O Caminho de Ferro visto através dos conteúdos

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O Caminho de Ferro visto através dos conteúdos
O Caminho de Ferro visto através dos conteúdos da Secção
Museológica de Santarém
Composição de Rosa Gomes
O Caminho de Ferro no mundo aparece em Inglaterra, como corolário da Revolução
Industrial e da aplicação do vapor ao transporte de pessoas (serviço público do transporte de
passageiros), o que acontece em 25 de Setembro de 1825, entre Stockton e Darlington
(região mineira do leste de Inglaterra, entre York e Newcastle, numa extensão de 61 km).
OS CAMINHOS DE FERRO EM PORTUGAL
Preocupações ferroviárias de D. Pedro V
Os caminhos de ferro em Portugal começam a tomar corpo quando a 7 de Julho de 1851
entrou para o Governo, como Ministro da Fazenda Pública, um jovem tenente de
engenheiros, de nome António Maria Fontes Pereira de Melo, conquistando rapidamente a
confiança do Príncipe Real e do Duque de Saldanha, também muito interessados pelos
caminhos de ferro. Mas os refractários do progresso não faltavam, como é normal nestas
circunstâncias, contando-se entre eles Almeida Garrett. A própria imprensa da época
comentava depreciativamente os caminhos de ferro. Assim, um deles dizia que “quem não
viajasse à janela dos comboios morreria abafado e que se viajasse mais de meia hora ficaria
em estado sonâmbulo”. Outro jornal afirmava que “o caminho de ferro iria permitir que os
espanhóis nos invadissem a seu belo prazer, dando um passeio até Lisboa”.
Em 1852, o Príncipe Real visita a Inglaterra e nas suas deslocações utilizou várias vezes o
comboio, tendo ficado entusiasmado com a rapidez das viagens sobre os carris, registando
no seu “Diário” estas impressões: “Que vantagens não retiraria o meu pobre país de um
caminho de ferro? Quanto não fertilizaria e enriquecia ele o comércio do Alentejo, que fonte
de prosperidade não seria ele para o País!? Mas quando se fará ele? Certamente não quando
mesquinhas paixões lhe fazem uma sórdida resistência, certamente não enquanto não
empreenderem esta obra máxima de utilidade pública nomes respeitáveis. Triste é dizê-lo,
mas a Companhia Peninsular dos Caminhos de Ferro não merece o mínimo conceito em
Londres. Tudo vem do medo de gastar um pouco para ter melhor. É vergonhoso dizer-se que
há 8 meses que se está fazendo um corte que está longe de ser muito considerável. Seria
obra de uma semana, se tanto, em Inglaterra. Os olhos já vão rompendo a nuvem de poeira
que se tem levantado diante deles; e o povo algum dia declarar-se-á solenemente contra o
escárnio que há 20 anos todos os Governos em Portugal dele têm feito. E fatal e tremendo
será esse desagravo. Ainda é tempo de remediá-lo, mas não há tempo a perder.
O que sei dizer é que enquanto não houver confiança, que enquanto não houver quem
arrisque grossos capitais em obras vantajosas, que enquanto qualquer reforma útil tenha
que depender forçosamente de considerações, as mais das vezes prejudiciais para o bem
público, nunca faremos coisa capaz e nunca resolveremos satisfatoriamente as grandes
questões económicas de que depende o nosso bem estar. Enquanto não firmarmos com
bases sólidas o nosso crédito, enquanto não tivermos ao menos um caminho de ferro que
nos una com o mundo civilizado, enquanto tivermos bestas que escrevam que um caminho
de ferro que nos una com a Espanha ameaça a nossa independência e que os vagões dos
caminhos de ferro não podem conduzir grandes pesos, renunciaremos a ser coisa alguma,
pois tornamo-nos uns bárbaros e pertencentes assim só de facto mas não de direito ao
continente europeu. Creio que nem em Espanha se escreveram mais asneiras sobre
caminhos de ferro do que em Portugal, chegando a haver alguns que disseram que um
caminho de ferro esgotaria em breve os recursos do País”.
A par do interesse do futuro Rei são também de assinalar os esforços desenvolvidos pelo
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Ministro da Fazenda e das Obras Públicas, Fontes Pereira de Melo, em prol do
desenvolvimento das comunicações, da indústria, do comércio e da agricultura em Portugal,
rebatendo, na Câmara, todas as vozes discordantes, com afirmações como estas: “A
organização da Fazenda são as estradas, são os caminhos de ferro e o desenvolvimento do
comércio e das indústrias e o melhoramento das colónias, e são as reformas em tantos
ramos da administração pública que todos se ligam por si e devem concorrer para a
prosperidade do País”.
Mas Fontes não fica por aqui e, em Novembro de 1853, desloca-se a Paris e Londres para
tratar da questão dos caminhos de ferro, celebrando na Praça de Paris, por parte do
Governo, um contrato provisório com a Sociedade Geral de Crédito Mobiliário e com os srs.
Emile e Isaac Pereira, Fould e Foul Oppenheim, todos de Paris, e Charles Devaux e Usieli, de
Londres, para o estudo da construção das linhas de Lisboa à fronteira de Espanha e Lisboa
ao Porto.
Dando conta da sua viagem na Câmara, o grande reformador proclamou: “Temos tido cinco
anos de paz profunda e a mais completa liberdade. Temos pago pontualmente os
vencimentos dos servidores do Estado e satisfeitos os encargos da dívida fundada interna e
externa. Melhorou o crédito público. Uma secção de 36 quilómetros de caminho de ferro
dentro em pouco vai abrir-se à exploração, e trabalha-se nas duas linhas de Vendas Novas e
de Sintra. Noventa e duas léguas de excelentes estradas foram construídas e estão prontas
em diferentes distritos do Reino, e 24 léguas se acham actualmente em construção em
várias localidades. Fizeram-se dezassete pontes importantes e trabalha-se em vinte e oito.
Está-se montando um telégrafo eléctrico. Criaram-se escolas de instrução primária.
Organizou-se o ensino da primeira e mais útil das artes, a agricultura, e mais de mil
operários recebem hoje a instrução de que careciam nas escolas industriais, que de novo se
instituíram”.
O Príncipe herdeiro que seguira com muito interesse todos os pormenores da missão de
Fontes no estrangeiro, escreve a 7 de Maio de 1855 uma carta para o seu tio, o Príncipe
Alberto, marido da Rainha Vitória, da qual se extrai a seguinte passagem:
“É possível que esta carta lhe seja entregue pelo nosso Ministro da Fazenda, o Senhor
Fontes, que vai passar uns dias a Londres na esperança de conseguir grandes coisas para o
crédito português. Não posso ter ilusões que o tio goste deste produto de Portugal. Ele é um
impulsivo cheio de ilusões, algumas das quais o tio será capaz de discutir. Cheguei à
conclusão de que seria imprudente impedi-lo de procurar obter algumas vantagens muito
duvidosas. Apenas exprimi calmamente as minhas dúvidas em relação ao êxito da sua visita.
Ele espera ser capaz de escrever para Portugal como César: veni, vidi, vici; talvez só seja
capaz de escrever veni, vidi, vitia. Regent Street, à noite, terá para ele atracções especiais.
Estou ansioso por ouvir as suas opiniões sobre este cavalheiro. Ele é muito elegante e
liberalmente perfumado, tem capacidade, mas um enorme poder de imaginação”.
Como na resposta, o Príncipe Alberto aconselha o sobrinho a não criar dificuldades ao seu
Ministro da Fazenda, o Príncipe Real, em 22 de Dezembro escreve de novo ao seu tio, nos
seguintes termos:
“ Estou muito contente por o tio não desgostar de Fontes. Tive muito medo que ele fosse
falar ex-cátedra em Londres, como o faz em Lisboa. Mas vejo agora, tem aproveitado com a
visita e que finalmente entrou com o pé direito, tentando levantar em Londres os nossos
infundados créditos, sem o que nada se podia fazer (…).
“Ontem recebemos as melhores notícias possíveis de Fontes, nomeadamente de que
Thornton chegou a acordo com ele e que se removeram vários e infelizes obstáculos
respeitantes ao nosso sistema de caminhos de ferro. Fontes relata também um empréstimo
de 1 500 000 libras que ajudam enormemente a nossa tarefa. Pela minha parte vou procurar
que este dinheiro seja bem empregado, seja elaborado um plano e que o trabalho seja
levado a cabo com grande energia. Estou radiante com este êxito, pois dá grande autoridade
moral ao Ministro e permite-me transformar esta autoridade em coisa útil”.
Entretanto, em fins de Fevereiro de 1855, Fontes apresenta o seu relatório justificativo da
série de propostas que submete ao Parlamento.
Propostas para Construção dos Caminhos de Ferro
Os principais assuntos dessas propostas diziam respeito à construção do caminho de ferro.
Pedia-se nelas autorização para negociar o empréstimo externo para aprovar o contrato
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celebrado em Londres entre o Ministro da Fazenda e os empreiteiros do caminho de ferro do
Leste: William Shaw e Charles Waring, da firma Waring Brothers para a rescisão do contrato
de empreitada; autorização para o Governo tomar aos accionistas da companhia do caminho
de ferro as acções que possuíssem pelo valor do desembolso designado nas mesmas,
satisfazendo-lhes a respectiva importância e o juro vencido”.
E quando tudo parecia correr às mil maravilhas dá-se uma cisão entre D. Pedro e o Ministro
Fontes, donde resultou a seguinte carta de 8 de Maio de 1855 dirigida ao Príncipe Alberto de
Inglaterra:
“Desde o dia em que Fontes partiu para Londres toda esta questão me tem parecido como
um sonho que talvez se resolva numa terrível realidade se as Câmaras aprovam o decreto”.
E mais adiante:
“Dentro de poucos meses a boa estrela de Fontes apagar-se-á. Durante algum tempo ele
brilhou como um jovem de iniciativa, especialmente por que toda a gente julgava que ele
não estava infectado de preguiça que torna em Portugal os homens tão pouco capazes para
a vida política (palavras que se revestem de uma grande actualidade, o A.). De tenente de
engenharia subiu à categoria ministerial, e houve qualquer coisa de brilhante nesta repentina
promoção que fez ganhar a estima de bastantes. As suas primeiras medidas foram boas,
mas gradualmente começou a fazer erro sobre erro e a arruinar o nosso crédito. E então
pode perguntar-se onde estava o nosso crédito? Transformou a questão dos caminhos de
ferro numa tremenda embrulhada. Ele é orgulhoso demais para sequer reconhecer os seus
pecados a ninguém é permitido dar-lhe bons conselhos, pois julga-se sabedor de tudo o que
há a saber acerca da maneira como trabalha o Tesouro. Mesmo eu não lhe posso falar sem
me expor ao risco do insulto a que não é sempre possível fazer frente. Déspotas como ele
que se cognominam como liberais são insuportáveis. Eu trato delicada, mas friamente, pois
não se pode estar de relações amigáveis e francas com toda a gente”.
Embora D. Pedro e o Ministro Fontes tivessem a mesma exacta noção sobre a importância
dos caminhos de ferro na vida do País, as relações entre ambos deterioravam-se dia a dia, a
ponto de o Príncipe Real se ter servido da frase “Parar é morrer” que Fontes empregou num
dos seus discursos perante as Câmaras, para um dia agastadamente lhe declarar que
“Morrer é parar”.
A 6 de Junho de 1856, demite-se o Ministério da Regeneração que, segundo Júlio Vilhena,
autor do livro “D. Pedro V e o seu reinado”, deu dois grandes homens, os maiores de todos
no regime constitucional: Rodrigo da Fonseca Magalhães e Fontes Pereira de Melo.
Às visitas a Xabregas sucediam-se as a Sacavém, sempre com o mesmo ânimo de
investigação(…).
Identificara-se S. M. por tal forma, como directo colaborador na execução, tão geralmente
almejada, do primeiro caminho de ferro em Portugal, que, como pertencendo à corporação
dirigente, antes da abertura à circulação pública do troço de Lisboa ao Carregado, tomou S.
M. a iniciativa de fazer um convite pessoal para uma excursão de recreio, de família, de
Lisboa a Vila Franca, em tempo em que ali grassava com intensidade o flagelo da cóleramorbus, aliando a agradável passeata campestre o exemplo de coragem em não temer o
perigo, que S.M. bem provou depois nunca temer.
Compunha-se o acompanhamento de S. M. ; El-Rei D. Fernando (pai do monarca), de
SS.AA. os infantes D. Luís, D. João e D. Augusto, e membros da corte do serviço de cada um
dos augustos excursionistas, sendo o general Silva e Costa e o Duque da Terceira os chefes
da comitiva.
Os membros da administração, visconde de Orta, Paiva Pereira da Silva e marquês de
Ficalho, resolveram fazer as honras a S. M. acompanhando-o na excursão.
O então director, F. Wattier, considerando-se em interinidade de funções próximo a deixálas não tomou parte na festa que considerou extemporânea.
O chefe da Exploração , Mr. Doublet, sob a impressão de muitas contrariedades, que
incompetentes ambiciosos lhe opunham, e, receando com razão algum dissabor, limitou-se a
dar as ordens necessárias para o bom êxito da viagem.
Questões de mera intriga interna em conquista de cargos superiores da futura
administração, tinham afastado da direcção técnica da exploração, ainda não em vigor, os
carácteres respeitáveis de João Crisóstomo e Simões Margiochi.
Sem pessoa habilitada para o cargo de engenheiro de material e tracção, este importante
serviço era desempenhado por simples maquinista do serviço de construção, um inglês,
outro francês, que mutuamente se odiavam e contrariavam.
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Por não estar ainda concluído o aterro sobre o rio de Sacavém, a comunicação entre Lisboa
e Vila Franca tinha ali interrupção, que obrigava a fazer um comboio de Lisboa a Sacavém
transbordando-se os visitantes para outro formado além do ponto interceptado.
O serviço de telégrafo ainda não estava estabelecido, e as comunicações eram feitas por
guardas da linha estacionados a curta distância uns dos outros.
O marquês de Ficalho e o director, conhecendo este mau estado, mas não querendo
contrariar El-Rei, encarregaram um antigo empregado superior, alheio a todo o elemento em
desarmonia, de acompanhar o comboio e com os engenheiros fiscais do governo
diligenciaram levar a bom termo o passeio de Sua Majestade.
A maior satisfação manifestava S. M. aos seus convidados, indicando-lhes os pontos em
que os trabalhos eram mais difíceis e que conhecia pelas amiudadas visitas que fazia.
Além das máquinas destinadas a rebocar os comboios para serviço das quais fora escolhido
o maquinista Pilkington filho, estava ordenado que houvesse outras duas acesas, uma em
Lisboa e outra em Sacavém, para serem empregadas no caso de avaria de alguma das dos
comboios.
Ao passar em Sacavém e, enquanto Sua Majestade explicava aos seus convidados a
dificuldade em vencer a solidez do aterro sobre o rio, notou o agente superior estar apagada
a máquina de reserva que devia estar acesa e, sabendo do maquinista que não havia
recebido ordens para a ter acesa, ordenou-lhe que desde logo a tivesse em estado de poder
substituir a que ia rebocando o comboio, caso esta sofresse avaria.
Efectuado o transbordo (falta da ponte sobre o rio) e posto o comboio em andamento
tomaram lugar no tender da máquina os engenheiros Gromicho Couceiro, Sousa Brandão e
Miguel Queriol, já então empregado superior, encarregado pela direcção de superintender no
serviço de excursão.
Deve notar-se que, apesar dos bons desejos, a arte prática dos serviços ferroviários era
completamente ignorada no País, e por isso iam todos os que tomavam lugar no comboio à
mercê dos conhecimentos do maquinista.
Sem empregar grande velocidade, passada a estação da Póvoa de Santa Íria e próximo a
Alverca, um forte estampido produzido no interior da caldeira da locomotiva e seguido de
copiosa nuvem de vapor envolveu todos os que ocupavam lugares no tender.
O pânico natural apoderou-se do engenheiro Sousa Brandão que diligenciava saltar para a
via, quando ainda a máquina, apesar de fechado o regulador e apertados os freios,
continuava avançando.
O empregado superior da Companhia, opondo-se a que Sousa Brandão saltasse para a via,
lutando para o segurar, partiu o vidro do nível da água da caldeira que expelindo-lhe um
forte jacto de vapor sobre os olhos o fez crer que a cegueira havia sido a consequência da
sua dedicação.
Animado por tão manifesto interesse, o restabelecido, recorrendo à sua energia, ordenou
ao arvorado em condutor do comboio que, sem mais detença, fosse a Alverca alugar ou
mesmo comprar um cavalo e fazer com que a máquina, que ali se achava, viesse substituir a
avariada.
No entanto, assegurando o maquinista que esperava reparar a avaria, todos os visitantes
se distraíam contemplando a paisagem.
Aproximava-se o fim da tarde e El-Rei D. Fernando, cansado de esperar e não confiando na
reparação da máquina, despediu-se da comitiva e acompanhado de Gromicho Couceiro, pôsse a caminho de Lisboa cantarolando alegremente”.
E as preocupações do Rei pelos caminhos de ferro não param, pois em 26 de Dezembro de
1858 escrevia ao ministro das Obras Públicas uma carta da qual extraímos os seguintes
trechos:
Melhoramentos das Comunicações
“Eu não quero nem posso acreditar que se tenha esquecido completamente o assunto
referente ao melhoramento das comunicações.
Seja ou não assim, não deve ficar admirado se eu lho venha lembrar agora.
Não discutirei o assunto, pois, pelo meu lado, estou convencido de que, seja como for, de
qualquer dos muitos pontos de vista que é ou pode ser considerado, é a salvação económica
do nosso País. Da ligação com a Espanha, isto é, com a Europa, depende o de envolvimento
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do porto de Lisboa, que é o desenvolvimento do próprio país.
É dos caminhos de ferro que nós dependemos para dar impulso à exploração dos nossos
recursos materiais em que, dadas as constantes certezas que nos dão, devemos acreditar.
É dos caminhos de ferro internacional e interno, unidos ou não, pois basta que eles todos
comecem em Lisboa, que nós numa palavra, dependemos para criar um comércio próspero,
para pôr termo ao estado de decadência em que está a nossa indústria ou para combinar
estes dois aspectos.
A importância comercial de Lisboa está a diminuir como resultado de melhores
comunicações entre os grandes centros de comércio da Europa e os países a que servia de
entreposto.
Se o caminho de ferro europeu não pode competir com as linhas de navegação do Norte, se
despreza as riquezas inesgotáveis da produção espanhola por falta de transporte, Lisboa,
num espaço de poucos anos deixará de ser um porto de escala para o comércio
transatlântico (…).
Não só me parece impossível negar que uma navegação mais rápida provocaria uma
completa mudança no desenvolvimento do porto de Lisboa, mas é-se cego, se não se quer
compreender os esforços que está a fazer o governo espanhol para tornar Vigo o términus da
linha que liga a Espanha a Europa. Ainda mais cego seria aquele que deixasse de ver, no
desenvolvimento de Vigo, a decadência de Lisboa (…).
Estas considerações, que eu já tive ocasião de expor mais pormenorizadamente levaramme a opor-me à actual construção do caminho de ferro entre o Porto e Vigo e não me
arrependo de o ter feito (…).
Em 1860, o rei, servindo-se de um pseudónimo, enceta uma polémica com o capitão de
infantaria 17, Augusto Pimentel, acerca da linha do Leste, uma vez que este denota nos seus
artigos publicados na Revista Militar, certa apreensão de carácter militar, parecendo-lhe
vantajoso que a linha férrea se aproxime da muralha do forte de Elvas por, em caso de
guerra, se encontrar ao alcance da artilharia. Discordando deste receio, o rei escreve na
referida revista:
“Procuram uns uma linha que não seja perigosa em caso de guerra; não a hão-de achar.
Raro é encontrar nas coisas humanas o bem sem a mistura do mal, este não pode condenar
aquele. Outros a nosso ver, mais discretos, contentam-se com que a linha do Leste seja um
auxiliar efectivo da defesa do País. Não condenam absolutamente o traçado adoptado pela
Câmara dos Deputados; contentam-se com ele, se de todo não forem atendíveis as
reflexões, pelas quais pretendem provar a vantagem de um maior afastamento da fronteira e
de um aproveitamento cuidadoso dos estorvos que a configuração do solo oferece ao
invasor. A passagem por Elvas realiza em grande parte este intuito (…).
Qualquer traçado seria perigoso e o caminho de ferro, ou não se fazia, ou far-se-ia em
condições que lhe comprometeriam gravemente a sua produtividade.
Armemo-nos ou neutralizemo-nos, que assim veremos desaparecer o perigo, a que
julgamos abrir a porta; mas não sacrifiquemos as condições da nossa prosperidade material
a uma inteligência acanhada das nossas necessidades militares (…).
Creio bem que isto só por si mostra, a sociedade, o grande interesse de D. Pedro V pelos
caminhos de ferro portugueses, sempre atento a todos os aspectos (económico, técnico e
militar) que envolviam a sua construção, evidenciando bem a estrutura de um jovem rei que
a morte arrebatou na flor da vida e de quem havia muito a esperar.
Fonseca Vaz
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Nomes que fizeram história…
G. Stephenson, contou com as contribuições de seu filho Robert no
aperfeiçoamento da máquina a vapor: colocou os cilindros de cada lado da
caldeira; substituiu o sem fim por tirantes metálicos (bielas); aplicou
excêntricos aos eixos das rodas motoras e utilizou a caldeira tubular.
Denis Papin – físico e inventor francês - após ter ajudado Christian Huygens
a construir 1 máquina baseada no poder de tiro (a explosão podia ter criado
vácuo sobre um piston e a pressão exterior do ar podia forçar o piston para
baixo – dar movimento) teve a brilhante ideia de fazer a mesma coisa com o
vapor de água.
A máquina de Papin era um tubo de metal (fechado numa ponta) com um
piston dentro. Por baixo do piston havia uma pequena quantidade de água
que, aquecida e transformada em vapor, elevava o piston que atingia o topo
do cilindro – onde era parado por um lingueto.
Um fio de água era espalhado pelo cilindro. O vapor dentro condensava.
Este produzia um vácuo parcial e a pressão exterior do ar forçava o piston
para baixo (pancada activa)
O tubo tinha 3 peças: caldeira, cilindro, condensador de vapor: a máquina a
vapor assumiu/construiu, passo a passo, e separadamente estes três
componentes/partes
T. Newcomen, em 1712, independentemente de Papin, construiu a 1ª
máquina a vapor com base num piston dentro de 1 cilindro)
Watt foi quem aplicou o princípio de Papin a um veículo de tracção, utilizando
um cilindro (com um êmbolo) – tal como o das locomotivas que conhecemos
Trevithick, aperfeiçoando os inventos anteriores, construiu a 1ª locomotiva
capaz de rolar sobre carris (pranchas de madeira chapeadas a ferro) para o
serviço de minas em 1804. O cilindro estava colocado horizontalmente sobre
a caldeira, e o movimento, a partir de uma roda volante, era transmitido às
rodas tractoras por meio de engrenagens, porque a caldeira não fornecia a
pressão necessária. Como as rodas não tinham chanfradura, podiam as
locomotivas andar também nas estradas.
O caminho de ferro em Portugal iniciou-se com a criação da Companhia das Obras Públicas
em 1844, reinando D. Maria II.
Mas, é com Fontes Pereira de Melo à frente do Ministério da Fazenda e logo do das
Comunicações, em pleno período político conhecido por Regeneração, que este modo de
transporte se impõe.
Quintas de Recreio ao Longo do Tejo e da linha dos caminhos de ferro
Com o triunfo do liberalismo, perdido o Brasil e não tendo ainda, clareado o
“império” de África, a atracção pela Europa além Pirinéus, em especial a que se construía
nas oficinas e fábricas do Reino Unido, França, Rússia, estados da Alemanha e nos nóveis
países surgidos do desmantelamento do império napoleónico, Bélgica e Holanda, colocou
ao governo português a necessidade de definir uma mais actual política de transportes.
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A morosidade, características arcaicas e custos altíssimos dos que circulavam pelos
poucos e maus caminhos nacionais, incluindo-se neste os fluviais e a navegação de
cabotagem, deixavam isoladas largas manchas territoriais do reino.
Nos países citados iniciara-se nos anos de 20 e 30, apesar dos seus custos, a realidade
dos CF, uma necessidade indispensável para a circulação de mercadorias e escoamento
para as principais cidades e zonas costeiras da produção industrial que tornavam esses
estados em motores da contemporaneidade.
Na década de 40 do século passado estabeleceu-se o debate e coube a José Bernardo da
Silva Costa Cabral (1801-69), irmão do à época (Dezº. de 1844) ministro, António
Bernardo da Costa Cabral (1803-89) – ministro do Reino num governo presidido por
António Severim de Noronha, duque da Terceira (1792-1860) – depois conde (1845) e
marquês (1878) de Tomar, a iniciativa de fundar a Companhia de Obras Públicas de
Portugal que não vingou.
Em 1852 o Engº. Thomaz Rumball, da Companhia Central Peninsular dos Caminhos de
Ferro em Portugal, redige um relatório sobre o levantamento da planta da linha de CF
entre Lisboa e Santarém; data de Setembro de 1854 o decreto que estabelece o
regulamento da Companhia e, em Julho de 1855, surge a lei que autoriza o governo a
iniciar no Cais dos Soldados o CF de Lisboa a Santarém e, logo em Agosto do mesmo
ano, Thomaz Rumball apresenta à Direcção Geral da Companhia Real CFP um relatório
contendo um plano geral do CF Leste e justificando a sua utilidade.
Só com Fontes Pereira de Melo (1819-87) – alvo privilegiado da caricatura satírica de
Rafael Bordalo Pinheiro, em especial nas suas publicações O António Maria e Pontos nos ii
– ao ocupar a função de ministro das Obras Públicas (Maio 1851 – Junho 1856),
ministério de que sugerira a criação ao presidente do conselho de ministros, João de
Oliveira e Daun (1790-1876), duque de Saldanha, se desenvolveu a concretização dos CF
portugueses, inovação que obrigou ao levantamento de vultuosíssimos empréstimos no
estrangeiro e originou especulações financeiras que foram debatidas na imprensa da
época.
Em Dezembro de 1855 Fontes Pereira de Melo assina um acordo com Shaw & Waring
Brothers rescindindo o contrato de empreitada com a Companhia Central Peninsular CFP.
A primeira estação de CF em Lisboa localizou-se em Santa Apolónia, nome que
lhe advinha do extinto convento (com traseiras para a praia) do mesmo nome fundado
no séc. XVII e que depois de extinto recolheu meninos da Real Casa Pia. Em 1852 o
velho convento passou a propriedade dos CF; mais tarde a igreja seria utilizada como
mercearia da Cooperativa dos Empregados da CP.
A “estrada de ferro” que ligava Santa Apolónia – não a actual estação, em
funções apenas em 1865, mas um pequeno e provisório cais localizado um pouco mais
adiante – ao Carregado, corria numa via coma bitola de 1,44m quando, hoje, a utilizada
é de 1,67 m.
No caminho o combóio parava no Poço do Bispo, Olivais, Sacavém, Póvoa, Alverca,
Alhandra, Vila Franca de Xira e terminava no Carregado. Em 1858, segundo um cartaz
existente, o CF continua com paragens em Vila Nova, Azambuja, Reguengo, Santana e
chega a Ponte de Asseca.
Até ao Carregado passava o CF ao longo de inúmeras quintas de recreio e prazer,
ainda pertencentes a velhas famílias históricas que viviam os últimos anos de poder
territorial antes que a abolição da lei do morgadio e a perda de poder político, levassem
ao empobrecimento perante o triunfo do poder burguês, ao abandono e venda dessas
mesmas quintas.
É a marquesa de Rio Maior, de Bemnposta e de Subserra, Maria Isabel de Saint
Léger, quem nas suas Memórias (1830) relata a Branca de Gonta Colaço:
“ Ao longo da margem do Tejo, sucediam-se os palácios e quintas senhoriais, desde
Xabregas até á Póvoa. E neles se davam constantemente festas luzidias que bem
marcavam a preferência da melhor sociedade do tempo por aquela linda região”.
E, depois, vai inumerando: “ O conde de Farrobo chegava a reunir no seu palácio (1)
para cima de cem hóspedes, aos quais proporcionava sem cessar deslumbrantes caçadas
e representações... No solar do Bulháco, perto de Alhandra, os nobres condes da Cunha
recebiam amiudadas vezes. Não longe ficava a quinta da Freiria dos viscondes de Asseca,
perto da magnífica propriedade da Conceição, dos marqueses de Abrantes possuíam a
quinta da Piedade (2), já na Póvoa; e mais acima, em Vialonga, fixara residência o
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(depois) duque de Loulé com a Sereníssima Senhora Infanta Dona Ana (de Jesus Maria
de Bragança, filha de D.João VI e de D. Carlota Joaquina), sua esposa. O solar do senhor
de Pancas ficava na Alhandra ... Era também na Alhandra a quinta do repouso; pertencia
à família Palmeiro, depois barões da Regaleira... Subserra (2), a nossa propriedade, fica
também na Alhandra, a meia encosta, dominando o vale. O duque da Terceira,
estribeiro-mór, ocupava a sua formosa quinta do Sobralinho (2), onde frequentemente
hospedava Suas Majestades”.
É este mundo, um olhar sobre o passado que fenecia em festas e os novos
tempos que desapontavam com o caminho de ferro, que, hoje, o Centro Nacional de
Cultura, comemora os 140 anos da 1ª ligação ferroviária portuguesa, ligando Lisboa ao
Carregado, primeiro romper do ferro pela terra portuguesa a caminho da Europa.
CF - isto é, Caminho de ferro.
(1) – Localizado na Quinta do Cabo, Vila Franca de Xira.
(2) – Propriedades, hoje da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira que na Piedade,
Subserra e Sobralinho instalou, depois de obras de restauro, núcleos
museológicos tornando-as de novo, em zonas de lazer e recreio, desta feita para
a população concelhia.
Vitor Wladimiro Ferreira, Janeiro de 1997
A 1ª viagem de comboio em Portugal aconteceu em 28 de Outubro de 1856, entre Lisboa e o
Carregado, com a presença do rei D. Pedro V.
O que dizia a imprensa da época – 1856
“Á festa da inauguração assistiu El-Rei, seu augusto pai, toda a família rea
corpo diplomático, os ministros d’estado, os comandantes superiores dos corpo
capital, e grande numero de pessoas distinctas.
Depois que o cardeal patriarcha fez a ceremonia da benção das locomotivas,
metteu-se a familia real e a regia comitiva, o corpo diplomatico, ministros,
militares e varias outras pessoas de distinção nas carruagens do trem que
lhes estavam destinadas e partiram, no meio das acclamações do povo que
assistia áquele acto.”
Portugal pretendia ligar-se a Espanha, e daí à Europa, bem como aproximar as duas
maiores cidades do reino: Porto e Lisboa.
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O que dizia a imprensa da época – 1856
Sala de espera
No edifício da estação provisória da estação de Lisboa “Há tres salas decentes, com bancos
almofadados, onde esperam os passageiros das tres distinctas classes. Todas ellas tem
janelas para a gare d’onde se vê chegar e partir os trens.”
Procedimentos de Embarque
Após a chamada dos passageiros para o comboio, “fecharam-se as portinholas dos wagons,
tocou o apito do condutor, ouviu-se o assobio da valvula da locomotiva, soou uma sineta, e o
comboi poz-se em marcha.
O Requinte das Carruagens
“As carruagens de 1ª classe são realmente d’um luxo deslumbrante; não se póde exigir mais
de 2ª (...)
tendo bellos assentos almofadados com encostos da mesma forma e m
commodidades exigidas para tornar agradável, e o menos incommodo possível o transito
passageiro que viaja tão confortavelmente, como sentado no seu soffá ou divan. A difere
destas para as outras é não terem assentos almofadados, e terem cortinas em vez de janell
portas envidraçadas como nas de 1ª e 2ª, e isto apenas pelo preço de 180 reis por 7 leg
portuguezas” ou “36 kilometros, segundo a moderna divisão metrica”
As de 1ª são “forradas de veludo carmezim e teem poltronas e espelhos dourados (...) as de
classe são tambem muito commodas: os encostos e assentos estufados de marroquim, mas
sem espelhos nem tapete como nas de 1ª classe”
Os wagons de 1ª classe tem quatro divisões ou compartimentos, cada uma das quaes
accomoda 6 pessoas em confortáveis assentos de molas (...) Os de 2ª classe tem assentos
de crina forrados de oleado, e accomoda cada divisão 10 pessoas ou 40 por wagon”
A origem inglesa das primeiras ideias, propostas, maioria do capital, pessoal
dirigente e do material circulante ao serviço da Companhia Central Peninsular dos Caminhos
de Ferro em Portugal, influenciaram a bitola de 1,44m em que os nossos caminhos de ferro
se iniciaram.
Problemas diversos não permitiram a evolução esperada do trabalho desta companhia, e o
governo negociou as construções da linha à fronteira e ao Porto com D. José de Salamanca,
fidalgo espanhol com grande experiência neste “negócio”.
Surgiu assim, em Dezembro de 1859, a Companhia Real dos Caminhos de Ferro
Portugueses. Em nome de critérios de rentabilização do sistema, procedeu á mudança de
bitola para 1,68m, alargada mais tarde ao sul do país. No âmbito da sua missão construtiva
trouxe a Santarém o comboio em 1 de Julho de 1861.
9
OS CAMINHOS DE FERRO, A ESTAÇÃO FERROVIÁRIA E A CIDADE DE SANTARÉM
A construção do troço de caminho de ferro Lisboa / Santarém (1852-1861) consistiu numa
importante opção viária que recolocou a então Vila de Santarém nos projectos das
acessibilidades do Oitocentos, recompensado-a da perda de função viária, resultante da
construção da Estrada Real Lisboa – Leiria - Coimbra, no tempo de D. Maria I. De facto,
Santarém, apesar de continuar a manter uma óptima ligação com os portos ribeirinhos e a
cidade de Lisboa através do Rio Tejo, estrada fluvial ancestral, assistiu à modificação da sua
centralidade, enquanto cruzamento de vias, a partir dos últimos anos do séc. XVIII, em
detrimento de Leiria, muito embora a sua importância estratégica ficasse demonstrada
durante as Invasões Francesas e as Guerras Civis (1832-34 e 1846-47).
Com a Regeneração de 1851, as ligações ferroviárias e o comboio a vapor eram não
só um desejo da elite burguesa esclarecida de Santarém (Joaquim Nunes Ribeiro1), mas
também revestiam um reconhecido interesse militar (Sá da Bandeira2) e apresentavam
vantagens de natureza económica, social e tecnológica. Por estas razões e também pela
proximidade da Vila em relação a Lisboa procurou-se que Santarém figurasse entre as
primeiras povoações que beneficiariam da viação acelerada por carril na nova era de
“progresso” e civilização material.
A construção do primeiro troço, como ficou conhecido na primitiva documentação
oficial, inseria-se no projecto da Linha do Leste, entre Lisboa e Badajóz e, neste ponto, ligouse também com as influências das ideologias federalistas da década de 50, que reconheciam
potencialidades à centralidade de Santarém. Todavia decorria quase simultaneamente a
elaboração do projecto da Linha do Norte que, uns anos depois, se interligou com o troço já
construído da Linha do Leste, no ponto onde vai nascer a povoação do Entroncamento (cujo
topónimo lhe advêm das funções que realizava na distribuição da circulação ferroviária).
A Ribeira foi um dos primeiros aglomerados
urbanos a sofrer as consequências do
“impacte ambiental” das novas vias de
circulação e transporte do país, visto que o
seu tecido urbano foi rasgado em toda a
extensão, pelo atravessamento de duas vias
largas, que caracterizaram o traçado da
Linha do Leste / Norte.
A demora na construção do troço Lisboa/Santarém (praticamente nove anos) deveu-se a
diversas vicissitudes e dificuldades tanto de natureza interna, como externa. A experiência
ferroviária portuguesa era nula e houve que recorrer ao Know How inglês, francês e
espanhol, ao mesmo tempo que se promoviam os conhecimentos dos jovens engenheiros
portugueses integrados no ministério fontista das Obras Públicas. Por outro lado, para além
da inovação tecnológica, os caminhos de ferro implicavam com o status das instituições
portuguesas, tanto governativas, como legislativas ou judiciais, exigindo mudanças
qualitativas nas práticas políticas, na esfera dos investimentos (sobretudo estrangeiros) e
nas próprias relações sociais.
Jorge Custódio
Em 1863 acontece a primeira ligação à fronteira espanhola, via Elvas, em cuja cerimónia se
utilizaram a locomotiva D. Luiz e o salão da rainha. A ligação a Madrid só foi possível a partir
de 1866.
10
Ligações à Europa
A 1ª ligação directa Paris-Madrid-Lisboa é feita
via Marvão em 1887, (Marvão abre em 1880 o
Lisboa-Madrid, com serviço de camas desde
1883)
passando
a
Paris-Salamanca-Vilar
Formoso-Lisboa em 1895.
O comboio atinge Vila Nova de Gaia também em 1863.
Evolução da rede – Cronologia
1856 Lisboa – Carregado
1861 Santarém
1858 Barreiro – Bombel [Vendas Novas 1861]
1863 Lisboa – Fronteira de Elvas
Évora [Estremoz 1873 (Estremoz – Portalegre 1949) – Vila Viçosa 1905 – Mora
1908 – Reguengos 1927]
1864 Lisboa Vila Nova de Gaia
Beja [Faro 1889 – Vila Real de Sº António 1906 – Lagos 1922]
1875 Porto Campanhã – Braga
Porto Campanhã– Penafiel [Barca d’Alva 1887]
Porto Boavista - Póvoa de Varzim [Famalicão 1880]
1877 Gaia – Porto Ponte Maria Pia [Casa Eiffel]
1880 Torre das Vargens – Marvão Beirã
1882 Figueira da Foz – Vilar Formoso
Valença [fronteira 1886 – Monção 1915]
1883 Trofa - Vizela
1884 Vizela – Guimarães [Fafe 1907]
1887 Alcântara-Terra – Sintra / Torres Vedras [Figueira da Foz 1888]
Tua – Mirandela [Bragança 1906]
1888 Benfica – Xabregas
Porto Campanhã - Alfândega
1889 Pedrouços – Cascais [Alcântara-Terra 1891 – Cais do Sodré 1894]
Amieira - Alfarelos
1890 Santa Comba Dão – Viseu
1891 Rossio – Campolide – Braço de Prata
Abrantes – Covilhã [Guarda 1893]
Bifurcação de Verride - Lares
1893 Senhora da Hora – Matosinhos
1896 Porto S. Bento
1904 Setil – Vendas Novas
1905 Moura
1906 Régua – Vila Real [Chaves 1921]
Coimbra - Lousã [Serpins 1930]
1908 Montijo
Espinho – Oliveira de Azeméis [Sernada – Aveiro 1911 / Viseu 1913]
1909 Livração – Amarante [Arco de Baúlhe 1949]
Torre da Gadanha – Montemor o Novo
1911 Pocinho – Carviçais [Duas Igrejas – Miranda 1938]
1923 Seixal
1924 Viana - Doca
1928 Tomar
1929 Castro Verde / Almodôvar – Aljustrel
1932 Aveiro Vouga – Canal S. Roque
Senhora da Hora-Trofa
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1936 Sines
1938 Contumil – Leixões
Boavista – Porto Trindade
1999 Lisboa – Pragal
2004 Lisboa – Pinhal Novo
Se o desenvolvimento do caminho de ferro se deve ao estudo e resolução do problema
roda/carril,
Os primeiros carris eram de
madeira, posteriormente forrados de
ferro. Em 1789 surgem os carris de
ferro fundido e em 1810 os de ferro
forjado.
As rodas: Uma problemática existente desde o início
Parte essencial do caminho de ferro, a roda sempre foi muito problemática, verdadeiro
calcanhar de Aquiles do sistema. No tempo pacífico das diligências e das carroças, ela sabia
fazer-se esquecer, deixando muitas vezes ao eixo a tarefa de se quebrar nas estradas
adversas: feita de um moente (roda central) e de raios em madeira, e de uma jante
circundada a ferro, a roda formava um conjunto bastante leve solidarizada pela simples
pressão da cinta que, uma vez arrefecida pelo carpinteiro com baldadas de água, se contraía
e forçava os raios nos alvéolos do moente. O conjunto sustentava-se então e resistia
longamente devido à leveza natural da madeira.
O caminho de ferro, surgido a partir do séc. XVII em numerosos pontos de Inglaterra, cria
um novo dado técnico: o binómio roda /carril. Os primeiros carris são de madeira, e sobre
estes carris planos rolam lentamente comboios cheios de vagões puxados por cavalos, que
levavam aos portos o carvão e outros bens essenciais. Madeira sobre madeira: tudo vai bem,
e quando se revestem as superfícies dos carris com placa de ferro para limitar a erosão, tudo
continua a correr bem , na medida em que o metal, reduzido a uma fina película sobre um
suporte macio, não assume um papel construtivo.
As locomotivas a vapor, grandes predadoras de rodas e carris.
Com o advento da locomotiva a vapor, no início do séc. XIX, tudo se complica de um só
sopro. Doravante impera a dura lei de metal integral sobre metal integral.
O peso da locomotiva, as grandes cargas por si rebocadas, e, sobretudo, a velocidade,
introduzem um conjunto de dados técnicos que alteram completamente o problema e
extravasam as potencialidades das vias. É, pois, necessário reforçar ainda mais a via, pelo
que os carris são, doravante, integralmente, em liga, mais tarde em ferro e depois em aço.
As rodas adoptam os mesmos materiais. A liga é quebrável. O ferro também, pois não é
isento de fissuras, de fendas.
Os Engenheiros dos primeiros anos de 1800, sonhavam utilizar a excelente roda de madeira
cintada de ferro, a dos carpinteiros dos veículos hipomóveis e pô-la a rodar sobre carris
planos com rebordo de orientação.
Esta solução, utilizada nomeadamente por Trenithic em 1804 para fazer circular a 1ª.
Locomotiva a vapor, pressupõe carris demasiado frágeis que se fragmentam e cuja forma
plana favorece a acumulação de lama e pedras na cabeça de rolamento
O aço Bessemer parece prometer a resolução do problema das fracturas intempestivas, a
partir dos anos 1860-1870, conseguindo até reduzir os incidentes, mas os engenheiros e as
equipas de condução, permanecem ainda durante décadas sob ameaça de fracturas de eixos
e rodas.
O medo da “batata quente”, a iminência de fractura dos eixos e rodas que estilhaçam, assola
os espíritos e ainda hoje este velho temor está inexoravelmente associado ao caminho de
12
ferro.
A constituição: das rodas de raios ou de disco (monobloco?)
Na época, as rodas compõem-se de centro e aros. O centro compreende, então, um moente
em liga ( e raios de ferro enterrados no moente) e uma jante em ferro ou “ falso circulo”.
Esta disposição é económica, mas no final do séc. XIX, passa-se progressivamente à roda
de moente em ferro forjado que, ainda que mais cara e mais pesada, tem uma longevidade
superior. A liga faz-se com martelo-pilão e com peças aquecidas. O aro é colocado sobre a
jante por “ tempero, segundo a antiga técnica iniciada pela carpintaria, aquecimento, pose,
arrefecimento e contracção.
No serviço corrente, a oficina não hesita em “cintar” as fissuras que aparecem nos moentes,
cintagem esta de forma circular.
Por vezes esta cinta é logo colocada na altura do fabrico fazendo jus ao ditado de que mais
vale prevenir que remediar. O peso do 1 eixo montado atinge 820Kg (rede de Leste) ou 785
(rede PLM com diâmetro reduzido para 930 mm).
Os engenheiros da época responsabilizavam as rodas de raios de tomarem uma forma
poligonal causado pelo aplanamento da jante entre pontos de apoio dos raios. Imputam-lhes,
por outro lado, a responsabilidade de agir, como verdadeiros ventiladores que levantam a
poeira do balastro, projectando mesma pedras e faúlhas (a locª. É a vapor) até aos terrenos
confinantes com a via férrea. Guarnecem-se, então as rodas com focos de madeira
engatados entre os raios, ou ainda folhas de chapa.
Esta situação leva os engenheiros a preferir os rodados monobloco (plenos), cuja parte
central (toma o nome de “tela” ou de disco). É composto por um disco abaulado no sentido
do moente por razões de solidez, ou de 2 discos encavilhados no moente, cuja disjunção vai
crescendo em direcção a este. A 2ª. Solução apresenta rodados mais leves. Certas
companhias optam mesmo por discos flexíveis para poupar a via e o aro. É o caso da rede
francesa do Norte do PO (que viria ser a Região do Sudoeste da SNCF), do Oeste, mas
também da quase totalidade das redes britânicas e alemãs.
A Fundição – Alvo de grande suspeição.
As redes americanas e canadianas, consideram os rodados de disco mais seguros que os de
raios nomeadamente quando sobre vias endurecidas e pelos solos gelados dos invernos
rigorosos.
As rodas são em liga de grão muito fino, moldados numa só peça, incluindo o aro. A sua
superficie de rolamento é endurecida por moldagem em concha. Percorrem assim facilmente
200 a 250.000 Km, ou seja muito mais que na Europa, embora com velocidade e cargas bem
menores.
Na Europa desconfia-se das rodas de liga, e as redes francesas proibem-nas no material de
passageiros, estendendo a proibição das rodas nos vagões de mercadorias dos comboios
mistos.
A rede de Leste, contígua à Alemanha que utiliza rodados de liga, leva a cabo uma
verdadeira guerra (antes mesmo da verdadeira, a de 1914) para eliminar os numerosos
vagões alemães com rodas de liga que penetravam na sua rede.
O aço fundido – A solução?
Fundidos numa só peça, ou com aro incorporados os rodados em aço proliferam na
Alemanha, a partir de 1870.
Na época, os aços Bessemer demonstram ainda uma grande inadaptação ao fabrico de
rodados e passa a aplicar-se apenas ao fabrico de carris.
As rodas em aço fundido têm uma garantia de 91.000Km na Alemanha, antes do 1º.
Torneamento, e, tratando-se de rodas de 1 só peça, estas podem ser torneadas até 8 ou 9
vezes, garantindo um percurso total que pode atingir 700 a 800.000Km durante a sua vida
útil. As rodas de aro incorporado não podem ser torneadas mais que 5 a 6 vezes. Todavia os
comboios com frenagens frequentes (onibus) reduzem o percurso entre torneamentos em
50%. Além disso, os engenheiros descobrem que o aço fundido atinge, se submetido a um
aquecimento intenso (frenagens longas) e a arrefecimento súbito, um estado de têmpera tal
que se torna quebrável e fractura em serviço, originando descarrilamentos.
O problema do ruido: A roda de madeira
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As rodas em aço fundido são muito ruidosas, não só pela acção dos freios, mas aquando do
rolamento sobre vias duras no inverno.
Por isso, foram utilizadas rodas monobloco em madeira, nos comboios de luxo e suas
carruagens-cama. O inconveniente destas rodas é o apodrecimento das partes escondidas,
seja no moente, seja no aro, mesmo que se utilize carvalho ou teca.
As rodas de madeira (termo utilizado por Charles Couche no seu tratado) são muito
utilizadas no R.N. e na Suécia. Em Leeds, a grande empresa Lhoyd & Foster, fabrica-as
segundo um processo especial que utiliza uma prensa hidráulica para a colocação de aros de
aço sobe disco de madeira, para evitar os inconvenientes do “ batimento” que arrisca
queimar a madeira antes que o aro tenha arrefecido. A firma Beattie utiliza um sistema de
escoramento do aro na madeira. Zéthélius, na Suécia, utiliza um fecho por cavilhas, logo
após que a madeira seja engatada (encastrada?) numa ranhura efectuada na face interior do
aro de aço, processo igualmente aplicado pelo Engº. Inglês Mansell , desde 1903, no caso de
rodas por si preparadas e muito utilizadas nos comboios de luxo da rede britânica até 1930.
Velocidade 1965
“A vida é movimento. A velocidade é símbolo do progresso. Foi o caminho de ferro que
alterou o ritmo da vida e foi a velocidade a maneira de ser dos homens”
A velocidade tornou a terra pequena. Permitiu a aproximação dos povos, fez circular
rapidamente as ideias. Já Julio Verne, em finais do século XIX, propunha uma “Viagem à
volta do mundo em oitenta dias”.
Tornou mais fácil a existência, permitindo fazer em pouco tempo os trabalhos ingratos e
pesados. Daí a corrida incessante das máquinas para nos proporcionar todos os produtos
necessários à vida e ao prazer.
A velocidade nos comboios depende da configuração do terreno, das rampas e das curvas,
da qualidade da via, assim como dos engenhos de tracção e do material circulante.
Assim, para se comparar médias de velocidade há sempre que ter em conta o tipo de
comboio – passageiros, mercadorias ou misto – sendo preponderante a tonelagem rebocada,
o perfil da linha em que circula e a extensão dos percursos efectuados.
Em 1934 a velocidade do “Rápido do Porto” tinha a velocidade comercial de 65,4 Km/h e o
“Rápido do Algarve” a de 55,5 Km/h
Em todo o mundo depois da 2ª guerra mundial, as empresas de caminhos de ferro
esforçaram-se por aumentar, sucessivamente, a velocidade dos comboios. Muitas vezes
resultou de progressos na parte técnica, iniciados por razões de carácter económico.
Consideradas as maiores velocidades horárias atingidas, as velocidades médias estavam em
cerca de 90 Km/h. Contudo, se em França um velho regulamento impedia velocidades
superiores a 120Km/h, nos EUA e Inglaterra já se atingiam diariamente velocidades
superiores a 130Km/h.
Em linhas de perfil plano, o máximo de velocidade foi aumentando consideravelmente, tal
como se indica:
França: entre Bordéus e Dax, com locomotiva eléctrica, em Março de 1955, atingiuse 331 Kmh
Italia, em Montepescali, com uma locomotiva eléctrica, em Dezembro de 1963,
atingiu-se 209 Kmh
RFA, entre Augsburgo e Munique, com uma locomotiva eléctrica, no Verão de 1965,
atingia-se diariamente 200 Kmh.
Na Europa continuaram os investimentos em tecnologia que permite hoje, em muitos
percursos, atingir-se velocidades médias de 250 Km/h, com os comboios de alta velocidade
como os TGV em França, os ICE na Alemanha, os Pendolino em Italia, os AVE em Espanha e
os Eurocity em Inglaterra.
Em Portugal, na década de setenta do século XX a velocidade máxima permitida era de
140Km/h. Com a entrada em serviço dos Alfa Pendular, comboios de velocidade alta, há
troços da Linha do Norte feitos à velocidade máxima de 220K/h.
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Em 1937 Portugal nem estava mal cotado no «ranking» ferroviário internacional:
aparecia em 7º lugar na tracção a vapor, graças à velocidade comercial de 92,9
km/h atingida pelo Sud Expresso no troço de 113 km entre Lisboa e o
Entroncamento.
A estação era, e ainda é, o local emblemático do encontro, de ponto de chegada e de
partida, do contacto com ideias novas e outras realidades que permitiram o
desenvolvimento.
O que diz a imprensa da época – 1856
O maior número de passageiros é gente do campo, que perdeu o medo á
invenção.
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ESTAÇÃO
O que dizia a imprensa em 1856
“Nas estações de Santa Apolonia, Poço do Bispo, Olivais, Sacavem, Povoa, Alverca, Alhandra,
Villa Franca e Carregado (...)
Cada uma das estações, que pela maior parte não estão concluidas, tem, alem do
escriptorario de venda de bilhetes, salas de espera para os passageiros e casa para
habitação do chefe. Todas ellas tem já a caixa onde há-de collocar-se o relogio, na parede
exterior, e n’algumas funcciona já o telegrapho electrico.”
De 1870, o primitivo edifício da estação de Santarém pertenceu à primeira geração de
estações de caminho de ferro.
Apesar de ter estado ao serviço até 1925, a sua modesta capacidade justificou a construção
do actual edifício, desenhado por Perfeito Magalhães em 1923, e decorado com 18 painéis de
azulejos representando cenas da vida local, com traço de J. Oliveira, encomendados à
Fábrica Aleluia de Aveiro pela Comissão de Iniciativa e Turismo de Santarém e oferecidos à
CP.
Entrado ao serviço em 1927, como um “dos locais ferroviários de interesse na região centro”,
a reorganização da área da estação envolveu os espaços destinados a mercadorias e ao
aparcamento de carruagens. Concretamente este - a cocheira de carruagens de Santarém após se tornar desnecessário à operação ferroviária e uma vez adaptado a funções
expositivas, alberga desde 5 de Outubro de 1979 a primeira Secção Museológica ferroviária,
aberta ao público por iniciativa de Armando Ginestal Machado, a propósito da realização em
Portugal do Congresso da Associação Internacional de Museus de Transportes.
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SECÇÃO MUSEOLÓGICA
Este edifício rectangular, com telhado de duas águas apoiado num sistema de asnas à
francesa, contempla nas formas das portas e janelas linhas estéticas de influência neo-árabe.
A Secção Museológica da CP em Santarém já apelidada de “museu de sítio” devido ao
“património construído para uma função específica da actividade ferroviária, à natureza da
sua colecção, ligada à história da empresa e da sua actividade no âmbito da circulação e
transporte” (...) “extravasa o mero conceito de local de interesse ferroviário, para constituir
um núcleo central, regional e inter-regional da explicação da história dos caminhos de ferro
em Portugal.”
A história dos transportes e do património industrial da ferrovia está patente na valiosa parte
da colecção do valioso património ferroviário português.
São 150 anos de história que se contam com as provas físicas e as memórias humanas,
vividas, escritas e técnicas.
É o início do caminho de ferro, o apoio e o empenho dos monarcas e da elite social, da
construção das Linhas do Leste e Norte, dos caminhos de Ferro do Estado, e da proliferação
das companhias.
É a intenção de “rasgar o país com vias férreas”, com o entusiasmo que a “viação acelerada”
provocava nos investidores.
O rei D. Luís foi disso testemunha, sendo o monarca que mais acontecimentos ferroviários
viveu e apoiou, adquirindo também material - a locomotiva e o salão do Príncipe - para
deslocações oficiais e privadas da família real, entre o Barreiro e o Paço de Vila Viçosa.
Acontecimentos durante o reinado de D. Luis
Conclusão da Linha do Norte em 1877, com a inauguração da
Ponte Maria Pia, projecto da Casa Eiffel, permitindo viajar
directamente entre o Lisboa e o Porto
Finalização os trabalhos no Ramal de Cáceres em 1881
Guimarães passou a beneficiar da viação acelerada em 1883
Inauguração em 1882 da Linha da Beira Alta e o Ramal da
Figueira
A fronteira de Valença abriu a terceira porta de comunicação
com Espanha em 1886
Em 1887 Lisboa ficou ligada à Figueira da Foz; e de Mirandela
podia viajar-se de comboio até Lisboa
Em 1889 Cascais viu chegar o comboio; Famalicão, pela
Póvoa, beneficiava com a segunda ligação de comboio; desde
o Barreiro atingia-se o Algarve, na cidade de Faro
As acções e obrigações que as múltiplas companhias emitiam, na senda da acção dos
governos e da legislação que impunha regras e procedimentos, foram condições basilares
que permitiram a continuidade deste meio de transporte e demonstram ainda o interesse dos
investidores nacionais e internacionais, não esquecendo as crises financeiras.
O entusiasmo da adesão ao novo meio de transporte e o impacto que teve na mobilidade e
na economia, desenvolvendo o comércio e a indústria, traduziu-se no crescimento da rede e
fez dela a 1ª rede de transportes nacional, que em 1949 atingiu cerca de 3500 km.
De norte a sul do país linhas, de VL e de VE, ligaram cidades e ultrapassaram obstáculos
naturais até aí intransponíveis, por evolução da técnica de construção de pontes, de que em
Portugal é paradigma a Ponte Maria Pia sobre o rio Douro, da autoria de Gustave Eiffel.
O mundo da ferrovia é abordado pelo “passageiro/viajante” através do ambiente de estação,
onde o Chefe - coadjuvado por diferentes categorias de pessoal, como o telegrafista, o
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capataz de manobras, etc. - tinha papel de relevo, e a que não é alheia a prestação de um
serviço, com carácter de permanência e em espírito de missão.
A operação, observado disciplinadamente o cumprimento dos regulamentos,
O regulamento exposto, de 1858, é considerado
o 1º documento sobre transportes ferroviários em
Portugal, e foi impresso numa tipografia exterior
ao caminho de ferro em 1859.
Entre os vários objectos que se podem encontrar nesta secção, destaca-se:
Apito de Chefe de Estação
Usado pelo Chefe da Estação para dar a partida aos comboios (sinal para o condutor).
Corneta de Condutor
Usada pelo condutor para dar partida ao comboio (sinal para o maquinista)
Lanterna de sinais
Utilizada de forma geral por todo o pessoal em serviço na estação.
Era a lanterna tipo dos Caminhos de Ferro do Estado/Sul e Sueste.
Sineta
Usada pelo Chefe da estação para dar a partida aos comboios
Origem: Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses
Petardo (Sinal de Mão)
Constituído por uma cápsula contendo uma substância explosiva, que explode ao ser calcada
pelos rodados do comboio.
Por ter sempre pautado o seu desenvolvimento e a sua operacionalização na segurança do
sistema, esta tornou-se na mais importante mais-valia do caminho de ferro, e tem-no
credibilizado perante a sociedade.
As comunicações, desde as mais rudimentares às mais sofisticadas de hoje, foram iniciadas
com a utilização do telégrafo eléctrico “Breguet” (aplicado pela 1ª vez em França no caminho
de ferro em 1845)
Telegrafia eléctrica – primeiro aplicada ao caminho de ferro com o telegrafo Bréguet em
França, em 1845 para apoiar a boa exploração e segurança. Consistia para a recepção numa
agulha que se movia sobre um mostrador gravado com letras do alfabeto e uma manete
manobrada à mão, defronte de um mostrador para o comando / envio.
A transmissão entre os dois pontos era realizada por intermédio de um fio aéreo
Mesa Telegráfica do Sistema Bréguet – Ano 1857
Este modelo assinalou a partir de meados do séc. XIX, a introdução da telegrafia eléctrica
em Portugal. De manuseamento fácil, tornou-se num equipamento muito utilizado nos
Caminhos de Ferro.
Origem: Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses
Imprensa da época - 1856 – “Na estação do Carregado está também situada a estaçãoo
telegrapho electrico que corre paralelo á via ferrea, e que lhe pertencem dois fios.”
Em 1898, as comunicações eléctricas telefónicas (ou acústicas) passa a ser obrigatória em
todas as Companhias e linhas do Estado
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e pouco depois melhoradas com o telefone (cuja rede e tecnologia foi crescendo e
renovando, permitindo hoje destacar esta área e pensar-se em competir no mercado
nacional da prestação de serviços ao lado de companhias nacionais de telecomunicações).
Os aparelhos de comunicação, Mesa de Telégrafo Breguet, telefones e central expostos
mostram uma parte da colecção ferroviária, abarcando o período entre 1856 a 1970
Telefone de Parede
Modelo: AB 230
Fabricado por L. M. Ericsson (Suécia) – 1894
e
Telefone de Mesa
Modelo : AC 110
Fabricado por L. M. Ericsson (Suécia)
Ano: 1892
São aparelhos de bateria local, constituída por uma pilha seca e um interruptor para activar
uma campainha que fazia o aviso da chamada.
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PROFISSÕES
A regularidade necessária ao serviço ferroviário impôs organização, ordem e valor á
prestação do trabalho, com forte hierarquização da profissão, decalcada da mais clássica das
estruturas organizacionais, a militar.
A garantia da constância da prestação do serviço de transporte ferroviário obrigou ainda à
criação de estruturas de apoio que vieram representar os pilares da sua auto-suficiência até
meados dos anos oitenta do século XX.
Apareceram novas profissões, novas valências técnicas e tecnológicas. As oficinas de
reparação, e quantas vezes de fabrico, de veículos ferroviários - sustento imprescindível do
movimento de comboios, na reparação e manutenção das carruagens, locomotivas e vagões
que lhe garantiam fiabilidade - foram as escolas de mecânica, de caldeiraria, de
electricidade, de electrónica.
Mas a engenharia e as profissões oficinais não constituíram nem os últimos nem as únicas
categorias profissionais de que vive o caminho de ferro: pessoal dos comboios, guardas da
linha e de PN, manobradores, chefes de estação, maquinistas e fogueiros, foram as faces
mais visíveis deste sistema de transporte, que muito representou no ordenamento e
desenvolvimento do país e no aproximar das pessoas.
Mala de Revisor
Em cabedal, usada pelo revisor para transporte de bilhetes,
tenaz e outra documentação necessária ao desempenho
das suas funções.
Modelo dos anos 40 dos Caminhos de Ferro Portugueses
Tenaz de Revisor
Utilizada para perfurar/inutilizar bilhetes de cartão tipo
“Edmondson” ou outros de cartolina.
20
As profissões
Desde sempre o caminho de ferro intervêm na promoção d qualidade de vida das pessoas,
atraindo gente para as novas profissões surgidas com este meio de transporte quer na
construção das linhas quer na sua exploração e oficinas de reparação.
A misteriosa influência que exerce o caminho de ferro sobre aquele que sobe a uma
locomotiva, o que manobra as alavancas de um encravamento de agulhas, ou o que respira
o cheiro característico de uma estação, contagia de tal modo a mentalidade do trabalhador
ferroviário que o trabalhar em comboios passa a constituir uma autêntica vocação.
Daqueles homens, que tiveram de ir adquirindo uma considerável qualificação profissional, o
Chefe de Estação, o Operário de oficina e o Maquinista são ainda os mais populares.
Maquinista e Fogueiro – no nosso país os primeiros eram de origem inglesa, e alguns aqui
formaram família, como o engenheiro Frank Jobling, que veio para Portugal por indicação de
George Stephenson, ao tempo de Hardy Hislop que formou a Cª Central Peninsular, e
conduziu o primeiro comboio chegado a Gaia. Instalou-se em Coimbrões, Vila Nova de Gaia,
terra onde formou família e ainda hoje vivem os seus descendentes.
Este par inseparável completava a equipa de trabalho com a locomotiva. Tratava-se de
executar o trabalho em segurança e conforto para todos que, para além da economia de
água e carvão e em trabalho para o fogueiro, se traduzia numa marcha sem sobressaltos
nem atrasos, arranques ou travagens bruscas. Isto implicava da parte do maquinista um
conhecimento profundo da capacidade de tracção da locomotiva e da tonelagem da carga
que transportava.
O maquinista movia a alavanca de marcha e accionava o regulador, mantinha a velocidade
e observava os sinais do seu lado.
O fogueiro cuidava do fogo, abastecendo a caixa de fogo com carvão não deixando “o fogo
ir abaixo”, olhava a pressão do vapor produzido para ver se era preciso admitir água à
caldeira, mantinha o nível de água, se preciso metendo água do tanque e observava os
sinais do seu lado. Normalmente era admitido como aprendiz situação em que, durante
vários anos, executava diversos trabalhos familiarizando-se com a locomotiva, após o que
era promovido a limpador de máquinas, preparando-as para funcionar e abastecendo-as com
água e carvão.
A forma de vida destes, e outros, ferroviários é diametralmente oposta à de qualquer outro
operário industrial. Era comum vê-los com a “casa às costas”, preparados para sobreviver
fora de casa mas dentro do comboio, em trânsito, sem desatender às obrigações do
trabalho. E o contacto com a família, pelo menos para os que trabalhavam e trabalham
directamente nos comboios, ainda hoje é intermitente, em que o compromisso da profissão
se sobrepõe a natais e outras datas de especial simbolismo social.
Ainda hoje os maquinistas consideram que conduzir um comboio implica gostar de ser
autónomo, dos grandes espaços e de não ter medo de ficar longe da família
Chefe de Estação – Empregado que organiza e dirige o serviço de uma estação
Uma das características do trabalho do ferroviário é a mobilidade. Por isso estas pessoas
tinham e têm que ter um carácter especial, aventureiro e decidido, hoje já muito promovido
pela globalização, sempre dispostas a deixar o seu ambiente, a família e a sua terra. Se
imprescindível para o pessoal dos comboios porém, a promoção de um trabalhador da área
de estação implicava sempre mudança de local de trabalho, na perspectiva de melhor servir
a Companhia pelo facto de conhecer a Rede, arcando ele com todos os aspectos familiares e
económicos.
Formou-se assim uma casta especial que converteu o ferroviário em cidadão do mundo,
conhecedor de gentes, cidades, costumes e tradições inacessíveis aos demais em finais do
século XIX. Por força da mobilidade o ferroviário converteu-se em centro de tertúlias e
reuniões, dado os seus conhecimentos permitirem novos temas de conversação e vivências
desconhecidas para o trabalhador sedentário.
21
Factor – Empregado que nas estações cuidava da expedição, recepção e entrega das
bagagens e mercadorias transportadas por caminho de ferro.
Operário – Trabalhador especializado na reparação, e por vezes construção, de locomotivas,
carruagens e vagões. A importância da sua qualificação técnica, impunha, à falta de cursos
oficiais, que as Oficinas, como locais de aplicação das mais modernas tecnologias da
indústria dos equipamentos, tivessem as suas próprias Escolas de Aprendizes, que
ministravam as matérias teóricas e concomitantemente permitiam a sua prática, na
preparação do pessoal necessário a toda a gama de especialidades exercidas na actividade
ferroviária, como por exemplo mecânico, torneiro, serralheiro, soldador, forjador, fundidor,
montador de estruturas de pontes, estofador, carpinteiro, frezador, relojoeiro, etc.
O guarda freios - ia de vagão em vagão manobrando os freios. Ocupava, uma guarita,
vigiando e controlando a frenagem desde o final do comboio, ou noutras posições conforme o
perfil da linha e a carga rebocada. O seu trabalho estava sobre as ordens do chefe do
comboio, mas as de pedido de freio recebia-as directamente do maquinista, a partir de um
código de sinais acústicos feitos pelo apito da locomotiva.
Chefe de comboio – era a autoridade máxima da composição ferroviária de passageiros ou
de mercadorias quando esta estava em marcha e em plena via. Dentro de uma estação
delega-a no Chefe da Estação até o comboio se pôr novamente em andamento.
O furgão, colocado normalmente à cabeça do comboio, era o seu local de trabalho. Era
responsável pelos serviços postais, mercadorias e transporte de receitas das estações
Revisor - Para o correcto funcionamento da exploração ferroviária é necessário fazer-se o
controlo dos bilhetes ou títulos de transporte dos passageiros. Esta função sempre foi
exercida pelo revisor, a única categoria de pessoal que tinha como missão fundamental o
contacto com o público e capacidade para intervir com peso de autoridade legal. Como as
primeiras carruagens e os compartimentos que as formavam não comunicavam entre si, o
Revisor para “picar” os bilhetes tinha que se movimentar, sujeito às intempéries, de
compartimento em compartimento e de carruagem em carruagem, pelo exterior através do
estribo, montado ao longo de toda a carruagem.
Esta tarefa, executada várias vezes durante o percurso do comboio, exigia perícia física e
conhecimento do perfil da linha, nomeadamente túneis e pontes. E só foi desaparecendo em
finais do século XIX quando as carruagens passaram a contemplar corredor interior e
intercomunicação nos topos.
Empregado de lampistaria - tratava dos candeeiros portáteis e dos diversos tipos de
faróis, a petróleo, a acetileno e de azeite que eram utilizados na iluminação de instalações e
comboios, bem como para sinalização diversa.
Agulheiro – Tinha a seu cargo a manobra das agulhas para que cada comboio seguisse pela
via correcta.
Carregador – Ocupava-se do transporte das mercadorias a embarcar e das chegadas num
comboio, do e para os cais das estações.
Preparador de composições - limpava as carruagens e acendia as lanternas de iluminação
a azeite.
Malhador – Nas oficinas era o auxiliar do forjador.
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Capataz – Era o responsável pelas equipas de operários nas oficinas, de Assentadores na
Via e de Agulheiros e outro pessoal da formação e deformação de comboios
Condutor de comboio – Era o responsável pela entrega nas estações das bagagens
transportadas por comboios de passageiros ou mistos, em serviço de recovagem, pelo
cumprimento dos horários, avisando o maquinista de que, em cada paragem, o serviço
estava concluído e dando o sinal de partida em caso de apeadeiro ou estação desguarnecida
de pessoal.
Limpador de máquinas – Era normalmente uma função complemento da aprendizagem do
fogueiro. A preparação da locomotiva para o serviço era feita por eles: colocavam na
fornalha/caixa de fogo madeira para produzir brasas sobre as quais, espalhadas por toda a
base da fornalha, se lançava a fina base de carvão, começando a aquecer a água da caldeira.
Este processo, até que produzisse vapor e a locomotiva estivesse pronta a funcionar
demorava cerca de 4 horas.
Esse trabalho tão específico desenrolava-se nos espaços das cocheiras de máquinas, sempre
associadas a uma placa giratória que, porque a locomotiva a vapor tinha uma posição para
ser colocada no topo de um comboio - de frente para o sentido da marcha, permitia a sua
inversão. Estes equipamentos existiam, especialmente, em estações principais ou de topo de
linha.
Assentador/ Operário de via – Trabalhador que se ocupava da manutenção das linhas,
nomeadamente substituição e alinhamento dos carris, substituição e ataque das travessas
(chulipas) com brita ou terra.
Guarda de Passagem de Nível – Pessoa que se ocupa, nas passagens de nível, de fechar e
abrir as cancelas ao tráfego rodoviário e vigiar o movimento de pessoas coordenadamente
com o movimento dos comboios, avisar as equipas de trabalho em funções nas proximidades
da aproximação dos comboios e dar sinais à tripulação do comboio de que, na PN e no troço
visível do seu local de trabalho, não há impedimento à marcha do comboio, para o que
dispunha de bandeiras (verde, amarela e vermelha), petardos e corneta.
23
FARDAMENTOS
O primeiro Regulamento de Fardamentos para caminho de ferro no país datará de 1872,
sendo desconhecida a sua existência física.
E se a origem dos técnicos e dirigentes dos primórdios do transporte ferroviário se encontra
nas escolas militares, a organização dos serviços e lógica de funcionamento hierárquico do
pessoal imitava ao pormenor a estrutura militar. A rígida disciplina sempre imprescindível à
prestação do serviço, foi dali decalcada.
A hierarquização das novas profissões criadas estava patente nos uniformes que
identificavam categorias e funções. Até a posição nas fotografias de grupo sugeria categoria
e hierarquia.
Durante o terceiro quartel do séc. XIX e até à queda do regime monárquico em Outubro de
1910, o uniforme do pessoal superior das Inspecções, de Estação e da Revisão de bilhetes de
uma forma geral vestiam calças, colete e paletós de cheviote azul, com gravata preta em
forma de laço, a cobertura seria um boné de pano azul, pála curva com o emblema da
Companhia bordado a ouro.
Seria prática secular do pessoal ferroviário a colocação dos distintivos hierárquicos de forma
simétrica nos bonets.
Ao pessoal da Revisão de bilhetes durante o Verão era permitido o uso de casaco e calça de
linho do padrão do uniforme.
Após a instauração da República a cinco de Outubro de 1910 foram abolidos os símbolos
reais nos uniformes militares e nas corporações civis; pela Comissão Executiva da
Companhia (Real) dos Caminhos de Ferro, em sessão de 14 de Outubro foi aprovada a
substituição nos uniformes dos botões e emblema no bonet.
Um ano decorrido e era aprovada a primeira disposição sobre os uniformes, passando a
existir o fardamento de Inverno (casaco, colete e calça de flanela azul escuro) e o de Verão
(casaco e calça de tafetá mescla), os distintivos mantinham-se no bonet.
Em 1922, pela remodelação “de todas as instruções anteriores existentes sobre este
assunto, iniciou-se o fornecimento de fardamentos” com algumas alterações ao uniforme
anterior; aparece a cor de pinhão no uniforme de Inverno que iria identificar ao público os
agentes do caminho-de-ferro durante meio século.
Ao pessoal dos Caminhos de Ferro do Estado, arrendados à CP em 1927, foi alargado o uso
daquela imagem.
Os tipos de fazenda fornecidos eram, em 1932, os seguintes:
estambre castanho, para uniforme de Inverno
mescla cinzento escuro, para sobretudos
surrobeco, para fatos de agentes jornaleiros
alpaca, para casacos de uniforme de verão – de fabrico estrangeiro
gabardine de algodão, para calças do pessoal das estações e uniformes de verão
do pessoal de trens
ganga, para fatos do pessoal jornaleiro
Na década de 70, pretendendo modernizar a sua imagem perante o público, a empresa entre
outras medidas aligeira o casaco passando a ser de gola aberta em banda, usado com
camisa castanho-claro e gravata castanha; os distintivos usados no bonet até ao momento
são colocados num crachá no lado esquerdo do peito.
Após a revolução de 25 de Abril de 1974, o regulamento de uniformes, em parte, perde a
sua rigidez e devido à escassez no aprovisionamento de novos uniformes, o uso generalizado
de um misto de farda e roupa civil leva a um novo regulamento iniciado em 1979, bastante
moderno e prático, voltando a cor azul à imagem da C.P.
A Empresa, consciente da importância do impacto de uma imagem inovadora e dinâmica,
24
encomenda em 1989 às Oficinas Gerais Fardamento Equipamento (instituição militar
conceituada no mercado de vestuário militar e civil) um estudo e apresentação do novo
fardamento. Este primava na sua apresentação por calça cinzento-claro, casaco azul-cobalto
com botões cromados, gravata bordeaux e camisa branca listada a azul ou bordeaux
consoante a categoria. O boné era de cor azul circundado por uma cinta com a cor da
categoria.
Com pequenas alterações foi usado até Março de 2002, data da introdução do actual
fardamento.
Entretanto, estilistas como Helena Kendall e Ana Salazar tinham desenhado os uniformes das
Assistentes de Viagem, que operavam nas carruagens especiais dos comboios rápidos da
Linha do Norte.
Umas das primeiras atitudes da Refer, surgida em 1987, foi a criação de um fardamento
para o pessoal de contacto com o público, mostrando a sua imagem de nova empresa
ferroviária. Identifica-a, desde então, farda com calça e casaco azul-escuro com banda de
cor bordeaux nas mangas junto ao punho e bordado a fio de prata no bolso a sigla da Refer;
o boné tem pála azul com o emblema.
João Pedro Teixeira, Maio de 2004
O fornecimento de materiais para a operacionalização do sistema, como seja a produção de
regulamentos, cartazes e horários, foi base da estratégia de auto-suficiência, pode ser
exemplificado neste equipamento de tipografia que é o Prelo.
Prelo
“Albion Press”
Fabricado por F. Hullmer Ltd, London (Inglaterra, 1857?)
Patent nº 5272
Admite-se ter origem na Companhia Real, utilizado para a impressão de cartazes, horários e
regulamentos
Aparelho manual, marco da tecnologia da imprensa, era utilizado na impressão de provas
tipográficas. É composto por um berço, carro móvel, tímpano e máscara – como evolução da
prensa de lagar.
Funcionamento
Após o trabalho feito pelo tipógrafo, para se obter a primeira prova, coloca-se o granel no
prelo, que é em resumo uma prensa, e rola-se sobre ele um cilindro de massa especial, a
que se chama «rolo», contendo tinta de impressão. Sobre o granel assim untado de tinta,
estende-se uma folha de papel e ajusta-se o prelo. Obtemos assim a primeira prova.
De seguida procede-se à primeira revisão e após as emendas, vai a prova para a tipografia.
Quando já não há nenhuma emenda a fazer temos, pois, composto o original (da
composição).
Para se proceder à paginação, risca-se a lápis, primeiramente, numa vulgar folha de papel,
um rectângulo, com as dimensões exactas da parte útil de cada página (do livro).
Depois, colam-se nessa folha as provas das gravuras, consoante a melhor disposição. Medese a composição de que constará cada página, tendo em atenção as gravuras e os claros
obrigatórios na quantidade de folhas necessárias e, na tipografia, faz-se a paginação
tipográfica.
A página é levada novamente para o prelo onde se tira prova para nova revisão. Uma vez
acertadas todas as páginas são colocadas na “rama” – caixilho de ferro – constituindo o
“deitado” ou a fôrma pronta para ir para a impressão e começa-se a tiragem há o trabalho
de imposição.
A actividade tipográfica na CP foi desde cedo uma área onde se manifestou a auto-suficiência
produtiva que ajudava à garantia de segurança do sistema, por difusão de normas e
25
regulamentos pelas estações da rede, bem como fornecendo os bilhetes para a exploração.
Nas oficinas gráficas da CP, como relata o Boletim da CP em 1934, a tipografia, compunhase de duas oficinas distintas, uma de composição e outra de impressão.
Esta característica permitiu que esta fosse uma das primeiras actividades ligadas à ferrovia
que cedo se autonomizou, permitindo-lhe concorrer no mercado da especialidade.
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Associada à actividade tipográfica estava também o fabrico de bilhetes,
imprescindíveis e indissociáveis da viagem e do transporte.
Bilhetes Edmondson
Duas placas separadas em Lancaster, uma no local do seu nascimento e outra na estação
ferroviária, assinalam um antigo artífice fazedor de armários que foi pioneiro de um
sistema de cobrança de tarifas de passagens de comboio nos primórdios do
desenvolvimento do caminho de ferro. Os métodos de Thomas Edmondson eram tão
simples e eficientes que os seus princípioschegaram aos nossos dias em todas as
empresas de transporte em todo o mundo.
Thomas Edmondson nasceu numa casa na esquina de Stonewell a 30 de Junho de 1792.
Após outras experiências de trabalho, Thomas Edmondson candidatou-se, então, em
1836 com a idade de 44 anos, para trabalhar nos Caminhos de Ferro de Newcastle e de
Carlisle como Chefe da estação de Milton, a cerca de 22,526 km de distância de Carlisle.
A sua candidatura foi aceite, os directores da N&CR escreveram em minuta a sua opinião
sobre a admissão de Thomas: “O Sr. Edmondson será um crédito para nós”. A estação de
caminhos de ferro de Milton foi subsequentemente renomeada Brampton Junction e é
hoje conhecida simplesmente por Brampton.
Nas estações secundárias da N&CR, como a de Milton, o dinheiro recebido pelo chefe da
estação pela cobrança das tarifas das passagens era entregue ao condutor do comboio.
Nas estações principais era utilizado um, sistema complicado de guarda livros.
Edmondson preocupava-se bastante pelo facto de não haver uma segunda verificação do
montante de dinheiros que deveria aos seus passageiros.
Desenvolveu um método de preparação de recibos sob a forma de bilhetes de cartão, os
quais eram entregues a cada passageiro em troca da sua passagem, e os quais
legitimavam o passageiro a fazer a viagem para a qual tinha pago.
Edmondson pegou numa faixa de cartão e escreveu à mão várias vezes “MILTON TO
CARLISLE, FIRST CLASS 1/-“ (DE MILTON PARA CARLISLE, PRIMEIRA CLASSE, 1/-).
Depois, numerou cada bilhete individualmente e – após cortar a faixa em vários bilhetes
individuais – estava preparado para lidar com os livros de contabilidade.
Ao manter uma anotação do número de série de cada conjunto de bilhetes no início de
cada dia, subtraindo-lhe o número de série ao fim do dia e multiplicando o total do
resultado pelo “preço” da passagem conseguiu calcular com precisão quanto dinheiro é
que deveria estar na gaveta da caixa registadora.
Um ponto importante era numerar o primeiro bilhete de cada série por “0” e não “1”,
para que o número do bilhete a seguir emitido representasse o número total desse tipo
de bilhetes emitido até então. Se ele tivesse começado a numerar de início a partir do “1”
teria sido necessário subtrair um no final.
(...) os seus colegas nas outras estações de caminho de ferro da Newcastle and Carlisle
apreciaram e adoptaram o sistema de Edmondson, (mas) os directores retraíram-se
(...)..
(Assim) quando, portanto, o Capitão Laws dos Caminhos de Ferro de Manchester and
Leeds visitou a estação de Milton para ver o sistema in loco e ofereceu a Thomas uma
posição em Oldham Road, Manchester, com o dobro do salário, este aceitou
imediatamente.
Enquanto esteve com a M&LR Thomas foi capaz de introduzir muitos melhoramentos e foi
eventualmente capaz de sair dessa empresa de caminhos de ferro com uma minuta
complementar do conselho de administração. Estabeleceu-se por conta própria a produzir
bilhetes e maquinaria afim não só para os caminhos de ferro britânicos, mas também
para empresas em todo o mundo.
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Escrever cada bilhete à mão tornou-se numa tarefa laboriosa, e Thomas Edmondson fez
uma simples moldura de impressão que trabalhava segundo o princípio de um carimbo de
borracha moderno e de uma almofada de tinta. O tipo era montado, com o nome da
estação, a classe e a tarifa da passagem, colocando-se uma faixa de papel cartão na
estrutura. A impressão era feita através de um murro rápido com um maço.
Datação dos bilhetes
Normalmente os bilhetes são válidos por um período de tempo limitado. Hoje em dia, os
bilhetes normais simples podem ser geralmente válidos por três dias, os bilhetes normais
com ida e volta são válidos por três meses e os bilhetes com ida e volta no mesmo dia
são válidos apenas para o dia em que são emitidos. Portanto, e para evitar a utilização
fraudulenta de bilhetes, é necessário imprimir a data de emissão em cada bilhete.
Thomas Edmondson é conhecido e reputado por ter concebido uma ideia para a acção de
utilização das pinças da sua máquina de datação “pendular” a partir do seu pente de
bolso dobrável. A data é montada em tipo de impressão e, quando se insere um bilhete
na boca da máquina, aplica-se uma ligeira pressão que permite ao tipo imprimir a data
através de uma fita com tinta.
E como os CF serviram o desenvolvimento do país no transporte de passageiros, quer em VL
quer em VE nas zonas de montanha, e apoiaram e serviram a indústria, neste espaço
podemos conhecer locomotivas de todas as bitolas existentes no país (de bitolas ibérica, de
1,668 m, métrica e industrial mineira, de 0,60 m, permitidas aqui pelo sistema de
algaliamento de via) veículos de serviço - dresines e quadriciclos - bem como o material
circulante mais luxuoso utilizado no transporte de pessoas - o comboio real.
LOCOMOTIVA D. LUÍS
Considerada na altura a melhor e a mais rápida do mundo, facto que lhe proporcionou a
atribuição de medalha de ouro na Grande Exposição Universal de Londres de 1862,
distinção que conhecemos de imagem, foi baptizada com o nome do rei de Portugal em cujo
reinado se fez chegar o comboio à 1ª fronteira com Espanha e ao Norte, em 1863.
Construída por BEYER PEACOCK, de MANCHESTER, em 1862, a caldeira está timbrada a
9Kg/cm2 , o diâmetro das suas rodas motoras é de 2,133 m. Mede 14,224 m, tem 550 h.p.
de potência que lhe permitia atingir os 80Km/h, desenvolvendo um esforço de tracção de
3.000 Kg.
A capacidade de aprovisionamento é de 6.600 litros de água e 3.000 Kg de carvão
Adquirida para a tracção do Comboio Real pela Companhia Inglesa – à época a explorar os
Caminhos de Ferro do Sul, serviço que efectuou até 1910, passou depois a traccionar
comboios suburbanos na zona do Barreiro, até 1916, acabando por ser definitivamente
retirada do serviço em 1923.
Em Setembro de 1863, rebocou o primeiro comboio de Lisboa à fronteira espanhola (Via
Elvas)
Rede – S.S.
Sistema da locomotiva – S.E – V.H.
Comprimento dos rodados – oOo
Timbre da caldeira – 9Kg/cm2
Superfície de aquecimento – 123,7m
Superfície da grelha – 1,60m
Relação entre superfície de aquecimento/grelha – 77,3
Diâmetro rodas conjugadas – 2,133m
Diâmetro cilindro AP – 406mm
Curso do embolo – 558mm
Tipo de distribuidor – Plano
Escape - Fixo
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Comprimento total da locomotiva – 14,001m
Peso total – 32,000 Kg
Peso aderente – 12,000 Kg
Esforço de tracção - 2.328 Kg
SALÃO MARIA PIA
Este salão foi oferecido pelo Rei de Itália, Vitor Emanuel, a sua filha, D. Maria Pia, aquando
do seu casamento com o Rei de Portugal, D. Luis I em 1862.
Frequentemente era utilizado em viagens da família real, quer privadas quer oficiais, em
inaugurações de linhas de caminho de ferro, tal como a linha do Leste até à fronteira de
Elvas e a célebre ponte Maria Pia sobre o rio Douro, construída por Gustave Eiffel, para ligar
Lisboa ao Porto.
O veículo, de três eixos, dispõe de um quarto de cama com casa de banho; uma antecâmara
e um salão para aias e ordenanças.
Obedecendo às linhas estéticas construtivas dos coches do século XVIII, esta carruagem real
transporta para a ferrovia – tal palácio rolante – o luxo dos salões da Corte.
O interior, profusamente decorado a veludo encarnado e dourado e brocado de seda de tons
creme, contempla ainda embutidos em madeira. As loiças sanitárias são de porcelana
inglesa.
O mobiliário é composto por sofás individuais forrados a veludo, mesas com flores
policrómicas incrustadas e armários cantoneira e outro mobiliário solto.
Do exterior, e para facilitar o acesso ao salão, quando se abrem as portas, desdobram-se e
descem dois degraus.
A Raínha Maria Pia utilizou com frequência este veículo. A propósito, uma vez que se
deslocou ao Algarve em 1903, à zona de Lagos - onde o comboio só chegaria em 1922 - para
assistir a manobras da marinha inglesa, na falta de aposentos condignos para a receber,
pernoitou neste salão.
Construído pela Compagnie Général de Materiél de Chemins de Fer, Bruxelas, Bélgica, em
1858. Mede 8,890m e tem iluminação a oleo
SALÃO DO PRÍNCIPE
Veículo oferecido pela rainha D. Maria Pia ao seu filho, o Príncipe D. Carlos, na altura com 14
anos.
A primeira viagem aconteceu por ocasião da inauguração da ponte Maria Pia, no Porto.
Com três eixos, três compartimentos, varandim num dos topos, e WC, com porcelanas
“George Jennings” junto do aposento reservado do monarca, este salão real de elegantes
formas sóbrias, abandona a profusão decorativa que imitava o luxo da Corte.
O tecto e paredes interiores, até à altura das janelas, são forrados a madeira; das janelas
até ao chão um acolchoado de brocado de seda encarnada, propicia conforto. Os sofás e
bancos cilíndricos da sala do meio são forrados a veludo rosa com tampo castanho. Os
cadeirões fixos dos compartimento de topo são forrados a pele.
Teve o nº 3001. Desconhece-se o seu construtor. Foi fornecido por Ibboltson and Brothers,
Inglaterra, em 1877. Tem freio vácuo, uma capacidade de carga de 1 t, mede 9,530 m, tem
iluminação eléctrica (na origem os candeeiros utilizavam como combustível borras de azeite)
LOCOMOTIVA 553 – veio para Portugal por conta das reparações de guerra alemãs e foi
construída pela Henschel & Sohn em 1924, tem a caldeira timbrada a 16Kg/cm2 para um
esforço de tracção de 8974 Kg.
Possui sistema Walschaert de distribuição, o sistema de alimentação é composto por Bomba
Knorr e 2 injectores Friedmann, o sistema de iluminação pode ser a acetilene a petróleo ou
eléctrico
Possui freio vácuo e manual e tem uma capacidade de aprovisionamento de 20.000 litros
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água, 7.500 Kg de carvão ou 11.000 litros de óleo
Foram as primeiras Pacific portuguesas, adquiridas pelo Sul e Sueste (reparações de guerra)
para as linhas do sul, até Beja/Funcheira e só em 1944/45 até VRSAntónio/Lagos. Após
1927 a CP muda-as para a Linha do Norte (Depósito de Campolide) para os comboios
rápidos do Porto, até ao início dos anos 40. Voltaram ao Sul, mas a chegada das ALCO 1500
e mais tarde das 1300 ditou o seu afastamento de serviços nobres; as 1200 ao marcarem o
fim do vapor no Sul, em 1968, enviam para Contumil as 553, 559 e 560 para os serviços no
Douro (Régua) e Minho (Monção). Saíram de serviço no início da década de 70.
O fim do vapor em VL no Centro aconteceu no dia 15 de Fevereiro de 1968 e teve como
protagonista a locomotiva a vapor CP 508.
Mas a última viagem comercial a vapor em via larga aconteceu em Março de 1977,
protagonizada pela locomotiva a vapor CP 0187, entre o Porto e Nine.
Da evolução do sistema ferroviário, das alterações da política interna e da concorrência do
automóvel resulta a fusão de todas as companhias privadas na CP, em 1947, passando a ser
a única concessionária do caminho de ferro no país até 1997.
O aparecimento da Refer e a abertura do sector à concorrência do mercado, por imposição
comunitária da separação da operação da infra estrutura, a CP organizou a sua actividade
em Unidades de Negócio e vem-se preparando para, com pragmatismo servir o país.
Outras áreas de trabalho
Via
Obras metálicas (aqui falar das pontes e da
segurança ferroviária)
Sinalização
Saúde
Formação - consubstanciada nas Escolas de
Aprendizes e outras
Prof. Doutor Egas Moniz
Datado de 23 de Fevereiro de 1903, foi enviado à Direcção-Geral da Companhia Real dos
Caminhos de Ferro Portugueses um abaixo assinado expondo a necessidade de ser criado
mais um logar de clínico no concelho de Estarreja que em melhores condições e mais de
pronto poderia acudir ás chamadas dos doentes da Companhia. O fundamento era a creação
dos quatro apeadeiros situados entre Aveiro e Ovar, a saber: Cacia, Canellas, Avanca e
Vallega.
No verso da meia folha de papel comercial em que o referido pedido está redigido lê-se o
seguinte despacho, datado de 5/3/1903:
A Comissão Executiva, na sua sessão de hoje, nomeou médico da Companhia em Estarreja,
com as regalias correspondentes, o Dr. António Caetano de Abreu Freire Egas Moniz.
Passou a médico especialista de doenças nervosas em 6 de Março de 1907.
Na sua matrícula existem arquivados vários pedidos de licença para tratamento da sua
saúde, em Vidago, Curia, Vichy e Carlsbadt; o mais antigo é de 1908. Um outro, de Agosto
de 1917, fala mesmo da sua abalada saúde.
Outros motivos o levaram a afastar-se temporariamente do serviço da C.P. como por
exemplo as solicitações de entidades estrangeiras: conferências, congressos, reuniões
científicas em Paris, Bordéus, Rio de Janeiro. Teve sempre o cuidado de acentuar que o seu
consultório ficava aberto aos funcionários e a consulta assegurada por substitutos.
DN 28-X-1949 - Memória do Tempo - Prémio Nobel de Medicina atribuído a Egas Moniz
Foi ontem atribuído oficialmente ao prof. Dr. Egas Moniz, português, e ao prof. Wilheim
Rudolf Hess, suiço, o Prémio Nobel de Medicina e Fisiologia.
A notícia que logo se espalhou, provocou geral e justificado júbilo e à tarde, na sessão da
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Academia das Ciências, foi objecto de vivas demonstrações de apreço pelo eminente
professor.
O dr. Júlio Dantas, que presidiu à sessão da classe de Letras, comunicou a feliz nova à
assistência, logo sendo aprovado, por aclamação, um voto de congratulação por ele
proposto. O prof. Pereira Forjaz associou-se à homenagem da classe de Letras, afirmando
que o Prémio Nobel conferido ao prof. Egas Moniz deve marcar uma era nova de progresso
para a ciência portuguesa.
Da importância e significado do acontecimento pode avaliar-se ainda pela incessante romaria
de correspondentes e cronistas, em Lisboa, dos mais importantes diários europeus, que, a
começar pelos suecos, desde as primeiras horas da manhã assediaram o prof. Egas Moniz
com o pedido de fotografias e de elementos biográficos, por incumbência telegraficamente
recebida dos respectivos jornais.
E, nota curiosa, quase todos estavam já documentados sobre a valia da obra científica do
prof. Egas Moniz, interessando-se mais pela sua vida particular do que propriamente pelos
seus trabalhos médicos, tão conhecidos no estrangeiro como em Portugal.
Com efeito, de há muito que o nome do ilustre professor, agora laureado, anda citado em
livros, congressos e escolas, a par dos sábios de maior renome mundial, nos domínios
médico-cirúrgicos, pelos seus notabilíssimos trabalhos sobre neurologia, tema de vasta
bibliografia – centenas de obras -, uma boa parte da qual é fruto das investigações do
mestre português.
São especialmente de citar duas descobertas que delas resultaram, desenvolvidas em mais
de vinte anos de incessante labor: a angiografia cerebral e a leucotomia pré-frontal.
Com a primeira, conseguiu, o prof. Egas Moniz, por meio da injecção na carótida de
substância opaca aos raios X, tornar visível a rede sanguínea do cérebro, o que permitiu o
facto anatómicos pelo exame das imagens radiográficas. Assim tornou-se possível o
diagnóstico dos tumores cerebrais e antecipada escolha da melhor técnica operatória.
Mundialmente consagrada, a utilidade da angiografia ampliou-se, pelos trabalhos de
investigadores portugueses, a outras regiões do corpo, dando origem à aortografia, à
arteriografia dos membros e à anglopneumografia, esta resultando da colaboração dos profs.
Lopo de Carvalho e Almeida Lima. Já se aplicou também o método da circulação linfática; e
por ele a descoberta resultou extraordinariamente fecunda nos domínios da neurologia –
inicialmente visado -, da anatomia, da fisiologia e da terapêutica.
A leucotomia pré-frontal, cuja técnica tem dado motivo a largos debates nos centros de
estudo e aplicação da cirurgia cerebral, permite, por meio de cortes mais ou menos extensos
nos feixes de fibras nervosas, dar alívio a certos estados patológicos, como os obsessivos e
de melancolia crónica.
Na conferência Internacional de Psicocirurgia, reunida em Lisboa, no ano de 1947, e que
congregou representantes de 27 países, a sensacional descoberta foi o tema essencial; e
nela o prof. Egas Moniz recebeu uma das mais altas consagrações da sua vida científica.
Também, como na angiografia, na leucotomia a técnica do sábio foi amplicada a outras
perturbações mentais, e até a dores intoleráveis, como, por exemplo, as consequentes de
amputações, até às inacessíveis e outra terapêutica.
Ou nos moldes rigorosos que lhe marcou o inventor, ou modificada por outros cirurgiões –
profs. Almeida Lima, Freeman e outros – a técnica da leucotomia foi empregada até agora e
em todo o mundo em cerca de 8000 operações, 30 por cento das quais trouxeram melhoras
consideráveis e igual proporção de melhoras medíocres, não tendo modificado os sintomas
previamente observados os restantes 40 por cento.
Uma das consequências da descoberta e do seu desenvolvimento foi a ampliação notável
das noções sobre fisiologia cerebral, de tanta importância, que o próximo Congresso
Internacional de Psiquiatria, em Paris, incluíu nos seus trabalhos o estudo da anatomia e da
fisiologia cerebrais à luz da lobotomia .
Simplicidade
Como recebeu o prof. Egas Moniz o Prémio que o coloca na galeria dos maiores benfeitores
da Humanidade?
Um “repórter” do “Diário de Notícias” pediu-lhe ontem audiência, sem grande esperança de
ser recebido, por o supor ausente de casa e do consultório.
Com a sua bata branca numa roda de amigos, que incessantemente se renovava, o sábio,
que completa 75 anos em 29 de Novembro próximo e que se doutorou há meio século, tem
ainda admirável vigor físico, a avaliar pela disposição que aparentava depois de receber
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centenas de abraços de congratulação. Pedimos-lhe vénia para umas palavras destinadas ao
público, mas o insígne professor observou-nos que a oportunidade não era a melhor. Que
avaliássemos a sua situação: falar de si próprio.
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CAMINHOS DE FERRO
In «Panorama», jornal litterario e instructivo da Sociedade Propagadora dos Conhecimentos
Uteis, de 15 de Julho de 1837.
«Os meios de facil transito no interior de qualquer paiz são o elemento indispensável para a
prosperidade do povo, e para o progresso da industria. As nações que seriamente cuidam no
proprio argumento, persuadidas desta verdade, teem de ha muito, prestado a este objecto
seria attenção. Hoje, a construcção das estradas está reduzida a preceitos, e fórma uma
verdadeira sciencia, que se estuda em escholas especiaes na França, na Inglaterra, e na
America Ingleza. A esta sciencia se dá o nome de Engenharia Civil.
São graves, e bem graves as queixas que, nesta parte, temos que fazer contra os nossos
antepassados, os quaes, se em logar desses centenares de conventos e palacios que em
todo o reino alevantaram, em monumento de uma gloria esteril, ou de uma devoção pouco
judiciosa, houvessem atravessado o fertil paiz que habitamos de bons caminhos, e bem
construidos canaes, dado aos nossos rios facil correnteza, aberto bons e limpos
ancoradouros, plantado bosques de boas madeiras, ter-nos-íam deixado um solo mais
abundante, e mais solidas e duradouras riquezas.
Só o trabalho e a industria abrem as fontes do verdadeiro progresso: mas para estes dois
fundamentos da ventura geral se poderem assentar bem, cumpre animar os homens
laboriosos, e industres: para isto o meio mais conveniente é o facilitar-lhes o modo de
extrhir os fructos dos seus trabalhos, transportando-os facilmente aos grandes mercados; e
para tal resultado se alcançar é absolutamente indispensavel a construcção de estradas e
canes.
Deixaram os Romanos honrada memoria, não tanto pelos seus feitos militares, como pelas
obras de publica utilidade que levaram a cabo, e das qaues algumas, que ainda existem,
attestam a grandeza, e actividade daquelle povo. Muitas estradas subsistem na Europa,
construidas por elles, que admiram pela sua solidez, e que merecem a attenção dos homens
mais entendidos na materia.
Os methodos, porém, seguidos dos modernos na construcção das vias publicas, se não se
avantajam ao dos Romanos pelo lado da duração, são muito mais convenientes pela
barateza e rapidez na execução da obra. Taes se podem dizer as estradas á Mac-Adam, de
que em um dos seguintes numeros falaremos. Mas nenhumas produziram mais assignalado
proveito, do que os caminhos de ferro, que por sua reconhecida utilidade se começam hoje a
construir por toda a parte.
Os caminhos de ferro, invenção dos nossos dias, e que tanta honra fazem ao genio inglez,
que os inventou, e a applicação da força motriz das machinas de vapôr, promettem produzir
entre os homens mudanças taes, que só podem ser igualadas pelas que nasceram da
invenção da typographia.
Se esta fez com que o pensamento de um homem, podesse quasi com a rapidez do
relampago communicar-se a milhares de individuos, os carros movidos por vapôr sobre
caminhos de ferro, porão algum dia os povos em contacto, a bem dizer, immediato, posto
que habitem em distancias uns dos outros, que d?antes e ainda hoje se chamam remotas,
ficando, desse modo, sendo as estradas de ferro para os objectos physicos, o que a
typographia foi para o pensamento.
De futuro, a Europa, cortada em todas as direcções por semelhantes vias de communicação,
constituirá um só paiz, e os seus habitantes um único povo. Assim se accelerará a grande
revolução que fermenta no espirito dos homens, e que tende a estabelecer a maxima
parecença de costumes, de crença, de commodos, e de interesses; a crear em fim a
verdadeira fraternidade entre todas as nações. Não será, pois, exaggeração dizer que a
typographia, as machinas de vapôr, e os caminhos de ferro crearão realmente a idade de
ouro para o genero humano.
A idéa de um caminho de ferro é muito simples; nem mais difficil é a sua construcção.
Imaginemos em um caminho ordinario, bem nivelado, e com o mais suave declive em toda a
sua extensão, duas linhas parallelas de barras de ferro, ligadas pelos topos umas às outras,
bem firmes e seguras no chão, e em tal distancia uma da outra, que um carro, ou uma
renque delles, possam correr por todo o seu comprimento: - Façamos esta idéa, e teremos a
de um caminho de ferro.
Para que as rodas não saiám das linhas de ferro em que andam, teem umas bordas
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externamente, que as sogigam áquelle caminho. Se o motor é a machina de vapôr, teem
demais as rodas e as barras, em que giram, dentaduras, que, entrando umas nas outras
successivamente , dão ao agente continuos pontos de apoio, o que produz o progressivo e
rapido movimento dos mesmos carros.
O pouco atrito, que resulta do duro e poído das superficies, faz com que um só cavallo
conduza tres carros, levando o pezo de 16.104 arrateis. Em terreno horisontal póde esse
pezo subir a 18.568 arrateis.
Uma machina de vapôr de força correspondente á de quatro cavallos, puxa com a velocidade
de passo accelerado, 30 carros carregados, tendo afóra isso cada um certa porção de carvão
de pedra necessario para o gasto da machina.
Em Inglaterra o custo de 620 toesas destes caminhos de ferro importa em 500 libras
esterlinas, pouco mais ou menos 2:600$00 réis.»
Pesquisa feita por Manuel Luna
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