1 Genogramas: mapeamento dos sistemas familiares

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1 Genogramas: mapeamento dos sistemas familiares
1
Genogramas: mapeamento dos
sistemas familiares
O
genograma foi consagrado
como uma estrutura prática para a compreensão dos
padrões familiares. O propósito deste livro é explicar os usos práticos, teóricos,
gráficos e clínicos do genograma e o seu
potencial para a pesquisa. O formato padronizado do genograma está se transformando em uma linguagem comum para
rastrear a história e os relacionamentos
familiares (ver a chave impressa na parte
interna da capa frontal deste livro). Apesar da ampla utilização dos genogramas
por terapeutas de família, médicos de
família e outros profissionais da área da
saúde, não havia um formato de consenso para os genogramas antes da primeira
edição deste livro, em 1985. Mesmo entre
os terapeutas com orientações teóricas similares havia apenas um frágil consenso
sobre quais as informações específicas
a serem buscadas, como registrá-las e o
que tudo aquilo significava. O formato
padronizado do genograma usado neste
livro foi desenvolvido na década de 1980
por um comitê de importantes proponentes do genograma que trabalham com
terapia e medicina de família, incluindo
pessoas chave como Murray Bowen, Jack
Froom e Jack Medalie. Eles fizeram par-
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te de um comitê organizado pelo Grupo
Norte-Americano de Pesquisa em Cuidados Primários para definir os símbolos
mais práticos para o genograma e chegar
a um acordo sobre um formato padronizado. Desde que o formato foi originalmente publicado em 1985, houve muitas
modificações recomendadas por diferentes grupos por todo o mundo. Encaramos
o formato incluído nesta edição como um
trabalho em andamento, já que o uso de
genogramas sem dúvida ampliará ainda
mais o formato. Por exemplo, os computadores nos conduziram a iniciar o
desenvolvimento de uma codificação de
cores-padrão para nomes, localização,
ocupação, doenças, etc. Os símbolos certamente ainda serão modificados no futuro, assim como já foram modificados
nas últimas quatro décadas.
Os genogramas registram informações sobre os membros de uma família
e suas relações em pelo menos três gerações. Exibem graficamente as informações
familiares de forma a possibilitar uma rápida Gestalt dos padrões familiares complexos; como tal, são uma fonte muito rica
de hipóteses sobre como os problemas
clínicos se desenvolvem no contexto da
família ao longo do tempo.
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Além de apresentar esse formato padronizado, Genogramas: avaliação e intervenção descreve os princípios interpretativos sobre os quais os genogramas estão
baseados, bem como as possibilidades
para softwares, que podem registrar informações do genograma e armazená-las
para recuperação com o propósito de pesquisa. Além disso, o livro descreve a aplicação dos genogramas em muitas áreas
clínicas. As diretrizes do genograma aqui
apresentadas foram desenvolvidas durante as últimas décadas em colaboração
com muitos colegas. Essas diretrizes ainda
estão em desenvolvimento, à medida que
progride a forma como pensamos sobre as
famílias. Esta terceira edição define ainda
mais os símbolos e convenções que fazem
do genograma a melhor linguagem escrita
para resumir as informações de uma família e descrever os padrões familiares.
Os genogramas atraem os terapeutas
porque são representações gráficas tangíveis de padrões familiares complexos. A necessidade de tais mapas chegou a tal ponto
que o Festival de Música de Salzburg ofereceu recentemente um tipo de genograma
para acompanhar as relações familiares de
uma ópera de Mozart (Oestreich, 2006). É
claro que, se tivessem conhecimento sobre
genogramas, poderiam ter feito um gráfico
ainda melhor, como o que fizemos para um
dos mais complicados enredos de ópera, Il
Trovatore (Figura 1.1).
Neste caso, o velho Conde Di Luna,
achando que uma cigana havia enfeitiçado seu filho, mandou queimá-la no poste.
A cigana fez com que sua filha prometesse vingança. A filha, Azucena, pretendia
matar o conde, mas acidentalmente matou o próprio filho e depois criou o filho
do conde como se fosse seu. O filho cres-
Espanhóis
Ciganos
Achava que a mãe de Azucena lançara um feitiço
sobre seu filho. Mandou queimá-la na fogueira.
Disse à filha para
se vingar do velho
conde pelo seu
assassinato.
Velho Conde Di Luna
Conde
Di Luna
Leonora
Planeja entrar para
o convento porque
teme que o seu amado
tenha sido morto.
Manrico
Azucena
Prometeu vingar o
assassinato da mãe.
Por engano matou
seu próprio filho e
depois criou o filho
do conde.
O filho mais novo do conde tido
como morto foi roubado por Azucena,
que o criou como Manrico. Ele agora
volta disfarçado como trovador
(cavaleiro de armadura).
Figura 1.1 Il Trovatore, de Verdi.
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Genogramas
ceu e se tornou um trovador e cavaleiro
que se apaixonou por uma jovem mulher,
Leonora, que estava sendo perseguida
por seu irmão mais velho, o jovem Conde
Di Luna. Neste genograma, mostramos o
filho do velho Conde Di Luna em todas as
suas encarnações (o filho aparentemente
morto do conde, o filho adotado de Azucena e o amante trovador de Leonora). No
final da ópera, é claro, tudo é revelado,
e os três personagens são reconhecidos
como um.
Os genogramas permitem mapear
claramente a estrutura familiar e observar e atualizar o mapa dos padrões
de relações e funcionamento da família
à medida que vão surgindo. Para o registro clínico, o genograma possibilita
um resumo eficiente, permitindo que
uma pessoa que não está familiarizada
com o caso obtenha rapidamente uma
grande quantidade de informações sobre a família e analise os problemas e os
recursos potenciais. Enquanto as anotações escritas em um gráfico ou questionário podem ficar perdidas em um
registro, as informações do genograma
são imediatamente reconhecíveis e podem receber acréscimos e ser corrigidas
a cada consulta clínica à medida que se
vai sabendo mais coisas sobre a família.
Os genogramas podem ser criados para
qualquer período da história da família,
mostrando as idades e relações daquele momento para melhor entender os
padrões familiares enquanto eles se desenvolvem através do tempo. Em breve,
um software permitirá que os terapeutas
acompanhem a linha do tempo ou cronologia da família – para acompanhar
os detalhes dos principais desenvolvimentos nas relações, saúde, etc., durante
todo o ciclo de vida da família.
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Os genogramas facilitam que tenhamos em mente a complexidade do contexto de uma família, incluindo a história,
os padrões e os eventos familiares que podem ter algum significado para o paciente. Assim como nossa linguagem falada
potencializa e organiza nossos processos
de pensamento, os genogramas auxiliam
os terapeutas a pensarem sistematicamente sobre como os acontecimentos e relações nas vidas dos seus clientes estão relacionados a padrões de saúde e doença.
A coleta de informações para o genograma deve ser parte integrante de uma
avaliação clínica mais abrangente, caso
se deseje apenas saber quem faz parte
da família e quais são os fatos da sua situação atual e história. É uma ferramenta
interpretativa que possibilita que os terapeutas formulem hipóteses provisórias
para aprofundar o exame na avaliação da
família. O genograma não pode ser usado como um livro de receitas para prognósticos clínicos, mas pode sensibilizar os
terapeutas para aspectos sistêmicos relevantes sobre a disfunção atual e sobre as
fontes de resiliência. O software logo tornará possível estudar os padrões do genograma de múltiplas famílias, além de
comparar e contrastar os perfis de todos
os casos na base de dados do genograma.
Graças ao novo e impressionante
campo da genealogia genética (Harmon,
2006), todos teremos acesso a nossas histórias genéticas de formas que jamais
imaginamos serem possíveis, e estamos
apenas no princípio de todo um novo
conjunto de possibilidades de conhecermos a nossa família e a nossa herança cultural – desde a nossa ligação com Genghis
Khan ou Maria Antonieta até a realidade
de nossas heranças cultural e racial, que
podem estar profundamente ocultadas
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pelas tradições familiares. A possibilidade
de mapear nossa árvore familiar com o
auxílio de computadores é apenas uma
forma pela qual poderemos incorporar
as complexidades que conheceremos sobre nossa herança, e esta é a rota para o
estudo dos padrões familiares de relação,
funcionamento e doença. Os computadores são o futuro dos genogramas!
Tipicamente, o genograma é construído a partir das informações reunidas
durante o primeiro encontro com um
cliente/paciente e revisado quando novas
informações vão se tornando disponíveis.
A avaliação inicial forma a base para o
tratamento. É importante enfatizar, contudo, que os terapeutas costumam não
compartimentalizar avaliação e tratamento. Cada interação do terapeuta com um
membro da família informa a avaliação e,
assim, influencia a intervenção seguinte.
Os genogramas ajudam o terapeuta
a conhecer uma família. Assim, transformam-se em uma forma importante de “se
vincular” às famílias em terapia. Ao criarem uma perspectiva sistêmica que ajuda
a monitorar aspectos familiares através
do tempo e do espaço, os genogramas
possibilitam que o entrevistador reestruture, desintoxique e normatize questões
carregadas de emoção. A entrevista do
genograma também proporciona um veículo prático para o questionamento sistêmico que, além de fornecer informações
ao terapeuta, começa a orientar os clientes
para uma perspectiva sistêmica. O genograma ajuda tanto o terapeuta quanto a
família a ver o “quadro mais amplo” –
isto é, visualizar os problemas no seu contexto atual e histórico. As informações
estruturais, relacionais e funcionais sobre
uma família podem ser encontradas em
um genograma, tanto horizontalmente no
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contexto familiar quanto verticalmente
através das gerações.
O exame da dimensão do contexto
familiar atual permite que o terapeuta
avalie as conexões entre os membros da
família nuclear e também com o sistema
mais amplo – a família extensa, os amigos,
a comunidade, a sociedade e a cultura –,
bem como os pontos fortes e as vulnerabilidades da família em relação à situação
como um todo. Consequentemente, incluímos no genograma os membros da família
nuclear e extensa, bem como os “parentes” não consanguíneos que viveram ou
desempenharam um papel importante na
vida familiar. Também observamos acontecimentos relevantes (mudanças, alterações no ciclo vital) e problemas (doenças,
disfunções). O comportamento atual e os
problemas dos membros da família podem
ser acompanhados no genograma a partir de múltiplas perspectivas. O paciente
identificado (o “PI” ou pessoa com o problema ou sintoma) pode ser examinado no
contexto de vários subsistemas, tais como
irmãos, triângulos e relações recíprocas,
ou em relação à comunidade mais ampla,
instituições sociais (escola, justiça, etc.), e
ao contexto sociocultural. Em breve poderemos explorar toda uma base de dados
de genogramas para padrões particulares:
padrões genéticos, doenças, padrões de
funcionamento de gênero e irmãos, probabilidade de triângulos em que um dos pais
está próximo e o outro distante, perdas ou
traumas em gerações anteriores, correlações entre as várias constelações de sistemas e assim por diante.
Ao examinarem historicamente o sistema familiar e avaliarem as transições
do ciclo vital, os terapeutas conseguem
colocar as questões presentes dentro do
contexto dos padrões evolutivos fami-
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Genogramas
liares. O genograma usualmente inclui
pelo menos três gerações de membros
da família, bem como os eventos nodais
e críticos na história familiar, particularmente em relação ao ciclo vital. Quando
os membros da família são questionados
sobre a situação presente no que se refere a temas, mitos, regras e questões carregadas emocionalmente das gerações
anteriores, com frequência se tornam
claros os padrões repetitivos. Os genogramas “deixam o calendário falar” ao
sugerirem as possíveis conexões entre os
acontecimentos na família ao longo do
tempo. Padrões de doença prévia e alterações anteriores nas relações familiares
causadas por perda e outras mudanças
críticas na vida, que alteram a estrutura
familiar e outros padrões, podem facilmente ser observados no genograma. Os
genogramas computadorizados possibilitarão que exploremos os padrões familiares e as constelações de sintomas específicos. Tudo isso oferece uma estrutura
para a formulação de hipóteses sobre o
que atualmente pode estar influenciando
uma crise em uma determinada família.
Aliada aos genogramas, usualmente incluímos uma cronologia da família, que
descreve a história familiar em ordem
cronológica. Um programa computadorizado que reúna e mapeie as informações do genograma com uma base de
dados tornará muito mais fácil para o terapeuta o rastreamento da história familiar porque uma cronologia poderá mostrar os acontecimentos de um momento
particular na história da família.
As aplicações do genograma variam
desde simplesmente descrever as informações demográficas básicas sobre uma
família, o que pode ser feito em uma entrevista médica ou de enfermagem de
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15 minutos (Wright e Leahey, 1999), até
o mapeamento multigeracional do sistema emocional da família usando uma
estrutura de Bowen (ver Bibliografia por
Tópicos: Avaliação, Genogramas e Teoria
dos Sistemas), até a geração de hipóteses
sistêmicas para intervenções estratégicas
e o desenvolvimento de hipóteses “projetivas” sobre o funcionamento do inconsciente a partir das entrevistas do genograma. Alguns sugeriram modificações do
formato do genograma (ver Bibliografia
por Tópicos: Variações do Genograma,
Ecomapas, Linhagens e Sociogramas),
tais como a “linha do tempo” de Friedman, Rohrbaugh e Krakauer (1988), o
genograma de Watts Jones (1998) para
descrever a família “funcional”, os diagramas dos vínculos de Friesen e Manitt
(1991), o genogrid de Burke e Faber (1997)
para descrever as redes das famílias lésbicas, ou genogramas espirituais/religiosos
(ver Bibliografia por Tópicos: Religião, espiritualidade). Alguns terapeutas enfatizaram a utilidade dos genogramas para o
trabalho com famílias em vários estágios
do ciclo vital (ver Capítulo 8 e Bibliografia por Tópicos: Ciclo de Vida Familiar),
para rastrear as configurações relacionais
complexas vistas em famílias recasadas
(ver Bibliografia por Tópicos: Divórcio e
Recasamento), engajar e rastrear famílias
complexas e culturalmente diversas (ver
Bibliografia por Tópicos: Cultura e Raça),
explorar questões específicas, como sexualidade e história sexual da família com
genogramas sexuais (Hof e Berman, 1986;
McGoldrick, Loonan e Wolsifer, 2006), e
fazer intervenções familiares, como com
os genogramas lúdicos (ver Capítulo 10).
Alguns utilizaram genogramas como
base para ensinar adultos analfabetos a
lerem, entrevistando-os sobre os próprios
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genogramas, transcrevendo suas histórias
e fazendo-os lerem suas narrativas (Darkenwald e Silvestri, 1992). Outros usaram genogramas de trabalho e carreira
para facilitar decisões profissionais (Gibson, 2005; Moon, Coleman, McCollum,
Nelson e Jensen-Scott, 1993) ou para ilustrar organizações como uma prática médica (McIlvain, Crabtree, Medder, Strange e Miller, 1998). Alguns criativamente
ampliaram o conceito de genograma com
o que chamam de generograma, o qual
mapeia as relações de gênero ao longo do
ciclo vital (White e Tyson-Rawson, 1995).
O genograma foi utilizado na evocação de narrativas familiares e ampliação
de histórias culturais (Congress, 1994;
Hardy e Laslffy, 1995; McGill, 1992; Sherman, 1990; Thomas, 1998), na identificação de estratégias terapêuticas, como a
reestruturação e desintoxicação dos legados familiares (Gewirtzman, 1998), em
terapia focada na solução (Zide e Gray,
2000), como validação para crianças que
estão crescendo em abrigos e em famílias
com constelações familiares diferentes
(Altshuler, 1999; McGoldrick e Colon,
2000; McMillen e Groze, 1994), na descoberta dos pontos fortes das famílias e
suas respostas únicas para os problemas
(Khuehl, 1995) e no trabalho com populações particulares, como crianças (Fink,
Kramer, Weaver e Anderson, 1993), idosos
e casais em aconselhamento pré-marital
(Shellenberger, Watkins-Couch e Drake,
1989). Muitos desses autores reivindicaram mais pesquisas usando genogramas.
Por exemplo, Ingersoll-Dayton e Arndt
(1990) escreveram persuasivamente sobre
o potencial de pesquisa dos genogramas
para os assistentes sociais gerontológicos avaliarem e intervirem em casos de
adultos idosos ou para profissionais que
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apoiam os cuidadores de idosos que estão
se sentindo sobrecarregados com a sua
função. Makungu Akinyela utiliza genogramas para dar um curso sobre a família
afro-americana no Departamento de Estudos Afro-americanos da Universidade
Estadual da Geórgia, em Atlanta. Nesse
curso os alunos buscam a história da sua
própria família e a colocam em conversação com a literatura de pesquisa sobre
política, história, migração e desenvolvimento cultural das famílias afro-americanas. Utilizando essa abordagem, os alunos podem ver a conexão entre a pesquisa
acadêmica e a experiência vivida por suas
próprias famílias.
Em anos recentes, boa parte da literatura sobre genogramas teve foco na
expansão do seu significado para incluir
o contexto mais amplo, embora os gráficos desses genogramas ampliados não
tenham sido bem desenvolvidos de um
modo geral. Foi dada muita atenção ao
“genograma cultural”, referindo-se ao
foco específico nos aspectos culturais da
história de uma família e ao genograma
religioso ou espiritual, que tem seu foco
na história religiosa de uma família e nas
formas específicas que a religião e a espiritualidade assumem nos padrões familiares. Foi escrito um livro inteiro sobre
“genogramas da comunidade”, embora
os gráficos não se pareçam com genogramas e não descrevam o mapa de três
gerações da família como um contexto básico (Rigazio-DiGilio, Ivey, Kunkler-Peck
e Grady, 2005). A dificuldade em descrever genogramas ampliados está em apresentar múltiplas dimensões em um único
gráfico, refletindo o antigo problema de
os diagramas manterem o compromisso
entre a quantidade de informações incluídas e a clareza do gráfico. Discutiremos
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Genogramas
alguns desses aspectos na esperança de
que no futuro encontremos formas criativas de exibir e rastrear as informações do
genograma ampliado. Tentaremos pelo
menos estimular a discussão sobre como
essas questões podem vir a ser descritas
visualmente nos gráficos do genograma.
Obviamente, os genogramas por computador vinculados a uma base de dados
terão muito mais possibilidades de descrever questões específicas, uma ou duas
ao mesmo tempo, ou de fazer gráficos
diferentes para diferentes momentos na
história da família.
É importante observar que alguns
terapeutas de família (como Haley,
Minuchin e White) na verdade evitavam
a utilização dos genogramas. Haley, por
exemplo, com frequência dizia que não
acreditava em fantasmas. Entretanto, embora terapeutas estruturais e estratégicos
de família como Minuchin, Watzlawick
e Sluzki não tenham usado genogramas
em suas abordagens, preferindo focar nas
relações da família nuclear, eles compartilham uma preocupação quanto às estruturas hierárquicas, particularmente as
alianças em que se cruzam as fronteiras
geracionais. Michael White (2006) sugeriu
que a coleta de informações para o genograma é problemática porque “privilegia”
certas experiências da família de origem
na comparação com outras relações, o que
pode desqualificar ou não reconhecer essas outras pessoas. No entanto, ele e outros profissionais do movimento da terapia narrativa expressaram forte interesse
por histórias de membros da sociedade
que foram marginalizados. Acreditamos
que é precisamente esse aspecto – a articulação de padrões históricos – um dos
aspectos mágicos dos genogramas. Eles
podem revelar aspectos da família que
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foram ocultados dos seus membros – segredos da sua história. Tais revelações
ajudam as famílias a entenderem seus dilemas atuais e oferecem soluções futuras.
De fato, um dos aspectos mais atraentes
dos genogramas é a forma como eles conduzem as famílias para além das perspectivas lineares unidimensionais que
com tanta frequência caracterizaram as
explicações psicológicas. Eles na verdade
ensinam as pessoas a pensarem sistemicamente porque, assim que os membros
da família e os terapeutas identificam um
padrão, sua visão é ampliada ao verem
também outros padrões. A grande riqueza do próprio gráfico do genogama facilita a identificação de mais de um padrão
ao mesmo tempo.
Medicina de família
Foram os médicos de família que primeiro
desenvolveram o uso do genogama para
registrar e acompanhar a história médica
de uma família de modo eficiente e confiável (ver Bibliografia por Tópicos: Serviços de Saúde, Medicina, Enfermagem,
Estresse e Doença; Campbel, McDaniel,
Cole-Kelly, Hepworth e Lorenz, 2002;
Jolly, Froom e Rosen, 1980; Medalie, 1978;
Mullins e Christie-Seely, 1984; Olsen,
Dudley-Brown e McMullen, 2004; Rakel,
1977; Rogers, Durkin e Kelly, 1985; Rogers
e Holloway, 1990; Sloan, Slatt, Curtis
e Ebell, 1998; Taylor, David, Johnson,
Phillips e Scherger, 1998; Tomson, 1985;
Wimbush e Peters, 2000; Wright e Leahey,
1999, 2000; Zide e Gray, 2000). Foram os
médicos de família que primeiro propuseram a padronização dos símbolos do
genograma (Jolly et al., 1980). Crouch
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(1986), um dos médicos de família mais
influentes na promoção dos genogramas,
também foi um dos primeiros na medicina a escrever a respeito do valor de se
trabalhar com a própria família com o
propósito de desenvolvimento profissional, uma abordagem que foi amplamente
promovida por Bowen e seus seguidores
durante muitos anos (ver bibliografia sobre Coaching).
No campo da medicina há muitos
esforços para incorporar os genogramas
como uma ferramenta básica. Scherger
(2005) escreveu um “alerta” a respeito da
crise atual na medicina de família e da
necessidade de se redesenhar o campo a
fim de se permitir que os médicos de família ofereçam cuidados verdadeiramente
orientados à família, para o que a atenção
às informações do genograma poderia ser
uma parte importante. Ele defende com
veemência que o uso de novas tecnologias
de informação ajudará a acompanhar e
lidar com as famílias de uma forma contextual, única possibilidade séria de se
prestar uma atenção adequada às famílias
em nossa sociedade. No entanto, teremos
primeiro que desenvolver uma tecnologia
para abordar as famílias sistemicamente e
treinar os médicos para utilizá-la, a fim de
que não sejam sobrecarregados pela confusão da papelada e dos serviços solicitados pelas companhias de seguro. Em um
artigo clássico publicado pelo Journal of the
American Medical Association, Rainsford e
Schuman (1981) escreveram sobre a importância dos genogramas e cronologias
familiares para o acompanhamento de
casos complexos e carregados de estresse, os quais muitas vezes requerem mais
atenção do sistema de saúde. Eles deram
o exemplo de uma família com diversos
problemas, como são muitas das que se
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apresentam em cada ponto de entrada do
sistema de saúde, nas agências de serviço
social, em escolas e no sistema de justiça
criminal. É de grande importância que se
tenham formas claras e abrangentes de
acompanhar os padrões de tais famílias,
já que estes podem representar muita
demanda a qualquer sistema. Os autores
apresentaram os eventos estressantes dos
membros de uma família e as visitas terapêuticas durante um período de 7 anos,
ilustrando a importância de que o médico
tenha uma visão longitudinal de todos os
membros da família juntos para que possa
entender a consulta de um determinado
membro único num ponto particular no
tempo. Os genogramas também permitem
que os terapeutas contrastem as visitas ao
médico com outros estresses familiares,
não apenas para um paciente, mas também para todos os outros membros da família. Com este mapeamento incluído em
todas as avaliações, seria muito mais fácil
identificar quando são necessários recursos extras para prevenir as perturbações
constantes de disfunções sérias.
Também é importante mostrar o contexto em torno da família biológica e legalmente constituída para que se entenda a família dentro do contexto. A Figura
1.2 ilustra a rede de parentesco informal
de amigos que conviveram com a minha
própria família nuclear (MM).
São pessoas, algumas mortas há muito
tempo e algumas presentes na minha vida
diária, que vivem no meu coração. Elas
são pessoas que poderiam oferecer um
empréstimo, ajudar meu marido ou filho
ou me dar força e coragem se eu estivesse
em crise. Os genogramas precisam mostrar não somente os membros biológicos
e legalmente constituídos de uma família,
mas também a rede de amigos e comuni-
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Joyce
Richardson
Kaiti
Jim
Hawkins
Irini Angeliki
Christos
John
Claire
Whitney
Froma
Walsh
Maria
Anderson
Mildred
GUY
Nasim
Barbara
Petkov
Evelyn Lee
Ken
Hardy
Gaby
Ariane
Alexander
Michael
Fernando Colon
Omar
Alex Charlee
Matthew
Mock
Cathal Daragh Emer Fiachra
Nollaig
HELEN
Sueli
Petry
Kalli
Adamides
Imelda
McCarthy
Dan
Morin
Theresa
Ava
David
Helen
Irene
Harold
Holden
Erica
Tommy
Lamar
Eliana
Gil
Robert
Jay
Green
Sarah
Carl
Leron
Paulette
Hines
John
Folwarski
Gabe
Fernanda
Joe
Elliot & Marie
Mottram
Margaret
Bush
Larry
BESSIE
DEGAN
Jack
Mayer
Ann Dunston
David
Tehan
Nydia
LIZZIE
PATRICK
IVERS
Frank
Mary Dennen
Pam
Lee
NEALE
Henry Byrne
Joan
AUNT MAMIE
JOHANNA
HURLEY
Natalie
Marie
France
NEIL
JOHN
CAHALANE
MONICA
Stef
MARY
McGUIRE
Jayne
Mahboubi
HUGH
MORNA
JOSEPH DANIEL
Raymond
LORETTA
JAMES
CUSACK
JOHN DANIEL
Maria
Carol
Anderson
Tolis
DANIEL
MARY ANN
McMENAMIN
SOPHOCLES
NEAL
McGOLDRICK
Margo
GeorgeBarbara
Jane
Sufian
Janey
Hart
Sarah
Charlotte
Sue
Sandy
Lieblum
Michael
Rohrbaugh
Varda
Betty Carter
Tim
Joan
Morell
Figura 1.2 Família e rede de McGoldrick.
Jim
Michener
Susan
George
Fremon
Bennett
Sam
Jim
Genogramas
▲ 29
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dade essenciais para que se compreenda
a família. Isso inclui as relações atuais e
também as que vieram antes e vivem no
coração da pessoa, dando-lhe esperança
e inspiração em momentos de angústia.
É esta rede de parentesco, não apenas os
parentes biológicos e não somente aqueles
que ainda estão vivos, que é relevante para
o desenvolvimento de uma compreensão
dos clientes e dos seus recursos possíveis.
Tais genogramas são uma parte importante da ilustração em maior profundidade
do contexto em torno da família nuclear.
A Figura 1.3 ilustra o fato de que a
história do genograma da família sempre
se desenvolve no contexto de estruturas
sociais mais amplas – culturais, políticas,
religiosas, espirituais, socioeconômicas,
de gênero, raciais e étnicas – as quais or-
ganizam cada membro de uma sociedade
em uma localização social particular.
É importante que o genograma seja
sempre pensado no seu contexto mais
amplo. Na verdade, às vezes definimos
os recursos e instituições da comunidade
para destacar o acesso que as famílias têm
ou a sua falta de acesso aos recursos dessa comunidade (Figura 1.4). Muitos vêm
tentando expandir os genogramas para
levar em conta as estruturas sociais mais
amplas na compreensão dos padrões do
genograma. Alguns já tentaram mapear
as conexões históricas ou comunitárias
dos padrões nacionais e culturais, por
exemplo, usando um genograma para
ilustrar as relações multigeracionais, entre irmãos adotivos e meio-irmãos envolvidos na reunificação da Alemanha,
ião/espiritualidade
Relig
ura geopolítica
Estrut
Cultura/etnia/raça
/orientação sexu
nero
al
Gê
tus socioeconôm
a
t
s
e/
ico
ass
Cl
Figura 1.3 O genograma em contextos múltiplos.
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Genogramas
Uma perspectiva dos sistemas
familiares
incluindo o “Tio Sam” e a “Mãe Rússia”,
para ilustrar as conexões multigeracionais internacionais que podem afetar negativamente as relações “fraternas” dos
alemães orientais e ocidentais hoje (Scharwiess, 1994). Rigazio-DiGilio e colaboradores (2005) sugeriram formas de descrever a comunidade em termos temporais
e contextuais mais amplos. Estes mapas
se parecem com ecomapas, ilustrando ao
redor de cada pessoa em uma grade esférica os vários acontecimentos e situações
que vieram a moldar as experiências dos
clientes ao longo do tempo. Embora não
sejam realmente genogramas já que não
são mapas familiares, eles tentam descrever aspectos do contexto dentro do qual
as pessoas vivem. Esperamos ansiosamente pela evolução dos genogramas
para que eles nos possibilitem ilustrar
melhor os níveis culturais mais amplos e
as dimensões individuais e de parentesco
específicas dos padrões familiares.
Polícia, sistema
legal, sistema de
justiça criminal
Uma perspectiva sistêmica orienta os terapeutas na utilização dos genogramas
para avaliação e intervenção clínica. Essa
perspectiva encara os membros da família como inextricavelmente entrelaçados
na vida e na morte, e encara todos os
membros da sociedade como basicamente interligados. Nem as pessoas, nem seus
problemas, nem as soluções para os seus
problemas existem no vácuo. Como disse
Paulo Freire (1994, p. 31): “Ninguém vai
a nenhum lugar sozinho, mesmo aqueles
que chegam fisicamente sozinhos... Carregamos conosco a memória de muitas
tramas, um self impregnado em nossa história e cultura”.
Todos estão inextricavelmente entrelaçados em sistemas interativos mais
amplos, dos quais o fundamental é a família. A família é o principal e, com raras
Instituições
governamentais
Avô
Recursos de
serviço social
Escolas
Avó
▲ 31
Avô
Avó
Sistemas de
transporte
Organizações
religiosas
Pai
Mãe
Organizações
políticas
Emprego
Filho
Filha
Filha
Vizinhos e
redes de
amizade
Shopping
Serviços
de saúde
Figura 1.4 Genograma dentro do contexto da comunidade.
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32
▲
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exceções, o sistema mais influente ao qual
pertencem os homens. Nessa estrutura, a
“família” consiste de toda a rede de parentesco de pelo menos três gerações,
como existe atualmente e também como
se desenvolveu através do tempo (Carter
e McGoldrick, 2005). Família é, pela nossa definição, aqueles que estão ligados
através da sua história biológica, legal,
cultural e emocional e pelo seu suposto
futuro juntos. O funcionamento físico,
social e emocional dos membros da família é profundamente interdependente,
e as mudanças em uma parte do sistema
reverberam em outras. Além disso, as interações e relações familiares tendem a
ser altamente recíprocas, padronizadas
e repetitivas. São esses padrões que nos
permitem fazer prognósticos provisórios
a partir do genograma.
Um pressuposto básico aqui é que
os sintomas refletem uma adaptação do
sistema ao seu contexto total em um determinado momento. Os esforços adaptativos dos membros do sistema reverberam através dos seus muitos níveis, do
biológico para o intrapsíquico e para o
interpessoal (ou seja, a família nuclear e
extensa, a comunidade, a cultura e mais
além). Além disso, os comportamentos
familiares, inclusive problemas e sintomas, originam mais significado emocional e normativo em relação ao contexto
sociocultural e histórico da família. Assim, uma perspectiva sistêmica envolve
a avaliação do problema com base nesses
múltiplos níveis.
As famílias estão organizadas dentro
de estruturas biológicas, legais, culturais
emocionais, além de uma organização de
acordo com a geração, idade, gênero e outros fatores. O ponto em que você se encaixa na estrutura familiar, como também
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no contexto mais amplo, pode influenciar
o seu funcionamento, os padrões de relação e o tipo de família que você formará
na geração seguinte. O gênero e a ordem
de nascimento são fatores-chave que moldam as relações e características entre os
irmãos. Dadas as diferentes configurações estruturais familiares mapeadas no
genograma, o terapeuta pode formular
hipóteses sobre as possíveis características de personalidade e compatibilidades
relacionais. Etnia (McGoldrick, Giordano
e Garcia-Preto, 2005), raça, religião, migração, classe e outros fatores socioeconômicos, assim como o estágio em que se
encontra a família no ciclo vital (Carter e
McGoldrick, 2005) e a localização na história (Elder, 1992) também influenciam os
padrões estruturais de uma família. Todos esses fatores fazem parte do mapa do
genograma.
As famílias repetem a si mesmas. O
que acontece em uma geração com frequência se repete na seguinte – ou seja,
as mesmas questões tendem a ser encenadas de geração para geração, embora
o comportamento possa assumir uma
variedade de formas. Bowen deu a isso o
nome de “transmissão multigeracional”
dos padrões familiares. A hipótese é que
os padrões de relação nas gerações anteriores fornecem modelos implícitos para
o funcionamento familiar na geração seguinte. No genograma exploramos os padrões de funcionamento, as relações e a
estrutura que continuam ou se alternam
de uma geração para a seguinte.
Obviamente, uma abordagem de sistemas envolve a compreensão do contexto
atual e do contexto histórico da família.
O “fluxo de ansiedade” (Carter, 1978) em
um sistema familiar ocorre ao longo da dimensão vertical e horizontal (Figura 1.5).
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Genogramas
Para o indivíduo, o eixo vertical inclui a
herança biológica e os comportamentos
programados, como o temperamento,
bem como outros aspectos da composição
genética. O eixo horizontal se refere ao
desenvolvimento do indivíduo durante a
vida influenciado por quaisquer experiências que possam alterar esse curso – relacionamentos, migração, saúde e doença,
sucesso, experiências traumáticas, etc.
No nível da família, o eixo vertical
inclui a história familiar e os padrões de
relação e funcionamento que são transmitidos para as gerações seguintes, principalmente através do mecanismo de trian-
▲ 33
gulação emocional (Bowen, 1978). Esse
eixo inclui todas as atitudes familiares,
tabus, expectativas, questões pesadas e
rótulos com os quais os membros da família crescem. Tais aspectos nas nossas
vidas são tudo o que temos. A questão é
o que fazemos com eles. O eixo horizontal descreve a família durante o seu movimento ao longo do tempo, enfrentando
as mudanças e transições no ciclo de vida
familiar. Esse eixo inclui estresses previsíveis do desenvolvimento e acontecimentos imprevisíveis, “os dardos e flechas de
uma sorte ultrajante” que podem interromper o processo do ciclo vital – morte
Fatores de
estresse verticais
Ecologia
edade mais ampla
Soci
Cultura
S
Self
m
ico
qu
tal intrapsí
en
l
ra
igos e comunidad
e
Am
ília extensa
m
a
F
ília nuclear
Fam
físico corpo
elf
Self
espiritual
- Pobreza, política
- Racismo, sexismo,
elitismo, homofobia
- Violência, adições
- Padrões emocionais
familiares
- Mitos, triângulos,
segredos
- Legados, habilidades e
incapacidades genéticas
- Crenças e práticas
religiosas
Tempo
Fatores de estresse horizontais
Desenvolvimentais
- Transições do ciclo vital
Imprevisíveis
- Acidentes
- Migração
- Desastres naturais
- Doenças crônicas
- Fatores econômicos, desemprego
Eventos históricos
- Eventos econômicos e políticos
Figura 1.5 Contexto para avaliação dos problemas.
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prematura, nascimento de um filho com
deficiência, migração, doença crônica,
perda do emprego, etc.
Em um nível sociocultural, o eixo vertical inclui a história cultural e social, estereótipos, padrões de poder, hierarquias
sociais e crenças, todos transmitidos através das gerações. A história de um grupo,
particularmente um legado de trauma,
terá influência sobre as famílias e os indivíduos ao longo do desenvolvimento das
suas vidas (p. ex., o impacto do holocausto
nos judeus e alemães, o impacto da escravidão e colonização nos afro-americanos,
latinos e os que se beneficiaram com essas
explorações; o impacto da homofobia nos
homossexuais e heterossexuais; etc.). O
eixo horizontal se refere às conexões com
a comunidade, eventos atuais e políticas
sociais à medida que afetam o indivíduo
e a família em determinada época. Esse
eixo descreve as consequências na vida
presente das pessoas de normas herdadas
da sociedade sobre racismo, sexismo, elitismo, homofobia e preconceitos étnicos e
religiosos enquanto são manifestados na
estrutura social, política e econômica que
limitam as opções de alguns e apoiam o
poder de outros (Carter e McGoldrick,
2005b). Com suficiente estresse nesse eixo
horizontal, qualquer família experienciará uma disfunção. Além do mais, os fatores de estresse no eixo vertical podem
curar problemas adicionais, de forma que
um pequeno estresse horizontal pode levar a sérias repercussões no sistema. Por
exemplo, se uma jovem mãe mexicana
tem muitas questões não resolvidas com
a sua mãe ou pai (ansiedade vertical), ela
pode apresentar uma dificuldade particular para lidar com as vicissitudes normais
da maternidade, combinadas com o racis-
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mo que ela vivencia em uma comunidade
norte-americana (ansiedade horizontal).
O genograma ajuda o terapeuta a acompanhar o fluxo da ansiedade através das
gerações e no contexto atual da família.
As coincidências dos acontecimentos
históricos ou eventos concomitantes em
partes diferentes de uma família são encarados não como acontecimentos aleatórios, mas como ocorrências interligadas
sistemicamente, embora as conexões talvez não sejam visíveis (McGoldrick, 1995).
Além disso, mudanças-chave no relacionamento familiar parecem ser mais prováveis de ocorrer em alguns momentos
do que em outros. Elas são especialmente
prováveis em pontos de transição no ciclo
vital. Os sintomas tendem a se aglomerar
em torno dessas transições, como quando
os membros da família enfrentam a tarefa de reorganizar suas relações uns com
os outros para passarem à fase seguinte
(Arter e McGoldrick, 2005). A família sintomática pode ficar parada no tempo, incapaz de resolver o seu impasse a fim de se
reorganizar e seguir em frente. A história
e os padrões de relacionamento revelados
na avaliação de um genograma proporcionam pistas importantes sobre a natureza
desse impasse – como um sintoma pode
ter surgido para preservar ou para prevenir algum padrão de relação ou para proteger algum legado de gerações anteriores.
Existem muitos padrões de relação
nas famílias. São de particular interesse
os padrões de distância relacional. As
pessoas podem ser muito próximas, muito distantes ou estarem em algum ponto
intermediário. Em um extremo estão os
membros da família que são distantes,
estão em conflito ou rompidos uns com
os outros. No outro extremo estão as fa-
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Genogramas
mílias que parecem estar emperradas em
uma “fusão emocional”. Os membros da
família nas relações fusionadas ou pouco diferenciadas são vulneráveis à disfunção, o que tende a ocorrer quando o
nível de estresse ou ansiedade excede a
capacidade do sistema para lidar com
isso. Quanto mais fechadas se tornam
as fronteiras de um sistema, mais imune
ele será às interferências do ambiente e,
consequentemente, mais rígidos serão os
padrões familiares. Em outras palavras,
os membros da família em um sistema
fechado e fusionado tendem a reagir de
modo automático uns aos outros, praticamente imunes aos eventos externos ao
sistema que requerem adaptação às condições em mutação. Fusão pode envolver
relações positivas ou negativas; em outras palavras, os membros da família podem se sentir muito bem em relação uns
aos outros ou experimentar nada mais do
que hostilidade e conflito. Em qualquer
um dos casos, existe um vínculo hiperdependente que une a família. Com os genogramas, os terapeutas podem mapear
as fronteiras da família e indicar quais
subsistemas dessa família estão fusionados e, assim, têm maior probabilidade de
estarem fechados a novas influências das
condições em mutação.
Como apontou Bowen (1978) e muitos outros, as relações entre duas pessoas
tendem a ser instáveis. Sob condições de
estresse, duas pessoas tendem a descarregar em uma terceira. Elas estabilizam
o sistema ao formarem uma coalizão de
dois em relação ao terceiro. A unidade
básica de um sistema emocional tende,
assim, a ser o triângulo. Como veremos
adiante, os genogramas podem ajudar o
terapeuta a identificar os triângulos prin-
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▲ 35
cipais em um sistema familiar, ver como
os padrões triangulares se repetem de
uma geração para outra e planejar estratégias para modificá-los (Fogarty, 1975;
Guerin, Fogarty, Fay e Kautto, 1996).
Os membros de uma família tendem
a se encaixar como uma unidade funcional. Ou seja, os comportamentos dos
diferentes membros da família tendem a
ser complementares ou recíprocos. Isso
não significa que os membros da família
possuem igual poder de influenciar as
relações, como fica óbvio a partir dos diferenciais de poder entre homens e mulheres, entre pais e filhos, entre os membros mais velhos e os mais novos e entre
os membros da família que pertencem
a culturas, classes ou raças diferentes
(McGoldrick, 1998). O que isso significa
é que pertencer a um sistema expõe as
pessoas a influências recíprocas e as envolve no comportamento umas das outras de formas intrínsecas. Isso nos leva a
ter a expectativa de uma certa adequação
ou equilíbrio nas famílias, envolvendo o
dar e receber, ação e reação. Assim, a carência em uma parte da família (p. ex.,
irresponsabilidade) pode ser complementada pelo excesso (hiper-responsabilidade) em outra. O genograma auxilia
o terapeuta a localizar os contrastes e as
idiossincrasias nas famílias que indicam
esse tipo de equilíbrio complementar ou
recíproco.
Um alerta
Ao longo deste livro faremos asserções
sobre as famílias com base nos seus genogramas. Essas observações são apresen-
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tadas com hipóteses provisórias, como
acontece com os genogramas em geral.
Consistem em sugestões a serem submetidas a uma exploração mais profunda.
Os prognósticos baseados no genograma
não são fatos. Os princípios de interpretação dos genogramas devem ser encarados
como um mapa rodoviário que, ao destacar determinadas características do terreno, nos guia através do complexo território da vida das famílias.
Muitos dos genogramas aqui apresentados incluem mais informações do
que a nossa discussão pode abranger. Encorajamos os leitores a usarem esses genogramas ilustrativos como ponto de partida para um maior desenvolvimento das
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suas próprias habilidades na utilização e
interpretação dos genogramas.
Os genogramas são obviamente limitados nas informações que exibem,
embora futuramente os computadores
permitirão que coletemos muito mais
informações em um genograma do que
podemos exibir de uma só vez. Os terapeutas sempre reúnem mais informações
sobre as vidas das pessoas do que aparece em alguma ilustração de genograma.
Em breve teremos condições de escolher
quais aspectos de um genograma queremos exibir para um objetivo particular,
tendo ao mesmo tempo condições de
manter a história integral na base de dados de um computador.
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