fecundidade, baixa renda
e menor escolaridade tende a se concentrar na zona rural e nos pequenos municípios das
regiões mais carentes.
A pirâmide etária mostra a trajetória do perfil da população mineira. Pode-se observar uma
significativa diminuição na participação de jovens entre os anos de 1991 e 2004. (BRASIL.
IBGE. Dados censitários. 1980, 1991 e 2000) e PNAD, 2004). Ao analisar a pirâmide etária de
Minas Gerais nota-se uma estabilização da população na faixa de 0 a 24 anos e um grande
incremento da população em idade produtiva (35 a 64 anos). Essa mudança demográfica nos
próximos 15 anos pode favorecer o crescimento de Minas em virtude do aumento de sua força
de trabalho. Por outro lado, aumenta consideravelmente a população acima de 65 anos,
modificando o perfil epidemiológico.
Assim, prospectivamente, prevê-se uma população em Minas Gerais de mais idosos que
jovens, o que tenderá em implementação de outras políticas que envolvam os cuidados com a
saúde e educação.
Para SCHOUERI JUNIOR et al. (1998), o aumento da expectativa de vida deve ser
reconhecido como uma conquista social e está diretamente vinculado à melhoria das condições
de vida, de educação e de atenção à saúde. No entanto, conforme salienta Goldani (1998)
citado em CAMARANO et al. (1999), esse novo cenário é visto com preocupação por acarretar
mudanças no perfil das demandas por políticas públicas, colocando desafios para o Estado,
sociedade e família. Isso ocorre uma vez que os gastos sociais com o envelhecimento são
encarados como consumo para o Estado. Já os gastos sociais com os jovens são percebidos
como investimento e consumo. É necessário que as políticas públicas preocupem-se com o
bem-estar coletivo da sociedade, e não apenas com o individual.
VIEIRA (1999) afirma que, no Brasil, os idosos estão sendo levados a assumir papéis não
previstos na literatura ou pelas políticas públicas, devido às conseqüências dos ciclos de crise
35
FERREIRA, Frederico P. M. Políticas Públicas e Demografia IN O Estado do Estado, 2007.
67
econômica, enfrentada pela população, como o desemprego, o que tem levado, muitas vezes,
os filhos adultos a tornarem-se dependentes de seus pais.
Observando-se a população com idade inferior a 20 anos, nota-se que há maior concentração
relativa de jovens no interior do estado, tanto em 1992 quanto em 2002. Além disso, a redução
da participação da população jovem foi maior na capital. Enquanto na região metropolitana a
redução do número de pessoas nessa faixa de idade foi de 7,8 pontos percentuais, a redução
ocorrida no interior foi de 6 pontos percentuais.
Assim, pelos argumentos apresentados, deve-se analisar com cautela o menor crescimento
relativo da população de idosos no interior do Estado de Minas Gerais. Isto porque no interior já
havia um número proporcionalmente maior de idosos no período inicial da análise, além do fato
de que a redução relativa do número de jovens foi menor que a verificada para a região
metropolitana.
De qualquer forma, percebe-se que, nos últimos anos, vem ocorrendo uma inversão no que
tange à distribuição da população de idosos no estado de Minas Gerais. Essa constatação é
interessante, uma vez que dois fatores antagônicos atuam sobre a tomada de decisão da
pessoa quando envelhece: em primeiro lugar, é comum encontrar idosos que se mudam para o
interior buscando a tranqüilidade oferecida pelas pequenas cidades. Por outro lado, o melhor
oferecimento de serviços de saúde na capital atrai os idosos, principalmente aqueles que
possuem algum familiar residindo na metrópole. Além disso, as oportunidades de obtenção de
emprego na capital são maiores, como será visto a seguir.
Assim, parece que os fatores relacionados à qualidade de vida no interior não estão exercendo
influência sobre a população idosa ou, pelo menos, não são os principais determinantes.
Outro ponto interessante a ser verificado é o maior crescimento relativo de mulheres idosas no
interior e o maior crescimento do número de homens idosos na região metropolitana.
Para o estado como um todo, houve maior crescimento no número de idosas (39,1%) em
relação ao número de idosos (36%). Segundo SCHOUERI JUNIOR et al. (1998), alguns fatores
podem ser responsáveis pelo fato de as mulheres atingirem idades mais avançadas do que os
homens. Entre estes fatores, destacam-se as moléstias profissionais, os acidentes de trabalho,
o tabagismo e o alcoolismo. Além disso, as mulheres são mais atentas à sua saúde,
procurando assistência médica mais precocemente que os homens, fator decisivo de melhor
prognóstico de doenças crônicas.
As questões que envolvem o processo de urbanização no Estado Mineiro e migratório
A estrutura urbana oferece ganhos ao desenvolvimento da atividade empresarial, em virtude da
infra-estrutura disponível e das economias de aglomeração. Essa questão também pode ser
observada sob o prisma da elevação do nível do bem-estar das pessoas, advinda da facilidade
oferecida pelas cidades no acesso aos serviços públicos e ao mercado de bens e serviços
privados.
Entretanto, a chave-mestra do ambiente urbano está centrada na capacidade do Estado em
ordenar seu crescimento, não deixando a população exaurir o estuque de infra-estrutura
urbana existente e facilitar as inter-relações entre os diversos atores que compõem o espaço
urbano.
O Estado de Minas Gerais não possuía, até a década de 1970, uma característica
predominantemente urbana ou rural (participação de 53% e 47%, respectivamente). Essa
situação, ao longo do tempo, se modificou e, atualmente, o Estado já se consolida como
proponderantemente urbano – mais de 80% da sua população se concentra nas cidades.
68
No período entre 1980 e 2000, a taxa de crescimento foi mais intensa nas regiões Noroeste e
Norte de Minas, excetuando o Vale do Jequitinhonha/ Mucuri que obteve a segunda menor
taxa de incremento da população urbana no Estado.
Nessa mesma fase histórica, grande parte da população rural passou a residir dentro do
ambiente urbano, ocorrendo um esvaziamento do espaço rural. As regiões que obtiveram
maior decrescimento da população rural foram as do Triângulo Mineiro, Alto do Paranaíba, Rio
Doce e Noroeste. Este último teve o processo intensificado nas últimas décadas, em contraste
com o arrefecimento dos demais.
Dessa forma, tem-se que a urbanização é mais intensa nas regiões mais desenvolvidas do
Estado- Central e Triângulo Mineiro, onde atinge níveis superiores a 900%. A Região Central
possui a maior densidade demográfica do Estado (78,3hab/km2) em função de abrigar a
Região Metropolitana de Belo Horizonte – RMBH, de acordo com o apresentado na FIG.2(VER
ANEXO).
A rede urbana pode ser definida como o espaço formado por ‘centros de dimensões variadas
que estabelecem relações dinâmicas entre si, tal como campos de força de diferentes
magnitudes’ 36. Esses centros urbanos podem ser classificados em oito ordens, usando-se
como critérios os seguintes aspectos: centralidade, centros decisórios, relações internacionais,
escala de urbanização, complexidade e diversificação econômica, diversificação do terciário e
tamanho populacional.
Sendo assim, a concentração da população na RMBH, por ser a principal região polarizadora
de Minas Gerais, tem aumentado significativamente. Este fato, apesar da desaceleração
ocorrida, tem impacto negativo sobre os ganhos já conquistados pelas economias de
aglomeração, podendo, inclusive, prejudicar o atendimento de serviços públicos existentes
devido à manutenção da demanda em patamar demasiadamente superior ao da capacidade de
oferta, de acordo com a FIGURA 03 (VER ANEXO).
A continuidade do processo de urbanização é acompanhada pelo aumento da concentração da
demanda por serviços de transporte, educação, saúde, saneamento básico e habitação. A
TAB. 2 sintetiza os principais riscos com as malhas urbanas mineiras nos próximos anos.
Déficit
Transporte
Educação
Saúde
Saneamento
Básico
Habitacional
TABELA 2
Principais riscos para as malhas urbanas mineiras
descrição
Inchaço do sistema de transporte de massa, com perda de eficiência.
Baixa qualidade do sistema de ensino.
Não atendimento pleno da demanda por serviços de saúde.
Concentração espacial do número de moradores sem acesso a saneamento
básico, com impacto sobre os recursos naturais.
Aumento do número total de pessoas que vivem em domicílios subnormais
(aglomerados ou favelas).
FONTE: PMDI, 2007-2023.
No campo do ensino, sabe-se que
“os países com maior desenvolvimento são aqueles que fizeram os
maiores investimentos em prol da escolarização de qualidade de seus
povos. Há forte correlação entre os indicadores educacionais e
avanços no setor produtivo e na qualidade de vida, bem como uma
redução das desigualdades. Indivíduos mais escolarizados têm melhor
inserção no mercado de trabalho e obtêm os mais altos retornos em
36
1999.
IPEA/ IBGE/ Nesur- IE/ UNICAMP. Caracterização e tendências da rede urbana do Brasil. Campinas: UNICAMP,
69
rendimentos. Isso é potencializado quando é oferecido um sistema
educacional inclusivo e eficiente. Para a sociedade, o efeito é o bemestar social e, para a economia, maiores níveis de produtividade,
inclusive com inovação tecnológica”. 37
Dessa forma tem-se que dois indicadores dão a medida do baixo nível educacional da
população mineira, cujas raízes estão no passado de investimentos insuficientes na educação.
Ao comparar a média dos anos de estudo da população com mais de 25 anos de vários
estados brasileiros, Minas Gerais fica abaixo de todos os estados do Sudeste e do PR e RS e
apresenta índices bastante alarmantes no Norte, Nordeste e Noroeste do Estado. Essas
mesmas regiões encabeçam o ranking de analfabetismo. Em 2000, a taxa de analfabetismo
em Minas Gerais era de 11,96% a população com idade superior a 15 anos, totalizando, na
época, 1,5 milhão de analfabetos, o que representa uma restrição óbvia para a competitividade
de sua força de trabalho.
Outro aspecto relevante é que cerca de 88% do contingente de analfabetos têm mais de 30
anos de idade. O investimento do Estado de Minas Gerais na Educação Básica remonta de
pouco tempo, portanto, essas pessoas com idade superior a 30 anos de idade, não atingiram
as políticas públicas voltadas para esse tema, vez que já se encontram no mercado de
trabalho.
Na acepção da norma Constitucional, o dever do Estado de garantir e preservar a convivência
social é exercido através, do desempenho da atividade policial civil, sob o aspecto de
repressão da ação perturbadora, e de restabelecimento da pacificidade das relações em
sociedade.
Seguindo este raciocínio, a ordem pública é restaurada através da investigação das
circunstâncias da prática violadora e de sua autoria, nos moldes da legislação penal,
substantiva e adjetiva, contribuindo ao poder jurisdicional do Estado, sendo esta uma das
funções da polícia judiciária, e, portanto, uma atividade policial civil, nas esferas federal ou
estadual.
Esta é a determinante da atividade policial civil como espécie, de prestação de Segurança
Pública, e que a distingue da função ostensiva e de mantenedora da ordem pública, cujo
exercício o texto constitucional atribui às Polícias Militares.
As atividades da Polícia Civil constituem-se em investigar os crimes que não puderam ser
prevenidos pela Polícia Administrativa, descobrindo-lhes os autores e reunindo provas ou
indícios contra estes no sentido de leva-los ao juízo, e conseqüentemente, a julgamento;
também em efetivamente prender em flagrante os infratores da Lei Penal, e executar
mandados de prisão.
Ora, desde a sua gênese, há mais de duas centúrias em solo gaulês, a polícia judiciária
caracteriza-se exatamente como a função estatal – e por vezes até nomina o próprio órgão do
Estado encarregando do seu exercício – destinado à investigação, promovendo o aclaramento
da autoria e das circunstâncias das infrações penais. Trata-se de conceito histórico e mundial,
tecnicamente patenteado38, como Faustin Helle, transcrito por João Mendes Júnior, há muito já
ilustrava:
37
38
ARAÚJO, C. H . Salto educacional – Estratégias bem sucedidas. In PMDI 2007-2023. p.57.
Vide, por exemplo, o comezinho conceito veiculado pelo verbete polícia judiciária no conhecidíssimo vocabulário
Jurídico de De Plácido e Silva: “Denominação dada ao órgão policial, a que se comete a missão de averiguar a respeito dos fatos
delituosos ocorridos ou das contravenções verificadas, a fim de que sejam os respectivos delinqüentes ou contraventores punidos
por seus delitos ou por suas infrações. A polícia judiciária é repressiva, porque, não se tendo podido evitar o mal, por não ter sido
previsto, ou por qualquer outra circunstância , procura, pela investigação dos fatos criminosos ou contravencionais, recolher as
provas que os demonstram, descobrir os autores deles, entregando-os às autoridades judiciárias, para que cumpram a lei” (1ª Edição
eletrônica. Rio de Janeiro: Forense, 1999). Idem Maria Helena Diniz, com evidente fulcro na legislação processual penal em
vigência: “Polícia exercida pelas autoridades policiais, no território de suas respectivas circunscrições, com o intuito de apuração
das infrações penais e de sua autoria”. Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva, 1988, vl. 3 – J-P, p.624).
70
“A polícia judiciária é o olho da justiça; é preciso que o seu olhar se
estenda por toda a parte, que os seus meios de actividade, como
uma vasta rede, cubram o território, afim de que, como a sentinella,
possa dar o alarma e advertir o juiz; é preciso que os seus agentes,
sempre promptos aos primeiros ruídos, recolham os primeiros
indícios dos factos puníveis, possam transportar-se , visitar os
lugares, descobrir os vestígios, designar as testemunhas e transmittir
à autoridade competente todos os esclarecimentos que possam servir
para a instrução ou formação da culpa; ella edifica um processo
preparatório do processo judiciário; e, por isso, muitas vezes, ella
possa tomar as medidas provisórias que exigirem as circunstâncias.
Ao mesmo tempo ela, deve apresentar em seus actos algumas das
garantias judiciárias; que
a legitimidade, a competência, as
habilitações e as attibuições dos seus agentes sejam definidas, que
os casos de sua intervenção sejam previstos, que seus actos sejam
autorizados e praticados com as formalidades prescriptas pela lei:
que, emfim, os effeitos destes actos sejam medidos segundo a
natureza dos factos e a autoridade de que são investidos os agentes.”
39
Então, em solo pátrio, a expressão polícia civil, indica de modo exclusivo, as finalidades acima
expostas, isto é, a de segurança geral das populações e investigadora de crimes, e, nesta
qualidade, instituída como auxiliar da justiça. (BRASIL. Constituição Federal. Art 144, parágrafo
4º . 1988).
O TRABALHO DE INVESTIGAÇÃO: A DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DOS POLICIAIS CIVIS
DE MINAS GERAIS
Embora este estudo lide com dados exclusivamente numéricos e com técnicas quantitativas
para o tratamento dos dados, construção de taxas de interesse do estudo e montagem de
mapas temáticos, a análise final sobre o problema inicial sugere uma abordagem qualitativa
das informações. Portanto, o estudo realizado tem como objetivo uma pesquisa correlacional
descritiva devido a impossibilidade de controle das variáveis, buscando encontrar as relações
existentes entre essas diversas variáveis e o fenômeno abordado, na tentativa de alcançar um
resultado que indique a maior ou menor necessidade do contingente de Policiais Civis em uma
determinada região ou município do Estado de Minas Gerais.
Dessa forma, para a aplicação dos métodos de análise espacial que permitam um estudo sobre
a lotação do policial civil no Estado de Minas Gerais, foram utilizadas, como base de dados, as
seguintes variáveis:
•
•
•
•
•
39
Lotação policial dos 853 municípios do Estado de Minas Gerais, cedidas pelo
Departamento de Pessoal da PCMG;
Número de crimes contra pessoa e contra o patrimônio dos 853 municípios do
Estado de Minas Gerais – cedias pela Diretoria de Estatística/COSEG/PCMG;
População total no ano de 2000 dos 853 municípios do Estado de Minas Gerais –
compiladas do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, desenvolvido pela
Fundação João Pinheiro;
Ppopulação urbana no ano de 2000 dos 853 municípios do Estado de Minas
Gerais – compiladas do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, desenvolvido
pela Fundação João Pinheiro;
População jovem (15 a 24 anos) dos 853 municípios do Estado de Minas Gerais –
compiladas do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, desenvolvido pela
Fundação João Pinheiro;
MENDES JÚNIRO, João. O processo criminal brasileiro. Rio de Janeiro: Laemmert & C., 1901, p.246.
71
•
•
•
•
•
Malha rodoviária do Estado de Minas Gerais, obtida junto ao DER-MG;
Índice de Desenvolvimento Humano dos 853 municípios do Estado de Minas
Gerais – compiladas do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, desenvolvido
pela Fundação João Pinheiro;
Densidade demográfica dos 853 municípios do Estado de Minas Gerais –
compiladas do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, desenvolvido pela
Fundação João Pinheiro;
Renda per capita dos 853 municípios do Estado de Minas Gerais – compiladas do
Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, desenvolvido pela Fundação João
Pinheiro;
Índice de GINI dos 853 municípios do Estado de Minas Gerais – compiladas do
Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, desenvolvido pela Fundação João
Pinheiro;
Essas variáveis foram escolhidas com base na literatura que foca a temática da segurança
pública numa perspectiva espacial, constituindo-se nos principais parâmetros responsáveis por
um contexto onde a demanda por policiais possa surgir.
A escolha do Estado de Minas Gerais como recorte espacial para área de estudo justifica-se
por ser este o território onde as atividades de polícia judiciária e de apuração das infrações
penais competem à Policia Civil de Minas Gerais.
As análises foram produzidas com base nos 853 municípios deste Estado, porém, para
divulgação das demandas policiais, os resuldados foram apresentados tanto nesta divisão
municipal, quanto agrupados, considerando as Delegacias Regionais de Polícia Civil (DRPC),
que foram criadas pela Secretaria de Segurança Pública através da resolução 5368 de 1976, a
Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), por apresentar peculiaridades específicas de
uma região metropolitana, tais como concentração populacional, alto grau de urbanização e
uma legislação particular, e, por último, o município de Belo Horizonte. São, ao todo, 52 DRPC,
que foram produzidas a partir do agrupamento de municípios, mais a RMBH e o município de
Belo Horizonte.
A base cartográfica dos limites municipais utilizada na realização desta pesquisa foi obtida a
partir da Malha Municipal Digital de Minas Gerais, desenvolvida pelo IGA (Instituto de
Geociências Aplicadas) do Estado de Minas Gerais. A malha viária, da qual foram destacados
os principais eixos viários, foi elaborada pelo DER-MG (Departamento de Estradas de
Rodagem de Minas Gerais). Ambas informações foram obtidas no site do Geominas, orgão
responsável pela produção sistemática de informações digitais geográficas e georeferenciadas
sobre o nosso Estado.
A produção da base digital referente às DRPC, bem como o processamento e mapeamento
das informações, foram desenvolvidas contando com os recursos computacionais disponíveis
no Programa de Pós-Graduação em Geografia – Tratamento da Informação Espacial da
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, a partir de projetos de parceria nas áreas de
pesquisa e ensino entre esta instituição e a Academia de Polícia Civil de Minas Gerais. Para
isso, utilizaram-se os seguintes softwares para análise espacial e modelagem dos dados:
Excel, Statistica e Idrisi. Para a cartografia digital, represental gráfica e desenho digital: o
Mapinfo e o Coreldraw.
No que tange aos procedimentos técnicos, realizou-se um importante trabalho estatístico no
tratamento dos dados, para, na seqüência, desenvolver o caráter qualitativo da pesquisa, em
um estudo ex-post-facto.
72
Fases da Pesquisa
A preocupação no início desta pesquisa foi a realização de uma sólida revisão bibliográfica
acerca dos estudos sobre o tema da segurança pública numa perspectiva espacial, com o fito
de se identificar o atual cenário de produções científicas que pudessem contribuir para este
trabalho. Nesta fase, identificou-se grande contribuição de vários grupos profissionais, como
geógrafos, sociólogos, psicólogos, dentre uma miríade de outros. A partir desta revisão, notouse que a temática da Geografia do Crime apresentar-se-ia como um importante subsídio
metodológico para a materialização desta pesquisa. A Geografia do Crime, embora tenha como
ponto de partida o mapeamento de variáveis e reconheça a importância dessas técnicas, não
se limita somente à descrição de mapas, mas também à análise a partir de técnicas estatísticas
e análises em conexão com outros campos do conhecimento, além da própria geografia.
A partir dessa revisão, pode-se identificar as principais variáveis que poderiam influenciar nos
planejamentos sobre distribuição lotacional de policiais. A fase seguinte foi a devotada à
análise das relações entre algumas variáveis selecionadas e as informações sobre a lotação
atual dos policiais civis. Para tal, todas as variáveis foram submetidas à testes estatísticos
para averiguar o grau de correlação entre elas e a lotação policial.
Isso foi possível a partir da obtenção do coeficiente de correlação de Pearson, também
chamado de “coeficiente de correlação produto-momento” ou “r de Pearson”. Trata-se de uma
técnica estatística que possibilita a obtenção do grau de correlação entre duas variáveis de
escala métrica (intervalar ou de rácio).
Sendo este estudo causal comparativo, dentro deste espectro metódico, a priori, optou-se por
realizar um cálculo da taxa de policiais civis lotados nos 853 municípios de Minas Gerais para
cada 10.000 habitantes, uma vez que, acredita-se, essa opção facilite a leitura dos dados, pois
há 515 municípios em Minas Gerais, ou seja, mais da metade do total de 853 municípios, que
possuem população inferior a 10.000 habitantes.
Para que os resultados não destoam da literatura nacional e internacional, elaborou-se também
valores referentes as taxas de lotação dos policiais civis para cada 100.000 habitantes, tanto
para os municípios, quanto para as 54 regionais da policia civil dentro do Estado de Minas
Gerais.
O mesmo não aconteceu para as taxas de crimes contra o patrimônio e de crimes contra a
pessoa, pois essas foram elaborados levando-se em consideração a referência comumente
utilizada, tanto no Brasil quanto em outros países, de 100.000 habitantes.
De posse de todas as taxas construídas, buscou-se a elaboração de mapas temáticos do tipo
coroplético visando uma melhor visualização da dinâmica dessa variáveis, bem como do
distribuição lotacional no Estado. Os mapas coropléticos são elaborados com dados
quantitativos, apresentam a legenda ordenada em classes conforme as regras próprias de
utilização da variável visual valor por meio de tonalidades de cores ou uma seqüência
ordenada de cores que aumentam de intensidade conforme a seqüência de valores
apresentados pelas classes estabelecidas; estes são representados no mapa na implantação
zonal. Como os mapas coropléticos ou zonais são os mais adequados para representar
distribuições espaciais de dados que se refiram as áreas (neste caso os municípios), são
indicados para expor a distribuição das densidades (habitantes por quilômetro quadrado), de
rendimentos (renda per capita), ou de índices expressos em percentagens (grau de
urbanização) os quais refletem a variação da densidade de um fenômeno (taxa de
criminalidade, população, IDH-M) ou ainda, outros valores que sejam relacionados a mais de
um elemento.
Os GRAF. 1, 2, 3, 4, 5 e 6 apresentam as correlações que envolvem alguns indicadores
trabalhados para a elaboração dessa pesquisa.
73
GRÁFICO 1 (VER ANEXO)
FONTE: LAB. Estudos Urbanos e Regionais, parceria entre ACADEPOL e PUCMINAS, 2007.
GRÁFICO 2 (VER ANEXO)
FONTE: LAB. Estudos Urbanos e Regionais, parceria entre ACADEPOL e PUCMINAS, 2007.
GRÁFICO 3 (VER ANEXO)
FONTE: LAB. Estudos Urbanos e Regionais, parceria entre ACADEPOL e PUCMINAS, 2007.
GRÁFICO 4 (VER ANEXO)
FONTE: LAB. Estudos Urbanos e Regionais, parceria entre ACADEPOL e PUCMINAS, 2007.
GRÁFICO 5 (VER ANEXO)
FONTE: LAB. Estudos Urbanos e Regionais, parceria entre ACADEPOL e PUCMINAS, 2007.
GRÁFICO 6 (VER ANEXO)
FONTE: LAB. Estudos Urbanos e Regionais, parceria entre ACADEPOL e PUCMINAS, 2007.
Considerando a correlação de Pearson nota-se que dentre todas as variáveis, duas chamam a
atenção: população geral e população urbana.
ANÁLISE DOS RESULTADOS
O presente trabalho tem como objetivo prático, servir de instrumento para a instituição da
Polícia Civil quanto a orientação no processo de distribuição do efetivo de policiais recém
formados pela ACADEPOL para os 853 municípios que integram o Estado de Minas Gerais. De
fato, a distribuição que vem sendo realizada até então acusa a boa vontade da instituição e o
esforço para equilibrar as forças da polícia judiciária com o número de recursos humanos
adequado às regiões necessitadas. O principal indicador vem sendo o aumento do número de
inquéritos policiais, isto é, a demanda do trabalho policial no municipio.
Entretanto, este estudo esbarrou, ou porque não dizer, foi dificultado em inúmeros conflitos,
tanto de nível teórico criminal quanto de logística. A primeira maior barreira encontrada e ainda
intransponível até então, são as inúmeras premissas que norteiam as crenças existentes sobre
o objeto crime. Como definir um valor numérico de efetivo de policiais considerado IDEAL para
a necessidade do município? Como definir essa taxa de policiais por 100.000 habitantes?
A primeira premissa que é necessário introduzir nesta análise é a de que o crime é um
fenômeno multifatorial segundo autores como BRICEÑO-LEÓN (2002), DINIZ, A. (2003) ,
BATELLA, W (2006). Dentre todos estes multifatores existe um que impossibilita estabelecer
uma taxa de efetivos única para todos os municípios, que é a peculiaridade local, podendo ser
de ordem sócio-cultural, econômica e até mesmo histórico-política. Este contexto de cada
município é fundamental para se definir um número de policiais que o município necessita.
Outros fatores não menos importantes, são mais abrangentes encontrados em todos os
municípios: número de população total, percentual de urbanização, índice de desenvolvimento
humano, taxa anual do crime em geral, taxa anual de crimes violentos como homicídios que
representa a perda do bem maior e consequentemente, a carga de subjetividade da população
quanto a percepção do crime, isto é, o sentimento de insegurança, que modela a política de
demanda pelo trabalho da polícia atravéz da cobrança pública. Todos estes fatores somados
aos índices de desigualdade social, índices de analfabetismo funcional, malha rodoviária
suprindo rotas de tráfico e de fuga e o próprio contexto geográfico nos indica uma segunda
premissa que interfere diretamente em nosso estudo, a complexidade. O crime é um fenômeno
analisado dentro de um sistema complexo onde as partes não funcionam separadas do todo.
74
“De acordo com a teoria da complexidade o saber não é algo que
possa ser colocado em caixas, isto é, não pode ser fragmentado ou
limitado por convenções, mesmo porque ele está em constante
desenvolvimento, é um processo dinâmico. Edgar Morin enfatiza essa
idéia mostrando que o ser humano não é só fruto de fatores
fisiológicos, mas também de influências culturais, sociais e físicas,
abrindo assim o leque de vetores que implicam no que
somos.”(BUENO F., 2004)
Há também uma importante premissa defendida por Monet (2001) Bayley e Skolnick (2001) e
Greenberg et all (1983) que afirma que o aumento do número efetivo de policiais após certo
número não resulta em um declínio dos índices de criminalidade o que nos indica que “Seja
como for, há indícios suficientes para que, em vez de exigirmos mais polícia, estivéssemos
exigindo que elas fossem profundamente repensadas” (ROLIM, 2006: p52).
Por último, a própria logística demonstra que a dificuldade do envio e do controle do envio dos
dados de ocorrências policiais para a diretoria de estatística COSEG, demonstra que nem
sempre podem ser considerados fidedignos os dados enviados relativos a vários municípios do
Estado.
Ainda há de citar as dificuldades de encontrar na literatura nacional e internacional informações
e referências relacionadas com os efetivos das instituições de segurança pública. Todavia,
foram encontrados algumas taxas de efetivos de policiais de alguns países europeus para cada
100.000 hab. como Ítália 349, Espanha 361, França 369 e Portugal, 350 gerando uma média
de 357 por 100.000 hab. Também foram encontradas as taxas de algumas cidades americanas
como Los Angeles em 1988 com 215 para 100.000 hab. (ROLIM, 2006: p53).
Foram obtidas as taxas de efetivos dos Estados Nacionais onde foram encontrados Estados
com uma variação altíssima como o Maranhão com 19,8 policiais para cada 100.000 hab e o
Distrito Federal com 714,9 para cada 100.000 habitantes somando as duas instituições
policais. O Brasil possui uma taxa média em 2006 de 278 policiais da Policia Militar e Civil
sendo 4 Militares para cada Policial Civil. Portanto, o Brasil possui em valores brutos 55,6 para
cada 100.000 hab.
A média da taxa de efetivos policiais de nossa realidade comparada com a média da realidade
de países Europeus neo-latinos além de não representar uma disparidade muito exorbitante
proporciona um parâmetro de comparação. A dificuldade de criar uma relação direta destas
taxas de efetivo com a realidade da criminalidade em Minas Gerias é no mínimo paradoxal pois
embora haja nos países europeus maiores taxas de policiais efetivos em relação às taxas do
Estado de Minas Gerais os índices de criminalidade de Minas são 8 vezes maiores ou mais do
que os índices de países como Itália, Portugal, França e Espanha. Será que por ter o número
maior de policiais estes países possuem menor criminalidade?
Este modelo propõe uma reflexão integrada dos pensamentos dialético e analítico. A
abordagem analítica do objetivo proposto engloba os fatores, as circunstâncias com as
respectivas conseqüências possíveis. A abordagem dialética do objetivo proposto envolve os
diferentes referenciais teóricos e as informações que podem vir a ser comparáveis, já descritas,
que se assemelham a situação em questão. Utilizando a teoria da complexidade é possível
refletir analítica e dialéticamente a questão problema, baseando no conjunto destes elementos
e não apenas em um deles. Importante lembrar que a dialética segundo Konder (1985) “é o
modo de pensarmos as contradições da realidade, o modo de compreendemos a realidade
como essencialmente contraditórias em permanente transformação”.
Considerando todos estes achados e métodos aplicáveis expostos acima, a uma primeira
inferência argumentativa dialética é: não é possível no momento traçar um valor IDEAL de taxa
de policiais efetivos padrão para todos os municípios. Segundo a teoria da complexidade e por
ser o crime um fenômeno multifatorial, um valor padrão IDEAL não existe. Por outro lado, é
possível traçar um valor bem mais aproximado do IDEAL para cada municiípio estudado em
75
sua individualidade. Assim, pode existir um valor de efetivos de policiais IDEAL desde que ele
seja exclusivo de determinada região.
Assim sendo, é pretendido encontrar um valor do número de efetivos de policiais civis para
cada município que seja considerado mínimo, fugindo do termo IDEAL ou até mesmo
aproximado a ele . Portanto, foi adotado um valor extraído da literatura internacional, ao ser
traçado uma média de países Europeus (Ítalia, França, Espanha, Portugal) que a literatura
permitiu, encontrando um valor de efetivos para aquela realidade.
A lógica diz que, em um lugar que há muitas ocorrências deve haver muitas pessoas (policiais)
para trabalharem estas ocorrências. Como o número de acorrências de nosso país é muito
maior ( até 10 vezes mais) do que os países europeus, pela lógica chegamos à conclusão que,
o valor do efetivo de Minas Gerais deveria ser muito maior que o valor de taxa encontrado de
71 policiais civis para cada 100.000 hab. como média nos quatro países europeus tomados
como referência. Neste estudo, foram encontrados então dois valores: um MÍNINO de 71 (taxa
por 100.000 hab.) e um IDEAL que representa um número não explorado maior que 71. Para
nossa realidade tomamos a taxa de 71 policiais efetivos para cada 100.000 hab. como valor
MÍNIMO de referência.
Ao aplicarmos este valor mínimo às taxas de efetivos em nossos municípios foi percebido que
apenas 31 municípios tinham um valor acima dos 71 por 100.000 hab. A fórmula para
encontrar o número de policiais que devem ser encaminhados a cada município é:
[(Taxa de efetivos Mínimo de referência (71) – taxa de efetivos
atual do município) X População total do município] / 100.000 hab
Sendo assim, a apresentação da fórmula segue os seguintes passos:
Média = 361 + 369 + 349 + 350 = 1.429
4
4
Resultado Europa
=
357,35 policiais
Média Brasil
=
278 policiais
(ROLIM.2006.P53)
Trabalhar-se-á com o valor IDEAL, com a aproximação da casa decimal, ou seja, menor que 5
= 71.
(TM – TA) x N = ED
Y
On d e :
TM = Taxa de efetivo mínimo de referência (71).
TA = Taxa de efetivo atual do município.
N = População total do município.
Y = Parcela populacional para o cálculo (10.000 ou 100.000)
ED = Efetivo em Demanda.
Segundo esta fórmula, poder-se-á inferir que seja possível orientar a distribuição dos policiais
civis do Estado de Minas Gerais propondo não um valor IDEAL de referência, senão um valor
mínimo de referência. Ao ser calculado o número de policiais que deveríam ser enviados
segundo este estudo, encontramos um valor total de 5.594 distribuidos por todos os municípios
exceto 31 destes municípios, que possuem taxa superior a 71 por 100.000 hab. Este valor é
quase a metade de todo o efetivo da polícia civil atual.
Foi colocado então em ordem de prioridade os municípios que mais necessitam do incremento
de seus efetivos. Para tal, os resultados demonstraram que há uma grande correlação entre
76
crimes e número da população geral certamente causado pela existência de índices de
desigualdade social maiores que em populações muito pequenas.
Então, os municípios foram classificados primeiro pela carência de efetivos referente a taxa
para cada 100.000 hab. e segundo em ordem decrescente dos municípios de maiores
populações para os municípios de menores populações.
A adoção deste valor de taxa MÍNIMA necessária é mais coerente com a realidade da
instituição da Polícia Civil de Minas Gerais do que uma taxa IDEAL e/ou idealizada que
ultrapassaria valores no contingente da instituição, considerados impossíveis de se alcançar ou
no mínimo inviáveis.
Análise do mapeamento das demandas
aplicação da fórmula para definição de um valor mínimo de referência para o estudo da
distribuição espacial de policiais civis permitiu a identificação das demandas no Estado de
Minas Gerais, tanto na escala municipal, quanto por DRPC e pela RMBH. Dessa forma, diante
da impossibilidade de definição de um IDEAL de taxa de policiais por habitantes e, após a
identificação de um mínimo de lotação de 7,1 policiais para cada 10.000 habitantes por
município, foram identificados àqueles municípios que apresentam efetivo igual ou superior a
este indicador, não sendo classificados como áreas que carecem de incremento no número de
policiais, conforme a TAB.3.
TABELA 3
Identificação das demandas por Policiais Civis no Estado de Minas Gerais
MUNICÍPIOS
Confins
Belo Horizonte
POP. TOTAL 2000
LOTAÇÃO
(nº de policiais)
POLICIAIS/10.000HAB
DEMANDA DE
POLICIAIS
4880
14
28,69
0
2238526
3747
16,74
0
Pedra Azul
23608
33
13,98
0
Juatuba
16389
19
11,59
0
Vespasiano
76422
87
11,38
0
Bom Despacho
39943
44
11,02
0
Ressaquinha
4557
5
10,97
0
São João del Rei
78616
84
10,68
0
Tiradentes
5759
6
10,42
0
Janaúba
61651
64
10,38
0
Coronel Pacheco
2900
3
10,34
0
Diamantina
44259
44
9,94
0
São Lourenço
36927
36
9,75
0
Rio Preto
5142
5
9,72
0
Leopoldina
50097
48
9,58
0
Formiga
62907
59
9,38
0
Guanhães
27828
25
8,98
0
Matias Barbosa
12323
11
8,93
0
Ponte Nova
55303
49
8,86
0
Bicas
12793
11
8,60
0
Mar de Espanha
10567
9
8,52
0
Nanuque
41619
35
8,41
0
São João Nepomuceno
23786
20
8,41
0
Barbacena
114126
95
8,32
0
Curvelo
67512
56
8,29
0
77
TABELA 4
Identificação das demandas por Policiais Civis no Estado de Minas Gerais
MUNICÍPIOS
Almenara
POP. TOTAL 2000
LOTAÇÃO
(nº de policiais)
POLICIAIS/10.000HAB
DEMANDA DE
POLICIAIS
35385
29
8,20
0
Rio Novo
8550
7
8,19
0
Caratinga
77789
61
7,84
0
Aiuruoca
6469
5
7,73
0
Capelinha
31231
24
7,68
0
Manhuaçu
67123
49
7,30
0
FONTE: Levantamento de necessidades no Estado de Minas Gerais, com aplicação da fórmula mencionada no tópico
7, deste trabalho.
Note-se que a grande maioria dos municípios acima listados apresentam uma taxa de policiais
por 10.000 habitantes bem próximo do mínimo estabelecido de 7,1/10.000. Apenas alguns
poucos municípios apresentam um índice mais elevado, dentre esses, destacam-se Confins,
Belo Horizonte e Pedra Azul.
Subtraindo-se esses 31 municípios acima listados dos 853 municípios de Minas Gerais, chegase a alarmente conclusão de que há uma demanda significativa de policiais em Minas Gerais,
pois os outros 822 municípios enfrentam atualmente uma carência lotacional, que poderá ser
observada nos cálculos constantes da Monografia de CORREIA (2007. Fundação João
Pinheiro), de acordo com o mencionado no pé da página inicial deste artigo.
Todavia, acredita-se que a análise dessas demandas através da verificação de longas tabelas,
constitui um trabalho árduo e cansativo, onde a visualização de dinâmicas ou concentrações de
demandas no Estado fica limitada.
Para superar essa barreira, será apresentado a seguir o mapeamento dessas demandas. A
utilização de mapas se apresenta como uma atividade mais rápida e precisa em estudos sobre
dinâmicas espaciais, pois há uma identificação imediata do comportamento do fenômeno no
espaço. Urge mencionar, no entanto, que com essa proposta de análise, não pretende-se
afirmar que as informações presentes em tabelas sejam desprezadas, mas sim, utilizadas
como um suporte à pesquisa. Para elaboração deste mapa, considerou-se tanto os municípios
que apresentam demandas lotacionais, quanto os que, seguindo o indicador proposto neste
estudo, encontram-se atendidos, de acordo com o apresentado na FIG.4 (VER ANEXO).
Um rápida análise na FIG.4 revela a inexistência de um padrão regional na distribuição dos
municípios com maiores demandas de policiais. Da demanda total de 5.689 policiais para do
Estado de Minas Gerais, aqueles municípios que apresentam as maiores demandas estão
distribuídos em quase todas as regiões mineiras (Triângulo Mineiro, Região Metropolitana de
Belo Horizonte, Zona da Mata, Vale do Doce, etc).
A inexistência de um padrão regional de distribuição não implica na ausência de tendência,
pois há, todavia, uma concentração de significativas demandas em municípíos de porte médio
ou grande, tais como Uberlândia, Contagem e Betim, respectivamente, seguidas de Ribeirão
das Neves, Ibirité, Juiz de Fora, Sete Lagoas, dentre outros. Esses municípios são, ainda,
aqueles que apresentam as maiores concentrações populacionais do Estado, bem como
apresentam alto grau de urbanização. São eles, ainda, que estão situados próximos aos
principais eixos rodoviários e hospedam as principais indústrias, além das maiores taxas de
criminalidade, como apontado por Diniz e Batella (2004) e Batella e Diniz (2006b).
Esta escala de análise, através de municípios, possibilita uma maior riqueza de visualização de
detalhes, porém, há uma outra limitação, pois nem todos os municípios apresentam delegacias
de polícia, impedindo assim o planejamento de distribuição lotacional por municípios.
Pensando nisso, optou-se por trabalhar com mapas em outra escala de análise, através das
divisões regionais por DRPC, a RMBH e o município de Belo Horizonte. Para isso, os dados de
78
demandas policiais de cada município foram agrupados de acordo com as DRPC a qual
pertencem, FIG.5 (VER ANEXO).
Para uma melhor identificação do município pólo de cada região, segue-se uma tabela de
referência, com o código da DRPC, o município pólo e a demanda agrupada por cada região.
(TAB. 5)
TABELA 5
Referência conforme demanda
Código da DRPC
Município Pólo
Demanda
Civis
1
Ipatinga
189
2
Curvelo
44
3
Manhuaçu
132
4
Formiga
66
5
Governador Valadares
171
6
Guanhães
129
7
Juiz de Fora
115
8
Montes Claros
198
9
Barbacena
53
10
Patos de Minas
145
11
Pedra Azul
170
12
Ponte Nova
127
13
Pouso Alegre
184
14
Teófilo Otoni
131
15
Uberaba
68
16
Uberlândia
185
17
Leopoldina
63
18
Guaxupé
61
19
Alfenas
124
20
Ituiutaba
68
21
Divinópolis
141
22
Janaúba
191
23
Paracatu
62
24
Passos
73
25
Poços de Caldas
82
26
Conselheiro Lafaiete
153
27
João Monlevade
93
28
Bom Despacho
101
29
Sete Lagoas
98
30
Lavras
82
31
Diamantina
41
de
Policiais
79
TABELA 6
Referência conforme demanda
Código da DRPC
Município Pólo
Demanda
Civis
32
Ubá
81
33
Itajubá
96
34
Três Corações
47
35
São João Del Rey
41
36
Caratinga
117
37
Capelinha
136
38
Muriaé
74
39
Pirapora
59
40
Nanuque
43
41
São Lourenço
73
42
Frutal
47
43
Araxá
70
44
Almenara
63
45
Januária
124
46
Varginha
77
47
Pará de Minas
59
48
São Sebastião do Paraíso
84
49
Itabira
60
50
Unaí
64
51
Araguari
60
52
Campo Belo
26
77
Belo Horizonte
0
78
RMBH
FONTE: Tabela de Referência.
de
Policiais
648
A partir desse mapa, nota-se uma maior demanda lotacional de policiais civis concentradas na
Região Metropolitana de Belo Horizonte, sem contar o município de Belo Horizonte, que foi
considerado isoladamente e não apresenta demanda lotacional. As outras regiões que
apresentam maiores demandas são, respectivamente, as DRPC que têm como pólo os
municípios de Montes Claros, Janaúba, Ipatinga, Uberlândia, Pouso Alegre, Governador
Valadares e Pedra Azul.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da década de 1960, os estudos sobre a perspectiva macro do universo organizacional
foram se intensificando , seja para dar maior ênfase às relações de dependência e influência
entre as organizações, seja para evidenciar as redes organizacionais (das quais as cadeias
produtivas são o exemplo mais popularizado).
Depois, surgiu uma grande variedade de perspectivas macro- a chamada sociologia das
organizações. Em comum a todas as perspectivas há o desejo de demonstrar que as
organizações formam uma teia de relacionamentos, que são responsáveis por afetá-las e viceversa. Defendem que o universo organizacional é mais bem entendido no mapeamento das
estruturas e das dinâmicas dos coletivos de organizações.
Por sua vez, os entendimentos micro definem o universo organizacional como feito de padrões
de relacionamentos entre redes compostas por indivíduos, grupos e sistemas não-humanos
80
que giram em torno de processos , negócios ou outros espaços de atração, formando partes e
tipos organizacionais específicos.
Aqui, a metáfora micro do universo também é útil, na medida em que, em primeiro lugar, ajudanos a pensar nas interdependências entre indivíduos, grupos e partes da organização e, em
segundo lugar, permite-nos configurar as dinâmicas das órbitas de atuação dos participantes,
que se movimentam individual e coletivamente em torno de espaços de atração, como, por
exemplo, as áreas ou projetos.
A estratégia, ainda que com outras denominações, sempre esteve presente na vida gerencial e
tem sido alvo de estudos acadêmicos sistemáticos. Sabe-se que ela é de suma importância
para a organização, tanto presente quanto ausente, e por isso vários autores pesquisam
objetivamente o assunto. Entretanto, existem divergências na definição do que realmente seja
estratégia.
Até alguns anos atrás, esperava-se que a única direção de movimento de uma carreira
profissional fosse obter competências individuais. O sucesso era garantido pelas constantes
ascensões, porém a harmonia corporativa prevalecia sob sentimentos pessoais.
O mundo mudou, o conceito de sucesso foi redefinido - tanto pelas organizações quanto pelos
colaboradores. Devido à multiplicidade de tarefas e às exigências dos clientes, surge a
necessidade de se trabalhar em equipe. Se o gestor deseja que a organização cresça, ele deve
empenhar-se continuamente para aperfeiçoar habilidades, além de saber exercer ações sobre
o clima grupal, pois insatisfações, desinteresse, apatia e irritação dos colaboradores impactam
a produtividade e são repassados para os clientes, sem se esquecer de que os grupos
possuem necessidades próprias que perpassam, às vezes, as necessidades individuais e que
também precisam de um direcionamento.
É papel do líder entender e contribuir para que seus colaboradores possam alcançar realização
e satisfação pessoal, a flexibilidade, a valorização do seu trabalho e uma boa compensação
financeira. Por outro lado, o líder precisa trabalhar em prol da empresa, buscando aumentar o
sentimento de lealdade, comprometimento e confiança entre empregado e empregador.
Algumas reflexões devem ser feitas para quem quer construir uma equipe, seja em que ciclo de
vida ela se encontre: formação, tumulto, normalidade, desempenho diferenciado, acomodação
ou transformação? A equipe possui, compreende e concorda com um plano comum, assume a
responsabilidade de implantar e manter os compromissos assumidos em tal planejamento?
Um dos principais desafios gerenciais é explicitado pela Teoria da Agência, que se baseia
essencialmente nos conflitos de informações e de interesses que podem surgir entre alguns
intervenientes, como os administradores e colaboradores. No mundo real não existem
contratos perfeitos, e a razão para isso é que incertezas implicam vários números de possíveis
contingências, e seria muito caro especificar tais situações para ambos os contratos. JENSEN
e MECKLING (1976) definem que não existem agentes perfeitos, e que o problema de agência
e monitoramento estará sempre presente nas organizações e em todos os níveis hierárquicos
da empresa.Fica evidenciado que existe custo envolvido com o agenciamento como, por
exemplo, o custo de controle e vigilância.
Para reduzir esses custos, cabe ao gestor trabalhar os seguintes comportamentos:
• Manter a equipe bem informada sobre o que se passa no ambiente interno e externo.
• Ensinar os conceitos e técnicas do trabalho.
• Melhorar as condições de trabalho da equipe, por iniciativa própria ou acolhendo as
opiniões de seus membros.
• Posicionar-se como representante da direção da empresa perante a equipe
• Repassar poder para que os membros da equipe solucionem os problemas do cliente .
• Desafiar o processo para enriquecer a missão do setor liderado e as tarefas da equipe.
• Utilizar o bom senso e decidir em prol da satisfação do Cliente.
Ao mesmo tempo, deve trabalhar as atitudes:
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Canalizar a energia da equipe para ações e resultados.
Analisar resultados e buscar melhorias.
Manter a equipe motivada.
Buscar parceria com os colaboradores.
Envolver a equipe na tomada de decisões e praticar exatamente o que prega
Para isso, o gestor precisa possuir uma visão sistêmica da instituição e dos processos de sua
área, visualizar aonde a organização deve chegar, e mudar, se preciso for. Também deve
dominar e aplicar as técnicas de solução de problemas, manter as pessoas motivadas em prol
de um objetivo e de uma filosofia de trabalho comuns e reconhecer seus resultados.
Parece interessante, para os colaboradores e a empresa, mas o que o gestor ganha por fazer
todo o investimento acima? O poder de resolutibilidade das pessoas aumenta, pois todos nós é
melhor que apenas um de nós.
Construir equipes é uma estratégia que agrega valor, pois os colaboradores passam a ajudar a
construir a empresa com responsabilidade e compromisso pelos objetivos próprios e
empresariais.
Nessa direção, encontramos uma tradição mais antiga, que remonta aos primórdios da
administração enquanto campo de conhecimento específico. Os estudos com esse foco se
concentram em entender, em grande parte, do que é feita uma organização e o que se passa
com os indivíduos e grupos dentro dela. É o campo de atenção para os fatores humanos
constitutivos do universo organizacional, com o pressuposto de que o universo organizacional é
um produto da ação humana. Então, entendê-lo significa entender os fatores humanos que o
constróem. Aqui, concentram-se os interesses em entender o indivíduo: como ele decide, como
age e quais são os resultados de suas ações. Há também as preocupações de como ele afeta
e é afetado pelos outros indivíduos e grupos. Motivação, comunicação, liderança, estudos
sobre grupos de trabalho, percepção e decisão, conflitos e negociações, aprendizagem, entre
outros, são exemplos de temas de interesse.
Mas a perspectiva micro do universo organizacional também é o campo de atenção para os
fatores não- humanos, com os sistemas de informação e de bancos de dados; as possíveis
formas de dimensionamento do trabalho em tarefas e atividades; e os arranjos das áreas e
suas relações funcionais.
Por fim, ainda na perspectiva micro, há um forte interesse em entender o comportamento de
uma organização, seja em seus aspectos estruturais, como normas de funcionamento, cultura
e estrutura formal, seja em seus aspectos de ação, como estratégia, mudanças e desempenho.
Resumidamente, as duas faces (macro e micro) do universo organizacional são compostas de
uma variedade de entendimentos que são adotados para se obter um ou mais pontos de vista
da realidade desse universo.
Por isso, a importância em se estabelecer relação no que tange à distribuição dos policiais civis
no Estado de Minas Gerais com as questões de administração, visualizando o pensamento
sistêmico, ou seja, tornar relevante que a distribuição não se pode ater ao número de
indivíduos necessários às regiões ou municípios, mas compatibilizar a distribuição
considerando que o trabalho policial deve ser, necessariamente, de equipe, conforme já
especificado nos parágrafos anteriores deste tópico do trabalho.
Fato é que há um contingente humano de aproximados 9.900 (nove mil e novecentos) homens,
atualmente, efetivo nessa Instituição e, finalmente, que existe, conforme dados da Diretoria de
Administração e Pagamento de Pessoal – DAPP da Polícia Civil (MINAS GERAIS. 2007),
previsão para a ocupação de 12.300 (doze mil e trezentos) cargos, nessa mesma instituição.
Sendo assim, utilizando-se de uma matemática básica tem-se, como resultante, já uma
defasagem, do real para o ideal, previsto em lei, de aproximados 2.400 (dois mil e
quatrocentos) homens para composição do staff da Polícia Civil.
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Sendo assim, do total já previsto pela Lei Complementar 84/2005 (MINAS GERAIS. 2005), que
estruturou os cargos da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais, faltam ainda 3.289 (três mil,
duzentos e oitenta e nove) policiais civis necessários para que se tenha um trabalho de
investigação policial no Estado, com resultados eficientes e eficazes.
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85
A APLICAÇÃO DO SISTEMA DE INFORMAÇÃO NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL:
O LIVRAMENTO CONDICIONAL
Andréa Luíza Costa40
INTRODUÇÃO
De acordo com a Lei de Execução Penal, livramento condicional é a concessão permitida pelo
Juiz ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou superior a dois anos, desde que:
• Sejam cumpridas mais de um terço da pena se o condenado não for reincidente em
crime doloso e tiver bons antecedentes.]
• Seja cumprida mais da metade se o condenado for reincidente em crime doloso.
• Seja comprovado comportamento satisfatório durante a execução da pena, bom
desempenho no trabalho que lhe foi atribuído e aptidão para prover à própria
subsistência mediante trabalho honesto.
• Tenha reparado, salvo efetiva impossibilidade de faze-lo, o dano causado pela
infração.
Muito se tem escrito sobre a crise do sistema penitenciário e a falência da pena de prisão;
parece que já há um consenso a respeito. É extremamente sério o atual quadro do sistema
prisional, caracteristicamente criminalizante e que atua no contexto de um conjunto arcaico
onde subsiste uma escola para a reprodução do crime. Na prática, apenas segrega,
temporariamente o condenado, pela ótica exclusiva da repressão. As conflitantes metas punir,
prevenir e regenerar não alcançam os fins a que se propõem. Porém, é preciso enfatizar que o
problema se agrava quando se expõe uma crise sobre outra crise pois nos países latinoamericanos com sérios problemas econômicos e sócio-políticos, a prisão torna-se objeto de
urgente e indispensável intervenção. Isto porque a seletividade do sistema penal se exerce,
maioritariamente, sobre as populações menos favorecidas econômica e socialmente, bastando
conferir com os dados do Censo Penitenciário Nacional: 95% da clientela do sistema são de
Presos pobres. Somando-se aos problemas decorrentes da superpopulação carcerária
(causada principalmente pela inoperância tolerada do Estado) e dos fenômenos da
prisionização e estigmatização do preso e do ex-preso (quando de seu retorno à comunidade
livre), temos em nosso atual sistema penitenciário, centrado na pena de prisão em regime
fechado, uma das mais cruéis vitimizações praticadas com aval institucional.
Pobres, prisionizados e com o estigma da lei penal, que lhe dificulta cada vez mais a
reinserção social (na realidade a própria inserção social pois de fato nunca foram socializados)
o ex-preso dificilmente fugirá de comportamentos considerados ilícitos como estratégia de
sobrevivência, engrossando o círculo perverso da reincidência criminal que já atinge a cifra
média de 85% no país. É importante frisar que toda a sociedade se vitimiza com a reincidência
criminal na medida que se ressente da violência praticada pelo ex-preso.
Mas além de ineficiente, o sistema penitenciário brasileiro é caro, muito caro.
Onera o contribuinte, sem nenhum retorno positivo. O custo médio para a manutenção do
preso no Brasil é de 3,5 salários mínimos por mês. É aí que se enquadra uma das maiores
contribuições das “penas restritivas de direitos” , as chamadas “penas alternativas” que, além
de evitar que o condenado sofra um processo de prisionização (que o tornará incapaz para a
convivência na comunidade livre), oferece uma real perspectiva de reeducá-lo para o convívio
social, além de propiciar uma reparação à sociedade principalmente através das “penas de
40
É administradora de Empresas e Sistemas Informatizados. Este artigo é uma súmula da monografia apresentada à
coordenação de Graduação da Faculdade IBHES (Instituto Belo Horizonte de ensino superior).Orientadora: Maria das Graças
Oliveira
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prestação de serviços à comunidade”. Trata-se de um dispositivo legal da maior importância
e que já deveria ser reconhecido como a pena mais praticada no país ante não só a falência da
pena de prisão, mas principalmente, tendo em vista as características dos crimes mais
penalizados e que constituem a grande massa de nosso sistema penal.
Nota-se então que o perfil sócio-econômico da população penitenciária é de presos
absolutamente pobres, portanto já vitimizados socialmente antes mesmo de ingressarem no
sistema penal. Como parte integrante deste quadro, o nível educacional dos presos é
extremamente baixo, indicando uma total ausência de oportunidades de estudo quando de seu
ingresso no sistema. Assim, de acordo com o Censo Penitenciário Nacional de 2004, no Brasil
12,30% dos presos são analfabetos, 7.62% são alfabetizados, 54.63% possuem até o 1° grau
incompleto e 12,67% possuem o 1° grau completo.
Tendo em vista que não há nenhuma modificação deste contexto no decorrer do período de
internação do apenado, se exerce aqui também uma vitimização do condenado através da
manutenção da ignorância. Muito útil por sinal, não só no período da prisão, evitando que o
condenado questione as diversas violações de seus direitos a que é submetido durante o
período de encarceramento, como após o término da prisão, uma das velhas formas de
controle social.
Entretanto, curiosamente a legislação penal acompanha a Constituição, que prevê como direito
de todos o acesso à educação formal - 1° grau - indo mais além ao abranger o ensino
profissionalizante. Assim é que a LEP, na Seção V do capítulo II, art. 17, determina que “A
assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e
do internado.” Mais recentemente, de acordo com as “Regras mínimas para o tratamento do
preso no Brasil”, publicado em janeiro de 1995, em consonância com o que determinou o
Comitê Permanente de Prevenção do Crime e Justiça Penal das Nações Unidas - do qual o
Brasil é membro - na Sessão de maio de 1994 em Viena, na Áustria, determina em seu
capítulo XII que: “art.38. A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a
formação profissional do preso. art.39. O ensino profissional será ministrado em nível de
iniciação e de aperfeiçoamento técnico. art.40. A instrução primária será obrigatoriamente
ofertada a todos os presos que não a possuam. Parágrafo Único. Cursos de alfabetização
serão obrigatórios e compulsórios para os analfabetos.”
Significa dizer uma política penitenciária voltada para a habilitação e conseqüente
profissionalização, criando no interno as bases para uma sobrevivência sadia e sem vícios. Em
lugar do ambiente hostil, de aviltamento da pessoa humana, o exemplo e a motivação para o
desenvolvimento pessoal como parte integrante do processo educativo.
Também o trabalho do preso deveria ser encarado como alicerce para uma futura
profissionalização, ao contrário do “faxina” criado para servir de forma humilhante a autoridade
local, que degrada e induz a corrupção.
SISTEMA DE INFORMAÇÃO
Sistema de Informação (em inglês, Information System) é a expressão utilizada para
descrever um sistema automatizado (que pode ser denominado como Sistema de Informação
Computadorizado), ou mesmo manual, que abrange pessoas, máquinas, e/ou métodos
organizados para coletar, processar, transmitir e disseminar dados que representam
informação para o usuário.
Além disso, o termo também é utilizado para descrever a área de conhecimento encarregada
do estudo de Sistemas de Informação, Tecnologia da Informação e suas relações com as
organizações. Neste contexto, esta disciplina é comumente classificada como uma Ciência
Social Aplicada, ao contrário de sua disciplina correlata Ciência da Computação, considerada
uma Ciência Exata.
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A área de conhecimento Sistemas de Informação é considerada pelos pesquisadores como
uma área multi ou trans-disciplinar, devido às inter-relações com outras área de conhecimento,
tais como Ciência da Computação, Administração, Gestão da Informação, Economia,
Sociologia, Direito, Engenharia de Produção, Ciência da Informação e outras.
Um terceiro uso para a expressão Sistemas de Informação refere-se a um curso de graduação
cujo foco é o desenvolvimento e aplicação de Sistemas de Informação Computadorizados nas
organizações. O conteúdo deste curso abrange aspectos técnicos, gerenciais e sociológicos,
abrangendo, em linhas gerais, os conteúdos relevantes estudados na área de conhecimento
Sistemas de Informação.
As concepções mais modernas de Sistemas de Informação contemplam também os Sistemas
de telecomunicações e/ou equipamentos relacionados; sistemas ou subsistemas
interconectados que utilizam equipamentos na aquisição, armazenamento, manipulação,
gestão, movimento, no controle, na exposição, na troca, no intercâmbio, na transmissão, ou na
recepção da voz e/ou dos dados, e inclui o software e hardware utilizados. Em relação a esta
última definição, é comum nos meios acadêmicos a utilização do termo Tecnologias da
Informação e Comunicação (ICT - Information and Communication Technologies).
Um Sistema de Informações pode ser então definido como todo sistema usado para prover
informação (incluindo o seu processamento), qualquer que seja o uso feito dessa informação.
Um sistema de informação possui vários elementos inter-relacionados que coletam (entrada),
manipulam e armazenam (processo), disseminam (saída) os dados e informações e fornecem
um mecanismo de feedback.
O Século XX é considerado aquele do advento da Era da Informação. A partir de então, a
informação começou a fluir com velocidade maior que a dos corpos físicos. Desde a invenção
do telégrafo elétrico em 1837, passando pelos meios de comunicação de massa, e até mais
recentemente, o surgimento da grande rede de comunicação de dados que é a Internet, o ser
humano tem de conviver e lidar com um crescimento exponencial do volume de dados
disponíveis.
O domínio da informação disponível é uma fonte de poder, uma vez que permite analisar
fatores do passado, compreender o presente, e principalmente, antever o futuro.
Os sistemas de informação surgiram antes mesmo da informática. Vejamos a seguir sua
evolução ao longo do tempo.
Vantagens de um Sistema de Informação
Em um Sistema, várias partes trabalham juntas visando um objetivo em comum. Em um
Sistema de Informação não é diferente, porém o objetivo é um fluxo mais confiável e menos
burocrático das informações. Em um Sistema de Informação bem construído, suas principais
vantagens são: Acesso rápido às informações; Garantia de integridade e veracidade da
informação; Garantia de segurança de acesso à informação; Informações de boa qualidade são
essenciais para uma boa tomada de decisão.
È importante salientar que um Sistema de Informação não precisa ter essencialmente
computadores envolvidos, basta ter várias partes trabalhando entre si para gerar informações.
Ele pode ser tanto manual quanto baseado em TI, ou uma mescla dos dois. Acontece que um
Sistema de Informação grande dificilmente sobrevive atualmente sem estar informatizado, o
que por si só não elimina o fator humano no processo. É a interação dos componentes da TI
com o componente humano que faz com que um Sistema de Informação tenha funcionalidade
e utilidade para a organização.
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Classificação
Podemos ter a classificação dos Sistemas de Informação baseados em Tecnologia da
Informação- TI de acordo com o tipo de informação processada:
•
•
•
Sistemas de Informação Operacional: tratam das transações rotineiras da
organização; Comumenente encontrados em todas as empresas automatizadas
Sistemas de Informação Gerencial: agrupam e sintetizam os dados das operações
da organização para facilitar a tomada de decisão pelos gestores da organização;
Sistemas de Informação Estratégicos: integram e sintetizam dados de fontes
internas e externas à organização, utilizando ferramentas de análise e comparação
complexas, simulação e outras facilidades para a tomada de decisão da cúpula
estratégica da organização.
Desta forma, como o foco de interesse deste trabalho está voltado para a Organização
Sistema Penitenciário, que se caracteriza como uma estrutura organizacional onde
predominantemente se aplicam os controles de poder coercitivos, na próxima parte desse
segmento, ênfase é dada às Organizações Coercitivas.
Ao classificar os meios de controle aplicados por uma organização, Etzioni (1989) conclui que
existem três tipos de categorias analíticas: a física, a material, e a simbólica. A material é
identificada pelas recompensas por intermédio de bens e serviços, cujo uso, com a finalidade
de controle, constitui o poder utilitário. O emprego do meio de controle categorizado como
simbólico, denominado de poder normativo, normativo-social ou social, envolve os símbolos
puros, os quais não constituem ameaça física ou possibilidade de recompensa material. Nele
estão incluídos símbolos normativos, os de prestígio e estima, e os símbolos sociais, de amor e
aceitação. Na utilização do contato físico para simbolizar o amor, ou quando se utilizam os
objetos materiais para simbolizar prestígio, esses contatos ou objetos são considerados
símbolos, porque sua influência em quem os recebe é semelhante à de símbolos puros. O
poder normativo é exercido pelas camadas superiores para controlar as posições inferiores. O
normativo-social é utilizado indiretamente, e o poder social é exercido pelo próprio grupo.
Por último, encontra-se o poder coercitivo, exercido através da aplicação de meios físicos, que
pode ser utilizado através de um instrumento como uma arma ou uma prisão, atingindo
diretamente o corpo, como também através de sanções físicas, consideradas desta forma,
porque a conseqüência no sujeito é semelhante, em espécie, senão em intensidade, à
utilização real. Segundo ainda Etzioni (1989) o emprego do poder coercitivo é considerado
mais alienador que o poder utilitário, e este mais alienador que o emprego do poder normativo.
Ao contrário, o poder normativo promove um maior compromisso do que o utilitário e este mais
que o coercitivo, ou seja, os meios simbólicos de controle tendem a convencer as pessoas, a
de meios materiais a criar interesses ego-orientados para o conformismo, e os físicos a forçálas a obedecer.
Entretanto os poderes são aplicados diferentemente segundo as posições sociais dos
participantes controlados. Assim, para as camadas superiores são aplicados meios menos
alienadores do que para as camadas inferiores. Exemplificando, Etzioni (1989) observa que, no
Sistema Penitenciário, para os presos é aplicado o poder coercitivo, através de sua colocação
em celas isoladas, o que não acontece com os agentes penitenciários, que, no caso de
sofrerem uma punição, esta normalmente se traduz em punições materiais, ou como exemplo,
com aplicação de multas.
Através dos controles aplicados, as organizações podem ser classificadas, pois permitem a
inferência de outras diferenças entre elas existentes. Entretanto normalmente as organizações
aplicam mais de um tipo de controle, podendo ser o coercitivo, o utilitário ou o normativo, o
predominante. Apesar de nem todas as organizações utilizarem um tipo predominante de
poder, pois podem estabelecer combinações, Etzioni (1989), estabelece uma classificação
decrescente das organizações segundo o grau de acentuação desses tipos.
89
Etzioni (1989) também salienta a necessidade de o poder da organização, para controlar seus
membros, se apoiar em posições específicas, numa pessoa ou numa combinação dos dois. O
poder pode, então, ser assim categorizado:
Poder Pessoal
Poder da Posição
É sempre um poder normativo / baseia-se no controle de
símbolos / favorece o aparecimento do compromisso com a
pessoa que o possui.
Pode ser normativo, coercitivo ou utilitário.
Poder oficial – Quando deriva de sua posição na
organização.
Líder informal – quando tem capacidade pessoal para
controlar outros.
Líder formal – quando impõe tanto o poder de posição como
o pessoal.
Assim, nas prisões tradicionais, o controle do trabalho e do comportamento, em seu interior,
tende a se dividir entre oficiais e líderes informais. Os Agentes Penitenciários são líderes
oficiais, pois seu poder deriva principalmente de suas posições e em grande parte, é
independente de suas qualidades pessoais. Pode-se ressaltar que o grande poder de controlar
os internos está nas mãos de líderes informais, sem posição na estrutura da organização,
dependendo este poder da sua influência pessoal.
Ao se tratar dos diretores das prisões típicas, Etzioni (1989) considera que, mesmo que tenham
alguma influência sobre os internos, normalmente esta se demonstra muito reduzida, não se
apresentando, portanto, uma liderança formal significativa. Assim, é do poder coercitivo,
exercido pelos Agentes Penitenciários, como das relações que existem entre os Agentes e os
líderes informais dos presos, que depende o controle da prisão. De acordo com McClerry (apud
ETZIONI, 1989) os líderes informais dos presos apóiam “a lei e a ordem”, e o pessoal da
prisão, ao destruírem a liderança informal, têm como resultado um motim. Ele então, observa:
“[...] é discutível que, em organizações coercitivas, os indivíduos de camadas superiores
possam ser líderes de camadas inferiores. Ao que parece, os oficiais devem reduzir a coerção
da organização, ou desistir de uma liderança formal eficiente” (ETZIONI, 1989, p. 83).
Em decorrência dessas características das organizações coercitivas, segundo Etzioni (1989),
constituem atividades expressivas as que se referem ao modo de se dirigir aos Agentes, além
da maior ou menor importância dada a um tipo de crime. As atividades instrumentais seriam
aquelas como a distribuição de alimentos ou de outros bens como cigarros. De todas essas
atividades, inclusive as relações sociais, cabe o controle aos líderes informais, ressaltando
Etzioni, dessa forma, que os Agentes têm pouco poder sobre elas. A distribuição de trabalho
para os presos é diretamente influenciada pelos seus líderes, além do controle das atividades
instrumentais como a produção e a aquisição de bens ilícitos. O pouco controle dos Agentes
nas prisões, “[...] é uma das razões pelas quais os esforços de reabilitação e de trabalho
psiquiátrico tendem a fracassar nas prisões tradicionais, enquanto não se transforma a
estrutura coercitiva fundamental [...] e o principal controle instrumental dos oficiais é ecológico:
abrange a manutenção dos presos na prisão e a sua distribuição pelas diversas secções e
celas” (ETZIONI, 1989, p.83).
As outras organizações que utilizam os meios coercitivos nos seus controles comportam-se
semelhantemente às prisões, entretanto quanto menos se utilizam desses meios de coerção,
“[...] maior é a sua influência sobre o comportamento dos presos e maior a probabilidade de
criar alguma liderança formal (por exemplo, a liderança pelas camadas superiores) nas
posições da organização” (ETZIONI, 1989, p. 83). Essa atitude implica a redução de medidas
de segurança, porém tendo que haver limites para o seu uso.
90
Como contraponto, nas organizações que utilizam principalmente os meios normativos, a
tendência é existirem poucos agentes e poucos líderes informais, ficando os líderes formais
com o maior controle da organização. Para tanto, é necessário salientar a necessidade de
qualidades pessoais desses líderes que detêm o controle das organizações normativas, que
devem possuir e exercer seu poder pessoal, seja através do controle instrumental ou
expressivo.
Etzioni (1989), colocando que o objetivo do controle em uma organização está voltado para a
garantia da obediência das leis e para o cumprimento das ordens, identifica a importância de
outros aspectos que devem ser considerados para que o controle seja exercido. São
destacados então:
•
•
•
•
o recrutamento ou a seleção – cujo grau influi diretamente na necessidade de controle,
para que possam seus objetivos ser atingidos;
a socialização – que adapta as qualidades dos participantes para torná-las satisfatórias
aos papéis da organização;
a difusão – das normas que a organização deve impor;
o alcance – determinado pelo número de atividades desempenhadas em conjunto
pelos participantes da organização.
Esses aspectos nas organizações coercitivas, mais especificamente no Sistema Penitenciário,
podem ser identificados, de forma sucinta, como:
•
•
•
•
o recrutamento ou a seleção – constata-se que essas organizações são as menos
seletivas, haja vista aceitar presos provenientes de todas as outras instituições
externas. Ressalta-se, entretanto, que quando se pretende reduzir os meios coercitivos
implantando programas de reabilitação ou terapêutico, são afastados os internos que
possam dificultar a sua realização, e cada vez mais um processo de seleção é
aplicado, sendo às vezes os internos alocados em alas abertas. Esse procedimento
aparentemente faz caracterizar a organização como normativa, entretanto,
indiretamente, ela está apoiada no controle coercitivo, pois o interno sabe que, se
transgredir uma das normas estabelecidas, como fugir, a sua pena é ampliada. No
caso dos sanatórios, os internos sabem que podem ir para uma enfermaria fechada;
a socialização – “[...] quanto mais eficiente a socialização, menor a necessidade de
controle” (SIMON, apud ETZIONI, 1989, p.93). A socialização está intimamente
relacionada à seleção, portanto, nas organizações coercitivas, consideradas como as
menos seletivas, os programas de socialização tendem a fracassar, e como fator desse
fracasso encontra-se a não utilização de outros meios de controle, pois quando
utilizados criam uma melhor relação entre as camadas superiores e inferiores, tornando
os programas de socialização mais eficientes. “As organizações que se apóiam
firmemente no poder normativo têm mais êxito em suas realizações de socializações”
(ETZIONI, 1989, p.93);
a difusão – nas organizações coercitivas a difusão das normas de controle é limitada.
Os presos normalmente têm o comportamento estabelecido por normas externas,
estabelecidas por unidades sociais exteriores, como, por exemplo, das comunidades
de onde eles provêm.
o alcance – as organizações totais são as que atingem o máximo alcance, sendo que o
grande alcance intensifica o poder normativo, e é uma condição necessária do controle
coercitivo.
Então, delegado pelo Estado, o poder coercitivo é permitido através de limites estabelecidos,
como também são especificadas as condições para a sua utilização.
O Sistema Penitenciário, conforme Cohen, Ferraz, Segre (1996, p. 1):
91
[...] aparentemente funciona como um sistema repressor da
autonomia dos indivíduos que cometeram algum ato ilícito,
tipificado pelo Código Penal brasileiro, tendo como finalidade punilos ou tratá-los. Esta atitude heterônoma visa reenquadrar o
indivíduo infrator ao convívio social, segundo normas legais. Mas,
se olharmos para o fenômeno da “prisionização”, ou seja, o
aparecimento de uma cultura própria dos presídios, veremos que
lá se estrutura uma sociedade autônoma, com funções sociais
diferenciadas e leis próprias.
Pelos seus meios de controle aplicados, o Sistema Penitenciário é caracterizado como uma
organização coercitiva, a partir do consentimento como critério comparativo, e exerce o seu
poder por coerção, pela alienação dos participantes de nível mais baixo (ETZIONI, 1989). Além
do mais, como uma unidade social intencionalmente construída, o Sistema Penitenciário tem
como as demais organizações, objetivos específicos a serem atingidos, caracterizando-se por:
divisão de trabalho, poder e responsabilidades de comunicação, planejadas intencionalmente,
visando à intensificação da realização de seus objetivos; presença de mais um centro de
poder, que controla os esforços combinados da organização e os dirige para os seus objetivos;
e rotatividade de pessoal, sendo as pessoas demitidas, transferidas ou eliminadas quando não
atendem aos interesses da organização.
Segundo a Lei de Execução Penal-LEP, o pronunciamento da sentença não é o objetivo final
das responsabilidades judiciais. Os juizes têm a obrigação central de conduzir os presos pelos
vários estágios do Sistema Penal. Desta forma, entre as suas atribuições encontra-se a
avaliação sobre os pedidos de transferência dos presos para os regimes menos restritivos, ou
para outras prisões. Também a eles compete a autorização para as saídas temporárias,
livramento condicional, suspensão condicional e a conversão de uma pena para outra.
Como os Estados têm autonomia para determinar as secretarias do poder executivo, possuem
também, um grau de liberdade para estabelecer seus próprios sistemas judiciais de supervisão
de presos. Muitos Estados estabelecem postos especializados denominados de juízes da vara
de execução penal ou juízes de execuções criminais para trabalhar a questão do preso.
Quando não existe um desses juízes, o juiz que sentenciou o preso permanece por ele
responsável durante todo o seu tempo no Sistema Penitenciário.
Esse trabalho objetiva avaliar se o sistema de informação definido pela Lei de Execução Penal
Brasileira, utilizado no processo do livramento condicional, apresenta a eficácia necessária
para a ressocialização do ‘liberado condicional’, utilizou-se como metodologia o levantamento
bibliográfico das legislações e dados que pudessem mostrar como está o sistema penitenciário.
Além desse objetivo geral, procurou-se dados e informações para identificar as possíveis falhas
no sistema de informação do sistema penitenciário, no que se refere ao acompanhamento do
livramento condicional do indivíduo que cometeu homicídio, que se encontra no processo de
ressocialização, no município de Belo Horizonte, além de indicar possíveis saídas para se obter
um sistema de informação no sistema penitenciário, mais eficaz e eficiente, no que tange ao
controle do livramento condicional, aos indivíduos que cometeram homicídio, e que cumprem
pena em uma das penitenciárias circunscritas à Região Metropolitana de Belo Horizonte.
MATERIAIS E MÉTODOS
A fase histórica desta pesquisa limitou-se entre os anos de 2005 e 2006, por amostragem
aleatória simples, somente sob o enfoque do livramento condicional, cujo tipo penal restringiuse ao Homicídio, nas penitenciárias do Município de Belo Horizonte, com os apenados entre 18
e 45 anos de idade, do sexo masculino.
92
Elaborou-se então, um roteiro de entrevista, conforme pode ser observado no ANEXO A deste
trabalho monográfico, e dirigiu-se a entrevista tanto aos apenados quanto aos servidores que
atuam na Superintendência de Segurança e Movimentação Penitenciária. Dessa forma, poderse-ia aferir o sentimento do Sujeito à margem da lei e do Cidadão que atua no sistema, de
forma direta.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Em 18 de setembro de 2007 de 14h às 17h30min realizou-se o processo de entrevista,
utilizando-se o roteiro (ANEXO A), na Superintendência de Segurança e Movimentação
Penitenciaria - SOP.
Além do atual Superintendente de Segurança e Movimentação Penitenciária, a entrevista foi
também aplicada aos funcionários ali lotados nos setores de Movimentação, Cadastro, APAC e
Arquivo.
Observou-se que a nova delimitação da amostra não causaria danos aos objetivos da
pesquisa, pelo contrário, os fortaleceria, pois aqueles funcionários poderiam agregar
informações úteis quanto ao processo dos dados necessários para a pesquisa.
A partir dos dados a seguir analisados busca-se perceber como o apenado em livramento
condicional é assistido na integração social.
Na SOP o responsável pela APAC desenvolve um trabalho interessante com os apenados,
acompanhando-os nas ocupações àqueles que se interessam em aprender novos ofícios.
Nota-se que se trata de um trabalho mais voltado para a espiritualidade que para oferecer um
ofício ao apenado, que o auxilie na ressocialização.
O Cadastro é o responsável pelo registro das informações relativas ao sistema prisional de
todo o estado de Minas Gerais. Ou seja, centraliza-se na Superintendência de Segurança e
Movimentação Penitenciária, outrora conhecida como SOP, precisamente no setor de
Cadastro, toda e qualquer informação sobre os apenados do Estado de Minas Gerais. Nesse
setor todos os dados que auxiliem numa possível identificação do apenado são colhidos, desde
as informações pessoais até uma pequenina cicatriz. Para essa alimentação utiliza-se o
sistema Sistema de Informações Penitenciárias- INFOPEN. Trata-se de um programa de coleta
de dados, com acesso via Internet, que é alimentado pelas secretarias estaduais com
informações estratégicas sobre os estabelecimentos penais e a população prisional. O Chefe
desse setor informou ainda que este serviço é realizado por 06 (seis) servidores, divididos em
dois turnos. Por dia cadastra-se, aproximadamente, uma média de 600 (seiscentos) processos.
No setor de Movimentação, o responsável pelo setor informou que ali é feita toda a
movimentação dos processos, tendo informações do andamento, data de audiência,
transferência de detentos e um Assistente Social que, mantém os familiares e qualquer parte
interessada informada, quanto ao andamento do processo e, possíveis movimentações do
apenado em foco, principalmente, se os mesmos encontram-se em livramento condicional.
Essa chefia informou que “muitas vezes o emprego do apenado em livramento condicional, fica
longe da penitenciaria dificultando seu retorno ao fim do dia”.(sic)
Já no setor de Arquivo, o responsável informou que há processos ali armazenados desde os
anos de 1980, porém, já se conseguiu organizar de forma sistêmica e organizada os processos
datados a partir do ano de 2001. Realmente, pode-se observar que o acesso aos processos já
organizados, embora que ainda manual, estão acondicionados de modo a auxiliar o acesso às
informações com eficácia e rapidez.
Nessa visita, durante as entrevistas não houve respostas que pudessem subsidiar o controle e
o acompanhamento do apenado em livramento condicional. A resposta dada sempre remetia
93
ao Juiz: “Ah! Depois que o apenado sái do sistema para cumprir sua pena em livramento
condicional, já estará fora do nosso controle. Aí só o Juiz saberá informar!” (sic)
Contudo, conforme mostra a TAB.1, há registrados só no Estado de Minas Gerais, até o mês
de maio de 2007, 2.156 (dois mil, cento e cinqüenta e seis) presos condenados por homicídio.
TABELA 1
Presos condenados no Art. 121 (homicídio), registrados no INFOPEN no Estado de Minas
Gerais
Estabelecimento Prisional
Nº total de presos
Casa do Albergado José Alencar Rogêdo
11
Casa do Albergado Presidente João Pessoa
12
Centro de Apoio Médico e Pericial
17
Centro de Remanejamento do Sistema Prisional- BH
18
Complexo Penitenciário Doutor Pio Canedo
66
Complexo Penitenciário Feminino Estevão Pinto
21
Complexo Penitenciário Feminino Estevão Pinto- Pro
04
Complexo Penitenciário Nelson Hungria
266
Complexo Penitenciário Nossa Senhora do Carmo
34
Complexo Penitenciário Nélson Hungria- anexo provisórios
16
Complexo Penitenciário Nelson Hungria – Ex-policiais
07
Complexo Penitenciário Nelson Hungria- Polícia Federal
02
Hospital Psiquiátrico e Judiciário Jorge Vaz
120
Hospital Toxicômanos Pe. Wilson Vale da Costa
16
Penitenciária Agostinho de Oliveira Júnior
101
Penitenciária de Franciso Sá
94
Penitenciária Dênio Moreira de Carvalho
125
Penitenciária Dep. Expedito de Faria Tavares
64
Penitenciária de Teófilo Otoni
89
Penitenciária de Três Corações
65
Penitenciária Doutor Manoel Martins Lisboa Júnior
91
Penitenciária Francisco Floriano de Paula
149
Penitenciária José Edson Cavalieri
54
Penitenciária José Maria Alkimim
132
Penitenciária Prof. Aluízio Ignácio de Oliveira
73
Penitenciária Professor Ariosvaldo Campos Pires
63
Penitenciária Prof. João Pimenta da Veiga
59
Penitenciária Prof. Jason Soares Albergaria
71
Presídio Antônio Dutra Ladeira
129
Presídio de Araguari
12
Presídio de Governador Valadares
23
Presídio de Pedro Leopoldo
01
Presídio de São Joaquim de Bicas
18
Presídio de São Lourenço
01
Presídio de Sete Lagoas
02
Presídio de Vespasiano
03
Presídio de Viçosa
08
Presídio Dr. Carlos Vitoriano
09
Presídio Feminino José Abranches Gonçalves
06
Presídio Floramar
22
Presídio Inspetor José Martinho Drumond
54
Presídio Professor Jacy de Assis
25
Presídio Sebastião Satiro
03
TOTAL
2.156
94
O segundo passo da pesquisa envolveu uma visita a uma Penitenciária de Belo Horizonte,
sorteada aleatoriamente, conforme já mencionado.
Mediante a autorização da. Superintendência de Segurança Penitenciária visitou-se a
Penitenciaria Dutra Ladeira, localizada na Região Metropolitana de Belo Horizonte, no
Município de Ribeirão das Neves .
A Penitenciária Antônio Dutra Ladeira ou PDL, como é conhecida nos meios penitenciários de
Minas Gerais, possui ao todo 39 (trinta e nove) servidores penitenciários, assim distribuídos:
•
•
•
34 (trinta e quatro) Agentes Penitenciários.
02 (dois) Auxiliares de Serviços Penitenciários.
03 (três) Monitores Penitenciários.
Todavia, a entrevista aplicada somente aos lotados do estabelecimento demandaria um tempo
muito superior ao delimitado pelo cronograma da pesquisa, visto que no primeiro dia destinado
às entrevistas haviam cinco agentes penitenciários lotados e cinco diaristas. Observou-se, mais
uma vez que a nova delimitação da amostra, pois os agentes penitenciários que não são
lotados costumam fazer suas diárias todos os meses no mesmo presídio, neste caso, no PDL.
Considerando que sábados e feriados sejam mais calmos, aplicou-se a entrevista nesses dias,
porém alguns servidores (monitores, auxiliares, diretor e chefe de disciplina e segurança)
trabalham apenas de Segunda a Sexta-feira, folgando sábados, domingos e feriados.
A primeira questão da entrevista dizia respeito à função da pena, teórica e prática, ou seja, qual
a função que o entrevistado atribuía à pena. Para Bittencourt (apud NAUJORKS NETO, 2000)
são quatro os objetivos da pena: castigo como retribuição pelo mal praticado, defesa social por
meio da segregação ou eliminação, intimidação para que outros não venham a delinqüir por
temor a pena, e educação do apenado.
Utilizou-se alguns sinônimos ou formas de elucidação no roteiro da entrevista ,mas poucos
foram necessários em sua aplicação. Ressocializar como reinserção, reeducação ou
reintegração, castigar como pagamento, retribuição do mal praticado, defesa social entendida
por segregação ou eliminação do criminoso da sociedade e coerção como intimidação,
exemplo aos demais.
A maioria (75%) das pessoas entrevistadas, apontam como ressocialização e defesa social a
função da pena, ou seja, dois objetivos que não intimidam o sujeito preso e pensam na
valorização da segurança social e a massa carcerária como integrante da sociedade.
O resultado de 45% (quarenta e cinco por cento) de entrevistados que afirmam ser a
ressocialização a função da pena (sem mencionar a ressocialização aliada a outro fator) vão de
encontro ao resultado do Gráfico 1, o qual demonstra que 65% (sessenta e cinco por cento)
dos servidores entrevistados não acreditam em ressocialização.
O servidor que respondeu como sendo a função da pena tanto o castigo como a
ressocialização, referente a 5% (cinco por cento), portanto, um sujeito da pesquisa, afirmou ser
o castigo a forma para ressocializar, demonstrando um possível desconhecimento do sentido
de socialização, já que este alude a um sujeito autônomo, incapaz de subordinar-se a uma
forma primitiva de educação – o castigo.
Vale ressaltar a idéia de outro servidor que ao afirmar que “primeiro retira-se o indivíduo para
não causar mal a sociedade e depois o coloca de volta” (sic) ressocializado, implica uma certa
simplificação da situação, visto que o sujeito preso não é nenhum animal que vai a uma
instituição fechada para ser adestrado e depois retorna a sociedade dócil e útil (FOUCAULT,
1987).
95
GRÁFICO 1 : Satisfação na Execução da Função da Pena
Quanto à satisfação na execução da função da pena, apenas 15% (quinze por cento) dos
sujeitos entrevistados estão satisfeitos com a forma que a função da pena (por eles definida)
está sendo executada. Isto indica, que independentemente da função das prisões (de
ressocializar, defesa social, coerção ou castigo), esta não está sendo cumprida.
Nesse sentido, pode-se pensar que poucas intervenções estão sendo realizadas no tratamento
da criminalidade, o que, portanto, gera insegurança social.
Os 65% (sessenta e cinco por cento) que não estão satisfeitos com a execução da função da
pena são os que responderam como sendo essa função ressocialização e defesa social. A
única exceção diz respeito a uma servidora que respondeu coerção como objetivo da pena,
para ela “os presos que vêm aqui já tem o instinto formado” (sic), a coerção serve para “as
pessoas que já têm mais cultura” (sic), porque para família do preso não funciona, pois os
filhos ficam no presídio “jogando bola, se alimentando bem, não têm medo daqui” (sic).
Os fundamentos para a não ressocialização são, segundo os entrevistados, principalmente a
superlotação e a falta de individualização da pena, assim “o preso vai sair daqui cada vez mais
revoltado” (sic). Um servidor anunciou o “sistema penitenciário no caos” (sic), aonde os presos
são simplesmente “jogados ali dentro” (sic). Outro entrevistado comentou que o presídio é um
“depósito humano, o preso não causando transtorno está ótimo” (sic).
Um respondente da pesquisa que acredita não estar sendo executada de maneira satisfatória a
função de defesa social da pena, preocupa-se ao pensar na grande quantidade de mandatos
de prisão que estão para serem cumpridos.
Para os 15% (quinze por cento) dos entrevistados que estão satisfeitos, um acredita que a
função ressocializadora está no caminho certo, o segundo, já afirma estar satisfeito com a
função de castigo da pena, atribuída por ele, e o terceiro, acha que a única função do presídio
é a segregação do apenado como defesa social, mas admite “enquanto eles ficam aqui dentro
a sociedade fica garantida, quando saem é o grande problema” (sic).
Aos que percebem como mais ou menos satisfatória a execução da função da pena, justificamse pela individualidade dos sujeitos presos, sendo que aquele que tem o perfil de ressocializar
consegue, aquele que não merece ser castigado acaba sendo pelos que merecem. Também
foi mencionada a flexibilidade do Judiciário, que não possui um princípio claro de punição.
Ao fim da análise deste item percebe-se a baixa satisfação do servidor na execução da função
da pena, dizendo respeito a uma falta de estrutura do sistema prisional, o qual não oferece
condições para a integração social do apenado, sendo este condenado marginalizado por toda
vida.
96
Os GRÁF. 2 e 3 fazem a análise da percepção dos servidores quanto a assistência, estrutura e
segurança do sistema prisional, itens presentes na LEP, para que o sujeito da pesquisa
demonstrasse seu conhecimento e participação na realidade prisional, além da ciência desses
conceitos existentes na LEP.
A falta de pessoal foi destacado, comprovando a escassez de profissionais como uma das
grandes dificuldades do sistema prisional. Um entrevistado mostrou esclarecimento, quando
lembrou da atribuição do Assistente Social como principal responsável ao serviço de
assistência social em buscar a chamada Carta de Emprego ao apenado, ou seja, empresas
interessadas em empregar egressos – através de divulgação, convênios – sendo este o maior
desafio no retorno a liberdade. Dessa forma, segundo ele, algumas vezes acaba-se
esquecendo aspectos objetivos de grande importância para ressocialização.
“Art. 22. A assistência social tem por finalidade amparar o preso e o
internado e prepará-los para o retorno à liberdade.
Art. 23. Incumbe ao serviço de assistência social:
I - conhecer os resultados dos diagnósticos ou exames;
II - relatar, por escrito, ao Diretor do estabelecimento, os problemas e
as dificuldades enfrentadas pelo assistido;
III - acompanhar o resultado das permissões de saídas e das saídas
temporárias;
IV - promover, no estabelecimento, pelos meios disponíveis, a
recreação;
V - promover a orientação do assistido, na fase final do cumprimento
da pena, e do liberando, de modo a facilitar o seu retorno à liberdade;
VI - providenciar a obtenção de documentos, dos benefícios da
Previdência Social e do seguro por acidente no trabalho;
VII - orientar e amparar, quando necessário, a família do preso, do
internado e da vítima.”(BRASIL. Lei nº 7.210 de 11 de Julho de 1984.
Disponível em: <http://www.cienciasjuridicas.hpg.ig.com.br/>. Acesso
em: 25 out. 2007).
A importância da Assistência Social no sistema prisional já foi mencionado, mas ressalta-se
novamente sua abrangência ao tratamento do sujeito preso e sua família, e o amparo no
retorno a liberdade.
GRÁFICO 2: Confiança da Ressocialização
Esta questão está aliada a toda mistificação da palavra ressocialização, o servidor precisa
acreditar nisso, porém o que se percebeu durante o processo de entrevista, foi praticamente
um folclore em cima da ressocialização e uma nítida descrença. Dessa forma, ou o servidor
realmente não confia na ressocialização ou preferiu dizer na entrevista que acredita, mesmo
97
não sendo verdade. A explicação à resposta de sim ou não sobre a confiança na
ressocialização foi aliada a explicação sobre a confiança no sujeito egresso do sistema
prisional.
GRÁFICO 3: confiança no Sujeito Egresso
Curiosamente, 55% (cinqüenta e cinco por cento) dos servidores da Superintendência
entrevistados confiam no sujeito egresso. E os 25% (vinte e cinco por cento) que não puderam
responder entre sim e não e optaram por “depende”, configuram aqueles que acreditam que se
o sujeito possui bom comportamento ao entrar no sistema e foi preso por um crime passional é
digno de crédito, se claro não for corrompido, os demais, como se percebe, serão sempre
reincidentes, principalmente os condenados por assalto e tráfico. Outros servidores
reconhecem a responsabilidade da sociedade na falta de oportunidade de empregos, “se é
difícil para pessoas livres arrumarem emprego, imagina para um preso. Falta oportunidade”
(sic). Outro ainda lembra o modelo capitalista de controle, “o preso é discriminado pela
sociedade capitalista, e ainda tem a questão do preconceito aos que já foram presos” (sic).
Uma servidora defende que o sujeito preso “é naturalmente vulnerável se não der
oportunidade, não consegue. A sociedade teria que apoiar mais, falta conscientização. Teria
que ter mais assistentes sociais para tentar conseguir mais vagas de emprego”. (sic)
Porém, a justificativa mais utilizada na falta de crédito ao egresso se refere ao fato da prisão
ser uma escola do crime. “Aqui é uma escola, aprende aqui o que não apreendeu lá fora”.(sic)
“Uma pessoa acerta a vida toda, passa um tempo aqui dentro e sai pior do que entrou”. (sic)
Outros são ainda mais radicais, o preso “entra para a cadeia sabendo um crime e sai sabendo
dez. E ainda, sai formado nesse crime” (sic)
Se a reincidência é de aproximadamente 60% e a ressocialização é vista como um folclore do
sistema penitenciário, como 90% (noventa por cento) dos servidores exercem de forma
satisfatória o seu papel? Reconhece-se que na verdade o servidor da superintendência não
sabe qual é o seu papel, principalmente porque o Estado (responsável pelo sistema prisional) e
mais especificamente que os órgãos competentes não oferecem subsídios para que o servidor
se qualifique na sua função, de forma adequada e eficiente. E sem a qualificação dos principais
executores penais (que não são reconhecidos pela LEP como tais), os sujeito presos
continuam à margem da sociedade, excluídos.
Aos dois servidores entrevistados que responderam cumprirem ordens, notou-se estudo de
graduação e consciência das funções teóricas. Um destes servidores, há treze anos no sistema
prisional, sugere que a melhor maneira de se manter saudável a partir do conhecimento que
possui, das adversidades que encontra e das pessoas com que convive, é cumprir ordens,
possivelmente, da diretoria, por respeito ao conhecimento dos profissionais que lá estão, pois
sabe-se que também eles têm ciência do caos do sistema no que tange a teoria e a prática.
O segundo servidor que respondeu estar cumprindo ordens, em um desabafo quase
emocionado, menciona não gostar do trabalho que está desempenhando, pois tinha
preocupação com a ressocialização, mas por estar há pouco tempo trabalhando no sistema,
98
desconfia que “se fizer alguma coisa de errada não vão passar a mão na minha cabeça” (sic).
Alguma coisa de errado no que diz respeito à segurança, pois é esta que deve vir antes no
sistema prisional.
Esses dois servidores penitenciários gostariam de fazer mais do que estão fazendo, porém são
suficientemente experientes, para saber que o sistema não dá essa autonomia, até porque não
podem fazer tudo sozinhos, pois não contariam com a ajuda dos demais servidores, os quais
alegariam que as atribuições estão sendo desempenhadas da melhor forma possível.
“Lamentavelmente no sistema, muitos colegas puxam a corda para o lado que não é bom nem
para eles mesmos” (sic).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vale ressaltar que o foco deste trabalho é SISTEMA por trás do processo de livramento
condicional e não se pode falar desse aspecto mencionado na LEP, sem comentar o termo
ressocialização. Conforme o referencial teórico, foi tomado como conceito de ressocialização
do indivíduo em condições de privação de sua liberdade, o auto-processo informal
desenvolvido pelo ex-apenado, já em convívio social, construído através do processo de
reeducação e de reintegração social.
Constata-se então, que em relação à questão central da pesquisa, embora na organização do
Sistema Penitenciário mineiro tenham sido implantadas ações que revelam uma tendência
para atender aos princípios voltados à ressocialização do homem em privação da sua
liberdade, as práticas organizacionais disponibilizadas, em sua maioria, não obedecem aos
princípios estabelecidos voltados à ressocialização, demonstrando uma fragilidade e distorção
em relação à aplicação desses princípios contidos nos textos legais. Este fato, como
demonstrou a pesquisa, reflete-se na gestão penitenciária, acarretando a deficiência do
Sistema Penitenciário em cumprir os seus reais objetivos de proporcionar a defesa da
sociedade, através da promoção dos meios que tornem o homem em cumprimento da pena
preparado para enfrentar o seu futuro em condições de reintegrar a sociedade sem cometer
novos delitos.
Essas constatações revelam que no Sistema Penitenciário mineiro as práticas organizacionais
voltadas para o processo de ressocialização confirmam o que foi visto no referencial teórico,
pois “ [...] traduzem a gestão pouco eficaz e eficiente da coisa pública, com pouco preparo
administrativo e técnico” (Sá, 1997, p.19).
Assim, com base no referencial teórico, na análise dos aspectos institucionais e na visão dos
servidores das Unidades Prisionais sobre o tema em estudo, que possibilitou o conhecimento
das práticas ressocializantes promovidas no Sistema Penitenciário, serão relacionadas
algumas ações que, caso ainda não tenham sido implementadas, auxiliarão na gestão do
Sistema Penitenciário, especificamente na melhoria das práticas organizacionais
ressocializadoras já estabelecidas, como, também na disponibilização de novas práticas:
•
•
O Sistema Penitenciário mineiro deve se tornar objeto de um estudo aprofundado, de
forma que possibilite a elaboração de um Plano de Estratégico de Ação onde estejam
contempladas diretrizes, programas, estratégias e ações que permitam o alcance de
seus objetivos de proporcionar a defesa da sociedade, através da promoção dos meios
que tornem o homem em cumprimento da pena preparado para enfrentar o seu futuro
em condições de reintegrar a sociedade, sem cometer novos delitos.
Deve-se evitar a implantação de ações pontuais, sejam relativas ao trabalho
profissionalizante ou psicoterapêutico, à educação, à ação social e às demais ações
concernentes ao processo de ressocialização. Essas ações devem ter como referência
o planejamento estratégico citado anteriormente, respeitando o perfil socioeconômico e
cultural da população prisional de cada Unidade, assim como do cenário “extra muros”,
no qual deverá se inserir o egresso.
99
•
Interligar os sistemas INFOPEN,INFOPRI em níveis de bases informáticas mais
amigáveis e ágeis, de maneira que a base documental física seja utilizada, se somente
se, o sistema estiver fora do ar ou com problemas de link, em níveis estadual e federal.
•
Estabelecer, com critério e procedimentos mensuráveis de produção, uma rede
credenciada em que possam apenados em livramento condicional serem recebidos no
mercado de trabalho, com metas e produtividade.
Definir formas de benefícios que viabilizem participações de empresas de médio e
grande porte na rede de profissionalização do apenado em liberdade condicional, mais
atraentes e funcionais.
Definir e atuar no campo de profissionalização mais atraente e de acordo com o
mercado de trabalho, como forma de minimizar a ressocialização do apenado em
condicional.
•
•
Acreditamos então, que essas são algumas das ações que ao serem implantadas no Sistema
Penitenciário mineiro possibilitarão a melhoria das práticas voltadas ao processo de
ressocialização do homem em cumprimento da pena e, conseqüentemente, na cominação do
livramento condicional, mesmo tendo o conhecimento que constantemente deverão ser
propostas novas ações nesse sentido, em face das rápidas transformações do cenário político,
socioeconômico e institucional nacional e internacional.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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101
SEGURANÇA PÚBLICA, CRIMINOLOGIA, POLÍCIA COMUNITÁRIA E MÍDIA: Simbiose
necessária para o século XXI.
Égina Glauce Santos Pereira41
“(...) temos que admitir que (...) poder e saber estão diretamente
implicados; que não há relação de poder sem constituição correlata de
um campo do saber, nem saber que não suponha e não constitua ao
mesmo tempo relações de poder.”
Michel Foucault
INTRODUÇÃO
Atualmente, as instituições de Segurança Pública têm buscado inovar seus conceitos na
expectativa de visualizar novas formas de controle da criminalidade. A utilização apenas do
modelo reativo tem se mostrado ineficiente para reduzir a criminalidade e gerar a segurança
que um Estado Democrático de Direito deveria proporcionar aos seus, e, conseqüentemente,
tão almejada por todos. Além disso, cria despesas enormes para se cuidar da doença quando
se poderia ter cuidado dos sintomas, pensando em crime no conceito durkheimiano. As novas
demandas sociais têm demonstrado que é necessário trabalhar na origem a fim de
proporcionar uma melhor qualidade de vida. É sob esse prisma que a Polícia Comunitária tem
sido vista como um meio importante no combate da criminalidade, não apenas no sentido
investigativo, mas, principalmente, como meio preventivo. A Criminologia tem sido uma
ferramenta metodológica interessante para ser aplicada neste contexto, devido seu viés de
transdisciplinaridade e seu cunho cientifico. Insta salientar que uma mídia responsável é
também contribuinte da paz social, quando utiliza seus poderes de informação
adequadamente. Percebe-se que uma simbiose entre esses quatro elementos é o que poderá
proporcionar a todos nós a possibilidade de gozarmos dos nossos bens jurídicos protegidos,
sem sermos violentados em nossos direitos. A verdade é que as instituições de Segurança
Pública passarão a gozar de mais confiabilidade/credibilidade perante a população quando
esses elementos estiverem amalgamados, isto sim gerará uma nova política de Segurança
Pública digna do século XXI.
O PAPEL DA CRIMINOLOGIA
A partir do século XVIII inovações possibilitaram o surgimento do Estado Constitucional, cujos
principais aspectos são determinados pela soberania popular, pela separação dos três
poderes, pela eleição popular aos cargos do executivo e legislativo, pelo respeito à
Constituição e às leis, pelo princípio da igualdade jurídica, pela liberdade econômica e pela
consagração dos direitos políticos e sociais. Junto com essas inovações tecnológicas e
científicas, o século XVIII trouxe também mudanças de paradigmas, mudanças essas que
fizeram surgir ciências voltadas para o “ser” e não mais para o “dever ser”. Entre as primeiras
encontrava-se a Criminologia, ciência empírica e entre as segundas, o Direito, ciência
normativa. A pretensão da criminologia é buscar conhecer a realidade e tentar explicá-la.
41 A autora é advogada militante, professora universitária e pesquisadora do NESPP- Núcleo de Estudos em Segurança Pública e
Pesquisa, junto a ACADEPOL, doutoranda e mestre em Análise do Discurso pela Faculdade de Letras - UFMG, pós graduada em
Direito Público pela Faculdade Newton Paiva em parceria com a ANAMAGES e também em Criminologia pela PUC-MINAS em
parceria com a ACADEPOL - Academia de Polícia Cívil de Minas Gerais.
102
A criminologia moderna tem como característica a ampliação constante de seu objeto estando
interessada na pessoa do delinqüente, no delito, na vitimização e no controle social do crime;
assim, cada vertente de estudo dos seus objetos move o olhar para um foco.
Os dois últimos objetos não eram vislumbrados inicialmente pela criminologia denominada
positivista, que fechava seu foco de observação apenas para o delinqüente e o delito,
delimitando a pesquisa apenas no âmbito individual. Esse ponto foi remarcado pelo acréscimo
daqueles objetos transformando a visão do individual antes focado agora também para o
social.
Essa modificação de paradigma gerou a necessidade de estudos transdisciplinares na busca
de explicações para o crime e a criminalidade analisando-se a realidade social.
As teorias de controle social do delito que foram formuladas pela sociologia, nortearam as
escolas criminológicas, sendo possível uma análise histórica dos mecanismos de controle
social que atuam sobre a sociedade brasileira, seja sobre o prisma informal, seja sobre o
formal, quando seria então efetivada a atuação do Estado em casos que o controle informal
falhou.
É interessante perceber que para a Criminologia Positivista, segundo MOLINA e GOMES
(1999:132):
“o noticiante, a polícia, o processo penal, etc. são concebidos como meras ‘correias de
transmissão’ que aplicam fielmente, com objetividade, a vontade da lei, de acordo com os
interesses gerais nela refletidos. A população reclusão, em conseqüência, oferece uma
amostra confiável e representativa da população criminal (real), já que os agentes do controle
social (polícia, juízes, processo, etc.) orientam-se pelo critério objetivo do merecimento (o fato
cometido) e limitam-se a ‘detectar’ o infrator, qualquer que seja este.”
Atualmente a Criminologia Moderna contesta esse ponto de vista, principalmente através das
teorias do etiquetamento/rotulação e da reação social. Para a primeira, a interpretação da lei é
menos importante que a análise do processo de aplicação dela à realidade social, a qual
passaria por filtros seletivos e discriminatórios cujo fator estaria vinculado ao status do infrator.
Colabora com tal argumento pesquisas de FOUCAULT (2003:94) quando apresenta o discurso
produzido pelo bispo Watson perante a Sociedade para a Supressão dos Vícios:
“As leis são boas, mas infelizmente, são burladas pelas classes mais baixas. As classes mais
altas, certamente, não as levam em consideração. Mas esse fato não teria importância se as
classes mais altas não servissem de exemplo para as mais baixas.
Impossível ser mais claro: as leis são boas, para os pobres; infelizmente os pobres escapam às
leis, o que é realmente detestável. Os ricos também escapam às leis, porém isso não tem
importância alguma, pois as leis não foram feitas para eles. No entanto isso tem como
conseqüência que os pobres seguem o exemplo dos ricos para não respeitar as leis. Daí o
bispo Watson dizer aos ricos:
Peço-lhes que sigam essas leis que não são feitas para vocês, pois assim ao menos haverá a
possibilidade de controle e de vigilância das classes mais pobres.”
É a transferência do controle social como instrumento de poder que passará a ser fomentado
no início do século XIX, ou seja, até o século XVII tal procedimento era utilizado apenas como
ideologia religiosa de pequenos grupos na tentativa de se protegerem do poder punitivo, era
utilizado como instrumento de defesa e não como instrumento de poder.
Assim, a Segurança Pública, nos moldes em que se assentou, somente servia para aprisionar
e aplicar punições àqueles que tivessem transgredido uma norma, e não buscando evitar que a
norma fosse transgredida. O poder punitivo estava voltado para restauração da ordem pública
e não para a sua manutenção. Atualmente, principalmente com o advento da Constituição de
1988, a Segurança Pública deve servir como instrumento para garantia e efetivação do Estado
Democrático de Direito, como controle formal da sociedade, mas buscando acima de tudo a
103
manutenção da ordem pública, que deve ser realizada no contexto da sociedade com a sua
participação efetiva.
Nesse ponto, a Criminologia tem se mostrado como instrumento hábil não apenas na
observação da função legislativa do Estado, mas principalmente na função administrativa
essencialmente com perspectiva de formulações de políticas públicas embasadas em
pesquisas científicas a fim de serem as ações propostas eficazes, focando sempre a
prevenção. O discurso deve ser capaz de promover a ação, efeito retórico.
Pesquisas na área de vitimação e controle social tendem a buscar formas de redução dos
crimes e das cifras negras da criminalidade, mas, principalmente, buscam como fortalecer ou
reestruturar os controles sociais informais que se perderam por qualquer razão a fim de reduzir
a ação do Estado em sua condição reativa e repressiva.
Conforme, ROLIM (2006:41), em questões formuladas pelo IBGE em pesquisa nacional sobre
vitimização foram encontrados índices altos: 67,5% das vítimas de furto não registraram
ocorrência, no mesmo sentido, um percentual de 60,8% para os crimes de agressões físicas.
Isso demonstra um descrédito nas instituições de Segurança Pública.
Tal situação poderia se transformar quando as políticas de Segurança Pública passassem a
buscar diagnósticos sobre a criminalidade e a violência em determinadas regiões e em um
momento especifico, a fim de obter dados para se conhecer o modus operandi dos infratores, o
perfil das vítimas, data, local, horários das ocorrências; tudo isso será alcançado com
diagnósticos sérios, mas também se deve pensar na necessidade de alcançar a confiança das
vítimas para que essas utilizem e acreditem na ação policial como proteção e como solução de
conflitos, restabelecendo-se os laços de confiança entre a comunidade e as polícias e demais
órgãos de Segurança Pública, lembrando que todos são órgãos estatais e devem prestar
serviços e atividades à sociedade. Nesse ponto, entra em questão o modelo de polícia
comunitária, aquela próxima da população para atendê-la não apenas nos crimes, mas
também nas desordens sociais que poderão preventivamente evitar os crimes que poderiam
decorrer de tais ações.
A POLÍCIA COMUNITÁRIA
A concepção de Polícia Comunitária busca resgatar a imagem e a credibilidade das instituições
de Segurança Pública e para tanto se utiliza de uma fonte que existe em toda sociedade, no
sentido sociológico: a solidariedade, que, segundo DURKHEIM (1980: 123) 42, se divide em
mecânica e orgânica e integra os indivíduos no meio em que vivem.
A incidência ocorreria principalmente sobre a solidariedade mecânica, fazendo com que as
comunidades que compõe uma determinada sociedade voltem a zelar por seus membros
dificultando a ação criminosa e, como se verá, a mídia terá papel preponderante em sua
implementação.
A solidariedade, de acordo com Durkheim, contribui para a integração geral da sociedade,
podendo se materializar no Direito através de regras sancionatórias que podem ser de dois
tipos: as punitivas, referente ao Direito Penal, e as restitutivas que se encontram em vários
microssistemas como: o Direito Civil, o Mercantil, o Processual, o Administrativo e o
Constitucional, assim cada um desses ao definir um crime, definirá a solidariedade por ele
rompida. O crime é, então, o rompimento de uma solidariedade social. Todo ato criminoso fere
a consciência comum, que determina as formas de solidariedade necessárias ao grupo social.
Verifica-se que o fato reprovado pelo grupo acaba por torna-se crime. A solidariedade social
representada pelo Direito Penal é a mais elementar, sendo chamada por Durkheim de
Solidariedade Mecânica, também conhecida por semelhança.
42
O tema é tratado com mais detalhes no livro Sociologia e Direito: leituras básica de sociologia.
104
A Solidariedade Mecânica faz surgir um “laço de parentesco” entre os membros daquela
comunidade. O indivíduo é socializado porque não tem uma individualidade própria, essa se
confunde com a de seus semelhantes no seio de uma coletividade. É mais ou menos o que
ocorria em cidades do interior onde todos se conheciam e a comunidade cuidava para que
seus membros não descumprissem as normas impostas ao coletivo. Dessa forma, todos
estavam atentos para auxiliar a manutenção da ordem e evitar que o controle social informal
falhasse. Nesse caso, a atuação do Estado como controlador social formal atuaria em seu
limite mínimo.
A polícia comunitária teria como um dos seus papéis restabelecer esses laços buscando
agregar vínculos solidários e comunitários que se perderam por causa de diversos fatores,
dentre eles: o medo, a indiferença, o individualismo, etc.
O importante no policiamento comunitário é a freqüência constante daquele que passa a
conhecer a comunidade em profundidade no seu papel de polícia, sendo reconhecido pela
comunidade como um agente da Segurança Pública com quem se pode contar nos momentos
de violência e não apenas após a ocorrência do crime, que na maioria das vezes fica sem
resultado efetivo com a polícia reativa.
Instar salientar que continuará existindo o papel da polícia repressiva que atuará quando não
for possível evitar o mal maior, pois como Durkheim bem estabeleceu não existe sociedade
sem crime, então toda sociedade terá sua porção de criminalidade, isso não quer dizer que os
índices sejam insustentáveis, porque a epidemia deve ser tratada com medidas sérias e
urgentes.
Como se percebe, o policiamento comunitário permite conhecer os costumes daquela
comunidade, a que horas suas áreas comerciais funcionam, qual a rotina das áreas
residenciais e o mais importante poderá estabelecer o modus operandi dos tipos de delitos que
ocorrem naquela região, proporcionando um mapeamento das zonas quentes de criminalidade,
que já possibilitará novas formas de atuação para repressão e prevenção.
Como se percebe o policial comunitário, seja civil ou militar, deverá ter um conhecimento amplo
de Segurança Pública, a fim de proporcionar não apenas informações de qualidade, mas
também propor políticas públicas eficazes para aquela comunidade, ou seja, ele será o elo
entre aquela comunidade e os órgãos do Estado-membro responsável pela Segurança Pública
nos ditames constitucionais. Ele poderá perceber, por exemplo, até que ponto chamadas que
não são consideradas suficientes para intervenção do Estado poderá gerar no futuro um ato
violento de caráter criminoso ou simplesmente propiciar ações criminosas.
ROLIM (2006:88/89) cita em seu livro um exemplo interessante encontrado pela polícia na
cidade de San Diego em uma comunidade onde o histórico era de assaltos, tráfico, prostituição
e furto de veículos. No caso em questão, a ação da polícia sempre estava voltada para os
crimes. Em uma reunião, após a exposição da lista de crimes que ocorria na comunidade entre
a polícia e os cidadãos, um deles tomou a palavra e perguntou a respeito das pichações. A
questão se voltava para o que a polícia faria a respeito das pichações. A alegação da
comunidade era simples, “doença atraí doença”, mais ou menos como a política da “janela
quebrada” que prevê: onde há um imóvel com um vidro quebrado, outros vidros, com certeza,
serão quebrados. Em pesquisa efetivada posteriormente, verificou-se que havia inúmeros
imóveis que haviam sido depreciados pelas pichações e que criavam uma sensação de
abandono e sujeira. Através de investigações, foi observado que as pichações eram realizadas
por gangues rivais e ações individuais, que, em regra, gostariam de aderir a uma das gangues.
A mais interessante das descobertas da polícia era que as pichações apresentavam uma
progressão natural das atividades das gangues. A resposta da polícia de San Diego envolveu
não apenas a remoção das pichações ou punição dos responsáveis, que se apresentaram de
duas formas, os que estavam envolvidos, mas não tinham sido condenados, passaram a
receber tratamento psicológico; os que estavam condenados passaram a receber a tarefa de
limpar as pichações para receberem benefícios na execução penal. Mas, dentre as medidas, a
própria população passou a efetuar o controle utilizando-se de bicicletas que foram doadas aos
105
jovens de 13 e 18 anos para patrulharem. As escolas receberam instruções para estimular os
alunos a participar de atividades de pinturas artísticas em painéis construídos para esse fim. A
ocorrência reduziu 90% e o efeito se manteve, demonstrando mudança de comportamento.
Como se percebe, nem sempre o que a comunidade necessita é uma ação para repressão da
violência, ainda que o índice desta seja alto. Ela deseja que haja mudança, transformação, e a
verdade é que esta transformação acabou influenciando na política criminal que,
conseqüentemente, modificou o sistema sancionatório, trazendo retorno imediato com a
redução dos índices de ocorrência, evitando-se o encarceramento e todas as conseqüências
dele advindas.
Uma polícia comunitária tem como função ser sensível às demandas da sociedade, ainda que
essas não pareçam ser importantes em um primeiro momento, mas que poderiam influenciar
diretamente na redução da violência e da criminalidade a índices aceitáveis, fortalecendo-se os
laços de solidariedade entre os seus membros e os laços de confiança entre esses e os órgão
de Segurança Pública. Porém, para que isso ocorra de forma correta a mídia tem um papel
fundamental a realizar, como se verá.
O PAPEL DA MÍDIA
A mídia é um dos mais poderosos instrumentos de poder que exerce controle social informal
através de sua capacidade de veicular juízo de valor e da repercussão que alcança.
A opinião pública, muitas vezes, faz o papel de processo penal simbólico que acusa e condena
sem qualquer restrição legal para ao menos estabelecer limites no direito de informação. Esse,
por sua vez, realizado sem qualquer responsabilidade, causa graves transtornos para os
“acusados e condenados” midiáticos, e inúmeras vezes repercutindo nas instituições de
Segurança Pública uma imagem negativa junto à sociedade.
A mídia assumiria poderes ao professar suas informações tais como o poder julgador, o poder
regulamentador e o poder fiscalizador, influenciando a opinião pública sobre determinado ponto
de vista. Exemplo clássico que demonstra a concretização de um desses poderes, via
influência, seria a inclusão do homicídio doloso qualificado no rol de crimes hediondos, como
conseqüência do caso Daniela Perez43
A credibilidade das instituições de Segurança Pública padece diariamente com esses poderes
através de divulgações de notícias vinculando membros que descumprem o seu dever
constitucional de defender a sociedade e passam para o outro lado da moeda ainda que não
represente efetivamente um percentual significante dentro dessas instituições. Junte-se ao
descrédito um controle social formal obsoleto para punir abusos e o medo que se apodera da
sociedade criando uma sensação de insegurança quase palpável.
A polícia comunitária necessita realizar o seu papel sem esses indivíduos que se apoderam do
cargo público para usurpar de sua função de poder e dele abusar sem qualquer forma de
punição. Assim, a mídia teria sim o dever de fiscalizar; mas, ao passar a informação, essa não
deveria ser vinculada como meio de fragilizar a instituição apresentando aquele fato como a
única realidade daquele órgão. Além do mais, a mídia deveria vincular também informações
que demonstrassem esses mesmos órgãos atuando corretamente e propiciando à população
uma redução na sensação de medo que paira sobre comunidades afetadas pela violência e
que ainda por cima não podem confiar nas instituições de Segurança Publica.
43
Atriz Daniela Perez, filha de Gloria Perez, novelista da Rede Globo, foi assasinada em 28/12/1992. O seu homicídio gerou a
inclusão dos homícios qualificados (praticado por motivo torpe ou fútil ou cometido com crueldade) na Lei dos Crimes Hediondos,
que não permite pagamento de fianças e impõe que a pena deva ser cumprida inicialmente em regime fechado, antes a previsão legal
era integralmente, atualmente modificada por força de entendimento jurisprudencial que se tornou lei.
106
PAIVA44 traduz a implicação dos reflexos da exposição das informações pela mídia quando
afirma que a identidade e a socialização do Brasil vêm sendo conduzidas, com uma
contribuição elevada da televisão, através de uma duplicação e clonagem da realidade
cotidiana, não sendo necessário ser especialista em mídia para perceber que há uma camada
midiática que nos inspira e aspira. Longe do que seria as representações do bem e do mal, a
mídia teria o poder de “como vetor de publicitação da vida cotidiana (...) formar, informar e
transformar, mas também pode deformar os estilos de identidade, subjetividade e
sociabilidade. Então, faz-se preciso encontrar as estratégias para entrar e sair dos jogos
midiáticos que se infiltraram nos diversos campos da experiência.”
Os fatos ou informações (notícias) podem desempenhar um papel estratégico ultrapassando o
âmbito lingüístico e se posicionando no âmbito da política, constituindo, por si próprios
poderosos argumentos capazes de não apenas mobilizar, mas também de levar a opinião
pública a ter certas conclusões e posteriormente certas condutas em detrimento de outras, as
quais viriam a beneficiar e também legitimar o poder que viesse a se valer, discursivamente, de
tais meios; ou ainda influir no juízo de valor na sociedade como um todo em relação a
determinado fato divulgado.
A mídia funciona como vetor e deveria auxiliar no quesito Segurança Pública. As escolhas
midiáticas não devem passar somente pelas escolhas mercadológicas, ainda que precise se
manter e sobreviver na competitividade do mundo dos negócios, ou seja, promover status e
dividendos, mas deve sim apreciar os fatos como todo e não apenas apresentar uma
parcialidade. É verdade que a divulgação das atividades de instituições de Segurança Pública
realizando seu papel de forma adequada não é fonte de notícias espetaculares capaz de
render vários dividendos, em contrapartida às notícias daqueles maus profissionais que deixam
de atentar para o papel de Estado que representam e que esquecem que a sociedade abriu
mão de parte da sua liberdade para viverem em um Estado Democrático de Direito, cuja sua
função é mantê-lo, rendendo-lhe inúmeros dividendos indiretos. Porém, é papel da imprensa
fazer parte da manutenção do nosso Estado Democrático de Direito e como tal deve divulgar
notícias corriqueiras sobre o desempenho das instituições de Segurança Pública, ainda que
essas não lhe rendam os mesmos dividendos financeiros. Além do mais, ao apresentar os
fatos de servidores ímprobos que sejam apresentados como realmente são: fatos isolados que
representam exceções dentro da quantidade e da qualidade de servidores que essas
instituições possuem.
O papel da mídia na implantação da Polícia Comunitária é importantíssimo, inclusive para que
se alcancem os objetivos finais programados, dentre eles o de proporcionar uma segurança
pública de qualidade em conjunto com a comunidade. Pois, mesmo sendo o crime um
fenômeno normal, existente em todas as sociedades, é necessário evitar que se torne
patológico. O criminoso deve ser visto como resultado de um processo de enfraquecimento ou
rompimento com os valores sociais que se processados de outra forma pelo indivíduo
produziriam fatores normais pelos padrões da sociedade.
Tal assertiva contribui para se considerar então o crime não como fruto apenas do desemprego
e da pobreza, mas ele passa por uma escolha do indivíduo frente a sociedade que lhe negou a
continuidade do pacto social.45 E mesmo que o indivíduo, em determinado momento, resolva
escolher o crime em outro momento poderia deixar de optar por aquele caminho, mas a mídia
ao transformar o fato em notícia, extrapola o bom senso, e transforma o criminoso no ser mais
temido e odiado, evitando sua aceitação para ressocialização pela sociedade, causando o
descrédito quando esse criminoso encontra-se dentro das instituições de Segurança Pública.
Com isso, ela contamina todas as instituições utilizando-se dos poderes de regulamentação
(legislação), de fiscalização e de julgamento antecipado; lembrando que as escolhas realizadas
pela mídia para apresentar a informação passam pelas escolhas de mercado, e que essas
44
PAIVA, C.C. De olho nos traficantes, malandros e celebridades: um estudo de mídia e violência urbana.
Isso a partir da concepção psicanalítica, para quem o pacto social é fruto do inconsciente do indivíduo, assim como o pacto
edípico, sendo que em ambos os pactos, o indivíduo tem escolhas a fazer que indiretamente correspondem a leis que o conduziria a
certas situações, e seriam pelas escolhas que haveria ou não a delinqüência e condutas anti-sociais.
45
107
estão inseridas na manutenção e sobrevivência da empresa midiática, ou seja, de caráter
econômico-financeiro sustentáculo de sua atividade.
Como MOLINA e GOMES (1999) determinam que o controle social estaria definido em duas
instâncias uma formal caracterizada pelos agentes formais, que atuariam coercitivamente e
imporiam sansões distintas das sociais (é como se fosse um processo de ressocialização) e
estaria definida como: a polícia, a justiça, a administração penitenciária, etc.; e a informal
caracterizada pelos agentes informais que atuariam condicionando o individuo, disciplinando-o
no próprio processo de socialização (seriam representados pela família, pela escola, pela
profissão e pela opinião pública, etc) podemos inserir a mídia como instância de controle
informal através da opinião pública.
No momento em que se aceita o discurso suprir as garantias e utilizar a justiça simbólica para
reduzir a violência, isso através de penas mais duras com limitações às garantias do preso
como mecanismo de controle social, inicia-se o processo informal realizado pelas informações
midiáticas. Isso acaba gerando legislação para formalizar normas que invadem o campo social,
antes não recepcionado pelo Direito Penal. Nesse sentido, ressurge a necessidade de se
reafirmar o papel dos direitos humanos em relação às garantias, que permanecem como
clausulas pétreas constitucionais.
Como se percebe, a mídia deve ser um parceiro valioso para que a Polícia Comunitária seja
implantada, pois sem o seu apoio dificulta-se o acesso às comunidades que continuaram
desconfiadas das instituições de Segurança Pública, propiciando de um lado o aumento da
violência e dos crimes pelos escusos dessas instituições e por outro dos criminosos que não
serão reprimidos, além daqueles que se tornaram por ineficiência do Estado em evitar que a
violência progrida e transforme em crime. Para que haja mudança a mídia deve informar
imparcialmente os fatos apresentando sempre os dois lados da mesma moeda e não apenas
um deles.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
FOUCAULT (1975), em Vigiar e Punir, apresentou quais eram os mecanismos utilizados como
meio coercitivo e punitivo pelo poder público na repressão da criminalidade desde os séculos
passados até as modernas instituições correcionais. E discutir Segurança Pública,
Criminologia, Polícia Comunitária e Mídia, como fenômenos simbióticos para o século XXI
coloca em voga discussões também sobre violência, delitos e controles sociais. São inúmeros
os elementos que contribuem para que os indivíduos se vejam amedrontados na atual
sociedade. Como se não bastasse os casos de violência, que ocorrem nas nossas
proximidades, todos são assombrados indiscriminadamente pelas especulações da
comunicação de massa sobre a criminalidade e a violência, que buscam demonstrar que o
controle formal não tem conseguido deter a onda de criminalidade e violência, deteriorando a
imagem das instituições de controle que ora são vistas como corruptas, ora como truculentas,
ora como morosas.
A partir da abertura democrática no Brasil, a democracia passou a ser vista como a grande vilã
nessa onda de criminalidade que passou a emergir, fato disseminado pelos adeptos do
militarismo, e, nas últimas duas décadas, esses fenômenos têm aumentado de forma
considerável, principalmente no que diz respeito ao crime organizado, que conseguiu adeptos
de forma extraordinária – e explicitamente escusa – para engendrar seus negócios ilícitos, ora
pelas falácias sociais que o povo se submete; ora pela penosa situação econômica da nação;
ora pelo desacerto ético e moral e a ausência de valores arraigados ao indivíduo, adstrito
conseqüente à desagregação da família brasileira, ou seja, introdução de novas formas de
constituição familiar, com papéis menos definidos.
É nesse campo que se verifica a não adequação aos controles informais pela sociedade e da
não efetividade do controle formal pelo Estado, fatos que são apresentados pela mídia, o
108
primeiro como aumento incessante do crime sem qualquer aparato do Estado e que são
cometidos normalmente, por suas divulgações, pelos membros das camadas mais baixas e no
segundo através de uma desconstrução dos aparelhos de controle com uma apresentação de
truculência e corrupção causando um estresse social, que gera uma sensação de insegurança.
As falhas nos controles sociais sejam eles formais ou informais provocam a falência de todas
as formas de controle já que se tornam desacreditadas. Verifica-se que o sistema judiciário é
lento e moroso, o sistema penitenciário não reabilita, a polícia deixa de cumprir seu papel de
auxiliar da sociedade na solução dos conflitos, e ao final, quando finamente o Estado, algumas
vezes, consegue exercer seu controle formal jurídico sobre o individuo, este retorna à
sociedade estigmatizado.
A representação midiática está embebida de um determinado discurso e não apenas informa,
mas também realiza certos tipos de atos sociais transformadores das relações intersubjetivas,
isso de acordo com LANDOWSKI (1992:10), assim retoma a questão da linguagem como
poder socialmente constituído na sua formação ou nas flutuações do vínculo social e político
vivido.
É função da mídia como representante da livre expressão e do direito de informação divulgar
as atividades de instituições de Segurança Pública realizando seu papel constitucional, mesmo
que não seja fonte de notícia explosiva capaz de render o retorno econômico esperado.
Verifica-se que para uma democracia plena, digna do século XXI, faz-se necessária a união
destes quatros fatores: Segurança Pública, Criminologia, Polícia Comunitária e Mídia, pois só
assim uma política pública de qualidade será implantada e haverá repercussão no
condicionamento político e social trazendo uma efetividade às normas e às leis. Não se pode
esquecer que para implantação dessa política, passa-se também pela formação dos
profissionais que atuam na área de Segurança Pública como habilitados a atuar em
conformidade com os moldes do nosso ordenamento jurídico, o nosso Estado Democrático de
Direito, atendendo aos seus princípios constitucionais.
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110
111
O PROGRAMA OLHO VIVO EM BELO HORIZONTE VERSUS A NOVA RETÓRICA
POLÍTICA DA ‘TOLERÂNCIA ZERO’ 46
Gustavo Almeida Paolinelli de Castro
INTRODUÇÃO
Se, no início do breve século XX, viveu-se a “era do massacre” (SINGER apud HOBSBAWN,
1995), contemporaneamente, recém-ingressadas no século XXI, as sociedades tentam
sobreviver à era do medo. O que assusta hoje o cidadão das grandes cidades ocidentais,
principalmente na América Latina, não são tanto as ogivas nucleares e o perigo ocasional das
armas químicas, mas sim a criminalidade urbana.47 Ao caminhar pelas ruas centrais de uma
cidade grande no Brasil, por exemplo, é pouco provável que alguém tenha receio de ser
atingido por um míssil Tomahawk ou ser intoxicado por gás Sarin no metrô.
Em nosso país, o cidadão comum, aquele que não anda de helicóptero e carro blindado,
preocupa-se mais com o retorno de um novo bandido do ônibus 174 e com as crianças e
adolescentes de rua, já não tão invisíveis assim, que roubam e matam em troca de
estupefacientes que, de tão letais, até lembram o Sarin.
A principal conseqüência dessa realidade violenta é o desequilíbrio da balança que sustenta a
liberdade individual e a segurança coletiva. Prova marcante desse desemparelhamento é o
aumento significativo de políticas públicas de segurança de cunho controlador que visam a
intervir no ambiente.
Em Belo Horizonte, desde a implementação do programa Olho Vivo, as câmeras de vigilância,
em concorrência com outras estratégias, é que prometem reduzir a criminalidade. Produto de
um projeto de segurança pública entre a Prefeitura Municipal, o Estado de Minas Gerais e a
Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), o programa Olho Vivo, Lei nº 15.435, de 11 de janeiro de
2005 (MINAS GERAIS, p. 2), consiste basicamente num modelo preventivo e oculto de atuação
policial em pontos estratégicos da região comercial e central da cidade.
Elaborado por uma comunidade fechada de intérpretes da Constituição, segundo clássica
expressão de Härbele (1997), limitada a policiais, comerciantes e membros do Poder
Legislativo, o Olho Vivo afigura-se como medida de segurança pública de duvidosa
legitimidade, não só por desconsiderar pontos fulcrais de uma democracia participativa, mas
também por restringir, em princípio, o gozo de liberdades constitucionais, a exemplo do direito
46
O autor é specialista em Direito Constitucional pela Universidade Castilla-La Mancha, Toledo, Espanha; Pesquisador
do Núcleo Jurídico de Políticas Públicas da Pontíficia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas); Mestre em Direito pela
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas); Professor de Direito Constitucional e Processual Constitucional da
UNI-BH.Embora “tolerância zero” seja uma expressão utilizada para definir a política de segurança pública empregada por Rudolph
Giulliani em 1994, a partir da “teoria das vidraças quebradas” (BELLI, 2004), ela corresponde aqui, “una nueva retórica política,
casi una tendencia subcultural o una filosofia popular, que una estrategia específica de política criminal. Zero tolerance sólo es en
parte una estrategia de seguridad urbana”. (GIORGI, 2005, p. 156)
Este trabalho é o resultado das pesquisas desenvolvidas pelo autor no Núcleo Jurídico de Políticas Públicas, vinculado à
linha de pesquisa “Estado, Constituição e Sociedade no Paradigma do Estado Democrático de Direito” o Programa de PósGraduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. É, igualmente, oriundo dos estudos realizados pelo
Instituto Milênio/CNPQ em consonância com o Observatório das Metrópoles/Núcleo Minas Gerais. Além disso, é relevante
mencionar que várias idéias desenvolvidas pelo autor neste trabalho já foram discutidas e publicadas em anais de eventos nacionais,
dentre os quais vale destacar o XIV Congresso Nacional de Pós-Graduação em Direito, realizado no ano de 2005 em Fortaleza, e o
Encontro Preparatório para o XV Congresso Nacional desta mesma organização, realizado no ano de 2006 em Recife. Por
derradeiro, vale ressaltar que este artigo é oriundo dos estudos desenvolvidos pelo autor em sua dissertação de mestrado na PUC
Minas.
47
Acerca da relação entre medo e criminalidade ver Adorno e Lamin (2006) e Theodomiro Dias Neto (2005)
112
à intimidade daqueles que não dispõem de uma moradia nas áreas vigiadas. Abordando o
tema sob o paradigma jurídico de um Estado democrático de Direito,48 este artigo pretende
verificar se o programa Olho Vivo constitui uma política de segurança legítima e sustentável.
Ocupando-se em descrever como funciona e quais as origens do aludido programa, busca-se
inicialmente examinar seus fundamentos téorico-legais, a fim de compreender a validade do
processo e dos argumentos que serviram de base para legitimá-lo. Indaga-se, ainda, se os
propósitos por ele pretendidos não apresentariam um lado desconhecido e funesto de controle
social, típico do estilo “tolerância zero.” Quais seriam, pois, os limites do Estado no exercício de
seu poder de polícia e na consecução da segurança pública?
Por derradeiro, após verificar essas questões, com suporte na teoria discursiva de Jürgen
Habermas, espera-se estabelecer um juízo crítico acerca do programa em comento,
demonstrando, por via reflexa, a importância do procedimentalismo na formulação de diretrizes
democráticas e mais participativas.
O Programa Olho Vivo e a Retórica da Tolerância Zero
Como dito, em virtude do fracasso do modelo repressivo de segurança pública e da ampla
aceitação da Teoria das Oportunidades no Brasil,49 a prevenção pelo controle passou a ser
cada vez mais aceita e utilizada pelos gestores da vigilância no Brasil, embora muito pouco se
tenha questionado sobre seu funcionamento. A fim de examinar essa questão, este artigo será
dividido em quatro partes que visam, sucessivamente: (i) conhecer e examinar os fundamentos
téorico-legais do programa, buscando compreender a validade do processo e dos argumentos
que serviram de base para legitimá-lo; (ii) problematizar os efeitos dessa medida, indagando se
os propósitos por ela pretendidos não apresentariam um lado desconhecido e funesto de
controle social, típico do estilo “tolerância zero”; (iii) saber quais são os limites do Estado no
exercício de seu poder de polícia na consecução da segurança pública; (iv) estabelecer um
juízo crítico acerca dessa medida, buscando compreender se ela representa um avanço na
gestão da segurança pública.
(i) Para saber quais são os fundamentos do programa Olho Vivo é preciso antes conhecer
as razões que ensejaram a sua utilização. Como mencionado anteriormente, o modelo
repressivo tradicional de segurança pública falhou no seu intento de conter a
criminalidade. Desse fracasso surgiu uma onda de prevenção tecnológica balizada na
captação, armazenamento e monitoramento de imagens e movimentos dos indivíduos.
Essa prática, desenvolvida de maneira mais significativa nas décadas de oitenta e noventa nos
Estados Unidos e na Inglaterra (NIETO, 1997), acabou se tornando uma das principais
medidas de combate ao crime dentro da região centro-sul da capital mineira, a exemplo do que
ocorrera em Londres, hoje a cidade mais vigiada do mundo.50 Tanto lá como aqui, optou-se por
implementá-la em zonas de grande comércio e de classe alta.
Acontece que devido a processos de massificação, crescimento urbanístico desarticulado, má
distribuição de renda etc., as áreas comerciais, antes atrativas e seguras, começaram a se
degradar e a se tornar alvo da violência crescente. Com efeito, o comércio passou a se
concentrar nos espaços privados de consumo, os shopping centers.51
As conseqüências desse processo de urbanização da insegurança e insatisfação com os
parâmetros de conforto da classe mais privilegiada não poderiam ser outras. Os malls (o lado
asséptico da cidade), que ofereciam monitoramento, segurança e estacionamentos privados
48
A respeito do significado de paradigma, consultar Oliveira, 2002.
Sobre a teoria das oportunidades verificar Cohen e Felson apud Magalhães (2004).
Hoje a estimativa é de que Londres tenha de 2 a 3 milhões de câmeras (GIBB, 2005).
51
Em Belo Horizonte essa tendência se confirmou na década de setenta, conforme texto publicado pela equipe do Museu
Histórico Abílio Barreto (1996).
49
50
113
passaram a captar os consumidores em potencial, enquanto os comerciantes da área centrosul perdiam espaço nas suas vendas, vez que estavam num ambiente deteriorado e de
iminente criminalidade. A solução para aqueles que não migraram para os centros fechados de
comércio, portanto, foi seguir a lógica de um shopping center, qual seja, oferecer “compras com
segurança”. Vigilância, regulação, ampliação dos acessos e formação de ambientes para
facilitar o monitoramento foram palavras de ordem inseridas no novo contexto urbanístico do
ambiente do olhar. (BUCCI; KHEL, 2004)
Partindo de uma parceria com os órgãos estatais, os comerciantes idealizaram uma política de
segurança pública baseada na utilização de câmeras de vigilância como forma de redução da
criminalidade, buscando incentivar a presença da população consumidora às áreas de
comércio.52 Essa medida, o programa Olho Vivo foi implementado, passando a funcionar sob
uma lógica de gerenciamento bastante simples: são 72 câmeras distribuídas pela região
centro-sul de Belo Horizonte, região de grande comércio e/ou alta classe, abrangendo os
bairros Barro Preto, Savassi, Funcionários, Lourdes e o hipercentro (SILVA, 2005) com o
objetivo de estimular a volta da população à área de comércio.
Produto de uma parceria entre a Prefeitura de Belo Horizonte, o governo do Estado de Minas
Gerais e a CDL, o seu ciclo de atendimento é feito pelo monitoramento das imagens captadas
pelas câmeras instaladas pela cidade. Identificada alguma “atividade suspeita”, esta imagem é
repassada a um dos supervisores do Programa que processa as informações necessárias e as
envia a um despachante (para a formalização da ocorrência) e à viatura policial. (FIG. 1)
FIGURA 1 – CICLO DO ATENDIMENTO DO PROGRAMA “OLHO VIVO”
FONTE: (SILVA, 2005)
Concebida inicialmente como um “projeto piloto” promovido pela Câmara de Dirigentes Lojistas
e o Estado de Minas Gerais na nobre região da Savassi em 2002, essa diretriz se assenta
fundamentalmente na Lei n.º 15.435 (MINAS GERAIS, 2005, p. 2) e no Projeto de Lei n.º 2.136
(MINAS GERAIS, 2005, p. 42). Estes, por sua vez, justificam a legitimidade da instalação das
câmeras de vigilância (mesmo sem avisos de identificação) sob o argumento de que ao Estado
52
O propósito evidentemente econômico dessa política como instrumento voltado exclusivamente para o interesse dos
comerciantes é nítido nas palavras do presidente da CDL (2005) ao veículo de comunicação da Instituição.
114
incumbe a promoção da segurança pública. Essa explicação, entretanto, por parecer
simplificada demais para habilitar uma política de segurança tão intrusiva, merece ser mais
bem examinada. Assim, incumbe-nos indagar (a) o que de fato conferiria ao Programa Olho
Vivo uma aceitabilidade racional por parte dos indivíduos? (b) E mais, em que medida o
argumento de que a ordem pública, como prerrogativa do Estado, se sustentaria em
sociedades complexas que visam a ultrapassar privilégios de uma única classe (dos
comerciantes), na tomada de decisão?
(a) A primeira questão pretende analisar o que atribuiria ao programa Olho Vivo uma
aceitação racional por parte dos indivíduos. A resposta a essa indagação está essencialmente
na observância do princípio democrático “participativo” (CRUZ, 2004, p. 219), cuja finalidade é
“fixar um procedimento de produção legítima de normas jurídicas”. (HABERMAS, 2005, p. 177,
tradução nossa)
Acima de tudo, portanto, o princípio democrático53 é responsável tanto pela fixação de
procedimentos de produção legítima da norma entre indivíduos livres e iguais, quanto pela
própria correção e regulação desses meios (que é o próprio Direito). Renegar a sua
importância, cuja virtuosidade está no direito de participação (HABERMAS apud CRUZ, 2004),
“corresponderia a uma ameaça à própria democracia a partir da extenuação de seu princípiochave, qual seja, a liberdade.” (KARPEN, 1993, p. 19)
Sem que houvesse qualquer meio de deliberação por parte dos possíveis afetados,54 na
qualidade de participantes de discursos racionais,55 a Administração acabou por fechar os
canais que garantiriam a autonomia pública dos cidadãos atendendo a valores específicos de
camadas privilegiadas da sociedade. Essa mitigação dos meios e da efetiva participação dos
envolvidos não só afrouxa a coesão da sociedade democrática que dá suporte e estabilidade
às instituições estatais e não estatais, mas principalmente extirpa o acesso e a manifestação
de vontade de outras camadas da comunidade. Ao proceder assim, a Administração Pública
desconsidera, igualmente o caráter intersubjetivo que marca as sociedades contemporâneas
descentradas, negando a possibilidade dos indivíduos de justificarem as normas a que irão se
submeter à luz de um princípio de universalização e reciprocidade. (CITTADINO, 2004; CRUZ,
2004; OLIVEIRA, 2000).
Por fim, ao estreitar o alcance do princípio democrático, o Poder Público passa a não garantir
as variadas formas discursivas e negociais (OLIVEIRA, 2000) que compõem os discursos de
justificação de validade da norma jurídica. Em outras palavras, encerra não só o ciclo de
debatedores do processo legislativo democrático a determinados grupos de interesse
econômico, mas igualmente reduz a gama de fundamentos que confeririam credibilidade ao
Programa. Isto é, a soma de toda sorte de argumentos, ético-políticos, pragmáticos e morais,
constitui fator essencial ao “exercício discursivo da autonomia política de normas jurídicas de
constituição, definidoras de competências, atribuições e procedimentos para a canalização da
comunidade”. (CRUZ, 2004, p. 220) É a partir, pois, da compreensão dessa pluralidade de
justificativas no discurso deliberativo que se pretende explicar como uma única vontade
homogeneizada pode ser superada.
(b) Pelo fato de viverem em sociedades complexas é preciso que as pessoas
compreendam, a partir da noção do discurso de justificação das normas jurídicas,56 próprio de
Habermas e Günther, que a prevalência de uma única vontade não mais se sustenta. Entender
que se vive sob um pluralismo ideológico (CITTADINO, 2004) é aceitar que se está aberto não
só a uma multiplicidade de participantes dos discursos deliberativos, mas também a uma
diversidade de argumentos e pontos de vista.
Isto significa que não é adequado admitir que normas estejam ancoradas em razão de
argumentos unilateralmente produzidos, sob pena de privilegiar determinados grupos em
53
54
55
56
A respeito do signficado de princípio democrático ver Chamon Júnior (2005).
No tocante ao conceito de afetado, ver Habermas (2005).
Para saber mais sobre “Discurso racional” consultar Cruz (2004)
Sobre o sentido de discurso de justificação, ver Cattoni de Oliveira (2002)
115
função de critérios econômicos, a exemplo do que se pode extrair do Olho Vivo. Ali, o
monopólio de argumentos de uma só classe transformou os interesses econômicos dos
comerciantes em prerrogativas de segurança do Estado.
A comunidade, principalmente a que usufrui dos espaços vigiados, não é composta somente
por comerciantes. Isto é, em se tratando de debates ético-políticos sobre os ideais que definem
os projetos de vida (CRUZ, 2004), imprescindível à inclusão de opiniões e negociações de
outras parcelas da sociedade, como a dos próprios consumidores, dos moradores de rua,
dentre outros.
(ii) Para entender como funciona e quais os perigos de um sistema de videovigilância, a
leitura de “1984” é indispensável. Ao retratar uma sociedade vigiada 24 horas por dia pelo
“grande irmão”, Orwell (2004) denuncia as mazelas de uma dominação total e absoluta do
Estado. Considerando que a paisagem urbana de Belo Horizonte tem ganhado contornos cada
vez mais nítidos com as idéias reproduzidas naquele romance, e que essa forma de controle
social sugere uma série de impactos no comportamento humano, sua análise é inadiável.
A razão de um ambiente totalmente vigiado significa, segundo seus defensores, na
consolidação de um espaço de prevenção regrado pela sensação de segurança. Essa prática,
muito atraente à primeira vista, pode resultar em risco e opressão, principalmente se amparada
sob uma lógica de “eficienticismo penal” (DIAS NETO, 2005) afoita em reduzir o crime a
qualquer preço. Segundo alguns autores, é devido a essa ânsia por segurança que hoje se vive
na era da inversão da presunção constitucional de inocência para um estado de certeza de
culpabilidade. (FONTES JÚNIOR, 2005)57
Logo, se a hipótese levantada por Orwell (2004) em seu romance não passar de uma ficção
despropositada, que trata a videovigilância como um meio de adestramento imposto por um
poder ideologicamente organizado, seria correto pensar que os riscos que políticas dessa
natureza representam não são apenas meros inconvenientes. Portanto, é necessário entender
como essa medida de vigilância panóptica se formou e para onde ela caminha.
As raízes da observação fazem parte de um processo de aperfeiçoamento da justiça criminal,
cuja origem remonta ao Estado Absolutista e que somente começa a ruir frente a um processo
de mudança da identidade cultural, como a Reforma e o Protestantismo, o Humanismo
Renascentista, as revoluções científicas e o Iluminismo. (HALL, 2005)
Sob esse arrojado viés humanista, portanto, a forma de avaliação do homem moderno sobre os
métodos punitivos passou a ser substituída por uma postura de higiene e assepsia penal.
Tudo isso implicou na otimização das técnicas de segurança, desenvolvimento e
aperfeiçoamento da vigilância, que gradativamente passou a abarcar não só os criminosos,
como também os ociosos, doentes, os loucos e, mais tardiamente, os miseráveis.Para garantir
e viabilizar essa nova forma de gestão da criminalidade foi preciso criar e aperfeiçoar as
estruturas ambientais de controle e disciplina, a exemplo dos asilos psiquiátricos, das escolas e
das penitenciárias, essa última modernizada pelo panoptismo de Bentham (2000).
Por volta de 1970,58 todavia, esse tipo de diretriz, onerosa por mobilizar um arsenal de
profissionais e instituições voltadas à segurança, sofreu um revés em seu propósito regulador e
assistencial, principalmente pelo declínio do ideal da reabilitação. (ALLEN apud WACQUANT,
1999) Esse fenômeno, que veio acompanhado da ascendência de teóricos que propunham
uma nova orientação no tratamento da criminalidade, trouxe uma nova corrente ideológica que
coincidiu com a explosão da crise fiscal do Estado, levada a cabo numa drástica reconversão
da orientação político-econômica de matriz keynesiana. (GIORGI, 2005)
57
58
Nesse sentido o Recurso Extraordinário nº 194.872-8/RS do Supremo Tribunal Federal.
Para saber mais sobre o processo histórica da pena ver Foucault (1997) e Giorgi (2005).
116
Alimentados pela forte assessoria de Margaret Thatcher e Ronald Reagan, que lutavam pelo
aparelhamento da implementação do Estado penal, Estados Unidos e Inglaterra (ícones de
políticas de segurança preventiva no mundo) deflagram um processo de abstencionismo
estatal ao ligarem o Estado de Bem-Estar Social à violência. (WACQUANT, 2001, p. 22)
Sob essa perspectiva de cunho liberal, o sujeito criminal, como ser recuperável, foi rebaixado a
uma questão secundária dentro da pauta política, pois, afinal, todo o aparato que movia o
sistema criminal era caro demais e não apresentava uma contrapartida pecuniária.
A partir de então, o sistema penal passou a seguir uma nova lógica, qual seja, a da máxima
segurança com o mínimo de desperdício de recursos (cost-benefits analisis)59 a partir da
intervenção sobre o ambiente. (GIORGI, 2005)
Como aponta Dias Neto, o campo da prevenção criminal “se expande para fora das fronteiras
tradicionais do espaço da pena e passa a abranger amplo espectro de estratégias sociais e
tecnológicas de controle.” (2005, p. 98) O espaço urbano começa, então, a ser modificado para
atender a essa nova forma de tratamento disciplinar da segurança, tão coincidentemente
assemelhada aos centros fechados de consumo onde tudo é previsível e vigiado.
O abandono da idéia de reinserção do indivíduo desviante e a retomada do ideal behavorista
de Skinner (GEISER, 1976), além de demonstrarem a total falibilidade do sistema penitenciário
e penal como um todo, constituíram o terreno para o surgimento de um novo paradigma de
controle baseado na prática atuarial de prevenção. Esse sistema, que pouco se interessa pela
natureza do ato criminoso, preocupa-se essencialmente com a “interação entre os níveis de
risco e a determinação de critérios que fazem possível classificar e gerir coletividades
determinadas”. (GIORGI, 2005, p. 61, tradução nossa) A seleção e o manuseio das
informações colhidas são efetuados através de um ambiente urbano reconstruído com vistas a
atender ao modelo de “prevenção situacional”.60
Essa nova face da vigilância, reconhecidamente impotente na mudança da realidade caótica de
violência, cria grupos de risco que devem ser reprimidos e controlados pelo Estado, a fim de
que a ordem urbana seja mantida em sua integridade. Em Belo Horizonte, a figura do
“elemento suspeito” do programa Olho Vivo é bastante sugestiva nesse sentido. Afinal, quem
são os elementos suspeitos nas áreas vigiadas?
Para alguns estudiosos, a exemplo de Wacquant (2001), esse tipo de política criminal,
elaborada sob um manto de repressão típica do modelo “tolerância zero”, fomenta a
perseguição de determinados “grupos produtores de risco” da sociedade, sobretudo em relação
aos moradores de rua (MOVIMENTO NACIONAL..., 2007), principais alvos das câmeras de
vigilância. Exprime, nesse contexto, uma tendência coberta pelo “tratamento penal da miséria
que, paradoxalmente, decorre precisamente do enfraquecimento da capacidade de intervenção
social do Estado.” (WACQUANT, 2001, p. 141) O fato de 95% da população carcerária serem
formados por pobres é uma evidência pontual nesse sentido. (ARAÚJO, 1997)
Seja como for, o que de fato ocorre é que a criação do “elemento suspeito” do programa Olho
Vivo inaugura visivelmente um aumento do número de abordagens e prisões como resposta
positiva à criminalidade. Salvo melhor juízo, essa prática não parece traduzir um tratamento
adequado ao problema da delituosidade, visto que usualmente vem acompanhada de aumento
da brutalidade estatal, abusos e restrições à liberdade.
Ademais, vale considerar que a figura do “elemento suspeito”, o não-consumidor atualmente,
sob o prisma do Estado democrático de Direito brasileiro, é nitidamente contrária à idéia do
pluralismo, além de promover a combatida discriminação de qualquer natureza (inciso IV, artigo
3º da CR/88), uma vez que o desconhecido e o diferente passam a ser objetos de perseguição.
59
Lembra Giorgi que alguns defensores mais radicais dessa teoria chegam a legitimar a introdução ou a manutenção da
pena de morte: “medida economicamente mais produtiva que se possa imaginar.” (2005, p. 56, tradução nossa)
60
Sobre o sentido do modelo de prevenção situacional ver Giorgi (2005, p.71)
117
A cidadania, convertida na imagem daquele que circula, gasta e deixa o espaço vigiado,
transforma qualquer indivíduo em potencial “elemento suspeito”,61 uma vez que não
corresponde ou não se vincula ao ideal almejado pelos critérios de igualdade impostos pelo
Estado-comerciante. Eis, pois, a negação à condição de que as sociedades contemporâneas
estão sujeitas inevitavelmente a se relacionarem com os estranhos. (HABERMAS apud
CITTADINO, 2004)
Sob esse enfoque, a liberdade é reduzida à autonomia para consumir ou simplesmente para
circular. O nomadismo urbano imposto pelas áreas de comércio vigiadas exige, portanto,
mobilidade. Se o cidadão não as possui, tem que se submeter ao controle e à fiscalização,
estas sim “legitimadas”’ por normas que sequer foram debatidas. É, sem dúvida, a idealização
dos guetos voluntários, em que o principal propósito já não é mais o mesmo do gueto real (de
onde não se pode sair), senão o de impedir a entrada de intrusos (BAUMAN, 2003) por meio
de instrumentos de segurança “legais”.
Essa intolerância a grupos marginalizados, portanto, passa a ser legitimada pelos discursos de
urgentíssima segurança e inacabável desejo de manutenção da ordem pública, num processo
que visa, sem sucesso, a limitar a ansiedade pela falta de tranqüilidade urbana. Essa
malfadada pretensão só enseja, em verdade, um medo geral que autoriza a “auto-vigilância”
(BAUMAN, 2003) num processo tão primitivo quanto perigoso.62 Isto é, toda forma de exercício
privado da segurança passa a ser admitido sem qualquer limite, bastando ver o uso
indiscriminado da videovigilância privada para esse fim.
Enfim, embora outros fatores não sejam de menor importância na compreensão de uma
sociedade vigiada, como a possibilidade de a utilização da videovigilância se tornar instrumento
de abuso,63 a alta probabilidade de causar efeitos negativos na ação humana,64 o alto custo do
programa, a eterna necessidade de mais intromissão e tecnologia65 etc.; fato é que a eficiência,
ponto alto do programa Olho Vivo, é questão duvidosa e polêmica. A experiência internacional
em programas semelhantes já demonstrou a ineficiência do uso da videovigilância como forma
de redução da criminalidade. A conclusão do professor Martin Gill, da University of Leicester na
Inglaterra, em entrevista ao jornal BBC News (2005) de Londres, foi no sentido de que esse
sistema não produz redução no crime e não torna as pessoas mais seguras.
No caso de Belo Horizonte, as palavras do deputado estadual José Viana, em pronunciamento
no Diário Oficial do Estado em 14 de maio de 2005, parecem ecoar no sentido da conclusão do
professor inglês, ao relacionar a presença das câmeras com a migração do crime para outras
áreas que não aquelas vigiadas, é dizer, tratar-se-ia de uma forma paliativa de segurança.
É interessante notar, ainda, que outros fatores de urbanização foram concorrentes ao Olho
Vivo, alguns muito parecidos com a Paris “panóptica” do século XVIII (MAGALHÃES, 2005), e,
apesar disso, pouco se tem falado a respeito. A retirada dos camelôs do centro da cidade é um
exemplo significativo que, entretanto, não aparece em pesquisas de segurança, exceto no
trabalho de Silva (2005).
Enfim, levando-se em conta todos os argumentos aqui colacionados, é possível sustentar que
o aumento da prevenção e da repressão, pura e simplesmente, não é garantia de eficiência ou
diminuição da criminalidade.
61
Acerca da figura do “elemento suspeito” e da discricionariedade da atividade policial ver as críticas de Ramos e
Musumeci (2005) e o estudo de Muniz (2006).
62
Sobre os efeitos colaterais da autovigilância consultar Giorgi (2005), Bauman (2003) e Sinhoretto conforme Zaluar
(1999).
63
Conforme a organização não-governamental American Civil Liberties Union (2002), o uso do circuito fechado de
televisão (closed-circuit television) é suscetível de vários abusos, como extorsão e, segundo Vianna (2004), voyerismo.
64
Nesse sentido, ver relatório da American Civil Liberties Union (2002).
65
Sob sistemas mais intrusivos, como o “neural” e o “spectiva” ver Gibb (2005).
118
(iii) Viu-se até o momento que a segurança tem sido perseguida de forma enérgica pelo
poder público, sendo a videovigilância um exemplo claro disto. Ocorre que, diante da
“preeminente violência” e da “interminável” necessidade de paz urbana, pouco se tem
falado a respeito dos limites de atuação do Estado. Eis o propósito desse brevíssimo
tópico.
De ingresso, é forçoso constar que o Poder Público, na prerrogativa do seu poder de polícia, se
baseia em argumentos abstratos como “razões de segurança” ou “interesse público” para
justificar suas intervenções. O uso dessas expressões exerce um papel extremamente funesto
na sistemática constitucional, principalmente por tornar absoluto esse “interesse público”,
expressão descarregada de sentido lógico, em face de garantias individuais. O sentido de
limite, portanto, se perde ou simplesmente se fragiliza em torno dessas locuções, que retiram
do administrador e do legislador o dever de fundamentação.Recai nesse equívoco, por
exemplo, Carvalho Filho ao argumentar que “logicamente, as relações sociais vão ensejar, em
determinados momentos, um conflito entre o interesse público e o interesse privado, mas,
ocorrendo esse conflito, há de prevalecer o interesse público.” (2006, p. 24)
Existem boas razões para crer, devido a sua forte influência no Brasil, que essa abordagem
equivocada seja tributária de uma interpretação nos moldes da “jurisprudência de valores”
alemã (CRUZ, 2004). Essa postura leva inevitavelmente a uma má compreensão dos limites do
poder público pois, defende irracionalmente uma supremacia total e absoluta do interesse
coletivo, mitigando ou simplesmente extinguindo, aprioristicamente, direitos fundamentais de
gênese coletiva em face dos individuais. São por essas razões que o uso de câmeras de
videovigilância, como medida potencial de limitação de condutas, deve-se pautar na
integridade do sistema discursivo racional e não descartar, como tem sido feito, uma
construção transparente e aberta da respectiva legislação, mesmo se consideradas válidas as
prerrogativas “de liberdade” da Administração na interpretação dos textos que regulam o poder
de polícia.
(iv) Com base nos argumentos expostos, caberia perguntar se o Olho Vivo tem
significado um avanço na gestão da segurança pública. Falar de avanços é trazer à tona sinais
de melhoria, ou seja, da existência de um status quo em superação, ressalvado o óbvio fato de
que essas mudanças não ocorrem repentinamente.
Do ponto de vista da legitimidade normativa, é possível dizer que pouco se avançou. Os
critérios democráticos de participação popular se resumiram aos limites do parlamento, onde
só os experts puderam opinar e debater, demonstrando claramente que a gestão da segurança
pública no Brasil ainda funciona à base de uma lógica mercadológica, incapaz de suprir as
deficiências geradas pelas mazelas históricas e sociais do patrimonialismo brasileiro. Aliás,
seus fundamentos, voltados para a otimização do consumo, pouco se relacionam com a
promoção e garantia dos direitos fundamentais. Pelo contrário, essa condição de clientelismo
só agrava a violência, formando um fenômeno cíclico de difícil reparação.
Nesse ambiente degradado, medo, desconfiança e insegurança impulsionam a população a
pleitear dos órgãos institucionais, principalmente dos policiais, uma resposta à criminalidade.
Estes, por sua vez, não têm condições de resolver a acentuada deficiência estatal que se
propaga há décadas no Brasil; de forma que a saída encontrada passa a ser declinada para o
aumento de uma prevenção de gênese controladora, acompanhada pela maximização dos
institutos de repressão.
Sob esse prisma, cria-se uma subcultura baseada na retórica de “tolerância zero” que não
aceita o diferente, o excluído e o marginalizado, ou seja, numa estrutura que não se preocupa
com a transformação da realidade, mas tão somente com o gerenciamento do risco de
determinados grupos. Esse ciclo vicioso, que contamina o sistema de emancipação individual
pela busca de uma vida digna, elimina a possibilidade de inserção dos cidadãos nos processos
deliberativos, já ocupados pelos detentores dos poderes econômico e político.
119
É sob esse terreno de medo e exclusão que germina o papel ideológico de “iconização” da
segurança pública, como o único caminho para combater os males da sociedade. Bem ao
estilo orwelliano, o anseio pela ordem passa a ser compreendido como um desejo de
felicidade, de paz e de tranqüilidade. É preciso ponderar, contudo, que essa compreensão,
longe de atender a qualquer propósito de bem-estar, alimenta constantemente o insaciável
anseio por mais segurança.
Assim, resta indagar se a pretensão da sociedade é viver dentro de uma estrutura urbana
construída sobre bases “panópticas” de controle, tais como foram erigidos os presídios
idealizados por Bentham (2000), e os hospitais, manicômios e escolas descritos por Foucault.
Já não seria hora de indagar a respeito do que há por detrás dos projetos de urbanismo que
exercem o controle sobre os indivíduos? Ou é preferível que a ética utilitarista prevaleça, pois
os fins, ao menos no campo da propaganda eleitoreira, têm justificado os meios?
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ANEXOS