A REPRESENTAÇÃO MIDIÁTICA DO

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A REPRESENTAÇÃO MIDIÁTICA DO
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A REPRESENTAÇÃO MIDIÁTICA DO PROFESSOR BRASILEIRO
NAS PÁGINAS BRANCAS E AMARELAS DE VEJA E
CARTACAPITAL
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Frederico, Eloiza de Oliveira - UMESP
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Villas Bôas, Lúcia Pintor Santiso - UMESP
EIXO 9. Pesquisa, Artes, Mídias e Educação
Modalidade: comunicação oral
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
Esta pesquisa fundamenta-se na perspectiva psicossocial da Teoria das Representações
Sociais, sistematizada por Serge Moscovici e demais colaboradores, com o objetivo de
analisar como revistas informativas semanais (Veja e CartaCapital) representam questões
relacionadas ao professor. A temática, do ponto de vista teórico, justifica-se em face do
papel fundamental da mídia na sociedade contemporânea como difusora e produtora de
informações. Esta investigação abarca ainda como recurso teórico-metodológico, o conceito
de representações midiáticas conforme elaborado por Sary Calonge. Entre janeiro de 2012
e janeiro de 2013, foram analisados 79 produtos jornalísticos que indicaram que o professor
é praticamente um “ser invisível” nas pautas de reportagens e artigos desses veículos de
comunicação. Professor para falar sobre educação, só se for da área econômica. Nas
poucas vezes em que é mencionado ou até aparece com algum destaque, percebe-se o uso
de estereótipos e clichês, o que aponta a existência de um discurso naturalizado na mídia
que ora o aponta como vilão, ora o trata como vítima das circunstâncias que permeiam a
situação atual da Educação no Brasil.
Palavras-chave: Representação Social, Representações Midiáticas, Veja, CartaCapital,
Professor.
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2
.Professora do curso de Jornalismo da UMESP
Professora orientadora do programa de Pós-Graduação em Educação da UMESP; Coordenadora do Centro Internacional de
Estudos em Representações Sociais e Subjetividade - Educação (CIERS-ed)
Introdução
Os meios de comunicação, em particular as revistas semanais informativas, têm se
evidenciado como um campo de pesquisa sobre a construção das representações sociais,
como indicam os estudos de Ordaz & Vala (1998), Jovchelovitch (2000), Swain (2001),
Camargo & Barbará (2004), entre outros. Ao folhearmos as páginas dos jornais e revistas ,
somos interpelados por percepções que se apresentam como “corretas” ou “verdadeiras” do
mundo em que vivemos, pois a mídia é responsável pela ampliação do mundo social e do
que nele ocorre. Não se encontra neutralidade ou imparcialidade nas notícias veiculadas,
visto que são acompanhadas de uma indissociável interpretação do mundo, implícita ou
explícita.
Calonge (2001) aponta produtos jornalísticos como entrevistas, reportagens,
caricaturas, anúncios, editoriais entre outros conteúdos veiculados pela chamada grande
imprensa, como “(...) os elementos políticos, ideológicos e intersubjetivos desempenharão
um papel decisivo na modalidade cognitiva do discurso” (p. 16) sistematizando um estudo
para identificar as representações midiáticas (RM), no qual nos basearemos.
A partir desse referencial, duas questões principais nortearam este estudo: como as
revistas informativas, Veja e CartaCapital, representam o professor? Veículos de
comunicação, com diferentes linhas editorais, constroem imagens divergentes ou
semelhantes do professor brasileiro? Compreender como a mídia representa o professor é
uma forma de refletir e entender os elementos que contribuem para sua pofissionalização
sendo que são muitos os estudos que apontam este papel de formador de identidade dos
meios de comunicação como, por exemplo, os de Hall (2002) e Kellner (2001). A esse
respeito, Calonge (2006) afirma que:
“[...] As dimensões espaciais e temporais são mediadas pela imprensa e
enriquecem o pensamento social pela imprensa. Se for correto que a função
essencial dos meios de comunicação é a intermediação, também é certo
que a mídia constitui-se num guia de opinião, de significação que enrique o
pensamento social.”. (CALONGE, 2006. p.79).
Sob esta perspectiva, esta pesquisa visa refletir sobre o modo como duas das mais
significativas revistas informativas semanais representam, difundem e propagam os
conceitos acerca do professor brasileiro.
Aspectos teórico-metodológicos
Tendo como propósito analisar as representações sociais do professor brasileiro em
duas das mais importantes revistas informativas do País, Carta Capital e Veja entendida em
suas formas mais amplas e não somente circunscrita às questões escolares, foram
selecionados e analisados 79 produtos jornalísticos advindos de 73 edições, publicadas de
janeiro de 2012 a janeiro de 2013. CartaCapital e Veja foram selecionadas como fonte
documental por sua representatividade no gênero das revistas semanais e pela dimensão
de sua circulação e cobertura, que justificam a importância de compreender as
representações sociais que nelas circulam sobre o professor brasileiro ( objeto social) e, de
forma mais abrangente, sinalizam o conceito sobre Educação veiculado por essas
publicações. CartaCapital e Veja são veículos com valores ideológicos distintos, portanto,
possuem linhas editoriais diferentes entre si - conforme explicitado no decorrer deste
trabalho. Diante das histórias dos dois veículos, de suas linhas editoriais antagônicas e até
por causa destas divergências ideológicas, as duas publicações foram selecionadas como
objetos desta investigação. Afinal, ambos os semanários encontram-se em momentos
peculiares de suas trajetórias: Veja completou em 2013 quarenta e cinco anos de fundação,
enquanto CartaCapital comemora 20 anos em 2014. O
inicial dos textos foi
que versassem sobre
o
professor
único critério para seleção
brasileiro
(Ensino
Básico,
Fundamental, Superior ou de Pós-Graduação), sendo incluídas reportagens, entrevistas ou
artigos opinativos. Duas questões estimularam e nortearam esta investigação: como as
revistas informativas Veja e CartaCapital representam o professor? Veículos de
comunicação, com diferentes linhas editoriais, constroem imagens divergentes ou
semelhantes do professor brasileiro? Para respondê-las, sintetizamos, a seguir, quatro
etapas do percurso metodológico:
Quadro - Síntese do Percurso Metodológico
É importante salientar que este percurso metodológico serve como um suporte para
a investigação e análise de como as revistas Veja e CartaCapital se apropriam da identidade
do professor brasileiro e assim perspectivar o olhar da sociedade sobre o docente.
Análise: considerações gerais
As revistas informativas, no caso Veja e CartaCapital, podem ser consideradas
aparatos técnicos de mediação simbólica que interferem na construção das interações
sociais e das percepções que indivíduos e grupos têm de si mesmos e dos outros
(Thompson, 2009). Indivíduos e assuntos ganham relevância e são julgados, em maior ou
menor grau, por sua presença na pauta das revistas informativas semanais e por sua
inserção em narrativas que atribuem sentido à experiência social. Mas essas narrativas não
são homogêneas. Pode haver diferenças, e mesmo conflitos, entre valores e julgamentos
dentro de um mesmo semanário, assim como há variações na apreensão, compreensão e
ativação dessas narrativas por parte do leitor.
No estudo realizado observam-se tais variações, principalmente se comparar uma
revista com a outra, conforme uma análise detalhada das categorias semânticas/lexicais
(vide quadro acima) que propiciaram a montagem de uma subcategoria temática da amostra
investigada, que se configuram como o fulcro das narrativas dos produtos jornalísticos.
Estas unidades textuais foram analisadas à luz de dois pilares da TRS – ancoragem e
objetivação – expressos na forma como a informação que se relaciona com o professor
(categoria semântica) e na forma como ela é veiculada (subcategoria temática). Constata-se
que as revistas semanais informativas Veja e CartaCapital, bem como seus leitores, têm
representações sociais do professor brasileiro de acordo com situações e conveniências.
A representação daquele professor que é objeto de pautas sobre a educação no
Brasil está ancorada, principalmente, em temáticas como a “Cultura do Desempenho” e
“Formação de Professores” e objetivada em palavras associativas como meritocracia e (des)
preparo. Melhor, Mau professor, Irresponsável, Incompetentes, Pernas de Pau, Raros, Bom,
Acomodados, Desanimados, Exaustos, Desinteressados, Despreparados, Medíocres,
Fingidos, Omissos e Intelectuais. Os adjetivos associados aos professores brasileiros, em
sua grande maioria, não são elogiosos. Percebe-se que há uma ancoragem em um discurso
naturalizado na mídia, bem como na sociedade, ao se observar que os leitores – inclusive
docentes- concordam com estes adjetivos nem sempre lisonjeiros. Das 18 palavrasassociativas agrupadas nesta subcategoria temática (Adjetivações), 17 foram localizadas
nas páginas de Veja. Esta investigação observou ainda que as revistas Veja e CartaCapital
não representaram o professor brasileiro a partir de uma vocação inata, até porque as
referências direta ao docente foram críticas duras e implacáveis. Mas, há de se notar que,
por vezes, no intuito de amenizar ataques tão contundentes ao professor, alguns produtos
jornalísticos lançaram mão de um discurso estereotipado, inserido no senso comum de que
a docência seria uma “profissão de fé”. Veja e Carta Capital ancoraram sua escrita em um
contexto Vocacional e objetivaram tal estratégia textual (06 ocorrências em Veja) por meio
de palavras-associativas como ‘talento’, ’saber’, ‘força de vontade’, ’apaixonados’, ’postura’ e
‘orgulho’.
A subcategoria semântica ‘Profissional’ aponta o antagonismo ideológico que se
esperava quando da elegibilidade dos semanários. Das seis categorias semânticas/lexicais
desta pesquisa, a ‘Profissional’ é a única em que há um número maior de palavrasassociativas em CartaCapital (07) e não em Veja(01). Ancorada em uma perspectiva de
assuntos concernentes à carreira docente, esta subcategoria está objetivada em palavras
como ‘Carreira’, ’Greve’, ’Manifestação’, ’Carga de Trabalho’. Durante o período desta
investigação, houve a greve dos professores de 59 universidades federais do País, que
começou em 17 de maio de 2012 e terminou em 17 de Setembro de 2012. CartaCapital, por
meio de artigos e uma matéria informativa, dedicou sete produtos jornalísticos ao tema. Um
número parco de produtos jornalísticos, também se levar em conta a duração do movimento.
Já Veja ignorou peremptoriamente o movimento grevista. Não dedicou sequer uma
linha
sobre
uma greve que durou quatro meses.
Na subcategoria semântica
‘Política/Econômica’ constatou-se que os produtos jornalísticos selecionados nas duas
revistas estão ancorados na temática salarial e objetivados em palavras associativas como
“remuneração”, “ganha pouco”, “bem pagos” e “mal pagos”, mas por vezes em perspectivas
ideológicas conflitantes. Veja e CartaCapital optaram por apresentar o campo educacional
por meio das planilhas e, consequentemente, representam o professor brasileiro de forma
numérica. Não há rosto, voz ou identidade própria. O docente é um ser invisível e alijado
das discussões de fundo sobre a educação nas páginas destes semanários, que são
ocupadas por profissionais afeitos ao “fetiche economicista3”, (SODRÉ, 2012, p.40).
Considerações Finais
A ausência de informações claras, transparentes e unificadas sobre a profissão
docente constitui-se em obstáculos, não apenas para a criação e execução de políticas
públicas que visem à valorização da carreira e – num espectro mais amplo - melhorar a
educação no País; dados dispersos, informações desencontradas e, consequentemente a
ausência de discursos eminentemente pedagógicos permitem que profissionais de outras
áreas do conhecimento, mais atraentes e valorizadas socialmente, assumam o papel de
protagonistas e experts do campo educacional na mídia.
Nesta pesquisa, observou-se também a quase onipresença de economistas como
fontes de entrevistas e/ou como signatários de artigos de opinião nestes semanários. Os
especialistas que aparecem nas páginas de Veja e CartaCapital compartilham conceitos
como o de avaliação de desempenho na educação, o que caracterizaria, de acordo com o
conceito moscoviciano, em uma representação
3
CartaCapital artigo publicado em 15/08/2012 – p.40
homogênica acerca do professor,
obstaculizando ou desautorizando as vozes dissidentes. Os economistas assumiram de fato
o protagonismo na área educacional do país, mas não só na mídia: governos liderados por
partidos com perfis ideológicos distintos (pelo menos em suas fundações) – PT e PSDB –
indicaram ministros da Educação afinados com a área econômica e não oriundos das fileiras
de estudos educacionais. A questão proposta apontava para um suposto discurso
naturalizado sobre o professor da sociedade e, consequentemente da mídia A resposta à
pergunta inicial veio ao longo deste trabalho que mostra que as representações sociais do
professor brasileiro, ambivalentes em vários momentos, estampadas nas páginas de Veja e
CartaCapital dão suporte a um pensamento social. O docente em sala de aula é
representado, negativamente, por vezes apontado como o culpado dos problemas da
educação no País. Já o professor universitário brasileiro usado como fonte noticiosa é um
apresentado como especialista, capaz de gabaritar os produtos jornalísticos perante aos
seus leitores.
Percebe-se um sistema organizado de significados, alimentado e retroalimentado
pelo discurso midiático. Nesta pesquisa, constatou-se que não apenas articulistas e
jornalistas produziram um sistema de conhecimento e reconhecimento da realidade do
professor brasileiro, mas também o próprio docente de forma voluntária. Muitos foram os
leitores-professores que escreveram para validar as críticas empreendidas pelos
articulistas/jornalistas ao trabalho docente. Esta circularidade da significação permite à
sociedade construir e naturalizar um discurso midiático acerca do professor que se
estabelece como o senso comum
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