Diálogos Sobre o Tempo - Academia Paraense de Ciências

Transcrição

Diálogos Sobre o Tempo - Academia Paraense de Ciências
Diálogos Sobre o Tempo — Prova 2 — 30/11/2010 — Maluhy&Co. — página (local i, global #1)
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Diálogos Sobre o Tempo
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Francisco Caruso (editor)
D IÁLOGOS S OBRE O T EMPO
Maluhy&Co.
São Paulo – 2010
Diálogos Sobre o Tempo — Prova 2 — 30/11/2010 — Maluhy&Co. — página (local iv, global #4)
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Copyright © 2010 Academia Paraense de Ciências
1a. Edição
Editor: Francisco Caruso
Projeto gráfico e diagramação: Casa Editorial Maluhy & Co.
Capa: Malu Vallim
Impressão: Polo Printer
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Diálogos sobre o tempo / Francisco Caruso (editor). –
São Paulo : Casa Editorial Maluhy & Co, 2011.
Bibliografia
ISBN 978-85-61516-06-2
1. Espaço e tempo 2. Física I. Caruso, Francisco.
10-12897
CDD-530.11
Índices para catálogo sistemático:
1. Espaço e tempo : Física
530.11
ISBN 978-85-61516-06-2
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida, sejam quais forem
os meios empregados, sem a permissão da Editora. Aos infratores aplicam-se as sanções previstas
nos artigos 102, 104, 106 e 107 da Lei n. 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
Maluhy&Co.
Casa Editorial Maluhy & Co.
Tel.: +55 11 3733-8956
www.maluhy.com.br
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Prefácio
presente livro faz parte de um projeto de longo prazo da Academia Paraense de
Ciências, voltado para a integração dos saberes e para a divulgação científica. É
nosso desejo, a cada ano, escolher um tema ligado aos fundamentos da Ciência ou a algum
tema de relevância atual para a sociedade ou ainda para a região amazônica, que se preste
a múltiplos olhares. Assim, inicialmente, optamos pelo que talvez seja o conceito mais
basilar de toda a Ciência – o tempo – para ser o tema abordado no primeiro livro dessa série,
Diálogos sobre o Tempo, editado por meu amigo Francisco Caruso.
Cada membro da Academia receberá seu exemplar gratuitamente e, desde já, solicitamos
sugestões de temas e pessoas que possam ser convidadas para os futuros livros temáticos.
Gostaria de agradecer a todos os autores e a todos aqueles que trabalharam para que
esta obra viesse à luz ainda em 2010.
O
Cordialmente,
José Maria Filardo Bassalo
Presidente-Executivo da APC
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Apresentação da Academia
Academia Paraense de Ciências (APC)
Fundação
Em agosto de 1982, os professores da Universidade Federal do Pará, o falecido químico
Waterloo Napoleão de Lima, os geofísicos Herberto Gomes Tocantins Maltez e sua mulher
Maria Gil Lopes Maltez, e os físicos José Maria Filardo Bassalo e Paulo de Tarso Santos
Alencar se reuniram para fundar a Academia Paraense de Ciências (APACi), com o objetivo
de congregar pessoas de qualquer área do conhecimento humano, que tivessem como meta
o desenvolvimento científico básico e aplicado, visando o desenvolvimento do Estado
do Pará.
Para tornar realidade a APACi, no dia 26 de agosto de 1982, os professores referidos
acima se reuniram na residência de um deles (Bassalo), na Avenida Governador José
Malcher 629, em Belém do Pará e, em conjunto, redigiram um documento detalhando as
finalidades da APACi anotadas acima, documento esse que constitui a ATA de Fundação
da APACi. Em seguida, esses professores elaboram o ESTATUTO DA APACi, que foi
devidamente Registrado, no dia 30 de agosto de 1982, no Cartório Valle Chermont, com as
seguintes anotações: Número de Ordem: 1860; Protocolo Livro A, Nº 1; Registro Livro A,
Nº 4. A Fundação da APACi foi publicada do Diário Oficial do Pará, no dia 06 de outubro
de 1982, páginas 18 e 19.
Recriação
No começo de 2009, os professores da Universidade Federal do Pará, José Maria Filardo
Bassalo, Célia Coelho Bassalo, Maria Helena Bentes e Paulo de Tarso Santos Alencar,
agora com a participação dos professores Francisco Caruso Neto, do Centro Brasileiro de
Pesquisas Físicas (CBPF) e Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e Robson
Fernandes de Farias, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) resolveram
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Academia Paraense de Ciências (APC)
recriar a Academia Paraense de Ciências (agora, APC), com um novo Estatuto. Depois
de prepararem um site (http://aparaciencias.org), esses professores passaram a escolher
os Membros da APC, tendo em vista uma nova dinâmica de atuação da APC. Desse
modo, em uma reunião realizada na sede da APC (Governador José Malcher 629), no
dia 31 de dezembro de 2009, prepararam um documento no qual reformularam o antigo
ESTATUTO da então APACi, documento esse que constitui a ATA DE RECRIAÇÃO
DA ACADEMIA PARENSE DE CIÊNCIAS (APC).
Estatuto da Academia Paraense de Ciências
CAP. I – DA DEFINIÇÃO DA ENTIDADE E SEUS OBJETIVOS
Art. 1º – A Academia Paraense de Ciências, de agora em diante, designada pela sigla APC,
entidade civil, de direito privado, sem fins lucrativos e sem conotação políticas ou religiosas,
reger-se-á pelo seu próprio Estatuto, tendo como finalidade contribuir para o desenvolvimento das
ciências básicas e aplicadas, particularmente na Região Amazônica.
Par. 1º – A APC terá sede e foro na cidade de Belém, do Estado do Pará, e funcionará à Av.
Governador José Malcher, 629.
Par. 2º – A APC terá autonomia financeira e administrativa nos termos da Lei e deste Estatuto.
Par. 3º – Será indeterminado o tempo de existência da Entidade.
Art. 2º – Constituem os objetivos da APC:
1. Congregar pessoas (cientistas ou não) do Estado do Pará e demais estados brasileiros e,
também, estrangeiros, que estejam voltados para o desenvolvimento
científico-tecnológico-cultural do Brasil, particularmente do Estado do Pará;
2. Promover reuniões, palestras, simpósios, e conferências de caráter geral do conhecimento em
nível estadual, nacional e internacional;
3. Prestar auxílio, na medida das possibilidades da APC, aos seus membros para o
desenvolvimento de trabalhos científicos;
4. Promover ou colaborar com a instalação de laboratórios ou pesquisa que visem estudar as
influências nefastas da poluição ambiental que comprometam o equilíbrio ecológico da
Região Amazônica;
5. Realizar ou estimular estudos que visem manter atualizado o progresso das Ciências Básicas e
Aplicadas, tendo em vista o desenvolvimento do Estado do Pará;
6. Organizar, desenvolver ou auxiliar cursos de especialização, extensão ou divulgação científica,
podendo para isso manter intercâmbio com órgãos de educação e cultura e órgãos de
comunicação;
7. Organizar, desenvolver ou prestar auxílio, na forma de assessoria ou consultoria a projetos de
investigação científica ou de caráter cultural quando demonstrada sua importância para o
desenvolvimento científico-tecnológico-cultural;
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Apresentação da Academia
8. Promover, em caráter permanente, premiação a jovens estudantes, cientistas, laboratórios,
grupos de pesquisa e instituições de atividade de divulgação das ciências e das artes.
Art. 3º – A APC não realizará, nem se associará a atividades científicas ou tecnológicas de caráter
bélico ou que venha a destruir o equilíbrio ecológico ou reservas naturais biológicas.
Art. 4º – A APC poderá realizar convênios, contratos ou acordos com instituições públicas ou
privadas, de caráter estadual, nacional ou internacional para a realização de projetos, estudos e
outras atividades de natureza técnico-científica ou cultural.
Par. 1º – A APC procurará manter estreitos vínculos com entidades científicas, educacionais e
culturais do País e do Exterior, e com pesquisadores relacionados com os interesses de seus
membros.
Par. 2º – A APC procurará manter estreitos vínculos com o Governo do Estado do Pará, assim
como com órgãos públicos e privados que operam na região e demais entidades encarregadas de
planejar, orientar, avaliar, executar e financiar pesquisas de caráter científico-tecnológico-cultural
de forma a levar às autoridades públicas a opinião dos Membros da APC.
CAP. II – DAS PUBLICAÇÕES
Art. 5º – A APC terá uma Revista on line – CIÊNCIA NORTE – em seu site na qual publicará
artigos (científicos e de caráter geral) de seus Membros ou de outras pessoas que manifestem
interesse em divulgar opiniões sobre qualquer assunto que tenham como objetivo o
desenvolvimento científico-tecnológico-cultural do Brasil, em particular do Estado do Pará.
Par. 1º – As publicações serão remetidas à Comissão Editorial da APC que fará uma análise da
viabilidade de sua publicação;
Par. 2º As publicações da APC serão co-editadas pela Fundação Minerva (CNPJ:
11.046.967/0001-97).
CAP. III – DOS BENS, PATRIMÔNIO E RENDAS
Art. 6º – Constituirão patrimônio e renda da APC:
1. Doações e subvenções de particulares, instituições públicas ou privadas, nacionais ou
estrangeiras, cuja aceitação dependerá da aprovação do Conselho Diretor;
2. Dotações orçamentárias consignadas à APC no orçamento da União, dos Estados, dos
Territórios Federais ou Municípios, em cada ano;
3. Taxas, anuidades e demais contribuições estatutária, regimental ou voluntária de seus
Membros;
4. Recursos obtidos a partir de contratos, convênios ou acordos com instituições públicas ou
particulares, nacionais ou estrangeiras para o desenvolvimento das atividades da APC;
5. Bens móveis e imóveis adquiridos pela APC pela movimentação de seus diferentes recursos,
ou doados por qualquer instituição pública, privada ou individual;
6. As rendas resultantes da prestação de serviços e de outras fontes, de qualquer natureza, que
venha a auferir.
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Academia Paraense de Ciências (APC)
Art. 7º – Os bens, direitos e rendas da APC só poderão ser utilizados na realização de suas
finalidades, permitida, porém, vinculação, arrendamento, alienação ou vendas observadas as
exigências legais e as deste Estatuto para obtenção de outros rendimentos aplicáveis ao mesmo fim.
Art. 8º – No caso de uma eventual extinção da APC, seus dirigentes de então decidirão o que fazer
com o patrimônio.
CAP. IV – DOS MEMBROS
Art. 9º – A APC terá as seguintes categorias de membros:
1.
2.
3.
4.
5.
6.
Membros Fundadores;
Membros Titulares;
Membros Associados;
Membros Correspondentes;
Membros Eméritos;
Membros Beneméritos.
Par. 1º – São considerados Membros Fundadores da APC as seguintes pessoas: José Maria Filardo
Bassalo, Célia Coelho Bassalo, Maria Helena Bentes, Paulo de Tarso Santos Alencar, Francisco
Caruso Neto, Robson Fernandes de Farias e Waterloo Napoleão de Lima (In Memoriam);
Par. 2º – Não haverá limitação de número de Membros Titulares, Associados, Correspondentes,
Eméritos e Beneméritos;
Par. 3º – Os Membros Titulares, Associados, Correspondentes, Eméritos e Beneméritos
integrarão uma das seguintes áreas:
1.
2.
3.
4.
5.
6.
Exatas, Naturais e Agrárias;
Informática;
Geociências;
Biociências;
Ciências Humanas do Direito e do Jornalismo, Filosofia, Letras e Artes;
Ciências Tecnológicas.
Art. 10º – Os Membros Titulares e Associados serão pessoas radicadas no Estado do Pará.
Par. único – Os Membros Correspondentes serão radicados fora Estado do Pará, no Brasil ou no
Exterior.
Art. 11º – Os Membros Eméritos serão aqueles que tenham prestado relevantes contribuições à
Ciência regional, nacional ou internacional.
Art. 12º – Os Membros Beneméritos serão aquelas pessoas que realizaram relevantes contribuições
para o desenvolvimento do Pará, em todos os seus aspectos: Científico, Técnico, Cultural e
Artístico.
CAP. V – DOS DIREITOS E DEVERES DOS MEMBROS
Art. 13º – Os membros da APC terão o direito de saber, por intermédio do site da APC, tudo o
que a APC realizará, em seus aspectos técnico-científico-cultural, bem como financeiro e
administrativo.
Art. 14º – São deveres dos membros da APC:
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Apresentação da Academia
1. Cumprir as disposições estatutárias e regimentais;
2. Acatar e prestigiar os atos e decisões da direção da APC;
3. Contribuir com as anuidades estipuladas pelo Conselho Diretor por proposta da Diretoria
Executiva.
Par. 1º – A anuidade será de cinquenta reais (R$50,00), nos cinco (5) primeiros anos, e será
depositada na Conta da Fundação Minerva (CNPJ = 11.046.964/0001-97) do Banco do Brasil,
Agência 3702-8, Conta Corrente: 28.041-0.
Par. 2º – Os Membros Eméritos estão isentos das anuidades.
CAP. VI – DA DIREÇÃO
Art. 15º – A APC será constituída de quatro Presidências: EXECUTIVA, ADMINISTRATIVA,
EDITORIAL, e CULTURAL.
Art. 16º – A Presidência Executiva será composta de um Conselho Diretor, composto dos
Presidentes Executivo e Administrativo e de quatro Representantes: dois dos Membros Titulares e
dois dos Associados.
Par. 1º – Os Presidentes da APC serão eleitos pelos seus Membros, em eleição especialmente
convocada, via Internet, para esse fim. Eles terão mandato de cinco anos, não podendo ser reeleito
consecutivamente.
Par. 2º – Os membros do Conselho Diretor serão escolhidos por um consulta via Internet entre
seus Membros Titulares e Associados.
Art. 17º – Compete ao Conselho Diretor:
1.
2.
3.
4.
5.
Escolher o Secretário Geral e o Tesoureiro;
Traçar as diretrizes gerais de atuação da APC;
Elaborar e modificar o Regimento Interno e resolver os casos omissos do mesmo;
Elaborar programas de atividades anuais e plurianuais;
Realizar o orçamento anual e plurianual.
Art. 18º – Compete aos Presidentes da APC:
1. Cumprir e fazer cumprir o Estatuto e o Regimento Interno da APC;
2. Representar a APC pessoalmente ou por mandato seu, em juízo ou fora dele.
Art. 19º – Os Presidentes serão substituídos em seus impedimentos pelo Secretário Geral.
Art. 20º – Compete ao Secretário Geral:
1. Manter atualizado o nome e o endereço de entidades científicas, educacionais e culturais do
País e do Exterior, assim como de pesquisadores que trabalhem em assuntos relacionados ao s
interesses científicos de seus membros;
2. Receber, distribuir, enviar toda correspondência, encomenda, processos etc., relacionados
com a APC mantendo o devido controle protocolar;
3. Prestar informação e divulgação aos órgãos de comunicação e ao público em geral das
atividades da APC;
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Academia Paraense de Ciências (APC)
4. Organizar eleições, preparar salas, aparelhos etc, para as reuniões e demais necessidades da
vida da APC, de conformidade com o estabelecido pelo Conselho Diretor.
Art. 21º – Compete à Presidência Executiva:
1. Dirigir o Conselho Diretor com o apoio administrativo do Secretário e Tesoureiro e outros
auxiliares que se tornarem necessários, podendo para isso, admitir pessoas para os diferentes
serviços e atividades, dentro dos limites orçamentários autorizados pelo Conselho Diretor;
2. Executar a política de ação traçada pelo Estatuto e Regimento Interno em geral e pelo
Conselho Diretor em particular, consubstanciadas pelo programa anual e plurianual;
3. Estabelecer contratos, convênios, acordos e demais instrumentos necessários à execução do
programa anual e plurianual elaborados pelo Conselho Diretor;
4. Movimentar, através da Tesouraria, contas bancárias, assinar recibos e demais instrumentos
necessários à vida financeira da APC;
5. Orientar todo o trabalho da Tesouraria;
6. Apresentar ao Conselho Diretor, para fins de aprovação, o relatório anual de atividades e
prestações de contas;
7. Submeter ao juízo e à decisão do Conselho Diretor os casos excepcionais ou não previstos no
Estatuto e Regimento da APC.
CAP. VII – DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 22º – Os casos de maior relevância omissos nesse Estatuto e resolvidos pelas Presidências ou
pelo Conselho Diretor deverão ser discutidos com os demais Membros via Internet.
Art. 23º – O presente Estatuto poderá ser modificado a qualquer tempo, desde que se julgue
necessário para se adaptar às mudanças locais e nacionais que envolvam os objetivos da APC
indicados no Art. 2º do presente Estatuto, depois de uma consulta feita aos seus Membros, via
Internet.
CAP. VIII – DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS
Art. 24º – Ficam homologados os seguintes nomes que compõem as quatro Presidências da APC:
PRESIDENTE EXECUTIVO: José Maria Filardo Bassalo (físico)
PRESIDENTE ADMINISTRATIVO: Marcelo Costa de Lima (físico)
PRESIDENTE EDITORIAL: Francisco Caruso (físico)
PRESIDENTE CULTURAL: Robson Fernandes de Farias (químico).
Art. 25º – O primeiro Conselho Diretor da APC será excepcionalmente constituído pelas
seguintes pessoas, obedecendo ao Art. 16º:
PRESIDENTE EXECUTIVO: José Maria Filardo Bassalo
PRESIDENTE ADMINISTRATIVO: Marcelo Costa de Lima
PRESIDENTE EDITORIAL: Francisco Caruso
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Apresentação da Academia
PRESIDENTE CULTURAL: Robson Fernandes de Farias
SECRETÁRIO: José Jerônimo de Alencar Alves
TESOUREIRO: Pedro Leon da Rosa Filho
REPRESENTANTE DOS MEMBROS FUNDADORES: Célia Coelho Bassalo
REPRESENTANTES DOS MEMBROS TITULARES: Luís Carlos Bassalo Crispino (físico) e
Raymundo Netuno Nobre Villas (geólogo)
REPRESENTANTES DOS MEMBROS ASSOCIADOS: José Edison Ferreira (filósofo) e Jussara
Derenji (arquiteta).
Art. 29º – Até a aprovação do Regimento Interno, todas as normas de funcionamento dos vários
órgãos da APC, eleições e outras atividades previstas no Estatuto, obedecerão às decisões do
Conselho Diretor.
Art. 30º – O presente Estatuto entrará em vigor na data de sua publicação no Diário Oficial do
Estado do Pará e previamente aprovado pelo Ministério Público do Estado do Pará e com
inscrição de Registro Civil de Pessoas Jurídicas no Cartório de Registro de Títulos e Documentos
da Comarca de Belém-Pará.
Nessa data estará recriada a ACADEMIA PARAENSE DE CIÊNCIAS (APC) pela Comissão
Organizadora (escolhida em reunião datada de 30 de dezembro de 2009), constituída pelas
seguintes pessoas:
JOSÉ MARIA FILARDO BASSALO; CÉLIA COELHO BASSALO; LUÍS CARLOS
BASSALO CRISPINO; ROBSON FERNANDES DE FARIAS; JOSÉ JERÔNIMO DE
ALENCAR ALVES; MARCELO COSTA DE LIMA; JOSÉ EDISON FERREIRA; PEDRO
LEON DA ROSA FILHO e JOSÉ PERILO DA ROSA NETO.
Documento assinado por:
JOSÉ MARIA FILARDO BASSALO,
Presidente Executivo da Academia Paraense de Ciências
Membros da APC
Membros fundadores
Célia Coelho Bassalo (Escritora/PA) – [email protected]
Francisco Caruso (Físico/RJ) – [email protected]
Herberto Gomes Tocantins Maltez (Geofísico/SP) – [email protected]
José Maria Filardo Bassalo (Físico/PA) – [email protected]
Maria Gil Maltez (Geofísica/SP) – [email protected]
Maria Helena Bentes (Química/PA) – [email protected]
Paulo de Tarso Santos Alencar (Físico/PA) – [email protected]
Robson Fernandes de Farias (Químico/ RN) – [email protected]
Waterloo Napoleão de Lima (Químico/in memoriam)
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Academia Paraense de Ciências (APC)
Membros titulares
Aldebaro Barreto da Rocha Klautau Junior (Engenheiro/PA) – [email protected]
Alexandre Guimarães Rodrigues (Físico/PA) – [email protected]
Alfredo Kingo Oyama Homma (Agrônomo/PA) – [email protected]
Ana Rosa Baganha Barp (Engenheira/PA) – [email protected]
Ândrea Kely Campos Ribeiro Santos (Biomédica/PA) – [email protected]
Andrey Gomes Martins (Físico/PA) – [email protected]
Ângela Burlamaqui Klautau (Física/PA) – [email protected]
Antonio Carlos Rosário Vallinoto (Biomédico/PA) – [email protected]
Antonio Gomes de Oliveira (Físico/PA) – [email protected]
Antonio Maia de Jesus Chaves Neto (Físico/PA) – [email protected]
Antonio Tobias Silveira (Informático/PA) – [email protected]
Arnaldo Prado Junior (Informático/PA) – [email protected]
Archimino Cardoso Atahyde Neto (Engenheiro/PA) – [email protected]
Aurélio Leal Alves do Ó (Biofísico/PA) – [email protected]
Benedito Lobato (Físico/PA) – [email protected]
Benedito Tadeu Ferreira de Moraes (Físico/PA) – [email protected]
Brígida Ramati Pereira da Rocha (Engenheira /PA) – [email protected]
Candido Augusto Veloso Moura (Geólogo/PA) – [email protected]
Carlos Edílson de Almeida Manesky (Engenheiro/PA) – [email protected]
Carlos José Freire Machado (Físico/PA) – [email protected]
Carlos Leonidas da S. S. Sobrinho (Engenheiro /PA) – [email protected]
Carolina Matos Affonso (Engenheira /PA) – [email protected]
Cláudio Nahum Alves (Químico/PA) – [email protected]
Cristovam Wanderley Picanço Diniz (Biomédico/PA) – [email protected]
Daniel Onofre de Almeida Cruz (Engenheiro/PA) – [email protected]
Danilo Teixeira Alves (Físico/PA) – [email protected]
Ducival Carvalho Pereira (Matemático/PA) – [email protected]
Edinaldo Teixeira (Físico/PA) – [email protected]
Edson Akira Asano (Físico/PA) – [email protected]
Eduardo Coelho Cerqueira (Informático/PA) – [email protected]
Elinei Pinto dos Santos (Físico/PA) – [email protected]
Elói Favero (Informático/PA) – [email protected]
Emanoel Adilson de Souza Serrão (Agrônomo/PA) – [email protected]
Emanuel Negrão Macedo (Engenheiro/PA) – [email protected]
Fátima Nazaré Baraúna Magno (Engenheira-Física/PA)[email protected]
Flávio Francisco Dulcetti Filho (Engenheiro/PA) – [email protected]
Francisco Pereira Assunção (Químico/PA) – [email protected]
Geraldo Narciso da Rocha Filho (Químico/PA) – [email protected]
Gervásio Protázio dos Santos Cavalcante (Engenheiro/PA) – [email protected]
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Apresentação da Academia
Habib Fraiha Neto (Médico-Pesquisador/PA) – [email protected]
Horácio Schneider (Biomédico/PA) – [email protected]
Inocêncio de Souza Gorayeb (Biólogo/PA) – [email protected]
Jessé Carvalho Costa (Geofísico/PA) – [email protected]
João Crisostomo Weyl Albuquerque Costa (Engenheiro/PA) – [email protected]
João Farias Guerreiro (Biomédico/PA) – [email protected]
João Felipe de Medeiros (Físico/PA) – [email protected]
João Furtado de Souza (Engenheiro-Físico/PA) – [email protected]
Jorge Castiñeiras Rodrigues (Físico/PA) – [email protected]
José Augusto Lima Barreiros (Engenheiro/PA) – [email protected]
José Augusto Soares Affonso (Engenheiro/in memoriam)
José Ciríaco Pinheiro (Químico/PA) – [email protected]
José Felipe de Almeida (Engenheiro-Físico/PA) – [email protected]
José Guilherme Soares Maia (Químico/PA) – [email protected]
José Jerônimo de Alencar Alves (Historiador da Ciência/PA) – [email protected]
José Luiz Magalhães Lopes (Físico/PA) – [email protected]
José Miguel Martins Veloso (Matemático/PA) – [email protected]
José Perilo da Rosa Neto (Engenheiro/PA) – [email protected]
José Raimundo Ribeiro Serra (Químico/PA) – [email protected]
Júlio de Alencar Júnior (Engenheiro/PA) – [email protected]
Jurandyr Nascimento Garcez (Engenheiro/PA) – [email protected]
Karlúcio Castello-Branco (Físico/PA) – [email protected]
Klaus Cozzolino (Físico/PA) – [email protected]
Leonardo Deane de Abreu Sá (Geofísico/PA) – [email protected]
Licurgo Peixoto de Brito (Físico/PA) – [email protected]
Luci Cajueiro Carneiro Pereira (Bióloga/PA) – [email protected]
Luís Carlos Bassalo Crispino (Físico/PA) – [email protected]
Luiz Sérgio Guimarães Cancela (Físico/PA) – [email protected]
Luiz Carlos de Lima Silveira (Biomédico/PA) – [email protected]
Manoel Gabriel Siqueira Guerreiro (Geólogo/PA) – [email protected]
Manoel Januário da Silva Neto (Físico/PA) – [email protected]
Manoel Malheiros Tourinho (Agrônomo/PA) – [email protected]
Manoel Viégas Campbell Moutinho (Matemático/PA) – [email protected]
Marcelo Costa de Lima (Físico/PA) – [email protected]
Marcio Roberto Teixeira Nunes (Biomédico/PA) – [email protected]
Marco Antonio Cunha Machado (Físico/PA) – [email protected]
Marcondes Lima da Costa (Geólogo/PA) – [email protected]
Marcos Ximenes Ponte (Engenheiro/PA) – [email protected]
Maria Iracilda da Cunha Sampaio (Biomédica/PA) – [email protected]
Maria Paula Cruz Schneider (Biomédica/PA) – [email protected]
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Academia Paraense de Ciências (APC)
Miguel Ayan Gaia (Astrônomo/PA) – [email protected]
Milton Matta (Geólogo/PA) – [email protected]
Nagib Charone Filho (Engenheiro/PA) – [email protected]
Nelson Pinheiro Coelho de Souza (Físico/PA) – [email protected]
Nilson Pinto de Oliveira (Geofísico/PA) – [email protected]
Orlando José Carvalho de Moura (Físico/PA) – [email protected]
Paulo Moura Barroso (Engenheiro/PA) – [email protected]
Paulo Sérgio de Souza Gorayeb (Geólogo/PA) – [email protected]
Pedro Leon da Rosa Filho (Informático/PA) – [email protected]
Pedro Walfir Martins e Souza Filho (Geólogo/PA) – [email protected]
Petrus Agrippino de Alcântara Junior (Físico/PA) – [email protected]
Raimundo Netuno Nobre Villas (Geólogo/PA) – [email protected]
Ricardo Ishak (Biomédico/PA) – [email protected]
Roberto Dal’Agnoll (Geofísico/PA) – [email protected]
Rômulo Simões Angelica (Geólogo/PA) – [email protected]
Rubens Rodrigues Lima (Agrônomo/PA)
Rui dos Santos Barbosa (Matemático/PA) – [email protected]
Sanclayton Geraldo Carneiro Moreira (Físico/PA) – [email protected]
Sérgio Vizeu Lima Pinheiro (Físico/PA) – [email protected]
Sidney Emanuel Batista dos Santos (Biólogo/UFPA) – [email protected]
Silvana Perez (Física/UFPA) – [email protected]
Sueo Numazawa (Agrônomo/PA) – [email protected]
Ubiratan Holanda Bezerra (Engenheiro/PA) – [email protected]
Van Sérgio da Silva Alves (Físico/UFPA) – [email protected]
Victor Dimitriev (Engenheiro/PA) – [email protected]
Victor Serra Façanha (Físico/PA) – [email protected]
Zínia de Aquino Valente (Física/PA) – [email protected]
Membros associados
Alcyr Boris Meira (Arquiteto/PA) – [email protected]
Aloísio Augusto Lopes Chaves (Advogado/PA) – [email protected]
Amarílis Tupiassú (Escritora/PA) – [email protected]
Aurélio Augusto Freitas de Meira (Arquiteto/PA) – [email protected]
Antéro Duarte Dias Pires Lopes (Economista/PA) – [email protected]
Avertano Rocha (Advogado/PA) – [email protected]
Carlos Berbary (Médico/PA) – [email protected]
Carlos Botelho da Costa (Advogado/PA) – [email protected]
Cicerino Cabral do Nascimento (Arquiteto/PA) – [email protected]
Cláudio Walter Cativo Rosa (Arquiteto/PA) – [email protected]
Clóvis Mácola (Financista/PA)
[ xvi ]
Diálogos Sobre o Tempo — Prova 2 — 30/11/2010 — Maluhy&Co. — página (local xvii, global #17)
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Apresentação da Academia
Christine Pacheco (Professora/PA) – [email protected]
Dina Oliveira (Artista Plástica/PA) – [email protected]
Egydio Salles Filho (Advogado/PA) – [email protected]
Elias Ribeiro Pinto ( Jornalista/PA) – [email protected]
Emmanuel Nassar (Artista Plástico/PA) – [email protected]
Emmanuel Zagury Tourinho (Psicólogo/PA) – [email protected]
Ernani Pinheiro Chaves (Filósofo/PA) – [email protected]
Flávio Campos do Nascimento (Arquiteto/PA) – [email protected]
Frederico Andrade (Economista/PA) – [email protected]
Frederico Coelho de Souza (Advogado/PA) – [email protected]
Geraldo Mártires Coelho (Historiador/PA) – [email protected]
Gisa Helena Melo Bassalo (Arquiteta/PA) – [email protected]
Guilherme Guimarães (Médico/PA)
Irapuan Salles Filho (Advogado/PA) – [email protected]
Jarbas Vasconcelos (Advogado/PA) – [email protected]
João Carlos Pereira ( Jornalista/PA) – [email protected]
João de Jesus Paes Loureiro (Poeta/PA) – [email protected]
João Pinto de Castro Filho (Arquiteto/PA) – [email protected]
Jorge Derenji (Arquiteto/PA) – [email protected]
José Edison Ferreira (Filósofo/PA) – [email protected]
José Marcelino Monteiro da Costa (Economista/PA) – [email protected]
José Maria Coelho Bassalo (Arquiteto/PA) – [email protected]
José Paulo de Oliveira Filho (Médico/PA)
Jussara Derenji (Arquiteta/PA) – [email protected]
Maurílio de Abreu Monteiro (Historiador) – [email protected]
Milton Nobre ( Jurista/PA) – [email protected]
Nelson Souza Junior (Filósofo/PA) – [email protected]
Olavo de Farias Galvão (Psicólogo/PA) – [email protected]
Ophir Cavalcante (Advogado/PA) – [email protected]
Ophir Cavalcante Jr. (Advogado/PA) – [email protected]
Oswaldo Coimbra de Oliveira ( Jornalista-Historiador/PA) – [email protected]
Paulo Elcídio Nogueira (Arquiteto/PA) – [email protected]
Paulo Roberto Chaves Fernandes (Arquiteto/PA) – [email protected]
Paulo Rúbio de Souza Meira (Advogado/PA) – [email protected]
Paulo Sérgio Rodrigues Cal (Arquiteto/PA) – [email protected]
Paulo Toscano (Médico/PA) – [email protected]
Pedro Galvão (Publicitário/PA) – [email protected]
Pedro Paulo Conduru (Artista Plástico/PA) – [email protected]
Pedro Pinho de Assis (Escritor/PA)
Pedro Rosário Crispino (Procurador/PA) – [email protected]
[ xvii ]
Diálogos Sobre o Tempo — Prova 2 — 30/11/2010 — Maluhy&Co. — página (local xviii, global #18)
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Academia Paraense de Ciências (APC)
Raymundo Heraldo Maués (Historiador-Antropólogo/PA) – [email protected]
Regina Alves ( Jornalista/PA) – [email protected]
Renato Mindello (Advogado/PA) – [email protected]
Ronaldo Passarinho Pinto de Souza (Advogado/PA) – [email protected]
Rosa Egídia Crispino Calheiros Lopes (Procuradora/PA) – [email protected]
Rosa Maria Coelho de Assis (Escritora/PA) – [email protected]
Ruy Agostinho Otoni Vieira (Arquiteto/PA) – [email protected]
Ruy Guilherme Castro de Almeida (Educador/PA) – [email protected]
Sílvio Gusmão (Médico/PA) – [email protected]
Simão Jatene (Economista/PA) – [email protected]
Teresa Mártires Coelho Cativo Rosa (Economista/PA) – [email protected]
Ubirajara Imbiriba Salgado (Médico/PA) – [email protected]
Violeta Loureiro (Economista/PA) – [email protected]
Wilton de Queiroz Moreira (Historiador/PA) – [email protected]
Zeno Veloso ( Jurista/PA) – [email protected]
Membros correspondentes
Adauto José Gonçalves de Araújo (Pesquisador/RJ) – [email protected]
Adílio Jorge Marques (Historiador da Ciência/RJ) – [email protected]
Alberto Franco de Sá Santoro (Físico/RJ) – [email protected]
Alberto Gabbay Canen (Engenheiro/RJ) – [email protected]
Alexandre Cherman (Astrônomo/RJ) – [email protected]
Alfredo Marques (Físico/RJ) – [email protected]
Amós Troper (Físico/RJ) – [email protected]
Ana Maria Jansen (Médica Veterinária/RJ) – [email protected]
André Koch Torres de Assis (Físico/SP) – [email protected]
Antônio Boulhosa Nassar (Físico/USA) – [email protected]
Antonio José Silva Oliveira (Físico/MA) – [email protected]
Armando de Castro Cerqueira Arosa (Pedagogo/RJ) – [email protected]
Arnaldo Homobono Paes de Andrade (Físico/SP) – [email protected]
Bernardino Ribeiro Figueiredo (Geólogo/SP) – [email protected]
Breno Oliveira Imbiriba (Físico/USA) – [email protected]
Bruno Rainho Mendonça (Astrônomo/RJ) – [email protected]
Carlos Alberto da Silva Lima (Físico/SP)
Carlos Alberto Dias (Geofísico/RJ) – [email protected]
Carlos Alberto dos Santos (Físico/RS) – [email protected]
Carlos Augusto Sarmento Ferreira – [email protected]
Carlos Benevenuto Grisard Koehler (Historiador da Ciência/RJ) – [email protected]
Carlos Gianotti (Físico/RS) – [email protected]
Cláudio Tavares Alencar (Engenheiro/SP) – clá[email protected]
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Diálogos Sobre o Tempo — Prova 2 — 30/11/2010 — Maluhy&Co. — página (local xix, global #19)
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Apresentação da Academia
Daniel Gemaque da Silva (Físico/AP) – [email protected]
Dionizio Bazeia (Físico/PB) – [email protected]
Edgard Thomas Martins (Engenheiro/Economista)/PE) – [email protected]
Édison Shybuia (Físico/SP) – [email protected]
Fausi Said Sanjad (Engenheiro/SP) – [email protected]
Gilvan Augusto Alves (Físico/RJ) – [email protected]
Hélio da Motta Filho (Físico/RJ) – [email protected]
Henrique Fleming (Físico/SP) – [email protected]
Iberê Luiz Caldas (Físico/SP) – [email protected]
Inocêncio Mártires Coelho ( Jurista/BR) – [email protected]
Jenner Barretto Bastos Filho (Físico/AL) – [email protected]
João Bosco da Mota Alves (Engenheiro/SC) – [email protected]
João Mendes da Silva (Poeta/RJ) – [email protected]
João Zanetic (Físico/SP) – [email protected]
Joaquim Francisco de Carvalho (Engenheiro/RJ) – [email protected]
Joaquim-Francisco Mártires Coelho (Escritor/USA) – [email protected]
Jorge Henrique de O. Sales (Físico/SP) – [email protected]
José Abdalla Helayël Neto (Físico/RJ) – [email protected]
José Airton Cavalcante de Paiva (Físico/CE) – [email protected]
José Alexandre da Silva (Filósofo/RJ) – [email protected]
José Augusto Messias (Médico/RJ) – [email protected]
José da Silva Seráfico de Assis Carvalho (Escritor/AM) – [email protected]
José Evangelista de Carvalho Moreira (Físico/CE) – [email protected]
José Guilherme Rocha Lima (Físico/USA) – [email protected]
José Luís Córdova Frunz (Químico/MX) – [email protected]
José Maria Borborema (Engenheiro/RJ) – [email protected]
José Pedro Cordeiro (Físico/AM) – [email protected]
José Roberto Pinheiro Mahon (Físico/RJ) – [email protected]
José Seixas Lourenço (Geofísico/BR) – [email protected]
Lauro Euclides Soares Barata (Químico/SP) – [email protected]
Lauro Morhy (Químico/BR) – [email protected]
Liacir dos Santos Lucena (Físico/RN) – [email protected]
Lindalva do Carmo Ferreira (Geofísica/RJ) – [email protected]
Luciano Rodrigues da Silva (Físico/RN) – [email protected]
Luís Carlos de Menezes (Físico/SP) – [email protected]
Luís Antonio de Oliveira Nunes (Físico/SP) – [email protected]
Luiz Davidovich (Físico/RJ) – [email protected]
Luiz Carlos Lobato Botelho (Físico/RJ) – [email protected]
Luiz Fernando de Almeida Freitas (Arquiteto/RJ) – [email protected].
Luiz Fernando Ferreira (Médico e Paleoparasitologista/RJ) – [email protected]
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Diálogos Sobre o Tempo — Prova 2 — 30/11/2010 — Maluhy&Co. — página (local xx, global #20)
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Academia Paraense de Ciências (APC)
Luiz Orlando de Quadro Peduzzi (Físico/SC) – [email protected]
Marcelo Otávio Caminha Gomes (Físico/SP) – [email protected]
Márcia Chame dos Santos (Zoóloga/RJ) – [email protected]
Marco Antonio Moreira (Físico/RS) – [email protected]
Marco Antônio Raupp (Matemático/RJ) – [email protected]
Marcos Duarte Maia (Físico/BR) – [email protected]
Maria Beatriz Breves Ramos (Física e Psicóloga/RJ) – [email protected]
Maria Cristina Silveira (Educadora/RJ) – [email protected]
Mario Filardo Bassalo (Médico/RJ) – [email protected]
Mário Terezo Lopes (Engenheiro/RJ) – [email protected]
Mauro Sérgio Dorsa Cattani (Físico/SP) – [email protected]
Michel Paty (Filósofo da Ciência/FR) – [email protected]
Mirian de Carvalho (Filósofa/RJ) – [email protected]
Moacyr Henrique Gomes e Souza (Físico/RJ) – [email protected]
Nicim Zagury (Físico/RJ) – [email protected]
Nicolau Eládio Bassalo Crispino ( Jurista/AP) – [email protected]
Olival Freire Junior (Filósofo da Ciência/BA) – [email protected]
Olivar Antonio Lima e Lima (Geofísico/BA) – [email protected]
Paulo Buarque de Macedo Guimarães (Geofísico/RJ) – [email protected]
Paulo Emílio Matos Martins (Engenheiro/RJ) – [email protected]
Paulo Monteiro Vieira Braga Barone (Físico/MG) – [email protected]
Pedro Paulo Chieffi (Médico/SP) – [email protected]
Raimundo Medeiros Lobato (Educador/MA) – [email protected]
Roberto Hugo da Costa Lins (Médico/RJ) – [email protected]
Rubério Prado Britto (Geofísico/BE)
Ruynet Lima de Mattos Filho (Físico/RJ) – [email protected]
Sara de Araújo Brito (Linguísta/RJ) – [email protected]
Sérgio Joffily (Físico/RJ) – [email protected]
Sérgio Guerreiro (Geofísico/BA) – [email protected]
Sérgio Machado Rezende (Físico/BR) – [email protected]
Shozo Motoyama (Físico/SP) – [email protected]
Sílvio Roberto de Azevedo Salinas (Físico/SP) – [email protected]
Sônia Peduzzi (Física/ SC) – [email protected]
Tatiana Deane de Abreu Sá (Engenheira Agrônoma/BR) – [email protected]
Vanderlei Salvador Bagnato (Físico/SP) – [email protected]
Virgínia de Paiva Franceschelli (Biblioteconomista/SP) – [email protected]
Vítor Oguri (Físico/RJ) – [email protected]
Walton Vieira de Nóvoa (Engenheiro/RJ) – [email protected]
Wilson Oliveira (Físico/MG) – [email protected]
Yashiro Yamamoto (Físico/SP) – [email protected]
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Diálogos Sobre o Tempo — Prova 2 — 30/11/2010 — Maluhy&Co. — página (local xxi, global #21)
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Apresentação da Academia
Membros eméritos
Adriano Di Giacomo (Físico/IT) – [email protected]
Almir José Oliveira Gabriel (Médico/PA)
Armando Dias Mendes (Economista/BR) – [email protected]
Artemidoro Cabral de Melo (Matemático/PA)
Carlos Garcia Canal (Físico/ARG) – [email protected]
Elisa Frota Pessoa (Física/RJ) – [email protected]
Fernando Medeiros Vieira (Físico/PA)
Jader Benuzzi Martins (Historiador da Ciência/RJ) – [email protected]
Jayme Tiomno (Físico/RJ) – [email protected]
Juarez Pascoal de Azevedo (Físico/RN) (in memoriam)
Lourival de Barros Barbalho (Médico/PA) – [email protected]
Manuel Ayres (Médico/PA)
Miguel Paulo Rodrigues Bitar (Engenheiro/PA)
Milton José Pinheiro Monte (Arquiteto/PA)
Omir Correa Alves (Engenheiro/PA)
Ricardo de Carvalho Ferreira (Químico/PE) – [email protected]
Roberto Aureliano Salmeron (Físico/FR) –[email protected]
Roberto de Oliveira Santos ( Jurista/PA)
Sérgio Mascarenhas (Físico/SP) – [email protected]
Membros beneméritos
Alberto Coutinho do Amaral (Engenheiro/PA) – [email protected]
Alfredo Naziazeno Ferreira Cordeiro (Engenheiro/PA) – [email protected]
Antonio Diogo Couceiro (Engenheiro/PA) – [email protected]
Antonio do Nascimento Pinho (Engenheiro/PA) – [email protected]
Carlos Amilcar Pinheiro (Engenheiro/PA) – [email protected]
Carlos Mattos Serruya (Engenheiro/PA) – [email protected]
Dacyr Botelho dos Santos (Engenheiro/PA) – [email protected]
Dirceu Raimundo da Rocha Pinto Marques (Engenheiro/PA) – [email protected]
Evando Simões Bonna (Engenheiro/PA) (in memoriam)
Fernando de Aguiar Oliveira (Químico/PA) – [email protected]
Fernando de Souza Monteiro (Engenheiro/PA) – [email protected]
Hélio Figueiredo da Serra (Engenheiro/MA) – [email protected]
Heronides Gomes Moura (Engenheiro/PA) (in memoriam)
Ivens Coimbra Brandão (Engenheiro/PA) – [email protected]
Jacy Gonzaga da Igreja (Engenheiro/PA) – [email protected]
João Messias dos Santos Filho (Educador/PA) – [email protected]
José da Silva Machado (Engenheiro/PA) – [email protected]
José do Egypto Soares Filho (Economista/PA) – [email protected]
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Diálogos Sobre o Tempo — Prova 2 — 30/11/2010 — Maluhy&Co. — página (local xxii, global #22)
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Academia Paraense de Ciências (APC)
José Maria Mendonça (Engenheiro/PA) – [email protected]
José Maria Pinheiro de Souza (Engenheiro/PA) – [email protected]
Loriwal Rei de Magalhães (Engenheiro/PA) – [email protected]
Lutfala de Castro Bitar (Engenheiro/PA) – [email protected]
Manoel Francisco Dias Pantoja (Engenheiro/PA) – [email protected]
Manoel Leite Carneiro (Educador/PA) – [email protected]
Omar Said Sanjad (Engenheiro/PA) – [email protected]
Pedro Paulo de Lima Dourado (Engenheiro/PA) – [email protected]
Rodolpho Pereira Dourado Neto (Engenheiro/PA) – [email protected]
Samir Said Sanjad (Engenheiro/PA) – [email protected]
Sílvio Samuel Moreira Aflalo (Engenheiro/PA) – [email protected]
Wlademir da Silva Miranda (Engenheiro/PA) – [email protected]
Direção da APC
PRESIDENTE EXECUTIVO: José Maria Filardo Bassalo
PRESIDENTE ADMINISTRATIVO: Marcelo Costa de Lima
PRESIDENTE EDITORIAL: Francisco Caruso
PRESIDENTE CULTURAL: Robson Fernandes de Farias
SECRETÁRIO: José Jerônimo de Alencar Alves
TESOUREIRO: Pedro Leon da Rosa Filho
REPRESENTANTE DOS MEMBROS FUNDADORES: Célia Coelho Bassalo
REPRESENTANTES DOS MEMBROS TITULARES: Luís Carlos Bassalo Crispino e
Raymundo Netuno Nobre Villas
REPRESENTANTES DOS MEMBROS ASSOCIADOS: José Edison Ferreira e Jussara Derenji.
site: http://aparaciencias.org
CNPJ: 04.367.371/0001-67
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Diálogos Sobre o Tempo — Prova 2 — 30/11/2010 — Maluhy&Co. — página (local xxiii, global #23)
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Sumário
Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . v
Apresentação da Academia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . vii
Academia Paraense de Ciências (APC) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . vii
Fundação, vii
Recriação, vii
Estatuto da Academia Paraense de Ciências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . viii
Membros da APC . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . xiii
Membros fundadores, xiii
Membros titulares, xiv
Membros associados, xvi
Membros correspondentes, xviii
Membros eméritos, xxi
Membros beneméritos, xxi
Direção da APC . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . xxii
Capítulo I
Nota Sobre a Dimensionalidade do Tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
Francisco Caruso
Capítulo II
A Medida do Tempo e sua Evolução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
Orlando Moura
1 – O Planeta Terra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
2 – Os movimentos da Terra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
3 – A percepção da mudança e o conceito de tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
3.1 – O moderno conceito de tempo, 12
3.2 – As escalas de tempo, 12
3.3 – O calendário, 15
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Diálogos Sobre o Tempo — Prova 2 — 30/11/2010 — Maluhy&Co. — página (local xxiv, global #24)
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Diálogos Sobre o Tempo
4 – Invariância da reversão do tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
5 – Primórdios do relógio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
5.1 – O Sol, 17
5.2 – O Gnômon, 17
5.3 – O relógio solar, 17
5.4 – O Quadrante Solar, 18
5.5 – A Clepsidra, 18
5.6 – As rodas dentadas, 19
5.7 – A Ampulheta, 20
5.8 – O relógio de Azeite, 20
5.9 – O relógio de Vela, 20
5.10 – Os relógios de Fogo, 21
5.11 – O relógio de Corda com Nós, 21
5.12 – O relógio de Fogo Despertador, 21
6 – Aperfeiçoamentos dos relógios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
6.1 – O relógio mecânico primitivo, 22
6.2 – O Foliot, 22
6.3 – O relógio de pêndulo, 23
7 – Os relógios precisos:
Escapamento Viga e Foliot . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
7.1 – O relógio de pêndulo de Huygens, 24
7.2 – O escape de âncora, 25
7.3 – Os relógios de mola, 26
7.4 – O compensador de Graham, 26
7.5 – Os relógios mestres-secundários, 27
7.6 – O relógio elétrico (Corda Elétrica), 27
7.7 – Os relógios síncronos, 27
7.8 – O relógio de Quartzo, 28
7.9 – O relógio atômico, 28
8 – A evolução do relógio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
Capítulo III
Da transmissão da força à geometrização da força . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
Marcelo Costa de Lima
Capítulo IV
O Tempo na Física . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
José Maria Filardo Bassalo
1 – Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
2 – O Tempo na Mecânica Clássica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
3 – O Tempo na Termodinâmica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
4 – O Tempo na Mecânica Relativística . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
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Diálogos Sobre o Tempo — Prova 2 — 30/11/2010 — Maluhy&Co. — página (local xxv, global #25)
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Sumário
5 – O Tempo na Mecânica Quântica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
6 – O Tempo na Cosmologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
7 – Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
Capítulo V
Tempo e Geologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
Raimundo Netuno Villas
1 – Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
2 – A Geologia e as Outras Ciências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
3 – O Princípio do Uniformitarianismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
4 – O Tempo Geológico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
5 – O Tempo Relativo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
6 – O Tempo Absoluto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
Métodos Radiométricos, 72
7 – A Idade da Terra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
8 – Escala do Tempo Geológico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
Capítulo VI
Tempo, Espaço e Modernidade na Belle-Époque Amazônica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
José Jerônimo de Alencar Alves
1 – Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
2 – Belle Époque Amazônica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78
3 – Notas Finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82
Capítulo VII
O Tempo e o Espaço na Informática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
Arnaldo Corrêa Prado Junior & Pedro Leon da Rosa Filho
1 – Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
2 – Tempo e Espaço / Espaço-Tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86
3 – Recursividade, Algoritmos e Processamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88
4 – Armazenamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90
5 – Velocidade de Transmisão e Atrasos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91
6 – Construção do Conhecimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92
7 – Trabalho Colaborativo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95
8 – Telemedicina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96
9 – Vulnerabilidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
10 – Considerações Finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98
Capítulo VIII
O Tempo e a Arquitetura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103
Jussara da Silveira Derenji
[ xxv ]
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Diálogos Sobre o Tempo
Capítulo IX
Tempo e História na Grécia Clássica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111
Geraldo Mártires Coelho
Capítulo X
O Sentir e o Pensar o Tempo em Três Poemas Líricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131
Celia Coelho Bassalo
Capítulo XI
Sós, Livro de Valdir Rocha: O Tempo e a Poética da Reprodutibilidade . . . . . . . . . 137
Mirian de Carvalho
1 – Do tempo que não corre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137
2 – Da reprodutibilidade na arte de Valdir Rocha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 138
3 – A poética do velamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144
[ xxvi ]
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Nota Sobre a
Dimensionalidade do Tempo
Francisco Caruso¹
À memória de Juan José Giambiagi
esde 1983, tenho me dedicado ao estudo de aspectos históricos e filosóficos do
conceito de espaço e, em particular, venho procurando compreender as origens de sua
dimensionalidade, assim como este seu atributo topológico relaciona-se à estrutura de várias
leis físicas [1-10]. Dentre tantas análises que fiz, com diversos colaboradores, posso citar
alguns exemplos de fenômenos físicos que dependem do número de dimensões do espaço
no qual eles têm lugar: a atração regida pelo potencial 1/r (na gravitação clássica ou na
eletrostática) [11-14], a difração de nêutrons [1], o efeito Casimir [2,7], o espectro estelar
[5] e a radiação de fundo [9]. Em todos estes trabalhos – como em todos os trabalhos que
conheço que tratam do problema da dimensionalidade do espaço – o tempo é pressuposto
ser unidimensional. Assim, mesmo quando se admite que um particular evento físico, na
realidade, ocorre no espaço-tempo, se está, na verdade, discutindo e impondo limites ou
vínculos sobre a dimensionalidade apenas do espaço, como é feito, por exemplo, em [15].
D
1. Físico, Pesquisador titular do CBPF, Professor Associado da UERJ e Professor Colaborador do Programa de
História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia da UFRJ. Membro das Academias Paraense e Roraimense
de Ciências e do PEN Club do Brasil.
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Francisco Caruso
Na verdade, esta limitação não me causa espanto, uma vez que discutir a dimensionalidade do espaço ou do tempo a partir de singularidades que as leis físicas possam apresentar
em relação a um particular número de dimensões esbarra sempre no fato de que tais leis são
sempre determinadas teórica ou empiricamente sem qualquer tipo de questionamento a
priori da dimensionalidade de ambos. É como se esta fosse um dado de fato da Natureza,
uma verdade inquestionável. No caso do tempo, esta espécie de preconceito parece estar
ainda mais arraigada na comunidade científica. A experiência sensível de ordenação
temporal e a unidimensionalidade do tempo parecem tão imbricadas que, de fato, a
literatura sobre o problema da dimensionalidade do tempo é muito reduzida comparada
àquela que trata do problema análogo para o espaço. Pode-se, inclusive, questionar se o
próprio conceito de causalidade que herdamos não depende de se ter tais relações como
verdadeiras. Sendo assim, em que fatos experimentais ou em que outros conceitos basilares
poderia se basear quem estiver interessado em justificar que o tempo é unidimensional ou
mesmo provar que pode ser multidimensional?
Acho que podemos afirmar que a origem do caráter unidimensional do tempo remonta
ao abandono do tempo cíclico difundido no pensamento grego clássico, a partir do
surgimento do cristianismo. Mais especificamente com Santo Agostinho, que apesar de
sua consagrada resposta à questão do que é o tempo – “Se ninguém mo perguntar eu sei; se o
quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei.” [16] – foi quem apresentou a primeira
teoria filosófica do tempo, baseada numa origem (a crucificação de Cristo) e na convicção
de que o tempo é a medida, pela consciência humana, do movimento “retilíneo” da história,
irreversível e que não se repete [17].
Antes de esboçar algumas contribuições no sentido de rever brevemente o que foi feito
buscando compreender a dimensionalidade do tempo, gostaria de destacar o fato de que
uma parte significativa dos argumentos que concernem à dimensionalidade do espaço
depende da existência de um espaço métrico [1]. Tal fato nos remete à noção de distância
em uma variedade n dimensional, a qual se baseia tradicionalmente na forma diferencial
homogênea quadrática
ds2 = gµν dx µ dx ν
na qual os índices assumem os valores µ, ν = 0, 1, 2, . . . (n − 1). Esta fórmula, em última
análise, é uma escolha arbitrária, pois, de fato, não há argumentos lógicos que excluam
a priori outras formas do tipo ds4 , ds6 , ds8 , . . .. Neste ponto é importante lembrar que,
em 1920, Ehrenfest apresentou a conjectura de que o expoente 2 da forma quadrática na
equação anterior para o elemento de linha poderia estar relacionado com a dimensionalidade
do espaço [12] mas, até onde sei, tal conjectura ainda não foi demonstrada. Algumas
consequências, como uma possível relação desta conjectura com o teorema de Fermat,
foram discutidas em [1]. Além disto, o fato de muitas das equações fundamentais da Física
envolverem derivadas espaciais de segunda ordem (a equação de Newton, a equação de
onda de d’Alembert, a equação de Schrödinger etc.) pode também estar relacionado à
tridimensionalidade do espaço. Voltarei a este ponto mais adiante.
Na realidade, foi o desenvolvimento das Geometrias não Euclidianas no século XIX [18]
que permitiu as primeiras especulações a cerca de uma quarta dimensão e o que ela seria,
[2]
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Nota Sobre a Dimensionalidade do Tempo
bem antes da Teoria da Relatividade, dentre as quais posso citar a de Hinton [19]. Outros
aspectos do problema da realidade ou não de uma quarta dimensão, ligados à percepção
e à filosofia foram tratados por Whitrow [20]. De qualquer forma, do ponto de vista da
Física, é a métrica da Geometria de Minkowski que pode ser facilmente generalizada para
um número qualquer de dimensões espaciais e temporais. Para µ e ν variando de 0 a 3
(n = 4), tem-se a métrica


+ 0 0 0
 0 − 0 0

gµν = 
 0 0 − 0
0 0 0 −
Para um número qualquer n de dimensões do espaço-tempo, a nova matriz gµν terá
dimensões n × n. Em seu famoso livro The Mathematical Theory of Relativity, Eddington
pondera que tal escolha (um sinal + e três −) “particulariza o mundo de um modo que
dificilmente poderíamos ter predito a partir de primeiros princípios” [21]. Por que o espaço-tempo tem uma e não outra assinatura? Lembra, então, o astrofísico inglês, sem citar a
referência, que Weyl expressa este caráter “especial” afirmando que o espaço tem 3 + 1
dimensões [22]. Entretanto, uma leitura atenta de seus trabalhos mostra que este seria
o número total de dimensões espaço-temporais que assegura a invariância de escala do
Eletromagnetismo Clássico de Maxwell, mas com a dimensionalidade do tempo pré-fixada
em 1.
Voltando ao livro de Eddington, ele examina outra questão interessante: se o universo
pode mudar sua geometria. Em particular, se pergunta se em alguma região remota do
espaço ou do tempo se poderia ter uma métrica do tipo


− 0 0 0
 0 − 0 0

gµν = 
 0 0 − 0
0
0
0
−
Sua resposta é negativa e o argumento é que, se tal região existe, ela deve estar separada por
uma superfície da região em que a assinatura da métrica é (+, −, −, −), de tal forma que,
para um lado da superfície de separação, tem-se
ds2 = c21 dt2 − dx2 − dy2 − dz2
enquanto que, do outro lado,
ds2 = −c22 dt2 − dx2 − dy2 − dz2
A transição, neste caso, só poderia ocorrer através de uma superfície na qual
ds2 = 0dt2 − dx2 − dy2 − dz2
Portanto, a velocidade (fundamental) c da luz seria nula, donde
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Francisco Caruso
“Nada poderia se mover na superfície de separação entre as duas regiões e nenhuma
influência pode passar de um lado para outro. A suposta ulterior região não está em
qualquer relação espaço-temporal com nosso universo – o que é um modo de certa forma
pedante de dizer que ela não existe” [21].
Hoje se sabe que nas teorias clássicas da Gravitação não pode haver alterações locais na
topologia do espaço-tempo sem que se considerem flutuações quânticas [23]. O caso de
um mundo hipotético de dimensões 2 + 2 é também brevemente discutido pelo autor. A
possibilidade de um universo no qual o tempo possa ser bidimensional é tratada ainda em
outro livro de Eddington publicado postumamente [24].
Em 1970, Dorling desenvolveu um argumento essencialmente cinemático e mostrou que
“a propriedade extrema [máxima] de geodésicas do tipo tempo em um espaço-tempo
ordinário é uma condição necessária para a existência de partículas estáveis. Esta
propriedade de máximo falharia se o tempo fosse multidimensional” [25].
Segundo este autor, para um tempo multidimensional o próton e o elétron não seriam
estáveis. Nem mesmo o fóton! Além disto, propõe que as objeções que se apresentam
para velocidades maiores do que a da luz e para um tempo multidimensional podem estar
relacionadas. Abre-se, assim, uma possibilidade de estudo dos tachyons em universos com
um número maior de coordenadas do tipo tempo. Isto porque a única diferença essencial
entre tempo e espaço (e entre as correspondentes geodésicas do tipo tempo ou do tipo
espaço) em uma Geometria de Minkowski é a diferença na dimensionalidade.
É também digno de nota o trabalho de Mirman [26], no qual ele defende a tese de que
a assinatura do espaço-tempo parece estar relacionada ao processo de medida e, se houver
mais de uma dimensão do tipo tempo, as dimensões extras não seriam observáveis. A
questão da medida me parece ser um ponto central em toda essa discussão sobre o número
de dimensões, seja do espaço, seja do tempo.
Qualquer processo de medida depende não só da definição de um observador como
também de algumas leis físicas. Frequentemente, o que é feito para se discutir o problema
da dimensionalidade do espaço é generalizar a forma funcional de uma equação diferencial
que descreve uma lei da Física em um espaço R3 (que – é sempre preciso lembrar – foi
estabelecida sem qualquer tipo de questionamento sobre a tridimensionalidade do espaço)
para um espaço Rn , mas mantendo-se a ordem da equação diferencial. Assim, quando se
discute a estabilidade planetária baseada na gravitação newtoniana em espaços de dimensões
arbitrárias o que se faz é generalizar a equação de Poisson do seguinte modo:
∇2(3) φ =
∂2 φ ∂2 φ ∂2 φ
∂2 φ ∂2 φ
∂2 φ
2
+
+
=
4πρ
⇒
∇
φ
=
+
+
·
·
·
+
= 4πρ
(
n
)
∂xn2
∂x12
∂x22
∂x32
∂x12
∂x22
A partir daí acha-se a solução geral de equação generalizada e, admitindo por hipótese (no
fundo justificada apenas por argumentos de natureza antrópica) que ela descreva igualmente
bem o mesmo fenômeno físico do caso n = 3, discute-se a estabilidade mecânica desta
[4]
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Nota Sobre a Dimensionalidade do Tempo
nova solução. As limitações epistemológicas deste método foram amplamente discutidas
em [1].
Neste ponto quero recordar alguns trabalhos do caro e saudoso amigo J.J. Giambiagi,
que com G. Bollini desenvolveu, em 1972, o famoso método de regularização dimensional
[27-28] admitindo que a dimensionalidade do espaço-tempo seja um número real dado por
ν = (3 + 1) − e. Bocha (como era conhecido entre os amigos) trabalhou com diferentes
colaboradores sobre o problema da dimensionalidade do espaço e do tempo de uma forma
muito aberta, sem qualquer tipo de preconceito [29-39]. Nestes trabalhos seminais de
1972, Bollini & Giambiagi mostraram, pela primeira vez (até onde sei), que uma pequena
flutuação imposta ad hoc à dimensionalidade do espaço-tempo está na base de um método
capaz de controlar divergências que surgem no cálculo de certas quantidades físicas em
teorias de campo de calibre. Portanto, mostraram que a dinâmica em uma teoria de campos
também pode depender crucialmente do número de dimensões do espaço-tempo. Nos
artigos seguintes, em linhas muito gerais, Giambiagi e colaboradores dão particular ênfase
ao estudo da equação de onda de d’Alembert generalizada e sua relação com o princípio de
Huygens. O que é importante para o escopo desta nota é chamar atenção para o fato de que
eles o fazem de uma maneira bem mais geral do que a generalização da equação de Poisson
anteriormente mencionada, com sofisticações crescentes a cada artigo, permitindo inclusive
novas potências para o operador d’alembertiano . O fato de que as propriedades das
equações de onda dependem fortemente das dimensões espaciais não é novo e já havia sido
notado por Ehrenfest [12], Poincaré [40] e Hadamard [41]. O argumento de que mundos
tridimensionais parecem ter uma combinação única e muito peculiar de propriedades
que garantam o processamento e propagação de sinais via fenômenos eletromagnéticos
pode ser encontrado em [42], mas não é demais frisar que ele é construído apoiado na
unidimensionalidade do tempo. Motivado por novos desenvolvimentos na Gravitação e em
Teorias Supersimétricas, Giambiagi busca se libertar deste “preconceito” e vai estudar em
vários dos artigos já citados aqui, do ponto de vista da Física Matemática, soluções para
diferentes dimensões de equações envolvendo os operadores , 1/2 , 2 , 3 , . . . α ,
para uma coordenada temporal, inicialmente [35], e depois em um espaço-tempo com
( p + q) dimensões [37, 39], onde
=
∂2
∂2
∂2
∂2
∂2
∂2
+
+
·
·
·
+
−
−
+
·
·
·
+
∂t2q
∂x2p
∂t21
∂t22
∂x12
∂x22
E as soluções analisadas são aquelas que dependem somente das variáveis
q
q
t = t21 + t22 + · · · + t2q , e r = x12 + x22 + · · · + x2p
No que se refere à natureza epistemológica de uma eventual demonstração de que
apenas a potência α = 1 do operador e um espaço-tempo quadridimensional garantiriam
a propagação de ondas eletromagnéticas sem problemas de perda de informação e sem
reverberações [42], é fácil perceber o quanto o vínculo assim obtido seria qualitativamente
diferente daquele já conhecido. Outras contribuições mais recentes neste campo da Física
Matemática podem ser encontradas em [43, 44].
[5]
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Francisco Caruso
Todos esses trabalhos oferecem uma gama substancial de resultados que merecem
ser analisados de um ponto de vista epistemológico e não apenas do ponto de vista
formal, segundo o qual a multiplicidade de dimensões espaciais é apenas uma possibilidade
matemática a ser explorada e investigada. Talvez este tipo de investigação sobre alguns
destes resultados possa lançar uma luz sobre o quanto nossa percepção e a adoção formal de
um tempo unidimensional, por um lado, e as leis físicas, por outro, estão imbricadas. Ou
talvez, como disse Weinstein, “[teorias com múltiplas dimensões espaciais] servem para
alargar nossas mentes no sentido do que pode ser fisicamente possível”.
Referências bibliográficas
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F. Caruso & R. Moreira, “On the physical problem of spatial dimensions: an alternative
procedure to stability arguments”, Fundamenta Scientiae 8, p. 73-91 (1987).
[2]
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force in D-dimensional Mikowski spacetime”, Physical Review D 43, n. 4, p. 1300-1306
(1991).
[3]
F. Caruso & R. Moreira, “Causa efficiens versus causa formalis: origens da discussão moderna
sobre a dimensionalidade do espaço”, Scientia (Unisinos) 4, n. 2, p. 43-64 (1994).
[4]
F. Caruso & R. Moreira, “Notas sobre o problema da dimensionalidade do espaço e da
extensão no primeiro texto do jovem Kant”, Scientia (Unisinos) 7, n. 2, p. 13-22 (1996).
[5]
F. Caruso & R. Moreira, “Space dimensionality: what can we learn from stellar spectra and
from the Mössbauer effect”, in: R.B. Scorzelli, I. Souza Azevedo & E. Baggio Saitovitch
(Eds.), Essays on Interdisciplinary Topics in Natural Sciences Memorabilia: Jacques A. Danon,
Gif-sur-Yvette/Singapore: Éditions Frontières, p. 73-84 (1997).
[6]
F. Caruso & R. Moreira, “Sull’influenza di Cartesio, Leibniz e Newton nel primo approccio
di Kant al problema dello spazio e della sua dimensionalità”, Epistemologia (Genova, Italia)
XXI, n. 2, p. 211-224 (1998).
[7]
F. Caruso, R. De Paola & N.F. Svaiter, “Zero point energy of massless scalar field in the
presence of soft and semihard boundary in D dimensions”, International Journal of Modern
Physics A 14, n. 13, p. 2077-2089 (1999).
[8]
F. Caruso, “A note on space dimensionality constraints relied on anthropic arguments:
Methane structure and the origin of life”, In M.S.D. Cattani; L.C.B. Crispino; M.O.C.
Gomes & A.F.S. Santoro (Eds.) Trends in Physics: Festschrift in homage to Prof. José Maria
Filardo Bassalo, São Paulo: Livraria da Física, p. 95-106 (2009).
[9]
F. Caruso & V. Oguri, “The Cosmic Microwave Background Spectrum and a Determination
of Fractal Space Dimensionality”, Astrophysical Journal 694, p. 151-153 (2009).
[10] F. Caruso & R. Moreira, “On Kant’s first insight into the problem of space dimensionality
and its physical foundations”, arXiv:0907.3531v1, submetido a Kant Studien (2010).
[6]
Diálogos Sobre o Tempo — Prova 2 — 30/11/2010 — Maluhy&Co. — página (local 7, global #33)
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Nota Sobre a Dimensionalidade do Tempo
[11] I. Kant, in J Handyside (ed.), Kant’s inaugural dissertation and the early writings on space,
Chicago: Open Court, 1929, reimpresso por Hyperion Press (1979).
[12] P. Ehrenfest, “In what way does it become manifest in the fundamental laws of physics that
space has three-dimensions?”, Koninklijke Nederlandsche Akademie van Wetenschappen
Proceedings 20, n. 1, p. 200-209 (1918), reimpresso em M.J. Klein (ed.), Paul Ehrenfest –
Collected Scientific Papers, Amsterdam: North-Holland Publ. Co. (1959), p. 400-409. Uma
cópia completa digitalizada está disponível em
http://adsabs.harvard.edu/abs/1918KNAB...20..200E (acessado em 17 de outubro de 2010).
Veja também, do mesmo autor, “Welche Rolle spielt die Dreidimensionalität des Raumes in
den Grundgesetzen der Physik?”, Annalen der Physik 61, p. 440-446 (1920).
[13] F.R. Tangherlini, “Schwarzschild field in n dimensions and the dimensionality of space
problem”, Nuovo Cimento 27, p. 636-651 (1963).
[14] F. Caruso, V. Oguri & L. Perlingeiro, “The relativistic hydrogen atom and the
dimensionality of space”, em fase de conclusão.
[15] B. Müller & A. Schäfer, “Improved bounds on the dimension of space-time”, Physical
Review Letters 56, n. 12, p. 1215-1218 (1986).
[16] Santo Agostinho, Confissões, Livro XI.
[17] Ibid.
[18] M. Jammer, Conceitos de Espaço: A história das teorias do espaço na física. Rio de Janeiro:
Contraponto e Ed. PUC Rio (2010).
[19] C.H. Hinton, What is the fourth dimension?, London: Allen und Unwin (1887). Veja também
Speculations on the Fourth Dimension: Selected Writings of Charles. H. Hinton, New York:
Dover (1980).
[20] G.J. Whitrow, The Natural Philosophy of Time. Oxford: University Press, second edition
(1980).
[21] A.S. Eddington, The Mathematical Theory of Relativity. Cambridge: University Press (1923),
p. 25.
[22] H. Weyl, “Gravitation und Elektrizität”, Sitzungsberichte der Königlich Preußischen Akademie
der Wissenschaften zu Berlin, p. 465-480 (1918). “Eine neue Erweiterung der
Relativitätstheorie”, Annalen der Physik 59, p. 101-133 (1919). Veja também seu Space,
Time, Matter. New York : Dover (1952), p. 282-825.
[23] Veja, por exemplo, J. Martin, N. Pinto-Neto & I. Damião Soares, “Green functions for
topology change”, Journal of High Energy Physics 3, p. 060 (2005) e referências lá citadas.
[24] A.S. Eddington, Fundamental Theory. Cambridge: University Press (1946), p. 126.
[25] J. Darling, “The dimensionality of time”, American Journal of Physics 38, p. 539-540 (1970).
[26] R. Mirman, “Comments on the dimensionality of time”, Foundations of Physics 3, p. 321-333
(1973).
[7]
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Francisco Caruso
[27] C.G. Bollini & J.J. Giambiagi, “Dimensional Regularization: The Number of Dimensions as
a Regularizing Parameter”, Nuovo Cimento B 12, p. 20-26 (1972).
[28] C.G. Bollini & J.J. Giambiagi, “Lowest order ‘divergent’ graphs in ν-dimensional space”,
Physics Letters B 40, n. 5, p. 566-568 (1972).
[29] C.G. Bollini & J.J. Giambiagi, “Supersymmetric Klein-Gordon equation in d-dimensions”,
Physical Review D 32, n. 12, p. 3316-3318 (1985).
[30] C.G. Bollini & J.J. Giambiagi, “Lagrangian Procedures for Higher order field equation”,
Revista Brasileira de Física 17, n. 1, p. 14-30 (1987).
[31] C.G. Bollini & J.J. Giambiagi, “Higher order equations of Motion”, Revista Mexicana de
Física 36, n. 1, p. 23-29 (1990).
[32] C.G. Bollini & J.J. Giambiagi, “Huyghens’ Principle in Dimensions for Nonlocal
Pseudodifferential Operator of the Type α ”, Nuovo Cimento A 104, n. 12, p. 1841-1844
(1991).
[33] C.G. Bollini, J.J. Giambiagi & O. Obregón, “Are some physical theories related with a
specific number of dimensions?”, in A. Feinstein & J. Ibáñez (Eds.), Recent Developments in
Gravitation (Proceedings of Spanish Conference on Gravitation), Singapore: World Scientific
(1992), p. 103.
[34] C.G. Bollini & J.J. Giambiagi, “Criteria to Fix the Dimensionality Corresponding to Some
Higher Derivative Lagrangians”, Modern Physics Letters A7, n. 7, p. 593-599 (1992).
[35] C.G. Bollini & J.J. Giambiagi, “Arbitrary Powers of d’Alembertians and the Huygens’
Principle”, Journal of Mathematical Physics 34, n. 2, p. 610-621 (1993).
[36] J.J. Giambiagi, “Relations Among Solutions for Wave and Klein-Gordon Equations for
Different Dimensions”, Nuovo Cimento B 109, n. 6, p. 635-644 (1994).
[37] W. Bietenholz & J.J. Giambiagi, “Solutions of the Spherically Symmetric Wave Equation in
(p+q) dimensions”, Journal of Mathematical Physics 36, n. 1, p. 383-397 (1995).
[38] C.G. Bollini, J.J. Giambiagi, J. Benitez & O. Obregón, “Which is the Dimension of Space if
Huygens’ Principle and Newtonian Potential are Simultaneously Satisfied?”, Revista
Mexicana de Física 39, suplemento n. 1, p. S1-S6 (1993).
[39] J.J. Giambiagi, “Wave Equations with multiple times: Classical and Quantum Solutions”,
CBPF-NF-055 (1995).
[40] H. Poincaré, Dernières Pensées. Paris: Flammarion (1917).
[41] J. Hadamard, Lectures on Cauchy’s problem in linear partial differential equations. New Haven:
Yale University Press (1923).
[42] J.D. Barrow, “Dimensionality”, Philosophical Transactions of the Royal Society of London A 310,
p. 337-346 (1983).
[43] W. Craig & S. Weinstein, “On determinism and well-posedness in multiple time
dimensions”, arXiv:0812.0210v3 (2009). Proceedings of the Royal Society A (online;
forthcoming in print).
[44] S. Weinstein, “Multiple time dimensions”, arXiv:0812.3869v1 (2008).
[8]
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A Medida do Tempo e sua Evolução
Orlando Moura¹
[email protected]
“O tempo é a variável independente nas Leis da Mecânica”
sta é a melhor definição que pode ser dada para o Tempo e, ainda assim, não define
a ideia completamente de Tempo. Como devemos escrever as Leis da Mecânica?
Elas não são formuladas de acordo com uma experiência que já pressupõe o Tempo? Estas
inter-relações do conhecimento, a rede de postulados e observações encontradas aqui,
exigem para que haja uma razoável compreensão, e devido a sua própria natureza, uma
separação entre tipos de Tempo.
Nosso entendimento imediato do Tempo está ligado ao tempo conceitual através de uma
escolha de unidades de tempo natural e por processos bem selecionados que nos permite
subdividir essas unidades. As mais importantes entre as unidades de tempo natural são o
ano e o dia. Embora o seu significado raramente seja contestado, na prática, pelo julgamento
de uma pessoa comum, essas simples unidades, no entanto, revelam-se problemáticas para
os cientistas. A breve exposição desses problemas irá mostrar exatamente em que sentido
eles são “colocados”.
Também mostramos uma diferença interessante entre a unidade de distância e unidade
de tempo: as experiências enquanto nos fornecem inúmeros padrões para distâncias,
facilmente reproduzíveis e constantemente confiáveis, os padrões naturais para o tempo são
em número reduzido e de difícil comprovação.
E
1. Físico, Professor Aposentado da Universidade Federal do Pará e Membro da Academia Paraense de Ciências.
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Orlando Moura
1
O Planeta Terra
A Terra é um planeta; um corpo celeste que gira em torno de uma estrela central. É um
dos nove planetas conhecidos que giram em torno de sua estrela, chamada sol, junto com
uma multidão de pequenos objetos. O sistema como um todo é
conhecido como o sistema solar.
Entre os planetas, a Terra é o terceiro na ordem crescente de
distância ao sol, cerca de 149.600.000 quilômetros em média,
que é utilizada como uma unidade de medida pelos astrônomos
conhecida como a unidade astronômica. Como todos os objetos
celestes, a Terra tem um campo gravitacional, e como a maioria
dos outros planetas também exibe um campo magnético.
A Terra é acompanhada por uma companheira em órbita, a
Fig. 1 O Planeta Terra
Lua, que é menor do que ela, mas é grande o suficiente para
que muitos astrônomos considerem a Terra e a Lua como um sistema de planeta duplo.
O diâmetro da Terra no equador é de cerca de 12800 quilômetros; Isto faz com que
seja colocada em quinto lugar em ordem de tamanho entre os planetas. É o maior dos
planetas interiores.
2
Os movimentos da Terra
O planeta Terra apresenta uma série de movimentos diferentes. Os mais conhecidos destes
são: a sua rotação, ou giro em torno de um eixo, e sua revolução, ou a passagem ao redor
do Sol. O tempo que a Terra leva para girar uma vez em seu eixo é chamado um dia, e o
tempo que leva para completar uma órbita em volta do Sol é chamado um ano.
A órbita terrestre, em um plano chamado a eclíptica, é uma elipse quase circular, de
pouca excentricidade, com o Sol situado em um dos focos. A Terra está mais próxima do
Sol (periélio) em 3 de janeiro e mais distante (afélio) em 4 de julho. A velocidade orbital
média é 30 km/s. A velocidade orbital é maior no periélio e menor no afélio. O eixo de
rotação intercepta a superfície da Terra, no polo norte e polo sul. O grande círculo de 90
graus nos polos é o equador. Ela intercepta a eclíptica num ângulo de 23,5 graus, em pontos
chamados de equinócio vernal e equinócio outonal. O Sol aparentemente passa por esses
pontos no intervalo de um dia de 20 de março e 23 de setembro, respectivamente. O Sol
está mais ao norte no dia 21 de junho e mais a sul no dia 22 de dezembro, no hemisfério
norte; esses eventos são os chamados Solstícios de Verão e de Inverno, respectivamente.
Por causa de sua rotação, a Terra tem um achatamento nos polos norte e sul. Assim, ao
longo do equador as atrações gravitacionais do Sol e da Lua atuam mais fortemente. A
Terra, como resultado, se move como um pião. O eixo de rotação mantém uma inclinação
praticamente constante em relação à eclíptica, mas descreve um cone no espaço em um
período de cerca de 25.800 anos. Este movimento é conhecido como a precessão dos
equinócios. Sobrepondo-se a este movimento existem pequenos efeitos periódicos (causados
pela atração da Lua) chamado Nutação. O efeito mais relevante tem amplitude de 9
segundos de arco (0,0025 graus) e um período de 18,6 anos.
[ 10 ]
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A Medida do Tempo e sua Evolução
Precessão e Nutação são movimentos do eixo de rotação no espaço. A própria Terra
se move (além da rotação pura) com relação ao eixo de rotação devido a uma distribuição
desigual de massa sobre o eixo. Este movimento, chamado movimento polar, tem duas
componentes, com períodos de 12 e 14,2 meses.
A Terra, juntamente com o Sol e do resto do sistema solar, move-se a 19 km/s com
relação às estrelas vizinhas. Ele também participa do movimento do Sol como um membro
da nossa galáxia. O Sol gira em torno do centro da galáxia a uma velocidade de cerca de
250 km/s.
O Tempo sideral, ou estelar, é um sistema de contagem de tempo baseado na rotação
da Terra em relação à esfera celeste, a imaginária esfera dos céus que nos cercam. Como
a Terra gira, um dia sideral é o tempo que leva uma estrela para passar acima de um
determinado ponto de observação. O tempo sideral é usado em Astronomia. O dia sideral
é aproximadamente quatro minutos mais curto do que o dia solar. Mais precisamente, um
dia solar médio é igual a 1,0027379093 dias siderais.
Grosseiramente falando, o ano é o período de revolução da Terra em torno do Sol.
Mas a sua duração depende do evento que é escolhido como referência para o período em
questão. Esses eventos são mal definidos em um universo onde todos os corpos se movem.
Assim, quando especificamos o ano como sendo o intervalo entre uma passagem aparente
do Sol através de um ponto no céu, fixado com relação às estrelas, e outra passagem similar,
o chamamos de ano sideral. Seu tamanho é de 365 dias 6 horas 9 minutos 9 segundos. Os
dias, horas, minutos e segundos aqui estão em unidades solares (definidas abaixo).
O chamado ano tropical, por sua vez, é o intervalo entre dois sucessivos equinócios
vernais, que é igual a 365 dias 5 horas 48 minutos 46 segundos. É a unidade importante
em nossa vida diária, porque se mantém em contínua sintonia com as estações do ano.
A diferença entre o ano tropical e o ano sideral foi descoberta, para glória eterna da
ciência grega, por Hiparco em 130 AC. Se o período da revolução de Terra for medido
a partir do momento em que a Terra está mais próxima do Sol (periélio), e o momento
análogo seguinte, o intervalo assim obtido é o ano Anomalístico, e seu comprimento é 365
dias 6 horas 13 minutos 48 segundos.
Finalmente, o tempo decorrido entre nodos lunares é chamado o ano nodal e tem
a duração de 346 dias 7 horas 53 minutos. Apesar de muito diferente dos outros, é o
valor usado como base para a previsão de eclipses solares e lunares. Seria ingênuo mesmo
perguntar: Qual é o ano verdadeiro?
3
A percepção da mudança e o conceito de tempo
A percepção do tempo, ou conceito de tempo tem recebido grande atenção na literatura
e filosofia. A experiência do tempo varia entre os indivíduos e, devido à sua natureza
subjetiva, pode parecer incompatível, mesmo para um indivíduo comum. Em trabalhos
científicos, uma medida numérica é usada para ordenar as observações dos eventos. Se
o “agora” é atribuído o valor numérico zero, então é usual atribuir valores negativos aos
tempos passados (ontem) e valores positivos aos tempos futuros (amanhã). Posteriormente,
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Orlando Moura
para obter uma escala de tempo, devemos utilizar algum fenômeno periódico que ocorra a
uma velocidade uniforme e que possa ser subdividido.
3.1 O moderno conceito de tempo
Antes do século XX, foi admitida como se fosse autoevidente que uma única e universal
escala de tempo uniforme deveria existir. Para dois eventos amplamente separados no
espaço, não há dificuldade em definir o significado do conceito de simultaneidade – ou seja,
se a um observador dos acontecimentos esses pareciam ocorrer simultaneamente, então
todos os outros observadores concordariam que os eventos foram realmente simultâneos.
Albert Einstein (1879-1955), no entanto, no início do século XX, concluiu que, devido à
constância universal da velocidade da luz, a medida do tempo dependia do movimento do
observador.
Considere os eventos A e B separados no espaço, que parecem simultâneos a um
observador, e a outro observador, então, para quem está em movimento em relação ao
primeiro, o evento A pode ocorrer antes ou depois do B, dependendo da direção do
movimento relativo entre os dois observadores. Assim, na visão moderna do tempo, ele
já não é absoluto, mas dependente do movimento relativo dos observadores que fazem
as medições do tempo. Segundo a Teoria da Relatividade, o tempo é apenas um aspecto
de uma forma mais geral do espaço tetradimensional (continuum espaço-tempo), que é a
arena na qual os eventos ocorrem no universo. O tempo e o espaço são diferentes aspectos
deste continuum de quatro dimensões subjacentes.
3.2 As escalas de tempo
Inicialmente, a rotação da Terra (ou a localização aparente do Sol no céu) foi usada para
estabelecer uma escala de tempo uniforme. Para especificar uma data, utilizando o movimento aparente do Sol como uma escala de tempo, os dias devem ser contados a partir de
uma data de referência (Calendário). Além disso, um relógio é usado para medir frações do
dia. O tempo deriva da posição aparente do Sol no céu que é chamado tempo solar aparente.
Devido à excentricidade da órbita da Terra em torno do Sol e a inclinação do eixo de rotação
da Terra em relação ao plano orbital, o tempo solar aparente, não é uma escala de tempo
uniforme. Esses efeitos podem, entretanto, ser calculados e, assim, aplicadas as necessárias
correções para obter uma escala de tempo mais uniforme chamado tempo solar médio.
O tempo universal (UT0) é equivalente ao tempo solar médio no meridiano de
Greenwich (“Greenwich Mean Time” ou GMT). As observações do movimento aparente
de uma estrela distante podem ser usadas para obter outra escala de tempo na astronomia,
o chamado tempo sideral.
Os desvios adicionais na uniformidade de UT0 podem ser atribuídos a pequenos efeitos,
como o eixo polar errante da Terra e outras flutuações periódicas na rotação da Terra.
Assim, levando em consideração esses efeitos, temos as escalas de tempo, mais uniformes
(UT1 e UT2).
O tempo das efemérides é determinado pelo movimento orbital da Terra em volta do
Sol e não é afetado por flutuações na rotação da Terra. As observações astronômicas podem
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A Medida do Tempo e sua Evolução
ser usadas para determinar o tempo das efemérides, com uma precisão de apenas 0,05
segundo, em média, durante um período de nove anos.
Definindo o segundo
O avanço da precisão de medição do tempo resultou na adoção de novas e mais precisas
definições do segundo. Antes de 1956, um segundo foi definido como sendo a fração de
1/86400 do dia solar médio. De 1956 a 1967, deu-se a segunda efemérides, definida como
a fração 1/31556925,9747 do ano tropical em 00 hora 00 minuto 00 segundo do dia 31 de
dezembro de 1899. O segundo é, atualmente, definido como a duração de 9.192.631.770
períodos da radiação correspondente à transição entre os dois níveis hiperfinos do estado
fundamental do átomo de Césio-133. O segundo também corresponde, aproximadamente,
ao tempo dos batimentos cardíacos de uma pessoa saudável.
Definindo o dia
Um dia é um período de 24 horas. A duração da hora é determinada pela duração do dia e
a duração do dia é definida em termos astronômicos. Ou seja, o intervalo de tempo a partir
de quando o Sol (ou outra estrela escolhida) passa por um ponto no céu, sucessivamente e
diretamente acima de nossas cabeças, ou a pino, é definido como dia solar ou dia sideral,
respectivamente. Por causa do movimento orbital da Terra, o Sol parece mover-se para o
leste quase 1 grau (ou mais precisamente 0,986 graus) a cada dia, em média, com relação às
estrelas. Isto significa que o dia solar médio aparente é maior 3 minutos 56 segundos do
que o dia sideral.
Os dias solares aparentes não são de comprimento igual na Terra, no entanto, devido à
inclinação do eixo da Terra e à aceleração variável de sua órbita. Dois dias solares aparentes
e sucessivos podem variar em até 30 segundos. Por essa razão, quando os relógios passaram
a ter uso geral, o tempo médio solar foi introduzido para fins civis. Um dia solar médio
tem a duração média de todos os dias solares aparentes que compõem um ano. A diferença
entre tempo aparente e o tempo solar médio, é conhecida como a Equação do Tempo, ela
atinge um valor máximo (16 minutos e 48 segundos) no dia 1 de Novembro.
As observações astronômicas precisas indicam variações no comprimento do dia sideral
e do dia solar médio. Estas variações foram encontradas por comparação entre o tempo de
rotação com algum outro tipo de tempo. As comparações com as observações de antigos
eclipses com as mais recentes observações telescópicas do movimento orbital da Lua têm
indicado uma contínua diminuição na taxa de rotação da Terra, devido às marés. A duração
de um dia solar médio, medida pelo moderno relógio atômico de Césio, aumenta cerca de
0,0015 segundos a cada século. As observações também indicaram um aumento irregular
ou diminuição da velocidade de rotação da Terra em intervalos de vários anos. Os relógios
controlados a cristal de Quartzo indicaram variações anuais de até 0,03 segundos devido a
mudanças sazonais de ventos e marés.
Em 1955, o relógio atômico de Césio foi aperfeiçoado. Ele superou todas as medidas por comparação anteriores que visavam determinar as variações na velocidade de
rotação da Terra.
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Orlando Moura
Definindo a semana
Os babilônios usaram um intervalo, não astronômico, de sete dias para a semana, que
foi adotado, mais tarde, pelos judeus. Ao sétimo dia, o Sábado, foi dado um significado
religioso. Independentemente disso, os romanos associaram um ciclo de sete dias com o
Sol, a Lua e os cinco planetas conhecidos. Seus nomes se tornaram os dias da semana: O
Domingo (dies solis, “dia do Sol”), a Segunda-feira (dies Lunae, “dia da Lua”), e o Sábado
(dies Saturni, “dia de Saturno”) mantêm os seus nomes derivados diretamente da cultura
romana, a Terça-feira (“dia de Tiw”), a Quarta-feira (“dia de Woden”), a Quinta-feira (“dia
de Thor”), e a Sexta-feira (“dia de Frigga”) são derivados dos equivalentes germânicos para
os planetas Marte, Mercúrio, Júpiter, e Vênus, respectivamente.
Definindo os meses
Em todas as línguas da Europa ocidental, os nomes dos meses conservam a sua origem
romana. Os nomes: Janeiro, devido a Janus, o deus do início e do fim; Fevereiro derivado
de Februalia, um momento de culto religioso; Março, para Marte, o deus da guerra; Abril,
de “aperire”, em Latim para “aberto” (como, as flores da primavera); Maio, para Maia, a
deusa do crescimento das plantas; Junho, a partir de “juvenis”, a Juventude; Julho, devido a
Júlio César; Agosto, em homenagem a Augusto, primeiro imperador romano; Setembro, a
partir de “septem”, o sétimo mês; Outubro, novembro e dezembro, de “octo”, “novem”, e
“decem”, oito, nove e dez (O mais antigo calendário latino tinha apenas 10 meses).
Definindo o ano
Um ano é uma divisão de tempo definido basicamente pelo período de revolução da Terra
ao redor do Sol. Foram definidos vários tipos de anos de calendário astronômico. O ano
astronômico de maior importância é o ano tropical porque é o intervalo de tempo entre
ocorrências sucessivas do equinócio da primavera. Seu comprimento é de 365,2422 dias
solares médios, ou ano civil. O ano sideral, determinado pela posição da Terra com relação
às estrelas, é 365,25636 dias solares médios. É maior do que o ano tropical porque não está
sujeito aos efeitos de encurtamento devido à precessão da Terra.
O calendário gregoriano solar contém 365 dias num ano comum e 366 em um ano
bissexto, a média é de 365,2425. As tentativas de estabelecer uma regra para o ano bissexto
que seja melhor do que aquela aplicada ao calendário gregoriano é de pouco valor por causa
das incertezas das variações na velocidade de rotação da Terra.
O número de dias do ano em um calendário religioso pode variar bastante. O calendário
judaico lunar-solar tem 353 a 355 em um ano comum e 383 a 385 em um ano bissexto
em um ciclo de 19 anos. O calendário lunar muçulmano, que não têm os anos bissextos,
tem ou 354 ou 355 dias em um ano. Assim, temos 33,5 anos do calendário muçulmano
equivalente a 32,5 anos do calendário gregoriano.
Nos calendários antigos, os anos eram numerados de acordo com o reinado de um
governante. No ano 525, um monge chamado Dionísio Exiguus sugeriu que ano fosse
contado a partir do nascimento de Cristo, o qual foi designado 1 AD (“Anno Domini”, o
ano do Senhor). Esta proposta passou a ser adotada em toda a cristandade durante 500 anos.
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A Medida do Tempo e sua Evolução
O ano antes de 1 AD é designado 1 AC (antes de Cristo). A cronologia moderna, porém,
afirma que Cristo nasceu, de fato, em 4 AC.
3.3 O calendário
Um calendário é um sistema, definido por regras, para designar o ano, e dividi-lo em
unidades menores, os dias, e atribuir a essas unidades, também, a determinação das
datas dos feriados civis e religiosos. Os fundamentos do sistema de calendário podem ter
sido desenvolvidos já em 2000 AC, quando eram utilizados os alinhamentos de pedra,
acredita-se, para determinar a duração do ano solar, marcando a evolução do Sol ao longo
do horizonte.
A sociedade internacional moderna exige que o mesmo calendário civil deva ser usado
em todo o mundo. O calendário civil utilizado é o calendário gregoriano, que foi introduzido
em 1582. A duração média de um ano gregoriano é próximo ao do ano solar, ou ano
tropical, de 365,2422 dias solares médios, de modo que as estações do ano começam
aproximadamente na mesma data a cada ano. O calendário gregoriano, que é derivado de
calendários antigos, é um calendário determinado, ou seja, ele é definido exclusivamente
por regras numéricas e pode ser calculado para qualquer ano. Isso não era verdadeiro, em
geral para calendários antigos, que dependiam de regras de observação.
Os calendários antigos
Os primeiros calendários completos eram provavelmente baseados em observações lunares.
As fases da Lua ocorrem durante um intervalo facilmente observado no mês, assim as
autoridades religiosas admitiam o começo de um mês após a primeira a Lua nova. Durante
o tempo nublado, quando era impossível ver a Lua, o início do mês era determinado pelo
cálculo. O intervalo de Lua nova é o chamado mês sinódico, que tem 29,53 Dias. Assim, os
meses do calendário continham ou 29 ou 30 Dias. Doze meses lunares, que somam 354,36
dias, forma um ano lunar, que é quase 11 dias mais curto que um ano tropical.
Um ano lunar não é adequado para fins agrícolas. Para se manter em sintonia com o Sol,
foi concebido o calendário lunar-solar fazendo-se a adição do salto de um mês, quando
a observação tornou isso necessário. Centenas de tais calendários, com variações, foram
propostos por diversas vezes em diferentes áreas como a Mesopotâmia, Grécia, Roma,
Índia e China. O mês nem sempre foi baseado nas fases da lua, o calendário maia dividiu o
ano em 18 meses de 20 dias, com um acréscimo de um período de 5 dias no final.
O calendário gregoriano
Na regra do ano bissexto do calendário Juliano, há três anos bissextos a mais em cada
período de 385 anos. Como resultado, a ocorrência dos equinócios e solstícios afastou-se
de suas datas atribuídas. Como a data do equinócio da primavera determina a Páscoa,
a Igreja ficou preocupada, e o Papa Gregório XIII (1502-1585), com a ajuda de um
astrônomo, Christopher Clavius (1537-1612), introduziu o que agora é chamado de
calendário gregoriano. A Quinta-feira, 4 de outubro de 1582 (calendário juliano), foi
seguida por Sexta-feira, 15 de outubro de 1582 (calendário gregoriano). Os anos bissextos
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passaram a ocorrer nos Anos exatamente divisíveis por quatro, salvo os anos que terminam
em 00, que devem ser divisíveis por 400 para que também sejam anos bissextos. Assim,
1600, 1984 e 2000 são anos bissextos, mas 1800 e 1900 não são.
O calendário gregoriano civil é um calendário solar, calculado sem referência à Lua. No
entanto, o calendário gregoriano também inclui regras para determinar a data da Páscoa
e outros feriados religiosos, que são baseados em ambos o Sol e a Lua. O calendário
gregoriano foi rapidamente adotado pelos países católicos e, eventualmente, por todos os
países ocidentais e ainda, o Japão, o Egito e a China.
4
Invariância da reversão do tempo
Um movimento em que os acontecimentos aparecem na ordem inversa é conhecido como
tendo o tempo reverso em relação ao acontecimento original. Se algum movimento é
possível de acordo com Leis da Física conhecidas, então o movimento em tempo reverso é
quase sempre possível. Esta possibilidade é verdadeira para os movimentos causados por
forças gravitacionais e eletromagnéticas, e é dito que essas leis apresentam invariância de
reversão temporal ou têm a reversão no tempo como uma simetria básica. Por exemplo, seria
incomum observar um processo real em que um ovo quebrado no chão, recolhe-se e voa
para cima intacto como um todo para a mão de uma pessoa, como em um filme correndo
para trás. No entanto, de acordo com as Leis da Física tal processo não é impossível,
embora seja muito improvável esperar que ele realmente aconteça. Filmes dos processos
mais simples, entretanto, como um pião ou um sino vibrando, parecem quase normais
quando correm para trás.
As leis básicas que regem a maioria dos processos naturais elementares são invariantes
sob reversão temporal, no entanto, a maioria dos processos naturais em si não parecem ser
simétricos com relação à reversão do tempo. Este resultado é devido à complexidade dos
sistemas macroscópicos com muitas partículas. Por exemplo, considere um vaso dividido
em duas partes por uma divisória estanque, uma parte contendo ar e a outra está vazia. Se a
partição é removida, o ar se expandirá até que ambas as partes do vaso estejam repletas. Para
obter o movimento em tempo reverso em que todo o ar flua para um dos compartimentos
do reservatório, as velocidades de todas as moléculas teriam de ser revertidas, uma tarefa
certamente impossível. A complexidade deste sistema resulta em uma probabilidade
muito pequena de que o movimento em tempo reverso possa ocorrer. Sistemas complexos
geralmente se desenvolvem no tempo em direção a um estado mais provável, este aumento
na probabilidade está relacionado ao aumento da entropia do sistema.
No nível subatômico há forças adicionais a serem considerados em relação à invariância
da reversão do tempo – a força nuclear forte responsável pela ligação dos núcleos atômicos
e da força fraca responsável pelo decaimento radioativo de partículas como o nêutron. O
decaimento de nêutron dá-se em um próton, um elétron e um antineutrino. O movimento
que é o tempo reverso em relação ao decaimento de nêutrons é representado por uma
fórmula em que um antineutrino, um elétron e um próton se juntam para formar um
nêutron. Para que haja o tempo de reação reversa, ele deve corresponder ao decaimento
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Diálogos Sobre o Tempo — Prova 2 — 30/11/2010 — Maluhy&Co. — página (local 17, global #43)
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A Medida do Tempo e sua Evolução
original, e as energias iniciais das partículas devem ser as mesmas energias finais das
partículas, bem como as velocidades e rotações das partículas devem estar em sentidos
reversos. Este processo é possível, embora improvável.
As experiências com partículas elementares sobre a invariância da reversão temporal têm
sido realizadas observando os processos em que as partículas elementares são produzidas,
na interação e no decaimento. A invariância da reversão temporal parece ser uma simetria
válida para todos os processos, exceto no caso do decaimento fraco de mésons K (kaons).
5
Primórdios do relógio
Acredita-se que o homem começou a medir o tempo
há cerca de 5000 anos; provavelmente utilizando um
bastão fincado no solo, ou mesmo um tronco de árvore,
iluminado pela luz do Sol, projetando suas sombras
no solo, permitindo constatar que o movimento dessas
sombras estava relacionado ao transcorrer do tempo,
tendo sido esse o primeiro instrumento de medida do
tempo de que o homem lançou mão.
Fig. 2 Relógio primitivo de pedras e
troncos de árvores
5.1 O Sol
O tempo foi, pela primeira vez, medido com o auxílio do Sol. Os “instrumentos” fundamentais eram, de fato, o olho e o cérebro humano. A observação do percurso do Sol pela
abóbada celeste proporcionou ao homem a noção do tempo em relação ao espaço, estando,
portanto a Arte da Relojoaria diretamente ligada ao estudo da Mecânica Celeste, com os
seus fenômenos naturais; repetindo-se em ciclos mais ou menos constantes.
5.2 O Gnômon
De acordo com os estudiosos da História Antiga, os primeiros relógios construídos e usados
pelo homem foram os Gnômons.
O Gnômon consistia de um obelisco que, iluminado pelo Sol ou pela Lua, projetava sua sombra,
que se movia com o passar das horas e entre o seu
ponto inicial e seu ponto final havia um espaço que
podia ser fracionado e, assim, criando a primeira
divisão do tempo.
5.3 O relógio solar
Embora saibamos que o relógio solar foi utilizado
Fig. 3 Relógio solar
em épocas bem remotas, a História registra o seu
aparecimento na Judeia, por volta de 600 AC. No Egito, o relógio solar passou a ser
conhecido em 400 AC.
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Orlando Moura
5.4 O Quadrante Solar
Com o aperfeiçoamento do relógio solar, chegamos ao quadrante solar, inventado por
Anaximandro de Mileto (610 – 555) em 380 AC, constituído geralmente de uma placa
com um marco em uma lateral que, iluminado pelo Sol, projeta sua sombra sobre o
quadrante convenientemente dividido; com esse relógio tornou-se possível, então, a medição
relativamente precisa do tempo, porém a contagem de pequenas frações era praticamente
impossível.
Os relógios usados pelos babilônios e pelos egípcios foram os relógios solares ou relógios
de sombra, que funcionavam à luz do dia. Os egípcios usavam o relógio de água ou
Clepsidra, para medir o tempo durante a noite.
5.5 A Clepsidra
A necessidade de possuir um meio de medir o tempo em intervalos menores e independente
das condições atmosféricas, o que o sol não permitia, levou o homem a idealizar a Clepsidra,
também chamado de relógio d’água, sendo considerado seu inventor, Platão (427 – 347),
discípulo de Sócrates (469 – 399).
A palavra “clepsidra” vem do grego κλεψύδρα (klepsydra), retomado no Latim clepsydra. Sua formação vem de duas palavras gregas, κλέπτειν (kleptein), “ocultar, roubar”, e
ŭδωρ, ŭδατoς (hydôr, hydatos), “água”.
Nas clepsidras de recipientes cilíndricos ou em forma
de paralelepípedo, com o passar do tempo, à medida que
o nível caía, a pressão também se reduzia, reduzindo a
vazão da água, prejudicando a linearidade da medição. Os
antigos egípcios graduaram os recipientes fonte e receptor
para compensar essas diferenças e também implementaram
os recipientes em forma de cones, visando a atenuar os
problemas da pressão. Ainda assim, uma precisão muito
melhor não era obtida.
Fig. 4 Clepsidra de Amenófis III
Na Grécia antiga a precisão da Clepsidra foi bastante
melhorada por volta de 270 AC. Para que a variação de
nível no recipiente fonte, o superior, não causasse variação na vazão de saída, o inventor
grego Ctésibios (285 – 247) desenvolveu um sistema que mantinha o nível constante pelo
método de vasos comunicantes com um dreno superior. Sua precisão era da ordem de 5 a
10 minutos.
Muitos tipos de Clepsidras se basearam nesta primeira ideia. Ctésibios de Alexandria
(285 – 247) fez uma Clepsidra em que uma figura flutuando na superfície da água apontava
para uma escala de tempo. Em outro tipo, gotas de água giravam uma roda que estava
conectada aos ponteiros de um mostrador semelhante a um relógio moderno. Antes
do século III a Clepsidra era usada pelos gregos para indicar os intervalos de tempo,
especialmente na Corte, e mais tarde ela passou a funcionar como um relógio. As Clepsidras
foram usadas mais tarde em Roma, no Mundo Árabe e na China.
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A Medida do Tempo e sua Evolução
Há informações acerca de dispositivos que podem ser considerados como clepsidras
desde 2679 AC., na China. Em 721, o astrônomo Y. Hang inventou uma clepsidra sofisticada que indicava os movimentos dos planetas.
No ano 1088, o engenheiro chinês Su Song (1020
– 1101) projetou e construiu uma clepsidra com
mais de 10 metros de altura, em Kaifeng.
A Clepsidra é um relógio de água, que seguramente já era conhecido por volta de 1600 AC,
no Egito. O mais antigo tipo de clepsidra foi
descoberto em Karnak em 1904. O medidor de
tempo é da era de Amenófis III (1402 – 1364),
aproximadamente de 1400 AC. e está exposta no
Museu Egípcio do Cairo. Tratava-se de um único
recipiente com um orifício na base, pelo qual saía
a água. A medição dos intervalos de tempo era
feita por marcas nas paredes do recipiente. Estas
marcas eram espaçadas igualmente para indicar os
períodos de tempo fixo.
Este foi o primeiro relógio criado pelo homem,
de maneira a lhe permitir a medição do tempo a Fig. 5 A Clepsidra de rodas dentadas de
Ctésibio
qualquer hora do dia ou da noite, sem depender da
luz dos astros. A contagem do tempo, nestes relógios, também era relativa uma vez que
estava diretamente condicionada à influência de diversos fatores, como: pressão atmosférica,
temperatura, limpidez da água empregada etc. A Clepsidra foi muito difundida, sofrendo
sua construção muitos aperfeiçoamentos, sendo que, na sua fase mais avançada foi conjugada
a um sistema de engrenagens.
5.6 As rodas dentadas
A História dá a primazia da construção das rodas dentadas a Arquimedes de Siracusa (287
– 212) em 250 AC. A marcação do tempo, na Clepsidra de rodas dentadas, apresentadas
pela primeira vez por Ctésibios de Alexandria, em 100 AC, era feita por intermédio de
uma boia, que, acompanhando a subida do nível da água no recipiente, elevava consigo
uma barra dentada; esta, por sua vez, movia uma engrenagem em cujo eixo situava-se o
ponteiro indicador; é curioso notar-se que o mostrador desse relógio já possuía uma grande
semelhança com os mostradores atuais.
Conforme o projeto desenvolvido por Ctésibios (285 – 247), são utilizados três
reservatórios (A, B, C). O reservatório A contém uma maior quantidade de água e seu
objetivo é alimentar água ao reservatório B, cujo nível é mantido fixo por meio de um
“ladrão”, ou dreno quase no topo do mesmo. A água em B flui continuamente por meio de
um orifício em sua base, indo para o recipiente C, o qual é graduado para indicar o tempo
decorrido. Essa vazão é constante, pois o nível do recipiente B permanece constante. Este
tipo de instrumento evoluiu tecnicamente de forma a permitir uma medição do tempo com
maior exatidão.
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5.7 A Ampulheta
A Ampulheta, ou relógio de areia, surgiu na mesma época da Clepsidra, tendo com esta
certa analogia, sendo que, ao invés de água, era areia que se escoava de um recipiente.
Constitui-se a Ampulheta em dois bojos cônicos de vidro ligados pelos vértices, havendo
entre ambos um pequeno orifício de comunicação, pelo qual a areia
escoa devido à ação da força da gravidade, do recipiente superior para o
inferior; uma vez transferida toda a areia para o bojo inferior, termina
a medição do tempo; a Ampulheta então é virada, iniciando-se novo
ciclo de medição.
A Ampulheta, durante certa época, foi o relógio mais difundido,
pois era simples de transportar e oferecia grande facilidade no seu
uso; porém destinada principalmente à contagem de períodos curtos
de tempo.
O Relógio de Areia passou por grandes aperfeiçoamentos. Seus
Fig. 6 Ampulheta
fabricantes se esmeraram na sua apresentação, criando verdadeiras
obras de arte. O principal trabalho era executado nos suportes dos bojos de vidro, os quais
eram meticulosamente trabalhados e fabricados com os mais variados metais, inclusive
metais nobres, como o ouro e a prata, havendo também muitos com suportes feitos de
madeira entalhada.
5.8 O relógio de Azeite
Praticamente no mesmo período das Clepsidras, tivemos os relógios
incandescentes, cujo elemento combustível era o azeite.
Funcionava sob o princípio parecido com o da Clepsidra, pois era
constituído de um recipiente de vidro com uma escala horária, o qual
era cheio de azeite cuja parte inferior possuía uma saliência ou bico; este,
uma vez aceso, ia consumindo o azeite e, seu nível ao descer, marcava as
horas. Era um relógio que servia para marcar as horas, e ao mesmo tempo,
iluminar os ambientes. Tinha, portanto, duas utilidades. Foi muito usado
na Europa, principalmente na Alemanha.
Fig. 7 Relógio
de azeite
5.9 O relógio de Vela
Compreendia uma vela normal, demarcada com uma escala horária, servindo também para
iluminação. Dependendo do tamanho da vela, era possível aplicá-la na medição de grandes
intervalos de tempo, por várias horas e até mesmo dias. Foi bastante usado nas Cortes
Europeias.
As chamadas velas de cera, parafina ou sebo, além das funções religiosas ou, simplesmente, para clarear os ambientes, serviam também, de marcadores do tempo.
Ao longo do corpo das velas, eram colocadas marcas, perfeitamente calibradas com a
ação de queima, que determinavam o tempo decorrido, ou traços coloridos que iam sendo
consumidos pela ação das chamas.
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A Medida do Tempo e sua Evolução
Evidentemente, esse processo só podia ser utilizado por castas abastadas, pois eram muito caros e, além disso, de precisão
questionável, pois deveriam ser utilizadas em ambientes fechados, sem correnteza de ar e outras intempéries que influenciavam
sua precisão.
Na Idade Média, utilizavam-se dessas velas especiais para marcar o período noturno. Admitia-se o consumo de três velas, num
equivalente a uma noite. A precisão era evidentemente, duvidosa.
Nos registros históricos consta que esse processo teve maior difusão na Inglaterra. Na fabricação dessas velas havia a dependência
de uma “mistura” operacional e da matéria prima empregada. O
material utilizado, além dos componentes químicos, necessitava de
uma compactação para dar a dureza adequada às velas, para serem
Fig. 8 Relógio de vela
consumidas no decorrer do dia, proporcionalmente.
Elas foram padronizadas, sendo confeccionadas com 12 polegadas ou 1 pé, de comprimento (cerca de 304,80 milímetros), para um consumo de 3 polegadas a cada hora, ou seja,
uma vela a cada 4 horas, ou 6 velas durante o dia.
5.10 Os relógios de Fogo
Outro fenômeno que o homem lançou mão foi o da combustão. Com efeito, o fogo leva
um tempo para consumir um material combustível. Uma fogueira suficientemente grande
poderia funcionar como um relógio, ao longo de vários dias.
5.11 O relógio de Corda com Nós
Uma corda com nós dispostos a distâncias determinadas sendo consumida pela ação de uma
chama, até chegar ao primeiro nó, depois ao segundo etc. Foi usado nas antigas cidades
medievais para determinar o tempo da mudança da guarda.
5.12 O relógio de Fogo Despertador
Surgiu na China, consistia de uma vareta colocada horizontalmente em cima de fios de
arame. Sua extremidade era acesa em certo ponto de seu comprimento. Passava-se por cima
da vareta um fio de seda com duas esferas metálicas. O suporte do conjunto, geralmente em
forma de um barco com cabeça de dragão, era colocado sobre um prato também metálico.
Com o transcorrer das horas, o fogo avançava pela vareta lentamente, até alcançar o fio de
seda, queimava-o, soltando as duas esferas que caíam sobre o prato metálico produzindo um
ruído suficientemente forte para acordar uma pessoa. Era um relógio engenhoso, embora
que não fosse capaz de despertar tão precisamente, como os atuais.
6
Aperfeiçoamentos dos relógios
Os relógios são dispositivos mecânicos, elétricos ou atômicos que medem a passagem do
tempo. Na busca de formas mais precisas de medir o tempo, os seres humanos evoluíram a
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partir de observação do sol, da lua e das estrelas, que se movem pelo céu, para a construção de
engenhosos dispositivos mecânicos e eletrônicos que permitem medir pequenas oscilações
de energia nos átomos.
6.1 O relógio mecânico primitivo
Durante muitos anos o homem utilizou como principais medidores de tempo os relógios
de sol, a Clepsidra, a Ampulheta e os relógios de Fogo. Somente por volta de 850 DC,
foi construído por Pacífico, arcebispo de Verona, um relógio puramente mecânico, que
consistia de um conjunto de engrenagens movido por peso. Apesar da invenção desse
relógio mecânico, ainda por muitos anos o homem continuou a usar os relógios antigos, os
quais só aos poucos foram cedendo terreno aos relógios mecânicos.
Nesses primitivos relógios mecânicos, não se sabe qual foi o sistema de escape usado.
Sobre a prioridade da construção do primeiro relógio mecânico, há algumas controvérsias
entre os historiadores. Alguns consideram Gerbert d’Aurillac (950 – 1003) em 990 DC,
monge francês, que foi Papa sob o nome de Silvestre II, o inventor desse relógio.
No final da Idade Média foram desenvolvidos os relógios mecânicos. Todos os relógios
têm uma fonte de energia – a queda de um peso, uma mola etc – que deve ser cuidadosamente regulado para que o relógio possa funcionar com precisão. O peso, a mola, ou os
giros de uma roda de um sistema de engrenagens que movem os ponteiros do relógio são
controlados por um mecanismo chamado Escape.
Os exemplares mais antigos que se conhecem, de mosteiros italianos e ingleses, datam de
1290 e eram bastante sofisticados. Funcionavam por meio de uma série de rodas acionadas
por um peso que pendia de uma corda. A velocidade com que as rodas giravam era limitada
por um mecanismo, designado por escape, que durante 550 anos foi utilizado nos relógios.
O peso, ao descer, e o escape produziam o “tique” – um salto para frente na roda de escape,
dentada. Este era transmitido a um ponteiro que indicava o tempo.
A velocidade com que a roda dentada girava podia ser regulada deslocando pesos
dispostos em uma travessa; quanto mais afastados estivessem os pesos, mais lento era o
balanço dessa travessa e, consequentemente, o giro das rodas.
Estes relógios atrasavam ou adiantavam cerca de uma hora por dia. Além disso,
eram tão grandes e pesados que praticamente só fosse possível utilizá-los como relógios
de torre.
6.2 O Foliot
Com a descoberta do Foliot, o primeiro escapamento relativamente confiável aplicado aos
relógios mecânicos – época e autor desconhecidos – os aperfeiçoamentos na construção
dos relógios sucederam-se de maneira notável, desde os grandes e monumentais a serem
diminuídos, chegando aos de parede, posteriormente aos de mesa; em 1510 surge o
primeiro relógio de bolso (“O ovo de Nuremberg”), inventado por Peter Henlein, de
Nuremberg.
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A Medida do Tempo e sua Evolução
6.3 O relógio de pêndulo
No ano de 1595, Galileu Galilei (1564 – 1642) observando o movimento de oscilação de
um lustre na Catedral de Pisa, descobriu e aplicou a Lei do Pêndulo. Galileu descobriu que,
independentemente da amplitude das oscilações, todas elas demoravam o mesmo período
de tempo. Com base neste fato, formulou a Teoria do Isocronismo, ou ações que decorrem
em tempos iguais. Entretanto, só em 1641, um ano antes de sua morte, começou a aplicar
esta teoria aos relógios.
Um pêndulo é constituído por um peso que é suspenso por um fio a partir de um ponto
e está livre para balançar para trás e para frente. As propriedades interessantes de um
pêndulo (que só se aplicam se o ângulo de oscilação é inferior a cerca de 6 graus) são de que
o pêndulo executa um movimento harmônico simples, e que o período de cada oscilação é
constante, independente da massa do peso e da amplitude do deslocamento, assim, depende
apenas do comprimento do pêndulo. Essas propriedades eram conhecidas Ibn Yunis (1200
DC), mas foi introduzida na Ciência Europeia, por Galileu. Assim, a relojoaria recebeu
uma das mais importantes contribuições.
A descoberta das Leis do Pêndulo permitiu a medição mais precisa do tempo. Com
os relógios mecânicos surge uma grande variedade de técnicas de registro da passagem
do tempo. O Relógio de pêndulo é um mecanismo para medida do tempo baseado na
regularidade da oscilação (isocronismo) de um pêndulo.
Para um relógio de pêndulo ser um medidor de tempo preciso, a amplitude do
movimento deve ser mantida constante apesar de as perdas por atrito afetarem todo o
sistema mecânico. Variações na amplitude, tão pequenas quanto 4˚ ou 5˚, fazem um relógio
adiantar cerca de 15 segundos por dia, o que não é tolerável mesmo num relógio caseiro.
Para manter constante a amplitude das oscilações é necessário compensar com um peso ou
mola, fornecendo energia automaticamente, corrigindo as perdas devidas ao atrito.
A regularidade no movimento de um pêndulo foi estudada por Galileu Galilei no século
XVI, mas a invenção do relógio de pêndulo é atribuída a Christiaan Huygens (1629 – 1695)
em 1656, na cidade de Haia, Holanda. A fabricação
começou em 1657 por obra de artesãos holandeses e
teve rápida difusão.
7
Os relógios precisos
Escapamento Viga e Foliot
O primeiro grande avanço na construção do relógio
ocorreu na Europa no século XIV. Foi descoberto que
a velocidade de queda de um peso pode ser controlada
através de uma barra de oscilação horizontal (foliot)
acoplado a um eixo vertical (viga), com duas saliências
(paletas) como um escape. Uma paleta interrompe
o giro de uma roda de engrenagem movida por um
peso. Os mais antigos exemplares existentes, que são
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Fig. 9 Escapamento Viga e Foliot
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conhecidos como tendo mecanismo de escape, são os relógios ornamentais em Rouen, na
França (1379), e em Salisbury (1396), na Inglaterra.
7.1 O relógio de pêndulo de Huygens
Christiaan Huygens abordou o problema de que um relógio de pêndulo cujo prumo
faz um movimento de arco circular tem uma frequência de movimento que depende da
amplitude do movimento. Quanto mais amplo o movimento, mais tempo é necessário para
que o prumo retorne ao centro. Isso não acontece se o prumo for construído para fazer
um movimento cicloidal. Movido pela necessidade de realizar determinações precisas da
longitude no mar, Huygens projetou um relógio de pêndulo que seguia esse movimento.
O prumo foi preso por um arame fino, restrito por proteções que faziam com que subisse
conforme se movimentava.
A uniformidade do tempo marcado por um pêndulo levou o filósofo natural Christiaan
Huygens em 1657 a incorporar de maneira prática esse princípio ao relógio de pêndulo.
Em cada um desses relógios a oscilação do pêndulo libera um mecanismo de escape de
palheta, permitindo ao relógio avançar a uma taxa adequada. A energia perdida por atrito é
restaurada por intermédio de um peso decrescente ou por uma mola.
Este mecanismo foi fabricado pelo relojoeiro local Salomon Coster (1620 – 1659), e
tinha uma precisão de até cinco minutos por dia. Huygens inventou mais tarde a mola de
balanço. Esta mola substituía a travessa nos relógios domésticos e de bolso, que, até então,
Fig. 10 O pêndulo de apoio cicliodal de Chirstiaan Huygens (Patente de 1657)
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A Medida do Tempo e sua Evolução
eram muito pouco exatos. A mola de balanço foi incorporada a um relógio construído em
París, em 1675, por Isaac Thuret (1630 – 1706), seguindo instruções de Huygens. Este
relógio tinha uma precisão de dois minutos por dia, para mais ou para menos.
Christiaan Huygens patenteou em 1657, o primeiro relógio de pêndulo, que aumentou
muito a precisão da medição do tempo. Posteriormente, Huygens aplicou as propriedades
da cicloide ao ponto de apoio de um pêndulo. Assim, construiu um Pêndulo Cicloidal que
é Isócrono, ou seja, o período das oscilações é independente da amplitude.
O holandês Christiaan Huygens é mais conhecido por sua invenção do relógio de
pêndulo, pela sua teoria ondulatória da luz, e ainda pela descoberta dos anéis de Saturno.
Huygens mais tarde estudou Direito e Matemática na Universidade de Leiden e na
Faculdade de Orange, em Breda. O período mais produtivo (1650-1666) de sua carreira
científica foi gasto em Haia, em relativa solidão, em contraste com a sua permanência
prolongada (1666-1681) em Paris, onde se encontrava com alguns dos maiores cientistas
da época.
7.2 O escape de âncora
O escape de palheta foi substituído pelo escape de âncora, por William Clement, relojoeiro
de Londres, que reduziu a oscilação do pêndulo a um pequeno arco. Conseguiu assim um
relógio bastante preciso com um pêndulo de 1 metro de comprimento, cujo arco descrito
tinha apenas quatro graus. Este mecanismo longo e estreito deu origem ao relógio de caixa
tipo inglês.
Fig. 11 O escape de âncora
A exatidão foi melhorada consideravelmente quando o cientista holandês Christiaan
Huygens introduziu o pêndulo do relógio movido por um peso. As oscilações do pêndulo
garantiam que o mecanismo de escape movesse a roda da engrenagem dente por dente,
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enquanto os impulsos do escapamento mantinham o pêndulo em movimento. A utilização
do escape clássico em combinação com um pêndulo, no entanto, causou problemas. Em
1660, o inglês Robert Hooke (1635 – 1703) inventou a âncora, ou escape de âncora, o que
melhorou o funcionamento do conjunto de engrenagens.
Esta inovação, que é ainda hoje utilizada em muitos relógios, também permitiu o uso de
pêndulos com um período de um segundo. Isso levou à construção de relógios de parede,
no qual o pêndulo e os pesos estão completamente embutidos em uma caixa hermética.
Em 1715, George Graham (1673 – 1751) apresentou um novo tipo de escapamento, cujo
objetivo era permitir que o pêndulo oscilasse com a menor interferência possível. Ele ainda
é utilizado em relógios de precisão.
7.3 Os relógios de mola
Até o final do século XV a mola havia substituído o peso em alguns relógios, permitindo
que eles fossem construídos pequenos o suficiente para serem transportados. Uma vez que
o mecanismo de escape poderia operar apenas com uma força constante, foi necessário para
compensar a perda de força com a mola mestra desenrolada. Ela
foi mais tarde substituída por um fuso, em que o motor puxava
uma corrente enrolada em torno de um cilindro cônico (Fuso)
ou um conjunto de polias de diâmetros diferentes. O diâmetro
variado do Fuso equilibrava a força da mola.
O cronômetro de John Harrison (1693-1776) número 4,
que contém uma mola de equilíbrio, é composto de uma tira
bi-metálica servindo para diminuir os efeitos da temperatura.
Com essa técnica aplicada, o cronômetro de Harrison, em uma
viagem marítima de 156 dias, acumulou um erro de apenas
Fig. 12 A mola mestra e
o fuso
54 segundos.
7.4 O compensador de Graham
Com a finalidade de corrigir os pequenos desvios na medição do tempo, devido às variações
da temperatura ao longo do ano, George Graham inventou, em 1711, um dispositivo
compensador –“The Mercurial Compensation Pendulum”. Ele Consistia de dois pequenos
frascos cilíndricos de vidro contendo certa quantidade de Mercúrio,
que estavam dispostos ao longo do comprimento da haste metálica
do pêndulo do relógio. Quando a haste metálica sofria uma dilatação
térmica, o Mercúrio contido nos frascos de vidro também sofria uma
dilatação correspondente. O resultado dessas expansões térmicas
de sentidos opostos faz com que o centro de massa do conjunto
permaneça inalterado. Assim, o período do pêndulo do relógio é
mantido constante, restando apenas corrigir os desvios na medição
do tempo causados pela variação da aceleração da gravidade ao
Fig. 13 O compensador
de Graham
longo de todo o planeta.
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A Medida do Tempo e sua Evolução
O volante, mola e o escapamento de âncora, ou escapamento melhorado, com roda
de balanço ou balancim, constituem a essência do relógio mecânico moderno. A partir
do século XVIII o atrito nas engrenagens foi bastante reduzido quando pedras preciosas
– Rubis – foram usadas nos mancais de atrito dos eixos das engrenagens; um recurso
incorporado em todos os relógios modernos.
Atualmente, a partir do século XX, este instrumento foi superado em precisão pelo
relógio a quartzo e depois pelo relógio atômico, mas continua a ter certo emprego pelo seu
valor estético e artístico.
7.5 Os relógios mestres-secundários
Até certa época a relojoaria teve na mecânica a sua base extraordinária de desenvolvimento.
Em princípios do século passado, começou a ligar-se em alguns setores à eletricidade,
iniciando-se, então, por volta de 1820, a construção dos primeiros relógios elétricos
chamados mestres-secundários, que consistem em um relógio central de funcionamento
autônomo, cuja função é comandar, por meio de impulsos elétricos enviados por fios,
geralmente cada 1/2 ou 1 minuto outros relógios denominados secundários, constituídos de
um sistema eletromagnético que transforma o impulso elétrico em movimento mecânico,
fazendo avançar os ponteiros do relógio. Os relógios mestres, como os demais, sofreram
grandes aperfeiçoamentos, e podem comandar muitas centenas de relógios secundários
sendo especialmente destinados a locais onde se torna importante a hora unificada, como
estações, escritórios, indústrias, edifícios, escolas, etc.
7.6 O relógio elétrico (Corda Elétrica)
Os relógios alimentados por pequenas baterias foram introduzidas na década de 1950. Esse
relógio elétrico é mantido em movimento por uma bobina eletromagnética que é energizada
por um circuito eletrônico. Algum tempo após a invenção dos relógios mestres-secundários,
ou seja, por meados do século passado, surgiram os relógios cujas cordas se carregam
automaticamente pela eletricidade.
7.7 Os relógios síncronos
Só no princípio do século XX, com a evolução da distribuição da eletricidade pelas redes
públicas, é que apareceram os relógios elétricos síncronos, para serem ligados diretamente
à corrente elétrica cuja frequência depende para funcionar com precisão. Estes relógios
nada mais são, em sua essência, pequenos motores elétricos que giram rigorosamente
sincronizados com os geradores de energia elétrica.
O relógio elétrico utiliza corrente elétrica como fonte de energia, em vez de um peso ou
mola. Em essência, o relógio é um motor elétrico sincronizado com a corrente alternada
(AC) na linha de alimentação, a frequência que nos Estados Unidos e no Brasil é de 60
hertz (ciclos por segundo). A velocidade de rotação do motor é reduzida por engrenagens
para as velocidades de rotação adequadas das horas, minutos e segundos. A precisão dos
relógios depende inteiramente da estabilidade da frequência de AC.
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7.8 O relógio de Quartzo
A evolução da humanidade exige maior precisão no controle do tempo, no entanto, ainda
hoje é comum ser necessário acertarem-se os relógios uma ou mais vezes por mês. Por
este motivo, nos anos mais recentes a indústria relojoeira tem mostrado profundo interesse
na obtenção de novos meios de melhorar a
precisão na marcação do tempo, e encontrou
no cristal de Quartzo um padrão excepcional
para essa finalidade.
O desempenho dos relógios mecânicos
modernos foi ultrapassado pelos controlados
por osciladores de cristal de quartzo, desenvolvidos na década de 1920 em diante que,
finalmente, melhorou a cronometragem que
chega muito além alcançada utilizando pêndulos, escapamentos, e rodas de equilíbrio.
Fig. 14 O relógio de Quartzo
O funcionamento do relógio de quartzo
se baseia na propriedade piezo elétrica dos cristais de quartzo. A piezo eletricidade foi
estudada por Pierre Curie (1859 – 1906) nos finais do Século XIX. O fenômeno da piezo
eletricidade é explicado do seguinte modo: se for aplicado um campo elétrico a um cristal,
ele muda sua forma; se for pressionado ou dobrado, ele gera um campo elétrico.
Quando colocado em um circuito eletrônico adequado, essa interação entre o esforço
mecânico e campo elétrico faz o cristal vibrar e, assim, gerar um sinal elétrico de frequência
relativamente constante que pode ser usado para operar um relógio eletrônico. Nos atuais
relógios digitais de quartzo o tempo é mostrado em números, utilizando LEDs (diodos
emissores de luz) ou um LCD (display de cristal líquido). Todos os relógios digitais atuais
usam estes métodos de exibição.
O cristal de Quartzo começou então a ser adotado também na produção de relógios de
pulso. Pelos progressos tecnológicos alcançados neste campo, os relógios com cristais de
Quartzo dominaram uma parte considerável do mercado.
7.9 O relógio atômico
Mais preciso que o relógio a cristal de Quartzo, o relógio atômico, é muito caro e de
produção extremamente limitada. É especialmente destinado a observatórios astronômicos,
com a finalidade de marcação do tempo de extrema precisão. A evolução do relógio atômico,
no futuro, é ainda, de alguma forma especulativa, embora não seja ousadia prever-se a
possibilidade de que venha a tornar-se, com o tempo, um relógio também de uso geral.
A precisão da cronometragem hoje melhorou em dez ou mais ordens de grandeza, desde
o tempo dos gregos. A invenção do oscilador a cristal de quartzo e do relógio atômico
tornou possível a medição do tempo e da frequência com mais precisão do que qualquer
outra quantidade física. Assim, além das escalas de tempo astronômico, há escalas de
tempo, tais como tempo atômico (TA), com base nas ressonâncias de microondas de certos
átomos em um campo magnético (MASER), que fornecem os relógios mais precisos e
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A Medida do Tempo e sua Evolução
estáveis conhecidos. As escalas de tempo atômico são obtidas através da contagem de
ciclos de um sinal eletromagnético em ressonância com átomos de Césio e têm uma
precisão de um bilionésimo de segundo ao longo de curtos intervalos de um minuto
mais ou menos.
Desde 1960, um grande número de laboratórios
em todo o mundo tem comparado suas escalas de
tempo atômico, levando à formação de uma média
ponderada das diversas escalas de tempo atômico, que
é divulgada ao público com o nome, “Coordinated
Universal Time” (UTC). A fim de manter UTC de
acordo com o comprimento do dia, alguns segundos
ocasionalmente são adicionados ou excluídos da escala
de tempo atômico (um “salto segundo”). Devido a um
acordo internacional, a UTC é mantida dentro de 0,7
segundos da escala de tempo, UT1.
Os relógios mais precisos ainda são os relógios atômicos, que medem o tempo em termos das oscilações
do Césio, Rubídio, Hidrogênio e outros elementos.
Esses relógios podem ser extremamente precisos podendo sofrer variações de apenas 1(um) segundo em
milhares ou mesmo milhões de anos.
Em 1997, no Observatório Nacional do Rio
de Janeiro, foram instalados dois padrões de Césio
Fig. 15 O relógio atômico
HP5071A.
8
A evolução do relógio
Através dos registros da História, observamos que o homem precisou que passassem 2200
anos para chegar a construir um relógio que funcionasse com precisão (600 AC a 1600
DC). No entanto, em pouco mais de 300 anos, deu um passo gigantesco nesse setor,
chegando a construir relógios que, pelo seu trabalho mecânico e por sua elevada precisão,
nos deixaram estasiados, como os relógios que recebem corda pela variação da temperatura;
os que se movimentam pela energia acumulada, ao receberem luz natural ou artificial em
uma fotocélula; os finíssimos relógios de pulso ou os microscópicos relógios de anéis; os
modernos relógios automáticos de pulso e os relógios elétricos de pulso a cristal de quartzo
que permitem a medição do tempo com precisão até então desconhecida para essa classe de
relógios. Não há a menor dúvida de que são inúmeros os aperfeiçoamentos que se podem
esperar neste ramo da ciência, uma vez a relojoaria se libertou do artesanato e na atualidade
já nem sempre é exclusivamente mecânica. Cremos mesmo que a sua evolução seguirá uma
linha, cuja tendência é afastar-se progressivamente da mecânica e megulhar-se em outros
ramos da Física, notadamente a Eletrônica e a Óptica (uso das fibras ópticas, lasers etc.).
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Orlando Moura
Fig. 16 A evolução dos relógios durante os três últimos séculos
Referências Bibliográficas
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História dos Grandes Inventos, Ed. (1983), Seleções do Reader’s Digest.
[2]
Encyclopaedia Britannica, 15th Ed. (1978), Micropaedia, vol IX – “Time Measurements –
General Concepts”.
[3]
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Huygens.
[4]
Henry Margenau, “The Nature of Physical Reality”, Ed. (1977) Chapter 07 – “Space and
Time”.
[5]
P.C.W. Davies, “The Physics of Time Asymmetry”, 2d ed. (1977).
[6]
Kenneth Welch, “The History of Clocks and Watches”, Ed. (1972).
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III
Da transmissão da força à
geometrização da força
Marcelo Costa de Lima¹
[email protected]
arece natural, mesmo ao leigo, ordenar tudo o que ocorre ao seu redor atribuindo-lhe
um lugar e um momento, isto é, um “onde” e um “quando”. A extrapolação de que
há um conjunto de todos estes “onde”, preenchendo tudo a nossa volta, nos dá a ideia
de espaço. Este nos parece ser tridimensional, havendo a necessidade de se especificar –
digamos – altura, largura e profundidade, para identificar de maneira não ambígua um
lugar. De modo semelhante extrapolamos que há um fluxo contínuo e ordenado de todos
os “quando”, de modo que há um tempo, em que é possível identificar tudo o que ocorre
antes e depois de uma dada ocorrência particular. No espaço se pode avançar ou retroceder.
No tempo o retrocesso parece inadmissível. Na descrição dos processos físicos é necessário
identificar cada ocorrência, o evento físico, com quatro números, sendo três para a posição,
no espaço, e um para o instante de ocorrência, no tempo. Este continuum é o palco no qual
formulamos a descrição das leis físicas: o espaço-tempo. O modo pelo qual o entendemos,
isto é, o conjunto de atributos que lhe imputamos, sofreu modificações radicais ao longo da
história da Física. A mais radical delas, certamente, é a de que é ele próprio quem impõe
aos corpos materiais estados de movimento ou tensão aos quais, em nosso entendimento
comum, dizemos ser de origem gravitacional. São, em verdade, manifestações cotidianas
da geometria do mundo. Iremos aqui esboçar o modo como se deu tal construção, com o
advento da Teoria da Relatividade Geral, de Einstein, a partir das conquistas da Física na
obra de Newton, em diante.
P
1. Físico, Professor da Universidade Federal do Pará e Membro da Academia Paraense de Ciências
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Duas vertentes de pensamento se confrontaram acerca da natureza do espaço, na história
da Física, a partir do século XVII: a que pretendia dotá-lo de uma realidade independente,
imparcial, um receptáculo vazio e inerte para nele acomodar conteúdo material do mundo;
em oposição a que via o mundo como um sistema completamente cheio, sem lugares
vazios, a união de todos os lugares, sempre ocupados pela matéria, fosse ela ponderável
ou etérea. Uma terceira vertente, que jamais chegou a se materializar completamente no
corpo dos fundamentos da Física, embora tenha certamente lhe servido de inspiração e
guia, pretendia entender o espaço como mera relação entre as partes materiais do mundo,
expressão da relação que as mesmas guardam entre si, sem uma realidade em si mesmo.
O único aspecto relevante à descrição dos sistemas físicos seria a configuração relativa, de
posição, velocidade etc. entre as partes de um sistema.
O primeiro ponto de vista está diretamente ligado ao advento da mecânica, nos termos
formulados por Newton nos Princípios Matemáticos da Filosofia Natural (Principia), em
1687. Aí Newton postulou o espaço absoluto², como receptáculo do mundo material, cuja
realidade física seria manifestada pelo absolutismo da aceleração. Em seu clássico exemplo
do balde de água³ afirmou o caráter absoluto do movimento da água em rotação dentro
do balde, por tratar-se de um movimento no espaço absoluto, bem como a evidência
da existência deste último. Na verdade, toda força de natureza inercial revelaria, na
concepção newtoniana, o caráter absoluto do movimento em questão, bem como o estado
de movimento relativamente ao espaço absoluto e inerte. Na formulação de Newton, a
validade das leis da mecânica somente seria verificada por uma classe de observadores
privilegiados, os observadores inerciais, os quais constatariam a validade da primeira lei: a
da inércia. Dado um observador inercial temos infinitos outros, todos se movendo em
translação uniforme, sem movimento de rotação, relativamente ao primeiro. Mas como
exibir o primeiro? Impossível, posto que inercial é qualquer observador em repouso ou
movimento uniforme com relação ao espaço absoluto. Assim sistemas inerciais não nos
habilitam a identificar o sistema de referência do espaço absoluto e inerte, mas sabemos que
ele existe através da manifestação das forças inerciais, também ditas fictícias, associadas aos
movimentos acelerados. Os sucessores de Newton, assim como ele próprio, reconheceram a
importância do espaço absoluto para se dar sentido a lei da inércia. Euler tentou inclusive
demonstrar a necessidade lógica da lei da inércia, para então haver uma necessidade lógica
do espaço absoluto ⁴. No terceiro volume dos Principia formulou sua teoria gravitação
universal, aí introduzindo a ideia de que se tratava de uma ação mútua, comunicada
instantaneamente à distância, através do vazio.
O segundo ponto de vista é, na verdade, anterior aos Principia, associando-se, nos
tempos modernos, a Descartes ⁵. Ele publicara os seus Princípios da Filosofia, em 1644, no
2. Newton, I., Principia, Livro I, p. 45., 2008, op. cit.
3. Newton, I., Principia, Livro I, p. 49., 2008, op. cit.
4. in Jammer, M, p.172, 2010, op. cit.
5. in Whittaker, E., 1951, op. cit.
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Da transmissão da força à geometrização da força
qual descartava a possibilidade de haver o vazio. Concebia a ação entre corpos que não estão,
aparentemente, em contato através de seu modelo dos vórtices ou turbilhões do meio etéreo
que a tudo permeia, explicando nestes termos tanto o comportamento dos ímãs quanto a
gravitação. Embora o jovem Newton tenha nesta mesma época publicado Algumas questões
filosóficas, fazendo uso de um éter mecânico para explicar as ações à distância, este sofreria
várias modificações ao longo da profícua carreira científica de Newton, sendo finalmente
sepultado em sua teoria da gravitação fundada na ação à distância.
A noção de ação instantânea à distância permitiu harmonizar, dentro do quadro da
Mecânica, os movimentos terrestres e celestes em um só conjunto de leis. Mas sua aceitação
como hipótese de trabalho não era sinônimo de explicação satisfatória. É bem disseminada
a posição pragmática de Newton quanto a não devermos nos ocupar com a “explicação”
da ação à distância, explicitada em sua máxima hypotesis non fingo. A realidade, porém,
é que a noção de ação instantânea a distância jamais gozou de pleno prestígio entre os
filósofos naturais, e isto se aplica até mesmo ao próprio Newton, conforme se vê em sua
correspondência a Bentley, de 1693:
“É inconcebível que a matéria bruta e inanimada possa, sem a mediação de nada mais,
o qual é não material, operar e afetar outra matéria sem contato mútuo, como deveria
ser se a gravidade, tomada no sentido de Epicuro, for dela essencial e inerente... A
gravidade deve ser causada por um agente que atua constantemente de acordo com
certas leis; mas se esse agente é material ou imaterial é uma consideração que deixo para
os meus leitores” ⁶.
Maxwell comentaria mais tarde que⁷:
“Quando Newton demonstrou que a força atuante em cada corpo celeste dependia
das posições relativas de uns em relação aos outros, a nova teoria encontrou oposição
violenta da parte de avançados filósofos de então, que descreveram a doutrina da
gravitação como um retrocesso ao método de explicar tudo por causas ocultas, virtudes
atrativas, e similares.”
Deveriam os filósofos naturais considerar as causas da interação à distância parte de suas
atribuições ou deixá-las à metafísica? Entre aqueles que acreditavam ser necessário propor
mecanismos através dos quais a interação à distância era comunicada, por uma sucessão
contígua de ação e reação através de um éter, encontram-se aqueles que fundaram, sem
propriamente pretender fazê-lo, a teoria do campo.
O grande palco de batalha entre a ação à distância e a ação contígua – ou entre o
que lhes era subjacente, o espaço absoluto e vazio e o espaço etéreo e cheio – deu-se no
desenvolvimento da teoria eletromagnética. Os primeiros avanços significativos deram-se
através de “newtonianos” como Coulomb (1785) e Ampère (1821), que descreveram
6. in Cohen, B. I. & Westfall, R. S., p. 408, 2002, op. cit.
7. Maxwell, J.C., On the action at a distance, in Niven, W.D., 1965b, op. cit.
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a interação entre cargas e correntes elétricas através de ações instantâneas à distância,
dependentes das posições relativas entre os objetos em interação, agindo em linha reta,
isto é, na forma de forças centrais. Em 1846 Wilhelm Weber publicaria o primeiro de
seus Medidas Eletrodinâmicas (Elektrodynamische Maassbestimmungen), no qual assumia a
hipótese da natureza atomística da eletricidade, aí formulando a primeira eletrodinâmica
de partícula. Sua lei unificada para a ação entre duas partículas (átomos) de eletricidade em
movimento relativo qualquer permitia obter tanto a lei de Coulomb, para repouso relativo;
quanto à lei de força proposta por Ampère em seu “Mémoire sur la théorie mathématique
des phénomènes électrodynamiques uniquement déduite de l’expérience”, de 1827 ⁸, caso os
átomos possuíssem velocidades relativas. Em havendo aceleração relativa tinha-se a indução
eletromagnética, que havia sido descoberta por Faraday e Lenz em 1831. Weber introduziu
em sua expressão de força a constante que era, em sua essência, a razão entre o padrão
eletrostático e eletrodinâmico de carga elétrica. Tal constante, com dimensão de velocidade,
estaria – ironicamente – destinada a desempenhar um papel central na teoria da ação
contígua e, posteriormente, na relatividade einsteiniana. Sua primeira medida, realizada
pelo próprio Weber (em 1856), em colaboração com R. Kohlrausch⁹, revelaria o valor
3,10 × 108 m/s, espantosamente próximo do valor da velocidade da luz, c = 3,15 × 108 m/s,
que fora obtido por Fizeau, em 1849.
Em oposição à concepção de ação à distância eletrodinâmica, Faraday a via como
contígua, comunicada ao longo de suas linhas de força que preenchiam todo o espaço.
Em 1846 “Thoughts on Ray Vibrations” ¹⁰ especularia acerca das possíveis relações entre
vibrações nas linhas de força e as vibrações do éter luminífero. Sugeria-se então um éter
que era o meio pelo qual se comunicava a ação eletrodinâmica: um éter eletromagnético.
Vários éteres coexistiam em diversos campos da Física, sendo o éter luminífero, introduzido
por Descartes em 1638, para explicar a propagação da luz, o mais antigo dentre os éteres
modernos¹¹. No início do século XIX, o éter fluido de Descartes dera lugar ao éter tipo
sólido elástico de Fresnel, em 1818, que permitia explicar o fenômeno da polarização da
luz, descoberto por Huygens em 1690, a partir da ideia de que a luz era uma onda de
deformação transversal no éter, diferentemente da onda longitudinal de Descartes. A partir
de 1821, após Fresnel propor seu modelo de éter luminífero, numerosas teorias em que o
éter seria um sólido elástico surgiriam, por Chauchy, Grenn, Stokes, MacCullagh, William
Thomson (futuro lorde Kelvin) e outros ¹². A proliferação de éteres não era, evidentemente,
festejada pelos adeptos da ação contígua. Assim sendo, quando da obtenção, por Weber, de
um número virtualmente idêntico ao da velocidade da luz, por medidas puramente elétricas,
8. A lei de Ampère aí referida não deve ser confundida com lei de força entre elementos de corrente que se obtém
da teoria eletromagnética clássica, de Maxwell-Lorentz. Para maiores detalhes ver Assis, A. K., 1995, op. cit.
9. Weber W. & Kohlrausch, R.H.A., Annales der Physik und Chimie, 99, 1856.
10. Faraday, M., Philosophical Magazine, S.3, v. 28, N. 188, 1846.
11. Whittaker, E., 1951, op. cit.
12. Whittaker, E., 1951, op. cit.
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uma espécie de alarme soou. Quase imediatamente, e independentemente, Bernhard
Riemann¹³ (1858), Ludwig Lorenz ¹⁴ (1867) e James Clerk Maxwell (1862) perceberam
que isto era um indicativo de que a interação eletromagnética deveria, de fato, ser uma
ação contígua comunicada com velocidade de propagação c. Maxwell seria o primeiro
a ter sucesso em implementar tal ideia, descrevendo no mesmo conjunto de equações
tantos os fenômenos eletromagnéticos como ópticos. Os fenômenos eletromagnéticos
da luz e radiação térmica seriam assim, decorrências do estado de tensão e movimento
em um só éter.
Maxwell obtivera o grau de matemático em 1854, pelo Trinity College, na Universidade
de Cambridge, havendo se interessado pela teoria eletromagnética a partir do trabalho
que Thomson publicara em 1851, “On a Mechanical Representation of Electic, Magnectic,
and Galvanic Force”. Em 1856 iniciou sua trilogia de artigos em Eletromagnetismo. No
Transactions of the Cambridge Philosophical Society, publicou “On Faraday’s Lines of Force”. Aí
explorou a analogia entre as linhas de força, introduzidas por Faraday, e as linhas de fluxo
em um fluido incompressível. Enviou-o pessoalmente a Faraday – que se aposentara no
ano anterior – que se surpreendeu ao ver suas ideias formuladas matematicamente. Em
1861 “On Physical Lines of Force” ¹⁵ (partes I e II) introduziu seu modelo do mar de vórtices
moleculares para o éter, onde surgiu sua famosa corrente de deslocamento. Em 1862, na
parte III ¹⁶ de “On Physical Lines” analisou a propagação de um distúrbio magnético
através do mar de vórtices, mostrando tratar-se de uma onda transversal, que se propaga
com velocidade igual a constante de Weber. Em suas palavras, hoje célebres:
“A velocidade das ondulações transversais em nosso meio hipotético, calculada a partir dos
experimentos eletromagnéticos de MM. Kohlrausch e Weber, concorda tão exatamente
com a velocidade da luz, calculada a partir dos experimentos ópticos de M. Fizeau,
que dificilmente podemos evitar a inferência de que a luz consiste em uma ondulação
transversal no mesmo meio que é a causa dos fenômenos elétricos e magnéticos.” ¹⁷
Completando sua trilogia ¹⁸, Maxwell publicou em 1864 seu “Dynamical Theory of
the Electromagnetic Field” ¹⁹, abandonando, desta vez, os vórtices moleculares. Embora
13. Riemann, B., “A contribution to electrodynamics”, Philosophical Magazine, S.4, 34, p. 368, 1867. Edição inglesa de
“Ein Beitrag zur Elektrodynamik”, publicado no Annalen der Physik und Chemie, 131, p. 237, 1867. Ambos foram
publicados postumamente.
14. Lorenz, L.V., “On the identity of the vibrations of light with electrical currents”, Philosophical Magazine, S. 4, 1867.
15. Maxwell, J.C., Philosophical Magazine, S. 4, 21, p. 161, 1861.
16. Maxwell, J.C., Philosophical Magazine, S. 4, 23, p. 12, 1862.
17. N.A.: o grifo é do próprio Maxwell.
18. N.A.: Segundo Everitt, op. cit., 2007, o artigo “On the elementary Relations of Electrical Quantities”, de 1863,
teve também um papel vital no amadurecimento das ideias de Maxwell. Visto desta perspectiva o “Dynamical
Theory” completaria uma tetralogia.
19. Maxwell, J.C., Royal Society Transactions, 155, 1864, e Philosophical Magazine, S. 4, 29, p. 152, 1865.
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ainda sustentasse a ideia de que tanto os fenômenos eletromagnéticos quanto luminosos
fossem evidência indireta de processos ocorrendo em um mesmo éter universal, sua atitude
filosófica em relação às equações que afinal levaram o seu nome começaria a mudar. Ele as
apresenta não mais como uma decorrência de algum modelo particular de éter, mas sim
como relações às quais qualquer modelo de éter devesse produzir. Na nova concepção, a luz
já não era remetida a alguma propriedade específica do éter, mas uma consequência direta
da dinâmica do campo eletromagnético, daí ter-se dito que a teoria de Maxwell era a teoria
eletromagnética da luz. As equações do eletromagnetismo, que Maxwell apresentou em
seu “Dynamical Theory”, não seriam, no entanto, aquelas hoje consagradas em qualquer
texto didático de Eletrodinâmica Clássica como “Equações de Maxwell”, havendo nelas
misturas de relações entre os campos e entre estes e os potenciais. Os potenciais, por sua
vez, remetidos a propriedades mecânicas do éter, ainda obscuras.
O laboratório Cavendish, da Universidade de Cambridge, foi criado em 1871. Maxwell
foi indicado para ser seu primeiro “Cavendish Professor”. Ainda se passariam vinte e oito
anos até que J. J. Thomson, o terceiro “Cavendish Professor”, aí descobrisse o elétron.
Em 1873, Maxwell publicou então a primeira edição de seu “A Treatise on Electricity
and Magnetism”. O “treatise” reuniria na forma de livro todo seu legado em teoria
eletromagnética. Este não era, contudo, uma obra fechada. Pelo contrário, Maxwell estava
ciente da necessidade de expurgar de sua teoria seus aspectos não essenciais, de modo que a
redação do “treatise” refletia esse espírito de “obra em construção”.
Na Alemanha, Helmholtz voltara sua atenção para a Eletrodinâmica em 1870, campo
o qual ele então considerava “uma mata sem veredas”. Publicaria “Über die Theorie der
Elektrodynamik” ²⁰ onde discutia os cenários teóricos concorrentes da Eletrodinâmica,
atacando tanto a eletrodinâmica de Weber quanto a de Maxwell. Foi, no entanto, este artigo
que abriu caminho para a disseminação da Eletrodinâmica de Maxwell no continente.
A morte prematura de Maxwell, em 1879, enquanto preparava a segunda edição do
“treatise”, deixaria aos seus sucessores a realização desta tarefa de conclusão de sua obra
eletromagnética. Já se haviam passado 18 anos desde “On Physical Lines of Force” e físico
algum conseguira produzir ondas eletromagnéticas em laboratório. Não era nem mesmo
óbvio que se devesse buscá-las, já que os fenômenos eletrodinâmicos eram bem explicados
pela teoria de ação à distância, amplamente disseminada entre os físicos continentais,
que eram comumente Weberianos. Entre os da comunidade britânica, George Francis
FitzGerald escreveria “On the Possibility of Originating Wave Disturbances in the Ether by
Mean of Electric Forces”, lido perante a Royal Dublin Society, no qual defendia, diferentemente
do que sugere o título, a impossibilidade de se produzir ondas eletromagnéticas por meios
elétricos e magnéticos, erro no qual ele insistiria pelos próximos dois anos e meio²¹.
Neste mesmo ano, por sugestão de Helmholtz, a Academia de Ciências de Berlim havia
oferecido um prêmio a quem promovesse uma comparação experimental que pudesse dar
20. Helmholtz, H., Philosophical Magazine, S. 4, 44, p. 530, 1872, na versão inglesa de mesmo título.
21. Hunt, B. J., 1991, op. cit.
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Da transmissão da força à geometrização da força
prioridade a alguma das duas abordagens da Eletrodinâmica: a de ação à distância (Weber)
e a da ação contígua (Maxwell). Ele tinha uma pessoa em mente para enfrentar esta tarefa:
seu estudante Heinrich Rudolph Hertz. Hertz, que ingressara em 1878 na universidade
de Berlim, foi contemporâneo de Max Karl Ernst Ludwig Planck, que ingressara em
1877, a quem o futuro também guardaria glória imorredoura. Em 1879, Hertz havia sido
vencedor do prêmio da Faculdade de Filosofia de Berlim, oferecido no ano de seu ingresso na
universidade, também por sugestão de Helmholtz, havendo realizado o experimento que
mostrou ser a inércia elétrica nula ou muito pequena para ser observada. Este trabalho que
lhe renderia seu primeiro artigo publicado no Annalen der Physik, em 1880. Helmholtz
sugeriu então a Hertz que aceitasse também o desafio da Academia de Ciências, mas ele
inicialmente declinou por considerar uma tarefa experimentalmente inviável. Foi, também,
neste ano de 1879 que o jovem Albert Abraham Michelson, chegou a Berlim, para fazer
doutorado sob supervisão de Helmholtz. Foi o ano em que Albert Einstein nasceu.
Em 1883, Hertz mudou-se para Kiel, recomendado por Kirchhoff. Lá não havia um
laboratório e seu afastamento da atividade experimental o deixou insatisfeito, havendo,
no entanto, elaborado um artigo sobre unidades elétricas e magnéticas e outro sobre
o eletromagnetismo de Maxwell. Em 1885, a universidade lhe ofereceu o cargo de
professor associado, mas ele queria voltar à atividade experimental e decidiu que era hora
de partir. Aceitou o cargo de professor de Física na Faculdade Técnica de Karlshruhe,
onde permaneceria pelos próximos quatro anos. Em Karlshrure, Hertz realizaria os feitos
que o imortalizaram. Demonstrou que a interação eletromagnética se propagava com
velocidade finita (a da luz), transmitindo-se na forma de ondas que se refletiam, refratavam
e interferiam tal e qual a luz. O embate entre a ação à distância versus ação contígua parecia
ter chagado ao fim, acreditando os físicos que a natureza havia pronunciado sua sentença
em favor da segunda. Quando da edição britânica da coletânea dos artigos de Hertz ²²,
Lorde Kelvin prefaciou em tom grandiloquente:
“Para se apreciar plenamente o trabalho agora oferecido ao publico leitor inglês, devemos
transportar nossas mentes para duzentos anos atrás, ao tempo em que Newton tornou
conhecida ao mundo a lei da gravitação universal.”
O processo de expurgar da teoria de Maxwell os seus aspectos não essenciais foi penoso
e demorado. Por um lado o grupo de físicos britânicos Oliver Heaviside, Oliver Lodge
e FitzGerald construíram inúmeros modelos de éter, todos com qualidades e defeitos.
Por outro Hertz, que após suas extraordinárias conquistas experimentais voltara-se, nos
anos de 1890, aos fundamentos teóricos não só do Eletromagnetismo, mas da própria
Física. Desenvolveu tal convicção no papel central que o éter deveria desempenhar na
representação do mundo físico, que pensava em imputar-lhe atributos ainda mais amplos
como a origem da própria inércia e da gravitação ²³. Consumou sua visão mecanicista no
22. Hertz, H, 1893, op.cit.
23. Mulligan, J., 2001, op. cit.
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livro “Os Princípios da Mecânica apresentados em uma nova forma”, publicado postumamente.
Com a morte prematura de Hertz, em primeiro de janeiro de 1894, o resultado geral era
de que ainda não se havia encontrado uma forma satisfatória de imputar propriedades
mecânicas ao éter, de modo que este pudesse gerar as equações de Maxwell na forma
de “Hertz-Heaviside”, que são as equações as quais chamamos hoje Equações de Maxwell.
Ao contrário, parecia haver, de modo cada vez mais evidente, uma classe de éteres com
diferentes atributos mecânicos, todos compatíveis com as equações eletromagnéticas. Tal
depuração culminaria com a noção de invariância de calibre da teoria eletromagnética, na
obra de Hendrik Antoon Lorentz²⁴.
As leis da Mecânica, conforme formuladas por Newton, tinham a mesma forma em
todos os referenciais inerciais, não sendo possível distinguir um do outro por experimentos
realizados sem referência ao exterior. Nos “Principia”, Newton nos apresentaria esta
invariância como corolário quinto ²⁵ de seus axiomas do movimento: o da relatividade.
A Relatividade surgira antes na obra de Galileu, que no seu “Diálogos”, expressou tal
invariância em seu clássico exemplo do navio, nos seguintes termos:
“... e fazei mover o navio com quanta velocidade desejardes; porque não reconhecereis
uma mínima mudança em todos os mencionados efeitos [mecânicos], nem de nenhum
deles podereis compreender se o navio caminha ou está parado.” ²⁶
Já na Eletrodinâmica de Maxwell aí estava um aspecto a ser depurado. Maxwell
introduzira inicialmente o potencial vetorial magnético como expressão da quantidade de
movimento do éter, chamando-o momentum eletromagnético, cuja variação no tempo
produz força. Assim, originalmente, tanto o estado de tensão quanto de movimento do
éter concorriam para gerar os fenômenos eletromagnéticos. O que dizer então sobre o
surgimento ou supressão de algum efeito em decorrência do estado de movimento do observador relativamente ao éter? Entre as frentes de ataque a este problema, Maxwell sugerira a
realização de experimentos astronômicos visando detectar o estado de movimento da Terra,
relativamente ao éter, acreditando ele que experimentos terrestres seriam impraticáveis,
uma vez que envolveriam efeitos quadráticos da razão entre a (suposta) velocidade da Terra
relativamente ao éter, e a velocidade da luz c. Uma carta, escrita por Maxwell a D. Todd,
em 1879, seria publicada postumamente em janeiro de 1880 na Nature ²⁷. Michelson, então
em Berlim, convencido de que Maxwell subestimava o nível de precisão dos experimentos
terrestres lançou-se à empreitada, construindo o seu primeiro interferômetro. Pouco mais de
um ano após, em 1881, Michelson²⁸ publicaria os resultados de seu primeiro experimento
interferométrico, realizado Potsdam, para medir a os (supostos) efeitos da resistência
24. Jackson, J. D. & Okun, L. B., 2001, op. cit.
25. Newton, I., Principia, Livro I, p. 61., op.cit., 2008.
26. Galilei, G., 2004, op.cit.
27. in Pais, A., 1982, p. 126, op. cit.
28. Michelson, A. A., American Journal of Science, 22, 120, 1881.
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Da transmissão da força à geometrização da força
exercida pelo éter à passagem da Terra, que seria manifestada pelo desvio da velocidade da
luz, estando o feixe luminoso ora a favor, ora contra o “vento” de éter: nada encontrara. De
volta aos Estados Unidos, Michelson repetiria a experiência, agora em colaboração com
Edward William Morley²⁹, sem contudo obter qualquer evidência do movimento relativo
ao éter.
Quando Einstein entrou em cena, no Annalen der Physik de junho de 1905, propôs a
adoção da invariância da velocidade da luz no vazio, para todos os observadores inerciais,
como um princípio cinemático fundamental da Física ³⁰. Ao que parece, essa escolha teve
pouca relação com os resultados negativos de Michelson, estando Einstein mais preocupado
com a universalidade da Relatividade no sentido de Galileu. Em suas conjecturas Einstein
tinha a firme convicção de que não somente experimentos mecânicos, mas também os
fenômenos eletromagnéticos não nos permitem assegurar o estado de movimento do
observador inercial, sem referência ao exterior. A Relatividade de Galileu deveria ser
elevada à categoria de princípio geral da Física. Neste trabalho, intitulado “Sobre a
eletrodinâmica dos corpos em Movimento”³¹ e em sua sequência “A inércia de um corpo
dependerá de seu conteúdo energético?” ³², ele construiu o que hoje chamamos a Teoria da
Relatividade Especial.
A gênese da Relatividade Especial, por Einstein, veio completar o quadro de dar plena
consistência à Teoria Eletromagnética de Maxwell, sem a necessidade de referência explícita
ao éter subjacente, dando às equações eletromagnéticas, na forma que foram apresentadas
por Lorentz³³, o status de leis da natureza, isto é, relações que se cumprem de forma
indistinta para diferentes observadores inerciais. Lorentz, embora adepto do éter, dera à
teoria de Maxwell a forma que hoje conhecemos, construindo uma teoria de partículas
e campos em interação, prescrevendo a forma da força que o campo exerce na partícula
teste, que hoje leva seu nome, formulando as equações fundamentais apenas em termos dos
campos, e estabelecendo a liberdade de calibre nos potenciais. Com Lorentz, somente o
éter, dentro ou fora da matéria, comportaria o campo eletromagnético. Somente a matéria,
pensada de modo atomístico, é que carregaria movimentos. Anos mais tarde, Einstein
comentaria acerca de sua reputação de ter sido o eliminador do éter na Física³⁴:
“Quanto à natureza mecânica do éter lorentziano, pode-se dizer – com um espírito algo
brincalhão – que imobilidade é a única propriedade mecânica do qual não foi privado
por H. A. Lorentz. Pode-se acrescentar que toda a mudança na concepção do éter que
a teoria da relatividade especial trouxe, consistiu em lhe tomar seu último atributo
mecânico, a saber, sua imobilidade.”
29. Michelson, A. A. & Morley, E.W., American Journal of Science, 34, 333, 1887.
30. Einstein, A., Annalen der Physik, 17, p. 891, 1905.
31. Einstein, A., Annalen der Physik, 17, p. 891, 1905. Para edição em português ver Einstein, A., 2001, op. cit.
32. Einstein, A., Annalen der Physik, 18, p. 639, 1905. Edição em português em Einstein, A., 2001, op. cit.
33. Lorentz, H.A., 1892, op. cit.
34. Einstein, A., 2002, op. cit.
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Sua posição a esta altura era, no entanto, a de que tornara o éter supérfluo, desnecessário;
não inexistente.
O ponto crucial que permitiu a Einstein avançar além da compreensão dos seus precursores, foi a percepção de que a velocidade finita de propagação da interação eletromagnética,
c, era uma pista sobre a inexistência da interação instantânea à distância, em geral. Deste
modo, não haveria meios de se estabelecer um sentido absoluto à noção de simultaneidade.
O tempo transcorrido entre dois acontecimentos quaisquer não seriam os mesmos para
observadores inerciais distintos. Isto impunha uma revisão na formulação da Mecânica
newtoniana, de modo a adequá-la aos postulados de Einstein. Embora o princípio da inércia
fosse preservado na nova Mecânica, a noção de inércia mudara, sendo agora dependente do
grau da velocidade relativamente à velocidade da luz, de tal modo que força alguma seria
capaz de acelerar o objeto até a velocidade da luz. A dependência da inércia com relação ao
conteúdo energético do objeto levou Einstein à equivalência massa-energia, na forma da
mais famosa equação da Física: E=mc2 .
A nova Mecânica juntamente com o teoria de Maxwell-Lorentz constituíram, assim,
uma síntese na qual o eletromagnetismo não mais se subordinava à Mecânica, mas sim
o inverso. Um observador inercial passava a ser entendido não apenas como um sistema
de referência com suas réguas próprias, mas também com seus relógios próprios. Outro
observador, por sua vez, definia novas réguas e novos relógios, de modo que o princípio
da relatividade permanecia assegurado. Matematicamente isto era equivalente a se dizer
que os fenômenos físicos não transcorriam no espaço, estando os processos indexados por
um tempo universal. Ao contrário, tratava-se de um contínuo quadri-dimensional, no
qual o tempo era uma das dimensões a ser considerada. Em 1908, Hermann Minkowski
apresentou o formalismo matemático onde introduziu a ideia de espaço-tempo, que fornece
o cenário adequado para a descrição formal da Física, conforme os ditames da Relatividade
Especial. Ao final da conferência, proferida em Colônia, concluiria com a reflexão:
“Gosto de pensar que a validade sem exceção do postulado [da relatividade]... é o núcleo
verdadeiro de uma imagem eletromagnética do universo, a qual, descoberta por Lorentz
e revelada ainda mais por Einstein, está agora na plena luz do dia. Na exploração de
suas consequências matemáticas encontrar-se-ão sugestões suficientes para a verificação
do postulado. Essas verificações, manifestando uma harmonia pré-estabelecida entre a
matemática pura e a física, serão capazes de convencer até mesmo aqueles para quem o
abandono de antigos pontos de vista seja antipático ou doloroso” ³⁵
Uma questão se colocaria, neste momento, de modo imperativo: qual seria então a
descrição correta da Gravitação? A teoria de Newton, baseada na ação instantânea à
distância, no espaço e tempo absolutos, era incompatível com o novo retrato do mundo
físico. A despeito do seu enorme sucesso na descrição dos fenômenos gravitacionais, no
sistema solar, seria agora de se esperar que a teoria de Newton fosse, para se dizer o mínimo,
35. Minkowski, in Lorentz, H.A., Einstein, A., Minkowski, H., Weyl, H., 1972, op. cit.
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III
Da transmissão da força à geometrização da força
o caso limite de uma teoria mais abrangente da Gravitação. Para iniciados, não é tarefa tão
difícil imaginar, em linhas gerais, como fazê-lo. A questão estava nas escolhas arbitrárias
que precisavam ser feitas sem base experimental. No período entre 1905 e 1915 alguns
autores se ocuparam disto, a exemplo de Gunnar Nordstöm, Gustav Mie e Max Abraham ³⁶,
além do próprio Einstein.
O elemento que afastou Einstein da pretensão de se construir uma teoria da Gravitação
dentro do contexto da Relatividade Especial, que tomaria a forma do chamado Princípio da
Equivalência, ocorreu-lhe, segundo ele próprio nos conta, por volta de 1907:
“o campo gravitacional tem apenas uma existência relativa,... Porque para um observador que cai livremente do telhado de uma casa não existe – pelo menos no ambiente
imediato – campo gravitacional.” ³⁷
Isto decorre do fato (experimental) de que as acelerações dos corpos em queda independem das massas dos mesmos, de modo que todos caem, em um mesmo ambiente
gravitacional, igualmente: a gravidade fica então escondida. Disso sabíamos desde Galileu.
Einstein, porém, viu aí a chave para a generalização do próprio princípio da relatividade,
sendo o observador em queda livre igualmente admissível. Na formulação tradicional do
problema (a la Newton) supomos que o observador parado no solo é o inercial, enquanto
que o observador em queda está acelerado. Dentro da visão que Einstein começava agora a
implementar, era o observador em queda, quem pode mais legitimamente ser chamado
de inercial, constatando a validade das leis conforme prescritas na Relatividade Especial.
O observador parado no solo, estando acelerado relativamente ao observador em queda,
seria este sim não inercial. Uma teoria que fosse capaz de descrever a realidade física do
ponto de vista de ambos, precisava abrir mão do princípio da Relatividade em sua forma
original, que se aplicava apenas à observadores inerciais, movendo-se uniformemente um
relativamente ao outro, passando-se agora ao Princípio da Relatividade Geral: todo estado
de movimento é relativo. Com o princípio da equivalência, Einstein encontrou a melhor
realização física do observador inercial, que se pôde implementar na Física Teórica. Ao
mesmo tempo, na medida em que estava convencido que uma teoria relativista da gravitação
deveria ser construída dentro do contexto do Princípio da Relatividade Geral, o deixaria
desprovido de qualquer status especial na representação do mundo físico conforme a teoria
da Relatividade Geral.
Em suas “Notas autobiográficas”³⁸ Einstein nos fala da gênese do princípio da equivalência nos remetendo, de modo recorrente, à Ernst Mach, cujo pensamento filosófico
exercera grande influência sobre ele quando jovem. O pensamento de Mach teve suas
origens na tendência de se construir uma Física na qual somente figuravam posições,
velocidades e acelerações relativas, isto é, que dependesse apenas da configuração relativa
36. In Pais, cap. 13, 1995, op. cit.
37. In Pais, p. 208, 1995, op. cit. N.A.: o grifo é do próprio Einstein.
38. Einstein, A., 1982, op. cit.
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das partes do sistema, chamada relacional. Assim, eliminava-se o problema do espaço
absoluto na medida em que este espaço passava a ser entendido apenas como o conjunto
de todas as disposições relativas entre as partes. Em uma física relacional, o espaço seria
apenas o conjunto das relações entre as coisas e não uma realidade em si. Essa visão
seria defendida pelos empirocriticistas, em fins do século XIX, devendo toda afirmação
cientificamente bem posta, estar adequada a ela. A Eletrodinâmica de Weber era, em
sua construção, uma teoria relacional. Devido à referência implícita ao espaço absoluto,
a gravitação newtoniana era uma teoria aparentemente não relacional, embora a força
dependesse exclusivamente de posições relativas. Deste modo, sem pretender negar suas
predições, amplamente consagradas na Mecânica Celeste, Mach procurou colocá-la sob
nova perspectiva. Em seu “A Ciência da Mecânica”, de 1883, Mach retornou ao exemplo
do balde, desqualificando o argumento de Newton para a existência do espaço absoluto,
e afirmando que o encurvamento na superfície da água em rotação, seria o resultado
da nova condição de equilíbrio estabelecida relativamente à distribuição de matéria do
Universo. Caso fosse-nos possível realizar o experimento de deixar o balde e água parados
e, então, girar rigidamente o Universo ao redor do eixo do balde, o mesmo encurvamento
da água dentro do balde seria constatado. Em suma, mesmo o movimento – não inercial –
seria relativo. A ideia de que a Mecânica devesse ser re-fundada com base em princípios
puramente relacionais, sem referência ao espaço absoluto, passou a ser chamada o princípio
de Mach. Sua plena realização jamais se concretizou nos fundamentos da Física, não
havendo unanimidade quanto ao seu status científico. Einstein considerava que o princípio
da equivalência, por estipular que as condições do ambiente é que determinavam qual
observador seria inercial, era um avanço em direção ao pensamento de Mach. Por outro
lado, a ideia de ação à distância, embutida no princípio de Mach, já não poderia ser
sustentada em uma Física relativística, com ou sem Gravitação.
Na exploração dos efeitos relativísticos em referenciais acelerados, Einstein encontrou
então algumas pistas para sua teoria da Gravitação. Era um resultado bem conhecido tanto
da Mecânica pré-relativística como da Relatividade Especial, que um raio de luz sobre
aberração, isto é, muda de direção quando visto por observadores inerciais distintos. Um
observador acelerado, por sua vez, poderia ser pensado como um sistema de referência
que “salta” continuamente de um referencial inercial a outro, cada um com velocidade
ligeiramente superior a do anterior. Daí se conclui que esse observador não inercial
perceberia uma sucessão contínua de aberrações, sofridas pelo mesmo raio luminoso.
Esse encurvamento da luz deveria se manifestar, igualmente, quando se considerasse o
raio luminoso do ponto de vista de um observador parado no solo, em um ambiente de
campo gravitacional, por intervenção do princípio da equivalência. Daí surgiria a primeira
proposta concreta de Einstein para testar os fundamentos de sua teoria da gravitação,
publicado sob título “Sobre a influência da gravidade na propagação da Luz!” ³⁹. A influência
39. Einstein, A., Annalen der Physik, 35, 1911. Reproduzido em português em Lorentz, H.A., Einstein, A.,
Minkowski, H. Weyl, H., 1972, op. cit.
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III
Da transmissão da força à geometrização da força
da Gravidade sobre a luz fazia total sentido em uma teoria que incorporasse as conquistas da
Relatividade Especial, uma vez que a equivalência massa-energia deveria ter, naturalmente,
seu equivalente peso-energia, o que não era oferecido pela Relatividade Especial.
O problema que se colocaria agora era o de formular, matematicamente, a nova teoria
da Gravitação, compatível com a indistinguibilidade entre obsevador inercial e observador
em queda livre, entre observador não inercial e observador parado no campo gravitacional,
entre força inercial e força gravitacional. A universalidade da Gravitação, como algo que
age indistintamente sob todas as formas de matéria e energia, permitiria agora associá-la às
próprias propriedades geométricas do ambiente fisico, isto é, às propriedades geométricas
do espaço-tempo. Tais propriedades não seriam, no entanto, aquelas que nos parecem
familiares, herdadas da geometria euclidiana. Eram porém, compatíveis com as propriedades
da chamada geometria riemanniana, desenvolvida a partir de 1854, quando Riemann
preparou a palestra “Über die Hypothesen welche der Geometrie zu Grunde liegen” (Sobre as
Hipóteses Fundamentais da Geometria), para obter sua Habilitation, então em Göttingen e
sob supervisão de Gauss. Einstein não estava, a princípio, a altura da tarefa. Quando de seu
retorno a Zurique, em 1912, a convite de seu velho amigo Marcel Grossmann, para assumir
seu novo cargo na Universidade de Zurique, já compreendia que as implicações do princípio
da equivalência lhe conduzia a um cenário onde as regras da Geometria de Euclides eram
violadas. Ao reencontrar Grossmann, que era matemático, Einstein teria dito: “Grossmann,
você tem que me ajudar, senão fico louco”. Quando Grossmann compreendeu o problema,
apontou-lhe a geometria de Riemann como a possível saída. Esta revelação mudaria a
atitude de Einstein perante a teoria física e perante o papel da Matemática na Física, pelo
resto de sua carreira. Ele se afastaria radicalmente, nos anos seguintes, de seu modo de
raciocinar, através de imagens físicas claras, como fizera até então, auxiliada de alguns
rudimentos matemáticos comuns à formação de qualquer físico. Pelo contrário, o apelo
estético formal das estruturas abstratas da Matemática lhe serviria de guia e inspiração. Após
intensa colaboração com Grossmann na teoria da Gravitação, que produziu o artigo ainda
incompleto de 1913 ⁴⁰, Einstein daria forma final a teoria em “Os Fundamentos da Teoria
da Relatividade Geral” ⁴¹, apresentado o espaço-tempo como uma variedade riemanniana,
com curvatura, localmente compatível com o espaço-tempo da relatividade especial, na
qual a gravitação emerge como resultado da geometria não trivial do espaço-tempo, sendo
esta geometria determinada pelo conteúdo de matéria-energia do sistema físico. Qualquer
objeto, massa ou energia, que vaga livremente ao sabor da ação gravitacional segue, na
verdade, o caminho “inercial” deste espaço curvo, que não é mais a reta.
Podemos dizer que a formulação da teoria da Gravitação de Einstein constitui uma das
mais belas sínteses entre a Física teórica e a Matemática pura. Ao ter optado por seguir o
caminho da geometrização, Einstein demonstrou grande coragem intelectual e desprendimento em relação à sua própria criação, como poucos ousaram na evolução do pensamento,
40. Einstein, A. & Grossmann, M., Z. Math. Physik, 62, p. 225, 1913.
41. Einstein, A., Annalen der Physik, 49, p. 769, 1916.
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na Física. Tendo obtido sucesso em sua empreitada assumiu compreensivelmente, um dos
lugares de maior destaque na Física de todos os tempos. Em 1920, Einstein proferiu, em
Leyden, a conferência “Éter e a teoria da Relatividade” ⁴². Aí admitiu que, de certa forma, de
acordo com a teoria da relatividade geral havia, afinal, um éter, com as seguintes palavras:
“... podemos dizer que de acordo com a teoria da relatividade geral o espaço é dotado
de qualidades físicas; e neste sentido, existe um éter. De acordo com a teoria da
relatividade geral, espaço sem éter é inconcebível; pois neste espaço não somente não
haveria propagação da luz, mas também não haveria a possibilidade de existência de
padrões para o espaço e o tempo (réguas de medir e relógios), nem, portanto, qualquer
intervalo de espaço-tempo no sentido físico. Mas este éter não pode ser pensado como
sendo dotado de qualidades características dos meios ponderáveis, como constituídos de
partes que podem ser acompanhadas através do tempo. A ideia de movimento não pode
ser aplicada a ele.”
Referências Bibliográficas
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42. Einstein, A., 2002, op. cit.
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Da transmissão da força à geometrização da força
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[19] Mulligan, J.F. “The Aether and Heinrich Hertz’s The Principles of Mechanics Presented in a New
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[20] Newton, I., “Principia – Princípios Matemáticos de Filosofia Natural”, Livro I, Edusp, São
Paulo, 2008.
[21] Newton, I., Principia – Princípios Matemáticos de Filosofia Natural, Livros II e III, Edusp, São
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[22] Niven, W. D. (ed.), The Scientific papers of James Clerk Maxwell, vol. 1, Dover Publ. Inc.,
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[23] Niven, W. D. (ed.), The Scientific papers of James Clerk Maxwell, vol. 2, Dover Publ. Inc.,
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[24] Pais, A., “Sutil é o Senhor. . . A ciência e a vida de Albert Einstein”, Editora Nova Fronteira,
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[25] Poincaré, H., “O valor da Ciência”, Contraponto Editora, Rio de Janeiro, 1995.
[26] Whittaker, E.T. “A History of the Theories of Aether and Electricity: The classical theories”,
Thomas Nelson and Sons Ltd., London, 1951.
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Diálogos Sobre o Tempo — Prova 2 — 30/11/2010 — Maluhy&Co. — página (local 47, global #73)
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IV
O Tempo na Física¹
José Maria Filardo Bassalo²
[email protected]
O tempo perguntou ao tempo
quanto tempo o tempo tem,
o tempo respondeu que o tempo
tem tanto tempo quanto o tempo tem.
(Anônimo)
1
Introdução
Até a metade do Século 19 a principal preocupação dos estudiosos do tempo relacionava-se
apenas com a horologia, isto é, com a arte de medir o tempo, arte essa que foi desenvolvida
através da construção de relógios [1]. Contudo, as dificuldades da Termodinâmica com os
processos macroscópicos e, consequentemente, o desenvolvimento da Mecânica Estatística
na segunda metade daquele Século; a questão da simultaneidade dos eventos físicos estudada
pela Relatividade Restrita, no começo do Século 20; e o problema do determinismo
desses mesmos eventos analisado pela Mecânica Quântica, a partir de 1925, levaram os
físicos a tratar o tempo como uma grandeza física sob cincos pontos de vista: 1) clássico;
2) termodinâmico; 3) relativístico; 4) quântico; e 5) cosmológico, conforme veremos no
decorrer deste artigo.
1. Uma primeira versão deste trabalho foi publicada no livro: José Maria Filardo Bassalo, Crônicas da Física 4
(EdUFPA, 1994).
2. Físico, Professor Aposentado da Universidade Federal do Pará e Membro das Academias Roraimense e Paraense de
Ciências, e do Pen Club do Brasil.
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José Maria Filardo Bassalo
2
O Tempo na Mecânica Clássica
De um modo geral, para entender um fenômeno em nosso Universo é necessário conhecer
a lei que o rege. Conhecida essa lei, procura-se, então, quais conceitos (e suas relações)
são importantes, não só para a sua compreensão, bem como para a previsão de novos
aspectos desse mesmo fenômeno. Em Física, para as suas leis [2], existem alguns conceitos
fundamentais, dentre os quais o tempo é um dos principais, já que ele é importante para
saber como evoluiu ou evoluirá um fenômeno em estudo. Muito embora hoje a importância
do tempo seja inquestionável, o seu conceito, contudo, ainda continua a ser uma questão
polêmica, conforme tentaremos mostrar neste artigo.
É claro que desde o aparecimento do Homem em nosso Universo, o tempo sempre
esteve presente em suas observações, já que algumas coisas por ele observadas tinham
começo e fim (a vida), outras se repetiam periodicamente (movimento dos astros) e, por
fim, outras eram aparentemente eternas (minerais e o próprio Universo). Porém, o Homem
custou a conhecer a relação direta entre o tempo e o que observava. Por exemplo, tomemos
o caso do movimento de um modo geral. Parece que foram os gregos antigos os primeiros a
estudar o movimento dos corpos. Com efeito, o filósofo grego Aristóteles de Estagira (384322 a.C.) tratou o movimento, quer do ponto de vista cinemático, isto é, apenas relacionando
com sua trajetória geométrica; quer do ponto de vista dinâmico, para o qual é importante
saber a sua causa: a força. Assim, para esse filósofo, uma pedra lançada em certa direção
descrevia uma trajetória retilínea até um determinado ponto e, depois caía na vertical. Por
outro lado, a causa do movimento da pedra, afirmava o estagirita, era devido a uma força
exercida pelo ar ao ser empurrado para os lados pela passagem da pedra através do mesmo.
Apesar da afirmação de Aristóteles sobre a trajetória retilínea de um corpo lançado no
espaço, logo se verificou tratar-se de uma trajetória curva. Porém, restava saber a forma
dessa curva. Uma pergunta que se coloca com relação a essa questão, é a seguinte: por que os
gregos antigos tiveram tanta dificuldade em compreender o movimento aproximadamente
parabólico dos corpos lançados ao espaço se, por exemplo, as curvas cônicas (elipse, parábola
e hipérbole) já haviam sido descobertas pelo matemático grego Menecmo (Menaechmus)
de Atenas (f.c. 350 a.C.) e estudadas pelo matemático grego Apolônio de Pérgamo (c. 261c. 190) por volta de 220 a.C.? Duas parecem ser as razões básicas. A primeira delas é devida
ao fato de que não tinham a ideia de movimento relativo e, consequentemente, a ideia
da independência dos movimentos, ideias essas só aparecidas no começo do Século 17,
para as quais é fundamental o conceito de referencial. A segunda razão decorre, em nosso
entendimento, do desconhecimento que tinham dos conceitos modernos de limite, derivada
e integral, conceitos esses necessários para a definição de velocidade e de aceleração, que são
os parâmetros físicos característicos do movimento, e que só foram definidos na segunda
metade daquele Século. Para esses três conceitos (referencial, velocidade e aceleração), o
tempo e o espaço, são grandezas essenciais.
As ideias aristotélicas sobre movimento (considerado como uma categoria-qualidade do
corpo) permaneceram por muitos séculos até serem re-estudadas pelos físicos e matemáticos
da Idade Média e da Renascença. Na Idade Média, o problema do movimento foi analisado
por professores das Universidades de Oxford e de Paris. Os oxfordianos – conhecidos também
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IV
O Tempo na Física
como calculadores [3] – consideraram o movimento analisando o problema aristotélico
relacionado ao crescimento (intensio), ou ao decrescimento (remissio), em intensidade, das
qualidades (grandezas) cinemáticas. Esses cientistas conseguiram, trabalhando apenas
hipoteticamente e sem nenhuma tentativa experimental (presume-se!), demonstrar que o
movimento uniformemente disforme (hoje chamado variado) era equivalente ao movimento
uniforme, desde que este último fosse descrito com a velocidade média do primeiro, conforme
dizemos hoje. Esse resultado ficou conhecido como a Regra de Merton (RM), porque os
calculadores ensinavam no Merton College, da Universidade de Oxford.
Essa RM foi demonstrada geometricamente pelo matemático alemão, o Bispo Nicholas
Oresme (Nicole d’Oresme) (c. 1325-1382), do Colégio Navarra da Universidade de Paris.
Em seus estudos sobre o movimento, Oresme representava a variação da intensidade da
qualidade de movimento (hoje, velocidade) de modo geométrico. Assim, ao longo de uma
linha horizontal marcava pontos (chamado por ele de longitudes, que nada mais eram do
que os instantes de tempo) e, em cada um desses pontos, levantava uma perpendicular
a essa mesma linha, cujo comprimento (chamado por ele de latitude) representava a
intensidade da qualidade de movimento. Desse modo, o movimento uniforme era indicado
por um retângulo, e o uniformemente disforme por um trapézio ou um triângulo. Oresme
afirmou ainda que a soma das latitudes (hoje, velocidades) nesses gráficos, significava a
distância (hoje, espaço) percorrida pelo corpo. Resultados análogos a esses de Oresme
foram encontrados pelo seu professor, o filósofo francês Jean Buridan (1300-1358). Vê-se,
portanto, que esses estudiosos medievais substituíram, para o caso do movimento de um
corpo, a categoria-qualidade aristotélica, por uma categoria-quantidade.
Não obstante o esforço dos estudiosos da Idade Média no sentido de entender e
descrever o movimento, o fato de ser a Terra considerada como imóvel, segundo indicava o
modelo planetário geocêntrico do astrônomo grego Cláudio Ptolomeu (85-165), proposto
entre 151-157 d.C., fez com que, presumivelmente, esses estudiosos não se preocupassem
em descrever o movimento de um corpo em relação a um outro, também em movimento,
isto é, eles não estudaram o movimento relativo. No entanto, com o modelo planetário
heliocêntrico proposto em 1543 pelo astrônomo polonês, o Cônego Nicolau Copérnico
(1473-1543), surgiu a necessidade de descrever o movimento de um corpo em relação
a uma Terra móvel que, contudo, apresentava uma questão interessante, qual seja, a de
saber por que um corpo lançado para cima não cairia a oeste de sua posição inicial, como
afirmavam os aristotélicos? Esta e outras questões sobre o movimento começaram a ser
respondidas pelos estudiosos da Renascença [4].
Parece haver sido o artista e inventor italiano Leonardo da Vinci (1452-1519) um dos
primeiros a fazer experiências sobre o movimento dos corpos e relacioná-los explicitamente
com o tempo. Por exemplo, ao estudar o movimento num plano inclinado, observou que
os tempos da queda de um corpo num plano inclinado variam inversamente com os senos de seus
ângulos de inclinação. Da Vinci também estudou novos tipos de movimento, principalmente
o lançamento oblíquo de projéteis. Ao observar esse tipo de movimento, concluiu que sua
trajetória era a de uma curva contínua e não, como acreditavam os artilheiros e pirotécnicos
de sua época, uma linha composta de dois segmentos de reta ligados por um arco de círculo.
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Essa afirmação foi também confirmada pelo físico italiano Niccolo Fontana Tartaglia
(c. 1500-1557), em 1546.
A questão da descrição do movimento de um projétil em relação a uma Terra (ou
um outro corpo qualquer) móvel foi abordada pelo filósofo italiano Giordano Bruno
(1548-1600) ao propor a seguinte experiência. Sejam duas pessoas, uma em um navio
em movimento uniforme e a outra na margem de um rio. Então, quando estiverem uma
defronte da outra, deixam cair uma pedra da mesma altura, em queda livre. Cada pessoa,
em particular, verá cair sua pedra ao pé da vertical, numa trajetória retilínea. No entanto, a
trajetória descrita pela pedra lançada por uma dessas pessoas, vista pela outra, será uma
curva. Experiências desse tipo foram realizadas pelo engenheiro francês Jean Gallé, no mar
Adriático, por volta de 1625, e pelo físico francês Jean-Baptiste Morin (1583-1656), em
1634, no rio Sena [5].
O estudo do movimento de corpos também foi objeto de pesquisa por parte do físico e
astrônomo italiano Galileu Galilei (1564-1642) entre 1589 e 1592, por ocasião em que
era professor da Universidade de Pisa. O resultado dessa pesquisa foi apresentado no livro
Dialogo supra i due Massimi Sistemi Del Mondo Tolemaico e Copernicano (“Diálogo
sobre os dois Máximos Sistemas do Mundo Ptolomaico e Copernicano”) [Discurso
Editorial (2001)], publicado em 1632, no qual Galileu discutiu a queda de um corpo
em um navio parado ou em movimento uniforme, bem como o movimento de projéteis e o
voo das aves, em uma Terra móvel. Em toda essa discussão, Galileu usou o que, mais tarde,
ficou conhecido como o princípio da relatividade do movimento segundo o qual, um corpo
sob a ação de dois movimentos, descreve um terceiro que é resultante da composição dos
dois, isoladamente. Por exemplo, se um corpo é lançado horizontalmente do alto de uma
torre, ele descreverá uma parábola (no caso de ser desprezado o ar atmosférico) que resulta
da composição de um movimento uniforme (horizontal) e de uma queda livre (movimento
uniformemente variado).
Esse princípio da independência de movimento de Giordano Bruno-Galileu foi corretamente utilizado pelo físico francês Pierre Gassendi (1592-1655), em 1641, ao examinar a
queda vertical de um corpo do alto do mastro de uma galera em movimento. Esse princípio
hoje conhecido como Princípio da Relatividade de Galileu (PRG) é hoje expresso na
forma: x 0 = x + Vt, y0 = y, z0 = z, t0 = t, onde x 0 é a posição de uma partícula em relação
a um objeto fixo O0 , e x é a posição dessa mesma partícula em relação a um outro objeto O
que se desloca com uma velocidade constante V em relação a O0 e na direção O0 x 0 (ou Ox).
Usando as expressões acima e lembrando da definição de velocidade (espaço dividido pelo
tempo), teremos a seguinte expressão: x 0 /t0 = x/t0 (= t) + Vt/t0 (= t) → v0 = v + V,
que é a famosa Lei de Composição de Velocidades de Galileu. É oportuno registrar que
essa lei foi também encontrada, independentemente, pelos franceses, o físico, matemático e
filósofo francês René du Perron Descartes (1595-1650), em 1638, e o matemático Gilles
Personne de Roberval (1602-1675), em 1639 [6].
Muito embora Galileu não usasse o PRG na forma analítica como descrita acima,
ele o utilizava por intermédio de argumentos lógicos diretos, auxiliados pela Geometria,
como se pode ver em seu Dialogo. Foi também dessa maneira que Galileu, ainda nesse
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O Tempo na Física
livro, demonstrou que o PRG levava a um outro resultado importante, qual seja, o de ser
impossível determinar se um navio está ancorado ou em movimento retilíneo uniforme,
realizando uma experiência mecânica em algum de seus camarotes fechados.
A relação explícita (e correta) entre o movimento dos corpos e o tempo, foi apresentada por Galileu em seu livro Discorsi i Demonstrazioni Mathematiche intorno
à Due Nuove Scienze Attenenti alla Mecanica e Movimenti Locali (“Discursos e
Demonstrações Matemáticas em torno de Duas Novas Ciências”) [Great Books of the
Western World 26 (Encyclopaedia Britannica Inc./Chicago, 1993)], publicado em 1638,
no qual há o estudo da resistência dos corpos em equilíbrio (sua Primeira Ciência [7]) e
o do movimento dos corpos (sua Segunda Ciência). Assim, ao aplicar o resultado de suas
pesquisas sobre os movimentos uniforme e uniformemente variado dos corpos em queda
livre e em planos inclinados, Galileu descobriu as seguintes leis: 1) As velocidades dos corpos
em queda livre são proporcionais aos tempos gastos na queda; 2) Os espaços percorridos pelos corpos
em queda livre são proporcionais aos quadrados dos tempos gastos em os descrever [8].
A Segunda Ciência de Galileu – a Mecânica – foi sistematizada pelo físico e matemático
inglês Sir Isaac Newton (1642-1727), em seu tratado intitulado Philosophiae Naturalis
Principia Mathematica (“Princípios Matemáticos da Filosofia Natural”) [Great Books
of the Western World 32 (Encyclopaedia Britannica Inc./Chicago, 1993)], publicado em
1687, composto de três Livros. No Livro I, Newton apresentou uma série de definições nas
quais são conceituadas a quantidade de matéria (massa), a força inata da matéria (inércia) e
a força centrípeta. Logo em seguida à apresentação desses conceitos, Newton apresentou as
famosas definições de espaço (absoluto, em sua própria natureza, sem relação com qualquer coisa
externa, permanece sempre similar e imóvel) e de tempo (absoluto, verdadeiro e matemático, por
si mesmo e da sua própria natureza, flui uniformemente sem relação com qualquer coisa externa e
é também chamado de duração). Em seguida, Newton examina a questão relacionada com os
movimentos absoluto e relativo dos corpos, concluindo que o movimento ou o repouso de
um corpo é sempre tomado em relação ao espaço imóvel das estrelas fixas, espaço esse mais
tarde conceituado como referencial inercial (RI). É oportuno destacar que, para Newton, a
massa também era absoluta, isto é, não dependia do RI.
Ainda no Livro I dos Principia, Newton enunciou os célebres axiomas ou leis do
movimento: 1ª Lei – Lei da Inércia: Todo corpo continua em seu estado de repouso ou de
movimento em uma linha reta, a menos que ele seja forçado a mudar aquele estado por forças
imprimidas sobre ele; 2ª Lei – Lei da Força: A mudança de movimento é proporcional à força
motora imprimida, e é produzida na direção da linha reta na qual aquela força é imprimida;
3ª Lei – Lei da Ação e Reação: A toda a ação há sempre oposta uma reação igual, ou, as ações
mútuas de dois corpos um sobre o outro são sempre iguais e dirigidas a partes opostas.
Depois de apresentar as leis do movimento, Newton começa então a estudar o movimento geral dos corpos. Ainda no Livro I, há o tratamento do movimento curvilíneo,
com ênfase na questão da força centrípeta, como causa desse tipo de movimento. No
Livro II, Newton discutiu o movimento de corpos em meios resistentes e, por fim, no
Livro III, aplicou todos os resultados obtidos anteriormente para demonstrar a estrutura
do sistema do mundo, por intermédio da Lei da Gravitação Universal: – A gravidade opera
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proporcionalmente à quantidade de matéria e propaga sua virtude para todos os lados a distâncias
imensas decrescendo sempre com o inverso do quadrado da distância.
Para o objetivo deste artigo, vamos nos deter um pouco sobre a Segunda Lei de Newton
(SLN). Esta lei e mais o PRG nos permitem afirmar que a Mecânica é incapaz de determinar
a velocidade de um referencial inercial. Vejamos como. Seja o movimento retilíneo de um
corpo (tomado na direção x, sem perda de generalidades) sob a ação de uma força (~F ) que,
neste caso especial, terá a componente Fx . Desse modo, usando a SLN (em sua notação
euleriana, conforme veremos mais adiante), ou seja: Fx = ma x = md2 x/dt2 . Por outro
lado, considerando o PRG, visto acima, resultará que: Fx0 0 = m0 d2 x 0 /dt02 = md2 ( x +
Vt)/dt2 = md2 x/dt2 = Fx . Esse resultado significa dizer que a lei da força apresenta
a mesma expressão em qualquer RI, quer este esteja parado ou em movimento retilíneo
uniforme. Este resultado tem hoje o estatuto de um Teorema: – As leis da Mecânica são
invariantes por uma transformação de Galileu.
Apesar da sistematização das leis do movimento realizada por Newton, havia uma
grande dificuldade com as mesmas, já que elas só se aplicam a corpos que pudessem se
comportar como partículas, isto é, pontos geométricos e massivos. Em vista disso, no
Século 18 foi desenvolvida a Mecânica dos Sólidos, para a qual houve a contribuição
de vários cientistas [9]. No entanto, para o escopo deste trabalho, vamos considerar as
mais fundamentais. As leis gerais da Mecânica dos Sólidos foram formuladas pelo físico e
matemático suíço Leonhard Euler, em 1776, com os seguintes enunciados: 1ª Lei – A força
P = m~v):
total (~F ) atuando em um corpo é igual à taxa de variação do momentum linear total (~
~F = d~P/dt = md~v/dt = m~a [equação de Newton-Euler (EN-E)]; 2ª Lei – O torque
~ = ~r × ~F ) é igual à taxa de variação do momento do momento (momento angular
total ( N
~L = ~r × ~P): N
~ = d~L/dt [10].
Uma outra contribuição importante para o desenvolvimento da Mecânica dos Sólidos
(Mecânica Geral) foi apresentada pelo matemático francês Joseph Louis, Conde de
Lagrange (1736-1813) em seu livro Mécanique Analytique (“Mecânica Analítica”), publicado em 1788. Nesse livro, há um sumário de todo o trabalho no campo da Mecânica,
desde Newton até o instante em que escreveu esse livro. No entanto, nele, Lagrange não
considerou nem as construções geométricas utilizadas por Newton em seu Principia e nem a
Mecânica de Euler, mas somente operações analíticas e algébricas e dois outros princípios: 1)
o variacional da mínima ação [11]; 2) o do trabalho virtual. Além disso, em seu estudo da
Mecânica Analítica, Lagrange considerou o tempo como uma quarta dimensão [12] e não
como um parâmetro, como fizera Euler ao desenvolver a sua Mecânica. Note que essas duas
descrições do movimento são conhecidas, respectivamente, como lagrangeana e euleriana.
Um novo aspecto conceitual da Mecânica foi considerado pelo matemático e físico francês Pierre Simon de Laplace (1749-1827) em sua importante obra intitulada Mécanique
Celeste (“Mecânica Celeste”), composta de cinco volumes, publicado entre 1799 e 1825.
Nesse livro, Laplace aplica a Mecânica Analítica ao movimento dos astros no Universo.
Contudo, um dos importantes resultados da Mecânica Celeste já havia sido demonstrado
por Laplace e Lagrange, em 1786, ao estudarem a excentricidade total das órbitas dos
planetas do sistema solar: a estabilidade.
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3
O Tempo na Física
O Tempo na Termodinâmica
Neste item, abordaremos a questão de reversibilidade ou irreversibilidade do tempo,
questão essa que só foi evidenciada por ocasião da Segunda Lei da Termodinâmica, que surge
a partir do estudo das máquinas a vapor ou térmicas, e que tem como base a expansão
térmica dos gases [13].
A expansão térmica dos gases já era conhecida no mundo antigo. Porém, sua primeira
aplicação prática deve-se ao físico francês Denis Papin (1647-1712) ao descobrir, em
1698, que a água fervida ao ser colocada em um tubo oco faria com que o vapor resultante
deslocasse uma espécie de êmbulo colocado na outra extremidade desse tubo. Nesse
mesmo ano de 1698, o engenheiro inglês Thomas Savery (c.1650-1715) inventou um
dispositivo que produzia vácuo pela condensação do vapor d’água. Assim, quando adaptado
à extremidade de um tubo longo, este poderia aspirar água de qualquer reservatório. No
entanto, essa máquina a vapor apresentava muitas limitações, principalmente quando eram
utilizadas altas pressões (acima de 8 a 10 atmosferas).
A máquina a vapor de Savery foi aperfeiçoada pelo engenheiro inglês Thomas
Newcomen (1663-1729), em 1705, ao construir cilindros nos quais os êmbulos (pistões) se
ajustavam. O movimento de vaivém desses pistões devia-se, respectivamente, à expansão
e ao resfriamento do vapor. No entanto, como a água destinada a condensar o vapor
esfriava também os pistões, desse modo, grande quantidade de calor era desperdiçada.
Para contornar essa dificuldade, o engenheiro escocês James Watt (1736-1819), em 1765,
inventou o condensador, separado, para esfriar o vapor sem, contudo, esfriar os pistões.
Sendo a eficiências das máquinas a vapor bastante baixa, cerca de 5% a 7%, o físico
francês Nicolas Leonard Sadi Carnot (1796-1832) procurou melhorá-la [14]. Assim,
em 1824, em seu livro Réflexions sur la Puissance Motrice du Feu et sur les Machines
Propres à Developper cette Puissance (“Reflexões sobre a Potência Motriz do Fogo e
sobre as Máquinas próprias para Desenvolver essa Potência”), Carnot descreveu uma
máquina ideal sem atrito, que realiza um ciclo completo de modo que a substância usada –
vapor ou ar atmosférico – é levada de volta ao seu estado inicial. Carnot concluiu seu estudo
dizendo: – A potência motriz do calor é independente dos agentes empregados para produzi-la e
sua quantidade só depende das temperaturas inicial e final desses agentes.
A máquina de Carnot foi estudada pelo físico francês Emile Clapeyron (1799-1864), em
1834, ocasião em que o ciclo de Carnot foi pela primeira vez representado graficamente [hoje
esse gráfico é conhecido como diagrama P-V (pressão-volume)] por duas transformações
adiabáticas (quantidade de calor constante) e duas isotérmicas (temperatura constante).
Com isso, Clapeyron demonstrou que a produção de trabalho nessa máquina dependia
somente da diferença de temperatura entre os reservatórios térmicos (fontes quente e fria)
considerados por Carnot. Em 1848, o físico inglês William Thomson, Lord Kelvin (18241907) estudando o ciclo de Carnot-Clapeyron, propôs o conceito de temperatura absoluta
(T). Por sua vez, em 1850, o físico alemão Rudolf Emmanuel Clausius (1822-1888)
demonstrou que a produção de trabalho nas máquinas térmicas não resultava simplesmente
do deslocamento do calor da fonte quente para a fonte fria e sim, também, por consumo
de calor. Assim, escreveu que: – É impossível realizar um processo cíclico cujo efeito único
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seja transferir calor de um corpo mais frio para um mais quente. Esta afirmação ficou mais
tarde conhecida como a Segunda Lei da Termodinâmica. Note que esta lei foi reinterpretada
por Kelvin, em 1851, no trabalho intitulado On the Dynamical Theory of Heat (“Sobre
a Teoria Dinâmica do Calor”), por intermédio da tese de irreversibilidade e dissipação
do calor.
Ao formular sua lei, Clausius preocupou-se, basicamente, com a direcionalidade do
fluxo do calor, isto é, com a tendência do calor fluir de uma fonte quente para uma fonte
fria. Assim, a partir de 1854, começou a pensar que a transformação de calor em alta
temperatura para calor em baixa temperatura deveriam ser equivalentes. Em vista disso,
introduziu o conceito de valor de equivalência de uma transformação térmica e que era
medido pela relação entre a quantidade de calor (∆Q) e a temperatura (T) na qual ocorre
essa transformação. Por intermédio desse novo conceito físico [o qual denominou de
entropia (S) (do grego que significação transformação), em 1865], pôde Clausius fazer a
distinção entre processos reversíveis e irreversíveis [15]. Desse modo, considerando um
ciclo qualquer como uma sucessão de ciclos infinitesimais de Carnot, ainda em 1865, seu
célebre Teorema:
∆Q2
∆Q1
∆Qi
+
+··· =
+···+
T1
T2
Ti
I
δQ
=
T
I
dS 6 0,
onde o sinal de menor (<) ocorre para as transformações irreversíveis e o sinal de igualdade
(=), para as reversíveis [16]. Adotando o termo energia [que havia sido universalizado por
Kelvin e pelo físico e engenheiro escocês William John Macquorn Rankine (1820-1872)],
Clausius resumiu, ainda em 1865, o resultado de suas pesquisas sobre a teoria do calor, nas
hoje conhecidas: Primeira Lei da Termodinâmica – A energia (E) do Universo é constante;
Segunda Lei da Termodinâmica – A entropia (S) do Universo tende para um máximo.
Considerando que o calor tinha uma base mecânica, os físicos passaram então a explicar
mecanicamente as grandezas físicas (temperatura T, entropia S e quantidade de calor
∆Q) inerentes aos processos caloríficos, bem como distinguindo, também mecanicamente,
os processos reversíveis e irreversíveis. Desse modo, institucionalizou-se a disciplina
Termodinâmica. Assim, entre 1868 e 1872, o físico austríaco Ludwig Edward Boltzmann
(1844-1906) realizou vários trabalhos usando a visão mecânica do calor. Nesses trabalhos,
além de encontrar uma expressão analítica para S, ele definiu, em 1872, a função H (t) =
∫∫∫ f (~v, t) log f (~v, t)d3~v, que satisfaz a expressão dH/dt 6 0 – o célebre teorema H
– cujo principal resultado é o de que a entropia cresce nos processos irreversíveis. Note
que f (~v, t)d3~v representa o número de moléculas que têm a velocidade (~v) entre ~v e
~v + d~v [17].
No entanto, em 1876, o químico austríaco Johann Joseph Loschmidt (1821-1895)
criticou os trabalhos de Boltzmann, usando o seguinte argumento (mais tarde denominado
paradoxo da irreversibilidade): – Sendo as leis da Mecânica reversíveis no tempo (ver a Segunda
Lei de Newton no item 2) elas, portanto, não poderão descrever uma função tipo entropia e
nem os processos irreversíveis que ela descreve. Para responder a esse argumento, Boltzmann
adotou então a interpretação probabilística da entropia, apresentando em 1877, a seguinte
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O Tempo na Física
expressão: S = k`nΩ, onde k foi mais tarde chamada de constante de Boltzmann e Ω
é o número de configurações possíveis de um sistema [18]. Essa equação significa que a
entropia mede a desordem molecular. A partir daí, a disciplina Termodinâmica deu lugar
à Mecânica Estatística e a Segunda Lei da Termodinâmica passou a ser escrita como: –
A entropia do Universo cresce, que passou a significar que o tempo é irreversível e que,
portanto, não se pode inverter a flecha do tempo [19]. Este resultado traduz o aspecto do
tempo termodinâmico.
4
O Tempo na Mecânica Relativística
No item 2, vimos que as leis da Mecânica são invariantes por uma transformação de Galileu
(TG), ou seja, uma experiência mecânica é incapaz de determinar se um corpo está em
repouso ou em movimento retilíneo uniforme. Esta afirmação se baseia, como vimos, no
fato de que o tempo é absoluto (t = t0 ). No entanto, quando o físico e matemático escocês
James Clerk Maxwell (1831-1879) formalizou, em 1873, as leis do eletromagnetismo –
por intermédio das famosas equações de Maxwell [20] – a questão que se colocou para os
estudiosos dessas equações era a de saber se as mesmas eram invariantes por uma TG.
Contudo, observou-se que tal invariância não ocorria, significando dizer que por intermédio
de uma experiência eletromagnética (envolvendo luz, por exemplo) era possível determinar
se um corpo está em repouso ou em movimento retilíneo uniforme [21]. Ao estudar essa
assimetria, o físico germano-norte-mericano Albert Einstein (1879-1955; PNF, 1921), em
1905, formulou dois princípios (ou postulados): 1º Princípio da Relatividade – As leis pelas
quais os sistemas físicos experimentam mudanças não são afetadas, se essas mudanças de estado
são referidas a um ou outro de dois sistemas de coordenadas em movimento retilíneo uniforme; 2º
Princípio da Constância da Velocidade da Luz – Qualquer raio de luz move-se em um sistema
“estacionário” de coordenadas com a velocidade determinada c, quer seja o raio emitido por um
corpo estacionário ou em movimento.
Tomando como base esses dois princípios, hoje conhecidos como Princípios da
Relatividade Restrita, passou Einstein a determinar as transformações lineares (essa hipótese foi admitida em virtude das propriedades de homogeneidade do espaço e do
tempo) compatíveis com tais postulados. As transformações que o físico holandês Hendrik
Antoon Lorentz (1853-1928; PNF, 1902) havia obtido em 1904 [22]. De posse dessas
transformações, Einstein prosseguiu examinando o efeito que as mesmas provocam em
corpos rígidos e em relógios em movimento, obtendo os seguintes importantes resultados:
Contração do Espaço – L = L0 /γ – significando que um bastão rígido de comprimento
L0 quando se desloca com uma velocidade v em relação a um observador em repouso,
aparecerá a este ter um comprimento menor L, pois γ > 1; Dilatação do Tempo – τ = γτ0
– significando que o intervalo de tempo (τ) entre dois eventos, medidos em uma série de
relógios sincronizados e em repouso, é maior do que o intervalo de tempo (τ0 – denominado
de tempo próprio), entre esses mesmos eventos e medido por um observador solidário a
um relógio que se desloca com velocidade v em relação ao conjunto de relógio sincronizado
referido anteriormente [23].
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Essa Dilatação do Tempo significa, também, o caráter não absoluto da simultaneidade,
ou seja, que dois acontecimentos podem ser simultâneos para um observador, e não ser
para um outro que se desloca com uma velocidade v em relação ao primeiro. Essa não
simultaneidade de eventos ocorre porque a velocidade da luz é finita [24]. Em virtude desse
resultado dizemos que o tempo é relativo, uma vez que sua medida depende do laboratório
em que é realizada. Este é, portanto, o aspecto do tempo relativístico, no âmbito da Teoria
da Relatividade Restrita (TRR). Por outro lado, no âmbito da Teoria da Relatividade
Geral (TRG), proposta ainda por Einstein ao examinar, em 1916, o movimento relativo
de referenciais acelerados (não inerciais), a Dilatação do Tempo também aparece. Contudo,
não mais como um efeito apenas do movimento relativo de referenciais inerciais, e sim,
como um efeito da gravitação, uma vez que τ0 depende, agora, do potencial gravitacional,
ou seja: τ = τ0 (1 + 2φ/c2 )1/2 , onde φ é o potencial gravitacional newtoniano [25].
5
O Tempo na Mecânica Quântica
Em 1900, o físico alemão Max Karl Ernest Planck (1858-1947; PNF, 1918) demonstrou
que a energia dos osciladores moleculares (de frequência ν), não variava continuamente e,
sim, discretamente, como múltiplos da quantidade hν (onde h foi posteriormente chamado
de constante de Planck), denominada por ele de quantum de energia. Mais tarde, em 1913,
o físico dinamarquês Niels Henrik David Bohr (1885-1962; PNF, 1922) formulou o
modelo atômico quântico, segundo o qual os elétrons giravam em determinadas órbitas
circulares em torno do núcleo atômico, com o módulo do momento angular (L) quantizado
(L = nh/2π), bem como as suas energias (E) também quantizadas [E = −(13,6/n2 ) eV
(elétron-Volt), com n = 1, 2, . . . , e o sinal menos (−) indicando que as órbitas são presas
(ligadas) ao núcleo]. Esse modelo, no entanto, foi substituído pela Mecânica Quântica,
desenvolvida entre 1925 e 1927 [26], cuja formulação motivou uma discussão entre Bohr
e o físico alemão Werner Karl Hiesenberg (1901-1976; PNF, 1932), qual seja, a de se
explicar (por intermédio de uma experiência de pensamento) as órbitas eletrônicas bohrianas
numa câmara de névoa ou câmara de Wilson [27], usando o formalismo matemático dessa
Mecânica. Para explicá-las, Heisenberg foi levado, em 1927, à apresentação do famoso
Princípio da Incerteza: – É impossível obter exatamente os valores simultâneos de duas variáveis,
a não ser dentro de um limite mínimo de exatidão [28]. Para o caso das variáveis momento
linear (p) e posição (x), esse princípio é traduzido por uma expressão envolvendo os
erros (∆) em suas medidas, ou seja: ∆p x ∆x ≈ h, conhecida como Relação (Princípio) de
Incerteza de Heisenberg [RI(P)H], segundo sua proposição inicial.
Essa RIH conduziu a um resultado revolucionário em Física. Vejamos qual. Conforme
vimos anteriormente, na Mecânica Newtoniana, o movimento de uma partícula é regido
pela Segunda Lei de Newton, que é dada por Fx = md2 x/dt2 (no movimento unidimensional). Pois bem, para resolvê-la, isto é, calcular a trajetória [x (t)] seguida pela partícula, é
necessário conhecer a velocidade v (e, consequentemente, o p, uma vez que p = mv) e x
da mesma em um determinado instante (t). Contudo, segundo a RIH, posição e velocidade
(ou momento) não podem ser conhecidas simultaneamente, pois sabendo a posição de
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IV
O Tempo na Física
uma partícula com precisão absoluta (∆x = 0), perdemos completamente a informação
sobre a velocidade da mesma, visto que, segundo a RIH, temos: ∆(mv x )∆x ≈ h, então,
para ∆x = 0 teremos ∆v x → ∞. Deste modo, do ponto de vista da Mecânica Quântica,
dizemos que a trajetória de uma partícula é indeterminada [29].
Agora, aplicando a RIH ao par de variáveis energia (E) e tempo (t), resultará na relação
de incerteza [30]: ∆E∆t ≈ h, que permite mostrar ser estacionário o estado de um sistema
com E bem definida, pois, neste caso, tem-se: ∆E = 0 e então ∆t → ∞. Note que essa
situação ocorre com as órbitas estacionárias do modelo de Bohr tratado anteriormente. Esta
expressão caracteriza, também, o que denominamos o aspecto do tempo quântico, já
que ela nos permitirá saber se o tempo é discreto ou contínuo. Vejamos de que maneira.
A variável energia (E) envolvida na expressão acima é uma grandeza física que varia
discretamente, conforme postulou Planck, em 1900, segundo vimos acima. Mais tarde, em
1926, quando o físico austríaco Erwin Schrödinger (1887-1961; PNF, 1933) propôs sua
famosa equação – HΨ = EΨ – para explicar as órbitas estacionárias do elétron no átomo
de hidrogênio (H), ele demonstrou o aspecto discreto da energia bohriana. É interessante
destacar que como a equação de Schrödinger (ES) é não relativista e não considera o spin
do elétron, o físico inglês Paul Adrien Maurice Dirac (1902-1984; PNF, 1933), em 1928,
deduziu uma equação para estudar a dinâmica do elétron – a célebre equação de Dirac (ED)
– que é relativista e spinorial; a partir daí surgiu a Mecânica Quântica Relativística ou
Eletrodinâmica Quântica [31].
O desenvolvimento posterior da Mecânica Quântica mostrou que seu formalismo
matemático permite demonstrar a RIH para um dado par de variáveis físicas, desde que se
possa atribuir a cada uma delas um operador, e que não comutem entre si [32]. Contudo,
enquanto se pode atribuir à variável E o operador hamiltoniano (H = T + V, sendo T a
energia cinética e V o potencial), até o presente momento não se encontrou um operador
para t [33]. Por essa razão, sob o aspecto quântico, o tempo é considerado, portanto, uma
grandeza que varia continuamente.
Ainda na Mecânica Quântica [Relativística (ED) e Não Relativística (ES)], na Mecânica
Estatística Quântica (MEQ) e na Teoria Quântica de Campos (TCQ), é interessante
destacar alguns aspectos do uso do tempo. Quando fazia o doutoramento em Física
(concluído em 1942) na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, o físico norte-americano Richard Philips Feynman (1918-1988; PNF, 1965) começou a questionar
o determinismo das equações diferenciais ordinárias da Mecânica: Clássica (EN-E),
Quântica Não Relativística (ES) e Relativística (ED). Esse determinismo, conforme
vimos anteriormente, significava dizer que conhecida a posição de uma partícula (p.e.:
o elétron) em um dado instante, saberemos o que ela (ele) fez ou fará posteriormente.
Pois bem, a partir desse questionamento, Feynman partiu do princípio de que a partícula
poderia fazer o que quisesse, podendo, inclusive, voltar no tempo. É oportuno ressaltar
que essa possibilidade da inversão temporal, já havia sido usada, em 1934, pelo físico suíço
Ernst Carl Gerlach Stückelberg (1905-1984) ao explicar que o pósitron [34] poderia ser
tratado como um elétron viajando do futuro para o passado. Assim, continuava Feynman,
partindo-se do estado de um elétron em certo instante (t0 ), saberemos calcular um outro
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estado do mesmo em um outro tempo (t), se somarmos as contribuições de todos os
infinitos possíveis históricos do elétron que o levam de um estado a um outro possível. Para
Feynman, o histórico de um elétron era qualquer caminho (trajetória) possível no espaço
e no tempo, podendo inclusive voltar no tempo, conforme havia afirmado antes. Esses
infinitos históricos (por causa da RIH, que não permite que sejam definidas trajetórias
para partículas) eram representados por figuras, mais tarde conhecidas como diagramas de
Feynman, que são calculados por intermédio de uma integral (integral de caminho – path
integral), e o resultado recebe o nome de propagador de Feynman, segundo sua formulação
apresentada em 1948 [35]. Esses propagadores, assim como a inversão temporal, foram
utilizados por Feynman, para desenvolver a Teoria dos Pósitrons, em 1949 [36]. Na MEQ,
outro aspecto quântico do tempo foi apresentado pelo físico suíço-norte-americano Felix
Bloch (1905-1983; PNF, 1952), em 1932, ao estudar a dinâmica do ferromagnetismo e
considerar que havia uma correlação entre temperatura (T) e tempo
√ imaginário definido
por: t = −i (h/2kT ), onde k é a constante de Boltzmann e i = −1. Com essa extensão
analítica do tempo, ele transformou sua equação – equação de Bloch – numa ES [37]. Na
TQC, em 1981, o físico-matemático norte-americano Edward Witten (n.1951) introduziu
a supersimetria na TQC em (0 + 1) dimensões, que ficou conhecida como Mecânica
Quântica Supersimétrica (MQS), na qual o tempo é a coordenada e a posição é o próprio
campo [38].
Para concluir este item sobre o tempo na Mecânica Quântica, analisemos o seu
comportamento no famoso Paradoxo EPR. Quando Schrödinger propôs sua famosa ES,
em 1926, segundo registramos acima (HΨ = EΨ), surgiu uma questão intrigante: qual
o significado físico da função de onda (Ψ)?. Uma das respostas que tem mais adeptos até
hoje foi apresentada pelo físico alemão Max Born (1882-1970; PNF, 1954), ainda em
1926, que a considerou como uma amplitude de probabilidade [39]. A essa interpretação
sobrepôs-se uma outra relevante questão. Será sempre possível observar uma grandeza
física? A resposta a essa pergunta foi dada por Heisenberg, em 1927, por intermédio
da RIH, comentada anteriormente. A partir dela, desenvolveu-se a Mecânica Quântica
Probabilística (Indeterminista) (MQI) – conhecida como Interpretação de Copenhague
(IC) – por ser adotada por Bohr que liderava um grupo de pesquisa em Copenhague. Essa
interpretação foi questionada por Einstein, no célebre Congresso de Solvay, realizado na
cidade de Bruxelas, na Bélgica, em 1927 [40]. Para dar mais consistência ao argumento que
Einstein apresentou naquele Congresso (e, posteriormente, no de 1930, ainda em Bruxelas)
contra a IC, ele e os físicos, o russo Boris Podolsky (1896-1966) e o norte-americano
Nathan Rose (1909-1955) apresentaram, em 1935 [41], o hoje conhecido Paradoxo de
Einstein-Podolsky-Rosen ou Paradoxo EPR: – Se, sem perturbar um sistema físico, for possível
predizer, com certeza (isto é, com a probabilidade igual a um) o valor de uma quantidade física,
então existe um elemento da realidade física correspondente a essa quantidade física.
Para chegar a essa afirmação, esses três físicos examinaram a situação de dois sistemas,
I e II, que interagem entre t = 0 e t = T, e depois desse intervalo de tempo deixam de
interagir. Supuseram, também, que os estados dos dois sistemas eram conhecidos antes de
t = 0. Desse modo, com auxílio da MQI, afirmaram que pode ser calculada a Ψ do sistema
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IV
O Tempo na Física
I + II, para qualquer t > T. Os resultados dos cálculos quanto-mecânicos que realizaram
com a Ψ para a situação que haviam considerado [também conhecida como experiência
de pensamento (gedankenexperimente)], podem ser descritos de outra maneira. Vejamos
qual. Sejam duas partículas (1, 2) (p.e.: elétrons), com os respectivos, momento linear
P = ~p1 + ~p2 e
(~p1 , ~p2 ) e posição (~q1 , ~q2 ), que estão em um estado com momento linear ~
~
posição relativa Q = ~q1 − ~q2 . Então, elas interagem entre si durante algum tempo, e em
~ (que podem ser nulos,
seguida deixam de fazê-lo. Assim, conhecidos os valores de ~
PeQ
bastando para isso considerar que elas estão paradas e juntas), então, medidas simultâneas
de ~p1 e ~q2 nos darão, respectivamente, os valores de ~p2 , sem perturbar a partícula 2 e de
~q1 , sem perturbar a partícula 1. Desse modo, afirmaram os três físicos, teremos obtido
simultaneamente os valores de ~p2 e ~q2 , da partícula 2, que são elementos da realidade física.
Contudo, a MQI proíbe que se conheçam, simultaneamente, momento linear e posição
de uma partícula. Daí a razão desse artigo ser conhecido como o Paradoxo EPR (P-EPR)
[42]. Portanto, segundo o P-EPR, a medição da posição (ou momento linear) de uma
partícula poderia ser feita sem perturbar a outra, porque elas estavam separadas no espaço e
não interagindo por intermédio de sinais locais (com a velocidade da luz que, no entanto, é
finita) no momento das medições e, portanto, estariam sob uma interação (ação) a distância
(p.e.: como na gravitação newtoniana). Portanto, tal interação ocorria em um tempo nulo,
uma vez que essas medidas apresentavam resultados simultâneos.
O P-EPR recebeu a imediata contestação de Bohr, primeiro por intermédio de uma
carta que escreveu à revista Nature dois meses depois da publicação do artigo EPR, na
qual dizia que não concordava com as conclusões desse artigo, prometendo escrever um
outro mais detalhado, o que realmente ocorreu, ainda em 1935 [43]. Com efeito, Bohr
usou a MQI e deu uma explicação para o P-EPR dizendo que a medição de um de dois
objetos quânticos (p.e.: elétrons) correlacionados afeta o parceiro correlacionado. Assim,
quando um objeto de um par correlacionado sofre uma medida da função de onda Ψ (na
linguagem da MQI, essa medida chama-se de colapso da função de onda [44]) em um estado
de momento linear (p.e., ~p1 ), a função de onda do outro também entra em colapso (no
estado de momento linear), ~
P − ~p1 e nada se pode dizer sobre a posição (~p2 ) do outro objeto
correlacionado. O mesmo ocorre se for medida a posição (~q1 ou ~q2 ). Portanto, segundo
Bohr, o colapso da função de onda do mesmo modo que a correlação (entanglement) são
objetos que apresentam uma Inseparabilidade Quântica [45].
6
O Tempo na Cosmologia
Em 1915, Einstein postulou que a presença da energia-matéria no espaço induz neste
uma geometria não euclidiana [46], de modo que a força gravitacional entre os corpos no
Universo é dada pela curvatura do espaço. Esse seu postulado é traduzido pela seguinte
equação: Rµν − (1/2) gµν R = Gµν = −kTµν , sendo R = gµν Rµν , onde Rµν é o tensor
contraído de Riemann-Christoffel ou tensor de Ricci, Gµν é o tensor de Einstein, gµν ( gµν ) é
o tensor métrico, Tµν é o tensor energia-matéria, e k é a constante de gravitação de Einstein
[47]. Ao analisar sua equação, Einstein postulou que a curvatura do espaço deveria ser
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independente do tempo, ou seja, que o Universo deveria ser estático. Contudo, ao procurar,
em 1917, as soluções estáticas de sua equação observou que as mesmas eram impossíveis.
Então, para contornar essa dificuldade, formulou a hipótese de que as forças entre as
galáxias são independentes de suas massas e variam na razão direta da distância entre elas,
isto é, que havia uma repulsão cósmica, além, é claro, da atração gravitacional newtoniana.
Matematicamente, essa hipótese significava acrescentar ao primeiro termo de sua equação –
o famoso termo cosmológico ou termo de repulsão cósmica: Λgµν , onde Λ é a hoje famosa
constante cosmológica. Desse modo, Einstein demonstrou que o Universo era finito e de
curvatura positiva, indicando que sua geometria não euclidiana era esférica. Assim, se um
astronauta viajasse através de uma geodésica do mesmo, deveria voltar ao ponto de partida,
porém ele nunca atingiria o seu passado. Em virtude disso, esse modelo cosmológico ficou
conhecido como Universo Cilíndrico de Einstein.
Ainda 1917, o astrônomo holandês Willem de Sitter (1872-1934) encontrou uma
outra solução estática da equação de Einstein. Com efeito, ao supor que o Universo era
vazio, demonstrou que o espaço-tempo era curvo, razão pela qual seu modelo ficou
conhecido como Universo Esférico de de Sitter. Por sua vez, em 1922, o matemático
russo Aleksandr Aleksandrovitch Friedman (1888-1925) formulou a hipótese de que a
matéria do Universo se distribuía uniformemente, e, desse modo, encontrou duas soluções
não estáticas para a equação de Einstein. Numa delas, o Universo se expandiria com o
tempo e na outra, se contrairia. Entre 1924 e 1926, o astrônomo norte-americano Edwin
Powell Hubble (1889-1953) realizou, no Observatório de Monte Wilson, observações que
o levaram a afirmar que o Universo estava em expansão. Em vista disso, em 1927, o
astrônomo belga, o Abade Georges-Henri Edouard Lemaître (1894-1966) formulou um
modelo cosmológico segundo o qual o Universo teria começado a partir da explosão de
um átomo primordial (ovo cósmico) [48] que conteria toda a matéria do Universo [49]. Em
1949, o matemático austro-húngaro Kurt Gödel encontrou uma solução para a equação
de Einstein na qual o Universo é infinito, sem tempo cosmológico, estático (sem expansão)
e giratório. Assim, nesse Universo de Gödel, um foguete pode viajar para qualquer região
do passado, presente ou futuro e voltar atrás [50]. Por sua vez, em 1983, os físicos ingleses
James B. Hartle e Stephen William Hawking (n.1942) propuseram uma função de onda
schrödingeriana (ΨU ) para descrever o Universo. Para calcular ΨU deveremos resolver
a equação de Schrödinger: HU ΨU (~r, t) = i (h/2π )∂ΨU (~r, t)/∂t. Portanto, conhecida a
hamiltoniana do Universo (HU ), a técnica para resolver essa equação é a de usar as integrais
de caminho de Feynman (ICF). Contudo, além da dificuldade (que ainda permanece) de se
definir a HU , há dificuldades técnicas, qual seja, o aparecimento de divergências (valores
infinitos) quando se resolve a ICF com o tempo real. Para contornar essa dificuldade,
Hawking [51] sugeriu que as ICF fossem realizadas em um tempo imaginário. Essa
proposta de Hawking ficou conhecida como Gravidade Quântica.
Conforme vimos neste item, o aspecto do tempo cosmológico apresenta três interpretações: 1) o tempo começou com o big bang, há cerca de 13 bilhões de anos; 2) o tempo
não teve começo e nem terá fim, portanto, ele é infinito; 3) o tempo não é real e sim, ele
é imaginário.
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7
O Tempo na Física
Conclusão
Depois de analisarmos esses cinco aspectos do conceito de tempo, e verificarmos que é
um conceito difícil de entender mesmo para quem teria a obrigação de fazê-lo, ou seja,
os físicos, só nós resta elogiar os poetas que, sem terem a necessidade de compreender o
conceito físico do tempo, são capazes de senti-los e expressá-los com intuição, como o fez,
por exemplo, o poeta português Fernando (António Nogueira) Pessoa (1888-1935) em seu
poema intitulado Chuva Oblíqua (∼1913) [52]:
De repente paro...
Escureceu tudo... Caio por um abismo feito de tempo... .
Notas e Referencias Bibliográficas
[1]
BASSALO, J. M. F. in: www.searadaciencia.ufc.br/curiosidadesdafisica.
[2]
FEYNMAN, R. O. 1999. O que é uma lei física?, Gradiva.
[3]
Ver Referência [1].
[4]
Ver Referência [1].
[5]
KOYRÉ, A. 1985. Estudios Galileanos, Siglo Vientiuno Editora.
[6]
COSTABEL, P. 1987. Galileu, Descartes e o Mecanicismo, Gradiva.
[7]
CARNEIRO, F. L. L. B. 1983. La Recherche 147, p. 1166.
[8]
Ver Referência [1].
[9]
Ver Referência [1].
[10] WHITTAKER, E. T. Sir, 1951. A History of Theories of Aether and Electricity: The
Classical Theories, Thomas Nelson and Sons, Ltd.
[11] Esse Princípio havia sido apresentado pela primeira vez pelo matemático francês Pierre
Louis Moureau de Maupertuis (1698-1759), em 1744 (Ver Referência [1]).
[12] Essa ideia havia sido apresentada pela primeira vez pelo matemático francês Jean le Rond
d’Alembert (1717-1783) em seu artigo Dimension na Encyclopédie (1751-1772)
[13] Ver Referência [1].
[14] Existe uma controvérsia histórica sobre o objeto que serviu de estímulo para o estudo de
Carnot. Ver, por exemplo: KUHN, T. S. 1955. American Journal of Physics 23, p. 91; TISZA,
L. 1966. Generalized Thermodynamics, MIT Press; HARMAN, P. M. 1985. Energy,
Force and Matter, Cambridge University Press; Referência [1].
[15] Registre que o engenheiro escocês William John Macquorn Rankine (1820-1872) propôs
um conceito similar a esse de Clausius, para o qual denominou de função termodinâmica,
porém não o aplicou a processos irreversíveis (HARMAN, op. cit.).
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[16] Para os processos reversíveis, 1/T é o fator integrante de δQ, isto é: δQ/T = dS. No caso
das transformações irreversíveis, tem-se: δQ/T > dS. Note que o Teorema de Clausius foi
generalizado pelo físico, matemático e filósofo Jules Henri Poincaré (1854-1912), conforme
se pode ver em seu livro Thermodinamique, de 1908.
[17] SALINAS, S. R. de A. 1982. Cadernos de História e Filosofia da Ciência 3, p. 28,
CLEHC/UNICAMP; HUANG, K. 1963. Statistical Mechanics, John Wiley and Sons,
Inc.; KUBO, R. 1971. Statistical Mechanics, North-Holland Publishing Co.
[18] FERMI, E. 1973. Termodinámica, Livraria Almedina.
[19] A expressão flecha do tempo é devida ao astrônomo, físico e matemático inglês Sir Arthur
Stanley Eddington (1882-1944), apresentada em seu livro The Nature of the Physical
World, de 1928.
[20] Ver Referência [1].
[21] Essa experiência foi realizada, em 1887, pelos norte-americanos, o físico Albert Abraham
Michelson (1852-1931; PNF, 1907) e o químico Edward William Morley (1838-1923).
Detalhes na Referência [1].
[22] As transformações de Lorentz são dadas por: x 0 = γ( x + Vt), y0 = y, z0 = z,
t0 = γ(t + Vx/c2 ), com γ = [1 − (V/c)2 ]−1/2 , onde x 0 é a posição de uma partícula em
relação a um objeto fixo O0 , e x é a posição dessa mesma partícula em relação a um outro
objeto O que se desloca com uma velocidade constante V em relação a O0 e na direção O0 x 0
(ou Ox).
[23] Ainda em 1905, Einstein demonstrou a sua famosa relação entre energia (E) e massa inercial
(m): E = m0 γc2 = mc2 . Detalhes em [1].
[24] PATY, M. 1993. Einstein Philosophe, Presses Universitaires de France.
[25] LEITE LOPES, J. 1993. Théorie Relativiste de la Gravitation, Masson.
[26] Ver Referência [1].
[27] Esse dispositivo foi inventado pelo físico escocês Charles Thomson Rees Wilson
(1869-1959; PNF, 1927), em 1911, para detectar partículas carregadas eletricamente.
[28] HEISENBERG, W. K. 1949. The Physical Principles of the Quantum Theory, Dover
Publications, Inc.; —–. 1971. Physics and Beyond: Encounters and Conversations, Harper
and Row, Publishers.
[29] Em 1952, o físico norte-americano David Joseph Bohm (1917-1992) desenvolveu uma
formulação determinista para a Mecânica Quântica. Para detalhes, ver: HOLLAND, P. R.
1993. The Quantum Theory of Motion: An Account of the de Broglie-Bohm Causal
Interpretation of Quantum Mechanics, Cambridge University Press; BASSALO, J. M. F.,
ALENCAR, P. T. S., CATTANI, M. S. D. e NASSAR, A. B. 2002. Tópicos da Mecânica
Quântica de de Broglie-Bohm, Editora da Universidade Federal do Pará (EdUFPA).
[30] Como ainda não se conseguiu atribuir um operador para o tempo (t), essa relação é
denominada de relação de dispersão.
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O Tempo na Física
[31] Ver Referência [1].
[32] Dados dois operadores A e B, eles anticomutam quando: AB 6= BA.
[33] A ideia de que o tempo poderia ser considerado como uma variável dinâmica discreta foi
discutida pelo físico sino-norte-americano Tsung-Dao Lee (n.1926; PNF, 1957), em 1983,
tanto na Mecânica Clássica quanto na Mecânica Quântica Não Relativística e Relativística.
[34] O pósitron, uma partícula idêntica ao elétron, porém com a carga positiva, foi prevista pela
ED, e foi descoberta em 1932 pelo físico norte-americano Carl David Anderson
(1905-1991; PNF, 1936). Ver Referência [1].
[35] FEYNMAN, R. P. and HIBBS, A. R. 1965. Quantum Mechanics and Path Integrals,
McGraw-Hill Book Company.
[36] FEYNMAN, R. P. 1962. Quantum Electrodynamics, W. A. Benjamin, Inc.
[37] BASSALO, J. M. F., CATTANI, M. S. D. e NASSAR, A. B. 1999. Aspectos
Contemporâneos da Física, EdUFPA.
[38] WITTEN, E. 1981. Nuclear Physics B188, 9. 513. Para o conceito de supersimetria, ver:
DRIGO FILHO, E. 2009. Supersimetria Aplicada à Mecânica Quântica, EdUNESP.
[39] Para outra resposta, ver a nota [29].
[40] Sobre a discussão entre Einstein e Bohr, ver: SCHILP, P. A. (Editor). 1970. Albert
Einstein: Philosopher-Scientist, Open Court.
[41] EINSTEIN, A., PODOLSKY, B. and ROSEN, N. 1935. Physical Review 47, p. 777.
[42] Esse nome foi cunhado por Bohm em seu livro intitulado Quantum Theory (Prentice-Hall,
1951).
[43] BOHR, N. 1935. Nature 136, p. 65; Physical Review 48, p. 696.
[44] Segundo a MQI, o resultado da medida de um dado observável (a), representado por um
operador hermitiano A, é um de seus autovalores (a) (sempre real, por causa da
hermiticidade de A) correspondente ao autoestado | ai, definido pela equação de autovalores:
A| ai = a| ai, sendo: Σ| aih a| = 1. No entanto, nem sempre o estado |Ψi de um sistema
físico é um autoestado (p.e.: | ai), relativamente ao observável a). Portanto, como encontrar a
medida do observável (a) correspondente ao estado |Ψi? A MQI diz que este estado é uma
superposição de | ai: |Ψi = Σh a|Ψi| ai, sendo h a|Ψi a amplitude de probabilidade de
encontrar o sistema físico considerado em | ai. Este resultado traduz a conhecida teoria do
colapso ou redução da função (pacote) de onda. Note que, quando se realiza uma determinada
medida do observável desejado (p.e.: a), se diz que houve o colapso da função de onda.
(DAVYDOV, A. S. 1968. Quantum Mechanics, Pergamon Press).
[45] A Inseparabilidade Quântica (IQ) foi, durante quase trinta anos, apenas objeto de
especulações acadêmicas, até o físico irlandês John S. Bell (1928-1990) demonstrar, em 1964
(Physics 1, p. 195), um teorema – a famosa desigualdade de Bell – que permitia testar
experimentalmente a IQ. Registre que, desde 1975, o físico francês Alain Aspect e
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colaboradores vêm realizando experiências sobre a IQ, com resultados favoráveis à
Interpretação de Copenhague da MQI. Para uma análise sobre esses resultados, ver:
GRIBBIN, J. 1984. À Procura do Gato de Schrödinger, Editorial Presença; HOLLAND,
P. R. 1993, The Quantum Theory of Motion: An Account of the de Broglie-Bohm
Causal Interpretation of Quantum Mechanics, Cambridge University Press;
GAMBOA-EASTMAN, S. 1994, Physics Essays 7, p. 3; GOSWAMI, A., GOSWAMI, M.
e REED, R. E. 2000, O Universo Autoconsciente, Editora Rosa dos Tempos; AULETTA,
G. 2001. Foundations and Interpretation of Quantum Mechanics, World Scientific;
Referência [1].
[46] BONOLA, R. 1951. Geometrias no Euclidianas, Espasa-Calpe S. A.
[47] WEINBERG, S. 1972. Gravitation and Cosmology: Principles and Applications of the
General Theory of Relativity, John Wiley and Sons.
[48] LEMAÎTRE, G. 1946. L’Hypothèse de l’Atome Primitif, Neuchâtel, Griffon.
[49] A ideia de que o Universo começou com uma grande explosão foi retomada, em 1948, pelos
físicos norte-americanos Ralph Asher Alpher (1921-2007), Hans Albrecht Bethe
(1906-2005; PNF, 1967) (de origem alemã) e George Antonovich Gamow (1904-1968) (de
origem russa) que formularam o modelo alfa-beta-gama (αβγ) que previa que a “big explosão
lemaîtreana” [denominada, em 1950, de big bang pelo astrofísico inglês Sir Fred Hoyle
(1915-2001)] teria deixado um rastro térmico (calculado em torno de 20 K), a chamada
radiação cósmica de fundo de microonda (RCFM), que foi detectada, em 1965, pelos
radioastrônomos norte-americanos Arno Allan Penzias (n.1933; PNF, 1978) (de origem
alemã) e Robert Woodrow Wilson (n.1936; PNF, 1978) com uma temperatura
correspondente a (3,5 ± 1) K. Contudo, esse modelo (teoria) do big bang (MBB ou TBB)
apresentava uma série de problemas que, no entanto, entre 1970 até o presente, foram e estão
sendo tratados com novos modelos, os chamados modelos cosmológicos inflacionários,
baseados na hipótese do big bang (sendo nulo o volume inicial do Universo), e os modelos de
universo eterno, baseado na hipótese de que houve um instante em que o Universo teve um
volume inicial mínimo, mas não zero, com o intervalo de tempo: [−∞, +∞]. Para maiores
detalhes sobre esses modelos, ver: MARTINS, R. A. 1994, O Universo: Teorias sobre sua
Origem e Evolução, Moderna; GUTH, A. H. 1997, O Universo Inflacionário, Campus;
GREENE, B. 2001/2005, O Tecido do Cosmo / O Universo Elegante, Companhia das
Letras; HORVATH, J. E. 2008, Astronomia e Astrofísica, Livraria da Física; CHERMAN,
A. e MENDONÇA. B. R. 2009, Por que as coisas caem?, Zahar; NOVELLO, M. 2010,
Do Big Bang ao Universo Eterno, Zahar; SHU, W.Y., Julho de 2010,
(arXiv:physics.gen-ph/1007.1750v1); Referência [1].
[50] GÖDEL, K. IN : SCHILP, op. cit.
[51] HAWKING, S. W. 1988. Uma Breve História do Tempo, Rocco.
[52] Minha atenção foi voltada a essa estrofe, ao ler o artigo: VIDEIRA, A. L. L. 1977. Buracos
Negros e Buracos Brancos, Nota Didática, DFPUC/RJ. Por sua vez, o acesso ao poema
completo, me foi possível por intermédio de minha mulher Célia Coelho Bassalo, Mestre em
Teoria Literária pela UFPA, ao indicar-me o livro: Fernando Pessoa: Obra Poética, José
Aguilar Editora, 1969.
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V
Tempo e Geologia
Raimundo Netuno Villas¹
[email protected]
O tempo perguntou ao tempo
quanto tempo o tempo tem;
o tempo respondeu ao tempo que o tempo
tem tanto tempo quanto tempo o tempo tem.
(adágio popular)
1
Introdução
O conceito de tempo é uma das mais instigantes questões da Ciência e tem desafiado
o pensamento humano desde os primórdios das civilizações. As incertezas são muitas e
inevitavelmente adentram o campo filosófico. O tempo sempre existiu? O tempo tem
futuro? A relação entre passado e futuro foi sempre a mesma ou, à época da grande
explosão (Big Bang) que gerou o universo, quando os níveis de energia e temperaturas
foram elevadíssimos, ela era fundamentalmente diferente a ponto de o tempo se assemelhar
mais ao espaço? Se, no campo atômico, parece não haver distinção entre passado e futuro,
como este campo pode tornar o tempo do mundo que nos cerca unidirecional?
As indagações ou dilemas são tantos que hoje a Física Moderna questiona o lugar do
tempo nas leis fundamentais da Física. Enquanto para Newton, o tempo era absoluto,
Einstein o concebia sujeito a deformações, além de poder ser afetado pela massa e energia
nele contidas, que o faziam fluir mais depressa ou devagar em alguns lugares do que em
outros. Para ele, tempo e distância eram ingredientes essenciais do espaço quadridimensional: “quando” era inseparável de “onde” e simultaneidade não tinha significado absoluto.
Ou seja, não existe relação espacial ou temporal absoluta entre dois eventos que ocorrem
simultaneamente.
1. Geólogo, Professor da Universidade Federal do Pará e Membro da Academia Paraense de Ciências.
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O conhecimento cosmológico tem avançado muito, entretanto o segredo mais profundo
do tempo ainda está por ser desvendado e o será na medida em que se venha a conhecer a
natureza e estado da matéria mais primitiva, e a própria origem do universo.
2
A Geologia e as Outras Ciências
A Geologia difere das outras ciências principalmente no que concerne ao tempo, que é
sua essência. Outras ciências, como a Química e a Física, tratam do Universo basicamente
como ele é hoje. A Geologia, ao contrário, volta-se eminentemente ao passado. É, portanto,
uma ciência histórica que estuda a sucessão de eventos e processos cujos papeis são
determinados pela velocidade com que ocorrem. De fato, processos e reações podem ocorrer
tão vagarosamente a ponto de praticamente serem inobserváveis em laboratório e, não
obstante, poderem ser materializados na natureza dado suficiente tempo. Um dos desafios
do geólogo é exatamente determinar se um fenômeno resultou de um processo de grande
intensidade e de curta duração ou, inversamente, de intensidade menor, mas de duração
mais longa.
Outra grande diferença entre o ponto de vista do geólogo e dos outros cientistas está
no fato de o geólogo precisar comumente lançar mão de meios diversos para decifrar o
passado. Assim, ele não só deve explicar situações do presente por meio de fenômenos
atuais, como também deve apontar um processo que esteja em andamento ainda que
seus diferentes estágios não possam ser desvendados por observação imediata. O geólogo
reconstitui o passado usando os dados de que dispõe e, por serem quase sempre incompletos,
constroi pontes temporárias para estabelecer elos entre os dados disponíveis e os que
estão faltando. Da mesma forma, como os fenômenos geológicos não podem ser testados
experimentalmente e como, via de regra, o geólogo não pode observá-los diretamente,
é necessário que ele recorra a métodos indiretos de análise, pois lida com fatores de
tempo e escala que transcendem a experiência humana. Em Geologia a escala varia de
submicroscópica à planetária, ou seja, da estrutura dos cristais à estrutura da Terra.
Comparativamente a outras ciências naturais, vários conceitos e teorias da Geologia são
fundamentados em menor quantidade de dados, muitos dos quais fragmentários, e dessa
forma é natural que tenham menor confiabilidade e aceitação mais restrita. Muito embora
nas últimas décadas tenha havido um grande esforço na busca por mais quantificação, o
geólogo lida mais com dados qualitativos, mas, nem por isso, necessariamente subjetivos.
Físicos e químicos trabalham com problemas do presente e com uma escala de tempo que
está intimamente ligada à do observador. Evitam, assim, situações que não podem ser
reproduzidas nos experimentos. O geólogo não tem como escapar desses problemas e, a
despeito da complexidade dos fenômenos geológicos e do registro incompleto da história
terrestre, tem conseguido estabelecer conceitos que têm se mantido refratários ao tempo e
até mesmo, em alguns casos, comprovados em laboratório. Até recentemente, interessava
apenas à Física e à Química estudar processos e prever os resultados deles decorrentes.
Por exemplo, de acordo com a 1a lei da Termodinâmica, basta que se conheça o estado
do sistema e as condições a ele impostas para que se preveja o resultado, não havendo
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Tempo e Geologia
necessidade de se conhecer a trajetória desde o estado inicial até o estado final do sistema. A
Geologia, por seu turno, investiga macroprocessos que são compostos de muitos processos
dinâmicos subsidiários, sendo o produto final a soma de microprocessos que operaram em
série ao longo de uma trajetória particular. Muitas evidências geológicas mostram que duas
diferentes trajetórias podem levar aproximadamente ao mesmo produto final, contrariando
o princípio intuitivo em outras ciências de que cada produto final se forma geralmente de
modo único.
Certamente a maior contribuição da Geologia para a ciência e filosofia se deu com
a introdução da ideia de história na ciência. Até o século XIX, a ciência se preocupava
prioritariamente com o presente. Somente após terem os geólogos introduzido o conceito
de que a Terra tem uma história, é que foi possível desenvolver um conhecimento
sistematizado do passado remoto e demonstrar que também era possível estudar o passado
pelo método científico. Sequências de eventos, tendências evolutivas, correlação entre
eventos simultâneos e velocidade dos processos são os ingredientes do pensamento e teoria
geológicos.
Físicos e químicos dedicaram grande parte de suas vidas pesquisando partículas infinitesimalmente pequenas. Hoje muitos deles concentram seus esforços investigativos mais no
todo do que nas partes menores e, dessa forma, se aproximam bem mais da maneira de
pensar dos filósofos, historiadores, geólogos e biólogos.
3
O Princípio do Uniformitarianismo
Na Idade Média era crença comum entre os intelectuais cristãos que a formação da Terra
se deu não muito tempo atrás (cerca de 6.000 anos) e que seu fim não estaria tão distante.
Em tão curta história, as feições esculpidas na superfície terrestre, em particular aquelas de
dimensões regionais ou continentais, teriam de ser necessariamente resultado de eventos
catastróficos. Nos meados do século XVIII, o racionalismo já permeava o espírito científico
e já não era concebível que as leis naturais fossem dominadas por ideias catastróficas. Em
1782, o físico escocês James Hutton reconheceu nas rochas evidências de processos que
hoje atuam na superfície terrestre e vaticinou que, dado suficiente tempo, eles produziriam,
operando nas mesmas taxas atuais, não só as feições das rochas, mas também suas relações
mútuas e configurações espaciais. Ao contrário dos catastrofistas, Hutton concebia a
superfície da Terra em contínua mudança que era causada por forças internas, cujas tensões,
ao longo do tempo, elevavam massas rochosas desde o fundo oceânico, onde se formaram,
enquanto outras, em algum lugar, eram denudadas pela erosão. Em outras palavras, a
superfície terrestre era destruída em uma parte, porém reconstruída em outra.
O mote de Hutton de que “o presente é a chave do passado” – o princípio do uniformitarianismo – implica que os processos que operaram na formação de rochas antigas
são os mesmos dos que hoje assistimos. Um arenito com dadas características pode ser
interpretado como uma praia antiga e um basalto poroso como um derrame de lava de
épocas atrás. Não se pense, contudo, que este princípio seja uma panaceia. A formação dos
magmas, a intrusão de corpos plutônicos, a edificação de montanhas são processos que
operam hoje a grandes profundidades sem que possam ser, contudo, observados.
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Apesar de universalmente adotado, o termo uniformitarianismo, que foi cunhado por
Charles Lyell em 1830, não traduz fielmente o que consta nos escritos de Hutton, pois
nada neles há que sugira que as velocidades dos processos naturais tenham sido uniformes
ao longo do tempo ou que a uniformidade seja uma característica dos fenômenos geológicos
em geral. A essência da tese de Hutton está na sucessão de eventos e mudanças (evolução)
controlada por processos naturais observáveis.
Desde que foi enunciado, o uniformitarianismo pautou-se pela simplicidade, mas
com o tempo tornou-se mais sofisticado ao agregar qualificações. Eventos catastróficos
como terremotos, deslizamentos de terra e erupções vulcânicas não constituíam problemas,
pois são ocorrências hodiernas. Contudo, tornou-se evidente que, embora os processos
geológicos tenham atuado do mesmo modo ao longo do tempo, eles não ocorreram com a
mesma intensidade. Glaciação, que tomou conta de grande parte da superfície terrestre em
algum tempo, foi pouco expressiva ou ausente em grandes intervalos de tempo da história
geológica. É também muito provável que a erosão tenha sido muito mais rápida antes que
a cobertura vegetal aparecesse e protegesse a superfície terrestre – o que foi um evento
geológico relativamente tardio.
4
O Tempo Geológico
A passagem do tempo, ao contrário de seu conceito, é uma experiência familiar. O Homem
percebe que tudo passa inexoravelmente e que o tempo tem uma direção. Basta olhar para
si mesmo e para o meio físico em seu redor. Tudo muda de um estado de ordem para
um de desordem, em consonância com a 2a lei da Termodinâmica, e é por isso que nossa
percepção subjetiva do tempo está intimamente ligada à tendência de tudo evoluir para
um estado caótico de qualidade inferior. Tudo se deteriora. É o caso, por exemplo, da
erosão que arrasa montanhas num processo lento, imperceptível e irreversível durante um
tempo demasiadamente longo para o padrão humano. Este é o tempo geológico, o tempo
cronológico dos eventos que tem por base a recorrência dos movimentos naturais.
A importância do conceito de tempo geológico é, talvez, comparável com a compreensão
que os astrônomos têm da vastidão do espaço e com a relação entre matéria e energia da
Física Moderna. Foi esse conceito que permitiu a Darwin elaborar a teoria da evolução com
bases científicas. Sem que o princípio do uniformitarianismo, do qual o tempo geológico
é parte intrínsica, tivesse sido firmemente estabelecido, a história da vida no passado
poderia ter sido interpretada de mil maneiras, valendo-se de condições físicas inteiramente
diferentes das que se manifestam no presente. Por seu turno, o trabalho de Darwin permitiu
que os geólogos se dessem conta não só das implicações do tempo no registro fóssil como
também da duração do tempo geológico.
A paisagem da superfície terrestre tem mudado continuamente. Continentes unem-se e
separam-se, oceanos abrem-se e fecham-se, massas continentais emergem e imergem, o
mar transgride e regride numa dinâmica que remonta ao início da formação da Terra. De
lá para cá são aproximadamente 4,5-5,0 bilhões de anos de história que cabe ao geólogo
decifrar, levando em conta que há ciclos de duração extremamente longa, medidos em
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Tempo e Geologia
dezenas de milhões a bilhões de anos (p. ex., formação de montanhas, deriva continental),
de duração longa, medidos em dezenas/centenas de milhares a alguns milhões de anos (p.
ex., glaciações, evolução das espécies, inversão do campo magnético terrestre), de duração
média, medidos em séculos a poucos milhares de anos (p. ex., variações climáticas globais e
da linha de costa, assoreamento de lagos), de duração curta, medidos em vários anos ou
décadas (p. ex., variações climáticas sanzonais, formação do húmus no solo, ação antrópica
no meio ambiente), de duração muito curta, medidos de frações de dias a semanas (p. ex.,
ciclo das marés, escorregamentos, erupções vulcânicas), e de duração curtíssima, medidos
de segundos a horas (p. ex., terremotos, tsunamis, furacões, impacto de meteorito).
O estudo geológico de uma área ou região requer que se estabeleçam relações temporais entre as rochas, estruturas e outras feições nela presentes, de modo que o geólogo
tem de lidar continuamente com problemas de cronologia, os quais pressupõem alguns
requisitos básicos:
1. evidência material de uma sequência de eventos (p. ex. pacote estratificado de rochas
sedimentares; anéis de crescimento de um tronco de árvore petrificado);
2. evidência de uma única ordem de eventos no tempo (p. ex. os estratos mais inferiores
são mais antigos que os superiores; os anéis no tronco petrificado são sucessivamente
mais jovens do centro para a borda);
3. a influência do tempo, nos fenômenos registrados, deve ser distinguida da de outros
fatores, particularmente o espaço;
4. na construção de uma cronologia regional, deve estar impresso nos registros locais
independentes a serem correlacionados um evento comum, representado, por exemplo,
por uma camada de cinzas vulcânicas ou por uma fauna fóssil única; e
5. conhecimento da velocidade de alguns processos cujos efeitos ficaram impressos
no registro geológico para que se possa estabelecer um intervalo de tempo a uma
sequência de eventos ou datar qualquer evento.
As determinações temporais são de dois tipos: datação relativa, que meramente ordena
os eventos dos mais antigos aos mais recentes, e datação finita ou absoluta, que é a medida
do tempo que o evento realmente durou.
5
O Tempo Relativo
As rochas registram os resultados finais de vários e complicados eventos. Cumpre ao geólogo
reconhecer períodos de deposição e erosão, atividade ígnea, metamorfismo, deformação e
mineralização, e de colocá-los em sequência lógica, o que o faz lidar continuamente com
problemas de cronologia.
As leis da horizontalidade original e da superposição, estabelecidas pelo físico Nicholas
Steno há mais de 300 anos, são fundamentais na interpretação das rochas sedimentares
ou vulcânicas que foram formadas na superfície terrestre. Admite-se, assim, que a atitude
daquelas rochas foi, quando da sua decomposição, próxima à horizontal e que a sequência
vertical ascendente foi dos estratos mais antigos para os mais jovens. Estes princípios são a
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base da estratigrafia, que é a parte da Geologia que estuda o empilhamento das rochas e a
sequência de eventos nelas registrados. Dobramento e falhamento, que podem modificar
a ordem normal das camadas ou mesmo inverter completamente suas posições originais,
devem ser posteriores à formação das camadas por eles afetadas. Falhas devem ser mais
jovens que as camadas que elas deslocaram e mais antigas que as camadas sobrejacentes não
afetadas por elas. Discordâncias marcam períodos de erosão entre rochas mais antigas e
mais jovens. Na superfície, alguns terraços e outras feições topográficas podem ser usados
para ordenar no tempo eventos geológicos mais recentes.
Usando-se essas relações, pode-se estabelecer a sequência de eventos ocorridos em uma
dada área, conforme exemplificado na figura 1.
Fig. 1 Seção esquemática mostrando relações geológicas usadas em datação relativa (ver texto).
Fonte: Mears Jr. (1970).
Evento 1 (mais antigo) – formação das rochas sedimentares precursoras dos mármores,
quartzitos e xistos (a)
Evento 2 metamorfismo e deformação das rochas que deram origem aos mármores,
quartzitos e xistos
Evento 3 intrusão do granito (b)
Evento 4 superfície de erosão = discordância (v) sobre as rochas metamórficas e granito
Evento 5 deposição de rochas sedimentares (c): conglomerado (base) → arenito →
folhelho → calcário (topo)
Evento 6 dobramento do pacote sedimentar (c) e das rochas subjacentes
Evento 7 falha de empurrão (l)
Evento 8 superfície de erosão = discordância (w)
Evento 9 deposição de rochas sedimentares (d): conglomerado (base) → arenito →
folhelho (topo)
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Tempo e Geologia
Evento 10 intrusão de diorito (e) na forma de dique e soleira
Evento 11 superfície de erosão = discordância (x) e formação de extenso vale (y)
Evento 12 ascensão e derrame de lavas basálticas (f) que preencheram o vale y
Evento 13 falha normal (m) que elevou terrenos à direita e rebaixou terrenos à esquerda
Evento 14 (mais recente) – atual superfície de erosão com desenvolvimento de vale
profundo (z) por ação fluvial
Essa história, válida para uma área local, necessita de outras informações para que possa
ser enquadrada em padrões mais regionais tendo em perspectiva o tempo geológico. É
que o registro das rochas não fornece a duração em anos da deposição de uma camada
e as relações estratigráficas sozinhas são insuficientes para determinar a idade relativa
entre camadas muito distantes umas das outras. Dentre aquelas informações, são de suma
importância aquelas advindas dos fósseis, que são vestígios ou restos de seres vivos, isto
é, evidência de vida pretérita. Eles são marcadores do tempo que podem ser usados para
determinar a ordem temporal e, de maior relevância, datar intervalos de tempo particulares
durante, sobretudo, os últimos 600 milhões de anos da história da Terra.
A datação por fósseis é possível porque animais e plantas têm se modificado gradualmente com o tempo, e cada período de tempo é caracterizado por grupos distintos de
fósseis. Foi isto que permitiu a formulação da lei da sucessão faunal ou floral, a qual, junto
com a lei da superposição, constitui a base da datação paleontológica, que é consubstanciada
pelo fato de faunas e floras de um dado tempo nunca terem ocorrido em nenhum outro
tempo geológico, e faunas e floras comparáveis terem existido em todos os continentes.
Independentemente de onde ocorram, duas camadas, desde que contenham o mesmo
conteúdo fóssil, são temporalmente correlacionáveis.
6
O Tempo Absoluto
Desde há muito se tentam estabelecer relações temporais absolutas na Geologia. Para o
arcebispo irlandês Ussher, que viveu no século XVII, a Terra teria sido criada em 4004 A.C.,
o que foi por ele estimado com base no Livro da Gênese. Sem dúvida, uma determinação
de cunho teológico e, portanto, anticientífica. No final do século XIX, chegou-se à idade de
100 milhões de anos para a Terra, usando-se como critério de cálculo a salinidade da água
do mar. Por hipótese, a água original dos oceanos era doce, vindo a se tornar cada vez mais
salgada à medida que as rochas dos continentes (fonte dos sais) eram decompostas e erodidas
pela ação dos rios, e o ciclo hidrológico se encarregava, pela evaporação, de aumentar a
concentração dos solutos nas águas oceânicas. Bastava, então, estimar a quantidade total de
sais dos oceanos e a trazida anualmente pelos rios para se chegar àquele resultado. Ainda
no século XIX, pouco antes de 1900, o físico inglês Lord Kelvin apresentou cálculos que
conferiam à Terra idade entre 20 e 40 milhões de anos. Ele apoiou-se no pressuposto de que
a Terra era, no início, totalmente fundida e que se resfriou progressivamente até o estado
atual sem qualquer aporte adicional de calor, exceto o provido pelo sol. Com base nas leis
de transferência de calor, ele calculou a taxa de resfriamento e, com base nela, determinou
o tempo necessário para a Terra atingir sua temperatura atual. Suas premissas foram logo
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invalidadas com a descoberta da radioatividade, fenômeno que adiciona calor à Terra pela
desintegração de elementos radioativos contidos em minerais do manto e da crosta.
Métodos Radiométricos
Foi Rutherford que, em 1905, demonstrou a relação entre radioatividade e a desintegração
atômica, e percebeu, de imediato, estar diante de um potencial cronômetro geológico.
Houve, de início, grande desconfiança da maioria dos geólogos, mas, por volta de 1950, as
idades radiométricas passaram a ser aceitas como o mais importante parâmetro na escala do
tempo geológico.
A datação radiométrica em Geologia consiste na determinação do tempo t desde o
momento que um isótopo radioativo foi incorporado a um cristal ou rocha, o que pode ser
expresso pela equação
t = (1/λ) ln No /Nt
(1)
em que λ é a taxa de decaimento, No é o número inicial de átomos de um dado elemento
radioativo e Nt o número de átomos deste elemento que não se desintegrou durante o tempo
t. A taxa de decaimento é relacionada à meia-vida T pela expressão T = (1/λ) ln 2 =
0,69325/λ. Como os espectrômetros de massa permitem a determinação das proporções
dos átomos-pai (P) e átomos-filho (F), a equação 1 torna-se
t = (1/λ) ln(1 + F/P)
(2)
em que t é a idade radiométrica, em anos, de um evento registrado na rocha (p. ex., a
cristalização do mineral zircão em um granito). Lembrar que No = P + F e Nt = P.
São vários os métodos usados na datação geocronológica: 238 U-206 Pb, 235 U-207 Pb,
232 Th-208 Pb, 147 Sm-143 Nd, 87 Rb-87 Sr, 40 K-40 Ar, 40 Ar-39 Ar, 187 Re-187 Os, 14 C. Na
datação de rochas mais antigas, como as que foram formadas no Pré-cambriano (> 543
milhões de anos) são empregados isótopos com meia-vida longa (p.ex., U, Th, Rb, K, Sm)
para os quais ela varia de 0,704 (235 U) a 48,8 (87 Rb) bilhões de anos. Materiais e eventos
geológicos mais jovens (até 70.000 anos) são normalmente datados pelo método 14 C, cuja
meia-vida é de 5.730 anos.
A maioria daqueles elementos ocorre como impurezas nos minerais que formam as
rochas. O elemento radiogênico se acumula, então, no mesmo retículo cristalino em que
o elemento-pai está sitiado, permitindo determinar a idade da rocha, conquanto que os
minerais tenham permanecido como um sistema fechado desde sua formação. O zircão
(ZrSiO4 ), por exemplo, é um mineral que se mantém essencialmente “fechado”, mesmo
que a rocha tenha experimentado vários eventos após sua cristalização original.
7
A Idade da Terra
A idade da Terra foi determinada com precisão, pela primeira vez, em 1956, pelo geocronólogo Claire Patterson, tendo sido utilizado o método 207 Pb-206 Pb, que é uma variante
do método U-Pb. Ele partiu do pressuposto de que a Terra e os meteoritos nela caídos
foram formados à mesma época (juntos com o resto do sistema solar), e experimentado
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Tempo e Geologia
a mesma evolução isotópica. Se os meteoritos tivessem se comportado isotopicamente
como um sistema fechado, bastaria analisá-los para que a idade da Terra fosse determinada.
Foram então analisados meteoritos dos tipos siderito e silicático, e obtida a idade de 4,55 ±
0,07 bilhões de anos, a qual foi confirmada, posteriormente, com base em outros métodos
geocronológicos e material sideral.
8
Escala do Tempo Geológico
Estudos estratigráficos e paleontológicos permitiram dividir a história da Terra em eons
(unidades maiores), eras, períodos, épocas e estágios (unidades menores), que foram mais
bem definidos e estendidos ao Pré-cambriano com o advento dos métodos geocronológicos.
A figura 2 apresenta a escala do tempo geológico, na qual estão assinaladas as idades
que marcam a separação das principais unidades temporais. E, para que se compreenda
melhor o significado dos 4,56 bilhões de anos do tempo geológico, costuma-se contar a
Fig. 2 A escala do tempo geológico. Fonte: Press et al. (2006)
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história da Terra comprimindo-a em um único ano. Nesta escala, as rochas mais antigas
conhecidas datam dos meados de março e os primeiros seres vivos marinhos aparecem em
maio. As plantas e os animais terrestres surgem ao final de novembro e os pântanos que
deram origem aos grandes depósitos de carvão do Pennsylvaniano se desenvolvem nos
quatro primeiros dias de dezembro. Os dinossauros tornam-se dominantes nos meados
de dezembro, porém desaparecem no dia 26, aproximadamente ao mesmo tempo em que
as Montanhas Rochosas começaram a se soerguer. Os hominídeos aparecem em algum
momento da noite do dia 31 de dezembro, e as geleiras continentais que cobriam a região
dos Grandes Lagos e o norte da Europa começam a recuar cerca de 1 minuto e 15 segundos
antes da meia-noite de 31 de dezembro. O Império Romano domina o mundo ocidental
por apenas 5 segundos, de 11 h 59’ 45” a 11h 59’ 50”. Colombo descobre a América 3
segundos antes da meia-noite e a Geologia nasce como ciência com os escritos de James
Hutton um pouco mais de um segundo antes do final deste Ano-Terra.
Referências Bibliográficas
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Swain H. (org.). 2002. Grandes questões da ciência. Tradução de Vera Ribeiro. José Olympio
Editora. Rio de Janeiro, 382p.
[10] Teixeira W., Toledo M.C.M., Fairchild T.R., Taioli F. 2000. Decifrando a Terra. Oficina de
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[11] Verhoogen J., Turner F.J., Weiss L.E., Fyfe W.S. 1970. The earth – an introduction to
physical geology. Holt, Reinehart & Winston Inc., New York, 748p.
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VI
Tempo, Espaço e Modernidade na
Belle-Époque Amazônica
José Jerônimo de Alencar Alves¹
[email protected]
1
Introdução
A ascensão da modernidade foi marcada pela Segunda Revolução Industrial, desencadeada
em torno de 1870, também denominada Revolução Científico-Tecnológica. A entrada da
tecnologia na produção industrial europeia, impregnando a sociedade com novos produtos
modificou completamente o hábito e o costume, assim como, a noção de espaço e tempo
dos envolvidos nessa experiência. O “tempo diurno” se dilatou com difusão da lâmpada
elétrica. O espaço se “contraiu”, ou melhor, pareceu se encurtar com a chegada dos trens,
bondes e barcos a vapor, pois estes diminuíram o tempo de contacto entre as localidades.
O telégrafo, rádio, cinema e fotografia contribuíam para essa “contração do espaço”, pois,
por estas inovações, os habitantes de outros continentes, em segundos, estavam presentes,
através de suas falas e suas imagens.
Algumas inovações tinham surgido antes, como os trens e os jornais, mas foi nesse
momento, que elas se disseminaram. Nas duas últimas décadas do século, por ano,
as ferrovias transportavam mais de dois bilhões de europeus e os jornais britânicos e
franceses superavam a cifra de um milhão de exemplares (Hobsbawn, 1988, p. 48 e p. 82)
“Estimuladas, sobretudo por um novo dinamismo no contexto da economia internacional,
essas mudanças irão afetar, desde a ordem e as hierarquias sociais, até as noções de tempo
espaço das pessoas” (Sevcenko,1998, p. 7)
1. Historiador da Ciência, Professor do IENCI-UFPA e Membro da Academia Paraense de Ciências.
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Diálogos Sobre o Tempo — Prova 2 — 30/11/2010 — Maluhy&Co. — página (local 76, global #102)
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José Jerônimo de Alencar Alves
O tempo para os modernos é experimentado de modo bem diferente do que é experimentado pelos portadores da tradição. Uma nova percepção, uma diferente organização
ou uma aceleração do tempo passou a ser experimentada pelos participantes do novo
mundo (Harvey, 1992, p. 188). De qualquer modo, o tempo é sempre considerado um
capítulo central para entender a modernidade. Na expressão de Latour (1994, p. 15): “A
modernidade tem tantos sentidos quantos forem os pensadores e os jornalistas. Ainda
assim, todas as definições, de uma forma ou de outra, apontam para a passagem do tempo”.
Em comparação com o ritmo do mundo tradicional, o dos modernos é bem diferente.
Neste, as pessoas estão sempre apressadas para resolver tarefas que parecem não ter fim.
Essas tarefas são determinadas pelas exigências das empresas, dos programas culturais, dos
cursos de formação profissional e das atividades para diminuir a tensão e outros males
causados pelo descompasso entre o ritmo da modernidade e o biológico. “A urgência
transformou-se em ideologia” (Chesneaux, 1996, p. 24).
O lazer, a medicina, a educação se transformaram em atividade de compra e venda. Essa
atividade comanda o tempo de todos os participantes do mundo moderno, cujo movimento
é determinado pelas ações destinadas à produção de mercadorias e à aquisição de recursos
para seu consumo. O dito popular, tempo é dinheiro, é bem significativo do empenho dos
modernos em se mover continuamente no sentido de adquirir recursos para o consumo
incessante de mercadorias tornadas fetiches.
Os arautos da modernidade alardeavam que a máquina, aperfeiçoada pela tecnologia,
intensificaria a produção industrial, propiciando, por um lado, a diminuição do ritmo de
trabalho pela substituição da mão de obra exaustiva, por outro lado, o atendimento das
necessidades humanas, em escala mais ampla. (Touraine, 1955, p. 9). As máquinas, pelo
menos em parte, substituíram a mão de obra e aumentaram a produção de mercadorias;
mas isso não quer dizer que tenham beneficiado e satisfeito as necessidades de todos.
As máquinas substituíram a mão de obra, mas, o que ocorreu não foi a diminuição
do ritmo de trabalho e sim a criação de um exército de desempregados. Para os que não
foram substituídos pela máquina, no início da modernidade a jornada de trabalho até
aumentou. Chegou a 16 horas diárias superando a jornada de 10 horas da Idade Média.
Embora, posteriormente, ela tenha sido reduzida para 8 horas diárias, em função das lutas
operárias, seu ritmo continuou intenso. (Ortiz, 1991, p. 155). Como este ritmo não leva
em consideração a exigência do organismo, “a medicina do trabalho enfrenta novas doenças
psicossomáticas que fazem parte do stress da modernidade” (Chesneaux, 1996, p. 26).
Os trabalhadores têm que se submeter ao ritmo acelerado de trabalho, pela ameaça de
serem substituídos pelo exército de desempregados. Este exército cresceu com o avanço
das máquinas e o imperativo da acumulação de capital. A condição de desempregado,
entretanto, não significa a permanência da ociosidade, pois necessitam realizar estágios,
cursos, concursos e outras atividades para enfrentar a competição por emprego na economia
moderna. Um ritmo incessante é exigido para não ficar em descompasso com tempo do
mundo moderno e, portanto, à sua margem.
A intensa produção de mercadorias passou a atender a necessidade de maior número de
consumidores. Entretanto, sempre crescente, essa produção, para ser consumida precisa criar
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Tempo, Espaço e Modernidade na Belle-Époque Amazônica
novas necessidades. Para isso, avançou a propaganda voltada para a criação de necessidades
factícias (Ortiz, 1991, p. 157). Os alvos dessa propaganda, bombardeados pela velocidade
dos meios de comunicação, são convencidos que, para “ser feliz”, necessitam adquirir os
últimos produtos que são lançados no mercado. Em consequência, intensificam as atividades
voltadas para a obtenção de recursos econômicos necessários ao consumo de mercadorias,
que logo serão descartadas e substituídas por novas mercadorias, pois “a instabilidade na
sociedade moderna tornou-se um verdadeiro imperativo moral” (Chesneaux, 1996, p. 24).
A conhecida frase de Marx, “tudo que é sólido desmancha no ar” é bem significativa dessa
instabilidade (Berman, 1987, p. 15).
O espaço também foi redefinido no mundo moderno. As fábricas, os shoppings, as ruas
ladeadas por prédios e edifícios de concreto compõem um espaço bem diferenciado daquele
em que a igreja, o castelo, a senzala ou a aldeia ocupavam o centro do cenário. As ruas
asfaltadas entre prédios de concreto e iluminadas pela eletricidade são bem diferentes das
que eram iluminadas a lampião e das estradas através dos campos sob a visibilidade do céu
(Axelos, 1964, p. 211).
Os veículos automotores, às vezes supersônicos, modificaram não só o movimento dos
modernos, mas o seu espaço de circulação. Este se modificou, pois oceanos e desertos
passaram ser cruzados com rapidez dando uma sensação de contração do espaço. Com
o advento da “navegação virtual” essa sensação aumentou mais ainda. Diante da tela o
“navegador” em segundos percorre os mais distantes recantos do mundo, embora, muitas
vezes, sem o menor conhecimento do que se passa na vizinhança. O espaço que percebe é
bem diferente do que era percebido pelos portadores da tradição.
O espaço dos modernos foi construído tendo em contrapartida a desvalorização dos
componentes da sociedade tradicional identificados pejorativamente como primitivos,
atrasados ou selvagens. Nas cidades antigas as ruas seguiam o curso determinado pela
topografia do terreno e as edificações procuravam se adequar a essas “correntes naturais”,
sendo o traçado urbano ditado pela “natureza” (Hénard, apend Ortiz, 1991, p. 206). Na
sociedade moderna as “correntes naturais” são eliminadas sempre que representam um
obstáculo para o traçado urbano. Os rios passaram a ser aterrados, as florestas destruídas,
a circulação de ar obstruída para ampliar a soberania espacial do asfalto, do concreto, do
automóvel e do ar refrigerado. Os componentes do meio ambiente natural são valorizado
apenas quando transformados em paisagismo e confinados em espaços bem delimitados
pelos contornos das praças, hortos e pela arborização domesticada das avenidas. No mundo
moderno, os componentes do meio ambiente natural passaram a ser vistos mais como algo
a eliminar do que a incorporar.
A modernidade surgiu na Europa e se difundiu pelo mundo, até os dias de hoje. Assim,
os elementos originados em uma cultura passaram a se introduzir em outras culturas.
Isto não quer dizer que os elementos da cultura moderna sejam assimilados de modo
inalterado. Eles são modificados ao interagir com os novos contextos culturais, de modo
que a modernidade adquire certas especificidades em cada contexto em que se inscreve.
Na Amazônia, o período que se estende entre o fim do século XIX e o principio do século XX pode ser considerado um marco na instituição da modernidade. Pois, neste período,
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a recepção do estilo moderno de viver, foi tão intensa, que ele recebeu uma denominação
particular: Belle-Époque Amazônica. Essas transformações nos hábitos e costumes dos
moradores da região tem sido alvo da reflexão dos historiadores, como Daou (2000), Sarges
(2000) e Dias (2007). Eles apontaram que mudanças na percepção do espaço e do tempo
então se verificaram, embora não tenham se dedicado mais especificamente a esta temática.
O objetivo da presente análise é refletir sobre a transformação na percepção do tempo
e do espaço pelos habitantes da região Amazônia, com o advento da modernidade, no
período Belle-Époque, principalmente sobre as características que essa nova experiência
adquiriu no contacto com a cultura local.
2
Belle Époque Amazônica
O período da Belle-Époque na Amazônia, que se estende do fim do século XIX até o
inicio do século XX, é marcado pela entrada acelerada da modernidade na região. Para
isso dois acontecimentos foram fundamentais: a abertura dos rios à navegação estrangeira
e a chegada do barco a vapor. O primeiro permitiu estreitar o contacto com os países da
Europa, que antes era quase restrito a Portugal. O segundo acelerou esse contacto, pois,
em 1867 foi decretada a abertura dos rios da região à navegação estrangeira, que passou a
ser invadida pelos navios de diversas localidades. Se, o contacto com a Europa, antes, era
dominado pela presença de Portugal, depois desse decreto ampliava-se para Lisboa, Havre,
Liverpool e Nova York, entre outras (Daou, 2000, p. 29). Ampliava-se também o contacto
com as cidades costeiras do Brasil, tal como o Rio de Janeiro, que era a capital e a mais
moderna cidade do país.
Assim, a modernidade, com a nova experiência de tempo e espaço que acarreta, vinha
a vapor e por via marítima. Em primeiro lugar, porque, para chegar aqui, os elementos
da modernidade tinham que atravessar o Oceano Atlântico. Em segundo lugar, porque, a
generosa malha fluvial da região era mais favorável ao transporte marítimo do o que ao
terrestre. Os barcos a vapor, ultrapassando a velocidade dos que eram movidos a remo e a
vela, aceleraram os transporte dos habitantes da região, antes mesmo dos trens e outros
transportes terrestres que marcaram a experiência da modernidade europeia, desde o início.
A ferrovia Madeira Mamoré começou a ser construída na década de 1870. Marcada pelo
infortúnio e pela morte de muitos trabalhadores, ela só foi inaugurada no declínio da
Belle-Época (Hardman, 1952).
Os novos transportes modificaram o ritmo de vida da população amazônica, não apenas
porque através deles ultrapassaram as velocidades anteriores, mas, também, pela intensidade
com que traziam produtos materiais e ideológicos provenientes dos países da Europa, que
representavam a dianteira da modernidade, como a Inglaterra, França e Alemanha. Esses
produtos materiais e ideológicos vinham com os europeus e também com brasileiros que
precisavam de menos tempo para atravessar o Oceano Atlântico no movimento de ir e
vir. Esses produtos vinham, também, através do Rio de Janeiro, que, no Brasil, estava na
dianteira do processo de modernização e se constituía um centro difusor, deste processo,
para outras cidades.
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Tempo, Espaço e Modernidade na Belle-Époque Amazônica
As correntes de pensamento que chegavam, passavam a se propagar, por via oral e
escrita, primeiramente, entre as elites, que a seguir as traduziam, conforme seus interesses,
para as camadas populares. O Positivismo e o Darwinismo Social eram assimilados por
ilustrados, como Lauro Sodré que foi governador do Pará (Alves, 2005, p. 61-78). As
técnicas de navegação aérea eram assimiladas e reelaboradas por Julio César, que a partir
da década de 1880, não media esforços, na tentativa de colocar em circulação, de modo
inédito, uma aeronave dirigível (Crispino, 2005).
Essas e outras correntes de pensamento propagavam a ideia de progresso pela qual a
humanidade avançava à medida que substituísse os costumes e saberes tradicionais, pelos
modernos, também identificados como civilizados. Este seria o caminho único a ser trilhado
por todos os povos. Para isso o esforço devia ser permanente, pois a civilização não se
constituiria uma dádiva e sim uma conquista (Elias, 1994, p. 24; Kuper, 2002, p.24). Países
da Europa, como a França e a Inglaterra estariam na dianteira deste processo, assim, era
preciso seguir seus passos.
Desse modo, introduzia-se na região, um novo compasso temporal, bem diferente do
anterior, marcado pelo sino da igreja, pelo ritmo da maré e dos períodos de caça e pesca.
O novo compasso era regido pelo movimento intensivo nos seringais, da frequência ao
museu, à ópera, ao cinema, a tourada e ao clube. O intenso movimento nos bares, em que as
mesinhas avançavam pela calçada, era alimentado pelo consumo da cerveja que ultrapassava
completamente o limite anterior. Esse novo ritmo era favorecido “pela nova urbanização,
pela iluminação elétrica e também pela implementada rede de transportes, cujos horários
cadenciavam o dia a dia da cidade, fazendo emergir uma temporalidade particular” (Daou,
2000, p. 49).
O jornalista Joaquim Gonçalves Maia percebia Manaus, no período da Belle-Époque,
como uma cidade completamente agitada, diferente de sua expectativa sobre uma cidade
implantada no coração da selva amazônica.
Parece que estou com efeito em uma cidade ianque, uma cidade de grandes construções,
de grandes edifícios, de barulho, de movimento, em que os homens correm suados e
tudo se cruza na preocupação do business, homens, bondes elétricos, carros de praça,
carroças, tudo sem parar (Maia apend Dias p. 44).
Os “grandes edifícios”, ainda não eram os arranha-céus que surgiram mais tarde.
Nem a agitação da cidade era a que se observa nos dias atuais. Era em comparação à
tradição precedente, que o jornalista percebia haver grandeza nas construções e agitação no
movimento urbano.
Em meados do século, quando o naturalista Henry Bates esteve em Belém, que era uma
cidade até mais urbanizada que Manaus, o que ele percebeu, ao invés de agitação, foi calma
e tranquilidade.
As impressões que tive nesse primeiro passeio jamais se apagarão completamente da
minha lembrança. Passamos primeiramente por algumas ruas próximas do porto,
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margeadas por prédios altos e sombrios semelhante a conventos, pelas quais transitavam ociosamente alguns soldados de uniformes rotos, com seus mosquetes apoiados
displicentemente no braço, bem como sacerdotes, mulheres negras com potes d’agua na
cabeça e índias com ar melancólico, carregando filhos nus escanchados sobre os quadris.
(...) Grupos de pessoas tomavam a fresca à porta das casas (Bates, 1979, p. 12)
O ritmo dos habitantes da região foi acelerado com a entrada da modernidade.
Entretanto, os fatores que determinavam o ritmo das elites não eram os mesmos que
aceleravam o das camadas populares. As elites se moviam solicitadas pela administração
dos seringais ou das instituições públicas que intercalavam com as excursões às óperas, aos
banquetes, às compras de produtos importados e até prostitutas vindos do mundo moderno
alimentavam o novo ritmo do consumo. As camadas populares se moviam solicitadas
como mão de obra nas construções ou nos seringais. O trabalho nos seringais, principais
sustentáculos econômicos da modernidade amazônica, se estendia até o limite da exaustão
e mesmo da morte. Confinados nos seringais, tinham de adquirir todos os produtos que
precisavam no comércio dos patrões, tornando-se assim seus eternos devedores, sendo
forçados a trabalhar no seringal para o abatimento da divida sempre crescente.
O tempo de trabalho dos empregados nesse modo de produção e as condições espaciais
em que eram obrigados a viver não eram melhores que a dos escravos. Dependendo da
exigência dos feitores, podia até ser pior. O escravo era comprado. Sendo mercadoria tinha
valor econômico. Sua morte trazia prejuízo para o seu dono. O trabalhador do seringal
não tinha valor econômico para seus empregadores. O certo é que pelo número de mortos„
devido às péssimas condições de trabalho, pode-se dizer que os seringais não eram apenas
espaços de produção, mas também de extermínio.
Emigrantes foram bastante utilizados nesta empresa, pois havia bastante resistência dos
nativos em se submeter a esse tipo de trabalho. Por isso, estes eram considerados, pelos
modernos, vadios, preguiçosos e até degenerados. Entretanto, houve quem discordasse
dessa concepção como o naturalista inglês, Alfred Russel Wallace, que viveu quatro anos
na Amazônia. Nos seus versos, que seguem, o tempo da população indígena é sempre
preenchido com atividades que se alternam, nas quais não há uma nítida divisão entre lazer
e trabalho, como ocorre na modernidade, como se observa no ritmo dos trabalhadores
dos seringais.
A cada dia há sempre o que fazer.
Às vezes vão a mata, com machados,
Botar abaixo os troncos seculares;
Ou vão colher fibras ou taquaras
Com as quais fabricam redes, trançam cestos
E múltiplos objetos. Outras vezes,
Dirigem-se aos regatos pra pescar,
Levando anzóis, arpões, o arco e a flecha,
Nas roças, as mulheres vão colher.
Mandioca para seu pão de cada dia,
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Tempo, Espaço e Modernidade na Belle-Époque Amazônica
Ou vão plantar as mudas e sementes
Na fértil terra virgem, não ferida
Jamais por pá, charrua, ancinho ou grade.
As jovens descem ao rio e buscam água
Em cântaros que trazem na cabeça,
À moda das gentis moças cambrianas
Nas horas matinais e vespertinas
Banhar-se vão, nas águas rebrilhantes
Brincando, em banho alegre quais sereias.
(Wallace, 1979, pp. 164-5)
O espaço dos habitantes da Amazônia também se modificou com a modernidade. O
barco a vapor encurtando o tempo de ida e vinda, entre duas localidades passou a permitir
que as elites da região se deslocassem com mais assiduidade, por outras regiões, por outros
países. Isso não quer dizer que se deslocassem por todo o mundo. Suas rotas reduziam-se a
algumas localidades. As que conduziam aos países, ditos civilizados, como a França e a
Inglaterra, estavam entre as mais frequentes.
Pelo culto da civilização, que chegava a vapor, tudo que representava a tradição era
desvalorizado, inclusive os elementos percebidos como constituintes do espaço. Essa desvalorização facultava a destruição dos componentes do espaço tradicional, se percebido como
obstáculo à passagem das construções modernas. Assim, os lampiões a gás cediam lugar a
luz elétrica. O elemento vegetal, quando requisitado, não era pela sua natureza selvagem e
sim pela sua utilização como fonte de exploração econômica ou como nicho paisagístico
integrado na estética do espaço urbano. Os riachos ou igarapés eram implacavelmente
aterrados para dar passagem às ruas pavimentadas e aos prédios construídos com material
importado da Europa.
As aldeias, casas populares e igrejas, que demarcavam o espaço de circulação da tradição
abrem espaço, em Belém, para o Museu Paraense (hoje Emilio Goeldi), a Biblioteca
Pública, o Teatro da Paz, o Bosque Rodrigues Alves, a praça Batista Campos, o Mercado
Municipal do Ver o Peso e o cinema Olímpia; em Manaus, para o Teatro Amazonas e
o Porto Flutuante. O Museu Paraense, situado em uma cidade com menos de 200.000
habitantes, recebe a visita de 334 641 pessoas entre os anos de 1897 e 1901 (Machado,
2010, p. 96).
Nesse espaço moderno, não há mais lugar para percepções, como a do naturalista
Henry Bates, sobre a Amazônia, quando aí esteve, algumas décadas antes do advento da
Belle-Époque. O que ele percebia, naquele momento, eram: “numerosas torres, cúpulas das
igrejas e o topo das palmeiras destacando-se atrás das casas” cercadas “pela a floresta que
cobre toda a região e chega quase as ruas da cidade” (Bates, 1979, p. 12 e 14). Ele ressalta,
também, a sensação de amplitude experimentada na amplitude da floresta, ao referir-se a
este espaço, como o lugar onde ele viveu “a maneira dos ciganos”, do mesmo modo que
“três quartos de seu povo, velejando entre seus infindáveis rios ou percorrendo suas florestas
sem fim” (Bates, 1979, p. 298).
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Notas Finais
Em relação à modernidade original, gestada na Europa, algumas diferenças podem ser
observadas na relação aos fatores que modificaram a percepção do espaço e tempo, na
modernidade Amazônica. Algumas diferenças pedem ser observadas em relação ao veículo
que teve papel pioneiro na aceleração do movimento da população; a procedência da nova
experiência; a jornada e o espaço da mão de obra e, ainda, em relação ao impacto na cultura
e no meio ambiente.
Na Amazônia o transporte marítimo foi imprescindível para o advento da modernidade,
pois os produtos materiais e ideológicos da modernidade que se difundiam a partir da
Europa, só podiam chegar por via marítima e só podiam se difundir, na região, através dos
numerosos rios navegáveis. Os veículos terrestres, como trens e bondes só começaram a
circular na final da Belle-Époque.
As mercadorias, que chegavam nesses transportes, vinham junto com a intensa propaganda, para acelerar seu consumo, como na Europa. Do mesmo modo, alardeavam que a
aquisição dos novos produtos era condição necessária para avançar no sentido da civilização.
Entretanto, para os Europeus avançar neste significava adotar um modo de vida que se
gestava no interior de sua própria cultura, para os outros, significava adotar um modo de
vida que se gestava na Europa. O impacto do ritmo da modernidade na tradição indígena,
regida pelo extrativismo, a caça e o banho de rio era bem maior do que na tradição europeia
regida pela agricultura, a ordem militar e o comércio artesanal.
O controle do tempo e do espaço, conforme Foucault (1975), inicialmente, está na base
dos dispositivos disciplinares da modernidade. Estes incidem nas técnicas de distribuição
dos indivíduos em espaços classificatórios e hierarquizados sob vigilância permanente para
o desempenho de funções específicas; ou no controle do tempo com o objetivo de obter
o máximo de rapidez e eficiência. Esses dispositivos disciplinares podem ser observados,
desde o início da modernidade, tanto na Amazônia como na Europa. Na Amazônia,
entretanto, eles avançaram mais rapidamente através dos seringais, já que a atividade fabril,
inicialmente, era incipiente. Os novos hábitos de consumo que se introduziram com a
modernidade vinham, sobretudo, das fábricas localizadas na Europa e eram sustentados pela
economia extrativista oriunda dos seringais. Para sustentar os novos hábitos de consumo,
na Europa, a jornada de trabalho chegou a 16 horas por dia, diminuindo para 8 horas,
na virada do século, em função das lutas operárias. Essa diminuição ainda ia esperar
algumas décadas para ser implantada aqui. Aliás, ainda hoje, o trabalho “escravo” não foi
totalmente extinto.
Finalmente, convém acrescentar que, desde o inicio, em qualquer lugar, a modernidade
avançou à custa do “meio ambiente natural”. Rios e florestas recuaram para dar passagem aos
trilhos, ao calçamento das ruas e de outras construções do mundo moderno. Na Amazônia,
não foi diferente, entretanto, convém destacar o sacrifício da generosa malha de igarapés
ou pequenos rios distribuídos na região, que serviam de vias naturais para o transporte
marítimo, a redução do calor, o fornecimento de água e o alimento à população.
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Tempo, Espaço e Modernidade na Belle-Époque Amazônica
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VII
O Tempo e o Espaço na Informática
Arnaldo Corrêa Prado Junior¹
[email protected]
Pedro Leon da Rosa Filho
[email protected]
1
Introdução
O tempo e o espaço são referências em todas as atividades do ser humano. Das mais
urgentes ligadas à sobrevivência como espécie às mais complexas, consequência de atividades
racionalmente organizadas, na busca de explicações sobre a própria origem e a do mundo
onde vive.
Especulações e teorias vêm do início da capacidade humana de racionalizar o pensamento. Durante muito tempo, de Aristóteles até Newton, considerou-se o tempo como
absoluto, independente do espaço, até que Einstein formulou a Teoria da Relatividade e
estabeleceu o conceito de espaço-tempo, ao considerar que se for alterada a maneira de
medir o tempo, a distância no espaço entre dois eventos poderá ser modificada. (RUSSELL,
2005, p. 59).
No campo das atividades profissionais liberais e técnicas, além, naturalmente, das
implicações de caráter geral, tempo e espaço são tratados e influem com especificidades
diferenciadas. Na Medicina, na Engenharia, na Física e na Informática, para exemplificar
apenas limitadamente, há diferenças significativas, sabe-se, e que estão sendo tratadas nesta
publicação da Academia Paraense de Ciências.
Na Informática, tratada neste texto, o relacionamento entre tempo e espaço se inicia a partir do momento em que o algoritmo deve ser armazenado e precisa ocupar
espaço na memória, e os dados, para serem armazenados, necessitam de um mínimo de
processamento.
1. Informático, Professor Aposentado da Universidade Federal do Pará e Membro da Academia Paraense de Ciências.
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Arnaldo Corrêa Prado Junior & Pedro Leon da Rosa Filho
A Internet, constituída de redes de computadores, expande a questão do tempo e espaço,
permitindo a comunicação entre vários computadores situados geograficamente dispersos.
A computação quântica avança na escala de evolução da capacidade de processamento
com possibilidades surpreendentes tendo em vista o entrelaçamento previsto pela Física
Quântica.
Bibliotecas virtuais eliminam a necessidade de grandes espaços físicos ocupados por
prédios para armazenamento de livros. Textos compactados, replicados e multiplicados são
armazenados em memórias de computadores em locais dispersos geograficamente, como se
fossem quase locais, evitando destruição de acervos por catástrofes.
Na área da Educação, acesso a dados e informações a partir de locais dispersos
geograficamente sem necessidade de deslocamento pessoal pelo espaço e com auxílio
de Sistemas de Educação à Distância, abre possibilidades à inclusão educacional e social,
não apenas a digital como feita nos moldes atuais. O trabalho colaborativo, compartilhado,
se aplica, também, em outras atividades humanas intelectuais. Com a telemedicina, as
vantagens são inegáveis para a saúde humana, com destaque à preventiva.
Com todas as possibilidades abertas no campo das Tecnologias de Informação e
Comunicação (TICs), há, também, as vulnerabilidades resultantes, aliás, normalmente
presentes nas aplicações avançadas. Claro que, nem por isso, se deve bloquear o desenvolvimento científico e tecnológico.
A associação do aspecto fisiológico ao espaço-tempo newtoniano e a do psicológico ao
espaço-tempo einsteiniano já vem sendo proposta com abertura de múltiplas possibilidades.
Na verdade, a pesquisa científica vem avançando e apontando, inclusive, para a construção
de um computador orgânico.
2
Tempo e Espaço / Espaço-Tempo
Tempo e espaço acompanham a humanidade permanentemente. O tempo de gestação
de um ser humano é de nove meses; o dia dura vinte e quatro horas, a hora tem sessenta
minutos e o minuto sessenta segundos; as pessoas ocupam lugar no espaço, precisa-se de
espaço para viver, espaços das moradias, das edificações, das ruas, espaços livres; espaço para
guardar livros; hora do almoço, hora do jantar, hora de dormir, enfim, o tempo definindo
o início e o fim de uma atividade e consequentemente a duração dela. Dois corpos não
podem ocupar o mesmo lugar no espaço ao mesmo tempo.
O tempo gasto para percorrer um determinado espaço aumenta se a velocidade de
deslocamento diminui; por exemplo, o espaço percorrido por um automóvel com velocidade
de 60 quilômetros por hora em uma hora será de 60 quilômetros; se a velocidade for de
trinta quilômetros por hora o mesmo espaço será percorrido em duas horas; o tempo
aumenta quando se está em um engarrafamento de veículos e fica maior ainda quando se
está com muita pressa, é o tempo psicológico; se faltam cinco minutos para terminar um
jogo de futebol e seu time está ganhando por um a zero e precisa da vitória, a possibilidade
de um empate fará com que esses cinco minutos pareçam durar muito mais, você deseja
que o jogo acabe logo; se a situação fosse inversa, o jogo estivesse empatado, esse tempo
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O Tempo e o Espaço na Informática
passaria para você muito rapidamente desde que o gol salvador não viesse; se o gol vier,
volta-se à situação anterior. O tempo cronológico de exibição de um filme é fixo, mas para
o espectador depende: se ele se envolve no clima da narrativa é como se o tempo passasse
rapidamente, ele não sente a duração do tempo; se o filme é entediante, o olhar para o
relógio dilata o tempo para ele; a suspensão da descrença (suspension of disbelief ) explica a
quebra do encantamento em exibição de filmes, em educação à distância e em games.
Durante muito tempo, desde Aristóteles até Newtom, acreditava-se que o tempo era absoluto, independente do espaço. Aliás, no dia a dia da vida essa separação chega a funcionar
a contento “quando lidamos com maçãs ou planetas, que se deslocam comparativamente
mais devagar, [mas] não funcionam absolutamente para objetos que se movam à velocidade
da luz, ou próximo a ela (HAWKING, 1988/2000, p. 39-40).
Inúmeras teorias foram formuladas e experiências realizadas sobre a velocidade da luz.
Estabeleceu-se que essa velocidade era fixa e que
[...] se a luz supostamente se deslocava em velocidade fixa, seria possível dizer em
relação a quê esta velocidade fixa poderia ser medida. Foi então sugerido que havia
uma substância chamada ‘éter’, presente em todos os lugares, mesmo nos espaços ‘vazios’.
As ondas de luz se deslocariam através do éter, como as ondas de som se propagam
através do ar, e sua velocidade seria, então, relativa ao éter. [...] (ibidem, p. 41)
Em 1905, no entanto, Albert Einstein mostrou que
[...] o conceito de éter era desnecessário, uma vez que se estava querendo abandonar
o de tempo absoluto. Ponto semelhante foi abordado poucas semanas depois por um
proeminente matemático francês, Henri Poincaré. Os argumentos de Einstein eram
mais próximos da física do que os de Poincaré, que abordava o problema como
matemático. Einstein ficou com o crédito da nova teoria, mas Poincaré é lembrado por
ter tido seu nome associado a uma parte importante dela.
O postulado fundamental da Teoria da Relatividade, como foi chamada, é que
as leis científicas são as mesmas para todos os observadores em movimento livre, não
importa qual seja sua velocidade. Isto era verdadeiro para as leis do movimento de
Newton, mas agora a ideia abrangia a teoria de Maxwell e a velocidade da luz: todos
os observadores encontram a mesma medida da velocidade da luz, não importa o quão
rápido estejam se movendo. Esta simples ideia tem algumas consequências notáveis:
talvez as mais conhecidas sejam a equivalência de massa e energia [...]; e a lei que
prevê que nada pode se deslocar com mais velocidade que a própria luz. [...]
(ibidem, p. 42-43)
A teoria da relatividade traz, também, uma consequência revolucionária em relação aos
conceitos de tempo e espaço. O conceito de evento é importante para essa compreensão:
“Um evento é alguma coisa que acontece num determinado ponto no espaço, e num
tempo também determinado. Assim pode-se especificá-lo através de quatro números ou
coordenadas (ibidem, p. 47)”. Admitamos, por exemplo, a indicação da localização do
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choque de dois aviões no ar. Os quatro números ou quatro coordenadas poderão ser:
latitude, longitude, altitude e tempo, o tempo no qual ocorreu o evento.
Como vimos anteriormente, até Newton, o tempo era absoluto, independente do espaço,
no entanto,
A teoria da relatividade mudou isso. Existem agora várias maneiras de determinar
posições no tempo, que não diferem apenas quanto à unidade e ao ponto de partida.
Na realidade, como vimos, se um evento é simultâneo a outro num referencial pode
precedê-lo, num segundo, e ser posterior a ele num terceiro. Além disso, as medições
de espaço e tempo não são mais independentes uma da outra. Se você alterar o modo
de medir a posição no espaço, poderá alterar também o intervalo de tempo entre dois
eventos. Se alterar a maneira de medir o tempo, poderá alterar a distância no espaço
entre dois eventos Assim, espaço e tempo não são mais independentes do que o são
as três dimensões do espaço. Continuamos precisando de quatro quantidades para
determinar a posição de um evento, mas não podemos como antes, isolar a quarta como
completamente independente das outras três. (RUSSELL, 2005, p. 59-60)
Vejamos, ainda, o que diz Hawking (1988/2000, p. 48):
É sempre útil pensar nas quatro coordenadas de um evento como especificadoras de sua
posição num espaço quadridimensional chamado espaço-tempo. É impossível imaginar
um espaço quadridimensional. Eu pessoalmente acho bastante difícil visualizar um espaço tridimensional! Entretanto, é fácil desenhar diagramas de espaços bidimensionais,
tais como a superfície da Terra. (A superfície da Terra é bidimensional porque a posição
de um ponto pode ser especificada por duas coordenadas, latitude e longitude.) [...]
3
Recursividade, Algoritmos e Processamento
É sabido que para se conhecer bem alguma coisa é necessário saber a sua origem e evolução.
Além disso, existe também o clássico dilema: quem veio primeiro o ovo ou a galinha?
O que na realidade remonta à questão da origem e da evolução da vida. O conceito de
recursividade é de extrema importância em informática e, também, em várias áreas de
estudo, pois ele expressa matematicamente a relação direta de dois problemas focais, a saber,
o da criação e o da circularidade (DIAS e WEBER, 2010).
Um algoritmo – que é procedimento computacional – quando toma a forma recursiva é
construído necessariamente em duas etapas, uma a primitiva, a da criação e outra a circular,
a da evolução.
A evolução é possível recursivamente, pois uma forma mais evoluída é gerada a partir
de uma forma semelhante mais simples, desde a sua forma primitiva. A relação entre as
gerações pode ser bastante elementar ou pode, claramente, assumir expressões extremamente
complexas.
Por outro lado, qualquer procedimento opera sobre algo que deve ser transformado, no
caso computacional o algoritmo transforma, justamente, os dados, (WEGNER, 1968).
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O Tempo e o Espaço na Informática
De acordo com a natureza do problema, a complexidade da estruturação dos dados e a
do algoritmo correspondente para atingir a solução almejada, tem levado a diversos estudos
a respeito da arte da programação de computadores.
Um exemplo elementar quase sempre usado para ilustrar a recursividade é a definição
de fatorial:
Fatorial (1) = 1 Primitiva (Origem ou Criação),
Fatorial (N) = N x Fatorial (N – 1) Circular (Evolução ou Geração).
No clássico citado problema do ovo e da galinha é evidente a evolução ou geração,
porém se desconhece a origem ou criação.
Nas técnicas de programação de computadores é ainda usada a tradicional programação
estruturada e mais a orientada a objeto, ficando a programação recursiva de uso mais restrito,
porém de indiscutível importância teórica.
Na prática, o computador, mesmo como uma máquina de programa armazenado, tem a
sua memória mais diretamente relacionada aos dados e normalmente com sua capacidade
expressa em gigabytes, enquanto seu processador se relaciona ao algoritmo, e sua medida
expressa, atualmente, em gigahertz.
Essa analogia nos leva a associar espaço e tempo com essas duas grandezas, respectivamente, memória – armazenamento de dados – e processador – funcionamento operacional
do algoritmo.
É interessante, desde já, reforçar que o algoritmo precisa ser armazenado, isto é, ocupar
espaço na memória, enquanto que os dados para serem armazenados necessitam de um
mínimo de processamento que seja da função operacional. Assim fica logo registrada uma
primeira ideia do inter-relacionamento entre tempo e espaço computacionais, em analogia
à mesma propriedade correlata na Física (ARGENTIÈRE, 1958).
Além disso, tem sido evidenciada a natureza simbólica do pensamento humano e, talvez,
o computador digital seja a melhor ilustração deste fato.
A representação dos dados na memória de um computador digital, se sabe, é realizada
através da representação binária relacionada apenas a 0s (zeros) e 1s (uns) e, no entanto,
estão disponíveis máquinas que operam em todos os idiomas, com refinados diagramas,
imagens de alta qualidade e complexas representações do pensamento como, por exemplo,
o clássico jogo de xadrez.
Na realidade, a Teoria da Informação utiliza justamente o conceito binário para medida
da quantidade de informação presente em determinado dado; assim esse conceito –
comumente chamado de bit – está no limite da representação natural tanto no aspecto
teórico quanto na realização prática, para o número em particular e, também, para a
informação em geral.
A construção, portanto, de um programa de computador, pode ter um embasamento formal rigoroso fundamentando tanto a sua parte operacional como a relativa à representação
da informação no nível de cada bit de dado.
A representação de um texto qualquer em computador com variada possibilidade de
edição, e até mesmo de correção automática tem facilitado muito a preparação de toda uma
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Diálogos Sobre o Tempo — Prova 2 — 30/11/2010 — Maluhy&Co. — página (local 90, global #116)
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gama de documentação digital, inclusive levando a muitos escritores produzirem suas obras
de arte diretamente no computador.
Será que, por exemplo, com a disponibilidade de representação de 16 milhões de cores,
ou mais, não levará também a trabalhos de pintura oriundos do uso facilitador de algum
equipamento adaptado para produção dessa arte, como parece já acontecer com a música?
Outro exemplo bem ilustrativo é a capacidade da computação digital no jogo de xadrez,
pois quem não for um grande mestre como fará para não ser superado pela máquina?
A eficiência de um computador em processar seus gigabytes de capacidade de armazenamento através dos gigahertz de sua capacidade de processamento determina a natureza da
complexidade dos problemas computacionais solúveis automaticamente; este é o estudo
da Complexidade de Algoritmos; uma especialidade que tem promovido grande parte do
avanço teórico da computação (HOPCROFT, 2000).
Por outro lado, a Internet, a expressão mais popular da informática, extrapola o próprio
computador e constitui a ligação de computadores em rede, assim, obrigatoriamente,
expandindo a questão do tempo e do espaço, saindo, portanto, dos limites internos de
um computador e abrangendo a comunicação entre dois ou mais computadores situados a
variadas distâncias.
É claro que isso afeta a gama de problemas tratados computacionalmente em tempo hábil, abrindo o leque por um lado e restringindo por outro, pois nem todos os processamentos
locais poderiam ser satisfatórios à distancia.
Uma experiência significativa em termos de complexidade computacional é, certamente,
o processamento de imagens, principalmente no caso da rádio-astronomia valendo citar o
caso da distribuição do processamento entre milhares de computadores de voluntários que
aderiram ao chamado da NASA.
O que dizer, no entanto, de um programa de computador que exigisse, para os padrões
atuais, milhares de anos de processamento?
A computação quântica está surgindo como uma proposta muito interessante na escala
de evolução da capacidade de processamento oferecendo possibilidades surpreendentes
por causa da propriedade do entrelaçamento previsto pela Física Quântica. Inclusive
da construção de equipamentos inusitados como, por exemplo, um Controle Remoto
Dual, que seria associado ao seu correspondente Controle Remoto, lançando mão da
propriedade de entrelaçamento, onde ambos poderiam realizar as mesmas funções em
ambientes diferentes, simultaneamente.
4
Armazenamento
A preservação de bibliotecas não exige a construção de prédios em grandes espaços para
armazenamento de livros. Textos compactados, codificados eletronicamente e armazenados
em memória de computador também podem ser replicados, multiplicados geograficamente,
eliminando a possibilidade de perda existente em uma biblioteca de livros físicos.
Sobre a disponibilidade de bibliotecas na Internet entrevistamos Maria das Graças
Pena, diretora da Biblioteca Central da Universidade Federal do Pará. Inicialmente ela
nos recomendou a Biblioteca Digital Mundial: http:// www.wdl.org/pt e a Biblioteca
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O Tempo e o Espaço na Informática
Fundação Nacional: http://www.bn.br/portal/ esclarecendo que a nacional alimenta a
mundial. Nós as visitamos e recomendamos aos leitores que façam o mesmo. Graça nos
deu mais informações:
— As bibliotecas universitárias brasileiras estão em ações e iniciativas para digitalização de seus repositórios, com a produção bibliográfica do corpo docente e
de pesquisadores, teses, dissertações, artigos, capítulos, livros, etc. Há, ainda, portais e sites governamentais, como o portal domínio público, com obras da literatura brasileira: http://www.dominiopublico.gov.br/ e outros sites e portais de literatura científica temática, como o Scielo: http://www.scielo.org e o próprio ibict
com os produtos http://prossiga.ibict.br/bibliotecas (bibliotecas virtuais temáticas) e
http://bdtd.ibict.br/ (teses e dissertações); a Universidade de São Paulo (USP) com
http://www.obrasraras.usp.br, http://portal.revistasusp.sibi.usp.br e a biblioteca do
Mindli: http://brasiliana.usp.br.
5
Velocidade de Transmisão e Atrasos
Uma situação relativa a diferentes velocidades de transmissão pode ser exemplificada com a
transmissão de jogos de futebol. E citamos um exemplo real. Assistíamos ao jogo da Copa
do Mundo Brasil x Coreia do Norte. Na sala de jantar havia um receptor convencional de
televisão aberta e na sala de visitas um receptor para o canal pago Sky. Quando o Brasil fez
o primeiro gol, os gritos da sala de jantar vieram antes da bola ter entrado na televisão da
sala, ou seja, a transmissão foi mais rápida na televisão convencional, do que a transmissão
via satélite da Sky. O que fazer se, numa determinada transmissão, dois receptores em
lugares diferentes precisarem receber no mesmo instante uma determinada informação?
Vejamos alguns aspectos dessa transmissão.
Nas transmissões abertas e analógicas (NTCS, PAL-M, SECAM) da TV aberta
(Liberal, RBA e outras emissoras locais de Belém/PA) o sinal é transmitido “quase” da
mesma forma como é montado na TV. Ou seja as linhas vem prontas para serem montadas
no aparelho. Claro que existe um pequeno atraso em relação ao acontecimento ao vivo (mas
é quase imperceptível).
Quando a transmissão é por satélite a transmissão tem um delay adicional de 2 segundos
que é o atraso para subir e descer o sinal.
Em TVs a cabo analógica (por exemplo, SKY ), o tempo sobe ainda um pouco mais –
em torno de 3 segundos, uma vez que o sinal tem que ser “embaralhado” juntando-se todos
os canais para posteriormente ter o canal desejado selecionado na residência do usuário,
através dos conhecidos decodificadores que ficam ao lado dos televisores.
No caso de TV digital o atraso se dá em função da codificação do sinal (no Brasil
MPEG-4) e posterior decodificação no aparelho. Ao todo isso pode chegar até a 5 segundos.
Somando as piores situações podemos ter um atraso total na faixa de até 10 segundos
(ou seja transmissão via satélite, digital com decodificador de canal).
Um aspecto importante, na verdade fundamental, a ser considerado em algumas
operações envolvendo transmissão de informações e de dados via internet se refere à
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Arnaldo Corrêa Prado Junior & Pedro Leon da Rosa Filho
velocidade de transmissão e a interrupções na transmissão. Em operações cirúrgicas à
distância, eventuais interrupções podem ser catastróficas. Essas interrupções podem ser
causadas, simplesmente, pela falta de energia e, neste caso, um gerador pode resolver o
problema. Quanto à velocidade de transmissão e atrasos é necessário considerar que o
cirurgião precisa ter visão do campo operatório e isto envolve uma transmissão no sentido
inverso, ou seja, ele precisa acompanhar, também à distância, o efeito de suas intervenções;
o tempo de retorno é importante para uma nova ação.
A Internet atual baseia-se (ainda) no protocolo IP-V4 que por sua vez se baseia no
melhor esforço (best-effort). Em outras palavras: “se der para entregar eu entrego no melhor
tempo possível... se não der...”. O que tem-se tentado é aplicar protocolos e procedimentos
para garantir QoS.
Mas no moldes atuais ainda temos um gargalo na rede de primeira milha (que liga o
usuário final aos backbones centrais).
Teoricamente, um pacote IP poderia dar 6 voltas ao mundo em 1 segundo se não
encontrasse tráfego na rede.
Mas nos moldes atuais da Internet é impossível prever este atraso. Soluções têm sido
propostas como a Internet B e etc...
6
Construção do Conhecimento
Acesso a dados e informações, com a eliminação do deslocamento de pessoas pelo
espaço, são características importantes na sociedade do conhecimento. O acesso rápido e
descentralizado é condição básica, mas não suficiente. A Rede tem de tudo, literalmente de
tudo e, como consequência, em princípio, permite tudo.
As Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) se tornaram necessárias, às vezes
até obrigatórias, para quase todos: para o cientista, para o profissional de todas as áreas em
diversos níveis, no dia a dia do cidadão comum, desde a educação infantil, enfim para todos
aqueles que atingiram um patamar mínimo de convivência social no mundo desenvolvido.
Hardware e software de computadores e comunicação, com ênfase nas telecomunicações,
são básicos, até essenciais, mas não suficientes para garantir avanços em qualquer área, uma
vez que a rápida expansão das TICs, muitas vezes, levou ao uso inadequado, desordenado e
caótico de suas potencialidades.
Na Educação, a primeira entrada dos computadores se deu sem conveniente preparação
dos envolvidos no processo de construção do conhecimento. No início havia dúvidas
sobre as vantagens em utilizá-los na área, havia, inclusive, reações ao uso das tecnologias
arraigadas a argumentos que iam do perigo de produzir estudantes autômatos até os
interesses puramente comerciais dos países produtores dessas tecnologias que precisavam
vender seus equipamentos, custasse o que custasse.
Dertouzos (1997, p. 226), àquela altura considerava que:
Não está claro se o computador e as tecnologias de comunicação vão ajudar o processo de
aprendizado de um modo decisivo. Certamente descobrimos maneiras atraentes de usar
a tecnologia informática no ensino, mas devemos adotar uma postura conservadora
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O Tempo e o Espaço na Informática
quando tratamos de educação infantil. Não convém nos deslumbrarmos com uma
nova abordagem tecnológica e declarar que vai ser ótima na educação só porque parece
interessante. Ela pode ser até prejudicial.
Sobre a linguagem Logo, desenvolvida por Seymour Papert com base em Piaget, que
permite aos estudantes dar instruções ao computador e que chegou a despertar empolgação
em educadores, o mesmo autor dá uma opinião extremamente pertinente:
A linguagem Logo não causou nenhuma revolução no processo educacional, embora
tenha se tornado um instrumento útil, depois que Papert e seu colega Hal Abelson
o aperfeiçoaram. Atualmente, Logo é aplicado em muitas escolas. Os testes iniciais
convenceram todos nós, pesquisadores, de que Papert abrira o caminho para um mundo
novo de “aprendizado conduzido pelo aprendiz.[...]
A partir do que avaliou em relação ao Logo, o autor faz uma generalização:
Os educadores sabem, há muito tempo, que a memorização e repetição funcionam,
quando existe um objetivo desejável, como aprender a dirigir um carro, mas não são
eficientes como os exercícios em si. As crianças – e as crianças dentro de nós – preferem
aprender pela excitação da descoberta e da participação. Contudo, os alunos aprendem
da mesma maneira, por métodos tecnológicos menos sofisticados. Já sabemos que a
tecnologia por si só não acelera automaticamente o processo de aprendizagem, por mais
futurista ou promissora que pareça. (ibidem, 227-228)
Dertouzos continua a análise em relação à Educação avaliando hiperdocumentos,
instrumentos de análise, simulação, inteligência artificial, orientadores e professores
automáticos. E então, apesar de falar da “escassez de verbas, flexibilidade social e pesquisas
inconclusivas até o momento” como aspectos negativos ele registra que: “Mesmo assim as
perspectivas a longo prazo são muito promissoras”. E justifica porque:
A primeira Revolução Industrial afetou o ensino indiretamente, na medida em que
estudantes mais bem alimentados aprendiam melhor. A segunda Revolução Industrial
continuou a ajudar, de maneira indireta, graças à melhoria nos transportes dos
estudantes, no aquecimento e iluminação das escolas, e no aumento da população com
renda suficiente para mandar os filhos para o colégio, em vez de forçá-los a trabalhar.
(ibidem, p. 239)
Em seguida caracteriza a contribuição, agora direta, na era da informação:
O novo mundo da informação rompe com esse padrão de contribuições indiretas. Ele
está diretamente vinculado às questões centrais da educação, na aquisição, organização
e transmissão de informações, bem como na simulação de processos que representam o
conhecimento e na utilização de instrumentos como e-mail e trabalho em grupo, para
mediar as relações entre alunos e professores, e dos alunos entre si. Sendo assim, trata-se
da primeira revolução socioeconômica importante da história a oferecer tecnologias
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Arnaldo Corrêa Prado Junior & Pedro Leon da Rosa Filho
diretamente ligadas ao processo de aprendizagem. Portanto, apresenta uma boa chance
(mas, de modo alguma, a certeza) de promover saltos qualitativos que não poderiam
ter ocorrido no caso das tecnologias das duas revoluções industriais, cujos vínculos com o
ensino eram tênues. (ibidem, p. 239)
Dertouzos fala de um mercado escolar para estudantes:
[...] Por que se matricular na escola, centro de treinamento ou universidades locais, se o
estudante pode frequentar uma escola mais distante, porém melhor e mais adequada a
seus interesses específicos? Esta questão vem causando um bocado de confusão, e mesmo
algumas ações e declarações pesadas sobre o aprendizado à distância, conforme as escolas
e universidades lutam para tirar vantagem de um mundo rico em informação. [...]
(ibidem, p. 239)
Na verdade, as possibilidades da Educação à Distância (EaD) não devem ser colocadas
simplificadamente e na perspectiva de se buscar em qualquer parte do mundo o que seja
mais adequado aos interesses do estudante até porque definir o que é mais adequado,
neste caso, não é tarefa simples. Nessa linha de reflexão vem a escolha de instituições
de maior credibilidade em detrimento de escolas ou universidades locais que ofertem
cursos presenciais ou híbridos. Na verdade, Dertouzos não limita nesse aspecto a análise,
ele avança em reais vantagens da EaD, apesar de o fazer ainda com restrições como ao
dizer que
No grosso da educação, porém, as abordagens do aprendizado à distância não funcionam
tão bem quanto os sistemas tradicionais. A educação é muito mais do que a transferência
de conhecimento dos professores para os alunos. Como educador, posso dizer em primeira
mão que acender a chama da vontade de aprender no coração dos estudantes, dar o
exemplo e criar vínculos entre professores e alunos são fatores essenciais para o sucesso
do aprendizado. Estas necessidades básicas não podem ser satisfeitas pela tecnologia
informática. [...] (ibidem, p. 240)
Esta discussão não está no escopo deste texto, mas julgamos pertinente registrá-la,
esclarecendo, também, que desde a época da publicação do livro de Dertouzos muito se
avançou na EaD. Como há uma grande diversidade de recursos utilizáveis tanto no âmbito
tecnológico como no humano, os cursos de Educação à Distância precisam ser planejados
levando-se em conta a complexidade inerente a eles e ser acompanhados do início ao fim
da execução para eventuais ajustes e correções. Sobre essa questão, Eliasquevici e Prado
Junior (2008) tratam da incerteza no planejamento de sistemas de Educação à Distância
considerando que “A tarefa de projetar um sistema de educação a distância (SEAD) é um
processo complexo devido ao número de componentes envolvidos, às diferentes visões
e abordagens quanto à sua eficácia, aos valores em disputa, aos interesses em jogo e às
decisões urgentes”. Como a EaD vem seguindo essa linha, o aporte de algoritmos cada
vez mais complexos será necessário para tratar esse nível desejado. Na verdade, atualmente
os SEADs estão entre as reais possibilidades na Educação e com vantagens pela grande
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O Tempo e o Espaço na Informática
capacidade de armazenamento de dados e de informações dos computadores, acessos
múltiplos e descentralizados na rede, interação entre participantes possível a qualquer
momento, trabalho cooperativo entre alunos e entre alunos e professores, enfim, as amplas
possibilidades oferecidas pelas TICs. Grande espaço de armazenamento, espaço geográfico
encurtado e vencido pela velocidade de transmissão sem a necessidade de deslocamento de
pessoas, trabalho cooperativo nas mesmas condições e, como consequência, a diminuição
do tempo gasto nas tarefas.
7
Trabalho Colaborativo
A disponibilidade de espaço para armazenamento de informações, com acesso rápido e
descentralizado geograficamente, permite que várias pessoas contribuam para a elaboração
de um mesmo trabalho, colaborativamente, sem a necessidade de deslocamento físico.
O apoio a esse trabalho se faz por meio de um software colaborativo (groupware),
que “Skip Ellis o definiu como ‘um sistema baseado em computador que auxilia grupos
de pessoas envolvidas em tarefas comuns (ou objetivos) e que provê interface para um
ambiente compartilhado’. Sistemas de software com e-mail (assíncrono), agenda corporativa,
bate-papo (chat) e wiki pertencem a esta categoria [...].”(SOFTWARE..., 19 jul. 2010).
Outro termo, computer supported cooperative work (CSCW) tem sido usado por muitos
autores como sinônimo de groupware embora outros os diferenciem: “On the other hand,
different authors claim that while groupware refers to real computer-based system, CSCW
focuses on the study of tools and techniques of groupware as well as their psychological,
social, and organizational effects.” (COMPUTER. . . , September 2010)².
Nesse mesmo texto citado da wikipedia, há a apresentação da matriz CSCW, conforme
proposto por Johansen (1988) e Baecker (1995) que considera os contextos do trabalho em
duas dimensões: “first, whether collaboration is co-located or geographically distributed,
and second, whether individuals collaborate synchronously (same time) or asynchronously
(not depending on others to be around at the same time)”. (COMPUTER. . . , September
2010)³.
Essa matriz é composta de quatro regiões:
a)
b)
c)
d)
Mesmo tempo/mesmo lugar (espaço) – Interação “”.
Mesmo tempo/diferente lugar (espaço) – Interação remota.
Tempo diferente/ mesmo lugar (espaço) – Tarefas contínuas.
Tempo diferente/lugar (espaço) diferente – Comunicação + coordenação.
De acordo com a região da matriz, há técnicas e mecanismos apropriados para a execução
das atividades colaborativas.
2. (“Por outro lado, diferentes autores sustentam que enquanto groupware refere-se a sistema real baseado em
computador, CSCW enfoca o estudo de ferramentas e técnicas de groupware bem como seus efeitos psicológico,
social e organizacional”.
3. “primeiro, se a colaboração é co-locada ou geograficamente distribuída, e segundo, se os indivíduos colaboram
sincronamente (mesmo tempo) ou assincronamente (sem depender de que outros estejam juntos ao mesmo
tempo)”
[ 95 ]
Diálogos Sobre o Tempo — Prova 2 — 30/11/2010 — Maluhy&Co. — página (local 96, global #122)
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Arnaldo Corrêa Prado Junior & Pedro Leon da Rosa Filho
Entre as ferramentas colaborativas existentes pode-se citar: Microsoft SharePoint,
TalkAndWrite, IBM Lotus Note, Project Server e Teamspace. (SOFTWARE..., jul. 2010).
Os softwares de e-mail e de bate-papo (chat) também pertencem a essa categoria. Entre os
sistemas que usam o trabalho livre estão o Software Livre e a Wikipedia, a enciclopédia livre.
Queremos registrar que o presente texto foi construído via e-mail (assíncrono – tempo
diferente/espaço diferente) com momentos de coordenação “cara a cara” e por telefone; a
revisão técnica final foi “cara a cara”.
8
Telemedicina
Dertouzos (1997, p. 213) previa que:
[...] Em poucos anos, especialistas médicos do mundo inteiro estarão disponíveis, onde
quer que a pessoa precise deles. E o estado de saúde da pessoa naquele momento, assim
como os prontuários médicos, poderão ser consultados por qualquer médico, desde que o
paciente o consinta.
Esta afirmação está no início do capítulo sobre saúde, no instigante livro O que será:
como o novo mundo da informação transformará nossas vidas (What will be; How the new world
of information will change our lives). Ao mesmo tempo que apresenta as perspectivas futuras
na área, ele vai indicando o que existia de real naquela ano de 1997.
Em situações extremas, haverá necessidade de trânsito rápido e confiável de informações;
acesso de qualquer lugar a qualquer lugar.
[...] Equipamentos de monitoramento, alguns até em veículos de emergência e residências de pacientes que não podem se locomover, ajudarão pessoas e máquinas a
acompanhar, à distância, parâmetros vitais para garantir segurança, diagnósticos e
socorro imediato. Uma viúva que passa as noites sozinha em sua casa, não precisará de
três turnos de enfermeiras residentes, se estiver conectada a um monitor instalado perto
da cama, quando for dormir. [...] (ibidem, p. 219)
Uma cirurgia usando um mini-robô inserido no intestino de um paciente é descrita pelo
autor como possível no futuro. Com uma minicâmera embutida no pequeno dispositivo,
o cirurgião vê o campo enfocado e manipula cuidadosamente o joystic que controla o
robô; toda a operação de um tumor é descrita. No final da descrição Dertouzos pergunta:
“Essa cena bizarra pode acontecer, um dia? Sim, pois seus diversos componentes estão se
encaixando pouco a pouco”. E ele relata pesquisas em desenvolvimento àquela altura para
se atingir a cirurgia com mini-robôs como a que ele descrevera. Nessa cirurgia alcançam-se
espaços não atingíveis a não ser com incisões invasivas com extensos cortes externos
no paciente.
Em seguida o autor, em suas especulações futuras, considera uma operação realizada com
o auxílio de um robô controlado à distância, imaginando o cirurgião a 4 mil quilômetros de
distância do paciente. Também relata uma experiência real, ainda rudimentar, feita por um
cirurgião que suturou, à distância, órgãos de um animal. Mas Detouzos adverte:
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Diálogos Sobre o Tempo — Prova 2 — 30/11/2010 — Maluhy&Co. — página (local 97, global #123)
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VII
O Tempo e o Espaço na Informática
[...] Num cenário mais realista de telecirutgia, a confiabilidade dos sistemas complexos,
que combinam hardware e software de computadores além de linhas de comunicação,
seria precária demais quando se trata de vidas humanas. [...] (ibidem, p. 224)
Em relação à matriz CSCW apresentada pode-se caracterizar essa cirurgia no plano da
interação remota desde que se considere a possibilidade de vários especialistas interagindo,
inclusive uma equipe local na sala de cirurgia.
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Vulnerabilidades
A disseminação de comunicações interpessoais atingiu, na rede, uma grande amplitude. As
interações começaram com e-mails e, atualmente, contam com variados mecanismos para
efetivá-las com produtos de diversos fabricantes disputando espaço entre as pessoas ávidas
de participarem de verdadeiras comunidades eletrônicas com os mais variados interesses.
São instrumentos de grande valia na ampliação da comunicação humana e sem a
necessidade de deslocamento físico das pessoas. Facilidades excepcionais surgidas a não
muito tempo e extensivamente utilizadas. Distâncias geográficas percorridas em velocidade
eletrônica, o espaço praticamente eliminado, e as pessoas “cara a cara” embora distantes.
As vantagens dessa facilidade de comunicação se dão em diversas áreas e setores. Na
sociedade em geral, nos negócios, na economia, na política, na educação, no âmbito pessoal,
atingindo, pela capilaridade da rede, as mais distantes localidades do planeta. Abre-se,
assim, um extenso campo de exposição dos indivíduos. Perfis pessoais são postados e como
consequência liberados para acesso sem grande cautela para garantir a privacidade e a
intimidade, algumas vezes até com o desejo explicitado pela própria pessoa atingida.
Virilio (1999, p. 61), cita o caso de uma americana de vinte e cinco anos, June Houston,
relatado no Le Monde de 18 de novembro de 1997. A jovem instalou, em sua residência,
quatorze câmeras em lugares estratégicos da casa.
Como cada uma dessas live cams deve transmitir visões num site da WEB, os
visitantes que entram nesse site se tornam assim “vigias de espectros” – ghost watchers.
Uma janela de diálogo permite enviar pela Internet uma mensagem de alerta à
jovem mulher caso um “ectoplasma” qualquer venha a se manifestar.
“ É como se os internautas se tornassem vizinhos, testemunhas do que acontece
comigo”, declara June Houston.
A televigilância, assim, propositadamente estabelecida, não é mais fruto de invasão de
privacidade e de intimidade conseguidas por meios ilícitos, “mas de partilhar suas angústias,
seus fantasmas, com toda uma rede, graças à superexposição de um lugar de vida”.
“Não quero que as pessoas venham fisicamente ao meu espaço. Eu não podia,
pois, receber ajuda exterior, até entender o potencial da Internet.”
Com essa confissão, June Houston ilustra a natureza da pretensa “comunidade
virtual” e a existência fantasmática de um novo tipo de proximidade, de “teleproximidade social”, que renova totalmente a vizinhança, a unidade de tempo e de lugar da
coabitação física.
[...]
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Arnaldo Corrêa Prado Junior & Pedro Leon da Rosa Filho
Graças a essa iluminação em “tempo real”, o espaço-tempo do apartamento de cada
um se torna potencialmente comunicante com todos os outros [...] (ibidem, p. 61-62).
A vigilância desejada, consentida, como no caso de June Houston, não é comum, mas a
divulgação de perfis pessoais nas comunidades virtuais pode se expandir a ponto de atingir
níveis íntimos e com possibilidade de usos indevidos por terceiros Há ainda os reality shows,
nos quais as pessoas se expõem na disputa por prêmios e dinheiro.
Há, claro, a vigilância estabelecida e consentida, a oficial que, atualmente, pela busca de
segurança pessoal, faz com que os indivíduos abram mão da privacidade e até da intimidade
em troca de proteção, pelo menos, assim muitos pensam em uma sociedade que, dia a dia,
se torna mais violenta.
O imenso espaço disponível em diversos tipos de dispositivos eletrônicos permite o
armazenamento de informações e dados pessoais fornecidos por conta de obrigações do
cidadão para com o Estado, por necessidades de pagamentos de tributos, em operações
financeiras, pela vantagem de se ter um histórico individual de saúde em arquivos médicos,
por exigência de ficha funcional em instituições onde se trabalha, enfim, necessidades
e obrigações exigidas das pessoas que vivem na era da informação. Essas informações,
em muitos casos, ficam protegidas por uma simples senha, de posse de uma pessoa,
que acaba repassando-a para outra, e outra e que alguém de má fé pode consegui-la
com certa facilidade. Também, informações importantes poderão ser destruídas em
velocidade eletrônica.
Se, a cada dia, mais informações são exigidas e armazenadas em equipamentos que
dispõem de crescente espaço para armazenamento e acessíveis em frações de tempo, pode-se
imaginar, pelo menos imaginar, o surgimento do Grande Irmão (Big Brother) do livro 1984
(Nineteen eighty four), de George Orwell. Entretanto, o Grande Irmão não será viabilizado, se
o for, apenas pela informática, mas com a convergência de tecnologias e de mídias. O pior,
na verdade, é um Grande Irmão invisível, enraizado nas mentes anestesiadas das populações
do mundo sem que dele se tenha conhecimento viabilizado por um pensamento único.
O espaço virtual é um espaço aberto a todas as vertentes ideológicas, políticas, educacionais, enfim, liberdade praticamente total para disseminação filosófica, cultural, política,
artística, para todas as potencialidades humanas. O que, na verdade, pode ser uma vantagem.
10
Considerações Finais
A partir do momento que se torna possível estabelecer uma íntima relação entre o espaço,
o tempo e a matéria, como proposto pela Relatividade Geral na Física Moderna, então
é possível, também, vislumbrar uma mesma intimidade entre os diversos ramos do saber.
O espaço e o tempo, certamente, estão presentes em todos esses ramos e, de forma
fundamental, relacionados com as suas matérias específicas.
A Informática como ciência meio, aplicável, como tem sido, aos mais diversos ramos do
saber pode, talvez, com mais facilidade evidenciar a aglutinação de uma remontagem do
conhecimento.
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VII
O Tempo e o Espaço na Informática
Foi mostrada aqui uma abordagem estabelecendo a presença de um espaço e tempo
internos próprios da Ciência da Computação, relacionando espaço com memória do
computador e por extensão com seus dados e, também, do tempo com o processador e com
seus algoritmos.
É possível, portanto, neste contexto, ir além e estabelecer, também, um relacionamento
com o conceito de processo, considerando toda a dinâmica nele envolvida, e o conceito
de espaço-tempo que emergiu com a Relatividade Restrita, reforçando um pouco mais
a afirmativa anterior da possibilidade de transformar espaço computacional – com suas
estruturas de dados – em tempo computacional – através do funcionamento algorítmico – e
vice versa, de acordo com a construção de diferentes processos – todos eles provendo uma
solução para o mesmo problema – cada um enfatizando mais a parte dos dados ou a parte
do algoritmo.
Pode-se crer que em cada área de estudos seja possível, também, apontar a existência de
um espaço-tempo próprios onde ocorreriam as discussões de seus processos específicos,
como mostra a variedade de textos apresentados nesta publicação da Academia Paraense de
Ciências.
Avançando no raciocínio, foi mostrada a expansão da discussão para buscar integrar
a computação com o espaço e tempo externos através da comunicação de dados entre
computadores.
Para isto foram usados os exemplos de Educação à Distância (EaD) e o que poderíamos
chamar de Medicina à Distância (MaD), ilustrando assim com a EaD o futuro e com a
MaD o passado, considerando o universo da condição humana. Esta abordagem permitiria,
por exemplo, estabelecer uma relação recíproca entre essas duas áreas de conhecimento,
aparentemente díspares.
A dificuldade maior apontada na EaD para ir além da simples transmissão do conhecimento pode muito bem ser associada à Medicina Preventiva para ir além da Medicina
Corretiva, pois o processo educativo fica mais evidenciado na prevenção, com sua característica futura servindo de indício esclarecedor.
Quem sabe se com esses relacionamentos vindos à tona, técnicas semelhantes poderiam
ser introduzidas, levando-se em conta as devidas adaptações, para tratar de ambos os casos?
Quem sabe assim, de alguma maneira as ideias básicas do Logo de Papert e a análise
correlata de Dertouzos sugeririam uma possibilidade, por exemplo, de uma linguagem
preventiva como suporte para um processo educativo mais eficaz com o intuito de criar um
ambiente simbólico mais saudável com o intuito de melhoria da saúde humana?
Para falar em termos mais práticos, porém ainda no nível da especulação, mas considerando o exemplo do Controle Remoto Dual (CRD) que seria possibilitado pela
Computação Quântica para aplicação na MaD, o aparelho cirúrgico seria operado diretamente através de um CRD entrelaçado com o Controle Remoto do Cirurgião. Desta forma,
a questão crítica do retardo, apontada anteriormente, ficará significativamente reduzida.
A questão das vulnerabilidades propicia uma conglomeração deste texto, além de
torná-lo bem mais atual e completo, pois as vulnerabilidades fisiológicas possuem uma
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relação muito imediata com as psicológicas, a saber, a informação é o que existe de comum
entre a fisiologia e a psicologia.
A informação tem sido associada de modo imediato à organização, assim não existe
informação enquanto se percebe apenas o caos. À mínima percepção de ordem emerge,
sempre, a informação e, talvez, as maiores estruturas organizadas do universo sejam o
cosmos e o organismo humano. A partir desse ponto, pelo menos em princípio, retornamos
ao nosso ponto de partida.
Sendo assim é de se perguntar: será que os conceitos de algoritmo e de estrutura de
dados se tornarão relevantes para um entendimento adequado sobre a importância da
informação e em que bases estariam relacionadas com a origem do universo e da vida?
Por outro lado, certamente é necessário, então, por princípio, levar em conta os aspectos
de espaço e de tempo. Ramos (1998) postula a associação do aspecto fisiológico ao espaço-tempo newtoniano e do psicológico com o ao espaço-tempo einsteiniano com múltiplas
possibilidades inclusive a da elucidação de grandes enigmas e paradoxos envolvendo ambas
as teorias físicas e evidentemente a nossa dupla natureza psicossomática.
O avanço da Física Moderna estabelecendo leis como o Princípio da Incerteza de
Heisenberg, o da Complementaridade de Bohr e principalmente a Equação de Onda de
Schroedinger sugere que a trajetória científica está levando, cada vez mais, a se legislar
sobre o comportamento da informação do que sobre a matéria e a energia em si; as leis
estão, realmente, perdendo suas características concretas e apresentando propriedades
mais abstratas.
O fato de a informação assumir relevância crescente na Ciência Física que determinantemente materialista indicaria uma mudança fundamental de perspectiva dos problemas
da natureza.
É bom ressaltar, também, que do ponto de vista da vulnerabilidade da informação
a natureza, normalmente, se resguarda da perda através de uma superfície de contorno
bem definida como a membrana da célula, a casca do ovo e a pele do animal procurando
maximizar o ciclo de vida de suas estruturas (CAPRA, 2006).
Um estudo mais aprofundado, talvez, esclareça melhor essa ação da natureza, pois esse
contorno revelaria, na realidade, o confinamento necessário do espaço-tempo próprio de
cada caso.
Para um melhor funcionamento dos procedimentos de segurança tudo indica que devem
ser parte integrante da própria estrutura, como no caso do encapsulamento muito bem
definido na programação orientada à objeto. Do mesmo modo o confinamento poderia
resultar em uma teoria ainda mais efetiva para atender os requisitos da vulnerabilidade.
Um estudo mais aprofundado, talvez, esclareça melhor essa ação da natureza, pois esse
contorno revelaria, na realidade, o confinamento necessário do espaço-tempo característico
de cada caso.
No exemplo do ovo e da galinha ambos teriam a mesma informação apenas que em
espaço-tempo diferentes. Fundamentado na proposta de Ramos (1998) seria possível
afirmar que o espaço-tempo do ovo é extremamente acelerado em relação ao da galinha,
pois ele passaria em pouquíssimo tempo, no caso uns poucos dias, através da escala de
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VII
O Tempo e o Espaço na Informática
bilhões de anos de evolução do animal. “O ovo e a galinha são simultâneos”, portanto
não houve primeiro nem segundo, então, eles devem ser considerados recursivamente.
(KIKUCHI, 1987)
A pesquisa científica dedicada a esse assunto poderá revelar além do declarado desenvolvimento recursivamente simultâneo da semente e do ser por ela gerado, revelaria, também,
as ideias básicas necessárias para a construção de um computador orgânico cuja capacidade
de processamento. O Autômato Celular apresentado em Capra (2006) indica uma direção
nessa caminhada científica. Essa teoria é reforçada pela possibilidade da construção da
micélula (teoria da célula mínima), pois permite vislumbrar um caminho efetivo para a
realização da computação orgânica de modo controlado.
Segundo Morin (2002), a computação é indicada como um processo indispensável para
o surgimento da vida. É possível, extraordinariamente, formar uma ideia a respeito desse
assunto através da experiência de visualização de estereogramas (RHEINGOLD, 1994),
pois o próprio aprendizado dessa visualização em terceira dimensão a partir de imagens em
duas dimensões, nos permite avaliar quanta computação automática nosso organismo é
capaz de realizar.
Existe, também, uma outra experiência mais radical que, talvez, não seja passível de
realização por um grande número de pessoas como no caso dos estereogramas: A capacidade
de intuição de figuras geométricas com 4 dimensões descrita por David e Hersh (1985) na
qual o próprio computador é utilizado na concretização dessa representação estética interna.
No testemunho apresentado pelos autores dessa Experiência Matemática pode-se apenas
conjeturar sobre o colosso da computação orgânica envolvida no processo. Por extensão,
fica-se a imaginar o mesmo para a diversidade de todos os outros processos orgânicos tão
ou mais complexos ainda.
Referencias Bibliográficas
[1]
ARGENTIÈRE, R. Espaço, Tempo e Matéria. São Paulo: Pincar, 1958.
[2]
BERLINSKI, David. O Advento do Algoritmo: a ideia que governa o mundo. São Paulo:
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[3]
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Paulo. Ed. Cultrix, 2006.
[4]
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[6]
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nossas vidas. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
[ 101 ]
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Arnaldo Corrêa Prado Junior & Pedro Leon da Rosa Filho
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DIAS, Matias F; WEBER, Leonardo. Teoria da Recursão. São Paulo: Editora Unesp,
2010.
[8]
ELIASQUEVICE, Marianne Kogut; PRADO JUNIOR, Arnaldo Corrêa. O papel da
incerteza no planejamento de sistemas de educação a distância. In: Educação e Pesquisa.
São Paulo: Universidade de São Paulo/Faculdade de Educação, v. 34, no 2, p. 309-325.
[9]
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Tradução de Maria Helena Torres. Rio de Janeiro: Rocco, 1988/2000.
[10] HOPCROFT, John E.; MOTWANI, Rajeev; ULLMAN, Jeffrey D. Introduction to
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[12] MORIN, Edgar. O Método 3: o conhecimento do conhecimento. Porto Alegre: Sulina,
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[13] RAMOS, Maria B B. Macromicro: Ciência do Sentir. Rio de Janeiro: Mauad, 1998.
[14] RHEINGOLD, Howard. Estereogramas. Portugal: Gradiva, 1994.
[15] RUSSELL, Bertrand. ABC da relativdade. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio
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[16] SOFTWARE colaborativo. Disponível em:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Software_colaborativo (9jul. 2010). Acesso em: 5 out. 2010.
[17] VIRILIO, Paul. A bomba informática. Tradução de Luciano Vieira Machado. São Paulo:
Estação Liberdade, 1999.
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VIII
O Tempo e a Arquitetura
Jussara da Silveira Derenji¹
[email protected]
ma propaganda recente, divulgada pela televisão, tinha como fio condutor a ação do
tempo sobre rostos, rostos de mulher mostrados em suas diversidades para vender um
produto que não quer, e isto seria o diferencial proposto, uniformizá-las ou deixá-las sem
idade numa milenar aspiração de perene juventude. A proposta é, ou assim eu a entendi,
dar-lhes o valor de indivíduo, de ser humano que viveu e desta forma adquiriu, assimilou e
mostra características próprias. O tema repetido ao longo do comercial é: Cada rosto tem
sua história. Reconhecer e aceitar a passagem do tempo num rosto, ou prédio, conjunto de
edifícios ou cidade, este é o ponto de partida para a reflexão sobre o tempo na arquitetura,
que está sendo proposta.
A passagem do tempo nos indivíduos, e nas coisas, tem o estigma da deterioração, mais
que tudo significa, na nossa cultura, a perda da beleza encarada como a perfeição que
só a juventude poderia possuir. Nos objetos, inclusive os de arquitetura, a passagem do
tempo traz como consequência e nesta mesma ótica, a decadência, a perda da perfeição que
supomos existir na forma original. Os ideais de beleza são, porém, notoriamente mutáveis
e sujeitos a padrões que cada época estabelece. A Vênus de Milo, vista e admirada por
milhões de visitantes em seu habitat parisiense no Museu do Louvre, não seria aceita em
nenhuma passarela de moda atual. Nem a Vitória de Samotrácia, ou as mulheres retratadas
em poses sensuais por Rembrandt, muito menos por Cranach, se situam nos padrões
de beleza do mundo moderno, embora se possa admitir que algumas representações de
mulheres e homens da antiguidade se enquadrariam em padrões de beleza atual, talvez nem
U
1. Arquiteta e Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Pará e da Academia Paraense de Ciências.
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Jussara da Silveira Derenji
o tendo sido na mesma intensidade em seu tempo. Isso, saliente-se, nada influi na fruição
da obra de arte para a qual se aplica expressão de Cesare Brandi de “um eterno presente”.²
A duração dos edifícios pode alcançar períodos muito superiores aos dos que são
usuais, ou esperados, em seres humanos. A perenidade, ainda que relativa, dos objetos
arquitetônicos faz com que sua desaparição dependa em grande parte de determinações
humanas. Os prédios, diferentemente dos indivíduos não precisam necessariamente
envelhecer e morrer em uma centena de anos. O patrimônio em “pedra e cal”, se cuidado,
restaurado, utilizado, permanece por séculos mesmo mostrando em seu “rosto” uma história
e nada mantendo de seus significados iniciais. Stonehenge, as pirâmides do Egito, ou as da
América Central, os templos de Angkhor, as fortalezas, palácios e templos dos mais diversos
períodos e civilizações, são exemplos desta possibilidade de permanência mesmo que os
significados originais tenham se perdido. A “morte” prematura de um objeto edificado,
e até de ruas ou cidades pode, no entanto, ser decretada por determinações ditadas por
motivos dos mais variados como mudanças de conceitos estéticos, recomendações sanitárias
ou critérios de trafegabilidade urbana.
O seu inverso, ou seja, a preservação ou o desejo dela, não se baseiam em eventuais
valores venais e nem mesmo na possível utilidade do objeto, embora estes possam ser fatores
a ser considerados. Objetos de arquitetura, trechos urbanos ou cidades inteiras são mantidos
muitas vezes menos pelo valor venal que possam ter do que por um juízo de valor que lhes
é atribuído e os torna antigos, dignos de serem admirados. Os objetos de arte, como joias,
eventualmente são expostos em locais especiais e disputados por colecionadores.
Não há “utilidade” em fortalezas antigas, por exemplo, mas guardando as devidas
proporções o Castel Santangelo em Roma ou fortaleza do Presépio no Centro Histórico
de Belém, são objetos arquitetônicos cuidadosamente preservados, visitados, expostos a
um público atento e reverente. Não sabemos exatamente para que serviam as colunas de
Stonehenge, apesar das muitas hipóteses aventadas, mas elas são patrimônio da humanidade
protegido por legislação internacional. Mesmo os não budistas lamentaram a perda dos
Buda de pedra destruídos pelo movimento Talibã, em data bastante próxima, ainda que não
tenham o mesmo credo religioso ou possam não achar qualidade artística nas peças citadas.
Lidamos nestes casos com um valor simbólico, não meramente religioso ou sócio-político,
atribuído a algo que passa a ultrapassar os conceitos de utilidade, valor de troca e estética,
adquirindo a capacidade de ser preservado.
A pergunta que se coloca então, é: porque algumas coisas, dentre elas prédios, envelhecem e perdem valor, são descartados, destruídos, esquecidos, e outros merecem preservação?
Ou formulando de forma diversa, porque existem arquiteturas que se tornam velhas e
outras, antigas?
A diferença entre velho/ antigo não é irrelevante, como pode parecer. A determinação do
que permanece, do que consideramos antigo e valioso, é nossa responsabilidade como já o foi
para gerações anteriores. A passagem da herança histórica e artística na forma de arquitetura
2. Brandi, Cesare. Teoria da restauração, p. 55
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VIII
O Tempo e a Arquitetura
preservada com o entendimento de patrimônio histórico é um conceito que se desenvolve a
partir da França em data relativamente recente na história da humanidade, o fim do século
XVIII. Antes deste início de sistematização para políticas de preservação que hoje estão em
prática em quase todos os países do mundo, a perenidade dos edifícios dependia de sua
durabilidade construtiva e das possibilidades de reaproveitamento, largamente utilizadas
em períodos anteriores ao nosso, e isso explica porque temos tão poucas lembranças de
arquitetura civil, e tantos exemplares de monumentos, igrejas e palácios.
Uma das formas mais simples, mais usuais, de transmitir valores é exatamente a
construção de monumentos entendidos na sua forma mais ampla, de espaço significativo,
lugar e símbolo, marcados e delimitados, por elementos artísticos ou arquitetônicos. Estes
vestígios do tempo passado são preservados, como marcos da memória, ainda que, como
salienta Giulio Carlo Argan, o sentido original possa ter se perdido.
Mesmo que se assuma como premissa que a relação cultura/cidade não se esgote na
preservação de monumentos eles são uma das partes mais visíveis e demonstrativas dos
valores legados, eles são os “icebergs” da memória, de uma herança, aliás, essa é a origem do
conceito de patrimônio surgido no século XVIII, um bem a ser transferido, um tesouro, um
valor. Uma herança que recebemos e que determina atitudes que terão influência no futuro.
Trabalhamos, na preservação urbana ou arquitetônica, portanto, em três direções:
reconhecimento de valores do passado, uma atitude de avaliação, no presente, e a decisão
de transmiti-los³ ao futuro. Surge daí um outro questionamento, proposto pelo mesmo
Argan, e que poderia ser resumido no seguinte: com que direito ou mandato se pode
determinar hoje quais as condições da vida social em 100, 50 ou até mesmo 20 anos?
Que padrões utilizaremos para determinar o valor arquitetônico e artístico de prédios,
conjuntos e traçados urbanos, valor que sinaliza, em nosso tempo, as permanências e
portanto, determina, as perdas e as heranças futuras?
Com que direitos pretendemos interferir no futuro? Talvez com o mesmo direito que as
gerações que nos precederam construíram monumentos, palácios, igrejas, catedrais que hoje
são marcos, condições, limites e referencias para a cidade atual. Não é difícil perceber, porém
que os que nos precederam construíram estes edifícios e marcos para suas necessidades e
não para as nossas. Sem dúvida, diz Argan, construíram-nos sólidos e imponentes para que
permanecessem no futuro, mas com a ideia de que permanecessem válidos os valores que
estes monumentos deveriam representar. Nós os preservamos por razões diferentes, “se
conservamos estes monumentos o fazemos porque essa é uma exigência de nossa cultura,
tanto assim que atribuímos a eles um significado diferente daquele para o qual foram
construídos”.
Isso que Argan denomina como “exigência de nossa cultura” é exatamente o ponto
crucial, a diferença entre o nosso tempo e os anteriores. Quando um imperador romano
mandava erguer um Arco Triunfal, celebrava uma vitória em batalha, uma conquista.
A construção e a exposição daquele marco tinham objetivos precisos de manter viva a
3. Argan, obra citada.
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Jussara da Silveira Derenji
lembrança do fato político, da façanha guerreira como forma de lembrar e manter o
poder. Os arcos romanos, os obeliscos egípcios, erguiam-se nas cidades como testemunhos
de domínio. Seriam derrubados, esquecidos ou transformados, e muitas vezes o foram,
numa eventual mudança política. Claros exemplos disso são os obeliscos de Paris ou de
Roma, trazidos do Egito conquistado e símbolos desta conquista. Hoje são indecifráveis,
inelegíveis na simbologia e escrita original, mas se transformaram em marcos, identificáveis
e legítimos, no meio urbano onde foram inseridos ainda que o significado atual nenhuma
relação mantenha com os anteriores, que poucos conhecem ou podem identificar.
Quando no século XVIII inaugura-se o conceito de patrimônio histórico, artístico,
arquitetônico e se começam a elaborar as premissas para a preservação de monumentos e
sítios, variáveis muito distintas se tornam motivo de discussão. Perdidos os significados que
motivavam as construções em que se basear para estabelecer outros valores perenes? Se não
podemos alegar beleza, valor de troca, utilidade, possibilidade de reaproveitamento, se não
mais identificamos a simbologia de seu surgimento na cidade, em que valores amparar a
permanência dos monumentos?
A evolução dos conceitos de bens com interesse à preservação tem sido constante e cada
vez mais abrangente nas ultimas décadas. Ainda assim, permanece subjetiva a noção do
velho/descartável e do antigo/valioso. No século XVIII entendia-se como preserváveis,
ou seja, como valores a serem transmitidos como herança de seu tempo, o que restava
do “antigo”, ruínas da antiguidade clássica em grande parte e, ainda, palácios e igrejas
mais recentes como os do renascimento ou medievais. Assim reconhecia-se o “valor” de
civilizações anteriores: reduzidas às que tinham dado origem à cultura eurocêntrica: Grécia,
Roma e por extensão dela o Egito. Também adquiriam o direito à perenidade as próprias
construções europeias, no estrito entendimento de edifícios monumentais.
O desenvolvimento das disciplinas relativas à preservação e à extensão dos conceitos
de patrimônio para outros continentes e civilizações, ampliou a questão e agudizou a
necessidade de se estabelecerem distinções entre o que deveria ser mantido e o que podia
ser destruído.
O tempo se inclui nestas discussões de forma um tanto peculiar. Ele destrói as
características originais, desfigura e modifica formas mas, também se incorpora como um
valor. O tempo age se depositando sobre o objeto, a arquitetura, a obra de arte, formando
uma camada de resíduos em forma de vivências e significados. A incorporação deste
imponderável peso pode mudar o conceito de belo, reverter a ideia de utilidade, indicar uma
permanência tornada necessária por valores adquiridos e não ligados a origem, destinação
ou entendimento estético originais.
Como reflexão, como exercício, pode-se propor a leitura de um espaço conhecido de
quase todos habitantes do centro da cidade de Belém, a igreja de Santana. Projetado pelo
desenhador da Comissão Demarcadora de Limites, Antonio Giuseppe Landi, o prédio foi
construído entre 1762 e 1782, com recursos doados pelo próprio projetista, pelo capitão
geral da Província, por fiéis e devotos da Santa. Landi, que chegara a Belém em 1753, usou
nas obras “negros” de sua propriedade já que possuía escravos em grande número por ser um
proprietário de engenhos, uma de suas fontes de rendas além das do exercício da profissão e
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VIII
O Tempo e a Arquitetura
várias outras atividades comerciais. Foi erguida sem torres por seu projetista e construtor
italiano e assim ficou por 80 anos. Em 1840 elas foram colocadas. No mundo português
igrejas tinham necessariamente torres, e o mundo onde nos inseríamos era português,
mesmo que a independência tivesse ocorrido há décadas. Quando isso aconteceu Landi era
um nome esquecido.
No fim do século XIX e começo do XX, Belém era a principal cidade da região e o único
porto regional por onde a produção de borracha era escoada para o exterior. O comércio
deste produto foi a principal fonte de renda e riqueza, ainda que efêmera, da Amazônia
brasileira até 1911, ano que assinala o início da curva descendente das exportações. Entre
1890 e este ano de 1911, circulam ou se fixam na cidade muitos profissionais de Arquitetura
e de Engenharia, além de um número significativo de operários especializados, artesãos
e artistas, de várias origens europeias. O predomínio seria, nesta área de construção e de
decoração, de italianos. A forma de inserção dos recém chegados utilizou largamente os
recursos da imprensa, livros, artigos em jornais e revistas, em italiano ou em português além
de memoriais e justificativas dos projetos ou construções. Neles, a arquitetura portuguesa,
sinônimo da colonial, era considerada sem valor ou qualidade, sem beleza ou estabilidade
e a essas opiniões se somavam as dos governos locais que, em seus relatórios ou Álbuns
de Governo, se esmeravam nas criticas aos mestres de obras (a maioria deles portugueses)
classificando os prédios da cidade de verdadeiros “aleijões”.⁴
As construções monumentais do século XVIII, igrejas, palácios e residências senhoris,
hoje objeto de medidas especiais de preservação, eram apenas “vetustas construções” pois,
“salvo raras exceções Portugal nada produziu que possa impor-se à sã crítica de arte. Portugal
colonial, sob o ponto de vista estético é uma verdadeira miséria” dizia o italiano Raffaello
Segrè, biografo de um engenheiro ativo no fim do século XIX no Pará.
Não houve lugar para nenhum questionamento, portanto, quando o palácio dos
governadores, erguido com projeto de Landi no século XVIII, foi desfigurado e redecorado
no ano de 1904. Era apenas mais uma “vetusta” construção a ser embelezada e modernizada,
palavras tão caras à burguesia da borracha e aos governantes regionais. Não houve também
nenhuma reação quando as paredes de Santana passaram a ostentar pinturas ornamentais
nos anos 40, espalhando verdes, rosas e azuis pelos altares coloniais. Os tetos receberam
pinturas figurativas de apelo religioso e a cúpula perdeu seu revestimento original como
acréscimos bem vindos ou perdas insignificantes.
Landi só começaria a ser resgatado do esquecimento por um pesquisador norte-americano, Robert Smith, na metade do século XIX, duzentos anos depois de ter feito as
primeiras intervenções na Arquitetura e na elaboração dos espaços reconhecidos hoje como
os mais significativos da cidade atual. Aos textos de Smith se seguiram, depois de 20 anos,
os de alguns pesquisadores nacionais. Donato Mello Junior, arquiteto carioca e professor
do curso de arquitetura que começara a funcionar em Belém em 1963, o engenheiro local
4. Exemplos e comprovações podem ser encontrados nos relatórios da Intendência Municipal, de 1897 a 1908.
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Jussara da Silveira Derenji
Augusto Meira, e o arquiteto Roberto la Roque reativam localmente o interesse por Landi
nos anos 70.
Neste período a Igreja de Santana além das modificações já citadas não possuía mais os
pisos originais, substituídos por “modernos” ladrilhos hidráulicos e recebera acréscimos
desfiguradores, internos e externos. As outras obras de Landi não tinham merecido melhor
tratamento. O Hospital Real (modificação feita por ele em prédio residencial) servia como
posto de abastecimento do Exército, a igreja de São João tivera as pinturas em trompe l’oeil
recobertas por tintas neutras e altares pseudo-góticos completavam a nova ilusão do olhar.
No século XVIII Landi fora participante ativo da construção da cidade e de seus
símbolos, era um personagem na história. Durante o XIX seu nome foi esquecido e suas
obras consideradas como prédios de arquitetura portuguesa, genericamente considerados
“vetustas construções” “sem estilo” ou do “barroco destruidor das artes”. Na metade do
século XX começa a ser resgatado, lentamente, primeiro por pesquisadores estrangeiros e
depois por um punhado de nacionais. Na virada do século XX para o XXI Landi passaria
a ser considerado a figura mais importante da arquitetura local e toda sua obra, inclusive
discutíveis atribuições, objeto de pesquisas nacionais e internacionais.
Muitas de suas obras não resistiram à gangorra de critérios e opiniões divergentes sobre
seu valor. A maioria das residências, hoje reconhecidas como de traços precursoramente
neo clássicos, desapareceu. O palácio de governo ainda que restaurado e tendo recuperado
traços do projeto original teve a fachada modificada e os interiores ecletizados. A capela
Pombo, atribuída a Landi, está em péssimo estado de conservação. O Murutucú, local de
sua residência, hoje ostenta apenas ruínas.
A ação do tempo sobre a obra de Landi parece constitui, portanto, um bom motivo de
reflexão. Se no passado, pouco mais de cem anos atrás, tivessem sido considerados os padrões
da época, no entendimento do período de qualidade, adequação, beleza, utilidade, estilos,
os prédios de autoria Landi poderiam ter sido demolidos sem reações. Salvou-os serem
“vetustas construções“ que embora sem “estilo” ou, do então pejorativamente considerado
“ barroco” se qualificarem a ser preservados pelo tempo que continham, que sobre eles
depositara uma carga simbólica ainda não perfeitamente entendida. O tempo preservou-os
mais do que um valor que ainda lhes era negado. No bojo das discussões sobre o modernismo,
dos anos 20 em diante, as construções coloniais adquiriram a capacidade de ser consideradas
como o “antigo”e o “valioso” que convivia com a criação das novas formas.
O resgate intelectual consolidou, a partir dos anos 1950, a construção de uma nova
leitura das obras de Landi na cidade elegendo-as, escolhendo-as, como locais simbólicos de
um tempo e de uma arquitetura que não mais existiam. Mesmo modificados, desfigurados
e acrescidos de uma nova visualidade, passam a constituir objetos valiosos da memória
coletiva e capacitam-se a receber proteção especial, aplicando-se a eles as leis e medidas de
tombamento oficial para preservação.
As pesquisas do fim do século XX elucidam quase completamente as nuances das
mudanças, os acréscimos e as perdas, outras marcas do tempo na produção arquitetônica do
arquiteto italiano.
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VIII
O Tempo e a Arquitetura
Não parece haver dúvidas de que as obras de Landi, dentre elas Santana, podem ser
entendidas nesta cidade de 2010, pelo menos por uma camada culta da sociedade, como
uma herança a ser transmitida, um bem valioso dentre os que se pretende transmitir ao
futuro. As mudanças, como o produto de beleza com o que começamos a reflexão, devem
mantê-las sem pretender a juventude eterna, a imutabilidade. Como um rosto antigo, e não
velho, pela nossa concepção, por nossa escolha. Podemos então pretender que mostrem a
ação do tempo sobre elas. Como um indivíduo um ser humano que viveu e desta forma
adquiriu, assimilou e mostra características próprias os prédios devem mostrar a sua história,
o seu tempo e o entendimento que, humanamente falhos, fazemos deles.
Referências Bibliográficas
[1]
ARGAN, Giulio Carlo. História da Arte como História da Cidade. Martins Fontes, São Paulo,
1992
[2]
BRANDI, Cesare. Teoria da restauração. Artes e Ofícios, São Paulo, 2004.
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IX
Tempo e História na Grécia Clássica
Geraldo Mártires Coelho¹
[email protected]
É muito fundo o poço do passado.
Não seria melhor dizermos
que é um poço sem fundo?
Sim, um poço sem fundo,
se o passado a que nos referimos
(e talvez só neste caso)
é o da espécie humana, a enigmática
essência de que fazem parte as
nossas existências,
naturalmente insatisfeitas e
sobrenaturalmente desditosas.
Thomas Mann, José e seus irmãos
Que é, pois, o tempo?
Se ninguém me pergunta, eu sei; mas
se quiser explicar a quem indaga,
já não sei (...)
Por isso, o que nos permite afirmar
que o tempo existe é
a sua tendência para não existir.
Santo Agostinho, Confissões
passado e o futuro são impossibilidades fenomenológicas. Talvez sustentado por
essa percepção do vivido e de sua relação com o vivo, relação somente possível no
domínio da imanência, é que Santo Agostinho (354-430), nas Confissões, escritas entre
397 e 400, reduz o tempo à condição do presente, do hoje, identificando o passado como
memória e o futuro como esperança. Nesse sentido, assegura o bispo de Hipona que “é
impróprio dizer que há três tempos: presente, passado e futuro. Talvez fosse mais correto
dizer: há três tempos: o presente do passado, o presente do presente e o presente do futuro.
E essas três espécies de tempo existem na nossa mente, e não as vejo em outra parte. O
O
1. Historiador, Professor da Universidade Federal do Pará e Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Pará e da
Academia Paraense de Ciências
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Geraldo Mártires Coelho
presente do passado é a memória; o presente do presente é a percepção direta; o presente
do futuro é a esperança”.²
No eixo do tempo, do passado ao presente e deste ao futuro, e ainda que remeta ao
Criador e à Criação – à “Sabedoria de Deus, luz das inteligências” – a eternidade, Santo
Agostinho posiciona o homem perante o tempo, o seu movimento, as suas representações.
É como se o autor das Confissões estivesse anunciando, na passagem do século IV para o
V, que a sensibilidade para com o temporal é própria e inerente ao homem, assim como a
consciência física e a consciência individual também o são. Sustentam, assim, as páginas
das Confissões: “quanto ao passado, que não existe mais, e o futuro que não existe ainda,
quem poderá medi-los...? Porém, quando já decorreu [o tempo] ninguém o pode medir ou
sentir, porque já não existe”.³
A impossibilidade fenomenológica do passado existir como categoria ou dimensão
perceptiva e objetiva do tempo seria, no correr da existência social do homem, uma
preocupação física e ontológica, uma aporia própria da condição humana. O tempo, em
todas as culturas, é referencial da existência do sujeito social e cultural, e a remissão
ao passado seria igualmente comum aos grupos humanos como um todo. No passado
longínquo da espécie humana, e ao desconhecimento da escrita, como a seguir melhor será
explicitado, o homem valeu-se da memória orgânica, do esforço possível da lembrança
afirmar-se por sobre as cidadelas do esquecimento.
Ao associar e relacionar passado e memória, Santo Agostinho, por certo, pensava na
memória orgânica, humana, e não na memória escrita, ou seja, quando a memória e os
lugares da memória passam à condição de história por conta do trabalho do historiador. Em
outras palavras, o passado deixa de ser memória orgânica, memória dos homens, quando
as sociedades humanas dispõem da história, quando o historiador, ao valer-se das fontes
escritas e não escritas, empresta vida discursiva e narrativa ao passado. A história assim
entendida é uma construção cultural do passado, operação que faz desse mesmo passado,
impossível enquanto fenomenologia, possibilidade da dimensão do vivido que se faz vivo
por conta da história culturalmente construída.
O tempo, leia-se, o movimento histórico, sua percepção e sua representação mostram-se
como uma questão central e axiológica para a História. Do tempo do mito, o tempo
circular das estações e do eterno retorno, ao tempo linear e contínuo circunscrito à ideia de
progresso, passando pelo tempo newtoniano e chegando ao tempo einsteiniano, esta é uma
aporia de elevado sentido epistemológico para a História. Como a ciência da História só
existe em relação ao tempo, ao passado e à temporalidade, não existe história fora do e ao
desconhecimento de chronos.
Na tradição intelectual e filosófica do ocidente, as projeções do cristianismo sobre a
concepção do tempo foram marcantes. É possível sustentar, nesse sentido, que a relação
entre tempo e história ao longo da Idade Média ocidental e até mesmo à chamada
2. . AGOSTINHO, Santo. Confissões. São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 273.
3. . Id., p. 270.
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IX
Tempo e História na Grécia Clássica
Revolução Científica moderna, foi sustentada pelo cristianismo e pela sua representação
última do tempo. Vinda da sua formulação fundadora na Idade Média, a ideia do tempo
no cristianismo, na forma como a representou a Igreja Católica, combinou o tempo circular
da liturgia (o tempo das estações) com o tempo cronológico propriamente dito e mais o
tempo teológico, o da escatologia apocalíptica.⁴
A História, ou melhor, a mentalidade histórica do ocidente medieval foi forjada
pelo cristianismo, como forjada também foi, repita-se, a marcação do tempo. Na base
teológico-filosófica e histórica desse processo, o cristianismo, após combinar as representações do tempo antes referidas, acabou por substituir as concepções antigas do tempo
circular por outra, linear. Dessa forma, o cristianismo construiu um outro sentido para
a História e para a sua marcação temporal: “a Criação, início absoluto da História, a
Encarnação, início da história cristã e da salvação, o Juízo Final, fim da história. ⁵ A relação
tempo-história fundada no cristianismo avançou por sobre o medievo e chegou à idade
moderna, sobrevivendo, em certo sentido, o trato filosófico-teológico dessa relação à própria
Revolução Científica moderna.
A revolução copernicana deslocou o homem do centro do mundo e o lançou para
as margens do universo, implicando uma nova e problemática leitura do tempo. Se, no
século XVII, o homem era sujeito de um passado estimado em seis mil anos, no final
do Seiscentos, com o teólogo holandês Isaac de Lapeyrère, o alargamento do tempo
histórico implicava outra leitura do passado. Lapeyrère preocupava-se com a história das
grandes civilizações, muitas vezes postas ao esquecimento/desconhecimento pela ação dos
cronologistas, “ cultores da cronologia [que] cancelam da memória do gênero humano os
séculos que não têm informação”.⁶
Assim, ao findar o século XVII, em meio a debates filosóficos e teológicos, é admirável
que um teólogo como Lapeyrère sustentasse, como explica Paolo Rossi, que “naqueles
milhares de séculos desconhecidos” houvesse se desenvolvido “uma história pluralista,
construída por povos diferentes, que encontra saída em diferentes civilizações”. Nessa linha
de argumentação acerca da distenção do tempo histórico, concluía Lapeyrère que essas
diferentes civilizações, ainda em tempos longínquos, conduziram os homens “à construção
de grandiosos monumentos, de artes refinadas, de ciências abstratas e difíceis”.⁷
Natural, assim, que antes mesmo de Darwin e do Evolucionismo oitocentista, o estudo
de fósseis na forma de conchas e de peixes sustentaria a quebra de um paradigma nos
quadros da revolução científica: a singularidade do tempo da natureza e do tempo da
história. Nesse quadro, o da paleontologia moderna, os fósseis não seriam vistos apenas
4. . LE GOFF, Jacques. “História”, em Enciclopédia Einaudi 1. Memória-História. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1984, p. 185.
5. . Ib., p. 190.
6. . ROSSI, Paolo. Os sinais do tempo; história da terra e história das nações de Hooke a Vico. São Paulo:
Companhia das Letras, 1992, p. 175.
7. . Loc.cit.
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Diálogos Sobre o Tempo — Prova 2 — 30/11/2010 — Maluhy&Co. — página (local 114, global #140)
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Geraldo Mártires Coelho
como corpos naturais, mas, também, como registros ou vestígios do passado. Por meio dos
fósseis assim considerados, “a natureza não mais se contrapõe (em sua condição do reino do
imutável) à história (o reino do devir e da mutação)”. Estabelecidas essas grandes linhas de
apreensão e de problematização da relação entre Natureza e História, ficava patente que “a
própria natureza tem história” (grifo do autor).⁸
Note-se, contudo, que essas questões, de inegável significado histórico epistemológico,
são apresentadas num século XVII que, transposta a sua primeira metade, seguia desviando-se da História. No Século do Método, anunciado com o Novo Organum (1620) de Bacon
e o Discurso do Método (1637) de Descartes, a erudição e o cientificismo comprimem o
universo intelectual da história. Em nome de uma matematização do mundo, na forma
como a manifesta a filosofia cartesiana, o olhar para as fontes, para o passado, e as atitudes
mentais daí decorrentes sustentam-se pelo imperativo categórico da dúvida, na forma do
pirronismo e do hipercriticismo, ambos fundamentalmente anti-históricos.
O Século do Método, que vai de Kepler a Newton, passando por Descartes, Pascal e
Spinoza, reduziu “toda a ciência à geometria e à mecânica” e submeteu o mundo à regência
de lei eternas. O sábio, sustentado pelo mundo do cosmos, aproxima-se do teólogo da
Contra-Reforma, amparado na exegese da Palavra. Ambos esgrimem, mesmo que de forma
diferenciada no tocante á natureza dos seus respectivos cógitos, o objeto do conhecimento,
o que consideravam verdades universais no espaço e no tempo. Em síntese, “o espírito
do século não só se desvia do passado, mas também zomba dele”, e proclama, como fez
Descartes no Discurso do Método, a impossibilidade da história manifestar uma dada forma
de conhecimento.⁹
No final do século XVII, e ainda que, neste caso, refletindo a apropriação do criticismo
do método a favor da história, a publicação, na França, do De Re Diplomatica (1681), de
Mabillon, assinala o nascimento do método histórico, com a produção dos instrumentos
que permitiriam distinguir o verdadeiro do falso tratando-se das fontes. Progride, também,
a erudição aplicada ao trabalho histórico, de tal forma que na passagem do Seiscentos
para o Setecentos multiplicam-se os instrumentos da pesquisa histórica. Da mesma forma,
criam-se ciências auxiliares da História, publicam-se fontes históricas, quer eclesiásticas,
quer civis e políticas. Os limites da História abrem-se ao nascer o século XVIII, o do
Iluminismo e da razão iluminista.
Para além das problemáticas levantadas por um Lapeyrère, e também do contributo
de um Mabillon, quando finda o século XVII a História estava reduzida a um saber com
fins exemplares e didáticos, como que revestida de uma destinação pedagógica. Ainda no
Iluminismo setecentista, mesmo atrelada e aberta às ideias de civilização e de progresso, a
História pouco se modificou relativamente aos grandes quadros do século XVII. Foi na
Alemanha, na passagem do século XVII ao XVIII, que a História passaria à condição de
8. . Ib., p. 23.
9. . CARBONELL, Carles-Olivier. Historiografia. Lisboa: Teorema, 1992, p. 75-76.
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IX
Tempo e História na Grécia Clássica
estudo especializado do passado, um estudo, como proclamaria Ranke, de como as coisas
realmente aconteceram.¹⁰
Entrado o século XVIII, o do cientificismo iluminista, milhões de anos já eram aceitos
como a idade, como o passado da espécie humana. Como observado anteriormente, face a
essa dilatação do tempo histórico, do tempo da historicidade humana, os eixos e os vetores
da história seriam radicalmente modificados, inclusive e necessariamente do ponto de vista
da ideia e da representação do tempo, agora fundada na teleologia do progresso. No Século
das Luzes, o tempo linear, o do progresso, fundamentou o nascimento e a afirmação do
historicismo, mais tarde projetado para o século XIX, e sustentou algumas das principais
filosofias da História, a exemplo da construída ao abrigo do pensamento, da razão kantiana.
No tocante à relação entre tempo e História, é fundamental trabalhar com um novo
paradigma, qual seja, o da representação do tempo assentada sobre o pensamento de
Newton. Em Philosophiae Naturalis Principia Mathematica (1687), Newton supera e sepulta
o sentido de tempo, lugar e movimento como eram tratados pela metafísica e, por assim
dizer, pelo senso comum. Para definir o fundamento científico da sua formulação, Newton
distingue um tempo absoluto, verdadeiro e matemático que decorre sem relação a qualquer
ordem externa, e um tempo relativo, “aparente e vulgar”, sensível e externo, “da duração por
meio do movimento que é correntemente empregado no lugar do verdadeiro tempo: tais
são a hora, o dia, o mês, o ano”.¹¹
O tempo assim formulado por Newton abriria grandes questões no trato filosófico,
como as que envolveram Berkeley e Leibniz. Nesse sentido, Berkeley afirma, relativamente
ao tempo newtoniano, que “separado das ideias que sucedem no espírito e considerado
como duração abstrata, o tempo é totalmente incompreensível...”. Já Leibniz refuta o tempo
absoluto de Newton “para o substituir por um tempo definido como ‘ordem das Existências
sucessivas’ ou simplesmente ‘ordem das sucessões”. Com essa noção de tempo Leibniz
aproxima-se de Berkeley, para quem o tempo absoluto de Newton deveria ser substituído
por um outro, essencialmente psicológico, que, como visto, deveria ser “construído por uma
sucessão de ideias”.¹²
Em seu esforço para apontar o absurdo sobre o qual fora fundada a concepção
newtoniana do tempo absoluto e uniforme, Leibniz sustentava que o tempo não era
independente das coisas, e que deveria ser entendido, na forma como assinala Pomian,
como uma “estrutura de ordem”. E como as coisas foram criadas por Deus num determinado
momento, o pensamento leibniziano projetava a questão para os domínios da teologia e da
metafísica, com todas as implicações possíveis no campo das relações entre a Metafísica e a
Epistemologia.
10. . LE GOFF, Jacques, cit., p. 204.
11. . POMIAN, K. “Tempo/temporalidade, em Enciclopédia Einaudi 29. Tempo/Temporalidade. Lisboa: Imprensa
Nacional-Casa da Moeda, 1993, p. 40.
12. . Loc. cit.
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Diálogos Sobre o Tempo — Prova 2 — 30/11/2010 — Maluhy&Co. — página (local 116, global #142)
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Geraldo Mártires Coelho
Leibniz, como Spinoza e Malebranche, agia “sob o signo antigo da metafísica racional”,
revelando-se, todos, como “construtores de sistemas que sonharam em reduzir à unidade o
mundo da natureza e do espírito. ¹³ O ponto de inflexão da crítica leibniziana ao tempo
newtoniano refletia, nesse sentido, o suporte metafísico do seu pensamento, atingido
que fora pela ideia do espaço e do tempo absolutos presente “na base do edifício lógico-matemático dos Princípios Matemáticos”, independentemente de Newton acreditar que
“o espaço fosse uma encarnação de Deus, ¹⁴ o que poderia apontar para um possível
fundamento metafísico do seu pensamento.
Sucede que Newton e seus seguidores ingleses não acreditavam que o tempo e o espaço
matemáticos implicassem uma ciência metafísica pois, afinal, Newton “concebe o universo
como uma máquina, mas não pergunta que mecanismo rege as partes da máquina”. Tal
fundamento filosófico sustenta a sua ciência, alicerçando matematicamente suas induções,
vale dizer, a “base indutiva da ciência moderna”, o que revelava, filosoficamente, um
Newton que encarnava “um espírito sem metafísica”, mesmo a metafísica racional de
Leibniz. ¹⁵Assim, o embate filosófico acerca da ideia de tempo-espaço de Newton, ao qual
compareceu Voltaire, cruzado contra a metafísica dos cartesianos e de Leibniz, marcou o
cenário intelectual europeu no começo do Iluminismo.
Aquando de seu exílio em Londres, Voltaire, “em contato com a comunidade científica
da Royal Society, intuiu que as ciências exatas podiam dar uma contribuição capital à causa
das luzes”. As Cartas Filosóficas de Voltaire, cuja edição francesa data de 1734 (a inglesa é
de 1733), “revelariam ao leitor médio de toda a Europa, com incisiva eficiência, o triunfo
da física de Newton sobre a de Descartes”. Em outras palavras, o texto de Voltaire cavava
o fosso profundo a dividir “a construção hipotética de Descartes e a philosophia naturalis
de Newton”, ou ainda a distinção, como dizia o próprio Voltaire, entre “a tentativa” de
Descartes e a “obra prima de Newton”.¹⁶
Voltaire, assim, lançou o pensamento de Newton ao mundo dos philosophes franceses,
revelando-o como “mentor ideológico do Iluminismo” e aprofundador de um empirismo
que remetia a Bacon e Locke.¹⁷ Note-se, contudo, que nem Voltaire e nem os philosophes
do Iluminismo francês, à exceção de d’Alambert, mostraram-se como analistas em profundidade do método científico newtoniano. A cultura das Luzes na França, observada desse
ponto de vista, trabalhava no sentido de estar integrada às grandes questões do Século, o
que obrigava os seus construtores a ampliar cada vez mais o campo das suas preocupações,
sem, contudo, fixarem-se ou aprofundarem-se em um eixo específico.
13. . CASINI, Paolo. Newton e a consciência europeia. São Paulo: Unesp, 1995, p. 46.
14. . Ib., p. 47.
15. . BRONOWSKI, J. e MAZLISH, Bruce. A tradição intellectual do ocidente. Lisboa: Edições 70, 1983, p. 204205.
16. . CASINI, Paolo, cit., p. 89-90.
17. . HADDOCK, B. A. Uma introdução ao pensamento histórico. Lisboa: Gradiva, 1989, p. 106-107.
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IX
Tempo e História na Grécia Clássica
Como já levantado em parágrafos anteriores, o tempo, da forma como Newton o
concebeu e problematizou no final do século XVII, foi chamado à arena do pensamento
filosófico e do pensamento histórico, no que representaria um embate profundo de ideias
travado nos domínios da filosofia e da filosofia cientifica, abrindo campos distintos, mas
aqui inter-relacionados, da metafísica e do empirismo. Note-se, nesse sentido, que ainda na
primeira metade do século XVIII, mais precisamente em 1739, Hume, em seu Tratado
da Natureza Humana, refutaria tanto a ideia de tempo de Newton como a de Leibniz, ao
sustentar que “o tempo é simplesmente uma ideia do nosso espírito forjada a partir da
sucessão das ideias e das impressões”.¹⁸
Independentemente de ser absoluto ou “relacional”, newtoniano propriamente dito ou
leibniziano, o tempo, nos quadros do Iluminismo, é apresentado como sendo “objetivo”,
linear e contínuo, o tempo do progresso. Isto significa ou manifesta “a realidade em todas
as suas partes ou ordem em conformidade com a qual se sucedem as coisas e que foi
incorporada em seu próprio desenvolvimento”. ¹⁹ É bem verdade que a representação de
um tempo linear e contínuo, o já referido tempo do progresso, não estará presente em todas
as filosofias da História do século XVIII.
E o caso da representação do tempo na Filosofia da História de Giambattista Vico,
filósofo e filólogo italiano cuja obra principal, intitulada A ciência nova ²⁰, foi dada a
conhecer em 1725, abrigando ainda, àquela altura, uma segunda edição, dada à luz em 1744,
após a morte do seu autor. O pensamento histórico de Vico, por sustentar ser a história
uma ciência nova, construída pelo homem e passível de ser por ele conhecida, opunha-se
a Descartes e ao lugar da História no Discurso do Método. E como a representação do
tempo (e a ideia de História) no pensamento de Vico colidiam, em última análise, com o
cientificismo e a filosofia das Luzes, convém melhor recepcioná-la.
O tempo para Vico não era linear nem cíclico, antes desenvolvia-se como que em espiral,
de tal forma que os períodos da história tendiam a repetir-se no tocante ao caráter geral das
diversas fases do processo histórico. Assim, a um período bárbaro seguia-se um período
clássico; quando essa sucessão voltasse a ocorrer, um novo período clássico seguir-se-ia a um
período bárbaro. Entretanto, como o tempo era em forma de espiral, mantidas ficavam as
formas históricas de cada um desses períodos, mas as mentalidades seriam outras, renovadas,
pois os homens também seriam outros.²¹ O pensamento de Vico não foi conhecido no
Século das Luzes, assim como desconhecida foi a sua metodologia histórica.
No Iluminismo, como tem ficado patente, a quase infinidade do mundo no espaço
correspondendo à própria infinidade do tempo, instala-se no centro das questões científicas,
filosóficas, teológicas e, claro, históricas, inclusive por força da relação entre natureza,
cultura e história, como se observa no pensamento de Montesquieu e no de Kant. A relação,
18. . POMIAN, K., cit., p.43.
19. . Loc. cit.
20. . VICO, Giambattista. A ciência nova. Rio de Janeiro: Record, 1999.
21. . COLLINGWOOD, R. H. A ideia de história. Lisboa: Presença, 1981, p. 88 e s.
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Geraldo Mártires Coelho
pois, entre presente e passado tornou-se, por força da ciência e da sua epistemologia,
extremamente dinâmica, de tal forma que “a reflexão acerca da duração da história humana,
da ilimitada antiguidade das nações, desenvolve-se durante essa mesma época, e, em muitos
casos, aparece estreitamente ligada às discussões sobre o devir da natureza e sobre a história
da Terra”.²²
No final do século XVIII, o tempo também – ou ainda – se mostrava revestido de um
sentido ético, pensado em termos do progresso do espírito humano, como se encontra,
por exemplo, em Condorcet. Fundavam-se, aqui, uma teleologia e uma utopia da razão,
entendidas, neste caso, como a realização do imperativo da racionalidade, como a manifestou
a filosofia da história de Kant. O fim da história, nesse sentido, não poderia estar em
desacordo com a realização ética da razão, condição última da felicidade assegurada pelo
progresso. Depois, em Hegel, é o espírito que peregrina, que de subjetivo vai a objetivo e
chega a absoluto, este que é o da liberdade do espírito e que se manifesta na autorrealização
da estética, da religião e da filosofia.
O século XIX é conhecido como o século da História e do historicismo romântico, uma
História que seguia contingenciada pela ideia do progresso e, depois, pelo evolucionismo,
doutrina e filosofia herdadas do século XVIII e que, no Oitocentos, fundamentará as muitas
e múltiplas leituras da relação passado, presente e futuro, vale dizer, do curso e do sentido
da História. No século XIX, nas questões filosóficas e históricas, o tempo linear e contínuo,
o tempo do devir instala-se no cerne das preocupações intelectuais europeias, preocupações
essas marcadas por uma idealização do tempo do progresso. Assim, o futuro exerce a sua
influência sobre e no presente com uma intensidade nunca antes atingida na história. Além
do Evolucionismo, o Positivismo e o Marxismo, igualmente historicistas, revelam-se como
filosofias fundadas no devir, de tal forma que “não é mais o morto que se apossa do vivo,
mas aquele que ainda não nasceu”.²³
Segundo Nadel, em sua Philosophy of history before historicism, no século XIX, o
fundamento do historicismo “e o reconhecimento de que os acontecimentos históricos
devem ser estudados, não como anteriormente se fazia, como ilustrações da moral e
da política, mas como fenômenos históricos”. Graças ao seu fundamento filosófico, o
historicismo tocou tanto a filosofia da história de Hegel, como o Positivismo de Saint-Simon e de Comte, chegando a Marx e a Darwin. O darwinismo demarcaria, em última
análise, o triunfo do historicismo. Começado o século XX, o historicismo enfrentaria a sua
grande crise com “a filosofia crítica da história de Dilthey e Max Weber e o relativismo
histórico de Troeltsch e Meineck”.²⁴
Na primeira metade do século XX, em que pesem as controvérsias em relação à ideia
do progresso e à lógica historicista presentes na epistemologia histórica, sobrevive, na
essência, a representação do tempo linear na forma como a abrigam as culturas humanas.
22. . ROSSI, Paolo, cit., p. 10-11.
23. . POMIAN, K., cit., p. 52.
24. . LE GOFF, Jacques, cit., p. 207-208.
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Tempo e História na Grécia Clássica
O movimento da história no eixo do tempo está, por exemplo, tanto em Spengler como
em Toynbee. Avançada a segunda metade do século XX, a problematização do tempo
passará a ser um dado constante na reflexão histórica, na medida em que o tempo linear
não será necessariamente dominante no corpus da historiografia contemporânea. Veja-se,
nesse sentido, a forma como Foucault trabalha a relação continuidade-descontinuidade na
história.
Nesse sentido, observando-se o núcleo da chamada Nova História francesa, a questão do
tempo mostra-se fundamental no trato epistemológico da também chamada historiografia
dos Annales. Com um Fernand Braudel, por exemplo, no seu grande estudo sobre o
Mediterrâneo, “a extensão do tempo remete para o alongamento do espaço”, e, dessa forma,
a Nova História vagueia “nas fronteiras incessantemente alargadas de um espaço e de um
tempo que sempre lhe parecem excessivamente limitados”, o que modelará o próprio corpo
do trabalho do historiador e da sua leitura do passado.²⁵
Para a História, a ideia e o corpo do tempo, na segunda metade do século XX, afastam-se
e diferem, por exemplo, do paradigma newtoniano presente na historiografia do Iluminismo,
e à forma como “as transformações epistemológicas contemporâneas” incidem sobre o
corpo da historiografia é decisiva. ²⁶ Por esse caminho, o tempo e a sua representação
são problematizados, de tal forma que o tempo social trabalhado pelo historiador não
representa uma correspondência necessária ao tempo linear ao qual está subjacente a ideia
– e a ideologia – do progresso. Da mesmo modo como se deu ao longo da existência da
história, o tempo, a sua ideia e a sua representação seguem sendo axiais na existência de Clio.
*
*
*
uma primeira ordem de problematização, já que em passagem posterior deste artigo
a questão será mais diretamente tratada, sustente-se que a História nasce na Grécia
do século V a.C. Antes, não havia “nem anais comparáveis aos dos reis da Assíria, nem
interesse por parte dos poetas e filósofos, nem arquivos. É a época dos mitos, fora do tempo,
transmitidos oralmente”. As nascer, a História estaria ligada a duas razões principais. Uma,
de ordem étnica, buscaria distinguir os gregos dos bárbaros, essa uma razão atrelada à ideia
de civilização. Bárbaros, em Heródoto, seriam, por exemplo, os persas e os citas, estes
desaparecidos antes de se helenizarem, uma espécie de gregos às avessas. Uma segunda
razão a qual a o nascimento da História estaria relacionada é política, ligada às estruturas
sociais. No século V a.C., “a memória nasce dos interesses das famílias nobres (e reais) e
dos sacerdotes de templos como os de Delfos, Eleusis ou Delos”.²⁷
Observada a tradição intelectual do ocidente, é possível assegurar que a História, como
a conhecemos hoje, é uma construção do pensamento grego, da Grécia do século V a.C.
N
25. . CARBONELL, Charles-Olivier, cit., p. 127.
26. . WEHLING, Arno. A invenção da história; estudos sobre o historicismo. Rio de Janeiro: Universidade Gama
Filho, Universidade Federal Fluminense, 1994, p. 72.
27. . LE GOFF, Jacques, “História”, cit., p. 188.
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com a obra de Heródoto e de Tucídides. Já com Heródoto, é correspondente à condição do
historiador: aquele que vê, aquele que observa, aquele que testemunha! No grego antigo,
historein é “procurar saber”, e esse sentido é o que está nas Histórias de Heródoto, o sentido
último da investigação, da procura. Nada, portanto, diferente do que hoje, à luz da teoria do
conhecimento, entende-se ser o papel, o trabalho do historiador como aquele que investiga,
procura, indaga o passado.²⁸
E essa busca, essa investigação e esse procurar no passado o historiador faz plantado no
presente, pois são as questões reveladas pelo presente que guiam o historiador em direção
ao passado, daí o caráter e a natureza problematizadores da História. Foi precisamente esse
giro epistemológico na relação entre o passado e o lugar do historiador no presente, uma
nova relação entre sujeito e objeto que tornou possível o aparecimento de novos domínios
da pesquisa histórica. Em outras palavras, os novos objetos da investigação histórica, como
os imaginários sociais, a iconografia e a loucura, por exemplo, só se tornaram possíveis
como campo de investigação devido ao lugar que o historiador se posiciona. Ou antes, de
um presente que lança luz na forma como o historiador se volta para o passado.
É o presente que explica o passado, tratando-se da operação epistemológica realizada
pela História, e não o passado que explica o presente, até porque a história não tem qualquer
pretensão pedagógica encarnada na velha e obsoleta imagem de uma Clio mestra da vida.
Este, aliás, um viés que acompanhou, reiteradamente, a História, desde a antiguidade
greco-romana à contemporaneidade, e que lhe emprestou um falso sentido ao mesmo
tempo ético e pragmático.²⁹ Seguindo esta mesma linha de reflexão, ressalte-se que partir
do conceito de historicidade, ingresso na epistemologia histórica na segunda metade do
século XX, desaparece a noção de sociedade sem história, até por conta da leitura da
etnologia relativamente às – por isso mesmo chamadas – sociedades etnológicas. Em seu
extremo, pelo conceito de historicidade foram chamados à história domínios outros que o
événementielle, o não fato ordinário e singular, como as mentalidades e a loucura, o que
dilata o raio e o alcance da História no trato de linguagens e de representações da condição
histórica do homem e da cultura.³⁰
Voltando à Grécia clássica, a História nasceria como produto da relação entre chronos
e logos, relação mediada pelo historiador que investiga as fontes e os testemunhos para
oferecer aos presentes uma leitura do passado. A história assim entendida manifesta a
afirmação da anámnesis (lembrança) sobre a amnésia (esquecimento), cercando-se, assim,
de um caráter pragmático na medida em que buscava impedir que caísse no esquecimento o
que fora a ação dos homens no passado. E assim, como será visto mais à frente, proclamou
Heródoto ser o fim último das suas Inquirições, das suas Histórias.
A História, entendida como o passado que assoma a contemporaneidade, uma dada
contemporaneidade, é uma narrativa escrita, um discurso acerca da existência de sociedades
28. . LE GOFF, Jacques, cit., p. 158.
29. . Cf. VEYNE, Paul. Como se escreve a história. Lisboa: Edições 70, 1987.
30. . LE GOFF, Jacques, cit., p. 159.
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Tempo e História na Grécia Clássica
e de culturas que dominam (ou não) a escrita, até porque a História se faz também com
documentos escritos. O historiador, nesse sentido, e sempre a partir do presente do sujeito,
faz do passado o objeto, a dimensão do tempo que, pelos instrumentos da construção
historiográfica, passa à condição de discurso. Esse foi o longo percurso das sociedades
humanas que, saindo do desconhecimento da escrita e possuindo apenas uma memória
orgânica e étnica, atingiram, com o domínio sobre a escrita, a condição de sociedades
complexas, cultural e politicamente falando.
Muitas foram e ainda são as sociedades sem historiografia. Sociedades sem escrita,
dependiam e dependem da memória para a sua autoexistência. Em tais universos sociais e
culturais, há uma memória étnica, como há, também, “especialistas de memória, homens-memória” que vão dos genealogistas aos historiadores da corte, passando, ainda, pelos
“guardiões dos códices reais”. Não se trata de uma memória congelada, invariável, mas
de uma memória que comporta, por exemplo, variações em torno de um mesmo mito. A
memória coletiva, própria e inerente ao grupo, não é e não pode ser exata, sendo, antes, uma
“memória generativa”.³¹ Em todos os casos, a memória exerce um papel social e político,
haja vista a existência de grupos distintos no interior dessas sociedades.
Nas sociedades sem escrita, desprovidas, portanto, de história-historiografia, a memória
coletiva ordena-se em torno de três grandes eixos de interesse: “a identidade coletiva do
grupo que se funda em certos mitos, mais precisamente nos mitos de origem, o prestígio das
famílias dominantes que se exprime pelas genealogias, e o saber técnico que se transmite
por fórmulas práticas fortemente ligadas à magia religiosa”.³² Fica evidente, nesse sentido,
que a memória é um instrumento de afirmação e de poder dos grupos no interior do
organismo social.
As sociedades sem escrita são sociedades étnicas onde impera a memória coletiva, e
esta mostra-se “essencialmente mítica, anacrônica, mas constitui o vivido desta relação
nunca acabada entre o presente e o passado”. ³³ Para o historiador, “o mito não é só objeto
da história, mas prolonga, em direção às origens, o tempo da história...”. As sociedades
antigas, como a grega, explicaram a sua origem através dos mitos, e nesses casos a memória
não é Historia, é certo, mas revela-se um dos seus objetos, e o historiador deve “respeitar o
tempo que, de formas diversas, é a condição da história e que deve fazer corresponder os
seus quadros de explicação cronológica à duração do vivido”.³⁴
Aquando do aparecimento da escrita, a memória coletiva passa, por um tempo, a conviver
com registros mnemônicos, a exemplo das inscrições, e com registros de ordem verbal,
mitológicos, mas seus historiadores, como Heródoto, construíram passagens narrativas – e
históricas – dessas sociedades, do mito ao logos. No que tange à ordem do tempo, essas
sociedades, já dominando a escrita, passam a se organizar em torno de duas ordens: a do
31. . LE GOFF, Jacques. “Memória”, em Enciclopédia Einaudi. 1. Memória-História, cit., p. 15.
32. . Ib., p. 16.
33. . LE GOFF, Jacques, “História”, cit., p. 166.
34. . Ib., p. 178.
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tempo do mito e a do tempo dos homens. Na evolução desse processo, tais sociedades
caminham em direção à História, um longo percurso em que “Cronos vai arbitrar o combate
de Mytos e Logos”.³⁵
Afirmada a escrita como suporte de sociedades complexas, que saem do domínio do
mito e caminham para o domínio do conhecimento, a memória deixa de ser atividade
orgânica e passa à condição de suporte da norma escrita. No documento escrito, inclusive, o
tempo e o espaço figuram como dimensões em que a informação passa a circular mediante
um “processo de marcação, memorização e registro” do acontecimento – coisa acontecida. ³⁶
Atinge-se, nesse processo, o estágio das sociedades históricas, como as dominantes no
mundo da antiguidade, quer oriental, quer clássica.
Insistindo-se um pouco mais na problemática das sociedades sem escrita e de memória
étnica, é possível sustentar que essa memória, por força de suas limitações mais orgânicas
que formais, é uma memória pobre e frágil, na medida em que depende do cérebro, da
anámnesis (lembrança) para reter e explicar a existência dessas sociedades. Tais sociedades
experimentam o “vazio da história” na medida em que o “tempo cíclico do eterno retorno
das estações e o tempo imutável de um mundo em equilíbrio” impõem as suas existência
fora da história.³⁷
Nessas sociedades, muitas são as estratégias para preservar a memória, muitos são os
seus guardiões; passíveis de falhas são aquelas e estes. Assim, a memória gasta-se, perde-se,
na medida em que está fora do tempo, em que fabula sobre o vivido. Somente quando
“a organização social se complica e passa da família ou do clã para o Estado monárquico
e hierarquizado”, é que é acrescentada “uma memória política à memória mítica”. Nesse
momento, “nasce o tempo da história”, o que implica um sentido de ordenamento dos
acontecimentos, de um eixo sequencial de fatos.³⁸
De qualquer modo, essa é uma dimensão existencial em que “o tempo mítico e o
tempo histórico misturam-se nos caminhos incertos em que os deuses se cruzam com
os homens”. ³⁹ Mesmo a memória histórica é frágil, mais frágil ainda do que a memória
mítica, na medida em que o olhar para trás dirigido pelo guardião não vai além de três
séculos. Natural, portanto, que a amnésia imponha-se à anámnesis, com o esquecimento,
paulatinamente, triunfando sobre a lembrança, um acumular de esquecimentos postados
sobre o tempo que não é o tempo histórico tout court.
*
*
35. . CARBONELL, Charles-Olivier, cit., p. 10.
36. . LE GOFF, Jacques, “Memória”, cit., p. 17.
37. . CARBONELL, Charles-Olivier, cit., p. 7.
38. . Ib., p. 8 e 9.
39. . Loc. cit.
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Tempo e História na Grécia Clássica
História, como modernamente a entendemos, trabalha a existência de sociedades que
possuem uma relação com o passado pelo que de heurístico esse mesmo passado se
revela como uma instância em que impera o domínio dos homens e não dos deuses. Já nas
sociedades em que a divindade está encarnada nos soberanos e na unção que receberam,
tem-se o domínio da história teocrática. Neste caso, o mito rege a ordem das coisas, e
estas, por sua própria natureza, não são dispostas no tempo, não são localizadas no passado.
Em tais circunstâncias, “o elemento humano foi completamente eliminado e as figuras da
narrativa são apenas deuses. E as ações divinas que estão registradas não são acontecimentos
dotados de passado”.⁴⁰
Para uma História teocrática, sustentada por uma visão mitológica do mundo e por
sua correspondente explicação ou narrativa, ou seja, “quando um mito se oculta numa
forma pseudo-temporal – porque relata os acontecimentos, um após outro, numa ordem
definida – a forma não é rigorosamente temporal, é semi-temporal”. Nesse sentido, a
sucessão temporal que figura na narrativa “é tão-somente metafórica, pois exprime relações
que ele [o narrador] não concebe como verdadeiramente temporais”.⁴¹
Essa narrativa acerca da origem das coisas, exposta e sustentada por uma explicação
mitológica do mundo, empresta significado e sentido a uma teogonia, na medida em que
o que está em jogo, como já referido, não é domínio do homem, mas dos deuses. Em
tais circunstâncias, o tempo, o vivido e o vivo pertencem ao divino e a natureza divina
dos homens e das coisas. Tratando-se do mundo antigo, oriental, mas com projeções que
depois atingiriam o pensamento europeu, as escrituras hebraicas reúnem elementos da
história teocrática e do mito. O pensamento hebraico, universalista, fez com que o deus dos
hebreus, primeiramente chefe da comunidade hebraica, passaria, por força do profetismo, a
condição de “chefe divino de toda a humanidade”.⁴²
As construções mítico-teológicas no mundo antigo oriental, por isso mesmo, foram
explicações, narrativas sobre a origem do mundo plantadas fora do tempo e fora da história.
Nesse sentido, a realidade ou o que possa ser por tal compreendido, resultava da ação e da
vontade de deuses ou de um deus, sendo o homem o resultado da eleição e da projeção da
divindade. Consequentemente, a História, como modernamente a entendemos, ou seja, no
sentido da ação humana, inexiste naqueles contextos. Afinal, o homem apenas respondia ao
que era imperativo divino, com o tempo recolhido à transcendência e ao eterno retorno
das estações.
* * *
A
40. . COLLINGWOOD, R. H., cit. p. 24.
41. . Loc. cit.
42. . Idem, p. 26.
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omo já anunciado no início deste artigo, e agora tratando a questão de forma mais
diretamente historiográfica, reafirme-se que a história nasce na Grécia da segunda
metade do século V a.C. quando Heródoto (aproximadamente 485-425 a.C.) redigia as suas
Inquirições, suas Histórias, e quando em Atenas elevava-se o Pártenon e a poesia, a filosofia,
a escultura e o pensamento grego pareciam haver chegado aos domínios da perfeição. A
sociedade grega, cujo modelo é a sociedade ateniense, era complexa, histórica, e a História
passa a ser pertinente às ações humanas, às coisas humanas. Diferentemente de Homero e
de Hesíodo, cuja narrativa é lendária e projetiva da ação divina sobre as peripécias narradas,
a história grega, com Heródoto e com Tucídides, é humana e diz respeito a acontecimentos
ocorridos no tempo, no passado, mesmo sendo um passado próximo dos investigadores.
As Inquirições ou Histórias de Heródoto estão centradas nas chamadas Guerras Médicas
(490-479 a.C.) travadas entre gregos e persas, e foram escritas, segundo o seu autor, “para
impedir que caiam no esquecimento as grandes façanhas realizadas pelos Gregos e os
Bárbaros”.⁴³ No seu relato, Heródoto combina opsis (observação) e aco (o ouvir dizer),
reunindo tempo da observação e tempo da memória. A narrativa de Heródoto “ricocheteia
no tempo [e] se aprofunda nas brumas opacas da lenda”. Testemunha de seu tempo e
jornalista da sua realidade, e, por isso mesmo, não acreditando “simploriamente nos relatos
maravilhosos onde os homens se encontram com os deuses e os prodígios povoam a
história”⁴⁴, Heródoto produziu uma obra intransponível. Por todos os títulos e em meio à
condição híbrida da sua narrativa, é impossível negar-lhe a condição de “ser o antepassado
inesgotável onde todos procuram o segredo esquecido da história primitiva”.⁴⁵
Ao lado de Heródoto, Tucidides (aproximadamente 460-395 a.C.), com a sua História
da Guerra do Peloponeso, é o outro grande historiador da Grécia clássica, a cuja obra
reconhece-se o nascimento do método e da lógica do historiador. A exemplo de Heródoto,
Tucídides também argui o lendário e o mitológico para a construção da História como
conhecimento, uma História assente nas provas tornadas evidentes pelo olhar do observador.
Tratando-se do mundo grego, foram historiadores sem seguidores. A História da Guerra
do Peloponeso, estudou o conflito que envolveu as duas grandes cidades-estado da Grécia,
Atenas e Esparta, e o universo visitado por Tucídides, pensado em termos cronológicos, foi
mais estreito que o percorrido por Heródoto em suas Inquirições. A partir do conhecimento
que teve da Cronologia das sacerdotisas de Argos, de Helanicos de Mitilene, Tucidides transita
pelo passado “como quem mede um campo [vertendo] a incerta duração naturalmente
ritmado do tempo cósmico”.⁴⁶
Embora seja um historiador que veio a seguir a Heródoto, Tucídides não é um seguidor
do autor das Inquirições relativamente à construção do conhecimento e da narrativa
históricos. O seu método e a sua leitura da História, ainda que relativos à História dos
C
43. . CARBONELL, Charles-Olivier, cit., p. 11.
44. . Ib., p. 12.
45. . Ib., p. 17.
46. . CARBONELL, Charles-Olivier, cit., p. 13.
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Tempo e História na Grécia Clássica
homens, afasta-se do modelo de Heródoto, encobrindo-o e sufocando-o por força de um
tratamento anti-histórico da própria História. Afinal, em Tucídides, o historiador não se
concentra nos acontecimentos, mas deles se afasta quando busca “transmitir a lição neles
implícita, alguma verdade imutável e eterna...”.⁴⁷
Da mesma forma como se dera com Heródoto, o tempo, em Tucídides, assim como em
Aristóteles, nos neoplatônicos e em outras escolas da antiguidade, “é sempre inerente a
alguma coisa”. Dito de outro modo, o tempo, nesse sentido, “é um acidente, ou mesmo um
acidente de segundo grau, e é apreendido mediante a percepção sensível ou uma intuição
intelectual de si mesmo”. ⁴⁸ Essa percepção do tempo é fundamental para o tipo de História
produzida por Tucídides, sobretudo considerando a relação do observador com a coisa
observada. Diferentemente de Heródoto e da sua marcação do espaço-tempo, Tucídides
viaja pelo futuro e pelo passado longínquo da Grécia, para depois fixar-se no final do século
VI a.C. e, por último, centrar-se no cenário da guerra do Peloponeso. Sua volta ao passado
profundo de Atenas destina-se a reunir as causas do conflito com Esparta.
O tempo em Heródoto e em Tucídides, mesmo não sendo o tempo como hoje a História
o concebe, ou seja, o tempo dos homens, haja vista as visitações que ambos fizeram ao
passado mítico, era um tempo de duração demarcada. Assim como as Guerras Médicas e a
Guerra do Peloponeso, com princípio, meio e fim, era, stricto sensu, a História da Grécia, o
seu tempo era igualmente o tempo particular a uma sociedade e ao seu existir social. Afinal,
“a teoria grega da história implica o fato de nenhuma narrativa histórica poder exceder,
em dimensão, o tempo duma vida humana (grifo nosso) podendo ser aplicados os métodos
críticos, à disposição do historiador, apenas a esse período”.⁴⁹
Observando-se atentamente as Inquirições de Heródoto, fica evidente que ele mediou e
suplantou a relação entre chronos e logos, na medida em que a sua percepção de História
aplicava-se ao homem e ao humano no imperativo das suas circunstâncias e contingências.
Depois dele, com Tucídides e os historiadores que o seguiram, a metafísica grega impôs-se
indubitavelmente e, dessa forma, a procura do imutável e do eterno na ordem das coisas
como que desumanizou a história e “sufocou a consciência histórica” grega, retirando da
história a sua condição de “um conhecimento científico” da ação do homem no passado. ⁵⁰
A exemplo de Heródoto, a história de Tucídides é uma história humana e não divina,
mesmo quando recorre à linguagem de Homero, mas sem se aproximar das fábulas
poéticas, uma linguagem que é trabalhada como documento. Ao tratar do passado, “o que
na época se chama arqueologia”, mostra-se na condição de um grande, marcante, mesmo,
inovador na construção da explicação histórica. Desconstruindo os discursos que inquire, e
reconstruindo-os como narrativas do humano, faz com que “o que não passava de relatos
47. . COLLINGWOOD, R.H., cit., p. 44.
48. . POMIAN, K., cit., p. 36.
49. . COLLINGWOOD, R. H., cit., p. 40.
50. . Ib., p. 42.
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atravancados de lendas”, passe a ser convertido “no discurso impecável do chronos e do logos
claramente entretecidos”.⁵¹
O humano, na História produzida por Tucídides, revela-se, também, por conta de seu
esforço em tratar e trabalhar as neuroses produzidas pela Guerra do Peloponeso. Seria, por
assim dizer, uma História que inflete sobre a psicologia coletiva, preocupada em estabelecer
“leis psicológicas” dentre outras leis gerais na história por ele pensada. E aproximando-se
da ideia de tempo no pensamento grego, “estas leis são precisamente essas formas eternas
imutáveis que, de acordo com a principal tendência do pensamento grego, são as únicas
coisas cognoscíveis”.⁵²
A História grega de Heródoto e de Tucídides foi uma história dos homens, das suas
sociedades, de seus conflitos. A humanização dos deuses pelo espírito grego, fez da mitologia
um conjunto de histórias dramaticamente familiar, e, assim, “a fronteira entre a lenda e o
real, o religioso e o profano esfumou-se”. Diferentemente de outras culturas em que os
deuses mantiveram-se nos seus olimpos, na Grécia “construiu-se uma espécie de história
imprecisa, lançada como uma ponte entre o presente dos homens e o passado dos deuses”.
Humanizados os deuses, humaniza-se o homem, e a história, simbolicamente estampada
no rosto de Clio, é a história do homem como medida de todas as coisas.⁵³
É preciso lembrar que, para além do humano dominante na História de Heródoto e
de Tucídides, elementos lendários e míticos estão presentes na narrativa de ambos, o que
implica uma forma ou outra de temporalidade plasmada no divino. Em outras palavras,
tanto Heródoto quanto Tucídides combinaram em suas obras elementos não históricos
(mitológicos) com elementos históricos (humanos) no esforço de apresentar para os seus e
de deixar para os próximos as questões que investigaram. Nesse sentido, a História que
produziram dispõe de um estatuto epistemológico, posto representar um conhecimento,
um objeto resultante da investigação realizada pelo sujeito.
Dada a concepção metafísica do mundo dominante na Grécia de Heródoto e de
Tucídides, que sustentava não serem cognoscíveis as coisas num mundo em transformação,
como o mundo da História, a própria História seria anti-histórica. Se os objetos do
conhecimento matemático “são objetos eternos que [assim] não podem modificar as suas
características” ⁵⁴, o mesmo não se aplicava à História, processada que era num mundo
em transformação. Desse ponto de vista, e somente desse, uma metafísica anti-histórica
implicaria a impossibilidade da História existir enquanto tal. Em outras palavras, “segundo
tal teoria, a história seria impossível. Isto porque a história deve ter estas duas características:
em primeiro lugar, deve tratar do que é transitório; em segundo lugar, deve ser científica ou
demonstrativa”.⁵⁵
51. . CARBONELL, Charles-Olivier, cit., p. 14-15.
52. . COLLINGWOOD, R. H., cit., p. 43.
53. . CARBONELL, Charles-Olivier, cit., p. 17.
54. . COLLINGWOOD, R. H., cit., p. 32.
55. . Loc. cit.
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Tempo e História na Grécia Clássica
Voltando à questão do tempo e da temporalidade nas histórias gregas do século V a.C.,
é preciso notar que “a busca do eterno, por parte dos gregos, tinha um sentido insólito
do temporal”⁵⁶, um tempo circular, tempo do eterno retorno. Desse ponto de vista, a
História tinha um valor específico para os gregos, e, assim, “os seus ensinamentos são úteis
para a vida humana (...) porque o ritmo das suas modificações provavelmente se repetirá,
verificando-se que os mesmos antecedentes conduzem às mesmas consequências”.⁵⁷A
História, portanto, poderia reunir e apresentar elementos para os vaticínios sobre o devir,
não necessariamente na ordem imutável das coisas, mas na da possibilidade do vir a ocorrer.
Essa relação entre o imutável (o tempo) e o possível (o contingente) emprestava valor aos
ensinamentos da História na medida em que revelava o comportamento do humanamente
passível de observação empírica. Assim, quando Aristóteles proclamava que a Poesia era
maior do que a História, considerava que aquela sustentava-se sobre juízos universais,
enquanto esta sobre fatos empíricos, mas mesmo assim a poesia, em seus universais,
aproximava-se da História. Afinal, “na poesia, as lições da História já não são inteligíveis,
ficando sem demonstração – e, portanto, meramente prováveis – embora se tornem mais
concisas e, por isso, mais úteis”.⁵⁸
O lugar da História no pensamento grego, para além do seu significado para uma
consideração prática na vida num tempo do eterno retorno, e mesmo considerando-se o
imperativo metafísico desse pensamento, não pode ser pensada equivocadamente. Como,
em última análise, os gregos sabiam ser impossível a imutabilidade da ordem das coisas
no domínio do humano, manifestaram particular sensibilidade para com a História. E
como a História, da forma como a construíram Heródoto e Tucídides, sustentava uma dada
manifestação do logos, foi na Grécia clássica que se deu o nascimento da História como
conhecimento, um conhecimento resultante da dedução da verdade feita pelo historiador
sobre os testemunhos dos acontecimentos.
Aquando da História de Heródoto e de Tucídides, o pensamento grego ajustava-se,
mais ou menos, ao tempo de uma geração e ao particularismo social e cultural. Esse
particularismo foi marcante na historiografia dos inventores de Clio, e cujo trânsito
histórico, por isso mesmo, limitou-se a uma sociedade e a uma época particulares. Quando
o helenismo, forjado pelo expansionismo imperial de Alexandre Magno dilatou o espaço
do pensamento grego, novas sociedades e novas culturas seriam chamadas ao universo
da história.
Se, antes, a História era particular aos gregos e ao seu mundo habitado, com o helenismo
seria, também, a história de um ecúmeno mais dilatado do que o mundo geograficamente
demarcado da Hélade. Ficavam para trás, também e portanto, as concepções de um tempo e
de uma história particulares aos gregos, na medida em que os conceitos de tempo e História,
como ainda hoje são conhecidos dos historiadores, “são, de modo geral, etnocêntricos”, na
56. . Ib., p. 33.
57. . Ib., p. 35.
58. . Ib., p.36.
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medida em que se “baseiam em determinada concepção do homem e da cultura, mas [que]
aspiram à universalidade”.⁵⁹
A dilatação do espaço geográfico e cultural grego com o helenismo, produziria a
distenção do tempo histórico no mundo helênico. O passado, à medida em que o mundo
deixava de ser apenas o espaço da Grécia, alargava-se por conta de outras histórias, de
outras memórias, estas para além das faculdades mnemônicas das testemunhas oculares. O
império de Alexandre, construído sobre e por meio das relações de combate/assimilação de
outras culturas, passava à condição de mundo grego, ou melhor, do espírito grego e da sua
representação histórica.
O mundo grego forjado pelo expansionismo macedônio dilatou, assim, o universo da
História quando pensado em termos do século V a.C. E à falta de testemunhos oculares e
da memória das testemunhas, a História passaria a depender de narrativas já construídas
pelas sociedades e culturas helenizadas pelas conquistas de Alexandre. De uma maneira
geral, e por força do poder agregador e assimilador do pensamento grego, os historiadores
do helenismo emprestariam ao passado a condição de um tempo-temporalidade comum,
no caso, o da Grécia do século V a. C., a Grécia de Heródoto e de Tucídides. Para realçar a
grandeza e a originalidade desse processo que foi o de um novo logos historiográfico, ressalte-se que a época helenística, para esse efeito, inclui, também, parcelas da época romana.
Os historiadores do século IV a.C., como Xenofonte (aproximadamente 426-355 a.C.),
autor de Helênicas, e Teopompo (aproximadamente 378-315 a.C.), com sua Helênicas,
foram mais imitadores de Heródoto e Tucídides que seus continuadores. No vasto cenário
cultural do mundo helenístico surgiram obras de verdadeiro valor histórico como as História
da Ática, escritas em Atenas por Kleidemos, Androtion e Phanademos. Também na Sicília
e no Egito, onde Ptolomeu I deu à luz a sua História de Alexandre, manifestou-se a expansão
do universo da História como representação da cultura helênica ⁶⁰. Somente no século III
a.C., com Políbio, a história, a exemplo do que realizou Tucídides, seria objetiva e fundada
em fontes criticadas, depois de desvios que objetivos retóricos, políticos e éticos haviam
sido impostos aos rumos de Clio.
Assim, a História de Políbio, historiador grego natural da Arcádia (aproximadamente
200-125/120 a.C.), inscreve-se como a última obra saída da criação historiográfica grega
e a primeira nascida da historiografia romana, sendo, nesse sentido, o produto acabado
do espírito grego universalizado pelo helenismo. ⁶¹ Após a Terceira Guerra da Macedônia,
Políbio foi feito prisioneiro pelo romanos e levado como refém para Roma. Homem culto,
com formação intelectual clássica, Políbio foi preceptor do jovem Cipião, o Africano, e, em
Roma, viveu a ambiência política da república.
A História desse historiador grego volta-se para o imperialismo, a conquista do mundo
antigo pela república romana, e o ponto de partida das suas investigações distende o
59. . WEHLING, Arno, cit., p. 51.
60. . CARBONELL, Charles-Olivier, cit., p. 17.
61. . COLLINGWOO, R. H, cit., p. 48 e s.
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IX
Tempo e História na Grécia Clássica
passado comparativamente ao que se vê em Heródoto e Tucídides: 150 anos, o tempo
aproximado de cinco gerações. O eixo do tempo em Políbio é o continuum: o passado que
realiza o passado, o hoje que, na vida social, reproduz o ontem ancestral. Nesse sentido, o
entendimento sobre a continuidade da história fez dos romanos guardiões das marcas e dos
registros do passado, quer na forma de monumentos, que na maneira como as tradições da
história coletiva eram preservadas.
Políbio, na sua História, trabalha, a um só tempo, a história de Roma e a história da
afirmação de Roma sobre o mundo então conhecido, uma Roma que surge da narrativa
polibiana não das brumas da lenda, mas do espaço político da sua afirmação histórica na
República. As questões da origem de Roma, assim, não se manifesta como preocupação do
pensamento de Políbio. Diferentemente de Heródoto, por exemplo, a História em Políbio
é instrumental e pragmática e, em última análise, não busca preservar do esquecimento
as façanhas romanas, mas revelar-se pelo que de utilitária mostrar-se-ia na educação
política do príncipe – por aproximação da pragmática de Maquiavel em O Príncipe. Tal
pragmática, contudo, não implica um sentido pedagógico emprestado à História, mas
modela o comportamento humano diante das situações adversas como as experimentaram
os homens antigos.
Ao concluir este artigo é possível e mesmo necessário enfatizar, como feito em passagem
anterior, que a História nasce na Grécia da segunda metade do século V a.C., quando
Heródoto redigiu as suas Inquirições, a sua História. Vinte e seis séculos depois, a História,
como modernamente a entendemos, segue sendo tributária daquele momento em que,
na Grécia clássica, a poesia, a filosofia, a escultura e o pensamento grego pareciam haver
chegado aos domínios da perfeição. Hoje, ainda de pé, o Pártenon, elevado àquela mesma
altura em Atenas, pode e deve simbolizar o tempo-espaço do nascimento de Clio.
Referências Bibliográficas
[1]
AGOSTINHO, Santo. Confissões. São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 273.
[2]
BRONOWSKI, J e MAZLISH, Bruce. A tradição intellectual do Ocidente. Lisboa:
Edições 70, 1983.
[3]
CARBONELL, Carles-Olivier. Historiografia. Lisboa: Teorema, 1992.
[4]
CASINI, Paolo. Newton e a consciência europeia. São Paulo: Unesp, 1995.
[5]
COLLINGWOOD, R. H. A ideia de história. Lisboa: Presença, 1981.
[6]
HADDOCK, B. A. Uma introdução ao pensamento histórico. Lisboa: Gradiva, 1989.
[7]
LE GOFF, Jacques. “História”, em Enciclopédia Einaudi 1. Memória-História. Lisboa:
Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1984.
[8]
LE GOFF, Jacques. “Memória”, em Enciclopédia Einaudi. 1. Memória-História Lisboa:
Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1984.
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[9]
POMIAN, K. “Tempo/temporalidade”, em Enciclopédia Einaudi 29. Tempo/Temporalidade.
Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1993.
[10] ROSSI, Paolo. Os sinais do tempo; história da terra e história das nações de Hooke a Vico.
São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
[11] VICO, Giambattista. A ciência nova. Rio de Janeiro: Record, 1999.
[12] WEHLING, Arno. A invenção da história; estudos sobre o historicismo. Rio de Janeiro:
Universidade Gama Filho, Universidade Federal Fluminense, 1994.
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O Sentir e o Pensar o Tempo em
Três Poemas Líricos¹
Celia Coelho Bassalo²
[email protected]
ornou-se lugar-comum dizer que o homem, desde a antiguidade, sempre esteve
ligado a reflexões sobre o tempo e suas mudanças. Abordar esse instigante tema é
um fascínio que envolve as inquietantes mentes literárias ligadas à visão de mundo de
várias épocas, sobretudo da Literatura Contemporânea. Vale salientar que tal estudo é
extremamente complexo, pois se trata de um assunto abrangente envolvendo todas as áreas
do conhecimento humano, mas a função do artista é a de criar a realidade circundante
naquilo que ela tem, no caso, de universal: o tempo e suas mudanças.
No caso das poesias estudadas a seguir, pode-se considerar que, às vezes, o sentir e o
pensar, do eu lírico, desempenham papel fundamental com relação à fugacidade temporal,
no momento em que esta se refere às transformações da figura humana, quer do ponto de
vista físico quanto do psicológico.
É o tempo da experiência (re)velando-se, nos três primeiros poemas, não apenas como
tempo da natureza, isto é, como tempo cíclico e astronômico, mas também como tempo
histórico, a incidirem – todos – na sensibilidade artística e a refletirem as distintas e
multifacetadas visões de mundo e de tempo, em que o eu poético como que se resigna à
impossibilidade de deter o relógio do universo, que a todos se mostra inexorável.
A intenção deste artigo é tratar o sentir o tempo em dois poemas, um de Sá de Miranda
(1481-1558), outro de Luiz de Camões (1524-1580), respectivamente. Do como sentir o
T
1. Este texto é uma homenagem ao Professor Francisco Paulo do Nascimento Mendes (In memoriam).
2. Escritora, Professora Aposentada da UFPA e Membro da Academia Paraense de Ciências.
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tempo, também escolhi o nosso Manuel Bandeira (1886-1968), um dos maiores poetas
líricos brasileiros.
Sá de Miranda, o iniciador do Renascimento em Portugal – fato que marcou o início
dos tempos modernos nesse país – foi o primeiro poeta a usar em terras lusitanas versos
“maiores”, não substituindo as redondilhas, mas acrescentando
também outra forma de poetar: o soneto. Isso só foi possível
aquando de seu regresso a Portugal em 1526, depois de um
convívio com escritores e artistas italianos que o influenciaram
grandemente. O fruto dessa viagem foi trazer ao país uma nova
estética, introduzindo além do soneto, a canção, a sextina, as
composições em tercetos e em oitavas e os versos de dez sílabas,
afora várias outras composições poéticas.
Com seu “doce estilo novo” descreve no primeiro verso do
Soneto a seguir a constatação, de modo inusitado, da ausência de
ventos e um calor intenso num luminoso dia.
Sá de Miranda toma como base do poema sua visão de mundo
– o mundo temporário –, e as transformações decorrentes do tempo
cíclico, não apenas para meditar sobre a irregularidade das estações do ano, mas também
para delinear um eu lírico amargurado ao observar a irregular mutação repentina da natureza,
a previsível mutabilidade gradativa do ser humano e a incoercível impossibilidade de o eu
lírico deter as suas próprias transformações. (no verso, grifo nosso)
Soneto
O sol é grande: caem co’a calma as aves,
Do tempo em tal sazão, que sói ser fria.
Esta água que de alto cai acordar-me-ia,
Do sono não, mas de cuidados graves.
Ó cousas todas vãs, todas mudaves,
Qual é tal coração que em vós confia?
Passam os tempos, vai dia trás dia,
Incertos muito mais que ao vento as naves.
Eu vira já aqui sombras, vira flores,
Vi tantas águas, vi tanta verdura,
As aves todas cantavam de amores.
Tudo é seco e mudo; e, de mistura,
Também mudando-me eu fiz doutras cores.
E tudo o mais renova: isto é sem cura!
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O Sentir e o Pensar o Tempo em Três Poemas Líricos
Fugindo um pouco ao tema, o introdutor da medida nova faz uma referência às grandes
navegações impulsionadas pelas velas e que eram levadas a destinos incertos. Nos dois
primeiros decassílabos da mesma quadra, destaca, com a interjeição, o sugerir de impressões
doridas que envolvem a alma de um eu sublime por serem as coisas vãs, passíveis de
modificações e não dignas de confiança.
Ligadas à experiência subjetiva, as aflições do bardo fazem-no sentir e viver o escoar de
algo que se reflete nas modificações físicas e psicológicas por ele, bardo, sofridas. E é esse
mesmo sujeito lírico, que já presenciara várias transformações da natureza, das estações
do ano com sombras, flores, águas, verdores, aves gorjeando amores e de seu natural e
constante recomeçar.
Arrematando o poema com perfeição formal, equilíbrio, harmonia, e universalizando a
nostalgia expressa no seu último terceto (portanto, no limiar da velhice), percebe o aflorar
da sua dolorosa, amarga e sutil melancolia, ao verificar que a renovação da natureza não
atinge o ser humano, pois este, com o passar do tempo, vai assumindo fisicamente novas
cores – a palidez, por exemplo –, sugerindo, dessa forma, a perda irrecuperável do viço, da
juventude, do frescor, daí o poeta dizer: isto é sem cura!
Muito recorrente na Renascença, o tema da mudança também tocou Luiz de Camões³,
que aproveitou estilística, filosoficamente e de modo intertextual os versos de Sá de Miranda
– Ó cousas todas vãs, todas mudaves – para lastimar, sobretudo,
as modificações verificadas nos seres humanos.
Embora em outro contexto e com uma visão diferente
de mundo, Camões também lamenta a passagem inexorável
do tempo com todas as suas mudanças, e assim como em
Sá de Miranda, essas modificações são para pior, estabelecendo, dessa forma, uma correspondência entre ambos,
inclusive quanto às transformações dos desejos, implicadas
e continuamente negativas do ponto de vista pessoal. A
mutabilidade do tempo, portanto, está cantada de modo
semelhante à melancolia do autor de Em tormentos crueis,
tal sofrimento.
Ratifique-se que o sentido do poema é um aproveitamento estilístico do soneto daquele
compositor do final da Idade Média e dos primeiros cinquenta anos do Renascimento.
Aqui, o autor de No mundo quis o Tempo que se achasse, afirma que “todo mundo é composto
de mudança/Tomando sempre novas qualidades”, o que sugere, a meu ver, novas condições,
posições, funções e, decerto, novas perspectivas dialéticas. Camões admite as características
humanas poetizadas tristemente pelo eu lírico: desconfiança, desesperança, mágoas, tristes
recordações, enfim, os desconcertos do mundo. Ora, um ser lírico com essas “qualidades” e
com a polissemia desse termo, é um ser marcadamente atormentado pelas lembranças, daí
dizer que com as mudanças ficam as mágoas na memória e as saudades “do bem, se algum
3. Camões escreveu versos tanto na medida velha (cinco ou sete sílabas métricas) quanto na medida nova cujos
sonetos constituem a parte mais conhecida da lírica camoniana (dez sílabas métricas).
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houve!”. Esse soneto faz lembrar Babel e Sião, poema inspirado no Salmo 136, “Super
flumina Babylonis”, no qual os judeus, desterrados em Babilônia, choram o tempo em que
viveram felizes em sua terra, Sião ou Jerusalém.
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.
A passagem do tempo está clara em todo o soneto. No primeiro terceto, ao dizer que
O tempo cobre o chão de verde manto, / Que já coberto foi de neve fria, marca a implacável
transformação do eu lírico no momento em que converte em choro o doce canto. No entanto, o
espanto maior do poeta é Que não se muda já como soía, isto é, como era hábito a mudança à
época, por ser esta regular, porque em Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, o tempo
transcorre, diariamente, num constante alterar-se de maneira assombrosa.
De Manuel Bandeira, pode-se dizer que não é possível afastar
a experiência de vida da sua experiência poética, pois apesar de
sua poesia ser de uma universalidade intensa, ardente e singela,
ela não pode ser reduzida a acontecimentos biográficos, que se
revelam matrizes de imagens, de emoções, de ritmos, transfigurados mistérios da criação. No poema “Elegia no Verão”, o
poeta lança mão do tropo português da “saudade” evidenciando,
com sinceridade, a lembrança sentida e nostálgica da infância.
Reafirma, na sua linha poética, a presença das grandes inquietações sentidas com a passagem do tempo, porém com ternura
ardente dor existencial, ao recordar o período em que era menino.
Bandeira atribui ao tema da infância uma força humanizadora, uma espécie de metáfora
obsedante que o acompanha desde os versos da mocidade. Isso fez com que ele – um dos
poetas mais líricos do Modernismo – retomasse o tema da melancolia contemplativa, da
fugacidade das coisas, para criar sua Elegia de verão.
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Esse pernambucano soube absorver com simplicidade o lirismo de formas múltiplas explorado pelos poetas modernos. Na elegia, embora cante a pureza do garoto
inocente, permeada de nostalgia, o
poeta também se adaptou à ironia, à
crítica... tão ao gosto da estética de
seu tempo. Daí porque no segundo,
terceiro e quinto versos da terceira
estrofe ele critica a não importância
dada pelo Patrimônio Histórico ao
“Largo do Boticário”, com suas “caixas-d’água vermelhas de ferrugem”,
largo que era um recanto bucólico do
Rio de Janeiro, rodeado pela floresta
e pelo Rio Carioca e com edificações
neocoloniais.
Outra crítica feita por Bandeira diz respeito à mudança da ortografia da língua
portuguesa, mesmo consciente de que toda língua é dinâmica, mutável, mas, no poema, o
sujeito empírico é um conservador das coisas.
Elegia de verão
“O Sol é grande. O coisas
Todas vãs, todas mudaves!
(Como esse “mudaves”
Que hoje é “mudáveis
”Que já não rima com “aves”.)
O sol é grande. Zinem as cigarras
Em laranjeiras.
Zinem as cigarras: zino, zino, zino...
Como se fossem as mesmas
Que eu ouvi menino.
Os verões de antigamente!
Quando o Largo do Boticário
Ainda poderia ser tombado.
Carambolas ácidas, quentes de mormaço;
Água morna das caixas-d’água vermelhas de ferrugem;
Saibro cintilante...
O sol é grande. Mas, ó cigarras que zinis.
Não sois as mesmas que eu ouvi menino.
Sois outras, não me interessais...
Deem-me as cigarras que eu ouvi menino”.
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A melancolia de Bandeira, associada a um sentimento de tristeza, é cantada na elegia,
na qual vêm à tona a sua tristeza e a vontade de, proustianamente, trazer de volta a infância
perdida, já poetizada em “Infância”, “Evocação do Recife”, “Profundamente”, “Na Rua
do Sabão”, “Balãozinhos”... Trata-se de uma fase mágica da infância do poeta, um locus
amenus em que a criança se faz presente nos poemas que tentam recriar a experiência da
meninice. É por meio desses textos poéticos que se estende uma ponte voltada ao sujeito
passado; entretanto, as cigarras e o seu zinir cheio de musicalidade encantatória – esta uma
influência do melodioso movimento Simbolista – não têm o poder de iludir o poeta quanto
à fuga do tempo, daí não ser possível possuí-las no presente, pois elas só podem “ressoar”
no ouvido de um sujeito adulto e consciente de que a fase de menino “foi há muito tempo”,
como ele mesmo diz em sua “Evocação do Recife”
Conforme se observou, diante dessas variadas maneiras de sentir e/ou pensar o tempo e
suas mudanças, na poesia esses estados d’alma são extremamente complexos – sobretudo o
sentir/pensar o tempo – para se explicarem num pequeno artigo. Por isso, é bom recordar o
dilema de Santo Agostinho nas suas “Confissões”: O que, então, é o tempo? Se ninguém
me pergunta, eu o sei; se desejo explicá-lo àquele que pergunta, não o sei.”
Referências Bibliográficas
[1]
BANDEIRA, Manuel. Estrela da Vida Inteira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1966.
[2]
BÍBLIA SAGRADA. Traduzida da vulgata e anotada pelo padre Matos Soares. São Paulo:
Paulinas, 1954, 6a edição.
[3]
CAMÕES, Luís de. Obras completas. Lisboa: Sá da Costa, 1962, II vols. 3ª edição.
[4]
HANS, Meyerhoff. O tempo na Literatura. São Paulo: McGraw do Brasil, 1976 (trad. de
Myriam Campello, revisão técnica de Afrânio Coutinho.)
[5]
MIRANDA, Francisco Sá de. Obras Completas. Vol. I, Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1942.
Texto fixado, notas e prefácio pelo prof. M. Rodrigues Lapa. 2a edição.
[6]
SANTO AGOSTINHO. Les confessions de Saint Augustin. Paris: Garnier, 1921.
Webgrafia
BR&biw=1659&bih=818&gbv=2&tbs=isch%3A1&sa=1&
q=antigo+largo+do+botic%C3%A1rio+rj&btnG=Pesquisar&aq=f&aqi=&aql=&
oq=&gs_rfai= (julho, 2010)
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Sós, Livro de Valdir Rocha
O Tempo e a Poética da Reprodutibilidade
Mirian de Carvalho¹
[email protected]
1
Do tempo que não corre
O tempo dura. O tempo não dura. O tempo se vai. Ressurge. E desaparece. No plano
teórico, o tempo pode ser compreendido como constructo. No plano anímico, pode ser
dimensionado como prospecção e introspecção. Enraizado no tempo anímico, o tempo na
poesia e nas artes faz-se clarão e enigma à dinâmica das imagens. Então, o tempo estanca
para entrelaçar acontecimentos e sentimentos paralelos, convergentes e simultâneos. Do
ponto de vista poético, o tempo não transcorre de modo linear porque não está encadeado
pela sequência lógica que ordena acontecimentos através de princípio, meio e fim. O tempo
poético não se atrela às causalidades formal e eficiente. Na arte e na poesia, desencadeando
estranhamento, o tempo emerge fragmentar ante inexistente todo.
Oscilando entre o fragmento e o inexistente todo, no tempo poético, que é o mesmo da
arte, não há ciclos fechados, visto que, assim concebido, o tempo reúne diversidades do
intimismo e do cosmos². Podemos então, à experiência estética, vivenciar uma experiência
temporal. Essa experiência se faz entre contradições e paradoxos, reunindo tempos diversos
regidos pela ordem do tempo íntimo. E, desse tempo, nada sabemos. Sentimos. Em sendo
um e vários, no trabalho artístico, o tempo pode surgir na dimensão poética inserindo-se
na instância da reprodução. Sob o ângulo poético, na arte hodierna não há demarcação
1. Professora aposentada da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Membro da Associação Brasileira de Críticos de
Arte, da Associação Internacional de Críticos de Arte, da Academia Paraense de Ciências e do Pen Club di Brasil.
2. BACHELARD, Gaston. O direito de sonhar. Trad. José Américo Motta Pessanha e outros. São Paulo: Difel,
1986, p. 185.
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Mirian de Carvalho
rígida entre “original” e “cópia”. Há interação. Na relação entre “original” e “cópia”, surgem
tempos que se tangenciam. Nesse caso, a temporalidade relaciona-se à convergência dos
sentidos do uno e do múltiplo, em desdobramento, num processo que não se conclui. E
então o tempo emerge, ambíguo e ambivalente, na simultaneidade do diverso, revelando
momentos de algo em transformação. E o que o artista reproduz ganha cunho “original”.
2
Da reprodutibilidade na arte de Valdir Rocha
Para acolher o conjunto de desenhos realizados entre fins de 2008 e início de 2009, Valdir
Rocha elegeu as folhas do livro Images of Marilyn ³, no qual a atriz aparece em mais de
200 reproduções de fotografias em preto e branco. O referido livro serviu-lhe de suporte
para desenhar outro livro. Relembrando palavras de Valdir, registre-se: “Das fotos do livro
originário conservei alguns detalhes ou insinuações de personagens, rearranjei, acrescentei, eliminei,
fiz, desfiz e refiz” ⁴, ou seja, sobre reproduções de fotos que ilustram a publicação, através de
superposições e intervenções, o artista realizou desenhos a cores. Em verdade, Valdir criou
outro livro. Valendo-se da interpretação, o artista criou o livro de desenhos denominado
SÓS, título que se faz acompanhar dos subtítulos Alone, Solos, Seuls, Soli, Allein e do mesmo
termo escrito em árabe.
Quanto aos dois primeiros livros, ou seja, quanto ao livro que serviu de suporte aos
desenhos de Valdir e quanto ao livro desenhado, pode ser dito que este artista criou
convergências temporais no plano da imagem, ou seja, criou imagens que se correspondem,
do ponto de vista temporal, atualizando-se e desdobrando-se em outras imagens. Entanto,
essa correspondência se dá através de elos não miméticos. Tais elos articulam imagens
diversas, que dialogam numa coexistência de tempos diversos e tangenciam ambos os
livros através de suas diferenças, dando continuidade a um trabalho que, em interfaces
e desdobramentos, envolve diversos meios expressivos e reprodutivos. Concluídos os
desenhos, Valdir lançou mão de mídias próprias à reprodutibilidade. Nessa etapa, Valdir
gravou vídeo, com duração cronométrica de 9 minutos e 20 segundos e divulgou, via e-mail,
indicação do You Tube contendo excertos do livro SÓS, ou seja, do livro desenhado, cujos
fragmentos se fazem acompanhar de sons.
Ao recurso da sonorização, percebem-se, com predominância de vozes, ruídos apropriados ao clima enigmático de um trabalho em processo, de um trabalho sempre em
desdobramento, inclusive via Internet, atuando sobre a recepção de diversos visitantes. E,
aqui, lembramos a ênfase dada pela estética da recepção, nos idos de 1960, ao envolvimento
singular do leitor com o texto. Nesse sentido, enfatizavam-se as implicações sociais da
produção artística e do repertório de cada leitor. Entanto, sem referência a tais implicações,
mas valorizando a comunicação propiciada por várias mídias, enfatizamos no trabalho de
Valdir a diversidade de repertórios no tocante à temporalidade, visto que cada “leitor” tem
3. ATLANTIC PUBLISHING (produced by). Images of Marilyn. UK: Parragon, 2008.
4. Arquivos da autora.
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um tempo íntimo de apreensão de um “texto” ou de outra forma de expressão artística. Na
perspectiva poética, esse tempo íntimo adere ao tempo intrínseco à arte, envolvendo-a em
todas as instâncias, que vão da temática ao fazer; do fazer à mostra do trabalho artístico; em
sua difusão e apreensão por meio de várias mídias, que abarcam inclusive o plano virtual.
E, mantendo foco temático concernente a trabalhos anteriores em sua vasta produção
artística, Valdir, no livro SÓS, igualmente enfatiza nas personagens a expressividade contida
na figuração das cabeças. Seja na pintura, na gravura, no desenho⁵, ou na escultura, Valdir
Rocha sempre destaca, nas personagens, a cabeça. No livro SÓS, os desenhos de Valdir
têm prosseguimento no enfoque sugestivo do universo urbano, sob vários ângulos, numa
complementaridade que envolve lugares percebidos, imaginários e virtuais, onde sons
diferenciados e difusos mesclam-se e atuam como invólucro do espaço. E emergência
do tempo. Ressalte-se que se trata do tempo poético. Daquele tempo intrínseco ao
trabalho artístico. No referido livro de Valdir, atuam no espaço urbano vários tempos, em
convergência, regendo transformações intrínsecas a um dado espaço. E seria impossível
pensar Marilyn fora do espaço urbano, ou, algo que a ela se refira, fora de New York ou de
outra megalópolis. Dando continuidade, ou descontinuidade, aos desenhos sobre as páginas
5. Cf. PRADE, Péricles. O desenho de Valdir Rocha. São Paulo: Escrituras, 2004, pp. 16-20.
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do livro de Marilyn, Valdir editou graficamente o livro SÓS. A seguir, fotografou alguns
desenhos, bem como realizou mostra das referidas fotografias. Criam-se, assim, vários
tempos em convergência. Criam-se imagens diversas, que se relacionam às anteriores em
tempos diversos e simultâneos. Do ponto de vista poético criam-se sistemas de instantes ⁶,
sem obediência à sucessão.
Do ponto de vista poético não se trata de uma sequência de trabalhos, mas de integração
entre a parte e a prospecção da unidade; entre um livro e outro livro; entre desenho e
fotografia; entre livro, desenho e foto; reunindo-se num todo que não se totaliza, através de
outras mídias. Eis aí o aspecto originário do tempo poético. Ele concentra as imagens em
conjuntos interativos. Integrando esse percurso, o trabalho de Valdir duplica-se e multiplica-se através das diversas mídias utilizadas por ele. Ressalte-se que hoje a reprodutibilidade
torna-se uma poética. Porém muito já se escreveu sobre a reprodutibilidade técnica da obra
de arte. Tendo como parâmetro a produção artística no Modernismo, naquele momento
histórico em que, em certo sentido, a noção de arte ainda envolvia o conceito de obra, que
por sua vez se relacionava às noções de acabamento e unidade, Walter Benjamin exaltou
a importância dos meios de reprodução compreendidos como processos multiplicadores
6. BACHELARD, Gaston. A dialética da duração. Trad. Marcelo Coelho. São Paulo: Ática, 1988, p. 9.
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da obra de arte. Sob a ótica de Benjamin, e com ênfase na arte fotográfica e no cinema, a
reprodutibilidade disponibiliza a obra a um número ilimitado de pessoas.
Nesse sentido, anulam-se as abordagens do artista como “criador e gênio” ⁷, bem como
questiona-se quanto à obra o “valor de eternidade e mistério” ⁸. Entre várias questões
importantes, Benjamin enfoca duas possibilidades básicas de reprodução através da história:
aquela que reproduz a obra e aquela que reproduz a natureza. No primeiro caso, ele
destaca, na Antiguidade, a fundição e a impressão, nas quais os gregos foram exímios
mestres na concepção de bronzes, terracotas e moedas, em séries limitadas pela técnica ⁹.
Benjamin menciona as técnicas desenvolvidas através da história. E, no segundo caso, ou
seja, abarcando a reprodução da natureza e do mundo, esse autor enfatiza a fotografia e o
cinema, destacando então a velocidade da máquina enquanto técnica de reprodução, bem
como a possibilidade de destaque de dados e situações não percebidos no original¹⁰.
7. BENJAMIN, Walter. A obra de arte no tempo de suas técnicas de reprodução. Trad. Dora Rocha. Sociologia da Arte,
IV. Org. Gilberto Velho. Rio de janeiro: Zahar, 1969, p. 16.
8. Idem.
9. Ibidem, p. 17.
10. Ibidem, p. 19.
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Entanto, em que pese a possibilidade de acesso à obra por parte de um grande público,
acrescenta Benjamin: “À mais perfeita reprodução falta alguma coisa: o hic et nunc da obra
de arte” ¹¹, o que, segundo esse autor, se relaciona à questão da unicidade e da autenticidade
da obra. Ainda que enfocando a questão como crítica do capitalismo, Benjamin ainda estava,
em certo sentido, preso à noção de original como peça única. Quanto a isso observe-se
que, a partir de uma leitura poética da gravura¹², podemos conceber a originalidade do
múltiplo, face a sutis diferenças originárias da impressão. Mas, àquele período, a teoria da
arte ainda trazia resquícios da noção de “obra”, como peça definitiva, acabada, única. E
sacralizada. E, em certo sentido, a arte, em larga escala, se relacionava aos museus e às
coleções particulares desenhados pela ótica capitalista. A obra era algo visto à distância. E
Benjamin percebe nas técnicas de reprodutibilidade uma perspectiva de proximidade da
obra e do público. Mas tal questão não será aqui abordada.
Hoje, entre processos químicos e digitais, ao que se somam outras mídias, a fotografia
torna-se cada vez mais acessível a vários segmentos da população. Entanto, o que se quer
11. Idem.
12. CARVALHO, Mirian. O que é gravura? Um estudo sobre o trabalho da mão sonhadora. Gravura brasileira hoje.
Depoimentos vol. I. (Org. Heloísa Pires Ferreira). Rio de Janeiro SESC – Tijuca, 1994, p. 115.
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aqui enfatizar é a reprodutibilidade operando do ponto de vista poético, ou seja, não só como
meio de divulgação e acessibilidade, mas sobretudo como forma expressiva, regida pelo
tempo poético, articulando original e reprodução, matriz e cópia, através de diversidades.
Nesse sentido, assim como o intertexto na poesia, a reprodutibildade pode tangenciar a
apropriação. E mesmo assim ela pode inserir-se no campo inventivo, renovando no trabalho
artístico possibilidades estéticas. E pode igualmente diversificar-se face às novas técnicas de
reprodução que, a cada dia, surgem.
Com referência ao livro SÓS, de Valdir Rocha, o processo artístico se inicia nas páginas
de um livro que reproduz fotos de Marilyn, ou seja, inicia-se no tempo que eternizou
instantaneamente as fotografias da atriz. Trata-se de imagens que, ao registrarem o
tempo histórico, ultrapassam-no. E inscrevem-se no tempo poético. Inscrevem-se num
tempo que não corre¹³. Que não se esgota. Tais imagens congregam registros de vários
tempos convergentes, através da infinidade de olhares possíveis àquelas fotos de Marilyn
registradas em livro, notando-se que a edição é um processo de reprodutibilidade. E, diante,
e independentemente, dessa gama de olhares, através da intervenção de Valdir Rocha,
lembremos, iniciam-se procedimentos que, após o desenho, transformam e atualizam o
próprio desenho, por meio do vídeo, e de excertos do mesmo vídeo disponibilizado na
Internet, que, por seu turno, multiplica imagens virtuais. Multiplica imagens no tempo
que, em simultaneidade, é um e vários, disponibilizando-se a olhares vários.
Observe-se que a chamada para tais imagens pode ser feita via e-mail, que, no caso,
funciona como meio divulgador de uma técnica reprodutiva de um livro único realizado
sobre reproduções de fotos. A comunicação da imagem através da máquina dá ao trabalho
artístico possibilidade de convergência de outros tempos, ou seja, possibilidade de existência
simultânea da arte em diversos tempos. E viabiliza outras etapas do trabalho em processo.
Ao ser desenhado e editado em papel, ao tempo do desenho e ao tempo da edição gráfica, o
livro SÓS tornou-se único, exclusivo. Porém, acrescente-se, antes e depois da edição gráfica,
além da reprodução em vídeo, as imagens do livro SÓS foram reproduzidas por Valdir por
meio da fotografia, e a fotografia gerou mostra de arte¹⁴, que poderá igualmente ter lugar
em outra galeria ou em outro espaço propício a exposições. E, quem sabe, e por que não,
no espaço urbano? Nesse processo o tempo da foto inicial, único e exclusivo, não deixou de
ser único e exclusivo. Mas desdobra-se entre o uno e o múltiplo ao ser foco do trabalho
de Valdir.
Note-se que outros procedimentos podem dar continuidade a esse encadeamento, ou
desencadeamento de imagens, cujo “original”, se é que pode ser assim denominado o livro
Images of Marilyn, que reproduz fotos da atriz, tornou-se etapa e fonte deflagradora de
procedimentos artísticos e perceptivos. Tornou-se motivo para a realização do livro SÓS e de
seus desdobramentos. E, assim, no andamento de outras etapas, ou seja, na insurgência de
13. BACHELARD, Gaston. O direito de sonhar. Op. Cit., p. 185.
14. Mostra realizada no Lugar Pantemporâneo: Av. Nove de Julho, 3.653, Jardim Paulista, São Paulo.
www.pantemporaneo.com.br.
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outros tempos, as fotos originais, ou seja, as imagens não vistas, presentificam-se através das
técnicas de reprodutibilidade, envolvendo o campo virtual, de acordo com o mencionado.
E nessa tangência de tempos, as imagens fotografadas por Valdir, bem como as editadas em
vídeo, disponibilizam o livro de desenhos, e seu desdobramento impresso, isto é, sua edição
gráfica, através de mídias de cunho reprodutivo, em que o trabalho artístico se revela uno
e múltiplo do ponto de vista de seus espaços, tempos e linguagens. O trabalho artístico
simultaneamente torna-se reprodução e original ante o olhar transpondo fronteiras. Seja
em São Paulo, no Japão, ou no Canadá.
Define-se desse modo uma leitura que afirma a autenticidade e o valor estético da
reprodução, repetimos, visto que uma vez levado ao público, tal a poesia, o trabalho
artístico passa pelo crivo interpretativo que atua igualmente como processo reprodutivo,
à convergência de várias instâncias temporais que tangenciam, articulam e integram o
“original” e as “cópias”. Iniciam-se então várias leituras. Posto que diversas, elas reproduzem
o trabalho artístico. Criam novos tempos de leitura. Iniciam-se pois múltiplas leituras.
Algumas antagônicas, até. E elas multiplicam o trabalho. Passemos então à minha leitura.
E agora, minha atenção dirige-se à fala de Valdir, gerando registros da linguagem que adere
ao seu trabalho, enquanto estrato conceitual, deflagrado pelo que não se mostra.
3
A poética do velamento
Relacionando ao trabalho de Valdir um estrato conceitual, minha interpretação volta-se para
algumas observações que ora enfatizo nos depoimentos do artista: “Por que Marilyn? Por
nada, absolutamente. Poderia ser qualquer pessoa, Beltrano, Fulano ou Sicrano”, diz Valdir ¹⁵.
Seu interesse, tal como Valdir afirma, recaiu sobre as fotos e não sobre as pessoas. E sei
que foi relevante para ele o chamamento da gramatura do papel couchê. Muitas vezes
um poema nasce a partir da visão ou da imaginação da superfície rugosa de uma pedra.
Inúmeras vezes um objeto deflagra poesia. E a materialidade do mundo faz-se relevante no
processo artístico ao transformar-se a técnica em poética. Nesse sentido, o papel integra-se
ao tempo poético, ou seja, integra-se ao momento em que algo passa a ter sentido para o
artista, em seu tempo íntimo.
Mas, no ato criativo, antes de tudo um registro dos sentidos ou da imaginação mobilizados pelo afeto, ou pelo desafeto, tal como na poesia, há momentos e motivos que escapam
a qualquer definição ou causalidade extrínseca. Nas cercanias do onirismo insurge-se a
arte. Ela advém de um tempo não linear. Inscreve-se num tempo não linear. Nesse tempo
cessam as razões do artista e do poeta. Surge o imponderável. O inexplicável. E ao resquício
das inscrições oníricas, algo distante desencadeia o processo criativo. Ainda que tal processo
se inicie na materialidade do mundo, trata-se de matéria imaginada. E transformada pelo
poético. Água. Terra. Papel. Foto. Metamorfose. Algo visto em determinado momento,
transcende esse momento, para lançar-se ao paradoxo em que se reúnem e participam da
mesma existência estética o uno e o múltiplo, o “original” e a “cópia”.
15. Arquivos da autora.
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Ao artista e ao visitante resta plena liberdade para reproduzir e fundar o mundo e a
matéria das coisas. Para reproduzir e fundar o tempo das coisas. Ao artista e ao visitante,
surge o ensejo de reproduzir e visitar o próprio universo íntimo. E o tempo íntimo.
Surge o inexplicável. A arte oscila entre ambiguidade e ambivalência. Então, o mundo,
uma paisagem, as coisas renascem renovados ao estranhamento de uma ontologia. Mas
não há objeto neutro. Íntimos e táteis, pequenos-grandes desejos nos atraem às coisas.
Algumas vezes, como se fossem anjos do instante que se foi. Outras vezes, como se fossem
demônios-da-hora-inteira.
Voltando ao livro SÓS, sei que algo deflagrou o fazer artístico. Houve um instante da
imagem nascente. O que marcou esse instante? A gramatura do papel? A gramatura do
papel com reproduções de fotos de personagens conhecidas e desconhecidas. Imagens
arcaicas. Imagens primevas. Tempo arcaico. Tempo hodierno. Instante da imagem. Rostos
atuais. Imagens vistas ao acaso. Imagens em desvelamento. Imagens veladas. No livro
Images of Marilyn, dentre os fotografados, destaca-se a atriz. Em todas as fotos. Então me
pergunto: Tendo em mãos, ao curso da vida, tantos livros de fotografia impressos em papel
couchê, por que este, e não outro, o escolhido por Valdir para realizar suas intervenções?
Por outro lado, posto que não tendo sido a imagem de Marilyn o apelo direto, sequer
indireto, ao desencadeamento do trabalho de Valdir, ela se faz imagem em ambos os livros,
em Images of Marilyn e em SÓS. Dois tempos. Um tempo. Muitos tempos convergentes
entre fragmentos de um tempo anterior e de um tempo atual, significativos ao olhar.
Nos dois livros instaura-se uma ambivalência da relação entre presença/ausência,
notando-se que, no fazer artístico, tangenciam-se o acaso e o desejo. Então, insurgem-se e
correspondem-se dois tempos distintos: o da ausência e o da presença. Mas eles perfazem
uma ambivalência. E a presença toma o lugar da ausência. Em ambos os livros, e nas demais
reproduções próprias das diversas mídias que multiplicam o trabalho de Valdir, lá está
Marilyn. Na foto. Na ampliação. Na reprodução. No momento fugaz clicado pela máquina
na escrita da luz. No momento do tempo em fuga, ressurgindo noutro tempo. No trabalho
de Valdir, a atriz torna-se motivo e inscrição no tempo que se cristaliza no desenho. E
a presença de Marilyn se reflete nas fotos, no vídeo e nos excertos do vídeo produzidos
pelo artista. Marilyn atua nos vários tempos que se correspondem nas múltiplas etapas do
trabalho de Valdir. Marilyn torna-se inscrição no instante. E é próprio do instante o ter
sido. No instante, em sendo algo presença, esse algo já se foi. E volto às palavras de Valdir:
“O rosto de Marilyn só não aparece em uma das fotos, porque o editor não tinha – ou não quis
utilizar – sua fotografia na urna funerária (e mostrou somente esta)¹⁶.
E agora ponho em destaque a afirmação contida no texto anteriormente citado: “O
rosto de Marilyn só não aparece (...)”¹⁷. Desdobrando sentidos referentes ao não aparecer, o
rosto de Marilyn torna-se imagem reproduzida. E imagem não reproduzida. E imagem
transformada. E também pré-imagem e pós-imagem. E tempo da ausência regendo a
16. Arquivos da autora.
17. Idem.
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Diálogos Sobre o Tempo — Prova 2 — 30/11/2010 — Maluhy&Co. — página (local 146, global #172)
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cena. Em alguns momentos, imagem fictícia. Em especial naquele dia. No passado. E
hoje. Sua existência revela-se onde ela está. No tempo atual. E onde ela não aparece. Sua
existência revela-se ao longo do trabalho de Valdir. Nas fotografias; no livro que reproduz
graficamente as fotos; no livro de desenhos de Valdir; na edição gráfica desse livro de
desenhos. Nos objetos e lugares compreendidos pelas existências física e virtual de tais
expressões estéticas, ali está Marilyn. E ela também está onde não aparece. Ela está nos
desenhos de Valdir. No passado e hoje. No passado e hoje, Marilyn inscreve-se na cena do
funeral. E nas imagens das demais mídias reprodutivas que perfazem o trabalho de Valdir.
Reproduzir e transformar são atos poéticos. E em toda poética inscrevem-se jogos de
oposições. Em ambos os livros, e nas demais mídias afetas ao trabalho de Valdir, Marilyn
nega-se ao existir e ao não existir enquanto ser vivo. Porque Marilyn torna-se personagem.
E “personagem não morre”¹⁸. Não é ser vivente nem morto. Integra-se à ontologia estética.
Na foto final do livro Images of Marilyn, no tempo surpreendido pela lente do fotográfico
e nos vários tempos que compõem o trabalho de Valdir, a atriz está e não está presente
dentro da urna, porque a arte perfaz uma ontologia singular. No plano da arte, tudo existe
e subsiste fora das contingências da presença e da ausência. Porque na arte o tempo não
morre. Ou melhor, registrando-se como instante, esse tempo desaparece e retorna. E seu
desaparecimento e retorno tornam-se concomitantes.
Em simultaneidade, da fotografia à reprodução no livro em papel couchê, vemos algo
que não mais é reprodução, ou seja, surge a imagem realizada em papel couchê. E Marilyn
está nas fibras do papel. No brilho do papel. Na gramatura do papel. Na urbe de papel.
No tempo do papel. E, de modo ambivalente, a imagem de Marilyn morta está e não
está presente no trabalho de Valdir. Mas em todos os momentos, ao transcender o par
presença/ausência, a arte envolve solidão. O criar ocorre na solidão. O criar se dá nos
espaços da solidão. E gera seres de solidão, habitantes de um mundo que busca o outro, sem
jamais encontrá-lo. Mesmo na reprodução, tais seres vivem sós, dentro da multiplicidade
que os faz muitos e um, de modo simultâneo. Quem sabe Marilyn não terá inspirado o
título SÓS? Dentro da urna funerária, lá está e não está Marilyn. Ela existe ao jogo de uma
estética do escondido¹⁹, tema tão caro a Bachelard em suas incursões pelo espaço na poesia.
Naquilo que está fechado entreabre-se o campo fértil à criação artística. Ante um
cofre, diante de uma gaveta, ou face à prosaica utilidade no dia a dia de uma geladeira,
a imaginação trabalha e transforma o interior do que está fechado. E esse fechamento
vem à tona. Transparece. Transubstancia-se. A imaginação entreabre. Abre e fecha. E
anula o determinismo das oposições entre interior e exterior. Porque na arte não há
causalidade eficiente. E o tempo não corre em horizontalidade ²⁰. Diante do que se mostra
em velamento, a imaginação respira e move-se. Vai e vem, quieta e inquieta. E aqui, vou
18. Palavras do pesquisador e escritor Marcus Arzua numa palestra sobre Dom Quixote. Rio de Janeiro, 2009.
19. Cf. BACHELARD. Gaston. A poética do espaço. Trad. Antônio da Costa Leal e Lídia Valle Santos Leal. Rio de
Janeiro: Eldorado, s./d., p. 19.
20. BACHELARD, Gaston. O direito de sonhar. Op. cit., p. 185.
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Sós, Livro de Valdir Rocha: O Tempo e a Poética da Reprodutibilidade
mais longe. Seja da parte do fotógrafo de Marilyn, da parte do editor, ou no livro de Valdir
Rocha, bem como nas várias mídias utilizadas por Valdir, leio as entrelinhas de uma poética
do velamento ou do escondido.
Negando a noção de inexistência, entre tantas personagens e vozes, surge marcante
sentido das coisas, fatos e memórias da ausência. Surge o tempo das coisas e dos acontecimentos próprios do tempo íntimo. E surge o tempo da memória atualizando coisas e fatos.
E sentimentos. E no livro SÓS, nos desenhos, nas fotos e no vídeo elaborados por Valdir, o
livro Images of Marilyn não poderia gerar um livro dos anjos. Assim sendo, no livro SÓS,
Valdir Rocha reúne humanos e alguns demoninhos, numa convivência própria do cotidiano.
No tempo do cotidiano. Nos espaços e tempos da urbe onde se movem suas personagens,
há seres que voam. Mas, em todas as personagens, ou em quase todas, tal como observou
o artista plástico e crítico de arte César Romero, o corpo surge enovelado²¹. Tal recurso
estético-expressivo, comum à arte de Valdir, observo, aparece em seus trabalhos anteriores,
abrangendo a escultura. Do ponto de vista desta minha leitura, o enovelado integra-se a
uma poética do velamento.
No corpo, extensão esquemática da cabeça, que é o motivo central da arte de Valdir,
o visitante se inicia na busca de um Fio de Ariadne. Mas esse fio não o levará à saída do
labirinto. Porque esse fio é urdido no tempo do labirinto. Esse fio pertence ao tempo íntimo
que rege os acontecimentos no espaço semiaberto das imagens. Próprio do trabalho de
Valdir, o semiabrir-se integra-se aos meandros de um labirinto, através de desdobramentos
imagísticos. Então o semiabrir-se torna-se desafio ao pensamento crítico de hoje, porque,
tal como ocorre no trabalho de alguns outros artistas, a pintura, o desenho e a gravura de
Valdir não seguem os caminhos da tradição. Há no trabalho de Valdir, senão um projeto,
uma diretriz desconstrutivista, que, de modo sutil, abre caminhos que ampliam a noção de
“contemporâneo”, quase sempre restrita a instalações, objetos e expressões congêneres.
A partir de tal observação, enfatize-se, na poética da reprodutibilidade, que integra
as várias etapas deste trabalho de Valdir, há transposições da técnica ao plano poético,
conduzindo várias outras perspectivas comuns ao espaço e ao tempo na concepção contemporânea. Relacionado ao tempo, o espaço ganha dimensão afetiva. Trata-se de um espaço
não acabado. E receptivo a imagens enoveladas à espera de olhos que percebam inexistente
início e fim de inexistente linha movendo-se ao jogo da presença/ausência. Nesse processo,
o tempo é ato. Registro de um processo em ato. Acompanhando o vídeo, os ruídos atuam
como vozes do tempo. Sem determinar início ou fim.
Vi o livro SÓS na versão desenhada. Manuseei o livro SÓS na versão editada em papel²².
E sobre algumas páginas percebo novas intervenções de Valdir. E, nesta interpretação do
trabalho deste artista, registro que novos desenhos, sobre as páginas impressas, revelam o
surgimento de outras imagens no tempo poético. E então, aguardo etapas vindouras que
poderão incluir novas mídias nos meandros da reprodutibilidade. E outro texto crítico se
fará necessário.
21. ROMERO, César. Sós com Marilyn. Salvador: Correio, Caderno Vida, domingo, 11-07-2010, p.28.
22. ROCHA, Valdir. SÓS. São Paulo: Pantemporâneo, 2010.
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Referências Bibliográficas
[1]
ATLANTIC PUBLISHING (produced by). Images of Marilyn. UK: Parragon, 2008.
[2]
BACHELARD, Gaston. A dialética da duração. Trad. Marcelo Coelho. São Paulo:
Ática, 1988.
[3]
. A poética do espaço. Trad. Antônio da Costa Leal e Lídia do Valle Leal. Rio de
Janeiro: Eldorado, s./d.
[4]
. O direito de sonhar. Trad. José Américo Motta Pessanha e outros. 2 ed. São Paulo:
Difel, 1986.
[5]
BENJAMIN, Walter. A obra de arte no tempo de suas técnicas de reprodução. Trad. Dora Rocha.
Sociologia da Arte, IV. Org. Gilberto Velho. Rio de Janeiro: Zahar, 1969.
[6]
CARVALHO, Mirian. “O que é gravura? Um estudo sobre o trabalho da mão sonhadora”.
Gravura brasileira hoje. Depoimentos – vol. I. (Org. Heloisa Pires Ferreira), Rio de Janeiro:
Oficina de Gravura SESC – Tijuca, 1994.
[7]
PRADE, Péricles. O desenho de Valdir Rocha. São Paulo: Escrituras, 2004.
[8]
ROCHA, Valdir. SÓS. São Paulo: Pantemporâneo, 2010.
[9]
ROMERO, César. Sós com Marilyn. Salvador: Correio, Caderno Vida, domingo,
11-07-2010.
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Título
Projeto gráfico e composição
Capa
Formato
Tipologia
Diálogos Sobre o Tempo
Casa Editorial Maluhy & Co.
Malu Vallim
16 x 23 cm
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