130421 - BC aperta a liquidez e o Tesouro a afrouxa

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130421 - BC aperta a liquidez e o Tesouro a afrouxa
Se o BC aperta a liquidez e o Tesouro a afrouxa, há algo esdrúxulo. É o governo
minando o governo
Algaravia de intenções da política econômica fez da inflação um problema que não era.
Os ruídos de diretrizes desafinadas têm sido comuns
21/4/2013 - 01:05 - Antonio Machado
A inflação teima em contrariar as expectativas e a se mostrar mais desenvolta do que os
desejos do governo. É o que revela a prévia da inflação de abril, conforme a métrica de
meio de mês do IPCA-15, ao avançar 0,51%, superando a mediana das projeções do
mercado (0,46%) e o consenso da centena de fontes ouvidas semanalmente pelo Banco
Central, resumidas em seu boletim Focus (0,45%). Também veio acima do IPCA-15 de
março (0,49%) e do índice fechado do mês (0,47%).
Isso não descarta a expectativa de desaceleração gradativa da taxa mensal de inflação,
observada desde janeiro. Os principais itens de preços que a engrossaram a partir de
meados do ano passado, como o grupo de alimentação e bebidas e o segmento agrupado
como serviços, estão perdendo força. Mas com lentidão que surpreende o governo.
A alimentação, que fez a inflação superar o teto da meta (6,5%) na medida de 12 meses,
chegando a 6,59% em março, subiu 1% no IPCA-15 de abril, contra 1,40% nesse mesmo
metro no mês passado. O agregado de serviços, sempre na medida do IPCA-15, subiu de
0,33% em março a 0,51% em abril, mas abaixo do aumento em igual mês de 2012,
0,69%.
A taxa de dispersão, que mede a proporção de preços em alta sobre o total de preços
pesquisados, caiu de 74,25% em março para 68,22% este mês. Mas ficou acima da
dispersão em abril de 2012, 62,74%.
O viés baixista mais lento que o previsto se acumula ao de preços em alta sazonal e ao
de setores com custos represados. Eles tiram proveito das expectativas difusas e da
liquidez folgada (pelo gasto público e laxismo monetário) para promover repasses com
menos risco de exposição. Assim é a inflação: uma vez em movimento, provoca um efeito
dominó de remarcações, se não encontrar obstáculos.
É como o dia seguinte a uma enchente: a prioridade do socorro aos desabrigados
encobre o que não se fez para evitá-la. O tomate, cujo preço dobrou em um ano, por
exemplo, ganhou manchetes. As causas da escassez foram para o rodapé, embora, se
mal resolvidas, contratem a repetição do problema. Com o tomate, o chuchu, o milho etc.
Duas bandas desafinadas
Essa é a discussão que importa: a identificação dos diagnósticos sobre o surto
inflacionário antes de se começar a solucioná-lo. O aumento encabulado da taxa Selic (de
7,25% para 7,50%) pelo BC, em par a manobras do Tesouro para disfarçar o aumento do
gasto fiscal, implicando abater o superávit primário, são flagrantes do choque de
concepções no governo.
Juros e superávit são faces da mesma moeda. Ambos servem para regular a liquidez na
economia. Se o BC a aperta (ao subir o juro) e o Tesouro a afrouxa (soltando o
orçamento), há algo esdrúxulo. É como se um lado solapasse o outro.
Num ensaio intitulado “Devaneios sobre a política monetária do governo Dilma”, o
economista Francisco Pessoa Faria, da consultoria LCA, diz que os conflitos mobilizam o
que chama de “banda monetária”, do pessoal do BC, e a “banda executiva”, com mais
poder, formada pela presidente e secundada pela Fazenda, Planejamento, Tesouro,
BNDES.
Partituras sem harmonia
As duas bandas, diz Faria, “querem o bem”, “mas divergem” quanto às causas da
inflação, aos riscos de sua manutenção em nível acima de 4,5% e a se vale a pena
sacrificar o crescimento para reduzi-la.
A banda executiva, prossegue, tem o poder emanado das urnas para, entre outras coisas,
definir quem comanda a banda monetária. Mas o poder não é absoluto, e cada lado tem
ênfases diferentes. A do BC é não correr risco com a inflação. A outra é manter o país
crescendo.
O debate entre os dois lados é amiúde. Em 2012, venceu a tese de abandonar o real
apreciado como meio contra a inflação, porque, diz Faria, alegou-se que estava matando
a indústria. A banda monetária aquiesceu em troca do compromisso de política fiscal
apertada. Mas “inflação em alta e PIB em baixa conspiraram para aumentar a tensão
entre as bandas”, ele acrescenta. E assim vamos, desafinando.
A montanha pariu um rato
O dólar caro bateu na inflação, assustando o BC, e talvez ao notar que o compromisso
com o ajuste fiscal, segundo Faria, “não era tão sagrado”. O resto do governo reagiu. É
quando a comunicação fica confusa, diz ele, e os sinais, inconsistentes. Venceu a tese de
que o preço do real já estava bom. Mas o BC continuou desconfortável.
A banda executiva, conforme o ensaio, veio com medidas estruturais e paliativas: cortou
impostos, adiou aumentos. Mas sem sucesso. “E, então, a montanha pariu um rato”,
conclui ele. A Selic subiu 0,25%, mesmo assim com dois votos contrários da diretoria do
BC. Em suma: bandas tiram melodias, se afinadas e tocando o mesmo ritmo: forró, hiphop, não importa. Em desarmonia, só fazem barulho.
Boa avaliação ameaçada
A algaravia de intenções da política econômica fez da inflação um problema que não era.
Passou a ser quando a banda executiva foi ao palco tocar o hit do dólar valorizado,
enquanto ribombava o choque de oferta agrícola detonado pela seca nos EUA. O
estampido das commodities ecoou forte no mundo, mas só aqui estourou a caixa de som
da inflação, amplificada pelo real depreciado na hora ruim.
Ruídos de diretrizes desafinadas têm sido comuns, gerando vaivéns nas concessões, no
regime regulatório. Até o silêncio gera ruídos, como quando a base aliada no Congresso
corre solta votando medidas contra a produtividade da economia.
O risco é que passe a percepção - apurada por pesquisa da consultoria Deloitte entre as
550 maiores corporações globais (e tema de outra coluna) - de que o país será o terceiro
mais competitivo do mundo até 2018. Não será fácil chegar lá com incertezas sobre
questões, a rigor, banais, como a inflação.