Primeiras páginas - A Esfera dos Livros
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Primeiras páginas - A Esfera dos Livros
NEM AS MULHERES SÃO TÃO COMPLICADAS NEM OS HOMENS TÃO SIMPLES María Jesús Álava Reyes NEM AS MULHERES SÃO TÃO COMPLICADAS NEM OS HOMENS TÃO SIMPLES Tradução de Carlos Aboim de Brito A Esfera dos Livros Rua Garrett, n.º 19 – 2.º A 1200-203 Lisboa – Portugal Tel. 213 404 060 Fax 213 404 069 www.esferadoslivros.pt Distribuição: Sodilivros, SA Praceta Quintinha, lote CC4 – 2.º Piso R/c e C/v 2620-161 Póvoa de Santo Adrião Tel. 213 815 600 Fax 213 876 281 [email protected] Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor Título da edição original: Amar sin sufrir © María Jesús Álava Reyes, 2003 © A Esfera dos Livros, 2008 1.ª edição: Janeiro de 2008 Capa: Compañia Fotos da capa: © Brian Hagiwara/Age Foto Stock Revisão: Maria do Mar Liz Paginação: Júlio de Carvalho Impressão e acabamento: Gráfica Manuel Barbosa & Filhos Depósito legal n.º 267 565/07 ISBN: 978-989-626-087-3 A César García Fernández de Valderrama e a Conchita de Daniel. Todo o meu carinho e a minha admiração perante a grandeza do vosso amor. ÍNDICE Agradecimentos ..................................................................................... 13 Introdução. Quando o amor nos faz sofrer ............................................. 15 Capítulo 1. Quando surgem as dúvidas .................................................. 19 Acabou o amor, o carinho?................................................................ 21 Ainda posso ter esperança? ............................................................... 27 Vale a pena tentar? ............................................................................ 29 O caso de Ana e André .................................................................... 30 Capítulo 2. As eternas queixas ................................................................ 35 Como era tudo diferente no princípio!................................................ 38 O caso de Madalena e Gonçalo.......................................................... 42 Agora não sou feliz ........................................................................... 49 O caso de Fátima e Filipe ................................................................... 51 Entre nós não há comunicação ........................................................... 58 O caso de Beatriz e Bernardo ............................................................. 61 Não há quem o/a entenda! ................................................................. 69 O caso de Carmen e Carlos ............................................................... 71 Não me sinto amada/o ....................................................................... 77 O caso de Margarida e David............................................................. 78 Que pouco nos parecemos!................................................................. 85 O caso de Sandra e Gabriel ................................................................ 87 Capítulo 3. Principais insatisfações ......................................................... 93 Quem fica com a pior parte? ............................................................. 94 As mulheres sentem que as ludibriaram!............................................. 95 O caso de Helena e Humberto ........................................................... 97 Alguns homens sentem-se muito pressionados .................................. 102 O caso de João e Inês ....................................................................... 104 Por que já não me valoriza?.............................................................. 113 O caso de Júlia e Xavier ................................................................... 113 O que acontece com os filhos? Há alguma idade em que sofrem menos com a separação ou com os problemas de relação entre os pais? ....................................................................................... 119 Capítulo 4. Por onde começar?.............................................................. 133 Convém que nos familiarizemos com as nossas diferenças ................ 135 Os homens não são simples, são concretos ....................................... 139 As mulheres não são maçadoras, são expressivas.............................. 144 A nossa afectividade é diferente ....................................................... 147 As nossas necessidades são diferentes .............................................. 150 Capítulo 5. Como superar emoções que nos causam dor e como sair das crises? ......................................................................................... 153 Quando surgem os primeiros sinais de alarme .................................. 155 O caso de Laura e Lourenço ............................................................ 158 Quando não recebemos o que esperamos ........................................ 163 O caso de Mónica e Manuel ............................................................. 165 Quando nos sentimos injustamente tratados/as ................................ 168 O caso de Maria e Rui ..................................................................... 169 Quando passamos da admiração ao sofrimento................................ 172 O caso de Patrícia e Pedro ............................................................... 173 Quando nos sentimos sozinhos/as e incompreendidos/as em momentos críticos.................................................................. 181 A VIVÊNCIA DO ABORTO............................................................ 183 O caso de Rosa e Raul ..................................................................... 184 A SENSAÇÃO DE FRACASSO........................................................ 193 O caso de Teodoro e Teresa ............................................................. 196 Quando ansiamos a liberdade ......................................................... 204 O caso de Samuel e Sónia ................................................................ 205 Capítulo 6. Como vencer as diferenças ................................................. 215 O que nos separa.............................................................................. 217 COMO ALCANÇAR ACORDOS RAZOÁVEIS ............................ 222 O que nos aproxima ....................................................................... 229 O caso de Vitória e Luís................................................................... 231 Capítulo 7. Erros que devem ser evitados ............................................. 239 Estar sempre com o machado em riste .............................................. 240 Querer mudar o parceiro no fundamental ........................................ 242 Não esclarecer situações conflituosas................................................ 243 Procurar impor a nossa opinião quando se trata de princípios fundamentais ............................................................................... 244 Continuar com o parceiro quando a relação está esgotada................ 246 Permitir vexames ou ataques à nossa dignidade ............................... 247 Utilizar os filhos contra o parceiro ................................................... 250 Esperar que as mulheres reajam como se fossem homens, ou os homens como se fossem mulheres ....................................... 251 Capítulo 8. Regras de ouro ................................................................... 253 Não renunciemos a ser nós próprios! Não percamos a nossa identidade, a nossa autonomia e independência ........................... 254 Falemos positivamente e expressemos os nossos sentimentos a partir do afecto ......................................................................... 255 As diferenças aproximam-nos quando sabemos compreendê-las ....... 256 Não somos mártires, não actuemos como tal!................................... 257 Não nos deixemos manipular pelo parceiro ou pelo meio envolvente ................................................................................... 258 Capítulo 9. Reflexões finais .................................................................. 261 A natureza não se enganou .............................................................. 262 Mulheres/homens, para quem é mais difícil?..................................... 265 Aproveitemos o melhor de nós! ........................................................ 266 Anexos ................................................................................................. 269 1. Principais registos mencionados no texto ..................................... 269 2. Algumas noções básicas sobre a ansiedade e o estresse.................. 273 3. Crenças irracionais mais comuns ................................................. 276 4. O que fazer quando estamos bloqueados? Paragem de pensamento .............................................................. 279 5. Aprender a descontrair ................................................................ 282 6. O auto-reforço ............................................................................ 290 Bibliografia .......................................................................................... 293 Agradecimentos OBRIGADA: A todas as pessoas que me ajudaram a descobrir, sentir, viver e partilhar os sentimentos e as emoções. INTRODUÇÃO NEM AS MULHERES SÃO TÃO COMPLICADAS NEM OS HOMENS TÃO SIMPLES F requentemente as mulheres pensam que os homens são demasiado simples e os homens crêem que as mulheres são muito complicadas. Na realidade mulheres e homens são diferentes, mas esta diferença, longe de constituir um impedimento para o amor, é a base para que possa funcionar a relação afectiva que é fulcral nas nossas vidas. No entanto, quando as dúvidas se instalam, os elementos do casal não sabem como actuar e o que era felicidade e alegria frequentemente transforma-se em desassossego ou dor. Noutros casos o amor termina em naufrágio e chega a frustração, inclusive o ressentimento e o desespero. Então sentem-se apanhadas pelo que consideram um equívoco, uma falha terrível na escolha da pessoa com quem quiseram partilhar a vida. O que aconteceu para que se tenha realizado essa mudança tão drástica, para que uma grande percentagem de casais confesse, ao fim de um certo tempo, que se enganou? Felizmente, nem todas as relações estão condenadas ao fracasso, mas quando as crises se sucedem, os sentimentos mais profundos parecem ser postos à prova. A sequência dos factos repete-se de forma constante e... ... Por vezes, entre o amor e o desamor só há um passo, o passo do tempo. No princípio surge o amor e pode acontecer de forma imprevista. De repente sentimo-nos ultrapassados; aparecem novas e intensas sensações que nos surpreendem, nos enchem de incerteza e desassossego, de perguntas sem resposta, de dúvidas que nos sufocam.., de uma intranquilidade que dá lugar à felicidade mais intensa que nunca tínhamos experimentado, à emoção mais profunda e mais surpreendente, a uma infinidade de ilusões, de alegrias, de certezas e seguranças, de gozos partilhados e de paixões sem limites. Como nos sentimos bem nesses momentos! Mas quanta dor pode ocorrer ao fim de um certo tempo! O que acontece para se passar de um extremo ao outro, para saltar da cúspide da montanha para o fosso mais profundo? Chegaram ao desamor, ao desencanto, à decepção... ou sentimo-nos afogados pela incompreensão? O que está a falhar? Onde foi parar aquele carinho que parecia inesgotável, aquele afecto cheio de ternura e sensibilidade, aquela excitação que sentíamos ao ver ou pensar na outra pessoa? Como é possível que estas relações que pareciam eternas se tornem efémeras e que os casais que se sentiam tão seguros do seu amor, ao ponto de desejarem estar sempre juntos e unir-se em casamento, fracassem nos países ocidentais de forma tão estrepitosa? Destes, 50 por cento terminam em divórcio, mas quantos casais desejariam acabar com o pesadelo em que se converteu a sua convivência? Talvez a natureza esteja a fazer-nos passar um mau bocado e estejamos a empenhar-nos numa coisa impossível! Deveríamos assumir que os homens e as mulheres não são feitos para viver juntos? Ou... talvez o falhanço radique em que as circunstâncias que hoje nos rodeiam são muito diferentes, as expectativas muito altas e as dificuldades demasiado profundas! O problema é dos homens? Das mulheres? Ou todos são vítimas? Afirmávamos em livros anteriores – A Inutilidade do Sofrimento e A Arte de Arruinar a Sua Própria Vida — que nunca nos tinham ensinado a relacionar-nos, comunicar de forma eficaz para deixarmos de sofrer inutilmente. Da mesma forma, por muito incrível que nos pareça, não nos mostraram, nem em pequenos, nem em adolescentes, nem em adultos, como as mulheres e os homens poderiam entender-se melhor. Por que nos faz sofrer o amor? É tão difícil entendermo-nos bem passadas as primeiras fases da relação? As respostas são muitas, mas seguramente a principal é porque não sabemos o que podemos esperar. Não sabemos como somos, como sentimos, em que nos parecemos, em que nos diferenciamos, o que nos afasta, o que nos aproxima, o que nos une, o que nos separa... A psicologia pode mostrar-nos tanto as causas que nos conduzem ao fracasso nas nossas relações, como as chaves que nos ajudem a superar as nossas diferenças. Num assunto tão importante como este, em que está em jogo a nossa felicidade, o conhecimento da psicologia do homem e da mulher pode ajudar-nos a entender-nos, a encontrar explicações para as nossas condutas tão díspares, para conseguir que actuemos a partir da lógica e do raciocínio, a partir da não exigência de impossíveis, a partir da compreensão e da flexibilidade que dá o conhecimento mútuo. Podemos optar por seguir como até agora e sofrer inutilmente por causa da nossa ignorância; ou podemos descobrir as chaves que nos facultarão o porquê das nossas reacções, o entendimento das nossas condutas, os segredos dos nossos sentimentos... É certo que ainda podemos escolher: queremos continuar a construir muros intransponíveis ou preferimos suprimir os obstáculos que surgem continuamente no decurso das relações? Esperamos envelhecer para que, quando já não há remédio, a experiência nos mostre como poderíamos ter ultrapassado as nossas diferenças ou começamos hoje mesmo a ver com novos olhos, como olhos que nos permitam ver o que as nossas emoções nos esconderam? Neste livro vamos procurar aprender as chaves que nos explicam por que razão algumas relações podem ser salvas e por que razão devemos pôr termo a outras relações onde o desamor esteve presente, pelo menos num dos componentes do casal. Vamos procurar expor, de forma muito prática, os princípios psicológicos que nos ajudarão a explicar-nos situações difíceis, reacções imprevistas e condutas problemáticas. A leitura dos capítulos seguintes oferecer-nos-á certamente um novo prisma, em jeito de caleidoscópio, que nos permitirá analisar as relações afectivas a partir dos diferentes ângulos, formas e tonalidades em que podem desenvolver-se. As pessoas são tão complexas que vale a pena conhecer os segredos que nos ajudarão a entender-nos e a aceitar-nos. Como sempre, para facilitar a nossa compreensão, utilizaremos exemplos, casos que extraímos da nossa prática de psicologia. Logicamente, mudaremos alguns dados fundamentais, para que os protagonistas não possam ser identificados. CAPÍTULO 1 QUANDO SURGEM AS DÚVIDAS I nevitavelmente, passado um certo tempo, começam as dúvidas e com elas a dor surge na relação. Em alguns casos terão decorrido apenas uns dias ou semanas, quando esse sentimento de inquietação começa a pairar sobre nós; noutros, essa emoção que nos perturba só surge passados vários meses, ou mesmo anos. As dúvidas podem chegar de repente ou pouco a pouco, quase imperceptivelmente. De qualquer forma, com a sua aterragem começam as incertezas e, quase sem nos darmos conta, esse sentimento que nos embargava e nos enchia de felicidade, dá lugar a um estado de excitação pouco agradável, no qual a ansiedade, ou mesmo a angústia, substituiu a ilusão e a alegria tão intensa da primeira fase do enamoramento. Os efeitos serão muito diferentes segundo o carácter e os antecedentes de cada um. As pessoas optimistas e seguras de si mesmas enfrentarão esta etapa com bom ânimo, tentarão superar as dificuldades e fá-lo-ão transmitindo alegria e esperança. Pelo contrário, as pessoas mais pessimistas ou que arrastem importantes desenganos amorosos viverão essas dúvidas a partir do medo, a partir desse sentimento tão profundo e irracional que paralisa e bloqueia e nos leva ao desencanto e à frustração. É como se tivessem estado num processo de permanente alarme, no qual acabam por constatar que os seus temores tinham um claro fundamento. Cuidado com o pessimismo! Uma pessoa que, de repente, vê tudo negro tem poucas possibilidades de ser feliz de modo continuado. O pessimismo arrasta, o optimismo envolve, mas a relação de forças não está equilibrada. Quando surgem as dúvidas, o pessimista acabará com a paciência do optimista, antes deste conseguir que os medos e as inseguranças do pessimista dêem lugar à racionalidade e à objectividade dos factos. As reacções dependerão mais do carácter de cada um do que do facto de serem homens ou mulheres. É certo que as mulheres têm mais facilidade de chegar ao sonho e ao romantismo, mas a sensibilidade de alguns homens pode ser igualmente intensa, embora normalmente se manifeste de forma menos evidente. As causas que as dúvidas podem desencadear são tão diversas como complexas são as pessoas. Um comentário, uma atitude, uma conduta a que não tínhamos dado importância outras vezes, adquire de imediato um dramatismo que parece mover os alicerces mais profundos. Outras vezes, aparentemente não terá acontecido nada especial, mas os nossos pensamentos, de forma quase imperceptível, começarão a questionar o que o parceiro fez ou deixou de fazer, o que nós desejávamos que fizesse, o que julgamos que deveria ter ocorrido, o que o outro pode estar a pensar, o que não nos diz mas espera que nós adivinhemos, o que nos oculta... No fim, encontramo-nos no meio de uma grande tormenta originada por nós próprios. Nestes casos, o casal sofre um forte desgaste. Por um lado, a pessoa que não controla os seus pensamentos e não é consciente de que está a provocar emoções erradas, pede, exige ou espera o que o outro não pode dar-lhe; e, de repente, o outro membro sente como que uma enxurrada, que não sabe donde veio, arrasta e faz naufragar a sua relação afectiva. Vêm frequentemente à consulta casais ou pessoas que se sentem derrotadas e cheias de sofrimento. Quando tentamos aprofundar as causas que originaram esse sofrimento, surgem as perguntas sem resposta; multiplicam-se as dúvidas e vacilações; um e outro procuram desesperadamente o que mudou a sua relação e, em muitos casos, acabam por dizer algo semelhante ao seguinte: «Um dia, quase sem me dar conta, descobri que tudo tinha mudado, que já não me sentia amado/a, que não esperava com impaciência o momento de nos vermos, que não gostava do que ele/ela fazia; que o que antes me era simpático agora incomodava-me; que a sua atitude era egoísta, que eu já não lhe interessava...» Outras vezes, simplesmente, um dos dois manifesta que «o amor terminou e já não é possível dar-lhe mais voltas». Conviria matizar muito o que é o amor, o enamoramento, a paixão, o carinho, a afectividade... Iremos vendo ao longo do presente livro; agora vamos tentar decifrar algumas das perguntas que surgem continuamente quando aparecem as primeiras dúvidas e fá-lo-emos demarcando-as no seu sítio preciso, a partir das diferenças que costumam sentir homens e mulheres e da profundidade dessa sensibilidade única e irrepetível que cada pessoa tem. Uma das primeiras dúvidas é a seguinte: acabou o amor, o carinho? Acabou o amor, o carinho? Mais do que uma dúvida, muitas vezes parece um lamento. As expressões mais comuns são: «Como é possível que já tenha acabado o amor?!»; ou, o que é pior: «Mas por que durou tão pouco o seu amor?!» Aqui, normalmente há uma diferença na forma de focar a situação, consoante se trate de um homem ou de uma mulher. Sem pretender generalizar, a maioria dos homens assume com menos resistências esta possibilidade. A sua natureza biológica, muito diferente da da mulher, leva-os a aceitar mais rapidamente que o amor pôde terminar. Eles costumam viver essa primeira fase de enamoramento, que por vezes confundem com paixão, com grande intensidade; mas também se esvaziam com maior facilidade. Certamente, os milhares de anos de história, em que as funções que os homens e as mulheres realizavam eram muito diferentes, condicionaram fortemente as suas emoções e sentimentos em relação ao amor. O homem dedicava-se habitualmente à guerra ou à caça, enquanto que a mulher cuidava da família e cultivava o campo. Neles tudo era acção, rapidez, força, luta, vitória, derrota, partidas, chegadas e recomeços. Nas mulheres predominava a atenção, a observação e o cuidado da prole e do resto da família, a paciência, a perseverança, o trabalho contínuo e em silêncio... e a longa espera do homem. Não devemos pensar que a marca que deixou em nós a conduta realizada durante milhares e milhares de anos desaparece da nossa base biológica em poucas décadas. Neste sentido, é paradoxal a pouca importância que se concedeu a este facto por parte da educação que recebemos; como é possível que mal nos tenham informado sobre estas profundas diferenças, que marcam em grande medida a vida e os sentimentos dos homens e das mulheres? Alguns aspectos parecem-nos tão evidentes que ninguém os põe em dúvida. Por exemplo, todos assumimos que os homens têm mais força física do que as mulheres, mas por que não sabemos claramente que os homens e as mulheres sentem o amor de maneira diferente? Cuidado! Não estou a dizer que uns o sentem com maior ou menor profundidade, mas sim que o vivem de forma diferente. Tal como a nossa sexualidade é diferente, quando surgem as dúvidas nas relações amorosas ou afectivas, a nossa vivência também é díspar. Se o homem identificou amor com pulsão sexual, quando esta diminui com a passagem do tempo, ou porque ocorreram uma série de circunstâncias que condicionaram essa relação, pode pensar que já acabou o amor e, por conseguinte, muda a sua conduta ou as suas manifestações. As mulheres têm mais dificuldade em assumir que o amor acabou, porque o sentem de maneira diferente. Salvo certos casos, e em determinadas idades, para a mulher a sexualidade será mais um componente do amor, mas não o único, e muitas vezes nem sequer será o elemento crucial. A afectividade também é diferente e a mulher será especialmente sensível às manifestações de carinho, aos cuidados, aos mimos, atenções e pormenores por parte do seu parceiro. Para a mulher, o facto de sentir a ausência destas manifestações significa que ela ainda as espera; as suas dúvidas e angústias surgem ao constatar que o seu parceiro não parece sentir essa necessidade ou, o que por vezes é pior, não parece ser consciente de que ela está a sentir-se mal. Começam então as divergências insuperáveis e, sem querer, surgem as sementes do desencontro. A mulher, longe de pensar que o homem sente o amor de outra forma e manifesta-o de maneira diferente, começa a pedir e a exigir essas manifestações afectivas que tanto anseia e que nela estão unidas ao facto de sentir amor. Frequentemente, o homem fica surpreendido e sente-se constrangido a ter deteminadas manifestações afectivas que lhe são difíceis, pois muitas vezes não lhe surgem de forma espontânea. Por outro lado, o facto de se sentir «quase obrigado», longe de estimulá-lo ou de aproximá-lo afectivamente, provoca-lhe repulsa e distanciamento. As dúvidas sobre se acabou o amor ou o carinho muitas vezes não ocorreriam se ambos, homens e mulheres, conheces- sem perfeitamente a forma de viver o amor de uns e outros; se soubessem pormenorizadamente as distintas fases que atravessam, a sequência de manifestações afectivas que se vão realizando, como podemos estimulá-las, o que faz que esse amor cresça todos os dias, o que o destrói, o que o potencia, o que o arruina... Mas os factos são o que são, dirão muitos leitores, e perguntar-se-ão o que fazer quando, no seu caso concreto, surgem essas dúvidas, essas terríveis perguntas que parecem marcar o final de uma etapa feliz. Vamos tentar dar resposta a essas situações difíceis que todos vivemos. Posteriormente, à medida que avançamos na leitura do livro, iremos conhecendo essas diferenças e singularidades que nos trarão mais luz a essas situações cheias de incerteza; entretanto, assinalaremos algumas chaves que nos podem ajudar nesses momentos: 1. Em qualquer relação afectiva, mais tarde ou mais cedo surgirão dúvidas. Quando chegarem, vivê-las-emos como mais uma parte do processo, não como o início de um final anunciado. 2. As dúvidas não são perigosas. Quando as recebemos sem angústia ajudam-nos a objectivar os nossos sentimentos e mostram-nos até que ponto controlamos ou não as nossas emoções. 3. Além de analisar o que está a acontecer, ajudar-nos-á muito sermos conscientes do que estamos a pensar. Já dissemos que os pensamentos são anteriores às emoções e, em grande medida, são os responsáveis do que sentimos em cada momento. Muitas vezes, os nossos esforços destinar-se-ão a mudar os nossos pensamentos catastrofistas por outros mais realistas e mais racionais. Quando o fazemos, ficaremos surpreendidos por ver em que medida conseguimos melhorar o nosso estado de espírito. 4. É bom que guardemos distância da situação. Para esse efeito, podemos utilizar o registo* de conduta. Quando o preenchemos, sentimos como pouco a pouco a razão acaba por prevalecer sobre a emoção. Posteriormente, veremos o que podemos fazer para melhorar estas situações no futuro. Registo de conduta Nome _________________________________ Idade _________ Dia/hora Situação Onde estão, quem e o que fazem Conduta problema O que faz ou diz o parceiro? (literalmente) Resposta tua ou de outras pessoas presentes (o que fazem ou dizem literalmente) ––––––––––– * Os registos constituem uma ferramenta fundamental para o psicólogo, pois per- mitem-lhe ter uma radiografia muito completa da situação; graças aos registos sabemos o que está a acontecer, quando acontece, em que circunstâncias, como reagem as diferentes pessoas..., mas também são de grande ajuda para quem os realiza, pois começa a dar-se conta de uma série de factos que antes podiam ter-lhe passado despercebidos. Os registos são anotações «literais» do que se passa no meio familiar, social, laboral... do paciente. Desta forma, a avaliação será mais completa e permitir-nos-á ajustar ao máximo os nossos padrões de intervenção. Ajudam-nos a ser objectivos com os factos e, desde o princípio, tornam-nos conscientes das nossas próprias actuações, das condutas daqueles que nos rodeiam, de como reagimos perante os acontecimentos, de como influímos ou nos deixamos influenciar pelos outros... Nas situações de casal, os registos mostram-nos como reage cada um, em que circunstâncias ocorrem os momentos mais conflituosos, as acções que criam tensão no casal, as acções que desanuviam o ambiente, as que ajudam a estabelecer «pontes» entre os dois... Ao longo de uma intervenção psicológica, é normal pedirmos que nos façam diferentes tipos de registos, que nos ajudarão a avaliar as variáveis fundamentais do caso; da mesma forma, proporcionarão ao casal as chaves que antes tinham passado despercebidas. 5. Quando estivermos demasiado angustiados ou confusos perante estas dúvidas, será importante que nos concedamos um tempo de descanso. Se a situação o permitir, uns dias ou semanas sem ver o nosso parceiro podem ajudar-nos a saber o que sentimos. Aqui, é provável que a outra pessoa não queira aceder a esta trégua, pois pode vivê-la como um distanciamento; será muito importante a forma como comunicamos essa decisão; fá-lo-emos com calma e com afecto, mas também com convicção, sem fazer marcha atrás. Da mesma forma que não podemos impor-nos um sentimento, devemos conceder-nos a tranquilidade e a distância que nos ajudarão a ver, sentir e analisar tanto a situação que vivemos, como o estado da nossa relação. Quando a situação torna muito difícil esta opção, porque vivem juntos e têm filhos em comum, procurar-se-á um acordo mínimo, que consistirá em que, vivendo juntos, se concederão «um tempo de descanso mútuo», em que não falarão sobre os sentimentos de cada um, tentarão não realizar actividades conjuntas, não terão relações íntimas... 6. Uma vez conseguida esta trégua, para que esta seja eficaz, numa primeira fase esforçar-nos-emos por ocupar a nossa mente em coisas diferentes; desta forma conseguiremos esse «distanciamento», que nos permitirá ver e analisar os nossos sentimentos e os factos com maior clareza. 7. Se depois desse período continuarmos a ter dúvidas, não forçaremos a relação; explicá-lo-emos ao nosso parceiro e tentaremos encontrar um acordo. Se o parceiro decidir que não quer esperar mais, estará no seu direito, mas afastaremos imediatamente da nossa mente os pensamentos de derrota ou fracasso. Um parceiro que decide não dar à outra pessoa a tranquilidade de que necessita nesse momento certamente não era o parceiro ideal para continuar a relação amorosa. Quando o amor é autêntico, as pessoas com equilíbrio emocional sabem que não podem nem devem forçar as situações. O respeito e a confiança em nós mesmos e no nosso amor farão com que essas primeiras dúvidas sejam recebidas com calma. O conhecimento da singularidade da outra pessoa ajudar-nos-á a superar inquietações, a vencer temores e a estabelecer novos e frutíferos canais de comunicação. Se no final, com a tranquilidade que dá a convicção, decidimos que o amor acabou, não renegaremos este; pelo contrário, tentaremos extrair os ensinamentos e as vivências que nos deu, e fá-lo-emos não para as transladar para a relação seguinte, mas para avançar nessa aprendizagem particular que nos permitirá sentir-nos cada vez melhor connosco mesmos e com as vivências que teremos no futuro. Quando o carinho terminou, o melhor que podemos fazer é aperfeiçoarmo-nos; aperfeiçoarmo-nos na medida em que precisarmos disso. Para esse efeito, não nos censuraremos nem traremos à nossa mente acontecimentos dolorosos. Aperfeiçoarmo-nos é abraçarmo-nos e gostarmos de nós nesses momentos de solidão procurada ou forçada. No entanto, haverá casos em que ainda sentimos dúvidas e nos interrogamos: ainda posso ter esperança? Ainda posso ter esperança? Muitas pessoas interrogam-se frequentemente se ainda podem ter esperança. Os psicólogos sabem que antes de formularmos esta pergunta, deveríamos ter respondido a outra interrogação, que é prévia e, em grande medida, condiciona a resposta anterior. Só vale a pena falar de esperança naqueles casos em que a relação afectiva nos encheu de felicidade, mas também de segu- rança e equilíbrio. Quando a incerteza e a insatisfação foram as constantes desse suposto amor, queremos que continue para quê? Para continuar a sofrer? Para esperar, contra todos os prognósticos, que a relação mude e que a outra pessoa se transforme no que desejaríamos e não no que é...? Com que frequência nos agarramos a relações equívocas! Enganamo-nos no início e, em vez de rectificarmos, pretendemos continuar a enganar-nos, reinventando os factos, transformando a realidade e esperando impossíveis. Quando a história passada nos trouxe sofrimento, um sofrimento inútil, causado não tanto pelas situações adversas, mas por pessoas que sentem, analisam, avaliam e estabelecem prioridades de maneira diferente, não vale a pena alimentar a esperança! Pelo contrário, quando ambos viveram uma relação tão intensa como partilhada, tão profunda de sentimentos como plena de generosidade, tão cheia de amor como de carinho, tão repleta de respeito como de admiração, VALE A PENA VOLTAR A TENTAR! E fá-lo-emos com uma única premissa: QUE O QUEIRAMOS OS DOIS! Que ambos estejamos no mesmo ponto de partida, que o desejemos com a mesma intensidade, que nenhum se sinta pressionado nem condicionado pelo outro, que o motor seja continuar a fazer crescer esse amor, que tanta felicidade nos proporcionou. Quando sentimos que a outra pessoa ainda nos ama como nós desejamos que nos ame, e que nós continuamos a sentir esse êxtase, que só alcançámos quando experimentámos o amor que nos enche de plenitude, então poderemos ter esperança e poremos todas as nossas energias para viver, se possível com mais plenitude, esse amor que tanto nos preenche. O contrário não tem sentido e, como afirmávamos antes, as mulheres, mais frequentemente do que os homens, tendem a resistir e custa-lhes dar por terminada uma relação que está condenada ao fracasso. Numa tentativa tão estéril como dolorosa, desejam que volte a crescer o que já murchou há muito, ou até que nunca chegou a germinar, ou só existiu na sua imaginação. Deixemos a esperança para aquelas relações que podem desembocar em amor partilhado e em carinho mutuamente sentido; e preenchamos de não-esperança o que só pode conduzir-nos ao sofrimento e ao desencontro. Na mesma linha, podemos colocar-nos a seguinte pergunta: vale a pena tentar? Vale a pena tentar? Na realidade, na pergunta anterior já respondemos a esta interrogação. Como expúnhamos, só vale a pena quando o que vivemos nos encheu de satisfação, de equilíbrio e plenitude, e quando ambos ainda partilhamos o essencial do amor: leia-se o respeito, a generosidade, a admiração e o desejo de tentar ir ao fundo de nós mesmos, com o melhor que temos dentro. Não há esforço mais bem empregado do que aquele que é realizado para superar as dificuldades que todo o grande amor implica! E não há esforço mais vão do que aquele que é aplicado a sentimentos esgotados, a esperanças perdidas ou a emoções opostas. O caso de Ana e André pode ilustrar este capítulo. A caso de Ana e André Ana e André vieram à consulta para ver se existia alguma possibilidade de recuperar a sua relação. A pessoa mais empenhada em tentá-lo até ao fim era Ana. André, pelo contrário, parecia convencido de que a sua relação tinha terminado há tempo, mas perante a pressão de Ana, tinha decidido ir à consulta; pensava que desta forma, pelo menos, não ouviria todos os dias as suas críticas e, além disso, no mais fundo de si mesmo, esperava que fosse um profissional a convencer a sua companheira do absurdo de empenhar-se num impossível. Ambos tinham mais de trinta anos, estavam bem colocados profissionalmente e arrastavam um longo historial de relações insatisfatórias, decepcionantes e pouco estáveis no tempo. Com estes antecedentes colocaram-se nas nossas mãos. Como sempre, depois da primeira entrevista, a primeira coisa que fizemos foi começar a trabalhar separadamente com cada um deles. Normalmente, os casais esperam que comecemos a trabalhar com os dois juntos desde o primeiro dia, mas não tem muito sentido repetir no âmbito da consulta as situações e as discussões que ocorrem no casal, se antes não trabalharmos com eles a maneira de focar e analisar o problema. Só voltamos a juntá-los quando constatámos que cada um compreende perfeitamente o que aconteceu, qual é a origem das dificuldades que tiveram, por que razão a outra pessoa reage como o faz e, o que é mais importante, como deve abordar, a partir de agora, a relação com o parceiro. Depressa vimos que André já não estava enamorado de Ana, que no melhor dos casos sentia um certo carinho e pena por ela, mas nada parecido com o amor que é capaz de superar dificuldades e desencontros. Ana também não estava enamorada de André, mas não se resignava a perdê-lo. Tinha recriado uma imagem que em nada se assemelhava à realidade, pelo que constantemente se estilhaçava entre o que queria, o que sentia, o que esperava e o que o outro podia oferecer-lhe. Ficava frequentemente desesperada com os seus pensamentos e as suas análises; pensava que o problema certamente residia no facto de André lhe ter sido infiel e que agora estava assustado face ao compromisso que ela lhe pedia; longe de admitir as evidências, acreditava que a solução era forçar a convivência e por isso reclamava uma data para irem viver juntos. A única coisa que conseguiu com essa atitude foi que André se sentisse muito pressionado e reagisse por vezes desaparecendo durante alguns dias, não dando sinais de vida, nem telefonando... Foi-nos muito difícil convencer Ana de que estava a empenhar-se no impossível; que eram os dois profundamente diferentes, que os seus interesses não coincidiam, que as suas formas de ver a vida eram antagónicas, que não existia entre eles aquele amor que teria podido derrubar as barreiras que se tinham levantado entre os dois. Também constituiu um grande esforço libertar André de tanta pressão, de tanta culpabilidade, daquela profunda convicção que o fazia sentir-se incapaz de poder amar alguém. No final, praticamente não chegámos a estar com os dois de forma conjunta, só nos reunimos para lhes expormos as evidências que, do ponto de vista psicológico, eram irrefutáveis. O que fizemos foi trabalhar de forma individualizada com cada um deles durante várias sessões. Com Ana, foi necessário proporcionar-lhe chaves novas, que a ajudaram a passar em revista e analisar a sua vida e, sobretudo, a recuperar a esperança. No final, deu-se conta de que era uma pessoa de grande valia, mas cheia de inseguranças e insatisfações, que provocavam nela condutas exigentes e manipuladoras com os seus companheiros. Quando aprendeu a conhecer-se e soube aprofundar as diferentes formas de viver o amor, deixou de exigir para passar a partilhar; sentiu-se melhor consigo mesma e abandonou o vitimismo que tanto a tinha prejudicado. Para André foi uma autêntica libertação, mas também, como ele próprio referiu, uma grande aprendizagem. Deu-se conta de que as mulheres sentem de maneira diferente, que a paixão acaba por passar, que é necessário trabalhar todos os dias o autêntico amor, que a solução não está em dar o que uma pessoa nos pede hoje, mas, sobretudo, em saber se gostamos dessa pessoa; se desejamos continuar com ela e estamos convencidos de que somos complementares; se nos dá grande felicidade pensar nela e profunda infelicidade imaginar a sua ausência... André depressa comprovou que sentia alívio, mais do que tristeza, ao pensar que podia decidir livremente se devia continuar ou não com Ana; que não tinha a obrigação de continuar com uma pessoa que o fazia sentir-se injustamente tratado; que o amor não era manipulação, nem tirania. André aprendeu que... ...As mulheres não são fáceis, mas não são nem melhores nem piores do que os homens, são diferentes; por vezes tão diferentes que são quase incompreensíveis para o género masculino; da mesma forma que alguns homens podem ser impossíveis para muitas mulheres; felizmente, frequentemente acontece aquela relação «quase perfeita», que cada vez se baseia mais no conhecimento e no respeito das diferenças. André e Ana não ficaram como casal, nem sequer como amigos, pois Ana sentia ainda demasiado sofrimento para olhar André e não ver nele alguém que a tinha decepcionado. Felizmente, à medida que foi recuperando o seu equilíbrio e a sua confiança, conseguiu dar-se conta de que tinha tido diante de si uma boa pessoa, com a qual não podia viver o amor que tinha desejado, mas que podia chamar num momento de aflição ou desespero. Em suma: Vale a pena tentar quando há amor, quando esse amor nos enche de felicidade e de esperança, e quando ambos, livremente, sem condicionantes de nenhum tipo, manifestam a sua firme vontade de superar as barreiras e circunstâncias adversas que estão a viver. Quando o desejo de continuar só vem de uma das partes, devemos aprender a respeitar a decisão do outro. Aí a nossa grandeza não será exigir ou manipular, mas saber retirar-nos a tempo e, quando o nosso equilíbrio nos permite, oferecer a nossa ajuda e a nossa generosidade, sem interesses ocultos nem exigências disfarçadas.